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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PRESENTE PARA SEMPRE / Cathy Williams
PRESENTE PARA SEMPRE / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

PRESENTE PARA SEMPRE

 

Falta apenas um item na lista de Natal de Ryan Sheppard... Algo que irá surpreender sua secretária certinha...

Aparentemente, Jamie Powell é a única mulher que não cai aos pés de Ryan. Afinal, ela conhece muito bem a fama de conquistador de seu chefe. Aturar as mulheres que ele descarta é praticamente parte de seu trabalho! Ryan tem a esperança de que uma viagem ao Caribe no Natal será o suficiente para fazer com que Jamie troque a saia lápis por um biquíni! E, considerando que toda a diretoria estará presente, certamente não há mal nenhum em aproveitar um pouco mais dos prazeres locais...

Eles querem amar... E depois casar...

 

 

Jamie estava atrasada. Pela primeira vez desde que co­meçara a trabalhar para Ryan Sheppard, perdera á hora por causa de uma série de acontecimentos infelizes que haviam culminado com a espera pelo trem do metrô, junto com outros 6 mil passageiros, mal-humorados e frustrados, que iam de casa para o trabalho.

Protegida contra o vento gelado na plataforma, o cabelo que havia penteado meticulosamente agora de­sarrumado e lembrando que seu elegante conjunto cin­za e os lindos sapatos pretos podiam ser apropriados para o escritório, mas era inútil diante da realidade do sombrio e úmido inverno londrino, Jamie olhava para o relógio de pulso por força do hábito a cada dez segundos.

Ryan Sheppard detestava atrasos. Na verdade, Jamie o estragara, porque nos últimos 18 meses, sempre fora absolutamente pontual... O que não significava que ele logo a perdoaria por seu primeiro atraso.

Quando o trem do metrô surgiu na curva, Jamie já desistira de chegar ao escritório antes das nove e meia da manhã. Como de nada adiantaria ligar para o chefe, recusou-se a olhar na direção do celular, enfiado dentro da bolsa.

Então, com relutância, ela se concentrou no principal motivo por ter saído de casa uma hora além do habitual, e os pensamentos a respeito de sua irmã a fizeram esque­cer tudo o mais. Podia sentir a tensão começando a se apossar de seu corpo, e por fim, quando conseguiu che­gar ao majestoso prédio envidraçado onde funcionava a RS Enterprises, Jamie começava a sentir uma terrível dor de cabeça.

A RS Enterprises, sede de maciço conglomerado que pertencia e era administrado pelo chefe de Jamie, deti­nha, no interior de suas sólidas paredes, os tentáculos poderosos que constituíam os vários braços de muitos negócios. Um exército de funcionários muito bem trei­nados, motivados e pagos mantinha tudo funcionando, embora às 9h45 da manhã poucos estivessem à vista. A maioria já se encontrava a postos, fazendo o que devia ser feito para manter as engrenagens da empresa fun­cionando perfeitamente.

Às 9h45 da manhã, normalmente Jamie já estaria à sua mesa também, realizando seu trabalho.

Entretanto...

Ela contou até dez em uma débil tentativa para afas­tar da mente a imagem da irmã e pegou o elevador até o andar da diretoria.

Não precisou imaginar o humor de Ryan quando abriu a porta. Em um dia comum, ele estaria fora do es­critório, após ter enviado um e-mail para Jamie com as instruções sobre as tarefas a serem realizadas durante sua ausência, ou estaria atrás de sua própria escrivani­nha totalmente mergulhado no trabalho.

Porém, nesta manhã, encontrava-se recostado na ca­deira, os braços passados apoiando a nuca, os pés sobre o tampo da mesa.

Mesmo após 18 meses de convívio, Jamie ainda ti­nha problemas para se controlar diante do forte apelo sexual de Ryan Sheppard, que não se parecia nada com um tradicional magnata dos negócios. Seria isso devi­do ao fato de sua empresa ser de software, onde cére­bro e criatividade eram tudo, e ternos caros ou sapatos lustrosos de couro, irrelevantes? Ou seria porque Ryan Sheppard era um homem tão confiante e contente consigo mesmo que nunca se importava com roupas nem com o que o resto do mundo pensava a seu respeito?

Fosse como fosse, vê-lo usando terno era uma rari­dade, e isso só ocorria quando se reunia com financis­tas... Embora se dissesse que sua lendária reputação fa­lava por si mesma, sem precisar de belas roupas. Logo Jamie concluíra que ele podia aparecer em uma reunião usando apenas um calção de banho e, mesmo assim, o resto do mundo o saudaria e pediria sua opinião.

Jamie aguardou com paciência que ele parasse de fi­tar o relógio de pulso de modo significativo, franzisse a testa e depois a olhasse com expressão severa.

— Está atrasada.

— Sim. Lamento muito.

— Nunca se atrasou antes.

— Sim, bem, culpe o sistema público de transporte em Londres, senhor.

— Sabe que detesto quando me chama de senhor. Quando me tornar um cavaleiro do reino, poderemos re­pensar o assunto, mas por enquanto, meu nome é Ryan, e nada mais. E ficaria mais feliz se pudesse culpar o sis­tema de transporte, porém você não é a única a usá-lo, e mais ninguém na empresa parece ter se atrasado hoje.

Jamie hesitou. Antes de entrar na sala, tratara de ir ao luxuoso toalete feminino de chão de mármore no fim do corredor, e já não parecia á moça de aparência des­leixada e afogueada que emergira vinte minutos antes da estação do metrô. Entretanto, por dentro, sentia os nervos vibrando, e por fora, seus joelhos tremiam como folhas ao vento.

— Talvez seja melhor começar a trabalhar e... Vou recuperar o tempo perdido. Não me importo de conti­nuar na hora do almoço.

— Então, se concorda que não foi o trânsito caótico, o que a atrasou?

No último ano e meio, Ryan tentara decifrar a facha­da calma e impenetrável e descobrir a mulher por trás da secretária eficiente. Mas Jamie Powell, de 28 anos, cabelo e olhos castanhos; continuava sendo um enigma para ele. Retirou os pés da mesa e se aprumou na cadei­ra, fitando-a com grande curiosidade.

— Seu fim de semana foi muito movimentado? Dor­miu tarde? Está de ressaca?

— É claro que não estou de ressaca! — protestou Jamie.

— Não? Porque não existe nada de errado em um pequeno excesso de vez em quando, você sabe. Na ver­dade, sou da opinião de que um pequeno excesso uma vez ou outra faz bem para a alma.

— Não costumo me embebedar. — Jamie decidiu pôr um fim nessa especulação.

Os rumores se espalhavam com a velocidade do vento na RS Enterprises, e de jeito nenhum, permitiria que alguém pensasse que passava seus fins de semana vendo a vida no fundo de um copo. Na verdade, não permitiria nunca que pensassem mal a seu respeito. A experiência a ensinara muito bem: confraternize com seus colegas de trabalho, mantenha um relacionamen­to amigável com seu chefe... E pronto! De repente, a pessoa se via trilhando caminhos inesperados e desa­gradáveis. Já passara por isso e não cometeria o mesmo engano duas vezes.

— Como é virtuosa! — elogiou Ryan com uma iro­nia velada que a fez ranger os dentes, frustrada. — En­tão podemos eliminar a bebida! Talvez seu despertador tenha falhado? Ou...

Lançou um sorriso que a fez lembrar como ele podia ser sedutor com as mulheres.

Para qualquer uma que não estivesse preparada, talvez esse sorriso pudesse arrasar os bons propósitos. Jamie vira isso acontecer algumas vezes, observando discretamente as namoradas do chefe.

— Talvez... — prosseguiu ele com voz arrastada, arqueando as sobrancelhas. —... Alguém em sua cama tenha dificultado sua saída de casa nesta manhã tão fria de dezembro...

— Prefiro não discutir mais minha vida pessoal com o senhor... Desculpe Ryan.

— E isso é perfeitamente aceitável, contanto que não interfira em sua vida profissional, mas chegar ao escri­tório às dez horas da manhã exige uma explicação. E tentar me ludibriar com a promessa de que irá trabalhar na hora do almoço não basta. Sou extremamente razoá­vel — continuou Ryan, batendo com a ponta da caneta sobre a escrivaninha e observando o rosto contraído de Jamie. — Sempre que houver uma emergência, estarei pronto a deixá-la chegar mais tarde ou sair mais cedo. Lembra-se do incidente com o encanador?

— Isso foi só uma vez!

— E no Natal passado? Não lhe concedi generosa­mente meio período livre para que pudesse fazer suas compras?

— Deu meio dia para todo mundo na empresa.

— O que prova meu ponto! Sou razoável. Portan­to, creio que mereço uma explicação também razoável para seu atraso.

Jamie respirou fundo e cruzou os braços sobre o pei­to, se preparando para revelar algo sobre sua vida par­ticular. Mesmo tal confidencia insignificante, que nem podia ser classificada como uma confidencia, ia contra seus princípios. Como se fosse uma bomba-relógio em seu cérebro contra suas boas intenções, podia pressen­tir o caos se aproximando. Não deixaria que isso acon­tecesse. Daria uma pequena informação apenas, porque senão esse homem terrível iria insistir como se fosse um cão farejador.

Ryan era assim... Insistente e determinado ao ponto de se tornar quase obsessivo.

Ela imaginava que fora assim que assumira o peque­no negócio de computadores de seu pai e o transfor­mara em um conglomerado multinacional. Ryan nunca desistia. Sua aparência sexy e displicente escondia um instinto poderoso para os negócios que derrubava ve­lhas regras e criava novas enquanto o resto do mundo se mantinha obediente.

Jamie abriu a boca para fornecer uma versão censu­rada dos eventos, filtrada por sua mente, quando a porta da sala se abriu com um repelão. Foi tão repentino que os dois giraram para ver a mulher loira de olhos azuis e pernas longas que praticamente invadira o recinto. O cabelo comprido balançava sobre o casaco vermelho de cashmere que trazia pendurado no ombro.

Atirou o casaco sobre a cadeira mais próxima em um gesto tão teatral que Jamie precisou baixar o rosto e fitar os pés, a fim de evitar rir em voz alta.

Ryan Sheppard não se importava que suas namora­das fossem ao escritório depois das horas de trabalho. Jamie sempre imaginara que se tratava da arrogância de um homem habituado a estalar os dedos e ter qual­quer mulher que desejasse na hora que quisesse.

Por que se dar ao trabalho de ir à casa de uma moça às nove horas da noite quando ela podia vir a seu es­critório e poupá-lo da viagem? Em momentos de extre­ma tensão, quando os funcionários corriam de um lado para o outro, altas horas da noite, Jamie testemunhara Ryan mandando todo o mundo para casa, a fim de pedir comida chinesa para ele e sua namorada ali mesmo em sua sala.

Jamie nunca vira uma dessas mulheres se queixar. Elas sorriam, seguindo Ryan com olhos apaixonados e depois, quando ele se cansava, eram dispensadas com diplomacia e presentes caros.

E o charme de Ryan era tão grande que conseguia manter a amizade com a maioria das ex-namoradas.

Porém nunca acontecera algo como isso, pelo menos que Jamie se lembrasse, desde que trabalhava para ele. Uma garota invadindo a sala às dez horas da manhã.

Tratou de esconder o riso fingindo tossir, mas quan­do ergueu os olhos viu que ele a fitava antes de dirigir a atenção para a beldade enraivecida que se plantara em frente à escrivaninha.

— Leanne...

— Não me venha com palavras doces! Não acredito que teve a coragem de romper comigo pelo telefone!

— Voar até Tóquio para dar a notícia não me pareceu uma opção. — Ryan fitou Jamie, que imediatamente deu um passo atrás, pois testemunhar a cena de fúria da outra mulher era algo que preferia evitar. Porém Ryan fez um sinal para que se sentasse.

— Poderia ter esperado até que eu voltasse de Tóquio! — gritou á loira.

Ryan suspirou com impaciência e esfregou os olhos antes de se levantar e dar a volta, sentando-se na quina da mesa.

— Precisa se acalmar — disse com voz modulada, que ocultava uma ameaça fria.

Percebendo isso, Leanne engoliu em seco.

— Trate de recordar nossos dois últimos encontros... — continuou ele com uma calma perigosa. —... E per­ceberá que a alertei que nosso relacionamento chegara ao fim.

— Não podia estar falando sério! — ela exclamou, atirando para trás a cabeleira loira.

— Não costumo dizer coisas à toa. Você quis igno­rar, então não me deu outra opção a não ser repetir pa­lavra por palavra.

— Mas pensei que continuaríamos juntos. Tenho planos para nós dois! — Leanne olhou para Jamie, que mantinha os olhos presos aos sapatos pretos. — E o que ela continua fazendo aqui? Quero conversar com você em particular. Sem a presença de sua pequena e maçante secretária prestando atenção a cada palavra, a fim de repetir para todo mundo no prédio!

Pequena? Talvez. Um metro e sessenta e cinco de altura não tornava uma pessoa alta.

Mas... Maçante. Seria um adjetivo que a magoaria se alguém que não Leanne o tivesse usado, porém, como todas as outras que Jamie vira entrar e sair da vida de Ryan, Leanne era uma linda e famosa modelo com um profundo des­prezo por qualquer mulher que não estivesse no mesmo patamar de sucesso.

Também com profundo desdém, Jamie ergueu os olhos para a loira muito alta.

— Jamie está aqui... — disse Ryan com voz seca. —... Porque, caso não tenha notado, este é meu escritório e estamos no meio do trabalho. Tenho certeza de que deixei muito claro para você que não tolero intromis­sões em meu trabalho. Nunca, por parte de ninguém.

— Sim, mas...

Ele se encaminhou até a cadeira onde Leanne atirara o casaco vermelho e o ergueu.

— Está nervosa, portanto á; desculpo. Mas agora sugiro que saia de minha sala e de minha vida com or­gulho e dignidade. Você é uma linda mulher, não terá problemas para me substituir.

Contra a vontade, Jamie observava; fascinada pela transparência das emoções de Leanne. Orgulho e raiva lutavam em seu rosto contra o desejo de implorar por perdão.

Entretanto, acabou por permitir que Ryan a aju­dasse a vestir o casaco e saiu da sala de maneira muito mais controlada do que quando entrara.

Então Jamie tratou de ficar olhando para frente até que Ryan quebrou o silêncio:

— Sabia que ela viria? — perguntou ele de maneira abrupta, fazendo Jamie se voltar para fitá-lo com sur­presa. — Foi por isso que escolheu logo hoje para che­gar, com tanto atraso?

— Claro que não sabia! Jamais sonharia em me en­volver em sua vida particular.

Embora já tivesse se envolvido, comprando presentinhos para as mulheres dele, escolhendo, encomen­dando e enviando flores, fazendo reservas de entradas para o teatro.

Em uma ocasião memorável, Ryan até á levara para uma garagem de carros esporte de luxo e pedira que Jamie escolhesse a cor de um Porsche que pretendia comprar para uma; certa moça que namorara apenas por algumas semanas. Sem dúvida, Ryan era um amante muito generoso, mesmo que seus relaciona­mentos nunca durassem muito.

— E não gosto de ser acusada de... De... Conluio com qualquer uma de suas; vaga... Namoradas — corrigiu a tempo.

Ryan semicerrou os olhos sem deixar de fitá-la.

— O motivo por ter perguntado foi porque você pa­receu estar se divertindo com as tiradas dramáticas de Leanne. Na verdade, poderia jurar que a ouvi rir em determinado momento.

Jamie o encarou. Estava; de novo sentado sobre a es­crivaninha, as longas pernas vestidas pelo jeans, cruza­das na altura dos tornozelos. Descalça, Leanne deveria medir, pelo menos, um metro e oitenta de altura, e mes­mo assim, Ryan era muito mais alto.

Jamie estava; apreensiva, mas pela primeira vez, sen­tia-se tentada a dizer exatamente o que pensava.

— Lamento, foi uma reação inapropriada.

Porém já sentia vontade de rir de novo enquanto fi­tava as mãos entrelaçadas.

Quando voltou a erguer o rosto para fitá-lo, viu que ele se aproximara, e estavam muito próximos um do outro. Antes que pudesse se afastar, ele se debruçou sobre a cadeira que Jamie ocupava as mãos musculosas pousadas de cada lado, o rosto muito perto do dela, de modo que Jamie podia ver os longos cílios e os frisos dourados nos olhos escuros.

Ryan estava tão próximo que, se Jamie erguesse a mão de leve, poderia tocá-lo, sentir a aspereza da barba ainda rente em sua face.

Assaltada por essa súbita onda de ousadia, lutou contra o embaraço repentino e continuou a fitá-lo, em­bora seu coração batesse de maneira desordenada.

— O que eu gostaria de saber... — disse ele com sua­vidade. —... É o que, diabos; considerou tão engraçado. Gostaria que compartilhasse a piada comigo.

— Às vezes, rio quando estou tensa — defendeu-se Jamie. — Desculpe.

— Não me venha com essa, Jamie. Já esteve em si­tuações tensas comigo antes quando tentava fechar um grande negócio e nunca começou a rir por causa disso.

— Hoje foi diferente.

— Explique-se.

— Por quê? O que importa o que penso?

— Porque gosto de saber o que se passa na cabe­ça de minha assistente particular. Pode me chamar de maluco, mas acho que isso torna mais produtiva a rela­ção de trabalho. — Na verdade, Ryan achava que não encontraria outra com quem se relacionasse melhor no escritório.

Jamie possuía a capacidade inata de prever seus mo­vimentos, e sua serenidade equilibrava o dinamismo e inquietude dele. Antes de contratá-la, Ryan sofrerá três anos com secretárias incompetentes, que ainda por cima, haviam se apaixonado por ele. Sua fiel secretária, uma senhora de meia-idade, que o assistira por quase dez anos, se mudara para a Austrália, e depois disso, Ryan só conseguira funcionárias desastrosas.

Jamie Powell fora um achado, e isso nada tinha a ver com o mecanismo de sua mente ou com o que pen­sava a respeito do chefe. Entretanto, a súbita necessi­dade de arrancá-la de sua eterna serenidade o deixava louco.

A sombra do riso no rosto dela, minutos antes, o pu­sera muito curioso, e isso o surpreendia.

Ryan se afastou de Jamie e caminhou até o sofá que se transformava em cama quando trabalhava até tarde e preferia dormir no escritório.

Com relutância, Jamie moveu a cadeira na direção dele, imaginando quantos chefes bilionários podiam se deitar no sofá de suas salas com as mãos na nuca en­quanto faziam perguntas que não eram da sua conta.

De novo, se sentiu apreensiva. Após uma sucessão de trabalhos temporários que não haviam sido satisfa­tórios, será que teria assumido esse emprego fixo se conhecesse a natureza de seu chefe de antemão?

— Não sou paga para dar opinião sobre sua vida par­ticular — disse ela com uma postura séria, na derradei­ra tentativa para mudar de assunto.

— Não se preocupe com isso. Dou-lhe total permis­são para dizer o que pensa.

Jamie passou a língua pelos lábios com nervosismo. Era a primeira vez que ele a pressionava dessa manei­ra, demonstrando tanta curiosidade a seu respeito. E, como um predador preguiçoso, observava, tirando suas conclusões.

— Muito bem — murmurou Jamie, fitando-o com severidade. — Fiquei surpresa. Foi a primeira vez que uma de suas namoradas entrou em sua sala repentina­mente e falou o que pensava. Achei engraçado e ri. Mas discretamente. E eu não teria rido se tivesse deixado sua sala na hora que quis, porém você me obrigou a ficar: Então fiquei, portanto não pode me culpar por minhas reações.

Ryan se sentou no sofá e a encarou, dizendo:

— Vê? Não é um alívio dizer o que se pensa?

— Acho que considera divertido me deixar emba­raçada.

— Estou embaraçando você?

Jamie ficou; vermelha como um camarão e apertou os lábios.

— Parece que não tem moral nem princípios quando se trata de mulheres! — exclamou sem poder se con­ter. — Trabalho para você há mais de um ano, e nesse período, deve ter tido uma dúzia de namoradas. Mais do que isso! Brinca com os sentimentos das pessoas, e isso não parece incomodá-lo nem um pouco!

— Então existe uma tigresa alerta por trás de seu rosto plácido — murmurou Ryan.

— Não seja ridículo. Você pediu minha opinião, e a dei. Foi só isso.

— Acha que uso as mulheres? Que as trato mal?

— Eu... — Jamie abriu a boca para dizer que nunca pensara nada a esse respeito, a não ser com a chegada intempestiva de Leanne, mas estaria mentindo. Per­cebia, nesse momento, para seu espanto, que andava pensando muito sobre Ryan Sheppard e seus relacio­namentos depois do expediente. —... Tenho certeza de que as trata muito bem, porém a maioria das mulheres deseja mais do que presentes caros, diversão e brinca­deiras por algumas semanas.

— O que a faz dizer isso? Andou conversando com alguma de minhas namoradas? Ou isso é o que você desejaria?

— Não converso com suas namoradas, e não esta­mos falando a meu respeito — respondeu Jamie, se aprumando.

Ela estava corada, e pela primeira vez, Ryan notou a profundidade de seu olhar e sua boca polpuda. Jamie ignorava a própria beleza ou se esforçava para ignorar, pelo menos nas horas de trabalho. Então Ryan refle­tiu como nunca antes notara esses detalhes sobre ela. Ocorreu-lhe que raramente conversavam cara a cara. Jamie conseguira evitar isso, enquanto todas as outras mulheres que Ryan conhecia faziam questão de ficar a sós com ele.

— Trato maravilhosamente bem as mulheres com quem saio e, o mais importante; jamais as iludo a res­peito de sua situação em minha vida. Desde o início, sabem que não irei construir uma relação sólida ou ru­mar para um "final feliz" do tipo familiar.

— Por quê? — perguntou Jamie à queima-roupa.

— Como disse?

— Perguntei: por que... — repetiu Jamie com pressa. —... Não deseja um relacionamento sólido ou constituir uma família?

Ryan a fitou sem poder acreditar. Sim, sempre en­corajava uma abordagem franca, dentro e fora do am­biente de trabalho. Orgulhava-se de aceitar tudo o que diziam a seu respeito. É claro que conseguia ignorar, o que fazia quase sempre, mas ninguém podia dizer que não estava aberto às opiniões.

Entretanto, jamais alguém lhe fizera uma pergunta tão pessoal.

— Nem todo o mundo deseja essas coisas — respon­deu, porém tratando de pôr um fim à conversa. — E agora que o show de Leanne terminou, acho que é hora de voltarmos ao trabalho.

Jamie deu de ombros e voltou a ser a profissional de sempre.

— Muito bem. Não tive tempo de examinar os re­latórios sobre a empresa de software na qual pensa em investir. Posso fazer isso agora? Vou deixar tudo pronto à tarde.

Então, para a vaga insatisfação de Ryan, o dia se passou de maneira normal: com Jamie realizando ma­ravilhas com seu tempo; sentada do lado de fora de sua sala, em seu cubículo, onde fazia o que era paga para fazer de maneira tão eficiente que ele se perguntava como pudera se arranjar sem ela antes.

O telefone de Ryan tocava constantemente. Jamie filtrava as chamadas. O pessoal da equipe de criação que trabalhava em jogos de software três andares abai­xo irrompia de modo exuberante com uma nova idéia. Jamie punha todos para fora como se fosse uma profes­sora disposta a manter a classe em ordem.

A comparação o fez sorrir consigo mesmo.

Ás três horas da tarde deste dia, Ryan pegou o pa­letó; estava atrasado para uma reunião com três ban­queiros de investimentos. Jamie o aconselhou a trocar a camiseta por algo mais apresentável, sugerindo umas roupas no armário que Ryan mantinha no fundo da sala. Tudo parecia ter voltado ao normal, e ele se congratu­lou por isso.

Ás cinco e meia, voltou ao escritório após uma reu­nião de sucesso e encontrou Jamie, que se preparava para vestir o paletó e ir embora. Prestes a desligar o computador, ela sentiu o coração bater mais forte. Não esperara vê-lo regressar antes que tivesse partido.

— Já vai? — perguntou Ryan, atirando o paletó sobre a mesa e retirando pela cabeça o suéter de lã que ela o obrigara a usar para o encontro com os banqueiros.

A camiseta branca por baixo mal ocultava os mús­culos potentes de seu corpo. Jamie desviou os olhos, ralhando consigo mesma, enquanto pensava que já de­veria estar acostumada a tudo isso. Não entendia por que reagia com tanta emoção diante dele, como se fos­se uma completa idiota. Talvez tivesse algo a ver com o fato de sua irmã ter voltado à cena. Estava psicologi­camente fragilizada.

— Eu... Ficaria mais tempo, Ryan, mas algo aconte­ceu, e preciso correr.

— Algo aconteceu? O quê? — perguntou ele, se en­costando ao batente da porta.

— Nada — murmurou Jamie como uma tola.

— Nada? Alguma coisa? Decida-se, Jamie. O que foi?

— Ah, me deixe em paz! — explodiu ela, logo fican­do horrorizada com a própria reação. Era por causa do estresse que tomara conta de sua vida antes sem com­plicações.

Afastou o rosto de maneira abrupta e começou a me­xer nos papéis sobre a mesa, olhando para a tela de computador e esperando que Ryan deixasse a porta li­vre. Mas ele permaneceu no mesmo lugar. Pior ainda, caminhou devagar em sua direção e ergueu seu rosto com dois dedos.

— Que diabo está acontecendo?

— Nada — repetiu ela. — Apenas... Estou um pou­co cansada, é isso, talvez... Esteja com um início de resfriado.

Afastou o rosto ainda sentindo o calor dos dedos fortes em sua pele e enfiou às pressas o paletó preto, cruzando os braços sobre o peito para se proteger do frio lá fora.

— Tem algo a ver com o trabalho? — quis saber Ryan.

— O que quer dizer com isso?

— Aconteceu alguma coisa aqui que você não quer me contar? Às vezes, os rapazes podem ser um pou­co bruscos. Alguém a ofendeu fez algum comentário mal-educado para você?

De repente, ficou furioso diante da idéia de que al­guém tivesse passado dos limites e ofendido Jamie.

Ela o fitou sem expressão definida no rosto e balan­çou a cabeça.

— É claro que ninguém fez nada. Não, vai tudo bem no trabalho. Creio que ficará aliviado por ouvir isso.

— Algum namorado a magoou? — perguntou Ryan, tentando modular a voz com simpatia, enquanto sua imaginação se soltava e formava as imagens mais "inapropriadas" possíveis.

— Que tipo de mágoa?

— Alguém lhe fez uma proposta indecorosa? — ex­plicou Ryan com toda a clareza. — Pode me contar, e me certificarei de que isso nunca mais volte a acontecer.

— Por que acha que eu iria precisar de ajuda em uma situação como essa? — quis saber Jamie com frieza. — Será que me considera uma tola tão grande que não saberia reagir se algum sujeito decidisse me fazer uma proposta indesejável?

— Foi isso o que eu disse?

— Pelo menos, foi o que deu a entender.

— Outras mulheres... — o tratou de consertar. —... Provavelmente seriam um pouco mais experientes. Você... Posso estar enganado, mas me parece inocente.

Jamie o fitou, vagamente pensando em como haviam chegado a esse ponto na conversa. Quantos desvios te­riam sido necessários para fazer a discussão sobre o relatório de software descambar para sua vida sexual... Ou falta de vida sexual?

— Acho que é hora de ir para casa. Garanto que amanhã chegarei no horário.

Assim dizendo, Jamie rumou para a porta. Só per­cebeu que ele a acompanhara quando sentiu os dedos quentes em seu pulso.

— Ficou aborrecida. Serei muito indiscreto se per­guntar por quê? — quis saber Ryan, puxando-a para si.

— Sim, está sendo indiscreto! — exclamou Jamie. Estava com a boca seca e sabia que seu rosto ficara vermelho. Na verdade, todo o seu corpo parecia em chamas.

— Sou seu patrão. Você trabalha para mim, portanto é minha responsabilidade.

Os olhos dele passearam pela boca de Jamie e depois para a camisa branca engomada, e o paletozinho ele­gante. Podia ver os seios arfando por baixo do tecido.

— Sou responsável por mim mesma — disse Jamie com os lábios cerrados. — Desculpe se fiquei nervo­sa no horário de trabalho. Não acontecerá de novo e, para sua informação, meu estresse nada tem a ver com ninguém neste escritório. Ninguém me disse nada de ofensivo nem tentou me conquistar. Não precisei me defender, mas vou lhe dizer uma coisa e quero que preste atenção: se alguém me fizesse alguma coisa que considerasse injuriosa, seria perfeitamente capaz de me defender sozinha. Não preciso que faça isso por mim.

— A maioria das mulheres aprecia quando um ho­mem corre a defendê-la — murmurou Ryan, e de re­pente, o clima mudou entre os dois.

Ele relaxou o aperto no pulso de Jamie, que em vez de se afastar, ficou parada a fitá-lo, perdendo-se na pro­fundidade de seus olhos, completamente hipnotizada.

Piscou diversas vezes e, felizmente, retornou ao pla­neta Terra.

— Não sou como a maioria das mulheres — replicou sem fôlego. — E apreciaria muito se me deixasse ir.

Foi o que ele fez, dando um passo para o lado e observando enquanto ela ajeitava o paletó e enrolava o cachecol preto em volta do pescoço.

Jamie não conseguia encará-lo. Era impossível. Não entendia o que acontecera segundos atrás, mas tremia por dentro. Nem mesmo pensar em Jessica a distraía neste instante. E estava plenamente consciente de que Ryan a fitava, imaginando que estava nervosa demais, comportando-se como uma louca quando tudo que ele fizera fora tentar entender seu comportamento.

Jamie era sua funcionária, e como chefe, Ryan en­tendera que era seu dever protegê-la de qualquer tipo de constrangimento no ambiente de trabalho, e o que ela fizera em resposta?

Agira como uma solteirona ofendida.

Jamie estava; envergonhada de seu próprio proce­dimento.

E então ela o fitara intensamente. Será que Ryan re­parara nisso? Ele notava tudo quando se tratava do sexo feminino, e a última coisa que Jamie precisava era que ele pensasse que ela o via como algo a mais do que um chefe, um homem que respeitava, mas que sempre manteria a distância.

— Deixei os relatórios que me pediu sobre sua mesa em ordem de prioridade — anunciou Jamie com secura. — Sua reunião das dez horas de amanhã foi cancelada. Já marquei outra data, e vai receber em seu e-mail. Portanto...

— Portanto você pode ir embora e curar seu estresse em particular — murmurou Ryan.

— Isso mesmo.

Mas Jamie passou todo ó trajeto de volta para casa pensando no tom de voz que Ryan usara para dizer a úl­tima frase. Imaginou o que estaria pensando sobre ela. Não queria saber, mas era impossível parar de pensar a respeito.

A barreira que ela erguera para definir seus papéis parecia estar ruindo como um castelo de cartas, e tudo porque ele a pegara em um momento de fragilidade.

Graças a Jessica.

Estava escuro como breu e muito frio quando deixou a estação do metrô para sua casa. Londres sofria o pior inverno em vinte anos. As previsões eram de um Natal branco, embora ainda não houvesse nevado.

Em sua casa, as luzes estavam acesas. Todas.

Jamie suspirou e refletiu sobre o lado otimista: pelo menos, Jessica encontrara a chave escondida sob o vaso de flores ao lado da casa. Pelo menos, viera de Edimburgo até Londres sã e salva, embora trazendo; consigo a promessa de mais problemas.

 

— Mas você não entende...

Jamie se demorou arrumando a lavadora de louças para depois fitar a irmã, que perambulava pela cozinha com expressão zangada, de vez em quando parando para analisar algum objeto com uma mistura de tédio e desdém. Nada na casa era de seu gosto, deixara isso muito claro desde que Jamie abrira a porta e a fizera entrar.

Dissera que o lugar era pequeno demais.

— Não podia ter encontrado algo mais confortável? Sei que mamãe não nos deixou muito, mas, pelo amor de Deus, Jamie!

A mobília era velha. Não havia comida saudável na geladeira, resmungava sem parar.

— Onde estão as bebidas? Não me diga que passa suas noites tomando uma xícara de chocolate quente e lendo.

Jamie estava; acostumada aos insultos de Jessica, embora, com o tempo, tivesse esquecido o quanto po­diam ser maldosos.

Seu pai morrera quando Jamie tinha 06 anos, e Jessica, 03. A mãe as criara. Jamie sempre fora estu­diosa, pensando no futuro e em uma carreira. Jessi­ca crescera fazendo as unhas e arrumando o cabelo, e quando chegara aos 13 anos, já atraía os olhares masculinos.

Jamie não conseguira cursar a universidade. Com um pouco menos de 19 anos, se vira tomando conta de Gloria, sua mãe, que, após uma cirurgia de rotina, adquirira uma bactéria imune aos antibióticos e nunca mais se recuperara. Depois, quando Gloria falecera, se responsabilizara pela irmã de 16 anos, porém Jessica era muito precoce. Enquanto Jamie herdara a aparência discreta do pai e se refugiava nos livros, Jessica fora abençoada com a beleza da mãe e queria fazer bom uso disso.

Ainda de luto, Jamie se vira às voltas com uma ado­lescente fora de controle.

Gloria implorara que Jamie tomasse conta de Jessica. O que ela poderia fazer?

E, neste momento, ali estava Jessica de volta, linda como sempre, ainda mais linda, se isso era possível, e já deixando a irmã mais velha de cabelo em pé.

— Não pode fugir de suas responsabilidades, Jess — disse Jamie, limpando as mãos no pano de pratos.

— É fácil para você falar! — replicou Jessica, sol­tando o cabelo loiro do rabo de cavalo. — Não precisa lidar com um marido que trabalha sem parar e espera que você fique em volta sorrindo o tempo todo! Não sou uma idiota.

— Você poderia trabalhar — sugeriu Jamie.

— Já tive oito empregos! Nenhum me serviu. E de que adianta trabalhar por um salário miserável se Greg ganha tão bem?

Jamie ficou; calada. Não queria pensar em Greg. No passado, ele fora seu chefe, ela se apaixonara, pensan­do, estupidamente, que ele retribuiria seu afeto. Porém Greg conhecera Jessica e fora amor à primeira vista para ele.

— Já pensou em fazer trabalho voluntário, Jess?

— Pelo amor de Deus! Dar sopa aos pobres em Edimburgo? Arrumar as flores no altar de uma paró­quia ou levantar fundos para os necessitados? Pode me ver de verdade fazendo isso?

Jessica se sentou com as longas pernas sobre uma cadeira em frente, a fim de analisar as unhas dos pés pintadas de cor-de-rosa brilhante.

— Estou entediada — murmurou. — Quero uma vida. Sou jovem demais para ficar enterrada nos subúr­bios de Edimburgo, onde chove o tempo todo, quando não neva, correndo atrás de Greg, que só se importa com animais doentes. Sabia que ele tem um fã-clube? O veterinário mais sexy da cidade... É patético!

Há alguns anos, Jamie não via Greg, mas lembra­va-se muito bem dele. Seu rosto bondoso, os olhos cinzentos, que se estreitavam quando sorria o cabelo loiro, que ela acariciara em pensamentos.

Pensar que a irmã estava entediada com Greg a hor­rorizava. No fim, ele a salvara, assumindo a responsa­bilidade de Jessica.

— Greg é louco por você; Jessica.

— Muitos homens poderiam ser.

Jamie estremeceu.

— Não está fazendo nenhuma loucura, não é, Jess?

—Ah, não seja tão pudica. Não estou fazendo ne­nhuma loucura se quis dizer que tenho um amante. Mas do modo como me sinto...

Suas palavras permitiram que tal possibilidade pre­ocupasse Jamie.

A campainha da porta soou.

— Por favor, Jess, ligue para Greg. Ele deve estar muito preocupado com você.

Enquanto Jessica resmungava que não faria isso, Jamie correu para a porta.

A visão de Ryan na soleira foi tão chocante que, por alguns segundos, ela não conseguiu raciocinar.

Ele jamais viera até sua casa, nem mesmo quando saíam de Londres para comparecer a uma reunião. Ryan nunca viera buscá-la ou deixá-la em casa. Jamie não imaginara que soubesse seu endereço.

Por fim, recuperou o bom-senso e perguntou:

— O que faz aqui?

— Você estava muito estressada. Fiquei preocupado e resolvi saber como ia passando.

— Estou ótima. Então nos veremos amanhã no escri­tório. — Lembrando que a irmã estava na cozinha resmungando, tratou de sair e encostar a porta. — Como descobriu meu endereço?

— Sua ficha pessoal, é claro.

— Bem, precisa ir agora. É tarde — argumentou Jamie.

— São apenas 20h45.

— Estou ocupada.

— E continua nervosa. O que está acontecendo? — Ryan deu uma risada. — Você é minha indispensável secretária. Não posso permitir que guarde segredos terrí­veis e depois me abandone, posso? O que faria sem você?

— Sou... Obrigada a pedir demissão com um mês de aviso-prévio — gaguejou Jamie.

Ryan Sheppard pareceu desmoronar, e ela não gos­tou disso.

— Então está mesmo pensando em me deixar. Bem, foi ótimo ter vindo até aqui para arrancar toda a ver­dade de você, não acha? Assim poderei defender meus interesses. Assim, por que não me convida a entrar e poderemos discutir o assunto como adultos? Se desejar um salário mais alto, diga quanto e lhe darei.

— Que loucura! — exclamou Jamie.

— Sim, e odeio lidar com loucos — retrucou-o.

A voz petulante de Jessica se fez ouvir da cozinha, pedindo comida.

E então ela surgiu, alta, linda e loira, tudo o que Ryan apreciava em uma mulher; e Jamie suspirou; resignada.

— Ora, ora, ora — murmurou ele devagar. — O que temos aqui...?

— Minha irmã — murmurou Jamie.

Os olhos de Jessica brilharam, e Jamie sentiu um frio na espinha dorsal.

Não precisou fazer as apresentações. A irmã já es­ticava a mão direita, apresentando-se... Enquanto, às costas, ocultava a esquerda com a aliança.

— Nunca me contou que tinha uma irmã, Jamie — ralhou Ryan, voltando-se para ela.

De lado, como se fosse uma intrusa em sua própria casa, Jamie respondeu, com voz tensa:

— Não fazia sentido. Jessica não mora em Londres.

— Mas talvez me mude para cá — replicou a outra bem depressa.

Jamie fitou a irmã com horror.

— Não pode fazer isso!

— Por que não? Estou farta da Escócia. Por que nunca me disse que tinha um patrão tão bonito, Jamie? Achou que poderia roubá-lo de você?

Jamie sentiu tonturas, e Ryan tratou de avaliar o clima tenso entre as irmãs. Seguira um impulso e viera à casa de sua secretária, mas começava a se arrepender disso.

— Há quanto tempo está em Londres? — ele per­guntou para Jessica, mas pensando em Jamie e na mu­ralha que erguera para si mesma.

— Ela só ficará um ou dois dias. Jessica é casada, e seu marido a espera — respondeu Jamie com pressa.

— Precisava contar?— retrucou Jessica com raiva.

— É a verdade, Jess. Greg é um ótimo sujeito. Não merece isso.

E sem dúvida você não o merece, acrescentou men­talmente.

— Estou tendo muitos problemas no casamento — insistiu Jessica olhando para Ryan. — Pensei em vir para cá e encontrar apoio em minha irmã, mas acho que me enganei.

— Que injustiça, Jess! Além disso, não creio que o Sr. Sheppard deseje ficar aí de pé escutando a história de nossa família.

— Por favor, continuem — pediu ele. — Sou todo ouvido!

— Deve ir embora — disse Jamie, cada vez mais tensa. — Quanto a você, Jess, vá dormir.

— Já não sou criança para receber ordens!

— Mas age como se fosse — retrucou Jamie em um tom severo que nunca antes usara com a caçula mimada.

Confusa, Jessica hesitou.

— Não pode me obrigar a voltar para a Escócia — acabou por resmungar.

— Discutiremos isso pela manhã — respondeu Jamie, sentindo-se muito cansada de repente. — Acho que por hoje já suportei tensões demais.

— Sim, começando por chegar tarde ao trabalho — lembrou Ryan com bom humor.

Jessica deixou escapar uma risadinha e fitou a irmã.

— Se tivesse me dito que estava atrasada, teria desligado o telefone antes. Não se preocupe. Serei boazinha enquanto permanecer aqui; e você será a secretaria perfeita e pontual. — Jessica olhou para Ryan. — Se tivesse um chefe como o seu, Jamie, chegaria ao tra­balho às seis horas da manhã e sairia à meia-noite. Ou então nem sairia...

Jamie deu meia-volta e rumou para a cozinha. Sa­bia como eram essas conversas com Jessica. Diante de qualquer crítica, a irmã mais nova reagiria com pala­vras ofensivas.

Tinha certeza de que Jessica iria tentar seduzir Ryan com seu sorriso encantador.

Entretanto, mal se sentara na cozinha, ele surgiu na porta e a fitou sem nada dizer, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça.

Um silêncio constrangedor os envolveu. Por fim, re­lutante, Jamie lhe ofereceu uma xícara de café.

Sabia que havia coisas a serem ditas e ignorava como evitar o problema.

— Onde está Jessica? — perguntou.

— Mandei-a para a cama — respondeu Ryan com simplicidade.

— E ela o obedeceu?

Ryan sorriu com malícia.

— Tenho um jeito especial de lidar com as mulheres.

Jamie resmungou sem se importar em ser gentil com o homem que pagava seu salário. Afinal, ele invadira seu lar.

— Agora sabe por que me atrasei hoje. Jessica me prendeu ao telefone por mais de uma hora. Estava de­sesperada. Só soube que pretendia vir para cá quando me telefonou de novo do trem.

— Não tem importância. — Ryan aceitou a xícara e se sentou. — Crises familiares acontecem. Por que não me contou a verdade hoje cedo?

O olhar de Jamie era distante. Acostumado; a ser o foco da atenção feminina, isso era novidade para Ryan.

Aproveitou para vê-la sob um novo prisma: Jamie no aconchego do lar e com roupas de casa. Passeou o olhar pelo jeans que moldava ás curvas de seu corpo e pela camiseta que acentuava os seios arredondados. Até seu cabelo estava diferente... Menos arrumado, mais natural.

— Porque penso que roupa suja se lava em casa — ela murmurou.

— Ah, pelo amor de Deus! Eu nem sabia que tinha uma irmã! Por que tanto mistério?

Jamie enrubesceu e remexeu o café com a colher.

— Eu... Não faço o tipo extrovertido.

— Verdade? Nunca adivinharia se não me dissesse — brincou ele.

— Não lhe contei sobre Jessica porque as chances de você conhecê-la eram mínimas. Moro em Londres, ela nos arredores de Edimburgo. Não faz parte do meu dia a dia.

— E era assim que você queria que as coisas conti­nuassem, até que ela surgiu pedindo ajuda — concluiu Ryan com sabedoria.

— Por favor, não pense que já sabe tudo sobre minha família!

— Então trate de ser mais específica.

— Que diferença fará? — Jamie suspirou. — Sou uma boa funcionária para você, e é isso que importa.

— Por que fica tão constrangida quando falo de sua vida particular? — Ryan não estava disposto a desistir.

— Não está compreendendo, não é? Você é meu patrão, e como já disse; não gosto de fazer confidências. Talvez seja uma reação contra a personalidade de Jessica, que fala sobre a própria vida com a maior faci­lidade para quem quiser ouvir.

—Esqueça por um instante que sou seu chefe — disse ele. — Finja que sou um sujeito qualquer... Seu vizinho do lado que veio pedir uma xícara de açúcar emprestada no momento em que você precisava de um ombro amigo para chorar...

Jamie não pôde deixar de sorrir diante da compara­ção e murmurou:

— Você um vizinho pedindo açúcar? O que faria com uma xícara de açúcar?

— Faria um bolo. Seria um vizinho que adora co­zinhar. Os quitutes seriam meu passatempo favorito, assim como bordar e fazer arranjos de flores.

Jamie soltou uma gargalhada. Começava a relaxar, e Ryan sentiu-se gratificado por tê-la ajudado. Era ô caçula entre três irmãs, e sua experiência provara que as mulheres adoravam fazer confidencias para quem quisesse ouvi-las.

Jamie era uma exceção que instigava sua curiosidade.

— Então...? — encorajou.

— Não sei como dizer isso, mas... — Jamie tornou a suspirar e adotou uma abordagem diferente. —... Agora que conheceu minha irmã, o que pensa dela?

— Depois de cinco segundos de conhecimento, só posso dizer que é muito atraente.

Jamie sentiu uma pontada no peito, mas balançou a cabeça com compreensão.

— Jessica sempre foi a mais bonita.

— Espere um minuto... — Ryan começou a protestar.

— Não precisa ser bondoso. Estou expondo uma ver­dade, que de qualquer modo, nunca me aborreceu. — Por um instante ela pensou no que Ryan pretendera di­zer; certamente palavras amáveis de consolo. — Jessica é linda e sabe disso. Também é casada, está passando por um mau período, mas tudo poderá ser resolvido se...

—... Ela não topar com um sujeito como eu? — com­pletou Ryan com frieza.

— Sei que tipo de garota o atrai... Alta, loira, linda e dócil. Bem, Jess é alta, loira, linda e, no momento, muito dócil com você. Sei que deve achar que tenho um parafuso a menos ao dizer essas cosias, mas você quis vir aqui, e creio que estou no direito de falar o que penso. — Passou a língua nos lábios em um gesto nervoso. — Espero não estar pondo em risco meu em­prego ao me expressar assim.

— Pondo em risco seu emprego? Que tipo de pessoa acha que sou?

Ryan estava furioso por Jamie o julgar capaz de cas­tigá-la por dizer o que pensava.

Seria esse o conceito que tinha dele? Sob seu exterior contido e calmo, será que o julgava uma espécie de monstro?

— Não se preocupe, seu emprego está totalmente a salvo, e se é tão zelosa a respeito de sua privacidade, então ficarei feliz por sair agora mesmo de sua casa e a deixarei em paz atrás de suas paredes. Quanto à sua irmã, pode ser o tipo de mulher com quem costumo sair, mas não namoro mulheres casadas, mesmo as que estão infelizes.

Ele se levantou, e Jamie empalideceu.

Sempre gostara da maneira descontraída com que Ryan a tratava. Fazia parte de sua personalidade nada convencional, uma mistura curiosa de criativi­dade, inteligência e segurança pessoal. Será que ela desejava perder isso? Será que desejava um chefe escravo de regras que nunca a provocasse nem ultra­passasse os limites fazendo perguntas sobre sua vida pessoal? Tal pensamento a deixou; enregelada, e ela tratou de se levantar depressa, colocando a mão no braço dele.

— Desculpe. Sei como isso pareceu, porém preciso cuidar de minha irmã, você sabe... — Hesitou uma fra­ção de segundo. — Nosso pai faleceu quando eu tinha 06 anos, e quando Jess tinha 16 anos, mamãe morreu de complicações após uma cirurgia. Foi horrível. Fi­quei responsável pela caçula da família. Mamãe me fez prometer que cuidaria dela. Eu estava para ingressar na universidade, mas precisei procurar um emprego e cuidar de Jess.

— Muita responsabilidade para alguém tão jovem — murmurou Ryan, voltando a se sentar.

— Não foi fácil — concordou Jamie. — Jess era louca por rapazes, e quase arranquei todos os fios de cabelo para que ela fosse à escola todos os dias e se formasse com mérito.

— Em que você foi trabalhar? — quis saber ele com curiosidade e ficando ainda mais curioso quando a viu enrubescer.

— Ah, trabalhei para um veterinário. Não era o que pretendia fazer aos 19 anos, mas gostei. O problema é que...

— O que esperava fazer com 19 anos? — o interrompeu.

— Como?

— Seus planos? Sonhos? Suas ambições? Quais eram antes de sua vida virar de cabeça para baixo?

— Bem... — Jamie corou e hesitou. — Queria cursar a universidade e estudar Direito. Parece que isso foi há um século! De qualquer modo, já não tem importância. Porém o importante é que quis alertá-lo sobre minha irmã.

— Deve ter sido difícil desistir de seus projetos. Por certo, você se ressente de Jessica.

— Claro que não! — exclamou Jamie; chocada. — Ninguém foge de seu destino.

— Nobre sentimento. Céus, não muitos de nós so­mos criaturas nobres.

Jamie ignorou o comentário.

— Como ia dizendo... Só quis alertá-lo sobre ela.

— Porque Jessica voltará para o marido e ambos vi­verão felizes para sempre?

— Sim!

— O alerta que me deu foi registrado.

— Que alerta?

A pergunta veio de Jessica, parada no umbral da porta da cozinha, e com um aperto no coração, Jamie percebeu que a irmã não estava disposta a desaparecer, apesar do pedido de Ryan... Apenas se retirara tempo suficiente para tomar um banho e retornar com o míni­mo de roupa possível sobre o corpo. Usava um fuseau que se ajustava às pernas bem feitas è não estava de su­tiã sob a camiseta muito curta, deixando pouco para a imaginação.

Jessica tinha um físico maravilhoso e cada centímetro estava disponível para avaliação, enquan­to avançava devagar pela cozinha, adorando a atenção que despertara.

O tecido leve da camiseta cinza exibia os mamilos rijos e, sem dúvida, pensou Jamie, Ryan estava notando isso. Sim, dissera que se manteria longe de Jessica, mas como um homem podia ser forte diante de uma mulher sexy que o encorajava abertamente?

— Bem? — Jessica parou e se recostou; no balcão as pernas cruzadas na altura dos tornozelos, as costas inclinadas de modo que os seios se projetassem para frente. — Que alerta?

— Um aviso... — respondeu Ryan com voz indolente. —... Para que eu não interfira e tente persuadi-la a voltar logo para seu marido.

Jessica fitou a irmã com os olhos semicerrados.

— É verdade, Jamie?

— Por que eu mentiria? — meteu-se ele.

— Então não se importa que fique com você um pou­co, Jamie? — disse Jessica fitando a irmã mais velha. — Quem sabe até depois do Natal? Afinal, serão apenas algumas semanas. Posso ajudá-la a decorar a árvore e, quem sabe, então, já terei pensado melhor a respeito de voltar para casa.

Acuada, Jamie nada pôde fazer a não ser reconhecer a derrota.

— Podemos até dar uma festa! — exclamou Jessica olhando Ryan de viés e sorrindo. — Organizo festas como ninguém. O que você pretende fazer no Natal, Ryan?

— Jessica! — ralhou Jamie.

— Ah, não seja chata.

— Costumo ir para o campo — murmurou Ryan. — Por quê?

Já recebera tantos convites para o Natal que estava cansado.

— Poderia passar o Natal aqui conosco — sugeriu Jessica.

Ele percebeu o olhar de puro horror no rosto de Jamie diante dessa sugestão. Quase começou a rir, mas se controlou e manteve a seriedade enquanto dava a impressão de pensar a respeito do convite.

— Bem... — Ele fingiu hesitar. — Talvez passe o Natal longe da família.

— Onde estão seus parentes? — Jessica se aproxi­mou, enfiando os polegares no elástico do fuseau, fa­zendo com que descesse um pouco, e exibindo o ventre liso e o umbigo com um piercing.

Não era de admirar que Jamie se preocupasse com a irmã, pensou Ryan. A moça era um perigo ambulante para qualquer homem.

— Estão no Caribe — respondeu.

Jessica arregalou os olhos.

— Está brincando.

— Tenho uma casa no Caribe, e desta vez, toda a família decidiu passar as festas de fim de ano lá.

— Não sei por que estamos tendo essa conversa tola — interrompeu Jamie com frieza. — Ryan já fez seus planos para o Natal.

Rumou para a lavadora de pratos, dando a entender que a reunião terminara, mas Jessica estava a todo va­por, fazendo perguntas sobre á casa de Ryan no Caribe, e ele respondendo de bom humor. Jessica sempre supera­va seus próprios aborrecimentos, e no momento, estava interessada em outras coisas além do marido. O mundo costumava sempre sorrir para ela.

— Estou aberto a sugestões — disse ele, olhando para Jamie. — O que você pretendia fazer no Natal, Jamie? Ficar sozinha e se entediar?

— Pretendia ter um Natal tranqüilo — ela retrucou. — E planejo almoçar com amigos.

— Muito tradicional — comentou Jessica.

— O que Greg fará? — Jamie se voltou para fitá-la. — Ele sabe que pretende abandoná-lo no dia de Natal?

— Não se importará. Além do mais, seus pais pode­rão tê-lo para si e me criticar à vontade. Portanto... — Jessica voltou de novo sua atenção para Ryan. — Virá passar conosco? Jamie nunca foi muito entusiasta do Natal, mas farei com que arme a árvore, e preparare­mos um peru!

— Pare de amolar, Jess!

Jamie tinha certeza de que convenceria Ryan a ig­norar o convite de Jessica. Ele era um homem muito popular e cheio de amigos. A última coisa que desejaria seria se sentar em sua cozinha pequena e comer um peru preparado pela secretária.

— É engraçado como sempre responde por mim — disse ele sorrindo. — Talvez por isso trabalhemos tão bem juntos, Jamie. Sabe ler minha mente. Porém vou pensar no assunto e avisarei.

— Pode ligar para mim — apressou-se Jessica a dizer. — Darei o número de meu celular. Não precisa avisar a Jamie.

Ryan saiu cinco minutos depois, e Jamie deixou pen­der os ombros de exaustão. O alívio por ver que Jessica subia logo para ir dormir foi quebrado pelos pensamen­tos inquietantes.

Ryan descobrira mais a seu respeito em uma hora do que nos 18 meses em que trabalhava para ele, e Jamie tinha a desagradável sensação de que seria difícil afas­tá-lo e retornar ao tratamento profissional de antes.

E se ele resolvesse passar o Natal com elas?

A apreensão se juntava a outra sensação desconheci­da e ainda mais preocupante... Antecipação.

 

A rápida aproximação do Natal trazia um clima tempo­rário de tranqüilidade à empresa geralmente trepidante. Ryan Sheppard era um ótimo patrão na época natalina.

Costumava entrar no espírito das festas supervisionan­do pessoalmente a decoração do escritório e abrindo garrafas de champanhe às seis da tarde para quem esti­vesse por perto na contagem regressiva da grande data. Tolerava os atrasos dos funcionários na hora do almoço por causa das compras, e na véspera de Natal, encer­rava o expediente ao meio-dia, seguindo-se a entrega dos presentes de amigo secreto e um almoço preparado pelo bufê que ele costumava usar.

Enquanto isso, em sua casa, Jamie lutava bravamen­te para agüentar a irmã, que se dedicava com animação aos preparativos da festa. Jessica acompanhava Jamie a todas as reuniões para as quais a irmã mais velha era convidada, flertava sem pudor com todos os solteiros que encontrava, e no espaço de uma semana e meia, já colecionara o dobro de números de telefone que Jamie tinha em sua agenda. Nunca mencionava o nome de Greg.

Se o casal mantinha contato, sem dúvida, não era pelo telefone fixo da casa de Jamie, que parará de fazer perguntas para evitar cenas.

A árvore de Natal fora erguida, e Jessica ajudara a colocar as luzes por 15 minutos, mas, como uma criança, logo se cansara da brincadeira, deixando para Jamie a tarefa de terminar a decoração. Suas roupas ficavam espalhadas por todos os cantos, sobrando para a paciente Jamie á tarefa de recolher tudo. A casa também andava bagunçada. Por conseqüência, a vida tranqüila de Jamie, no momento, virará de cabeça para baixo.

Sabia que precisaria pressionar Jessica para marcar a data de volta à Escócia, porém, com medo da reação dela, dava como desculpa a época do Natal, e resolveu adiar a discussão para; depois das festas.

Inesperadamente, Ryan aceitara o convite tolo de Jessica para almoçar em sua casa e, diante da perspec­tiva de um peru muito grande para apenas três pessoas, Jamie convidara outras que estavam disponíveis: três rapazes do setor de software da empresa de Ryan e duas moças que conhecera na academia assim que chegara a Londres.

Quando contara a Jessica, a irmã sorrira.

— Sou festeira! — exclamou. — Transformo qual­quer reunião em um sucesso. Será ótimo! No Natal passado, fiquei na casa de meus sogros, e foi um tédio. Não vejo á hora de contar a Greg como passei este ano.

— Fico surpresa por saber que se interessa pelo que ele pensa — ironizou Jamie, feliz por ver Jessica corar.

Mas a caçula logo se esqueceu do assunto; estava animada com a perspectiva de ter Ryan para o almoço de Natal.

E então o dia chegou. Escuro, com nuvens pesadas e um clima de inquietação no ar.

Apesar da previsão de neve, parecia que isso não iria acontecer, pelo menos não em Londres.

Jamie ouviu música no andar de baixo, uma seleção escolhida por Jessica. Um Natal de paz parecia estar fora de questão. Às oito e meia da manhã, Jamie fizera uma faxina no banheiro, que andava desarrumado des­de que a irmã chegara.

Nesse momento, fitando seu reflexo no espelho, Jamie se perguntava quanto tempo mais suportaria a presença turbulenta da outra.

Depois pensou na roupa que pretendia usar: um ves­tido preto de mangas longas, que, sem dúvida, parece­ria um trapo perto da minissaia azul-pavão e dos sapa­tos muito altos de Jessica.

Quando o primeiro convidado chegou, Jamie se sen­tiu arrastada para o fundo da cena, enquanto Jessica as­sumia a função de anfitriã e alma da festa.

Cada nervo do corpo de Jamie se concentrava na campainha da porta, mas quando Ryan chegou, ela es­tava na cozinha, preparando os detalhes finais do almo­ço. As bebidas alcoólicas eram fartamente consumidas, e Jessica flertava, dançava e usufruía o fato de ser a dona da festa, apesar de os rapazes convidados serem quietos e inteligentes demais para seu gosto.

O som da voz de Ryan, arrastada e bem-humorada, atingiu Jamie como uma descarga elétrica, fazendo-a se levantar de supetão na frente do forno.

— Bem — disse ele entrando na cozinha e erguendo as tampas das panelas sem cerimônia, — parece que vai ser uma grande festa.

— Você veio — ela murmurou como uma tola.

— Achou que eu não viria?

Desde o dia em que a vira de jeans e camiseta, Ryan se pegava pensando em Jamie constantemente. Como esperara, ela não tornara a mencionar a irmã no traba­lho, o que não significava que o relacionamento dos dois voltara a ser o que era. Não voltara. Alguma coisa se alterara de maneira sutil, embora Ryan tivesse a sen­sação de que só acontecera com ele. Jamie continuava eficiente, distante e polida como sempre.

— Sou cem por cento; confiável — continuou ele, entregando uma sacola de compras. — Champanhe.

Corada, Jamie manteve o olhar sobre ele, deliberadamente evitando fitar as pernas musculosas enfiadas na calça preta e a camisa aberta no colarinho.

— Obrigada — disse ao mesmo tempo em que Ryan mostrava uma caixinha que escondera às costas. — O que é isso?

— Um presente.

— Ainda tenho o frasco de perfume que me deu no ano passado — murmurou Jamie, enxugando as mãos e começando a abrir a caixa.

Sua boca ficou seca. Os presentes que Ryan dava às mulheres variavam de extravagantes buquês de flores a jóias, viagens e tratamentos em spas. Entretanto, esse não se parecia com nada que ela já vira. Tratava-se de um broche antigo com o formato de uma borboleta. Ela o ergueu, mirou contra a luz e voltou a colocá-lo sobre o papel de seda na caixinha.

— Você me trouxe uma borboleta — sussurrou, fitando-o.

— Notei, na outra noite, que você gosta delas e que tem algumas de porcelana sobre a lareira na sala de vi­sitas. Achei que as colecionasse. Encontrei esse broche em uma loja de antigüidades em Spitalfields.

— É lindo, mas não posso aceitar — retrucou Jamie, dando as costas para que ele não visse como estava vermelha.

— Por que não?

— Por que... Por que...

— Porque não coleciona borboletas?

— Coleciono sim, mas...

— Mas é outro de seus segredos que prefere não me contar?

— Não há segredo, mas não é apropriado — expli­cou Jamie, se empertigando.

Imaginou-o procurando nas prateleiras da loja, à cata de algo de que ela gostasse, não gastando muito por isso, porém agradando em cheio. Entretanto, ela não era uma de suas namoradinhas que se deixavam comprar.

— Muito bem, mais creio que já ouviu dizer que de­volver um presente é um insulto. — Ryan sorriu, dando de ombros. — Fui convidado para vir à sua casa no dia de Natal. Trouxe uma lembrança em agradecimento por abrigar uma alma solitária que iria vagar pelas ruas de Londres nesse dia tão importante.

— Ah, por favor! — falou Jamie com a respiração rápida.

Lá fora a música era irritante e alta. Ali na cozinha os dois estavam presos em uma intimidade que a apa­vorava.

Não era isso que queria. Tratou de se lembrar de­pressa do que lhe acontecera com Greg e sua paixonite por ele, até que Jessica surgira no cenário e o roubara em um piscar de olhos.

Entretanto, insistir em devolver o broche seria um exagero. Algo que o alertaria para o fato de que, por algum motivo, o gesto a incomodara.

— Não tenho nada para lhe dar — murmurou Jamie contrafeita.

— Posso suportar o golpe. E você? Por que gosta tanto de borboletas?

— Meu pai entendia muito do assunto — explicou ela, fornecendo mais uma pequena informação so­bre sua vida. — Mamãe nos falava muito sobre ele. Adorava viajar, principalmente para estudar insetos, e o que mais o interessava eram as borboletas. Gostava delas porque existem muito tipos, e suas cores variam muito, assim como o tamanho e a forma. Mamãe dizia que papai as considerava; mais interessantes que a raça humana. — A expressão de Jamie se suavizara, e ela prosseguiu: — Desse modo, comecei a colecionar fi­guras de borboletas quando era menina. Mantenho as mais bonitas na sala, mas tenho uma caixa repleta em meu quarto com tolas borboletas de plástico que adqui­ri quando criança.

De repente, a música penetrou na cozinha com mais intensidade, e Jessica apareceu na porta usan­do um chapéu de cartolina brilhante e de braço dado com um dos rapazes do software, que parecia encan­tado com ela.

— Aproveite a atenção que está recebendo — mur­murou Ryan, sorrindo para seu especialista em softwa­re, — mas lembre-se de que a moça é casada.

O número de convidados na sala crescera para dez. Jessica convidara mais algumas pessoas "para animar". Garrafas de vinho estavam alinhadas sobre o aparador, e as cadeiras e poltronas haviam sido afastadas para criar uma pista de dança.

Entrar na sala era como entrar em uma discoteca, mas com decoração natalina.

No centro de tudo, Jessica mostrava por que tinha a reputação de ser a alma da festa.

Meneando os quadris ao som da música, de olhos fechados, parecia um pavão orgulhoso e conscien­te da própria beleza, que ofuscava até as rainhas da aeróbica, amigas de Jamie, e atraía todos os machos presentes.

Jessica se aproximou de Ryan quando a música se tornou mais lenta.

Jamie refletiu que não poderia esperar outra coisa. Como ele resistiria a uma mulher tão atirada? Sentiu uma dor no coração. Foi conversar com os outros con­vidados e dançou com o colega Robbie, que lhe contou sobre um projeto que estava desenvolvendo, maior e melhor do que tudo que havia no mercado.

Enquanto isso, Ryan dançava com Jessica.

Muitos vizinhos começaram a chegar atraídos pela música e a convite de Jessica. Na maioria, casais jovens e profissionais que Jamie conhecia de vista. Ela perce­beu que poderia fazer amizade com eles facilmente, e isso foi uma bênção para sua alma atribulada. Levou; alguns para a cozinha e ficaram conversando.

Jamie estava; preocupada com a quantidade de comi­da que preparara. Como era de esperar, Jessica deixara essa tarefa para ela, entrando e saindo da cozinha com um copo de vinho na mão e dando palpites inúteis.

— Deixe para lá e encomende comida chinesa — propôs de modo absurdo, em especial porque fora ela a sugerir o peru.

Corada com o calor na cozinha e começando a sentir uma raiva cada vez maior da irmã, Jamie tirava o peru do forno quando a voz de Ryan a suas costas quase a fez derrubar a travessa.

— Precisa de ajuda?

Jamie colocou com cuidado a travessa de alumínio Nobre o balcão e o fitou.

— Está tudo sob controle. Obrigada.

— Saiba que os mártires não são as pessoas mais felizes do mundo? — o comentou com um sorriso.

— Não sou mártir! Estou só preocupada em pre­parar... O almoço. — Ela fez um gesto abrangendo a cozinha, que parecia um campo de guerra. — Então preparo.

— Exatamente... Está sendo uma mártir. Se não qui­sesse fazer tudo... Isso — Ryan imitou seu gesto, — ninguém a obrigaria.

— Faz idéia de como minha irmã reage quando é contrariada? — gritou Jamie com uma ponta de histeria na voz. — Ah, é claro que não sabe, porque você não viveu anos com ela! Porque Jessica só está lhe mos­trando seu lado sorridente e sexy, que deixa os homens sem fôlego.

— Meu fôlego está normal. — Ryan pegou a tigela com as batatas assadas, começando a procurar por tra­vessas. — Por que não vai procurar sua irmã e a arrasta para cá a fim de dar uma ajuda?

Jamie abriu a boca para dizer como a sugestão dele era fútil, porque Jessica jamais fazia algo que não qui­sesse fazer... Porém apenas suspirou.

— Seria uma "missão impossível" — murmurou por fim.

— Nesse caso, eu a ajudarei, queira você ou não.

— Você é meu patrão. Não deveria estar aqui na cozinha.

— Tem razão, sou seu patrão... Portanto, deve me obedecer e fazer o que quero.

Jamie enrubesceu diante da insinuação velada nes­sas palavras, e ficou mortificada quando Ryan come­çou a rir.

— Dentro do razoável, é claro... — Ele arqueou as sobrancelhas com ar divertido. — Porém, segundo Jessica me contou a seu respeito, imagino que não exis­ta nenhum namorado ciumento que vá quebrar minhas pernas caso eu me torne saliente...

Continuava sorrindo. Gargalhando para ela. Jamie tratou de lhe dar as costas e se concentrar no molho, que despejou em uma tigela e nas batatas assadas.

— Jessica não deveria falar sobre minha vida par­ticular! — exclamou, à beira de derramar lágrimas de frustração.

— Ela só me disse que você não tinha namorado — explicou Ryan. — Qual o problema?

— O problema é que não é de sua conta!

— Não faz bem ser tão fechada, sabia? Isso deixa as pessoas cada vez mais curiosas.

— Não existe nada de intrigante em minha vida par­ticular — retrucou Jamie. — Não tem nada de sofisti­cado e aventureiro como a sua.

— Se pensou que minha vida é sofisticada, excitante e aventureira, desaprova essas qualidades... E não ne­gue. Você mesma admitiu. Acha que sou um mulheren­go inveterado e imoral.

— Nunca disse tal coisa! — Jamie encarou seu rosto zombeteiro. — Tudo bem, talvez tenha dado a enten­der. Por que está sendo tão difícil, Ryan Sheppard?

— Que acusação injusta, Jamie Powell! — excla­mou ele, se fingindo de ofendido. — Ninguém gosta de ser criticado por levar uma vida excitante e aven­tureira.

— Jamais o critiquei, está distorcendo minhas palavras.

— Sabe de uma coisa? Você pode não ser tão arroja­da quanto sua irmã, mas mesmo assim... E acredite, sei do que estou falando... Você...

— Pare! Não quero ouvir.

— De algum modo, ao longo dos anos, sua irmã conseguiu destruir sua autoconfiança.

— Tenho muita confiança em mim mesma. Trabalho com você. Deveria saber disso.

— Sim, sem dúvida, quando se trata do trabalho, mas no nível emocional, digamos que começo a ver como você é.

E gosto do que vejo, acrescentou para si mesmo.

Porém Jamie não gostou de ouvir isso. E também não gostava do modo como o discurso dele á fazia se questionar. Será que lhe faltava autoconfiança? Será que Ryan a estava chamando de insegura?

—Você ia me ajudar, pelo menos, deu a entender. Não disse que pretendia ser um psicólogo amador. Por­tanto, se me faz o favor, vá pegar os copos de plástico no armário e pare de me dar conselhos de almanaque — despejou, logo retornando para acrescentar, sem poder se conter. —E não tenho namorado porque não temo ficar sozinha!

De repente, Jamie se viu cara a cara com Ryan ao som da música lá fora uma batida monótona e cons­tante com os cheiros aromáticos da cozinha os en­volvendo de maneira sedutora.

— Boa filosofia — murmurou Ryan, notado a cor em suas faces e os olhos brilhantes; muito diferente da mulher serena e disciplinada com quem estava acostu­mado a trabalhar.

— E se tivesse um homem em minha vida — con­tinuou ela, espantada com a própria ousadia, — por certo, não seria do tipo que quebra as pernas de outras pessoas.

— Porque você sabe tomar conta de si mesma.

— Exatamente!

— E nunca se sentiria atraída por um homem das cavernas.

— Sem dúvida.

— Então qual o tipo que a atrairia?

— Alguém de bom-senso. Atencioso, sensível — murmurou Jamie, percebendo, alarmada, que acabara derrubando suas próprias muralhas e permitindo que a emoção dominasse sua reserva natural.

Mas depois do pesadelo de ver a irmã batendo à sua porta sem ser convidada e o caos de lidar com um almoço de Natal que lhe fora imposto com Jessica se embebedando e comentando á seu respeito com seu pa­trão pelas suas costas, já não conseguia raciocinar com clareza.

— Desculpe — falou com voz tensa, dando as costas de novo e se controlando.

Não tão depressa, Ryan desejou dizer, não quando deixou minha mente vagando com curiosidade. Mas em voz alta, perguntou:

— Desculpas por quê? — Como no escritório, traba­lhavam muito bem juntos na cozinha também, enquanto ele empilhava pratos e copos sujos na pia. — Por ter sentimentos?

— Há um lugar e hora para tudo. — A voz de Jamie voltara a ser contida e profissional. — E minha cozi­nha, no dia de Natal, definitivamente não está certa.

— Como já disse, é importante que um chefe saiba o que se passa na vida da sua secretária.

— Não é não — respondeu Jamie, sabendo que ele a estava provocando e feliz por ver que a ordem fora restaurada.

Ryan imaginou se deveria convidá-la para jantar fora, a fim de suavizar a tensão. Não tinha certeza, só sabia que, aos poucos, ia vencendo suas barreiras.

Fez com que Jamie se voltasse para fitá-lo, segurando-a de leve pelos ombros.

— As pessoas dizem que sou um ótimo ouvinte — murmurou ele de maneira persuasiva, — e me orgulho de descobrir o verdadeiro caráter dos outros.

Jamie abriu a boca para dizer algo educado, mas sarcás­tico, porém não conseguiu emitir nenhum som e piscou diversas vezes enquanto ele a fitava. E refletiu que, sem dúvida, Ryan era pecaminoso e pecaminosamente bonito.

— Não pretendi ser rude ao dizer o que disse, apenas que seu passado a marcou muito.

— Do que está falando? — ela murmurou.

— Algum idiota partiu seu coração, e você não con­seguiu se aprumar depois disso.

Jamie respirou fundo e se afastou dele, rompendo o encanto temporário que a dominara. Encostou-se ao balcão da cozinha com as mãos às costas.

— O que minha irmã lhe contou?

Ryan jogara verde para colher; maduro. Estava curio­so... Compreensivelmente, refletiu. No seu mundo, as mulheres eram um livro aberto. Era excitante ser desa­fiado por alguém diferente. Nesse momento, sentia-se como se tivesse fisgado um peixe grande.

Jamie estava; branca como um lençol enquanto tenta­va se dominar com esforço.

Então quem fora o sujeito que partira seu coração?

— Isso é ridículo! — Com gesto abrupto, ela come­çou a empilhar pratos. Eram todos descartáveis, porque não pretendia ficar na pia até altas horas depois que o último convidado saísse.

— Confie em mim, ele não valia á pena — disse Ryan.

— Não quero falar sobre isso.

— Às vezes, os tipos meigos são os maiores cafajes­tes do mundo.

— Como você sabe? — a retrucou com raiva. — Para sua informação, o sujeito meigo no caso foi á me­lhor pessoa que já conheci.

— Não tão boa se a abandonou. O que houve? Ele era casado? Enganou você dizendo que era livre e desembaraçado? Ou, quem sabe, prometeu deixar a esposa, que não o compreendia? Ou tinha outras mu­lheres escondido? Sob a aparência inocente, levava uma vida dupla... Foi isso? — Ryan respirou fundo. — Vou lhe dar um conselho... Homens que choram assistindo a filmes tristes e insistem em cozinhar para você nem sempre têm moral. Precisa esquecer o pas­sado, Jamie.

— E começar a fazer o quê? — ouviu-se ela dizendo com as mãos crispadas.

— Comece a sair e se divertir.

— Com que propósito eu farei...?

— Acabe o que ia dizer — encorajou Ryan. — Pode falar livremente comigo. Não estamos na empresa ago­ra. Diga o que tem em mente.

— Muito bem, é isso que quero dizer: não importan­do quais sejam os traumas que carrego, eu não come­çaria a sair se corresse o risco de esbarrar em homens como você, Ryan Sheppard!

Ele apertou os lábios. Jamie estava caminhando so­bre gelo fino, porém não fora ele que a incentivara a ser aberta e franca? Não insistira? Por outro lado, não desejara que ela retribuísse com agressividade. Ele es­tava sendo generoso e lhe dando conselhos experientes, alertando-a contra os tipos sorridentes que diziam amá-la... E que em troca...?

— Homens como eu? — murmurou com frieza.

— Desculpe, mas você pediu para que eu fosse ho­nesta.

Ryan se esforçou para sorrir.

— Não iludo as mulheres e parto seus corações — disse com os dentes cerrados.

— Ninguém me iludiu! — Mas ela já falara demais. — Precisamos servir o almoço antes que esfrie.

— Em outras palavras, quer dar essa conversa por encerrada.

Jamie evitou fitá-lo.

— Peço desculpas se disse certas coisas que você pode ter considerado ofensivas — falou com rigidez. — Gostaria de pôr uma pedra nesse assunto e nunca mais mencioná-lo.

— E se eu não concordar com isso?

Jamie o fitou com calma e compostura, mas fazendo muita força para isso.

— Nesse caso, creio que não poderia trabalhar feliz á seu lado. Sou muito discreta e não suportaria se te­messe que você começasse...

A se divertir tentando desvendar minha vida, con­cluiu em pensamento.

— Começasse com o quê?

— Descobrir meus segredos porque considera di­vertido.

Os olhos dela não eram de fato castanhos, refletiu Ryan. Havia faixas verdes e douradas que nunca notara antes. Mas por que teria notado quando ela mantinha os olhos baixos e evitava encará-lo?

Ficou de lado e deu passagem a Jamie. Os dois logo foram assaltados pelo som de vozes e risadas. Enquanto haviam ficado na cozinha, sem dúvida, a sala se tornara um verdadeiro cabaré, com Jessica dançando sobre a mesa e os convidados apreciando o espetáculo.

O almoço foi saudado com gritos de alegria. Os vizinhos tentaram voltar para suas casas, mas foram persuadidos a ficar. Ryan ia observando Jamie com o canto do olho. Ela tentava demonstrar animação, mas seu sorriso era tenso enquanto fitava a animada irmã.

Jessica parecia um dos enfeites cintilantes da árvore de Natal.

Eram quase cinco e meia da tarde quando o almoço terminou, e Jamie começou a tarefa da limpeza.

Estava exausta, mas sabia que seu cansaço nada ti­nha a ver com o almoço de Natal.

Era um cansaço men­tal e muito mais difícil de vencer.

Conversar com Ryan na cozinha por tanto tempo, explodir na sua frente como se fosse uma granada de mão, tudo isso á deixara exausta e sabia por quê.

Pela primeira vez na vida, permitira ser levada pela emoção e baixara á guarda. O resultado fora aterrorizante, e gostaria de voltar atrás se pudesse.

Virando o rosto, olhou para Ryan. Ele ajudara a levar os pratos para a cozinha, junto com os demais convidados, menos Jessica, e agora ria e brincava com os rapazes do escritório. Parecia ter se esqueci­do completamente da conversa íntima, ao passo que ela...

Rindo e balançando o corpo ao som da música, Jessica começou a chamá-lo.

Ryan não parecia nada animado, e Jamie achou me­lhor não interferir. Se Jessica queria fazer papel de tola, que fizesse. Jamie passara a vida livrando-a dos perigos e apoiando-a.  

E, no processo, se esquecera de tomar conta de suas próprias necessidades emocionais! Era irônico pensar que agora resolvera se abrir justamente com seu patrão, a última pessoa na face da terra com quem de­veria fazer isso! Ryan Sheppard era um conquistador e certamente nunca tivera uma conversa profunda e madura com nenhuma de suas garotas de cabeça oca. Entretanto, Jamie fora conversar com ele... Sabendo que iria se arrepender disso para sempre.

Estava para voltar ao santuário de sua cozinha, quan­do, sem querer, relanceou um olhar para a janela.

As cortinas estavam abertas, e ali, descendo do car­ro, o mesmo velho Land Rover que possuía desde que Jamie o conhecera e trabalhara para ele, estava seu cunhado, Greg.

Por um instante, ela não acreditou; nos próprios olhos.

Não via Greg fazia anos. Desaparecera de cena com seu orgulho e sua dignidade intactos, determinada a ocultar seu amor por ele, enquanto Greg se ocupava em cobrir Jessica de atenção e cuidados. Desde então, Jamie tratara de não se aproximar dele, com medo de demonstrar suas emoções, porque preferiria morrer a revelar seu segredo.

Os anos não o haviam mudado. Continuava o mes­mo. O cabelo loiro ainda caía sobre seus olhos e ca­minhava da maneira engraçada que no passado Jessica achara adorável.

Tudo isso Jamie notou mesmo sob a luz fraca da rua.

Virou o rosto a tempo de ver Jessica colocando as mãos nos ombros de Ryan.

Em uma fração de segundo, Jamie pensou em duas coisas: Greg olharia pela janela, e Jessica daria um bei­jo na boca de Ryan.

Apavorada, Jamie correu pela sala, agindo por puro instinto, na tentativa de evitar que a irmã caçula perdes­se a única oportunidade de ser verdadeiramente feliz. Porque Greg era o melhor homem que Jessica poderia ter encontrado.

Agarrando Ryan pelo braço, ô fez girar de supetão, vendo a surpresa em seu rosto misturada ao alívio por se livrar de Jessica. Então Jamie passou os braços pelo seu pescoço, sentindo os músculos rijos.

— Que...?

— Visco! — ela exclamou com ar alegre e fingida animação, se referindo à tradição de Natal. — Estamos debaixo da decoração de visco. Então vamos seguir o costume.

Ryan olhou para cima e viu os ramos pendurados no teto. Riu e segurou Jamie pela cintura.

Esse dia de Natal estava sendo cheio de surpresas. Não se lembrava de ter se divertido tanto em toda sua vida.

Não sabia o que provocara essa mudança no proce­dimento de Jamie, mas estava gostando. Gostava prin­cipalmente de sentir seu corpo macio de encontro ao peito. Os seios firmes, seu perfume floral, admirar sua boca polpuda e seus olhos fechados. Era a cena mais sedutora que já vira.

E quem era ele para resistir? Puxou-a para si e a beijou longamente, de início, com suavidade e depois aprofundando o beijo, perdendo-se na carícia, sem se importar com a platéia.

Retornou ao momento presente quando ela se afas­tou. Relutante, Ryan seguiu seu olhar assim como to­dos na sala e viu o homem loiro na soleira da porta com uma sacola de viagem em uma das mãos e um ramo de flores meio murchas na outra.

 

Ryan consultou o relógio de pulso e fez uma careta. A empresa estava quase deserta, apenas com um punha­do de funcionários que apreciavam mais ficar em seus computadores, criando programas e testando jogos, do que em suas próprias casas.

Mas não era essa a questão.

A questão era que passava das 10hl5, e Jamie de­veria ter chegado uma hora e 15 minutos atrás. O dia de Natal já passara, e ela não programara férias para depois disso.

Ryan retirou os pés da mesa, produzindo uma chuva de papéis com esse gesto, e foi se postar junto à janela que ia do chão ao teto, a fim de observar as ruas de Londres, cinzentas, sombrias, que nesta manhã, esta­vam fantasmagoricamente quietas nesta parte da cida­de, com transeuntes mal-humorados.

Ryan ainda sentia os efeitos do dia de Natal, por mais que isso o aborrecesse. Tentara satisfazer uma simples curiosidade e acabara entrando em um ringue de boxe... A começar pela conversinha na cozinha com Jamie, seguida pelo beijo que lhe dera e culminando com a chegada do homem loiro à porta.

Fora uma comédia em três atos, exceto que Ryan não tinha vontade de rir.

Ainda podia sentir o calor dos lábios dela.

Essa lembrança o acompanhara a noite toda, tornan­do-o um convidado antipático no jantar oferecido pelos pais de seu afilhado, uma festa que se tornara tradição ao longo dos anos e que ele sempre apreciara.

Voltando a fitar o relógio, começou a pensar se Jamie desistira do emprego de uma vez por todas.

Uma semana atrás, tal gesto de insubordinação seria inimaginável, porém no espaço de poucas horas, todas as idéias preconcebidas a respeito de sua quieta, efi­ciente, escrupulosa e reservada secretária haviam se tornado poeira.

Estava debatendo a idéia de telefonar para Jamie quando a porta se abriu e ali estava ela, desabotoando o paletó severo e retirando a echarpe do pescoço.

— Seu atraso está se tornando um hábito — resmun­gou Ryan, voltando para a escrivaninha e tornando a se sentar com os pés em cima do tampo, as longas pernas esticadas. — E não me venha com histórias sobre a len­tidão do metrô.

— Tudo bem — ela murmurou.

As coisas haviam mudado para sempre. Em pouco mais de 24 horas, Jamie se resignara a isso e concluíra que o único modo que a faria continuar a trabalhar para Ryan seria se deixasse para trás e esquecesse a conver­sa particular que tivera com ele. Precisava trancar as recordações para que não afetassem sua vida profissio­nal. E o beijo...

O horror desse momento e o fato de ainda pertur­bá-la eram algo que também devia ser trancado.

Mesmo assim, Jamie não conseguia erguer os olhos para fitar Ryan, enquanto colocava o paletó, a echarpe e as luvas a um canto e ligava o laptop em meio ao si­lêncio constrangedor.

— Olhe, lamento ter me atrasado — acabou por dizer quando pareceu que o silêncio iria se prolongar eternamente. — Não vai se tornar um hábito; e você sabe que não me importo em trabalhar até mais tarde para recuperar o tempo perdido.

— Tenho de confiar na pontualidade de meus fun­cionários... Apesar de você gostar de fazer hora extra.

— Bem, pensei que fosse entender, já que metade do país ainda está de férias. — Jamie não pôde evitar a agressividade na voz, mas o último dia e meio fora tenso demais e parecia que esse clima continuava.

Greg aparecera na porta de sua casa, colocando um fim rápido aos festejos do dia de Natal. Quem estaria disposto a ouvir os dramas de Jessica, visto que sua irmã não tinha medo de exibir seus problemas para todo o mundo? Aparentemente ninguém. Algumas pessoas tentaram arrumar a sala, mas no espaço de 45 minutos, todos haviam ido embora... Inclusive Ryan, apesar de, no seu caso, Jamie precisar empurrá-lo para fora.

Excessivamente curioso, ele gostaria muito de ter ficado.

E desde então, a casa de Jamie, o símbolo de sua paz de espírito, se tornara uma arena de luta.

Para seu desgosto, agora Jamie conhecia bem a situ­ação do casamento de sua irmã.

Sem ter outro lugar onde ficar e determinado a es­clarecer as coisas, Greg se instalara na sala de estar, para aborrecimento de Jessica. A situação era caótica e, apesar de Jamie pôr panos quentes e aconselhar que fosse melhor que os dois discutissem sua situação matrimonial em sua própria casa, parecia não haver uma luz no fim do túnel.

Jessica insistira que precisava do próprio espaço, e Greg demonstrara uma persistência silenciosa, mos­trando que não desistiria só porque a esposa estava passando por uma fase difícil.

E no momento presente, Ryan se sentava com uma expressão taciturna na frente de Jamie, que não tinha certeza se agüentaria muito mais tempo.

— Será que podemos começar a trabalhar? — pediu com voz de súplica. — Precisa examinar alguns contra­tos, e Bob Dill por fim terminou o pacote de software que estava desenvolvendo.

Ryan percebeu que estivera esperando pela chegada dela para ver como as coisas iriam se desenrolar. Agora via que Jamie desejava pôr uma pedra no episódio do dia de Natal, fingindo que nada acontecera.

Segurou o queixo com a mão e a fitou, pensativo.

— Sim — concordou, inclinando a cabeça para um lado. — Sem dúvida, poderemos examinar os contratos, mas isso não é imperativo. Como você mesma dis­se, metade do país ainda festeja o Natal.

Foi interessante ver como Jamie enrubescia diante da menção ao Natal.

— O que me faz lembrar a comemoração em sua casa.

— Preferia não falar a esse respeito — replicou Jamie bem depressa.

— Por que não?

— Por que...

— Acha constrangedor?

— Por que... — Aborrecida, Jamie o fitou e logo lembrou o beijo.

Nunca beijara Greg quando estivera apaixonada por ele. Só sonhara com ele e com a intimidade física que emergia quando suas mãos se encostavam por acidente ou quando ele a beijara fraternalmente na face.

Entretanto, não conseguia parar de pensar em Ryan. Será que tinha uma inclinação neurótica para se envol­ver emocionalmente com seus patrões? Não! Jamie se recusava a pensar em tal coisa.

— Porque temos uma relação de trabalho perfeita e não quero que minha vida particular comece a arruinar isso.

— Que pena. Já arruinou.

De repente, Ryan se inclinou para frente, e ela re­cuou na cadeira.

— E... — prosseguiu ele sem piedade. —... Isso já está afetando sua vida profissional. O sujeito apareceu na sua porta...

— Greg — explicou Jamie com relutância. — O ma­rido de Jessica.

— Certo Greg. Está hospedado em sua casa, certo?

Jamie corou de novo e aquiesceu com um gesto de cabeça, tratando de fixar os olhos na tela do computador.

— E não faz objeção em tornar sua casa um centro de orientação matrimonial?

— Claro que faço! É um pesadelo.

— Mas os dois continuam sob seu teto — insistiu ele.

— Não vejo por que discutirmos isso.

— A questão é que isso afeta sua vida, e não dá para separar o estresse particular da atividade profissional. Você está com uma aparência destruída e exausta.

— Muito obrigada — resmungou Jamie com azedume.

— Sendo assim, o que pretende fazer a respeito?

Ela suspirou com resignação e lançou para Ryan um olhar mortal. A tenacidade e curiosidade dele eram ab­surdas. Ryan sabia abordar um assunto por diferentes ângulos com grande habilidade. Enquanto outra pessoa do mundo dos negócios podia olhar, por exemplo, para uma empresa falida e se afastar, ele olhava com aten­ção, esmiuçava a situação, até que descobria o modo de reerguê-la. Porém Jamie não tinha a intenção de se tornar um projeto em suas mãos.

Entretanto precisava admitir que ele tivesse razão ao dizer que sua vida particular estava interligada à profis­sional. Chegara atrasada por não ouvir o despertador, e isso porque Greg e Jessica haviam discutido ferozmen­te até altas horas.

O som abafado de suas vozes subira pelas escadas e chegara até seu quarto bem no momento em que Jamie começara a adormecer.

Nunca fora uma pessoa de fazer confidencia ou fa­lar sobre seus problemas, mas de repente, sentiu uma grande necessidade justamente disso.

— O que posso fazer? — murmurou, brincando com a caneta.

— Eu tenho uma solução imediata a lhe oferecer: mande os dois embora da sua casa.

— Isso não é uma opção. Não vou dar um pontapé em minha irmã quando ela me procurou pedindo aju­da. Acredite, conheço todos os defeitos de Jessica. Ela pode ser infantil, malcomportada e irresponsável, mas nas crises, precisa saber que pode contar comigo.

— Ela é adulta e uma mulher casada. É plenamente capaz de se ajudar sozinha.

Mas enquanto falava, Ryan sabia que estava dan­do murro em ponta de faca. Passeou o olhar pelo cor­po de Jamie e se deteve na boca polpuda. Sem querer, percebeu que estava excitado e desviou o olhar. Céus. Parecia que seu corpo, de repente, adquirira vontade própria e que seu controle desaparecera.

— Você conheceu minha irmã — prosseguiu Jamie, sorrindo e desanuviando o ambiente, embora Ryan continuasse sério. — Não pode acreditar que ela saiba tomar conta de si mesma.

— Só porque você assumiu a responsabilidade por ela em tenra idade não significa que esteja condenada a manter essa situação até o dia de sua morte, Jamie.

Minha mãe me fez prometer que sempre ajudaria Jessica. Não... Compreende Ryan? Estou de mãos ata­das e também não posso desamparar Greg.

Ryan notou como Jamie ficava de perfil, oferecendo a visão encantadora de seu rosto.

Voltou a pensar no beijo, o modo como aceitara que ele a puxasse para si, moldando o corpo pequeno ao seu, oferecendo seus lábios. E então surgira Greg à por­ta, como uma aparição sobrenatural.

As engrenagens do cérebro de Ryan começaram a funcionar ferozmente.

— Por que não pode desampará-lo? — perguntou de modo casual.

Ela evitou olhá-lo, e Ryan rumou para a cafeteira elétrica que mantinha no escritório, junto com várias outras utilidades domésticas, para quando trabalhava até altas horas da noite. Entregou uma xícara de café para Jamie, que aceitou de maneira distraída.

— É difícil para ele — ela murmurou por fim.

Ryan puxou a cadeira para seu lado, e seus joelhos quase se tocaram.

— Explique — pediu.

— Ele dá o máximo de si para minha irmã. Jessica não é uma pessoa fácil. Greg é muito calmo e gentil, e ela se aproveita.

— Calmo e gentil — repetiu Ryan pensativo.

— Greg é veterinário.

— Você trabalhou para ele, não é?

Jamie deu de ombros e respondeu na defensiva:

— Sim, séculos atrás. A questão é que ele gosta de conversar comigo, e creio que isso o ajuda.

— Gosta de falar com você porque você é uma con­selheira matrimonial treinada?

Ryan percebeu que antipatizava muito com Greg. Conhecia tipos como ele... Bondosos, atenciosos, cal­mos e gentis que pouco se importavam em tirar vanta­gem de uma pobre tola maternal.

— Não, Ryan, eu não sou uma conselheira matrimo­nial treinada. Mas sei ouvir com atenção e procuro ser construtiva.

— Mesmo assim, não disse ao casal, construtiva­mente, para dar no pé porque está infernizando sua existência. Creio que sua mãe não gostaria de pensar que está sacrificando sua qualidade de vida pelo bem de sua irmã.

— Nem todos nós somos egoístas!

— Diria que sou prático e não egoísta. Por que largou?

— Como disse? — perguntou Jamie, confusa.

— Por que largou seu emprego com o gentil vete­rinário?

— Ah... C

Jamie sentiu que ficava vermelha como um camarão enquanto procurava uma reposta adequada.

— Foi por causa do clima? — ajudou Ryan, enquan­to tirava suas próprias conclusões. — Queria deixar a Escócia?

— Bem... Creio que o clima teve algo a ver com mi­nha decisão, e também... Jessica já tinha idade para fi­car sozinha, então pensei que era hora de tentar novas pastagens, por assim dizer...

— Com sua irmã se casando com o atencioso ve­terinário.

— Sim. Seria alguém para tomar conta dela.

— Mas acho que você forjou um relacionamento de forte empatia com nosso cavaleiro de armadura relu­zente, que tirou a responsabilidade de Jessica de seus ombros.

Os olhos de Ryan especulavam de maneira expres­siva. Jamie também tinha um rosto extremamente expressivo, que ô fez pensar em como pudera deixar de notá-lo, mas, afinal, esse território era novo para os dois.

— Pode parar de ser irônico a respeito de Greg?

Ryan se calou. Não precisava perguntar os motivos de Jamie para deixar o emprego.

Já sabia. Será que amara muito o tal Greg? Claro que sim. Estava escrito em seu rosto.

E esse, é claro, fora o principal motivo para ela deixar a cena do crime, por assim dizer. Será que Jamie e Greg haviam dormido juntos?

Não era um pensamento que Ryan desejava ter. Tam­bém evitava pensar em outra coisa.

Agora o beijo que Jamie lhe dera nada tinha de elo­gioso para ele. Não acontecera porque ela estava um pouco bêbeda e se deixara levar pela atração física. Ele fora apenas um instrumento.

A verdade era que Jamie vira Greg e Greg á vira e ela sucumbira ao velho sentimento feminino de provo­car ciúme em um homem.

Será que quisera mostrar ao Senhor Veterinário o que per­dera não ficando com ela?

A amargura de ter sido usado alcançou a garganta de Ryan, quase o sufocando. Era uma sensação que nunca experimentara antes. Muito bem, Jamie queria enterrar esse assunto. Ele lhe daria a pá para fazer o serviço mais depressa.

— Greg não tem mais ninguém com quem conversar — dizia ela nesse instante. — É filho único, e não creio que seus pais tenham aprovado seu casamento. Pelo menos, foi o que Jessica me contou. Portanto ele não pode procurar os pais para pedir conselhos, e eu sou a melhor opção, já que conheço minha irmã muito bem.

— E que pérolas de sabedoria você atirou para Greg? Ryan não conseguiu impedir o sarcasmo, mas Jamie não pareceu reparar. Estava envolvida demais nos pró­prios pensamentos a respeito de seu antigo amor.

Jamie podia se queixar pela invasão em sua casa, mas no fundo estava adorando cada segundo, concluiu Ryan.

— Disse a Greg que deve ser perseverante. — Ela sorriu secamente. — Preciso aconselhá-lo assim. Afi­nal, quem mais tiraria Jessica de minhas mãos?

— Sim, quem? — murmurou Ryan. — Então não há previsão de que saiam de sua casa?

— Não no momento. A não ser que mude a fechadu­ra da porta. — Fazer graça com a situação era o único jeito que Jamie tinha para lidar com esse pesadelo, mas o sorriso continuou forçado. — Tudo voltará aos eixos quando as festas de fim de ano terminar. Quero di­zer, Greg terá de retornar ao trabalho, senão os animais sentirão sua falta!

Ryan se levantou e começou a caminhar pelo escritório.

Em geral, era sempre bem-humorado e liberal, po­rém estava muito ofendido com a irritante sensação de que fora usado para deixar outro homem com ciúme. E também bastante irritado por pensar que Jamie dormira com o veterinário. Naturalmente, cada um vivia como queria, porém, mesmo assim...

Será que se enganara tanto a respeito dela?

Limpou a garganta e perguntou:

— E se as coisas não mudarem depois das festas?

— Prefiro ser otimista — respondeu ela com deter­minação.

— Talvez os dois precisem ficar sozinhos — mur­murou Ryan com voz pausada.

— Acha que não sugeri isso? — replicou Jamie com aspereza. — Jessica bateu pé. Não quer voltar para a Escócia, e Greg não quer partir sem ela.

— Homem sábio — murmurou Ryan com ironia. — Jessica é uma bomba-relógio.

— Não sei como essa conversa pode nos ajudar — cortou Jamie de repente. — É muito gentil por tentar me aconselhar e conversar comigo, mas...

— Por outro lado, talvez precisem de tempo sozi­nhos longe da Escócia — continuou ele como se não a tivesse ouvido. — Estar perto de casa pode ser ineficaz.

Ryan não entedia nada de psicologia, mas queria ex­ternar sua opinião.

Começava a formar um plano de ação e estava gos­tando. Seria um plano que beneficiaria todos, inclusive ele mesmo. Sentou na quina da mesa e fitou Jamie.

— Ineficaz? — repetiu ela. — O que mais eles po­dem fazer? Não creio que Greg tenha dinheiro suficien­te para se mudar com Jessica para um hotel indefinida­mente. E isso só pioraria as coisas se os dois ficassem fechados em um quarto 24 horas por dia. Por fim, haveria um duplo homicídio.

Ryan nada disse e esperou que ela amadurecesse a idéia de hospedar para sempre o casal na própria casa.

— Que terrível perspectiva para você — disse por fim.

— Sim, e hoje perdi a hora porque não ouvi o des­pertador tocar. Passei a noite em claro ouvindo os dois brigando — repetiu Jamie.

— Vou para o Caribe depois de amanhã ficar com minha família — anunciou Ryan de supetão. — Mo­déstia à parte, a casa nas Bahamas é deslumbrante.

Jamie aquiesceu com um gesto de cabeça.

— Sim, eu sei. Fiz as reservas das passagens e vi as fotos na última vez em que você foi para lá, lembra?

Desviou o assunto e começou a falar do trabalho. Ryan franziu a testa e olhou para o teto. De repente, falou:

— É só uma idéia, mas creio que você deveria me acompanhar nessa viagem, Jamie.

Ela não teve certeza de ter ouvido bem.

— Jamie! — chamou Ryan, estalando os dedos como um hipnotizador para fazê-la voltar ao momento presente.

— Acompanhá-lo? — repetiu ela confusa.

— E por que não? Vai ser uma tortura para você continuar em sua casa enquanto o casal brigão estiver por lá.

Ele se levantou e começou a caminhar de novo pela sala e depois foi até a máquina de café.

— Também... — continuou. —... Sua irmã e o ma­rido poderão se beneficiar com sua ausência, pois às vezes, a última coisa que as pessoas precisam é de uma benfeitora tentando arrumar a situação.

— Não sou uma benfeitora! — negou Jamie, e Ryan deu de ombros.

— Muito bem, então talvez o veterinário fique me­lhor sozinho, lutando sua própria guerra sem precisar da ex-assistente compreensiva para ajudá-lo.

Jamie refletiu que era um comentário insultuoso, mas Ryan prosseguiu:

— E se eles querem continuar lavando roupa suja fora de casa e não pode ir para um hotel, seu lar, Jamie, servirá... Sem você lá dentro. Estará fazendo um favor para o casal e para si; mesma. Chega de noites insones. Chega de bancar a intermediária no meio da zona de guerra. Talvez quando voltar, eles já tenham resolvido suas diferenças, e tudo volte ao normal.

A promessa de normalidade fez os olhos de Jamie brilhar. Ela já se esquecera de como era viver em paz.

— Não posso ser uma intrusa nas férias de sua fa­mília — recusou com polidez. — Mas poderia ser uma boa idéia eu não estar perto de Jessica e Greg. Quem sabe... E sei que é de última hora... Poderia tirar umas férias de alguns dias por conta própria?

— Fora de questão — respondeu Ryan tomando um gole de café.

— Mas se posso deixar o trabalho para ir ao Caribe, posso partir para outro lugar, não?

Pouco importava se iria para um lugar quente ou frio. Até o Oriente Médio parecia animador.

— Poderia ir para o Caribe comigo, porque eu usa­ria seus serviços. Como sabe, estou unindo minhas férias à viagem de negócios para a Flórida, onde fa­rei várias apresentações. Trate de encarar como férias misturadas a trabalho. Afinal, já viajamos juntos a serviço antes.

Era um ótimo motivo para levá-la... Trabalho. Claro que o próprio Ryan admitira que não fosse exatamente á única razão para isso. Honestamente pensava que a presença de Jamie na própria casa atrapalhava a recon­ciliação do casal. Por que não combinar sua companhia agradável com o trabalho? Fazia sentido.

Constrangido, ele percebeu que havia um terceiro motivo. Sua mãe e suas irmãs estavam sempre preo­cupadas com ele. As irmãs tinham o hábito irritante de ficar à sua volta, tentando impor suas opiniões, e a mãe se especializara em criticar quem trabalhava demais.

Jamie ajudaria a desanuviar o ambiente. E haveria menos chance de a família pressioná-lo se ela estivesse por perto. Poderia trabalhar em paz porque suas ir­mãs teriam de ser polidas por causa de Jamie e não o amolariam.

— Não será a mesma coisa.

— Hum? — murmurou Ryan, que estivera imerso, nos próprios pensamentos. — O que não será a mesma coisa?

— Você vai ficar com sua família — disse Jamie com paciência. — Terá atividades de família — acres­centou, sem saber muito bem o que isso significava, pois, para ela, a vida familiar há muito tempo se resu­mia a brigas.

— Ah, todos já terão dito tudo o que queriam no al­moço de Natal. Devem estar loucos para ver um ros­to novo, e minha mãe irá agradecer-lhe sem parar por isso. Quando minhas irmãs se reúnem, viram crianças de novo, riem sem parar, trocam de roupas entre si e passam horas maquiando umas às outras, enquanto seus maridos tomam conta dos filhos. Minha mãe diz que é impossível falar a sério com elas quando estão juntas. Irão adorar você.

— Porque sou séria e maçante?

— Séria? Maçante? — Os olhos escuros dele á ana­lisaram por um longo tempo, fazendo Jamie corar e desviar o rosto. — De jeito nenhum. Na verdade, agora que tenho estado mais em sua companhia...

— Quem irá me substituir durante minha ausência? — a interrompeu, apressada, para o caso de Ryan de­cidir recordar o que acontecera entre os dois no dia de Natal.

Ryan afastou sua preocupação com um gesto displi­cente e um sorriso gentil.

— Ainda não concordei com nada — informou Jamie. — Se acha mesmo que poderei ajudá-lo no tra­balho com as apresentações...

— Claro que sim. Sua presença será vital. Sabe que não consigo fazer nada sem você.

— Não quero que pense que preciso de ajuda com meu problema doméstico — enfatizou Jamie. — Posso estar vivendo um momento difícil, mas darei um jeito.

— Não duvido disso nem por um segundo — con­cordou Ryan sem perda de tempo. — Mas irá me fazer um favor.

— Será que sua família não vai estranhar o fato de levar uma completa estranha para sua casa?

— Nada surpreende minha família, acredite. Não tem como recusar meu convite, Jamie, a não ser que odeie perder o cargo de conselheira do veterinário.

— O nome dele é Greg — lembrou Jamie, amuada. Mas era estranho como não se emocionara ao revê-lo. Sempre imaginara que ficaria arrasada quando o visse de novo, entretanto isso não acontecera. O en­canto que Greg exercera sobre ela desaparecera com o tempo. No momento, apenas sentia pena dele.

Observando-a, Ryan se aborreceu ao ver que Jamie estava; distraída e não ouvia o que ele dizia.

— Então? — pressionou. — Considera-se uma con­selheira não remunerada muito importante que não pode perder alguns dias longe dele? Ficaremos fora apenas alguns dias. Minhas irmãs, seus maridos e filhos partirão logo após os feriados. Ficaremos mais três dias até o início de minhas palestras. Você poderá voltar a Londres quando eu for para a Flórida. Acha que o veterinário não sobreviverá à crise conjugai sem sua ajuda?

— Claro que sobreviverá!

— Então por que hesita?

— Já disse que não quero ser uma intrusa.

— E eu disse a você que não será.

— Também não acho que sou indispensável para Greg — continuou ela. — Porém, como já disse, sou a única pessoa com quem ele se sente à vontade para discutir sua vida particular. — No passado, poderia ter ficado lisonjeada com isso, entretanto, no momento, só estava impaciente. — Mas você tem razão. É meu che­fe, e se precisa de meus serviços, irei de boa vontade. Levo meu trabalho muito a sério, você sabe.

— Sim, mas não sou um feitor de escravos, Jamie. Não ficarei ameaçando-a com um chicote para fazer valer o dinheiro que lhe pago. Iremos trabalhar, é claro, mas você terá tempo para descansar. Valerá a pena para que volte descansada no início de janeiro.

Jamie tinha certeza de que Ryan fazia tudo isso em benefício próprio. Ela andava distraída e pouco eficiente, e ele desejava a antiga secretária dinâmi­ca de volta. Por isso, ela recebia um salário tão alto. Ryan podia muito bem preparar suas apresentações sem ela, mas achara uma desculpa no relacionamento estremecido de Jessica e Greg, e decidira tirar partido disso.

— Providenciarei minha passagem, está bem? — disse por fim.

— Primeira classe comigo. E escolha quem quiser para substituí-la pelo tempo que estiver fora. É uma época tranqüila. Não haverá nada difícil para sua subs­tituta fazer.

— Quer que leia alguns papéis antes de irmos? Não desejo estar despreparada.

Ryan franziu a testa, mas não conseguiu decifrar a expressão de Jamie.

Entretanto, agora já sabia que, por baixo da máscara serena e eficiente, Jamie era feita de fogo.

— Não. Mas é bom acrescentar alguns maios em sua bagagem. Insisto que se divirta, e temos uma linda pis­cina na casa. — Sorriu. — Não faça essa cara espan­tada. Quando as férias terminarem, irá me agradecer.

 

Até o momento, ela agradecera a Ryan em, pelo me­nos, quatro ocasiões diferentes.

Por lhe dar a oportu­nidade de usufruir de "um lugar tão maravilhoso", por permitir que relaxasse em "um ambiente tão surpreen­dente", que era "um prazer proibido". Ela agradecera a ele no dia anterior, quando Ryan a fizera explorar com suas irmãs a cidadezinha próxima. Jamie dissera obrigado quando Ryan insistira que não havia necessidade de acordar muito cedo com o laptop debaixo do braço só porque ele não precisava de muitas horas de sono e gostava de trabalhar quando o sol nascia.

Tantos agradecimentos polidos começavam a dar nos nervos dele. Esperara descobrir mais sobre á in­trigante e nova Jamie que começara a desvendar por trás da máscara de polidez e eficiência, mas até agora nada. Embora, era justo dizer, Jamie estivesse, de fato, protegendo-o das conversas com suas irmãs e sua mãe, apesar de sempre haver uma delas por perto.

Haviam transformado um dos quartos no térreo em escritório, porém a beleza dos jardins que se descor­tinavam pelas janelas e o aroma das flores os fizeram migrar para um dos cantos sombreados da varanda que circundava a casa. E isso fazia com que ficassem sujeitos às interrupções, às vezes, por parte dos quatro sobrinhos de Ryan, que usavam a área para brincar. Às vezes, era uma das irmãs que atrapalhava ou, e Ryan precisava se armar de paciência, as três juntas. E outras vezes, era sua mãe, que aparecia com uma bandeja de refrescos gelados para começar a conversar com Jamie, com quem parecia simpatizar muito. Isso se devia em parte por Jamie ser uma excelente ouvinte e, em parte, à mãe de Ryan possuir uma natureza muito sociável.

Porém, quando os dois ficavam sozinhos, Jamie não se deixava distrair de suas obrigações, que considera­va o principal propósito para suas inesperadas férias de inverno.

Sempre que ficavam a sós, sua conversa se focalizava inteiramente no trabalho e na elaboração de gráficos, nos quais Ryan não tinha interesse e que pro­vavelmente não utilizaria.

E no instante em que ele tentava levar a conversa para assuntos mais agradáveis e pessoais, ela sorria, chamava sua atenção e o fazia voltar para o trabalho.

Nesse momento, haviam terminado de jantar. Duas das irmãs aprontavam os filhos de 03 a 06 anos para dor­mir. Os maridos, Tom e Patrick, também estavam en­volvidos nessa tarefa.

As irmãs de Ryan eram mandonas. Susie, mais velha que ele dois anos e grávida de sete meses, já partira de volta para a Inglaterra com o marido. A casa esta­va ficando mais quieta. E ficaria ainda mais dentro de um dia, quando as outras duas irmãs voltassem também para seus lares.

Indo ao jardim depois do jantar e se perdendo, nos próprios pensamentos, Ryan só notou a presença de Jamie por perto quando ouviu o murmúrio de sua voz.

Pensara que ela ficara dentro de casa, tomando café.

É claro que deveria anunciar sua presença fazendo algum ruído óbvio... Tossindo ou assobiando, talvez.

Porém tratou de produzir o menor barulho possível.

É claro também que, se ela olhasse em volta com atenção, o veria, embora estivesse escuro e essa par­te do jardim estivesse coberta de folhagens densas que conduziam à piscina infinita na casa sobre o penhasco.

A brisa marinha era quente, fazendo dançar as pal­meiras. Á distância, o mar rumorejava.

E no último degrau da escadinha de pedra, ele a viu, sentada junto à piscina, no escuro, falando baixo ao celular.

Se quiser telefonar, podia ter usado o telefone fixo da casa; Ryan lhe dissera isso logo no início. Mas ela preferira se esgueirar para a piscina, a fim de... O quê! Ter uma conversa secreta? E com quem? Com o vete­rinário, é lógico.

Ryan apertou os lábios e saiu correndo, aparecendo na frente de Jamie de repente, de modo que ela soltou um gritinho e deixou cair o celular.

— Ah, Deus! Assustei você? — Ele se inclinou para pegar o aparelho, que se espatifara no chão.

Jamie tentou se levantar agarrou o celular quebrado de sua mão, colocou-o junto ao ouvido, sacudiu e de­pois deu de ombros.

— Que pena... Quebrou — murmurou ele.

— O que faz aqui, Ryan?

Nos último três dias, Jamie sempre dera um jeito para não ficar a sós com ele. Longe do ninho seguro que era o escritório em Londres, sentia-se vulnerável e ameaçada nessa ilha paradisíaca. Via Ryan demais para seu gosto. De short descalço peito à mostra, se bron­zeando aos poucos. Era demais vê-lo preguiçosamente em volta, provocando as irmãs, deixando que elas lhe dessem ordens para depois erguer os olhos com resig­nação, o que sempre fazia uma delas lhe dar um beijo estalado no rosto. Era demais vê-lo brincar como outra criança com os sobrinhos, que, sem dúvida, o adora­vam. Era demais vê-lo como homem, e não como che­fe. Isso a enervava.

— O que você está fazendo aqui? — o retrucou, sentando-se em uma das cadeiras junto à piscina e apontando a outra para que Jamie fizesse o mesmo. — Se queria telefonar, sabe muito bem que poderia usar a linha fixa. Já lhe disse isso.

— Sim, bem...

Ela mal conseguia distinguir suas feições imersas nas sombras, e só percebia o short caqui e a velha ca­miseta. Quem o visse nesse momento jamais diria que era um executivo multimilionário.

— Telefonema particular, certo? — disse Ryan sem se deixar intimidar pela fala hesitante dela. — Como estão lá em sua casa? Ainda vivos e esperneando ou sua irmã tirou o veterinário do sofrimento? Creio que se tivessem feito as pazes e voltado para a Escócia você já teria me dito.

A escuridão que os abraçava fornecia um ar de intimi­dade que Jamie achava constrangedor. Seu coração batia de maneira desordenada, e sua boca estava muito seca.

Gostaria que fosse dia e que as irmãs dele, Claire, Hannah e Susie, estivessem por perto, enquanto ela mesma se es­condia atrás de um gráfico.

— Nada foi resolvido ainda — admitiu-a com um resmungo.

Sentia-se muito exposta usando um short e uma bata curta de listras, mas fora a primeira coisa que vira de­pois de tomar banho antes do jantar. Não esperara es­barrar em Ryan vagando pelas sombras.

— Ah, Deus! — murmurou Ryan com simpatia. — Era o veterinário ao telefone?

— Quer, por favor, parar de chamá-lo de veteriná­rio? O nome é Greg.

— Desculpe, mas pensei que essa fosse á profissão do sujeito: cuidar de animais feridos e doentes que uivam quando ele está ausente.

Jamie o fitou, mas Ryan era a imagem da inocência. A brisa leve despenteava seu cabelo, e ele parecia muito à vontade, um homem na própria casa.

— Sim, era Greg, já que quer saber.

— Dando um telefonema secreto escondido da es­posa? Hum...

— Não era um telefonema secreto!

— Então o que era? Obviamente não uma ligação que a deixasse confortável para falar na frente de todo mundo.

— Você é impossível!

— O que o veterinário tinha a lhe contar?

Jamie rangeu os dentes. Ryan tinha uma natureza provocadora, e sabia que ele não desejava irritá-la de propósito; não era nada pessoal. Entretanto haviam se afastado tanto dos limites criados pelo relacionamen­to patrão-funcionária que já não estavam distinguindo muito bem as fronteiras. Jamie conhecera a família dele, via-o à vontade em seu território doméstico. Por sua vez, ela lhe confidenciara coisas que jamais sonhara em con­tar. Mas Ryan estava acostumado a derrubar barreiras e entrar na mente dos outros; fazia parte de seu sucesso. E se ela achava impossível lidar com isso, azar o seu. Tentar escapar da curiosidade dele agora seria estranho. Então por que não contar de uma vez o que estava acon­tecendo entre Greg e Jessica? Ryan estava familiarizado com o problema, graças a uma série de circunstâncias que, para desgosto de Jamie, haviam ocorrido.

 

Respirou fundo e falou:

— Jessica me contou que desejava mais espaço por­que se sentia entediada e isolada onde moram. A cidade dista, no mínimo, quarenta minutos de Edimburgo, e minha irmã sempre gostou de agitação.

— Nesse caso, foi um casamento malfeito.

— O que quer dizer com isso?

— Que o veterinário não me pareceu o tipo de ho­mem que gosta de uma vida social agitada. Não o vejo como a alma de nenhuma festa. Jessica deveria ter per­cebido isso antes de casar.

— Você o conheceu por cinco minutos! Não sabe nada a seu respeito.

— Ah, sim, esqueci que vocês dois tiveram um rela­cionamento especial — ironizou Ryan.

— Não tivemos um relacionamento especial — ne­gou Jamie, sentindo que corava ao lembrar seus sonhos românticos do passado.

Ryan ignorou seu protesto acalorado. Não precisa­va ver o rosto dela com clareza para saber que estava constrangida com o que lhe dissera. Sem dúvida, pen­sou com raiva.

Começava a detestar o gentil veterinário com seu zoológico de animais leais.

— Então o que sua cintilante irmã viu nele? — quis saber com teimosia.

— Greg é totalmente devotado a Jessica.

— Ah, mas isso é mútuo? Imagino que a devoção unilateral possa se tornar um fardo depois de certo tempo.

— E será que sua família não está imaginando onde você se meteu? — perguntou ela, tentando acabar com a conversa.

— Creio que ninguém ficará preocupado se escor­regarmos e cairmos na piscina, porque somos adultos. Claire e Hannah estão tendo sua batalha noturna diária com as crianças, e minha mãe estava cansada e foi para a cama com um livro e uma xícara de chocolate. Por­tanto, pode ficar tranqüila!

— Sua família é fantástica — suspirou Jamie, fa­zendo com que Ryan silenciasse para ver o que dizia a seguir.

As mulheres sempre gostavam de falar de si mes­mas. Segundo sua própria experiência, elas podiam fa­lar até o amanhecer se tivessem oportunidade, porém, em geral, tudo terminava em sexo. Flertavam, faziam beicinho, tudo para atrair sexualmente. No caso das moças com quem saía modelos famosas e atrizes, a conversa girava sempre em torno de seus sucessos no palco ou na passarela, quando levavam a melhor sobre as concorrentes.

— Um pouco diferente da sua família talvez? — murmurou ele, encorajando-a a falar mais.

— Completamente diferente. Você nunca falou so­bre isso.

— E você só começou a falar sobre sua família agora — enfatizou-o.

— Sim, bem, minha situação é diferente da sua. Quando penso em Jessica, fico nervosa, mas suas ir­mãs... São muito dóceis.

Ryan riu.

— Acha mesmo? Tenho vagas lembranças das três tentando me maquiar quando eu era criança. Garanto que não são nada dóceis.

Jamie riu também, sem poder se conter.

— Mas... — prosseguiu ele. —... Deve ter sido difí­cil educar uma adolescente quando você também ainda não saíra da adolescência.

Perdida nos próprios pensamentos, ela se deixou seduzir pelo interesse caloroso de Ryan e pela brisa suave da noite, acompanhada pelo barulho das ondas quebrando nos recifes.

Sentiu-se inclinada a se abrir, especialmente depois da conversa que tivera com Greg.

— Mesmo antes de mamãe morrer, Jessica era difí­cil. Sempre foi teimosa e exigente, desde criança. Era tão linda que dobrava mamãe como queria. Quando olho para suas irmãs e vejo como compartilham tudo... Bem, voltando ao assunto, penso que não vale á pena chorar pelo que não pode ser mudado.

— Tem razão. Estava me contando sobre sua con­versa com o veterinário — lembrou Ryan. — Você acha que sua irmã anda entediada porque gosta de se divertir, e o veterinário só aprecia a companhia de ani­mais doentes.

— Nunca disse tal coisa!

— Estou lendo entre as linhas.

Jamie pensou que ele não deixava de ter razão. Ryan precisava vê-la em forma para trabalhar bem, e quanto mais cedo Jessica e Greg resolvessem seus problemas, melhor.

Seria loucura continuar a fazer confidencias só porque ele sabia um pouco sobre sua vida particular. Não havia chance de Ryan se interessar por ela como ela se interessara por Greg no passado. Mesmo assim...

— Creio que já sei qual é o verdadeiro problema dos dois — disse ela com frieza. — Greg quer ter filhos e Jessica acha muito cedo. Parece que foi isso que provo­cou a explosão.

— Sua irmã não está interessada em ter filhos?

— Não me disse nada a esse respeito — explicou Jamie dando de ombros. — Talvez não queira ser mãe neste momento, e deve ter se apavorado quando Greg falou nisso. Então só pensou em escapar, e por isso, apareceu em minha casa. Pelo menos, agora existe algo tangível para lidar, portanto você pode sossegar. Tenho certeza de que os dois chegarão a uma solução quando eu voltar para a Inglaterra, e quando regressa­rem à Escócia, tudo voltará ao normal. Não me atra­sarei mais para o trabalho e ficarei concentrada como sempre.

Levantou-se e deu tapinhas nas coxas para retirar os grãos de areia depositados na cadeira, evitando fitar Ryan.

— O que pretende fazer amanhã? Suas irmãs irão embora com Tom, Patrick e as crianças. Não faço obje­ção de trabalhar à noite, você foi mais do que generoso me deixando descansar tanto até agora.

— Não comece de novo a externar sua gratidão — disse Ryan irritado.

Passeou o olhar pela figura de Jamie, notando as per­nas bem delineadas, a cintura fina e os seios rijos sob a bata. As roupas que ela usava no escritório não valori­zavam seu físico. A lembrança da boca polpuda contra a dele o fez respirar com dificuldade.

— Não a vi dentro da piscina ainda.

Sem querer, Jamie deu um passo atrás e murmurou:

— Eu... Já me sentei na borda para ler.

— Mas não quis mergulhar. Sabe nadar?

— Sim.

De fato, chegara a vestir seu biquíni preto uma vez, mas a idéia de desfilar na piscina quase sem roupa dian­te de Ryan, seu patrão, mergulhando e rindo no meio da família dele, fora demais. Portanto, tratara de tirar o biquíni e vestira um short. Era mais seguro.

— Então por que não entra na água? Ficou com ver­gonha de minha família barulhenta?

— Claro que não!

— Bem, até amanhã à noite, terão ido embora, e tudo ficará mais tranqüilo por aqui. Poderá se divertir na piscina com calma.

— Talvez. Mas agora preciso entrar.

— Tenho a estranha sensação de que não gosta de ficar sozinha comigo. Isso pode me ofender.

Jamie ficou tensa.

— Corrija-me se estiver errada, mas passei três horas, sozinha com você hoje.

— Ah, mas acompanhada por gráficos, dois compu­tadores e uma resma de papel.

— Estou apenas fazendo meu trabalho! É para isso que sou paga. Agora vou entrar.

Havia um caminho que circundava a casa e que leva­va aos jardins com palmeiras, até o mar.

Uma grande variedade de arbustos e plantas dava ao cenário um ar agreste e selvagem.

Os pés de Jamie pareciam ter criado asas. Tinha consciência de Ryan seguindo logo atrás dela. Nun­ca se sentira segura a respeito do próprio corpo, ten­do Jessica como irmã.

Sempre estivera muito alerta diante das diferenças entre as duas. Ela era mais baixa que Jessica e menos curvilínea. E muito tímida para se exibir.

E nesse momento, usava short! Ryan devia estar usu­fruindo de uma ampla visão de suas costas.

Enumerou mentalmente a extensa lista de modelos que haviam circulado pela vida de Ryan: loiras com pernas longas e cabelo até os ombros.

As comparações a assaltavam, deixando-a constran­gida, e talvez isso a tivesse feito escorregar na raiz sa­liente de uma árvore no meio da escuridão.

Gemeu de leve enquanto seu corpo era projetado so­bre o solo. Mas, antes que pudesse se levantar por conta própria; foi erguida por braços fortes.

— Ponha-me no chão! — gritou. — O que está fa­zendo?

— Acalme-se.

A sensação dos braços musculosos á seu redor e o contato do tórax rijo a fez reagir.

Sentiu-se fraca e se deixou levar até a varanda, onde ele a depositou com delicadeza sobre uma das inúmeras cadeiras de vime espalhadas pela casa.

— Estou perfeitamente bem — ela murmurou, en­quanto Ryan a ignorava, e começava a retirar suas sandálias.

Os longos dedos pareciam acariciar seus tornozelos, e ele mandou que Jamie tentasse movê-los.

— Não torci nada! — exclamou, tentando fazê-lo largar seu pé, enquanto seu corpo traiçoeiro desejava ceder ao contato delicioso de suas mãos.

— É evidente. Se tivesse, não conseguiria se mexer tanto.

— Exato. Portanto, se não se importa...

— Mas está machucada e precisa desinfetar a pele.

— Posso fazer isso sozinha.

Porém, cada centímetro de seu corpo respondia à aproximação, e Jamie odiava isso, estava apavorada. Só queria que Ryan se afastasse para poder voltar a seu quarto, porém ele tornou a tomá-la nos braços e carregá-la pela casa, subindo a escada e se dirigin­do, para piorar a situação ainda mais, a seu próprio quarto. Jamie fechou os olhos e tentou não gemer de desespero.

Nunca entrara no quarto dele antes. Era enorme, do­minado no centro por uma cama grande de bambu. Os lençóis eram vermelhos e pretos, e sem dúvida, convi­davam ao erotismo.

Debaixo da janela, havia um longo sofá, e foi para lá que Ryan a levou, fazendo-a sentar.

— Não mova nenhum músculo. Tenho um estojo de primeiros-socorros no banheiro. É de minha época de escoteiro.

— Isso é ridículo... E você nunca foi escoteiro!

— Claro que fui! — Ryan desapareceu no banheiro ao lado, e pela fresta da porta, Jamie o viu remexer no armário. — Se bem recordo, até ganhei medalhas. — Reapareceu com uma caixinha e se agachou na frente dela. — Quando precisar que alguém erga uma barraca ou acenda uma fogueira com dois pauzinhos, sou a pes­soa indicada. — Balançou a cabeça com preocupação.

— Vê esses aranhões em seus joelhos? Se não estivesse escapando como um morcego no meio da noite, isso nunca teria acontecido.

Jamie cerrou os dentes para não dizer que, se não fosse por ele ter aparecido, quebrado seu celular e insistido em uma longa conversa pessoal, ela não te­ria fugido e não estaria agora sentada em seu quarto, enquanto...

Fechou os olhos com força, tentando bloquear a imagem da bela cabeça inclinada sobre seus pés, en­quanto Ryan cuidava de seus machucados com todo o cuidado.

— Muito obrigada — disse quando ele terminou. — Agora, se não se importa, vou para meu quarto.

— Devo carregá-la?

Só então ela abriu os olhos e viu que Ryan estava rindo.

— Não seja tolo!

— E continuando nossa conversa...

— Sobre o quê!

— Sobre amanhã, é claro.

Ela o encarou. Ryan parecia inocente como um bebê.

— O que há com amanhã? — Jamie murmurou, ca­minhando para a porta com passos vacilantes.

— Bem, você estava me dizendo o que desejava fa­zer. Trabalhar.

Fora isso que ela dissera? Jamie não conseguia ra­ciocinar. Cada nervo em seu corpo estava em chamas. Ela tremia da cabeça aos pés, e era engraçado.

Apaixonar-se por Greg já fora loucura, mas pelo menos, podia ver sentido nisso.

Porém por Ryan Sheppard? Ela nem mesmo respeitava um homem que saía com uma fila de modelos e que parecia só se im­portar com pernas longas e corpos perfeitos! Céus, não podia se apaixonar por ele. O calor dos trópicos estava afetando seu cérebro. Não estava acostumada com esse clima.

— Sim! — concordou com satisfação. — Trabalhar. O lugar ficaria vazio, a não ser pela presença da mãe de Ryan. Porém, de repente, a idéia de ficar sozinha com ele sem serem interrompidos á deixou apavorada.

— Ainda há muito a fazer, e tenho várias sugestões para suas apresentações... Como, por exemplo, usar de um argumento forte para implementar seu sistema em carros. Provar que a nova tecnologia pode fazer muito pelo meio ambiente.

Jamie chegara à porta sem mesmo perceber. Apoia­ra as costas no batente, enquanto Ryan a fitava com a cabeça levemente inclinada para o lado, á imagem de alguém profundamente interessado no que ela dizia.

Então por que, diabos, ela estava tão nervosa?

Encolheu-se, quando ele deu um passo em sua direção.

— Acha que se sente bem? — perguntou Ryan, inclinando-se sobre seu rosto, um homem sexy que a deixava perturbada. — Pergunto por que ficou pálida. — Apoiou a mão no batente da porta também. — Não quebrou nenhum osso, mas ainda pode estar abalada por causa da queda brusca e violenta. Essas coisas acontecem... Um leve acidente, conclui-se que está tudo bem, mas na verdade...

— Não acho. Estou muito bem.

— Creio que é melhor não trabalharmos amanhã. Os furacões, minhas irmãs, partirão, e a casa ficará muito vazia. Seria bom ocuparmos minha mãe com alguma atividade.

— Ficarei feliz em diverti-la — apressou-se Jamie em dizer.

— Também quero ser incluído — murmurou Ryan secamente, pois não esperava essa reação dela.

— É claro! Na verdade, acho que seria uma boa idéia se você passasse algum tempo com sua mãe.

— Ah, não há necessidade de eu e ela ficarmos a sós. Posso lhe contar um segredinho? — Ryan se inclinou ainda mais sobre Jamie. — Conversas em particular com minha mãe podem ser um pouco perigosas às ve­zes. Ela se torna bisbilhoteira demais.

— Do que está falando? — perguntou Jamie em tom baixo por causa do clima de intimidade que se estabe­lecera entre eles.

— Ela tem o hábito irritante de me questionar sobre minha vida particular.

Ryan não tivera intenção de dizer isso. Costumava ser muito vigilante sobre o que dizia, mas desejava conquistar a confiança de Jamie. A cada dia que passa­va se sentia mais atraído por ela. Estava frustrado pelo modo como Jamie o afastava e pela própria curiosidade, que não conseguia dominar.

Apesar de Jamie já ter lhe contado bastante sobre sua vida, isso não significava que desejava se tornar íntima dele. E ele queria intimidade. Ansiava que Jamie com­partilhasse todos os seus pensamentos.

Então, quando ela o fitou com silenciosa curiosida­de, ouviu-se dizendo em tom sério:

— Não tenho certeza se minha mãe e minhas irmãs aprovam a promiscuidade.

— Não creio que existam muitas mães que gostem de ver o filho apreciar mais a quantidade que a qualidade quando se trata de mulheres — replicou Jamie.

— É isso que pensa de mim?

— E não é verdade?      

Fez-se silêncio. Jamie gostaria de repetir que queria ir para seu quarto, mas não conseguia falar. Quando os segundos foram passando e ele não respondeu, deu de ombros.

— Bem, não é de minha conta, de qualquer maneira — disse ela. — Mas eu me aborreço por você sem­pre fazer perguntas sobre minha vida particular quan­do sabe que não desejo respondê-las. Por que faz isso se também não gosta de responder a perguntas sobre sua vida íntima? Se bem que não me importo — apres­sou-se a concluir.

— Fiquei magoado com essas palavras. Você é mi­nha secretária, e quero que se importe comigo.

Com seu instinto de predador, Ryan sabia que Jamie estava reagindo à conversa. Ela entreabriu a boca para dizer algo, deixando ver os dentes brancos e perfeitos.

O desejo de comprimi-la contra a porta e beijá-la era forte demais.

Ryan queria enfiar a mão debaixo da bata curta e sentir o peso de seus seios.

Interesse e curiosidade, tudo bem, mas estar louco de desejo... Jamie Powell podia ter se tornado, de repente, muito intrigante, porém seria maluquice continuar com o jogo só para ver aonde isso chegaria.

Para começar, ela era a melhor secretária que Ryan já tivera. Depois, não era uma mulher fácil, ansiosa para rolar na cama com ele sem maiores compromissos.

— Tem razão — acabou por murmurar. — Não é de sua conta.

— Boa noite, Ryan. Obrigada por ouvir minhas la­múrias.

Ele a segurou pelo braço.

— Meu pai se distraiu... Casou-se e teve quatro fi­lhos... Como disse, ele se distraiu. Enquanto se deixava domesticar, seu diretor financeiro levou a empresa qua­se à ruína. Em minha opinião, meu pai teve uma morte prematura tentando recuperar seu dinheiro. Eu herdei uma bagunça e pus as coisas no lugar. Não tenho a in­tenção de me distrair. Graças a meus esforços, minha mãe tem o estilo de vida que merece, e minhas irmãs, a segurança financeira que necessitam. Portanto, como vê, não tenho tempo para compromissos sérios. Não preciso dessa distração.

Jamie prendeu o fôlego, antes de perguntar:

— Então nunca irá se casar? Ter filhos? Tornar-se avô?

Se isso acontecer, será com uma pessoa que acei­te ficar em segundo plano, pois meu principal interesse está em minha empresa.

— Dama de sorte, seja lá quem for á mulher que aceitar isso — murmurou Jamie com sarcasmo.

— Saio com mulheres que não querem compromisso.

— Leanne foi uma exceção?

— Ela conheceu as regras do jogo assim que se en­volveu comigo. Sou sempre honesto. Não faço pro­messas que não posso cumprir e nunca encorajo uma mulher. Detesto que deixem peças de roupas em meu apartamento e criem muita intimidade.

— Talvez deva ter essa conversa com sua mãe — sugeriu Jamie. — Assim ela irá conhecer melhor seus motivos e, quem sabe, pare de questioná-lo.

As barreiras haviam voltado a seu lugar.

 

Claire e Hannah, com seus maridos e filhos, partiram entre muitos beijos e abraços, deixando uma grande quantidade de brinquedos esquecidos. Então, de repen­te, a casa ficou silenciosa e vazia.

Dentro de dois dias, Ryan pegaria um avião para a Flórida enquanto Jamie retornaria para a Inglaterra. Vivian, a mãe, ficaria por mais uma semana, acompa­nhada por várias amigas e realizando seu torneio anual de bridge.

Vivian se recolheu para sua sesta da tarde, e Ryan anunciou que pretendia trabalhar, dispensando Jamie quando ela se ofereceu para ajudá-lo, o que a deixou perdida. Percebeu que fora um alívio ficar sem seu celular, pois do contrário, ficaria monitorando a crise entre Jessica e Greg, em constante estresse. Sem poder conversar com eles à vontade, via-se livre do proble­ma... Pelo menos temporariamente.

Pela primeira vez desde que chegara, decidiu apro­veitar a piscina vazia, e lá estava nesse momento, de biquíni, portando uma toalha, bloqueador solar e um livro.

Pareciam férias de verdade. A piscina oferecia um ce­nário espetacular do mar e era cercada por palmeiras e folhagens, onde voejavam borboletas e os pássaros can­tavam.

Jamie se estirou na espreguiçadeira e deixou a mente vagar, porém todos os seus pensamentos levavam a Ryan. A imagem dele parecia estar estampada em seu cérebro, e ela não sabia se sempre fora assim ou pas­sara a acontecer depois que derrubara temporariamente algumas barreiras entre os dois. Estaria hipnotizada pelo charme de Ryan?

Estivera determinada a nunca mais se envolver emocionalmente com um chefe.

Apaixonar-se por Greg fora uma loucura juvenil, e agora, ao olhar para trás, achava certa graça, pois sua paixão por ele fora tão inocente.

Porém a situação com Ryan era perigosa, porque Ryan era um homem perigoso.

Em comparação, sua paixão por Greg fora uma dis­tração ingênua em vista de seus problemas familiares. Jamie se refugiara em seus sonhos juvenis para escapar da realidade que a atingia todos os dias quando voltava para sua casa.

Greg fora bondoso, prestativo e gentil, fazendo-a se esquecer da frustração de não ter podido cursar a universidade.

Ryan, entretanto...

Sim, também era bondoso, prestativo e gentil. Jamie percebera isso centenas de vezes quando ele interagia com as irmãs, a mãe, os sobrinhos e as sobrinhas. Mas Ryan não era Greg. Havia uma couraça de aço que o revestia. Quando seus olhos escuros pousavam sobre ela, Jamie se sentia selvagem.

Seria um alívio voltar para a Inglaterra. Esperava en­tão que Greg e Jessica já tivessem resolvido suas dife­renças, e ela pudesse voltar com calma para o escritório e para seus colegas, retomando o tratamento distante de chefe e secretária com Ryan. Ali no Caribe, a quilôme­tros de distância de seu território, era muito fácil passar dos limites.

Deitou de barriga para baixo, mas meia hora depois, mesmo com o protetor, sentiu a pele queimando. O sol ali era muito forte, em especial, a essa hora do dia. Por fim, resolveu empurrar a espreguiçadeira até a sombra da palmeira mais próxima.

Mas o sol continuava forte, e Jamie mergulhou na piscina. Começou a nadar como um peixe debaixo da água, chegando à outra borda.

Depois, iniciou a volta.

Desistira de nadar por causa do trabalho. Desistira de ir à academia três vezes por semana por causa do trabalho. Marcava encontros com os amigos à noite, mas acabava cancelando, porque Ryan precisava que fizesse hora extra.

Jamie se preparara para ser ambiciosa e pagar o pre­ço. Nunca passara por sua cabeça que fazia isso para ficar perto de Ryan. Será que fizera o papel de secretá­ria perfeita porque se sentia atraída pelo chefe? Estaria repetindo o erro que cometera com Greg?

O pensamento foi tão perturbador que não percebeu a borda da piscina se aproximando enquanto dava braçadas, e bateu com a cabeça, perdendo os sentidos momentaneamente.

Quando abriu os olhos, viu Ryan se debruçando sobre ela. Ele a tirara da água e estavam na beira da piscina.

Ele usava calção de banho, short e camisa de mangas curtas.

— O que você faz aqui? — gaguejou ela, pensando que estava delirando.

— Salvando você de novo. Não sabia que tinha tanta propensão para acidentes. Por que não prestou atenção à borda da piscina? Deixe-me ver esse galo em sua cabeça.

— Não vamos começar com isso de novo — retrucou Jamie, tocando a cabeça e fazendo uma careta. — Estou bem, do mesmo modo que estava quando caí ontem.

— Batidas na cabeça podem ser mais graves do que se imagina. Diga quantos dedos estou mostrando — pe­diu, exibindo três dedos da mão direita.

— Pensei que estivesse trabalhando — acusou ela.

Ryan se reclinou, apoiando-se nos cotovelos, e fe­chou os olhos. Quando os reabriu, á fitou com tanta intensidade que fez Jamie corar e desviar o rosto.

— Estava trabalhando, mas não resisti à tentação de admirá-la. Não sabia que era tão boa nadadora.

— Estava me observando?

— Culpado — admitiu Ryan.

Pela primeira vez na vida, não conseguira se concen­trar no trabalho. Observá-la do andar de cima enquanto ela nadava como um peixe fora hipnótico. Seu biquíni era muito discreto e o menos sexy que ele já vira, en­tretanto parecia mais erótico do que se Jamie estivesse nua. Passeou os olhos pelos seios cheios e generosos... Mais do que isso, muito generosos.

Ryan chegara ao perigoso ponto de não se importar pelo fato de ela ser sua secretária e ignorar que levá-la para a cama seria uma loucura.

— Entrou em contato com Jessica? — perguntou, desviando os pensamentos dos seios dela.

— Esqueceu que quebrou meu celular?

— Vou compensá-la quando voltar para casa. Eu a autorizo a usar o dinheiro da empresa para comprar o modelo mais atual que houver no mercado assim que chegar à Inglaterra.

— É muita generosidade de sua parte.

— Bem, por minha culpa, deixou cair seu celular, embora devesse ter me ouvido e usado o telefone da casa.

— Engraçado como consegue, mesmo tendo que­brado meu aparelho, me deixar com uma sensação de culpa — comentou Jamie com ironia.

Ryan gargalhou com vontade.

— Minha mãe disse que você é a única mulher que conheceu que me faz ficar na linha. Acho que foi porque você me acusou, ontem à noite, de roubar no jogo de mexe-mexe e me deu um castigo severo. Ouvindo você falar com tanta severidade agora, me faz concor­dar com ela.

— E tenho certeza de que todas as outras mulheres que namorou iriam discordar de sua mãe!

— Irritei você? Quis fazer um elogio. E, para sua informação, todas as outras mulheres que namorei ado­ravam me deixar liderar. Não me lembro de nenhuma que me deixasse na linha.

— Não me irritou! E se alguma delas tivesse traba­lhado para você...

— Trabalhando comigo — corrigiu ele. — Somos uma equipe, Jamie.

— Bem, tanto faz. Se alguma delas tivesse trabalho com você, logo descobriria que a única maneira de so­breviver seria...

— Enfrentando o chefe? Jamais pensei que poderia gostar de uma mulher que assumisse o controle, mas tendo passado esse tempo com você aqui, certamente...

— Foi útil! — completou Jamie com pressa. — Espero que consiga terminar todo o trabalho que planejou fazer.

— Fico irritado quando faz isso — murmurou Ryan de repente.

— Isso o quê?

— E não me venha com essa vozinha doce. Sabe muito bem do que estou falando. Assim que a conversa deixa o tema do trabalho, você busca mudar de assunto freneticamente.

— Não é verdade! Conversei sobre mil coisas com sua família — protestou ela.

— Mas não comigo — ele reclamou.

— Não sou paga para bater-papo sobre futilidades com você.

— Tem medo de mim? É isso? Eu á deixo constran­gida? — Ryan quis saber com a testa franzida.

— Não, mas sei o que está acontecendo aqui... Não está acostumado a, ficar à toa tantos dias. Desde que o conheço, só o vi tirar um fim de semana de folga e rápidas férias de fim de ano.

— Então notou?

— Pare de rir! — ela reclamou. — Dessa vez, está aqui há muito tempo e talvez entediado, então se diver­te... Deixando-me confusa.

— Faço isso? Pensei que tentava conhecê-la melhor.

— Já me conhece.

— Conheço, não é?

Mas não os detalhes; só há pouco soubera que Jamie tinha uma irmã. Porém conhecia Jamie de um modo estranho.

Trabalhando juntos constantemente, passara a entrar em sintonia com sua personalidade. Sabia como Jamie reagia a certas coisas, seus maneirismos, alguns de seus pensamentos. Baseado nisso, construíra uma imagem, mas faltavam os detalhes. Era como uma coceira an­tipática que não o deixava em paz. E a idéia de que o veterinário tinha o privilégio de conhecer Jamie melhor o deixava louco de raiva.

— Não quero que deixe de falar com sua irmã só por causa do celular. Use o telefone da casa, já disse. A não ser que se envergonhe de conversar abertamente com um homem casado.

— Isso é absurdo! — exclamou Jamie.

Ryan não se importou com o ar ofendido dela e prosseguiu:

— Todas as vezes que menciono o veterinário, você parece culpada e constrangida. Por quê?

— Não sabe o que está dizendo.

— Tenho olhos. Digo o que vejo.

— Não tem o direito de fazer tais insinuações! — gritou Jamie.

— Fala como culpada, pois não está respondendo a minha pergunta. Houve alguma coisa entre você dois? Ainda existe algo entre vocês dois?

— Isso é um insulto!

Jamie entrou na piscina e começou a dar braçadas vigorosas para o outro lado com o intuito único de se afastar de Ryan.

Percebeu que ele vinha logo atrás quando alcançou a outra ponta, mas se recusou a olhar.

— Greg está casado com minha irmã! — Fitou-o com raiva quando ele se postou ao se lado. — Não exis­te nada entre nós dois.

— Mas nem sempre ele foi casado com sua irmã, foi? Na verdade, você o conheceu antes. Percebi o modo como o olhou quando ele surgiu na porta de sua casa no dia de Natal...

— Ridículo. Não o olhei de maneira especial.

Será que olhara? Sim, é claro que sim. Era a primeira vez que o via em anos, e a essa altura, ainda não sabia se o esquecera ou não. Jamie corou.

— Longe dos olhos... — disse Ryan. —... Nem sem­pre significa longe do coração.

Jamie sentiu um músculo tremendo em seu queixo.

— Foi por isso que fugiu para Londres? — quis sa­ber Ryan.

— Fui a Londres por que... Sabia que seria mais fácil encontrar emprego lá. Quando Jessica se casou, vendi a casa de nossa infância e dividi o dinheiro com ela, ficando com o suficiente para pôr na poupança e alugar uma moradia enquanto procurava trabalho.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Por que será que não acredito em você?

— Porque tem uma mentalidade desconfiada — ela replicou, dando de ombros.

— Dormiu com o veterinário? — perguntou Ryan à queima-roupa.

— Isso é um ultraje! — retrucou Jamie, encarando-o.

Então ela não dormira com ele. Ryan sorriu com satisfação.

Não sabia quando passara a linha divisória. Só sabia que desejava Jamie. O encanto que sempre exercera sobre as mulheres desaparecera diante do desejo que sentia por ela.

Não deu tempo a si mesmo para pensar. E também não deu tempo para ela pensar.

Prendeu-a na piscina com um braço de cada lado da borda. Inclinou a cabeça e a beijou.

O rápido beijo que lhe dera em público no Natal fora apenas uma amostra. A boca de Jamie se entreabriu em protesto, mas a língua que tocou a dele contava outra história. Uma história de desejo intenso.

Ryan a encostou com força na borda, e como era muito alto, apoiou os pés no fundo da piscina. Jamie era mais, baixa e precisava se segurar nele para não afundar, o que projetou seus seios para frente de ma­neira tentadora. Ela tentou falar, mas Ryan a impediu, aprofundando o beijo.

Jamie queria afastá-lo, mas seu corpo não respondia aos protestos de seu cérebro.

Percebeu vagamente que ele erguia suas pernas e as fazia circundar seus quadris. A ereção entre suas coxas quase a fez perder os sentidos.

A água saiu pelas bordas da piscina enquanto ambos se roçavam de maneira frenética. Quando ele baixou as tiras do biquíni, as inibições de Jamie desapareceram como em um passe de mágica. Arqueou o corpo para trás, e a sensação dos lábios dele sobre seus mamilos fez seu corpo arder.

Jamie poderia ficar assim para sempre, com Ryan sugando seus seios, massageando-os com as mãos pos­santes e excitando-os com a ponta da língua.

Mas quando começou a descer a parte de baixo de seu biquíni, Jamie abriu os olhos e percebeu a realidade com horror.

Como isso fora acontecer?

É claro que sabia. Por que tentar se enganar? De­sejava-o há meses... A vida toda, para bem dizer. Isso não se parecia nada com o que sentira por Greg. Sua paixão pelo veterinário fora romântica, mas Ryan acendera um fogo em sua alma que ia além da atração física.

Remexeu-se tentando afastá-lo, e depois passou de­baixo dele, nadando para longe com braçadas nervosas e rápidas.

Ryan a alcançou com facilidade.

— Qual o problema? — perguntou.

Ela murmurou sem fitá-lo:

— Não... Não sei.

— Ótimo porque eu sei o que aconteceu e posso ex­plicar de boa vontade. Sentimos atração um pelo outro. Bastou-me tocá-la para você queimar de desejo.

— Mentira!

— Pare de fingir, Jamie. Por que me impediu de continuar?

— Porque é... Errado.

Isso não o surpreendeu.

Apenas 24 horas atrás ele pensara nela e resolvera evitar um namoro porque seria loucura. Entretanto, ali estava, e a situação não lhe parecia louca.

— Somos adultos — murmurou Ryan. — É plausí­vel que nos sintamos atraídos um pelo outro.

— É meu patrão. Trabalho para você!

— Desejo mais do que sua eficiência profissional. Quero você em minha cama, para tocá-la como e quanto quiser. E aposto que é isso que quer também, achan­do certo ou errado. Não diga que não me deseja.

— Não o desejo.

— Mentirosa!

Tornou a beijá-la, e Jamie se sentiu muito fraca. Sua boca correspondeu ao beijo.

— Agora me diga que não sabe o que está aconte­cendo entre nós — sussurrou Ryan.

— Tudo bem — respondeu ela. — Talvez me sinta atraída por você, mas não me orgulho disso. — As palavras saíam com dificuldade de sua garganta. — Nutri sentimentos por Greg, meu outro patrão. Por isso, precisei fugir viver em um lugar bem distante dele.

Essa era a confissão final. Jamie estava dando adeus à sua privacidade para sempre, mas que opção tinha? Precisava se abrir para encontrar forças para deixá-lo com uma boa desculpa, do contrário Ryan a consumiria.

Ele permanecia em silêncio, enquanto pensava com desassossego. Então provavelmente ela não dormira com o veterinário, mas nutrira sentimentos por ele, quem sabe o tivesse amado.

A constatação o fez tremer.

— Cometi um erro com Greg e aprendi a lição — continuou Jamie. — Não quero cometer o segundo en­gano. E de jeito nenhum irei para a cama com você. Quero que me prometa nunca mais mencionar esse episódio.

— Quem disse que sexo entre nós seria um erro?

— Eu. — Jamie o fitou em cheio. — Não sou como você, Ryan. Não quero entrar e sair de camas só por capricho. Se pensar que não poderá esquecer o que aconteceu agora, então saiba que entregarei meu pedi­do de demissão assim que você voltar da Flórida para a Inglaterra.

Não era uma ameaça vã, Jamie falava com sinceri­dade. Ryan praguejou em silêncio.

Sempre se orgulhara de sua capacidade de convencer as mulheres e conquis­tá-las.

Porém Jamie parecia ser a única que realmente desejava, e ela o estava recusando.

A frustração o fez cerrar os punhos.

Ela esperava por uma resposta, e então Ryan aquiesceu com um gesto seco de cabeça.

— Ótimo. — O corpo de Jamie continuava a arder de desejo, mas ela recuperara um pouco de dignidade. Era uma pequena vitória. — Agora vou entrar. — Saiu da água e tentou não pensar nas mãos dele em sua pele e na boca sensual sobre seus seios.

Acontecera, mas não aconteceria de novo. Para provar que o relaciona­mento voltara para o nível profissional, virou a cabeça e o fitou. — Gostaria que eu adiantasse algum trabalho em especial?

— Por que não usa sua iniciativa? — replicou Ryan sempre com frieza. — Sugiro algo que absorva total­mente seu cérebro para que esqueça o pequeno episó­dio sórdido de atração sexual.

Estava tentado a lhe dizer que talvez o veterinário tivesse escolhido a irmã errada.

Jamie não queria um homem de carne e osso. Não queria ser desafiada sexualmente.

Não era de admirar que tivesse se apaixo­nando por um sujeito cuja prioridade era os animais e que punha tudo o mais em segundo plano. Não haveria desafios em um relacionamento com Greg, e isso viria a calhar para ela.

Talvez devesse confrontá-la, porém, ao vê-la se afas­tar enrolada na toalha, teve ímpetos de espatifar o pri­meiro objeto à mão.

Então tratou de nadar até ficar esgotado. Não fazia idéia de quanto tempo ficou na piscina. Era um exí­mio nadador, mas duas horas na água excederam seus limites.

Entretanto, teria continuado a nadar caso não fosse perturbado pelo som de passos... Apressados.

A noite caía depressa nos trópicos, precedida por um ocaso alaranjado. Nesse momento, o céu estava cor de laranja. Em breve, ficaria negro e forrado de estrelas. A luz fraca do anoitecer viu a silhueta de Jamie que descia, correndo os poucos degraus para a piscina.

Não era de admirar que ela sempre se acidentasse!

Ryan saiu da água e enfiou a camisa, sem se importar em se secar com a toalha.

— Algum problema urgente de trabalho? — ele per­guntou com sarcasmo, mas então ficou sério ao ver a expressão de pânico no rosto de Jamie. — O que é? O que aconteceu?

— É sua mãe, Ryan. Ela não está bem.

— Do que está falando?

Mas ele já corria, enquanto esperava que Jamie, desse mais detalhe.

— Tomei um banho, e quando não pude encontrá-la em nenhum cômodo do térreo, achei melhor procu­rá-la em seu quarto para saber se desejava um chá. Quando entrei ali, ela estava deitada na cama e branca como o lençol. Disse que sentia o braço dormente, e sua respiração estava difícil. Corri para cá e...

Já estavam dentro da casa, e Ryan subiu as escadas de dois em dois degraus, enquanto Jamie o seguia sem fôlego.

Vivian Sheppard estava desperta, mas, sem dúvida, não se sentia bem e demonstrava medo.

Em poucos segundos, Ryan falava ao telefone com o hospital.

— A ambulância chegará a cinco minutos — avi­sou em seguida se ajoelhando ao lado da cama e to­mando nas suas a mão da senhora.

Vivian, em geral cheia de vida e animação, estava muito abatida, porém conseguiu sorrir para o filho.

— Tenho certeza de que não é nada grave — mur­murou.

Atrás dos dois, Jamie se movia inquieta, sentindo-se uma intrusa nesse momento de intimidade familiar. Desejava muito consolar Ryan, mas mantinha as mãos às costas. Assim que ouviu a sirene da ambulância, correu para baixo e levou os enfermeiros até o quarto de Vivian.

Não sabia se devia ficar na casa ou acompanhar mãe e filho ao hospital.

Então tomou uma decisão: avisou Ryan que ficaria ali, mas que não iria dormir até ele voltar.

— Não sei quando voltarei — disse ele em tom som­brio, enquanto tirava a camiseta molhada, enfiava outra pela cabeça e calçava os sapatos.

— Tudo bem — murmurou Jamie. — Eu esperarei.

— Graças a Deus você foi procurá-la — desabafou Ryan.

Jamie colocou a mão em seu braço.

— Sei que deve estar muito preocupado, mas tente se acalmar. A preocupação é contagiosa. Não vai querer que sua mãe entre em pânico.

— Tem razão — concluiu ele com um suspiro. — Telefonarei assim que puder. Ou melhor... — Entregou seu celular para Jamie. — Fique com ele, usarei o de minha mãe para chamá-la.

E então ele partiu com o som da sirene desaparecen­do ao longe e deixando apenas o barulho dos grilos em meio ao arvoredo.

Nas três horas que se seguiram, Jamie permaneceu, sentada no sofá da sala de estar com as janelas abertas e a brisa fazendo esvoaçar as cortinas de musselina. Devia ter cochilado, pois acordou sobressaltada com o som da porta da frente batendo e passos que se apro­ximavam.

— Pensei que fosse telefonar — disse ela ao vê-lo no batente da porta. — Como vai sua mãe? Qual foi o diagnóstico?

Ryan sentou no sofá junto dela.

— Um leve derrame. O médico disse que não há perigo.

— Mas você continua preocupado.

— Pode me culpar por isso?

Ryan cobriu o rosto com as mãos, e Jamie desejou acariciar seu cabelo.

— Fizeram uma série de exames — disse ele — e irá mantê-la no hospital por alguns dias para se certi­ficarem de que está tudo bem.

Vivian tinha uma vida confortável e tranqüila. Seus filhos sempre haviam sido sua principal preocupação, mas com Claire, Hannah e Susie casadas e felizes, Ryan era agora seu único grande interesse.

Nas últimas horas, sentado em uma cadeira dura do hospital, ele tivera muito tempo para pensar.

Sua mãe se preocupava cada vez mais com o fato de ele continuar solteiro, namorar mulheres volúveis e trabalhar demais. Será que se, preocupara mais do que demonstrara?

Será que isso causara seu problema de saúde? Ele se sentia cheio de culpa.

— Avisou as suas irmãs? — perguntou Jamie.

Mas Ryan não respondeu. Sem dúvida, sua mente vagava a quilômetros de distância.

Jamie se sentiu de­sapontada. Queria que ele se apoiasse nela nesse mo­mento de dor.

Quando o silêncio se prolongou demais e ela decidiu ir para a cama, Ryan disse:

— Telefonei para Hannah e expliquei a situação. Ela queria pegar o primeiro avião de volta para cá, mas consegui persuadi-la de que seria inútil. Ficarei aqui até minha mãe se recuperar e depois voltarei para a Inglaterra com ela.

Suspirou e, pela primeira vez desde que chegara, pa­receu ver Jamie ao seu lado.

— Precisa cancelar minha viagem para a Flórida. Entre em contato com o escritório. Evans ou George Law poderão tomar as rédeas em minha ausência. En­vie todas as informações que necessitarem.

Jamie aquiesceu com um gesto de cabeça. Sabia que Ryan desejava lhe dizer mais do que já dissera. Quem sabe, pensou, estava constrangido por tê-la ali em meio a sua crise familiar. Talvez quisesse que ela partisse imediatamente, mas não sabia como abordar o assun­to, considerando que fora ele quem pedira para Jamie acompanhá-lo nessa viagem.

— É... É claro — gaguejou ela. — E... Gostaria de lhe dizer que não precisa ficar constrangido porque deseja que eu vá embora. Compreendo perfeitamente. O que aconteceu foi muito inesperado e a última coisa que quer é me ver aqui. Não é hora de sua secretária ficar por perto trabalhando. — Tentou sorrir de modo conciliador. — Provavelmente me sentiria da mesma maneira se estivesse no seu lugar e você fosse meu secretário.

Sua tentativa para aliviar o clima tenso pareceu não produzir efeito, mas após alguns segundos, Ryan sorriu também.

— Acho que você não me entendeu bem, Jamie. Não sei como lhe dizer...

— Dizer o que quê?

Pela primeira vez nesta noite, Jamie se sentiu real­mente apreensiva. Lembrou-se do incidente na piscina e estremeceu; essa era a razão para ele hesitar. Ryan tivera tempo de refletir sobre seu comportamento inapropriado e queria terminar com tudo o mais depres­sa possível. Lágrimas de remorso ameaçaram escorrer pelas faces de Jamie, que já imaginava o fim de seu emprego bem remunerado.

 

Ryan continuou a fitá-la. Era evidente que ela adorme­cera na poltrona antes de sua chegada; suas faces estavam rosadas, e o cabelo, despenteado. Parecia jovem e ino­cente diferente da secretária eficiente e fria com quem ele se acostumara. Porém isso não seria porque conhe­cera a mulher excitante por trás da máscara profissional? Ryan tratou de controlar sua imaginação e retornar ao momento presente. A conversa que pretendia ter com ela provavelmente seriam difíceis.

— Honestamente não sei como dizer isso...

— Nunca o vi ficar sem palavras — murmurou Jamie, sentindo que a situação piorava a cada instante.

— Minha mãe nos viu juntos. Na piscina. Hoje mais cedo.

— Ah, não. — Jamie cobriu a boca com a mão, ator­doada. — Como você ficou sabendo? Ela lhe contou?

— É claro que sim, ela resolvera dar uma volta pe­los jardins para ver se o ar puro a fortalecia. Seguiu o som de nossas vozes, e acho que ficou surpresa com o que viu.

— Lamento. Foi tudo culpa minha! — Jamie aper­tou as mãos para que não tremessem. — Partirei agora mesmo. Levarei meia hora para fazer a mala.

— Ah, pelo amor de Deus, não seja boba! — excla­mou ele.

— Não posso ficar aqui. Creio que será impossível olhar para sua mãe outra vez. O que fizemos foi terrí­vel. Um erro. — Parou como se, só então, tivesse lhe ocorrido esse pensamento sombrio. — Foi por isso que ela...? Nós causamos...?

— Não. Agora se sente! — Ryan aguardou que ela sentasse, embora Jamie parecesse desejar sair voando pela porta. — O que ela presenciou nada teve a ver com seu estado físico: Minha mãe é muito liberal quando se trata de seus filhos, acredite. Aliás...

— Aliás, o quê! Gostaria que dissesse de uma vez o que tem em mente, Ryan. Sou adulta. Posso agüentar notícias ruins.

— Aliás, minha mãe ficou muito feliz com a cena que viu e voltou para dentro de casa, sem dúvida, com um grande sorriso no rosto.

— Desculpe, mas não entendo o que está me dizendo.

— Estou dizendo, Jamie, que minha mãe, como já lhe contei, anda preocupada com meu estilo de vida há algum tempo. Não faço idéia da razão, mas assim é. Talvez seja porque sou seu único filho ho­mem. Seja como for, ela nos viu juntos e tirou certas conclusões.

— Que conclusões? — perguntou Jamie sem enten­der mais nada.

— Minha mãe gostou de você. No passado, conhe­ceu algumas de minhas namoradas e não as aprovou.

Mesmo aturdida, Jamie não resistiu à tentação de resmungar que algumas das namoradas dele que ela conhecera não seriam aprovadas pela maioria das mães.

— Ela acha que estamos tendo um relacionamento sério — prosseguiu Ryan. — Não pude desiludi-la, porque teve um derrame, apesar de leve. Suas últimas palavras antes de ser levada para fazer os exames foram de alegria por eu ter finalmente recuperado o juízo e encontrado a mulher certa.

— Isso é terrível!

De repente, Jamie ficou muito, zangada. Não só co­metera um sério erro, desistira de sua preciosa privaci­dade, permitira intimidades a Ryan e, pior, alimentara sentimentos por ele, que não a amava, mas agora criara ilusões para a pobre senhora, e Ryan nada fizera para esclarecer a verdade.

— Não quero causar mais estresse para sua mãe, Ryan, mas será pior se a enganar para só contar a verda­de quando ela se recuperar. Nunca mais ela irá confiar em você!

— Nesse caso, acha que deveria pôr em risco a saúde dela sendo honesto? Acha que é a única pessoa no mundo com responsabilidades de família, Jamie? Meu pai morreu, e minha mãe se tornou o principal elo entre todos nós. Ela já passou por um inferno! Além de perder sua situação financeira logo que ele morreu, viu-se esnobada por muitas pessoas que se diziam suas amigas.

— Lamento Ryan, de verdade.

— Todos nós temos nossas histórias para contar, Jamie! Fiquei ao lado consolando-a, e quando se trata da saúde e paz de espírito dela, faço qualquer coisa.

Era chocante ver as marcas da dor em seu belo rosto. Por trás do executivo poderoso e seguro, Jamie perce­beu o menino confuso que fora forçado a crescer de­pressa, antes do tempo. Como em seu caso.

— Sendo assim, deixei minha mãe ter a alegria de acreditar no que deseja acreditar — finalizou ele.

— Eu...

— Sabe de uma coisa, Jamie? Talvez você tenha ra­zão. Talvez seja hora de ir embora. Tenho certeza de que saberei explicar sua ausência para minha mãe.

Jamie percebeu, de repente, que relutava em partir. Ryan adorava a família, nem precisava dizer. No mo­mento, parecia á sombra do homem vibrante que cos­tumava ser.

Sabia que ele não a impediria de ir embora, mas então seu relacionamento mudaria para sempre. Será que ela teria forças para continuar trabalhando para ele?

E por que estava tão irritada por pensar em ceder ao que ele queria? A mãe dele estava doente, e se uma doce ilusão podia ajudá-la a se recuperar mais depressa, que mal faria? Voltariam para Londres, e com o tempo, Ryan daria a notícia com gentileza, alegando que os dois haviam rompido, amigavelmente, é claro, A mãe possivelmente ficaria triste com isso, porém sua saúde já não seria abalada.

Ao passo que, no momento atual, ainda vulnerável, o que poderiam prever se ela reagisse mal? Vivian era idosa, e as pessoas nessa fase podiam ser muito frágeis com relação a certas coisas, em especial relacionadas à felicidade de seus entes queridos.

Com um aperto no coração, Jamie percebeu por que estava irritada. Essa emoção vinha do medo pelo fato de Ryan ter se tornado algo mais do que um patrão.

Ela nutria sentimentos a seu respeito, e queria cavar um buraco na terra para se esconder ali e nunca mais sair.

Entre a cruz e a espada, Jamie imaginava uma série de cenários sombrios e, como um afogado que por fim emerge da água, acabou descobrindo o único meio para justificar esse plano louco e respirar aliviada. Trataria o caso como um assunto comercial. Ryan queria que ela entrasse em um jogo de fingimento, e ela o faria de maneira controlada e fria, como se fosse uma tarefa a mais do emprego.

Respirou fundo e perguntou:

— O que exatamente essa farsa significará?

— Está me dizendo que aceita? Sei que é pedir de­mais, Jamie, mas ficaria muito agradecido.

— Presumo que essa farsa só será empregada en­quanto estivermos aqui com sua mãe.

— Naturalmente.

— E isso será exatamente por quanto tempo?

— Pelo menos, mais uma semana. Então tenho certeza de que ela poderá viajar para a Grã-Bretanha. Talvez até antes, mas nunca arrisco quando se trata de minha família. — Sorriu de maneira encantadora, e Jamie tentou se mantiver distante, embora seu corpo todo estremecesse. — Sempre deixei para correr riscos no trabalho.

— Uma semana — ela murmurou olhando a distân­cia. Sete dias quando não teria de fingir muito, já que a mãe de Ryan estaria quase o tempo todo repousando em seu quarto. — Está certo — disse em tom profis­sional. — Concordo, sob a condição de deixarmos algo muito claro.

— O que seria?

— Aquilo que aconteceu na piscina foi um terrível erro. — Jamie o encarou com coragem. — O sol, esse cenário exótico... Bem, foi um momento de loucura em um ambiente estranho e, é claro, você é um homem muito atraente. Aconteceu o que não deveria ter acon­tecido. Mas preciso de sua promessa se, vamos fingir algo que não somos para o bem de sua mãe. Não tere­mos contato físico. Em outras palavras, haverá limites bem definidos para nós dois.

Um silêncio pesado se seguiu a esse pedido. Os olhos escuros de Ryan continuaram pousados no rosto de Jamie, que teve dificuldade em manter a pose. Apenas sua prática em ocultar as emoções evitou que piscasse.

— Esse discurso tem a ver com você também? — perguntou ele por fim.

— O que quer dizer com isso?

— Não sou do tipo conquistador que fica atrás de colunas, tentado agarrar sua próxima vítima inocente, mas em minha opinião, a atração sexual é difícil de do­minar e não obedece a razão.

— Talvez no seu caso, porém não no meu.

— Talvez... — murmurou Ryan. —... Se tivesse mandado o bom-senso às favas, o veterinário houvesse casado com você.

Com que simplicidade ele mudara de assunto, fazen­do Jamie corar.

Por que será que nunca se sentira tentada a demons­trar sua atração por Greg abertamente? Por que fora tão fácil continuar ao lado dele enquanto, com Ryan, se sentia arder o tempo todo, mesmo ele sendo o can­didato mais errado para conquistar seu coração? Será que ele percebia isso nela? Quando voltassem para a Inglaterra e ele retornasse aos namoros com suas loi­ras idiotas e rainhas das passarelas, riria escondido, pensando que sua secretária sem atrativos suspirava por ele atrás da tela do computador?

Que pensamento medonho!

— Talvez eu sinta atração por você — respondeu Jamie com aspereza. — Mas estava pensando em Greg! Quem sabe tudo não passe de uma transferência atrasada de emoções.

— Em outras palavras, você me usou como substitu­to? E isso que está querendo dizer?

— Estou dizendo que não adianta analisar nada. O que aconteceu ficou no passado, mas não acontecerá de novo, e preciso de sua palavra ou não entrarei no jogo. E não se preocupe com suas idéias sobre atração sexual. Posso me controlar.

Mas Ryan refletia muito aborrecido, que quando ela arqueara as costas na piscina e gemera sob seus beijos, na verdade, estava pensando no veterinário. Ele nunca ti­vera tempo para analisar as tolices da psicologia, porém admitia com relutância que o súbito reaparecimento do veterinário podia ter acionado algo na mente de Jamie, que culminara com a temporária queda de suas defesas com ele. E Ryan não estava gostando nada disso.

— Tem minha palavra — disse por fim, sorrindo. — Agora seria bom que fôssemos dormir. É tarde. Irei ao hospital logo cedo pela manhã.

— Posso... Acompanhá-lo? — perguntou Jamie com timidez. — Passei a gostar muito de sua mãe no pouco tempo em que a conheço. Adoraria vê-la.

Ryan se dirigiu para a porta. Não fazia sentido ficar pensando que fora usado como substituto para outro amor, que fora o patrão errado na hora e lugar errados. Precisava dominar a raiva até descobrir uma explicação mais lisonjeira para a reação de Jamie a seu respeito. Afastou os maus pensamentos e a fitou.

— Não precisa. Direi que você queria visitá-la e manda lembranças. Dentro de dois dias, ela estará de volta, e vocês duas poderão conversar. É melhor que fique aqui e providencie a viagem à Florida com todos os detalhes. Preciso garantir que todas as informações sejam enviadas por e-mail a George Law. Creio que ele me substituirá melhor que Evans. Todos os gráficos que você preparou serão úteis para George.

Jamie sentiu lágrimas ardendo em seus olhos e tratou de desviar o rosto. Esse era o Ryan de quem ela gosta­va seguro e na liderança, e quando ele desaparecia, era como se o sol desaparecesse também.

— Você não pretendia usar nenhum de meus gráfi­cos, certo? — perguntou com bom humor, na busca do velho terreno profissional onde se sentia em segurança.

— Teria levado todos comigo. Quanto a usá-los, costumo fazer discursos de improviso.

— Vou garantir que tudo saia bem — prometeu ela.

— Tenho certeza de que sim. Minha fé em você é inabalável.

Não havia mais necessidade de falarem sobre o es­tranho plano com o qual ela concordara.

Na verdade, Jamie mal teve tempo de pensar a res­peito, pois no dia seguinte, Vivian estava de volta.

Tendo terminado todos os arranjos para a viagem, ela se preparava para desligar o computador, às cinco horas, quando ouviu o carro de Ryan parando à entrada da residência.

Ele estava ausente desde as oito e meia da manhã, tendo telefonado só para dizer que ficaria na cidade para conversar a respeito da inauguração de um hotel butique na ilha.

Jamie sabia que Ryan andava pensando em expandir seu império e não ficou surpresa ao ver que escolhera a ilha que conhecia tão bem.

Não sabia como o resto da noite se passaria e estava nervosa quando a porta se abriu.

Vivian surgiu pálida, mas bem disposta, e muito mais animada do que antes.

— Querida menina, estou tão feliz por vê-la.

Jamie a abraçou com carinho.

— Já a liberaram? Que beleza! Como se sente, Vivian?

— Como uma velhinha — respondeu á senhora, sor­rindo e passando o braço pelo de Jamie enquanto cami­nhavam para a sala de estar, que, com suas portas-janelas, permitia que a brisa entrasse. — Pensei que tivesse a saúde de um touro — confidenciou, sentando-se no sofá e parecendo muito mais frágil do que quando en­trara. — Mas não é assim com todos até que alguma coisa acontece? Graças a Deus, meu derrame foi muito leve, segundo disseram os médicos.

Fechou os olhos e depois os abriu para sorrir para o filho, que se postara atrás das duas.

Ele passou a mão de leve pela nuca de Jamie. Então era assim que a farsa iria acontecer... Uma intimidade ocasional com mãos se roçando, algo que Vivian espe­raria de duas pessoas apaixonadas.

Vivian era uma versão feminina do próprio filho. Possuía o mesmo cabelo e olhos escuros, e esses olhos, no momento, os observavam com satisfação.

— Querida — disse com calor, — não sabe como fiquei feliz quando Ryan me contou a novidade.

Jamie se afastou dos dedos tentadores de Ryan e se sentou na poltrona ao lado, com as costas bem eretas, deixando que ele ocupasse seu lugar perto da mãe no sofá. Sem querer, tocou a nuca, que ardia, e tratou de sorrir.

— Ryan foi um menino mau — continuou Vivian. — Sempre manteve sua vida amorosa em segredo...

— Mãe! Pare com isso!

Ela lhe deu um, tapinha no joelho.

— Tudo bem. Veja que não usei a expressão vida sexual.

Ryan praguejou e corou ao mesmo tempo. Era uma situação irônica, pensou Jamie.

— Ryan deve ter lhe dito Jamie, que eu me preocu­pava que encontrasse uma boa moça para sossegar.

— Sim, mencionou — disse Jamie apenas para res­ponder alguma coisa.

— Tenho certeza de que logo estarei recuperada, porque me sinto tão feliz! — exclamou a mãe.

E por mais de uma hora, Vivian deixou de lado a conversa sobre sua dieta e exercícios físicos para falar da sorte de Ryan ao encontrar Jamie. Fez perguntas que deixaram Jamie, muito constrangida, mas que Ryan res­pondeu com a perícia de um ator ganhador do Oscar.

Vivian então comentou que soubera desde o início que havia algo entre eles, pelo modo como Ryan olhava para Jamie. E suas suspeitas haviam se confirmado ao flagrar os dois se beijando na piscina. Apressou-se a acrescentar que não ficara muito tempo bisbilhotando e que só testemunhara "um beijo apaixonado que falara por si mesmo".

Enquanto isso, Jamie esperava que o chão se abrisse para engoli-la.

Depois de um lanche leve de chá com torradas, Vivian se retirou para seu quarto, deixando Jamie a refletir com amargura sobre a confusão em que se metera.

— Isso... — disse assim que Ryan voltou. —... É um pesadelo.

— Vamos conversar em outro lugar — apressou-se ele a falar. — Não tenho certeza se minha mãe não pre­tende descer a escada pé ante, pé para nos espionar.

Ele deu meia-volta, e Jamie o seguiu para a varanda, bem longe da casa, descendo a colina por uma série de degraus de madeira que iam terminar na praia de areia branca.

Estava escuro, mas sob um luar intenso o mar brilha­va como um manto de veludo.

Era a terceira vez que Jamie descia para a praia. A primeira fora à noite também, e ficara maravilhada com o silêncio e o isolamento. A casa se situava sobre a coli­na e só podia ser alcançada de barco ou pelo terreno da propriedade, que estava fechado a estranhos.

Portanto, tudo ali era muito pacífico, e o silêncio só era perturba­do pelo som abafado das ondas. Ryan se inclinou para pegar uma folha com gesto distraído e depois se sentou na areia.

Jamie limpou a garganta e disse:

— Não fazia idéia de que sua mãe estivesse tão...

— Entusiasmada com a perspectiva de nos ver juntos?

— Ia dizer tão desesperada para vê-lo sossegado na vida.

— Está querendo dizer que só um homem desespe­rado escolheria você? — retrucou Ryan, estirando-se na areia com ás mãos na nuca.

— Não é isso — ela murmurou frustrada. — O que vamos fazer?

— Já conversamos a respeito.

— Mas eu não tinha ido fundo no assunto. Não per­cebi que teríamos de inventar uma grande história so­bre como nós... Nós...

— Acabamos nos apaixonando em meio aos arqui­vos e à sala do cafezinho? — interrompeu Ryan.

— Como pode fazer graça? Sua mãe acredita pia­mente que logo anunciaremos nosso noivado!

— Agora pode imaginar como me senti quando pre­cisei animá-la — defendeu-se ele. — Frágil como está, eu não podia lhe dizer que tudo o que presenciou na piscina foi uma brincadeira. Como minha mãe a consi­dera uma moça muito decente que não se deixaria levar por um momento de paixão, pensaria que a seduzi para logo esquecê-la.

— Do jeito como faz com todas as suas namoradas?

— Recuso-me a discutir isso. Você concordou com a farsa e resolveu cooperar.

— Sim, mas não me comprometi a ter contato físico com você, sabe muito bem disso.

Ryan continuou a fitar o céu, até que Jamie lhe deu um, tapinha no peito para chamar sua atenção.

Rápido como uma flecha, ele a segurou pelo pulso e se aprumou, apoiando o cotovelo na areia.

— Somos amantes, lembra? Minha mãe pode ser idosa, mas não é tola. Se ficarmos sempre distantes, apenas sorrindo um para outro, iremos deixá-la com suspeitas.

— Sim, mas...

— Mas o quê? Toquei você por três segundos na nuca. Não enfiei a mão debaixo de sua camiseta!

Jamie se remexeu com desconforto; os dedos de Ryan pareciam de aço em volta de seu pulso.

— Por que não finge que sou o veterinário? — disse ele com raiva. — Então quem sabe comece a gostar de ser tocada.

Jamie fechou os olhos com força. Nunca deveria ter insinuado que o usara e que se inflamara pensando em Greg. Fora uma deslavada, mentira e ela se, sentia uma covarde que jogava a culpa em outra pessoa para justifi­car seus atos... Impensados, tolos ou qualquer outra coisa.

Como se sentiria se fosse tocada intimamente por um homem que lhe contasse depois que não passava de uma substituta para outra que ele desejava e não podia ter?

— Não daria certo — murmurou por fim. — Agora, por favor, me largue.

Ryan a soltou imediatamente. Não sabia por que, diabo colocara o veterinário na conversa. Estivera de­terminado a deixar Greg fora do assunto, mas parecia não conseguir.

— O que quer dizer? — perguntou, sentando-se e vendo-a massagear o pulso dolorido.

— Não deveria ter dito o que disse sobre... Desculpe, eu não devia ter insinuado que você era um substituto para Greg. Descobri que esqueci Greg há muito tempo.

— Continue.

— Dizendo o quê? Não há mais nada a dizer. Caso tenha dado a impressão errada, peço desculpas.

— Deixe-me entender bem — disse Ryan. — Você não fica excitada pensando no veterinário?

— Parece que não.

— Então sua reação na piscina foi por minha causa?

— E nem por isso foi certa! O que fizemos...

— E não quer nenhum contato físico porque a excito e deseja evitar — sussurrou ele.

— Mais ou menos isso — resmungou Jamie, queimando da cabeça aos pés e muito consciente do brilho dos olhos de Ryan, que pareciam adagas penetrando em sua mente. — Deveria estar falando com você sobre o que fiz no trabalho hoje.

Mas enquanto sua razão lhe dizia que era melhor deixar o assunto constrangedor, seu coração se recusava.

Ryan disfarçou sua euforia. Sentia-se no topo do mundo e devia ser um tolo por permitir que algumas insinuações de uma mulher que nem mesmo levara para a cama o deixassem flutuando nas nuvens. Então perguntou:

— Falou com Law?

— Sim, e enviei as informações por e-mail. E... Humm...

— E... Humm... — imitou Ryan.

— Está rindo de mim!

— Estou intrigado com seu súbito nervosismo, Jamie.

— Pode me culpar por isso?

— É claro que não. Assumiu uma tarefa que consi­dera difícil, e a admiro por isso. Foi muito corajosa. É claro que irei me manter afastado o máximo possível se é o que você deseja.

— E o que mais? — perguntou ela com certa hesi­tação.

— Certo, não a tocarei, mas pode me tocar. Sempre que quiser e como quiser, porque admito que você, faz com que me sinta um adolescente. Aliás, agora mesmo, estou louco para beijá-la. Então sairei correndo como uma virgem ofendida se decidir me abraçar.

Ele não apenas acabara de fazer um desafio, mas a deixara na dúvida sobre como agir.

Jamie acabou rindo.

— Por que me fez rir, Ryan? Não é justo.

— A vida nem sempre é justa. Se me deseja, deve me tocar. É o que minha mãe espera que façamos.

— Só por esta semana e enquanto estivermos aqui. — Hesitante, ela abriu as duas primeiras casas da ca­misa dele. — Se precisamos fingir para sua mãe, é bom aprendermos a fingir entre nós dois. Não serei sua se­cretária. Não será meu chefe. Por alguns dias, podere­mos ser dois estranhos em uma linda ilha do Caribe? Poderemos?

— Fingiremos ser o que você quiser — murmurou Ryan. — Tire a camiseta bem devagar. Depois o su­tiã. Quero ver cada detalhe de seu lindo corpo antes de tocá-la.

Uma louca antecipação a dominou. Parecia estar fora do mundo e da realidade. Por que não ceder à ilu­são? Seria por pouco tempo. Sempre fora muito res­ponsável, enquanto sua irmã levava uma existência de diversão. Jamie passara tanto tempo exclusivamente consertando os erros de Jessica que corria o sério risco de perder a própria juventude.

Então por que não passar alguns dias ali lembrando como era ser jovem? De repente, ansiava por isso, antes que fosse tarde demais.

Com um suspiro e uma risada, fez o que Ryan pedia. Retirou a camiseta pela cabeça bem devagar. Depois tirou o sutiã também lentamente.

Em seguida, fez Ryan deitar de costas outra vez e passou a mão por seu corpo.

A ereção dele parecia uma espada de ferro.

E seu olhar! Cheio de fome e admiração.

— O que mais deseja que faça? — perguntou ela com malícia.

 

Um brilho de satisfação surgiu nos olhos de Jamie, e ela não pôde evitar. Depois de dias em que se esquecera de ser cautelosa, já não se importava em manter a guarda.

Por que o faria? Ryan estava muito atraído por ela. Em seus momentos de extrema paixão, sussurrava a seu ouvido o quanto a desejava, e cada sílaba dita com voz rouca, representava outra flecha atirada contra as defesas de Jamie.

E não se tratava apenas de sexo. Saíam juntos, in­centivados por Vivian, que declarava precisar de sosse­go e insistia que só conseguia isso quando os dois não estavam em casa fazendo barulho. Na verdade, Ryan e Jamie não incomodavam, mas ele ficava feliz em obe­decer á mãe. A ilha era deslumbrante, e ele ainda não explorara todos os recantos. Só agora percebia como sempre se sobrecarregava de trabalho onde quer que, estivesse e pela primeira vez, abria mão disso para fa­zer turismo com Jamie.

Levou-a para nadar em águas cristalinas. Foram de barco para várias ilhas vizinhas.

Jamie o incentivou a fazer, caminhadas para conhecerem a vida selvagem e riu quando ele confessou ter medo de qualquer coisa ou animal que rastejasse.

— Creio que compreende que homens de verdade, como eu, se orgulham de admitir certas fraquezas — in­formou Ryan enquanto mantinha uma considerável dis­tância de um louva-a-deus que Jamie segurava na mão.

Ela nunca passara férias, fora da Inglaterra quando criança. Tendo perdido o pai em tenra idade, vivia sob severas restrições financeiras.

É claro que ela e Ryan ainda trabalhavam juntos. As manhãs continuavam transcorrendo no escritório da casa, porém o trabalho adquirira uma nova e diferente perspectiva. Nunca se tocavam, mas às vezes, ele se debruçava sobre ela, lendo algo sobre seu ombro no computador, e sua proximidade a deixava trêmula. Jamie o fitava, e seus olhos transmitiam todo o desejo que sentiam um pelo outro, mesmo que continuassem a discutir algo trivial e técnico.

Nesse exato momento, Jamie desligava seu compu­tador como a secretária cuidadosa que era, mas sob a camiseta, não usava sutiã, e a umidade por debaixo da minissaia indicava a urgência que seu corpo tinha para ser tocado.

Ryan estava ao telefone, recostado na cadeira de couro atrás da escrivaninha, porém seu olhar seguia lentamente cada movimento de Jamie.

— Conseguimos o contrato — anunciou, colocando os pés sobre o tampo da escrivaninha em um gesto tão característico seu que a fez sorrir. — George agradeceu muito por todas as informações que você enviou por e-mail antes da reunião.

— Que bom. — Jamie sorriu com profissionalismo.

— É tudo o que tem a dizer? — murmurou Ryan, enquanto passava as mãos por baixo da camiseta dela.

Descobrira que mal podia olhá-la sem se sentir ex­citado. Onde estava o homem que sempre soubera se controlar tão bem com as mulheres? Parecia estar no corpo de outro sujeito em constante estado de excitação sexual, com a cabeça cheia de imagens eróticas que só desapareciam quando adormecia profunda­mente. E mesmo assim, de vez em quando, acordava pensando nela e necessitando de um banho frio, por­que Jamie se recusava a passar a noite toda na cama dele.

— O que mais poderia dizer? — perguntou ela inter­rompendo o fio de seus pensamentos.

— Ações falam mais do que palavras — explicou ele.

— E como quer que eu aja? — Corou quando ele passeou o olhar por seu corpo. — Não podemos — murmurou quase sem voz. — Sua mãe nos aguarda na varanda para almoçarmos.

— Esqueci de lhe dizer. Ela foi com o motorista até a cidade fazer um check-up de rotina e depois irá se encontrar com as amigas para almoçar fora. Nunca vi ninguém se recuperar tão depressa. Aliás, nunca vi ma­mãe tão bem.

Agora que o relacionamento dele com Jamie, fosse lá qual fosse, estava às claras, Vivian se sentia anima­da como uma menina, arquitetando planos que só ela conhecia.

Entretanto, Ryan tratou de se concentrar na mulher sensual à sua frente, cuja minissaia revelava pernas bronzeadas pelo sol da ilha. Começou a despir sua camiseta.

— Então trate de demonstrar com entusiasmo como ficou feliz com o fechamento do novo contrato. — Ele sorriu. — Mas, pensando melhor, creio que serei eu a demonstrar para você como estou agradecido pela aju­da que me deu.

Acariciou suas coxas macias e bem torneadas até que Jamie pensou que iria desmaiar.

Depois retirou a calcinha rendada, enquanto ela se posicionava junto à mesa e fechava os olhos, perdendo-se nas sensações deliciosas. O corpo de Jamie queimava mesmo com o ar-condicionado ligado na sala.

Em geral, faziam amor à noite, depois que Vivian se retirava para seu quarto. As estrelas e a lua já ha­viam sido testemunhas várias vezes de sua paixão na praia, deitados sobre uma manta na areia e esquecidos do mundo ao redor. Entravam no mar para se refrescar, mas logo voltavam para fazer amor novamente. Ha­viam se amado no quarto de Ryan. No quarto de Jamie, também. Certa vez, até na cozinha, de madrugada, quando Ryan se divertira molhando o corpo dela na pia e a enxugando com a língua.

Porém o escritório sempre fora um local de trabalho, portanto, nesse momento, havia algo de deliciosamente proibitivo ao ficarem ali quase sem roupas.

— Seria melhor subirmos — sussurrou Jamie, pas­sando os dedos pelo cabelo escuro de Ryan.

— Ah, não tenho certeza — respondeu ele. — Pare­ce tão apropriado demonstrar minha eterna gratidão por você ser tão boa funcionária.

— E se um dos jardineiros nos olhar pela janela?

— Bem pensado. Vou fechar as cortinas enquan­to você permanece na mesma posição sem mexer um músculo.

Ela obedeceu, e quando Ryan voltou Jamie quase desmaiou sob as carícias que ele lhe fez com dedos e língua nas partes mais íntimas de seu corpo. Sentia os seios intumescidos, e sempre que olhava para a cabeça morena entre suas coxas, amolecia como uma boneca de trapo. Havia algo de intensamente erótico no fato de Ryan permanecer vestido e ela com quase nada e com o cabelo despenteado.

— Não agüento mais — gemeu, enquanto Ryan con­tinuava a excitá-la com a língua.

— Adoro quando diz isso — murmurou ele, enfim a carregando até o sofá e tirando a própria roupa.

Jamie não se cansava de admirar seu físico musculoso.

Em Londres, Ryan freqüentava uma academia de gi­nástica, onde jogava squash com um grupo do escritó­rio duas vezes por semana.

E praticava muitos outros esportes também. Na ilha, costumava correr, às cinco horas da manhã, conforme contara a Jamie. Ela não acreditara até que, nesta ma­nhã, levantando mais cedo que de hábito, o vira da ja­nela, desaparecendo no caminho que levava à entrada da casa. E pensar que poucas horas antes haviam feito amor. Ele parecia não precisar de sono.

Retornando ao momento presente, recostada no sofá, Jamie tocou de leve a testa, parecendo uma linda dama da época vitoriana prestes a desmaiar, e essa imagem, refletiu Ryan, era muito atraente.

— Estou feliz que tenha gostado de meus agradeci­mentos, minha bela dama — murmurou.

Posicionou-se sobre ela, enquanto retirava a camise­ta de Jamie pela cabeça e começava a beijar seus seios com voluptuosidade.

Fazer amor com ela era sempre algo novo e excitante.

Penetrou-a com uma estocada firme quando não puderam mais suportar as preliminares sem gemer.

Em um breve momento, ambos chegaram ao clímax, seus corpos unidos.

Pouco a pouco, voltaram a respirar normalmente. Era bom que Vivian estivesse fora, refletiu Jamie, pois não conseguiria ir até a varanda para almoçar sem que seu rosto traísse o que andara fazendo com Ryan.

Espreguiçou-se e se aconchegou ao corpo forte e viril. Ryan acariciou um de seus seios de maneira distraída. Jamie adorava isso, seu sentimento de posse masculina.

Poderia ficar ali eternamente. Por fim, ela limpou a garganta.

— Agora que sua mãe já se restabeleceu e tem certe­za de que nosso romance é verdadeiro...

Ryan ficou imóvel, porque sabia que essa conversa cedo ou tarde aconteceria entre os dois. Sua presença estava sendo requisitada em Londres. Podia deixar um substituto, mas por tempo limitado. Havia decisões a serem tomadas sobre assuntos muito importantes que só ele poderia tomar e que não podiam ser feitas ali na ilha, relaxando, tomando sol e fazendo amor... Sem mencionar os passeios diários quando ele não pensava em trabalho...

Jamie aguardou com paciência que ele respondesse, mas Ryan apenas suspirou.

— Devemos começar a pensar na volta para Londres — insistiu ela.

— Sim — disse Ryan devagar. — Devemos.

Só nesse momento, resolvera pensar no assunto de verdade. Porém sabia que não poderia abandonar o que começara entre os dois. Será que pensara nisso quando a convidara para participar da encenação para Vivian?

— Preciso fazer reservas — continuou ela.

— Você sabe como estragar o clima, Jamie.

— Estou apenas sendo... Realista.

— Partiremos no fim de semana. Ou seja, depois de amanhã.

Ela girou, ficando de costas e olhando para o teto.

— E então voltaremos a ser as pessoas que éramos antes de vir para cá — concluiu com um suspiro.

— Vai ser fácil? — perguntou ele sem emoção. — Acredita mesmo que poderemos voltar à fria relação profissional que tínhamos antes?

— Não era fria!

— Sabe muito bem o que quis dizer. Não podemos apagar o passado só porque nos convém.

— O que está tentando dizer?

— Que isso parou de ser um jogo e uma farsa no segundo em que fomos para a cama juntos, e se acha que poderemos fingir que isso nunca aconteceu, então é porque vive nas nuvens. Aconteceu, e não deixará de ter acontecido mesmo quando voltarmos para Londres e estivermos sentados a nossa mesa no escritório. Quando olharmos um para o outro, lembraremos, e você não poderá apagar isso da memória.

— Nunca deveríamos ter começado — ela gemeu. Entendia agora e pagaria um preço muito alto por ter concordado com essa história.

Abdicara de sua vida organizada e cautelosa por um sentimento que ameaçava consumi-la. Apaixonara-se por Ryan e agora poderia ficar arruinada.

— Por favor, não me faça um sermão sobre a cul­pa — disse ele com frieza, analisando a expressão de Jamie nesse momento. — Pensei que já tínhamos en­cerrado essa fase.

— Passando para que nível exatamente? Mas tem ra­zão, será impossível olharmos um para o outro e fingir que nada aconteceu.

— Então faremos a coisa lógica — Ryan sorriu.

— O quê?

— Continuaremos á nos encontrar em Londres. O que sentimos não desaparecerá só porque queremos, então por que tentar? Se alguém me dissesse há dois meses... Menos que isso... Que acabaríamos na cama juntos e adorando a experiência, pensaria que era um louco. Mas aqui estamos, e não pretendo pôr uma pe­dra sobre o assunto, ainda não, quando a desejo o tem­po todo.

Ainda não. Aquelas duas palavras ficaram martelan­do no cérebro de Jamie, fazendo-a hesitar entre o dese­jo de ceder ou encarar a realidade.

Ryan queria estender essa história porque estava se divertindo, quebrara a regra de não dormir com nenhu­ma funcionária e não se arrependera.

Ele não se afligia pensando no futuro á longo prazo. Para ele, Jamie não passava de uma aventura agradá­vel. E Ryan Sheppard era um homem que adorava se divertir.

— Não acredito que vou dizer isso — prosseguiu, — mas você é a mulher mais sexy que já levei para a cama. — Abraçou-a. — E, além disso, é divertida e me faz rir.

Jamie daria tudo para apenas fechar os olhos e le­var adiante essa história. Porém estava prestes a voltar para Londres, e não podia fingir que era o tipo de ga­rota que só pensava no presente sem se importar com o futuro.

— Quando a toco, esqueço todas as preocupações — murmurou Ryan. — Jamais havia tirado tanto tempo de férias. Agora o trabalho nem me passa pela ca­beça. E minha mãe está radiante com essa situação. Não vamos estragar tudo falando em culpa e remor­so. Concordamos em fazer esse jogo, que acabou se tornando real. Vamos ver aonde essa história irá nos levar, Jamie, e quando acabar verei o que dizer para minha mãe.

Quando acabar. Jamie refletiu como ele podia di­zer certas coisas desagradáveis ao mesmo tempo em que desejava convencê-la de que o que faziam estava cer­to. Estava tão acostumado a ter relacionamentos bre­ves que não conseguia vê-los de outra maneira. Para ele, tudo era temporário. Quantos tempos mais ficariam juntos quando voltassem para Londres até que ele se cansasse dela?

Jamie não tinha concorrente ali na ilha, mas em Londres, haveria uma linda mulher em cada esqui­na, pronta para roubá-lo dela, telefonando, mandando e-mails, cercando Ryan. Em breve, Jamie não mais o faria rir.

Sentou-se ereta, de repente, muito consciente da pró­pria nudez.

— Vamos nos levantar e nos vestir. Estou com fome, e sua mãe logo chegará. Tenho certeza de que ela vai querer descansar depois do almoço.

— Duvido que fique aborrecida por saber que, em sua ausência, não ficamos só trabalhando.

— Isso não vem ao caso — replicou Jamie com se­cura.

Tentou se levantar do sofá, mas ele a segurou.

— Essa conversa não acabou — disse Ryan. — Você começou, e ninguém vai a lugar nenhum até terminarmos.

— Não sei o quer que eu diga.

— Sabe sim, Jamie.

— Muito bem. Quer que lhe diga que continuarei a dormir com você até que decida que está farto de mim e me troque por uma de suas garotas loiras de pernas longas?

— De onde tirou essa idéia? — perguntou ele, segurando-a no sofá.

Não sabia o que provocara tal reação.

Por seu lado, Jamie fantasiou, por um segundo, que ele lhe dizia que nunca mais haveria outra loira, que ela era a única em sua vida, e que ele adorava o chão que ela pisava.

Mas, da mesma maneira súbita com que sur­giu, essa fantasia desapareceu.

— Eu... Gostei de verdade disso, mas quando re­gressarmos para Londres, as coisas entre nós voltará a ser como eram. Sei que será difícil, mas não im­possível. Você ficará muito ocupado e absorvido por assuntos urgentes. Eu me ocuparei com o plano de me livrar de Jessica, que ainda deve estar em minha casa. Provavelmente sua mãe vai querer vê-lo mais do que via antes, e logo olhará para trás pensando que tudo não passou de uma quimera, algo que nunca aconte­ceu de fato.

Ryan não acreditava que Jamie estivesse lhe dando o fora. Sim, ela relutara em ir para a cama com ele. Tinha princípios rígidos, que ele passara a respeitar, mas de­pois de tanta intimidade, presumira que concordavam com o caminho a seguir. Raios, as pessoas embarcavam no casamento sem pensar tanto quanto Jamie pensava sobre um romance! A idéia de não mais tocá-la ou, pior ainda, de voltar a vê-la todos os dias no escritório sem poder tocá-la, gelava o sangue em suas veias, porém não pretendia implorar.

— Além do mais — continuou Jamie — seriam es­quisito e mais cedo ou mais tarde, as pessoas desco­bririam. Sabe como o escritório fervilha de mexericos. Perderiam o respeito por nós dois.

— Não se preocupe comigo, mexericos nunca me incomodaram.

— Bem, incomodariam a mim — ela replicou com frieza. — Jamais gostei de perceber que falam pelas minhas costas. De qualquer modo, sejamos honestos, esse relacionamento não tem futuro.

Enquanto falava, Jamie lamentava a débil esperança que ainda mantinha no coração de que Ryan a inter­romperia dizendo que o assunto era sério.

Entretanto, ele apenas deu de ombros.

— Por que um relacionamento deve ter futuro? Esta­mos felizes assim, e é isso que importa.

— Não para mim!

— Está me dizendo que deseja um pedido de casa­mento? — perguntou Ryan devagar.

— Não! É claro que não! — Jamie deixou escapar uma risada trêmula.

Podia imaginar como ele deveria estar espantado com tal possibilidade: a secretária que, após alguns dias de farra, começava a fazer planos, encorajada pela mãe dele.

— Mas também não quero perder tempo com uma relação que não leve a nada. Acho que aprendi a lição com Greg.

— Certo. — Assim dizendo, Ryan se levantou e co­meçou a reunir as roupas espalhadas pelo chão. — Vol­tamos aos negócios.

Sentia ganas de socar alguma coisa. De repente, se viu imaginando como fazê-la ceder a seus desejos. Quando se voltou, Jamie já vestira a camiseta.

— Podemos continuar a nos divertir durante o tempo que nos resta aqui... — Mal disse as palavras, ela sentiu vergonha de si mesma por fazer tal sugestão.

E o fato de ela estar tão serena deixava Ryan ainda mais enfurecido.

— Mais um pouco de sexo para enfrentar a estra­da? — perguntou com sarcasmo, fazendo Jamie estre­mecer. — Quantas vezes acha que conseguiremos até pegar o carro para o aeroporto?

Balançou a cabeça, frustrado com a própria incapa­cidade de colocar as coisas em perspectiva. Teria sido um erro começar com aquilo? Jamie não era nada igual às mulheres com quem dormira antes. Era muito séria e íntegra. Não ligava para clubes, festas, bijuterias caras, e ele se sentira atraído por uma pessoa completamente diferente daquelas a que estava acostumado. A isso se unia o fato de Jamie ser inteligente e divertida, além de ter conquistado a família de Ryan... Seria surpresa que ela esnobasse o tipo de relacionamento que ele estava lhe oferecendo?

— Se vista — disse, não podendo conversar com ela quase nua e tentadora.

Jamie ficou; vermelha como um camarão e tratou de reunir o resto das roupas. Agora que haviam termina­do o relacionamento a pedido dela, Ryan a relegava ao esquecimento.

Era especialista em seguir adiante quando se tratava de mulheres, e já estava fazendo isso, desinteressando-se dela fisicamente e do que haviam compartilhado.

Jamie tentaria fazer o mesmo. Fora um erro sugerir que se divertissem pelo resto do tempo que dispunham na ilha, e sabia que essa fraqueza iria atormentá-la mais tarde.

— Precisamos manter a farsa enquanto estivermos aqui — disse Ryan, e Jamie concordou com um gesto de cabeça, grata por seu cabelo cobrir parte de seu ros­to, disfarçando seu constrangimento.

Respirou fundo e ergueu a cabeça, respondendo:

— Naturalmente.

Seu sorriso calmo o irritou. Ryan cerrou os dentes e enfiou as mãos nos bolsos.

— Olhe, sinto muito — murmurou Jamie, sem graça.

O Ryan que conhecera nos últimos dias desaparece­ra. Em seu lugar, havia um estranho de olhos frios que a fazia refletirem se chegariam a voltar aos termos profis­sionais de antes.

— Sente? O quê? — resmungou ele dando de om­bros e abrindo a porta para que ela saísse antes. Sentiu a brisa tropical e ficou zonzo. — Convidei-a para vir para cá. Você estava muito contente por ficar em Londres e brincar de empregada para sua irmã.

Jamie mordeu o lábio e reprimiu a vontade de brigar com ele por causa disso. Ryan voltara a ser seu chefe, e ela parecia ter perdido o direito de dizer o que lhe vinha à cabeça.

Além disso, ele estava distraído, caminhando com passos bruscos para a varanda.

Jamie o seguiu e cruzou os braços sobre o peito.

Ryan se deixou cair sobre uma das poltronas de vime e esticou as pernas.

— Também a persuadi a participar de uma farsa porque me convinha, portanto não faço idéia de por que disse que sente muito, a não ser pelo fato de ter ido para a cama comigo... Mas, raios; somos adultos. Sabíamos em que estávamos nos metendo. — Olhou por cima do ombro, pois Jamie estava; parada atrás. — Por que não vai cuidar dos preparativos para nossos vôos de volta? E depois pode usar o resto do dia para fazer suas malas.

Jamie o deixou olhando a distância. Ela sentia que Ryan acabava de dispensá-la e tratou de obedecer com o coração dolorido. Conseguiu passagens para o dia se­guinte, o que foi um alívio. Na frente de Vivian, os dois deram um show modesto de afeição mútua, mas Jamie se retirou muito cedo para dormir.

Desembarcar em Londres foi como chegar a um lugar que Jamie já não reconhecia.

Após o colorido brilhante da ilha, da vida tranqüila e dos dias morosos, o burburinho nas ruas cinzentas e o céu sombrio foram um lembrete severo do que perdera.

Sentia-se uma pessoa diferente... Aquela que vive­ra de maneira monótona, pensando que ainda amava Greg, desaparecera. Ryan a despertara e, para o bem ou para o mal, nunca mais seria a moça cautelosa e retraída de antes.

Por esse motivo, agradecia pelo que acontecera, mas lamentava todo o resto, o sofrimento e a confusão que vivia agora... Quando deixaram Vivian com Claire e Hannah, que tinham ido ao aeroporto para receber a mãe, Jamie vira Ryan se afastar um pouco para falar ao celular.

Conhecia-o tão bem que ao vê-lo se afastar, baixar a voz e dar uma risadinha rouca soube que estava falando com uma mulher.

Quando ele desligou, Jamie limpou a garganta.

— Por favor, não me diga que minha primeira tarefa ao regressar amanhã ao escritório será comprar flores para sua nova namorada. — Disse isso com medo de perder a voz, mas acabou falando com muita dignidade.

Ryan voltara bronzeado como um deus, e as lem­branças causaram um nó na garganta de Jamie, deixan­do-a tensa, mas continuou sorrindo até quando ele arqueou as sobrancelhas em um gesto de indagação.

— Não sei do que está falando, Jamie.

— Certo! — ela exclamou com ânimo, fazendo sinal para um táxi.

— Mas se estivesse falando com uma mulher — prosseguiu ele —, isso a aborreceria?

Jamie apertou o casaco de encontro ao peito.

— De verdade? Não me faria sentir bem. Entretanto, cumpriria a tarefa de comprar as flores para ela; e não precisa andar na ponta dos pés perto de mim, Ryan. A relação de trabalho que temos é mais importante do que um breve romance. Na verdade...

Jamie fitou o motorista de Ryan, que aguardava ali perto com paciência para levá-lo diretamente ao escri­tório. Enquanto isso, ela iria para sua casa verificar o estrago que Jessica causara em sua ausência.

— Na verdade...? — encorajou Ryan.

— Na verdade, somando tudo, você me fez um gran­de favor.

— Do que está falando?

— Você me arrancou do marasmo. Acho que passei tempo demais me enganando que ainda amava Greg. Você me fez ver o grande erro que estava cometendo ao me enterrar no passado.

Havia uma enorme verdade nisso que dizia, porém o mais importante era que Jamie estava racionalizan­do o que acontecera e tirando proveito disso. Se qui­sesse, poderia até se enganar dizendo que tudo fora para o melhor, e se pudesse se convencer disso teria condições de agüentar Ryan sussurrando palavras do­ces ao telefone para outra mulher. Ela precisava recu­perar o bom-senso. Sua vida dependia disso.

— Sou uma pessoa diferente agora — explicou. — Vou começar a me divertir em Londres. Vejo que perdi muito tempo hibernando. É claro que não de propósito, mas fiquei remoendo o que passou, e não deveria ter feito isso. Por certo, sua mãe ainda acha que ficaremos noivos a qualquer momento. Posso perguntar quando pretende lhe contar a verdade?

— Isso importa? Afinal, você está fora do jogo agora — replicou Ryan com fingida polidez.

— Sim, mas o que dirá para ela? Gosto muito de Vivian, e quanto mais a conheço, menos aprecio o que fizemos.

— Não se preocupe. Não deixarei que ela pense mal de você, Jamie.

— Obrigada, porque gostaria de rever sua família algum dia.

— Não seria apropriado.

— Sim. Compreendo. — Jamie voltou a sentir um nó na garganta e desviou o rosto corado.

— Minha mãe costuma ter entusiasmos passageiros — continuou Ryan. — E não quero encorajá-la. Assim que estiver totalmente recuperada, direi que termina­mos o romance em termos amigáveis e que continu­aremos a trabalhar juntos. Fique tranqüila que, se ela culpar alguém será a mim.

— Vivian ficará aborrecida — murmurou Jamie. Sa­bia como era viver dentro de um sonho e vê-lo terminar.

— Nesse caso, providenciarei algo para dar a ela com que se ocupar e se interessar — afirmou ele em voz baixa e aproximando a boca do ouvido de Jamie.

— O que quer dizer?

Ele se aprumou e apenas sorriu de maneira demoní­aca. Depois disse:

— Você não é dona das lições de vida Jamie. En­quanto se ocupar recuperando o tempo perdido e se divertindo em Londres, talvez eu comece a procurar a esposa perfeita. Minha mãe quer-me ver acomodado, minhas irmãs também. Sim, quem sabe tenha chegado a hora de pensar em casamento!

 

Ryan olhou para a loira empoleirada no sofá de seu escritório e que o fitava com expectativa. Ela estava à procura de uma noite de diversão, envolvendo jantar em um restaurante sofisticado e dançar em uma boate extremamente cara. Também esperava ganhar uma jóia do mesmo modo muito cara, que pudesse ostentar no pescoço longo e alvo e que completasse o encanto da cascata de cabelo claro e ondulado que chegava até a cintura com artística displicência.

Era noite de sexta-feira, e Ryan não podia imaginar um só motivo que o impedisse de deixar o trabalho e mergulhar na oferta à sua frente.

Entretanto, via-se pensando em arrumar desculpas para fugir da diversão desta noite, e franziu a testa diante de sua própria estupidez.

Onde estava Jamie? Desde que voltaram para Lon­dres, havia duas semanas, ela se tornara um maçante robô programado. Só nesse momento, ele se dera conta de como estava acostumado com a boa vontade dela para fazer horas extras e atender a todos os pedidos do che­fe. Em geral, na sexta-feira à noite, no passado, ficavam planejando algum trabalho, às vezes, com um dos espe­cialistas em computação, porém freqüentemente só os dois. Pediam pizza e comiam entre papéis e documentos espalhados pela escrivaninha dele.

Tudo isso terminara. Jamie continuava sendo a se­cretária eficiente de sempre, polida e extremamente profissional, mas agora saía no horário e não chegava nem um segundo mais cedo ao escritório.

Talvez estivesse à procura da fabulosa vida de soltei­ra que mencionara quando se despediram no aeroporto. Ryan não tinha certeza. Ela nada dizia sobre sua vida particular, e de jeito nenhum, Ryan daria o braço a tor­cer, demonstrando curiosidade.

Abigail, a loira no sofá com quem saíra algumas vezes e que começava a entediá-lo, se inclinou para frente, lançou-lhe um sorriso insinuante e levantou-se.

— Vamos sair Ryan querido? Por favor, não me diga que passaremos a noite de sexta-feira neste escritório!

— Já passei muitas noites agradáveis de sexta-feira aqui — resmungou ele, ajudando-a a vestir o casaco.

— Bem. —Abigail fez beicinho e depois o beijou de leve nos lábios. — Esse não é o meu tipo de diversão. E duvido que alguma mulher ache divertida!

De imediato, isso fez com que ele pensasse em Jamie. Parecia que quase tudo o fazia lembrar-se dela nos últimos dias.

Não queria ficar e observar cada gesto que ela fazia, porém era isso que vinha acontecendo. O modo de ela se mover, o jeito como se inclinava para frente quan­do examinava algum documento, afastando o cabelo para trás das orelhas e franzindo a testa.

Ryan obser­vava como apoiava o bocal do telefone no ombro para fazer outra coisa ao mesmo tempo e depois como massageava a nuca. Notava também como Jamie desviava o olhar do dele quando se falavam e o leve colorido que surgia em suas faces. Era isso que o fazia perceber que, por baixo do verniz de fria polidez, Jamie não estava tão distante como queria demonstrar.

Ou estava?

Ryan não tinha certeza, e odiava se sentir insegu­ro. Sempre fora fácil terminar com os relacionamentos quando se tornavam indesejáveis, mas descobrira que era impossível fazer o mesmo a respeito de Jamie. Por quê? Só podia imaginar que era porque haviam terminado antes do tempo. Era um negócio mal resolvido.

E nessas circunstâncias, como dar de ombros e es­quecer?

Além disso, não fora ele quem terminara. Ryan sabia que isso era orgulho masculino ferido, mas fazia parte da situação, não? E a situação, no geral, o deixava com uma indesejável obsessão, que era difícil de dominar.

Ajudaria se pudesse se interessar por outra mulher.

Passava das dez horas quando entraram na sofisticada boate em Knightsbridge.

Haviam jantado em um dos restaurantes mais caros de Londres, e Ryan pedira mais vinho do que o necessário para superar seu aborreci­mento. Abigail passara tempo demais tentando entretê-lo com conversinhas fúteis e mexericos a respeito de amigas dela que ele não conhecia e que pouco lhe interessava.

Ela o entediou com piadas a respeito do ambiente, o que ô fez pensar, de novo, em como era tolo sair com moças que consideravam o mundo em que viviam a única coisa interessante. Abigail tagarelava, fazia beicinho e exibia um corpo que, na realidade, Ryan achava magro demais.

A ida à boate marcaria o fim do relacionamento, se é que podia ser chamado assim, e foi só por esse motivo que Ryan resolveu continuar a noitada.

Levou alguns segundos para ajustar os olhos ao lusco-fusco da boate. Era um local exclusivo, com poucas mesas para quem queria jantar ou apenas apreciar o espetáculo dos pares dançando na pista. O bar era mo­vimentado, e uma banda tocava músicas sofisticadas.

Ryan já fora em diversas ocasiões a esse lugar, mas dessa vez, não se deixou impressionar por nada. Tal­vez estivesse ficando velho demais para esse tipo de coisa. Não falara sério ao dizer a Jamie que pretendia procurar a esposa ideal, porém agora pensava se, de fato, não chegara a hora de fazer isso. Afinal, não ti­nha intenção de ficar voltando o tempo todo ali nos próximos cinco anos sempre de braço dado com um clone de Abigail.

Prestes a dizer para sua acompanhante que se ela queria ficar ali que ficasse sozinha, viu Jamie, e o choque de encontrar sua secretária em uma boate quase o fez pensar que estava vendo uma miragem.

Desde quando Jamie freqüentava boates? Ryan se surpreendeu com a raiva que o dominou. Seria isso que ela andava fazendo desde que haviam voltado para Londres? Sua idéia de aproveitar a vida? Abigail vira alguns amigos, e Ryan concordou dis­traído, quando ela desapareceu para cumprimentá-los , no bar. Ele queria saber com quem Jamie estava. Sua irmã, talvez? Jamie não o deixara ao corrente da situação atual de Jessica.

Sem dúvida, ela considerara uma conversa íntima demais para seus novos padrões de comportamento, e ele, orgulhoso, nada perguntara.

Entretanto, Jessica devia continuar em cena, quem sabe tendo mandado às favas o meigo veterinário, e agora apresentava Jamie ao mundo de diversão que ela nunca tivera, levando-a a uma boate caríssima e sofisticada em Knightsbridge.

Ryan quase gargalhou. Se Jamie tivesse perguntado, ele teria lhe dado todas as informações sobre aonde ir, em segurança, evitando os lugares onde homens de meia-idade tentavam arranjar a companhia de garotas bem jovens.

Mandou o garçom levar três garrafas do melhor cham­panhe para Abigail e seus amigos, recebendo um caloro­so sorriso de agradecimento. Então pediu um uísque e esperou por Jamie, que desaparecera sozinha na direção do toalete feminino. Várias cabeças, a maioria masculi­na observou Ryan com irritação, á seguiram pelo local repleto, e ele entendia por quê. Os sapatos baixos, o ca­belo penteado com discrição, o terninho sóbrio haviam desaparecido. Na verdade, ele não conseguia mais reco­nhecer sua secretária. Sim, no escritório, ela continuava a mesma, mas para tudo o mais, Jamie o deixara de fora de sua vida.

Ryan tomou um grande gole de uísque, franzindo a testa.

A imagem de Jamie nesta noite continuava impressa em sua mente: sapatos de saltos altíssimos, um vestido vermelho, muito curto e justo, o cabelo solto cobrin­do metade de seu rosto, tudo isso a deixava muito vul­nerável aos avanços masculinos, fazendo-o ranger os dentes.

Não conseguia ver Jessica em lugar nenhum para po­der pessoalmente lhe dar os parabéns pela transforma­ção miraculosa que fizera na irmã mais velha.

Aproximou-se do toalete feminino e esperou que ela saísse, enquanto bebia uísque.

Estava na posição certa para agarrá-la pelo braço.

Jamie já estava amargamente; arrependida do impul­so que a fizera ir à boate com Richard, um dos amigos de Greg que conhecera três dias antes.

Não gostava de boates. A música era alta demais para que se pudesse conversar, e o ambiente era muito escuro... Em especial, quando se usava saltos altos e não se enxergava o chão.

Um passo em falso e levaria um tombo que a deixaria envergonhada, então passara as últimas duas horas dan­do passinhos curtos e dançando com constrangimento.

Quanto a Richard... Bem, era um bom sujeito, no es­tilo de Greg. Os dois haviam se formado em veteriná­ria; Richard trabalhava em Londres, e Greg se mudara para o norte.

Richard poderia ter sido o namorado ideal se ela o tivesse conhecido um ano antes.

Mas Jamie agora só pensava em Ryan. Seu tipo ideal já não era calmo e meigo, e em comparação ao tempe­ramento vibrante de Ryan, Richard desaparecia.

Entretanto, ela se vestira de maneira provocante e sabia estar atraindo a atenção de outros homens.

Ao sentir que alguém a segurava pelo braço ao dei­xar o toalete, virou-se de supetão. A boate estava re­pleta de velhos libidinosos acompanhados por jovens mulheres que ostentavam como troféus.

Ficou chocada ao ver que se tratava de Ryan.

— O que você faz aqui? — murmurou, arregalando os olhos.

— Estava para lhe perguntar a mesma coisa. Veio com sua irmã?

— Não, e é melhor que volte para minha mesa. Meu acompanhante pode ficar preocupado.

— Que acompanhante? Está aqui com um homem? — resmungou Ryan.

Ela ficou com raiva. Será que Ryan pensava que não conseguiria alguém para sair?

— Sim, estou tendo um encontro!

— Veio com ele ou o encontrou aqui? Porque se for o segundo caso, devo alertá-la para não ter falsas ex­pectativas. A maioria dos homens que freqüenta este lugar não tem intenções sérias.

Jamie lhe deu as costas, e ele a seguiu. Precisava co­nhecer a pessoa com quem ela saíra.

Como Jamie conseguira mudar no espaço de apenas duas semanas? Sim, ele sabia como. Possuía o corpo de uma sereia e, sem dúvida, resolvera fazer uso de seus encantos.

Ficou frustrado ao ver que o rapaz em questão pare­cia ser um sujeito decente: sorriso franco, cabelo casta­nho curto e óculos de aro de metal. O tipo preferido de Jamie. Quando ela percebeu que Ryan a seguira, tratou de fazer as apresentações.

— Será que posso convidar sua acompanhante para dançar? — pediu Ryan. — Ela saiu muito cedo do tra­balho hoje.

— Saí na hora certa! — protestou Jamie.

— Preciso discutir alguns assuntos com ela — con­tinuou Ryan como se não a ouvisse. — Em geral, não faço isso em boates, mas...

— Não veio acompanhado? — perguntou Jamie com frieza. — Ou costuma vir aqui para tentar a sorte como aqueles velhos senhores no bar?

— Não é meu estilo — replicou Ryan, arrastando-a para a pista de dança.

— Tenho certeza de que a moça com quem veio não vai gostar de vê-lo dançando comigo — disse Jamie com ar severo e seguindo os passos dele com relutân­cia. — Onde está ela?

—Atrás de você... Á esquerda. Lindos olhos azuis e sa­patos azuis combinando. — Fez com que ela girasse para ver a loira alta de cabelo ondulado e pernas compridas.

A onda de ciúme quase fez Jamie perder o equilíbrio.

Dessa vez, Ryan fora discreto, refletiu. Não houvera e-mails que ela pudesse ler, nem telefonemas que des­sem uma pista para essa nova namorada.

Dessa vez, seria sério?

— Muito bonita — murmurou. — Já a apresentou para sua mãe?

— Minha mãe ainda precisa saber que eu e você ter­minamos — retrucou Ryan com rispidez.

— Quer dizer que ainda não contou?

— Falta de oportunidade. E agora que já me interro­gou sobre minha acompanhante, quem é aquele sujeito, Jamie?

— Não interroguei! E não é de sua conta com quem saio.

— Preocupo-me com você. Quase casamos, não esqueça.

— Isso nunca aconteceu! Era uma farsa.

— Por certo, minha mãe não concordaria com você. E me sinto na obrigação de avisá-la de que o mundo nem sempre é bom. Precisa tomar cuidado com suas novas companhias.

— Como ousa falar assim comigo? — resmungou Jamie.

— Deveria se sentir, lisonjeada com minha preocu­pação. Aquele sujeito pode ter o cabelo curto e bem penteado, mas isso não o torna bom.

Jamie fez uma careta. Será que Ryan Sheppard se considerava bom? Homens decentes não arrastavam moças pelo braço! Lutou contra a tentação de perguntar se a namorada desta noite, aquela que Ryan abandonara para dançar com sua secretária só porque era abelhudo, o considerava um "bom sujeito".

Na verdade, o que queria mesmo era saber se ele ti­nha intenções sérias com a loira.

Entretanto, não per­guntaria nada. As duas últimas semanas tinham sido uma agonia para Jamie. Não queria encorajar mais conversas particulares.

Retornou ao momento presente ouvindo Ryan, que dizia:

— Basta ler os jornais e assistir aos noticiários da televisão para ver quantos sujeitos anormais andam por aí.

— Obrigada por sua preocupação, Ryan, mas pode relaxar. Richard foi altamente recomendado. Greg nos apresentou. Os dois fizeram a faculdade juntos.

— Outro veterinário?

— Não vou ficar parada ouvindo suas piadinhas.

— Não está parada. Esta dançando. E o veterinário número um veio também com sua esposa?

Com o canto do olho, Ryan viu Abigail, que o fitava com desagrado. Então mandou um garçom que passa­va levar mais champanhe para ela e os amigos... Com suas sinceras desculpas, pois precisava discutir alguns assuntos com a secretária. De jeito nenhum, deixaria Jamie, agora que a encontrara.

Jamie suspirou, exasperada. Não queria ficar dançan­do com ele, sentindo suas mãos por seu corpo inteiro. Além disso, sabia que Ryan podia ser teimoso como um cão de caça.

Bem, mais uma dança e ele iria embora para ficar com sua namorada, refletiu.

— Vamos lá, Jamie. O que aconteceu com Jessica e o marido?

— Fizeram as pazes.

— Por que não me contou antes?

— Não sabia que estava interessado.

— O que aconteceu? — insistiu ele.

— É longa história — ela resmungou.

— Continuaremos dançando até você me contar tudo — resolveu Ryan.

Jamie se armou de paciência.

— Tive uma conversa franca com Jessica assim que voltei.

Sabia que devia isso a Ryan e sua família. Eles a haviam ensinado á ser mais, aberta e franca quando se tratava da própria família.

Greg também estava lá, e pela primeira vez na vida, Jamie passara um sermão na caçula.

— Eu disse a Jessica que era inaceitável fazer pouco-caso de minha vida e meus interesses sem se preo­cupar se estava me incomodando ou não. Disse que ela era egoísta e tinha idade suficiente para resolver, sozi­nha seus próprios problemas. Afirmei também que era uma idiota, que Greg a adora e é um marido maravilho­so. E, acima de tudo, falei para resolver seus problemas longe de minha casa, pois estava farta da presença dos dois ali.

— Em outras palavras, uma vitória para você — murmurou Ryan.

Ela lhe endereçou o primeiro sorriso caloroso desde que haviam voltado para a Inglaterra, e isso ô fez vibrar com uma absurda alegria.

— Então tudo foi esclarecido — prosseguiu Jamie. — Jessica me confessou que tinha medo de engravidar e perder as formas esculturais. Disse que sempre se va­leu da beleza para conseguir o que queria e confiava em mim porque ficava sempre por perto, à espera de ajudá-la.

Enquanto falava, Jamie percebia quanto sentira falta dessas conversas com Ryan.

Mas não devia sucumbir à nostalgia. Precisava se lembrar de que já não eram amantes.

Ryan tinha uma nova namorada, provavelmente uma atriz ou modelo, por causa da aparência, o que provava que continuava atraído por esse tipo de mulher e que ela não passara de um capricho do momento. Bem, saíra com outro homem, e isso já era um começo.

— Pronto! Contei tudo! — exclamou no fim da nar­rativa. — Uma história sem graça.

— Não achei sem graça — comentou Ryan. — Mas onde estava o maridinho de Jessica quando vocês duas tiveram essa conversa franca?

— Tomando um drinque com Richard.

— Como foi gentil em apresentar vocês dois — co­mentou Ryan com sarcasmo.

Jamie começava a achar difícil lembrar-se das fei­ções de Richard. Como sempre, a imagem de Ryan se sobrepunha a tudo, e ela ficava irritada e insegura com isso.

— Sim — replicou com petulância. — A afinidade foi instantânea.

— Verdade? — murmurou Ryan entre os dentes cer­rados e um sorriso frio.

— Talvez eu tenha uma queda por veterinários! — exclamou Jamie em tom displicente. — Como você por modelos e atrizes.

Não queria dizer isso, mas já era tarde para engolir as palavras.

— Pode ser — concordou Ryan. — Bem, por favor, me avise, se resolver casar e ter um monte de filhos.

— Não acho que se devem apressar casamentos. Além disso, só saí com Richard...

Uma vez, ela pensou.

—... Algumas vezes — tratou de dizer em voz alta. — Mas avisarei se resolver me casar.

— Nossa, Jamie, você está ficando muito namoradeira, não?

Alguns encontros e, ela já pensava em casamento. Ele queria lhe dizer que se atirar sobre o primeiro que aparecera depois que os dois haviam rompido era mui­to perigoso.

— Sabe muito bem que não sou assim! E, por favor, não me siga até minha mesa ou vou me sentir muito mal por causa de sua namorada loira e solitária.

— Abigail está muito bem.

— Verdade? Porque me parece aborrecida.

E Ryan dominava o ambiente com sua virilidade e beleza. Sem dúvida, havia muitas loiras de pernas lon­gas ali que desejariam tomar o lugar de Abigail.

— Tenho uma pergunta — disse Ryan de supetão, sem prestar atenção ao comentário de Jamie.

— O que é?

— Já dormiu com ele?

O tom despreocupado a fez pensar se estaria zom­bando dela. Será que a julgava ridícula ali na boate so­fisticada e em meio a mulheres tão lindas? Jamie dese­jou lhe dar uma bofetada, mas cerrou os punhos.

— É hora de terminarmos esta conversa, Ryan. Ve­rei você na segunda-feira no escritório. Bom fim de semana.

Deu as costas e voltou para a mesa onde Richard a aguardava.

Por que não conseguia se apaixonar por um homem como Richard Dent? Na teoria, era tudo o que sempre desejara.

Ele tinha uma aparência agradável, era amigável, atencioso e bom caráter. Trouxera flores para ela e aceitara com dignidade quando Jamie lhe dissera que o considerava apenas um bom amigo. Quando ela espe­rara que desse uma desculpa e fosse embora, Richard insistira para que fossem a tal boate. Afinal, amigos po­diam se divertir juntos, não?

Após voltar para sua mesa, tratou de tentar se con­centrar no que Richard dizia, mas só conseguia pensar em Ryan, observando-o com a namorada e se torturan­do sobre o que os dois fariam mais tarde.

Viu que o casal ia embora quando Richard a arrastou para a pista de dança. A namorada de Ryan gesticulava muito enquanto Ryan parecia ignorá-la. Antes que Jamie pudesse disfarçar, ele a encarou de longe e a cumpri­mentou com um leve aceno de cabeça.

Jamie ficou em dúvida se fora um gesto de zomba­ria, pois devia estar levando a loira para a cama. Por sua vez, ela se despediria de Richard com um aperto de mão e prometeria se encontrar com ele em outra oportunidade.

A casa de Jamie estava estranhamente vazia quando ela voltou. Parecia que Jessica nunca estivera lá, depois de partir levando todos os seus pertences. As duas haviam se despedido de modo amigável, e nesse momento, pela primeira vez, Jamie desejou que a irmã estivesse ali para conversarem. Mas estava sozinha, então fez café e se sentou na cozinha para refletir sobre suas opções.

Presenciar Ryan com outra mulher fora um choque. Via à frente um futuro infinito com ele de braço dado com uma série de garotas até que se apaixonasse por uma. Sem dúvida, seria loira e de pernas longas. Como se sentiria ela quando isso acontecesse?

Suportaria continuar trabalhado para ele? Deixaria o emprego?

A campainha da porta interrompeu seus pensamen­tos enquanto redigia um rascunho de carta de demissão.

Ainda com o vestido vermelho, mas descalça, ela abriu e se viu diante de Ryan.

— Costuma abrir a porta a essa hora da manhã sem­pre que tocam a campainha? É perigoso. — Ele olhou para dentro à procura de Richard. — Não irei embora. Quero conversar com você. Não é bem isso... Preciso conversar com você. Onde está seu acompanhante?

— Deixou-me em casa e se foi. — Jamie hesitou. — Mas, tudo bem, porque também quero conversar com você. — Decidira entregar seu pedido de demissão.

Abriu caminho até a cozinha e lhe entregou uma xí­cara de café. Depois estendeu o rascunho da carta que pretendia lhe dar.

Ele leu a folha de papel duas vezes.

— O que é isto?

— O que parece, Ryan? Minha carta de demissão. É apenas um rascunho. Pretendo digitar e entregar a você na segunda-feira cedo.

— Sobre meu cadáver. — Ele amassou o papel com fúria. — Não aceito sua demissão! Não vai sair da empresa, nem perder seu tempo com aquele segundo veterinário.

 

—Não ouse me dizer o que fazer Ryan! — gritou Jamie, se encolhendo de raiva na cadeira da cozinha.

— Alguém precisa fazê-lo. Para seu próprio bem.

— Foi por isso que veio até aqui? Para me passar um longo sermão sobre ser cautelosa, porque, sem dúvida, sou ingênua e tola demais para saber viver?

— Não pode estar falando sério a respeito daquele sujeito, após sair com ele algumas vezes. — Ryan co­meçou a caminhar de um lado para o outro da cozinha de maneira nervosa. — Contou a ele sobre nós dois? Foi ele quem pediu para você deixar seu emprego? Por­que, se foi isso, então alerto que ele não é bom para você. Pode se imaginar como uma dona de casa obe­diente e servil pelo resto de sua vida?

Jamie o fitou, espantada.

— Andou bebendo, Ryan? — perguntou por fim.

— Você é capaz de tornar qualquer homem saudável um alcoólatra — resmungou Ryan. — Você me disse que não estava pensando em casamento!

— Está com ciúme, Ryan?

— Deveria estar?

O silêncio se prolongou.

— Fez alguma coisa para me deixar com ciúme? — insistiu ele com um olhar acusador. — Não costumo ser ciumento. Nunca fui. — Porém estava mentindo, porque já tivera ciúme dela e sentia um ciúme atroz nesse momento. Não fora por isso que correra para a casa de Jamie?

A idéia de que outro homem a tocasse o deixara fre­nético. Ela ainda usava o mesmo vestido da boate. Será que o Veterinário a tocara por baixo da roupa curta?

— Não pode se demitir — disse ele por fim. — Não deixarei.

— Porque sou indispensável? Ninguém é, e acho que foi você mesmo quem me disse isso uma vez. Cumpri­rei um mês de aviso-prévio e farei todo o possível para encontrar uma substituta adequada.

— Você é indispensável.

Jamie ignorou a onda de prazer que tais palavras lhe causaram.

É claro que Ryan a julgava indispensável. Não só es­tava acostumado com seu modo de trabalhar como tam­bém, já que dormira com ela, julgava ser seu proprietário.

O relacionamento sexual podia ter terminado, mas o machismo persistia. Facilmente ele devia pensar que agora, mais do que nunca, Jamie seria dócil, submissa e obediente, trabalhando horas extras sem reclamar, sem­pre disposta a servi-lo. Daí seu horror agora, diante do pedido de demissão dela.

— Ah, por favor — replicou Jamie com profundo sarcasmo.

— Não gostei de vê-la com aquele sujeito — desa­bafou Ryan.

Jamie estava tão, preocupada em alimentar a própria raiva por Ryan ter a audácia de invadir sua privacidade e lhe dar conselhos que levou alguns segundos para as­similar as palavras dele.

— O que disse?

— Parece que, afinal de contas, também sinto ciúme — resmungou ele em voz tão baixa que Jamie precisou apurar os ouvidos para escutar.

Ele tornou a se sentar à mesa da cozinha e franziu a testa, fitando o chão com os cotovelos sobre as coxas.

— Está com ciúme... — murmurou Jamie com o co­ração em festa.

— Desde que voltamos para Londres, você sai do es­critório pontualmente às cinco e meia da tarde — disse Ryan em tom de acusação. — E então, de repente, des­cubro o motivo. Tem freqüentado boates e saído com homens pelas minhas costas.

— Não ando saindo com homens, porém, de qual­quer modo, você tem saído com mulheres — retrucou Jamie.

Por acaso, Ryan lhe contara sobre sua mais recen­te conquista loira? Não, fizera absoluto silêncio sobre isso, então como ousava criticá-la por tentar ter uma vida própria?

— Abigail foi um engano. Não sei o que estava pensando.

— Dormiu... Com ela? Não que isso me importe, mas estou curiosa.

— Deveria se importar — replicou ele. — Deveria se importar com tudo o que digo, faço e penso, porque é assim que me sinto a seu respeito. E, respondendo à sua pergunta, não dormi com Abigail. Nem mesmo me senti tentado.

Jamie inalou com dificuldade para não romper o en­canto. Será que ele acabara de dizer o que ela pensava ou teria apenas imaginado?

— Você nem mesmo me contou as novidades sobre sua irmã — censurou Ryan.

— Eu... Tinha medo de continuar fazendo confiden­cias para você, Ryan. Achei que, se iríamos continuar a trabalhar juntos, as coisas deveriam voltar a ser o que eram antes. E eu teria de reaprender a manter minha vida particular em segredo.

— Fui escorraçado e não gostei disso — desabafou Ryan com brusquidão.

Jamie ficou; tonta quando seus olhares se encontra­ram. Sentia a boca seca e, de repente, achou que a co­zinha não era o local adequado para ter esse tipo de conversa.

Queria sentar em algum lugar macio, e não na cadeira dura onde se encontrava.

— Talvez fosse melhor irmos para a sala de visitas — sugeriu com voz trêmula. — E se acabou seu café, posso preparar outro.

— Por quê? — o retrucou com brusquidão. — Acha que preciso ficar sóbrio? Bebi um pouco, mas não estou bêbado.

Jamie não replicou. Caminhou até a sala, consciente de que Ryan a seguia. Não sabia o que pensar a res­peito do que ele lhe dissera. Ryan estava com ciúme. Importava-se com o que ela pensava. E, de modo cla­ro, agressivo e possessivo, queria que ela se importasse com o que pensava também. E não dormira com a bel­dade loira da boate.

Todos os instintos de Jamie nutriam uma frágil espe­rança. Cometera erros no passado. Forçara-se a cultivar a lembrança de Greg em seu coração. Na realidade, ele nada significara, mas na época, Jamie se sentira feliz por erguer castelos no ar.

E então, com Ryan, apaixonara-se de verdade.

Tentara se iludir, mas o fato era que o desejava em sua vida para sempre. Precisava dele e dependia dele como do ar que respirava. Quando dormiram juntos e criaram a farsa do romance, fingira que era em benefício de Vivian. As fronteiras entre realidade e fantasia pareciam se dissolver em sua mente. Tornara-se um hábito.

Agora, embora desejasse acreditar em tudo o que ele dissera, estava fantasiando de novo. Aonde isso a levaria? Será que Ryan só desejava alguns meses ou se­manas de sexo, porque, no momento, se enfastiara das loiras? Ou queria Jamie por perto porque se amedron­tara na hora de contar a verdade para a mãe e desejava mais tempo para se armar de coragem e dar a notícia?

— Não sei por que está me contando tudo isso agora — disse ela quando se sentou no sofá. — Se não queria mudar as coisas, é engraçado que não tenha demonstra­do interesse nas últimas semanas.

— Você me deu o fora, Jamie.

— Precisava fazer isso. — Ela desviou o olhar de­pressa. — Não sou tão superficial para manter um romance inconseqüente por tanto tempo. Disse isso a você na ocasião, e falava a verdade.

— O que nos faz retornar ao momento presente. O segundo veterinário fez promessas que você acha sinceras?

Jamie suspirou e balançou a cabeça.

— Não foi nada sério — confessou. — Richard é um bom sujeito, mas... — Mas não é você, prosseguiu em pensamento, porém dizendo em voz alta: — Talvez eu não seja a mulher certa para um veterinário.

— E, já que entrei no campo das confissões, eu não gosto de loiras de pernas compridas e pouco me importo de qual revista sofisticada elas tenham saído.

Jamie prendeu a respiração para soltar em seguida bem devagar.

— O que quer dizer com isso? — Ergueu a cabeça com cautela enquanto ele vinha em sua direção, hesi­tando antes de sentar a seu lado no sofá.

— Costumava me interessar por elas. Séculos atrás. Pensei que era o que desejava... Uma vida de trabalho compensador e, nas horas vagas, diversão com mulhe­res que não me faziam exigências. Não sei quando isso começou a mudar — admitiu Ryan. — Você veio traba­lhar para mim, Jamie, e virou tudo de pernas para o ar.

Quando ele a tocou, Jamie não recuou.

— Acostumei-me a um relacionamento com uma mulher de valor.

— Não tivemos um relacionamento.

— Não me refiro a uma relação sexual — disse ele. — Estou falando de algo emocional e intelectual. Isso sim tem valor, mas não percebi antes. Só sabia que sempre ficava frustrado com as mulheres com quem saía. Eram vazias, superficiais e me entediavam. En­tão nós dois viajamos, e não apenas dormimos juntos. Nós... Conversamos.

Fez-se silêncio, e depois Ryan prosseguiu:

— Pela primeira vez esta semana, percebi quanto tempo de qualidade passamos juntos e como gostei de conversar de verdade com uma mulher. Quando volta­mos foi como se tivesse perdido alguma coisa preciosa, e aqui em Londres, comecei a sentir sua falta.

— Minha falta? — perguntou Jamie, destacando as palavras o mais que podia.

— Quando nos beijamos na festa de Natal, foi como se uma luz começasse a brilhar para mim. Disse a mim mesmo que você fizera aquilo só para enciumar o vete­rinário e que ainda estava apaixonada por ele.

— Deixei de pensar em Greg há muito tempo. Ele começou a sair com minha irmã, e mesmo assim, não me senti muito mal com isso, embora pensasse que devesse sentir. — O episódio era como um sonho que tivesse tido há muito tempo. Algo irrelevante em sua vida. — Beijei você porque sabia que, se não o fizesse, Jessica o beijaria. Ela bebera demais naquele dia. Não podia permitir que Greg visse a esposa beijando outro homem. Isso teria sido o fim do casamento deles, e era inadmissível deixar que tal coisa acontecesse.

— Então foi só por isso que me beijou?

Jamie ficou; vermelha como um pimentão.

— Desnudei minha alma para você — murmurou Ryan. — Não vai ser sincera comigo?

— Beijei porque queria. Na época, isso não me ocor­reu, mas pensando bem, digo que sim, queria beijá-lo porque, me sinto atraída por você desde que o conheci, Ryan Sheppard.

— Mas certa vez, me disse que atração não era o suficiente.

Sim, ambos haviam dito muitas coisas um para o ou­tro, mas a palavra "amor" nunca entrara nas conversas.

Ela nunca se permitira abrir o coração; e agora sentia um nó na garganta.

— Lembro — murmurou Jamie, com voz trêmula.

— Está certa. Apaixonei-me por você e nem mesmo sei quando isso aconteceu. E quando, por fim, fizemos amor, não parava de pensar em como isso parecia certo entre nós dois.

— Você se apaixonou por mim, Ryan?

— Parece chocada — replicou ele. — Fico surpreso em ver como não percebeu. Eu disse adeus a Abigail e não via á hora de chegar aqui. Estava ficando louco ao pensar o que podia estar fazendo com seu veterinário. Ele me pareceu do tipo que abre o coração em cinco minutos de conversa, então refleti que tinha esperado demais para me abrir.

— Não consigo acreditar que me ama — Jamie es­tendeu a mão trêmula para tocá-lo no rosto. — Também amo você. Sinto como se tivesse esperado por você a vida inteira. Quando fizemos amor e nos envolvemos naquele relacionamento de faz de conta por causa de sua mãe, soube que não poderia continuar com a farsa quan­do voltássemos para cá, porque sempre iria desejar mais. Sabia também que você pulava de namorada em namorada e que, se me desse o fora, jamais me recuperaria.

Ryan a puxou para si. Após duas semanas, a sensa­ção do corpo de Jamie contra o seu parecia algo tão certo que ô fez suspirar.

Mais tarde, ela lutou para recordar como haviam su­bido até seu quarto. Tinha uma vaga lembrança de rou­pas atiradas no chão começando da escada.

Jamie se entregou com uma abençoada sensação de estar voltando para casa. Não havia outra maneira de descrever o que sentira... Ryan Sheppard a completava. Sem ele, era apenas a metade de um todo.

Mais tarde, com os braços à volta dela, Ryan mur­murou de encontro a seu cabelo:

— Não quero mais passar pela tortura das últimas semanas, minha querida. Vou ficar de olho em você. E a única maneira que vejo para conseguir isso será ca­sando. Portanto... Quer se casar comigo, Jamie?

— Sim!

— O mais rápido possível?

— Claro que sim!

— Sou um homem feliz — declarou Ryan, recostando-se com um braço pendendo da cama e sorrindo de satisfação enquanto Jamie o cobria de beijos.

Se dependesse dele, Ryan casaria com Jamie na mesma semana. Entretanto, sua mãe não quis saber disso; desejava um acontecimento memorável, e apesar dos resmungos dele, porque Ryan não entendia como Vivian já não estava satisfeita com os três casamentos grandiosos de suas irmãs Jamie concordou animadamente com a futura sogra.

E ficou ainda mais animada quando Jessica se ofere­ceu para vir a Londres por uma semana, a fim de com­prarem, juntas o enxoval de Jamie.

— Mas nada de boates ou bebidas — avisou Jamie, contente por poder contar com a companhia da irmã por uma semana, enquanto seu aviso era recebido com risadas.

— Tem minha palavra — garantiu Jessica. — Estou grávida! Queria esperar e surpreendê-la com uma foto do ultrassom, mas acho melhor contar pelo telefone. Daí quando formos procurar pelo vestido de noiva per­feito, talvez compremos fraldas e cueiros também.

Jessica mudara muito. Tendo confessado sua profun­da insegurança diante da idéia de perder o corpo escultural se engravidasse, finalmente vencera o problema, percebendo o quanto Greg a amava pelo que era e não por causa de seu físico, que, de qualquer maneira, iria conservar após a gravidez.

E, como sempre fazia a respeito do que a interes­sava, atirava-se agora no prazer da maternidade. Até viajou com seus livros sobre bebês, que insistiu para que Jamie lesse também.

— Porque você será a próxima...

E Jessica provou ter feito uma profecia.

Um ano e dois meses mais tarde, Jamie se sentava no belo e espaçoso apartamento onde morava com Ryan, tendo um bebê lindo ao lado; uma menina de cabelo escuro, rostinho corado, que gorgolejava no berçinho. Sobre uma mesa, havia brochuras de casas de campo.

— Londres... — anunciou Ryan. —... Não é lugar para criar um bebê. Pelo menos, não o centro de Londres.

Então iriam se mudar para Richmond. Não muito longe, mas o suficiente para evitar o tráfego e o caos. Como era do estilo de Ryan, assim que a decisão foi tomada, ele passou a agir, procurando casas e assumin­do tão bem o papel de homem de família, que, nesse momento, Jamie se recostou e sorriu.

Ryan lhe dissera que o amor o modificara. E o nas­cimento de sua primeira filha o mudara ainda mais. O executivo viciado em trabalho desaparecera, e em seu lugar, surgira um homem que adorava se envolver em todas as pequenas coisas que tornavam a vida preciosa.

Jamie foi atrás dele na cozinha, onde Ryan enchia duas taças com vinho, enquanto ela sacudia uma das brochuras a sua frente.

— Nada muito grande — a avisou —, nem tão pe­queno, e em uma área bem localizada...

— Sabia que essa casa iria agradá-la — disse ele, beijando-a na testa e sorrindo diante da foto na mão de Jamie. — Roseiras subindo pelos muros, uma horta, a vista para o parque... Mas é melhor esperarmos para decidir quando visitarmos a casa. Como sabemos, o ta­manho importa sim.

Jamie riu diante da frase de duplo sentido e notando o desejo no olhar do marido.

— Mas... — murmurou Ryan, caminhando em sua direção e mostrando a ereção que surgia em sua calça. — Não estava falando sobre isso, mas sobre a casa. Precisa ser grande o suficiente para abrigar as próximas pequenas pessoas que lá irão viver.

Ryan nunca imaginara poder ser tão feliz. Segurou o rosto de Jamie com as duas mãos e a beijou nos lábios com doçura.

— E... — acrescentou, apertando-a nos braços e aprofundando o beijo. —... Quanto mais cedo começar­mos a aumentar a família, melhor...

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

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