Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROIBIDO PARA OS HOMENS / William Voltz
PROIBIDO PARA OS HOMENS / William Voltz

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Estamos no ano 2.114. Para os terranos, menos de cento e cinqüenta anos se passaram desde o momento em que pela primeira vez um foguete de propulsão química pousou na Lua, acontecimento que marcou o início da verdadeira navegação espacial.

Apesar desse lapso de tempo extremamente curto, se medido pelos padrões cósmicos, o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan, já conseguiu transformar-se numa das vigas mestras do poder galáctico.

A maior parte dos povos da Via Láctea já aprendeu que é preferível que os terranos sejam seus amigos, e não seus inimigos. Depois dos saltadores e dos aras, os médicos galácticos, os acônidas, que habitam o Sistema Azul, também alcançaram essa compreensão, motivo por que desde o dia 10 de setembro de 2.113 existe uma aliança entre os terranos, os arcônidas e os acônidas.

Essa aliança, conhecida como aliança galáctica, repousa sobre uma base pouco segura, pois os habitantes do Sistema Azul ficaram muito zangados por Rhodan não se mostrar disposto a revelar o segredo do raio conversor. Por isso fizeram pousar na Terra os Agentes da Destruição, que, só no último instante, puderam ser postos fora de ação, com o auxílio dos robôs positrônico-biológicos, conhecidos como pos-bis.

Acontece que, se os pos-bis estão em condições de lutar contra os laurins, estes forçosamente devem possuir aparelhos que os tornam visíveis aos seus olhos. Esta idéia acode aos homens de Terrânia, que enviam técnicos com a incumbência de procurar esses aparelhos. Uma das equipes de busca é levada a um mundo que é Proibido Para os Homens...

 

Em março de 2.114, Emmet Loden pretendia estar nas proximidades de Sanary, onde conhecia uma pequena enseada que ficava em local retirado das praias superlotadas. Na primavera dificilmente havia turistas em Sanary. Quando muito, os mesmos eram encontrados em Bandol, que ficava dez quilômetros ao sul.

Loden, que precisava muito de férias, mudara de intenção em fevereiro, quando o porto de Toulon fora destruído numa terrível explosão. Parecia que todo o Sul da França ficara paralisado de pavor por alguns dias. O porto já não tinha a menor importância sob o ponto de vista militar, mas sua fama lendária, vinda dos tempos da Grande Nation, conferira-lhe um lugar permanente no coração dos franceses do Sul.

Toulon ficava a menos de vinte quilômetros de Sanary. Toda a área fora transformada num canteiro de obras, onde não havia sossego nem possibilidades de descanso.

Os laurins, que haviam provocado a explosão, não tinham conhecimento da pouca importância do porto; foram levados a escolhê-lo em virtude do tamanho. Mas nem sempre os golpes dos invisíveis foram desferidos em lugares menos importantes. Alguns grandes centros industriais foram destruídos durante seus ataques traiçoeiros, até que se conseguiu destruí-los com o auxílio dos pos-bis.

E foi por isso que, em 7 de março do ano de 2.114, Emmet Loden não se encontrava em Sanary, mas num planeta do tamanho da Lua, situado fora da Galáxia, ao qual o Imperador Gonozal VIII há mais de um ano dera o nome de Surprise.

E isso fez com que precisasse de um bom descanso em sua vida, pois teve de trabalhar com o Dr. Johann Riesenhaft. Emmet Loden era um homem de estatura baixa com rosto pouco marcante e cabeleira espessa. Ao falar, costumava atirar a cabeça para trás, fazendo com que o pomo-de-adão avançasse para a frente. Loden prezava o conforto. Fazia sete refeições por dia e as camisas que usava eram pelo menos três números maiores que seu tamanho. Uma tendência pronunciada para a preguiça fizera com que Loden nunca passasse de um medíocre cibernético. Acontece que, vez por outra, tinha idéias geniais, e era por isso que podia trabalhar com o Dr. Riesenhaft. Há quatro anos conseguira simplificar o complicado circuito de Trounhart a tal ponto que o mesmo podia ser guardado numa caixa de fósforos. A imprensa ocupara-se com o nome de Loden. Precisara de sete meses de férias para dissipar seus honorários...

Depois disso o Dr. Riesenhaft entrara em contato com ele, e Emmet Loden cometera o maior erro de sua vida. Deixara-se levar por Riesenhaft a firmar um contrato de trabalho de cinco anos com o centro de pesquisas cibernéticas de Terrânia.

Dali em diante as idéias geniais de Loden não apareceram mais, pois teve de ativar toda sua imaginação para escapar à tremenda vontade de trabalhar do Dr. Riesenhaft. Loden passou a esquivar-se ao trabalho, mas os esforços que fazia para enganar o Dr. Riesenhaft consumiam mais forças que o trabalho propriamente dito. Apesar dos sombrios prognósticos formulados pelos outros colaboradores de Riesenhaft, Loden não foi despedido. Pelo contrário. Numa incrível demonstração de generosidade, Riesenhaft incluiu Loden no círculo dos seus colaboradores mais chegados.

Quando Riesenhaft o fez suar pela primeira vez, Emmet Loden quase chegou a desesperar. O cibernético franzino, cujo corpo de forma alguma combinava com o nome, que significa gigante, vivia insistindo para que Loden redescobrisse sua genialidade, mas este continuava mal-humorado e desgastado. Seu cérebro não produziu qualquer pensamento extraordinário, com exceção das idéias ligadas à construção de uma atiradeira primitiva.

Emmet Loden estava pensando nisso quando, fungando de contrariedade, enfiou o corpo sob a estranha máquina. Era a quarta que Loden examinava naquele dia. Bergmann, que trabalhava no mesmo grupo que ele, já havia examinado sete máquinas, tal qual Albright e Shawlee. Já o Dr. Riesenhaft, que também desempenhava funções coordenadoras, apalpara nada menos de doze máquinas.

Loden sentia-se grato por terem fechado os elevadores e instalado câmaras pressurizadas nas entradas das rampas deslizantes. Dessa forma tornara-se possível introduzir oxigênio nos pavilhões subterrâneos. Os cientistas não tiveram necessidade de suportar o sofrimento causado pelos desajeitados trajes protetores e o trabalho rendia mais.

Loden segurou-se com ambas as mãos num eixo, a fim de puxar seu corpo mais um pouco para baixo da máquina. Tirou cuidadosamente o aparelho de tateamento de uma bolsa de ferramentas. Colocou-o na borda inferior da máquina. O ponteiro saltou para uma espessura de matéria de dois centímetros. Face aos exames anteriores, Loden sabia que atrás dessa camada havia um espaço vazio. Até então a esperança do Dr. Riesenhaft, de encontrar num desses espaços vazios certos materiais de pesquisa ainda desconhecidos, não se cumprira. Loden foi empurrando o aparelho. Examinou toda a área correspondente ao espaço vazio, mas não houve nenhuma modificação. Desprendeu o pequeno aparelho da superfície metálica e recolocou-o na bolsa de ferramentas. No mesmo instante sentiu que alguém o puxou pelo pé. Uma voz abafada disse:

— Venha, Emmet.

Loden começou a sentir raiva, e esta não diminuiu nem um pouco quando bateu com a cabeça contra o eixo, recuou apressadamente e, com movimentos desajeitados, saiu de sob a máquina. Comprimiu as mãos contra a testa e demorou a pôr-se de pé.

Ron Shawlee, que o observara atentamente durante todo o tempo, disse em tom sentido:

— O senhor se machucou, Emmet.

— Hum! — fez Loden.

Apalpou o calombo que crescia rapidamente, lançou um olhar furioso para Shawlee e, depois de algum tempo, perguntou:

— O que houve?

— O “pequeno” quer falar conosco — informou Shawlee.

Loden olhou rapidamente em torno, pois sabia perfeitamente o que aconteceria com Shawlee se o Dr. Riesenhaft ouvisse que estava sendo chamado de “pequeno.” Os dois homens soltaram um ligeiro suspiro e saíram andando. Loden pensava no trabalho que seria atirado sobre seus ombros.

O Dr. Riesenhaft encontrava-se em seu escritório. Albright e Jens Bergmann já haviam chegado quando Loden e Shawlee entraram.

Sentado atrás de sua escrivaninha, o Dr. Johann Riesenhaft dava a impressão de ter de fazer um grande esforço para olhar por cima da mesma. Não tinha mais de metro e meio. Sua cabeça era calva, mas em compensação usava um lindo cavanhaque cujo tratamento consumia quase todo o tempo livre de que podia dispor. A pele enrugada parecia um couro curtido. O aspecto do cientista podia ser caracterizado assim: era feio.

Seus olhos descoloridos dardejavam para Shawlee por cima da mesa.

— Por onde andava, Shawlee? — perguntou em tom mordaz. — O senhor sabe perfeitamente que não tolero atrasos.

Loden sorriu, satisfeito. Mais uma vez escapara...

— Tive de avisar Loden, doutor — disse Shawlee, com a maior calma.

— Bem — resmungou Riesenhaft, lançando um olhar benévolo para Loden. — Parece que pelo menos um dos meus homens resolveu trabalhar de verdade.

O elogio não merecido fez com que Loden enrubescesse, enquanto um sorriso irônico aflorava aos lábios de Bergmann e Albright.

Riesenhaft espalhou as mãos sobre a mesa, afastando todos os papéis que acabara de arrumar cuidadosamente.

— Recebemos novas ordens — principiou, levantando a voz. — Os senhores já conhecem o doutor Bryant, diretor de pesquisa. Rhodan designou-o para chefiar este projeto.

Via-se perfeitamente que o Dr. Riesenhaft era de opinião que teria sido muito mais acertado se ele mesmo tivesse sido designado pelo administrador para dirigir o projeto.

— A tarefa que devemos cumprir em Surprise reveste-se da maior importância — prosseguiu o Dr. Riesenhaft. — Aconteceu alguma coisa que a Humanidade julgava praticamente impossível. Inteligências estranhas atacaram a Terra. Apareceram em nosso planeta sem aviso prévio e iniciaram sua obra destrutiva antes que se pudesse tomar qualquer providência. Quando os laurins conseguem infiltrar-se num lugar, torna-se muito difícil localizá-los e atacá-los. Acho desnecessário explicar o que teria acontecido se não fosse a intervenção dos pos-bis. Os mutantes não poderiam estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

O Dr. Riesenhaft fez uma pausa, pigarreou fortemente e perguntou em tom áspero:

— O senhor está prestando atenção, mister Bergmann?

O homem ao qual foram dirigidas estas palavras apressou-se em responder afirmativamente por meio de um aceno de cabeça. Loden reprimiu um bocejo. Ainda bem que no interior do escritório a temperatura era agradável, em virtude do condicionador de ar.

— Não podemos esperar que, se os laurins voltarem a atacar, os pos-bis nos apóiem de novo — disse Riesenhaft. Fitou Loden, que imediatamente ergueu as sobrancelhas, como se estivesse muito interessado. — Torna-se indispensável que descubramos um aparelho de localização que nos permita a determinação perfeita do lugar em que se encontram os laurins. Não quero ter a audácia de falar num tipo especial de óculos, se bem que talvez pudéssemos criar algo parecido, desde que tivéssemos um ponto de partida. Temos certeza absoluta de que os invisíveis mantinham uma base em Surprise. Parte das máquinas foi construída por eles. Dessa forma é perfeitamente possível que encontremos certos dados que nos permitam enfrentar, e de forma decisiva, a arma mais eficiente dos laurins, que é a invisibilidade.

— Acontece que por enquanto não conseguimos nada, doutor — comentou Bergmann.

O cibernético bateu com o punho cerrado na mesa.

— Eu lhe proíbo esse tipo de crítica — disse em tom furioso. — Na posição em que o senhor se encontra, não tem condições de avaliar o resultado de nosso trabalho.

— É possível — respondeu Bergmann, com a maior tranqüilidade. — Mas não me lembro de que em sua última fala o doutor Bryant tenha feito alusão a qualquer resultado positivo.

O cibernético coçou nervosamente o cavanhaque. Loden, que observava seu superior com toda atenção, esperava uma terrível irrupção, mas ainda desta vez o Dr. Riesenhaft conseguiu controlar-se.

— O senhor não é capaz de reconhecer os fatos importantes com base em dados fragmentários — disse, dirigindo-se a Bergmann.

O sueco, que antes parecia ser um fazendeiro que um cientista, preferiu não responder. Sabia que não valeria a pena discutir com o Dr. Riesenhaft.

— É possível que as pesquisas já realizadas tenham sido muito superficiais — disse o Dr. Riesenhaft.

Loden soltou um gemido abafado, pois já imaginava que teria de ficar deitado embaixo de cada máquina não por uma, mas por três horas.

— Além disso esquecemos uma parte muito importante das instalações subterrâneas, ou ao menos não as examinamos com o necessário cuidado.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Albright em tom cortês, quando o Dr. Riesenhaft fez uma ligeira pausa.

Loden notou que o braço esquerdo do Dr. Riesenhaft estava pousado estranhamente sobre a mesa. A causa disso estava na prótese que começava na junta. Tratava-se de uma operação barata, pois o cibernético não estava disposto a se submeter a outra melhor. A incrível avareza do Dr. Riesenhaft não se detinha nem mesmo diante do próprio corpo! Os homens de sua equipe sempre encontravam dificuldades em obter novos aparelhos ou fazer encomendas...

— Estou me referindo — disse o Dr. Riesenhaft, com a voz estridente — ao misterioso transmissor que os seres de Mecânica construíram em tempos remotos no planeta Surprise.

Loden lançou um olhar de súplica para Shawlee. Mas, ao que tudo indicava, aquele homem esbelto nem pensava em protestar contra o aumento da carga de trabalho. Riesenhaft foi desfiando seu plano. Loden reuniu uma coragem extraordinária e perguntou:

— O que espera conseguir com isso, doutor?

Riesenhaft fitou Loden. Os últimos vestígios de benevolência haviam desaparecido de seus olhos descoloridos. Loden atirou a cabeça para trás, num gesto de teimosia. O transmissor era o mesmo em que Rhodan e seu grupo foram parar depois de um salto mal executado realizado em Árcon III. Além de se ver obrigado a aumentar sua jornada de trabalho, Loden não compreendia o que poderia haver de tão importante no transmissor, para justificar um exame minucioso. Além disso não acreditava que a ordem tivesse partido do Dr. Bryant. Estava convencido de que o Dr. Riesenhaft agia por iniciativa própria.

— Será que minhas ordens sempre têm de vir envolvidas numa série de explicações? — perguntou o Dr. Riesenhaft em tom contrariado, em meio às suas reflexões. — Iremos imediatamente para onde está o transmissor. Depois ainda poderemos conversar a este respeito.

Loden resmungou uma concordância dada a contragosto, já que Riesenhaft não se deixaria demover de sua idéia.

Esse anão feio”, pensou Loden, enrubescendo ao pensar nestes termos a respeito de seu superior, “dispõe de uma obstinação a toda prova.”

Loden desejava que um dia acontecesse uma coisa que abalasse o cibernético a ponto de obrigá-lo a modificar seu gênio.

Isso só acontecerá no dia em que explodir um planeta”, pensou Loden, amargurado.

E foi exatamente o que ocorreu dali a menos de uma hora.

 

Bastaram três mil laurins para provocar o pânico e a destruição na Terra. Graças à colaboração de guerrilheiros acônidas, haviam conseguido realizar um salto de transmissor que os levou de Árcon III para Marte. Dali chegaram à Terra numa nave cargueira dos saltadores, sem que ninguém desse pela sua presença. Segundo a tática dos invisíveis, um planeta devia ser preparado para o assalto antes que suas frotas passassem ao ataque. Dessa forma o inimigo dos laurins, ocupado exclusivamente com a defesa de seu mundo, não teria condições de concentrar suas forças numa luta defensiva travada no espaço. Sob o ponto de vista humano os laurins eram covardes, mas isso apenas sob o ponto de vista humano.

A natureza misteriosa equiparara esses seres fisicamente fracos com um órgão que os protegia contra o inimigo. Tratava-se do agora chamado deflexo-órgão, cujo princípio de funcionamento era idêntico ao de um campo de deflexão mecânico. No entanto, os impulsos defletores de raios luminosos emitidos por esse órgão eram tão complicados que não havia possibilidade de neutralizá-los ou penetrá-los por via ótica. Antes que os cientistas terranos conseguissem usar os três laurins aprisionados para colher os dados necessários, estes foram mortos por seus companheiros de raça.

Não havia dúvida de que os três olhos dos laurins eram capazes de enxergar através dos campos reflexivos de outros laurins. Dessa forma devia haver uma possibilidade de transferir a capacidade dos olhos dos laurins para algum aparelho mecânico ou eletrônico.

Enquanto os trabalhos de reconstrução das áreas industriais destruídas estavam sendo dirigidos a partir de Terrânia, Perry Rhodan já se encontrava no interior do grupo estelar M-13. O administrador preferiu não perder tempo com o controle dos trabalhos de reconstrução, pois temia novos ataques dos invisíveis.

Depois da invasão, Rhodan passou a considerar os invisíveis os inimigos mais perigosos do Império Solar. Quando os laurins conseguiam pôr o pé num mundo estranho, era muito difícil defender-se dos mesmos.

Mais uma vez Rhodan e seus amigos viram-me obrigados a alterar seus planos num espaço de tempo extremamente curto. As medidas estratégicas que se pretendia tomar contra os pos-bis tiveram de ser adiadas.

Os laurins já conheciam a posição da Terra, e por isso uma única tarefa assumia maior importância para a Frota Solar. Tornava-se necessário evitar novos ataques, enquanto os cientistas trabalhavam com toda força para descobrir um aparelho de localização. Os dirigentes do Império Solar nem se atreveram a pensar no que poderia acontecer se os pos-bis também voltassem a desenvolver atividades bélicas.

No dia 7 de março de 2.114, ao entrar em seu camarote na Teodorico, Perry Rhodan lembrou-se de que a Humanidade nunca lutara com um número tão grande de inimigos. Eram obrigados a incluir os acônidas entre os inimigos. A instável aliança galáctica estava ameaçada de ser rompida de vez. A influência dos movimentos subversivos que atuavam no interior do Sistema Azul crescia constantemente. Pelo menos metade dos membros do Grande Conselho simpatizavam no seu íntimo com as organizações clandestinas. Quando Rhodan mandou bloquear os grandes transmissores instalados em Árcon III e Marte, cenas de verdadeiro tumulto verificaram-me na sede do Grande Conselho. Muitos acônidas propuseram a renúncia imediata da coalizão. Mas Rhodan não deixou que isso o perturbasse.

Outras precauções foram tomadas. O administrador providenciou para que todas as espaçonaves das potências extraterrenas fossem proibidas de pousar no interior do sistema solar. Comandos especiais foram incumbidos de controlar nos portos espaciais as cargas das naves terranas vindas de fora. Pretendia-se evitar de qualquer maneira que os laurins voltassem a penetrar no sistema solar.

Os acônidas protestaram. Afirmaram que foram deixados de lado no trato dos assuntos mais importantes relativos à aliança. Quando se descobriu no Sistema Azul que os terranos haviam conseguido prender três laurins, a indignação chegou ao auge. Para os acônidas aquilo representava a prova de que os terranos faziam seu próprio jogo.

A fim de abafar no nascedouro eventuais desmandos militares dos acônidas. Rhodan viu-se obrigado a destacar partes importantes de sua frota.

Há alguns dias os preparativos para uma expedição extragaláctica estavam sendo tomados no interior do grupo estelar M-13. Rhodan pretendia fazer o possível para convencer os cérebros orgânicos de plasma dos pos-bis de que era indispensável revelar aos terranos o segredo do aparelho de localização que, conforme se sabia com toda certeza, os robôs possuíam.

Enquanto isso os cientistas que se encontravam na Terra trabalhavam febrilmente com os dados obtidos dos três laurins aprisionados. Mas esses dados eram tão escassos que não se poderia esperar um êxito a curto prazo. O Império Solar estava sendo ameaçado por três inimigos: os traiçoeiros laurins poderiam aparecer a qualquer momento, os pos-bis imperscrutáveis, cuja atuação ambígua sempre era imprevisível, representavam uma ameaça formidável, e os acônidas eram aliados nos quais não se podia confiar, pois, de um instante para outro, poderiam transformar-se em inimigos.

Rhodan fechou a porta do camarote. Sentia-se satisfeito porque, depois dos dias cansativos que passara na Terra, poderia descansar um pouco no interior desse recinto. Era bem verdade que os preparativos para a expedição exigiam o empenho de todas as forças, mas não se via ameaçado por nenhum perigo imediato. Rhodan esperava que, dentro de alguns dias, poderia dar início à perigosa operação.

Mas aconteceu alguma coisa com a qual não contara, e que o levou a adiar a expedição planejada.

O acontecimento imprevisto teve início quando os alarmas da Teodorico entraram em atividade.

 

A flotilha de patrulhamento que operava no sistema do sol Outside era formada por vinte couraçados e sete cruzadores ligeiros. O grupo era comandado pelo Comodoro Imarez. Rhodan enviara a esquadrilha ao sistema para proteger os cientistas que trabalhavam em Surprise, pois tinha de contar com a possibilidade de os laurins tentarem reconquistar a base que haviam perdido.

O Comodoro Felipe Imarez era um comandante que inspirava confiança. Dispunha de muita experiência. Era o tipo de oficial que empenhava todas as forças na execução de suas tarefas, mesmo que as missões não fossem muito importantes.

A pequena esquadrilha de patrulhamento espalhara-se no sistema de Outside. O couraçado do comodoro estava estacionado a cerca de duzentos e cinqüenta mil quilômetros de Surprise, quando seis naves fragmentárias saíram inesperadamente do hiperespaço.

Em comparação com as outras naves terranas, o couraçado de Imarez encontrava-se a pouca distância do mundo quente do tamanho da Lua. Como de costume, o aparecimento das naves fragmentárias não foi acompanhado por qualquer abalo estrutural. Mas, quanto ao mais, os pos-bis não fizeram o menor esforço para ocultar sua intenção. Desenvolvendo a atuação direta que lhes era peculiar, avançaram em direção ao objetivo. E não havia a menor dúvida de que esse objetivo era o planeta Surprise.

Imarez começou a agir três segundos depois do momento em que os aparelhos de rastreamento identificaram as naves fragmentárias. Os pos-bis penetraram no sistema sem tomar conhecimento da presença das naves terranas.

Imarez mandou que duas naves se colocassem na trajetória dos pos-bis, apenas para verificar até que ponto pretendiam chegar os robôs. Enquanto os dois couraçados se deslocavam em velocidade elevada para um ponto que as naves fragmentárias não demorariam a atingir, Imarez fez uma ligação de hiper-rádio com Rhodan. O comodoro estava disposto a assumir qualquer tipo de responsabilidade, mas a situação exigia a tomada de decisões em nível mais elevado. Ao que parecia, os pos-bis pretendiam atacar os terranos, os mesmos terranos que há três semanas haviam salvo dos laurins.

Isso confirmava a suposição de importantes cientistas terranos, segundo os quais houvera uma cisão na dinastia de robôs. Já se tinha certeza absoluta de que o poder decisório sobre os robôs não cabia exclusivamente aos cérebros de plasma. As experiências colhidas com os pos-bis revelavam que nos grandes planetas dos robôs biopositrônicos ainda devia haver gigantescos centros de computação hiperimpotrônica, que exerciam uma influência decisiva sobre os atos dos robôs.

Ao que tudo indicava, os pos-bis estavam sendo conduzidos por duas forças distintas. Uma dessas forças era o plasma celular, e a outra, o gigantesco centro de computação positrônico. Era por isso que os fatos inexplicáveis se transformavam numa constante. Os corpos dos pos-bis não passavam de órgãos de execução de dois centros de comandos que não se entendiam muito bem: o plasma e os computadores.

Imarez não tirava os olhos da tela do sistema de rastreamento espacial. As seis naves fragmentárias eram perfeitamente visíveis, enquanto as duas naves que, dali a alguns segundos, cruzariam sua rota apareciam sob a forma de pontos luminosos trêmulos, que mudavam rapidamente de posição. Naturalmente o comodoro não tinha uma visão real das naves. Apenas percebia os impulsos do sistema de rastreamento espacial, transmitidos por via eletrônica e convertidos em imagens perceptíveis ao olho.

Imarez dirigiu-se ao radioperador.

— Já conseguiu a ligação, tenente?

O Tenente Walsh fez um gesto negativo. A mensagem de rádio transmitida por Imarez, que devia passar por uma série de estações retransmissoras, sofria uma pequena perda de tempo a cada retransmissão. O comodoro sabia disso.

Imarez voltou a olhar para a tela. Seu rosto anguloso não dava mostras de qualquer sentimento. Apenas notava-se um ligeiro tremor de suas mãos, quando as duas naves terranas se aproximaram do inimigo o suficiente para que este pudesse empreender uma ação bélica. Imarez ordenara aos dois comandantes que se retirassem imediatamente, caso houvesse um ataque.

Os pos-bis não deixaram que os terranos os detivessem. Prosseguiram à mesma velocidade, em direção ao objetivo. Imarez segurou o microfone do rádio comum, a fim de comunicar-se com os comandantes.

— Façam disparos de advertência! — ordenou.

Os comandantes não tiveram tempo para cumprir a ordem, pois os pos-bis abriram fogo em primeiro lugar. E não se contentaram com simples disparos de advertência. Procuraram destruir desde logo as naves terranas.

— Retirem-se! — gritou Imarez.

Os comandantes tiveram de fazer um esforço extraordinário para retirar as naves expostas a um fogo cerrado da zona de perigo. Imarez, que observava o desenrolar dos acontecimentos, mordeu o lábio. Em Surprise havia quase mil cientistas examinando a base subterrânea.

Tomara que os pos-bis não tenham a idéia de bombardear o planeta”, pensou o comodoro.

— A ligação já foi completada, sir — disse o Tenente Walsh.

Imarez fez um sinal para o imediato, que passou a encarregar-se do rádio comum. O comodoro dirigiu-se ao lugar em que estava Walsh, e este imediatamente cedeu o lugar a seu superior.

Imarez enviou uma notícia-relâmpago, que informaria Rhodan sobre o ataque dos pos-bis.

E foi essa notícia que fez com que Jefe Claudrin, comandante da nave capitânia, desse o alarma geral. Dali a alguns segundos, Rhodan entrava na sala de comando da Teodorico.

Enquanto isso Imarez estava concentrando seu grupo de naves em torno de Surprise. Uma vez que já não havia a menor dúvida quanto às intenções dos pos-bis, o comodoro estava decidido a defender o planeta, custasse o que custasse. Sabia que não poderia contar com o auxílio de outras naves, pois o tempo era muito escasso. Além disso a Frota Solar estava muito subdividida. Rhodan se vira obrigado a espalhar as naves praticamente por toda a Galáxia. O grupo de patrulhamento que vigiava o Sistema Azul exigira a utilização das últimas reservas. Se quisesse exercer uma vigilância completa de todas as áreas de perigo, o Império Solar precisaria de muito mais que o dobro das naves de que dispunha.

Imarez sentiu uma certa melancolia ao pensar nas vinte e sete naves sob seu comando, já que representavam um grupo muito pequeno para resistir a um ataque mais sério. Se os pos-bis resolvessem usar os raios conversores, dificilmente seria capaz de detê-los.

Imarez expediu uma mensagem simbólica para convencer os robôs de que pode-riam chegar a um entendimento, desde que estes aceitassem algumas condições, mas a tentativa não produziu o menor resultado. Os pos-bis ignoraram a alegação de que os terranos pertenciam à verdadeira vida.

As naves fragmentárias aproximaram-se de Surprise. Só pararam quando houve o encontro com a flotilha do império. Ambos os lados abriram fogo. Mas, depois de alguns minutos, Imarez compreendeu que não seria capaz de defender Surprise por muito tempo.

 

Emmet Loden teve a nítida impressão de que, no interior do transmissor, o ar tinha cheiro de mofo. Era um cheiro estranho, semelhante ao produzido pela madeira podre, mas tinha algo de diferente, dando a impressão de que penetrava por certas aberturas invisíveis, vindo de uma fonte inconcebível Loden logo abandonou a idéia, pois era de se supor que houvesse alguma causa plausível para o ar viciado. Além disso, os outros homens nem pareciam notar o tal cheiro.

Com um gesto arrogante o Dr. Riesenhaft exigiu que Albright fechasse a entrada do transmissor.

Loden sentiu frio, apesar do calor que fazia no interior do transmissor. Riesenhaft lançou olhares recriminadores para seus companheiros.

— Não permitiremos que nada nos perturbe. A distração durante o trabalho sempre se mostrou prejudicial.

Ele nos trata como se fôssemos um bando de crianças tolas”, pensou Loden, contrariado.

Riesenhaft saltitava sobre suas perninhas de um lado para outro do transmissor.

— É provável que os laurins também tenham descoberto este transmissor. Mas duvido que soubessem como usá-lo.

Deu uma risadinha, produzindo um ruído desagradável, que tinha algo de metálico. Riesenhaft costumava duvidar que outros seres fossem capazes de praticar um ato que ele não conseguia executar.

— Resta saber se tinham interesse em usá-lo — observou Bergmann. — Provavelmente só os seres de Mecânica souberam controlar o aparelho. Os laurins talvez tivessem ido parar em algum lugar situado entre as dimensões...

— Blá-blá-blá — coçou o cavanhaque, enquanto os olhos chamejavam. — Seu pensamento é tão pesado como seu corpo — disse Riesenhaft para insultar Bergmann.

Este meio-quilo deveria lembrar-se de que o aspecto exterior da pessoa não revela suas qualidades intelectuais”, pensou Loden.

— Não podemos excluir a possibilidade de que os laurins nem tivessem qualquer idéia sobre a finalidade do transmissor — observou Shawlee, em tom exaltado. — Acho que não se arriscariam a experimentar aparelhos cuja finalidade não conheciam.

Depois de algum tempo, Loden encontrou um trecho de parede em que podia apoiar confortavelmente as costas. Soltou um suspiro de alívio e recostou-se, enquanto o Dr. Riesenhaft erguia o dedo e prosseguia em tom professoral:

— É claro que não temos nenhuma prova de que os laurins possuam transmissores. Por isso pode-se perfeitamente supor que, se por acaso encontrassem um aparelho desse tipo, não saberiam o que fazer com o mesmo.

Riesenhaft abanou a cabeça, como se quisesse exprimir sua tristeza pela incompetência dos companheiros, que não conseguiam acompanhá-lo nas alturas imensas de seus vôos espirituais.

— Os laurins são bastante desenvolvidos no que diz respeito à tecnologia e sua navegação espacial não fica a dever coisa alguma à nossa. E quando essa raça tão desenvolvida encontrar um transmissor, mais dias menos dia acabará realizando experiências com o mesmo...

Os homens estavam tão profundamente envolvidos na discussão que nem ouviram o zumbido do aparelho de rádio. Só interromperam a discussão quando Loden se afastou da parede, pálido como cera. Por um instante Loden teve a impressão de que a parede vibrava e sentiu que as vibrações não eram nada inofensivas, pois vinham das profundezas.

— O que houve com o senhor, Emmet? — perguntou Riesenhaft, em tom de alarma.

Loden deixou-se cair para trás apenas o suficiente para que as pontas dos dedos tocassem a parede. Teve a impressão de que estava apalpando uma substância viva. O material estava sendo sacudido e todo o transmissor iniciara uma movimentação inexplicável. De repente Loden viu uma imagem distorcida do Dr. Riesenhaft. A forte trepidação fez com que seus contornos se apagassem aos olhos de Loden. Até mesmo a voz do cibernético parecia desfigurada quando ele gritou em tom de pânico:

— Temos de sair daqui.

Estas palavras fizeram com que Loden abandonasse a rigidez. Correu em direção à saída no momento em que o chão também começou a tremer.

Bergmann estava bem à sua frente. Era um vulto enorme que executava movimentos seguros em meio à confusão. Chegaram à entrada do transmissor. Bergmann tentou abrir a porta. Virou-se abruptamente e fitou Loden.

— Está trancada — disse, perplexo.

Loden olhou para além do sueco. Gostaria de fazer uma tentativa de abrir a porta, mas Bergmann parecia petrificado. O sentimento de que algo de terrível, alguma coisa diante da qual se viam indefesos tinha acontecido, fez com que Loden desesperasse.

Riesenhaft, que lidava com o rádio, informou:

— É o doutor Bryant. Neste momento diz que o planeta está arrebentando...

 

Nove naves do grupo do Comodoro Imarez já haviam sido obrigadas a retirar-se. Até mesmo os campos defensivos mais potentes não resistiam por muito tempo às armas pesadas dos pos-bis. A violência dos ataques dos robôs provava que pretendiam conquistar Surprise, houvesse o que houvesse.

Quando a nave voltou a tremer sob os efeitos de um impacto, o Comodoro Felipe Imarez abriu o botão de cima do uniforme e fez um sinal para o Tenente Walsh.

— Expeça uma mensagem, tenente — ordenou. — Comunique ao administrador que não conseguiremos manter Surprise.

Walsh era um oficial muito jovem. Não escapou ao olhar experimentado de Imarez que o radioperador tinha de fazer um grande esforço para controlar-se. Seu rosto estava mais pálido que a tela de um videofone.

Três naves dos robôs já haviam rompido as linhas dos barcos terranos e aproximavam-se de Surprise. Imarez acompanhava os acontecimentos pelo rastreamento espacial. Resolveu fazer mais uma última tentativa para demover os robôs de seu intento.

— Atenção! — gritou junto ao microfone do rádio comum. — Chamo os comandantes de todas as naves que ainda são capazes de participar da ação. Se unirmos nossas forças, talvez consigamos destruir pelo menos uma das naves fragmentárias. Vamos escolher uma das que já romperam nossas linhas. Se a destruirmos, os pos-bis talvez voltem.

Bronston, o imediato que pilotava a nave, lançou um olhar de perplexidade para Imarez, quando mais um impacto sacudiu o couraçado. Os gigantescos geradores uivaram, pois por alguns segundos os enormes campos defensivos consumiram quase toda a energia de que dispunha a nave. As luzes pareciam apagar-se, mas o couraçado logo se afastou velozmente.

A nave de Imarez ia na ponta das formações terranas. À sua frente três naves fragmentárias dirigiam-se ao planeta do tamanho da Lua. Outras três naves fragmentárias pareciam afastar-se de Surprise. Imarez sabia que não deveria alimentar nenhuma esperança. Os robôs voltariam a aparecer em outro lugar.

A nave terrana foi alcançando os veículos espaciais fragmentários. Imarez informou os comandantes sobre a nave dos pos-bis que fora escolhida como alvo do fogo concentrado. Nesse mesmo instante o Tenente Walsh transmitiu outra notícia-relâmpago para Rhodan. O administrador foi informado de que, segundo tudo indicava, Surprise estava perdido.

Na cabeça do Comodoro Imarez foi surgindo um plano sobre a melhor maneira de levar a um lugar seguro os mil cientistas que trabalhavam em Surprise. Resolveu que dois couraçados pousariam no planeta. Entrou em contato com o Dr. Bryant, que chefiava as pesquisas naquele mundo quente. O cientista foi informado sobre os acontecimentos que se desenrolavam no espaço. Naqueles segundos começaria a reunir as diversas equipes de pesquisa.

O cérebro de Imarez trabalhava como uma máquina exata. Enquanto refletia sobre o problema do salvamento, já dava novas ordens ao comando de tiro.

As dezoito naves restantes da esquadrilha de patrulhamento abriram fogo contra uma nave fragmentária. Já estavam bem próximos de Surprise. Na opinião de Imarez, estavam próximos demais. Fez um sinal de advertência para Bronston, mas este já se achava a par da situação. Por espantoso que pudesse parecer, as outras duas naves fragmentárias não se preocuparam com o companheiro que estava sendo atacado. Continuavam a deslocar-se velozmente em direção a Surprise.

Quando tiverem pousado será tarde”, pensou Imarez.

Sua agitação interior não provinha do medo, mas da sensação segura de que não estava em condições de deter os robôs. Naquele momento Bronston disse com a voz pesada:

— Nós o liquidamos, sir!

Nem mesmo os campos relativistas dos pos-bis conseguiram resistir ao fogo concentrado de dezoito couraçados terranos. Gravemente atingido, o gigantesco cubo começou a descer balouçante em direção ao planeta. A sensação de triunfo que começou a surgir no peito do comodoro logo se mesclou com um sentimento de pavor, pois percebeu o que aconteceria com a nave inimiga avariada. Se não houvesse nenhum imprevisto, a nave dos robôs cairia sobre Surprise. Era uma nave enorme com uma tremenda aceleração. E não haveria nenhuma atmosfera que pudesse retardar a queda.

Imarez lançou um olhar desesperado para as telas. Nem mesmo uma fantasia controlada seria capaz de imaginar os acontecimentos que poderiam ser provocados pela queda da nave. A única coisa que Imarez compreendeu foi que mil terranos se encontravam sob um terrível perigo. Bronston, que era um homem experimentado, já tirara suas conclusões da trajetória involuntária da nave dos pos-bis.

— Se a nave cair sobre a base, podemos voltar logo — disse em tom sombrio. — Ninguém sobreviverá ao desastre.

Imarez fitou o planeta, que deslizava preguiçosamente sob a forma de um disco diante do couraçado. Naturalmente era uma ilusão, pois era a espaçonave que se movia. Imarez nem se atreveu a pensar no que poderia acontecer aos cientistas. Sua ordem de ataque praticamente desafiou os acontecimentos.

Perplexos, os homens acompanharam a queda da nave dos robôs.

— O doutor Bryant está chamando — anunciou Walsh, em tom inseguro. — Quer novas informações.

Imarez sentiu algo estranho. Fez um grande esforço para controlar-se.

— Diga-lhe que daqui a pouco pousaremos para iniciar a operação de salvamento — ordenou.

Fez como se não notasse a pergunta muda nos olhos do tenente. Walsh engoliu em seco e voltou a dedicar-se ao trabalho.

É horrível ter de mentir para um homem”, pensou Imarez. “Principalmente quando este homem só tem alguns segundos de vida.

O comodoro viu que as duas naves cúbicas, que já se preparavam para pousar, desistiram de seu intento. Por certo os comandantes-robôs haviam percebido o que aconteceria com as naves danificada. As naves inimigas retiraram-se para o espaço.

O impacto da gigantesca nave liberou energias que correspondiam a mais de trinta mil gigatons de T.N.T.

A enorme velocidade da queda e a massa gigantesca fizeram com que a nave penetrasse quase cinco quilômetros no solo quebradiço de Surprise.

Todo o planeta foi sacudido por tremores internos. Bronston recostou-se na poltrona do piloto, como se não conseguisse, compreender os acontecimentos.

— O doutor Bryant está chamando — anunciou Walsh. — Quer saber o que aconteceu. Diz que o planeta vai arrebentar.

Imarez começou a mexer-se. Os cientistas haviam sobrevivido ao impacto, e dali se concluía que este não poderia ter ocorrido nas proximidades da base.

— Duas das nossas naves pousarão imediatamente nas proximidades da base, a fim de recolher as equipes de pesquisa — ordenou o comodoro.

Lançou um olhar para a tela, que mostrava parte do planeta. Uma chama enorme surgiu. Eram massas de lava que saíam do solo em decomposição. Em Surprise, que por si já era um mundo infernal, passaram a reinar condições caóticas. Imarez sabia perfeitamente que o pouso das espaçonaves envolveria um risco.

— A base começa a desmoronar — disse Walsh, com a voz trêmula. — Pedem que nos apressemos.

Surprise estava tomando toda a tela panorâmica. As devastações provocadas pela queda da nave fragmentária eram inacreditáveis. Uma gigantesca fenda, em cujo interior caberia uma metrópole, começou a surgir na extremidade do pequeno mundo. Outra fenda surgiu na parte inferior da imagem. O planeta iria explodir... A língua de fogo continuava a agigantar-se. Inúmeras ramificações cobriram o terreno desprotegido. E a lava incandescente também vinha à tona em outros pontos, transformando a paisagem num inferno borbulhante.

As energias liberadas não permitiam um contato perfeito com os cientistas que estavam à espera de socorro. Walsh, que falava constantemente com o Dr. Bryant, parecia estar próximo ao esgotamento. Por um instante as naves que Imarez designara para a ação de salvamento apareceram na tela. Eram dois gigantes esféricos de aço de Árcon, que desciam em direção ao mundo conturbado.

O comodoro olhou para o relógio de bordo. As naves dos pos-bis haviam desaparecido. Para eles Surprise perdera todo valor, da mesma forma que para os laurins e para... os terranos. Dentro em breve Outside perderia mais um planeta. A base subterrânea dos seres de Mecânica desapareceria juntamente com o mundo em que fora construída.

 

O Major Tchu Kameh arrastou o último homem para dentro da eclusa. O terrano procurava resistir e gritava alguma coisa, mas Tchu Kameh não lhe deu atenção. Um segundo a mais que permanecessem nesse inferno poderia representar a morte de todos. Já haviam esperado demais. Um dos couraçados já decolara com seiscentos homens resgatados a bordo. Metade da base já desmoronara. Naquele momento, a torrente de lava se precipitava pelos corredores e pavilhões subterrâneos.

Tchu Kameh mandou fechar a escotilha e ordenou que a nave decolasse imediatamente. O homem que entrara por último abriu o capacete do traje espacial. Seu rosto tinha traços bondosos, mas naquele momento parecia sério e preocupado.

— Sou o doutor Bryant — disse. — Chefiei os trabalhos de pesquisas em Surprise.

Tchu Kameh sentiu-se aliviado ao perceber que a nave se erguia do solo.

— Lamento que isso tenha acontecido — disse, dirigindo-se ao Dr. Bryant. — De qualquer maneira, podemos dar-nos por satisfeitos porque a operação de salvamento se tornou possível.

O cientista abanou a cabeça.

— Nem todos os homens estão a bordo. — disse com a voz débil. — Uma equipe de cinco homens ainda está em Surprise.

O asiático fitou Bryant com uma expressão de incredulidade.

— Será possível? Esperamos tanto!

— Os homens estão presos no transmissor, que deve ter-se fechado por si mesmo. Não conseguiram sair mais.

O Major Tchu Kameh abaixou a cabeça.

— Não podemos voltar, doutor — disse em tom de desânimo. — Não posso arriscar a vida de toda esta gente.

O Dr. Bryant acenou com a cabeça. A nave continuava a acelerar. Logo saiu da zona de perigo. Nem por isso o Dr. Bryant se sentiu mais aliviado. Era possível que o Dr. Riesenhaft e seus companheiros ainda estivessem vivos, à espera de socorro. Estariam trancados no transmissor, sem saber o que estava acontecendo na superfície. Uma morte horrível seria o destino desses homens. Só lhes restava esperar que não demorasse muito.

— Procure conformar-se — disse o Major Tchu Kameh. — Estes homens não morreram em vão.

Se o Dr. Bryant imaginasse que o Dr. Riesenhaft e sua equipe sobreviveriam à explosão de Surprise, talvez teria dado uma resposta. Mas como nem desconfiasse dessa possibilidade, afastou-se sem dizer uma palavra e entrou na sala de comando juntamente com o major. Atrás deles um planeta morria no espaço...

 

Para Emmet Loden, a morte sempre fora uma coisa que só acontecia aos outros. Até então acreditara firmemente que possuía certa imunidade contra a contingência de morrer. Por isso as palavras do Dr. Riesenhaft atingiram-no mais pesadamente do que aos outros homens.

Quem primeiro recuperou o autocontrole foi Bergmann.

— Precisamos avisar imediatamente o doutor Bryant de que não conseguiremos sair daqui se não recebermos auxílio. Ele deverá enviar um grupo que abra um buraco a fogo na parede da nossa prisão.

— A base desmoronou, a base desmoronou — disse Shawlee com uma violência que chegava às raias da histeria.

Repetiu a frase mais três vezes. Finalmente Albright deu-lhe um violento empurrão.

Loden foi o único que não fez absolutamente nada. Teve a impressão de que qualquer movimento seria um contra-senso totalmente inútil.

Depois de algum tempo, o Dr. Riesenhaft, que ouvia o rádio, disse:

— Shawlee, o senhor tem razão. O doutor Bryant acaba de informar que parte dos pavilhões desmoronou. Uma espaçonave dos pos-bis caiu sobre o planeta e sua explosão foi que causou todo esse alvoroço. Bryant prometeu que nos ajudará assim que tiver oportunidade de entrar na base. Duas naves do grupo de patrulhamento estão pousando para salvar-nos.

Loden teve a impressão de que as palavras do cibernético representavam um consolo muito fraco. Se era verdade que parte da base acabara de desmoronar, seria difícil para a equipe de salvamento alcançar o lugar em que se encontravam. Antes que pudesse chegar, o planeta explodiria.

Bergmann e Albright puseram-se a examinar minuciosamente as entradas do transmissor. Albright era um homem de baixa estatura, de cabelos escuros, penteados para trás. Sempre tinha o aspecto de manequim de loja de confecções masculinas. Só mesmo numa hora como esta perdera algo de seu aspecto bem cuidado.

Shawlee foi olhando para seus companheiros, como se o rosto dos mesmos pudesse revelar se ainda havia alguma esperança. Vez por outra, Loden encostava a ponta dos dedos na parede do transmissor. O tremor ficara diferente; vinha sob a forma de solavancos, e não mais como uma vibração. E agora parecia muito mais perigoso.

Loden percorreu os poucos metros que o separavam do Dr. Riesenhaft. Este virou-se.

— É o fim — disse o cientista, em tom obstinado. — O doutor Bryant não responde mais. Suas últimas palavras informaram-me de que era obrigado a deixar o lugar em que se encontrava, pois as naves acabavam de pousar.

— Mas eles não podem permitir que morramos aqui embaixo — gritou Shawlee.

Albright abandonou o lugar que ocupava junto à entrada.

— Cale a boca! — gritou, cansado. Shawlee aproximou-se do Dr. Riesenhaft. Apontou para o rádio.

— Procure entrar em contato com as naves, doutor.

O cientista entregou o aparelho a Shawlee.

— O senhor mesmo pode tentar.

Loden olhou em direção à saída. Bergmann não mais se esforçava para abrir a porta. Nenhum ruído atravessou as grossas paredes metálicas do transmissor. De repente ocorreu um forte solavanco. Loden foi atirado longe. Ouviu o grito de Albright e viu Shawlee esbarrar no Dr. Riesenhaft. Depois disso ficou escuro. O transmissor sofreu outro solavanco, mas Loden segurou-se fortemente.

— Que sepultura impressionante — disse Bergmann, em meio à escuridão.

Loden comprimiu a cabeça contra a parede interna do transmissor. O metal ia sendo aquecido rapidamente.

 

Perry Rhodan contornou o assento do piloto e apoiou ambas as mãos sobre a mesa de mapas. Claudrin também se levantou. Seu corpo largo ocupava quase toda a extensão da mesa. Atlan inclinou-se sobre um mapa estelar aberto na mesa.

— Este ponto já foi Surprise — disse. — Podemos tirá-lo do mapa. Este mundo não nos deu muita sorte, bárbaro.

Rhodan sacudiu a cabeça. Parecia pensativo.

— Afinal a esquadrilha do Comodoro Imarez conseguiu salvar todos os cientistas, com exceção de cinco homens, antes que Surprise arrebentasse em três partes.

Claudrin pigarreou cautelosamente. Mas não pôde evitar que o ruído retumbante fizesse os homens levantar as cabeças. Sorriu como quem pede desculpas.

— Infelizmente perdemos mais uma chance de encontrar alguma coisa que nos permita eliminar a invisibilidade dos laurins — disse.

— Acho que esta chance nunca foi muito grande — falou Rhodan. — Pelo contrário. Os trabalhos realizados em Surprise não nos proporcionaram o menor progresso. Neste momento seria um erro alimentarmos falsas esperanças. Não temos absolutamente nada que compense a invisibilidade dos laurins. E não parece que venhamos ter num futuro previsível.

Atlan fitou seu velho amigo por cima da mesa.

— De que forma pretende melhorar a situação perigosa em que nos encontramos?

— Os preparativos para a expedição planejada prosseguirão de qualquer maneira. Apesar do ataque dos pos-bis a Surprise, ainda acredito que consigamos chegar a um acordo com os robôs — a mão de Rhodan passou por cima da mesa. — Na verdade, teremos de chegar a um acordo com eles, se não quisermos perder tudo isto.

Atlan percebeu toda a seriedade destas palavras.

Os bárbaros já têm um problema que não será tão fácil de resolver”, pensou o arcônida e reprimiu um sorriso.

O problema não era apenas dos terranos, mas também dele mesmo.

 

No primeiro instante, Emmet Loden teve a impressão de que a iluminação voltara a ficar intacta. Mas, quando se levantou, viu que a mesma era apenas uma incandescência avermelhada vinda de uma fonte invisível, que envolvia o recinto numa luz mortiça. Já reconhecia perfeitamente os outros homens. Bergmann continuava parado junto à entrada e Shawlee estava encolhido num canto, enquanto o Dr. Riesenhaft permanecia de pé no centro do transmissor, como se estivesse disposto a aceitar um desafio explícito. Albright estava encostado à parede interna e lançou um olhar indagador para Loden.

A luz ficou um pouco mais forte. Não aconteceu mais nada.

— O que será isso? — perguntou Loden. — O senhor acredita que há uma equipe de salvamento lá fora, doutor?

— Tolice — afirmou Riesenhaft, que recuperara a arrogância. — A luz está sendo gerada no interior deste recinto. Provavelmente o tremor fez funcionar algum contato.

A esperança incipiente de Loden cessou imediatamente. Deu um passo atrás, pois alguma coisa aconteceu com seu corpo...

Percebeu imediatamente que não era capaz de controlar o fenômeno. Demorou apenas alguns segundos, e os cinco homens que se encontravam no interior do transmissor deixaram de existir!

Os antigos habitantes de Mecânica não se haviam esquecido de nada quando construíram suas bases, nem mesmo das situações catastróficas. Não costumavam deixar nada entregue ao acaso.

Acontece que nem o Dr. Riesenhaft nem seus companheiros desconfiaram disso. No estado em que se encontravam, não eram capazes de conceber qualquer idéia. O misterioso transmissor expelira-os pouco antes da destruição final de Surprise.

Expelira-os para onde?

As possibilidades que se abriam para os cinco terranos não eram muito numerosas. Poderiam ficar perdidos para todo o sempre entre as dimensões. Mas também era possível que saíssem em outro transmissor. O número dos transmissores de Mecânica, isto é, os que ainda existiam, era bastante reduzido, e os planetas em cuja superfície os mesmos haviam sido instalados tinham em comum uma propriedade nada agradável: eram perigosos!

 

O toco de cauda muito largo de Schopproit começou a tremer de indignação. Seu rosto de foca com os olhos úmidos e redondos desfigurara-se numa careta zangada. Já havia certeza absoluta quanto a um fato. Tosnik estava roubando as folhas inferiores de sua planta.

Foi subindo pelo caule o mais que seu corpo gordo permitia. Se Tosnik deixou as folhas superiores para Schopproit, ele o fez por incapacidade de alcançá-las, não em virtude de qualquer sentimento de decência.

Para Schopproit, o tronco desnudado dava um aspecto repugnante à planta. Seria impossível apresentá-la para ser premiada no estado em que se encontrava. Tosnik vigiava sua planta como se fosse um santuário, adubava-a oito vezes por dia e construíra uma cerca de folhas para protegê-la; em compensação atacava outras plantas para saciar sua voracidade.

O corpo de Schopproit, que tinha o tamanho de um cachorro bassê e era coberto por pêlos azuis, tremia de raiva. Era claro que não havia como provar o furto praticado por Tosnik, mas as pistas levavam ao seu refúgio. Não foi por nada que Schopproit ficou acordado a noite inteira. O cheiro fora o de Tosnik, pois o odor úmido do regato ainda enchera o ar por algum tempo. A toca de Tosnik ficava junto ao regato, no pé da encosta, enquanto Schopproit era obrigado a dormir lá em cima, junto com os filhotes.

Muito triste, Schopproit contemplou sua planta, cujas folhas remanescentes se moviam ligeiramente sob os efeitos da brisa matutina. Ouviu alguém escorregar atrás dele. Virou a cabeça e viu Sorenzeych surgir sob a luz do crepúsculo.

O jovem fez um sinal em direção à planta.

— Foi Tosnik! — chiou Schopproit. Sorenzeych foi saltitando em direção à planta, ainda um pouco sonolento. Era um dos chefes de grupo dos jovens, mas não tinha direito à planta.

— E agora? — perguntou com um interesse sincero.

Schopproit foi virando a cabeça, até que seu rosto apontasse exatamente para a cidade proibida. Viu Sorenzeych estremecer, enquanto o vento cada vez mais forte agitava os pêlos azuis do jovem.

— Vou para lá! — disse Schopproit, anunciando uma resolução inabalável.

Sorenzeych demonstrou um espantoso autocontrole para sua idade. Sua voz superou o murmúrio do regato.

— Acho que é a única possibilidade de ganhar um prêmio no próximo concurso.

— Isso mesmo — disse Schopproit, que de repente se sentiu tomado por um profundo desespero, quando viu os contornos da planta que perdera todo valor distinguirem-se contra o céu matutino.

Só agora se dava conta de que tinha o prêmio como certo, o que representaria a única oportunidade de afastar-se um pouco dos alojamentos dos jovens e descer um pedaço da encosta, para se aproximar do regato.

Schopproit não tinha nada contra os jovens, mas já era tão velho que quase chegava a ser constrangedor que ainda morasse num ponto tão alto da encosta.

— Isso poderá custar-lhe a vida — disse Sorenzeych.

— Sei disso — respondeu Schopproit.

Não esperou que Sorenzeych formulasse outra objeção, pois receava que o chefe de grupo ainda conseguisse fazê-lo mudar de idéia. Correu obliquamente encosta abaixo, o mais rápido que suas pernas curtas permitiam. Quando chegasse à cidade proibida já seria dia claro.

Os outros ainda estavam dormindo. Schopproit resistiu à tentação de passar junto ao refúgio de Tosnik e gritar-lhe um insulto. Atingiu o regato. Naquelas horas matutinas, a água era fria. Mas o contato com a mesma deu um prazer todo especial a Schopproit. O regato formava a divisa da cidade proibida. Quem se atrevesse a sair da água na margem oposta correria o risco de ser preso e morto pelos guardas. Às vezes, estes costumavam atirar alguém vivo para dentro do regato.

Segundo dizia a tradição, a cidade proibida nem sempre existira do outro lado do regato. Devia ter surgido há muitas gerações. A inteligência de Schopproit apenas bastava para que este tivesse uma idéia mais que superficial sobre a origem da cidade e dos guardas. Para ele, tudo isso fazia parte da natureza. Ele as aceitava da mesma forma que aceitava o vento, a noite, o regato e a lei da encosta.

Qualquer um que conseguisse levar avante a passagem por baixo da cidade podia ter certeza de descer um pedaço pela encosta, para ocupar uma toca mais úmida, que era mais confortável. O túnel que passava por baixo da cidade era tão velho quanto esta. Os seres de sua raça o vinham cavando há tempos imemoriais, na esperança de um dia chegarem ao interior da cidade sem que os guardas os vissem e matassem. Schopproit deixou que a correnteza o levasse. Vez por outra empurrava-se com as pernas, para se aproximar da margem oposta.

Depois de algum tempo descobriu um lugar mais raso na margem oposta. Nadou em direção ao mesmo com braçadas vigorosas. Sentiu chão sob as pernas curtas e foi saindo da água. A encosta não passava de uma sombra que se erguia na margem oposta do regato. Schopproit farejou o ar. Dali em diante dependeria exclusivamente de si mesmo. Se depois de algum tempo não tivesse voltado à encosta, ninguém sairia à sua procura. Num gesto resoluto foi abrindo caminho entre os juncos, que farfalharam ao contato de seu corpo. O perfume dos arbustos de souk em plena florescência atingiu-o. A claridade aumentava constantemente, fazendo com que encontrasse a trilha com a maior facilidade. Seu pêlo secou rapidamente sob o efeito do vento matutino e foi alisado pelos juncos. Um blychost saltitou pela vegetação à sua frente e desapareceu na direção do regato. Provavelmente Schopproit perturbara seu repouso noturno, pois um blychost costuma dormir até que o dia tenha clareado por completo.

Schopproit encostou os pás-barbatanas ao corpo para avançar mais depressa. Percebeu imediatamente que se aproximava da cidade, pois a vegetação estava ficando mais escassa. Os guardas costumavam queimar toda a vegetação junto à cidade. Esta era cercada por um anel de terra queimada, sobre a qual apenas se viam as raízes resistentes dos arbustos souk.

Tal qual todos os habitantes da encosta, Schopproit sabia perfeitamente onde ficava a entrada do túnel. Os antepassados de Schopproit já haviam passado por lá, para fazer avançar a passagem subterrânea. Schopproit não sabia até onde haviam chegado os trabalhos. Não acreditava que o túnel já tivesse avançado até embaixo da cidade.

Apesar da névoa, Schopproit reconheceu imediatamente o arbusto souk de galhos retorcidos. Correu em direção ao mesmo. A entrada da cavidade subterrânea fora mais bem camuflada do que supusera. Afastou cuidadosamente as folhas. Antes de descer para as profundezas lançou mais um olhar para a cidade proibida.

A mesma jazia calmamente no crepúsculo. Schopproit teve a impressão de que era formidável, mas também incompreensível. Estava cercada por uma muralha, atrás da qual os edifícios se erguiam em direção ao céu. A visão era tão estranha que Schopproit começou a vacilar no seu intento. Mas logo se lembrou do furto praticado por Tosnik. Schopproit atingira uma idade que não lhe permitia viver mais entre os jovens. Estava na hora de praticar uma façanha que o levasse um pedaço encosta abaixo.

Não havia dúvida de que Schopproit era o mais velho de sua raça que vivia entre os jovens. Envergonhava-se disso, embora os jovens fossem muito amáveis.

Schopproit fez um esforço para controlar-se. Já que a chance de conseguir uma cova melhor por meio de sua linda planta fora destruída, teria de aproveitar a última oportunidade que se oferecia.

Rastejou para dentro do túnel e usou as folhas caídas para fazer uma camuflagem precária da entrada. O túnel avançava a pouca profundidade, diretamente para a cidade. Em alguns lugares, o teto do túnel havia desabado e Schopproit tinha de abrir caminho por meio das pás-barbatanas.

Depois de algum tempo teve a impressão de que se aproximava da superfície. Pelos seus cálculos já havia percorrido mais da metade do trajeto. Uma indagação angustiante surgiu em sua mente. Até que ponto o túnel já fora cavado por seus antecessores? Será que chegava mais perto da cidade do que geralmente se admitia na encosta?

Schopproit continuou a rastejar, esperando a cada momento que o fim do túnel estivesse próximo. Por duas vezes passou por minúsculas galerias de ventilação. Chegou a pensar que o túnel não teria fim. Mas, de repente, encontrou resistência pela frente. A terra firme impedia seu avanço. Schopproit tinha certeza de que não se tratava de um simples desmoronamento.

Chegara ao destino. Podia dar início aos trabalhos de escavação. As pás-barbatanas de Schopproit entraram em ação. O pior trabalho viria depois; consistiria em remover a terra de dentro do túnel. Seus antecessores haviam usado uma folha de sespa, enchendo-a de terra e puxando-a para fora do túnel. Schopproit fazia votos de que, uma vez concluída a escavação, encontrasse uma folha nas proximidades da entrada da galeria.

Não tinha uma idéia clara sobre o tempo que levaria trabalhando. De qualquer maneira, pretendia fazer um trabalho que impressionasse.

De repente as pás-barbatanas agitaram-se no vazio. Schopproit teve a impressão de que apenas removera o entulho proveniente do desabamento. No entanto, viu a luz penetrar no túnel...

Schopproit colocou a cabeça para fora do túnel. O que seus olhos viram fez com que seu corpo enrijecesse de pavor. Uma coisa inacreditável acabara de acontecer: o túnel fora concluído!

Schopproit encontrava-se no interior da cidade.

Seus pêlos eriçaram-se instintivamente. Tremeu, dominado pelo pavor. Os olhos estavam arregalados, como se não pudessem aceitar a visão inconcebível que se descortinava à sua frente. Acabara de realizar uma coisa com que sua raça apenas sonhara há tempos imemoriais: concluíra o túnel. Já possuíam uma passagem subterrânea para a cidade proibida.

Tremendo por todo o corpo, Schopproit deixou-se cair no túnel.

 

Loden não conseguiu compreender como — isto é, dentro de tão pouco tempo — um corpo humano pudesse passar do nada para uma nova existência. Talvez o fenômeno incompreensível tivesse durado muito mais do que Loden supunha. Durante sua existência imaterial poderia ter decorrido praticamente qualquer lapso de tempo, pois, para ele, que deixara de existir, esse tempo sempre pareceria extremamente curto.

Loden abriu os olhos e viu imediatamente que se encontravam no interior de outro transmissor. O tipo de construção era o mesmo, mas a distribuição das entradas era diferente. Quando pretendia levantar-se, Loden constatou que estava totalmente esgotado.

O Dr. Riesenhaft, que se levantava naquele momento, olhou para as entradas. Provavelmente estava fazendo a mesma constatação que Loden. Shawlee se achava agachado no chão e sorria com uma débil expressão de confiança, enquanto Bergmann procurava pôr Albright de pé.

Loden sentiu-se grato ao registrar que já não se verificava nenhum abalo. Era mais uma prova de que não se encontravam mais no transmissor no qual tivera início o desastre. Loden lembrou-se de que em Surprise existira um único transmissor. Dali se concluía que não se encontravam mais em Surprise.

Loden enxugou o suor da testa. Se não estavam em Surprise, onde estariam? Ao lembrar-se do número enorme de possibilidades, soltou um gemido. O que aconteceria com eles se o transmissor em que se encontravam tivesse sido construído num mundo onde havia uma atmosfera de metano?

Não usavam trajes protetores, e por isso dependiam de um ambiente rico em oxigênio e com temperaturas suportáveis. Não viam absolutamente nada do mundo que os cercava. Para Loden, a nova situação era terrível. Estavam sentados num recinto minúsculo, haviam sido transportados através do nada e não sabiam o que os esperava.

Loden quase chegou a apavorar-se diante da perspectiva de que alguém pudesse abrir a entrada do transmissor.

O Dr. Riesenhaft foi o primeiro que recuperou a fala.

— Parece que realizamos um salto de transmissor — disse, falando com dificuldade. — O salto não foi voluntário, mas provavelmente nos trouxe a salvação, pois a esta hora dificilmente estaríamos vivos se nos encontrássemos em Surprise.

O sorriso de Shawlee intensificou-se diante das palavras do cibernético. Loden teve a impressão de que o visível otimismo daquele homem era prematuro. Por isso resolveu dizer:

— Ainda não sabemos em que mundo viemos parar, doutor.

Riesenhaft, que parecia ter recuperado parte de sua energia indestrutível, respondeu:

— De qualquer maneira, já não temos motivo para recear que tenhamos de explodir juntamente com um planeta. Estamos vivos e podemos descobrir calmamente em que ponto da Galáxia saímos.

Riesenhaft pôs-se a examinar sistematicamente a entrada do transmissor. As poucas ferramentas que traziam no corpo quando o transmissor os transportou para outro mundo não serviriam para muita coisa. Apesar disso Riesenhaft trabalhava com uma disposição que quase chegava a ser obstinada. Bergman e Albright ajudavam-no, enquanto Shawlee e Loden examinavam o interior do transmissor a fim de encontrar alguma indicação sobre as características do ambiente externo.

Pelo menos uma hora se havia passado quando, de repente, o Dr. Riesenhaft recuou, apavorado.

— O que foi que o senhor descobriu, doutor? — perguntou Bergman, ansioso. Os homens suspenderam o trabalho.

— Podemos parar com nosso trabalho — disse Riesenhaft com a voz constrita.

— O que aconteceu? — perguntou Albright.

— Não está ouvindo? — perguntou Riesenhaft, e seu braço artificial apontou para a entrada. — Alguém está abrindo a porta.

Loden e Shawlee fitaram-se, perplexos. Fora dessas paredes podiam existir milhares de coisas diferentes, que representassem um perigo mortal para os homens trancados. Instintivamente Loden deu um passo para trás.

— Tomara que lá fora exista oxigênio — disse Albright.

Era possível que morressem asfixiados antes que pudessem ver quem tentava libertá-los.

Não teve nem tempo de refletir sobre isso: a porta abriu-se e permitiu que os homens tivessem uma visão do mundo estranho.

Instintivamente Loden prendeu a respiração. Lá fora reinava o crepúsculo. O cibernético teve a impressão de ver as sombras de alguns edifícios mais ao longe. Expeliu cautelosamente o ar de seus pulmões e respirou profundamente. Seus órgãos não se rebelaram quando inspirou. Sobreviveriam, a não ser que a atmosfera tivesse algum componente venenoso...

Os olhos de Loden começaram a habituar-se à penumbra.

— Será que a porta se abriu automaticamente? — observou Bergmann, em tom pensativo. — O que acha, doutor? Será que por algum acaso ativamos o mecanismo do fecho?

Riesenhaft sacudiu resolutamente a cabeça calva.

— A porta foi aberta pelo lado de fora — afirmou.

O sueco aproximou-se cautelosamente da entrada.

— Onde estarão nossos libertadores?

Riesenhaft saiu, passando por Bergmann. No mesmo instante, Loden viu uma garra metálica vinda do lado. Riesenhaft desapareceu, atirado para longe. Ouviram seu grito de alerta, que parecia produzir um eco no interior do transmissor.

— É o comitê de recepção — disse Albright, em tom seco.

A garra metálica voltou a aparecer na porta aberta. Quando apareceu o restante do corpo, o coração de Loden quase arrebentou de tanto bater. Em toda a Galáxia só havia uma espécie de robôs que tinham esse aspecto bizarro. Eram os pos-bis!

Bergmann recuou, mas o robô seguiu-o firmemente para dentro do transmissor. Os pensamentos de Loden atropelaram-se. Recuou até a parede dos fundos do transmissor.

Revelando uma calma que quase chegava a ser milagrosa, Albright levantou a única ferramenta que havia trazido — uma chave múltipla — e avançou contra o pos-bi. Por um instante o robô pareceu perplexo, mas logo atirou a garra para a frente. Revelando grande habilidade, Albright desviou-se, mas não conseguiu impedir que o pos-bi o agarrasse pela gola da jaqueta e o levantasse abruptamente. Soltou uma terrível praga. Produziu um ruído oco ao atingir o pos-bi com a chave. Contudo sua resistência encarniçada foi em vão. O robô carregou-o. Nesse momento ouviu-se a voz de Riesenhaft, vinda de algum lugar no meio dos edifícios.

— Nada de pânico, minha gente! — gritou o cibernético. — Esses caras se parecem com os pos-bis, mas não passam de robôs comuns. Nenhum deles possui o plasma.

No momento seria totalmente inútil pensar em qualquer tipo de resistência. Provavelmente os robôs estavam sendo comandados por algum centro de computação, que lhes dera ordens terminantes, as quais não poderiam ser revogadas. Só lhes restava esperar.

— Deixaremos que nos levem — disse Loden, dirigindo-se a Bergmann e Shawlee. — O doutor Riesenhaft conseguiu transmitir-nos uma informação. Logo, não pode estar morto. Suponho que o centro de computação que comanda esses robôs está tão interessado em obter informações sobre nós, quanto nós estamos em descobrir onde viemos parar.

Bergmann e Albright eram homens equilibrados dotados de forte personalidade, que não se submeteriam à vontade poderosa do Dr. Riesenhaft.

Enquanto Loden refletia sobre o procedimento que deveria adotar nos próximos minutos e nas próximas horas, o robô voltou e levou Shawlee, que não ofereceu a menor resistência.

— Deixe que eu vá por último — pediu Loden, dirigindo-se ao sueco. — Dessa forma terei mais tempo para refletir.

— Quem dera que o “pequeno” pudesse ver o seu empenho — disse Bergmann, com um sorriso irônico, enquanto se postava junto à entrada.

— Não se preocupe com isso — respondeu Loden, em tom áspero.

Esperaram em silêncio que o robô voltasse. Este pareceu não fazer o menor esforço quando agarrou Bergmann e o levou. Mal este se encontrava fora do seu alcance visual, Loden começou a executar seu plano. Bergmann lhe dissera que junto à porta devia haver outro robô. Loden saiu resolutamente. Sentiu-se atingido por uma brisa fresca. Estaria enganado, ou será que realmente ficara mais claro depois que Riesenhaft desaparecera?

O guarda que se encontrava junto à porta agiu exatamente pela forma que Loden previra. Hesitou um pouco e segurou o terrano. Loden obrigara-o a agir em desconformidade com sua tarefa, que consistia apenas em ficar de guarda junto à porta. Sem dúvida, naquele momento o robô estava em contato com o centro de computação. Sem chegar próximo ao mesmo, Loden obrigou-o a modificar suas ordens. Isso não lhe custaria nenhum esforço, mas representaria um ganho de tempo para o Dr. Riesenhaft. Loden disse a si mesmo que teriam de encontrar um meio de manter o centro de computação ocupado ininterruptamente, a fim de que o dispositivo positrônico nunca tivesse certeza quanto aos terranos. Assim que o centro de computação tivesse uma opinião definida sobre os prisioneiros, haveria a possibilidade de que tomasse uma decisão que poderia produzir várias conseqüências, inclusive a morte dos cinco terranos.

Quando foi tocado pela brisa fria, Loden teve de espirrar. O corpo maciço do robô impedia quase toda a visão, mas assim mesmo passou a examinar os arredores. O transmissor fazia parte de uma base bem menor que a de Surprise. Além disso fora construída na superfície. Loden viu uma série de edifícios do estilo típico dos seres de Mecânica. Estavam dispostos em círculo. O centro propriamente dito distava uns cinqüenta metros de Loden. O transmissor ficava junto a um pavilhão alongado.

De repente, o robô começou a movimentar-se, arrastando Loden.

— Calma, amigo — disse Loden. — Uma pressa desnecessária só pode fazer mal.

O robô não parecia ser da mesma opinião, pois prosseguiu com a mesma velocidade. Loden caminhava desajeitadamente a seu lado, pois a garra que o segurava firmemente atrapalhava seus movimentos.

Atravessaram a área que os separava do edifício mais próximo. Loden aproveitou a oportunidade para orientar-se melhor. Guardou na memória o lugar em que ficava o transmissor. Era muito pouco provável que voltassem a usá-lo, mas nunca fazia mal tomar certas precauções para qualquer eventualidade.

— Para onde está me levando? — perguntou Loden, embora soubesse que não obteria resposta.

A qualquer hora acabaria pondo os olhos no destino ao qual se dirigia seu vigia.

Loden teve dificuldade em avaliar a idade da base, mas era provável que tivesse sido construída antes da de Surprise. Os robôs pertencentes à raça há muito extinta dos seres de Mecânica continuavam a funcionar. Criados pelos melhores cibernéticos da Galáxia, haviam sobrevivido aos seus criadores.

Loden sentiu despertar seu interesse profissional. Quando é que a Terra avançaria o suficiente para construir máquinas sofisticadas como estas? Loden confessou a si mesmo que por enquanto não havia contribuído muito para o progresso da Cibernética. Não teve muito tempo para lamentar-se, pois o robô entrou em um dos edifícios. Loden voltou a olhar para o terreno livre. Estava um tanto triste, pois sempre havia a possibilidade de que nunca mais sentisse o sabor da liberdade.

Quando a porta se fechou atrás dele, Loden se viu numa espécie de hall cujas paredes haviam sido pintadas com cores berrantes. Havia uma única máquina que ficava ao lado da entrada. O robô arrastou Loden para a mesma. Este imaginou que estava sendo submetido a uma espécie de controle prévio. Fosse qual fosse a intenção, Loden nunca soube do resultado da mesma. Foi empurrado para a frente. Uma porta de escorregar abriu-se à sua frente, pondo à vista um grande pavilhão, recheado de instalações maciças. De início o cibernético teve a impressão de que eram várias máquinas, mas logo constatou que se tratava de um só conjunto. Um corredor estreito passava junto ao revestimento metálico da supermáquina. O robô mandou que Loden seguisse pelo mesmo. O terrano não teve tempo para realizar uma inspeção mais minuciosa, mas teve tempo de ver à sua frente o centro de computação da base.

No fim do corredor havia um recinto maior, abarrotado de controles automáticos. Quando Loden apareceu, o Dr. Riesenhaft estava fazendo uma preleção aos outros homens.

— Ora veja, Emmet! — exclamou o “pequeno” em tom de satisfação, quando viu Loden. — Até que enfim chegou.

Loden gostaria de explicar ao cientista que o cérebro positrônico só iniciaria seus exames quando todos estivessem reunidos. Afinal, haviam chegado juntos ao transmissor. Segundo a Robotológica, deveriam ser considerados uma unidade. Riesenhaft empertigou-se.

— Tenho certeza de que conseguiremos comunicar-nos em linguagem simbólica com o centro de computação — disse. — Para mim, esta é a instalação mais complicada de todas aquelas que já encontramos na Galáxia. O cérebro positrônico não deverá ter maiores dificuldades em comunicar-se conosco.

Loden olhou para Albright, que continuava a segurar firmemente a chave-ferramenta. O engenheiro costumava raciocinar em termos práticos, mas na situação em que se encontravam isso não adiantaria muito.

— O centro de computação ainda não chegou a uma conclusão quanto ao que deve achar a nosso respeito — disse o Dr. Riesenhaft. — Ao que parece, está refletindo seriamente sobre nossa origem. Será difícil convencê-lo de que somos inofensivos.

— O senhor tem razão, doutor — disse Loden. Olhou em torno, desconfiado. Os dois robôs que os trouxeram mantinham-se imóveis no início do corredor. Não havia a menor possibilidade de fugirem.

Loden formou um círculo com as mãos.

Olhou para o Dr. Riesenhaft, que fitava atentamente os controles.

— Procure explicar-lhe que nossas intenções são boas — sugeriu Loden.

Riesenhaft lançou um olhar para o dispositivo positrônico.

— Mas é claro — disse em tom contrariado. — Se não fossem seus sábios conselhos, eu não teria tido essa idéia brilhante. Só me resta esperar que consigamos levar avante o plano, antes que o centro de computação chegue à conclusão de que somos supérfluos e por isso devemos ser eliminados.

Riesenhaft recuou um passo, a fim de dar início à tentativa de comunicar-se por meio de símbolos. Seus dedos traçaram um círculo no ar.

Loden estava refletindo para encontrar uma maneira de colocar o centro de computação diante de novos problemas, quando este tomasse sua decisão. Não duvidava da capacidade do Dr. Riesenhaft, mas fazia uma avaliação realística da situação.

Pouco importava o que o “pequeno” fizesse, pois o resultado sempre seria o mesmo. O centro de computação positrônico chegaria à conclusão de que cinco terranos perdidos representavam um elemento supérfluo na base.

 

* * *

 

Schopproit não sabia quanto tempo havia passado quando voltou a mover-se. Ainda estava um pouco escuro. Perguntou a si mesmo por que os guardas ainda não haviam vindo para matá-lo.

Talvez”, pensou com uma débil esperança, “ainda não me descobriram. O buraco que abri sem querer não é muito grande. Mal consegui pôr a cabeça para fora. É possível que os guardas, aos quais nada costuma escapar, não tenham visto uma abertura tão pequena.

Schopproit resistiu à tentação de fugir pura e simplesmente pelo túnel. Uma estranha obstinação fez com que permanecesse no mesmo lugar. Com uma lentidão infinita voltou a pôr a cabeça para fora, a fim de lançar outro olhar sobre a cidade proibida.

Os edifícios pareciam abandonados à luz crepuscular. Atrás deles um novo dia se levantava no horizonte, mergulhando as nuvens solitárias num vermelho-dourado.

Schopproit levantou o nariz e farejou o ar. Pelo que se dizia, os guardas eram inodoros. Contudo, agia por puro instinto.

Foi quando viu os dois guardas.

Num movimento rapidíssimo deixou-se cair para dentro do buraco, enquanto soltava um assobio de medo. Mas, no mesmo instante, seu cérebro lhe disse que os guardas não o poderiam ter visto, pois encontravam-se na frente de um edifício abobadado no qual, ao que tudo indicava, pretendiam entrar.

Os nervos de Schopproit ameaçaram entrar em pane, porém ele obrigou-se a voltar à superfície. Os guardas não lhe deram a menor atenção, o que era a melhor prova de que não o haviam descoberto. Os pêlos de Schopproit eriçaram-se quando viu que os dois guardas haviam aberto a porta da abóbada. Schopproit não compreendia que pudessem existir seres que construíam alojamentos na superfície, ainda mais num lugar afastado do regato.

Um dos guardas saiu de seu campo de visão. Retirou-se para trás da abóbada. O outro postou-se junto à porta, como se esperasse que alguém fosse sair dali.

E realmente saiu...

Por pouco Schopproit não soltou um grito de surpresa. Não era possível que o ser que apareceu na abertura fosse um guarda, embora tivesse aproximadamente o mesmo tamanho de muitos deles. Schopproit sentiu-se apavorado ao ver o guarda agarrar a criatura indefesa e arrastá-la para fora da abóbada. Schopproit tremeu de indignação e compaixão.

Revelando uma pressa evidente, o guarda afastou-se da abóbada juntamente com o prisioneiro. Não passaria perto do túnel. Schopproit gostaria de saber por que os guardas mantinham os prisioneiros nesse estranho edifício. Será que também o levariam para lá caso o agarrassem?

A idéia da fuga cresceu, transformando-se num anseio irresistível. O espetáculo que se desenrolava à sua frente não bastava para demonstrar a periculosidade da cidade proibida?

Mas Schopproit acabou ficando. Tremia de frio, embora aquela manhã fosse tão agradável que, se estivesse na encosta, ele a teria aguardado cheio de alegria.

A encosta! A saudade das tocas úmidas voltou a despertar. Por que estava sentado ali, prestando atenção à série de acontecimentos brutais? Não desejaria isso a ninguém, nem mesmo a Tosnik.

Quando o guarda se encontrava próximo do túnel, Schopproit sentiu o estranho cheiro. Levantou o nariz para farejar melhor e aspirar o cheiro estranho, que por certo provinha dos seres aprisionados. Não era um cheiro desagradável. Pelo contrário: despertou em Schopproit uma forte simpatia. O tal ser parecia não ter nada em comum com os guardas.

Schopproit seguiu o guarda com os olhos, até que este desaparecesse no interior de um edifício. Depois disso pensou em retirar-se. Mas um interesse angustiante fê-lo permanecer em seu perigoso posto.

E foi assim que Schopproit viu como, depois do Dr. Riesenhaft, um homem após o outro foi retirado do transmissor, para ser levado ao edifício em que estava instalado o centro de computação. Era bem verdade que não sabia nada disso. Apenas imaginava que cinco seres se encontravam em poder dos guardas nojentos.

Quando Schopproit voltou a fechar o buraco que conduzia à superfície, e, de focinho caído, iniciou a caminhada de volta, já era quase dia.

 

A coisa foi muito pior do que Loden esperava. O centro de computação positrônica, que há muitos anos era o chefe e senhor da base, criara, numa atitude tipicamente positrônica, uma lógica isolacionista, que era totalmente correta dentro do quadro por ele mesmo criado, mas fora da base seria uma verdadeira loucura.

O Dr. Riesenhaft, que não levara muito tempo para estabelecer o contato, soltou um suspiro e afastou-se dos controles. Albright deu de ombros.

Usando um alto-falante invisível — era ao menos o que Loden supunha — o cérebro positrônico disse:

— Os seres das estrelas não existem mais. O aparelho deixou de ser usado por muito tempo. De onde vêm vocês?

O suor começou a porejar na calva de Riesenhaft.

— Fale algo, Emmet — disse.

Loden, que passara o tempo refletindo, sabia perfeitamente que o cientista não sabia o que dizer. O cérebro positrônico recusava-se a reconhecer a identidade que Riesenhaft oferecera a título de explicação, até mesmo em seus contornos gerais.

— Os seres das estrelas não vivem sós — disse Loden, acentuando as palavras. — Estivemos com eles. E, a fim de prosseguir no seu trabalho, viemos para cá.

— Os seres das estrelas sabiam sair do transmissor sem que ninguém os ajudasse — respondeu a voz. — Conheciam todos os caminhos por aqui. Como é que vocês podem provir deles, se não sabem lidar com as coisas que eles construíram?

Loden viu a mão artificial de Riesenhaft fazer um movimento cansado por cima da testa. Foi quando teve uma idéia fantástica.

— Viemos de trás das estrelas — disse.

Loden ouviu Riesenhaft suspirar.

— Deixe de tolices, Loden — disse apressadamente. — O senhor nem sabe para onde isso nos poderá levar.

Ao que parecia, o cérebro positrônico começara a sentir-se inseguro diante da resposta de Loden, pois hesitou em responder. Enquanto Loden esperava tranqüilamente, Riesenhaft permitiu-se brindar o comportamento de seu subordinado com alguns insultos. No entanto, não deu ordem para que este interrompesse a experiência.

Depois de algum tempo, o cérebro positrônico prosseguiu.

— Não importa de onde vocês venham. O fato é que só seres das estrelas têm o direito de entrar nesta base. Além deles só se permite a existência de seres mecânicos.

Falando muito depressa, para que Riesenhaft não pudesse interrompê-lo, Loden disse:

— Somos vida mecânica vinda de trás das estrelas.

— Que diabo ele está dizendo? — perguntou Bergmann, consternado.

Riesenhaft, a quem fora dirigida a pergunta, soltou uma série de palavras incompreensíveis. Depois de algum tempo, Loden conseguiu ouvir:

— Não, Loden, não faça uma coisa dessas!

— O senhor não conseguirá convencê-lo disso! — exclamou Albright.

Loden não esperou que seus companheiros formulassem outras objeções. Deu dois saltos em direção a Riesenhaft e afastou a manga de cima da prótese do cientista. O braço artificial apareceu.

— Aqui está a prova — disse. — Somos mecânicos.

Loden sentiu-se aliviado porque Riesenhaft não se opunha mais. Este levantou o braço num movimento resoluto.

— Isso mesmo — disse. — Somos mecânicos e temos a capacidade de enferrujar.

Loden teve medo de que o cibernético pudesse forçar excessivamente a idéia que ele, Loden, acabara de ter.

Depois de algum tempo, o cérebro positrônico anunciou que examinaria as informações fornecidas por seus prisioneiros.

Bergmann sorriu. Parecia um tanto perplexo.

— O que faremos se formos todos examinados? — perguntou. — Com exceção de alguns dentes de ouro, não posso apresentar nada que seja feito de metal.

— A máquina contentar-se-á com um exame do chefe — disse Loden.

Riesenhaft lançou um olhar desconfiado para os controles que piscavam.

— Emmet — disse, falando devagar. — Será que isso foi mais uma das suas idéias geniais?

— Não sei, doutor — respondeu Loden, muito calmo. — De qualquer maneira foi a única chance de convencer o cérebro positrônico de que não somos perigosos. A máquina não sabe converter em símbolos o conceito expresso pelas palavras “de trás das estrelas”. Com isso o problema torna-se mais fácil para nós, pois não haverá possibilidade de um exame minucioso de nossas declarações. O cérebro contentar-se-á com um exame superficial de sua pessoa.

— Como é que o senhor sabe disso, Emmet?

— O cérebro tem uma idéia bem definida do que seja vida orgânica e mecânica. Mas essa idéia restringe-se àquilo que vem das estrelas. Já ouvimos falar nisso muitas vezes — Loden continuou a refletir. — O cérebro não saberá o que fazer com a informação sobre nossa origem, mas partirá do pressuposto de que somos diferentes da vida mecânica que conhece, já que viemos de um lugar que não ocupa uma posição definida em seu sistema lógico.

Albright deixou que a chave-ferramenta presa por uma tira girasse em torno de seu pulso.

— Suas palavras por certo revelam que a explicação dada pelo senhor parece bastante maluca — disse.

— Estou com medo — gritou Shawlee. — Loden não pode saber o que farão estas máquinas.

— Não posso saber exatamente — confessou Loden. — Doutor, faça o favor de confirmar perante estes homens de que nossa única chance de sobrevivência consiste na possibilidade de influenciarmos a lógica do cérebro positrônico no sentido que desejamos. Não podemos oferecer argumentos que sejam razoáveis do nosso ponto de vista, mas que venham a ser interpretados erroneamente pelo cérebro positrônico.

Riesenhaft voltou a baixar cuidadosamente a manga da jaqueta.

— Emmet esqueceu-se de mencionar que acabamos de tomar uma posição da qual não podemos recuar — disse. — Não há como voltar atrás. Se o cérebro não acreditar nas mentiras de Loden, então...

Bergmann, que se encontrava próximo ao inimigo, gritou de repente:

— Acho que aí vem a comissão que examinará o chefe.

Loden virou-se abruptamente. Um estranho robô rolou para dentro da sala. Tinha o formato de uma longa e comprida caixa. Mas sua altura não chegava a um metro. Na parte da frente do aparelho havia uma plataforma trapezoidal, que repousava sobre várias juntas articuladas. Por cima dessa plataforma havia uma figura torcida — parecia uma tenaz — presa ao centro do robô. Dois corpos metálicos em forma de calha ligavam-se ao trapézio. Na parte traseira da máquina via-se uma confusão de aparelhos, controles e cabos.

Riesenhaft recuou até os controles do computador positrônico. Seu rosto demonstrava um misto de ceticismo e interesse científico. Quando lançou os olhos para o robô insensível, Loden começou a arrepender-se da idéia que tivera.

Antes que acontecesse qualquer coisa, Loden reconheceu a falha terrível que havia em seu plano. Nem ele nem qualquer dos outros poderia prever qual dos homens seria examinado pelo computador positrônico. Riesenhaft, cuja prótese metálica lhe dava as melhores chances de sair-se bem, não fora indicado como candidato por qualquer das partes.

Albright parecia ver pelo rosto de Loden que alguma coisa não estava certa. Contornou a máquina. Loden esquivou-se ao olhar indagador de Albright.

— Doutor! — gritou em tom exaltado. — É necessário que o senhor seja examinado pelo robô. O senhor compreende?

Os olhos de Riesenhaft estreitaram-se. Talvez já tivera a mesma idéia. Não respondeu às palavras de Loden.

Com uma resolução que provocou a admiração deste, o pequeno terrano aproximou-se do robô.

— Estamos preparados — disse com a maior tranqüilidade.

O cérebro positrônico manteve-se em silêncio, mas a tenaz do robô logo se desprendeu do suporte e agarrou Riesenhaft, que se mantinha imóvel. Loden notou que os nervos do estômago estavam promovendo uma rebelião. O rosto de Riesenhaft parecia furioso, mas esforçou-se ao máximo para mostrar-se corajoso. A máquina girou o cibernético como se este não pesasse nada. Riesenhaft foi colocado entre as calhas de metal e comprimido para baixo.

Albright ergueu a chave-ferramenta e fez menção de precipitar-se sobre o robô, mas Riesenhaft parecia observar o engenheiro pelo canto dos olhos.

— Fique onde está, Albright! — gritou.

As duas calhas fecharam-se. A tenaz segurava Riesenhaft, impedindo-o de fazer qualquer movimento. Brindou Loden com um olhar que exprimia toda sua raiva pela idéia do auxiliar. Loden ficou de ombros caídos ao ver a máquina agarrar Riesenhaft, fazer meia-volta e deslizar lentamente em direção ao longo corredor.

— Veja no que deu sua idéia genial, Emmet — disse Bergmann, sem o menor sentimento. — Nunca mais veremos esse “pequeno”...

Loden cerrou os punhos. O sangue subiu-lhe à cabeça. O Dr. Riesenhaft esperara quase quatro anos para que Loden tivesse mais uma de suas idéias malucas, como acontecera há tempos com o circuito de Trounhart.

Ninguém conseguiria formular um juízo objetivo sobre se a idéia de Loden seria, realmente, a melhor entre muitas alternativas ruins. Mas talvez fosse muito provável que a mesma iria causar a morte de Riesenhaft.

Os olhos ardentes de Loden fitaram a fachada reluzente do cérebro positrônico. Um terrível sentimento de culpa começou a tomar o vazio que se formava em seu cérebro.

 

A partir do momento em que as tenazes o haviam agarrado e levantado, uma determinação obstinada de levar a experiência ao fim havia surgido na mente de Riesenhaft. Por isso evitara que Albright se precipitasse que nem um louco sobre a má-quina, armado apenas com a chave-ferramenta, pelo que não teria a menor possibilidade de ser bem-sucedido.

As garras do robô especial não lhe causavam dores, enquanto não tentasse resistir às mesmas. Riesenhaft não tinha a menor idéia do que o aguardava, mas estava convencido de que seria submetido a um procedimento nada agradável.

O robô foi deslizando pelo corredor. Os quatro homens ficaram a sós com suas preocupações. Riesenhaft, que estava comprimido contra o chão da máquina, procurou gravar o quadro dos arredores. Não havia dúvida de que se encontravam em outra base dos seres de Mecânica. Os robôs continuariam a dedicar-se ao seu trabalho inútil até que o planeta se precipitasse sobre um sol, a não ser que antes disso acontecesse alguma coisa que pusesse fim às suas atividades habituais.

Riesenhaft lembrou-se de Loden, que na última hora desenvolvera uma iniciativa extraordinária. Que homem era este, que só agia quando não havia outra alternativa? Na opinião de Riesenhaft Loden era um temperamento fleumático perfeitamente caracterizado, que por nada perderia a calma. Mas quando se viu diante do computador positrônico, Loden resolver tomar as rédeas dos acontecimentos. Riesenhaft refletiu intensamente. A súbita modificação do comportamento de Loden deixou-o mais confuso que o próprio cérebro positrônico. Os traços de caráter de Bergmann, Albright e Shawlee podiam ser perfeitamente delimitados, e o comportamento dos três em momentos críticos podia ser previsto em suas linhas gerais. Até então sempre acreditara que com Loden isso também fosse possível.

O robô parou. Riesenhaft virou o rosto, a fim de verificar onde se encontravam. Haviam chegado ao fim do corredor e estavam perto da saída do hall. Mas desta vez Riesenhaft foi transportado numa direção diferente. Depois de alguns segundos, a máquina continuou a seguir seu caminho, como se nunca tivesse tido necessidade de orientar-se. Riesenhaft começou a desconfiar de que o centro de computação positrônica era um conjunto gigantesco, que se estendia por toda a base. Se realmente fosse assim, sua complexidade não ficava nada a dever ao lendário computador-regente de Árcon.

Riesenhaft reprimiu o interesse científico. Agora tudo dependia de que não falhasse na situação extraordinária em que se encontrava. Não era só sua vida que dependia disso, mas também a de seus quatro companheiros.

O robô chegou a outra sala, abarrotada de aparelhos cuja finalidade não conseguia compreender. Riesenhaft olhou em torno, desconfiado. Sentiu o medo sob a forma de uma coisa fria que lhe descia pela nuca. A máquina parou.

— Já chegamos? — perguntou a voz rouca e trêmula de Riesenhaft.

Não obteve resposta, mas viu-se libertado das garras que o seguravam. Levantou-se pesadamente. A sala estava mergulhada numa luz abundante. Os instrumentos brilhavam de limpos.

Parece até uma sala de operações”, pensou Riesenhaft.

Sentiu-se perdido no meio da sala. Era apenas um homem pequeno. Mas, ao longo de sua vida, havia acumulado grande volume de saber, que o ajudava a compreender muita coisa. Bem no fundo do coração sentia uma simpatia silenciosa pelos outros homens, simpatia esta que costumava ocultar sob o manto da frieza.

Naquele momento era apenas um homem velho e solitário, que se via diante das poderosas funções de um dispositivo positrônico.

Estremeceu quando a sala começou a mover-se. De início pensou que estivesse enganado, que tudo não passava de um efeito estranho dos reflexos produzidos pela luz forte.

Mas a coisa fantástica que seus olhos viram era um trecho da realidade. Era possível que um cérebro, que não dispusesse do mesmo treinamento científico que o de Riesenhaft, tivesse falhado se confrontado com um acontecimento desse tipo.

O Dr. Riesenhaft continuou parado quando as paredes começaram a mover-se em sua direção. Garras metálicas, espirais tateantes e fios turbilhonantes saíram de suas superfícies reluzentes.

As quatro paredes se moviam. Riesenhaft obrigou-se a raciocinar logicamente. Sob o ponto de vista espacial, o fenômeno seria impossível. O que se movia em sua direção não eram as paredes, mas inúmeros objetos que até então estiveram escondidos em suas cavidades.

E agora estavam saindo depois de um descanso que durara uma eternidade... Cintilantes e reluzentes, mostravam uma limpeza que chegava a ser feia e desenvolviam uma atividade apressada. O corpo de Riesenhaft rebelou-se diante da idéia de que um desses objetos o pudesse cortar vivo.

Eram objetos lisos e frios. Tratavam-se de instrumentos insensíveis, comandados por uma máquina.

Rodearam Riesenhaft como se fossem uma cerca metálica...

E tocariam nele...

E não era só isso. Fariam testes e o examinariam. Quando o primeiro tentáculo metálico tocou seu corpo, o cibernético estremeceu como se tivesse levado um choque elétrico.

 

Por que tinha de lembrar-se justamente agora de que Bergmann parecia um camponês? Loden observava o sueco, que caminhava nervosamente de um lado para outro, como um animal preso numa jaula. Albright olhou para o relógio.

— Já passou uma hora — disse desanimado.

Loden notou o tom de recriminação, mas preferiu ficar quieto. Não valeria a pena brigar com os amigos. Lembrou-se de uma das frases favoritas do Dr. Riesenhaft. Este costumava afirmar que “os outros cientistas só aceitam os cibernéticos com uma dose de desconfiança”. Era bem verdade que Loden podia afirmar que nunca dedicara muito amor à sua profissão. Um bom cibernético devia possuir a capacidade de entusiasmar-se. E, o que era o principal, muitas vezes tinha de contar com certas coisas que poucos minutos antes considerara impossíveis.

Bergmann interrompeu suas andanças desassossegadas pela sala de controle. Olhou para o revestimento do computador positrônico, e a seguir fitou Loden.

— Pergunte logo o que aconteceu com Riesenhaft — pediu.

— Eu já lhe disse que é inútil — disse Loden, em tom cansado. — A máquina nos informará assim que tiver um resultado.

Bergmann interrompeu-o com um gesto.

— Eu lhe pedi que perguntasse! — gritou, totalmente descontrolado.

Loden não demonstrou a menor reação.

— Por que o senhor mesmo não formula a pergunta, se acha que isso é tão importante? — perguntou com uma visível ironia, pois sabia perfeitamente que o sueco não lidava com o sistema de comunicação por símbolos.

— Foi o senhor que nos meteu nesta — disse Shawlee, em tom queixoso. — Deveria ter deixado que o “pequeno” tentasse à sua maneira — aproximou-se de Loden. Seu corpo balançava ligeiramente.

— Se brigarmos, tudo terá sido em vão — gritou Loden, em tom de advertência.

Mas os nervos de Shawlee estavam totalmente esgotados. Seu subconsciente precisava de um catalisador para um medo que sentia há horas. E para isso escolhera Loden. O cibernético percebeu que Shawlee não permitiria que ninguém o detivesse. Mas, se investissem um sobre o outro à frente do computador positrônico, a atuação de Riesenhaft não serviria para nada.

Quando Shawlee passou por Albright, o engenheiro ergueu a chave com um movimento rapidíssimo e deixou-a cair sobre a cabeça de Shawlee. Este tombou com um ruído surdo.

— Obrigado — disse Loden.

Pela expressão do olhar, Loden reconheceu que aquele homem não golpeara o outro por achá-lo antipático... Era possível que Albright desconfiasse de que naquela hora só Riesenhaft poderia ajudá-los.

— Será que o computador positrônico vai interpretar isso como uma briga? — perguntou.

— Espero que não — disse Loden, em tom tranqüilizador. — Foi muito rápido.

Shawlee recuperou os sentidos. Ergueu o corpo e sacudiu a cabeça. Albright ajudou-o a pôr-se de pé de ver. Shawlee apalpou cuidadosamente o hematoma que se formara na parte traseira do crânio. Não disse nada, mas deu as costas a Loden. Este suspirou, aliviado.

— O “pequeno” sempre nos chateou bastante — lembrou Albright, em tom pensativo. — Assim mesmo nós nos preocupamos com ele. Quase chego a acreditar que já me acostumei a ele.

— Espere até que ele esteja conosco de novo — respondeu Bergmann. — Logo se encherá de novo.

Albright não parecia muito convencido, mas não disse nada. Loden olhou para o relógio e viu que mais de uma hora havia passado desde o momento em que o robô levara Riesenhaft. Quanto mais demorado fosse o exame, menores seriam suas chances, pois num exame mais prolongado o cérebro positrônico agiria com maior minúcia. Provavelmente teriam notícia do insucesso mais cedo do que desejavam.

Haviam chegado a um ponto desconhecido do Universo. Eram cinco homens totalmente diversos, e cada um deles desenvolvia seus próprios sentimentos e pensamentos. Na hora que acabara de passar, Loden refletira bastante sobre a complexidade da convivência humana. Face a essa complexidade parecia praticamente impossível que conseguissem trabalhar de mãos dadas com indivíduos pertencentes a raças diferentes.

Contudo, trabalhavam. Isso não dava a entender que todas as formas de vida da Galáxia tinham uma origem comum? De onde partira a vida, qual era seu ponto de origem? E — Loden achou que este ponto era mais importante — como essa vida se espalhara?

Naquelas horas a vida se transformou para Emmet Loden numa coisa que não se confundia com a simples existência, que pode ser aceita sem maiores reflexões. Será que antigamente, quando ainda não costumava refletir sobre isso e vivera despreocupado, fora mais feliz? Ou será que a felicidade era uma coisa relativa, que se apresenta a cada ser vivo como uma aparição ou uma vivência pessoal, por mais contraditório que isso possa parecer?

Naquele momento, a felicidade existiria para Loden se Riesenhaft viesse pelo corredor e anunciasse que a idéia fora bem-sucedida. Sem dúvida Shawlee não se teria manifestado da mesma forma, se falasse nos seus desejos de felicidade.

De repente o cérebro positrônico começou a falar.

— Vocês disseram a verdade. São livres e podem entrar na base.

De repente Loden sentiu-se arrancado de suas reflexões. Levou alguns segundos para compreender o sentido que o computador positrônico atribuíra às suas palavras.

Mas logo um sentimento de triunfo superpoderoso afastou todos os pensamentos. Sentiu-se dominado por uma onda de entusiasmo. Era a mesma sensação que experimentara quando conseguira vender o aperfeiçoamento do circuito de Trounhart.

— Será que isso significa que realmente somos livres? — perguntou Albright, em tom inseguro.

— Podemos andar por onde quisermos dentro da base — disse Loden. — O cérebro nos aceitou como vida mecânica.

A alegria de Loden começou a misturar-se com a preocupação que sentia pelo Dr. Riesenhaft. Por que o “pequeno” não voltava? Bergmann, que parecia ter formulado a si mesmo esta indagação, perguntou:

— Onde está o chefe?

— Tomara que nada lhe tenha acontecido — observou Albright, em tom preocupado.

— Uma vez que já temos permissão para andar livremente por aí, bem que podemos procurá-lo — sugeriu Loden.

Dirigiu-se ao corredor, sem aguardar a concordância dos outros. Bergmann acompanhou-o. Albright e Shawlee também os seguiram.

Encontraram o Dr. Riesenhaft no fim do corredor. Estava sentado num pedestal baixo. Quando notou que os homens se aproximavam, levantou-se. Loden viu que o cibernético estava completamente nu. Mas não havia nada de ridículo ou chocante em seu aspecto.

O Dr. Riesenhaft começou a falar numa voz em que vibrava um cansaço infinito.

— Foi uma idéia diabólica, Emmet. Um dia o senhor será assado no inferno por isso.

Fez um sinal para Albright.

— O senhor é o mais baixo, depois de mim — disse. — O que está esperando, Albright? Acho que ficarei razoavelmente bem em sua sunga.

 

Quando Schopproit saiu do regato com o pêlo gotejante, os habitantes da encosta se haviam reunido na margem. Até mesmo a figura gorda de Tosnik apareceu entre os mesmos. Schopproit sacudiu-se, fazendo com que os pingos que cobriam seu pêlo voassem longe.

Plusenkest, o velho, esperou até que Schopproit estivesse à sua frente. Sorenzeych colocara-se a seu lado, em postura orgulhosa. Seus olhos escuros brilhavam de alegria pelo êxito alcançado por um membro de seu grupo.

Plusenkest fungou fortemente, e os bigodes quase brancos começaram a tremer.

— Onde esteve? — perguntou.

A veneração quase dobrou as pernas tortas de Schopproit, mas este resistiu e respondeu em voz alta:

— Estive na cidade proibida, velho. Por enquanto nem pensava em contar todos os detalhes do grande triunfo que alcançara. Devia liquidar isso por etapas, pois, a cada episódio, a admiração dos habitantes da encosta por sua pessoa aumentaria.

— Por que se arriscou? — perguntou Plusenkest.

Pelo que se dizia, durante a juventude, o velho estivera por três vezes no túnel. De uma dessas vezes mal e mal conseguira escapar dos guardas.

Schopproit viu que o corpo gordo de Tosnik parecia desfalecer de medo. A sensação do poder recém-adquirido tornou-o condescendente. Resolveu poupar o ladrão.

— Está na hora de eu descer um pouco pela encosta — disse. — O vento da noite destruiu minha planta.

Todos sabiam que isso era uma mentira, inclusive Plusenkest. Schopproit teve a impressão de que Sorenzeych parecia um pouco mais orgulhoso.

Schopproit sacudiu-se ligeiramente. O toco de cauda executou um movimento breve.

— Até onde você levou o túnel? — perguntou o velho.

— Até a cidade — respondeu Schopproit, em tom indiferente.

— Até a cidade? — perguntou Plusenkest, perplexo.

— Isso mesmo — fungou Schopproit. — Alcancei a superfície. O túnel leva diretamente para uma área livre no interior da cidade proibida. Vi os edifícios de bem perto.

O tom de Plusenkest revelou uma excitação reprimida quando este perguntou:

— Você se encontrou com guardas?

— Sim — resmungou Schopproit. — Passaram perto de mim. Observei que têm cinco prisioneiros. São seres bondosos, pois seu cheiro é agradável.

Os habitantes da encosta comprimiram-se, para não perder uma única das palavras de Schopproit.

— Será que os prisioneiros são habitantes de outra encosta? — perguntou Plusenkest.

— São seres grandes, bem maiores que nós. Apesar disso eram mais fracos que os guardas.

Schopproit forçou o cérebro ao máximo, a fim de encontrar uma formulação precisa para o relato que pretendia oferecer ao velho, e prosseguiu:

— Não acredito que morem em outra encosta. Tinham um aspecto estranho. Não têm pêlo, e seus rostos são lisos. Os guardas devem tê-los pegado na terra situada atrás do sol.

Plusenkest era velho e sábio, motivo por que tinha a capacidade de extrair certas conclusões do comportamento de seus companheiros de raça. Percebeu a saudade silenciosa que vibrava nas palavras de Schopproit. Mas, além de sábio, Plusenkest também era esperto. Muitas vezes já tivera de notar que era um erro demonstrar claramente o conhecimento que adquirisse a respeito dos desejos secretos dos habitantes da encosta.

Por isso limitou-se a dizer:

— Serão mortos pelos guardas.

Schopproit ainda estava submetido à influência da experiência pela qual acabara de passar, e por isso não notou a intenção que havia atrás das palavras de Plusenkest. Sentiu uma onda de teimosia, e o desejo de salvar os cinco seres que vira tornava-se cada vez mais forte.

— Ainda estão vivos! — gritou em tom apaixonado. — E agora dispomos de um túnel já concluído que leva à cidade proibida.

Os habitantes da encosta que o cercavam puseram-se a fungar e cochichar. Os velhos, que estavam sentados junto ao regato, chicotearam a superfície da água com seus tocos de cauda. A atmosfera na encosta tornara-se bastante agitada.

Entretanto Plusenkest continuou a dominar a situação. Bastou que fungasse fortemente para que se fizesse um silêncio tenso.

— O que devemos fazer? — perguntou, dirigindo-se a Schopproit.

Uma resposta arrojada surgira na mente de Schopproit. Mas este não pôde pronunciá-la, pois, de repente, Sorenzeych soltou um grito de alerta.

Schopproit voltou-se abruptamente. Olhando para além de Plusenkest, viu a outra margem do regato.

Os cinco prisioneiros aproximavam-se apressadamente da encosta! O vento tangia seu cheiro estranho. O silêncio passou a reinar entre os habitantes da encosta.

— São estes? — indagou Plusenkest, em meio ao silêncio.

Com uma expressão de insegurança no rosto, Schopproit deu resposta afirmativa à pergunta do velho. Como é que esses seres poderiam ter escapado da cidade proibida? Schopproit começou a tremer. Talvez nem fossem prisioneiros, mas aliados dos guardas, que haviam vindo para vingar-se pela construção do túnel.

O orgulho e a sensação de triunfo de Schopproit desvaneceram-se, cedendo lugar ao medo.

O primeiro estranho chegou à margem do regato e, sem hesitar, saltou para a água.

 

Emmet Loden esperou que o Dr. Riesenhaft colocasse a sunga, a camisa e as meias de Albright.

— Pronto — disse Riesenhaft, satisfeito, e bateu no peito. — Já podemos pensar na execução dos nossos planos.

Loden viu nestas palavras uma prova de que o “pequeno” não havia perdido seu ânimo resoluto.

— Como foi o exame, doutor? — perguntou Bergmann.

Riesenhaft fez um gesto de pouco-caso.

— Esforcei-me com um êxito razoável para colocar a prótese no lugar adequado — disse. — O procedimento não foi nada agradável. Dê-se por satisfeito porque sempre me contentei com um modelo primitivo. Um braço artificial moderno não teria servido para muita coisa.

— Quer dizer que podemos andar por aí sem correr nenhum risco? — perguntou Albright.

— Não seja tão apressado — disse Riesenhaft, abafando seu entusiasmo. — Eu lhe direi o que podemos fazer. Devemos sair da base o quanto antes. Sem dúvida os robôs ainda farão uma análise minuciosa dos dados colhidos. Acho que não há necessidade de dizer qual será o resultado dessa análise. Devemos sair da base antes que o computador positrônico descubra que andamos blefando.

— Para onde poderemos ir? — perguntou Shawlee, em tom de desânimo.

— Estamos num planeta totalmente desconhecido. Tivemos sorte porque a atmosfera é respirável. — Riesenhaft fez um gesto amplo com a mão. — No início, nosso objetivo deveria consistir na salvação de nossas vidas. Agora, que já conseguimos isso, podemos pensar em outras coisas. Antes de mais nada precisamos descobrir um meio de sobreviver neste mundo desconhecido. Não há dúvida de que este planeta fica em algum lugar, nos limites da Galáxia. Tenho certeza de que no interior da base existem transmissores. Nosso próximo passo deverá servir para descobri-los. Assim que tivermos encontrado um esconderijo fora da base, voltaremos para cá às escondidas. Provavelmente esta base também foi construída para proteger os seres de Mecânica contra os laurins.

— Quer dizer — interrompeu Loden — que aqui poderemos prosseguir no trabalho que iniciamos em Surprise.

— Isso mesmo — confirmou Riesenhaft. — Talvez aqui nossa busca de dados relativos às armas contra os invisíveis seja mais bem-sucedida.

De repente Shawlee soltou uma risadinha.

— Suponhamos que descubra alguma coisa, doutor. A quem pretende revelar sua descoberta?

— Este problema deverá ficar em segundo plano — respondeu Riesenhaft, contrariado.

Na opinião de Loden, os planos de seu superior eram perfeitamente lógicos, muito embora não acreditasse que teriam muitas oportunidades para examinar a base.

Homens mais experimentados haviam morrido em condições mais favoráveis, porque não conseguiram adaptar-se ao ambiente de um mundo estranho. Riesenhaft parecia ter uma visão pouco realista quanto ao tempo que se gastava para sobreviver num mundo de oxigênio desconhecido. Qualquer passo pela natureza inexplorada poderia ser o último.

Loden lembrou-se da morte de Allan Cruikshank, que caíra em Vorntoorg numa espaçonave, juntamente com quatro soldados. Aqueles homens acreditavam que tinham descoberto o paraíso, até que foram mortos pelo verme de Vorntoorg. Para continuarem vivos, teria bastado que não comessem certa fruta, na qual o verme costumava depositar seus ovos. Havia inúmeros exemplos de como o mundo mais amável pode transformar-se num inferno.

Loden resolveu não comunicar suas dúvidas a Riesenhaft. Deixaria que o “pequeno” cuidasse da execução do plano de ação. Ele mesmo prestaria atenção ao ambiente, para evitar, ao menos, que piores desgraças os pegassem desprevenidos.

— Vamos abandonar a base — disse Riesenhaft. — Não convém esperar mais.

— Tomara que os robôs nos deixem sair — objetou Bergmann.

Riesenhaft não respondeu. Ajeitou sua vestimenta incompleta e pôs-se em movimento. Quando saíram do hall, um sol cor de salmão iluminava a base.

Loden parou e olhou em torno. De um dos edifícios, saíam ruídos pesados; pareciam máquinas em movimento. De resto tudo estava em silêncio. Não se via nenhum robô.

— Vamos andando — resmungou Riesenhaft.

Se a situação fosse diferente, sua figura, vestida apenas com meias, sunga e camisa, pareceria ridícula. Mas os homens estavam tão tensos que nem poderiam pensar na apresentação de Riesenhaft.

Passaram entre dois pavilhões compridos. A temperatura era agradável e o ar parecia fresco e limpo.

Quando saíram de trás de outro edifício, depararam-se com o muro. Tinha três metros de altura, era feito de metal resistente e não apresentava uma única abertura.

— Então é por isso que nos deixam andar à vontade — disse Bergmann, contrariado. — O cérebro positrônico sabe perfeitamente que não podemos sair da base. Por certo o muro cerca todo o conjunto.

Loden teve uma sensação desagradável. Se os robôs haviam construído um muro desse tipo, isso só podia significar que lá fora existia alguma coisa que queriam manter afastada base. Talvez seria preferível continuarem dentro do raio de ação do cérebro positrônico. Mas Riesenhaft não parecia ter esses receios.

— Andaremos ao longo do muro até encontrarmos uma saída — disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo dar com uma saída.

Loden achou que não deveria ficar calado por mais tempo.

— Qual será a finalidade deste muro, doutor?

Os olhos descoloridos de Riesenhaft fitaram-no. Há anos esse tipo de olhar assustava todos os colaboradores do cibernético. Significava o alarma máximo.

— Suponho que os seres de Mecânica tivessem uma necessidade acentuada de proteção — disse. — Basta pensar em Surprise, onde suas instalações foram montadas no subsolo. Aqui é a mesma coisa. O muro tem sua origem na cautela exagerada de seres excessivamente evoluídos.

Loden não se convenceu, mas seria inútil discutir com o “pequeno”. Por isso foram caminhando durante alguns minutos junto ao muro, até que Riesenhaft mandou que o grupo parasse.

— Talvez fosse conveniente darmos uma olhada para o outro lado do muro — disse. — Emmet, suba nos ombros de Bergmann e examine a área.

Loden achou que a ordem era razoável. Esperou que o sueco se colocasse em posição e, ajudado por Albright, subiu nos ombros largos do cientista. Puxou-se pela borda do muro e olhou para o outro lado.

Atrás do muro estendia-se uma zona sem vegetação. Sem dúvida era mantida nesse estado pelos robôs. Em toda parte viam-se vestígios de fogo. O cérebro positrônico mantinha uma área extensa totalmente limpa.

É a zona da morte”, pensou Loden.

Devia haver um motivo para esse tipo de precaução. Além da faixa devastada começava uma vegetação exuberante. Mais ao longe, Loden viu colinas baixas, grandes árvores e arbustos. Vez por outra teve a impressão de ver movimentos nas plantas, que pareciam indicar a existência de vida animal. Mas era possível que estivesse enganado.

— Desça logo! — gritou Bergmann. — O senhor não é nada leve.

Loden saltou para o chão.

— Então? — perguntou Riesenhaft.

— Do lado de fora os robôs criaram uma espécie de zona da morte — informou Loden. — Queimaram toda a vegetação. Não gosto nem um pouco, doutor. Até parece que querem garantir-se contra ataques.

— Conte logo o resto — disse o cibernético.

— Depois disso vem uma área de vegetação de porte médio. O terreno é ligeiramente acidentado.

— Vamos escalar o muro — anunciou Riesenhaft. — Bergmann ficará aqui até que todos estejamos do lado de fora. Depois amarramos nossas camisas e as atiramos para Bergmann, para que ele possa seguir-nos.

— Um momento, doutor — disse Loden em tom apressado. — Talvez fosse preferível ficarmos no interior da base. A fuga só provocará a desconfiança do cérebro positrônico e poderá dar lugar a um exame mais minucioso. Não sabemos o que nos espera do lado de fora. Como poderíamos voltar para procurar certos materiais?

Riesenhaft ergueu o dedo.

— Uma idéia genial por dia basta, Emmet — disse em tom suave. — Daqui em diante, deixe o comando por minha conta.

Loden mordeu o lábio e manteve-se calado. Viu Riesenhaft, que de sunga fazia uma figura grotesca, subir em Bergmann. Para o cientista, a operação de subir ao muro e deixar-se cair do outro lado representava um esforço considerável. Depois de algum tempo ouviram-no bater no chão.

— Pronto, Shawlee. É sua vez — disse por cima do muro.

Depois de Shawlee, Albright escalou o muro. Loden esperou um instante, para ver se Riesenhaft não revogava sua ordem, mas acabou por subir novamente em Bergmann.

Saltou para o chão do lado de fora. Na área livre sentiram-se como se estivessem sendo espreitados. Tiraram as camisas e amarraram-nas, formando uma espécie de corda. Albright amarrou a chave-ferramenta na ponta e atirou-a por cima do muro. Bergmann deu um puxão, para que seus companheiros soubessem que estava preparado. Firmaram a “corda”. Dali a pouco a cabeça de Bergmann apontou por cima do muro.

Sorriu e saltou para o outro lado. A chave-ferramenta foi devolvida a Albright, e os homens voltaram a vestir suas camisas.

Riesenhaft contemplou a paisagem estranha. Nos lugares não chamuscados o solo era marrom-escuro.

— Vamos andando — ordenou Riesenhaft.

Loden lançou um olhar desconfiado para o lugar em que começava a vegetação. Albright, que o observava, perguntou:

— Do que é que o senhor não está gostando, Emmet?

— Não estou gostando de nada — confessou Loden em tom sombrio. — Quando penso que logo estaremos ali, isso me dá uma sensação desagradável.

Albright levantou a chave e fez uma careta.

— É a única arma que temos — disse em tom sarcástico.

— O que pretende matar com isso? — perguntou Bergmann, irônico.

— Qualquer coisa que seja menor que um leão — respondeu Albright, seco.

Atravessaram a faixa de terra sem vegetação. Vez por outra, Riesenhaft olhava para trás, como se receasse ser perseguido pelos robôs a qualquer momento.

Chegaram à borda da floresta de arbustos sem que ninguém os importunasse. Assim que as primeiras árvores os protegeram da visão de quem se encontrasse no interior da base, o Dr. Riesenhaft parou.

A paisagem parecia tranqüila, mas justamente esse fato provocou a desconfiança de Loden. A voz de Riesenhaft afastou as idéias sombrias.

— Nosso primeiro objetivo deverá consistir em encontrar água — disse o cibernético. — O solo é úmido e macio; por isso não deverá ser difícil encontrar uma nascente ou um riacho. Depois disso verificaremos se a vegetação pode nos proporcionar uma alimentação sadia. Se houver animais de pequeno porte, construiremos armadilhas para capturá-los.

— Tomara que ninguém tenha a idéia de construir uma armadilha para capturar-nos — resmungou Loden, que parecia não se sentir muito à vontade.

— Por que está tão desanimado de repente, Emmet? — perguntou Riesenhaft, contrariado. — Suas constantes objeções não deverão contribuir para fazer crescer o otimismo de nosso pequeno grupo.

Loden reconheceu que o “pequeno” tinha razão. Shawlee, por exemplo, ficava ansioso para ouvir qualquer palavra que fosse pronunciada, como se esta fosse uma profecia. Não convinha sobrecarregar inutilmente os nervos do oriental. Bergmann e Albright eram destemidos, mas seria preferível dirigir seus pensamentos para a tarefa da sobrevivência a encher-lhes a cabeça com eventuais perigos.

Era possível que Riesenhaft soubesse perfeitamente o que poderia acontecer com eles. Talvez procurasse mostrar-se resoluto para convencer os homens de que não deveriam desistir.

— Vamos dar um nome à nossa terra de adoção — sugeriu Riesenhaft, em tom mais cordato.

O planeta estranho foi batizado com o nome de Fóssil, mas nem por isso tornaram-se mais familiarizados com o ambiente. Seguiram em frente, com Albright na ponta. O capim que crescia entre as árvores e os arbustos era tão duro que cortava os pés de Riesenhaft, calçados somente com meias, fazendo com que sangrassem. Loden, que caminhava logo atrás do cientista, percebeu que o “pequeno” mal conseguia pisar.

— Um momento, doutor! — disse. — Eu lhe dou meus sapatos.

Riesenhaft não parou.

— Já é tarde para isso — retrucou por cima do ombro. — Os sapatos só apertariam meus pés. Espero que logo encontremos água para nos refrescarmos.

Depois de algum tempo, os homens conseguiram convencer Riesenhaft a calçar todas as meias disponíveis, a fim de proteger melhor os pés.

Quando, segundo os cálculos de Loden, haviam caminhado aproximadamente durante meia hora, Albright levantou o braço e disse:

— Água!

Loden aguçou o ouvido e também percebeu o ruído da água sobre as pedras. O ruído animou-o, mas também fez com que redobrasse sua vigilância. Água era sinônimo de vida. Em todos os mundos os lugares em que houvesse água eram os pontos de reunião dos seres vivos.

Todas as raças que respiram oxigênio haviam saído da água nos primórdios de sua evolução, para desenvolver-se lentamente e em alguns casos raros transformar-se em seres inteligentes.

— Parece que é lá — disse Bergmann.

Riesenhaft lançou um olhar melancólico para os trapos que já haviam sido meias. Quando se lembrou das dores que seu superior estava sentindo, Loden perdeu o medo que lhe incutia o rio próximo.

Albright prosseguiu sem que ninguém lhe desse ordem para isso. Ninguém fez menção de detê-lo. Quando haviam percorrido alguns metros, Loden sentiu o cheiro da água.

Albright deu um salto de alegria e atirou os braços para o céu. Haviam atingido o cume de uma colina não muito alta e, lá embaixo, um regato corria por um vale estreito. O tal regato não era muito largo, mas a água corria velozmente e cintilava junto às rochas que afloravam à superfície, onde formava minilagos. Albright saltitou à sua frente. Foi o primeiro a atingir a margem. Imediatamente saltou para dentro da água.

— Cuidado! — gritou Loden.

Concentrara sua atenção sobre a água. De repente olhou para o outro lado do regato.

E foi então que ele os viu!

Estavam reunidos na margem oposta, como se esperassem a chegada dos humanos. Não eram grandes, mas seus olhos falavam uma linguagem eloqüente.

Loden prosseguiu como se tivesse sido hipnotizado. Só quando chegou à margem foi que apontou para o lado oposto, a fim de chamar a atenção de seus companheiros para os estranhos seres.

Loden não saberia dizer o que aconteceria nos minutos seguintes.

Só tinha certeza absoluta de uma coisa: as criaturas acumuladas na margem oposta eram inteligentes.

 

Albright, que quase chegara à margem oposta, parou de repente. Até parecia que esbarrara numa parede invisível.

Por algum tempo não aconteceu absolutamente nada. De ambos os lados do regato reinava um silêncio apavorante. Até mesmo o rumorejar da água parecia perder-se à distância.

Seres que nunca antes se haviam encontrado observavam-se, mutuamente, através do rio.

Albright foi o primeiro a recuperar a calma. Caminhando de costas, foi se afastando da margem oposta. Cada vez que mergulhava uma perna, provocava um ruído na água, que dava calafrios em Loden.

Loden ouviu a voz de Riesenhaft como que em sonho.

— Precisamos mostrar-lhes que nossas intenções são pacíficas, Emmet.

Como fazer isso?”, pensou Loden.

Os nativos poderiam interpretar qualquer movimento como um ato de hostilidade. Qualquer palavra pronunciada poderia afugentá-los ou levá-los a partirem para o ataque.

— Fique parado no meio do regato, Albright — gritou Riesenhaft. — É possível que entendam esse gesto.

Albright parecia um tanto inseguro. Via-se que preferiria sair do regato. Apesar disso cumpriu a ordem de Riesenhaft.

A espera e a observação mútua recomeçaram de novo. Os olhos dos nativos pareciam perscrutar todos os ângulos do pensamento de Loden. Finalmente, quando a espera já começava a tornar-se insuportável, um dos seres estranhos saltou para dentro da água e nadou até o meio do regato, parando a alguns metros de Albright.

Loden ouviu seu próprio suspiro de alívio. A estranha criatura voltou à margem oposta, como se quisesse convidar Albright a segui-la. Riesenhaft passou por Loden e, escorregando pela margem úmida, entrou no regato.

— Venha, Emmet — disse com uma alegre tranqüilidade, que Loden nunca observara nele.

Loden fez um esforço para controlar-se. Não poderiam deixar de assumir o risco de procurar uma forma de comunicar-se com esses seres. Não poderiam manter-se se tivessem de lutar contra os robôs e os nativos ao mesmo tempo. Os seres peludos azuis não eram maiores que um cachorro bassê, mas centenas deles estavam reunidos na margem do regato. Seria um erro imperdoável subestimá-los.

Bergmann arrastou Shawlee, que procurava resistir. Quando os cinco homens saíram da água, os nativos recuaram um pedaço. Riesenhaft fez imediatamente um gesto para que seus companheiros ficassem parados.

Loden ouviu os seres nativos soltarem estranhos ruídos de respiração. Parecia que estavam fungando.

— Vamos chamá-los de snoofs — disse Riesenhaft.

Os nativos não o entendiam, e por isso não poderiam manifestar sua concordância, nem protestar contra o nome que lhes estava sendo dado. Mantiveram-se a distância segura dos cinco homens. Pela primeira vez Loden viu as cavernas cuidadosamente construídas, que se estendiam encosta acima. Então era para isso que os snoofs possuíam as pás-barbatanas. Evidentemente sentiam-se tão bem embaixo da terra quanto na água ou na superfície de seu mundo.

Seguindo o exemplo de todas as criaturas inteligentes que não caminham eretas, os snoofs não haviam criado nenhuma civilização digna de nota. Atingiram certo grau de inteligência, mas não puderam fazer muita coisa com a mesma. No entanto, em certa oportunidade deveria ter surgido nesse planeta um acontecimento que colocara os snoofs diante da alternativa de se tornarem inteligentes ou serem extintos.

— Acho que já nos olhamos por muito tempo — disse Riesenhaft. — Vamos fazer uma tentativa de fazê-los compreender o que viemos fazer aqui.

Levaram três horas para explicar aos snoofs o que pretendiam fazer. Nessas três horas conquistaram a confiança dos nativos.

Mas, por mais que se esforçassem, não conseguiram explicar aos snoofs que haviam vindo das estrelas. Ao que parecia, para esses seres peludos não existia outro mundo além daquele em que viviam.

 

Com um movimento resoluto Albright largou sua “”. Três snoofs acabaram de sair do túnel, carregando terra sobre folhas.

— Escute, doutor — principiou Albright, mal-humorado. — Posso garantir-lhe que nunca conseguirão ampliar o túnel o suficiente para que possamos passar por ele.

Riesenhaft saiu desajeitadamente da entrada do corredor. Suas vestes sumárias, emprestadas por Albright, estavam sujas.

— Não faça discursos — fungou em tom enraivado. — Dê-se por satisfeito porque os snoofs se dispuseram a ajudar-nos. Será que pretende saltar novamente o muro para voltar à base? Dentro de três ou quatro dias abriremos o túnel o suficiente para podermos chegar à base.

Albright coçou a cabeça. Sua barba, que crescia rapidamente, dava-lhe um aspecto selvagem. Perdera toda semelhança com os retratos publicados pela revista Playboy, que sua figura costumava evocar.

— Três ou quatro dias — repetiu em tom contrariado. — Levaremos o dobro desse tempo. E se não tivermos muita sorte o túnel desabará.

Loden, que até então ouvira tudo em silêncio, pegou a “” que estava em cima de um montão de terra, e devolveu-a a Albright.

— Temos tempo — disse. — Se quisermos sair deste mundo, teremos de trabalhar muito.

Bastante contrariado, Albright prosseguiu no trabalho que interrompera. Riesenhaft voltou a desaparecer na passagem subterrânea. Bergmann e Shawlee tinham-se encarregado de transportar a terra retirada do túnel. Seria muito arriscado deixá-lo junto à entrada, pois sempre havia o perigo de que algum robô encontrasse o túnel, quando estivesse patrulhando a área.

Naquele momento uns vinte snoofs revolviam a terra sob a superfície. Não valeria a pena colocar maior número deles no interior do túnel, pois nesse caso eles apenas se atrapalhariam. Loden continuava a quebrar galhos, à procura de vigas de apoio. Depois de algum tempo ouviu o ruído típico da respiração de um snoof às suas costas. Era difícil distinguir os nativos, mas o que se encontrava à sua frente era perfeitamente reconhecível... Parecia ser o mais velho de sua raça. A idade deixara marcas inconfundíveis em seu corpo.

— Andar — disse, dirigindo-se a Loden.

O aprendizado da língua dos snoofs representava outra dificuldade, mas os nativos haviam conseguido fazer uso adequado de algumas palavras que os homens lhes haviam ensinado.

Loden hesitou. Para os snoofs, ele era o chefe dos terranos. Sempre que tinham algo a pedir, dirigiam-se a ele. Riesenhaft aceitara o fato sem a menor contrariedade. Ligara-o à peculiaridade do odor corporal, que parecia desempenhar um papel importante entre os snoofs.

— Andar — repetiu Plusenkest. Ergueu o focinho e farejou o ar, como se quisesse certificar-se de que a pessoa que se encontrava à sua frente realmente era Loden.

— Andar — disse Loden depois de algum tempo, manifestando sua concordância.

O velho saiu saltitando à frente de Loden, até chegar ao desenho rudimentar do túnel, feito por Riesenhaft. O focinho de Plusenkest apontou para o lugar que representava a entrada. Depois disso correu a um lugar em que fez uma marcação.

Loden compreendeu. O snoof queria mostrar-lhe até onde, haviam progredido os trabalhos. A terça parte do túnel já fora ampliada o suficiente para permitir a passagem de um homem. O comprimento total do túnel chegava a uns duzentos metros.

Loden estava tão mergulhado no estudo do desenho que Albright teve de repetir o grito de alerta para que ele o ouvisse.

Virou-se abruptamente. O homem de estatura baixa vinha correndo em sua direção. Plusenkest fungou em tom de advertência.

— Os robôs! — gritou Albright para Loden. — Vêm da base para cá.

Sem dar a menor atenção ao snoof, Loden deu alguns passos rápidos e foi até os arbustos que limitavam a zona de terra queimada.

Sete robôs afastavam-se do muro: vinham em sua direção. Por um instante Loden sentiu-se paralisado. Acabara de acontecer aquilo que Riesenhaft receara. O centro de computação positrônica havia descoberto seu truque e enviara robôs para capturar ou matar os homens.

Logo a seguir, Loden pensou no Dr. Riesenhaft. Este ainda se encontrava no interior do túnel. Qualquer advertência chegaria tarde.

Ouviu a respiração forte de Albright, que se colocou a seu lado.

— O que vamos fazer? — perguntou. Bem que Loden gostaria de conhecer a resposta a esta pergunta. Seu desespero crescia cada vez mais. Só lhe restava o desejo de proteger o túnel, houvesse o que houvesse.

— Temos de desviar sua atenção do túnel — disse, dirigindo-se a Albright. — Se eles nos descobrirem, não teremos nenhuma chance de sair vivos deste planeta.

Albright fitou as máquinas que se aproximavam rapidamente com um misto de raiva e decepção.

De repente disse:

— Eu os distrairei, Emmet.

A calma e a frieza de sua voz fez com que Loden sentisse medo de novo. Teve vontade de dizer: “O senhor não, Albright. O senhor não.” Mas manteve-se calado. Albright afastou-se e desapareceu entre os arbustos. Dali a pouco, Loden ouviu um ruído. De início pensou que Albright tivesse voltado.

Mas era Bergmann, que se colocou atrás dele sem dizer uma palavra.

— Onde está Shawlee? — perguntou Loden em tom sombrio.

Bergmann fez um gesto de indiferença.

— Fugiu — resmungou. — Mal avistou os robôs, saiu correndo.

— O “pequeno” está dentro do túnel — informou Loden, sem dizer uma palavra sobre Shawlee. — Albright quer distrair a atenção dos robôs.

— Isso poderá custar-lhe a vida — disse o sueco em tom cético.

Os robôs haviam percorrido aproximadamente metade da faixa de terra nua. Suas juntas metálicas brilhavam ao sol. Loden teve a impressão de que ouvia o ruído que seus passos firmes produziam no terreno calcinado. Só nesse momento viu que estavam armados.

Loden olhou para trás. Não viu um único snoof. Até mesmo um cego seria capaz de encontrar a entrada do túnel. Se os robôs passassem por perto, teriam de tropeçar no lugar em que os snoofs haviam começado há muitos anos a construção da passagem subterrânea. Naturalmente Loden não sabia que só haviam chegado à base quando os terranos já se encontravam em Fóssil. Também não sabia que muitas vezes se passavam decênios sem que ninguém trabalhasse no túnel.

— Nossos amigos colocaram-se em segurança. Seria lamentável se tivessem dificuldades por causa dos nossos planos.

De repente um homem saiu da mata rala a uns cem metros do lugar em que se encontravam. Agitava os braços e gritava para os robôs.

— É Albright! — disse Bergmann.

Loden abanou a cabeça.

— Não é Albright — disse surpreso. Num movimento instintivo, Bergmann inclinou-se para a frente.

— É verdade, Emmet. — Cochichou, e prosseguiu em tom de incredulidade: — Por todos os planetas da Galáxia, é esse covarde do Shawlee!

Até parecia que o técnico estava executando uma dança, pois saltava de um lado para outro que nem um doido.

— Está muito perto dos robôs — resmungou Bergmann. — Nunca cheguei a compreender este sujeito — acrescentou como se estivesse pedindo desculpas.

Os robôs descobriram Shawlee. Imediatamente mudaram de rumo. Shawlee uivou que nem um lobo quando viu que sua manobra fora bem-sucedida.

Naquele momento Albright surgiu. Um sorriso débil aflorava aos seus lábios.

— Até parece que alguém resolveu fazer o trabalho para mim — disse.

Os robôs apressaram o passo. Shawlee esperou mais um instante e saiu correndo na direção oposta à entrada do túnel.

O primeiro raio disparado cintilou junto à mata, mas não o atingiu. Ainda ouviram seus uivos quando já tinha desaparecido atrás das árvores.

— Shawlee sempre gostou de fugir — disse Bergmann. — Mas desta vez isso exigiu coragem.

Em todos eles, o novo meio ambiente produzira certas modificações. Loden preferiu não refletir mais sobre isso. Já aprendera que era um erro formular um julgamento definitivo sobre os homens. Qualquer um era capaz de quebrar os parâmetros em que estava encerrado.

Dali a alguns instantes, Riesenhaft saiu do túnel. Loden informou-o sobre o que havia acontecido. Ao cibernético, isso seria mais um motivo para exigir que seus companheiros trabalhassem ainda mais depressa.

Quando Shawlee voltou, já era noite. Estava com as vestes rasgadas. Levaram-no ao regato e dispensaram cuidados rudimentares às suas feridas. Ninguém lhe fez qualquer pergunta sobre os robôs que o haviam perseguido. Ele por sua vez, não disse nada. Limitou-se a sorrir, satisfeito.

O túnel foi concluído dali a dois dias.

 

O Dr. Johann Riesenhaft surpreendeu seus companheiros ao apresentar um plano bem definido. Esse plano foi exposto em todos os detalhes, o que levava à conclusão de que refletira bastante sobre o mesmo.

Parado junto à entrada do túnel, o cibernético estava cercado pelos outros homens e por algumas dezenas de snoofs.

— Apenas três homens irão à base — disse o Dr. Riesenhaft. — Bergmann e Shawlee ficarão com nossos amigos. É bem verdade que, face à superioridade dos robôs, a idéia de proteger-nos pelas costas é absurda, mas não vamos negligenciar nenhuma oportunidade de levar a operação a bom termo.

Os protestos de Bergmann e Shawlee morreram sob os olhares do cientista.

— Procuraremos examinar o mais depressa possível o transmissor da base — prosseguiu Riesenhaft. — Se conseguirmos enviar uma mensagem, retirar-nos-emos imediatamente — fez um sinal para Bergmann e Shawlee. — Não tentem seguir-nos. Esperem dois dias. Verificaremos a possibilidade de desativar a central energética da base. Com isso o computador positrônico e seus robôs seriam colocados fora de ação. Poderíamos examinar o planeta com toda calma.

Pigarreou fortemente e apertou as mãos de Bergmann e Shawlee. Albright fez um sinal com a chave-ferramenta. Loden limitou-se a acenar com a cabeça. Quando foram rastejando pelo túnel, Loden constatou que tinham um companheiro inesperado. Um snoof seguiu-os.

— Olá, meu caro — disse Loden, em tom suave. — Você não pode ir conosco.

Sob a luz débil que penetrava pela entrada do túnel, Loden viu o snoof levantar o focinho para farejar.

— Schopproit ir — disse em tom obstinado.

— Você não poderá fazer nada por nós — disse Loden, com a voz triste. — O trabalho que temos pela frente é muito perigoso.

Schopproit não o compreendera, mas seus olhos revelaram uma decisão firme quando respondeu, fungando:

— Schopproit ir.

— Não nos atrase mais — gritou Riesenhaft. — Deixe que o snoof vá conosco.

Loden praguejou, contrariado. O nativo seguiu-os com um chiado de satisfação. Riesenhaft rastejava à frente, seguido por Albright, Loden e o snoof. Loden sabia que em certos lugares o túnel não ficava mais de um metro abaixo da superfície, mas apesar disso não conseguiu evitar uma sensação angustiante. Riesenhaft não tinha nenhum problema em fazer seu corpo delicado passar pelos lugares mais estreitos, mas Albright ficou preso várias vezes às vigas de apoio e teve de fazer um grande esforço para passar. Ali embaixo, a distância até a base, que na superfície parecia insignificante, se tornara amedrontadora para Loden. Toda vez que Albright ficava preso à sua frente, surgia em Loden o desejo insensato de voltar. Para isso teria de rastejar para trás, pois o túnel era muito apertado. Só no meio do túnel os snoofs haviam aprofundado o leito.

Foi nesse lugar que o Dr. Riesenhaft e Albright esperaram por Loden. O snoof sacudiu a terra do pêlo e passou entre as pernas de Loden.

— Já fizemos metade — disse a voz de Riesenhaft, no meio da escuridão. — Está saindo melhor do que eu esperava.

A risada de Albright parecia curta e áspera, mas o mesmo preferiu não comentar as dificuldades que estava enfrentando.

— Vamos esperar até que escureça de vez — disse Riesenhaft. — De noite estaremos melhor protegidos contra os robôs.

Loden ficou agachado no mesmo lugar. Ouviu os ruídos produzidos pela respiração do snoof, que já lhe pareciam mais familiares.

— Vamos andando — ordenou Riesenhaft.

Logo ouviram o cibernético afastar-se.

— Às vezes me sinto como uma rolha de champanha — disse Albright.

— Andar? — perguntou o snoof em tom ansioso.

— Sim — disse Loden. — Andar.

O corpo de Loden foi ficando grudado de terra úmida. À luz do dia provavelmente se apresentaria horrivelmente sujo. Loden sentiu o desejo de se apresentar nesse estado a um círculo de colegas bem cuidados, a fim de oferecer-lhes um exemplo ilustrativo de atividade prática. A sujeira chegou a penetrar sob as unhas e nos cabelos. De vez em quando tinha de cuspir, pois senão engoliria terra... Na barba nem era bom pensar...

Apesar disso Loden não se sentiu infeliz. Pela primeira vez na vida entusiasmou-se por um trabalho. O perigo de vida vindo dos robôs não lhe causava muito medo. Mas o túnel...!

Ouviu Albright praguejar à sua frente. A jaqueta ficara presa numa viga de apoio. Aguardou pacientemente que o homem se libertasse. Talvez Riesenhaft já tivesse chegado ao fim do túnel.

Uma parte do teto desabou e caiu nas costas de Loden. Loden cuspiu a terra, que lhe entrara na boca, e continuou a rastejar.

Depois de algum tempo, Albright estacou de novo. Desta vez a parada foi voluntária.

— Chegamos, Emmet! — gritou, voltando a cabeça para Loden. — O “pequeno” já saiu do túnel.

O nervosismo de Loden crescia cada vez mais. Já era noite. Como fariam para orientar-se no interior da base? Loden não acreditava que conseguissem penetrar em um dos edifícios.

Albright saiu do túnel. Seus pés deixaram cair terra e pedras sobre Loden.

— Tudo bem, Emmet — cochichou Albright, dali a pouco.

Loden percorreu o último trecho do túnel e pôs a cabeça para fora. Sentiu-se afagado por uma brisa fresca, fazendo-o respirar aliviado. Riesenhaft e Albright eram apenas duas sombras comprimidas contra o solo. Loden puxou-se para fora do túnel e deixou-se cair ao lado dos dois homens.

No interior da base estava tudo em silêncio. Atrás deles, o snoof trabalhava para camuflar a saída do túnel.

Ouviu-se o grito de um animal desconhecido. Pareceu vir do outro lado do muro. Foi um grito selvagem, mas queixoso, de alguém ou algo que sentia uma terrível angústia. Loden estremeceu.

— Parece que por aqui tudo está morto — cochichou Albright.

Está mesmo”, pensou Loden. “Tudo morto.”

Ou será que deveriam considerar como uma forma de vida os robôs que, numa interpretação errônea de ordens recebidas há muito tempo, continuavam a conservar sua existência? A base estava morta e os robôs eram apenas uma parte de sua morte. Eram remanescentes móveis, que davam testemunho do desaparecimento de uma raça poderosa.

Acima de tudo isso, notava-se o sopro da vida há muito desaparecida. Não era o espírito dos seres desaparecidos de Mecânica que permanecia naqueles edifícios. Tal sopro da vida era apenas a vaga lembrança, a idéia fugaz, a sombra que passava rapidamente sobre coisas mortas e imóveis feitas de metal e plástico.

Apesar de tudo”, pensou Loden, “é um monumento inigualável.”

— Parece que não há robôs fora dos edifícios — disse a voz de Riesenhaft. — Qual é o caminho pelo qual deveremos arriscar-nos em primeiro lugar, Emmet?

Para Loden, a pergunta era surpreendente, pois Riesenhaft costumava tomar suas decisões sozinho.

— Acho que isso é indiferente — disse com a voz abafada. — Cada um destes edifícios é tão perigoso quanto os outros.

O vulto do pequeno cientista ergueu-se a seu lado. Era quase invisível na escuridão. Loden lançou um olhar para o céu: uma noite clara, mas que não se assemelhava com as noites do planeta Terra. No momento, Loden não saberia dizer por quê.

Mas de súbito Loden deu-se conta de que quase não havia estrelas no céu. Dali só se poderia concluir que se encontravam na extremidade da Galáxia.

O cibernético sentiu-se dominado por um sentimento de solidão total. Naquele instante teve consciência do fato de estarem perdidos entre as estrelas. O raciocínio dizia-lhe que podiam perfeitamente continuar deitados no mesmo lugar, pois de nada lhes serviria penetrar num dos edifícios pertencentes à base. A idéia das distâncias infinitas que os separavam dos planetas conhecidos paralisou sua capacidade de decisão.

— Venha, Emmet! — disse Albright, que se encontrava a seu lado.

Loden fez um esforço e voltou a dedicar sua atenção aos acontecimentos que se desenrolavam nas imediações. Estavam perdidos no espaço intergaláctico, mas ele não tinha o direito de desistir. A esperança ridícula de encontrarem um transmissor e ativá-lo deveria ser suficiente para que colocasse sua segurança pessoal em segundo plano.

Seguiu Riesenhaft e Albright, tendo o cuidado de não fazer barulho. A seu lado, o snoof deslizava sobre o chão liso. Era todo confiança.

De repente Riesenhaft segurou Emmet e puxou-o para o outro lado.

— Nem sei se conseguiremos entrar num dos edifícios — disse Riesenhaft, em voz baixa. — Se conseguirmos, Albright ficará de sentinela na entrada, enquanto nós examinaremos o interior.

Loden limitou-se a acenar com a cabeça, mas logo se lembrou que naquela escuridão Riesenhaft não poderia ver o gesto. Por isso disse:

— Podemos começar, doutor.

Chegaram sem incidentes a um dos edifícios. Loden avançou tateando pela parede lisa, até chegar à entrada. Riesenhaft logo apareceu a seu lado.

— Está ouvindo alguma coisa? — cochichou.

— Não, nada — respondeu Loden. Suas mãos apalparam o metal frio, até encontrarem a fechadura.

— Tomara que os robôs não estejam justamente aqui — disse Albright, num suspiro.

Loden era de opinião que os robôs estavam em toda parte, mas preferiu não dizer o que estava pensando.

— O que houve? — perguntou Riesenhaft. — Não consegue abrir isso, Emmet?

Loden comprimiu cautelosamente o mecanismo para baixo, e este cedeu à pressão. Ao empurrar a porta para dentro, o pulso de Loden bateu mais acelerado. Riesenhaft resmungava baixinho.

— Espere aqui! — ordenou, dirigindo-se a Albright.

Loden começou a transpirar. Uma luz pálida saía pela abertura da porta. Não se ouviu nenhum som vindo do recinto. Só o grito do animal se repetia.

— Esta luz nos trairá — resmungou Riesenhaft. — Devemos entrar logo, Emmet, senão seremos descobertos pelos robôs.

Loden entrou cauteloso e sentiu o snoof esgueirar-se por entre suas pernas. Riesenhaft seguiu logo atrás dele. Assim que entrou, Loden fechou a porta. Albright ficou parado do lado de fora, vigiando a entrada.

Encontravam-se numa espécie de hall, no qual se via uma única máquina, aparentemente parada. Pela primeira vez Loden viu Riesenhaft à plena luz. Não pôde deixar de sorrir. O cibernético não tinha muita diferença de um homem das cavernas pré-histórico. Loden lembrou-se de que seu aspecto não deveria ser melhor. Contemplou seu corpo e sorriu, perplexo.

Não sobrou muita coisa do Emmet Loden de outros tempos!”, pensou, espantado.

O dedo de Riesenhaft bateu nas costas de Loden. Apontou para o pavilhão que se estendia atrás do hall.

— Está vazio — disse em tom de alívio. “Por quanto tempo continuará assim?”, pensou Loden, enfurecido.

Prosseguiram, deixando rastros da terra seca que caía de suas vestes esfarrapadas.

— É estranho — disse Riesenhaft, apontando para as máquinas que se encontravam no pavilhão. — Já viu uma coisa destas, Emmet?

Loden não respondeu, e Riesenhaft nem parecia contar com qualquer resposta. Correu que nem um duende em direção a uma mesa na qual estava embutida uma máquina.

— Venha cá! — disse, fazendo um sinal para Loden.

Este andou tão depressa que quase tropeçou no snoof, que mal e mal conseguiu desviar-se. Voltou a olhar para a porta, como se esperasse que Albright se precipitasse pela mesma a qualquer momento para anunciar a chegada de robôs.

Olhou por cima do ombro de Riesenhaft.

— Ao que tudo indica é um aparelho de projeção — disse Riesenhaft, em tom entusiástico. — É estranho, Emmet. Dê uma olhada.

Loden não viu nada de misterioso no aparelho. Não sabia como explicar o súbito nervosismo do “pequeno”. Riesenhaft apontou para a tela do projetor.

— Olhe, Emmet. O que está vendo?

— Um eixo de metal — disse Loden, em tom contrariado. — O que há de extraordinário nisso?

Riesenhaft coçou o cavanhaque desgrenhado. Passou a mão pelo projetor.

— A tela está acoplada ao projetor — disse. — Se há um eixo na tela, deverá também existir um outro no bocal do projetor — tossiu ligeiramente. — Acontece que nem o senhor nem eu não vemos eixo nenhum.

— Isso não significa nada — disse Loden. — É possível que se trate de uma gravação da última projeção, que só se apaga quando é realizada outra projeção.

Riesenhaft segurou a mão de Loden e colocou-a lentamente perto do bocal do projetor.

— Como explica isso, Emmet? — perguntou.

Loden sentiu que Riesenhaft comprimia sua mão contra o metal frio. Lançou um olhar incrédulo para o lugar em que sua mão tocava a matéria sólida. É que no lugar em que sentia a resistência não via absolutamente nada.

— O que significa isso? — perguntou. De tão exaltado que estava, esqueceu-se do lugar em que se encontrava.

— Achamos aquilo que procurávamos desesperadamente em Surprise — disse Riesenhaft em tom alegre. — Isto aqui não passa de uma versão amplificada dos aparelhos que os pos-bis utilizam para descobrir os laurins. O eixo é invisível, mas podemos ver sua projeção sobre a tela.

Um pensamento amargo misturou-se à sensação de triunfo de Loden. Os que tanto precisavam da descoberta estavam muito longe para tirar qualquer proveito da mesma.

— Esta é a base dos seres de Mecânica, onde eram realizadas suas pesquisas para o combate aos laurins — disse Riesenhaft, em tom entusiástico. — Por aqui realizaram um trabalho febril para descobrir um aparelho capaz de localizar os invisíveis — Riesenhaft bateu com a mão espalmada sobre a coxa, produzindo um estalo. — O senhor encontrou, Emmet. Conseguiu. Tenho certeza absoluta de que o aparelho de localização usado pelos pos-bis é uma versão menor deste projetor.

Um sorriso débil aflorou aos lábios de Loden. O entusiasmo do cientista era compreensível. Apesar disso não poderia deixar de explicar-lhe que a descoberta feita em Fóssil, nome dado ao planeta dos snoofs, era inútil.

— Não é uma tristeza, doutor? — perguntou com a maior tranqüilidade. — Acabamos de descobrir o aparelho que poderia evitar qualquer nova invasão da Terra pelos laurins, desde que conseguíssemos fazer com que este aparelho chegasse às mãos dos homens adequados.

Riesenhaft silenciou de repente. Num gesto quase carinhoso, afagou o metal do projetor.

— Emmet — disse. — Encontraremos um meio de fazer este projetor chegar às mãos de Perry Rhodan, nem que seja a última coisa que iremos fazer.

— Continue a pisar o chão firme da realidade — advertiu Loden. — Não vejo a menor possibilidade de tirar o aparelho daqui. Até mesmo as cavernas dos snoofs não nos adiantarão nada.

— Infelizmente o senhor tem razão — confessou Riesenhaft, em tom deprimido.

Loden procurou descobrir um sentido por trás da ironia do destino. Surprise, o planeta quente que haviam examinado minuciosamente, acabara de ser destruído. O acaso levara-os a Fóssil. E agora, que estavam longe de suas bases e naves, descobriram o que procuravam.

— Andar? — perguntou Schopproit, que se encontrava no chão.

Loden fitou seus olhos escuros e descobriu neles o brilho do pavor. Para o snoof, esse ambiente devia parecer ainda mais misterioso que para os terranos, pois a raça dos primitivos não dispunha de qualquer aparelho técnico.

— Está bem, amigo — confirmou Loden. — Andar.

Schopproit fungou aliviado. Nesse momento Albright apareceu no hall. Loden acordou de vez.

— Os robôs! — gritou Albright. — Estão chegando.

— Temos de sair daqui — disse Riesenhaft. — Rápido!

Albright continuava a correr em sua direção.

— Já é tarde — gritou. — Chegarão à entrada antes de nós.

Loden abaixou-se rapidamente e tomou o snoof nos braços. O nativo não sabia correr tão depressa quanto os terranos. Riesenhaft correu para os fundos do pavilhão.

Loden ouviu os robôs entrarem no hall. Não olhou para trás.

Riesenhaft corria à frente. Tiveram de contornar algumas máquinas que se interpuseram em seu caminho. O primeiro raio energético disparado por uma arma passou pouco acima da cabeça de Loden.

Os robôs estavam levando as coisas a sério. Isso provava que o cérebro positrônico havia descoberto o truque da prótese. Via um perigo que ameaçava a base. Faria tudo para destruir os homens.

O edifício em que se encontravam fora construído em ângulo reto. Quando passaram pelo ângulo, ficaram protegidos contra os tiros por alguns segundos. Loden teve vontade de enfiar-se embaixo de uma máquina, mas sabia que os robôs o encontrariam.

O chão entrou em incandescência ao lado de Loden, quando os robôs entraram na ala lateral e imediatamente abriram fogo. Os homens já se haviam esquecido do projetor. Corriam para salvar a vida. Albright caiu, foi atingido na perna e arrastou-se para trás de uma máquina.

Loden sabia que seria inútil parar e ajudar o engenheiro. Continuou a correr, com o snoof comprimido contra seu corpo.

Riesenhaft tropeçou à sua frente e ficou deitado, imóvel. Loden sentiu um calafrio.

Mais uma vez viu um lampejo, e um calor escaldante passou por cima dele. Desesperado, atirou-se para a frente.

O snoof gritou de medo e pavor. Talvez também fosse sob a pressão das mãos de Loden. Para os ouvidos do terrano, os passos dos robôs pareciam com um rufar de tambores. O chão elevou-se à sua frente.

Saltou para o lado, bateu numa parede e escorregou para a frente. Suas mãos soltaram o snoof, que caiu ao chão com um grito de desespero. A parede que se encontrava à frente de Loden estava cheia de controles e instrumentos. Por algum motivo os robôs pararam de atirar, mas o ruído de seus pés metálicos aproximava-se rapidamente.

Loden olhou em torno, desesperado. Não havia nenhuma saída. Lá atrás Riesenhaft estava estendido como se fosse um cadáver. Não se via o menor sinal de Albright.

Loden sentiu que o cansaço e o mal-estar começavam a dominá-lo. Manchas dançavam à frente dos seus olhos. Começou a ficar escuro. Suas mãos seguraram uma chave e puxaram-na para baixo.

Perdeu os sentidos e caiu ao lado de Schopproit, que choramingava e, num pavor cego, procurava abrigar-se embaixo do corpo do homem.

 

Os pensamentos de Loden voltaram lentamente à superfície da consciência. Não se atrevia a acreditar que estivesse vivo. Abriu os olhos. Estava envolto numa profunda escuridão. Jazia no solo. Suas mãos tatearam e encontraram uma parede. Perplexo, piscou os olhos. Estaria no mesmo lugar em que caíra?

Onde estava Albright? E Riesenhaft? E, o que era o principal, onde estavam os robôs?

Loden ergueu-se, gemendo. Uma voz saiu da escuridão.

— Andar? — perguntou o snoof.

Loden sentiu-se aliviado. Inclinou o corpo e acariciou os pêlos do nativo. Ao menos não se encontrava só. Dali a alguns instantes estava de pé, indeciso. Finalmente pôs-se a refletir.

Enquanto estivera inconsciente, aconteceu alguma coisa sobre a qual não poderia estar informado. Não se ouvia os robôs. A luz fora apagada. Será que o tinham deixado ali porque acreditavam que estivesse morto?

Loden logo abandonou a idéia. Devia haver outra explicação.

O cibernético estendeu os braços e afastou-se da parede. O ruído dos seus passos assustou-o em meio ao silêncio fantasmagórico. Parou e aguçou o ouvido. O snoof, espantado, encostou-se às suas pernas.

— Alô, doutor! — disse Loden, em voz baixa. — O senhor me ouve?

— Emmet! — a voz de Riesenhaft exprimia um alívio perceptível. — Pensei que um dos robôs estivesse andando por aí — engoliu em seco, muito nervoso. — Desde quando tudo escureceu, não vi mais o menor sinal deles.

— Sabe por quanto tempo fiquei inconsciente? — perguntou Loden.

— Por duas horas, mais ou menos — respondeu Riesenhaft. — Talvez fosse mais. Durante todo este tempo não me atrevi a fazer um único movimento.

Loden teve de sorrir.

— Onde está Albright? — perguntou.

Quase teve a impressão de que via Riesenhaft erguer os ombros no meio da escuridão total.

— Não sei — respondeu o “pequeno”. — Vamos fazer votos de que seus ferimentos não sejam graves.

Loden, que se orientara pelos ruídos, já descobrira onde estava Riesenhaft. Estendeu os braços e tocou no cientista. Sentiu que este estremeceu.

— Vá para o inferno, Emmet! — resmungou Riesenhaft. — Suas mãos estão muito frias.

Loden murmurou alguma coisa a título de desculpa. De repente lembrou-se do que acontecera antes que perdesse os sentidos. Teve uma recordação de ter movido uma alavanca para baixo.

Informou Riesenhaft a este respeito. O cibernético ouviu-o em silêncio.

— Acredito que o senhor tenha desligado a unidade energética por acaso, Emmet — disse. — Isso seria uma explicação lógica para a escuridão e para o desaparecimento dos robôs. Provavelmente essa chave pôs a unidade energética fora de ação — soltou uma risadinha. — Se realmente for assim, poderemos felicitar-nos. Nesse caso os robôs não nos poderão impedir de vasculhar a base.

— Precisamos encontrar a saída — disse Loden, em tom insistente.

Tatearam pela escuridão e depois de algum tempo tropeçaram sobre alguma coisa que estava jogada no chão. Loden parou.

— São os robôs — disse Riesenhaft, satisfeito. — Nossa suposição foi correta. A base ficou sem energia e está paralisada.

Depois avançou cautelosamente e exclamou em tom de triunfo:

— Aqui há mais um, Loden. Contornaram os robôs, que já não eram comandados pelo centro de computação positrônica. Demoraram algum tempo para encontrar a saída. Quando se encontravam do lado de fora, a aurora já despontava.

Loden respirou profundamente ao sair do pavilhão. Riesenhaft deu-lhe uma palmadinha no ombro.

— Eu sabia que um dia o senhor daria prova de seu valor, Emmet — disse em tom amável. — Não foi em vão que durante todos estes anos praticamente o arrastei.

— Sinto muito, doutor — cochichou Loden, em tom deprimido.

Riesenhaft limitou-se a fazer um gesto de pouco-caso. Saíram da sombra projetada pelo edifício. De repente uma figura fantasmagórica veio mancando em sua direção.

Era Albright, que lhes fez um sinal com a chave-ferramenta.

— Já receava que os robôs os tivessem agarrado — disse. — O que é isso, doutor? A base parece vazia.

O cientista muito baixo empertigou-se.

— Emmet desligou por acaso o suprimento energético do centro de computação. Foi nossa salvação. Enquanto não modificarmos nada, poderemos fazer e deixar de fazer o que quisermos.

Quando Albright já se encontrava a seu lado, Loden viu que o ferimento que sofrera na perna era grave. O rosto daquele homem estava desfigurado, devido à dor e ao esgotamento. Loden sentiu pena, mas disse a si mesmo que Albright merecia mais do que pena: merecia seu respeito.

— Agora só falta encontrar a estação de rádio — disse Albright.

Loden não queria roubar as esperanças ao engenheiro. Deveria dizer-lhe que, para expedir uma mensagem, teriam de reativar a unidade energética.

E, com isso, a matilha de robôs voltaria a pôr-se no seu encalço, pois a base voltaria a funcionar.

 

Riesenhaft não se apressou. Pôs-se a procurar o portão aberto no muro que cercava a base. Não havia o menor perigo de que alguém os detivesse ou perturbasse, e por isso podiam dividir-se para procurar em lugares diversos. Loden tinha certeza de que o cibernético não esperava que Albright, ferido, voltasse a rastejar penosamente pelo túnel. Depois de algum tempo, Riesenhaft encontrou o portão, que foi aberto facilmente e, o que era o principal, por meios exclusivamente manuais.

Já era dia quando os três homens e o snoof saíram da base.

Bergmann e Shawlee já os esperavam impacientes na encosta dos snoofs. Nenhum dos dois esperava realmente que Riesenhaft fosse bem-sucedido. Pediram a Loden que lhes fornecesse um breve relato, enquanto Riesenhaft cuidava do ferimento de Albright.

— Agora só falta encontrarmos o transmissor — concluiu Loden. — Por meio dele poderemos expedir o pedido de socorro.

Bergmann refletia intensamente.

— O senhor acaba de dizer que toda a base foi paralisada, Emmet — lembrou. — Isso significa que nenhum dos aparelhos que dependem do suprimento de energia está em condições de funcionar.

— É verdade — admitiu Loden a contragosto.

Bergmann sacudiu a cabeça.

— O que acha, Ron? — perguntou, dirigindo-se a Shawlee. — Com isso o transmissor também deixa de funcionar.

— Isso mesmo, Emmet — disse Shawlee. — Não se lembrou disso?

Riesenhaft, que se inclinara sobre Albright a fim de lavar a ferida do colega, ergueu o corpo.

— Voltaremos a ativar o suprimento energético da base, quando o transmissor estiver preparado para entrar em funcionamento — anunciou.

— Depois disso o computador mandará que os robôs nos ataquem — conjeturou Bergmann, zangado. — E não é só isso. O centro de computação também se esforçará para recuperar imediatamente o controle sobre o transmissor.

— E acabará conseguindo — Riesenhaft alisou a barba. — Temos de contentar-nos com as mensagens que pudermos expedir até então. Depois não teremos outra alternativa senão fugir para a selva.

— Que bela perspectiva, doutor — disse Bergmann.

— Bem que gostaria de conhecer outra alternativa — disse Riesenhaft. — Tenho certeza de que nesta base existem mais de quinhentos robôs. Levaríamos vários dias para encontrá-los todos, e além disso nunca conseguiríamos danificá-los a ponto de não poderem participar da caçada humana.

Para Loden havia outro problema, que era Albright. O ferido não poderia participar da fuga. Sua perna precisava de tratamento médico urgente, pois, do contrário, ele a perderia.

— O que faremos com Albright? — perguntou Loden, falando baixo para que o ferido não o ouvisse.

Riesenhaft olhou o lugar em que Albright estava deitado sobre um leito de folhas. Alguns snoofs achavam-se reunidos em torno dele. Até parecia que queriam ajudá-lo com sua presença.

— Pediremos aos snoofs que o escondam — anunciou Riesenhaft.

— Assim mesmo o perigo de que o encontrem é muito grande — ponderou Shawlee. — A base não fica longe desta encosta.

Uma estranha rigidez surgiu no rosto de Riesenhaft.

— Conforme as circunstâncias, teremos de sacrificar Albright — disse com a voz dura.

O rosto de Bergmann estava coberto pelos fios de barba, mas assim mesmo via-se que empalidecera um pouco.

— Como pode atrever-se em pensar nisso? — chiou em tom indignado.

Riesenhaft fitou-o com uma expressão fria.

— Estou pensando nos bilhões de seres humanos cuja vida poderá depender de que encontremos, antes que seja tarde, um aparelho que nos permita localizar os laurins.

As faces de Bergmann entesaram-se, mas logo deu as costas a Riesenhaft sem dizer uma palavra. À primeira vista a lógica do cibernético podia parecer desumana, mas era totalmente correta. Não tinham mais o direito de pensar exclusivamente em si mesmos e nos seus problemas. O destino da Humanidade poderia depender da maneira pela qual enfrentassem a situação.

Provavelmente Albright seria o primeiro a pedir que não se preocupassem com ele, caso lhe tivessem perguntado.

Assim que os homens se livraram da tensão, Riesenhaft deu suas ordens. Mandou que cada um deles dormisse três horas. Depois disso todo o grupo, com exceção de Albright, voltaria à base para procurar o transmissor. Quando isso acontecesse, teriam de compreender seu estranho funcionamento, adaptá-lo às suas finalidades e preparar o pedido de socorro. Um deles teria de incumbir-se da difícil tarefa de ligar a unidade energética no momento adequado.

Depois disso somente a rapidez poderia salvá-los.

Quando Loden se deixou cair em seu leito de folhas, pensou que seria ele que teria de reativar a unidade energética. A idéia não o inquietava. Apesar disso sentiu-se dominado por uma agitação interior.

Não conseguiu conciliar o sono. Quando o Dr. Riesenhaft os chamou para partirem, ainda não pregara olho. Despediram-se de Albright, que de tão febril não os reconheceu. Riesenhaft fez questão de que desta vez nenhum snoof os acompanhasse. Era difícil explicar aos seres peludos que a tarefa era muito perigosa.

Pelos cálculos de Loden, deviam estar no início da tarde quando se puseram em movimento. O pequeno sol cor de salmão proporcionava seu calor num céu sem nuvens. A paisagem parecia tranqüila e pacata.

Bastaria mover uma chave para que o quadro se modificasse por completo.

 

Ao anoitecer encontraram a estação de rádio no interior do oitavo edifício que revistaram. Dentro da estação já estava escurecendo, e assim não tiveram muito tempo para examinar o aparelho. Compreenderam seus comandos, mas o ajustamento para a freqüência da Frota Solar seria um problema. Seria bem mais fácil orientar a antena direcional para o grupo estelar M-13.

Antes mesmo de iniciarem o trabalho, a estação ficou às escuras. Loden compreendeu que só poderiam prosseguir na manhã do dia seguinte. Muito a contragosto, Riesenhaft acabou por dar ordem para que os trabalhos fossem suspensos.

Instalaram-se da melhor forma possível para passar a noite. Loden encontrou um lugar pouco confortável perto do aparelho de rádio. Ainda estava acordado quando ouviu a respiração profunda dos companheiros. Assim que adormeceu, foi atormentado por sonhos agitados. Uma chave gigantesca, que lhe aparecia constantemente, constituía a peça central de suas visões noturnas. Sonhou que empenhava todas as forças para puxar essa chave, mas não conseguia movê-la.

Acordou no meio da noite, banhado em suor. Abriu os olhos. O silêncio era total; a única coisa que ouvia era a respiração dos outros. Começou a sentir frio. Nunca acreditara em fantasmas ou outras tolices desse tipo, mas, no interior da base, logo se aprendia a ter medo. Acontece que os seres que haviam habitado essa base estavam mortos há muito tempo. A única coisa que se movia por aqueles edifícios eram os robôs.

Loden adormeceu com esses pensamentos. Acordou quando Riesenhaft o sacudiu fortemente pelo braço.

— Vamos, Emmet — pediu o cibernético. — Está na hora de começarmos.

Já era dia. Loden espreguiçou o corpo e levantou-se. Bergmann e Shawlee já estavam trabalhando.

Enquanto examinavam as instalações de rádio, o tempo parecia passar mais depressa. Trabalharam ininterruptamente, sem a menor pausa. Loden nunca acreditaria que seria tão difícil, lidar com o equipamento de rádio de uma raça estranha.

Só no fim da tarde Riesenhaft reclinou-se, satisfeito.

— Pronto — disse com um suspiro de alívio. — Agora tudo depende de que o senhor seja rápido, Emmet. Desejamos-lhe boa sorte.

Loden esforçou-se para sorrir, mas seu rosto parecia estar sob os efeitos da paralisia. Imaginou como seria quando passasse por cima dos robôs desativados, tocasse a chave e a puxasse para cima. Quando tentasse fugir, os robôs se levantariam para cortar-lhe o caminho que conduzia à liberdade.

— Tudo bem, doutor — disse com a voz áspera. — Neste meio tempo o senhor deverá afastar-se o mais que puder da base.

Saíram do edifício. Não tinham mais nada a dizer uns aos outros. Riesenhaft, Bergmann e Shawlee dirigiram-se à saída. Tinham certa dianteira sobre os robôs, e esta talvez lhes salvasse a vida.

Loden não teria essa vantagem.

Quando passou pela entrada, sua boca estava totalmente ressequida. De repente perguntou a si mesmo se teria coragem para executar a tarefa. Teria forças para empurrar a chave, apenas a alguns metros dos robôs que estavam deitados no chão?

Loden lançou um último olhar para fora do edifício.

Não seria um olhar ao passado? Virou-se abruptamente. Nesse momento Riesenhaft, Bergmann e Shawlee já teriam chegado à floresta de arbustos. Quanto a Albright, este fora escondido pelos snoofs numa caverna grande.

Loden ouviu o eco de seus passos refletido pelas paredes. Os edifícios não possuíam janelas ou outras aberturas, e por isso o cibernético teve de avançar às apalpadelas. Mas no momento em que movesse a chave, os recintos seriam mergulhados na luz artificial.

Loden esbarrou numa máquina e parou. Lembrou-se de que era perfeitamente possível que o transmissor não tivesse sido corretamente ajustado. Neste caso seu trabalho seria em vão. Enquanto contornava cautelosamente a máquina, Loden lembrou-se de que talvez nunca chegasse a saber se haviam sido bem-sucedidos ou não.

Esperava a morte, mas seria mais fácil voltar a ligar a unidade energética se tivesse certeza de que as naves da Frota Solar pousariam em Fóssil, num futuro previsível. Depois de ter passado por cima dos robôs imobilizados, compreendeu que só o orgulho o obrigava a recolocar a chave na posição anterior. Seu orgulho jamais permitiria que voltasse para junto de Riesenhaft e lhe pedisse que destacasse outro homem para a tarefa. Sem dúvida, Riesenhaft acreditara estar fazendo um favor a Loden ao escolhê-lo. Loden sorriu. Era estranho como homens diferentes o avaliavam de forma diversa.

Loden obrigou seus pensamentos a retornarem ao presente. Não podia permitir que nada o distraísse de sua tarefa. Suas mãos estendidas bateram na parede em que ficava o painel. O contato fê-lo estremecer instintivamente.

Loden foi caminhando junto à parede, com os joelhos trêmulos. As palmas das mãos estavam úmidas.

Finalmente fechou a mão em torno da chave mestra. Sentiu imediatamente que era ela mesma. Ficou perplexo com o sentimento de segurança que se apoderou dele.

— É isso, Emmet — disse em voz baixa.

O som de sua voz perdeu-se na escuridão. Por um instante, Loden aguçou os ouvidos. Aquilo quase era a repetição do que se passara nos seus sonhos. A chave parecia muito difícil de mover.

Talvez nem se mova”, pensou.

Chegou a desejar que assim fosse, embora isso representasse o fracasso de seus planos. Mas, naquele momento, nem se lembrava disso. Pensava apenas nos robôs, que começariam a mover-se no mesmo instante em que a chave fosse puxada para cima.

Por alguns segundos ficou como que paralisado na escuridão, mas de repente levantou a chave num único movimento.

Sentiu-se banhado por uma luz profusa. Continuou imóvel junto à parede. Sua mão ainda segurava a chave.

Mas os robôs começaram a mover-se, e Loden saiu correndo.

Sabia que, para sobreviver, teria de ser muito rápido, mais rápido do que jamais fora em toda a vida...

 

Olhando por cima do ombro de Rhodan, Atlan fitou com uma expressão pensativa a fita de plástico que o administrador colocara sobre a mesa de mapas. Claudrin, que se encontrava na extremidade oposta da mesa, levantou seus olhos sérios.

— Isso me parece bastante misterioso — disse Atlan. — Até é possível que alguém se tenha permitido uma brincadeira de mau gosto.

— Não há dúvida de que o pedido de socorro só foi expedido para desviar nossa atenção de outras coisas — resmungou o homem nascido em Epsal. — O fato de ter sido transmitido apenas por quatro vezes, quando então a transmissão foi interrompida de repente, é bastante suspeito.

Rhodan entrou em atividade. Abriu um mapa estelar à frente dos dois homens.

— Vamos repetir tudo —- disse com a maior paciência. — Há alguns minutos esta mensagem chegou a nós por intermédio da estação retransmissora FS-491. Os homens agiram de acordo com as ordens que lhes demos, segundo as quais todas as mensagens que por algum motivo parecessem suspeitas fossem transmitidas para a Teodorico — as mãos de Rhodan alisaram o mapa. — Dos cálculos realizados pela guarnição da estação FS-491 depreende-se que a mensagem foi expedida na periferia da Galáxia.

Assinalou um ponto no mapa, e acrescentou:

— Mais precisamente, vem daqui.

O corpo gigantesco de Claudrin inclinou-se por cima da mesa. Quase parecia esmagá-la.

— O único sol registrado nesta área parece não ser muito representativo — disse.

Rhodan verificou o número da estrela e abriu um catálogo.

— Aqui está — disse depois de algum tempo. Mencionou o número sob o qual o sol constava do catálogo. — Esta estrela não possui nome próprio e dois planetas circulam em torno da mesma. Não sabemos absolutamente nada a respeito desses planetas; até suas órbitas são desconhecidas.

Atlan bateu na mesa.

— O sistema fica a doze mil anos-luz do ponto em que nos encontramos, Perry. Não consigo imaginar que alguém possa viver lá.

— O caso parece ser bastante misterioso — admitiu Rhodan. — Por enquanto não recebemos nenhuma informação de que qualquer nave tenha desaparecido...

— Não sabemos quem expediu a mensagem, e nem sequer podemos formular qualquer conjetura a este respeito — disse Claudrin, em tom queixoso. — Sinto muito, sir, mas ainda estou desconfiado.

— Não há dúvida de que sua desconfiança não deixa de ter sua razão de ser — disse Rhodan. — Assim mesmo não acredito que se trate de uma cilada. Alguém se encontra em dificuldade por lá. Alguém que conhece tão bem a freqüência da Frota Solar, que se dirige a nós para pedir socorro.

— O que pretende fazer, Perry? — perguntou Atlan.

Rhodan dobrou lentamente o mapa estelar.

— Tudo que acontece na periferia da Galáxia assume um interesse todo especial para nós — disse. — Acho que será perfeitamente justificável enviar imediatamente uma esquadrilha a esse sistema solar. Os preparativos da expedição já foram concluídos, e por isso sugiro que cuidemos pessoalmente do assunto.

O rosto de Claudrin assumiu outra expressão. Via-se que tinha suas dúvidas quanto à veracidade da mensagem. Apesar disso manteve-se calado. Sabia que Rhodan acertara muitas vezes por meio de decisões inspiradas na intuição.

Haveria algum motivo para que desta vez não fosse assim?”, indagou-se mentalmente o comodoro.

Menos de uma hora depois disso uma esquadrilha composta por dezoito supercouraçados terranos decolou de Árcon III. Era comandada por Perry Rhodan em pessoa.

O destino da esquadrilha era um pequeno sol vermelho-salmão, situado na periferia da Via Láctea.

 

O Dr. Johann Riesenhaft levantou o braço. Ofegantes, pararam numa pequena clareira. Shawlee soltou um gemido e deixou-se cair de encontro a um tronco de árvore.

— Será que já corremos bastante? — perguntou Bergmann, exausto.

— Está escurecendo — disse Riesenhaft. — Seria inútil fugir durante a noite. Poderíamos correr em círculos. Acho que já nos afastamos bastante dos robôs.

— Será que Emmet já ligou a unidade energética? — perguntou Shawlee.

— Sem dúvida — disse Riesenhaft, em tom convicto. — Faço votos de que também tenha conseguido fugir.

— Quanto tempo demorará até que a frota chegue aqui, caso nossa mensagem seja recebida?

Pelo tom da voz de Bergmann notava-se que ele não acreditava que as naves esféricas chegassem a pousar em Fóssil.

— É possível que amanhã já estejam aqui — afirmou o cibernético.

Shawlee lançou os olhos para o céu. A noite, que se aproximava, já começava a desenhar suas sombras.

— Onde vamos acampar durante a noite? — perguntou Shawlee.

Riesenhaft, olhou em torno. Não sabia se por ali existiam animais perigosos, que saíssem à rapinagem de noite. Riesenhaft escolheu a árvore à qual Shawlee estava encostado. Seria mais seguro subirem à árvore. No solo correriam certos riscos.

— Vamos subir na árvore — anunciou Riesenhaft.

Três homens cansados e solitários entregaram-se à proteção bastante duvidosa proporcionada pelos galhos. Seus rostos estavam mais magros; retratavam o cansaço.

 

Loden, que era cibernético, sabia que o centro de computação positrônico quase não gastaria tempo para adaptar-se à nova situação. Apesar disso surpreendeu-se com a ação rápida dos robôs. Além disso sabia que esse fato reduziria bastante o número das mensagens expedidas pelo rádio. Até era possível que o cérebro positrônico não permitisse a transmissão de uma única mensagem.

O medo estimulou Loden à pressa. Passou correndo pelos robôs, viu pelo canto dos olhos quando se colocaram em movimento e abaixou-se instintivamente, pois esperava que fossem abrir fogo imediatamente. Quase chegou a achar que era um milagre que tivesse chegado vivo à parte anterior do pavilhão. Abrigou-se atrás das máquinas que surgiam à sua frente.

Antes que chegasse à entrada, lembrou-se de que havia um erro em seu plano.

Loden perguntou a si mesmo se o Dr. Riesenhaft ter-se-ia lembrado de que os robôs que se encontravam na unidade energética não eram os únicos que existiam em Fóssil. Devia contar com a possibilidade de o cérebro ter posto em marcha outros robôs, que fechariam a entrada junto ao muro.

Loden não sairia vivo da base. Estava preso. Atrás dele, os perseguidores aproximavam-se, enquanto era praticamente certo que outro grupo o esperava junto ao muro.

Apesar disso continuou a correr. Havia uma última chance de ser salvo. O centro de computação ainda não havia descoberto o túnel. Talvez conseguisse esconder-se lá. Loden fungava quando saiu do edifício.

Por enquanto não havia nenhum robô à vista do lado de fora. Atravessou a área livre, o mais rápido que pôde. O snoof camuflara tão bem a entrada do túnel que Loden quase não a notou. Reuniu as últimas forças e saltou para o local. A camada de terra aparada por folhas desmoronou. Respirando pesadamente, Loden deixou-se cair de barriga. Comprimiu o rosto quente contra a terra fria.

Depois de alguns segundos virou a cabeça. Olhou cautelosamente para fora. Ainda viu os robôs que o perseguiam saírem do edifício. Logicamente tomaram a direção do muro. Para Loden, isso significava uma pausa, um descanso. Mas ainda não estava na hora de rejubilar-se. O centro de computação acabaria por mandar revistar a base, pois fatalmente chegaria à conclusão de que Loden ainda se encontrava em seu interior.

Com as mãos trêmulas, Loden procurou reconstituir a camuflagem da abertura do túnel. Mas não tinha a necessária habilidade para este tipo de trabalho. Não teve outra alternativa senão rastejar pelo túnel. Seria a única chance de escapar. Resolveu quebrar as colunas de apoio que havia no caminho, a fim de que os robôs tivessem mais dificuldades em encontrar sua pista.

Loden deitou-se e foi penetrando no túnel. Preferia nem pensar na possibilidade de que os robôs pudessem descobri-lo naquele momento. Não precisava de muita fantasia para imaginar como fariam para tirá-lo da toca.

O cibernético obrigou-se a ficar calmo. Numa situação como esta a falsa pressa não era o procedimento mais recomendável. Descobriu que conseguia avançar mais depressa se rastejasse apoiado sobre os cotovelos. Com os pés derrubava as vigas de apoio pelas quais já tinha passado. Algumas não cederam, mas grande parte do túnel desmoronou atrás de Loden. Este fazia votos de que na superfície não houvesse sinais do desmoronamento. Loden começou a transpirar, mas continuou a avançar sem esmorecer.

Seria uma ironia do destino se os robôs o aguardassem na outra extremidade do túnel. A idéia quase fez Loden parar.

Mas quando saiu para o ar livre não viu ninguém. Era bastante escuro. Loden lançou um olhar para a base. Alcançara uma vitória com a qual ele mesmo jamais teria contado.

Por um instante resolveu procurar os snoofs, para que estes o escondessem da mesma forma que haviam feito com Albright, mas chegou à conclusão de que isso representaria um perigo desnecessário para os seres peludos.

Sacudiu a cabeça. Sentia-se cansado, mas não abatido. Mudou de rumo e dirigiu-se à mata de arbustos, onde os animais noturnos começavam a ensaiar seu triste e perigoso concerto...

 

Jens Bergmann estava com as juntas endurecidas quando saltou dos galhos inferiores para o chão. Riesenhaft e Shawlee já haviam abandonado sua posição incômoda e recolheram frutos do mato. Eram amargos, mas podia-se comê-los.

— Bom dia — gritou Riesenhaft, com uma amabilidade fora do comum. — O senhor dorme que nem uma toupeira.

Um sorriso inseguro surgiu no rosto de Bergmann, que não sabia como reagir ao bom humor do “pequeno”. Sem dizer uma palavra, começou a participar da procura de alimentos. Comeram em silêncio. Bergmann ansiava por um bom banho. A camada de sujeira que cobria seu corpo tornava-se cada vez mais insuportável. Parecia que tinham escorregado alguns degraus na escala da civilização.

Uma vez concluída a refeição espartana, Shawlee subiu na árvore para dar uma olhada pelos arredores. Fez um sinal tranqüilizador para os companheiros. Os robôs ainda não haviam descoberto sua pista.

Riesenhaft lançou os olhos para o céu, que, naquela manhã, estava coberto de nuvens. Isso significava chuva. E o tempo áspero poderia representar uma carga pesada para seus corpos enfraquecidos.

O cientista resolveu dar ordem para se porem em movimento. Seria uma imprudência permanecerem no mesmo lugar.

— Vamos andando — ordenou em voz alta.

Mas Bergmann ficou parado e aguçou os ouvidos. Fitou Riesenhaft com uma expressão de advertência.

— Está ouvindo, doutor? — cochichou o sueco.

Riesenhaft forçou o ouvido. De repente ouviu os ruídos. Eram fáceis de interpretar.

Alguma coisa aproximava-se, rompendo a mata. Ouviram os estalos dos galhos quebrados. Riesenhaft prendeu a respiração.

— Vamos esconder-nos — chiou o “pequeno”. — Rápido!

Correram para trás da árvore junto à clareira, na qual haviam passado a noite.

Os ruídos aproximaram-se rapidamente. Riesenhaft teve a impressão de ouvir um gemido.

De repente um vulto veio cambaleante em direção à clareira.

Riesenhaft arregalou os olhos. Saiu de trás da árvore e correu até o vulto.

— Emmet! — gritou. — Venha cá, Emmet.

Loden fitou-o com os olhos injetados de sangue. Tinha o rosto arranhado e sangrento. As mãos também não estavam em bom estado. No primeiro momento parecia não reconhecer Riesenhaft, mas acabou cambaleando em sua direção.

— Corri a noite toda — cochichou. — Não consegui seguir em linha reta — fechou os olhos de cansaço. — Estão atrás de mim, doutor! — disse depois de algum tempo.

Antes que Riesenhaft tivesse tempo para fazer algum comentário, ouviu o bando de robôs que vinha pela floresta. Segurou o braço de Loden e conduziu-o.

— Não adianta — disse Loden. — Eles nos pegarão.

 

Perry Rhodan inclinou-se sobre a tela. Seu rosto controlado não revelava a agitação interior.

— Esta é a base que localizamos quando penetramos na atmosfera — disse, dirigindo-se a Atlan. — Quase me sinto inclinado a afirmar que sua forma de construção lembra os seres de Mecânica.

— Quem poderia ter enviado uma mensagem daqui? — perguntou Atlan.

— Descobriremos quando tivermos pousado — disse Rhodan.

Dali a alguns minutos, o supercouraçado tocou o solo do planeta desconhecido. Onze naves cruzavam por cima da base, com as torres de canhões apontadas ameaçadoramente para as instalações.

— Colocar trajes protetores! — ordenou Rhodan. — Ligar o campo defensivo.

Saíram da nave, que estava pousada a uns duzentos metros da base. Até mesmo em comparação com a base, a esfera de aço de Árcon parecia gigantesca. Constituía uma demonstração de poderio militar e deveria demover eventuais atacantes.

Apesar disso os homens que saíram da nave foram atacados pelos robôs.

— Não destruam nada nos edifícios se não houver necessidade — ordenou Rhodan aos seus soldados. — Curtius, leve seus especialistas à base. Procure localizar a unidade energética, para que possamos desligar esses robôs.

Para aqueles homens experimentados, a resistência oferecida pelos robôs quase não representava nenhum obstáculo. Poucos minutos depois do momento em que Rhodan deu a ordem os primeiros soldados penetraram na base. Não demoraram em encontrar a chave mestra. Rhodan mandou desativar a base.

Acompanhado por Atlan, entrou no território conquistado.

— Realmente é mais uma base de Mecânica — disse o arcônida, franzindo a testa. — Acontece que ainda não sabemos quem expediu o pedido de socorro. Tenho certeza de que não foram os robôs.

— Veremos — limitou-se Rhodan a responder.

Começaram a inspecionar as instalações. Os especialistas levaram menos de uma hora para fazer a mesma descoberta do Dr. Riesenhaft. Rhodan ficou muito satisfeito ao ser informado sobre o novo aparelho de localização que acabara de ser encontrado. Atlan não parecia compartilhar sua alegria.

— Realmente é uma série de acasos felizes — disse em tom contrariado. — É possível que Jefe tenha razão. Parece que alguém nos anda “enganando” por aqui.

Rhodan não deixou que estas palavras o perturbassem. Já mandara convocar pelo hiper-rádio um grupo de naves de pesquisa que examinariam minuciosamente a base. Demoraria menos de um dia até que, na Terra, fossem iniciados os trabalhos de pesquisa com o aparelho que haviam encontrado.

Rhodan sentia-se confiante. Assim que descobrissem quem os chamara a este planeta, poderiam iniciar tranqüilamente a exploração de sua descoberta.

 

— É uma nave enorme! — exclamou Riesenhaft em tom respeitoso, quando saíram da mata. — Devemos dar-nos por satisfeitos porque apareceu no momento exato e desativou as instalações.

— É a Teodorico, doutor — disse Bergmann. — A nave capitânia da Frota Solar.

— O senhor acredita que Rhodan em pessoa esteja em Fóssil? — perguntou Shawlee.

— Parece que sim — conjeturou Bergmann.

Riesenhaft parou. Os homens olharam-no, impacientes.

— O que está esperando, doutor? — perguntou Loden.

Riesenhaft fitou-o com uma expressão gelada.

— Cuide dos seus problemas, Emmet — disse em tom áspero.

Loden estremeceu. Ao que parecia, o “pequeno” havia recuperado seu espírito mordaz.

— O senhor não pode ficar parado por toda vida — objetou Bergmann.

Riesenhaft não respondeu à observação do sueco.

De repente Loden soltou uma estrondosa gargalhada. Nem mesmo as palavras enraivecidas de Riesenhaft puderam interromper suas risadas. Loden sabia por que Riesenhaft não queria prosseguir.

Ninguém, nem mesmo o Dr. Riesenhaft, gostaria de, na hora de seu maior triunfo, apresentar-se apenas de sunga, e rasgada, ao Administrador do Império Solar...

 

 

                                                                  WilliamVoltz

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

                                                   

O melhor da literatura para todos os gostos e idades