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Avery Delaney sempre tentou deixar seu passado para trás. Abandonada por uma mãe assustadoramente perturbada, quando ainda era um bebê, Avery foi criada pela avó e por Carolyn, sua tia adorada. Aos onze anos, ela presenciou a morte violenta da avó e depois de receber um tiro, foi abandonada para morrer, sem esperança de socorro.
Milagrosamente, sobreviveu.
O homem responsável pela atrocidade está cumprindo pena em uma penitenciária na Flórida. Esta experiência traumática fez com que Avery escolhesse uma vida dedicada à lei e à justiça.
Sua mente aguçada, aliada à habilidade de recolher e selecionar informações vitais e de decifrar pistas, transformaram Avery em uma importante analista do FBI, especializada na solução dos mais diversos crimes e logo ela terá que usar toda a sua perícia para solucionar um caso que vai mexer em suas mais dolorosas lembranças.
Carolyn Salvetti, tia de Avery, viciada em trabalho, tem certeza que a reserva para o Spa Utopia localizado nas montanhas do Colorado, que ela recebeu num luxuoso convite com letras em relevo dourado, lhe foi enviada por seu futuro ex-marido.
A princípio, ela pensa em não aceitar, mas acaba decidindo que o convite seria uma chance bem vinda de descanso, em meio ao ritmo alucinado de sua vida profissional no mundo dos negócios de propaganda, além de uma grande oportunidade de fazer novos relacionamentos. Assim acaba convencendo sua sobrinha a fazer-lhe companhia, para duas semanas de luxo e deliciosa decadência.
Mas Carolyn não vai conseguir chegar ao Spa. Sob falsos pretextos, ela é levada para um local isolado por um estranho simpático, de voz suave, sorriso generoso e intenções sombrias. Seu nome é Monk, um assassino de aluguel. Com pistas insuficientes e recursos escassos, Avery vai ter que desvendar o mistério e salvar Carolyn - só que, para isto, terá que vencer um exímio matador profissional, e sobreviver a uma perigosa trama de loucura e vingança mortal.
A mãe de Avery Elizabeth Delaney era uma louca desvairada.
Felizmente, sua mãe, Jilly, desaparecera três anos após o seu nascimento.
Avery fora criada pela avó Lola e por sua tia Carrie. As três gerações de mulheres viviam, calma e modestamente, em um sobrado da Rua Barnett, a dois quarteirões
da praça, em Sheldon Beach, na Flórida. A atmosfera da Rua Barnett mudara bastante depois da partida de Jilly. A rotina diária, antes bastante tumultuada, tornarase
tranqüila. Carrie aprendera a sorrir novamente e, por cinco maravilhosos anos, a vida tornara-se quase idílica.
Os anos vividos com Jilly, no entanto, haviam desgastado Lola. Quando tornou-se mãe, tinha idade suficiente para realizar mudanças na própria vida e, agora, era
uma mulher velha e cansada. Quando Avery completou cinco anos, começou a sentir dores no peito. Não fora capaz de aplicar o glacê no bolo de aniversário da neta
sem ter de sentar-se várias vezes para descansar.
Lola não mencionou seu problema a ninguém e não procurou seu médico de Sheldon Beach, porque não podia confiar que guardasse segredo sobre seu estado. Ele talvez
se sentisse no dever de informar Carrie sobre sua doença. Marcou, então, uma hora com um cardiologista de Savannah e dirigiu até lá para vê-lo. O diagnóstico, depois
de um exame físico completo, foi sinistro. Ele prescreveu medicamentos para ajudar o coração e aliviar a dor, disse-lhe para diminuir o ritmo e, tão gentilmente quanto possível, aconselhou-a a colocar os negócios em
ordem.
Lola sequer considerou as recomendações do médico. O que aquele charlatão podia saber? Ela podia estar com um dos pés na cova, mas jurou por Deus que manteria o
outro firmemente plantado no chão. Tinha uma neta para criar e não iria a lugar algum até terminar o seu trabalho.
Lola tornou-se perita em fingir que tudo estava bem. E aperfeiçoou sua arte durante os anos turbulentos em que tentara controlar Jilly. Ao retornar de Savannah,
ela havia convencido a si mesma que era tão forte quanto um touro. Assunto encerrado.
Mesmo que Lola se recusasse a falar sobre Jilly, Avery insistia em saber tudo sobre ela. Sempre que fazia uma pergunta sobre a mãe, sua avó franzia os lábios e respondia
sempre da mesma maneira. "Nós lhe desejamos o bem. Nós a desejamos bem longe daqui". E mudava de assunto antes que Avery pudesse fazer uma nova tentativa. Naturalmente
que, para uma garota de cinco anos, aquela não era uma resposta satisfatória.
A única maneira de Avery saber alguma coisa sobre sua mãe era perguntando à tia. Carrie adorava falar sobre Jilly, e jamais se esquecia das numerosas coisas reprováveis
feitas pela irmã.
Avery adorava a tia. Ela a considerava a mulher mais bonita do mundo, e o que mais queria na vida era se parecer com ela. A pele de Carrie tinha a cor das geléias
de pêssego feitas pela avó. Seus olhos, mais cinzentos que azulados, eram parecidos com as ilustrações de um gato branco e peludo que Avery vira num livro de histórias.
Carrie mantinha-se em dieta constante, pois acreditava que precisasse perder oito quilos, mas Avery a considerava absolutamente perfeita. Ela era alta e glamourosa,
e quando usava uma de suas tiaras cintilantes, para manter o cabelo afastado dos olhos enquanto trabalhava ou estudava, parecia-se com uma princesa. Avery também
adorava o perfume de gardênias usado pela tia. Ela havia lhe dito que essa fragrância tinha o seu estilo, o que Avery considerou algo muito especial. Quando Carrie
não estava em casa e Avery sentia-se solitária, ia ao quarto da tia e passava um pouco do perfume especial em seus braços e pernas para fingir que a tia estava por perto.
O que Avery mais gostava na tia, no entanto, era que ela a tratava como gente grande, e não como um bebê, como a avó Lola fazia. Quando Carrie falava sobre Jilly,
a mãe imprestável, ela sempre dizia, com uma voz esquisita: "Eu não vou pintar a verdade de corde-rosa só porque você é pequena. Você tem o direito de saber".
Uma semana antes de Carrie mudar-se para a Califórnia, Avery foi ao seu quarto para ajudá-la a fazer as malas. Depois de algum tempo, como Avery estava mais atrapalhando
que ajudando, ela sentou a sobrinha no banquinho da penteadeira e colocou uma caixa de sapatos repleta de bijuterias baratas à sua frente. Ela havia coletado as
bugigangas em vendas de objetos usados realizadas nas garagens da vizinhança, com a intenção de presentear a sobrinha antes de partir. A garota ficou excitadíssima
com o tesouro reluzente e, imediatamente, começou a enfeitar-se em frente ao espelho oval.
- Por que você vai para a Califórnia, Carrie? É seu dever morar na mesma casa que vovó e eu.
Carrie riu.
- É "meu dever"?
- É isso que a mãe da Peyton sempre diz. Peyton diz que a mãe dela acha que, como você já foi para a universidade, agora você tem o dever de ficar aqui e ajudar
a cuidar de mim, porque eu dou muito trabalho.
Peyton era a melhor amiga de Avery e, porque ela é um ano mais velha, Avery acreditava em tudo o que dizia. Na opinião de Carrie, Harriet, a mãe de Peyton, era uma
fofoqueira mas, como ela gostava de Avery, Carrie não se importava que ela metesse a colher em assuntos de família.
Depois de dobrar o suéter favorito, de lã azul bebê, e colocálo na mala, Carrie tentou explicar, uma vez mais, a razão de sua partida.
- Eu ganhei uma bolsa de estudos, lembra? Vou fazer um mestrado e já te expliquei a importância disto pelo menos umas cinco vezes. Eu tenho de ir, Avery. É uma oportunidade
excepcional e, quando eu tiver o meu próprio negócio e ficar rica e famosa, você e a vovó virão morar comigo. Eu terei uma casa enorme em Beverly Hills, com empregados e piscina.
- Mas aí eu não vou poder continuar com as lições de piano, e a senhora Burns diz que tenho bom ouvido.
Carrie não se atreveu a rir, pois a resposta de sua sobrinha veio carregada de seriedade.
- Ela disse que você tem ouvido e que, se você praticar bastante, vai aprender muito. Mas você pode continuar com as lições de piano e pode continuar a aprender
a lutar caratê também, se quiser.
- Mas eu gosto das minhas aulas de caratê aqui. Sammy diz que meu chute está mais forte e, sabe o que mais, Carrie? A vovó me disse que a mãe de Peyton não acha
bom que eu tenha aulas de caratê.
- Pior para ela - disse Carrie. - Sou eu quem estou pagando, e quero que você aprenda a se defender.
- Como assim? - perguntou Avery. - A mãe de Peyton também quis saber por quê.
- Porque eu não quero que ninguém se atreva a tratar você da maneira como sua mãe me tratava - disse ela. - Você vai crescer sem sentir medo de ninguém. Tenho certeza
que existem muitas escolas de defesa pessoal na Califórnia, com professores tão bons quanto Sammy.
- A mãe de Peyton disse que minha mãe foi embora para ser atriz de cinema. Você também quer ser atriz de cinema, Carrie?
- Não, eu quero abrir uma empresa e ganhar muito dinheiro. Vou fazer com que outras pessoas se tornem famosas.
Avery voltou a se olhar no espelho e colocou um par de brincos de cristal verde nas orelhas. Depois, colocou o colar que acompanhava os brincos.
- Sabe o que mais a Peyton disse? - Não esperou resposta.
- Que a mãe dela acha que minha mãe já tinha idade suficiente para ser mais esperta e não ter ficado grávida.
- É verdade - respondeu Carrie. Ela puxou uma gaveta cheia de meias, jogou o conteúdo sobre a cama e começou a organizá-las.
- Jilly tinha dezoito anos.
- Mas o que a mãe de Peyton quer dizer? Como ela poderia ter sido mais esperta?.
- O que a mãe de Peyton quis dizer é que ela deveria ter tomado precauções.
A gaveta caiu no chão. Carrie apanhou-a, recolocou-a na cômoda e voltou a organizar as meias.
- Como assim? - perguntou Avery. Enquanto colocava o segundo colar, fazia caras para si mesma, frente ao espelho.
Carrie ignorou a pergunta. Ela não queria entrar numa longa e complicada conversa sobre controle de natalidade. Avery ainda era muito jovem.
- Você sabia que tem muita sorte? - perguntou, tentando desviar a atenção da sobrinha.
- Porque dou muito trabalho e você e a vovó tomam conta de mim?
- Também por isso - concordou Carrie. - Mas você também tem muita sorte porque, quando estava grávida de você, sua mãe não bebeu como uma louca e nem tomou remédios
para sentir-se bem. Se tivesse feito isso, você teria nascido com sérios problemas.
- A mãe de Peyton disse que tenho sorte até mesmo por estar viva.
Exasperada, Carrie disse:
- A mãe de Peyton adora falar mal da Jilly, não é?
- Uh-huh - respondeu Avery. - Remédios para se sentir bem fazem mal?
- Sim, fazem - respondeu Carrie. - Eles podem matar.
- Então, por que as pessoas tomam?.
- Porque são estúpidas. Guarde suas jóias e venha se sentar sobre a mala, para que eu possa fechá-la.
Cuidadosamente, Avery colocou seus brincos e colares de volta na caixa de sapatos e escalou a cama de dossel.
- Posso ficar com isso? - perguntou ela, ao pegar um pequeno livro da capa azul.
- Não, não pode. Este é o meu diário - respondeu Carrie. Ela arrancou o livro da mão de Avery e colocou-o no bolso
lateral. Puxou a tampa da mala e Avery sentou-se sobre ela. Carrie apoiou todo o seu peso sobre a tampa que, finalmente, conseguiu ser fechada.
Estava ajudando Avery a descer da cama quando ela perguntou:
- Por que você está fazendo as malas agora e não na semana que vem? Vovó disse que você está fazendo as coisas de trás para a frente.
- Fazer as malas antes de pintar o quarto não é fazer as coisas de trás para a frente. Assim, tiro as coisas do caminho para podermos arrumar suas coisas aqui, logo
que terminar a pintura. Amanhã vamos sair para comprar tinta.
- Eu sei, você já me disse que posso escolher a cor. Carrie?
- O que foi? - perguntou ela, colocando a mala ao lado da porta.
- Será que minha mãe me odiou quando me viu pela primeira vez?
Carrie virou-se e, ao notar a preocupação profunda estampada nos olhos da menina, sentiu-se furiosa. Apesar de não viver mais entre elas, Jilly continuava a causar
dor. Será que isso um dia teria fim?
Carrie lembrou-se, como se tivesse sido ontem, da noite em que soube que sua irmã estava grávida.
Era uma noite agradável de maio e Jilly havia terminado seu ensino médio. Ela voltou para casa e arruinou a festa que haviam preparado ao anunciar que estava grávida
de seis meses. O que ainda era quase impossível perceber.
Sob o efeito do choque e completamente atordoada, Lola pensou na vergonha e no constrangimento que a família teria de enfrentar, antes de recobrar o bom senso.
- Somos uma família - disse ela. - Vamos encontrar uma saída. Vamos encontrar uma maneira de lidar com esta situação. Não é, Carrie?
Em pé, ao lado da mesa de jantar, Carrie segurava uma faca para cortar um pedaço do bolo de tabuleiro, que Lola passara a manhã toda decorando.
- Nos dias de hoje, e na sua idade, é preciso ser muito burra para ficar grávida. Você nunca ouviu falar de métodos contraceptivos, Jilly? Ou você é uma completa
idiota?
Jilly estava encostada na parede, com os braços cruzados e o olhar fixo em Carrie. Com a intenção de evitar uma briga de gritos entre as filhas, Lola interveio,
ríspida:
- Não precisamos de mordacidade neste momento, Carrie. Não queremos aborrecê-la ainda mais.
- Você quer dizer que você não quer aborrecê-la - corrigiu Carrie.
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- Carrie, não use esse tom de voz comigo.
Mortificada, Carrie balançou a cabeça e serviu-se de um pedaço de bolo.
- Sim senhora.
- Sim, eu pensei em controle de natalidade - chicoteou Jilly. - Fui a um médico em Jacksonville para tentar me livrar do bebê, mas ele não quis fazer o serviço porque
meu estado estava muito avançado.
Lola deixou-se desmoronar numa cadeira e cobriu o rosto com uma das mãos.
- Você foi ao médico...
Jilly já havia perdido o interesse pelo assunto. Ela foi até a sala, atirou-se no sofá, pegou o controle remoto e ligou a televisão.
- Ela causa um enorme transtorno e simplesmente sai de cena - resmungou Carrie. - E somos nós quem temos que cuidar de tudo. Como sempre, aliás!
- Não comece, Carrie - implorou Lola. Esfregou as sobrancelhas como que para aplacar uma terrível dor de cabeça e disse:
- Nem sempre Jilly pensa nas conseqüências de seus atos.
- E por que ela deveria pensar? Você sempre acaba fazendo tudo por ela. Você a deixa fazer tudo o que quer, porque não pode suportar os escarcéus que ela apronta.
Para dizer a verdade, acho que você tem medo dela.
- Não seja ridícula - vociferou Lola. E levantou-se e foi para a cozinha lavar a louça. - Somos uma família e vamos superar esse problema - falou em voz alta. -
E você vai ajudar, Carrie. Sua irmã precisa do nosso apoio.
Carrie fechou os punhos, frustrada. Quando sua mãe abriria os olhos para enxergar o monstro egoísta que havia criado? Por que ela se recusava a ver a verdade?
O restante daquele verão deixou horríveis memórias. Jilly continuou a ser um pesadelo que fazia exigências absurdas. E sua mãe se arrastando, feito um trapo velho,
servindo-a de todas as maneiras possíveis. Felizmente, Carrie conseguiu arrumar um emprego no Bar e Churrascaria do Sammy, e fazia o que podia para ficar o maior
tempo possível no trabalho.
Jilly entrou em trabalho de parto no final de agosto. Ela teve o bebê em um hospital do condado e, assim que olhou para o rostinho
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contorcido e amassado da criança que tinha lhe causado tanta dor, resolveu que não queria ser mãe. Nem agora, nem nunca. Se os médicos tivessem concordado, ela teria
arrancado o útero ou feito laqueadura de trompas naquele mesmo dia.
Lola arrastou Carrie até o hospital para visitar a irmã. Elas mal tinham entrado no quarto, quando Jilly anunciou que era muito jovem e bonita para amarrar-se a
um bebê. Lá fora, além das fronteiras de Sheldon Beach e da Flórida, havia um vasto mundo esperando por ela, mas, com um bebê pendurado, nenhum homem endinheirado
prestaria atenção nela. Não, não tinha talento para ser mãe. Além disso, tinha decidido tornar-se uma atriz de cinema muito famosa. E começaria sua carreira se candidatando
ao concurso de Miss América. Estava tudo resolvido. Gabou-se de ser muito mais bonita que aquelas infelizes que vira na televisão, no ano anterior, desfilando em
trajes de banho. Tinha certeza que, quando botassem os olhos nela, os juizes lhe dariam a coroa.
- Deus do céu, como você é ignorante! - murmurou Carrie. - Eles não entregam coroas para garotas que tiveram bebês.
- Quem é ignorante aqui é você, Carrie.
- Quietas as duas - ordenou Lola. - Vocês querem que as enfermeiras ouçam?
- Não estou dando a mínima!.
- Eu disse para ficar quieta - disse Lola, ríspida. - Use a cabeça, Jilly. Agora você tem um bebê para cuidar.
- Eu não quero cuidar de bebê algum. Eu quero ser uma atriz de cinema - gritou Jilly.
Mortificada, Lola puxou Carrie para dentro do quarto e disselhe que fechasse a porta. Com uma das mãos, segurava um vaso de flores que trouxera para Jilly e, com
a outra, agarrava o braço de Carrie para que ela não fugisse.
Carrie estava furiosa por se sentir pressionada a dar apoio. Encostada na porta, encarava a irmã.
- Ouça bem Jilly, eu não me importo com o que pensa - sussurrou Lola, furiosa.
Sua mãe raramente usava aquele tom com Jilly. Carrie aprumou o corpo e começou a prestar atenção na conversa.
- Você será responsável - disse Lola. À medida que se aproximava da cama, sua voz tornava-se mais e mais austera. - Você
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será uma boa mãe. Carrie e eu vamos ajudá-la a criar o bebê. Tudo vai dar certo, você verá. Eu acho que você deveria chamar o pai do bebê - foi interrompida pelo
riso descontrolado de Jilly. - O que é tão engraçado? - perguntou.
- Você - respondeu Jilly. - Você acha que pode planejar minha vida, não é? Sempre tentando fazer com que eu me comporte de acordo com as suas expectativas. Tenha
dó, mãe. Eu tenho dezoito anos, sou uma adulta - lembrou à mãe. - E vou fazer exatamente o que quero fazer.
- Mas, Jilly, o pai tem o direito de conhecer a criança. Ajeitando o travesseiro sob a cabeça, Jilly bocejou.
- Eu não sei quem é o pai. Pode ser que seja o garoto universitário de Savannah, mas não tenho certeza.
Lola soltou o braço de Carrie.
- Como assim? Você havia me dito...
- Eu menti. Você quer que eu lhe diga a verdade? Pois bem. O pai poderia ser uma dúzia de outros homens.
Lola balançou a cabeça. Ela se recusava a acreditar na filha.
- Pare de falar assim. Diga-me a verdade. Carrie levantou a cabeça.
- Pelo amor de Deus, Jilly.
Jilly adorava chocar as pessoas e ser o centro das atenções. - Mas o que estou dizendo é a mais pura verdade. Perdi a conta dos homens com quem estive. É impossível
saber quem é o pai - ela notou a repugnância no rosto da mãe. - Você ficou aborrecida? - perguntou Jilly, encantada com a possibilidade. Os homens me adoram - gabou-se
ela. - Eles fazem qualquer coisa para me agradar. Eles me dão presentes caros e dinheiro também. Eu tive que esconder o dinheiro de você e de Carrie, para que não
sentissem inveja de mim, como estão fazendo agora. Vocês teriam roubado o dinheiro e as jóias de mim, não teriam? Só que não tiveram a mínima chance de fazer isso.
Sou muito mais esperta que vocês.
Lola fechou os olhos, tentando lutar contra a náusea que sentia.
- Com quantos homens você esteve?
- Como posso saber? Você não ouviu o que eu disse? Eu acabei de dizer que perdi a conta. Tudo o que tive de fazer foi deixar que usassem meu corpo por algum tempo.
Eles me adoram e
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eu deixo que se divirtam. Sou mais bonita que todas as atrizes de Hollywood juntas, e serei muito famosa. Espere para ver. Além disso, gosto de sexo. É muito bom
quando eles fazem a coisa direito. Você não entende as mulheres modernas. Você está velha, mãe, e toda ressecada por dentro. Acho que você nem se lembra mais como
se faz um bom sexo
- Fazendo sexo por dinheiro? Você sabe o que isso faz de você?
- Uma mulher liberada, rosnou Jilly. Carrie afastou-se da porta.
- Não, não faz. Isso faz de você uma putinha imunda. E isso é tudo o que você sempre será.
- Você não sabe o que está dizendo - gritou jilly. - Os homens não a desejam como desejam a mim. Eles ficam loucos por mim, mas não te dão a mínima bola. Sou uma
mulher liberada e você morre de inveja.
- Vamos mãe, vamos embora. Carrie tocou, carinhosamente, o ombro da mãe.
Virando a cabeça no travesseiro, Jilly resmungou:
- Sim, saiam daqui. Estou com sono. Vão embora e deixemme dormir.
Carrie teve de amparar a mãe durante o trajeto até o carro. Ela nunca tinha visto sua mãe tão perturbada, e sentiu medo. No carro, Lola manteve o olhar perdido no
infinito.
- Você sempre soube quem era ela, mas eu me recusei a ouvi-la quando tentou me dizer. Tenho me enganado todos esses anos, não é verdade?
Carrie assentiu.
- Tem alguma coisa errada com Jilly. Sua veia má vai além... simplesmente não é normal.
- Será que sou eu a culpada? - perguntou Lola, completamente estupefata. - Seu pai a estragou e, quando nos deixou, eu continuei a estragá-la. Fiz isso para que
não se sentisse abandonada. Será que fui eu quem criou este monstro?
- Eu não sei.
Nenhuma outra palavra foi dita até chegarem em casa. Carrie estacionou o carro em frente à garagem e desligou o motor. Estava abrindo a porta, quando Lola agarrou
o seu braço.
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- Tenho de me desculpar pela maneira como a tenho tratado - ela começou a soluçar. - Durante todos estes anos, nunca dei importância ao fato de você ser uma ótima
garota. Nossas vidas sempre giraram em redor de Jilly. Parece que passei a maior parte de seus dezoito anos tentando mantê-la calma... feliz. Só quero que você saiba
que me orgulho de você. Nunca lhe disse isso, não é verdade? Acho que precisei viver um pesadelo para entender que você é um tesouro. Amo você, Carrie.
Carrie não sabia o que responder. Não era capaz de se lembrar se já ouvira sua mãe dizer que a amava. Ela sentiu-se como se tivesse sido vencedora de algum concurso,
devido à desistência dos outros concorrentes.
Não era suficiente.
- O que você vai fazer a respeito de Jilly?
- Vou fazer que ela faça o que tem de ser feito. Carrie afastou-se.
- Você ainda não entendeu. Ela é doente, mãe. Lola balançou a cabeça.
- Ela é muito mimada, mas se eu continuar... Carrie interrompeu-a.
- Você continua se enganando - murmurou. Ela bateu a porta ao sair do carro e dirigiu-se para a casa.
Lola seguiu-a até a cozinha, tirou o avental do cabide de madeira pregado na parede, e amarrou-o na cintura.
- Você se lembra do que aconteceu no meu oitavo aniversário? - perguntou Carrie, enquanto puxava uma cadeira em que sentou-se pesadamente.
Na esperança de evitar memórias desagradáveis, Lola manteve-se de costas.
- Agora não, querida. Que tal se você pusesse a mesa enquanto eu preparo o jantar?
- Você me deu aquela boneca Barbie que eu queria.
- Carrie, não quero falar sobre isso agora.
- Sente-se. Precisamos falar disso.
- Isto aconteceu há muitos anos. Por que você quer retomar o assunto?
Desta vez, Carrie não desistiria.
- Naquela noite, eu fui até o seu quarto.
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- Carrie, eu não...
- Sente-se, merda! Você não pode continuar vivendo assim. Tem de encarar os fatos. Sente-se, mãe. - Ela tinha vontade de agarrar a mãe e chacoalhá-la até que ela
voltasse a ter bom senso.
Lola consentiu. Sentou-se na cadeira em frente à filha e, afetadamente, ajeitou as mãos no colo.
- Eu me lembro que seu pai estava bravo com suas acusações
- disse ela. - E Jilly estava chorando. Você acordou a casa inteira.
- Ela queria a minha boneca - Carrie disse. - Quando eu disse que não lhe daria a boneca, ela me disse que arrancaria meus olhos com uma tesoura. Eu acordei no meio
da noite e ela estava em pé ao meu lado, segurando a tesoura em uma das mãos. Seu sorriso era doentio. Ela abria e fechava a tesoura, fazendo um barulho horrível.
Então, ela levantou minha boneca e eu pude ver o que ela havia feito. Ela arrancara os olhos da boneca. Mãe, você precisava ver aquele sorriso maligno... foi horrível.
Quando estava pronta para gritar, ela curvou-se sobre mim e murmurou, "Agora é a sua vez".
- Você era muito jovem para se lembrar exatamente o que aconteceu. Você deu muita atenção a esse pequeno incidente.
- Não é verdade - disse ela. - Foi exatamente assim que aconteceu. Você não viu o brilho dos olhos dela. Estou lhe dizendo que ela quis me matar. Se eu estivesse
sozinha em casa com ela, ela teria feito exatamente o que queria fazer.
- Não, não, ela estava só querendo te assustar, insistiu Lola
- ela nunca machucaria você.
- Se você e meu pai não estivessem lá, ela teria me machucado sim. Ela é louca, mãe. Agora que temos um bebê inocente para criar, não me importo com o que possa
acontecer com ela - ela soltou um suspiro profundo e disse, apressadamente:
- Eu acho que deveríamos convencer Jilly a dar o bebê para adoção.
Lola sentiu-se ofendida com a sugestão.
- De maneira nenhuma - disse ela, batendo a mão sobre a mesa. Essa criança é sua sobrinha e minha neta, e não vou deixar que seja criada por estranhos.
- Pode ser que assim ela tenha a chance de um futuro decente - argumentou Carrie. - Ela já tem muita coisa contra ela apenas
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por ter uma mãe como Jilly. Só espero que o que existe de errado com ela não seja genético.
- Oh, pelo amor de Deus, Carrie! A única coisa errada com Jilly é que ela é muito mimada. Existem muitas garotas se divertindo com homens hoje em dia, e isso está
errado - disse apressadamente - mas entendo porque Jilly quer ser amada pelos homens. Ela foi abandonada pelo pai, e está apenas tentando...
- Quer por favor parar com isso? - gritou Carrie. - Por alguns momentos, pensei que você finalmente tivesse enxergado Jilly como ela realmente é, mas parece que
estava errada. Você nunca vai abrir os olhos. Você me perguntou se a tinha transformado num monstro, lembra?
- Eu quis dizer que o comportamento dela é monstruoso, mas, agora, ela é mãe. Vamos ver o que acontece quando eu for buscar Jilly e o bebê no hospital. Acho que
tudo vai dar certo, você vai ver.
Era como falar com uma parede.
- Você acha que seus instintos maternais vão aflorar?
- Sim, acho - disse Lola. - Você vai ver - repetiu ela. - Jilly vai entrar na linha.
Carrie desistiu. Sentindo-se nauseada, subiu para o quarto, onde ficou pelo resto da noite. Na manhã seguinte, quando desceu, havia um bilhete na mesa da cozinha.
Sua mãe havia saído para comprar um berço, um carrinho e roupas de bebê.
- O eterno mundo da fantasia - resmungou Carrie. Segunda-feira de manhã, Lola foi buscar Jilly e o bebê, ainda
sem nome. Carrie recusou-se a acompanhar a mãe. Disse a ela que precisava chegar mais cedo ao Sammy e saiu de casa antes que a mãe pudesse questioná-la.
Jilly estava à espera da mãe. Já vestida, escovava os cabelos em frente ao espelho do banheiro. Fez um movimento de mão em direção ao bebê, deixado sobre a cama
desarrumada no minuto seguinte em que a enfermeira saíra do quarto, e disse a Lola que ela podia fazer com ele o que bem entendesse: ficar com ele, vendê-lo ou dá-lo
de presente a alguém. Ela simplesmente não se importava. Em seguida, pegou sua sacola e saiu do hospital, com o dinheiro que a irmã havia economizado para pagar
a faculdade enfiado no sutiã.
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O extrato do banco só acusou a retirada duas semanas depois. Carrie ficou indignada. Ela havia dado duro para economizar o dinheiro, e estava decidida a tê-lo de
volta. Ela tentou reportar o roubo à polícia, mas foi impedida por Lola.
- Assuntos de família devem ser resolvidos em família - decretou Lola.
Na primavera seguinte, Carrie recebeu seu diploma do Ensino Médio e conseguiu dois empregos durante o verão. Quando começou a freqüentar a faculdade, Lola usou suas
economias para ajudar Carrie no pagamento das mensalidades. Carrie conseguiu um emprego de meio período para ajudar nas despesas. Quando voltou para casa durante
o Natal, mal podia olhar para o bebê de Jilly.
Avery, no entanto, não era o tipo de bebê que se conformava em ser ignorado. Bastaram alguns sorrisos babados para cativar Carrie. Cada vez que voltava para casa,
o relacionamento se estreitava. A criança a adorava, e Carrie, mesmo que nunca tivesse admitido, também adorava Avery.
Avery era uma criança doce e inteligente e Carrie acabou por tornar-se sua mãe substituta. Ela possuía todos os instintos protetores de uma mãe, e faria qualquer
coisa pela segurança de Avery.
Era inacreditável que, cinco anos depois, Jilly ainda pudesse causar sofrimento à família.
- Então, Carrie? Ela me odiou?
Carrie fez um esforço para se concentrar na pergunta da garota. Colocando as mãos sobre os lábios, respirou profundamente e perguntou:
- Por que você se importa com o que Jilly pensou de você? Avery fez um movimento de ombros.
- Não sei.
- Ouça o que vou dizer. É provável que sua mãe tenha odiado você, mas isso não tem nada a ver com você ou com o fato de você ser bonita ou feia quando nasceu. Você
era um bebê perfeito. O que acontece é que Jilly não queria encarar nenhum tipo de responsabilidade - ela apontou para a cadeira ao lado da cama. - Sente-se. Eu
vou lhe contar uma coisa muito importante, e quero que você preste atenção.
Avery apressou-se em atender ao pedido da tia.
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- É provável que você seja muito jovem para ouvir isso, mas vou dizer mesmo assim. Sua mãe é uma louca desvairada.
Avery ficou desapontada. Ela pensou que fosse ouvir algo novo. - Você já me disse isso, Carrie. Muitas vezes.
- Queria lembrá-la mais uma vez - disse ela. - Jilly nunca foi normal. Na verdade, ela deveria ter sido internada em algum sanatório há muito tempo.
O pensamento de ter a mãe presa em um sanatório intrigou-a.
- O que é um sanatório?
- E um lugar para pessoas doentes.
- A Jilly é doente?
- Sim - respondeu Carrie. - Mas não é o tipo de doença que nos faça sentir pena dela. Ela é má, odiosa e completamente maluca. É preciso ser muito louca para abandonar
uma preciosidade como você - continuou Carrie. Aproximando-se ajeitou o cabelo de Avery, que lhe caíra sobre os olhos. - Sua mãe tem alguns parafusos soltos na cabeça.
Pode ser que ela não seja uma criatura totalmente anti-social, mas está desgraçadamente perto disto.
Avery arregalou os olhos. Em voz ansiosa ela disse:
- Carrie, você disse desgraçadamente.
- Eu sei o que disse, e sei do que estou falando.
Avery levantou-se da cadeira e foi sentar-se na cama, ao lado de Carrie. Ela segurou a mão da tia e disse:
- Mas eu não sei do que você está falando.
- Então, vou e
xplicar. Uma pessoa anti-social é uma pessoa que não tem consciência social e, antes que você me pergunte, consciência é algo que as pessoas têm dentro da cabeça,
que as permitem saber quando fazem alguma coisa errada. A consciência nos faz sentir... mal.
- Como quando eu disse para a vovó que já tinha praticado minha lição de piano, quando na verdade eu não tinha, e ela me disse que eu era uma boa garota? Eu menti
e depois me senti mal.
- Sim, exatamente isso - disse ela. - A verdade é que sua mãe não tem alma nem coração.
- Como a música que você gosta de cantar? É esse tipo de alma e coração?
- Sim, exatamente como na música, assegurou Carrie. - Jilly não tem espaço em seu coração para nenhuma emoção que não lhe traga benefícios.
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Avery estava deitada de lado, olhando para Carrie com aqueles maravilhosos olhos azuis, mil vezes mais bonitos que os de sua mãe. A pureza e a beleza contidas no
olhar de Avery eram impressionantes.
- Jilly está tão ocupada amando a si mesma, que não tem tempo para amar mais ninguém. Não se sinta mal por isso, pois você não tem culpa de nada. Você acredita no
que estou dizendo, não é?
Avery concordou solenemente.
- A culpa é toda da minha mãe, é verdade. Carrie sorriu. - Isto mesmo.
- Eu tenho alma?
- Sim, você tem. Todos, com exceção da sua mãe imprestável, têm alma.
- Antes de Jilly ter machucado Whisker e de ter feito ele morrer, ele também tinha alma?
- Talvez - respondeu ela, pensando no gatinho que Jilly havia, cruelmente, tirado dela.
- Onde está?
- O que, a sua alma? - Carrie teve de pensar na pergunta alguns minutos antes de responder. - Está dentro de você, em volta do seu coração. Sua alma é tão pura quanto
a de um anjo, e eu vou ajudar você a mantê-la assim. Você é totalmente diferente de Jilly, Avery.
- Mas sou parecida com ela. Você disse.
- A aparência não importa. O que realmente importa é o que você é por dentro.
- Será que ela gosta de você e da vovó, e de mim não? Carrie ficou exasperada.
- Eu pensei que você havia entendido o que eu estava dizendo. Jilly não ama ninguém além de si mesma. Ela não ama a vovó, não me ama, e não ama você. Entendeu agora?
Avery assentiu com um movimento de cabeça.
- Posso brincar com minhas jóias, agora?
Carrie sorriu. Parece que a criança tinha encontrado um assunto mais interessante. Ficou olhando para a sobrinha, enquanto ela se sentava no banquinho da penteadeira
e, novamente, começava a revirar a caixa de sapatos.
- Você sabe qual a melhor coisa que já te aconteceu?
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Avery não se virou para responder.
- Ter você como tia.
- É isso que você acha a melhor coisa? - perguntou ela, surpresa e feliz. - Por quê?
- Porque você me disse. Carrie deu uma gargalhada.
- Bem, tem uma coisa ainda melhor.
- O quê?
- Você não vai crescer sentindo medo o tempo todo, como eu. Jilly nunca mais voltará. Você nunca vai vê-la
.. nunca mesmo. Isso é, sem dúvida, o melhor de tudo.
Assim que as palavras lhe saíram da boca, Carrie sentiu um calafrio na espinha. Estaria ela forçando o destino ao dizer tal coisa? Seria alguém capaz de intimidar
o demônio pela negação do mesmo? O calafrio pareceu-lhe uma premonição, mas é claro que tudo não passava de imaginação. Ela estava se preocupando demais, só isso.
Ela tentou dispersar a sensação desagradável e voltou ao trabalho.
A semana seguinte foi bastante atribulada. Carrie adicionou arremates brancos às paredes cor de rosa, cor escolhida por Avery. Ela achou que o quarto ficou parecido
com uma explosão de PeptoBismol1, mas Avery adorou. No domingo à tarde, ela estava totalmente instalada no espaçoso quarto da frente. A bagagem de Carrie fora colocada
no porta-malas do carro. Carrie dormiria sua última noite no antigo e desconfortável quarto de Avery. Na última noite em companhia de Carrie, elas prepararam todos
os seus pratos favoritos para o jantar - receitas definitivamente proibidas para sua dieta eterna - frango frito, purê de batatas com molho de carne e vagem preparada
com bacon. Com os legumes que cultivava em sua horta, Lola preparou uma salada fresca, que Carrie mal tocou. Ela havia decidido sair da dieta por um dia apenas,
um dia maravilhoso, isento de culpa. Comeu duas porções de cada prato, com apetite desenfreado.
Depois de Lola ter colocado Avery na cama e lido para ela uma história, Carrie veio lhe dar um beijo de boa noite. Ela acendeu a luz, fechou a porta e desceu para
colocar alguns papéis em sua bagagem de mão.
1. Pepto-Bismol é um antiácido popular, cor-de-rosa choque.
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Uma coisa levou à outra e, quando voltou a subir, já passava das onze. Em seu quarto, nos fundos da casa, Lola já havia caído no sono há muito tempo. Carrie foi
dar uma olhada em Avery. Ela sabia que sentiria muita falta dela, e quase soltou uma gargalhada quando viu a sobrinha dormindo na grande cama de casal. A garota
estava usando pelo menos cinco colares e quatro pulseiras. A tiara sem brilho, que já não tinha a maior parte das suas pedrinhas de strass, estava enroscada em seu
cabelo, completamente fora da cabeça. Ela estava dormindo de barriga para cima, agarrada ao seu ursinho de pelúcia. Carrie sentou-se na cama e tentou não atrapalhar
o sono da sobrinha enquanto removia as jóias falsas.
Depois de colocar as bugigangas de volta na caixa, dirigiu-se silenciosamente para a porta. Quando a porta estava quase completamente fechada, Avery murmurou:
- Boa noite, Carrie.
Ela já havia fechado os olhos quando Carrie virou-se para olhála. Sob a luz suave que vinha do poste da calçada, a garota parecia um querubim. Carrie teve a certeza
de que não poderia amá-la mais, caso fosse sua própria filha. O instinto de proteção que sentia, era esmagador. Ela detestava a idéia de ir embora, sentia-se como
se a estivesse abandonando.
Mas era preciso partir. O futuro de Avery dependia dela. Quando se sentisse financeiramente segura, seria capaz de sustentar a mãe e a sobrinha como elas mereciam.
Não deixaria que a culpa paralizante interferisse em seus planos. Ela tinha sonhos e objetivos, e Avery e Lola eram parte deles.
- Vou fazer tudo direito - sussurrou ela, ao cruzar o corredor em direção ao banheiro. Quando entrou no chuveiro, ainda estava tentando se convencer.
Carrie mal havia acabado de ligar o chuveiro quando um bater de portas de carro acordou Avery. Ela ouviu uma risada espalhafatosa e saiu da cama para ver quem estava
fazendo barulho. Ela viu um homem e uma mulher. Em pé ao lado de um carro bastante surrado, eles mantinham as cabeças próximas, rindo e conversando.
A mulher tinha cabelos loiros. O homem era tão escuro quanto ela era clara. Ele segurava alguma coisa na mão. Avery mantevese ao lado da janela, para que eles não
pudessem vê-la e repreendêla por estar botando o nariz no que não era chamada. O homem
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ergueu a garrafa e tomou um longo trago. Depois, ofereceu a garrafa para a mulher, que também virou a cabeça para dar um trago.
O que eles estavam fazendo em frente à casa da vovó? Avery ajoelhou-se e escondeu-se atrás das cortinas de renda. Ela encolheu-se ainda mais quando a mulher virou-se
e começou a andar em direção à casa. O homem com cará de mau não a seguiu. Ele reclinou-se sobre o pára-lamas do carro e cruzou os tornozelos. Tomou mais um trago
e jogou a garrafa vazia no meio da rua. O som do vidro estilhaçado foi quase tão alto quanto o grito sufocado de Avery. Lola tinha dito que era errado jogar lixo
na rua.
O homem não estava olhando para a casa. Como estava olhando para a rua, Avery achou que fosse seguro levantar-se para poder ver melhor. Quando ele se virou, ela
viu alguma coisa em seu bolso traseiro. O que seria aquilo? Talvez uma outra garrafa?
O homem mal-encarado, vestindo uma camiseta suja, devia estar com uma sede terrível, pois puxou a outra garrafa do bolso. O problema é que aquilo não era uma garrafa.
Avery estava completamente assombrada. Aquele homem segurava uma arma, igualzinha às que vira na televisão.
Ela estava muito emocionada para sentir medo. Espere até que Peyton soubesse disto. Será que ela deveria acordar Carrie e vovó para dizer-lhes sobre a arma? Talvez
elas ligassem para o Amigo Policial, do Departamento de Polícia, para vir recolher o homem malvado.
Avery deu um pulo quando começaram a bater na porta da frente. Era a mulher, pensou ela, chamando a vovó, no meio da noite.
Ela estava gritando palavrões horríveis. Avery correu para a cama e escondeu-se debaixo das cobertas, no caso de vovó passar para saber se ela estava bem antes de
descer para pedir que a mulher parasse de fazer barulho. Ela sabia exatamente o que Lola diria para a mulher. "O que você está tentando fazer? Acordar os mortos?"
Exatamente isso. Era a mesma coisa que ela sempre dizia a Carrie quando ela ligava a televisão ou o toca-discos no último volume. Mas se a avó viesse até o quarto
antes de descer, e percebesse que a neta não estava na cama, Avery nunca teria a chance de saber o que tinha acontecido.
Algumas vezes, para descobrir coisas importantes, ela tinha de fazer algumas outras coisas erradas. Peyton havia dito a ela que não
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era tão terrível assim ouvir a conversa de outras pessoas, desde que você nunca dissesse a ninguém o que havia escutado.
As batidas tornaram-se murros, enquanto a mulher gritava e exigia que vovó a deixasse entrar.
Lola abriu a porta, e Avery ouviu a mulher gritar um pouco mais. Podia entender cada uma de suas palavras. De repente, Avery perdeu a curiosidade. Ela estava apavorada.
Livrando-se das cobertas num pulo, atirou-se no chão e rastejou-se para baixo da cama. Enrolou-se como uma bola, com os joelhos colocados junto ao queixo. Ela já
era uma garota grande, grande demais para chorar. As lágrimas que lhe escorriam pelas bochechas estavam ali apenas porque ela estava apertando os olhos, com toda
a força que tinha. Ela colocou as mãos sobre as orelhas na tentativa de bloquear a terrível gritaria.
Avery sabia quem era a mulher malvada. Ela era Jilly, sua mãe imprestável que havia voltado para buscá-la.
Capítulo
1
Aquela espera estava deixando Avery enlouquecida. Sentada em seu pequeno cubículo com as costas contra a parede, tamborilava os dedos de uma mão sobre o tampo da
escrivaninha e, com a outra, segurava um saco de gelo sobre o joelho machucado. Por que tanta demora? Por que Andrews não ligava? Ela olhou para o telefone com força,
esperando que tocasse. Nada. Nenhum som. Virando a cadeira giratória, olhou para o relógio digital pela centésima vez. Ainda dez e cinco, o mesmo que há dez segundos.
Com certeza, já era tempo de saber alguma coisa.
Mel Gibson levantou-se, debruçou-se sobre a divisória que separava seu espaço de trabalho do de Avery,e olhou-a com simpatia. Por mais estranho que parecesse, era
esse o seu nome verdadeiro. Mel achava que isso atrasava um pouco a sua vida, pois nenhuma das pessoas que trabalhava na agência do fbi jamais o havia levado a sério.
Mesmo assim, ele recusava-se a ter o nome legalmente mudado para... Brad Pitt, como sugeriam seus colegas de trabalho.
- Olá, Brad - disse Avery. Ela e os outros estavam experimentando o novo nome, para ver se dava certo. Na semana passada, havia sido George Clooney, que causou a
mesma reação que Brad estava causando - um olhar que nos lembrava que seu nome não era George, não era Brad e, tampouco Mel. Seu nome era Melvin.
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- A essa altura dos acontecimentos, vocês já deviam saber disso, - disse ele.
Ela não se deixou aborrecer. Alto, esquisito, com um pomo de Adão bastante proeminente, Mel tinha o hábito desagradável de usar o dedo médio para ajeitar seus óculos
de aro de metal sobre o nariz proeminente. Margô, outra colega de trabalho, disse a Avery que Mel fazia isso de propósito. Era sua maneira de deixar que os outros
soubessem de sua superioridade.
Avery não concordava. Mel seria incapaz de fazer qualquer coisa inadequada. Ele acreditava que seu código de ética fosse parecido com o do FBI. Era dedicado, responsável,
ambicioso, trabalhava duro e vestia-se de maneira correta para o tipo de trabalho que fazia... mas cometia um pequeno deslize. Mesmo tendo apenas 27 anos, suas roupas
lembravam os trajes dos agentes do FBI dos anos 1950. Ternos escuros, camisas brancas, de mangas compridas, gravatas pretas bastante finas, sapatos pretos - com
brilho impecável - e cabelo cortado à moda militar, que ela sabia ser aparado a cada duas semanas.
Por causa de seus hábitos estranhos - ele era capaz de citar, literalmente, todas as falas do personagem Jimmy Stewart do livro História do FBI - ele tinha uma mente
privilegiada e era um excelente membro de equipe. Ele só precisava de um pouco de tempero. Só isso.
- Você não acha que já deveria ter ouvido alguma coisa? - ele estava tão preocupado quanto ela.
- Ainda é cedo - mas, menos de cinco segundos depois, ela disse:
- Você tem razão, já devíamos ter tido notícias.
- Não - corrigiu ele. - Eu disse que você já deveria ter ouvido alguma coisa. Lou, Margô e eu não tivemos nada a ver com a sua decisão de chamar a swat. Pelo amor
de Deus, o que ela estava pensando?
- Em outras palavras, vocês não querem enfrentar a artilharia, caso eu tenha agido errado?
- Não se trata de artilharia - disse ele. - Mas de demissão. Eu preciso deste emprego.
É o mais próximo de ser um agente que vou conseguir. Com a minha visão aguçada...
- Eu sei, Mel.
- Melvin - corrigiu ele, automaticamente. - E os benefícios são fantásticos.
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Em pé, ao lado deles, Margô estava pronta para participar da conversa.
- O salário é uma merda. Mel encolheu os ombros.
- Assim como o local de trabalho - disse ele. - Ainda assim... é o fbi.
- O que há de errado com nosso local de trabalho? - perguntou Lou, que também estava por perto.
Sua saleta ficava à esquerda da de Avery. O cubículo de Mel era bem em frente ao dela, e o de Margô ao lado do de Lou. O chiqueiro
como eles carinhosamente chamavam o buraco infernal no qual trabalhavam - estava localizado atrás da sala das máquinas, de onde vinha todo o barulho dos compressores
e dos aquecedores de água.
- Falo sério, o que está errado com o nosso local de trabalho?
- perguntou ele, aturdido.
Como sempre, apesar de adorável, Lou não fazia a mínima idéia de nada. Sempre que olhava para ele, Avery lembrava-se de algum personagem do tipo Jõao Felpudo, que
nunca tomava banho. Lou estava sempre desalinhado. Apesar de ser absolutamente brilhante, ele não parecia ser capaz de encontrar a própria boca quando comia e, em
sua camisa de mangas curtas, sempre havia pelo menos uma mancha. Na que usava hoje, havia duas. Uma era do recheio de geléia dos donuts que Margô trouxera para eles.
Arroxeada, um pouco acima da mancha de tinta preta, causada por sua caneta tinteiro, no bolso da camisa.
Lou ajeitou a fralda da camisa, pela terceira vez naquela manhã e disse:
- Eu gosto deste lugar. É aconchegante.
- Nós trabalhamos no canto do porão, e não temos uma janela - disse Margô.
- E daí? - perguntou Lou. - Não somos menos importantes por trabalharmos aqui. Fazemos parte de uma equipe.
- Eu gostaria de fazer parte de uma equipe que tivesse janelas - disse Margô.
- Não se pode ter tudo. E aí, Avery, como está o seu joelho?
- perguntou ele, mudando de assunto.
Cuidadosamente, Avery levantou o saco de gelo para inspecionar o estrago.
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- Desinchou um pouco.
- Como foi que isso aconteceu? - perguntou Mel. Ele era o único que ainda não tinha ouvido os detalhes pavorosos.
Margô correu os dedos pelos cachos castanhos do cabelo curto e disse:
- Uma velhinha quase a matou.
- Com um Cadillac - disse Lou. - Aconteceu quando estava estacionando o carro. E obvio que a velhinha não a viu. Acho que deveria existir um limite de idade para
renovação de carteira de motorista.
- Ela chegou a bater em você? - perguntou Mel.
- Não - respondeu Avery. - Eu me joguei para o lado quando ela fez a curva, à toda. Acabei voando sobre o capo de uma Mercedes e arrebentei o joelho no emblema da
frente. Eu reconheci o Cadillac. Pertence à senhora Speigel, que mora no meu prédio. Ela deve ter uns noventa anos. É claro que não deveria mais estar dirigindo,
mas de vez em quando sai de carro para fazer compras.
- Ela parou? - perguntou Mel. Avery balançou a cabeça.
- Acho que ela nem me viu. Ela estava acelerando com tanto empenho que, a única coisa que pude fazer foi ficar feliz por não haver ninguém mais por perto.
- Você tem razão, Lou - disse Margô. E desapareceu atrás da divisória, abaixando-se para arrastar uma caixa de papel para o canto de seu cubículo. Em pé sobre a
caixa, subitamente, ela ficou tão alta quanto Mel. - Deviam fixar um limite de idade para renovação de carteira de motorista. Avery contou-nos que a velhinha era
tão pequena, que sua cabeça mal aparecia acima do limite do banco. Tudo o que se via era um pequeno chumaço de cabelo grisalho.
- Nossos corpos encolhem quando envelhecemos - disse Mel. - Pense nisso, Margô. Quando você tiver noventa anos, ninguém poderá vê-la.
Margô, que tinha menos de um metro e sessenta de altura, não se ofendeu.
- Quando chegar lá, pretendo usar saltos um pouco mais altos.
O telefone tocou, interrompendo a conversa. Avery teve um sobressalto e conferiu a hora. Eram dez e catorze.
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- É o que estávamos esperando - sussurrou ela, ao segundo toque.
- Atenda, exigiu Margô.
Ao terceiro toque, Avery pegou o telefone.
- Avery Delaney.
- Senhora Delaney, o senhor Carter gostaria de vê-la em seu escritório às dez e meia.
Ela reconheceu a voz. A secretária de Carter possuía o sotaque característico de Maine.
- Estarei lá.
Quando desligou o telefone, estava sendo observada por três pares de olhos.
- É isso aí - murmurou ela.
- O quê? - perguntou Margô, a mais impaciente do grupo.
- Uh-uh. Isso não me cheira bem.
Depois do comentário, como se tivesse percebido ter dito alguma coisa que não devia, Mel completou:
- Quer que a gente vá com você?
- Vocês fariam isso? - perguntou Avery, surpresa com a oferta.
- Eu não gostaria de fazer, mas faria.
- Tudo bem, obrigada. Eu levo o tiro sozinha.
- Eu acho que devíamos ir - disse Margô. - Um tiroteio em massa. Estou querendo dizer que estamos nisso juntos, certo?
- Sim - concordou Avery. - Mas vocês três tentaram me convencer a não ir atrás do Andrews. Lembram-se? Eu fui a única que pisou na bola. Ela levantou-se, colocou
o saco de gelo sobre o arquivo e pegou o casaco.
- Isto não me cheira bem - repetiu Mel. - Eles estão quebrando a hierarquia de comando. Acho que foi péssimo envolver o chefe do chefe. Carter acabou de ser promovido
ao cargo de chefe das operações internas.
- O que significa que ele agora é o chefe do chefe do chefe - lembrou Margô.
- Gostaria de saber se todos os chefes estarão lá - disse Lou.
- Certo - resmungou Avery. - Talvez os três queiram ter a chance de me despedir. Ela abotoou o casaco do tailleur e perguntou:
- Estou bem?
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- Sim, considerando que alguém tentou te atropelar - disse Mel.
- Sua meia está desfiada, acrescentou Margô.
- Eu sei. Pensei que tivesse um outro par na gaveta, mas enganei-me.
- Eu tenho um par extra.
- Obrigada, Margô, mas você é muito menor do que eu. Mel, Lou, virem-se ou sentem-se.
Assim que eles deram as costas, ela levantou a saia e tirou a meia. Depois, voltou a calçar os sapatos de salto.
Estava aborrecida por ter destruído seu tailleur. Normalmente usava calças compridas, mas como hoje tinha um compromisso para o almoço, ela havia se permitido usar
o conjunto Armani que a tia havia lhe dado de presente, há dois anos. O conjunto, de um maravilhoso cinza acastanhado, tinha como complemento uma malha cavada com
decote em V. Avery costurou a abertura indecente que a saia apresentava em seu modelo original. Era um tailleur maravilhoso. Agora, seria lembrado como a roupa que
vestia no dia em que fora despedida.
- Pegue - disse Margô, atirando o pacotinho de meias para Avery. - Essas são tamanho-único. Vai funcionar direitinho. Você não pode ir sem meias, conhece o código
de vestuário.
Avery leu o rótulo. Eram mesmo tamanho-único.
- Obrigada - disse ela, sentando-se novamente. Como suas pernas eram longas, não queria desfiar as meias ao vesti-las.
- Você vai chegar atrasada - disse Mel quando ela novamente levantou-se e ajeitou a saia. Ela nunca havia reparado que fosse tão curta. A barra mal tocava a parte
superior de seus joelhos.
- Ainda tenho quatro minutos.
Depois de colocar brilho nos lábios e prender os cabelos com uma presilha, voltou a calçar os sapatos. Só então percebeu que o salto direito estava completamente
solto. Devia ter-se quebrado quando bateu no capo do carro.
Não há nada a ser feito, pensou ela. Respirou profundamente, aprumou os ombros e mancou até o corredor. Seu joelho esquerdo latejava a cada passo.
- Desejem-me boa sorte.
- Avery - gritou Mel. Ele esperou até que ela se virasse, e entregou-lhe seu crachá. - É melhor você usar isto.
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- Sim, tem razão. Eles vão querer que eu lhes entregue isso antes de me escoltarem para fora do prédio.
- Ei, Avery, você deve pensar da seguinte maneira: se você for despedida, não terá de fazer todo o trabalho que, fatalmente, ficará empilhado sobre sua mesa, enquanto
você e sua tia estiverem se divertindo naquele spa sofisticado - disse Margô, com voz animadora.
- Ainda não sei se vou me juntar a ela. Ela pensa que ainda estou ciceroneando aqueles garotos em Washington.
- Agora, que você vai ser despedida, precisará de um pouco de mimo - argumentou Margô.
- É verdade, você deveria ir - disse Lou. - Você poderia passar o mês inteiro no Utopia, trabalhando em seu currículo.
- Obrigada, rapazes, mas vocês não estão ajudando - disse Avery, sem olhar para trás.
Para chegar ao escritório de Carter teria de subir quatro lances de escada. Em qualquer outro dia, teria encarado o exercício, mas seu joelho esquerdo doía terrivelmente
e seu sapato direito estava completamente bambo. Quando finalmente conseguiu chegar ao elevador, estava exausta. Enquanto esperava, ensaiou o que dizer a Carter
quando ele lhe perguntasse o que pensava que estava fazendo.
As portas se abriram. Ao entrar no elevador, seu sapato ficou preso na fresta entre o elevador e o piso. Como estava sozinha, levantou a saia e agachou-se no joelho
direito para tentar soltar o salto. Foi quando as portas se fecharam em sua cabeça.
Dizendo um palavrão, Avery caiu de costas. Quando o elevador começou a se mover, ela agarrou o corrimão de metal. Segurou o salto quebrado em uma das mãos e conseguiu
colocar-se em pé, no momento exato em que, no primeiro andar, as portas se abriram. Quando chegou ao quarto andar, estava espremida no fundo do elevador, completamente
cheio. Sentindo-se uma idiota, pediu licença e saiu mancando.
Infelizmente, o escritório de Carter estava localizado no fim de um longo corredor. As portas de vidro estavam tão distantes que ela sequer podia ler o nome escrito,
acima do puxador de latão.
Dane-se, ela repetia para si mesma. Será que poderia ser pior?
É claro que poderia. No momento exato em que abria a porta, sua meia começou a escorregar. Quando conseguiu chegar à recepcionista, o elástico da cintura já estava
em seus quadris.
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A senhora de cabelos castanhos e porte imponente, usando um fantástico tailleur Chanel, mostrou-se bastante chocada ao ver Avery aproximar-se.
- Sra. Delaney?
- Sim, respondeu Avery. A mulher sorriu.
- A senhora é pontual. O Sr. Carter ficará satisfeito. Sua agenda é muito cheia.
Enquanto a mulher pegou o telefone para anunciá-la, Avery inclinou-se para a frente.
- Existe uma toalete por perto?
- No final do corredor, depois dos elevadores, do lado esquerdo.
Avery olhou para trás e considerou as possibilidades. Ela poderia chegar atrasada à reunião. Correria como uma louca pelo corredor, que tinha pelo menos um quilômetro,
e tiraria a droga das meias, ou então...
A recepcionista interrompeu seus pensamentos desvairados. O Sr. Carter vai vê-la agora.
Avery não se moveu.
- Pode entrar - disse ela.
- Acontece que...
- Sim?
Avery ajeitou-se, lentamente. A meia mantinha-se nos quadris. Sorrindo, ela disse:
- Já vou indo.
Ela virou-se e manteve o sorriso, enquanto agarrava a beirada da escrivaninha. Tentou caminhar como se ainda tivesse o salto de seu sapato. Se tivesse sorte, talvez
Carter nem notasse sua condição desesperadora.
Quem ela estava tentando enganar? O homem havia sido treinado para ser um exímio observador.
Alto, distinto, dono de uma cabeça grande, coberta por cabelos grisalhos e queixo quadrado, Tom Carter estava em pé quando ela entrou. Teve vontade de se atirar
sobre a poltrona, diante da mesa, mas esperou por sua permissão.
Carter estendeu-lhe a mão por sobre a escrivaninha e, no momento em que se inclinava para frente na tentativa de alcançar
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sua mão, o elástico de sua meia cedeu. O fundilho dela estava, agora, na altura de seus joelhos. Em pânico, ela agarrou a mão dele a apertou-a vigorosamente. Tarde
demais, percebeu que estava segurando o salto do sapato na mão direita. Ela não se lembrava de ter suado tanto desde o dia em que fizera os exames finais da faculdade.
- É um prazer conhecê-lo, senhor. Uma honra, na verdade. O senhor queria me ver? Nossa, está bem quente aqui. O senhor se importa se eu tirar o casaco?
Ela sabia estar divagando, mas não podia se controlar. Seu comentário sobre a temperatura do ambiente, no entanto, causara efeito. Ainda bem que os rumores tinham
fundamento. Carter tinha termostato próprio e mantinha seu escritório insuportavelmente frio. Aquilo parecia um buraco no Alaska. Avery se surpreendeu por não ver
uma fumacinha se formando com sua respiração. Foi quando percebeu que não estava respirando.
Acalme-se, disse a si mesma. Respire fundo.
Carter concordou, com entusiasmo. Ele não fez menção alguma ao salto de sapato caído sobre a pilha de pastas, colocadas sobre a escrivaninha.
- Eu achei que estivesse quente, mas meu assistente vive me dizendo que está muito frio. Deixe-me abaixar um grau na temperatura.
Ela não esperou por permissão para sentar-se. No momento exato em que ele se virou, ela resgatou o salto de sobre as pastas que notou terem seu nome e os nomes dos
outros membros do chiqueiro - e deixou-se cair na cadeira. As meias estavam amarfanhadas em volta de seus joelhos. Como uma desvairada, desabotoou o casaco e colocou-o
sobre as pernas.
Segundos depois, seus braços e ombros estavam completamente arrepiados.
Dane-se, pensou ela. Tudo vai dar certo. Uma vez que ele se sentasse atrás da escrivaninha, ela teria tempo de se livrar da meia. Carter não seria mais esperto que
ela.
O plano era perfeito e teria funcionado se Carter tivesse cooperado, mas ele revolveu não voltar para a sua cadeira. Ele passou por ela e sentou-se na beirada da
escrivaninha. Mesmo não sendo baixa - se comparada a Margô - ela teve de inclinar a cabeça
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um pouco para trás para olhá-lo nos olhos. Pareceu-lhe ter visto ali um brilho esquisito, a não ser, é claro, que ele sentisse prazer em despedir pessoas. Pode
ser que houvesse verdade naquele rumor específico.
- Eu notei que você está mancando. Como machucou o joelho? - perguntou ele. Ele abaixou-se e pegou sua presilha de cabelo, que havia caído no chão.
- Sofri um acidente - disse ela, pegando a presilha e colocando-a no colo.
Seu olhar zombateiro lhe dizia-lhe que não havia ficado satisfeito com a resposta.
- Uma senhora de idade... bastante idade, na verdade, dirigindo um veículo bastante grande, não me viu quando caminhava para o meu carro, parado na garagem. Eu tive
de pular sobre uma Mercedes. Acho que foi quando machuquei meu joelho e quebrei o salto do sapato. Então, antes que ele fizesse qualquer comentário sobre o acidente,
ela continuou:
- Na verdade, durante o acidente, o salto ficou apenas bambo. Ele se quebrou no elevador, quando as portas se fecharam na minha cabeça.
Ele a encarava como se ela fosse uma perfeita idiota.
- Senhor, tudo o que posso dizer é que esta não está sendo a melhor manhã da minha vida.
- Se eu fosse você, ficaria preparada para o pior - disse ele, com voz sinistra. - As coisas vão piorar.
Os ombros dela despencaram. Finalmente, Carter dirigiu-se para sua escrivaninha e sentou-se. Ela aproveitou a oportunidade. Escorregando as mãos por baixo do casaco
e da saia, puxou as meias para baixo. Apesar da posição desajeitada, achou que seria bem-sucedida. Enquanto ele abria seu dossiê e lia as anotações que ele mesmo,
ou outra pessoa qualquer, havia compilado contra ela, agarrou a meia e transformou-a numa bola. Quando ele voltou a encará-la, ela já tinha conseguido calçar os
sapatos.
- Mike Andrews ligou-me - começou ele. E, novamente, o tom de voz sinistro, que a deixava saber, de forma bastante clara, que estava em apuros.
Avery sentiu um soco no estômago.
- Sim?
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- Você o conhece, não é?
- Sim, senhor - respondeu ela, apressadamente. - Achei seu número de telefone e liguei para ele antes de sair do escritório.
- E durante a conversa, você o convenceu a enviar a swat para o First National Bank, da... - Ele olhou novamente para as anotações, em busca do endereço, acrescentando:
- a agência está localizada próxima à divisa do estado.
Ela matraqueou o endereço, acrescentando:
- A filial está localizada próxima à divisa do estado.
Ele apoiou as costas no espaldar da cadeira, cruzou os braços e disse:
- Diga-me o que sabe sobre estes roubos.
Avery respirou fundo e tentou relaxar. Agora, sentia-se mais segura. Fora ela quem digitara a informação sobre todos os relatórios dos agentes no computador. Fora
também ela quem assistira às fitas do banco. Ao fazer isso, ficara sabendo e, por que não dizer, quase memorizara os menores detalhes.
- Os ladrões denominam-se os Políticos - disse ela. - Eles
são três.
- Continue, pressionou ele.
- Aconteceram três roubos, nos últimos três meses. Os homens, todos vestindo roupas brancas, entraram no primeiro banco
- First National Bank da Rua Doze - no dia quinze de março, exatamente três minutos após a abertura da agência. Os homens usaram armas para render os funcionários
e um cliente, mas não chegaram a atirar. O homem que dava as ordens manteve uma faca no pescoço do segurança. Quando os outros dois seguranças estavam correndo em
direção à porta, o líder cortou o pescoço do guarda, jogou a faca e retirou-se. O guarda não havia feito nada para provocar o homem. Não havia, absolutamente, razão
alguma para matá-lo.
- Não, não havia - concordou Carter
- O segundo roubo aconteceu no dia treze, no Banco da América, em Maryland. Uma das gerentes foi assassinada durante o assalto. O líder estava indo para a porta.
De repente, virou-se e atirou à queima-roupa. Mais uma vez, não parecia haver razão alguma, pois a funcionária estava, desesperadamente, tentando colaborar.
- E o terceiro roubo?
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- Esse foi no Goldmans Bank, também em Maryland, no dia
15 de maio - disse ela. - Como o senhor sabe, a violência aumentou. Duas pessoas foram mortas e uma terceira foi deixada à morte mas, milagrosamente, conseguiu sobreviver.
- Muito bem, você fez o levantamento dos fatos - disse ele. - Mas eu gostaria de saber: o que lhe fez pensar que uma pequena agência do First National Bank da Virgínia
seria o próximo alvo?
O olhar dele era enervante. Ela olhou para baixo, enquanto organizava os pensamentos. Quando voltou a olhar para ele, sabia o caminho que havia percorrido para chegar
à conclusão. Explicar o processo para o chefe das operações internas, no entanto, não seria nada fácil.
- Acho que a explicação está relacionada com a maneira como vejo as coisas. As respostas estavam todas lá, no arquivo... a maior parte delas, pelo menos.
- Ninguém, além de você, conseguiu ver isso - disse ele. - Eles assaltaram três bancos diferentes, mas você convenceu Andrews que eles assaltariam o First National
novamente.
- Correto, senhor.
- E impressionante que você tenha conseguido convencê-lo.
- Na verdade, não - disse ela, torcendo para que Andrews não tivesse sido literal ao relatar o fato a Carter.
- Você usou o meu nome. Ela foi invadida pelo medo.
- Sim senhor, usei.
- Você disse a Andrews que a ordem partira de mim. Isso é verdade, Delaney?
Chegou a hora de levar o pé na bunda, pensou ela.
- Sim, senhor.
- Vamos retomar os fatos. O que quero saber é o seguinte: os Políticos atacaram no dia quinze de março, no dia treze de abril e no dia quinze de maio. Nós não sabíamos,
mas você sabia por que eles escolheram esses dias específicos, certo? Foi o que você disse a Andrews. Mas você não forneceu nenhuma explicação.
- Não havia tempo.
- Temos tempo agora. Como você chegou à sua conclusão?
- Shakespeare, senhor - respondeu ela.
- Shakespeare?
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- Sim, senhor. Os roubos seguiram o mesmo padrão, quase como um ritual. Eu consegui, com o primeiro banco assaltado, uma impressão dos registros da semana anterior
ao roubo. Fiz o mesmo com os outros dois bancos. Pensei que, assim, pudesse encontrar alguma conexão - disse ela.
Avery fez uma pausa e balançou a cabeça.
- Nas pilhas de impressos espalhadas pelo escritório, encontrei uma pista curiosa. Felizmente, tinha os disquetes do banco e pude conferir as informações impressas
com as do computador.
Carter passou a mão pelo queixo, distraindo-a. Ela notou que havia impaciência em seu olhar.
- Mais um minuto de sua atenção, senhor. O primeiro banco foi assaltado no dia quinze de março. Essa data faz com que o senhor pense em alguma coisa?
Antes que ele pudesse responder, ela continuou.
- Os idos de março? Júlio César? Ele assentiu.
- Na noite passada, enquanto lia os impressos, fiquei com aquilo na cabeça. Notei que um homem, chamado Nate Cassius, fizera uma retirada no caixa eletrônico. Mas
ainda não tinha conseguido ligar as coisas - admitiu ela. - Mas depois comecei a achar que, se estivesse certa, o líder dos Políticos estava nos deixando pistas.
Talvez ele estivesse apenas fazendo um jogo para nos confundir. Talvez estivesse esperando para ver quanto tempo demoraríamos para entender.
Agora, ela tinha sua atenção irrestrita.
- Continue - disse ele.
- Como disse antes, fiquei muito frustrada com as datas e resolvi fazer uma pesquisa. Analisando o calendário romano, descobri que os idos foram calculados junto
com o número de dias de cada mês. Pela peça de Shakespeare, Júlio César, sabemos que os idos de março começam no dia quinze. No entanto, o mesmo não é verdadeiro
para todos os meses. Em alguns meses, os idos começam no dia treze. Seguindo essa lógica, retomei as retiradas realizadas no caixa eletrônico referentes às semanas
anteriores ao segundo e terceiro roubos. Adivinhe o que encontrei?
- Nate Cassius fez retiradas nos bancos?
- Não, senhor - respondeu ela. - Mas alguém de nome William Brutus fez retiradas em um banco e Mario Casca, no outro...
.
38
e as retiradas aconteceram dois dias antes do assalto aos bancos. Acho que eles estavam estudando o layout dos bancos.
- Continue - disse ele, apoiando os cotovelos na escrivaninha.
- Não consegui fazer a conexão até o último minuto. Tive de verificar os registros das transações de todos os bancos, nos três estados, a partir do dia onze...
- Porque as duas outras retiradas foram feitas exatamente dois dias antes do roubo.
- Sim - disse ela. - Passei a noite toda conferindo as informações do dia onze no computador e, caramba, encontrei. O senhor John Ligarius havia feito uma retirada
na pequena agência do First National, às três e quarenta e cinco da manhã. Todas essas pessoas - Cassius, Brutus, Casca, Ligarius - conspiraram contra Júlio César.
Não tive tempo para investigar os donos dos cartões, mas descobri que os cartões foram emitidos por bancos de Arlington. Fazia sentido. Ligarius fez uma retirada
no First National Bank. Concluí que esse banco seria o próximo alvo.
- O tempo era uma questão crítica e meu superior, o Sr. Douglas, não estava disponível. Ele já havia saído para um vôo de quatro horas, e não tive condições de falar
com ele. Então, tive de usar minha própria iniciativa - enfatizou ela. - Decidi que preferia perder meu emprego, caso estivesse errada, do que ficar quieta para,
mais tarde, descobrir que estava certa. Senhor, minhas conclusões e ações subseqüentes serão relatadas no relatório que estou preparando. Quando o senhor tiver a
oportunidade de lê-lo, verá que assumo total responsabilidade por minhas ações. Meus colegas não tiveram participação alguma em minha decisão de ligar para Andrews.
Entretanto, em minha defesa - ela apressou-se em acrescentar - tanto eu como meus colegas de departamento possuímos curso de pós-graduação e somos muito bons no
que fazemos. Não somos apenas digitadores, responsáveis pela inclusão das anotações dos agentes no banco de dados. Analisamos as informações que passam por nossas
mãos.
- É o que o computador faz.
- Sim, mas o computador não possui coração nem instintos. Nós sim. E, senhor, já que estamos falando de responsabilidades e tarefas, gostaria de lembrá-lo que nossos
salários não foram aumentados, apesar do recente aumento do salário mínimo.
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Ele piscou.
- Você está me pedindo um aumento?
Avery estremeceu. Talvez tivesse falado demais. De qualquer maneira, se perdesse o emprego, pelo menos Lou, Mel e Margô poderiam ser beneficiados. Inesperadamente,
foi invadida por uma onda de raiva, por serem - ela e os colegas - tão desvalorizados. Ela cruzou os braços e olhou-o nos olhos.
- Enquanto repassava os fatos com o senhor, acabei me convencendo, ainda mais, que agi de forma correta. Não me restava outra alternativa, a não ser notificar Andrews
e ele não se moveria, caso eu não usasse o seu nome. Tenho plena consciência de ter desrespeitado a hierarquia, mas não havia tempo e eu tinha de...
- Eles conseguiram pegá-los, Avery. Imediatamente, ela parou de falar e disse:
- Como assim, senhor?
- Eu disse que Andrews e seus homens pegaram os caras. Ela não podia entender porque estava tão chocada com a notícia.
- Todos eles? - perguntou ela. Ele assentiu.
- Andrews e sua equipe estavam lá esperando quando, precisamente aos três minutos depois das dez, os homens invadiram o banco.
- Algum ferido?
- Não.
Ela suspirou.
- Ainda bem!. Carter concordou.
- Eles estavam usando roupas brancas. Você conseguiu descobrir o significado da cor?
- Claro. Os senadores romanos usavam togas brancas.
- Os três homens estão sendo interrogados, mas imagino que você já saiba qual era o plano.
- É provável que eles se considerassem anarquistas, tentando derrubar o governo. Eles dirão que estavam tentando matar Júlio César. Talvez estivessem até pensando
em se considerar os mártires de uma boa causa. Mas, sabe o que penso? Quando o senhor chegar ao final de toda a baboseira, talvez descubra que o verdadeiro motivo
seja o mesmo de sempre: ganância. Eles estavam apenas tentando ser espertos.
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Avery sorria, sentindo-se orgulhosa de si mesma, quando um pensamento inesperado lhe ocorreu:
- O senhor disse que a minha manhã ficaria ainda pior - disse ela. - O que o senhor quis dizer com isto?
- Vai haver uma entrevista coletiva com a imprensa em... - ele fez uma pausa para olhar no relógio -
..dez minutos, e você será a atração principal. Já ouvi dizer que você tem uma certa aversão em ser o centro das atenções. Eu também não gosto de coletivas de imprensa,
mas temos de fazer o que tem de ser feito.
Avery sentiu o pânico se formando.
- Acho que isso é trabalho para Mike Andrews e sua equipe, senhor. Foram eles quem prenderam os suspeitos. Eu apenas fiz o meu trabalho.
- Você está sendo modesta, ou...
Ela inclinou o tronco para frente e interrompeu-o.
- Senhor, eu prefiro um tratamento de canal.
Ele censurou-se antes que o sorriso pudesse aflorar, mas o brilho de seus olhos havia retornado.
- Quer dizer que essa aversão tem raízes profundas?
- Sim, senhor. - Apesar de sentir-se agradecida pelo fato de ele estar tentando melhorar o clima, ela não conseguia se livrar da apreensão que a consumia. - Posso
fazer uma pergunta?
- Sim?
- Por que meu dossiê está aqui? Eu segui todos os procedimentos... o melhor que pude - salientou ela. - E se o senhor não planejava me despedir...
- Eu queria me familiarizar com o seu departamento - disse ele, enquanto pegava o dossiê.
- Posso saber o motivo?
- Você terá um novo chefe.
Avery não gostou de ouvir isso. Ela e seus colegas se davam bem com Douglas, e as mudanças eram sempre difíceis.
- O Sr. Douglas está se aposentando? Ele fala bastante sobre isso.
- Sim - respondeu Carter.
Desgraçado, pensou ela. - Posso saber quem será meu novo chefe?
Carter levantou o olhar da pasta que tinha nas mãos.
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- Eu - foi a resposta.
Ele deixou que ela absorvesse a informação, antes de continuar.
- De agora em diante, vocês quatro farão parte do meu departamento.
Ela aguçou os ouvidos.
- Vamos ganhar um novo escritório? Seu entusiasmo logo se dissipou.
- Não, vocês ficarão exatamente onde estão, mas a partir de segunda-feira de manhã, devem se reportar a mim.
Ela tentou mostrar-se feliz.
- Quer dizer que vamos ter de correr quatro andares, para cima e para baixo, sempre que precisarmos falar com o senhor? Ela sabia que sua pergunta soaria como um
choramingo, mas agora, era tarde demais.
- Nós temos elevadores e a maior parte de nossos funcionários é capaz de usá-los sem ficar com a cabeça presa na porta.
Ela não se deixou perturbar pelo sarcasmo. - Sim, senhor. Posso perguntar se haverá aumento de salário? Já faz muito tempo que não somos avaliados.
- Sua avaliação está sendo feita neste exato momento.
- Oh. - Ela gostaria que ele tivesse mencionado o fato antes. - Como estou me saindo?
- Esta é a parte da entrevista e, durante ela, sou eu quem faz as perguntas. Você apenas responde.
É assim que funciona.
Carter abriu o dossiê de Avery e começou a lê-lo. Ele começou por uma declaração pessoal, que ela havia feito quando foi entrevistada para o emprego e, em seguida,
deu uma olhada em seu histórico.
- Você viveu com sua avó, Lola Delaney, até os onze anos.
- Correto.
Ela observou-o, enquanto ele virava as páginas, obviamente conferindo fatos e datas. Ela gostaria de poder perguntar por que ele sentira necessidade de conhecer
sua história. Entretanto, sabia que, se o fizesse, correria o risco de soar defensiva. Segurou as mãos e manteve-se calada. Carter era seu novo chefe, e ela queria
começar com o pé direito.
- Lola Delaney foi assassinada na noite de...
- Quatorze de fevereiro - disse ela, sem emoção. - No dia de São Valentino.
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Carter olhou para ela.
- Você presenciou o ocorrido.
- Sim.
Ele retomou a leitura, atento. - Dale Skarrett, o homem que matou sua avó, já era procurado pela polícia. Seu pedido de prisão estava relacionado com um assalto
a uma joalheria. O dono da loja foi assassinado e mais de quatro milhões de dólares em pedras não lapidadas foram roubados. Os diamantes jamais foram recuperados
e Skarett nunca foi formalmente acusado.
Avery assentiu.
- A evidência contra ele era circunstancial, e é duvidoso que conseguissem condená-lo.
- Correto - concordou Carter. - Jilly Delaney também foi procurada para participar do interrogatório relacionado com o roubo.
- Sim.
- Ela não estava em casa na noite em que sua avó foi assas-
sinada.
raptar.
Não, mas tenho certeza que ela mandou Skarrett para me
- Mas você não cooperou.
O estômago de Avery comprimiu-se.
- Não, não cooperei.
- Ninguém soube do ocorrido até a manhã do próximo dia e, quando a polícia finalmente chegou, Skarrett já havia sumido e você estava em situação crítica.
- Ele pensou que eu estivesse morta, informou Avery.
- Você foi levada, de helicóptero, para o hospital infantil de Jacksonville. Um mês depois, quando já havia se recuperado - um feito surpreendente, considerando
a extensão dos ferimentos - sua tia Carolyn levou-a para morar com ela em Bel Air, Califórnia. Ele apoiou as costas na cadeira. Foi lá que Skarrett veio atrás de
você novamente, não foi?
Ela podia sentir, claramente, a tensão avolumando-se dentro dela.
- Sim - disse ela. - Eu era a única testemunha que poderia tirá-lo de circulação para sempre. Felizmente, eu tinha um bom anjo da guarda. O FBI estava me protegendo,
sem que eu soubesse. Skarrett apareceu na saída da escola.
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- Ele estava desarmado e, mais tarde, declarou às autoridades que queria apenas falar com você. Skarrett foi preso e acusado por assassinato em segundo grau - disse
Carter. -A liberdade condicional que reivindicou foi-lhe negada. Sua próxima audiência deve acontecer no próximo ano.
- Sim, senhor - disse ela. - Mantenho contato com o escritório do promotor e serei notificada sobre a data da audiência.
- Você terá de comparecer.
- Eu não perderia a oportunidade, senhor.
- O que você sabe sobre o novo julgamento? - perguntou Carter. Ele bateu as juntas nos papéis e continuou. - Fiquei curioso para saber em que o advogado dele está
se baseando para achar que ele terá chance.
- Infelizmente, pode ser que ele tenha chance - disse ela. - A súmula arquivada dos fatos acusa o promotor de ter sonegado informação vital. Minha avó sofria do
coração e o médico que cuidava dela apresentou-se, quando leu sobre sua morte. Esta informação não foi fornecida ao advogado de Skarrett.
- Mas você ainda não sabe se realmente haverá um novo julgamento?
- Não senhor, não sei.
- Vamos voltar a você, disse ele.
Avery não pôde mais se conter. - Senhor, posso perguntar por que o senhor está tão interessado em meu histórico?
- Você está sendo avaliada - ele lembrou-a. - Duas semanas depois da condenação de Skarrett, Jilly Delaney foi morta num acidente de carro.
- Sim.
Avery havia se esquecido da maior parte de sua infância, mas lembrava-se perfeitamente daquela ligação telefônica. Eles tinham acabado de fazer uma celebração tardia
do aniversário de tia Carrie, que estivera no hospital na data de seu aniversário. Avery estava ajudando a governanta a colocar a salada na mesa, antes que todos
se sentassem para jantar. No momento em que Avery ajeitava a travessa de purê de batatas, ao lado do prato de tio Tony, tia Carrie atendera o telefone. O gerente
de uma casa funerária estava ligando, para informar que Jilly havia sido incinerada em um acidente de carro. Segundo ele, os restos mortais eram suficientes para
justificar
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a compra de uma urna. Ele queria saber o que Carrie queria que ele fizesse com as cinzas e os pertences pessoais, que incluíam uma carta de motorista carbonizada.
Avery estava em pé, em frente à janela com o olhar fixado nos frenéticos beija-flores do jardim, quando ouviu Carrie dizer ao homem que jogasse tudo no depósito
de lixo mais próximo. Ela podia se lembrar de cada segundo daquela cena. Carter conseguiu recuperar a atenção de Avery ao fazer uma mudança súbita de assunto.
- Você terminou seu curso universitário, com honra, na Universidade de Santa Clara, com especialização em Psicologia e cursos adicionais em Ciências Políticas e
História. Depois, foi para Stanford e fez pós-graduação em Justiça Criminal - ao dizer isso, ele fechou a pasta. - Em sua declaração pessoal, você disse que decidiu
tornar-se uma agente do FBI quando tinha doze anos de idade. Por quê?
Ela sabia que ele havia lido sua resposta, que fazia parte da declaração pessoal quando fora entrevistada para o emprego.
- Um agente do FBI chamado John Cross salvou a minha vida. Se ele não estivesse cuidando de mim... se Skarett tivesse me levado da escola naquele dia, minha vida
estaria terminada.
Carter assentiu.
- E você acreditou que, trabalhando para o FBI, você poderia mudar alguma coisa?
- Sim.
- Então, por que não se tornou uma agente de campo?
- Burocracia, disse ela. - Acabei na posição que ocupo hoje. Pretendia servir mais seis meses e pedir transferência.
A assistente de Carter interrompeu-os.
- Sr. Carter, estão esperando pelo senhor. Avery foi, novamente, tomada de pânico.
- Senhor, eu realmente acho que Mike Andrews deveria cuidar da entrevista. Ele e sua equipe merecem todo o crédito.
- Nenhum de nós gosta de fazer isso - disse ele, ríspido. - Mas esse é um caso de muita repercussão e, francamente, a maior parte das pessoas gosta de ser reconhecida.
Meus colegas de trabalho e eu preferimos um aumento em nossos salários... e janelas, senhor. Gostaríamos de ter algumas janelas.
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O senhor sabia que nosso escritório está localizado atrás da casa das máquinas?
- Atualmente, espaço vale ouro - disse ele. - E, de onde você tirou a idéia de que estamos negociando?
Ela endireitou as costas.
- Senhor, numa avaliação... Ele interrompeu-a
- Você me disse que não teve a participação deles, quando ligou para Andrews.
- Sim, é verdade, mas eles... eles me apoiaram. A ajuda deles foi essencial na localização de todos aqueles nomes.
Carter piscou um dos olhos.
- Você sabia que mentiras não conseguem um aumento de salário?
- Sr. Carter, Mel, Lou, Margô e eu somos um time. Eles realmente ajudaram. Só não estavam tão convencidos quanto eu...
A campainha do interfone de Carter tocou. Impaciente, ele apertou o botão e disse:
- Já estou indo.
Depois, ele vestiu o paletó do terno. Sua expressão mostrava uma ruga profunda entre as sobrancelhas.
- Relaxe, Delaney - disse ele, finalmente. - Você não está em apuros. Não vou exigir que compareça à coletiva de imprensa.
O alívio fez com que Avery sentisse fraqueza.
- Obrigada, senhor.
Ela levantou-se, enquanto ele caminhava ao lado da escrivaninha. A bola que fizera com as meias estava escondida embaixo do casaco, enrolado no braço. Carter parou
em frente a porta e virouse, ainda enrugando as sobrancelhas.
- Nunca mais use meu nome sem minha permissão, Delaney.
- Sim, senhor.
- Mais uma coisa - disse ele.
- Sim, senhor?
- Bom trabalho.
Capítulo
2
O casamento não foi feito para os melindrosos. Se quiserem que seu casamento floresça, tanto o homem quanto a mulher têm de deixar suas crianças interiores jogar
sujo. Devem permitir que sua criança interior role pela lama. Naturalmente, é impossível evitar os erros, mas a relação será purificada por uma ducha de amor e compreensão
e, então, terá início o processo de cura.
Que grande mentira! Carolyn Delaney Salvetti estava sentada, em estado de total incredulidade, enquanto ouvia as abobrinhas que o conselheiro matrimonial extraía
de seu manual de auto-ajuda, publicado por ele mesmo e ridiculamente intitulado Permita que sua criança interior se suje. Estaria o idiota falando de casamento ou
de fazer tortas de lama? Carrie não sabia e, no momento, não tinha o menor interesse no assunto.
Tentando não ser muito óbvia, puxou a manga da camisa so bre o pulso e olhou para seu Cartier. Dez minutos até o final da sessão. Céus, será que sobreviveria?
Carrie respirou fundo, soltou a manga e recostou-se na poltrona luxuosa. Assentia vigorosamente, para que seu marido e o idiota pensassem que estava prestando atenção.
O casamento não foi feito para os melindrosos, repetia ele, em tom de barítono, lento e anasalado. Sua voz era como palha de aço, irritando cada nervo de seu corpo.
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O conselheiro era uma fraude flatulenta, pomposo e gordo, que insistia em ser chamado Doutor Pierce, porque achava que seu nome completo, Doutor Pierce Ebricht,
era muito formal para a discussão íntima que estavam tendo. Afinal de contas, ele estava ali para ajudá-los a lavar a sua roupa suja. Depois da primeira sessão,
Carrie apelidara-o de Doutor Prick1. Seu marido, Tony, o havia escolhido porque ele fazia sucesso nos círculos que freqüentava. O conselheiro, com diploma de curso
vago, era o mais novo guru que todos os que tivessem determinado status procuravam quando queriam rejuvenescer a união. Apesar de famoso, era um completo idiota.
E Tony não ficava muito atrás. Sentado ao lado de Carrie, as palmas das mão suadas, em postura de prece, austero e compenetrado - como um bonequinho de madeira,
que o conselheiro manipulava, a bel prazer -, rapidamente concordando, sempre que o Doutor Prick fazia uma pausa na leitura de sua bíblia e lançava-lhe um olhar
cheio de expectativas.
Morder os lábios foi a solução que Carrie encontrou para não rir... ou gritar. Só Deus sabe como ela gostaria de gritar! Mas não se atreveu. Ela havia feito um acordo
com seu marido infiel e desprezível e, se não se comportasse e fingisse que estava realmente tentando salvar seu casamento arruinado, teria de pagar-lhe pensão alimentícia
pelo resto de sua vida. O que era uma possibilidade aterradora.
Tudo parecia estar contra ela. Tony vinha de uma família de centenários. Seu tio Enzo, na avançada idade de 86 anos, ainda estava enchendo a cara de vinho em seu
pedaço de terra, do tamanho de um selo, no lado bom de Napa sem indícios de diminuição no ritmo de vida. A única concessão que concordou em fazer, em nome da boa
saúde, foi deixar de fumar seus cigarros Camel, sem filtro - três maços por dia - e aumentar a quantidade de alho que punha em tudo o que comia, inclusive sua torrada
matinal. Se Tony fosse tão saudável quanto Enzo, quando Carrie batesse as botas, estaria tão quebrada que não teria dinheiro algum para deixar para Avery, sua sobrinha
e única pessoa que ela, verdadeiramente, amava. Se, por outro lado, cooperasse com Tony e participasse das dez
1. Trocadilho intraduzível. O sentido de Doutor Prick é Doutor Bundão.
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sessões com o Doutor Prick e, ainda assim, o casamento fracassasse
- fato inevitável, segundo ela - Tony havia prometido que desistiria de sua parte nos negócios e não pediria um centavo de pensão.
Carrie não era tola. Cínica até os ossos, não seria ingênua de confiar na palavra de um homem que considerava mentiroso e ladrão. Havia 123 mil dólares desaparecidos
de uma de suas contas comerciais. Ela não podia provar que Tony tivesse retirado o dinheiro, mas sabia que ele o tinha usado para comprar presentes caros para sua
amante. O filho da puta!
Então, para garantir que ele não quebrasse sua promessa e viesse atrás dela com um pedido de pensão, ela havia exigido que ele assinasse um documento, com a presença
de sua assistente no papel de testemunha. O papel estava seguramente guardado em seu cofre, no First Commerce Bank.
Como tinham chegado a tal ponto? - especulou ela. Tony já fora um homem gentil e atencioso.
Carrie lembrava-se da noite em que acordara, sentindo uma dor insuportável. Ela achava que havia sido envenenada pela comida que comeram no restaurante tailandês,
que os amigos não cansavam de elogiar. Ela recusou-se a ir ao hospital e Tony ficou preocupadíssimo. Ele acabou por pegá-la no colo, carregá-la até o carro e levá-la
ao hospital. Naquela noite, ele salvara a sua vida. Depois do tratamento que recebeu no pronto atendimento, ela foi internada e ele ficou a noite toda cuidando dela.
Com seu charme, convenceu os funcionários do hospital a atenderem suas queixas e exigências, além de encher o quarto com gérberas, suas flores favoritas.
Naquela época, Tony era extremamente charmoso. Na verdade, ainda era. E essa talvez fosse a razão pela qual todas as jovens aspirantes a modelo viviam grudadas nele.
Seria a tentação tão forte que ele não pudesse resistir? Afinal de contas, ela estava envelhecendo, e as rugas começavam a aparecer. Seria essa a razão de ele ter-se
tornado infiel?
Ao verificar novamente o relógio, segurou um longo suspiro de alívio. Em apenas cinco minutos, não teria mais de se fazer de gentil para o Doutor Prick. Depois disso,
gostassem ou não, ela iria para a sua própria sessão de rejuvenescimento. Sua roupas de malhação, de marca Prada, estavam em suas sacolas Gucci, juntamente com seu
laptop de última geração, três baterias e dois telefones
50
celulares com recarregadores. A bagagem estava à sua espera no porta-malas da limusine que a levaria do escritório do Doutor Prick ao aeroporto.
Em mais de oito anos, esta era a primeira vez que se afastava de sua companhia, a Star Catcher, impondo-se férias forçadas. Ela estava bastante preocupada. Sabia
ter excelentes funcionários, capazes de solucionar qualquer problema durante sua ausência. Mas era do tipo controladora e não podia suportar a idéia de deixar que
outras pessoas tomassem decisões, mesmo que por apenas duas semanas. De acordo com Avery, Carrie era extremamente ativa. Ela não se afastara do trabalho nem para
fazer uma viagem de lua-demel, quando se casara com Tony. O curto fim de semana que passara em Baja fora, para ela, como um longo ano ausente da companhia, o que
foi considerado bastante irônico pois, na época, ela estava completamente apaixonada.
As letras, em relevo dourado, da reserva para o luxuoso Spa Utopia, haviam chegado três semanas atrás - logo depois da segunda sessão com o Doutor Prick - e Carrie,
depois de dar uma olhada no convite, fingira surpresa, mas não se deixara enganar. Já havia alguns meses que Tony a estava pressionando para tirar uns dias de folga
e aproveitar o descanso para pensar no casamento deles.
Mesmo implorando que ele admitisse, ele não confessou. Ele insistia em dizer que não havia feito a reserva, ou pago a exorbitante taxa. Como era ainda mais teimoso
do que ela, finalmente, ela desistiu de tentar arrancar a verdade dele.
A reserva veio acompanhada de uma sofisticada brochura, com fotos do luxuoso recinto e descrição dos tratamentos oferecidos. Havia, também, uma carta, contendo vários
testemunhos de homens e mulheres famosos que freqüentavam o Utopia.
Ela já tinha ouvido falar do spa - todos em Hollywood conheciam-no - mas não fazia idéia de sua popularidade entre os ricos e famosos. Como o preço era exorbitante,
ela jamais havia sequer considerado a possibilidade de hospedar-se lá.
Carrie estava dividida. Seria realmente importante ir? Fazer-se presente nos restaurantes da moda em Los Angeles era de extrema importância, porque era-se visto
e notado, mas um spa? Sendo tão calmo e elegante, como seria possível que alguém soubesse que ela
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estivera lá? Será que o dono juntaria seu testemunho à carta dos famosos? Nossa, isso seria demais! Ter seu nome na lista dos ricos e famosos daria um grande impulso
aos seus negócios. Atualmente, em sua profissão, a única justificativa para fazer alguma coisa era ter, como objetivo, impressionar os outros e fazê-los se contorcerem
de inveja. Apenas os que transitavam nas altas esferas e não precisavam trabalhar, conseguiam trabalho em Hollywood.
Mas, que garantia tinha ela de que seu nome figurasse na lista? Carrie fez as contas, chegando aos centavos no cálculo do custo de cada dia no spa, e decidiu ficar
em casa. Ela não tinha a menor intenção de deixar que Tony gastasse aquela quantia de seu dinheiro. Na manhã seguinte, ligaria para o spa e pediria o reembolso do
pagamento. De maneira alguma ela gastaria aquele montante. Ela deve ter gritado essas mesmas palavras pelo menos umas cinco vezes para Tony, antes que ele lesse,
em voz alta, a lista dos famosos que freqüentavam o spa e diziam maravilhas sobre seu programa de rejuvenescimento. Ela parou de esbravejar quando ouviu o nome de
Barbara Rolands. Todos referiam-se à atriz veterana, ganhadora de três Oscars, como a possuidora da melhor plástica facial da costa oeste. No ano passado, Barbara
desaparecera por três semanas e, quando voltou a fazer uma aparição pública, e um show beneficente para os ricos e famosos, estava simplesmente magnífica. Será que
sua plástica fora feita no spa?
Carrie arrancou os papéis das mãos de Tony. Leu os nomes dos funcionários designados para atender às menores necessidades dos clientes. Os nomes de dois cirurgiões
plásticos, de fama internacional, encabeçavam a lista.
Será que sua avaliação física seria feita pelos mesmos médicos que trabalharam com algumas das pessoas mais influentes do século? Só Deus sabe como ela poderia tirar
proveito de um rejuvenescimento. Não estava falando de plástica - ainda não tinha chegado aos 45 anos - mas as bolsas sob os olhos estavam ficando mais pronunciadas
e ela teria de acabar tomando providências a respeito. As noites de insônia, os longos dias de trabalho e as vinte xícaras diárias de café, sem jamais ter dedicado
tempo aos exercícios, haviam feito seu estrago.
De acordo com a carta, ela voaria de Los Angeles para Denver e, depois, pegaria um avião menor para Aspen. O Utopia estava
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localizado nas montanhas, a quinze minutos da estação de esqui mais próxima. Chegaria no final da noite e, na manhã seguinte, sua condição física seria avaliada
pelos médicos. Ela notou que eles ofereciam lipoaspiração. Os procedimentos eram explicados logo abaixo da massagem completa.
Como recusar? Como poderia resistir? Especialmente depois de Tony ter mencionado que o presente anônimo não era reembolsável. Ela estava absolutamente convencida
de que ele havia usado dinheiro da companhia para pagar a excentricidade. O cara não era capaz de economizar um centavo. Desde que uniram suas companhias e ela conseguira
sua primeira conta multimilionária, ele estivera vivendo como um lorde. Era completamente desprovido de tino para negócios.
Tony voltou a insistir que a origem do convite não importava, e sugeriu que ela se presenteasse pelo aniversário com férias adiantadas. Ele acreditava, seriamente,
que, em cavalo dado não se olham os dentes. Tony disse-lhe que esperava que ela usasse seu tempo para refletir sobre todas as coisas sábias a respeito da inviolabilidade
do matrimônio, mencionadas pelo Doutor Prick. Carrie sabia que ele tinha esperanças que ela, ao diminuir o ritmo de trabalho durante as férias, chegasse à conclusão
que suas acusações a respeito dele eram falsas e descobrisse, em sua alma, que ainda o amava.
Carrie tinha outras idéias. Enquanto se refazia, estaria trabalhando em um comercial absolutamente fantástico, que traria um outro Clio para a sua companhia. Começava
a se sentir ansiosa, pois já fazia muito tempo, quase quatro anos, que recebera seu último prêmio. Propaganda era um negócio cruel e impiedoso, e a concorrência,
a maior parte sediada em Manhattan, era extremamente agressiva. A faixa etária havia baixado para vinte anos. Alguns executivos sequer dirigiam a palavra a um homem
ou mulher com mais de trinta, razão pela qual Carrie havia contratado três jovens formados em Business. Os fanáticos por videogames eram chamados por ela de "minhas
crianças".
Era imperioso que Carrie se mantivesse vivendo o momento, a cada momento. Em seu trabalho, não importava o número de conquistas passadas. Com tantos inovadores e
agitadores tentando encontrar um lugar ao sol e atuar em seu círculo de influência, a Star Catcher tinha de fazer o possível e o impossível para manter a visibilidade.
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Hollywood era uma cidade volúvel. Os que detinham o poder estavam interessados apenas naquele que estivesse chamando a atenção durante aquele dia. Se Carrie
não vivesse pressionando seus funcionários para conseguir contas cada vez mais polpudas, estaria fadada a desaparecer da noite para o dia.
Carrie devia seu primeiro Clio à sobrinha. Ela havia implorado a Avery para substituir a adolescente temperamental que, no último momento, teve um acesso de raiva,
exigindo o dobro do cachê combinado. A boboca achava que tinha a Star Catcher nas mãos devido à pressão do tempo e, se Avery não tivesse vindo ao estúdio naquele
dia, Carrie teria cedido às exigências da cadelinha. Avery sentira-se intimidada com o que Carrie esperava de sua atuação, mas tinha boa voz e um corpo fantástico
e isso era, basicamente, tudo o que precisavam. O comercial de sabonete foi um sucesso estrondoso e Carrie, no papel de agente de Avery, poderia ter-lhe conseguido
o equivalente a, pelo menos, um ano de trabalho. Mas Avery não estava interessada. Assim que suas férias de primavera terminaram, ela voltou para a escola.
Ela continuou a trabalhar com Carrie durante os verões, mas detestava deixar o escritório para encontrar-se com os executivos. Carrie não era capaz de entender sua
reserva. Avery parecia não perceber - ou simplesmente não se importava - em ser dona, como Tony gostava de dizer, de uma beleza arrasadora.
O problema de sua sobrinha era sua total falta de superficialidade. Ela era gentil e íntegra, e tinha uma noção extremamente clara das coisas importantes da vida.
E Carrie tinha consciência de que contribuíra para isso. Carrie especulava-se sobre a ironia do fato de atuar profissionalmente numa área completamente consumida
pela superficialidade. Pensava na hipócrita que se tornara. Quando ela aprenderia a colocar em ação tudo o que ensinara à Avery? Talvez depois de ganhar mais alguns
milhões de dólares?
Carrie havia, finalmente, se entusiasmado com a idéia do spa. Assim que se decidiu, ligou para Avery e implorou para que a sobrinha lhe viesse fazer companhia, por
uma semana. Ela sabia que Avery usaria parte de suas férias para ciceronear adolescentes em Washington, D.C., e manipulou o quanto pôde, tentando fazê-la sentir-se
culpada, dizendo que tinha de dedicar o mesmo tempo à família. Carrie gostaria que Avery se juntasse a ela, pelo menos por
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alguns dias, apesar de saber que a sobrinha teria um ataque do coração se soubesse quanto isso custaria à tia. Carrie não sentia qualquer tipo de desconforto em
pagar as despesas para Avery. Ela faria qualquer coisa pela sobrinha. Provavelmente, porque Avery nunca lhe pedira nada. Para Carrie, era inexplicável que ela pudesse
viver com seu pequeno salário. Sempre que conversavam, ela lhe oferecia dinheiro, mas Avery inevitavelmente recusava, dizendo que não precisava de nada.
Carrie sabia que Avery tinha o poder de mantê-la na linha. Sabia também que a sobrinha a impediria de, movida pelo entusiasmo, inscrever-se em todos os tratamentos
oferecidos pelo spa.
Avery teria uma síncope quando soubesse que a tia tinha intenções de fazer uma lipoaspiração. Ela sorriu e pensou no argumento que a sobrinha usaria. Avery balançaria
a cabeça, incrédula, quando visse as roupas de ginástica da tia. Todas de marca e em combinações perfeitas. Tinha certeza que, em seguida, teria de ouvir um longo
discurso sobre a necessidade de manter-se saudável e em boa forma.
Céus, como sentia falta da pirralha!
- Por que é que você está sorrindo? - perguntou Tony.
De volta à realidade, ela percebeu que o marido e o conselheiro matrimonial estavam-na encarando. Ela meneou os ombros, para esconder o constrangimento.
- Estava pensando em tudo o que tenho de pensar. Aquela frase absurda foi tudo o que pôde fabricar, naquele momento.
O Doutor Prick parecia plenamente satisfeito em rolar na lama com sua criança interior. Ele assentiu, concordando, e levantou-se, indicando que a sessão havia terminado.
Tony caminhou ao seu lado, alto e forte, até a limusine que a aguardava.
- Você tem certeza que não quer que eu a acompanhe até o aeroporto?
- Sim.
- Você trouxe a reserva?
- Sim. Ela afastou-se do marido quando o motorista lhe abriu a porta de trás. Deixei três mensagens para Avery, mas ainda não tive notícias dela. Eu pensei que fosse
falar com ela antes de sair de Los Angeles.
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- Você sabe como ela é ocupada. Talvez ela não tenha tido tempo de ligar de volta.
- E se acontecer alguma emergência enquanto eu estiver fora?
- Ela ligará para mim, ou tentará falar com você pelo celular.
- Eu não gosto dessa idéia de trabalhar com adolescentes. É muito difícil para ela. Ela...
- Ela não teria aceito, se não gostasse do trabalho - disse ele.
- Você precisa parar de se preocupar. Avery não é mais criança.
- Dê uma olhada em meus e-mails quando chegar em casa
- disse ela. - Talvez ela tenha mandado algum.
- Está bem, se tiver um e-mail dela, eu te ligo.
- A audiência para livramento condicional será no dia dezesseis. Gostaria de saber se Avery já recebeu a notificação. Eu acabei de receber a...
- É claro que recebeu. Por que você está se preocupando com isso agora?
- Eu não posso perder a audiência - respondeu ela, ríspida.
- Eu sempre vou com Avery. Nós devemos falar antes da decisão do júri...
- Querida, nem você nem Avery perderão a audiência. Ainda falta um mês, pelo amor de Deus! Você esteve presente na última e estará presente na próxima. Agora relaxe.
Quero que se divirta.
Ela assentiu.
- Tudo bem.
Faltou sinceridade em sua voz. Arqueando as sobrancelhas, ele disse:
- Você está tensa porque não tira férias há muito tempo. Ela assentiu, novamente, e tentou entrar no carro, mas Tony
agarrou-a pelos ombros e beijou-a.
- Eu amo você - sussurrou ele. - Sempre te amei. Desde a primeira vez que nos encontramos. Não quero que nosso casamento acabe.
- Sim, eu sei - disse ela, em tom de dispensa.
Assim que o carro se colocou em movimento, Carrie pegou seu laptop. Mal tinha acabado de abri-lo, seu celular tocou. Pensando que fosse Tony querendo continuar a
lenga-lenga sobre o casamento, ela respondeu rispidamente.
- O que você quer?
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- Adivinha o quê?
- Olá, minha querida. Pensei que fosse o Tony. Você está gostando das férias?
- Ainda não - respondeu Avery. - Estou acabando de resolver algumas coisinhas aqui no escritório. Alguns dias atrás, tive uma reunião importante com meu novo chefe.
Estou louca para te contar sobre um caso que ajudei a resolver. Que tal jantarmos juntas em Aspen?
Carrie soltou um grito.
- Você vem comigo? Quer dizer que minhas ameaças e pedidos desesperados funcionaram?
- Se eu disser que sim, da próxima vez você fará pior. Você conseguiu fazer com que me sentisse culpada dessa vez, mas não pense que...
- O que aconteceu com os garotos que ia levar para passear em Washington?
- A viagem foi adiada.
- Então ganhei por desistência.
- Você quer ou não quer que eu vá?
- É claro que quero. Vou ligar para o Utopia agora mesmo. Já fez reserva para o vôo?
- Estou na frente da tela do computador. Posso fazer uma conexão em Denver, mas chegarei bem tarde - avisou ela.
- Puxa, acho ótimo. Vamos nos divertir muito. Avise-me do horário de chegada do vôo, assim que você fizer a reserva. Vejo você mais tarde. Adoro você.
Depois de falar com Avery, o estado de espírito de Carrie melhorou bastante. Ela desligou e, imediatamente, ligou para o Utopia. Depois, voltou ao laptop e começou
a trabalhar. Fez anotações até que a limusine chegasse ao aeroporto. As filas para inspeção de segurança andavam a passo de tartaruga. Mudando a alça de sua maleta
de um ombro para outro, Carrie tirou seu gravador portátil da bolsa e ditou instruções para seus funcionários. Quando o avião levantou vôo, ela estava confortavelmente
sentada na classe executiva, com uma taça de Chardonnay gelado nas mãos. Ela abriu o laptop e voltou ao trabalho.
Seu pensamento insistia em voltar para Avery. Decidiu que ligaria imediatamente para a sobrinha, para saber o horário do vôo.
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Estendeu a mão em direção ao telefone, instalado no braço da poltrona, mas desistiu no meio do caminho. Melhor esperar. Se usasse o telefone do avião, teria de gritar
mais alto que os motores e a estática, e todos ao redor ouviriam sua conversa.
Assim que chegou ao aeroporto de Aspen, afastou-se da multidão e sentou-se para procurar seu celular em sua maleta. Antes de se lembrar que havia guardado o celular
na bolsa, esvaziou a maleta de mão. Ela não era uma pessoa desorganizada, pensou, enquanto fechava a maleta. Neste momento, olhou para cima e viu um homem segurando
um cartaz com o seu nome. Vestia um elegante terno azul marinho, ela pensou que ele fosse outro motorista de limusine. Ele tinha aparência distinta e era bastante
bonito, uma versão mais jovem de Sean Connery. Ela colocou o celular no bolso do blazer e levantou-se, rapidamente. Arrumando a gola da camisa, gritou:
- Eu sou Carolyn Salvetti.
O sorriso dele era estonteante.
- Boa tarde, Sra. Salvetti. Ele tinha um encantador sotaque britânico. No crachá, que trazia na lapela, lia-se o nome: Sr. M. Edwards.
- Você é do Utopia?... O spa? - perguntou ela.
- Correto - disse ele. - A senhora trouxe a reserva? Ela retirou a reserva de sua mala de viagem.
- Aqui está.
- Não é necessário que eu a veja, senhora. Queria apenas me certificar que a senhora a tem. Vamos pegar sua bagagem?
Ela sentiu-se ridícula quase correndo com seus sapatos de salto, tentando acompanhar o ritmo das pernas longas de seu acompanhante. Em certo momento escorregou e,
se ele não a tivesse segurado pelo braço, teria ido de cara no chão. Ela havia pensado em trocar os sapatos antes de entrar no avião, mas envolvera-se com o trabalho
e nem se lembrara.
Ao passarem por alguns telefones públicos, lembrou-se de ligar para Avery. Que droga, ela havia pedido que a sobrinha ligasse assim que fizesse a reserva do vôo.
Carrie podia imaginar o que acontecera. Avery trabalhara até mais tarde e, depois, correra para casa para arrumar as malas.
Agora talvez já fosse muito tarde para alcançá-la, tanto em casa como no trabalho. Era possível que ela já estivesse no aeroporto
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ou, até mesmo, voando. Mesmo assim, Carrie gostaria de tentar. Era provável que Avery verificasse as mensagens quando chegasse a Denver. Sim, ela ligaria assim
que chegassem às esteiras.
- Há outros hóspedes do spa conoscol - perguntou ela.
- Sim - disse ele. - Duas hóspedes. Elas estão à nossa espera, no saguão. Assim que retirarmos sua bagagem, iremos até elas.
- Você virá novamente até aqui hoje à tarde ou à noite?
- Não, esta é minha última viagem. Por quê?
- Minha sobrinha, Avery Delaney, virá encontrar-me no spa. Surpreso com o comentário, ele parou no meio do corredor. A
Srta. Delaney virá encontrá-la aqui? Não foi o que acabara de dizer?
- Sim - disse ela. - Mas ela está vindo de Washington. Se você não está escalado para vir apanhá-la, o spa deve mandar outra pessoa.
Eles continuaram a caminhar.
- Sim, deve ser isso - disse ele, preocupado.
- Eu não tenho informações sobre o vôo, mas ela deve ter ligado para o spa, pedindo que fossem buscá-la. Será que você pode ligar para o spa e perguntar, por favor?
Seria perfeito se pudéssemos esperar por ela. Sei que ela está fazendo uma conexão em Denver - disse ela.
- Vou ligar para o spa agora mesmo - disse ele. Olhando ao redor, apontou em direção a uma fileira de assentos, em frente a um portão deserto. - A senhora não quer
sentar-se?
Ele estava colocando a bagagem de mão ao seu lado, quando ela perguntou:
- O que significa a letra "M", em seu nome?
- Desculpe, não entendi.
- Seu nome. "Sr. M. Edwards". O que significa o "M"? Ele não viu motivos para mentir.
- Monk. O "M" significa Monk.
- Maravilhosamente incomum.
- Prefiro que meus clientes me chamem de Sr. Edwards. Quanta formalidade, pensou ela.
- Sim, claro.
- Com licença... - disse ele, afastando-se em direção à janela, enquanto pegava seu celular. Carrie agarrou sua bagagem e foi
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atrás dele. Ela queria pedir a ele que perguntasse se, no spa, havia algum recado para ela.
Quando ela se aproximou, ele estava de costas. Deu-lhe uns tapinhas no ombro.
- Sr. Edwards.
Sobressaltado, ele virou-se, rapidamente.
- Um momento - disse ele ao telefone. - Sim?
- Você pode, por favor, perguntar à recepcionista se tem algum recado para mim?
Ele repetiu a pergunta, esperou algum tempo e, depois, balançou a cabeça. Carrie sentiu-se ridícula parada ali daquela maneira e voltou a sentar-se.
Ele não ficou muito tempo ao telefone e, quando juntou-se a ela, pegou suas malas e desculpou-se pela demora.
- Uma outra pessoa está encarregada de apanhar a Srta. Delaney.
- Não podemos esperar por ela?
- Desculpe, a senhora disse alguma coisa? - perguntou ele. A falta de atenção dele era irritante.
- Perguntei se poderíamos esperar por minha sobrinha.
- Sinto muito, mas não - respondeu ele. - As outras hóspedes estão esperando já há algum tempo. Eu não pediria que esperassem ainda mais. Espero que a senhora compreenda.
- Claro.
- Obrigado - disse ele. - Elas irão, com certeza, gostar da sua colaboração.
- Quem são elas? - perguntou Carrie, bruscamente.
- Não entendi.
- Estou perguntando, Sr. Edwards, quem são seus outros clientes.
- A Sra. Trapp veio de Cleveland, e o avião da Juíza Collins veio de Miami.
Carrie nunca tinha ouvido os nomes antes e especulou se seriam famosos. Ficou esperançosa que fossem. Ela precisava de todas as ligações influentes que pudesse arranjar.
Talvez a juíza fosse uma celebridade da televisão. E isso seria bastante interessante.
Finalmente, chegaram às esteiras, juntando-se à horda de passageiros tentando abrir passagem.
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- Quanto tempo leva a viagem ao spa?
- Não leva muito tempo - respondeu ele. - Esta noite, no entanto, a senhora não irá diretamente ao Utopia, acrescentou ele. Houve um problema com o encanamento,
que deve estar solucionado por volta da meia-noite. Para que vocês não sejam incomodadas, o diretor cuidou para que a senhora, a Sra. Trapp e a Juíza Collins passem
a noite num refúgio particular.
Carrie estava pronta para protestar que, com certeza, seria uma inconveniência. Que teria que desarrumar e, depois, novamente, arrumar as malas, mas não teve a chance.
O Sr. Edwards disse, com voz negligente e de modo imprevisto:
- Eu acho que o Sr. Cruise e uma acompanhante foram os últimos a se hospedarem lá.
Os olhos dela arregalaram-se.
- Tom Cruise?
- Isso mesmo. E amanhã pela manhã, continuou ele, suavemente, a senhora será levada ao spa.
- Minha sobrinha também vai ficar no refúgio particular?
- Não tenho certeza. Se o problema já estiver solucionado quando o avião dela chegar, será levada diretamente ao spa.
- O refúgio é perto de Aspen?
- Nos arredores, no alto das montanhas. O lugar chama-se Terra Entre os Lagos e é muito bonito. Noites frias e dias quentes e ensolarados a maior parte do ano. Clima
ideal para caminhadas e acampamentos.
- Não sou do tipo que curte natureza, como você parece ser - disse ela, notando a largura de seus ombros e a protuberância de seus músculos, forçando o tecido do
terno, obviamente feito sob medida. Qual seria o salário de um motorista?
Por quase dez minutos ficaram um ao lado do outro, antes que as malas começassem a rolar na esteira.
- Aquela é minha - disse ela, apontando para uma Gucci preta, bastante estufada. - Tenha cuidado - avisou ela. Está pesada.
- Esta é a única?
Com certeza, ele devia estar brincado.
- Não, tem mais três.
- Quanto tempo a senhora pretende ficar no spa? - perguntou ele.
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- Duas semanas. Há quanto tempo você trabalha lá? - perguntou ela, jogando conversa fora para passar o tempo, enquanto esperava pelo resto da bagagem. Se sua bagagem
se perdesse, ela estaria em maus lençóis, pois as baterias extras para seu laptop e celular estavam nas malas.
- Um ano - respondeu ele.
- Legal - comentou ela, desinteressada. O que diabos havia acontecido com suas outras malas? Ela respirou fundo, pois já começava a sentir-se ansiosa. Relaxe, disse
a si mesma. Você está de férias.
Ela olhou ao redor do recinto, notou um banheiro e disse,
- Antes de sairmos, eu gostaria de lavar o rosto com água fria.
- Se a senhora pudesse esperar até que chegássemos...
- Na verdade, não posso esperar - interrompeu ela. Ela lhe deu sua bagagem de mão, mas segurou a bolsa. - Não desgrude desta mala. Meu laptop e meu celular estão
aí.
Correu para o banheiro. Enquanto lavava as mãos, lembrou-se que havia colocado seu outro celular no bolso da camisa e resolveu ligar para Avery.
Em busca de privacidade, Carrie foi ao último compartimento, rezando para que o sinal não estivesse bloqueado e discou para Avery. Primeiro, ela ligou para o apartamento
de Avery, ouviu a secretária eletrônica e pediu que a sobrinha retornasse a ligação assim que recebesse o recado. Depois, pensando que ela tivesse saído para o aeroporto,
tentou novamente. O número era a linha direta da mesa de Avery. A secretária eletrônica respondeu ao segundo toque.
- Droga, Avery, você prometeu me ligar com a informação sobre o vôo. Você esqueceu? Estou rezando para que você esteja no avião agora, e que verifique os recados
quando chegar em Denver. Acho que estou preocupada porque não quero que você me dê o cano. Eu sei como esse trabalho absorve você. Se eu ficar sabendo que você perdeu
o vôo por ter ficado presa em uma daquelas reuniões horríveis, farei um escândalo tão grande, que vai te deixar com os ouvidos doendo por um mês. Sinceramente, Avery,
quando penso em tudo o que você poderia estar fazendo, e em toda a grana que poderia estar ganhando, e você ficando lá, presa naquele calabouço sem janelas, analisando
sabe Deus que tipo de coisas. É um
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desperdício de talento. Tenho certeza que você sabe disto. Gostaria que você me deixasse ajudá-la a mudar de profissão.
Carrie percebeu o que estava fazendo e caiu na risada.
- Olhe para mim, falando sem parar. Você já ouviu isso antes, não é? De qualquer maneira, liguei para dizer que estou em Aspen. Queria esperá-la no aeroporto, para
que pudéssemos ir juntas ao spa, mas existem outros hóspedes e não seria justo fazê-los esperar. Não dormirei no spa esta noite. Eles tiveram qualquer problema com
o encanamento que, segundo meu acompanhante, estará solucionado quando você chegar lá. A essa altura, eu já estarei dormindo. As outras senhoras e eu passaremos
a noite em um luxuoso refúgio nas montanhas. Já me esqueci dos nomes das outras senhoras, mas uma delas é juíza. Aposto que é famosa. E, amanhã - continuou ela -,
vou até o spa para encontrar você.
Carrie sentiu uma outra onda de emoção.
- O refúgio chama-se Terra Entre os Lagos. Não é pitoresco? Tom Cruise foi a última pessoa a passar a noite lá, o que significa que o lugar deve ser incrivelmente
bonito. Quer dizer, eles não colocariam o Tom em qualquer palhoça. É melhor eu desligar, antes que meu acompanhante venha me procurar no banheiro feminino. Estou
morrendo de saudades. Nós vamos nos divertir muito. Meu acompanhante está me chamando. O spa mandou um bonitão para carregar minha bagagem. E, você não imagina como
ele é sensual. O nome dele é Monk Edwards mas, acredite, não se parece com um monge2 que eu tenha conhecido. Talvez eles mandem outro gato para te apanhar no aeroporto.
Tchau, pirralha. Logo a gente se vê.
2. A palavra Monk, em português, significa monge.
Capítulo
3
A pista levava ao Utopia. Por mais de um ano, John Paul Renard estivera à caça do assassino profissional sem sucesso. Seu último crime conhecido ocorrera na Riviera,
com a execução de um homem procurado, chamado John Russell. Desde então, o matador, que dizia se chamar Monk, parecia ter sido varrido da face da terra. Houve suspeitas
de atuações suas em Paris e Cannes, mas nada que pudesse ser considerado uma indicação segura.
Até agora.
John Paul aprendera a ter paciência quando trabalhou como Fuzileiro Naval e, mais tarde, por um curto período de tempo, para a cia. Ele achava que o matador acabaria
retornando aos Estados Unidos. Fora apenas um palpite, mas, por incrível que pareça, ele estava certo. Monk havia reaparecido três semanas atrás. Na verdade, ele
havia pisado na bola. Ele usara um de seus velhos cartões de crédito. Foi uma coisa muito malfeita e fora do estilo de um homem que, até agora, havia praticado seus
crimes de maneira quase impecável. John Paul se perguntou se Monk havia se livrado do cartão de crédito e se alguém poderia tê-lo achado e usado.
Valia a pena investigar. Uma cobrança fora feita no spa chamado Utopia, localizado no Colorado, para uma mulher de nome Carolyn Salvetti. John Paul averiguou seu
crédito e descobriu que, com o dinheiro que tinha nas suas contas e nos planos de pensão,
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ela poderia comprar vários spas. Existiria ali alguma conexão com Monk? Será que ela o havia contratado para matar alguém? Ou seria ela sua próxima vítima?
John Paul colhera informações sobre Carolyn Salvetti no banco de dados do governo. Ele usara sua velha senha para ter acesso, mesmo sabendo que, assim que a digitasse,
o cara que o havia despedido ficaria sabendo e pensaria, incorretamente, que ele estava louco para voltar. Por isso, não ficou muito tempo no computador. Em menos
de dois minutos encontrou o que precisava. Ela tinha um histórico imaculado. Nenhum pedido de busca, nenhuma multa por estacionar em local proibido, nenhuma atividade
ilegal. Seu marido também era um cara limpo. Carolyn Salvetti era a presidente de uma companhia chamada Star Catcher. Tony Salvetti era o vice-presidente.
O banco de dados não havia lhe dado resposta alguma. Se era verdade que Carolyn Salvetti era o próximo alvo de Monk, então quem o teria contratado? Quem se beneficiaria
em vê-la morta?
John Paul estava decidido a descobrir. Como seu irmão, Remy, vivia em Colorado Springs, ele resolveu dirigir até lá para fazer uma visita. Conhecido em sua cidade
natal, Bowen, Louisiana, como uma pessoa rude e solitária, John Paul chocou a família e os poucos amigos ao comprar uma velha caminhonete. Ele fez umas melhorias
no carro, envenenou o motor, colocou dentro dele umas cadeiras de cozinha de madeira que fizera para Remy e meteu-se na estrada.
John Paul passou dois dias com o irmão, mas no dia dezesseis de junho, dia em que Salvetti deveria chegar ao spa, ele estava lá, esperando por ela. Tinha esperanças
que Monk viesse atrás dela e, nesse caso, ele poderia prender o bastardo.
Mas Carolyn Salvetti não apareceu. O recepcionista, um rapaz excessivamente nervoso e de aparência severa, com dentes esquisitos, cobertos por enormes jaquetas,
disse a John Paul que, no último minuto, a Sra. Salvetti havia cancelado sua reserva.
- Mas logo abaixo da antiga reserva, está escrito que a sobrinha dela, Avery Delaney, também se hospedaria no spa. A Srta. Delaney ficará aqui apenas por uma semana
- ele se lembrou de acrescentar. - As informações ajudaram?
Em vez de responder, ele pediu para falar com o gerente. Ao virar-se apressadamente, o funcionário deu uma tropeçada e saiu correndo para chamar seu chefe.
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Tim Cannon apareceu um minuto mais tarde, com o funcionário meio escondido atrás de si. Como deixara a cia, ele não tinha mais suas credenciais para ameaçar o homenzinho
suado e de lábios quase inexistentes. Então, a única saída foi fazer com que se sentisse intimidado. Funcionou como mágica. Por alguma razão que não podia entender,
as pessoas apresentavam uma tendência a sentir medo dele. Sua irmã, Michelle, dissera-lhe que era por causa de seu tamanho além, é claro, do fato de raramente rir.
Mesmo achando estranho, ele tirava vantagem do medo que as pessoas sentiam dele. Acreditando que John Paul trabalhasse para o governo - o que John Paul dera a entender
sem, no entanto, verbalizar - e estando claramente com vergonha de admitir que estava com medo, Cannon não chamou os seguranças ou pediu para ver as credenciais.
Na verdade, o gerente foi extremamente cooperativo. Levou-o até seu escritório, ofereceu-lhe sua escrivaninha e telefone e, depois, tartamudeando o tempo todo a
respeito de uma emergência que exigia sua atenção, saiu do escritório e fechou a porta atrás de si.
No instante em que se viu sozinho, John Paul ligou o computador, encontrou o site e digitou o código de acesso. Mesmo detestando a tecnologia, sabia ser esta a única
maneira de encontrar a informação que precisava. Queria saber se tinham colocado um aviso de alerta com relação a Monk. Ficou desagradavelmente surpreso ao descobrir
que não. O spa ainda não fervilhava com agentes que, na opinião de John Paul, eram tão identificáveis quanto um grupo de freiras em hábito negro. Donde pôde concluir
que o FBI não sabia que Monk havia retornado aos Estados Unidos. E John Paul não sentia a mínima vontade de contar-lhes. O FBI acabaria metendo os pés pelas mãos.
Monk perceberia a presença dos agentes, ficaria com medo e viraria fumaça de novo.
John Paul não deixaria isso acontecer. Ele estava mais adiante que o Bureau, e isso era tudo o que precisava. Tinha razões pessoais para querer botar as mãos no
matador, e não deixaria que ninguém se metesse em seu caminho.
Pouco mais de um ano atrás, Monk tentara matar a irmã de John Paul, Michelle e, não fosse pelo marido e uma amiga, ele teria conseguido. John Paul considerava inaceitável
que Monk tivesse saído ileso. Ele jurou que não descansaria enquanto não caçasse o
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bastardo por toda a superfície da terra e o mandasse, definitivamente, para o inferno que era, afinal o lugar dele.
Quando começou a trabalhar na pesquisa, sua sede de vingança aumentou. Um caso, em particular, havia abalado John Paul. Um pai havia contratado Monk para matar sua
filha adolescente, para botar as mãos na grana do seguro e pagar suas dívidas de jogo. O fbi sabia que Monk havia assassinado a garota porque o matador sempre deixava
uma rosa ao lado de suas vítimas. Apesar da evidência ter sido recolhida pelo pai da moça, um espinho foi encontrado em sua roupa de cama. Não havia ninguém mais
na família para chorar ou clamar por justiça. John Paul sabia existirem outras vítimas, das quais o fbi nem sequer tinha informação. Quantos inocentes ainda morreriam
antes que conseguissem deter o matador?
Capítulo
4
Enquanto levava as três mulheres ao seu destino, Monk as manteve distraídas. Carrie achava-o sensual e, oh, terrivelmente correto. Em se tratando de mordomos ingleses,
era seu ideal de perfeição.
Ele acomodou a bagagem na parte traseira de um Land Rover novinho e super-equipado, explicando que o veículo era ideal para estradas montanhosas e que, por isso,
não tinha vindo buscá-las numa das limusines do spa.
Anne Trapp sentou-se na frente e Carolyn sentou-se atrás, ao lado de Sara Collins. Os assentos, extremamente confortáveis, estavam cobertos por um luxuoso couro
bege.
Elas estavam nervosas e agitadas, mas conversaram pouco. Monk contou-lhes uma breve história do spa e, em seguida, encheu-lhes os ouvidos com histórias sobre os
ricos e famosos que se hospedavam na casa de montanha para onde as estava levando.
Carrie perdera a noção do tempo de duração da viagem. Ela não havia olhado para o relógio quando deixaram o aeroporto, mas parecia que já havia passado mais de uma
hora, talvez mais. As histórias de Monk deixaram-na tão intrigada que nem se importou com a longa viagem, ou com o breve momento em que sentiu seu estômago enjoar.
A medida que subiam a montanha, Sara extasiavase com o cenário, enquanto Anne mantinha-se em silêncio sepulcral
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e Carrie especulava com Monk a respeito de seus clientes anteriores. Ela não estava particularmente interessada nos políticos, mas queria saber tudo sobre os
astros de cinema.
- O Russel Crowe já se hospedou aqui? Como é ele? Monk inventou uma fantástica prosa fiada sobre o ator australiano.
- Ele gostou bastante da casa - acrescentou ele - quis até mesmo comprá-la.
- Nossa, a casa deve ser mesmo linda! - comentou Sara. Monk assegurou-lhes que a casa oferecia todo o conforto, e
que elas o teriam como mordomo até chegarem ao Utopia.
- Espero que não tenhamos mais nenhum problema - disse Anne, irritada.
- Houve algum problema? - perguntou Sara.
- É claro que sim - disse Anne. Ela virou-se no banco para poder olhar para Sara, enquanto explicava. - Não havia nenhum funcionário do spa, esperando no portão
de desembarque para me ajudar com minha bagagem de mão. Se, enquanto me dirigia às esteiras de bagagem, não tivesse visto o Sr. Edwards segurando uma placa na saída
de meu portão de desembarque, teria ficado lá, completamente abandonada. Eu estava exausta - continuou ela. - Mas ponderei que arrastar minha bagagem até o ponto
de táxi estava além de minhas forças.
- Você não notou os carregadores? - perguntou Carrie.
- O problema não é este - chicoteou Anne. - Eu não deveria ter que enfrentar tamanho incômodo.
Que idiota, pensou Carrie. A expressão de Anne chegava a ser cômica. Ela estava fazendo beiço, como se tivesse oito anos de idade.
- Eu lhe asseguro, Sra. Trapp, que seus menores desejos serão satisfeitos por uma excelente equipe de funcionários e, mais uma vez, peço desculpas pelo inconveniente.
- Haverá funcionários no refúgio? - perguntou ela.
- É claro que sim.
- Quantos?
- Quatro - respondeu ele. - Eles virão do spa, e devem chegar daqui a pouco.
- Eu quero que um deles fique totalmente ao meu dispor - exigiu Anne. - Você pode cuidar disto?
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- Sim, claro. Anne assentiu.
- Obrigada - disse ela, em tom de apaziguamento.
Sara e Carrie trocaram um olhar carregado de significado. Anne continuou:
- É bom saber que não passaremos a noite sozinhas... no caso de acontecer alguma coisa... ou alguma coisa se quebrar. Nunca se sabe.
- Um novo sistema de alarme está sendo instalado. Os fios ainda estão aparentes, mas pode-se dar um jeito - prometeu ele. - Uma vez que o alarme seja ligado, vocês
não poderão abrir as janelas ou as portas que dão para fora, é claro. Mas como aqui costuma fazer muito frio, não acredito que será necessário deixar as janelas
abertas.
Carrie olhou para suas companheiras de viagem. Apesar de terem aparência familiar, não se lembrava do lugar exato em que poderia tê-las encontrado.
Ela fixou o olhar na nuca de Anne e, depois de um momento, deu um tapinha no ombro dela e perguntou se já tinham se visto antes. A mulher loira de profundos olhos
castanhos virou-se no assento e deu um pequeno sorriso.
- Acho que nunca nos encontramos - disse ela. - Você já esteve em Cleveland?
- Não - respondeu Carrie.
Olhando mais perto, Carrie ficou impressionada com a palidez de Anne. Ela não devia estar nada bem. Seus olhos eram desbotados e sem vida, e sua pele parecia cera.
Mas podia ser que fosse por causa da maquiagem pesada que usava. Talvez Anne estivesse investindo sua grana numa cura milagrosa para seu corpo quase anoréxico. Carrie
imaginou que tivessem, mais ou menos, a mesma idade.
O problema da juíza Sara Collins era exatamente o oposto. Ela poderia perder uns vinte quilos. Talvez estivesse pensando em fazer uma lipoaspiração, ou até mesmo
uma cirurgia de estômago. Já era velha e devia ter uns setenta anos ou mais. Seu rosto estava bastante envelhecido. Talvez tivesse vindo para fazer uma plástica.
Carrie estava morrendo de vontade de perguntar, mas não teve coragem.
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De onde se lembrava dela? Talvez a tivesse visto na televisão. Os programas jurídicos estavam na moda. Será que Sara tinha seu próprio programa de tevê?
Ela teria perguntado, mas o motorista resolveu dar uma de guia turístico e começou a contar histórias sobre o Colorado. Uma história levou a outra e mais outra e
como eram, no geral, interessantes, Carrie achou que seria indelicado interromper. De qualquer maneira, ele não estava lhes dando tempo para se conhecerem. Ela decidiu
que perguntaria se Sara era famosa quando se instalassem
na casa.
Então, começou a especular qual seria a opinião que a mulher tinha sobre ela. Ela sabia que estava envelhecida para sua idade. Uma velha bruxa, pensou. É, deve ser
isso que pensam de mim.
Já fazia algum tempo que iam por uma estrada vicinal, cada vez mais íngreme. Fazer voltas ao redor da montanha estava fazendo com que o estômago da Carrie voltasse
a enjoar. Ótimo, pensou ela. Vomitarei em nosso distinto mordomo inglês. Não seria uma maneira encantadora de impressionar os outros hóspedes da casa?
- Toda esta área pertence ao spa? - Sara perguntou a Monk.
- Sim, madame - respondeu ele.
- Falta muito para chegarmos? - perguntou Carrie.
- A casa fica logo depois da próxima curva.
Eles estavam num local completamente isolado. Um lugar completamente ermo, pensou Carrie, que começou sentir-se inquieta... nervosa. De repente, ela percebeu que,
por longo tempo, não vira uma casa ou cabana. Depois, ocorreu-lhe que um sistema de alarme não poderia fazer muito por elas. Quem ouviria o alarme, caso disparasse?
Estaria ele conectado ao posto policial mais próximo e, nesse caso, onde estaria localizado o tal posto? A uma hora de distância? Duas horas? Ou será que o alarme
estava conectado ao spa?
E, o alarme, com certeza, estaria conectado ao spa. O que significava que o spa não deveria ser longe dali. Tendo chegado a tais conclusões, Carrie recostou-se no
banco e tentou relaxar.
Subitamente, a casa apareceu. Era inacreditável. Frontões de cedro rosado avançavam em direção ao céu e dois andares de janelas refletiam os picos das montanhas
atrás deles. Era como se uma magnífica estrutura tivesse sido colocada ali, sem nenhuma outra
intenção além de prestar um tributo à beleza do lugar. A estrada
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abria-se num círculo que levava à varanda da frente, que se estendia por toda a extensão da casa. Paredes de pedra, até a altura da cintura, faziam as vezes de muro
de arrimo sobre o íngreme declive da parte de trás do terreno.
Carrie sentiu uma palpitação.
- Vejam que varanda maravilhosa, prestem atenção nas lindas cadeiras de balanço. Vou experimentar uma agora mesmo.
Monk estacionou a Land Rover no meio da estrada circular, coberta por pedregulhos e apressou-se para abrir a porta para suas passageiras.
- Se, da varanda, vocês olharem para dentro, pelas janelas, verão a vista do outro lado da casa - disse ele.
- Oh, é lindo! - disse Anne. - E tudo parece novinho em folha - acrescentou ela, enquanto dirigia-se para o muro ao lado da estradinha e olhava para as árvores,
abaixo.
- Foi construída há quatro anos.
- Como eles conseguiram trazer todos estes vidros até aqui? - perguntou Sara.
- Com muito cuidado, eu imagino - respondeu Carrie.
- Acho que as senhoras ficarão muito confortáveis aqui - disse Monk.
- Tenho certeza que sim. - Sara estava tão entusiasmada que Carrie não se surpreenderia se ela começasse a bater palmas.
Será que ela não estava acostumada com esse tipo de ambiente? Afinal de contas, era uma juíza. Carrie assumiu que ela tivesse dinheiro. Como era óbvio que Anne também
tinha. Se não estivessem bem de vida, com certeza não poderiam pagar o spa.
- Quando quiserem entrar, verão que o champanhe resfriado espera por vocês. Vou cuidar da bagagem.
Carrie abriu a porta e foi seguida pelas outras. Ela notou os fios colocados nas paredes e achou que fizessem parte do sistema de alarme.
- Cuidado - disse ela. - Não tropecem nos fios.
A sala era bastante espaçosa. Do lado esquerdo da enorme entrada de mármore havia uma maravilhosa escada espiral, que avançava por três andares. A luz invadia a
sala e, quando elevaram o olhar, puderam ver nuvens douradas através de uma clarabóia retangular.
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- Não é uma bela escada? - perguntou Sara. - A madeira... os degraus. São duas vezes mais largos que qualquer um que já vi. Devem ter custado uma fortuna - acrescentou
ela. - Vejam os corrimões. O trabalho de entalhe é maravilhoso.
Carrie concordou. Anne comentou:
- O pôr-do-sol dá a impressão que as montanhas estão em chamas. Venham ver. - Até mesmo Anne, que não se satisfazia facilmente, deixou-se contaminar pelo entusiasmo.
Carrie deixou-se ficar no saguão de entrada, absorvendo a beleza do lugar. Tapetes orientais de cores vibrantes - tapetes de qualidade - estavam espalhados pelo
piso de mármore marrom claro da sala de estar. Harmonizando-se com as montanhas ao redor, os móveis eram em tons de marrom e bege. A lareira de pedra tinha mais
de quatro metros de altura e se parecia - pensou ela, com a lareira da casa do vilão de um de seus filmes favoritos, Intriga internacional A sala do filme também
era quadrada como esta. Não, esta era muito mais bonita, com mobília mais moderna e requintada.
O sol estava se pondo bem à sua frente, e a explosão da bola de fogo enchia a sala de matizes alaranjados.
- Sinto-me como se estivesse no céu - disse Sara.
- Basta subir ao topo da escada espiral e você estará no céu - brincou Carrie.
Anne viu uma garrafa de champanhe ao lado de um balde de prata. Próximo, via-se um lindo vaso de cristal com três rosas vermelhas de haste longa. As pétalas estavam
começando a se abrir.
- Vamos tomar um pouco de champanhe?
- Claro que sim - respondeu Sara.
As três mulheres ficaram em frente à janela, olhando a vista panorâmica enquanto Anne tentava abrir o champanhe. Ela riu, nervosa, quando a rolha pulou e o líquido
borbulhou para fora da garrafa. Então, cuidadosamente, encheu cada um dos cálices de cristal Waterford.
- Vamos fazer um brinde - disse Carrie.
- Boa idéia - concordou Sara.
Elas ergueram os copos e esperaram que Carrie fizesse as honras.
- A nós - disse ela. - E que todos os nossos sonhos se tornem realidade.
- É encantador, disse Anne.
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Elas afundaram-se nos sofás macios e luxuosos, enquanto conversavam e sorviam pequenos goles de champanhe, cuidadosamente evitando qualquer assunto de caráter pessoal.
Monk encarregou-se de levar a bagagem para as suítes. Por ainda sentir-se um pouco nauseada, Carrie quase não bebeu.
Dez minutos depois, Monk veio juntar-se a elas com uma bandeja de canapés. Quando ele estava arrumando os guardanapos de linho ao lado da bandeja, que colocara na
mesa de centro, Carrie ouviu a porta fechar-se. Ela olhou para o corredor que levava à sala de jantar e viu uma mulher de preto entrar na cozinha.
- Os empregados chegaram - ela disse a Sara.
- Experimente um canapé de pepino - sugeriu Anne, que acabara de comer a pequena iguaria. - Está delicioso.
Carrie não queria que soubessem que não se sentia bem e, com certeza, não admitiria que ficara enjoada durante a viagem.
- Está bem. Ela colocou na boca o canapé, que praticamente engoliu sem mastigar. -
É muito bom - disse ela.
Ela não podia nem pensar na idéia de ter de comer mais, e sentiu-se ainda mais nauseada ao ver Sara devorar o dobro da quantidade de canapés de salmão e pepino que
Anne conseguia mastigar.
Dentro de alguns minutos, estavam todas bocejando.
- Vou acompanhá-las aos seus quartos - disse Monk ao abaixar-se para acender um dos abajures. Agora que o sol estava se pondo, a sala havia se enchido de sombras.
- Estou morrendo de sono - disse Anne.
- Deve ser o ar da montanha - sugeriu Sara. - Eu também estou cansada.
Elas seguiram Monk escada acima. Carrie olhou para ao redor e comentou:
- Quem havia pensado que uma escada pudesse ser um trabalho de arte?
- Odeio escadas - disse Anne. - Minha próxima casa será um rancho bem espalhado.
Sara e Carrie ignoraram o comentário. Monk chamou-lhes a atenção ao dizer:
- Tomei a liberdade de tirar seus pertences das maletas de mão. A Sra. Trapp e a juíza Collins ficarão nas suítes do seguindo
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andar. A Sra. Salvetti ficará no andar de cima. Espero que gostem das acomodações.
Anne seguiu Monk. Atrás dela vinham Carrie, seguida de Sara, que agarrava-se ao corrimão para apoiar-se.
- Tenho a sensação de já ter estado aqui antes - disse Sara. - No entanto, jamais tinha visto uma escada espiral como esta. Não consigo entender por que me sinto
assim.
- Pode ser que seja a lareira - disse Carrie. Ela parou para dar mais uma olhada na sala de estar. - Você já assistiu o filme Intriga internacional? Com Gary Grant
e Eva Marie Saint, no qual, no final, eles tiveram de escalar os rostos dos presidentes?
- Eu me lembro. Esta lareira de pedra é bastante parecida com a do filme. Talvez venha daí a familiaridade que senti.
- Nunca vi esse filme - disse Anne. Carrie estava incrédula.
- Você deve estar brincando. Foi um dos melhores filmes de Hitchcock.
Anne balançou os ombros.
- Eu estava ocupada cuidando dos meus negócios - disse ela. - Não tinha tempo de ir ao cinema.
- Mas esse filme é um clássico. Já passou na televisão pelo menos um milhão de vezes - disse Sara.
- Eu nunca assisto à televisão.
Carrie não tinha a menor idéia do que pensar sobre aquela mulher. Ela parecia estar se vangloriando por não assistir televisão. A vida de Carrie girava em torno
de redes e patrocinadores. Ela voltou a olhar para Anne para certificar-se de que não fosse uma alienígena. Não assistir televisão ou ir ao cinema? Não era de admirar
que fosse tão enfadonha.
Ela não se sentiu nem um pouco culpada por seu brusco julgamento. Sem perceber, Anne havia insultado todas as crenças de Carrie.
Em primeiro lugar, Monk indicou a suíte de Sara.
- Vou direto para a cama - disse Sara. - Vejo vocês pela manhã.
- Boa noite - disse Carrie enquanto seguia Monk pelo corredor. Ele abriu a porta do quarto de Sara e, depois, virou-se para
Carrie.
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- Sua suíte está localizada exatamente acima da suíte da juíza Collins - disse ele. Ela seguiu-o até o andar superior.
- São quatro suítes? - Carrie perguntou.
- Sim - respondeu ele.
Chegaram até a porta e Monk afastou-se para dar-lhes passagem. O quarto espaçoso, com banheiro privativo, era cor de âmbar. Havia duas poltronas confortáveis em
frente à lareira e uma cama de madeira clara, com quatro pilares, que serviam de apoio ao dossel.
Ela bocejou. Monk ou algum outro empregado havia ajeitado sua camisola e penhoar sobre a cama. Ela viu que sua sacola de mão estava sobre o suporte de bagagem, aberta
e vazia. Quando estava pronta para perguntar onde tinha ido parar o laptop, foi tomada por uma onda de náusea e teve de se sentar. Respirou fundo e apoiou-se num
dos pilares da cama.
- A senhora está bem?
Ela não queria reclamar como Anne fizera, então, disse apenas estar cansada do longo dia.
- Geralmente fico acordada até tarde, mas hoje mal estou conseguindo manter os olhos abertos.
Monk lançou-lhe um olhar compreensivo.
- Demora um pouco até as pessoas se acostumarem com o ar da montanha. O pessoal do spa aconselha que vocês durmam cedo. Amanhã será um dia cheio.
- Sim, tenho certeza que sim.
- Serei o último a me recolher - disse ele, ao dirigir-se para a porta. - Vou ligar o alarme. Por favor, lembre-se de não abrir as janelas.
- O que acontecerá se o alarme disparar? Quem irá ouvir? - perguntou ela. - Estamos praticamente no fim do mundo.
- O alarme está eletronicamente conectado ao spa. Pensei ter mencionado o fato. Se tivermos problemas, receberemos ajuda em menos de três minutos.
- O spa é tão perto assim? Ele assentiu.
- Se não fossem as árvores, você poderia ver os telhados através de suas janelas. Quer que eu feche as cortinas?
- Não, prefiro que fiquem abertas. - Ela virou-se e segurou o pilar da cama, sentindo a bílis subindo pela garganta. A queimação
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que sentia na garganta impediu-a de perguntar onde estavam localizados os aposentos dos empregados.
- Boa noite - ela disse. - Por favor, feche a porta ao sair.
Assim que ele fechou a porta, ela voou para o banheiro, cobrindo a boca com as mãos. Mal teve tempo de levantar a tampa da privada antes de vomitar o canapé que
havia comido. A droga do enjôo quando viajava de carro. Ela tinha esse problema desde criança. Devia ter dito que não podia sentar-se no banco de trás. Preocupada
com o que pensariam dela, não dissera nada.
Que diabos estava acontecendo com ela? Por que se importava tanto com o que os estranhos pensariam dela? Era provável que, depois do café da manhã, jamais os visse
novamente.
Ela não podia sequer pensar em comida sem que seu estômago se revoltasse. Há anos não se sentia tão mal. A última vez que sentira algo parecido foi quando se intoxicara
com a comida tailandesa. Avery tinha catorze anos e, naquele dia, faltou à escola para cuidar dela. Tony também fora uma jóia. Ela lembrava-se de como ele a abraçara
quando sentia calafrios.
Carrie sentia-se muito fraca para tomar banho. Escovou os dentes, lavou o rosto e vestiu a camisola. Arrastou-se de volta ao quarto, ouviu o tilintar de copos e
assumiu que Monk estivesse recolhendo a louça. Depois, ouviu uma risada feminina. Seria a empregada, divertindo-se com ele? Era possível, pensou ela. Não havia muita
coisa para se fazer ali, já que ela, Anne e Sara haviam se recolhido. Por Deus, não eram nem nove horas e ela estava exausta, incapaz de manter os olhos abertos.
O quarto continuava a rodar. Ela sentia-se péssima. Caiu na cama, fez um esforço tremendo para puxar as cobertas e tentou descansar, deitando-se de lado. Continuava
a sentir as ondas de náusea. Devagar, com cuidado, tentou deitar-se de costas. Assim era melhor. Fechou os olhos e caiu no sono.
Não sabia quanto tempo havia dormido, mas o quarto ainda estava escuro quando ouviu alguém chamar seu nome, com voz débil. Ela não pôde responder. Então, ouviu um
estalido metálico, repetidas vezes. Não, aquele barulho se parecia mais com o estalar de dedos. Ou com um tinido, como facas sendo amoladas. Carrie não conseguia
entender por que o barulho não parava.
Alguém chacoalhou seus ombros, chamando-a novamente.
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Ela não era capaz de reunir forças para abrir os olhos.
- Sim? - sussurrou ela.
- Carrie.
- Sim? - Ela sentia dificuldade em se concentrar por causa do barulho. E, oh, ela estava com muito sono. Tentou levantar a mão para cobrir os olhos quando alguém
acendeu a luz.
- Vá embora - disse ela. Sua voz soou como um coaxo.
- Eu ouvi seu brinde, Carrie. Você se lembra do que disse?
- Não...
- Que todos os seus sonhos se tornem realidade. Mas, e os pesadelos? Eles também podem se tornar realidade.
Aquelas palavras não faziam sentido.
- O quê? Pesadelos? Não... pesadelos não...
- Abra os olhos, Carrie.
O barulho ficava cada vez mais alto.
- Ande logo. Olhe para mim.
A voz, pairando sobre ela, tornou-se mais imperiosa, ameaçadora. Finalmente, ela conseguiu abrir um pouco os olhos. Foi quando viu a tesoura, abrindo e fechando,
diante do seu rosto. Ela era brilhante. Então era esse o barulho que estava escutando. Era daí que vinha o estalido, pensou. Mas, por que uma tesoura?
Então, o barulho parou e a tesoura desapareceu. Um rosto apareceu, bem próximo ao dela. E aquele sorriso medonho e voluptuoso, que tinha algo de horrivelmente familiar.
Ela tentou gritar.
- Não... não... não... oh, meu Deus, ajudem-me... não... Jilly.
CAPÍTULO
5
Avery perdera a noção do tempo. Frenética, tentou traba lhar o mais que pôde antes de ir para o aeroporto. Quando saíra, na noite anterior, deixara sua escrivaninha
imaculadamente limpa. Chegara ao escritório às seis e meia da manhã, para deixar tudo em ordem.
Sua visão estava tão embaçada que ela mal podia focar a tela do computador. Além do mais, estava se corroendo de raiva. Alguém - ela não sabia quem - havia despejado
23 pastas sobre sua mesa. Esperava-se que ela transferisse toda a informação para o banco de dados. Além disso, tinha mais de sessenta e-mails para ler e já fazia
24 horas que não se lembrava de verificar os recados da secretária eletrônica.
Seu cubículo parecia ter sido atingido por um ciclone. As pastas pareciam se multiplicar. Como aquilo era possível?
- Você não deveria estar num avião? - Margô perguntou. Ela estava tentando equilibrar uma pilha de pastas, sua garrafa de água vazia e uma caixa de donuts.
- Ainda tenho algum tempo - respondeu Avery, enquanto respondia um de seus e-mails.
Lou levantou-se e esticou os braços.
- Margô, tem algum com recheio de creme sobrando?
- Só um - ela respondeu. - Avery não comeu o dela.
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- Pode ficar com ele - disse Avery.
Lou pegou a caixa de donuts dos braços de Margô e abriu-a.
- Você não vai embora?
- Daqui a pouco.
- Você vai de avião?
- É claro que sim - disse Margô.
- Calculei cada minuto. Se eu sair exatamente às quatro e quinze, terei tempo de ir para casa, trocar de roupa e pegar a bagagem. Depois, vou para o aeroporto interestadual,
deixo o car ro no estacionamento e consigo chegar ao portão de embarque, com folga.
Margô tirou sua bolsa da gaveta e voltou para a entrada do cubículo de Avery.
- Avery, você teve tempo de ligar para a enfermeira da Sra. Speigel, pedindo a ela que seja mais cuidadosa ao esconder as chaves do carro?
- Não. Eu me esqueci.
- Você quer que eu ligue para ela? Ela precisa fazer alguma coisa para proteger a humanidade daquela velhinha.
- Eu agradeceria muito se você pudesse fazer isso - disse Avery. Mas não seja indelicada Margô. A Sra. Speigel é uma gracinha. Ela sabe que não deve dirigir só que,
às vezes, confunde-se.
- Avery, ela quase te matou - disse Margô, com um suspiro.
- Não se preocupe, eu não serei indelicada.
Mel veio participar da conversa.
- Parece que todas as pessoas de Washington estão indo para o aeroporto. Acho que você vai pegar um belo congestionamento para chegar lá. O melhor é desviar pela
Jefferson Davis e cortar pela Rua Noventa e Cinco. Assim, você poderá economizar uns vinte minutos.
Margô discordou.
- A rodovia interestadual é muito mais rápida no horário de pico.
Avery não estava completamente atenta à conversa. Os dedos dela voavam sobre o teclado, respondendo perguntas feitas por outros escritórios.
- Acho muito chato ter de deixar minha bagunça para vocês
- disse ela.
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- Não se preocupe - disse Lou.
- Nós dividiremos o trabalho - disse Margô. - Lou, você está com o cinto sujo de açúcar.
Ela estendeu a mão por sobre a cabeça de Avery, pegou algumas folhas de lenço de papel de uma caixa sobre a prateleira e deuas para Lou. Depois, voltou-se novamente
para Avery.
- Estou planejando desovar todo o meu trabalho em cima de vocês, quando for a San Diego, no mês que vem, para o casamento do meu primo.
- Acho melhor eu digitar um roteiro para você chegar ao aeroporto sem problemas - disse Mel. - Vou imprimir uma cópia para você. Não se esqueça de pegar antes de
sair.
- Desde que eu possa dar o fora às quatro e quinze.
- Não se preocupe - prometeu Mel. - Quer sincronizar os relógios?
- Isto é coisa de cdf - Margô disse a ele. - Pense bem, Brad Pitt nunca...
O telefone dela tocou, interrompendo seu pensamento. Enquanto dirigia-se para seu cubículo, Lou continuou o pensamento dela.
- Sejamos realistas, somos todos uns cdf.
- O que tem de errado com isso? - perguntou Mel. - Quer dizer, pensem um pouco. O Bill Gates é cdf. E ele se deu muito bem.
- Pode ser, mas nós não estamos ganhando milhões, estamos? E somos considerados cdf por todos do Bureau.
- Eu não acredito nisso - argumentou Mel. - Nós somos membros importantes da equipe.
Margô interrompeu-o
- O agente Andrews está vindo para cá - disse ela, em voz alta. - A secretária do Douglas ouviu-o dizer que estava perguntando por sua caneta.
- É provável que ele esteja vindo até aqui para te agradecer por tê-lo deixado ficar com toda a glória, Avery - disse Lou.
- Ele está um pouco atrasado - disse Margô. Ele deveria ter agradecido no mesmo dia, depois da coletiva com a imprensa.
- Andrews vai te atrasar ainda mais - disse Mel. - Acho melhor eu imprimir a rota alternativa agora mesmo. Você decide
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que caminho fazer quando estiver no carro. Seria uma boa idéia ligar o rádio para saber informações sobre o trânsito.
Avery tentou não sorrir. Mel era bastante obsessivo a respeito de pequenos detalhes.
Obrigada, Mel.
- Quanto tempo vamos dar ao Andrews? Quatro, cinco minutos?
- Será o suficiente.
- Lou, você interrompe - disse Mel. - Você é bom nessa parte.
Andrews acabou atrapalhando o planejamento de Avery. Mesmo que nunca tivesse se encontrado com o agente, ela decifrou-o em menos de um minuto. Ele se achava extremamente
charmoso. O que era uma percepção errônea de si mesmo. Ele passou pelos "obrigados" de forma bastante rápida e, depois, empoleirou-se na beirada de sua escrivaninha
e convidou-a para jantar com ele. Ela não podia dizer que seu olhar fosse totalmente malicioso, mas chegava perto. Imediatamente, Lou e Mel tentaram se livrar dele.
- Avery está saindo de férias - disse Mel. - Vai pegar um avião daqui a pouco.
Como Andrews não deu mostras de ter entendido, Lou resolveu ser um pouco mais claro.
- É melhor você ir embora. Ela não tem um minuto a perder e você está fazendo com que se atrase ainda mais.
A resposta de Andrews foi cruzar os braços e aumentar seu sorriso de pateta.
Não era necessário ser versado em técnicas de investigação para saber o que estava acontecendo. Andrews estava sofrendo de TAPV - tesão à primeira vista -, o que
não fazia dele um cara anormal. A maioria dos homens que se aproximavam de Avery sentia-se enfeitiçado. De acordo com a teoria de Mel, essa síndrome era desencadeada
por seus enormes olhos azuis. Ela era capaz de fazer o cérebro de um homem parar de funcionar quando lhe dirigia seu olhar e sua atenção. Lou não concordava com
a teoria de Mel. Olhos azuis não causavam tanto efeito assim, para chamar a atenção de um homem. Mas o corpo escultural de Avery e seus cabelos, longos e sedosos,
transformavam qualquer coitado num perfeito idiota.
Andrews estava em júbilo. Na verdade, era bem triste ver um profissional competente afundar-se tão rápido no atoleiro.
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Mel, que sempre protegera Avery, gostaria que ele a elogiasse logo. Mais cedo ou mais tarde, todos acabavam fazendo isso. Então, Avery pediria que se fosse. Mel
olhou para seu relógio enquanto, em pensamento, tentava induzir Andrews a dizer-lhe que era bonita. Se não fizesse isso logo, Avery acabaria perdendo o avião.
Vamos lá, ande logo rapaz, Mel torcia, silenciosamente. Não perca tempo. Diga-lhe que ela é maravilhosa.
- Eu tenho de te perguntar uma coisa - disse Andrews.
- Sim? - perguntou Avery.
- Como uma linda mulher como você está enterrada neste porão? - O agente fez a pergunta no tom melodioso de um cantor de música country. - Com a sua beleza... -
ele não foi mais longe. O coitado nunca saberia o que o atingira.
Avery respondeu rispidamente.
- Agente Andrews, eu não tive participação alguma no que se refere à minha aparência. Agora, se o senhor puder me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. E acredito
que o senhor também. Agora, levante-se de minha mesa e vá embora.
Ao dizer isso, ela rodou sua cadeira e voltou a digitar. Andrews ficou com aquele olhar de "o que foi que eu disse de errado" na cara, enquanto se levantava e ia
embora, vermelho como um pimentão.
Mel não começou a rir até que tivesse certeza de não poder ser ouvido.
- Parece que você não vai jantar com Andrews quando voltar de férias, não é?
- Estou tentando trabalhar.
Lou levantou a mão e Mel, franzindo o sobrolho ao puxar sua carteira do bolso, tirou de lá uma nota de um dólar, que deu ao amigo. Os dois mantinham uma aposta perpétua
sobre o tipo de elogios que faziam a Avery. Como Andrews não havia dito nada sobre suas pernas, Lou ganhou um dólar. A maioria dos homens, de cara, notava as pernas
fantásticas de Avery. Ao que tudo indicava, pernas não eram a praia de Andrews.
- Como isso nunca acontece comigo? - perguntou Margô. - Eu sou bonitinha, não sou?
- É claro que sim - disse Lou.
- Algum dia quero me casar e ter uma família - continuou ela, como se Lou não tivesse respondido à sua pergunta. - Enquanto
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Avery já deixou claro, muitas vezes, que nunca se casará. Não é justo. Eu seria a mulher ideal para Andrews. De verdade. Mas ele nunca olhou para o meu lado.
- Por que você acha que seria ideal para ele? - perguntou Lou.
- Porque ele é quente na cama - respondeu ela. - E não existe no mundo alguém que aprecie mais isso do que eu. Seríamos o par perfeito - ela disse por sobre os ombros,
voltando para a sua mesa de trabalho.
Mel enfiou a carteira de volta no bolso e retornou ao trabalho. Às quatro e quinze, levantou-se e anunciou.
- Está na hora de ir, Avery.
- Ainda preciso de uns dez minutos...
Os dez minutos acabaram virando 45 e quando ela, finalmente, deixou o escritório, já passava das cinco. Felizmente, seu joelho havia melhorado bastante e ela pôde
correr. Mesmo assim, acabou perdendo o vôo. Havia um acidente bloqueando duas pistas da via interestadual e, quando finalmente conseguiu chegar ao aeroporto e correr
até o terminal, o avião já tinha partido.
Avery considerou a possibilidade de voltar para casa e atirarse na cama. Estava exausta, pois fazia mais de uma semana que não dormia mais de quatro horas por noite.
Mas não se deixou seduzir pelo desejo. Carrie a mataria caso chegasse um dia atrasada.
Avery não considerava o Utopia o melhor lugar para se passar férias. Ela resolvera ir apenas para fazer a vontade da tia. Quando visitava algum lugar estranho, Avery
gostava de apreciar a paisagem, absorver o espírito do local. Não se entusiasmava muito com a idéia de ficar
seis dias presa num spa, mas havia prometido à tia e
não podia voltar atrás.
Avery foi forçada a pegar uma rota alternativa, pois o próximo vôo para Aspen, com conexão em Denver, estava cheio. Acabou indo parar em Grand Junction, no Colorado.
Teria de esperar até de manhã para tomar outro avião. Depois de retirar a bagagem e registrar-se num hotel ao lado do aeroporto, ligou para o celular de Carrie.
Após o primeiro toque, ouviu a mensagem gravada. Imaginou que a tia já tivesse ido dormir e que a bateria do aparelho estivesse sendo recarregada. Era meia-noite,
horário de Aspen. Deixou uma mensagem dizendo que chegaria ao spa por volta do meiodia do dia seguinte.
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Depois, ligou para o spa e informou sobre o seu atraso. Como havia deixado uma mensagem no telefone de Carrie, não pediu à telefonista que transferisse a ligação
para o apartamento da tia.
Naquela noite, Avery dormiu como uma pedra. Na manhã seguinte, durante o café da manhã, ligou para o escritório para verificar as mensagens deixadas na secretária
eletrônica. Havia mais de vinte recados em sua caixa. Nenhum urgente, felizmente. Ouvia, fazia anotações e apagava. O recado de Carrie a fez sorrir. Ela estava excessivamente
entusiasmada com o fato de ficar na mesma casa de montanha em que Tom Cruise se hospedara. Era bem o estilo da tia, ficar com os olhos brilhando por uma coisa tão
sem importância. Avery apagou a mensagem e continuou, até que a caixa estivesse vazia.
Às oito e quinze, ela estava na recepção, pagando a conta. Enquanto a recepcionista imprimia a lista de despesas, ela olhou um mapa de Colorado. Aspen ficava apenas
a duas horas e meia de distância de Grand Junction. Em seguida, ouviu um casal de idosos falando maravilhas sobre a região e decidiu alugar um carro e dirigir até
o spa. Pegou um ônibus de volta ao aeroporto, alugou um carro e se pôs a caminho.
Avery estava vestindo seu uniforme de fim de semana: calças jeans surradas, camiseta branca e um par de tênis também bastante surrados. Carrie não aprovaria, mas
Avery prefiria estar confortável a estar na moda.
Quando entrou na rodovia 1-170, em direção a Aspen, sentiu-se finalmente em férias. A manhã de verão estava linda e fresca. O sol brilhava e o azul do céu, de tão
intenso, chegava a parecer artificial. Ela abaixou o vidro da janela e respirou fundo. Aquilo era simplesmente maravilhoso. O ar era tão limpo que ela teve a sensação
de estar respirando oxigênio puro. Depois de respirar o ar poluído da cidade superpovoada por tanto tempo, a mudança foi bemvinda.
Ela parou no McDonalds para comprar uma garrafa de água e uma Coca-cola dietética. Depois de pagar a conta, sentou-se para consultar um mapa. Talvez pudesse parar
em algum lugar interessante, no caminho, e visitar algum local histórico. Ela sabia que, uma vez que entrasse no spa, Carrie não a deixaria sair de lá. E ela queria
aproveitar para ver um pouco do Colorado. Tudo o que vira
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era lindo, e queria ver mais. Além do mais, de um jeito ou de outro, Carrie já estaria irritada por causa de seu atraso. Que diferença faria se ela atrasasse uma
ou duas horas a mais?
Avery abriu o mapa sobre a mesa e, antes de mais nada, tentou encontrar o local onde Carrie havia dito que passaria a noite. Onde ficava? Terra dos Lagos? Não, acho
que era este o nome.
- Você está perdida, benzinho?.
A voz de barítono sacudiu-a. E irritou-a. Ela não tinha o menor interesse em ser incomodada. Segurando um suspiro, ela franziu o cenho ao olhar para cima, pronta
para dizer, a quem quer que fosse, que não estava a fim de conversa. Foi quando viu o cavalheiro à sua frente, e não pôde evitar um sorriso. Ele devia ter uns oitenta
anos. Estava impecavelmente vestido com uma camisa de brim recém-passada e uma gravata de caubói, com pedras de turquesa. Suas calças estavam enfiadas na bota, também
de caubói, de couro trabalhado no cano. Em uma das mãos segurava um chapéu de aba larga bege e, na outra, uma caneca de café fumegante. Seus olhos castanhos claros,
a pele queimada do sol e o bigode perfeitamente aparado e encerado, conferiam-lhe personalidade. Tanto o bigode quanto o cabelo eram absolutamente brancos.
- O que foi que o senhor disse?.
- Perguntei se estava perdida, - disse ele. - Eu a vi olhando o mapa e pensei que talvez pudesse ajudá-la a encontrar o local que procura, pois conheço cada pedacinho
do Colorado como a palma de minha mão. Em setembro, terei vivido aqui por 84 longos anos.
- Estava apenas procurando lugares interessantes - disse ela. Na verdade, talvez o senhor possa me ajudar. Sente-se, por favor.
- Com prazer. - Ele colocou seu café sobre a mesa, sentouse na cadeira da frente e, cuidadosamente, colocou seu chapéu na cadeira ao lado. - Só tenho alguns minutos.
Minha neta vai passar por aqui para me apanhar. Ela tem uma pequena loja de artigos countrye, duas vezes por semana, eu a ajudo com os clientes. É por isso que estou
todo produzido - explicou. - Bem, para aonde você está indo?
- Aspen.
- Então você não pode estar perdida. Existem placas por toda a parte. Aspen está a poucas milhas daqui.
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- Sim, eu sei, - disse ela. - Mas eu estava tentando encontrar um lugar chamado Terra dos Lagos ou Ao Redor dos Lagos. O senhor já ouviu falar desse lugar?
- Se você está falando sobre Terra Entre os Lagos, sim, pode estar certa que já ouvi falar. Antes de mais nada, meu nome é Walt Gentry, muito prazer.
- Avery Delaney - disse ela, ao oferecer-lhe a mão.
- É um prazer conhecê-la. Ele afastou sua caneca de café, para não derrubá-la quando pusesse as mãos sobre mesa e disse:
- Não adianta olhar o mapa, você não vai encontrar. Quem não é do Colorado dificilmente saberia da existência desse lugar. Você sabe, as pessoas vêm de Washington
ou da Califórnia e compram um pedaço de terra. Depois, constróem casas enormes e resolvem dar um nome ao lugar. Há algum tempo, um cara chamado Parnell, Dennis Parnell,
comprou uns quarenta acres de um lote especial, acima de Aspen. Ele talvez não pudesse ter feito isso, mas fez, acrescentou ele, com um levantar de ombros. Então,
seis anos atrás, resolveu construir a casa de seus sonhos. Demorou mais de dois anos e meio para construí-la. Parnell quase enlouqueceu os ambientalistas quando
resolveu mexer naquela terra virgem. Enormes tratores, subindo e descendo a montanha, arrancando árvores para fazer uma estrada. O que ele fez foi uma judiação,
mas conseguiu o que queria, pois tinha muito dinheiro e comprou todas as permissões que precisava. Atualmente, ele não teria conseguido - continuou ele. - Nos últimos
anos, as leis de proteção à terra tornaram-se mais severas. De qualquer maneira, assim que a construção terminou, Parnell colocou uma cerca ao redor da casa. Ouvi
dizer que a casa custou oito milhões de dólares, mas, como isto foi há alguns anos, tenho certeza que esse valor deve ter duplicado. Na época, diziam que ele pagava
tudo à vista. Eu nunca acreditei nesse rumor, mas os caras daqui acreditavam.
É claro que todos ficaram muito curiosos para saber como ele fazia para conseguir tanta
grana.
Avery deixou-se envolver pela história.
- E como ele fazia?
- Todos achavam que era dinheiro de droga, mas acabaram descobrindo que ele tinha uma pequena empresa de computador no Vale do Silício. Um de seus engenheiros desenvolveu
um novo
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chip que revolucionou os negócios. Eu não entendo nada destas coisas, admitiu ele. Mas, como o engenheiro trabalhava para Parnell, ele ficou com a patente e acabou
fazendo fortuna. Aí, ele vendeu a companhia, resolveu mudar para cá e ficar de papo para o ar.
- Ele ainda é dono do lugar? - perguntou ela, pensando que Parnell devia ter vendido a casa para o dono do Utopia, que a usaria para hospedar hóspedes famosos.
- Sim e não - respondeu Walt. - É aí que a história dá uma reviravolta. Parnell casou-se numa igreja localizada a, mais ou menos, uma milha daqui. Foi uma festa
enorme, para quinhentos convidados, que também deve ter custado uma fortuna, disse ele. Ouvi dizer que planejaram a festa durante quase um ano. As flores vieram
da Europa. Talvez as flores daqui não sejam tão bonitas. De qualquer maneira, o planejamento da festa durou mais que o casamento. Parnell ficou casado apenas dezoito
meses, antes de pedir o divórcio.
Ele parou e balançou a cabeça. Depois, desviou-se do assunto.
-Eu juro que não entendo o mundo de hoje. Minha esposa, Ona May, e eu, estamos casados há 47 anos e, é claro, algumas vezes senti vontade de sumir e nunca mais voltar.
Imagino que ela tenha sentido a mesma coisa, mas ficamos juntos porque fizemos um juramento solene. Agora, leio nos jornais e vejo essa nova moda, chamada "casamento
relâmpago". Você já ouviu falar desta nova tendência?
Ela sorriu.
- Sim, já ouvi o termo.
- Eu não entendo - disse ele. - Acho que as pessoas deveriam simplesmente viver juntas, sem se meter com juramentos. Da maneira como pediu rapidamente o divórcio,
acho que Parnell pensou que estivesse fazendo um "casamento relâmpago". A separação foi bastante desagradável, com muita lama jogada no ventilador o que, fatalmente,
acaba chegando aos jornais. As pessoas adoram esse tipo de coisa. Essa conversa vem se arrastando há mais de um ano. Estão todos curiosos para saber quem vai ficar
com a casa. A ex-esposa acha que vai conseguir ficar com a casa, pois jura que ele havia prometido que a casa seria dela. A decisão caberá ao juiz. Pamela Parnell
diz que prefere morrer a deixá-lo ficar com a casa. Ele diz que, por ele, tudo bem que ela morra. Se você quer a minha
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opinião, os dois estão agindo como crianças de cinco anos de idade. Na semana passada, Parnell deu outra entrevista na qual afirmou que, independentemente da decisão
judicial, nunca deixará que sua ex-esposa ponha as mãos na casa. Aqueles dois são um casal e tanto - acrescentou ele. - Mas os caras daqui e de Aspen não são diferentes.
Você sabia que eles estão apostando no caso?
- O senhor quer dizer que eles estão apostando para ver quem ficará com a casa?
- Isto mesmo. A contagem está em noventa contra dez, para Pamela, por causa dos meios escusos utilizados por Dennis para conseguir permissão para construir a casa.
Eles acham que Parnell será indiciado. O juiz que tomará a decisão sobre quem ficará com a casa é um ambientalista roxo. O tempo dirá.
Ele inclinou-se para frente e bateu no mapa com o indicador.
- É bem aqui - disse ele. - A Terra Entre os Lagos fica bem aqui. O lugar recebeu o nome por ser uma faixa de terra localizada entre dois grandes lagos de água cristalina.
Você tem uma caneta? Se você quiser, posso fazer um círculo no local.
Avery encontrou uma caneta esferográfica em sua mochila e deu-a a Walt. Seus dedos eram deformados pela artrite. Ele teve dificuldades para segurar a caneta enquanto
marcava o local.
- Daqui estamos a, mais ou menos, duas horas de distância. Existem outras casas maravilhosas lá em cima, mas você não conseguirá se aproximar de nenhuma delas, porque
são todas cercadas.
- Eu pensei que minha tia estivesse hospedada num refúgio chamado Terra Entre os Lagos, mas devo ter me enganado. Talvez eu não tenha ouvido direito. A ligação não
estava muito boa.
- Será que ela poderia ter dito Lagos Gêmeos? - ele perguntou. - Só que a Terra entre os Lagos fica ao norte; os Lagos Gêmeos ficam ao sul e constam do mapa.
Ele apontou para o local. Avery assentiu, dobrou o mapa e colocou-o na mochila. Ao se levantar, ela novamente estendeu a mão.
- Obrigada pela ajuda - disse ela.
- Foi um prazer - respondeu ele. - Não se esqueça de usar o cinto de segurança, querida. Tem uns motoristas malucos por aí. Eles gostam de subir aquelas estradas
cheias de curva a setenta milhas por hora. Estão pedindo para morrer, não deixe que eles levem você junto.
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Ela voltou ao carro e continuou a viagem. A culpa impediu-a de explorar os arredores. Além do mais, ela já se bronzeara um pouco enquanto conversava com Walt. Ele
era um senhor muito gentil, e ela gostara de conversar com ele.
Talvez ela fosse capaz de convencer Carrie a fazer uma caminhada com ela. Riu do pensamento absurdo. Avery ouvira dizer que sua tia havia sido uma esportista e tanto
quando cursou o ensino médio. Ela jogara vôlei, basquete e participara de quase todas as atividades esportivas oferecidas. Avery lembrava-se de ter brincado com
os troféus de tênis da tia. Será que eles ainda existiam, ou Carrie os tinha jogado fora? Bem, isto não tinha importância. Definitivamente, a tia não era mais uma
pessoa esportista. Ela detestava fazer exercícios.
Ao hospedar-se no Utopia, o objetivo de Carrie não era malhar para ficar em forma, mas ser muito mimada. Avery soltou um longo suspiro. Ela esperava não ter de acompanhar
a tia em banhos de lama, ou enrolar-se em algas marinhas. Não que tivesse alguma coisa contra ser mimada, mas como só ficaria uma semana, prefiria usar seu tempo
se sujando com explorações dos arredores.
Avery tomou a direção de Aspen. Uma hora depois, sentiu-se perdida. Estava pronta para encostar o carro e abrir o mapa novamente, quando viu a placa do Utopia. A
estrada fazia uma curva abrupta e, depois, estreitava-se numa subida de pedregulhos. Ela avistou a portão e parou para dar seu nome ao guarda em serviço.
- Seu nome não consta da lista de hoje.
- Mas tenho uma reserva - insistiu ela. - Meu nome deveria estar na lista.
Ele aproximou-se do carro e sorriu.
- Tenho certeza que aconteceu um mal-entendido, que a senhora poderá esclarecer na recepção.
- Obrigada, disse ela, avançando com o carro.
A considerar pelo guarda, as pessoas do spa deveriam ser bem simpáticas. Ela deu uma olhada pelo retrovisor e o viu, parado no meio da estrada, olhando-a afastar-se.
Seus cabelos grisalhos fizeram-na lembrar de tio Tony. Oh, céus, ela se esquecera de ligar para ele na noite passada. Cuidaria disso assim que chegasse ao quarto.
Tony preocupava-se com tudo. Avery sabia que ele e Carrie estavam tendo problemas, mas torcia
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para que eles acabassem se entendendo. Talvez o problema fosse Carrie. Mesmo amando a tia acima de tudo, reconhecia seus defeitos. Carrie podia ser muito difícil.
Casar-se com Tony tinha sido a melhor coisa que lhe acontecera e, talvez, enquanto relaxasse no spa, tivesse tempo para pensar em algumas prioridades. Ela não reconhecia
as qualidades de Tony, e nenhum casamento pode sobreviver assim. Felizmente, seu tio tinha a paciência de um santo. Ele havia resistido mais tempo que qualquer outro
homem seria capaz.
A estrada fez uma outra curva. Pelo amor de Deus, onde estaria o spa? Desde que passara pelo portão, já havia subido metade da montanha e estava num lugar completamente
ermo. Quando começou a achar que, por engano, tivesse pegado a estrada errada na última encruzilhada, avistou o Utopia.
O nome era apropriado.
- Deus do céu - murmurou ela, impressionada.
O lugar era maravilhoso e irradiava tranqüilidade. Os prédios, de estuque cor de couro, estavam aninhados na exuberante paisagem de pinheiros. A estrutura principal
parecia fazer parte da encosta da montanha. Os caminhos de pedra, entre os chalés que pontilhavam a montanha, contornavam os pinheiros. Havia flores silvestres por
toda a parte. Ela podia ouvir o som de água corrente. Ao virar-se, viu uma fonte de degraus, construída ao lado de uma colina. A água borbulhante corria pela pedra
e caía sobre uma esfera dourada, suspensa sobre um lago redondo.
Um caminhão de manutenção cruzou a frente de Avery, vindo de uma estrada de serviços. Ela brecou e esperou que os funcionários esvaziassem alguns barris, enquanto
absorvia a serenidade do espaço circundante. Um casal de jovens, seguramente apaixonado, atraiu sua atenção. De mãos dadas, eles passeavam pelo caminho paralelo
à fonte. Em determinada altura pararam e, abraçando-se, beijaram-se com paixão.
Ao sentir uma pontada de inveja, Avery desviou o olhar. Mas não conseguiu evitar de olhar para trás, incapaz de tirar os olhos do casal, fascinada pela maneira como
se olhavam. Era provável que fossem recém-casados, pensou.
O caminhão saiu do caminho e, com um suspiro, ela avançou pela estrada íngreme. No topo, a estrada transformava-se num círculo,
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coberto de pedregulhos. Os enormes vasos de cerâmica, repletos de hera e de flores cor-de-rosa e amarelas, pareciam sentinelas em frente às escadas de mármore
que levavam à entrada.
As pessoas entravam e saíam, caminhando calmamente. Como o casal apaixonado que vira, os hóspedes vestiam conjuntos de agasalho azul-marinho. Na jaqueta, acima do
bolso, havia um pequeno logotipo com uma esfera e o nome do spa, bordados em letra dourada.
Avery estacionou o carro e o porteiro apressou-se em sua direção. Ele abriu-lhe a porta, estendeu a mão para ajudá-la e disse, - Bem-vinda ao Utopia.
CAPÍTULO
6
Monk estava apaixonado. Mesmo não acreditando que tal milagre pudesse acontecer, havia encontrado a mulher de seus sonhos e, desde então, agia como um perfeito idiota.
Jilly era sua alma gêmea. Ele estava certo disso, pois tinham os mesmo sonhos, as mesmas fantasias, os mesmos objetivos e, acima de tudo, os dois gostavam de jogar
sujo.
Ficara completamente hipnotizado por ela desde o momento em que a vira naquele barzinho imundo, na periferia de Savannah Ele sentira um nó na garganta quando a viu
entrar, usando um vestido vermelho e sapatos de salto alto da mesma cor. Ela era simplesmente... magnífica. De acordo com as instruções que recebera por telefone,
ele estava esperando na cabine ao canto, segurando uma pasta azul nas mãos. Ela sorrira ao vê-lo e, desde aquele instante, ele soube estar perdidamente apaixonado.
A magia inicial não desaparecera. Ele ainda morria de amores por ela. Mesmo quando estava trabalhando, não podia impedir o sorriso que insistia em aflorar em seus
lábios. Seus pensamentos estavam completamente absorvidos por ela. Sua maneira favorita de passar o tempo, enquanto fazia o enfadonho trabalho de vigia, era relembrar,
nos mínimos detalhes, a primeira vez que fizeram amor. Acontecera exatamente três horas depois do encontro. Jilly levou-o para seu quarto de hotel, arrancou suas
roupas e sua inibição e amou-
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o com fúria. Ele fechou os olhos, sentindo a força da memória impregnar seus sentidos com volúpia. O gosto dela em sua boca, o cheiro almiscarado de seu perfume,
o calor de seu corpo contra o dele, os sons animalescos e profundos que ela soltava, ao mais leve toque de suas mãos. Ela havia sido selvagem, forte e grosseira
como ele gostava - e, ao mesmo tempo, extremamente vulnerável.
Monk ficava incrédulo diante da falta de disciplina, quando se tratava de Jílly. Nem mesmo em seus sonhos mais tresloucados, ele havia se imaginado no papel de romântico,
assim como jamais pensara em casamento. Mesmo assim, há dois meses ela o deixara completamente embriagado ao aceitar o pedido de casamento, que ele fizera de joelhos.
Ele lhe disse que faria qualquer coisa por ela, o que prontificouse a provar-lhe. Em sua ânsia desesperada por satisfazê-la, não parecia preocupar-se com o fato
de estar completamente dependente dela.
Jilly fora a primeira pessoa, no mundo, a quem ele confiara todos os seus segredos. Ele também sabia de todos os segredos dela. Estavam juntos há quatro meses quando,
numa noite, após terem feito amor e estarem aninhados no sofá, vestindo chambres de seda e bebericando champanhe, ele contou-lhe tudo sobre sua vida. Contou-lhe
de sua vida na desolada e árida fazenda em Nebraska, e de seus pais, também áridos, austeros e infelizes. Seu pai acreditava que apanhar fazia parte de educação.
Sua mãe, uma pessoa sem personalidade, que tinha medo da própria sombra e nunca tinha feito nada além de cuidar da casa e ir à missa aos domingos, mantinha as mãos
cruzadas às costas enquanto o marido trucidava, às chicotadas, a curiosidade de seu único filho. Monk aprendera a jamais se queixar com ela, pois tudo que lhe dizia
era reportado ao pai. Aos dez anos, já sentia tanto ódio pelos pais que todo dia, antes de adormecer, sonhava com novas maneiras de torturá-los.
Tivera uma vida claustrofóbica. Costumava roubar dinheiro do cofre da igreja - só um pouquinho, aqui e ali, todos os domingos. Quando terminou o ensino médio, arrumou
suas coisas num saco de mercearia, e saiu da fazenda. Graduou-se em Omaha. Tinha o suficiente para sobreviver o primeiro semestre e recebeu ajuda do governo para
pagar o restante do curso, empréstimo que nunca
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tivera a intenção de pagar. Quatro anos mais tarde, deixara Nebraska, jurando jamais voltar.
Não sabia - e não fazia a mínima questão de saber - se os pais estavam vivos ou mortos.
Até agora, nunca se importara com ninguém.
Ele contou a Jilly tudo sobre si mesmo. Contou-lhe que seu primeiro assassinato acontecera quando tinha 22 anos. Contou-lhe também que sonhara em trabalhar no teatro.
Ele se considerava um bom ator, tão bom que fizera um teste para o papel principal numa companhia itinerante de teatro. Um outro ator fizera comentários jocosos,
em frente ao diretor, sobre sua atuação. Monk ficara tão nervoso que saíra-se mal e, naturalmente, acabou não conseguindo o papel. Jurando vingar-se, esperou pacientemente
até que, dois anos depois, fora atrás do rapaz. Daquela vez, usou uma faca e considerou a experiência emocionante e libertadora.
- Quando você mudou seu nome? - perguntou ela.
- No dia em que me matriculei na faculdade - ele disse. - Eu tinha uma certidão de nascimento falsa e o bastardo responsável pela matrícula não percebeu.
- Eu não fiz faculdade - disse-lhe ela. - Eu gostaria de ter feito, mas minha mãe não me achava inteligente. Ela pegou a grana que eu tinha economizado e pagou os
estudos de Carrie.
- Como era a sua vida?
Os olhos de Jilly ficaram marejados.
- Sem amor - disse ela. - Eu não me lembro de meu pai. Ele foi embora quando éramos pequenas. Foi embora por causa dela.
- De sua mãe?
- Sim - disse ela. - Ela fez com que ele se fosse. Ele foi embora com outra mulher, mas não posso censurá-lo. Minha mãe era uma mulher fria e amargurada. Ela nunca
me deu carinho e acho que, por isso, acabei me metendo em encrenca... você sabe... fiquei grávida. Queria ser amada por alguém, só isso. Envergonhei minha família.
Não sou capaz de me lembrar quantas vezes elas me jogaram isto na cara. Ela balançou a cabeça e murmurou: - era tão tola e inocente. Tinha certeza que, quando o
bebê nascesse, minha mãe e minha irmã - a queridinha - me perdoariam e me ajudariam a criá-lo. Eu queria que as coisas dessem certo para a minha filha.
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- Mas não funcionou, não é verdade? Ela agarrou a mão dele.
- Não. Foi horrível. Mamãe e Carrie foram ao hospital. Pensei que levariam a mim e ao bebê para casa.
- E o que aconteceu, meu amor? - perguntou ele, percebendo que ela estava muito emocionada para continuar. Ele inclinou-se para a frente e colocou mais champanhe
no copo dela.
- Carrie tirou minha filha do hospital, sem dizer uma palavra sequer a respeito. Ela simplesmente pegou a criança do berço e saiu do quarto. Quando tentei correr
atrás da minha irmã, minha mãe me segurou pelo braço. Perguntei para onde Carrie estava levando o meu bebê, e ela me disse que ela estava levando a pequena Avery
para casa. Foi esse o nome estúpido que minha mãe escolheu para a minha filha. Jilly enxugou as lágrimas do rosto com as pontas dos dedos. Elas não me deixaram sequer
escolher o nome de minha filha. Carrie assumiu o comando, dizendo à mamãe o que fazer. Minha mãe concordou com todas as decisões de sua queridinha.
- E depois, o que aconteceu?
- Minha mãe disse-me que eu teria que sair da cidade e que nunca mais poderia voltar para casa. Ela me disse que aquela era a última vez que seriam humilhadas. Eu
pedi que me perdoasse, mas ela não cedeu. Ainda me lembro de seu olhar, cheio de ódio. Igualzinho ao de Carrie. Ela me disse coisas horríveis e, depois, abriu a
carteira e tirou uma nota de cem dólares. Atirou o dinheiro em meu rosto e saiu do quarto.
- Não havia ninguém para ajudá-la? Ela balançou a cabeça.
- Minha mãe era muito amiga do chefe de polícia. Ela o tinha na palma das mãos. Ele sempre aparecia lá em casa, quando mamãe pensava que Carrie e eu estivéssemos
dormindo. Uma noite, ouvi uns gemidos e saí da cama para ver o que estava acontecendo. Fui até a sala e vi o chefe de polícia esparramado no sofá, com as calças
em volta do tornozelo. Minha mãe estava de joelhos, trabalhando com a boca. O porco imundo era casado, acrescentou ela. Ele faria qualquer coisa para evitar que
minha mãe contasse tudo à esposa. Minha mãe disse-me que, se eu não saísse da cidade, ele me poria na cadeia. Eu sabia que ela tinha o poder de convencê-lo a fazer
isso.
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Ela soluçava descontroladamente. Ele abraçou-a até que se acalmasse e perguntou:
- O que aconteceu com a sua filha?
- Carrie a criou e fez com que me odiasse. Minha irmã sempre me odiou. Ela não era... bonita, e morria de inveja de mim. Roubando minha filha, vingou-se de mim.
- Como você encontrou Dale Skarrett? - ele perguntou.
- Depois que saí de Sheldon Beach, fiz biscates para me sustentar. Estava tentando economizar uma grana para contratar um advogado e conseguir minha filha de volta.
Como não tinha um diploma, trabalhei em bares e restaurantes. Algumas vezes, tive que roubar para pagar o aluguel. Tive também de dormir com alguns homens. Doze
ao todo, ela admitiu. E, foram exatamente doze. Não sei por que, mantive a conta. Tomei todas as precauções para não pegar nenhuma doença nojenta. Eu odiava fazer
aquilo, mas precisava do dinheiro. Estava desesperada para ter minha filha de volta. Virou-se para tentar esconder a angústia. Uma noite, quando trabalhava num pulgueiro
em Savannah, encontrei Dale Skarrett. Ele me dava nojo, mas tinha dinheiro. Estava louco por mim e fez questão que eu visse seu maço de notas. Vivemos juntos, com
algumas separações, por um tempo que me pareceu uma eternidade. Eu tentei me separar dele, mas ele insistia em vir atrás de mim. Uma noite ele me falou de uma joalheria
que ele e seus amigos, Frank e Larry, planejavam assaltar. Larry estava se esfregando na filha do dono, que gostava de se gabar do dinheiro da família. Dale planejou
o roubo, mas ajudei com todos os detalhes.
- Então você foi cúmplice.
- Sim - disse ela. - O assalto foi perfeito, mas Frank deu com a língua nos dentes. Começou a contar para todo o mundo que, assim que Dale vendesse os diamantes,
ficariam com os bolsos recheados. Dale tinha escondido as pedras brutas, e todos haviam concordado em esperar pelo menos seis meses antes de vendê-los.
- Mas as coisas não deram certo, não é?
- Não. A gabolice de Frank chegou aos ouvidos da polícia. Eles prenderam-no para interrogatório e acabaram fazendo um acordo com ele. Ele entregou o Larry, mas não
mencionou o nome de Dale, ou o meu, até mais tarde. Acho que estava tentando conseguir alguma vantagem. Larry avisou-nos a tempo e conseguimos fugir. Larry
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não teve tanta sorte. Houve um tiroteio e, antes de morrer, Larry matou um policial.
Jilly começou a chorar, novamente.
- Eu não estava dando a mínima para os diamantes. Dale havia prometido que me ajudaria a conseguir minha filha de volta. Esse seria o meu prêmio por ajudá-lo com
o assalto. Voltamos a Sheldon Beach e fomos até a casa de minha mãe, para pegar Avery. Eu não via aquilo como um rapto. Estava simplesmente tentando reaver a filha
que me roubaram. Eu não sabia que Carrie havia pressionado minha mãe para pedir que a custódia de Avery fosse dada a ela. Todos os meus direitos de mãe foram transferidos
para Carrie. Ela roubou minha filha de mim, Monk. Ela roubou minha filha...
- Eu imagino o quanto você deve sofrer com isso, meu amor.
- Avery era apenas uma garotinha quanto Dale foi buscá-la, mas Carrie já havia conseguido que ela me odiasse. Dale disse-me que tentou acalmar Avery, dizendo-lhe
que eu a amava muito e que seria feliz comigo. Avery ficou histérica. Só Deus sabe as mentiras que Carie deve ter dito a ela. Ela lutou com ele como um tigre, chutando,
arranhando e tentando arrancar-lhe os olhos. Ele disse que tirou o cinto e tentou amarrar as mãos dela. Disse também que lhe deu uns chacoalhões, tentando fazer
com que se acalmasse.
Monk ofereceu-lhes alguns lenços de papel para enxugar as lágrimas.
- Continue. Você se sentirá melhor quando todo esse veneno for destilado.
Ela assentiu.
- Sim, você tem razão. Os gritos de Avery acordaram mamãe. Ela veio correndo, com uma arma nas mãos. O chefe de polícia havia lhe dado a arma para que se protegesse.
Ela tentou matar Dale. Ele me disse que estava se afastando com Avery, quando ela atirou. Ela acertou minha filha, por engano. Jilly encolheu os ombros.
- Dale só me contou esta história muito tempo depois. Por isso, não fui visitá-la no hospital.
- O que aconteceu com sua mãe?
- Quando viu o que tinha feito, Dale me disse que ela gritou, apertou o peito e, subitamente, caiu. Antes de chegar ao chão estava morta... de acordo com Dale.
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- Enfarte?
- Sim, mas não chorei por sua morte. Ela havia me virado as costas e fiz o mesmo com ela. Não derramei uma única lágrima - disse ela, orgulhosa.
- Eu compreendo.
- Dale tentou cumprir sua promessa. Ele seguiu Avery quando ela foi morar com minha irmã, na Califórnia. Foi atrás dela, pensando que poderia agarrá-la quando saísse
da escola mas ela tinha um guarda-costas, um agente do FBI. Carrie havia convencido os policiais de que Dale tentaria raptar Avery novamente. Minha irmã é muito
"inteligente" - acrescentou ela, com escárnio. - Ela deve ter avisado o diretor, pois ele disse aos guardas de segurança que Dale era perigoso. Tinha sempre alguém
vigiando Carrie. Dale tentou agarrá-la quando ela estava saindo do campus, mas o agente do FBI o viu e derrubou-o no chão. Dale não estava armado - continuou ela.
- Ele foi preso e mandado de volta para a Flórida, onde foi julgado pela morte de minha mãe.
- E condenado.
- Sim. A autópsia revelou que a causa da morte fora enfarte, mas o júri considerou Dale responsável.
- E você, o que acha?
- Eu não me importo se ele foi ou não responsável. Mas minha mãe realmente tinha um problema no coração. Agora, tenho uma confissão a fazer, querido. Por favor,
não fique bravo comigo. Deixe-me explicar.
- Eu nunca ficaria bravo com você, ele disse.
- Você se lembra do dinheiro que me deu, para pagar as minhas dívidas?
- Os trinta mil dólares?
- Sim - ela disse. Escorregou a mão sob o chambre dele e começou a acariciar-lhe o peito. Eu dei quase todo o dinheiro para um advogado, como garantia.
- Por quê? - perguntou ele. - Por que você precisou de um advogado?
- Eu o contratei para ajudar Dale. Quero tirá-lo da prisão, e parece que agora vai dar certo. Quando o advogado examinava a caixa de evidências, encontrou o recibo
de um cardiologista de Savannah e foi ver o médico - continuou ela. - Ele disse a Dale
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que a condição dela era crítica. Mais importante, ainda, foi ele ter dito que procurou os promotores para dizer-lhes que havia tratado de mamãe. Os promotores impediram
que a informação chegasse ao defensor público, designado para defender Dale.
Monk estava se sentindo inseguro e com raiva, mas controlou-se.
- Continue, ele disse.
- O advogado que contratei conseguiu - disse ela. - Dale conseguiu um novo julgamento, que deve acontecer em breve. O juiz ficou indignado quando soube que o promotor
havia suprimido a evidência em favor de si. Parece que os dois não se bicavam e essa foi a última gota. O advogado de Dale me disse que um dos casos foi adiado e
que o juiz deu a brecha a Dale. Carrie e Avery não poderão testemunhar. Com o depoimento delas, Dale não sairá da prisão.
- E a audiência para deliberar a condicional? Continua marcada?
- Sim, mas até lá o julgamento já terá terminado. Se Dale não sair da prisão, não terei a chance de botar as mãos naqueles diamantes. Afinal de contas, depois de
tudo o que passei, acho que mereço. É claro que tudo que conseguir pertence a você. Será que estou sendo muito gananciosa?
- Não, não está - disse ele. - Mas, agora, você tem de me dizer a verdade. Você ainda sente alguma coisa por Dale?
- Pelo amor de Deus, não! - gritou ela. - Eu sempre o odiei, e posso provar isso.
- Como? - perguntou ele, intrigado por seu sorriso matreiro, que o deixava terrivelmente excitado.
- Assim que Dale nos levar aos diamantes, deixarei que você me assista matá-lo.
Todas as inseguranças de Monk rapidamente se dissiparam com a promessa. Ela beijou-o e sussurrou:
- Eu amo você com todas as minhas forças. Eu preferiria morrer a magoá-lo. Eu posso provar meu amor por você, matando Dale, mas quero que você também me dê uma prova.
- O que posso fazer? - ele perguntou. Ele não era um homem dado a poesia, mas tentou ser romântico ao jurar. - Se você quiser que eu caminhe sobre a água, juro que
darei um jeito de satisfazer seu desejo. Eu faria qualquer coisa por você, querida Jilly. Qualquer coisa no mundo.
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Ela aconchegou-se a ele.
- Tanto minha irmã quanto Avery prestaram depoimento na última audiência para a condicional - disse ela. - Foi por isso que Dale não conseguiu sair.
- E você quer que, dessa vez, eu descubra uma maneira de manter sua irmã e sua filha afastadas do julgamento e da audiência para a condicional?
É isso que você quer?
- Querido, eu não quero apenas que as mantenha afastadas. Quero que seja impossível que elas prestem depoimento. Eu quero que você mate as duas.
Capítulo
7
Carrie acordou suando frio. Sentia-se consumida, aterrorizada pelo pesadelo. Tremendo como uma criança, enrolou-se nas cobertas e tentou acalmar-se. Pensou que seu
coração não fosse resistir. Colocou a mão no peito e respirou fundo várias vezes. O pesadelo fora incrivelmente real. Meu Deus, o que havia desencadeado tudo aquilo?
Há anos não pensava em Jilly. Por que sua irmã estaria atormentando seu sono novamente?
Talvez ela estivesse excessivamente cansada. Sim, era isso, pensou, agarrando-se a possibilidade. Fazia sentido, por que não? Nos últimos dez meses, trabalhara de
sessenta a setenta horas por semana, dando o sangue pela inacreditavelmente lucrativa conta da Bliss. Os contratos foram assinados e enviados, e agora que ela podia
finalmente diminuir o ritmo e relaxar, seu cérebro sobrecarregado parecia ter derretido.
Virou-se, deitando de costas. Fechou os olhos, para se proteger do agudo raio de luz do sol que se infiltrou pela fresta das cortinas, e tentou lembrar-se de alguns
exercícios de ioga que aprendera com Avery. Inspire profundamente. Limpe a mente e concentre-se em relaxar cada músculo de seu corpo. Muito bem, estava conseguindo
lembrar-se. Primeiro, os dedos dos pés. Depois as pernas. É isso aí, pensou ela. Agora relaxe, merda.
Não estava funcionando. Como um monstro escondido no armário, a ansiedade continuava rondando, pronta para atacar.
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Pelo amor de Deus, foi apenas um pesadelo. Real como os diabos mas, ainda assim, apenas um pesadelo. Então, pare de ter chiliques.
Carrie gostaria que o Valium ainda estivesse na moda. Ela teria tomado alguns para acalmar os nervos. Foi quando percebeu que estava se acalmando. Seu coração não
estava mais querendo pular para fora do peito, como algumas daquelas criaturas do filme Alien.
Ela precisava de um bom banho de chuveiro. Que horas seriam? Será que o sol matinal brilha mais nas montanhas do que em Los Angeles? É claro que sim, pois não havia
neblina.
Café, pensou ela. Vou pedir meu café. A cafeína vai clarear a névoa de minha cabeça e, então, serei novamente capaz de raciocinar como um ser humano.
Carrie estava jogando as pernas para fora da cama quando viu algo que a fez estremecer. Sobre o criado mudo, com a ponta virada em sua direção, estava uma tesoura
de aço brilhante. Ela congelou, um grito parado na garganta. Não tinha o poder de desviar o olhar, ou de fazer a tesoura desaparecer.
Seu coração voltou a chicotear a caixa toráxica. Seria possível morrer de medo? Seria isto algum tipo de brincadeira doentia? Não. Era impossível que, seja quem
for que tenha posto a tesoura ali, soubesse de seu pesadelo. Pense um pouco, merda. Tente pensar.
Seria aquele objeto real? Hesitante, Carrie estendeu o braço para tocá-lo, pensando estar sofrendo algum tipo de alucinação. Quando seus dedos tocaram a alça dura
e fria da tesoura, choramingou. Que merda, era de verdade.
Teria que haver alguma explicação razoável para isto tudo. Talvez, na noite passada, a tesoura já estivesse sobre o criado mudo e, mesmo que não tivesse conscientemente
percebido, seu subconsciente a havia notado. Era uma possibilidade desesperada mas, mesmo assim, agarrou-se a ela. Foi então que viu, apoiado no pé do abajur, um
envelope com seu nome escrito em linda caligrafia. Suas mãos tremiam, ao tentar abri-lo. O papel era sofisticado, mas não tinha nem o logotipo do Utopia nem o endereço
do remetente.
- Que diabos está acontecendo por aqui? - sussurrou ela. Puxou e desdobrou as duas folhas de papel, e leu a carta.
105
Carrie,
Você lamentou minha morte, quando ficou sabendo que eu havia morrido num acidente de carro, vários anos atrás? Ou você festejou? Você sempre se sentiu tão superior.
Eu era apenas a garota estúpida. Você se lembra que gostava de me chamar assim?Eu nunca me esqueci. Seu maior erro foi ter me subestimado. Sempre. Tenho certeza
que você se lembra que eu sempre quis ser tão boa quanto você. Finalmente, esse dia glorioso chegou. Agora, você está exatamente onde eu sempre quis que estivesse.
A casa está cheia de fios explosivos, é impossível escapar. Se você abrir qualquer janela ou porta externa... bum. Com um simples apertar de botão a casa irá pelos
ares. Você está curiosa para saber quanto tempo vou esperar?
Tic Tac Está com medo?
Será que devo lhe contar como planejei tudo isso? Primeiro, encontrei o homem dos meus sonhos.
É claro que ele me adora, mas isso não é novidade, não é mesmo? Este
cara é muito especial. Na verdade, ele é um perfeccionista. O nome dele é Monk e devo dizer que, logo que o conheci, ele era bem durão. Ele é um assassino, o meu
assassino. Apesar de ele preferir ser chamado de profissional.
Ele faz tudo o que lhe peço e, em troca, ensinei-lhe a se divertir com o seu trabalho. Ele é um homem muito orgulhoso, que gosta do que faz e é cuidadoso e meticuloso,
o que quer dizer que nunca comete erros. No passado, ele tinha apenas um emprego por vez, mas acabei por convencê-lo que deveria ser mais ambicioso. Ele já havia
organizado tudo para a explosão da casa. Só tivemos de ampliar o planejamento, para nos livrarmos de algumas mulheres irrelevantes.
Você sabe por que deve morrer. Você roubou o meu sonho. Você roubou minha filha e fez com que ela me odiasse. Existem apenas duas razões, Carrie. Quando tudo estiver
acabado, seu pecado maior terá sido ter-me feito infeliz.
Jüty
P.S. Não se preocupe com a Avery. Vou cuidar dela também.
106
Carrie deu um grande grito e começou a soluçar. Ela estava apavorada. Tremendo, saiu da cama e correu para as portas de correr, de vidro. Agarrou punhados de cortina
que rasgou, tirando os do caminho, para poder olhar para fora. E para baixo. Ela viu as luzinhas vermelhas dos explosivos piscando, horríveis e diabólicas como os
olhos do diabo, e gritou:
- Deus meu, Deus meu, Deus...
Ela correu até a porta do quarto, mas tropeçou nos sapatos e bateu o pé direito na coluna da cama. Sentiu uma dor horrível na perna. Amaldiçoando, continuou. Assim
que saiu da porta, parou no corredor e gritou:
- Tem alguém aí?
Nenhuma resposta. Nenhum som. Tarde demais, pensou ela ao lembrar-se de que deveria ter trazido a tesoura, no caso de precisar se defender. Mas Jilly havia tocado
aquela tesoura. A terrível Jilly, que escrevera a carta tenebrosa, Jilly, a psicopata.
Que Deus as ajudasse.
Ela desceu a escada espiral, mantendo as costas contra a parede. Ela estava com medo de olhar e medo de não olhar para baixo. Demorou alguns minutos até que conseguisse
juntar coragem para olhar e, depois, ficou ainda mais fraca por causa do alívio que sentiu ao ver que não tinha ninguém olhando para ela. Talvez ela, Sara e Anne
estivessem sozinhas na casa. Não, aquilo não era mais uma casa. Era uma bomba.
Ela desceu a escada e, desabalada, invadiu o apartamento da juíza. A sala estava completamente escura. Carrie não podia sequer enxergar suas mãos. Tateou pela saleta
de estar, quase caindo sobre um abajur. Agarrou-o e, finalmente, conseguiu acender a luz.
Sara estava deitada. Carrie via a forma de seu corpo sob as cobertas, mas não podia ver o seu rosto. Carrie abriu as cortinas, que estavam fortemente cerradas, e
olhou para baixo.
- Filhos da puta - murmurou.
Havia lá uma outra luzinha vermelha, piscando. Ela virou-se e, vagarosamente, aproximou-se da cama, enquanto tentava ouvir o barulho da respiração de Sara. Não foi
capaz de ouvir nada além do barulho do ar condicionado, que voltava a funcionar.
Carrie chacoalhou-a, gentilmente.
- Sara, acorde - disse ela.
107
Sara não se moveu. Carrie chacoalhou-a novamente, agora, com muito mais força.
- Ande logo, Sara, Você precisa acordar - gemeu ela.
Ela colocou a mão sobre o pulso de Sara tentando, com as pontas dos dedos, encontrar algum sinal de vida. Ao comprovar que ela estava viva, sentiu vontade de dar
um grito de alívio.
Carrie sabia o que tinha acontecido. Haviam colocado algum tipo de droga na comida que lhes serviram a noite passada. Como havia vomitado, é provável que tivesse
se livrado do veneno. Quantos canapés Sara e Anne haviam comido?
Ela agarrou Sara pelos ombros e começou a dar-lhe uns safanões Abra os olhos, merda! Acorde, Sara!
Sua única resposta foi um outro gemido. Carrie olhou para o relógio da escrivaninha e viu que já era uma hora da tarde. Depois, olhou para o criado mudo e, como
esperava, viu um envelope exatamente igual ao seu, com o nome de Sara escrito. A letra era idêntica.
Será que deveria abrir?
- Vá embora.
Carrie deu um pulo ao ouvir a voz rouca de Sara. Ela estava tentando abrir os olhos. Carrie afastou-se um pouco, enquanto Sara rolou na cama e, novamente, pediu
que saísse dali.
- Não - disse ela. - Mantenha os olhos abertos. Você precisa acordar.
Dessa vez, Sara ouviu. Fez um enorme esforço para sentar-se mas voltou a desabar sobre os travesseiros. Ela tentou focar o olhar em Carrie, lentamente.
- O que... O que você está fazendo aqui?
- Ouça bem - ordenou Carrie. - Você foi drogada. Você entende o que estou dizendo? Por favor, tente prestar atenção. Estamos em apuros.
- Drogada? - ela balançou a cabeça. - Não, não uso drogas. Em seu desespero, ela gritou com a mulher. - Eles colocaram
a droga na comida, Sara. Você entende o que estou dizendo?
- Sim. Você está me dizendo que colocaram droga na comida.
- É isso mesmo - disse Carrie. - Mantenha os olhos abertos. Vou buscar uma toalha umedecida. Vamos lá, Sara - ela insistiu. - Sente-se.
108
Quando Carrie voltou do banheiro, segurando uma toalha molhada, Sara já havia conseguido sentar-se. Os ombros dela estavam apoiados na cabeceira.
Ela olhou para Carrie como se, agora, ela fosse a única coisa que pudesse ver.
- O que você está fazendo no meu quarto?
Carrie tentou colocar a toalha molhada no rosto de Sara, mas a mulher não permitiu.
- Estamos encrencadas - ela repetiu. - Eu tenho de acordar Anne. Por favor, ouça o que vou dizer, está bem? Você consegue se concentrar?
- Quer parar de gritar comigo? Já estou acordada. De que tipo de encrenca você está falando?
- A casa está cheia de explosivos. Sara piscou.
- Eu não entendo.
- Somos prisioneiras aqui - disse Carrie. - Se alguma de nós abrir uma porta ou janela, a casa irá pelos ares. Olhe pela porta de vidro. Vê as luzinhas vermelhas,
piscando?
Sara não estava acreditando.
- Isso é só uma brincadeira de mau gosto.
- Não, não é - respondeu Carrie. Ela pegou o envelope da mesa de cabeceira. - Abra - disse a Sara. - Eu também recebi um. Leve a sua carta para a sala de estar,
que eu também levarei a minha. E, mesmo que você não acredite em mim, não abra nenhuma porta ou janela. Promete? Agora tenho de ir ver Anne, antes que ela acorde
e resolva abrir a janela.
Sara assentiu.
- Está bem. Encontro você lá embaixo.
Ela estava abrindo o envelope quando Carrie saiu ventando do quarto. A suíte de Anne era no mesmo andar, no final do corredor. Ela correu até lá.
Anne não estava na cama. Carrie notou que ela estava no banheiro, vomitando. Ela bateu na porta.
- Anne, você precisa de ajuda?
Anne não respondeu. Carrie perdeu a noção do tempo que ficou ali, ao lado da porta, batendo sem parar. Finalmente, Anne abriu a porta e apareceu.
109
A frágil mulher estava verde.
- O que você quer? - perguntou ela. Ela mal se agüentava em pé.
- Deixe-me ajudá-la - disse Carrie. E colocou o braço ao redor de sua cintura, pensando que seria da largura de um lápis, e caminhou com ela até a cama.
- Você deveria ficar longe de mim - disse Anne, com voz fraca. - Estou com alguma virose.
- Não, Anne. Você não está com virose alguma. - Ela estava praticamente carregando a mulher pelo quarto. Quando chegaram à cama, ela puxou as cobertas e ajudou Anne
a sentar-se.
- Eu passei a noite toda acordada, vomitando - disse ela. - É claro que devo estar com alguma virose.
Não havia envelope no criado mudo de Anne.
- Você esteve acordada a noite toda? - perguntou ela, enquanto ajudava a mulher a deitar-se. - Você ouviu algum barulho? Viu alguém?
- Não - ela respondeu. - Solte-me. Eu não quero me deitar. Ela ajeitou os travesseiros e, lentamente, apoiou-se sobre um dos cotovelos.
- Todas nós fomos drogadas - explicou Carrie. - A droga deve ter sido colocada nos canapés.
- Isso é ridículo. A comida estava estragada, só isso. Eles não gostarão de ouvir o que tenho a dizer, quando chegar ao spa. Eu poderia processá-los por isso - disse
ela. - E acho que é exatamente isso o que farei. Primeiro, os problemas no aeroporto e, agora, intoxicação.
É simplesmente imperdoável.
Carrie não argumentou. Ela continuou a sua história, contando dos envelopes que ela e Sara haviam recebido.
- A coisa mais importante que você precisa saber é que existem explosivos espalhados por todas as portas e janelas da casa. Se alguma delas for aberta, a casa explodirá.
Anne olhava para ela como se estivesse completamente louca.
- Oh, pelo amor de Deus! O que há com você? Por que está tentando me assustar?
- Eu não estou tentando assustá-la. Estou dizendo a verdade. Você encontrou um envelope com seu nome?
- Não, não encontrei.
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A resposta veio muito rápida, cheia de raiva. Carrie percebeu que ela estava mentindo, mas, por mais que tentasse, não conseguia entender por que.
- Anne, estamos nisso juntas. Você tem de me dizer a verdade. Indignada, ela respondeu:
- Eu estou dizendo a verdade. Agora, saia daqui e deixe-me sozinha.
- Não - disse Carrie. - Não sei quanto tempo ainda temos, e temos de encontrar um jeito de sair daqui sem ativar os explosivos.
O rosto pálido de Anne ganhou cor, rapidamente.
- Eu pedi que saísse do meu quarto. Carrie tentou uma nova tática.
- Sara e eu... nós precisamos de você, Anne. Nós temos de trabalhar juntas para tentar descobrir o que está acontecendo.
Anne encarou-a.
- Por que vocês precisam de mim?
- Porque você é inteligente.
- Você não poderia saber se sou ou não inteligente.
- Você tem seu próprio negócio, não é? Pelo menos, foi o que me disse.
Anne levantou o queixo. Ao alisar os lençóis ao redor da cintura, ela disse:
- Eu comecei do nada e transformei meu hobby - como meu pai chamava meu estaleiro - num negócio de quarenta milhões de dólares. Em janeiro, terei aumentado minha
margem de lucro quatro vezes mais do que meus contadores haviam previsto.
Carrie não tinha tempo para esse tipo de conversa. Sentia-se ultrajada por ter de lustrar o ego da idiota para conseguir sua cooperação. Será que ela não entendia
que estavam correndo perigo?
Com muito esforço, Carrie conseguiu controlar-se.
- Você acha que pode juntar-se a nós, na sala de estar, para falarmos sobre o problema? Tenho certeza que seus conselhos ajudariam muito.
Anne inclinou a cabeça para o lado e, por um longo minuto, olhou para Carrie sem dizer palavra. Depois, balançou a cabeça.
- Você realmente acredita nesta história, não é? Você acredita...
- É verdade - chicoteou ela. Anne assentiu.
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- Como é mesmo o seu nome? Eu me esqueci.
- Carolyn - respondeu ela, esforçando-se para não gritar com a obtusa criatura. - Pode me chamar de Carrie, se preferir.
- Está bem, Carrie. Encontro você e Sara na sala de estar.
- Se achar que não tem forças para chegar até lá, Sara e eu podemos vir até aqui...
- O que a faz pensar que não sou uma pessoa forte? - ela perguntou, brava.
- Você disse que vomitou a noite toda.
- Você disse que havia alguma coisa na comida.
- Sim, disse.
- Foi por isso que vomitei. Eu não estou doente.
Carrie sentiu vontade de dizer-lhe que ninguém se importava se ela estava ou não doente. Mas respirou fundo, concordou e disse:
- Tudo bem, desça assim que puder.
- Eu ainda não vejo motivo para tanta confusão. Então, Carrie perdeu completamente a cabeça.
- Confusão? - rugiu ela. - Estamos dentro de uma bomba relógio. Você ouviu alguma coisa do que acabei de dizer?
- Sim, ouvi. Mas me parece que a resposta está bem diante de você. Pegue o telefone e ligue para o Utopia. Peça que mandem alguém para desarmar a coisa.
O telefone. Como era possível que não tivesse pensado em pedir ajuda? Carrie correu para o outro lado da cama e pegou o telefone. Suas esperanças, no entanto, não
duraram muito. O telefone estava completamente mudo.
- Não está funcionando - ela disse, sem se preocupar em colocar o receptor no gancho, deixando-o pendurado ao lado da cama.
- E os telefones celulares? - perguntou Anne. - Você acha que conseguiremos algum sinal? - Olhando para a mesinha ao lado, franziu o cenho e perguntou: - Onde está
o meu celular? Antes de me deitar, coloquei-o bem ali, para recarregar. Você tirouo dali?
- Eles levaram-o - gritou Carrie. Ela correu até a porta de vidro que dava para a varanda de Anne e abriu as cortinas ao dizer: - Você vê aquelas luzinhas vermelhas,
Anne? Vê?
112
- Pare de gritar comigo.
- Vê todos esses fios? A casa está pronta para explodir - disse ela. - Será que dá para entender?
- Sim, tudo bem - disse Anne. Agora, ela parecia taciturna. Talvez Sara conseguisse convencê-la. Carrie respirou fundo e
disse:
- Vou voltar ao meu quarto para ver se levaram meus celulares. Por favor, apresse-se - disse ela. - E lembre-se de não abrir nenhuma porta ou janela.
- Compreendo.
Carrie não tinha muita certeza disso. Mas, como não queria discutir com a mulher, fingiu concordar. Ela parou em frente a porta e disse:
- Leve a carta... por favor. Sara e eu levaremos as nossas.
- Não havia nada sobre meu criado mudo - respondeu Anne, ríspida.
Anne desviou o olhar de Carrie.
- Feche a porta quando sair.
O que é que havia de errado com Anne? Por que estaria mentindo? O que poderia ganhar com isso?
Carrie não tinha as respostas. Ela voltou ao seu quarto, mas parou assim que entrou. Suas malas Gucci haviam sido cortadas com estilete e suas roupas jogadas sobre
o sofá e as poltronas. Como não tinha reparado na bagunça ao sair? Conforme suspeitara, seus dois celulares, os carregadores de bateria e seu laptop haviam desaparecido.
Ela correu até o armário.
- Por favor, Deus meu - sussurrou ela, enquanto escancarava as portas. - Talvez Jilly tenha se esquecido de alguma coisa. Talvez não tenha percebido o celular que
Carrie havia guardado no bolso.
Carrie começou a chorar quando viu seu paletó caído no chão. Sua irmã havia encontrado o telefone. Ela olhou ao redor, consciente da gravidade da situação em que
se encontrava, e começou a soluçar.
Ficou ali, por algum tempo e, depois, tentou readquirir o controle de suas emoções.
- Estou ficando louca - disse, em voz alta. Enxugando o rosto com as costas das mãos, levantou-se e foi
ao banheiro. Olhou-se no espelho. Meu Deus, estava completamente desgrenhada. Seus olhos inchados e o rosto desfigurado.
113
Carrie escovou os dentes e lavou o rosto. Vestiu o roupão que encontrou pendurado atrás da porta do banheiro. Sentia-se melhor agora. Depois de pegar o envelope
que a querida irmã demente deixara para ela, desceu para encontrar-se com as outras senhoras.
Nem Sara nem Anne estavam lá. Carrie foi até a cozinha e surpreendeu-se ao ver que a despensa não havia sido assaltada. Havia caixas fechadas de cereais matinais,
legumes enlatados e frutas. Ela percebeu que havia uma camada de poeira nas tampas das latas, indicando que deviam estar ali já há algum tempo. A geladeira estava
vazia, mas havia uma lata cheia de pó de café no congelador.
Carrie continuou andando até o hall de entrada para ver se Sara e Anne já haviam descido. Por que diabos demoravam tanto? Voltou à cozinha, preparou um pouco de
café e voltou à sala de estar, carregando uma caneca fumegante. Deliberadamente, manteve-se afastada das janelas, para o caso de estar sendo observada por alguém
do lado de fora.
Sentou-se em uma das espreguiçadeiras próximas à sala de jantar e esperou, tensa.
Porque suas mãos tremiam, ela derramou um pouco de café quente, queimando-se. Cinco minutos mais tarde, ela viu Sara descer a escada em caracol, vagarosamente. Estava
usando um chambre azul com motivos florais. Pela maneira como se agarrava ao corrimão, mostrava estar ainda meio zonza.
- Você precisa de ajuda? - perguntou Carrie ao vê-la parar pela quinta vez. Suas mãos estavam presas ao corrimão.
- Não é preciso. Estou me sentindo um pouco tonta. Que diabos havia naquela comida?
- Não tenho a menor idéia - disse Carrie. - Só posso dizer que era bastante forte.
- Poderíamos ter morrido.
Já imaginou, pensou Carrie. Morrer por ter comido um canapé, sem sequer ficar sabendo de todo o trabalho que Jilly teve para organizar tudo isso? Sua irmã ficaria
ultrajada. Carrie teve de sorrir, mesmo sabendo que tivera um pensamento doentio.
- Aceita um pouco de café?
- Acho que não devo, obrigada. Como você sabe que o café não está envenenado?
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- Não está - assegurou-lhe Carrie. - A carta que recebi era de minha irmã. Ela armou um esquema fantástico para me aterrorizar. É evidente que ela espera que eu
sofra bastante antes de morrer, e veneno teria uma ação muito rápida.
- Então por que foi que ele envenenou os canapés?
- Para nos nocautear - respondeu Carrie. Ela esperou que Sara se sentasse à sua frente e continuou. - Na noite passada, ela veio aos nossos quartos.
- É verdade, alguém esteve em meu quarto - concordou Sara. - Ele ou ela mexeu em todas as minhas coisas. Meu celular e meu palm top desapareceram.
- O telefone também está mudo.
- Sim - disse Sara. - Eu verifiquei.
De repente, ocorreu à Carrie que a juíza estava excessivamente calma. Ela quis saber por que.
- Não vejo razão para ficarmos histéricas. De que adiantaria? Prefiro guardar minhas energias tentando descobrir como sair daqui... inteira.
Carrie sorveu um longo gole de café que, a essa alta altura, já estava morno e bastante amargo.
- Minha irmã retornou da sepultura.
- Não entendi.
- Minha irmã... Pensei que ela tivesse morrido num acidente de carro, anos atrás - disse Carrie. - Depois que minha sobrinha foi para cama, meu marido e eu celebramos
o acontecimento. Disseram-me que ela havia sido cremada no fogo do inferno. Mas alguns de seus pertences perderam-se de sua bolsa durante o impacto, o que acabou
por convencer os policiais de que a vítima era minha irmã. Eu fui tola em acreditar. Na época, Jilly estava sendo procurada pela polícia.
- O que quer dizer que ela forjou sua própria morte - disse Sara, assentindo. - Muito inteligente.
- Oh, sim, concordou Carrie. Jilly sempre foi muito esperta e inteligente. - Ela levantou-se e entregou a carta a Sara. - Ela contratou um assassino. É assim que
o chama. O meu assassino.
- Sua própria irmã fez isso a você? Sara não transpareceu surpresa, estava apenas intrigada. Carrie
considerou sua reação estranha. Em famílias normais, se é que tais
115
coisas existem, é compreensível que irmãs se desentendam. Pode ser até que sintam ódio uma pela outra, mas quantas iriam ao extremo de contratar um assassino para
matar a própria irmã?
- Você não está chocada - disse ela.
- Não, não estou. Carrie balançou a cabeça.
- Você nunca conheceu alguém como Jilly.
- Quer apostar? - perguntou Sara, ríspida. - Eu enjaulei centenas de homens e mulheres que cometeram crimes hediondos. Nos últimos 22 anos, como juíza, tive a chance
de ver e ouvir tudo. Nada mais pode me chocar.
- Eu não contaria com isso - escarneceu Carrie. - Então me conte, Sara, quem quer te ver morta?
Cuidadosamente, Sara ajeitou a faixa do chambre, dando um laço perfeito para, em seguida, ajeitar as mãos no colo.
- Quem me quer morta? Bem, várias pessoas, imagino.
Ela entregou sua carta a Carrie, para quem ficou olhando, enquanto ela lia. Era uma carta curta e incisiva.
Juíza CoJlins,
Eu disse que me vingaria, e sou um homem de palavra. Agora, é sua vez de sofrer. Gostaria de estar aí para assistir... a uma distância segura, naturalmente. Você
morrerá brevemente.
Apodreça no inferno, desgraçada.
Carrie apoiou a carta na mesinha de centro e deu a Sara a carta que Jilly escrevera-lhe.
- Enquanto você lê esta carta não muito agradável, eu vou me servir de mais café.
- Agora, também adoraria um pouco - Sara disse.
Carrie foi até a cozinha e retornou, um minuto mais tarde, com duas canecas. Sara colocou a carta sobre a mesa, ao lado da que havia recebido. Carrie ofereceu-lhe
a caneca, lembrou-a que o café estava quente e sentou-se.
- Sua irmã te odeia.
- Sem dúvida.
- Ela a acusa de ter-lhe roubado a filha e feito com que a odiasse.
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- Não é verdade.
- Ela parece acreditar que você é culpada por tudo o que deu errado na vida dela, e que seu sucesso lhe pertencia.
Carrie assentiu.
- Jilly sempre teve uma capacidade de manipulação fantástica. As versões que criava dos fatos, imediatamente se tornavam realidade na mente dela.
- Então, ela é uma psicopata.
- Exatamente - disse Carrie. - Ela nunca foi oficialmente diagnosticada, mas tenho certeza de que esse seja o seu problema.
Enquanto Carrie falava, Sara passava o dedo sobre a ruga de preocupação que tinha na testa. Para frente e para trás. Para a frente e para trás. Ela estava tão concentrada
que talvez não tivesse consciência do que fazia.
- O que aconteceu com a criança?
- Avery - disse Carrie. - O nome dela é Avery e ela já é uma mulher adulta. Jilly abandonou-a no hospital. Ela disse à minha mãe que podia ficar com ela, vendê-la
ou dá-la de presente. Ela não se importava. - Lágrimas brotaram dos olhos de Carrie. Ela se detestava por mostrar fraqueza diante de uma pessoa completamente estranha,
mas não podia fazer nada a respeito. - Jilly está atrás de Avery também. Meu Deus, é possível até que ela já tivesse Avery presa em algum lugar. Minha sobrinha vinha
se encontrar comigo no spa... Carrie cobriu o rosto com as mãos. Nós temos de dar um jeito de sair logo daqui. Temos de dar um jeito.
- Sua irmã não poupou esforços para machucá-la - disse Sara. Carrie contou-lhe que pensara ter tido um pesadelo, mas Jilly
estivera em seu quarto durante a noite. Ela sentiu-se confortada pelo fato de Sara mostrar-se tão calma e saber ouvir.
- Jilly pode ser muito paciente, quando realmente quer alguma coisa e, oh, ela adora planos sofisticados. Com ela, nada pode ser muito simples.
Sara apoiou a caneca de café e inclinou-se para a frente.
- Quanto tempo você acha que temos?
- Ela teve bastante trabalho para armar isto tudo. Tenho certeza que vai querer prolongar minha agonia.
As duas voltaram o olhar para a escada espiral, esperando que Anne aparecesse.
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- Já examinei todas as janelas possíveis. Estão todas comprometidas.
- Imaginei que sim.
- Gostaria de ter a sua calma.
- Eu não estou calma - protestou Sara. - Estou bastante destrambelhada.
Carrie riu da escolha de palavras.
- Eu também - disse ela. - Estive pensando...
- Sobre o que?
- É bastante interessante que nós três estejamos juntas nesta casa. O que teríamos em comum?
- Isso eu não sei - disse Carrie. - Como não sei se teremos tempo de descobrir.
- Nós vamos conseguir sair.
A determinação de Sara deu ânimo a Carrie.
- Sim, nós temos de sair e vamos sair.
- O que será que está acontecendo com Anne?
- Ela vai ser um problema.
- Como assim?
Carrie balançou a cabeça.
- Ela não admite ter recebido uma carta.
- Talvez ela esteja em estado de choque. Carrie achou que Sara pudesse ter razão.
- Nós vamos ter de unir esforços, mas não sei se poderei ser de grande ajuda. Farei tudo o que puder. Tenho 68 anos - disse Sara. - E estou terrivelmente fora de
forma. Quando recebi o convite para duas semanas como hóspede do spa, pensei comigo mesma, por que não? Os especialistas dizem que nunca é tarde demais para mudar
de vida. Como você pode ver, estou muito gorda e, quando conseguirmos sair daqui - e tenho certeza que conseguiremos - disse ela, convicta, - não serei capaz de
ir muito longe. Eu deveria ter feito uma cirurgia nos joelhos, há anos. Minha cartilagem está completamente arruinada.
- Anne e eu encontraremos um esconderijo para você... Algum lugar seguro, na mata, até que possamos voltar para ajudá-la.
Elas ouviram uma porta fechar-se e olharam para cima. Finalmente, Anne vinha juntar-se a elas. Carrie ficou de queixo caído ao ver a frágil mulher descer as escadas.
Ela não podia acreditar no que
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via. Anne estava usando um conjunto St. John rosa choque. Seus brincos de ouro combinavam com os botões da jaqueta. Ela havia se dado ao trabalho de passar maquiagem
e enrolar os cabelos. Quando chegou ao final da escada, ela sorriu e atravessou a sala para juntar-se a elas. Seus saltos altos martelaram o chão de mármore. Aonde,
com todos os diabos, ela pensava que iria? Algum almoço formal?
- Deus meu - sussurrou Sara.
- Bom dia, senhoras - disse Anne. - Ou melhor, boa tarde. Ela parecia animada. Teria enlouquecido? Carrie estava pronta
para perguntar que diabos estava acontecendo com ela, quando Sara sugeriu que Anne se sentasse.
- Você dormiu bem? - Anne perguntou a Sara. E, antes que ela pudesse responder, continuou. - Mal posso acreditar que tenha dormido tanto. Deve ser o maravilhoso
ar das montanhas. Vindo de Cleveland, a diferença é brutal.
- Você aceita um café? - perguntou Sara. Ela estava observando Anne com atenção, como se tentasse interpretar o estranho comportamento da mulher.
- Agora não, obrigada. Carrie voltou-se para Sara.
- Eu disse que ela seria um problema.
- Desculpe. O que foi que você disse? - perguntou Anne. Ela sentou-se e, cuidadosamente, cruzou os tornozelos.
Carrie virou-se para ela e disse:
- Não foi o maravilhoso ar da montanha que fez você dormir por tanto tempo, Anne. Nós fomos drogadas.
- Isso não tem o menor cabimento. Olhe para esta casa, disse ela. Quem faria uma coisa destas nesta linda...
Carrie interrompeu-a.
- Você trouxe a sua carta?
- Não sei do que você está falando.
- Está vendo? - Carrie perguntou a Sara. A juíza assumiu o controle.
- Anne, Carrie e eu recebemos cartas. Elas estão sobre a mesinha de centro. Por favor, leia.
Anne esticou o braço para alcançar as cartas, e Carrie notou que suas mãos tremiam violentamente. Ela pegou as cartas e, rapidamente, recolocou-as sobre a mesa.
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- Não preciso ler isto.
- Sim, você precisa - disse Sara, gentil mas firme. - Você verá que estamos com problemas. Esta casa está pronta para explodir, a qualquer momento.
- Que bobagem - resmungou Anne. - Eu me recuso a deixar que vocês estraguem o meu dia com esse joguinho ridículo.
- Somos prisioneiras nesta casa - Sara disse a ela.
- Não, não somos.
- Não adianta - disse Carrie. - Eu já tentei dizer-lhe isso.
- Você está mentindo, disse Anne.
Carrie ponderou se deveria dar-lhe um sopapo. Pensou que, se o fizesse, talvez a matasse, porque Anne era exageradamente fraca e doentia. Bastaria um vento forte
para acabar com ela.
- Se alguma porta ou janela for aberta, a casa irá pelos ares - explicou Sara, pacientemente.
Nem Carrie nem Sara puderam prever a reação de Anne. A mulher levantou-se da cadeira e atravessou a sala, correndo.
- Vocês estão mentindo para me aborrecer, não existe problema nenhum com a casa e vou provar isso agora mesmo.
Ela foi em direção à porta de entrada.
Capítulo
8
John Paul teve de ficar no Utopia mais tempo do que esperava, mas valeu a pena. Ele estava estirado sobre uma espreguiçadeira meio escondida por uns ramos de palmeira,
dentro do bar do saguão, quando Avery Delaney entrou, pavoneando-se. Foi preciso apenas um olhar atento e ele soube tudo sobre ela. Ela era uma típica loira californiana.
Não, talvez não fosse típica. Ela não era uma pessoa comum, ele tinha de dar a mão à palmatória. Mas era, definitivamente, obcecada pelo próprio corpo. De outra
maneira, por que passaria uma semana num spa?
A Srta. Delaney vestia uma camiseta branca, que se ajustava confortavelmente sobre os seios, e calças jeans justas, obviamente com a intenção de evidenciar suas
longas pernas e seu traseiro formidável. Seus cabelos loiros, longos e lisos, brilhavam na luz. Apesar de parecerem naturais, ele duvidou que fossem. Talvez fossem
conseqüência de um pote de água oxigenada. Seus olhos estavam escondidos sob os óculos escuros e ele imaginou que talvez usasse lentes de contato coloridas. A camiseta
fazia um bom trabalho ao esconder seu umbigo, mas ele não duvidava que tivesse um piercing. Afinal, não era essa a moda hoje em dia?
Ela era bem gostosa. Na verdade, Avery Delaney era uma bela mulher, apesar de não ser o seu tipo. Ela era perfeita demais para o gosto dele. Sensualidade como pecado.
Ao observá-la parar e olhar
122
ao redor - fingindo não reparar que os homens a comiam com os olhos - John Paul perguntou-se quanto daquele protótipo teria sido melhorado artificialmente. Os seios,
sem dúvida. Talvez até a bunda.
Ela não era o tipo de mulher com quem ele esperaria ter um relacionamento duradouro, mas, por outro lado, ele não queria relacionamentos duradouros com mulher alguma.
Uma noite com ela, no entanto, pareceu-lhe como uma idéia dos diabos. A mulher deveria ter o cérebro de uma mosca, mas quando se trata de cama, inteligência não
é exatamente uma coisa a ser considerada.
A Senhorita Cabeça Oca parecia incapaz até mesmo de encontrar a recepção. Estaria ela esperando que alguém a pegasse pela mão e a conduzisse através do saguão? Ela
olhava para a esfera dourada movimentando-se lentamente como se fosse um velho disco girando. Estaria hipnotizada?
Avery sabia estar embasbacada como uma turista, mas não podia evitar. O Utopia era inacreditável. O saguão era gigantesco e o chão de mármore brilhante e cor de
ébano. Acima, pendurado no domo dourado, havia um globo reluzente. Ela não conseguia despregar os olhos daquela maravilha. Seria realmente ouro? Deve ter custado
uma verdadeira fábula.
Ela virou-se para a direita e parou diante de uma parede, que era também uma cachoeira. No centro, onde a água formava uma pequena piscina, havia uma estátua de
Atlas. Uma esfera menor apoiava-se sobre seu ombro. Tanto a escultura quanto a fonte borbulhante foram idealizadas para impressionar hóspedes dispostos a gastar
uma fortuna para serem paparicados num ambiente de tamanho luxo. Na opinião de Avery, os donos tinham atingido seu objetivo.
Balançando a cabeça com incredulidade diante de tanto luxo, ela puxou a alça da velha mochila Gucci que havia herdado de Carrie e cruzou o saguão em direção à recepção.
Um homem com aproximadamente a mesma idade que ela, usando um crachá com o nome, Oliver, estava em pé atrás do balcão de granito, esperando para dar-lhe as boas
vindas. Ele tinha um sorriso deslumbrante e dentes imaculadamente brancos. Tinha também algumas sardas. Seu rosto, artificialmente bronzeado, tornava a brancura
de seus dentes ainda mais evidente. Ele tentou não encará-la enquanto ela lhe dava o seu nome, debruçada sobre o balcão gelado, e ele procurava por sua reserva na
tela do computador.
123
O sorriso de Oliver rapidamente desapareceu.
- Oh, céus!
- Algum problema?
Agora ele já não olhava mais para ela, totalmente concentrado na tela à sua frente. - Sua reserva foi cancelada, Srta. Delaney.
- Não, deve haver algum engano. Eu não cancelei nada.
- De acordo com o computador, a senhorita cancelou. Fizeram uma anotação bem aqui - disse ele - apontando para a informação na tela que ela, de maneira alguma, teria
condições de enxergar, a não ser que pulasse o balcão.
- Está errado.
- O computador nunca erra. A senhorita ligou para cá no... Ele estava tentando recuperar a hora exata em que a reserva fora cancelada.
- Oliver, - disse ela, com a voz começando a transbordar de impaciência. - Eu não cancelei nada. Na verdade, liguei para cá e avisei que chegaria atrasada.
- Sim, isso foi registrado - concordou ele, apontando novamente para a tela. - Mas a senhorita voltou a ligar cancelando.
- Não, eu não liguei, insistiu ela.
- Mas meu computador...
Ela o interrompeu antes que ele pudesse dizer-lhe, de novo, que seu computador era infalível.
- Por que você não me dá outro quarto? Qualquer coisa serve. Ela pegou a mochila e colocou-a sobre o balcão. Começou um
processo de escavação à procura de sua carteira, para que pudesse dar seu cartão de crédito a Oliver. Contra sua vontade, a tia havia pagado por sua estadia de uma
semana no spa, mas Avery pedira que a despesa fosse transferida para o seu cartão. Oliver, ela notou, havia parado de digitar.
- Alguma coisa errada? - ela perguntou. Ele tossiu, delicadamente, e olhou para ela.
- Temo que não seja possível acomodá-la em outro quarto e, infelizmente, o quarto que cancelou já está reservado por outra pessoa. Todos os apartamentos estão ocupados
- continuou ele. - O que posso fazer é colocá-la na lista de espera, mas devo avisála que a chance de desistência é mínima. Nossos hóspedes fazem as reservas com
vários meses de antecedência.
124
- Tenho certeza que minha tia fez uma reserva em meu nome - protestou ela. - Na certa ela me avisaria caso alguma coisa mudasse.
Ele voltou a digitar, frenético. Depois parou e assentiu.
- Sim, seremos capazes de acomodá-la devido a um outro cancelamento. Isso é muito estranho - acrescentou. - Nossos hóspedes raramente cancelam na última hora.
Ele franziu o cenho ao dizer a última frase, como querendo dizer-lhe que, ao cancelar, ela havia cometido um grave erro de etiqueta.
- Mas eu não cancelei - disse ela. Por Deus, aquilo era desgastante. - Vim para me encontrar com minha tia. Ela chegou ontem, não sei se pela manhã ou à tarde. Será
que você pode me dizer o número de seu quarto? O nome dela é Carolyn Salvetti.
- Sinto muito, mas não temos autorização para fornecer o número do quarto de nossos hóspedes.
E claro que ele não tinha autorização para fazer isso. Ela sabia disso. - Por favor, ligue para o quarto dela. Tenho certeza que ela poderá resolver esse mal-entendido.
Pode ser que ela tenha decidido que ficaríamos no mesmo quarto.
Oliver transpareceu alívio com a possibilidade de resolver o problema e livrar-se dela. Felizmente, não havia outro hóspede esperando na fila para se registrar.
Ele deu-lhe outro sorriso fascinante e disse:
- Com certeza, deve ter sido o que aconteceu. Nossos hóspedes, ao contrário da senhorita, simplesmente não desistem no último minuto.
Ela sentiu ímpetos de grudá-lo pelos ombros e sacudi-lo até que ele confessasse que o spa havia cometido um erro. Mordendo os lábios para evitar dizer alguma coisa
da qual pudesse se arrepender, soletrou o nome Salvetti e esperou.
- Conheço esse nome - disse ele.
- Conhece? Ele assentiu.
- Ontem, esteve aqui um cavalheiro perguntando por sua tia. Ele ficou muito desapontado que ela não estivesse aqui. Ele voltou a digitar, mas alguns minutos depois,
voltou a franzir o cenho.
- Qual é o problema? - perguntou Avery.
125
- Não existem problemas no Utopia - disse ele. A resposta foi tão rápida e automática que ela chegou a pensar que ele havia sido programado. - De vez em quando,
temos de lidar com pequenas inconveniências.
Dá um tempo.
- Tudo bem, explique a pequena inconveniência.
- A Sra. Salvetti cancelou a reserva.
- Não, ela não fez isso.
Oliver soltou os ombros. Ela sabia o que ele estava pensando. Vamos lá, de novo.
- Temo que a Sra. Salvetti tenha cancelado. É estranho, devo admitir. É muito raro que tenhamos desistências de última hora, como essa. É claro que são membros da
mesma família, então, imagino que possa dizer que, na verdade, houve apenas um cancelamento de última hora, para dois quartos.
- Agora ouça. Minha tia não cancelou. Ela me ligou do aeroporto de Aspen ontem.
- É possível que tenha ocorrido alguma emergência e ela tenha voltado para casa - sugeriu ele.
- Alguma coisa está terrivelmente errada.
- Está bem aqui no computador, Srta. Delaney. Sua tia ligou ontem à tarde.
O que diabos estava acontecendo? Sabia, mesmo que sentisse vontade de continuar a argumentar com Oliver, que de nada adiantaria. Se Carrie tivesse voltado para a
Califórnia por causa de uma emergência no trabalho, com certeza, teria avisado. Ela nunca deixaria Avery numa situação dessas. Oh, Deus, e se alguma coisa tivesse
acontecido a ela ou ao tio Tony? Um acidente?
Acalme-se, disse a si mesma. Se alguma coisa tivesse acontecido, um ou outro teria ligado.
Avery procurou seu celular na mochila. Ela ligaria para o celular de Carrie agora mesmo e ficaria sabendo o que estava acontecendo. Uma nova escavação teve início.
O maldito aparelho insistia em escapar de sua mão e escorregar para o fundo da bolsa.
- Minha tia não cancelou - resmungou ela. E depois, para si mesma, acrescentou, - Deve ter acontecido alguma coisa muito grave no trabalho. Esse seria o único motivo
capaz de fazer com que Carrie voltasse para casa.
126
-- Oh, seu amigo está de volta. A voz de Oliver não soou muito animada.
- Como assim?
-- Seu amigo... ele está vindo nesta direção. Talvez possa resolver o mal-entendido.
Avery não tinha a mínima idéia do que ele estava falando. Ela não tinha um amigo vindo encontrá-la. Ao virar-se, para ver do que Oliver estava falando, viu apenas
um homem dirigindo-se ao balcão. Um homem grande, corrigiu-se. Estranho, mas ele realmente dava a impressão de estar vindo na sua direção. E não parecia muito feliz.
- Você se refere a este senhor vindo para cá?
- Sim - respondeu ele. - Foi sobre ele que lhe falei. Ele esteve aqui ontem, procurando por sua tia. - Em voz baixa, acrescentou. - Se alguém pode se beneficiar
de nossa massagem com aromas para alívio de estresse, seu amigo seria, definitivamente, uma dessas pessoas. Sugeri-lhe que fizesse o tratamento, mas ele foi...
- Ele foi o quê?
- Resistente à idéia. Na verdade, ele não foi muito agradável. Sei que não devia ser negativo a respeito de possíveis hóspedes, mas seu namorado é muito tenso. Ele
deveria praticar ioga diariamente. Quer dizer, o homem praticamente rugiu na minha cara. De verdade. Você pode imaginar? Eu disse a ele que você tinha uma reserva,
registrada no computador com a Sra. Salvetti. E foi por ela que ele perguntou quando chegou à recepção. Sua tia ligou e cancelou. Coube a mim a difícil tarefa de
informá-lo a respeito. Devo dizer-lhe que ele não ficou feliz com a notícia. Ele me disse que voltaria para vê-la, e está aqui desde hoje de manhã. Espero que seu
humor tenha melhorado.
Ela não estava prestando muita atenção à tagarelice de Oliver. Estava ocupada observando o homem cruzar o saguão. Ele era realmente interessante. Ela nunca tinha
visto alguém assim, a não ser, talvez, no cinema. Ele tornava-se maior à medida em que se aproximava. Alto e musculoso, cabelos escuros e pele bronzeada. Ela imaginou
que ele passasse boa parte do tempo ao ar livre ou em alguma academia, trabalhando seus músculos. Ele tinha uma beleza tempestuosa, mas parecia estar totalmente
centrado no aspecto físico. Ela preferia os homens cerebrais.
127
O homem tinha uma estrutura óssea fantástica. Aquele pensamento levou-a a outro e, subitamente, sabia quem era e o que queria.
- Você conhece o cavalheiro, não é?
- Está tudo bem. Tenho certeza que é amigo de sua tia.
É bastante provável que Carrie o tivesse usado em um de seus comerciais e, como ele estava nos arredores e sabia que ela estaria Hospedada no spa, resolveu passar
por aqui para cumprimentá-la. Ou isso, ou o fortão estava sem trabalho e esperava que Carrie gostasse dele e oferecesse-lhe um emprego.
Avery sentia grande simpatia por atores porque havia muita competição na profissão e porque sua chance de participação nas decisões era quase mínima. As dificuldades
da profissão em Hollywood eram astronômicas. Ela decidiu fazer o possível para ajudá-lo. Esperou que ele se aproximasse o suficiente e estendeu a mão para cumprimentá-lo.
- Meu nome é Avery Delaney.
Ele era, definitivamente, um ator. Tinha aquele olhar sombrio e mal humorado.
Ele agarrou a mão dela.
- Meu nome é John Paul Renard. - Sua voz era grave e o sotaque maravilhosamente sulino.
Meu Deus, os olhos dele eram fantásticos! Tinham a cor cinzenta da madrugada. Ela não era capaz de imaginá-lo segurando um rolo de toalhas de papel para um comercial.
Explosivos, talvez. Toalhas de papel, nunca.
Sua linguagem corporal intrigou-a. Ele virou-se de costas para o balcão e, calmamente, observou o saguão. Ela sentiu a estranha sensação de que ele estivesse memorizando
cada rosto.
- Você é amigo de minha tia Carrie?
- Sim.
Nenhuma outra explicação, nenhum detalhe enriquecedor.
- Você é ator, certo? Surpreendido pela pergunta, ele sorriu.
- Não.
- Oh... Eu pensei... Então, o que faz para viver? - Por Deus, ela odiava quando lhe faziam esta pergunta; além de não ser absolutamente da sua conta como é que o
danado, que mal lhe dirigia o olhar, ganhava a vida.
128
- Sou marceneiro. De jeito nenhum.
- Marceneiro?
- Uh-huh. - Ele respondeu e olhou fundo nos olhos dela. Ela sentiu um calor subir-lhe ao rosto e rezou para que não corasse. O homem tinha, definitivamente, um jeito
muito estranho.
Carrie tinha razão. Ela precisava arrumar um namorado. Era evidente que já fazia muito tempo. Se um brutamontes como aquele era capaz de causar aquele efeito nela,
significava que realmente já fazia muito tempo.
- Marceneiro - repetiu ela. E depois: - Tudo bem. Ela entraria no jogo. E você já fez algum trabalho para minha tia?
- Não. - Ele voltou a observar as pessoas andando pelo saguão e respondeu. - Eu preciso falar com ela - disse, impaciente. -
É importante. Onde posso encontrá-la?
- Não sei - disse ela. - Mas vou descobrir. - Ela virou-se para voltar a procurar na mochila quando foi acometida por um pensamento horrível. Ela quase soltou um
gemido. - Minha tia queria que você me encontrasse aqui?
Carrie estava aprontando mais uma das suas, decidiu Avery, tentando desvendar a charada. Ela estava bastante surpresa com a audácia da tia. Pensou que sua última
conversa com a tia fora a causa disso tudo. Carrie havia prometido - na verdade, jurado nunca mais tentar lhe arranjar um namorado.
Com voz lacônica, Avery disse:
- Carrie não está aqui hoje. Se você estiver na redondeza, pode tentar falar com ela amanhã.
Ele não entendeu que ela queria que se retirasse. Decidindo ignorá-lo - uma tarefa não muito fácil, considerando o seu tamanho - ela continuou a procurar o seu celular.
Finalmente, encontrou-o no fundo da bolsa e resgatou-o. Oliver começou a balançar a cabeça.
- Algum problema? - perguntou ela.
- Não existem problemas no Utopia, mas o uso de celulares no prédio provoca olhares de repreensão. - Ao dizer isso, apontou para uma placa preta e dourada, colocada
no final do balcão.
Ela começou a discar e disse:
- Então é melhor que você comece a me repreender.
129
John Paul gostou da resposta. Corajosa, pensou. Agradável surpresa. A californiana de silicone, de olhos extremamente azuis, tinha fibra.
A voz gravada de Carrie respondeu após o primeiro toque, o que significava que o celular ou estava sendo carregado ou estava fora da área de sinal. Em seguida, ligou
para o tio Tony. Ele atendeu e, no minuto em que ouviu a voz dela, começou a esbravejar por ela não ter ligado antes que sua tia saísse para o spa.
- Você sabe como ela se preocupa quando não tem notícias suas.
- Desculpe - disse ela. - Você falou com Carrie desde que ela saiu de Los Angeles? Ela ligou para você?
- Não, mas acho melhor que ela não me ligue. Nos despedimos em Los Angeles. Ela não quis que eu fosse ao aeroporto com ela - disse ele. - Prometi que não a incomodaria
no spa. Ela está lá para relaxar e pensar a respeito de suas... prioridades. Mas tenho certeza que ela vai querer conversar com você. Não se esqueça de dizer que
a amo quando falar com ela.
Tony não sabia que Avery estava no Utopia. Avery estava pronta para explicar ao tio sua decisão de última hora de juntar-se à tia, mas mudou de idéia. Ela não queria
que Tony se preocupasse a respeito de algo, que ela tinha esperanças, fosse apenas uma grande confusão.
- Não se preocupe se ela não atender o telefone. É provável que esteja fazendo uma massagem ou coisa parecida.
O saguão tornara-se bastante cheio. Um grupo de aproximadamente doze pessoas, alegre e animado, entrou no hotel. Avery colocou as mãos sobre as orelhas ao perguntar:
- Tony, aconteceu algum problema na agência? Alguém ligou?
- Não - disse ele. - Você está preocupada com alguma coisa? Eu falei com a Jeanie hoje pela manhã. Está tudo em ordem - ele disse. A Star Catcher não vai desmoronar
em duas semanas. Quando falar com sua tia, diga-lhe que pare de se preocupar.
- Sim, eu digo a ela. Volto a ligar mais tarde, Tony. Beijo. Ela finalizou a ligação e olhou para Oliver.
- Eu gostaria de falar com o gerente.
Oliver ofendeu-se com o pedido. Ele empertigou-se e sua voz tornou-se ríspida.
130
- Eu lhe asseguro que o Sr. Cannon lhe dirá exatamente o que eu disse. Não existem quartos disponíveis.
É um engano pensar que retornaremos seu quarto. Será um prazer
ajudá-la a encontrar acomodações apropriadas em Aspen. É claro que nada se compara ao Utopia, mas a senhorita poderá se beneficiar de nosso plano de tratamento diário.
Tenho certeza que apreciaria nossa massagem com pedras quentes, excelente para alívio de estresse. E realmente revigorante.
Seu tom de condescendência era vergonhoso. Ela não tinha o menor interesse na maldita massagem. O que queria era encontrar sua tia. Manter sua irritação sob controle
foi difícil, mas ela acabou conseguindo. Ela jamais havia usado seu trabalho para facilitar sua vida antes, mas agora a tentação era simplesmente irresistível. Oh,
como ela adoraria esfregar suas credenciais na cara de Oliver. Com certeza ele deixaria de ser tão mal-educado, não é? O problema é que ela não podia fazer isso.
Não seria honesto agir como um agente verdadeiro, quando, na verdade, passava o dia digitando num porão. Além do mais, não era um distintivo verdadeiro, e qualquer
débil mental saberia disto.
Subitamente, ela percebeu estar projetando sua raiva e frustração em um funcionário inocente. Oliver estava apenas fazendo o seu trabalho. Talvez Carrie tivesse
perdido a noção do tempo. Talvez tivesse encontrado algum ator famoso na casa onde se hospedara e quisesse ficar lá.
Deve ter sido isso. Sua tia estivera ocupada, travando conhecimentos, e esquecera de ligar. Avery agarrou-se à possibilidade, pois era a única que tinha. Não conseguiu,
no entanto, livrar-se da ansiedade. Por que Carrie havia cancelado a reserva para o spa?
- Eu realmente preciso falar com o seu gerente.
- Oliver não se moveu.
Foi quando John Paul disse, calmamente:
- Faça o que a moça está pedindo.
- O Sr. Cannon desceu até a sala de correspondência para verificar um pacote.
- Vá atrás dele e diga que John Paul Renard está de volta e quer falar com ele novamente. Esperaremos no escritório.
O que fez com que Oliver se mexesse foi a maneira como John Paul articulou as palavras. Ele afastou-se do computador, virou-se e caminhou com passos rápidos pelo
corredor.
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John Paul não deu a Avery tempo para fazer perguntas ou questionar. Ele começou a colocar suas coisas de volta na mochila e, depois, puxou-a pela mão.
- Venha. Por aqui.
- Eu posso cuidar disto sozinha, Sr. Renard. O senhor não precisa...
- Meu nome é John Paul. - Ele levou-a para trás do balcão e depois, por um corredor comprido, acarpetado de vermelho.
Ela desvencilhou-se dele e fincou os pés na porta do escritório do gerente.
- Muito bem. Eu quero algumas respostas - exigiu ela. - Primeiro, quero saber exatamente como você conheceu a minha tia.
Ele também tinha uma pergunta.
- Por que você não disse ao seu tio que a sua tia está desaparecida?
- Não quero que ele se preocupe. Não tenho certeza que ela esteja desaparecida.
- Então, onde ela está?
Boa pergunta. Era possível que Carrie estivesse se divertindo no alto de alguma montanha. E fazendo com que Avery ficasse quase louca de preocupação. Não, Carrie
nunca seria tão irresponsável. Alguma coisa estava, definitivamente, errada.
Eu não sei onde ela está, mas vou fazer alguns telefonemas para encontrá-la.
- Por que ela cancelaria a reserva? - perguntou ele. - O recepcionista disse que uma mulher ligou...
- O hotel deve ter feito algum tipo de confusão com as nossas reservas. Você não precisa esperar. Se quiser, posso entregar seu telefone para Carrie. Pode ser que
ela chegue a qualquer minuto, com alguma desculpa ultrajante.
Ela não acreditava em uma palavra de seu discurso, mas ficou torcendo para que ele engolisse a história e fosse embora.
- Então vou esperar com você, até que ela chegue.
Avery desistiu. O homem era mais teimoso do que ela. Assim que localizasse sua tia, ela descobriria quais eram as intenções dele.
Dez minutos depois, ela estava atrás da artística escrivaninha art déco do Sr. Cannon, em seu escritório que parecia um túnel, com vista para a piscina. O ventilador
de teto estava ligado na velocidade
132
mais baixa, fazendo um pequeno barulho a cada rotação. O ruído fez com que Avery se lembrasse da Sra. Speigel. A velhinha produzia o mesmo som, ao falar,
por causa das dentaduras mal ajustadas.
Cannon tinha um outro ventilador alojado sobre seu arquivo de laça preta, ligado em velocidade máxima. Todos os papéis sobre a sua escrivaninha estavam seguros por
pesos dourados no formato de esferas.
- Cannon está demorando um maldito tempo para chegar. Enquanto você faz suas ligações, vou ver se consigo encontrá-lo, disse John Paul. - Espere-me aqui.
Avery esperou que ele saísse e fechou a porta, antes de discar para a caixa de mensagens de sua casa. Ela tinha esperanças que Carrie tivesse deixado um recado explicando
sua ausência. Não foi o caso. A seguir, Avery acessou sua caixa de mensagens do escritório, também sem ter notícias da tia.
E agora? Em desespero, ligou para o chiqueiro. Existia uma remota possibilidade que Carrie tivesse falado com Margô, Lou ou Mel.
Margô atendeu o telefone.
- Foi muito bom você ter ligado, Avery. Você não vai acreditar nisso. Eu liguei para a enfermeira da sua vizinha, como disse que faria...
- Margô - interrompeu Avery. - Você pode me contar isso depois. Estou com um problema e preciso de ajuda.
- Você precisa saber o que acabei de descobrir - insistiu a amiga. - A senhora Speigel quebrou a bacia.
Avery estava à beira de uma crise de nervos, mas sabia que teria de esperar até que Margô contasse a sua história sobre a Sra. Speigel, antes que tivesse a chance
de falar.
- Sinto muito.
- Ela quebrou a bacia há duas semanas e, depois, pegou pneumonia. Ela quase morreu - acrescentou. - Mas Marilyn, a senhora que toma conta dela, disse-me que os antibióticos
estão, finalmente, fazendo efeito, e que parece que ela vai se recuperar. O que é surpreendente, considerando que já tem mais de noventa anos.
- Por que você está me contando esta história? Ao fazer a pergunta, Carrie esfregou as sobrancelhas.
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- Você ainda não entendeu? A Sra. Speigel não poderia quase ter matado você no estacionamento. Ela estava no hospital. Alguém roubou o carro dela e, seja quem for
que tenha feito isto, estava com tanta pressa de sair da garagem, que ela ou ele quase atropelou você. - Antes que Avery pudesse fazer qualquer comentário, Margô
continuou, entusiasmada. - O carro foi abandonado na Rua M, estacionado em local proibido tendo sido, portanto, multado. Marilyn disse-me que a Sra. Speigel ficaria
muito aborrecida se a família vendesse o seu carro. Mesmo que nunca o guie, ter o carro na garagem faz com que se sinta independente. Marilyn às vezes usa o carro
para levar a Sra. Speigel às compras. Você não ficou feliz ao saber que a ela não estava querendo te matar? - ela acrescentou, rindo.
- Margô, eu preciso de ajuda. Pare de falar e ouça. Minha tia desapareceu.
Ela informou Margô do que sabia e disse:
- Tem um homem aqui querendo falar com Carrie. Ele não me diz como a conheceu ou o que quer com ela. Ele é do tipo forte e silencioso. Por favor, verifique o nome
dele no computador. Ele me parece um pouco estranho. O nome é John Paul Renard.
- O que você quer dizer com "ele me parece um pouco estranho"?
- Ele me disse que é marceneiro, mas não se parece com um.
- E qual deve ser a aparência de um marceneiro?
- Tenha dó, Margô. Veja se consegue localizar alguma informação no sistema.
- Estou digitando o nome dele agora mesmo. Você está procurando multas ou alguma coisa do gênero?
- Eu não sei o que estou procurando - admitiu ela. - Ele tem um ar esquisito. Quando o vi pela primeira vez, atravessando o saguão, tinha certeza que fosse ator
mas, depois, notei a maneira como observava o vaivém das pessoas. Pode ser que ele seja... perigoso. Tudo é possível. - Ela deu um suspiro. - Talvez eu esteja exagerando.
Estou muito preocupada com Carrie. Ela não faria uma coisa dessas. Procure o nome, está bem?
- Pelo amor de Deus, Avery. Você acha que ele pode ser um criminoso?
- Eu não sei...
134
- Uau!
- O que foi? Você achou alguma coisa?
- Oh céus, achei. Seu John Paul não é um criminoso.
- Ele não é meu coisa alguma.
- Ele trabalhou para o governo. Espere. Estou rolando a tela. Puxa, escute essa. Sua pasta é confidencial.
- Confidencial? Ela não estava preparada para ouvir tal coisa.
- Estou tentando acessar... Ah, finalmente. Você sabe que poderíamos perder o emprego por isso.
- Eu sei. Diga-me logo o que você encontrou.
- Renard foi Fuzileiro Naval. Dispensa de Honra - disse ela.
- De acordo com o arquivo, ele foi recrutado enquanto servia a Marinha.
- Recrutado para quê?
- Eu não sei. Aqui diz apenas "operações especiais". Tem aqui um monte de números e iniciais, mas não sei o que significam.
- Margô, que lia a informação para Avery, parou repentinamente e disse: - ele pediu um afastamento. - Alguns minutos depois, ela soltou um longo suspiro. - Não consigo
acessar mais nenhuma informação. Não tenho a permissão necessária ao acesso. Espere um pouco, estou tentando baixar uma velha foto. Ah, está funcionando. Ela deu
um assobio.
- O que foi?
- Acho que estou apaixonada.
- Fale sério - disse Avery. Ela fez uma descrição de John Paul, para verificação.
- Acho que são a mesma pessoa. Ele é da Louisiana, e ainda tem família lá. Seu cunhado é advogado do Departamento de Justiça. - Ela leu mais alguns detalhes pessoais
e disse: - parece que ele participou de várias missões enquanto esteve na Marinha. Espere um minuto, encontrei uma coisa interessante. Aqui diz que uma de suas missões
envolveu reféns no Oriente Médio, mas ouça isto: Renard cumpriu sua missão, apesar de ter sofrido uma dupla fratura no braço esquerdo. - Margô fez silêncio enquanto
examinava o restante do registro e, depois, disse: - Além do serviço na Marinha, não me fornecem mais nenhuma informação. Você quer que eu procure Carter? O homem
me dá um pouco de medo, mas se você quiser eu falo com ele. Tenho certeza que ele terá acesso ao arquivo de Renard.
135
- Não, não é preciso. Deixe-me pensar sobre isto.
- O que está acontecendo, Avery? - Margô perguntou. - O que esse tal Renard quer com sua tia Carrie?
- Eu não sei. Ouça, Margô, quando Carrie me ligou do aeroporto de Aspen, ela me disse que havia um motorista do spa esperando para levá-la, junto com duas outras
senhoras, para um refúgio na montanha onde passariam a noite. Carrie disse que o spa tivera problemas de encanamento, ou coisa parecida. O nome do motorista era
Monk Edwards... ou Edwards Monk, não me lembro. Sei que não é muita coisa, mas é tudo o que tenho. Lembro-me também de Carrie ter dito que o motorista tinha um sotaque
britânico. Verifique o nome e, se encontrar qualquer coisa, ligue para o meu celular.
- Você tem idéia da quantidade de Edwards existentes nos Estados Unidos?
- Monk não é tão comum... a não ser que seja um apelido.
- Tudo bem - disse Margô. - Seria bom que você me desse o número de seu apartamento, caso eu não consiga falar com você pelo celular.
- Não estou hospedada no Utopia porque minha reserva foi cancelada. Vou embora daqui a pouco. Carrie disse-me que ficaria numa casa de propriedade do spa. Espero
que ela ainda esteja lá...
- Não comece a botar minhocas na cabeça. É provável que sua tia esteja vivendo alguma aventura mais interessante que o spa. Ela entrará em contato, você verá. E
eu vou trabalhar na busca de informações sobre Monk Edwards ou Edward Monk.
Margô mal havia acabado de desligar quando o telefone voltou a tocar. A ligação era do chefe do departamento, lembrando-a que ainda não havia submetido seu pedido
de férias. Ela perdeu dez minutos tentando localizar e, depois, preenchendo os formulários de ligações de trabalho entre escritórios para entregá-los ao Departamento
de Recursos Humanos. Quando teve tempo de trabalhar na pesquisa para Avery, já passava do meio-dia.
Depois de digitar o primeiro nome que Avery havia lhe dado e de apertar a tecla de busca, chamou Lou e Mel, quando eles saíam para o almoço, e contou-lhes sobre
Carrie. Cada um deles tinha uma teoria sobre o que poderia ter acontecido com a tia de Avery. Lou tinha certeza que ela havia retornado a Los Angeles - todos
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sabiam que ela era viciada em trabalho - mas Mel achava que ela havia encontrado algum colega de trabalho no Colorado e ligou para o hotel, na tentativa de deixar
uma mensagem para Avery, mas a ligação havia sido desviada ou apagada.
- Nunca verifico minhas mensagens quando fico num hotel grande - disse ele.
- É provável que ela tenha encontrado alguma coisa melhor para fazer do que ficar sentada numa banheira de lama o dia todo; e que tenha se esquecido de Avery - sugeriu
Lou.
- Carrie não seria tão irresponsável - argumentou Margô. - Ela é muito próxima de Avery. - Ela voltou para o computador e notou um sinal de alerta piscando na tela.
Que diabos... Ao se aproximar, viu o código de prioridade em letras grandes, evidenciadas. Ela gritou por Mel e Lou enquanto lia a informação de modo frenético.
- Oh, meu Deus.
Margô levantou-se num pulo e saiu, desabalada, rumo ao escritório de Carter.
Capítulo
9
O Sr. Timothy Cannon, vestindo um terno branco apropriado para o clima tropical, entrou no escritório e apresentou-se. Ele era um cavalheiro garboso, com voz macia
e afetada.
- Você já conseguiu localizar sua tia?
Naquele exato momento, John Paul entrou no escritório. Avery observou-o enquanto encostava-se na porta, que acabara de fechar. Quando ele cruzou os braços, ela notou
uma leve cicatriz, de aproximadamente cinco centímetros, em seu antebraço direito. Como ela poderia ter pensado que fosse um ator? Como poderia ter se enganado tanto?
Ela tentou se concentrar no gerente.
- Não, ainda não - disse ela. - Posso fazer-lhe algumas perguntas?
- Sinta-se à vontade.
Cannon sentou-se na cadeira em frente à sua escrivaninha, cruzou as pernas e começou a passar os dedos por uma ruga na calça, tentando desamassá-la.
- O senhor sempre manda um funcionário até o aeroporto, para apanhar seus hóspedes?
- É claro que sim. Não queremos que nossos hóspedes se preocupem em procurar transporte ou em carregar sua própria bagagem.
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- O senhor mandou algum funcionário ao aeroporto ontem? Cannon sorriu.
- Eu entendo aonde quer chegar. A senhorita está querendo saber sobre o cancelamento imprevisto?
É muito raro termos um cancelamento de última hora no Utopia. Os
quartos são reservados com vários meses de antecedência. Mas sempre tentamos dar um jeito, na eventualidade de termos algum hóspede famoso que, por causa de compromissos
inesperados, precise cancelar.
- O que o senhor quis dizer com "cancelamento imprevisto"? Ele pareceu surpreendido com a pergunta. Era óbvio que imaginava que ela soubesse a resposta.
- Eu havia organizado três viagens ao aeroporto, ontem à tarde - disse ele. - As hóspedes eram três senhoras, lembrou-se de acrescentar. Um dos vôos chegou às três
e cinqüenta. O outro pousou às quatro e vinte, e o último às cinco e quinze. Posso verificar o número do vôo de sua tia.
- Gostaria que o senhor me fornecesse informações sobre o vôo, números de cartão de crédito e tudo o que puder levantar sobre as três senhoras.
- Não posso fornecer este tipo de informação.
O senhor não só pode, como vai fazer, pensou ela. Por enquanto, ela ainda não queria que o gerente se colocasse na defensiva. Ela tinha muitas outras perguntas a
serem respondidas, e Cannon estava se mostrando bastante cooperativo.
- Se as três senhoras estavam chegando, com apenas uma hora de diferença entre os vôos, por que o senhor mandou três carros separados?
- Porque estamos no Utopia - respondeu ele. - Temos orgulho da excelência de nossos serviços. Nenhum de nossos hóspedes deve passar pela inconveniência de esperar
pelos demais. A senhora sabe, eu estava pronto para mandar três carros mas, quando todas elas cancelaram suas reservas, dei ordens aos funcionário que também cancelassem
as viagens. Tivemos hóspedes inesperados a noite passada, que ficaram contentíssimos com o fato de podermos
recebê-los.
Ela imediatamente arquivou a informação e fez outra pergunta.
- O senhor teve problemas com o encanamento, ontem? Algum cano estourado?
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- Problemas com encanamento? No Utopia? - perguntou ele, com escárnio. - Não houve qualquer problema do tipo. Nossa excelente equipe de manutenção jamais permitiria
que tal coisa acontecesse.
- Seria possível que algum problema tivesse acontecido com a tubulação que traz a água para o spa?
- Não.
- Existe uma casa na montanha... um refúgio? - perguntou ela. - Vocês possuem uma casa de montanha para acomodar os hóspedes, caso ocorram problemas com as instalações
do Utopia?
Ele apertou as mandíbulas.
- Nós não temos problemas no Utopia - insistiu ele. - E os proprietários não possuem um refúgio na montanha. Os clientes que vêm para ficar conosco, ficam conosco.
Não colocamos nossos hóspedes em nenhum outro lugar.
Depois de terminar sua explicação, ele fez questão de deixála perceber que olhava para o relógio e disse:
- Bem, se a senhorita não tiver mais perguntas, devo voltar ao trabalho. A maior parte de nossos hóspedes, que fizeram a opção para estadia de uma semana, estão
chegando hoje. Vamos ter muito trabalho. Eu não me preocuparia com sua tia - acrescentou ele, enquanto se levantava. - Tenho certeza que ela acabará dando notícias.
Ele a estava expulsando. Avery não se moveu da cadeira.
- Posso ter uma lista de todos os seus funcionários?
- Por que a senhorita me pede tal coisa?
- Estou à procura de um nome específico.
- Orgulho-me de conhecer todos os meus empregados. Digame o nome e eu lhe direi se ele ou ela faz parte do quadro de funcionários do Utopia.
- Edwards - disse ela. - O nome é Monk Edwards ou Edward Monk.
Cannon simplesmente balançou a cabeça e não mostrou nenhuma reação pelo nome. John Paul, no entanto, reagiu como se tivessem atirado uma tocha de fogo sobre ele.
Ele afastou-se, abruptamente, da porta e dirigiu-se para a escrivaninha, numa rapidez inacreditável. Apoiando as mãos sobre o tampo, inclinou-se na direção de Avery
e interpelou-a - Como ficou sabendo desse nome?
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O olhar dele lhe causou arrepios, do tipo não prazeroso. Um frio de pavor alojou-se em seu coração.
- Como é que você conhece esse nome? - ela contra-atacou.
- Responda.
- Minha tia me ligou do aeroporto de Aspen. Ela deixou uma mensagem dizendo que ela e duas outras senhoras seriam levadas para uma casa de montanha por um funcionário
do Utopia. Segundo o que me disse, seu nome era Monk Edwards. Ela também disse que ele tinha sotaque britânico. - Voltando-se para Cannon, perguntou:
- O senhor tem algum funcionário...
- Com sotaque britânico? Não, não temos. Alguém está tentando fazer um jogo sujo. Eu não mandei o motorista ao aeroporto, ontem. Talvez sua tia tenha... se enganado.
John Paul começou a discar um número no telefone que estava sobre a mesa de Cannon. Ele deu as costas a Avery e falou em voz baixa, mas mesmo assim ela pôde ouvir
cada palavra.
- Noah, é John Paul. Sim, bem, que posso lhe dizer... Pare de interromper e ouça. Estou em um spa chamado Utopia, nos arredores de Aspen. Monk está de volta. Parece
que, dessa vez, ele encarregou-se de três. Deve estar tentando bater algum tipo de recorde.
Avery levantou-se e estava pegando sua mochila quando ouviu-o dizer:
- E melhor você mandar a tropa. Nós sabemos muito bem que eles não encontrarão nada, mas é melhor que você siga o procedimento. Agora já é tarde demais - disse ele,
com voz irritada.
- Ele já botou as mãos nelas.
Ele desligou e dirigiu-se para a porta, mas parou quando Avery o chamou:
- Aonde você vai? Ele continuou a andar.
- Chamei algumas pessoas para ajudá-la.
- Que pessoas? A polícia?
- Não, o FBI. Ao chegar à porta, ele fez uma pausa. - Noah é amigo de meu cunhado. Ele conhece Monk muito bem. Ele lhe explicará quem é ele quando chegar aqui.
- Você acha que o FBI será capaz de encontrar minha tia? Ele não disse a Avery que achava que sua tia já estivesse morta
e que os agentes, com muita sorte, seriam capazes de localizar o
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corpo... a não ser que Monk a tivesse deixado para ser comida pelos animais da floresta.
- Sim, claro.
- Diga-me a verdade.
- Muito bem - disse ele. - Eu acho que eles meterão os pés pelas mãos.
Ela espantou-se com o veneno em sua voz.
- Por quê?
- Porque eles são o FBI. Ela deixou passar.
- Aonde você vai? - ela repetiu a pergunta.
- Vou verificar algumas possibilidade, mas duvido que encontre alguma coisa.
- E depois?
- Depois vou para casa.
Se ela tivesse uma arma, teria pensado em dar-lhe um tiro nos pés. Como ele podia ser tão cretino?
- Você não vai a lugar algum até que me diga tudo o que sabe sobre Monk.
- Escute bem, senhorita, neste momento, não existe nada que possa fazer para ajudá-la. Pensei que tivesse uma vantagem, mas já estava muito atrasado. Eu já pedi
ajuda e, agora, tudo o que tem a fazer é esperar que eles tentem fazer seu trabalho.
Enquanto ele deixava o escritório, Avery virou-se para Cannon.
- Eu quero nome, endereço, telefone e demais informações pertinentes que o senhor possa ter sobre as duas outras senhoras viajando com minha tia... as duas que cancelaram.
Caso não receba essa informação em dois minutos, juro por Deus que mando este lugar para os ares e farei questão de detê-lo por obstrução de justiça. Agora, mexa-se
e traga-me a informação.
Ela balançou suas credenciais do FBI em frente ao rosto de Cannon. Ele deu duas piscadas e correu para o computador, para conseguir a informação que Avery exigira.
- Isto é extremamente irregular - gaguejou ele, enquanto ela jogava sua mochila sobre o ombro e saía em disparada atrás de John Paul. - Extremamente irregular.
Avery alcançou John Paul quando ele estava a caminho da recepção. O saguão estava lotado de novos hóspedes, e ela teve de
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í
contornar três grupos até que pudesse chegar a ele. Quando, finalmente, o alcançou, ela agarrou o seu braço e tentou fazê-lo parar. O nojento sequer diminuiu a marcha.
Ele continuou a andar, arrastando-a, enquanto ela mantinha-se firme. Avery percebeu que ele não desviava das pessoas. Eram elas que saíam do caminho dele. Ela respirou
fundo e grudou em seu braço. Se tivesse unhas longas, com certeza estariam quebradas. A pele dele tinha um calor agradável, indicando que tinha humanidade, mas seus
músculos, pareciam pedra.
- Quer parar? Eu preciso falar com você. - Então, como ele não diminuiu a marcha, ela acrescentou. - Por favor, John Paul. Eu preciso de sua ajuda.
Que merda! Sua voz soara como se quisesse chorar. Não havia nada que ele pudesse fazer por ela, mas, em sua ingenuidade, ela não percebia. Talvez ela tivesse sido
protegida do mundo real toda a sua vida e, agora, não sabia como agir. Gostasse ou não, ela estava prestes a descobrir que não havia sempre um final feliz para a
vida.
Ele sentiu pena dela. Maldizendo a situação num sussurro, finalmente voltou-se para ela. Ele pensou em amenizar a verdade, mas acabou decidindo que, mais cedo ou
mais tarde, ela acabaria tendo de lidar com a realidade.
- Eu não posso ajudá-la.
- O que você quis dizer quando disse que agora já é tarde demais? Ouvi o que disse ao telefone.
- Eu deixarei que o FBI explique. Você tem alguém que possa vir ficar ao seu lado? Algum familiar ou amigo que possa tomar conta de você?
Avery parou, bruscamente. Deus do céu, ele era extremamente insensível.
- Você acha que minha tia já deve estar morta, não é?
Ele não respondeu imediatamente mas, pelo jeito que a olhava, ela teve a impressão de que ele estivesse tentando adivinhar, antes de dizer qualquer coisa, se ela
seria suficientemente forte. Estaria ele preocupado que ela ficasse histérica?
- Eu posso agüentar. Responda. Ela aproximou-se.
- Sim - disse ele. - Eu acho que sua tia e as outras senhoras já estão mortas.
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Ela soltou o braço dele e deu um passo para trás.
- Por que? Por que você diz isso?
- Você não tem alguém que você possa...
- Chamar? - perguntou ela, ríspida. - Tia Carrie e tio Tony são a única família que tenho, e não vou assustar meu tio como você está tentando me assustar, até que
me inteire dos fatos. Diga-me como conheceu este tal Monk.
- Srta. Delaney?
Oliver a estava chamando. Ela virou-se e viu o recepcionista segurando um telefone e fazendo-lhe sinais.
Era improvável que fosse Margô, pensou ela. Sua amiga teria ligado para o celular. Quem seria, então? Carrie... Talvez Carrie estivesse na linha. De repente, Avery
sentiu-se tão apavorada que mal podia respirar. Por favor, faça com que seja Carrie.
Avery derrubou a mochila no chão e desviou de dois casais. Ela estava com muita pressa para pensar na mochila. Quando aproximava-se do balcão, Oliver lhe disse:
- A pessoa diz que é urgente.
John Paul seguiu-a, trazendo sua mochila. Ele a viu agarrar o receptor e, em seguida, perguntar:
- Carrie?
- Desculpe, querida, não é Carrie.
Irritada com a voz carinhosa e suave, em tom de sussurro, da mulher que estava na linha, Avery perguntou:
- Quem está falando?
- Quem está falando não é importante no momento, mas a sua Carrie sim, esta é muito importante, não é? Ela está aqui conosco. Você gostaria de vê-la novamente?
A voz estava abafada. Avery não se lembrava de tê-la ouvido antes.
- O que você vai fazer com ela? Ela está bem? Se você machucá-la...
- Garota estúpida, fique quieta e ouça - ordenou a mulher. - Eu não vou repetir, portanto, é melhor que preste atenção. Três vidas dependem de sua cooperação. Deixei
um envelope pardo na recepção,.endereçado a você. Deve estar bem ali, à sua esquerda. Ah, não se vire - ela disse, num tom apressado e ritmado que causou arrepios
em Avery. - Se você me vir, todas as regras mudarão e sua pobre Carrie e suas novas amigas pagarão o preço.
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Avery sentiu o corpo enrijecer.
- Onde você está? - sussurrou ela.
- Aqui - respondeu a voz. - Estou observando você. Você está curiosa, não está? - ela riu. - Não se atreva a dar uma de desmancha-prazeres, arruinando o meu jogo.
Peque o mapa, Avery. Muito bem, garota. Vê o relógio? Coloque-o. Agora.
Avery pegou o relógio masculino, um Swatch atlético e, rapidamente, colocou-o no pulso.
- Muito bem - disse a mulher. - Agora, abra o mapa e encontre um pequeno avermelho. Ande logo.
Avery segurou o telefone com o ombro, abriu o mapa e procurou pela marca. Ela derrubou o receptor quando inclinava-se para a frente, tentando ver um laivo de um
rosto no reflexo da parede de granito brilhante atrás do balcão.
John Paul recuperou o telefone, que ela arrancou de suas mãos.
- Garota desajeitada, censurou a voz.
- Desculpe-me.
John Paul observava Avery atentamente. A cor havia desaparecido de seu rosto e ela segurava o receptor com todas as forças. Ele não pôde evitar de colocar os braços
ao redor dela, preocupado que ela não fosse capaz de suportar o que ouvia. Ele não tinha a mínima prática em confortar senhoras - na verdade, nunca tentara antes
- mas sentira-se obrigado a tentar.
- Oh, isso é muito romântico, a voz agora estava melosa. Ele é seu amante?
Ela estava tão abalada que não podia pensar.
- Sim... não. A mulher riu.
- Quem é ele?
- Ninguém.
- E mesmo?
Avery disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
- Ele é um ator... trabalha para Carrie, fazendo comerciais. Vou mandá-lo embora.
- Não, não. Não faça isto. Ele agora faz parte do jogo, querida. Agora, ele já deve saber que você está com problemas para encontrar Carrie. Não queremos que ele
comece a fazer perguntas e chame a polícia. Além disso, ele poderá se divertir com você na
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caçada. Ninguém mais será permitido. Se você disser uma palavra, ficaremos sabendo. Estaremos monitorando seus passos a partir do momento em que você desligar o
telefone. Você dirá ao gerente que Carrie ligou e que tudo está bem. Depois, você vai pegar o seu celular e jogar na fonte, quando estiver saindo do hotel. Entendeu?
- Sim.
- Pegue o celular do seu namorado. Deixe-me vê-la fazer isto.
Ela virou-se para John Paul.
- Dê-me o seu celular.
- Eu não tenho celular.
Ela repetiu o que ele havia dito ao telefone.
- Saberemos se estiver mentindo. Na verdade, não importa. Você não terá sinal para aonde vai, mas vou esperar para ver você se livrar do seu celular.
- Sim, não se preocupe. Carrie está bem? Ela...
- Ela está bem... por enquanto. Faça direitinho o que digo se quiser que ela continue assim. O tom de sua voz tornou-se duro e quebradiço, mas, mesmo assim, havia
lá uma ponta de excitação. - Você encontrou o avermelho?
- Sim, encontrei.
- Siga as instruções escritas na parte inferior. Você tem exatamente duas horas para chegar lá.
- Mas, para chegar lá, precisaríamos de pelo menos três horas. É impossível. Parece que não existem estradas a partir de...
- Eu disse duas horas - interrompeu a mulher. - Cento e vinte minutos, Avery, e nem um minuto a mais. Você entendeu?
- Sim, mas e se não conseguirmos chegar a tempo? E se nos atrasarmos?
A mulher deu uma gargalhada.
- Bum.
Capítulo
10
Havia demência na voz da mulher. Ao desligar, ela estava rindo. Avery, completamente abalada, entregou o receptor a Oliver; ao fazê-lo, apoiou-se no balcão e, enfiando
a mão na mochila, discou o número do chiqueiro. Ela esperou um segundo e, depois, apertou a tecla estrela em sinal de alerta. Cannon veio até ela, apressadamente,
e colocou a informação impressa exigida por ela sobre o balcão.
- O senhor estava certo, disse ela, numa voz forçada que, esperava, soasse como entusiasmo. Era a Carrie. Foi tudo uma grande confusão. Agora, se você puder nos
dar licença, John Paul e eu vamos dar uma volta.
Ela estava tentando não deixar transparecer o seu desvario. Socou os papéis que Cannon havia colocado sobre o balcão na mochila e, antes que John Paul tivesse a
chance de arrancá-los de lá, agarrou seu celular e o mapa e disparou em direção à entrada.
Ela olhava, de relance para cada rosto que passava, mas havia tanta gente passeando pelo enorme saguão que seria impossível olhar para todas as mulheres. Onde estavam
os telefones públicos? Havia palmeiras e enormes árvores de ficus, por toda a parte. A mulher poderia muito bem estar escondida, enquanto observava Avery, neste
exato momento.
148
- Vamos logo - gritou ela para John Paul, antes de perceber que ele estava logo atrás dela.
- O que está acontecendo?
Ela não respondeu. Aproximou-se rapidamente da fonte e jogou seu celular na água. Depois, ao sair em disparada pela porta de entrada, trombou com o porteiro.
- Srta. Delaney, se me der o número de seu quarto, eu levarei sua bagagem para cima...
Ela ignorou-o e correu escada abaixo, parando no centro do círculo de pedregulhos e tentando localizar seu carro alugado. Onde estava ele?
John Paul tirou uma sacola preta do carrinho de bagagem. - Esta é dela? - perguntou ele ao porteiro.
- Sim, senhor. O senhor pode ver o nome dela na etiqueta. Ela já se registrou?
- O que você fez com o meu carro? - gritou ela.
Ela corria em direção ao pódio do manobrista, quando John Paul interceptou-a. Ela não iria a lugar nenhum até que ele permitisse, o que ele não faria até que ela
lhe dissesse que diabos estava acontecendo. Ela tremia, violentamente.
- Respire fundo e tente se acalmar. Você está querendo ter um colapso, é isso? - perguntou ele.
- Não.
- Muito bem, conte-me o que aconteceu. Fale comigo, merda. Quem estava falando com você?
- Era uma mulher. Não reconheci sua voz. Ela me disse que eles estão com minha tia.
- Eles? - pressionou ele.
- Você tem certeza que ela disse eles?
- Sim - respondeu ela. A cada segundo que passava, ela ficava mais histérica. - Carrie corre perigo, e tenho de chegar lá antes que seja tarde demais.
- A mulher mandou que você se livrasse do celular? Tentando se desvencilhar dele, ela murmurou:
- Sim. Ouça, eu tenho certeza que aquilo não foi um trote. Ela disse que eles matarão Carrie se não andarmos logo. Por favor - implorou ela, desesperada. - Você
tem de vir comigo. Ela disse que, agora, você faz parte do jogo. Temos de nos apressar. Ela nos
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deu duas horas para chegarmos ao lugar marcado no mapa, e não sei como isto será possível. O lugar é muito distante...
- Você sabe que isso pode ser uma armadilha, não é? Você deve ter consciência...
- Sim - gritou ela, não se importando se alguém a ouvisse. - E, assim que estivermos a caminho, tentarei pensar em uma maneira de continuar viva e ajudar Carrie.
Ouça bem: não tenho escolha. Se fosse sua mãe ou sua filha, você ficaria aí parado, analisando a situação? Tenho certeza que não. Você faria exatamente o que vou
fazer. Vou entrar no jogo e agarrar todas as chances possíveis. Agora mexa-se, o relógio está correndo.
Ela tinha razão. Ele pagaria resgate ou faria qualquer coisa humanamente possível para manter as pessoas amadas vivas por um período de tempo maior.
- Vamos - disse ele. - Iremos no meu carro. Sentindo-se enfraquecida com o fato de ele não ter argumentado, ela murmurou:
- Obrigada.
Ele agarrou a mão dela e correu para o estacionamento, arrastando-a atrás de si. Sua caminhonete estava estacionada em local proibido, em frente à passagem. Havia
lá um segurança, balançando a cabeça com expressão de censura.
- O senhor é proprietário deste...
Ele calou-se quando viu a expressão no rosto de John Paul e afastou-se, rapidamente, pisando num canteiro de margaridas.
John Paul ignorou-o. Ele apertou o botão da trava de segurança em sua chave para destravar as portas e jogou a sacola de Avery no banco traseiro, enquanto ela corria
para a frente do carro e acomodava-se no banco do passageiro.
Quando ele sentou-se à direção, ela apontava para o avermelho, marcado no mapa.
- Temos exatamente duas horas. Não! Uma hora e 57 minutos para chegar lá. Vamos logo.
John Paul estudou o mapa por uns dez segundos.
- Vamos ter que andar rápido - disse ele ao dar a partida.
- Você acha que conseguiremos?
- Talvez - foi tudo o que disse. - Você navega. Coloque o cinto de segurança.
150
Até saírem do estacionamento ele não podia andar rápido, mas assim que chegaram ao portão, no final da longa e tortuosa estrada, ele estava a oitenta quilômetros
por hora.
Avery estava inclinada para frente, balançando o corpo como se o movimento ajudasse a fazer com que chegassem mais rápido ao destino. Ela percebeu o que estava fazendo
e forçou-se a ficar quieta, enquanto se concentrava para o momento em que tivesse de dar-lhe direções.
Ele aumentou a velocidade.
- Ali - gritou ela, ao ver uma placa. - Mais à frente, haverá uma intersecção onde você deve virar à direita. Deve ser uma milha, mais ou menos. Você pode ficar
na estrada de pista dupla por vinte ou trinta milhas. - Apertando as mãos, ela observou a estrada até o aparecimento da intersecção. - Devagar. Preste atenção para
não deixar passar.
- Estou vendo - ele disse, calmamente.
Fez a curva sobre duas rodas. Avery segurou-se no painel. Não era assim que aconteciam os acidentes? Tudo o que precisavam era que John Paul capotasse o carro. Carrie
estaria em apuros.
Acalme-se, disse a si mesma. Nós conseguiremos. Temos de conseguir.
Ela olhou para baixo e viu o Swatch masculino, quase cobrindo seu pequeno Timex. Imediatamente tirou-o do pulso. Depois de examinar as partes da frente e de trás,
cuidadosamente colocou-o no console entre ambos.
A essa altura, a estrada não tinha curvas, e ele olhou para ela.
- Agora, comece a falar - disse ele. - Conte-me exatamente o que ela disse.
Avery contou tudo o que pôde se lembrar e, depois, disse, - Ela estava lá, nos observando. Eu tentei localizá-la ao sair do saguão, mas havia muita gente.
- Pode ser que ela não estivesse lá dentro. Não reparou nas câmaras de segurança?
Ela balançou a cabeça.
- Não.
- Tudo o que ela precisava fazer era conectar-se ao sistema deles. Ela não teria que estar lá para vê-la no balcão. Sua voz tem alguma característica especial?
151
- Não, nada. Mas ela me soou...
- Como?
- Horripilante. Ela me disse para não dar uma de desmancha-pazeres. Ela não queria que eu estragasse o seu divertimento.
Avery lembrou-se dos papéis que colocara na mochila e tirouos de lá.
- O que é isso?
- Eu pedi a Cannon que me conseguisse informações sobre as duas outras senhoras, que cancelaram no último minuto. A mulher me disse que existem duas senhoras com
Carrie. Tenho certeza que são as mesmas pessoas. O nome da primeira é Anne Trapp. Ela mora em Cleveland e é dona da Companhia de Navios Trapp. A outra é a juíza
Sara Collins, de Miami. Parece que as três reservas foram feitas com cartão de crédito. Cada uma delas com nome diferente. Ela leu os nomes para ele.
- Algum deles lhe é familiar?
- Não - respondeu ela. - E não me lembro de Carrie ter mencionado nenhum deles, e tenho quase certeza que ela nunca ouviu falar. Carrie e meu tio vivem em Bel Air.
- Imaginei que você morasse lá.
- Morei, por algum tempo - disse ela. - Atualmente, moro na Virgínia. - Ela pegou o relógio e conferiu a hora. - Podemos ir mais rápido?
- Estou quase a 120, e o limite de velocidade é 90. Espero que o patrulheiro rodoviário não esteja por perto.
É verdade, ela não havia pensado nisto. Era impossível calcular o atraso, caso fossem pegos.
- Diminua a velocidade, então.
- Decida-se querida. Rápido ou devagar? Você escolhe.
- Aumentaremos a velocidade na estrada vicinal. Por enquanto, diminua.
Ele obedeceu.
- Você tem certeza que a mulher ao telefone lhe disse "Nós estamos com ela?", enfatizando o "nós".
- Você já me fez essa pergunta, e a resposta é sim. Ainda tenho certeza que ela disse que eles estavam com ela. Por que isso é tão importante?
Ele mal podia esconder sua excitação.
152
- Porque talvez Monk esteja esperando por você no lugar marcado no mapa, o que me dará a oportunidade única de matar o filho da puta. Isto é, se eu for capaz de
ser mais esperto que ele...
Ele não continuou, mas ela notou que aumentara a velocidade. - Acho que chegou a sua vez de responder algumas perguntas - disse ela.
- Vá em frente.
- Por que você estava procurando por Carrie? Você a conhece? Ele teve de confessar.
- Não, eu não a conheço.
- Mas você disse...
- Eu menti, - disse ele, bruscamente. - Eu conheço o ho-
mem que...
- Que o que?
Ele estava pronto para dizer o homem que a matou porque, se Monk ainda fosse o mesmo, aquelas senhoras já estariam mortas e enterradas. Mas ele havia mudado em uma
coisa, John Paul teve de admitir. Ele agora tinha uma parceira.
-
..que está atrás das senhoras - disse ele. - O homem que diz se chamar Monk. Duvido que este seja seu nome verdadeiro.
- Conte-me o que sabe sobre ele. O que ele faz?
- É um matador profissional.
- O que? - perguntou ela, rispidamente.
Ele repetiu a resposta e, depois, olhou para ela, para ver como recebia a notícia. Não muito bem, ele decidiu. Nem um pouco bem. Ela estava ficando verde, rapidamente.
- Você está se sentindo mal? Não havia o mínimo de compaixão na voz dele.
- Não.
Ele não acreditou nela.
- Abaixe o vidro e coloque a cabeça para fora se você acha que vai...
- Eu estou bem - disse ela, apertando o botão para abaixar o vidro, de qualquer maneira. Avery respirou fundo. O ar estava carregado de umidade e cheiro de terra
orvalhada. Ela sentiu náuseas. Não, o ar fresco não ajudou.
Um matador profissional, por Deus, pensou ela.
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Ela soltou o ar e tentou ordenar o pensamento. É preciso lidar com os fatos, disse a si mesma. Tente raciocinar.
Anne Trapp. Sara Collins. Aquelas mulheres estavam dando um nó em sua cabeça. Qual seria o denominador comum?
- Deve existir uma conexão - disse ela, mas assim que as palavras lhe saíram da boca, balançou a cabeça. - Não, não posso presumir tal coisa.
John Paul concentrava-se na estrada. Como não havia outros carros ele tinha, novamente, aumentado a velocidade, apostando na possibilidade que os patrulheiros estivessem
ocupados, patrulhando áreas mais congestionadas. Ele tirou um pouco o pé do acelerador quando o velocímetro atingiu a marca das 110 Km/h.
- O fim da estrada está há cinco milhas. Ela agarrou o mapa.
- Como você sabe?
- Acabei de ler uma placa.
- Temos de pegar uma estrada secundária.
- Eu sei - disse ele.
Pelo que parecia ser a centésima vez, ela olhou para o relógio e viu que vinte minutos tinham passado. Então, tentou medir, mentalmente, a distância até o avermelho.
Ele olhou para ela.
- Nessas estradas ruins, o tempo ficará apertado. Pode ser que não consigamos chegar a tempo, Avery.
- Nós vamos conseguir - insistiu ela. - Nós temos de conseguir.
- Aqui vamos nós - disse ele, ao entrar na estrada vicinal. Pedregulhos bateram nas rodas e atingiram o pára-brisas quando o carro rabeou. A estrada era estreita,
para um carro apenas, e os ramos dos pinheiros aranhavam as laterais da caminhonete, que avançava em alta velocidade.
- O que importa é estarmos na direção certa - ele disse.
- Se tivermos sorte, talvez encontremos uma estrada melhor.
- Pode ser também que a estrada termine a qualquer momento.
- Como você conheceu Monk?
- Eu nunca o encontrei, se é isso que quer saber. Ele acabou se tornando o meu hobby porque já foi atrás de um ente querido meu.
- Alguém o contratou para matar algum amigo seu?
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- Não - ele respondeu. - Mas sem querer, ela ficou no caminho dele. Minha irmã. Ele foi contratado para tirar dela uma informação, e tentou matá-la para conseguir
seu objetivo. Felizmente, seus planos não deram certo e ele acabou desaparecendo.
- Então, já faz algum tempo que você está atrás dele.
- Sim - ele respondeu. - O homem para quem liguei do escritório de Cannon também tem um enorme interesse em Monk.
- Quem é ele?
- Clayborne - respondeu ele. - Noah Clayborne. Ele é do FBI, acrescentou ele, em tom de desdém.
- Ele é seu amigo?
- Eu não poderia dizer que sim.
Ela inclinou a cabeça e estudou-o. Qual era o problema com aquele cara? Ele chamou-lhe a atenção ao dizer:
- Como eu disse, Monk desapareceu por mais de um ano. Não encontramos mais que pistas insignificantes de seu trabalho... até agora...
- Como soube que ele estava no Colorado?
- Por um cartão de crédito roubado que ele usou, um pouco antes, em Bowen... onde ele mora - disse ele. - Bowen, Louisiana.
- Então, o fbi também sabe que ele está aqui, disse ela.
- Não, eles não sabem.
- Mas se você seguiu o rastro dele por um recibo de cartão de crédito, é impossível que o FBI não...
- Eles não sabem sobre o recibo.
- Você não os notificou?
- Com todos os diabos, é claro que não! Novamente, aquela rude aresta de hostilidade.
- Por que não?
- Porque eu não queria que eles metessem os pés pelas mãos.
- O fbi não mete os pés pelas mãos em investigações. Eles são especialistas extremamente eficientes em seu...
Ele interrompeu-a.
- Poupe-me das banalidades. Já ouvi a propaganda antes. Eu não acreditei na época, como não acredito agora. O Bureau está saturado de chefes, fazendo os agentes
de escravos para que possam chegar ao topo. É um lugar em que não existe o mínimo de lealdade, e as pessoas vivem se comendo pelas pernas. Eles são...
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burocráticos - acrescentou ele, movimentando os ombros, com desprezo.
- Você é bem cínico.
- Pode ter certeza que sim.
Ela virou o rosto na direção da janela lateral.
- Obrigada, de qualquer maneira.
- Por que você está me agradecendo?
- Por ter vindo comigo. Você poderia ter recusado.
- Entenda bem. Eu não estou fazendo isto por você ou por sua tia. Quero pegar Monk antes que mate mais alguém.
- Em outras palavras, você tem seus próprios interesses e não está me fazendo favor algum. Eu entendo - disse ela.
Mas, na verdade, ela não entendia. Como era possível que alguém fosse tão cruel? Ela perguntou-se se ele, algum dia, havia saído de seu caminho para ajudar alguém
que precisasse. É provável que não. Ele era o tipo de homem que não pararia para socorrer acidentados, e que pisaria por cima de vítimas de ataques do coração.
Por vários minutos, eles ficaram em silêncio. Então, Avery disse:
- Conte-me o que sabe sobre Monk. Ele deve ter um padrão de comportamento. Todos têm.
Ele achou peculiar que ela soubesse de tais coisas.
- Na verdade, ele tinha um padrão que, obviamente, parece ter mudado.
- Como assim?
- Monk nunca gostou de aparecer. Entrava e saía de cena da maneira mais rápida e limpa possível.
- Parece que você o admira.
- Não, não sinto admiração por ele - respondeu ele. - Estou apenas dizendo que seu padrão nunca variou muito. No começo, os assassinatos que cometeu aconteciam com
uma diferença de duas semanas, ano após ano. Durante sete anos, isso não mudou. Tenho uma teoria a esse respeito.
- Você acha que ele pode ter um emprego fixo em algum lugar? É possível que ele viva uma vida dupla?
- Acho que sim, ele costumava viver vidas duplas - disse ele. - É óbvio que um matador profissional ganha muito mais dinheiro, o que me faz pensar que ele deva ter
abandonado o outro emprego. Não consigo imaginá-lo sentado em uma escrivaninha,
156
trabalhando diligentemente. Ele pode passar por um cara legal. Você sabe, do tipo querido por todos, a quem as pessoas confiam seus problemas. Eu aposto com você
que, quando for preso, as pessoas que trabalhavam com ele, ficarão chocadas. Todas dirão a mesma coisa. Bob era um homem tão gentil e charmoso.
- Teddy Bundy também era1.
- Entende o que quero dizer?
- Como você sabe que os primeiros assassinatos foram obra dele? Ele deixou um cartão assinado ou coisa do tipo?
- Mais ou menos - respondeu ele. - Ele gosta de rosas. Ele sempre deixa uma rosa vermelha de haste longa.
- Bastante fúnebre - disse ela. - Então, ele trabalhava das nove da manhã às cinco da tarde e matar pessoas era, para ele, como tirar férias. Agora ele é um matador
profissional... em horário integral. Atualmente, que outras mudanças aconteceram em seu comportamento? Parece que você examinou o trabalho dele bem de perto.
John Paul assentiu.
- Ele nunca tentou fazer algo assim antes... pegar três vítimas. Ele não gosta de estardalhaço e sempre agiu sozinho. Agora, parece que ele tem uma mulher ao seu
lado. Talvez esteja querendo impressioná-la.
O carro passou num buraco. Novamente, Avery agarrou-se ao painel enquanto sua cabeça batia no teto.
- Ainda estamos indo em direção ao norte? Era impossível dizer. As árvores escondiam o céu e esta parte da floresta era extremamente escura.
- Noroeste - disse ele.
Ela ouviu um grito ao longe. Não, parecia mais um uivo de animal. O som causou-lhe calafrios.
- Você sabe como ele consegue trabalho?
1 Teddy Bundy nasceu em Vermont, no dia 24 de novembro de 1946. Charmoso, simpático e agradável era, ao mesmo tempo, um psicopata que causou terror, nos Estados
Unidos, durante os anos 70. Ele confessou ter assassinado mais de vinte mulheres, mas estima-se que este número possa ter ultrapassado a casa das quarenta vítimas.
Foi condenado e morreu na cadeira elétrica no dia 24 de janeiro de 1989.
157
- Não, mas imagino que pela internet - Ele respondeu. - É fácil manter o anonimato e, até agora, ele tem sido cuidadoso e criterioso ao escolher suas vítimas. É
provável que tenha trabalho pelos próximos cinqüenta anos. Você ficaria surpresa ao saber da quantidade de maridos que gostariam de ver suas esposas mortas; e das
esposas que pagariam qualquer quantia para se livrarem de seus maridos.
- Meu tio Tony não tem nada a ver com isso.
- Tem certeza?
- Sim, tenho - Respondeu ela, enfática. Ele calou-se por alguns minutos.
- Você disse que existia uma conexão entre as mulheres...
- Estava analisando os dados que possuímos, tentando colocar as coisas juntas. Eu supus que um homem ou mulher tivesse contratado Monk para matar as três senhoras
e, por isso, estava tentando pensar em alguma coisa que pudessem ter em comum. Mas, talvez, a premissa não seja verdadeira.
- O que você está querendo dizer?
- Que temos de pensar na possibilidade que Monk tenha sido contratado por três pessoas diferentes e que, por algum motivo, tenha decidido matar as vítimas ao mesmo
tempo.
Ele teve de admitir que ela tinha razão.
- Uma coisa é certa. Ele recebeu uma montanha de dinheiro para matar essas mulheres. Seus serviços não são baratos. Se ele as colocou juntas, resta saber quem quer
sua tia morta.
Ele esperava que ela lhe dissesse imediatamente que sua tia era uma pessoa adorável e que não tinha inimigos no mundo.
- Existem muitas pessoas que não gostam da minha tia. Imagino até que algumas delas devam odiá-la.
Ele não estava preparado para ouvir isso. Na verdade, ele deu um sorriso.
- É mesmo?
- Carrie pode ser bem rude, às vezes.
- Verdade? Avery assentiu.
- Ela está num negócio extremamente competitivo.
- E que negócio é este?
- Comerciais.
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- Como assim?
ar
- Ela faz comerciais.
O som da risada dele encheu o carro.
- Entretanto - ela continuou, ignorando a reação dele -, nenhum de seus companheiros de trabalho iria ao extremo de tentar livrar-se dela.
- Como pode ter certeza?
- Não sei - disse ela.
- Muito bem, isto nos traz de volta ao seu tio Tony. O casamento deles é estável ou existem problemas?
De repente, Avery sentiu seu estômago enjoar.
- Carrie acha que ele a está enganando.
- Ah.
- Eles têm se consultado com um conselheiro conjugal.
- Verdade?
- Tony ama Carrie - afirmou ela.
- Você conhece bem o seu tio?
- Não tão bem quanto deveria - admitiu ela. Eu estudei num internato e só voltava para casa durante as férias de verão, quando trabalhava no escritório de Carrie.
Mesmo assim, tenho uma boa percepção para julgar as pessoas. Tony nunca seria desleal.
- As esposas, normalmente, sabem.
- Carrie não é uma esposa convencional. Ela é muito desconfiada. Acho que, no fundo, ela não acredita que algum homem possa amá-la de verdade. Ela é... insegura
e, talvez por isso, seja tão rude. Ela não quer que percebam sua vulnerabilidade.
- Novamente, isso nos traz de volta ao...
- Se os contratos para matar vieram de pessoas diferentes e uma só pessoa está pagando Monk para matar Carrie e eu, então...
- Então, o quê?
- Sei quem é essa pessoa.
Capítulo
11
A primeira hora foi um pesadelo, e as seguintes ainda pio res. A louca daquela mulher quase mandou tudo pelos ares. A mão de Anne já estava na maçaneta quando Carrie
derrubou-a no chão. Como ela era muito magra, o tombo foi feio e Carrie caiu, com um barulho surdo, sobre ela. Ambas gritavam. Carrie tinha muito a faser e era impossível
fazer com que a mulher entendesse. Torcendose e contorcendo-se, Anne tentou enfiar as longas unhas postiças nos olhos de Carrie. Ela ajoelhou-se e estava quase conseguindo
escapar, quando Sara agarrou-a pelos tornozelos e arrastou-a para longe da porta.
Mesmo sendo excessivamente magra e frágil, a raiva de Anne parecia conferir-lhe uma força sobre-humana que, felizmente, logo esgotou-se. Ofegante pelo esforço, Carrie
mantinha a mulher pregada ao chão de mármore, sentando-se sobre sua coluna. Ela segurava a cabeça de Anne com as duas mãos presas ao pescoço dela.
- Encontre alguma coisa para amarrá-la - Carrie berrou mais alto que os uivos de Anne para que Sara pudesse ouvi-la.
Dez minutos mais tarde, Anne estava sentada numa cadeira da mesa redonda da copa. Seus pulsos foram amarrados à cadeira com dois fios de telefone.
- Como vocês se atrevem a me tratar assim? Isto não vai ficar assim. Esperem só para ver, vou denunciar vocês.
160
Exausta, Carrie desabou na cadeira ao lado da de Anne. Com os cotovelos apoiados sobre a mesa, ela cobriu a testa com a mão e perguntou, calmamente:
- Como você pretende fazer isso, Anne?
- Desgraçada - resmungou Anne. - Eu vou ligar para a polícia.
- Como quiser. Use o telefone. Oh, espere. Não vai dar certo, porque o telefone está mudo.
- Você está mentindo.
Carrie virou-se para Sara, que estava encostada ao balcão, assistindo à cena. - Será que ela está em outro planeta? Ela está completamente pirada.
- Pode ser - disse Sara. - Às vezes o choque torna as pessoas... irracionais.
- O que, em nome de Deus, vamos fazer? - murmurou Carrie. Sara puxou uma cadeira e sentou-se em frente a Anne, cruzando os braços sobre a mesa.
- Anne, não vai adiantar nada continuar fingindo que tudo está bem. Estamos em apuros e precisamos de sua cooperação.
Anne lançou-lhe um olhar feroz.
- Deixe-me em paz, sua porca nojenta.
- Encantador - murmurou Carrie.
- Desgraçada - gritou Anne, com todas as forças.
- Se você continuar a gritar dessa maneira, serei obrigada a amordaçá-la - advertiu Sara. - Acalme-se, por favor.
O olhar de Anne tornou-se ainda mais feroz.
- Anne, onde está a sua carta? - Quando Anne virou a cabeça para desviar o olhar, Sara perguntou: - Quer dizer que, agora, você resolver nos ignorar?
- Isso não seria uma bênção? - mofou Carrie.
Sara inclinou-se para trás e, apoiando-se na cadeira, ajeitou o chambre de maneira a cobrir a camisola e disse:
- Sabe, Anne, se você não recebeu uma carta...
- Já disse que não recebi - chicoteou Anne.
- Então, pode ser que você seja uma vítima inocente, metida nesta situação embaraçosa.
Situação embaraçosa? Carrie estava pronta a criar caso com Sara por sua péssima escolha de palavras. Pelo amor de Deus, elas estavam sentadas dentro de uma bomba.
Mas seu olhar encontrou-
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se com os de Sara e ela decidiu ficar quieta quando a velha senhora lhe fez um rápido sinal de cabeça.
- Você sabe, Anne - continuou ela, com voz extremamente calma. - Como juíza, eu condenei, nos últimos anos, um grande número de criminosos cruéis. Sempre tive a
reputação de prescrever sentenças duras. Em todos os casos, os homens e mulheres que estiveram diante de mim eram criminosos profissionais. Eu não sinto nenhum tipo
de arrependimento.
Anne finalmente olhou para Sara com olhar carregado de desprezo.
- Por que você está me dizendo isso?
- Porque é importante. Durante todos estes anos, recebi numerosas ameaças de morte, para as quais nunca dei importância.
Sara foi até a sala de estar e voltou com as cartas recebidas por ela e por Carrie. Ela retomou seu lugar à mesa e leu as cartas para Anne. Quando terminou, ela
colocou os papéis em frente aos olhos de Anne, para que visse que estava dizendo a verdade.
- E você acha que um desses criminosos está cumprindo o que prometeu?
- Sim, é exatamente o que acho. Quem está fazendo isto deve ser algum ex-condenado ou alguém que ainda está na prisão e conseguiu ajuda externa.
- Onde um prisioneiro ou ex-condenado arrumaria dinheiro para contratar um assassino?
- Isso não tem a menor importância - interpôs Carrie.
- Não estou falando com você, desgraçada - sibilou Anne. Sara levantou a mão, pedindo silêncio. Ela não queria que o
gênio de Carrie desencadeasse outra crise.
- É uma pergunta válida - disse Sara. - Eu não sei como ele arrumou dinheiro. Talvez algum parente tenha recebido uma herança ou...
- Talvez você tenha condenado um homem inocente, e os parentes dele saibam disso.
- Sim, isso seria possível.
Carrie estava mordendo a língua para não interromper. Ela queria dizer às duas mulheres que, neste momento, precisavam encontrar uma maneira de sair daquela casa
e, depois, quando estivessem seguras, poderiam especular quem, onde e como até o final dos tempos.
162
- A carta de Carrie é diferente da minha - disse Sara. - A dela foi assinada.
Anne pareceu intrigada.
- Então, ele queria que você soubesse o quanto te odeia, antes que você morra?
- Não é "ele" - corrigiu Sara. - Ela.
Carrie assentiu. Anne ainda se recusava a olhar para ela, mas Carrie não se importava com isto.
- Minha carta foi escrita por minha irmã, Jilly.
Anne ficou tão chocada com o que ouviu que não foi capaz de manter o seu silêncio de pedra, com relação a Carrie, por mais tempo.
- Alguém do seu próprio sangue quer te ver morta?
- Sim.
Aterrorizada, ela perguntou:
- Que tipo de família é a sua? Carrie mordeu a língua.
- Problemática, Anne. Eu venho de uma família muito problemática. Minha irmã é louca.
- Deus do céu! - disse Anne. - Espere um momento. Isso é mesmo verdade? Quer dizer, se sua irmã é mesmo louca, por que não está num sanatório?
- Há dez anos, disseram-me que minha irmã havia morrido num acidente de carro. A funerária queria me mandar as cinzas. Ao que parece, Jilly é muito mais inteligente
do que eu pensei que fosse. Ela esperou todos esses anos para se vingar de mim.
- Por quê? O que você fez a ela?
- Ela acha que eu roubei a filha dela.
- E você roubou?
- Não, Jilly abandonou a filha quando ainda era um bebê. Minha mãe e eu a criamos.
- E sua irmã, nunca voltou?
- Oh, sim! Quando Avery tinha cinco anos, Jilly voltou com um namorado desprezível, chamado Dale Skarrett. Ela pensou que pudesse chegar e levar Avery de nós. Ela
já havia usado de extorsão para tirar dinheiro de minha mãe. É verdade - disse ela, frente ao olhar consternado de Anne. - Minha mãe teve de pagá-la para ficar com
Avery. Eu estava em casa quando eles vieram e, enquanto eu,
163
literalmente, empurrava Jilly para fora de casa, minha mãe chamou a polícia Quando Dale Skarrett ouviu as sirenes, ele agarrou Jilly e eles fugiram. Eu me mudei
pra a Califórnia no dia seguinte. Enquanto eu estava cuidando de minha carreira, Avery ficou com minha mãe. Quando ela completou onze anos, Jilly mandou que Skarrett
a raptasse. Avery aprontou um escândalo, defendendo-se com unhas e dentes. Ele bateu tanto na menina com um cinto, que deixou-a à beira da morte. Ela era tão pequenina...
e indefesa. Acho que sempre me senti mãe dela, mas quando ela realmente precisou de mim, eu não estava lá para protegê-la como uma mãe protegeria uma filha.
- E a sua mãe, não fez nada para impedir? Carrie olhou para baixo e continuou.
- O chefe de polícia, que era amigo de minha mãe, dera-lhe uma arma e a ensinara a usar. Ela estava no quintal e não ouviu a gritaria até voltar para a casa. Minha
mãe estava perdendo a audição - acrescentou ela. - Pelo laudo policial, minha mãe tentou atirar em Skarrett. Ela deve tê-lo avisado que atiraria, porque ele teve
tempo de agarrar Avery no momento exato em que ela atirava. A bala acertou minha sobrinha.
Apesar da monotonia das palavras, o olhar de Carrie estava banhado de lágrimas.
- Eu deixei uma velha senhora tomando conta de Avery, sabendo que Jilly andava à solta.
- Mas você não poderia prever...
- Oh, mas eu sabia do que Jilly era capaz - disse Carrie.
- E o que aconteceu com sua mãe? - perguntou Sara.
- Ela teve um enfarte fulminante. Quando a polícia chegou, ela estava morta e a vida de Avery estava por um fio. Eu peguei um vôo de Los Angeles para Jacksonville.
Quando cheguei lá, Avery já tinha sido operada e estava na uti. A primeira coisa que o médico me disse foi que Avery se recuperaria, mas não pude sequer sentir alívio
porque, em seguida, disse-me que ela nunca mais poderia ter filhos. Ela sofreu uma histerectomia aos onze anos de idade. Isso deve ser alguma espécie de recorde
- disse ela, amarga.
Sara estava chocada, e Carrie achou que ela estivesse reagindo aos acontecimentos mórbidos daquele dia horrível.
- Pobre criança - disse Anne. Havia compaixão verdadeira em sua voz.
164
- Eu me lembro dela - sussurrou Sara.
- O quê? - Carrie não foi capaz de conter um grito. Sara assentiu.
- Os nomes... Houve tantos nomes pelos anos que seria impossível lembrar de todos. E eu não me lembrei de Avery até você mencionar a histerectomia aos onze anos.
Nunca me esquecerei da transcrição daquele julgamento.
- Eu não entendo - disse Carrie. - Por que você leria a transcrição? O juiz Hamilton foi o responsável pelo caso.
- Sim, mas Hamilton morreu antes que a sentença fosse proferida. Ele sofreu um derrame e o caso veio parar nas minhas mãos. A sentença de Skarrett foi proferida
por mim e ele tem todos os motivos do mundo para querer me ver morta. Eu lhe sentenciei à pena máxima.
Estarrecida, Carrie gaguejou, - Então existe uma conexão entre nós. Dale Skarrett... e Jilly.
- Jilly nunca foi indiciada por envolvimento, não é? - perguntou Sara.
- Não havia provas contra ela. Além do mais, ela desapareceu - explicou Carrie. - Skarrett foi condenado por assassinato em segundo grau apenas com base no depoimento
de Avery. Algumas semanas depois da sentença, recebi um telefonema de uma funerária em Key West, perguntando se eu queria que eles me enviassem as cinzas de Jilly.
Foi quando descobri que ela havia morrido.
- Só que ela não morreu - disse Anne.
- Não, definitivamente, ela não está morta. A noite passada eu a vi, em carne e osso - disse Carrie, enfaticamente. - Ela não envelheceu muito. Continua bonita...
e completamente louca.
Sara foi até o armário da cozinha, de onde tirou uma xícara e um pires.
- Sempre quis ter uma filha, mas meu marido nunca quis filhos. Ele me convenceu que filhos restringiriam nosso estilo de vida - disse Anne.
- Como era seu estilo de vida? - perguntou Sara, enquanto se servia de café.
- Trabalho. Apenas trabalho. Eu me sentia culpada por trabalhar tanto, e acabei concordando com meu marido em todas as coisas menores.
165
Então Anne considerava ter filhos como uma coisa menor?
- Entendo - comentou Carrie.
- Eric é dez anos mais novo que eu - continuou Anne. - Mas ele nunca se importou com a idade. Ele me ama muito.
- Tenho certeza que sim.
- Ele assumiu os negócios. Você sabem, serviços gerais de gerenciamento. Ele é muito inteligente. Descobriu um novo plano de saúde e conseguiu reduzir pela metade
o custo do plano anterior.
Carrie não conseguia entender por que Anne queria falar sobre o assunto naquele momento. Sara desamarrou a mão esquerda de Anne e colocou uma xícara de café na frente
dela.
- Não temos leite - disse ela. - Mas encontrei um pouco de açúcar, caso você queira adoçar.
- Não, obrigada.
Carrie não podia mais levar aquela loucura adiante. As duas agiam como se estivessem num chá social.
- Que diabos vamos fazer?
- Encontrar uma maneira de sair daqui - disse Sara. - Somos três mulheres inteligentes. Pensaremos em alguma coisa.
Anne não parecia estar interessada no assunto.
- Sara? O que você quis dizer quando disse que eu poderia ser uma vítima inocente?
Sara colocou mais café em sua xícara e sentou-se.
- Se você não tinha uma carta em seu criado-mudo...
- Não recebi carta alguma - Anne apressou-se em assegurar-lhe.
- Então, acho que sei o que aconteceu. Seu avião pousou apenas alguns minutos antes do meu, lembra-se?
- Sim.
- Você se lembra de ter nos dito que ficara irritada porque o motorista do spa estava esperando por mim no portão de desembarque, enquanto não havia ninguém esperando
por você? No carro, você disse que, se não tivesse visto o cartaz com o nome do Utopia, teria de ter carregado sua própria bagagem até o táxi.
Anne concordou.
- Sim, eu me lembro, e fiquei muito brava. Ainda vou fazer uma reclamação com o gerente do spa. Ele deveria ter mandado um motorista para me esperar no desembarque.
166
- Portanto - Sara continuou como se Anne não tivesse desviado o assunto -, talvez você não devesse fazer parte disto. No entanto... - ela apressou-se em dizer, antes
que Anne interrompesse novamente: - Nada muda o fato de que você também morrerá quando esta casa for pelos ares.
- Mas, por quê? Eu não fiz nada de errado.
- E nós, fizemos? - perguntou Carrie. Anne deu de ombros, com desdém.
- Responda - ordenou Carrie. - Você realmente acha que devemos morrer assim?
- Eu não sei - Anne disse. - Você deve ter feito coisas horríveis, para deixar sua irmã tão enfurecida e, Sara, você deve ter mandado um homem inocente para a prisão.
Carrie pensara que Anne pudesse se sensibilizar, mas seus comentários indicavam que ela ainda estava em outro planeta.
- Eu ainda não entendo por que me trouxeram para cá. - disse ela.
- Por que você viu o rosto dele - murmurou Carrie. - Não dá para acreditar que você esteja na direção de seu negócio. As perguntas que faz são absolutamente estúpidas.
- Eu não gosto de você. - Após fazer a observação infantil, Anne bebeu um pequeno gole de seu café.
- Estou pouco me lixando se você gosta ou não de mim.
- Senhoras, isto não nos levará a nada - interveio Sara. - Anne, o assassino não poderia deixá-la para trás. Você já havia me encontrado e, se você fosse ao spa,
teria reclamado ao gerente e isso daria o sinal de alarme... Desde que eles, obviamente, não tenham mandado motorista algum ao aeroporto.
- Além disso, você poderia fazer uma descrição do homem para a polícia. Seria muito arriscado para ele deixá-la para trás - Carrie explicou. - E você teria dito
à policia para onde ele nos levou, acrescentou Sara.
- Oh, tenho certeza que ele mentiu a respeito do lugar. Ele mentiu sobre tudo, não é? - perguntou Sara. De repente, ela parecia muito cansada e sua voz era apenas
um fio. - Não, ele não mentiu sobre o lugar.
Sara e Carrie franziram o cenho para Anne.
- Como você sabe disso?
167
- Porque eu vi a placa. O motorista apertou um botão no controle remoto e eu vi a placa enquanto o portão se abria. Terra Entre os Lagos. Ele não mentiu sobre isso.
- Boa observação - disse Sara.
- Como se isso pudesse ajudar - disse Anne. - Não podemos dizer isso a ninguém.
Carrie levantou a cabeça, abruptamente.
- Meu Deus, eu disse a alguém!
- O que você disse? - perguntou Sara.
- Eu liguei para a minha sobrinha, do aeroporto. Eu estava no toalete e lembrei-me que o celular estava no bolso do meu blazer, então, liguei para ela. Deixei um
recado na secretária eletrônica, dizendo-lhe onde passaríamos a noite. Sou uma idiota. Falei sem parar sobre os hóspedes famosos, que estiveram aqui antes de nós.
Monk - se esse for o nome dele - deve ter feito uma boa pesquisa sobre mim. Lágrimas brotaram de seus olhos, enquanto ela murmurava. Foi por isto que ele me contou
todas aquelas histórias sobre atores de cinema. Ele sabia que me impressionaria. Sou uma idiota completa.
- Ele enganou todas nós - disse Sara. - Você disse o nome da propriedade à sua sobrinha?
- Sim - respondeu Carrie. - Só não sei se pegou a mensagem porque ela já poderia ter saído para o aeroporto. E se ele estava lá, esperando por ela? - Sua voz quebrou-se
num soluço.
Sara esticou o braço por sobre a mesa e acariciou a mão de Carrie. - Se ele tivesse ido esperar por ela, a teria trazido para cá, não acha? Talvez seja isso que
eles estão esperando - acrescentou ela. - Talvez seja justamente por isso que eles não nos tenham...
- Matado - disse Sara, bruscamente.
- Mas, se eles deixaram comida na despensa e na geladeira, é óbvio que pretendem nos manter vivas por algum tempo - argumentou Anne.
Sara discordou. - A comida... é exatamente o que me preocupa. Não lhes parece assustador que não tenham esvaziado a despensa?
Carrie não havia pensado na possibilidade, mas teve de concordar com Sara.
- Pode ser que eles pretendam explodir a casa logo. Eles não deixarão que fiquemos aqui sentadas até que a comida acabe. Eles
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deixaram água também - destacou ela. - Temos de sair daqui. - Ela afundou o rosto nas mãos e murmurou: - Eu tenho que encontrar a Avery. Se aquele monstro puser
as mãos nela...
- Carrie, concentre-se em encontrar uma solução para sairmos daqui e ajudarmos sua sobrinha.
Anne ajeitou-se na cadeira e concordou.
- Desde que vocês concordem que sou inocente, ajudarei no que for preciso e prometo não fazer mais loucuras, como tentar abrir a porta. Prometo, mas vocês têm que
me dizer.
Carrie levantou a cabeça.
- Dizer o que? Anne empertigou-se.
- Que sou inocente.
Era óbvio que ela estava insinuando que Carrie e Sara não eram. A atitude de santa de Anne deixou Carrie enfurecida, mas ela percebeu o sinal de Sara e decidiu que
seria melhor concordar com Anne, caso quisesse a cooperação dela.
- Sim, você é inocente - disse ela.
Depois de Sara ter concordado, Anne virou-se para Carrie.
- Você deveria desculpar-se com sua irmã e tentar desfazer todo o mal que causou.
Oh, Carrie detestava aquela mulher com todas as suas forças. Ela mordeu a língua enquanto Anne continuou o sermão.
- Família é a coisa mais importante do mundo. Recentemente, tive de aprender essa verdade. Poder depender de alguém... como posso depender de meu marido quando as
coisas ficam difíceis... é muito importante. Tenho muita sorte - continuou ela. - Meu marido me adora.
Ela estava bastante emocionada quando dirigiu-se a Sara.
- Ele notará a nossa falta, pois costuma me ligar todo o santo dia. Ele nunca falha. Disse-lhe para não me ligar enquanto eu estivesse no spa, pois estaria envolvida
com todos aqueles tratamentos e seria muito difícil me encontrar, mas ele não me deu ouvidos. Ele disse que não iria para a cama antes de falar comigo. Vocês não
percebem? Se soubermos esperar, meu marido fará com que a polícia vire o Colorado de cabeça para baixo para me encontrar.
- Não podemos simplesmente sentar e esperar - discordou Carrie.
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Sara fez-lhe um sinal de cabeça, indicando que mantivesse a calma.
- Parece que você tem um casamento maravilhoso - ela disse a Anne.
- Sim, com a graça de Deus. Somos extremamente felizes. Havia um tom de desafio em sua voz. Ele vai procurar por mim.
- Tenho certeza que sim - aplacou Sara. - Mas pode ser que não tenhamos tempo para esperar até que a polícia nos encontre. 0 Colorado é um estado muito grande.
Anne assentiu.
- Sim, você tem razão. Temos de fazer alguma coisa. Tudo bem - disse ela enquanto desamarrava o fio amarrado em seu braço direito. - O que querem que eu faça? Na
verdade não sei se poderei prestar grande ajuda, pois estou me recuperando de uma longa doença. Perdi muito peso e ainda estou sem forças. Apesar de tudo, sou uma
excelente cozinheira e poderia preparar algo para comermos.
- Isto seria ótimo, Anne - disse Sara. - Obrigada.
Carrie mal podia acreditar. Talvez Anne tivesse recuperado a sanidade. Ou talvez estivesse apenas se divertindo com elas. Era muito difícil confiar nela. Carrie
decidiu que ela ou Sara teriam de ficar de olho nela o tempo. todo.
- Vocês já estão com fome? - perguntou Anne ao levantar-se da cadeira.
- Eu estou - respondeu Sara.
Dessa vez, Anne deixou passar a oportunidade de fazer algum comentário sarcástico a respeito do excesso de peso de Sara. Na verdade, ela até pediu desculpas pelo
que dissera antes, mas não havia o mínimo de sinceridade em sua voz.
- Eu nunca deveria tê-la chamado de porca nojenta. Estar nervosa não justifica o fato de tê-la magoado.
- Sara, por que você não fica aqui e faz companhia para Anne enquanto eu dou uma olhada pela casa? - perguntou Carrie. - Vou começar pela parte de cima e investigar
até chegar aqui, novamente. Deve haver alguma pista que não estamos conseguindo perceber.
Ao subir as escadas, estava começando a se sentir um pouco mais otimista. Vestiu seu abrigo de marca e, metodicamente, verificou cada abertura. Havia uma pequena
janela, no alto, num dos
170
cantos de seu quarto. Demorou um longo tempo até que conseguisse arrastar a escrivaninha até a parede, mas não conseguiu alcançar a janela. Ela correu até a sala
de jantar para pegar uma cadeira e reparou que Sara estava em pé, sobre uma cadeira em frente à janela dupla da sala de estar. Ela tinha um batom nas mãos e estava
escrevendo a palavra "socorro" sobre o vidro. Carrie foi até ela.
- Se, por acaso Monk, ou seja lá qual for o nome do filho da puta, colocou um disparador do lado de fora... Ela não precisou terminar seu pensamento. - A casa explodirá
quando o socorro chegar.
- É uma possibilidade - disse Carrie, enquanto pegava a cadeira e começava a subir as escadas.
- E, você tem razão - disse Sara. Ela desceu da cadeira e foi pegar uma toalha para apagar o que havia escrito.
- E se tentássemos quebrar o vidro? - Carrie ouvi-a perguntar, enquanto continuava a subir.
Os braços de Carrie doeram com o esforço de colocar a cadeira sobre a escrivaninha; ela teve de tentar por três vezes. Ofegava pois estava terrivelmente fora de
forma. Caiu ao tentar subir na cadeira e, felizmente, aterrissou sobre a cama. Empurrando a cadeira contra a parede, tentou novamente. Quando finalmente alcançou
a janela, caiu no choro. O filho da puta havia colocado fios de explosivo ali também.
Mas ela não desistiria, não importa quão desesperadora fosse a situação. Talvez a sugestão de Anne funcionasse. Talvez elas pudessem abrir um buraco no vidro, sem
comprometer os explosivos. Enxugando as lágrimas ela, cuidadosamente, esfregou o seu anel de brilhantes contra o vidro. Quinze minutos depois, desistiu. Um pequeno
arranhão no vidro fora tudo o que conseguira.
Carrie desceu ao andar de baixo para examinar os quartos de Anne e de Sara. Ela passou horas tentando encontrar uma solução, até que acabou desistindo. Gastara a
tarde e parte da noite tentando conseguir o impossível.
Capítulo
12
Jilly caminhou ao redor do banco de pedra aninhado na gruta, em frente a uma lagoa. Ela parou para observar um instrutor vestido com a roupa branca de tai chi, ensinando
exercícios milenares a um grupo. O professor era bastante gracioso, mas seus alunos eram, obviamente, principiantes, pois seus movimentos eram duros e desajeitados.
Ela continuou a caminhar até o local onde Monk havia estacionado a sua Mercedes utilitária. Para onde quer que olhasse, seus olhos deparavam-se com flores e mais
flores. Ao fundo do estacionamento, os canteiros de flores eram ainda maiores. O Utopia era encantador e, talvez, quando o trabalho estivesse terminado, ela pudesse
voltar ali para uma semana de mimos.
Seu celular tocou, assim que ela sentou-se à direção do carro, novinho em folha. Ela estivera esperando que Monk a chamasse de seu telefone, via satélite, e respondeu
antes que o primeiro toque terminasse.
- Olá, querido.
Monk sorriu. Ele simplesmente adorava o tom profundo de sua voz e a maneira com a qual murmurava as palavras de carinho.
- Ela já chegou? - perguntou ela.
- Sim, acabei de despachá-la e estou de saída. Vou pegar o atalho que você me ensinou e devo chegar lá uns quarenta minutos antes dela.
172
- Você gostou de falar com sua filha?
- Oh, foi adorável - ela disse, efusiva. - Ela está morrendo de medo. Obrigada, querido, por me deixar fazer isso. Existe um pequeno detalhe, no entanto, que pode
ser preocupante.
- O que é?
- Avery não estava sozinha.
- O quê? - perguntou ele, incisivo. - Quem estava com ela?
- Um homem - respondeu ela. Ajustando o telefone contra a orelha, ela deu partida no carro e saiu do estacionamento. -Seu amante, sem dúvida - especulou ela. - Tive
de incluí-lo, porque ele sabe que Carrie está desaparecida. Ele e Avery foram juntos ao escritório do gerente. Agi de maneira correta?
Ele percebeu que ela precisava de apoio.
- Sim, é claro que você agiu de forma correta. Você sabe o nome dele? Sabe alguma coisa sobre ele?
- Não - respondeu ela. - Pensei em perguntar ao recepcionista ou ao porteiro, mas decidi esperar e falar com você primeiro. Você quer que eu volte para tentar descobrir
quem é ele?
- Não, não faça isso - disse ele. - Você só despertaria suspeitas. Você é tão linda que as pessoas se lembrariam de você... E você se parece com Avery. Eu descubro
quem é ele.
- Tudo bem. Você está preparado para receber os dois?
- Vamos ter de mudar os planos.
- Por que?
- A loja do rio está aberta e, ao que parece, os negócios estão a todo vapor. Hoje pela manhã o movimento foi enorme.
- Como assim? - bradou ela. - Você verificou. O dono foi agredido por um urso e ficará no hospital por, pelo menos, mais uma semana. Você verificou - repetiu ela.
Ela estava ficando nervosa. Rapidamente, ele tentou dissipar a sua preocupação.
- Tudo vai dar certo. Ela não desistiu.
- Como isto pode ter acontecido?
- Um primo do dono, vindo de Arkansas, abriu a loja esta manhã. O dono deve tê-lo chamado. Mas isso não importa - enfatizou ele - Tudo o que temos a fazer é mudar
para o plano B.
173
Você deve se lembrar que eu lhe disse que, sempre que assumo um compromisso, tenho um plano de emergência na manga.
- Sim, eu me lembro - disse ela, aliviada. - Você é tão inteligente, querido.
O menor elogio fazia com que ele quisesse agradá-la ainda mais.
- Espere - disse ela, aflita. - O pacote com a echarpe vermelha de Carrie ainda está aí, sobre o balcão?
- Não, mas isso agora não importa - disse ele. Ele já havia pensado sobre o assunto. O plano original seria atrair Avery até a loja, colocando um envelope pardo
com seu nome no balcão ao lado da janela, para que ela pudesse vê-lo assim que olhasse para dentro. Ela ficaria desesperada e forçaria sua entrada na loja. Monk
estaria esperando por ela e, depois de matá-la, a enterraria na floresta, uns cem metros da loja. Ele já havia cavado a cova e supôs que o buraco fosse fundo o suficiente
para acomodar também o amante. Mas agora que a loja estava aberta, e com o fluxo constante de fregueses entrando e saindo, Monk sabia que não poderia realizar o
serviço lá.
- Você está com a carteira de Carrie? - perguntou ele.
- Sim, em minha bolsa.
- Muito bom - elogiou ele. - Vamos usá-la, então.
- Eu vou poder ajudar? Você me prometeu - ela lembrou-o. Como ele poderia recusar? Seria muito mais fácil se ela tivesse
concordado em ficar no spa, deixando-o cuidar de tudo sozinho. Jilly complicava a vida dele, obrigando-o a dar piruetas para fazer tudo à maneira dela, mas ela era
tão maravilhosa que ele não se importava.
Ele tentou convencê-la a explodir a casa antes de saírem de lá, na noite anterior, mas ela não quis nem falar sobre o assunto. Ela queria que sua irmã acordasse
e ficasse sabendo quem a estava matando e por que.
Monk não gostava da idéia de deixar as mulheres sozinhas, mas não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo e a chegada inesperada de Avery pusera-o num mato sem
cachorro. Ele não deixara que Jilly percebesse o quanto aquelas mudanças de última hora deixavam-no preocupado e aborrecido. Mas agora, que tinha encontrado novas
soluções, voltara a sentir-se seguro. É verdade que gostaria de ter mais tempo para repassar o plano, mas isso não seria possível.
174
- Querido, você me ouviu? Posso ajudar, não é? Ele afastou as suas preocupações.
- Sim, é claro que você pode ajudar. Você gostaria de falar com Avery mais uma vez?
Ela deu uma gargalhada.
- Eu adoraria - disse. - Vou correr até você. Já estou entrando na estradinha que você descobriu. Chegarei em pouco tempo. Quando chegar aí, você tem de me dizer
exatamente o que quer que eu diga a ela. Eu não quero errar novamente, como fiz em Virgínia, quando peguei o carro daquela velha senhora.
- Não se aborreça mais por isso. São águas passadas. Além disso, você é principiante ele disse com um risinho. - Você tem o direito de cometer alguns erros.
- Eu queria agradá-lo e pensei que, se pudesse imobilizá-la, poderia tornar o seu trabalho mais fácil. Você poderia entrar no apartamento dela e matá-la lá mesmo.
Então, você faria com que tudo parecesse um roubo.
Eles já haviam falado sobre o assunto pelo menos dez vezes e, a cada vez, ele tentava convencê-la de que perdoara seu julgamento incorreto. Ela nunca deveria ter
ido atrás de Avery com aquele carro. Não apenas por causa do perigo que correu, mas porque poderia ter sido bem-sucedida. Jilly sentira-se orgulhosa de sua pesquisa
detalhada. Ela fizera sua própria investigação e descobrira que o velho Cadillac empoeirado pertencia a uma senhora idosa, que nunca o usava. Ela foi inteligente
e corajosa a ponto de entrar no apartamento e roubar as chaves. Ela divertira-se a valer com seu disfarce de policial, coletando contribuições para o fundo da viúvas.
Mas Jilly não pensara em todas as conseqüências. Quando ele, gentilmente, disse-lhe que se ela tivesse matado Avery, Carrie certamente cancelaria sua reserva para
o spa, ela ficou mortificada. Agora, ela sempre o consultava antes de tomar qualquer decisão. Ele gostava do orgulho que ela sentia por ele, ao confiar que ele soubesse
de tudo.
- Encontro você no lugar designado. Agora, preste atenção no que preciso que faça - começou ele.
Ela ouviu, ficando cada vez mais excitada à medida que ele explicava os detalhes. Quando ele terminou, ela deu uma risadinha
- É perfeito, querido. Absolutamente perfeito.
Capítulo
13
- O nome dele é Dale Skarrett - disse Avery. - E, atual mente, está na prisão.
- Onde? - perguntou John Paul.
- Na Flórida - respondeu ela. - Alguns anos atrás, Carrie e eu fomos à audiência para decidir a sua condicional. O júri acatou o nosso depoimento. É por nossa causa
que ele ainda continua preso.
- Essa seria uma boa razão para que ele queira vê-las mortas.
- Sim.
- O que foi que ele fez?
Ter de relembrar era horrível, pois as feridas voltavam a doer.
- Eu explico mais tarde - disse ela para ganhar tempo.
- O que ele fez? - repetiu ele, calmamente. Avery desviou o olhar para a janela.
- Ele matou minha avó. - Ela olhou para o relógio, ansiosa. - Temos 23 minutos para chegar até Deus sabe onde. O que devemos procurar?
Ele percebeu que ela estava tentando fazê-lo prestar atenção no problema atual, para evitar que fizesse mais perguntas. De qualquer maneira, ela acabaria contando
o que ele precisava saber, caso eles conseguissem sobreviver, mas, por hora, ele resolveu não pressionála para obter detalhes que, para ela, seriam dolorosos. Afinal,
como havia dito, eles tinham apenas mais 23 minutos para chegar ao local.
176
- Vamos procurar por qualquer coisa que pareça estranha. Eles continuavam a subir, contornando a montanha. Avery,
que havia perdido o senso de direção, agradecia a Deus por John Paul manter o dele.
A luz do sol voltou a filtrar-se pelos ramos das árvores, pois a vegetação ali não era tão densa. Ela imaginou que estivessem se aproximando de uma clareira ou do
cume. Estariam prestes a se transformar em alvos fáceis?
- Se continuarmos a subir, nossos narizes vão acabar sangrando. Você está com frio? - perguntou ela.
- Não.
Ele sabia que ela estava com frio. Há um minuto, ela esfregara o braço. Ele esticou o braço e ligou o ar quente. Avery imediatamente ajustou as saídas, direcionando
o ar quente para os braços.
- O que você acha que ela quis dizer?
- O quê?
- Quando a mulher disse "bum". Eu fiquei imaginando aquelas três senhoras amarradas em cadeiras com explosivos.
- Talvez - disse ele. - Pode ser que elas estejam dentro de algum lugar coberto com fios explosivos.
- Existem muitas cavernas por aqui, não é?
- Sim - disse ele. - Centenas delas. Ela conferiu o tempo novamente.
- Vinte e um minutos.
- Estou atento ao tempo - disse ele, ríspido.
- Você pode ir mais rápido?
- Você quer dirigir?
- Não - ela disse, percebendo que o medo e a frustração estavam tomando conta dela. - Desculpe-me, eu não tinha a intenção de criticar. Eu sei que está fazendo o
possível.
Ela percebeu que não sabia praticamente nada a respeito do homem que estava ao seu lado. Não, isso não era verdade. Ela tinha informações suficientes para confiar
em suas habilidades. Ele deu provas de competência quando esteve no Exército. Tudo o que aprendera poderia, agora, ser de grande serventia, e ela esperava que ele
pudesse se lembrar de tudo.
Ela decidiu investigar.
- Você era bom no que fazia antes de pedir afastamento?
177
A pergunta deixou-o chocado.
- Do que você está falando?
- Você já esteve no Exército. Ele lançou-lhe um olhar incisivo.
- Como você sabe disso?
- Pedi a uma amiga que fizesse uma pesquisa.
Avery esperou pela reação dele. Ela tinha uma boa razão para ter invadido sua vida particular e estava pronta para responder, se ele perguntasse. Mas ele não perguntou.
Na verdade, ele calou-se por um tempo.
- E quando você fez isso?
- Levantar informações a seu respeito? Quando estávamos no escritório do gerente, no spa. Você havia saído para procurar Cannon.
- Você verificou o meu histórico. - Ele parecia ter problemas para acreditar nela.
- Sim, foi o que fiz.
O olhar dele poderia ter-lhe escaldado a pele do rosto.
- Onde essa sua amiga trabalha?
- Quântico1.
Uh-uh. Ele não gostou nem um pouco da novidade.
- Filha da... - começou ele.
- Você já foi Fuzileiro Naval - despejou ela.
Ela observou-o respirar fundo e sabia que ele estava fazendo força para se controlar. Sim, ele estava bravo, pois a parte de trás de seu pescoço tornara-se rosada.
No entanto, ela não se importava com isso. Havia feito o que tinha de ser feito e, agora, teria de agüentar firme.
Os músculos da mandíbula dele contraíram-se. Deus do céu, ele era lindo! Ela não podia explicar a origem de tal pensamento. Por favor, Avery, mantenha a compostura.
Ele poderia ser casado ou estar pagando pensão para oito ex-esposas. Ela rapidamente descartou a hipótese das esposas do Henrique VIII. Não haveria, nos Estados
Unidos, oito mulheres dispostas a se casarem com ele. De jeito nenhum.
Quântico é a base dos Fuzileiros Navais Americanos.
178
- Você já foi Fuzileiro Naval - repetiu ela.
- E daí?
Quando ele desviou o carro de um galho de árvore ela, novamente, teve de agarrar-se ao painel. Apesar de completamente isolado, havia sulcos profundos no caminho,
deixados por outros carros e jipes que se aventuraram estrada acima. Era tudo tão quieto que chegava a ser enervante. Ela sentiu-se um peixe fora d'água. Avery era
uma garota da cidade grande, que adormecia ao som de buzinas de carros e sirenes de polícia. O silêncio, agora, parecia ensurdecedor.
Milhares de borrachudos vinham ao encontro da morte, batendo no pára-brisas. Avery olhou para o relógio. Dezessete minutos.
Como John Paul continuava a olhar para ela, imaginou que ele queria que continuasse a conversa que começara.
- Então, foi bom saber disso.
- Por quê?
- Fuzileiros Navais são treinados para o combate o que, consideradas as circunstâncias, poderia ser extremamente útil. - Ele não respondeu à observação. - Também
descobri que você foi recrutado na surdina...
Ele não deixou que ela terminasse.
- Ouça, se você já sabe o que fui, não precisa falar nisso. Droga. Ela esperava que ele lhe contasse o que ainda não
sabia. Teria ele participado de operações especiais ou secretas? Qual teria sido a sua especialidade?
Ela olhou para o mapa enquanto recuperava suas energias. Como poderia saber, se não perguntasse?
- O que você faz, especificamente?
- Você já não sabe?
- Sua pasta é confidencial.
- Aposto que sim.
De novo, o sarcasmo na voz.
- Eles te ensinaram a ser antipático lá, ou você já nasceu assim? Você prima por ser alienado.
- Avery, não mexa com isto.
- Você não me assusta.
Ele apertou os olhos, ao olhar para ela.
- Assusto sim.
179
- Você não sabe de nada, cara.
Mesmo de mau humor, ele sorriu. Talvez ele não a assustasse. Interessante, pensou ele. E diferente.
- Você acha que os dois estão juntos? Monk e a mulher que me ligou?
- Não sei. Se as mulheres desaparecidas ainda estiverem vivas, amarradas ou presas em algum lugar bastante isolado, pode ser que estejam juntos. Ele tem bastante
trabalho nas mãos - disse ele. - Quer dizer, isso se elas ainda estiverem vivas.
- Ele teria de vigiá-las e teria também que nos seguir.
- Não acredito que ele esteja nos seguindo.
- Mas ele está controlando tudo, não é verdade? Ele quase sorriu.
- Como? - ele perguntou, já sabendo a resposta, mas curioso para saber se ela descobriria.
- Deve ter algum tipo de equipamento dentro deste relógio.
- Justamente - disse ele. - Ele sabe exatamente onde estamos. Ela sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo. O matador estava
monitorando seus avanços. - Será que deveríamos nos livrar do relógio?
- Não, não quero fazer isso. Acho que deveríamos usá-lo a nosso favor. Vamos esperar para ver o que acontece quando estivermos próximos ao X.
Avery pegou o relógio e analisou-o cuidadosamente.
- Não existe uma marca ou arranhão que indique que tenha sido manipulado.
- Monk é um profissional. Ele não deixaria marcas.
- Então ele sabe tudo sobre transmissores? Ele entende desse tipo de tecnologia?
- Sim, entende.
- Como você sabe tanto sobre ele?
- Eu li o seu dossiê.
- Seu dossiê do fbi? Ela arregalou os olhos. Se você está afastado, isso só pode ser ilegal.
- Com certeza, estou afastado.
- John Paul, você poderia se meter em encrenca da grossa. Havia preocupação no tom de sua voz. Ela havia experimentado muitas surpresas, e estava claro que não seria
facilmente
180
manipulável. Se ele não se cuidasse, poderia facilmente começar a gostar dela.
- Tenho conexões que pagariam minha fiança - disse ele.
- Como o seu cunhado?
- Como você sabe sobre Theo? - perguntou ele.
- Minha amiga me contou.
- Ter um parente trabalhando no Departamento de Justiça pode ser bastante útil.
- Você não se dá bem com seu cunhado? Pergunta esquisita.
- É claro que me dou bem com ele. Minha irmã o ama, e eles vivem muito bem. Por que pergunta?
- Havia escárnio em sua voz quando você disse "Departamento de Justiça".
Ele sorriu. Ela era extremamente perspicaz.
- Não, não havia.
Ela decidiu não argumentar.
- Você acha que a mulher que ligou foi contratada por Monk?
- Pode ser, mas não acredito - ele disse. - Pelo que você me contou, ele está deixando que ela tome decisões. Talvez seja mais que uma parceira. Isso é muito estranho,
Monk nunca foi de brincadeira. Então, por que esta caça ao tesouro?
- Não tenho a mínima idéia.
- Talvez tenhamos uma chance, se a mulher estiver mesmo tomando algumas decisões. Talvez ela não seja tão perfeccionista quanto ele.
- Ela conhece a mim e a Carrie.
- Como sabe?
- Por sua maneira de falar. Ela assumiu um tom zombateiro quando disse o nome de Carrie.
É evidente que não gosta dela.
- Isso é óbvio.
- O que quer dizer que já se relacionaram.
- E quanto a você?
- Ela me chamou de garota estúpida. Portanto, devo admitir que não gosta de mim também - disse ela, secamente.
- Verdade?
Talvez Skarrett tenha contado a ela sobre nós. Mas ela falava de um jeito... parece tratar-se de um assunto pessoal.
181
Avery pegou o relógio novamente e, ansiosa, recolocou-o no compartimento entre os bancos. Ela era quase capaz de visualizar a luz vermelha, pulsando como um coração,
instalada dentro dele. A metáfora causou-lhe calafrios.
John Paul era bom motorista. Ela deixou que ele se preocupasse com a possibilidade de ficar encalhado, ou de ter de enfrentar um pneu furado. Fechando os olhos,
ela recostou-se no banco e deixou que seu pensamento levantasse uma possibilidade após a outra. O que estaria faltando? Ela sentia a estranha sensação de ter a resposta
para esse quebra-cabeças maluco alojada no fundo de seu cérebro, mas, por mais que tentasse, não conseguia alcançá-la.
- Quanto tempo nos resta? - Assim que ela lhe disse, ele falou: - Eu não sei o que nos espera, portanto, ouça bem. Faça exatamente como eu disser. Se eu disser que
se abaixe, não argumente. Faça. Assim que descobrir onde é o X, tentarei passar por ele e fazer uma volta. Você fica no carro.
- Eles precisam me ver.
- Não, não precisam.
- Você ficou louco? É claro que precisam - discordou ela. - A mulher me disse que mataria Carrie e as outras se nos atrasássemos. Se não me virem...
- Por acaso essa mulher deu alguma prova de que elas ainda estão vivas? Você pediu alguma?
- Não - disse ela. - Deveria ter pedido, mas não pedi. A conversa foi curta e ela não me deixou fazer perguntas.
- Então, você não deveria ter concordado.
- Dizer-lhe que eu não jogaria o seu jogo?
- Isto mesmo - disse ele. - E o que deveria ter feito. Ela balançou a cabeça.
- Eu não acredito em você. Sinto muito por não ter pedido provas. Eu deveria ter feito isso.
- Deveria ter feito, poderia ter feito... agora é tarde demais. Imagino que tenhamos uma chance de 90% de cairmos numa armadilha, então eu quero...
Ela não deixou que ele terminasse.
- Eu lhe disse que não tenho escolha. Eles precisam me ver. Espero encontrar uma maneira de acalmar a louca.
- Acalmar a louca? Isso não é uma contradição?
182
- Não banque o espertinho... Ele levantou uma sobrancelha.
- O que você quer dizer com isso?
- Nada.
- Como assim, nada? - provocou ele. Ela tomou a defensiva.
- Olhe, tudo bem comigo, se você quiser pular fora. Deixeme no X e desapareça.
- Eu não vou pular fora.
- Tudo bem, então - respondeu ela, irritada por sentir alívio em sua própria voz. - Eu sei que existe uma boa chance de que Monk já tenha cavado nossas sepulturas,
mas se pensa que vou me esconder na floresta e rezar para que tudo dê certo, está completamente louco.
- Estou tentando dizer que, se tiver sorte, talvez eu possa localizá-lo e chegar um pouco mais perto.
- E, como não quer se preocupar comigo, você espera obediência cega.
- Exatamente.
- Duas cabeças funcionam melhor que uma.
- Você possui algum treinamento de sobrevivência? Ponto para ele.
- Não, mas mesmo assim, eu poderia ajudar.
- Sim, claro.
- Pare de se achar o bom, John Paul. Eu sei que posso ajudar. Tenho idéias próprias.
- Aposto que sim.
- O que você quer dizer com isso?
- Esqueça.
Ela não podia acreditar em sua própria sorte. Com tantas pessoas no mundo, ela tinha de ficar enroscada com o cara mais desagradável de todos.
- Você acha que sabe tudo, não é?
- Quase tudo - respondeu ele.
Avery concentrou-se na estrada. Felizmente o Tarzan das Selvas não tinha mais nenhum comentário sarcástico a fazer. Sua carranca daria uma boa escultura.
Ela pensou ter ouvido alguma coisa e, rapidamente, abaixou o vidro e aguçou os ouvidos.
183
- Você ouviu isso?
John Paul desligou o ar quente, abaixou o vidro de sua janela e assentiu. O som de água corrente estava distante, mas ouvia-se claramente.
- Devemos ter ido mais longe que pensei, se estamos tão perto do rio. Talvez seja apenas um afluente. Parece uma cachoeira.
Eles passaram por outra encruzilhada. Esta era mais utilizada que as outras. Havia uma placa pregada numa árvore: Ultima Chance Loja de conveniências. Cerveja e
aluguel de jangadas. Abaixo da placa, havia uma flecha indicando a direção oeste.
A estrada fez uma curva e começou a descer. A roda bateu numa raiz, o carro deu uma guinada para frente, e eles entraram novamente entre as árvores.
- A loja deve ficar depois daquela curva - ele disse, enquanto cruzava a estrada e dirigia-se para as árvores do outro lado. Quase não havia espaço para manobras.
Satisfeito que não pudessem ser vistos da estrada, parou e desligou o motor.
- Quanto tempo temos?
- Doze minutos - disse ela. - Você acha que é aqui?
- Só pode ser. Parece não haver mais nada por aqui.
Ele tinha razão. Deus, por favor, faça com que ele esteja certo. Ela mal podia ver uma pequena construção rústica, escondida pelas árvores, construída na margem
do rio, um lugar onde os barqueiros podiam parar para reabastecer.
Ela soltou o cinto de segurança. Ele esticou a mão, apalpou o espaço embaixo do banco, e tirou de lá uma sig Sauer. Ela ficou boquiaberta quando viu a arma.
- Vou deixar as chaves - disse ele, ignorando a reação dela à arma. - Se você ouvir tiros, fuja o mais rápido que puder. Entendeu?
Ela não tinha a mínima intenção de deixá-lo ir sozinho, mas achou que, se lhe dissesse a verdade, ele se aborreceria. Então, ela simplesmente concordou.
- Está carregada? - perguntou ela, quando ele abriu a porta.
- Com os diabos, claro que sim.
Pergunta estúpida, pensou ela. É claro que está carregada.
- Tenha cuidado. Ela passou para o banco do motorista.
- Dê-me o relógio.
- Você vai levá-lo? - ela perguntou.
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- Você acha que eu o deixaria aqui para que Monk soubesse exatamente onde encontrá-la? Dê-me o relógio.
- O que vai fazer? -- Vou caçar.
Capítulo
14
O tempo havia terminado, Avery havia acabado de decidir que iria atrás de John Paul quando ele abriu a sua porta. Ela não o ouviu aproximar-se.
- Monk não está por aqui. Pode ser que ele esteja a caminho, mas não está aqui, agora.
- Vamos de carro ou a pé?
- Eu dirijo.
Ao voltar para o assento do passageiro, ela bateu o joelho no painel. Ele entrou e deu partida no carro.
- Como você sabe que ele não está escondido atrás de uma árvore ou moita?
- Porque eu dei uma olhada. Não encontrei nenhum sinal.
- Você acha que o veria?
- E claro que sim.
Ela sentiu segurança na arrogância dele.
- Tudo bem.
- Tem um trailer atrás da loja, há uns trinta metros, em direção ao sul e, ao lado dele, um caminhão velho e arrebentado. O trailer está vazio.
- Você entrou?
Ele não respondeu. Tem um homem e uma mulher dentro da loja. A mulher está no escritório, usando o telefone, e o homem está
186
trabalhando no balcão. Ele fica olhando pela janela, como se estivesse esperando alguém. Enquanto eu estava lá, um caminhão de leite foi embora. Tem ainda uns quatro
fregueses e um cara descarregando caixas de cerveja.
John Paul foi em direção à estrada e continuou a descer a colina. A arma estava em seu colo.
- Você vê aquele homem olhando para nós? - ele perguntou. - Ele está à direita da porta.
Eles observaram um casal jovem saindo da loja com seus dois garotos e, depois, o homem que estava dentro da loja bater a porta.
- Com todos os diabos, o que foi aquilo? - John Paul resmungou, quando o homem colocou a placa Fechado sobre a janela. - Fechado, o meu rabo.
Ele estacionou próximo à lateral da loja para que ela estivesse protegida ao sair do carro. Em seguida, desligou o motor, colocou as chaves no bolso e, enquanto
ele deslizava pela frente do carro, ela o viu colocar a arma no cinto.
Eles ouviram o som de música rap vindo de um carro que parou no estacionamento. John Paul foi para um canto nos fundos da loja e olhou para frente. Quatro rapazes
saíram do carro e ficaram por ali, rindo e tomando cerveja. No bagageiro, havia dois caiaques.
John Paul fez sinal para que Avery ficasse imóvel, voltou a estudar seus passos e disse:
- Vou dar mais uma olhada nos fundos da loja.
Ele deixou que o homem da loja visse, pela janela, que se dirigia para a floresta e, depois, deu meia volta, pulou sobre o gradil da porta dos fundos e olhou para
dentro. A mulher estava curvada sobre a escrivaninha, ainda ao telefone.
Mesmo que muito mais jovem, ela lembrava a atriz Ma Kettle, dos velhos filmes que costumava assistir na televisão quando era criança. Ela vestia um macacão e camisa
de flanela com as mangas enroladas e, enquanto virava as páginas de um catálogo, recitava números ao telefone. Ela não percebeu que ele a observava. Ele deu um passo
para trás quando a porta vai-evem abriu-se. Um homem olhou para dentro da sala e segurou a porta com a mão, para evitar que batesse nele.
- Chrystal, temos um problema - disse ele com voz carregada de sotaque caipira. - Tem dois carros lá na frente, agora.
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Quatro bêbados acabam de sair de um deles. Parece que eles precisam renovar o estoque de cerveja, mas estou preocupado com a garota que está no outro carro. Ela
deve bater na porta da frente a qualquer minuto. Pode ser que tenha me visto olhando para ela pela janela, porque o carro dela está estacionado do lado da loja.
Você acha que é ela?
- Você pode esperar um momento, querido? - disse Chrystal ao telefone. Ela deu uma volta na cadeira giratória e franziu o cenho para o homem de cabelos escuros.
- Parece que sim, mas ainda não terminei com o catálogo, e você prometeu que eu podia...
Ele interrompeu-a.
- Talvez não seja ela. Talvez ela esteja apenas precisando usar o banheiro. Havia um sujeito grandalhão com ela, mas acho que ele foi até a floresta para encontrar
seu próprio banheiro, como fizeram os rapazes. Um deles está mijando no canteiro de petúnias.
- Será que você não percebe que estou ocupada? Se a garota quer usar o nosso banheiro, faça que ela compre alguma coisa antes. Não deixe que ela simplesmente perambule
pela loja. Eu ainda tenho umas dez páginas para terminar.
- Não sei por que você não pensou em fazer isso antes. Sempre deixando tudo para a última hora, não é?
John Paul voltou pela entrada e estava no terraço quando Kenny voltou a abrir a porta.
Avery deslizou pelo canto da loja e correu para o lado dele. Ele puxou-a para trás de si. Ele estava tentando protegê-la, e ela sentiu-se agradecida. Ela estava
terrivelmente preocupada que eles não estivessem no lugar certo, e não podia pensar em nada mais além disso.
- Será que vocês não viram a placa? Estamos fechados - disse o homem.
Avery parou ao lado de John Paul.
- Isso é uma emergência, gaguejou ela.
- Então, você tem de comprar alguma coisa antes.
- Como assim?
- Você me ouviu. Tem de comprar alguma coisa e, depois que pagar, poderá usar o banheiro.
Kenny estava rosnando para ela como um cão de guarda. Ele era um homem completamente desagradável, com cabelo tingido
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de preto e sobrancelhas castanhas, muito grossas. Ele vestia uma camisa xadrez escura, enfiada na calça jeans preta e desbotada. Sua barriga escorregava por sobre
o cinto.
- Você me ouviu? - ele perguntou, novamente - Eu não vou deixá-la entrar até que concorde.
Ele mudou de idéia quando John Paul deu um passo à frente. Se Kenny não tivesse saído do caminho, John Paul, com certeza, teria passado por cima dele.
De perto, Kenny era muito mais jovem do que John Paul havia estimado. Ele não poderia ter mais de 35 ou 40 anos e era bastante ágil. Ele manteve o olhar desconfiado
sobre John Paul e apressou-se em dar a volta no balcão como se, ali, estivesse protegido.
Ele plantou as enormes mãos no balcão, inclinou-se para Avery e sorriu. Um de seus dentes da frente era coberto com ouro, que brilhava com o raio de luz que entrava
pelo vidro sujo da janela.
- Muito bem, senhorita, vou lhe dizer o que faremos. Como você é muito bonita, esquecerei as regras. Você não precisa comprar nada. Nada mesmo. O banheiro é bem
ali, disse ele, apontando para a porta nos fundos.
Ela balançou a cabeça.
- Meu nome é Avery Delaney e este é John Paul Renard. Alguém esteve aqui procurando por nós?
- Não - respondeu ele, rápido demais.
Ele estava mentindo. Os sinais eram evidentes. Ele não era capaz de olhar para os olhos dela e estava ficando cada vez mais agitado. E hostil. Ele olhava constantemente
para John Paul enquanto transferia o peso de um pé para outro.
A porta chocou-se contra a parede com estrondo quando foi aberta. Avery e Kenny viraram-se para ver quem estava entrando, mas John Paul manteve os olhos em Kenny.
Ele não confiaria no bastardo por nem um segundo.
Três dos quatro rapazes flanaram pela sala e, assim que viram Avery, pararam. Ela pôde ouvir o quarto rapaz. Ele estava debruçado sobre o gradil da varanda, vomitando.
- Olá, pessoal - disse um deles. O outro tentou assobiar, mas não foi capaz de colocar os lábios em funcionamento. Tudo que conseguiu fazer foi cuspir.
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Dois dos rapazes eram evidentemente irmãos, pois eram muito parecidos e tinham tatuagens de águia, idênticas, nos braços. O mais velho do grupo tinha cavanhaque
e um piercing prateado na sobrancelha.
- A loja está fechada - gritou Kenny.
- Não, não está - disse o Cavanhaque. - Você deixou eles entrarem - ele disse, apontando para Avery e John Paul. - Nós só queremos um pouco de cerveja.
- Sim, um pouco de cerveja, papagueou um dos irmãos. Eles arrastaram-se até a geladeira, que ficava na parede do
fundo. Um deles tropeçou numa pilha de latas, que se espalharam por todo o canto. Cavanhaque achou aquilo hilariante.
Kenny não parecia estar se divertindo. Seu olhar indicava que ele queria matar um.
- Você vai pegar as porras das latas e colocá-las de volta onde estavam. Ouviu bem?
Um dos irmãos casquinou, enquanto Cavanhaque apontava o dedo para Kenny.
- Tirem seus traseiros daqui imediatamente - berrou Kenny. Em seguida, transferiu sua ira para Avery. - Se você não vai usar o banheiro e não vai comprar nada, acho
melhor vocês também irem embora daqui.
- Alguém deixou algum recado para mim? - perguntou Avery, expressando na voz o desespero que sentia.
- Não.
Um dos irmãos estava próximo a Avery e tinha o olhar fixado nela enquanto oscilava sobre os pés. Seu olhar era enervante.
- Pare de olhar para mim.
Ele deu uma risadinha estúpida e estendeu os dois braços, com a intenção óbvia de abraçá-la.
John Paul fez menção de puxá-la para si, mas ela já começara a se mover. Sem esforço e rapidamente, ela deu um chute no bêbado. Seu pé acertou-o bem no estômago,
e ele voou contra a parede, onde bateu as costas com força antes de escorregar e cair sentado.
Ela apontou-lhe o dedo.
- Fique onde está.
A risadinha estúpida continuava estampada em seu rosto. Estava muito bêbado para sentir dor.
190
Ela voltou-se novamente para Kenny.
- Posso usar o telefone? Com o canto dos olhos, ela percebeu Cavanhaque e o outro irmão aproximando-se. Cada um deles tinha seis pacotes de cerveja e um saco de
gelo nas mãos. Ela não fez rodeios.
- Vocês dois aí, sentem-se ao lado de seu amigo e fiquem quietos até eu terminar.
Cavanhaque balançou a cabeça.
- Você não pode nos dizer o que fazer, gostosa.
- Nós não temos telefone - resmungou Kenny, no mesmo instante.
- É claro que têm - afirmou John Paul, indo na direção de Kenny.
- O que aconteceu, Mark? - perguntou o outro irmão. Cavanhaque caminhou em direção à porta, pensando poder
passar entre Avery e John Paul.
- Minha vez - disse John Paul, com voz arrastada, antes de mandar Cavanhaque, em vôo rasante, de cabeça na parede. Ele derrubou o gelo e a cerveja em cima de Mark
e caiu ao lado dele.
Eles não tiveram de pedir novamente para que o terceiro sujeito se juntasse aos amigos. Ele cambaleou, colocou a cerveja no chão e sentou-se ao lado deles. Encostando-se
contra a parede, abriu uma lata e sorveu um longo gole.
Kenny percebeu que John Paul olhava para o telefone sobre o balcão.
- O que quis dizer é que temos um telefone. E claro que temos, mas não está funcionando. Tivemos problemas na linha e sempre demora algumas semanas até que consertem.
Caso você não tenha percebido, o local é completamente ermo. - Ele falava tão rápido que atropelava as palavras.
Ao perceber que John Paul não estava acreditando em sua história, Kenny voltou-se para Avery. O sorriso forçado ainda pregado na cara. - Seu marido está com problemas?
- Enquanto continuava a falar com Avery, lentamente estendeu a mão para alcançar alguma coisa debaixo do balcão.
Ele olhou para baixo apenas para perceber, tarde demais, que nunca deveria ter tirado os olhos de John Paul. Ele ouviu um pequeno barulho metálico e levantou a cabeça
para encontrar a arma de John Paul apontando para a sua testa.
191
- Calma, isso não é necessário - gaguejou Kenny.
- John Paul, precisamos da cooperação dele, disse Avery.
- E é assim que vamos tê-la - disse ele. - Kenny, vire-se e ponha as mãos na parede. Avery, pegue a arma que está sob o balcão.
Ela deu a volta e, imediatamente, localizou a Magnum na prateleira sob o balcão. Ela pegou a arma e verificou que estava carregada e pronta para funcionar. Ativou
a trava de segurança, pegou a caixa de munição, que estava ao lado da arma e colocou tudo num saco plástico que tinha a foto de um esquilo.
- O que você ia fazer com esta arma? Você tem permissão para usá-la? - perguntou ela a Kenny.
- Isso não é da sua conta.
A fachada de menino bonzinho havia desaparecido. O rosto de Kenny contorceu-se de raiva e ele rosnou.
- Eu posso recusar serviço a quem bem entender e, se quiser guardar uma arma carregada em minha propriedade, então é isso o que vou fazer. Posso me virar agora?
Estou ficando com o pescoço duro. Pode usar o telefone. Eu estava apenas... achando que você quisesse fazer um interurbano e o meu primo George, dono aqui do lugar...
bem, quando ele visse a conta telefônica ia me dizer, "Kenny, você terá de pagar por isto".
- E onde está o George? - perguntou Avery.
- Ele abraçou-se a um urso. Ele não sabia que o bicho estava lá, até um dos filhotes aparecer - disse Kenny. - Posso me virar e botar as mãos para baixo? Você pode
ver que estou cooperando; e minha arma está com você.
- Sim, claro - John Paul disse.
Avery estava indo para o telefone quando reparou em uma carteira preta, evidente entre dois recibos de venda da loja, na cesta de lixo ao lado da caixa registradora.
Ao abaixar-se para pegar a carteira, teve de prender a respiração. Era uma carteira Prada, pouco usada. Carrie era grande consumidora da marca Prada.
Kenny estava atento aos movimentos de John Paul.
- Se você pretende me roubar, é melhor que saiba que não tenho muito dinheiro em caixa. Talvez umas duas notas de cem dólares e uns quarenta trocados.
- Onde você conseguiu as notas de cem dólares? - perguntou John Paul.
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- Um cliente.
- Nós não viemos até aqui para roubá-lo - disse Avery. Ao abrir a carteira e ver que estava vazia, mostrou-a a John Paul. - Eu acho que isto pertence à minha tia.
Kenny agarrou-a por trás. Ele passou os grandes braços no corpo de Avery, agarrando-a num abraço de urso e levantando-a como se fosse um escudo. Seus braços eram
como um cinturão de aço, mas seu peito era macio, quase mole.
- Solte-me - ordenou ela. - Eu não tenho tempo para isto. Kenny estava tentando esconder-se atrás dela para que John
Paul não pudesse acertá-lo.
- Não até que seu marido ponha aquela arma no chão. John Paul surpreendeu-se ao ver que Avery não estava assustada. Ela parecia chateada.
- Isso não vai acontecer - disse ele. - Avery, você terá de trocar de roupa.
Aquele comentário atraiu a atenção irrestrita de Avery. Ela parou de se contorcer e perguntou.
- Por quê?
- Por que você vai ficar toda suja de sangue depois que eu atirar neste filho da...
- Não - disse ela. - Kenny, eu sei que esta carteira pertence à minha tia; e não me importo que você tenha ficado com o dinheiro. Mas você terá de me dizer onde
encontrou isto. Agora me solte!
- Não, de jeito nenhum, rosnou ele na orelha dela, apertando o abraço.
Seus dedos estavam presos ao redor da cintura dela. Ela pegou um de seus dedos mindinhos e virou-o para trás, com força. No mesmo instante, abaixou o queixo e arremessou
a parte de trás da cabeça na cara dele. Ela ouviu um estalo de cartilagem quando ele começou a gritar de dor e soltou-a.
- Puxa! - balbuciou ela. - Merda, isso doeu! - Ela afastouse de Kenny e esfregou a mão na parte de trás da cabeça, enquanto ia ao encontro de John Paul. - Não é
tão simples quanto parece ser no cinema. Lição aprendida.
Ela notou a expressão incrédula no rosto de John Paul.
- O que foi? - perguntou.
Ele desabrochou um sorriso largo e fácil.
193
- Nada mal.
Ela rolou os olhos para cima, em sinal de exasperação, e olhou para Kenny, que estava encostado ao balcão.
- Eu preciso saber onde você encontrou esta carteira.
- Isso era de minha esposa, Chrystal. Ela não quis mais e jogou no lixo.
- Pare de mentir. Isso é uma questão de vida ou morte - disse ela, agora com voz hostil. - Eu realmente não me importo que você tenha tirado a grana da carteira
- repetiu ela. - Mas preciso saber onde você arranjou isto.
- Eu acabei de te dizer...
Ele não admitiria coisa alguma. O pânico que Avery sentira havia se dissipado no momento em que vira a carteira, porque agora ela sabia que estavam no lugar certo.
Ela ainda sentia a opressão no peito e estava furiosa com a falta de cooperação do sujeito.
O nariz de Kenny estava sangrando. Segurando uma toalha de papel contra o nariz, ele olhava para ela de soslaio.
- Vou processar você, sua filha da puta, desgraçada. É isso o que vou fazer.
- John Paul, acho que você tem razão, vamos ter de atirar nele - disse ela.
Kenny não pareceu preocupado até que John Paul respondeu.
- O que você acha da rótula? Felizmente, Kenny foi rápido em acreditar.
- Tá bom, tá bom - disse ele. - Esta manhã, quando abri a loja, Chrystal e eu encontramos um pacote com o nome dela escrito. Ele apontou para Avery. Alguém tinha
deixado ali no balcão e a Chrystal resolveu dar uma olhada.
- E daí? - perguntou Avery.
- E daí que só encontramos uma echarpe vermelha. Como Chrystal não gostou do perfume, amassou a coisa, botou no envelope e jogou no lixo.
- Como você encontrou a carteira? - ela perguntou.
- Eu estava chegando lá, disse ele, com a voz transbordando de ressentimento. Uma mulher passou por aqui, alguns minutos atrás. Ela me deu uma nota de cem, novinha,
pelo pacote com a echarpe que, naturalmente, levou com ela. Depois, pegou outro envelope pardo de nossa prateleira. Simplesmente pegou, sem perguntar
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se podia. Então ela se virou, para que não víssemos o que estava fazendo, e colocou aquela carteira no envelope. Depois de selá-lo, escreveu seu nome e nos
disse que nos daria outra nota, se prometêssemos dizer-lhe que ela vai ligar para você e que você deve esperar aqui, até que ela ligue.
- E você abriu o envelope assim que ela saiu? - perguntou John Paul.
- Não, demorou um pouco. Mas a Chrystal estava morrendo de curiosidade. Ela tinha de saber o que tinha dentro daquele envelope e, quando ela viu a carteira cheia
de dinheiro, ela resolveu ficar com tudo. Qualquer um faria a mesma coisa.
Avery não perdeu tempo discutindo com o infeliz.
- O que exatamente a mulher disse, ao lhe dar a nota de cem dólares?
- Já disse o que ela falou.
- Diga de novo - ordenou John Paul.
- Ela vai ligar para você. Foi o que ela disse. Ela me disse que sabia a hora aproximada que vocês chegariam aqui e que vocês deveriam esperar até que ela ligasse
para cá.
- Mas você não ia nos dizer isso, não é? - John Paul perguntou. - Você pretendia nos deixar ir embora, sem nunca mencionar a mulher ou a carteira.
Kenny não respondeu. Ele encolheu os ombros e disse:
- O dinheiro da carteira era pouco. Só algumas notas de vinte.
- Quer dizer que nem valeu a pena quebrar seu nariz por isso? - perguntou John Paul.
- Ouça, eu devia ter contado logo. Então, peço desculpas - disse Kenny. - Quando minha esposa terminar de falar ao telefone, tenho certeza que a moça vai ligar.
Você só precisam esperar.
- Onde está a sua esposa? - perguntou Avery. John Paul respondeu.
- No escritório, nos fundos da loja.
Ele pegou no braço de Avery e dirigiram-se para lá.
- Você sabe usar uma arma?
Ela soltou-se dele e apressou-se em direção ao fundo da loja.
- Eu não vou atirar em ninguém, John Paul.
- Tenha cuidado - ordenou ele.
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Ela levou o conselho a sério. Quando chegou à porta de vaí-evem, empurrou-a com cuidado e olhou para dentro. Havia uma mulher sentada de costas para a porta. Ela
estava inclinada, com o receptor no ouvido quando Avery, silenciosamente, aproximou-se. Ela ouviu a mulher dizer:
- Não, eu quero cinco de cada. Correto, cinco. Agora, o código do último artigo é A3491. O estéreo prateado com capacidade para vários CDs. Quero o de oito. Não,
prefiro o de dez. Isso mesmo, amor. Você está pronto para anotar o número do meu cartão de crédito? O quê? Oh, meu nome é Salvetti. Carolyn Salvetti. Pagarei as
despesas com o American Express, mas quero que enviem a mercadoria para a minha casa, em Arkansas.
Avery estava furiosa. Ela chegou por trás da mulher e arrancou o telefone de suas mãos.
- Cancele a ordem. Ela está usando um cartão de crédito roubado.
- Não! - gritou Chrystal, enquanto Avery desligava o telefone. - Você não tem o direito de dar ordens aqui. Nenhum direito. Este escritório me pertence. Agora, devolva-me
esse telefone.
- Você e Kenny vão direto para a cadeia.
- Espere um pouco! Nós não fizemos nada de errado!. Chrystal era um pouco vesga, e seu rosto de lua cheia estava
contorcido de raiva. Bastante feia, pensou Avery, observando-a aproximar-se, ameaçadora. Seus olhos castanhos moviam-se de um lado para outro, como um rato encurralado,
enquanto considerava as opções.
- Não existe motivo para chamar a polícia.
A mulher atirou-se sobre Avery. Seu corpo era pelo menos vinte quilos mais pesado que o dela. Quando um brilho súbito tomou conta dos olhos dela, Avery soube que
ela estava pensando que seu peso lhe conferia vantagem.
- Nem pense em fazer isso - disse Avery.
- Isto é uma propriedade privada - Chrystal tentou gritar. Avery não precisou se defender. Ela simplesmente desviou
para a esquerda e deixou que a mulher aterrissasse sobre a escrivaninha. Seu catálogo precioso foi atirado ao chão, em pedaços. Que idiota.
- Comporte-se - repreendeu-a Avery, como uma professora disciplinando uma criança, com um aviso definitivo. - Agora levante-se
196
e vá para a loja. Ande logo! - gritou ela quando Chrystal permaneceu imóvel.
A carta de motorista de Carrie e todos os seus cartões de crédito estavam sobre a escrivaninha, com exceção do American Express. Ela viu Chrystal enfiar o cartão
no bolso.
- Você não desiste, não é? Dê-me o maldito cartão!. Chrystal atirou-lhe o cartão. Avery apanhou-o no ar e fez um
movimento de cabeça, indicando a porta de vai-e-vem.
Chrystal empurrou a porta com força e saiu correndo. Ela tentou jogar a porta no rosto de Avery, mas esta usou um dos pés para bloqueá-la.
- Filha da puta - grunhiu Chrystal. Ao ver Kenny, atirou toda a sua ira sobre ele. - Eu disse que a gente estava se metendo em encrenca, mas você nunca me ouve.
John Paul colocou a arma no bolso de trás da calça e olhou para Avery, esperando por uma explicação. Ela deu um passo em sua direção e falou:
- Chrystal estava usando o cartão de crédito de minha tia para fazer umas comprinhas de Natal adiantadas.
- Eles não formam uma dupla simpática?
- Mais uma boa razão para eu não querer me casar - disse Avery.
- Não vejo razão para chamar a polícia - resmungou Chrystal.
- Quem falou em chamar a polícia, Chrystal? - esbravejou Kenny. - Por que você tem que lembrá-los de fazer uma coisa dessas?
- Eu não lembrei ninguém de nada, seu velho nojento. A idéia foi da loira - disse ela, apontando para Avery. - Tudo isso é culpa sua, Kenny. Se alguém tiver de voltar
para a prisão, esse alguém é você. Eu já levei a minha parte. Não te falei que você não devia ter me deixado abrir aquele pacote? Não te falei? - cacarejou ela,
como uma galinha irada. - Foi você quem me forçou.
- Feche a matraca - disse-lhe Kenny.
Chrystal finalmente percebeu o estado do marido. Ele estava sentado no balcão, balançando as pernas para frente e para trás enquanto segurava a toalha de papel contra
o nariz. Ela olhou para John Paul, sem entender o que se passava,
- Quem é ele? - perguntou ela. - E por que você está com está enfiando o dedo no nariz?
197
- Eu não estou enfiando o dedo em lugar algum. A garota, atrás de você, quebrou a porra do meu nariz. Vou arrumar um advogado e processar a maldita.
- Da prisão? - rosnou Chrystal. - Seu idiota, você não vai processar ninguém.
A paciência de John Paul com o casal esgotou-se. Ele foi até a porta de entrada e ficou algum tempo olhando para fora. O rapaz que estivera vomitando agora dormia
na varanda, enrolado sobre si mesmo.
- Pare de reclamar - exigiu Avery, surpresa ao ser prontamente obedecida.
- Não precisa gritar conosco, moça. Você sabe que estamos cooperando - Chrystal disse.
- Muito bem. Vocês estão cooperando. Onde está o envelope?
- O que tinha a carteira dentro? - perguntou Chrystal.
- Sim.
- Eu joguei no lixo do lado de fora da loja - disse ela. - A única coisa que tinha dentro era a carteira, mas vou pegá-lo para que você possa conferir.
Ela saiu da loja lentamente e voltou, um minuto mais tarde, com o envelope e atirou-o na direção de Avery.
- Está vazio. Pode ver.
O nariz de Kenny havia parado de sangrar e ele jogou a toalha de papel no cesto de lixo atrás dele, mas não acertou.
- Eu já contei tudo o que aquela mulher me disse, mas ela também conversou bastante com Chrystal.
- É isto mesmo. Ela conversou bastante comigo. Ela me disse que vocês estavam fazendo um jogo de caça ao tesouro. Vocês não estão um pouco velhos demais para este
tipo de brincadeira?
A frustração de Avery era tanta que ela sentia vontade de arrancar os próprios cabelos. Aqueles caras a estavam enlouquecendo.
- Você viu o carro dela? Havia alguém, esperando por ela?
- Ela estava numa Mercedes novinha - disse Kenny. - Mas não tinha ninguém com ela.
- Ela disse a vocês para onde deveríamos ir?
A evidente ansiedade de Avery fez com que Chrystal se sentisse poderosa. Ela disse, em tom malicioso:
- Depende.
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Chrystal esfregou o polegar e o indicador, sinal universal para dinheiro. Avery não tinha paciência para negociar.
- A mulher deixou instruções, mas Kenny e eu não diremos uma palavra se vocês não pagarem muito bem por isso.
- Muito bem, John Paul, vamos fazer as coisas do seu jeito. Pode atirar em um deles. Isso fará com que o outro fale.
Ele gostou da lógica do pensamento dela. Tirou a arma do bolso e destravou-a em dois segundos.
- Você tem preferência? - perguntou ele.
Chrystal colocou as mãos para cima. - Calma, não precisa ser violento. Kenny e eu somos da paz, não é Kenny? Nós diremos o que querem saber. A mulher disse que uma
garota entraria na loja. disse que o nome dela era Avery. - E, virando-se para ela, perguntou. - Você é Avery, não é? Você só pode ser ela.
- Sim. O que mais ela disse?
- Que ela ligaria e que você sairia rapidamente, mas acho que ela não sabia o que estava dizendo, não é? Quero dizer, vocês ainda estão aqui.
Kenny deu uma bufada.
- Eles não podem ir a lugar algum até que ela ligue, sua burra!
- Avery, realmente estou com vontade de atirar nesses dois e salvá-los de sua total imbecilidade - disse John Paul.
Ela compreendia exatamente como ele se sentia.
- Guarde a arma, John Paul.
Assim que ele guardou a arma, Chrystal animou-se e fabricou um sorriso. - Kenny, eles precisarão de mantimentos para a jornada. Leve o que eles quiserem para o carro,
que calculo a despesa de cabeça. Virando-se para Avery, perguntou: - Você tem dinheiro com você, não tem?
- Não precisamos de mantimentos - disse ela.
- Você quer instruções para chegar até onde ela quer que vocês cheguem?
Avery entendeu. Em outras palavras, compre os malditos suprimentos.
- Sim - respondeu ela.
- Não lhes dê desconto, Chrystal, e não aceite cartões de crédito. Esses caras não viverão tempo suficiente para pagar o cartão.
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Chrystal assentiu.
- A mulher está mandando vocês para uma corredeira de nível cinco.
Do que diabos eles estavam falando? Então, Kenny disse, - Não sei como vocês pensam em chegar ao rio. Com toda a chuva que tivemos, só um imbecil poderia pensar
em cruzar o rio. Vocês morrerão afogados, antes de cruzarem a primeira corredeira. A possibilidade deixou-o tão satisfeito que ele mal pôde conter o riso. Não importa
que sejam experientes.
- Você tem razão, querido - disse Chrystal. - Vocês vão morrer afogados, na certa. A mulher disse que vocês verão uma placa com alguma coisa escrita e o que estão
procurando estará bastante próximo.
- Ela disse o que estará escrito na placa?
- Cruzamento dos Covardes. Esse nome é usado, também pelos locais, para a pequena área em que você pode olhar para o rio, se tiver medo de entrar. Anos atrás, havia
lá uma ponte de corda, razão pela qual o povo chama o lugar de cruzamento.
- Vocês terão de caminhar para chegar até lá - disse Kenny.
- Conheço bem o lugar porque costumo ir lá desde quando era criança. E impossível chegar lá de carro.
Chrystal discordou e começou a bater boca com o marido.
Avery fez menção de pegar o telefone, mas desistiu. Ela pensou em fazer um telefonema rápido para Margô, dizendo onde estavam e o que estava acontecendo. Será que
deveria arriscar?
Finalmente, Kenny ganhou a batalha de berros e, enquanto Chrystal ficava emburrada num canto, ele deu a Avery instruções detalhadas de como chegar ao Cruzamento
dos Covardes. Ela tirou o mapa do bolso e pediu a Kenny que marcasse a área.
John Paul tinha dois sacos plásticos cheios de água engarrafada e comida. Ele pegou mais duas barras de cereais, jogou-as dentro de um saco menor e foi para o carro.
Kenny pulou do balcão e correu atrás dele para ter certeza que ele não iria embora sem pagar a conta.
Avery pegou um pedaço de papel e escreveu o número do telefone de Margô.
- Chrystal, quero que você encontre outro telefone e ligue para este número. Conte a quem atender, que estive aqui e diga para aonde estou indo. Se fizer isso, ganhará
um monte de dinheiro
- prometeu ela. - Mas não use o seu telefone.
200
- Muito dinheiro, quanto?
- Cinco mil dólares. - Ela falou a primeira quantia que lhe veio à cabeça. E quando pegarmos o homem que estamos procurando, receberá o dobro disso.
Dez mil. As mentiras estavam ficando cada vez fáceis. Chrystal olhou com olhar desconfiado.
- Como posso saber que você não ficará com todo o dinheiro?
- Porque eu trabalho para o FBI - disse Avery. - Minhas credenciais estão no carro. Quer que eu vá buscá-las?
- Eu devia ter adivinhado - rosnou ela. - Com você sendo tão mandona e tudo. Não, você não precisa me mostrar as credenciais: acredito em você. Você se parece mesmo
com alguém que trabalha no FBI. Ainda mais depois daquele golpe de caratê que você me deu no escritório. Eu devia ter prestado atenção em minha intuição.
O que ela estava pretendendo, agora? Tudo o que Avery podia se lembrar era ter saído do caminho da louca.
- Você é uma pessoa muito esperta.
- Agora, conte-me mais sobre o dinheiro. A quantia final é quinze mil?
- Claro.
Chrystal espremeu os olhos, desconfiada. E tudo o que tenho a fazer é ligar para este número?
- Sim, e você...
Chrystal interrompeu-a. Ela deu uma olhada no número escrito no papel e disse, - Espere um pouco isso é um interurbano. Posso ligar a cobrar?
- Sim.
- Muito bem, eu faço, mas ainda não consigo entender. Você poderia usar o telefone aqui mesmo - disse ela, apontando para o balcão. - Qual é a jogada?
Avery não perdeu tempo dizendo a Chrystal que ela não poderia se arriscar usando um telefone que poderia estar grampeado.
- Você simplesmente não pode usar esse telefone. Espere uns vinte minutos, pegue a sua caminhonete a vá ao telefone mais próximo.
- Você paga a gasolina? Avery teve vontade de gritar.
- Sim!
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John Paul tinha acabado de entrar na sala quando o telefone tocou. O som fez com que Avery recuasse.
- Deve ser ela - disse Chrystal. - Nós não recebemos chamado algum desde que reabrimos a loja, esta manhã. Só pode ser ela. Quer que eu atenda?
Ao segundo toque, Avery agarrou o receptor e respondeu.
- Vocês chegaram atrasados - disse a pessoa do outro lado da linha.
- Não, não chegamos. Chegamos na hora. A mulher com quem vocês deixaram o pacote estava usando o telefone quando chegamos.
- Sim, estava.
Avery então soube que a linha estava grampeada. Ainda bem que não ligara para Margô.
- Você pegou as instruções para aonde devem ir?
- Sim. Quero falar com Carrie.
- Isso é impossível.
- Como vou saber que ela está viva?
- Carrie está viva... por algum tempo, pelo menos. Cabe a você manter Carrie e suas amigas vivas, não é?
- Por que você está fazendo isso?
- Chega de perguntas - sibilou ela. - Ou eu desligo o telefone agora mesmo. Entendeu?
- Sim.
- Você está vivendo uma adorável caça ao tesouro e, à medida que avançar, ganhará pontos. O prêmio é Carrie. Você quer vê-la de novo, não quer?
- Sim.
- Isto é bom. - ela riu. - Você está tão ansiosa para cooperar! É melhor andar rápido, Avery.
- Quanto tempo...
- Ande logo.
A mulher desligou. O coração de Avery galopava no peito. Ao colocar o receptor de volta no gancho, Chrystal perguntou:
- Era ela?
- Sim - respondeu ela. - Chrystal, descreva a mulher para mim.
- Você quer saber a aparência dela?
202
- Sim.
- Ela era mais velha que você, mas não tão velha quanto eu, ou tão gorda. Kenny - gritou ela - quantos anos você acha que
aquela mulher deve ter?
Kenny voltou para dentro da loja e cocou a barba por fazer, enquanto pensava na resposta.
- Eu não sei. Nunca fui muito bom em adivinhar idade. Mas ela era uma beleza.
Chrystal assentiu.
- Tinha cabelo loiro e, na verdade, é até engraçado que você me pergunte sobre a aparência dela.
- Por quê? - perguntou Avery.
- Bem... porque... - Chrystal encolheu os ombros. - Ela se parece um pouco com você.
Capítulo
15
Chrystal disse a Kenny que eles receberiam uma grande recompensa se ele a levasse até a cidade para fazer o interurbano que Avery pedira que fizesse. Kenny não acreditou
na esposa e disse que não queria levá-la. Avery pensou que ele não quisesse ir porque seu nariz voltara a sangrar.
Ao contrário de Avery, John Paul não estava interessado em convencê-los a cooperar, pois entendia como suas mentes limitadas funcionavam. Ele estava cheio do casal
pistoleiro. Ele encostou Kenny na parede e, calmamente, disse-lhe que viria atrás dele e o esfolaria vivo, se não fizesse o que Avery estava pedindo. Simples assim.
Tanto Kenny como Chrystal acreditaram nele. O olhar de John Paul deixava bem claro que ele não era o tipo de homem que desperdiçava ameaças.
Quando John Paul passou, Chrystal deu um pulo para trás e derrubou o telefone do balcão, abaixando-se rapidamente para pegálo. Instintivamente, colocou o fone no
ouvido para certificar-se que não havia ninguém na linha e colocou-o de volta no lugar, dizendo a Kenny:
- O telefone não está funcionando.
- Você está dizendo que não tem linha? - Kenny mal podia falar, tentando recuperar o fôlego.
- Você não disse, agora pouco, que o telefone estava quebrado?
204
- Foi ela - decidiu Kenny, olhando para Avery. - Ela deve ter quebrado o telefone depois de parar de falar com a mulher. Você viu como ela bateu o telefone, não
viu, Chrystal? Você terá de pagar o conserto - ele disse a Avery.
Avery pegou o telefone para ver se Chrystal estava dizendo a verdade. Não havia linha. Isso foi extremamente rápido, pensou ela. Eles cuidaram de tudo.
John Paul estava parado à porta, esperando pela atenção de Avery.
- Avery...
- Um momento. - Ela foi até os rapazes espalhado pelo chão. Dois deles tinham ferrado no sono e dormiam enrolados como gatos. O cara chamado Mark ainda estava sentado,
observando cada movimento que ela fazia com um sorriso cretino grudado na cara sardenta.
- Quem é o motorista?
- Heín?
Ela cutucou o pé dele.
- Quem estava dirigindo o carro?
- Eu.
- Dê-me as chaves. O esgar continuou.
- Não tenho obrigação alguma de dar a chave - disse ele, com a língua enrolada, ao mesmo tempo em que enfiava a não no bolso e puxava o chaveiro. Ele balançou as
chaves em frente ao rosto e deu uns risinhos.
Ela arrancou as chaves da mão dele e jogou-as sobre o balcão.
- Chrystal, não deixe que os rapazes botem as mãos naquele carro. Entendeu?
- Você quer que eu vire babá? Acha que vou ficar aqui, plantada, cuidando deles?
- Mande eles dormirem lá fora, mas não lhes dê as chaves. Quando ela virou-se para sair, John Paul levantou a mão, fazendo sinal para que parasse.
- Mais clientes - disse ele. John Paul olhou pela janela e viu duas senhoras idosas, vestidas para caminhada, saírem de um Ford. Ele tirou a mão de Avery da maçaneta.
- Você não vai comigo.
205
- É claro que vou - insistiu ela.
- Ouça bem - ordenou ele. - Você vai voltar para a cidade com essas duas senhoras e procurar a polícia assim que chegar lá. Leve a arma, no caso de precisar.
- Enquanto você vai para o Cruzamento dos Covardes?
- Sim. Se eu puder chegar lá em tempo, pode ser que consiga emboscá-lo.
Ela balançou a cabeça.
- Se você matá-lo, não saberemos onde estão Carrie e as outras.
- A mulher sabe onde elas estão.
- Ela vai desaparecer, e você sabe disso. É muito arriscado. Sem falar que, se Monk ou a mulher descobrirem que não estou com você...
- Eles não saberão.
- Você tem de me levar com você!
- Não. Seria muito perigoso para você; e você diminuiria a minha marcha.
- Então vou segui-lo. Kenny deu instruções a nós dois. Sei que sou capaz de encontrar o Cruzamento dos Covardes. Usarei o carro dos rapazes. Muito simples, John
Paul. Ela deu uma cutucada em seu peito. Você precisa de mim para pegá-lo. Agora, pare de encher o saco e saia da frente.
Ele não quis perder mais tempo argumentando e decidiu que teria de pensar em algum lugar do caminho em que pudesse livrarse dela. Um lugar seguro. Sim, era o que
faria.
Ela abriu a porta.
- Fique por perto - sussurrou ele, ao afastar-se da porta para que as senhoras idosas pudessem entrar na loja.
As velhinhas não notaram os rapazes ao passarem por eles e encaminharam-se para a toalete.
Avery virou-se para Chrystal que, a essa altura dos acontecimentos, mostrava-se bem mais cooperativa que Kenny.
- Quanto tempo você acha que levaremos para chegar ao Cruzamento dos Covardes?
- Vocês não chegarão lá antes do cair da noite - respondeu Chrystal.
John Paul estava abrindo a porta quando Kenny gritou:
206
- Você não vai levar minha arma, vai? Preciso dela para me proteger, estando aqui, sozinho, com minha esposa.
- Deixe estar, Kenny - disse Chrystal. - George não tem permissão para usar a coisa.
O rosto de Kenny ficou vermelho de raiva.
- Por que você não fica de boca fechada?
- Não adianta, ela pediria para ver a permissão - argumentou Chrystal. - Eles sempre fazem isto.
- Eles quem?
- O fbi. Ela pronunciou cada letra como se fossem uma profanação.
- O quê? - uivou Kenny. - Você está me dizendo que a garota é do fbi? - Ele arregalou os olhos ao saber da novidade.
Mark gemeu.
- E isso aí, cara! Você vai acabar sendo preso! Ignorando o comentário do bêbado, John Paul fechou a porta
e perguntou docemente a Avery:
- Você é uma agente do fbi?
Uh-huh. A expressão de John Paul fez com que ela se intimidasse. Ele parecia tão ofendido, que ela achou que este não seria o melhor momento de tentar explicar tudo
a ele. Talvez mais tarde, quando ele estivesse dormindo, pensou ela.
- Responda - ordenou ele. - Você á agente do FBI?
Ele não daria um passo até que ela explicasse. Ela engoliu seco e balbuciou:
- Mais ou menos.
Então, Chrystal, com sua boca de matraca, falou:
- Ela me disse que suas credenciais estão no carro e que, se eu quisesse vê-las, ela iria buscá-las.
- Preciso ir embora - anunciou Avery. Ela usou toda a sua força para tentar tirar John Paul do caminho e chegar até a porta.
Ele não se moveu um milímetro sequer:
- Vamos conversar sobre isso mais tarde.
Ela esperou que ele desse um passo para trás e passou por ele, ventando. Como uma criança, tentando ganhar o jogo, ela resmungou:
- Não, não vamos.
Ao sair do estacionamento para a estrada de terra, John Paul pisou fundo no acelerador e a caminhonete deu uma rabeada, fa-
207
zendo com que os pneus atirassem pedregulhos e torrões de barro ao redor. Como um louco, ele foi em direção ao rio.
- Mais devagar - ordenou ela.
Ele diminuiu a marcha, enquanto Avery repassou as direções.
- Eu devia ter perguntado a Chrystal a distância aproximada entre a loja e o Cruzamento dos Covardes.
- Estaremos caminhando - disse ele.
- Estou pronta para acompanhar o ritmo que você determinar.
- Veremos. Diga-me o que a mulher disse ao telefone. Avery repetiu a conversa e acrescentou,
- Eu pedi para falar com Carrie, mas ela disse que seria impossível.
Ele balançou a cabeça.
- E você ainda acredita que sua tia esteja viva?
- Sim, acredito. Acho que a mulher precisa dela viva... por mais algum tempo. Ela não tinha uma razão concreta para sentir-se dessa maneira. Talvez fosse apenas
desespero de sua parte. Sabe o que não consigo entender?
- O quê?
- Se eles querem me matar, por que estão tendo tanto trabalho? Por que complicar tanto? Eles tiveram toda a oportunidade do mundo de armar uma emboscada quando eu
estava a caminho do spa, antes que você aparecesse. Teria sido muito mais fácil. Ela deu um tapa na testa.
- É claro! Eles não sabiam que eu viria de carro. Quando perdi o vôo, tive de improvisar. Você tornou-se mais uma complicação, pois estava no spa, fazendo perguntas.
Agora tudo faz sentido.
Avery balançou a cabeça. Devia estar cansada. Como pôde demorar tanto tempo para perceber? Ela fechou os olhos e repassou a conversa por telefone.
- A mulher... está se divertindo.
- Como assim?
- Fica evidente em sua voz. Ela estava excitada, mesmo quando me chamava de estúpida. Ela não quer que a brincadeira termine logo. Quer se divertir o máximo possível.
- Avery voltou a pensar por algum tempo e disse: - Ela gosta de dar ordens e, enquanto jogarmos seu jogo - a caça ao tesouro - como ela o chamou, é possível que
ela prolongue a brincadeira por mais tempo.
208
Ele dirigia o mais rápido que as condições precárias da estrada permitiam. Avery continuou repassando a conversa na cabeça, analisando cada pequeno pedaço de informação.
Aquilo era extremamente frustrante.
John Paul interrompeu seus pensamentos.
- Muito bem, Avery, agora já é mais tarde.
- O quê?
- Eu disse que já é mais tarde e vamos falar sobre o assunto agora. Por que diabos você não me disse que era uma agente do
FBI?
- Você deixou bem claro que não gosta do Bureau.
- Verdade? Quando foi que fiz isso?
- Quando estávamos no escritório do gerente do Utopia e você ligou para o seu amigo Noah. Eu ouvi você dizer a ele que trouxesse a tropa.
- E daí?
- Daí você me disse que eles meteriam os pés pelas mãos e quando pedi mais detalhes, você ficou irritado. Além do mais... - Ela podia sentir-se corando. - Eu não
sou exatamente uma agente, pelo menos não por enquanto.
Ele diminuiu a marcha.
- Verdade? Então por que diz às pessoas que é? - John Paul balançou a cabeça e disse: - Quem, em sã consciência quereria se fazer passar por um agente do FBI?
Avery odiava sentir-se na defensiva. Deus do céu, o cara era um bastardo completo.
- Normalmente, não digo às pessoas que sou uma agente. Mencionei o fato à Chrystal pensando que assim ela se tornaria mais cooperativa. Sou diferente de você, que
prefere usar coerção e força bruta para conseguir o que quer.
John Paul ignorou a crítica com relação à sua tática. Por que querer consertar o que não estava quebrado? Para ele, a força bruta sempre tinha funcionado.
- Faço o que sei fazer bem. Este é o meu lema.
- Cuidado - ela alertou John Paul, quando, ao fazer uma curva, quase atropelaram um veado.
John Paul pisou no freio e conseguiu desviar do animal. O carro chacoalhou, mas voltou ao equilíbrio,
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Era muito perigoso tentar manter-se am alta velocidade. Ele tirou um pouco o pé do acelerador e disse:
- Chrystal estava certa. Não seremos capazes de chegar lá antes do cair da noite.
- Seja otimista.
- Por quê? - Havia perplexidade genuína em sua voz.
- Talvez logo encontremos uma estrada decente - disse ela. Eles fizeram outra curva fechada. Na direção do oeste, havia
uma estrada que parecia ser bastante usada. Ele decidiu ir por ali.
- Cuidado - disse ele ao começar a descida.
O declive era íngreme, e ele teria de estar atento às pedras soltas pelo caminho.
Avery agarrou o assento com as mãos enquanto eles chacoalhavam estrada abaixo.
- Então - disse ele - você estava mentindo sobre suas credenciais?
- Minhas credenciais estão na minha mochila.
- Mas você não é uma agente?
- Não.
- Então, como diabos pode ter credenciais?
- Eu trabalho para o Bureau. Só não sou uma agente de campo.
- Isso é bom.
- Por quê? Por que você odeia o Bureau?
- Não, porque você não tem jeito para a coisa.
- Como você sabe no que sou boa? - perguntou ela. Por Deus, o cara era terrivelmente irritante. Toda a vez que ele abria a boca, falava alguma coisa que fazia com
que se colocasse na defensiva. Nenhum homem, até então, havia sido capaz de irritá-la como ele.
- Você não possui o instinto necessário - disse ele. - E, antes que você fique esquentada, brava e pronta para argumentar, responda-me uma pergunta, mas, por favor,
seja honesta.
Ela cruzou os braços, franziu o cenho e olhou para ele:
- Que pergunta?
- Você imaginou que Kenny tivesse uma arma carregada sob o balcão? Você considerou a possibilidade?
- Não.
- Está vendo?
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- Eu não fui treinada para ser agente de campo. Não passei pela academia.
- Isso não é desculpa. Ou você é, ou não é. Mas você agiu corretamente algumas vezes - acrescentou ele. - Fiquei impressionado com o chute que você deu no rapaz.
Mesmo assim, você não seria uma boa agente de campo.
Ela recusou-se a fazer comentários sobre as conclusões dele.
- Qual é o seu trabalho no Bureau?
John Paul percebeu que ela voltava a corar. Ou ela estava muito envergonhada ou muito brava, pois seu rosto estava vermelho como brasa. Não havia dúvidas que fosse
bonita. Com todos os diabos, o que estava acontecendo? Ele não devia pensar em coisas do tipo, em particular agora, que ele sabia que ela representava tudo o que
ele odiava.
- Sou digitadora - disse ela. Ela percebeu que se pusera, novamente, na defensiva, e acrescentou. - Não existe nada de errado em se trabalhar com digitação.
- Eu não disse que havia.
- Sou uma parte importante da equipe.
- Céus!
- O que foi?
- Você acredita em tudo o que eles dizem, não é? Uma integrante da equipe. Aposto que você também é uma liberal, não é?
- Na verdade, sou - disse ela. - E não me envergonho de ter uma digitadora... afinal de contas, é um trabalho honrado.
- Tudo bem.
- Pare de ser condescendente. Apesar de não ter sido contratada como digitadora, é isso o que faço o dia todo, todos os dias. Eu transfiro informações para o banco
de dados. Agora, podemos mudar de assunto?
- Sem problemas - disse ele. Ele parecia preocupado.
- Em que está pensando? - perguntou ela.
- Esta estrada é boa. Talvez a gente consiga chegar ao Cruzamento dos Covardes antes de escurecer. Andaremos por algumas milhas, encontraremos um lugar seguro onde
você possa se esconder e, então, eu poderei...
Ela não permitiu que ele continuasse.
211
- Isto não vai acontecer - ela disse. - Vou te dizer o que vamos fazer. Você me deixa aqui, encontra uma boa estrada para voltar a Aspen e, com sorte, chegará lá
antes do final do dia.
- E por que eu deveria voltar a Aspen?
- Eu estive pensando...
- Uh-huh.
Ela ignorou o insulto.
- Eu acho que você deveria cair fora enquanto pode. Você pode dizer ao FBI onde me encontrar.
Ele deu uma piscada.
- Você não está falando sério, está?
Ela começou a cruzar e descruzar as mãos.
- Estou falando sério. O que eles poderão fazer, se você for embora? Nada - disse ela, respondendo à própria pergunta. - Francamente, você não precisa se envolver.
Você mesmo disse isso. Eles querem a mim, você não tem nada a ver com isso. Além disso, você já avisou ao Noah, e ele trabalha para o fbi. Tenho certeza que ele
articulou a equipe local, que deve estar a caminho. Quando você chegar a Aspen, ligue novamente para ele e informe exatamente onde podem me encontrar.
- Eu tenho a oportunidade de pegar Monk e você acha que vou... - Em sua fúria, ele gaguejava. Ele balançou a cabeça. - Deixe-me entender bem o que quer dizer: Você
realmente acredita que vou abandoná-la num lugar deserto como este?
- Não era esse o seu plano?
- Com todos os diabos, claro que não - argumentou ele. - Eu pretendia encontrar um lugar seguro onde você pudesse se esconder até que eu voltasse. Um lugar onde
Monk nunca pudesse encontrá-la.
- Em outras palavras, você me abandonaria no meio de um lugar deserto. - Ela não lhe deu tempo para pensar. - A não ser que volte para Aspen, acabará me deixando
em qualquer lugar.
- Você é louca, sabia? E completamente louca.
- Devo entender isso como uma negativa? Ele não respondeu ao sarcasmo de Avery.
Ela tirou o cabelo do rosto com os dedos e apoiou as mãos sobre a cabeça.
- Gostaria de poder sair um pouco deste carro. Preciso de um lugar silencioso para pensar.
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- Você não pode pensar dentro do carro?
Ela sabia que ele não entenderia. Quando estava trabalhando em seu cubículo, sentia-se da mesma maneira como quando fazia ioga. Ela aperfeiçoava a técnica de limpar
o pensamento, devagar, digitava uma pista após a outra, enquanto suas mãos percorriam o teclado. Não, ele não seria capaz de entender e ela não seria capaz de explicar.
- Então, quem se parece com você?
- Não entendi. O que perguntou?
- Quando estávamos na loja - ele disse - Chrystal disse que a mulher se parecia com você. Então, tenho de perguntar se você tem algum parente maluco querendo te
matar.
- Não. Os únicos parentes que tenho são a tia Carrie e o tio Tony. Não tenho mais ninguém.
- Seus pais estão mortos?
Antes de responder, ela virou-se no banco e olhou para o perfil de John Paul.
- Eu não sei quem é o meu pai. Acredito que a mulher que me trouxe ao mundo também não sabia quem era ele - respondeu Avery.
Ela observou-o de perto, para ver se ele havia se chocado. Sua expressão não mudou.
- Ela morreu num acidente de carro, alguns anos atrás. Não restou mais ninguém.
- Mas a Chrystal disse...
- Eu sei o que ela disse, John Paul. Você sabe quantas pessoas poderiam se encaixar na descrição de Chrystal?
Ele olhou para ela e perguntou:
- Então, a cor é verdadeira?
- Como assim?
- A cor do seu cabelo. E verdadeira? Ela piscou.
- Por acaso você está me perguntando se uso peruca?
- Não, estou perguntando sobre a cor do seu cabelo. Você é loira de verdade ou loira tingida?
- Que interesse você pode ter na cor do meu cabelo?
- Na verdade, interesse algum - respondeu ele, ficando irritado. - Mas, se a mulher se parecia com você, acho que preciso saber se...
- Não, não tinjo o cabelo. Ele não escondeu sua surpresa.
213
- É mesmo? E os seus olhos?
- O que tem os meus olhos?
- Lentes de contato coloridas? Ela balançou a cabeça.
- Não.
- De verdade?
- Você está, deliberadamente, tentando bancar o idiota?
- Escute, estou apenas tentando juntar as peças, está bem? Você deve saber...
- Saber o quê? - pressionou ela, quando ele não continuou. Ele franziu o cenho e olhou para ela.
- Diabos, mulher! Você é linda!
Esse fora o elogio mais hostil e desajeitado que já recebera e, o mais interessante de tudo, ela não se sentiu irritada. Pela primeira vez na vida, não sentiu vontade
de despejar seu discurso favorito sobre a total falta de importância da aparência.
Ela forçou-se a considerar o problema que tinha nas mãos.
- A informação não é suficiente para tirar conclusões.
- Cristo, você parece um computador. Nessa história existem muitas peças que não se encaixam.
Avery concordou com um movimento de cabeça. Seu estômago estava começando a doer. Ela sentia como se tivesse uma brasa alojada no esôfago. Pegou sua mochila e localizou
seu antiácido, sua garrafa de água e duas barras de cereais. Abriu a garrafa e engoliu as pílulas. Depois, passou a garrafa para John Paul e abriu uma das barras
de cereais para ele.
- Obrigado - ele disse, depois de tomar um longo gole de água. Ele deu uma mordida no cereal e sorveu outro gole de água.
- Isto tem gosto de papelão.
- Mal-agradecido.
O sorriso dele durou apenas meio segundo, mas ela teve tempo de percebê-lo. Estava surpresa consigo mesma. Há pouco mais de uma hora, não podia suportar o homem,
mas, agora, já não o achava assim tão absurdo. Ele tinha um belo perfil... e era sensual como o diabo. Não havia razão para fingir que não tinha notado, mesmo que
não pretendesse fazer coisa alguma a respeito.
Além disso, ele era bastante protetor. A maneira como havia tentado lhe dar ordens quando ela correu em direção ao escritório.
214
Ele estava... preocupado. Preocupado com a segurança dela. Muito bom, pensou ela. Afinal de contas, não parecia ser tão insensível quanto ela imaginara.
- Vai chover, ele comentou.
- Se chover, vamos nos atrasar.
- Pois vai chover, queiramos ou não. O sol vai se pôr brevemente - disse ele. - Vou colocar o relógio a umas duas milhas daqui. Depois, iremos até onde agüentarmos.
Ele estacionou o carro e pegou o relógio. O que você fez com a arma que pegamos?
- Está no saco, no chão do carro.
- Pegue-a e deixe-a no colo. Você tem treino de pontaria?
- Não.
Ele deu um suspiro aborrecido.
- Mantenha a arma travada - disse ele - ao entregar-lhe o objeto. Volto num minuto.
Ele desapareceu antes que ela pudesse dizer-lhe para tomar cuidado.
Um leve chuvisco começou a cair, cobrindo o pára-brisas. Quando ele voltou, saltitando ladeira abaixo em direção ao carro, ela teve a impressão que mais de uma hora
havia se passado. Quando ele abriu a porta, uma onda de ar frio penetrou no interior do carro.
Assim que ele deu partida, ela ligou o ar quente.
- Onde você deixou o relógio?
- Pendurei-o no galho de uma árvore, numa encruzilhada que leva ao oeste. Se ele estiver nos seguindo, espero que pense que tomamos a outra estrada.
Ele continuou a dirigir, agradecendo a Deus por ter um carro com tração nas quatro rodas. Ele ziguezagueou montanha acima, lentamente entrando e saindo das árvores.
Quando a floresta ficava muito densa para continuar, manobrava ao redor de um conjunto de pinheiros e depois dava marcha à ré, para assegurar-se que o carro não
poderia ser visto por quem estivesse abaixo na estrada.
A noite rapidamente caía sobre eles, prendendo-os em seu abraço. O chuvisco engrossara, transformando-se em chuva. Ela se encolheu ao barulho dos trovões.
- Você tem uma arma, água e alimento.
- O que você quer dizer com isso? Você pretende me deixar aqui? Ele abriu a porta.
Capítulo
16
Quando, finalmente, atirou-se sobre o sofá da sala, Carrie sentia-se completamente desiludida. Jilly e Monk haviam pensado em todas as saídas possíveis. Sim, eles
haviam passado o fio de explosivo em cada janela... com exceção de uma, talvez. Ela olhou para a clarabóia que avultava sobre a escada. O retângulo de vidro estava
mais de trinta metros acima delas. Ela balançou a cabeça. Mesmo que empilhassem todas as mesas e guarda-roupas da casa, não conseguiriam escapar por ali.
As três mulheres comeram o jantar que Anne havia preparado com os mantimentos que encontrara na despensa em silêncio desolador. O sol sumira no horizonte e a casa
estava iluminada apenas pela luz das velas que Anne encontrara. As enormes janelas da sala não tinham cortinas e elas receavam que Monk e Jilly estivessem observando-as,
mas Sara aventou a possibilidade de que Monk tivesse instalado câmeras para vigiá-las e que, portanto, não adiantava se preocupar. Carrie ficou tão assustada com
a idéia que, novamente, varreu a casa toda. Agora, à procura de câmeras.
Quando voltou ao andar inferior, Anne estava reclinada sobre o sofá e Sara sentada em uma espreguiçadeira, ambas esperando por ela.
- Não encontrei nada - disse Carrie. - Procurei por toda a parte, até nos caixilhos dos interruptores e nos soquetes dos lustres
216
que pude alcançar - acrescentou ela. - Acho que não temos ninguém acompanhando nossos movimentos.
- Que diferença faria se eles estivessem nos ouvindo e assistindo? - perguntou Anne.
Carrie achou a pergunta bastante estúpida, mas não fez comentários.
- Porque, se resolvêssemos cavar uma saída pelo porão e eles nos vissem, explodiriam a casa, da mesma maneira.
Tentar escapar pelo porão estava definitivamente fora de questão. A porta de acesso havia sido trancada, com um aviso pregado nela. Uma palavra apenas, mas o suficiente
para mantê-las afastadas da idéia de tentar abri-la: "Bum".
Assustadas e exaustas, Sara e Carrie sentaram-se e, em silêncio, assistiram as sombras tomarem conta da bela paisagem.
Anne fez um esforço para sentar-se. Carrie notou uma pilha de papéis, ao lado dela, sobre o sofá.
- O que é aquilo? - perguntou ela.
- Recortes de jornais, que encontrei na cômoda do foyer. Um dos donos da casa deve tê-los guardado. Aqui estão eles - disse ela, entregando a Carrie uma foto dos
noivos no dia do casamento.
- Eles parecem felizes.
- Imagino que estivessem felizes - disse Anne. - Mas parece que, agora, estão se divorciando e brigando pela casa. Aqui estão os artigos - disse ela, passando-os
para Carrie. - É uma briga sórdida. Alguém quer sobremesa?
Ela agia como se fosse anfitriã de uma festa. Carrie achou a pergunta engraçadíssima, e chorou de tanto rir. Sara também achou engraçado e deu umas risadinhas.
- Não sei se tenho espaço para a sobremesa - Sara disse. - Depois do jantar sofisticado, com vagem e beterrabas enlatadas, estou mais que satisfeita.
- Não se esqueça do creme de milho - lembrou Anne. - Dei duro para adicionar a quantidade exata de pimenta.
- Estava muito saboroso - disse Sara.
- Eu inventariei a despensa - disse Anne. - E pensei em abrir uma lata de pêssegos para sobremesa. Vamos comer na cozinha, à luz de velas? Fechei as persianas, para
que ninguém nos veja da estrada.
217
Anne parecia tão animada que Carrie ficou alarmada. Ela própria tivera um ataque de risos que chegara próximo da histeria, mas Anne não estava histérica. Ela estava
agindo como se estivesse se divertindo muito, em um encontro entre velhas amigas.
- Depois da sobremesa, preparei uma surpresa para vocês,
- disse Anne. Seu sorriso retorcido fez com que Carrie pensasse num gato que acabara de engolir um canário.
- Espero que você não esteja pensando em abrir a porta para a garagem, pois ela também está comprometida - disse Sara.
- Eu conferi, pessoalmente.
- Em outras palavras, você leu o aviso - disse Carrie.
- E isso aí - respondeu ela, humilde.
Carrie estendeu a mão e ajudou Sara a levantar-se da espreguiçadeira.
- Estou um pouco enferrujada - disse Sara.
Anne havia se retirado para a cozinha. Elas podiam ouvir o seu canto. Ao ter uma visão de Anne subindo no balcão de granito para tentar abrir a janela acima da pia,
Carrie correu para a cozinha. Felizmente, a visão não era real. Anne estava abrindo a lata de pêssegos.
Carrie não conseguia parar de se preocupar. A mulher não parecia ter consciência do ridículo da situação.
- Anne, você não vai fazer outra loucura, não é?
Anne riu. O som de sua risada era estridente como o quebrar de louças.
- Acho que não. Agora sente-se e tente relaxar.
A essa altura dos acontecimentos, Carrie percebeu que faria qualquer coisa que Anne ou Sara lhe dissessem para fazer. Ela estava se sentindo definitivamente derrotada.
Estava morta de preocupação por Avery e, apesar de não querer admitir, sentia falta de Tony.
- Sinto saudades do meu marido. - Ela surpreendeu-se ao ouvir sua própria voz. - Eu acho que o amo.
- Você não tem certeza disso? - perguntou Anne. Ela colocou as taças de sorvete sobre a mesa a serviu-as de pêssego.
- Pensei que ele estivesse me enganando. Ele jura que não, mas não acreditei nele. Havia uma mulher ligando para ele várias vezes durante a noite. O telefone fica
do meu lado da cama, e era
218
sempre eu quem atendia. Ela perguntava por ele, mas quando ele atendia, me dizia que ela desligava. E se fosse Jilly quem estava ligando?
- Você não acreditou no seu marido.
- Não, não acreditei.
As três mulheres comeram em silêncio enquanto Carrie chafurdava em autopiedade.
- Vocês querem saber de um desejo que tenho?
- Qual é? - perguntou Sara.
- Espero estarmos dormindo quando tudo acontecer, para que não tenhamos tempo de sentir nada.
- Pensamento funesto - disse Sara.
- Será que o barulho da explosão nos acordará antes que a dor das queimaduras...
- Pare com isto, Carrie - ordenou Sara. - Não temos tempo para pensamentos pessimistas.
- Ouçam, se eu quiser...
- Senhoras, por favor - interrompeu Anne. - Vocês estão prontas para a minha surpresa?
- Você é maluca - resmungou Carrie. Anne não deu atenção ao comentário.
- Eu construí duas casas nos últimos dez anos. A segunda tinha mais de mil metros quadrados. Acabamento de cedro, acrescentou ela. A descrição veio acompanhada de
um sorriso nervoso. É evidente que contratei uma construtora, mas ia até lá todo o santo dia, para ver se tudo estava sendo feito do jeito que eu queria. Deixei
o pobre construtor enlouquecido.
- Aposto que sim - disse Carrie.
- Por que você está nos dizendo isso? - Sara quis saber.
- Eu estava querendo contar a minha surpresa - disse Anne. Ela respirou fundo e murmurou: - Eu encontrei.
- Encontrou o quê? - perguntou Carrie. Anne estava radiante.
- Uma saída.
Capítulo
17
- Você ficará bem aqui - John Paul disse a Avery.
- O que você quer dizer com isso? Você está pensando em caminhar até o Cruzamento dos Covardes agora? No escuro... e com esta tempestade? Você ficou louco?
- Avery - começou ele. Ela agarrou o braço dele.
- Muito bem, se você está decidido, vou com você.
Ela sabia que ele argumentaria, e foi isso exatamente o que ele fez. Ele foi quase educado ao dizer-lhe que ela faria com que ele diminuísse o ritmo e que ele não
queria ter de se preocupar com ela. Quando seus argumentos não funcionaram, tentou intimidá-la e chegou mesmo a ameaçar amarrá-la na direção.
Ela deixou que ele continuasse seu discurso, enquanto pulava para o banco de trás e vasculhou sua sacola até encontrar uma jaqueta preta, que vestiu. Depois, continuou
a busca até encontrar seu boné de beisebol.
Enrolando o cabelo debaixo do boné preto e laranja, ela ajustou a aba, sentou-se e descalçou o par de tênis. Seu objetivo era tentar camuflar-se na noite, e os tênis
brancos chamariam a atenção.
Ainda bem que tinha pensado em trazer suas botas de caminhada. Ela sabia que, enquanto reorganizava sua sacola, ele acompanhava cada movimento que fazia.
220
- Acho loucura caminhar no escuro... só um idiota tentaria, mas se é isso o que quer, estarei logo atrás de você - disse ela.
- Você não vai a lugar algum - disse ele, com os dentes cerrados.
Ela fingiu não ter ouvido.
- Não iremos longe, e um de nós pode torcer um tornozelo ou coisa do gênero, pisando num buraco que não podemos enxergar. Se você vai tomar as decisões - continuou
ela, cuidadosamente colocando o par de tênis sobre as roupas, com a sola para cima, e fechando o zíper da sacola. - Eu acharia melhor ficarmos no carro até que amanheça.
Depois, caminharíamos rápidos como um foguete.
- Sim, mas sou eu quem toma as decisões.
Ela empurrou a sacola para o chão e colocou as mãos sobre o apoio de cabeça do banco dianteiro, até que seu rosto ficasse a poucos centímetros de distância do dele.
- Por quê?
Ele não era capaz de manter o mau humor ou o olhar furioso quando ela sorria. Com todos os diabos, ela chegou mesmo a piscar aqueles enormes olhos azuis para ele.
- Será que todas as digitadoras do Bureau são metidas a espertinhas?
Ele estava tentando colocá-la na defensiva, para que ela parasse de argumentar e o deixasse fazer o que fora treinado para fazer. Ele pensava ter um grande plano,
mas, infelizmente, ela não estava entendendo nada.
- Será que todos os desiludidos são antipáticos e teimosos como você?
Ele segurou o sorriso a tempo.
- Provavelmente - concordou ele.
- Nós vamos ou não vamos? Estamos perdendo tempo, John Paul.
- Vamos esperar até que amanheça - disse ele. - E não me olhe desse jeito, doçura. Eu já tinha decidido esperar.
- Uh-huh.
Ele era suficientemente inteligente para entender que chegara a hora de parar de argumentar. Por Deus, ela era mais teimosa que ele e, na verdade, isso o deixava
terrivelmente impressionado. Ela
221
não deixaria que ele ganhasse essa parada, mas já tinha pensado em outro plano. Ele escaparia um pouco antes do amanhecer. Quando ela acordasse, teria de esperar
no carro até que ele voltasse. E se ele não voltasse...
- Vou deixar as chaves no contato.
- Tudo bem.
- Vá para o banco da frente para que eu possa virar o banco traseiro. Tenho um saco de dormir que você pode usar - disse ele.
- Vamos usá-lo juntos.
- É mesmo?
Ela virou os olhos.
- Não tenha pensamentos extravagantes, Renard.
- Extravagantes? - Ele riu.
Avery soltou as correias dos encostos dos bancos. Quando estavam nivelados, abriu o saco de dormir sobre eles. Ela colocou os sapatos debaixo do banco e jogou a
jaqueta no chão. John Paul deitou-se de costas, com os pés contra o painel. Ele parecia estar confortável, com as mãos no peito e os olhos fechados.
Tremendo de frio, ela teve de passar por sobre as pernas dele para chegar do outro lado. Quando ela finalmente se deitou ao lado dele, seus dentes batiam. De onde
estava, não podia alcançar a jaqueta, que estava no chão, do outro lado. Um cavalheiro teria colocado os braços ao redor dela, para aquecê-la do frio. Quando ele
a ignorou completamente, ela decidiu que, no final de contas, ele não era mesmo um cavalheiro.
Para Avery, era uma questão de honra não reclamar nunca. Ela estava acostumada a sofrer incômodos de menor ou maior grau em silêncio. Mas John Paul trazia sua vulnerabilidade
à tona. Ela estava realmente sentindo vontade de choramingar e sentia, por isso, mais repulsa por si mesma que por ele. Ele não podia evitar ser um idiota. Ela sim.
Dane-se, disse ela a si mesma. E, um minuto mais tarde, quando sentia congelarem as pontas dos dedos dos pés, balbuciou:
- Foda-se.
- O que?
- Eu disse que está frio.
- Huh.
- Huh, o quê?
222
- Eu poderia jurar que você tinha dito, "Foda-se".
Ela supôs que ele realmente gostasse de ser grosseiro e que, por isso, fosse natural aquela postura. Apesar de deu desconforto, ela sorriu.
- Você não está com frio?
- Não.
Ignorando sua resposta, ela disse:
- Deveríamos dividir nosso calor humano. - Ele não moveu um músculo. Que diabo, Renard, coloque os braços em volta de mim, estou congelando! Pelo amor de Deus, seja
cavalheiro!
Ele continuou sem se mover. Agora, ela estava quase em cima dele, tentando roubar algum calor gerado por aquele corpo. O homem parecia um cobertor elétrico.
- Sai daí. - Depois de dar a ordem, ela fez uma careta. Sua expressão poderia ser a de um sargento.
Ele estava fazendo força para não rir.
- Se eu puser os braços em volta de você, doçura, é bastante provável que deixe de ser um cavalheiro.
Droga!
- Eu corro o risco, doçura, ela imitou-o em seu sotaque arrastado.
Ela levantou a lateral do corpo para que ele pudesse esticar o braço e, no mesmo instante em que ele estendeu-o, aconchegou-se ao lado dele. John Paul virou-se e
abraçou-a.
Ele sentiu-se abraçando um cubo de gelo. Seu queixo estava apoiado na cabeça dela. E, por Deus, ela tinha um cheiro maravilhoso! Um cheiro de menta, talvez, pensou
ele ao começar a esfregar suas costas.
- Você está toda arrepiada.
Ela não tinha energia para falar. O calor que emanava dele era tão reconfortante que ela simplesmente fechou os olhos e deixou que ele a acariciasse. Sua camiseta
havia se enrolado até a altura do umbigo e, tarde demais, sentiu as mãos dele caminharem por baixo da malha. Seus dedos espalharam-se pelas costas dela.
Quando ele tocou sua cicatriz, ela fez um movimento súbito, batendo a cabeça no queixo dele.
- Droga - disse ele, ao se deixar cair de costas. - Por que diabos você fez isso? - perguntou ele, esfregando a mandíbula.
223
Frenética, Avery puxou a camiseta para baixo e afastou-se dele.
- Vamos dormir.
A maneira como ela se fechara para ele foi mais rápida que um estalar de dedos.
Ele deitou-se de costas e fechou os olhos. Em nome de Deus, o que teria acontecido nas costas dela? Ele sabia ter tocado uma cicatriz. Quem teria feito aquilo a
ela?
- Deixe-me em paz - murmurou Avery.
Ela estava pronta para brigar. Segurando a respiração e bastante tensa, esperou pelas perguntas. Ele expeliu o ar. Por que ele não dizia nada? Por que não fazia
perguntas?
Ela disse a si mesma que não tinha nada do que se envergonhar, mas poucos homens tinham visto ou tocado suas costas e ela memorizara suas reações. O olhar chocado
e, uma das vezes, até de repulsa. A pior experiência fora com um homem que ela acreditara não ser superficial que, literalmente, estremeceu de pavor. E verdade que,
em seguida, vieram a compaixão e as perguntas... centenas de perguntas.
John Paul, no entanto, estava quieto. Ela não podia suportar aquele silêncio. Avery rolou ao encontro dele, apoiou-se nos cotovelos e olhou para ele. Os olhos do
idiota estavam fechados e parecia que ele dormia. Ela sabia muito bem.
- Abra os olhos, droga!
- Meu nome é John Paul, não "Droga".
Que diabos havia de errado com ele? Por que não fazia as perguntas ou fugia, logo de uma vez? Ela sabia que ele tinha sentido as cicatrizes nodosas. - E daí?
Ele suspirou.
- E daí o quê?
Ele ficava cada vez mais brava.
- O que você está pensando?
- Acredite, doçura, você não gostaria de saber.
- Gostaria sim. Pode me contar.
- Tem certeza?
- Conte-me - ordenou ela. - Quero saber o que está pensando.
- Muito bem. Estou pensando que você é uma grande chata. Quase quebrou minha mandíbula quando pulou, sem mais nem
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menos. Num segundo você está Tie deixando aquecê-la e, no próximo, está tentando me matar.
- Não estava tentando te matar. Ele voltou a esfregar a mandíbula.
- Eu poderia ter lascado um dente. Droga.
- Tudo bem... Desculpa, está bem? Só levei um susto e... Espere um momento. Por que estou pedindo desculpas?
Por uma fração de segundo, ele deu um risinho malicioso. O coração dela adiantou o compasso.
- Porque você deveria - disse ele, com seu sotaque terrivelmente sensual.
Se o grande idiota colocava-se tão acima da humanidade com a sua impassividade irritante, por que ela sentia suas emoções tão alvoroçadas? A luz dos relâmpagos,
podia ver claramente o rosto dele. Um dia sem fazer a barba poderia tê-lo deixado com ar de sujo, mas não. Ela teve de se controlar para não acariciar sua face.
Além do mais, estava se deixando distrair pelo cheiro dele. Ele cheirava a uma mistura de hortelã, almíscar e lascas de madeira verde. E, quando a aquecera em seus
braços, o corpo dele era como um bloco de mármore esculpido. Tudo nele era sensual, droga, ele era tão masculino, tão... Controle-se, ela disse a si mesma. "Lembre-se
de continuar no comando".
Até parece. Ela colocou o indicador e o polegar em frente aos olhos dele, com uma abertura de um centímetro e disse:
- Estou a esta distância de realmente odiar você.
Ela usara a quantidade certa de braveza na voz. E ainda balançara a cabeça, para deixá-lo saber que estava falando sério.
Ele não se deixou impressionar ou intimidar. Simplesmente fechou os olhos e disse:
- Isso não vai me atrapalhar.
Capítulo
18
- Nós vamos atravessar a parede. Anne fez o comunicado e esperou que as outras reagissem à sugestão. Sara transparecia incredulidade. Carrie estava claramente irritada.
- Sim, claro - resmungou Carrie. - Eu posso usar meus super-poderes, meus golpes de caratê e minha visão de raio X...
- Carrie, vamos ouvir o que Anne tem a dizer - repreendeu Sara.
- É verdade, pode funcionar. Quando eu saí do carro, fui até o muro de pedra e olhei para baixo. É naquela parte da casa que está o declive da montanha, que não
é tão abrupto quanto o que vemos das janelas da sala de estar.
- Continue - disse Sara, ansiosa.
- Também reparei que as laterais da casa são feitas de tábuas de cedro, e não de pedra, como a frente - disse ela. - Uma das paredes externas da despensa fica do
outro lado da parede de pedra. Sugiro que cavemos um buraco nos painéis de gesso, perto do chão. Assim, quando tirarmos as tábuas de cedro, não seremos vistas da
frente da casa.
- Mas Anne, tem mais coisa lá dentro que o painel de gesso e as tábuas de cedro - disse Sara.
- Eu sei exatamente o que existe dentro daquelas paredes - disse ela, com autoridade. - Existe material isolante, que não será
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difícil tirar do caminho, além de algum tipo de forro. Talvez encontremos também alguma fiação, mas isto não será empecilho...
- E o que mais? - perguntou Sara. Ela inclinou-se para frente enquanto ponderava sobre a idéia de Anne.
- Vigas de dois por quatro - disse Anne. - Geralmente, os caibros são colocados numa distância de quarenta centímetros. Acho que conseguiremos passar entre eles.
- Como faremos o buraco no painel de gesso? Com nossos punhos?
- Podemos usar os atiçadores da lareira - disse Anne. - E facas para alargar o buraco. As facas de cozinha foram deixadas na gaveta. Se começarmos agora, quem sabe?
Podemos estar fora daqui pela manhã.
- Estamos ficando sem tempo - disse Carrie. - Acho melhor tentar quebrar uma janela e esperar que...
- Muito arriscado - disse Sara. - O plano de Anne é melhor.
- E as tábuas de cedro?
- Não será tão difícil quanto você pensa - disse Anne. - Elas foram fixadas com pregos, e se soltarão se chutarmos ou batermos com um pouco de força.
- Meu Deus, temos um plano - disse Sara. Ela bateu as mãos sobre a mesa e sorriu. - Tenho certeza que não encontraremos cordas para descermos a encosta, mas podemos
usar os lençóis.
- É o que eles usam nos filmes - disse Carrie.
- É mesmo? - perguntou Anne.
Carrie assentiu. - Você realmente não assiste televisão, não é? Anne balançou a cabeça.
- Eu posso cuidar dos lençóis. Em vez de usar nós, vou pensar numa maneira de trançá-los...
- Muito bem - disse Sara. - Enquanto você cuida disso, Carrie e eu trabalharemos na parede. Anne, a sua idéia é brilhante. Eu nunca teria pensado em sair pela parede.
Pode ser que funcione.
- Temos de sair durante a noite - disse Carrie. - Eu não gosto da idéia de andar pela floresta no escuro, mas se conseguir mos descer, estaremos do lado de fora
da cerca e chegaríamos facilmente à estrada, de onde caminharíamos até a cidade.
Da maneira como ela falava, tudo parecia muito fácil. Estaria ela sendo ingênua ou seria mesmo tão simples?
227
- Seria melhor trazermos algumas facas afiadas conosco - sugeriu Sara. - Para o caso de encontrarmos algum animal selvagem.
- Ou Monk - disse Carrie. Ela estremeceu. - Acho que prefiro ter de lutar com um animal selvagem a encontrá-lo pela frente. Vocês sabem... Ela parou de falar, envergonhada
com o que quase confessara.
- O quê? - perguntou Sara.
- Vocês podem me achar vulgar, mas eu o achei bem atraente. Sara soltou uma gargalhada.
- Eu também. Adorei o sotaque dele. Vocês acham que é verdadeiro?
- Acho que sim - disse Carrie. - E extremamente sensual. Até que Carrie fizesse o comentário, Anne estivera ouvindo a
conversa em silêncio. Ela não pôde conter sua desaprovação por mais tempo.
- Que vergonha, Carrie! Você é uma mulher casada. Carrie defendeu-se.
- Sou casada mas não sou cega, e não existe nada de errado em achar um homem bonito. Na certa você...
Anne interrompeu-a.
- De maneira nenhuma - disse ela. - Eu nunca desrespeitaria Eric dessa maneira. Imagine, sentir desejo por outro homem!.
- Será que eu disse que senti desejo por ele?
- Parem de brigar - pediu Sara. - Você me fazem ter vontade de abrir a porta.
Capítulo
19
John Paul recolheu o relógio e caminhou doze milhas. Ele fez um grande círculo ao redor do perímetro do local marcado no mapa, procurando pistas - qualquer coisa
fora do normal, como um franco atirador agachado atrás dos arbustos. Quando se convenceu de estar sozinho, deixou o relógio e caminhou quatro milhas de volta ao
Cruzamento dos Covardes.
Ele não tinha dúvidas sobre estarem no lugar certo. Havia uma placa rústica pintada à mão, pregada em uma estaca, recentemente fincada no chão. A tinta branca com
as palavras "Cruzamento dos Covardes" ainda não havia sido castigada pelo tempo, o que significava que devia ter sido colocada ali há poucos dias. A flecha, no alto
da placa, apontava para a entrada de uma mina fechada por tábuas. Pregada em uma das tábuas da entrada, havia uma echarpe vermelha.
A madrugada havia chegado e a bruma era, aos poucos, subjugada pelo sol nascente. John Paul estava seguro, camuflado entre os galhos das árvores. De onde estava,
podia ver a entrada da mina. Ele não gostava da idéia de ter de explorar o poço. Será que as mulheres estariam ali? Pouco provável, pensou ele. Monk não as teria
raptado para depois dar a Avery o mapa do esconderijo. Não.
O que Monk pretendia fazer era isolar a vítima. Ele tinha certeza quanto a isso.
230
Quando ele daria seu tiro? Talvez ele pensasse que quisessem explorar a mina. Como teria planejado matá-los? Explosivos, especulou ele. Sim, é isso que faria. Limpo
e asseado. Uma explosão subterrânea, que não seria ouvida por ninguém e no final, ele não teria de se preocupar em enterrar o que restasse dos corpos.
Vamos logo, pediu John Paul. Mostre-se. Havia uns trinta metros de espaço aberto entre as árvores e a mina. Apareça Monk. Dê-me a chance de dar um tiro certeiro.
John Paul o imobilizaria para que pudesse questioná-lo e, se tivesse sorte, descobriria onde estavam as mulheres.
Tinha alguém ali. O silêncio da mata confirmava a presença de alguém. Nenhum pássaro cantando, ou esquilo correndo em busca de alimento. Nenhum ruído além do vento,
fazendo música com a folhagem ou de um eventual trovão, à distância.
John Paul era uma pessoa paciente. Ele esperaria o quanto fosse necessário, mas e Avery? Quanto tempo dormiria? E quando acordasse e percebesse que ele havia partido,
viria atrás dele? A possibilidade causou-lhe arrepios na espinha. Ele a imaginou caminhando para uma emboscada, e teve de fazer força para eliminar a imagem de Avery
levando um tiro que se formava em sua mente.
Ele pensou ter ouvido alguma coisa e virou a cabeça, aguçando a audição. O ruído não se repetiu.
O que estaria Avery fazendo agora? Já teria acordado? Quando saíra, ela dormia como um bebê, aquecida pelo saco de dormir, tendo a arma ao seu lado.
Droga, ele odiava a idéia de tê-la deixado. Não pense nisto, disse a si mesmo. Ela está bem. O carro está bem camuflado e há mais de dez milhas de distância. Sim,
ela está bem e não corre perigo. Mesmo assim, por mais que tentasse, não era capaz de se convencer.
Com todos os diabos, como ela conseguiu chegar tão perto dele? E o que estava acontecendo com ele, para se deixar atrair por ela daquela maneira? Ele fez questão
de lembrar a si mesmo que ela era uma liberal desgraçada, do tipo "Vamos salvar o mundo". Pior, ela acreditava em trabalho de equipe e estava óbvio que a equipe
para qual gostava de trabalhar era o Bureau.
Eles eram completamente, definitivamente incompatíveis. E, no entanto, ali estava ele, preocupado com ela, até o último fio de cabelo.
231
Monk poderia tê-los seguido... um graveto estalou atrás dele. Sem fazer nenhum ruído, ele virou-se, tentando localizar a origem do som. Imaginou que estivesse a
uns dez metros de distância mas, com o vento tornando-se cada vez mais forte, era impossível precisar.
Ele não moveu um músculo sequer por mais de cinco minutos. Então, ouviu um outro ruído, que se assemelhava a um suave farfalhar de folhas. Lentamente, ficou de cócoras,
focalizou o ponto exato de onde vinha o ruído e apontou a mira.
Foi quando viu aquele par de olhos azuis encarando-o por entre a folhagem.
Subitamente, ficou lívido. Ele estivera muito próximo de atirar nela. Afinal, o que ela tinha na cabeça para aproximar-se de modo tão sorrateiro? Se ela não tivesse
ficado completamente imóvel para que ele pudesse ver o seu rosto, se ela tivesse feito outro ruído qualquer, ele poderia ter acabado com ela. Filha da puta, ele
amaldiçoou, em silêncio, enquanto tirava o dedo do gatilho. Filha da puta.
Ainda bem que não a tinha machucado. Um pensamento esquisito, considerando o fato de que, neste exato momento, ele pensava em torcer-lhe o pescoço. John Paul estava
cansado do esforço que teve de fazer para não gritar com ela. Ele levantou uma das mãos, fazendo-lhe um sinal para que não se movesse. Ela balançou a cabeça com
vagar e levantou um dedo. Depois, apontou para trás de si.
Ele caminhou pelos galhos caídos e foi até ela.
Avery sabia que ele estava furioso. Suas mandíbulas estavam tão tensas que ela pensou que fossem se despedaçar. Ela apoiou-se sobre os joelhos e inclinou-se para
frente, até que sua boca estivesse quase tocando o ouvido dele. Então, ela sussurrou:
- Ele encontrou o carro.
John Paul ouviu o som de alguém se movimentando e viu um brilho de aço através das árvores, uns quinze metros dali. Ele pulou como um leão.
Avery não teve tempo de reagir. Num segundo, ela estava cochichando em seu ouvido e, no outro, estava caída sobre o chão, com o rosto esmagado nas folhas mortas
e John Paul protegendo sua cabeça enquanto atirava. Seus cabelos estavam cobertos de lama.
232
Ele rolou e atirou várias vezes, enquanto dava-lhe um empurrão para que se pusesse de joelhos. - Vamos - ordenou ele.
Depois do primeiro tiro, ele sabia que Monk estava de posse de um rifle poderoso. Provavelmente, equipado com um daqueles sofisticados telescópios noturnos. Tudo
o que o bastardo precisava era de um tiro certeiro. Não, ele precisaria de dois.
Ele imaginou que a estratégia de Monk fosse fazê-los correr para a clareira, ao atirar para a única outra saída possível.
Avery cooperava, sem raciocinar. Ela deu uma guinada para a direita, fugindo da rajada de balas, mas John Paul passou o braço por sua cintura e levantou-a do chão,
trazendo-a para junto de si e usando o próprio corpo como escudo para protegê-la.
- Rápido, rápido, rápido - murmurava ele, pedindo que ela apertasse o passo.
Um galho veio em direção ao rosto de Avery. Ele conseguiu bloqueá-lo, como faria um jogador de futebol e, com o antebraço, empurrou-a para frente. Ela bateu no corpo
dele ao cambalear para trás que, imediatamente, aprumou, antes que ele tentasse novamente arrancar o braço dela dos ombros, e continuou. Agora, eles corriam montanha
acima, através do labirinto de árvores. Ele ouviu um ronco nos ouvidos e pensou que fossem as batidas de seu coração.
Ela estava errada. Chegaram à beira de um declive. Ali, o chão era úmido e escorregadio. Ela ficou de quatro, fez uma rápida exploração e, subitamente, parou. Deus
do céu, havia uma queda de, pelo menos, vinte metros e no fundo apenas a espuma branca da água.
Aos diabos com tudo aquilo. Em sua mente, havia apenas duas opções. As corredeiras estavam abaixo, mas, atrás deles, o matador se aproximava. Enquanto Avery olhava
para a água, pensou que teriam melhor chance de sobrevivência caso enfrentassem Monk.
Ela puxou o zíper do bolso de seu agasalho emborrachado e pegou a arma. John Paul recarregou a sua, olhou para as corredeiras abaixo e colocou sua arma no bolso
de Avery. Depois de fechar o zíper, pegou a arma dela, colocou no outro bolso e também fechou o zíper.
Ela não estava gostando do desenrolar da história.
- Vamos ficar e lutar - disse ela.
233
Ele balançou a cabeça. Ela assentiu, frenética. Ambos podiam ouvir os passos de Monk sobre os galhos caídos. Ele atirava às cegas, ininterruptamente. John Paul colocou
os braços ao redor da cintura de Avery, segurando-a com a força de um urso. Ao pular, perguntou:
- Você sabe nadar?
Capítulo
20
Se ela sabia nadar? Ele teve o atrevimento de fazer a pergunta depois de ter pulado com ela, presa em seus braços. Avery não gritou. Ela tampouco viu o filme de
sua vida desenrolar-se diante dos seus olhos enquanto desciam num vôo interminável em direção à água. Ela estava muito ocupada tentando libertar-se dele. E muito
amedrontada para falar. Deus, não deixe que nos afoguemos.
Eles bateram forte, enterrando os pés na água. Parecia que um milhão de agulhas havia se enterrado em seus pés e viajado, na velocidade da luz, até o seu cérebro.
O impacto fora paralizante.
Em momento algum ele a deixou desprotegida de seu abraço. Nem mesmo quando afundaram na água gelada, ou durante a busca enlouquecida pela superfície, enquanto eram
arrastados pela fúria da correnteza. No segundo em que ela pensou que seus pulmões fossem estourar eles, finalmente, conseguiram respirar, mas o tempo que tiveram
foi suficiente apenas para encher os pulmões, antes de serem novamente puxados para baixo pela correnteza.
Avery viu um urso marrom observando-os da margem e poderia jurar que ele sorria. Ela não queria que aquela fosse sua última imagem antes de morrer. Queria sobreviver
para fazer da vida de John Paul um inferno por ele ter tentado afogá-la. Como se alguma coisa a tivesse puxado pelo tornozelo, ela voltou a afundar. Teria de lutar
com todas as forças para tentar sair viva dali. Avery crescera
236
nadando no oceano, primeiro na Flórida e, depois, na Califórnia. Como nadadora, era mais forte que muitos, mas isso não era nadar. Eles estavam boiando como rolhas.
Novamente alcançaram a superfície. Tentando aspirar a maior quantidade possível de ar, notou um enorme galho retorcido, balançando sobre a superfície encrespada
da árvore. Quando se aproximou o suficiente, Avery agarrou-o com as duas mãos.
O rio fazia um ziguezague constante, mas eles estavam chegando mais próximos da margem. Ela começou a chutar com todas as forças. John Paul prendeu um dos braços
sobre o galho e direcionou a árvore para a margem. Quando finalmente alcançaram águas mais rasas, ele ficou em pé e puxou-a para fora da água.
Esparramados um ao lado do outro no declive gramado estavam exaustos demais para se mexerem. Avery ainda buscava o ar com sofreguidão e tremia tanto que seus dentes
batiam.
- Você está bem, doçura? - ofegou ele.
Ela levantou-se, repentinamente nauseada. Sentia-se como se tivesse engolido metade da água do rio.
- Você sabe nadar? - perguntou ela. - Foi isso o que me perguntou depois de ter me atirado para baixo?
- Então você me ouviu, huh? - Ele estendeu a mão e, gentilmente, tirou os fios de cabelo encharcados dos olhos dela.
Ela olhou para o rio turbulento. Aquilo tinha sido um milagre, pensou. Não havia outra explicação possível.
- Muito bem, agora você sabe o que é uma corredeira de nível cinco - disse ela.
Ele sentou-se.
- É?
Ela sorriu.
- E óbvio que eles têm um critério de graduação para as corredeiras - explicou ela. - Esta era uma campeã. Uma cinco.
Ele balançou a cabeça. Eles tinham acabado de passar pelo inferno juntos, e tudo o que ela queria era dizer-lhe que existia um critério de graduação para corredeiras?
- Você bateu a cabeça ou algo assim?
- Não, só me lembrei do critério de graduação, só isso.
- Quer dar mais uma voltinha?
- Já fui e já voltei - disse ela.
237
Avery olhou para a encosta acima deles com olhos semicerrados e disse:
- Acho que o perdemos.
- Não estou tão certo disto - ele disse. Seu corpo relutava em mover-se e ele teve de fazer força para levantar-se. Depois, chacoalhou-se como um cachorro que acaba
de tomar um banho e ofereceu-lhe a mão.
Ela cometeu o erro de dar-lhe a sua. Ele puxou-a com força para que pudesse se levantar e, novamente, quase arrancou seu braço. O homem não tinha noção da própria
força. O que ele estava fazendo agora? Ele havia se virado e examinava a areia na qual estiveram sentados.
- O que foi?
- Arranje alguns galhos e jogue-os sobre as nossas marcas. Não, não se preocupe. Você pioraria as coisas. Eu faço isso.
Ela caminhou até as árvores e observou-o arrastar vários galhos pequenos sobre a terra fofa.
- Por que você assume, automaticamente, que eu seja incompetente? E só comigo ou é assim com todas as mulheres?
- Só com você.
Ela o viu sorrir antes que se virasse. Ele se divertia em irritá-la, decidiu, mas estava cansada demais para morder a isca.
- Você tem idéia de onde estamos? - perguntou ela. Suas palavras eram quase ininteligíveis, pois ela tremia violentamente.
- Não.
Não era a resposta que ela esperava ouvir.
- Quer dizer que você não foi escoteiro?
- Posso nos levar até aonde precisamos ir.
- De volta ao carro?
- Não. Seria muito demorado tentar encontrar um lugar para atravessar a corredeira.
- Precisamos de um telefone. E de um chuveiro quente e roupas secas - pensou ela.
Ele terminou de cobrir as pegadas, deu um passo atrás para supervisionar seu trabalho e assentiu, satisfeito.
- Precisamos de um telefone, com certeza - disse ele, enquanto se aproximava dela. - Por Deus, nenê, você está congelando, não é?
238
- E você, não? - ela perguntou quando ele abraçou-a e começou a esfregar seus braços com vigor.
- Eu estou bem - respondeu ele. - Disseram-me que eu tenho água gelada nas veias.
- Quem diria tal coisa? - ela perguntou.
- Minha irmã.
- Oh. Ela deve saber do que está falando.
- Você ainda tem forças para continuar? - Ele puxou o zíper do agasalho dela para pegar a sua arma, que estava apenas um pouco úmida. Colocou-a no bolso traseiro
do jeans e fechou o zíper.
- Tenho tanta força quanto você.
- Então comece a correr. Você se esquentará num instante.
- Por onde vamos?
- Antes de podermos descer, temos de ir para cima. Ela olhou para as montanhas ao redor.
- Seria mais fácil acompanhar o rio, mas Monk facilmente nos descobriria.
Ela virou-se e começou a correr entre as árvores. As botas molhadas pesavam como chumbo. A sensação de ter cubos de gelo em volta dos pés não era nem um pouco agradável.
John Paul acompanhou o ritmo dela por aproximadamente uma hora. Durante ese tempo, eles não pararam ou trocaram palavra.
Ele estava impressionado com a energia de Avery. Em nenhum momento ela diminuiu o ritmo estabelecido. Além do que, não reclamou e sempre manteve a postura ereta.
Ele sabia que ela estava em forma. Bastava olhar para o corpo dela para saber que se exercitava. Mesmo assim, a maneira como se mantinha em movimento, constante
e segura, era prova de que ela fazia mais de uma hora de aeróbica por semana em uma academia qualquer.
Ele viu o riacho de águas cristalinas à frente e pensou que poderiam parar para descansar um pouco.
- Vamos parar por alguns minutos. Graças à Deus. Graças à Deus.
- Você tem certeza que não quer continuar?
Se ele tivesse dito que sim, ela pensou que, devido à exaustão, se deixaria desabar sobre os joelhos ou que cairia no choro. Sua cicatriz a fazia sentir como se
alguém estivesse segurando uma brasa quente em suas costelas, e ela tinha usado todas as forças para não se deixar vergar.
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Avery reparou que ele não parecia estar cansado. Antes de se atirar no chão, ela esticou as pernas, tentando evitar as câimbras. Fazendo uma concha com as mãos ela
sorveu, sofregamente, a água do riacho.
- Você acha que ele está nos seguindo?, - perguntou ela, um minuto depois.
- Provavelmente - ele respondeu. - Mas ele terá de encontrar um lugar para cruzar a corredeira, o que significa que temos algum tempo. Conte-me o que aconteceu no
carro. - Ele culpavase por tê-la deixado sozinha.
Ela sentou-se sobre a grama e apoiou as costas em uma árvore.
- Eu acordei e você tinha ido embora - disse ela. - Então, decidi segui-lo.
O ombro dele roçou o dela, quando sentou-se ao seu lado.
- Eu não fui muito longe - admitiu ela. - Mal havia começado a subir a montanha, vi faróis na bruma. Quase desci, desabalada, para pedir ajuda, mas com a graça de
Deus tive o bom senso de esperar até que o carro se aproximasse.
- Ainda bem - sussurrou ele. - Você teria ido diretamente ao encontro dele antes que pudesse... - Ele não foi capaz de continuar. Sentiu-se nauseado ao pensar no
que poderia ter acontecido.
- Ele estacionou e saiu do carro e, ao escalar a encosta até onde o seu carro estava escondido, levava uma lanterna e um rifle embaixo do braço. Deve ter localizado
a área antes que você mudasse o relógio. Era óbvio que só poderia ser Monk então, continuei onde estava.
- E depois, o que aconteceu?
- Ele inspecionou o carro.
- Você viu o rosto dele?
- Não. Poderia ter visto, mas estava com medo que ele me visse e, por isso, não me movi. Ele abriu o capo do carro, puxou uma correia do motor e jogou-a numa vala
ao lado. Sei onde caiu e posso recuperá-la, se voltarmos. Ele vestia o capuz de seu casaco e não pude ver seu rosto ou a cor de seu cabelo, mas sei que é alto e
que não é magro. Ele é bem musculoso, mas não é gordo. Ele deve fazer musculação.
- Ele é bom com disfarces - disse John Paul. - Noah está usando a descrição do FBI, mas também nunca o viu de perto. Pelo
240
que ouvi sobre Monk, ele e Noah poderiam estar na mesma sala, sem que Noah fosse capaz de reconhecê-lo.
- Não sei se ele estava sozinho. Seu carro era um Land Rover mas quando ele abriu a porta para sair do carro a luz interna não se acendeu e, como ele estacionou
em local distante, não pude ver se havia alguém dentro do carro. Você acha que a mulher estava com ele?
- Difícil dizer.
- Ele é muito bom no que faz, não é? - Sua voz estava carregada de desânimo.
- Sim, é - ele disse.
- Ele ficou lá por uns cinco minutos - disse ela. - Durante esse tempo, não mexeu um músculo. Foi de dar arrepios.
- É provável que estivesse ouvindo os sons da floresta, tentando escutar algum ruído fora do comum.
- Como eu me mexendo, por exemplo.
- Exatamente. Ele colocou o braço no ombro dela, trazendoa para perto de si. Ainda bem que você não tentou fugir.
- Eu pensei em tirar minha arma do bolso, mas ele estava tão próximo que achei que pudesse ouvir o barulho do zíper.
- Se você estivesse dormindo, ele...
Ela interrompeu-o antes que pudesse continuar.
- Ele teria atirado em mim? Pois vou lhe dizer uma coisa, John Paul. Se você me deixar para trás mais uma vez é isso, exatamente, o que farei com você.
Como ela estava abraçada a ele, aproveitando o seu calor, a ameaça não foi muito convincente.
- Não farei isto de novo - prometeu ele, num balbucio mal humorado. - Aliás, eu nunca deveria ter feito. Com todos os diabos, acho que estive afastado por muito
tempo. Meus instintos estão desordenados.
Ela ficou intrigada com suas palavras.
- Você esteve afastado por muito tempo? Afastado de que, John Paul?
- Vamos, doçura, vamos começar a andar. Não podemos perder mais tempo.
Em outras palavras, não vamos falar nisso. Ela achou melhor não insistir e tentar, novamente, mais tarde. Ao levantar-se, sentiu
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os músculos enrijecidos. Nem um pouco preocupada com o fato de não parecer muito feminina, gemeu e esfregou as mãos nas costas.
- Sabe do que realmente preciso, agora?
- Comida, roupas secas...
- Sim, isso também - disse ela. - Mas também preciso ficar em minha posição de ioga, relaxar e fazer alguns exercícios de associação livre.
- Sua posição do quê? Ele tinha certeza de não ter ouvido corretamente.
Ela repetiu.
- Você deixa que os fragmentos passeiem por sua mente e, quando estiver completamente relaxado, analisa cada um deles. É impossível fazer o exercício até que se
alcance o relaxamento total.
John Paul a observava alongar as longas pernas.
- Quer dizer que você consegue alcançar o relaxamento total? - perguntou ele.
- Visualização - disse ela. - Eu vou para algum lugar onde me sinta completamente livre e segura, como se estivesse em casa. Você sabe, eu vou para o meu... lugar
perfeito.
- Você está brincando...
- Não, falo sério. Ele riu.
- Você sabe que é bem maluca, não é? Avery não estava brincando quando respondeu:
- É de família.
Ela cruzou as mãos nas costas e torceu o torso. Depois, chacoalhou braços e pernas, para soltá-los e voltou a correr. Agora, apesar de determinado, seu ritmo era
mais lento. Ele colocou-se em marcha atrás dela, até que começasse a ofegar. Eles haviam mantido uma marcha constante e, desde que deixaram a margem do rio, ainda
não haviam encontrado nenhum sinal de civilização. Onde estariam? Ainda no Colorado?
De repente ela parou, virou-se e inspirou profundamente. Então, colocou as mãos sobre os quadris e, lentamente, alongou-se.
- Você está bem? - ele perguntou.
Por que ele nunca se cansava? Afinal, ele era humano, não é? Não importava o nível de exaustão, ela estava decidida a não dizer uma palavra sequer de reclamação.
Nenhuma palavra.
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- Não se pode ter a visão do todo, quando se está concentrado nos detalhes. - Ela tentou soar despreocupada. Seria muito pedir que estivesse animada.
John Paul foi carinhoso:
- Quer descansar um pouco?
O Papa é católico? Sempre chove quando resolvemos fazer um piquenique? Com todos os diabos, sim, ela precisava descansar um pouco.
- Não - disse ela, fracamente. E depois, mais energética:
- Ainda posso continuar... a não ser que você queira...
- Não - disse ele. - Vamos continuar.
- Estamos indo em direção ao norte? - ela perguntou, parando um minuto para recuperar as forças. O ar era tão rarefeito que ela sentia-se zonza. - Parece que não
estou conseguindo manter o nível de energia. Se o sol estivesse brilhando
- Estamos indo em direção ao nordeste.
Um passo depois do outro, disse ela a si mesma. Vamos lá, Delaney, mantenha o ritmo. Estamos perdendo tempo. Dane-se.
Enquanto continuava a marcha, ela manteve um muro psicológico para afastar as reclamações iminentes. Tentou não pensar em sua roupa íntima encharcada e grudada à
pele, ou no fato de carregar pelo menos dois quilos de barro grudados em cada uma das botas.
Ao não visualizar direito um galho seco, que pretendia pular, ela tropeçou e teria batido com a cabeça em um tronco de árvore, caso John Paul não a tivesse segurado.
O terreno estava ficando cada vez mais íngreme e perigoso. Enquanto avançava, os músculos de suas pernas começaram a queimar e, quando finalmente saíram da mata,
ela teve de diminuir a marcha.
De repente, ela parou. Eles tinham chegado a um abrigo de pedra preso à encosta da montanha. Diante deles, havia uma vista maravilhosa das montanhas menores. O verde
exuberante dos vales sobressaía entre os picos cobertos de árvores, cujos galhos estendiam-se em direção ao céu. Tudo era tão verde e cheio de vida! Não havia uma
alma por perto. Era impossível que não houvesse pessoas naquele paraíso. Onde estariam elas?
- Não é lindo?
- Sim, sim, é lindo - resmungou ele.
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Tentando, desesperadamente, ser positiva, ela disse:
- Por que você é tão pessimista? Será que você não pode ver beleza...
Ele interrompeu-a.
- Você tem noção de onde estamos? Vamos levar alguns dias até conseguirmos voltar à civilização. - Ele estudou a topografia abaixo, mas não parecia ter nenhuma idéia.
Parece que, finalmente, retomava seu senso de direção.
- Não temos todo esse tempo - disse ela. Seus ombros despencaram e, ao olhar ao redor, toda aquela beleza tinha um aspecto ameaçador. Pareceu-lhe impossível que
atingissem o objetivo. As perspectivas não poderiam ser mais desoladoras. Ela não cedeu ao desejo de chorar. Dane-se, disse ela a si mesma:
- Tudo vai dar certo - decidiu ela.
- Verdade? Por que acha que sim?
Ela teve de pensar por um minuto, antes que pudesse responder:
- Porque vamos parar para descansar. Foi quando começou a chover.
Capítulo
21
Anne era uma das pessoas mais severas e recalcadas que Carrie encontrara pela vida. Mesmo assim, ela errara ao pensar que a mulher não ajudaria em nada. Anne mostrou
ser uma pessoa decidida. Depois de unir os lençóis, ajudou-as com a parede. Trabalhava duro e seu nível de energia era surpreendente. E verdade que não tinha o mínimo
senso de humor, mas, afinal, não havia mesmo nada de engraçado naquela situação. Desde que o seu sagrado casamento não fosse assunto de discussão, ela podia até
ser agradável.
Anne assumiu o comando, dando ordens para trabalharem lado a lado. Abrir um buraco no painel de gesso, usando os atiçadores da lareira, foi mais rápido do que pensaram.
Apesar da sujeira, não foi difícil remover o material ísolante, com o qual encheram um saco de lixo. Felizmente, não havia fiação ou encanamento no local que perfuraram.
O próximo passo foi retirar o revestimento, com facas afiadas.
A seguir, trabalharam nas tábuas. Aquilo foi trabalho duro. Carrie teve de fazer uma pausa quando seu polegar começou a sangrar. Sara continuou o trabalho, enquanto
Anne fazia um curativo no corte de Carrie.
Por volta das três da manhã, estavam exaustas.
Sara e Carrie tinham esparadrapos em todos os dedos. Anne continuava intocada, nem mesmo seu esmalte havia descascado.
I
246
- Como está a nossa corda de lençóis? - perguntou Sara. Ela arregaçou as mangas de sua blusa listrada e desmoronou
numa poltrona.
- Está pronta para ser usada - disse Anne. Ela colocou uma terrina de sopa de tomate na frente de Sara e voltou ao fogão para servir Carrie.
- Estou muito cansada para comer - disse Carrie.
- Você precisa manter suas forças - disse Anne, ao colocar sua terrina sobre a mesa.
Sara notou que Anne tirava duas pílulas do bolso. Ela virou-se de costas, colocou-as na boca e bebeu um copo dágua.
- O que você acabou de tomar?
- Oh, nada - respondeu Anne, ao sentar-se em frente a Carrie.
- Aspirina? - perguntou Carrie.
- Sim - disse Anne, enquanto Sara balançava a cabeça.
- Não são aspirinas. São cápsulas cor-de-rosa.
- Você é muito observadora - comentou Anne. - São pílulas para náusea. Estou me recuperando de uma doença.
Carrie mal escutava o que Anne dizia. Ela descansava a cabeça em uma das mãos, tendo o cotovelo apoiado sobre a mesa. Cansada como estava, era impossível preocupar-se
com etiqueta.
- Que tipo de doença? - perguntou Sara, enquanto mexia sua sopa com a colher.
- Nada de sério - Anne disse. - Encontrei esse pequeno caroço há uns dezoito meses, e contei a Eric. Ele foi comigo ao médico - explicou ela. - Os exames não acusaram
nada de sério.
- Ainda bem - disse Carrie.
Sara estava olhando para os olhos de Anne.
- Onde você encontrou o caroço?
- Na mama direita, disse ela. Fiz a biópsia e continuei a levar uma vida normal. Como disse, não foi nada de sério.
- Então, não era maligno? - perguntou Sara.
Carrie teve curiosidade a respeito da insistência de Sara. Ela achou que Sara estava sendo abelhuda. Afinal, Anne tinha acabado de dizer que tudo estava bem.
- Ela acabou de dizer... - começou Carrie.
Sara não olhou para Carrie ao cutucá-la por debaixo da mesa.
- Mas então, não era maligno? - Ela repetiu a pergunta.
247
Anne olhou para sua sopa e respondeu.
- Só um pouquinho. Carrie aprumou o corpo.
- Foi isso que os médicos disseram?
- Oh, você sabe como são os médicos - disse Anne. Ela bateu o ar com a mão e acrescentou: - eles são muito alarmistas. Eric disse que a maneira deles ganharem dinheiro
é fazendo todos esses procedimentos... cirurgias... quando, na verdade, não existe necessidade para isso.
Antes de perguntar, Carrie olhou Sara de soslaio:
- Então, eles recomendaram cirurgia?
- É claro que sim, e foi exatamente o que Eric disse que fariam. Eles pensaram que poderiam me convencer a extrair a mama. Vocês podem imaginar a conseqüência disso
nos prêmios oferecidos por nosso seguro de saúde?
- Não, qual seria a conseqüência? - Sara perguntou.
- O custo subiria de maneira exorbitante. Além disso, o pequeno procedimento não estava incluído no contrato da companhia de seguros.
Como era possível que a extração de uma mama fosse considerado um procedimento menor? Carrie estava muito aturdida para poder falar. Ela pegou a colher e fingiu
estar comendo.
- Eric tem feito investimentos fantásticos com nossos lucros. Ele é muito inteligente - disse ela. - Foram investimentos muito bons que eu, naturalmente, aprovei
quando ele me falou sobre eles.
- Ele falou com você depois de ter feito os investimentos? - perguntou Sara.
- É claro que sim - ela disse. - Ele tem carta branca. Quero dizer, ele é meu parceiro nos negócios.
Carrie e Sara perceberam que Anne colocava-se na defensiva. Sara tomou uma colherada de sopa e disse:
- Boa escolha de cardápio - Anne. - Eu adoro sopa de tomates.
Anne sorriu.
- Eu também.
- Então, por que você acha que seu seguro saúde não pagaria a cirurgia?
248
- Porque a doença já existia antes que eu me associasse - explicou Anne. - A apólice do antigo seguro caducou e o novo seguro que o Eric encontrou, oferecia um prêmio
melhor, mas tinha um prazo de trinta dias de carência. Como fiz a biopsia nesse período, a companhia considerou a doença como sendo condição preexistente. Eric disse-me
para esperar, mas eu estava muito ansiosa e tínhamos dinheiro para pagar a cirurgia - acrescentou ela, apressadamente - se acreditássemos que fosse necessário. Ele
fez várias pesquisas na internet e decidimos experimentar métodos alternativos. Sua sopa está esfriando, Carrie.
- Sobre esse assunto... - começou Carrie. Sara chutou-a sob a mesa.
- Sim? - perguntou Anne. O olhar defensivo estava de volta.
- Tem biscoitos salgados na despensa?
- Acho que não.
- Você tem muita sorte por ter Eric ao seu lado - Sara disse. Carrie quase se engasgou com a sopa.
- Sim, também acho - mentiu. - É uma pena que ele não tenha vindo ao spa com você.
- Eu tentei convencê-lo - ela disse. - Ele me fez uma surpresa ao me dar uma semana de estadia, de presente de aniversário. Ele queria que eu descansasse e relaxasse.
Quando eu voltasse para casa, iríamos de novo ao médico para ver o que precisava ser feito. Eu estava preocupada com as despesas com o spa, mas Eric não me deu ouvidos.
Ele disse que, se tivermos de gastar todo o dinheiro que temos para que eu fique bem, é isso o que vamos fazer.
Filho da puta, disse Carrie a si mesma. Ele estava claramente se livrando dela, mas Anne, talvez ainda em estado de choque, não era capaz de aceitar a verdade e,
por isso, inventava essa história romântica sobre o marido que a amava. Será que ele lhe escrevera uma carta, ou será que queria que ela morresse sem saber que era
ele o responsável por sua morte?
- Devemos estar a caminho antes da madrugada - disse Sara, interrompendo o pensamento de Carrie.
- Minhas mãos estão esfoladas, assim como as suas. Descer por aquela corda...
- Daremos um jeito.
249
- Anne, você trouxe algum agasalho de ginástica? - perguntou Carrie. - Você não pode descer a encosta da montanha de salto alto.
- Não, não trouxe.
- Sara e eu podemos te emprestar alguma coisa adequada para vestir - Carrie disse.
A atitude de Carrie com relação a Anne havia se transformado. Ela percebeu que estava tentando protegê-la, e esperava que ela continuasse vivendo sua fantasia até
que conseguissem voltar à civilização.
- Por que você não organiza alguns mantimentos para levarmos? - sugeriu Carrie a Anne. - E um estojo de primeiro socorros?.
- Você pode usar minha bolsinha de cintura - disse Sara. - Ela está sobre a cômoda do meu quarto, mas não tenho energia para subir a escada.
- Pode deixar que eu pego. Gosto de ajudar. Não se preocupem com os pratos - ordenou Anne enquanto saía da cozinha. - Mais tarde eu arrumo tudo.
Assim que Anne afastou-se, Sara balbuciou:
- Bastardo. Carrie concordou.
- Agora tenho mais uma razão para querer sair disto viva. Eu vou matar aquele filho da puta.
Sara assentiu.
- Você segura a arma e eu puxo o gatilho.
Capítulo
22
Alguma coisa estava rosnando e, definitivamente, não era um ser humano. Avery correu para junto de John Paul. Ao encontrar abrigo na saliência de pedra, ele prometera
a Avery que teriam vinte minutos de descanso. Na pedra, o chão estava seco e eles tinham espaço suficiente para esticar as pernas.
Avery sugerira que encontrassem uma caverna. John Paul não aprovara a idéia, pois não queria correr o risco de ter companhia inesperada dividindo o espaço com eles.
Leões da montanha e ursos não eram o que se pode chamar de companhia agradável.
Ela sugeriu que fizessem fogo, mas ele vetou essa idéia também. A fumaça poderia ser vista a milhas de distância.
Ela ouviu o rosnado de novo. Dessa vez, parecia mais próximo. Cutucou John Paul e sussurrou:
- Você ouviu isso?
- Uh-huh.
A voz dele indicava que estava quase dormindo. Ele estava sentado, com as costas contra a pedra e as longas pernas musculosas esticadas, um tornozelo sobre o outro.
Ele colocou o braço no ombro dela e pediu-lhe que relaxasse.
Ela apoiou a cabeça sobre o ombro dele e, de vez em quando, esfregava o queixo na cabeça dela. Ela não sabia se aquilo era um carinho ou apenas uma solução para
uma eventual coceira causada pela barba por fazer.
252
Avery ouviu um farfalhar abaixo deles. Seu corpo ficou tenso. Então ela ouviu o rosnado novamente. Que diabo era aquilo? Um urso? Um leão da montanha. O quê?
A mão de John Paul repousava sobre o cabo de sua arma, no chão, ao lado dele.
Ela respirou fundo e tentou não pensar no nível desesperador de desconforto que sentia. Seja otimista, disse a si mesma.
Deus do céu, vamos acabar morrendo neste lugar. Ele deve ter sentido seu estremecimento, pois começou a esfregar-lhe o braço. Avery gostou do carinho. Ela realmente
tentou relaxar, mas a ansiedade que sentia estava revolucionando seu cérebro. Estaria tão exausta que não conseguia descansar? Ao sentar-se, sentira-se próxima de
ter um colapso e sabia que teria de descansar para poder voltar a correr.
O que será que a mulher faria com Carrie e as outras senhoras? Será que John Paul estava certo? Será que elas já estavam mortas?
Ela tentou desviar o pensamento e sentir-se confortável. Cada músculo de seu corpo doía, e os dedos dos pés latejavam. Ela tentou tirar as botas, mas John Paul impediu-a.
Seus pés precisavam se acostumar com as botas molhadas e caminhar era a única maneira de livrar-se das câimbras. Ele falava com autoridade e ela acabou concordando,
pois sabia que, como Fuzileiro Naval, ele havia recebido treinamento de sobrevivência. Além do mais, estava muito cansada para argumentar.
Independentemente das dificuldades que tivesse de enfrentar, Avery estava determinada a não se tornar uma pessoa cínica como Carrie e John Paul. Quando a chuva fraca
começou a cair e John Paul fez um comentário irônico sobre o fato de ela ter decidido que parariam para descansar, ela insistiu em dizer que a bruma que se formava
em função da chuva era encantadora. Sim, foi o que dissera, sorrindo. Depois, quando a chuva virou um dilúvio, ela ainda tentou manter o otimismo. Afinal de contas,
o que mais poderia acontecer? Já estavam completamente encharcados.
Foi quando o dilúvio transformou-se em chuva de pedras, do tamanho de bolas de golfe, golpeando seus corpos com violência, enquanto corriam para a proteção das árvores.
O mesmo farfalhar que ouvira antes, trouxe-a de volta ao presente. Ela perguntou se ele tinha ouvido, levantou a cabeça do
253
ombro dele e aguçou os ouvidos. A chuva continuava, enquanto fachos de luz cinzenta enrolavam-se nos galhos.
Os olhos dele abriram-se, devagar, quando ela os encarou. Ele fixou o olhar nos olhos dela. Avery sentiu-se agradecida por tê-lo ao seu lado, pois ele lhe dava segurança.
Ela não estava vivendo este pesadelo sozinha, e podia encontrar conforto e esperança na força dele.
- Eu quero... - Ela não conseguia articular as palavras para dizer-lhe como estava agradecida por sua ajuda e não conseguia desprender o olhar de sua boca.
- Sim, eu também quero.
Mais tarde, ela não tinha certeza sobre quem tinha iniciado o beijo. Ela sabia que, quando se aproximara, ele inclinara a cabeça em direção à sua. Ou será que ela
o tinha puxado para perto e ele simplesmente concordara? Suas bocas simplesmente... fundiram-se.
E, oh, foi maravilhoso. Sua boca era tão morna contra a dela e, por Deus, ele sabia como fazer uma mulher livrar-se de suas defesas. Ele fez com que ela quisesse
muito, muito mais. Ele foi gentil e generoso e, ao mesmo tempo, áspero e exigente. Com a mão, pressionara seu queixo para lhe dizer que queria que abrisse mais a
boca, para ele.
Ela acomodou-se em seu colo e passou os braços em volta do pescoço dele. Quando ele começou a acariciá-la, seus ossos viraram geléia e ela perdeu toda a inibição.
Sentiu um estremecimento no estômago. A língua dele a estava deixando louca, fazendo com que quisesse ousar.
O calor do corpo dele irradiava através do corpo dela. Quando pararam de beijar, ela percebeu que a mão dele estava embaixo de sua camiseta. Ela sabia que ele tinha
ficado tão envolvido quanto ela, pois sentia o coração dele batendo na ponta dos dedos que lhe acariciavam a pele.
Neste momento, tentou sair de seu colo, mas ele não permitiu. Ele a abraçou, com força e, depois, gentilmente acomodou a cabeça dela em seu ombro.
- Sabe o que seria muito bom agora? - ele sussurrou, com voz rouca e sensual.
Ela ainda estava tentando recuperar o fôlego. O gosto dele estava preso aos seus lábios e ela revia em sua mente, como num filme, cada segundo daquele beijo fantástico.
254
Finalmente, ela escutou a pergunta.
- Pelo amor de Deus, John Paul.
- O quê? - perguntou ele.
- Você quer fazer sexo.
Por longos minutos, ele não disse uma palavra, dando a entender que estava pensando.
- Bem, sim. Fazer sexo também seria bom. Veja bem, doçura, se você estiver oferecendo, prometo que não vou desapontá-la. Como ela não estava olhando para ele, ele
sabia que podia sorrir. Mas o que quero de verdade é um cheeseburger.
Ela deu uma guinada com a cabeça. Ele tirou o queixo do caminho bem a tempo.
- O quê?
- Eu estava pensando que, agora, um cheeseburger seria maravilhoso. E batatas fritas e uma cervejinha gelada - acrescentou ele.
- Os arbustos não foram suficientes para você? Ele riu.
- Aquilo não eram arbustos. O que fiz você comer foram folhas comestíveis e amoras. Ótimos energéticos - disse ele. - Mas eu ainda quero um cheeseburger. Meu cunhado
me viciou em fast food.
- Você estava realmente pensando em comida? John Paul sorriu.
- Sim, estava, mas se você estiver desesperada para fazer sexo, posso dar um jeito.
- Eu não quero fazer sexo.
- Você disse que sim. Ele era exasperante.
- Não, eu não disse.
- E foi você quem me beijou - observou ele. - Então eu pensei...
- Oh, pelo amor de Deus!.
- É óbvio que você não consegue tirar as mãos de mim, doçura.
Não era de admirar que amor e ódio andassem de mãos dadas. Neste exato momento, ela sentia vontade de estrangulá-lo. Parecia que ele gostava de vê-la com raiva.
Nesse caso, ela estava realmente empenhada em dizer a palavra final.
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- Foi só um beijo sem sentido.
- E mesmo assim você ficou toda excitada?
- Não fiquei, coisa nenhuma.
- Mentirosa.
Avery pensou que só ele seria capaz de fazer um insulto soar como uma carícia.
- E você, ficou todo excitado?
- É claro que não. Ela riu.
- E agora, quem está mentindo?
- A primeira regra em qualquer operação é dizer o menor número possível de mentiras. Agora tente descansar. Retomaremos a marcha dentro de dez minutos.
Ela não podia descansar, não até que relaxasse, e havia apenas uma maneira de fazer isso. Ela afastou-se de John Paul e assumiu a posição de lótus que aprendera
com seu professor de ioga. Colocou as mãos no joelho, com as palmas para cima, endireitou as costas e fechou os olhos. Ela concentrou-se na respiração, bloqueando
os ruídos da floresta e os pensamentos que percorriam sua mente. Uns cinco minutos se passaram até que começasse a sentir seus músculos relaxando.
- O que você está fazendo?
A pergunta dele trouxe-a de volta.
- Estou fazendo um exercício de relaxamento.
- Ioga?
- Mais ou menos. Eu limpo minha mente e depois vou...
- O quê?
Ela soltou um suspiro. Para casa, pensou ela. Vou para a minha perfeita casa imaginária. Ela respondeu:
- Vou para o meu lugar de felicidade. Está bem? Ele não riu.
- Verdade? Quer dizer que você está falando sério? Eu pensei que estivesse brincando.
- Eu mentalizo um lugar que me faça sentir bem. É uma varanda - disse ela. - E me visualizo sentada numa cadeira de balanço. Posso sentir o cheiro dos lilases e
ouvir o barulho do riacho ao fundo. É... apaziguador, liberta a minha mente. Então, começo a filtrar a informação coletada.
256
- Contanto que funcione... - resmungou ele.
Ele não entendia, e ela não esperava que entendesse. Avery voltou a fechar os olhos, ignorando-o agora e, novamente, concentrou-se em sua respiração.
Mais alguns minutos se passaram até que ela começasse a perceber que os pedaços do quebra-cabeça começavam a se formar. Ironicamente, fora algo que John Paul havia
dito que colocara sua mente em disparada.
- O que você quis dizer? - ela perguntou.
- Sobre o que?
Ela esticou as pernas e virou-se para ele.
- Com a primeira regra em qualquer operação é não mentir?
- Não, dizer o menor número possível de mentiras.
- Sim, foi o que disse. Por que isso é uma regra?
- As mentiras voltam e podem acabar mordendo ou dando uma rasteira. Então...
Ela continuou dali.
- Então, se você disser a verdade nas pequenas coisas sem importância, você não leva o trança-pé. Oh, meu Deus, agora tudo está claro.
De repente, ela estava tão entusiasmada quanto uma criança em uma loja de brinquedos. Ela abriu o zíper do agasalho e tirou do bolso um mapa encharcado.
- Sou uma idiota completa. Monk pode ter lido sobre a propriedade no jornal e, quando Carrie perguntou a ele para aonde a levava, ele inventou um nome. Assumi que
estivesse mentindo. Por que pensei desta maneira? Ele teria mentido sobre qualquer outra coisa mas, John Paul, e se ele disse a verdade a Carrie?
Aquela tagarelice preocupou-o.
- Você está ficando pirada? Ela sorriu.
- Sim - respondeu. - Mas ainda assim, faz sentido.
- O que você ia me dizer?
- Eu acho que sei onde Carrie e aquelas senhoras estão. Seu comunicado ganhou a atenção irrestrita de John Paul.
- Você acha que sabe? Como?
- Carrie disse-me para onde Monk a estava levando. Ele piscou um olho.
- E você
- Ouça -
só me diz isto agora? - disse ela. - Eu pensei que
ele havia mentido
257
para ela. Eu disse que minha tia havia me deixado um recado na secretária eletrônica, que acabei apagando. E você ouviu a pergunta que fiz a Cannon, não é?
- Ouvi você perguntar a ele se teve problemas com o encanamento.
- E Cannon disse que não. Pelo menos não no Utopia. Eu também perguntei se o spa tinha uma casa nas montanhas.
John Paul assentiu.
- Eu me lembro que a resposta foi negativa.
- Por causa disso, não fiz mais perguntas sobre a casa. Carrie chamou-a de refúgio. Assumi que tudo o que Monk havia lhe dito fosse mentira. Mas, e se não for?
- Por que você acha que ele diria a verdade sobre para que lugar as estava levando?
- Pelo que você disse. Por que mentir quando não é necessário? As mentiras voltam e podem acabar mordendo ou dando uma rasteira. Ela repetiu cada palavra dele. Monk
já estava com ela, certo? Ele já tinha lhe dito o seu nome. Ela foi submissa e, ao que parece, estava despreocupada. Mas ela me ligou de seu celular, do toalete
do aeroporto. E duvido que tenha dito a Monk que fez a ligação. Ela não teria razão para fazer isso.
- Se Monk lhe disse para onde a estava levando, ele não a teria perdido de vista.
- Ele não poderia entrar com ela no toalete de senhoras - observou ela. - E pode ser que ele não soubesse que ela tinha um de seus celulares com ela.
- Um de seus celulares? Avery assentiu.
- Ela carrega dois, o tempo todo. Carrie é viciada em trabalho e fica furiosa quando fica sem bateria. Além disso, usa um celular para assuntos profissionais e outro
para assuntos pessoais.
- Ela poderia simplesmente ter uma bateria extra.
- Oh ela tem - disse Avery. - Então, o que você acha?
- De verdade? Acho que você está especulando.
- Não, estou apenas analisando dados e acho que a chance de que eu esteja certa é de, pelo menos, 50%. Temos de averiguar.
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258
- Você sabe onde fica a casa?
Enquanto abria o mapa, contou-lhe sobre seu encontro com o velho cavalheiro, que sentou-se com ela no McDonalds.
- Sim, eu vejo o círculo traçado por ele.
Então, Avery contou-lhe sobre a briga do casal pela casa.
- O juiz deve resolver logo qual dos dois fica com a casa. Ele também me disse que o lugar está desabitado há semanas.
John Paul assentiu, devagar.
- Muito bem, vale a pena darmos uma olhada. O descanso terminou. E hora de nos mexermos.
- Precisamos de um telefone. Agora, essa é nossa prioridade máxima.
- Não - sussurrou ele. - A prioridade máxima é nos mantermos vivos para podermos chegar a um telefone.
E ele sabia que, nesse caso, era mais fácil dizer que fazer.
Capítulo
23
Agora que as três mulheres estavam finalmente prontas para escapar, sentiam-se completamente paralisadas pelo medo.
Eram quatro horas da manhã, e elas estimavam ter, aproximadamente, duas horas antes que amanhecesse. Vestidas com várias camadas de roupa e prontas para caminhar
na mata, amontoaramse na mesa da cozinha, tomando chá quente para terem forças para enfrentar o frio da noite. Uma brisa gelada chegava até a cozinha, pelo buraco
que haviam aberto na parede da despensa.
- E se Monk colocou alguns fios de explosivo no caminho? - perguntou Carrie. - O que faremos, então? Não seremos capazes de vê-los no escuro.
Elas se preocuparam com a possibilidade e, a seguir, Sara disse:
- Eu não acho que ele teria gasto tempo para escalar aquele lado da montanha. Tenho certeza que ele acha que nos tem seguramente trancadas aqui dentro.
Carrie estava com tanto medo que chegava a tremer.
- Ouçam - balbuciou ela. - Se eu não conseguir...
- Não fale assim. Vamos conseguir juntas - disse Sara, sem o mínimo de convicção na voz.
- Deixe-me dizer isso - insistiu Carrie. - Se eu morrer, quero que você duas me prometam que farão com que a polícia encontre Avery e a proteja. Liguem para o meu
marido - acrescentou
260
ela. - Tony fará tudo para ajudar Avery... - Sua voz perdeu-se num soluço e ela não pôde continuar.
- Cuide de uma preocupação de cada vez - sugeriu Sara.
- Você tem razão - disse Anne. - Vamos nos preocupar em descer pela corda.
Carrie concordou. - Tudo bem, vamos lá. - Ela afastou a xícara de chá e levantou-se.
- Não devemos esperar mais. Anne agarrou a mão de Carrie.
- Tudo vai dar certo, você vai ver.
Sorrindo, Carrie apertou a mão dela. Uh-huh. Os olhos de Anne estavam se tornando vidrados. É provável que tivesse tomado uma de suas pílulas para dor. Quando Carrie
subira para procurar uma saída, notara os vidros de remédios alinhados sobre a penteadeira. Eram em número suficiente para montar uma farmácia.
- Você está levando seus remédios? - perguntou Carrie.
- É claro que sim.
- Se quiser, posso ajudá-la a carregar alguns no bolso de minha jaqueta.
- Não é preciso - respondeu Anne.
- E as cartas? - Sara perguntou a Carrie. - Você as colocou no bolso?
- Sim, estão comigo.
- Então, acho que estamos prontas - disse Sara. - Vamos lá.
Elas já tinham decidido que Sara iria na frente. Uma das pontas da corda de lençóis estava presa à mesa da cozinha, que não passava pela porta mas, mesmo assim,
Carrie e Anne segurariam a corda até que Sara conseguisse chegar ao chão. Anne havia feito nós a cada trinta centímetros, para que pudessem se agarrar com maior
facilidade.
Carrie seria a segunda, pois Anne argumentara que, sendo a mais leve das três, havia uma chance maior que conseguisse descer caso a corda se soltasse da mesa.
Carrie gostaria de ir por último, mas Anne não quis falar sobre o assunto.
- Se a corda se soltar ou se eu cair, você e Sara talvez possam me segurar, mas eu não teria forças para segurar você ou Sara. Eu tenho de ir por último.
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- Pelo amor de Deus, não pense nisso. A corda que você preparou é forte e vai agüentar.
- Sim, vai dar tudo certo.
A animação de Anne chegava a ser obscena. Ela estava pirando de novo. Seria por causa do medicamento?
Carrie e Anne seguiram Sara até a despensa e observaram-na pegar a ponta da corda e amarrá-la na cintura.
- Espero que seja longa o suficiente.
Sara ajoelhou-se e dirigiu-se para a abertura.
- Vire de barriga para baixo - sussurrou Carrie. - Os pés primeiro.
- Você colocou a lanterninha no bolso? - perguntou Anne.
- Sim, está comigo.
Carrie sentou-se no chão e apoiou os pés contra as vigas de madeira. Anne chegou-se por trás para ajudá-la a segurar a corda. Justamente quando Carrie pensava que
Sara nunca conseguiria chegar ao chão, a corda afrouxou. Carrie caiu sobre Anne. Recuperando o equilíbrio, ela disse:
- Agora é minha vez.
Ela foi até a abertura e deitou-se de bruços.
- Espere - balbuciou Anne. Ela agarrou a jaqueta de Carrie, colocou um envelope no bolso e fechou o zíper.
- O que você está fazendo?
- Você é a mais forte de nós três. Se Sara e eu não conseguir mos, gostaria que você fizesse...
- Sim? - cutucou Carrie. - Vamos logo, o que foi?
- Por favor, apenas faça o que tem de ser feito. Agora vá. Carrie não perdeu tempo argumentando. Ela descobriria o que
Anne queria dizer quando estivessem longe dali.
Suas mãos estavam esfoladas e sangrando, mas ela estava muito assustada para chorar. Devagar, começou a descer. Anne tentou ajudar, mas quando tentou puxar a corda
para segurar melhor, quase foi puxada para o buraco.
Carrie chegou ao chão.
A corda afrouxou novamente e Anne voltou a cair para trás. Ela levantou-se rapidamente e olhou para baixo, tentando ver as duas mulheres. Ficou de quatro por um
momento e ouviu os sussurros de Sara e Carie, chamando-a.
262
Então, ela puxou a corda e afastou-se da abertura.
- Três ratos cegos, três ratos cegos - cantou ela. - Vejam como eles correm. Vejam como eles correm...
Ela levantou-se, bateu as mãos nas pernas para tirar a sujeira das calças de moleton emprestadas e foi para a cozinha.
- Veja como eles correm -- cantou ela. Era estranho que aquela canção tivesse surgido em sua cabeça e se recusasse a ir embora. Ela e Eric haviam decidido nunca
ter filhos e, no entanto, ela agora estava cantando a canção de criança que seu pai costumava cantar para ela. Como seria o final? Seria "Eles correram atrás da
mulher do fazendeiro, ela cortou-lhe as cabeças com uma faca afiada?" Ou seria "Eles correram da mulher do fazendeiro?" Por que será que ela não conseguia se lembrar
do final da canção?
- Três ratos cegos - cantou ela, enquanto se ajoelhava e tentava desmanchar os nós dos lençóis. Pensando que poderia quebrar uma unha, levantou-se, foi até o balcão
para pegar a tesoura, que Carrie havia trazido para baixo, e cortou a corda, separando-a do pé da mesa.
- Três ratos cegos. - Ela levantou-se novamente, fez uma pausa para tomar um pouco de chá morno e, porque sabia que Sara e Carrie estariam ansiosas esperando por
ela, foi até a abertura na despensa e jogou os lençóis para baixo com certeza elas entenderiam a mensagem, pois ela havia jogado fora sua única chance de vida. Ouviu
uma delas gritar; deve ter sido Sara, pois, das duas, era ela quem tinha melhor coração.
- Três ratos cegos. Meu Deus, não consigo tirar essa música da cabeça - disse ela, enquanto fechava a porta da despensa. Ao perceber a bagunça na cozinha, foi até
a pia e lavou os pratos. Quando terminou, arrumou a mesa e as cadeiras, apagou as velas e subiu para o quarto.
Ela sentia-se velha, cansada e abatida e pensou que tudo se ajeitaria com uma boa noite de sono. Mas ainda tinha coisas a fazer. Definitivamente, teria de tomar
providências a respeito de sua aparência. Ela não podia entender como mulheres sofisticadas e com dinheiro, como Carrie e Sara, conseguiam usar moletons. Até o nome
daquilo era ofensivo. Eram calças usadas para suar e, para começo de conversa, senhoras distintas não deveriam suar. Não deviam sequer perspirar. Apenas as grosseiras
mulheres do
263
povo faziam coisas horríveis como suar, arrotar ou usar piercing... ou deixar que outras pessoas, como os médicos, mutilassem seus corpos. Então, seu adorado Eric
não lhe tinha dito como se sentia? Ele adorava o corpo dela e não podia suportar o que o cirurgião queria fazer.
Sentindo-se um pouco zonza, Anne apoiou-se no corrimão e começou a subir a escada. Depois de tomar um longo banho de chuveiro, enrolou os cabelos, escovou-os e fixou-os
com laquê. Ela demorou quase uma hora para decidir qual de seus conjuntos St. John vestir. O verde menta com os lindos botões prateados foi o vencedor, pois era
ao mesmo tempo elegante e chique. Ela vestiu os sapatos de salto prateados e colocou seus brincos favoritos, de brilhantes e platina. Os brincos tinham sido presente
de Eric, em seu último aniversário de casamento.
Ela já havia caminhado até o fim do corredor quando percebeu que se esquecera de passar perfume. Fez o caminho de volta e perfumou os punhos. Suspirando de contentamento,
apressou-se em descer a escada, mas parou no último degrau. O sol matinal havia transformado a sala de estar em um templo dourado. O espetáculo tirou-lhe a respiração.
Ela gostaria que Eric estivesse ali para ver aquilo. Sim, seria maravilhoso se ele pudesse ver isso.
Anne perdeu a noção do tempo que ficara ali. Dez minutos poderiam ter-se passado. Talvez vinte, ou mais. Finalmente, o medicamento fez efeito e ela ziguezagueou
pela sala, rindo de si mesma porque não podia andar em linha reta. Seria assim que se sentiam os bêbados e os drogados? Estaria ela completamente drogada? Tentando
focalizar a visão, chegou ao sofá, onde se atirou. Segundos depois, adormeceu.
Mesmo que não pudesse acreditar que isso fosse verdade, ela sabia ter chorado enquanto dormia, pois acordou com o rosto banhado em lágrimas. Ela fez um esforço para
sentar-se e limpou o rosto com as pontas dos dedos. Percebendo que tinha borrado a maquilagem, voltou ao quarto para dar um jeito no rosto. Enquanto fazia isso,
pensou ter ouvido um carro se aproximando. Ainda desorientada, firmou-se nos pés, ajustou as lapelas da jaqueta e foi até a janela da sala de estar para olhar. Sua
garganta estava tensa e instável.
Um Cadillac prateado apareceu, na curva da colina.
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- Quem seria, a essa hora da manhã? - Ela conferiu a hora em seu relógio Bulgari - outro presente de seu adorado Eric - e surpreendeu-se ao verificar que eram mais
de nove horas.
Quando o carro estacionou, Anne deu um passo para trás e escondeu-se na sombra. A porta abriu-se e uma mulher, com olhar ameaçador saiu do carro. Ela bateu a porta
e dirigiu-se à varanda.
Tinha uma aparência familiar, mas Anne não podia se lembrar onde a vira. Seu rosto estava retorcido de ódio e, apesar de Anne não conseguir ouvir o que dizia, sabia
que estava falando, pois seus lábios movimentavam-se.
Seria Jilly? A estranha tinha cabelos loiros, era alta e bem feita de corpo, exatamente como Carrie a descrevera; mas não era, de acordo com os padrões de Anne,
bonita. Talvez, se sua expressão não fosse tão hostil, ela pudesse ser considerada atraente. Mas não bonita.
Anne teve de concordar, no entanto, que sua pele era linda. A distância, parecia não ter manchas de qualquer espécie, o que fez com que Anne decidisse que, para
ter essa pele maravilhosa, devia usar a marca certa de creme facial. Ou estaria usando algum tipo de maquilagem pesada? Anne fez uma anotação mental para investigar
o assunto.
Seu corte de cabelo era um pouco curto e espetado demais, mas a cor era maravilhosa. Reflexos, pensou Anne. Ela se perguntou se a mulher lhe daria o nome de seu
cabeleireiro. Ela seria capaz de cometer um crime para ter reflexos como aqueles. Inesperadamente, sentiu-se inferiorizada com relação à sua aparência e passou as
mãos pelos cabelos, pensando que estivessem desordenados, por causa de seu cochilo no sofá.
- Meu Deus - balbuciou Anne ao ver o que a mulher carregava. Ela tinha uma lata de gasolina em uma mão e um machado na outra.
- O que ela pensa que está fazendo?
Como mantinha a cabeça abaixada, a mulher ainda não havia notado a presença de Anne, mas ao se dirigir para os degraus, Anne lembrou-se de onde a tinha visto antes.
Sua foto estava nos recortes de jornais que encontrara na cômoda. Sim, agora se lembrava. A mulher e seu ex-marido estavam brigando pela posse da casa.
265
Anne correu para o foyer e colocou-se diante dos painéis de vidro bisotado que emolduravam a porta. Agora, ela podia ouvir que a mulher dizia palavrões horríveis.
Anne colocou a mão na garganta. Estava chocada com tanta vulgaridade. A mulher deve ter dito umas dez vezes aquela palavra que começa por "F", furiosa com o juiz,
que lhe negara a posse da casa.
Ah... agora Anne entendia. O marido havia ganhado a ação. Anne não sentia a menor simpatia pela mulher vulgar. Era óbvio que ela não tinha sido uma boa esposa. Então,
não eram os maridos os responsáveis por todas as decisões importantes? Ele havia pagado pela casa. Ele tinha o direito de ficar com ela.
A mulher foi até os degraus da varanda, aos gritos.
- Aquele filho da puta pensa que vai levar minha casa e me deixar sem um tostão? Eu quero que ele se foda. Ele pensa que estou blefando. Eu disse que ele nunca voltaria
a morar aqui. Pois tenho uma surpresa para você, bastardo! Quando eu terminar de redecorar... - Ao ver Anne, ela imediatamente parou. Depois, berrou: - Quem diabos
é você e o que está fazendo na minha casa?
- Olá - saudou Anne. - O que você está fazendo com este machado e esta lata?
- Não é da sua conta.
- Eu agradeceria se você não dissesse palavrões na minha frente. Considero isso bastante ofensivo.
A mulher colocou a lata de gasolina no chão, soltou o machado e colocou a mão no bolso, de onde tirou uma chave.
- Será que o bastardo contratou uma governanta? - gritou ela, para que Anne pudesse ouvi-la através da porta.
- Posso lhe assegurar que não sou uma governanta.
- Abra a porra da porta.
- Oh, não acho que seja uma boa idéia.
A mulher colocou a chave na fechadura e tentou dar a volta. Quando percebeu que não funcionou, gritou com todos os pulmões:
- Quero que ele morra no fogo do inferno. Como ele se atreveu a trocar a fechadura? Como se atreveu? Ele sabia... ele tinha aquele juiz na palma da mão. Muito bem,
foda-se ele.
Ela tirou a chave da fechadura, atirou-a longe e encarou Anne. - Se você não abrir esta porta, vou usar este machado. Não se atreva a bancar a engraçadinha comigo,
sua puta desgraçada!
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- Você está me ameaçando?
- Abra essa maldita porta!
A expressão de escárnio foi a gota dágua. Lágrimas brotaram dos olhos de Anne quando ela abriu a porta e forçou um sorriso.
- Entre, por favor.
Houve um segundo de demora, longo o suficiente para que a mulher empurrasse Anne e pusesse os pés para dentro. A explosão destruiu metade da montanha.
Capítulo
24
Apesar de ser um trabalho em tempo integral, Monk achava estimulante acompanhar o ritmo de Jilly. Há anos ele não se sentia tão cheio de vida. É claro que, entre
os dois, o cauteloso era ele. Jilly, com seu entusiasmo de principiante, planejava seus grandes esquemas sem o mínimo de preocupação com detalhes mundanos, do tipo
ter o FBI rastreando um dos cartões de crédito que usara.
Monk era incapaz de culpá-la por seus erros. Em vez disso, ele recriminava-se por não ter destruído os cartões depois de usá-los. Guardava todos os seus cartões
de crédito, com diferentes nomes e endereços, em sua valise; e Jilly simplesmente servia-se dos primeiros que encontrava pela frente.
Entretanto, as conseqüências não foram tão más quanto poderiam ser. Agora, John Paul Renard estava envolvido e Monk estava absolutamente deliciado com o desenrolar
dos eventos. Ele sabia que Renard estava atrás dele por mais de um ano, e havia interceptado várias investigações que Renard tinha feito, em diversas agências do
fbi na Europa. Finalmente, Monk tinha a oportunidade de livrar-se da peste antes que lhe causasse mais problemas e ao mesmo tempo satisfazer os desejos de Jilly.
Antes de se decidirem a usar o Utopia para trazer as mulheres a Aspen, sua linda noiva havia se divertido como nunca, sentada à mesa por longas horas fazendo uma
anotação após outra. Oh,
268
ela adorava a intriga, a excitação e, acima de tudo, o perigo. Além do mais, estava ensinando Monk a se divertir. Sempre que ele fazia alguma coisa para agradá-la,
como concordar com alguma mudança repentina em seus intrincados planos, ela imediatamente o recompensava de maneiras extremamente criativas. Todas de natureza sexual.
Só de pensar em algumas coisas que ela fizera com ele, ou permitira que ele fizesse com ela, enrubesceria como um adolescente.
Ela estava transformando Monk num verdadeiro romântico e ele não via isso como uma fraqueza, pois estava completamente obcecado por ela. Ele acreditava, com todas
as forças, que se os jogos eróticos que praticavam não o matassem, os dois envelheceriam juntos.
Oh, sim, ela era uma obsessão. A primeira coisa que fazia ao abrir os olhos pela manhã era pensar nela e em sua segurança. Desde que ele se mantivesse alerta e cuidasse
de consertar os erros que ela cometia, estariam salvos.
Monk tivera de convencer Jilly a desistir de um de seus planos. Ela tinha especulado, brevemente, a possibilidade de raptar Avery e de sentar-se com ela para contar-lhe
toda a verdade sobre Carrie. Jilly era tão inocente! Ela acreditava que pudesse convencer a filha. Monk explicou-lhe, gentilmente que, depois de todos esses anos
de lavagem cerebral, Jilly jamais seria capaz de fazê-la entender que era, na verdade, uma mãe carinhosa e cheia de amor.
Ela não era, de maneira alguma, perfeita. Possuía uma visão distorcida sobre a maternidade e pensava que, por ter trazido Avery ao mundo, ela lhe pertencia. Ela
referia-se a Avery como se fosse uma propriedade e não uma pessoa; e Carrie havia tirado dela este precioso tesouro. Por longos anos, o ódio contra a irmã alimentara
a ferida, mas, quando se tratava de vingança, Jilly era extremamente paciente. Não importa quanto tempo levasse, ela se vingaria.
Ela insistia em ser a pessoa a apertar o botão e mandar a casa pelos ares. Ela prometera a Monk que não derramaria uma lágrima sequer pela morte da irmã. Carrie
era responsável por tudo isso. Ela era a razão de Jilly não ter alcançado sucesso na vida e, por causa dela, Avery a odiava. Se Carrie era responsável por todos
os fracassos de Jilly, seria justo que Jilly assistisse à morte da irmã.
269
Monk não se chocava com a honestidade brutal de Jilly. Afinal, quem era ele para atirar a primeira pedra? Ela o aceitara com todos os seus defeitos, e ele faria
o mesmo por ela.
Agora, ele estava tentando eliminar as pistas na mina abandonada. Jilly estava certa de que eles desceriam para explorar a mina e encontrar a próxima indicação de
onde encontrar Carrie. Então tudo o que Monk teria de fazer seria jogar alguns explosivos no poço, bloqueando a saída e ir juntar-se a Jilly em seu esconderijo.
Monk não acreditara que Renard caísse na armadilha; e estava certo. Ele pensara, no entanto, que seria capaz de acertar os dois e, depois, jogar os corpos no poço
da mina. Mas perdera a chance quando eles escalaram as pedras e pularam no rio.
Ele agora os seguia, metodicamente. Perdera um tempo precioso voltando até o carro e cruzando o rio, mas de carro ele havia recuperado algum tempo descendo a estrada
da montanha, para encontrá-los no local para onde, supunha, estivessem se dirigindo.
Renard não havia deixado nenhuma pista, mas conhecendo o estilo do ex-Fuzileiro Naval, Monk não se surpreendera. A pesquisa que fizera sobre Renard, deixara-o impressionado.
Ele acreditava que, em circunstâncias diferentes, poderiam ter se tornado amigos. Afinal de contas, eram muito parecidos. Ambos eram matadores profissionais. Monk
havia matado por dinheiro, enquanto Renard matava por honra. O que, no entanto, não o fazia superior. Ao contrário, Monk achava que isso fazia dele apenas um tolo.
Mesmo assim, ele teria gostado de ter a oportunidade de sentar-se com ele para tomar umas cervejas e conversar sobre façanhas passadas. Mas Renard nunca faria tal
coisa. O homem era honrado, além da conta. De acordo com a informação confidencial de seu arquivo, que Monk tinha conseguido acessar, Renard estava sofrendo de desilusão.
Mas Monk não acreditava em tamanho absurdo. Ele achava que Renard havia deixado o emprego quando sentiu que estava começando a gostar do poder que sentia, sempre
que puxava o gatilho. Dane-se a honra.
Estaria Renard curioso a seu respeito? Teria ele pensado na possibilidade de sentar-se com Monk para discutir a emoção de uma caçada, o prazer de matar? Monk gostaria
de saber. Talvez, se pudesse amarrá-lo e imobilizá-lo, pudesse sentar-se à sua frente e conversar com ele, como amigo, enquanto Renard sangrasse até a
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morte. Não seria maravilhoso conversar de igual para igual, poder sentir compaixão e contar vantagens?
Monk deu uma risadinha. E agora, quem estava fantasiando? Ele conferiu a hora e balançou a cabeça. Se não encontrasse o casal logo, teria de pegar o carro e ir ao
encontro de Jilly. Ela estava ansiosa para voltar ao refúgio da montanha e ver como estavam as coisas com a irmã. Nessa altura dos acontecimentos, as três mulheres
deveriam estar completamente enlouquecidas pelo terror. Exatamente como Jilly esperava que acontecesse.
Pare de sonhar e volte ao trabalho, disse ele a si mesmo. Monk pegou os binóculos e, novamente, perscrutou o terreno. Ele estava pronto para dirigir-se em direção
ao norte, quando viu a torre de observação, a uma milha de distância, de onde descia um guarda florestal. Monk observou até que o homem chegasse ao chão.
- Muito bem - sussurrou ele, enquanto fazia seus cálculos. - Ele tem o meu tamanho.
Exatamente uma hora depois, estava apoiado no corrimão, no alto da torre, olhando para as montanhas. Ao olhar para baixo, viu a camiseta branca do guarda florestal,
que matara com um tiro na testa, e do qual tirara a roupa que vestia.
Ele estava pronto para desistir da busca quando, inesperadamente, avistou o casal. O cabelo loiro de Avery, idêntico ao de sua mãe, brilhava na luz do sol. Monk
mal pôde acreditar em sua sorte. Ali estavam eles, descendo a encosta da montanha, rasgados e desgrenhados como se fossem maltrapilhos. Sua risada ecoou pelos ares.
Jilly adoraria saber disso. Ele sabia até o que ela diria. Ela diria que ele era mesmo um homem de muita sorte.
Ele concordaria, é claro. Mesmo sabendo que a sorte tinha tido muito pouco a ver com o fato de ter encontrado sua presa. Depois de estudar o mapa, previu que, se
não se afogassem, sairiam antes do precipício abaixo do Cruzamento dos Covardes.
Monk decidiu que iria encontrá-los. Ele desceu a escada e caminhou com a cabeça baixa, o rosto escondido pela aba do boné.
Quando chegou ao espaço aberto entre as árvores, virou-se e fingiu notá-los, quando estavam próximos ao pico. Ele levantou a mão e acenou.
Atrás dela, Avery ouviu John Paul dizer:
- Caia no chão, Avery. Rápido.
271
Ela não hesitou. Fingindo tropeçar, ela apoiou-se sobre um dos joelhos. John Paul veio até ela e abaixou-se, para colocar o braço ao redor de seu ombro e ajudá-la.
- Finja que se machucou.
Rolando para o lado, Avery pegou o tornozelo e fez uma careta de dor. Ela estava pronta para cair no choro.
- Ele não é um guarda florestal, não é verdade?
- Não.
Ela continuou a esfregar o tornozelo.
- Como você sabe?
- Pelo rifle dele. Guardas florestais não usam lentes de aumento em seus rifles.
Ela olhou para John Paul.
- Você conseguiu ver a lente dessa distância?
- Fui favorecido pela posição do sol - ele explicou. - Acho que é ele. Não posso afirmar com certeza que seja Monk, mas...
- Pensar que possa ser ele é o suficiente para mim - disse ela.
- Muito bem, vou ajudá-la a levantar-se. Apóie-se em mim e voltaremos a descer, mas iremos em direção ao oeste. Quando ele alcançar as árvores, teremos de correr
como loucos.
- Ele virá atrás de nós.
- Pronta?
Ele não deu a ela a chance de responder, mas puxou-a para perto de si, abraçando-a levemente.
- Manque - ordenou ele, mal-humorado, quando retomaram a descida. Eles estavam andando como dois bêbados em direção ao oeste.
Ele estava, deliberadamente, tentando mantê-los fora do alcance de Monk. Agora ele tinha certeza que o homem, vestindo uniforme de guarda florestal, era o matador,
pois ele não havia se movido de sua base ao pé da estrada. Qualquer guarda florestal teria ido ao encontro deles e oferecido ajuda.
- Ele está esperando que cheguemos onde possa nos acertar.
- Meu Deus!
- Você está com medo?
- O que você acha?
Ele sorriu com a resposta dela.
272
- Isso é bom - disse ele. - Muito bem, doçura. Comece a correr.
Ela disparou como uma flecha em busca da proteção das árvores. John Paul estava logo atrás dela e, quando olhou para trás, viu que Monk estava correndo atrás deles.
Eles tinham uma boa vantagem. Avery mantinha a liderança, sempre correndo, na esperança de cruzar a estrada abaixo de Monk; e rezando o tempo todo para encontrar
campistas ou guardas florestais verdadeiros, que pudessem ajudá-los.
Os ouvidos dela tiniam. Que som era aquele? Seria o vento assobiando nos galhos? Ou seria o barulho de uma arma disparando? Não, não era nada daquilo.
O barulho parou tão subitamente quanto havia começado; depois começou novamente, mais alto e estridente. Parecia um assobio.
- Você... escutou isto?.. - ofegou ele.
- Sim.
A seguir, ela ouviu o som de uma trombeta. Estaria ficando louca? Ela continuou a correr. Seus pé batiam na terra macia enquanto ofegava de exaustão.
Os músculos das pernas dela queimavam. De repente, ela perdeu o equilíbrio e teria caído de cabeça, se John Paul não tivesse reagido instintivamente e trazido Avery
de volta sobre os pés.
Ele diminuiu a marcha e manteve-se ao lado dela para apoiála, caso precisasse. Em seguida, saíram da mata, cruzaram a estrada e encontraram um grupo de escoteiros.
Antes que pudessem parar, John Paul passou por cima de uma tenda de cachorro, e atropelou um escoteiro mestre, que caiu no chão, enquanto sua trombeta voava pelos
ares.
- Um telefone celular - gritou Avery para o homem esborrachado no chão.
- Precisamos de um celular.
- Não existe sinal por aqui - respondeu ele, apoiando-se nos cotovelos. Seu rosto estava vermelho de raiva. - Com todos os diabos, quem vocês pensam...
John Paul estava freneticamente observando a estrada. Monk não teria escrúpulos em matar algumas crianças, desde que conseguisse botar as mãos em sua presa. Um dos
garotos gritou quando
273
viu a arma enfiada no bolso do jeans de John Paul. Ele lançou-lhe um olhar tão feroz que o garoto calou-se, imediatamente. Avery ajoelhou-se ao lado do líder.
- Ouça. Precisamos de ajuda. Tem alguém querendo nos matar. Onde podemos arranjar transporte? Responda, por favor! - implorou ela.
O terror dela impressionou-o.
- Temos um jipe aqui, mas meu Ford com tração nas quatro rodas está estacionado a meia milha daqui. As chaves estão no bolso de minha jaqueta, naquela barraca com
o número da tropa.
John Paul veio juntar-se a Avery, ajudando-a a levantar-se.
- Entre naquele jipe e tire as crianças daqui, imediatamente - gritou ele, enquanto arrastava Avery para um declive, escondendo-se atrás de uma árvore.
- Encontre um telefone e peça ajuda - ela gritou.
As pernas dela estavam tremendo e sabia que não poderia correr por muito tempo. Tentando dar um passo após outro e sentindo o coração alojado na garganta, lembrou-se
de que não tinham pegado as chaves.
- Eu preciso voltar... as chaves do carro.
- Não precisaremos delas - disse ele. - Agora vamos, doçura. Você está ficando sem forças.
Ela gostaria de poder esconder-se em algum lugar e esperar que John Paul viesse com as chaves. Ela tinha certeza de poder achar um lugar onde Monk não pudesse encontrá-la.
Dane-se. Droga, isso não é o que eu quero. Eu vou conseguir. Eu vou conseguir... Ela continuou com o mantra até que a dor que sentia do lado do corpo tornou-se insuportável.
Ela pensou se seria possível morrer, estando em pé. Chegou à conclusão que sim.
Seus olhos encheram-se de lágrimas quando viu o velho Ford estacionado perto de uma curva da estrada. John Paul passou por ela correndo. Ele quebrou o vidro de trás,
entrou no carro e destravou a porta da frente.
Avery correu para a porta do passageiro, enquanto ele abria a porta para ela. Em menos de 45 segundos, ele fez uma ligação direta, engatou a marcha e deu partida.
Ela ficou impressionada com a habilidade dele.
- Você foi delinqüente juvenil?
274
Enquanto ele fazia a curva, ela deixou-se desmontar no banco e sentiu que ia ter um colapso. Um soluço subiu-lhe pela garganta.
- Você está chorando?
- Não.
- Pareceu-me que sim. Ele olhou para ela com olhos afiados.
- Estou feliz. E, apressadamente, enxugou as lágrimas de alívio. Ele sorriu. Ele havia sentido a mesma coisa, mas não por muito tempo.
- Que inferno! - resmungou ele.
- O que foi?
- A estrada está dando uma volta... pode ser que ele esteja vindo em nossa direção... droga, é isto exatamente o que ele vai fazer e, aqui onde estamos, não temos
jeito de sair da estrada.
Ele inclinou-se para frente, tirou a arma do bolso e colocou-a no colo. Em seguida, abaixou o vidro e pegou a arma.
Desesperada, ela pegou sua arma e também abaixou a janela.
- O que diabos você está fazendo? - ele perguntou.
- Colocando-me em posição, como você.
- Não. Abaixe-se e fique assim. Se ele conseguir nos alcançar, estará do seu lado.
Ela ignorou a ordem.
- Avise-me quando eu tiver de começar a atirar. Nós nos abaixaremos, até conseguirmos passar.
O plano parecia bom e ela o tinha comunicado com firmeza, mas John Paul sabia que era apenas porque ela não acreditava que Monk pudesse descer a encosta tão depressa.
Ela percebeu que estava errada quando o viu antes de John Paul.
- Abaixe-se imediatamente - gritou John Paul.
A resposta dela foi soltar o cinto de segurança. Encostando-se na porta, ela colocou a arma para fora, apoiou o tambor no vidro retrovisor e esperou, tão abaixada
quanto podia. Quando Monk abaixou-se e apontou a arma, John Paul gritou:
- Agora!
Eles atiraram simultaneamente, várias vezes, enquanto avançavam em direção ao matador. Monk mergulhou na terra e, depois, rastejou um pouco para poder rolar no chão
e reposicionar a arma. Avery continuou atirando, mantendo-o rente ao chão, ao passarem.
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A estrada fez uma curva e começou a subir. Havia uma estrada de terra que virava bruscamente para o sul e os levaria novamente para baixo, mas John Paul sabia que,
na velocidade que estavam, o carro capotaria se tentasse fazer a curva.
- Estou sem munição - ele disse, enquanto esvaziava o pente. Ela estava se virando para olhar, quando John Paul agarrou-a
pelo pescoço e empurrou-a para baixo.
- Vá para o chão - ordenou ele.
Eles continuavam a subir e tinham chegado a outra curva, quando Monk atirou no pneu traseiro esquerdo.
O carro rodopiou. Eles saíram da estrada e quase bateram numa árvore parando, finalmente, quando bateram em uma pedra.
- Vamos - gritou ele ao sair, correndo para o outro lado do carro. Avery não fazia a menor idéia de onde estavam. A única coisa que sabia era que estavam novamente
correndo montanha acima. Seu coração, como as águas turbulentas, batia em seus ouvidos. Ela correu pela encosta íngreme e, de repente, parou.
- Não! - ela gritou.
John Paul parou ao seu lado.
- Diabos.
Olhando para o torvelinho de água abaixo, ela sentia vontade de chorar. Não, de novo, não. Balançando a cabeça ela disse:
- Eu não vou. Não posso. Você não pode me forçar. Quando ele a agarrou, havia compaixão verdadeira em seu
olhar.
Capítulo
25
Pitoresco uma ova! Se Avery se deparasse com outra corredeira, tinha certeza que nunca mais pararia de gritar. Neste exato momento, ela também não era capaz de ver
beleza alguma nos pinheiros. Na verdade, odiava todos eles. E, além de tudo, não conseguia sentir simpatia por John Paul. Ele a tinha jogado do penhasco como se
ela fosse um papel de bala e, ao cair, havia jurado que, se sobrevivesse, ela o mataria. Pelo simples prazer de fazê-lo.
Sabia que estava sendo irracional, mas não se importava. Seu mau humor intensificou-se quando cortou a perna em uma pedra afiada. Se estivessem no mar, o sangue
que escorria do corte teria atraído tubarões. Tentando ser positiva enquanto brigava para não se afogar, ela disse a si mesma que deveria sentir-se agradecida por
não ter tubarões por perto. Além disso, se comparada à terrível câimbra que sentira na perna, que quase fez com que se afogasse, sua perna não doía quase nada. John
Paul arrastou-a para a margem, carregou-a até as árvores, onde não pudessem ser vistos, e colocou-a no chão. Com um barulho surdo, ela caiu de lado.
Ele desmoronou ao lado dela.
- Não foi tão mal assim, não é?
Como ela tinha engolido água suficiente para encher uma piscina de fundo de quintal, estava muito estufada para responder a uma pergunta tão absurda. Tirando o cabelo
dos olhos, encarou-o.
278
- Você me empurrou do penhasco.
- Não foi tão mal quanto da primeira vez. Acho que dessa vez foram apenas seis metros - disse ele.
- Você me empurrou do penhasco.
Na verdade, ele não a tinha empurrado. Lembrava-se de tê-la atirado para que não batesse nas pedras próximas à base do penhasco.
Ele não achou que seria uma boa idéia mencionar o fato naquele momento.
- Havia outra alternativa?
Ela não estava pronta para admitir que não. Suas armas eram inúteis, se comparadas ao possante rifle de Monk; e ele continuava atrás deles.
- Não quero falar sobre isto. Ele sorriu.
- Onde foi parar a sua atitude positiva, doçura?
- No fundo do rio.
Ele levantou-se e ofereceu-lhe a mão.
- Vamos. Vamos dar o fora daqui.
Avery não sabia se teria forças para se levantar. Ela estava exausta, molhada e com frio. Dane-se, pensou ela.
- Certo - ela disse ao pegar a mão dele.
Quando ele a puxou, ela caiu sobre ele. Ele colocou os braços em volta de sua cintura e segurou-a, enquanto decidia por onde deviam seguir.
- Você não está cansado? - ela perguntou.
- Sim, estou.
Ela olhou para trás, para o rio.
- Talvez ele desista.
John Paul balançou a cabeça.
- Isso não vai acontecer. Ele é um profissional. Ele assinou um contrato e não vai parar de nos perseguir até...
- Que alcance seu objetivo?
- Ou até que eu o mate.
- Meu voto vai para a segunda opção.
Eles ouviram o riso de uma criança. Avery soltou-se dele e começou a correr em direção ao som.
- Espero que tenham um telefone.
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- Duvido que você consiga sinal. Ela foi forçada a sorrir.
- Aí está aquela negatividade que eu tanto adoro. Já estava começando a ficar preocupada, John Paul. Por um momento achei que você estivesse...
- O quê?
- Animado.
- Eu estava mesmo.
O tom da voz dele indicava que ela o havia insultado. Ela ria ao correr para o som. Se a razão de seu bom humor repentino era felicidade ou histeria, nem ela mesma
sabia. Uma família de cinco pessoas estava armando uma barraca ao lado de um pequeno riacho.
Após uma breve explicação, todos acomodaram-se na minivan e dirigiram-se para uma cidadezinha, pela qual o homem se lembrava ter passado quando subira a montanha.
Trinta minutos depois, eles chegaram à uma silenciosa comunidade chamada Emerson. O centro da cidade tinha quatro ruas. O pai parou a van na frente de um prédio
de dois andares. Assim que desceram do carro e fecharam a porta deslizante, o pai arrancou e saiu em disparada.
- Acho que você assustou-os - comentou Avery.
- Quanto mais cedo ele tirar a família dele de perto de nós, mais seguros eles estarão.
Considerando o tamanho do lugarejo, ficaram surpresos ao encontrar um posto policial. Dividindo o mesmo prédio, o posto policial estava espremido entre o corpo voluntário
de bombeiros, de um lado e uma lanchonete, do outro. Cada uma das três portas voltadas para a rua tinha uma placa colocada acima. Ao entrarem pela porta do meio,
deram num corredor espaçoso. Havia portas de vai-evem nos dois lados da parede. Uma dava para o restaurante e a outra para o corpo de bombeiros. O posto policial
ficava em frente.
O cheiro de hambúrgeres, cebolas e batatas fritas impregnava o ambiente, mas Avery não sentiu o menor apetite. Na verdade, sentiu-se nauseada. A falta de alimento,
a longa corrida, o frio e o terror haviam feito estragos. Ela sentia-se um farrapo. Caminhar da porta até o balcão, de repente, tornara-se um desafio maior que sobreviver
às corredeiras. Seus pés pareciam pesar uma tonelada, e ela teve de usar toda a energia que lhe restava para se movimentar.
280
John Paul percebeu que ela estava com problemas. Ela parecia definhar diante dos seus olhos.
- Você está bem? - ele perguntou, ao colocar o braço ao redor de sua cintura.
- Sinto-me como se a rigidez da morte tivesse se apoderado de mim - disse ela. - Não estou morta, estou?
Sorrindo, ele disse:
- Você ainda está respirando.
Ele olhou pela janela de vidro e viu o chefe de polícia sentado atrás da escrivaninha. Ele trabalhava numa pilha de papel que tinha ao seu lado. De vez em quando,
olhava para a televisão fixada na parede acima do balcão. Vestindo calças azuis e camisa branca, com o nome Chefe Tyler bordado no bolso, o homem soltou um bocejo
ao pegar uma folha de papel.
Uma mulher, que devia ter por volta de setenta anos, estava em pé atrás do balcão, de costas para a porta. O cabelo dela era tão branco quanto o rosto de Avery.
Ela parecia hipnotizada pelo que via na televisão.
Ao abrir a porta, John Paul pôde ouvir o que ela dizia.
- Eu não disse que alguma desgraça ia acontecer? Eu não disse, Bud?
- Sim, Verna. Você me disse.
- Eu não disse que ele estava procurando sarna para se coçar? - perguntou ela. - Derrubando todas aquelas lindas árvores e escavando a montanha só para construir
aquele monumento. Parece que a Mãe Natureza resolveu se vingar, não é?
O chefe não estava prestando muita atenção.
- Sim - resmungou ele, enquanto continuava a passar os olhos pela folha de papel que tinha nas mãos.
- Se você quer saber, ele é um vilão. Sinto pena da esposa dele.
- Você quer dizer ex-esposa, não é?
- É verdade. Ele livrou-se dela para ficar com uma modelo mais novo. O que considero um crime, se você quer saber. Coitadinha. Ele acostumou-a na boa vida e depois
puxou o tapete dela.
O chefe estava claramente exasperado. Ele deixou que o papel lhe caísse das mãos e olhou para a televisão.
- Coitadinha? Você não assistiu à entrevista que fizeram com ela no mês passado? Acho que ele foi louco ao casar-se com ela.
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- Mas como ela vai viver agora?
- Ela pode arrumar um emprego e trabalhar, como todo mundo. Ninguém a obrigou a assinar aquele contrato pré-nupcial.
John Paul e Avery estavam ouvindo a conversa. Eles entraram quando Verna estava contando ao chefe que tudo fora uma grande pena. O chefe notou a presença deles,
mediu-os com o olhar e levantou-se.
- O que aconteceu com vocês?
- E uma longa história.
- Ficarei feliz em escutá-la.
Avery separou-se de John Paul e andou até o balcão. Verna arregalou os olhos ao vê-la aproximar-se.
- Meu nome é Avery Delaney - disse ela.
- Você está encharcada. O que, em nome de Deus, aconteceu com você? Você está em frangalhos.
Avery não sabia por onde começar. Ela viu John Paul apertar a mão do policial e sentar-se na cadeira que ele lhe ofereceu. Ela decidiu deixar que ele se encarregasse
das explicações.
- Posso usar o telefone? - ela perguntou. - Preciso ligar para o FBI.
Os olhos de Verna pareciam querer pular para fora das órbitas. Ela olhou por sobre o ombro e disse:
- Bud? A moça quer ligar para o FBI.
- Deixe-a usar o telefone - disse o chefe. Ele estava debruçado sobre a escrivaninha, ouvindo, atentamente, enquanto John Paul lhe explicava a situação.
Verna colocou um antigo aparelho telefônico preto sobre o balcão.
- No andar acima do corpo de bombeiros tem chuveiros e camas limpas. Enquanto você faz a ligação, pegarei uns cobertores para vocês. Seus lábios estão tremendo.
Você ficará hipotérmica, se não se aquecer logo.
- Obrigada - disse ela. - A senhora é muito gentil. Avery pegou o telefone e colocou-o de volta. Exausta, não
conseguia se lembrar do número do chiqueiro. Fechou os olhos para pensar. Seria trêsnove-nove ou nove-três-nove?
Talvez ela pudesse ligar para Carter. Qual era mesmo o número de seu telefone particular? Foi quando ela ouviu John Paul
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perguntar ao chefe se ele tinha ouvido falar de uma propriedade chamada Terra Entre os Lagos.
- Todos em Colorado ouviram falar desta propriedade.
- Fica muito longe?
- Bastante distante daqui, ele disse. - E, depois de toda a confusão que aconteceu por lá, vocês não conseguirão chegar perto. Agora a polícia já deve ter interditado
a área. A melhor maneira de ver o local é pela televisão.
Como não estava entendendo o que o homem dizia, John Paul olhou para a tela.
Nove-três-um. Era isso. Avery pegou o telefone e começou a discar. Enquanto levava o receptor ao ouvido, Avery deu uma olhada para a televisão. Ela congelou e o
número de telefone foi novamente esquecido.
Um jornalista local anunciou que tinham novas imagens sobre o desastre feitas por um caminhante, que filmara a explosão com sua câmera.
- A decisão do juiz foi anunciada às oito e quinze desta manhã, dando a posse da mansão a Dennis Parnell. Para aqueles que acabaram de ligar a televisão, eu repito.
Esta manhã, a mansão Parnell, conhecida como Terra Entre os Lagos, foi destruída por uma explosão.
Quando Avery desmaiou, o telefone espatifou-se no chão.
Capítulo
26
Entorpecida pelo choque e pelo desespero, Avery não podia mover-se. Carrie estava morta. Carrie, que havia lhe dado amor incondicional, sempre. Mesmo quando Avery
deixara-a enlouquecida com sua escolha profissional.
E Avery havia falhado. Carrie ainda estaria viva se Avery tivesse sido mais rápida e inteligente. Todo o tempo desperdiçado correndo de um lugar para outro, seguindo
as ordens da mulher do telefone que, com suas mentiras, a fizera acreditar que pudesse salvar Carrie. Ela deveria ter encontrado uma maneira de salvar Carrie e as
outras senhoras. Agora, era tarde demais.
John Paul segurou-a nos braços e deixou-a divagar; numa longa ladainha na qual se culpava sem parar.
Verna forçou Avery a tomar uma sopa que preparara. Depois, levou-a para o andar de cima e colocou-se de sentinela do lado de fora da porta do banheiro, enquanto
Avery tomava um banho. Ouvindo os soluços de Avery, a velha senhora repetia:
- Coitadinha.
Quando Avery terminou, Verna deu-lhe uma das camisetas cinza do chefe e levou suas roupas para lavar.
Verna cuidava de Avery como uma galinha choca. Ela fez com que se sentasse em uma das camas e sentou-se no chão com um estojo de primeiros socorros. O corte na perna
não era profundo,
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mas precisava ser tratado. Sobre ele, Verna aplicou uma considerável quantidade de iodo e fez um curativo com gaze.
Quando terminou, colocou Avery na cama e desceu para prepararlhe uma xícara de chá quente. Alguns minutos depois, quando voltou para perguntar se Avery queria um
pouco de leite no chá, ela já estava dormindo.
John Paul estava esperando ao pé da escada.
- Ela está bem?
- Está dormindo. Ela está exausta e precisa descansar. John Paul concordou e voltou para junto do chefe, que estava
ao telefone, verificando se ele era quem realmente dizia ser. Ao conseguir a informação, sua atitude tornou-se mais aberta e amigável.
- As tropas estão a caminho - ele disse. - Sei que você deve estar faminto, por isso liguei para o restaurante e pedi que lhe trouxessem comida.
- Obrigado - disse John Paul.
- Pedi informações a seu respeito. Você foi Fuzileiro Naval - disse ele.
- Sim.
- Eu também estive no Exército - disse ele. - Passei por West Point e, depois, fui escalado para trabalhar na Alemanha. Meu melhor amigo era um Fuzileiro Naval,
ótima pessoa. Ele morreu ano passado e sinto muita saudade dele.
John Paul não estava entendendo porque ele estava lhe contando aquela história.
- Ouvi dizer que você é muito bom no manejo de armas - continuou Tyler. - Você acha que teremos problemas? Estamos sozinhos até que o FBI consiga chegar aqui.
- Se Monk souber onde estamos, é provável que venha até aqui para terminar a tarefa. Mas não acredito que saiba, e meu palpite é que tenha voltado ao seu esconderijo
para se reorganizar. É o que eu faria.
- Não podemos nos arriscar - disse Tyler ao se levantar e caminhar em direção a um armário, do outro lado da sala. Ele tirou uma chave do bolso e abriu o cadeado.
Quando abriu a porta, John Paul sorriu ao ver que ele tinha um arsenal à sua disposição.
- Você está realmente preparado para tudo, não é? - perguntou ele, em tom de aprovação.
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O chefe sorriu.
- Às vezes tenho de sair atrás de algum urso esquisito.
- Você vai atrás deles com uma M19111?
- Não, esta é uma relíquia dos meus tempos de Exército. Pode escolher - autorizou ele. E, virando-se para a sua assistente, disse:
- Verna, vá para casa e fique com sua filha até que isso termine.
- Eu não quero deixar a garota sozinha no andar de cima. Ela precisa de conforto. Estou preocupada que ela entre em choque.
- Ela é mais forte do que parece - disse John Paul. - Eu posso conso... Eu cuido dela.
Ele quase havia dito que consolaria a moça, mas corrigiu-se a tempo. O que estava acontecendo com ele? Ele não tinha a menor idéia do que fazer para que Avery se
sentisse melhor. A única coisa que sabia era que não queria que ela chorasse nos ombros de outra pessoa, e isso não fazia o menor sentido para ele. Ela o deixava
confuso, virava seus pensamentos de cabeça para baixo e colocava todo o tipo de idéias impossíveis em sua cabeça. Ele não conseguia entender como ou por que ela
havia se tornado tão importante para ele. Tudo o que sabia era que um impulso o levava a se fazer responsável por sua segurança. A qualquer custo.
Proteger e servir. Se continuasse a pensar assim, ele se colocaria novamente do lado da lei e da ordem. O pensamento fez com que John Paul sentisse um calafrio.
O chefe interrompeu seus pensamentos.
- As portas são fortes e têm cadeados duplos. Tem uma porta para os fundos que tem uma janela de vidro, na qual coloquei um alarme pelo arsenal que tenho guardado.
A cidade inteira ouvirá se alguém tentar entrar aqui.
John Paul examinou o lugar. Quinze minutos depois, ele e Tyler estavam satisfeitos com a segurança. Ele comeu e depois su biu para tomar uma ducha e vestir o abrigo
e a camiseta que Tyler havia lhe emprestado. Quando saiu do banheiro, Verna esperava por ele com um saco de lixo para coletar suas roupas molhadas.
1 A pistola Ml911 é um ícone cultural da América, no que se refere ao que existe de melhor em armas auto-recarregáveis para combate. Criada por John M. Browning,
no início do século XX, foi adotada pelo Exército no ano que deu origem ao seu nome.
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- Meu genro trará as roupas de volta, assim que forem lavadas - ela disse, ao descer a escada. - Tome conta dela, entendeu?
- Não se preocupe - prometeu ele.
Tyler insistiu que cuidaria de tudo para que John Paul pudesse descansar um pouco. Ele não discutiu.
Ele tentou não fazer barulho enquanto ia para o quarto de Avery, onde estavam quatro camas arrumadas e alinhadas contra a parede. Tyler dissera-lhe que, quando o
prédio foi construído, havia planos de ter um departamento de bombeiros funcionando 24 horas por dia, mas que a cidade não tinha se desenvolvido como esperado e
o orçamento acabou não permitindo que contratassem bombeiros. Atualmente, trabalhavam apenas com voluntários.
Através da janela, que John Paul percebeu estar destrancada, avistava-se o vale atrás do prédio e havia uma escada de incêndio alguns metros de distância, à esquerda.
Ele trancou a janela e sentou-se na cama ao lado da de Avery.
Ela estava deitada de costas. Ao olhar para o seu rosto, que estava imaculadamente limpo e seus cabelos ainda molhados, achou que fosse a mulher mais linda que já
vira. Ela parecia um anjo, mas tinha uma veia mandona que ele já tinha experimentado. Ele gostava da maneira como ela o enfrentara e defendera suas idéias. A atitude
dela também o agradava, pois se parecia com a dele antes de deixar de ser ingênuo.
Ele chegou à conclusão que seu cansaço era a causa de seus pensamentos tolos. Quando o FBI chegasse, ele iria embora. As coisas eram, afinal, muito simples. Ele
lembrou a si mesmo que Avery era o tipo de pessoa que acredita em trabalho de equipe; e ele deixaria que sua equipe cuidasse dela.
- Maldição - resmungou ele, ao deitar-se.
Tyler acordou-o depois de duas horas de sono. John Paul ouviu alguém subindo as escadas e, quando abriu a porta, tinha a arma na mão e estava pronto para atirar.
O chefe esperou até que ele baixasse a arma e entrou no dormitório.
- Temos visitas - sussurrou ele. - O FBI está aqui e os responsáveis querem falar com você.
Avery ainda dormia. Ela havia chutado as cobertas e tinha uma perna pendurada de um lado da cama. Havia um curativo
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acima de seu tornozelo. A gaze estava manchada com pontos de sangue seco. Quando ela se machucou? Com cuidado, ele levantou a perna dela e colocou-a novamente sob
as cobertas. Por que não lhe disse nada?
Ele sabia a resposta para a última pergunta. Ela jamais pensaria em reclamar.
Ele ficou irritado ao pensar na entrevista que teria de enfrentar com os agentes do FBI. Se o líder do grupo fosse como muitos que John Paul conhecia, seria arrogante
e prepotente. Do tipo "faça tudo do meu jeito".
Assim que terminou de lavar o rosto, estava pronto para a briga. Na verdade, estava até ansioso por isso. Ele até gostaria que o cara fosse um idiota porque, naquele
momento, sentia uma vontade incontrolável de dar uns chutes bem dados.
Infelizmente, o agente Knolte não era nem idiota nem prepotente. O agente de rosto sardento era inteligente, cooperativo e sincero e, tratando-se de estratégias,
sabia do que estava falando. Ele havia se informado e sabia tudo sobre Monk.
Havia apenas dois problemas com o agente Knolte. O primeiro era que ele parecia ter doze anos de idade. Impressão que o topete e o aparelho ortodôntico apenas aumentavam.
O que eles estavam fazendo no Bureau, atualmente? Recrutando agentes na escola fundamental? O segundo problema era monumental: Knolte era um livro de regras ambulante.
- Sr. Renard, é um prazer conhecê-lo - disse Knolte, estendendo a mão enquanto quatro outros agentes ansiosos amontoavam-se ao lado dele.
- Nós sabemos do resgate do refém na América do Sul e quero que saiba que considero um privilégio poder trabalhar com o senhor.
John Paul olhou Knolte nos olhos.
- Eu nunca estive na América do Sul.
- Mas eu falei com...
- Nunca estive lá.
- Sim senhor, se o senhor diz que não... - Knolte concordou, rapidamente.
Um outro agente adiantou-se.
- Senhor, imaginamos que a CIA deva estar exultante ao saber que o senhor decidiu voltar ao trabalho depois de uma longa licença.
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John Paul não olhou para o homem ao responder.
- Eu não estava de licença. Aposentei-me e continuo aposentado. - Depois, sem perder tempo, perguntou: - Quantos anos tem, agente Knolte?
A pergunta não desconcertou o homem. - Sou mais velho do que pareço - respondeu ele. - Deixe-me introduzi-lo à minha equipe.
Subitamente, John Paul viu-se rodeado de agentes ansiosos por apertar-lhe a mão. A atenção exagerada não caiu bem. No final do corredor, Tyler observava o espetáculo.
Quando John Paul olhou para ele, o homem de meia-idade balançou a cabeça e resmungou alguma coisa sobre o maldito fã-clube.
- Teremos que entrevistar a senhorita Delaney - disse o agente Brock.
- Não até que ela tenha descansado - disse John Paul. - Você pode começar falando comigo.
A entrevista durou uma hora. Durante esse tempo, houve várias interrupções, pois Knolte estava recebendo informações sobre a explosão, de um outro agente. Ele disse
a John Paul que estavam usando cães na busca dos corpos e já tinham localizado dois deles. Pelos restos do veículo estacionado na área, sabiam que uma das mulheres
era a ex-esposa de Dennis Parnell, dono da casa.
A espera para a descoberta dos outros corpos foi tensa e cruel. Em determinado momento, Knolte recebeu outro telefonema e passou o receptor para John Paul.
- Você vai gostar de ouvir essa.
No minuto seguinte, John Paul galopava escada acima. Knolte poderia jurar que o homem mal-humorado sorrira por um segundo.
Avery não acordou com o barulho da porta do dormitório, que bateu contra a parede quando John Paul entrou, disparado, dormitório adentro.
Ele acordou-a.
- Abra os olhos, querida. Vamos lá, Avery, acorde.
Avery demorou a responder. Ela sentia-se desorientada, como se estivesse drogada. Finalmente, abriu os olhos e esforçou-se para sentar.
- Já está na hora de irmos?
- Carrie está viva.
Ela apertou os olhos e olhou para ele, balançando a cabeça e tentando entender o que ele dizia:
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- Viva? Como assim? A casa...
- Ela conseguiu escapar antes da explosão. Não sei como conseguiu, mas ela está bem.
Avery teve uma crise de choro. John Paul sentou-se ao lado dela e trouxe-a para o seu colo. Ele abraçou-a e deixou que chorasse. Quando finalmente acalmou-se, ela
perguntou:
- Todas conseguiram escapar? Onde está Carrie agora? Eles ligaram para o tio Tony? O coitado deve estar enlouquecido. Primeiro, dizem a ele que ela está morta e,
depois, que está viva. Espero que ele tenha um coração forte.
John Paul não sabia que pergunta responder primeiro. Carrie está em um hospital, em Aspen. Ela afastou-se dele.
- Por que ela está no hospital? Você me disse que ela estava bem.
- Ela está bem - insistiu ele. - Mas a juíza machucou um dos joelhos ao descer uma encosta íngreme, explicou. Carrie torceu um tornozelo e fraturou um braço, mas,
mesmo assim, foi capaz de arrastar alguns galhos para se cobrirem e passaram o resto da noite escondidas. Elas foram encontradas por um dos cães policiais - acrescentou
ele.
- Foram levadas para o hospital e a juíza está sendo operada.
- E a outra senhora? Elas eram três... não é?
- Anne Trapp. Ela não quis sair da casa.
- Por quê? Por que ela não sairia?
- Eu não sei. Você terá de perguntar a Carrie. Talvez Knolte já saiba a razão.
Avery levantou-se e quase caiu ao tropeçar em sua sacola e no saco de dormir.
- Como essas coisas vieram parar aqui?
- O chefe chamou um amigo, que conseguiu fazer meu carro funcionar e o trouxe até aqui.
Avery estava tão aliviada e exultante que sentiu-se fraca e zonza. Ao mesmo tempo que queria chorar, sentia vontade de rir e de beijar John Paul. Oh, ela realmente
queria muito mais que simplesmente beijá-lo. O que havia de errado com ela? Talvez a causa daquelas sensações estranhas fosse o excesso de endorfina.
Ela tentou reorganizar-se mentalmente. Agora, era preciso que se concentrasse em Carrie. E em tio Tony.
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- Alguém ligou para o meu tio?
- Sim - ele respondeu. - Ele está feliz, mas assustado, e quer pegar o próximo vôo para Aspen.
Ela assentiu, aprovando.
- Quem está lá embaixo? - perguntou enquanto ajoelhavase e abria o zíper de sua sacola.
- O FBI - disse ele. - Tem cinco deles lá embaixo, todos falando em seus telefones celulares. Eles tomaram posse do posto policial e o chefe Tyler não está nem um
pouco contente com isso. Tyler é um cara legal - ele continuou. - Ele também não gosta muito do Bureau.
Ela virou os olhos.
- Fique sabendo que seu preconceito é infantil, John Paul. Ela tirou um par de calças caqui da sacola.
- É melhor que eu desça para descobrir o que eles fizeram até agora. Alguma notícia de Monk?
- Não - respondeu ele, olhando para as pernas dela e reparando que eram longas e terrivelmente bem torneadas. Um pensamento levou a outro e mais outro e, antes que
pudesse evitar, estava imaginando as pernas dela presas em sua coxa.
John Paul olhou para a parede atrás da cabeça de Avery.
- Você não pode descer assim.
- Assim como? Eu vou vestir as calças - ela disse. - E, desde quando você se importa com a minha aparência?
- Eu não me importo - respondeu ele, mal-humorado. - Mas posso ver o que está por trás da malha surrada desta camiseta.
Ela olhou para baixo e balbuciou "Meu Deus!", e puxou o lençol da cama e enrolou-se nele o mais depressa que pôde. Ao fazer isso, deixou que as calças caíssem de
suas mãos.
- Por que você não me disse antes? - perguntou ela, enrubescendo.
- Por que eu faria uma coisa dessas?
Havia lascívia em seu sorriso. Balançando a cabeça, ela disse:
- Preciso ver a Carrie o mais rápido possível. Ela deve estar ensandecida com tudo o que aconteceu.
Seu sorriso se desvaneceu.
- Não acho uma boa idéia - disse ele. - Sente-se, Avery. Precisamos conversar.
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O tom de sua voz indicava ser algo sério. Ela sentou-se ao lado dele.
- Você acha que não devo ver Carrie?
- Não é isso. Fale com ela por telefone, se quiser certificar-se que ela esteja bem, mas não vá até lá.
- Por que não?
- Porque é isso que o FBI quer que você faça - ele disse. -
O agente encarregado das ocorrências em Aspen disse a Knolte...
Ela interrompeu.
- Quem é Knolte?
- O agente adolescente encarregado do caso - explicou. - Ele me falou sobre o plano. Eles querem colocar você, Carrie e a juíza sob proteção até pegarem Monk, e
eu não acho que esta seja uma boa idéia.
- John Paul, eles sabem o que estão fazendo.
- Você acha? Pois o Monk é tão bom ou melhor que eles - respondeu ele. - E se você ficarem juntas, tudo será muito mais fácil para ele.
Avery emudeceu. Ela concordou, em silêncio, mas sentiu-se desleal com o FBI ao admitir suas reservas.
Ela tentou levantar-se, mas ele colocou as mãos sobre seus ombros.
- O que você está fazendo?
- Abraçando você, para evitar que bata a cabeça no chão quando desmaiar.
- Ouça - disse ela. - Quando caí... lá embaixo... foi a primeira vez que desmaiei, na vida. Eu não sou uma fracote. Eu estava cansada e estressada... muito estressada.
Não vou desmaiar agora. Solte-me. Quero me vestir para falar com o agente Knolte.
- Daqui a pouco - prometeu ele, segurando-a com firmeza. - Tem mais uma coisa que preciso saber.
- O que é?
Ele não estava encontrando as palavras e precisava encontrar a melhor maneira para dizer-lhe.
- Vai ser muito difícil...
- Eu agüento. Pode me dizer. - Ela relaxou os ombros e disse:
- Desculpe, eu não queria ser grosseira com você. O que é?
292
- Carrie sabe quem é a mulher que está com Monk. Ela inclinou a cabeça para o lado.
- Ela a conhece?
- Sim. - Ele respirou fundo. - E você também.
- Ora, John Paul, pare de me enrolar. Diga logo, exigiu ela.
- Jilly. Carrie disse que o nome dela é Jilly.
A reação de Avery surpreendeu John Paul. Ela não desmaiou, não chorou; ela não argumentou e não tentou mascarar a realidade. Ela deu um rugido.
Capítulo
27
- Arranje-me uma arma, John Paul. Quero uma arma agora. E quero que seja bem grande.
Ela parecia um anjo vingador, ao andar ao redor do quarto. Segundos depois, parou a poucos centímetros dele, cutucou seu peito e repetiu sua exigência.
O chefe Tyler estava próximo à porta do dormitório, transferindo o peso de um pé para o outro, enquanto esperava que um dos dois lhe desse alguma notícia.
- Ela estará morta, quando eu terminar de acertar as contas com ela - rosnou Avery. - Eu quero uma arma.
O chefe tentava acalmar a fúria da mulher.
- Vamos, Srta. Delaney, não diga bobagens. E se alguém realmente atirar em sua mãe? Se a senhorita continuar a fazer ameaças, a polícia pensará que foi a senhorita
quem cometeu o crime. Entendo que esteja indignada, mas...
Ela virou-se para confrontar o policial.
- Jilly não é minha mãe. Ela é a mulher que me trouxe ao mundo, mas nunca foi e nunca será minha mãe. Quero que isto fique bem claro, entendeu?
Tyler assentiu, rapidamente. A fúria de Avery era tão intensa, e ele ficou tão surpreso com a mudança de seu comportamento, que não sabia como proceder. Quando ele
a encontrara, era uma criatura doce e agradecida e, agora, parecia uma fera.
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O chefe virou-se para John Paul em busca de socorro.
- Esta não pode ser a mesma mulher que encontrei. Ela não tem uma irmã gêmea, tem?
- Não, sem irmãs gêmeas - disse ele. - Ela tem um temperamento forte. Ele fez com que o comentário soasse como um elogio.
O chefe pensou que John Paul estivesse tentando amenizar as coisas.
- Será que você não pode fazê-la raciocinar? Ela não pode sair daqui, carregando uma arma e pensando que pode assassinar sua própria... - Ele interrompeu-se a tempo.
- Se ela não é sua mãe...
- Não é.
- Então, como devo chamá-la? Avery não hesitou.
- Doida varrida - chicoteou ela. - Desvairada, psicopata. Pode escolher. Mas não a chame de minha mãe.
- Sim, senhorita.
Apaziguada, ela suspendeu o lençol até o pescoço, pegou sua sacola e dirigiu-se, de cabeça erguida, para o banheiro.
- John Paul?
- Sim?
- Arranje-me a porra da arma.
A porta fechou-se atrás dela, antes que ele pudesse responder. Tyler cocou o queixo e perguntou:
- O que você vai fazer com ela? John Paul encolheu os ombros.
- Dar-lhe uma arma.
Tyler entrou no quarto e fechou a porta.
- Você vai deixar que a levem para Aspen? Você ouviu o que eles disseram. Eles querem colocá-la com a tia e a juíza, juntas em uma casa, até que capturem o homem
contratado para matá-las.
- Sim, eu ouvi o que disseram.
- Se você quer a minha opinião, eles estão colocando três ovos em uma cesta e acho que isso tem a ver com limitações de orçamento. Eles vão precisar de menos gente
para mantê-las juntas, mas se esse matador profissional... como é mesmo o nome dele?
- Monk - disse John Paul.
295
- Se ele for bom de verdade, ele as encontrará. Tudo o que ele precisa fazer é ficar de tocaia perto do hospital e seguir a juíza. E é exatamente isso que fará.
John Paul concordou.
- Eu também ouvi Knolte dizer que vai mantê-las juntas.
- Mas você não ouviu o resto do plano, porque já havia subido para dizer a Avery que sua tia está viva. Você sabia que tem um julgamento importante se aproximando?
- Não, eu não sabia.
O chefe diminuiu o tom de voz e continuou. Ele aproximouse de John Paul, mesmo ouvindo o barulho do secador no banheiro e sabendo que seria impossível que Avery
os ouvisse.
- Um homem chamado Skarrett vai novamente a julgamento. Você já ouviu falar dele?
John Paul ficou tenso.
- Sim - disse. - Então, ele terá um novo julgamento? Quando?
- Deve começar dentro de três semanas - disse ele. - Knolte estava ao telefone, argumentando com outro agente que lhe dava ordens. Quando ele desligou e me viu olhando
para ele, ele fechouse em copas até que eu dissesse a ele que ia subir para ver se a garota estava bem. - Ele sorriu ao acrescentar: - E claro que não subi imediatamente.
Fiz um pouco de barulho ao subir alguns degraus, voltei para baixo e fiquei um pouco no vestíbulo, para ouvir o que ele dizia aos outros.
Ele prestou atenção ao barulho do secador, antes de continuar.
- Se eles não conseguirem botar as mãos em Monk antes do julgamento, eles não deixarão que Avery e sua tia prestem depoimento e, pelo que pude presumir, o responsável
pela equipe não acha que seria tão mal assim se Skarrett conseguisse a liberdade.
John Paul ficou atônito.
- Você tem certeza?
- Claro que sim - disse ele.
- Por que diabos eles...
- Eles esperam que Skarrett os leve ao tesouro que escondeu antes de ser preso. Parece que ele assaltou uma joalheria e roubou vários milhões em pedras brutas, que
eles esperam recuperar.
- Então eles pretendem facilitar as coisas para que Skarrett saia da prisão?
296
- Avery é uma testemunha vital - observou Tyler. - E se ela não testemunhar... - Ele não completou o pensamento.
John Paul ficou abalado com as numerosas possibilidades do que poderia e, com certeza, sairia errado. Sua voz exalava sarcasmo ao dizer:
- Que maravilha! Esse é um plano fadado a dar em merda. Tyler concordou plenamente.
- Eu também acho. Você vai contar a Avery? Uma vez que eles a tenham em segurança na casa, ela não poderá sair de lá.
- Vou deixar que Knolte lhe diga - ele disse. - Avery é funcionária do FBI e acredita em trabalho de equipe.
- Uma idealista, hein?
- Acho que sim.
- Isso não é nada bom. E você? O que vai fazer?
- Acho que vou me retirar - disse ele. - Não existe razão para continuar aqui.
- Você acha que Monk vai dar um tempo?
- Sim, acho - disse ele. Mas não por muito tempo. Ele se comprometeu a matá-las e, quando souber que Carrie e a juíza ainda estão vivas, voltará. Ele tem de fazer
isso, sua reputação está em jogo. Ele continuará atrás de Avery também.
John Paul tinha certeza que ele atacaria novamente, e quantas vezes fossem necessárias, até que terminasse o trabalho. Foi como se Tyler tivesse lido seu pensamento.
- Então, você acha seguro deixar que aqueles garotos lá embaixo cuidem da segurança de Avery? Acha que vai funcionar?
- Ela é uma mulher forte e inteligente, que pode cuidar de si mesma.
Tyler pareceu desapontado com ele.
- Se você acha que é isso o que tem de ser feito... Mas se você decidir fazer outra coisa, devo dizer que tenho uma pequena cabana escondida nas montanhas. Como
pretendia passar alguns dias lá, estoquei a despensa. Com um pouco de leite, ovos e outros alimentos refrigerados, tudo estará preparado. Se você estiver indo na
direção de Denver, não terá de se desviar muito de seu caminho. Seria um bom lugar para se esconder até que você e Avery decidam o que fazer... sobre o julgamento
e todo o resto.
John Paul tentou interrompê-lo, mas Tyler continuou.
297
- Lá tem um celeiro onde guardo o meu carro. Posso escrever as instruções de como chegar lá e dizer-lhe onde a chave da cabana está escondida... se você estiver
interessado. Pense no assunto e deixe-me saber antes de partir. De qualquer maneira, vou escrever as instruções agora mesmo.
Quando terminou de falar, saiu do quarto e foi para baixo. John Paul não tinha a mínima idéia do que fazer. Depois de algum tempo pensando na situação, disse um
palavrão e pegou suas coisas para levar para o carro. A assistente do chefe tinha devolvido suas roupas lavadas, que estavam dobradas ao lado das de Avery, no degrau
ao pé da escada. Ele colocou as suas na sacola, subiu as escadas e colocou as de Avery sobre uma das camas antes de sair.
O amigo do chefe havia estacionado o carro de John Paul no beco entre os prédios, embaixo das janelas do dormitório. Ele jogou a sacola no banco traseiro da caminhonete
e decidiu despedir-se de Avery. Afinal, não poderia ir embora assim, sem mais nem menos. Seria decente que se despedisse e desejasse-lhe boa sorte.
Se ela me pedir para ficar, ficarei, disse a si mesmo. Se não pedir, boto o pé na estrada. As coisas eram bem simples. Ela não precisa de mim, mas, se pedir...
Ele ficou gelado ao entrar no quarto e quase tropeçou nos próprios pés quando a viu. Ela estava ao lado da janela, de braços cruzados, esperando por ele.
- Por que você está me olhando assim? - perguntou ele, franzindo o cenho.
- Eu vi você colocando suas coisas no carro - ela disse, fazendo um movimento de cabeça indicando a janela. - Você está indo embora? - Ela deu um passo em direção
a ele, mas parou quando sentiu que ele ficou tenso. - Eu gostaria de ter uma resposta.
- Você quer que eu fique?
- Você quer ficar?
- Que tipo de resposta é essa? Não estou com disposição para brincadeiras, Avery. - E, antes que ela pudesse responder, ele apertou os olhos e perguntou: - O que
aconteceu com o seu rosto?
Ela colocou a mão na bochecha.
- O que há de errado com o meu rosto?
- Nada. Achei que estivesse diferente.
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- Eu lavei o rosto, passei um hidratante e um pouco de maquiagem. Só isso.
- Maquiagem? Por que você fez isso? Você quer ficar bonita para os agentes do FBI?
Que droga, ele realmente estava de mau humor.
- O que está acontecendo com você?
Ele não pôde responder porque era impossível traduzir o que estava pensando e sentindo em palavras. O fato de estar morrendo de vontade de começar uma briga com
Avery fugia à sua compreensão. A única coisa que sabia era que estava furioso com ela e consigo mesmo, porque ela tinha sido capaz de fazer com ele o que nenhuma
outra mulher havia conseguido fazer. Ela havia conseguido dar nós em seu estômago. Mas, o pior de tudo, era que ele havia deixado que ela fizesse isso,
O que viria depois? Seu coração? Ao inferno com tudo aquilo!
- Você já falou com o agente Knolte?
- Não, eu estava esperando que você voltasse. Você ia embora sem se despedir?
O grande idiota. Ela se recusava a chorar, por mais furiosa que ele a deixasse. Ela respirou fundo para ordenar o pensamento, caminhou até ele e estendeu-lhe a mão.
- Obrigada por tudo.
Ele ignorou a mão dela. - Avery... se você quiser... Ela interrompeu-o.
- O chefe Tyler subiu à sua procura. Ele quer falar com você, disse que era importante.
- Falei com ele cinco minutos atrás. Ela encolheu os ombros.
- Ele quer conversar com você e disse que o espera no restaurante.
- Tudo bem.
- Tenha uma boa viagem - disse ela, voltando para a janela. Adeus, John Paul.
Ele não podia acreditar que ela o estivesse dispensando. Por um minuto, ficou ali parado, olhando para as costas dela. Depois, virou-se bruscamente e desceu.
Ela havia se despedido como se fosse uma estranha, e ele estava muito irritado para tentar entender sua mudança de atitude.
299
Felizmente, não foi interpelado pelos agentes quando passava pelo departamento de polícia. Knolte e seus jovens sabidos estavam estudando um mapa e falando em seus
telefones celulares. Um dos agentes tentou puxar conversa, mas ele ignorou-o, empurrou a porta de vai-e-vem e dirigiu-se ao restaurante. A parte da frente estava
deserta, mas ouviu ruídos na cozinha. Ele contornou o balcão de fórmica vermelha e viu o chefe trabalhando na grelha. O ar cheirava a carne grelhada.
- Está pronto para partir? - perguntou o chefe.
- Quase.
- Aceita um hamburger para viagem?
- Não, obrigado. Onde estão todos?
- Meus funcionários do restaurante? Mandei que fossem para casa há algum tempo. Se Knolte e seus amigos quiserem alguma coisa para comer, terão de preparar sozinhos.
- Você queria falar comigo? Tyler franziu o cenho.
- Eu já disse tudo o que tinha para dizer. Coloquei as instruções no seu carro, caso você mude de idéia e decida aceitar minha oferta para ficar na cabana. Pense
nisso - pediu ele. - Graças aos parentes de minha mulher, não poderei ir para lá durante o próximo mês. Ontem à noite, ela me informou que temos de ir a um casamento.
- Sim, vou pensar a respeito - ele disse. - Obrigado pela ajuda, chefe, e pela cama e comida.
- Foi um prazer ajudá-lo - disse Tyler. Ele abriu a porta dos fundos e saiu para o beco com John Paul.
- Cuide-se.
- Obrigado - disse ele, enquanto abria a porta do carro e sentava-se frente à direção. Ele notou o papel dobrado que o chefe havia colocado no assento ao lado e
pegou-o, com a intenção de devolvê-lo.
- Você tem certeza que a garota ficará bem?
Era a terceira vez que o chefe lhe fazia aquela pergunta. John Paul deu-lhe a mesma resposta.
- Ela ficará bem.
John Paul não acreditava naquela hipocrisia por um segundo sequer e, pela expressão de Tyler, podia dizer que ele também não acreditava.
300
- A gente se vê - falou Tyler, segurando a espátula que estava usando para cozinhar.
John Paul colocou a chave na ignição, recolocou o papel sobre o assento e ficou ali sentado, pensando. Sua consciência não lhe dava sossego. Avery havia feito a
sua escolha, ele lembrava a si mesmo. Sim, ela tinha mostrado com muita clareza que não queria ou precisava dele.
Havia apenas um problema com aquela decisão. Ele queria e precisava dela.
Ele pensou que tivesse se livrado desse tipo de emoção há anos, quando a desilusão tomara conta de sua alma. Agora, percebia que havia apenas se enganado com sua
atitude de odeio-atodos e não-preciso-de-ninguém e via-se como um ser humano imperfeito como qualquer outro. Quem poderia imaginar?
Será que gostava mesmo de Avery? Sim, teve de admitir que gostava. A mulher era super inteligente. Como poderia não gostar dela?
Ele balançou a cabeça e deu partida no carro. O motor ronronou como um gato bem alimentado, e ele engatou a marcha.
Deus sabe que ele tentou, mas não conseguiu encontrar forças para sair do lugar. Maldição, ela o estava enlouquecendo. Ela parecia carrapato, não parava de cocar
e irritar. Ela queria que ele fosse embora. Certo? Com os diabos, claro que sim. Ela tinha certeza que estaria bem com aquela equipe maravilhosa cuidando dela...
Que Deus a ajude.
Avery era uma guerreira e poderia lidar com todos os problemas que aparecessem. Mas, será que seria capaz de controlar as ações dos agentes designados para protegê-la?
Seria ela capaz de prevenir que eles pisassem na bola? E, enquanto ela estivesse cuidando deles, quem cuidaria dela?
Ele colocou a marcha no ponto morto e desligou o motor. Ele não sabia que diabos fazer.
Deixe que o FBI se preocupe com ela. Maldição. Era isso exatamente o que faria. Ele deu partida novamente, mas, desta vez, não mudou a marcha. Apenas ficou lá, sentado
e paralisado pela indecisão.
Ele estava realmente se tornando um hipócrita. Estava, desesperadamente, tentando se convencer que não se importava com o que acontecesse a ela.
301
Ela o fizera rir. Fizera com que quisesse coisas que pensara nunca poder ter.
Com todos os diabos, fizera com que se sentisse humano.
John Paul lutara de verdade, mas, quando tudo fora dito e feito, acabara perdendo a batalha. Ele abaixou a cabeça, submisso, quando a verdade cortou-o como uma lâmina.
Filha da puta.
Encare os fatos, John Paul. Você não vai a lugar algum sem ela.
Ele desligou o motor e começou a abrir a porta.
Uma voz impediu-o de continuar.
- Você vai ou não vai? Ande logo, Renard, estou sufocando aqui atrás e seu saco de dormir cheira a folhas mortas.
Ele virou-se para trás.
- O que você pensa que está fazendo? - perguntou ele.
- Não comece, John Paul. Coloque a droga do carro em movimento e tire-nos daqui, E não me faça repetir o que eu já disse.
O sorriso dele despontou, natural e vagarosamente. Seus ombros ficaram aliviados da tensão e seu estômago parou de doer. O mundo voltara a ficar em paz. Como um
leão da montanha, Avery rosnava para ele, fazendo com que tomasse uma atitude.
Ele deu partida e mudou a marcha, mas não acelerou.
- Se você quiser vir comigo, doçura, é melhor que saiba que quem dá as ordens aqui sou eu, e você vai fazer exatamente o que lhe disser que faça. Você pode dar conta
disso?
Ela não hesitou em responder.
- Quando eu pulei da escada de incêndio, aterrissei no teto do seu carro, que ficou amassado. Você dá conta dessa parte?
Ele sorriu e pisou no acelerador. Como ele poderia não ser louco por ela?
Capítulo
28
Jilly estava ansiosa para saber quantos corpos tinham sido encontrados. Ela caminhava pelo bangalô do hotel enquanto a televisão, ligada no canal local do Colorado,
zunia sem parar. Cada vez que um vídeo da maravilhosa explosão era mostrado, ela, rapidamente, sentava-se na beirada da cama. Com entusiasmo e gula, devorava cada
segundo da magnífica filmagem.
A casualidade de ter uma pessoa por perto filmando a paisagem, no exato momento em que a explosão acontecera, era impressionante. Sua câmera tinha capturado cada
pedacinho dos fundos da casa. Jilly teria ficado furiosa caso não pudesse assistir ao espetáculo pela televisão. Na verdade, ela ainda estava um pouco irritada porque
esperava ter tido a chance de apertar o botão, mas o vídeo que aquela estação mostrava, repetidas vezes, causava-lhe uma sensação quase tão boa.
Assim que o vídeo terminou, o telefone tocou. Antes de responder, certificou-se de que fosse Monk.
- Olá, querido.
Houve uma pequena pausa.
- Você assistiu pela televisão?.
Ao mesmo tempo que estava ansioso para agradar, estava extremamente nervoso.
- Sim, claro que vi. Não foi maravilhoso?
304
- Sim... sim - respondeu ele. - Dois corpos encontrados.
- Ainda falta um - ela disse. - Você parece nervoso, querido. Algo errado?
- Estava preocupado que você se sentisse mal depois do que aconteceu. É bom saber que você está bem.
- Sentir-me mal por causa de Carrie? Ela arruinou a minha vida e roubou minha filha de mim. Estou felicíssima - disse ela.
- Estou com saudades - ele disse. - Eu quero... A voz dela tornou-se um sussurro gutural.
- Eu sei o que você quer. Você está no carro?
- Sim - respondeu ele, também num sussurro.
- Você deveria prestar atenção enquanto dirige - disse ela. E depois, na voz mais erótica possível, ela lhe disse o que faria com ele quando estivessem juntos. Ela
se divertia com a respiração ofegante dele. O resfolegar rápido dos cachorros no cio - pensou ela. O poder que tinha sobre aquele homem excitava-a.
- Você vai gostar? - ela perguntou, quase sem fôlego, para que ele pensasse que estava tão descontrolada quanto ele.
Ela continuou a dar-lhe mais, até que ele estivesse choramingando de desejo. Um gemido foi seguido de silêncio. Jilly sabia o que estava acontecendo e sorriu, satisfeita.
Ela poderia ter feito uma carreira maravilhosa no ramo de sexo por telefone, pensou, mas, ao mesmo tempo, não ganharia toda a grana que queria. Mesmo assim, era
bom saber que tinha opções.
- Você está se sentindo melhor agora, querido?
- Sim - respondeu ele com um suspiro. - Logo estarei com você. Amo você, Jilly.
- Sei que sim, querido. Eu também amo você.
Ela desligou o telefone e começou a caminhar novamente. Será que a polícia seria capaz de dizer quem era quem com o pouco que sobrara dos corpos? Ela sabia que a
identificação podia ser feita pela arcada dentária e pelo crânio das vítimas, mas e se estes últimos recursos também tivessem ficado reduzidos a migalhas?
O que fariam, então?
O filme voltou a ser mostrado na televisão. Jilly correu para a cama e sentou-se para assistir. Oh, era tão lindo, tão lindo!
Quando as notícias terminaram, ela foi até a sua sacola e pegou seu vídeo precioso, que carregava consigo para todos os lugares que
305
ia. Ela colocou a fita no aparelho e ajoelhou-se em frente da TV para assistir. Quantas vezes já tinha visto aquilo? Cem? Mil? Ainda assim, nunca se cansava dele...
ou das emoções que provocava.
- Agora você entende por que precisa morrer? - ela sussurrou para a tela.
Ela percebeu que o esmalte de suas unhas estavam descascando e correu até o banheiro, para retocá-las. Ao olhar para o relógio, imaginou que Monk chegaria logo e
precisava se arrumar para recebêlo. E, claro, recompensá-lo. Como um cachorro que realizou uma tarefa difícil, Monk estaria ansioso por sua recompensa.
Branco virginal, decidiu ela, ao puxar um néglige da sacola. Ele vai gostar. Mas isso não queria dizer muita coisa, porque ele gostava de tudo o que ela fazia.
Ela não podia se esquecer de usar o batom vermelho. Oh, os homens adoram lábios vermelhos.
Eles adoram seu corpo perfeito. Eles adoram seu rosto angelical.
Todos os homens a amam.
Capítulo
29
Os paramédicos disseram a Carrie que ela estava em estado de choque. Ela não concordava, mas podia entender como tinham chegado ao diagnóstico. Tudo bem, tinha de
dar a mão à palmatória: seu comportamento era um pouco peculiar. Quando a tiraram da ravina, ela soluçava descontroladamente. Tinha consciência das palavras que
queria dizer, mas não conseguia articulá-las na ordem ou no tempo certo. Ainda assim, as conclusões a que chegaram não faziam sentido. Se eles não eram médicos,
que diabos poderiam saber? Sua mente estava funcionando muito bem, obrigada.
Luzes de câmeras brilharam em seu rosto enquanto era carregada na maça e colocada ao lado de Sara na ambulância. Até perceber que os paramédicos tinham-na grosseiramente
amarrado, Carrie esforçou-se para poder sentar-se. Apesar disso, ela ainda era capaz de movimentar um dos braços, que estendeu para alcançar a mão de Sara.
Sua amiga estava sentindo dores terríveis. Dois paramédicos estavam trabalhando em sua perna.
- Ela vai ficar bem? Ela vai ficar bem?
A pergunta virou uma cantilena que ela não podia interromper. Mesmo que os dois homens tivessem tentado assegurá-la que sim, sim, ela ficaria bem, Carrie não podia
evitar de continuar perguntando.
308
Um deles aplicou uma injeção em Sara, e ela fechou os olhos, alguns segundos depois. A mão dela amoleceu na de Carrie. Depois que eles terminaram de imobilizar a
perna de Sara, um deles voltou a tirar-lhe a pressão, enquanto o outro trabalhava em Carrie.
- Ele vai matar Avery. Vocês tem de impedi-lo. Estão me ouvindo? Ele vai... ele vai...
Carrie desmaiou. O terror das coisas que passara e a falta de sono finalmente a nocautearam. Seu corpo rebelou-se e seu sistema apagou.
Quando voltou a abrir os olhos, estava numa cama de hospital. E, oh, estava doloridíssima. Parecia que todos os músculos de seu corpo latejavam. Teria levado uma
surra?
Desesperadamente, tentou limpar a bruma que se alojara em sua mente. Avery. Deus do céu, tinha de encontrar Avery antes que fosse tarde demais. Ela tentou alcançar
a campainha enrolada na grade da cama. A dor terrível que sentiu no cotovelo fez com que gritasse. Ao olhar para baixo, percebeu que seu braço estava engessado e
disse um palavrão.
Como aquilo tinha acontecido?
A ravina, claro. Ela havia caído de cabeça num buraco e lembrava-se de ter tentado aparar a queda com o braço. Ela sabia ter machucado o pulso, mas pensou que fosse
apenas uma distensão. Na hora, não doera tanto assim. Ou doera? Não podia se lembrar. Talvez o pulso tivesse ficado amortecido, tão amortecido quanto o resto de
seu corpo, naquele momento. Ela lembrava-se de ter aterrissado sobre Sara. Sua amiga começara a gemer de dor e ela havia colocado a mão sobre sua boca para abafar
o ruído, aterrorizada com a possibilidade de Monk estar rondando a escuridão, tentando encontrá-las.
Onde estava Sara? Carrie podia ouvir vozes de homens no corredor, mas não podia alcançar a campainha. Ela estava pronta para começar a gritar quando a porta se abriu
e um jovem médico, usando um avental branco sobre o uniforme azul, entrou no quarto. Ele trazia um gráfico nas mãos.
O nome dele era Doutor Bridgeport, e parecia estar sem dormir por vários dias. Isso não pode ser bom, pensou ela. A seguir, ela reparou em suas mãos. Elas eram enormes,
como se tivessem sido transplantadas de um corpo maior que o dele, juntamente com a fileira de fios de cabelo implantados.
309
- Você é meu médico?
- Sou o neurologista. Eu examinei seus raios X e a tomografia - começou ele.
- Eu fiz esses exames? - interrompeu ela. Ele assentiu.
- Você sofreu uma leve convulsão. Vou mantê-la internada até amanhã, para observação. Os exames não detectaram nada de alarmante - acrescentou ele.
- E o meu braço?
- Você quebrou.
- Isso é óbvio - ela disse.
Ele estava escrevendo alguma coisa no gráfico, e não levantou a cabeça ao responder:
- Seu clínico geral virá vê-la dentro de pouco tempo. Enquanto isso, tem alguns agentes do FBI esperando para falar com você. Se você estiver se sentindo bem, pedirei
que dois deles entrem no quarto.
- Minha cabeça está doendo. Você pode me receitar algumas pílulas para dor?
- Daqui a pouco - ele prometeu.
Ela entendeu o significado da resposta. Quando Avery era pequena e queria alguma coisa que Carrie não queria que tivesse, usava exatamente a mesma frase. Não tinha
funcionado com Avery, na época, e não funcionaria com ela, agora.
- Quero alguma coisa para aliviar a dor.
- Você sofreu uma convulsão, Sra. Salvetti, e eu preferiria... Ela interrompeu-o.
- Oh, não se preocupe. A amiga que estava comigo na ambulância machucou a perna. Onde está ela? O senhor sabe?
O médico assentiu.
- A juíza Collins está sendo operada - explicou ele. Havia qualquer coisa de abrupto no médico. Ele fechou o
gráfico, sorriu para ela e preparou-se para sair.
- Você precisa descansar. Ao dizer isso, abriu a porta e deixou que dois homens, vestindo ternos escuros, entrassem apressadamente. Dez minutos - disse ele aos agentes.
- Ela precisa dormir um pouco.
Eles movimentavam-se como soldados em um desfile de gala, braços duros, cabeças altivas. Com exceção das gravatas, seus ternos
310
eram exatamente iguais. Uma delas era listrada de preto e cinza e, a outra, xadrez.
Montez era o agente encarregado. Carrie sentiu segurança na agudeza de seu olhar. Ela teve certeza que ele não deixaria escapar nada.
O outro, mais jovem, apertou o botão para elevar a cama dela, serviu-lhe um copo de água e sentou-se ao seu lado, enquanto Hillman a interrogava. Ele conduziu-a
pela seqüência dos fatos, raramente interrompendo quando ela fazia uma pausa para reorganizar o pensamento. Ela queria dizer-lhe tudo de uma vez e estava impaciente
para fazer suas próprias perguntas, mas Montez era obstinado e manteve-a presa em sua agenda.
Carrie virou-se para o agente mais cooperativo e pediu-lhe que encontrasse sua jaqueta.
- As cartas estão no bolso.
Hillman encontrou a jaqueta pendurada no armário. Ele vestiu um par de luvas e colocou os envelopes no saco plástico que o outro agente lhe entregou.
- Anne me deu uma carta que quero ler.
- Vamos deixar que o laboratório verifique as impressões - Disse o rapaz sentado ao seu lado.
Ela achou que ele fosse mais maleável que Montez, mas agora percebia que era tão obstinado quanto o primeiro.
- Quero saber o que o bastardo do marido dela escreveu a ela. Ele contratou Monk para matá-la - você sabe. - Vocês têm de prendê-lo.
Ignorando as exigências de Carrie, Montez voltou às suas perguntas. Carrie cansou-se de esperar.
- Agora é minha vez. Quero saber onde está minha sobrinha.
- Estamos procurando por ela...
- Encontre-a.
Percebendo a exasperação de Carrie, o outro agente ofereceulhe um pouco de água, colocando o copo, com um canudo, bem debaixo do nariz dela. Ela virou o rosto.
- Diga-me o que sabe sobre... - Montez tentou, mais uma vez, trazê-la de volta ao assunto.
- Quero informações sobre a juíza Collins, agora.
Os dois agentes trocaram olhares e, a seguir, Montez respondeu:
311
- Ela já saiu da mesa de cirurgia e está na uti.
- Por enquanto, tudo bem - disse o outro agente. Ela olhou para ele.
- Qual é o seu nome?
- Pimienta, senhora. Agente Peter Pimienta.
Não era de admirar que ele não tivesse se apresentado. Se tivesse um nome desses, ela também não diria a ninguém.
Montez recomeçou a fazer as mesmas perguntas. Ele manteve um interrogatório cerrado por mais de uma hora, passando e repassando os fatos, até que ela começasse a
sentir que a criminosa era ela e que estavam querendo fazê-la confessar.
A cabeça de Carrie estava estourando.
- Basta - disse ela. - Não tenho condições de responder mais perguntas agora.
Apesar de desapontado, Montez concordou em deixá-la descansar um pouco. Ela não estava com disposição para ser cordial e disse-lhes para não voltarem até que tivessem
notícias de Avery. Para acalmá-la - pois estava aos berros - Montez permitiu que ligasse para seu marido. Pimienta discou o número para ela. Assim que ouviu a voz
de Tony ao telefone, debulhou-se em lágrimas.
- Preciso de você, Tony. Você tem de vir a Aspen. A voz dele tremia de emoção ao responder:
- Querida, eles me disseram que não posso ir porque assim que vocês tiverem alta, eles vão colocar as duas em uma casa, sob segurança, em algum lugar. Carrie, amo
você, não se esqueça. Gostaria de estar aí com você. Gostaria... sinto muito que você esteja passando por isso.
- Você teve notícias de Avery?.
- Não - respondeu ele. - Eu não sabia que ela tinha planos de encontrá-la no spa. Um dos agentes que falou comigo disse-me que ela perdeu o vôo.
- Eu não sei onde ela está - soluçou ela.
- Vamos encontrá-la - prometeu ele. - Nada de mau vai lhe acontecer. Estou mantendo a linha desocupada. Ela vai ligar, sei que vai.
- Tony, eu não tinha noção... Sinto muito por tudo o que aconteceu entre nós. Você pode ficar com a Star Catcher e administrála como quiser. Eu não quero mais saber
de nada disso. Eu devia ter confiado em você. Tenho sido uma tola.
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Ela estava soluçando e bastante irritada porque os agentes estavam ouvindo cada palavra que dizia.
- Eu amo você - sussurrou ela. - De verdade, Tony. Eu amo muito. Por favor... diga-me que não é tarde demais.
- Não, não é tarde demais. Eu posso... Eu também amo você - gaguejou ele. - Vou tentar pegar o próximo avião. Farei com que nosso casamento funcione. Com o seu amor,
tudo é possível.
Capítulo
30
Qualquer esperança de que o fbi pudesse manter os nomes dos sobreviventes fora do alcance dos jornais e da televisão foi destruída quando a equipe de notícias filmou
Carrie e a juíza sendo carregadas para a ambulância, perto do local da explosão.
Avery ouviu a notícia no rádio quando ela e John Paul dirigiam-se para as montanhas. Assim que deixaram o lugarejo, ela pulou para a frente, esmagando o ombro dele
com o pé esquerdo, quando caiu no banco do passageiro. O sapato dela caiu no colo dele. Ele balançou a cabeça ante a falta de jeito dela e devolveu-lhe o sapato,
enquanto ela se desculpava.
Eles continuaram a ouvir as notícias até ficarem sem sinal.
- Quer dizer que, agora, nos Estados Unidos, todos carregam filmadoras? - perguntou ele. John Paul parecia enojado. - Algumas pessoas adoram invadir a privacidade
das outras.
- Equipes de filmagem de estações de televisão normalmente carregam câmeras - ela disse.
- Não precisa ser sarcástica, doçura.
- Eu não estava sendo sarcástica, só evidenciando um fato. Carrie deve ter odiado aquela câmera em seu rosto. Alguém do FBI devia ter botado as mãos no filme. Os
investigadores da cena do crime não devem ter chegado a tempo.
- Poderia e deveria - resmungou ele. - Este é o mote do Bureau.
314
- Você não vai conseguir me irritar. Ele riu.
- Eu não estava tentando.
Ela abaixou o vidro para sentir o ar da noite.
- Sim, você estava - disse ela. - Eu finalmente estou começando a entender você.
- Você acha? Avery sorriu.
- Quando te encontrei, pensei que você tivesse algum tipo de ressentimento contra o FBI mas, agora que o conheço melhor, sei que isso não é verdade. Sua fobia tem
proporções muito maiores.
- É?
Ela assentiu.
- Você não gosta de nenhuma agência do governo.
- Isso não é verdade.
- Você fez uma expressão de escárnio quando falamos a respeito de seu cunhado trabalhar para o Departamento de Justiça.
- A Justiça tem muito poder.
- E a cia? Sei que você trabalhou para eles. Ele não argumentou ou negou.
- As prioridades são mudadas por capricho, deixando agentes e civis com a corda no pescoço.
- E o Imposto de Renda?
- Todos odeiam o Imposto de Renda.
Com essa, ela teve de concordar. Ela continuou a nomear agências do governo e ele continuou a dizer-lhe o que havia de errado com cada uma delas.
- Bem, eu disse o que pensava. Sabe qual é seu maior problema?
- Não, mas você vai me esclarecer, não é?
- Uh-huh - disse ela. - Você não gosta de ninguém em posição de autoridade.
Ele não se ofendeu com a análise.
- Você sabe o que dizem. Poder absoluto causa corrupção absoluta.
- O FBI não tem poder absoluto.
- Eles pensam que sim.
- Sabe o que acho?
- O quê?
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- Terapia. Você precisa de terapia intensiva para livrar-se da hostilidade.
Antes que ele pudesse dizer-lhe que também detestava terapia, ela mudou de assunto.
- Preciso de um telefone para ligar para Carrie.
- Por que você não ligou para ela do posto policial?
- Porque você teria ido embora sem mim. Ainda não posso acreditar que você pretendia me abandonar. Fico com raiva toda a vez que penso nisso.
Será que deveria dizer-lhe a verdade? Ele apertou as mandíbulas enquanto pensava no assunto. Ela parecia estar extremamente desapontada com ele.
- Olhe... - ele começou.
- Sim?
- Talvez eu ficasse.
- Talvez? - Ela deu uma cutucada no braço dele. - O que significa isso?
- Significa que eu ia ficar. Agora é sua vez de ficar na berlinda. Como foi que você resolveu abandonar sua equipe?
- Pare de chamá-los assim. O agente Knolte e os outros são bastante competentes e estão fazendo um bom trabalho.
- É mesmo? Então, eu repito a pergunta: por que você decidiu vir comigo?
Ela encolheu os ombros.
- Eu acabei concordando com o que você disse. Não seria uma boa idéia colocar todas nós em uma casa.
- E daí?
- E daí o quê? Você está esperando elogios?
Ela continuou, antes que ele pudesse dizer-lhe que tal pensamento nem havia passado por sua cabeça.
- Tudo bem, tudo bem. Eu acho que minhas chances de sobrevivência são melhores se estiver ao seu lado.
- E o que a fez mudar de idéia? - perguntou ele, sorrindo. - O que Knolte fez ou falou para que você se tornasse uma agente desgarrada?
- Eu não sou uma agente. Sou uma analista, e ele não fez ou disse nada. Continuo confiando no Bureau. Não existe ninguém mais leal que eu.
316
- Uh-huh - disse ele. - Então, porque você partiu? Ela teve de pensar por um momento, antes de responder.
- Estou tomando uma iniciativa. No Bureau, eles nos ensinam a agir assim.
- Tudo bem, acredito - ele disse, brincando. John Paul fez um sinal indicando uma placa ao lado da estrada de duas pistas. - Tem um restaurante a oito quilômetros
daqui - disse ele. - Preciso fazer um telefonema para pedir ajuda.
Quer dizer que o Senhor Solitário pediria ajuda a alguém? Isso era novidade.
- E depois?
- Você pode ligar para Carrie, mas não lhe diga para aonde estamos indo.
Ele pegou o papel dobrado.
- O chefe Tyler tem uma cabana a algumas horas de distância daqui. Ele tem um celeiro onde podemos esconder o carro. Vamos passar a noite lá.
Ela olhou pela janela traseira para certificar-se de que não estavam sendo seguidos. Fazia muito tempo que não viam outro carro e percebeu que estava sendo um pouco
paranóica, mas continuou em guarda. Nas atuais circunstâncias, era aconselhável ter cautela, pensou ela.
- Você tem alguma idéia de onde Monk possa estar?
- É provável que ainda esteja no Colorado e, a esta altura, já deve saber que sua tia e a juíza ainda estão vivas.
- O FBI também virá atrás de nós - ela disse.
- De nós não, doçura. De você.
- Eu deixei o chuveiro ligado, para o caso de um dos agentes subir à minha procura. Também tranquei a porta do quarto, mas depois de um tempo, Knolte descobrirá
que parti e soará o alarme.
E então, os demônios estarão à solta. Quando Carter soubesse da situação, seu pescoço estaria em perigo. Ela já tinha sua defesa preparada e insistiria que sua decisão
não tinha nada a ver com insubordinação. Apesar de durão, Carter era um homem razoável. Com certeza, lhe daria crédito pela iniciativa. Novamente.
- Será que o chefe dirá a Knolte que nos ofereceu a cabana?
- Não, não dirá - disse ele. - Ele sabia que você pretendia pular a janela?
317
- Não.
John Paul saiu da estrada e parou o carro no estacionamento, ao lado do restaurante. A palavra Aberto piscava em letras de néon.
- Você vai me contar sobre Jilly? - Até agora, ele havia evitado tocar no assunto, pois vira a reação de Avery quando Tyler se referira a ela como sua mãe. Ela não
respondeu. - Você vai ter de me dizer o que me espera.
- O que nos espera - disse ela. - Tudo bem, eu te conto o que sei, mas não de estômago vazio. Amanhã - prometeu ela. - Amanhã eu conto tudo.
- Tudo bem.
Ele segurou a mão dela enquanto caminhavam para o restaurante. As cores da decoração fizeram com que apertassem os olhos. As paredes eram pintadas de roxo e laranja,
em contraste com os balcões revestidos de fórmica branca. Ao lado da porta havia uma juke box e Elvis Presley estava cantando "Ali Shook Up". John Paul escolheu
uma mesa contra a parede, para que pudesse ficar de olho no estacionamento. Ele esperou que Avery escorregasse sobre o assento de vinil alaranjado e sentou-se à
sua frente.
A garçonete era uma adolescente que se arrastava como se tivesse noventa anos. O piercing que tinha na língua impedia que falasse normalmente.
- O que vão querer?
Eles pediram sanduíches de peru e chá gelado. Assim que a garçonete foi para trás do balcão, Avery tirou algumas moedas do bolso e foi até o telefone, localizado
entre as portas dos banheiros feminino e masculino.
A conversa com Carrie foi unilateral. Sua tia estava histérica.
- Onde você está? - perguntou ela. - Por que não está aqui comigo? Você está bem? Você ficou sabendo? Jilly está viva. Aquela demente forjou a própria morte. Não
pensei que ela fosse tão inteligente. Ela parece um gato, Avery. É isso mesmo que ela é. Você já pensou que, se tivesse ido ao spa quando planejava, estaria naquela
casa conosco?
- Calma, Carrie - disse Avery quando a tia, finalmente, fez uma pausa.
Carrie respirou fundo e contou-lhe o que tinha acontecido, a partir do momento em que ela e as outras senhoras entraram no
318
carro de Monk. Avery ficou calada enquanto ouvia os detalhes pavorosos.
- Quando nos encontrarmos, eu conto tudo - prometeu Carrie. Você está bem?
- Estou ótima.
- Ainda bem. Você não imagina como fiquei preocupada.
- Estou bem, não se preocupe - disse Avery, com o olhar pregado em John Paul. - Carrie, quem é o agente encarregado de cuidar de você?
Sua tia falou ao mesmo tempo em que Avery fez a pergunta.
- Eles disseram que vão nos colocar sob proteção. Estou achando que nos levarão para a Flórida.
- Por que a Flórida?
- Por causa do julgamento.
- Que julgamento?
- Oh, Avery, você não sabia? A data do julgamento do bastardo do Skarrett foi fixada. Você não recebeu a notificação? Os malditos não me chamaram.
Avery ficou bestificada ao saber da novidade. Ela sabia que havia a possibilidade de um novo julgamento, mas não pensou que pudesse acontecer tão cedo.
- Não, não fui notificada. Carrie estava possessa.
- Eles me disseram que esse matador contratado por Jilly não vai desistir até que estejamos mortas.
- Ou até que botemos as mãos nele - disse Avery. - E vamos fazer isso, Carrie. Agora, por favor, tente se acalmar. Você já falou com Tony?
A voz de Carrie suavizou-se e ela sussurrou:
- Ele está louco de preocupação e quer que você ligue para ele assim que puder. Quero ir para casa, Avery e quero que você venha comigo, mas eles não vão deixar.
Nem sei se vão deixar que Tony fique comigo. Estou tentando cooperar...
Avery interrompeu-a.
- Como está a juíza?
- O quê? Oh, Sara, o nome dela é Sara. Ela está aqui no hospital. Ela machucou o joelho e teve de passar por uma cirurgia. Por causa da idade, ficará na uti por
algumas horas. Os médicos me
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deixaram falar com ela, por alguns minutos. Oh, meu Deus, ia me esquecendo de te dizer. Foi a juíza Collins quem sentenciou Skarrett.
- Não pode ser. Lembro-me do juiz. O nome dele era Hamilton.
- Sim, o juiz Hamilton conduziu o caso e condenou Skarrett. Depois, voltamos a Bel Air quando o veredicto foi definido, lembra-se?
- Sim, eu me lembro.
- Mas Skarrett ainda não tinha recebido a sentença. De qualquer maneira, Hamilton morreu durante o processo e quando Skarrett foi receber a sentença, a juíza era
Sara.
- Então essa é a conexão - disse Avery. - E a outra senhora?
- Anne Trapp não saiu conosco. É uma longa história, que vou te contar quando você chegar aqui. Eles vão te trazer ao hospital ou vamos nos encontrar no aeroporto?
Acho que querem nos levar para a Flórida, e não vou sem você. Teremos três semanas inteiras para colocarmos o assunto em dia, antes que eles decidam se vamos ou
não participar do julgamento. Se Monk ainda estiver solto...
Avery interrompeu-a.
- Três semanas? Você está me dizendo que o novo julgamento terá início dentro de três semanas?
- Sim - disse ela. - Tenho certeza que vão nos colocar numa casa segura, perto do tribunal. Assim, se formos testemunhar, ficará mais fácil.
Avery não estava conseguindo organizar a informação na cabeça.
- E você está me dizendo que existe a possibilidade de não sermos chamadas para depor?
- Querida, o que está acontecendo? Você não está ouvindo o que estou dizendo? Sim, existe a possibilidade de não ouvirem nosso testemunho. Tudo bem? Seríamos alvos
fáceis para Monk.
Avery apertou o receptor.
- Ninguém vai me impedir de testemunhar.
- Seja razoável.
- Você quer Skarrett livre? A voz dela tremia de fúria.
- Sua segurança é mais importante para mim.
- Não vou deixar que ele saia livre.
- Teremos bastante tempo para falar sobre o julgamento - disse Carrie. - Por que você não me perguntou sobre Jilly?
320
- Eu não quero falar sobre ela.
- Espero poder ter cinco minutos com ela, quando a pegarem.
- Ela aniquilaria você.
- Mas não aniquilaria você. Não com toda aquela técnica de caratê e tai chi que você aprendeu. - Carrie soltou um suspiro. - Não tenha medo dela.
Avery sentiu vontade de rir. Depois de todas as histórias infernais que ouvira sobre Jilly anos a fio ela teria de ser tão louca quanto Jilly para não sentir medo.
- Você a viu? Ela estava na casa?
- Sim - respondeu Carrie. - Conto tudo quando estivermos juntas.
- Quero que me prometa que fará tudo o que os agentes pedirem que faça. Você me entendeu, Carrie? Prometa.
- Sim, é claro que farei.
- Não dificulte o trabalho deles. Você sabe do que é capaz quando está brava ou amedrontada.
- Eu não estou com medo; estou brava. Muito, muito brava. Por que diabos Jilly não continua morta?
- Ela nunca morreu - observou Avery.
- E melhor que eles não nos coloquem num pulgueiro enquanto estiverem nos protegendo. Se formos para a Flórida, quero uma casa na praia.
- Carrie, não é você quem decide.
- Se não for uma casa decente, você pode tentar falar com seus amigos. Estou louca para ver você.
Avery colocou o braço sobre a cintura. Sua tia tinha o pavio bastante curto, quando as coisas não aconteciam do jeito que queria, e Avery estava prestes a acendê-lo.
- Eu não vou me juntar a você. Eu vou para um lugar seguro com...
Foi tudo o que conseguiu dizer. O grito de Carrie fez com que se encolhesse; ela teve de afastar o telefone do ouvido.
De onde estava, John Paul pode ouvir os berros da tia. Avery ficou pálida enquanto ouvia. Ele levantou-se e foi até ela, gentilmente tirando-lhe ao telefone das
mãos.
- Despeça-se, doçura.
- Ela está muito brava.
321
- Uh-huh.
- Eu amo você, Carrie. Logo vamos nos encontrar - disse ela. - Tchau.
Ela ouviu Carrie gritando:
- Avery Elizabeth, não se atreva a desligar... John Paul colocou o receptor de volta no gancho.
- Ela parece ser muito simpática - disse ele, com a maior cara-de-pau.
A garçonete estava olhando para eles enquanto servia a mesa. Avery separou-se de John Paul para ir ao banheiro lavar as mãos. Quando voltou para a mesa, ele já havia
devorado seu sanduíche e estava terminando de tomar o chá.
- Não quero que fique com uma impressão errada de minha tia. Tudo bem, ela não é uma pessoa fácil, mas tenho certeza que, se você vier a conhecê-la, acabará gostando
dela tanto quanto eu.
Ele sorriu.
- Não acho que isso seja possível.
Ela deu uma mordida no sanduíche, achou que tinha gosto de pó de serra e bebeu um pouco de chá para ajudar a engolir melhor.
- Você quer isso? - ela perguntou, empurrando o prato para ele. Ele empurrou o prato de volta.
- Você precisa comer - disse ele, enquanto se servia de algumas batatas fritas.
Ela reparou que ele estava olhando para a estrada, atrás do estacionamento.
- Eles não parecem ter muitos clientes aqui.
- Vão fechar dentro de quinze minutos. Talvez por isso sejamos os únicos fregueses. Avery, diga-me uma coisa. Quando você preencheu a proposta de emprego para o
Bureau, você tinha a intenção de se tornar uma agente?
- Sim.
- E por que isso não aconteceu?
Ela estava pronta para lhe dar uma resposta-padrão, mas decidiu ser completamente honesta com ele. Além disso, tinha certeza que ele acabaria descobrindo, caso não
dissesse a verdade.
- Eu pensei que quisesse ser uma agente. Minha vida foi salva por um agente do FBI e acho que foi quando coloquei na cabeça que queria ser como ele. Você sabe, salvar
pessoas.
322
- Então você pretendia salvar o mundo. Quantos anos você tinha, quando tomou essa decisão momentânea?
- Doze. Tinha acabado de fazer doze anos.
- É impressionante.
- O quê?
- Que você não tenha mudado de idéia e que tenha mantido seu objetivo durante a escola e a faculdade.
- Você se lembra do que queria fazer quando era jovem?
- Não me lembro quantos anos tinha quando resolvi que seria legal ser um astronauta. Talvez dez ou doze.
- E o plano não funcionou? - perguntou ela, provocativa.
- A vida me atrapalhou - ele disse. - Acabei fazendo engenharia em Tulane e, depois de formado, juntei-me aos Fuzileiros Navais.
- Por que os Fuzileiros Navais?
- Eu estava bêbado. Ela não acreditou.
- Diga a verdade.
- Eu pensei que pudesse salvar o mundo. Eu gostava de disciplina e queria alguma coisa diferente de Bowen, Louisiana.
- Mas você ainda mora em Bowen, não é?
- Sim, moro - ele disse. - Eu tive de sair de lá para descobrir o que realmente queria na vida. Na verdade, vivo nos arredores de Bowen, na região pantanosa.
- Você realmente se retirou da civilização, não é?
- Eu gosto da solidão.
- Você não deve ter muitos amigos que vão visitá-lo no pântano.
- Gosto disto também. Onde você fez faculdade? - perguntou ele.
- Universidade de Santa Clara - ela respondeu. Depois, Stanford. - Ela deu outra mordida no sanduíche, mas teve dificuldade para engolir a comida, que tinha um gosto
horrível. O pão e a alface estavam murchos, e o peru estava seco.
- Nenhum de nós dois foi muito longe, ficamos por perto de casa. Carrie queria que eu fizesse faculdade em Los Angeles, para que pudesse trabalhar meio período em
sua companhia.
- Fazendo o quê?
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Ela enrubesceu. A reação instantânea fez com que ele se sentisse ainda mais curioso.
- Ela estava querendo que eu fizesse mais comerciais. Eu fiz um para ajudá-la, quando ela teve problemas.
- E o que você teve de fazer nesse comercial?
- Segurar um sabonete, bater as pestanas e cantar uma canção idiota.
Ele não riu, mas quase: - Cante para mim.
- Não - ela disse. - Foi horrível e eu odiei. Acho que sou do tipo introvertido, acrescentou ela, encolhendo os ombros. - Como insisti no meu sonho de me tornar
uma agente, Carrie acabou desistindo e parou de me amolar. Na verdade, nós duas desistimos.
Avery empurrou o prato para o lado e John Paul esticou o braço para pegar mais algumas batatas fritas.
- Como você desistiu?
Ela dobrou seu guardanapo de papel e colocou-o sobre a mesa.
- Quando estava na faculdade, eu fiz um projeto para uma escola e gostei tanto de trabalhar com os pequenos, que considerei a possibilidade de me tornar professora.
Eu era realmente boa lidando com as crianças - continuou ela, com um tom de surpresa na voz. - Eu cheguei a fazer algumas matérias necessárias para a qualificação
de professora. Pensei que pudesse ensinar história. Mas nunca disse nada a Carrie.
- Por que não? O que ela tem contra as professoras?
- Nada. Só não queria que me tornasse uma.
Ele apoiou as costas no encosto da cadeira e olhou para ela.
- Avery, o que é que você está escondendo de mim?
Ignorando a pergunta, ela chamou a garçonete e pediu que,
por favor, trouxesse a conta.
- Vamos lá, nenê. Responda. Por que sua tia não queria que se tornasse professora?
- O salário é ridículo.
- O que mais?
- Professores não recebem o respeito merecido. Você sabe o que dizem. Os que podem, vencem na vida, e os que não podem tornam-se professores. Carrie não via status
nenhum na profissão. Minha tia não é uma megera - ela disse. - Eu sei que posso ter transmitido essa imagem dela, mas ela não é assim. De verdade.
324
- Então, isso é tudo? Foi essa a sua razão para desistir de ensinar? Não havia status na profissão?
- Carrie achou que não seria uma boa idéia eu estar com crianças o tempo todo.
- Por que não?
Ele não ia desistir de saber.
- Ela achou que seria muito difícil para mim.
- Ah. O que significa isso? Ele foi direto ao alvo.
- Você não pode ter filhos, não é?
Ela queria contar-lhe tudo. Sentiu uma necessidade esmagadora de lhe dizer tudo, vomitar até as tripas, como seu tio Tony diria. Ela nunca havia sentido esse desejo
tão intenso antes. Mas John Paul era diferente dos homens que conhecera. Ele não dava a mínima bola para status. Ele não era manipulador e não tinha interesses ocultos.
Ele era o que mostrava ser. Talvez fosse essa a razão da atração que sentia por ele. E do conforto que sentia ao lado dele.
- Não sei como conseguiu chegar a tal conclusão.
- Você me disse que nunca se casaria, o que achei um pouco estranho.
Ela pulou sobre o argumento dele, como uma onça.
- Por quê? Por que todas as mulheres devem querer se casar? Você não pode acreditar nisso. Existem muitas mulheres absolutamente felizes com suas vidas de solteira.
Ele levantou uma das mãos.
- Calma - ele disse. - Eu não discordo, mas quando me disse que nunca se casaria, estava extremamente defensiva. Foi isso que achei estranho. E agora, entendo por
que. Você não pode ter filhos e essa é a razão porque Carrie não quer que trabalhe com crianças. Estou certo, não estou?
- Sim. - Ela estava pronta para brigar. Ele havia tocado um ponto vulnerável e ela sabia que, se ele lhe desse um mínimo de carinho ou de compaixão, ela perderia
o controle. E acabaria arrancando os cabelos dele, ou os próprios. Mas, pior de tudo, pressentia que desabaria em choro. Ela sabia que essa era uma reação de defesa,
mas não se importou. Encarando-o nos olhos, esperou, desafiando-o a ser gentil com ela.
Ele encarou-a de volta.
325
- Então? - ela finalmente exigiu, quando ele não disse palavra.
- Essa é uma coisa bastante idiota. Ela piscou.
- Como assim, idiota?
- Você me ouviu, doçura. Se você adora trabalhar com crianças, então é isso o que deve fazer. Dar ouvidos à sua tia e tentar agradá-la é uma coisa extremamente idiota.
- Mas sou boa no que faço.
- E daí? Você tem mais de um talento, acredito. Você pode ser boa em muitas coisas diferentes.
Ele levantou-se para pagar a conta e, depois, fez um telefonema. Durante todo esse tempo, jamais tirou os olhos do estacionamento. Avery olhou para a garçonete que,
com seu chiclete, havia feito uma bola duas vezes maior que o seu rosto e, a seguir, inclinou-se sobre o balcão e encarou-o.
Cinco minutos depois, ele desligou o telefone.
- Vamos lá. Temos de ir embora.
Ela seguiu-o até o carro. Ele estava quase para abrir a porta quando ela perguntou:
- No que você é bom?
- Em muitas coisas.
- Eu sei que você trabalhou para a cia. Qual era o talento que você exercitava, então?
Ele não tentou esconder.
- Tiro. Eu era bom atirador. Não, isso não é verdade. Eu não era apenas bom. Eu era ótimo. Visão de águia.
- Você era bom em mais alguma coisa?
- Sim - disse ele, com sotaque arrastado. Ele colocou um dos braços na cintura dela e, lentamente, puxou-a para si. - Sou bom em algumas outras coisas também.
- Como o quê?
Ele aproximou-a ainda mais e colocou seus lábios sobre o ouvido dela.
- Se as coisas acontecerem como planejei, você vai ver - sussurrou ele.
- Droga - respondeu ela, ofegante.
Será que ela estava toda arrepiada? Provavelmente, pensou ela, ao virar-se para olhar nos olhos dele.
326
Sorrindo e gentilmente, ele beijou sua boca morna e macia e, sem pressa, induziu-a a uma resposta. Estava ficando impossível resisti-la. O olhar esgazeado de Avery
fez com que se sentisse arrogantemente satisfeito consigo mesmo.
- E melhor irmos embora antes que eu perca o controle e mostre agora mesmo.
Ele abriu a porta para ela e sentou-se à direção. Saíram do estacionamento e seguiram em direção a Denver. - Precisamos dar um tempo entre nós e o jantar - ele disse
a ela. - A garçonete vai se lembrar de você.
- Você acha?
- Sim. Você é, definitivamente, memorável.
- Ultimas notícias, doçura - disse ela, tentando imitar seu sensual sotaque sulino. - A Chiclé de Bola estava encarando você.
Ele encolheu os ombros. Vamos levar mais uma hora para chegar à cabana de Tyler. - Se encontrar uma loja pelo caminho, vou parar para comprar mantimentos.
- Duvido que você encontre alguma coisa aberta a esta hora.
- E que importância tem isso?
- Que vergonha! Você vai assaltar o lugar?
- Eles nunca saberão que estive lá.
Ela não tentou dissuadi-lo, pois estava muito ocupada pensando no comentário que ele fizera antes disso. O que aconteceria se as coisas acontecessem do modo que
ele planejou? Trinta milhas adiante, eles encontraram uma mercearia, que também vendia equipamento de pesca. As luzes da loja estavam apagadas.
As habilidades de John Paul pareciam inesgotáveis. Ele destrancou a porta sem fazer ruído, conquistou o Doberman que guardava o recinto e fez suas compras, calmamente.
Ela o ajudou a carregar dois galões de leite e quatro sacos de suprimentos para o carro.
Ele calculou a despesa envolvida em seu saque e deixou quatro notas de vinte dólares em lugar visível, ao lado da caixa registradora.
- Quanto tempo vamos ficar na cabana de Tyler? - ela perguntou, quando estavam novamente a caminho. - Temos comida para um mês.
- Vamos ficar lá por pelo menos uma noite, talvez duas - respondeu ele. - Tyler me disse que tem uma cidadezinha há quinze milhas da cabana. Eu pedi a Theo que verificasse
algumas
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coisas e, quando ele descobrir o que está acontecendo, decidiremos o que fazer.
- Não vou perder aquele julgamento.
- Eu entendo. Posso perguntar uma coisa?
- O quê?
- O fato de você não poder ter filhos tem a ver com o Skarrett?
- Sim - ela disse. - Uma bala me atingiu no lugar certo, mas quer saber de uma coisa? Acho que nunca teria filhos, de qualquer maneira. Pode ser que o problema de
Jilly seja genético. Então, não importa muito.
- Sim, importa - argumentou ele. - Skarrett tirou o seu poder de escolha. E isso o que importa.
Ele não conseguiu disfarçar a raiva em sua voz, mas ela não ficou aborrecida. O que ele havia dito era verdade.
Ela mudou para um assunto mais ameno, contando-lhe acontecimentos tolos de sua infância. Ele contou a ela histórias de sua vida e de sua família e, quando falou
sobre seu pai, ela riu várias vezes.
- As pessoas o chamam de Paizão?
- Sim. Você vai gostar dele - ele previu.
Ele estava assumindo que ela encontraria seu pai. Ela gostaria de conhecê-lo. Ela queria saber sobre sua família, sua casa e seu trabalho. Ela queria saber tudo
sobre ele. Antes que ela pudesse continuar a conversa, viram um carro vindo na direção contrária.
John Paul foi para o acostamento e apagou as luzes.
Eles esperaram, silenciosamente, até que o carro passasse.
- Quando você pediu ajuda ao seu cunhado, você ficou preocupado que ele dissesse ao FBI para aonde estamos indo?
- Por que ele está na Justiça?
- Sim.
- A família vem em primeiro lugar, doçura. Sempre.
- Mesmo assim...
- Ele vai ajudar e não vai dizer nada. Eu disse a ele o que precisava e ele concordou.
- Bom. Ainda bem que você pode confiar nele.
Eles esperaram no escuro, por alguns minutos, até que ele decidisse que seria seguro continuar.
A mente de Avery perambulava pelas palavras que ele havia sussurrado em seu ouvido. Talvez, se parasse de olhar para ele,
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pudesse pensar em outra coisa. Já fazia tanto tempo que ela havia se relacionado intimamente com um homem, que pensara ter se tornado imune àquele tipo de pensamento
e desejo.
Na verdade, ela havia se tornado imune. Até que ele apareceu em sua vida. Agora, as comportas estavam completamente abertas e ela não podia parar de pensar em tocá-lo.
Em todas as partes do corpo.
Durante trinta minutos, ela fez força para pensar em outra coisa além de sexo. Mentalmente, calculou as despesas do canhoto de seu talão de cheques e imaginou quanto
tempo poderia viver em seu apartamento sem receber seu salário. Três meses, quatro? E se ela fosse despedida?
Ela começou a dar batidinhas no chão com os pés. A quem ela estava enganando?
É claro que seria despedida. Eles não podiam prendê-la por insubordinação, mas será
que Carter a indiciaria por dificultar as investigações?
John Paul colocou a mão no joelho dela.
- Por que você está tão agitada? - E, antes que ela pudesse fabricar uma boa mentira, ele disse. - Aí está.
Ele pegou uma estrada de terra. A visão noturna dele era melhor que a dela. Ela não tinha percebido a pequena curva.
- Você tem certeza?
A mão dele ainda estava em sua perna, que ela não tinha a mínima intenção de mover. Ela olhava para frente, fingindo prestar atenção na estrada, enquanto pensava
em arrancar-lhe a roupa.
Estaria se tornando uma leviana? Ela balançou a cabeça. Não, estava simplesmente sentindo desejos normais, como qualquer outra mulher. O problema era que, por não
ter sentido esses desejos por tanto tempo, estava tendo dificuldade para se controlar.
- No que você está pensando? - perguntou ele. Sexo, maldição. Estou pensando em sexo.
- Nada de mais.
- E daí?
Até a voz dele era sexy. Ao passar os dedos pelos cabelos, ela percebeu que estava tensa e completamente insegura.
Eles passaram por uma área de vegetação densa e, de repente, estavam no que lhe pareceu ser um campo aberto. No escuro, era impossível dizer. Ela voltou a dar batidinhas
no chão com os pés. Estava nervosa com a idéia de estar sozinha com ele na cabana.
329
Ele dirigiu-se aos degraus à frente. Quando desligou o motor e as luzes, caíram na escuridão. Ela não podia sequer ver a própria mão em frente ao rosto.
- Fique aqui até eu pegar a chave que está escondida debaixo do degrau.
Ela não poderia ter se movido dali, nem que fosse para salvar a própria vida. Suas pernas estavam moles e ela pensou que fosse sentir falta de ar. Felizmente, quando
ele abriu a porta de entrada e acendeu as luzes dento da cabana, ela tinha conseguido controlar seus pensamentos. Avery saiu do carro e ajudou-o a carregar as sacolas
de compra.
A cabana era charmosa e cheirava a limpeza. Na parede oposta à porta havia uma lareira e duas cadeiras de vime com almofadas de tecido xadrez vermelho e amarelo.
O sofá verde musgo, apesar de parecer confortável, deve ter tido dias melhores, pois os braços estavam esgarçados e o tecido desbotado. Do lado direito da porta
havia uma mesa redonda de pinho e quatro cadeiras, de couro preto.
Atrás da mesa via-se uma pequena cozinha, com porta para os fundos.
Ela colocou as compras sobre o balcão e atravessou a sala em direção ao outro lado da cabana. No curto corredor, havia duas portas. A da esquerda dava para um banheiro.
No final do corredor, ela abriu a outra porta e espiou o cômodo. A luz da sala invadiu parte do quarto espaçoso. Uma cama de casal com cabeceira de ferro estava
coberta com uma colcha de retalhos colorida.
Quanto mais olhava pra a cama, mais rápido batia seu coração. Ela ouviu John Paul guardando as compras, sabia que deveria ir ajudá-lo, mas não podia se mover.
- É só uma cama, pelo amor de Deus. O que tem isso de mais?
Irritada consigo mesma por sentir-se tão nervosa, agarrou sua sacola e foi para o banheiro tomar uma ducha.
Ela não tinha trazido uma camisola ou um chambre. Depois de secar o cabelo e escovar os dentes, vestiu uma calça de lycra corde-rosa e sua camiseta, bastante surrada,
da Universidade de Santa Clara. A camiseta era, no mínimo, três números maior que o tamanho dela e chegava até um pouco acima dos joelhos.
330
Olhando no espelho, decidiu que lhe faltava astúcia feminina. Pela primeira vez na vida, quis estar bonita. Carrie divertiria-se ao saber disto. Ela vivia criticando
a maneira de se vestir de Avery e, desta vez, Avery teve de concordar com ela.
Agora, não havia nada que pudesse fazer a respeito de sua aparência. Com um suspiro, colocou sua sacola num dos cantos do quarto e foi para a sala no momento em
que John Paul entrava. Ele fechou e trancou a porta e, quando virou-se, ficou paralisado.
- O que aconteceu com você? - perguntou ela. Ele não respondeu. - Parece que você esteve chafurdando na lama. O que aconteceu? - repetiu ela.
John Paul não podia parar de olhar para as pernas dela. Sua mente foi tomada por fantasias.
- Coloquei o carro no celeiro e pensei... o óleo.... os pneus...
- Sim?
- O quê?
Ele finalmente se forçou a olhar para os olhos dela, sabendo que estava tão indefeso quanto um animal selvagem fascinado pela luz. Quando a vira, seus joelhos haviam
fraquejado. Aquela beleza, recém-saída do banho era completamente inebriante. Ela estava simplesmente linda. Será que fazia idéia do poder que exercia sobre ele?
- O que aconteceu com o óleo e os pneus?
- É isso mesmo.
John Paul sabia que estava gaguejando como um idiota e que era ela a responsável pela queda radical em seu QI. Ele passou por ela, murmurando palavras incoerentes,
foi até o banheiro e fechou a porta.
Ela pegou uma garrafa de água da geladeira, apagou as luzes da cozinha e da sala e voltou para o quarto. Ao dobrar a colcha de retalhos, dizia a si mesma para se
relaxar. Ela arrumou a cama com lençóis limpos que encontrou no armário e cobriu-a com um leve cobertor que encontrou num baú de cedro. Depois, ajeitou-se no centro
da cama, aprumou as costas e colocou-se na posição de lótus. Tentou limpar a mente e concentrar-se na respiração. Quando estava prestes a sentar-se na cadeira de
balanço de sua varanda imaginária, foi interrompida.
- Indo para seu lugar feliz?
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Ela abriu os olhos, rapidamente. John Paul estava na porta do quarto, olhando para ela. Tudo o que vestia era um short, que não tinha sequer se preocupado em abotoar.
Ela notou que ele havia feito a barba e lavado a cabeça. A pele bronzeada de seus ombros e pescoço estava salpicada de gotas d'água brilhantes. Estar sentada na
cama definitivamente a colocava em posição de desvantagem. Se eles quisessem lidar com aquela situação como adultos, ela queria estar na mesma posição que ele. Ela
arrastou-se para fora da cama.
- Sim, estava - disse ela. - Estava tentando relaxar. Ele bocejou, sem inibição.
- Avery?
- Sim?
Ele encostou-se no batente da porta, cruzando os tornozelos e os braços. Ela tentou não encarar os pêlos escuros em volta do umbigo dele.
- Vou dormir no sofá ou na cama?
Será que ela teria coragem de ser totalmente honesta com ele e dizer-lhe o que queria? Fale ou cale-se para sempre, pensou ela, agitada. Limpou a garganta e murmurou:
- Na cama... comigo, se é isso que quer.
Maldição, sua voz mostrava que estava completamente vulnerável e, talvez, até um pouco amedrontada. Ela não estava conseguindo olhá-lo nos olhos.
- Se você quiser - repetiu ela, com voz rouca.
- Sim, eu quero.
John Paul dirigiu-se até ela, mas parou no meio do caminho, quando ela levantou a mão.
- Não tão depressa, Renard.
- O que foi? - perguntou ele, com voz cautelosa.
- Primeiro, temos de discutir algumas regras.
Ela não estava brincando. Se ela não estivesse tão nervosa, ele teria rido.
- Regras? Como não atingir o adversário abaixo da linha de cintura? Que tipo de regra? - Não recebendo resposta imediata, ele continuou: - Vamos lutar boxe ou você
vai me deixar...
- Não vou tirar a camiseta, você concorda?
- Tudo bem, se é assim que você quer, mas se você mudar de idéia estará tudo bem também.
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- Se eu mudar de idéia eu tiro, mas não quero mudar de idéia e, provavelmente, não mudarei. Concorda?
A esta altura, ele já havia se esquecido o que estavam negociando.
- Sim, tudo bem.
Ele deu outro passo na direção dela.
- Ainda não terminei. Ele sorriu.
- Não pensei que tivesse terminado. Tudo bem, o que mais?
- Você tem de usar preservativo. Mesmo não podendo ter filhos, não fizemos exame de sangue e...
- Eu planejei usar preservativo - disse ele, interrompendo-a.
- Você planejou?
- Uh-huh. Ele tirou uma caixa de preservativos do bolso e atirou-a sobre a cama. Mais alguma coisa?
- Isso foi bastante presunçoso de sua parte.
- Avery, se eu demorar um pouco mais para tocá-la, vou enlouquecer. Ande logo e termine com as suas regras.
O coração de Avery estava disparado.
- Se você ficar desapontado...
- Não vou ficar.
- Mas se você ficar, não me diga nada. Não vou querer saber.
- Querida, você sempre fica tão tensa antes de fazer sexo?
- Você concorda?
- Tudo bem. Não direi nada.
- Isso não é engraçado, John Paul. Estou falando sério. Ele não podia esperar mais.
- Agora é minha vez - disse ele, ao puxar a camiseta de Avery, trazendo-a para si. - Você está aí em baixo, em algum lugar?
Ele colocou o braço em torno de sua cintura. Suas mãos escorregaram para dentro do tecido e passearam por suas costas. Ela não tentou escapar, quando os dedos dele
tocaram suas cicatrizes. Ele deitou-se e beijou o pescoço dela, bem abaixo da orelha.
Tremores percorreram a coluna de Avery. Quando ele começou a tocar o lóbulo de sua orelha com a ponta da língua, ela começou a relaxar. O hálito morno dele, em sua
pele sensível, intensificavam os tremores. Com as pontas dos dedos, ela podia sentir a força e o poder de seus músculos de aço. Como alguém tão forte
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podia ser tão gentil? Ela suspirou e deixou que sua cabeça caísse sobre o ombro dele.
- Preste atenção, doçura. Eu também tenho algumas regras. Ela levantou a cabeça e olhou-o nos olhos. Como ainda não
tinha reparado que eram lindos? Quando ele sorria, seus olhos se iluminavam.
- Sim?
- Você confia em mim?
Se confiava nele? Ela estava literalmente caindo de amores por ele. É claro que confiava nele, mesmo estando aterrorizada por ter de admitir tal fato.
- Isso não é uma regra.
Ele não desistiu e, quando ela tentou distraí-lo, encostando-se nele e beijando-o, ele balançou a cabeça.
- Já sei a resposta, mas quero... não, preciso ouvir de você.
- Você é o homem mais teimoso, obstinado e exasperante que conheci, mas desde o primeiro momento em que o vi senti essa estranha conexão. E como se eu tivesse esperado
a vida inteira para me sentir tão segura... e tão livre. Eu não sei como explicar isso - murmurou ela.
Ele levantou o queixo dela, passou os lábios sobre os dela e sussurrou:
- Então, confie em mim. Esta é a minha regra: você tem de confiar em mim.
Ela achou que tivesse entendido o pedido dele. E ele estava certo. Amor e confiança caminham juntos.
Era agora ou nunca. Por favor, Deus, faça com que ele não sinta repulsa. Ela afastou-se dele, ficou em pé junto à luz difusa do abajur de cabeceira e, antes que
perdesse a coragem, tirou a camiseta e atirou-a no chão. Avery virou-se para que ele pudesse ver o estrago feito em suas costas, concentrado na parte inferior da
região lombar.
As horríveis cicatrizes enrugaram a sua pele. Ela estava com medo de virar-se e olhar para os olhos dele.
- Doçura?
Havia um riso contido em sua voz. Confusa com a reação dele, ficou ali, dura como um pau, com os braços caídos ao longo do corpo e olhando para a parede à sua frente.
- Sim? - murmurou ela.
334
Ele colocou as mãos em seus ombros.
- No momento, estou mais interessado na parte da frente de
seu corpo.
- O que...
Gentilmente, ele fez com que ela se virasse, trazendo-a para perto de si. Seus seios macios comprimiram-se no peito dele. Ele fechou os olhos e sussurrou:
- Tenho sonhado com isso. E estar com você é melhor do que um sonho. Muito melhor.
- Mas minhas costas... Você viu...
- Prometo que voltaremos a esse assunto - disse ele. - Agora, tenho um vasto território a explorar - ele murmurou, beijando uma lágrima em sua bochecha. - E tenho
de priorizar as coisas.
Antes que ela pudesse argumentar, preocupar-se ou chorar, a boca dele apoderou-se da dela com sofreguidão, num beijo pecaminoso e carnal. A seguir, ele retirou a
língua de sua boca e iniciou um ritual de amor que causou-lhe frêmitos de desejo.
As mãos dele estavam em toda a parte, fazendo carinho, apertando e brincando, enquanto ele a beijava mais e mais vezes. Ela libertou-se de todas as inibições e retribuiu
seus beijos, carregados de desejo. Acariciou o peito dele, deliciando-se com o toque áspero dos pêlos escuros em seus dedos.
Ele soltou um profundo gemido de prazer quando ela apertou o bico de seu mamilo entre seus dedos e, porque ele gostou tanto daquilo, ela repetiu o gesto numerosas
vezes.
Quando ele parou de beijá-la e afastou-se, ambos ofegavam. Ele tirou o short e, olhando nos olhos dela, revelou-se na paixão que ali encontrou.
Avery fixou seu olhar no dele enquanto esticava o braço para tirar as calcinhas. Ele riu ao ver o olhar de surpresa dela, ao perceber que já haviam sido tiradas
por ele.
Ela deixou que ele curtisse o momento.
- Você é bom nisso - murmurou ela, trêmula.
Com os braços ao redor dela, ele apoiou-se nos cotovelos e disse:
- Você ainda não viu nada.
O rosto de John Paul estava contorcido pela paixão. A maneira como olhava para ela, fez com que se sentisse destemida.
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- E nem você - respondeu ela, esfregando seu corpo contra o dele e acariciando-o sem parar. O corpo dele estava tão quente quanto seu olhar.
Ele adorava o jeito como ela o tocava. Diabos, ele adorava tudo o que ela fazia, dizia ou pensava. Ela puxou-o para perto, pedindo mais um beijo. Dessa vez, ele
deixou que ela fizesse o papel de agressor. Suas línguas duelaram e suas mãos desvendaram os segredos de seus corpos.
Quando ela tocou-lhe o sexo, ele pensou que fosse perder o controle e tentou fazê-la parar, mas ela não lhe deu atenção. Ele mal podia respirar, de tanto tesão que
sentia por ela. Suas mãos escorregaram entre as coxas dela e seus dedos acariciaram suas partes mais íntimas, até que ela se curvasse e gritasse de prazer.
Ele controlou-se pelo tempo que pode, até ficar louco de vontade de entrar nela. Beijou gulosamente sua boca, enquanto seus joelhos abriam as pernas dela. Agarrando
sua bunda, penetrou-a profundamente.
Ela curvou-se ao encontro dele, gritando de prazer enquanto, com as pernas, trazia-o para mais perto de si.
Segurando o rosto dela com as mãos, John Paul cobriu-lhe a boca com a sua, enfiando a língua na boca morna e adocicada de Avery. Ele não tinha pressa, dando estocadas
longas e vagarosas. Gotas de suor cobriam sua fronte e enquanto fazia amor com ela, ele percebeu que nunca tinha sido assim, tão maravilhoso, antes. Nunca.
Avery mal podia agüentar as sensações que percorriam o seu corpo, tão novas e intensas. Ela não podia mais agüentar a lentidão de John Paul. Soltando-se dos braços
dele, tornou-se selvagem e exigente, suas unhas arranhando-lhe os ombros enquanto recebia suas estocadas, também com paixão.
Impelido a satisfazê-la antes de pensar em seu próprio prazer, ele tentou diminuir o ritmo, mas ela não aceitou. O encontro dos dois havia se tornado descontrolado,
primitivo, quase selvagem. Ele estava exaurido.
Avery sentiu que seu controle estava se desvanecendo, mas não sentiu medo. A sensação de sentir-se tão desinibida e de entregar-se, sem medo ou preocupação, era
completamente nova para ela. Ela sentia-se segura nos braços dele e, quando chegou ao precipício e a tensão de seu corpo começou a se desfazer, ela achegou-
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se a ele. Ondas de prazer ininterrupto atravessaram seu corpo enquanto ela se abraçava a ele.
Sem poder conter-se por mais tempo, o orgasmo dele foi desencadeado pelo dela. Ele gozou na profundeza do sexo dela, apertando as mandíbulas em êxtase.
Eles ficaram grudados por longos e maravilhosos momentos. A respiração deles era ofegante e irregular e não tinham forças para mover-se. Seus corações batiam em
uníssono. Ele enterrou o rosto nos cabelos sedosos de Avery e inalou seu perfume estonteante.
- Maldição - sussurrou ele. Ela havia consumido todas as suas forças. Quando tentou sair de cima dela para não esmagá-la, seus ossos pareciam ter se derretido.
Era óbvio que ela não estava sentindo o peso dele, pois quando ele se mexeu, ela apertou-o e disse:
- Ainda não.
Será que ele tinha sido muito grosseiro com ela? O pensamento ancorou-se em sua mente. Ele poderia ter sido mais gentil mas, como ela tinha se mostrado tão maravilhosamente
desinibida, ele talvez tivesse se excedido.
- Avery? Você está bem?
Ela sorriu por causa do tom de preocupação de sua voz, e murmurou:
- Então era isso que você queria que eu visse.
Ela riu com tanto deleite que, apesar da exaustão que sentia, ele sorriu.
Com um suspiro, ele rolou para o lado, levantou-se e foi ao banheiro.
Avery cobriu-se com o lençol, ajeitou o travesseiro e deitou-se de costas. Ela ainda estava sentindo as sensações da experiência que vivera. Decidiu que poderia
facilmente ficar viciada em fazer sexo com John Paul.
As molas do colchão fizeram barulho quando John Paul deitou-se ao lado dela. Ela abriu os olhos e sorriu. Ele parecia bastante orgulhoso de si mesmo. Deitou-se e
ficou a olhar para ela.
Ela estava exausta. A paixão ainda se espelhava em seus olhos e sua boca estava inchada dos beijos que recebera.
Mesmo sabendo que o tinha satisfeito, ela precisava que ele lhe dissesse. Engraçado como, um minuto atrás ela se sentira tão
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poderosa e, agora, as velhas inseguranças voltavam a atacá-la. Não, ela não o tinha desapontado. Então, por que ele não lhe dizia isto?
Ele podia ver o que estava acontecendo. Nos olhos dela. Eles estavam nublados. Ele não pensou que ela estivesse arrependida... mas, talvez, um pouco preocupada.
Ele soube que estava certo quando ela perguntou:
- No que está pensando?
Ele pegou o lençol e puxou-o até a altura dos bicos do seio dela. Ela puxou-os de volta.
- Aposto que posso tirar esse lençol de cima de você mais rápido do que seria capaz de tirar seu vestido de formatura.
- Droga, você está bastante satisfeito consigo mesmo, não é?
- Pode apostar que sim - disse ele, inclinando-se para beijála. Ele enfiou a língua em sua boca e fez cócegas no céu de sua boca. Quando afastou-se, ela estava sem
fôlego. Ele também.
Oh, como ela amava este homem. Ele era perfeito para ela. Ela estendeu a mão para tirar o cabelo dele da testa, uma desculpa para continuar a tocá-lo. Avery queria
mais e mais.
- Estou no céu? - perguntou ele, arrastando a voz. - Foi o que você disse, doçura, quando estava se desfazendo em meus braços. Na verdade, foi o que você gritou.
Ela riu.
- Mentira.
- Verdade.
- Eu sei o que você gritou, mas não vou repetir. Havia lascívia em seu sorriso.
- Adivinha o quê?
Ela correu os dedos pelo músculo lateral do pescoço dele e continuou por seu pescoço.
- O quê? - perguntou ela, preguiçosa.
- O vestido de formatura desapareceu.
Espantada, ela levantou a cabeça e olhou para baixo. O lençol estava em seus tornozelos.
- Você é bom mesmo!.
Ele inclinou-se e beijou os seios dela, um de cada vez. Com os dedos, vagarosamente, acariciou seu umbigo. Uma cicatriz dentada fazia uma cruz na parte inferior
do abdômen dela. A protuberância
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central indicava que o estrago tinha sido feito por uma bala. Provavelmente, calibre 38. Talvez 45.
Maldição, ela sobrevivera por milagre! Ele aproximou-se e ficou um longo tempo beijando cada centímetro do abdômen dela, sorrindo sempre que ela respirava fundo.
Então, ele rolou para o lado, para poder ver o rosto dela enquanto sua mão acariciava seus cabelos.
Avery estava tento problemas para manter o ritmo de sua respiração,
- Você quer...
- Oh, sim. Claro que quero.
Gemendo de mansinho, ela aproximou-se, sôfrega, seus dedos dos pés acariciando a parte de baixo das pernas dele. Ela tentou tocá-lo, mas ele agarrou as suas mãos.
- Relaxe, querida. Deixe-me...
Foi até onde ele conseguiu chegar. Ela era surpreendentemente forte. E ousada. Ela derrubou-o sobre as costas e deitou-se sobre ele.
- Relaxar? Acho que não, John Paul. Isto é um esporte de equipe, não é?
Ele ficou sem resposta. Ela tomou posse de sua ereção, enlouquecendo-o com suas carícias.
- E... sussurrou ela, aproximando-se dos lábios dele, que beijou com paixão.
- E, o quê? - perguntou ele, com voz enlouquecedoramente rouca.
Os olhos dela brilharam ao responder.
- Eu, definitivamente, acredito em trabalho de equipe.
Capítulo
31
O homem fora insaciável. Avery acordou ao meio-dia. Ela normalmente não dormia até tão tarde, mas John Paul não lhe dera muito tempo para dormir durante a noite.
Ela estava de barriga para baixo, com um braço pendurado ao lado da cama. Ele fazia carícias em suas costas. Seus dedos eram leves como plumas. Será que estava tentando
enlouquecê-la, ou estava apenas sendo gentil com suas cicatrizes? Meu Deus, suas cicatrizes. Até mesmo Carrie, que a amava como uma mãe, não conseguia evitar uma
careta sempre que olhava para elas.
- Você está acordada? - perguntou ele. - Avery? Ela não disse bom dia. Apenas falou, sem pensar:
- O que você acha?
- Sobre o quê?
- Minhas costas.
- Você pode agüentar a verdade?
- Uh-huh. Ela não gostou do tom da voz dele e podia sentir suas defesas se formando. - Sim. posso agüentar, disse ela, ríspida. - O que você está pensando?
- Na sua linda bundinha. Ela virou-se e olhou para ele.
- Foi a primeira coisa que reparei quando você entrou, pavoneando-se, no saguão do spa.
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Sorrindo, ela disse.
- Eu não estava me pavoneando.
- Estava sim.
- Você é um pervertido.
- E você é uma liberal. Imagino que estejamos empatados.
- Quanto às cicatrizes...
Ela ainda sorria quando perguntou:
- Sim?
- São apenas cicatrizes. Elas não definem quem você é. Agora levante-se. O café da manhã estará pronto em alguns minutos. Ande logo - disse ele, enquanto saía da
cama.
Ele estava completamente nu e parecia bastante confortável com isso. Ele era lindo. Todo músculos e masculinidade.
- Vista uma roupa, pelo amor de Deus!.
- Por quê?
- Você anda pelado assim no pântano?
- Gostaria de poder, mas acho que não devo, com todas aquelas cobras e jacarés.
Ele pegou seu jeans da cadeira e foi para a sala. Avery tomou uma ducha rápida e vestiu um short azul marinho e uma blusa amarelo claro. Tinha os cabelos atrás das
orelhas quando caminhou, descalça, até a sala.
John Paul foi até a cozinha e trouxe o prato que havia preparado para ela. Depois, passou-lhe o molho de pimenta.
Ele preparara ovos mexidos, com bastante pimenta. Ela comeu um pouco e teve de tomar o suco de laranja, para se livrar da ardência.
- Você realmente gosta de comida apimentada - ela disse, sorrindo.
- Em Louisiana, isto faz parte do estilo de vida.
- Como era quando você era criança em Bowen, com um pai que todos chamavam de Paizão Jake?
- Interessante - ele respondeu. - Meu pai era uma pessoa muito especial, sempre fazendo alguma coisa. Ele é meio enrolador, mas tem bom coração.
Ele contou algumas histórias engraçadas sobre umas enrascadas em que ele e seu irmão, Remy, se meteram quando eram crianças. Ela reparou que sempre que ele mencionava
o pai e a irmã sua voz se enchia de ternura.
341
- Mike é tão mandona quanto você. - Seu sorriso indicava que ele considerava isso uma virtude. Ela é cirurgia - acrescentou ele, orgulhoso. - O nome dela é Michelle,
mas todos a chamam de Mike. Todos menos o marido dela. Eles estão esperando o primeiro filho para setembro.
- Theo - disse Avery. - Ela é casada com o Theo, e ele é um promotor de justiça.
- Isso mesmo.
Ele contou-lhe outra história enquanto comiam e depois, ajudou-a a lavar os pratos.
- Choveu bastante hoje de manhãzinha. Os trovões fizeram tremer o telhado.
- Eu não ouvi nada.
- Eu deixei você nocauteada.
Ele soou arrogante. Ela deixou que ele vivesse seu momento.
- Sim, você me nocauteou - concordou ela, enquanto dobrava a toalha, que guardou na gaveta do balcão. - Temos de fazer planos.
- Eu sei - ele concordou, seguindo-a até a sala. Ela aconchegou-se no sofá. Ele sentou-se na cadeira, tirou os sapatos e colocou os pés na outra extremidade do sofá.
Ele era tão grande que a cadeira praticamente desapareceu sob seu corpo.
- Mas não hoje - ele disse. - Hoje vamos descansar e conversar. Amanhã faremos planos.
- Sobre o que vamos conversar?
- Sobre quem vamos conversar - ele disse. - Temos de falar sobre Jilly.
Ela havia protelado o mais que pôde. Assentindo, disse:
- Carrie mantinha um diário. Ela tinha onze anos quando começou a escrevê-lo. Este diário não era feito de sonhos e esperanças e paixões. Não, era sobre Jilly. Suas
páginas ficaram repletas de incontáveis e horríveis incidentes envolvendo sua irmã doente. Carrie disse-me que queria ter algum tipo de registro... de prova, suponho,
na esperança de que Jilly, algum dia, fosse pega e afastada. Ela pensou que, se os médicos lessem o diário, perceberiam que Jilly era realmente perigosa e a trancariam
atrás das grades para sempre. Eu acho que as intenções dela iam além disso. Acho que Carrie realmente acreditava que um dia Jilly tentaria matá-la.
342
- Uma infância bastante infernal - disse ele.
Avery concordou. - Carrie parou de escrever seu diário quando Jilly saiu da cidade, mas sempre o guardou, para o caso dela voltar. Eu sabia onde ela o escondia,
mas ela nunca me deixou lê-lo.
- Mas, mesmo assim, você leu, não é?
- Sim, eu li. Mas gostaria de não ter lido. Eu pensava que fosse adulta o suficiente para lidar com o assunto, mas o que estava escrito lá era tão amedrontador e
pervertido...
- Quantos anos você tinha?
- Catorze. Li cada palavra e tive pesadelos por vários meses. Carrie foi generosa com os detalhes e fiquei sabendo de todas as histórias escabrosas sobre Jilly.
Com força, Avery segurava uma almofada contra o peito. A tristeza em seus olhos era de partir o coração.
- Odeio falar sobre ela - murmurou Avery.
- Eu sei.
Ela deixou seus ombros caírem.
- O mundo está cheio de monstros. Predadores - ela disse.
- Jilly é um deles. Quer saber o que me causou mais medo nas coisas que li naquele diário?
- O quê?
- Que um dia eu acabaria ficando como ela. Geneticamente, estarei sempre ligada a ela.
- Isto não vai acontecer, Avery.
- Como você pode saber?
- Você tem uma consciência. E isto não se perde. Você não tem nada dela.
- Foi o que o Dr. Hahn me disse.
- Quem é o Dr. Hahn?
- Um psiquiatra. Quando comecei a acordar desesperada e gritando todas as noites, Carrie me levou ao Dr. Hahn. Carrie me fez prometer que não diria a ninguém, porque
ela não queria que as pessoas pensassem que eu fosse louca.
- Ela estava preocupada com o que as pessoas iriam pensar?
- ele perguntou, tentando evitar a censura na voz.
- O Dr. Hahn foi maravilhoso e me ajudou a... lidar com isto tudo. Carrie não sabia por que eu estava tendo pesadelos, pois nunca lhe disse que tinha lido o diário.
Acho que foi na terceira ou
343
na quarta sessão que o Dr. Hahn pediu que ela entrasse e eu disse a ela o que havia feito. É claro que ela ficou furiosa, mas quando o médico conseguiu acalmá-la,
pediu-lhe que o deixasse ler o diário e ela concordou. Ela teria feito qualquer coisa para me ajudar a superar o que chamava de meus terrores noturnos.
Ela sorriu para John Paul, balançando as pernas.
- Acho que até o médico teve pesadelos depois de ler o diário. Carrie contava-me histórias sobre Jilly e eu cresci sabendo que ela era louca, mas as histórias que
Carrie me contava viraram contos de fadas perto do que li no diário.
- O que o médico disse depois de ter lido o diário? Qual foi a reação dele?
- Ele ficou animado.
- Animado? - repetiu ele, sem compreender.
- Ele estava certo que Jilly fosse uma psicopata completa, e gostaria de ter a oportunidade de estudá-la. Com base no que lera, concluíra que Jilly não tinha as
capacidades morais e emocionais desenvolvidas e, por isso, ele acreditava que ela fosse incapaz de sentir remorso ou culpa. Ela era incapaz de se sensibilizar com
a dor de outras pessoas. Ao contrário, ele explicou, mesmo sem motivo, ela gostava de machucar as pessoas. Ela simplesmente gostava de fazer isso. Era diplomada
em manipular histórias e jogar a culpa nos outros.
John Paul colocou os pés no chão e inclinou-se, abraçando as pernas de Avery.
- Ela era... impressionante a maneira como ela manipulava as pessoas. Todos a amavam, não importava o que fizesse. Ela era terrivelmente inteligente.
- Dê-me um exemplo.
- Quando era pequena ela começou a se divertir com animais de estimação. Ela torturou e matou o gato de Carrie encharcando o pobrezinho com gasolina e botando fogo
nele. Ela disse a Carrie o que havia feito, mas na frente de minha avó ela chorou, dizendo que amava o gatinho. Uma das vizinhas levou-a para tomar um sorvete, para
que se sentisse melhor. Quando estava no último ano do ensino médio, ela fazia coisas piores. É claro que ela era a garota mais popular da escola. Todos amavam Jilly.
Uma garota chamada Heather Mitchell foi eleita a rainha da turma e Jilly ficou em segun-
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do lugar. De acordo com Carrie, Jilly aceitou o fato na escola, mas quando chegou em casa naquela tarde, fez um escarcéu que durou várias horas. Ela quase destruiu
a casa. Naturalmente, foi o quarto de Carrie que sofreu os maiores estragos. O quarto de Jilly ficou intacto. Depois do jantar, ela acalmou-se e ficou com aquele
olhar matreiro de quem tinha aceitado a situação.
Avery respirou fundo. Quando percebeu que os músculos de seu braço estavam doendo, soltou a almofada.
- No dia seguinte, um frasco de ácido sulfúrico desapareceu do laboratório. Depois das aulas, Jilly pensou que estivesse sozinha com Heather, mas Carrie a viu pegar
Heather pelo braço e levá-la para a rua. Jilly disse a Heather que ela se arrependeria se aparecesse para o fim de semana de confraternização da turma. Heather era
uma garota gentil e educada, que estava passando por momentos difíceis. A mãe dela havia morrido algumas semanas antes, por causa de um aneurisma, e ela estava se
recuperando do choque. Quando Jilly acabou de atormentá-la, Heather trancou-se no quarto. O pai dela finalmente conseguiu que ela lhe contasse o que estava acontecendo.
Ela disse que Jilly havia admitido que roubara o ácido. Ela ameaçou esperar por Heather quando ela estivesse sozinha em casa, e jogar o ácido em seu rosto.
- Deus do céu! Avery assentiu.
- O que Carrie escrevera no diário era verdade. Ela conversou com Heather.
- E o que o pai de Heather fez?
- Na manhã seguinte, ele foi falar com o diretor e exigiu que Jilly fosse expulsa. Ele também foi à polícia.
- E o que eles fizeram?
- Nada - ela disse. - O chefe de polícia era amigo da minha avó e não faria nada que pudesse magoá-la. Além disso, era a palavra de uma garota contra a de outra.
E claro que Jilly negou tudo. Minha avó e Jilly foram chamadas à diretoria e fez com que Carrie fosse com elas.
- E Jilly foi expulsa?
- Não - disse ela, zombando da possibilidade. - Eu já havia dito que o diretor era um homem? O nome dele era Sr. Bennett e ele tinha um casamento infeliz. Sua mulher
era problemática e
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não se relacionava com quase ninguém, pelo menos foi isso o que Carrie escreveu.
- E o que aconteceu? - perguntou John Paul, trazendo-a de volta à história.
- Carrie viu a maneira como Jilly seduziu Bennett. Jilly ficou histérica e fabricou uma montanha de lágrimas, tudo fingimento. O diretor foi até o sofá e sentou-se
ao lado de Jilly. Ele colocou o braço em seu ombro para confortá-la, mas o que fascinou Carrie... foi a linguagem corporal de Jilly... e a reação de Bennett.
Ela balançou a cabeça. - Você já viu alguma mulher mexer-se como um gato? Carrie disse que Jilly parecia um gato. Quando Bennet colocou o braço no ombro dela, ela
encostou-se nele, de maneira obscena.
- E sua avó?
- De acordo com Carrie, ela não percebia nada. Ela tinha ido até o corredor para pegar um copo dágua para Jilly, mas mesmo que estivesse lá, não teria notado nada,
porque ela não queria enxergar a realidade. Carrie escreveu que, enquanto chorava, Jilly agarrou-se a Bennett. Com a cabeça no ombro dele, ela olhava para Carrie,
que estava em pé, atrás dele, com um sorriso de gata. Quando tudo terminou, Bennett ameaçou suspender Heather por ter inventado uma mentira.
- Que horror!
- Como eu disse, Jilly sempre teve um jeito especial para lidar com os homens. Alguns ficavam completamente enlouquecidos por ela. Eles ligavam para a casa de minha
avó, dia e noite. As vezes, Carrie subia até o quarto de minha avó para ouvir as conversas pela extensão. Ela escreveu que os homens choravam e imploravam e, depois
que ela desligava, Carrie podia ouvir as risadas dela. Oh, ela adorava o poder que tinha sobre eles. Ela adorava manipular, e usava o sexo para conseguir o que queria.
Sua especialidade era destruir homens casados. Aposto que você pode adivinhar quem foi um deles.
- Bennett.
- Exatamente.
- Meu Deus - disse ele. - E tudo isso enquanto ela estava terminando o ensino médio? - Antes que Avery pudesse responder, ele perguntou: - O que aconteceu com Heather?
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- Ela não foi à confraternização e Jilly foi coroada rainha. Mas isso não foi suficiente para ela. Heather a havia irritado e devia ser punida. Jilly passou a atormentá-la.
Depois de um mês, quando Heather começou a pensar que Jilly havia se esquecido de tudo, ela voltou para casa e foi até o quarto. Alguém havia despejado ácido em
seu ursinho de pelúcia, que ela mantinha sobre a cama. E claro que esse alguém tinha sido Jilly.
John Paul passou a mão na mandíbula e esperou que Avery continuasse.
- Carrie ficou sabendo do fato no dia seguinte, na escola. Ela foi falar com o pai de Heather. Ele tinha ficado em casa com a filha, que estava completamente abalada.
Carrie disse-lhe que Jilly não desistiria de atormentá-la e que seria melhor que ele tirasse a filha da cidade e não dissesse para ninguém para onde tinha ido. Heather
estava prestes a ter um colapso nervoso. Ela explicou a Carrie que estava fazendo terapia e que a terapeuta também a havia aconselhado que saísse da cidade. Ela
foi embora de Sheldon Beach durante o Natal e nunca mais voltou.
- Algum dia ela parou?
- De jeito nenhum - ela disse. - O pai de Heather fez outra ocorrência policial, dois meses depois. Ele disse que alguém estava roubando sua correspondência. Numa
tarde de sábado, viu Jilly abrindo sua caixa de correspondência. Ela estava procurando cartas de Heather, para saber onde ela estava.
- Ela nunca desiste, não é?
- Não, ela nunca desiste. Ela nunca se relacionou sexualmente com seus colegas de escola. Todos os seus amigos a consideravam uma virgem imaculada. Carrie ouviu
alguns rumores sobre Jilly, mas eles não vieram de seus colegas. Heather pagou o preço e foi colocada no ostracismo. Jilly sempre primou pela maldade.
Avery levantou-se e esticou os braços acima da cabeça.
- Você quer alguma coisa para beber?
Depois da história que acabara de ouvir, ele achou que uma bebida alcoólica cairia bem, mas acabou se contentando com uma Coca Diet. Avery serviu-se de um pouco
de água e trouxe a Coca para ele.
Ele abriu a lata, deu um gole e perguntou:
- Seus avós tentaram conseguir ajuda quando ela era pequena, ou eles não perceberam que havia alguma coisa errada com ela?
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- Meu avô foi embora quando Carrie e Jilly eram pequenas, e vovó Lola vivia no que Carrie chama de ilha da fantasia. Ela arranjava desculpas para todas as atrocidades
que Jilly cometia.
- Quando ela engravidou de você? - ele perguntou.
- Em seu último ano de escola. Carrie acha que a gravidez acabou salvando Heather, pois Jilly passou a ter outras coisas em que pensar. Ela tentou fazer um aborto,
mas o médico recusou-se porque ela já estava em estado muito avançado. Ela saiu da cidade três dias depois de ter dado a luz. E esse foi o último fato registrado
no diário - Avery acrescentou.
- Me deixar para trás foi a gota d'água para a minha avó. Ela colocou todas as coisas de Jilly na calçada, para serem levadas pelo caminhão de lixo. Quando estava
empacotando as coisas do armário, encontrou uma caixa de sapatos cheia de cartas endereçadas à casa de Heather. Adivinhe o que mais ela encontrou?
- O ácido. Avery assentiu.
- O frasco estava pela metade, mas teria sido mais que suficiente para matar Heather. Acho que Jilly ainda não tinha esquecido a garota. Acho que ela estava apenas
esperando a ocasião adequada.
Um estrondo de trovão assustou-a. Ela teve uma reação e encolheu-se. A seguir, levantou-se e caminhou até a janela para olhar para fora. O céu estava carregado de
nuvens pesadas e negras. Um relâmpago cruzou o firmamento seguido de outro e, depois, um novo estrondo.
Ela não se virou ao dizer.
- Carrie não considera Jilly inteligente. Ela usa o corpo para conseguir o que quer. E óbvio que, através dos anos, ela tenha se tornado mais perversa e perspicaz.
Carrie dizia que não havia homem algum, na face da terra, imune à magia dela.
- Você acredita nisto?
- Skarrett estava, obviamente, obcecado por ela. Veja onde terminou. Quando eu tinha cinco anos de idade, Jilly e Skarrett vieram à casa de minha avó. Jilly disse
a ela que teria de pagar-lhe uma certa quantia para ficar comigo. Felizmente, Carrie estava em casa. Ela disse a Jilly que não tinha direito legal algum sobre mim
e botou-a para fora de casa. Foi uma briga horrível, mas Skarrett manteve-se afastado... daquela vez. Jilly gritava feito louca, "Você está morta, Carrie. Você está
morta".
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- Onde você estava enquanto tudo isso acontecia? Ela virou-se e olhou para ele.
- Eu não me lembro de nada, mas Carrie me disse que me encontrou debaixo da cama. Naquele dia, Carrie me prometeu que eles não voltariam.
Ela bebeu um gole de água, recolocou a tampa e olhou para sua mão, onde havia uma marca profunda dos dentes da tampa que segurara.
- Mas eles acabaram voltando, não foi?
- Sim.
Ele observou-a de perto quando ela fechou os olhos e contou-lhe o que havia acontecido, no dia catorze de fevereiro, muitos anos atrás. Quando terminou, ela disse:
- Skarrett é um boneco. E acho que agora, ela também tem Monk ao seu lado. Ela está manipulando os dois para conseguir o que quer.
Ela colocou a garrafa na mesa e deu um passo em direção a John Paul.
- Então, agora você sabe de tudo.
- Agora eu sei...
- E então? - perguntou ela. - Diga-me o que acha. Ele encolheu os ombros.
- Acho que você tem razão. Jilly é louca.
Avery passou os dedos pelos cabelos e deu mais um passo na direção dele.
- Você não ficou arrependido?
Ele sentiu-se como se estivesse fazendo parte de um jogo da verdade. Exasperado, perguntou:
- Arrependido de quê?
- De ter se envolvido comigo. Mesmo sendo uma situação temporária...
- Com todos os diabos, não! Ela deu um passo para trás.
- John Paul, você deve ter sentido um pouco de repulsa...
- Nada a ver. Ela encarou-o.
- Por que não? Eu não venho de uma família normal, geneticamente falando. Sou uma merda.
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- Não precisa ser melodramática, doçura. E também não precisa gritar. Estou ouvindo perfeitamente bem.
- Como você pode continuar sorrindo, depois de tudo o que ouviu? Como você...
- Avery, não foi você. Foi Jilly quem fez tudo aquilo.
Ele estava se achando extremamente racional, mas ela não parecia interessada em sua lógica.
- Agora você entende por que nunca vou me casar?
Antes que ela desse mais um passo para longe dele, ele estendeu os braços, colocou as mãos nos quadris dela e puxou-a para perto de si.
- Não, não entendo.
Ela tentou livrar-se das mãos dele, mas elas estavam cimentadas em seu corpo.
- Você terá de me explicar. Tem medo de espirrar e, num passe de mágica, tornar-se uma louca desvairada?
- Não, é claro que não, mas não posso ter filhos e, mesmo que pudesse...
- Eu sei - disse ele, suavemente. - Você não correria o risco.
- Todos os homens querem filhos.
Ela estava presa nos joelhos dele, franzindo o cenho e mudando o peso do corpo de um pé para o outro.
- Alguns sim, outros não.
- Você quer?
Ele não mentiria para ela.
- Eu sempre pensei que, algum dia, gostaria de sossegar e ter filhos. E pode ser que ainda faça isso - disse ele. - Existem muitas crianças no mundo que precisam
de um lar estável.
- Você acha que, depois de averiguarem a história da minha família, eu seria qualificada para adoção?
- Sim, eu acho.
- Não vou me casar.
Sua voz estava carregada de provocação. Apesar da tentativa, ela não estava conseguindo esconder sua vulnerabilidade.
- E por acaso pedi você em casamento?
- Não.
- Então. Acho que já conversamos bastante sobre esse assunto por hoje. Agora vamos tentar descontrair um pouco.
350
Ela percebeu que ele estava se comportando da mesma maneira que quando ela mostrou-lhe suas costas. Nem as cicatrizes nem as histórias sobre Jilly pareciam perturbá-lo.
Que diabos havia de errado com ele?
- Você precisa relaxar - ele disse, levantando sua camiseta e inclinando-se para a frente, para beijar-lhe a barriga.
- É por isso que faço ioga. Me ajuda a relaxar.
- Eu conheço outras maneiras de relaxar.
Ele desabotoou o short dela, à procura do zíper. Ela agarrou as mãos dele.
- O que você pensa que está fazendo?
O sorriso de John Paul fez com que o coração de Avery disparasse. As mãos dela soltaram-se das dele e ela ficou olhando, enquanto ele abaixava seu zíper. Quando
seu short finalmente caiu no chão, ele respondeu.
- É muito simples, doçura. Estou indo para o meu lugar feliz.
Capítulo
32
O melhor lugar para se dividir segredos é o quarto. Eles fizeram amor, e depois que ele beijou cada centímetro do lindo corpo de Avery ela sentiu-se exausta.
- Eu disse que chegaria à parte de trás - ele disse, saindo de cima dela e rolando para o lado.
Ela riu do convencimento dele. Ainda ofegante, ela sussurrou:
- Você é insaciável.
Ele sorriu, arrogante. - Com você, eu sou. Aquilo era uma coisa agradável de se ouvir, quase um elogio, pensou ela.
- Chegue para lá - ela disse a ele. - Estou quase caindo da cama.
A cama de viúva não lhe dava muito espaço para se mover.
- Precisamos comprar uma cama king size.
O humor dela mudou com a rapidez do vento.
- Por quê? - ela perguntou, tensa.
- Porque sou muito grande para uma cama como esta, respondeu ele. Meus pés ficam para fora. Qual é o problema com uma cama king sizél
- Nós dois sabemos que não podemos ter uma relação duradoura.
352
- Eu perguntei alguma coisa?
- Não, mas você deu a entender...
- Você se preocupa demais, doçura.
Ela concordou, em silêncio. É claro que se preocupava... com tudo. Mas o que mais a apavorava era estragar as coisas. O fato de admitir que estava apaixonada por
John Paul era o suficiente para deixá-la em pânico. O que aconteceria quando se separassem? Será que ela seria capaz de se recuperar?
- Eu não acredito no casamento. Veja o que acontece com algumas pessoas.
- Que pessoas?
- Pessoas como os Parnell...
- Doçura, eles não são o que você pode chamar de pessoas típicas.
- E os índices elevados de divórcio?
- E os casais que ficam juntos?
- Eu estragaria as coisas - disse ela, abruptamente. Como ele não respondeu, ela apoiou-se nos cotovelos, inclinou-se sobre ele e esperou. Será que ele havia caído
no sono?
- Você ouviu o que acabei de dizer?
Além do adorável sorriso em seu rosto, ele estava completamente nu. Ele transpirava autoconfiança, provavelmente porque não dava a mínima para o que os outros pensavam.
Ela passara a vida toda tentando agradar as pessoas.
- Você não tem muita confiança em si mesma, não é? Tudo bem - acrescentou ele, antes que ela pudesse responder. - Eu tenho confiança suficiente para dois.
Ela colocou a mão sobre o abdome musculoso e circulou seu umbigo com as pontas dos dedos. Ele fazia com que tudo parecesse simples.
Ela não conseguia parar de tocá-lo. Mesmo sentindo toda a força que irradiava de seus músculos, ela não se sentia nem um pouco intimidada por ele. Quando estava
em seus braços, não se sentia diminuída ou oprimida. Ao contrário, ele fazia com que ela se sentisse capaz. Não ter de se preocupar em agradá-lo, saber que tudo
o que fazia era aceito, sentir-se livre e liberada, proporcionava uma sensação incrível. A confiança que sentia nele era absoluta, e ela percebeu o maravilhoso presente
que ele lhe dera.
353
- John Paul?
- Ummm?
- Você está dormindo?
- Um pouco.
- Eu quero...
- Tudo bem, doçura. Só preciso descansar alguns minutos e depois...
O corpo de Avery ainda sentia os tremores da última vez que fizeram amor.
- Não é isso - disse ela. Quero que me diga uma coisa. Ele bocejou.
- Você foi perfeita, Avery, mas devo dizer... Ela beliscou-o.
- Não estou pedindo uma análise. Eu quero saber por que você resolveu se afastar.
Antes que pudesse ser mal interpretada, ela disse:
- Eu já contei todos os meus segredos. Quer dizer, a maioria deles, e agora é a sua vez. Por que você se desligou?
- Assunto chato.
Ela beliscou-o, novamente.
- Conte-me.
Ele abriu os olhos e olhou para ela. A determinação que viu deixou claro que ele não tinha alternativa. Além disso, ele sabia estar em débito com ela.
- Não foi por causa de um trabalho que não tenha dado certo - disse ele. - Apenas um monte de coisinhas que não funcionavam bem e me fizeram... reavaliar o que queria
na vida. Eu tive um problema sério.
- Que problema?
- Comecei a pensar muito. Eu tinha bastante tempo para isso, enquanto esperava ser escalado para novas tarefas. Geralmente, eram generais - explicou ele, com desinteresse.
- Pequenos ditadores empedernidos, rodeados de assassinos. Eu não me importaria de matá-los para o bem da humanidade - acrescentou, sarcástico. - E gostava de ir
à caça de reféns. Havia justiça envolvida em tais ações, mas uma noite, enquanto congelava, notei que estava formando um calo em meu dedo. O dedo que puxava o gatilho
- continuou ele, com suavidade. - Aquela descoberta me deixou completamente assustado.
354
- E o que você fez?
- Terminei a tarefa, disse a eles que estava caindo fora e fui para casa.
- Foi assim, tão fácil? Eles não tentaram te convencer do contrário?
- Sim e não - respondeu ele. - Naquela época, foi fácil porque eu trabalhava para um cara decente e honesto. Ele sabia que eu tinha chegado no limite. Acho que a
justificativa mais razoável que ele encontrou foi me conseguir um afastamento, por tempo indeterminado.
- Mas ainda tentam fazer com que você volte?
- De vez em quando - concordou ele. - Mas não vou voltar. Ele fechou os olhos novamente e disse: -Eu já fiz coisas horríveis, Avery.
- Imagino que sim, sussurrou ela. E você não acreditava que o que fazia fizesse a mínima diferença, não é?
Ela havia atingido o nó do problema.
- Não, não acreditava. Ditadores são como ervas-daninhas. Você arranca uma do chão e, do dia para a noite, nascem mais duas.
Ele voltou a abrir os olhos e observou-a, enquanto contavalhe uma de suas tarefas mais sangrentas. Quando terminou, notou que ela não havia puxado a mão dela da
sua. Ela ainda estava acariciando o seu peito. Seu toque era apaziguador.
- Quer dizer, então, que você é um marceneiro - ela disse.
- Sim.
- E você é bom nisso?
- Sim, sou. Continuo usando as mãos, mas agora construo coisas que vão durar. Não quebro mais pescoços.
É estranho.
- O quê?
- O ímpeto de querer matar. Nunca senti antes. Estou sentindo agora.
Avery arregalou os olhos. Ele havia confessado de forma tão displicente!
- Ah é? E quem você gostaria de matar?
- Skarrett.
Ela estremeceu.
- Não - disse ela. - Eu não quero que ele morra.
- Você deve estar brincando.
355
- Estou falando sério. Eu quero que ele passe o resto da vida atrás das grades.
- Bem, se eu tiver a oportunidade...
- Não - ela disse, com firmeza.
- Tudo bem - disse ele, ao perceber que ela estava ficando irritada.
- Estou falando sério.
- Eu disse que tudo bem - ele repetiu.
- Não me importo que mate Monk - ela disse. - Mas espero que alguém o traga vivo. Já imaginou as coisas que ele poderia contar?
John Paul balançou a cabeça.
- Ele não falará. Ele não é o tipo de homem que vive para se vangloriar. Acho que existe uma possibilidade remota de que, se os interrogadores souberem tratá-lo
como profissional, ele lhes dê um pequeno insight. Honestamente, acho que não acontecerá. - Ele encolheu os ombros e acrescentou:
- Eles deviam esmagá-lo como um inseto.
- E Jilly?
- Você decide.
- Ela precisa ser presa em uma instituição para loucos criminosos. E precisa ficar lá até o fim da vida.
- Você não quer que ela morra?
- Não, não quero - ela disse. - Acho que ela não pode evitar de ser assim. Só quero ter certeza que ela não prejudicará mais ninguém.
Ele passou o polegar pelos lábios dela.
- Você tem um coração generoso.
- E você também.
- De jeito nenhum - resmungou ele. - Mas minhas mãos são ótimas - acrescentou ele, estendendo as mãos na direção dela.
Ela tinha um olhar matreiro nos olhos quando rolou para cima dele. Para evitar que ela fizesse dele um eunuco, prendeu as pernas ao redor dela.
- Agora sou eu quem vai te mostrar como sou boa - murmurou.
O que ela disse não foi exagero. Avery era extremamente imaginativa e, o que fez com ele usando as mãos e a boca, foi pura magia e, provavelmente, ilegal em alguns
estados. Mas é claro que ele não lhe diria isso.
356
Naquela noite, mesmo sabendo que no dia seguinte o interlúdio estaria terminado, dormiram abraçados. Eles não podiam mais negar a realidade.
Avery acordou antes de John Paul e, rapidamente, tomou uma ducha e vestiu-se no banheiro para não incomodá-lo. Depois, foi até a sala, cuidadosamente fechando a
porta do quarto, e olhou para o relógio. Havia um relógio digital na parede ao lado da mesa. Ela torceu para que estivesse certo. Cinco e quarenta e cinco no estado
do Colorado. O que significava serem sete e quarenta e cinco na Virgínia.
Ela pensou ter ouvido barulho de chuveiro quando foi para o telefone. - Seja previsível, Margô - sussurrou ela. - Não resolva ser diferente, logo hoje.
Ela discou o serviço de informações, pegou o número que precisava, desligou e esperou com o olhar fixo no relógio.
Quando eram exatamente sete e cinqüenta, Avery discou o número. Responderam ao terceiro toque.
Avery inventou um nome, disse ao funcionário que se tratava de uma emergência e que precisava falar com Margô. Ele descreveu a amiga e acrescentou:
- Ela chega no trabalho todos os dias às sete e cinqüenta.
- Eu sei, a garota baixinha, não é?
- Sim.
- Ela acabou de sair.
- Vá atrás dela - gritou Avery. - Ande logo, vá chamá-la. Ande! O funcionário largou o telefone, que ficou batendo na parede.
Ela ouviu-o gritando o nome de Margô e, um minuto depois, ela podia ouvir Margô reclamando.
- Ninguém sabe que estou aqui. O que você quer dizer com "uma emergência?" Alô - disse ela.
- Margô, sou eu, Avery.
- Pelo amor de Deus, Avery. Como foi que você soube que eu estaria aqui... como foi que... - papagueou ela.
- Você sempre passa por aí para pegar donuts, no caminho para o escritório.
- Você tem idéia da encrenca em que se meteu?
- Não fiz nada de errado - defendeu-se Avery.
- Por que você saiu daquele posto policial no Colorado? Os agentes estavam lá para protegê-la.
357
- Eu estou protegida.
- Renard?
- Sim - respondeu ela, impaciente. - Diga-me o que sabe. A porta do quarto abriu-se e John Paul apareceu, olhando para
ela, incrédulo. Ela levantou a mão quando ele começou a caminhar em sua direção.
- Espere um pouco, Margô. - Cobrindo o receptor com a mão, ela disse a John Paul: - confie em mim. - E voltou a colocar o telefone no ouvido. - Muito bem, Margô,
comece a falar.
- O julgamento começa no dia dez de julho, disse ela. - Mas, Avery, a audiência para a condicional ainda está acontecendo. Dessa vez, Skarret talvez consiga. Pode
ser que consiga a liberdade.
- Nem morta vou deixar que isso aconteça.
- Credo, Avery, não fale assim!
- A audiência ainda está marcada para o dia dezesseis?
- Acho que sim.
- Acha ou tem certeza?
- Tenho certeza - disse ela. - Não fique nervosa comigo, Avery. Eles sabem sobre Jilly. Sua tia contou. Isso deve ter sido um tremendo choque. Sinto muito...
Avery interrompeu-a. Ela não queria compaixão. - Eles têm alguma idéia de onde Jilly e Monk possam estar?
- Nenhuma.
- E minha tia? Já saiu do hospital?
- Ainda não. Mas não se preocupe com ela. Naquele hospital não entra uma mosca. O esquema de segurança que montaram é inacreditável.
- Eu não estou preocupada - disse ela. - Monk não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.
- O que você quer dizer?
- Vou mantê-lo ocupado. Ele vai ter de tentar me impedir de testemunhar no julgamento de Skarrett.
- Por que ele se importaria com Skarrett?
- Ele não se preocupa - ela disse. - Mas, ele agora trabalha para Jilly e ela quer Skarrett fora da prisão. Aposto que, se você verificar os registros de visitas
da prisão descobrirá que, mais de uma vez, ele foi visitado por uma mulher na prisão. Acho que ela fez um acordo com ele.
358
- Pelos milhões de pedras não lapidadas que ele roubou - disse Margô.
- Tenho certeza que Skarrett pensa que vão dividir o bolo, e que vai viver feliz com Jilly para o resto da vida. Mas, quando tiver o que quer, Jilly deixará que
Monk o mate.
- Avery, você está imaginando coisas.
- Talvez - sussurrou ela. - Não posso falar agora. Sobre o julgamento...
- Sim?
- Descubra quem é o promotor de acusação e certifique-se que meu nome seja incluído na lista de testemunhas.
- Tudo bem - ela disse. - Posso dizer ao Carter que falei com você?
Você vai lhe dizer, de qualquer maneira, pensou ela. Margô era uma amiga de verdade, mas Avery sabia que, ao contar a Carter, ela pensava estar ajudando: - Sim,
por favor.
- Onde você está, agora? Ele vai perguntar.
Alabama - mentiu ela. - Agora preciso ir. Diga ao Carter que ligo para ele mais tarde.
- Espere - pediu Margô. - O que você vai fazer?
Avery sabia o que queria fazer. Só que ainda não sabia como. A conversa ao telefone com Jilly veio à sua cabeça. Como foi mesmo que ela a chamara? Ah, claro, como
poderia se esquecer?
- Eu vou dar uma de desmancha-prazeres.
John Paul confiou nela. Senão, teria arrancado o telefone de sua mão, colocando-o de volta no gancho. Ele havia se sentado no sofá, ao lado dela esperando, impacientemente,
que terminasse a conversa. Ficou aliviado quando Avery lhe disse que havia alcançado Margô na loja de donuts.
- Muito inteligente - ele disse, em tom de aprovação.
- Ela é uma criatura de hábitos arraigados.
Ela contou a ele a conversa que tivera com Margô.
- Prometi que ligaria para Carter - acrescentou ela. - Quando chegarmos à Flórida.
- Mas não antes disso.
- É melhor você pensar bem antes de vir comigo, John Paul. Eu poderia...
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- Tornar-se sangüinária? Ela assentiu.
- Eu estou nessa - disse ele. - Para o que der e vier.
Ele colocou as mãos em volta do pescoço dela e puxou-a para perto. Beijou-a de modo possessivo e disse:
- Você me ouviu? Estou nessa, para o que der e vier. E, mesmo que você não goste, nenê, você também.
- Até encontrarmos Monk e Jilly. Ele soltou-se dela.
- Não é o que quero dizer, e você sabe disso.
Avery afastou-se e foi até a cozinha. Ela preparou o café da manhã. Cereal e torradas. E depois, como estava agitada, lavou os pratos enquanto olhava para o mapa,
tentando organizar a rota de volta a Sheldon Beach.
Quando estava guardando os pratos, ele chamou-a.
- Temos visita.
Ela largou o pano de prato e correu para a sala. John Paul estava cautelosamente espiando pela janela. Ao lado da perna, segurava sua arma.
Ele viu o carro dar a volta no bosque e relaxou.
- É melhor arrumarmos as coisas - ele disse, enquanto travava a arma e a colocava de volta no bolso do jeans. - Nosso carro chegou.
- Que carro? Você estava esperando alguém? John Paul assentiu.
Ele ainda não tinha visto o motorista porque o sol, refletido no pára-brisas, bloqueava a visão. Mas o modelo correspondia: um Honda cinza, novo.
- Quem é?
Ele encolheu os ombros.
- Eu disse ao Theo que precisava de transporte. A polícia vai procurar pelo meu carro e imaginei que você não iria querer que eles nos segurassem até que o FBI pusesse
você sob custódia.
- O FBI não faria isso, a não ser com minha permissão.
Ele bufou. O que, claramente, dava a entender que não concordava.
- Eles não passariam por cima de meus direitos de cidadã - disse ela.
360
- É claro que passariam - ele disse. - E lhe diriam que estão fazendo isso para o seu próprio bem.
Naquele momento, ela se recusava a entrar numa discussão sobre o Bureau. Além do mais, no fundo, ela achava que ele tinha um pouco de razão. E não estava disposta
a arriscar.
- Theo veio guiando de Louisiana até aqui?
- Não - respondeu ele. - Ele queria vir, mas fiz com que desistisse da idéia. Disse a ele para se lembrar que vai ser pai no mês que vem, além de ser um péssimo
atirador. Se ele se mata, eu terei de me tornar a figura paterna do filho dele. Disse a ele que criaria seu filho para ser exatamente como eu.
- E isso lhe causou calafrios?
- Pode crer que sim - respondeu. - e, como eu disse, ele atira muito mal.
É provável que se ferisse tentando tirar a arma do coldre.
- E você não quer que ele se machuque. É melhor ficar esperto. Você está começando a ficar gentil.
Ele espremeu os olhos para se proteger da luz do sol, tentando ver o motorista.
- Theo disse conhecer alguém que pode ajudar e vai ficar de bico calado. Alguém que não se importa em quebrar algumas regras. - Maldição - rosnou ele quando, finalmente,
identificou o motorista. - Ele não. O filho da...
- Quem?
- O Theo. Além de mau atirador, meu cunhado tem um péssimo humor.
- John Paul, do que é que você está falando?
- Theo tinha de mandar justo ele, falou, irritado.
- Quem? - ela exigiu uma resposta.
- Clayborne. Ele mandou Noah Clayborne. Ao falar o nome, sua boca pareceu ser tomada de gosto ruim.
Ela ficou bastante confusa com a atitude dele.
- Mas você ligou para o Noah do spa. Eu ouvi você falando com ele. Então, por que está bravo?
- Sim, eu liguei para ele, mas pensei que não fosse precisar vê-lo - resmungou ele, olhando-a de cima a baixo e dizendo. Pelo amor de Deus, vá vestir uma roupa!
Ela olhou para si mesma. Sim, ela estava vestida. Tênis brancos, shorts azul-marinho e camiseta branca.
361
- O que está errado com a minha roupa?
- Muita pele aparente. Com os diabos, não faria a mínima diferença que você estivesse vestida de freira. Mesmo assim, ele cairia em cima de você. E, se ele fizer
isso, vou ter de acabar dando um tiro no bastardo. Ele caminhou até a porta, que quase arrancou das dobradiças ao abrir e foi para a varanda.
- Pode apostar que dou um tiro nele. Que droga.
- Ele está nos trazendo um carro - ela lembrou-o. - Pare de reclamar dele.
- Sim, você tem razão - respondeu ele. - Ele pode ficar aqui, ou levar meu carro de volta. Não é preciso que venha conosco.
Avery voltou para a janela. John Paul a havia deixado curiosa sobre o amigo de Theo. Ela sabia que Noah não poderia ser tão detestável quanto John Paul dera a entender.
O carro parou em frente à casa e Noah Clayborne saiu para a luz do dia.
Avery sentiu vontade de assobiar. Alto, ombros largos e cabelo loiro escuro, ele vestia jeans e camiseta cinza. Usava um antiquado coldre de ombro e óculos Ray-Ban.
John Paul apresentou-lhe uma carranca, mas ele respondeu com um sorriso. O homem tinha covinhas e transpirava sensualidade por todos os poros.
É claro que ela não estava interessada nele. John Paul era muito mais sexy - ela gostava de tudo nele -, mas no quesito aparência, Noah seria um forte concorrente
ao segundo lugar. Naturalmente, a análise que fazia tinha caráter estritamente clínico. Ela nunca tinha reparado nos homens dessa maneira antes ou, se tivesse, não
tinha se permitido admitir. Será que o fato de ter voltado a fazer sexo a estava deixando de miolo mole?
- Quando tudo isso acabar, vou precisar de terapia novamente - sussurrou ela. - Terapia séria.
Ela endireitou os ombros e foi recebê-lo. Ele subia os degraus da varanda, mas parou ao vê-la.
Era evidente que John Paul precisava desenvolver suas habilidades sociais. Ela esperou alguns segundos, mas percebeu que ele não faria as apresentações. Ela teria
dado um passo à frente, mas John Paul colocou o braço sobre seu ombro e puxou-a para perto dele.
362
A reação de Noah para o ato ridiculamente possessivo foi um largo sorriso. Ele tirou os óculos escuros e olhou diretamente para ela. Olhos azuis. O homem tinha intensos
olhos azuis. Aposto que ele despedaça muitos corações, pensou ela, enquanto sentia John Paul segurá-la com mais força.
Será que era casado? Ela gostaria que não fosse, pois tinha pelo menos três amigas para apresentar-lhe, desde que, naturalmente, ele não tivesse a cabeça completamente
vazia. Margô não se importaria com isto mas Peyton, sua amiga de infância, não aceitaria um homem sem cérebro.
- Quem diabos você está encarando, Clayborne? - latiu John Paul.
Avery deu um fim à demarcação de territórios. Ela tirou o braço dele de seu ombro e caminhou até a beirada da varanda.
- Obrigada por ter vindo - começou ela. Estendendo a mão, acrescentou: - Meu nome é Avery Delaney
Noah acabou de subir os degraus e apertou a mão dela, que prendeu na sua enquanto dizia:
- Preciso saber.
- Sim?
Ele olhou para John Paul e disse:
- Como uma coisinha linda como você se envolve com um cara desses?
- Ela é uma moça de sorte - chicoteou John Paul. - Agora, solte a mão dela.
Noah sorriu para Avery e continuou a segurar sua mão. Ele estava, deliberadamente, sentindo prazer em provocar John Paul. Ele sabia exatamente o que fazer para deixá-lo
irritado. O que, pensando bem, não era muito difícil.
- Estamos muito agradecidos por sua ajuda, não é, John Paul? Ela teve que dar-lhe uma cotovelada para conseguir uma resposta.
- Sim, claro.
- Entre, por favor. Quer alguma coisa para beber? - perguntou ela, indicando o caminho.
- Se ele estiver com sede, pode servir-se sozinho - disse John Paul. - Você não precisa dar uma de anfitriã, Avery.
Ela virou-se para ele.
363
- Pare de ser desagradável - ordenou ela. - Estou apenas sendo gentil, algo que parece não fazer parte de seu vocabulário. Agora pare de dar uma de galo de briga.
Imediatamente, ele controlou-se.
- Tudo bem, tudo bem. Noah tentou conter o riso.
John Paul soou um pouco encabulado ao dizer a Noah:
- Ela tem personalidade.
- Uh-huh, concordou Noah.
- Olhe, não é o que você...
- Sim, é sim. Nunca pensei que você pudesse se apaixonar. Juro que nunca pensei que alguma mulher iria querer...
- Cale a boca, Noah.
- Calma! Estou apenas fazendo um favor para o Theo - explicou ele. - Não jogue suas frustrações para cima de mim. Na verdade, ele gostava de John Paul e o respeitava
muito. Talvez até o admirasse, pois tinha tido a coragem de recusar um trabalho que acabava por arruinar a vida de um homem.
Avery foi até a cozinha para pegar um refrigerante para Noah. Ao voltar, parou na porta da cozinha. Os homens haviam voltado para a varanda e ela não podia ouvir
o que diziam. Ela colocou a garrafa de volta na geladeira e decidiu arrumar suas coisas.
Avery ouviu vários palavrões e, depois, risadas. Eles são loucos, pensou ela, enquanto dirigia-se para o banheiro e fechava a porta. A cama estava parecendo um ninho
de ratos. Ela arrancou os lençóis usados, jogou-os no cesto de roupas sujas e, rapidamente, substituiu-os por limpos.
Não havia muito o que arrumar. Ela colocou suas calças caqui e procurou por sua blusa cor-de-rosa na sacola. As roupas que a senhora do posto policial havia levado
para lavar, estavam impecavelmente dobradas, num dos lados da sacola.
Aquela senhora foi muito gentil por ter lavado minhas roupas. Quando tudo terminar, pensou, terei muitas pessoas para agradecer.
Ela teria de pensar em alguma coisa muito especial para o chefe de polícia, Deixá-los usar sua cabana ultrapassava qualquer gentileza convencional.
Ela foi até o banheiro para recolher seus objetos pessoais. Ao olhar no espelho, levou um susto ao ver-se tão abatida. Colocou
364
um pouco de maquiagem para esconder as olheiras, um pouco de rouge nas bochechas e brilho rosado nos lábios. Depois, escovou os cabelos, recolheu sua pasta e escova
de dentes e guardou-os na sacolinha de maquilagem, onde também jogou a escova de dentes de John Paul.
Ela estava pronta, quando John Paul entrou no quarto. Ele fechou a porta, na qual se encostou e olhou para ela.
Depois que terminou de fechar o zíper da sacola, levantou-se e esfregou as mãos nas calças, nervosa.
- Alguma coisa errada?
- Não quero ir embora. - Ao fazer o comentário, ele olhava para a cama.
- Eu também não - admitiu ela.
- Venha cá. Sua voz era um gemido de desejo.
Ela não hesitou. Correu até ele, atirou os braços em volta de seu pescoço e beijou-o.
Quando finalmente se separaram, havia lágrimas nos olhos dela. Nunca antes ela sentira esse tipo de desespero, tão devastador e intenso, que ela pensou que fosse
desabar num choro ancestral.
Como tinha permitido tornar-se tão vulnerável? Será que o amor acontecia assim, tão rapidamente? Por que não se protegera um pouco mais? O amor é uma droga, decidiu.
Todas aquelas canções idiotas sobre as maravilhas do amor. Tudo o que ela sentia, no momento, era dor e medo. Medo de que alguma coisa acontecesse a ele. Maldição,
ela não queria amá-lo!
- Você devia ir para casa - disse ela, dando um passo atrás e assentindo consigo mesma. Desta vez, ela foi mais enfática: - Quero que você volte para casa.
- Por quê?
Ele fez uma pergunta óbvia, para a qual ela deu uma resposta obscura.
- Porque sim. Posso chegar sozinha à Flórida. Não preciso de você e de Noah tomando conta de mim.
Quanto mais explicava, mais decidida se tornava. A reação de John Paul foi jogar sua sacola sobre a cama e amarfanhar suas roupas dentro dela.
Noah estava encostado ao balcão da cozinha, bebendo leite. Ele estava comendo um enorme sanduíche que preparara, quando
365
Avery passou levando sua mochila para a porta. John Paul veio logo atrás, carregando as duas sacolas.
- Vamos embora - disse ela a Noah.
- Vou logo atrás de vocês.
Ela seguiu John Paul até o carro. Ele abriu a tampa do portamalas, fez uma pausa para olhar para ela e jogou as sacolas dentro, batendo a tampa.
- John Paul, o que quis dizer... Ele balançou a cabeça.
- Não faça mais isso. Não me insulte desta maneira. Eu disse, pelo menos três vezes, que estou nisso para o que der e vier. Você não estava me ouvindo?
Ela olhou para a porta, para ter certeza de que Noah não estava ouvindo e disse:
- Eu não quero que se machuque. Não poderia suportar, se alguma coisa acontecesse com você... Eu não acho que poderia...
- Eu também amo você, Avery.
- Faz muito pouco tempo... você não pode...
- Posso sim.
- Como pode me amar? - balbuciou ela.
Colocou a mão no pescoço dela, puxou-a para perto e sussurrou:
- Quer que eu enumere os motivos?
Os olhos dela voltaram a ficar cheios de lágrimas. Ele estava decidido a não ser sensato.
- Você é extremamente teimoso.
- E você também.
- Não vai funcionar.
- Faremos com que funcione.
- Sou uma liberal - murmurou ela, desesperada. Ele beijou-a e disse:
- Posso conviver com o fato de você ser uma liberal, mas não posso viver sem você.
É bastante simples, doçura. - John Paul cobriu a boca de Avery com um beijo longo
e excitante. Ele não tentou subjugá-la ou amarrá-la aos seus pés. Enquanto passeava sua boca sobre a dela, estava sendo extremamente gentil. Ela poderia, mas não
quis se afastar. Avery retribuiu o beijo com paixão.
O gemido dele apenas a encorajou a tornar-se mais ousada e, quando ele afastou a cabeça, ela pendurou-se nele.
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Quando a porta da varanda se abriu, ela afastou-se. Noah veio até a varanda e, fechando a porta atrás de si, jogou as chaves para John Paul.
- Você dirige, enquanto tiro uma soneca.
Sem tirar os olhos de Avery, John Paul pegou as chaves. - Você vai se casar comigo.
- Não, não posso me casar com você.
- Eu perguntei alguma coisa?
- Você acabou de dizer...
- Eu perguntei alguma coisa? - ele repetiu, pacientemente. Noah olhou para os dois, balançou a cabeça e atirou-se no
banco traseiro.
- Briguinha de casal? - perguntou ele.
- Não. - Disseram eles, ao mesmo tempo.
Ela pegou as chaves das mãos de John Paul. - Eu dirijo.
Ele não argumentou. Noah estava fascinado pela sinergia entre os dois. Quem pensaria que o urso se deixasse abater? Ele tinha de acabar concordando com o velho ditado.
Sempre haveria um chinelo velho para cada pé cansado. Uma alma gêmea. Espere até que ele contasse ao Theo. Ele também teria dificuldades em acreditar. O urso estava
apaixonado. Ele não pôde conter o riso.
- Que diabos é tão engraçado? - resmungou John Paul.
- Você. Você é engraçado. Ei, Avery, você já ouviu aquela piada sobre o Fuzileiro Naval...
John Paul reclinou o banco e fechou os olhos. Aquela seria uma viagem longa, muito longa.
Capítulo
33
Os planos sofriam constantes mudanças. Carrie não gosta va de mudanças, de qualquer espécie, a não ser, claro, que estivesse no comando. O agente Montez era o chefe
e o agente Pimienta, seu assistente. Assim que foi designado responsável por Carrie, a primeira coisa que Montez fez foi ordenar a Pimienta que dissesse a Carrie
que havia sido decidido que ela ficaria no Colorado.
Depois de comunicar a decisão do Bureau à Sra. Salvetti, e de sobreviver à sua reação, o agente Pimienta voltou a Montez e ameaçou apresentar sua demissão caso ele
o forçasse a fazer coisa semelhante, outra vez.
- Estou fazendo uma requisição para aumento de salário, com a justificativa de que estou atuando num campo de batalha - anunciou Pimienta.
Da sala de espera, eles podiam ouvir os gritos de Carrie.
- Será que ela não percebe que existem pessoas doentes neste hospital? - murmurou Montez, claramente chocado com a atitude da mulher.
- Ela não se importa - disse Pimienta. - Ela insiste em ir para a Flórida, para uma casa com segurança, na qual possa ficar com a sobrinha.
- Entendo. Quer dizer que você não lhe disse que ainda não encontramos a sobrinha dela?
368
- Não, senhor. Achei melhor deixar que o senhor explicasse isso a ela.
- Pelo amor de Deus, homem. Você é um agente do FBI. Tenho certeza que será capaz de lidar com o mau humor da senhora.
- Com todo o respeito, senhor, ela não é uma senhora mau humorada. Ela é...
- O que? - interrompeu Montez, irritado.
Um demônio, Pimienta teve vontade de dizer, mas não se atreveu. Montez não acreditaria nele. Além disso, ele mesmo acabaria descobrindo do que a Sra. Salvetti era
capaz quando não estava satisfeita.
- Senhor, ela não é o que se pode chamar de uma mulher normal, Mulheres normais não soltam faíscas pelos olhos.
Montez estava aborrecido.
- Ela fará o que lhe dissermos que faça.
Quer apostar? A campainha que sentira no ouvido havia se transformado num eco enfadonho.
- Sim, senhor, tenho certeza que ela ouvirá o senhor. - Ele ficou bastante satisfeito consigo mesmo por ter dito a frase sem colocar um sorriso nos lábios.
- Estamos totalmente empenhados em defender os interesses dela. Você foi bem claro quanto a isso, não é, Pimienta?.
- Ela não me deu a oportunidade de explicar nossa posição.
- Quando ela se acalmar...
Eles ouviram outro grito. Pimienta deu um pequeno sorriso enquanto Montez perguntou, resoluto:
- Quem está lá com ela?.
- Gorman - ele respondeu. - Ele deve ter dito a ela que não conseguimos encontrar sua sobrinha.
A porta da sala de espera se abriu e Gorman saiu. Montez e Pimienta estavam no final do corredor e viram quando Gorman, apressadamente, fechou a porta. Seu rosto
estava vermelho como um pimentão.
Gorman viu Montez, endireitou a postura e caminhou até ele.
- Ela está dando trabalho para você também? - perguntou Montez.
Pimienta tentou não cair na risada. É claro que ela continuava dando trabalho. Era só olhar para a cara dele.
369
- Ela é... uma mulher difícil - disse Gorman, tentando ser diplomático. - Ela se recusa a colaborar. Disse que vai para a Flórida, com ou sem Monte de Pimentas.
- Monte de Pimentas? - perguntou Montez. Gorman limpou a garganta.
- E como ela está chamando o senhor e o agente Pimienta. Monte de Pimentas. Ela também está exigindo uma casa na praia.
- Uma casa na praia? Ela quer uma casa na praia? - perguntou Montez, indignado.
Pimienta lançou seu olhar de entendeu-o-que-eu-queria-dizer? Agora seu superior talvez concordasse que a Sra. Salvetti era tão difícil quanto ele havia dito que
era.
- E qual foi a sua resposta para a exigência dela?.
- Disse-lhe que não seria possível, pois como seu testemunho não era obrigatório, ela ficaria no Colorado. Expliquei que o advogado de defesa tem a transcrição do
primeiro julgamento de Skarrett e que ele não pediu que ela comparecesse para depor novamente e também que, por essa razão, não existe necessidade de que ela vá
para a Flórida.
- E o que ela respondeu? - perguntou Pimienta.
- Ela tentou agarrar a minha arma.
- Ela só podia estar blefando - disse Montez. - Vamos esperar alguns minutos até que ela se acalme - sugeriu ele.
Carrie precisaria de mais que alguns minutos para retomar a calma. Explodir era a única resposta que era capaz de dar ao medo que corroía seu estômago. Que diabos
Avery estava pretendendo fazer? Será que ela pensava que podia simplesmente entrar no tribunal e testemunhar contra Skarrett? Carrie não se cansava de ver a imagem
de sua sobrinha recebendo um tiro enquanto subia as escadas para o tribunal.
Se Monk... ou Jilly... puserem as mãos nela... Carrie correu para o telefone, conseguiu uma linha externa e fez uma ligação à cobrar para Tony, rezando para que
ele ainda não tivesse saído para o aeroporto.
Ele devia estar sentado ao lado do telefone, pois atendeu ao primeiro toque.
Carrie foi direto ao assunto.
- Eles me colocarão numa casa e me manterão aqui, no Colorado - vomitou ela.
370
- Em que lugar do Colorado? - ele perguntou.
- Eles não me disseram, mas ouvi um deles falando ao telefone. Ele não percebeu que eu estava escutando e mencionou um lugar chamado Wedgewood. Deve ser algum tipo
de subúrbio.
- Aspen é uma cidade muito pequena para ter um subúrbio - argumentou ele.
- Não sei onde diabos fica esse lugar. Pelo amor de Deus, procure na internet. Use a cabeça. Não pode existir mais de um lugar com esse nome no Colorado. Ela caiu
no choro. O que acontecerá com a minha empresa se eu tiver de ficar isolada em uma casa por muito tempo? Não posso ficar longe por tanto tempo. Não posso...
- Querida, eu posso cuidar de tudo. Já cuidei de uma empresa antes.
- Mas preciso de você comigo, Tony. Você precisa vir para cá.
- Tudo bem, eu vou - prometeu ele. - Não vou deixar que você passe por isso sozinha. Você quer que eu vá ao hospital? Eles podem esperar até que eu chegue para tirar
você daí?
- Eu farei com que esperem - disse ela. - Sara foi transferida para a nova ala de fisioterapia. Como o departamento ainda não foi aberto ao público, não existem
problemas com a segurança. Vou ficar lá com ela, até que sejamos transferidas. Não vou deixar que me levem a lugar algum até que você chegue.
- Sim, tudo bem - ele disse, aliviado.
- Você sabe que eles não conseguiram encontrar Avery? Quando me ligou, ela me disse que não ficaria sob custódia comigo. Você falou com ela?.
- Não, ainda não. Estou parado ao lado do telefone, esperando. Avery não me deixaria preocupado. Não entendo por que ela não ligou.
- Ela sabe que você ficará bravo com ela, por ter me deixado aborrecida - disse Carrie. - Ela não gosta que fiquemos desapontados com ela.
- Eu sei, querida, mas estou preocupadíssimo com ela.
- Eu também. Ela vai ligar e, quando ligar, diga-lhe para não ir a Sheldon Beach. Faça com que entenda que é muito perigoso para ela.
- Pode deixar - prometeu ele. - Não vou deixar que nada de mau aconteça a ela.
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- E se ela ligar depois que você tiver saído para o aeroporto?
- Querida, ela sabe o número do meu celular.
E claro que Avery sabia. Carrie estava tão abalada que não conseguia pensar.
- Vejo você logo.
Carrie desligou e decidiu ligar para o escritório de Avery, para saber se seus amigos tinham notícias dela, mas foi interrompida quando o agente Montez entrou para
lhe dizer que a juíza Collins queria falar com ela.
- Em alguns minutos, vamos transferi-la para a nova ala.
- Tudo bem. Como quiser.
Montez ficou surpreso e satisfeito com a cooperação. Ele sentia uma pontinha de presunção, pois estivera certo em seu julgamento. Ela havia dito a Pimienta e a Gorman
que, quando se acalmasse, a Sra. Salvetti colaboraria. E era exatamente isso o que ela estava fazendo.
Talvez as coisas não fossem tão difíceis quanto pareciam.
Capítulo
34
Jilly havia acabado de receber uma massagem e estava enrolada em um amplo lençol de finíssimo algodão egípcio com o logotipo do Utopia. Ela estava deitada de costas,
com os olhos fechados, enquanto a esteticista aplicava-lhe uma máscara facial de abacate. A idiota não parava de falar. Ela fazia um elogio após o outro sobre a
perfeição de sua pele e seu, oh, corpo absolutamente perfeito.
Jilly nunca se cansava de ouvir elogios dos homens, mas não tinha a mínima preocupação com o que as mulheres pensavam a respeito dela. Quando estava pronta para
mandar a esteticista calar a boca, terminou de aplicar a meleca e disse:
- Bem, vamos deixar penetrar por quinze minutos.
Finalmente, ficou sozinha. Afrouxando o lençol, deixou o ar fresco acariciar o seu corpo. Era ótimo poder relaxar, em especial depois de ter se aborrecido tanto
com o fato de Carrie e a juíza terem sobrevivido à explosão. Felizmente, Monk não estava no bangalô quando a terrível notícia veio, pela televisão, e ela não teve
de tentar se comportar. Ele nunca tinha visto um espetáculo naquelas proporções e ela não sabia qual seria a sua reação. Uma coisa que ela não queria era assustá-lo.
Pelo menos não por enquanto, pois ele ainda era terrivelmente útil. Ainda havia muita coisa a fazer e era preciso que Monk se mantivesse como um cãozinho fiel.
Carrie chamava os seus chiliques de escarcéus, mas Jilly havia aprendido a se controlar. Não totalmente, mas tinha melhorado muito.
374
Naturalmente que, se no momento em que Jilly ouvira a notícia sobre Carrie, uma das camareiras tivesse entrado no bangalô, Jilly provavelmente a teria atacado.
E apreciado cada momento.
Jilly nunca havia matado um ser humano. Ela deixava que seus homens cuidassem de seus problemas. Afinal, tinham sido feitos para isso. Mas ela sempre tivera a curiosidade
em saber como se sentiria ao matar alguém com uma arma ou, talvez, até com as próprias mãos. Seria apropriado observar alguém que a tivesse feito sofrer morrendo
vagarosamente. Por que negar esse tipo de satisfação e contentamento? Ela percebeu que, o tempo todo, Monk estivera certo. Ele queria ter acabado com cada uma das
mulheres separadamente, e fazer com que as mortes parecessem acidentais. Jilly havia pedido e implorado, até que ele desistisse de seu plano original e fizesse as
coisas à maneira dela. Como teria sido possível um plano tão perfeito, não funcionar? Era tão perfeito, tão simples, tão... brilhante.
Carrie. Carrie foi a razão de o plano não ter funcionado. Aquela desgraçada tinha arruinado tudo.
Jilly sentiu tanta raiva que bateu com os punhos no travesseiro. Mas parou, subitamente. Ela ouviu a chamada para as notícias na televisão, anunciando a retransmissão
do filme da explosão. Imediatamente, ela olhou para a tela, enquanto enxugava as lágrimas dos olhos. O filme estava centrado na juíza, mas Jilly não estava interessada
nela, não importava quão famosa fosse. Ela esperou, choramingando, até que a câmera, finalmente, virou-se para a vaca da sua irmã, enquanto era carregada de maça
para a ambulância. Homens, paramédicos com certeza, estavam empenhados em adulála. Como se atreviam a lhe dar atenção? Como se atreviam? Jilly estava mais ofendida
com o comportamento dos homens do que com o fato de que sua irmã estivesse muito bem viva.
A câmera fez um zoorn no rosto de Carrie. Jilly pensou tê-la visto sorrir e, isso, foi a gota d'água. Gritando obscenidades, ela pegou um abajur e atirou-o contra
a parede.
Carrie estava estragando tudo.
Ela precisou de mais de uma hora para se acalmar. Depois, ligou para o spa e pediu que lhe mandassem um massagista. Depois da massagem sentiu-se melhor, pronta para
começar a pensar em seu novo plano. Este não seria tão complicado, pensou ela.
375
Por que ela tinha resistido ao desejo de matar Carrie com a tesoura? Porque não teria sido tão divertido. Depois de todo o mal que a irmã lhe fizera, ela merecia
sofrer por um bom tempo antes de morrer. Não era justo. Homens se preocupando com ela, tomando conta dela. Será que não viam como ela era feia?
Jilly sentiu o ódio novamente se formando dentro dela. A máscara estava começando a cocar o seu rosto. O celular tocou no momento exato em que a esteticista voltou
para a suíte.
- Vá embora - disse ela. - Pode deixar que eu lavo o rosto. Feche a porta quando sair.
Jilly derrubou uma pilha de toalhas ao tentar alcançar o celular.
- Sim?
- Achei que você gostaria de ouvir boas notícias. Descobri onde Carrie e a juíza estão.
Imediatamente, ela empertigou-se.
- Você descobriu? Onde, querido? Quer dizer que eu estava certa? - ela perguntou, antes que ele pudesse responder. - Elas vão para Sheldon Beach? E lá que esconderão
Carrie até o julgamento?
- Sua irmã não vai para a Flórida porque ela não vai testemunhar no julgamento.
Jilly riu de contentamento.
- Ela está com medo.
- Sim.
A máscara em seu rosto trincou-se.
- Essa notícia é maravilhosa. Conte-me tudo.
Ela ouviu com atenção e, quando ele terminou, ela lhe disse para não se preocupar, pois pensaria em um plano melhor.
- Alguma coisa menos complicada dessa vez - prometeu ela. Depois, em voz de arrulho, disse:
- Sinto saudades, querido.
- Vamos nos ver logo?
- Claro que sim.
- Amo você.
Ela sorriu novamente.
- Sim, eu sei.
Jilly desligou, livrou-se do lençol que tinha enrolada ao corpo e foi para o banheiro tomar uma ducha. Ela vestiu um roupão felpudo e pediu à recepção que mandasse
uma camareira para limpar
376
o resultado de seu acesso de ira. O custo do estrago seria cobrado no seu cartão de crédito.
Quando Monk entrou no quarto, duas horas depois, ela estava pronta para ele. Vestia um vestido de chifon preto, com sapatos de salto alto, mas decidira não usar
roupas de baixo. Ao ficar parada na porta, com a luz que vinha do quarto, sabia que ele seria capaz de ver através do fino tecido. Havia se certificado disso.
Apesar de cansado, Monk recuperou-se ao ver o amor de sua vida. Ele sabia de tudo o que ela tinha feito para agradá-lo. Como soubesse que ele precisaria fazer amor
com ela assim que chegasse, ela havia preparado o quarto. Havia velas para criar o clima adequado e ela vestia seu vestido favorito. Idêntico ao vermelho, que ele,
num momento de desejo extremo, havia rasgado. Indo ao encontro dela, lembrou-se de ser cuidadoso para não estragar esse também.
Ele olhou para a boca de Jilly. Vagarosamente, ela esfregava a ponta da língua no lábio superior. Ela sabia que ele gostava disso também.
Fizeram amor de maneira rude e selvagem. Como animais no cio, agarraram-se um ao outro. O vestido preto, em farrapos, caiu no chão. Quando, finalmente, sentiu-se
saciado, rolou de cima dela, jogou os braços para trás e fechou os olhos.
Ela havia lhe dado prazer e, agora, era a vez dele satisfazê-la.
- Acho que devemos esperar alguns dias - disse Jilly. - E, depois, quando estiver descansado, você pode cuidar de Carrie e da juíza. Até lá, elas estarão se sentindo
seguras e protegidas. O que você acha? Não deve ser muito difícil para você quebrar o bloqueio e fazer o que tem de ser feito.
- Preciso de pelo menos duas semanas para organizar um plano.
- Monk, você se sentiu feliz comigo agora há pouco?
- Você sabe que sim, querida.
Então, faça-me feliz você também. Acho que posso esperar uma semana, mas ficaria enlouquecida se tivesse de esperar mais tempo. Carrie estava sorrindo quando a levaram
para a ambulância e eu não gostei de vê-la sorrir.
- Eu compreendo.
- Ela contou aos policiais a meu respeito. Agora que sabem que estou viva, virão atrás de mim. Você estava certo - sussurrou
377
ela. - Eu não deveria ter insistido nas cartas, como não deveria ter deixado que ela me visse. Mas pensei que ela fosse morrer na explosão e queria que soubesse...
- Não chore, Jilly - ele disse, tomando-a nos braços. - Tudo vai dar certo.
- Sim - disse ela, aconchegando-se nele. - Assim que ela estiver morta, tudo ficará bem. Ela me fez sofrer por muito tempo. Prometa que vai acabar logo com ela.
- Eu prometo - respondeu ele. - Você sabe que eu faria qualquer coisa por você.
Ela sorriu e passeou as mãos hábeis pelo corpo dele.
- Então, iremos para Sheldon Beach.
O desejo de agradá-la estava deixando Monk histérico mas, ao mesmo tempo, ele sentia que seria bem-sucedido em tudo o que fizesse, por causa da confiança que ela
depositava nele. Ela sempre lhe dizia que ele era brilhante e que não sabia se dar o devido valor. Agora ele percebia que ela tinha razão. Ele conseguiria. Não importava
quantos agentes do FBI estivessem no local, ele seria capaz de entrar sem ser notado.
Ele poderia até mesmo tornar-se invisível.
Capítulo
35
A viagem de carro para a Flórida demorou três dias. Eles poderiam ter feito em um tempo mais curto, mas como não estavam com pressa, optaram pelas estradas vicinais
do estado da Geórgia.
Passaram duas noites em hotéis limpos sem luxo, escondidos em pequenos lugarejos. Na primeira noite, cada um ficou com um quarto. Avery não convidou John Paul para
dividir a cama com ela e ele não tocou no assunto. Ela estava tentando desesperadamente afastar-se dele por acreditar que, assim, o momento da separação seria menos
doloroso. Mas não estava funcionando. Ela estava apenas enganando a si mesma. Ela o amava e não sabia o que fazer a respeito. Na primeira noite, não pregou o olho
e rolou na cama até ficar zonza. Na manhã seguinte, estava tão charmosa quanto um rinoceronte. Na noite seguinte, John Paul não fez perguntas. Ele simplesmente pediu
dois quartos, enquanto Noah falava com um de seus superiores pelo celular.
John Paul seguiu Avery até o quarto e jogou sua sacola ao lado da dela. Ela não argumentou, mas disse:
- Vamos apenas dormir. Sem sexo. Sorrindo, ele tirou a roupa e foi para o chuveiro.
- Eu perguntei alguma coisa? - disse ele, fechando a porta na cara dela.
O ar-condicionado estava com defeito e o quarto estava gelado. Por volta das duas de manhã, ela acordou nos braços dele, sentindo-se
380
excitada. Ele era simplesmente irresistível. Eles fizeram amor e, dessa vez, foi ainda melhor que das outras, porque já sabiam do que gostavam e, em questão
de minutos, sintonizaram-se nas necessidades um do outro.
A parede que os separava do quarto de Noah era fina como papel. Ela tentou não fazer barulho, mas quando sentiu os primeiros tremores de prazer percorrendo seu corpo,
teve de morder o ombro dele para impedir um grito de êxtase.
Às seis da manhã, quando acordou, aninhou-se novamente em seus braços e, como diria Margô, usufruiu dele até os ossos.
Ele voltou a dormir. Depois de tomar uma ducha, ela ficou um tempo diante ao espelho, olhando seu rosto. Suas bochechas estavam vermelhas pelo atrito da barba de
John Paui e sua boca, inchada pelos beijos.
Suspirando, balançou a cabeça e murmurou,
•- Olá. Meu nome é Avery e sou viciada em sexo.
A culpa era toda dela. Jurando deixá-lo em breve, ela pegou sua escova de dentes e tentou não pensar nele enquanto se preparava para mais um dia.
Quando saíram, o humor de John Paul estava muito melhor. Ele estava quase agradável com Noah. Não completamente, mas quase. Avery pensou que os dois homens agiam
como adversários em alguma espécie de concurso, mas logo percebeu que os dois divertiam-se trocando insultos.
Depois da parada para o almoço, ela foi para o banco de trás, colocou seu boné de beisebol para proteger-se do sol e decidiu tirar uma soneca.
Os homens abaixaram a voz para não perturbá-la. Noah sabia sobre Jilly. Ele tinha lido o dossiê de Avery e viera preparado.
Eles levantaram hipóteses sobre como o encontro com Monk teria acontecido e de como seria o relacionamento entre os dois. É claro que Noah também sabia sobre Skarrett,
e achava que, talvez, ele estivesse dando as ordens. John Paul discordava, dizendo que, uma vez que Monk assumisse uma tarefa, fazia as coisas da sua maneira.
Um assunto levou a outro.
- Você vai perder o emprego por nos ajudar? - perguntou John Paul. - Avery está sendo procurada pelo FBI.
381
FBI.
Esta
- Eu não trabalho para o FBI. Sou o que você pode chamar de autônomo.
John Paul ficou exasperado.
- Não me venha com conversa fiada. Você trabalha para o fbi. Para que diabos, afinal, serve esse distintivo?
- Para conseguir melhores lugares para estacionar o carro. Esta é a única razão porque o carrego comigo.
- Fale sério.
- Alguma vez perdi?
- Perdeu o quê?
- Alguma ação emocionante.
- Com todos os diabos, não.
- Você ainda mora no pântano?
- Eu moro em Bowen.
- Quer dizer, no pântano.
- Sim, acho que sim.
- Você acha que ela vai querer morar lá? Ele fingiu não entender.
- Quem?
John Paul havia se esquecido que Noah era uma pessoa extremamente direta.
- A mulher com quem você tem dormido. A mulher da qual você não consegue tirar os olhos, mesmo quando está dirigindo. Desde que você sentou-se atrás dessa direção,
você tem olhado pelo espelho retrovisor a cada dez segundos. Você acabará nos matando, se não prestar atenção na estrada.
Ele se recusava a discutir Avery.
- Quanto tempo falta para chegarmos à cidadezinha que você escolheu no mapa para passarmos a noite? Como era mesmo o nome? Walden Point?
- Quanto a mim, acho que nunca vou me casar. Há muitos peixes no oceano - disse Noah.
- Qual a distância entre Walden Point e Sheldon Beach? Trinta, cinqüenta quilômetros?
- Jamais pensei que você encontrasse uma mulher que te agüentasse, mas parece que me enganei.
John Paul não podia mais fingir que não estava ouvindo.
- Você não me conhece, Noah.
382
- É claro que conheço. Eu sei tudo sobre você.
- Você leu o meu dossiê? Ele não lhe deu tempo para responder e resmungou, Quer dizer que a palavra "confidencial" não significa mais nada?
- Acho que não - respondeu Noah. Ele não tivera acesso ao dossiê de John Paul, mas Theo havia lhe falado sobre seu cunhado eremita. Mas, como John Paul ficou visivelmente
irritado com a possibilidade de Noah ter aberto seu dossiê, não lhe disse a verdade. Noah gostava de atormentar John Paul.
- Então, você acha que ela vai gostar de morar em Bowen? Ele havia voltado ao mesmo ponto. John Paul segurou a direção com força, tentando se controlar.
- Não vamos precisar parar para encher o tanque. Noah sorriu.
- Homem, você está realmente apaixonado. Seu rosto está vermelho como um pimentão.
John Paul pensou em dar-lhe um soco.
- Não é bem assim.
- Ah, não? Vocês dois não tem nenhum tipo de acordo? Ele não ia dar a Noah o gostinho de saber da vida dele.
- Não.
- Nenhum plano para o futuro? Ele encarou Noah.
- Não - chicoteou ele. Voltando a prestar atenção na estrada, ele disse: - Vamos falar de outra coisa?
- E claro - disse ele. - Sobre o que quer falar?
- Pare de falar em Avery.
No exato momento em que as palavras lhe saíram da boca, ele arrependeu-se. Noah deu uma risada.
- E por que eu não deveria? Você acabou de dizer...
- Sei muito bem o que acabei de dizer.
- Ela é uma bela mulher.
Talvez ele pudesse estender a mão, abrir a porta de Noah e atirá-lo para fora do carro. Com certeza, isto faria com que se calasse.
- Além de ser sensual como o diabo.
- Sim, mas deixe-a em paz. Agora, quanto tempo falta para chegarmos a Walden Point?
383
- Não tenho a menor idéia. - Noah reclinou o banco, ajeitou os óculos escuros sobre o nariz e fechou os olhos.
- Você é o navegador. Dê uma olhada no mapa.
- Pode deixar.
Segundos depois, Noah dormia profundamente.
O resto da tarde transcorreu abençoadamente silenciosa. Chegaram a Walden Point por volta das seis horas. O pequeno vilarejo estava localizado a, exatamente, 51
quilômetros da ponte que levava a Sheldon Beach.
Avery não se lembrava de ter estado ali quando criança. As ruas eram arborizadas com palmeiras e a grama queimada pelo sol e pela água salgada. As casas nas ruas
ao redor estavam maltratadas e corroídas pelo tempo. Até que chegassem à parte mais antiga e povoada da cidade, passaram por cenários de abandono e desalento. Ali,
as casas eram cuidadas e tinham floreiras de terracota, repletas de flores em suas varandas recém-pintadas. A grama era de um verde luxuriante e ficava claro que
havia um programa de renovação em andamento.
Na orla da praia havia vários hoteizinhos interessantes, mas Noah não quis ficar por ali. Ele encontrou um hotel, doze quarteirões distante do centro, e disse a
John Paul que parasse no estacionamento.
Avery pensou que Noah estivesse brincando. O Hotel Flamingo tinha uma parede de concreto pintada de rosa choque brilhante, e um teto de telhas vermelhas precisando
de reparos urgentes. Havia flamingos pintados à mão, em cores variadas, em cada porta verde limão. A estrutura do prédio, em formato de U, tinha doze quartos e um
estacionamento com pedregulho. A pessoa que definiu o esquema de cores era, com certeza, dautônica.
Não havia ali nenhum outro carro além do deles. O dono do Hotel Flamingo deve ter fugido da gaiola e abandonado o negócio.
- Tem certeza que está aberto?
- Eu vi um cara nos olhando quando entramos no estacionamento - respondeu Noah. - E fácil para entrar e sair. Se estacionarmos na parte de trás, ninguém verá o nosso
carro da rua. O que você acha?
Como ele dirigiu a pergunta a John Paul e não a Avery, ela guardou sua opinião para si mesma. Depois de ter passado por um
384
hotelzinho maravilhoso, alguns quarteirões atrás, com cerca de madeira pintada de branco e varanda ao redor, a escolha de Noah era, no mínimo, medonha. Ela queria
que John Paul protestasse.
- Muito bom - disse ele, arruinando as esperanças de Avery. - Lembra-me o bar do meu pai. Ele pintou um flamingo enorme no telhado.
- Sim, eu me lembro de ter visto, mas pensei que fosse um pelicano. Vou nos registrar.
- Tem um hotelzinho aprazível bem perto daqui - objetou ela. - Pareceu-me limpo e bem cuidado e tinha uma placa no jardim, dizendo que tinham vagas.
- Este está bom, não está? - perguntou John Paul.
Se Noah não estivesse com eles, ela teria dito que não, que este não estava bom, mas não queria reclamar na frente de um agente.
- Sim, está.
Ele sorriu diante do tom de desânimo de Avery.
- Não tão bom quanto a cabana de Tyler?
- Já disse que está bom - repetiu ela.
O celular de Noah tocou assim que ele saiu do carro. John Paul foi direto à recepção, mas Avery ficou com Noah. Ela alongou as pernas e os braços.
De cabeça baixa, Noah afastou-se dela, numa conversa obviamente privada. Ela notou a expressão dele e percebeu que alguma coisa estava errada. Esperou, ansiosa.
A conversa foi bastante longa. John Paul voltou com duas chaves, olhou para Avery e perguntou:
- O que aconteceu?
- Alguma coisa - ela disse, aproximando-se dele.
Noah terminou a conversa e voltou para o carro. Seu olhar estava fixado em Avery.
- Sua tia e a juíza estão bem.
- O que aconteceu? - perguntou John Paul.
- Fizeram uma entrega. Alguns tanques deveriam ser instalados atrás da ala de fisioterapia.
- Com os diabos - murmurou John Paul. Ela já sabia o que esperar. - Eles explodiram, não é?
Noah assentiu.
385
- O incêndio destruiu a maior parte da ala.
- Como foi que Monk conseguiu passar pela segurança? - perguntou Avery.
- Ele não passou. O entregador morreu durante a explosão. Monk chegou aos tanques antes de saírem da fábrica.
- Quantos mortos? - perguntou John Paul.
- Dois. Um agente chamado Gorman ficou ferido, mas vai se recuperar. Isso é tudo o que sei.
- Como diabos isso foi acontecer? - perguntou John Paul, furioso.
- Vou dizer a você. Monk esteve por perto do hospital o tempo todo, observando. Ele deve ter sabido que não poderiam deslocar a juíza até algum tempo depois da cirurgia.
Quando os agentes partiram com os chamarizes no carro, ele deve ter percebido que não eram Carrie e a juíza.
Noah assumiu a liderança da caminhada até os quartos, que ficavam no final do corredor, com uma porta de comunicação entre eles.
O quarto deles estava surpreendentemente limpo. Havia uma cama de casal coberta por uma colcha florida, duas diante da janela, com vista para o estacionamento e
uma pequena mesa com abajur entre elas. Não havia armários. Na parede ao fundo, havia estantes de alvenaria com um suporte para cabides ao lado.
Assim que Noah entrou no quarto deles, Avery perguntou:
- É verdade que Carrie e a juíza não se machucaram?
- Sim - disse ele. - Sua tia tinha acabado de levar a juíza, em sua cadeira de rodas, até o banheiro. Elas ficaram protegidas sob as paredes, que cederam, e não
foram atingidas pelo fogo.
Avery sentiu o estômago embrulhar. O telefone de Noah voltou a tocar e ele voltou para o seu quarto. Ela esperou que ele desse as costas e foi até John Paul, colocou
os braços em volta da cintura dele e apertou-o com força.
Ele podia senti-la tremendo.
- Este pesadelo vai acabar logo, prometeu ele. E como ela não respondesse, perguntou:
- Você quer ir embora daqui?
- Sim.
- Para onde quer ir?
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- Não sei - sussurrou ela. - Não consigo pensar direito... Preciso...
Ele beijou-lhe a testa.
- Você precisa daquela cadeira de balanço na varanda, não é? Ela assentiu.
- Com lilases - acrescentou ela.
Ela sorriu porque ele havia se lembrado de seu lugar feliz.
- Não posso te dar lilases e não trouxe minha varinha mágica para fabricar uma cadeira de balanço de terraço para você, doçura, mas... posso te dar muita água, um
montão de água salgada.
Vinte minutos mais tarde, ela e John Paul caminhavam de mãos dadas pela praia. Eles colocaram os seus shorts e deixaram os sapatos nos degraus da calçada que dava
para a praia, onde Noah estava sentado.
Nuvens escuras obscureciam a luz do sol. A praia estava completamente vazia e, quando Avery sentou-se e assumiu a posição de lótus, John Paul não a interrompeu.
Ele voltou e sentou-se ao lado de Noah.
- Que diabos ela está fazendo? - perguntou Noah, quando percebeu que Avery não se movimentava há vários minutos.
- Pensando - respondeu John Paul.
- Tudo bem - respondeu ele.
Quando o sol começou a cair, levando consigo a luz do dia, John Paul levantou-se e foi ao encontro de Avery. Seus olhos estavam fechados. Ele agachou-se na frente
dela e esperou, sabendo que perceberia que estava ali.
Um longo momento se passou antes que ela desse conta da presença dele. Ela abriu os olhos e olhou para ele. Uma lágrima solitária escorria-lhe pela bochecha. Ela
respirou profundamente.
- Preciso dar um telefonema.
Capítulo
36
Monk estava pronto para dar o próximo passo. Não havia aviso de vagas na janela do escritório do gerente e, pregado na porta, havia um outro aviso.
- Fechado até segunda ordem.
Monk sabia que seus alvos estavam lá dentro. Ele já havia vasculhado a área, que conhecia como a palma de sua mão. Havia três carros estacionados no hotel. Ele tinha
certeza que dois deles pertenciam aos agentes federais escalados para proteger Avery. O terceiro veículo pertencia a Renard.
Monk passou por lá de carro, levando Jilly para que ela pudesse ver o local onde tudo deveria acontecer. Ela mal pôde conter a excitação quando viu a luz filtrada
pelas cortinas da unidade indicada por Monk.
- Ela está ali - murmurou ela.
Monk parou num estacionamento no lado oposto da rua, em frente ao hotel. O estacionamento atendia os freqüentadores de um cinema e de uma igreja. Ele parou o carro
de frente para a rua, deu a Jilly um par de binóculos e sorveu um gole de seu chá gelado.
- Daqui, você assistirá de camarote. Ela deu um risinho.
- Isto é maravilhoso.
O entusiasmo dela o animou.
- Você está se divertindo, não é?
388
- Muito! - ela disse, efusiva. - É melhor do que eu imaginava. Muito melhor.
Um carro entrou no estacionamento e ela, rapidamente, recolheu os binóculos.
- Você tem certeza que estamos seguros aqui?
- É claro que sim. Eu sempre cuido da sua segurança.
Eles trocaram um sorriso e Jilly retomou os binóculos. Ela podia ver o contorno da luz na janela e estava tentando imaginar o que acontecia dentro do quarto.
Um outro carro entrou e estacionou, três filas atrás deles. Havia uma cerimônia qualquer acontecendo na igreja e era noite de desconto no cinema. Agora o estacionamento
estava quase cheio.
Jilly ofereceu os binóculos a Monk, mas ele não precisava olhar. Ele já havia passado uma noite inteira fazendo reconhecimento de terreno. Não era o suficiente,
mas teria de bastar. Normalmente, ele teria passado pelo menos duas semanas seguindo sua vítima e inteirando-se de sua rotina, mas esta era uma situação atípica.
O tempo estava se esgotando e Jilly estava ficando extremamente impaciente. Como uma criança, queria recompensa imediata.
- Quantos policiais estão lá dentro? - perguntou ela.
- Não são policiais, são agentes. Quatro.
- E você vai pegar todos?
- Sim.
Eles eram um alvo fácil, esperando por Monk.
Na noite anterior, Monk tinha visto Renard sair pela porta dos fundos, entrar no carro e sair. Monk não atirara nele porque não queria que seus alvos principais
se movimentassem novamente. Ele tinha planejado algo especial para eles. Era uma pena que eles nem ficassem sabendo como foram atingidos.
Renard havia retornado meia hora depois, carregando quatro caixas de pizzas e um saco plástico, que Monk suspeitou estivesse cheio de cervejas e refrigerantes.
Ele estava enojado com a falta de cuidado de Renard e tinha certeza que não tinha a menor idéia de estar sendo observado. Contentamento presunçoso, só podia ser
isso. Monk estava desapontado com Renard. Ele esperava mais de seu adversário e havia cometido um erro ao acreditar que Renard fosse um profissional. Um igual.
389
Agora ele percebia que tinha sido um tolo. Ninguém se comparava a ele. Jilly estava certa a esse respeito. Ele era uma lenda.
- Acho melhor fazermos o que tem de ser feito esta noite - disse Jilly.
- Você está com pressa.
- Sim, estou.
- Amanhã - prometeu ele.
- Não quero esperar mais tempo.
- Eu sei.
- Será que Carrie está se sentindo novamente segura? Você pode imaginar como ela e Avery devem estar se sentindo vulneráveis? Presas em um quarto infestado de pulgas,
noite e dia. Devem estar enlouquecendo.
- Minha espera foi proposital - explicou ele - para que os agentes se tornem aborrecidos e... letárgicos. Sim, é essa a palavra. Letárgicos.
- Sentados naquele quarto, hora após hora, sem nada mais a fazer além de se preocuparem. Eles não as deixaram sair, não é?
- Não enquanto estive olhando.
- Ainda bem que ela não morreu no hospital - ela disse. - Isso vai ser muito melhor, porque vou poder assistir.
Monk assentiu.
- Carrie exigiu que a trouxessem para a Flórida.
- Ela quer morrer junto com Avery.
- Ela não sabe que vai morrer amanhã - ele disse. - Acha que ela e Avery vão testemunhar no julgamento.
Jilly voltou a pegar os binóculos. Sorrindo, ela disse:
- Esta é a terceira vez, e três é um número mágico.
Monk segurou um bocejo. Apesar de exausto, não se atreveu a reclamar. Jilly pensava que ele fosse invencível, sobre-humano e ele estava disposto a manter a sua imagem.
Ele sabia estar correndo riscos que jamais admitira correr, mas era difícil ser cauteloso com Jilly constantemente forçando seus limites. Como ela achava que ele
era capaz de qualquer coisa, ele também passara a acreditar nisso.
De vez em quando, uma dúvida assaltava-lhe o pensamento. Ele nunca tinha pulado fora de um contrato antes. Era um homem de palavra. Se não fosse uma pessoa confiável,
estaria comprometendo
390
sua reputação e seu futuro. Entretanto, o pensamento não lhe causou repulsa. Ele tinha dinheiro suficiente para dar a Jilly a vida que merecia. Talvez ele devesse
desistir dessa tarefa e dar o fora com ela.
- Querida, você sabe que não precisamos de dinheiro - disse ele, hesitante.
Jilly sabia aonde ele estava querendo chegar.
- Quer saber o que penso?
- O quê?
- Quando acabarmos com isso, vamos nos casar, no México. O julgamento deve durar uma semana. Dale não vai a lugar nenhum. Que tal?
Ela sabia que ele estava louco para casar-se com ela. O cansaço dele desapareceu e, num passe de mágica, ele sorria ao pensar na idéia.
- Sim, sim - ele disse e, ficando sem jeito por ter se mostrado tão ansioso, acrescentou. - Eu conheço o lugar perfeito... você vai adorar, prometo.
- Desde que eu esteja me casando com você, nada mais importa.
Ela colocou a mão sobre a perna dele e inclinou-se para beijálo. A mão dela subiu pela perna, até o seu sexo.
Ele ficou rapidamente excitado. Satisfeita com a reação dele, ela afastou-se.
- Por que não acabar com o sofrimento deles ainda esta noite? - perguntou ela, novamente, fazendo beicinho.
Monk demorou alguns minutos para entender o que ela estava dizendo. Ele saiu do enlevo para o qual ela o levara e disse:
- Você poderá assistir tudo amanhã. E melhor durante o dia. Além disso, preciso fazer algumas pequenas alterações antes de estar pronto. Você quer que tudo seja
perfeito, não é?
- É claro que sim. Mas por que você disse que durante o dia é melhor?
- Ninguém espera ser atingido enquanto o sol brilha e no passado, sempre ataquei durante a noite. Aqueles agentes devem estar pensando que agirei de acordo com o
padrão.
- Você acha que eles o estudaram?
- Tenho certeza que sim. Eles reforçarão a segurança durante a noite.
391
Ela deu um suspiro.
- Tudo bem. terei de esperar até amanhã, mas lembre-se, você disse que poderei assistir. Você não vai mudar de idéia, vai?
- Não, não vou - assegurou ele. - Você estará segura, mas em local privilegiado, de onde poderá ver tudo. Tenho uma surpresa para você. Eu ia esperar até amanhã,
mas...
- Conte-me agora - implorou ela. - Por favor.
- Tudo bem. Sei como você ficou desapontada quando viu a explosão da casa. Mas, dessa vez, vai ser diferente. Eu vou deixar que você aperte o botão.
Ela riu de felicidade.
- Você vai me deixar deslumbrada? Ele concordou.
- Claro que sim. Afinal, eu sou uma lenda, lembre-se. Vou deslumbrar todos eles.
Capítulo
37
Depois de levar Jilly de volta ao hotel, localizado no outro extremo de Walden Point, ele voltou ao carro e dirigiu-se a uma área residencial, uma milha de distância
do Hotel Flamingo.
Monk caminhou uma milha a pé e subiu as escadas de seu esconderijo. Ele ainda tinha que dar o toque final na fiação. Provavelmente por causa do cansaço que sentia,
o trabalho levou mais tempo do que ele imaginara, mas ao terminar ficou satisfeito com o resultado. Desta vez, nada sairia errado.
Já passava das três da manhã quando estava pronto para ir para a cama. Com todo o cuidado necessário para não incomodar Jilly, sentou-se na cama e observou seu sono.
Ele a amava intensamente. Ela era tão linda e refinada, tão... perfeita. Ele deitou-se ao lado dela, novamente pensando ser o homem de mais sorte no mundo. Adormeceu
com Jilly em seus braços e, embriagado pelo seu perfume, sonhou com a lua-de-mel que teriam.
Contos de fadas podiam se tornar realidade. Ele e Jilly viveriam felizes para sempre.
Na manhã seguinte, Jilly vestiu-se com apuro. Afinal de contas, ia à igreja. Ela escolheu saia e blusa brancas e sandálias de salto alto. Enquanto ela escovava os
cabelos, Monk levou a bagagem para o carro.
394
- Não esqueça o meu vídeo - recomendou ela.
- Eu jamais me esqueceria dele - assegurou apesar de, na verdade, ter se esquecido. Ela ficaria furiosa se o perdesse, pois insistia em carregar com ela o que chamava
de evidência. Uma esquisitice que ele aceitava nela, da mesma maneira que ela aceitava as dele. Era nisso, afinal, que estava a base dos relacionamentos sólidos.
Dar e receber.
Ele retirou a fita do aparelho de vídeo e colocou-a sobre a cama, ao lado de uma bolsa de palha.
Ela estava se admirando no espelho. Ele sorriu ao observá-la pintar os lábios de vermelho, pois sabia que usava aquela cor apenas para satisfazê-lo. Fora o que ela
havia lhe dito.
Jilly guardou o batom e a fita na bolsa, pegando seu chapéu de palha, enfeitado com uma fita branca. Caminhou até o centro do quarto e girando sobre si mesma, perguntou:
- Estou bem vestida para a missa? Ela transbordava contentamento.
- Você está linda - sussurrou ele. - Você está sempre linda. Ela foi até ele e, como uma boa esposa, ajeitou o nó de sua
gravata, dizendo:
- Você está maravilhoso neste terno, devia usá-lo mais vezes.
- Se é o que você acha, usarei.
Eles caminharam até o carro de mãos dadas. Ele gostava das pequenas coisas, como andar de mãos dadas. Acreditava que isso fosse um sinal de confiança mútua. Ele
também gostava do olhar de admiração que ela sempre tinha para ele.
- O outro carro já está estacionado na rua abaixo da igreja - ele disse. - Apenas por precaução. A chave está atrás do quebra-sol.
- Não vamos precisar usá-lo - disse ela. - Você cuidou de todas as variáveis.
Ele tinha certeza que sim. Apesar de ainda muito cansado, testara a fiação apenas uma vez. Mas convenceu-se que seria o suficiente.
Ventava forte quando saíram. Quando viraram a esquina, Monk olhou para a torre, acima do cinema. Ele entrou no estacionamento e parou numa vaga de onde Jilly pudesse
ver tudo. Nenhum outro carro poderia bloquear-lhe a visão e, se ela precisasse sair rapidamente para alcançar a rua, poderia fazê-lo sem problemas.
395
Ele desligou o motor.
- Você está pronta?
- Claro que sim.
- O controle remoto está no porta-luvas. Cuidadosamente, ela tirou-o de lá.
- Parece um controle para abrir portas de garagem.
- É exatamente o que é - disse ele. - Com as devidas adaptações.
- Quando devo apertar o botão?
- Pensei que seria interessante esperarmos até que os sinos da igreja comecem a tocar.
Jilly virou-se no assento para observar os homens, mulheres e crianças que se dirigiam à igreja. Eles não queriam chegar atrasados
- pensou ela.
Era uma pena, mas não teriam a oportunidade de assistir ao espetáculo, que seria do lado de fora da igreja.
- Que horas são?
- Espere mais cinco minutos.
- Eu não quero esperar. Quero que tudo aconteça agora. Monk tirou os binóculos, escondidos debaixo do banco.
- Quando você quiser.
Ao pegar os binóculos, Jilly umedeceu os lábios. Ela ajustou as lentes até acertar o foco na janela iluminada, que vira na noite anterior.
- Chegou a hora de viver o meu sonho - murmurou ela. Ela apertou o botão. Como nada aconteceu, voltou a apertálo, com mais força, uma vez mais.
- Droga - resmungou Monk. - O vento deve ter abalado a fiação. Pare de apertar o botão, querida. Vou ter de ir até lá para dar uma olhada. Você fica aqui, quietinha.
Comporte-se.
Gentilmente, ele tirou o controle das mãos dela.
- Se alguma coisa der errado...
- Você se preocupa demais. Conserte os fios - ela disse, mais brusca do que tivera a intenção de ser. - Perdoe-me. Não devia estar me sentindo tão ansiosa. Posso,
perfeitamente, esperar mais alguns minutos.
- E assim que gosto de ver minha garota falando - disse ele.
- Você sabe o que deve fazer?
396
- Vou até a igreja, saio pela porta lateral e vou até o carro.
- E dirige até a rua lateral que mostrei a você. Não passe pela frente do hotel.
- Não vou embora sem você.
A lealdade de Jilly o deixava emocionado. Ele acariciou a mão dela, colocou o controle remoto no chão ao lado do banco e saiu do carro. Com as mãos nos bolsos das
calças, caminhou com andar displicente, para fora do estacionamento e subiu as escadas da igreja.
Assim que entrou, os sinos começaram a tocar. Trinta segundos mais tarde, saiu pela porta lateral e caminhou três quarteirões, para certificar-se de que não estava
sendo seguido. A seguir, atravessou a rua e foi em direção ao prédio do cinema.
A porta dos fundos estava trancada, naturalmente. Ele utilizou suas ferramentas para abri-la. Entrou e, rapidamente, fechou a porta atrás de si.
Ele estava no corredor dos fundos. A porta que dava para o alto da torre e para a marquise, onde ficava o luminoso, estava do outro lado do saguão. Manteve-se absolutamente
quieto.
Por vários minutos, ficou parado atrás do bar, protegido pela sombra e alerta a todos os sons. Quando se convenceu de estar sozinho, caminhou até a porta, que também
estava trancada, como havia deixado. Ele rapidamente destrancou a porta, abriu-a e olhou para cima. O cordão marrom que deixara no terceiro degrau ainda estava lá.
Ninguém havia encontrado seu esconderijo. Ele pulou o cordão e, cautelosamente, subiu a escada, consciente de que o quinto degrau rangeria. Mesmo sabendo estar sozinho
- o cinema não seria aberto antes da sessão das duas - ele evitou o quinto degrau.
No topo havia um detonador, muito mais fino que um fio dental e quase invisível ao olho humano. Monk soltou a alavanca para não correr o risco de mandar tudo pelos
ares quando abrisse a porta.
Ainda bem que o proprietário não resolveu mudar os filmes do luminoso hoje, pensou ele, com um sorriso. Ele mudava os filmes às quartas-feiras, mas mesmo assim Monk
havia montado a armadilha. Era sempre bom ser o mais cauteloso possível.
Ele abriu um pouco a porta e olhou. O rifle com a lente de mira ainda estava no canto, encostado contra o pilar.
397
Ele dirigiu o olhar para o mecanismo de disparo, abaixo de seu míssel de fabricação caseira. Um dos fios havia se soltado, exatamente como suspeitara. O vento o
tinha apenas afrouxado, não tendo sido forte o suficiente para quebrá-lo.
Ele resolveria tudo em dois segundos. Abrindo a porta, foi até lá e ajoelhou-se. No próximo instante, sentiu-se paralisado. A voz vinha do lado esquerdo, do outro
lado da torre.
- Belo explosivo você tem aí.
Monk estava muito aturdido para mover-se. Sua mente gritava, Não, não, não. O fio... o cordão... nada havia sido tocado. Como era possível...
Uma outra voz veio do lado direito.
- Acho que ele está tendo problemas para colocar o troço em funcionamento.
Monk pulou em cima do rifle. Nenhum dos dois homens tentou impedi-lo. Ele rolou pelo chão, atirando em todas as direções.
Nada aconteceu. O rifle estava descarregado. Noah apareceu na luz do sol. Monk o viu e encolheu-se.
- Você - murmurou ele. - Eu conheço você.
John Paul saiu da sombra que o protegia e fez-se visível.
- Como você descobriu? - A voz de Monk estava trêmula, seu rosto contorcido pela fúria.
- Muito fácil. Sou mais esperto que você.
A arma de Noah apontava para a testa de Monk. Pelo brilho do olhar de Noah, John Paul sabia exatamente no que ele estava pensando.
- Algeme-o - disse ele. - E depois, leia os seus direitos. Noah balançou a cabeça.
- Vou matá-lo primeiro. Depois vou algemá-lo e ler os seus direitos.
- Bem, acho que você não poderá fazer isso.
- Filho da puta.
Noah soltou o gatilho e recolocou a arma no coldre. Ele caminhava em direção a Monk com as algemas nas mãos, quando ouviu um agente gritar.
Monk foi rápido ao esticar uma das pernas, com a qual tirou o equilíbrio de Noah. Ele oscilou diante do matador, tornando a mira de John Paul impraticável.
398
Havia agentes correndo escada acima quando Monk tentou tirar a arma de seu coldre de tornozelo, mas John Paul agiu primeiro. Ele colocou o pé sobre a perna de Monk,
prendendo-o ao chão.
- Pare de bancar o espertinho - gritou ele. - Saiam de perto, para que eu possa atirar nele.
- Sou eu quem vai atirar nele - gritou Noah. Ele deu um soco na cara de Monk, sorrindo de prazer ao ouvir o estalo da cartiiagem que se quebrara. Arremessou um outro
soco, tentando atingir o mesmo lugar, para que a dor fosse ainda maior.
A porta bateu contra o pilar quando o primeiro agente voou pelo batente. Monk aproveitou a oportunidade. Usou todas as suas forças para empurrar Noah para longe
de si e saltou da torre.
O matador aterrissou no telhado de zinco inclinado. Apoiado nas mãos e nos joelhos, engatinhou como um gorila até a marquise. Quando encontrou apoio para o pé direito,
curvou-se sobre si mesmo para pegar sua arma. Quando preparava-se para atirar, John Paul e Noah, que também pularam no telhado, atiraram simultaneamente. As balas
atingiram o corpo de Monk, atirando-o para trás e fazendo-o dançar como uma marionete. Ele cambaleou e caiu para frente, ficando pendurado na marquise.
Ofegante, Noah guardou a arma e disse:
- Você tem o direito de não dizer nada até que seu advogado...
- É isso aí - resmungou John Paul.
Um dos agentes, que estava olhando para baixo do alto da torre, gritou:
- O criminoso está se movimentando.
Noah tirou seu rádio do cinto e repetiu o que o agente havia acabado de falar.
- Entendido.
- Aquela era a voz de Avery? Era a voz dela, não é? - perguntou John Paul.
Noah voltou a falar no aparelho. - Avery? É você, querida?
Ele carregou a voz de afetuosidade apenas para irritar John Paul, e sorriu ao ver sua reação. Se olhares pudessem matar, ele estaria pendurado na marquise, ao lado
de Monk.
John Paul agarrou o rádio.
- Que diabos você está fazendo Avery? Você deveria...
399
- Você está bem?
- Sim, estamos todos bem. Onde você está?
- Entendido. Câmbio.
- Filha da puta. Ela está num dos carros de busca. Eles estavam deitados no telhado. Noah sorriu.
- E você ficou sabendo disso quando ela disse "Certo. Câmbio"?
John Paul ignorou o comentário e voltou a apertar o botão.
- Kelly?
O agente responsável pela operação respondeu, prontamente.
- Kelly falando.
- Avery está num dos carros de busca? - perguntou John Paul. - Filha da puta, sei que está. Eu disse a ela que ficasse na porra do barco.
- Entendido. Câmbio. Noah riu.
- Parece que a Avery tem idéias próprias. - Ele olhou para a lateral do prédio, calculando a distância até o chão. - Como diabos vamos sair...
John Paul empurrou-o do telhado. Seguiu-o com um pulo e aterrissou, ao lado do agente, num monte de folhas secas.
Kelly voltou a chamá-los pelo rádio. Vocês prenderam Monk?
- Não, senhor - respondeu John Paul.
- Onde está ele?
John Paul olhou para a marquise.
- Está no cinema.
Capítulo
38
Jilly estava impaciente com a demora de Monk. Por que esta ria demorando tanto? Ela pegou os binóculos e olhou para a torre. Onde teria se metido? Ele sabia muito
bem que ela detestava esperar.
- Conserte logo esta coisa - resmungou ela. - Ande logo. Subitamente, viu Monk. Jilly sentiu falta de ar quando o viu
pular no telhado. Ela pensou que ele fosse quebrar o pescoço. Ele desceu voando da torre, mas enquanto ainda estava no ar, virou-se e caiu sobre os pés, como um
gato. Perdeu o equilíbrio e escorregou pelo telhado, sobre as mãos e os joelhos. Ela pensou que ele fosse cair do outro lado do prédio, mas segurou-se a tempo.
Dois homens pularam atrás de Monk. Eles moviam-se com tanta rapidez que Jilly não pôde ver seus rostos.
- Mate-os - murmurou ela. - Mate-os agora. Ande logo. Ela ouviu barulho de tiros. Pensou ter ouvido Monk gritar seu
nome enquanto, com total desprendimento, assistia à cena. Ele caiu de maneira completamente desajeitada sobre a marquise, manchando de sangue as luzes do anúncio.
Ele morreu de bunda para cima. Ela amaldiçoou a alma incompetente.
Como ele tinha se atrevido a fazer isso com ela? O desapontamento que sentia era avassalador e as lágrimas queimavam seus olhos. O controle remoto. Histérica, ela
o encontrou e apertou o botão. Repetiu o gesto muitas vezes. Nada aconteceu.
402
Maldição. Como Monk pôde ter sido tão descuidado? Ele sabia quanto aquilo era importante para ela.
Batendo o pé no chão, novamente amaldiçoou-o por ter arruinado tudo. Pior, ele a tinha feito terrivelmente infeliz.
- Vá para o inferno - disse ela.
Jilly havia deixado as chaves na partida. Ignorando as ordens de Monk para que usasse o outro carro caso tivessem problemas, levantou a saia, pulou para o banco
do motorista e sentou-se à direção. Viu homens do FBI correndo em direção ao cinema e pessoas saindo da igreja para tentar se inteirar das causas do tumulto. Ninguém
a veria saindo do estacionamento. Ela saiu para a rua e, para não ser notada, dirigiu em baixa velocidade até o outro lado da cidade.
Assim que chegou à estrada, afundou o pé no acelerador. Dizendo palavrões, batia na direção, tentando acalmar sua fúria.
Naturalmente, tinha alguém pronto para ajudá-la. Ninguém destruiria seus sonhos outra vez. Ninguém. Ela sabia que Monk tinha armas em sua bagagem e, jurou por Deus
que se ela tivesse de matar Carrie e Avery para que seu sonho se realizasse, ela o faria.
- Idiota, bastardo - ela sibilou. - Homem idiota.
O carro de busca mantinha-se atrás de Jilly. Havia três agentes com Avery no sedan. Kelly estava na direção e ela estava no banco traseiro, atrás dele. Era difícil
não deixar transparecer a ansiedade que sentia.
Quando ouviu os tiros, seu coração pareceu ter parado de bater e não respirou até ouvir a voz de John Paul pelo rádio. Ela sentiu-se fraca pelo alívio e, imediatamente,
voltou a se preocupar.
- Você acha que ela nos viu? - ela perguntou a Kelly.
- Tenho certeza que ela não sabe que está sendo seguida - respondeu ele.
Jilly estava tão longe deles que Avery mal podia ver sua cabeça.
- Ela esta andando rápido, não é?
- Sim, ele respondeu
- Se tiver um radar na estrada...
- Não há radar algum - assegurou ele.
- Como você sabe?
- Eu sei.
Ela concentrou-se em outra preocupação.
403
- Acha que deveríamos nos aproximar?
- Eu não vou perdê-la de vista, Delaney. Agora sente-se direito e relaxe.
- Ela está fazendo uma curva.
- Eu vi.
Avery forçou-se a parar de dar instruções ao agente. Tudo estaria terminado em alguns minutos. Se conseguisse se manter calma até lá, teria todo o tempo do mundo
para ficar em frangalhos. Fique fria, disse a si mesma.
Jilly quase perdeu a entrada para o hotel Windjammer. Avery observou-a diminuir a velocidade, fazer a curva e dirigir-se ao estacionamento. Ela perdeu-a de vista
quando Kelly aumentou a velocidade. Jilly saiu da estrada, deu a volta no hotel e estacionou ao lado do restaurante, que ficava próximo ao estacionamento.
- Ela estacionou em frente à escada - disse Kelly.
Avery estava olhando para os quartos. Todas as portas davam para a rua. Depois, olhou para Jilly e gostaria de estar mais próxima, para poder ver seu rosto.
- O que ela está fazendo? - perguntou ela, inclinando-se para a frente.
- Escovando o cabelo - disse Kelly.
Avery protegeu os olhos da luz do sol e viu Jilly tirar um espelho da bolsa.
- Ela está passando batom?
- Pode ter certeza que sim - disse Kelly.
Avery voltou a encostar-se no banco, enquanto o agente Kelly desligava o carro e abaixava o vidro da janela.
- Se você sair deste carro, Delaney, eu juro que... Ela não deixou que ele terminasse a ameaça.
- Eu não vou sair daqui.
Avery voltou a olhar para Jilly. Ela deve ter ficado satisfeita com sua aparência, pois, finalmente, abriu a porta e saiu do carro.
- Chegou a hora do espetáculo - sussurrou Kelly.
Jilly subiu o primeiro lance de escadas e percorreu o corredor externo até encontrar o número procurado. Avery percebeu quando ela ajeitou o decote da blusa para
que o sulco entre seus seios ficasse aparente. Depois de passar as mãos pela saia, bateu na porta.
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O estômago de Avery revirou-se. Ela ouviu Jilly dizer: - Querido, sou eu, Jilly. Tony Salvetti abriu a porta.
Capítulo
39
O julgamento em Sheldon Beach não se alongou muito. O advogado de acusação foi competente e eficaz. Com as evidências que tinha em mãos, foi capaz de convencer o
júri que Dale Skarrett invadira a casa de Lola Delaney, com a intenção de raptar Avery. No ato do crime, ele havia tirado a vida de Lola Delaney.
A insistência de Skarrett em prestar testemunho foi um grande erro. Ele se atrapalhou e acabou metendo os pés pelas mãos e, quando o promotor terminou suas perguntas,
o réu estava gritando obscenidades contra ele por distorcer suas palavras.
Skarrett insistia não ter usado Avery como escudo e dizia que, na verdade, estava tentando fazer com que a criança se levantasse, quando a avó atirou. Ele não pôde
explicar por que havia tirado o cinto e batido nela até deixá-la sem sentidos. Tudo o que pôde dizer foi que estava tentando levá-la para ver a mãe.
As fotos de Avery tiradas pela polícia provavam, de maneira incontestável, que Skarrett a havia abandonado à morte. Depois de uma hora, o júri apresentou o veredicto
e Skarrett foi novamente recolhido à prisão.
John Paul ficou ao lado de Avery, em Sheldon Beach, até que o julgamento terminasse. Carrie foi ao encontro deles um dia antes do testemunho de Avery. Ao saber da
verdade sobre o marido, a tia enfrentara o inferno e John Paul esperava encontrar uma mulher
406
em frangalhos. Mas, se tinha ficado arrasada com a traição do marido, não deixou transparecer absolutamente nada.
Nos intervalos entre as ligações de Carrie para seus funcionários em Bel Air, John Paul informou-a que se casaria com Avery. Ela não quis nem saber de uma conversa
daquelas. Se sua sobrinha queria se casar, deveria procurar um homem com capacidade... e dinheiro. Que tipo de vida ela teria casada com um marceneiro?
Era verdade. Carrie era um osso duro de roer... e mais geniosa que um crocodilo, quando as coisas não aconteciam à sua maneira.
John Paul realmente gostava dela.
Capítulo
40
O Sr. Carter vai vê-la agora.
- Obrigada. - Ao dirigir-se para a porta, Avery ajeitou a saia e sorriu para a recepcionista.
- Quer que eu vá com você? - perguntou John Paul. Ela balançou a cabeça:
- Você me espera aqui?
- Pelo tempo que for necessário.
Ela abriu a porta e entrou no congelador. Dessa vez, ela vestira uma jaqueta de mangas compridas e estava preparada para enfrentar o frio.
- Bom dia, senhor.
- Sente-se, Delaney.
Ele não parecia feliz, mas, pensando bem, ela nunca o tinha visto sorrir e, por isso, não podia ter certeza se ele ainda estava bravo com ela.
Ela sentou-se na poltrona diante da escrivaninha dele, colocou as mãos no colo e disse:
- Senhor, se o senhor pretende me despedir, gostaria de poder pedir, primeiro, a minha demissão.
- Por quê? - ele perguntou.
Ele a recebera em pé, mas agora estava sentado atrás de sua enorme escrivaninha.
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- Uma demissão ficaria melhor em meu currículo.
- Não, o que pergunto é: por que pensa que vou demiti-la?
- Porque não obedeci o procedimento - disse ela.
Avery não tinha certeza se suas mãos tremiam por causa do frio ou se devido ao nervosismo que sentia. O olhar de Carter tinha a capacidade de deixá-la insegura.
- Eu devia ter percebido muito antes, mas em minha defesa, senhor, eu estava extremamente ocupada entrando e saindo de corredeiras e fugindo das balas. Concordo
que devia ter me esforçado para encontrar tempo para analisar os dados - acrescentou ela, tentando mostrar que assumia total responsabilidade por seus erros. - Além
disso, usei o seu nome para convencer o agente Kelly a me deixar ir com ele no carro de busca, e o senhor havia sido bastante específico quando me deu a ordem para
que nunca fizesse isso novamente. Não permiti que o agente designado para me proteger fizesse seu trabalho direito. Senhor, eu fugi deles. Ah, eu também interrompi
o senhor durante seu jogo mensal de pôquer, quando liguei naquela noite de Walden Point. Todos no Bureau sabem que suas noite de pôquer são sagradas.
Ela pensou ter visto o esboço de um sorriso. Será que ele estava se preparando para sorrir ou para mostrar os dentes?
Ele inclinou-se para a frente e acomodou as mãos sobre a escrivaninha.
- Para a sua informação, Delaney, eu tinha uma seqüência máxima, mas como você usou o código de prioridade, tive de desistir da mão. Por que você ligou direto para
mim, em vez de usar os canais apropriados?
Como ela não tinha nada a perder, seria melhor que dissesse a verdade.
- Eu sabia que o senhor me ouviria e me diria se estava certa ou errada. Sabia também que o senhor me ajudaria, e precisávamos agir rapidamente. Por causa da sua
aprovação, pudemos dar andamento às coisas.
- Continue - pediu ele.
- Enquanto os agentes estavam se organizando na Flórida, liguei para a tia Carrie e disse-lhe que John Paul e eu estávamos em Walden Point, no Hotel Flamingo, e
que ela viria ficar conosco até o julgamento de Skarrett. Eu sabia que ela ligaria para o marido,
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Tony, para dizer-lhe que se juntasse a nós. Quando ela fez a ligação, os agentes já estavam monitorando os telefonemas e e-mails de Tony.
- E se ela não tivesse ligado para ele? - perguntou Carter.
- Eu teria cuidado disso - ela disse. - Mas ela ligou e, justamente como eu suspeitava, Tony fez contato com Jilly e disselhe que Carrie e eu estaríamos juntas na
Flórida. Depois disso, ele voou para lá.
Ela tomou fôlego e continuou.
- Quando os agentes descobriram o local onde estavam, Jilly e Monk desapareceram. Mas é claro que sabíamos para aonde eles estavam indo.
- Walden Point.
- Sim - concordou ela. - Eu não acho correto ter mentido para a minha tia, mas era a única coisa que eu podia fazer. Depois que o senhor designou o agente Kelly
e as coisas começaram a acontecer, liguei para Carrie e disse a ela que ficasse no Colorado por mais algum tempo. E lhe disse o motivo.
- Qual foi a reação dela quando soube do marido? Eu deixei-a de coração partido, pensou Avery.
- Foi muito... difícil para ela aceitar, mas ela é uma mulher forte. Vai sobreviver.
- Foi John Paul Renard quem previu como Monk agiria, correto?
- Sim. Nós nos mudamos para um barco enquanto a armadilha estava sendo montada no hotel. Os agentes mantiveram as aparências, fingindo que ainda estávamos lá. Foi
John Paul quem encontrou o detonador na escada que levava à torre. Depois disso, ele e o agente Clayborne se puseram de prontidão.
- Agora quero saber: como você descobriu a trama?
- Os Políticos, senhor.
Ele levantou uma sobrancelha. Ela assentiu.
- Eu estava sentada na praia... pensando na situação e aquele caso me voltou à cabeça. Eles tinham interesses próprios, lembra-se? Eles queriam que todos pensassem
que tinham razões políticas, mas na verdade, o único interesse era o dinheiro. Por isso, pus-me a pensar em interesses próprios. Percebi que não estava vendo a floresta
por causa das árvores. Então, fiz a mesma coisa
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que fiz quando estava trabalhando no caso dos Políticos. Desmantelei a história toda e analisei cada parte. Cada pessoa estava defendendo seus interesses próprios
- acrescentou ela. - Tanto Monk quanto Jilly, assim como Skarrett e Tony Salvetti. Depois de tudo o que ele tinha feito, ela não podia mais referir-se ao bastardo
como tio. Cada um deles queria alguma coisa. Desesperadamente.
- Mas foi especificamente o que Jilly queria que fez com que as peças do quebra-cabeças se encaixassem. Carrie contou-me sobre a carta que Jilly deixara para ela.
Ela me disse que Jilly a acusava de ter roubado o seu sonho. Fiquei com isso na cabeça. Eu tinha lido o diário de Carrie e sabia do que Jilly era capaz. Eu também
sabia que ela era muito paciente, podendo esperar vários anos para se vingar. Perguntei a mim mesma qual seria seu maior desejo. Dinheiro? Vingança? Foi quando a
ficha caiu. Jilly queria ser uma estrela. Ela necessitava de atenção e adulação. Carrie havia tirado isso dela. Carrie foi para Hollywood e tornou-se rica e poderosa.
Ela transformava as pessoas em astros. Na concepção de Jilly, Carrie havia roubado o seu sonho. Ela culpava Carrie por todos os seus fracassos. Encontramos provas
de sua obsessão quando os agentes confiscaram seus pertences.
Carter assentiu.
- O agente Kelly disse-me que encontraram um vídeo na bolsa de Jilly. Era uma cópia do comercial que você fez, ainda adolescente.
- Sim - disse ela. - Acho que foi ali que tudo começou. Jilly viu o comercial na televisão e imagino que tenha ficado com muita raiva. Então, ela começou a fazer
seus planos. Ela sabia quem eu era. E evidente que Jilly deve ter pensado que Carrie deu a mim o sonho que lhe pertencia. E resolveu se vingar por isso.
- Você acha que, por mais de vinte anos, ela ficou com isso na cabeça? - perguntou Carter.
- Tenho certeza que sim. Ela tem uma opinião bastante distorcida sobre si mesma - disse Avery. - Perguntei a mim mesma: quem poderia trazer o sonho de Jilly de volta?
Quem poderia transformá-la numa estrela?
- Tony Salvetti.
- Correto - disse ela. - Ele ainda era sócio da Star Catcher. Para mim, foi muito difícil acreditar que Tony estivesse envolvido. John Paul acredita que, de alguma
maneira, eu soubesse disso pois em nenhum
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momento liguei para ele para dizer onde estava. Ela olhou para o seu anel de noivado e carinhosamente, ajeitou-o no dedo.
- Foi muito fácil para Jilly. Quando ela encontrou Tony, ele era um homem infeliz e amargo. Carrie e ele haviam unido suas companhias. A idéia, quando se casaram,
era que administrariam os negócios como parceiros, mas era Carrie quem conseguia as maiores contas para a agência. Aos poucos, ela foi tirando terreno de Tony até
que ele perdesse todo o poder. Ele disse ao agente Kelly que Carrie estava tentando acabar com a sua virilidade. Tony sabia que perderia tudo quando ela se divorciasse
dele, o que parecia ser inevitável, pois ele estava se tornando cada vez menos confiável, em especial depois que a quantia de cem mil dólares desapareceu de suas
contas bancárias. Tony disse a Carrie que o dinheiro estava no banco e que tudo não passava de um erro, mas tenho certeza que Carrie pretendia contratar uma auditoria
para esclarecer o assunto.
- Jilly disse a Tony que tinha um contato que poderia resolver o problema de ambos. Ela conhecia um homem que estava cumprindo pena em uma prisão da Flórida e que
os ajudaria a encontrar um assassino de aluguel.
- Dale Skarrett?
- Sim. Ela foi ver Skarrett e prometeu que o tiraria da prisão. Se ele indicasse um matador de aluguel, ela se livraria de mim e de Carrie e não haveria ninguém
para testemunhar contra ele. Ela disse a ele que Tony Salvetti não se importava em pagar para ver-se livre da mulher. Jilly prometeu a Skarrett que estaria esperando
por ele quando saísse da prisão. Ele ainda era completamente obcecado por ela. Tenho certeza que ela encontraria uma maneira de fazê-lo acreditar que estava apaixonada,
até conseguir botar as mãos nos diamantes. Além disso, prometeu que se livraria da juíza que o havia sentenciado.
- O que nos leva a Monk. Quando Jilly o encontrou, além de encontrar um matador profissional, viu também um homem solitário. Deve ter sido muito fácil conquistá-lo.
Ao que parece, ela não teve nem de lhe oferecer o dinheiro que Tony havia lhe dado. Ele ficou loucamente apaixonado e faria qualquer coisa por ela. Sendo assim,
ela ficou com todo o dinheiro.
- De quem foi a idéia de colocar as três senhoras naquela casa, no Colorado?
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- Jilly - respondeu ela. - Ela gosta de complicar as coisas. Acho que ela queria um pouco de drama, e fazer Carrie sofrer era parte do plano. Além de ter assumido
a tarefa de matar Anne Trapp, Monk recebeu uma quantia exorbitante de Dennis Parnell para explodir a casa na montanha. Parnell estava convencido que o juiz daria
ganho de causa para sua ex-esposa - explicou ela. - Gostaria de ter visto a cara dele quando soube que o juiz decidiu que a casa ficaria com ele.
- Monk era um rapaz bastante ocupado.
- Muito - ela disse.
- Você viu as últimas notícias? - perguntou ele. - Eric Trapp finalmente confessou. Ele ficará fora de circulação por um longo tempo. Se sua tia não tivesse nos
dado a carta de Anne, não teríamos as evidências necessárias para incriminá-lo. Durante o interrogatório, Trapp declarou que sua esposa estava demorando muito para
morrer.
- O mesmo que com os Políticos - disse Avery. - A ganância era a motivação de todos eles.
- Incrível - disse Carter. - A maneira como Jilly manipulou Salvetti, Monk e Skarrett. Ela era a flautista e todos dançavam conforme a música que ela tocava, sem
ter a menor idéia de seus planos. Eu falei com o agente Kelly agora pouco, ele disse que Skarrett ainda não confessou muita coisa, mas Salvetti já começou a falar.
O que acho estranho é...
- Sim?
- Nenhum deles falou mal de Jilly. Eles não se cansam de elogiá-la.
Aquilo não surpreendia Avery.
- Aposto que ela ainda não falou.
- Não, ela está fechada como uma ostra. Você será uma grande agente de campo, Delaney.
- Talvez, com o treinamento adequado, senhor. Mas não é mais o que quero. Se aprendi alguma coisa durante essas últimas semanas, é que a vida é curta demais e não
quero perder um só minuto correndo atrás de criminosos. Quero fazer algo que me traga satisfação verdadeira.
Avery levantou-se e esperou até que ele viesse até ela. Ela apertou a mão dele e disse:
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- Obrigada, senhor.
- Você vai realmente pedir demissão? Será que posso tentar convencê-la a ficar?
- Estou decidida, senhor. Preciso ir embora.
- Você já sabe o que vai fazer?
- Agora que o julgamento e a audiência para condicional terminaram, e Skarrett voltou para trás das grades, vou passar algumas semanas com a minha tia e, depois,
vou me mudar para a Louisiana. Pretendo voltar para a escola e conseguir um diploma de professora.
- Vou sentir sua falta - disse ele. - Boa sorte.
- Obrigada, senhor.
Ele abriu a porta para ela e, enquanto ela passava, ele disse:
- Mais uma coisa, Delaney.
- Sim, senhor?
- Bom trabalho.
Capítulo
41
O detetive conduziu John Paul e Avery por um longo corredor para o que ele chamava de sala de identificação.
- Vocês poderão vê-la através do vidro, mas ela não os verá
- explicou ele, antes de abrir a porta.
Avery não se moveu.
- Agora ela está na sala de interrogatórios, com dois detetives
- ele explicou.
Ainda assim, ela não se moveu. O detetive olhou para John Paul.
- Fiquem o tempo que for necessário, disse ele, antes de retirar-se.
- Você não precisa fazer isso - disse John Paul.
- Preciso sim.
Ela ficou encostada no batente da porta por mais algum tempo e, em seguida, aprumou o corpo e entrou. A sala era do tamanho de um armário. Ela olhou para a janela
de vidro e viu a mulher que havia lhe dado a vida e que, depois, também tentara matá-la.
John Paul segurou e mão dela e perguntou:
- Você se lembra dela?
- Não. Eu tinha apenas cinco anos quando ela voltou à nossa casa - murmurou ela. - Já faz muito tempo.
Jilly estava sentada numa mesa de metal quadrada, em frente a dois detetives. Tinha as costas eretas, as pernas cruzadas e as
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mãos sobre a mesa. Os três primeiros botões de sua blusa estavam desabotoados. Toda vez que se mexia, a blusa abria um pouco mais. De repente, ela olhou diretamente
para o espelho. Avery respirou fundo e afastou-se, enquanto sentia a bílis subir-lhe à garganta.
- Olhe - sussurrou Avery.
- Sim estou vendo - disse John Paul. Avery balançou a cabeça.
- Não me refiro a ela. Olhe para os detetives. Veja o efeito que ela tem sobre eles.
Os dois detetives inclinaram-se para a frente como se, inconscientemente, tentassem alcançá-la. Um deles disse alguma coisa e colocou a mão sobre a dela.
- Ela está tentando conquistá-los - disse Avery.
Um policial abriu a porta da sala de interrogatórios. Jilly olhou para ele e, como um sensual gato persa, espreguiçou o corpo flexível. Enquanto o seguia até a porta,
parou, olhou por sobre o ombro e sorriu para os dois homens. Os detetives retribuíram o sorriso, fixados em cada movimento seu até que a porta se fechasse.
Avery olhou para os olhos de John Paul.
- Estou pronta para ir embora.
Ele seguiu-a para fora do posto policial. Ela não olhou para trás.
Epílogo
Para Avery, a melhor parte do dia era o pôr-do-sol. Ela ia até a varanda e sentava-se na cadeira de balanço que John Paul fizera para eles. Ela podia ouvir o barulho
da água no desembarcadouro atrás da casa e, se fechasse os olhos, era capaz de sentir o perfume dos lilases que John Paul plantara.
A porta de tela abriu-se e fechou-se e seu marido veio sentarse ao seu lado. Ele colocou o braço nos ombros dela, inclinou-se para trás e, com o pé, colocou o balanço
em movimento.
- Você está preparada para dar suas aulas amanhã, doçura?
- Sim, estou.
- No que estava pensando? - ele perguntou. - Você estava indo para o seu lugar feliz?
Ela apoiou a cabeça no ombro dele e sorriu.
- Eu já estou lá.
Julie Garwood
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