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PRINCESA MIA - Parte III
Series & Trilogias Literarias
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
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Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
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Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
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Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Quarta-feira, 22 de setembro, Química
Não me importo com a proibição sobre eu escrever durante a aula. Eu TENHO QUE colocar isto aqui no papel.
Não consegui mais me segurar. Eu TIVE QUE perguntar para o Kenny o que estava acontecendo entre ele e a Lilly.
Então, eu simplesmente falei assim: “Kenny. É verdade que você e a Lilly estão ficando? Porque, se estiverem, eu quero saber, porque vocês formam um casal legal de verdade.”
(Mentira. Mas desde quando eu falo a verdade?)
De todo modo, o Kenny pareceu não apreciar, de jeito nenhum, os meus comentários gentis. Ele falou: “Mia! Pode me dar licença? Estou na fase da neutralização ácida!”
Daí, eu fiquei, tipo: “Tudo bem, desculpa por ter falado qualquer coisa”, e voltei para a minha banqueta para escrever isto.
E daí, há um segundo, o J.P. se sentou do meu lado e ficou, tipo: “Então, estou liberado agora?”
E eu fiquei, tipo: “Liberado de quê?”
E ele ficou, tipo: “De ter despedaçado o coração da Lilly. Agora que ela aprendeu a amar de novo, como a Tina diria.”
Então eu ri: “J.P., tanto faz. Nunca culpei você pelo lance com a Lilly. Você não pode fazer nada se não sentia por ela a mesma coisa que ela sentia por você.”
Mas ele bem que podia ter ajudado se não tivesse enrolado durante tanto tempo. Mas eu não falei esta parte em voz alta.
“Fico feliz por saber que você pensa assim, Mia”, o J.P. disse. “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ide ______________”
Quarta-feira, 22 de setembro, saída de evacuação da AEHS na rua East 75
Ai, meu Deus.
Ai, meu Deus.
O J.P. está apaixonado por mim.
E nós explodimos a escola.
Quarta-feira, 22 de setembro, pronto-socorro do hospital Lenox Hill
Para dizer a verdade, eu não sabia o que escrever primeiro naquela hora.
Quer dizer, eu não sei o que me perturba mais — que o J.P. se apaixonou por mim, ou que a gente quase morreu por causa da experiência do Kenny, em que ele estava tentando recriar — sem que os resto de nós soubesse — uma substância que no passado era usada como recheio de granadas de mão durante a Segunda Guerra Mundial, com ponto de deflagração altíssimo, que na língua das pessoas normais quer dizer que é muito instável e que COSTUMA EXPLODIR.
E nós não deveríamos fazer aquilo! O sr. Hipskin não percebeu que a gente estava fazendo aquilo porque o Kenny disse a ele que estávamos fazendo nitrocelulose, que é uma substância parecida com a dos rolos de filme.
Não nitroamido, que é um EXPLOSIVO!
A enfermeira do pronto-socorro não pára de me garantir que as sobrancelhas do Kenny vão voltar a crescer algum dia.
Eu tive bem mais sorte. Estou aqui na sala de emergência contra a minha vontade — na verdade, não há nada de errado comigo. Eles simplesmente me mandaram para cá para evitar um processo, tenho certeza. Quer dizer, eu só fiquei com falta de ar. Isso porque, logo antes de a deflagração ocorrer, quando o Kenny gritou: “Todo mundo se abaixe!”, o J.P. me arrancou da minha banqueta e jogou o corpo em cima do meu, de modo que todos os dejetos em chamas caíram em cima dele, não de mim.
E isso, devo ressaltar, aconteceu logo depois de ele dizer: “Porque tem uma coisa que já faz um tempão que eu quero dizer para você, e cada vez que eu começo a falar, parece que acontece alguma coisa para me interromper, então eu vou simplesmente falar agora, apesar de este talvez não ser o momento ideal. E eu sei que agora você vai ter um chilique, porque você é assim. Então, largue a caneta e respire fundo.”
Foi quando os olhos azuis dele se prenderam aos meus, cinzentos, e ele disse, todo atencioso de atenção e sem desviar o olhar: “Mia, eu estou apaixonado por você. Eu sei que até agora fomos só amigos — bons amigos —, mas quero mais do que isso. E acho que você também quer.”
Foi bem aí que o Kenny gritou para a gente se abaixar. E que o J.P. se jogou em cima de mim.
Por sorte do J.P., o Lars LOGO apareceu com o extintor de incêndio — acredito que para compensar o fato de não ter sido ele a se jogar em cima de mim, que é, afinal de contas, o trabalho dele, e não do J.P. — e apagou o fogo que surgiu nas costas do suéter do J.P. Ele nem se queimou, porque os nossos uniformes escolares contêm muitas fibras artificiais, e a maior parte delas é do tipo que não pega fogo.
Então, na verdade, nenhuma chama tocou na pele do J.P. Só o suéter com gola em V dele.
Mas todos nós tivemos que fugir da enorme nuvem de vapor de dióxido de nitrogênio. E não só quem estava no laboratório de química. A escola inteira.
Ainda bem que não estava assim tão frio lá fora (algum tipo de frente fria tinha vindo do Canadá, deixando a cidade gelada ainda no outono), e nenhum de nós estava de casaco nem nada. Até parece.
Uma das enfermeiras acabou de vir aqui e disse que a coisa toda passou no canal público local, o New York One — uma cena ao vivo filmada de um helicóptero de todo mundo do lado de fora da Albert Einstein High School tremendo, com os caminhões de bombeiro e as ambulâncias com as luzes piscando e tudo o mais.
Mas só três pessoas na verdade foram levadas para o hospital: o J.P., o Kenny e eu.
A diretora Gupta me pegou segundos antes de fecharem as portas da ambulância. Ela ficou toda assim: “Mia, quero lhe dar as minhas garantias mais sinceras de que tenho a intenção de chegar até o cerne desta questão. O sr. Showalter não ficará impune...”
Observei que ficar sem sobrancelha já é castigo suficiente, se quiser saber a minha opinião. Mas a diretora Gupta já tinha passado para a ambulância do J.P. para repetir a mesma coisa.
O que foi inteligente da parte dela, porque ouvi dizer que o pai dele ADORA um processo.
É engraçado ninguém ter dito nada a respeito do fato de o J.P. e eu sermos parceiros de laboratório do Kenny, e nós com toda a certeza não fizemos nada para impedir que ele explodisse a escola. Só que nós dois somos tão ruins em química que nem sabíamos o que ele estava tentando fazer.
Claro que o Kenny jura que destruir o laboratório de química nunca foi a intenção dele. Ele afirma que só queria descobrir como a síntese do nitroamido poderia ser feita em ambiente laboratorial. Além do mais, ele também não sabe como a coisa saiu tanto do controle. Ele diz que estava perfeitamente estável apenas alguns segundos antes... e daí, CABUM!
Sinceramente, estou até contente por a experiência do Kenny ter explodido. Porque assim eu não precisei descobrir uma maneira de responder ao anúncio totalmente chocante do J.P., de que ele está apaixonado por mim.
O que, sinceramente, acho meio difícil de acreditar. Levando em conta o fato de que há apenas duas semanas ele e a Lilly estavam totalmente juntos.
E, tudo bem, até parece que eles não tinham problemas. Quer dizer, a Lilly estava bem aborrecida com o fato de o J.P. nunca dizer “Eu também” quando ela falava que o amava.
Mas ele explicou isso. Ele explicou que nunca tinha se sentido daquele jeito em relação a ela, e que foi por isso que terminou o namoro, porque percebeu que não era justo com ela. Ele fez a coisa certa... mesmo que a Lilly o odeie por isso agora.
E eu também, por ser amiga dele.
Mas isso não significa — apesar da teoria insana da Tina sobre o J.P. ter sido sempre apaixonado por mim e não pela Lilly desde o começo que ele esteve apaixonado por mim desde o começo. Na verdade, o J.P. explicou — enquanto o Lars apagava o fogo nas costas dele — que os sentimentos dele por mim foram se formando gradualmente, e que ele só resolveu mencioná-los porque não agüentava mais me ver tão triste por causa do Michael.
“J.P.”, eu engoli em seco. Era difícil falar quando se está completamente sem ar. Além do mais, tinha a fumaça tóxica. “Vamos conversar sobre isto depois, certo?”
“Mas eu realmente preciso falar sobre isto para você agora”, o J.P. insistiu.
“PRINCESA, CORRA!”, o Lars gritava. Porque, àquela altura, a nuvem de fumaça tóxica já estava baixando por cima de nós.
Por sorte, como o J.P. e eu fomos levados em ambulâncias separadas, eu tive tempo para processar a informação — mais ou menos — e descobrir o que vou fazer a esse respeito.
E tenho bastante certeza de que não vou fazer nada.
E, sim, eu sei que o dr. Loco não aprovaria. Ele quer que eu faça as coisas que mais me assustam.
Que, neste caso, seria ficar com o J.P.
Mas eu não posso fazer isto! Não estou pronta! Mal terminei com o meu namorado de um tempão — e ainda estou perdidamente apaixonada por ele! Não posso mergulhar em outro relacionamento amoroso assim tão rápido!
Além do mais, não sinto isso pelo J.P., quando eu o cheiro, meus níveis de oxicitocina não se elevam. Quando eu o cheirei na outra noite, quando ele me abraçou, eu não senti... nada. Só senti o cheiro do fluido de lavagem a seco.
E este não é, de jeito nenhum, o cheiro que sinto quando o Michael me abraça, que é... bom, tudo bem, é só de sabonete e essas coisas.
Mas não é QUALQUER cheiro de sabonete. É o cheiro especial com que a pele do Michael fica — e só a pele do Michael — quando ele usa sabonete Dove sem perfume. Isso, mais o sabão em pó que ele usa nas camisas dele, combinado com aquele cheiro específico do Michael simplesmente forma...
...bom, o melhor cheiro do mundo.
Eu sei que não faz sentido. Mas eu simplesmente não tenho certeza se estou pronta para passar de Dove sem perfume / sabão em pó / Michael para... fluido de lavagem a seco.
E ELE? E o J.P.? Quer dizer, quanto desse “amor” é apenas uma reação à descoberta de que a Lilly já deu a volta por cima e está com outra pessoa? O momento que ele escolheu para se declarar é um tanto suspeito. Quer dizer, na hora do almoço descobrimos que a Lilly e o Kenny estão juntos, e, de repente, o J.P. me ama? Fala sério!
E, tudo bem, ele falou que já faz um tempo que está tentando me contar... mas tenho certeza de que não pode ser verdade. Porque até muito pouco tempo atrás eu estava comprometida!
E o J.P. sabe que eu ainda não superei o Michael. Ele precisa saber que é bem provável que eu NUNCA supere o Michael. Pelo menos, não por um bom tempo. Ele não seria bobo de se apaixonar por mim se souber que eu nunca vou poder retribuir o sentimento dele da mesma maneira...
Antes do último ano da escola mais ou menos, no mínimo.
E, tudo bem, o J.P. no momento está com um certo toque de dr. McDreamy (aquele gato do seriado Grey’s Anatomy), já que o hospital deu para ele uma daquelas roupas de médico que parecem um pijama, porque o suéter dele derreteu e a camisa está toda chamuscada. Então ele está bem fofo.
E ele realmente salvou a minha vida e tudo o mais...
Ai, ai, ai! Não estou em condições de lidar com isto neste momento! Só quero ir para casa, deitar na minha cama e tentar descobrir como eu me sinto em relação a tudo isto!
Não a parte de quase ter ido pelos ares. Essa parte é fácil. Quer dizer, a esta altura, quase ter ido pelos ares não é NADA em comparação com as humilhações pelas quais eu passo praticamente todos os dias.
Mas a parte do J.P. me amar? Isso é esquisito demais! Como ele pode pensar que eu algum dia me sentiria assim em relação a ele? Porque eu não me sinto!
Pelo menos, acho que não. Quer dizer, eu gosto muito dele. Ele é um dos meus melhores amigos — principalmente agora que a Lilly me dispensou.
Mas ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ele não é o Michael.
Ah, lá vem o médico...
Quarta-feira, 22 de setembro, no loft
Estou em casa...
Nem me importo por não ter mais TV. Simplesmente é tão bom estar na minha própria cama, onde nenhum nitroamido pode explodir e nenhum garoto pode anunciar seu amor por mim...
Sabe, seria algo a se pensar, depois de tudo o que aconteceu hoje, se eu teria permissão para me mudar para a Genovia e receber a minha educação em casa. Pela minha própria segurança física e emocional.
Mas não. O sr. G acabou de me informar que a Albert Einstein vai estar limpa e em funcionamento total amanhã — inclusive o laboratório de química, que já foi todo desinfetado, e já substituíram as vidraças das janelas que quebraram com a explosão (vidraceiros de emergência idiotas), e que eu vou ter que estar lá, igualzinho a todo mundo.
Bom, menos o Kenny, que está suspenso por ter criado, de maneira consciente, um explosivo secundário no laboratório. Quando reclamei que, se o Kenny ia ser suspenso, iam ter que suspender a mim e ao J.P. também, já que somos os parceiros de laboratório dele, o sr. G só olhou para mim e disse: “Mia, esta semana estou tentando fazer você retomar toda a matéria que perdeu, está lembrada? Pode acreditar, sei que você e o J.P. não fazem a menor idéia do que estão fazendo naquela aula.”
E isso, sabe como é. Foi dureza. Mas é verdade, acho. Então, parece que o Kenny vai ter seus quinze minutos de fama agora, em vez de isso acontecer quando ele começar a trabalhar na empresa do braço cirúrgico robotizado do Michael, como uma vez ele me perguntou se eu achava que ele podia trabalhar. O que aconteceu hoje na escola está EM TODOS os noticiários e na internet INTEIRA. Os repórteres estão chamando o Kenny de “Beaker”, por causa daquela cientista louco dos Muppets (e isso é a maior maldade, porque o Kenny realmente ganhou bastante definição nos braços ultimamente e a boca dele não vive aberta — não tanto quanto antes, pelo menos), e ficam mostrando uma imagem dele saindo de ambulância, com o cabelo todo despenteado em uns tufos malucos.
Isso, combinado com o avental de laboratório chamuscado e o negócio de ele não ter mais sobrancelha, deixou-o com uma aparência similar à de uma certa princesa viúva — não de um Muppet — que eu conheço.
A coisa já foi exibida tantas vezes a esta altura que eu tenho CERTEZA de que o Michael deve estar sabendo. Todos os artigos descrevem o J.P. como um grande herói por ter jogado o corpo por cima do meu e por ter me protegido do fogo.
E todos os artigos dizem que ele é “o novo namorado da Princesa Mia”.
É. Maneiríssimo.
Eu estava quase com medo de dar uma olhada no meu e-mail. Mas não precisava ter me preocupado. O Michael não me escreveu.
Mas a Tina me mandou uma mensagem instantânea no minuto em que me viu online.
ILUVROMANCE: Ai, meu Deus, Mia!!!! Você viu o noticiário????
FTLOUIE: Se vi? Eu achei que eu ERA o noticiário.
ILUVROMANCE: Não dá para acreditar! Coitado do Kenny! Ele recebeu suspensão!
FTLOUIE: Bom, mas ele REALMENTE explodiu o laboratório de química.
ILUVROMANCE: Eu sei! Mas não era intenção dele. Você sabe disso. Espero que isto não entre no histórico escolar dele. Pode totalmente afetar as chances dele de ir para a faculdade!
FTLOUIE: Tenho certeza de que vai ficar tudo bem com o Kenny, Tina. Quer dizer, não se esqueça de que ele conseguiu MESMO fazer uma bomba com amido. Eu não ficaria surpresa se ele saísse direto do ensino médio para a Agência de Segurança Nacional.
ILUVROMANCE: O que é Agência de Segurança Nacional?
FTLOUIE: É... deixa para lá. Olha, você está sabendo o que aconteceu logo ANTES de o nitroamido explodir?
ILUVROMANCE: Você está falando da parte em que o J.P. cobriu o seu corpo com o dele para proteger você do paredão de fogo implacável??? Estou sim!!! É tão romântico!!!!
FTLOUIE: Hum, não tinha nenhum paredão de fogo implacável. Mas estou falando de antes DISSO. Tina — ELE ME DISSE QUE ME AMA.
ILUVROMANCE: Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê
FTLOUIE: Eu sei. Achei que você diria isso.
ILUVROMANCE: EU DISSE PARA VOCÊ!!!!!! EU DISSE QUE ELE AMAVA VOCÊ!!!! EU SABIA!!!! AI, MEU DEUS, VOCÊS DOIS FORMAM O CASAL MAIS FOFO DO MUNDO!!!!!! PORQUE VOCÊS DOIS SÃO TÃO ALTOS E TÃO LOIROS E TÊM OS OLHOS TÃO AZUIS!!!!
FTLOUIE: Os meus olhos são cinzentos.
ILUVROMANCE: TANTO FAZ!!!! Certo, pode contar tudo. Como ele falou? O que você respondeu? Como você se sentiu? Vocês já se beijaram? Aonde vocês vão no primeiro encontro? Ou... espera. Ter ido ver A Bela e a Fera foi o primeiro encontro de vocês? Ele disse QUANDO descobriu que amava você? Foi antes de ele dar um pé na bunda da Lilly, certo? Eu SABIA que tinha sido por isso que ele dispensou a Lilly. E agora faz todo o sentido por que ela está tão brava com você.
Ai, meu Deus!
FTLOUIE: É CLARO que ele não sabia que gostava de mim quando estava com a Lilly! Você acha que me passaria pela cabeça que ele sempre gostou de mim e que estava só usando a Lilly para... sei lá o quê? Quer dizer, que tipo de amiga eu seria se fizesse isso???
ILUVROMANCE: Ah. Então, você está dizendo... ele NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado? E que a coisa toda com a Lilly NÃO foi só porque você estava comprometida, e ficar com ela era conveniente para o J.P. poder ficar perto de você?
FTLOUIE: NÃO! Ai, meu Deus, Tina, tem certeza de que você não inalou um pouco daquela fumaça que foi liberada hoje à tarde?
ILUVROMANCE: Tenho bastante certeza de que não inalei nada. O Wahim fez um ótimo trabalho em me tirar de lá. Bom, é para ISSO que o meu pai o paga. Então, se o J.P. NÃO se apaixonou no momento em que você falou com ele pela primeira vez no refeitório, no ano passado, HÁ QUANTO TEMPO ele disse que está apaixonado por você?
FTLOUIE: Ele disse que a coisa foi se instalando bem devagar ultimamente, e que ele ficou tentando me dizer, mas toda vez a gente era interrompido. Mas que, apesar de saber que eu iria ficar apavorada, ele queria que eu soubesse. E daí o laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: AI, MEU DEUS!!!!
FTLOUIE: Eu sei. Para falar a verdade, foi meio assustador. No começo, achei que a sala da caldeira finalmente tinha explodido. Você sabe como vivem dizendo que isso pode acontecer a qualquer momento...
ILUVROMANCE: NÃO ESTOU FALANDO DISSO!!! QUERO DIZER... Mia, eu SEMPRE disse que o J.P. só precisava da mulher certa para destrancar o coração dele — que até agora ele mantinha sob uma couraça fria e dura, para a própria proteção — e que ele vai se transformar em um vulcão de paixão irrefreável!!!
FTLOUIE: Sei. E daí?
ILUVROMANCE: E DAÍ QUE ELE ENCONTROU ESSA MULHER!!! E FOI POR ISSO QUE O LABORATÓRIO DE QUÍMICA EXPLODIU!!!!
É sério. Às vezes eu fico me perguntando como foi que a Tina pôde ser colocada em tantas classes avançadas. Sem ser maldosa nem nada.
Mas, mesmo assim...
FTLOUIE: Tina, o laboratório de química explodiu porque o Kenny estava sintetizando nitroamido e obviamente fez alguma coisa errada...
ILUVROMANCE: Ele fez alguma coisa errada, sim. O que ele fez de errado foi misturar um composto químico tão volátil assim tão perto do J.P. enquanto ele admitia seus sentimentos verdadeiros por você, a mulher que finalmente destrancou o coração dele!!!!!!!
Ai, caramba. Eu queria ter a minha TV de volta. Eu realmente poderia ficar feliz com uma reprise bem tranqüila de Judging Amy ou de Joan of Arcadia neste momento, para acalmar os meus nervos.
FTLOUIE: Tina. Fala sério. A paixão do J.P. por mim não causou a explosão do laboratório de química hoje.
ILUVROMANCE: Ah, tudo bem, certo. Que seja assim mesmo — totalmente sem nenhum romance! Mas você precisa reconhecer que é MESMO a maior coincidência. Bom, mas então, o que foi que você respondeu?
FTLOUIE: Quando o J.P. pulou em cima de mim? Eu disse: “Sai daí, você está me esmagando e não consigo respirar.”
ILUVROMANCE: Não! Estou falando de quando ele declarou os verdadeiros sentimentos dele por você!
FTLOUIE: Ah. Para falar a verdade, eu não disse nada. Não tive oportunidade. O laboratório de química explodiu.
ILUVROMANCE: Certo. Mas e depois?
FTLOUIE: Bom, depois fomos para a ambulância. E, depois, para o pronto-socorro. E daí os pais do J.P. chegaram para buscá-lo. E foi só isso.
ILUVROMANCE: FOI SÓ ISSO??? Mas o que você disse sobre o fato de que ele ama você? Disse que também o ama?
FTLOUIE: Claro que não,Tina! Eu amo o Michael!
ILUVROMANCE: Bom, é claro que você ama. Mas, Mia, sem querer ofender... você e o Michael terminaram. Você não pode continuar amando o Michael para sempre. Bom, quer dizer, é claro que você PODE, igual ao Ross ficou amando a Rachel para sempre em Friends, mas... e o baile de formatura?
FTLOUIE: O que TEM o baile de formatura?
ILUVROMANCE: Bom, Mia, você precisa de ALGUÉM para ir à formatura! Não pode deixar de ir! Você pode ir com outra menina, acho, tipo a Perin e a Ling Su estão dizendo que vão fazer... mas não está lembrada da nossa promessa? De que nós iríamos perder a virgindade na noite do nosso baile de formatura?
Não dava para acreditar que ela tinha tocado nesse assunto. BEM NAQUELA HORA.
FTLOUIE: É, mas, Tina, isso foi antes de o amor da minha vida ter saído fora dela.
ILUVROMANCE: Ah! Eu sei! E fico muito triste por as coisas não terem dado certo entre você e o Michael. Mas, Mia, você vai aprender a amar de novo. E o J.P. fica bem lindo de smoking. Não ouça o que as pessoas com ódio no coração dizem.
Do que é que ela está FALANDO? Esta não é aTina que eu conheço, a pessoa que me apóia da maneira mais firme e inabalável possível! A Tina que eu conheço nunca me diria para aprender a amar de novo. A Tina que eu conheço me diria para ter força, que o Michael logo recobraria a noção e voltaria galopando em cima de um cavalo branco como leite, possivelmente de armadura, trazendo uma semi-jóia de zircônio cem por cento puro da Kay Jewelers...
Ou não. Porque isso é uma coisa que o Michael nunca, nunquinha, faria.
E até a Tina — com seus olhos brilhantes, cheios de romantismo — sabe disso.
Eu provavelmente já devia saber disso também, a esta altura.
FTLOUIE: O Michael nunca mais vai voltar, não é mesmo, Tina?
ILUVROMANCE: Ah, Mia! É claro que ele pode voltar! A questão é que... se ele voltar, você ainda vai querer ficar com ele? Ou será que você vai ter seguido em frente... provavelmente com alguém melhor?
Meus olhos se encheram de lágrimas.
FTLOUIE: Não existe ninguém melhor,Tina. Você sabe disso.
ILUVROMANCE: Pode ser que exista! Você não sabe!
FTLOUIE: E, de todo modo, de que adianta ter esta conversa? Ele nunca vai me querer de volta mesmo. Não depois de eu ter sido tão idiota.
ILUVROMANCE: Ele pode querer! Nunca se sabe! Eu DISSE para você não escutar as pessoas com ódio no coração!
FTLOUIE: Pessoas com ódio no coração? Que pessoas com ódio no coração? Por que você fica repetindo isso?
ILUVROMANCE: Ah... Mia, eu não estou nem aí. Pediram para eu não falar, mas você tem o direito de saber.
FTLOUIE: De saber O QUÊ? DO QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO?
ILUVROMANCE: De euodeiomiathermopolis.com.
FTLOUIE: Ah. Disso.
ILUVROMANCE: VOCÊ JÁ ENTROU NO SITE???? VOCÊ SABE QUE ELE EXISTE????
FTLOUIE: Claro.
ILUVROMANCE: ENTÃO, POR QUE VOCÊ NÃO FAZ O SEU PAI MANDAR TIRAR DO AR?????
FTLOUIE: Tina, o meu pai pode ser príncipe, mas ele não tem controle sobre a internet.
ILUVROMANCE: Mas ele pode reclamar com a diretora Gupta!
FTLOUIE: Para a diretora Gupta? Por que ELA? O que ELA tem a ver com isso?
ILUVROMANCE: Bom, é que o site obviamente é feito por alguém que estuda na AEHS...
FTLOUIE: Como assim, obviamente?
Apesar de estar meio difícil de enxergar com todas as minhas lágrimas e tudo o mais, cliquei em euodeiomiathermopolis.com. Tinha acontecido tanta coisa na minha vida que eu não tinha tido oportunidade de entrar lá havia um tempo.
Percebi imediatamente que não dar atenção ao site tinha sido um erro. Porque tinha havido atualizações desde a minha última visita. MUITAS atualizações.
A pessoa que era dona do site tinha ficado de olho em cada movimento meu. No dia em que eu fui tomar água no bebedor do segundo andar da AEHS e o jato foi direto no meu rosto, em vez de entrar na minha boca? Registrada com alegria. A vez que tropecei no meu sapato novo e derrubei todos os meus livros na frente do laboratório de química? Anotada. A vez que eu derramei molho na parte da frente do meu uniforme no refeitório? Aliás, tinha até uma foto... uma bem ruim, obviamente tirada com uma câmera de celular.
Mas estava lá.
E a pessoa que tinha fundado o site não parou por aí. Ela dava vários conselhos a respeito de como eu poderia melhorar a minha aparência para não parecer tão repulsiva. Por exemplo, de acordo com euodeiomiathermopolis.com, eu precisava deixar o cabelo crescer (bom, isso é óbvio), e parar de usar meus sapatos boneca de plataforma para ir à escola, porque estou “mais alta do que todo mundo, como se fosse algum tipo de supermodelo. Ou como ela obviamente PENSA que é. Pena que ninguém disse para ela que se parece mais com uma superpateta”.
Legal.
Foi aí que as lágrimas nos meus olhos começaram a escorrer. De repente, meu corpo foi tomado por soluços incontroláveis.
FTLOUIE: Tina. Desculpa. Preciso desconectar.
ILUVROMANCE: Mia? Está tudo bem com você? Não está levando toda aquela idiotice a SÉRIO, está?
FTLOUIE: Não, claro que não! Só preciso desconectar. Ligo para você mais tarde.
ILUVROMANCE: Mia! Sinto muito... mas achei que você precisava saber! O seu pai realmente devia ligar para a escola.
FTLOUIE: Fico feliz por você ter me contado. De verdade. Boa noite, Tina.
ILUVROMANCE: Boa noite...
Quarta-feira, 22 de setembro, meia-noite, no loft
Eu simplesmente fiquei chorando durante, tipo, meia hora — no meu banheiro, com a porta fechada e a torneira aberta, para todo mundo achar que eu só estava tomando banho e não me incomodar, perguntando qual era o problema. Acho que eu chorei mais agora há pouco do que já tinha chorado minha vida inteira. O pêlo do Fat Louie está ENCHARCADO com todas as lágrimas que caíram em cima dele enquanto estava aninhado no meu colo.
Bom, tudo bem. Na verdade ele não estava aninhado no meu colo. Eu o agarrei bem forte para ficar ali, e ele estava tentando escapar, miando feito doido para pedir ajuda.
Mas que se dane! Se uma menina não pode ter seu gato para reconfortá-la no momento em que mais precisa, de que adianta então TER um gato???
É só que... isto é a maior chatice, sabe? Eu não QUERO ser esse tipo de menina. Uma menina que fica chorando. Daqui a pouco vou começar a usar jeans skinny, lápis de olho borrado, esmalte preto e vou ler livros de vampiro.
Meu Deus. É só que... quando é que vou começar a me sentir MELHOR? Quando é que vou sair deste buraco de que o dr. Loco PROMETEU que ia me ajudar a sair?
E isso é tão ridículo, porque sei como tenho SORTE. Quer dizer, não tenho nenhum problema DE VERDADE. Bom, tirando a coisa toda de ser princesa. E a coisa do euodeiomiathermopolis.com.
Mas e daí? Tem muita gente que vê coisas horríveis escritas sobre elas na internet. Olhe só para a Rachael Ray, aquela mulher que dá receitas na Food Network. Tem uma comunidade online que se dedica a dizer como as pessoas a odeiam, e ela é totalmente adorável. Não dá para levar tudo para o lado pessoal. Com toda a certeza não dá para dar muita importância a isso. Assim, as pessoas com ódio no coração só conseguem o que querem: a atenção pela qual tão obviamente anseiam.
E se eu dedurar essas pessoas — tipo, se eu contar para o meu pai e ele for falar com a diretora Gupta a respeito, e ela descobrir quem é o responsável e expulsar a pessoa da escola, ou algo assim (porque a Albert Einstein High School tem uma política contra a difamação na internet que visa a proteger os alunos de afrontas como esta) —, de que vai adiantar?
Essas pessoas só vão me odiar ainda mais — e, vamos ser sinceros, eu faço uma boa idéia de quem essas “pessoas” são.
Certo.
E daí que o meu namorado me deu um pé na bunda, e eu continuo apaixonada por ele — tanto que continua doendo? Grande coisa. Milhões de garotas já levaram um pé na bunda do namorado ao longo dos anos. Eu não sou especial. Minha própria melhor amiga levou um pé na bunda igual há apenas duas semanas.
E agora o cara que deu um pé na bunda dela diz que me ama.
Vai entender..
Mas também não é por isso que eu estou chorando. Acho. Não sei...
E, coitado do J.P.! Não acredito que eu simplesmente o deixei na mão daquele jeito. Não dei nenhum tipo de resposta para ele. Eu só meio que... ignorei a existência dele.
Mas preciso dizer alguma coisa, se não vai ficar muito esquisito.
Claro que vai ser esquisito de qualquer jeito.
Mas ele assumiu um risco ao se expor daquela maneira. O mínimo que posso fazer é retribuir com a cortesia mínima de dar uma resposta.
É só que... eu não sei o que falar para ele.
Não sei! Quer dizer, eu sei que não correspondo ao amor do J.P. ... obviamente.
Mas isso não significa, como a Tina disse, que eu não poderia aprender a retribuir. Se me permitisse fazer isso.
Aliás, se eu me permitir, tenho na cabeça a idéia de que poderia aprender a amar muito o J.P.
Mas sabe como é. De um jeito diferente do que eu amei o Michael.
Mas talvez eu não devesse tomar decisões assim depois da meia-noite de um dia em que eu quase morri com uma explosão, duas semanas depois de levar um pé na bunda uma semana depois de ter começado terapia de caubói, duas noites antes de eu ter que fazer um discurso sobre drenagem perante duas mil empresárias sofisticadas de Nova York e uma hora depois de eu descobrir que euodeiomiathermopolis.com é escrito por alguém que estuda na minha escola e talvez, possivelmente, pela minha ex-melhor amiga. (Mas não pode ser ela, certo? Isso seria maldade demais, até mesmo para a Lilly.)
Talvez eu deva deixar passar um tempo para pensar melhor. Talvez eu deva só ir para a cama e...
Certo. Isto aqui nunca vai dar certo. Não vou conseguir dormir, a menos que eu...
FTLOUIE: Querido J.P.,
Oi. Então... hoje foi bem esquisito, hein?
E amanhã provavelmente vai ser ainda mais esquisito, com tantos jornais e tal dizendo que o Kenny é um louco psicopata, e que você e eu estamos juntos e tudo o mais. Não que eu me importe... se vão inventar uma relação romântica falsa para mim, fico feliz por ser você. Ha ha.
É só que... não sei se já estou pronta para estar em uma relação romântica que NÃO é falsa com alguém. Sabe do que eu estou falando? Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. E não tenho certeza se já estou pronta para montar na sela e começar a sair com alguém de novo...
Ai, meu Deus. O dr. Loco nem está aqui, e estou usando metáforas de cavalos. Isto é simplesmente totalmente errado.
Certo, excluir, excluir, excluir.
Apesar de já fazer quase umas duas semanas, ainda parece que foi ontem que o Michael e eu terminamos. Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de me ligar a outra pessoa...
Me ligar!!! NÃO NÃO NÃO NÃO!!!! EXCLUIR!!!
Acho que preciso de mais tempo para tentar entender quem eu sou sem ele antes de começar a sair com outra pessoa.
Certo. Ficou melhor assim.
Eu realmente considero você um dos meus melhores amigos, J.P. E se eu FOSSE sair com alguém assim tão rápido, seria com você.
Ai, meu Deus. Será que isso é verdade? Quer dizer, eu gosto dele sim... Ele não é o Michael. Mas quem é? Tirando o Michael, é claro.
Mas e a Lilly? É verdade que ela está louca da vida comigo neste momento (mas ela não pode ser responsável por euodeiomiathermopolis.com... onde ela poderia encontrar tempo, entre o conselho estudantil, o Lilly Tells It Like It Is, o Kenny e tudo o mais?) — e eu nem sei bem por quê.
Mas e se por algum milagre ela resolver me perdoar pela coisa que eu fiz para ela? E daí descobrir que eu estou ficando com o ex dela?
Por outro lado... ela está ficando com o meu ex.
E, tudo bem, eu passei a maior parte do tempo que namorava o Kenny tentando descobrir um jeito de terminar com ele. Mas, mesmo assim. Ela não pode ficar brava comigo por fazer exatamente a mesma coisa que ela está fazendo... pode?
Ai, meu Deus. Não sei.
Não sei de mais nada.
O que me leva a:
Mas eu preciso ordenar as minhas idéias antes que possa deixar qualquer outra pessoa entrar na minha vida. Você acha que isso faz sentido?
Por favor, não me odeie.
Com carinho,
Mia
Certo. Vou clicar em ENVIAR antes que eu possa mudar de idéia...
Quinta-feira, 23 de setembro, 7h, no loft
Caixa de entrada: 2!
A primeira era do Michael. Meu coração começou a bater super-rápido quando vi a mensagem.
Mas devo estar melhorando um pouco, porque as palmas das minhas mãos não ficaram suadas desta vez.
Será que a terapia está funcionando? Ou será que estou apenas totalmente desidratada de tanto chorar ontem à noite?
Não pude deixar de me perguntar, como sempre, se ele talvez não mudou de idéia e resolveu que a gente tem mesmo que voltar...
Se ele fez isso, será que eu aceitaria? Será que eu realmente me rebaixaria tanto a ponto de aceitá-lo de volta, depois de tudo pelo qual eu passei nas últimas semanas?
É. Eu me rebaixaria sim.
Mas fiquei arrasada (de novo) quando vi que era só um link para a reportagem do New York Post sobre a explosão na AEHS ontem, com um recado que dizia:
Então, acho que o Kenny finalmente encontrou um jeito de conseguir a atenção que ele sempre acreditou merecer...
Daí tinha uma carinha piscando e a assinatura do Michael.
Então. Acho que ele não está aborrecido com tudo o que falaram de mim e do J.P. no final das contas.
Não que ele ficaria aborrecido. Já que somos só amigos e tudo o mais.
Suspiro.
O segundo e-mail era do J.P., em resposta ao meu. Preciso confessar que o meu coração não se acelerou NEM UM POUCO quando vi a mensagem.
JPRA4: Querida Mia,
Pode demorar todo o tempo que você precisar para colocar a cabeça no lugar (mas preciso confessar que a sua cabeça sempre pareceu perfeita para mim). Eu espero.
Com carinho,
J.P.
Então. Isso é legal.
Acho.
Quinta-feira, 23 de setembro, sala de estudo
Eu sei que não devo escrever o meu diário na escola, mas isto aqui é só a sala de estudo, e não uma aula de verdade, de qualquer jeito, então ninguém pode reclamar.
E isto aqui não é o meu diário, que está em casa, e sim o meu caderno de pré-cálculo.
E, além do mais, eu PRECISO escrever isto aqui, porque acabei de ver a coisa mais sem sentido do mundo. E tenho certeza de que o dr. Loco ia querer que eu escrevesse isso, em nome da minha própria SANIDADE MENTAL, só para conseguir processar a informação:
Quando a limusine estacionou na frente da escola para me deixar — em uma área especial, isolada por uma fita, porque ainda há muitos repórteres e vans de televisão na frente da escola, tentando entrevistar alunos e professores a respeito do “inventor de bombas maluco” — eu desci e fiquei procurando o Lars, que aliás estava bem do meu lado, mas eu totalmente nem reparei de tão tonta que estou pela falta de sono.
Mas bom, foi por isso que por acaso eu vi, por baixo dos andaimes que estão usando para substituir a argamassa de um dos prédios de tijolinhos do outro lado da rua, um cara alto de jaqueta de couro preta, jeans desbotado e óculos escuros com uma bandana vermelha amarrada na cabeça, olhando fixamente para a escola.
E, no começo, eu fiquei, tipo: O que o Ryan de, The OC — Um estranho no paraíso, está fazendo do outro lado da rua, na frente da nossa escola? Achei que esse seriado tinha sido cancelado...
E daí uma coisa totalmente bizarra aconteceu: uma menina com uniforme da AEHS foi até o cara, e puxou a manga dele...
...e ele se virou e a abraçou e os dois começaram a se beijar cheios de paixão.
E daí eu percebi que a menina era a Lilly Moscovitz, e que o gostosinho de jaqueta de couro era o KENNY SHOWALTER!!!!
ISSO MESMO!!! O delinqüente juvenil suspenso que causou todo esse trauma, para começo de conversa!!! Ali na frente da escola para dar um beijo na namorada antes de a aula começar!!!!
E tudo isso, é claro, suscita a questão:
Quando foi que o Kenny Showalter ficou gostoso????
E também...
POR QUE A LILLY NÃO FALA COMIGO????
Porque eu estou totalmente me MATANDO de curiosidade de perguntar para ela como essa coisa toda com o Kenny começou, antes de mais nada. E também como está indo o conselho estudantil. E se o Kenny mostrou para ela a coleção de bonequinhos de Final Fantasy que ele começou a colecionar quando a gente estava junto. E se ela é responsável por euodeiomiathermopolis.com, e se for, o que foi que eu fiz para ela me odiar tanto assim.
E também quero saber se o Michael pergunta alguma coisa sobre mim.
Mas não posso. Porque ela não me diria nada, de todo jeito.
Quinta-feira, 23 de setembro, Inglês
Mia! Como você ESTÁ?
Estou bem, Tina! Quer dizer, estou meio dolorida por ter sido jogada no chão ontem. Mas é só a minha bunda que dói, se eu sentar em uma certa posição.
Que bom! Mas o que eu queria saber... é como você está EMOCIONALMENTE? Você sabe... por causa do euodeiomiathermopolis.com. E também do J.P. e o que ele disse para você.
Ah! Isso! Certo. Não tem nada de mais. Nós, as celebridades, precisamos nos acostumar a ter pessoas que nos odeiam na internet. E no que diz respeito ao negócio do J.P., acho que está tudo bem. O J.P. disse que está disposto a esperar, sabe, até eu estar pronta. Para começar a sair com outra pessoa. Então. Está tudo bem.
Ele é tão fofo! E é tão romântico o jeito como ele SALVOU você, a mulher que acendeu o vulcão de paixão que ele carrega dentro dele. E você viu como ele estava gostoso naquela foto do New York Post de hoje de manhã, na traseira da ambulância, olhando para você na traseira da outra ambulância? Agora a cidade inteira quer que você fique com ele!
Eu sei. Sem pressão.
Você sabe que eu estou brincando!
Eu sei, Tina. Mas esta é a questão: É verdade mesmo. O problema é que... eu não sei se quero.
Bom, seja lá o que você decida, sempre vou gostar de você. E você sabe disso, certo?
Obrigada, T. Eu queria que todo mundo fosse tão fofo quanto você.
Quinta-feira, 23 de setembro, S & T
O almoço hoje foi uma tortura só. Todo mundo foi falar com o J.P. para dar parabéns por ele ter me salvado.
Não que eu ache que o J.P. não mereça os elogios e os agradecimentos de todos.
É só que... aquela coisa que a Tina disse, sabe? Realmente é verdade. Parece que todo mundo está torcendo para que o J.P. e eu fiquemos juntos — isso sem contar as pessoas que já pensam que nós ESTAMOS juntos.
E eu me sinto totalmente mal de ficar ressentida com isso, porque o J.P. realmente é ótimo, e nós totalmente DEVERÍAMOS estar juntos.
É só que... como é que todo mundo não ficou assim tão animado com o fato de o Michael e eu estarmos juntos? Quer dizer, claro, o Michael nunca me salvou de nitroamido explosivo.
Mas ele salvou a minha sanidade mental MUITÍSSIMAS vezes.
E até parece que ele está lá no Japão aprendendo a desenhar MANGÁ ou algo assim. Ele está lá para fazer uma coisa que vai salvar vidas.
Caramba.
Quinta-feira, 23 de setembro, Educação Física
Ai, meu Deus. Eu SABIA que isso ria acontecer. Eu sabia que precisaria pagar um preço alto por ter ficado amiguinha da Lana Weinberger:
Ela me obrigou a matar aula com ela.
E, tudo bem, a aula que eu estou perdendo é educação física, que não é exatamente fundamental para a minha carreira acadêmica.
Mas, mesmo assim! Eu não sou do tipo que mata aula!
Bom, quer dizer, eu já matei... mas normalmente é só para ficar na escada do terceiro andar para conversar com alguém — geralmente EU MESMA — que está passando por algum trauma emocional... não para ir ao Starbucks.
Mas a Lana e a Trisha estavam à minha espera no vestiário das meninas quando eu cheguei lá hoje. Elas me pegaram e me arrastaram — bem na frente do Lars, que estava apoiado na parede ao lado do bebedouro, jogando Fantasy Football no celular dele — para fora da escola e rua abaixo. (O Lars finalmente nos alcançou lá pela rua Setenta e Sete.) A Lana disse que estava precisando muito, muito mesmo de um mocha latte com leite desnatado, e que ela não ia conseguir sobreviver à aula de espanhol (que ela está cursando neste período) de jeito nenhum, porque fica bem embaixo do laboratório de química, e todo aquele lado da escola ainda está fedendo a fumaça.
“Além do mais”, a Lana disse, “com todos os repórteres de plantão lá fora, tentando conseguir uma entrevista com a diretora Gupta sobre o Beaker, até parece que nós vamos obtenga cualquier trabajo a hecho, de qualquer jeito.”
E isso não é exagero. A nossa escola continua no centro de um ataque da mídia, apesar de os repórteres não estarem invadindo o terreno da escola graças à ajuda do Departamento de Polícia de Nova York, que aparentemente a diretoria da escola chamou para conter a multidão.
No entanto, nós conseguimos passar por eles sem ser reconhecidas, porque colocamos o blazer por cima da cabeça e saímos correndo. E isso foi educativo do ponto de vista que serviu para ilustrar como se deve usar um xador.
“Então”, a Lana comentou, quando estávamos todas sentadas. “Todo mundo está dizendo que aquele tal de J.P. salvou a sua vida. Vocês dois estão, tipo, juntos?”
“Não”, eu senti que estava começando a ficar vermelha.
“Cara, por que não?” A Trisha, que pediu um mocha latte sem chantili e com leite desnatado, estava assoprando para esfriar. “Ele salvou a sua vida. Isso é uma delícia.”
“É.” Minhas bochechas pareciam estar tão quentes quanto o meu chocolate. “É só que... sabe como é. Estou acabando de sair de um relacionamento sério, e não sei se estou pronta para mergulhar em outro por enquanto.”
“Sei do que você está falando”, a Lana concordou. “É assim que eu fiquei me sentindo quando eu terminei com o Josh. Nós somos jovens, sabe? Precisamos rodar um pouco. Quem precisa se amarrar em algum cara aos 16 ANOS?”
“Eu bem que gostaria de estar amarrada com o Skeet Ulrich”, Trisha se oferecendo.
“É só que...”, ignorei a observação sobre o Skeet Ulrich. Mas sabe como é, a mesma coisa vale para mim. “Eu realmente amo o Michael. E a idéia de ficar com algum outro cara... Não sei. Não me diz nada.”
“Eu sei exatamente do que você está falando”, a Lana lambeu a espuma desnatada do pauzinho de madeira de mexer. “Depois que o Josh e eu terminamos, fiquei, tipo, quem vai poder substituir o Josh, sabe? Porque ele é, tipo, tão alto e tão gostoso e tão inteligente e tão bom para ficar esperando na cadeira do namorado enquanto eu faço compras.”
“Total”, a Trisha assentiu com a cabeça para mostrar que concordava. “Ele era mesmo muito bom nisso. Muitos caras não são. Você ia ficar surpresa de ver.”
“Então eu estava mesmo relutando muito, sabe como é, para ficar com alguém”, a Lana continuou, “porque eu simplesmente não queria me magoar de novo. Mas daí, pensei: preciso começar do zero. Sabe como é? Tipo dar uma repaginada. Então, fui a uma festa. E foi lá que eu conheci o Blaine.”
“O Blaize”, a Trisha corrigiu.
“O nome dele era esse?” A Lana parecia longe. “Ah, é. Bom, tanto faz. Ele foi, tipo, o cara que me serviu de consolo. E, depois disso, fiquei totalmente curada.”
“Você precisa de um cara para servir de consolo”, a Trisha apontou para mim com o pauzinho de mexer.
“Acho que devia ser aquele tal de J.P.”, a Lana concordou. “Quer dizer, ele se jogou no FOGO por causa de você.”
“Se jogar no fogo é tão legal”, a Trisha me informou. Aparentemente sem ironia nenhuma.
Eu assenti, de todo modo. “Eu sei. O negócio é que... na teoria, o J.P. é o cara perfeito para mim. Nós dois adoramos teatro e cinema, nossa história de vida é parecida, a minha avó o adora totalmente e nós dois queremos ser escritores...”
“E vocês dois estão sempre rabiscando aqueles cadernos”, a Lana apontou para o meu caderno de redação Mead com uma unha toda bem-feita, “Como você está fazendo agora. O que não é nem um pouco esquisito, aliás.”
“É”, eu ignorei a gargalhada sarcástica da Trisha. “E sei que ele é bonito, que foi legal o jeito que ele me salvou e tudo o mais. Mas é só que... o cheiro dele não é o certo.”
Eu sabia que as duas iam ficar olhando para mim sem entender nada. E foi o que as duas fizeram. Elas não faziam a menor idéia do que eu estava falando.
Ninguém faz. Ninguém entende.
A não ser, talvez, o meu pai.
“É só dar uma colônia diferente para ele”, a Trisha sugeriu.
“É”, a Lana concordou. “O Josh antes usava um negócio totalmente nojento que praticamente me deixava com enxaqueca, então no aniversário dele eu dei de presente um Drakkar Noir e ele começou a usar. Problema resolvido.”
Eu tive que fingir estar agradecida pela dica, e que realmente tinha me ajudado. Apesar de não ter ajudado, total. Parece que este é o problema de ser amiga de alguém da turminha dos populares:
Não dá para falar a verdade sobre tudo sempre, porque há muitas coisas que essas pessoas simplesmente não entendem.
Quinta-feira, 23 de setembro, Química
Mia — você estava tão quieta no almoço hoje... Está tudo bem?
Está, J.P.! Tudo ótimo! Só estou... um pouco atordoada.
Não por causa de mim, espero.
Não! Não tem nada a ver com você!
Também não dá para falar a verdade para caras fofos.
É mentira sua.
Não! Não é, não! Por que você está dizendo uma coisa dessas?
As suas narinas estão inflando.
DROGA! Será que NADA na minha vida pode ser segredo?
Ah. A Lilly falou disso para você?
Falou sim. Olha, a última coisa que eu quero é que as coisas fiquem esquisitas entre nós.
Não tem nada de esquisito! Bom, quer dizer... não exatamente.
Eu já disse que posso esperar.
Eu sei! E é muito fofo da sua parte! Muito fofo mesmo!
Eu sou fofo demais, não sou? Sou um cara legal demais? As meninas nunca se apaixonam pelos caras legais.
Não! Você não é legal. Você é assustador, está lembrado? Pelo menos de acordo com o seu terapeuta...
Ei, tem razão. E por acaso o seu médico não disse para você fazer uma coisa assustadora todo dia?
Hum. Disse...
Então, você devia sair comigo na sexta à noite.
Não posso! Tenho um compromisso.
Mia, achei que nós íamos ser sinceros um com o outro.
Está vendo as minhas narinas inflarem? É sério, tenho que fazer um discurso no evento de gala da Domina Rei.
Certo. Eu vou ser o seu acompanhante.
Não dá. É só para mulheres.
Sei.
É sério. Pode acreditar, eu gostaria de não precisar ir lá.
Certo. Então, no sábado.
Não posso! Realmente preciso estudar. Você faz idéia de como a minha média de B+ está ameaçada neste momento?
Certo. Mas, cedo ou tarde, eu vou sair com você. E você vai esquecer o Michael completamente. Eu prometo.
J.P., você realmente não faz idéia de como eu torço para que isto seja verdade.
Quinta-feira, 23 de setembro, 20h, na limusine, a caminho do hotel Four Seasons
Tudo bem, realmente está difícil escrever isto aqui, de tanto que as minhas mãos estão tremendo.
Mas eu preciso deixar tudo registrado. Porque aconteceu uma coisa.
Uma coisa grande.
Maior do que uma explosão de nitroamido. Maior do que a Lilly me detestar e talvez possivelmente ser a fundadora do site euodeiomiathermopolis.com. Maior do que eu ter descoberto que o J.P. me ama. Maior do que o fato de o Michael NÃO me amar (mais). Maior do que eu ter que começar a fazer terapia. Maior do que a minha mãe se casar com o meu professor de álgebra e ter um filho com ele, ou de eu ter descoberto que sou princesa, ou de o Michael ter me amado para início de conversa.
Maior do que qualquer coisa que já aconteceu na minha vida.
Tudo bem. Vou contar o que aconteceu:
A noite começou completamente normal. Quer dizer, fiz o meu dever de casa com o sr. G (nunca vou passar nem em química nem em pré-cálculo sem ter aula particular todos os dias — isto já está bem claro), jantei e finalmente cheguei à conclusão de que, sabe como é, a Lana tem razão: preciso recomeçar do zero. Preciso de uma repaginação. Falando sério. Está na hora de deixar as coisas velhas para trás — velhos namorados, velhas melhores amigas, roupas velhas que não servem mais e decoração velha — e adotar coisas novas.
Então, eu estava mudando os móveis do meu quarto de lugar (tanto faz. Eu tinha acabado o dever de casa e NÃO TENHO MAIS TV. O que MAIS eu podia fazer? Procurar coisas maldosas sobre mim na internet? Agora tem uma seção de comentários em euodeiomiathermopolis.com, onde alguém do estado da Dakota do Sul acabou de postar: “Eu também odeio a Mia Thermopolis! Ela é totalmente superficial e metida! Uma vez eu mandei um e-mail para ela aos cuidados do palácio da Genovia e ela nunca respondeu!”) quando derrubei sem querer o retrato da princesa Amelie.
E a parte de trás caiu. Sabe, a parte de madeira que ficava por cima da parte de trás da moldura?
E eu totalmente tive um ataque, porque sabe como é, aquele retrato provavelmente não tem preço ou algo assim, como tudo mais no palácio.
Então eu me apressei para pegar o quadro.
E um papel caiu de lá.
Não foi um papel, na verdade. Foi algum tipo de pergaminho. Do tipo que se usava para escrever lá no século XVII.
E estava todo coberto com uns garranchos em francês do século XVII que eram bem difíceis de ler. Demorei uma eternidade para decifrar o que estava escrito. Quer dizer, dava para ver que a parte de baixo estava assinada pela princesa Amelie — a minha princesa Amelie. E bem do lado da assinatura dela estava o selo real da Genovia. E do lado dele havia assinaturas de duas testemunhas, cujos nomes eu não conhecia.
Demorei um minuto para descobrir que tinham de ser as assinaturas das duas testemunhas que ela encontrou para assinar sua ordem executiva.
Foi aí que percebi o que era aquilo que eu tinha nas mãos. Aquela coisa que a Amelie tinha assinado — a coisa que tinha deixado o tio dela tão louco da vida, a ponto de queimar todas as cópias... menos uma, que ela tinha escondido perto do coração.
No começo, eu tinha achado que ela tinha falado LITERALMENTE perto do coração dela, e que fosse lá o que fosse, devia ter queimado completamente junto com o corpo dela na pira funerária real depois da morte de Amelie.
Mas daí eu percebi que ela não tinha sido literal coisa nenhuma. Ela queria dizer que era perto do coração do RETRATO dela... que, de fato, era o lugar de onde o pergaminho tinha caído — do lugar entre o retrato e o forro da moldura. Onde ela tinha escondido para impedir que o tio encontrasse... e onde o Parlamento da Genovia deveria ter procurado, depois que o diário e o retrato da Amelie foram devolvidos da abadia para onde ela os tinha mandado por medida de segurança.
Só que, é claro, ninguém (além do tradutor, aparentemente) nunca fez isso. Estou falando de ler o diário, quer dizer. Nem encontrou o pergaminho.
Até eu.
Então, é claro, fiquei me perguntando o que esta coisa poderia dizer. Sabe como é, já que tinha deixado o tio dela tão bravo que ele tentou queimar todas as cópias, e para ela ter tanto trabalho para esconder a última.
E apesar de no começo ter sido meio difícil entender exatamente o que o documento estava dizendo, quando terminei de traduzir todas as palavras que eu não conhecia com a ajuda de um dicionário online de francês medieval (obrigada, nerds), tive uma boa noção de por que o tio Francesco tinha ficado tão bravo.
E também por que a Amelie tinha escondido o documento. E deixado pistas no diário dela para que pudesse ser encontrado.
Porque este era possivelmente o documento mais inflamatório que eu já li. Ainda mais explosivo do que a experiência de síntese de nitroamido do Kenny.
Durante um segundo, só consegui ficar olhando para o pergaminho, completamente estupefata.
E daí eu percebi uma coisa, uma coisa fantástica:
A princesa Amelie Virginie Renaldo, lá de 1669, tinha simples e totalmente salvado a minha pele!!!!!
Não só a minha pele, mas a minha sanidade mental...
...a minha vida
...o meu futuro
...o meu tudo.
De verdade. Parece que estou exagerando, e eu sei que faço muito isso, mas neste caso... não estou. Estou total e completamente cem por cento com o coração acelerado, as palmas das mãos suadas e a boca seca. Falando sério.
Tão sério que, por um minuto, achei que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.
E, por isso, assim que percebi que eu ia ficar bem, liguei para o meu pai e disse a ele que estava a caminho da zona norte para falar com ele. E com Grandmère também.
Porque tenho uma coisa para dizer para os dois.
Sexta-feira, 24 de setembro, 1h, no loft
Não dá para acreditar. Não dá para acreditar que eles...
Isto não está acontecendo. Simplesmente NÃO ESTÁ ACONTECENDO. NÃO PODE estar acontecendo. Afinal, como os meus próprios parentes de sangue podem ser tão... tão... tão horríveis?
Acho que eu consigo entender a reação de GRANDMÈRE. Mas o meu pai? Meu PRÓPRIO pai?
E, também, parece até que ele não refletiu sobre o que estava falando. Ele pegou o pergaminho de mim e leu. Ele conferiu o selo, a assinatura e todo o resto. Ficou estudando o documento durante muito tempo, enquanto Grandmère ficava lá resmungando: “Ridículo! Uma princesa da Genovia que dá às pessoas o direito de ELEGER um chefe de estado, e ainda declara que o papel do soberano da Genovia é apenas cerimonial? Nenhum ancestral nosso seria assim tão estúpido.”
“Não foi estupidez de Amelie, Grandmère”, eu expliquei a ela. “O que ela fez na verdade foi muito inteligente. Ela estava tentando AJUDAR o povo da Genovia ao poupar a população de ser governada por alguém que ela sabia, por experiência própria, ser um tirano, e que só iria piorar uma situação ruim, com a peste e tudo o mais. Foi mesmo muita falta de sorte ninguém ter encontrado o documento até agora.”
“Certamente que sim”, meu pai disse, ainda examinando o pergaminho. “Isso poderia ter poupado o povo da Genovia de muitas dificuldades. O fato é que a princesa Amelie tomou a melhor decisão que poderia ser tomada na época, de acordo com as circunstâncias.”
“Certo”, eu disse. “Então, precisamos apresentar isto ao Parlamento o mais rápido possível. Vão querer começar a nomear candidatos a primeiro-ministro e decidir quando vão fazer as eleições o mais rápido possível. E, pai, eu queria dizer, isso vai parecer um choque tremendo para você, mas eu conheço o povo da Genovia — e acho que conheço mesmo a esta altura — e só tem uma pessoa que todo mundo vai querer como primeiro-ministro, e essa pessoa é você.”
“Isso é muita gentileza da sua parte, Mia”, meu pai agradeceu.
“Bom, é verdade”, eu disse. “E não tem nada na Declaração de Direitos como Amelie a delineou que impeça qualquer integrante da família real a concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser. Então, acho que você deveria tentar. Eu sei que não é exatamente a mesma coisa, mas tenho alguma experiência com eleições, graças à disputa pela presidência do conselho estudantil no ano passado. Então, se precisar de qualquer coisa, fico feliz de ajudar com o que eu puder.”
“O que é isto?”, Grandmère praticamente cuspiu. “Todo mundo aqui enlouqueceu totalmente? Primeiro-ministro? Nenhum filho meu vai ser primeiro-ministro! Ele é um príncipe, como é necessário lembrá-la, Amelia!”
“Grandmère.” Eu sei que realmente é difícil para as pessoas de idade se acostumarem com novidades — tipo a internet —, mas eu sabia que Grandmère se atualizaria no fim. Agora ela é uma verdadeira profissional do mouse. “Eu sei que o papai é príncipe. E sempre vai ser. Da mesma maneira como você sempre vai ser a princesa viúva, e eu sempre vou ser princesa. É só que, de acordo com a declaração da Amelie, a Genovia não é mais governada por um príncipe ou uma princesa. O país tem um Parlamento eleito, liderado por um primeiro-ministro eleito...”
“Isso é ridículo!”, Grandmère exclamou. “Eu não passei todo este tempo ensinando você a ser princesa só para descobrir que, no final das contas, você NÃO é princesa coisa nenhuma!”
“Grandmère.” Fala sério. Parece que ela nunca estudou a respeito dos sistemas de governo na escola. “Eu continuo sendo princesa. Só que agora sou princesa de cerimônia. Tipo a princesa Aiko do Japão... ou a princesa Beatrice da Inglaterra. Tanto a Inglaterra quanto o Japão são monarquias constitucionais... como Mônaco.”
“Mônaco!” Grandmère parecia horrorizada. “Meu Deus do céu, Phillipe! Não podemos ser iguais a Mônaco. O que ela está dizendo?”
“Nada, mãe”, meu pai respondeu. Eu nunca tinha reparado antes, mas a mandíbula dele estava quadrada. Isso é sempre um sinal — como quando a boca da minha mãe fica pequena — de que as coisas não vão acontecer do jeito que eu quero. “Não é nada com que se preocupar.”
“Bom, na verdade é sim”, eu disse. “Quer dizer, um pouco. Vai ser uma mudança bem grande. Mas a mudança só vai ser para melhor, acho. Nossa admissão na União Européia estava bem incerta antes por causa da coisa toda da monarquia absolutista, certo? Quer dizer, está lembrada do caso das lesmas? Mas agora, como democracia...”
“Democracia, de novo!”, Grandmère exclamou. “Phillipe! O que tudo isso significa? Do que ela está FALANDO? Você é ou não é o príncipe da Genovia?”
“Claro que sou, mãe”, meu pai respondeu, com um tom de voz reconfortante. “Não se altere. Nada vai mudar. Deixe-me pedir um Sidecar para você...”
Eu totalmente entendi o meu pai tentando acalmar Grandmère e tudo o mais. Mas mentir para ela na cara dura me pareceu um tanto severo demais.
“Bom”, eu disse. “na verdade, muita coisa vai mudar...”
“Não”, o meu pai me interrompeu, abrupto. “Não, Mia, na verdade, não vai mudar. Fico contente por você ter chamado a minha atenção para este documento, mas ele não significa o que você parece achar que significa. Ele não tem nenhuma validade.”
Foi aí que o meu queixo caiu. “O QUÊ? Claro que tem validade! A Amelie seguiu completamente todas as regras determinadas pela carta régia da Genovia: ela usou o selo, conseguiu a assinatura de duas testemunhas independentes e tudo! Se é que eu aprendi alguma coisa desde que as minhas aulas de princesa começaram, aprendi que é válido sim.”
“Mas ela não obteve aprovação parlamentar”, meu pai começou.
“PORQUE TODO MUNDO DO PARLAMENTO ESTAVA MORTO!” Não dava para acreditar naquilo “Ou então estava em casa, cuidando dos parentes moribundos. E, pai, você sabe tão bem quanto eu que durante uma crise nacional — como, por exemplo, um surto de PESTE, a morte iminente de um governante e a ciência de que o trono vai para uma pessoa que é sabidamente um déspota — um príncipe ou uma princesa coroada da Genovia pode colocar em vigor qualquer coisa que desejar através de uma lei, com base no direito divino.”
É sério. Será que ele acha mesmo que eu não aprendi NADA além de como usar garfo de peixe nestes três anos de aulas de princesa?
“Certo”, meu pai disse. “Mas essa crise nacional específica aconteceu há quatrocentos anos, Mia.”
“Isso não faz com que a lei seja menos válida”, eu insisti.
“Não”, meu pai concedeu. “Mas significa que não há razão para que o Parlamento receba esta informação no momento. OU em qualquer outro momento, aliás.”
“O QUÊ?”
Eu me senti como a princesa Leia Organa quando finalmente revelou a localização oculta da base rebelde (apesar de estar mentindo) a Grand Moff Tarkin em Guerra nas estrelas: Uma nova esperança, e ele foi lá e ordenou a destruição do planeta natal dela, Alderaan, de todo jeito.
“É claro que nós precisamos passar esta informação para o Parlamento”, eu berrei. “Pai, a Genovia vive uma mentira há quase quatrocentos anos!”
“Esta conversa está encerrada”, meu pai pegou a Declaração de Direitos da Amelie e se preparava para guardar na pasta dele. “Fico contente com a sua tentativa, Mia — foi muito inteligente da sua parte ter descoberto tudo isso. Mas isto aqui não é, nem de longe, um documento legal legítimo que precisamos apresentar ao povo da Genovia — ou ao Parlamento. Não passa de uma mera tentativa de uma adolescente assustada de proteger os interesses de um povo que já morreu há muito tempo, e não é nada com que precisamos nos preocupar...”
“O problema é esse”, num gesto rápido, peguei o pergaminho antes que ele pudesse selá-lo para sempre nas profundezas da pasta Gucci dele. Eu estava começando a chorar. Não pude evitar. Aquilo tudo simplesmente era injusto. “É isso, não é? É só porque foi escrito por uma menina. Pior ainda, por uma ADOLESCENTE. Então, portanto, não tem legitimidade, e pode ser simplesmente ignorado...”
Meu pai me lançou um olhar azedo. “Mia, você sabe que não é isto que quero dizer.”
“É sim! Se tivesse sido escrito por um dos nossos ancestrais HOMENS — o próprio príncipe Francesco — você iria totalmente apresentar ao Parlamento quando houver a sessão do mês que vem. TOTALMENTE. Mas como foi escrito por uma adolescente, que só foi princesa durante doze dias antes de morrer sozinha com uma doença horrível, o seu plano é desprezar o documento completamente. Por acaso a liberdade do seu povo realmente significa assim tão pouco para você?”
“Mia”, meu pai disse, em tom cansado. “A Genovia é repetidamente considerada um dos melhores lugares para se viver no planeta, e a população do país está entre as mais satisfeitas do mundo. A temperatura média é de 22 graus centígrados, faz sol quase trezentos dias por ano e ninguém lá paga imposto, está lembrada? O povo da Genovia certamente nunca expressou a menor reserva em relação a sua liberdade, ou ausência dela, desde que subi ao trono.”
“Como o povo pode sentir falta de uma coisa que nunca teve, pai?”, perguntei a ele. “Mas esta nem é a questão. A questão é que uma das suas ancestrais deixou para trás um legado — algo que ela pretendia usar para proteger o povo com que ela se preocupava. O tio dela dispensou a lei, da mesma maneira que tentou dispensar a ela. Se não honrarmos seu último pedido, seremos tão tiranos quanto ele foi.”
Meu pai revirou os olhos. “Mia, está tarde. Eu vou voltar para a minha suíte. Conversaremos mais sobre este assunto amanhã.” Daí, tenho certeza que o ouvi resmungar: “Se você ainda estiver pensando nisso até lá.”
E isso realmente é o X da questão, não é? Ele acha que eu só estou tendo um ataque histérico de adolescente... do mesmo tipo que o levou a me mandar fazer terapia, e que levou a princesa Amelie a assinar aquela lei, para começo de conversa.
A lei que ele está ignorando — basicamente — porque foi escrita por uma menina.
Legal. Bem legal mesmo.
E Grandmère também não ajudou em absolutamente nada. Quer dizer, seria de se pensar que outra mulher demonstraria um pouco de solidariedade pela minha luta — que também é da Amelie.
Mas Grandmère é igualzinha àquelas outras mulheres que andam por aí exigindo os mesmos direitos dos homens, mas que não querem se autodenominar feministas. Porque isso não é “feminino”.
Depois que o meu pai foi embora, ela só ficou olhando para mim e falou assim: “Bom, Amelia, ainda não sei muito bem que história foi essa, mas eu disse para você não dar atenção àquele diário velho e empoeirado. Então, está pronta para o seu discurso de amanhã? O seu tailleur foi entregue aqui, então suponho que o melhor a fazer é vir direto para cá depois da escola e se trocar.”
“Não posso vir direto da escola”, eu disse a ela. “Tenho terapia amanhã.”
Ela ficou olhando para mim sem entender nada um tempinho — eu nunca soube muito bem se o meu pai tinha falado para ela sobre o dr. Loco. Mas agora eu sei que ele não falou nada — e ela disse: “Bom, então depois disto.”
!!!!!
Fala sério! A minha avó descobre que eu estou fazendo terapia e a única coisa que diz é que eu devo ir ao hotel DEPOIS da sessão, para trocar de roupa para o discurso que eu SÓ vou fazer porque ELA quer ser uma Domina Rei.
Eu seria capaz de matar os dois neste momento. Meu pai E Grandmère.
Voltei para casa tão louca da vida que não conseguia nem falar. Só fui para o meu quarto e fechei a porta.
Não que a minha mãe ou o sr. G tenham chegado a reparar. Eles finalmente conseguiram todas as temporadas existentes de The Wire no Netflix e estão grudados à TV.
A TV do QUARTO deles.
Porque ninguém levou embora a TV DELES.
Pensei em entrar lá e contar a eles — bom, à minha mãe, pelo menos — o que estava acontecendo. Só que eu sabia que a informação faria com que a cabeça dela explodisse. O fato de o ex-namorado dela e a mãe dele privarem uma mulher de seus direitos humanos básicos (porque é isso que o meu pai e Grandmère estão fazendo com a Amelie) faria a minha mãe entrar totalmente em pé de guerra. Ela ia convocar todas as integrantes do grupo Riot Grrls, a que ela pertence, pelo telefone e elas todas logo estariam fazendo piquete na frente da embaixada da Genovia. Daí, se isso não desse certo, ela daria um golpe de caratê no pescoço do meu pai (ela anda se exercitando para perder os quilos que sobraram da gravidez e voltou para sua faixa marrom).
Só que...
Só que não é isso que eu quero.
Para começo de conversa, violência doméstica nunca é resposta para nada.
E, depois, não quero que a minha MÃE dê um jeito nisto. Preciso de conselhos sobre como eu posso consertar isto. EU.
Não dá para acreditar no que está acontecendo. Será que isto pode mesmo — de verdade — ser a minha vida?
E se for... como é que isso aconteceu?
Sexta-feira, 24 de setembro, Inglês
Mia! Está tudo bem com você? Está com cara de quem não dormiu nada ontem à noite!
É. Isso é porque eu não dormi.
Por quê???? Ai, meu Deus, aconteceu alguma coisa com o J.P.? Ou com o MICHAEL???
Não, Tina. Acredite se quiser, mas isso não tem nada a ver com homem nenhum. Bom, tirando o meu pai.
Ele fez de novo aquele discurso sobre como você não vai conseguir entrar numa faculdade de primeira linha se não estudar mais, e que daí vai acabar se casando com um artista de circo igual à sua prima, a princesa Stephanie? Porque o que quero dizer é o seguinte: a MAIORIA das pessoas não consegue entrar em faculdades de primeira linha, e muito pouca gente acaba casada com contorcionistas, então não acho que essa seja uma preocupação muito válida.
Não. É pior do que isso.
Ai, meu Deus, ele descobriu que você ia dar o seu Dom Precioso para o Michael??? Só que o Michael não quis????
Não. É uma coisa muito, muito mais importante...
Mais importante do que o seu Dom Precioso? O que é, então???????
Bom...
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
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Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Não vou mais passar bilhetinho na aula.
Sexta-feira, 24 de setembro, horário de almoço, escada do terceiro andar
Nem sei o que dizer. Aposto que as palavras desta página estão todas borradas por causa das minhas lágrimas.
Só que eu estou chorando tanto que não sei dizer, já que mal consigo enxergar a página mesmo.
É só que... eu simplesmente não entendo como ela pode ter DITO aquilo.
Sobre o fato de ela ter FEITO aquilo, nem vou comentar.
Nem sei onde eu estava com a cabeça.
É só que isto é muito PIOR do que o fato de que o meu namorado de um tempão ter me dado um pé na bunda. Pior do que o fato de o ex da minha melhor amiga dizer que está apaixonado por mim. Pior do que o fato de a minha ex-inimiga agora almoçar comigo. Pior do que o fato de eu mal estar conseguindo dar conta da matéria de pré-cálculo.
Quer dizer, meu pai está tentando trapacear o povo da Genovia e privar as pessoas da única chance de pertencerem a uma sociedade democrática.
E realmente só existe uma pessoa em quem eu posso pensar para me dizer o que devo fazer em relação a tudo isto (em vez de, sabe como é, falar para a minha mãe e ela dar conta de tudo sozinha).
E ela não está falando comigo.
Mas eu achei que nós conseguiríamos ser superiores a essa mesquinharia. Realmente achei que conseguiríamos.
Falando sério. Eu simplesmente achava que precisava conversar com a Lilly. Porque a Lilly saberia o que devo fazer.
E eu pensei: Qual seria a pior coisa a acontecer se eu simplesmente CONTASSE para ela? E se eu só chegasse para ela e contasse o que está acontecendo? Ela ia TER QUE responder, certo? Porque, como é uma injustiça tão grande, ela não poderia fazer nada além de me ajudar. Ela é a LILLY. A Lilly não consegue ficar inerte enquanto uma injustiça é perpetrada. Ela é fisicamente incapaz de fazer isso. Ela ia TER que falar alguma coisa.
O mais provável seria que ela dissesse: “Você TEM que estar de brincadeira. Mia, você tem que...”
E daí ela me diria o que fazer. Certo?
E daí eu conseguiria parar de me sentir como se estivesse escorregando cada vez mais para o fundo da cisterna de Papaw.
Quer dizer, talvez não voltássemos a ser amigas.
Mas a Lilly nunca permitiria que um país fosse privado de ter um governo popular. Certo? Afinal, ela é totalmente contrária à monarquia.
Esse foi o meu raciocínio, pelo menos. Foi por isso que fui falar com ela agorinha mesmo no refeitório.
Juro que foi só isso que eu fiz. Eu só fui até onde ela estava. Só isso. Eu simplesmente fui até o lugar em que ela estava sentada — SOZINHA, aliás, porque o Kenny está suspenso e a Perin tinha saído para uma consulta no ortodontista e a Ling Su tinha ficado na sala de arte para terminar uma colagem dela mesma que batizou de Retrato da Artista com Miojo e Azeitonas — e falei: “Lilly? Posso conversar com você um segundo?”
E, tudo bem, talvez tenha sido má idéia abordá-la em público. Eu provavelmente deveria ter esperado por ela no banheiro, já que ela sempre vai lá para lavar as mãos depois que termina de comer. Assim eu poderia ter falado com ela em particular, e se ela reagisse mal, ninguém — além de mim e talvez alguns alunos do primeiro ano — teria visto nem ouvido nada.
Mas, igual a uma IDIOTA, eu fui lá falar com ela na frente de todo mundo e me acomodei no assento na frente do dela e disse: “Lilly, eu sei que você não está falando comigo, mas eu realmente preciso da sua ajuda. Uma coisa horrível aconteceu: eu descobri que há quase quatrocentos anos, uma das minhas ancestrais assinou uma lei que transformava a Genovia em uma monarquia constitucional, mas ninguém encontrou a lei até outro dia, e quando eu mostrei para o meu pai, ele basicamente a desprezou porque tinha sido escrita por uma adolescente que só governou durante doze dias, antes de sucumbir à Peste Negra, e, além do mais, ele não quer ter um papel meramente cerimonial no governo da Genovia, apesar de eu dizer a ele que deveria se candidatar a primeiro-ministro. Você sabe que todo mundo votaria nele. E eu simplesmente acho que uma enorme injustiça está sendo cometida, mas não sei o que posso fazer a esse respeito, e você é tão inteligente, achei que poderia me ajudar...”
A Lilly ergueu os olhos da salada que estava comendo e falou assim, bem fria: “Por que você está falando comigo?”
E reconheço que isso meio que me deixou louca da vida. Eu provavelmente deveria ter me levantado e ido embora naquele mesmo minuto.
Mas como eu sou a maior idiota, continuei falando. Porque... sei lá. Nós passamos por tanta coisa juntas, e eu só achei que ela não tivesse escutado direito ou algo assim.
“Eu já disse”, eu respondi. “Preciso da sua ajuda. Lilly, esta coisa de ficar dando as costas para mim é a maior estupidez.”
Ela só ficou olhando para mim mais um pouco. Então, eu falei: “Bom, tudo bem, se você acha que precisa continuar me odiando, isso é com você. Mas e o povo da Genovia? Aquelas pessoas nunca fizeram nada contra você — apesar de eu também não ter feito, mas esta não é a questão. Você não acha que o povo da Genovia merece ser livre para escolher seus próprios líderes? Lilly, o país precisa de você... eu preciso de você para me ajudar a descobrir como...”
“Ai. Meu. Deus.”
A Lilly se levantou quando disse a palavra “Ai”. Ela ergueu o punho na palavra “Meu”. E deu um soco na mesa com a palavra “Deus”.
Com tanta força que todas as cabeças no refeitório se voltaram para nós para ver o que estava acontecendo.
“Não dá para acreditar nisto!”, a Lilly gritou. Ela literalmente gritou comigo, apesar de eu estar sentada bem na frente dela, a meio metro de distância. “Você é totalmente inacreditável. Primeiro, deixa o meu irmão com o coração partido. Depois rouba o meu namorado. E ainda acha que pode vir me pedir conselhos sobre a sua família totalmente destrambelhada?”
Quando ela chegou à palavra “destrambelhada”, estava aos berros.
Eu só fiquei olhando para ela, completamente chocada. E também não estava conseguindo enxergar muito bem, graças às lágrimas nos meus olhos.
Mas isso provavelmente foi bom. Porque assim eu não pude ver todos os rostos assustados que se voltavam na nossa direção.
Mas eu escutava o silêncio completo que tomou conta de todo o refeitório. Dava até para ouvir um garfo raspando no prato. Todo mundo estava realmente a fim de registrar cada segundo da surra verbal que eu estava levando da minha ex-melhor amiga.
“Lilly”, eu sussurrei. “Você sabe que eu não deixei o Michael de coração partido. Ele é que fez isso comigo. E eu não roubei o seu namorado...”
“Ah, guarde isto para o New York Post”, a Lilly gritou. “Nada NUNCA é culpa sua, não é mesmo, Mia? Mas por que você reconheceria algum dia estar errada, já que essa coisa de se fazer de vítima dá tão certo para você, não é? Quer dizer, olhe só para você. Agora a LANA WEINBERGER é a sua melhor amiga. Isso não é uma coisa ESPECIAL? Você não percebe que ela só está USANDO você, sua idiota? Todo mundo só está usando você, Mia. Eu era a sua única amiga de verdade, e olha só como você me tratou!”
Depois disso, a única coisa que eu enxergava da Lilly era um enorme borrão, porque as lágrimas estavam caindo muito rápido. Mas dava para ouvir o tom de desprezo na voz dela. E também o silêncio total e completo ao nosso redor.
“E sabe o que mais?”, a Lilly prosseguiu, toda ácida — e ainda em um tom alto o bastante para acordar os mortos. “Você tem razão. Você não deixou o Michael de coração partido. Ele estava tão cheio dos seus choramingos constantes e da sua total incapacidade de resolver seus próprios problemas que não agüentava mais esperar para ficar longe de você. Eu também queria ter tanta sorte quanto ele tem! Eu daria qualquer coisa para estar a milhares de quilômetros de você. Mas, enquanto isso não acontece, pelo menos eu tenho o site novo que fiz para me consolar. Quem sabe você viu. Se não, deixa que eu dou o endereço para você: é EUODEIOMIATHERMOPOLISPONTOCOM!”
E, com isso, ela deu um rodopio e saiu do refeitório. Pelo menos eu acho que sim. Era meio difícil de saber, já que eu na verdade não conseguia enxergar o que estava acontecendo, porque àquela altura eu já estava chorando tanto que pareciam as cachoeiras de Niagara Falls derramando no meu rosto.
E foi por isso que eu não reparei que a Tina, o Boris, o J.P., a Shameeka, a Lana e a Trisha tinham corrido para onde eu estava sentada, até que eles começaram a dar tapinhas nas minhas costas, dizendo coisas como: “Não escute o que ela diz, Mia, ela não tinha intenção de falar essas coisas” e “Ela só está com inveja. Sempre foi assim” e “Ninguém está usando você, Mia. Porque, para ser sincera, você não tem nada que eu queira.” (Esta última frase saiu da Lana. Que tinha a intenção de ser gentil, eu sei disso.)
Eu sabia que eles só estavam tentando ser simpáticos. Eu sabia que só tinham a intenção de fazer com que eu me sentisse melhor.
Mas já era tarde demais. A maneira como a Lilly tinha me aniquilado totalmente — de um jeito assim tão público — foi a gota que fez o copo inteiro transbordar. E o fato de a Lilly — a Lilly, ninguém menos! — ser a responsável por aquele site imbecil?
Acho que eu sempre soube disso.
Mas ouvir dela, daquele jeito... Ela falou com tanto orgulho, parecia querer que eu soubesse...
Eu tive que sair dali. Eu sabia que, assim, eu só estava sendo o que a Lilly me acusou de ser — uma vítima chorona.
Mas eu realmente precisava ficar sozinha.
E é isso que eu estou fazendo aqui na escada do terceiro andar, que leva à porta trancada do telhado, e aonde ninguém nunca vai...
Ninguém além da Lilly e de mim, quer dizer. A gente costumava vir aqui quando estava aborrecida com alguma coisa.
O Lars está parado no pé da escada para impedir que alguém suba. Parece que ele está preocupado de verdade comigo. Ele disse assim: “Princesa, será que devo ligar para a sua mãe?”
Eu fiquei, tipo: “Não, obrigada Lars.”
E daí, ele falou: “Bom, então quem sabe o seu pai?”
Eu fiquei, tipo: “NÃO!”
Ele pareceu meio surpreso com a minha veemência. Mas eu estava com medo que, na seqüência, ele perguntasse se devia ligar para o dr. Loco.
Mas, felizmente, ele só assentiu com a cabeça e disse: “Tudo bem, então. Se tem mesmo certeza...”
Nunca tive tanta certeza de algo. Eu disse a ele que só precisava ficar um tempo sozinha. Eu disse que logo desceria...
Mas já se passaram quinze minutos, e não parece que as lágrimas vão parar de rolar logo. É só que... como ela pôde dizer aquelas coisas? Depois de tudo por que nós passamos juntas? Como ela pôde ESCREVER aquelas coisas no site dela? Como pôde pensar que eu algum dia faria o que ela me acusa de ter feito? Como é que ela pode ser assim tão... tão cruel?
Ah, não. Estou ouvindo passos. O Lars deixou alguém subir! POR QUE, LARS, POR QUÊ???? Eu disse que...
Sexta-feira, 24 de setembro, S & T
Ai, Deus. Aquilo foi tão...
Aleatório.
De verdade. Esta é a única palavra em que eu consigo pensar para descrever.
E isso só vem para mostrar que não é surpresa nenhuma o fato de a sra. Martinez se sentir desesperada com a idéia de que algum dia eu possa me tornar uma escritora ou jornalista de sucesso.
Mas, falando sério! De que outra maneira posso colocar isto? Foi simplesmente... ALEATÓRIO.
E onde o Lars estava com a CABEÇA? Eu disse a ele para não deixar NINGUÉM subir. Tirando a diretora Gupta ou algum professor, OBVIAMENTE.
Então, como é que o BORIS conseguiu passar?
Mas é claro que eu ouvi passos na escada e, antes que me desse conta, o BORIS estava lá, todo sem fôlego, como se tivesse corrido.
No começo, fiquei preocupada que ele fosse me dizer que TAMBÉM me ama (bom, sei lá, as coisas que começam a acontecer quando o número do seu sutiã aumenta são impressionantes).
Mas ele só falou assim: “Ah, você está aqui. Procurei você em todo lugar. Eu não devia contar, mas não é verdade.”
“O que não é verdade, Boris?”, perguntei para ele, completamente confusa.
“O que a Lilly acabou de dizer”, ele respondeu. “Sobre o Michael estar enjoado de você. Não posso contar como eu sei disso. Mas eu sei.”
Sorri para ele. Apesar de eu ainda estar completamente desesperada e tudo o mais, não pude evitar. Realmente, a Tina tem muita sorte. Ela tem o namorado mais fantástico do mundo inteiro.
Felizmente, ela sabe disso.
“Obrigada, Boris”, tentei enxugar as lágrimas com a manga para não parecer tão lunática quanto eu tinha certeza de que parecia. “Realmente é muito fofo da sua parte dizer isso.”
“Não estou sendo fofo”, o Boris insistiu, muito sério, ainda arfando de tanta correria para me encontrar. “Estou dizendo a verdade. E você deveria responder aos e-mails dele.”
Fiquei olhando para ele, mais confusa do que nunca. “O-o quê? Responder aos e-mails de quem?”
“Do Michael”, o Boris respondeu. “Ele tem mandado uns e-mails para você, certo?”
“É”, respondi, estupefata. “Mas como é que você...”
“Você precisa responder para ele”, o Boris disse. “Só porque vocês terminaram, isso não significa que não podem mais ser amigos. Não foi isso que vocês combinaram? Que iam continuar a ser amigos?”
“É”, eu disse, espantada. “Mas, Boris, como você sabe que ele me mandou uns e-mails? Foi... foi a Tina que contou para você?”
Boris hesitou, então assentiu. “É. Foi isso. A Tina me contou.”
“Ah. Bom, não posso escrever para ele, Boris. É que eu... simplesmente ainda não estou pronta para ser amiga dele por enquanto. Ainda me dói muito não ser mais do que amiga.”
“Bem”, acho que dá para entender. Mas... você precisa escrever para ele assim que se sentir pronta. Ele não acha... você sabe. Que você o odeia. Ou que você se esqueceu dele. Ou sei lá o quê.”
Como se ISSO fosse acontecer algum dia.
Garanti ao Boris que eu mandaria um e-mail para o Michael assim que me sentisse emocionalmente capaz de fazê-lo sem desmoronar nem implorar para ele em corpo dezoito para me aceitar de volta.
Daí o Boris fez a coisa mais legal do mundo. Ele se ofereceu para me acompanhar de volta à sala de aula (quando eu me acalmei e me livrei das provas do meu choro... rímel borrado, catarro no nariz etc.).
Então, nós três — o Boris, o Lars e eu — chegamos juntos a S & T (atrasados).
Mas não fez mal, porque nem a sra. Hill nem a Lilly estão aqui.
Suponho que a Lilly esteja matando aula para encontrar o Kenny em algum lugar. Eles são igual a Courtney Love e Kurt Cobain. Tirando a heroína. Mas a Lilly só precisa começar a fumar. E talvez também arrumar uma ou duas tatuagens, e assim vai ficar com a imagem perfeita da garota durona.
O Boris me perguntou mais uma vez se eu estava bem de verdade. E quando eu respondi que achava que estava, ele entrou no armário e começou a ensaiar a música de Chopin que eu mais gosto quando ele toca.
E deve ter sido de propósito. Ele é muito atencioso.
A Tina realmente é uma garota de sorte.
Só espero que algum dia eu possa ter tanta sorte quanto ela.
Ou talvez eu já tenha tido a minha sorte no que diz respeito aos meninos, e estraguei tudo completamente.
Meu Deus, espero que não seja o caso. Mas, se for, só posso dizer que foi bom enquanto durou.
Sexta-feira, 24 de setembro, sala de espera do dr. Loco
A Lana e a Trisha insistiram para me levar para o que chamaram de “intervalo para manicure e pedicure”. Disseram que eu merecia, depois do que a Lilly fez comigo no refeitório.
Então, em vez de jogar beisebol no sexto período, fiz as unhas dos pés e o que tinha sobrado das unhas das mãos (não coloquei novas unhas postiças de acrílico desde que voltei das férias de verão na Genovia, e roí o que sobrou das minhas unhas naturais) e pintei de vermelho Na-Verdade-Não-Sou-Garçonete, uma cor que Grandmère afirma ser totalmente inapropriada para meninas.
E foi exatamente por isso que a escolhi.
Mas preciso reconhecer que não me senti muito melhor depois que terminamos nosso pedicure e manicure de quarenta e cinco minutos. Eu sei que a Lana e a Trisha estavam tentando.
Mas a minha vida simplesmente está muito cheia de drama neste momento para uma simples massagem de mão e de pé (além de aplicação de esmalte colorido nas unhas) poder curar.
Ah. O dr. L está pronto para me receber agora.
Acho que ninguém, nem mesmo o dr. Loco, JAMAIS poderia estar pronto para receber a mim e o desastre que é a minha vida.
Sexta-feira, 24 de setembro, na limusine a caminho do hotel Four Seasons
Então, abri o meu coraçãozinho para o dr. Loco, o terapeuta caubói, e eis o que ele disse:
“Mas a Genovia já tem primeiro-ministro.”
Eu só fiquei olhando para ele. “Não tem não”, eu disse.
“Tem sim”, o dr. Loco retrucou. “Eu assisti aos filmes sobre a sua vida, como você me disse para fazer. E eu me lembro muito bem...”
“Os filmes da minha vida mostram esta parte ERRADA”, eu disse. “Entre as muitas e muitas outras partes que estão erradas. Eles alegaram licença artística ou algo assim. Disseram que precisavam aumentar os fatos. Como se os fatos da minha vida DE VERDADE já não fossem grandes o suficiente.”
E aí o dr. Loco disse: “Ah. Entendi.” Ele refletiu sobre a questão um minuto. Daí, falou: “Sabe, tudo isso me lembra um cavalo que eu tenho lá na fazenda...”
Eu quase me joguei da cadeira para cima dele.
“NÃO VENHA ME FALAR DA DUSTY DE NOVO!”, berrei. “JÁ CONHEÇO A HISTÓRIA DA DUSTY!”
“Não vou falar da Dusty”, o dr. Loco disse, com ar assustado. “Vou falar do Pancho.”
“Aliás, quantos cavalos você tem?”, eu quis saber.
“Ah, algumas dúzias. Mas isso não é importante. O importante é que o Pancho é uma espécie de pau-mandado. O Pancho se apaixona por qualquer pessoa que o tire do estábulo e o sele. Ele esfrega a cabeça na pessoa, igual a um gato, e anda atrás dela... mesmo que a pessoa não o trate muito bem. O Pancho é um cavalo desesperado por afeto, quer que todo mundo goste dele...”
“Certo”, interrompi. “Já entendi. O Pancho tem problemas de auto-estima. Eu também tenho. Mas o que isso tem a ver com o fato de que o meu pai está tentando esconder a Declaração de Direitos da princesa Amelie do povo da Genovia?”
“Nada. Tem a ver com o fato de você não estar fazendo nada para tentar impedi-lo.”
Fiquei olhando fixamente para ele mais um pouco. “Como é que eu posso fazer isto?”
“Bom, isso é você que precisa descobrir.”
Certo. Isso me deixou louca da vida.
“Você disse, no primeiro dia em que eu me sentei aqui”, eu berrei, “que a única maneira para eu sair do fundo do buraco escuro da depressão em que caí seria pedindo ajuda. Bom, estou pedindo ajuda... e agora você vem me dizer que eu preciso descobrir sozinha?? Aliás, quanto você recebe por hora para isto aqui?”
O dr. Loco ficou me observando com muita calma por trás do bloco de anotações dele.
“Ouça o que você acabou de me dizer. O garoto que você ama disse que quer ser apenas seu amigo, e você não fez nada. A sua melhor amiga a humilhou na frente da escola inteira, e você não fez nada. O seu pai diz que não vai honrar os desejos da sua ancestral morta, e você não faz nada. Na primeira vez que nos encontramos, eu disse a você que ninguém pode ajudá-la a menos que você mesma se ajude. Nada nunca vai mudar se você não fizer todo dia uma coisa que...”
“...que me dá medo”, eu respondi. “EU SEI. Mas como? O que eu devo fazer em relação a tudo isso?”
“Não tem a ver com o que você deve fazer, Mia”, o dr. Loco respondeu, parecendo um pouco decepcionado. “O que você quer fazer?”
Continuei sem entender. Fiquei, tipo: “Eu quero... eu quero... eu quero fazer a coisa certa!”
“É o que eu estou dizendo a você”, o dr. Loco prosseguiu. “Se você quiser fazer a coisa certa, não seja como o Pancho. Faça o que a princesa Amelie faria!”
DO QUE ELE ESTAVA FALANDO???
Mas, antes que eu tivesse a oportunidade de entender, ele disse: “Ah, olhe só para isso. Nosso tempo acabou. Mas esta foi uma sessão muito interessante. Na semana que vem, eu gostaria de falar com você junto com o seu pai de novo. Tenho a sensação de que vocês precisam discutir algumas questões. E traga também aquela sua avó”, o dr. Loco continuou. “Vi uma foto dela no Google. Parece ser uma mulher intrigante.”
“Espera um pouco”, eu falei. “O que você está dizendo? Como eu posso fazer o que a princesa Amelie fez? A princesa Amelie falhou. A lei dela nunca entrou em vigor. Ninguém nunca soube que EXISTIA. Ninguém além de mim.”
“Isso é tudo, por enquanto tchau”, o dr. Loco disse.
E me expulsou de lá.
Eu simplesmente não entendo. O meu pai está pagando este cara para me ajudar com os meus problemas. Mas a única coisa que ele faz é passar os problemas adiante, dizendo que eu preciso resolver meus próprios problemas.
Mas não é para isso que ele recebe???
E como, em nome de Deus, eu devo fazer alguma coisa a respeito da situação da princesa Amelie? Apresentei o meu ponto de vista para o meu pai, e ele totalmente me dispensou. O que mais eu posso fazer?
A pior parte de tudo é que o dr. Loco recebeu os resultados do meu exame de sangue do consultório do dr. Fung. E o que deu? Normal. Eu estou totalmente normal, em todos os aspectos. Melhor do que normal. Assim como o Rocky, eu me encaixo na porcentagem louca dos mais saudáveis da minha faixa etária, ou algo assim. Eu estava torcendo para que pelo menos o fato de eu ter voltado a comer carne tivesse feito subir tanto a minha taxa de colesterol que a minha depressão horrorosa pudesse ser atribuída a ela.
Mas o meu colesterol está ótimo. Está tudo ótimo. Estou tão saudável quanto a porcaria de um cavalo.
Ai, essa doeu. Por que eu tive que usar a palavra “cavalo”?
Ai, meu Deus, chegamos. Não dá para ACREDITAR. Preciso fazer esta coisa idiota da Domina Rei hoje à noite.
Só posso dizer que, se eu conseguir fazer Grandmère entrar neste clube, ou seja lá o que for, é melhor ela parar de pegar no meu pé por causa do meu cabelo.
Pancho? É sério que ele me contou uma história sobre um cavalo chamado PANCHO?
Sexta-feira, 24 de setembro, 21h, no banheiro do hotel Waldorf-Astoria
Ela detestou o esmalte.
Está agindo como se essa cor fosse totalmente acabar com as chances dela de ser convidada para entrar nesse clube maluco. Está mais preocupada com o meu esmalte do que com o fato de que a nossa família, já há séculos, essencialmente vive uma mentira. Foi o primeiro assunto que abordei quando cheguei à suíte dela.
“Grandmère, você não pode concordar com o meu pai e achar que ignorar o desejo que a princesa Amelie Virginie expressou antes de morrer é a coisa certa a se fazer. Pode?”
E ela revirou os olhos: “Não me venha com isso de novo! O seu pai PROMETEU que você já teria esquecido esse assunto a esta altura.”
É. Eu reparei que até agora ele não tinha retornado nenhum único telefonema meu, o dia inteiro. Ele estava me dando um gelo, igual à Lilly.
Bom, é a mesma coisa que a Lilly fez até ter estourado hoje à tarde, quer dizer.
“Mas, sinceramente, Amelia”, Grandmère continuou. “Você não pode ficar achando que nós vamos alterar completamente a nossa vida só por causa dos caprichos de alguma princesa morta há quatrocentos anos, não é mesmo?”
“A Amelie não elaborou sua Declaração de Direitos por capricho, Grandmère. E a nossa vida não se alteraria em nada”, insisti. “Nós continuaríamos exatamente como antes. Só que não GOVERNARÍAMOS de fato. Nós deixaríamos o POVO governar... ou pelo menos ESCOLHER quem eles QUEREM para governar. Que pode muito bem ser o meu pai, você sabe...”
“Mas supondo que NÃO SEJA?”, Grandmère quis saber. “Onde nós MORARÍAMOS?”
“Grandmère”, eu respondi. “Nós continuaríamos morando no palácio, como sempre...”
“Não, não continuaríamos. O palácio se tornaria a residência do primeiro-ministro — seja lá quem vá acabar ocupando o cargo. Você realmente acha que eu poderia suportar ver algum POLÍTICO morando no meu lindo palácio? Ele provavelmente mandaria acarpetar tudo. De BEGE.”
Fala sério! Eu fiquei com vontade de torcer o pescoço dela. “Grandmère. O primeiro-ministro iria morar... bom, sei lá. Mas em algum outro lugar. Nós continuaríamos sendo a família real e continuaríamos morando no palácio e cumprindo as obrigações que normalmente cumprimos — MENOS GOVERNAR.”
A única coisa que ela teve para dizer foi: “Bom, o seu pai não quer nem ouvir falar NISTO. Então, é melhor você esquecer o assunto. Mas, vamos falar a respeito de assuntos sérios, Amelia. Unhas VERMELHAS? Está tentando me fazer ter um ataque cardíaco?”
Certo, tudo bem: reconheço que esta noite parece ser muito importante para Grandmère. Tinha que ver como ela ficou toda empertigada quando a Contessa chegou para mim durante o coquetel e disse assim: “Princesa Amelia? Nossa! Como você cresceu desde a última vez que a vi!”
“É”, Grandmère respondeu, ácida, olhando para a enorme barriga de Bella Trevanni, ou, devo dizer, a enorme barriga da princesa René. “A sua neta também.”
“Está para nascer por esses dias”, a Contessa disse, toda alegre.
“Vocês estão sabendo?”, Bella nos perguntou. “É uma menina!” Nós duas demos parabéns a ela que realmente parece feliz — parece até reluzente, como sempre dizem que as mulheres grávidas ficam.
E é totalmente bem feito para o meu primo René ele ter uma menina, porque ele sempre foi o maior garanhão. Quando a filha dele começar a namorar, ele finalmente vai saber como todos os pais das garotas com quem ele saía se sentiam.
Mas a Contessa não é a única pessoa que Grandmère deseja impressionar. O crème de la crème da sociedade de Nova York está aqui — bom, pelo menos as mulheres. Nenhum homem tem permissão de entrar nos eventos da Domina Rei, à exceção do baile anual, que não é isto. Acabei de ver Gloria Vanderbilt passando gloss perto de um vaso com uma palmeira.
E tenho bastante certeza de que Madeleine Albright está ajustando a meia-calça no reservado ao lado do meu.
E, olha: eu entendo. Realmente entendo por que Grandmère está tão ansiosa para ser uma destas mulheres. Elas são todas superpoderosas — e encantadoras também. A mãe da Lana, a sra. Weinberger, foi simpaticíssima comigo quando chegamos — ela não pareceu ser, de jeito nenhum, uma senhora que venderia o pônei da filha sem permitir que ela se despedisse dele —, apertou a minha mão e me disse que eu era um exemplo excelente para meninas de todos os lugares. Ela disse que gostaria que a filha tivesse a cabeça tão no lugar quanto eu tenho.
Isso fez com que a Lana, que estava parada ao lado da mãe, abafasse a risada com a estola de tule.
Mas percebi que a Lana não tinha ficado ofendida quando, um segundo depois, ela me puxou pelo braço e disse: “Dá só uma olhada. Tem uma fonte de chocolate ali no bufê. Só que é de baixa caloria, porque é feito com adoçante Splenda.” Daí ela completou, quando me arrastou para longe dos ouvidos da mãe dela e de Grandmère: “E também tem os garçons mais gostosos que já se viu.”
Sei lá. Vou ter que fazer o meu discurso a qualquer momento. Grandmère me fez repassá-lo com ela na limusine. Fiquei dizendo a ela que é chato demais para impressionar alguém, imagine então se vai inspirar quem quer que seja. Mas ela fica insistindo que é sobre drenagem que as mulheres da Domina Rei querem ouvir.
É. Porque eu tenho absoluta certeza de que Beverly Bellerieve — do programa de TV do horário nobre TwentyFour/Seven — quer conhecer a fundo as questões relativas ao esgoto da Genovia. Eu acabei de vê-la no lobby, e ela abriu um sorrisão para mim e disse: “Nossa, olá para você! Mas como está crescida!” Acho que ela estava se lembrando da vez em que nós fizemos aquela entrevista quando eu estava no primeiro ano e...
Ai, meu Deus.
AI, MEU DEUS.
Não. NÃO foi isso que ele quis dizer quando me disse... ele não pode ter tido a intenção de...
Não. É só que...
Mas espera um minuto. Ele disse para não ser como o Pancho. Ele disse para fazer o que a princesa Amelie faria.
A intenção dela era que a Genovia se tornasse uma democracia.
Só que ninguém sabia disso.
Mas não é verdade. ALGUÉM sabe.
Eu sei.
E agora mesmo, neste exato momento, eu ocupo a posição única de ser capaz de fazer com que um grupo imenso de empresárias também saibam.
Incluindo Beverly Bellerieve, que tem a maior boca do jornalismo televisivo.
Não. Simplesmente não pode ser. Seria errado. Seria... seria...
Meu pai me MATARIA.
Mas... isso com toda a certeza não seria dar uma de Pancho da minha parte.
Mas como é que eu posso fazer isto? Como eu poderia fazer isto com o meu pai? Com Grandmère?
Bom, quem se importa com Grandmère? Como eu poderia fazer isto com o meu pai?
Ah, não. Estou ouvindo Grandmère — ela está vindo me buscar. Está na hora...
Não! Não estou pronta! Não sei o que fazer! Alguém precisa me dizer o que fazer!
Ai, Deus.
Acho que alguém já disse.
Só que é uma pessoa que está morta há quatrocentos anos.
PRINCESA SOLTA UMA BOMBA DIFERENTE
23h, sexta-feira, 24 de setembro, Nova York
Para divulgação imediata
A princesa Mia da Genovia — que esteve recentemente na imprensa depois de uma explosão de nitroamido no laboratório de química da escola dela, a Albert Einstein High School, ter feito com que ela e mais dois alunos (entre eles o suposto consorte real do momento, John Paul Reynolds-Abernathy IV) fossem parar no pronto-socorro do hospital Lenox Hill com ferimentos leves — deflagrou seu próprio explosivo: ela revelou que um documento de quatrocentos anos recém-descoberto declara que o principado da Genovia é uma monarquia constitucional, não absoluta.
A diferença é bastante significativa. Em uma monarquia absoluta, o monarca que lidera o país — no caso da Genovia, o pai da princesa Mia, o príncipe Artur Christoff Phillipe Gerard Grimaldi Renaldo — possui o direito divino de governar o povo e o território do país. Em uma monarquia constitucional, o papel cerimonial do herdeiro real (tal como a rainha da Inglaterra) é reconhecido, mas as decisões governamentais efetivas são tomadas por um chefe de Estado eleito, geralmente em conjunção com um corpo parlamentar.
A princesa Mia fez esta revelação surpreendente durante um evento de gala em benefício dos órfãos africanos, organizado pela Domina Rei, a organização feminina exclusiva que é conhecida por suas obras beneficentes e por suas integrantes de destaque (entre as quais estão Oprah Winfrey e Hillary Rodham Clinton).
A princesa Mia, em um discurso feito perante a representação de Nova York, leu um trecho traduzido de maneira rudimentar do diário de uma princesa da qual ela é descendente real, que descreve a luta da jovem contra a peste negra e um tio autocrático, além da maneira como ela redigiu e assinou uma Declaração de Direitos que garante ao povo da Genovia a liberdade para escolher seu próximo líder.
Infelizmente, o documento ficou perdido, durante séculos, depois do caos que se seguiu ao trajeto mortal percorrido pela Peste Negra por todo o litoral do Mediterrâneo — perdido até agora, aliás.
A descrição que a princesa Mia fez de sua alegria por ser capaz de levar a democracia ao povo da Genovia aparentemente deixou muitas mulheres da platéia com os olhos marejados. E sua referência a uma citação famosa de Eleanor Roosevelt — que também foi integrante da Domina Rei — fez com que todas presentes no salão se levantassem para aplaudir.
“Faça todo dia uma coisa que lhe dá medo”, a princesa Mia aconselhou seu público. “E nunca pense que você não pode fazer diferença. Mesmo que você tenha apenas 16 anos, e que todo mundo só lhe diga que você é uma adolescente boba... não deixe que essas pessoas a desanimem. Lembre-se de uma outra coisa que Eleanor Roosevelt disse: ‘Ninguém pode fazer com que você se sinta inferior sem o seu consentimento.’ Você é capaz de fazer coisas maravilhosas — nunca permita que ninguém tente lhe dizer que, só porque você foi princesa durante doze dias, não sabe o que está fazendo.”
“Foi absolutamente inspirador”, comentou Beverly Bellerieve, a estrela do programa jornalístico televisivo TwentyFour/Seven, que anunciou planos de dedicar um segmento inteiro de seu programa à transição do pequeno país da monarquia para a democracia. “E a maneira como a princesa viúva, Clarisse, a avó de Mia, reagiu — com um choro aberto e quase histérico — não deixou nenhum olho seco no recinto. Foi realmente uma noite memorável... e definitivamente o melhor discurso que já ouvi em um evento de gala de que consigo me lembrar.”
Depois do discurso, nem a princesa viúva nem a neta dela estavam disponíveis para comentários, foram levadas imediatamente para destino desconhecido por uma limusine.
Tentamos entrar em contato com o departamento de imprensa do palácio da Genovia e o príncipe Phillipe, mas não recebemos resposta até o fechamento desta edição.
Sexta-feira, 24 de setembro, 23h, na limusine a caminho de casa, saindo do Waldorf-Astoria
Sabe o quê? Não estou nem aí.
Não estou mesmo. Eu fiz a coisa certa. Sei que fiz.
E o meu pai pode gritar o quanto quiser — além de ficar dizendo que acabei com a vida de todos nós.
E Grandmère pode se largar naquele divã e pedir todos os Sidecars que quiser.
Eu não me arrependo do que fiz.
E nunca vou me arrepender.
Você tinha que ter OUVIDO como o público ficou silencioso quando comecei a falar sobre Amelie Virginie! O silêncio na sala de banquete era maior do que no refeitório da escola hoje, quando a Lilly acabou comigo na frente de todo mundo.
E tinha umas mil e duzentas pessoas a mais na sala hoje à noite do que tinha à tarde!
E cada uma delas estava com o rosto erguido, olhando para mim, totalmente envolvidas pela história da princesa Amelie. Acho que vi LÁGRIMAS nos olhos de Rosie O’Donnell — LÁGRIMAS! — quando cheguei à parte em que o tio Francesco queimou os livros da biblioteca do palácio.
E quando cheguei à parte em que a Amelie descobre sua primeira pústula — eu TOTALMENTE ouvi um soluço vindo da direção da Nancy Pelosi.
Mas daí eu estava descrevendo como já estava na hora de o mundo reconhecer que garotas de dezesseis anos são capazes de fazer muito mais do que mostrar o umbigo com piercing na capa da Rolling Stone, ou desmaiar diante de alguma casa noturna depois de pegar pesado na balada... que, em vez disso, deveríamos ser reconhecidas por tomar uma posição e ajudar as pessoas que necessitam de nós...
Bom. Foi aí que todo mundo começou a me aplaudir em pé.
Eu estava me deliciando com o calor dos elogios de todo mundo — e da reiteração da mãe da Lana de que eu sou bem-vinda se quiser me inscrever na Domina Rei assim que fizer dezoito anos — quando o Lars puxou a manga da minha roupa (acho que a Domina Rei permite que homens entrem no evento quando são guarda-costas) e disse que a minha avó já estava desmaiada na limusine.
E que o meu pai queria falar comigo naquele minuto.
Mas tanto faz. Grandmère estava totalmente tomada pela emoção de finalmente ter sido convidada para entrar em um clube que a esnoba há cinqüenta anos, ou sei lá o quê. Porque eu totalmente vi quando a Sophia Loren se aproximou e fez o convite para que ela entrasse. Grandmère praticamente desabou em sua ansiedade de dizer que pensaria a respeito do assunto.
E isso, em língua de princesa, significa: “Ligo para você amanhã de manhã para dizer que sim, mas não posso dizer agora para não parecer ansiosa demais.”
Meu pai passou uma meia hora gritando comigo, dizendo como eu tinha decepcionado a família e que pesadelo isso vai ser com o Parlamento, porque ficou parecendo que a nossa família passou todo esse tempo escondendo a lei e que agora ele vai ter que concorrer ao cargo de primeiro-ministro se quiser dar continuidade a todas as iniciativas que planejou e quem pode saber se ele vai ganhar se algum outro fracassado se candidatar, como o povo da Genovia nunca vai conseguir se adaptar a viver em uma democracia, como agora teremos fraude nas eleições e como eu ainda vou ter minhas funções reais do mesmo jeito, só que agora provavelmente terei que arrumar um emprego algum dia porque a minha mesada vai ser reduzida à metade, ele espera que eu esteja feliz em saber que eu basicamente destruí sozinha uma dinastia inteira e como eu estou ciente que este ato vai ficar para a história como a desgraça da família Renaldo, até que eu finalmente disse, tipo: “Pai? Sabe o que é? Você precisa levar esses assuntos ao dr. Loco. E é o que vai fazer, aliás, na sexta-feira que vem, quando você e Grandmère me acompanharem à minha consulta.”
ISSO fez com que ele parasse abruptamente. Ele pareceu assustado — como naquela vez em que uma aeromoça ficou dizendo que estava grávida dele, até perceber que não a conhecia.
“Eu?”, ele exclamou. “Ir a uma das suas consultas? Com a minha MÃE?”
“É”, respondi, sem recuar. “Porque eu realmente quero falar a respeito de como você respondeu poucas vezes no seu questionário de avaliação mental para a afirmação sinto que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás, sendo que há umas duas semanas você me disse que sempre vai se arrepender de ter deixado a minha mãe escapar. Você mentiu totalmente para o dr. Loco, e você sabe que, se mentir na terapia — mesmo se for para o MEU terapeuta — você só vai magoar a si mesmo, porque como pode esperar fazer algum progresso se não for sincero consigo mesmo?”
Meu pai só ficou olhando para mim, acho que porque eu mudei de assunto de maneira tão abrupta.
Mas daí, parecendo todo irritado, ele disse assim: “Mia, contrariamente ao que você possa pensar nessa sua imaginação excessivamente romântica, eu não fico aqui pensando na sua mãe em todos os momentos de todos os dias. Sim, ocasionalmente eu me arrependo por as coisas não terem dado certo com ela. Mas a vida continua. E você vai descobrir que ainda existe vida depois do Michael. Então, sim, eu sinto poucas vezes que o verdadeiro amor romântico me deixou para trás. Mas o RESTO do tempo eu tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina — como eu torço para que também esteja à sua espera. Agora, será que podemos retornar ao assunto em questão? Você não tinha absolutamente direito nenhum de fazer o que fez hoje à noite, e estou muito, mas muito decepcionado mesmo com você...”
Mas não prestei atenção ao resto do que ele disse, porque eu estava pensando sobre aquela frase: tenho esperança de que um novo amor possa muito bem estar à minha espera na próxima esquina.
Como é que alguém faz essa transição? A transição de sentir falta da pessoa que você ama tão desesperadamente que ficar sem ela parece ter uma dor vazia dentro do peito a se sentir esperançoso de que um novo amor pode muito bem estar à sua espera na próxima esquina?
Eu simplesmente não sei.
Mas espero que aconteça comigo algum dia...
Ah. Estamos na Thompson Street.
Ótimo. Até parece que a minha noite já não foi bem movimentada. Agora tem um sem-teto parado no hall de entrada do nosso prédio. O Lars está saindo para tirá-lo dali.
Espero que ele não precise usar a pistola de choque.
Sábado, 25 de setembro, 1h, no loft
Não era um sem-teto.
Era o J.P.
Ele estava à minha espera no hall de entrada porque fazia um frio fora de época e ele não quis ficar na rua... e não quis tocar o interfone por medo de acordar a minha mãe.
Mas ele queria falar comigo porque tinha assistido à notícia sobre o meu discurso no canal público New York One.
E ele queria ter certeza de que estava tudo bem comigo.
Então, veio até a zona sul para fazer isso.
“Quer dizer”, ele ficava repetindo, “foi meio uma coisa importante, como estão dizendo no noticiário. Em um minuto você é uma garota normal e, depois, é uma princesa. E, depois de alguns anos, você é uma princesa, e no minuto seguinte... não é mais.”
“Eu continuo sendo princesa”, garanti a ele.
“Continua?” Ele parecia não ter certeza.
Assenti. “Eu sempre vou ser princesa. É só que agora eu posso ser uma princesa com um emprego normal e um apartamento e tal. Se eu quiser.”
Enquanto eu estava explicando tudo isso para ele na entrada do prédio — depois de o Lars quase dar um choque nele por também o ter confundido com um vagabundo —, a coisa mais estranha do mundo aconteceu:
Começou a nevar.
Eu sei, bem de levinho, e realmente está cedo demais para nevar em Manhattan, principalmente com o aquecimento global. Mas definitivamente estava frio o suficiente para isso. Não tão frio para o chão ficar branco nem nada. Mas não havia a menor dúvida de que aquela dúzia de flocos brancos minúsculos começou a cair do céu noturno cor-de-rosa (cor-de-rosa porque as nuvens estavam tão baixas que as luzes da cidade refletiam nelas) enquanto eu falava.
E uma coisa estranha aconteceu quando eu ergui os olhos para os flocos de neve, sentindo-os cair de levinho no meu rosto, enquanto ouvia o J.P. explicar que estava feliz por eu ainda ser princesa afinal de contas.
De repente — assim, sem mais nem menos — eu não me senti mais tão deprimida quanto antes.
Realmente não tenho como explicar de outra maneira. A sra. Martinez sem dúvida ficaria decepcionada com a minha falta de verbos descritivos.
Mas foi exatamente assim que aconteceu. De repente, eu parei de me sentir tão triste.
Não que eu estivesse curada nem nada.
Mas que eu tinha subido alguns metros naquele enorme buraco preto e conseguisse enxergar o céu — com clareza — de novo. Estava simplesmente quase ao meu alcance, e não mais a metros de altura. Eu estava quase lá...
E daí, enquanto o J.P. dizia: “E espero que você não ache que eu estou perseguindo você, porque não estou, só achei que você estava precisando de um amigo, já que estou bem certo de que o seu pai não está muito contente com você neste momento...” Eu percebi que eu me sentia... feliz.
Feliz. De verdade.
Não louca de felicidade nem nada. Não em êxtase. Não deleitada. Mas foi uma mudança tão boa de me sentir triste o tempo todo que eu — de uma maneira completamente espontânea, e sem pensar sobre o assunto — joguei os braços em volta do pescoço do J.P. e dei o maior beijão na boca dele.
Ele pareceu surpreso de verdade. Mas se recuperou no último instante e acabou me abraçando também e retribuindo o beijo.
E a coisa mais estranha de todas foi que... eu realmente senti uma coisa quando os lábios dele encostaram nos meus.
Tenho bastante certeza disso.
Não foi nada parecido com o que eu sentia quando o Michael e eu nos beijávamos.
Mas foi alguma coisa.
Talvez tenham sido só os dois ou três flocos de neve no meu rosto.
Mas talvez — apenas talvez — tenha sido disso que o meu pai falou. Você sabe o quê:
Esperança.
Não sei. Mas foi bom.
Finalmente o Lars limpou a garganta e eu soltei o J.P.
Daí o J.P. disse, parecendo acanhado: “Bom, talvez eu esteja perseguindo você um pouquinho. Posso perseguir mais amanhã?”
Eu dei risada. Então disse:
“Pode. Boa noite, J.P.”
E daí eu entrei.
E vi que tinha duas mensagens na minha caixa de entrada.
A primeira era da Tina:
ILUVROMANCE: Querida Mia,
Ai, meu Deus! Acabei de ver no noticiário. Você é igualzinha à Drew em Para sempre Cinderela. Quando ela chegou com as asas nas costas! Só que, em vez de só ficar linda em uma festa, você realmente FEZ alguma coisa. Como CARREGAR UM PRÍNCIPE NAS SUAS COSTAS. Só que ainda melhor. PARABÉNS!!!!!
Com carinho,
Tina
Daí eu cliquei na segunda mensagem. Era do Michael.
Como sempre, meu batimento cardíaco se acelerou quando vi o nome dele. Acho que isso é algo que nunca vai mudar.
Mas pelo menos a temperatura da palma das minhas mãos permaneceu a mesma.
No texto da mensagem, tinha um link para a notícia sobre a bomba que eu joguei, com um recado embaixo que dizia:
SKINNERBX: Querida Mia,
Você por acaso acabou de dispensar o seu trono e levar a democracia para um país que nunca conheceu nada parecido com isso?
É isso aí, Thermopolis!
Michael
Dei risada quando vi isso. Não pude evitar.
E, sabe como é... foi bom dar risada sobre algo que o Michael disse (ou escreveu). Parecia que fazia muito tempo que isso não acontecia.
E daí me ocorreu que talvez o Michael e eu possamos ser amigos — apenas amigos. Por enquanto, pelo menos.
Então, desta vez, em vez de EXCLUIR, eu cliquei em RESPONDER.
E daí, eu escrevi para ele.
Meg Cabot
O melhor da literatura para todos os gostos e idades