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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROCURA-SE UMA ESPOSA / Josiane da Veiga
PROCURA-SE UMA ESPOSA / Josiane da Veiga

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Estados Unidos, 1900.
Poucas pessoas representavam tão bem sua alcunha como Mônica Bruce. Solitária e insignificante, ela acabou por ver seu destino em Nova York manchado por uma trama diabólica de um homem cruel.
Sem saída, guiada por um anúncio de jornal, aceitou tornar-se esposa de um homem do Texas, desconhecido e misterioso, mas que poderia salvá-la de uma vida corrompida.
Mas nada a preparou para o viúvo Dasan Taylor. Sério, gentil e comprometido na educação de sua pequena filha, o rancheiro descendente dos apaches poderia ter a mulher que quisesse. Sua busca por uma desconhecida trazia dúvidas a Mônica, mas viu-se a aceitar o novo marido com natural ternura.
Parecia que a vida estava, pela primeira vez, a sorrir para a jovem. Não sabia ela, mas era questão de tempo para seu paraíso tornar-se um inferno.

 


 


Capítulo 01

M ô n i c a

O pêndulo do enorme relógio cuco batia com aquele som seco costumas que sempre arrepiava os braços da serva Mônica. Naquela noite, mais uma das muitas que se seguiam no palacete de dois andares no centro de Nova York, a mulher observava de canto os patrões jantarem, enquanto segurava uma bandeja com uma jarra de alumínio, aguardando ser chamada para encher os copos de vinho do porto.

A vida dela era simples, sempre fora. Ainda bebê, fora deixada na porta da casa grande e acolhida por uma antiga empregada que falecera algum tempo depois.

A patroa, Lisa Dylan, a aceitou porque viu na pequena menina uma escrava moderna, alguém cujo governo não se oporia em vê-la trabalhar por comida e teto.

Até porque, em nada, Mônica lembraria as antigas negras que serviam os brancos do Sul.

Era de pele pálida, olhos esverdeados, e bonitos cabelos castanhos. Um tanto avantajada, mas não gorda. Apenas, tinha peitos grandes e uma bunda saliente que fazia o olhar do marido, Francis Dylan, volver-se seguidamente para as costas da moça.

A idade, Lisa não sabia nem se importava em saber. Provavelmente uns vinte e cinco, talvez um pouco mais. Afinal, já havia se passado mais de duas décadas que Mônica, bebê, havia sido largada em sua porta.

Tornou-se uma solteirona. Em muito porque era enfadonha, em muito porque era uma mulher tímida, sem muitos sorrisos e com o olhar abatido, como se a falta de uma família e do amor de um pai e uma mãe lhe fosse extremamente faltoso. Também porque trabalhava dia e noite, sequer ia às missas, e mal via alguém além do leiteiro e do padeiro – ambos velhos e casados – que traziam alimentos todas as manhãs para a empregada.

O que no fundo era uma sorte. Não que gostasse da jovem, ou tivesse por ela qualquer preocupação, mas perder uma empregada tão prestativa e que reconhecia seu lugar não era fácil.

Bem sabia que as mulheres que serviam suas amigas não eram assim tão submissas. Muitas exigiam boas condições de trabalho, e um salário além das sobras que as madames provinham.

Mas, não Mônica.

A cama para dormir e o teto para acolhê-la, além do que sobrava do almoço e do jantar, era o bastante para satisfazê-la.

Era muitas servas em uma única mulher. E tão trabalhadora que se tornava a mais econômica de todas.

— Meu vinho — murmurou, e logo a percebeu ao seu lado, enchendo-lhe o cálice.

Sim, Mônica era insubstituível.


Mônica encheu o copo da patroa e colocou-se de lado, amedrontada. Não que Lisa costumasse gritar ou lhe tratar mal, mas era o olhar escandalosamente lascivo do patrão que a fazia estremecer.

Ela cresceu naquela casa. Lembrava-se de, ainda menina, correr pelos corredores e ser surpreendida por Francis Dylan. Na época, ele pareceu raivoso pela sua presença, e lhe bateu sem piedade.

Desde então, sempre fugiu de sua presença como o diabo da cruz. Francis era um burguês de temperamento difícil que comandava seu lar com a mesma energia que comandava sua frota de pesqueiros.

Porém, pouco depois da órfã tornar-se moça e sangrar, ele pareceu vê-la sobre uma nova expectativa, não mais um fardo que o irritava.

Lambia os lábios sempre que estava por perto, escorregava a mão em seu traseiro quando ela servia café em seu escritório, e sempre tentava espreitá-la na cozinha.

Desde que ele, com a desculpa de pegar um copo em uma prateleira alta, a prensara contra o móvel e esfregara o corpo grande e gordo nela, Mônica tinha pavor de ficar a sós com o homem.

Ela sempre dormiu num quartinho no porão da casa. Um lugar isolado, com uma única janela que era alta e dava para a rua.

Certa noite, após seus afazeres, tirou a roupa para lavar-se quando percebeu um par de olhos na janela, a observá-la.

Não gritou. Não reclamou. Nada fez porque o medo inibia sua coragem. Simplesmente voltou a vestir-se e foi deitar-se, temendo que a própria respiração denunciasse seu descontentamento.

Aquele homem era seu patrão e dono do lugar onde ela deitava a cabeça. Sim, o temia, mas temia ainda mais as ruas. Não sabia muito sobre a vida, mas o suficiente para entender que jovens como ela só tinham um caminho: servir em casas de homens como Francis Dylan, ou servir homens diversos nas ruas fedorentas de Nova York.

O grotesco era que ambas as situações pareciam terríveis e irreversíveis.

Francis ergueu-se de sua cadeira e Lisa o acompanhou. Ambos agora iriam beber licor e conversar sobre a vida dos amigos, fofocar seus dissabores e reclamar do calor que andava fazendo nos últimos dias.

Enquanto isso, Mônica recolhia a louça e a levava para a cozinha. Enquanto arrumava água quente para lavar os utensílios, ela alimentou-se.

Nunca parava para comer devidamente. Nunca parava para nada, aliás. Seu único descanso era na hora de dormir, e ela prezava aqueles poucos momentos de paz com muito zelo.

Pouco depois ouviu o barulho dos patrões a subir as escadas. Enfim, recolhiam-se.

Agora, era terminar de arrumar a cozinha e ir para o quarto.

Alívio. Mais um dia que sobreviveu as mãos inquietas de Francis e ao olhar mortal de Lisa.

Até quando teria sorte?

 

Mônica esfregou o pequeno sabonete num pano de algodão e depois tentou limpar-se da melhor maneira possível. A janelinha que antes a incomodava, agora tinha uma pequena cortina feita com uma de suas saias. Dessa forma, ela podia tirar a camisa e os calções, refrescando-se do dia pesado de faxina.

Lá fora, o som noturno não a incomodava. Nova York não dormia. Sempre havia gente zanzando de um lugar ao outro, especialmente na área central, lugar onde morava.

Tão logo terminou de se limpar, voltou-se para a cama de solteiro que sempre estivera ali, e deitou-se, buscando a Bíblia, querendo ler uma palavra de alento de Deus antes de fechar os olhos.

Porém, aquela noite seria diferente de todas as outras.

A batida na porta a sobressaltou. Nunca costumavam ir até ela, e logo imaginou que Lisa precisava de algo.

Buscou o velho penhoar, e correu até a tranca. Subitamente, deu-se conta de que era uma armadilha. Lá, Francis Dylan a encarava com um sorriso demoníaco, enquanto avançava sem permissão quarto adentro.

— O que houve senhor? — murmurou, a voz fraca, entendendo que, daquela vez, não conseguiria escapar.

Francis a viu crescer. Apesar do que faria, poderia ter sido gentil. Mas, para ele não bastava o fácil. Queria ver o medo, queria sentir o desespero feminino contra a pele, queria seus gritos de pavor.

Porque ele era assim...

Quando pagava as prostitutas, sempre queria o sexo anal. Queria fodê-las por trás, sem preparação, para ver a dor do ato escapando-lhe através de lágrimas e gemidos de pânico.

Mais que todas, Mônica era seu principal foco. Uma jovem pura, que nunca conheceu homem, e que iria rasgar-se inteira quando ele metesse seu pau nela, sem dó, num estupro miserável.

Estapeou-a antes de qualquer coisa. Queria que a empregada soubesse que era ele que mandava, que ela devia obedecer calada porque só estava viva porque lhe dava teto e comida, e que ela devia ser submissa e servir-lhe como desejasse.

Mônica gritou. Não que fizesse diferença. Naquele porão isolado, o som nunca escapava.

Que gritasse!

Que chorasse!

Atirou-a na cama, percebendo-a reagir.

Coitada, ainda acreditava que poderia lutar contra um homem forte e experiente como ele?

Ela chutou e ele gargalhou. Logo, pressionou o corpo, apertando-lhe a cabeça, enfiando sua língua asquerosa nos lábios intocáveis daquela virgem.

Então, os dedos buscaram o centro feminino. Ergueu a camisola, enfiou o polegar na vulva, sentiu-a seca. Riu.

— Hoje você vai ser a minha putinha — afirmou, e ela lutou ainda mais.

Era uma luta desigual. Mesmo guiada pelo desespero, Mônica não conseguia tirar aquele peso de cima de si, e aquelas mãos nojentas de sua parte mais feminal.

— O que está acontecendo?

O som da voz de Lisa fez Francis erguer-se. Seu pênis ereto surgiu diante da esposa, e ele logo o escondeu na calça.

A mulher olhou para a cama, e viu Mônica deitada lá, o rosto banhado pelas lágrimas, a pele marcada por mordidas, a roupa rasgada com violência.

— Ela me seduziu — o homem adiantou-se diante da esposa, que pareceu acreditar nele.

Porque, afinal, era sempre assim. Os homens, pobres vítimas de seus instintos animalescos, eram facilmente levados pela lasciva de jovens irrequietas e com os hormônios a ferver.

— Puta! — ela gritou, buscando Mônica na cama e a erguendo pelos cabelos.

— Não fiz nada, senhora — a moça tentou se proteger.

— Um homem só tenta uma mulher se ela lhe dá confiança para isso — Lisa afirmou. — Com certeza você o provocou.

— Mas...

— E ele é homem. Homem não resiste. — Apontou a porta, ordenando : — Fora da minha casa!

Uma das grandes lições da vida de Mônica, naquele momento, era de que os homens não resistiam aos encantos femininos e que ela era a culpada por Francis Dylan tê-la forçado naquela cama.

Mesmo o alívio de ele não ter atingido seu intento não trouxe-lhe contentamento. Naquela noite quente, pela primeira vez em sua vida, Mônica dormiu sem teto, num beco que cheirava a urina e vômito, sentindo o corpo tremer e agarrando-se a sua única trouxa de roupa, único bem que tinha, tentando compreender o que seria de sua vida dali em diante.

 

Capítulo 02

 

D a s a n


Histórias de amor existem. Nem sempre tem finais felizes, mas existem e isso é um alento num mundo tão terrível e mundano.

Dasan Taylor era fruto de uma dessas histórias de conquista e paixão.

Em 1867, nos primeiros anos de guerra contra os Apaches, Edwin Taylor, um protestante convicto, ajudou na armada contra uma das tribos que se alojava próximo de Sonoita, no Arizona. Aquela luta resultou num massacre terrível contra os nativos, mas o exército branco que queria as terras poupou as mulheres.

Obviamente, não por qualquer motivo gentil ou misericordioso. Na verdade, a intenção era estuprá-las enquanto não fincavam raízes e pudessem trazer suas esposas do leste.

Edwin não era casado. Ao contrário, era um jovem sonhador e poeta, cujo pai, um fazendeiro poderoso, o obrigou a ir à batalha para aprender a “ser homem”.

Chocado com o que ocorreu aos índios, ele salvou uma jovem que era perseguida por vários homens, tomando-a para si, sem se impor a ela, apenas para poupá-la dos demais.

Kanda, cujo nome emanava mais que magia, era tão linda quanto o poder da sua sensualidade latente.

Enamoraram-se. Juraram amor eterno. Ela engravidou e ele decidiu casar-se com ela, ter para eles um lugar abaixo daquele sol forte e infinito, e foi assim que mudaram-se para Esperanza.

A cidadezinha recém-fundada era um reflexo daquele novo Texas. Havia uma capela na área central que tinha apenas uma rua. Ao lado, havia a funerária, uma escola, a casa do xerife, uma mercearia, e mais umas dezenas de casas que abrigavam aqueles cujo ofício podia ser realizado em pouco espaço.

Edwin adquiriu um punhado de terras numa encosta, construiu uma casa de madeira e viveu tão feliz quanto nunca até então.

O pai poderoso o escrevia sempre. Implorava-lhe que voltasse para casa, que se casasse com uma mulher cristã, que regesse as posses da família.

Mas, Edwin estava por demais encantado por sua índia. Seus planos só mudaram quando a morte no parto levou-lhe a mulher que ele amou.

Do fruto desse casamento feliz nasceu Dasan.

O menino, do pai, herdou a pele pálida, da mãe os olhos um tanto puxados dos índios. E os perdeu, a ambos, tão logo abriu seus olhos pela primeira vez.

O parto difícil fez a mãe morrer de forma cruel. O desespero fez o pai partir de volta para casa, deixando o filho aos cuidados de vizinhos, que o criaram até o garoto assumir a casa que havia sido deixada para trás.

Dasan Taylor, apesar de tudo, era amado e querido naquela pequena cidade. Todos o conheciam, todos contavam com ele para pequenos afazeres, todos o respeitavam porque ele era digno desse respeito.

Ele não negava sua herança apache, mas também abria os braços para o novo.

Frequentava as missas aos domingos, estava sempre presente nos festivais de San Patrick, cuidava do gado que criava com respeito e misericórdia, e pagava suas contas em dia na mercearia.

Apesar do sangue apache, era um bom partido e, como tal, tão logo se tornou homem, foi alvo de muitos olhares.

Emilie Hart era uma jovem loira, bela e decidida. Numa quermesse deixou claro ao jovem que o queria e, mesmo não sentindo nada de muito especial por ela, Dasan achou que seria bom ter sua própria família e filhos.

Afinal de contas, para um garoto abandonado, nada devia ser tão aguardado quanto ter alguém a esperá-lo quando chegasse em casa.

Seu pedido de casamento aos Hart, cujo patriarca era o dono de uma loja de armas, foi bem recebido.

Na primavera, casaram-se. Em menos de um ano, Emilie deu a luz a uma linda menininha de cabelos negros como os do pai, e olhos azuis, como os da mãe.

Chamaram-lhe de Julie, e Dasan a amou muito desde o primeiro instante que a viu.

Todavia, Emilie logo percebeu que a vida de casada não era um sonho como costumava imaginar ao ler romances na pequena biblioteca da cidade.

A começar por ser mãe. A criança só comia e cagava. E, por Deus, como chorava. Ganhou repugnância. Não só da pequena, mas também do marido enfadonho, sem grandes atrativos, que só queria viver dignamente, trabalhar e ir à missa, e que não lhe provinha nenhuma emoção.

Um dia o circo chegou à cidade, e Emilie levou a filha, que já tinha três anos. Um dos mágicos lhe chamou a atenção, e ela passou a ir ao circo todos os dias.

Na mesma época, Julie parou de falar, e aquilo trouxe grande tristeza a Dasan. A voz da filha era algo de extrema importância para ele. Quis levá-la ao médico, mas Emilie estava sempre ocupada com seja lá o que fosse.

Numa tarde chuvosa, ao chegar em casa, Dasan encontrou a filha sozinha, sentada diante da mesa, de fronte a um papel escrito de forma descuidada.

As palavras ele jamais esqueceria, apesar de ter rasgado a carta e chorado como uma criança diante dela.

Emilie partira com o circo. Estava apaixonada, e queria viver aquele amor. Mais, não queria Julie, detestava sua mudez, sua deficiência, odiava tudo na filha. E, quanto a Dasan, fora muito bom enquanto havia durado.

Naquele dia, ao encarar a pequena criança, Dasan entendeu que jamais seria como o próprio pai. Julie ali, com seus enormes olhos assustados, parecia indagar mais do que ele poderia responder.

Mas, havia uma resposta que era certa: ele nunca a abandonaria.

Tão logo isso foi decidido, precisou pensar no que dizer as pessoas de Esperanza sobre sua irresponsável esposa.

A família Hart ficaria arrasada e, pior, o quão mal falada se tornaria Julie, filha de uma despudorada, capaz de abandonar a família para viver uma aventura no circo.

Foi então que ele decidiu mentir.

Não era incomum gangues de bandoleiros e índios roubarem mulheres naquela área. Partiu para a cidade, e avisou ao xerife.

Alguns meses depois, deram as buscas por encerradas, e Emilie foi declarada morta.

Afinal de contas, mais comum que os raptos, era o descarte das moças no deserto após devido uso.

Emilie tornou-se um amargo passado, mas a vida tinha que seguir para ele e para Julie.


Julie ergueu os pequenos bracinhos para o pai colocá-la na carroça. Ele sorriu diante do olhar admirado da menina, que ganhava um vestido novo naquele dia, véspera de sua primeira visita à escola local.

Dona Eve Michel sorriu para o pai, enquanto estendia a ele as compras daquele dia. Dasan parecia ansioso e preocupado com o início da vida escolar da filha de sete anos.

O rancheiro imaginava como seria a sua alfabetização, e a vivência com as demais crianças de sua idade. As aulas começariam em alguns meses, mas o primeiro contato com a professora, em uma reunião, seria no dia seguinte.

— Você sabe, Dasan — Eve murmurou, chamando a atenção dele. — A diligência trouxe uma nova moça para a cidade...

— É mesmo?

— Será esposa do doutor Gregory. Ele publicou um anúncio em um jornal do leste, e a moça apareceu. É viúva, sem filhos... Perdeu o marido na guerra. Parece boa gente.

Dasan absorveu a indireta com nítido interesse. Depois de Emilie, ele não se imaginava casado com outra mulher. A traição que sofreu havia minado suas forças. Contudo, uma esposa que pudesse ajudá-lo a cuidar de Julie seria de grande valia.

O homem saía de manhã e voltava próximo da noite. A filha precisava ficar na casa de uma vizinha e, por própria experiência, Dasan sabia que uma criança nunca era bem vinda à casa de outros por tempo demasiado.

Uma mulher... Talvez uma solteirona ou uma viúva, que pudesse ficar em casa cuidando da sua menina... Aquilo era uma oferta praticamente irrecusável.

— Se tornou uma prática comum. Há muitas mulheres no leste querendo um casamento, e há poucas no oeste disponíveis.

— Mas, que mulher do leste se casaria com um apache?

— Você não precisa dizer isso no anúncio.

Começar uma relação à base de mentira não era o ideal. Contudo, caso a mulher aceitasse vir para Esperanza, poderia provar a ela que não era um bárbaro. Talvez até cortejá-la.

Não precisava ser bonita, contanto que fosse bem disposta e boa pessoa. Ele não buscava amor. Já tinha idade para saber que sentimentos românticos eram apenas fogo de palha.

— E como faço para publicar tal anúncio?

Sem saber, Dasan começava naquele instante uma história que mudaria o rumo de sua vida.

 


Capítulo 03

 

O A N Ú N C I O


Aquela pensão no subúrbio não era o local ideal para uma jovem digna como Mônica. Lar de prostitutas, cafetões e carteis, foi o único ambiente que encontrou no qual pudesse acomodar-se até conseguir um novo emprego.

O que não estava sendo fácil. Lisa Dylan havia espalhado aos quatro ventos sobre sua infame personalidade, e em todas as portas que bateu, recebeu a negativa em retorno.

Até então, mantinha-se com trabalhos braçais que pagavam pouco, mas que serviam para que ela pudesse pagar o quarto alugado e comer ao menos uma vez por dia.

Fazia o que aparecia. Pegava roupas para lavar, limpava banheiros em fábricas, e faxinava bordeis durante o dia.

Porém, o que a destruía era a falta de esperança. Como poderia sobreviver durante anos fazendo aquilo? O que seria dela quando as forças começassem a falhar?

— Você é moça virgem, não é? — sua senhoria lhe indagou, quando a viu chegar depois de um dia estafante de trabalho. — Ou foi expulsa de casa porque abriu as pernas por aí?

— Abrir as pernas?

A outra deu os ombros, como se compreendesse imediatamente a moral que regia aquela mulher de aparência recatada e simples.

— Quando veio para cá, me disse que teve que sair de casa porque seu patrão a atacou.

— Foi isso, sim senhora.

— Mas ele não conseguiu se enfiar em você?

A jovem negou.

— Aqui não é lugar para uma moça como você, Mônica — ela disse, depois de uma breve avaliação. — Os cafetões já estão de olho, imaginando por quanto te venderiam em noites de saraus.

— Me... vender?

— Você sabe, não é? Uma virgem, mesmo não muito bonita ou jovem, sempre tem seu valor.

Mônica baixou a fronte, tentando absorver aquela informação. Se procedia, ela precisava sair da pensão o mais rápido possível. Não queria sofrer novo ataque.

— É difícil te achar um casamento aqui nessa cidade, porque tem essa aparência sofrida e as mãos calejadas, mas sabe... no jornal tem alguns anúncios de homens no oeste procurando esposa.

— Esposa? — havia espanto em sua voz.

— Ora, uma mulher deve se casar — a outra retrucou. — É bom ter um homem.

Homens, até então, haviam apenas trazido medo a ela. Eram maiores, mais fortes, e pareciam prontos a submetê-las.

Ao mesmo tempo, sabia que caso tivesse um marido, estaria protegida dos demais.

Quem sabe não era uma saída perfeita?

A senhoria deixou-lhe o jornal na porta do quarto, e ela passou boa parte da noite lendo anúncios. A maioria parecia imoral. Desejavam mais que uma esposa, uma companheira. Queriam alguém de certo padrão, com determinada cor de cabelo, com tantos centímetros de quadril ou cintura. Sentia-se como gado no abatedouro, tentando enquadrar-se para o abate.

Já estava quase desistindo quando letras garrafais lhe chamaram a atenção:

“Procura-se uma esposa”.

Era direto. O homem não procurava trocar cartas com alguém, apaixonar-se ou flertar. Seu desejo era direto. Ele queria uma mulher.

O restante do texto lhe fez sorrir.

“Sou viúvo, tenho trinta e três anos e procuro uma mulher de bom coração que esteja disposta a ser minha esposa e mãe de minha pequena filha”.

Uma família... Um homem com uma família precisando apenas de uma mulher disposta a ser mãe?

Parecia um sonho. Bom demais para ser verdade, e Mônica não tardou a desconfiar daquele anúncio.

Todavia, sabia que precisava decidir-se logo. Com certeza não era a única mulher a ler aquelas palavras. Se outras se oferecessem, ela poderia perder a oportunidade e talvez nunca soubesse o que era ter um lar sem o medo de estupro ou expulsão.

E havia uma criança...

Nunca se imaginou mãe. Mas, o coração encheu-se de carinho ao pensar em uma menina de sorriso gentil e vestido de fitas.

E foi com essa imagem que ela buscou um papel e um tintureiro.

“ Chamo-me Mônica ”, iniciou, com determinação. “ Vi seu anúncio. Quero ser sua esposa ”.


— Sabe o que significa Mônica? — O padre Antony se postava ao seu lado, numa atitude fraterna. Diante do olhar curioso do jovem, ele sorriu. — “Solitária”.

Dasan assentiu.

— Combina com ela. Afinal, foi isso que a tal Mônica deu a entender. Sozinha no mundo, órfã, trabalhava em uma casa como empregada, mas perdeu o emprego há pouco tempo. Também disse que queria reconstruir a vida e que estava disposta a ser mãe de Julie.

— De todas as cartas que recebeu, essa foi a que mais o agradou?

Naquele final de tarde, diante da mercearia onde a diligência costumava parar para trazer as pessoas que vinham para Esperanza, Dasan pareceu pensar no tom das palavras.

— Foi a única a deixar explícito que desejava conhecer Julie. Todas as outras pareciam ansiosas pelo casamento, por ter um marido, terem filhos, mas nenhuma pareceu se atentar que eu tinha uma filha e que ela era importante para mim.

— Eu entendo. — O sacerdote lhe bateu no ombro. — É um bom pai, Dasan. Espero que a moça também seja uma boa mãe. Julie merece.

— Temo qual será sua reação quando me ver — foi sincero. — É uma mulher do leste. Não sabe que tenho sangue apache. E, mais, quando souber que Julie não fala...

— Não crie fantasmas antes de falar com a moça.

O veículo guiado por cavalos surgiu no horizonte formando uma nuvem grossa de poeira atrás de si. Desde que recebera a resposta de Mônica, até aquele momento, já havia se passado três meses.

Na segunda carta, ela deixara claro que não tinha dinheiro para ir até ele. Dasan lhe enviou a passagem. E então aguardou.

Obviamente, estava nervoso. Queria que aquele enlace desse certo. Queria ter uma esposa para dividir as refeições, o banco na igreja, e os prazeres da vida. Mas, ao mesmo tempo, já havia sido machucado pela dor de uma traição e temia que Mônica pudesse não ser exatamente como a imaginava.

A portinhola do veículo abriu e alguns senhores saíram, rapidamente. Pouco depois, surgiu uma mulher em um vestido bege, sem muita formosura, mas com o olhar firme e direto.

Ele soube que era ela... Mesmo não a tendo visto antes, de alguma maneira, a reconheceu.

Na última carta trocada, disse-lhe que a aguardaria junto ao padre, para que ela se sentisse mais segura. A mulher, agora, encarava a dupla de homens um tanto insegura. Dasan não sabia se era porque o propósito de sua vinda era casar-se com ele ou porque ele era apache.

Por fim, decidiu se aproximar. Estendeu a mão, segurando a dela. Sentiu os calos, percebeu os machucados da lida diária, e entendeu que a moça não era uma flor delicada do leste.

Foi um alívio, de várias formas. A vida no rancho não era fácil, cuidar de Julie não era fácil, nada do que a esperava poderia ser designado como uma vida de felicidade.

Então, sabê-la uma mulher já acostumada a dificuldade fê-lo sorrir.

Quando casou-se com Emilie, sabia que a jovem era mimada e mantida com certo conforto em casa. Ao se mudar para o rancho, perdera as regalias, as tardes de chás com as amigas, e as idas até a cidade vizinha, para o teatro. Muito do fracasso do antigo casamento dera-se por causa disso. Mas, agora... Agora era outra mulher. Completamente oposta à outra. Cabelos escuros, olhos mais inquietos, presença mais discreta.

— Eu sou Dasan Taylor — apresentou-se. — E espero ser seu futuro marido.

 

 

 


Capítulo 04

 

C A S A M E N T O


O Pároco local encarou o par sentado nos bancos da igreja. Desde o encontro na rua, não haviam trocado muitas palavras, então ele os convidou para irem até a congregação a fim de conversarem, e decidirem se deviam realmente se casar.

— Agora que me viu — Dasan murmurou, tão logo o sacerdote foi para sua casa anexa. — Ainda pretende se casar comigo?

— Indago o mesmo? — Mônica devolveu.

— Tenho sangue apache — ele pareceu não ouvi-la. — Não sou o sonho de esposo para qualquer mulher.

— Tenho quase trinta anos, sou solteira e sem nenhuma característica atrativa. Portanto, quero saber se ainda me quer por esposa.

Ele arqueou as sobrancelhas diante da postura firme. Observou-lhe as formas, e logo se agradou. Todavia, não o disse.

— Senhorita Mônica, fui franco em meu anúncio. Preciso muito mais de uma mãe que de uma esposa.

— E eu franca em minha resposta. Preciso muito de um lugar para ficar, uma família para me proteger, alguém para compartilhar os dias.

O tom feminino era muito gentil e delicado. Contudo, ao mesmo tempo, era franco, direto e firme. Ela não pestanejava nas respostas, e ele sentiu que poderia ser a exatamente a mulher que precisava.

— Tem algo a mais... — disse Dasan, mordendo o lábio inferior, em conflito.

A visão dos dentes cravando-se na boca bonita não passou despercebida pela jovem, que desviou o olhar, enrubescida.

— Minha filha não fala — avisou. — Não sei se ouve bem, nunca dá muitos sinais de que entende ou se importa com o que estou falando. Mesmo assim, não admito qualquer maldade contra ela. É uma criança doce e já passou por coisas ruins, não quero submetê-la a nada que possa piorar seu estado.

Mônica assentiu, compreensiva.

— Nunca lidei com crianças. — admitiu. — Mas, eu posso aprender — sorriu. — Eu quero aprender — afirmou, ainda mais convicta. — Ser mãe seria um sonho que jamais pensei que se realizaria.

— Mãe? — Ele não escondeu o espanto. — Aceitaria Julie como filha?

— Eu não tive mãe — ela contou, abrindo o coração pela primeira vez na vida. — Fui abandonada na porta da casa onde servi como criada. Se qualquer mulher, não importando qual, tivesse assumido essa posição em minha vida, eu teria sido uma criança feliz. Mas, infelizmente, não houve nenhuma a me estender a mão e deixar-me adentrar seu coração.

— Eu compreendo — ele sussurrou. — Passei pelo mesmo. — Diante do olhar espantado dela, explicou. — Minha mãe morreu no parto e meu pai foi embora depois disso.

— Quem o criou?

— Aqui e acolá, as pessoas do vilarejo me deram teto e trabalho. Depois que tive idade, fui para a casa que pertenceu ao meu pai e tomei posse dela. Casei-me, mas minha antiga esposa faleceu há alguns anos. Desde então, eu não havia pensado em me casar novamente, até me ater ao fato de que Julie precisa de uma figura feminina e materna para ajudá-la.

— Quando irei conhecê-la?

— Primeiro preciso saber se quer se casar comigo.

— Viajei metade do país para isso — ela sorriu.

— Sim, mas não sabia que eu tenho sangue apache nem que minha filha possui uma deficiência. Preciso de sua resposta franca e sincera, bem pensada, para que não haja arrependimentos no futuro.

Ele ergueu-se do banco.

— Paguei sua estadia por uma semana na pousada de dona Eve. Vou levá-la para lá. Poderá se banhar e descansar. Caso aceite nosso compromisso, o padre nos casará no final da semana.

Não havia o que pensar, mas ela aceitou aquela oferta generosa com um sorriso feliz no rosto.

 

— O quarto é pequeno, mas a cama é confortável — a senhora de baixa estatura lhe sorriu, enquanto Mônica guardava seus poucos pertences em uma gaveta. — Estou muito feliz em hospedá-la.

A jovem sorriu. Ao entrar no trem que partiria para o oeste, ela jamais imaginou que teria tanta ventura. Em seus pensamentos, um marido grosseiro e feio a aguardaria. Não seria um casamento dos sonhos, mas seria algo estável e que lhe daria proteção.

Todavia, Dasan era gentil, educado e muito bonito.

Quando a senhora Eve saiu do quarto, ela permitiu-se pensar no homem que havia conhecido.

Era índio, não restava dúvidas. Os cabelos longos, lisos, e brilhosos denotava seu sangue nativo. A pele pálida mostrava sua miscigenação. Era um mestiço muito formoso e de corpo delgado. Um homem que muitas poderiam querer. Mas, que havia buscado uma esposa longe daquele lugar...

Subitamente, deu-se conta. Por quê?

Tentou desviar os pensamentos. Casar-se com um mestiço não era o sonho de nenhuma jovenzinha em lugar nenhum. Mas, para ela... para ela parecia o paraíso.

Após se lavar, ela deitou-se na cama, imaginando como seria sua vida dali em diante. Como seria a menina, a criança que a trataria como mãe? E o rancho? Mal podia esperar para cuidar da casa, servir a comida, ser útil novamente. Ajudar Dasan a manter sua fazenda, mostrar a ele seu valor como pessoa e mulher.

Como mulher...

Enrubesceu, entendendo os pensamentos estranhos que tomavam conta de si.

Repentinamente, lembrou-se de Francis e de sua fatídica noite na casa dos Dylan. Aquilo que o homem tentara fazer consigo... Dasan também tentaria? Provavelmente. Uma esposa devia servir ao marido de todas as formas que ele quisesse. No entanto, ela não conseguia imaginar o homem gentil e educado a lhe agredir ou forçar.

Ao contrário, seu tom de voz denotava que ele a respeitaria de todas as formas, que ela poderia se sentir segura ao seu lado.

Sua resposta ao pedido de casamento era sim. Antes mesmo de fechar os olhos, ela já estava convicta disso.


Ela era a criança mais linda e delicada que os olhos de Mônica já haviam visto em toda a sua vida.

Uma louca emoção tomou conta de si enquanto se agachava à altura da criança, que a observava com o olhar surpreso e atento.

— Julie — Dasan a chamou. — Essa é Mônica.

Nenhuma reação. Não visível a todos os olhos na hospedaria de Eve. Porém, Mônica reconheceu o medo e o temor em algum recanto da alma de Julie.

— Olá, amor — murmurou para ela, querendo deixar claro que, o que quer que fosse que a menina temia, teria em Mônica sua proteção. — Você é muito linda, sabia?

O olhar abrandou. Mônica encarou Dasan que pareceu feliz por não ter-se criado nenhuma animosidade.

— Mônica irá morar conosco no rancho, Julie — ele disse, e a cabeça da menina voltou-se para ele. — Está tudo bem para você?

Novamente, o olhar infantil a encarou. Mônica esperou com paciência e respeito pela resposta. Sorriu quando a menina assentiu com a fronte.

— Obrigada — disse, segurando as pequenas mãos entre as suas. — Muito obrigada. Nunca se arrependerá por me dar uma chance.

Mais tarde, enquanto Dasan conversava com o padre, Mônica observava Julie desenhando no banco de madeira da igreja. Subitamente, viu-a levar até ela uma folha branca, onde uma figura que lembrava uma mulher parecia segurar uma mala.

— Sou eu? — indagou.

A criança negou.

— É outra moça? Partindo?

Julie concordou.

— Teme que eu vá embora?

Não soube por que havia perguntado aquilo, mas a conexão automática que surgiu entre elas logo lhe remeteu a indagação.

Surpresa, viu Julie concordar mais uma vez.

— Eu nunca a deixarei, meu amor — afirmou, sentindo lágrimas nos olhos. — Eu juro. Nunca a deixarei...


— Parece que Mônica e Julie se acertaram instantaneamente. — Padre Antony deixou claro que não fora o único a perceber a situação.

— É estranho, pois Julie nunca dá sinais de empatia a ninguém.

— Com isso, você decidiu-se por fim ao casamento, não é?

— Eu dei um prazo a Mônica, mas ela parece convicta que deseja o mesmo que eu. Se estamos acertados, não vejo porque atrasar os proclamas.

O padre concordou.

Era o início de uma nova vida para aqueles dois jovens sofridos.

 

Naquele recanto remoto do país não era costume parar-se a vida para festejar o que quer que fosse. Um dia de trabalho era sempre uma perda importante para as famílias. Mas, naquele domingo, após a missa, as pessoas de Esperanza não voltaram para suas casas. Queriam, de alguma maneira, demonstrar a Dasan o quanto estavam felizes por ele, e por sua nova esposa.

— É um jovem muito honrado. — Eric Hart disse a Mônica, na saída da igreja, logo após a cerimônia. — Foi meu genro, é o pai de minha neta. Minha filha não poderia ter casado com um homem melhor.

— Dasan me comentou que é viúvo. Sinto muito por sua filha.

— Foi uma tragédia — Eric concordou. — Emilie foi capturada e morta por bandoleiros. Isso acontecia muito algum tempo atrás. Agora, com o novo xerife, os casos estão mais raros. Enfim, o oeste nunca foi e nunca será um lugar seguro para uma mulher.

O homem curvou-se e beijou os dedos de Mônica, em sinal de respeito.

— Cuide bem de Julie.

— Como se fosse minha própria filha.

— Onde quer que esteja, sei que Emilie iria sentir-se feliz por isso.

Dasan ouviu de relance a última frase, e o estômago embrulhou. Eric Hart era um bom homem, e jamais suspeitou da traição da filha. No fundo, era melhor assim. Imaginá-la morta era melhor que sabê-la viva, mas meretriz, maldita capaz de abandonar um bebê para engraçar-se com um homem qualquer.

Tentou não pensar em Emilie. Ao menos não agora, enquanto se casava com outra. A antiga esposa era uma mulher mesquinha, mas ele também carregava sua dose de culpa. Devia ter tido um noivado mais longo, sabê-la conhecer a vida que teria após o matrimônio. Mas, não, acreditou que honrá-la e não deixar que nada lhe faltasse bastaria para a jovem Hart.

Só não se arrependia completamente, pois o resultado de seu desastroso casamento agora corria entre as mesas, beliscando doces, e sorrindo alegremente para as outras crianças.

— Ela é tão linda, não?

A voz de Mônica fê-lo volver-se para a nova esposa. Ela estava com um vestido emprestado, e haviam feito um bonito coque em seus cabelos.

O tom rubro de alguma maquiagem feita na última hora deixou-a bonita. Ele sorriu. Tudo nela representava calma e tranquilidade. Ele gostava muito disso.

Uma nova vida o aguardava.

Dessa vez, faria o impossível para que tudo desse certo.

 

 

Capítulo 05

 

A P R I M E I R A N O I T E


Era uma rotina simples, aquela após o jantar. Dasan ajudava a guardar a louça, depois levava Julie para a cama, contava para ela histórias de guerreiros índios antigos, e assim que a menina pegava no sono, ele fazia uma volta em torno da casa para verificar se tudo estava seguro.

Diante do olhar curioso de Mônica, ao vê-lo retornar e mexer nos ferrolhos e cadeados, explicou:

— Algum tempo atrás, havia muitos assaltos por aqui.

Ela não escondeu o medo no olhar.

— Não carece se preocupar, pois ninguém nunca mexeu em minha propriedade.

— A não ser quando raptaram sua esposa.

Dasan enrubesceu diante da gafe.

— De lá para cá eu melhorei muito na mira — mentiu.

Sabia atirar desde que se conhecia por gente. Precisava caçar para conseguir comida, e um dos vizinhos havia lhe dado um rifle há algum tempo. Era bom nisso. Bom em brigas, também. Aconteceram algumas durante os anos, apesar de ele ser completamente pacífico. Contudo, sempre algum viajante que cruzava Esperanza tentava denegri-lo por ser índio e Dasan usava os punhos para se proteger.

— Para que se sinta mais segura, irei ensiná-la a atirar — contou, depois.

— A atirar? — Com certeza, era algo que ela jamais pensou em fazer.

— Te garanto que homem nenhum tenta forçar uma mulher com uma arma na mão.

Ela gostou daquele conselho. Parecia coerente e preocupado. Deu-se conta de que toda a segurança que sempre buscou poderia ser dada por si mesma.

— Mônica, gostaria de ter uma conversa com você...

A mudança do tom fê-la enrubescer. As mãos se contorceram, e ela aguardou o que quer que viesse.

— Sei que foi um dia cansativo. Quero que saiba que nessa noite pretendo dormir no chão da sala.

O que era aquela sensação? Surpresa? Decepção?

— Quero um casamento real, mas não quero que fique preocupada com o que está por vir. Então, durma descansada, as coisas se encaminharam da maneira certa, sem pressa.

Era tão gentil que ela sentiu-se imediatamente tranquila e feliz por ter desposado aquele homem. Concordou imediatamente e volveu em direção ao quarto.

Nunca, até então, teve uma noite de sono tão serena quando a daquela noite.


A charrete parou defronte ao pequeno prédio de sala única que servia de escola para as crianças de Esperanza.

Era o primeiro dia oficial de casada de Mônica, e ela recebeu um pedido logo cedo do esposo: Levar a pequena Julie para as aulas.

Percebeu que a menina estava receosa, então desceu primeiro. O vento seco e a poeira coçaram seu nariz, e ela se perguntou se algum dia se acostumaria com terra tão íngreme.

Depois, volveu-se para a pequena e estendeu as mãos para ajudá-la a descer. Nada.

— Eu entendo, Julie — murmurou. — É um lugar novo e você está com medo, não é?

Houve um leve balançar da fronte em resposta.

— Sabe, eu também temia muito vir para cá e me casar com seu pai. Mas, estou muito feliz por ter feito isso. Há pouco mais de dois meses minha vida não tinha nenhum futuro, agora eu tenho você e tenho toda uma família para cuidar... — seu tom era orgulhoso e alegre. — Então, existem riscos quando temos escolhas a fazer. Mas, se acertarmos, seremos muito felizes. Você quer arriscar?

Houve um breve pestanejar, como se Julie avaliasse se devia ou não dar aquele passo. Por fim, a pequena aceitou os braços da nova mãe e desceu da charrete.

Mônica a guiou até a porta, e ficou a observá-la a sentar-se em uma das cadeiras disponíveis.

A própria nunca havia frequentado uma escola, sabia ler muito mal, aprendeu com uma antiga empregada dos Dylan que era devota a algum santo que Mônica não se lembrava mais, e que achava uma blasfêmia a menina não conhecer a Bíblia.

Agora, entendia que Julie teria outro destino e se orgulhava por ela. Diziam em alguns lugares que algumas mulheres não estavam mais apenas cuidando das casas e dos filhos, e sim seguindo profissões que, outrora, eram apenas dos homens.

Tão logo a aula começou, Mônica afastou-se. Subiu na charrete e voltou em direção à estrada que dava para o rancho do marido.

Enquanto o cavalo corria pela estrada de terra, ela observou a beleza do lugar. Os arbustos baixos, as montanhas ao longe, o céu de um azul sublime.

Sorriu.

Tudo estava perfeito. Ela adorou a nova vida. Julie e seu jeito gentil de se comunicar, o rancho que, apesar de simples, era bem cuidado e preservado, e o marido, Dasan, que brotava nela algo estranho e irreconhecível.

Ao se aproximar do rancho, o viu ao longe. Estava ao lado de uma vaca, e parecia concentrado em algo. Mesmo sem convite, foi até ele.

Dasan sorriu ao percebê-la.

— Está prenha — disse, mostrando a vaca. — Acho que ainda essa semana teremos um novo bezerro.

Aquele era um mundo novo para Mônica, e ela sentiu vontade de experimentá-lo de todas as formas.

— Venha — o homem pareceu entender sua intenção. — É mansa. Toque sua barriga.

Mônica aproximou-se, pousando a mão na pele avantajada. Sorriu.

— Eu nunca tinha visto uma vaca de tão perto.

— Bom, nós temos muitas, mas estão do outro lado da campina, pastando.

— Cuida de todas, sozinho?

— É o jeito. Temos o suficiente para vivermos, mas não tenho para pagar um empregado.

— Se precisar de minha ajuda...

— Está fazendo muito em cuidar de Julie — ele interrompeu. — Eu não tenho como agradecê-la por tudo.

— Sou sua esposa — retrucou, acanhada. — Nada mais que minha obrigação...

— Faz mais que a obrigação. A maneira como fala com ela...

— O que tem?

— É delicada, como se compreendesse que Julie tem seus fantasmas.

Mônica pareceu pensar um pouco sobre as palavras.

— Qualquer menina que cresce sem mãe se sente assim, carregada por algum peso...

Ele assentiu.

— Bom, mudando um pouco de assunto — sorriu. — Vamos atirar?


— O dedo precisa ficar sempre longe do gatilho — explicou. — Só o coloque quando tiver a certeza de que vai atirar. É um princípio básico de segurança.

Naquele campo aberto, a mulher ergueu o rifle a altura dos olhos e observou uma lata ao longe, sobre um tronco.

— Não, assim...

Ele postou-se atrás dela, ajudando-a a colocar a arma na altura certa. Apesar de sentir o calor do corpo másculo atrás de si, não houve avanços nem qualquer ato despudorado. Era um alívio. Dasan era um homem extremamente digno e não se forçaria a ela, não se aproveitaria do momento para nada.

— Só tenha cuidado com...

O tiro pareceu estourar os ouvidos de Mônica, e o repuxo a derrubou para trás. Caiu em cima do marido, que não conseguia esconder o riso.

Nervosa, tentou se afastar.

— Iria dizer que a arma salta para trás, mas parece que você já entendeu isso — ele comentou, erguendo-se e a ajudando a se colocar de pé.

Diante um do outro, pela primeira vez desde que se viram, compreenderam o que eram e o que os aguardava.

Foi um tanto automático, como se uma ordem muda houvesse sido dada e ambos agora apenas cumpriam o ordenado aos deuses.

Ele agachou-se um pouco, ficando a altura dela, e deslizou os lábios nos femininos, de forma gentil e natural.

Não era um beijo sensual, mas a fez estremecer.

— Tem sorte por ter um marido para atirar por ti — ele brincou. — Porque mataria a si mesma antes de conseguir matar o bandido.

Ao som da gargalhada dele, ela sentiu-se nas nuvens.

 

 

 


Capítulo 06

 

A S E G U N D A N O I T E


Ela o aguardou após o jantar. Julie já havia ido se deitar, e Dasan verificara as trancas da casa, como havia feito na primeira noite.

Imaginou se ele viria, daquela vez. Sua generosidade em deixá-la livre dos seus anseios masculinos haviam aliviado sua mente e sua alma, mas Mônica sabia que aquele casamento era real, e como todos os matrimônios, exigia mais que uma boa dona de casa e mãe.

Havia algo entre um casal, compartilhado na cama, que ela não se atrevia a pensar, mas que imaginava que devia acontecer para que ambos pudessem, definitivamente, sentir-se como casados.

Enfim, a porta do quarto abriu. Fechou.

Dasan postou-se diante dela, o semblante impassível, nada resplandecendo, como se temesse dar qualquer passo que a amedrontasse, e a fizesse sair correndo dali.

Ela baixou a face. Sentada na cama, a camisola de linho até os pés, o ambiente subitamente pareceu sufocado.

— Você sabe — Dasan chamou sua atenção, enquanto tirava o casaco e o pendurava em um prego próximo. — Meu pai construiu essa casa quando sonhava em envelhecer aqui com minha mãe.

Mônica ergueu a face, encarando-o. Ele havia contado a ela que o pai fora embora depois da mãe morrer, abandonando-o.

— Foi difícil para você? — indagou, compreensiva, sentindo o peso daquela frase esgueirar-se contra eles.

— Eu queria que entendesse que eu jamais irei embora — afirmou. — Quando eu jurei ao padre que seria seu marido, não importasse o quê... Enfim, eu falava sério.

Os olhos femininos resplandeciam a esperança. Naquele momento, Dasan soube que era correspondido em qualquer que fosse o sentimento que nutria por ela. Claro, não era amor. Mas, havia certa empatia, um compartilhar de sofrimento que os aproximava e os fazia compreender que aquela união seria para sempre.

Observou seus lábios. O rubor e a carne pareciam um convite. Era seu esposo, e tinha o direito de aceitá-lo. Então, sem mais delongas, aproximou-se dela e a puxou, num beijo suave, um tocar de lábios.

Encararam-se. Por alguns segundos, Dasan e Mônica simplesmente observavam a respiração rápida um do outro.

Foi então que entendeu o quão temerosa ela estava. Ele podia temer que ela o deixasse como a outra fizera, o desonrasse para sempre. Mas, ela o temia pelo que ele poderia fazer naquela noite que, pela primeira vez, se viam como homem e mulher.

— O quanto você é experiente? — inquiriu. Não que aquilo tivesse importância. Se ela já havia se deitado com alguém, não importava. Naqueles poucos dias que a conhecia, viu uma mulher bondosa e disposta. O passado dela não destruiria o futuro que teriam. Todavia, se sua experiência era nula, precisava ter cautela.

— Você sabe que fui expulsa da casa onde me criei, não?

Mônica estava abrindo seu coração para ele. Dasan aceitou aquilo com carinho.

— Sim, você me contou.

— Não disse os motivos.

— E quais são?

— Meu antigo patrão... — ela fechou os olhos com força. — Ele invadiu meu quarto e tentou... Ele tentou...

O estupro, tão comum no Texas, era de tal repugnância para Dasan que ele viu-se a segurar as mãos femininas, transmitindo-lhe conforto.

— Ele conseguiu?

— Pela graça de Nosso Senhor Jesus, não...

Assentiu.

— Mônica — adentrou seus olhos com seu próprio olhar. — Sei que você não tem uma boa imagem do que pode acontecer entre um homem e uma mulher, mas eu te afirmo que quando existe respeito e carinho entre ambos, o ato pode ser muito bonito.

Ela acreditou nas palavras. Não porque queria desesperadamente agarrar-se a qualquer esperança, mas porque, desde que o conhecera, aquele era o melhor homem com quem cruzara.

Subitamente, como se ouvissem uma ordem divina, abraçaram-se rapidamente, apertando tão forte o corpo um do outro quanto possível.

Era mais que um simples abraço. Era uma troca de afeto e cumplicidade. Era amizade. Mesmo que nunca viessem a se amar como homem e mulher, ainda teriam um ao outro como amigos. Aquilo era mais do que uma órfã como ela poderia sonhar.

Eles ficaram naquele abraço cúmplice por alguns segundos, num balanço gentil. Contudo, depois, Dasan afastou-se e deitou-se na cama. Mônica levou alguns segundos antes de decidir acompanhá-lo. No entanto, assim que achegou-se ao seu lado, foi recebida por mais um beijo.

O primeiro, delicado, foi apenas uma prévia do seguinte, generoso e caloroso. O corpo de Mônica começou a formigar em várias partes e, sem sentir, ele grudou em Dasan, que a acariciava com as mãos e com o próprio corpo.

E então veio o calor. Como se o sol forte do Texas estivesse a brilhar, ali, naquele quarto. Dasan afastou-se brevemente, a fim de apagar as luzes e tirar a roupa.

Ela não o via completamente, mas era capaz de desvendar com as mãos seus músculos firmes. Ele era tão homem, tão másculo, que sua boca mal conseguia segurar um gemido.

A camisola saiu pela sua cabeça. Seus seios grandes logo foram tomados pelas mãos gentis, e depois pela boca, pela língua, que circulou um mamilo antes de chupá-lo com força.

Mônica cobriu a boca, impedindo um grito. Não entendia a reação do seu corpo, não entendia o que exatamente vivia ali, mas sabia que queria mais, muito mais, tudo que Dasan poderia dar a ela.

Dasan se ajoelhou perante a mulher, abrindo-lhe as pernas, acariciando suas coxas com as mãos, enquanto o brilho de seu olhar parecia arder na escuridão.

Houve a lembrança dos dedos sujos de Francis, e houve o medo, mas logo suas lágrimas foram secas por beijos gentis contra sua face.

— Não vou machucar você, eu prometo.

Aquela frase, dita num tom tão baixo como um segredo proibido sendo confidenciado fê-la comover-se. Corajosa, ela o trouxe novamente para seus lábios.

Porque ali havia segurança. Naquele abraço, naquela boca... Nada poderia feri-la...

Sentiu a parte baixa dele dura, firme, a tocá-la. Sabia que ele a queria. Pelos céus, ela o queria tanto, também. Então, entregou-se.

Deixou que a boca sedenta de Dasan deslizasse por sua pele arrepiada, causando um frenesi sem controle. E quando os dedos longos e bonitos de Dasan entraram nela, mordeu os lábios, segurando um gemido de dor.

— Você é tão linda... — ouviu Dasan sussurrar.

Nunca havia ouvido aquilo. Era sempre destacada como razoável ou simpática. Linda? Linda nunca. Mas, como negar a veracidade daquelas palavras quando aquela necessidade dolorosa a tomava de tal maneira que viu-se arrebatada completamente?

Os dedos voltaram a mexê-la. Um dedo, dois, três... estranhamente, Mônica não sentiu dor daquela vez. Maravilhada, percebeu que Dasan estava sendo absolutamente cuidadoso com a sua integridade e a sua feminilidade, montando um caminho para o membro elevado, duro e firme.

Quando Mônica gemeu de prazer, Dasan subiu em cima dela novamente. As pernas abertas enroscaram-se na cintura musculosa.

E então o apache entrou numa entocada rápida e firme, como uma lâmina envolta em mel.

Em nenhum momento, os olhos deles deixaram-se. Era muito mais do que sexo, ela acreditou, ele teve certeza. Aquele encontro programado pelo tempo, agora recebia o devido presente da paixão. Quando o puxou para outro beijo, sentiu um prazer tão intenso numa entocada, que não aguentou e choramingou, de puro deleite.

Depois daquilo, foi uma sucessão de entocadas vigorosas, gritos e gemidos tão altos que era uma sorte que a pequena Julie dormisse do outro lado da casa e que não seria incomodada pelos sons. Porque, francamente, o mundo ficou completamente esquecido. Dasan estava tão entregue, tão apaixonadamente oferecido, que entendeu naquele instante o quão importante era fazer sexo com alguém com o qual pudesse nutrir afeição.

Uma esposa como jamais pensou que teria.

Nunca havia sentido aquilo. Nada o havia preparado para o aperto de Mônica, para a forma como ela deslizava as pernas pelas suas costas, como lambia sua língua, sussurrava palavras doces contra suas orelhas, arranhava suas costas.

E então o auge o atingiu. Um grito mudo escapou da sua garganta e ele sentiu-se derramar contra Mônica, melando-a com seu ardor.

Naquela noite, aquelas duas pobres almas abandonadas entregaram-se a um amor que os acompanharia para sempre.

 

Capítulo 07


R O T I N A


Julie não percebeu o olhar enrubescido da madrasta enquanto ela lhe servia o café, naquela manhã abafada.

De relance, o casal trocava olhares, como se o que havia se passado na noite anterior houvesse rompido uma barreira entre eles.

Porém, aqueles assuntos eram de exclusividade das noites, de quando a porta se fechava e eles se tornavam definitivamente um do outro.

Ali, ao clarão do dia, havia deveres a serem cumpridos, e uma criança a ser alimentada e levada para a escola.

Subitamente, Dasan ergueu-se, preparado para mais um dia. Aproximou-se de Julie e lhe deu um leve beijo na face, em despedida.

A esposa, em pé próximo do fogão, não esperava que ele também se aproximasse dela, e sentiu-se estranhamente feliz quando os lábios masculinos tocaram os seus, num gentil beijo de “ até logo ”.

Quando o homem sumiu de suas vistas, ela sentou-se ao lado da pequena. Percebeu no olhar infantil uma leve malícia, como se a menina houvesse visto o beijo e agora achava engraçada a timidez da madrasta.

— Do que está rindo? — ela brincou, depois, mudou o tom. — Vamos para a aula?


Mônica não esperava que o marido surgisse durante o dia no rancho onde viviam. Ela havia terminado de trocar a roupa de cama, e limpar a cozinha, quando o rosto alegre de Dasan apareceu na porta, com um sorriso incontido.

— Achei que não servia para atirar — ela murmurou, assim que ele lhe disse os planos sobre continuar as aulas.

— É claro que você não iria conseguir de primeira. Atirar exige prática. — Estendeu a mão. — Vamos!

Era tão estranho sair campo aberto sendo guiada pelas mãos firmes daquele homem maravilhoso. Como um sonho, e Mônica sempre sentia-se a mais felizarda mulher. Todavia, em algum recanto de sua alma havia uma voz dizendo-lhe que uma vida feliz daquelas não era para uma mulher tão sem graça quanto ela.

Era uma sensação que não morria. Até quando viveria aquela felicidade?

O dia ensolarado parecia perfeito para aquela aula. Mônica aguardou que Dasan arrumasse os alvos e depois voltasse até ela.

— Foco. Aponte apenas para aquilo que pretende atingir — ele avisou.

Suas palavras, apesar de óbvias, deviam ser levadas a sério. Mônica sabia que armas de fogo não eram brinquedos e precisavam ser usadas com responsabilidade.

— O ideal era apoiar as costas em uma árvore para que não sinta muito o repuxo — ele murmurou atrás dela. Seu hálito suave fê-la estremecer. — Mas, como não temos nenhuma por aqui, irei apoiá-la, está certo?

Sentiu as mãos másculas segurarem sua cintura. Cada parte do corpo feminino era sensível a presença de Dasan. A noite anterior voltou a sua memória e ela enrubesceu.

— Assim... — ele ajudou-a a apontar para a lata ao longe. — Tenha calma e respire fundo. Não precisa temer nada, pois estou atrás de você.

Aquele tom baixo, másculo, fez as pernas dela bambearem. O que era aquela sensação poderosa?

— Atire.

O repuxo novamente a impulsionou para trás, mas dessa vez Dasan a manteve de pé e segura. A bala não cruzara nem perto da lata, mas ela havia dado um tiro correto. Foi uma experiência única.

— Eu consegui?

— Bom, falta acertar o alvo, mas sim...

Transtornada pela felicidade daquela pequena façanha, ela volveu para ele. Foi tão automático quando respirar. Em segundos, os lábios se tocaram num beijo cálido, um encontro de carne e alma, um momento único entre um casal.

Todo o corpo de Mônica estava ciente de Dasan. Cada pedaço dele. Seus músculos firmes, a dureza abaixo do ventre que a havia levado ao paraíso na noite anterior, o gosto de tabaco e menta que adentrava sua boca, misturando-se ao dela.

— Por Deus, não aguentarei até a noite...

Mas, precisou aguentar. Ao longe, o som de cascos de cavalos fê-los separar-se.

Na estradinha que levava ao rancho, surgiu um cavaleiro sorridente, que logo chegou até eles, desceu do cavalo e estendeu a mão para Dasan.

— Sumiu da cidade, vim saber se sua nova esposa não estava acabando com a sua vitalidade.

Houve um riso nervoso entre eles, mas Mônica não compreendeu a intenção da frase.

— Perdão, senhora — o homem então estendeu a mão para ela. — A vi na igreja, mas não pude me apresentar devidamente, pois logo precisei sair para resolver um problema em uma das fazendas de Esperanza. Chamo-me Peter, sou o xerife daqui.


O xerife era um homem um tanto brincalhão, de olhar gentil e postura firme. Sua estrela, que indicava o cargo, era ostentada com nítido orgulho em sua camisa xadrez um tanto mal lavada.

Mônica serviu o café para o homem, que logo elogiou o gosto. Imaginou se devia sair da cozinha onde Peter e Dasan conversavam (quando empregada, sempre saia da sala após servir o café, quando os patrões recebiam visita), mas sua nova posição de esposa ainda a confundia.

— Você é de Nova York? — Peter indagou, e ela sentiu-se acolhida.

De relance, percebeu que Dasan queria que ela sentasse ao seu lado.

— Sim.

— E é um lugar bonito?

— Fede bastante, senhor — murmurou, sem saber exatamente o que responder.

Peter gargalhou diante da resposta, mas Dasan apenas escondeu um sorriso, não querendo constrangê-la.

— Gostei dessa ideia de pôr um anúncio no jornal procurando uma esposa. Você teve sorte, achou uma bela dama, e o doutor Gregory se casou há pouco tempo com uma moça de Los Angeles.

— Há poucas moças por aqui? — indagou.

— Não muitas. E, com certeza, nenhuma pré-disposta a se tornar esposa de um xerife, com alta probabilidade de ser viúva em breve.

A sobrancelha de Mônica ergueu-se, assustada.

— Como assim?

— Meu emprego não é dos mais fáceis, dona. É um risco constante.

— O único risco que vi você enfrentar nos últimos anos foi um bêbado que não queria sair de frente da igreja — Dasan brincou, fazendo com que Peter quase se afogasse com o café.

— Não acabe com meu heroísmo diante de sua senhora.

Mônica sorriu diante do título.

— Ela vai viver em Esperanza. Saberá exatamente como é seu heroísmo.

Peter deu os ombros. Ele nunca se preocupava muito com a imagem que poderiam ter de si.


O dia já estava perto de acabar quando Mônica viu Julie saindo da escola. Abriu os braços a ela, apertou-a contra si e beijou sua face, antes de colocá-la na charrete.

— Teve um bom dia?

O costumeiro silêncio pareceu estranho, daquela vez. Logo, a mulher pousava a mão na testa da criança.

— Vamos para casa que irei te preparar um chá — disse, tentando não demonstrar preocupação.

Ora, era apenas uma febre e isso era comum nas crianças. Como uma nova mãe, não devia deixar transparecer a preocupação. Sabia que tudo ficaria bem no final das contas.

 

Capítulo 08

 


M Ã E


Mônica já havia banhado Julie quando Dasan chegou em casa, após seu dia de afazeres na fazenda.

Logo o homem estranhou o silêncio. Desde o casamento, Mônica estava sempre a sua espera, com um sorriso nos lábios, lhe indagando se gostaria de se banhar antes do jantar.

A lembrança de Emilie saindo de sua vida logo o tomou. Aquele silêncio em muito lembrava a fuga da antiga esposa. Porém, como a filha também estava ausente, viu-se a andar pela casa, em busca das duas.

Encontrou-as no quarto de Julie. A criança deitada, rubra, era tratada pela madrasta que, sentada ao seu lado, tentava refrescá-la com uma toalha molhada.

— Nunca cuidei de uma criança com febre — Mônica disse, tão logo o viu. O desespero em sua voz era palpável. — Não sei porque adoeceu, não consigo fazer a temperatura baixar.

Mais acostumado a situações assim, Dasan se aproximou da cama.

— Fique tranquila — ele pousou a mão no ombro delicado da esposa.

— Tranquila? — pela primeira vez desde que se conheceram viu-a furiosa. — Meu Deus, ela está ardendo!

— Pegou um resfriado, farei um chá de gengibre com hortelã e a febre vai baixar. Se não baixar, chamaremos o doutor Gregory.

Mônica envergonhou-se pelo seu rompante, e assentiu, volvendo para a criança. Parecia esquecida de tudo, além de Julie.

Dasan as deixou e foi até a cozinha. Por sorte, ele tinha os ingredientes à mão, e logo preparou o chá.

Quando voltou para o quarto, Mônica tomou a caneca de suas mãos. Sentou-se na cama e ergueu a criança. Dasan soube imediatamente que estava sendo dispensado.

— Meu amor, tome o chazinho... — ela murmurou, doce.

Meu amor...

Ele soube que a conexão entre a filha e a esposa havia sido automática. Um antigo Xamã que havia cruzado por Esperanza tempos antes havia dito algo sobre isso... Sobre esse imediato vínculo.

Como era mesmo?

“ Nem todos os filhos nascem do útero de suas mães ”.

Naquela época, ele não deu-se conta das palavras. Mas, agora, vendo a forma como Mônica cuidava de Julie (de uma maneira que Emilie nunca o fez!), ele entendeu cada entonação.

Meu amor...

Será que algum dia haveria aquelas palavras entre eles. Claro, já estava completamente afeiçoado a mulher. Ela era como ele, doce e gentil. Eles tinham muita química entre os lençóis e costumavam rir durante o almoço de qualquer besteira que acontecia.

Já eram amigos. Isso era um fato. Ele confiava nela, e sabia que ela também confiava nele. Contudo... amor?

Mesmo ciente de que tais sensações eram coisas de jovens iludidos, repentinamente, imaginou-se jurando amor a aquela mulher.

Enquanto Mônica ninava Julie, ele viu-se a buscar um banco e sentar próximo da cama. Assistir aquele ritual feminino de amor maternal era algo tão bonito que se comoveu.

Como teria sido sua mãe? Será que como uma gentil e doce mulher indígena, ela também lhe apertaria contra os seios e o ninaria quando se sentisse doente.

As horas passaram, depois disso. Quando a febre enfim baixou, Mônica deixou Julie na cama, acomodando-a da melhor forma possível. Porém, não deu sinal de que sairia de perto dela.

— Você quer ter outros filhos? — a pergunta dele parecia surpreender a ambos.

Ela o encarou, assustada, como se só então se desse conta de que o marido estivera ali durante todo aquele tempo.

— Você quer? — ela devolveu.

— Com você? — um sorriso bonito despontou no rosto marcado pela dor latente. — Sim, Mônica. Eu me sentiria o homem mais honrado desse mundo em ser pai de filhos seus.

— Mas você já é pai de uma filha minha.

Sorriram um para o outro. Ao longe, o sol despontava no horizonte. Eles nem perceberam o dia nascer.

 

Capítulo 09

 


A H E R A N Ç A


— Um dólar pelos pensamentos da linda dama.

Emilie Taylor gargalhou diante do requintado senhor de vasta idade que surgiu ao seu lado no bar daquele bonito hotel em Fort Dodge.

— Um simples drinque já é o suficiente — ela murmurou, num sorriso sedutor.

Não era difícil conquistar homens como aquele quando ela tinha uma aparência por demais agradável. Lindos olhos claros, cabelos loiros como o sol, a pele cuidada com destreza e o corpo delgado, com seios firmes e exuberantes, destacados por um corpete bastante justo.

No final daquela noite, ela já se esgueirava com o homem rico pela cama do hotel. Contudo, não necessitou dormir com ele. Como já fazia há algum tempo, tão logo o cavalheiro tirou a roupa, Ethan, seu amante de longa data, invadiu o hotel e agrediu o homem.

Roubaram tudo que ele tinha na carteira, além de seu relógio de ouro e um anel com uma enorme pedra rubi. Fugiram na escuridão, em busca de uma próxima aventura.

Francamente, ninguém imaginaria que aquele enlace durasse tanto tempo. Mas, Ethan e ela eram perfeitos um para o outro. Quando ela deixou o marido para seguir com o antigo mágico, não pensou que ele buscava o mesmo que ela, uma vida cheia de alegrias e diversão.

Claro, em muitos momentos tiveram o desprazer de percebê-la grávida, mas ela se livrava da barriga com chás ou métodos um pouco mais cruéis.

Não queria uma criança. A experiência com a criança muda daquele casamento no fim de mundo chamado Esperanza já fora o suficiente.

Era muito melhor assim. Cruzar cidades, roubar velhos idiotas, beber e comer do melhor, fazer sexo quando bem entendesse, e ter uma vida repleta de satisfações ao lado de Ethan.

Ah, e como ele era bonito...

Talvez não tanto quanto o índio apache que ela deixou para trás. Mas, Ethan tinha aquele jeito nobre como um inglês, e os olhos azuis irlandeses que faziam as pernas dela fraquejarem.

Às vezes era ele que seduzia viúvas. Depois, era apenas aproveitar e esbanjar o dinheiro. Viver um dia após o outro, sem se preocupar com as consequências, nada poderia ser melhor que isso.

Mas, não foi assim para sempre.


O dia ameno trouxe mais do que aborrecimento a Emilie. O amante surgiu no quarto do hotel, o rosto afogueado, os planos traçados em sua mente de forma absoluta, fazendo-a perceber que tinham um próximo alvo.

— Tanto dinheiro... Tanto dinheiro que poderíamos viajar o mundo e nunca mais nos preocuparmos com nada.

Era realmente uma oferta tentadora.

— Como assim?

— Estava no bar jogando cartas, quando me falaram sobre um homem... Um velho muito rico, viúvo, sem herdeiros declarados, que está prestes a morrer e a deixar uma nota preta para alguém muito especial.

— Oh, quer que me aproxime dele?

— Não, meu amor — Ethan sentou-se na cama, muito animado. — O homem já tem alguém em vista. Sabe como se chama? Edwin Taylor.

Taylor...

O sobrenome arrepiou Emilie.

— É o pai de Dasan? Mas, nunca quis nada com o filho. Abandonou-o e nunca o procurou...

— Bem, o velho soube que tem uma neta de cor clara. E, digamos, preparou um testamento que deixará tudo para a menina.

O dinheiro e a menina apareceram na mente perturbada da mulher.

— Céus, detesto aquela fedelha.

— Depois de tomar a tutela dela, poderá colocá-la num internato.

— Mas, e o pai?

— A gente se livra desse índio...

Era um excelente plano. Contudo, era mais fácil pensar que fazer.

— Não conhece Dasan. Ele não é um homem fácil de enfrentar.

— Eu roubei a sua esposa debaixo de suas fuças. Acha mesmo que eu o temo?


Diante da igreja um conjunto tocava instrumentos com uma alegria difícil de ser vista naquele lugar de gente sofrida e trabalhadora.

No centro, pares dançavam alegremente, enquanto outros percorriam barracas, brincando com argolas ou apostando em corridas de galos.

Mônica nunca havia ido a um festival, uma quermesse, como eles diziam. Estava completamente fascinada, enquanto transcorria entre as vielas, os braços dados com o marido, a conversar com as demais pessoas, completamente acolhida à aquele ambiente.

Desde que viera morar naquela cidade, há alguns meses, sua vida era ajudar Dasan com a filha durante o dia, cuidar da casa, ir à missa aos domingos, e aceitá-lo em seus braços durante as noites.

Todas as noites...

Enrubesceu diante dos pensamentos descomedidos. Mas, era simplesmente impossível não ser imensamente grata a Deus pela chance de uma vida em família. Apesar de simples e cheia de dificuldades, a experiência era de uma alegria sem igual. Ter alguém com quem contar, e uma criança para sonhar com um futuro era mais do que ela considerava merecer.

— Ah, minha Emilie amava esses festivais... — o som da voz de Eric Hart a tirou dos devaneios.

O marido havia ido buscar um refresco e ela estava sentada num banco perto da banda.

— Desculpe citá-la — o homem pareceu sincero, enquanto se sentava ao lado dela. — Sei que uma nova esposa não iria querer ouvir falar da antiga.

— Eu respeito muito seu sentimento de pai — ela devolveu, compreensiva. — E sei do carinho e do respeito que Dasan sente pelo senhor.

Eric sorriu, segurando os dedos da mulher.

— Julie está mais ativa, sabe? Esses dias fui a escola levar-lhe um brinquedo novo e ela parecia mais feliz. Eu a agradeço muito.

Mônica não conseguiu esconder um sorriso.

— Gosto muito dela.

— Eu sei. Eu vejo isso em seus olhos.

Eles não prosseguiram a conversa porque Dasan surgiu pouco depois. Ele lhe entregou o refresco e a esperou bebê-lo, antes de estender-lhe a mão.

— O que foi?

— Vamos dançar! — convidou.

— Está louco? — ela riu. — Eu nunca dancei em toda a minha vida.

— Então está mais que na hora de fazer isso.

Aceitou ser guiada até o centro do festival. Vários casais bailavam alegremente ao som da gaita.

A música era muito animada, e ela pensou que jamais conseguiria seguir o ritmo, mas Dasan era um ótimo dançarino e a guiou perfeitamente.

Entre risos, ela saltitava num som ritmado, sentindo o aperto do marido, sentindo-se a mulher mais feliz do mundo, completamente entregue àquele momento feliz.

Na terceira música, ela não tinha mais fôlego e pediu para parar.

— Vou buscar mais um refresco para ti, porque acho que irá passar mal.

Bateu um leve tabefe no ombro dele, fingindo-se de zangada. Mas, no fundo, aquele momento era tão íntimo que poderia flutuar.

Deu-se conta, assim, o quanto eles se aproximaram, o quanto eram próximos. Ele confiava nela, e ela também estava inteiramente entregue a ele.

A felicidade existia. Ela a descobriu naquele recanto do Texas.

Quando Dasan se afastou, procurou com os olhos por Julie. Havia visto a menina sentada no colo do avô, ouvindo alguma história com os olhos tranquilos.

Agora, contudo, Eric conversava com outros vizinhos, e Julie não estava à vista.

Caminhou por alguns metros até vê-la, sentada, diante da escadaria do saloon (que naquele dia estava fechado).

Andou até ela e sentou-se ao seu lado.

— Por que está aqui? — indagou, baixo, querendo entender o rosto amuado.

O olhar infantil percorreu o ambiente e centrou-se nas crianças que brincavam ao longe.

— Você não tem amigos? — Mônica indagou, compreendendo instantaneamente.

A deficiência de Julie parecia ser um peso enorme para as demais crianças do vilarejo.

— Eu também não tinha, sabia? Seu pai é meu primeiro amigo — contou. — E agora eu tenho você! — bateu as mãos chamando sua atenção. O olhar centrou-se nela, não muito animado. — Eu sei o que você está pensando — falou, rindo. — Sou velha demais para brincar, não é? Pois está enganada porque não pude brincar quando tinha sua idade, então quero brincar agora.

Ergueu-se num pulo, ajeitando as saias. Estendeu a mão para a pequena.

— Venha! — chamou. — Vamos correr até a barraca de tiro ao alvo? Aposto que eu acerto mais patinhos que você!

O sorriso que surgiu diante de si foi o mais lindo que Mônica já havia visto, até então.

Não querendo quebrar a mística, ela deu às costas a garotinha e preparou-se para correr.

Contudo, seus passos travaram e sua garganta ardeu pelas lágrimas que surgiu em seu rosto diante de uma voz que entoou, um tanto reticente, um tanto acanhada, naquele pequeno canto do planeta:

— Me espere... mamãe.

 

Capítulo 10

 


A M I Z A D E


— Eu sei que você imagina que ouviu...

— Eu não imagino! Eu ouvi!

Dasan respirou fundo e encarou ao longe a filha brincando com um gatinho que eles haviam trazido de um vizinho, cuja ninhada nascera há um mês.

Depois da quermesse, Mônica, no quarto, lhe contou sobre Julie falar. Quis acreditar, e ambos ficaram atentos aos dias seguintes, para qualquer som.

Contudo, não houve nenhum ruído. A pequena boca só abria para comer ou beber algo. O silêncio nunca pareceu tão carregado.

Então, naquele dia em que realizavam um piquenique, o assunto surgiu novamente à tona.

— Ela me chamou de mãe...

Dasan não queria desacreditar, mas a verdade é que Mônica estava tão encantada por ter uma criança, que sua mente poderia lhe estar pregando uma peça.

— Mesmo que ela não dissesse, eu sei que é o que ela sente — apontou o homem, confortando-a.

Mônica o encarou. Depois, assentiu, orgulhosa. No momento que o olhar dela volveu para frente, em direção à criança, ele pareceu surpreso ao constatar o quão óbvia parecia sua necessidade em vê-la feliz.

Seria... Seria por que a amava?

A frase montou-se em sua mente e ele quase perdeu o ar diante dela.

Lembrou-se de Emilie. O casamento feito apenas porque era digno um jovem e uma moça se casarem. Lembrou-se da primeira noite deles, do quanto foi desajeitado, do quanto ela pareceu sofrer. Depois, pensou no quanto ela o irritava pela falta de cuidados com Julie, e no quanto ele se sentia desgostoso por tê-la como esposa.

O contraste do que vivia agora era nítido.

Ele era um garoto mal preparado quando desposou Emilie, mas era um homem seguro do que queria quando jurou fidelidade a Mônica. E, a cada dia que passava, mais a convivência com ela o animava.

Mônica já era a sua melhor amiga. A sua amante. Agora, era também seu amor?

— Por que está sorrindo? — a pergunta dela interrompeu seus pensamentos.

Ele respirou fundo.

— Sabe, existe uma lenda xamã que narra que dois jovens guerreiros de Lakota estavam caçando na floresta, quando apareceu diante deles uma jovem muito bela. Um deles percebeu ser um ser sagrado e a respeitou, prostrou-se diante dela, e mantendo sua dignidade. O outro caçador, todavia, a olhou com luxúria, e a quis forçar. Porém, ao se aproximar da mulher, uma nuvem de poeira surgiu e ele tornou-se apenas ossos.

Pausa. Os dedos de Dasan seguraram os da esposa.

— Existem muitos significados para essa lenda, cada tribo tem a sua. Mas, eu vejo isso como algo além. Se um homem encontra em sua vida uma mulher especial, ele deve ser digno dela, amá-la e adorá-la, cuidar dela, para que seja feliz. Se tudo que ele quer dela é seu corpo, sua vida se tornará apenas ossos secos.

Ele respirou fundo, e prosseguiu.

— Você é a minha mulher especial — declarou, fazendo Mônica lacrimejar. — Espero sempre ser digno de ser seu marido.

Ao longe, Julie volveu em direção aos pais e sorriu, ao percebê-los trocando um cálido beijo.


Mônica surgiu na cozinha e sorriu para o esposo.

Sentado à mesa, Dasan terminava de beber o café.

— Ela dormiu?

— Sim, estava cansada. Brincou bastante durante à tarde.

Ele assentiu. Logo em seguida, levantou-se e foi até ela. Estava a cada dia mais difícil manter as mãos longe daquela pele sedosa, do cheiro que o tirava o chão.

Mônica parecia uma droga ao qual ele tornara-se viciado. Pensava nela do acordar até antes de dormir. Às vezes, até em seus sonhos a mulher aparecia, sedutora.

Desde que descobrira os próprios sentimentos, preparava um momento para confessá-los a esposa. Porém, ainda não sabia o que Mônica sentia. Que ela estava feliz, era nítido. Mas, estaria apaixonada?

Segurou seu queixo e a trouxe para um beijo.

Como gostava do gosto da mulher... Poderia afundar-se para sempre ali.

Porém, segundos depois, o som externo os separou.

O relinchar de cavalos e o batido dos cascos a trotar fez Dasan correr em direção ao rifle. Com um sinal, indicou que Mônica devia ir para o quarto. Percebeu que ela estava assustada, mas sorriu, tentando tranquilizá-la.

Foi apenas uma gentileza. Bem da verdade, ninguém aparecia naquele horário. Visitas noturnas tinham apenas dois significados: alguém nasceu ou alguém morreu.

Assim que Mônica escondeu-se em seu quarto, ele abriu a porta. O rifle empunhado, e uma lanterna ao lado, tentando ver quem chegava.

Era um grupo de homens. Desconhecidos, até então.

— O que querem?

O tom era grosseiro porque precisava deixar claro que desconhecidos não eram bem vindos. Ele tinha uma esposa e uma filha em casa. Riscos precisavam ser evitados a qualquer custo.

— Só queremos saber se há algum lugar por aqui para dormir.

Observou melhor os homens. Não pareciam bandoleiros. No máximo peões voltando de uma entrega de gado.

— Há uma hospedagem na cidade — avisou. — Naquela direção.

Um dos cavaleiros apertou a aba do chapéu em sinal de gratidão e partiu a galope. Os demais o seguiram.

Tão logo fechou a porta, Dasan notou a esposa as suas costas. Ele sabia que Mônica havia se assustado com a presença daqueles homens, mas seu olhar confiante denotava o quão acreditava nele para protegê-la.

— Vamos para o quarto? — ela o convidou, pela primeira vez.

Uma oferta que ele jamais recusaria.

 

Capítulo 11

 


O A M O R


Diante da cama, aquela mulher linda e delicada tirou o penhoar. Da porta do quarto, Dasan a observou na sua sensualidade pudica, enquanto se preparava para receber o marido nos braços.

— Você é linda... – o homem disse com simplicidade.

Um sorriso bobo despontou nos lábios de Mônica.

— E um tanto covarde, também.

Ele se aproximou. Puxou-a contra si. O dedo indicador deslizou pela face pálida. Com calma, permitiu-se olhar cada detalhe daquele rosto perfeito. O nariz arrebitado, a boca de lábios grossos.

— Eu te amo.

Houve um breve silêncio diante da confissão. Dasan nunca havia pronunciado aquelas palavras, Mônica nunca as havia recebido.

Ao mesmo tempo, aquela conexão que beirava a loucura fê-la unir sua boca a de Dasan. Não foi simplesmente um beijo, foi uma união de almas. Estavam os dois, entregues ao sentimento que passou a existir entre eles. Do puro respeito, a amizade. Da amizade sincera, ao terno amor.

— Eu te amo – Mônica murmurou as palavras. — Não sei como começou, não sei de que maneira surgiu, mas agora esse amor que bate em meu peito é mais importante para mim que o ar que respiro.

Dasan sentia os lábios moverem-se sobre os seus, naquelas palavras tão aguardadas. Depois, não resistindo mais, desceu os seus, exploradores, para seu pescoço altivo, e ouviu o gemido felino de Mônica quando lhe lambeu aquele lugar especial próximo à nuca.

Separaram-se um pouco. Ela puxou a camisola, desnudando-se diante do olhar faminto. Depois, erguendo a face, Mônica encarou o marido. Seu semblante era tomado pelo desejo, pela lasciva. Então ergueu os dedos até a camisa de Dasan. Um a um, abriu os botões. Sua postura era tão delicada e calma que Dasan quase perdeu o controle.

Era uma doce tortura...

Mordendo o lábio inferior, Dasan impediu que um gemido escapulisse de seus lábios assim que a camisa foi ao chão. Sentiu Mônica beijando-lhe o peito, sua língua dançando entre seus mamilos. Audaciosa pela primeira vez, experimentando um ato que ele havia feito a ela, tempos atrás.

— Mônica... – chamou. – Perdão, mas dessa vez não poderei ir com calma.

Mônica baixou o olhar. O membro de Dasan estufava a calça. Riu baixinho.

— Quando passou a me amar, marido?

— Difícil dizer, pois não penso em nada desde que a vi descendo da diligência, naquela tarde ensolarada. – Dasan devolveu o sorriso.

— O que pensou, quando me viu?

— Que seu vestido bege era horroroso, mas que você era bonita demais para desejar um casamento com um mestiço.

— Um casamento com um homem bom? — ela devolveu a questão, corrigindo-o. — O quão felizarda eu sou?

Voltaram a fundir as bocas. Dessa vez foi Dasan que baixou as mãos e abriu o cinto. Estava tão ansioso que a tarefa acabou se tornando um tanto demorada, pelos dedos atrapalhados.

Assim que se livrou daquela peça de roupa, focou-se na tarefa de desvendar cada recanto de Mônica.

Logo estavam os dois nus, em pé, beijando-se apaixonadamente. Tão próximos quanto possível, começaram a caminhar em direção à cama. Assim que Mônica sentiu o colchão contra suas pernas, deitou-se devagar para trás, sem deixar que Dasan se afastasse em nenhum momento.

No entanto, para espanto de Mônica, Dasan distanciou-se um pouco. Ficou de joelhos na cama, entre as pernas da esposa, e admirou aquela Mônica tensa, avermelhada e excitada.

— Você parece uma boneca de porcelana que poderei quebrar caso não tenha cuidado.

— Sou bem resistente, meu marido – A voz de Mônica demonstrava o quanto estava pronta.

Escondendo um sorriso satisfeito, Dasan agachou-se um pouco. Erguendo as coxas de Mônica, colocou as pernas sobre os ombros. Assim, Mônica ficava completamente exposta a ele.

— Apesar de ser tão recatada, você é tão feminina, tão arrebatadora – Dasan comentou, pousando a mão sobre o amontoado de pelos encaracolados. – Tão apetitosa que eu poderia devorá-la para sempre.

A mão abandonou o centro feminino. A boca tomou seu lugar. Mônica nunca entenderia como ele poderia fazer algo assim, jamais imaginava que aquele lugar que só servia para se aliviar ou para sangrar todos os meses também poderia ser fonte de um beijo tão intenso.

— Gostosa... – disse, ao chupar mais forte. – Seu gosto é tão bom...

Mônica sentiu a língua dele enfiar-se mais nela, e o orgasmo a arrebatou cedo demais.

Não, não queria isso! Queria que aquele ato durasse horas, queria aproveitar tudo e cada segundo do que viria.

— Pare, Dasan! – implorou – Quero você dentro de mim...

Mônica sentia o sangue ferver nas veias. Era fogo puro! Dasan tinha esse poder absoluto sobre ela.

— Não posso esperar mais – o homem avisou, deitando-se em cima de Mônica. — Só erga um pouco suas pernas...

O sexo oral de Dasan havia destruído suas forças. Dessa forma, ele precisou ajudá-la a acomodá-lo dentro de si.

— Assim não vou conseguir meter... – Dasan murmurou a si mesmo, diante da posição um tanto desconfortável.

Mônica riu. Quem o mandou fazer aquilo antes, com a boca? Agora ela estava cansada o suficiente para não ajudá-lo em nada no leito.

— Mônica – Dasan reclamou. – Estou muito duro... — explicou-se. — Pode, por favor, erguer um pouco mais as coxas?

Mônica então lhe fez a vontade.

— Ah... Delícia... – comentou Dasan, ao posicionar-se à entrada.

Aos poucos foi enfiando-se para dentro de Mônica. A mulher gemeu alto, em muito porque a extensão do pênis dele, naquela posição, parecia maior; em muito porque seu estado excitado havia voltado com toda a força.

— Ah – ouviu a própria voz suplicante e quase não se reconheceu. — Coloca mais fundo...

Cego no próprio desejo, Dasan cumpriu sua vontade. Em segundos estava completamente dentro de Mônica.

— Você está tão apertada... – gemeu.

Puxando sua nuca, Mônica o uniu num beijo. Era um beijo tão carnal, que Dasan viu-se retirando o membro rígido apenas para meter novamente, de forma mais violenta.

— Ah! – O grito de Mônica o fez estancar.

— Machuquei você? – Indagou.

Olhou diretamente o rosto da esposa. O sorriso desavergonhado, no entanto, fê-lo notar que não foi a dor que provocou o grito.

— Não me assuste – ficou sério.

— Sou realmente a sua boneca de porcelana, não é? — ela indagou, audaciosa. — Não precisa ter medo de me ferir. Eu amo tudo em você. Nunca me machucaria.

Não houve resposta. Não precisava. Os dois emudeceram e deixaram que a voz desse lugar aos gemidos de prazer tão logo Dasan começou a cavalgar sobre Mônica. A mulher erguia-se para cima cada vez que o membro se afastava, e Dasan quase gritou de prazer quando as mãos delicadas seguraram firme seu bumbum, apertando-o contra ela.

Começou a enfiar mais forte quando o clímax se aproximou. Perdera completamente o controle.

Quando sentiu que a paixão eclodiria tentou tirar o pênis para fora, pois ainda não haviam conversado devidamente sobre outros filhos, quando as mãos de Mônica o envolveram na nuca.

— Dentro... – pediu, de forma doce. – Dentro de mim...

E Dasan deu a Mônica o que ela queria.

 

Capítulo 12

 


A M E N T I R A


— E assim disse Jesus — o padre moveu uma página de sua velha Bíbli a — : “ Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue, não andará em trevas, mas terá a luz da vida . ”

Mônica sentiu a pequena cabeça infantil achegar-se em seu colo. Julie fechou os olhos. Provavelmente, para uma criança, era deveras estafante ouvir aquelas palavras difíceis numa manhã de domingo, quando tudo que ela queria era estar em casa dormindo. Mas, ao mesmo tempo, aprender sobre o Salvador também era importante e fazia parte da orientação de qualquer criança.

Acariciou seus bonitos cabelos, e a observou fechar os olhos com carinho. A cada dia que passava, desde o casamento ocorrido há tantos meses, ela sentia-se cada dia mais inclinada à menina.

Enquanto o padre falava, percebeu que Julie era a sua recompensa pela vida difícil que tivera até então. Não importava o quê, ela era seu futuro, seus sonhos que poderiam ser realizados.

Sentiu a mão quente de Dasan segurando a sua e sorriu para ele também. Era tanta felicidade que mal conseguia acreditar.

Aristóteles, em tempos já findados, dizia que felicidade é ter algo o que fazer, ter algo para amar e algo a que esperar...

Exatamente o que vivia Mônica.

Mas, não sabia ela, ao mesmo tempo em que aqueles momentos felizes eram intensos, também eram imensamente frágeis.

E não tardaram a dar o sinal de fim. Naquele mesmo instante, enquanto as mãos de Dasan acariciavam as suas e Julie cochilava em seu colo, o som da voz do padre cessou. Houve um zunzunzum na porta da Igreja, mas a jovem esposa só deu-se conta de que algo havia acontecido quando o grito de Eric Hart ecoou no recinto:

— Emilie!

Era mais que uma exclamação. O nome dito com força denotava o quanto de dor aquele homem suportou durante todos aqueles anos.

Mônica o viu correndo em direção à porta e abraçando uma jovem loira de aparência belíssima.

Julie acordou e Dasan parecia chocado.

O inverno havia chegado à vida de Mônica.


Eve Paul não era somente a dona da mercearia como mantinha em sua grande casa uma pousada para viajantes.

Tendo em vista que lá era um amplo lugar para uma conversa necessária, as pessoas envolvidas no retorno de Emilie Taylor se encontravam em sua sala requintada com móveis trazidos pelo falecido marido da Inglaterra.

Era como um pesadelo. Mônica sentou-se no sofá, Julie em seu colo, o olhar assustado, as pequenas mãos agarradas em sua blusa. Dasan estava em pé, caminhando de um lado para o outro. O padre e o xerife mantinham-se de canto e Eric Hart abraçava a filha.

— Depois que fui raptada, passei muito tempo nas mãos do grupo que me levou. Algumas semanas atrás, consegui fugir.

As palavras explicativas dela ao pai fizeram o estômago de Dasan embrulhar.

— Coitadinha... — Eric murmurou. — Tudo que passou...

— O senhor Ethan me encontrou e me ajudou a retornar a Esperanza — ela apontou o homem que ficava mais afastado, respeitoso.

— Nunca terei palavras para agradecê-lo por tudo — Eric murmurou.

Porém, havia alguém que parecia bufar enquanto ouvia as mentiras descabidas e sem a mínima vergonha.

— Poupe-me, Emilie — Dasan gritou. — Acha que sou algum idiota? Você foi embora com esse homem quando Julie tinha quase três anos, e agora aparece quando ela já completa sete! O que deseja?

— Pelos céus, Dasan, eu juro... Você sabe que fui raptada...

— Dasan, você mesmo disse que Emilie havia sido levada — Eric interpôs.

— Para poupá-lo da vergonha de ter uma filha despudorada!

— Me ofende falando assim! — A mulher choramingou, agarrando-se ao pai. — Quando tudo que fiz nesses anos todos foi desejar voltar para ti e para nossa filhinha.

Julie, ao ser citada, firmou-se ainda mais em Mônica, que a apertou nos braços.

— Você deixou uma carta! — Dasan a lembrou.

Por alguns segundos, Emilie ficou sem palavras. Depois, percebendo que nada tinha a perder, devolveu:

— Por que mente, meu esposo?

— Porque ele se casou novamente — Eric, ao seu lado, não deixou dúvidas em quem acreditar. — Que vergonha, Dasan! Sempre te achei honrado.

— E sempre o fui — devolveu. — Eu criei sua neta sozinho enquanto sua filha cruzava o país com o amante!

Houve uma pequena confusão, naquele instante. Eric tentou agredir o genro, mas Peter, o xerife, conteve os ânimos.

— Não aceito isso — Dasan avisou. — Não vou me separar de Mônica!

— Seu novo casamento será anulado — o padre avisou. — Sua esposa está viva e você não é viúvo, Dasan.

Naquele instante, o olhar de Mônica e Dasan se cruzou. Havia algo nela, algo que ele não era capaz de desvendar, mas que o arrepiou.

— Não aceito isso — repetiu, convicto. — Eu jurei diante de Deus que Mônica seria minha esposa.

— Fez o mesmo com Emilie — Eric avisou. — Sua vontade não é lei.

Subitamente, a loira tocou o braço do antigo marido. Parecia querer confortá-lo, e ele assustou-se com o gesto.

— Eu sei que está confuso. Compreendo. Deve ter se afeiçoado a sua nova esposa. Mas, eu não vou abrir mão de minha vida ao seu lado, e com certeza, não abrirei mão de Julie.

Foi então que ela foi até Mônica. Naquele instante, o abatimento da mulher tornou-se pânico.

Emilie tentou segurar a filha, que agarrou-se a madrasta. Era como uma guerra de forças, nenhuma delas quis recuar.

Porém, por fim, Mônica soltou a menina. Viu o olhar decepcionado da criança e quis chorar. Mas, desviou-se de Julie e focou-se em Dasan.

— Eu quero falar com você em particular.

E partiu em direção à cozinha. O homem a seguiu.


— Precisa confiar em mim — ele disse, tão logo ficaram a sós. — Eu vou consertar isso.

— Como?

— Eu falarei com o bispo. Vou explicar a situação. Alguém há de acreditar em minha palavra. Além disso, Emilie trouxe o amante consigo. Tentarei provas da infidelidade dela.

Mônica negou com a face.

— Diga-me, Dasan: casou-se comigo sabendo-a viva?

O silêncio culpado foi sua resposta.

— Você mentiu para mim? — exigiu, revoltada, as lágrimas invadindo seus olhos sem controle. — Mentiu para mim! — repetiu, em afirmação. — Fez-me cruzar o país, acreditar em sua amizade, em seu amor, deixou-me apegar a sua filha, e agora sou obrigada a suportar tudo sendo arrancado de mim sem piedade?

— Nunca pensei que Emilie fosse voltar — se defendeu.

— Essa não é a questão! — ela gritou. — Eu me doei a você de corpo e alma. Tudo que eu queria em retorno era sua sinceridade!

— Mônica... — tentou se aproximar.

Recebeu um tapa na face em resposta àquela tentativa.

— Não ouviu o padre? Não somos casados! Não me toque, estou enojada! — os soluços invadiram sua garganta. — Sinto-me suja, uma mundana, uma meretriz que viveu na casa de um homem cuja esposa estava viva...

— Ela partiu com o amante! — retorquiu. — Se tinha o direito de ser feliz, por que eu não?

— Isso é o que você diz! Quem me garante que a moça realmente não foi raptada?

Novamente, ele tentou se aproximar.

— Eu vou conseguir o divórcio — avisou. — Nosso casamento será revalidado. — Diante do olhar descrente, relembrou-a. — Mônica, eu te amo.

Mônica se afastou.

— Basta! Deixe-me em paz...

— Mônica, eu não posso...

— Vou ficar na casa da senhora Eve, até saber o que fazer da minha vida — avisou. — Não vou atrapalhar seu casamento e nem incomodar sua esposa. Quanto a Julie, eu a amo, mas ela tem mãe e eu devo respeitar isso. Peço que fique longe de mim...

— Por que está desistindo?

— Desistir? — pareceu espantada. — Eu tenho honra, tenho dignidade. Posso não ter família ou sobrenome, mas sou cristã, tenho princípios. Como acha que me sinto ao saber que dormi com um homem casado? — Diante do silêncio, prosseguiu. — Quanto a você, peço que se mantenha a distância.

— Não me peça isso.

— Fique longe de mim — avisou. — Eu odeio você.

 

Capítulo 13

 


A D O R


— Espero que se sinta bem acomodada aqui. — A senhora Eve lhe mostrou o antigo quarto que ela havia ficado da última vez. — Fique o tempo que precisar, Mônica. Saiba que ninguém na comunidade te culpa por nada. Sabemos que é inocente...

A moça assentiu. Definitivamente, não sentia vontade de falar. A dor era absurdamente asfixiante.

Ela sempre imaginou que um dia seria traída. Ora, era normal. Em todos os casamentos que acompanhou, desde os Dylan em Nova York até os dos amigos daquela família, os homens sempre tinham seus segredos.

Porém, era diferente com Dasan. Ela confiou cegamente nele. Agora, sua recompensa era as lágrimas que derramou sobre o travesseiro.

E Julie? Como estaria a criança? Apesar de Emilie ser a mãe, Julie tinha uma forma diferente de ser. A loira teria paciência e amor o suficiente para cuidar da pequena?

Afastou as ideias. Emilie saberia o que fazer! Julie havia nascido de si, era parte da loira. Foi Mônica a usurpadora do papel de mãe. Agora, devia se recolher a sua insignificante vida.

Seu sonho idílico havia acabado.


Dasan apareceu todas as manhãs na pensão da senhora Eve. E, em todas às vezes, Mônica recusou-se a falar com ele.

Mesmo assim, não desistiu. Vinha trazer leite, trazer carne, e dinheiro. Também deixava sempre mensagens de alento que Eve as transmitia com certa relutância.

A comunidade em si havia perdido a fé naquele homem.

Mas, para Mônica, havia restado o respeito. Sabiam-na tão vítima quanto a pobre Emilie, abandonada por aquele que jurou amá-la diante de Deus.

— Então pensa em ir embora? — Peter interceptou Mônica na rua, durante um passeio matinal.

— Estou verificando ofertas de emprego — explicou ao xerife.

— Por que não fica e casa-se novamente? Existem muitos homens solteiros em Esperanza que gostariam e de desposar uma mulher digna como você.

Mônica quase riu diante da descabida ideia.

— Trabalhei toda a vida — explicou a ele. — Não será difícil retornar a condição de serva. Sou boa cuidando de uma casa.

O homem assentiu. Depois, disse-lhe que precisava ir até algum lugar que Mônica não conhecia e se afastou.

Ao volver o corpo para voltar à pensão, percebeu Emilie do outro lado da rua, andando despreocupadamente. Julie, ao seu lado, mantinha os olhos fixos em Mônica.

Não resistiu. Caminhou até elas e as cumprimentou.

— Bom dia.

Emilie a observou de cima a baixo, como se a medisse. Sorriu, diante da constatação de que a outra em nada se comparava a ela.

Mas, não era com Emilie que Mônica preocupava-se. Seu olhar pousou em Julie e a percebeu mais abatida e magra. Havia um desânimo e uma dor na criança que fez o coração da outra sangrar.

— O que quer? — Emilie indagou.

— Só gostaria de ver Julie — explicou-se.

— Sei que meu marido vai todas as manhãs atrás de ti.

— Garanto-lhe que não o recebo nem o receberei — retorquiu. — Ainda possuo o mínimo de decoro. Não carece se preocupar com Dasan.

— E com Julie?

— Apeguei-me a ela. Se me permitir apenas vê-la, às vezes... Só conversar alguns minutos com ela...

— E dificultar, a cada dia mais, minha aproximação? Acha que é fácil saber que minha filha não me reconhece como mãe?

Mônica perdeu a fala. Assentiu, nervosa, lacrimejante.

— Não era minha intenção, desculpe-me.

Mais tarde, naquela manhã, ela percebeu Emilie deixar a cidade. Viu a maneira um tanto rude como ela colocou a criança na charrete e depois tomou as rédeas,

Ao longe, Julie a notou. O olhar das duas cruzou-se.

“ Você jurou ...”, leu o movimento nos lábios infantis.

Seu coração saltitou e ela ficou rígida.

“ Jurou nunca me abandonar... ”

A dor diante das palavras foi tão intensa que Mônica precisou se curvar ao chão para abafar seu grito de dor.

 


Capítulo 14

 


A D E C I S Ã O

 

Emilie deixou Julie de fronte à escola sem sequer se despedir. Mônica notou aquilo. Percebeu, nitidamente, o quanto ela pouco se esforçava para tentar o amor da menina.

Nem parecia a mãe...

Julie sequer deu dois passos da charrete, quando Emilie bateu o chicote no lombo dos cavalos e partiu rapidamente.

A menina começou a caminhar em direção à escola quando um assovio chamou sua atenção.

Viu Mônica camuflada atrás do pilar do saloon . Sorriu, animada, como não fazia há semanas e correu até ela.

Mônica segurou sua pequena mão e a guiou até os limites da cidade, numa clareira que mais parecia uma praça.

O lugar estava vazio, e enfim a mulher pôde pegar a criança no colo e apertá-la nos braços.

— Me perdoa, meu amor, me perdoa — diz contra a face infantil. — Eu sinto tanto a sua falta.

— Eu... também...

O som amedrontado chegou até ela, e Mônica a observou, assustada.

— Você fala! Julie, você fala! — Estava feliz, contente, assustada e surpresa. Era um misto de emoções enormes. — Por que está sempre em silêncio?

A menina arregalou os olhos e tentou desviar o olhar, mas Mônica não deixou.

— Julie! Responda-me — ordenou. — Por que você evita falar?

— A moça loira... — explicou.

— O que tem a moça loira?

— Ela disse que se eu falasse... — murmurou, seu medo era tangível. — Disse que se algo escapasse da minha boca...

— Do que está falando?

— De quando era eu bem pequenina...

— O que aconteceu?

— Ela me levou ao circo. Deixou-me a ver os animais e foi para a carroça do mágico. Eu fiquei com medo do tigre, e fui atrás dela. Então, a vi tirando o vestido para um homem. Quando ela me notou, me bateu e me disse que se eu falasse algo ela me mataria.

Então... Dasan havia dito a verdade? Emilie havia traído o homem e fugido com alguém do circo? Por que agora ela voltava? Se havia ameaçado a filha, não a amava! Assim sendo, por que a queria?

Subitamente, ficou com medo pela menina. Uma mulher capaz de ameaçar uma criança era capaz de qualquer coisa! Os motivos escusos que traziam Emilie novamente a Esperanza a estremeceram.

Mas, e se houvesse uma solução?

A ideia surgiu repentinamente, com tanta força que Mônica nem tentou resistir. Até porque, a solução mais fácil sempre era a mais tentadora. Ora, estava se preparando para deixar Esperanza, arrumar um emprego em outro lugar...

Naquele Oeste esquecido por Deus, não seria difícil para ela levar consigo Julie e dizer ser sua filha. Uma cidade próxima do México, longe de tudo... Nunca as encontrariam!

Quase balbuciou a ideia quando percebeu um movimento perto de si. Voltou o olhar e deu de cara com Dasan.

— Estava na cidade e a professora disse que viu Julie indo até você.

A explicação dele foi simples, e ela assentiu diante das palavras.

— Sua esposa não me deixa vê-la.

— Minha esposa é você!

— Não é o que dizem os papeis. Já soube que o padre encaminhou a anulação à arquidiocese.

— Então deve saber que eu também marquei um encontro com o bispo, para explicar a situação.

Mônica suspirou.

— É um caminho sem volta, Dasan.

— Você sabe que eu te amo... — ele retrucou.

— Sei que disse a verdade sobre sua esposa — esclareceu. — Sobre seu adultério.

— E você me ama também — ele completou, firme. De súbito, deu-se conta das palavras dela. — Sabe que Emilie me traiu?

— Sim. Mas, isso não anula o fato de que mentiu para mim.

— E você é incapaz de perdoar uma mentira feita num momento de desespero? — ele indagou. — Mônica...

— É claro que eu sou capaz de perdoar uma falta, Dasan. Sou humana, também suscetível a falhas. Contudo, de que adianta meu perdão? Nada muda o fato de que Emilie é sua esposa, e de que você precisa estar com ela. Se não conseguir provar que ela foi infiel, não haverá solução para nós.

— E não pode me dar esperanças?

— Esperanças? — a palavra foi gaguejada com descrédito. — Nunca tive nada, Dasan. Esperança é algo caro demais para quem se permitiu sonhar e viu seus sonhos sendo jogados no lixo.

Depois, curvou-se até Julie e lhe beijou a face.

Afastou-se na direção oposta deixando pai e filha para trás.

Os três choraram naquele instante.


Mônica tinha pressa. Precisava de um lugar para trabalhar e que pudesse levar Julie. Estava movida pelo desespero quando percebeu uma vaga anunciada em um jornal do sul.

Havia várias oportunidades para servas em El Paso. Algumas, em fazendas, até aceitavam crianças. Com o fim da escravidão, abriam-se um leque de oportunidades para empregos em propriedades novas.

O que ela planejava, o que ela faria, não era certo. Mas, Julie tinha uma mãe. Uma mãe verdadeira. E essa mãe não deixaria que a outra, a biológica, minasse a criança com seus maus e pérfidos sentimentos.

 

Capítulo 15

 


A F U G A


Mônica decidiu pegar com a senhora Eve o dinheiro que Dasan deixava na pousada. Depois de algum pestanejar, ela saiu pela cidade em busca de uma charrete que parecesse boa o suficiente para cruzar o deserto até a cidade vizinha.

Encontrou uma um tanto velha, mas ainda firme. Comprou-a e começou a preparação para o rapto de Julie.

Arrumou as roupas em sacos de estopa, e os levou a charrete durante a madrugada, para que ninguém suspeitasse de que se preparava para partir.

Depois, levou o veículo até a saída da cidade e o camuflou entre arbustos. O cavalo ela conseguiu emprestado com o xerife, depois de uma conversa sobre cavalgar por Esperanza.

Mônica jurava que o homem estava de olho nela. Aquilo não lhe incomodou. Usaria um pouco de seus dotes femininos por uma boa causa.

Seu foco agora era ter a pequena filha de Dasan consigo.

Na segunda-feira em que escolheu partir, esperou Julie perto da escola. No horário de sempre, a charrete de Emilie parou diante do prédio.

Ela não ajudou a menina a descer, disse alguma coisa sem muito sentimento, e partiu.

Julie olhou para os lados. Como sempre fazia desde que a madrasta havia aparecido na semana anterior. Sua espera por um novo encontro comoveu Mônica.

— Amor, estou aqui — disse, do lugar de sempre.

Dessa vez, contudo, tinha pressa. Tão logo Julie se aproximou, Mônica pegou-a no colo e começou a andar para fora da cidade.

— Diga-me, Julie... Você quer ficar com a moça loira ou comigo? — indagou.

— Com mamãe — ela murmurou, apertando Mônica nos braços.

Estava decidido. Que Dasan um dia a perdoasse. Mas, Emilie não colocaria um dedo em sua filha novamente.


Naquela manhã fresca, Emilie não voltou para o rancho. Volveu em direção à casa do pai – sabia que Eric estava sempre trabalhando naquele horário – e aguardou Ethan, para darem prosseguimento aos planos.

Tão logo o amante surgiu diante de seus olhos, ela o trouxe para um abraço.

— Como você está? — ele perguntou, parecendo preocupado.

— Ah, a vida lá é muito enfadonha, mas Dasan é um cavalheiro. Dorme no celeiro e tenta não entrar em atrito comigo para não assustar Julie.

— E a nossa pequena fonte de renda? Nosso pote de ouro no final do arco-íris? Como está se saindo como mãe?

— A menina não me dá abertura e não ajuda o fato de que eu tenho profunda aversão a ela — foi sincera. Diante da gargalhada do homem, continuou. — Não ria! Não faz ideia de como é insuportável!

— Apenas não nasceu para mãe, meu amor...

— Mal posso esperar para colocar a mão no dinheiro e enfiá-la em um internato. — Afastou-se dele e caminhou até o licor. Serviu-se. — Quando irá matar Dasan?

— O xerife está um tanto desconfiado de nossa história. Andou meio que me seguindo... Então estou saindo pouco, indo mais ao saloon , essas coisas. Ainda não consegui ir até à fazenda, preparar uma emboscada.

— Faça logo! — ralhou.

— Não se preocupe. É um plano perfeito. O índio morre e Julie será só sua. Como mãe, será a única tutora. — Vendo o rosto amuado, aproximou-se. — Tenha paciência. Depois disso, pegaremos um navio e iremos à Europa. O clima frio e as cidades românticas irão te fazer muito bem.

Ela gostou da ideia e a agradeceu com um beijo.

O par então aqueceu-se para a paixão. Nenhum deles desconfiou que Eric Hart estava parado atrás da porta.


Padre Antony tentou parecer compreensivo diante do rapaz que viu crescer. Apesar de estar contra Dasan, havia uma fagulha de esperança pela honra daquele jovem.

— O bispo irá vê-lo. — comunicou. Ambos estavam sentados no banco largo da primeira fila da congregação. Diante da animação de Dasan, continuou. — Mas não será nada fácil convencê-lo de lhe dar o divórcio sem provas concretas. — Depois, pareceu pensar. — Você falou sobre uma carta...

— Eu a rasguei — Dasan deu os ombros. — Na época não pensei em nada, só queria evitar uma má fama sobre o senhor Hart e sobre Julie. Como eu imaginaria que Mônica iria surgir na minha vida? E que Emilie retornaria?

O som de passos fez a dupla voltar-se para a porta. Eric Hart apareceu, atônito, como se tivesse visto um fantasma.

Dasan ergueu-se. O homem havia avançado contra ele no dia que Emilie voltou para a cidade. Agora, o que desejava? Qual seria sua reação a um reencontro.

Apesar de todo respeito que mantinha pelo homem, Dasan não iria aceitar uma agressão gratuita.

— Esqueci as chaves da loja — a voz do mais velho chegou até eles. Estava mortificada. — Voltei para casa...

O padre percebeu a palidez imediata.

— Eric, sente-se aqui... — indicou o banco.

Mas, o senhor Hart não o ouviu.

— Emilie estava lá. Encontrava-se com um homem... Planejavam assassiná-lo, Dasan...

As palavras chocantes foram recebidas de forma espantosa pelos demais.

— Matar-me? Por quê?

— Algo sobre dinheiro...

— Dinheiro? Não tenho nenhum! Sempre fui pobre...

Sem mais condições de falar, Eric Hart caiu em prantos. Sempre fora um homem decente, viúvo respeitável que criou a única filha com todo amor e dignidade possível. Tudo que quis dela foi que mantivesse sua alma pura e seu caráter intocável.

— Irei ajudá-lo a conseguir o divórcio e conseguir a tutela de Julie, Dasan — avisou ao antigo genro. — E peço perdão por tudo que disse. Emilie nunca mereceu você.

Era como se Deus respondesse as preces do apache naquele instante.

 

Capítulo 16

 

A P R I S Ã O


Ao sair da Igreja naquele dia, Dasan foi interceptado por Peter. O xerife, visivelmente preocupado, tentou manter a calma enquanto explicava ao pai que sua filha não havia aparecido na escola naquele dia.

— Algumas pessoas a viram sair da cidade com Mônica. — Alertou.

Dasan não pareceu preocupado.

— Mônica é muito apegada a Julie. Deve tê-la levado a um passeio.

— A senhora Eve disse que entrou no quarto de Mônica para limpar e o encontrou completamente vazio. Ela levou todas as roupas.

Por alguns segundos Dasan pareceu em estado de choque. Não conseguia falar nem mexer-se.

— Não tome nenhuma atitude precipitada. Já encaminhei um aviso para as demais delegacias. Assim que aparecer alguém suspeito, irão interceptar.

— E se algo acontecer a elas no deserto?

— Vou mandar uma armada em busca. Deixe conosco. Por favor, precisamos de você aqui, caso ocorra algo. — Depois, meditou nas palavras. — Encontrei-me com o senhor Hart, e sei que não devo ir até Emilie para falar do sumiço da filha.

Dasan assentiu.

— Ele dirá que a menina está na casa dele, e que Emilie não deve ir vê-la. Também dirá que você autorizou isso. Ela virá até mim, mas irei enrolá-la até acharmos Mônica.

— Você entende que Mônica não é uma criminosa, não é? Agiu movida pelo desespero.

Peter ficou impressionado. Apesar de tudo, Dasan defendia a nova esposa.

— Assim que a acharmos, será o primeiro a saber.


Mônica tinha em sua charrete água, comida e mapas. Sabia se guiar pelo sol e ficou firme na direção de uma cidade ao sul, onde, acreditava, poderia abandonar a charrete e conseguir uma diligência.

Julie não pareceu assustada com a solidão do deserto. Elas sempre encontravam arbustos e vertentes de água onde se hidratavam – e ao cavalo – e compartilhavam histórias.

Longe de Esperanza, Julie falava. E como falava!

Anos e anos de mudez, agora eram convertidos em muitos assuntos, coisas que ela viu, vivenciou, e nunca pôde dizer a ninguém.

À noite, dormiam sobre as cobertas da charrete, não sem antes orar o pai-nosso e acreditar que Deus estava a protegê-las de todo mal.

Quando chegaram à cidade de La Redencion, sua comida e sua água já estavam se findando, mas a esperança e a alegria pelo recomeço juntas ainda era forte e intocável.

Mônica parou a charrete diante de uma pousada e buscou pelos proprietários. Queria informação. Quando e onde conseguiria pegar a diligência? Quanto gastaria na viagem? Quanto tempo demoraria até chegar a El Paso?

Contudo, tão logo deu seus primeiros passos naquela cidade, um homem com uma estrela no peito se aproximou.

— Você é Mônica?

A comunicação por telefone não era comum naquela região, mas Mônica soube que Peter havia conseguido contato com aquele xerife tão logo o homem a mediu de cima a baixo, e então encarou Julie.

— Acompanhe-me, senhora – parecia um pedido, mas era uma ordem.

A menina chorou e agarrou-se à madrasta.

Seu mal planejado plano agora chegava ao fim.


Peter aceitou a companhia de Dasan na viagem de ida até La Redencion. Eram amigos de longa data e, como xerife, ele sabia que a melhor maneira de resolver os problemas internos de uma comunidade pequena era deixar a justiça da federação longe da história.

Foram dois dias de cavalgada. Claro, de charrete, Mônica deve ter levado bem mais tempo, mas homens como eles eram preparados para a vida difícil daquele árido oeste.

La Redencion era uma cópia exata de Esperanza. Pequena, sem grandes atrativos e de povo de olhar cansado e sofrido.

O calor era insuportável, e logo os homens foram para a delegacia. O xerife local recebeu Peter com um forte aperto de mão.

— É o esposo da mulher — disse ao outro, apresentando o índio. — Chama-se Dasan.

— Casou-se com branca?

— Não é tão incomum — Dasan retorquiu. — Além disso, sou mestiço.

O xerife assentiu, compreensivo.

— Sua filha recusou-se a sair de perto da sua esposa. Então arrumei uma cama a mais na cela. Era melhor do que ouvir seus berros, gritos e reclamações.

Dasan arqueou as sobrancelhas. Julie fazendo ruídos? Berrando? Reclamando? Será que realmente haviam pegado as pessoas certas?

Foi então em direção à cela. Seu alívio por ver Mônica e Julie foi gritante. Aproximou-se das grades, não sabendo se brigava com ela ou se a puxava para beijá-la.

— O que você tem na cabeça?

— Estou desesperada...

O murmuro derrotado trouxe lágrimas ao homem. Sim, ele sabia que as coisas não estavam sendo fáceis para Mônica.

— Eu te pedi — lembrou-a. — Confie em mim. Eu irei resolver tudo. Eric Hart já sabe a verdade e irá depor a meu favor.

Mônica pareceu surpresa.

— Sabe que Julie não falava por medo da mãe? Emilie havia ameaçado a filha, pois ela a flagrou em adultério.

Dasan encarou a menina que dormia na cama. Apesar de presa, estava tranquila, ali, perto de Mônica. Uma calma que não demonstrou nenhuma vez naqueles anos em que estivera na fazenda.

Agora compreendia. Mesmo longe, a presença de Emilie nunca deixou a menina.

Peter surgiu depois e abriu a cela. O mestiço não tardou a aproximar-se da mulher e tomá-la nos braços.

— Julie falou isso para você?

— Sim, ela fala por demais, até — riu. — Eu não posso entregá-la a Emilie, Dasan. Quando você resolver tudo, voltarei com ela, mas, por favor...

— Confie em mim! — repetiu, enérgico. — Emilie já fez muito mal a Julie, eu não permitirei que a prejudique mais. E quanto a nós, vou conseguir revalidar nosso casamento. Você é minha esposa, Mônica, muito mais do que pelas leis de Deus ou dos homens. O é porque meu coração diz isso desde a primeira vez que a vi.

Diante de tais palavras, restou à mulher aceitar retornar a Esperanza e rezar pelo milagre.


Apesar de tudo, Mônica nunca desejou mal a Emilie. Em suas orações, quando implorava ao Deus dos Céus por uma solução, não era pensando no mal da moça. Tudo que a jovem nova iorquina queria era retomar sua vida, sua casa e sua família.

Portanto, não foi as orações intensas de Mônica que provocaram aquela sucessão de tragédias que se sobressaiu sobre Esperanza dois dias após Dasan reencontrar a filha e a esposa.

Começou com o ódio latente de Eric Hart. Ele permaneceu em silêncio tempo demais, sabendo os planos da filha e do amante. Ele amava Julie, e não entendia qual seria o papel da neta nos planos maléficos da outra.

Foi então que, contra todo o bom senso, ele foi atrás de Ethan no saloon .

O lugar era fétido, como sempre. Prostitutas de bocas enfeitadas por batom vermelho e dentes podres pela falta de higiene gargalhavam, sentadas no colo de homens que, bêbados demais, mal se importavam com o odor,

Eric sempre odiou aquele lugar. Era um católico convicto, um cristão que sempre seguiu as leis religiosas com devoção. Jurou, ainda jovem, nunca se enredar por cantos como aquele, mas naquele dia em que seguiu Ethan, não teve escolha a não ser adentrar o lugar decadente.

O outro era um homem de ar calmo. Muito bonito, ardiloso, não estava com as prostitutas e sim sentado diante do balcão, a beber rum contrabandeado.

— Eu quero saber o que te fez voltar a essa cidade com Emilie — Eric disse, à queima roupa, fazendo o homem girar no banco e encará-lo.

— Não sei do que está falando.

— Eu ouvi sua conversa com minha filha. Sei que tem dinheiro em jogo. Dasan é pobre, então, quero saber de que dinheiro falavam.

Subitamente, o local ficou silencioso. Alguns homens se ergueram, prontos a deixar o saloon . As putas também sentiram o clima pesado, e começaram a se distanciar do par de homens.

— Não sei do que está falando — insistiu.

Contudo, a resposta de Ethan era num tom zombeteiro.

— Não sei exatamente quais são seus planos, mas ninguém fará mal algum a minha neta! — disse, alto. — Dasan já sabe de tudo, e eu irei informar as autoridades eclesiásticas e da justiça. Em breve você e Emilie serão presos por tentarem armar a morte do meu genro.

As palavras que jamais deviam ter sido pronunciadas foram às últimas de Eric. Enquanto o estrondo da pistola de Ethan ecoava pelo salão, o homem caia no chão, sentindo o sangue asfixiá-lo na garganta e a morte a ceifar sua vida justa.

 


Capítulo 17

 

A V E R D A D E


A justiça é tão tirana quanto à iniquidade. Ela pode demorar, mas jamais falha. Cada consequência cobra seu preço.

Emilie descobriu isso enquanto seus passos trôpegos a levavam em direção ao saloon .

Ela havia ido à cidade naquele dia para encomendar um novo vestido. A costureira a atendeu com a gentileza de sempre, a convidou para um chá e, já no final do dia, enquanto ela se encaminhava para a charrete, ouviu os gritos masculinos dos homens que fugiam do saloon .

Em nada lhe importava a briga de bêbados, não fosse o nome do pai sendo murmurado pelo som espantado de todos.

“Eric Hart morreu!”

Por alguns segundos, ela ficou sem reação. O marido havia saído da cidade há alguns dias, o amante não estava na hospedaria, e ela não tinha amigos que a pudessem amparar enquanto caminhava em direção ao lugar onde o pai jazia.

Abriu a porta do saloon . Em volta do corpo, muitos curiosos. Rostos que se voltaram para ela em claro sinal de acusação. O que quer que houvesse ocorrido ali dentro, denunciava seus ardilosos planos.

Contudo, tudo ficou esquecido. Por pior que fosse Emilie, havia uma réstia de humanidade em seu coração duro. E esse pulsar era dedicado ao pai.

Quando o viu deitado no chão, os olhos arregalados, um leve molhado abaixo das pálpebras... tudo nela tornou-se desespero latente.

“Eric Hart morreu!”

Ela curvou-se diante do corpo. Ergueu-o em seu colo e o abraçou, enquanto gemia e suspirava.

...Porque aquela dor ela sentiu.

Uma dor absurda de abandono. De não ter mais um porto seguro. A dor do remorso.

— Seu amante o matou!

Cuspiram nela. Assustaram-na com seus berros. Assombrada, Emilie largou o corpo e se afastou. Tropeçou em uma pedra na entrada do saloon e caiu. Os rostos que antes a encaravam com piedade, agora a censuravam. Havia raiva e ódio ali.

Correu até a hospedaria. Precisava falar com Ethan. Precisava saber o que havia de verdade naquilo tudo.

Encontrou-o já perto do cavalo, preparado para partir.

— Aonde vai? — ela questionou porque não havia esperança qualquer sem ele.

— Seu pai desgraçado descobriu tudo.

— Vai fugir?

— Volto daqui a alguns dias, irei atirar de longe em Dasan quando tudo se acalmar. Até lá, negue a história e mantenha a pose de boa esposa.

Aquela frieza nas palavras a arrepiou.

— Você matou meu pai?

A pergunta era também uma constatação de que Ethan faria qualquer coisa por dinheiro. De que a própria Emilie faria qualquer coisa por dinheiro.

— Enquanto era apenas roubar velhos nojentos, eu não me importava. Mas, assassinato, não!

— Você estava de acordo com o plano.

— Não que meu pai morresse!

— Você sabia que envolveria assassinato. O que importa quem morra?

— Eu mudei de ideia — ela disse.

Então, volveu o corpo e preparou-se para correr em direção à delegacia. Que pagasse seus pecados com a forca, mas que ao menos o mínimo de honra levasse ao túmulo. Quem sabe assim o Deus dos Céus a deixasse ver o pai mais uma vez e pedir seu perdão.

— Cadela!

Sentiu o estrondo chocando-se contra suas pernas. Caiu no chão, a ardência e o sangue na coxa fizeram-na gritar.

Ethan aproximou-se. Agarrou seus cabelos. O soco forte chocou-se contra sua face delicada. Ao longe, pessoas se aproximavam e viam a surra, mas ninguém se envolvia.

Porque era assim: Se uma mulher se deitava com um homem – ainda mais não sendo sua esposa – que ela se resolvesse com ele.

E tinha um além. Ethan mantinha a pistola na cintura. Ninguém arriscaria a própria vida por conta de uma infiel.

Subitamente, contudo, outro tiro fez-se ouvir.

Houve um corre-corre. Ethan olhou para os lados, esperando ver quem o afrontava? Naquele instante, Emilie tentou fugir dele. Mesmo mancando, ela se arrastou para próximo da funerária.

A bala nas costas interrompeu seu caminho.


O xerife Peter havia lutado em milícias após a guerra civil. Tinha no sangue o instinto de guerra, e reconhecia de longe o cheiro queimado de pólvora.

Mais, havia um estranho silêncio e uma estranha junção de gente na rua principal. Aquilo nunca era bom.

Ao seu lado, Dasan o encarava com total incredulidade. Haviam ficado poucos dias fora de Esperanza, mas parecia que o caos havia tomado à cidade.

Peter atirou para cima, tentando desfazer aquele movimento. Logo, as pessoas começaram a correr, e ele viu o caminho livre.

Ao longe, uma jovem loira jazia no chão. O sangue que escorria pela viela empoeirada não deixava dúvidas do que havia ocorrido.

— É Emilie — Dasan murmurou.

Peter focou o olhar no homem ao lado da mulher. Mirou nele, atirou. De súbito, o homem correu em direção às casas e escondeu-se entre elas.

— O homem é Ethan — Dasan avisou. — O amante de Emilie.

Depois, o mestiço volveu-se para trás. Na charrete, Mônica e Julie os encaravam amedrontadas.

— Não é seguro — avisou. — Por favor, escondam-se na capela. Quando tudo acabar, irei até as duas.

— É perigoso — Mônica tentou impedi-lo.

— Não posso deixar Peter sozinho contra esse homem.

E então galopou junto com o xerife em direção ao bandido.


Se todas as coisas houvessem saído como planejadas, Ethan estaria, naquele momento, partindo em direção a fazenda do rico Taylor, com Emilie e a fedelha muda ao seu lado.

Apresentar a neta ao homem, e apenas viver com o – muito – dinheiro dele era um começo para uma vida regada a festas e banquetes.

Porém, enquanto ele se esgueirava entre os casebres, tentando achar uma saída para conseguir chegar ao cavalo e partir, imaginou que todos os planos fracassaram por conta daquela cadela que ele teve por amante durante longos anos.

Esse era o problema: confiar à mulheres o que só os homens conseguiam fazer. As fêmeas fraquejavam, se inclinavam a compaixão quando se menos esperava... E agora tudo que restava a ele era desaparecer naquele deserto, mudar de nome, talvez até cruzar a fronteira por algum tempo, até que a notícia dos assassinatos esfriasse.

Xingou Emilie baixinho mais uma vez, enquanto zanzava entre as casas. A pistola em punho, o olhar atento a qualquer movimento.

Subitamente, um tiro perto dele. Ao longe, percebeu o xerife. Atirou de volta, enquanto corria em direção ao local mais próximo para se abrigar.

Quatro balas. Era tudo que lhe restava. E agora?

Olhou em volta. Percebeu que atrás de si estava a capela. Decidiu que poderia se esconder ali ou pegar o padre de escudo, até que conseguisse sair de Esperanza.

Chutou a porta traseira e ouviu um grito abafado de uma mulher.

A sorte sempre sorria aos espertos.


Mônica percebeu padre Antony encolhendo-se num canto, enquanto Ethan invadia a congregação como se aquele fosse um lugar qualquer, a qual ele tivesse todo direito de dominar.

A arma apontou para Julie. Obviamente, quaisquer que fossem os planos do homem, ele percebeu ser a criança uma proteção melhor.

Nem pensou, postou-se em frente à menina, abrigando-a.

— Por que a defende? — Ethan questionou, irritado. — Ela nem é sua filha.

— Ela é minha filha — retorquiu. — Você nunca entenderia isso, porque não tem coração. Mesmo Emilie, você nunca amou.

— Você acha que um homem leva à sério uma mulher que abandona a própria família para seguir com ele, beber, fumar e dormir com outros apenas para lhe dar dinheiro?

Mônica ficou pasma diante das palavras. Sequer pensou no que Emilie fez por aquele homem.

— Ela te amava...

— Ela não amava ninguém. Nem a própria filha ela amou.

— Mas, você a matou. Isso significa que, no fim, ela se arrependeu.

— Ela sofreu apenas pelo pai. Não aguentou saber que eu matei Eric Hart.

O avô de Julie estava morto? Mônica sentiu-se lacrimejar.

— Ele era um bom homem! — gritou, nervosa. — Você é um monstro.

Som externo. Ethan encarou a porta, e depois volveu novamente a ela. Buscou-a, pegando nos braços.

Julie chorou e Mônica a encarou com calma.

— Vai ficar tudo bem, meu amor... Fique com padre Antony, está bem?

Ethan saiu da capela com a mulher em sua frente, o cano da pistola cravado em sua nuca. O dedo quase a escorregar, ansioso para acabar logo com aquilo.

— Se alguém tentar qualquer coisa, ela morre! — gritou.

Ao longe, o xerife saiu de trás de uma casa. Sua arma erguida, em sinal de rendição.

— Pode ir — Peter disse. — Mas, solte a moça.

Não era essa a intenção de Ethan. Muito pela falha dos planos, deu-se por conta daquela mulher sem graça que entrou na vida do mestiço e conquistou a filha dele.

— Irei com ela até a saída da cidade — avisou a Peter. — Depois, irei soltá-la. Se alguém tentar qualquer coisa, ela morre.

— Entendido. — O xerife assentiu.

Houve um breve riso baixo contra as orelhas de Mônica.

— Ele realmente acha que você vai sobreviver...

Havia mais que a ameaça implícita. Mônica soube que ele iria matá-la porque era o que ele fazia com aqueles que estragavam seus planos.

Ao longe, percebeu Dasan. O marido estava no sótão do saloon . A arma apontada para eles. Ethan não o havia visto, e ela só precisava conseguir se distanciar um pouco para que Dasan atirasse.

Era tudo ou nada.

Subitamente, piscou para Dasan. E, tão rápido quanto, agachou-se. Ethan quis atirar, mas não teve tempo.

O estrondo certeiro cravou-se em seu crânio e ele caiu para trás.

Enquanto a poeira do deserto se erguia pela força do vento, o homem agonizou numa morte lamentável.

 

 

Capítulo 18

 

P A R A S E M P R E

 

O enorme carvalho fornecia uma sombra aliviante naquele longo verão. Abaixo dele, sentada em uma toalha e cercada por um cesto com frutas, Mônica alimentava o pequeno Eric Taylor, de apenas dois anos.

Os anos passavam devagar naquele canto do mundo. O que no fundo era uma sorte. Nos últimos anos, era tão feliz quanto jamais pensou que um dia seria.

— Mercedes me disse que irão fazer um concurso do chapéu mais bonito no festival de São Patrick — Julie, uma agora jovem de bela aparência e olhar gentil comentou para a mãe.

— Sei que vai ganhar — Mônica murmurou. — É muito boa com artesanato.

A filha sorriu, orgulhosa. Depois, estendeu a mão e acariciou a face de Eric, com carinho.

— Mama... — ela começou, parecia relutante. — Acha que eu poderia trazer um garoto para papai conhecer?

Mônica quase gargalhou ao imaginar Dasan tendo um ataque ao ver o coitado de quem Julie estava de olho.

— Acho que podemos conversar melhor sobre isso antes de você trazê-lo.

Era um bom conselho e ela o aceitou.

Ao longe, o som do cavalo do pai. Dasan galopava em velocidade considerável em direção ao rancho, e Julie ergueu-se, disposta a ir para dentro de casa buscar água fresca para ele se hidratar da ida à cidade.

Tão logo desceu do animal, o homem achegou-se a esposa. Beijou-lhe os lábios e murmurou.

— Chegou uma carta...

— Uma carta?

— Meu pai morreu.

Não havia qualquer luto no tom. O homem que dera sua semente a mãe de Dasan era, até então, apenas um desconhecido que o havia abandonado.

— O inventariante disse que Julie herdou tudo.

Mônica abriu a boca, pasma.

— Contará a ela?

— Sim, é meu dever. Porém, não nego que gostaria que ela não aceitasse esse dinheiro. Essa herança foi o que motivou meu pai a me deixar e me renegar a vida toda. É um dinheiro maldito, feito à custa de escravos, marcado pelo sangue dos índios que morreram nessa terra.

— Então eu posso doá-lo a quem precisa — a voz feminina atrás do homem vê-lo voltar-se. — Eu também não preciso dessa herança, pai.

Naquele instante Dasan ficou orgulhoso da educação que deu a ela. Esperava que Eric tivesse a mesma índole.


— No que está pensando?

A música ao longe denotava o quão animado estava o festival para o santo padroeiro de Esperanza. Mônica sorriu diante da voz do marido. Havia se afastado da multidão porque Eric estava sonolento. Sentou-se a beirada da capela e deitou o filho nos braços.

— Pensava em Emilie... — assumiu. — Pensava em tudo que ela perdeu por não saber reconhecer o grande valor das pequenas benções que tinha.

Dasan sentou-se ao seu lado. Ambos ficaram a olhar para frente, os pares bailando, os jovens a conversar animadamente.

— Não a culpo — o homem disse, após um breve silêncio. — O amor não se é imposto. Ou se sente, ou não se sente. Ela não sentiu.

Mônica concordou, volvendo o olhar para ele.

— O quão abençoada eu sou por sentir? — sorriu.

O mestiço curvou-se diante dela e depositou um beijo cálido nos lábios bonitos.

Ao longe, a gaita tocava ritmada enquanto um peão cantava sobre as dores da lida diária.

Tudo era uma questão de sobrevivência naquelas terras duras dos Estados Unidos.

Mas, Dasan e Mônica conseguiram mais do que isso. A continuidade de sua linhagem era apenas a consequência dos passos certos que deram um em direção ao outro.

A vida sempre retribuía conforme as obras praticadas. Sorte a deles...

 

 

                                                                  Josiane Biancon da Veiga

 

 

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