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Series & Trilogias Literarias
Iligan, Ilha de Mindanao; República das Filipinas.
8° 13’ N e 124° 14’ E.
17 de setembro; 20h00min.
O PAGASA, o serviço atmosférico das Filipinas anunciava uma mudança climática brusca após severas tempestades solares ocorridas, e os pesquisadores da Universiteit van Amsterdã, liderados pelo Dr. Arthuro Klein, catedrático em Física Quântica, sabiam do risco de levantar voo naquelas condições climáticas, mas a visão remota que receberam de espiões psíquicos não poderia ser relevada.
Próximo a Cidade de Iligan, região norte da Ilha de Mindanao, segunda maior ilha do arquipélago das Filipinas, numa das bases secreta da Poliu, os cientistas tomavam as últimas precauções para aquele voo.
Chovia muito e o Dr. Arthuro entrou na cabine do pequeno bimotor. Olhou para trás, como que se pela última vez e levantou voo quando as nuvens, já estranhamente azul esverdeadas, esverdearam ainda mais.
A equipe de cientistas em terra firme tentava em vão firmar as imagens vinda das três câmeras presas às asas do bimotor, quando um buraco pareceu ter sido aberto no céu de Iligan; algo tão extraordinário que só a ficção científica, na sua mais auspiciosa imaginação e devaneio, poderia descrever.
— O que está acontecendo agora? — soou uma voz doce.
— Não sei Martha. A imagem está muito embaçada — respondeu o agente Calrson.
— É um wormhole, Arthuro? Um buraco de minhoca? Câmbio! — a também agente Martha chamou-o pelo intercomunicador.
— Sim, Martha. Ele voltou a abrir. Câmbio! — respondeu o Dr. Arthuro.
— Ele disse que sim... Ele disse que sim... — sorriu a Dra. Eva confiante.
Mas a agente Martha estava temerosa, os cientistas da Poliu nunca haviam visto um buraco de minhoca abrir daquela maneira, nem se era seguro se aproximar dele.
— Não se aproxime muito do buraco de minhoca, Arthuro. Ainda sabemos muito pouco sobre ele. Câmbio!
— Cuidado com a segurança na transmissão, Martha. Câmbio!
— Esqueça a segurança, Arthuro. Onde está o buraco de minhoca? Câmbio!
— Sob as águas, Martha. Abriu sob as águas. É cilíndrico, enorme! Câmbio!
— “Enorme”? Nunca ouvi falar de nenhum buraco assim Arthuro. Eles são pequenos, impossível até de permitir passar um homem. Câmbio!
— Mas ele é enorme Martha. Estou vendo uma nave. Tem luzes em toda sua extensão. Câmbio!
— O que tem dentro, Arthuro? Uma nave, você disse? Câmbio!
— Tem também um foguete, Martha. Acho que dois, atrás de uma nave alienígena. Câmbio!
— Atrás do quê? O que ele falou Martha? — o agente Calrson arregalou os olhos.
A agente Martha olhava atônita para um e outro sem saber ao certo o que responder.
— Eu errei!!! É uma ogiva Martha!!! Câmbio!!! — gritava o Dr. Arthuro.
Martha pegou o comunicador:
— “Ogiva”? A nave alienígena está sendo atacada, Arthuro? Câmbio! — um silêncio se fez. — Arthuro? Você disse duas naves ou duas ogivas? Câmbio!
— Não sei... Não consigo... — e a voz do Dr. Arthuro sumiu.
— Há uma forte interferência geomagnética, Martha — explicou o agente Calrson.
A agente Martha começava a achar que foi um erro se precipitarem daquela maneira.
Mas os espiões psíquicos da Poliu, Polícia intercontinental unida não erravam nunca, nem a corporação de inteligência Poliu, se prestava ao papel de erros.
— Arthuro? Arthuro? Eu não te escuto! Câmbio? — tentava o cientista climático Dr. Paulo.
Um silêncio se fez.
— Ele não responde Paulo? — a Dra. Eva começou a tremer.
— Socorro!!! Paulo?! Meu Deus... Fiquei cego...
— O que houve Arthuro?! — gritou Paulo tentando entender o que acontecia em seus monitores e nada acontecia neles. — O que houve Arthuro?! Não consigo captar nada! Câmbio!
Martha olhou para Eva que olhou para Paulo que olhou para Calrson.
— Perdemos Arthuro, Martha! O avião entrou! Entrou!
— Oh! Oh! Como é possível? Onde Arthuro entrou? Vê alguma coisa Paulo? — a Dra. Eva se desesperava.
— Não... Não... Meus monitores não mostram qualquer distúrbio elétrico nas nuvens...
— Responda Arthuro! Responda Arthuro! Câmbio!
— O que é tudo isso afinal, Martha?
— Eu não sei Eva; eu não sei. Um wormhole ou buraco de minhoca, Arthuro disse. O avião entrou e isso realmente é impossível. As paredes do buraco de minhoca se colapsam em uma tempestade geomagnética.
— Veja na tela, Eva! Não há qualquer indício de tempestade magnética, e por outro lado o PAGASA recebeu alterações acima do normal hoje de manhã — o Dr. Paulo tentava entender.
— O que está acontecendo, Martha? — foi a vez do agente Calrson.
— Não sei o que responder Calrson... — olhava as telas dos computadores. —, só que houve uma explosão — apontava nervosa. — Mas se foi a ogiva ou a nave que explodiu, eu não sei.
— Dr. Arthuro? Dr. Arthuro? Câmbio! — insistia o Dr. Paulo.
— Não adianta Paulo. Arthuro morreu! — a agente Martha só conseguia olhar as três telas ligadas às câmeras do bimotor, com as imagens congeladas em uma grande explosão.
— Oh! Meu Deus! Meu Deus! — a Dra. Eva se pôs a chorar. — E agora?
— Eu não sei responder a isso Eva.
— Martha... Por favor... Responda. Onde está Arthuro?
— O avião de Arthuro... — ela suspirou longamente. —, explodiu dentro do buraco de minhoca.
A equipe de cientistas holandeses consternada mal podia acreditar na tragédia que lhes acontecera em plena Ilha das Filipinas.
Sêneca.
1
Feira de Informática; São Paulo, capital; Brasil.
23° 30’ 59” S e 46° 38’ 10” W.
23 de outubro; 09h55min.
O jovem Sean Queise leu o e-mail mensal da NASA. Uma explosão de vento solar ocorrida no dia 17 de setembro havia criado condições de tempestades geomagnéticas de fator Kp=9, consideradas severíssimas.
A ‘Ultraviolet Imager’ a bordo da espaçonave POLAR, também captou imagens dramáticas das tempestades vistas na órbita da Terra. Sean ficou pensando nos neutrinos e o quanto eles o prejudicavam, prejudicavam
o satélite de observação Spartacus; seu maior projeto. Fechou o programa de e-mail nervoso com algo, talvez com a notícia, e saiu de sua sala instalada no segundo andar do stand de vendas.
Os negócios na Feira de Informática corriam melhor que o previsto. Seu stand era o mais cheio, o mais moderno, o mais à frente da realidade; tablets, notebooks de última geração, mainframes, imagens holográficas
do logo da Computer Co. que pipocavam pelos arredores do stand, interagindo.
Aos dezoito anos, Sean assumira os negócios da família, como se tivesse sido talhado a vida toda para aquilo. Talvez tivesse. Contudo, sua inteligência e maturidade em tão pouca idade intimidava o mercado;
um mercado exigente, de pouco acesso, que ele lutava para permanecer.
E aquela feira servia para aquilo, para mostrar a todos que a Computer Co. crescia, expandia, se tornava a maior e melhor, sob o comando dele.
A Feira de Informática havia se iniciado um dia antes e se mantinha como um dos maiores acontecimentos na capital do Estado de São Paulo. E desde quando assumira, Sean Queise desejava elevar sua secretária
first Kelly Garcia, uma bela espanhola de 32 anos, à sócia.
Aproveitando o fim da primeira noite da feira, onde todos os grandes empresários da área de informática estavam reunidos, Sean, através de um jantar privé, comunicou a grande virada dentro da Computer
Co.; Kelly Garcia era a nova vice-presidente da companhia, que também vinha se firmando como a maior desenvolvedora de Banco de Dados do mercado.
Durante um tempo, Sean temeu que, ao tornar-se público, o fato de que as decisões dentro da companhia seriam compartilhadas entre ela e ele, atingisse Kelly e sua vida monótona. Ambos sabiam, porém, que
apenas Sean lidaria com os complexos Bancos de Dados que a Computer Co. alugava às grandes corporações, como a Poliu – Polícia Intercontinental Unida, uma secreta corporação de inteligência sob o comando
do astuto Mr. Trevellis, um dos ‘Misteres e Mistress’ vindo de aristocratas famílias inglesas, e atual chefe de operações. Mr. Trevellis, homem de segredos, temia explicitamente que alguém além de Fernando
Queise, pai de Sean Queise e fundador da companhia, tivesse acesso às muitas informações secretas, arquivadas nos grandes mainframes da Computer Co., como a vinda de alienígenas ao Planeta Terra num passado
não muito distante. Um passado obscuro, que obrigava Fernando a obedecer Mr. Trevellis, que obrigava Fernando aceitar a maneira de ser do jovem Sean, para não perder seu amor de filho. Mas esses mesmos
negócios com a Poliu, negócios como a permissão para utilizar o grande satélite de observação de nome Spartacus, desenvolvido pelo jovem Sean Queise e seus melhores cientistas, para outra corporação de
inteligência de nome Polícia Mundial, chefiada pelo nórdico Oscar Roldman, era tudo o que o afastava dele. Porque Fernando não o defendia, o amava, mas não o defendia da Poliu, da constante perseguição
de Mr. Trevellis, insistindo que o comando do satélite nunca estivera totalmente nas mãos de Oscar Roldman.
E Oscar se abastecia de silêncio pelo também amor pelo filho, Sean Queise, por tê-lo abandonado ainda no ventre de Nelma Queise. Mais conflito se gerava ali, com os segredos que rondavam o nascimento de
Sean Queise, sua genética, e dons paranormais que Fernando no âmago de seu coração, sabia pertencer à família Roldman.
Porém, Oscar Roldman nunca havia abandonado Sean, nunca deixara uma única vez de participar de suas conquistas, suas vitórias, um único aniversário, com Nelma viajando a Londres, em segredo. Porque o segredo
existia, aquele e muito mais, porque Mr. Trevellis, Fernando, Oscar e Nelma eram amigos de juventude, amigos que tinham conhecimentos mais profundos sobre Sean Queise, um hacker que não só invadia os mainframes
da Poliu através de pontes entre o satélite de observação Spartacus, como copiava dados que pudessem lhes ser úteis mais tarde; talvez documentos sobre uma máquina há muito tempo guardada em seus bancos
de dados, e que Mr. Trevellis culpava diretamente Sean Queise pelo roubo desses dados sigilosos.
Sean fora obrigado a sair do silêncio proposto e negar veemente que tivesse invadido qualquer coisa, nem de que máquina se tratava aquela dita roubada. E apesar de Oscar Roldman defender como sempre, seu
filho, Oscar sabia que Sean era especial, com um dom especial que usava para invadir dados, mentes, agentes psíquicos; um dom paranormal que o consumia, que se desenvolvia sem limites, sem controle. Porque
Sean também se temia perante coisas que via, que ouvia que viria, a saber, sempre se escondendo de sua própria situação, de um dom genético que sabia sim, não vir de seu pai Fernando Queise.
Um dom, por exemplo, que lhe permita saber que a espanhola Kelly Garcia, sua bela sócia, o procurava no andar abaixo, que subia as escadas até sua sala, que colocava a mão na maçaneta na porta que ele
abria com dons de telecinese, ainda sentado na cadeira.
Kelly se assustou; depois se assustou porque ainda se assustava.
— Bom dia patrãozinho... Vejo que começou cedo.
— Pela sua ironia, diria que também vamos começar bem cedo a brigar — brincou.
— Está falando sobre eu lhe chamar de ‘patrãozinho’, ou pelo fato de me assustar sempre que abre a porta antes mesmo de eu me aproximar da porta para abrir? — entregou-lhe sua xicrona de café.
Também alguns contratos fechados logo cedo, e sorriu-lhe tão encantadora quanto entrara, saindo.
Kelly Garcia era aquilo mesmo dentro do radiante tailleur xadrez amarelo. Uma bela e encantadora balzaquiana de ascendência espanhola, e longos cabelos negros. Inteligente, perspicaz, e eficiente, ela
tinha total segurança para manter seu trabalho como um dos mais bens pagos do mercado, e tinha a atenção e a constante aprovação de Fernando Queise na maior fabricante de computadores do mundo, a Computer
Co..
E Sean a amava, no seu mais profundo e secreto sentimento ele sabia que amava a bela Kelly, que Kelly o amava, e que o abismo etário de catorze anos entre eles nunca existiu. Mas Sandy Monroe havia entrado
na vida deles para justamente aquilo, separá-los, desestabilizá-los, fazê-los sofrer. Porque Sean sofreu, sofria ali, naquele momento, olhando a porta fechada, sentindo que havia algo mais, algo errado
com a feira, com ele, com os dons paranormais que nada avisaram sobre a agente Sandy se esgueirando, dons que não brecaram a entrada de Sandy em suas vidas; os mesmos dons que desde o suicídio dela não
mais agiam conforme sua vontade, que objetos que ele erguia no ar, rápido caíam, e que portas e gavetas que logo se abriam se fechavam antes dele mesmo desejar.
Sean sabia que devia ter se desenvolvido, que devia ter absorvido mais, tudo que Mona Foad, a melhor espiã psíquica da Poliu lhe propusera ensinar, que tentara ensinar após a morte de Sandy Monroe, acusada
pela Poliu do aparecimento de informações da construção dos espelhos de captação de energia de Spartacus no mercado negro.
Sentimentos, déjà vus, vozes e sombras que o perseguiam desde criança, que se intensificaram no ódio gerado.
— Ahhh! — o som de um tiro o acordou daquelas lembranças.
Sean olhou em volta, estava na sua sala, no segundo andar do stand da feira que corria nos conformes, abalado pela certeza de que fizera algo errado. O quê, ele não sabia.
Sabia, porém, que ficava cada vez mais forte a imagem do suicídio, da noite de sua morte, dos sonhos complexos a que vinha tendo com a noiva morta, com o fantasma de Sandy o lembrando daquilo, do fato
dele não poder a ter alcançado a tempo.
E foi a imagem de seu espírito que surgiu e se dissipou quando Kelly Garcia adentrou o escritório novamente.
— No que está pensando, patrãozinho?
Sean Queise a olhou atordoado, não conseguia mais controlar seus dons paranormais que ditaram uma infância agitada, com rompantes de humor descontrolável e atitudes indecifráveis, de objetos que sumiam
sem sua vontade, de vozes sussurradas que chegavam até ele, de palavras que lhe vinham à boca antes de outros as terem pronunciado, em meio à guerra de dois pais e uma mamãe dividia entre dois amores.
— Me assustou Kelly... — Sean encarou o chão antes de olhá-la.
E foi um olhar atormentado.
— Por que não me viu através da porta?
— Isso não tem graça.
— Ok... Acho mesmo nada engraçado — a bela se aproximou dele, e se inclinando o beijou no rosto. — Você está bem? — perguntou mesmo assim.
— Por que não estaria? — Sean se virou e fingiu que digitava algo no notebook.
— Não é pelo fato de ser um jovem de 18 anos que não se cansa, Sean.
— Não estou cansado. Estou...
— Estudando demais, trabalhando demais, tentando agradar demais, vivendo de menos.
— Kelly... — e Sean calou.
Esperou mesmo que Kelly Garcia entendesse que ele não ia responder àquilo, que não ia e não podia mudar sua vida, que queria ficar sozinho, continuar a se esconder do mundo e das pessoas, a de manter sozinho
as suas dores, com uma inteligência fora do normal, com sua predileção para os computadores além do normal, de sua vida nada normal; das acusações mudas da mãe contra Oscar Roldman, da certeza de não ser
filho do magnata Fernando Queise, de ser ele o ‘filho de Oscar’.
Mas Kelly entendeu, sabia que estava sendo dispensada.
— Se precisar...
— Eu chamo! — cortou-lhe a fala.
A porta se fechou novamente e Sean sabia que ela sabia que ele a evitava.
E ele a evitava.
Feira de Informática; São Paulo.
23 de outubro; 16h44min.
Os corredores estavam apinhados de gente. Kelly Garcia tinha um sorriso que nem um grande terremoto conseguiria arrancar de seu belo rosto. A Feira de Informática em peso o olhava, Sean olhava Kelly; ele
havia ficado satisfeito com a sociedade e ela fazia jus a beleza e competência, já assumindo seu novo cargo.
— Tem certeza que essas novas secretárias vão dar conta do cargo, patrãozinho? — questionou Kelly Garcia no final de tarde do agitado segundo dia de feira no stand da Computer Co..
— Está com ciúme? — retrucou Sean entre dentes alvos que sobressaíram.
— Se levarmos em conta que o amor sem ciúme não é amor... — completou Kelly.
— Se levarmos em conta que o termo ‘ciúme’ vem do latim ‘zelumen’ e do grego ‘zelos’, que se traduz ‘zelo’ para nós, então, realmente, não pode haver amor sem ciúme.
Ela lhe olhou de lado.
— Por que me parece que está se divertindo com isso?
— Pareço estar? — Sean realmente se divertia com aquilo. — Boba! — voltou a rir. — Você é insubstituível, Kelly. Além do mais, estou contratando duas secretárias ‘first’, lembra?
— Conheço o trabalho da Renata Antunes como secretária first na Alemanha. Nada sei a respeito de sua irmã.
— Freda Antunes, é o nome dela — escorregou-lhe um olhar. — E elas são irmãs apenas por parte de pai — e se pôs a observar a feira. — Já não está bom?
— Minha Nossa... É assim que encara meu amor, Sean? Com um ‘já não está bom’? — Kelly foi tão direta que Sean não soube o que responder. — Sabe que sempre gostei de você...
— Está... — fechou os olhos e um movimento de mão que ficou no ar. — Não vamos mais discutir. Ok? Aceito seu ciúme.
Kelly ficou o observando, sabendo o quanto Sean ficava agitado quando ela o lembrava de seu amor. Amor construído ano após ano, em silêncio. E mesmo com catorze anos os separando e Sean com a estabilidade
emocional destruída pelo noivado, pelo suicídio da noiva, ela tentava. Sean se virou no silêncio de ler tais pensamentos nela, e voltou a trabalhar sob sua mira, o vendo cumprimentando alguns clientes,
sorrindo muito, com mulheres à sua volta o notando, e ela sabendo que não seria fácil conquistá-lo.
— Inferno! — ela praguejou baixinho ao olhar para os lados, prosseguindo em seus afazeres que em nada lembravam a jovem idealista que começou estudando os vulcões, formou-se geóloga, e na Computer Co.
da Catalunha foi trabalhar com zeólitas, material para produção de chips.
Mas quando chegou ao Brasil, e passou a acompanhar o crescimento e amadurecimento do jovem Sean Queise, o amor se construiu. Ela que largara tudo na Catalunha para trabalhar de geóloga para a Computer
Co., que se candidatara a vaga de ajudante de Miriam, a secretária first do Sr. Fernando Queise, o magnata, logo que a oportunidade apareceu e fora a escolhida entre muitas outras, porque ela, Kelly Garcia
havia sido escolhida para ser mais que sua secretária, havia sido escolhida para ser seu suporte eterno.
Feira de Informática; São Paulo.
23 de outubro; 20h00min.
Sean estava no stand de vendas abaixo do escritório tomando café. Estava outra vez vendo a feira fervilhar de pessoas atrás de lançamentos e novidades na área de comunicação móvel. Distraiu-se em pensamentos
sabendo que a transferência de dados e a programação para as novas secretárias seriam tarefas por demais demoradas, contudo extremamente necessária. Até esquecia com quem ou o que falava.
Serviu-se de outra ‘xicrona’ de café, como Kelly chamava a grande xícara que ele gostava de usar e subiu até o segundo andar.
Abriu a persiana da janela envidraçada e algo passou por detrás dele.
— Ahhh... — Sean sobressaltou não sabendo ao certo o que vira, o que sentira, escorregando os olhos para a sala quase escura; lá, uma mesa lotada de e-mails impressos, seu notebook ligado, xícaras de café
esfriadas.
Ele se virou para a feira e novamente para a sala quase escura e sentiu-se pesado, como se alguém mais ali estivesse. Mas ninguém mais ali estava. Voltou a olhar a feira da janela; pessoas pelos corredores,
compradores fechando negócios, nerds interessados e um olhar na multidão, um observador.
Sean estancou e encarou o observador que sumiu. Ele sentiu todo seu corpo alertar-se, já não era a impressão de alguém ali lhe olhando, talvez fosse todo o ‘ali’, toda a feira, todos que passavam lhe trazendo
o déjà vu naquilo que Carl Jung chamou de ‘reconhecimento do imemorialmente conhecido’, porque toda aquela cena lhe era reconhecida, toda a feira estava ali, incutida na sua memória como se ele já a tivesse
vivido.
Fechou a janela e se acomodou na poltrona de couro marchetado, ligando seu notebook e através de imagens capturadas, assistia aos jornais pelo mundo inteiro:
— Aqui é o repórter Hanz Touner, diretamente de Manila, capital das Filipinas... — e o repórter deu uma pausa. — Nessa madrugada, alguns moradores de uma pequena aldeia de pescadores na ilha de El Nido
disseram terem sido acordados por um ‘círculo de fogo’ de cor laranja chegando a roxo azulado até ficar a ter tons esverdeados. Alguns disseram que o círculo de fogo mais lembrava algo cilíndrico e fez
com que todas as transmissões de rádio e TV fossem interrompidas numa inédita interferência geomagnética... — e um chiado tirou a voz do repórter do ar, uma interferência geomagnética nas transmissões
de satélites. — Esperem... — voltou o repórter Hanz Touner a falar e um novo chiado se fez. —, a TV SNN de Manila acaba de ser interrompida por uma mensagem pré-gravada — e agora a imagem não muito nítida
de um velho de olhar demente invadiu a sua tela de Led. — Alguém que se intitula ‘Messias’, anunciou que o fim do mundo está próximo e pediu um resgate de Um bilhão de dólares ou alienígenas destruirão
a Terra... — e Sean desligou.
— Alienígenas nas Filipinas... — soou de sua boca. Sean chamou o programa de e-mails e percebeu muita atividade. — Wow! Trezentos novos e-mails? Por que tanta movimentação na lista? O que será que está
acontecendo... Ahhh! — e algo o fez saltar da cadeira e arregalar os olhos.
Em pé, Sean se olhava. E não era a imagem refletida de um espelho, era outro Sean Queise, igual a ele, lhe olhando.
Sean correu e abriu a porta num rompante, desceu os degraus aos triplos alcançando o braço de Kelly tão rápido que ela não teve tempo de gritar.
— Sean? — ele a arrastou para baixo do escritório pelo braço que avermelhava. — Enlouqueceu?
— Suba! — empurrou-a.
— Como é que é?
— Suba! Suba! Não discuta comigo! — apontava nervoso para cima. Kelly ia cogitar, mas ele lhe virou o corpo novamente e a empurrou de uma maneira que Kelly não viu alternativas a não ser subir. Ela então
subiu as escadas, entrou na sala do escritório sem saber ao certo o porquê, olhou, olhou e voltou a descer. — Me viu? — Sean tremia.
Kelly riu sem saber por que ria.
— Como é que é?
— Como é o que é o quê, Kelly? — falava nervoso. — Perguntei se me viu?
— E como lhe veria se ficou aqui?
Sean não sabia responder aquilo. Olhou um lado e outro e subiu ele próprio, abrindo a porta da sala e não se vendo mais ali; voltou a descer em choque.
— Eu...
— Você definitivamente não está bem, não é Sean?
— Acho... Acho que não...
— Está bem! Chega! Vá embora... — foi a vez de ela o empurrar.
— O que está fazendo...
— Não estou fazendo! Você está fazendo! Está indo embora!
— Sabe que não posso ir...
— E amanhã volte descansado! — e o empurrou para longe do stand da Computer Co..
— Kelly... Meus documentos estão... — apontava para trás.
— Vá Sean!
Sean olhou a Feira de Informática, olhou Kelly, olhou a Feira de Informática, e o déjà vu estava ali.
Esperou ela voltar com seus documentos resgatados na sua sala e foi embora. Porque fosse o que fosse a imagem de Sandy Monroe o olhando, fosse o que fosse sua própria imagem lhe olhando, ele teria que
deixá-la sem respostas por enquanto.
Não sabia ao acerto no que vinha se tornando.
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
23 de outubro; 23h53min.
Sean tomou um banho a fim de equilibrar as energias pesadas. Depois de ver a feira como se já estivesse a vista, estado ali, e se ver na sala da feira como se fosse dois, precisava livrar-se de todas as
incongruências da vida.
Não havia barulho no local e a temperatura do ambiente não estava nem muito quente nem muito fria. Deitou-se, fechou os olhos, sugestionando a si próprio no mínimo três vezes, com convicção, que queria
sair do corpo. Inspirou profundamente, segurou o ar por cinco segundos, e logo após expirou lentamente. Acalmou sua respiração, as batidas do coração, e sentiu toda a energia que circulava por seu corpo
até perder a sensibilidade das suas pernas, braços, mãos, até o momento que não sentiu mais a sua própria existência.
E talvez ninguém entendesse o que aconteceria dali em diante, talvez iniciado em alguma ciência esotérica pudessem compreender os segredos da vida, mas somente Mona Foad, uma paranormal com todos os dons
da parapsicologia, usada como espiã psíquica pela Poliu, era suficientemente poderosa para preparar Sean Queise e o dom que carregava geneticamente.
Sean deu um último suspiro, e adormeceu.
Imagens visuais, relâmpagos que iam e vinham; Sean abriu os olhos. O teto ainda imerso nas luzes de São Paulo estava lá. Fechou os olhos e entrou num estado vibracional, um dos sintomas projetivos que
antecedem a projeção da consciência.
Abriu os olhos novamente e seu corpo deitado estava imóvel.
Sentiu-se nonsense a se ver em pé e deitado; agora sim era ‘duplo’. E o duplo Sean olhou em volta, porque as luzes já não eram as mesmas e uma poderosa carga de eletricidade vibrou velozmente por todo
o seu corpo.
— Ahhh... — sentiu o forte zumbido, a estridência dentro da cabeça que se prendia ao corpo deitado por algo fino, sutil, um cordão de prata.
As acelerações de vibrações do corpo espiritual em relação ao seu desprendimento do corpo físico eram evidentes.
Sean olhou em volta, já não estava no quarto do flat.
“Sean amigo?”, soou uma voz feminina, forte, estrangeira.
Sean olhou para um lado, outro, não localizou quem o chamou.
— Sean amigo! — e a voz estrangeira se firmou.
Sean girou em torno de si, estava numa sala ampla, de teto alto, móveis de madeira escurecida e almofadas bordadas de cetim amarelas espalhadas sobre ele. Um perfume ocre o atingiu e Sean firmou a visão,
vendo a mulher grande, com turbante na cabeça e traços egípcios, sentada na poltrona de espaldar alto, tecido florido, encostada numa das muitas almofadas bordadas de cetim amarelo, lhe olhando. Ele agora
sabia que estava em Portugal, Lisboa, no apartamento da egípcia Mona Foad.
— Mona... — soou de sua boca em meio ao frio que sentiu.
— Acalme-se! Já disse que não pode sair do corpo sem preparo!
— Eu... — Sean sentiu-se gélido, com dificuldades para falar. — Preciso entender...
— O que quer entender, Sean amigo? Por que Sandy morreu?
— Mona... — Sean sentiu que desmaiava que mudava de plano.
— Foque-se, Sean! Ou vai acordar!
A calma aparente de Mona o irritou.
— Droga! Você precisa me ajudar.
— Você não quer ajuda! — exclamou nervosa.
— Pare com isso! Não vê que estou sofrendo? Que Sandy sofre?
— Sandy morreu Sean! Pare de procurá-la!
— Nunca vou entender, não Mona amiga?
— Vai entender! Em breve! Da pior maneira! Conviver com isso para sempre!
— O que quer dizer com isso?
— Tomou uma decisão precipitada, Sean amigo!
— “Precipitada”? “Precipitada”?! — gritou. — Como pode fazer isso comigo? Minha vida toda foi ‘precitada’, não? Meu pai querendo que eu fosse um adulto, o mercado exigindo que eu fosse adulto, Oscar e
o satélite de observação... — e parou. — A Poliu toda atrás de mim e minha mãe manipulando tudo disso.
— As manipulações de Nelma Queise não contam nesse momento! Sua vida tem sido construída por decisões radicais! Investiu sua inteligência invadindo computadores, construindo um satélite de observação espião!
Você noivou aos 17 anos quando nem sabia o que era a vida, amor, responsabilidades, e vem se desenvolvendo sem controle! — falava extremamente nervosa.
— Não! Não! Você me desenvolve! — apontou. — Você transforma algo que tem mim.
— Um dom genético? — e Mona tocou-lhe o peito.
— Ahhh... — e Sean sentiu mesmo como que se a mão dela o tivesse atravessado.
— Não fui eu quem colocou seu dom aí!
— Não fale assim... Você me atinge...
— Você já foi atingido Sean! Por procurar demais!
— Não pode me negar ajuda Mona... Não pode fazer comigo o que fez com Sandy...
— Cale-se!!! — berrou a fazer Sean sentir toda a fúria dela. — Treinei todos seus dons, treinei você em clarividência e em telepatia, em telepatia provocada e telepatia espontânea; telecinesia, e bilocação.
Treinei você em premonição, psicometria, e experiências fora-do-corpo, treinei você em psicofonia e para quê? Para quê?! — gritou outra vez. — Para ouvir mortos? Para ouvir Sandy? — e Mona pôde ver o estado
em que Sean se encontrava.
— Não... Não... Não... E me treinou para que então?! — se descontrolava, ficando cada vez mais embaçado. — Para ouvir o ‘outro mundo’? Como seus espiões psíquicos faziam? Ouvir alienígenas?
— Eu treinei você para desafiá-lo!!! — e tudo desestabilizou na onda evanescente que a força paranormal dela provocou. — O treinei para desafiar Trevellis! Porque pago meus erros desafiando a Poliu! Porque
pago pelo tiro que tirou a vida dela!
— Ahhh!!! — e o som de um disparo atravessou-lhe os tímpanos.
Sean acordou em choque na cama, tremendo, tentando voltar ao corpo que não acordava, furioso por perder o contato com Mona.
As luzes de São Paulo ainda estavam lá, no teto, em meio à profusão de sons que seguiram.
Sean tentou se controlar; controlar o cordão de prata que unia seu espírito ao corpo, que não o fazia morrer enquanto o psicossoma se destacava do corpo físico na projeção astral, e se viu em meio a uma
tempestade.
Relâmpagos num céu esverdeado que chovia muito.
Havia um bimotor ligado logo à sua frente. Pessoas o rodeavam e Sean viu-se numa pista de pouso para aviões em meio a chuva que o molhava.
O bimotor levantou voo, e um clarão abriu-se no céu em meio a vozes:
“O que está acontecendo agora?”
“Não sei Martha. A imagem está muito embaçada”
“É um wormhole, Arthuro? Um buraco de minhoca? Câmbio!”
“Sim, Martha. Ele voltou a abrir. Câmbio!”
“Ele disse que sim... Ele disse que sim...”
“Não se aproxime muito do buraco de minhoca, Arthuro. Ainda sabemos muito pouco sobre ele. Câmbio!”
“Cuidado com a segurança na transmissão, Martha. Câmbio!”
“Esqueça a segurança, Arthuro. Onde está o buraco de minhoca? Câmbio!”
“Sob as águas, Martha. Abriu sob as águas. É cilíndrico, enorme! Câmbio!”
“Enorme”? Nunca ouvi falar de nenhum buraco assim Arthuro. Eles são pequenos, impossível até de permitir passar um homem. Câmbio!”
“Mas ele é enorme Martha. Estou vendo uma nave. Tem luzes em toda sua extensão. Câmbio!”
“O que tem dentro, Arthuro? Uma nave, você disse? Câmbio!”
“Tem também um foguete, Martha. Acho que dois, atrás de uma nave alienígena. Câmbio!”
“Atrás do quê? O que ele falou Martha?”
“Eu errei!!! É uma ogiva Martha!!! Câmbio!!!”
“Ogiva”? A nave alienígena está sendo atacada, Arthuro? Câmbio! Arthuro? Você disse duas naves ou duas ogivas? Câmbio!”.
“Não sei... Não consigo...”.
“Há uma forte interferência geomagnética, Martha”.
“Arthuro? Arthuro? Eu não te escuto! Câmbio?”
“Ele não responde Paulo?”
“Socorro!!! Paulo?! Meu Deus... Fiquei cego...”
“O que houve Arthuro?! O que houve Arthuro?! Não consigo captar nada! Câmbio!”
“Perdemos Arthuro, Martha! O avião entrou! Entrou!”
— Ahhh!!! — e a conexão se desfez. Sean conseguiu acordar, levantar-se a ter as pernas bambas, equilibrar-se na cortina que abriu quase se soltando do trilho. Chegou atônito à sacada com o agora frio da
madrugada o congelando. — O que... O que foi isso? — perguntou à noite fria. — Deus... O que eu fiz comigo?
2
Feira de Informática.
São Paulo, capital; Brasil.
23° 30’ 59” S e 46° 38’ 10” W.
24 de outubro; 08h12min.
E o dia raiou para que tudo fosse igual como antes. Pelo menos era o que Sean Queise esperava. Levantou-se e observando que perdera a hora, correu a se trocar indo direto para o Pavilhão de exposições
onde a Feira de Informática estava montada. Este seria o terceiro dia e Sean ainda esperava por novidades. Mostrou sua credencial, entrou, e retornou à porta de entrada.
— Jorge? — Sean chamou o homem fardado segurando nas mãos um comunicador. — Poderia reforçar a segurança próxima ao meu stand?
— Está receoso de algo, Sr. Queise? — questionou Jorge Almeida, chefe da segurança do Pavilhão de exposições.
Sean olhou um lado e outro. Não sabia bem o porquê precisava de segurança extra.
— Não! Só não quero nada acontecendo a um visitante ou a um funcionário da Computer Co. — e se foi.
Sean sabia que era uma pessoa muito importante, e que era o único proprietário que se envolvia tão diretamente com esse tipo de comércio, que o risco de se expor daquela maneira era muito grande, mas ele
confiava na sua própria sorte; uma sorte que iria virar no que Mona chamou de ‘arriscar-se demais’.
— Bom dia, Sr. Queise! — diziam todos os seus funcionários por onde passava.
— Bom dia, patrãozinho — falou Kelly vestindo um belo tailleur Givenchy amarelo ouro, ao vê-lo começar a subir as escadas para o pequeno escritório montado na parte superior.
— Não vai parar de me chamar assim, não é? — e colocou a chave magnética no contato sem entrar.
— Você viu aquele cara das Filipinas, ontem na televisão?
— O Messias? — lembrou-se algo. — O cara é um lunático, Kelly. Não deviam dar atenção a esse tipo de gente que se maqueia para ter quinze minutos de fama — concluiu Sean despreocupado, entrando.
— Pensei que você acreditasse em alienígenas, em vida noutros planetas, já que faz parte de listas ilógicas sobre ufologia e tal...
— Por que está me dizendo isso? — com aquilo Sean se preocupava. — Não acha que pode misturar o trabalho de pessoas sérias como ufólogos consagrados com essa baboseira...
— Viu a reportagem toda, Sean? — cortou a fala dele.
Sean agora sabia que Kelly insistia em algo.
— Vá em frente, Kelly. Não vi exatamente o quê na reportagem toda?
— O tal messias disse o quanto somos observadores, o quanto somos culpados de tudo o quanto acontece no Universo.
— “Culpados”?
— Culpados sim Sean, porque somos nós, os observadores quem convertemos as ondas de possibilidades, os objetos quânticos, em eventos e objetos reais; livre-arbítrio. E sabe por quê? — ela prosseguiu e
Sean ficou parado, paralisado melhor traduzido. — Porque somos nós quem faz nosso futuro, Sean; somos a causa de tudo.
— Wow! Uma manhã filosófica, Kelly?
— Por que o ataque?
Sean se virou e percebeu o quanto sua sócia era bela.
— Desculpe-me, isso não foi um ‘ataque’. Só quis dizer que ninguém estudou as causas tanto quanto David Hume, um filósofo atormentado pela ideia de que nada vem do que já vivemos em outras vidas, e que
tudo só chega ao nosso cérebro se tivermos experiência dela.
— Atormentado por quê?
— Porque Platão nos dizia que toda nossa experiência vem de outras vidas vividas, reminiscências que recuperamos no mundo das ideias.
— Mundo de onde?
— Mundo das ideias Kelly, uma realidade em si mesma, imutável. Um plano de existência para onde retornamos após a morte e vislumbramos nossas vidas passadas; erros e acertos. Para então reencarnarmos com
dons já prévios, porque livre-arbítrio é só uma questão de escolhas — sorriu-lhe ligando o notebook.
— E quais são suas escolhas, Sean?
Sean sentiu medo daquela pergunta.
— Não faço escolhas, Kelly.
— Minha Nossa... Sua consciência não lhe manda...
— Sabia que... — cortou-a. —, a consciência é um produto do cérebro? Que então nos cria paradoxos, movimentos descontínuos de interconectividade não localizada, e finalmente, somando-se ao conceito de
causalidade humeniano, ascendente da ciência newtoniana normal, o conceito de causalidade descendente, a consciência escolhendo entre as possibilidades, o evento real? — Sean só viu Kelly piscar. — Dando
a entender que somos nós quem faz nosso futuro, e sim, Kelly, temos o controle do nosso passado podendo mudar os eventos, contrário à ideia de evento fechado, porque tudo o que ocorre pode estar noutra
dimensão paralela a essa... — Sean abriu os braços e sentou-se começando a digitar, num gesto de quem a dispensava. —, porque com certeza o tal ‘Messias’ não estudou filosofia — olhou Kelly o olhando.
—, nem leu Santo Agostinho e seu livre-arbítrio — sorriu-lhe outra vez.
Kelly ainda estava parada à porta, momentaneamente desorientada com tudo o que ouviu; o que achou que ouviu.
— Era tudo sobre um resgate, Sean. Só isso.
“Só isso?”, pensou Sean.
— Um resgate por nossas vidas por causa de um ataque alienígena? — e Sean calou Kelly em algo.
— Por que não acredita que os alienígenas podem ser maus...
— Por que estamos tendo essa conversa insólita logo de manhã? — irritou-se.
— Embora eu não seja espiritualista, não entenda bulhufas do que falou, não acredite em alienígenas bons ou maus, e ainda critique a postura de místicos como Mona... — Kelly não deu trégua. —, sei que
há vida além da Terra; lá fora. E nunca fecho os olhos para o que vejo Sean.
— Eu também nunca fecho os olhos, Kelly. E ao contrário de você, acredito sim em alienígenas, em multi-universos, em paranormalidade como sabe que tenho como sabe que não queria ter, e como sabe que todos
esses dons têm algum motivo, um motivo maior do que dou a eles, do que permiti Mona desenvolver; então eu não fecho os olhos — olhou-a profundamente. — Apenas não os quero ver...
— Ver quem Sean? — e Kelly ouviu o suspiro irritado dele. — Pare com isso Sean. Não fuja da verdade.
— Verdades como as que Platão disse em seu ‘Mito da Caverna’? A verdade está lá fora — apontou novamente. —, mas temos medo dela? — olhou para a porta. — Bom dia, Freda! — e a porta se abriu antes de Freda
tocá-la.
Freda Antunes quase foi ao chão com a porta escapando de suas mãos e sua estrutura magrinha quase desmontou.
— Desculpe-me, Sr. Queise. Havia me chamado? — a moça magrinha, de pouco mais de vinte e dois anos correu a se explicar; tinha cabelos loiros, finos, e muitas olheiras que a maquiagem não escondia.
Sean girou os olhos.
— Não! — falou seco. — Mas se o tivesse feito, perceberia? Não combinamos que você me esperaria aqui? Dentro da minha sala? Todos os dias? Antes da minha chegada?
— Ah... — Freda abaixou o rosto não sabendo o que responder a tantas perguntas e Kelly fez uma careta para Sean, para a frieza de Sean.
— O que está acontecendo, Freda? — inquiriu pulando aquela etapa.
— Ah... Não sei... Talvez o peso da responsabilidade, Sr. Queise — e abaixou o rosto novamente.
— Quando eu lhe contratei sabia de sua inexperiência. Mas ser ‘first’ é ser a primeira, antes de todos. É pensar na frente, muito além do que eu espero. Sua irmã é ótima, mas isso não quer dizer que vai
ficar encostando-se à Renata o tempo inteiro...
— Não Senhor...
— E não me interrompa! — proferiu tremendamente irritado.
— Desculpe-me...
“Droga!”, Sean percebeu o quanto Kelly o havia tirado do eixo.
— Estou querendo dizer que mesmo sem experiência a chance lhe foi dada, Freda. Quero que se esforce para aprender.
— Ah... Eu vou...
— Me avise quando a sua irmã chegar! — e Sean mandou-a.
— Renata talvez não venha hoje, Senhor. Ela tem um encontro com a Família Tadaka de Taiwan, no escritório central.
— Vou encontrar isso anotado por escrito na minha agenda, Freda?
— Ah... Eu...
Sean só girou os olhos no que Freda embranqueceu outra vez.
— Vá! Assessore Kelly lá embaixo! — Freda saiu, seguida por Kelly que pareceu ter entendido o recado duplo.
“Droga!”, explodiu Sean em pensamentos.
Feira de Informática; São Paulo.
24 de outubro; 10h10min.
Sean havia prosseguido com o trabalho quando viu na bandeja, um e-mail ali impresso.
Leu:
— “E.N.I.G.M.A. é uma conspiração, Sean Queise. Não se confunda! Nem sempre as letras que formam as palavras são as palavras que se formam e as demais palavras ficam sem...” — e parou porque não havia
mais nada a ser lido. — Freda?! — gritou do alto da escada para a moça que já se atrapalhava com dois negociantes de softwares. A Feira parou e Freda também. Sean balançou a cabeça, irritado com ele mesmo.
— Suba!
— Ah... Vou Senhor...
E ela parou esbaforida na porta.
— Onde está o restante deste e-mail? — falou mostrando um pequeno pedaço de papel.
— Não mexi em nada, Sr. Queise.
— Me chame Kelly!
Freda desapareceu e depois de alguns segundos, uma pancada se fez à porta novamente.
— Achei que havia me dispensado? — Kelly balançou as belas ancas.
— Sem ironias — mostrou um papel. — Foi você quem recebeu este e-mail pela metade? — perguntou.
Ela o leu:
— Claro que foi... — respondeu Kelly jogando o cabelo preto de descendência espanhola para um lado e para outro, observando-o de muito perto. —, para você sobrecarregar Freda, fazê-la levar mais broncas,
ser despedida, e você me recontratar — piscou.
— Como você é má, Kelly.
— Você também tem sido.
Ele voltou a observá-la.
— Que pena... — escapou.
Mas não escapou a ela.
— “Pena”? Que pena, patrãozinho? Não vamos ter pena de nós, vamos? — desafiou Kelly, escorregando pela mesa.
Sean recuou confuso com o que vinha querendo.
— Acha que Freda pode ter se confundido com outro documento e colocado aqui por acaso, já que tem prazer em sobrecarregá-la?
Kelly nada falou e voltou a ler o e-mail.
— É da sua Lista de Ufologia? Pensei que não mais frequentava essas listas, Sean?
“Não se confunda...”, ficou ecoando na sua memória.
— Seja quem for, entrou na lista e se dirigiu a mim como ‘Sean Queise’ e ninguém na Lista de Ufologia sabia quem eu era.
— Ouviu o que eu disse? Prometeu-me que não mais frequentaria Sean. Pela sua carreira.
— Meu pai e você se preocupam muito com a ‘minha carreira’ aos dezoito anos.
— Por que está dizendo isso?
— Porque... — Sean girou os olhos tentando não passar-lhe algo. — Esquece! Só estou preocupado porque meu endereço de e-mail é de uma conta pública e eu uso um nickname.
— Preocupado que a Poliu saiba que você frequenta listas de e-mails sobre alienígenas?
— Não sei do que está falando — acessou seu programa de e-mails. — Droga! Minha caixa de mensagens foi apagada.
— Um hacker?
— Melhor que eu? — ironizou. — Porque alguém entrou nos mainframes da Computer Co. e apagou minhas mensagens.
— Nos mainframes da... — releu a tela do computador. — Minha Nossa... Mas não disse que a conta era pública?
— Sim, mas a conta descarregava noutro e-mail; no meu e-mail da Computer Co..
— Porque alguém teria o trabalho de quebrar sua senha de acesso à lista, invadir os servidores seguros da Computer Co., apagar seus e-mails da caixa de entrada, imprimir essa mensagem e ainda deixá-la
sob sua mesa, em plena feira lotada? — falou Kelly observando Sean. — O que acha que pretendiam com isso?
— Assustar-me? — debochou.
— Sean! O que vai fazer?
— Assustar-me!
Kelly soltou os ombros.
— Que posso fazer por você, patrãozinho? — acariciou seu rosto.
— Me servir outra xicrona de café? — interrompeu-a se afastando. — E não mais me chamar assim? — e a observou se afastar em silêncio.
Feira de Informática; São Paulo.
24 de outubro; 15h15min.
Sean estava trabalhando sem muito empenho, confuso com uma viagem astral noite anterior e que o levou a uma pista de pouso com um bimotor num buraco de minhoca, com uma nave alienígena explodindo. E agora,
um e-mail avisando sobre um enigma depois de uma Kelly falando de reminiscências platônicas, quando um sinal sonoro o acordou de seus pensamentos. Na tela do seu notebook, um ‘código 33’ avisava uma entrada
não autorizada, uma invasão hacker. Alertou-se, mas nada fez, nada movimentou. Quando o ‘código 33’ apagou, ele moveu-se bloqueando todas as senhas provocando um aviso na central da Computer Co. que negou
todas as entradas a seus mainframes.
Corria contra o tempo procurando um log, um arquivo com as últimas movimentações, mas não encontrou nada que indicasse uma invasão.
Kelly no andar debaixo da Feira de Informática recebeu o mesmo aviso de negação em todas as telas ali usadas. Ia subir a escada e avisar que a Computer Co. estava com as senhas temporariamente desativadas
quando um dos funcionários avisou no que os computadores haviam sido liberados.
Já Sean havia tido tempo para recuperar seus e-mails apagados de sua caixa do ataque hacker. Mas o que leria nos e-mails recuperados ecoaria em suas lembranças pelo resto de sua vida.
— “De teobaldo-s@net.net: Olá Lúcia? Conseguiu ver a imagem? É atividade magnética das grandes! Mandei imagem em pvt. Sabe que devo isso a seu pai. A polícia secreta sabia sobre a invasão. Tinham o projeto
da máquina e tudo. Tome cuidado quando for às Filipinas novamente. Escreva-me!” — Sean parou de ler.
Não sabia se entendeu o que entendeu.
“Atividade magnética?”
Prosseguiu a leitura:
— “De lucia-ml@net.net: O que é toda essa alteração magnética na ilha? E esses picos sísmicos? São terremotos ou o quê? Corre o risco de alguém mais na lista ter recebido? []’s Lúcia” — parou de ler sentindo-se
mal. Olhou o abat-jour de cúpula verde em cima da mesa e o ligou com a força do pensamento, ficou imaginando se a luz o ajudaria em tanta escuridão. — “Lúcia”? — repetiu a si mesmo com a sensação de já
ter ouvido aquele nome. Voltou ao notebook e enviou os dois e-mails lidos na lista para a impressora. Um som característico invadiu a sala e os papeis voaram da impressora até sua mesa, outra vez com a
ordem de um pensamento, se organizando de uma forma assustadora.
Sean então olhou os lápis no depósito distante e todos se moveram sem que os tocasse. Ele arqueou o sobrolho e outra vez desejou que eles se movessem, e outra vez eles o obedeceram volitando um lápis até
sua mão.
Um jorro ácido atingiu seu estômago, Sean sabia que Mona fizera algo, que ele possuía algo, que era especial, diferente.
Olhou o lápis na mão e anotou o nome de ‘Teobaldo’ e ‘Lúcia’ prosseguindo a leitura no notebook:
— “De j-j@net.net: Oi Dra. Lúcia! Acabei de ver o Messias das Filipinas outra vez falando de alienígenas. De que forças afinal falavam? Será que tem haver com o fato do amigo do Teobaldo, lá da tal polícia
secreta, ter visto a invasão? Não me deixem no escuro. Jordão Jr.” — Sean sabia que ‘polícia secreta’ se traduzia em Poliu. — “De vini@net.net: E aí, Dra. Lúcia? Parece um buraco de minhoca do tipo que
Kip Thorne imaginou, nessa imagem, não? []’s Vinicius”.
Sean ficou realmente tentando diluir toda aquela discussão sobre buracos de minhoca, invasões e forças, quando de repente tudo lhe pareceu real de uma forma nunca imaginada, um déjà vu que não era mais
uma impressão bergsoniana, eram lembranças de coisas reais, era a Poliu envolvida e ele fazia parte, havia feito parte, participara.
“Do que eu participei afinal?”, se perguntou confuso.
Chamou seus mainframes através de uma ponte com Spartacus, mesmo sabendo que seria arriscado fazer aquilo sem desligar as senhas novamente e ser rastreado.
Entrou com palavras chaves no banco de dados de Spartacus e percebeu que o satélite de observação estava fora de sua órbita original, deslocada em coordenadas das qual Sean não o colocara.
— Coordenadas entre 60º 20’ 38” e 60º 34’ 39” N de latitude e entre 102º 17’ 17” e 102º 28’ 80” E de longitude — Sean leu o que o GPS anunciou. — Vanavara, Sibéria; próximo ao Rio Tunguska — falou nervoso.
“Tunguska?”, e uma nova carga de ácido invadiu seu estômago.
Voltou a ler:
— “De lucia-ml@net.net: Dr. Teobaldo, não sei ao que se refere esse seu amigo secreto, mas algo aconteceu nas Filipinas. Você como um cientista gabaritado devia ser o primeiro a tentar conseguir informações
mais detalhadas que ficar pescando informações vazias. Ninguém pode negar informações a nós, ufólogos. Se a corporação nunca me deu valor é porque para eles sou só a neta ou a filha de alguém brilhante,
e isso não me atinge” — Sean ficou se perguntando quem era ‘Lúcia’ afinal. — “De teobaldo-s@net.net: Querida, Lúcia. Perdão se pareceu vazio ou incompleto. É que durante anos e anos eles obstruíram qualquer
tentativa nossa” — Sean começou a ficar perdido entre tantas informações, mas percebeu que Lúcia não quis responder àquilo. — “De lucia-ml@net.net: Vini, esse buraco de minhoca do tipo Thorne está usando
a mesma frequência magnética que o contador do Teobaldo mostra. Será que a tempestade anunciada pela NASA, produziu a aurora que abriu o buraco de minhoca? E foi o buraco que provocou o terremoto? Isso
vai contra o que sei, o que Tesla acreditava. Porque vovô dizia que Tesla tinha muito segredo guardado naquela experiência de Tunguska. Ele próprio, disse que o raio da morte não se tratava de um experimento”.
“Wow!” soou por todo ele, anotando algo no papel.
— “De teobaldo-s@net.net: Por favor, não me ignore Lúcia! Isso que disse é pura ficção. Tesla nunca conseguiria criar um terremoto”.
“Teobaldo-s”, Sean começou a estranhar o colisteiro, algo nele não condizia.
Não que tudo aquilo condizia com algo, com alguma coisa estável, cientificamente analisada. Porque tudo que ele apurara sobre alienígenas, toda sua vida de buscas cruzava com a corporação de inteligência
chamada Poliu, com seus espiões psíquicos usados para se comunicarem com outras civilizações, com alienígenas. E porque Kelly até não podia saber, mas Sean desde pequeno nada perdia, nenhuma informação
deixava de chegar até ele, nenhum pensamento se perdia no éter, nem as comunicações de Mr. Trevellis com os tais estrangeiros.
Mas quem eram aqueles alienígenas que abriam buracos de minhoca, Sean não sabia; não ainda.
— “De lucia-ml@net.net: Por que acha que Tesla não conseguiu Dr. Teobaldo? Nikola Tesla vinha desenvolvendo um dispositivo que conduzia uma carga eletromagnética através da Ionosfera. Testava um sistema
de comunicação de baixo custo que circulasse o Planeta. O Evento de Tunguska em 1908 foi o resultado de um teste realizado com o equipamento de Tesla! E Dr. Teobaldo, seus amigos da polícia secreta podem
sim, conseguir esses documentos com a extinta KGB. Vai perceber que Tesla acreditava que havia vida em Marte, e de que tinha provas disso. Ele criou transmissores para a comunicação com os marcianos a
fim de manter relações pacíficas com nossos vizinhos espaciais”.
“Wow! Marcianos?”; Sean não podia acreditar no que lia.
Ou talvez acreditasse, porque Nikola Tesla não era só um inventor prolifico, era uma mente privilegiada e aberta às novas ideias.
Filho de um padre sérvio ortodoxo, Tesla nasceu em uma noite de tempestade e relâmpagos, em meio à antiga Profecia Zohar sobre a abertura dos portões da sabedoria sobre a Terra. Foi o inventor do rádio,
da corrente alternada, do controle remoto, do motor elétrico, e mais de trinta patentes, criando projetos inteiros em sua cabeça. Contudo, Tesla declarou abertamente que seu cérebro era um receptor e que
o conhecimento vinha de um mundo paralelo.
Após construir um laboratório em Colorado Springs, em 1899, Tesla fez uma experiência com eletricidade de alta frequência e outros fenômenos. Nesse laboratório ele recebeu e registrou ondas de rádio cósmicas
em seus instrumentos sensíveis, e anunciou que havia recebido sinais de rádio alienígenas.
Por isso acreditava que a Poliu, tão antiga a ponto de ter conhecido Tesla pessoalmente, não ia deixar aquilo passar.
— A Poliu tem que estar envolvida... — e parou no que novamente um Sean Queise nítido se moldou à sua frente. — Quem é você? — perguntou à sua imagem que o olhava. — Deus... Quem sou eu? — e desligou o
notebook para então ele se religar. Agora Sean impactou, olhou um lado e outro, e desligou o notebook e ele outra vez se religou. — O que quer me mostrar Sean Queise? — perguntou à imagem dele ainda parado
à sua frente, como se seu duplo fosse capaz de responder. Mas alguma coisa ambos era capaz; possuir uma força não nítida, não explícita, explicada quando um site se conectou aos mainframes da Computer
Co., à Lista de e-mails de Ufologia. Sean realmente sentiu medo do que acontecia ali. Leu: — “De mario-rm@net.net: Aí galera, Dr. Teobaldo e Lúcia... Estranho vocês estarem falando de invasão nas Filipinas
e tal porque recebi de outra lista que assino, a transcrição de alguns mergulhadores de Amsterdã, que foi gravada e colocada num site da rede sobre UFOS nas Filipinas. Alguém mais sabe sobre isso?
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _Mulher 1: O que está acontecendo agora?
Homem 1: Não sei Martha. A imagem está muito embaçada.
Mulher 1: É um wormhole, Arthuro? Um buraco de minhoca? Câmbio!
Homem 2: Sim, Martha. Ele voltou a abrir. Câmbio!
Mulher 2: Ele disse que sim... Ele disse que sim...
Mulher 1: Não se aproxime muito do buraco de minhoca,
Arthuro. Ainda sabemos muito pouco sobre ele. Câmbio!
Homem 2: Cuidado com a segurança na transmissão, Martha. Câmbio!
Mulher 1: Esqueça a segurança, Arthuro. Onde está o buraco de minhoca? Câmbio!
Homem 2: Sob as águas, Martha. Abriu sob as águas. É cilíndrico, enorme! Câmbio!
Mulher 1: “Enorme”? Nunca ouvi falar de nenhum buraco assim
Arthuro. Eles são pequenos, impossível até de permitir passar um homem. Câmbio!
Homem 2: Mas ele é enorme Martha. Estou vendo uma nave. Tem luzes em toda sua extensão. Câmbio!
Mulher 1: O que tem dentro, Arthuro? Uma nave, você disse? Câmbio!
Homem 2: Tem também um foguete, Martha. Acho que dois, atrás de uma nave alienígena. Câmbio!
Homem 1: Atrás do quê? O que ele falou Martha?
Homem 2: Eu errei!!! É uma ogiva Martha!!! Câmbio!!!
Mulher 1: “Ogiva”?! A nave alienígena está sendo atacada, Arthuro? Câmbio! (pausa) Arthuro? Você disse duas naves ou duas ogivas? Câmbio?
Homem 2: Não sei... Não consigo...
Homem 1: Há uma forte interferência geomagnética, Martha.
Homem 3: Arthuro? Arthuro? Eu não te escuto! Câmbio!
Mulher 2: Ele não responde Paulo?
Homem 2: Socorro!!! Paulo?! Meu Deus... Fiquei cego...
Homem 3: O que houve Arthuro?! O que houve Arthuro?! Não consigo captar nada! Câmbio!
Homem 1: Perdemos Arthuro, Martha! O avião entrou! Entrou!
Mulher 2: Oh! Oh! Como é possível? Onde Arthuro entrou? Vê alguma coisa Paulo?
Homem 3: Não... Não... Meus monitores não mostram qualquer distúrbio elétrico nas nuvens...
Mulher 1: Responda Arthuro! Responda Arthuro! Câmbio!
Mulher 2: O que é tudo isso afinal, Martha?
Mulher 1: Eu não sei Eva; eu não sei. Um wormhole ou buraco de minhoca, Arthuro disse. O avião entrou e isso realmente é impossível. As paredes do buraco de minhoca se colapsam em uma tempestade geomagnética._
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
Aí, galera, a ligação é interrompida por uma tempestade solar e eu não consegui ouvir mais nada. Alguém leu sobre isso noutro canal de UFO? Porque o avião do tal físico Arthuro explodiu dentro de um buraco
de minhoca nas Filipinas”.
E Sean Queise desmaiou no chão do escritório da Feira de informática.
“Sean?”, uma voz delicada o chamou.
Sean abriu os olhos, olhou em volta não reconhecendo o lugar onde estava. Viu-se caído na grama em torno de um lago brilhante, em meio a um ar seco, quase asfixiante. Havia flores não muito nítidas, e
um perfume de rosas brancas, o preferido dela, Sandy Monroe.
“Sean, meu amor?” Sandy sorria para ele.
“Sandy?” “Onde estamos?”.
“Você?” “Você não está aqui...”, e o vestido branco de chiffon, o vestido da noite do noivado, tinha sangue escorrendo.
— Ahhh... — e Sean acordou no que a mão de Kelly o atingiu.
O som voltava também com o toque da mão dela.
— Minha Nossa, patrãozinho... Há quanto tempo está caído? — ela estava ajoelhada no chão, com a cabeça dele em suas pernas. Freda tremia com um copo de água que pingava no chão onde ele a pouco adormecia.
— Venha! Levante-se! Vamos sair! — e o levantou.
— Estou... — e bebeu o copo de água trazido por Fedra que foi dispensada por Kelly.
— Venha comigo! Não seja teimoso.
Sean olhou para ela tentando deglutir toda a informação vivida. Tocou-a no rosto e ela acolheu a mão dele com lábios úmidos que depois o tocaram, em seus lábios secos.
Acordou de vez a beijando.
— Não.
— Acalme-se... Não vou insistir, Sean. Não se preocupe... — sorriu-lhe. — Vamos dar uma volta — olhou o escritório quase às escuras. — Precisa de luz, Sean.
Ele sabia que Sandy, também.
Saiu sob as ordens da amiga e sócia.
Feira de Informática; São Paulo.
24 de outubro; 22h12min.
— Até amanhã, Sr. Queise! — falavam todos os funcionários para um Sean abatido, sentado no primeiro degrau da escada.
Ele viu Freda e Renata Antunes, que chegara trazendo alguns contratos, e já se ocupando de fechar o dia, auxiliando Kelly Garcia. Ele as observava, estava feliz em ver que Kelly havia colocado o orgulho
de lado. Levantou-se e subiu a fim de encerrar o seu dia também. Virou-se e viu o homem de cabelos ruivos, de olhos semicerrados, parado feito uma estátua, próximo à seu estande; e as poucas pessoas que
ainda ali restavam, passavam-lhe ao lado sem que ele se mexesse, somente observando o stand da Computer Co.; provável durante a feira toda.
Sean estranhou suas feições duras, seu olhar forte. De uma maneira ou outra sentia que era vigiado, seguido, observado.
Entrou na sala e instintivamente fechou as persianas. Abriu-as de novo e o ruivo sumira.
Desligou tudo, saiu e fechou a porta à chave começando a descer a escada quando voltou a vê-lo, o olhar do ruivo que parecia atravessá-lo mesmo àquela distancia. Sean só teve tempo de chegar embaixo e
questionar Renata:
— Onde está Gyrimias Leferi?
— Disse-me que terminando algo para o Senhor — como Sean nada respondeu. Ela piscou indecisa. — Eu pedi que Gyrimias fosse comigo amanhã na reunião com a Família Tadaka. Tudo bem Sr. Queise?
— Ãh? — olhou-a como que perdido. — Ah! Tudo bem... — olhou em volta e voltou a olhá-la. — Por que amanhã?
— Porque eles não compareceram hoje Sr. Queise. Remarquei para amanhã — Renata estranhou as feições de Sean que olhava a feira como algo infinito. — Há algo mais que eu possa fazer Sr. Queise? — perguntou.
— Vou pedir para que Gyrimias ligue para o Senhor.
— Isso... — Sean procurava incessante percebendo que o ruivo sumira outra vez. — Faça isso. Por favor! — e foi embora de vez.
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
24 de outubro; 23h58min.
Havia pouca iluminação no quarto clean do flat quando o celular vibrou, e o som o fez impactar.
— Alô?
— Senhor Sean Queise? É Gyrimias, Senhor. Desculpe-me pela hora, mas só agora saí da sala dos mainframes e peguei o recado da Senhorita Renata Antunes — disse o educado Gyrimias Leferi, o melhor cientista
em computação da Computer Co..
Sean o tinha como uma mente brilhante, a sociedade científica como um ‘nerd’.
Até sua fisionomia combinava com sua pessoa. Franzino, tímido, de óculos de aro quase transparente ele era o protótipo do nerd com quem Sean gostava de trabalhar.
E Gyrimias era digno dos maiores segredos profissionais dele.
— Onde está agora Gyrimias?
— Entrando na minha sala, Senhor... — percebeu o silêncio. — Queria mais alguma coisa de mim para hoje, Senhor Sean Queise? — Gyrimias arrumou o cabelo sempre em desalinho; o jaleco longo com o logotipo
da Computer Co. gravado no bolso estava amassado pelas horas de uso.
— Entre no site da Computer Co.. Vou acessá-lo pelo pendrive e conversaremos seguros.
“Seguros?”, Gyrimias estranhou o uso do pendrive. Percebeu que ele não queria deixar rastros nem no HD do notebook pessoal.
Obedeceu e chamou Sean Queise através de uma ligação segura quando a tela de Gyrimias mostrou um Sean cansado, porém bonito.
— Gyrimias, o que sabe sobre buracos de minhoca? — disparou logo que a câmera finalizou a imagem.
O rapaz franzino arregalou os olhos.
— Ah! Está falando de buracos no espaço-tempo, Senhor?
— Sim, Gyrimias. Acho que estou falando na possibilidade de viajar-se no tempo.
— Não é coincidência, não é? Parcelado algo depois que quebrei o sigilo da Lista de Ufologia como o Senhor mandou...
— Não devíamos estar falando isso nem aqui, Gyrimias. Seguro ou não — Sean olhou em volta, seu quarto estava no breu.
— Sim, mas a lista falou... A tal ufóloga Doutora Lúcia falou...
— Eu sei o que ela falou... — e Sean teve outra sensação de déjà vu com uma estranha mulher de fala doce soando em seu ouvido. Sean olhou em volta sentindo o pulsar de sua jugular mais ativa que o normal.
Fechou os olhos e procurou Sandy no astral, mas não era ela, não havia rastros de seu perfume de rosas brancas. — Não quero falar sobre a Lúcia, Gyrimias.
“Sobre a Lúcia?”; percebeu a intimidade usada.
— E então Gyrimias?
— Então um wormhole, ou buraco de verme, ou buraco de minhoca é uma geometria do espaço-tempo quadridimensional de Albert Einstein, na qual duas regiões do Universo estão ligadas por uma espécie de túnel.
Pequeno e estreito.
— Um buraco de minhoca clássico de grande escala é uma solução das equações de campo de Einstein, que governam a curvatura do espaço-tempo; a chamada ponte de Einstein-Rosen.
— Sim, Senhor. O mais interessante nos buracos de minhoca, é que eles podem fornecer meios relativamente simples para viajar para regiões longínquas do espaço ou até para viajar para trás no tempo.
— Não se pode viajar para trás, Gyrimias. Só para frente.
— Parcelado o que penso, acho que nem para frente, Senhor — riu Gyrimias, meio sem graça. — Se bem que teoricamente...
— “Teoricamente”? Segundo Santo Agostinho, o passado não existe mais, o futuro ainda não existe e só nos resta o presente vivenciável. Então o passado passa a ser recordação e o futuro esperança do que
está por vir no nosso ‘palácio de memórias’; Mona amiga diria, no nosso perispírito.
— Filosófico Senhor.
Sean respirou profundamente. Não estava a fim de se levar por suas próprias filosofias.
— Como os tais mergulhadores de Amsterdã, em férias nas Filipinas, poderiam cair num buraco de minhoca, Gyrimias? Um buraco de minhoca é transitável?
— Ah! Não sei... Senhor. Mas Albert Einstein com sua equação de campo, dizia que a gravidade é uma manifestação da curvatura do espaço-tempo e a curvatura do espaço-tempo é produzida pela massa-energia
contida nele, onde a relação entre energia-momentum e a curvatura do espaço-tempo é governada por um conjunto de equações — e Gyrimias ligou o ar-condicionado até gelar sua sala. — Na verdade, Senhor,
ela deveria ser chamada de geometrodinâmica, um nome proposto pelo físico John Archibald Wheeler tendo em vista que a teoria da relatividade geral geometriza a gravitação.
Sean ficou pensando por que tudo aquilo dava um nó no seu estômago e por que passou a temer aquelas informações.
“Déjà vu?”, se perguntou.
— Intuição! — se respondeu.
— O que disse Senhor?
— Por que a ufóloga Lúcia associou a explosão de Tunguska a um buraco de minhoca? — lembrou-se de lembrar-se dela. — Um buraco de minhoca tem que agir de uma forma expandida e voltar a se encolher para
um tamanho que talvez ninguém o veja?
— Acha que ele só é visto quando se expande? Podemos tropeçar e cair num buraco de minhoca? — Gyrimias foi pura desconfiança.
— Eu preciso desligar Gyrimias...
— Ah! Perdão, Senhor. Não quis duvidar, mas... De fato, a dilatação pode ocorrer porque qualquer matéria conhecida que caia num buraco de minhoca irá estreitá-lo, através da gravidade. Para isso, o físico
Kip Thorne embarcou num paradoxo, ‘abrir um buraco no espaço vazio, que liga o nada a lugar nenhum’.
— Talvez máquinas do tempo como propostas como Thorne ou talvez máquinas capazes de criarem buracos de minhoca, como o Sino de Hitler, o Die Glock, que Jim Mars em seu livro The Rise of the Fourth Reich,
chama de tão secreto que nem é certo se o próprio Hitler tinha conhecimento do que estava sendo desenvolvido; uma máquina que formaria um vórtice magnético, com a capacidade de viajar no tempo — Sean respirou
profundamente. — Não faz muito tempo, cientistas de Barcelona conseguiram criar em laboratório, uma estrutura que segue a mesma lógica de um buraco de minhoca; uma espécie de túnel com um formato arredondado,
feito a partir de metamateriais e metas superfícies, capazes de funcionar como uma espécie de ponte que liga dois pontos no espaço. Só que a única coisa que pôde atravessar o túnel de uma ponta a outra
foram campos magnéticos, criados por ímãs ou eletroímãs — e deu uma pausa. — Acha que a ufóloga Lúcia falou sério quanto à suposta nave alienígena ter sido sugada em algum lugar do espaço e cuspida em
Tunguska? Eles parecem estar se engalfinhando por causa desse tema, já que o Evento Tunguska aconteceu porque uma nave alienígena se sacrificou jogando-se contra um meteorito, que destruiria a Terra, nos
salvando… — e outra pausa fez Gyrimias não mais saber decifrá-lo. — Não se preocupe com minha sanidade Gyrimias, não acredito em naves salvando a Terra, mas não me assustaria se Tesla realmente tivesse
tido algo haver com Tunguska. Mais tarde seu nome também foi citado no caso do Navio Eldridge do Philadelphia Experiment.
— Parcelada suas opiniões, Senhor. Bem, o Senhor não vai gostar, mas... Tenho que ir contra e afirmar que talvez o Eldridge e sua suposta viagem no tempo tenha sido uma lenda.
— Não, Gyrimias. Em 1943, os EUA organizaram um projeto denominado Arco Íris, que consistia em criar um forte campo eletromagnético de alta intensidade, capaz de bloquear as ondas de radar dos inimigos
tornando assim invisíveis ao radar terrestre ou marítimo.
— E chamaram Tesla?
— Nikola Tesla, inventor da corrente alternada, John Erick von Neumann, criador de um dos primeiros computadores eletrônicos, Townsend Brown, inventor dos dielétricos e Albert Einstein como consultor.
— Parcelado...
— Não parcele Gyrimias. Após vários testes, em 12 de agosto de 1943, o recém-construído navio DE 173 Eldridge, fabricado especialmente para a experiência teve adaptadas, quatro gigantescas bobinas de Tesla
nas torres de canhões do navio, dando início no Porto de Filadélfia ao que ficou conhecido como ‘Projeto Filadélfia’, porque quando eles ligaram os geradores às bobinas, com oscilações de baixa frequência,
pôde observar de um navio próximo, uma névoa esverdeada, originada pela alta ionização do ar em torno do Eldridge, seguida de um som de cascata decorrente da eletricidade estática.
— Senhor Sean... — Gyrimias percebeu um chiado incomum. — A ligação...
Mas Sean não ouviu.
— A experiência teve sucesso, e o intenso campo eletromagnético distorceu o espaço tempo, com o navio oscilando entre o visível e o invisível ao radar, até desaparecer completamente durante quatro horas,
e se materializando no porto de Norfolk, quilômetros de distância da Filadélfia, para então retornar ao porto da Filadélfia, em estado lastimável; a embarcação estava suja e coberta de um material não
identificado parecido com uma geleia, tinha vários mastros quebrados e a tripulação sobrevivente estava com as roupas em chamas, outros com seus corpos mutilados, e outros ainda fundidos ao aço do navio
com...
— Senhor?! — Gyrimias gritou e Sean parou, olhando-o pela câmera. — Alguém tentou rastrear nossa ligação.
Sean arregalou os olhos azuis.
— Impossível! — Sean procurou o ‘código 33’ e ele não estava na tela. — Ninguém pode nos invadir sem sabermos, Gyrimias. Criei o ‘código 33’ para...
E Gyrimias Leferi digitava algo.
— Sinto Senhor... Mas fomos invadidos.
— Não Gyrimias. Eu que sinto tê-lo envolvido nisso — Sean olhou em volta; uma sensação de perda.
— Parcelado o que sinto, não sinta Senhor Sean Queise. Sempre estivemos juntos nesse barco.
— Nesse barco... — e Sean viu que Gyrimias pareceu não entender. — Posso lhe perguntar algo Gyrimias? Acredita que um lado do cérebro possa gravar algo antes que o outro?
Gyrimias realmente pareceu não entender.
— Do que falamos Senhor?
— Nada... — Sean voltou a olhar em volta, com sensação de déjà vu, de já ter falado aquilo, de já ter feito aquilo, de já ter passado por aquilo. — Porque se eu quisesse Gyrimias, eu disse se eu quisesse
imprimir uma informação no meu cérebro, então desligá-la, para então religá-la quando eu quisesse me alertar sobre... — e parou novamente vendo que Gyrimias estava agitado. — Se eu quisesse construir um
modelo matemático de buraco de minhoca aberto como o que Kip Thorne definiu redondo, cúbico, sei lá, e que ele me permitisse uma travessia, então as equações da relatividade geral diriam que é necessária
uma matéria com uma enorme pressão negativa para sustentar as paredes do buraco de minhoca gravitacionalmente, não é?
— O Senhor está falando da estabilidade das paredes ou do lado do cérebro que gravou...
— Responda!
— Ahhh... Parcelado... A magnitude da tensão dessa matéria tem que ser maior do que a densidade da energia da própria matéria, Senhor Sean Queise — Gyrimias desistiu de argumentar. — O que leva-nos a um
material chamado de matéria exótica, porque não é conhecida nenhuma outra matéria como essa. E existem algumas indicações de que...
— Fora isso, que energia provocaria um buraco de minhoca? — cortou-o.
— Na Terra? Não estamos falando de nada alienígena?
— Não, Gyrimias. Não estamos falando de nada alienígena.
— A mesma força que provoca um terremoto, Senhor... — e um chiado agudo foi o fim da ligação.
Sean saltou da cama e acendeu a luz, tenso ao ver que o pendrive não conseguia voltar a conectar-se aos mainframes da Computer Co..
Olhou em volta realmente assustado.
Ficou pensando se sua casa não estava sendo vigiada. Se ele próprio não era refém dessa vigia.
3
Feira de Informática.
São Paulo, capital; Brasil.
23° 30’ 59” S e 46° 38’ 10” W.
25 de outubro; 10h00min.
A manhã e o resto do dia da feira transcorreram sem mais nenhuma novidade, Sean divagava de vez em quando assustando Kelly.
Porque ela o observava o tempo inteiro.
Fosse quando estava trabalhando no computador, fosse quando estava concluindo algum negócio ao seu lado. E de quando em quando seus olhos se cruzavam. Sean dava um sorriso amarelado e fugia do seu olhar.
Estava perturbado, ela podia sentir. Alguma coisa havia mexido com ele e nem o próprio sabia o quê.
Sean passou o final da tarde, trancado no escritório, no segundo andar do stand com uma sensação ruim. Mas não tão ruim quanto o perfume de rosas brancas que lhe invadiu outra vez.
Sobressaltou, podia senti-la, Sandy, o sangue dela em suas mãos.
Feira de informática; São Paulo, capital.
25 de outubro; 22h22min.
As horas passaram e o pavilhão de exposições da feira, agora quase vazio, mostrava uma cara de fim de festa.
— Fechamos mais oito grandes contratos! — anunciou Kelly Garcia entrando na sala e se sentando numa cadeira. E arrancando os sapatos, esticou as belas pernas em cima da cadeira do lado. — Isso não é o
máximo?
— Você quem é o máximo, Kelly. Devia tomar meu lugar.
— E o que você estaria fazendo? — perguntou curiosa.
Sean suspirou.
— Tomando Sol numa ilha paradisíaca... — falou sem muita emoção.
— “Ilha paradisíaca”? Ok! E troca o Sol da ilha paradisíaca para jantar comigo? — perguntou carinhosa.
— Nunca jantamos juntos — respondeu com secura.
— Almoçamos juntos todos os dias.
— Trabalhamos enquanto almoçamos. Não jantamos juntos.
— E o que há demais nisso? Em jantarmos juntos?
— Desculpe-me! — cerrou os olhos.
— Acha que estou acirrada numa aproximação já que deixei de ser sua empregada?
Sean ficou a observá-la.
— Está sendo grosseira.
— Só estou querendo entender por que reage assim? — sentou-se na cadeira ao lado dele colocando as pernas, agora, em cima da dele.
Sean impactou.
— Eu...
— Você?
— Não faça isso, Kelly! — cerrou os olhos.
Kelly não quis insistir, não podia. Vestiu os sapatos, cansada daquilo, dele, dela própria.
— Eu já vou, então. Não precisa mais de mim?
— Não... — respondeu meio aéreo, pressentindo uma forte enxaqueca depois de terminar a noite sentindo a presença da noiva morta. — Kelly? — ela se virou para ele. — Nada! — ele a viu largar os ombros num
nítido movimento de cansaço. — Chame Freda e avise que todos podem ir embora.
E Kelly se foi.
— Sr. Queise deseja mais alguma coisa? — perguntou Freda ao entrar na sala mancando por causa do salto da sandália que quebrou.
— Poderia trabalhar mais meia hora e juntos colocarmos esses novos contratos no computador? Amanhã pode ser corrido e acabar acumulando serviço.
— Sem problemas. O Senhor poderia então me dar uma carona até um ponto de táxi? Eles já estão indo embora.
— Freda! — sorriu-lhe. — Levá-la embora, era o mínimo que eu poderia fazer.
Feira de informática; São Paulo, capital.
25 de outubro; 23h59min.
A noite avançou.
— São quase meia-noite Freda... Não tem medo de virar abóbora?
Freda sorriu.
— O Senhor tem?
Sean a ficou observando.
— Acho que tenho medo de outras coisas Freda, não de virar uma boa sopa.
Ambos voltaram a rir mesmo com Freda o vendo distante.
— Posso acabar mais esses contratos?
— Não! Já pensou o que terei de pagar de horas extras? — e os dois voltaram a rir. — Porque a justiça e a lei surgiram com a civilização. Para os filósofos gregos clássicos, a justiça era tanto um bem
político quanto uma virtude individual.
— Questão de acordos.
— Não. Na visão de Sócrates era preciso que os cidadãos fizessem e dessem do seu melhor. Platão concordava com seu mestre sobre a importância da sociedade ser harmoniosa, mas para ele a condição maior
era a boa administração, que devia pagar o preço justo. Nada de acordos Freda...
— Sr. Queise! — falou sorrindo. — O Senhor é realmente uma pessoa muito especial como dizem.
Sean não entendeu o elogio, mas percebeu que era a primeira vez que a moça se soltara um pouco em relação a ele. Ficou triste sabendo que era temido por sua posição, por seu gênio explosivo nos negócios,
pela sua vida de Queise.
E de como talvez tivesse sido uma vida de Roldman, com a pobreza e a luta diária, longe da sua realidade de dezoito anos.
Freda se levantou e reuniu todos os Whatsapp, e-mails e atas de contratos preenchidas. Colocou tudo na sua pasta que carregava, agora, com todo o cuidado do mundo, debaixo de seus secos braços e voltava
ao segundo andar do stand pela terceira vez para buscar algo que esqueceu.
— Vamos, Freda?! — insistia Sean já no andar debaixo ao gritar para que a moça descesse.
— Calma Sr. Queise! Tenho que arrumar melhor esses papéis dentro da pasta.
— Quanto cuidado com essa pastinha de papel, Freda. Não seria melhor já trocá-la por um material mais resistente?
— Mas ela é boa... — tentava Freda se explicar.
— Está bem! Está bem! Não vou discutir!
E se dirigiram para a saída, atravessando enormes, escuros e vazios corredores.
— Nossa! Agora que a gente percebe como o pavilhão da feira é grande — retrucou Freda sozinha porque Sean não podia ouvi-la, havia parado para ouvir passos atrás deles, a tentar observar alguém e ninguém
a perceber; somente seus olhos azuis brilhando em meio à quase escuridão. — Senhor?
— Vamos! — Sean puxou o braço dela.
Ambos recomeçaram a andar com Sean apertando o próprio passo, puxando-a também.
— Será que o tempo vai esfriar amanhã? Dizem que essa vai ser uma primavera seca e fria... Ou será que chove só para estragar o fim de semana? — insistia Freda num diálogo quando outro som fez Sean parar
novamente, tentando desesperado localizá-lo, mas nada via.
Sean ameaçou sair de si, se bilocar abrindo-se em dois e invadir o éter, mas os olhos arregalados de Freda o vendo ficar como feito de rabiscos, o fez recuar. Ele não podia se arriscar, deixá-la saber
o que podia fazer com seu corpo.
— Vamos! — exclamou outra vez a puxando pelo braço quando algo caiu no chão e dessa vez Sean não parou.
— Senhor? — ela viu seus pés correndo. — Por que estamos...
— Calada... — sussurrou Sean.
E Freda se calou. Não soube bem o porquê, mas se calou.
— Acho que estamos sozinhos... — sussurrou baixinho.
— É... Também acho... — disse meio incerto continuando a se dirigir para a saída no que um clarão azul esverdeado tomou conta do grande portão de aço blindado.
— Ahhh!!! — gritaram ambos.
Sean sentiu a vista embaçar e Freda sentiu que algo queimou sua retina.
— Senhor... Senhor... — Freda sentiu-se cega momentaneamente. Mas Sean não tinha tempo, a puxava para fora. — Meus olhos... — corria carregada por ele.
— Corra! Corra! Corra! — Sean não a deixava falar, pensar por conta própria.
Atravessavam os grandes corredores de acesso e chegavam ao estacionamento, ambos correndo quando Sean estancou de repente quase a derrubando.
— Senhor... — ficou no vácuo.
O estacionamento estava quase vazio, acabando por empurrar a sua Lamborghini para mais longe do que ele supunha, e outro clarão se fez.
— Corra!!! — gritou Sean para ela novamente.
— Mas Senhor...
— Corra!!! Corra!!! Corra!!!
E Freda corria com o salto quebrado, sem forças para perguntar o que acontecia, com Sean a puxando e ela não enxergando nada.
— Senhor...
— Corra!!! Corra!!! Corra!!! — gritava descontrolado sem saber ao certo o que responder, atravessando portões, grades que explodiam com a força do pensamento, acionando carros e buzinas, desesperado por
não saber do que corria, do que fugia, do que temia, quando passos, mais de três pares, o levaram ao pânico; porque Sean se enxergava duplicado toda vez que olhava para trás, como num flash que borrava
suas vistas.
— Os papéis?! — gritou Freda soltando-se das mãos de Sean, com contratos e tudo mais voando no vento forte que se fazia naquela noite.
Freda estava desesperada sem conseguir enxergá-los, pegá-los. Bailava desesperada, tentando resgatá-los.
— Não!!! — berrou Sean descontrolado, agarrando Freda outra vez, correndo alienadamente pelo estacionamento vazio. — O carro?! Cadê o carro?! — mas um zumbido o fez parar.
E Sean estancou totalmente.
— Senhor... — foi só o que uma Freda quase cega, esbaforida pela corrida conseguiu falar.
Ele a encarou e o segundo zumbido se seguiu não muito longe dali. Sean sabia que aquilo fora um tiro, que as feições deformadas pelo horror e pelo medo de Freda não mentiam; eles estavam sendo seguidos,
atacados.
— Corra!!! — gritou Sean e Freda foi outra vez carregada, em meio a uma cena que se passava muito rápido para que ela a absorvesse.
O salto quebrado da sandália dela tilintava no asfalto duro e mais papéis voavam quando vários homens encapuzados corriam, se aproximavam. Sean tentou se locomover mais rápido que um pensamento, mas seus
dons não respondiam ao seu comando. Ele tentou mais uma vez, desejou que seus corpos se teletransportassem dali, como os objetos de sua infância, que iam e vinham como panelas que desapareciam das mãos
dos empregados e reapareciam noutra bancada, para o horror deles e desespero de seus pais que não sabiam lidar com uma criança problema. Porque Sean cresceu sendo um problema para os dois, provável para
Oscar também, e Freda o puxou para baixo no que seu corpo foi ao chão.
Sean arregalou os olhos azuis e viu Freda ferida.
— Senhor... — e foi só.
— Não!!! — ele a agarrou, desmaiada do chão, e a jogou sobre seus ombros voltando a correr sem rumo, quando Sean se viu no rápido reflexo do vidro de um carro estacionado; sua imagem duplicada outra vez
embaçou sua vista.
“Se eu quisesse imprimir uma informação no meu cérebro então desligá-la, então religá-la para quando eu quisesse me alertar...” e outro zumbido fez Sean voltar à realidade. Correu disparado agarrando Freda,
até senti-la escapar dos seus braços fazendo os dois caírem.
— Freda?! — mas Freda fora atingida outra vez.
Sean a agarrou se jogando junto com ela, para debaixo de um dos poucos carros estacionados escapando de outro zumbido.
“Se eu quisesse imprimir uma informação no meu cérebro então desligá-la, então religá-la para quando eu quisesse me alertar...”, e o que aquilo significava ele não sabia; mas ele ia saber, porque Mona
dissera que ele ia entender em breve, da pior maneira.
Ele virou-se para a secretária e Freda morria.
— Freda... Freda... — sussurrava, chacoalhava seus ombros sem ter resposta, quando viu dois pés muito próximos. Sean calou-se e calou Freda mesmo desmaiada quando um dos homens encapuzados parou seus movimentos,
seus passos eram inconstantes, indecisos, ele os procurava sem saber onde estavam. Arrastou-se para debaixo do carro ao lado deixando Freda desmaiada, e passou silencioso de um carro para outro. — Ahhh!!!
— mas gritou ao ser puxado pelos pés rasgando na lataria, sua bela face.
O homem encapuzado tombou com uma rasteira e Sean correu, correu até mais dois zumbidos passarem-lhe de raspão fazendo-o se jogar para trás de outro carro. O sangue pingava no chão do estacionamento e
Sean de alguma forma sentiu a morte chegar.
Voltou para onde havia deixado Freda desmaiada, e ia tentar voltar com ela à Feira de Informática e alcançar seu stand onde tinha uma arma na gaveta, quando percebeu uma pequena luz vermelha em seu ombro
esquerdo.
— Laser... — falou Sean lentamente ao cair.
O zumbido dessa vez fora certeiro.
4
Oficina mecânica; São Paulo, capital.
26 de outubro; 01h14min.
— Acorda idiota! — exclamava uma voz grossa, muito longe para que Sean pudesse ouvir direito.
Ele tentou voltar a si, mas a dor que sentiu no ombro esquerdo não o permitiu pensar direito.
Estava cansado, com frio.
— Onde... — e Sean teve um soco como resposta, espirrando sangue para o lado.
— Calma! — disse uma voz meio ao longe, fazendo Sean pensar que era a voz de uma mulher.
— Não tenho calma Lady! Quero respostas! — exclamava o brutamonte, agarrando Sean pelos cabelos que gemeu. — O quê?! O bonequinho de luxo sentiu dor? — o brutamonte não parecia estar ali para se divertir.
— Então abra esse código!!! — gritou, batendo o rosto dele na mesa, trincando-lhe um dente.
Sean tentou raciocinar apesar da dor e viu um notebook à sua frente.
— Não... Não entendendo... — cuspiu sangue longe.
— E nem eu quero que entenda! Apenas que abra esse código! — insistia o brutamonte em tom perturbador.
Sean tentou enxergar mais uma vez após tossir o resto do sangue de sua boca, e uma imagem se formou na sua retina. A sigla da corporação Poliu estampada na tela do notebook.
— Deus... — sussurrou Sean, arregalando os olhos no máximo que sua dor permitia.
— “Deus”? — gargalhava o brutamonte. — Foi passear! — gargalhava. — E me deixou tomando conta de você — ria bem próximo do rosto dele que embranquecera. — Veja que imprudência a Dele — debochou. — Agora
abra!!! — berrou outra vez.
— Eu não sei... abrir código algum... da Poliu...
O brutamonte voltou a agarrar os cabelos de Sean com força, e lançou seu rosto em seguida direto à mesa, fazendo-o perder os sentidos por alguns segundos.
— Cuidado! Vai matá-lo — falava aquela doce voz feminina que Sean ainda não localizara.
— Cale a boca! Não atrapalhe! — disse de repente outra voz de mulher, extremamente nervosa e irritada.
— Não se preocupem Ladies. Ele fala antes! — concluía o brutamonte.
“Se preocupem?” “Ladies?” “Onde?”, tentava Sean raciocinar.
— Disse... Não sei abrir... — também tentava responder Sean, quase sem voz.
— O que há bonequinho de luxo? Não me faça rir! Sei quem você é e do que é capaz — falava o brutamonte nervoso, empurrando Sean para o encosto da cadeira a qual estava amarrado.
— Eu não sou...
— É um hacker! — exclamou com força a mulher nervosa e irritada. — Acostumado a entrar e sair dos computadores da Poliu sem ser percebido.
“Poliu?” pensou nervoso.
— Nunca... — Sean não sabia se respirava ou não respirava; estava confuso, desorientado e com dor. —, permitir...
— Permitir?! Permitir?! — berrava o brutamonte. — E quem costuma reclamar com o bonequinho de luxo, hein? Com o menininho riquinho, hein? Hein?! — voltou a berrar.
Sean tentou enxergar onde estava. Sabia que não era o local dos stands da Feira de Informática.
Era um galpão, provável uma oficina mecânica, e que cheirava a metais, a graxa e removedor, com dois grandes holofotes verdes com lâmpadas em curto sobre suas cabeças. Tudo era amplo, mal iluminado, e
Sean percebeu Freda algemada ao seu lado.
Um homem careca a segurava.
— Freda... Freda... — falava meio tonto deixando o rosto tombar várias vezes sobre seu pescoço, agora mais pela dor das pancadas do que pela dor do tiro.
— Por favor, jovem Queise... Coopere... — uma voz doce, suave, soou longe.
“Jovem Queise?”, Sean estava atordoado, não entendo porque aquela voz de mulher parecia querer ajudá-lo.
— Freda... — pediu Sean. — Deixe-a... — cogitava para o fim do galpão da oficina mecânica, para a voz feminina de timbre doce. — Funcionária...
— E você se preocupa mesmo assim? — falou o brutamonte se aproximando de Freda, arrancando a blusa da esmirrada secretária e passando a mãos pelos seus seios.
Freda sangrava muito.
— Babaca desgraçado! — proferiu Sean descontrolado, buscando forças, olhando os lados, tentando mover algo. Mas nada se movia a contento, a dor não lhe permitia encontrar equilíbrio. — Deixe-a...
— Torture-se bonequinho de luxo — ria o brutamonte enquanto acariciava o corpo de Freda, que não se mexia.
— Não sei... Não sei o que quer da Poliu... — cuspiu mais sangue. —, mas pegou a pessoa errada.
— Ora vejam Ladies! Pegamos a pessoa errada — ria o brutamonte e uma das mulheres.
— Não posso... abrir canal... penetrar os dados... — tentava explicar desesperado. — Poliu... firewall... A parede de fogo… Não permite entradas… — falava Sean quase sem voz.
— Mentira!!! — gritou a mulher nervosa e irritada, cada vez mais descontrolada.
— Não é não... Não é não... Por favor... Acredite... — Sean virou-se para o fim do galpão tentando localizá-la. — Nem vírus passa... — falava com o resto de forças que ainda possuía. — Eu sei...
— Sabe, porque a criou!!! — berrou a mulher nervosa e irritada no fundo do galpão. — Criou a maldita firewall!!!
“Porque a criou” “Porque a criou” “Porque a criou”; ecoava por todo corpo que sangrava, que sabia que ia sangrar mais se não fizesse algo, e moveu ferramentas pelo chão, armários de metal enferrujados
que tremeram, e as luzes que rarearam.
As duas mulheres se olharam e Sean deixou cair a cabeça, estava zonzo demais para conseguir se concentrar.
— Chega de demora! O bonequinho de luxo vai abrir! — dizia o brutamonte com insistência quando Freda começou a gemer.
— Por favor... — Sean voltou a si. O desespero de Freda ia além do corpo; toda sua alma se agitava, agitava Sean que buscava forças. — Deixe a moça ir... — e ele foi esbofeteado outra vez. Seu sangue espirrou
na roupa, no teclado. Com o rosto quase deformado, mal enxergava quando outro soco, agora na boca do estômago, o fez se encolher.
A dor era muito grande e o brutamonte sabia como bater.
— Vai abrir! Vai abrir! Vai abrir a maldita firewall!
— Ahhh... — e outra vez o rosto de Sean foi lançado, agora contra o notebook, quebrando-lhe duas teclas, disparando um aviso sonoro, deixando Sean sentir que sua alma se descolava do corpo, buscava ajuda
no éter se fazendo de rabiscos e voltando.
— Coopere jovem Queise — dizia meio afoita a ‘voz de algodão’.
— Já mandei calar a boca! — berrava a outra mulher nervosa e irritada com a mulher ‘voz de algodão’. — Eu disse para não trazê-la, não disse?! — berrava ela com o brutamonte.
— É... A Lady disse — ele só encarava Sean que sangrava muito, porque algo de muito estranho acontecia com o jovem naquela cadeira.
Sean voltou ao corpo e percebeu o brutamonte desconfiado de algo. Fechou e abriu os olhos tentando enxergar o fim do galpão da oficina mecânica fétida, tentando entender se Freda estava ou não viva, tentando
raciocinar o que era aquela imagem na tela do notebook; um complexo tubo cilíndrico que girava por entre seus próprios componentes.
“Uma máquina?”, pensou Sean sem saber o que era.
O brutamonte prontamente tirou a imagem da tela.
— Tenho ordens para levar esse código e o conseguirei! — voltava a falar a mulher nervosa e irritada.
— Não dessa maneira! — completara a mulher de ‘voz de algodão’. — Não temos ordens para matar o jovem.
“Matar o jovem” “Matar o jovem” “Matar o jovem”; aquilo realmente preocupava Sean.
Sean se concentrou com o resto de equilíbrio que tinha e tudo ficou embaçado; riscos de gente como o brutamonte, a mulher com ‘voz de algodão’, a mulher nervosa e ele tentando penetrá-los, seus cheiros,
identidades, rostos, códigos em formas de pensamento, algo que os transformassem em algo viável, mas Freda gemeu outra vez. Sean voltou a si e num golpe rápido de pernas, lançou-se no ar acertando em cheio
um homem careca que passava por detrás de sua cadeira. O careca baqueou e caiu junto com Sean amarrado à cadeira.
— Você é duro na queda não bonequinho de luxo? — e Sean foi agarrado pelo brutamonte outra vez, que levantando a cadeira, ergueu o braço, fazendo Sean ver que na sua mão continha uma injeção com um líquido
amarelado.
A agulha atravessou seu pescoço, quase na altura da jugular.
— Ahhh!!! — Sean gritou tentando ainda sacudir os braços amarrados, tentando tossir, tentando gritar e antes mesmo que o líquido se acabasse, sua boca secou, sua respiração se acelerou sentindo o chão
tremer sob seus pés.
Rápido, viajou uma viagem alucinante, onde estrelas coloridas salpicavam em seus olhos e seu corpo; e sem responder a mais estímulo algum, se entregou perdendo o controle das mãos, descompensando todo,
sentindo vontade de rir, de chorar, não soube ao certo, foram várias as sensações sentidas naquele momento sabendo que saía do corpo, que seus poderes paranormais vinham à tona de uma forma que não sabia
controlar.
“O código?!”; gritava a voz do brutamonte vindo ao longe.
E a alma de Sean vagava confusa por entre os outros corpos ali presentes, porque seu duplo escapou de seu copo, de seu controle, porque todos ali eram feitos de rabiscos, de imagens desfocadas que ele
não conseguir enxergar.
Uma música tocou não soube aonde e Sean tentou acordar, voltar ao corpo, quando a mulher de ‘voz de algodão’ se fez ao seu lado.
— A vida é uma loteria, jovem Queise...
“Uma loteria?” e a alma dele não se acoplava.
— Já dizia Marco Aurélio… — prosseguia ela. —, ‘Deves aceitar de bom grado o que acontece: primeiro como te acontece a ti, a ti te foi prescrito’.
“Aceitar de bom grado?”; Sean voltou ao corpo, achando ter voltado, tentando desesperadamente concatenar as ideias, não se imaginando concordando em morrer daquele jeito, não por causa da Poliu e seus
segredos, não de bom grado.
A própria ideia de destino não era capaz de mudar o mundo, mas o fatalismo sim, então porque aceitar de bom grado, ele não sabia quando a voz dela chegou confusa a ele outra vez.
— Pense jovem Queise... Pense... Descartes nos ensinou, não?
“Descartes?”, Sean piscou, piscou, e piscou; não sabia se haviam lhe ensinado, se havia aprendido algo, ou se a dor o fizera esquecer.
— A dúvida metódica cartesiana... — foi só o que escapou dos lábios ensanguentados.
— Isso! Isso mesmo! — a ‘voz de algodão’ dela o alcançou mais uma vez, com ele tentando enxergar o monte de rabiscos que ela se tornara. — Sentidos, argumento do sonho, Deus enganador, gênio maligno. A
conquista da primeira certeza, a razão, o cogito, primeira verdade; ‘Penso, logo existo’, jovem Queise.
“Penso?”, Sean uma coisa sabia pensar; ela falava subliminar com ele.
— Mande-o dar o código! — exclamou a outra mulher.
— Pense jovem Queise, raciocine; por que está aqui? Pela busca de vingança? — insistia ‘voz de algodão’.
“Vingança?” “Vingança?” “Vingança?”, Sean tentava entender o porquê de estar ali.
Tentou enxergá-la, mas o curto circuito que provocara nas lâmpadas lhe dificultava a visão; a compreensão, também.
— Chega de enrolação! Mande-o dar o código! — exclamou a outra mulher novamente.
— Vamos jovem Queise... Nos dê os códigos... — ‘voz de algodão’ religou a tela do notebook. — Digite as senhas, os nomes... — sorria-lhe; parecia sorrir-lhe.
— “Nomes”? — tentava Sean entender a tela que voltava a mostrar uma peça cilíndrica girando.
— Vamos! Um nome! E o que é um nome jovem Queise? Objetos do pensamento mais reais que os próprios objetos?
— A Lady vai continuar a...
— Calem-se os dois! — a mulher nervosa e irritada alterou-se ainda mais. — Agora chega de cogitos cartesianos!!! Quero o código?! — explodiu ela se aproximando dele e batendo nele com algo metálico, frio.
Sean até achou que a aula de filosofia da ‘voz de algodão’ doía menos que a surra que levava da mulher nervosa e irritada.
— Não!!! — ‘voz de algodão’ arrancou algo da mão da outra mulher. — Você vai matá-lo. Já disse que não temos ordens para matá-lo.
Mas Sean ficou imóvel. Ambas ficaram sem saber se ele havia morrido ou fingia.
— Merda! Vamos levá-lo daqui e ele dará um jeito nele... — dizia a mulher nervosa e irritada teclando algo no notebook à sua frente, quando foi interrompida.
— Não! Dessa maneira não podemos levá-lo! — respondia a mulher com ‘voz de algodão’. — O jovem vai morrer na viagem!
— Não me interrompa mais!!!
E Sean já não mais identificou nada. Um grande buraco havia sido aberto no piso do galpão, envolto numa bola de fogo azul esverdeada que invadiu a retina cerrada dele. Um frio que percorreu os ossos doloridos
dando a sensação que o desmembravam; vozes distorcidas, pessoas que pareciam flutuar, se desmembrarem também.
“O código, seu idiota...”; proferiam cada vez mais longe da realidade.
Sean sentiu-se molhado por algo que não parecia ser água, suor, sangue. Quando seus pés tocaram o que calculou ser o chão do galpão novamente, o brutamonte preparava outra injeção.
— Já não mais me interessam suas opiniões, Ladies. Vou levar de uma maneira ou outra o código para as Filipinas — falou o brutamonte respondeu sem piedade.
“Filipinas?”, Sean ainda conseguiu pensar.
O brutamonte levantou a cabeça ensanguentada de Sean Queise, bateu na seringa, levantou o líquido amarelo, grunhiu alguma coisa e caiu.
Uma das mulheres acabara de matar o brutamonte com um tiro finalizando algo, talvez um dos destinos ali escolhidos.
E como o obscuro Heráclito de Éfeso uma vez previra, não podemos entrar duas vezes no mesmo rio porque o rio não é igual duas vezes, porque no mesmo rio, entramos e não entramos, somos e não somos.
O passado passou a ser um evento fechado.
5
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
30 de outubro.
“Quanta dor!”, pensou Sean Queise acordando.
E ele viu a festa que se fez dentro da UTI do hospital, quando ele recobrou a consciência.
— Boa tarde! Meu nome é Júlia — soava ainda longe, a voz da enfermeira chefe da UTI. — Estou aqui para ajudá-lo...
— Vivo? — perguntou.
— O suficiente — respondeu Júlia secamente.
“Quanta sinceridade”, Sean apagou e voltou a acordar.
— Você será transferido para um quarto em regime de semi-UTI... Ainda não poderá receber visitas... — falava outra voz longínqua.
— Freda? — conseguiu Sean, pronunciar.
Mas o silêncio da enfermeira chefe o incomodou. Ela saiu e Sean cerrou os olhos já esperando pelo pior.
No final do dia, quase chegando à noitinha, Sean foi transferido desacordado para a semi-UTI.
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
31 de outubro.
Sean ainda sentia dores incríveis pelo corpo.
— Bom dia! Sou Ana Marisa, a enfermeira chefe da semi-UTI, e estarei à sua disposição, assim como toda a minha equipe para melhor ajudá-lo.
A voz agora chegava mais nítida aos seus ouvidos, mas Sean não conseguiu responder.
Tinha sono, tinha dor, tinha frio. Mal conseguia entender o que tinha, naquele pequeno ambiente.
“Quanta dor...”, era só o que pensava.
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
02 de novembro.
Mais e mais monotonia. Sean mal conseguia se erguer para fazer os exames e logo depois caía outra vez, deixando os médicos sem saber ao certo o quê estava acontecendo.
— Estamos fazendo todos os exames necessários — dizia o Dr. Adriano, clínico geral do hospital para onde Sean havia sido levado por Kelly Garcia após acionar o resgate. — Acreditamos que a injeção que
fora abandonada ao seu lado, quando o acharam no estacionamento, seja a causadora de tudo.
“Injeção... Abandonada... Estacionamento...”.
— O jovem Queise está nos ouvindo? — cogitou de repente, uma voz suave, feita algodão.
“Jovem Queise?”; Sean achou ter reconhecido aquela voz.
— Espero que sim, enfermeira Lúcia — completou Dr. Adriano.
“Enfermeira Lúcia?”; pensou Sean voltando a dormir.
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
05 de novembro.
Sean tentava, mas não obtinha êxito. Por diversas vezes acordava, via o teto do quarto e não raciocinava direito.
Depois dormia, dormia e dormia muito.
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
08 de novembro.
— Enfermeira? — Sean falou com a mulher sentada à sua frente.
— Sim, Sean. Sou a enfermeira Cristina.
— A outra?
— “Outra”? — questionou.
— Enfermeira... — falou Sean.
— Difícil saber qual delas? — a enfermeira Cristina sorriu-lhe gentil.
— ‘voz de algodão’... — balbuciava meio sonolento.
— Você está delirando. Vou chamar o Dr. Adriano.
E Sean voltou a dormir.
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
09 de novembro.
Sean acordou de madrugada com um perfume incomum, doce e forte que invadira o quarto.
— Quem… — tentou enxergar no escuro.
— Precisa de algo, jovem Queise? — falou uma ‘voz de algodão’. — Um pouco de água talvez?
— Quem… Conheço você?
— Sou a enfermeira Lúcia.
— Acenda a luz...
— Não posso — passou a mão pelo peito dele.
— Por que está…
— Lhe tocando?
— Se escondendo...
E a enfermeira Lúcia parou. Sean só conseguiu vê-la pela pequena fresta de luz que se fez, quando rapidamente ela abriu a porta e saiu; era uma mulher de ancas volumosas, de cabelos claros presos num coque.
“‘voz de algodão’!”, pensou outra vez caindo em sono profundo.
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
25 de novembro.
Já se passava quase um mês naquele desespero e todos os familiares de Sean Queise, assim como seus amigos e funcionários, esperavam um milagre que aconteceu.
— Enfermeira? Tenho fome... — soou como uma ordem.
— Claro meu jovem — e o Dr. Adriano voltou-se para a equipe.
“Jovem... jovem... jovem...”, soava por todo Sean Queise.
— Vou avisar a família dele — falou a enfermeira Cristina.
— Avise as duas ‘famílias’ — foi o que o Dr. Adriano completou.
Sean não acreditou no que ouviu. Uma dor que parecia maior que o quase levou a morte, ele sentiu. Flashes de felicidade, de uma infância feliz, segura. Do amoroso pai Fernando, cuidadoso, que o protegeu
das intempéries, dos muitos acidentes que ele próprio se infringia, provocava. De objetos que sumiam, reapareciam, explodiam, provocava constrangimento, periculosidade. E flashes de um distante pai Oscar,
estranhamente presente, com sua imagem a ir e vir, se formar dia após dia, no quarto dele, na escola, onde seu dom se manifestasse.
Sean nunca entendeu porque via Oscar Roldman durante todo o tempo enquanto sabia, ele nunca saíra de Londres, da segurança da Polícia Mundial, que o permitia esconder seus dons paranormais, que o permitia
proteger o filho assim como Fernando o fazia apesar do ciúme que o dominava.
Sean cerrou os olhos, ele tinha dois pais, isso sim era uma certeza.
Voltou a dormir.
6
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
25 de dezembro; 14h00min.
Era a melhor tarde que Sean Queise passava desde que aquelas férias forçadas no hospital foram-lhe impostas. O corpo clínico do hospital era excelente, a comida no tempero certo, o atendimento de primeira,
mas Sean continuava sem notícias do mundo lá fora, principalmente de Freda Antunes. E ele tentara ler todo o corpo clínico, todos os pensamentos que por lá vagavam, se morfavam, que conseguia captar. Mas
nada, todos seus dons pareciam adormecidos ou Sean tinha medo da verdade, e a verdade se escondia dele.
Kelly Garcia, Renata Antunes, funcionários e amigos foram proibidos de vê-lo e somente seu pai, mãe e irmã compareciam naquela tarde de Natal em que Sean recebera permissão sobre ordens prescritas para
que não se emocionasse.
— O Dr. Adriano disse que você está respondendo bem aos antibióticos experimentais, meu filho — falava Nelma Queise, sua mãe; uma mulher bela, que mais bela foi na sua juventude.
Uma mulher loira, de olhos claros, e uma imponência que se refletia em toda ela.
— Eles demoraram muito para localizar que tipo de bactéria havia naquela seringa — reclamava Ana Cláudia Queise, sua irmã.
Uma verdadeira portuguesa, de pele branca, cabelos castanhos escuros e todas as feições de Fernando Queise.
— Eram muitas bactérias juntas, um verdadeiro coquetel — falou Fernando Queise, seu pai.
Um homem belo, que também foi belo em sua juventude. Com bigodes fartos que embranqueciam como seus cabelos, que ficavam grisalhos pela idade e responsabilidade de gerir a maior empresa de computadores
do mundo.
Responsabilidade pela qual fizera Nelma se separar dele, logo no primeiro ano de casamento, por conta das constantes viagens e abandono emocional. Oscar viu então, a oportunidade perdida na juventude,
e reconquistou Nelma, que se separou do magnata dos computadores. Fernando entrou em crise; emocional, profissional. Prometeu assim que encontrasse um substituto, abandonar tudo por ela, para que ela voltasse
para ele. E Nelma voltou, carregando o filho de Oscar Roldman no ventre.
— Ainda acho que foi incompetência. Tanto progresso na medicina para nada — cogitou Ana Cláudia.
Nelma riu.
— Ela puxou para você — apontou.
Sean achou graça.
— O que anda fazendo, Naná?
— Quando me chama de ‘Naná’, fico parecendo boba — Ana Cláudia fez biquinho.
— É que você é boba, Naná — Sean riu com gosto.
— Não sou não. Domino seu ‘computer’ como você.
— Como eu? — Sean riu ainda sentindo dor. — Você não domina nada.
— E por que acha que só você puxou pro papai?
Fernando escorregou um olhar para Sean, que devolveu o mesmo olhar escorregadio.
— Wow! — Sean não sorriu dessa vez. — O que você fez Naná?
— Mexi nos seus e-mails.
E Sean nem precisou escorregar olhar algum para saber que todas as sinapses nervosas de seus pais se alteraram naquela frase.
— O que você leu Ana Cláudia? — Fernando fez uma pergunta mais parecida com uma repreensão.
— Eu... Ah... Não li nada demais. É que a lista estava postando centenas de e-mails e bugou o link — os olhos de Ana Cláudia brilharam.
— ‘Bugou’ o que Ana Cláudia? — Nelma se perdeu ali.
— Quis dizer que o site onde rodava a lista de e-mails de ufologia travou e entrou em bloqueio de uso, mamãe.
Sean ficou imaginando que sua irmã fez mais que mexer em seus e-mails, ela se comunicara com a lista a ponto de alguma ‘polícia secreta’ tirar a lista do ar.
— Ahhh! Mas que coisa Sean! É de novo aquela maldita Lista de Ufologia que... — e o próprio Fernando se interrompeu. — Disse-me que tinha largado isso! — fuzilou-o.
— Eu... — e foi a vez de Sean fuzilar Ana Cláudia. — Eu não sei do que ela está falando, pai — Sean quis realmente poder ter poderes de calar a irmã.
Porque Deus parecia achar que aquele dom, ninguém merecia ter.
— O que você leu Ana Cláudia? — mas Fernando enervava-se.
— Acalme-se Fernando... — Nelma não gostou do que viria a sair dali.
Contudo, o homem de linhagem portuguesa, e bigode branco manchado pelo uso constante do cachimbo, estava esperando uma resposta.
— Perguntei o que você leu Ana Cláudia?
— Pai...
— Ahhh! ‘Pai’ o quê, Sean?! — explodiu. — Por que insiste nisso meu filho? Seus inimigos profissionais, a imprensa, todos o classificam como um... Como um... Como um... — Fernando tremia.
— “Como um” o quê, pai? — Sean se alterava, também.
Nelma se levantou da cadeira e segurou o braço de Fernando num aberto significado para que ele parasse. Mas Fernando estava agitado demais com tudo aquilo que acontecera a seu filho.
Não conseguia se controlar com um simples aperto no braço.
— Como um alienado! E não! Alienado, não! O classificam como um moleque inconsequente, Sean! — explodiu Fernando Queise. — E sim! Com ideias alienadas sobre alienígenas e vidas em outros planetas! — explodiu
de vez entre tantas exclamações.
— Eu não quero falar sobre isso com você, pai.
— Por favor, vocês dois. E você também, Ana Cláudia. Hoje é Natal! — repreendeu Nelma novamente.
Ana Cláudia olhou assustada para Sean, não queria ver seu pai e sua mãe nervosos, nem deixar Sean bravo com ela. Mas Sean franziu a testa sentindo que mais alguém se aproximava, e que era alguém que fazia
parte dali, dele, quando Oscar Roldman abriu a porta.
— Posso entrar? — o forte sotaque estrangeiro se pronunciou e Nelma encarou o homem alto, belo, também grisalho, usando óculos de grau que escondia olhos azuis, e um corpo másculo que o casaco pesado acentuava.
— Ah! Mas é mesmo muito atrevimento!!! — gritou Fernando Queise para Oscar Roldman. — Eu sabia que você nunca tomaria conta de nada!
— Fernando não... — Nelma voltou a segurá-lo.
Oscar seguiu cada milímetro da mão dela no braço do magnata, para então encarar o chão.
— Você deveria estar nos protegendo, não é Oscar Roldman? — mas Fernando desafiava Oscar outra vez. — Não é para isso que te pagam?
— Se ao menos Sean me deixasse cuidar dele... — respondeu Oscar Roldman friamente não querendo entrar no mérito da coisa.
— Não é dele que você tem que cuidar! — exclamou Fernando com força e emoção. — É da Computer Co.! Pelo que fiz e ainda faço por vocês! — meteu o dedo tão próximo de Oscar que Nelma realmente sabia que
não ia sair coisa boa dali, não depois do ‘vocês’.
E Oscar realmente escorregou os olhos para Nelma antes de voltar a encarar o chão. Porque desde a morte de Sandy Monroe que Fernando Queise e Oscar Roldman não se encontravam, não se enfrentavam. E Sean
mais do que ninguém temia aquele encontro.
Oscar Roldman, porém permaneceu em sua frieza habitual e Nelma o encarou com olhares que Sean não soube decifrar. Oscar então ergueu o olhar como se tivesse visto, lido Nelma Queise, e se pôs a observá-la
com paixão, com um amor tão dolorido, que o já não tão frio homem poderoso da Polícia Mundial voltou a abaixar os olhos para o chão.
Porque Oscar não parecia ter conseguido esquecer o grande amor de sua vida
Então foi a vez de Sean olhar para sua mãe, que não precisava de dons para entender o que significava aquele olhar, e segurou Ana Cláudia que ia falar algo, saindo do quarto sem responder qualquer questão
ainda a ser feita.
Fernando a seguiu e Oscar levantou os olhos do chão no que a porta foi fechada.
— Sean querido... — soou dele.
— Eles desconfiam que eu trabalhe para você — mas foi o que falou Sean.
— E não trabalha?
— Trabalho? — questionou Sean cínico. — Ah! Sim! Trabalho! Minha mãe pagou aulas de Krav Maga para mim.
E Oscar sabia onde ele ia chegar. Respirou pesado e se sentou numa cadeira.
— Sinto muito pelo que houve — desviou o assunto.
— É! Deve sentir! — respondeu Sean secamente.
Oscar arrumou as costas. Sentiu-se estranho por estar ali sabendo que Sean era na verdade seu filho; um filho que jamais pôde admitir ser seu.
— Você pode identificar algumas pessoas envolvidas no ataque Sean querido?
Sean se sentiu incomodado com a direção que o assunto ia ser levado, tanto como a maneira como era tratado.
— Acho que não...
— Sabe que pode!
— Posso? — desafiou-o.
Oscar temeu um confronto, mais outro. Não sabia ao certo o quanto os poderes psíquicos dele haviam sido desenvolvidos por Mona Foad, nem o quanto lhe passara geneticamente.
— Sabe quem era o homem morto? — fugiu outra vez do confronto.
Sean balançou a cabeça para o lado nervoso.
— Não tenho a menor ideia.
“Ou tenho?”; Sean se perguntou em meio a tantos sonhos estranhos que havia tido no hospital.
Oscar se levantou e começou a andar pelo quarto, olhando tudo, olhando nada.
— Que tipo de pessoas eles eram?
— Isso é um interrogatório? Ou estou prestando contas ao patrão?
— Não seja intransigente, Sean. Quero lhe ajudar. Saber como eles eram.
— Jovens como eu...
Oscar o olhou sabendo o que Sean ia dizer, que ele havia sido jogado nos negócios, que não tivera infância, adolescência, que crescera sem crescer.
— Quantos havia ali?
Sean fechou e abriu os olhos.
— Não consigo.
— Tente!
Sean tentou:
— Um deles me agarrou pelos pés. Eu estava escondido com Freda que havia sido baleada.
— Você o viu?
— Não. Ele usava máscara de esqui. Não posso nem confirmar se era o brutamonte do galpão.
— Vamos Sean... Tente!
— Por que não usa seus dons genéticos para saber?
Oscar agora sentiu toda a calma que treinara por dias para estar ali, se esvaecendo.
— Sabe que não tenho dons Sean querido.
— Não sou seu querido.
— Não! Não é! — e Oscar se virou bruscamente. — Agora tente se lembrar!
— Eu... — Sean ficou agitado, sabia que ele mentia em cada palavra dita. — Estávamos no estacionamento e ouvi passos seguidos de mais passos... Eu e Freda... — e tudo ficou embaçado; o quarto, Oscar, sua
consciência. — Um clarão azul esverdeado embaçou minha vista; achei que havia me duplicado...
— E se duplicou?
— Não sei do que está falando.
— Você move objetos, os tira e põe no lugar — e Oscar viu Sean escorregar um olhar por debaixo do curativo. —, o que faz você pensar que também não pode se tirar e por nos lugares?
— Porque não posso...
— Sabe que pode!
— Não! Não posso! Ficou tudo desorientado.
— Achei que Mona...
— Mona não me preparou para ser baleado... — e parou.
— Não, não preparou!
— Não! Não me preparou! Porque fui afastado de amigos que não me acresciam nada, afastado de mulheres que só queria me desviar dos estudos, protegido e vigiado por seguranças, com todos a minha volta escolhidos
por vocês — mas Oscar não respondeu àquilo. Sean percebeu que Oscar retomava seu equilíbrio. — Droga! — explodiu. — No galpão da oficina mecânica eram quatro; o cara que me socava, o cara que me via ser
socado, a mulher que me defendia dos socos e a outra mulher que a mandava o tempo todo calar a boca.
— Quanto humor para alguém que quase morreu — ele viu Sean o olhar novamente por detrás do curativo que segurava a sobrancelha esquerda.
— Não é?
— Não se lembra de mais nada?
— Não deu tempo de anotar a placa do trem que passou por cima de mim.
— O trem que passou por cima de você tem nome e se chama LAW, uma arma biológica que de legal, não tem nada. E ela é uma das armas que ‘não consta’ nos arquivos da Poliu.
— “Não consta”? — Sean gelou. — Está afirmando que a Poliu desenvolve armas que não arquiva?
— Não estou afirmando nada.
— Droga Oscar... Você sabia que tudo aquilo sobre teoria de conspiração não era teoria? Que a Poliu vinha há muito tempo, desenvolvendo algo que não divide com a sociedade científica?
— Não coloque palavras na minha boca Sean querido.
— Não... Não estou colocando. Já percebi que defende Trevellis.
— Não defendo Trevellis! — agora se enervou. — Não sou Fernando Queise!
E Sean não gostou do que ouviu, de saber que seu pai defendia Mr. Trevellis.
— Não! Não é!
E Oscar deu passos que o aproximaram dele.
— Como pode julgar-me assim? Não estaria aqui se defendê-lo não fosse o meu intuito! — houve um intervalo ali, pensamentos que trocaram de mentes, porém segredos que não se revelaram porque ambos sabiam
bloqueá-los. Oscar se virou e foi até a janela abrindo-a. — Precisa de luz!
— É... Kelly também disse isso.
E outro silêncio se fez até Oscar quebrá-lo.
— Fale-me sobre essas mulheres no galpão.
Sean respirou profundamente:
— ‘voz de algodão’, a mulher com ‘voz de algodão’ tinha um sotaque mais carregado que os outros. Era como se fosse... — parou sentindo dor. —, um sotaque estranho... — e parou novamente sabendo que a única
coisa que Oscar achava estranho era ele. — Sabe o que eles queriam de mim, Oscar? Que eu invadisse os arquivos da Poliu — respondeu friamente.
— Por que não havia me dito isso antes? — quase gritou.
— Dizer como? Estive todo esse tempo internado, não podia fazer um relatório para a polícia de São Paulo.
— Pode fazer mais que relatórios e sabe disso.
— Sei? E você saberia decifrá-los? Sem ‘dons’?
— Continue! — não se deixou atingir.
— Não tenho muito por onde continuar, mas há uma coisa pior ainda...
— Pior do que você invadindo computadores?
Sean não respondeu.
— Apareceu na tela, a imagem de uma arma, um canhão, partes dele; não sei bem... — divagou.
— Acha que eram terroristas?
— Não! Esses eram mercenários. Só queriam o dinheiro que a venda do tal código poderia gerar — acabou de falar tremendamente afetado pela dor. — Porque era um código da Poliu que eles queriam, um código
sobre uma máquina.
— Como pode ter tanta razão do que fala Sean querido?
— “Razão”? E quem nesse mundo tem alguma razão, Oscar? Acho que nem a ‘voz de algodão’ tinha razão, com todo seu racionalismo. Ou talvez tivesse. Talvez razão, era o que ‘voz de algodão’ dizia nas entrelinhas.
— Quem é ela? Essa tal ‘voz de algodão’?
— Não sei, mas ela falava subliminarmente; dúvida metódica, estar acordado ou não, existir ou não, ou o fato de eu poder mudar tudo...
— Mudar o quê? O passado é um evento fechado, Sean querido.
— Será? Porque ‘voz de algodão’ tentou deixar isso explícito.
— Deixar o que?
— Coisas assustadoras, capazes de fazer a realidade que não existe existir.
— Você foi baleado, Sean querido, sofreu um ataque, não está pensando direito.
— Sempre foi fácil fazer isso não Oscar? Você e Trevellis me desmentindo, dizendo ao meu pai que eu era um alienado, que eu falava e fazia tudo àquilo para chamar a atenção, porque vocês temem que eu me
torne o que minha mãe me prepara para ser.
— Não fale incongruências Sean!
— Falo? Porque sempre haverá Heráclito e sua ordem racional subjacente a toda a mudança, a capacidade para fazer escolhas; se quero sair ou ficar em casa, são opostas ao escolher ter ou não uma dor de
cabeça, morrer ou matar.
— Chega Sean! Eles sabiam que você era um hacker! Só isso!
— Não! Não! Não só isso! Droga! Cadê o médico que disse que eu não podia passar nervoso?
— Chega Sean!
— Não ‘chega’ não! Porque eles sabiam que eu tinha poderes paranormais para entrar, dominar máquinas que o homem nem se quer construiu. E sabe por quê? Porque Mona me fez ver que eu ia entender em breve,
da pior maneira; conviver com isso.
Oscar riu:
— Esteve delirando por causa da febre.
— Nossa! — jogou a cabeça para trás numa velocidade só. — Estava demorando em me dizer isso também. Que os objetos nunca se moveram, nunca ia e voltava... Porque eu sempre delirava, não é? Você, Kelly,
Trevellis, a imprensa, todos me taxando de alienado. Até meu pai acha isso.
— Alienado não é bem o termo.
— E em que termo me classifica?
— Classificação alguma. Você nunca se preocupou, nunca levou a sério sua carreira ‘séria’, não Sean querido? — entoou bem forte a última palavra. — Uma carreira que Kelly dá de tudo dela, e eu e seu pai
lutamos para construir para você.
— Você e... — e não terminou. — Você e meu pai... — e realmente não conseguiu terminar. — Vocês só se preocupam com a Computer Co., com o dinheiro que a Polícia Mundial investe na Computer Co., com a...
— Sean se contorceu sobre o próprio estômago. — E Kelly só quer...
— A Srta. Garcia...
— Não fale dela!!! — gritou. — Porque vocês jogam com Kelly o tempo todo!
— Seu moleque atrevido! Como pode julgar o sacrifício que eu...
— “Moleque”? Agora sou um moleque? Porque minha idade nunca me impediu de fazer o que faço tão bem, não Oscar querido? — Sean descontrolava-se. — Ou talvez você nunca tenha me impedido porque precisava
de mim, dos dons dos Queise nos computadores, construindo Spartacus que você sabia...
— Que eu sabia que você usaria!
E aquilo derrubou Sean Queise, porque ele não sabia se ainda tinha domínio da conversa.
— Como se atreve você, a falar comigo dessa maneira? Você nunca me quis.
— Eu nunca o que? — e Oscar deu mais dois passos tão fortes na direção dele que se Sean pudesse, os teria recuado em tamanho e quantidade. Porque Oscar sabia que Sean sabia que ele, Mr. Trevellis, Nelma
e Fernando temiam que ele se desenvolvesse, que Mr. Trevellis havia alertado para a inteligência acima do normal de Sean Queise, mas Nelma o preparava para ser especial de alguma maneira, porque Nelma
sabia de algo que ninguém sabia. — E o que te faz pensar que você tem toda essa inteligência e poder, Sean? — tentava se controlar, mas não conseguia. — O que te faz pensar que não há outros lá fora...
— apontou nervoso. —, que fazem algo melhor que você, Sean?! — gritou até luzes e tudo mais que havia ali desestabilizarem.
— Wow! Para quem não tem dons... — e Sean não prosseguiu.
E não prosseguiu porque a porta se abriu sem que Oscar a tocasse, e ele saiu furioso dando de encontro com Fernando Queise no corredor que alisava o bigode preto como de costume.
Oscar arregalou os olhos para ele e Fernando não se moveu do lugar. Oscar arregalou os olhos para Nelma, para Ana Cláudia e outra vez para Fernando. Estava a ponto de explodir, ali mesmo se o deixassem.
Voltou para dentro do quarto com a mesma fúria com que saiu e a porta bateu com força.
— Que tipo de máquina maldita era aquela?! — perguntou Oscar aos gritos.
— Como de que tipo? Eu delirei, lembra? Sou só um adolescente inconsequente, um moleque hacker e alienado que...
— Chega Sean!!! — berrou fazendo cadeiras, mesa e líquidos sobre ela soltarem-se e erguerem-se no ar, e voltarem tão furiosamente quanto ele estava.
E Sean realmente calou-se no que tudo se esparramou no chão e o som de tudo aquilo atravessou paredes. Fernando olhou Nelma que olhou Fernando. No quarto Oscar chegava à exaustão. Quase havia perdido seu
filho, a única coisa que realmente importava naquele mundo sujo da espionagem, e dons, e incertezas sobre o futuro daquilo tudo.
Largou os ombros como numa derrota pessoal e sentou-se com o rosto escondido nas mãos, chorando. Sean sentiu-se mais que atingido. Nunca Oscar havia sido tão explícito.
— Perdão... — soou confuso. E Sean sabia que ia sofrer dali em diante. — Freda... — tentou.
— A Srta. Freda Antunes foi encontrada ainda viva, dois dias depois, numa vala, no outro extremo do estacionamento — Oscar buscava seu equilíbrio.
— Oh! Deus... Pensei que já estava morta no galpão...
— Você fez o que podia ter sido feito.
— Não... — Sean se pôs a chorar compulsivamente.
— Acalme-se! — ele tentava também acalmar-se.
— Não entende? Eu a obriguei a trabalhar até mais tarde, Oscar. Sou um péssimo administrador... Péssimo em evitar que morram...
— Sean...
— Não! Não! Onde estavam os seguranças, afinal? Onde estavam todos naquela maldita feira?
— Os seguranças da Feira de Informática foram encontrados amarrados ao seu lado no estacionamento.
— E onde estavam... — e Sean não pôde continuar com o choque que tomou. — O que quer dizer com encontrados amarrados ao meu lado no estacionamento?
— Você foi encontrado pela Srta. Garcia, ferido no chão do estacionamento, ao lado dos seguranças da feira e um homem grande, brutamonte como disse, morto. Você e o brutamonte estavam molhados.
— Por que estávamos molhados? Choveu?
— Não era água, era um tipo de geleia que estava grudada a você e ao brutamonte. Também havia essa geleia no corpo de Freda Antunes.
— Os seguranças não tinham geleia pelo corpo? — as ideias não pareciam se concatenar. — Mas Freda tinha? E por que Freda levou dois dias para ser encontrada? Ninguém passava no estacionamento para vê-la
lá? E por que disseram que acharam uma seringa a meu lado? O Dr. Adriano me disse que graças a essa seringa que foi encontrada... Foi Kelly quem a encontrou? Porque eles puderam identificar as bactérias...
Trataram-me com antibióticos ‘experimentais’... E a ‘voz de algodão’ disse... — e Sean enxergou sua mãe através da porta, ouvindo tudo aquilo. — Saia! — se arrumou na cama.
— Como é que é?
— Saia!
— Acha que vim de Londres até aqui para...
— Saia?!
E Oscar abriu a porta e viu a bela Nelma Queise ali parada. E saiu sabendo que fora ela ali, os ouvindo, que fez Sean parar de falar.
Oscar foi embora.
Foi um Natal para lá de tenso.
7
Hospital das Clínicas; São Paulo, capital.
28 de dezembro.
Batiam à porta pela terceira vez quando Sean Queise percebeu:
— Entre!
— Olá patrãozinho… — dizia a delicada Kelly Garcia com uma grande cesta de frutas nas mãos.
— Kelly? — e quase foi esmagado no abraço. — Wow! Ainda dói — mostrou a cicatriz no ombro esquerdo deixada pelo projétil.
— Perdão! — passou a mão pelo rosto belo e ainda inchado e se pôs a chorar o abraçando outra vez. — Eu não pude vir antes, não me deixaram entrar.
— Eu sei... Eu sei... — disse Sean tristemente por entre os braços dela. — Agora está tudo bem; o pior já passou — mas Kelly Garcia ainda estava agarrada a ele sem soltar. — Kelly? Kelly? — e ela nada
de soltá-lo. — Kelly? Me solta ou vai terminar com o que não conseguiram.
— Ah! — riu sem graça.
E Sean viu o quanto ela era bela, e o quanto ele admirava aquela beleza espanhola. Kelly foi até a mesa e tirou algumas frutas, o servindo.
— Queria te agradecer — sorriu aceitando as frutas. — Oscar contou que você me resgatou no estacionamento. Como me descobriu?
— Eu liguei no seu celular e nada. Fui até seu flat e havia um recado na sua secretária eletrônica. Mandavam procurar você no estacionamento da feira — Kelly acariciava o rosto dele.
— Um recado na secretária eletrônica? No flat? — Sean se espantou. — Voz de homem?
— Uma voz metálica. Eu corri até a feira e encontrei você e um corpo. Chamei o resgate e avisei a Polícia Mundial — olhou Sean a olhando. — Perdão! Eu não sabia quem chamar primeiro.
— Não a estou recriminado, Kelly...
— Mas o Sr. Fernando ficou furioso.
— Imagino… Como está a Renata?
— Arrasada!
Foi a vez dos olhos de Sean lacrimejarem.
— Por que Freda? Por que Sandy?
— Por favor, Sean, não se lembre dela. Sandy provocou tudo aquilo.
— Será? Ainda não tenho muita certeza se não fui culpado pelo seu suicídio, Kelly. Eu escorreguei... — e se virou para ela. — E se eu não tivesse escorregado?
— Você não deve pensar assim, não foi culpa sua. Não é o fato de você ter escorregado no corredor, ou o fato de não tê-la alcançado antes dela se trancar no quarto, que a fez morrer. Foi a Poliu que forçou
toda aquela situação. E Sandy sempre foi fraca. Minha Nossa... Não pode sempre pensar que as pessoas morrem por sua causa.
— Como pode dizer isso? Eu briguei com Sandy. Noite do nosso noivado e eu briguei com ela, Kelly. Não acreditei nas suas palavras, no seu amor. De uma forma ou de outra, eu a matei.
— Sean pare! Você era uma criança.
— É? Ano passado eu era uma criança?
— Não foi isso que eu disse. Ahhh! De novo essa história? Se você não tivesse escorregado no corredor, Sandy ia se matar de qualquer maneira. Pior! Podia matar você se tivesse conseguido entrar no quarto
antes disso. Ela estava descontrolada Sean, com uma arma engatilhada na mão.
— Errei com Freda, queria que ela fosse uma secretária como... — e parou. — Exigi uma competência que ela nunca poderia me oferecer — falava emocionado.
— Não pode se culpar, Sr. Queise — falou Renata Antunes de repente, entrando no quarto.
— Renata... Eu…
— Eu nunca iria lhe culpar. Ela estava em serviço e sabemos que o ataque não foi porque ela era a sua secretária, mas porque estava ali naquele momento. Poderia ter sido qualquer uma de nós — completou,
apontando para Kelly que voltava a abraçar Sean.
— Isso não alivia a minha dor, Renata, mas obrigado mesmo assim.
— Tem uma previsão de saída, Sean? — perguntou Kelly, se recompondo ao perceber que Sean a empurrava do terceiro abraço.
— Nenhuma...
— A Feira de Informática foi um sucesso, apesar das manchetes terem estampado os ataques a você e Freda nas primeiras páginas, logo no dia seguinte.
— Como os jornais podiam saber sobre Freda? Não há encontraram dois dias depois?
— “Dois dias depois”? — estranhou Kelly.
Algo o alertou, Sean percebeu que ela nada sabia.
Ficou confuso com aquilo.
— Nossos compradores telefonaram na manhã seguinte apavorados com a segurança da feira, e tivemos que explicar que o local era muito seguro, e que foi um caso de sequestro ocorrido fora dos stands — explicava
agora Renata.
— Precisa de umas férias, Renata? — Sean se ligou. — O baque foi grande.
— Por favor, Sr. Queise, vou enlouquecer se eu parar de trabalhar. Trabalhando pelo menos distraio meus pensamentos.
— Como você preferir. Não posso lhe forçar a nada, nem ir nem ficar.
— Compreendo.
— Se sentir necessidade de viajar, eu fico no seu lugar até voltar, Renata.
Sean sorriu agradecido para Kelly.
— Obrigada Srta. Garcia! Boas melhoras Sr. Queise! — terminou Renata se despedindo, deixando os dois a sós.
— Você é mesmo incrível — concluiu Sean.
— E ao invés de me pedir em casamento, o patrãozinho me preferiu de cicerone.
Sean só pôde lhe sorrir mais uma vez.
— Sabe que continua a me chamar de patrãozinho?
Kelly riu.
8
Computer Co. House’s, São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
12 de janeiro; 21h00min.
Sean Queise estava todo animado, afinal iria sair do hospital quase que direto para a festa de inauguração.
Foram mais de dois meses de internação e Sean não aguentava mais ficar ali. Brigou com todos os médicos, reclamou do sal na comida, mudou três vezes de quarto, implicou com todas as enfermeiras, só não
ouviu nunca mais a ‘voz de algodão’. Ninguém se lembrava de nenhuma enfermeira com ‘voz de algodão’ e Sean não reencontrou a enfermeira Lúcia.
Algo naquela mulher do galpão a lembrava não conseguia saber por que, já que todos seus dons pareciam se desligar sob pressão.
A festa estava para ser a maior que a capital de São Paulo já vira, e a decoração no 48° andar da cobertura do edifício da Computer Co. House’s, na badalada Avenida das Nações Unidas, ao lado da Estação
Berrini, estava concluída. Sean vinha se empenhando nesse projeto arquitetônico por dois anos, antes mesmo de assumir a empresa.
A fachada do edifício era desigual pelos primeiros trinta andares. Alguns pavimentos se projetavam para dentro do corpo do edifício e outros avançavam para fora, a parecer que estavam pensos sobre a avenida.
No 45º, 46° e 47º andar, foi construído um panorâmico restaurante cinco estrelas - o House’s Garden Restaurant com visão privilegiada da Marginal Pinheiros. Com o pé direito triplo e paredes inteiramente
envidraçadas, o restaurante recebia a nata da sociedade paulistana e uma seletiva gama de empresários do setor de informática.
Em meio a fantásticas colunas dóricas ornadas com o mais puro mármore grego, a cobertura de Sean Queise ficava no 48º andar. De pé-direito duplo, era toda ajardinada fazendo despencar, literalmente, todos
os tipos de plantas sob os panos de vidros do House’s Garden Restaurant, dando a ele o significado do pomposo nome.
Uma obra-prima da arquitetura moderna, o sonho ambicioso de Sean Queise que agora se tornava realidade.
O concorridíssimo buffet também havia se iniciado no salão branco, regado a vinho espumante champagne Moe Chandon, e sob o som de um jazz session o ambiente se alegrava. Sean Queise sorriu, brincou bastante,
foi paquerado por todas as convidadas, mas não conseguia esquecer que Freda Antunes faltava ali. Derramava para dentro de si taças de champagne após taças de champagne toda vez que se lembrava disso.
Renata não compareceu, de luto, mas Gyrimias Leferi rodeava o salão com um smoking branco. Era tão franzino que destoava da roupa. Seu tradicional cabelo em desalinho era vez por vez ajeitado por Kelly
que passava por ele, vendo Sean mais ao longe.
— Feliz noite para você, patrãozinho — disse de repente Kelly Garcia dando-lhe um tremendo beijo na boca, aproximando-se dele pela primeira vez desde que a festa começou.
Gyrimias ia conversar com Sean, mas recuou sem graça perante a investida dela.
— Kelly! — repreendeu Sean. — Estão todos olhando.
— E daí? — perguntou Kelly ainda sorrindo muito, dentro de um verde vestido de veludo todo rebordado com as costas nuas, quase atingindo seu cóccix. — Não está feliz?
— E por que não estaria? — disfarçou, num elegante smoking negro.
— Te conheço! — e se afastou deixando Sean.
E Sean irritava-se quando não conseguia dominar suas emoções.
Computer Co. House’s, São Paulo, capital; Brasil.
12 de janeiro; 23h00min.
— Deseja se sentar para o jantar, Sr. Queise? — questionou o garçom o tirando de seus pensamentos.
O jantar era agora servido no salão azul do House’s Garden Restaurant anexo ao salão branco, e Sean se sentou à mesa onde alguns empresários do setor e Kelly, se encontravam em animada conversa. Ele observava
o salão como o salão o observava. Mas certa moça observava-o com muita atenção, sempre tendo o cuidado de não ser percebida.
— Já notou? — interrogou-o Kelly de repente.
— Que susto Kelly...
— ‘Eu’ é quem vai ter um susto, se me disser que ainda não viu — terminou de beber da sua taça irritada.
Sean sentiu que Kelly ultrapassava a cota.
— Viu o quê? Notou o quê? — inquiriu Sean.
— Sua fã! — ironizou enciumada, bebendo da taça do casal ao lado.
Sean trocou olhares com o casal que disfarçou.
— Você está bebendo demais.
— Estou?
Sean percebeu que os outros convidados da mesa o olhavam novamente; sorriu-lhes sem jeito.
— Não estou achando graça — disse no seu ouvido, começando a se irritar com ela.
— Então preste atenção à moça de longos cabelos ruivos que está de vestido de chiffon branco perto da pilastra da entrada.
— “Chiffon” o quê? — e Sean a viu, porque era mesmo impossível não ver após o tremendo detalhamento de Kelly.
A alta e radiante ruiva recuou se escondendo atrás de uma das pilastras dóricas que adornava os salões do restaurante, enquanto Sean fora preenchido por um terror interno. Algo naquela mulher o fez tremer,
se não pela roupa igual a que Sandy Monroe usava na noite de sua morte, pela sensação de déjà vu que lhe tomou todo.
— Ah! Vejo que percebeu! — e Kelly voltou a jantar.
E Sean levantou-se.
E uma vez que seus pés o levaram ao seu encontro, não teve outra escolha a não ser cumprimentá-la.
— Boa noite, Senhorita... — disse parado à sua frente.
— Virgínia! — respondeu um homem de aparência máscula, malhado, que estava ao seu lado.
— Ah! Desculpe-me! — tratou de emendar. — Não percebi que estava acompanhada — falou sem graça para a bela ruiva.
— Oh! Desculpe a mim, Sr. Queise — e ele deu uma mão para ser cumprimentada. — Sou Pedro Henrique, guia da Travel’s; agência de turismo que trouxe a Srta. Virgínia das Filipinas à São Paulo.
“Filipinas”; soou por todo ele e seu smoking de veludo preto.
Sean cumprimentou o homem malhado, de descendência germânica.
— Estamos no Brasil a convite do Governador de São Paulo — completou um Pedro Henrique germânico.
— O Governador me disse que haveria delegações estrangeiras na cidade. Pediu-me para que eu as convidasse, mas não me especificou quem era — Sean tentou se situar se vendo observado, medido pela mulher
ruiva e alta, que mesmo de salto médio, quase alcançava os seus um metro e oitenta. — Fala-se inglês ou francês nas Filipinas? — perguntou Sean ao guia.
— Falamos 70 línguas em toda a República das Filipinas, mais de sete mil ilhas paradisíacas — falou Virgínia enfim.
Sean impactou no sotaque dela e Pedro Henrique se afastou do casal.
— Deve ser um lugar encantador...
— Encantador desde quando Fernão de Magalhães descobriu as ilhas e chamou-as de São Lázaro, mudando depois para Ilhas do Poente. Novamente mudada em homenagem à Filipe II da Espanha, o navegador Ruy López
de Villalobos, deu o nome de Filipina à Ilha Leyte, aonde chegou em 1542. Da ilha, o nome passou para todo o arquipélago.
— Interessante!
— Falo português de Portugal também. Um português meio confuso, admito, mas podemos conversar se desejar — disse Virgínia outra vez num sotaque arrastado, arrumando os cabelos vermelhos para um lado e
para outro os deixando cada vez mais em desalinho.
Ele, porém, achou aquela desarrumação toda, um charme.
— Ãh! Gostaria de dar uma volta pelo salão? — mas acabaram por subir até a cobertura.
Sean abriu a porta da sala e fez uma mesura para que ela entrasse, acendendo as luzes que se acederam ‘sozinhas’.
Ela nada percebeu e Sean pôde ver que a imagem do corpo dela por vezes ficava embaçada. Virgínia, contudo escorregou um olhar verde para ele, e Sean teve medo dela, sabendo que devia ter medo dela.
Atravessaram sua sala envidraçada e Sean abriu a porta da sacada, outra vez fazendo uma mesura.
— Bonita vista! — disse Virgínia ainda com voz forçada no que o vento quente da noite ergueu os cabelos ruivos, sedosos.
Sean ficou a observá-la, seu vestido de chiffon branco era esvoaçante, fazendo suas curvas generosas estarem quase transparente à luz dos holofotes instalados no meio da jardinagem, quando mais uma vez
a sensação de déjà vu o tomou por completo. Porque ele até havia se esquecido de tudo que lhe vinha ocorrendo, de seus palpites, intuições, imagens pré-concebidas, imagens pré-gravadas.
— Você é muito bonita! — exclamou ele com vontade.
— O mair-vê!
— “O mair-vê”?
— Obrigada! — explicou Virgínia apoiando-se no gradil.
A luz da lua se refletiu nos seus lábios carnudos, na pele quase sem maquiagem, na perfeição de seu sorriso e nos cabelos avermelhados, deixando-a mais bela ainda no som exótico de uma música que os alcançou;
uma música que embalava corpos, cheiros, como o que Sean sentiu.
— Delicioso! — sorriu ao sentir o aroma tomar conta da sacada. — Seu perfume! — completou malicioso.
Virgínia riu na mesma sintonia:
— ESCADA! — dizia por entre lábios molhados.
“ESCADA!”, pensou encantado com o que cheirava, sentia.
Virgínia também parecia encantada, um encantamento que a perseguia há anos, quando vozes chegaram até Sean; gritos e lamurias, e o piso da cobertura em pedaços.
E ele a encarou.
— Por que me olha assim Senhorita?
— Olho? — e Virgínia sorriu de uma maneira que o excitou.
Sean aproximou-se tanto, que se Virgínia não tivesse se esquivado com charme, ele a teria beijado.
— Desculpe-me... — riu com gosto. — Acho que realmente tomei muito champagne — e Sean virou para ir embora.
— Do que foge?
Ele estancou.
— Fujo?
— Foge? — continuava com charme.
— Não estou fugindo... — e Sean chegou nela mais rápido que um pensamento, a engolindo com seus grossos lábios, puxando os cabelos longos e ruivos de Virgínia como se fosse soltar-lhes da fonte inspiradora.
E foi um beijo longo, de estranhas sensações, de frenesi. Porque Sean estava dopado, encantado pela sua beleza, altura, por algo que ela tinha e ele não decifrava, quando a voz dela o alcançou mais uma
vez.
— Sean...
Ele abriu os olhos em choque. Havia algo ali, nela, no contato, no beijo, no piso transparente, nos gritos e lamurias.
Mas não foi o medo que lhe fez agir.
— Eu poderia engoli-la por completo.
— E por que não o faz?
— Porque bebi…
— Beba-me novamente! — e a boca dele atingiu seu pescoço perfumado que ele lambeu podendo sentir toda sua química. — Sean... — a bela ruiva ergueu uma das pernas, trançando-a na dele. Sean escorregou a
mão que tocou a pele suave de sensíveis pelos femininos. Virgínia foi ao pescoço dele, ele foi ao pescoço dela, roçando sua barba rala na pele branca, suave, mordendo-a. — Sean... — voltou a ecoar todo
seu prazer.
— Virgínia...
— Sabe o que está fazendo?
— Diga-me você...
— Você está fazendo…
— E o que estou fazendo? — e Sean voltou a agarrá-la, e a beijá-la, até sentir sua língua se encher da saliva dela.
Virgínia então pegou a mão dele e ele seguiu o trajeto que ela fazia. Ela ergueu o vestido de chiffon branco e as mãos dele vagaram pelas pernas brancas e macias, pela lingerie rendada que alcançou, pela
área úmida, sedenta por ele, que invadiu até um terceiro personagem o acordar do torpor.
— Também vai querer sobremesa, patrãozinho?
E Virgínia se afastou fazendo os dedos dele escorregarem de dentro dela, do tecido chiffon, da sua consciência.
Sean estava emudecido, excitado e emudecido. Seguiu Virgínia com os olhos sem se mexer do lugar, até vê-la atentar a porta contra o batente e sair do escritório.
— Acho que o champagne... — foi só o que ele falou.
A Kelly só restou observá-lo.
A festa para eles chegara ao fim.
9
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
13 de janeiro; 03h31min.
O quarto de Sean Queise estava na penumbra. A única luz vinha de seu notebook ligado. O modem piscou e o computador se conectou aos mainframes do satélite de observação Spartacus. Letras sem nexo começaram
a ser digitadas na tela, palavras criptografadas e ele acordou com o “bip”.
Sonolento, levantou e pegou o papel que a impressora expulsara e leu o comunicado; Spartacus havia conseguido rastrear uma informação vinda dos mainframes da Computer Co. alugados para a corporação de
inteligência Poliu - Polícia Intercontinental Unida.
Alguém outra vez tentara penetrar seus arquivos.
— Droga! Só faltam eles acharem que fui eu — jogou para o alto a folha voltando a dormir.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital.
13 de janeiro; 10h00min.
— Coloque nesta posição! Isso mesmo! Obrigada! — Renata dava as ordens aos ajudantes do decorador, que acabara de trazer os móveis encomendados por Sean Queise para a cobertura.
— Eu vou dar uma descida até o restaurante e almoçar. Retorno em meia hora.
— Está bem, Sr. Queise — falou Renata e completando em seguida. — A propósito, já percebeu que a sua mesa não quebra nem com um terremoto?
Sean olhou para trás e achou graça, percebendo a estrutura da pedra da qual era constituída; uma peça quase bruta de granito verde-Ubatuba.
— Kelly vive me questionando se os engenheiros terão de recalcular a resistência dos materiais do edifício — gargalharam os dois. — Esqueci-me de perguntar se conseguiu o que lhe pedi Renata?
— Sim, Senhor. Conversei com a lista de pessoas que faziam parte das delegações estrangeiras e estiveram aqui ontem na festa — Renata pegou um papel em cima de sua mesa. —, também conversei com o secretário
particular do Governador que me confirmou um por um da lista, e a tal de Virgínia não fazia parte dela. E mais, não havia delegação feminina das Filipinas aqui no Brasil para o tal encontro das baleias.
Sean ficou a lembrar do ódio no olhar da bela moça ruiva no que Kelly chegou e atrapalhou talvez algo que tivesse em mente.
— Continue...
— A Travel’s não existe e consequentemente o tal Pedro Henrique também não.
— Obrigado! — Sean entrou no elevador e discou do celular para uma infinidade de números. Logo uma voz eletrônica pedia sua identificação para entrar nas comunicações da Polícia Mundial. — Que droga de
segurança você presta a Computer Co.?! — explodiu.
— Como é que é? — Oscar não acreditou no que ouviu.
— Uma mulher invadiu a minha festa ontem, vigiada pelos melhores homens que você tem na Polícia Mundial, e vem me perguntar como é que é?
— Volte a me ligar quando Fernando lhe der educação! — e Oscar desligou.
Sean ficou duplamente furioso, porque Oscar achava que só ele podia educá-lo, e porque aquela voz arrastada de Virgínia, excitando-o em noite aberta, só significava uma coisa; ela era uma das mulheres
do galpão atrás do que não conseguiu.
Entrou no restaurante e logo o garçom entregou-lhe um aparelho sem fio:
— Telefone na linha três, Sr. Queise — anunciou.
— Alô!
— Cuidado com o ENIGMA! — disse uma voz destorcida eletronicamente.
— Quem está falando?
— É um aviso Sr. Queise!
— “ENIGMA”? É o mesmo enigma pontuado do e-mail inacabado? — e o silêncio do outro lado da linha fez Sean olhar para os lados. — Enigma é uma palavra ou um acrônimo? — chamou o garçom e perguntou-lhe ao
ouvido onde ficava a linha três.
— No estoque do restaurante, Senhor, depósito de secos, 1º subsolo — ele respondeu.
Sean se levantou da mesa rapidamente olhando outra vez para os lados, e caminhou com o aparelho sem fio entrando no elevador, dando de cara com Renata que ia falar alguma coisa, quando a mão dele brecou-lhe
sua boca; ela ficou a observá-lo, mas uma interferência se fez, quando o elevador tocou a campainha, dando sinal de saída.
— O que está fazendo? — perguntou a voz de repente.
— Nada! — Sean ainda segurava a boca de Renata que só erguia os olhos.
— Faço para preveni-lo, Sr. Queise. Alguém precisa detê-lo.
— Deter quem? Por que acha que eu seja a pessoa certa para isso?
E outro bip de campainha avisando que o elevador chegava ao subsolo interferiu na chamada.
“Droga!”, pensou Sean.
— Está vindo atrás de mim, Sr. Queise?
— Não!
— Acha que pode me alcançar? — gargalhava o estranho, desligando a ligação.
— Não!!! — Sean saiu do elevador, invadindo o estacionamento largando Renata assustada com suas atitudes. Carros vindos do todos os lados impediam sua corrida e Sean bailou por entre fileiras de carros
estacionados, alcançando os depósitos do subsolo, empurrando três funcionários, assustando-os. — Onde fica o depósito de secos?! Onde fica o depósito de secos?! — gritava para todos.
— No fundo! — apontou enfim, um cozinheiro assustado.
Sean pulou mesas atravessando a sala aos tropeções, quase caindo por cima de todos. Outro cozinheiro vinha saindo do banheiro, mas foi empurrado de volta quando Sean se chocou com a porta, alcançando o
depósito de alimentos secos no fundo da sala.
Mas já era tarde, a linha três ocupada pelo estranho jazia juntamente com o gancho, no chão.
— Seguranças?! Seguranças?! — gritava Sean tal qual um louco, pelo estacionamento, logo que alcançou um deles.
— Sim, Senhor?
— Quem passou por você?!
— Como assim, Sr. Queise?
— Alguém!!! Alguém que tenha saído deste depósito antes de mim?! — gritava nervoso empurrando o segurança para trás, quase se jogando dentro do elevador, trazendo o segurança junto. — Me dá esse walk-talk!
— falou, arrancando das mãos dele que assustado estava sem entender as atitudes do patrão. — Pare de me olhar dessa maneira!!! — gritou. — Acha que sou algum alienado?!
— Não, Sr. Queise — respondeu ainda com os olhos esbugalhados.
— Ótimo! — concluiu Sean. — Pelo menos você... — e continuou. — Alô! É do hall de entrada principal? Sean Queise, falando. Vocês viram um homem alto, de cabelos vermelhos e encaracolados, passar pela portaria?
— Desculpe Sr. Queise, mas o entra e sai aqui é constante. Um momento que eu vou averiguar as últimas filmagens — falou o segurança geral no hall de entrada.
Sean já havia chegado ao hall junto com a resposta, na pequena sala da segurança onde dois funcionários monitoravam através de câmeras todos os movimentos do edifício.
— Ali está ele! — exclamou Sean com força apontando para uma das telas. — Congele essa imagem e mande uma cópia para a minha secretária; eu já estou subindo novamente — deu a ordem se dirigindo ao seu
elevador principal localizados no final do hall de entrada, estrategicamente colocado em frente à sala de segurança.
Sean sempre se orgulhara do esquema que montara para o edifício Computer Co House’s.
“Será que era seguro, mesmo?”, começava a ter dúvidas.
— Sr. Queise? O que houve? — perguntou Renata quando Sean adentrou tal qual um furacão na sua sala vindo do elevador particular.
— Ele esteve aqui, Renata! — falava todo ofegante, gesticulando como louco. — Debaixo do meu nariz!
— O tal Pedro Henrique?
— Não! O cara da feira que me observava e Freda viu entrar no escritório.
— “Freda viu”? Mas como…
— Eu sei Renata!!! Eu sei!!! Eu sei!!! — gritava a esmo andando de um lado para o outro.
— Vou trazer-lhe uma xicrona de café. Isso vai lhe acalmar — disse saindo.
— Nada vai me acalmar, Renata. Ninguém pode sentir a surra que eu senti.
— Aquele brutamonte está morto, Sr. Queise — disse Renata ainda na porta, de costas, ao sair.
— Freda... — disse ele baixinho no que ela fechou a porta, e voltou logo depois com a sua xicrona de café. — Onde está Kelly?
— No centro da cidade.
— Dispense todos agora!
— Tem certeza que...
— É uma ordem, Renata! Comunique a todos! O expediente está encerrado por hoje!
Renata Antunes obedeceu preocupada enquanto Sean esperou até que o último funcionário saísse. E confirmando que tudo estava como queria, deu ordens a área da segurança geral para que monitorassem apenas
o hall e desligassem as câmeras dentro de todas suas salas. Aquilo era anormal, mas Sean foi obedecido, já que os funcionários da Computer Co., salas abaixo do restaurante, eram os únicos a poder circular
nos elevadores ímpares que chegavam à cobertura.
Depois foi até o corredor passando pela mesa de Renata e desligou os dois elevadores, travando também as entradas das portas corta-fogo. Retornou à sua sala e passou por uma Sandy Monroe ensanguentada,
sentada à mesa de Renata, lhe olhando.
Sean parou de andar e arregalou os olhos temendo voltar a se virar.
— Vou me arriscar não Sandy? — olhou para trás e o fantasma de Sandy sumira.
“Deus!”, prosseguiu até sua sala e se trancando lá, desconectou temporariamente todos os computadores da empresa, ficando sozinho com seu notebook que mostrava na sua tela o logo da Computer Co..
Respirou profundamente e não mediu seus atos.
— Se aqueles mercenários conseguiram entrar no banco de dados da Poliu, então eu também consigo — ‘navegava’ por mares proibidos digitando alucinadamente; cascatas de números e linguagem computacional
pintavam na tela quando ele parou. — Não posso usar Spartacus e me denunciar... Droga! — Sean tomou a decisão mais arriscada e invadiu diretamente a Poliu. — RootKits! — foi o que decidiu usar.
Sean sabia que usando uma tecnologia do tipo malware, os rootkits podiam ser instalados tanto localmente quanto remotamente, em acesso via SSH, VNC, XDMCP ou qualquer outra forma de acesso remoto à sua
máquina. Depois foi só incluir uma senha de usuário no sistema, já que ele próprio era administrador de sua rede. Contudo Sean não podia se dar ao luxo de ser localizado, nem seu login. E como os rootkits
geralmente substituíam os programas, ninguém ao listar os arquivos, veria a presença dos seus arquivos de Trojan Horse, porque ele se escondia dos softwares de segurança.
E foi só o logotipo da Poliu, a Polícia Intercontinental Unida girar na tela de Sean Queise, que a voz de Sandy o alcançou.
“Sean?”
— Não faça isso Sandy... — soou no frio que se fez.
Muitos códigos de acessos e Sean achou um log sob o código de número 555tu78g feito às 03 horas da madrugada do dia 25 de outubro, mas o computador pediu uma senha de acesso.
“Senha?”, Sean rodou todas as senhas, nenhuma delas bateu.
Mas se era nos mainframes da Computer Co. que a Poliu e a tal máquina estavam, então por que Sean não tinha as senhas, ele não soube responder quando a segurança do firewall brecou-o.
— Um sistema de navegação segura de 4096 bits?! — quase gritou. — Isso é o quê? Cinco vezes a SSL segura de 128 bits tradicional?! — espantou-se. — Wow! Para que a Poliu montaria tamanha segurança dentro
dos meus mainframes?
Sean ficou lá pensando, girando a cadeira sabendo que seu pai realmente obedecia Mr. Trevellis.
“Droga!”, explodiu.
Sean retornou ao menu de opções procurando por outras invasões feitas pelo IP 200.239.230.xxx usado pelos mercenários, e encontrou o que queria; um arquivo de log com a data de vinte e cinco de outubro.
“Hora!”, pediu o computador.
“Três horas da manhã!”, ele digitou para uma grande listagem começar a ser carregada.
“Assunto em pauta!”, pediu mais uma vez, o computador.
— “Assunto”? O que eles queriam afinal?
“Assunto em pauta!”, insistia o computador.
“Armas, Filipinas, Ilhas, Roubo de máquina”, digitou.
O computador aceitou as palavras e Sean mal pôde acreditar no que leu.
— “Aquáticas? Terrestres? Aéreas? Alienígenas?” — seus olhos brilharam ao ler a tela. — Máquinas alienígenas?
“Digite o código!”, o computador pediu.
— Droga! — praguejava. — Eu não tenho esse código!
Sean levantou-se indo olhar a Marginal iluminada da varanda da cobertura. Um vento morno o atingia por todos os lados.
“A vida é uma loteria, jovem Queise...” soou ali.
— A nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizerem dela, ‘voz de algodão’? — se questionou sozinho. — Senhas, números e nomes.
“A vida é uma loteria, jovem Queise...” voltava a soar.
— Uma loteria... Já dizia Marco Aurélio... — Sean sentia que sua alma desacoplava. — Para que eu aceite de bom grado o que acontece: primeiro como te acontece a ti, a ti te foi prescrito... — sorriu para
a noite de tantos contornos. — Que droga queria me dizer com tudo aquilo? O que estava nas entrelinhas que eu não compreendi? — e Sean preparou-se para ir embora quando o telefone tocou. Oscar estava numa
linha não identificada. — Ainda não sou um moleque educado...
— Não! Provável nunca vai ser!
— O que quer? — foi frio.
— Estou lhe mandando uma passagem para Amsterdã, na Holanda.
— Uma o quê?
— Vai viajar incógnito pela KLM Airlines e ficar uma semana instalado num hotel pequeno, perto do aeroporto, sem chamar muita atenção. No dia 21 partirá para Manila, capital das Filipinas.
— Fili... — e o os gemidos de Freda o alcançaram, se levantaram do chão, brotando do piso de mármore polido, com o corpo dela no galpão da oficina mecânica, com toda a umidade daquela noite, com toda a
meia-luz gerada pelos grandes holofotes em que provocara o mau funcionamento; tudo estava ali, em curto.
Sean percebeu que havia voltado ao passado, à madrugada fria, à poça do sangue de Freda que ainda gemia.
— Sean? — insistiu Oscar na linha. — Você ainda está aí?
A cena sumiu e Sean não sabia como controlar aquilo.
— O que... O que quer de mim nas Filipinas Oscar?
— Você usará o nome de Fernão Gomes, importador de chips, português vivendo em Amsterdã. Ficará com a identidade e o passaporte desse comerciante. Vamos nos encarregar de fazer o verdadeiro Fernão sumir
do mapa por uns tempos. Por isso partirá a partir de Amsterdã, com sua aparência.
— Como assim ‘sua aparência’? Do que você está falando?
— Você verá Sean querido!
— Não! Não verei nada. A Polícia Mundial tem conexões com todas as polícias do mundo. Por que precisar de alguém como eu?
— Preciso de você! — soou como ordem.
Sean não gostou daquilo. Oscar de alguma forma precisava dos poderes dele.
— Estava preparando a minha saída?
Mas Oscar não se deteve.
— Você, Fernão, está com problemas internos na empresa e precisará investigar as compras feitas pela Chips Line, sua empresa de importação.
— Problemas aonde?
— Sairá de Amsterdã e seguirá para a capital das Filipinas. Depois do Minoy Aquino International Airport, em Manila, num voo doméstico seguirá para Palau, e de lá sairá num jato alugado para o El Nido
Airport, na ilha de El Nido.
— Problemas aonde Oscar? A Lista de Ufologia falou sobre El Nido.
— A Ilha de El Nido fica na província de Palau, Palawan na verdade, nas Filipinas. Lá você se hospedará num resort, em Lagen Island, uma aldeia de pescadores em Bacuit Bay. Ficará bem instalado.
— Ah! Que interessante! Promovendo férias aos funcionários?
— Não brinque Sean querido. Quero que vá ao conglomerado de armazéns Shiu-Shiu em Palau. A Shiu-Shiu é grande em toda a Ásia. Lá contratará pessoalmente os armazéns para retirar de Amsterdã as peças de
sua empresa Chip’s Line encomendadas por um comerciante de Miami, que não existe é claro.
— E quem é Fernão Gomes? Alguém ‘que não existe é claro’ ou outro adolescente alienado e inconsequente?
— Não me provoque Sean!
— Consigo?
Oscar não se deu um tempo.
— Temos pouco tempo. Avise-me quando for visitar os armazéns Shiu-Shiu.
— Claro! Armazéns que minha falsa empresa importadora usa. E isso, porque saberá me dizer o porquê de ter uma empresa usando um armazém escuso, Oscar?
— Já disse que não se preocupe.
E Sean se irritava quando Oscar nada respondia.
— Não. Não me preocupo. Nem com o fato de você e meu pai saberem que a Computer Co. já fez negócio com esse tal conglomerado Shiu-Shiu em Taiwan.
— Já fez?
— Não brinque Oscar! Acha que andamos comprando peças frias?
— Acreditamos que esses armazéns sejam fachadas para uma organização que faz de tudo. De lavagem de dinheiro a contrabando de armas. Os observamos há cinco anos.
— Essa empresa... Esse Fernão... Quem é ele?
— Não se preocupe. Tudo foi arranjado para que nada lhe escape ao controle; também parecerá mais velho.
— Wow! Parecerei? — mas Sean percebeu o silêncio. — Minha mãe sabe que vou fazer um favor para o todo poderoso homem da Polícia Mundial? — e o silêncio permaneceu. — Claro que sabe! Vocês se comunicam
não? Ainda se comunicam mesmo com meu pai...
— Chega Sean! — agora soou mesmo como uma ordem. Uma ordem e uma advertência. — Seus pais não sabem de nada. E acredito que seus dons possam dar um jeito para que eles não saibam, já que tem dons para
conseguir o quer.
— Wow! Um dom meu que me permite conseguir o que quero ou um dom seu que lhe permite saber que eu conseguirei Oscar querido? — falou com o cinismo de costume.
Outro silêncio rápido.
— Tenha uma boa viagem Sean querido!
— Hei? Hei?! — gritou ao telefone. — Droga Oscar! Sabe que eu não posso ir. A Computer Co. está para fazer uma fusão dia 18 de março com a Família Tadaka. Eles são donos de uma fábrica de servidores, a
Server Invector na vizinha Taiwan, e vou descarregar alguns bancos de dados que está sobrecarregando a Computer Co. da Ásia, já que não convenci meu pai a colocar dados em ‘nuvens’ porque sou um hacker
com amigos hackers. E eu nem sabia que tinha amigos.
— Seu pai não foi convencido por você, porque Trevellis o convenceu que você é um Black hat que fabrica rootkits. E você não se ajuda muito quando...
— Basta Oscar! De nada vai adiantar o ataque. Eu até não os conheço pessoalmente, é a Renata que vem lidando com a família Takada, mas julgo que me conheçam de nome, talvez alguma foto minha nos jornais.
Algum funcionário da Server Invector pode aparecer em El Nido, ou ainda alguém da própria Família Tadaka pode já ter guardado seus produtos dentro dos armazéns Shiu-Shiu de Palau, e acabarem por me reconhecer
como Sean Queise. E sabe que qualquer erro meu vai afetar meu nome de ‘empresário bem sucedido e respeitado’.
— Terá de correr riscos...
— “Riscos”? — gargalhou. — Agora posso correr riscos? Ou será que quando o nome de meu pai estiver na lama os riscos terminem?
— Do que está falando?
— Estou falando de Trevellis fazendo visitas a meu pai. E não são visitas como as suas, Oscar — Sean sabia que Oscar se alertara com aquilo, com um Sean ainda criança o vendo se materializar, o visitar.
— Falo de visitas da Poliu, da corporação de inteligência atrás de negócios com a Computer Co., atrás de algo que meu pai barganha para aplacar o ódio de Trevellis por mim. Um ódio por algo que não fiz.
— Não fez o que exatamente, Sean querido?
— Não roubei a máquina que Trevellis culpa meu pai de permitir que eu tivesse roubado. Droga! — explodiu. — E agora corro riscos porque tenho que correr riscos por uma empresa que usa um conglomerado suspeito
nas Filipinas que todos falam.
Oscar ficou silencioso, receoso com o que falaria. Sabia que Sean viria cada vez mais buscar respostas que não podia dar.
Suspirou e prosseguiu:
— Houve uma contratação de seis caminhões tipo cegonheira feitas por um porto-riquenho de nome José Miguel. Ele anda trabalhando com os armazéns Shiu-Shiu.
— A Poliu está envolvida?
Oscar não respondeu.
— José Miguel chegou a Palau e foi direto para El Nido se hospedar no El Nido Lagen Island Resort. Nesses três meses, ele só saía duas vezes ao dia para ir ao armazém Shiu-Shiu de Palau — prosseguiu Oscar.
— Duas vezes ao dia, só frequentando um armazém?
— José Miguel foi interceptado na alfândega do aeroporto internacional de Hong Kong, na China, e foi vigiado até o encontro dele com esses armazéns. Antes ele passou por Xangai, Guam, Bahamas, Fiji, Taiwan
e depois Mindanao e Palau.
— O que quer dizer ‘roubo de máquina aquática, terrestre, aérea, alienígena’? Ou não vai querer saber onde li algo sobre isso?
Oscar sentiu sua respiração paralisar por um momento.
— Por onde ‘navegou’ com seus rootkits, Sean?
— Teria sido na Deep Web? Nos arquivos da Poliu? Por fora dos domínios do satélite de observação Spartacus? — Sean desafiou-o e Oscar não respondeu deixando um clima pesado no ar de ambos. — Ah! Não! Não
foi na Deep Web, já que Trevellis não permitiria que eu usasse rootkits nos mainframes que alugo para Poliu, não é?
— Trevellis fez o que?
— Permitiu que eu acessasse a Poliu.
— Por quê?
— Boa pergunta. E uma vez que meus dons não me deixam saber tudo o que quero dentro da cabeça de Trevellis, que me bloqueia, eu não sei o porquê dele querer que eu soubesse algo sobre máquinas alienígenas.
— Maldito!
— Ah! Sim! Maldito Trevellis! — Sean no fundo se divertia quando percebeu algo errado com as cores das linhas do telefone de mesa. — Está falando da sua linha secreta?
— Sim.
— Estranho! Estou interrompendo os ramais das salas da Computer Co. e uma linha sempre me segue, esperando ser conectada.
— ‘Esperando’ o quê?
— Ser conectada. Porque eu disse a Gyrimias que isso era impossível de acontecer, mas outra vez alguém tenta invadir-me.
— O que acha que seja?
— Alguém não autorizado nos andares debaixo tentando ouvir minha conversa? — debochou rindo. — Ora vamos... Prossiga! Talvez eu até me entusiasme com seu convite.
Oscar sabia que ele já estava entusiasmado. E que não era bem aquela palavra o que melhor designava Sean Queise.
— José Miguel é uma figurinha carimbada nos porões da Polícia Mundial — Oscar prosseguiu. — Já o prendemos e soltamos várias vezes, e nunca conseguimos provar nada, porque nunca conseguimos alcançá-lo
a tempo de seus negócios, que como amigos seus, trabalha bem na profunda Web. Agora estamos preocupados porque ele sumiu do mapa das Filipinas.
— É estranho tantas coisas virem acontecendo em ilhas como as Filipinas, ultimamente, não acha?
— Não tenho que achar. Quero que vá lá e investigue os computadores da Shiu-Shiu, e descubra o porquê dos seis caminhões cegonheiras.
— Pedindo para eu hackear algo?
— Investigar! — corrigiu-o. — Porque entrar num computador, sabemos quando queremos Sean querido.
— Wow! O ‘todo poderoso’ anda trabalhando muito, não? Talvez quebrando SSL segura de 4096 bits?
Oscar outra vez não lhe entregou o jogo.
— A minha parte dentro do controle da Polícia Mundial corre perfeitamente.
— Como quando me deu segurança na feira? Ou será como quando salvou Sandy Monroe da Poliu? — Sean ouviu um ‘click’. — Oscar? Oscar?! Desgraçado! — falou olhando para o aparelho.
Sean girou a cadeira uma, duas, três vezes sabendo que devia ir às Filipinas.
E sabia que devia ir porque sua mãe o preparara para ser um agente da Polícia Mundial pagando-lhe aulas de Krav maga.
10
República das Filipinas; Ásia.
11° 20’ 0” N e 123° 1’ 0” E.
21 de janeiro; 08h00min.
Sean Queise estava irreconhecível, era nítido, após transformar as suas longas madeixas loiras em morenas logo que chegou a Amsterdã. Para ser Fernão Gomes, um comerciante português que ‘estava fora dos
mapas’, Sean precisara alterar sua pele branca para uma suave cor de jambo. Barba por fazer, lentes de contato castanhas, roupas que o faziam nem se quer lembrar o adolescente rico que só usava ternos
Armani, de impecável corte italiano para ser aceito na concorrida sociedade capitalista mundial.
Até mais velho, parecia realmente estar.
E ele mudara daquela maneira porque havia recebido um ‘kit’, como julgou ser aquilo. Pílulas à base de DNA que mexiam com a melanina da pele e cabelos, transformando-os para a tonalidade que quisesse;
uma pílula marrom para sua pele ficar morena, uma pílula branca chamada ‘pílula neutra’, para voltar ao normal.
Estava espantado a que ponto a espionagem chegara.
O avião aterrissou sem problemas e ele adorava quando isso acontecia. Mas também vinha a viagem toda tenso com o silêncio aparente de Mona Foad. Porque Sean sabia que ela havia recebido seu pedido de socorro
na noite do ataque, um pedido que percorreu todo fétido galpão da oficina mecânica, que chegou a Lisboa.
Não compreendia, contudo, o porquê de seu silêncio, o porquê de nenhum telefonema ser registrado no hospital.
— Sr. Queise? — falou um homem com uniforme de motorista atrás dele no amplo saguão lotado àquela hora.
Sean estranhou ser chamado pelo seu nome verdadeiro, mas o homem mostrou suas credenciais de agente da Polícia Mundial. Sean confirmou sua identidade e agradeceu a ajuda com as malas, preferindo ele mesmo
segurar o seu notebook.
— Podemos ir! — deu a ordem.
O trajeto até o outro aeroporto foi longo, mas proveitoso. Sean adorou ver a beleza da cidade de Manila, capital das Filipinas.
Embarcando pela Palau National Airlines, partiu para Koror, capital de Palau, sempre usando o passaporte falso que recebera em Amsterdã.
Ao chegar a Palau foi interceptado por outro agente, que lhe esperava. Ele entregou um envelope dessa vez já o chamando de Fernão Gomes; Sean conferiu. O agente de Oscar avisou que um jato particular o
esperava na pista e se foi sem mais nada a dizer.
Antes de partir Sean abriu o envelope encontrando uma chave de armário do aeroporto – armário CC77. Dirigiu-se até lá e dentro do armário havia trezentos mil dólares e uma caixa feita de um material que
mais parecia madeira, mas que no toque não lembrava em nada ser madeira.
A caixa estava fechada, Sean retirou-a de dentro do armário junto com o dinheiro levando-os consigo, e trancou o armário se dirigindo para a pista onde o pequeno jato particular o levaria até o El Nido
Airport.
Durante o voo abriu discretamente a caixa feita do estranho material, porque mesmo estando sozinho, o piloto teimava em observá-lo de quando em quando. Na caixa havia algo que se assemelhava a um binóculo
com uma pequena lente, e um fio com um pequeno adesivo na ponta que se morfava toda vez que Sean o tocava. Ele arregalou os olhos achando aquilo o máximo. Havia ainda dentro da caixa, algumas entradas
para o Centro de Recifes de Palau, um celular com GPS que não permitia deixar rastros digitais, e uma arma de calibre .38 que se desmontava numa facilidade tão espantosa que Sean ficou cabreiro com todo
aquele material de última geração.
E ficou mais apavorado ainda ao perceber que o estranho material de que era feito a caixa, driblara os Raios-X do aeroporto. Ficou sem entender como conseguira portar uma arma, depois de tanta segurança
que os aeroportos tinham hoje em dia por causa do terrorismo.
Já estava escurecendo quando chegaram à ilha de El Nido e um pequeno iate o esperava no porto para levá-lo para o El Nido Lagen Island Resort, na Ilha Lagen.
Sean Queise adorou o píer do resort todo iluminado por tochas de fogo. Um ar exótico lhe era instaurado quando a iluminação das cottages refletia na grande parede de pedra que os envolvia, envolvia todo
o resort de cottages construídas sob a água.
Após o check-in, encarou o gerente com um sorriso.
— Bonito isso aqui — usou seu melhor sotaque inglês. — Está lotado?
— Nessa época do ano o resort é procurado por casais em lua de mel — respondeu. — Mas sua reserva havia sido feita no Natal, Senhor — o gerente completou no que ele ia saindo.
Sean olhou o chão de vidro mostrando a água sob seus pés.
— Wow! “No Natal”? Por que não me espanto com isso? — sorriu sem que o gerente o entendesse.
Atravessou a noite iluminada, entrou na sua cottage de número 45. Colocou a arma na mesa lateral, já que horas na academia de tiro lhe permitiram possuir carta branca da Polícia Mundial, e se jogou na
cama dormindo o sono dos justos, mas o sono foi afetado pelo ruído de alguém à porta da cottage 45.
Sean Queise deu um salto da cama se armando com a arma calibre .38. Apontou para um lado, apontou para o outro e mais ainda noutra direção. Ficou a esperar mais algum movimento, que não houve.
Som, só as suaves ondas que batiam nas palafitas.
Abriu a porta e observou lá fora, percebendo que suas vistas ardiam porque havia dormido com as lentes de cor castanhas. Também viu que na noite úmida, ninguém circulava pelos píeres que interligavam as
cottages.
Entrou novamente, tirou as lentes e foi até a sacada fechar a porta de vidro quando alguém bateu na porta da frente.
— Truman? Sou eu Luanna... — falou uma voz feminina do outro lado.
— Quem? — Sean questionou ao abrir a porta e levar um susto com o grito que a moça deu.
— Oh! Desculpe! Errei a cottage — dizia totalmente sem graça, os cabelos negros mais lindos que Sean já vira.
— Ah, é? — piscava os dois olhos agora azuis enquanto escondia a arma calibre .38 atrás do corpo. — Errou?
— É que eu achei que fosse a cottage 45 — ria se encolhendo toda, fazendo um charminho.
— E é a cottage 45, Senhorita — amarrou mais forte o cordão da calça do pijama que usava, para que a arma não caísse.
Percebeu também que estava despenteado, descalço e sem camisa, mostrando um físico malhado, que ela não tirou da vista.
— Luanna Malapacco! É meu nome! — disse num perfeito inglês esticando as mãos para ele.
— Fernão Gomes! É meu nome! — riu cumprimentando-a.
— Eu dou aulas de danças nativas e estava chamando o Truman, o outro hóspede para dançar — e apontou para dentro da cottage de Sean.
— Dá aulas de madrugada? — olhou para fora e só viu o brilho da Lua no mar transparente.
— Não… — ela riu. —, o Truman costumava ir ver-me após as aulas, e hoje não apareceu.
— Cheguei agora de noite e nada sei sobre o outro hóspede da cottage 45, Senhorita.
— Por que ele iria embora se pagou pelo curso até o final do mês?
— Talvez ele tenha fugido da professora — disse brincando, sorrindo seu melhor sorriso; moreno, de olhos azuis, Sean era belo.
Luanna percebeu aquilo, esticou o seu corpo curto e bonito, saindo do píer que ligava o corredor à cottage e encostou-se perto do batente da porta. Um justo vestido azul com berrantes flores amarelas vinha
da metade da coxa grossa e musculosa, e acabava amarrado no pescoço. Sean já havia detalhado cada pedaço de tecido, cada músculo sem tecido.
— Talvez possa continuar no seu lugar, Sr. Fernão?
— Sinto muito Srta. Luanna, mas meu tempo na ilha é tão curto quanto ao do Sr. Truman.
— Que pena! — ela se insinuava.
— É... Uma pena — achou graça. — Então boa noite, Senhorita — e esticou a mão para se despedir dela que não fazia questão nenhuma de ir.
Sean então sorriu e fechou a porta na cara da bela moça que não acreditou no que ele fizera. Ele só teve tempo de ouvir o gritinho indignado que ela deu e dormiu o sono dos justos.
11
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 42’ 0” E.
22 de janeiro; 08h33min
E o dia amanhecera quente como era de costume. Sean tomava o seu café à beira da piscina, encantado com a beleza do lugar, embalado pela voz e a música suave.
Era o paraíso na Terra.
— O Senhor tem uma ligação no bar — disse o garçom cortando os pensamentos dele, apontando para o bar e o restaurante que ficavam debaixo de uma grande choupana coberta de sapé.
— Obrigado! — disse se dirigindo para lá. — Alô! Alô! — Sean insistia ao aparelho. — Alô! Alô! Não tem ninguém na linha — falou para o barman que se aproximava dele.
— Não compreendo Senhor, eu mesmo atendi a chamada e mandei chamá-lo.
— Estranho!
— Essas ilhas andam estranhas mesmo ultimamente.
— Por quê?
— A Filipinas é um arquipélago sujeito aos terremotos e tufões, mas o tremor que sentimos ultimamente em El Nido chegou a atingir todas as ilhas em volta.
— Mas se estão dentro da área de risco, por que foi estranho?
— Eu sei o que estou dizendo, Senhor — e o garçom se aproximou mais de Sean para falar. — Foram fabricados.
Sean ia falar, desistiu.
Mudou de assunto.
— Disseram meu nome ao telefone?
— Não! Apenas pediram para chamar o Senhor com a camisa azul na piscina.
Sean virou para trás, viu que era o único de azul. O único na piscina.
— Obrigado!
O Sol castigava. Sean passou a mão pela testa suada receando que algo acontecesse à química de seu corpo e voltasse a ficar com a pele mais clara. Tomou um grande gole de café e riu, ficando a imaginar
se transformando igual a um camaleão, na frente de alguém.
— Bom dia, Fernão — disse Luanna de maiô verde e sarongue amarrada à cintura. E apesar dos cabelos de Luanna serem extremamente negros, sua pele era branca, quase transparente. — O que é tão engraçado?
— viu Sean levantar os olhos para ela que estava no caminho do Sol e debruçou sobre si mesmo. — Aconteceu alguma coisa? — inquiriu Luanna.
— Não! — respondeu Sean rapidamente, sabendo que sim, vendo a bela Luanna apontando para a cadeira vazia à frente dele. — Desculpe o mau jeito… — se ergueu numa mesura até ela sentar. Luanna sentou-se
e Sean voltou a sentir um incomodo. — O Sol... — observou-a sentada. —, incomoda.
— Ponha os óculos escuros.
— Me viu de óculos escuros quando cheguei?
Luanna estancou.
— Fernão de quê? Você é de onde?
— Assim do começo? — riu. — Sou Fernão Gomes, tenho alguns anos depois dos 20, português nascido em Amsterdã, e vim vender algumas peças eletrônicas minhas.
— Sou Luanna Malapacco, tenho alguns anos depois dos 20, sou filha de caiçaras e vim tomar café com você... — olhou-o com interesse. —, com você que parece realmente mais jovem do que seus documentos dizem.
“Meus documentos?”
— Tenho dezoito anos — disse ele.
— Nossa! Precisou da autorização dos pais para viajar?
Sean gargalhou.
— Há muito que parei de pedir autorização a eles — ainda ria mostrando o quanto era belo o agora moreno Sean Queise.
— Se você é um adolescente tão liberado... Por que precisou mentir no passaporte?
— No passaporte?
“Droga!” se lembrou de que teoricamente era mais velho, que Fernão Gomes era mais velho.
Temeu que Luanna tivesse realmente lido algo no check-in.
— Tenho vinte e seis anos — ela completou inerte às preocupações dele.
E Sean tentou mudar a linha do assunto.
— Você parece muito ‘cor de leite’ para ser filha de caiçaras.
— Minha mãe é holandesa e meu pai filipino. Por isso a brancura — sorriu Luanna mostrando o rosto.
— “Holandesa”? Que coincidência.
— Vim para cá pequena e trabalho a dois anos de hostess no resort. Sou… — suspirou. —, sozinha no mundo — sorriu de novo vendo Sean a observando. — Você deve ser rico, não Fernão?
Sean gelou apesar do calor.
— Por que diz isso?
— Está instalado em uma das Water Cottages a $500 a diária — apontou para trás, vendo Sean vendo o que ela lhe mostrava. — Percebeu que uma parte do piso do hall do hotel é de vidro? Que enxergamos a água
cristalina do mar no piso da ilha?
— Não... Acho que cheguei dormindo e acordei sonado — gargalhou.
— O resto do piso é de madeira velha das Filipinas. Assim como os pisos e os móveis de todo resort. Aqui, tudo é politicamente correto.
— Interessante! O que tem atrás daquele penhasco, Senhorita Hostess? — apontou acima da cabeça dela.
— Tem umas trilhas — olhou. — Gosta de rapel?
— Um pouco. Às vezes saio com alguns funcionários para fazer trilha na região de Campinas.
— Onde é Campinas?
Sean pareceu ficar momentaneamente em duvida se devia responder, já que percebeu que para aquilo não fora talhado.
“Droga!” esparramou-se por todo ele.
— No interior... São Paulo. Brasil. América do Sul.
— Luanna pegou um pedaço de pão da bandeja dele. — Sabe que El Nido significa ‘o ninho’ e chama-se assim por causa dos íngremes penhascos, onde as andorinhas do mar constroem os seus ninhos? — Luanna apontou
para trás dela outra vez. — Por vezes a mais de 100 metros de altura? — comeu todo o pão que pegou, e Sean percebeu. — Os habitantes sobem aos penhascos para recolher alguns destes ninhos para os restaurantes
fazerem uma sopa de paladar bastante excêntrico
— Interessante! Lembre-me de pedir no jantar— e ele ouviu a sonora gargalhada dela. — O que foi?
— Eu disse excêntrico? — voltou Luanna a gargalhar. — Deveria ter dito sexualmente excêntrico.
— Ah... Então me lembre de pedir no jantar.
Ambos riram.
— A Ilha de Miniloc é aquela adiante — Luanna apontou para Sean olhar o além-mar enquanto se servia de uma xícara de café. —, lá tem outro resort desta cadeia de hotéis. As cabanas do Miniloc Resort ficam
mais dentro da água do mar que as daqui, e são tão caras quanto sua cabana, ou cottage — fez biquinho. —, mais chique de falar.
Ambos riram novamente. Pareciam a começar a se entrosar.
— A beleza desses lugares precisa ser mesmo preservada.
— Felizmente El Nido ainda mantém mais de 100 espécies de aves. Quando elas voam fazem um espetáculo só superado pelo pôr do Sol, que é a verdadeira magia deste lugar perdido no tempo e no espaço — sorriu
a bela Luanna.
— Tempo e espaço! Engraçado você tocar nesse assunto. Deve estar na moda — Sean prosseguiu ao ver Luanna observando-o sem entender. — Albert Einstein. Conhece? — brincou.
— Ele já foi meu hóspede? — sorriu encantadoramente.
— Não... — Sean riu. — Acredito que ele nunca tenha tido essa oportunidade.
— Mas gosto de física quando o professor vale a pena — sorriu mais encantadora ainda.
Sean não se fez de rogado. Ele valia a pena.
— Em 1935, Albert Einstein e Nathan Rosen deduziram que as soluções das equações da Relatividade Geral permitiam a existência de pontes, originalmente chamadas de pontes de Einstein-Rosen, mas agora chamadas
de wormholes ou buracos de minhoca.
E Sean a viu tomar toda sua xícara de café e já começar a comer outro pão do seu prato quando ela lhe sorriu magnificamente.
— Vá em frente...
Sean foi.
— Einstein propunha que o espaço fosse curvo e em algum momento dessa ação, uma força eletromagnética pudesse abrir um buraco de minhoca; então tais conexões entre dois pontos de um mesmo Universo, seria
nada menos que portais para se viajar no tempo.
— Buraco de minhoca? Legal!
Legal? — Sean teve a sensação de já conhecê-la; Luanna. Balançou a cabeça e prosseguiu apesar do déjà vu. — Mais que isso... — sorriu-lhe. — O problema é que para um buraco de minhoca ser ‘legal’, seria
preciso descobrir em qual direção se avança as setas do tempo. Porque se pudesse supor que o tempo avançaria na direção x, esse buraco de minhoca poderia existir ao lado dessa reta traçada pelo tempo,
e chegaríamos ao nosso lugar de destino, literalmente caminhando por ele.
— E poderíamos caminhar através de um buraco de minhoca?
— Sim, já que os buracos de minhoca permitiriam superar a barreira da velocidade da luz, atuando como fendas no tempo, ou como pensam os místicos como Mona amiga, portais do tempo.
Luanna o achou lindo, tinha que admitir.
— Ah! Uma ‘amiga’?
— Não... — Sean voltou a rir. — É só uma amiga mesmo.
— Vá em frente! — brincou Luanna. — E como caminharíamos afinal? — Luanna comeu todo o terceiro pãozinho dele.
Sean a olhou mais interessada em sua comida, do que na física quase impossível que permitia viajar no tempo.
— Não caminharíamos. Porque para que pudéssemos utilizar a ponte Einstein-Rosen, teríamos que possuir uma tecnologia que permitisse a dobra do espaço e a anulação do tempo, um tempo que o filósofo da Idade
Média Santo Agostinho afirmava não existir, Srta. Luanna.
— E o tempo existe Sr. Fernão?
— Para o filósofo moderno Immanuel Kant existia; um tempo interno, de percepções internas, capazes de conceber a existência de um ‘eu’ estando em relação a um passado e a um futuro, que para Agostinho
só existia em pensamentos.
Luanna não soube o porquê, mas o amou daquele dia em diante.
— E se temos tanta informação por que ainda não viajamos?
— E como sabe que não viajamos? — riu da careta dela. — Ok! Concordo que não sei se já viajamos, mas se o fizemos, então o conceito de entropia, ou teoria da informação, se associa à ideia de que, quanto
mais incerto seria o resultado de um experimento aleatório, maior seria a informação que se obtém ao observar a sua ocorrência. E já que Físicos declararam que buracos de minhoca e emaranhamento são dois
lados da mesma moeda, reconciliaria teorias da gravidade e da física quântica, o sonho de Einstein.
— Posso perguntar algo? Apesar de toda aula que deu, acredita mesmo nessas viagens pelo tempo, Sr. Fernão?
— Sem o ‘Senhor’. Sou muito novo para isso — sorriu com charme.
— Vá em frente!
Mas Sean de repente, ficou na duvida se devia ir em frente com aquilo, sentiu-se estranho, conversando aquilo com uma estranha que lhe dava a estranha sensação de não ser tão estranha assim.
— Desculpe-me! Mas não é o caso de acreditar ou não, Senhorita. É que, se a física fosse puramente clássica, e o buraco de minhoca suficientemente grande, com rotação cilíndrica elevada, então um viajante
facilmente atravessaria a singularidade.
— Singularidade ‘quê’? — fez uma careta.
— Singularidades que quebram o estado de vácuo quântico, irradiando um fluxo intenso de partículas de altas energias, o que certamente mataria qualquer viajante quando as paredes colapsassem umas sobre
as outras — sorriu encantador.
— Nossa! — sorriu tão encantadora quanto ele, adorando e aceitando ouvir toda aquela esquisitice. — Já que uma coleção de psicólogos, psicanalistas e filósofos, como também pessoas comuns, têm dificuldades
em aceitar fatos que não integram a experiência cotidiana… — e Luanna se serviu de mais café. —, preciso concordar?
— Exato! Porque é o que acontece com a teoria da relatividade de Einstein ou com a aceitação da existência de partículas fantasmagóricas.
— Fantasma…
— Como os neutrinos; partículas aparentemente destituídas de massa que podem atravessar todo o corpo da Terra, sem serem detidos devido à fraca interação com a matéria.
— E tudo isso é por que você é um vendedor de que mesmo? — Luanna só esperou Sean parar de rir. — Quer dar um passeio pela ilha, Fernão?
— À tarde, talvez. Agora preciso trabalhar.
— Veio a trabalho, então? Que tipo? — beliscou as frutas do outro prato.
— Peças eletrônicas... — Sean percebeu o estranho costume que ela tinha de comer a comida dos outros. — Vim ver um carregamento que minha empresa fez e tirar algumas dúvidas sobre um desvio de dinheiro
feito pelo meu gerente de vendas.
— É! Isso é ruim, Fernão — dizia na maior simplicidade, a moça que acabou de comer todo o café da manhã dele.
— Ainda está com fome?
E Luanna parou no que ele disse.
— Desculpe-me! — disse ela sem graça, limpando a boca com um guardanapo. — Eu e minha...
— Oh! Não! Desculpe a mim. Eu não quis ser indelicado... Garçom! Garçom! — olhou em volta procurando algum funcionário. — Eu peço mais um café e... — apontou para o garçom.
— Por favor, não o chame. Não podemos tomar café com os hóspedes.
— Mas não há nada demais nisso.
— Há sim! Não sei o que me deu... Sinto muito realmente Fernão — e se levantou indo embora.
— Luanna, espere!!! — gritou tarde para a moça que já havia se distanciado. — Que droga! — exclamou irritado.
Armazéns Shiu-Shiu, Palau; República das Filipinas.
7° 28’ 0” N e 134° 33’ 0” E.
22 de janeiro; 11h14min
Palau é um conjunto de 340 ilhas que faz parte dos Estados Federados da Micronésia.
Das 340 ilhas de Palau, só oito ilhas são habitadas. O barco a motor ancorou no porto de El Nido. De lá Sean Queise, ainda com as feições amorenadas de Fernão Gomes e lentes de contato castanhas, tomou
um voo para o aeroporto de Palau, na capital Koror, onde deixou a maleta no armário CC77. Depois do aeroporto, seguiu de táxi para os armazéns Shiu-Shiu, uma grande instalação construída de alumínio, com
telhado de duas águas feito de laje e alumínio, cercados por uma floresta bastante densa, de copas altas ao norte e um elevado de terra coberta de vegetação rasteira ao sul.
Sean percebera que a instalação era vigiada por pelo menos uma dúzia de homens do lado de fora, além da cerca eletrificada que contornava uma boa parte do amplo terreno.
O táxi avançou o portão principal sob olhares atentos dos homens que faziam a segurança, e o deixou no que supôs ser a portaria.
— Por favor, gostaria de falar com o Sr. Lous Teac. Diga-lhe que é Fernão Gomes, da Holanda — falava Sean, em inglês.
— É sobre o quê? — perguntou o vigia no idioma palauano para depois traduzir para um inglês carregado de sotaque local.
Sean sentiu-se intimidado.
— Sobre uma carga da empresa Chips Line efetuada em Amsterdã.
— Um momento que eu vou averiguar.
Sean percebeu a câmera de vídeo. Virou o rosto lentamente para esconder-se.
— Bom dia, Sr. Fernão Gomes — disse um homem que se aproximara sem ele perceber. — Sou Enrico Fatto.
— Bom dia!
Sean o detalhou; a voz de Enrico Fatto era forte, os olhos brilhantes e puxados como os de Luanna e todos os nativos das ilhas. Alto, musculoso, com os cabelos negros cobertos por gel, Fatto tinha as sobrancelhas
grossas a forçar-lhe à face. Suas pernas mais longas que os braços o deixavam com um aspecto deformado.
Algo nele fez Sean lembrar-se do homem do galpão; o brutamonte agora morto, o deixou nervoso com a quantidade de déjà vu que o acometia.
Sean seguiu-o após ser indicado a ele um corredor descoberto para atravessar.
Caminhou em silêncio escorregando um olhar e outro, e viu que o armazém era uma grande construção de aproximadamente trinta metros de altura. Grandes antenas parabólicas de um lado e um morro verdejante
e de grandes copas de árvores do outro. Ali tudo era grande, como o grande portão que correu para um lado, os permitindo alcançar um lobby quase vazio, se não por um par de sofás pretos e uma mesa e uma
cadeira no outro extremo.
Atrás, placas de MDF faziam às vezes das paredes.
Um homem não muito alto, de pele e cabelos amorenados, e olhos asiáticos como todos, veio ao seu encontro.
— Sou Lous Teac! — dera a mão para cumprimentá-lo.
— Ahhh... — Sean foi ao chão de joelhos no que gritos de dor interromperam seus pensamentos, no que as mãos se tocaram.
“Sr. Fernão Gomes está bem?”, ecoou metálico de Lous Teac que levantou Sean pelas mãos que ainda se tocavam.
Sean Queise acordou do torpor no que mais três seguranças se aproximavam. Olhou em volta assustado, percebendo que saíra de si, não soube como, nem para onde.
— O calor... — perguntou Sean ao ser ainda seguro pela mão de Lous Teac. — Algum problema?
— Sabe que são raras as mãos macias que encontro em minha vida, Sr. Fernão Gomes? — e Lous Teac largou a mão de Sean, que sentia todas suas sinapses nervosas alteradas.
Lous Teac então chamou Enrico Fatto, um dos capangas, que começou a apalpar Sean Queise.
— Ele está armado! — disse Fatto.
— Não ando desarmado, Sr. Teac. Tenho comigo cem mil dólares, para efetuar uma parte do pagamento da estocagem das minhas peças no seu armazém. Não podia vir despreparado.
— Terá de deixar aqui na entrada! — mandou Fatto, o capanga.
— Sem problemas! Afinal estou seguro aqui, não estou? — falou um Sean cínico.
Lous Teac sorriu e mostrou-lhe o final do corredor, para que entrasse.
— Não se estresse com Enrico Fatto, ele é um excelente profissional — explicava Lous Teac ao atravessarem estreitos corredores. — O Sr. Fernão Gomes é um tanto jovem.
— Você também.
O homem ficou a observá-lo melhor.
— Disse em seu e-mail que está desconfiado do que mesmo Sr. Fernão Gomes?
— De que meu gerente de vendas esteja me roubando — falou entrando na gelada sala a que foi indicado. — Acho trinta centavos de dólar um preço muito alto para cada chip guardado em seus armazéns.
O homem deu uma larga gargalhada:
— É a recessão mundial, Sr. Fernão Gomes. Impostos, seguros, segurança, energia; contas a pagar — acendeu o cachimbo e um odor forte de chocolate e amêndoas invadiu a sala. —, ou podemos acabar passando
fome.
— “Fome”? — perguntou Sean ao ver o luxo da gelada sala de Lous Teac. — Este quadro é um Gauguin, não é?
E o homem gargalhou outra vez:
— Muito bom Sr. Fernão Gomes, muito bom. Vejo que entende de obras de arte — e fechando o semblante, completou. — O que faz um rico e jovem português perdido em Amsterdã?
— Minha mãe é holandesa. Conheceu meu pai em Portugal enquanto estudava lá. Casaram e depois que completei cinco anos, eles se mudaram para Amsterdã, para viverem com meus avôs.
— Entendo... — girou na cadeira. — Agora vamos aos negócios.
Sean respirou profundamente antes de falar. O odor de chocolate e amêndoas do cachimbo lhe deu náuseas. Antes, olhou cinco computadores por detrás da cadeira de Lous Teac.
— Quando chegarão a Miami minhas peças vindas de Amsterdã?
— Suas peças saem de Amsterdã direto para Taiwan, onde ficarão dois dias. Depois virão para esse armazém onde o carregamento ficara mais três dias, e só depois mandaremos para seu comprador, em Miami.
Isso dará ao todo cinco dias de estadia e quatro carregamentos aéreos, fretados.
— Não compreendo por que minha encomenda não sai de Amsterdã para Miami?
— Sr. Fernão Gomes, que inocência a sua. Quer pagar um preço menor pelo produto?
— Cada vez menor, de preferência.
— Se for direto para Miami, entra como produto europeu e o Euro valorizado como está acarretará taxas enormes. Se sua peças fizerem todo esse percurso, de Taiwan para Miami pagará taxas de impostos médias.
E se sair das Filipinas, que tem em sua taxa, a melhor do mundo, o produto sairá como sendo do arquipélago e, portanto, no final das contas, mais barato do que economizar as viagens de avião — Lous Teac
gargalhou no que Sean impactou. — Não se preocupe, estamos acostumados a trocar todos os nomes das peças por fabricação nossa.
“Não se preocupe” soou por todo ele, que sabia que devia se preocupar com coisas até piores que peças mudando de fabricante.
— Vamos fazer o negócio? — perguntou Lous Teac ao ver a seriedade em que se encontrava Sr. Fernão Gomes.
Sean acordou.
— Prossiga! — proferiu.
— Fatto?! — gritou Lous Teac para fora.
Sean viu numa das telas dos computadores, o capanga Enrico Fatto caminhando pelo corredor, mas só a tela do terceiro computador da esquerda para a direita, mostrava as câmeras instaladas fora do armazém.
Sean se concentrou nessa tela e estudou toda movimentação da câmera, calculando toda a angulação do alcance delas. Porque tudo ali se tornava números; altura, peso, massa, gravidade.
— Traga-me o boleto de preenchimento Fatto. Acabamos de fechar mais um grande negócio.
“Mais um grande negócio?”, pensou Sean ao observar o capanga Enrico Fatto entregar o boleto de preenchimento a Lous Teac.
Sean então voltou sua atenção outra vez para Lous Teac, mas não era ele quem estava sentado na cadeira, escrevendo no boleto de preenchimento; o homem ali escrevendo era mais gordo, parecendo ser mais
velho e com um semblante mais carregado.
— Aqui está! — a voz de Lous Teac soou metálica outra vez.
Sean voltou a si e o viu entregando algo para então se virar e digitar algo no computador.
— Sabia que muitos bits de dados podem não transmitir informações? — Sean viu Lous Teac parar de digitar, e ficar lá, sem tirar o rosto da tela.
— Bits?
— Estruturas de dados, muitas vezes armazenam informações de forma redundante, ou têm seções idênticas, independentemente das informações na estrutura de dados.
— Está querendo dizer o que com isso Sr. Fernão Gomes?
— Por que acha que estou querendo dizer algo Sr. Teac? — e houve um silêncio incomodativo ali entre eles, com Fatto não entendendo o que rolava entre eles. — Por isso prefiro um bom número de telefone,
para confirmar o depósito do seu dinheiro. Tem um número de celular, não Sr. Teac?
— Não damos números a ninguém, Sr. Fernão Gomes.
Sean tentou se mostrar incrédulo.
— Como assim? Estou hospedado no El Nido Resort e ficaria grato se não precisasse me deslocar outra vez — e Sean parou para ver o sinal sonoro que avisava e-mails chegando à tela do computador de Lous
Teac. — Esses aviões daqui não são nada seguros.
— A vida não é nada segura, Sr. Fernão Gomes.
— Verdade! Porque tem o trânsito... Os assaltos... A Internet profunda... — e Sean tentou invadi-lo sem conseguir. Ou a morte de Freda atingiu o já atingido emocional, ou Sean perdia controle sobre seus
dons, num corpo modificado por pílulas de DNA. — Usa SSL segura de 128 bits, suponho.
— Digamos que estamos muito além da segurança comum do Net Banking, Sr. Fernão Gomes.
— Obrigado! — Sean sorriu irritado, porque Lous Teac o irritava profundamente.
— É casado, Sr. Fernão Gomes?
Lous Teac o acordou novamente.
— Não!
— Bom para você — Lous Teac riu.
Enrico Fatto parou ao lado dele e colocou outro bloco de papel à sua frente.
— Aqui está Sr. Fernando Gomes! É só assinar embaixo!
Sean falsificou a assinatura tal qual vira no passaporte.
— E aqui estão os cem mil dólares para o armazenamento — deu-lhe um envelope. — Os outros cem mil dólares, serão depositados na hora do desembarque em Miami, como havíamos combinado.
— Como o combinado! — disse Lous Teac, agora ele, destacando outra folha e entregando a Sean que se levantou e saiu seguido imediatamente pelos dois.
Enrico Fatto vinha pelo largo corredor do depósito, sempre a observá-lo. Sean começava a desgostar de tudo aquilo, de mentir, de ser obrigado a estar ali, porque fora preparado para algo.
Estava rodeado de sensações, de memórias feitas de imagens quando os gritos de Freda atravessaram as paredes da laje do armazém Shiu-Shiu.
— Ahhh... — e as pernas amoleceram outra vez.
Dessa vez foi Enrico Fatto que o segurou pelo braço esquerdo. Sean acordou com a dor que sentira; a cicatriz do tiro no ombro esquerdo ainda doía.
— O Sr. Fernão Gomes está bem? — perguntou Lous Teac de novo.
— Sim... — e Sean olhou-se no espelho preso no teto, com madeixas loiras sobressaindo no cabelo escuro. Passou as mãos pelo rosto apavorado. — Acho que o calor está me fazendo mal.
— Aqui está sua arma e seus documentos — disse Enrico Fatto desconfiando dele.
Sean pegou a arma das mãos dele e Fatto demorou a soltá-la. Ele a guardou e Lous Teac continuou prestando atenção nas atitudes dele. Sean pegou o táxi que o armazém lhe buscara e pediu para ser deixado
no Aeroporto. Estava nervoso com o risco que assumira. Havia sido criado como um Queise, em meio a computadores, e não como um Roldman e toda aquela vida de espionagem.
As ruas pareciam enlameadas, muitos buracos os obrigaram a desviar pelo caminho.
— Choveu? — perguntou Sean ao motorista que se limitou a olhá-lo pelo espelho nada respondendo.
Sean esticou a sobrancelha, não procurando saber por que ficou sem resposta.
O aeroporto não tardou a se formar à sua frente, e no que o carro estacionou, ele pulou fora.
Dirigiu-se para o armário CC77, retirou de dentro a maleta ali deixada e foi para os banheiros públicos escondendo-se dentro de uma das cabines.
Abriu o kit de pílulas, tomou a de cor vermelha, e saiu para se olhar no espelho. Seu cabelo se coloria rapidamente num ruivo avermelhado, intensamente berrante, e sua pele avermelhara mais do que previra.
Sean percebera que sob pressão sua química se alterava, sabendo que já não devia confiar muito naquele disfarce.
Colocou uma barbicha falsa que não ficara tão parecida com seus cabelos e se olhou.
“Droga!”, suas emoções estavam realmente afetando a química do corpo.
Guardou as lentes de contato cor castanho no estojo e trocou por um esverdeado tão intenso que parecia ‘cego’. Inverteu as roupas do avesso; o jeans da calça mostrava uma face escura que ficara até então
escondida, e a camiseta preta de gola alta cobriu quase todo o seu pescoço. No bolso da jaqueta, guardou o binóculo e a pílula marrom de DNA que o fazia voltar a ficar moreno, e voltou a colocar a sacola
no armário.
Sean fez check-in para embarcar, mas não foi deixando uma abertura no horário. Tinha que dar tempo de fazer uma campana nos armazéns e ainda pegar o último voo.
Não podia falhar.
Saiu para pegar um novo táxi, e deu ordens em inglês ao motorista para que o deixasse a dois quarteirões do armazém. A tarde caía e Sean certificou-se de estar sozinho.
O piso de grama úmida dificultava e ele corria pelo lado norte o máximo que podia, se afastando do armazém Shiu-Shiu, e consequentemente da direção e angulação das câmeras estudadas. Havia um morro que
permitia ser um lugar seguro para observar o armazém, e ele se instalou podendo ver de longe um caminhão cegonheira sendo estacionado no pátio.
Deitou-se sob uma árvore tirando as lentes esverdeadas, e colocou o binóculo na cabeça, que estranhamente se adaptou de uma maneira que suas hastes atravessaram sua pele e sumiram, fazendo parte de seu
rosto.
— Ahhh! — Sean assustou-se arrancando o que quer que fosse aquilo, e algo voltou a tomar a forma de um binóculo. — Ele se morfa no rosto? — tocou-se, percebendo que seu rosto havia voltado ao normal e
o binóculo também.
Recolocou o binóculo que outra vez moldou-se ao seu rosto, à sua pele, sumindo, e algo com uma lente de contato tomou conta de sua retina, fazendo-o perceber que se tratava de uma arma. Sean ainda tentava
entender o que era aquela lente quando seus olhos se transformaram numa mira laser que se projetava na vegetação.
Sean engoliu toda aquela informação temendo que se ele olhasse para algum lugar com muita intensidade, a arma dispararia um feixe de laser.
Um som o alertou, porém. Sean se encolheu quando os portões da Shiu-Shiu foram aos poucos sendo abertos. Tocou-se procurando uma maneira de aumentar o grau das lentes, mas nada encontrou já que seu rosto
havia realmente absorvido todo o binóculo.
“Poliu?”, soou em seus pensamentos e a lente sobre sua retina aumentou o grau de visibilidade, Sean percebeu que tudo era comandado pela sua mente, e que talvez aquilo também fosse feito à base de DNA;
e de qual DNA se tratava, ele teve medo de saber.
De onde estava escondido pôde ver dois caminhões cegonheira vazios no fundo do armazém. Viu também que outros três caminhões cegonheira estavam estacionados próximos à porta quando um deles saiu estacionando
no pátio, e as portas do armazém foram outra vez fechadas; cinco caminhões cegonheira no total.
“Achei que Oscar havia dito que eram seis caminhões?”; pensou.
Viu descer da boleia do caminhão, três homens. Juntaram-se a eles mais quinze homens. Os dezoito homens então entraram no armazém quando a porta voltou a se abrir, para então um deles sair minutos depois.
Sean ficou observando a movimentação e viu o homem mexer na lona do caminhão cegonheira, espiando a carga quando um segundo homem apareceu e pegou o homem investigando, o derrubando no chão. Sean melhorou
o foco só desejando que as lentes aumentassem e viu os dois brigando, quando leu os lábios do primeiro homem caído.
“No! No see!”, o primeiro homem tentava argumentar.
— Então nem todos sabem o que estão carregando? — se perguntou.
O segundo homem se virou para entrar no armazém quando o primeiro homem de repente se levantou e o atacou por trás. O segundo homem ficou seriamente ferido e o primeiro homem arrastou-o para trás de uns
arbustos. Depois voltou a boleia e demorou um tempo por lá até sair com alguns papéis nas mãos.
Sean pôde ver que mais três homens saíram do armazém porque a câmera de segurança deve ter denunciado o que acontecia do lado de fora. Os três homens conseguiram render o primeiro homem e arrancaram das
mãos dele os papeis roubados, o levando até a figura de Enrico Fatto que disparou na cabeça dele à queima roupa.
Sean se assustou acabando por derrubar algo ao seu lado. Ficou desesperado tentando achar o que era e as lentes poderosas do binóculo o atrapalharam. Quando dominou as lentes pedindo que diminuíssem seu
alcance, percebeu que homens corriam em sua direção. Aumentou o alcance das lentes e procurou por Enrico Fatto não o encontrando.
“Droga!”, ergueu-se desesperado sentindo, porém que ele se aproximava dele.
Sean saiu em disparada desesperando-se com os controles do binóculo que fez as lentes saírem do foco, sentindo-se cego momentaneamente com o binóculo tomando conta de seu canal óptico, talvez de sua vontade.
Quando a visão normalizou, Sean viu as armas apontadas para o homem ruivo que ele era, viu os projeteis sendo disparados, e viu que tudo parou; as aves já não mais voavam, o ar não circulava, e homens
e balas ficaram inertes, paralisados.
Sean arregalou os olhos azuis sentindo todo o medo que lhe era permitido, e não esperou entender o que era aquilo, virou-se, correu e tudo se desprendeu. Os projeteis passaram pelos lados, beiraram seus
pés, atingiram árvores, soltaram lascas em meio ao som de pássaros e gritos e ordens. Sean olhou para trás armando a mira da arma laser que disparou e atingiu dois homens.
“Droga! Droga! Droga!”; as lentes haviam ido além de sua capacidade de controle.
Sean corria tentando a todo custo ajustar o foco que o deixava tonto, sentindo que Enrico Fatto chegava onde Sean havia feito campana. Podia vê-lo, ouvi-lo, senti-lo ali. Porque via sem mesmo ver, que
Fatto havia achado a pequena bolsa de plástico que trouxera, que dentro havia um par de lentes esverdeadas.
“Droga!” Sean voltou a sair em disparada.
Tiros voavam para todos os lados. Sean caía, levantava, corria sem rumo, fora de foco, com a cor de sua pele mudando com o resto de pílula vermelha na corrente sanguínea, fazendo todo seu corpo descompensar,
com raios laser se projetando para todos os lados, arrancando galhos, incendiando a grama mesmo úmida, atingindo os homens de Fatto; gritos e homens que escapavam das labaredas, da morte.
E Sean corria sem rumo, com imagens se formando confusas, em meio ao cheiro do galpão voltando, com o piso de graxa se estabilizando aos seus pés e ele estancando.
Viu-se sentando numa cadeira, sangrando, com duas mulheres fora de foco ao seu redor.
“Duas mulheres?”, se perguntou quando o terreno se fez ‘sabão’ sob os pés dele.
— Ahhh!!! — Sean escorregou, sendo projetado para baixo, rolando, rolando, rolando, caindo ao lado das portas do armazém quando a fresta da porta mostrou a carga dos caminhões cegonheiras. — Ogivas? Mas
isso... Ahhh!!! — e as luzes dos holofotes se projetaram por todo armazém Shiu-Shiu o cegando.
Sean se tocava desesperado, tentando encontrar um botão, alguma coisa que tirasse o binóculo para fazer seus olhos voltarem ao normal, quando voltou a sentir o cheiro do capanga de Lous Teac agora atrás
dele, fazendo o binóculo subir até sua cabeça.
— Procurando algo? — questionou Enrico Fatto para um homem portando pele vermelha, cabelos avermelhados e grandes olhos azuis arregalados. E Sean gelou não conseguindo responder. — Perguntei ‘procurando
algo’?
— Procurando nada — respondeu Sean numa rasteira invertida, que derrubou a montanha de músculos atrás dele.
O capanga Enrico Fatto nem teve tempo de ver quem, sua altura, seu cheiro porque Sean bateu com o antebraço no queixo dele, fechou as mãos na cabeça dele, e uma mão de dedos endurecidos foram de encontro
com a garganta de Enrico Fatto que sentiu sua respiração ser interrompida.
— Ahhh... — Fatto foi ao chão quase sem ar, com um Sean Queise ruivo saindo em disparada.
Sean ganhou o entorno do armazém com os pés afundando na lama e o binóculo desceu outra vez da sua cabeça tomando conta de todo seu rosto.
“Droga!” se desesperou outra vez em tentar retirá-lo, fazendo feixes de laser se projetar sobre homens que corriam se escondiam.
Porque Sean também corria, escorregava, caía e se erguia, para outra vez cair quando estancou suado, olhando sua pele começar a ficar colorida.
Voltou a correr, e tirou da jaqueta a pílula marrom e a tomou num gole, percebendo que não conseguia salivar o suficiente para a pílula descer e fazer efeito.
“Droga! Droga! Droga!”.
Arrancou da cabeça o binóculo e conseguiu enfiá-lo dentro da jaqueta. Tinha que alcançar o armário CC77 já que as lentes de contato castanhas haviam ficado lá, e ele precisava esconder aquele binóculo
ou seria pego pelos Raios-X do aeroporto portando uma arma; qualquer tipo de arma.
Conseguiu chegar ao aeroporto juntamente com os homens de Lous Teac, que vindo de carro, alcançaram à porta de entrada antes dele.
— Desgraçados! — praguejava Sean ofegante, ainda com a pele se colorindo.
“Procuram um ruivo!” “Procuram um ruivo!” “Procuram um ruivo!”, pensava incessantemente.
Tentou outra porta e ficou a procura de água. Tomou tanta água que quase se engasga. Depois se olhou no espelho, e a pílula enfim fez efeito, amorenando sua pele. Sean deu meia volta e entrou pelos fundos,
se jogando para dentro de um dos elevadores de carga que carregavam as malas para os aviões, passando despercebido. Chegou ao andar de cima das salas VIP onde ainda pôde ver dois dos quatro homens de Enrico
Fatto chegando de carro.
Sean entrou por portas envidraçadas, atravessou um corredor longo e tropeçou na fiação estendida pelo chão rolando para o andar debaixo, caindo aos pés de um dos homens de Enrico Fatto que nem teve tempo
de ver quem era porque foi nocauteado por outra pessoa.
— Luanna? Que faz aqui? — perguntou Sean assustado, ao ver nas mãos dela uma chave de fenda agora manchada de sangue.
— Não temos tempo. O helicóptero que me trouxe aqui, só teve dez minutos de permissão para ficar.
Um Sean amorenado arregalou os olhos e só. Correu juntamente com Luanna, atravessando outra porta que os fez sair do outro lado do aeroporto, onde ambos se jogaram dentro do helicóptero.
— E então? Fico melhor ruivo, moreno ou loiro, Senhorita Hostess? — e partiram sem que Luanna o encarasse, respondesse também. — Droga! — a última exclamação dele se perdeu na noite iluminada.
12
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 42’ 0” E.
23 de janeiro; 08h00min.
Sean dormira tão agitado que sua pele não conseguia fixar a pele jambo que Fernão Gomes tinha que apresentar. De manhã, um funcionário do resort avisou que a hostess Luanna Malapacco o esperava na praia.
Ele atravessou a piscina em direção a areia vestindo bermuda de brim caqui e blusa social branca com as mangas arregaçadas, até encontrar uma mesa colocada para o café da manhã, na beira de águas cristalinas.
Luanna entregou-lhe outro par de lentes de contato castanho e ele a odiou por aquilo.
— Por que pediu para servir o café aqui na praia? Na beira da água? — ele era puro fel.
— Não gosta da bela fotografia, Sr. Fernão Gomes? — apontou para um mar azul.
Céu claro, incrustado em meio a um grande penhasco.
O paraíso na Terra.
— Não estou falando da paisagem. Ficar sozinho com você é agora a minha última opção, ‘Senhorita Agente’ — ele a viu olhá-lo com reservas.
Dois garçons traziam duas bandejas com café completo.
Sean sentou-se pesado na cadeira de madeira e abriu o guardanapo de algodão branco na perna para então encará-la.
“Droga!”
— Vai me dizer o que fazia em Palau? — perguntou Sean no que os garçons se foram.
Uma bela manhã se apresentava.
— O Sr. Oscar Roldman me mandou! — respondeu Luanna.
Sean deu uma grande gargalhada. Depois ficou sério.
— Droga! — bravo mesmo.
— Percebo estar me odiando — questionou a bela moça.
— Salvou minha vida. Por que a odiaria? — e Sean não disse mais nada. Estava agitado a balançar as pernas olhando para cima, para baixo, para os lados. — O que faz aqui, além de vigiar seus hóspedes, Senhorita
Agente Luanna?
— Somente Luanna...
Sean não respondeu àquilo. A última coisa que queria era intimidade com ela. Porque Luanna Malapacco era uma jovem em corpo de mulher bonita e ele não gostou daquilo; temia que ela houvesse sido mandada
fazer mais que vigiá-lo.
— Por que o escarcéu na madrugada que cheguei?
— Ãh! Aquilo? Eu quis conhecê-lo Sr. Queise — brincou perigosa.
— Me chamo Fernão Gomes! — disse furioso e Luanna tentou se recompor. — Quem é você afinal?
— Sou agente da Polícia Mundial. Estou há mais de um ano trabalhando no caso que envolve José Miguel e o tráfico de ópio. Por isso passamos a vigiar Lous Teac quando José Miguel passou a estocar drogas
nos armazéns Shiu-Shiu.
— O conhece?
Luanna deu uma pequena parada antes de falar.
— Sim! Um homem sem escrúpulos.
Sean não soube mais o que perguntar. Teve medo, porém da visão de outro homem assinando papéis na cadeira de Lous Teac.
— Esse José Miguel; como ele era?
— Latino.
Sean também não gostou da resposta rápida. Serviu-se de café e o derrubou para dentro numa velocidade só.
— O que Oscar mandou você fazer?
— O Sr. Oscar Roldman nos avisou que você vinha e mandou que ficássemos de olho em você. Disse que talvez precisasse de uma ajuda extra.
— “Extra”? Ah! Quanta gentileza a dele — falou cinicamente.
— Não devia falar assim. Não teria escapado se eu não o tivesse seguido...
— E poderia ter estragado todo o meu disfarce aparecendo ao meu lado! — cortou-lhe a fala.
— Não tive escolha, Sr. Queise.
— “Escolha”? Então fazia parte do seu ‘showzinho’ me fazer de bobo na piscina ontem perguntando sobre física e coisas que já sabia sobre mim?
— Eu nada sei sobre o Senhor.
— Pare de me chamar de ‘Senhor’, tenho dezoito anos.
— Não! Tem vinte e seis anos!
Sean não gostou da ironia, ela sabia mais que falava.
— Foi investigar o que escrevi no check-in de ‘Fernão Gomes’ não?
— Como uma boa agente faria.
— Droga... E o que sabe sobre ‘Sean Queise’?
— O Sr. Oscar Roldman nos disse que era um jovem empresário disfarçado e só depois fiquei sabendo que era dono da Computer Co..
— Você é um pouco inexperiente para esse trabalho, não?
— Você também — falou observando o corpo dele.
Sean se sentiu incomodado. E bravo também; muito bravo, também. E ele não era um agente da Polícia Mundial.
— Fez algum relatório para Oscar?
— Não da minha parte.
Sean passou a língua em seus próprios lábios sentindo-os secos e Luanna voltou a observá-lo nervoso, incomodado por estar ali disponível às ordens de Oscar Roldman, imaginando o quanto se arriscava.
— O que disse sobre o outro resort?
— O que eu disse?
— Poderia me mostrar onde fica? — Sean entregou-lhe o binóculo salvo da experiência nada agradável.
Luanna não entendeu, mas obedeceu. Pegou o binóculo e o levou aos olhos. Sean percebeu que nada acontecera, que o contato das mãos dela, da pele dela, da proximidade dos olhos nada alterou no binóculo.
— É aquele resort... — a voz de Luanna se fez outra vez apontando para o além-mar.
Sean olhou na direção apontada e pegou o binóculo sem usá-lo, a deixando sem saber por que desistira de olhar. Porque era seu DNA que estava em jogo ali; pílulas que trocavam a cor da pele, binóculo que
se morfava, que absorvia. Naquele momento teve a certeza de que era diferente, especial, paranormal, e que Mr. Trevellis parecia estar gostando daquilo, dele, de seus poderes.
Odiou-se.
— Estaria disponível a me ajudar a achar alguém? Sem relatórios?
A água alcançava os pés de ambos.
— Não posso fazer nada contra a Polícia Mundial.
— Não quero que faça nada de errado, apenas me ajude a circular por essas ilhas com facilidade. Pode dizer ao resort que está me ajudando a curtir a beleza.
— “Curtir a beleza”? — estranhou. — Não posso...
— Não vamos para a cama, Senhorita — Sean cortou a frase dela após enfim conseguir ler algo nela, no corpo dela. — Vamos curtir as Filipinas.
Luanna recuou no contato, ele era frio e mal-educado.
— Se é só isso, Sr. Queise...
— Meu nome é Fernão! — exclamou aquilo mesmo, mal-educado.
— Como queira Sr. Fernão Gomes.
— Ótimo! — mas Sean não perdeu a beleza do corpo da agente da Polícia Mundial de vista. — Melhor assim!
— Quem é o indivíduo?
— Uma mulher!
— Que tipo de mulher está interessando em curtir? — falou com cinismo.
— Com quem pensa que está falando? — voltou a se irritar.
— Desculpe-me! — Luanna sabia que ele a colocara em seu lugar, porque ela não era ninguém, porque ele era filho de poderosos.
Mas aquilo não chegou até ele.
— Ótimo! Melhor assim! Sabe onde posso fazer um retrato falado dela?
— Por que um retrato falado?
— Como quer que lhe diga como ela é? Transmissão de pensamento? Também já ensinam isso na Polícia Mundial?
Luanna não gostou. Não entendeu e não gostou.
— Conheço um cara em El Nido que desenha. Ele me deve alguns favores e terá prazer em me ajudar.
— Ótimo! Então sabe me dizer por que Oscar me deu entradas para o Centro de Recifes?
— Está falando do Palau International Coral Reef Center?
— Como posso saber? — gargalhou nervoso.
Luanna começou a não gostar de como ele a tratava.
— Não sei como pode saber Sr. Queise.
— Sou Fernão Gomes!
Ela ergueu o semblante e Sean começava a não gostar dos esquecimentos dela.
— Talvez alguém fosse lhe encontrar lá, ‘Fernão Gomes’ para lhe dar alguma coisa ‘Fernão Gomes’. Eu não poderia entregar-lhe nada ‘Fernão Gomes’. Como lhe disse, não era para me mostrar a você.
Sean deixou passar aquilo. Sabia que tinha que se controlar que tinha que aprender a conversar com as pessoas, se socializar.
— Também tenho que entrar nos computadores de Lous Teac e hackear pela rede vai ser difícil. Preciso voltar ao armazém Shiu-Shiu.
— Perdemos ontem dois agentes nossos.
— Dois? Só vi um homem ser baleado no armazém Shiu-Shiu — mas lembrou-se de ter ouvido tiros, de ter atirado também.
Nada falou sobre aquilo, nem sobre as pílulas de DNA ou de um binóculo que era comandado com a mente atirando raios laser. Não sabia o quanto ela sabia de sua missão, ou se realmente sabia algo, já que
estranhamente não conseguia ler todos os pensamentos dela.
Ficou imaginando o quanto a Poliu e a Polícia Mundial realmente se protegiam, trocavam informações, e nem o porquê de somente espiões psíquicos da Poliu conseguirem bloquear os dons dele se Mona Foad nunca
o ensinou a bloquear os psi da Poliu. Porque tudo que aprendeu, aprendeu sozinho.
Sean suspirou profundamente se odiando por ter começado aquilo, por ter desenvolvido seus dons paranormais, por permitir que o ódio por Mr. Trevellis o levasse tão longe.
Longe como ali.
Porque sabia que estava ali atrás da Poliu.
— Vai me ajudar? — insistiu.
— Não tenho ordens de deixá-lo se arriscar outra vez.
— Me arriscar? — gargalhou. — Oscar sempre quis que eu me arriscasse ou não tinha me mandado para o outro lado do mapa mudando... — e parou de rir e falar.
— Você também é agente da Polícia Mundial?
— Claro que não! — exclamou Sean nervoso.
Luanna nada comentou, ficou claro que aquilo tudo o irritava; e que ela era irritado e mal-educado.
— Posso tentar algo, se quiser minha ajuda.
— Tentar o que?
— Tentar uma denuncia anônima sobre o armazém Shiu-Shiu na Ilha de Samar. Eles têm uma área de 13.431 km² e dois terços da ilha são regiões montanhosas, o que por si só é um obstáculo. Achamos que ele
guarda drogas lá. Isso vai provocar uma blitz em todos os armazéns Shiu-Shiu. E isso inclui os armazéns de Manila, Mindanao e Palau — Luanna parou para respirar. — Com Lous Teac e seus homens presos por
um tempo, e vai ser só por um tempo, não se iluda, você vai poder se infiltrar aos homens da polícia local e verificar os computadores.
— Se você tinha tudo tão esquematizado por que me deixou ir até lá, ontem?
— Recebo ordens ‘Senhor Fernão Gomes’. Já disse que não sabia aonde ia ontem.
Ele nada mais falou. Tomou o café outra vez aos goles e se foi a deixando lá, o observando, cada detalhe do corpo dele. Voltou à cottage 45, tomou a pílula preta para escurecer mais ainda sua pele e deixou
os olhos ficarem azuis, pois não conseguia usar as lentes de contato por muito tempo. Se alguém no resort ia estranhar um novo hóspede circulando por lá ele não sabia, mas estava começando a achar interessante,
tais mudanças.
Ilha de Palau; República das Filipinas.
7° 28’ 0” N e 134° 33’ 0” E.
23 de janeiro; 10h55min.
Luanna o levou até Palau. Durante o trajeto não trocaram uma única palavra e foram direto para Palau Town. Sean não sabia se ela sabia sobre as ‘cores’ dele, mas achou que ela sabia mais sobre o ‘Senhor
Sean Queise’ do que queria passar.
Alguns comerciantes carregavam nas costas, sua mercadoria. Luanna e Sean giraram pela cidade que não era tão pequena como julgava.
— É estranho só oito ilhas serem habitadas, não acha? — Luanna tentou quebrar o gelo.
Se Sean não estivesse tão bravo com ela e nem tão tenso com tudo, veria que ela se esmerara no vestido branco de bolinhas vermelhas que combinava com a sandália e bolsinha que carregava. Os cabelos negros
e os olhos puxados também haviam recebido cuidados. E nem o perfume cítrico, ela esqueceu-se de usar.
— Do que vivem os palauanos?
— Os native Palaweños, palauanos como chamou, vivem da pesca. Habitado aqui, só mesmo o mar — sorriu-lhe com graça e depois recuou na frieza dele. — São quase 1500 tipos de peixes, arraias de três metros
de largura e conchas de 250 quilos. Acredita que as conchas são tão grandes que chegam a ser usadas como pias de banheiro? — Luanna havia passado mais de duas vezes pela mesma rua, Sean imaginou que era
para despistar alguém, de alguma forma. — Os palauanos têm uma forte tradição matriarcal — prosseguiu ela.
— Como assim?
— ‘Assim como’? — sorriu-lhe. — Aqui são as mulheres que mandam em casa.
— De onde eu venho também tem muita mulher mandona, Senhorita Agente. Isso não é assim tão estranho no mundo. Alias, precisa conhecer minha mãe, meu pai treme na base quando ela ergue o canto da boca —
gargalhou.
— Chegamos! — anunciou a moça.
— Tem certeza que esse Calan é de confiança? — acercou-se segurando o braço dela.
— E quem é de confiança, Sr. Queise? — questionou Luanna ao soltar-se.
Sean ficou a prestar-lhe uma atenção redobrada. Havia algo estranho nela, na cor da sua pele, nos olhos puxados, no fato dela ser tão bela e ele começar a se interessar por aquela beleza.
“Droga!”
— Por favor, pode me chamar o Sr. Calan? — perguntou Luanna a um moleque que tomava conta da lojinha de doces em que acabaram de entrar.
— Quem digo que é?
— Diga que é Luanna Malapacco, a professora de danças — completou.
E logo um nativo saiu de detrás da cortina feita de tiras de plástico colorido. Era grande, com barriga maior que as conchas-pia, e parecia balançar de alegria ao vê-la.
— Luanna docinho!!! — gritou Calan, esticando os braços para o céu como quem quer abraçar o mundo. — Que felicidade vê-la — continuou todo gracioso para cima da bela morena.
Sean arqueou o supercílio, não gostando daquele cara.
— Também estava com saudades — falou ela, ao observar Sean pelo canto dos olhos. — Não apareceu mais desde aquele luau na Praia de Batangas; lembra-se? — batia com a ponta de seus dedos na ponta do nariz
inchado de Sol de Calan.
— Como poderia esquecer? — questionou o homem. — Suas pernas? Seu umbiguinho?
“Suas pernas? Seu umbiguinho?” “Babaca!”, pensou Sean.
— Podemos ser mais rápidos — perguntou Sean se incomodado. —, Senhorita?
— Este é um aluno novo, Sr. Raichy! — Luanna o apresentou.
— Muito prazer! — disse Calan para um homem de pele escura, cabelos crespos, olhos azuis e um belo rosto.
— Sr. Calan pode nos ajudar na caracterização de uma mulher? Meu aluno se apaixonou por uma misteriosa dama que sumiu sem dar nome e endereço.
— Como sabe que ela sumiu Senhorita? — Sean foi direto.
Luanna não olhou para ele.
— Como ela era? — perguntou Calan, apanhando lápis e papel em cima do balcão.
— Alta, ruiva, cheirosa, sensual — e olhando para Luanna, Sean completou. —, e extremamente culta.
Calan olhou um e outro.
— Não está ajudando muito, Sr. Raichy. Poderia ser mais claro? Não sei como posso desenhar uma mulher culta.
Sean riu sob fortes olhares de Luanna, incomodada com a descrição.
— Posso! — e Sean descreveu Virgínia, a mulher ruiva e sensual que invadiu sua festa na cobertura da Computer Co. House’s.
— Aqui está Sr. Raichy — entregou a Sean o retrato falado da mulher.
— Perfeito! — Sean mal acreditava ao ver o papel em suas mãos. —
Luanna tirou o desenho das mãos de Sean.
— Essa mulher é estranha.
— Estranha como?
— Estranha Sr. Raichy! Estranha!
Mas Sean percebera algo. Saíram da lojinha de doces depois de Luanna ter se desmanchado em elogios para o desenhista e ganharam a rua agitada.
— Talvez a tenha visto com outra forma de cabelo, maquiagem? — insistiu.
— Nós mulheres, sempre iguais — dando de ombros. — Quem é ela? — perguntou Luanna, a respirar ofegante.
— Minha esposa! — falou irônico. Luanna arriscou um olhar novamente. — Eu estou brincando. Não sei quem é ela — riu. — Ela invadiu a minha festa protegida pelos homens de Oscar, dizendo-se se chamar Virgínia,
da delegação feminina das Filipinas que foi ao Brasil para a reunião anual para o salvamento das baleias. E eu nem sabia que o Brasil tinha baleias para salvar — Sean se divertia.
— E não foi para isso, que ela foi? — perguntou séria demais.
Sean recuou na diversão.
— Eu não sei, já disse — ficou tão sério quanto ela. — Minha secretária Renata Antunes averiguou e não havia nenhuma delegação feminina das Filipinas.
— Mas mesmo assim você supõe que essa Virgínia esteja aqui nas Filipinas.
— Muita coincidência eu ter vindo parar nesta ilha, não acha?
— Não sei o que achar Sr. Queise. Não acredito em coincidências.
Sean também não acreditava, mas também nada ia falar sobre sua mente o guiando por ‘intuição bergsoniana’.
— Sabe quem eu sou não sabe? — arriscou.
— Talvez um pouco mais do que tenha dito — Luanna sorriu maliciosa. — O Sr. Oscar Roldman disse-me que você se chamava Sean Queise, tinha dezoito anos, que era dono da indústria de computadores Computer
Co., e que fornecia mainframes a muita gente grande; Polícia Mundial, Polícia Intercontinental Unida — debochou.
— Conseguiu resumir minha pouca vida?
— Não parece tão pouca assim. Talvez por isso lhe chamem de ‘Senhor’ aos dezoito anos.
— Meus funcionários me chamam de Senhor, Senhorita. Questão de hierarquia — Sean evitou falar da Poliu e de um ‘Sr. Queise’ como eles o chamavam para irritá-lo, para mostrar que ele na verdade era pouco.
— Não estou brigando ‘Senhor’ Queise. O Sr. Oscar Roldman só nos disse que você era especial.
— Especial quanto?
Luanna o encarou e voltou a caminhar. Sean ficou paralisado pela atitude e pelo silêncio. Não entendia como não conseguir ler-lhes os pensamentos. Achou que só agentes da Poliu estivessem preparados para
bloqueá-lo.
“Ou não?”
Entraram no carro e partiram com Luanna dirigindo em silêncio e Sean a ficar olhando o desenho de Calan.
— Acredita em reencarnação Senhorita? Acredita que o homem tenha alcançado o dom de Deus de fazer o que essas pílulas fazem?
— Não entendi...
— Acredita que já fomos pretos, brancos, vermelhos e amarelos? Que já fomos mulher, homens, animais e vegetais como Pitágoras dizia em sua metempsicose? Que trocamos de identidade sempre que reencarnamos?
Que voltamos ao planeta de origem e carregamos informações passadas? Que são elas que nos avisam do perigo?
Luanna parou o carro e o encarou.
— Por que está falando tudo isso?
— O que Platão chamava de ‘visão das ideias’, nóesis, intuição era o método filosófico do francês Henri Bergson, que enxergava nela um aviso, algo paranormal que nos permitia saber de coisas antes que
acontecesse. E apesar de Bergson ter vivido o boom do espiritismo de Allan Kardec, na mesma época que usou o método racional-intuitivo na investigação do fenômeno mediúnico, ele foi além dizendo que tínhamos
um órgão que nos avisava do perigo, e que não era um órgão do corpo, mas um órgão do espírito, do perispírito; um sexto sentido que nos avisava sobre aquilo que escolhemos sentir, ações pré-estabelecidas.
Sean até não podia prever, mas aquilo apavorou Luanna de alguma forma.
— Sexto sentindo?— suspirou. — Acredita que podemos saber com antecedência sobre o que nos vai acontecer, só por que acredita que estamos aqui nessa Terra com ações pré-estabelecidas?
— Porque passamos o que passamos porque temos que passar. Que só nos resta o livre-arbítrio ou a falta de escolhas.
— E que escolhas não gostaria de ter feito Sr. Queise?
— Estar aqui!
Sean derrubou todos os sentimentos que reunia sobre ele naqueles três dias, talvez sentimentos confusos, nutridos ao longo de outros dias.
— Já está na hora do almoço... — Luanna tentava retomar a ação perdida, porque estava acontecendo algo com ela, podia pressentir. — Tenho que fazer um relatório para a equipe que fica em Cotabato, cidade
vizinha a Davao, capital de Mindanao... — o olhou a olhando profundamente. — Esteja nos arredores do armazém Shiu-Shiu aqui de Palau por volta de quatro da tarde. Chegue e faça o que deve ser feito! —
Luanna olhou para ele. — E tome cuidado para não perder o último voo para o El Nido Resort.
Sean nada comentou.
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 42’ 0” E.
23 de janeiro; 20h00min
‘Lagen! Stone stove!’; no idioma Cuyunin local queria dizer fogão de pedra, porque a Ilha de Lagen era amoldada como um fogão primitivo com funis.
E o El Nido Lagen Island Resort ficava fixo em uma floresta luxuriante cobrindo mais de quatro hectares. Com cottages construídas sob a água em ambos os lados de sua angra, e com cottages construídas na
entrada de uma floresta, nas franjas de uma floresta tropical, o resort o encantara.
Logo que chegara de Palau, Sean Queise trajava, por assim dizer, uma pele mais para um Sr. Fernão Gomes jambo, queimado de Sol, do que para o negro Sr. Raichy de antes. Tomou um banho e aproveitou para
trabalhar no notebook, havia criptografado todas as informações que roubara dos cinco computadores dos armazéns Shiu-Shiu de propriedade de Lous Teac após a prisão falsa dele. Enviou as informações levantadas
para a conta que Oscar Roldman possuía na Deep Web, longe dos computadores da Polícia Mundial, para não deixar rastros dele ou da Computer Co., nada que pudesse ligá-lo a qualquer atividade dos agentes
de Oscar Roldman.
E apesar de não ter achado provas de contrabandos de armas nem nada que o ligasse às ogivas, descobrira algo realmente muito interessante nos computadores de Lous Teac; nomes de funcionários da filial
brasileira da Computer Co. em uma lista de pagamentos mensais. Ficara impactado com aquela descoberta, havia gente de Lous Teac infiltrado na Computer Co., com cópias das anotações sobre a entrada e saída
de peças da empresa, que os cientistas da Computer Co. desenvolviam para a Polícia Mundial; a construção de uma máquina experimental que produzia pequenas ondas eletromagnéticas em feixes.
Sean sabia sobre essa máquina, sabia que seu pai Fernando Queise estava desenvolvendo algo para ser adaptado ao satélite de observação Spartacus, a fim de estudar explosões solares e neutrinos, o que vinha
acarretando inúmeras interferências nos satélites e GPS da Polícia Mundial, e que havia lido e-mails da NASA sobre explosões solares lidos durante a Feira de Informática de São Paulo. Mas se era essa,
a tal máquina que a Poliu dizia que ele roubara, então como ele podia ter roubado algo que era dele, da Computer Co., Sean não sabia.
“Era isso que Oscar queria que eu soubesse?”, se perguntava ao se levantar da cadeira, deixando o restaurante do Lagen Club House para dormir.
Porque odiava saber que havia um constante envolvimento da tríade Computer Co./Polícia Mundial/Poliu, porque sabia que a Poliu era a ‘polícia secreta’ que todos falavam nas Listas de Ufologia.
— Já jantou? — questionou Luanna tirando Sean de seus pensamentos quando ele já estava sobre a ponte que o levava a sua water cottage.
Ele olhou em volta e viu que ela fora sorrateira.
— Sim, já jantei!
A noite estava ventosa, e as ondas do mar mais agitadas de quando chegara, começavam a bater com força nas cottages.
— Conseguiu o que queria? — perguntava ela olhando os presentes na sacola que ele carregava.
— Enviei a Oscar tudo o que encontrei. Não tive tempo de ler — mentiu.
— Compreendo! Amanhã voltamos a Palau. Vamos tentar encontrar a sua amiga.
— Como quiser — Sean ergueu as sobrancelhas e enfiou o cartão magnético para abrir a porta da sua cottage.
— Conseguiu mais alguma coisa?
E Sean não falou sobre sua visita ao Centro de recifes.
— Mais alguma coisa tipo...
— É só um aviso! — ela viu Sean encará-la e apontou para o braço dele. — O gerente disse-me que não reconheceu o hóspede da cottage 45 quando chegou porque era mais ‘escuro’, e disse a pouco que não havia
percebido que você era tão ‘claro’.
— Pronto?
Luanna se recompôs. Virou-se furiosa com ele e foi embora sem mais nada dizer. Ele entrou na cottage 45 e se olhou no espelho. A química da sua pele realmente estava sendo afetada pelo stress.
Sean tirou a camisa e o copo de água em cima da sua mesa de cabeceira caiu. Ele ficou imaginando se havia esbarrado nele, mas o chão voltou a balançar rápido.
A única certeza que tinha é que não fora ele.
13
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 42’ 0” E.
24 de janeiro; 09h15min.
Sean acordou não muito cedo indo direto para o píer, mas não encontrou Luanna. Alguns funcionários cantavam para três turistas que pelo montante de malas no barco, iam embora. Ele ficou lá um tempo, olhando
para o outro lado da Ilha de Lagen, mais exatamente para Ilha de Miniloc a poucos quilômetros dali. Tanto Lagen como Miniloc pertenciam a Ilha de El Nido.
Suspirou e voltou à recepção do hotel inquirindo sobre Luanna Malapacco. Foi avisado que a hostess estava num casamento na floresta. Um garoto o conduziu até a capela arrumada para um casamento romântico.
Sean viu uma densa floresta à direita.
— Tá cheio de morcego lá — falou o garoto sem que ele perguntasse.
Sean esperou a cerimônia terminar e Luanna o viu.
— Desculpe, tive que ser testemunha. Não posso estragar meu disfarce — saiu para o píer sem se quer dar bom dia.
Sean também não o fez.
— Por que os funcionários cantam no píer?
— Deve ser o Lagen Bye-Bye, uma espécie de despedida para os hóspedes.
— Ah! — foi só o que exclamou.
O barco os levou em alto mar, para bem longe das vistas do resort. Lá, um avião anfíbio da Polícia Mundial os esperava para levar até Palau. Luanna nada falava, e seu silêncio o incomodava.
Sean foi deixado no porto para onde o avião foi rebocado depois de aterrissar. Ela contou-lhe que outro serviço apareceu e que se encontraria com ele durante o almoço para acharem ‘Virgínia’. Luanna fez
um pequeno rascunho de onde se encontrariam e ele pegou o papel das mãos dela, partindo sem se despedir.
Ilha de El Nido, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 41’ 0” E.
24 de janeiro; 10h35min.
Sean seguiu o roteiro escrito por ela no papel com o timbre do hotel; a indicação de uma agência de viagens para alugar carros.
Alugou um compacto, mas rápido; uma BMW z8.
— Vai querer ir a algum lugar especial? — questionou a agente de turismo.
Sean ponderou o quanto teria ainda que esperar por Luanna.
— O que tem a propor?
— Belau National Museum se gosta de jacarés ou Rock Island se pretende fazer mergulho. Também tem uma viagem de barco para Rock Island saindo daqui à uma hora.
Sean comprou o passeio da rocha e viajou uma estrada como se já a conhecesse, voltando a indagar-se como poderíamos lembrar-se do que não conhecíamos, sem as experiências do conhecimento. Ficou pensando
se no fundo não tinha um pensar cético de um humeniano, um pensamento humeniano do hábito de sempre esperar o mesmo resultado, da necessidade do efeito possuir a mesma causa, da causa existir só advinda
de uma experiência.
Placas de cuidado espalhavam-se ao redor da estrada. Apesar dos estragos que o terremoto fez nas entranhas da Ilha de Palau, a cidade tinha na sua beleza natural algo grotesco, algo fora do comum. O mar,
sua cor, seu brilho, seu perfume. Se o paraíso existisse então estava realmente escondido ali no Arquipélago das Filipinas.
Sean chegou numa praia indicada no mapa da agência de turismo. A embarcação para qual comprara o tour ainda não estava cheia, e ele aproveitou para tomar algo gelado.
Estacionou, entrou numa choupana transformada em restaurante e pediu um refrigerante enquanto se acomodava numa mesa perto da janela, que tinha seus fundos voltados para uma prainha de águas límpidas,
que quebravam nos rochedos verdes de algas.
— Não... — e Sean não podia mesmo acreditar, quando viu a bela mulher ruiva que o atormentara durante dias vagando calmamente pela praia.
Saiu correndo derrubando a cadeira que sentava, arrancando os sapatos na corrida, sentindo a areia fina aos seus pés levantarem feito um tufão, quase caindo em cima da moça que passeava a beira do mar.
— Ahhh... — ela parecia mesmo ter se assustado com aquele encontro. — Você?
— O quê? Reconheceu-me mesmo moreno?
— Não sei do que está falando... — e se virou para continuar a caminhar.
— Não sabe não é? — mas Sean agarrou-a pelo braço branco quando ela tentou escapar, avermelhando-o no contato. — Mas disse ‘você’ para um estranho de cabelos negros, pele cor de jambo, não? — e ele a agarrou
outra vez quando ela tentou escapar da mão dele. — Não vai fugir outra vez!!! — gritou Sean.
— Está me machucando...
— Vou fazer algo pior que isso!
— Não... não... Está realmente me machucando Senhor...
— Queise, Sean Queise. Mas você se lembra, não é Virgínia? — Sean aliviou um pouco a pressão que fazia nos braços dela. — Sou aquele qual festa estava em busca de prazer — e Sean voltou a agarrá-la. —,
colocando meus dedos dentro de você.
Virgínia entrou em desespero. Os lábios desejados, o calor do corpo moreno dele e olhos que os vigiavam.
— Precisa me soltar!
— Não vai a lugar algum!
— Você enlouqueceu!
— O louco aqui sou eu?
— Vai matar a nós dois!
— Já estou morto de prazer, Senhorita — se insinuava. —, de um prazer de outras épocas, de outras paragens — Sean sabia, podia saber que era amor de outras paragens, de outras vidas, o que sentiu naquela
noite, na cobertura.
— Não sabe do que está falando...
— Ajude-me, a saber... — e ele a beijou. —, faça-me entender o que trago do mundo das ideias...
Virgínia acordou tonta, sentindo o agito que se fazia dentro dela, em toda a sua volta.
— Oh Sean... — e por isso Virgínia falhara naquela noite, por paixão, por ter se apaixonado no pior momento de sua carreira. — O que foi que eu fiz? — logo ela, uma profissional gabaritada, com o corpo
dele, com os dedos dele ainda vibrando dentro dela.
— O que você fez?
— Fiz?
— O que fez comigo Virgínia?
E Virgínia o beijou. Entregava-se às mãos dele que enlaçaram sua cintura, que desciam desordenadamente por seu corpo, que a tocavam de maneiras nada pudicas, ali, na praia vigiada.
— Por favor, Sean... — falou ofegante tentando se livrar das mãos dele. — Não entende? — e Virgínia arregalou os dois olhos verdes, que brilharam para ele, para um Sean moreno, quase entorpecido. — Vamos
morrer…
“Vamos morrer Sr. Queise?!”, os gritos de Freda o atravessaram e Sean largou Virgínia.
— Você não quer entender, não é Sean?
— Não… Não quero entender Virgínia… — olhou para os olhos verdes dela. —, porque pensei que gostasse de locais públicos, festas da qual não foi convidada... — e Sean parou confuso entendendo o porquê parava
confuso; porque não se lembrava da cor dos olhos dela, de serem verdes. E não que aquilo fosse importante naquele instante, mas era, e ele sabia que seria importante mais a frente. Porque havia algo ali,
no calor da boca dela, naqueles olhos verdes que não conseguir se lembrar, e que brilhavam para ele, que respondiam quase tudo. — Quem é você Virgínia... — soou excitado.
E Virgínia voltou a sentir o frenesi dentro do seu corpo, sentindo a mesma excitação por ele, de tempos atrás.
Da sensação do corpo dele roçando no dela, nos lençóis macios, nos corpos úmidos após o banho de espuma. Sean parou em choque lendo tudo aquilo nos pensamentos dela, sabendo que nunca fizera aquilo, que
não a conhecia, que nunca fizeram amor numa banheira de espuma.
Virgínia percebeu o que deixou escapar e se virou em pânico, fugindo, levantando a areia que ainda mantinha os pés dele afundando.
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 42’ 0” E.
24 de janeiro; 20h15min.
Anoiteceu e Sean Queise já havia desistido de esperar Luanna Malapacco; não podia perder o último voo. Achou mesmo que a bela agente da Polícia Mundial o havia esquecido lá. Também estava confuso com o
encontro com Virgínia, com uma Virgínia que lhe parecia mais conhecida do que ele conseguia se lembrar.
Partiu para a Ilha de Lagen chegando ao resort com a noite caída. Assustou-se ao ver duas lanchas policiais no píer do hotel. Certos buchichos de hóspedes quando ele passou também o deixaram mais apreensivo
ainda.
Sean se concentrou, tentou-lhes ler a mente, mas algo, alguma coisa o impediu. Sua cabeça girou e ele quase tombou sentindo uma pressão na boca do estômago.
Havia algo errado, podia pressentir.
— O Senhor está se sentindo bem? — perguntou o funcionário da recepção ao homem de pele jambo e olhos castanhos.
— Estou... Obrigado! — sem mais nada a dizer se dirigiu para a sua cottage quando foi puxado por Luanna, na primeira curva que fez na direção das cottages. — Ahhh... Está me machucando.
— Precisamos conversar! — disse a moça o arrastando para floresta adentro longe da sua cottage 45.
Sean viu morcegos ao longo da jornada, sentindo que a dor no ombro voltava.
— O que está acontecendo aqui? Por que as lanchas policiais no píer?
Luanna largou o braço de Sean.
— Não se conteve em simplesmente dizer “Oi!”, “Quanto tempo?!” — gritou. — Precisava ter dado aquele escândalo pornográfico em plena praia?!
Sean a agarrou pelo colarinho da blusa que usava a erguendo em pleno ar.
— Você me viu na praia?
— Não! — Luanna proferiu, entre os dentes cerrados. — A polícia de Palau contou que uma dúzia de turistas e mais meia cidade o viu se arrastando nas areias com uma mulher seminua.
— Fiz o que sua louca? — e Sean gelou. — Por que a polícia de Palau lhe diria isso? — perguntou.
— Porque ela está morta, Sr. Queise!
Seus olhos perderam o rumo, fizeram tudo se embaçar à frente dele; Sean caiu sentado na relva úmida.
— Co... Como? — perguntou baixinho, quase sem voz.
— Afogada na banheira da sua cottage 45! — apontou.
Sean olhou um lado, outro.
— Isso é ridículo!!! — gritou, voltando a si.
— Não adianta ficar exaltado! — Luanna levantava a voz. — Ninguém aqui vai defendê-lo. Ela era a mulher de Lous Teac.
— Lous... Ahhh... — agora sim Sean sentiu um frio lhe percorrer a espinha. Demorou a que o sangue fluísse novamente no compasso, arregalando os olhos para cima e encarando Luanna. — Ela esteve aqui? Na
minha cottage? — algo passou por seus pensamentos. — Então você a conhecia, não é? — se exaltava. — Me fez de idiota outra vez não é?!
— Não se altere Sr. Queise!
— Não o que?
— Não lhe dou esse direito!
— E que direito me dá desgraçada?!
— Hei?! Eu não tinha certeza de quem era ela! Está bem? Não até agora!
— Como assim ‘até agora’? Você sabia sobre Virgínia e não me contou? — arregalou os olhos. — Desgraçado! Oscar lhe contou, não foi?! — explodiu.
— Não se altere…
— Me alterar?! — gritou alterado. — Oscar sabia que Virgínia havia ido a São Paulo? Que ela fora mandada por Lous Teac para... — e parou de falar.
E parou porque era filho de Oscar Roldman.
“Droga!” tudo explodiu dentro dele.
Sean abaixou a cabeça sentindo-se derrotado.
— Foi Lous Teac quem mandou Virgínia ao Brasil? Que a mandou naquela feira atrás do código?
— Que código?
E Sean parou de falar sentindo-se tonto.
— Oscar sabia…
— O Sr. Oscar Roldman não sabia de nada. Eu mandei meus homens investigarem o retrato de Calan, e começamos a achar que ela era mulher de Lous Teac.
— “Começamos”? Seus homens? Agentes da Polícia Mundial investigando minha vida?
— Não investiguei você! Já disse! Foi você quem me colocou nisso! Na sua investigaçãozinha…
— Não fale assim comigo?!
— Descontrolar-se não o levará a nada Sr. Queise! Sei pouco sobre você! E sei o que me deixaram saber! Estamos aqui investigando José Miguel, que desapareceu!
— Não... Não... Não pode ser... Lous Teac sabia quem eu era ontem.
— Sabia? Os agentes do Sr. Oscar Roldman acham que Lous Teac não sabia ou você estaria morto uma hora dessas.
— Mas se ele não me reconheceu com uma simples troca de cor de pele, foi porque nunca me viu pessoalmente... — divagava. — Mas Virgínia me reconheceu.
— Ela lhe reconheceu? — Luanna estranhou.
Sean olhava o chão e de repente se pôs a chorar.
— Deus... Eu a matei…
— A matou?
— Ela dizia que ia morrer e eu torci que isso acontecesse — dizia visivelmente abalado. — Agora ela está morta… — apontou as cottages em choque. — Por minha causa...
— Sentimento de culpa agora, Sr. Queise? — perguntou sarcasticamente.
— Ahhh!!! — Sean se ergueu e se jogou em cima de Luanna a derrubando ao chão.
— Ficou louco?! — gritou Luanna.
— Louco?! Louco?! — gritava Sean mais alto ainda, chorando compulsivamente.— Sandy... Freda...
— Quem?
— Não me olhe assim!!! — berrava ele, descontrolado. — Não vê como dói ver pessoas morrendo por sua causa?!
Luanna teve vontade de beijá-lo; conteve-se depois achando que enlouquecia, que ele a enlouquecia.
Sean nem percebeu o sentimento crescendo dentro da agente Luanna Malapacco. Jogou-a ao chão outra vez sentindo uma vontade incontrolável de descontar nela, em alguém, mas Luanna o agarrou em pleno voo,
o beijando dessa vez com toda força. Sean se entregou a um beijo longo e dolorido; o coração dele tinha um buraco grande demais.
— Venha... — ela ofereceu-lhe uma mão e Sean levantou-se sem saber ao certo o que fazia, para onde era levado. — Venha... — ambos entraram na cottage dela e ela o sentou à beira de sua cama.
Sean só a olhou lhe tirar a camisa suja de areia, de várias, sem que o silêncio fosse rompido. Nem quando seus lábios se aproximaram nem quando ela se propôs a mais tirando a calça que ele usava. Ele voltou
a olhá-la, agora se sentindo mal por estar sendo despido pela agente Luanna, que ficou de lingerie, com ele a olhando.
Luanna o tocou com uma mão quente, delicada e Sean não compreendia o porquê do prazer espontâneo, imediato dela por ele.
— O que... — ficou no vácuo.
Porque Luanna não estava a fim de explicar nada. Despiu-se para um Sean agora alertado, levantando-se num rompante.
— Não Sean... Fique comigo... — sussurrou carinhosa. — Eles o procurarão essa noite…
— Não posso... — mas foi beijado novamente, com Luanna o acariciando como quem trilha uma estrada desconhecida. Excitação era o que ela sentia; todo seu corpo feminino, pequeno, delicado. — Ah... — Sean
foi outra vez tocado. — Luanna? — e Sean foi outra vez beijado. — Luanna? — afastou os lábios que penderam no ar. — Não! — exclamou ele com força ao sumir na noite confusa.
14
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 42’ 0” E.
25 de janeiro; 08h08min.
Luanna Malapacco acordou não encontrando Sean Queise na cottage 45, em nenhuma outra. Sabia, porém que ele não podia ter deixado o resort com a polícia de Palau no cais.
Olhou em volta e o notebook dele ainda estava lá. A cama estava desfeita e Luanna cheirou os lençóis sentindo o perfume dele.
— Alô! Recepção por favor! Sim! Ligue-me com a cottage 32! Sim, obrigada! Alô? Carlos? Encontre-me na minha cottage! Leve os rapazes!
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
25 de janeiro; 21h08min.
— Não o encontramos! — disse Regis Alcovam, um dos agentes da Polícia Mundial, com a noite caída.
— Fomos de barco por toda a extensão da ilha. Subimos o penhasco e nada — foi a vez de Carlos Pacheco, o segundo agente.
— Quanto à polícia de Palau já está tudo sob controle, chefe — emendou Nico Calafari o terceiro agente.
— Por que a cottage 45 fechou a conta? As roupas dele onde estão? — perguntou Mercês Smith, o quarto agente.
— Estão comigo! — foi só o que Luanna disse. — Mandei Nico limpar tudo. Vamos ter que avisar ao Sr. Oscar Roldman que perdemos o controle da situação.
— Eu não deixei uma única digital dele, em nenhum canto do resort, chefe. Fique sossegada — respondeu Nico.
— Algo sobre o laudo preliminar?
— A tal Virgínia foi realmente afogada, mas não como queriam incriminá-lo. Se não fosse a intervenção e a força da Polícia Mundial para com todas as polícias do mundo, o Sr. Queise ou Fernão Gomes, já
estaria mofando na cadeia. O líquido encontrado nos pulmões da Virginia era de água salgada, mas com uma parcela muito grande de lama. Não poderia ter sido da banheira da cottage 45.
— Ela apanhou um bocado, chefinha — Nico estava em choque. — Foi só o que restou da arcada dentária dela que deu a primeira identificação.
— Tentaremos instruir a polícia a levar a investigação para esse ponto sem envolver o Sr. Oscar Roldman ou o ‘Sr. Fernão Gomes’ correrá mais perigo de vida, ainda — completou Carlos.
— E vocês sabem se o Sr. Queise realmente não a matou? — perguntou Regis jogado no sofá da cottage 32 de Luanna, de uma maneira que o identificou como ex-agente da Poliu. — Do jeito explosivo como ele
é.
— Não se atreva mais!!! — gritou Luanna jogando a garrafa que tinha nas mãos em cima da mesa em que se encontrava Regis.
Nico, Carlos e Mercês levaram um susto pelo descontrole dela.
— O defende com unhas e dentes?! — perguntou Regis se descontrolando também.
— Já falei para não opinar em meus casos!!! — continuava Luanna a gritar com Regis.
— Agora ele é seu caso? Achei que só a Poliu o tinha como ‘um caso’.
— Cale-se!!! Você não acha nada!
— Regis está morto de ciúme! — incitava Carlos.
Regis avançou sobre Carlos, quando Luanna interviu.
— Chega Regis! Você anda estressado! — ela passou as mãos pelos seus negros cabelos em desalinho. — A partir de agora está desligado da investigação.
— O quê?! Você não pode... — começou ele.
Mas Luanna cortou a sua fala.
— Posso! Eu sou a chefe aqui e posso fazer o que eu quiser, entendeu? — desafiava-o. — E apesar da pouca idade, essa é minha equipe e não sua!
O ex-agente da Poliu e atual agente da Polícia Mundial Regis Alcovam saiu batendo a porta.
Todos ficaram em silêncio até Carlos quebrá-lo.
— Desculpe-me chefinha. Vou esperar o Sr. Queise no cais caso apareça — falou Carlos.
— Vou com Carlos! — falou Nico.
— E eu vou verificar mais uma vez as trilhas que levam aos penhascos — falou Mercês.
— Você fica Mercês! — falou uma Luanna abalada. E Mercês esperou Carlos e Nico saírem. — Procure aquela pessoa que conhecemos. Insista que sabemos sobre o satélite Spartacus que Sean Queise criou para
a Polícia Mundial. Ela vai ter que concordar em acionar o GPS do satélite de observação. Diga para localizar Sean por essas ilhas. Não encontramos nenhuma movimentação de barco no resort, mas ele não teria
ido muito longe nadando. Dê as coordenadas da Ilha de Miniloc e exija uma trilateração como só Spartacus sabe fazer no corpo dele — sorriu cínica.
— Mais alguma coisa, chefe? — Mercês anotou tudo.
— Não! Mais nada! Vamos ver se os computadores da Computer Co. são ou não a favor dele próprio — Luanna sorriu satisfeita.
Ilha de Miniloc, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 41’ 0” E.
25 de janeiro; 22h43min.
Spartacus foi acionado, reavaliado, redirecionado para a Micronésia. Coordenadas das mais de 70 pequenas ilhas ao redor e ele foi posicionado.
O download foi completado e fotos foram feitas de um corpo jogado nas areias da Ilha de Miniloc dentro do santuário marinho de El Nido. Nico e Carlos pegaram um bote com motor e se dirigiram para lá. Atravessaram
a entrada do Big Lagoon na Miniloc Island e a praia estava deserta, iluminada somente pelos raios da Lua. Nico se jogou na água logo que o bote se aproximou e acendeu uma tocha, correndo pela areia não
vendo corpo algum. Somente um rastro na areia denunciando que alguém se arrastara. Nico seguiu a trilha que levava até umas pedras limosas e alcançou o corpo de Sean virado para a areia.
— Ele está vivo?! — gritou Carlos do bote.
Sean acordou após ser chacoalhado. Vomitou o que tinha e o que não tinha no estômago.
— O Senhor está bem Sr. Queise? — perguntou Nico vendo ele grudado a uma gosma que mais parecia uma geleia.
— Os corais... — Sean não o reconheceu. — Acho que me feri nos corais...
Nico esperou ele conseguir respirar.
— Sente dor? Está sangrando? — procurou em torno dele.
— Acho que fiquei tonto durante a apneia... Perdi a noção do espaço...
— Venha! Deixe-me ajudá-lo. Sou Nico Calafari, Sr. Queise. E aquele é Carlos Pacheco — falou apontando para o mar. — Somos agentes da Polícia Mundial — e olhou Sean girando os olhos. — Sr. Queise? Consegue
me entender?
— Acho que sim... — Sean foi ajudado a levantar e ser levado ao bote. Sentou-se sentindo seu estômago embrulhado pelo excesso de água salgada que ingeriu; tinha sede, frio e os dois homens o observavam
com Sean sabendo o que eles pensavam algo. — Prossiga! — foi só o que falou.
— Saiu o laudo da tal mulher, Sr. Queise. Quer primeiro a boa ou a má notícia?
Os três se olharam.
El Nido Resort, Palau; República das Filipinas.
11° 20’ 0” N e 119° 42’ 0” E.
25 de janeiro; 23h58min.
— Sean? — levantou Luanna rapidamente a correr em sua direção. Depois lembrou que Mercês, Nico e Carlos estavam ali e recuou. — Sr. Queise? Como você está?
— Um pouco melhor depois do medicamento — Sean percebeu como ela se controlou rapidamente.
— Luanna viu que ele tomara banho, que estava trocado.
Sean deu alguns passos e parou na frente do homem sentado próximo à porta do banheiro.
— Como vai Mercês? E o neném? Já nasceu?
— Nasceu sim, Sr. Queise. Obrigado por se lembrar.
Luanna estava atordoada.
— Se conheciam?
— Já trabalhei com Mercês numa outra investigação.
— Mercês nunca me disse nada — Luanna fuzilou-o.
Ele ficou sem ação.
— A chefinha nunca me perguntou.
— Sua obrigação era me contar.
— Foi... — e Sean cortou a discussão. — Foi algo particular...
Mas Luanna não parecia que ia se convencer, não nervosa como estava.
— Sua obrigação era…
— Mercês investigou minha noiva Sandy Monroe quando a Poliu insistiu que ela roubava projetos de Spartacus — Sean foi direto como até então nunca havia sido.
E Luanna olhou para Sean de uma maneira que ele não gostou de ser olhado.
— “Noiva?” Ah! Essa então é a Sandy de quem falou?
Sean sabia que dar-lhe explicações de sua vida particular não era momento apropriado, escorregou o olhar sentindo-se mal por terem ficado tão íntimos.
— Eu soube que minha conta foi encerrada no resort.
— Eu achei melhor lhe tirar da lista de hóspedes. Estamos desviando a atenção da polícia.
— Obrigado. Eu realmente fiquei na duvida se você era quem disse que era, até ver o agente Mercês aqui.
— Desconfiava de mim? — questionou Luanna chocada.
— Temos outra má notícia Sr. Queise — Nico tirou Sean e Luanna do lugar comum. — A mulher morta na sua cottage era uma das nossas.
— O quê? — falaram ao mesmo tempo, Luanna, Carlos e Mercês.
— ‘Virgínia’ era um codinome. Ela era agente secreta da polícia da Ilha de Guam, na Guiné Francesa.
— “Guam”?! — gritou Luanna completamente confusa.
— A Polícia Mundial também estava investigando Lous Teac lá, Srta. Luanna? — Sean sentiu-se mais confuso ainda.
— Não sei Sean... Sr. Queise. Eu não sabia que Lous Teac agia em Guam! — foi ríspida.
— Então era José Miguel quem a polícia da Ilha de Guam investigava chefinha? — perguntou Carlos.
Todos dirigiram seus olhares para ela, mas não foi Luanna quem respondeu.
— José Miguel esteve preso seis meses por porte de armas na Ilha de Guam, que está sob o domínio dos USA, mas foi liberado não sabemos como — relatou Mercês. — Depois disso ele havia desaparecido da face
da Terra até aparecer em Taiwan há alguns meses atrás.
— “Taiwan”? — Sean fez uma careta.
— Não entendi por que uma agente da Ilha de Guam se envolveria com Lous Teac — disse Luanna.
— O galpão... — divagava Sean tentando juntar as peças do quebra-cabeça.
— Galpão? — Luanna não disfarçava sua curiosidade sobre ele.
Mas foi a vez dele nada responder.
— Sr. Queise? — falou o agente Carlos. — Seu notebook recebeu duas mensagens em código que não pudemos decifrar. E não foi o Sr. Oscar Roldman. Perguntamos a ele logo que recebemos — Carlos abriu uma gaveta
e entregou o notebook a ele.
Sean fez uma careta de duvida ao lê-lo.
— O que diz a primeira mensagem, Sean... — Luanna olhou sorrateira para os lados. —, Sr. Queise?
— Seis espaços. O primeiro espaço foi completado com a letra E, o quarto espaço tem a letra G e o quinto espaço a letra M — fez outra careta.
“Seis espaços?”, pensou Sean com medo do que pensou.
— E o que diz a segunda mensagem?
— Preciso ir para a Ilha de Guam! — disse Sean enfim.
— Sinto muito, mas tenho ordens de levá-lo de volta para o Brasil, Senhor Sean Queise — falou a agente da Polícia Mundial.
Sean percebeu a entonação no “Senhor”.
Ela realmente se achava dona da situação.
— Eu vou para Guam, Senhorita Agente Luanna Malapacco. Queira você ou não.
Luanna interveio quando Sean caminhou para a saída.
— Se insistir, eu serei obrigada...
— Nem tente me dar ordens! — Sean a fuzilou com um olhar. — Não sou funcionário de Oscar — e se virou para Mercês. — Pode me fazer um favor Mercês?
— Sim, Sr. Queise?
Sean pegou o bloco de papel do resort e escreveu algo que entregou para Mercês.
— Na hora certa, Mercês. Só na hora certa.
Sean o olhou de uma maneira inédita e Mercês leu sem nada compreender.
Luanna ficou furiosa por ter sido excluída. Ela era a dona do pedaço ali.
— Então me deixe acompanhá-lo! — aquilo explodiu para fora dela.
— Como é que é?
— Me deixe acompanhá-lo.
— Acompanhar-me aonde?
— Acompanhá-lo aonde? — foi a vez de Nico, Carlos e Mercês.
Sean olhou os agentes lhe olhando.
— E por que faria isso Agente Luanna? — a encarou.
— Quero a sua segurança... — falou com um carinho que assustou não só ele.
Sean suspirou fundo a observá-la. Depois olhou outra vez para Carlos, Nico e Mercês ponderando algo. Algo que só ele podia entender.
Ou até não entendesse. Mas uma intuição lhe dizia que devia aceitar aquela ajuda, que ela era a chave do sucesso daquela investigação, e que só ela podia realmente lhe dar segurança.
— Como queira... — Sean largou os ombros entregando-se ao destino e foi até a pequena cozinha.
Serviu-se de água e tomou a pílula neutra.
Nico ficou observando-o. Mercês observava Nico. Carlos nada observava.
Sean tirou as lentes de contato castanho enquanto seus cabelos voltavam a ter madeixas loiras, e se virou para os quatro que o observavam agora com dois olhos de um azul brilhante.
— Luanna o olhou com interesse redobrado. — Esse é você? — ela ficou sem resposta.
15
Computer Co. House’s, São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
26 de janeiro; 22h43min.
Se todos estavam atrás de notícias sobre Sean Queise, Kelly Garcia não era exceção.
— Renata? Ligue-me outra vez para aquele número de telefone que lhe dei, por favor — insistia Kelly no telefone da sala de Sean, na Cobertura da Computer Co. House’s.
Renata depois retornou.
— Srta. Garcia, a voz eletrônica continua a dizer que não há notícias do Sr. Queise.
— Mas que droga! — surrou a mesa. — E Gyrimias?
— Também nada conseguiu rastrear.
— Minha Nossa... Como Sean consegue escapar de Spartacus? Achei que haviam dito que o satélite de observação fora programado para... — e Kelly ponderou algo. — Obrigada Renata! E pode ir embora. Não vai
adiantar ficarmos aqui até de madrugada — e desligou.
Kelly esperou o silêncio tomar conta do corredor e se levantou, arrumou o tailleur amarelo Givenchy, um dos preferidos, e andou com passos pesados até o elevador.
Uma pancada à porta e Gyrimias abriu-a.
— Senhorita Kelly Garcia? Boa noite! — e Gyrimias sabia que não era boa coisa Kelly entrar na sua sala àquela hora da madrugada.
Porque todos na Computer Co. estavam sendo pressionados por Fernando Queise para rastrear Sean Queise.
— Como funciona Spartacus? — ela foi direta, ali mesmo, em pé.
Gyrimias soou litros.
— Parcelado o que sei...
— Chega de tais parcelamentos Gyrimias — ela se aproximou dele como nunca fez. —, porque não quero que pense que tudo isso é porque acho que ele está metido com alguma fedelha, porque tenho certeza que
ele está metido com alguma fedelha!
— Sim... Quero dizer... Não. Não penso.
— Porque ele está! — estava enciumada.
— Sim... Quero dizer... Não.
— Ok! Que bom que pensamos igual — sorriu cínica. — Agora me diga como Spartacus rastreia Sean?
— Não é ele quem rastreia ele — e a garganta secou.
— Minha Nossa... Sean controla o satélite com a força daquele dom?
— Sim... — e o suor do medo o consumia.
— Os pais sabem?
— Não!
— Perguntei se os dois pais sabem?
— Não...
E não foi uma negativa em que Kelly acreditasse.
— E por que o satélite de observação foi usado através de senhas?
— Com que senhas?
— Com as minhas senhas Gyrimias.
— Foi usado?
— Para rastrear Sean em Miniloc.
— Onde?
— Minha Nossa... — agora Kelly sentou-se. — A noite vai ser longa Gyrimias... Sente-se!
E Gyrimias caiu sentado com medo do que ia falar, ter que falar.
Porque sabia que Sean mudava Spartacus constantemente, porque quase nada do projeto original ainda estava lá, e que Oscar Roldman sabia que Sean Queise modificava o satélite de observação, se comunicando
com seus computadores, que controlava com a mente, com ‘aquele dom’, não com senhas de Kelly Garcia.
16
Ilha de Guam, Marianas Setentrionais; Micronésia.
13° 30’ 0” N e 144° 48’ 0” E.
27 de janeiro; 10h00min.
‘Fedelha’ não era a palavra apropriada, mas a bela agente Luanna Malapacco e Sean Queise havia sumido das vistas de todos, desde que juntos deixaram Palau, em sigilo, em direção a Manila. De lá, num voo
da Japan Airlines, voaram para Agana, capital da Ilha de Guam, vizinha às Ilhas Marianas Setentrionais.
Luanna escolheu um hotel grande e de preferência cheio de turistas. Os dois instalaram-se no Nikko Guam Hotel no final da badalada praia de Tumon Bay, com um design arrojado em formato de uma asa de anjo,
registrando-se com nomes verdadeiros; não haviam tido tempo de fazer novos passaportes, e Sean não poderia usar o passaporte de Fernão Gomes ou seria localizado pelos homens de Lous Teac, ou pela polícia
de Palau onde o inquérito havia sido aberto. E como o pagamento havia sido em dinheiro, seus cartões e posteriormente seus nomes, não sofreriam rastreamentos.
Luanna pedira um quarto de casal.
— Quem vai dormir no sofá? — perguntou ele baixinho.
Ficou sem respostas.
O quarto 83 tinha vista para o mar das Filipinas, e um complexo de piscinas mais abaixo. Luanna lia os prospectos do hotel aproveitando para marcar uma massagem no Mandara SPA.
Entrou no chuveiro e não viu Sean bater a porta e desaparecer, mas entrou em desespero quando saiu do banho e não o encontrou. Olhou para o telefone, e não tinha para onde ligar nem para quem pedir auxílio.
— Mas que inferno Sean Queise... — ela rodou pelo hotel todo, mas ninguém o viu. Luanna percebera que cometeu um erro agindo contra a Polícia Mundial, agindo contra outra importante agência. — Sean?! —
gritou quando ela retornou ao quarto e ele estava lá, a esperando.
— Quê? Precisava pensar.
— Não pode sair assim! Você não conhece nada aqui!
— E você conhece? — questionou.
Luanna pareceu ter ficado sem resposta, ele percebeu.
— Aonde vamos agora Sean? — Luanna viu ele se levantar com a chave do quarto na mão.
— Sr. Queise! — corrigiu-a.
— Aonde vamos agora Sr. Queise?
— Tomar um lanche no Hard Rock Café, Srta. Luanna — sorriu-lhe cínico.
— Como queira Sr. Queise! É só o tempo de colocar algo mais confortável, Sr. Queise.
E Sean Queise quase não acreditou quando viu a toalete confortável dela.
Hard Rock Coffee, Guam.
13° 39’ 2”N e 144° 51’ 39” E.
27 de janeiro; 11h11min.
O táxi atravessou boa parte da autoestrada de San Vitore. O dia estava claro para ver belas paisagens e Sean pagou o táxi com dinheiro quando chegaram.
— Não pode abaixar esse trapo que chama de blusa? Está chamando a atenção de todo o mundo — falou irritado.
— Acha que encontraremos algo aqui? — perguntou Luanna não respondendo. — Acha? — insistiu.
— ‘Acho’ que não podíamos chamar a atenção dessa maneira — apontou nervoso para o corpo dela.
— Veja só! — ela se olhou. — Você está incomodado com meus trapos? — brincou a bela agente.
— Não estou... — e parou. — Por que veio a Guam, Srta. Luanna?
— Me chame de Luanna.
— Por que veio a Guam, Luanna? — perguntou irritado.
— Pare lhe ser útil — olhou para os lados. — Por que mais?
O garçom passou por eles e lhes indicou uma mesa. Eles o seguiram e sentaram-se numa mesa do canto.
O garçom anotou o pedido e saiu.
— E como pode ser útil?
— Mercês falou que Virgínia era policial da reserva de Guam e todos dizem que você entra e sai dos computadores a hora que quiser.
— Wow! Posso entrar e sair dos computadores a hora que quiser? — Sean riu com força. — Não devia acreditar em tudo o que dizem Luanna — olhou desconfortável para os lados.
— Desculpe-me Sean… Devo ter sido enganada por relatórios mal feitos.
— Me chame de Senhor Queise. Não somos íntimos — e Sean não ouviu qualquer comentário. — E digamos que os tais relatórios mal feitos, não tenham sido mal feitos... — Sean se divertia com o gelo dela. —
O que realmente pode fazer por mim?
— Realmente, posso entrar na base americana; tenho alguns contatos aqui que poderiam ajudar nessa ponte.
“Ponte?”, Sean ficou a observando, a maneira como a agente da Polícia Mundial agia.
— E o que eu iria querer com uma ponte na base americana, Srta. Luanna?
— O que os hackers sempre querem Sr. Queise; informações.
— Não sou hacker.
— Não é o que eu escuto.
— Ah! Claro! Os tais relatórios mal feitos.
— É um hacker astuto, Sr. Queise. Todos sabem. Mercado financeiro, jornais sensacionalistas, agentes de algumas polícias... — ela percebeu que agora Sean riu desconfortável. — Astuto e perigoso — ela completou.
— E talvez astuto, perigoso e vigiado pela Poliu — ela completou mais ainda e Sean parou de rir.
Ele olhou para os lados e turistas iam e vinham em meio às mesas lotadas.
— Não quero falar sobre isso.
— Então vai falar o que está procurando para que eu possa realmente lhe ajudar?
O garçom os serviu e saiu.
— Por que acha que procuro algo?
Ela riu com gosto.
— Estamos a passeio? — ela não gostou de vê-lo calado. — Não confia mesmo em mim?
— Não sei o que estou procurando. Mesmo! Tenho pedaços de pedaços e não estou conseguindo juntar o quebra-cabeça.
— Eu queria poder ajudar... — tentou alcançá-lo com uma mão e Sean se esquivou. — Por que me teme?
— Não a temo.
— Posso perguntar por que noivou tão cedo?
— Por que não noivaria?
— Não sei o porquê, mas sei que Sandy lhe marcou.
— O que sabe sobre Sandy?
— E o que você sabe sobre ela, Sr. Queise?
— Nada pelo visto! — olhou um lado e outro. — Mas sei que a Poliu insistia em acusá-la de roubar informações do satélite Spartacus, que eu construía na época. Trevellis invadiu minha casa, meu noivado,
meu momento de felicidade e novamente a acusou. Eu estava em duvida, não acreditava na inocência dela, não a defendi. Ela então chorou no meio da sala cheia de convidados, correu escada acima e eu a segui.
Ela alcançou a metade do corredor e eu escorreguei. Ela se trancou no meu quarto e atirou… — e o som de um tiro alertou-o.
Não havia mais Hard Rock Café, não havia mais Guam, não havia mais Luanna. Era Sandy Monroe quem se sentava à frente dele o olhando. Seu semblante era carregado, doentio, e Sean sabia que ela sofria que
ele sofria, que ambos ainda iam sofrer mais.
— O que você quer que eu faça Sandy? — ele a questionou, mas Sandy nada falou. A imagem de Luanna, o cheiro e o som externo voltaram e Sean ficou em choque com o que leu na agente Luanna Malapacco. — Você...
Você trabalhava para a Poliu?
Ela arregalou os olhos.
— Como sabe?
Como era uma pergunta muito vaga para ele ultimamente.
— Por que saiu da Poliu?
— Não saí! Tiraram-me de lá há seis meses.
— Eu devia perguntar por quê?
— Porque achei que estava gostando do agente Regis.
Sean a secou com um olhar.
— Regis Alcovam vai atrapalhar nossa fuga?
Luanna também não gostou daquilo.
— Ele não vai fazer nada. Regis Alcovam é mosca morta. Não seria nada se eu não tivesse o levado para as Filipinas, mentido sobre suas qualificações para levá-lo para El Nido.
— Você é mesmo capaz de mentir por amor?
— Por que acha que não?
— Não tenho que achar nada.
— Não! Não tem! Mas eu digo que a Polícia Mundial me absorveu depois do meu erro na Poliu, só para me dar a chance de continuar naquela maldita ilha vigiando entradas e saídas de cargas.
— E eu sou o que, Luanna? Uma oportunidade de sair da ‘maldita ilha’?
— Não! Porque nada disso nunca me abalou. Sou muito mais que uma agente de vigia, Sr. Queise. Sou a melhor da minha área.
Sean teve medo da última frase. Porque sabia que a Poliu não era melhor empresa para se trabalhar, mas que defendia seus agentes com unhas e dentes. Então ela ter sido retirada da corporação de inteligência
por causa de um namoro entre agentes, não estava certo. E ser absorvida pela Polícia Mundial, absorvida por Oscar Roldman não estava mais certo ainda.
E havia algo incerto ali, escondido além do que o fantasma de Sandy lhe mostrava.
— E o que espera conseguir de mim Senhorita Agente? Grana para sair da Polícia Mundial depois de ser absorvida?
Luanna levantou os olhos em sua direção. Estava brava demais por onde a conversa havia ido.
— Se quiser me pagar.
— Wow! Não sou mal agradecido. Não se preocupe. Vou usar suas influências e pagar por elas.
— Que tipo de influências Sr. Queise?
Sean tomou todo o sorvete em três colheradas.
— Essa investigação que a Polícia Mundial fazia sobre os armazéns Shiu-Shiu; eles sabem mais do que falam, não?
— O que quer dizer?
— Que a Computer Co. já usou esses armazéns.
— Para que?
— Para que se usam armazéns?
— Não sei para que, nem o que quer dizer.
— O que Trevellis sabe sobre Lous Teac? — agora ele viu Luanna impactar. — O quê? Quer que eu acredite que você já não investigava José Miguel e Lous Teac para a Poliu em El Nido antes de seu amante atrapalhar
sua carreira Senhorita Agente?
— Falando em carreiras…
— Já disse que não trabalho para Oscar.
— Então seu único interesse em fugir de El Nido era encontrar sua amante. Porque de amantes entendemos, não?
Mas Sean não respondeu. Porque algo outra vez lhe dizia, algo além de Sandy, que lhe pedia para parar, para aceitá-la sem perguntas, questionamentos e brigas.
— Vamos! — levantou-se num rompante, assustando Luanna.
— Vamos?
— Vai me mostrar o tal acesso aos computadores da base americana, não vai? — e pagou a conta.
Naval Base Guam, Apra Harbor, Guam.
13° 26’ 24” N e 144° 39’ 9” E.
27 de janeiro; 15h05min.
Chegaram à base sem qualquer espécie de perseguição.
E abrir as portas não foi difícil.
— Major General Theodore Pucc! — Luanna Malapacco apresentou o homem à sua frente para Sean Queise.
— Prazer Sean Queise!
— O prazer é todo meu, Major General.
— Ouvi falar em você. Deve ser muito bom ser filho de Fernando Queise.
— É... Nada mal... — respondeu friamente encarando Luanna.
Theodore prosseguiu quando um segundo homem fardado se aproximou.
— Esse é o Captain Joseph Hambail, commander, U.S. Coast Guard Marianas Setentrionais Section.
— Sean Queise! Prazer! — Sean se apresentou.
— Queise da Computer Co.? Conheço seu pai. É um grande homem.
— Concordo! Quando era pequeno ia para alto mar com meu ele, gostando de pensar que era um Capitão da marinha inglesa e que iria interpelar grandes piratas nos mares do Caribe.
— Que ironia do destino, não? — emendou o Major General Theodore no que Sean ergueu a sobrancelha.
— O que quer dizer?
— A querida Luanna me disse que precisava entrar no banco de dados da base para investigar uma falsa espiã. Disse que você precisava piratear computadores alheios. Vai se interpelar também? — Joseph sentiu
prazer em atingi-lo.
Mas Sean calou-se.
— Me sigam! — o silêncio foi quebrado por Theodore, que encaminhou os dois em meio à situação que se instalou ali.
Uma sala fria se fez e eles entraram.
— Obrigada! — sorriu atenciosa para Theodore.
— Sejam breves! — Theodore respondeu também com um sorriso. — Temos uma reunião mais a tarde e não vão poder demorar muito tempo por aqui sem chamar atenção — e a porta se fechou quando ele saiu.
— Você ficou louca?! — explodiu Sean logo que foram levados à sala de banco de dados. — Não pode sair por aí falando besteira!
— “Besteira”? Todos na Poliu sabem que você é realmente um hacker.
— Theodore…
— Calmo aí docinho... Conheço Theodore desde pequena e ele não é da Poliu. Era amigo da minha mãe quando ela começou na corporação de inteligência.
— Sua mãe? Uma agente secreta da Poliu?
Luanna deu a volta por detrás dele e ligou os computadores na sala ativando os grandes mainframes Computer Co..
— Parece que está no sangue...
E Sean levou realmente um tempo para voltar ao normal. Porque o sangue dele parecia estar ali também. A última coisa que queria era trocar informações vitais ou se envolver com outra agente da corporação
de inteligência sob as ordens de Mr. Trevellis.
Sandy Monroe era para ter sido seu último erro.
— Tem alguma outra surpresa na manga ou ainda vou levar alguns sustos com você? — Sean olhou em volta sentando-se numa das cadeiras.
— Por que a pergunta? Todos nós temos segredos, Sr. Queise.
— Urgh! — grunhiu, girou os olhos, se absteve de maiores comentários, e começou a trabalhar; tudo aquilo.
Já Luanna Malapacco ficou realmente impressionada com o que ele fazia com os computadores; porque ele também não escondeu o jogo, mostrando tudo o que sabia e como fazia.
Luanna o viu invadir, roubar informações; números, códigos, coordenadas de satélites ao longo do mundo.
— O que é isso?
— Isso o quê? — Sean digitava sem olhá-la.
— Isso que baixou da Internet?
— Um rootkit. Um invasor rootkit.
— “Um invasor”?
— Estou pirateando, Senhorita Agente... Interpelando...
E ela começava a desgostar da maneira como era chamada.
— E esse ícone? — meteu o dedo.
— Sujou a tela...
— Que ícone é esse? — soou mais forte que as brincadeiras dele.
Sean a olhou de lado.
— Quer dizer que estou monitorando a rede — e desviou o olhar. — Um invasor, ao realizar uma invasão, pode utilizar mecanismos para esconder e assegurar a sua presença no computador comprometido. O conjunto
de programas que fornece estes mecanismos é conhecido como rootkit — voltou a digitar rapidamente. — Agora uso um sniffer para pescar informações na rede onde esse computador está localizado. Não posso
deixar nada no computador da base.
— E ia deixar?
— Não vou comprometer seus amigos, Senhorita Agente... — Sean escorregou outro olhar para ela. — Só irei pescar senhas que estejam trafegando em claro.
— Mas Theodore as abriu para você.
— Acredita mesmo nisso?
— Claro que não. Parece que os Queise da Computer Co. não precisam de favores.
— Acalme-se! Estou pescando o que não há qualquer método de criptografia, enganando verificadores de arquivos para que eles não possam ser detectados pelo seu código CRC, o código que verifica a validade
de um arquivo..
Mas Luanna não se acalmaria, estava arriscando seus contatos por causa dele.
— Está deixando ‘backdoors’ para ataques futuros?
Ele gargalhou com gosto e deixou-a sem respostas; ela também era perigosa. Navegou pela rede expondo o logo do site da Polícia Mundial, o logo do site da Poliu, o logo do site da Computer Co., e um logo
de um site que ela não conhecia apareceu, também. Sean investigou o passado da agente Virgínia, mas não encontrou o que achava que achava que iria encontrar.
Rastreou satélites meteorológicos além de ter visitado sites de oceanógrafos, geógrafos, geólogos e geofísicos consumindo mais de duas horas de pesquisas.
Já Luanna não viu alternativas se não sair de vez em quando e trazer água, café. Ela sabia que ele aproveitava para entrar em sites diferentes dos quais via quando ela saía, como sabia também que ele apagava
o cache do computador não deixando pistas por onde navegava.
Quando voltou pela última vez viu que ele entrara nos arquivos do satélite de observação Spartacus. Reconheceu o mapa da Ilha de El Nido, reconheceu as mesmas coordenadas que dera a Mercês para que localizassem
Sean Queise na Ilha de Miniloc. Percebeu que Sean percebeu que Spartacus fora alterado, mas ambos nada comentaram.
Já Luanna percebeu algo a mais, uma coordenada a mais.
— 24º 42’ 00” N de latitude e 77º 47’ 00” W de longitude. Onde fica essa coordenada? — perguntou quando voltou da sua última saída.
— Não sei — mentiu.
— Onde?
— Já disse que não sei.
— Rastreie! — ordenou como até então não fizera.
— Não!
— Rastreie com Spartacus!
— Não! — ele a desafiava.
— Você sabe, não sabe? Você pode fazer contas mentalmente e rastrear qualquer coordenada.
— Aonde ouviu isso, Senhorita Agente? Na Poliu? — depois se virou para tela novamente. — Traga-nos mais água.
— Não estou com sede — observava os dados surgirem na tela.
Sean desligou a tela e Luanna respirou pesado, lhe dando um olhar enviesado, furioso. Ela saiu e Sean balançou a cabeça para um lado, para outro. Estava visivelmente nervoso. Havia algo ali; não na base,
não nos segredos militares, mas ali, nas informações colhidas por Spartacus. E era o satélite de observação Spartacus o motivo daquele jogo, usado pelas senhas de Kelly Garcia, que Sean tinha certeza,
ela não usara, porque não havia nenhum rastro de energia dela ali, naqueles comandos.
E como ele sabia daquilo era tão incongruente quanto tudo que fazia.
Ponderou sabendo que era arriscado o que ia fazer, que câmeras de seguranças ali instaladas na sala da base, ou qualquer outro dispositivo de segurança podia interceptá-lo, gravar a energia taquiônica
do seu pensamento, porque sabia que se registrassem suas atividades plasmáticas, ou qualquer manifestação paranormal que ele era capaz de dominar, a Poliu conseguiria tirá-lo do comando dos grandes bancos
de dados.
E tudo porque Mr. Trevellis sabia que ele tinha um dom, que esse dom o guiava, e que podia usar o que sua genética lhe fornecia.
Mas Sean não ponderou, guiou o satélite de observação com um pensamento, formas que se moldavam, plasmavam pelo pensamento; formas-pensamentos que o fez girar no espaço, com imagens tridimensionais sendo
enviadas. E toda a informação contida ali se materializou, se ergueu do chão como holografias projetadas, e tudo ficou ao alcance dele, da sala que tomou conta, que se espalhou e tomou as paredes.
Sean saltou da cadeira pelo susto do que havia feito e milhares de informações sobre a construção de uma máquina de nome ENIGMA surgiu. Sean olhou as câmeras e elas se desligaram. Não sabia se o que plasmava
podia ser alcançado pelas câmeras, já que caçadores paranormais conseguiam filmar energias dos que já haviam morrido.
Mas o que era aquilo que via, imagens de uma máquina de nome ENIGMA, ele não podia decifrar; ainda não. Quando Luanna voltou Sean sorria para ela, com nenhum rastro de sua paranormalidade ali, e todos
os computadores desligados.
Porque nunca precisou deles realmente.
— Ligue os computadores! — ela o olhou.
— Já acabei — Sean voltou-lhe a sorrir.
— Mandei ligar!
— Já acabei...
— Você está brincando comigo, Sean Queise?! — e um frio se seguiu fazendo todos os pelos do corpo de Luanna se arrepiar.
— Não grite comigo!
— Grito?! Porque brincou comigo a tarde toda me mandando buscar café, água, e coisas.
— Eu não...
— Não me desafie, Sr. Queise!!! — e Luanna viu que Sean não gostou de como foi chamado mesmo ele dando tal ordem; porque agentes da Poliu o chamavam assim.
— Não estou a desafiando Senhorita Agente...
— Está?! Está?! Entrando e saindo de sites?! — e outra vez seu corpo se arrepiou pelo frio que a atingiu.
— Você está cansada... — e se virou para desligar os nobreaks. Mas seu corpo foi virado violentamente na cadeira que ela segurava. — O que pensa que está...
— Que vida interessante a sua Senhor Agente!
— Não sou agente...
— É um agente quando invade sistemas! É um agente quando compromete segurança de dados! — avançou sobre ele que recuou. — E é um agente quando se arrisca e arrisca a vida dos outros atrás de informações
que não são de sua alçada... Ahhh!!! — e Luanna gritou pelo frio agora extremo que lhe atingiu, fazendo o sangue de seu corpo gelar de uma maneira que toda ela passou a tremer.
Sean arregalou os olhos azuis para ela e Luanna olhou para um lado, para outro e se tocou percebendo que seu nariz acumulava gelo. Sean em choque se levantou e andou a passos largos, se dirigindo aos nobreaks
para desligar toda estação de força dos computadores, com medo de que alguma coisa paranormal estivesse ali, mas a força elétrica não desligou. Sean ficou desesperado tentando desligar todos os botões,
mas como na Feira de informática, os computadores se religavam mais e mais uma vez.
“Droga!”, explodiu dentro dele.
— O que… — Luanna tremeu. — O que está…
— Nada!
Luanna olhou todas as telas e computadores se tomando de cristais de gelo.
— Eu perguntei o que está acontecendo?! — berrou com todas as forças que ainda tinha.
— Gritar não vai…
— O que?!
— Nada! Já disse! — estava em choque; pela intimidação dela, pelo gelo que tomou conta da sala, pela vinda de mais uma mulher com eles ali. — Você... — Sean arregalou para uma Sandy nítida.
Mas Luanna se descontrolava.
— O que você fez?
— Por que acha que fiz...
— Que frio é esse?! — gritou Luanna desesperada. — Que frio é esse Sr. Queise?! — e a luz desligou, toda energia que os deixou no escuro. E no frio, com a agitada imagem de Sandy, olhando-os, com o sangue
na roupa e a arma recém-disparada na mão. — Você os infectou não? — o silêncio. — Infectou os processos de memória, Sr. Queise?!
— Não me chame...
— Infectou?! — berrou. — Esse maldito vírus que usou Sr. Queise!!! Eles infectaram todo o sistema… Ahhh?! — berrou Luanna no estampido do tiro que se materializou audível ali.
Sean foi ao chão congelado e Luanna só o encarou caído.
Mas ela também ouvira o tiro. Tremeu pelo frio e encarou Sean que não sabia mais controlar aquilo, aquilo tudo, saber que ela ouvira aquilo, que não era o frio da sala de dados que gelava ela, ele, e que
Sandy queria dizer algo.
Porque Sandy havia voltado, voltado e parado no meio do corredor da mansão dos Queise.
— Acho que devemos ir embora... — encarou Luanna em estado de choque. — Não vamos mesmo querer perder aquela massagem que marcou, não?
Luanna não respondeu, deu uma última olhada nos computadores, em volta, na temperatura do ar condicionado e de novo nos computadores, e Sean desligou a central apagando tudo.
Ela ficou a pensar e ele a ler-lhe tais pensamentos.
Hotel Nikko, Tumon Bay; Ilha de Guam.
13° 39’ 2”N e 144° 51’ 38” E.
27 de janeiro; 17h17min.
O táxi parou na porta do Hotel Nikko em Guam. Sean saltou seguido de Luanna. Ela estivera calada o trajeto todo e ele precisava reverter aquilo ou perderia a ajuda da agente Luanna Malapacco, a ajuda que
dizia não querer.
Dirigiu-se até a recepção e pediu informações sobre as massagistas. Ambos seguiram a alameda que os levava até uma praia privada, cercada por um jardim tropical luxuriante, cheio de árvores e outras plantas
aromáticas, sendo saudados com colares de flores e drinques da casa para se iniciarem numa massagem javanesa.
Sean arrancou a camisa, a calça e os sapatos, ficou de cueca bastante comportada sob uma mesa para depois ser coberto por uma toalha.
Luanna tirou as suas roupas e deitou-se nua sob a outra mesa.
— Esqueci-me de meus trajes de banho — sorriu perigosa e Sean evitou olhar para ela, para uma Luanna que gritara há pouco tempo atrás o chamando de ‘Sr. Queise’. — Meu marido é tímido — falou Luanna para
uma das massagistas numa linguagem Chamorro.
— Ah! — falaram as massagistas uníssonas.
Sean escorregou um olhar e ela traduziu para um inglês cheio de sotaques. Ele percebeu que ela queria deixá-lo sem ação, e sentiu-se sem graça na presença de estranhas.
— Não é docinho? — Luanna se divertia mesmo quando fez algum tipo de sinal que ele não teve tempo de interpretar e a massagista puxou-lhe o resto de roupa, o deixando nu.
Ele encarou Luanna que se divertia:
— Wow! Obrigado, docinho! — retrucou visivelmente bravo, nu, em plena praia do Hotel Nikko, coberto por uma minúscula toalha, torcendo para que a massagista não lhe dissesse ‘Agora do outro lado, Senhor’;
o que ela disse.
Hotel Nikko, Tumon Bay; Ilha de Guam.
27 de janeiro; 18h30min.
Sean pegou a chave e ambos subiram para o oitavo andar sem nada comentar, agradecido, no entanto pela massagem rápida, profissional. Ele se trocou pondo uma camiseta e uma bermuda para lá de florida e
ficou esperando ela ligar o chuveiro. Quando o som se fez Sean arrancou o notebook do carregador e anunciou:
— Vou buscar champagne!
— Não acha melhor bebermos no jantar? — falou de dentro do chuveiro sem ouvir respostas.
Sean havia fugido no que fechou a porta. Tentou os elevadores, mas estavam estancados no térreo. Desceu as escadas até perder o fôlego invadindo o lounge, e saiu pelas portas do fundo correndo feito um
louco, adentrando a vegetação que percorria todos os fundos do Hotel Nikko. Quando se achou seguro, parou e ligou seu computador conectando-o ao sistema Wi-Fi do hotel.
Arriscava-se cada vez mais se comunicando com o mundo.
“Conectando-se ao site da Polícia Mundial”, explanava o computador. “Digite sua senha”, prosseguia a voz eletrônica.
Sean digitou.
— Sean? — Oscar Roldman viu uma imagem embaralhada no que a ligação foi completada.
— Pensei que não fosse me atender.
— Nunca vai ter responsabilidades, Sean querido? — e foi uma pergunta com carinho.
Aquilo o desmontou.
— Recebeu o e-mail que mandei? — Sean fugiu daquilo, porém.
— Não compreendi o que queria com toda aquela confusão. Parecia que estava num guia de busca mandando palavras a esmo.
— Estava, quer dizer, tinha que parecer estar. Deixa para lá. Não tenho muito tempo — olhou em volta.
— Está bem! Vamos pela ordem. Fizemos uma blitz nos armazéns Shiu-Shiu de Taiwan e não encontramos nada. O pessoal de lá ficou seriamente desconfiado com a atenção repentina, dada pela Polícia Mundial,
já que nossa investigação nunca saiu de nossos escritórios. Também fomos a todos os armazéns Shiu-Shiu das Filipinas — Oscar parou de falar e pegou uns papéis em cima da mesa. Sean ficou o olhando fazer.
— Invadimos os armazéns Shiu-Shiu de Palau e quando estouramos as portas do galpão, só as teias de aranhas habitavam o local. Contudo algo me intrigou. Agentes meus acharam um jornal usado na sala de Lous
Teac.
— “Jornal usado”? Por que não entendi?
— Um jornal do dia seguinte, Sean, usado.
— “Do dia seguinte”? Como pode ser isso?
— Não sei. Mas estamos enfrentando dificuldades maiores aqui. Os rapazes da equipe de Luanna estavam ocupados com a sua fuga quando um agente que vigiava o galpão acabou sendo morto.
— Luana já havia me contado.
— Outro agente.
— Regis Alcovam? Luanna sabe?
— A menos que tenha se comunicado com alguns deles.
Sean ficou pensativo antes de falar.
— Usei uma das entradas que estavam naquela caixa quando fui a Palau, no Centro de recifes. Havia uma palestra sendo ministrada em um dos salões. Um homem de meia idade se sentou à minha frente, e depois
se mudou para trás colocando no encosto da minha cadeira, um pacote embrulhado em tecido velho.
— Achei que ia avisá-lo sobre a hora certa de ir ao Centro de recifes.
— Achei que ia me avisar sobre um monte de coisas mais.
— Do que está falando?
— Falando que no pacote deixado havia outra arma desmontável. Uma que passa pelos Raios-X do aeroporto sem ser avistada — deu uma parada. —, outra vez — falou com cinismo.
— Está com essa arma?
— Sim. De aeroporto em aeroporto. De base em base.
— Ótimo! Então a guarde com cuidado porque não fui eu quem a enviou.
— Não foi você quem enviou? — riu. — Porque vinha mesmo me perguntando por que o material foi desenvolvido para driblar a segurança dos aeroportos das Filipinas? Mas não é só nas Filipinas, não é?
— Isso é confidencial!
— Isso é coisa da Poliu, não é Oscar? As pílulas de DNA, o binóculo morfo que contém arma, o material que dribla Raios-X... A Polícia Mundial nunca fabricou coisas assim então...
— Sean!
— Por que a Poliu emprestaria isso a você, Oscar? Por que Trevellis emprestaria isso a mim?
— Não procure saber isso, meu filho — advertiu-o.
“Meu filho?”, Sean não insistiu.
— Eu... Eu vi Sandy...
— O quê?
— Ela quer falar algo.
— Sean? O que está fazendo?
— Não sei... De alguma forma eu a chamo, de alguma forma ela vem quando me arrisco — ele nem esperou Oscar dizer algo. — Há outra coisa...
— Que outra coisa pior que você falando com o fantasma de Sandy?
Sean foi em frente, porém.
— Na feira... Por duas vezes eu me vi — agora Sean não esperou ele perguntar ‘o que’. — Me vi em pé, na minha frente, me olhando.
— Você tem conversado com Mona Foad?
Sean só girou os olhos. Sabia que Oscar podia saber.
— Não! Ela não quer falar comigo. Disse que eu tenho que pagar pelo que fiz. Mas me pergunto Oscar, o que foi que eu fiz?
— Acho melhor...
— Não. Não ache nada. E por favor... — fez um movimento com a mão pela câmera. — Eu queria... Queria que você continuasse a me ajudar apesar de tudo, não interferindo no trabalho da agente Luanna — mudou
de assunto visivelmente transtornado.
— Não sei por que, mas se você quer que seja assim, eu não vou interferir.
— Obrigado, Oscar. Acredite! Eu sei o que estou fazendo.
Oscar teve medo de concordar com aquilo.
— Quanto ao acrônimo das iniciais de ENIGMA serem iniciais de ilhas, realmente a Ilha de El Nido começa com a letra ‘E’ e teve alterações geomagnéticas recentes.
— Sabe que a Ilha de Guam começa com a letra ‘G’, não Oscar?
— Aonde quer chegar?
— Não sei... Talvez em algo que me escapou… Ilha de Miniloc. Letra ‘M’.
Oscar não o compreendeu.
— Devo mandar isso à sua Lista de Ufologia também? Porque as informações sobre o acrônimo que postei os deixaram mais alvoroçados do que já estavam.
— Continue ativo na lista Oscar, o ruivo entra e sai de lá. Quero que ele saiba o que ando descobrindo sobre o acrônimo para que se comunique comigo outra vez, e abra o jogo. Passe-me qualquer coisa da
lista que ache que vale a pena.
Oscar deu uma risada seca:
— Não sei o que seria útil naquela loucura toda. Até posso concordar que tenha gente catedrática lá dentro, mas a maioria se expressa de uma forma apavorantemente alienada.
— Me prive de suas observações, está bem? — ele viu Oscar Roldman respirar profundamente. — Você está com o jornal de Lous Teac aí? Há algo sobre abalos sísmicos?
— O jornal é de Palau, datado dia seguinte a minha chegada lá, com uma reportagem sobre movimentação no norte de Palau.
— Onde fica o armazém Shiu-Shiu.
Oscar se deu conta e olhou para a paisagem atrás de Sean.
— Onde você está?
— No meio de uma mata cerrada perto do mar de Guam.
— “Guam”? Quer dizer Guam? A base dos USA?
— Conhece outra?
— Sem ironias, Sean...
— Por favor, Oscar. Agora não. Preciso que continue verificando Spartacus. Eu o preparei para obter informações obtidas em satélites meteorológicos atrás de terremotos e abalos sísmicos.
— Fez o quê?
— O Instituto Scripps de Oceanografia, nos Estados Unidos usa um radar conhecido como radar de abertura sintética, que revela em minúcias os movimentos das falhas da crosta terrestre. Antes de um terremoto,
as falhas ficam trincadas numa posição por conta da fricção, e qualquer mudança nas propriedades mecânicas das falhas pode fornecer informações valiosas sobre o ciclo do terremoto; eu preparei Spartacus
para diagnosticar movimentos e repassar isso.
— E onde ele está agora?
Sean agora temeu que informações de que ele havia invadido o satélite chegassem até Oscar, porque ele também tinha dons.
— O satélite de observação Spartacus está estacionado nas coordenadas entre 8º 02’ 06” e 8º 03’ 5” N de latitude e entre 98º 52’ 18” e 98º 87 ‘18” E de longitude; Bahamas.
— “Bahamas”? Mas não há letra ‘B’ em ENIGMA.
— Não, não há. Eu não sei se estou certo, Oscar, mas aquele e-mail inacabado falava para que eu não me confundisse. E antes de Spartacus estacionar nas coordenadas da Bahamas, havia uma coordenada arquivada
em seu banco de dados. 24º 42’ 00” N de latitude e 77º 47’ 00” W de longitude. É a coordenada da Ilha de Andros, que pode ser a letra ‘A’ do acrônimo E.N.I.G.M.A.. Existe também a Ilha de Andros na Grécia,
mas sua coordenada não foi arquivada.
— Tenho até medo de perguntar por que Spartacus arquivaria essas coordenadas?
— Armazéns Shiu-Shiu.
— Spartacus está vigiando os armazéns?
— Sim, e não fui eu quem o programou para isso.
— Alguém mais domina o ‘meu’ satélite, Sean querido? — perguntou com cinismo.
E Sean fechou qualquer comunicação telepática.
— Parece que sim, Oscar querido! E se isto é uma referência para alguém, então acredito que os armazéns Shiu-Shiu estejam em todas as letras do acrônimo.
— Pode ser uma referência fraca. Os armazéns Shiu-Shiu estão presentes na Ásia toda, na Oceania, na Rússia, na cidade mais remota do mapa.
— Eu sei, mas se Spartacus se direcionou para a Ilha de Andros é por que alguma coisa vai acontecer por lá.
— Ficaremos atentos.
— A Poliu já sabe sobre as ogivas? — Sean mudou de assunto outra vez.
— Somente eu estou por dentro do relatório que me mandou.
— Não faça isso Oscar. Não esconda nada de Trevellis. Esse suposto silêncio da Poliu para comigo me deixa apavorado — Sean deu uma pausa e Oscar nada falou. Ele sabia que seria preciso insistir naquilo.
— Ou por que Trevellis emprestaria tecnologia de espionagem de última referência a mim?
E Oscar nada falou mudando o foco da conversa.
— Mercês Smith me procurou dizendo que você pediu-lhe para recolher amostras de corais da Ilha de Miniloc. Enviei um pessoal especializado, do Centro de pesquisa ambiental da De La Salle University, de
Manila.
— Averiguaram tudo?
— Averiguaram o material nos corais onde você mergulhou, mas ainda não sabemos o que poderia ter causado a alteração. Contudo eles diagnosticaram uma alteração genética no seu material.
— Quando eu mergulhei vi um rombo numa das cavernas subterrâneas da Ilha de Miniloc. Algo muito grande foi retirado de lá, sem, contudo eu conseguir imaginar como, nem o quê — Sean pôde ver uma pequena
mudança em Oscar Roldman. — Alguma coisa te incomodou, Oscar? — perguntou Sean, percebendo o silêncio.
— Não seja atrevido!
Sean sentiu o fel. Não soube ao certo em que ferida tocou nem se ainda tinha o controle da conversa.
— Isso é para que eu pare de fazer perguntas?
Agora Oscar estranhou aquilo; Sean não fazia perguntas, hackeava, com ou sem os seus dons, todos eles.
— O que quer saber?
— Conheceu José Miguel?
— Sim — estranhou a pergunta.
— Como ele era?
— Latino.
— Ótimo! Conheceu Lous Teac?
— Não. Sua fortuna foi montada na calada da noite e me parece que sua identidade também.
— Não acha estranho que você e sua agente nunca o tenha visto se ele me recebeu pessoalmente?
— Aonde quer chegar?
— Em nenhum lugar — Sean fez uma careta olhando em volta novamente. — Em lugar algum… — tudo ali era belo. — Algo mais sobre a outra agente de codinome Virgínia? — desviou o assunto.
— Nada além do que Mercês lhe contou.
— Nada além e você sabia que Virgínia era mulher de Lous Teac, não Oscar? — e Sean teve sua ligação rompida. Agora a ferida foi profunda. — Oscar?! — gritou Sean. — Desgraçado!
“Sean?!”, gritava uma voz feminina, ao longe.
— Deus! — exclamou Sean, esticando os olhos. — Eu tinha me esquecido dela! — saiu em disparada dando a volta pelo caminho inverso ao que fizera antes, agora era feito por Luanna Malapacco.
“Sean?!” Luanna ainda o estava procurando.
Mas com o notebook sendo desligado em plena fuga, as agulhas de proteção não respondiam ao seu comando.
— Desliga! Desliga! Desliga! — apertava as teclas a quase afundá-las.
“Sean?!” gritava Luanna no meio da mata.
Sean correu e conseguiu passar por ela, na outra extremidade daquela vegetação toda. Luanna chegou um pouco perto do local onde Sean estivera falando com Oscar e olhou em volta.
Já ele corria alienado com o notebook, não vendo alternativa a não ser arrancar a bateria.
“Sean?!” Luanna chamou mais uma vez, e vendo que ele não se encontrava lá, desistiu voltando para dentro do hotel.
Ia entrando no quarto quando Sean saiu de dentro carregando dois copos, um sorriso encantador, um delicioso champagne gelado, cabelos encharcados de água perfumada, e não mais vestindo a camiseta para
lá de florida.
— Olá...
— Onde estava? — retribuiu com uma pergunta.
Sean olhou cínico para os lados.
— Faltavam os morangos.
— Os achou?
— Não! Os morangos que encontrei no restaurante eram horríveis. — Sean viu Luanna ainda o olhando profundamente. — Escolhi cerejas — sorriu. — A gente muda de gosto como muda de opinião, não?
— Mudanças são coisas perigosas, Sr. Queise — ela o viu retesar. — É só um aviso!
Mas foi a palavra ‘Cuidado!’ distorcida eletronicamente da qual que Sean se lembrava.
17
Computer Co. House’s, São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
28 de janeiro; 11h11min.
— É a terceira vez que a Família Tadaka marca um encontro com o Sr. Queise. O que faço Srta. Garcia? — questionou a secretária Renata na porta do escritório, já no final do expediente.
— Não sei! — respondeu Kelly com honestidade, apoiando o braço na mesa de granito bruto.
— Acho que devíamos abrir o jogo, Srta. Garcia?
— E dizer o quê? — balançou a cabeça. — Marque uma reunião com o pessoal de Taiwan para o fim da tarde, Renata. Se até lá Sean não se comunicar, vou assumir meu posto.
— Está bem! — disse Renata saindo da sala, preparada para marcar a reunião.
“Patrãozinho? Onde você está?”; pensava Kelly com saudades.
Hotel Nikko, Tumon Bay; Ilha de Guam.
13° 39’ 2”N e 144° 51’ 38” E.
28 de janeiro; 11h11min.
Sean estava acordado, arrependido de ter dormido no sofá apertado.
Levantou-se cedo e tomou café da manhã no restaurante sozinho. A imagem do mar de Guam pelo vidro inclinado era maravilhoso. Rodou por todo hotel lendo todos os pensamentos ali, até achar que ia acabar
com uma enxaqueca se continuasse a ler tudo que ficava no éter.
Mas Sean procurava em cada funcionário ali do hotel, em cada local, em cada turista algo, alguma coisa sobre Virgínia; contudo nada conseguiu, nenhum único rosto parecido ao da bela ruiva.
Sean subiu e voltou ao quarto, viu que Luanna acordava naquele momento.
— Se arrume Srta. Luanna!
— Aonde vamos?
Ele abriu as cortinas mostrando um rasgo do paraíso.
— Num restaurante, no fim da praia. A vista é deslumbrante de lá.
— Esteve lá?
— Não! Mas as pessoas dizem...
— Não ouvi ninguém dizer.
— Acredite! — sorriu-lhe. — As pessoas dizem... — ele a olhou o olhando.
Luanna cedeu ao que as pessoas dizem. Abriu o armário e levou sua mala para o banheiro. Sean a estranhou por não ter se trocado na sua frente. A frieza dela agora era visível.
Ele também aproveitou e usou o sistema Wi-Fi do hotel outra vez, e o notebook avisava que e-mails da Lista de Ufologia haviam chegado à caixa postal dele, de ‘Sean Queise’. O assunto em pauta, pontes de
Einstein-Rosen.
Sean não soube bem o porquê, mas aquilo não o deixou tão assustado como deveria deixar. Era certa apenas uma coisa, seu nickname fora realmente exposto e agora todos os colisteiros sabiam que Sean Queise
participava de tudo aquilo.
Ele fechou rapidamente o notebook sem desligá-lo ao perceber Luanna saindo do banheiro. A linha fez um ínfimo clique e ele fechou e abriu os olhos sabendo que ela ouvira o som da rede Internet sendo desconectada.
— Estou pronta! — mas foi só o que anunciou vestida num fino vestido de musselina azul claro.
— Wow! Aonde você achava mesmo que era para ir? — sorriu para uma Luanna ainda fria, deixando mostrar suas curvas que não eram poucas, no vestido que usava sem lingerie.
Hotel Nikko, Tumon Bay; Ilha de Guam.
28 de janeiro; 12h00min.
O restaurante estava cheio àquela hora. Tinha grandes colunas brancas e suas janelas abertas para o cheiro do ar salgado, imprimiam a bela paisagem do mar de Guam.
Ambos já haviam esvaziado uma garrafa de Don Perrignon depois de Luanna fechar o ambiente durante o trajeto da porta até a mesa no fundo do salão. Sean se arrependeu pela mesa tão distante e pela companheira
quase nua.
— Descobriu algo sobre a tal agente Virgínia aqui de Guam, Sr. Queise?
— Está falando da ‘tal Virgínia’ Srta. Luanna? — ironizou sabendo que ela ainda se questionava sobre as horas que ele sumira ontem, atrás de morangos. Mas Luanna não olhou para ele, nem respondeu. — Não,
nos computadores da base não constava o nome dela. E na verdade nem sabemos se o nome que Mercês havia conseguido era verdadeiro. Só sabemos que Lous Teac a matou.
— Acha que Lous Teac sabia que ela era uma agente?
— Sim!
— Mas Lous Teac não a amava? — tentou Luanna, entender.
— Se antes descobriu que ela era uma agente secreta atrás de José Miguel, e nada daquilo o atingia, depois foi diferente; Virgínia o traiu comigo, em São Paulo.
— O que ela fez com você em São Paulo?
— Nada! — sorriu-lhe cínico. — Mas ele não sabia.
— Então por que ele se achava um homem traído?
— Não sei... Mas Lous Teac a matou quando nos viu na praia, porque ela estava aterrorizada por ter visto alguém nos vendo.
— “A oeste do Havaí, a leste das Filipinas e ao sul do Japão, a Ilha de Guam é o maior território dos Estados Unidos. A Ilha de Guam tem história antiga, herança cultural rica” — cantavam ali.
Sean ficou lembrando-se de Virgínia em São Paulo, na praia e como ela o entusiasmava como homem, em seu brio. E como aquilo lhe parecia inédito já que ela era uma mulher bonita, mas comum, provável uma
agente envolvida com a Poliu.
— “Se acredita que os habitantes originais de Guam, falam e canta-se o Chamorro antigo, língua amplamente falada com influências Indo-Malaya com semelhanças linguísticas e culturais da Malásia, Indonésia
e a Filipinas” — era a letra da música cantada por três músicos locais. — “O primeiro contato aconteceu com a visita de Ferdinand Magellan em 1521 e Guam se tornou um porto para os galeões de tesouro espanhóis
que riscavam o Oceano do Pacífico, do México para as Filipinas...” — continuavam a cantar.
— E você viu alguém na praia? — Luanna o tirou de seus pensamentos.
— Se toda cidade viu…
— Não estou para brincadeiras Sr. Queise. Responda-me!
— Não…
Luanna então partiu para uma conversa mais prática, e mais fria.
— A Polícia Mundial nada descobriu sobre os armazéns de Shiu-Shiu aqui em Guam. Nico disse que estão limpos — Luanna comentou beliscando do prato de Sean como o costume.
— “Nico disse”?
Luanna parou com o garfo no ar alguns milésimos de segundo.
— Sim.
— Então, todas as falcatruas ocorrem em Palau, por detrás de uma fachada acima de qualquer suspeita. Lous Teac realmente fez sua fortuna na calada da noite.
Luanna não entendeu.
— Não sei. Sabíamos, no entanto que grandes negociantes utilizavam os armazéns Shiu-Shiu de Hong Kong e Tóquio.
— Inclusive a Computer Co. quando estocava peças. E isso tudo sem levantar qualquer suspeita — Sean suspirou desanimado. — É uma pena não conseguir saber sobre tudo o que acontece dentro da Computer Co.,
sobre Lous Teac e aquela lista...
— Que lista? — e Luanna não obteve resposta.
Sons diversos iam e vinham; porcelanas, cristais, panelas batendo, vozes diversas, crianças e Luanna comeu do prato dele.
“Wow!” Sean começava a achar aquilo uma falta de educação dela.
— Fiquei divagando... — Luanna voltou a tirá-lo de seus pensamentos. — Se Lous Teac se apaixonou por Virgínia mesmo sabendo que ela vigiava José Miguel, ele deve tê-la ameaçado de alguma forma — e comeu
dois camarões do prato dele. —, porque quando apareceu esse grande negócio, Lous Teac a mandou ao Brasil, para fazer o que ela sabia de melhor, lhe investigar.
— Quem disse que era um grande negócio?
Luanna ficou o olhando sem piscar.
— E não era? Ou Lous Teac não investigaria você, não é mesmo?
Sean a encarou, as duas. Porque Sandy outra vez se mesclava a tudo, ao sangue nas mãos dele, ao restaurante de Guam, à escada da casa dos Queise, às louças e panelas batendo, à escada, o tapete, ele caindo,
a noiva morta e Luanna ainda esperando uma resposta.
“Sean?” soava a voz distante de Luanna.
— O que?
— Como o que?
— Ah... Não sei... Minha vida não valia nada naquela oficina... — Sean tomou outro gole de champagne. — Eu diria que ele enviou Virgínia ao Brasil, à minha festa, atrás de algo, e ela voltou sem dar resultados
— Sean só a olhou. — Me diga... O quanto os agentes se comunicam, Luanna?
— Muito! — foi fria a resposta.
— É… Foi o que pensei… — e Sean parou de falar. Terminou o almoço, pagou a conta e saíram a pé pela praia de Guam. Passava as mãos pelos cabelos agora loiros enquanto os pés eram enterrados em areia macia,
parando quando um turista se aproximava, continuando quando esse se afastava. — O que a Polícia Mundial sabe sobre a carga?
— Fala daquela carga em Palau quando perdemos agentes? Porque não conseguimos ver a carga a que se referiu nos armazéns Shiu-Shiu.
— Por quê?
— Porque o Sr. Oscar Roldman nunca dera permissão para invadi-lo como você o fez — e Luanna sentou-se na areia, tocando-lhe o rosto carinhosamente assim que ele sentou-se também.
Ele ficou sem ação para com ela e ela recuou no carinho os mergulhando num silêncio.
— Quando exatamente Oscar lhe comunicou sobre minhas investigações? — quebrou o silêncio. — Quando eu sumi em Miniloc, Srta. Luanna?
— Por que está dizendo isso?
— Porque usaram as senhas de Kelly para acessar Spartacus.
— E ela pode acessar o satélite?
— Kelly pode tudo.
— Falou com sua secretária?
— Não!
— E como sabe que… — e olhou a praia quase vazia. — Está desconfiando de mim outra vez, Sr. Queise?
— Não! Só estou atordoado com tudo. A minha vida inteira... Programado para assumir tamanha responsabilidade...
— Se ressente da gerência da Computer Co.?
— Não... — deitou-se na areia macia e ela se deitou sobre ele. — Luanna... — impactou no que sentiu as mãos dela caminharem rapidamente por suas pernas, por dentro da calça, no seu sexo. — Ahhh… — Sean
recuou sentindo todo seu corpo desejá-la. — Não estou me sentindo bem — se levantou começando a andar.
Luanna levantou-se furiosa com ela mesma.
— Você está fugindo de mim, Sean — o seguiu.
— Impressão sua.
E todo o corpo dela explodiu com aquilo, na fuga dele, nas incongruências que ele falava.
— Por que sua vida de repente não valia mais nada?
— O que? — ele estancou.
— Sua vida?
Sean olhou o mar límpido ainda atordoado pelo toque dela, por aquela pergunta que não conseguia diluir.
— Eu... Eu estava expondo meus produtos em uma Feira de Informática em São Paulo, onde moro, e fui perseguido juntamente com a minha nova secretária, Freda. Fomos baleados e levados para um galpão onde
um ‘brutamonte’ insistia que eu abrisse um código de acesso aos dados da Poliu... — e estancou apavorado, olhando-a com uma cara distorcida pelo o que aquelas lembranças traziam. — Desgraçado! — explodiu.
— Calan desgraçado!
— “Calan”?
— Não entende? Era por isso que ele me incomodava tanto... Aquela técnica de pastel... Aquele desgraçado!
— Do que está falando?
— Do desenho na tela! Não era uma foto! — exclamou Sean com raiva. — Droga! Eu apanhei tanto que minhas memórias ficaram distorcidas.
— “Distorcidas”?
— Pare de me repetir Luanna! Não vê? Era um desenho e não uma fotografia como eu supunha... — e a terra tremeu, Sean teve essa sensação. As ondas do mar espumaram mais fortes. — Sentiu isso? — a água pareceu
recuar.
— Não estou entendendo. Qual é a diferença entre o desenho e... — chamou Luanna, à sua atenção.
— Sentiu a areia tremer? — insistiu nervoso.
— Não, não senti. De que diferença falava?
— A diferença era que até aquele momento aquela máquina, ou arma ou que fosse aquilo na tela, era só um desenho, um esboço. Isso quer dizer que eles procuravam algo que não conheciam também, e que talvez
nem estivesse ali... — Sean olhou para cima e os morcegos, adormecidos nas árvores distantes, revoaram.
Ele olhou para baixo e a água alcançava-lhe os pés.
— Sean? — Luanna seguiu o olhar dele para com a água espumada. — O que houve? O que sentiu?
Mas só a encarou.
— Oscar Roldman da Polícia Mundial tem acesso aos arquivos de Mr. Trevellis da Poliu, certo?
— Como é que é?
— E a Poliu tem acesso aos arquivos da Polícia Mundial, certo?
— Sim...
— Droga! Provável até meu pai tenha acesso a tudo isso, certo?
— Não conheço seu pai...
— E comunicam-se, sabe se lá como; certo? — descontrolava-se. — E Oscar me disse que não sabia nada sobre essa máquina dentro dos computadores da Poliu, certo?! — gritou assustando Luanna que não gostou
daquilo. — E sabe por quê? Sabe por que, Srta. Agente?! — gritou.
— Por que está gritando? — começou a ficar furiosa com as atitudes dele.
— Porque nem eu sabia sobre a máquina, certo? — completou Sean deixando-a agora muda, calada pela incompreensão.
— Você só pode estar confuso...
— Não estou confuso!!! — gritou antes que ela terminasse a frase.
— Está bem! Está bem! Então onde estaria?
— O esboço? Em algum outro computador. Por isso me pegaram, porque Oscar tinha razão; não procuravam exatamente o mega empresário Sean Queise, mas um hacker capaz de abrir qualquer código.
— Mas era o logo da Poliu que aparecia na tela do notebook.
Sean virou o corpo lentamente para ela.
— Eu não disse que havia um logotipo na tela.
Luanna engoliu a respiração.
— Não tinha? Hoje na base você acessou o site da Poliu e lá havia um logotipo — disse se irritando.
Mas ele continuou a observá-la, também não havia dito que era um notebook. Lembrou-se da imagem dela cobrindo-lhe o Sol à beira da piscina do Hotel El Nido Lagen, lembrou-se de Virgínia na sua festa e
não se lembrou de mais nada, porque não havia mais nada a sua volta.
Sean arregalou os olhos azuis, chovia muito e ele se viu molhado, em pé, num penhasco à beira do mar, numa pista de pouso; não havia Luanna, não havia areia, nem Guam.
Lá, só um buraco de minhoca que se abriu azulando o céu.
— Ahhh... — Sean mal respirou no que voltou a si, no que conseguiu engolir a saliva. Olhou Luanna lhe olhando, esperando uma resposta. Olhou em volta novamente, e agora havia areia, o Mar de Guam, e ele
estava com medo, com medo de sair do corpo com aquela frequência. — Eu... Eu... Venha! — saiu esperando mesmo que ela o seguisse. — Precisamos voltar ao hotel e pegar nossas coisas.
— Aonde vamos?
— Se eu estiver certo... Estamos seguindo um acrônimo, Senhorita Agente.
— Perguntei para onde vamos Sr. Queise? — estava furiosa pela maneira chamada.
— Holanda!
A exclamação dele se perdeu ali.
18
Aeroporto Won Pat; Guam, Ilhas Marianas Setentrionais.
13° 29’ 2” N e 144° 47’ 50” E.
29 de janeiro; 11h00min.
Sean Queise estava com Luanna Malapacco no Aeroporto Won Pat, cheio àquela hora. Virou-se e disse que precisava ligar. Ela ainda ofereceu-lhe o celular que ele não sabia onde ela havia conseguido, mas
ele recusou preferindo uma cabine, deixando-a notoriamente irritada.
Ele não se importava mais com as irritações dela.
Entrou na cabine e ligou números que nunca estiveram ao alcance do cidadão comum, com um chamado curto ao aparelho à esquerda da mesa de Oscar Roldman, em algum lugar da Trafalgar Square, Londres.
— Preciso que consiga o passaporte de Fernão Gomes de volta!
— Por quê?
— Ainda estou em Guam e não sei como sair daqui — Sean foi direto.
— O que está acontecendo Sean?
— Está acontecendo que preciso ir para Amsterdã e não posso usar o cartão de crédito da Computer Co., nem os documentos ou cartões de Luanna Malapacco. Não posso arriscar a vida de Kelly, minha família
nem de meus funcionários mostrando onde estou e o que faço, porque coloquei a vida de Kelly em risco quando anunciei a meio mundo que ela era minha sócia.
— A Srta. Garcia está correndo risco de vida?
— Não sei. Mas alguém acessou Spartacus com as senhas dela e sei que não foi ela. E sei porque os pensamentos dela são tensos antes de dormir, preocupada por que Gyrimias mentiu para ela, usou as senhas
dela. Mas não foi Gyrimias quem as usou.
— E quem usou Sean querido?
— Não sei.
— E pode ficar sem saber algo?
— Você também não pode?
E o silêncio.
— O quer de mim?
— Luanna disse que agentes da Polícia Mundial em El Nido deram um jeito no inquérito de Fernão Gomes, e se eu não movimentar o nome de Fernão em Amsterdã antes de aparecer em Andros nas Bermudas, Lous
Teac saberá — foi o que respondeu.
— Amsterdã, Holanda? Por que vai se arriscar assim?
“Arriscar-me?”, foi o que Sean pensou.
Oscar o havia mandado lá, então por que aquela pergunta, ele se perguntava.
— E por que Ilha de Andros? Você vai mesmo rastrear por terra os movimentos de Spartacus?
— Vou! Eu preciso saber o que está acontecendo. Porque tenho a impressão de que vou encontrar os homens de Lous Teac em Andros.
— “Impressão”? É só uma impressão, Sean querido?
— Sim! — Sean se absteve de filosofar.
Mas Oscar sabia que Mona Foad fizera algo para ele, por ele, nele que fugia da sua filosofia tão amada. E que sua família sempre fora assim, com dons; que ele próprio negara a sina.
— Se você acabar por encontrar Lous Teac lá, o fato da agente Virgínia morta pode ainda não estar acabado.
— Há algo errado em tudo isso Oscar. Fernão e Sean são a mesma pessoa, com cores de pele diferente; e nem vou perguntar a você o porquê disso, mas Lous Teac não podia ter sido enganado como o enganei.
— Ainda achando que Lous o conhecia?
— Se os amigos de Theodore me conheciam… — e deixou no ar.
Oscar não entrou em debates. Digitou alguma coisa e prosseguiu.
— Não estou localizando agentes meus nessa região de Guam. Faça o seguinte: Vá até o balcão de atendimento da Japan Airlines. Estou enviando uma nota máxima à direção do aeroporto, isso lhe permitira passar
sem passaporte. Vá para Tóquio, para o Narita Airport. De lá voe pela KLM, voo kl862 para Amsterdã, para o Schiphol Airport. Lá você será interpelado por um agente meu que lhe entregará um pacote. Guarde-o!
Se instale um ou dois dias no Amstel Intercontinental Amsterdã, a 25 minutos do aeroporto, como o comerciante Fernão Gomes — e parou para respirar. — À margem do Rio Amstel, é considerado o hotel mais
bonito da Holanda; eu recomendo.
— Você costuma sempre se hospedar em cinco estrelas, Oscar?
— Temos isso em comum, não é, Sean querido?
Sean não respondeu, precisava de Oscar e da Polícia Mundial.
— O que posso fazer em Amsterdã para acionar os homens de Lous Teac?
— Se você está certo do que faz, vá até o escritório da Chips Line, a duas quadras do hotel.
— Reservou um hotel que fica estrategicamente a dois quarteirões da minha empresa Chips Line, Oscar querido?
Oscar não se deteve pelo cinismo dele.
— Gaste escandalosamente Sean querido, fale alto em público, chame a atenção. Isso trará desconfianças sobre o porquê de você ter se hospedado num hotel enquanto mora lá.
— Isso! Assim ‘Sean Queise’ ficará de fora. E claro! Preciso das tais pílulas...
Outro silêncio.
— Estarei mandando para o hotel um passaporte falso para a agente Luanna Malapacco.
— Como saio de Amsterdã para Andros?
— Pela KLM Airlines vá para Miami. Em Miami alugue um carro até Fort Lauderdale. Aja como um casal de turistas. Vá a uma agência de turismo mais próxima e compre passagens para o Andros Town Airport, também
conhecido como Fresh Creek, na Ilha de Andros. Isso também chamará atenção.
— Será que essa atenção é necessária, Oscar? Digo, para ir a Andros?
— Se achar que o Fort Lauderdale International Airport está chamativo, vá ao Fort Lauderdale Jet Center, eles opera viagens de charters.
— Wow! A Polícia Mundial estará financiando tudo isso? — e Sean ouviu o clique de Oscar desligando. Caiu em gargalhada. Ficaria claro que o gasto ainda seria revertido à Computer Co. e seu pai não ia gostar
nada daquilo. Não com ele trabalhando para quem seu pai financiava. Voltou e encontrou Luanna tomando um café na cafeteria do aeroporto; o silêncio dela era notável. Ficou sem saber se ela se comunicara
com alguém também. Sentou-se e começou a ler o jornal do dia em voz alta. — Violento terremoto atinge a Ilha de Guam, no Pacífico nesta sexta, 22h18 — Sean leu o título. — Um tremor de terra de 7,2 graus
na escala aberta de Richter, que chega a nove, atingiu neste domingo a área onde fica a Ilha de Guam informou o Departamento Sismológico da China.
“Algo se moveu naquela praia. Algo que me levou até aquela chuva”; pensou.
— Aonde vamos agora Sr. Queise? — Luanna perguntou não muito interessada nos devaneios dele.
— Eu fiz o check-in na Japan Airlines. Oscar conseguiu-nos autorização para embarcar sem que nossos documentos fossem requisitados — pagou o café e saiu com ela a tiracolo.
Se Luanna ficou desconfiada, nada falou.
Sean Queise e ela desceram no Narita Airport, em Tóquio, Japão com a madrugada se mostrando a eles. Lá o agente de Oscar Roldman os esperava no saguão do aeroporto. Dentro do pacote entregue estava o passaporte
de Fernão Gomes que a Polícia Mundial regatara no cofre do El Nido Lagen Resort e um passaporte para a ‘Sra. Luanna Gomes’.
Sean quis matar alguém por aquilo.
No pacote, cartões de crédito internacionais, uma caixa com pílulas neutras, pílulas marrons para voltar a ficar moreno como Fernão, e uma única pílula verde. A caixa era do mesmo material que ele recebera
em Palau; menor de tamanho, mas que ainda continha algo que lembrava um contador eletrônico embutido no fundo, com estranhos sinais escritos ao redor de uma agulha.
Do Narita Airport, seguiram para Amsterdã sem problemas.
Não acreditou, porém, quando mais uma vez a arma desmontável na mala não foi interceptada pelos Raios-X.
Sean percebeu que não era apenas o aeroporto das Filipinas, ou Guam, eram quaisquer Raios-X de qualquer aeroporto, já que ambos, ele e Oscar, sabiam que tal material não era ‘aquática, terrestre, nem aérea’,
e sim alienígena.
Luanna Malapacco adorou saber que deveria movimentar bastante os cartões de crédito escandalosamente, porque Sean precisava que os homens de Lous Teac soubessem sobre suas extravagâncias, e começassem
a vigiá-lo, já que não havia pagado a segunda parte do trato de armazenamento.
Ambos só não sabiam é que Teac, Fatto e Cia. estariam em breve na cola deles muito antes do que o programado.
19
Intercontinental Amstel Hotel, Amsterdã; Holanda.
52° 21’ 36” N e 4° 54’ 21.6” E.
30 de janeiro; 10h00min.
Desde a sua abertura em 1867, o Hotel Amstel Intercontinental Amsterdã era celebrado como o mais bonito da Holanda. Completamente restaurado em 1992, recuperou todo o seu esplendor original. O ambiente
de cada um dos 79 quartos respirava a elegância de um grandioso palácio europeu.
Situado na margem do Rio Amstel, o hotel ficava no centro da zona cultural e financeira da cidade. Lá também ficavam os escritórios da Chips Line de Fernão Gomes, que segundo os pensamentos de Sean, devia
estar detido em algum lugar.
Sean Queise já de pele jambo, cabelos e olhos castanhos deixou Luanna Malapacco usando uma peruca loira no lounge do hotel, esperando dar 14h00min para iniciar o check-in. Pediu que ela o esperasse lá,
mesmo no fundo não entendendo por que Luanna de repente passou a obedecer-lhe tão friamente.
Ganhou as lindas ruas de Amsterdã e a Rua Amstel estava movimentada. Andava devagar olhando para todos os lados, tentando se habituar a sua nova condição de agente da Polícia Mundial, pensando se sua mãe
realmente o odiaria se soubesse aquilo.
Sean entrou numa revistaria e comprou tantas revistas femininas para Luanna, que o vendedor deu-lhe uma sacola.
Pagou com cartão de crédito a fim de movimentar o nome de Fernão Gomes e já ia saindo quando um jornal pendurado lhe chamou atenção. Alguma coisa naquela reportagem o fez lembrar-se da Lista de Ufologia.
Comprou-o assim mesmo, colocando-o dentro da sacola, já não se importando com seus déjà vus.
A Chips Line ficava num grande edifício; fachada de vidro colorido, belas begônias no jardim e Sean estava temeroso. Usar o passaporte de Fernão Gomes até que foi fácil, mas entrar nos escritórios da Chips
Line e se passar por ele, ia ser diferente.
O reflexo no vidro colorido do escritório mostrava um carro parado na outra rua. Dois homens estavam dentro dele. Sean os reconheceu como homens de Lous Teac.
“Rápido demais”, pensou.
Ficou agradecido, porém por nenhum deles ser Enrico Fatto.
— Olá, Sr. Gomes! — se aproximou uma morena pequena, usando um salto altíssimo. — Como foi sua viagem as Filipinas?
Ele olhou em volta totalmente atônito.
— O... O que disse Senhorita?
— Sua viagem, Senhor — a morena então parou e o olhou de cima abaixo. — Está diferente — fez uma careta. — Não sei...
Sean gelou.
— Ahhh... Foram as águas cristalinas de...
— Claro! O Sol das ilhas. Vejo que também voltou mais bonito! — sorriu-lhe a encantadora morena olhando os músculos que sobressaíam na camisa.
— Eu tive tempo… — curvou o braço mostrando os bíceps. —, para malhar — sorriu.
— Uhm! — a secretária ficou encantada com o novo visual do chefe, começou a caminhar e Sean a segui-la, para então ele realmente impactar quando ambos alcançaram o fim do corredor; fotografias, um monte
delas, estavam penduradas na parede, comemorações mil e Fernão Gomes em todas as fotos.
— Deus... — Sean mal podia acreditar. Se não fossem pela pele amorenada, os cabelos pretos e os olhos castanhos, ele diria ser o clone de Fernão Gomes. — Desgraçado! — exclamou Sean sem querer.
— O que disse Sr. Gomes? — a secretária estancou à frente dele vendo que o patrão olhava suas próprias fotos com espanto. — Senhor?
Mas Sean não conseguia responder, algo dentro dele parecia tê-lo feito realmente impactar.
“Oscar!”, Sean sentiu um ácido jorrar por todo seu interior sentindo-se tonto, enganado.
— O Senhor está bem, Sr. Fernão?
— Pode... A Senhorita pode acompanhar-me até minha sala? Acho que o Jet lag... — e voltou a se sentir tonto percebendo que até não fora as tantas viagens que o atingiram daquela maneira, nem fora a maneira
como apanhara naquele galpão fétido, nem como seu corpo lutara com a injeção de bactérias injetadas, e nem toda a pressão que vinha sofrendo do mercado coorporativo; havia algo mais, algo que consumia
suas energias, seus dons paranormais, sua alma.
A secretária pegou-lhe pelo braço e o encaminhou até sua sala.
— Venha Senhor! Vou pedir-lhe uma xicrona de café forte como gosta.
Sean girou os olhos achando que realmente fosse desabar.
— Agradeço-lhe por isso... Estou um pouco... Bastante até...
— Na verdade vou trazer-lhe duas xícaras. Há um cliente lhe esperando a mais de uma hora, Sr. Fernão — a secretária não o deixou sozinho por muito tempo em seus devaneios. — Encaminhei-o como de costume.
“Cliente...” “Mais de uma hora...” “Como de costume...”, pensava atordoado.
E a secretária abriu a porta da sala de Fernão Gomes.
— Olá, Sr. Fernão Gomes! — anunciou Lous Teac.
Agora Sean sentiu o ar não subir aos pulmões; Lous Teac esticava a mão para ser cumprimentado e Sean/Fernão ficou alguns segundos sem saber o que fazer.
— Olá... — respondeu enfim, cumprimentando-o.
Mas Lous Teac outra vez não largava sua mão.
— São raras as mãos macias que encontro em minha vida, Sr. Fernão Gomes.
— É... — sorriu sem graça. — Já me disse isso — apontou uma cadeira para Lous Teac sentar, imaginando se ele sabia de seu encontro com a amante dele Virgínia, se ele havia sido mesmo o mandante do assassinato
dela, se fora ele quem o culpara da morte dela e armara todo aquele circo em El Nido.
Nunca havia sentido tanto medo quanto naquele momento, quando passou a sofrer mais ainda com a secretária de Fernão lhe olhando, em como estava ‘diferentemente mais bonito’.
E Sean suou imaginando como Fernão se sentava, o que Fernão pedia a secretária quando chegava, o que Fernão comia, falava.
“Deus!”; pensou atônito, se torturando com tudo aquilo.
A secretária, porém deu meia-volta e saiu.
Sean fechou os olhos e até voltaria a respirar se não fosse por Lous Teac à sua frente, falando.
— Sr. Fernão Gomes, quis vir pessoalmente lhe informar que suas peças já foram entregues em Miami. E o pagamento...
Sean arregalou os olhos castanhos e os fechou voltando a ter mais medo do homem que se sentava à sua frente do que outra coisa.
— Esqueci-me do pagamento?
— Não! Sua secretária o fez como combinado.
— Minha sec... — e parou tentando se lembrar de como respirar. — Falou com... — e Sean não sabia o nome da secretária.
— Sim. Encantadora não?
— Sim... — e Sean sabia que aquilo sim era medo.
— Encantadora e eficiente. Como o combinado, na minha conta das Ilhas Cayman.
“Combinado?”, pensou Sean.
— Gosta de ilhas, não Sr. Lous Teac?
Lous Teac sorriu cínico se erguendo, batendo as mãos na calça.
Depois se virou para a porta apontando-a.
— Até a próxima!
“Próxima?”
— Foi uma visita rápida, Sr. Lous Teac. Não precisava ter se dado ao trabalho de vir até Amsterdã.
— Não é nada, Sr. Fernão Gomes. Gosto do contato — sorriu cínico passando a mão na brilhantina do cabelo, voltando a bater as mãos na calça, se virando tão rápido que Sean estancou o passo rapidamente
antes de seu chocar com ele. — Não sabia que era casado.
Sean o encarou podendo sentir o perfume barato que ele usava.
— Casei-me há uma semana em Las Vegas.
— “Las Vegas”? Por isso sumiu tão repentinamente de Palau?
Sean voltou a lembrar-se de Virgínia, ‘voz de algodão’, do perfume ESCADA!, dos dedos nela, surrada, morta por ele, Lous Teac.
— Sim... Por isso…
— Então é por isso que você e sua mulher estão hospedados num hotel cinco estrelas.
— Sim... Por isso…
— Em lua de mel?
— Sim... — sorriu. — Em lua de mel.
— Extraordinário! — bateu nas costas dele.
Sean sentiu a força de cada pancada enquanto Lous Teac sorria de uma maneira que ele não decifrou.
Quis, mas não decifrou.
Porque havia algo com ele, com Lous Teac, algo que Sean não conseguia fazer seus dons penetrarem.
“Mona!”; foi a vez de pensar confuso.
— Extraordinário! — voltou Lous Teac a exclamar. — Preciso ir! Ainda tenho um avião para pegar hoje.
— Tenha uma boa viagem, Sr. Lous Teac.
— A mesma boa viagem a você, Sr. Fernão Gomes! — e saiu fechando a porta atrás de si.
“A mesma boa viagem”, agora ecoou rápido nos seus ouvidos.
— Droga! Ele sabe que vou viajar... — girava atônito em volta dele mesmo. — Como ele sabe? Como ele sabe? Como ele sabe?
Sean estava extremamente nervoso. Só conseguiu ficar mais dez minutos na sala de Fernão Gomes com ideias desconexas se atropelando na sua cabeça. Saiu de lá carregando a sacola de revistas femininas sem
dar explicações aos funcionários que o interpelavam no corredor.
Foi direto para um telefone público.
— Sean? — estranhou Oscar no que atendeu ao telefone.
— Desgraçado! Você sabia... Lia os meus e-mails. Era você na minha caixa de e-mail.
— Não sei do que está falando.
— Sabia sobre Virgínia, sabia sobre as Filipinas, não sabia?! — gritava Sean em meio ao trânsito que o deixava tonto. — Porque teve muito tempo de arranjar alguém parecido comigo, não?!
— Não se exceda Sean!
— Exceder-me?! Jura?! Chama de exceder as fotografias de Fernão Gomes nas paredes, Oscar?! Ele e suas xicronas de café forte?!
— Não tinha mais como esconder quando você quis ir a Chips Line.
— Eu quis vir?! Eu quis vir?! — olhou em volta descontrolado. — Você me mandou vir...
— Sean... Já disse para não se exceder. Você está confuso...
— “Confuso”?! — gritou a fazer saliva voar. — Lous Teac esteve aqui! Aqui nos escritórios da Chips Line!
— Sean... Eu acho...
— Você não acha nada! Cansei de ser tratado como pião do seu jogo.
— Não estou jogando Sean... — e a linha deu sinal de ocupado. — Sean? Sean? Sean?! — gritou.
E Sean andava tonto pelas ruas, com sua cabeça girando.
“Por que a lista falou sobre buracos de minhoca?” “O que são esses tremores?” “Por que as Filipinas?”, “Por que fui atacado na feira?”, “Por que abrirem códigos?”, “Que maldita máquina é essa?”, “E por
que o silêncio da Poliu?”, e retornou ao Amstel Intercontinental Hotel encontrando Luanna em meio a sacolas de lojas num lobby de pé direito duplo tão deslumbrante quanto podia imaginar, caindo sentado
numa poltrona de veludo amarelo, afundando seu corpo pela pressão.
— Consegui fazer o check-in mais cedo, Sr. Queise. Estamos na Suíte Royale — falou Luanna. — Esse hotel é belíssimo, não? Nosso apartamento é completo; lounge, sala de jantar de oito lugares, cozinha,
corredor, duas casas de banho com banheira e dois quartos — e Sean nada falou. — Se não se importa vou ficar com o quarto principal com cama de baldaquino — e ela sabia que aquilo ia irritá-la outra vez,
que se arrependeu de trair outra vez uma polícia por causa de seus relacionamentos, e que ia se arrepender de ter atravessado oceanos com ele, que não falava.
“Royale... completo... cozinha... quartos... banho... roupeiro extra...”; era só o que Sean conseguia ouvir, palavras soltas.
— Como são dois quartos, você não vai mais precisar perguntar quem vai dormir no sofá, Sr. Queise — agora ela viu que Sean dessa parte, ouviu. — O preço é salgado, e não inclui café da manhã — voltava
Luanna a falar. —, mas por esse preço temos várias limusines à disposição… Transfers ou passeios com guias... — Luanna ficou olhando Sean totalmente aéreo. — Você está me ouvindo, Sr. Queise?
— Quê?
— Como ‘quê?’
— Estou um pouco...
— “Pouco”?
— Atordoado com tudo, está bem? — fechou e abriu os olhos.
— Não é para menos. Você não tem descansado. Tem agido estranho e não fala comigo mais que palavras soltas, sem nexo. E eu até preferia quando você estava de férias nas Filipinas.
Sean arregalou os olhos para ela sentindo que tudo parara; vozes, lobby, ar.
— O que você disse?
— O que eu disse? Que você está cansado...
— Não! Não! Depois.
— “Depois”? Que preferia você de férias nas...
— É isso! — se jogou no chão espalhando as revistas que trouxera na sacola para ela.
— Sean? — Luanna viu Sean jogando e lendo e jogando de novo todas as revistas no chão para depois catá-las, guardá-las na sacola e jogá-las uma a uma, outra vez no chão. Todos ao redor pararam para olhá-lo.
— O que você está fazendo? — Luanna olhava em volta, as pessoas os olhavam intensamente. — Sean? Sean? Vem agindo como um desorientado ultimamente — ela se sentiu mal com os olhares curiosos. — Pare com
isso, Sr. Queise!
— Não sou Sr. Queise!!! — gritou parando de vez o lobby. — Sou Fernão Gomes!!! — as pessoas voltaram a circular e Luanna se recompôs com dificuldades, o odiando por aquilo. Já Sean olhou em volta se dando
conta do que havia feito, e voltou a pegar o jornal que comprara.
“Droga!”, era a reportagem do jornal.
Leu:
— Em férias com a irmã, morreu no dia 17 de setembro, num acidente de avião nas Filipinas, o proeminente professor da Universiteit van Amsterdã, Arthuro Klein, Ph.D. em Física Quântica e Cosmologia...
— e parou de ler em choque.
— “Arthuro”? Quem é esse tal professor Arthuro? — Luanna cortou a fala dele.
— Ele estava em férias... Em férias quando houve uma explosão de vento solar...
— Explosão de que?
— De vento solar... E tempestades geomagnéticas de fator Kp=9...
— Sean? Do que...
— É isso que Lous Teac queria aqui? Ele nunca acreditou em mim por que eu vinha de Amsterdã? Terra de Klein? — Sean mal conseguia falar. — Desgraçado! Oscar escolheu Fernão Gomes a dedo.
— O Sr. Oscar Roldman fez o que? Do que está falando afinal?
— Não entende? Os mergulhadores... Eles abriram aquele buraco...
— “Buraco”? Que mergulhadores abriram...
— Marque uma tarde de Spa para você! — Sean se ergueu do chão e ordenou tão bruscamente que Luanna se intimidou. — Faça massagem, relaxe, e me aguarde no Restaurante La Rive, aqui no hotel, as 20h00min,
para o jantar.
— Onde você... — Luanna nem teve tempo para perguntar.
Sean saiu para o trânsito de Amsterdã novamente. Ia se arriscar, ele sabia mais do que tudo. Chamou um táxi, entrou, abriu a garrafa de água que comprara e tomou a pílula neutra. Os cabelos loiros e a
pele que até precisava de um bronzeamento tamanha era a brancura, voltaram a aparecer. Sean só não tirou as lentes de contato cor castanho, pois esquecera a caixa onde guardá-la.
O taxista teve um sobressalto quando olhou pelo retrovisor e viu um homem branco no lugar do homem moreno jambo que entrara no seu táxi. Virou tão rápido para trás que o pé escapara do acelerador.
— O Senhor... — balbuciou num inglês confuso. — O Senhor... — virou para frente. — Não... — virou para trás. — O Senhor era moreno... — virou-se para frente. — Não, era?
Sean teve vontade de rir e o taxista seguiu o trajeto indicado sem mais olhar para trás.
Universiteit van Amsterdã; Holanda.
2° 22’6” N e 4° 53’ 25” E.
29 de janeiro; 13h40min.
Dessa vez Sean teria que usar o cartão de crédito da Computer Co. para pagar a corrida. Não podia permitir que os homens de Lous Teac rastreassem as atividades que ia fazer.
Aproveitou ao máximo a corrida pela cidade de Amsterdã, por seus mais de 160 canais, com suas ruas inteiras rodeadas por água, só perdendo para Veneza. Sean ficou imaginando os carros trafegando por ruas
tão estreitas, por tantos canais, e com tanta gente andando a pé, na mais perfeita harmonia; arquitetura europeia do século XVII, grandes construções em pedra, umas poucas mulheres típicas calçando tamancos,
e um centro da cidade moderno e agitadíssimo.
A primeira parada foi na Rua Spui, 21, Universiteit van Amsterdã; Ala de física, Setor de Física Quântica. Era um tiro no escuro, mas precisava acreditar que tinha um dom e que ele o guiava. Também se
lembrava do e-mail onde a transcrição da comunicação feita pelos mergulhadores de Amsterdã, falando de nomes como Arthuro, Eva, Calrson, Paulo e Martha.
— Boa tarde! — exclamou Sean na entrada da universidade. Um amplo salão de piso branco e alto pé-direito se desenhou à sua frente. — Gostaria de ver o professor Arthuro! Tenho uma entrevista marcada com
ele já há algum tempo.
Uma Senhora de uniforme, sentada numa mesa estrategicamente colocada à direita de quem entrava, sorriu-lhe.
— Ah! Temo que isso não seja possível Senhor...
— Sean Queise.
— Sr. Sean Queise, o professor Arthuro Klein faleceu setembro do ano passado.
— Sinto muitíssimo! Alguém da sua equipe poderia me atender? Talvez a Sra. Klein?
— Senhorita Eva Klein — corrigiu, a Senhora de uniforme. — Todos se enganam. Ela é irmã do professor Arthuro Klein.
— Compreendo. Posso falar com ela então?
— Vou procurá-la. A equipe do Sr. Arthuro está dispersa nesta época de provas. Pode esperar um momento na sala de visitantes? — apontou para a primeira porta.
Sean sorriu e entrou numa sala toda marrom; teto, paredes e cadeiras, de um couro macio.
Contudo, não demorou em uma bela mulher entrar pela porta.
— Sr. Queise... — a voz dela o atingiu.
Era loira, de estatura mediana, na casa dos quarenta anos, e de curvas tão generosas e elegantes que Sean impactou; e ele não soube se era o coque que usava e a deixava com um ar intelectual ou a sensação
de conhecer aquelas curvas de outro lugar.
Começava a se irritar com o seu ‘reconhecimento do imemorialmente conhecido’.
— Srta. Klein!
E Eva Klein também não perdeu cada detalhe de Sean Queise que jovem ou não, realmente chamava atenção por sua beleza.
— No que posso ser útil, Sr. Queise? — esticou uma mão fina e comprida para que ele a cumprimentasse, quando todos seus poros foram invadidos pelo perfume dela.
“ESCADA!” e Sean nada mais falou.
Eva Klein percebeu o quanto ele havia sentido aquele toque, recolheu a mão e sorriu sem graça, não sabendo por onde começar.
— Sente-se! Por favor! — apontou a poltrona novamente.
Ele agradeceu com uma mesura sentando-se.
— Eu... Conheci seu irmão — falava com cuidado. —, na Internet — sorriu-lhe. — Também sou ufólogo Srta. Klein.
Eva ergueu o sobrolho e seus olhos verdes o encararam. Ela percebeu para que lado à conversa se encaminhava e aquilo era por demais comprometedor. Principalmente em salas vigiadas.
Olhou para os lados, se levantou dando as costas para ele e anunciou:
— Podemos talvez... Um café perto daqui, Sr. Queise?
— Um café não seria de todo mal — sorriu-lhe galanteador, oferecendo a saída para ela primeiro. — E, por favor, me chame de Sean.
— Me chame de Eva, também — falou-lhe com a cabeça meio que inclinada, atravessando corredores mil sem trocar uma única palavra.
Eva Klein estava nervosa, era visível. Sean a viu por vezes escorregar os olhos verdes para vê-lo e aquilo de alguma maneira lhe pareceu comum, como se a conhecesse, como se ela lhe fosse íntima.
Outra vez achou que enlouquecia, que o que acontecia desde a infância não lhe fora bem explicado, digerido.
Impressões, sonhos que se realizavam, sensações de déjà vu, objetos que se moviam; amigos que desapareciam. E se tudo aquilo lhe era divertido, com os amigos assustados com aquelas brincadeiras que ele
inventava, as histórias que contava a seus pais não eram divertida, desacreditadas muitas vezes; porém Nelma sabia que Sean desejava e as coisas aconteciam. Porque Nelma foi contra Fernando insistindo
que Sean desenvolvesse aquilo, que Fernando chamava de ‘para o bem dele’. No fundo sabia que nunca seria bom para seu filho, não com um Oscar Roldman tão presente, tão disponível, todas as noites no quarto
dele, dando-lhe boa noite enquanto seu corpo permanecia em Londres.
E se ainda havia dons que Mona Foad não desenvolvera nele, Sean provocara o treino de seus dons psíquicos sozinhos, treinos de métodos milenares, egípcios, por Mona, uma espiã psíquica da Poliu, nos porões
da Poliu, sem autorização da Poliu, porque aquilo o elevaria a um nível nunca visto, de dons paranormais excepcionais.
Mas Nelma, Fernando, Oscar e a própria Mona sabiam que Mr. Trevellis nunca fora enganado, que no fundo ele permitira aquilo, que Mr. Trevellis queria um Sean Queise espião psíquico, a trabalho da Poliu.
Porque era o que Sean Queise queria.
— Vamos a pé Eva? — voltou a si já na porta da Universidade.
— Não gosta de andar a pé, Sean?
— Nada contra.
— Imaginei mesmo que tão jovem... — Eva esperou Sean olhá-la. —, gostasse de praticar alguns esportes — ela o viu rir sem saber o que mais deveria ter feito. — Além do mais, a melhor dica de Amsterdã é
fazer uma caminhada a pé e uma refeição na ‘Spuistraat’, Rua Spui.
Sean se encantou com o local. A tradicional arquitetura contrastava com edifícios inteiros grafitados, lojas especializadas em artigos do Tibet, os famosos Coffees, lojas de decoração, de lingeries e o
perfume dela que o atingiu outra vez.
“ESCADA!”
— Os restaurantes aqui merecem destaque. Há comida para todos os gostos — Eva olhou-o com interesse e ele devolveu o interesse apesar do abismo de idade entre eles. Entraram num dos restaurantes citados
por ela e Eva escolheu uma mesa próxima à janela.
Cúpulas vermelhas nas luminárias das paredes davam um toque íntimo ao ambiente e um abat-jour em cada mesa deixava mais pessoal, o café servido em porcelana azul.
— O que desejam?
— Traga-nos café completo! — pediu ela ao garçom. — Para mim com leite, para o Senhor aqui, uma ‘xicrona’ — e Sean mal conseguiu olhá-la em meio à sensação de tudo estar se embaçando. — Sobre o que queria
falar comigo, Sr. Queise?
— Sean!
— Como queira — fez charme ao desmanchar o coque revelando seus cabelos loiros que liberaram no ar outra vez o perfume doce, forte.
“ESCADA!” quase escapou dos lábios dele.
Eva depois os enrolou novamente e o coque clássico voltou à sua cabeça.
— Sean Queise da Computer Co.? — e foi a vez das belas e redondas pernas, que Eva cruzou.
— Sou tão internacional, assim? — e ele estudou todo o trajeto das pernas dela.
— É um adolescente rico e poderoso; isso chega rápido aos jornais.
— Wow! Talvez tenha chego antes mesmo de eu saber que era um adolescente rico e poderoso.
Ambos riram.
— Ser tudo isso lhe incomoda?
— Não ser preparado para tudo isso, talvez.
Eva Klein o observou com gosto.
— Somos sempre preparados, Sean. Desde muito antes de nosso nascimento.
— É... Tem razão. Talvez eu tenha sido preparado, Senhorita... — e parou. —, antes do nascimento.
Eva não se prolongou naquilo.
Ele idem.
— Mesmo porque seu nascimento foi comentado em rodas acadêmicas, já que Fernando Queise era um homem acadêmico, formado em matemática, e com dons interessantes para com os computadores que passou a construir.
Sean agora gargalhou, sabia que ela ia comentar sobre seu pai ter-lhe ensinado mais que gerenciar a Computer Co..
— Não acredite em tudo o que esse meio acadêmico fala Senhorita, também tenho meus próprios dons e minhas próprias escolhas sobre o que fazer com eles.
Ambos voltaram a rir.
Havia química ali.
— O que me leva a perguntar, o que um hacker com seus dons deseja encontrar na ufologia?
— “Hacker”? Achei que minha fama de ufólogo fosse ser maior.
— Talvez porque suas ideias e princípios sobre invasões a computadores e grandes banco de dados, sejam maiores no meio acadêmico do que em listas de ufologia.
— Wow! — Sean sorriu cínico e Eva gostou mais ainda dele.
Pena que nada daquilo ele conseguiu ler no éter.
— Não tem sido fácil driblar a comunidade empresarial?
— Pode ver que não, não é? — ambos riram. — Já que não sou visto com muita credibilidade por causa da minha idade assustadoramente ‘adolescente’ e minhas ‘ideias e princípios’ em hackerismo alienígena.
Eva voltou a observá-lo com gosto.
Já Sean parecia estar se divertindo com algo, talvez com aquilo, com o fato de que realmente hackeava informações da vinda de alienígenas à Terra; e que a Poliu e todo seu mundo conspiratório escondia.
— Compreendo! — Eva sorriu-lhe. — Também temos muito cuidado ao falar de vidas em outros planetas em nossa comunidade, alienígenas ainda soam como coisas de ficção científica.
— Até que vira ciência — completou Sean.
“Muito bonito!”, pensou Eva sem dizer, sem prever que aquilo chegasse nele.
E aquilo chegou, com Sean gostando, já que foi realmente belo o sorriso dele naquele momento.
— Todos aqueles que buscam a verdade através de meios espiritualistas, também encontram dificuldades para lidar com pluralidade de mundos, Senhorita.
— É verdade, Sr. Queise. Oh! Sean! — foi a vez dela o ver olhando-a com interesse redobrado. — A fé espiritual não impede, limita e nem ameaça o progresso das pesquisas ufológicas, mas a espiritualidade
é antes de tudo uma filosofia de vida, não uma religião de dogmas.
— Acredito nisso também, Senhorita, mas muitos encaram ‘pluralidade de existências’ como um produto da imaginação de algumas pessoas sensacionalistas e alienadas. Filósofos até tentaram, como Giordano
Bruno, morto e queimado pela inquisição por levantar a hipótese de outros mundos habitados — Sean viu que bela mulher madura ela era. — E se o que nos foi revelado até agora, gerou medo e desconfianças,
imagine se as pessoas naquele tempo fossem informadas que a Terra, que nós terráqueos, éramos constantemente visitados por seres de natureza estrangeira?
— Pânico! — ela sorriu com gosto outra vez. E outra vez ele teve a sensação de conhecê-la. — Mas nós não somos terráqueos, Sean, somos seres de luz, de energia, universais, e como tal sabemos que existem
outras Terras mais evoluídas que a nossa.
— Acredita em civilizações avançadas por seres humanos espalhados pelo Universo? Não digo alienígenas da literatura, mas outros de nós?
— Allan Kardec disse quem ousaria afirmar que, entre os milhares de mundos que giram na imensidade, um só, um dos menores, perdido no seio da multidão infinita deles, goza do privilégio exclusivo de ser
povoado?
— “Se não qual então a utilidade dos demais? Tê-los-ia Deus feito unicamente para nos recrearem a vista?”.
— Isso Sean... — Eva gostou da presença dele, de todo ele ali. — “Deserto inimaginável estende-se além das estrelas. Lá, em condições diferentes das de vosso planeta, novos mundos revelam-se e desdobra-se
em formas de vida, que as vossas concepções não podem imaginar”.
“Muito bonito!”, pensou Eva sorrindo-lhe de uma maneira que todo o Sean ali presente a amou.
— No que posso ajudar Sr. Queise?
— Sean! Por favor! — sorriu-lhe encantador.
— Sempre esquecendo...
E Sean a achou bonita, algo nela que o fazia lembrar Virgínia. Depois sorriu achando que realmente havia enlouquecido.
— Eu não vou mais mentir para você, Eva — inclinou-se sobre a pequena mesa do restaurante se aproximando dela. —, vendo que temos as mesmas ideias sobre ufologia e espiritualidade, e que sou realmente
um alienado por causa de minhas ideias e princípios — ele a viu só inclinar a cabeça.
— Então não minta.
— Eu não conhecia seu irmão. Digo, pessoalmente. Faço parte de uma Lista de Ufologia e um colisteiro postou a transcrição feita por cinco mergulhadores de Amsterdã em férias nas Filipinas — não incluiu
as viagens astrais.
— Postaram? — Eva ficou branca, sentindo um calor subir pelo rosto.
Sean prosseguiu no silêncio que se seguiu dela.
— O buraco de minhoca — Sean olhou para os lados. —, aquele buraco de minhoca abriu enquanto seu irmão o sobrevoava ou ele já estava aberto quando ele levantou voo naquela pista?
— Naquela pista... — Eva tentou respirar. — Arthuro levantou voo no bimotor... — contorceu as mãos. —, e o buraco de minhoca se abriu.
Sean viu o movimento das mãos dela.
— Aonde foi isso?
— Cidade de Iligan. Norte de Mindanao, Filipinas.
— E então ele viu uma ogiva perseguindo uma nave alienígena? Duas, se estou certo.
Eva sentiu-se tonta. Sean correu a segurá-la levantando de sua cadeira e sentando-se ao lado dela. Chamou o garçom pedindo um copo de água gelada com açúcar. O garçom o serviu e Sean molhou a boca dela
que mal sabia o que engolia. Depois ele molhou sua nuca e Eva sentiu um frenesi acontecer dentro dela, nos braços dele, adorando ser tocada por ele, adorando sentir seu cheiro.
“Muito lindo!”, pensou ao vê-lo de tão perto.
Ele sorriu-lhe tendo captado novamente aquele pensamento.
Ficou confuso e extasiado. Tudo junto.
— Está melhor?
— Sim... — ela se aprumou e ele voltou a sentar-se em frente dela. — Por que tinha que ser desse jeito?
— Por que tinha o que? — Sean estranhou.
Eva acordou do torpor.
— Nada! — tentou arrumar o coque loiro que usava.
Sean cheirou sua própria mão, o perfume que se transferiu dela para ele. Enfim entendeu o porquê dela lembrar Virgínia.
— Seu perfume...
— O que disse? — foi a vez dela.
— ESCADA!
— Ah! Obrigada! — tirou o copo de água com açúcar das mãos dele.
— Não há de que — Sean sorriu-lhe outra vez. Olhou em volta e voltou a olhá-la. — Como chegou até vocês àquela informação? Como sabiam que um buraco de minhoca iria abrir nas Filipinas, Eva?
— Eu não posso...
— Por favor, Eva. É realmente muito importante para mim — se aproximou um pouco mais dela. — Tentaram me matar por causa disso, tenho quase certeza. Estou no escuro correndo de inimigos que não sei quem
são.
— Se eu falar...
— Não irei lhe entregar! — tocou sua mão. — Juro! — ele viu Eva quase falar; sua boca abrir e fechar. — Aceite minha palavra de honra — foi sincero. — Só tem a validade de dezoito anos, mas é honesta.
Sou um jovem homem honesto — sorriu-lhe.
Eva Klein pensou muito antes de falar. Algo dentro dela, ela ponderou. Sabia que corria risco ao falar. Mas mais risco corria se ela não falasse.
Decidiu-se por fim, ajudá-lo.
— Uma cientista, amiga de meu irmão... — Eva ponderou outra vez. — Eles trabalhavam para a Poliu.
Foi a vez de Sean sentir o impacto. Recostou-se rapidamente quase sem conseguir.
— “Poliu”? Então você sabe sobre mim mais do que diz, não é Eva? Mais do que riqueza ou adolescência?
— É conhecido por todos que a Computer Co. não tem uma vida fácil por causa da corporação de inteligência Poliu.
— E a corporação divulga isso o tempo todo? Droga! — Sean girou os olhos, nervoso. O café enfim chegou e ele mal assimilou o sabor. — Então realmente foi por isso que eles foram atrás de mim na feira,
porque todos sabem que sou um hacker e que os mainframes onde os dados da Poliu são armazenados, me pertencem?
— Que mainframes, Sean?
— Nada! Diga-me, então o Dr. Arthuro trabalhava com uma cientista da Poliu? Sabe o nome dela?
— Sim! Seu nome é Martha.
— Martha era um dos nomes citados na transcrição.
— Arthuro trabalhava com Martha quando informações de atividades alienígenas surgiram nas Filipinas.
— “Atividades alienígenas”? As listas sabiam disso?
— Acredito que não. Mas agora… depois do que disse…
— De onde você calcula que eles venham? Quero dizer, de onde os alienígenas vêm?
— Não sei. Mas acredito que a Poliu tenha essa informação.
— É... O aristocrata Trevellis sempre tem esse tipo de informação, não é Eva? Ele e os espiões psíquicos, preparados para tais comunicações.
Eva ficou confusa se respondia ou não àquilo.
— Sirius! — Eva falou.
— Como é que é? — Sean estancou. — Fala de Sirius, a estrela?
— Sim. Se você acredita mesmo nisso.
— Se eu acredito mesmo nisso? Algumas correntes sugerem que a Tribo Dogon de Mali teria conhecimento de uma ou mais estrelas companheiras em Sirius, invisíveis a olho nu, antes de terem sido descobertas
no século XIX por meio de cálculos astronômicos, o que tem sido fonte de especulação para ufólogos.
— Entendo... Então não é só você.
Sean não gostou da ironia. Tomou a xicrona de café num só gole e voltou a encará-la enquanto ela comia.
— Apesar de ter sido confirmado apenas em 1844 que se trata dum sistema binário, muitos gregos já consideravam Sirius como um elemento duplo, haja vista a lenda que gira em torno da estrela.
— “Lenda”? Não acredito em alienígenas vindos de Sirius, Sean; Arthuro acreditava — suspirou.
Sean ficou pensativo enquanto o café era renovado.
— Por que acha que o Dr. Arthuro desconfiava que eles fossem de lá, Eva? Está me dizendo que humanos antigos já se utilizavam de naves e buracos de minhoca?
— De acordo com os textos védicos, a Índia utilizava-se de máquinas voadoras que eram chamadas de Vimanas.
— Vimanas, os UFOs do Mahabharata.
— Sim. Em um trecho do poema Mahabharata, o herói Krishina, está perseguindo seu inimigo ‘Salva’, quando o Vimana de Salva fica invisível assim como os UFOs fazem hoje em dia.
Sean não sabia mais o que falar.
— O que acha que liga os Dogons aos Filipinos? Coordenadas? — Sean ergueu o sobrolho e sorriu cínico como era.
— Os alienígenas abriram um buraco de minhoca em Mali séculos atrás e voltaram a abrir nas Filipinas pelo mesmo motivo — Eva sorriu-lhe maravilhosamente bem. —, só não sei qual. E um grande buraco de minhoca
tentou se abrir três vezes sem sucesso, Sean, até engolir Arthuro.
— Por isso os pequenos tremores fabricados que o barman disse...
— Por isso a atividade eletromagnética acima do normal.
— Eu recebi um e-mail da NASA sobre uma explosão de vento solar que havia criado tempestades geomagnéticas fora do normal; algo no valor de KP=9.
— As tempestades são algo preocupante. O índice K é um código relativo à máxima flutuação da componente horizontal, observada em um magnetômetro, em um dia de calmaria, durante um intervalo de três horas.
— O índice KP=7 representa uma tempestade geomagnética de escala G3, já KP=8 equivale a G4, e KP=9 a G5 extrema — Sean viu Eva chamar o garçom e pedir a conta.
— Numa tempestade de escala G5, imagine Sean, podem ocorrer colapsos gerais das redes de energia elétrica, correntes de centenas de ampères nas tubulações de gás e óleo pelas correntes induzidas pela variação
do campo magnético.
“A Computer Co. construía uma máquina para estudar os neutrinos”, passou pela mente de Sean.
— O buraco de minhoca pode ter sido aberto por causa dessa atividade?
— Arthuro... — Eva parou. — Meu irmão não dividia comigo muita coisa. Mal acompanhava o trabalho dele. Sou geneticista.
— Geneticista? Então também trabalhava para a Poliu, suponho, noutra área.
— Sim — abaixou a cabeça.
— Na área das pílulas de DNA?
— “Pílulas”?
— Essas tempestades de G5 poderiam ser iguais as que Tesla criava, Eva?
Sean mudou tão rápido de assunto que Eva sentiu-se sem o controle da conversa. Suspirou como quem não acredita no que acabara de ouvir. E Sean ficou sem compreender se ela debochava ou apenas discordava
dele, porque cancelou as próximas perguntas e não mais falou sobre as pílulas ou Tesla; ela pareceu também não insistir, com ambos ganhando a Spuistraat outra vez.
Eva começou a se sentir como há muito não se sentia, de bem com a vida, de bem com o amor. Nem quis saber se tinha mais que o dobro da idade dele ou não, sentia-se tão bem na presença dele que queria que
o dia jamais terminasse, que a vida realmente parasse entre uma dimensão e outra.
— Sabe que andando por Amsterdã não dá para saber que alguns edifícios dos séculos XIV, XV e XVI têm uma área comum nos seus fundos?
— Por detrás dessa fachada fechada? — olhou em volta.
— Sim. Muitos têm quintal, com varal e churrasqueira.
Sean olhou em volta novamente, adorando a arquitetura do local.
— Venha! — Eva pegou nas mãos dele. — Deixe-me mostrar-lhe algo...
Sean sentiu-se elétrico no tocar das mãos dela. Não entendeu como alguém que não o conhecia o pegasse pelas mãos, mas Eva realmente agia como se a presença de Sean fosse algum passeio.
— Onde estamos indo, Eva?
— Chama-se Begijnhof e fica atrás dos edifícios da Praça Spui — apontou.
— Sinto não ter tempo. Está entardecendo.
— Pena! — ela parou ainda de mãos dadas com ele.
Ele sorriu-lhe e ambos chegaram à Universiteit van Amsterdã quando só então ela lhe soltou a mão.
Os dois entraram numa sala pequena, com paredes apinhadas de estantes de livros, papéis, porta-retratos, vasos de flores na sua maioria, murchas. Cadeiras coloridas e um tapete de pele preta, no mínimo
exótico.
— No que Arthuro e Martha trabalhavam exatamente, Eva?
— Na continuidade do trabalho do pai dela.
— O pai da cientista Martha também era da Poliu?
— Sim! Projeto E.N.I.G.M.A.!
— Projeto... — Sean quase não conseguiu falar, caindo prostrado na poltrona colorida no meio da bagunça da sala de Eva Klein.
— Um projeto sobre antigravidade! — exclamou Eva de repente.
Sean sentiu que as peças estranhamente se encaixavam. Ficou feliz em achar que não enlouquecia nem que era alienado como seus pais achavam.
Prosseguiu:
— Então ENIGMA é realmente um acrônimo?
— Nada sei sobre acrônimos, só sei que...
— Que é possível voltar ao passado — Sean cortou o que ela falava.
— E o que é o passado, Sean? — ambos ficaram se olhando, detalhadamente. — Alguns experimentos têm mostrado que o tempo, como geralmente ele é concebido, uma progressão linear do passado ao presente e
daí ao futuro, em última instância, não existe.
— Filósofos se permitem dizer que o passado não existe, Eva. Cientistas sabem que o tempo corre, deixa marcas e as produz intensamente.
— Não exatamente! Experimentos realizados na Universidade de Columbia na década de 70 provaram que se um observador determinar que um fóton viaje ou não como uma onda, o que acontece com o fóton, emitido
num aparelho espelhado retardando consideravelmente sua jornada, será capaz de determinar o estado dele próprio naquele tempo em que é emitido.
— É onde a Física Quântica grita aos quatro cantos do mundo que somos nós, observadores, quem decidimos nosso destino... — divagou. — Em palavras mais sóbrias, isso mostra que o presente, afeta o passado,
e então o futuro pode afetar o presente.
— Não está achando que todo o tempo é na realidade simultâneo, está Sean? Porque estou dizendo que o que chamamos de passado e futuro existe agora, e o passado não passou, e o futuro não está por vir.
Porque para algo existir fisicamente, ele deve estar presente por um período de tempo. Um objeto tem que possuir comprimento, largura ou profundidade, ele também precisa de uma duração, precisa ser quadrimensional.
Então um objeto instantâneo, que não dura por qualquer quantidade de tempo, simplesmente não existe.
Sean olhou para um lado, para o outro e voltou a encarar a bela e loira Eva.
— De acordo com o niilismo universal, o passado e o futuro não ocupam nenhum momento dentro desse presente por um período de tempo. É impossível quantificar a duração do que chama de presente porque a
quantidade de tempo desse presente pode ser temporariamente dividida em partes de passado, presente e futuro. Se o presente é de um segundo, então esse segundo pode ser dividido em três partes. A primeira
parte é, então, o passado, a segunda parte é o presente, e a terceira é o futuro. Então esse terceiro segundo, que agora é considerado o presente, pode ser ainda dividido em mais três partes. Se prosseguirmos
assim, esta divisão pode ocorrer infinitamente e o presente pode nunca existir de verdade, já que nunca ocupa uma duração de tempo. O niilismo de Nietsche usa esse argumento para afirmar que nada existe,
nem o tempo.
— Por isso o tempo escapa entre as dimensões.
— Por isso voltamos ao passado que é realmente noutra dimensão e assim não podemos modificá-lo — Sean começava entender o processo, sorriu imaginando Santo Agostinho discutindo com ela a existência ou
não de passado, presente e futuro.
Eva sorriu também, encantada.
— Mesmo onde não há nenhum átomo ou fragmento de átomo, existem luz e força gravitacional, e isso é energia, Sean. Podendo sem aviso prévio, acumular-se de forma brutal num ponto qualquer.
— Então poderia nascer os buracos de minhoca, Eva?
— Gosto de sua inteligência, Sean.
Sean se esquivou de falar algo óbvio. No final ele era tão nerd quanto Gyrimias Leferi.
— Seja lá o que minha inteligência diga, eu não acredito que possamos viajar pelo tempo como a ponte de Einstein-Rosen propõe Eva. A viagem teria que ser um erro temporal.
— Conhece as sete máquinas do tempo, Sean? O Espaço-temporal de Van Stockum, a Ponte Einstein-Rosen, o Universo de Gödel, os Buracos negros de Kerr, a Máquina do tempo de Gott, a Propulsão de dobra de
Alcubierre e os Buracos de minhoca de Morris-Thorne — Eva sorriu-lhe.
“E como é linda” soou por todo ele.
Eva prosseguia:
— Porque se a entrada do buraco de minhoca estiver imóvel em relação a nós, e a saída se deslocar no espaço a uma velocidade próxima da luz, o fenômeno da dilatação do tempo terá uma consequência espantosa;
o tempo passará a ritmos diferentes na entrada do túnel temporal e na sua saída. Isso não pode ser caracterizado como um erro.
— Sabe? Se eu também não me achasse tão alienado quanto dizem, eu riria de você, Eva — mas ele viu Eva apenas sorrir-lhe.
— Riria se eu dissesse que muitos outros mundos são habitados, porém não podemos vê-los porque não vibramos na mesma frequência que eles?
— Disso não riria, mas perguntaria em qual desses mundos estariam ‘nossos mortos’ — olhou-a com interesse redobrado.
— “Nossos mortos”? — os olhos verdes dela brilharam para ele.
Sean teve medo que sua vida estivesse mais escancarada à mídia do que queria que ‘nossos mortos’ incluíssem Sandy Monroe e Eva soubesse até mais do que ‘xicronas de café’.
— O que foi exatamente aquilo que vocês viram nas Filipinas, Eva? Se as paredes de um buraco de minhoca são instáveis, seria extremamente difícil fazer passar um homem, uma ogiva ou uma nave espacial por
essa cabeça de alfinete espaço-temporal. O buraco de minhoca tinha que ter um tamanho à nossa escala, não?
— Não disse que as paredes estavam instáveis — Eva prosseguiu numa outra frente. — E não sabemos ao certo o que presenciamos nas Filipinas, Sean. A equipe não teve muito tempo para analisar. Acredito que
estamos sob o julgo do ‘Gato de Schrödinger’.
— Ah! A experiência do gato preso, que define que vivemos em mundos paralelos; multiversos, pluralidade de mundos — Sean se levantou num rompante da poltrona colorida. — Meu tempo está se esgotando aqui
em Amsterdã. Vou partir para a Ilha de Andros, nas Bahamas, amanhã cedo. Agradeço por me receber tão bem após sua perda, Srta. Eva Klein.
— Arthuro adoraria tê-lo conhecido, Sean. Você é tudo o que dizem a seu respeito.
Sean ficou sem ação. Virou-se para ir embora e ela ficou a apreciar o corpo perfeito dele no que ele abriu a porta e parou voltando a fechá-la de costas para Eva.
— De acordo com as leis da mecânica quântica, a energia no buraco de minhoca só poderia ser negativa, não? Então um campo eletromagnético forte como um terremoto poderia gerar essa energia negativa?
Eva pareceu não entender a pergunta:
— No geral, a ideia é que as forças gravitacionais se originem das chamadas flutuações do vácuo. Ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, há alguma coisa no vácuo, Sean.
— Um vácuo quântico, onde segundo nossa Cosmologia atual, o Big Bang teria surgido? — e Sean viu Eva sorrir-lhe. — Porque se o Universo foi mesmo criado, ou se ele existe desde o sempre, sendo os conceitos
de tempo e causalidade apenas abstrações da mente humana, que usamos para facilitar nosso entendimento, então quem criou o vácuo onde o Big Bang nos criou?
E Eva voltou-lhe a sorrir.
— Não sei se posso, como os filósofos da antiguidade, responder se Deus existe Sr. Queise... Sean... Ou se mesmo esse vácuo quântico existe finitamente além de nosso Universo, mas foi o Princípio da Incerteza
de Heisenberg, uma das pedras fundamentais da teoria quântica, que definiu o vácuo eletromagnético como o estado de zero fóton encontrado no vácuo, campos residuais incontroláveis que se chamam campos
do vácuo.
Sean se virou para ela.
— E como Albert Einstein disse que matéria e energia se equivalem, às vezes essa energia-zero sofre flutuações dando origem a partículas subatômicas que aparecem no vácuo, criando matéria do nada; não
era a resposta que eu esperava Eva.
“Ou esperava?”, Sean se perguntou.
— E o que esperava ouvir Sr. Queise? Sean...
— Que há nada no nada.
— O vácuo não é ‘nada’, Sean, porque uma das maiores descobertas foi a de que o vácuo tem estrutura, e que são as flutuações quânticas que dão origem ao Efeito Casimir, que fazem as flutuações quânticas
respeitar o Princípio da Incerteza de Heisenberg para as variáveis conjugadas; tempo e energia.
— E o perispírito pode causar flutuação do vácuo quântico no éter?
E Eva olhou Sean de uma maneira que ele outra vez quis decifrar, mas não conseguiu.
— Está atrás de alguém?
— Por que acha que estou?
— Porque dizem, falam sobre uma noiva morta.
E Sean a observou.
— Realmente sabe mais do que diz não Senhorita?
— Sei? — também brincou com as palavras.
— Porque deve saber que podemos roubar energia do vácuo, nos duplicar pelas muitas dimensões, nos projetar aqui e lá, até nos teletransportar por completo.
— Por um tempo muito curto, Sr. Queise, e o devolver rapidinho — sorriu encantadora.
— E se um buraco de minhoca fosse criado por causas naturais?
— A Teoria-M diz que há onze dimensões superiores, ou mesmo infinita, com animais, insetos e homens, vivendo cada um em seu mundo sem que outros animais, insetos e humanos saibam da existência de outro
universo vizinho, porque de fato, o outro universo seria invisível. Então todos os animais, insetos e humanos levariam a sua vida sem saber da existência de outros deles, a apenas milímetros de distância.
Não sei se um buraco de minhoca conseguiria levar animais, insetos e humanos de um lado a outro da vizinhança.
— Mas se o buraco de minhoca for usado para se viajar pelo tempo? Dentro de seu próprio universo?
— Está querendo desabonar Einstein, Sean? Que diz que podemos viajar ao futuro, mas não ao passado, porque o passado é um evento fechado?
— Fechado para ocasionalmente, a gravidade atrair uma membrana vizinha, até colidirem, liberando uma quantidade colossal de energia? Mas e se formos um grande holograma?
— A Teoria das Cordas está intimamente ligada à SuSy, SuperSymmetry, que propõe uma simetria do espaço-tempo que se relaciona duas classes básicas de partículas elementares, os bósons que têm um valor
de número inteiro de rotação, e os férmions que têm um spin semi-inteiro. Até o momento o LHC não está nem perto encontrar SuSy, muito embora não invalide a Teoria das Cordas ou Teoria–M, como um princípio
holográfico — Eva sorriu fazendo charme.
— Por que me levou para passear por Amsterdã Eva? — e Sean cortou-lhe o ar e a fala.
Os olhos verdes de Eva brilharam quando ela trocou novamente as pernas de lugar, encantando-o.
— Porque não tive muitas oportunidades, Sean...
— Oportunidades do tipo, saber sobre física quântica, mecânica quântica e espiritismo quântico, sendo apenas uma geneticista que ‘mal acompanhava’ o trabalho de seu irmão Arthuro, Eva?
E um silêncio maior do que o costume fez Eva parar de responder. Sean abriu a porta e outra vez se virou para ela, porque algo no seu cabelo, uma tonalidade mais avermelhada o fez ter outra sensação de
déjà vu com a mulher avantajada sentada no sofá. Saiu batendo a porta enquanto Eva Klein não conseguia mover-se, com todo seu corpo descompensado.
Ela olhou para a estante onde muitos porta-retratos estavam arranjados e sua atenção caiu numa fotografia em especial; nessa fotografia estava Eva, Arthuro e sua equipe.
— Que pena Sr. Queise! Que pena mesmo que tenha tomado tal decisão! — exclamou sozinha.
Já Sean estava tão atordoado com os pensamentos que pipocavam que não pensou duas vezes. Andou até o corredor onde vira alguns aparelhos de telefonia pública e ligou para a Computer Co. no Brasil atrás
de Gyrimias Leferi.
— Computer Co., boa tarde! Roseli falando! — anunciou a telefonista.
— Passe-me para Gyrimias Leferi, Srta. Roseli. Diga-lhe que é Sean Queise.
— Sim, Sr. Queise! Um momento, por favor!
Um clique agudo anunciou que a linha fora completada.
— Senhor Sean Queise? Nossa! Estão todos preocupados...
— Agora não tenho tempo Gyrimias. Preciso que diga onde o Princípio da Incerteza de Heisenberg bate de frente com o Gato de Schrödinger? Porque o Efeito Casimir não pode ser um moto contínuo, porque as
flutuações quânticas tem que respeitar o Princípio da Incerteza, e porque tempo e energia abrem buracos de minhoca.
— Senhor... — Gyrimias não entendera nada. — Parcelado...
— Sem parcelas Gyrimias, Winston Churchill dizia que o homem tinha a capacidade de ocasionalmente tropeçar na verdade, mas normalmente conseguia se levantar passar sobre ou ao largo dela, e continuar.
E preciso da verdade mais que nunca...
— Parcelado... — Gyrimias olhou para os lados tentando entender o patrão. —, se vamos tropeçar na verdade e encará-la...
— Prossiga!
— No coração da mecânica quântica está a incerteza, não apenas o princípio dela, mas todo o conceito de incerteza, Senhor. A mecânica quântica funciona, só não sabemos por que funciona. Parcelado meu trabalho,
está com tempo, Senhor?
Sean olhou o corredor vazio.
— Todo tempo do mundo Gyrimias — Sean escorregou até o chão, sentando-se.
— Parcelado nosso tempo infinito, Senhor, sabemos que no início do Universo, ele sofreu um evento quântico.
— Nós todos viemos desse único evento; alienígenas, terráqueos, e espiões psíquicos vindos das mesma e única partícula que foi gerada por outras vindas, de outras dimensões.
— Sim, Senhor. E sabe quem fez desmoronar a função de onda dessa partícula? O Princípio da Incerteza de Heisenberg.
— Estamos vivendo uma época de totais transformações, Gyrimias. Deus tem permitido que alcançássemos tudo isso e consigamos milagres, mas para isso, para se viajar no tempo construindo máquinas que permitam
abrir buracos de minhoca, seriam necessários computadores quânticos, com muitas funções paralelas. E tem que haver códigos quânticos invioláveis, Gyrimias, códigos baseados no Princípio da Incerteza...
— e tudo o que ele próprio disse o alertou.
— Tenho até medo de falar, parcelar, Senhor...
— Prossiga em suas parcelas Gyrimias.
— O Princípio da Incerteza diz que não podemos medir dois atributos ao mesmo tempo, Senhor, e assim que fixamos o momentum de uma partícula não fazemos a mínima ideia de onde ela está.
— O físico austríaco Erwin Schrödinger fez uma experiência mental que ficou conhecida como ‘Gato de Schrödinger’, onde um átomo pode estar localizado em dois lugares diferentes ao mesmo tempo, a chamada
sobreposição.
— Como…
— Exatamente como Mona sai de Lisboa e vai até onde quiser; se sobrepondo. E Oscar... Oscar vai ao meu quarto dar ‘Boa noite!’, todas as noites, respeitando a espiritualidade quântica Gyrimias...
— Senhor...
— Não Gyrimias. Eu sei do que falo. Porque eu acordo em Lisboa enquanto ainda durmo, e Mona amiga me vê e conversa comigo sem que meu corpo tenha saído de minha cama, onde durmo.
Gyrimias agora não entendeu mais nada.
— A propósito, Senhor? Tem um e-mail na sua lista que acho que deveria lê-lo, Senhor... Um colisteiro de nickname daniel-flashback disse que dias atrás, ele ouviu, acho que essa não é bem a palavra, um
chiado no ouvido interno, e percebeu ser uma espécie de SOS que dizia ‘Queda de nave!’. Então ele perguntou a esse ruído se era “Nave ou aeronave?” e a resposta foi ‘Ilhanas!’.
— “Ilhanas”? Ilhas anãs?
— Sabe o que significa isso Senhor?
— Significa que alguém criou energia negativa Gyrimias, algo capaz de fazer as paredes do buraco de minhoca não se colapsar. E a Poliu está envolvida com algo escondido em ilhas anãs... — e Sean desligou
num rompante.
Gyrimias ficou olhando o telefone com a linha cortada e Sean ficou olhando em estado de choque o reflexo de Enrico Fatto no espelho do corredor; Enrico Fatto e mais dois capangas acabavam de virar o corredor
que levava as salas da ala de física, onde deixara Eva Klein.
“Eva Klein!” foi só o que Sean conseguiu pensar largando o telefone pendurado.
Sean correu e adentrou na sala de Eva a encontrando vazia. Eva Klein havia sumido. Já Fatto se aproximava da curva do corredor onde os telefones públicos ficavam instalados.
Um em questão, que balançava no ar, chamou sua atenção. Ele o colocou no gancho e chamou outra vez a linha acionando a tecla de rediscagem.
A telefonista anunciou:
— Computer Co., boa tarde! Roseli falando!
Enrico Fatto sorriu malévolo. Sabia o que significava aquilo. Deu ordens para que seus dois capangas seguissem pela esquerda.
Fatto foi pela direita, exatamente para onde Sean Queise havia se dirigido. E Sean mal fechou a porta de Eva e uma bala passou-lhe de raspão. Sean correu antes que Enrico Fatto tivesse certeza de quem
era o loiro que ele seguia e Fatto atirou de novo. Sean se jogou ao chão o desestabilizando, que ia morrer como Freda.
Os dois capangas de Enrico Fatto ouviram os tiros e retornaram, se juntaram a ele ao verem um homem loiro virar outro corredor.
Tiros vindos agora de três armas e Sean correu, se jogando pela porta que se abriu à sua vontade e trancou-se sozinha na sua passagem. Corria sala após sala após sala totalmente perdido, em meio a tiros
e mais tiros disparados atrás dele.
Sean alcançou o que imaginou ser o auditório da universidade. Correu por fileira e mais fileiras de cadeiras alcançando a porta de saída até não ver mais alternativa; à sua direita os banheiros, à esquerda
o refeitório.
Ele correu para a direita enquanto Fatto e os capangas adentraram o refeitório que se trancou nas suas passagens com mesas, cadeiras e louças se erguendo do chão e se projetando sobre eles.
— Ahhh!!! — gritaram uníssonos ao serem atingidos por tudo, com líquidos e panelas de caldos ferventes voaram para cima deles. — Ahhh!!! — gritaram uníssonos outra vez atirando desesperados na porta para
que ela se abrisse.
Já Sean ganhava tempo se dirigindo para a direita entrando nos banheiros não sabendo o que fazer, por onde fugir já que ali não havia janelas.
“Droga!” explodiu
Passou a mão pelo bolso da camisa branca que usava desde manhã como Fernão Gomes, e abriu a caixa com as pílulas. Desesperado sem poder tomar a pílula marrom e voltar a ser Fernão, e explicar o que fazia
ali, Sean abriu a torneira e tomou a pílula verde num gole só. Não demorou muito para que vomitasse tudo o que tinha no estômago temendo que a pílula tivesse sido expulsa também.
“Droga!”, explodiu desesperado ao se olhar no espelho.
Seios cresciam numa velocidade extraordinária alargando a camisa já justa, fazendo botões voarem pelo tamanho. Sean viu seus cabelos loiros alcançarem à cintura, sua boca ficar mais carnuda, suas pernas
perderem os músculos, e os pelos diminuir de tamanho.
— Droga! Droga! Droga! — exclamava desesperado, girando pelo banheiro, tentando encontrar uma saída, tentando fazer não sabia mais o quê até se olhar no espelho outra vez e ver-se tomado por uma forma
que nunca tivera, quando a porta do banheiro foi aberta num rompante. — Ah! — Sean ou quem quer que ele fosse naquele momento gritou um grito abafado, delicado, feminino.
— Ah! — já o de Fatto foi uma exclamação forte, máscula, percebendo estar num banheiro feminino.
Os dois capangas de Enrico Fatto caíram um sobre o outro por Fatto ter estancado na porta e Sean os olhava apavorado, com suas feições delicadas, sua estatura menor, suas curvas totalmente femininas explodindo
na roupa que usava, fazendo Fatto a encarar sem compreender quem seguia realmente.
Numa rápida olhadela pelas frestas dos sanitários, Enrico Fatto viu que o homem que usava uma roupa parecida com aquela não estava no banheiro. Fatto então abaixou a cabeça como numa desculpa que não aconteceu
à mulher loira, e empurraram os dois capangas porta fora. Foi o tempo que Sean teve de voltar a vomitar o que ainda tinha e o que não tinha dentro dele.
Levantou-se do chão do banheiro atordoado com o que aquelas pílulas de DNA eram capazes de fazer e sentiu o coração vir à boca que mudava de formato novamente, que ganhava resquícios de uma barba por fazer,
o fazendo ver que o pouco da pílula verde que não vomitara perdia o efeito e seus cabelos encolheram, os seios voltaram para onde nunca existiram, suas pernas se modelavam maiores, peludas, musculosas.
— Deus... — olhou-se se sentido um ‘Hulk!’.
Intercontinental Amstel Hotel, Amsterdã; Holanda.
52° 21’ 36” N e 4° 54’ 21.6” E.
29 de janeiro; 18h30min.
Sean Queise entrou não muito moreno como Fernão Gomes no hotel, vindo pelo canal do Rio Amstel. Olhou-se no espelho percebendo que a pele não amorenara como devia após tomar a pílula marrom.
Ficara claro não era só a melanina que se alterava, nem a estrutura capilar, a pílula verde deixara bem claro que se podia também mudar de cor, tamanho e sexo, por completo.
Ele havia saído correndo da University e correu a pé pela cidade até encontrar um barco que o levara até o hotel sem fazer qualquer pergunta sobre seus trajes alargados e sujos. Sean usou a cópia da chave
e se dirigiu para o quarto a fim de tomar um banho. O perfume de Luanna havia tomado conta do quarto, ‘ESCADA!’, o mesmo perfume de Virgínia, de Eva Klein.
— Droga! — exclamou nervoso tomando mais uma pílula marrom. Quando Sean entrou no The Rive Restaurant estava lindo. — Boa noite Luanna! — sorriu-lhe encantador após tomar a pílula marrom e escurecer mais
ainda sua pele e cabelo.
— Fica bem moreno — falou ela com força.
— Obrigado! — Sean não entendeu a força do elogio. Olhou em volta e sentou. Achou-a, também, muito bonita naquele vestido verde de seda que usava. — Já escolheu ou esperava-me fazer as honras? — sorriu-lhe
encantador apontando para o menu.
— Esperava você! — Luanna nada perguntara sobre onde ele andara.
Isso trouxe desconforto, Sean a preferia brigando.
— Vinho branco ou champagne? Frutos do mar, peixe, ou...
— Qual é o meu papel aqui, Sr. Queise?
Sean a encarou não gostando de como foi chamado, de como ela passou a chamá-lo.
— Não sei do que está falando.
— Aonde você foi? — ia aos poucos perdendo o brilho dos olhos.
— Estudar matemática, física, mecânica quântica!
— “Mecânica quântica”? — riu nervosa. — Entendo!
— Que bom! — voltou ao menu. — Vai querer...
— Não vou querer mais nada! — Luanna jogou o guardanapo e se levantou deixando Sean, que não acreditou que ela fosse capaz de deixá-lo sozinho, no meio do sofisticado e cheio restaurante The Rive.
Sorriu sem graça para todos quem o olhava e depois se odiou pelo que fazia com ela.
Mas ele não confiava em ninguém, não naquele momento.
— O Senhor deseja fazer seu pedido? — se aproximou o garçom.
— Sim — Sean leu o menu em total controle. — Mande-me todas as suas especialidades à base de queijo para o meu quarto, a suíte Royale, daqui uma hora. E uma garrafa de Dom Pérignon safra de 77 no gelo,
por favor — e se levantou.
— Tenha uma boa noite, Senhor — falou o garçom ao vê-lo se levantar.
Sean subiu e preferiu bater na porta ao invés de usar a chave. Luanna abriu a porta chorando e ele sentiu-se mal outra vez.
— Perdão! — falou tão encantador que ela desmontou. Luanna atirou-se nos lábios dele no meio do corredor, descalça, com a metade do vestido de seda verde aberto. Sean sentiu todo o sentimento dela naquele
momento; e se assustou com o que sentiu. — Venha! — olhou-a pelo espelho. — Feche o vestido! — sorriu. — Vamos navegar…
— “Navegar”? — sorriu sem graça. — Onde?
— Dizem que os canais de Amsterdã são belíssimos à noite — começou a puxá-la para fora do quarto.
Mas Luanna voltou para dentro, pegou a sandália e ainda teve tempo de se olhar no espelho e enxugar as lágrimas. Sean a viu sorrindo, e era um sorriso verdadeiro.
Ela estava feliz com algo.
Já ele tentava disfarçar o que sentia ou o que pensava sentir. Decidira, porém que até o final daquela viagem, manteria a agente Luanna Malapacco e a Polícia Mundial ao seu alcance e não contra ele; nem
que para isso, mentiria.
O barqueiro até fez um esforço para entreter o casal, mas Sean só pensava naquela tarde, só pensava em Eva Klein. Sentiu-se de repente relembrando a beleza madura dela, seu corpo todo desejando aquele
desconhecimento. E como uma mulher estranha outra vez o atingiria daquele modo, ele não sabia; porque sabia que amava Kelly Garcia, a mulher que não podia amar.
Por vezes, Sean encarava Luanna sorrindo, se divertindo, apontando para construções iluminadas imaginando por que não consigo sentir aquilo por ela. Sean mal ouvia, mas o barqueiro de vez em vez contava
algo, apontava para algo também.
— Rijksmuseum Museum, Vincent Van Gogh Museum, Stedelijk Museum, o Museu de cera de Madame Tussaud... O original fica em Paris...
Luanna abraçou-o com força e começou a lamber seu pescoço.
— Não...
— Quieto! — ela o beijava.
Sean estava em duvida se talvez Luanna achasse que eles realmente estavam em lua de mel, com uma suíte cara e roupas caras, e todo dinheiro que ela parecia gostar de ter. Porque sua vida deve ter sido
difícil, de poucas economias, obrigada a aceitar missões de vigília que acreditava não condizer com a agente que julgava ser.
Porque Sean sabia que a agente Luanna Malapacco era boa no que fazia, que sabia mandar e que sabia ser obedecida. E que Oscar Roldman a absorveu da Poliu por algum motivo nada nobre; talvez informações
que ela trouxera de dentro da corporação de inteligência.
O barqueiro voltou a mostrar as atrações.
— Ali é a casa de Anne Frank, local onde a garota judia se escondeu dos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Foi lá que ela escreveu seu famoso diário que virou best-seller em 51 línguas. Para os fãs
de cerveja, para lá fica a sede da cervejaria Heineken e se a ‘praia’ do casal for outra... — e o barqueiro olhou Luanna quase engolindo Sean num beijo do qual ele não conseguiu escapar. Ela se sentava
nele, saía, mudava de lado para outra vez o lamber todo, o deixando totalmente sem ação. — Eu recomendo a “Boca do Lixo”, que faz o maior sucesso — e o barqueiro viu Sean arregalar os olhos. — Um dos pontos
mais famosos é o Red Light District, o Bairro da Luz Vermelha onde a prostituição é legalizada e as meninas ficam de biquíni dentro de vitrines — apontou para um Sean de olhos cada vez mais arregalados.
— Ah! Na área também existe uma infinidade de sex-shops, onde se podem adquirir artigos, digamos assim, pouco ortodoxos — e o barqueiro caiu em risada.
Agora Sean ficou realmente com medo de Luanna e as ideias nada ortodoxas que se embutiram no sorriso maroto que ela lhe deu.
Ficou realmente feliz por ter conseguido fazer Luanna Malapacco voltar para o hotel, após as ideias de um barqueiro sem vergonha para uma ‘recém-casada’ mais desavergonhada ainda.
Terminou a noite comendo queijo e tomando champagne em meio às muitas investidas de Luanna e seu vestidinho de seda verde que teimava em sair do corpo dela.
Mas uma desculpa que iam viajar no dia seguinte, só o fez conseguir adiar algo que sabia ser inevitável. Luanna estava sedenta pelo corpo dele, pelo sexo que exalava de seus próprios poros e ele não conseguia
se sentir assim com ela.
Logo que ela dormiu irritadíssima, Sean navegou por algumas agências de viagens. Dentre os muitos catálogos de viagens, fez reservas no Tiamo Resorts.
Não sabia se deveria continuar a gastar escandalosamente já que Enrico Fatto e seus capangas perseguiam um ruivo, um loiro, e provável também um moreno Fernão Gomes.
Depois ficou irritado pelo que passava, pelo que se permitia passar, odiando Oscar, Luanna, Virgínia, Eva, o mundo todo; e nem Kelly escapava de sua irritação.
Os milhares de e-mails que ela mandava para a conta dele o estavam desconcertando. Quem quer que viesse invadir sua caixa e abri-los, veria que Sean Queise não estava na Computer Co. do Brasil.
Mas ele amava Kelly acima de tudo, acima dos erros dele, dela, porque sempre amou Kelly, porque a amou antes de Sandy, talvez durante, e sempre depois. Porque ele sabia quem era Sandy, o que ela queria,
porque ela não o bloqueava, não conseguia.
E Sean sofria, vendo que Kelly sofria.
Mas ele precisava ir até o fim, até o noivado, até encontrar os arquivos roubados, porque não acreditava nela. E agora ali também, naquele momento, precisa ir até o fim para provar algo, ter Kelly completa,
amá-la, porque não podia amá-la, porque seus pais não permitiriam amá-la, porque o mercado o achava jovem, explosivo, fraco; e porque ele tinha treze anos e ela vinte e sete quando se conheceram.
— Kelly... — e aquilo escapou dele sem que Luanna ouvisse.
20
Intercontinental Amstel Hotel, Amsterdã; Holanda.
52° 21’ 36” N e 4° 54’ 21.6” E.
31 de janeiro; 09h00min.
Quando Luanna acordou, as malas já estavam prontas e ele no salão do café. Ela chegou furiosa ao salão olhando em volta. O salão de café estava lotado àquela hora da manhã.
— Acordei e não te vi! — sentou-se pesada na cadeira.
— Eu não quis acordá-la — falou frio, distante.
— Vi as cópias impressas da sua movimentação financeira. Vi também cópias impressas das agências de viagens — Luanna e encarou. — Vamos para mais uma ilha paradisíaca? Gastando escandalosamente? — ela
o viu olhar-lhe de lado, enquanto ela se servia do pão do prato dele como de costume. — Vi também que fez reservas para um casal. Alguém vai dormir no sofá, ‘marido’?
— Parece-me que sim, ‘esposa’ — Sean percebeu que Luanna sabia mais até do que dizia, porque deixara o notebook aberto, sem senhas, propositalmente.
— Ótimo! — ela não se deixou levar, Luanna tinha realmente lido sobre sua movimentação bancária. — Aproveitei e naveguei também. Comprei maiôs e sarongues novos, e alguns pares de sandálias de praia. Mandei
entregar no Tiamo Resorts — e Luanna voltou a beliscar a comida do prato dele.
— Ótimo! — completou.
— E Fernão meu marido… — olhou Sean ainda trajando a imagem jambo de Fernão Gomes. —, inscrevi-nos num curso de Scuba diving fornecido pelo resort. Vamos mergulhar no Andros Barrier Reef, a segunda maior
barreira de corais do mundo e a menos explorada.
— Mergulhar?
— Que foi? Não tem muito a fazer por lá ao não ser mergulhar, tem? — falou ela com ironia.
O mensageiro da FedEx Express entregara logo cedo na portaria do Amstel Intercontinental Hotel, documentos para o suposto Fernão Gomes, mas Sean não quis usar os cartões que Oscar criara para ele. Os achava
‘bichado’, com rastreamento. Foi com um falso cartão de crédito da Chips Line criado a partir de documentos financeiros de sua própria conta bancária dentro da Computer Co, que Sean pagou todas as passagens
e estadias; e agora pagava as compras extras dela.
Ele e Luanna terminaram o café sem se falarem e se dirigiram para o aeroporto. No fundo Sean queira que Lous Teac e seus homens soubessem que Fernão Gomes e a esposa estavam indo para Andros, mais precisamente
para a Bahamas, atrás da letra ‘A’ do acrônimo ENIGMA.
Ilha de Andros, Bahamas; Caribe.
24º 42’ 00” N e 77º 47’ 00” W.
30 de janeiro; 19h55min.
O trajeto incluiu o Miami International Airport. De lá o casal alugou um carro no qual os deixou no Fort Lauderdale Airport. Pela Continental Airlines, Sean e Luanna voaram para o Andros Town Airport,
na Ilha de Andros, nas Bahamas quando outro voo fretado os levou ao Congo Airport na parte sul da Ilha de Andros.
Bahamas era um arquipélago, um Estado independente constituído por 700 ilhas e 2000 recifes, situado no Oceano Atlântico, a Sudeste do estado norte-americano da Flórida e a Norte de Cuba. Com uma área
de 13940 km², as principais cidades são Nassau, a capital, Freeport, Marsh Harbour e Bailey Town. A maior Ilha das Bahamas, a Ilha de Andros, ficava no ocidente do arquipélago.
Outras ilhas importantes eram a Ilha Grande Bahamas ao norte e a Ilha Inágua ao sul. E Andros era um paraíso para os viajantes que procuravam férias verdadeiramente originais no Caribe.
O carro que os levou do aeroporto até o Tiamo Resorts fez o maior trajeto que Sean já viu, já a recepção não podia ser melhor, o casal foi presenteado com lindas sacolas ‘honeymoon’ que ele pouco entendeu.
Sean olhou em volta, o lobby estava um pouco movimentado. Ele não viu ninguém conhecido, mas uma impressão de estar sendo vigiado o tomou por completo. Ele queria ter podido trabalhar mais seu dom paranormal,
e que esse dom fosse algo muito mais consistente que só movimentar móveis e líquidos pelo ar, mas quando Mr. Trevellis desconfiou de algo, ele sumira da Poliu; porque Sean não sabia até onde Mr. Trevellis
o queria realmente ali, sendo um deles.
Voltou a olhar alguns casais em lua de mel; ele contou nove casais que se abraçavam e se beijavam o tempo todo.
Havia outro casal, o décimo casal, que era um pouco mais comedido. Sean queria que Luanna tomasse exemplo com ele.
— Sejam bem-vindos Senhor e Senhora Fernão Gomes, em sua lua de mel.
Luanna riu baixinho e ele entendeu os presentinhos ‘honeymoon’.
— Onde posso comprar um dicionário do Bahamense para o inglês? — Sean foi logo pedindo.
Luanna estranhou.
— Não haverá necessidade, Senhor. Nosso dialeto tem influência africana, mas é pouco falado. Se bem que alguns nativos se utilizam do kreolo, ou creole, um dialeto caribenho usado no Haiti, em Dominica,
Cuba, e noutras ilhas pequenas. Temos alguns livros de referencias. Não chegam a ser dicionários, mas ajudam — entregou um pequeno livreto.
— “Creole”? Interessante!
— Sim, o creole é um resultado da transformação de um pidgin, em língua que tem falantes nativos. Geralmente usado para a língua de comércio local — explicou o gerente.
— Bom saber que aqui não serei surpreendido com palavras difíceis — Sean olhou diretamente para Luanna que dessa vez entendeu o recado.
— Aqui estão suas chaves. É o nosso único bangalô com Jacuzzi.
— “Jacuzzi”?
— Sim. Foi realmente muita sorte. Só temos 11 bangalôs e estão todos lotados. Vocês escolheram um bangalô afastado na nossa praia particular. Serão cumprimentados pelas brisas entrantes do mar.
— Escolhemos? — perguntou Sean para Luanna que voltou a rir baixinho.
Ela não havia apenas lido algo no notebook de Sean; alterara suas estadias.
Ele voltou a olhar os nove casais animados que se abraçavam à sua frente e o gerente riu.
— Não são Bahamianos. Os casais daqui são mais reservados.
— Vamos tentar no adaptar, não é querida esposa?
Ela o odiou.
Sean percebeu que o décimo casal não tirava os olhos deles. O homem principalmente.
— O jantar é servido às luzes de candelabros no Tiamo Lodge. Nossa chef cousine é especialista na gastronomia da região — explicava o gerente aos casais. —, e nossa sobremesa hoje será a deliciosa torta
de creme com coco.
— Como falo “Obrigado!” em creole? — Luanna perguntou.
— “O mair-vê!”.
E vários ‘O mair-vê!’ surgiram ali entre os casais.
Sean estava impactado, nem toda e qualquer flutuação quântica previra aquilo. Era como se toda a vida, a vida de todos estava pré-programada, pré-definida, ou como diria Kelly, éramos nós quem fazia nosso
futuro; a causa de tudo.
— Há no quarto alguns panfletos turísticos — o gerente prosseguiu. — Vão gostar de mergulhar em nossas águas.
— O mair-vê! — Luanna agradeceu.
Sean seguiu para o bangalô totalmente sem ação.
Tiamo Resorts, Ilha de Andros; Caribe.
24º 42’ 02” N e 77º 47’ 02” W.
30 de janeiro; 23h44min.
A noite caíra e Luanna vinha de algum lugar da praia. Ela chegou à porta do bangalô e viu que Sean não quisera jantar, deitado ainda com a roupa da viagem num sofá de madeira. Ele não queria de maneira
alguma dividir a cama ‘honeymoon’, nem podia dizer a gerência se eles tinham uma ‘caminha dobrável’ para ele.
— Pode vir até aqui? — ela chamou-o com a voz arrastada.
Sean levantou-se sonolento para fora do bangalô.
O jardim em plena madrugada, com vista para o Oceano Atlântico era impressionantemente belo. A Lua surgia forte no horizonte e o ambiente era totalmente convidativo. Luanna havia preparado uma massagem
na jacuzzi instalada num deck incrustado na areia macia. Champagne no gelo e luzes de velas rodeavam todo local e o som de Sade! tomou conta dali.
E eram só eles dois no paraíso.
Sean teve receios do que aquilo significava, aquela música antiga, o champagne no gelo, quando o significado realmente surgiu no que a viu tirar seu próprio roupão, o viu cair no chão, com o corpo nu da
bela agente despontando no jardim paradisíaco.
Uma brisa suave batia nas folhas fazendo um som extasiante. Ela olhou-o por debaixo do cabelo negro que escorria nos ombros brancos, e entrou na jacuzzi, molhando o corpo numa espécie de óleo esverdeado,
se acariciando toda.
Sua pele ficou brilhante e seu sexo se projetou quando ela levantou-se, e pôs-se a caminhar em direção do moreno Sean Queise que nada falava, enquanto os bicos dos seios de Luanna duplicavam de tamanho.
Luanna o rodeou até ficar atrás dele, e com mãos suaves e experientes desabotoou a camisa dele durante um abraço; a camisa se encheu de óleo e ele nada cogitou.
Ela foi em frente aumentando a dose, chegando ao cinto da calça, o desatando. Sean fechou os olhos tentando aderir-se ao ambiente, à música, concentrar-se, alcançar à mesma frequência das batidas do coração
dela. Luanna tirou-lhe as calças e Sean se viu nu, se inclinando sob uma esteira forrada de folhas, com o toque do material umedecido pelo orvalho entrando em contato com seu sexo e o fazendo sentir-se
homem.
Luanna derramou óleo nas costas dele, permitindo escorrer por todo o deck que sustentava a jacuzzi, em meio ao vento que aumentava de força, com suas mãos driblando as curvas másculas dele, escorregando
pela pele perfeita, escorregando pela nádega abundante, chegando aos pés para depois subirem numa sequência assustadora.
Sean a sentiu sentar-se sobre ele, nas suas costas, e Luanna se misturou ao óleo perfumado que o atingia quando a música, o óleo, a excitação o tomou de lembranças e ele não podia amar Kelly, e ele não
podia amar outra mulher.
Tentou se levantar, ir embora num relampejo de sensatez, porque sentia seu sexo pedi-la, mas Luanna o fez deitar-se novamente e subiu em suas costas, ficando de pé. Suas passadas o massageavam no que o
prazer aumentava, misturado à dor do peso dela caminhando sobre ele quando o perfume de ESCADA! invadiu a praia trazido pelos ventos quentes do sul do Mar de Andros.
— Está usando ‘ESCADA!’?
— Não... — sussurrava Luanna em transe.
Alguém por entre as folhagens usava; os observava também.
E a ideia de alguém os observando o deixou inquieto, dominado, excitado. Uma mistura de prazer e perigo que o tomou por completo.
A Lua lançou seus raios sobre eles e Sean tentou mais uma vez escapar, manter-se lúcido em meio o cheiro que exalava das entranhas da pequena agente da Polícia Mundial, mas Luanna parecia não querer, se
importar com os preceitos morais dele.
Tocou-lhe e Sean se excitou mais ainda, com as mãos dela lhe indicando seu sexo, levando-a para dentro dela.
— Ahhh... — Sean sentiu-se extravasando, penetrando o corpo de Luanna, deixando-se levar pelo ambiente, pelo corpo nu da mulher que gritava, que girava em cima dele, que voltava a gritar com ele dentro
dela.
O cheiro de ESCADA! voltou a atingir-lhe e Sean ficou confuso, excitado e confuso. Luanna gemia, gritava gritos grotescos que o assustava, o alertava para o perfume ESCADA! que se aproximava.
“Quem?”, foi só o que pensou ao girar o corpo de Luanna para dentro da jacuzzi e deixá-la lá.
— Sean... — Luanna o viu levantar. — Sean? — ela o viu caminhar nu em direção ao bangalô. — Sean?! — ecoou até onde ESCADA! estava.
E olhos verdes brilharam na noite perfumada, olhos verdes que também desejavam um jovem Sean Queise, que amargou o resto da noite solitária na varanda do paraíso.
21
Tiamo Resorts, Ilha de Andros; Caribe.
24º 42’ 02” N e 77º 47’ 02” W.
01 de fevereiro; 10h08min.
As mesas do pequeno bistrô Tiamo Club invadiam as areias da praia. Os casais em lua de mel começavam a aparecer; onze ao todo.
— O que vai pedir? — perguntou Luanna que mal trocara uma palavra com ele desde que acordou. E ele até quis pedir-lhe desculpas, perdão, qualquer coisa que justificasse a noite passada, mas desistiu. —
Um brunch popular aqui é peixe fervido com açúcar.
— Eu não gosto de misturar doce com salgado.
— Escolha conch! — manteve a friagem; e ele não podia esperar nada diferente. — Um molusco do Oceano!
— Branco e com carne igual à maciez de um pêssego — ajudou o garçom anotando o pedido. — Ou ainda a ‘lagosta rocha’, sem garras.
— Pode ser a lagosta, então. Não gosto de moluscos.
Luanna olhou para o garçom.
— Eu vou querer macarrão com queijo bahamense e galinha com pimentas da Mama.
— Macarrão com pimentas de manhã cedo?
— O que? Nas Filipinas comemos balut no café da manhã.
— “Balut”? — Sean sentiu-se mais perdido ainda.
— Balut é um prato feito com o embrião de pato, cozido ainda vivo, e servido em seu ovo.
E Sean não perguntou mais nada. Ela era muito exótica para o gosto dele.
— Também quero peito de galinha, canela da terra, semente de anis, sal, cravo-da-índia, suco de abacaxi, pimenta da Jamaica, pimenta Caiena, pimenta preta fresca; e as pimentas são o forte dessa ilha —
Luanna arregalou os olhos para ele. — Estou com fome! — arregalou os olhos para o corpo dele.
O garçom se afastou após anotar o pedido.
— Como sabe?
— Como sei o quê? — Luanna se serviu do pão do prato dele.
Ele começava a achar aquela mania dela uma falta de educação.
— Perguntei como sabe sobre “as pimentas são o forte dessa ilha”?
Luanna deu de ombro.
— São pratos famosos, gastronomicamente — ela realmente se divertia.
Sean devolveu um sorriso cínico e nada mais falou.
As mesas de frente ao mar, mais próximas e dentro da areia eram as mais disputadas. O vento trazido pela brisa úmida do mar abriu o apetite de Sean. A comida chegou e Luanna levantou-se para pedir mais
gelo para a lagosta.
O décimo casal, o casal ‘mais comedido’ também estava lá. E foi a saída de Luanna, a deixa para que o homem do casal comedido se aproximasse de sua mesa. Sean o observou quando ele parou e ficou a olhar
para o mar como quem está perdido em pensamentos. Sua pessoa não lhe parecia estranha e sensações de déjà vu começavam a irritá-lo.
Sean voltou a comer e o homem do casal comedido se virou repentinamente, se inclinando sobre a mesa de Sean.
— Bu kunbidadu sala, bu ientra kuartu?
— Como é que é? — Sean estranhou sua voz afetada.
— Bu kunbidadu sala, bu ientra kuartu?
— Desculpe-me... — Sean olhou-o com interesse, o homem do casal comedido não parecia querer ir embora. — Não falo creole.
— Bu kunbidadu sala, bu ientra kuartu?! — insistia como quem está ficando irritado.
Sean pegou o livreto e tentou traduzir sem quase tirar os olhos de cima dele.
— “Bu kunbidadu sala, bu ientra kuartu?”, você disse? “Você é convidado para sala e você entra no quarto?”! — sorriu sem graça.
O homem do casal comedido se virou para o mar outra vez e Sean buscou Luanna por debaixo dos olhos.
— Abo i rasa polon: si bu na kai, bu ka ta kai abo son! — falou o homem comedido, como que para o infinito.
Sean correu ao dicionário e encontrou a frase lá.
— “Você é como o poilão: se cair não cai sozinho!” — olhou o estranho falar frases que estavam lá, no dicionário dado.
Sean não gostou daquilo.
— “Bu kunbidadu sala, bu ientra kuartu?” “Abo i rasa polon: si bu na kai, bu ka ta kai abo son!” — o homem comedido parecia estar sob forte pressão.
Sean olhava atônito para os lados chamando o garçom com medo do homem já não tão comedido assim, e que não saia de seu lado, se perguntando afinal quem levaria junto se ele caísse feito poilão.
— Precisa de algo Senhor?
— Preciso que retire esse Senhor! — Sean apontou.
E o garçom olhou o homem do casal comedido olhando furioso para Sean Queise.
— O Senhor podia voltar a sua...
E o homem do casal comedido se desvencilhou do garçom que o pegou pelo braço.
— “Abo i rasa polon: si bu na kai, bu ka ta kai abo son!” — repetiu o homem do casal comedido quando percebeu que Luanna voltava para a mesa. — “Dus galu ka ta kanta na un kapuera!” — olhou o garçom, olhou
Sean e saiu.
Mas Sean sentiu tudo nublar quando foi o perfume de ESCADA! que entranhou em suas narinas.
O garçom sorriu meio confuso com o entrevero, e saiu quando foi a vez de Sean o segurar pelo braço:
— O que ele disse?
— Ele disse?
— O que ele disse? — insistiu Sean ao garçom, agora vendo que Luanna estava a poucos passos deles.
— “Dois galos não cantam no mesmo terreiro” — traduziu o garçom e saiu.
— Ah! Eu concordo! — exclamou um Sean atordoado.
E Luanna sentou-se com outro garçom na cola dela trazendo mais lagostas no gelo.
— O que houve aqui?
— O homem do casal comedido...
— Homem de quem?
— Do poilão...
— Fala da árvore cuja madeira se fazem canoas? — Luanna viu Sean fazer uma careta para trás, para casais mesas atrás. — Fernão? Fernão? — chamou-o. — Fala da família das bombáceas?
— Quê?
— Como ‘quê’?
— O marido comedido daquela mulher... — apontou discretamente para o décimo casal que agora sentavam e almoçavam.
Luanna procurou saber de quem Sean falava e não encontrou.
— Como assim, comedido?
— Assim como?
Luanna nada entendeu.
— Marquei para antes do almoço nossa aula de Scuba... — ela viu Sean outra vez paralisado. — Fernão? Fernão? Sean?
— Quê? — acordou. — Ótimo! Mergulhar vai esfriar minhas ideias — e Sean escorregou os olhos para o homem do casal comedido que os encarava de longe.
— Então compramos aqui? — falava Luanna sozinha há um bom tempo. — Fernão? Fernão? Sean?
— Quê?
— O equipamento. Está me escutando?
— Claro! Compre pelo telefone e mande entregar à tarde — olhou Luanna confusa pela distância que ele começava a demonstrar. — Já falei para me chamar de Fernão, não?
— Mas você não me escuta. Parece poilão.
— Pareço o que? — Sean impactou.
— Poilão! Surdo como poilão! Como as árvores de poilão perto do nosso bangalô, aquela de perfume...
— ESCADA! — escapou dele olhando para trás.
— O que disse?
E Sean olhou assustado para o mar.
— Preciso... — se ergueu.
— Precisa?
— Preciso me desenvolver! — e ele deixou Luanna lá.
Andou, acelerou e correu ao bangalô totalmente zonzo. Entrou e pegou o notebook correndo outra vez até o lounge onde duas cabines públicas estavam instaladas. Entrou na cabine após ter desejado que todos
os copos de drinks enfeitados com abacaxi, em cima da mesa da entrada, explodissem.
E eles explodiram.
Gritaria e muito líquido derramado quando Sean olhou a faca na mesa de petit four, e ela apareceu em sua mão. Puxou o fio do telefone e o descascou até que fios de cobres aparecessem. Ligou-os a um pequeno
plugue tirado de sua calça e que confundia o leitor de números a fim de não ser rastreado, e conectou a linha ao notebook entrando no site da Computer Co..
“Luanna tinha razão, os logotipos apareciam sempre”, pensou.
Entrou no banco de dados de Spartacus já não se importando se a Poliu saberia ou não. A corporação de inteligência parecia ser a última de suas preocupações, afinal todos aqueles equipamentos, armas, binóculos,
pertenciam a ela, Sean tinha certeza. E o porquê da Poliu o estar ajudando, tinha uma resposta bem mais simples; a Poliu precisava dele.
“Coordenadas entre 24º 42’ 08” N de latitude e 77º 47’ 16” W de longitude” foi o que o satélite de observação Spartacus traduziu.
— Droga! Andros Town fica nas coordenadas 24º 42’ 00” N de latitude e 77º 47’ 00” W de longitude. Spartacus se deslocou mais para o sul de Andros. O que há lá? O tal banco de corais? — olhou em volta se
questionando intensamente ao se desconectar e voltar a prender os fios de cobre no aparelho de telefonia fixa do resort.
Saiu da cabine correndo outra vez, já estava se acostumando a agir sorrateiro daquela maneira. Entrou no bangalô e percebeu que Luanna não havia ido atrás dele. Guardou o notebook da mesma maneira do que
antes para que ela não percebesse e correu para a praia.
Luanna trocava o pé de apoio quando ele sentou suado, cansado, extasiado.
— Vamos mergulhar no banco de corais? — foi só o que ele falou a convidando a sair.
Ela girou os olhos furiosa e Sean assinou a conta indo ambos para o bangalô, sem trocar mais uma única palavra. Entraram no quarto e Luanna colocou um maio e uma bela sarongue colorida. Virou-se e o olhou
fixamente o inclinando sobre a cama até ele cair.
O coração dele veio à garganta, mas foi só um longo beijo sobre ele, o que Luanna fez. Ela então lhe sorriu e o levantou da cama para que saíssem.
Sean e Luanna foram mergulhar. Ele também não tinha muito que fazer a não ser esperar o resultado de Spartacus.
Mar de Andros, Caribe.
24º 42’ 08” N e 77º 47’ 16” W.
31 de janeiro; 11h33min.
Eram os mesmos onze casais que estavam no píer esperando o iate que os iam levar para uma manhã de Scuba diving. Sean se sentiu mal ao perceber que o décimo casal, o homem do casal comedido e esquisito,
e sua mulher mais comedida e esquisita ainda, também iam mergulhar.
Já Luanna agia como se estivesse em férias. Risinhos animados com outra mulher do grupo e Sean a puxou tão forte que ela teve que controlar o grito.
Ele girou os olhos, nervoso.
Os outros casais se beijavam, e Luanna aproveitou e pulou no pescoço dele, e Sean era talvez o ‘recém-casado’ mais incomodado entre eles.
Chattan, o homem do casal comedido entrou no iate no momento em que viu os dois se beijarem. O iate recolheu as amarras e zarpou depois de ter guardado todos os equipamentos que os casais trouxeram.
Alguns equipamentos comprados, outros alugados no píer.
— Olá! Meu nome é Noraih e vamos ter uma pequena aula introdutória para aqueles que nunca mergulharam — falava o instrutor enquanto o iate ganhava velocidade. — O importante para aprender a mergulhar não
é saber nadar, mas sim não ter medo de água.
“É verdade!” soou entre eles.
— Existem basicamente dois tipos de mergulho, o livre e o autônomo. O mergulho livre é feito sem o uso de aparelhos de respiração, como o mergulho em apneia e o chamado de snorkeling. O snorkel é aquele
tubinho ali… — apontou. —, e serve para respirar enquanto permanecemos olhando para debaixo da água. Já para dar curtos mergulhos em apneia, prendendo a respiração em baixas profundidades, requer prática.
— Como eu faço para a máscara não embaçar? — perguntou a mulher mais ao fundo.
— Vamos falar nossos nomes sempre que perguntarmos algo, assim não nos esquecemos de um do outro.
— Ok! Meu nome é Marie-ann e queria saber como eu faço para a máscara não embaçar? — perguntou uma mulher ruiva, com sotaque alemão, de quase dois metros de altura.
— Existem produtos anti-fog nas grandes lojas de ótica e mergulho — respondeu o instrutor Noraih.
— Meu nome é Pinny e eu passo casca de batata no lado interno do vidro — falou um indiano de pele avermelhada, magro e usando óculos de lentes extremamente grossas.
Ele e a mulher Saiad eram ‘a alegria’ em pessoa.
— Sou o Jean e cuspo no vidro da máscara para depois espalhar a saliva pela superfície com o dedo. É mais rápido — emendou o norueguês branco feito neve, com a pele da cor de um pimenta.
— Argh! — exclamou uma mulher. — Desculpe. Sou Taliah a esposa do cuspidor.
Todos riram.
— Pode ser meio nojento, mas funciona — completou Jean.
Todos riram outra vez enquanto o iate ganhava o alto mar.
— Temos outros tipos de mergulho aqui em Andros, como os blue hole, os buracos azuis onde alguns mergulhadores inexperientes se atrevem a irem sozinhos.
— Alguns perderam a vida por imprudência — voltou a falar Jean.
“É verdade!” soou ali outra vez.
— Mas hoje iremos a algumas paredes de corais bem profundas, e que fazem efeitos visuais lindíssimos, numa água cristalina onde a luz do Sol se propaga quase infinitamente. E já somos o terceiro o segundo
maior banco de corais do mundo, só perdendo para a Austrália.
— Sou Luanna e queria saber se aqui também tem ninhos em penhascos?
— Não, Sra. Luanna. Não temos penhascos tão altos. Contudo se fala da cozinha exótica, podemos providenciar ao voltarmos.
— Uhm! Lembre-me de pedir uma afrodisíaca sopa de ninhos hoje à noite para nós, meu marido — falava Luanna agarrada a Sean que estava incomodado com os olhares atentos de Chattan, o homem do casal comedido.
— Oi? Sou a Marie-ann, de novo. Foi aqui que filmaram a maioria de filmes de piratas? — perguntou afetada.
— Sim — sorriu o instrutor Noraih. — Há muitas reentrâncias e cavernas, algumas submarinas — prosseguia o instrutor Noraih, a explicação. —, onde piratas escondiam o fruto de roubos a navios, na maioria,
espanhóis.
— Aqueles blue hole davam um esconderijo e tanto, não? — brincou o homem do casal comedido, se identificando como sendo ele, Chattan e ela, sua mulher Lia.
E mais vozes se fizeram com muitos contando histórias quando Sean de repente tirou todos do lugar comum:
— Houve algum abalo sísmico ontem?
— Como é que é? — o instrutor Noraih achou que não havia entendido direito o homem que falava um inglês de sotaque estranho.
— Perguntei... — e Sean olhou para Luanna que ficou interessada. — Ah! Desculpe-me. Meu nome é Fernão e... Deixa para lá — Sean ainda se comportava como o moreno Fernão Gomes, português, vendedor de chips.
Todos se olharam não o entendendo. Mas o instrutor Noraih começou a estranhá-lo também.
— Fernão? — Sean não escutou. — Sr. Fernão?
— Quê?
— Gostaria de saber algo mais sobre as ilhas? Estou indo rápido demais? — perguntou Noraih educado.
— “Ilhas”?
— Fernão parece saber demais — falou Chattan num português perfeitamente correto para traduzi-lo depois.
— Você fala... — Sean arregalou os olhos azuis.
— É claro que falo — respondeu Chattan, rindo.
Todos riram também.
— Se apresente como todos — foi à vez de Sean o desafiar.
— Já havia me apresentado Fernão. Também não prestou atenção? — voltou a rir sendo acompanhando agora por alguns. — Meu nome é Chattan, sou holandês, de Amsterdã — falava Chattan, o comedido.
Sean se impactou com aquilo também. Chattan usava o mesmo sotaque que ele, vinha da mesma cidade que Fernão, e ele o desafiava.
— Vamos falar um pouco do local onde iremos mergulhar? — o instrutor Noraih prosseguiu. — Os corais são as principais atrações dos mergulhos e é preciso atenção ao mergulhar...
E Sean não ouviu mais nada observando Chattan e suas curvas, que sem parecer ser gordo, era grande, tinha um cabelo amarelado que mais parecia um cabelo mal tingido, e apertava fortemente os lábios até
quase fazê-los desaparecer. Sentava-se mais ao fundo do iate onde podia ver Sean e Luanna de frente. Já Lia, a mulher de Chattan, não falava, mal se movia e nunca abraçava ou beijava o marido. Era feia,
tremendamente maquiada para uma manhã de mergulho.
Sean achou que talvez eles não fossem só comedidos e esquisitos, fossem ‘estranhos’ também.
Noraih viu Sean absorto outra vez durante a explanação sobre o material de mergulho.
— Tem certeza que não precisa escutar isso, Fernão? Fico preocupado... — ia o instrutor Noraih falar quando foi interrompido.
— Oh! Não! Conheço tudo.
— Conhece tudo? — riu Chattan. — Talvez o Fernão possa nos ensinar algo, então — desafiou de repente ao ver que todos olhavam para ele.
Sean não se intimidou.
— E o que quer que eu ensine Chattan? — chamou-o com a mesma intimidade que ele o fez.
— Uhm! Vejamos... — todos pararam para olhá-lo. — O que é SCUBA?
— Um acrônimo!
Chattan gargalhou até perder o fôlego.
— Um o que? — perguntou Joselly, esposa de Gregorio, o casal de Roma.
— Acrônimo, Senhora! Uma palavra formada pela inicial de outras — Sean sorriu encantador para Joselly. — Coisas simples que incorporamos ao nosso dia a dia e não notamos também são acrônimos; Laser - Light
Amplification by Stimulated Emission of Radiation, ou Radar - RAdio Detection And Ranging, ou ainda NYLON - Now You Lose, Old Nippon! — todos riram. — Corporações pelo mundo como NASA - National Aeronautics
and Space Administration, CIA - Central Intelligence Agency, e Poliu... — Sean parou e todos se olharam nada entendendo. — Como também a música que Marie-ann ouvia era EBM - Electronic Body Music, enquanto
Pinny jogava num bom e velho PSP - PlayStation®Portable — um silêncio se fez. — Ah! E claro! SCUBA, que significa Self-Contained Underwater Breathing Apparatus.
— Uau! — a voz de Joselly se espalhou aos quatro ventos.
O instrutor Noraih gostou dele.
— Olá... Meu nome é Andrews e queria saber o que são aquelas letras no cilindro de ar — sorriu para Sean apontando o chão.
Chattan fez um movimento de mão que mais parecia ‘Vá em frente!’
Sean o odiou.
— Muita gente acha que o cilindro é carregado com oxigênio, Andrews, Chattan, todos — Sean sorriu cínico. —, mas o cilindro contém ar comprimido filtrado, igual ao que respiramos na superfície. Conforme
vamos afundando, a pressão da água faz com que tenhamos que respirar um volume de ar cada vez maior. A sessenta metros, o mergulhador estará respirando nada menos que 6 litros de ar a cada respirada. Este
volume todo de ar provoca um acúmulo de nitrogênio muito alto no organismo, causando uma sensação de euforia similar à embriaguez. Nestas condições, o mergulhador passa a sentir perda da coordenação motora
e sensibilidade. Em casos extremos pode chegar a tomar ações insanas como tirar o equipamento, perder o sentido de direção e afundar mais em vez de subir.
— Uau! — agora foram oito.
E Sean olhou o outro acrônimo ali etiquetado.
— HELIOX é uma mistura gasosa composta de hélio e oxigênio e permite mergulhos além dos 40 metros de profundidade, quando colocados no cilindro de ar — apontou.
— Uau! — agora foram catorze.
— E o TRIMIX é uma mistura gasosa composta de hélio, oxigênio e nitrogênio que permite mergulhos além dos 40 metros de profundidade — apontou. — Enquanto o NITROX é como o ar que respiramos, mas sua mistura
tem porcentagens maiores que 21% de oxigênio, chamadas de Enriched Air NITROX ou EANx. As misturas mais comuns são a EAN32 de 32% de oxigênio e 68% de nitrogênio, e a EAN 36 de 36% de oxigênio e 64% de
nitrogênio.
— Uau! — agora foram todos e Sean ficou satisfeito em calar Chattan.
O iate parou em alto mar e todos começaram a se vestir.
— Saiu-se bem, Fernão — falou o instrutor Noraih quando se aproximou dele. — Bem até demais, eu diria.
— Estudei muito antes de vir para cá — brincou não muito tranquilo com Chattan lhe observando.
E Chattan ficou observando Sean com mais afinco, sendo pego pelo olhar atento de Luanna. Chattan disfarçou tremendamente irritado por ter sido pego, e começou a se preparar para o mergulho.
— Muito bem! — o instrutor Noraih falou a todos. — Não se dispersem. É expressamente proibido mergulhar sozinho.
— Por que nos filmes de ilhas paradisíacas há sempre poucas ondas? — perguntou Marie-ann, a mais interessada com certeza.
— É que os recifes de coral formam um anel à volta das ilhas tornando-as quase numa lagoa. Por precisarem de muita luz, os recifes localizam-se logo nos primeiros metros de água, onde ela é menos funda,
formando barreiras contra as ondas. Isso não quer dizer que não haja corais a mais de 60 metros de profundidade se as águas são límpidas. Temos também as anêmonas, coloridíssimas. Ok?
— Ok! — responderam todos ao se jogarem em alto mar.
Sean foi o último a se jogar. Antes pedira ao instrutor Noraih se ele poderia mergulhar com uma câmera digital submarina alugada. O instrutor deu-lhe uma Sea MX-5, a digital submarina mais vendida do mercado.
Ele encontrou Luanna próximo a Nívia e Lucio, o casal de espanhóis. Ela os deixou e passou a acompanhá-lo, começando a descer bem devagar. Sean percebeu que o vidro de seu regulador embaçou rapidamente.
Lembrou-se de dar uma lambida no vidro e Luanna riu ao vê-lo fazer isso. Ele deu de ombros. Não ia encontrar mesmo casca de batatas no fundo do mar.
Recomeçou a descer mais um pouco e anêmonas laranja começavam a se desenhar mais abaixo e Sean fotografou-as. Algumas rochas alaranjadas também se fizeram ali e Sean fotografou-as quando um grito deixou
seu ar pesado. Ele olhou para os lados lembrando-se que ninguém mergulhara com comunicador e Luanna estava a sua esquerda, com o casal de espanhóis a sua direita.
Sean chacoalhou a cabeça estranhando-se, realmente teve a impressão de ouvir um grito quando Chattan deu de encontro com Sean, que ficou a observá-lo por dentro da máscara. Os olhos verdes de Chattan passaram
por ele indo ao encontro de Lia que mergulhava cada vez mais fundo, chegando a 30 metros. E Chattan puxava-a pelo braço, mas Lia não parecia responder, ou não queria obedecer.
Sean distraiu-se quando Luanna o puxou para ver alguns peixes e ele achou que se locomoveu rápido demais, sentindo algo embrulhar seu estômago para presente. Uma forte pressão que o fez dobrar, com Luanna
mergulhando um pouco mais e Sean dobrado de dor, tentando segui-la.
Tentou porque não mergulhou.
“Sean?” alguém lhe chamou.
Sean se virou e só a transparência das águas, e mais transparência, e mais transparência quando algo brilhante se desenhou à sua frente. Sean arrancou a luva da roupa de mergulho e tocou-a, a transparência
brilhante, gelatinosa. Aumentou a memória da máquina e filmou continuamente a transparência que tomava a forma de uma bola azul esverdeada e brilhante, que começava a crescer à sua volta.
“Sean?”, ele ouviu o chamar novamente.
Sean ficou aturdido olhando para os lados, mas nenhum dos outros mergulhadores estava no seu raio de visão.
“Sean onde está você?”
E o ar ficou irrespirável.
— Ahhh... — Sean levou a mão à garganta; estava em pé, no corredor que dava acesso ao seu quarto, no segundo andar da mansão dos Queise, pingando água no chão coberto de tapetes persas.
Ele girou como que perdido, arrancando a máscara de mergulho, e não soube se dizer se estava sonhando enquanto mergulhava, ou se estava realmente no segundo andar da casa de seus pais.
Havia uma geleia grudada nele, no respirador que tirara, na pele amorenada de Fernão Gomes. Ele se olhou confuso, sem entender o que era aquilo, que lugar era aquele, quando saltos estridentes na escada
o alertaram; alguém a subia correndo.
Sean impactou de vez ao ver Sandy Monroe correr com seu vestido de chiffon branco, o coque delicado, o colar de pérolas a passar por ele sendo seguida por alguém que parecia ser ele, um Sean loiro, um
Sean do passado que escorregou na poça de água que se formava no corredor.
O Sean moreno vindo do futuro impactou, e impactou, e impactou; era ele quem molhava o chão que o outro Sean escorregava.
“E se eu não tivesse escorregado, Kelly?”, soou ali quando Sandy entrou no quarto e trancou a porta.
O Sean do passado, de um passado distante, gritava do lado de fora enquanto os olhos do Sean vindo do futuro se enchiam de lágrimas, molhando cada vez mais o chão do corredor, e o som de um tiro e da porta
sendo derrubada o fizeram acordar. O Sean vindo do futuro estava confuso, desestabilizado, com o ar subindo fracamente aos pulmões, num peito apertado e a água salgada do Mar de Andros entrando por seu
canal respiratório, não o deixando mais respirar.
Ele recolocou a máscara com geleia e tudo, e desesperado começou a subir pelas águas claras do Mar de Andros não podendo ter subido tão rápido, sabia, mas o pânico o tomara por completo e suas pernas o
pressionavam dentro da roupa de neoprene, sentindo sua pele se dobrando por cima dela mesma, quando Sean colocou a cabeça para fora da água tão rápido que sua vista se embaçou, achou que tivesse embaçado
quando arrancou a máscara novamente e piscou várias vezes até ver uma grande nave alienígena por sobre o iate, e luzes coloridas iam e vinham num mar azul esverdeado, carregado ionicamente.
O instrutor Noraih andava na proa do iate como se nada visse, como se nada estivesse sobre sua cabeça, e Sean fechou os olhos como se pela última vez.
Foi socorrido por Chattan ao desmaiar e afundar sem o equipamento de ar acoplado ao seu rosto.
22
Tiamo Resorts, Ilha de Andros; Caribe.
24º 42’ 02” N e 77º 47’ 02” W.
02 de fevereiro; 09h09min.
— Ahhh!!! — Sean gritou outra vez, acordando num rompante. Luanna se virou na poltrona para ele. — Onde... Onde estou? — olhou as réguas de madeira que compunham o teto do quarto.
— No nosso bangalô do Tiamo Resorts.
— Como...
— Nós fomos trazidos ontem, pela guarda costeira.
— “Ontem”? — Sean olhou para fora, havia luz.
— Os paramédicos disseram que foi embolia gasosa. Que o excesso de NITROX no seu cilindro de ar...
— “NITROX”?! — gritou; sentiu dor, enjoo. — Ah... Isso é... impossível — tentou se erguer.
— Por que é impossível?
— Os cilindros de NITROX são específicos e tem uma coloração verde, universal, para não serem confundidos. Eu mesmo preparei nosso equipamento... Falei sobre o acrônimo e...
— Os paramédicos disseram que você deve ter tentando emergir, e um volume de ar respirado debaixo da água se expandiu em proporção direta com a redução da pressão externa. Acontece à medida que o mergulhador
retorna à superfície...
Sean girou os olhos nervosos e Luanna parou de falar ao vê-lo.
— Eu sei como funciona, obrigado!
— Os paramédicos disseram que muitos mergulhadores inexperientes não reagem de imediato a um perigo percebido debaixo da água...
— “Inexperientes”?
— Os paramédicos disseram que enchendo seus pulmões e, a seguir, prendendo sua respiração enquanto nadam rapidamente para a superfície.
— Inexperientes... Claro...
— Eu sei como se sente Sean.
— E como me sinto, Luanna?
— Você anda tenso, estressado...
— Ah! Por favor, Luanna.
— Só estou sendo...
— Intrometida?
Ela mal soube o que responder:
— Gentil.
Sean deitou-se desistindo de se erguer.
— Perdão! — respirou profundamente. — Estou nervoso com coisas esquisitas que...
— Tem mais uma coisa.
— Ah! O que mais os “paramédicos disseram”? — debochou.
— Os paramédicos disseram que o único tratamento eficaz para a embolia gasosa é a recompressão rápida, para reduzir as dimensões das bolhas e forçá-las a entrar em solução, a fim de abrir os vasos entupidos.
— E?
— E que até mesmo com um tratamento rápido e correto, a morte ocorre em aproximadamente 16% das vítimas com embolia gasosa.
— E?
— Os paramédicos também disseram que você teve sorte de receber recompressão a tempo.
Sean arregalou os olhos azuis. Pareceu não ter escutado direito.
— “Recompressão a tempo”? — correu os olhos. — No iate? Como?
— Não sei. Quando eu procurei você ao meu lado, você havia sumido. Nívea fez sinal dizendo que você havia subido. Quando eu cheguei à superfície, ao convés do iate, Chattan e o instrutor Noraih estavam
cuidando de você.
— Chattan e Noraih?
— Sim! E o instrutor Noraih disse que você havia sido salvo graças à injeção que o homem identificado por Chattan aplicara em você.
— Chattan me salvou com uma... — um frio percorreu sua espinha. — Deus...
— Sim! Então ‘Deus Chattan’ se levantou de perto de você e não mais se aproximou. Nem me encarou até a guarda costeira chegar para nos trazer.
— Wow!
— Sim, muito estranho, eu também diria — Luanna se levantou. — Vou pedir algo morno para você beber — interfonou para a cozinha.
Sean ficou perdido em pensamentos. Estava confuso, desesperadamente confuso. Havia alterado sua cor, se transformado numa mulher, havia voltado no tempo, havia feito ele próprio, escorregar, não alcançar
Sandy, matá-la, e o som de um tiro o fez voltar a olhar as madeiras do teto do quarto.
— O filósofo Sören Kierkegaard, em sua obra mais importante, ‘O Desespero Humano’, tratava dessa questão...
Luanna se virou para trás após desligar o interfone. O olhou contando as réguas de madeira do teto.
— Que questão?
— O desespero, Luanna, o único mal para o qual não há cura.
— Para a morte não há cura, Sean. Ela nos leva e pronto.
— Não, Luanna. O problema filosófico do livre-arbítrio consiste em saber se as escolhas são nossas, mas elas são nossas — olhou-a. — Escolhemos morrer durante a vigília, e escolhemos ficar vivos, também.
Por isso Heráclito identificava a forma do Ser no Devir pelo qual todas as coisas são sujeitas ao tempo, e à sua relativa transformação.
— Está divagando...
— Estou? Não é na vigília que fazemos nossas escolhas, que pedimos para alterar nossos destinos, os destinos dos outros?
— Do que está falando? — tentava se situar, com medo que Sean estivesse delirando.
— Falando que conversamos com Deus, Luanna, um deus diferente de Chattan e injeções de compressão. E é um Deus que nos permite sair do corpo em nossa vigília, para decidirmos que rumos dar à nossa liberdade
de escolhas, inclusive do passado que passou a ser um ‘evento fechado’ — Sean a olhou com interesse.
E Luanna não soube decifrar tal olhar. Porque não sabia mais o que pensar dele, do que fazer com ele e seu próprio interesse por ele.
— “Liberdade de escolhas” Sean? Ficou louco? Jamais seria escolha nossa morrer — riu. — Você está confuso, desesperado e confuso.
Ela sentou-se com medo realmente que a falta de oxigenação o tivesse atingido.
— Causalidade é a relação entre um evento, sua causa, e um segundo evento, seu efeito, sendo que o segundo evento é uma consequência do primeiro. Ou como a física quântica relata, um ‘efeito borboleta’,
no que ao bater de asas de uma borboleta no Brasil, provocaria um tsunami aqui nas Bahamas.
Um silêncio ficou ali.
— E isso tudo por quê?
— Porque somos coautores de nossos destinos, Luanna. Porque num Universo escolhemos escorregar, e no outro não escorregamos — Sean também sabia falar subliminarmente.
A campainha tocou e Luanna foi atender. Após o serviço de quarto ir embora, ela serviu-lhe um chá de camomila com bolachas salgadas. Sean pediu algo para dor de cabeça e quando Luanna foi ao banheiro pegar
algo na sua frasqueira, ele deu um salto da cama quase caindo pela tontura que sentiu. Ainda teve tempo de despejar no chá dela, um calmante que carregava na sua mala. A agente Luanna Malapacco deixou
cair a xícara no chão, dormindo na poltrona mais pelo cansaço e o stress. Sean ligou o notebook e viu que Spartacus estava onde queria. Sabia que ia acontecer algo só não sabia como.
Olhou Luanna desacordada e um som de porta batendo na sala do bangalô o alertou. Ele olhou outra vez Luanna com a mão ainda caída e correu ao guarda-roupa montando a arma que pegara no Centro de Recifes.
Virou-se e teve a sensação de ver Mona Foad sentada na cadeira e não Luanna Malapacco.
Sean se arrepiou, a imagem de Mona era tensa.
— Veio dar-me ‘boa noite’ Mona amiga? — Sean a deixou lá e foi até a porta quando pisou em algo, um pequeno papel dobrado havia sido escorregado para dentro do bangalô. Sean ainda teve tempo de ver um
garoto pequeno correndo para longe do bangalô. Percebeu que de nada adiantaria ir atrás dele, o garoto era só um mensageiro de Mona Foad, mensageiro de uma espiã psíquica capaz de se bilocar, dar ordens.
Escrito no papel, uma frase feita de letras que nada significavam a ele, e o nome ‘Sr. Queise’, embaixo. Sean sentiu outro arrepio percorrer-lhe toda a espinha, porque sabia que o recado era de Mona, mas
que havia mais alguém ali envolvido naquele bilhete.
Voltou ao quarto e Luanna ainda estava desmaiada. Recolheu a mão caída e colocou-lhe uma coberta nos ombros. Depois se sentou e foi a vez de ficar a olhando desacordada.
— Em Kierkegaard, a experiência da angústia descortina o destino humano em toda a sua complexidade, Luanna querida. O desespero, a angústia, são possibilidades da liberdade, manifestada entre os gregos
como a crença no sofrimento diante do destino, sobretudo do destino trágico — dobrou-se e beijou-a na testa. — Sinto minha querida agente, mas nossos destinos já foram traçados por Lous Teac — e saiu para
o hotel vazio àquela hora. Uma música suave tocava no sistema de som e Sean encontrou um funcionário do hotel limpando o local. — Olá? — ele o viu parado, lhe olhando. — Pode me fazer um favor? Traduzir
isso para mim?
— É língua creole, Senhor.
— E?
— Está escrito “Baka misti korda, i ka tenel, kabra tenel, tok i na rasta, Sr. Queise”
— E? — girou os olhos, nervoso.
O funcionário riu:
— É um provérbio creole, Senhor. Diz: A vaca quer corda, mas não a tem, a cabra a tem, mas a arrasta, Sr. Queise.
“Quem não tem, quer; quem tem não dá valor”, aquilo deu muitas ideias a ele. Sean saiu para a estrada em que o hotel dava as costas, correndo até pegar um táxi. E não sabendo ao certo o que procurar em
Andros, pediu para ser levado ao centro da cidade.
Foi deixado em Fresh Creek, em Andros Town.
Fresh Creek, Andros Town; Ilha de Andros, Caribe.
24° 35’ 0” N e 78° 0’ 0” W.
01 de fevereiro; 10h44min.
O centro era pequeno com algumas poucas lojas vendendo de licores a sarongues. Também alguns produtos como cestas eram vendidos na própria casa dos moradores.
A atração local era a loja da Fábrica Androsia, que vendia todos os tipos de roupas e acessórios em batik.
Mais e mais barracas de vendedores começavam a ser armadas. Uma multidão começou a se formar e comidas e mercadorias de todas as espécies vieram para cima dele. Sapatos, sarongues, frutas, conchas, colares
de pérolas; tudo era oferecido.
— No, thanks! Don’t need! — ia Sean falando ao longo do trajeto.
Eram tantos produtos que Sean se viu num eterno: “Não! Obrigado!”.
— A handkerchief! A handkerchief! — um vendedor estancou na sua frente.
— Não quero gravata.
O homem voltou a insistir.
— A batik handkerchief!
— Sem batik.
— T-shirts, sarongues, dresses.
— Por favor, Senhor — apontou para o chão. — Vamos cair... — e o vendedor desaparecera.
Sean ficou em alerta. Recuou sem tirar as barracas do olhar e atravessou a rua atrás do telefone público no mercado atrás dele. Discou alguns números quando o vendedor apareceu do nada, e voltou a insistir
em vender-lhe algo.
— Four hundred?
Sean sentiu todo seu corpo esfriar. Largou o telefone fora do gancho e empurrou o vendedor que voltava a perturbá-lo. Retornou ao mercado, entrou numa ruela ainda olhando para trás, e viu o homem a encará-lo.
Voltou a caminhar, estancou, e viu que estava perdido.
Algumas pessoas passavam:
— Por favor! Eu estou perdido! — olhava em volta e todos pareciam correr dele. — O que está acontecendo aqui? — tentou retornar a Fábrica Androsia, mas passos rápidos estavam atrás dele. Sean olhou novamente
para frente e um pescador passava por ele. — Hei?! I’m lost! Estou perdido! Mo finn perdi mo simé! — e algo tremeu embaixo de seus pés.
As aves revoaram e sons indecifráveis ele escutou quando mais passos atrás dele se acentuaram e correu; não sabia do que, de quem, estava fugindo novamente, só isso sabia.
“Droga!”, foi o que pensou.
Uma ruela fez uma curva, um corredor mais estreito ainda, e Sean se lançou dentro. Muitas portas se passaram por onde corria, todas se fechando.
— Alguém?! — bateu numa porta que ninguém abriu.
Curva após curva e os passos se aproximavam, Sean continuou a correr até tropeçar e se chocar com uma parede de pedras pontiagudas, sentindo que atingira seu ombro esquerdo baleado no estacionamento da
feira, quando o som de um tiro o tirou do lugar pouco comum.
“Sean?” a voz confusa e melosa de Sandy ecoou por ali.
Sean olhou para um lado, outro, não sabia se havia saído do corpo. Tonto, olhou para cima, uma sombra se projetava atrás dele, atirando. Sean se pôs a correr e um corpo saltou sobre ele. Ambos rolaram
até Sean estar frente a frente a uma arma engatilhada nas mãos do vendedor de gravatas que atirou. Sean se jogou para trás da parede de pedras. Outro tiro sob sua cabeça e Sean fez mais uma curva ouvindo
tiros trás dele; sombras, sons confusos, e Sean atirou com a arma do recife de Palau a esmo, sem saber o que atingia.
Mais tiros e ele sentiu que as lascas arrancadas da parede de pedras arrancavam pedaços da sua camiseta também. Entrou e saiu das ruelas, estava perdido e desorientado. Correu até ficar outra vez frente
a frente com o vendedor de gravatas, que tombou de joelhos até o chão, morto pelo tiro da arma de Luanna.
— O restaurante não tinha ninhos — a voz feminina dela chegou até ele. Sean tirou os olhos arregalados do vendedor morto para olhar para ela. — Recomendaram-me comprar em Fresh Creek — falou friamente
agora parada ao seu lado.
— Não sabia que estava armada — foi só o que falou, empurrando o homem morto, tirando a arma dele.
— Não sabia que estava armado — foi o que ela respondeu ao atirar nele novamente.
— Não faça isso! — exclamou Sean largando o corpo do vendedor e tirando arma dela, percebendo ser a segunda arma desmontável. — Ele já está morto!
— Ele se mexeu...
— Não foi ele... — Sean arregalou os olhos azuis. — Foi o chão...
E tudo ondulou, uma onda evanescente que distorceu as imagens, as pessoas, Andros Town.
— Socorro Sean!!! — gritou Luanna inclinando rapidamente.
Ele tentou agarrar-lhe as mãos, mas Luanna escapou-lhe por entre os dedos, caindo na fenda no piso, batendo a cabeça, ferindo-a.
A fenda começou a engoli-la, tudo o que tinha a volta dela; paredes que cediam, começavam a tomar outro rumo terra adentro. Sean saltou e tirou o corpo de Luanna da fenda aberta. Arrastou-a no que o piso
se abria cada vez mais rápido, no que seus pés falseavam num terreno não muito seguro.
— Acorde Luanna! Pelo amor de Deus! — Sean a esbofeteou, mas Luanna não se moveu.
Num último jogo de corpo lançou Luanna em seus ombros, e projetou-se para cima da rua, subindo uma enorme escadaria encravada na terra.
— Ahhh!!! — gritos vindos de todos os lados o fizeram erguer a cabeça e ver de lá de cima, cenas de horror. Pessoas correndo em desespero completo do grande sumidouro que se instalava ao longo da estrada,
fazendo barracas, árvores, animais, pequenas motos cobertas, carros antigos serem projetados para baixo, sugados por uma força descomunal, com tetos das casas acima ruindo sobre eles.
— Ahhh!!! — Sean cobriu Luanna com seu corpo fazendo seus braços ensanguentarem, e a força dos entulhos os empurrou junto ao desmoronamento dos degraus morro abaixo.
“Vamos morrer Sr. Queise?!”, soou os gritos de Freda.
Ele voltou a si e outro tremor rápido, destrutivo, acabara por disseminar a estrada por onde andara, ruelas por onde passara fugindo, e o corpo do vendedor de gravatas foi consumido pela terra. Sean ficou
paralisado, eram lembranças da morte que retornavam, suas próprias memórias de dor no que um novo tremor impulsionou seu corpo.
— Ahhh!!! — ele rolou no que sobrou da escadaria abaixo; entulho, terra que envolvia Luanna, o envolvia, que em desespero tentava se agarrar a algo, plantas, pedras, terra e sangue que se misturavam a
algo que saía de dentro da terra.
Sean correu e correu, mas seus pés falseavam na terra engolida, consumida pela ogiva que saía de debaixo da Terra.
“Vamos morrer Sr. Queise?!”, insistia Freda.
E Sean queria poder ter podido responder a Freda aquela noite, talvez agora, mas todos seus dons paranormais desestabilizavam sua memória, sua voz que calou no que uma névoa azul esverdeada escapou-lhe
das mãos. Ele estancou e se olhou, havia uma energia ali, saindo dele, dos dedos, e que distorceu tudo; imagens, cheiros, dimensões, animais, insetos e humanos.
Sean arregalou os olhos azuis para ver a Ilha de Andros se mesclar com outras terras, com talvez terras tão distantes, que nunca poderia ter visitado se não no momento mágico das onze cordas se entrelaçando,
das muitas dimensões se encontrando trazendo homens pequenos, acinzentados, de olhar sinistro que o observavam; pessoas que nunca decifraria o que eram o que faziam, onde estavam.
“SEAN QUEISE!”, ele ouviu não muito longe dali.
E para aquilo Sean tinha medo de olhar, de ver que a voz que o chamava não era humana, porque os universos paralelos ainda estavam lá, entrelaçados pelo buraco de minhoca aberto.
Sean pôde sentir ser tocado por eles, cheirado, analisado quando a enorme imagem do mar se encolhendo, se esvaecendo se fez em seu orbe, para então se formar a parede de água que levantou dez, vinte metros
e se dirigiu à Ilha de Andros.
— Não!!! — gritou desesperado vendo o grande tsunami se formando e os alienígenas observando a ogiva ganhando toda sua forma, saindo da terra aberta de Andros. — Não!!! — e Sean virou toda a energia que
escapava de sua mão em direção a ogiva que se tomou de uma onda, que ondulou cada partícula de material, cada átomo preenchido, e o ar se tomou de uma luz azul esverdeada a fazendo desaparecer dali.
Sean encarou os alienígenas naquele último instante antes de morrer, tomado pela parede de água da qual se protegeu erguendo mãos acesas por uma energia gravitacional, ondulando cada molécula de água,
a deslocando para dentro do buraco de minhoca junto a ogiva recém-retirada das entranhas da terra, e tudo sumiu. A parede de água tomou rumo ao desconhecido, ao próximo universo, inundando uma terra distante,
fazendo os universos se entrelaçarem pela última vez.
Sean se viu ainda tomado pela energia azul esverdeada que controlava o buraco de minhoca e o buraco se fechou. Sean caiu em choque, os alienígenas haviam dissipado o tsunami, ou algo nele era assustador
demais para ser levado em conta.
“Ou fui eu?”, ficou ali estático, tentando entender afinal o que vira, como as dimensões tênues como cordas de um violino puderam se misturar naquela fração de segundos, como os alienígenas dominaram aquela
força e porque, afinal, eles o salvaram.
“Ou fui eu?”; pensou outra vez.
Sean correu até Luanna e a colocou desmaiada nos ombros voltando a subir as encostas, os entulhos, corpos que ficavam para trás.
Numa última olhada, extasiado em meio a um rastro de sangue, corpos, e geleia cósmica, Sean saiu do silêncio tão assustador quanto o som da morte e mergulhou no caos que se instalou na Ilha de Andros.
23
Fresh Creek, Andros Town; Ilha de Andros, Caribe.
24° 35’ 0” N e 78° 0’ 0” W.
03 de fevereiro; 06h27min.
Quando Oscar Roldman chegou à Ilha de Andros a fim de salvar Sean Queise, já era manhã do dia seguinte. Contudo os sons ininterruptos de ambulâncias, assim como as labaredas, ainda estavam lá, espalhados
por toda Andros Town.
Luanna Malapacco havia levantado voo noutro helicóptero da Polícia Mundial dez minutos antes. Ela e Sean nada haviam se falado desde que recobrou a consciência, e ele a levou a um posto de socorro numa
tenda improvisada. Lá, ambos haviam passado a noite.
Com o rosto e braços ainda marcados pela trilha de sangue seco, Sean Queise entrou no helicóptero da Polícia Mundial.
— Tudo isso era evitável! — Oscar disparou no que fechara a cabine e deu ordem para levantarem voo.
— “Evitável”? — inquiriu Sean.
— Spartacus! — e Oscar entregou um envelope lacrado enquanto olhava para o lado de fora da janela do helicóptero, que sobrevoava a destruição.
— Fotos dos corais onde eu mergulhei? Spartacus estava me fotografando do espaço e você não me falou nada? Você sabia, não sabia? Sabia que tinha alguma coisa aqui na Ilha de Andros, Oscar?
— Não sei do que está falando, Sean. Foi você quem deixou Spartacus preparado para rastrear os satélites.
— Não dei a Spartacus as coordenadas daqui! Já disse! Ele está seguindo essas coordenadas, sozinho — explicou Sean.
— Se é o que diz? — o encarou furioso.
— Se é o que? Eu achei que o satélite de observação estava seguindo os armazéns Shiu-Shiu, mas Spartacus está seguindo o acrônimo. Sozinho!
— Sabe que nada funciona sozinho! — exclamou num tom forte.
E Sean não gostou daquele tom de voz.
— Acha o que? Que eu controlo o satélite com a mente; é isso? Ou acha que o satélite conversa comigo? Diz: ‘Oi Sean. Hoje vamos ter terremoto. Câmbio! Estou lhe enviando umas fotinhos nossas. Câmbio!’
Oscar o fuzilou e só.
— Não estou dizendo nenhuma sandice dessas. Porque foi você quem fotografou mais alguma coisa.
— Está lendo minha mente, Oscar? — Sean viu Oscar o fuzilar no olhar que lhe deu. — Já disse que não mandei Spartacus fotografar nada. Mas que droga! Resgatei mensagens codificadas por um telefone público
pouco antes do terremoto, maremoto, tsunami, todas as desgraças que aconteceram aqui; e o satélite do tempo GOES não havia encontrado nenhum tremor, nenhum tipo de atividade que pudesse deslocar a terra,
como hoje — ficou observando-o. — Esse foi fabricado.
— Como? — Oscar virou tão rápido outra vez que seu pescoço estalou.
— O barman do hotel do El Nido Lagen disse que um dos terremotos que acontecera nas Filipinas tinha sido fabricado; porque já podemos fabricar um terremoto, Oscar querido — e Sean voltou a observar Oscar.
—, porque toda terra treme quando o buraco de minhoca se abre, e porque os buracos de minhoca são fabricados.
Oscar não esperou Sean continuar com tais sandices, deu-lhe outro envelope.
— Spartacus fotografou alguma coisa grande sendo retirada da costa da Ilha de Guam durante o tremor que aconteceu lá.
— Outro pedaço da máquina? — Sean falou tão friamente que agora Oscar virou-se estático para ele.
— Você... Meu Deus, Sean... Você... — Oscar entendeu que ele sabia mais do que falava.
— Eu o que? Ou acha que foi a minhoca do buraco que abriu aquela cratera? — apontou nervoso.
— O que havia lá?
— Sei lá! Uma ogiva? Outra ogiva que também explodiu noutro universo paralelo?
— Sean... — e Oscar calou-se.
— Vamos Oscar! Prossiga! Diga que eu bati a cabeça… — o silêncio. — Por que já viu como trabalham num espaço tão pequeno de tempo?
Oscar voltou a olhar para fora do helicóptero.
— As fotos mostram o movimento de retirada e na próxima passagem do satélite Spartacus pelas coordenadas de Guam não há nada — disse Oscar novamente, visivelmente cansado. — Nada! Simplesmente Spartacus
não vê nada.
— Esses movimentos sísmicos estão interligados às retiradas dessas máquinas? São as ogivas que carregam tais pedaços da máquina? — Sean o olhou mais atentamente. — Seis ogivas para seis partes de uma máquina
que não é minha, como sabe, mas que Trevellis diz que eu roubei.
— Porém sabe que há máquinas, não?
— Acha que eu não descobriria? Com uma delas sendo retirada debaixo dos meus pés. Aliás, debaixo dos pés de uma ilha toda.
— Não acho nada! — e se virou de repente para ele. — Ou talvez tenha medo do que acho, do que acho que Mona fez, do que você faz... Do que você é.
Sean Queise parecia divagar demais para discutir o que ele era, o que sua genética era, ou que suas mãos faziam.
Ficou a olhar o chão do helicóptero.
— Onde estão os resultados das alterações genéticas da Ilha de Miniloc? Por que elas foram deletadas dos mainframes da Computer Co.? — se alterava.
— Não sabia que haviam sido deletadas.
— Também não deve saber que alguém usou as senhas de Kelly para alterar Spartacus.
— “Senhas de Kelly”? A Srta. Garcia tem senhas para acessar Spartacus?
— Por que acha que ela não teria?
— Porque é uma irresponsabilidade deixar Kelly sem proteção já que ela não luta Krav maga!
E Sean não sabia o que pensar daquela frase toda, de uma ‘Kelly sem proteção’ e o medo de que algo acontecesse a ela.
— Se alguém tocar nela...
— E acha que alguém não vai, se a coloca em perigo Sean?
E Sean não quis mais falar naquilo, não naquilo. Estava nervoso, desnorteado e nervoso.
— Que tipo de alteração genética era, Oscar?
— Não sei.
— Que tipo?!
— Não grite comigo! A Poliu recolheu tudo; material, diagnóstico, planilhas. E o laboratório foi destruído.
— Teoria da conspiração! É verdade, não? A Poliu sempre presente, arruinando investigações, escondendo detalhes, destruindo provas, sumindo com testemunhas, abduzidos, provável com os alienígenas também.
— Como é que é?
— Acredita em ‘Pluralidades de mundos’, Oscar? Como os que Camille Flammarion previu?
— Por que isso agora? — Oscar olhava para uma Andros em chamas.
— Por que não agora? — Sean esperou Oscar o encarar. — Você tem medo da verdade, Oscar? Como os ‘acorrentados’ de Platão, também tem medo de sair da caverna? Saber que há coisas lá fora que não conhecemos?
Saber que não estamos sós nesse imenso Universo? Que alienígenas, humanos, e híbridos são irmãos como o vaticano diz? — olhou-o com interesse. — Porque morremos para virarmos um punhado de energia e vivemos
além de nossa morte, em algum lugar, aqui perto — fez movimentos com os dedos como se tocasse o ar. — Aqui, Oscar, onde não podemos tocar, porque as onze dimensões estão e não estão aqui, porque não vibramos
igual — Sean suspirou profundamente, sabia que Oscar Roldman nada falaria. — Eu os vi, Oscar. Quando as dimensões se encontraram, eu os vi...
— Viu?
— Eu vi os cinzentos, Oscar. E eles me analisaram quando as dimensões se cruzaram; todas elas — Sean o encarou.
— O que você fez?
— Eu fiz?! — se enervou. — Mona fez! Porque foi para isso que Mona me preparou, não foi? Para vê-los? Para abrir dimensões e jogar um tsunami daqui, lá?
E Oscar o encarou.
— Você fez o que?
— Meus dedos se iluminaram — e Oscar arregalou os olhos azuis para um Sean em estafa mental. —, e uma energia verde e azulada saiu da minha mão, Oscar... E enviou a parede de água para outro universo.
— Meu Deus Sean... Você fez...
— Não fui eu?! Foram os alienígenas, Oscar!!! — gritou descontrolado.
— Já disse para não gritar comigo!
— Grito! Surto! Porque eu vi o maldito tsunami que a ogiva provocou quando saiu de debaixo da terra, porque o terremoto foi fabricado para abrir o buraco de minhoca — e nem esperou qualquer reação mais.
—, e porque foi para isso que a Poliu precisava dos espiões psíquicos, para se comunicarem com os alienígenas! Controlá-los!
— Sean...
— Eu os vi, Oscar! — exclamava nervoso. — E não tente me fazer pensar que sou um alienado porque não sou! Porque eu os vi! — chorou. — E eles me viram cancelarem o maldito tsunami quando ondulei toda a
estrutura da ogiva, cada partícula modificada.
— Está dizendo que você mudou a estrutura molecular da peça da máquina que se escondia dentro da ogiva?
— Estou dizendo?
Oscar deu-se apenas segundos.
— Mudou como? Como o Eldridge?
— Como Trevellis gostaria que eu dissesse que sei mudar — e Sean desabou. Porque toda sua vida fora aquilo, incongruências, esquisitices, e ele sendo tratado como tal, um esquisito alienado. — Quem sou
eu Oscar? — sua voz estava abafada pela cabeça entre os joelhos.
— Você é meu filho...
E Sean chorou, porque não podia fazer mais nada a não ser chorar.
Oscar ergueu uma mão, abaixou-a, ergueu-a e tocou a cabeça dele que recuou.
Oscar recuou também.
— Eu vi os alienígenas que estiveram aqui — Sean levantou a cabeça e viu a cidade destruída se afastando deles. —, os alienígenas que trouxeram todas aquelas armas morfas, toda tecnologia de transformar
sua cor, sua genética — e evitou falar mais que aquilo. — E eles me salvaram Oscar. Não a Luanna, não o povo bahamense, mas a mim; eles salvaram a mim. E sabe por quê? — se virou para ele.
— Porque precisam de alguém como você!
— Porque precisam de alguém que faça mais que controlar a água revolta do oceano — ele viu o olhar de lince dele agora, o alcançar. — E eu sei que eles vão voltar para se comunicar comigo, porque querem
algo comigo. E Trevellis, o maldito Trevellis também sabia disso! — voltou a se alterar.
— Meu Deus, meu filho... Por tudo que lhe é sagrado, por sua mãe, por seu pai... Não fale isso para ninguém, Sean. Não fale isso para ele.
— “Ele”? — ‘ele’ se traduziu como Poliu. — Por que, Oscar?
— Porque eles vão matá-lo por isso, meu filho!
Sean não gostou do que ouviu.
— Matar-me? Por saber demais?
— Por saber demais! Por desafiá-los usando seu dom paranormal! Por falar com alienígenas sem o comando deles!
— Não trabalho para a corporação de inteligência.
— Não! Não trabalha! Por isso precisa morrer!
— Droga! Droga! — Sean olhou para fora do helicóptero, para sinais de fumaça agora distantes. — O que eu fiz Oscar?
— Você bateu a cabeça!
Sean o olhou.
— Bati! — entendeu o recado.
— E vai precisar de um tempo para se lembrar do que aconteceu aqui!
— Vou precisar de um tempo!
“Porque fui eu!” agora aquilo era uma conclusão.
— O que somos nós, Oscar? — se tornaria a pergunta de sua vida.
Mas Oscar também ficou em choque e nada falou, não conseguiria falar. E Sean conhecia Oscar, ele não falaria nunca.
Sean olhou as águas azuis e toda a extensão do mar caribenho.
“Porque fui eu!”, voltou a se responder.
— Quero voltar para o Brasil. E vou sozinho, Oscar. Sozinho!
— Como você quiser! — respondeu friamente levando Sean para o aeroporto.
O helicóptero não demorou a aterrissar.
— Está me escondendo alguma coisa maior, não está Oscar? — insistiu Sean ao pegar suas passagens das mãos dele.
Das Bahamas, Sean Queise partiu sozinho, como disse, para descansar; ele havia batido a cabeça.
24
Computer Co. House’s, São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
01 de março; 09h00min.
Quando Sean Queise fechou sua agenda e deu um basta em mais um dia de trabalho, passou as mãos pelos cabelos loiros e discou um único número.
— Renata? Pode vir aqui um instante? — perguntava, ao interfone.
Mas não foi a secretária Renata Antunes quem adentrou a sala dele.
— Sean Queise!
Sean levantou os olhos e levou um susto.
— Luanna? — disse, arregalando os olhos, erguendo-se da cadeira. — O que faz aqui?
— É uma belíssima cobertura — sorriu-lhe carinhosa fechando a porta atrás de si.
Vestia calça jeans, sandália altíssima e uma blusa branca comportada e discreta.
— É sim! — Sean devolveu-lhe o sorriso.
Ela deu alguns passos charmosos até ele.
— Eu quis vir pessoalmente agradecer por ter salvado a minha vida, em Andros Town. Meu helicóptero saiu na sua frente e foi direto para as Filipinas, e eu... Estava ainda muito abalada.
— Não precisava ter tido todo esse trabalho.
— Foi horrível, não foi? — deixou cair uma lágrima.
— Senhor... — e Renata entrou e saiu da sala sentindo realmente que algo a conduziu para fora numa fração de segundos; olhou para os lados tendo realmente a sensação que mãos lhe tocaram, lhe tiraram da
sala.
Já Sean voltou a sorrir para Luanna que não o percebeu usando seus dons paranormais para dispensar a secretária, mas gostando do que adquiria.
— Interessante essa sala toda de vidro — falou Luanna.
Sean a viu quebrando o gelo.
— Todos dizem mais ou menos isso ao entrar.
— Dizem o quê?
— Que parece uma caixinha de vidro com uma pedra no meio — apontou para a enorme rocha verde que era sua mesa e que Luanna agora se apoiava. — Sabe... Não acho uma boa ideia — riu apontando a mesa. — O
peso da pedra já provocou uma rachadura no teto do restaurante, no andar abaixo.
Ela riu agora se desapoiando, fazendo uma careta.
O gelo havia realmente se quebrado.
— Deve ter custado uma fortuna? — perguntou, mostrando a mesa.
— É uma pedra bruta de granito Verde-Ubatuba. É realmente uma belíssima obra de arte.
— Aprecia obras de arte, Sean? — questionou Luanna, observando os quadros e esculturas espalhadas pela enorme sala, o deixando alerta pela maneira íntima com que foi chamado. — Você deve ser como Jean-Jacques
Rosseau; felicidade para ele era uma polpuda conta bancária, um bom cozinheiro e uma boa digestão.
Sean gostou daquilo.
— A felicidade é o que os antigos gregos chamavam de eudaimonia, e muitos filósofos ao longo da história se propuseram a pensá-la, Senhorita. Porque para Aristóteles a felicidade poderia ser atingida pela
prática do bem, para Schopenhauer a felicidade era a negação da procura por ela própria, para Nietzsche a felicidade era sermos espíritos livres, mas para Wittgenstein a felicidade estava nos infelizes,
porque eram eles que buscavam e recorriam às lembranças do passado, para não deixar esvair o que já não existia mais — sorriu-lhe. — A felicidade não está nos bens materiais, Luanna, mas no que eles significam
para nós.
E Luanna sentou-se.
— Seu pai deve ter orgulho de você. Apesar da pouca idade você é um homem de princípios já estabelecidos.
Ele permaneceu em pé, a observando.
— Obrigado pelo elogio... Pela ‘pouca idade’, também — sorriu tímido.
— Janta comigo? — cortou Luanna.
— Ah... — ficou a observá-la. — Quanto tempo fica no Brasil?
— Ainda não pensei nisso. Estou a um mês de férias da Polícia Mundial, após o Sr. Oscar Roldman não colocar no meu currículo a nossa fuga, e eu conseguir dispensa.
— Se ele salvou sua pele não relevando nossa fuga, foi por merecimento — Sean esperou ela falar algo; temia até que Oscar tivesse dado a ela um prêmio por estar protegendo seu filho. Odiou-se por aquilo.
— Acho... Acho que também merecia umas férias, mas se disser a minha sócia que vou viajar outra vez, e bater a cabeça outra vez, e voltar em pedaços outra vez, e... — e riu.
— Oscar me disse que você abandonou as investigações.
Sean a encarou sério.
— Eu nunca deveria tê-la começado. Kelly tinha razão.
— Ah! Essa Kelly...
E Sean voltou a encará-la.
— “Essa Kelly?”
— Sua ex.
— Senhorita Luanna... Não sabe o risco que corre dizendo uma coisa dessas — e Sean riu com vontade. — Não! Kelly é minha ex-secretária, não minha ex-namorada. Ela realmente é a única coisa importante para
mim, porque foi ela quem conduziu toda a estabilidade que alcancei.
E os olhos de Luanna brilharam com interesse, mulheres se traduziam.
— Entendo...
— Não entende! — e foi uma exclamação forte, com Sean caminhando até a sacada e sumindo por ela.
Estava abalado de alguma forma, tentando procurar a tal estabilidade ganha. Luanna viu que aquilo o afetou, e não viu alternativa a não ser se levantar e ir atrás dele.
— Desculpe-me...
—Não! Desculpe-me eu. É que não devia ter iniciado tudo isso. Eu sou um empresário, um fabricante de computadores como meu pai quer que eu seja, e não um agente da Polícia Mundial como meu... — e parou.
—, como Oscar Roldman quer que eu seja.
— Ainda se culpando pela morte de Virgínia? — Luanna ficou sem resposta.
Sean se virou para a Marginal Pinheiros outra vez atingido por uma pergunta. Porque realmente tentara todo aquele tempo não mais pensar nela, em todas as mulheres que morriam por sua causa.
Buzinas eram ouvidas à distância e Luanna tentou outra abordagem. Porque era claro que estava enciumada, com o interesse dele por outras mulheres que não ela.
— O que é aquela iluminação forte lá longe? — apontou, aproximando seu corpo no dele, contra o gradil da sacada.
Sean ficou sem graça, desde a noite na jacuzzi que ele não pensava nela.
— Iremos lá se você quiser — e Sean sentiu o corpo dela ser descolado do dele.
Luanna se virou e entrou de novo sem responder. Sean ficou sem entender e entrou também.
— Então até a noite? — disse, estendendo a mão.
Sean olhou para a mão estendida.
— Wow! Achei que não tinha gostado do convite — e inclinou o rosto, a beijando na face que sorria. — Até às dezenove horas, então? —
Sean se dirigiu até a porta, acompanhando-a até a sala da secretária Renata. Atravessaram o pequeno lobby até o elevador de final ímpar que desembocava praticamente em cima da mesa de Renata, que não abria
a boca ainda em choque com sua retirada da sala.
— Você me encontra lá? — disparou Luanna.
— “Lá”? Em que hotel está hospedada? — lembrou-se de perguntar.
— Gran Meliá WTC São Paulo.
— Parece que não sou só eu que gosto de um hotel cinco estrelas — ficou a observando demoradamente. — Eu passo por lá e... Oh! Kelly? — disse ele de repente na saída da sócia do elevador de final par.
— Esta é Luanna Malapacco — completou mostrando-lhe a moça ao seu lado.
E o olhar das duas, uma para com a outra, havia sido pura indiferença.
Porque Kelly Garcia a odiou sabendo que Sean se envolvera com a agente da Polícia Mundial, Luanna Malapacco, e porque alguém lhe fizera o favor de enviar um e-mail anônimo contando tudo. Sean não parecia
saber daquele detalhe até aquele momento, porque Kelly lhe fez questão de contar por um único e rápido pensamento.
Os olhos dos dois se cruzaram, e Sean manteve-se frio, afinal não havia tido um envolvimento com Luanna Malapacco.
— Essa é Kelly... — começou a falar quando foi a vez de Luanna estudar cada parte de Kelly. —, minha sócia... — e Sean parou de falar mesmo foi quando Kelly se virou e voltou a entrar no elevador de final
par. — Aonde você vai? Eu estava falando...
Mas Kelly não estava nem um pouco social, linda, mas nada social. Ela o fuzilou com um olhar e Renata ficou mais quieta ainda, voltando a escrever, quando Sean abriu os braços e a olhou como quem espera
mais alguma coisa dela.
— Tenho muito que fazer até a noite! — falou Kelly enfim. — Até o jantar dessa noite!
— Tem outro jantar hoje à noite? — interrompeu Luanna ao se virar para olhar Sean. — Mas que pena...
— Kelly... Eu... — Sean tentava dizer, olhando para Luanna de lado. — Eu já havia combinado de levar Luanna ao Jockey.
— Joc... — e parou. — E o pessoal de Taiwan?! — Kelly falou forte.
— Você pode ir sem mim, Kelly?
— A família Tadaka vem especialmente para lhe conhecer, Sean — saltou praticamente para fora do elevador de final par, o encarando.
— E eu acredito que você pode ir sem mim, não é Kelly? — tentava Sean, um diálogo.
— Minha Nossa... O contrato é dia 18 de março, em Taiwan.
— E eu acredito que...
— ‘Que’ o quê? Que você nem conhece a fábrica? Que não sabe o que eles realmente podem oferecer à Computer Co.? Que não se interessou por nada até agora e...
Mas Luanna cortou a frase de Kelly numa voz afetada, ao mexer no botão da camisa dele, mostrando uma intimidade que Kelly acompanhava em cada movimento:
— Se você está com problemas...
— Eu não estou com problemas! — Sean fuzilava Kelly, porque Kelly tinha que entender, entender que ele tomava as decisões, que ele decidia quando e como, e que não era hora para aquilo, para eles. E Kelly
sentiu cada pensamento daquele. E nem precisava ter dons paranormais para saber aquilo, que Sean a evitava. Renata arregalou os olhos, não vendo a coisa ficar muito boa entre os três e Kelly voltou para
dentro do elevador. — Saia daí Kelly!
— O jantar é as sete! Preciso me arrumar! Não tenho mais dezoito anos!
— Saia do maldito elevador Kelly! — cerrou os dentes.
— Tire-me!
— Não se altere docinho... — Luanna tentou toda carinhosa.
— Não estou alterado! — exclamou Sean totalmente alterado, vendo Kelly dentro do elevador, sabendo que não podia fazer aquilo, que Luanna era uma agente da Polícia Mundial, uma ex-agente da Poliu, e que
seus dons não podiam se manifestar ali; e que Kelly sabia tudo aquilo.
Sean fechou os olhos, abriu-os e nada fez.
— Isso não é justo, é Sean? — questionou a bela Kelly ao fechar do elevador.
Sean encarou a porta fechada, apavorado com a reação ciumenta da sócia, com medo de qualquer reação dela, com medo de perdê-la.
— Ela está... — ainda tentou Luanna.
— É claro que não!
— Até a noite então?
— Até a noite então!
Luanna se despediu com um beijo no rosto sob fortes olhares da secretária Renata, e tomou o elevador de final ímpar. Sean continuou ali, tremendo de raiva, medo, dor. Entrou para sua sala, batendo a porta
com força; e foi com um forte e estressante movimento muscular.
Restaurante Terraço Itália; São Paulo, capital.
23° 32’ 44” S e 46° 38’ 37” W.
01 de março; 21h22min.
Após as corridas Sean optou pelo restaurante Terraço Itália na Avenida Ipiranga.
Edifício projetado por A. Franz Heep no início da década de 60, foi inaugurado em 1965, considerado um dos marcos da arquitetura brasileira, com o restaurante no 41º e 42º andar, o ponto mais alto da capital,
no Skyline da cidade.
Era a pedida certa para alguém conhecer São Paulo de cima.
O jantar corria normalmente e Luanna evitou comentar o incidente com a sócia dele. Sean agradeceu calado como de costume pedindo para servi-los um flut de champagne Dom Perrignon de entrada.
— Boa safra, não? — perguntou ela.
— Sim... — Sean estava deslumbrado com Luanna naquela noite.
A jovem havia mesmo se esmerado naquele coque que mantinham seus cabelos negros presos com classe. E ele começava a achar que gostava de mulheres com coque.
— Qual é a especialidade da casa?
— Comida italiana — Sean olhou em volta. —, e a mais incrível vista panorâmica da cidade de São Paulo — apontou para fora.
— Eu gosto! — Luanna achou que ele que era a mais incrível vista, de qualquer cidade, beliscando o pão do prato dele.
— Não perdeu o costume? — brincou Sean.
Luanna nem reparou que fazia aquilo automaticamente e ambos fizeram seus pedidos.
— Vou querer filé de truta com fatias de abacaxi grelhadas — pediu ela.
— Vou querer Ossobuco de vitela com risotto allá milanese e batatas sauté — pediu ele.
— Vinho Senhor?
— Goldner Oktober, Eiswein de preferência, o mais gelado que puder — pediu Sean.
— “Eiswein”? — a voz de Luanna o agradava naquela noite bela.
— Um vinho feito de uvas colhidas e prensadas ainda congeladas. Tem doçura e intensidade de uvas passas, mas retém, digamos, certo traço de acidez; Beerenauslese.
— “Beerenauslese”?
— Quando bagos super maduros normalmente são afetados por botrytis, o que produz vinhos muito doces; elas perdem água e concentram açúcar e ácidos.
— Desde quando estuda vinhos ‘Senhor jovem demais’ para saber tanto?
Sean voltou a rir.
— A vida inteira, acho. Minha vó Thereza tinha uma adega no porão de casa. Como portugueses, eles tinham vinhos, postas generosas de bacalhau, e tonéis de azeitonas no porão. Adorava passar os dias lá,
arrancando lascas salgadas e roubando vinho do porto — sorriu mais encantador do que já era.
— Uhm! E o que mais?
— O que mais? Nada! Acho que o mínimo que um cavalheiro faz ao convidar uma dama é conhecer um pouco do que bebe, do que come... — insinuou-se.
Luanna penetrou com seus olhos puxados cor de mel, cada costura do paletó escuro que Sean usava sobre a cacharel branca. A blusa, colante, lhe marcava o peito viril, e sua calça, preta, justa, marcava
sua presença.
Luanna já havia visto tudo aquilo.
— Eu nunca havia ido a uma corrida de cavalos. Foi emocionante — dizia toda sorridente, dentro de um pequeno vestidinho de veludo preto.
— E eu não tive tempo de dizer-lhe como está linda — falou a encarando.
Luanna parou de comer a batata que roubara do prato dele assustando-se com o elogio.
— Você também está lindo!
— ‘O mair-vê!’ — sorriu ele com uma mesura.
Luanna gostou daquilo, de tudo aquilo. Da companhia dele, do jantar, de estar ali. Mas não havia gostado do brilho dele para com Kelly Garcia, que ela sabia, ele preferia estar jantando com ela.
— Você gosta dela?
E Sean a olhou sabendo de quem falavam.
— Isso também estava nos relatórios mal feitos?
— Em todos eles.
E Sean voltou a olhá-la.
— Luanna... Eu realmente não a trouxe à vista do mais belo skyline paulista para falar dela.
— Porque você gosta dela.
— Porque eu gosto dela.
E Luanna calou-se.
Sean serviu mais vinho e o tomou num gole só. E voltou a encher a taça irritado pelo assunto levantado. Porque gostava de Kelly, mas não podia gostar de Kelly, porque não podia gostar de ninguém, porque
a o trabalho lhe tomava a alma.
— Obrigado mesmo assim...
Ela o olhou através da taça de cristal.
— Por que Sean?
— Por me tirar do trabalho, por me levar às corridas, por trazer-me para jantar.
Luanna achou graça de tudo aquilo, ele que a havia levado a tudo àquilo. Mas ela entendeu o que ele disse, porque os tais relatórios sobre ele também falavam aquilo, que ele não saía, não namorava, não
vivia; não depois da morte de Sandy Monroe.
— Então vamos repetir mais vezes.
— Todas as vezes que me convidar — sorriu Sean com charme.
— Não faça isso Sean...
— Fazer o que? — manteve o charme.
— Esse olhar pedante... Sensual... Porque posso não mais me arrepender das visitas a São Paulo.
— “Visitas”? Não é a primeira vez que vem a São Paulo?
— Somos agentes ‘mundiais’, Sean. Estamos em vários lugares — sorriu perigosa, roçando-lhe os seus pés nas pernas dele.
— Estão todos olhando — alertou-se.
— Se incomoda? — Luanna falou arrebatadora.
— Num restaurante?
Ambos riram.
E terminaram de jantar em meio a um clima diferente.
— Estava ótimo! O mair-vê! — falou Luanna no que o garçom retornou com um carrinho de sobremesas.
— Deseja uma sobremesa Senhorita?
— Desejo? — Luanna passava a língua pela sua boca molhada inclinando o decote sobre a mesa. — O que será mesmo que eu desejo?
O garçom se esticou todo sem graça.
— Menina levada! — exclamou Sean balançando a cabeça.
As atitudes de Luanna o deliciavam, tinha que admitir, enquanto o fogo das bananas flambadas fazia a imagem dela por detrás das chamas ficar mais diabólica do que já estava.
Ela voltou a passar os pés pelo colo de Sean que não havia percebido como era pequena a distância das cadeiras, e Luanna aproveitava a chance, todas elas. Por vezes mergulhando seus próprios dedos no creme,
por vezes lambendo-os, o excitando, espremendo-se no minúsculo pedaço de veludo preto; insinuando-se incessantemente sentindo-se dopada, entorpecida, o entorpecendo, porque ele queria se entorpecer, esquecer
quem era, o que deveria fazer ou não, com quem.
— Vamos embora docinho? — cogitou ela, com um olhar atravessador.
— O que propõe?
— A sua caixinha de vidro?
Sean achou uma graça, ela era diabólica mesmo.
— Quer voltar para o meu escritório?
— O que propõe?
— Garçom! — Sean exclamou. — A conta, por favor! — pediu a encarando malicioso, pedante.
E tal qual uma acrobata, Luanna arrastava o veludo preto do vestidinho pela mesa.
— Provoca cócegas! — exclamou perigosa.
Olharam-se. Sean mais que ela. Era uma situação indescritível a que passou a sentir pela agente Luanna Malapacco que exalava prazer por todos os lados. Porque Sean se encantava cada vez mais, deslizando
sua Lamborghini Murciélago Roadster pelas ruas de São Paulo, como quem deslizava nas nuvens fazendo todo o trajeto em silêncio.
Em silêncio, também, chegaram ao hotel dela. Porque qualquer palavra, qualquer sílaba se dita, quebraria o encanto.
— Boa noite! — exclamou ele enfim ao deixá-la na porta de seu quarto.
— Entre!
— Será um prazer... — e Sean a agarrou pelos seus negros cabelos.
— Ahhh!!! — Luanna gritou pelo susto, pela excitação.
— Um prazer imenso... — Sean a inclinou para trás lambendo seu pescoço, puxando-lhe com seus braços musculosos para colar-se em seu corpo, chutando a porta com os pés logo em seguida para que se fechasse.
Luanna tentava passar a mão pelas nádegas dele, mas ele sempre as pegava e a fazia passar-lhe a mão em sua própria, fazendo seus dedos entrarem no vestido curto, a quase atravessar a meia-calça. Ela queria
tê-lo dominado, mas Sean a enganara, ele a queria mais até do que ela e ele supunham.
— Sean... — tentou falar, a bela morena.
— Quieta! — exclamou baixinho, fazendo Luanna perder o equilíbrio, cair sob as almofadas do sofá, rasgar a meia-calça, expor o sexo úmido, sedento, sem lingerie.
Sean a acariciava tal qual uma seda, com dedos hábeis entrando saindo da carne molhada.
— Sean... — Luanna já não conseguia mais dominar suas emoções.
Sentiu tonturas, sentiu frenesi, quando seus olhos cruzaram com os dele.
Sean a estudava. Talvez fizesse até mais que aquilo. Mas o que era aquilo, Luanna nunca saberia. Como também não soube como a música se ligou, nem de onde ela viera, e nem por que era tão sensual, atrevida,
ensurdecedora, que mexia com seus pelos do corpo, que se ergueram, excitaram.
— Sente?
— O quê? — Luanna tentava raciocinar.
— Prazer… — Sean fez questão de abrir sozinho o zíper do pequeno e agora inexistente vestidinho de veludo preto que rolou para o chão.
Acolheu os seios duros, excitados, e Luanna sentiu cada toque voltar a se arrepiar, excitar os pelos, atravessar seus poros, atingir sua alma.
— Sean... — porque ela o amava, o desejava e amava na mesma frequência.
— Viaja! — encarou-a totalmente dominado pela jovem morena de olhos asiáticos. — Ida sem volta!
— Sean... — e Luanna não falou mais, erguendo as pernas por sobre os ombros dele; e como acrobata se movia no que os sexos se encontravam em movimentos curtos, circulares, a todo o momento.
O sexo dela era dele, o sexo dele era dela, numa viagem longa.
Porque adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total.
25
Computer Co. House’s, São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
02 de março; 07h52min.
Quando Luanna Malapacco acordou, Sean Queise não estava lá. Ela ligou para a Computer Co. e a secretária Renata disse que ele ainda não havia chegado.
Ela desligou e o elevador abriu:
— Bom dia, Renata! — cantou Sean, praticamente, para a secretária, entregando-lhe um botão de rosa.
— Cruz-credo! — exclamou ao ver Sean sorrir, no susto dele estar ali e logo sumir. — Viu um passarinho verde, Senhor?
— Preto!!! — gritou de lá de dentro da sua sala, ao ouvir o que ela havia dito. — Apertado! — gargalhou sozinho. — De veludo... — depois abriu a porta. — Alguém ligou?
— Não!
Sean sabia que não era verdade.
— Kelly? — olhou o relógio na parede. — Ela costuma abrir as portas do edifício junto com os seguranças.
— Eu saí do jantar com o pessoal de Taiwan antes dela, Sr. Queise. Já era muito tarde e eu precisava estar aqui cedo — e Renata estranhamente voltou a trabalhar o deixando no vácuo.
— Kelly também precisava Renata — percebeu o vácuo.
— Eu sei Sr. Queise — e Renata arrumou uma inexistente desarrumação em cima de sua mesa.
Sean não esperou mais.
— Você quer contar ou...
— É que... — não, ela não queria ter seus pensamentos invadidos. — Posso ser sincera?
— Por favor!
— A Srta. Garcia bebeu muito, acho que um pouco além da conta. Parecia estar extravasando.
— Kelly sempre foi comedida em suas emoções — falou secamente.
— Por isso mesmo — completou Renata.
Sean ficou sem graça, não queria continuar a falar naquele assunto delicado com uma funcionária.
— Quando ela chegar me avise — e entrou na sua sala, sem mais nada a dizer.
— A propósito... — ainda falou Renata. Sean estancou. — A Srta. Malapacco ligou.
Sean fechou a porta, pensou muito e discou alguns números. A recepção do hotel onde Luanna estava instalada atendeu e transferiu a linha.
— Dormiu, bem? — perguntou Sean, com carinho, quando Luanna atendeu ao telefone.
— Melhor do que nunca havia dormido. O mair-vê!
Sean fez um breve silêncio.
— Almoçamos juntos? — mudou de assunto.
— O que houve Sean? Falei alguma coisa que não devia?
— Não, é claro que não. Às treze horas? — insistiu.
— Sim! — concordou Luanna desligando logo em seguida.
“O mair-vê!”, pensou Sean não entendendo por que aquela expressão dita mexia com ele.
Resolveu adiantar o serviço de Kelly para quando saísse para o almoço com Luanna, e a sócia não desse um escândalo outra vez.
— Renata? Pode me trazer os papéis de Kelly para a ata de hoje?
Renata entrou e ficou parada na porta. Só depois Sean percebeu que ela entrou e estava no mesmo lugar. Ele ergueu o sobrolho como quem pergunta “O que está acontecendo?”.
— Não sei em que a Srta. Garcia estava trabalhando, Sr. Queise. Ela me disse para não me meter. Que não precisava de uma secretária — ela viu Sean a olhar com mais afinco. — Posso ser sincera? Acho que
ela não gostou que eu tomasse o seu lugar.
— Renata... — ele sentiu uma dor de cabeça se instalando. — Você está com ideias estranhas na cabeça. O que houve?
— Eu posso ser sincera outra vez?
Sean já não aguentava tanta sinceridade:
— Prossiga! — falou secamente.
— Eu disse que achava estranho que toda reunião com o pessoal de Taiwan nunca fossem os mesmos a comparecer, e a Srta. Garcia não gostou. Disse que eu não me metesse nos seus negócios.
Sean sentiu lhe tirarem o chão de seus pés.
— Está me dizendo que não era a Família Tadaka de Taiwan, ontem, no jantar?
— Veja bem, Sr. Queise. Durante a época da Feira de Informática aqui de São Paulo, eu e o Sr. Leferi tivemos contato direto com a Server Invector da Família Tadaka. Resolvemos quase tudo, inclusive o armazenamento
dos HDs nos depósitos Shiu-Shiu em Taiwan. Entretanto não pediram nada disso à Srta. Garcia, durante a segunda reunião; perguntei a ela. E na terceira reunião, a de ontem, tivemos contato com um pessoal
que nunca havíamos visto antes... Porque nos disseram serem os novos sócios da Família Tadaka.
— “Novos sócios”?
— Sim. Havia também um advogado e dois contadores da Server Invector, e que estavam interessados em quantas fábricas o Senhor possuía, quanto dinheiro ganhava, se não tinham dívidas, quantos empregados
dispunham, quem iria para Taiwan, etc.
— Renata... Estou fazendo uma fusão com a fábrica deles, descarregando grandes bancos de dados da Computer Co. nos HDs da Server Invector. É natural que eles queiram saber se não estou em falência, se
tenho condições de levantar o dinheiro para nossos projetos e...
— E por que insistir pelo código de acesso à lista de funcionários da Computer Co.?
“Lista?”, lembrou-se da lista de funcionários da Computer Co. nos arquivos de Lous Teac.
— O que teme Renata?
— Que nossa lista de funcionários também seja a lista de funcionários da Poliu, Senhor.
— Quê?! — Sean quase gritou. — Do que você está falando?
— O Gyrimias... — e Renata parou. — O Sr. Leferi... — e parou de novo. Mas Sean entendeu aonde ela chegaria. Gyrimias Leferi conhecia os problemas dele com a corporação de inteligência chamada Poliu. E
ele também havia levantado tal hipótese. — É que... — Renata tremia. — Eles perguntaram se nossos funcionários também trabalhavam para a Poliu, Sr. Queise.
Um desaguar de ácido e uma a dor na boca do estômago o fez tremer em meio a dor de cabeça que realmente se instalou.
— Traga-me tudo no qual Kelly trabalhava até o momento de tornar-se minha sócia. Tudo que envolveu a Feira de Informática, também. E Renata... — ele viu a secretária Renata sair e voltar. — Somente papeis!
— ele agora viu a secretária Renata sair e voltar apavorada com ideias que lhe surgiam.
Sean vasculhou onde pôde no calhamaço de papéis trazido. Havia verbas para comprar sabonetes, verbas para papeis, para café e pecas eletrônicas, ele viu que a assinatura não era de Kelly.
“Freda!”.
Sean desistiu, ligou o computador e acessou seu banco de dados. Contas de decoração e contas de gastos de bebidas, contas de material de limpeza e um ‘código 33’ que Sean criara para denunciar uma invasão
aos seus dados, digitado em verde, no alto de sua tela.
— Rootkit... — soou de sua boca, percebendo que alguém não autorizado entrava em seu computador.
Continuou a procurar suas contas como se estivesse fazendo um trabalho rotineiro e não demorou em sua tela ser dominada, com o computador desligando e religando sozinho.
Sean olhou para o lado, se procurou, mas o duplo dele não estava ali, não era seu outro eu quem desligava e religava seu computador. Percebeu também que o sistema todo se desestabilizava até retroagir
à data do dia do sequestro, durante a Feira de Informática. Olhou em volta, e procurou outra vez sua imagem duplicada e nada viu.
Mas um Gyrimias desesperado no outro da linha, o acordou.
— Senhor Sean Queise?! — gritava Gyrimias. — Alguém invadiu os...
— Mainframes! — completou.
— O Senhor já sabia?
Sean viu o ‘código 33’ no alto da tela dominada.
— Avise a central que permita a invasão.
— Mas Senhor... Nossos bancos de dados...
— Avise!
— Sim, Senhor! — Gyrimias desligou sabendo que de nada adiantava discutir.
Sean voltou a ler a tela e o hacker transcrevia o que Freda fizera na tarde em que foi morta, o que os computadores da Computer Co. fizeram, no que o logo da Poliu se desenhou na tela.
Sean leu:
— Dia: vinte e cinco de outubro. Hora: Três. Assunto em pauta: Entrada de códigos. Busca por: Campo eletromagnético, campo gravitacional, máquina de eletrocampomagnetização — Sean parou de ler. — Eletromagnetismo?
Gravitação? Teoria do campo unificado! — ficou a olhar a tela do computador. — O sonho de Albert Einstein em criar uma teoria capaz de interpretar juntos o campo eletromagnético e o campo gravitacional...
— Sean olhou em volta, obras de arte se espalhavam pela bela cobertura. — Deus... A Teoria do tudo! Será que vamos provar que o universo pode ser medido e demonstrado matematicamente? Seria essa uma evidência
que podemos ser uma simulação? — Sean percebeu que a tela mostrava realmente uma invasão aos computadores da Computer Co.. — Quem invadiu quem afinal?
“Vamos morrer Sr. Queise?!” gritos invadiram a cobertura da Computer Co..
Sean entendeu enfim que fora Freda quem acessou aquilo, que acessaram através de suas senhas tais informações, porque havia um ‘código 33’ na tela e Freda não sabia.
“Vamos morrer Sr. Queise!”; agora não foi uma pergunta, mas uma afirmação vinda da imagem de uma Freda sofrida, que se materializava ali.
— Ah! Freda... Perdão… — Sean chorou. — Alguém hackeava os computadores enquanto você trabalhava — e Sean viu a imagem dela se dissipar, sentindo pena pela morte da jovem.
Porque havia sido dos mainframes da Computer Co. que eles tiraram o esboço da máquina cilíndrica.
“Droga!” Sean parou de falar no que o hacker se desconectou fazendo o ‘código 33’ desaparecer da tela.
— Quem é você? O que quer que eu descubra? — perguntou para a tela apagada. — E por que eu? Por que os alienígenas querem algo comigo?
“A vaca quer corda, mas não a tem, a cabra a tem, mas a arrasta”, Sean colocou as mãos na cabeça segurando-a, como se para não cair.
— Pobre Freda! Foi morta porque acharam que ela sabia demais — cerrou os olhos que voltaram a lacrimejar na manhã que ganhava forma. Sean levantou-se, voltou a sentar, levantou-se novamente e andou pela
sala por horas para depois voltar a sentar-se, quando de repente pareceu que todas suas ideias enfim tomaram vulto grande, complexo. — Idiota?! — explodiu levantando da cadeira, derrubando-a no chão. —
Idiota! Idiota! — e num acesso de raiva jogou tudo o que estava sob a grande mesa de granito no chão.
O susto fez Renata adentrar na sala sem ser chamada.
— Sr. Queise?
— Fora!!! — gritou descontrolado com Renata fechando rapidamente ao perceber que algo voara em cima dela. Ela ficou esperando ele se acalmar em meio ao som de cristal estilhaçado. — Renata?! — berrou e
a secretária entrou meio pelo canto, o temendo. — Quero o tal arquivo de funcionários da Computer Co., o mesmo que lhe foi pedido pelo pessoal de Taiwan, naquela maldita noite! — falou por entre os dentes
cerrados.
— Sim, Senhor...
— E Renata?! — gritava como se ela estivesse longe.
— Sim, Senhor?
— Me faz duas reservas para o almoço, no House’s Garden Restaurant — e saiu para a sacada ajardinada de sua sala.
Renata o observou, ele tinha os cabelos loiros em movimento descompassado pela forte rajada de vento que se fez na sua grande sacada ajardinada.
Restaurante House’s Garden; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
02 de março; 13h00min.
O salão do restaurante estava lotado naquela hora de almoço, mas o silêncio de Sean Queise para com Luanna Malapacco era mortal, ela percebeu.
— A comida está ruim?
— Não! — respondeu Sean com secura.
— Então será a companhia? — sorriu.
— Não!
— O coquetel não ficou como queria?
— Não!
— Você quer... — tentou tocá-lo.
— Agora não! — respondeu ao perceber que ela começava a se encostar.
Mas Luanna continuou assim mesmo. Seus pés sem os sapatos roçavam as pernas agitadas.
— Você se enerva, se acaba, se descontrola... — fazia charme. — Sinto dizer docinho, mas isso é paixão...
— Pare com isso! — irritou-se.
Sean voltou a comer e Luanna a insistir.
— Gosta de camarão? Gosta de...
— Não insista!!! — gritou, agarrando a mão de Luanna com o garfo estendido com o camarão preso a ele, chamando a atenção de todo o restaurante.
Luanna escorregou os olhos para os lados sem graça.
— Por que me trouxe então, se foi para me maltratar?
Sean a encarou.
— Não estou te maltratando... — ia discutir quando percebeu que todos olhavam que era um homem público. — Vamos embora! — ergueu a mão para chamar o garçom.
E ambos saíram da Computer Co. House’s deixando para trás todos abismados com a mudança brusca de humor dele. Luanna mais inconformada ainda, o seguiu entrando na Lamborghini e partindo.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não!
— Onde estamos indo se meu hotel fica atrás do seu escritório?
— Cale-se! — Sean acelerou o carro e entrou como um louco na Marginal Pinheiros.
— Perguntei onde…
— Já disse cale-se!
— Não vou calar-me, Sean! Está correndo muito!
— Que há? Com medo?
— Não tenho medo!
— Não! Claro que não! Agentes mundiais não tem medo!
— Chega Sean! Por que está pondo sua vida em risco?
— Wow! Com medo que eu morra? — prosseguiu com o cinismo. — Qual foi à outra vez que esteve no Brasil? — questionou acelerando cada vez mais o carro. — Em São Paulo? — Luanna ia responder, mas Sean não
deixou. — Teria sido no dia da Feira de Informática? A que a fez se arrepender?
Luanna arregalou os olhos no que o giro do contador de velocidade aumentou.
— O que está tentando fazer, Sean?
— Entender!!! — berrou por entre os dentes cerrados.
— Pois sou eu quem não está entendendo nada... — e a Lamborghini Murciélago Roadster fechou um carro. — Sean?! — um buzinaço se seguiu. — Pare de correr!
— Já soube que seu amante foi assassinado?
— Ex! Ex-amante! Oscar me contou...
— O todo poderoso Oscar Roldman se dá a esse trabalho agora? — falava sarcasticamente cortando sempre a vez de Luanna falar. Ela ficou rígida e ele percebeu. — De onde Mercês tirava suas informações? —
insistia em tom de briga.
— Não sei!!! — gritou Luanna.
E Sean acelerou a Lamborghini no máximo que pôde fechando mais carros que desesperados buzinavam em aviso.
— De onde Mercês ficou sabendo sobre Virgínia?! — berrava com ela.
— Eu não sei... — Luanna era jogada de um lado para o outro no que o carro ziguezagueava.
— De onde foi?!
— Não grite!!! Eu já disse que não... — e tentou segurar as mãos dele.
— Sabe sim!!! — gritou empurrando Luanna para longe.
— Você está correndo muito!
— Wow! Não disse que não tem medo?
— Está me tirando do sério, Sean! — agarrou as mãos dele.
— Me larga!!! — gritou ele fazendo a Lamborghini escorregar pela pista molhada e Luanna bater o rosto no vidro.
— Sean!!! — berrou e o carro deslizou por toda a pista.
Sean controlou o volante e ela se jogou no piso do carro, metendo as mãos no freio.
— Ficou louca?! — Sean perdeu a direção na súbita freada subindo na ilha lateral.
Pessoas que lá limpavam gritaram em desespero, se jogando para todos os lados em meio a fumaça de pneus, que fritavam na grama que levantava picada.
— Pare de correr!!!
— Saia daí sua louca!!! — ele não conseguia controlar o volante muito menos acelerar com a cabeça dela encaixada entre as suas pernas.
Caixas de papelão se levantaram na sua passagem sendo projetadas para longe e Sean puxou-lhe pelos cabelos acelerando mais ainda.
— Largue-me Sean!!!
— Não!!! — a Lamborghini ganhou a marginal expressa com sua pouca distância do piso. — Você enlouqueceu!!!
— Já mandei você parar de correr!!! — gritava Luanna descontrolada debaixo dele.
— Pare você de frear!!! — Sean puxou o volante da Lamborghini tentando mantê-lo estável na pista lateral da marginal, acelerando e freando ao mesmo tempo, pisando nas mãos dela e ela empurrando sua cabeça
nas coxas dele. — Luanna?! — Sean acabou por entrar numa rua e espatifar o farol direito. — Enlouqueceu?!
— Não! Você não sabe o que é enlouquecer! — e subiu mais a cabeça o fazendo perder o ar no que a direção da Lamborghini mudou de faixa.
— Estamos na contramão!!! — gritou Sean tentando empurrar Luanna para longe de suas pernas. — Vamos morrer!!!
— Morremos juntos! — proferia a agente da Polícia Mundial.
— Está louca?! — Sean deu um cavalo de pau e voltou à mão única invadindo novamente a avenida lateral até atingir à marginal, mas a cabeça de Luanna continuava atravessada, entre acelerar e frear, e a
Lamborghini deslizava de uma pista a outra, passando de raspão por um carro que buzinou atônito.
Lutando com o corpo dela, outro carro lhe esbarrou, e a Lamborghini rodopiou 360º marcando o asfalto levando ao pânico o confuso e veloz trânsito da capital.
— Ahhh!!! — gritavam ambos girando.
— Pare o carro!!! — gritava ela. — Pare o carro!!!
— Ahhh!!! — mas Sean só sabia gritar no que foi fechado por carros cada vez mais velozes que ele, enquanto girava, girava, até perceber o vidro quebrado. Tocou o queixo aturdido e pôde sentir o sangue
correndo, espirrado na camisa onde estilhaços miúdos encheram-lhe o bolso da camisa. — Um tiro? — se perguntou em meio à confusão, em meio ao buzinaço. — Um tiro!!! — gritou desesperado, com os olhos arregalados
para o carro que corria ao seu lado, apontando-lhe uma arma. Sean puxou o volante para a direita, se afastando dele. Mas o homem pendurado para fora do vidro atirou outra vez e Sean puxou os cabelos de
Luanna tentando erguê-la. — Ahhh!!! — berrou agora de dor no que Luanna deu-lhe uma mordida na perna o fazendo se contorcer pela dor e a bala passar longe e destruir o vidro do outro lado no ato.
Quando ergueu a cabeça, ambos viram à bazuca que agora lhes eram apontada.
— Ahhh!!! — berraram uníssonos outra vez.
Sean tentou brecar dessa vez, mas o freio travara na confusão, e acelerar a Lamborghini era a única opção.
Uma nova rajada de balas se fez atrás deles, agora vinda de outra direção, de mais dois carros que os seguiam e os vidros traseiros espatifaram. Sean e Luanna só tiveram tempo de abaixarem-se e uma nova
aproximação da bazuca ao seu lado o fez dar a ordem.
— Freia!!!
Luanna se jogou ao chão, obedecendo como uma equipe e a Lamborghini cantou pneu, fez fumaça, girou 180º.
Sean entrou de lado na pista expressa à sua direita, onde se fazia uma bifurcação. Os carros que os seguiam tomaram a outra pista sem conseguir retornar e uma jamanta vinha na banguela atrás deles, onde
recuar ficara terminantemente impossível.
Os atiradores perderam Sean Queise e Luanna Malapacco, que escaparam não sabiam bem de quem.
26
MIT - Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, Massachusetts; USA.
42° 21’ 35.35” N e 71° 5’ 31.6” W.
04 de março; 10h34min.
Sean estacionou dois dias depois da experiência automobilística, em frente ao MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Estava atrás do cientista Major Sênior Paulo Vedovi, um ex-integrante da Poliu,
agora professor da Caltech, Universidade norte-americana privada, que aceitava homens e mulheres no seu corpo discente.
Havia deixado São Paulo, Brasil, às pressas sem mais falar com Luanna que foi largada na frente do hotel; arrasado, porém com o sumiço de Kelly Garcia. Porque sabia que aquilo que iria fazer não podia
mais esperar. Talvez a segurança de Kelly e de seus familiares dependesse do que ia investigar.
Abriu a porta do carro alugado e percebeu pela rápida refração que o vidro fez a imagem de alguém que o seguia. A mesma pessoa, no mesmo carro, que por muitas vezes ele viu na estrada.
Sean bateu a porta do carro e se dirigiu à portaria.
— Por favor! — disse. — Eu marquei uma hora com o cientista professor Major Sênior Paulo Vedovi.
— Quem eu devo anunciar? — perguntou o segurança do local.
— Sean Queise da Computer Co.! — respondeu, mostrando-lhe sua documentação.
— Por aqui! — o segurança abriu-lhe a porta e ele entrou atravessando corredores vazios.
Um feriado local deixara muitos cientistas em casa.
— Com licença! — disse Sean Queise adentrando a sala onde o cientista ainda conversava com alguns colegas. — Desculpe-me pela invasão, achei que estivesse sozinho.
O Major Sênior Paulo Vedovi dispensou a todos e encarou-o quando este fechou a porta. Ele estava realmente surpreso com a presença de Sean Queise ali.
— Achei que nunca mais trocaria uma palavra comigo, Sr. Queise.
— Ultimamente tenho mudado de opinião com muita frequência.
Paulo riu.
— Achei mesmo que depois daquele incidente com a sua noiva, não nos encontraríamos mais.
— Ah! Desculpe-me por isso, Major Sênior Paulo. Qualquer um que trabalhe para a Poliu está fora dos meus círculos sociais — foi irônico.
— Então é isso? — Paulo gargalhou. — É por que abandonei a corporação que está aqui?
— Digamos que tenha subido alguns pontos no meu conceito.
O Major Sênior Paulo balançou a cabeça.
— O que quer aqui, Sean? — agora mostrou intimidade. — Não foi muito explícito quando me ligou e marcou essa… — balançou as mãos no ar. —, reunião?
— O que pode causar uma sobrecarga num campo magnético capaz de produzir um terremoto?
— Sabia que Tesla certa vez criou uma máquina de terremotos que pesava cerca de 1 kg? Com ela era possível testar o grau de oscilação natural de vários objetos e quando ajustada, a máquina atingia a oscilação
certa do objeto, o fazendo entrar em ressonância, o que geralmente o partia. Chegou a fazer isso com uma viga enorme de metal e por pouco não a quebrou. Animado, resolveu testar com seu próprio laboratório.
O resultado? Bem, a vizinhança chamou a polícia achando que o mundo ia se acabar porque a ilha inteira de Manhattan tremeu. Depois Tesla resolveu destruir a marteladas a invenção que dizia ser capaz de
dividir o planeta em dois — riu e parou de rir na seriedade de Sean Queise.
— Vou voltar a perguntar o que pode causar uma sobrecarga num campo magnético capaz de produzir um terremoto; um buraco de minhoca?
O Major Sênior Paulo Vedovi ficou em alerta.
— Veio até aqui para brincar, Sean?
— Pareço estar brincando, ‘Paulo’.
— Não sei do que está falando...
— Vocês nunca sabem... — sentou-se cansado jogando a cabeça para trás, a deixando pendurada por alguns segundos. — Preciso de sua ajuda para salvar Kelly...
— Ah! Aquela Kelly...
— Não é o primeiro a dizer isso.
— Porque você a coloca em risco.
E Sean teve realmente que encarar os fatos, que todos sabiam de seu amor por uma mulher que não protegia.
— Eu nunca quis isso...
— Não! Não quis! Mas torná-la sócia de grandes bancos de dados, com tantas informações vitais à segurança do planeta Terra, não é um ‘eu nunca quis isso’.
— Por favor...
Paulo arregalou os olhos.
— “Por favor”? — não imaginava ouvir aquilo.
E Sean lhe deu seu notebook, seu computador pessoal.
— Poderia ter acessado a Internet e conversado com você, mas a rede da Computer Co. está sendo vigiada pelo ‘código 33’.
O Major Sênior Paulo Vedovi o olhou mais atentamente.
— Sabe que não sei nada sobre qualquer tipo de vigia à Computer Co..
— Eu sei que não sabe. Saiu da Poliu, lembra? — sorriu. — Inclusive antes do ‘código 33’ ter sido criado, lembra?
O Major Sênior Paulo Vedovi o encarou não sabendo ao certo o que Sean estava fazendo.
— Sabe que saí...
— Claro que sei! Por isso não se preocupe, nossa conversa é estritamente sigilosa. Nem, a sua amante que trabalha na Computer Co., saberá — completou Sean, o encarando sério.
Major Sênior Paulo Vedovi agora engoliu aquilo a seco.
— Está-me chantageando, Sr. Queise?
“Senhor!”, ecoou por todo ele.
— Pareço estar? — questionou. — Ah! É por causa daquilo? — debochou.
— “Daquilo”?
— Aquilo... O fato de sua amante ter sido pega levando algumas peças — parou. — Ou por acaso, não foi isso o que Trevellis disse ao meu pai? Porque para mim, Trevellis disse que eu roubei, escondi, hackeei
uma máquina que não sabia que construía — e se aproximou. —, porque eu construía não é? Mesmo sabendo que não sabia que construía, porque nunca quis saber o que meu pai, minha mãe, Trevellis e Oscar fizeram
na juventude — explodiu.
— Não sei nada sobre essa amizade.
— Desgraçados! Você e a Poliu tiveram coragem de dizer que Sandy roubava algo — levantou-se. — Enquanto sua amante fazia o que? Com ordens de Trevellis?
— Isso não vai ajudar em nada a nossa conversa Sr. Queise, se continuar a me provocar dessa maneira.
— Wow! Eu te provoco? Ah! ‘Senhor’ Vedovi! Minha provocação vai além de provocações — Sean girava pela sala. — Porque sabe que eu vim aqui na verdade discutir um passado muito mais distante do que esse.
Esse que sua mulher não vai querer conhecer.
— Quanto distante? — perguntou desestruturado.
— Conferência em Genebra! — e Sean jogava um jogo de xadrez, estudando seu adversário, antecedendo o próximo passo. Porque Sean sabia que Paulo sabia que ele o bloqueava, porque ele era da Poliu, e porque
a Poliu ensinava seus altos agentes a bloquear os psi que eles próprios criavam com medo que eles se voltassem contra eles. — Esse é o desenho de uma máquina que você próprio, Paulo, apresentou em Genebra
— mostrou a tela do notebook que trouxera.
— Onde encontrou isso?
— Listas de ufologia? — Sean viu os olhos de Paulo se mesclar pelo medo, pela situação inédita dele ali, tão próximo. — Grande apresentação aquela, não foi?
— Se listas postaram ao público...
— Apresentação auxiliada pela amante que sua mulher não sabe existir. Provável nem Trevellis…
— Pare Sean…
— E esse desenho? — apontou Sean para a próxima tela que carregou não querendo parar. — É público, também?
E Paulo se aproximou da tela vendo que estava enrascado, que alguém o denunciara, e que talvez seu computador também tivesse alguns ‘código 33’.
— Nem vou perder meu tempo perguntando onde...
Mas Sean sentou-se pesado.
— Um bocado complexo, não? — e Sean viu que Paulo passou a respirar ofegante quando ele sumiu da cadeira à sua frente e estava ao seu lado, próximo, encarando-o. — Acredita nisso, Paulo? — e Paulo sentiu
Sean colado a ele. — Em continuum espaço-tempo? Viagens por buracos de minhoca? — e Paulo o viu sentado à sua frente.
— Como... — mas o Major Paulo sabia a resposta, porque sabia que os Roldman não precisavam de buraco algum.
— O que te incomoda Paulo? Einstein ter promovido ‘energia’ e ‘massa’ em sua equação, tão diferentes e tão próximas, para podermos viajar ao passado e futuro, curvando-o?
— Como você o curva?
— Não estamos estudando os Roldmans, estamos?
E o silêncio.
— O passado é um evento fechado!
— Para quem?
Agora Paulo teve medo dele, dos Roldmans.
— Onde conseguiu esse esboço, Sean?
— Esboço, lembrou bem — riu debochado. — Consegui hackeando, óbvio, um computador de uma casa de doces em Palau... — girou os olhos em tom de deboche. — Onde mais?
— Eu não... — não conseguia falar.
— Você ‘não’ o que? Não conhece quem? A casa de doces ou o desenhista Calan?
— O esboço foi roubado...
— Vou buscar lhe um café! — e Sean saiu de perto dele. — Não fuja! — bateu no ombro que enrijeceu, voltando três minutos depois com duas xícaras de café. — Que moral, hein Paulo? Disse na cozinha que você
queria um café e olha que xícaras bonitas nos deram...
— O que quer de mim, Sr. Queise? — cortou Paulo num tom áspero.
Sean deu uma pausa para tomar o café.
— Que me fale tudo o que sabe sobre uma máquina que a Poliu construiu com peças e avais da Computer Co., dizendo ser para Spartacus criar feixes de antigravidade na Terra.
— Era para Spartacus direcionar feixes sim, até você sumir com ela.
— Eu não sumi com nada!!! — e tudo em cima da mesa balançou por sua fúria paranormal. Sean viu Paulo arregalar os olhos e só. — A Poliu me culpa por ter roubado o esboço de uma máquina que não tenho a
mínima ideia que estava escondida dentro dos meus mainframes.
— Mainframes da Poliu! — corrigiu-o.
— Não! Meus mainframes! Eu os alugo!
— Isso não lhe dá direito de invadi-los...
— Eu não invadi nada!!! Não roubei esboço algum!!!
— Inferno! Por que o abacaxi sempre vem parar em minhas mãos? — Paulo ergueu-se descontrolado.
A cadeira girou sozinha até parar.
— Será que é por que Trevellis não gosta de você, Paulo?
— Nem de você, Sean!
— Isso não me importa! Nunca me importou! Ele culpou Sandy pelo roubo de informações de Spartacus como está fazendo comigo agora.
— Eu não sou mais da Poliu!
— Por isso mesmo! Por isso sabe que eu poderia ter ficado no Brasil, no conforto do meu flat e ter me projetado até aqui, invadido sua mente, sua gaveta, seu mais interno medo — e parou para olhá-lo. —
E também porque sabe que eu não faria nada disso, porque você foi um agente da Poliu, que pelo alto cargo passou pelas mãos hábeis de Mona Foad que trabalhou para a alta cúpula, preparando-os para evitar
que seus próprios espiões psíquicos os invadissem — e respirou pesado.
O Major Sênior Paulo Vedovi balançou a cabeça em descompasso, e voltou a olhar o esboço no notebook.
Sentou-se.
— Máquinas que viajam pelo tempo? — riu. — Isso é teoria da conspiração de algum lunático que quer derrubar algum governo, destruir alguma... a Poliu — Paulo Vedovi viu Sean sereno, dono de si, percebendo
que de nada adiantava negar. — Ahhh... Inferno! Está bem! — suspirou afobado. — É você quem vai arcar com as consequências de saber demais.
— Eu me preocupo com isso mais tarde.
— Que seja! — suspirou novamente. — Mas Mr. Trevellis tem realmente motivos para ter medo que essa máquina caia em mãos erradas, porque a Poliu tem guardado há muitos anos informações secretas sobre alienígenas.
— Os cinzentos de olhos arregalados... Alienígenas dos Dogons...
— Sim!
— Eva Klein sabe mais do que diz não?
— Como conseguiu falar com Eva?
— Prossiga...
Paulo prosseguiu receoso:
— A Poliu soube sobre visitas hostis que aconteceram nas Filipinas, relatos que contam sobre o desaparecimento de alguns abduzidos.
— Está querendo dizer que o que a Lista de Ufologia fala sobre invasões nas Filipinas é verdade?
— Sim.
— Mas por que as Filipinas? O que os alienígenas querem lá?
— Não sei. Atividades espaço- temporais tem ocorrido com frequência naquelas ilhas.
— Buracos de minhoca sendo aberto nas ilhas das Filipinas; ilhas anãs. Acho que o que o colisteiro daniel-flashback ouviu não era tão fantástico assim.
— Do que está falando?
— Parece-me que o nosso colisteiro Daniel é sensitivo auditivo. Ele diz ter ouvido claramente uma espécie de ‘Save Our Souls’, um SOS — gargalhou. —, um acrônimo.
— Daniel é um “sensitivo auditivo”?
— Sim! Do tipo que a Poliu adoraria ter em seu rol de espiões psíquicos.
— Ainda lutando contra o que Mona fez com você?
Sean ergueu-se de supetão e Paulo sentiu que já não dominava tanto a conversa como supunha.
Mas Sean voltou a sentar-se em total controle.
— Daniel... — e Sean não sabia bem que o ele e Mona fizeram. — Daniel disse que uma nave alienígena, um UFO havia caído próximo ao que ele chamou de “ilhanas”, e que ele mesmo traduziu depois para “ilhas
anãs”. Uma nave que... — e Sean olhou em volta.
— Não há escutas!
— Acredito… — prosseguiu. —, que a nave que os cientistas de Amsterdã viram ser perseguida por uma ogiva, quando o buraco de minhoca abriu e o Dr. Arthuro entrou, era a mesma acima do iate quando mergulhei.
— “Cientistas de Amsterdã”? Ah... Então conheceu mesmo Eva — achou graça. — Foi ideia dela dizer aos jornais sobre seu irmão, e que os agentes da Poliu eram mergulhadores em férias, em Mindanao.
— “Férias”?
Sean ficou no vácuo e Paulo suspirou e enfim recomeçar a falar:
— A Poliu deslocou alguns agentes para Mindanao ano passado. Montaram uma equipe para trabalhar diretamente com informações que haviam sido resgatadas por agentes psíquicos, que se comunicavam com alienígenas;
primeiramente através de códigos e luzes, enviadas para fora da casa onde haviam montado uma espécie de laboratório e depois através de mensagens psíquicas.
— Essa casa fica na Cidade de Iligan, região norte da Ilha de Mindanao? Próximo a um penhasco?
E Paulo ergueu o sobrolho.
— Fantástico! Você esteve lá remotamente?
— Na pista, onde Arthuro levantou voo e o buraco de minhoca abriu.
— Fantástico! — se repetiu. Depois suspirou e prosseguiu. — Mas não sei o que houve, não conheci o pessoal designado. Só sei que a abordagem foi um desastre.
— Que tipo de abordagem?
— Foi só o que soube.
— Há quanto tempo a Poliu tem acesso a esse desenvolvimento de buracos de minhoca?
— O que quer dizer, Sean?
— O esboço de máquinas para criar antigravidade, gravidade negativa. Era isso em que o Dr. Arthuro trabalhava, não?
— Não conheço nenhum Arthuro, e aquilo tudo sobre Tesla...
— Por que acha que seja teoria da conspiração, Tesla ter aberto um buraco de minhoca em Tunguska, e sem querer sugar uma nave para lá se acredita em máquinas de terremotos?
— Está brincando, não?
— Ou a nave aproveitou o buraco de minhoca aberto e entrou caindo posteriormente, ou a nave pode ter entrado e ter sido atingida pelo meteorito que pode ter caído, sugado pela gravidade da Terra, ou ter
sido tudo sugado pelo buraco como o Dr. Arthuro presenciou ao morrer — e Sean não esperou Paulo falar algo.
— Você é tão alienado quanto Mr. Trevellis supunha.
— Sou? — riu deixando Paulo em alerta. — Porque digamos que o meteorito realmente entrou na atmosfera da Terra; então se uma explosão ocorresse no solo de Tunguska, como um meteorito a atingindo, faria
uma marca circular, mas se a explosão acontecesse no ar, como uma nave entrando e sendo atingida por um meteorito, a marca do solo de Tunguska seria como a encontrada, como a que entortou as árvores em
forma de asa de borboleta. Porque exploradores da fundação estatal siberiana ‘Fenômeno Espacial de Tunguska’ realmente acreditam ter encontrado elementos de um artefato técnico alienígena — e Sean viu
Paulo piscar. — Também não sou nada adepto das viagens pelos buracos de minhoca, mas se ocorreu, Paulo, temos que repensar como as paredes puderam se manter estáveis, porque não existe essa força fora
da natureza — e Sean viu Paulo voltar a piscar.
— Não existe fora, não existe dentro. Não houve buracos de minhoca…
— Mentira! — Sean cortou sua fala. — Eu fui a Amsterdã! Vi você nas fotos da equipe do Dr. Arthuro. Aquilo tudo me cheira coisa da Poliu e era você o ‘Paulo’ da transcrição. Eram vocês os agentes da Poliu
mandados a Mindanao.
— Você devia conversar mais com Oscar Roldman ao invés de brigar tanto com ele.
— Do que está falando?
— Foi Oscar Roldman quem o mandou a Amsterdã, não foi Sean?
— Como... — sentiu o ar rarear. — Como sabe?
E o Major Sênior Paulo Vedovi não piscou uma única vez.
— Fernão Gomes? Empresário português dono da Chips Line? Tudo fachada construída pela Polícia Mundial — Paulo foi direto.
Foi a vez de Sean sentir-se prostrar na cadeira, Oscar o usara.
— Por... — se recompôs. — Por que Eva Klein falou que o Dr. Arthuro trabalhava no Projeto E.N.I.G.M.A.?
— Eva lhe disse algo? — Paulo pareceu estranhar o fato novamente. — O Projeto E.N.I.G.M.A. era o maior segredo que a Poliu tinha em suas mãos até precisar ser arquivado.
— Por que foi arquivado?
— Já ouviu falar do Philadelphia Experiment?
— O que fez desaparecer o destroier Eldridge no porto da Filadélfia? Gyrimias diz que é lenda — riu sabendo que não ria.
— Lenda ou não, ele cruza informações com o Projeto E.N.I.G.M.A. — e Paulo prosseguiu sem piscar. — O Experimento Filadélfia a princípio era um projeto de invisibilidade, o Projeto de Invisibilidade de
Tesla, do Dr. Nikola Tesla para criar navios que pudessem ser invisíveis ao radar. E que melhor maneira de se atacar um inimigo se ele não sabe que está sendo atacado?
— E o que realmente aconteceu ao Eldridge, Paulo?
— ‘Realmente’ eu não sei, mas acho que quando criaram o escudo magnético, criaram um campo de negatividade ou um campo antigravitacional que ao invés de tê-lo deixado invisível ao radar, abriu um buraco
de minhoca e o destroier Eldridge entrou e viajou no tempo, fazendo sua reconstituição molecular no retorno ser alterada.
— Isso explicaria o homem que apareceu com uma das mãos presa à parede ou o corpo do marinheiro grudado ao piso como se fosse uma massa só.
— Me parece que você andou fazendo lição de casa.
— Major Sênior Paulo, o que leio na Internet, metade descarto. E a menos que eu leia isso direto dos arquivos de uma grande corporação... — e Sean esperou a respiração de Paulo acentuar para completar.
—, não acredito muito no que vejo no mundo submerso da rede.
— E em sua Lista de Ufologia? Não acredita nela também?
— Wow! Parece que não fui só eu que fiz lição de casa aqui.
— Então devia procurar alguém que sabe algo sobre as listas, alguém que sabe sobre a ‘mulher da parede’.
— “Mulher da parede”?
— Procure o agente Luppy, ele trabalha na Poliu de Miami.
— Quem é a ‘mulher da parede?
— Sobrevivente direto do Projeto E.N.I.G.M.A.!
E Sean arregalou os olhos azuis na última exclamação.
27
Downtown Miami, Biscayne Bay; Florida, USA.
25° 46’ 0” N e 80° 12’ 0” W.
05 de março; 09h00min.
— Quero falar com o Agente Luppy! — falou o belo e jovem Queise ao sentar-se na cadeira de pelos vermelhos de uma elitizada loja de joias.
Ele acabava de entrar em uma das mais sofisticadas fachadas da Poliu em Miami Downtown.
— Um momento! — disse uma pacata Senhora de seus sessenta e cinco anos após o susto inicial.
Ela levantou-se e arrumou o impecável tailleur cinza. Deixou Sean olhando em volta.
“Wow!” exclamou para si mesmo ao ver a belíssima loja.
Funcionários com uniformes de corte impecável, em cor azul escuro e cinza, eram todos os sorrisos para quem fosse que entrasse. Mesas e cadeirinhas Chippendale eram disputadas por ricas Senhoras da sociedade
local e por compradores do mundo inteiro. Paredes forradas de veludo amarelo ouro, rebordadas por fios de ouro, luxo e sofisticação eram esbanjados. Ninguém que lá comprassem joias poderia imaginar o que
em andares abaixo se escondia.
Porque até o aroma exalado no ar condicionado cheirava a perfume caro.
— Por favor! Siga-me! — disse à Senhora de tailleur cinza ao retornar de sabe lá, de onde.
Sean a seguiu e os dois atravessaram um largo e comprido corredor de vidro. Ele teve a sensação de estar sendo observado por detrás daquelas paredes de vidro espelhado.
Sentiu-se oprimido.
— Por que Miami? Por que a Poliu gosta tanto de ver o mar? — questionou Sean para a Senhora sem, porém obter resposta para aquilo.
— Entre! — ela apontou para o elevador.
Os dois desceram o que lhe pareciam ser cinco andares abaixo do nível da rua, num rápido e moderno elevador. O ambiente era gelado e Sean estremeceu.
A Senhora de tailleur cinza não olhava para ele, mas a câmera dentro do elevador, colocada no alto da porta da entrada se movia freneticamente na sua direção. Nada era perdido, naquele momento. Cada centímetro
era estudado. Constrangedor, o fato de ser observado e o elevador abriu a porta.
— Wow! — e uma enorme sala, fria e competentemente limpa se mostrou.
Sean se viu em meio à enorme quantidade de mainframes da Computer Co. que existiam ali, em meio a dezenas de homens e mulheres, na maioria jovens, trabalhando uniformizados cinco andares abaixo das ruas
de Miami Downtown, e paralisados pelo susto da presença dele.
— Jovem Queise?
Mas foi aquela voz com forte sotaque que fez o ar parecer ter ficado rareado, no que Sean perdeu realmente a respiração quando se virou para a dona da voz.
— Virgínia ‘voz de algodão’... — e Sean ficou em choque ao vê-la. — Eva Klein?
— Precisamos conversar! — falou a ‘voz de algodão’ de Voz de algodão/Virgínia/Eva, ou quem quer que a robusta e bela loira fosse naquele momento, dentro de um justo tailleur cinza.
Ao lado dela, dois agentes da Poliu indicaram uma sala no fundo do corredor para ele entrar. E ele entrou em choque, olhando a mulher que entrou usando o mesmo sofisticado coque que prendia elegantemente
cabelos loiros claros.
Sean sentou e levantou, olhou para os dois agentes ainda na porta aberta, e o vaso que estava numa das mesas laterais se projetou contra a parede, fazendo os estilhaçados de cristais voarem para todos
os lados.
Voz de algodão/Virgínia/Eva esperou os pedaços de cristais se acomodarem no chão e dispensou os dois agentes, que não entenderam como aquilo acontecera. Ou entenderam, e Voz de algodão/Virgínia/Eva fechou
a porta, a trancando, antes que eles fossem tomar alguma posição.
E ela ficou ali, esperando uma chance de falar em meio ao ódio que exalava dele.
— Você era ruiva, mais alta, sei lá... — e Sean foi direto. — Parece que não é só a cor da pele e dos cabelos, não é? Não é ‘voz de algodão’?! — se alterou.
— Entenda...
— A moça no colchão do El Nido Resort? — Sean estava muito nervoso para entender algo.
— Já estava morta; uma coitada que vivia nas praias vizinhas — ela pensou em esperar ele se acalmar, tentar uma brecha. — Eu não tive alternativa, jovem Queise. Era isso ou... — tentou tocá-lo e Sean recuou.
— Eu estava correndo perigo de vida em Palau depois que fomos vistos na praia — ela desistiu, arrumando o belo tailleur cinza que usava e marcava suas curvas, e sentou-se na ponta do sofá.
Sean não acreditou na frieza dela.
— Ahhh!!! — explodiu. — Então não foi Lous Teac quem matou você?
— Não! Já disse que tivemos que montar minha morte para que eu pudesse sumir de cena.
— Mas se estava correndo perigo de vida só por ele ver-nos juntos é porque ele sente ciúme, não? — ele a viu escorregar um único olhar. — Droga! Por que ele foi atrás de mim em Amsterdã e não me matou?
— Não sei. Ninguém conseguiu essa resposta até agora.
— A agente Luanna Malapacco sabe que está viva?
— Nada sabe! — explicou. — Nem os agentes da Polícia Mundial, Nico, Carlos e Mercês.
Sean ficou outro segundo sem conseguir falar. Simplesmente não conseguia falar; ‘voz de algodão’, Virgínia e Eva eram as mesmas pessoas.
— Era você naquele maldito galpão? — alterava-se.
— Sim! Era minha obrigação que nenhum inocente pagasse com a vida.
— Freda não era inocente?! — Sean jogou o fato na cara da agente, aos gritos.
Todos do lado de fora da sala pararam, se olharam sem interferir.
— Só posso pedir perdão...
— E seu perdão vai trazê-la de volta?! — gritava descontrolado outra vez.
— Imagino que não.
— Ah! Você imagina! Wow! Ela imagina… — e ficaram ambos, mais um bom tempo em silêncio. — Era você no Hospital das Clínicas ‘voz de algodão’? — Sean balançava tanto a cabeça que sentia dor. Ele prosseguiu
no silêncio de Voz de algodão/Virgínia/Eva/agora agente da Poliu. — Há quanto tempo me vigiava? — Sean sentou-se no sofá atordoado.
— Duas semanas antes do seu sequestro na Feira de Informática.
“Vamos morrer Sr. Queise?!” o sofrimento de Freda o atingiu outra vez.
Sean não conseguia se refazer.
— Por que não me avisou?
— Eu fazia parte de uma investigação extremamente grande e sigilosa. Qualquer movimento meu em sua defesa iria estragar tudo. Eu não podia alterar nada...
— Não podia ou não quis? — exclamou alto, jogando as duras palavras no rosto dela.
— Não! Não é verdade. Eu juro! — e tentou tocá-lo.
— Não se atreva! — falou Sean por entre os dentes. Ela se levantou do sofá e assumiu sua frieza profissional; e o olhar dele realmente a incomodava. — Deixou nos sequestrarem... Deixou nos interrogarem
a base de sofrimento... — Sean exalava ódio para com a mulher madura e bela que o desejava. — Deixou matarem Freda... — estava chocado perante a agente da Poliu que ainda nada comentava. — Droga! — explodiu
com a mesa de vidro no meio da sala explodindo junto.
Voz de algodão/Virgínia/Eva não fez nada, esperou outra vez os estilhaços se acomodarem no chão e tirou alguns de sua saia.
— Perdão…
— Não quero perdões! Sabia o que eles iam fazer, não sabia?! — gritava Sean para Voz de algodão/Virgínia/Eva/agente da Poliu. — Sabia?!
— Não! Não sou uma espiã psíquica.
— Ahhh... — Sean a odiou mais ainda. Depois se levantou e gritou para a câmera do meio da parede que lhe observava. — Mas você sabia que as informações da Poliu estavam dentro dos meus computadores, não
sabia Trevellis?!
Um homem de pele jambo, gordo, esparramado em sua cadeira ficou observando Sean se alterar cada vez mais. Seus olhos verdes brilharam, porém sem nenhum músculo se mover na sua face. Mr. Trevellis baforou
seu charuto cubano e continuou na sua sala, observando os dois através da câmera do meio.
Mas Sean sabia que ele estava lá, sabia que Mr. Trevellis o observava atentamente. Num salto, girou as pernas e chutou a câmera do meio arrancando-a da parede. Dois agentes invadiram a sala escancarando
a porta fechada a fim de agredi-lo e Sean se virou, acertando o primeiro agente com um cinzeiro que saiu sozinho da mesa lateral e só parou no rosto dele que foi ao chão aturdido. O segundo agente correu
para cima dele e copos se projetaram no ar o atingindo. Um terceiro agente engatilhou a arma e Voz de algodão/Virgínia/Eva/agente da Poliu se pôs na frente do agente e gritou ‘Não!’ na confusão que Sean
armara e uma jarra estancou no ar. O agente e Voz de algodão/Virgínia/Eva/agente da Poliu paralisaram com a cena.
— Filho de Oscar... — soou da boca de Mr. Trevellis que ligara outra câmera.
Aquilo chegou até Sean que se virou para câmera fazendo um segundo cinzeiro sair de onde eles estavam e acertar a câmera, que foi ao chão em pedaços. Outros agentes entraram e partiram para cima dele que
dessa vez usou a força física, em golpes precisos e coordenados, jogando cada ação e movimento dos agentes contra eles mesmos, numa sequencia de golpes de Krav Maga, que obrigou Voz de algodão/Virgínia/Eva/agente
da Poliu interpor de vez.
— Chega! — e todos os agentes da Poliu recuaram.
Sean pôde perceber a força dela dentro da corporação de inteligência.
— Quem é você? — questionou Sean quase sem voz.
Ela esperou todos saírem e fechou a porta.
— Meu nome é Martha Luppy.
— “Martha”?
— Sou filha de um dos seis cientistas do Projeto E.N.I.G.M.A., neta do cientista envolvido nas pesquisas do Dr. Tesla — deu uma parada significativa. —, e chefe de operações da Poliu em Miami.
Sean arregalou os olhos azuis não acreditando no que ouvia no que via, sabia.
E Martha o olhava com desejo no olhar.
— Quem era Eva Klein?
— Irmã do Dr. Arthuro Klein, com quem eu trabalhava quando o buraco de minhoca abriu e seu avião foi sugado.
Sean a olhou.
— Por que não consigo ler seus pensamentos?
— Porque sabe que a ‘alta cúpula’ foi agraciada com técnicas milenares de Mona Foad.
— “Alta cúpula”? — Sean riu sabendo que Paulo havia se comunicado. — Deus... — tomou fôlego. — No que Eva Klein trabalhava?
— Eva era geneticista. Disse-lhe isso quando... — e tentou tocá-lo; mas Sean voltou a impactar com as atitudes dela. — Perdão! Eu não sabia que você ia lá, que ia à universidade. Não tive alternativa a
não ser ter trocado de identidade com Eva, já que você não a conhecia.
— Você falou de Martha. Teve a frieza de falar da agente da Poliu Martha em terceira pessoa e... — Sean arregalou os olhos azuis no que Martha tocou-lhe o rosto. E foi a própria Martha quem recuou assustada
com seus sentimentos. — Você tomou café comigo e... — e Sean outra vez não conseguiu terminar porque Martha voltou a chegar tão perto dele, que Sean assimilou todos os contornos voluptuosos do corpo dela,
todo o perfume ESCADA! que ela exalava. — Como consegue ser tão fria? — sentiu-se, porém encantado pela presença dela, pelo cheiro que ela emanava, com qualquer corpo que ela possuísse, em qualquer vida.
Empurrou-a para longe dele não desejando realmente ter feito àquilo, assustado com o que realmente desejou.
Mas ‘Voz de algodão/Virgínia/Eva/Martha’ se incomodou.
— Não faça isso jovem Queise.
— Não me chame assim.
— Como preferir Sr. Queise.
Sean a odiou, a desejou e a odiou por desejá-la.
— Você gostou, não gostou sua canalha? Gostou de pegar na minha mão durante o passeio, gostou de me assistir nu na jacuzzi, não foi?
E Martha realmente gostou, sentiu desejo por ele, o quis possuir ali se fosse possível. Depois olhou em volta nervosa com o que queria.
Mas Mr. Trevellis mal acreditava naquilo, ao vê-los pela câmera.
— Não fale assim comigo. Eu não mereço...
— Não merece? — Sean arregalou os olhos azuis e os fechou em seguida por alguns segundos, em sinal de protesto. Voltou a sentar no sofá e falou agora mais comedido. — Você é o agente Luppy que Paulo Vedovi
se referiu?
— Sim! — a agente Martha da Poliu continuou no que Sean a fuzilou. — Ele me avisou que você vinha.
— Quem é você afinal?
— Sou filha do Dr. March Luppy; meu pai fazia parte da equipe dos seis cientistas do Projeto E.N.I.G.M.A., um acrônimo que andou investigando — sorriu cínica.
— Como sabe que eu investigava o acrônimo? Era você quem me avisava sobre ele?
— Não!
— Mas você participava da Lista de Ufologia, não agente Martha?
— Não! Mas se a próxima pergunta é se a Poliu vigia essas listas? Sim! Tem material interessante por lá — sorriu cínica.
— “Vigia”? Há quanto tempo mais me vigia?
— El Nido, Guam, Bahamas... Nas corridas...
“Nas corridas”, Sean ergueu as costas sentindo-se incomodado.
— Em que base seu pai trabalhava? — questionou quase sem conseguir.
— Letra G! Ilha de Guam! — olhou. — E se também vai me perguntar, eu morei lá com meu pai após o divórcio deles.
— Você nasceu em Amsterdã?
— Sim. Meus avós e meus pais eram holandeses.
— Como chegou a conhecer Lous Teac?
— Estava engajada nas investigações sobre o tráfico de drogas porque a Poliu tem ramificações em Guam. Na verdade meu trabalho era vigiar José Miguel e não Lous Teac.
— Mas José Miguel sumiu.
— Sim. E como só tínhamos provas circunstanciais — prosseguiu Martha. —, o sumiço dele dificultou levantarmos algo para levá-lo a prisão.
— Como a Poliu conseguiu se aproximar se poucos apenas conhecem Lous Teac?
— Eu estava trabalhando como ‘Virgínia’ já havia um ano, e conheci Lous Teac numa das festinhas de embalo que José Miguel promovia aos seus amigos, e Lous Teac armazenava armas para José Miguel nas Filipinas.
— Que tipos de armas?
— Se vai me perguntar, nunca vi ogivas nos armazéns.
Sean até ia.
— Oscar lhe contou, percebo.
— Sim. Oscar Roldman se comunica com Mr. Trevellis se percebeu.
Sean pulou aquela etapa:
— Como Lous Teac lhe contratou?
— Não foi bem um contrato. Ele acabou se apaixonando por mim numa dessas festas a que foi convidado. Aceitei suas investidas achando ser uma maneira de ficar perto dele, e descobrir o que havia de verdadeiro
por trás do conglomerado de armazéns Shiu-Shiu.
— É aí que entra a Polícia Mundial?
— Sim. Oscar Roldman investigava os armazéns e pudemos trocar informações.
Martha o olhava tanto que Sean sentiu seu corpo estremecer. E estremeceu mais pelas informações dadas, que pela presença dela. Porque ele sabia que alguma coisa faltava ali, que uma das agentes mentia.
“Estava trabalhando num caso que envolvia José Miguel e o tráfico de ópio há mais de um ano. Passamos então a vigiar Lous Teac”, a voz de Luanna lhe veio à mente.
— A agente Luanna Malapacco era mesmo da Poliu quando investigava Jose Miguel?
— Nunca trabalhei diretamente com ela.
— Conheceu Jose Miguel? Como ele era?
— Magro, alto, latino. Por quê?
— Nada... — Sean começava a desgostar daquilo, havia realmente visto outro homem na cadeira de Lous Teac.
E se aquele outro homem não era Lous, não era Jose Miguel, então quem mais assinava boletos nos armazéns Shiu-Shiu, ele não conseguia saber.
— Se também vai me perguntar, conheci superficialmente os agentes da Polícia Mundial que estavam atrás de Lous Teac.
“Se também vai me perguntar”, Sean achava que ela se adiantava demais não sendo uma espiã psíquica.
Começou a temê-la de uma maneira que ainda não compreendia; não ainda e Martha prosseguiu sem ver as duvidas dele:
— A Poliu se interessou por ele porque o armazém tinha um nome a zelar, mas seu proprietário não combinava com todo aquele bom currículo. Um dia li nos computadores de Lous Teac, seu nome. Ele se comunicava
com alguém através do nickname LAW numa sala de bate papo.
— “LAW”? O mesmo nome da arma química que me injetaram no galpão?
— Coincidência ou não, LAW contratou Lous Teac para o que ele chamou de ‘um grande negócio’. Comecei a investigá-lo e levei um susto com minha reação ao ver suas fotos — e Martha parou sem completar.
— Minhas fotos? — Sean não ergueu os olhos arregalados do tapete da sala.
Martha voltou a prosseguir e Mr. Trevellis também esperou por mais.
— Descobri que Lous Teac havia contratado meia dúzia de mercenários em ilhas vizinhas para fazerem o serviço para LAW, porque LAW queria conseguir um código, uma senha para penetrar num arquivo que pertencia
a Poliu. Eu comuniquei a corporação e a Poliu me pediu que continuasse como tudo estava.
— Claro que a Poliu não ia estragar um bom disfarce para me salvar, não é?
— Eu...
— Não tem mesmo ideia de quem seja LAW, agente Martha?
Ela percebeu a frieza dele.
— Não! Ouvi a voz de LAW uma única vez, mas usava despistador — Martha respirou profundamente. — Prossegui investigando e acredito que esbarrei em algo enquanto ainda investigava José Miguel.
— Em que?
— Não sei ao certo, mas antes de ir ao Brasil, para a Feira de informática, Lous Teac me levou a um hotel de beira de estrada e me deu uma surra... — ela o encarou e Sean a observou chorar; controlada,
todavia. — Jovem Queise... Eu... — e Martha teve vontade de beijá-lo, mas Sean se afastou no impacto e os olhos esverdeados de Mr. Trevellis brilharam com tudo aquilo. — Eu realmente não sei o que descobri,
mas ele me quebrou duas costelas... Achei que ia morrer.
— Por que não reagiu?
— Não podia.
— Por que não desistiu da investigação?
— Não podia por dois motivos; primeiro porque Lous Teac já havia descoberto que eu era uma agente da Poliu disfarçada como Virgínia atrás de José Miguel, e eu não tive como escapar daquilo. E por estar
apaixonado por mim, não me matou, mas obrigou-me a ficar ao seu lado.
— E qual foi o outro motivo?
— Me apaixonei pelo filho de Oscar.
“Filho de Oscar”, Sean agora sentiu medo dela, de estar ali dentro do QG da Poliu, por ela ser uma espiã treinada e Mr. Trevellis os ouvirem sabendo que ele era filho de Oscar Roldman, um paranormal.
Fechou os olhos querendo muito saber como se teletransportar dali.
— A Poliu sabia sobre tais paixões? — Sean de repente dirigiu seu olhar para outra câmera, sentindo mais alguém a vigiar-lhes.
— Não! Eu prossegui sem contar nada a Poliu e continuei passando informações sobre José Miguel, informações que não prejudicasse Lous Teac e assim não levantasse suspeita.
— Não é tudo, é? Porque Lous Teac não me parece um homem que acredita nas pessoas.
— Não! Não acredita! Lous Teac foi ao Brasil duas semanas antes da feira, descobriu que você vinha pensando em tornar sua secretária first como sócia e isso colocou a vida dela em perigo. Sabiam que Kelly
Garcia teria acesso ao que eles queriam e tentar algo com ela era melhor que enfrentar você.
— Deus… Lous Teac foi ao Brasil? E por que ele não me reconheceu se troquei a cor da pele apenas?
— Ninguém conseguiu respondeu a isso, e não há nenhuma informação vinda de nossos informantes.
— E como eles sabiam sobre eu dar sociedade a Kelly? Eu nunca havia falado isso com ninguém. Só meu pai e minha mãe sabiam porque precisei da autorização deles.
— Também não sei responder, talvez algo tenha escapado. Mas Lous Teac passou a investigar as ações dela nos seus computadores sem saber que Freda Antunes não era Kelly Garcia — tentou tocá-lo mais uma
vez e desistiu. — Tive receios de que a Poliu não me deixasse acabar com as investigações e eu precisava ajudar você naquela noite.
“Naquela noite... naquela noite... naquela noite...”; ecoava em Sean sem ele entender o real sentido daquilo.
— Até então, não entendo como foi parar nos mainframes da Computer Co. os esboços da máquina que o Major Sênior Paulo Vedovi desenvolvia para a Poliu — prosseguiu Martha sem perceber que Sean pensava e
muito. — Ouviu-me?
— Que? — Sean voltou a si. — Ah... Durante o processo de transferência de secretárias, de Kelly para Renata e Freda, as senhas que Kelly tinha acesso ficaram abertas. Freda era uma incompetente, coitada.
Misturou, sabe-se lá como, o banco de dados da Computer Co. com o banco de dados da Poliu — e se virou num rompante para ela. — Quantas mulheres estavam naquele galpão da oficina mecânica?
Martha arrumou o coque que não precisava de arrumação.
— Por que a pergunta?
— Achei que eram duas; depois se triplicaram... — e algo realmente bagunçou dentro dele.
— Só eu estava lá.
— Impossível! Ouvi duas mulheres.
— Não! Não ouviu! Estava em choque, com um sangramento no ombro.
— Mas... — Sean prosseguiu alerta. — Se haviam conseguido rastrear as atividades de Freda, por que voltaram? Por que nos atacaram naquela noite?
— Uma vez tendo conseguido penetrar nos seus arquivos durante a transferência de secretárias e roubar os códigos da máquina da Poliu, eles voltaram para as Filipinas, mais precisamente para a Ilha de El
Nido, mas a máquina da Poliu era instável.
— Máquina da Poliu… Deus… O que vocês fizeram?
— Não fizemos nada. E a Poliu sabia, eu sabia, eles não. Acharam que havia outra maneira de fazê-la funcionar, talvez um código diferente. Então Lous Teac mandou seus homens de volta ao Brasil, na época
da feira, para lhe matar, caso você não desse os tais códigos.
— Não pode ser... Se a máquina tem seis letras então… — e Sean parou realmente confuso. — Os homens de Lous Teac não podem ter ido a São Paulo durante a Feira de Informática ou eles teriam descoberto minha
verdadeira identidade em Palau quando Fernão Gomes fechou o negócio com ele — Sean levantou totalmente aturdido com aquele pensamento. — Eu vi as fotos do Fernão em Amsterdã. Nós somos o clone um do outro,
se não pela pele mais escura. Lous Teac e seus homens teriam me reconhecido.
— Veja bem, jovem Queise... — Martha ficou confusa, algo que ela pensou e ele não teve acesso. — Deve haver alguma confusão nisso. Lous Teac conhecia você, Sean Queise, de fotos. Já disse. Vi suas fotos
no computador dele, e ofereci-me para ir à São Paulo a fim de demonstrar a Lous Teac o meu valor, a fim de lhe proteger — ela viu Sean girar os olhos com tanta proteção. — Não estou mentindo. Quando iam
te matar no galpão, atirei antes. Depois coloquei a seringa no chão do estacionamento para que investigassem o que eles haviam injetado em você, sem que ninguém desconfiasse de mim ou ligasse o fato à
Poliu. Depois da falha, Lous Teac ficou furioso e mandou-me voltar e ir ao Hospital das Clínicas acabar com você.
— O que você não fez...
E Martha percebeu que Sean estava totalmente confuso sem saber de onde vinha tamanha paixão.
“Ou sabia?”, ou ele podia saber sobre o futuro que ainda não existia, impregnado de ações presentes, ancorado num passado que já não existia mais.
Continuou confuso, porém. Havia um abismo etário entre eles.
— Barganhei realmente com Lous Teac a fim de que ele não o matasse — a voz dela chegou até ele novamente. — Prometi que iria conseguir os códigos se ele o deixasse viver.
— Ele não desconfiou desse repentino interesse na minha vida?
— Provável que sim, no entanto voltei ao Brasil depois que saiu do hospital e fui a sua festa como a ruiva Virgínia ainda usando o disfarce das pílulas, com o propósito de colocar um programa espião no
seu computador pessoal, porque Lous Teac e seus homens não conseguiam mais entrar nos seus arquivos. Freda era inexperiente, mas estava morta e não havia mais ninguém em quem ‘encostar’ já que desde que
você esteve na UTI, ninguém mais tinha autorização para abrir o banco de dados; nem Kelly Garcia, nem aquele cientista nerd.
— E foi você quem colocou o programa espião rootkit, não?
— O ‘código 33’ apareceu na sua tela?
Sean ficou impactado com aquilo. Martha parecia ser mais perigosa do que já demonstrara.
Ele precisava manter as aparências.
— Quais homens Lous Teac tentava infiltrar na Computer Co.?
— Nunca soube ao certo... — Martha se levantou e Sean recuou num movimento brusco a fazendo perceber que ele se adiantara aos movimentos dela. — Não tive alternativas, jovem Queise — sentou-se ao lado
ele em total controle. — Mas não se preocupe, passava a Lous Teac seus arquivos através de um filtro.
— Você conseguiu colocar algo no meu computador naquela noite?
— Estive na sua cobertura antes do jantar. Reorganizei os arquivos e os reescrevi antes de mandá-los. Coisas que a Poliu instruíra.
— Como as conseguiu, agente Martha?
— Como é que é?
— Sabe que minhas senhas nunca estiveram ao alcance de nada nem ninguém, que Kelly e Gyrimias ficaram sem acesso aos mainframes enquanto estive hospitalizado, então volto a perguntar como conseguiu as
senhas de meu pai? — Sean a encarou calada. — Prossiga agente Martha! Você também se apaixonou pelas fotos de meu pai?
Agora Martha se ergueu totalmente indignada pela falta de cavalheirismo dele. Ela não era uma prostituta, era uma agente da alta cúpula.
— Nunca pedi nada a seu pai nem fiz favores a ele.
— Wow! Isso tudo para dizer que é melhor hacker que eu? Ou será melhor do que meu pai já foi? Porque sabe que ele foi um hacker, não agente da Poliu?
Martha foi até a porta e abriu-a:
— Seu horário comigo terminou.
— Meu horário já terminou? — gargalhou. — Que pena! Agora que ia perguntar a você que andou grudada tanto tempo em mim, se conhecia a identidade daquele ruivo na feira — foi puro cinismo.
Martha parou de falar por inacreditáveis dois segundos.
— Nada sei sobre ruivo algum — continuou com a porta aberta esperando que ele saísse.
Mas Mr. Trevellis ficou incomodado a ponto de Sean sentir aquelas energias atravessarem paredes; cordas sutis de dimensões paralelas, e ele sabia que Mr. Trevellis havia se incomodado.
Sean deu poucos passos e parou ao lado dela, na porta aberta.
— Eva Klein era a cientista encarregada das pílulas de DNA, não é? — e Sean ficou a lembrar do que a pílula verde fez com ele no banheiro da Universidade.
— Sim!
— E isso porque todos os cientistas do Projeto E.N.I.G.M.A. estão mortos?
— Sim!
— E isso porque o Projeto E.N.I.G.M.A. é uma máquina que cria buracos de minhoca?
Martha sabia que ele não ia dar trégua.
— Sim!
— Uma máquina que a Poliu copiou dos alienígenas sob as instruções de Paulo Vedovi, após cientistas do ENIGMA resgatarem a tal máquina alienígena nas Filipinas capaz de criar buracos de minhoca?
Martha olhou a câmera antes de responder.
— Sim!
E Sean desejou que o pesado cinzeiro sobre a mesa, agora um de metal, se projetasse contra a câmera, a espatifando. Martha alertou-se, Mr. Trevellis ficou furioso, e Sean não esperou outra chance:
— Então eles a desmontaram, estudaram, desenharam e criaram uma máquina cópia, agente Martha? — mas ela nada falou. — Vou considerar como um ‘Sim!’ para saber que vocês a esconderam em Palau, onde os sinais
de terremoto marcaram o trajeto — Martha nada falava e Sean sabia que tinha que ser rápido antes de Mr. Trevellis acionar outros agentes. — Mais um ‘Sim!’, porque os códigos que Lous Teac foi contratado
para conseguir faziam a máquina da Poliu funcionar — e o silêncio. — Mas por que Lous Teac quer a máquina alienígena, Martha? — silêncio. — Lous Teac quer a máquina alienígena sob o acrônimo de ENIGMA
que os cientistas esconderam, Martha? — o silêncio dela o irritava. — Droga, Martha!!! — explodiu. — Onde está a maldita máquina alienígena que Lous Teac quer?!
— Não grite comigo! Não conheço os paradeiros! Os cientistas morreram e cada um levou seus segredos sobre as iniciais com eles.
— Sabe tão bem quanto eu que não é essa máquina da Poliu que eles querem. E sabe que se eu não encontrar essa máquina alienígena, eles vão vir atrás de mim outra vez, atrás de meus funcionários, e atrás
de Kelly que sumiu. E se não fosse Kelly ter sumido eu não estaria aqui esperando um ‘Sim!’ Martha!!! — berrou.
— A máquina alienígena já foi resgatada! — cortou-lhe a fala.
E o ar.
— Como é que é? “Resgatada”? Mas os códigos... Os códigos que eles... O que não estou entendendo?
— Os códigos da máquina alienígena também estavam nos seus mainframes Sr. Queise. Nos mainframes da Poliu, há muito guardados.
— Mas se a Poliu usava SSL de 1024 bits em seu banco de dados por cima dos meus firewalls, como eles conseguiriam... — e Sean parou de falar no que cinco agentes estacionaram na porta, junto a eles, armados.
Martha arrumou o uniforme e encarou-o:
— Estamos investigando Sr. Queise! — e Martha tirou a mão do uniforme cinza onde seu corpo grande se moldava à saia justa, e estendeu em direção aos cinco agentes ali parados, parando-os. — Por favor,
jovem Queise. Não atire mais nada e saia.
Sean a encarou furioso.
— Quem é a “mulher da parede”?
— Saia, Sr. Queise!
— “Senhor”? — riu extremamente nervoso. — Eu vim aqui atrás de respostas, Martha sei lá quem. E não me incomoda nenhum um pouco saber que manda nos homens que Trevellis manda, ou ver seu incomodo com a
câmera onde Oscar nos observa — e ele não esperou ela assustar-se. — Quero saber quem é a ‘mulher da parede’ sobrevivente direta do Projeto E.N.I.G.M.A. porque... — e Sean sorriu cada vez mais perto dela
que se incomodou com o cheiro dele impregnando-a quando ele segurou o braço dela com força fazendo-a espremer o belo rosto, no que os cinco agentes se aproximaram. Sean deu uma risada evasiva e ela precisou
realmente usar de toda sua força dentro da Poliu para brecá-los. —, porque conheço cada podridão que permite a Poliu barganhar pílulas alienígenas de DNA, binóculos morfos, e máquinas que se permite viajar
pelas dimensões.
— Chega Sr. Queise! — ela se soltou dele.
— Não agente Martha. Estamos só começando — sorriu. — E sabe por quê? — e voltou a sorrir para ela e os cinco agentes armados da Poliu. — Porque os malditos alienígenas conseguiram estudar algo maldito
em mim, algo que me permitiu parar aquele maldito tsunami — e sei foi.
“Que me permitiu parar aquele maldito tsunami”, soou em Martha.
“Que me permitiu parar aquele maldito tsunami”, soou em Mr. Trevellis.
“Que me permitiu parar aquele maldito tsunami”, soou em Oscar Roldman que desligou a câmera, odiando a maldição que transferiu ao seu filho, que retornou ao Brasil.
28
Aeroporto Internacional de Cumbica, Guarulhos; São Paulo, capital.
23° 26’ 8” S e 46° 28’ 23” W.
06 de março; 12h33min.
Uma rajada de vento quente atingiu seu rosto ao sair do avião que o trouxera de Miami, Sean passou a viagem toda relembrando o que lhe acontecera, percebendo o quanto seus sentimentos haviam sido afetados
e o quanto sentia falta de Kelly Garcia.
— Patrãozinho?
— Kelly?! — gritou largando a mala no chão da calçada do aeroporto, correndo e a agarrando.
— Minha Nossa! Parece-me que gostou da surpresa — falou Kelly Garcia nos braços dele que recuou em tamanha alegria.
— Acabava de pensar em você.
— Coisas boas, espero.
— Sua boba! Eu saí do Brasil arrasado, sem saber se estava viva.
— Oh! Sean! — e o agarrou novamente. — Eu precisava de um tempo. Queria ter ido para Campos de Jordão quando fui interceptada. Perdoa-me! Não sabia que estava sendo seguida — e voltaram a se abraçarem
até Kelly perceber que Sean olhava dois homens atrás deles, os observando. — São da Polícia Mundial — explicou Kelly.
— Como sabe?
— Eles me trouxeram aqui!
— Droga! Venha! Vamos almoçar! — Sean ficou a encará-los com frieza. — Lá você me explica tudo — disse a puxando e os agentes os seguindo.
House’s Garden; São Paulo, capital.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
06 de março; 14h00min.
O House’s Garden Restaurant estava florido, rosas amarelas se espalhavam por todo salão. Ambos sentaram numa mesa afastada e começaram a almoçar.
— Agora pode me explicar por que fugiu de mim? — Sean sorriu-lhe seu mais belo sorriso.
— Oh! Patrãozinho — e saltou da cadeira o beijando no rosto.
Sean só teve tempo de olhar para os lados e Kelly em pé, quase engolia seu rosto. Contudo ela nunca havia percebido o quanto a falta dela fazia para ele.
— Disse que os agentes da Polícia Mundial a levaram até o aeroporto? — falou ele sem graça enquanto ela limpava o batom que o borrou.
— Eu só me lembro de ver o Sr. Roldman me dizer que o pesadelo havia terminado.
— “Oscar”? A Polícia Mundial estava te vigiando?
— Não sei — voltou a se sentar. — Eu saí do restaurante, na noite do jantar com o pessoal de Taiwan, e chorei muito — ela viu Sean arregalar os olhos. — Passei em casa, arrumei as malas, e pretendia passar
uns dias na casa da minha tia em Campos de Jordão. Entrei na garagem e apaguei de vez. Acho que estive dopada todo esse tempo.
— Sinto por isso Kelly. Não queria que você tivesse precisado passar por isso.
— O Sr. Roldman disse a mesma coisa.
— Oscar? Ele disse isso?
— Sim. Mas quando ele chegou ao galpão eu já tinha sido resgatada por agentes da Polícia Mundial — o olhou de lado.
— Galpão? Será que os homens de Lous Teac têm uma base aqui no Brasil?
— Não sei patrãozinho. Por diversas vezes eu sentia que me davam comida gelada. Sentia frio, muito frio. Tinha muito sono e voltava a dormir. Minha Nossa... Acha que localizar o galpão te ajuda?
— Não, Kelly! Aquela agente da Poliu poderia fazer isso — e a olhou. — Estou feliz que... — e parou de falar, abaixando a cabeça. — Por que não a machucaram?
— Já me perguntei isso várias vezes... — e Kelly hesitou. — Luanna me salvou — e Kelly impactou com a gargalhada sem tamanho que Sean deu. — Do que está rindo?
— Do seu ciúme.
— Não é ciúme. Nem ‘zelumen’ nem ‘zelos’. Eu esqueci que ela pertencia à Polícia Mundial.
— Como assim esqueceu?
— Eu recebi um e-mail anônimo, Sean. Um e-mail que dizia que Luanna Malapacco era uma agente da Polícia Mundial e que... — parou. —, e que vocês estavam, juntos; dormindo juntos em Andros.
Sean desatou a rir novamente. E evitou mais que tudo comentar sobre o jantar, sobre o vestido justo de veludo preto.
— Por isso você quase quebrou o botão do elevador? — voltou a rir. — Estava enciumada no dia em que ela esteve na Computer Co., não foi?
— Não... — Kelly tentava ser complacente com seus namoros. — Não... — sabia que sua posição de secretária era delicada, que sempre respeitou Sandy Monroe e o amor doentio que ele tinha por ela. — É claro
que não... — e quando Sandy morreu e Kelly viu a chance de se aproximar, o que encontrou foi um coração frio, que não sabia mais o que era amor ou o que ele significava.
E aquilo chegou até ele, porque Kelly era um livro aberto, escancarado, amado.
E ele sabia que a amava.
— Venha! — a segurou pelo braço.
— Não Sean. Odeio quando me deixa sem a minha sobremesa... — e Kelly realmente não pôde terminar, porque ele a puxou.
Ao chegarem ao elevador e entrarem, antes mesmo da porta fechar, Sean a beijou. Um enorme beijo molhado que fez seus corpos se juntarem tanto, que o frio aço do elevador suou com o calor deles.
Kelly o encarou e as câmeras desligaram, o elevador parou e Sean lhe acariciava as costas, navegava os lábios úmidos pelo pescoço, pelo ombro firme, cheiroso. Pelos seios fartos, insinuantes, que as mãos
acolheram, que a boca invadiu após abrir-lhe o zíper da blusa que usava. E Kelly sabia que o amava, que tudo aquilo era o que desejava, que Sean a desejava, com algo explodindo por todo ele.
— Desculpe-me... — falou ele sem jeito, recobrando-se, afastando-se, tentando arrumá-la, fechando o zíper outra vez. — Eu... Não sei por que... — e seu corpo todo tremia encarando a câmera desligada do
elevador.
— Posso não compreender, mas preciso, não é patrãozinho? — disse Kelly a contra gosto.
Sean sentiu-se mal. Queria mesmo ter feito mais do que fizera, mais do que se propusera, mais do que isso e aquilo, e avançou sobre ela, sobre a pela branca, macia, que seus lábios tocaram, da blusa que
abriu sem ele tocar, do salto do sapato retirado, das meias de seda que escorregavam dela, para colher as mãos másculas.
Kelly abriu os olhos e Sean a encarava; excitado, lotado de ideais obscenas, tomado pelo tesão, pelo cheiro dela, de ambos, do sexo dele que ela tocou. E Kelly fechou e abriu os olhos, percebendo cada
linha do rosto jovem alterado, da boca máscula, dos lábios dilatados que a beijaram, da língua que a lamberam, de todo o rosto que desceu, que encontrou seios, barriga, lingerie, o sexo dela, a beijando,
lambendo.
Sean se afastou em transe, totalmente excitado.
— Perdão... — arregalava os olhos. — Perdão… — soou totalmente sincero. — Vá para casa Kelly! Descanse por algum tempo e retorne... — e impediu que ela falasse colocando dois dedos nos lábios que tocou.
Porque Sean olhou os lábios que tocava, ela, os lábios que tocava e seus dedos voltaram a caminhar pela boca, pelo pescoço, pelos seios que voltaram a explodir. — Não vou conseguir parar Kelly... — e aquilo
foi uma suplica.
— É uma ordem?
— Uma...
— Porque se não for... — e Kelly encarou Sean que não conseguiu decifrar a tempo seu passo seguinte.
Porque foi a vez dela navegar pelos lábios dele, com suas mãos alcançando as costas dele, as nádegas na jeans, as nádegas sem a jeans, a alcançar o que nunca foi alcançado, o sexo desejado.
— Ahhh... — soou de um Sean Queise em choque, olhando o espelho, a câmera desligada, o espelho, e eles dois outra vez juntos, embaçando tudo. — Kelly... Não vou conseguir...
Ela tirou a mão de dentro da jeans dele e Sean ficou a observá-la, sabendo que tinha um sentimento especial por ela, no âmago da questão.
A porta do elevador abriu e Kelly se olhou, vendo que fora vestida por ele, que ele se vestiu, que o elevador chegara à frente da mesa de Renata.
Sean saiu sem conseguir mais nada que aquilo. Voltou ao seu escritório concordando com sua consciência, que aquilo não poderia voltar a acontecer.
Computer Co. House’s, São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
06 de março; 20h25min.
Faziam-se horas que estava sentado ao computador tentando localizar certos arquivos, contudo a excitação ainda vibrava em seu sexo, fazendo o montante de informações contidas nos bancos de dados dos mainframes
da Computer Co., agora misturados aos da Poliu, ficarem inviáveis de compreender quando o verde ‘código 33’ estampou-se o alto de sua tela.
Sean abriu o editor de textos sabendo que o hacker podia ler o que ele escrevia:
“O que você quer Martha?”, escreveu Sean na tela aberta.
“Meu nome não é Martha.”
“Quem é você?”
“Um amigo mandado para sua segurança”
“Minha segurança?”
O silêncio e uma nova mensagem era digitada.
“Cuidado! Alguém te observa por detrás de suas costas.”
Sean se esticou na cadeira como se uma lâmina lhe tivesse atravessado a espinha.
Podia ver antes mesmo de virar a cadeira que havia um observador com os olhos pregados numa luneta, o observando, lendo a tela de seu computador. O mecanismo da cortina foi acionado pela mente e toda a
cortina de voil se abriu por toda extensão envidraçada, mostrando toda a beleza da cobertura, e um Sean ainda de costas para a janela, deletando a informação que o observador lera no computador.
A tela só mostrava agora a imagem refletida da janela, onde o observador se preparava atônito para abandonar a campana, tomado pelo suor do medo de ter sido descoberto.
O observador pegou o rádio e se comunicou com a base:
— Eu não posso mais continuar aqui, Mr. Trevellis. Câmbio! O Sr. Queise me descobriu. Câmbio!
Mr. Trevellis era um homem de aspecto grande e braços musculosos. Aproximou-se do rádio com sua lustrosa face jambo e gritou para o outro lado da comunicação.
— Miséria!!! Como é que é?! — Mr. Trevellis estava enfurecido.
— A tela! Câmbio! A tela do computador o avisou. Câmbio!
— Pior para ele! — e Mr. Trevellis desligou.
O observador também.
— Quem? — saiu para o lado de fora da cobertura e a sacada ajardinava se misturava ao som de uma Marginal Pinheiros tomado de carros, em meio a faróis acesos, se desenhando em meio a congestionamentos
monstros, que tomavam conta da cidade de São Paulo. — Por que Kelly foi poupada? Por que ainda sou observado? Por quem? — se perguntava quando teve um pressentimento. — Droga! — entrou correndo e ligou
inúmeros códigos ao telefone. — Oscar? — questionou ao telefone.
— Não vai me agradecer?
— Por que você sempre faz parecer que sou ingrato por algo?
Um minuto de silêncio não mudou muita coisa.
— O que quer de mim?
— Vocês têm vigiado o Major Sênior Paulo Vedovi?
— A Polícia Mundial não tem ordens para isso — Oscar percebeu o novo silêncio. — Sean? Aconteceu algo?
Mas ele não conseguiria responder mesmo que tentasse, porque um perfume de rosas, como o que Sandy Monroe usava invadiu-o, e a visão distorcida da noiva morta à sua frente, o tomou.
— Sandy...
— Quem? — perguntou Oscar pelo telefone.
— Sandy está aqui...
— Sean? Sean? Responda! O que houve? — o silêncio agitou Oscar Roldman. — O que Sandy falou Sean?
— Pode vigiar Paulo Vedovi para a própria segurança dele? — Sean nada comentou temendo algo maior, no que a imagem de Sandy se distorceu em meio às plantas que distorceram, da noite estrelada que distorceu
e toda São Paulo distorceu.
— Sean? — Oscar o silêncio outra vez. — Sean? — perguntou, sem obter resposta. — Sean? Ainda está aí?
Mas os olhos de Sean estavam vidrados, arregalados, extasiados com a imagem que se formava na sua retina, nos passos mecânicos que deu para dentro escritório e um grande objeto de material cinza, envolto
em nuvens azuis esverdeadas carregadas eletricamente se fez.
— A ogiva... — foi só o que disse e tudo estremeceu, tudo o que o escudo de gravidade negativa balançou, todos os andares da Computer Co. House’s, e a linha caiu. — Ahhh!!! — Sean só teve tempo de correr,
entrar, e se lançar para baixo da enorme mesa de pedra verde Ubatuba quando tudo parou; espaço e tempo.
E então toda sua sala de vidro explodiu, o puxando para dentro de um grande buraco de minhoca aberto ali. Sean girou freneticamente até sentir seu pulmão entrar pela cabeça, sair pelas mãos, alcançar-lhe
os pés, podendo ver seus olhos se desprenderem da bela face, perdendo a visão lógica do que acontecia.
Desmontou-se, desmanchou-se, diluiu-se.
“Sean?”, e a voz dela o alcançou.
Sean viu Sandy sorrindo para ele, ali, no mesmo espaço temporal não entendendo, não conseguindo entender quando de dentro do buraco viu cristais caírem, suas estátuas soltarem-se do chão, vidros estraçalharem
na cobertura. A ogiva saía de um túnel azul esverdeado se projetando para dentro da cobertura, atravessando sua obra de arte, arrancando tijolos, gesso, estrutura, o grande restaurante que explodiu em
labaredas que tomaram conta dos céus de São Paulo.
Em sentido de descida, cadeiras espedaçadas, quadros arrancados junto com as paredes, tapetes agora, voadores.
Poeira e morte na saída da ogiva em direção à cobertura da Computer Co. House’s, em meio a gritos de terror que ecoaram no fim daquela noite.
A ogiva, porém não explodira, pairava ainda no ar parecendo estacionada, ainda encaixada dentro do grande buraco de minhoca, vinda de outras Terras, que Sean sabia, era para onde a havia mandado junto
ao tsunami.
E Sean sentia que estava ali também, com a ogiva, na outra Terra, dentro do buraco de minhoca, não entendendo como havia se diluído nem como sua alma, que não permitiu abandoná-lo pelos segundos criados
a partir do caos, do estado primordial e primitivo do que estabelece que a pequena mudança ocorrida no início do evento tenha consequências desconhecidas no futuro do mundo, pudesse cuspi-lo. Contudo Sean
foi cuspido para fora, jogado debaixo da mesa de pedra verde Ubatuba como se nunca tivesse dali, saído.
Confuso, atordoado, molhado por uma geleia cósmica que cheirava a enxofre, Sean viu a ogiva girar 180º arrancando o que restou da porta de comunicação de Renata para com a sala dele, e voltar para onde
saíra, desaparecendo dentro do buraco de minhoca, que se fechou fazendo a Avenida das Nações Unidas tremerem junto ao edifício arremessado para fora do prumo.
Sean se ergueu ainda instável, dolorido, com os cabelos loiros molhados ao vento, denunciando que a cobertura se fora. Do que restou da sua sala de vidro, pôde ver, eram apenas escombros, com o piso a
roer.
— Ahhh!!! — gritou ao ser lançado para o andar debaixo caindo sobre as mesas do restaurante, sobre o piso em pleno salão branco com a mesa de pedra verde Ubatuba ao lado. Tentou falar algo mais, mas perdeu
o fôlego. Olhou para cima vendo o buraco que sua mesa fizera quando o piso do restaurante também ruiu, e juntos atravessaram mais dois andares. — Ahhh!!! — voltou a gritar ao ser sugado junto à mesa de
pedra verde Ubatuba, rompendo as salas do almoxarifado da Computer Co. do 44°, 43°, 42º e 41º andares, com seu corpo estatelando-se em cima de mesas e telas de computadores.
“Sean, meu amor?” sorriu-lhe Sandy.
E Sean queria mesmo saber por que Sandy lhe sorria.
— Ahhh!!! — e Sean voltou a atravessar no vácuo da grande mesa de pedra verde Ubatuba, o 40º, o 39º, o 38º, o 37º, o 36º andar estancando no 35º andar tonto, sentindo dor por todo corpo, não raciocinando
mais quando o piso rompeu novamente.
E ele nem teve tempo de sentir mais nada. Sean foi com a mesa de pedra verde Ubatuba até o 23º arranhando-se em todas as armações de ferro, em todo o concreto cada vez mais aparente.
Caiu em choque pela dor e pelo momento, tomado pelo pó cinza da estrutura rompida.
“Deves aceitar de bom grado o que acontece: primeiro como te acontece a ti, a ti te foi prescrito”, voltou ‘voz de algodão’ em sua memória.
Ali, caído e quase morto, um atravessador de dimensões, um viajante do tempo que se absteve numa fração de segundos, pensando porque Martha lhe voltava à memória.
“A vida é uma loteria, jovem Queise”.
— Eu sou um jogador... — escapou dos lábios feridos sangrando.
“Pense jovem Queise, raciocine. Por que está aqui?”
— Por que estou?
“Pela entrega. Pela sua busca de vingança”, e uma nova explosão aconteceu, com o fogo se alastrando, com gritos de terror ecoando quando mais vidros voltaram a se projetar na avenida.
As sirenes foram ativadas e os sprinters molharam tudo. Sean sentiu seu corpo úmido se misturando a poeira, à geleia cósmica, e mais explosões se seguiram, com nenhum andar suportando a grande mesa de
pedra verde Ubatuba.
Sean a observou de lado, ainda tonto vendo o chão outra vez trincar.
— Não... De novo não... Ahhh!!! — lançou-se ao 22º andar. E ao 21º; e ao 20º; e ao 19º; e ao 18º; e ao 17º, parando desacordado no 16º andar em cima da sua ‘super-mesa’.
A escada de incêndio externa foi invadida pelos bombeiros que alcançaram o que se tornara o já nem tão majestoso edifício Computer Co. House’s.
Sean abriu os olhos tremendo todo. E nem a presença de Sandy, ali, ao lado dele, ele pôde sentir naquele momento.
Ele era puro pânico.
29
Salão de convenções; São Paulo, capital.
23° 36’ 45.9” S e 46° 41’ 57.26” W.
13 de março; 12h33min.
A polícia de São Paulo havia proibido Sean Queise de se ausentar do país enquanto as investigações corriam, e ele estava há uma semana com um colete de gesso, porque o deslocamento de seu corpo por entre
os andares luxara os ossos de sua coluna. Sean nem acreditou como não quebrou nada além, após a viagem de andar em andar, acompanhado de sua maravilhosa e super-mesa verde Ubatuba.
Já o edifício da Computer Co. havia sido seriamente danificado e os jornais noticiaram em primeira página mais aquele ataque que se fizera sobre a sua pessoa.
Não lhe pouparam intrigas e nem insinuações, e a mídia não perdoava Sean Queise, nem Sean Queise parecia querer perdoar alguém. Porque era de se convir que a situação os levara a uma sinuca. A Poliu que
até então não se manifestara nitidamente, se moveu mais rápido do que o esperado. Em uma semana seu serviço de inteligência já tinha investigado toda São Paulo, outros estados, outros países; provável,
outros mundos.
— Já houve muitas mortes e isso precisa terminar! — concluiu ao microfone Mr. Trevellis, o todo poderoso dentro da corporação de inteligência chamada Poliu, ao passar a mão por cabelos ralos que embranqueciam
rapidamente.
Como todos os ‘Misters’ que comandavam a Poliu, Mr. Trevellis vinha de família aristocrata, o que lhe dava um ar majestoso, uma pose de superior. Quisesse Sean aceitar ou não, Mr. Trevellis nascera para
comandar.
Por ironia do destino, Sean estava rodeado pelas agentes Luanna Malapacco e Martha Luppy uma semana após o acidente. Uma situação, sem duvida nenhuma, constrangedora.
— Sente dores, jovem Queise? — tentou Martha se aproximar.
— Só a minha alma dói! — respondeu secamente.
E ele não conseguia esquecer o susto que Luanna teve ao ver Martha entrar no salão, juntamente com Mr. Trevellis. Sua cor se modificara, seu coração disparara, ela perdera a fala. Sean leu tudo àquilo
que ficou no éter, só não compreendeu o significado.
Já Oscar Roldman só olhava Sean depois de contar que numa manobra da Polícia Mundial, conseguiram tirar o Major Sênior Paulo Vedovi do avião que ele supostamente lhe teria mandado. Era uma armadilha e
o avião explodira em pleno voo. Por isso aquela reunião, reunião terminada após terem escolhido minuciosamente os agentes designados para a missão de encontrar as peças faltantes da máquina alienígena.
Sean estranhou o fato de Martha ter sido chamada novamente à investigação e nada objetar, já que Lous Teac ainda poderia matá-la na primeira oportunidade se ela voltasse a assumir a identidade de Virgínia,
que não morreu porque nunca existiu. E estranhou mais ainda ter sabido aquilo pelas emanações elétricas de seu cérebro, porque Martha queria que Sean soubesse.
E por falar em estranheza, Oscar foi mais estranho ainda, escolhendo Luanna para ser seu guarda-costas.
— “Guarda” o quê?! — berrou fazendo todos ali se alertarem.
— Está se comportando como uma criança mimada! — esbravejou Oscar Roldman.
— “Mimada”? Uma ogiva sai de um buraco de minhoca e atravessa a minha sala e eu me comporto como uma criança mimada? — Sean arrancou o colete de gesso e a reunião secreta em peso os observava. — Porque
se não fosse aquela maldita máquina estar instável, e eu ser sugado para dentro do buraco de minhoca, paralisado sei lá em que dimensão do espaço, eu não estaria aqui gritando com você!!! — gritava.
— Meu filho...
— Não sou seu filho!!! — Sean berrou se levantando da cadeira, quando Martha conseguiu deter seja lá o que Sean ia fazer, o torcendo de uma maneira que ele sentiu um repuxo na coluna. — Ahhh!!! — gritou
dobrado sob ela. — O que está fazendo sua maluca?! — gritou histérico para ela que o segurava de uma maneira que ele não conseguia lutar com ela, quando girou pelos braços dela.
Sean a encarou furioso e avançou em Oscar outra vez, mas foi a vez de Luanna brecar Sean se colocando na frente de Oscar Roldman.
— O que vai fazer Sean?
— Matá-lo? — mas Martha entrou na frente de Luanna e o encarou. — Sai da minha frente!
— Com problemas ‘Oscar querido’? — ironizou o jambo Mr. Trevellis em plena confusão se aproximando das duas agentes em frente a Oscar Roldman.
— Cale a boca ou você é o próximo! — desafiou Sean para ser afastado de Oscar e Mr. Trevellis por Martha ao mesmo tempo em que esticava o braço a quase alcançar Mr. Trevellis que adorava showzinhos.
— Por favor, Senhores! Com certeza há uma maneira mais prática de acertarmos tudo — tentava Martha amenizar segurando Sean pelo corpo que sentia cada toque dela.
E Sean a empurrou para longe ao ler-lhe os pensamentos; também os de Oscar, os de Mr. Trevellis, os de Luanna, os dos agentes, seguranças, empregados, e foi ao chão sentindo sua cabeça explodir, com informações
desconexas entrando em seu ouvido.
Gritos, vozes sussurradas e Sean sentiu todo o salão de convenções inclinar, com imagens desconexas da agente Martha Luppy nas areias de Iligan, ao lado de homens estranhos, pequenos e acinzentados, e
ela conversando algo, ela conversando com eles.
— Ahhh... — Sean se contorceu de dor.
— Sean... — tentou Martha se aproximar novamente.
— Não se aproxime de mim!!! Eu a vi, está bem?! — berrava descontrolado com ela. — Você e eles!!!
“Você e eles”, agora Martha sabia sobre o que Sean falava, porque sabia que ele tinha o dom de conseguir o que ela queria que ele soubesse, que chegasse até ele.
E tudo aquilo chegou, toda uma gama de informações há muito contida nos mundo submerso da corporação de inteligência chamada Poliu.
— Desgraçada!!! — berrou descontrolado. — Como você se atreveu?!
— Sr. Queise! — tentou Martha aliviar o momento. — Peço que não se exceda a partir…
— Você... Como pôde? — mas Sean continuava a fuzilá-la. — Você queria que eu visse, não? Não?! — ficou em choque. — Todo esse tempo mandando emanações para que eu... — e Sean olhou Mr. Trevellis, e olhou
Martha, e olhou Mr. Trevellis olhando Martha, não gostando de ela estar ali entregando o jogo dela. — Como pôde sua canalha? — ele encarou Martha.
“Canalha!”, agora Luanna gostou da reunião.
— Chega Sr. Queise! — mas Martha escorregou os olhos para os lados, incomodada porque havia agentes ali que não eram de seu domínio, porque havia agentes da Polícia Mundial, e porque havia a agente Luanna
Malapacco, que havia saído da Poliu por não saber obedecer a ordens. — Mas que inferno! Somos adultos para contornar os problemas.
— “Adultos”? — gargalhou Mr. Trevellis. — O filho de Oscar não conhece essa palavra — foi sarcástico, limpando uma poeira inexistente do impecável costume.
— Cale a boca! — Sean já não pensava com suas ideias no lugar.
E todas suas ideias e ideais passavam por uma transformação. Tudo aquilo que pensava ser direito, honesto, ficou confuso naquela cena; em Martha e os alienígenas juntos, provável barganhando algo.
No entanto Mr. Trevellis não parecia querer calar-se, sentiu prazer em ver Sean perdendo o rumo.
E sabia que ele o perdia por algum motivo relacionado a agente Martha Luppy.
— Sempre achei que foi uma irresponsabilidade de Fernando Queise passar tanta autoridade para um fedelho que mal abandonou as fraldas.
Sean chutou o colete de gesso longe no que encarou Oscar Roldman em silêncio. Ele tinha que protegê-lo, defendê-lo, devia aquilo ao seu pai.
— Mandei calar a boca, Trevellis! — Sean encarou cada um.
Todos se afastaram dos dois e o salão caiu em silêncio para ouvir Sean Queise e Mr. Trevellis.
— O que há? Se achando adulto o suficiente para me enfrentar, ‘filho de Oscar’?
— Não me chame assim!!! — berrava descontrolado.
— Miséria! Eu bem que avisei Fernando!
— Chega Trevellis! — Oscar se impôs.
— A família Queise nunca fez parte de seu covil Trevellis — Sean falava por dentes cerrados de puro ódio sem ouvir Oscar.
— “Família Queise”? — gargalhou Mr. Trevellis olhando para Oscar Roldman. — Sabe algo sobre isso Oscar amigo velho?
— Chega Trevellis! — Oscar tentou se impor outra vez.
— Não Oscar! Sean se excedeu pela última vez.
— Eu o que? — Sean não sabia como ainda não tinha explodido todo o hotel.
— Se excedeu, desfez a ordem das autoridades dentro da Computer Co., deu a Kelly poderes que nunca existiram, que nunca foram seus ‘filho de Oscar’! — Mr. Trevellis apontava o dedo na cara dele. — Porque
a Computer Co. nunca foi sua!
Sean gargalhou totalmente descontrolado.
— Nem sua Trevellis!
— Eu avisei... Eu avisei... — Mr. Trevellis começava a enervar-se por ver Sean desafiá-lo, por Oscar nada mais falar que ‘Chega!’. — Lhe avisei para não delegar às pessoas incompetentes a direção de tamanha
carga de informações, não é moleque fedelho? E o que fez? Contratou a inútil daquela Freda para arrumar a casa!
— Você não manda em mim, Trevellis! Quer, mas não manda!
— Oscar já faz isso por nós!
Oscar Roldman ia falar, mas Martha Luppy lhe olhou de uma maneira que Sean não teve tempo de decifrar.
— Realmente, Trevellis... Mandam tanto em mim que nunca deixei você tocar em Spartacus — Sean foi duro.
— Nunca me deixou tocar no satélite de observação? Sabe algo sobre isso, Oscar amigo velho? — Mr. Trevellis não era uma figura fácil, não com a oportunidade de atingi-lo.
— Chega Trevellis… — soou um Oscar Roldman cansado.
— Miséria! — explodiu Mr. Trevellis. — Você é um fedelho que não sabe nada da vida, que não conhece seu lugar, que é incompetente em tudo que faz! — e Mr. Trevellis se aproximou tanto que Sean sentiu o
perfume, a colônia cara que o chefe da corporação usava. — Incompetente até quando ama, não é ‘filho de Oscar’?
Sean fechou os olhos sentindo uma adaga atravessar-lhe o coração já machucado e encarou Mr. Trevellis com lágrimas nos olhos. Porque nunca alguém o magoara tanto, ou ele nunca permitira que alguém o magoasse
como naquele momento. Virou-se com vigor, e num único golpe de perna, fez o grande corpo de Mr. Trevellis tombar.
O homem de pele jambo, porte avantajado, exalando colônia cara caiu fazendo um estrondo ecoar pelo salão. Homens de terno preto vindos de todos os lados correram e todas as cadeiras, mesmo as ocupadas,
se soltaram do piso em direção aos homens de terno preto, voando para cima deles, os atingindo, os derrubando.
— Sean?! — berrou Martha percebendo o que Sean fizera, do que fora capaz de fazer com as cadeiras.
Mas Sean não se deteve; líquidos dos cristais, cristais e louças se ergueram da mesa de convidados impactados e cada homem de preto foi novamente atingido. Porque eles sabiam que fora Sean quem fizera
aquilo, e sacaram as armas. Martha ia novamente gritar, mas as armas sozinhas saíram de suas mãos e se desmontaram caindo aos pedaços no chão. Oscar Roldman e Mr. Trevellis se olharam, sabendo que Sean
apenas brincava de abrir e fechar portas, e desmontar armas era pouco, já que sabiam que Fernando escondia algo, e que ele permitira Sean ser mais do que previram, quando os homens de terno preto recuperaram
armas e fôlego e partiram em seu encalço novamente. Sean, diferente dessa vez se envolveu numa briga socando um por um em golpes cada vez mais precisos, no que Martha ordenou que parassem e todos os homens
de terno preto pararam.
Ele não acreditou na força dela novamente, virou-se e foi embora.
— Não Sean, por favor! — e Luanna tentou segurá-lo.
Mas ele se esquivou das mãos dela e saiu.
— Sean, volte! — ordenou Martha, com Sean a odiando por aquilo. Ela até podia mandar na Poliu, mas não nele. — Se der mais um passo serei obrigada a colocar a Poliu para vigiar você!
— Você não manda em mim, traidora canalha! — ficou irado com a ordem. — Você nunca foi de... Ahhh! — e Sean foi ao chão atingido por trás por agentes que o cercaram.
— Não!!! — Luanna gritou com os olhos arregalados para Martha como se visse fantasma toda vez que a olhava. — Mande os parar!!! — mas Martha nada fez e Sean foi tirado do chão e socado uma, duas vezes.
— Mande-os parar!!! — gritou Luanna extremamente nervosa. — Não vê como você faz mal a ele?!
Martha então ordenou que parassem e Sean caiu no chão com a boca ensanguentada, o estômago latejando, e sabendo que havia algo muito errado nas atitudes das duas agentes.
“Baka misti korda, i ka tenel, kabra tenel, tok i na rasta”, ecoou em seus pensamentos.
E a elitizada loira Martha Luppy fez um breve silêncio e fechou os olhos, indo embora. Sean pensou em brecá-la, fez menção de pedir desculpas, perdão, o que fosse, mas não teve coragem. Luanna mesmo percebendo
o desespero dele para com Martha laçou-lhe pelo braço e começou a tirá-lo da sala.
Sean outra vez largou-se dos braços dela e fuzilou o todo poderoso homem da Polícia Mundial que nada falava. Partiu para o esconderijo onde a Polícia Mundial o teria sob observação em meio a outro silêncio
que se seguiu no salão de convenções, que se esvaziou em minutos. Oscar ficou lá, olhando as cadeiras que ainda estavam pelo chão, antes arremessadas pelos dons paranormais de seu filho. Levantou-se cabisbaixo
e ia sair quando foi interpelado por Mr. Trevellis já recomposto da fúria de Sean Queise.
— Vai fazer mais que isso, não é ‘Oscar querido’?
— Por que não guarda seu fel para suas filhas, Trevellis?
— Como você guarda coisas vis para o seu?
— Não te dou o direito de falar assim de Sean...
— Até quando vai fingir que Sean não é seu filho? — e Mr. Trevellis foi atingido pelo soco de Oscar Roldman; rápido, forte, sem que Oscar o tivesse tocado, se movido do lugar. O grande homem da corporação
de inteligência chamada Poliu se virou com o impacto e com medo dos dons dos Roldmans. — Não adianta me agredir Oscar! — passou a mão pelo queixo que purgava. — Nada vai mudar o que fez a Nelma.
— Nunca mais, entendeu?! — gritou Oscar descontrolado apagando todas as luzes do salão, do hotel, do bairro. — Nunca mais fale sobre esse assunto!!!
E a luz voltou.
— Não Oscar! A vida vai se encarregar de que Sean descubra quem você é.
E Mr. Trevellis se foi.
— E quem eu sou?! — Oscar gritou extremamente nervoso para o salão vazio. — Quem eu sou, Trevellis?! — e se dirigiu para a porta.
Luanna Malapacco voltava para falar com Oscar Roldman sobre o envelope que tinha que entregar a Sean, mas estancou no calor da discussão vendo as luzes apagar e acenderem. Ficou escondida ouvindo tudo.
Ouvindo Mr. Trevellis não dar trégua a Oscar Roldman.
— Você não é nada Oscar! Não pense que porque você comanda a Polícia Mundial pode estar sempre pronto a protegê-lo! Porque nem todo esse dom esquisito que você tem vai poder proteger Sean para sempre.
E nada vai ajudá-lo, nem Fernando, se ambos dão a Sean as responsabilidades de comandar aqueles mainframes, sendo ele o hacker habilidoso que sabemos, ele é.
— E o que os mainframes têm para você temer Sean, Trevellis? Informações talvez? Informações de um mundo conspiratório talvez? — ironizou Oscar. — Informações que há muito você guarda sobre Tesla, Einstein,
pluralidade de mundos, Trevellis? — Oscar viu Mr. Trevellis parar o andar pesado. — Ou talvez sejam segredos mais escusos, Trevellis? Como você ter preparado meu filho para o que ele vem se tornando.
— Eu preparei? Eu preparei Oscar querido? — riu nervoso. — Miséria! Ele e Mona o fizeram debaixo de minhas vistas!
— Você sabia! — exclamou Oscar com força. — Você sabia desgraçado! Sabia no que Sean se tornaria. E você decidiu que Mona fizesse aquilo com meu filho!!! — berrou sentindo todo seu corpo descompensar e
tudo levantou e voltou ao piso, inclusive Luanna que sentiu seu corpo sair do chão e a ele voltar.
Já Oscar odiou Mr. Trevellis, odiou Sean, odiou Fernando, Nelma, ele próprio.
— Não jogue em mim problemas de sua herança genética, Oscar meu velho! Não é o meu filho que faz cadeiras voarem!
— Minha família é sim, Trevellis! — espumava Oscar raiva. — Como Sean o é! Especial!
Mr. Trevellis ia falar, prolongar o tema, mas preferiu dar um basta.
Só ergueu um único dedo no ar.
— Vou ficar de olho nele, Oscar. Em seu filho e seus poderes paranormais. Em seu filho e sua predileção ao hackerismo. Em seu filho, Oscar, enquanto eu viver — e Mr. Trevellis saiu do salão dessa vez sem
voltar.
Oscar sentiu todas suas estruturas despencarem.
— Sean querido... — soou no silêncio, indo embora.
Já Luanna Malapacco chegou ao carro com o envelope retirado da mesa, sem nada comentar com Sean Queise sobre sua genética ou sobre dons dos quais não entendeu ele ter, e deu ordens ao motorista para partirem.
No caminho, ele e Luanna também nada se falaram e Sean aproveitou e abriu o envelope, com um relatório dentro. Luanna tentou saber do que se tratava, mas ele estava irredutível e pouco comunicável. Ela
esperaria uma melhor hora para perguntar o que quer que fosse.
Sean leu ‘Somente para seus olhos’:
— Quando estiver lendo isso Sean — escreveu o Major Sênior Paulo Vedovi de próprio punho. —, saberá que fui salvo graças a você. Então lhe fico devendo muitas. Por isso e mais me engajei na investigação
da Polícia Mundial — Sean percebeu que Luanna estava distante e voltou a ler. — Foi descoberto por entre os escombros da laje da cobertura da Computer Co. House’s, um material instável chamado hélio-3.
Como as roupas que você usava foram ‘contaminadas’ no Pronto Socorro na hora de salvá-lo, elas não puderam ser analisadas. Mas eu me empenhei em descobrir o paradeiro das análises feitas pela Universidade
de Manila e as encontrei em arquivos seguros da Poliu. Foi Martha quem me ajudou a roubar essas informações — Sean ergueu o sobrolho. — Rootkit... — soou de seus lábios. — Pela análise, ficou reconhecido
como hélio-3, o material geneticamente modificado encontrado nos corais da Ilha de Miniloc onde você mergulhara. Martha também me pediu que incluísse um material retirado dos corais da barreira de corais
de Andros, uma ilha ao sul do Mar das Bahamas — Sean sentiu um ácido corroê-lo por dentro.
“Desgraçada…” soou por todo ele.
— O superfluido hélio-3 é um líquido bizarro que desafia o senso comum. Quando é refrigerado próximo do zero absoluto, ele se mantém líquido, mas começa a seguir a regra da física quântica, no lugar das
regras clássicas. É conhecido também que o hélio em estado superfluido tem ligações matemáticas profundas com o Cosmos.
“Com o Cosmos?” se perguntou.
Prosseguiu:
— Como acontece com todos os demais fluídos móveis, a maneira pela qual o som se move no hélio superfluido é matematicamente semelhante à maneira pela qual a luz se move em um campo gravitacional — Sean
olhou pela janela do carro o trajeto feito. Suspirou e voltou a ler. — O hélio encontrado nos corais é um isótopo do hélio-3 em estado superfluido, chamado 3He-A, e ele imita com precisão quase todas as
propriedades do contínuo espaço-temporal, o tecido quadridimensional que compõe o Universo — terminou Sean de ler tendo muito mais que dúzias de ideias; ele precisava escapar do controle da Poliu e ir
atrás de respostas.
E deveriam ser respostas urgentes.
Esconderijo; São Paulo, capital.
23° 36’ 46,2” S e 46° 41’ 57.29” W.
13 de março; 15h15min.
O esconderijo era uma casa próxima a reunião. Sean estranhou, porém que nem Carlos, nem Nico e nem Mercês tivessem sido designados já que faziam parte da equipe de Luanna.
Ele chegou, tomou um banho, colocou roupas limpas e ligou o novo notebook na tomada. Depois relaxou caindo em sono profundo por vezes tendo pesadelos terríveis. Sonhando com grandes muralhas caindo à sua
frente, bolas de fogo, nuvens de gás mortal e todos a sua volta morrendo; sua família, seus amigos, seus funcionários, suas secretárias, Kelly, Luanna, Martha e Oscar. Todos reunidos numa cena de angustia,
e dor, e o pesadelo parecia não terminar, com Sean tomado pelo suor do temor, temendo por sua vida, temendo pelas vidas alheias.
Sean começou a suar e seu corpo em febre tremer, com músculos em curto, vibrando enquanto ainda em sonho, uma mulher entrava sorrateira na cobertura de Sean e assaltava tudo o que havia ali – quadros,
tapetes, obras de arte em geral.
Ele a observava sem, porém ver seu rosto e seu salto sapato era vermelho, fazia barulho. Sabia que saíra do corpo, que viajava pelo éter como Mona amiga o ensinara, o desenvolvera, mas acordara depois
da bomba de Hiroshima estourar a sua grande e super-mesa verde Ubatuba.
— Não!!! — gritou de dor.
Luanna entrou feito furacão seguido por agentes da Polícia Mundial.
— Sean? Você está bem? — passou a mão sob sua testa suada, com carinho.
Sean a agarrou.
— Por favor, fica comigo? — ele viu Luanna olhar para os agentes que saíram os deixando sozinhos. — Preciso que me ajude...
— Eu tentei, lembra? Várias vezes. E você não confiou em mim.
— Agora é diferente.
Luanna estava na dúvida, ela havia visto o estado que Sean ficara quando ele e Martha discutiram no salão de convenções. Tinha certeza que Sean preferiria ter ido embora com a outra agente.
— O que quer de mim, Sean? — perguntou abaixando as pálpebras, até se fecharem.
— Já se foram as letras E, G, M e A, do acrônimo E.N.I.G.M.A.; portanto já se foram quatro partes da máquina alienígena que cria o buraco de minhoca — ele viu Luanna não mover um só músculo. Sean ficou
pensando até onde ela sabia, até onde realmente Oscar a preparara. — Eu sei onde está a quinta parte da máquina — ele ainda pôde ver a indiferença dela. —, e por que Lous Teac ainda não a resgatou.
— E por que ele ainda não a resgatou?
— Porque não sabe onde ela está.
— E isso não é obvio?
— Mas você vai divulgar isso a todos na Poliu.
— Eu o que? Está louco?
— Estou insano, como costuma dizer Oscar, alienado até, mas com os pés no chão.
— Vamos morrer Sean! Homens de Lous Teac vão vir atrás de nós.
— É o mesmo risco que corremos quando atravessamos uma rua à noite — falou a encarando.
— Não vou fazer nada que possa te machucar.
— Vai sim — insinuou. —, porque você me ama.
Luanna o observou com os olhos arregalados. Aquilo tinha um toque de verdade, ambos sabiam.
— E você sabe onde o resto da máquina está Sean?
— Não!
— Como não? Acabou de dizer que...
— Mas vou ficar sabendo se ele tentar mais uma vez a esconder de Lous Teac.
— “Ele”? Quem é ele, Sean?
— ‘Ele’ é a pessoa que escondeu a quinta peça. E depois da sexta peça, que é a que abre o buraco de minhoca, a quinta peça é a mais importante da máquina. É a peça que define para qual tempo – ano, dia,
século, iremos viajar.
— Não estou entendendo.
— A primeira, a segunda e terceira peça são apenas andaimes onde a máquina se encaixa, gira, e cria o escudo antigravitacional, por isso quando a ogiva que escondia a terceira peça se perdeu no buraco
de minhoca... — e Sean evitou o fato de que suas mãos acendiam. — Não se preocupe, a máquina ainda vai funcionar.
— Mas a Polícia Mundial disse que a peça que se perdeu na Ilha de Andros era a quarta peça, e que ela não ia...
— As peças foram desmontadas e escondidas em letras aleatórias, Luanna. Não há como prever qual peça está aonde, só que ainda faltam duas peças importantes para ela funcionar.
— Está bem... — olhou em volta. — Se você diz… — e voltou a olhá-lo. — E a máquina funciona?
— Não sei. Mas pense, de que adianta se viajar no tempo se não podemos escolher para onde e nem quando?
— E a quarta peça, Sean?
— Ela define as coordenadas, o ‘espaço’ para onde iremos.
— A quinta peça define o tempo para onde iremos.
— Espaço-tempo! — Sean observou as três câmeras dentro do quarto estavam ligadas, que os agentes da Polícia Mundial que faziam a sua segurança lá fora, o vigiavam por uma televisão.
E era fácil, também, que não fosse a Polícia Mundial, a estar atrás daquelas lentes.
— E quem é ele, Sean? — insistiu, Luanna.
— Estou com fome…
— Quem está com a quinta peça?
— Vamos, vamos. Não seja uma menina levada e me traga um lanche. Pesadelos dão fome — e a beijou.
E Luanna se entregou a mais quando Sean começou a acariciar-lhe, e voltar a observar a câmera por entre a curva dos seios de Luanna, que apontavam insistentes por dentro da justa blusa de malha que vestia.
Luanna se entregava cada vez mais rápido.
— Sean...
E Sean Queise teve a certeza que ela nada sabia sobre as câmeras ou se esquivaria de seu ato ao tentar tirar-lhe sua blusa. Contudo, Sean parou, sorriu e pediu que o lanche viesse o mais rápido possível
ou ficaria mais fraco ainda. Luanna achou graça, voltou a colocar a blusa e saiu satisfeita. Sean fingiu dormir até que ela voltasse e Luanna voltou com o lanche, sendo beijada mais uma vez, em sinal de
agradecimento, em sinais que ela não queria entender, porque o viu chegar ao notebook fingindo colocar o prato do lanche na mesa, e acionando o teclado por um atalho.
Mas ele voltou para perto dela a beijando de novo e Luanna se entregou de corpo e alma, ali mesmo, em frente às câmeras.
Esconderijo; São Paulo, capital.
13 de março; 23h54min.
A noite caíra bem rápido e nada se movia. Sean havia pedido sorrateiramente enquanto trocavam carícias que Luanna colocasse sonífero nos copos de chá gelado que ela ofereceria um a um dos agentes de tocaia
lá fora. Ela se assustou, mas nada comentou o fazendo. Sean pediu que ela também tomasse o chá ou ao acordarem perceberiam que havia sido ela quem fez tudo aquilo. Ela outra vez concordou depois que ela
o fez prometer que não iria atrás de Martha, o que ele achou graça, concordou, mas nada prometeu.
Depois foi até a sala, e após verificar que os agentes dormiam, voltou ao quarto onde Luanna também adormecia e ligou o notebook. O e-mail fora recebido com sucesso, e a resposta baixada naquele momento
na sua caixa de entrada informava o próximo passo.
— A cabra enfim vai usar a corda que tem! — leu. — Sabia quem era você! — Sean deletou.
Pegou o notebook, o fechando. Vestiu um casaco grosso para se proteger e partiu para a esquina da rua onde um carro verde o esperava. Ele entrou no carro e se sentando no banco do motorista viu a mala
nos pés da mulher que o acompanhava.
— Está cometendo um erro, jovem Queise — disse Martha não o encarando, fechando seu notebook e colocando-o no banco de trás.
— E será que já não cometi todos os meus erros, ‘voz de algodão’?
Ambos se olharam e partiram juntos para a Ilha de Naigani, em Fiji.
Sean precisava de ‘férias’.
30
Ilha de Naigani; Fiji, Indonésia.
17° 34’ 59.4” S e 178° 40’ 59.4” E.
15 de março; 06h09min.
Dois dias de desaparecimento e Sean Queise transformara a vida da agente Luanna Malapacco em um inferno. Oscar Roldman foi para cima dela pelo descuido e ela ainda teve que ouvir horrores de Mr. Trevellis,
da Poliu.
Mas o mundo dela desabou mesmo, foi quando soube que ele fugira com a agente da Poliu, Martha Luppy. Porque Sean e Martha haviam ido com o carro verde alugado para o aeroporto Campo de Marte onde viajaram
num Cesna até o Paraguai, e de lá partiram num voo fretado para Miami onde Martha teria mais condições de arranjar passaportes falsos para eles dois.
Depois Martha usou o pessoal que lhe era de inteira confiança e partiram de Miami pela Air Pacific Limited com escalas em Los Angeles até Honolulu no Havaí, para depois chegarem ao Northeast of Suva International
Airport, em Suva, Fiji, onde se dirigiram para a Ilha de Naigani. O dia quase amanhecia quando Sean e Martha davam entrada no Naigani Island Resort como Senhor e Senhora Arthuro Klein.
Por muitos anos, a Ilha de Naigani foi apreciada por uns poucos afortunados aventureiros. Os poucos que se aventuravam àquelas ilhas encontravam apenas uma pequena, singular e antiga plantação de cocos
em meio a extensos jardins tropicais.
Hoje tudo ia além das praias, a cor da água refletindo a variedade dos recifes de corais e a vida marinha local. Hoje são as lagoas, as baías bonitas, a fuga para a natureza nos passeios às tardes, e o
cheiro do pão fresco agora cozido no restaurante restaurado da casa da plantação, que encantam a todos.
Sean assimilou tudo aquilo. Estava feliz por estar com Martha, ela realmente havia mexido com seu corpo. Porém ele pediu camas separadas.
Martha nada comentou e ele adorou o autocontrole dela.
Após o check-in, foram para a espaçosa e iluminada suíte. Sean se jogou sobre uma das camas enquanto Martha tentava conectar seu notebook à estranha tomada do hotel.
— Não quero que se comunique com ninguém, Martha! — falou categórico.
— Não me comunicarei!
— Essa concordância é por que não gosta de Luanna?
— Não entendi sua pergunta — Martha se levantou e começou a desmanchar as malas.
— Será? — sorriu enigmático. — Estou com fome. Tem ideia de onde possamos ir já que conhece tudo por aqui?
— As ilhas de Fiji apesar de muito conhecidas turisticamente não faziam parte da minha missão, Sr. Queise.
— Wow! Enganei-me. Achei que já tinha vindo até aqui.
Martha jogou o pescoço para trás e sorriu irônica.
— E por que acha isso?
Ele se mexeu na cama e Martha realmente queria ter feito mais do que observá-lo deitado nela.
— Seu avô, um dos cientistas do Philadelphia Experiment. Seu pai, um dos cientistas do Projeto E.N.I.G.M.A., as Ilhas e suas iniciais e você falando línguas locais como o creole. Achei que tivesse participado
de tudo isso — e olhou-a sorrateiro. —, na sua infância, digo.
— Projeto Filadélfia? Continue! — Martha desafiou-o.
— Experimento Filadélfia, também conhecido como Projeto Arco-Íris, uma tentativa de se criar um navio que não podia ser detectado por minas magnéticas ou radar. No entanto, os resultados foram muito diferentes
e muito mais perigosos do que tinham esperado.
— Continue! — Martha voltava a desafiá-lo.
— Continuar? Ok! Em 1895, durante a realização de pesquisas com o seu transformador, Nikola Tesla teve suas primeiras indicações de que o tempo e o espaço poderiam ser influenciados através da utilização
de campos magnéticos altamente carregados. Parte dessa revelação surgiu da experimentação de Tesla com frequências de rádio e transmissão de energia elétrica através da atmosfera. Então, com esses experimentos
em eletricidade de alta tensão e campos magnéticos, Tesla descobriu que tempo e espaço poderia ser violado, ou deformado, criando uma ‘porta’ que poderia levar a outros tempos… Ainda quer que eu continue?
Porque eu sei sobre a quinta peça, Martha; a peça que Tesla usou para viajar, a peça que os cientistas do ENIGMA usaram. Porque eu sei que seu pai ajudou o Dr. Arthuro a esconder a quinta peça aqui na
Ilha de Naigani. Letra N.
Martha arrumou o único e liso fio loiro que ameaçou despencar de seu imaculado coque.
— Caso estivesse certo, eu disse ‘caso estivesse certo’, no que se baseia Sr. Queise? Nas minhas habilidades com línguas nativas ou nas incoerências de Nikola Tesla? — riu mais irônica ainda.
— Alguém penetrou nos meus arquivos. Alguém com muito conhecimento de sistemas e mainframes, alguém que sabia e conhecia minhas técnicas de ataque.
— Já disse que entrei em seus arquivos, que coloquei um rootkit, que você o identificou no ‘código 33’. E não precisei dormir com seu pai.
— Não Martha. Estou falando que alguém alterou Spartacus para que ele seguisse a movimentação da máquina da Poliu através de coordenadas pré-estabelecidas das ilhas. E só quem havia participado do Projeto
E.N.I.G.M.A. poderia saber com tamanha exatidão.
— “Tamanha exatidão” quanto Sr. Queise?
— Quanto não sei. Nem você. Afinal você não é uma ‘espiã psíquica’, com dons de telecinese, clarividência, pré e pós-cognição, não é? — Sean sorriu mais irônico do que ele havia sido até então.
— Não, não sou. Por isso não entendo por que acha que fiz isso?
— Porque você queria me avisar, Martha.
— Lhe avisar? — Martha riu. — Do quê?
— Do futuro! De um futuro que nem todos têm acesso. Ou talvez alguém tenha acesso. Talvez uma genética inteira.
Martha não sabia se Sean estava blefando, mas se o fazia, o fazia muito bem. Temeu cair na rede dele.
— Continue... — sentou-se com todo charme devido cruzando as pernas no vestido que ficou curto.
Sean só ergueu o sobrolho.
— Você mentiu quando disse que não podia me avisar do ataque de Lous Teac na Feira de informática, Martha. Porque você vem me avisando o tempo todo. Mentindo e salvando-me também — falou sério.
— Você está delirando! Caiu! Bateu a cabeça andar após andar...
— Bati? — riu. — Mas sabe o que me confundiu? Spartacus deveria seguir o buraco de minhoca ‘instável’ da Poliu, mas acabou sendo mais inteligente que você, e acabou seguindo qualquer manifestação sísmica
que ele provocava.
— Não está entendendo, Sr. Queise. As explosões nucleares são acompanhadas por agitações eletromagnéticas com...
— E Spartacus acabou encontrando o buraco de minhoca alienígena nos corais, e não o buraco de minhoca da Poliu que abriu em Fresh Creek, no centro de Andros.
Martha engoliu aquilo a seco.
— Então me deixe adivinhar, jovem Queise — e movimentou as pernas mostrando pernas roliças que realmente o fariam gostar daquelas férias. — Você é o inteligente que reescreveu ontem as ordens do satélite
de observação Spartacus para saber o que ele fazia?
— Sim! Ontem eu direcionei Spartacus, Martha.
Ela de repente não parecia saber o que falar.
— E onde as coordenadas de Spartacus estão agora, Senhor jovem e inteligente?
Sean agora riu de uma maneira que Martha ficou incomodada.
— Se não me falha a memória, e minha memória é matematicamente muito boa, temos a primeira atividade na Ilha de Miniloc; coordenadas entre 11º 08’ 50” e 11º 14’ 73” N de latitude e entre 119º 18’ 59” e
119º 31’ 63” E de longitude, e só depois veio a atividade na Ilha de El Nido, em Lagen; coordenadas entre 11º 08’ 06” e 11º 13’ 49” N de latitude e entre 119º 19’ 06” e 119º 31’ 83” E de longitude. E confesso
que isso me confundiu um pouco — sorriu e Martha trocou novamente as roliças pernas de lugar sabendo que Sean as achava lindas.
— Continue…
— Em terceiro veio a atividade na Ilha de Guam; coordenadas entre 13º 28’ 00” e 13º 46’ 67” N de latitude e entre 144º 44’ 49” e 144º 74’ 7” E de longitude; e em quarto lugar, a atividade na Ilha de Andros;
coordenadas 24º 42’ 00” N de latitude e 77º 47’ 00” W de longitude; letras M, E, G e A.
— Enchantè! — debochou Martha.
Sean fez uma mesura.
— Não devia me vangloriar, eu sei, já que você me avisou no e-mail que mandou à Feira de Informática para que eu não me confundisse. É porque sabia que Spartacus iria até Andros Town, mas o buraco de minhoca
da ‘máquina instável’ Poliu abriria sobre os corais do sul de Andros. Agora tenho medo de perguntar como sabia que Spartacus daria duas coordenadas diferentes com tanta antecedência, não sendo uma psi
de Trevellis — ele viu Martha fazer outra cara de deboche para depois expor uma cara indecifrável. —, porque o buraco de minhoca aberto pela máquina da Poliu abriu e fechou no banco de corais enquanto
eu mergulhava, eu não sei por quê.
— Porque nada disso existe, porque nada disso é capaz de acontecer, e porque nada disso é causa para alarde.
Mas Sean sorriu cínico e foi em frente.
— Existe! E ao contrário de seus — riu charmoso. —, nossos colisteiros... — a observava. —, eu não saio por aí falando dos poderes de Mona Foad, espiã psíquica da Poliu, nem faço alarde sobre o raio da
morte de Tesla — viu Martha sem se quer piscar. —, nem alardeio sobre o acelerador de partículas capaz de criar um buraco branco, um buraco negro, abrindo outras dimensões, viajando no tempo e no espaço,
com máquinas fáceis de manipular, fazer — passava os dedos um nos outros. — E sabe por que Martha? — Sean viu que ela não piscava, desejando mais que olhá-lo. — Porque acho que no fundo a Poliu tinha medo
de Nikola Tesla.
Ela trocou a perna novamente e ele mediu cada movimento.
— Todos tinham medo de Tesla Sr. Queise. Todos os governos, todos os grandes homens, por causa de sua inteligência sem tamanho.
— Não Martha. Não estou falando daqueles que tiveram medo, falo dos que ainda tem medo dele. Porque imagine hoje, o que uma bobina gerando mais de bilhões de volts, energizando a Terra, e submetendo o
solo a abruptas mudanças elétricas é capaz de fazer?
— Um blackout durante uma defesa, numa base militar qualquer? Num país de terceiro mundo qualquer? Efeitos de interferência na ionosfera retirando do ar satélites? GPS?
— Falo de terremotos capazes de abrir um buraco no país inimigo matando inocentes, Martha — ela nada falou. — Ou um grande controle remoto capaz de fazer armas e ogivas nucleares serem disparadas a distância.
Já pensou? Todos aqueles mísseis balísticos danificados ainda na ‘caixa’ Martha?
— Não, mas já pensei em balísticos danificados ainda na ‘caixa’ por dons que desmontam armas, Sr. Queise.
E Sean não gostou daquilo, e se inclinou até perto dela.
— Você sabe não? Que os insights alienígenas de Tesla foram mais do que saber que marcianos existem! — exclamou forte. — ‘ENIGMA’ é só a ponta do iceberg — sorriu confiante.
— Como se atreve? Você não sabe de nada! — Martha estava realmente brava.
— Acha que não sei? Mas sei Martha! Sei que os espiões psíquicos de Trevellis usam rádios de tesla paras e comunicar com alienígenas, porque no verão de 1899, enquanto trabalhava em seu laboratório em
Colorado Springs, Tesla observou uma série de códigos numéricos em sinais cósmicos de rádio, os quais interpretou como um indício de inteligência advinda de Marte ou Vênus. Ele definiu o momento como “a
sensação crescente de que fui o primeiro a ouvir a saudação de um planeta para outro” — e o silêncio de Martha. — Sei que os cinzentos me observaram durante o tsunami ocorrido em Andros porque eu os vi,
os vi na nave alienígena que está presa dentro do buraco de minhoca, presa no espaço-temporal, com apenas uma parte dela pairando sobre o iate quando mergulhei. E porque arrisco até achar que é uma das
naves que chegaram à Terra, quando Tesla acionou o buraco de minhoca fazendo uma delas se chocar com o meteorito e cair em Tunguska. E sabe por quê?
— Por quê? — tremia toda.
— Porque tenho dons, Senhorita, dos quais nunca vou compreender. Dons que me fazem conversar com minha noiva morta, dons que me permitem danificar mísseis balísticos ainda na ‘caixa’, e dons que me permite
ver-me.
“Que me permite ver-me”; aquilo sim soou apavorante para Martha que tentou arrumar o coque que agora despencava pelo calor, pela pressão, pelo medo.
— Porque eu me vi agente Martha — ele voltou a vê-la descruzar para então cruzar as pernas maravilhosamente bem, e que ela fazia aquilo para atingi-lo, mas Sean não se deu por atingido. —, me vi molhando
o chão do corredor da casa de meus pais quando Sandy... — e parou de falar no que Martha percebeu que sua própria respiração acelerara. — Porque vi Sandy subindo as escadas sem ela me ver, porque me vi.
E vi o Sean daquela noite correndo atrás dela, escorregando no chão que eu molhara, levantando, tentando entrar no quarto quando Sandy... — e parou outra vez. —, quando o som do tiro me trouxe de volta
à Andros, ao mergulho, vendo a nave alienígena pairar por sobre o Iate.
— Você precisa ter mais cuidado com o que fala Sr. Queise. É visto como um tanto ‘alienado’ por causa de suas ‘ideias e princípios’.
— O que? — sorriu com charme. — Achando que alienei ‘voz de algodão’?
— Você delirou! Havia NITROX no seu cilindro de ar!
— Como sabe sobre o NITROX se não esteve lá? Ou esteve lá, Chattan? — e Sean saltou sobre ela que caiu abaixo dele, na cama macia. — Por que me seguia, Chattan? — se arrastava sobre ela sem, porém tocá-la.
— Por que me disse palavras tão duras em Andros, Chattan? — lambeu-lhe o pescoço. — O que tinha na injeção que provocou a recompressão, Chattan?
— Você está delirando, Sr. Queise — riu debochada embaixo dele querendo ter a coragem que sabia tinha.
— Delirando como quando sinto ESCADA! Senhorita já não sei quem, em todos os lugares por onde passo? — aproximou-se do pescoço dela novamente tocando-lhe com lábios macios, úmidos. — Delirando quando me
vejo seguido, orientado, excitado? — o olhar verde de Martha se cruzou com o olhar azul de Sean, e ele sentiu que ela o amava, o vigiava também. — Ou delirando quando sinto ESCADA! na brisa sul do Mar
de Andros misturado ao do poilão, entregando sua presença em meio a folhagens enquanto eu trepava com uma mulher que não era você? — Sean recuou sabendo que a atingira.
Martha estava em choque, jogada na cama, sentindo todos seus pelos do corpo desejá-lo.
— Por que acha que a Srta. Luanna Malapacco não faz relatórios?
— O relatório dela também diz o que aconteceu? Tudo? — Sean foi cínico, sensual. — Ou diz por que Lous Teac e seus homens não conseguiram achar a quarta peça da máquina naquele momento?
— Momento? Que momento? Andros tremeu não? Então algo foi retirado, não Senhor jovem e inteligente que tem relações sexuais com qualquer uma?
Sean a odiou.
— Andros era reduto do Dr. Arthuro Klein, que devia ter sido uma ilha deserta na época em que o Dr. Arthuro Klein e sua equipe esconderam a quarta peça da máquina, lá. E você sabia onde estava a quarta
peça. Só não sei como conseguiu interferir no buraco de minhoca aberto pela máquina ‘instável’ da Poliu.
Martha gargalhou.
— Definitivamente você está delirando — levantou-se e continuou a desarrumar as malas. — Já disse que os homens de Lous Teac recuperaram a quarta peça.
Sean não se deu por atingido outra vez. Sabia o que falava, mesmo que dando tiros a esmo, no escuro, ou como chamasse aquilo.
— Recuperaram sim. Spartacus se moveu um pouco mais para dentro de Andros Downtown, no meio da cidade de Andros. Mas não foi lá que os homens de Lous Teac abriram o buraco de minhoca. Já disse. Foi enquanto
mergulhávamos Chattan.
— Não sou Chattan.
— No entanto algo deu errado, não Chattan? Porque eu fui lançado ao passado, à minha casa, ao meu noivado. E foi por isso que você me guiou com as novas coordenadas, coordenadas que deu a Spartacus para
me levar ao centro da cidade momentos antes do terremoto, do tsunami que eu desviei para outra dimensão.
— Você o que? Só pode estar louco, mesmo.
— Acha que estou? Que não posso acender mãos... — e sua mão acendeu numa forma assustadoramente elétrica e colorida.
— Desligue isso! — Martha arregalou os olhos.
— Desligue você!
— Não me desafie Sr. Queise. Porque não faz a mínima ideia do risco que corre fazendo isso — apontou nervosa para a mão dele.
— Isso o que? Carregar forças eletricamente ou permitir que a Poliu me use para acender as mãos eletricamente?! — berrou descontrolado com as portas dos armários, gavetas e correntes elétricas se movimentando
aleatoriamente.
— Vai chamar a atenção da gerência!
— Pretendia chamar só sua atenção, agente Martha Luppy. Porque preciso que me diga como sabia que Spartacus ia me mostrar o novo local onde abriria o buraco de minhoca, e como sabia que eu e Spartacus
nos comunicamos a fim de conseguir que o maldito buraco de minhoca abrisse, e me levasse ao passado, me trazendo de volta depois que matei Sandy?! — berrava descontrolado.
— Você não matou Sandy.
— Matei!!! Matei!!! Matei!!!
— Acalme-se Sr. Queise. Pense...
— ‘Pense jovem Queise, raciocine. Por que está aqui?’ Pela entrega, Martha? Pela sua busca de vingança?
— Inferno Sean! — se levantou. — Eu fazia parte da equipe de Arthuro, lembra? Eu não poderia nunca...
— Não a equipe atual que a Poliu criou para construir a sua máquina; você Martha, Arthuro Klein, Paulo Vedovi, Eva Klein e Calrson. Falo da primeira equipe, da época do Projeto E.N.I.G.M.A., a equipe original
em que Arthuro era um jovem cientista.
— De onde tira essas coisas, Sr. Queise?
— Do seu jeito de falar creole; ‘O mair-vê’?
Martha outra vez viu Sean tocando em terreno perigoso.
— Eu vou tomar um banho — e Martha pegou toalha e xampu em cima da mesa de cabeceira.
— Aquelas pessoas não teriam morrido se ao invés de você ficar jogando ‘enigmas’ comigo, você tivesse sido sincera.
Martha sentiu que a coisa aumentava de intensidade. Não gostou de se sentir culpada.
— Do que está falando?
— Coordenadas entre 23º 36’ 52” e 23º 61’ 43” S de latitude e entre 46º 42’ 02” e 46º 70’ 07” W de longitude. São Paulo.
— Traduza meu jovem... Não esqueci que você é o especialista aqui.
— Avenida das Nações Unidas! Estação Berrini! — se descontrolava.
— A cobertura da Computer Co.?
— Como pode ser tão fria?! — e gavetas e armários abriam e fecharam. — Deus... Se eu tivesse continuado a investigar talvez desconfiasse do motivo de Spartacus estar sobre São Paulo, não?
— E acha que eu sabia e não contei? Acha que estive me arriscando e arriscando toda a missão até agora para salvá-lo, e na última hora eu ia deixar...
— Eu não disse que você deixou!
Martha soltou o coque. Pela primeira vez Sean viu o cabelo original dela rolar por sobre os ombros largos. Um leve aroma de ESCADA! tomou conta do quarto e Sean tentou encontrar o tal equilíbrio.
— E agora você acha que Spartacus está aqui, Sr. Queise? — ela chegou próximo da cama dele.
Sean teve vontade de puxá-la, derrubá-la; ele sobre ela.
— Exato! — deteve-se. — Spartacus está sobre a Ilha de Naigani, letra N.; coordenadas entre 17º 34’ 01” e 17º 57’ 53” S de latitude e entre 178º 45’ 53” e 178º 76’ 47” E de longitude. Mais precisamente
por sobre nossas cabeças.
— E Spartacus ainda não mostrou as coordenadas da sexta peça, da letra que falta?
— Não! Porque não sei o que significa a letra I. do acrônimo.
— E sabe o porquê de não saber Sr. Queise?
— Porque quem reescreveu os dados do satélite também não sabe — Sean piscou malicioso.
— Por que me olha assim?
— Luanna me ajudou a fugir porque eu disse que a pessoa que escondeu a quinta peça na Ilha de Naigani tentaria resgatá-la, para que Lous Teac não a conseguisse. Quando eu fugi com você, Luanna com certeza
pensou que quem tinha a quinta peça era você.
— E uma vez não sendo eu?
— Luanna vai falar com muita gente; e quem verdadeiramente escondeu a quinta peça vai se mexer.
— E por que Luanna falaria com muita gente?
— Não sei. Responda você.
— Respondo que não sei. Mas você sabe, sabe quem é a pessoa que realmente escondeu a quinta peça.
— Dr. Teobaldo Schinder.
Martha tentou manter as aparências, mas estava ficando difícil. Sean descarregava cada vez mais adrenalina nela.
— Quem é o Dr. Teobaldo?
— Um colisteiro. Mas você sabe quem é ele não sabe, Lúcia?
— “Lúcia”? — Martha voltou a gargalhar. — E agora quem é essa Lúcia?
— Lúcia, a colisteira, neta de um dos cientistas do Philadelphia Experiment. Lúcia, por quem você se passava nas listas para conversar com o Dr. Teobaldo Schinder, o último cientista vivo do Projeto E.N.I.G.M.A.
que seu pai considerava um “garoto de futuro”.
— Gyrimias... — ela só teve tempo de falar isso.
— Gyrimias Leferi havia quebrado o sigilo de todos os colisteiros para mim. Ele encontrou o Dr. Teobaldo e você, Martha Lúcia Luppy, o que me ajudou depois a entender o papel secundário de Arthuro Klein
na história.
— Você acha que se eu tivesse fazendo parte de uma Lista de Ufologia… — Martha vociferava tão próximo dele que ele podia sentir o hálito dela. —, Gyrimias, aquele nerd franzino e idiota, teria me descoberto
por detrás de uma SSL segura de 1024 bits que a Poliu usa?
— Não foi na Poliu que ele te achou, Martha Lúcia. Foi na Universiteit van Amsterdã que Gyrimias encontrou o nickname Lúcia-ml. Ou seria Lúcia-marthaluppy? É esse seu nome verdadeiro, não é?
— Como... — Martha cerrou os lábios. — Como... — e ela viu Sean tão próximo dela que teve que realmente se segurar para não beijá-lo.
— Spartacus tinha mais um registro fora do normal - Coordenadas entre 60º 20’ 38” e 60º 34’ 39” N de latitude e entre 102º 17’ 17” e 102º 28’ 80” E de longitude — Sean não se intimidou em ver Martha o
fuzilando. — Ah! É claro! Eu sou o especialista aqui — Sean voltou a sorrir cínico. —, porque as coordenadas são de Tunguska; Vanavara, Sibéria, perto do Rio Tunguska, e porque você direcionou Spartacus
até lá para estudar o terreno.
Martha gargalhou totalmente descontrolada. Porque estava descontrolada.
— Você acha que Mr. Trevellis deixaria alguém penetrar nos arquivos de Spartacus e criar um conflito com a Polícia Mundial depois do problema de Sandy Monroe, Sr. Queise?
Sean sentiu aquilo, Martha realmente sabia muito mais do que falava.
— E Trevellis ou a Poliu sabe do que você faz Martha Lúcia? Sabe que você tem escondido um log dos arquivos, de todos os arquivos da Poliu nos mainframes da Computer Co.? — Martha ia responder, mas Sean
não deixou. — Ah! Claro! Você acreditou que eu acreditei em você, não é? — foi a vez dele, gargalhar. — Acha que caí não sua lábia chorosa de ser uma agente da Poliu sofrida e molestada por Lous Teac,
investigando drogas numa ilha paradisíaca, Martha Lúcia?
— Não acredita que sou uma agente da Poliu, Sean?
— Não! Não depois de vê-la falar sobre física, mecânica, matemática. Não depois de vê-la dissertar sobre Einstein, Tesla, Casimir, Kerr, Gödel, Heisenberg, Thorne e quantos mais. Não depois de vê-la conversando
com os cinzentos. Porque você Martha Lúcia, você foi preparada pela Poliu para conversar de igual para igual com os alienígenas.
Martha Lúcia Luppy entrou no banheiro batendo a porta e Sean Queise sorriu satisfeito sabendo que a atingira.
Naigani Island Resort, Fiji.
17° 36’ 59.4” S e 178° 40’ 59.4” E.
15 de março; 12h00min.
As mesas estavam sendo preparadas e Sean e Martha foram recebidos por colares de flores perfumadas e exóticos drinques.
O restaurante era todo recoberto por piaçaba. Atendido por funcionários vestidos a caráter, estava cheio para o almoço. Eles conseguiram uma mesa de frente à praia.
O cheiro da salinidade invadiu-os.
Ele ainda admirava a corpulenta Martha num vestido discreto usando ESCADA!; ele não acreditou que ela usasse outro perfume mesmo. E ele teve vontade de respirá-lo, absorvê-lo, lambê-lo mesmo sabendo que
a idade dela passava do dobro da dele, contendo-se nem soube como.
Martha também se segurava, torcendo e retorcendo a alça da bolsa que combinava com os sapatos de uma tonalidade azul bem claro.
Ela o encarou depois dele ter estudado cada detalhe, cada curva acentuada que ela tinha e passou a estudá-lo, cada curva.
— Vou encolher! — exclamou Sean com gosto.
Martha piscou freneticamente e recompôs-se sem mais olhá-lo.
Ele sorriu cínico. Sabia ser.
— Vou querer peixe na telha e batatas fritas — falou Martha numa linguagem local que fez Sean arrepiar os cabelos.
A lembrança da imagem dela no galpão, duplicada, triplicada o fez sentir-se mal.
— Quantas de você estavam naquele galpão? — foi direto.
Martha parou de falar com o garçom que não entendia o que acontecia.
— Como assim “quantas de você”?
— Havia mais mulheres no galpão na noite da feira? Mais uma? Uma que não me amava como você? Uma que queria a minha dor, minha morte?
Martha arregalou os olhos para a frase poética dele.
— Pensei que teríamos um almoço agradável, Sr. Queise?
— Por que insiste em me chamar de Senhor?
— Porque se já não percebeu todos na Poliu lhe chamam assim.
— É... Chamam-me assim ‘Sr. Queise’, no mais puro deboche, para que eu tenha certeza da minha idade — olhou os olhos de Martha brilhar. —, e para que eu não me esqueça de que não sou ninguém.
O garçom ainda esperava uma resposta.
— Traga o vinho gelado — e Martha o dispensou sem olhá-lo.
Alguns músicos se aproximaram do casal e Martha esboçou um sorriso não correspondido por ele.
Ela voltou atrás e se fechou.
— Quem era o ruivo na Computer Co. e na Feira de Informática, Martha?
— Eu!
Martha exclamou com tanta convicção que Sean riu.
— As pílulas de DNA da Poliu são mais sofisticadas que as da Polícia Mundial? — atiçou. — Mudam a cor do cabelo e o sexo também?
— Oscar não...
— Não, Oscar não me contou nada. Bem no estilo dele é provável que ele quisesse que eu descobrisse na marra.
— Você não...
— Não consegue terminar uma frase?
Martha sentiu os ombros ficarem pesados.
Algo a incomodava.
— Você tomou a pílula verde?
— Canalha desgraçada! Foi você quem deu as pílulas a Oscar, não foi?
— Eu queria... — olhou atônita para os lados. — Queria que você tivesse a chance de se salvar quando...
— “Quando”? Quando Lous Teac viesse atrás de mim na universidade?
— Quando...
— Como poderia saber Martha? Tem os malditos dons paranormais?
— Não tenho nada! Já disse que eu não sabia. Era para ser quando fosse necessário.
— E quando seria necessário?
— Quando fosse!
— Quando fosse necessário trocar de sexo?
— Quando fosse!
— Que droga! Por que se fez passar por Chattan? Eu achei que Chattan fosse gay.
Martha olhava para os lados buscando forças para ser sincera.
— Me passei por Chattan porque Luanna e a Polícia Mundial podiam me descobrir.
— Ainda não respondeu, não é? Não respondeu o “por que”?
— Porque eu sabia que iam tentar te matar.
Aquilo foi difícil para ele.
— Como você podia saber? Diga, por favor, que você é como Mona amiga.
— É claro que não. Já disse que não. Quando você disse que ia a Andros eu imaginei que Lous Teac ia tentar te matar e eu precisava estar por perto.
— Os cilindros de ar foram trocados no píer?
— Sim. Quer dizer, parece que sim. Por alguns daqueles casais... E você mergulhou com NITROX. Não demorou muito para que começasse a sentir-se mal.
— A injeção?
Martha sentiu aquecer as suas maças do rosto. Sentia que pisava em ovos com ele o tempo todo.
— “Injeção”?
— Sim, a injeção de recompressão? É outro artefato alienígena, não é? Em outro planeta aboliram a câmara de compressão?
— Você é louco — Martha riu sem graça.
— Vai até o fim, Martha. O que consegue afinal naquelas listas?
Martha voltou a olhar para os lados.
— Devo confessar-lhe, jovem Queise que alguns colisteiros, como o místico daniel-flashback são bons espécimes de estudo — riu. — Incrível, não? Eles tanto vasculharam que descobriram algo sobre a máquina
alienígena resgatada pela Poliu.
— Eu li na lista, mas andava tão atarefado com a feira que não dei atenção.
— Por isso deixei o e-mail na sua mesa. Não podia mandar por dentro dos e-mails da lista onde todos podiam ler.
— Por que mentiu?
— Não menti, omiti. Ainda não era hora de você saber isso — e o garçom trouxe outros drinques além do vinho. Gelados como estavam, Sean tomou todos num gole só. — Ainda acho uma loucura o que está fazendo,
Sr. Queise.
— Me embebedar?
— Também!
— Então que loucura mais? Descobrir que Trevellis também instalou um escudo eletromagnético em Spartacus para ‘quando fosse necessário’?
Martha engoliu a seco e Sean percebeu.
— Onde... Onde descobriu isso?
— Vai ser respostas feitas de perguntas, Martha? — ele não gostou da demora dela. — Por que Trevellis utilizaria um equipamento desses? — insistiu mesmo assim. — Para localizar reversões magnéticas e saber
quando os alienígenas iam abrir o portal estelar e voltar à Terra? — ele viu Martha mal conseguir disfarçar. — Quando eles vão voltar para resgatar a máquina de buraco de minhoca que os cientistas da Poliu
desmontaram sob o código chamado Projeto E.N.I.G.M.A., Martha?
Martha se refez e caiu numa larga gargalhada.
— A queda deve ter lhe afetado muito mais que a cabeça Sr. Queise — debochou.
— Afetou sim, Martha. E me fez pensar que partindo do princípio que a letra N é o quinto esconderijo e que eu consegui evitar de alguma forma que a 4º peça da máquina fosse resgatada...
— Elas foram! — ela endireitou os ombros que começava a doer novamente.
— “Elas foram” o quê?
— Resgatadas!
— Res... Res...
— Viu? Você também não consegue terminar de falar quando está nervoso.
— As cinco peças foram resgatadas? A quarta peça que eu desviei? Como?
— Não sei como.
— A quinta peça… Não… Não houve nenhum abalo sísmico nestas horas. Como conseguiram? — Sean não compreendia. — Spartacus teria me avisado — balançava a cabeça descontrolado. — Não é possível! Não é possível,
não.
— Spartacus avisou-o, sim. Fui eu quem entrou nos seus arquivos e deletou tudo.
Sean não pôde acreditar no que acabara de ouvir.
— Você fez o que? Deixou-me vir até aqui sabendo que a movimentação sísmica já ocorrera? Droga! Então foi realmente com a máquina ENIGMA alienígena que Lous Teac abriu um buraco de minhoca na minha cobertura?
Para conseguir a quarta peça?
— Responde você.
— Eu... — segurava a cabeça que doía. — Como? Até então eles não tinham o tempo... Não precisavam do tempo?
— Não!
— E agora com o que eles têm da máquina alienígena já dá para viajar?
— Sim.
— Mas e antes? Como abriram o buraco de minhoca que sugou o avião do Dr. Arthuro?
— O buraco de minhoca abriu sozinho. Não foi a máquina ENIGMA alienígena nem a máquina ENIGMA da Poliu.
— Então... Como eles têm conseguido resgatar peças da máquina no fundo do oceano, à beira de penhascos...
— Mas eu não disse que a máquina ENIGMA da Poliu era totalmente instável, disse disso?
— Você está me gozando, Martha? — ele viu que Martha esperou o peixe ser servido. Sean mal conseguia respirar de ódio dela, da corporação, de Lous Teac, do mundo. — Afinal que máquina eles usam? Para roubar
o que? — e Martha só sorriu. — Então se a máquina ENIGMA da Poliu não é totalmente instável...
— Basicamente, o que acontece é o seguinte: Um buraco de minhoca tende a se fechar naturalmente; atração gravitacional. Então, o único jeito de segurar as paredes do buraco abertas é repeli-las. E para
se repelir a gravidade só a antigravidade!
— Que só existe se existir energia negativa. Então, a ideia da Poliu é a de gerar energia negativa dentro do buraco de minhoca para segurar as paredes dele e mantê-las fixas repelindo-as enquanto elas
tentam se colapsar umas sobre as outras. Então a máquina da Poliu não significa a mesma coisa que a máquina alienígena? E é a máquina alienígena que eles querem?
— Sua inteligência me assusta jovem Queise — riu Martha. —, mas você sabe que os buracos de minhoca naturais são algo que nunca conseguiremos dominar.
— Wow! Não conseguiremos?
— Não! Porque nossas mãos não se acedem Sr. Queise!
E Sean não gostou do cinismo. Talvez fosse ele, a peça que faltava naquela loucura toda.
Preferiu não se manifestar sobre aquilo.
— E o escudo que a Poliu instalou em Spartacus pode fazer isso? Fazer pessoas que não acendem mãos, controlar um buraco de minhoca?
Martha também não quis discutir. O almoço terminou e ela pediu que a conta fosse anexada ao quarto. Outra vez usou uma linguagem local que perturbou Sean. Ele lembrou-se de Luanna falando chamorro com
as massagistas de Guam e de Chattan falando creole em Andros. Havia algo que se interligava, Sean ainda não entendia o quê.
— Aceitar a possibilidade de se viajar no tempo, jovem Queise, nega os princípios da causalidade e de coerência lógica sobe os quais repousam as teorias físicas...
— Ahhh! Por favor! — jogou a cabeça para trás em total desespero. — Sem as suas ideias matematicamente impossíveis, Senhorita — debochou. — Já sei que os alienígenas de Sirius abrem buracos de minhoca
para vir a Terra através do DNA. Já sei que os alienígenas permitiram a Poliu estudar e desmontar a máquina deles, a fim de que a corporação construísse uma para ela usando técnicas de DNA como as pílulas,
como o binóculo morfo, como a caixa que nega os Raios-X só imaginando o que barganharam em troca. Porque já sei que a Poliu prometeu devolver aos alienígenas quando eles retornassem, a máquina deles que
os seis cientistas do Projeto E.N.I.G.M.A. esconderam nas ilhas. E porque já sei que Spartacus está atrás de ‘aberturas’ para saber quando os alienígenas veem e a Poliu ter tempo de resgatar as peças que
julgava que eu tinha roubado. E esse desespero de Trevellis é porque precisa devolvê-la aos alienígenas. Por isso Oscar me jogou nessas estapafúrdias de ilhas anãs.
— Bem vindo ao mundo da espionagem, Sr. Queise.
Sean nem teve vontade de olhá-la.
— Não sou espião...
Os dois deixaram o restaurante em direção ao quarto a passos largos. E foi no entrar do quarto que Sean a imprensou na porta.
— Sean... — soou nervosa.
— Foi através de um buraco de minhoca que você me tirou do galpão naquela noite?
Martha empalideceu ainda imprensada.
— Está lendo minha mente?
— Estou?
— Por que insiste que fiz algo naquele galpão além do que disse que fiz naquele galpão?
— Porque apareci no chão do estacionamento junto com o brutamonte morto, molhado de hélio-3.
— Onde leu isso? — arregalou os olhos, tão branca quanto antes.
— No prontuário do hospital dizia-se ‘algo como uma geleia’.
— Hackeou arquivos do Hospital das Clínicas só para variar? — tentou sair da parede e ele voltou-a nela.
— Os médicos não sabem nada sobre o superfluido hélio-3 presente no Big Bang, no início do mundo, Martha Lúcia. Mas nós dois sabemos que o superfluido hélio-3 está presente no condensado de Bose-Einstein.
Ele aproximou-se tanto dela que Martha controlou-se outra vez, não soube como.
— Mesmo que admita que um buraco se abrisse Sr. Queise… — teve realmente vontade de tocá-lo. —, acha que ele seria estável como julga a Poliu?
Mas Sean não se deixou levar pelas falsidades dela.
— Foi por isso que Freda só apareceu dois dias depois, do outro lado do estacionamento, pouco antes de morrer?
E Martha encostou seu seio nele. Sean sentiu seu corpo vibrar. Os dois ainda estavam tão perto que nada passava entre eles.
— Acredita Sr. Queise, que se os buracos de minhoca existissem e fossem estáveis, não seriam lugares muito pouco agradáveis para se viajar? A radiação que cai no buraco de minhoca, a radiação de micro-ondas,
iria fritar você por Raios-X e Raios Gama.
— Só sei dizer que entrei num buraco de minhoca na cobertura da Computer Co., e que dói; e dói muito — ele se aproximou da pele dela a fazer seus lábios se moverem milímetros de distância. —, porque você
sente todo o seu corpo ser quebrado, esmagado, triturado, para se diluir como...
— Como? — ela o cheirou.
— Como ESCADA!
Martha suspirou profundamente, empurrou-o e arrancou a blusa de costas para Sean, vestindo um roupão. Entrou no banheiro e abriu a água da torneira deixando a banheira encher. Depois voltou para o quarto
onde Sean estava pensativo.
— Foi um erro no espaço temporal que fez Freda sobreviver mais um pouco — ela falou antes dele se virar para ela.
“Vamos morrer Sr. Queise?!”
— É possível se voltar no tempo, Martha? — Sean se virou para ela. — Eu poderia ter salvado a vida de Freda naquela noite se tivesse conseguido falar comigo mesmo?
— Por que diz isso?
— Freda me perguntou aquela noite se íamos morrer... — e o silêncio entre eles.
Martha entrou no banheiro, largou o roupão no chão e entrou na água morna. Sean viu o corpo nu dela se desenhar por entre a espuma que subia rapidamente, que ela assoprava charmosa.
Sentiu tesão pela agente Martha Lúcia Luppy sem, porém mover um único músculo do lugar; porque ele sabia que ela sabia, que mexia com ele.
“Droga!”
— Por que veio até aqui Martha?
— Luanna sempre foi uma agente fraca.
— Ou será que todos os papeis foram invertidos desde o começo? — e Sean viu Martha parar com as bolhas. — Ou será que era Luanna a segunda mulher no galpão? Ou será que Oscar colocou Luanna lá para me
proteger? Ou será que era porque Oscar não confiava em você?
Martha ficou inerte, os nervos lassos depois de tantas horas de autocontrole.
— Quantos ‘será’...
— Então quantas mulheres Martha? Uma? Duas? Ou uma terceira mulher tentando me matar, quando você teve que fazer algo que abriu um buraco de minhoca?
— Você está me pondo numa situação difícil, Sr. Queise.
— Enquanto você me coloca no escuro.
— Não o estou colocando no escuro. Só quero que entenda tudo, que você chegue até a última peça do quebra-cabeça sozinho.
— Last but not least. Não é, Senhorita Agente?
— “O último, mas não o menos importante” — traduziu Martha, rindo. — Com certeza você é mesmo muito esperto — ria nua, escondida pela espuma. —, porque a última peça é a mais importante Sr. Queise... —
voltava a rir.
— Se sou tão esperto assim, é porque as cinco peças já estão com Lous Teac, então você me trouxe aqui para confundir alguém! Quem?
— Ninguém!
— O quer de mim Martha?
— Eu? Nada! Um vinho talvez? Porque você deve algo a alguém. Porque não fui eu quem roubou as informações dos mainframes onde estava o esboço da máquina. Foi Freda quem fez a troca.
— É... Eu devo isso a Freda, porque jamais teria conseguido torná-la em uma Kelly, porque ninguém jamais será como Kelly — e ele sentiu Martha e todo o ciúme que sentia de sua sócia, e arriscou tudo na
próxima questão. — O que é a letra I do acrônimo? Iligan?
— Não quer mesmo pedir um vinho para nós?
— Iligan era aonde os mergulhadores... — e ele viu Martha voltar as assoprar espuma. — Você não é tudo isso Martha… Todo aquele poder de parar agentes de terno preto… — riu. — Um dois três! Um dois três!
Um dois três!
E Martha parou.
— O que está fazendo Sr. Queise?
— Contando… Um dois três! Um dois três! Um dois três!
— Você é ridículo Sr. Queise!
— Sou? Um dois três! Um dois três! Um dois três! Em 1900 Tesla anunciou que havia detectado sinais inteligentes do espaço exterior, pulsos cronometrados vindos como ‘Um dois três!’. Ele se referiu a elas
como ‘códigos de contagem’.
— Você não sabe onde está se metendo…
— Será? Porque você alterou Spartacus para não arquivar essa coordenada em seus arquivos, porque a letra I não é o local onde está escondida a 6º peça faltante da máquina, simplesmente porque não existe
6º peça faltante, uma vez que a máquina está pronta e estável nas mãos de Lous Teac através de códigos de contagem e senhas... — e ele viu Martha com os olhos verdes brilhando. — Meu Deus! Eu sou a peça
faltante não é Martha? — e o silêncio o deixou em alerta, com todas suas sinapses nervosas explodindo, o fazendo recordar o passado que não existe, porque era no passado que tudo estava. — A Cidade de
Iligan é a base onde abrirá o portão estelar para os alienígenas voltarem. Lá onde o buraco de minhoca abriu e engoliu o avião de Arthuro. Porque era isso que vocês faziam lá, com a máquina alienígena
funcionando, porque o buraco não abriu sozinho — e Sean voltou para o quarto não para pedir vinho, mas colocar um casaco. — E o que Lous Teac quer é muito maior que se deslocar rapidamente na velocidade
da luz, porque o que Lous Teac quer é o controle sobre os alienígenas e todas aquelas fantásticas máquinas de driblar Raios-X, mudar a genética, e injetar recompressão em alguém — e só ouviu Martha rir.
— Porque eles precisavam de mim na noite da feira, a sexta peça que abriria a maldita máquina alienígena que Freda tirou dos arquivos da Poliu... — e tudo aquilo explodia dentro dele. —, porque eles sabiam
que eu estive em Iligan na noite da chuva, que estive lá quando o bimotor de Arthuro levantou voo, porque fui eu quem abriu aquele buraco em Iligan... — e a chuva o molhava no meio do banheiro.
Martha ficou em choque, vendo as gotas de chuva umedecendo tudo, encantada com o que ele fazia, com o que ele podia fazer, porque Sean estava trazendo o passado até ali, até o banheiro do hotel de Fiji.
Mas como ele havia feito tudo aquilo, o porquê de ter feito tudo aquilo, ou se fora manipulado a esquecer, Sean não sabia.
“Ou sabia?” se perguntou ao ver-se duplo na feira, na chuva, com Mona dizendo que ele ia aprender da forma mais difícil.
Aprender que fizera algo com seus dons paranormais genéticos, que Mr. Trevellis e a Poliu o usava, e que Mona Foad o preparara para ser usado com toda sua glote explodindo na garganta.
— Spartacus acionou o escudo eletromagnético que a Poliu instalou no meu satélite, e vocês sabiam que eu dominava satélites e buracos de minhoca... — e viu o quanto ela o vigiava. — Porque você me viu
Martha, porque você viaja pelo tempo Martha — ela agora se calou. — E obrigada agente Martha Lúcia Luppy, agora Lous Teac vai atrás de mim e Kelly quando descobrir que foi enganado outra vez — e a porta
abriu e fechou sem que ela pudesse ver, porque foi o som da porta batendo que alertou Martha, que se levantou nua da banheira vendo que ele, o casaco e o notebook sumiram.
E foi para Mona Foad quem Martha ligou furiosa.
31
Taipei, Ilha de Taiwan.
25° 2’ 0” N e 121° 38’ 0” E.
18 de março; 20h40min.
Todos os funcionários da Computer Co. estavam sob escolta policial. A polícia civil de São Paulo investigava os acontecimentos sobre a explosão à cobertura da Computer Co. sem saber ao certo sobre o que
procurar. Nada souberam sobre uma ogiva ou algo tão destrutivo que chegou até lá vindo do nada, porque o nada não existia, porque ele tinha estrutura.
Com as pessoas envolvidas no acidente fazendo queixas-crime para cima da Computer Co. House’s por falta de segurança e a mídia anunciando que o edifício fora alvo de terroristas, Sean não podia voltar
ao Brasil. E ainda por cima tinha o contrato com a Família Tadaka para efetuar em Taiwan. Os jornais mundiais também anunciavam que a loucura estava solta pelo mundo; desastres, explosões, suicídios, fanáticos
como o velho Messias das Filipinas que voltava ao noticiário, prometendo para o final do ano a chegada de uma força alienígena que iria destruir o mundo se não fosse paga uma cifra absurda pelas vidas
alheias. Não estava muito longe da verdade.
Sean havia mandado Kelly e Renata se virarem do avesso e conseguirem ir para Taiwan, prometendo encontrá-las lá. Sobrou para Gyrimias Leferi hackear os computadores da Polícia Federal e criar passaportes
falsos manipulando assim, a viagem das duas.
— Sr. Queise?! — quase gritou Renata Antunes ao abrir a porta da suíte do Taipei Fortuna Hotel, em Taipei, capital de Taiwan.
— Você anda viajado não, patrãozinho? — sorriu Kelly Garcia num lindo vestido verde escuro.
Um xale bordado completava o toalete que vestia para ir ao jantar da fusão.
Sean chegara em cima da hora apesar de já tê-las avisado de seu atraso, ainda no CKS International Airport. Vinha com a gravata desmanchada; nunca tinha sido muito bom com o Black Tie.
— Calma Sr. Queise! — exclamava Renata nervosa tentando dar o nó na gravata.
Ele sentiu-se enforcado.
— Tem certeza que vou precisar estar tão empolado assim? — ele viu Kelly rindo, sentada à beira da cama. — Kelly, por favor, não está ajudando muito dessa maneira.
— Perdão, patrãozinho. Você está uma gracinha.
Sean desistiu da gravata e de como ela o chamava; e porque ela o olhava de uma maneira diferente. Algo havia acontecido naquele elevador, e Kelly e Sean se tocaram além do que ele se permitira permitir.
E sabia que Kelly pensava tudo aquilo.
— Vamos embora ou nos atrasaremos, quero ser o primeiro a chegar nesta fusão.
— Só vai ter a festa hoje, Sean. Amanhã assinaremos o contrato com a Server Invector.
— Do que está falando?
— Eu também nada sei sobre o caso. Apenas recebi um e-mail me avisando que o contrato ficaria para amanhã.
Gritos ecoaram por todo o quarto.
— Algum problema, Sr. Queise? — perguntou Renata.
— Eu espero... Espero mesmo que não Renata… — e se foram os três quando Kelly, o puxou para o lado.
— Onde esteve?
— Não é o que está pensando.
— Até quando vai saber o que eu penso antes de eu pensar?
Sean não respondeu àquilo.
O salão já estava cheio, muitas autoridades locais compareceram. Sean cumprimentou muitos e por muitos, foi cumprimentado. Conheceu também alguns futuros funcionários depois que a Server Invector se fundiria
a Computer Co..
A recepção corria normalmente, mas a Família Tadaka ainda não havia chegado.
— Tem certeza que eles vão aparecer Renata? Ou não é só o contrato que não vai acontecer essa noite?
— Calma Sr. Queise, eu já os vi por aí — falou Renata.
— Aonde? — questionava Sean, inquieto.
Kelly Garcia percebeu.
— O Sr. Roldman mandou, como pediu, os agentes da Polícia Mundial. Estão espalhados por toda parte, patrãozinho. Fique sossegado.
— Eu sei — dizia Sean, sem ao menos saber o que dizia. Algo o avisava dentro dele, podia sentir. — Vamos Renata! Procure-os para mim!
— Mas Sr. Queise...
— Sem mais nem menos. Os ache agora! — falava por entre os dentes.
— Acalme-se Sean... — e Kelly parou.
E parou porque um homem parou a frente deles.
— Boa noite, Sr. Sean Queise — falou uma voz arrastada atrás dele.
“Lous Teac!”, pensou Sean ao se virar.
— Boa noite, Senhor... — perguntou Sean mostrando-se desentendido sentindo todo seu corpo tremer, cada poro se abrir.
— ‘Senhor’ Lous Teac! — falou Lous Teac observando-o.
“Nós somos o clone um do outro, se não pela pele mais escura. Lous Teac e seus homens teriam me reconhecido”; nunca aquela frase teve tanto peso e medida.
— Ah! Boa noite então, Sr. Lous Teac! — Sean lhe sorriu.
— Mas deveria dizer, então, sócio.
— Acho... Acho que não compreendi…
— Como vai o Senhor? — perguntou Kelly, tentando ser gentil.
E Sean arregalou os olhos azuis para ela.
— O conhecia? — perguntou Sean assustado para a sócia.
— E o Sr. Sean Queise? — proferiu Lous Teac. — Também me conhecia?
Sean ergueu as costas e se ajeitou.
— Deveria?
— É claro que não! — Lous Teac riu. — Mesmo porque faz apenas dois dias que nos tornamos sócios.
— Sócios? — inquiriu Kelly confusa. — Desculpe-me Sean, mas não sei do que ele está falando — se virou para ele, para Lous Teac e novamente para Sean que tentava manter uma segurança que já não tinha.
— Eu conheci este Senhor no jantar de São Paulo e ele dizia ser contador da Server Invector. Nunca soube que comprara a empresa da Família Tadaka.
“Lous Teac em São Paulo?”, era só o que pensava Sean desestruturado, desequilibrado e tudo mais a que tinha direito, procurando pela mente os tais agentes da Polícia Mundial que Kelly falara, mas não encontrava
nenhuma forma-pensamento ali.
“Oscar?” Sean o chamava, o impactava na sua sala da Trafalgar Square, com a voz dele se espalhando por ali. “Lous Teac e seus homens teriam me reconhecido, não?” “Sou ou não o clone de Fernão?”.
“Sean querido!” respondeu Oscar extasiado com o que Sean fazia, com o que ele próprio podia fazer quando tudo se perdeu no éter no que Kelly tocou o braço de Sean.
— Sean? — a voz de Kelly fez Sean voltar a si, à Taiwan, à festa que acontecia em flashes, em meio ao chão que virava vidro transparente, mostrando a Avenida Berrini, as muitas pessoas mortas, nos escombros.
— Aconteceu alguma coisa, Sr. Sean Queise? — Lous Teac foi direto.
Sean não sabia o que responder ao grande e moreno Lous Teac, que ficou na espreita enquanto Kelly Garcia ainda tentava um diálogo.
— Tente nos compreender, Sr. Lous Teac. A Computer Co. não sabia que a Família Tadaka estava vendendo sua empresa quando pretendia fazer uma fusão conosco, porque se soubéssemos que ela estava vendendo
algo... — argumentava Kelly para um Lous que encarava Sean que encarava a festa ainda em flashes e Freda lhe olhou, e Sandy lhe olhou, e Sean viu que nada mais estava certo, que ele voltara à pista de
pouso, com o bimotor de Arthuro levantando voo e a chuva molhando-o.
Lous Teac continuava a analisá-lo, parecendo saber que Sean estava perdido em pensamentos enquanto a voz de Kelly ecoava.
“Não é mesmo?” dizia ela.
Lous Teac olhou Sean que se olhou molhado, com as mãos úmidas da chuva da pista de pouso.
“Um dois três! Um dois três! Um dois três!” Sean então parou e encarou Lous Teac respondendo algo a Kelly.
— É mesmo, Senhorita Garcia — Lous Teac sorriu simpático para Kelly que se afastou da sua aproximação. —, mas isso foi até um dos Tadaka morrer tão prematuramente — e Lous Teac prosseguiu no que Sean o
encarou.
“Morrer?” a voz de Kelly se perdeu outra vez ali outra vez.
“Vamos morrer Sr. Queise?!”, a voz de Freda ganhou espaço.
— Vamos morrer... — soou de sua boca.
— O que disse Sr. Sean Queise?
— Vamos morrer Sr. Lous Teac. Todos nós. Não é?
— Um dia! Sim! Vamos todos morrer Sr. Sean Queise — prosseguia Lous Teac. — Mas além da morte, o outro Tadaka estava muito endividado… — Lous Teac espremeu o rosto e não viu Sean se desesperar. —, não
pôde deixar de aceitar, digamos... — dizia com uma voz suave e arrastada, quase metálica. —, esse grande negócio.
“Grande negócio…”
— Os Tadaka não nos comunicaram nenhuma morte ou venda— prosseguia Kelly, irritada. — É extremamente irregular que a Computer Co. faça negócio nessas condições, não é Sean? Não é Sean? Sean?
“Vamos morrer Sr. Queise?!” “Vamos morrer Sr. Queise?!” “Vamos morrer Sr. Queise?!” e Sean se espremeu pela dor pelas lágrimas de Freda, pelo sangue que escorria dele, do galpão fétido que ele agora pisava
com duas mulheres lhe olhando na pouca luz que ele queimara, iluminando o pouco de noite que nublava, que se enchia de perfume ESCADA!, que se mesclava à música jazz, que tocava em meio a mulheres e homens
de Black Tie, com Lous Teac o encarando na chuva da pista de Iligan; porque Lous Teac também estava lá, o vendo abrir o buraco de minhoca que matou Arthuro Klein.
“Como?” Sean nunca teve tanto medo das incongruências da vida, da filosofia que o alertava, porque entrávamos e não entrávamos no mesmo rio, porque o rio não era o mesmo duas vezes.
— Porque o passado é um evento fechado...
— Sean? — a voz de Kelly também voltou. — De que passado fala meu amor?
“Meu amor?” e aquilo soou de maneiras assustadoramente parecidas em Sean Queise e Lous Teac.
Porque Sean voltou definitivamente a Taiwan no amor dela, com ela limpando o sangue que escorreu de sua narina.
— Não foi nada Kelly... — ele afastou a mão dela e avistou Renata encostada numa parede, com suas feições modificadas ao reconhecer Lous Teac da época da Feira de Informática.
Sean olhou-a e Renata podia jurar que ouviu a voz dele dizendo ‘Saia!’.
— Sim... Saio... — e Renata saiu obedecendo a voz interna de Sean, que se desesperou ao ver Enrico Fatto ir atrás dela.
— O Senhor talvez tenha que esperar para que nossos advogados reestudem esse processo de fusão para saber se ainda nos convém — Kelly seguia avante como que falando sozinha dobrando o guardanapo sujo.
E agora Lous Teac a fuzilou, perdendo toda a estabilidade.
— Não vão voltar atrás!!! — gritou.
— Está se exaltando, Sr. Lous Teac! — correu Sean, a dizer e se colocar na frente dela de uma maneira que Kelly sumiu atrás dele.
— Estou? — e Lous Teac não gostou daquilo, de saber o quanto ela era importante para ele.
Mas aquilo não chegou nele; nada.
— Minha sócia Kelly Garcia está sendo educada! Mantenha o nível o máximo possível!
— Pois estou mantendo o nível e a clareza de minhas palavras Sr. Sean Queise! — proferia com ódio. — A educação fica para outro nível!
O garçom parou com a bandeja na mão a quase atravessar os dois, e Lous Teac serviu-se de uma taça de vinho enquanto Sean pegou o prato contendo frutos do mar.
— Está nos ameaçando, Sr. Lous Teac? — Kelly agora pareceu ter entendido algo.
— Calma Kelly! É óbvio que ele não está; não é mesmo Sr. Lous Teac?
— É óbvio! — falou Lous Teac rindo, pegando um camarão do prato de Sean e o levando à sua boca.
Enrico Fatto se aproximou dos dois e Sean só teve tempo de arregalar os olhos para o tapete.
— Podemos conversar? — questionou Fatto para o patrão.
— Agora não! — exclamou Lous Teac, irritado.
— É necessário! — afirmou Fatto.
Lous Teac encarou Sean Queise que não tirava os olhos do chão.
— Nos encontramos amanhã para a fusão; às dez horas. Tem menos de doze horas para decidir, Sr. Sean Queise — e Lous Teac apontou-lhe sua mão para se despedir, com Sean tendo vontade de fazer mais que apertar-lhe
a mão. Ele o cumprimentou e algo fez Lous Teac sorrir. — Mãos delicadas... — falou ainda em compasso se aproximando do rosto dele. —, são poucas as mãos macias que encontro em minha vida.
Sean sorriu cínico, em total controle. Um controle que não passou despercebido por Lous Teac que se foi. Renata se aproximou e Sean a viu vermelha de tanto correr.
— O que ele quis dizer com isso? — perguntou Kelly.
— Que vamos fazer uma fusão com os armazéns Shiu-Shiu!
— E por que é tão importante essa fusão?
— Porque Lous Teac quer os mainframes da Computer Co. — e encarou as duas que o encaravam. —, e claro, tudo que há dentro deles.
— Mas Sean... E agora?
— Agora nada. Temos menos de doze horas para descobrir onde está escondido o portal daquela maldita máquina alienígena e colocarmos esse assassino atrás das grades — respondeu Sean arrastando Kelly e Renata
para fora da sua própria festa.
Elas não entenderam nada.
32
Miami, Flórida; USA.
25° 46’ 0” N e 80° 12’ 0” W.
20 de março; 07h47min.
Já havia se passado as doze horas que Lous Teac dera a Sean Queise, que fez Kelly Garcia e Renata Antunes sumirem do mapa. Já ele fez conexão no aeroporto de Los Angeles saindo de Taiwan; de Los Angeles
para Miami.
Apesar de não mais usar nenhum tipo de pílula, ele continuava a usar o passaporte falso do falecido Dr. Arthuro Klein que Martha fizera para ele. Não podia ser Sean Queise, muito menos Fernão Gomes.
Deslizava o BMW azul alugado pelas ruas de Miami Beach atravessando a Collins Avenue a fim de retornar pela Biscayne Blvd., saindo assim do norte de Miami Beach para alcançar o Porto de Miami, e de lá
seguir para a Flagler Street, centro comercial de Miami Downtown, onde se encontrava a Joalheria da Poliu.
“Jovem Queise?” a voz de Martha chegou até ele.
Sean olhou pelo retrovisor percebendo que Martha o seguia numa Maserati verde. Deu sinal para a direita e parou. Martha parou um pouco mais a sua frente.
Ele desceu e foi atrás dela.
— Entre no carro! — ordenou ela para ele.
Sean a observou e voltou para fechar o BMW quando percebeu que estavam sendo seguidos por homens da Poliu.
— O Cadillac preto nos segue — falou ao fechar a porta da Maserati verde de Martha Luppy e partirem.
— Eu sei! Estão atrás de mim desde que saí de casa.
— E por que estão atrás de você? — estranhou.
— Já me perguntei isso, também.
— Como me descobriu, Martha?
— O passaporte do Dr. Arthuro Klein foi usado para ir de Naigani para Taiwan, e de lá fez conexão em Los Angeles e Miami. Recebi o aviso quando seu avião chegou e tentei te interceptar antes, mas me perdi
de você.
Sean suspirou e olhou em volta.
— Onde estamos indo?
— Despistar! — completou friamente a agente secreta Martha. — Não quero que percebam que você ia a Joalheria — completou.
— Como sabia que eu estava indo para lá? — ele viu Martha apenas o encarar. — Deixa para lá! — falou Sean derrotado, apoiando a cabeça no encosto do banco da Maserati verde.
— Fique calmo! — passou as mãos pelas pernas de Sean que sentiu o sangue circular mais rápido por todo o seu organismo. — Desfrute do passeio!
Sean a olhou, mas nada disse. Era a primeira vez que Martha o tocava deliberadamente.
— Como Luanna me localizou na Ilha de Miniloc?
Martha largou o acelerador para depois voltar a acelerar.
— Não sei do que está falando.
— Alguém com as senhas hackeadas de Kelly mudou as coordenadas de Spartacus a fim de me encontrarem — ele viu Martha o olhar de lado. — Quem mais teria acesso a Spartacus além de mim? Além de você, Martha?
— Continuo sem entender sua pergunta.
— Coordenadas exatas do Resort em El Nido — Sean continuou a provocá-la. —, onde me vigiava — mas outra vez ela nada respondeu e ele percebeu que haviam retornado um bom pedaço da Biscayne Boulevard, com
Martha entrando com o carro no estacionamento de um Shopping. — Você deve estar brincando — apontou para o belo disfarce dela.
— Este é o Shopping Aventura Mall.
— Encantado pelo esclarecimento, Senhorita.
— Achei que iria querer parar para comer. Já que não vem se alimentando direito.
Sean sorriu-lhe cinicamente.
— Não estou com fome Senhorita Agente, mas já que está com esse tempo extra, queria lhe comprar um novo perfume ESCADA!.
Martha sentiu seu mundo iluminar-se.
— Você está sempre lembrando…
— Me fizeram esquecer algum momento?
Martha não entendeu, mas sentiu seu mundo balançar novamente. Tinha que admitir, Sean conseguira transpor as barreiras que se impôs ao amor. Mal sabia ela que Sean tinha as mesmas barreiras transpostas.
Ele viu os agentes da Poliu atrás deles. Enlaçou Martha pelo ombro e entrou na Macy’s Department Store, na seção de perfume para o susto dos que os vigiavam.
— Eles entraram na loja! Câmbio! — falou um dos agentes da Poliu ao comunicador, que carregava. — Abraçados! Câmbio!
— “Abraçados”? — uma voz masculina rouca falou do outro lado.
— Sim, Mr. Trevellis! Câmbio! — olhou para o outro agente ao seu lado se posicionando na porta da loja, os vendo pela parede de vidro. — Abraçados! Câmbio!
— Está brincando, não... — e parou de falar. — Fiquem por perto! Câmbio! — voltou Mr. Trevellis a falar. — Eles não têm para onde ir a não ser voltar para a casa dela e... — e a ligação foi interrompida
pelos sprinters acionados e o alarme de incêndio disparado.
— Todos ao chão!!! — gritava o primeiro agente ao entrar, descontrolado com arma em mão e toda adrenalina molhada pela água e o pânico que se instalara ali.
O tumulto se fez na Macy’s, seção de perfumes.
— Calma! — pedia o segundo. — Agora não adianta mais — e olhava em volta. — Eles conseguiram escapar pela outra porta — suspirou irritado.
— Shit! — exclamou o primeiro com a arma ainda em punho.
Todos no chão da loja se olhavam enquanto um vento quente batia no rosto de Sean Queise em fuga com a robusta agente Martha Lúcia Luppy.
Quando ela parou o Maserati verde num edifício abandonado, muito quilômetros longe da Macy’s, Martha acionou o controle que lançou uma grande porta de metal vermelho para o lado, abrindo-a.
— É aqui! — anunciou Martha.
— E o que é aqui?
— Um antigo edifício de escritórios que deveria ter sido demolido há dois anos — se insinuou tanto ao passar a língua em seus lábios tingidos por acentuado batom vermelho que Sean não soube mais o que
falar, perguntar.
— Comprou um edifício em demolição? — perguntou mesmo assim. — Por quê?
— Vamos rápido, antes que nos achem — e nada mais falou descendo do carro observando as pernas de Sean.
— Gosta de pernas, ‘voz de algodão’? — ele viu Martha disfarçar algo. Ela então acionou códigos de segurança e uma nova e grande porta de ferro vermelho se abriu. — Isso é medo?
— Medo do que? — e Martha não se limitou a mais nada o seguindo cada vez mais perto, com o perfume ESCADA! cada vez mais próximo dele, até o imprensar contra a parede do elevador. — Perdão jovem Queise,
mas tenho segredos guardados — e Martha ficou milímetro da sua boca.
— A Poliu te vigia há quanto tempo?
— Não é a Poliu que me assusta — insinuou.
O elevador subiu e estancara após ela ter acionado o ‘Stop!’. Sean realmente não entendia o porquê de eles estarem ali.
— Por que mandou que parasse?
— Oh! Sean...
E Sean não teve tempo para obter outro tipo de respostas. Martha invadiu seu corpo enfiando suas mãos por entre o tecido da calça dele e sua pele.
— Está louca? — sussurrou sentindo excitar-se tão rápido quanto ela o invadira.
— Louca pelo seu corpo — suas mãos iam e vinham freneticamente.
— Ahhh... Martha... Não... — Sean podia ouvir o tom do coração acelerado de Martha, o dele próprio. — Você... Ahhh... Você nunca...
— Não... Nunca... Porque não consigo mais... Não consigo e não quero mais lutar contra o que sinto — e ela se ajoelhou.
E Sean sentiu um frenesi acontecer nele no que um par de seios se desenhou abaixo dele, e as curvas que o enlouqueciam, que o deliciavam sorriram-lhe perigosamente com a boca dela o invadindo por cima
do jeans.
— Ahhh... — Sean sentiu a adrenalina se esparramando cada vez mais rápido pela sua corrente sanguínea.
Sean a puxou para cima com seus longos e loiros fios lisos se soltando por sobre a blusa que ele invadiu. Martha sentiu as mãos macias dele alcançarem seus seios, os tocarem, os medirem, os estudarem.
— Te desejo!
— Eu também! — Sean mal soube por que exclamou aquilo e Martha ergueu-se e rasgou a camisa dele. Sean viu os botões levantarem voo e a boca dela se concentrou nos mamilos dele. Os mordeu até que a dor
o acordasse do torpor, do tesão que tomava conta dele. — Ahhh!!! — e Sean tentou recuar, tentou se mover, escapar.
— Não se mexa! — ordenou Martha o puxando de volta, abrindo-lhe o zíper de suas calças jeans, retirando, deixando tocar o piso. — Não se atreva a se mexer!
E Sean não se mexeu. Obedeceu calado, nu, totalmente excitado vendo os lábios dela dilatarem, pedirem algo, o sexo que ela engoliu.
— Ahhh... — tentava Sean se equilibrar, se agarrando no frio aço das paredes do elevador, sentindo sua circulação entrar em ebulição, a sentir que suas veias dilatavam.
— Me perdoa... Perdoa-me, jovem Queise... — Martha o tinha sob seu controle e ele era seu fetiche, seu brinquedo de amor. —, pela sua pouca idade, pelo que faço; pelo que vou fazer... — e a boca dela o
engoliu outra vez.
O engoliu, sorveu, e o devolveu à realidade para tomá-lo outra vez quando Sean tocou os botões do elevador que recomeçou a subir, com Sean Queise avançando pelo corredor, se inclinando, se entregando ali
mesmo, no frio chão do corredor do edifício de escritórios a ser demolido, esquecendo a diferença de idade, de idealidade, de tudo pelo qual foi criado.
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total.
33
Miami, Flórida; USA.
25° 46’ 0” N e 80° 12’ 0” W.
21 de março; 10h01min.
Sean Queise havia pedido que a agente Martha mostrasse a ele para onde Mr. Trevellis havia direcionado o satélite de observação Spartacus, uma vez que os códigos de acesso ao satélite haviam sido trocados
outra vez pela agente Martha. Ele ainda tinha os cabelos molhados pelos longos banhos de espumas perfumadas por ESCADA! que desfrutara com a corpulenta Martha Lúcia Luppy.
Ela não relutou e as coordenadas chegaram:
— Geographical grid coordinates are three degress, 29 minutes north latitude and 124 degrees, 39 minutes, east longitude — o satélite comunicou à tela.
— Spartacus está sobre Iligan — falou Sean anotando algo mentalmente.
— Iligan é onde você estava nos observando na vigília quando o buraco de minhoca abriu e você manteve suas paredes estáveis.
— Eu juro que não sei se fiz isso Martha.
— Fez jovem Queise, porque Mona preparou seu subconsciente a fazer coisas que seu consciente não sabe que faz.
— Droga! Está dizendo que muitos agentes psíquicos não sabem que fazem coisas?
— Para você ver do que eu tenho medo.
— E Mona amiga... Ela nunca me disse...
— E nunca vai dizer. Porque ela sabe que também fazia muitas coisas que não sabia que fazia.
— Como perseguir Sandy no astral? Induzi-la ao suicídio?
— Jovem Queise...
E Sean ergueu a mão no ar e ela se calou.
— Vou ter que voltar a Iligan, Martha, porque a Lista de Ufologia sabia que coisas estavam acontecendo nas Filipinas.
— Jovem Queise...
E Sean sabia que ia sofrer.
— Por favor, Martha... Não fale.
— Perdão jovem Queise... Preciso lhe falar... — Martha pareceu ponderar apesar de tudo e ele cerrou os olhos. — Falar-lhe que talvez você tenha razão quanto a ter ido até sua casa no passado.
Sean abriu os olhos.
— O que...
— A instabilidade dos buracos de minhoca deve-se à sua terrível tendência para se desmoronarem sobre eles próprios; então uma simples partícula que se aproxime da entrada do buraco será acelerada, atraída
pelo campo gravitacional e atingirá a velocidade da luz no momento em que lá entrar. Na Física Relativista, verifica-se que a massa da partícula aumenta à medida que a sua velocidade se aproxima da luz.
Nesse limite, a massa é infinita.
— Não entendi como a massa define o tempo.
— Uma massa infinita não levanta problemas na entrada no buraco de minhoca, pois ela se juntará a sua massa gravitacional, à massa já enorme do buraco resultando num aumento do buraco.
— Então as estruturas do túnel do buraco de minhoca desmoronam-se sob o efeito gravitacional da partícula, e só restará o buraco no qual a partícula ficará aprisionada?
— Se as branas, minúsculas cordas se entrelaçarem nesse momento, você será lançado a outro passado já que o passado original está vetado pelas leis da física.
Sean ficou imaginando os dois mundos do ‘Gato de Schrödinger’.
— Então eu fui ou não fui ao meu noivado? Àquela maldita noite em que...
— Sean... Entenda... No ‘Princípio da Incerteza de Heisenberg’ não conseguimos conhecer com exatidão a posição e velocidade de uma partícula. Quanto maior a certeza em relação à velocidade, maior será
a incerteza em relação à posição e vice-versa. E um observador só será útil, se existir um segundo observador que o observa, e um terceiro para o segundo, e um quarto para o terceiro...
— Porque o vácuo não pode ser completamente vazio — Sean entendeu; não quis, mas entendeu. — Então eu fui ao meu passado original porque eu funcionei como um segundo observador. Deus... Eu molhei o chão
que escorreguei?
— Eu sinto por isso Sean, não sei até onde seus dons te levaram.
— Meus dons... — e teve medo de continuar aquilo.
— Eu conheci Mona já nos seus últimos anos de Poliu, logo após a morte de Sandy Monroe — ela viu lágrimas no rosto dele e o amou como nunca. — Mona apareceu na sala de Mr. Trevellis furiosa sem se quer
ter saído de Lisboa, que sabíamos era onde ela estava. E eu nunca tinha visto Mr. Trevellis perder o controle como quando a viu ali, projetada e furiosa com o que acreditou ter descoberto. Eu juro pelo
meu amor a você que não sei o que Mona Foad descobriu, mas ela se aproximou de todos nós na sala de Mr. Trevellis e disse que ele, Oscar Roldman e Fernando Queise iam sofrer pelo que fizeram a Sandy de
uma maneira que jamais poderiam reverter.
— Sofrer? Meu pai também iria sofrer?
— De uma maneira que eles jamais reverteriam — olhou Sean sabendo que fora ele quem procurou ter desenvolvido seus dons daquela maneira. — Não sofra assim meu amor, Sandy Monroe tomou a decisão de seu
suicidar e nenhum dos ‘Sean Queise’ poderiam ter feito algo.
— Pois isso iria contrariar o Princípio da Incerteza de Heisenberg... Pois se não existir uma incerteza mínima associada, uma incerteza manifestada sob a forma de pequenas flutuações no valor do campo
iria... — e Sean encarou-a. — Poderia realmente ser Deus essa incerteza, Martha? Uma força maior que define nossas vidas? O livre-arbítrio?
— Difícil resposta, jovem Queise. Mesmo porque em tais flutuações, para cada par existe uma partícula e uma antipartícula que se separam em breves instantes, e depois voltam a juntar-se se aniquilando
mutuamente... — e ela foi beijada.
Martha não soube naquele instante o que lhe dava mais prazer, conversar com ele o que não dividia com ninguém, ou não dividi-lo com ninguém.
— René Descartes dizia que não havia métodos fáceis para resolver problemas difíceis, então os ‘Buracos Negros Primordiais’…
Martha alertou-se, Sean lia seus pensamentos mesmo ela os brecando.
— Sabe que não só Deus, mas a física permite viajarmos, não Sean? Que Stephen Hawking sabia sobre as passagens nos buracos negros, e que na verdade nada se perde nenhuma única informação no horizonte de
eventos de um buraco negro...
— Talvez Deus jogue dados conosco, não Martha? — cortou-a.
— Contradizendo Einstein? — sorriu-lhe iluminada.
E naquele momento Sean a viu, viu uma Martha Lúcia mais jovem, mais iluminada, mais feliz até que aquele momento. Que momento se passava tudo aquilo seu dom ainda não estava pronto para responder, mas
sabia que Martha Lúcia já fora uma criança feliz, que algo acontecera a ela; algo que a embruteceu, que a fez ser angustiada, infeliz, se escondendo atrás de portas vermelhas e rígidos códigos de SSL seguras.
— Talvez Einstein também tenha percebido isso no final da sua vida, Senhorita. Talvez até Tesla tenha morrido com a mesma pena que Einstein — voltou a sorrir. — Porque de acordo com Kierkegaard, a angústia
existencial é o resultado de uma experiência interior, é quando o indivíduo se depara com as ilimitadas possibilidades de sua própria liberdade, e mesmo sendo apenas alguns os aptos para o processo da
angústia, eles estão sempre em busca deles mesmos — e olhou Martha com todas as respostas expostas. — Eu não estava molhado.
— Como é que é?
— E sabe por que eu não estava molhado quando fui ao meu escritório na Feira de Informática? Porque não estava molhado quando me vi duplicado no vidro do carro fugindo pelo estacionamento com Freda.
— Acho que não entendi.
— Entendeu! Porque você e Teobaldo conseguiram estabilizar as paredes do buraco. Só isso explica eu ter sido salvo na minha cobertura, só isso explica eu ter voltado à feira e ter me visto no meu escritório
sem a tal geleia cósmica.
— Sem a geleia? — Martha ficou momentaneamente confusa.
— Porque quando fui salvo no galpão, Martha, fui encontrado no estacionamento molhado pela geleia de Helio-3 — ele viu Martha sem piscar. — E quando mergulhei em Miniloc fui encontrado nas areias tomado
por uma geleia que Nico Calafari nem Carlos Pacheco nunca souberam o que era.
— Sean...
— Mas apesar de me salvar quando a ogiva atravessou minha cobertura, eu diluí, desmontei-me e viajei pelo buraco de minhoca voltando com meu corpo lotado de Helio-3. Por quê?
— Você...
— Bati a cabeça! — sorriu cínico. — Bati e descobri que Descartes nos ensinou, não? Sobre o argumento do sonho, o Deus enganador, o gênio maligno; todos enganando meus sentidos — ele viu Martha com medo
dele. — Porque existem duas máquinas, e uma está estável. Provável a máquina ENIGMA original, alienígena. Porque eu realmente me vi no escritório da feira sem a geleia, seco, porque viajei com a máquina
ENIGMA alienígena que não me molhava, porque em algum momento dominei-a com meus dons paranormais, porque posso dominá-la, porque os alienígenas ensinaram-me em Andros como dominar um buraco de minhoca
com sua máquina ENIGMA alienígena e não mais precisar engolir aviões bimotores.
— Sean... Você... Você...
— Eu fui preparado pelos alienígenas, através dos psi de Mona já não tão amiga assim, Martha, e você sabia porque estava lá dentro me vendo ser preparado. Sabia que eu podia dominar tais artefatos, que
o binóculo era comandando pelo meu DNA porque Mona amiga o preparou, e toda a Poliu me preparou para esse contato, para que eu pudesse dominar um binóculo, uma arma, um buraco de minhoca. E você sabia
Martha, porque Mona disse o porquê de estar furiosa, dizendo exatamente o que faria para que Trevellis, Oscar e meu pai sofressem sem eu saber que fazia, para que eles sofressem mais, sabendo o que eu
fazia.
Martha realmente teve medo dele.
— A Poliu nunca...
— E por isso meu pai estava furioso com Oscar, e a proteção que ele não me dava — e Sean se virou para ir embora.
— Sean! — ela o segurou. — Não vá! Perdão...
E ele se virou para ela:
— Perdão é uma palavra que poucos sabem o significado e poucos menos ainda a merecem — e se foi.
— Não Sean... — ela viu Sean parar de andar. — Não vá… Por favor… Perdão… — ela viu Sean abaixar a cabeça confuso.
— Eu o vi Martha, na pista de pouso quando o buraco de minhoca abriu e engoliu Arthuro. Lous Teac estava lá, me vendo.
— Impossível!
— Lous Teac estava lá, Martha. Dia 17 de setembro, quando houve as tempestades geomagnéticas de fator Kp=9, que abriram o buraco, me vendo, sabendo o que eu fazia.
— Já disse que é impossível.
— Por quê? Como pode ter tanta certeza assim?
— Porque Arthuro abriu o buraco com a máquina ENIGMA da Poliu, instável, mas outra máquina abriu junto, a alienígena que você controlava sem saber, porque os alienígenas lhe dominavam na vigília.
— Isso é loucura. Isso é insanidade. Nunca tive contato com alienígenas, Martha.
— Sua busca nunca foi em vão jovem Queise...
— Não... Não... Não...
— Sim! Sua participação em fóruns e listas de ufologia, sua busca por verdades nos bancos de dados da Poliu, sua ida aos mundos submersos da Poliu e seu envolvimento com espiões psíquicos. Tudo programado
Sean. Por você, porque você quis, porque você buscou.
— Mona tinha razão... Eu ia descobrir da pior maneira — e Sean caiu sentado no sofá de couro branco no meio da sala clean, equipada com servidores desviados da Poliu.
Servidores e mainframes desviados da Computer Co., mal podendo acreditar no que via, no que ouvia, no que pensava, chorando, sabendo que errara, que fora com suas próprias pernas à Poliu para se tornar
um espião psíquico de Mr. Trevellis
Sean ergueu os olhos para Martha e ele pensava em algo muito grande, percebendo que ela se preparava para uma guerra.
“Contra quem?”, foi só o que pensou.
— E a máquina ENIGMA alienígena? Na época em que os cientistas enterraram o portão estelar na letra I, em Iligan, ela também era uma cidade pequena?
— Sim. Uma cidade que desfrutava de boas condições de tempo e está fora do cinturão de tufões e terremotos.
— Mas se era tão pequena como esconderiam algo lá, Martha?
— Iligan tem muitas quedas da água, conheço 22. Tem muitas cavernas também.
— “Cavernas”? — Sean teve ideias. — Poderia localizá-las com Spartacus?
— Vão saber que estou dentro dos seus mainframes — apontou os computadores.
— Será você ou eu.
— Você quebra SSL de 1024 bits, jovem Queise? — sorriu irônica.
— Desde quando criaram tamanha segurança? Desde quando não precisam mais dos cientistas da Computer Co. para proteger os dados?
Martha não respondeu o que parecia óbvio também, acessou Spartacus e ele a observou com muito empenho.
— Bulalang cave tem uma entrada grande, câmera de túnel longa.
Sean se aproximou dela.
— Mais alguma desse tamanho?
— Kabacsanan cave tem uma câmara larga. Tubunan cave é um complexo de seis a oito cavernas, mas com entradas estreitas e câmaras fundas. Pahina cave é uma caverna com abertura pequena.
— Ainda não são essas.
— Por que diz isso?
— Não sei. Não sei mesmo, Martha, no que me tornei.
— E o que você vai mesmo fazer com o que seu sangue proporcionou?
— Me preparar para enfrentar os alienígenas. Como você.
Martha o olhou. Sabia que ele havia visto algo, algo que ela barganhara além de pílulas e binóculos.
— Bunawan cave é outro complexo de quatro a seis cavernas pequenas. A maioria aqui na lista são cavernas de entrada pequena demais para colocarem uma peça da máquina lá dentro. Temos que lembrar que a
6º peça faltante é o porto onde a máquina ENIGMA é instalada, e tem que ser grande.
— Grande, mas não alta. Preciso de uma caverna de difícil acesso, com lagos subterrâneo, estalactites, algo que dificultasse explorações.
— A Hindang cave é um complexo de seis a oito cavernas com entradas grandes e estalactites dentro das câmaras.
— É essa! Tenho certeza! — e olhou com olhos brilhantes para a bela agente. — Onde ela fica?
— Fica na Brgy. Hindang a 32 quilômetros da capital. Spartacus está localizando suas coordenadas.
E uma foto rastreada aparecia na tela do computador acessado. Sean viu do que o satélite de observação Spartacus era capaz e se assustou com o que ele próprio andava criando.
— Posso chegar até Iligan usando esse passaporte falso do Dr. Arthuro Klein?
— Não! Acho melhor eu criar um passaporte novo. Se eu o rastreei, outros também o fizeram. Vai sair daqui de Miami como Franchesco Minello.
— Quem é ele?
— Franchesco Minello é homem de minha confiança.
— Compreendo! Franchesco Minello é Lia ‘sua esposa’ em Andros após tomar a pílula verde — riu. — Por isso vocês eram um casal ‘comedido’.
— “Comedido”?
— Também era Franchesco no meu computador antes da ogiva atingir minha cobertura?
— Sim. Eu pedi que ele lhe avisasse que a Poliu o vigiava.
— Não vai mesmo me confirmar quantas mulheres estavam no galpão, não é? — ele viu Martha espremer os lábios e não responder.
“Droga!” soou por todo ele.
— Ok, Martha! Não vou insistir! Agora vou só precisar que Oscar concorde com isso tudo.
34
Cidade de Iligan, região norte da Ilha de Mindanao; Filipinas.
8° 13’ N e 124° 14’ E.
22 de março; 08h00min.
Havia agentes da Polícia Mundial espalhados por todo o arredor da Cidade de Iligan. Oscar Roldman liderava pessoalmente a invasão ao hotel onde Lous Teac estava instalado, mas nada havia sido encontrado;
apenas jornais lidos, com datas do dia seguinte, largados no chão do quarto.
Oscar sabia que Lous Teac carregava jornais nas suas viagens pelo buraco de minhoca. Era a prova que a máquina ENIGMA ‘instável’ da Poliu estava estável e em funcionamento há muito tempo, e Mr. Trevellis
o enganara. E que o fato de já não provocar tantos distúrbios eletromagnéticos e não mais movimentar a crosta terrestre, não lançaria avisos aos satélites geológicos, e, portanto Lous Teac e seus capangas
estariam viajando para o passado e para o futuro carregando as peças da máquina ENIGMA alienígena, só esperando encontrarem a sexta peça.
— Desgraçado! Lous Teac sumiu de debaixo dos meus olhos — questionava Oscar Roldman para a agente Luanna Malapacco, que acabara de voltar do aeroporto trazendo Sean Queise.
Sean estava sem jeito com ela ao seu lado. Havia sido um choque vê-la no aeroporto após ter comprometido o futuro profissional dela ao fugir com Martha. E ele também sabia que a Polícia Mundial havia dado
a ela um bilhete amarelo.
Já Luanna era uma profissional qualificada, nada comentara sobre sua fuga ou sobre sua situação.
— Isso nos dá uma prova de quanto Lous Teac e seus homens são perigosos, enquanto estiverem com essa máquina ENIGMA da Poliu em seu poder — completou Sean olhando em volta.
— Desgraçado! — explodiu Oscar mais uma vez. — Por que querer a máquina ENIGMA alienígena se já viajam por buracos de minhoca abertos pela máquina ENIGMA da Poliu?
— É o que venho me perguntando há muito tempo, e só posso acreditar que é porque o que eles querem é muito mais que viajar Oscar.
— Ahhh! — sentou-se cansado. — O que vamos fazer Sean querido?
— Pensar, Oscar! Não resta mais nada a fazer, a não ser pensar numa maneira de alcançar Lous Teac antes que ele se mova outra vez.
— Mas como? Como medir o espaço por onde ele pode viajar, Sean?
— Ele perguntou isso a Deus.
— Quem?
— O filósofo Santo Agostinho; ele perguntou a Deus quem podia medir os tempos passados que já não existem ou os futuros que ainda não chegaram, porque quando está decorrendo o tempo, podemos percebê-lo
e medi-lo, mas quando, porém, já tiver decorrido, não podemos perceber nem medir, porque esse tempo já não existe mais — Sean sentou-se mais cansado ainda, olhando Oscar cabisbaixo, nervoso, visivelmente
derrotado.
E Sean sabia que Oscar se sentia derrotado por não o proteger, por não poder ter tido a chance de criá-lo, de lhe ver crescer, se desenvolver, de não preparar a criança especial que ele era, de lhe dizer
que podia mover objetos de lugar, que abria e fechava portas, que podia entrar e sair de lugares sem parecer nunca ter saído, mover secretárias de lugar e conversar com elas através das paredes. Porque
Sean sabia realmente que se teletransportou ao seu escritório da feira, se teletransportou ao estacionamento da feira, se teletransportou à pista de Iligan.
Então, maldito ele era, por não conseguir salvar Sandy e Freda.
“Droga!” Sean se odiou por tudo aquilo.
— Sabe, Oscar, talvez tudo o que Santo Agostinho julgava saber sobre o tempo espacialmente tivesse que ser reavaliado, porque ele pede em suas orações que decifrem o ‘enigma’ — Oscar e Luanna o olharam.
— Qual enigma Sean querido?
— “Em que espaço medimos o tempo que está para passar? Será no futuro, donde parte? Mas nós não podemos medir o que ainda não existe! Será no presente, por onde parte? Mas nós não medimos o que não tem
nenhuma extensão! Será no passado, para onde parte? Mas, para nós, não é mensurável o que já não existe!”.
— Sean...
— Não Oscar! Não fale, por favor. Mona amiga tinha razão. Eu tenho que pagar por minhas escolhas, pelo livre-arbítrio de não ter amado Sandy, ou tê-la amado, mas não confiado nela, ou de ter confiado,
mas não dado o devido valor a tal confiança — levantou-se e foi até a janela no silêncio que se seguiu de Oscar e Luanna.
— Sabe do risco de seguir seu livre-arbítrio indo a essa caverna, não meu filho?
Sean impactou no final da frase.
— Consegui escapar de Lous Teac todo esse tempo, Oscar. Não posso me esconder à vida toda. Tenho que terminar isso antes que nem vida na Terra tenha... — e Sean virou-se para ele. —, e eu tenho que terminar
isso por Freda — saiu atrás de alguns equipamentos.
Quando voltou, descarregou sobre a mesa, armas, walk-talks, notebook, GPS.
— Temos um problema! — anunciou Oscar.
— Mais um?
— Meus agentes verificaram que o acesso à caverna na queda d’água de Hindang Falls foi lacrado após um terremoto.
— Martha me disse que Iligan está fora do cinturão de terremotos. Poderia ter sido proposital? Uma explosão?
— Não sei dizer. Tem uma entrada descoberta por uns jovens há dois anos, e Martha estava investigando para mim.
— Martha investigando para você? — Sean questionou-o tão rápido que Oscar olhou-o como que perdido, mal sabendo o que acabara de falar. — Prossiga Oscar querido...
— Como você é malcriado, Sean — balançou a cabeça, nervoso. — Literalmente.
E Sean pulou aquela etapa.
Pegou os equipamentos e se virou para ele:
— Tem uma entrada por dentro da queda de água da Hindang Falls, Martha verificou através de Spartacus. Fica a uns 40 pés de altura e tem duas quedas de água terminando numa lagoa. É por lá que vamos entrar.
— “Vamos”? — perguntaram Oscar e Luanna em uníssono.
— Eu e Luanna ‘vamos’ — Sean apontou para ela e Luanna olhou Sean, espantada. — O quê? Tinha alguma duvida que eu fosse te deixar de fora, Luanna? — perguntou com um belo sorriso.
— “Duvida”? Não Sr. Queise! Isso será ótimo — engoliu o resto do sanduíche que havia começado a comer, e arrumou algumas roupas na sua mochila.
— Não vai precisar disso. Leve só a roupa do corpo — Sean a viu parar a arrumação.
— Tenho alguns pedidos se possível — Luanna viu Sean e Oscar a olharem com interesse. — Já estou acostumada a trabalhar com meu pessoal e quero o agente Nico Calafari e o agente Mercês Smith conosco.
— Para mim está tudo bem — Sean deu de ombros. — Tudo bem para você, Oscar?
Oscar havia se posto a andar de um lado para o outro.
— Ãh? Ah! Sim, claro! — Oscar concordou rápido. — Haverá uma equipe de nativos envolvidos, homens locais que vem ajudando-nos com os mapas. Eles estarão na Base 3. Você e Luanna pegaram um jipe e armas
na Base 2. Colocarei Nico e Mercês na Base 4. Eu estarei com mais alguns agentes na Base 5.
— E quem fica na Base 1? — perguntou ela.
— Vamos então? — mostrou Sean, a porta para que Luanna saísse.
Ela saiu sem a resposta enquanto Sean olhava Oscar de rabo de olho; ele estava aéreo. Luanna também sentiu algo de muito estranho no todo poderoso homem da Polícia Mundial.
Base 3, Cidade de Iligan; Filipinas.
8° 13’ 8” N e 124° 28’ 3” E.
22 de março; 10h00min.
Sean e Luanna foram à Base 2 pegar o jipe, e de lá até a Base 3 onde ele queria conversar antes com os nativos contratados.
A Base 3 estava localizada na floresta mais funda de Rogongon, município nos arredores de Iligan. A estrada era rugosa, impossível de se correr, e lá chegaram com certas dificuldades.
— Muito prazer, Sr. Queise. Meu nome é Mimbal — o nativo era todo sorriso no que o carro alugado estacionou. — Sr. Oscar Roldman acabou de avisar pelo rádio que vocês estavam chegando.
— Tentei chegar antes, mas foi impossível.
— Sem problemas. Por favor, entrem — apontou.
Uma grande mesa estava posta com muito suco e frutas tropicais.
— Obrigada! — ela já foi agradecendo os sanduíches entregues.
— Vai comer outra vez? — Sean não acreditou.
Luanna nem respondeu, ela tinha fome.
— A entrada da caverna está por detrás da segunda queda de água vista de frente — Mimbal esparramou na mesa, algumas fotos e um mapa feito a pouco tempo por um drone. — Ao entrar, o Senhor logo vai se
encontrar diante de três câmaras com estalactites e estalagmites que parecem um tanto luminosas aos estranhos. É dito aqui na região que a caverna é habitada por criaturas de outro mundo — Mimbal fez uma
careta.
— Elas são habitadas sim, Mimbal. Acredite!
O nativo não soube ao certo o que falar.
— Isto é sagrado para os nativos, Sr. Queise.
— Não vou destruir nada, Mimbal. Prometo!
— Quando pretende ir?
— Agora! Peguei na Base 2 os equipamentos de montanhismo, e espero ainda lembrar-me das aulas de escalada que tive na academia.
— Vamos estar conectados com seu GPS, Sr. Queise. Só entraremos em ação quando ouvirmos a sua ordem.
— Ok! E quando se comunicar comigo, serei Base 2 para vocês — Sean partiu com Luanna comendo.
O jipe havia pulado pela estrada esburacada dezenas de vezes, Luanna olhou assustada para as aves que fugiam de algo. Percebeu também cinco helicópteros levantando voo ao mesmo tempo do cume da montanha.
— O que é aquilo?! — ela gritou de repente, apontando.
— Pterodátilos!!!
— Quê?!
— Gênero de reptis Pterossauro, pterodactilídeo, voadores, do jurássico inferior ao cretáceo, de tamanho variável, com cauda curta, bico longo e pontudo, e provido de dentes...
— Chega!!! — gritou nervosa. Sean caiu na risada; uma risada mais tensa, Luanna pôde perceber. — Não sabia que havia helicópteros nas bases, Sean!!! — gritou novamente no que o som mal reverberou.
Sean a olhou de lado e Luanna se calou. Estava seriamente preocupada com ele correndo feito um louco, quando outra vez o carro pulou e seus cabelos negros ficaram em desalinho.
— Não está gostando do passeio, Luanna?!
— Dá para não correr tanto?! — de repente o carro perdeu velocidade parando. Sean largou o volante apavorado, arregalando os olhos para Luanna. — O que houve Sean?
— Pluralidade de mundos...
— Como é que é?
Sean não respondeu nem explicou nada, agarrou-a pelas mãos saindo em disparada com o equipamento a tiracolo. Corriam feitos loucos pela terra seca, levantando uma nuvem de poeira vermelha pela passagem
de seus pés, se dirigindo em meio à floresta, desviando de galhos, chegando à queda d’água.
Sean olhou para a queda d’água da direita e para lá foram quando o som outra vez não reverberou.
— Rápido!!! — gritava Sean. — O aparelho já está ligado!!!
— Que aparelho?!
Sean não respondeu mais nada, estava apavorado com a distância que ainda se fazia do local aonde deveriam ter entrado.
— Eu vou subir na frente e vou ser seu guia de segurança!!! — gritava para ser ouvido na total falta de som. — Não faça nenhum movimento nas cordas até meu grampo estar bem colocado, entendeu Luanna?!
— Sim!!! E eu vou entregar minha vida a você depois de algumas aulas numa parede de escalada!!!
— Engraçadinha... — e Sean parou, ficou olhando para a terra que vibrava que levantava uma poeira fina.
— O que foi?! — Luanna olhava para seus pés, apavorada. — Por que parou de falar, Sean?!
Sean outra vez nada falou, começou a escalada a martelar pregos de apoio e neles encaixarem os ganchos da corda que iam sustentá-los.
— Já tem uma via aqui!!!
— Quê?! — ela não o escutava. — O que é uma via?! — olhava Luanna meio que perdida.
— Uma rota de escalada definida!!! — Sean não deixou Luanna falar. — Quero dizer que alguém já subiu por aqui antes!!!
— Oscar falou que dois moleques...
— Esses grampos foram colocados faz pouco tempo!!! Não acredito que tivessem dinheiro para comprar equipamentos tão caros!!!
E o som repentinamente retornou. Sean resolveu continuar a subir assim mesmo e voltou a pegar ganchos no colete de equipamentos.
— O que está fazendo agora?
— Trocando a corda — desenrolou do corpo outra corda que trouxera. — Vou colocar cordas estáticas que são mais úteis em situações em que à elasticidade, o efeito ioiô é perigoso. Vou deixar montado para
quando sairmos de lá correndo.
— Vamos sair correndo de lá? — ofegava enquanto subia.
— Pode acreditar que vamos, Luanna — falava apreensivo enquanto enrolava no seu ombro a corda elástica que trocara. — Também vou anexar lanyards; são amortecedores passivos de choque. Evitará uma carga
de choque se algum grampo se soltar de repente. Acho... Se me lembro do que me ensinaram...
— Ah! Onde me enfiei com você — Luanna encaixava o pé numa fissura puxando a corda presa por grampos colocados por Sean que preferiu não mexer nos grampos já existentes.
— Rápido! — Sean esticou a mão para que ela entrasse na fenda por detrás da água gelada da queda d’água.
Seus corpos ficaram molhados, fazendo a lanterna do capacete de Luanna encher de água.
— Mas que merda! — bateu ela com força para a água sair.
— Deixa para lá. Use a lanterna de mão — tirou uma do bolso do colete dela.
Um som não muito definido vinha do interior da caverna, eram as estalactites vibrando com a reverberação do som das palavras deles. Mas reverberavam também, quando eles se calavam, Sean percebeu.
O terreno era escorregadio e muito tombo Sean evitou que ela tomasse arrependendo-se de tê-la trazido, porque mais um escorregão e Luanna rasgou a perna numa estalagmite. Sean tampou sua boca evitando
o grito.
Ela arregalou os olhos e ele pediu que não gritasse.
Ela obedeceu contra vontade.
Queda d’água de Hindang Falls, Iligan; Filipinas.
8° 16’ 5” N e 124° 28’ 54” E.
22 de março; 11h11min.
Naquele mesmo momento outra cena se fazia do outro lado da queda d’água em que Sean entrara. Um homem careca estava na mira da arma de um homem usando uma máscara de esqui. O homem careca acabara de instalar
no chão uma peça pontiaguda, em cima dela um painel foi colocado; muitos botões ele possuía. O homem com a máscara de esqui era um agente da Poliu; ele engatilhou o dedo na potente arma que vibrou pequenas
estalactites, e o homem careca percebeu o descuido, e se jogou dentro do rio subterrâneo, nadando para fora do alcance, abandonando a peça de muitos botões.
O mascarado agente da Poliu o perdeu da sua mira; levantou o rosto e praguejou algo inaudível quando voltou a localizar o homem careca, agora com um potente binóculo portátil adaptado a sua pele, ao seu
DNA, do mesmo modelo que um dia Oscar Roldman dera a Sean Queise.
— Escondendo-se dentro da água, espertinho? — questionava o mascarado agente da Poliu. — Não por muito tempo — articulou.
Queda d’água de Hindang Falls, Iligan; Filipinas.
8° 16’ 5” N e 124° 28’ 54” E.
22 de março; 11h11min.
— Droga, Luanna! — dizia Sean cada vez que tropeçava nela ou tinha que erguê-la do chão. — Mais rápido! — sussurrava descontrolado.
— Não consigo mais… — parou Luanna. — Estou sangrando... — e não pôde terminar porque o chão tremeu todo e chuvas de estalactites se precipitaram para cima deles. — Não!!! — gritou ela se encolhendo fazendo
reverberar ainda mais o som no teto.
Um grande buraco azul esverdeado abriu sob os pés deles fazendo seus corpos se precipitarem para dentro, e Sean caiu num rio de águas subterrâneas, afundando dois metros, quatro metros, seis metros sem
ver Luanna por perto. Tentou desesperado se agarrar a algo antes que se corpo fosse puxado cada vez mais para o fundo, por uma força de gravidade torrencialmente forte. E já sem ar nos pulmões, seu peito
começou a apertar.
Sean tentou desenrolar a corda e largou-a a esmo, fazendo com ela se enganchasse numa das muitas pedras pontiagudas pelas quais passava na descida desenfreada. A força de gravidade de repente cessou e
a corda se enganchou a algo. Sean foi seguro finalmente puxando-se. Num esforço fenomenal conseguiu colocar a cabeça para fora da água.
Saiu se arrastando, tossindo, tentando raciocinar; uma luz muito forte saía de uma das câmaras da caverna. Ele não se lembrava de ter estado ali antes de cair na água, mas entrou mesmo assim na câmara.
Não havia estalactites no teto e nem estalagmites no chão, tudo era claro e perfumado, e uma espécie de cogumelos brilhantes havia sido plantada no chão. Recuou temendo tocá-los e entrou noutra câmara
quando paredes de vegetação escura se fizeram. O cheiro também mudara; enxofre era o que cheirava.
Sean recuou outra vez e sentiu o perfume na outra câmara, porque cada câmara tinha seu aspecto definido e diferente. Os cheiros não se misturavam nem as visões. Mudavam de paisagem a cada instante, a cada
câmara que entrava, e eram muitas.
— Martha havia dito que eram seis ou oito câmaras, mas há milhares de túneis aqui — olhou em volta e um lago se moldou à sua frente após ter entrado noutra câmara. Sean resolveu seguir essa rota sem muito
entender o que acontecia com o GPS acionado; ele parecia estar maluco. — Força geomagnética! — concluiu. — Está degradando os sinais.
Sean agora sabia o que estava afetando os sistemas de navegação, o alerta de aurora que a NASA emitira no e-mail de 23 de outubro era a entrada da nave mãe pelo portal, provável acontecia ali naquele momento.
— Os alienígenas utilizam-se das tempestades no Sol para pegar carona no vácuo e se lançar nos buracos de minhoca do espaço, e LAW soube sobre essas viagens de alguma forma.
Sean olhava em volta e muitas flores, de todos os tipos possíveis estavam plantadas uma após a outra como que numa fileira, margeavam o lago que não emitia odor algum.
“Os alienígenas andam fazendo pesquisas por ali”.
— Sean?! — gritava Luanna por detrás daquela parede. Sean olhou em volta, correu por todas as câmaras que faziam à voz dela se aproximar, encontrando Luanna jogada no chão. — O que aconteceu?
— Não sei. Mas se estamos vivos é porque a força da gravidade está em desajuste aqui.
— Mas não estamos flutuando.
— Não é isso. Tem haver com o portal.
— Tem haver com as viagens de Albert Einstein — Luanna parecia de repente tê-lo compreendido.
— A velocidade é uma maneira de saltar no tempo, mas existe outra, a gravidade. Na Teoria da Relatividade Geral — Sean a ergueu do chão. —, Einstein sugeriu que a gravidade faz com que o tempo escoe mais
devagar, e dizia que “Os relógios andam um pouco mais depressa no sótão que no porão, porque está mais próximo do centro da Terra” e, portanto, mais no interior do seu campo gravitacional. Os alienígenas
saltam pelo tempo Luanna, pelo espaço que o tempo de Santo Agostinho disse não existir ainda — a olhou com interesse. —, porque essas partículas se movem em velocidades tão próximas da luz que, para o
ponto de vista de seus relógios internos, atravessam a galáxia em alguns segundos, embora para a Terra, pareça levar milhares de anos.
— Se não houvesse dilatação do tempo, essas partículas nunca chegariam aqui?
— Para Einstein, o espaço-tempo envolvia todos os objetos maciços, planetas, estrelas, através de seu encurvamento — chegaram próximo a boca da caverna que entraram. —, que não é na verdade uma força,
mas sim a curvatura do espaço-tempo sobre a matéria. Já para Stephen Hawking, as leis da física permitem a noção de viagens no tempo, através do que conhecemos como ‘buracos de minhoca’. Porque para Hawking,
os buracos de minhoca estão ao nosso redor, só que muito pequenos para serem vistos.
— Mas…
— ‘Mas’ nada. Porque em escalas minúsculas, menores ainda do que a escala atômica, a matéria se transforma no que físicos chamam de ‘vapor quântico’. É lá que os buracos de minhoca existem. E apesar de
ser uma estrutura minúscula, Hawking acredita que seja possível pegar um buraco de minhoca e esticá-lo, deixando-o grande o suficiente para que uma pessoa passe por ele.
— Você sempre soube como a máquina que abre buracos de minhoca funcionava não Sean?
Sean fechou os olhos com medo das incertezas da vida.
— Em 1949, o matemático austríaco Kurt Gödel encontrou uma solução para as equações da relatividade geral, que demonstrava a existência das chamadas curvas fechadas do tipo-tempo, que existiriam graças
às deformações do espaço-tempo provocadas pela gravitação — olhou em volta como quem no fundo realmente entendeu tudo aquilo. — Essa formulação foi possível porque, segundo a Teoria da Relatividade, qualquer
partícula material possui uma linha de Universo do tipo-tempo, que está sempre confinada no chamado cone de luz local... — e parou porque um estrondo seguido de uma luz forte invadiu a câmara onde estavam.
— Ahhh!!! — gritaram em uníssono em meio à chuva fina que começou a cair.
— Hélio-3... — e Sean foi sugado pelo buraco de minhoca azul esverdeado, não tendo nem chances de gritar.
“Sean?”, ecoou a voz de Luanna por toda viagem.
Sean não sentiu dor dessa vez, nem teve a sensação do corpo sendo desmontado, diluído. Caiu seco no piso escuro do estacionamento da Feira de Informática de São Paulo, para então ver outro Sean Queise
correndo, agarrado a Freda Antunes que tilintava o salto quebrado.
Os olhos dele se arregalaram pelo impacto, pela emoção de ver o Sean do passado vê-lo refletido nos vidros dos carros por onde passava. Sean enfim entendeu aquilo, o que a imagem duplicada naquela noite
significava, ele estivera ali àquela noite.
Os papéis da pasta que Freda carregava voaram pelo ar, e o Sean vindo do futuro viu que os homens de Lous Teac seguiam Freda e o Sean do passado sob a mira de laser. Ia correr atrás dele quando um perfume
se fez não muito longe dali.
“ESCADA!”, correu por todo o Sean vindo do futuro.
Ele entendeu algo mais, Martha também estivera ali, viajando pelos buracos de minhoca, sabendo com antecedência o que lhe aconteceria; salvando-lhe também. Mas que maldita máquina ela usava, ele não sabia.
Não ainda.
“É possível um viajante, sem violar o princípio relativista de que a velocidade da luz é a maior velocidade possível, voltar para o seu passado, descrevendo uma linha de Universo fechada”, ecoou por todas
suas entranhas, as que viajaram junto com ele.
— “Fechada”? Eu acho que não... — foi o que o Sean vindo do futuro falou para si mesmo vendo o Sean do passado e Freda serem perseguidos pelo brutamonte mascarado.
“Vamos morrer Sr. Queise?!” a voz de Freda chegou até ele.
— Não essa noite Freda! — e o Sean vindo do futuro acertou o brutamonte com um cano fazendo-o cair no chão, fazendo o tiro que atingiria Freda não acontecer.
O Sean do passado então correu com Fedra até a cabine de segurança, e a jogou para fora do estacionamento a fazendo cair e rolar por toda a extensa rampa de acesso até carros brecarem em cima de seu corpo.
— Corra!!! — gritou o Sean do passado para ela.
Freda se levantou suja e correu. Pasmado, ficou o Sean vindo do futuro deixando escapar o cano de sua mão trêmula. Foi o motorista de um dos carros quem salvou Freda e fez o Sean do passado voltar a correr
para o estacionamento em direção à feira, fugindo de mais tiros que se precipitaram para cima dele.
O Sean vindo do futuro então correu atrás de si mesmo tentando ajudá-lo novamente, mas o Sean do passado foi retirado de debaixo do carro em que se escondera.
“Sean?” e o Sean vindo do futuro virou para trás, para uma Sandy Monroe que usava um lindo vestido de chiffon branco.
— Sandy? Como... Como...
“Sinto Sean... Você não deve interferir mais no passado!”
— Oh! Sandy — Sean olhou em volta atordoado. — Onde você está?
“Estou sofrendo Sean. Não quero que você sofra”.
E o Sean vindo do futuro ouviu o som característico da arma sendo engatilhada, olhou para trás, e viu o Sean do passado exclamar ‘Laser!’, que soou por todo o estacionamento no que uma grande bola redonda
e azul esverdeada o sugou para dentro novamente.
— Ahhh!!! — e o corpo do Sean vindo do futuro girou freneticamente, desintegrando-se, diluindo-se dessa vez.
Ele mal teve tempo de ver que o espírito de Sandy o acompanhava na viagem de volta, sempre que as cordas das dimensões se cruzavam no buraco de minhoca que o jogou de volta em Iligan.
— Sean? — Luanna se arrastou até ele.
— Ahhh!!! — ainda gritava retorcido no chão da caverna no fechar do portão estelar, vomitando suas entranhas.
— O que houve Sean? — Luanna tentou entender. — Sean?! Responda?! O que houve Sean?!
— Eu... Eu... Nada! — foi o que afirmou vomitando outra vez o que tinha e o que não tinha no estômago. — Vamos... Vamos sair daqui… — conseguiu ainda falar.
— Mas e o portal?
— Não adianta mais... Ele se fechou.
— E os alienígenas? Os alienígenas que vinham pelo portal? Os alienígenas que Oscar...
— Eles não vêm mais! — e vomitou outra vez. — Eles entenderam!
— Entenderam? Como? Como? Como entenderam? — desesperava-se Luanna. — Entenderam o que?
— Entenderam que foram enganados, Luanna.
— Engana o quê? — e uma nova explosão lançou os dois contra a parede que tremeu.
— Ahhh!!! — gritaram uníssonos outra vez.
Um pó fino caiu sobre eles e lagos, cachoeiras subterrâneas e toda a extraordinária beleza dos espeleotemas se moveram, sugados por uma força que estava e não estava ali, estacionando na abertura, por
sorte não obstruindo a passagem.
— O que foi que aconteceu agora, Sean? Por que tudo tremeu? — perguntou Luanna com a voz abalada, olhando em volta, tentando compreender. — Aqueles helicópteros...
— Levaram todos os habitantes de Iligan que trabalhavam na retirada do Projeto E.N.I.G.M.A..
E Luanna ficou abalada de vez.
O rádio de Sean chamou, ele colocou o fone no ouvido para descer o mais rápido possível às paredes da caverna por entre a queda d’água da Hindang Fall, mas uma interferência não o deixava escutar nada,
e o rappel era arriscado por causa da limosidade das rochas.
Sean não havia percebido que estavam tão lisas quando subiu, mas depois do que acontecera com ele, não parava mais para pensar.
Era só agir.
Queda d’água de Hindang Falls, Iligan; Filipinas.
8° 16’ 5” N e 124° 28’ 54” E.
22 de março; 12h00min.
E mais alguém agia. Numa nova cena, acontecia de um homem jazer morto no chão; era o agente Mercês Smith que havia sido decapitado e descansava seu corpo numa poça de sangue.
O agente Nico Calafari sorria satisfeito com sua ação. Porém, sem muito tempo para comemorações. Tiros vindos de todos os lados silenciaram-no de vez.
O corpo de Nico rolou para junto ao de Mercês.
Queda d’água de Hindang Falls, Iligan; Filipinas.
8° 16’ 5” N e 124° 28’ 54” E.
22 de março; 12h00min.
Enquanto isso o rádio de Sean voltou a fazer estática sem poder completar uma ligação. Ele chegou ao chão de terra batida com Luanna, e pediu que ela se escondesse atrás de umas árvores.
— Mas...
— Esconda-se! — Sean deu a ordem e correu até o jipe sabendo que era uma ação insegura, mas precisava tentar usar o rádio do carro.
Olhou para cima, o céu estava estranhamente azul esverdeado.
“Droga!”
Quando alcançou o jipe teve uma surpresa desagradável, sua arma havia sido corroída por algo ácido.
— Droga! Droga! Droga! — explodia. — Alô! Alô! Câmbio! — tentava sem sucesso no rádio, um dos poucos protegidos da ação ácida. — Alô! Câmbio!
— Base 3 falando! Câmbio! — e os nativos conseguiram ouvir Sean.
— Base 3, aqui é Base 2! Base 1 já se comunicou? Câmbio! — uma interferência geomagnética interrompeu a ligação; Sean tentava outro canal, desesperadamente. — Vamos lá! Vamos lá! — dizia eufórico. — Base
3? Câmbio!
— Fale Base 2! Câmbio!
— Base 1 já se comunicou? Câmbio!
— Base 1 é a base nova que o Senhor Oscar Roldman montou após sua saída do hotel? Câmbio!
— Exatamente! Câmbio!
— Base 1 disse ter perdido alvo. Câmbio! — uma nova interferência se fez. — “Entrou na água e sumiu!”, disse ele. Nós ficamos sem entender. Câmbio!
— E a Base 4? Câmbio!
— Base 4 sem... — e outra interferência cortou a ligação.
Sean tentava outro dial.
— Alô? Alô? Droga!
— Base 4 sem comunicação. Câmbio! — diziam os nativos.
— E Base 5? Câmbio!
— Base 5 fora do ar. Câmbio!
— Base 3, vocês tem um rádio mais potente que o meu. Façam uma nova tentativa com Base 4 e 5. Eu aguardarei. Câmbio! — e um tiro acertou o espelho retrovisor do jipe. — Ahhh!!! — Sean se jogou no chão
tentando em vão localizar de onde o tiro veio. — Alô! Base 3? Câmbio! — tentava. — Estão atirando em mim! Câmbio!
Sean tentou se erguer e ver se alguma claridade se fazia, mas o atirador parara.
— Base 2? Câmbio! — diziam os nativos de Iligan. — Tudo bem com você, Sr. Queise? Câmbio!
— Tudo bem. Conseguiram Base 3? Câmbio! — perguntava Sean a tentar ver de onde atiraram.
— Negativo! Nem Base 4, nem Base 5 e nem Base 1, respondem. Câmbio! — responderam os nativos.
— Como pode a Base 1 não responder? Onde está Oscar afinal? Câmbio!
— Talvez a máquina ENIGMA esteja dando interferência. Câmbio!
Sean começou a ficar apavorado:
— Base 3? Tente comunicar Oscar Roldman! Diga a ele – “Mudança de estratégia!” Câmbio! — e Sean desligou ficando algum minuto paralisado, olhando a vegetação à sua frente, olhando as copas das árvores
até a queda d’água onde uma pequena luz se fez no meio das pedras limosas.
Depois encarou Luanna que vinha de arma em punho.
— O que aconteceu, ‘Sean docinho’? Algo está te incomodando? — cogitou ela com ironia.
— Quantos anos mesmo você tem, Luanna?
— O suficiente para lhe matar! — disse com raiva, apontando furiosa a arma para ele.
Ele deu uma risada evasiva.
— Lutei em vão, Luanna?
— Em vão Sr. Queise? Não... Como pode ver, você conseguiu o que queria. Conseguiu desviar a vinda dos alienígenas.
— Ah! A vinda dos alienígenas! Havia me esquecido! Paguem-me um bilhão de dólares ou permitirei que alienígenas destruam a... Ahhh!!! — e Sean girou no que a perna da agente Luanna lhe atingiu.
Ele caiu no chão de terra batida e seca rindo.
— Está rindo de que idiota?! — gritou ela.
— “Obedeçam-me ou o extermínio será eminente!!!” “Forças maiores circulam nosso planeta!!!” — debochava caído na terra.
Luanna o agarrou do chão o arranhando no rosto.
— Ahhh!!! — ele dessa vez sentiu dor.
— Vamos andando! — Luanna o empurrou, mostrando-lhe um Toyota que vinha ao longo da estrada.
— Onde eu errei Luanna?
— ‘Jovem brasileiro herda negócio multibilionário aos dezessete anos’, ‘Jovem mega empresário domina o mercado de commodities antes dos vinte’, ‘Jovem mega empresário brasileiro é o solteiro mais disputado’.
— Wow! Foi nisso que eu errei? — Sean não saía da mira da arma de Luanna.
— Errou? Jovem, jovem, jovem... — debochava atrás dele. — Jovem hacker, jovem milionário, jovem amante. Jovem, jovem, jovem.
Enrico Fatto e um homem careca, que também participou do ataque ao estacionamento da Feira de Informática, desceram do Toyota.
Sean parou de andar ainda sem nada dizer.
— Aqui está à gravação da conversa do Sr. Queise com as bases — disse Fatto para Luanna entregando-lhe um handheld e um par de fones de ouvido. — O Sr. Lous Teac mandou entregar — riu.
Luanna escutava gargalhando debochadamente a conversa de Sean com os nativos pelo rádio, e Fatto estudava um Sean Queise loiro, branco, não expressando nada em seu belo rosto arranhado.
— Parece que o Sr. Roldman vai receber essa mensagem póstuma — riu Luanna. — Mandei Lous Teac e outros seguranças dele darem um jeito naqueles nativos idiotas.
— Mandou Lous Teac? Então era você quem mandava em Lous Teac, Senhor LAW? — perguntou Sean tendo uma coronhada como resposta. — Ahhh!!! — e tombou sobre a capota do Toyota, até chegar ao chão meio tonto.
— Você fala demais Sr. Queise.
Sean encarou o piso de terra batida, mas não parou de falar.
— Por que Luanna?
— Por que o que? — ria com gosto. — Aqui quem faz as perguntas sou eu — ela viu que ele nada falou. — Perguntas como o que foi aquela explosão que ouvimos? E acho bom responder.
— Ah! Não se preocupe — Sean sacudiu a dor. — Eu respondo. Mandei Oscar explodir a máquina ENIGMA da Poliu que ele encontrou-a no armazém Shiu-Shiu de Buruun, nos arredores daqui da Cidade de Iligan.
Luanna pareceu perder a cor.
Ficou mais branca que já era.
— Não pode ser! Eu a deixei protegida antes de buscá-lo no aeroporto. Ninguém podia ter me seguido.
— Parece que não é uma mulher tão inteligente assim... Ahhh!!! — e uma nova coronhada Sean recebeu.
— Sou inteligente, sim! — exclamava ela desesperada. — Ainda mais agora que sou sua nova sócia, Sean Queise.
— Minha sócia?
— Os armazéns Shiu-Shiu, a Server Invector e a Computer Co. são uma só.
— Não conte com isso, Luanna querida.
— Ahhh... Não é tão esperto assim, Sean docinho — também debochou. — Porque vou atrás dos agentes da Poliu e da Polícia Mundial que tentarem interferir. E vou usar a máquina ENIGMA da Poliu e todos os
seus códigos outra vez, queira você ou não.
— Você não pode fazer mais nada, Senhor LAW, ou diria ‘Senhor Lous Teac’?
— Não posso fazer mais... — e Luanna arregalou os olhos. — Do que me chamou?
— Você foi desmascarada, Luanna. Você era LAW, o nickname que contratou Lous Teac para um servicinho sujo. Depois, não sei em que momento você matou o verdadeiro Lous Teac e assumiu sua identidade.
— Eu? Eu sou Lous Teac? Enlouqueceu com a pancada? — riu mostrando a arma cheia de sangue.
Fatto e o capanga também riram. Tensos, porém, com ideias que surgiam neles.
— Entendeu ou não Fatto? — Sean falava do chão. — Ela matou seu chefe.
Fatto olhou Luanna, olhou Sean e olhou Luanna.
— O que é isso Fatto? Por que está me olhando assim? Não vê que ele está desequilibrado?
— Não Luanna docinho! Venho mantendo o equilíbrio desde que descobri quem era você.
Fatto olhou Luanna estranhamente. Ficou claro a Sean que ele não sabia de nada.
— Você bateu...
— É, Luanna! — sorriu. — Também bati a cabeça andar após andar. Martha diz isso o tempo todo... Ahhh!!! — e Sean apanhou de novo.
Já estava ficando tonto de tanta pancada que ela dava na cabeça dele.
E eram pancadas de verdade.
— Você não podia ter... Não podia ter...
— “Ter” o quê? Sabido? Eu sabia o tempo todo, Luanna. Porque usei as mesmas pílulas verdes que Oscar me dera para mudar de sexo.
— Mudar... Mudar de que? — riu Luanna vendo que Fatto não riu dessa vez.
Ele realmente quis, mas não entendeu porque seu chefe emagreceu repentinamente. Nem porque seu sotaque era mais carregado, nem porque ele estranhamente estava diferente.
— Vamos Luanna... Diga para Fatto como você conseguiu se manter tão parecido a Lous Teac?
— Ele enlouqueceu... — Luanna olhava para Fatto que olhava para Luanna de uma maneira que não entendia, porque ele queria entender, mas não entendia.
— Eu o vi Luanna... — prosseguiu Sean caído no chão. —, eu vi o verdadeiro Lous Teac sentado na cadeira, por dentro de você, e ele não era muito diferente do que você apresentava.
— Enlouqueceu?! — gritou Luanna para Sean. — Ele enlouqueceu!!! — gritou Luanna para Fatto.
— Vamos Fatto! Você entendeu! — Sean jogava todas suas fichas. — Você entendeu porque Luanna mandou você procurar um Fernão Gomes loiro e branco, na Holanda. Porque você sabia que eu podia me modificar,
porque Luanna tem o DNA do pai Lous Teac.
E houve um minuto de incompreensão ali; Fatto e o homem careca se olharam, e olharam Luanna olhando Sean, agora entendendo ela, de quem ele era realmente filho.
— Belo dom paranormal esse seu Sr. Queise, porque as pílulas de DNA foram desenvolvidas apenas para o DNA dos cientistas do ENIGMA.
Sean gelou ali, pois Martha/Chattan tinha as mesmas faces, todos os dias, e Virgínia era Virgínia sempre que queria.
— As pílulas não são aleatórias, não Luanna? Elas acessam seu DNA e modificavam você — e riu. —, mas sempre o mesmo corpo, projetado pelas lembranças que a mente imprime nele. Fantástico, não acha? Ah!
Claro! Se eu não tivesse descoberto — riu.
Mas Luanna tremia apontando a arma para ele, para Fatto, para ele de novo.
— Não... Não... Você não poderia…
— Mas eu pude Luanna! Eu pude saber que você era Lous Teac, porque você nunca teve educação, comendo minha comida... — e Sean parou de rir no chute que levou na cabeça, encontrando a terra batida.
— Isso! Porque nunca tive educação! Porque nunca recebi a educação de princesa da Martha!
— “Educação de princesa”? Quem é você afinal?
— Luanna Malapacco Luppy! Ou era até a época em que minha mãe Heidi Malapacco prestava serviços a Poliu em Palau, e ela se apaixonou por um caiçara desgraçado e ridículo, um traficante de segunda chamado
Lous Teac. E minha mãe voltou grávida para Amsterdã, com meu pai Dr. March Luppy colocando seu nome em mim... — e riu tão debochada que Sean se incomodou com sua própria história, porque ele também voltou
no ventre da mãe dele, com Fernando colocando seu nome nele. E Luanna parecia ter entendido aquilo, porque ria debochada. — Mas foi diferente comigo não é Sr. Queise? Porque quando o Dr. March Luppy descobriu
a verdade, expulsou-nos de casa, com minha mãe me levando para Palau, para viver longe de tudo, inclusive da fortuna que aquele traficante de segunda acumulava.
— Martha realmente havia dito que eles foram para a Ilha de Guam após o divórcio de seus pais...
— Martha! Martha! Martha! — Luanna esticava os braços para o ar. — Sempre a privilegiada. A original, a chique, a princesa, a esperta cientista, a agente da Poliu.
Sean percebeu o ódio de Luanna para com a irmã.
— Por isso não gostava dela?
— Não gostava do meu pai, Dr. March Luppy. Hei?! — foi sua vez de debochar. — A quem eu achava que era meu pai — e Luanna se jogou na areia lambendo o sangue que escorria dos lábios dele. Sean não moveu
um único músculo no que ela se encaixou nele feito uma amazonas. — Achando minha vidinha tristinha Sr. Queise? — debochava cavalgando nele, sob fortes olhares de Fatto e o homem careca. — Não! Porque foi
quando descobri que não foi a traição da minha mãe com meu pai verdadeiro, que fez Dr. March Luppy nos expulsar da vida boa que levávamos, mas porque minha mãe, agente da Poliu, sofreu um acidente ao desmontar
aquela maldita máquina alienígena, porque um idiota qualquer acionou o portal e minha mãe, a sala, os móveis e mais de 15 agentes da Poliu foram sugados para dentro de um buraco de minhoca; e tudo não
passou de instantes para os agentes da Poliu que tentavam sem êxito reverter à situação.
— Eldridge…
— Meu pai e os outros três cientistas do Projeto E.N.I.G.M.A. conseguiram trazer alguns agentes de volta inclusive minha mãe, mas ela estava com o corpo grudado à parede.
— Era sua mãe a ‘mulher da parede’? Dra. Heidi Malapacco Luppy?
— Minha mãe não estava com a parede colada à sua roupa, fazia parte da mesma massa molecular. Minha mãe e a parede da sala eram uma coisa só, uma coisa monstruosa.
— Paulo Vedovi falou...
— Ah! O Major Paulo não morreu porque você o avisou antes — meteu o dedo na cara dele. —, e eu fiquei muito brava, ‘Sean querido’, quando você atrapalhou meus planos de eliminá-lo.
— Sua mãe fazia parte do Projeto E.N.I.G.M.A. então?
— Os cientistas tentaram contornar geneticamente aquilo quando ele descobriu que eu não era sua filha. Minha mãe Heidi melhorou um pouco, mas suas mãos e costas ficaram deformadas. Ela foi desligada da
Poliu por doença, abandonada pelo meu pai numa ilhota qualquer por causa da traição, e obrigada a trabalhar com um traficantezinho de meia tigela que me chamava de filhinha — cuspiu no chão levantando-se
de cima dele.
E Sean deu a cartada final.
— Era você no galpão da oficina mecânica, não era?
— Martha, sempre Martha. Eu cresci com a ideia de roubar a maldita máquina que os seis cientistas desmontaram para estudos e esconderam nas ilhas. Sabia que a Ilha de Guam fazia parte do Projeto E.N.I.G.M.A.
porque foi para lá que Dr. March Luppy e sua filhinha se mudaram — sorriu mais diabólica ainda. — Martha não havia mais me visto desde criança, mas mesmo assim, consegui uma vaga na Poliu. A Poliu nunca
soube que éramos irmã porque nunca a deixei contar, mas lá encontrei o Projeto E.N.I.G.M.A. nos arquivos de Paulo Vedovi e entendi tudo. No entanto me envolvi com Regis e fui expulsa da Poliu por indisciplina.
Fiz Martha conseguir me colocar na Polícia Mundial sem ainda permitir a sonhada aproximação que ela queria; eu não podia deixa-la entrar na minha vida, não com tudo o que o mundo secreto podia conseguir.
— E com as pílulas...
— Sim, com as pílulas de DNA que Arthuro e Eva Klein vinham desenvolvendo para Martha, a super Martha, com o DNA mitocondrial de nossa mãe.
— Então é mesmo o DNA que faz a máquina ENIGMA da Poliu funcionar. Por isso você a funcionava, porque seu DNA é o mesmo da sua mãe Dra. Heide, cientista do Projeto E.N.I.G.M.A..
— O mesmo DNA que te permite viajar Sr. Queise — gargalhou vendo Sean arregalar os olhos. — O que? Achou que eu não entendi seu sumiço enquanto mergulhava em Andros?
— Você não... Você não...
— Eu vi que você viajou. E sabe o que mais? Fiquei extasiada com sua genética, seu dom paranormal capaz de comandar máquinas através de um DNA incomum.
“DNA incomum”; aquilo sim bagunçou Sean que gargalhou por puro temor.
— Porque a Poliu o preparou para algo muito maior que você imagina! — prosseguiu ela. — Porque Martha o preparou para isso!!! — gritou.
Sean voltou a gargalhar já não tão confiante quanto antes.
— Imagino como deve ter ficado brava ao ter sido enganada por sua própria irmã, não Luanna? Você enganando todo mundo e sendo enganada por sua irmã, porque você não sabia que Virgínia era Martha, mesmo
estando com ela no galpão naquela noite. E não imaginava que Martha era melhor do que você, quando ela conseguiu se envolver com o verdadeiro Lous Teac, seu pai, e ser contratada por você que usava o codinome
de LAW... — e ele não teve tempo de ver Luanna se inclinar quando ela acertou outra vez a arma na cabeça dele. — Ahhh!!!
Sean achava mesmo que não ia aguentar muito tempo com tanta pancada sob o calor da areia quente e ela encaixada nele.
— Sim! Eu era LAW quando contratei Lous Teac, porque meu pai era burro o suficiente para não perceber. E o contratei para roubar os códigos da máquina ENIGMA da Poliu, primeiramente. Depois chegar a você
e aos mainframes da Computer Co. foi um passo decisivo.
A imagem de Luanna cobrindo o Sol na beira da piscina do Hotel El Nido Lagen Island Resort, nas Filipinas, voltou à sua mente.
— Mas se você não sabia que Martha era Virgínia, porque ela usou a pílula verde para se transformar na mulher de Lous Teac, porque ela não lhe denunciou? Ou acha mesmo que ela não sabia sobre você? — Sean
a desafiava. — Ou acha mesmo que você era melhor agente que ela... Ahhh!!! — e seu rosto foi chutado.
— Meu único erro foi naquela madrugada, à porta da cottage 45 do Hotel El Nido, ter me apaixonado por você. Eu não conseguia mais parar de lhe desejar e fui obrigada a me livrar de Regis numa emboscada
aos armazéns Shiu-Shiu.
— Foi também numa emboscada que você matou seu pai Lous Teac? Wow! Stephen Hawking tinha razão; não a nada como o instante da descoberta. Sexo é melhor, mas dura menos — e outra coronhada o calou.
Fatto ainda tinha os olhos arregalados, atordoado, para Luanna, para Sean e novamente para Luanna.
— O que? — Luanna encarou Fatto que não se moveu mostrando que era ela quem mandava agora. Ela então olhou Sean acordando da última pancada. — Diga-me realmente ‘jovem Queise’? — ela voltou a gargalhar
e Sean a ter medo dela. — Foram seus dons que lhe contaram tudo isso? Porque tem razão, eu já sabia sobre as pílulas, e quando o Sr. Roldman me disse sobre você, imaginei que o loiro que quase matei no
galpão da oficina mecânica viria um tanto ‘diferente’. Então consegui as pílulas numa manobra de Regis com a verdadeira Eva, que se você e Martha não perceberam, sumiu — riu.
— Mentira... Você não teria tido tempo...
— E o que é o tempo Sr. Queise? Convenções? — riu outra vez. — Matei meu pai Lous Teac antes de você ir ao armazém Shiu-Shiu, assumindo seu lugar, antes que você o conhecesse e soubesse...
— Por que me salvou de Fatto no aeroporto de Palau?
E Sean calou Luanna momentaneamente.
— Você ia estragar tudo. Além do mais Oscar mandou Mercês e Nico protegê-lo. Oscar tenta manter você numa redoma de vidro, ‘Sean querido’.
— Você é louca! Arriscou-se a levar um tiro naquele dia da perseguição a Lamborghini com Fatto atirando em nós.
— Você precisava acreditar que eu não era suspeita. Precisava achar as peças faltantes... — e se virou outra vez para Fatto. — Vamos! Mate-o!
— Mate-me você Luanna! Ou não tem coragem?
— Cale-se!!! Já disse ‘cale-se’ Sr. Queise!!! — e Luanna o agarrou, o beijando.
“Droga!”, Sean já não conseguia mais discernir a realidade da dor.
Luanna voltou a se virar para Fatto.
— Mate-o! Ele matou seu irmão no galpão da oficina mecânica!
— Foi Martha quem o matou — Sean a desafiava.
— Foi você!!! Você e seu corpo perfeito!!! — berrava Luanna. — Porque em algo Martha tinha razão, a gente se apaixona rápido por você... — e parou de rir no que um tiro certeiro na cabeça em Enrico Fatto
o derrubou morto.
Luanna ia gritar alguma coisa para o homem careca, mas também não teve tempo, um segundo tiro certeiro no homem careca e ele tombou sobre o volante do Toyota.
Luanna ainda se virou para atirar em Sean, e seus olhos brilharam naquela pequena fração de tempo quando um terceiro tiro certeiro, vindo da arma do mascarado agente da Poliu, acertou Luanna que se ajoelhou
de olhos arregalados para Sean antes de tocar o chão.
Sean não se moveu. Um único músculo. Ficou ali sangrando, olhando os três corpos que jaziam em terras Filipinas.
— Alguma vez o seu tiro não foi, certeiro? — Sean ainda olhava para o corpo morto de Luanna.
— Nunca! — exclamou o mascarado agente da Poliu quando se aproximou dele.
— Era por isso que a Base 1 não respondia? — olhou o mascarado. — Estava aqui na Hindang Fall esse tempo todo, Franchesco?
O mascarado agente da Poliu vinha lentamente carregando a potente arma nos ombros largos. Retirou a máscara de esqui quando se aproximou.
— Está machucado, Sr. Queise? — exclamou o agente da Poliu Franchesco Minello esticando a mão para que ele se levantasse.
— Os nativos? — questionou sem ao menos dizer o que tinha acontecido com ele ao limpar o sangue que escorria de todos os lugares, agora misturado a areia seca.
— Quando perdi o homem careca de vista dentro da caverna — apontou para o corpo morto ao volante do Toyota. —, retornei à Base 3 e encontrei um verdadeiro ataque dos homens de Lous Teac — Sean nada falou.
— A propósito, o Sr. Oscar Roldman perguntou sobre Lous Teac.
— O verdadeiro Lous Teac foi morto logo após meu ataque na feira, talvez antes de eu chegar a El Nido como disse Luanna. Com quem travávamos essa guerra era o novo Lous Teac, que também morreu.
— E quem matou o novo Lous Teac, Sr. Queise? — perguntou Franchesco Minello sem compreender.
— Você! — apontou para o corpo de Luanna Malapacco.
— Mama mia!
— E ainda deu tempo de receber o meu recado!
— Sim, Senhor! — confirmou o agente da Poliu Franchesco Minello sob ordens da Martha Lúcia Luppy. — ‘Comunique Oscar Roldman – “Mudança de estratégia”‘. Eu fiz o que me disseram para fazer. Entendi que
era para vir atrás do Senhor e matar a todos que estivessem ao seu lado... Sem piedade! — falou Franchesco logo completando. — Como sabia Senhor?
Sean apenas sorriu.
FINAL
Computer Co. provisória; São Paulo, capital.
23° 33’ 41” S e 46° 39’ 23” W.
15 de abril; 10h39min.
— Com licença Sr. Queise? — dizia Freda com uma xicrona de café na mão derrubando o líquido por toda a sala. — Puxa! — olhou o uniforme manchado. — Puxa!
— Está... Está tudo bem — tentou Sean amenizar. — Obrigado pelo café — agradeceu vendo a xícara pela metade.
Ela se virou e foi logo dizendo:
— Acabei de esquecer outra vez, Sr. Queise.
Sean girou os olhos:
— O que foi dessa vez Freda? — vinha tentando manter a rotina naqueles dias, desde que retornou a São Paulo e retomou a vida e a reforma da cobertura.
— Esqueci-me de dizer que o Sr. Oscar Roldman está esperando o Senhor na antessala — apontou para trás com um braço tão magro e pálido como ela toda.
Sean piscou mais de uma vez até responder.
— Mande o entrar! — disse enfim.
A porta do escritório improvisado em algumas salas alugadas na Avenida Paulista abriu, e um homem cansado sentou-se à sua frente.
— Olá, Sean querido. Não lhe vou tomar muito de seu tempo, mesmo porque sua secretária esqueceu-me lá fora, e tenho apenas duas horas até meu voo partir para Miami.
“Miami?”, Sean pensou; nada falou.
— Como tem passado? — Oscar prosseguiu ao ver Freda parada os olhando.
Sean olhou para Freda que demorou a entender que era para ela sair.
— Ah! Desculpa! — Freda saiu e fechou a porta.
— Como tem sido esse tempo para você, Sean querido? — insistiu.
— Difíceis! — Sean encarou Oscar. — Eu sei que não comentei isso até agora, mas não achou estranho que nem Kelly, nem Renata e nem a própria Freda se lembre do que aconteceu a ela no passado, no passado
que foi modificado?
— Sabe ao certo o que houve com Freda?
— Não, não sei. Venho investigando desde então, mas algo sempre me breca... — e Sean pareceu parar de falar por medo. — Acho que os alienígenas de alguma forma me ajudaram na noite da Feira, como em Andros
ao parar o tsunami.
— Acredita nisso?
— Só isso explica o flash que borrou minha vista antes de ser atacado, naquela noite na feira. A sensação de me ver duplicado no vidro do carro significa que vi o Sean Queise vindo do futuro.
— Por que eu não esqueci o ataque a vocês dois, Sean? Por que todos, inclusive Trevellis, esqueceram?
— Não sei Oscar, genética talvez?
Ele o olhou compassado.
— Acredita que nosso dom pode mudar o passado fechado?
— Nosso dom pode atapetar um buraco de minhoca Oscar — e Sean viu que Oscar o encarava. —, depois disso… — e se levantou.
A cortina da sala deslizou no que o botão foi acionado, Sean olhou o pequeno jardim abaixo da janela e depois o movimento da rua.
— Eu nunca acreditei que viajar para o passado fosse possível.
— Acha que o que aconteceu com Freda foi um erro no espaço temporal? Alguns desvios na curvatura do tempo que fez com que as supercordas se sobrepusessem e eu pudesse voltar ao passado e alterar o destino
de Freda?
— O que posso dizer?
— Dizer o porquê de não conseguir alterar o meu passado? — olhou para os lados lembrando-se de Sandy falando com ele.
Mas Oscar não soube o que falar. Esperou alguns segundos e prosseguiu.
— Se eu não me lembrasse de tudo tão nitidamente eu diria que você está insano.
— Até acho que estou insano, Oscar. Eu e meu ‘Demon’ socrático, uma voz da consciência que permite que nos conheçamos, nossa alma, nosso âmago.
— E por quê?
— Porque eu tinha que passar por tudo isso, por todo o desespero de Kierkegaard, por toda a angustia e náusea de Sartre; tudo isso para descobrir a verdade sobre essas máquinas e o portal antes que Luanna
causasse um grande estrago — olhou em volta. — Só não consigo entender por que quando eu, o Sean vindo do futuro, atingiu o brutamonte mascarado, no estacionamento, e fiz o tiro que atingiria Freda ser
desviado... — olhou Oscar. —, por que fiz o Sean do passado mudar o itinerário? Por que o Sean do passado correu até a entrada do estacionamento e jogou Freda rampa abaixo a salvando? E por que não pensei
aquilo naquela época? Por que não corri para a rampa com ela naquela noite?
— Talvez, como disse, você tinha que passar por tudo aquilo para deter Luanna.
— Foi isso que Sandy falou, que eu não podia alterar tudo, porque provável venho alterando muita coisa.
“Provável venho alterando muita coisa”; Oscar teve medo do que Sean fazia com seus dons.
— E acha que isso é a explicação de Freda estar viva depois que você voltou ao passado?
— Talvez isso seja a explicação de que há uma força superior, um Deus poderoso, Onipotente, Onisciente, Onipresente, que tudo pode, que pode tudo, até reverter a morte. Uma morte que sei que Freda terá,
um dia... Talvez próxima, porque talvez ela devesse ter morrido na noite em que eu salvei-a.
— Então por que os nossos descendentes não podem invadir-nos, Sean querido?
— O que? — Sean voltou à realidade.
— O que o que? As perguntas de sempre. Se de fato é possível se viajar no tempo, como se explica o fato de não sermos invadidos por descendentes vindos do futuro que poderiam dominar esta técnica? Netos,
bisnetos, tataranetos? É preciso imaginar que um lapso temporal é uma espécie de túnel.
Sean ficou segundos olhando Oscar.
— Eu não sei. Martha também divagava tanto em suas explicações, que eu nunca compreendi direito como aquilo funcionava, como as máquinas ENIGMA funcionavam.
— E acha que foram as máquinas?
— O que quer dizer com isso?
— Você não estava molhado quando se viu no escritório.
— Como sabe que...
— Você não estava molhado quando se viu no estacionamento.
E Sean sabia que Oscar sabia que ele podia se teletransportar. E que provável era mais que rapidinho como supunha Martha. Mas se um dia Sean ia conseguir fazer aquilo sozinho, fora de sonhos e vigílias,
controlado por espiões psíquicos ou alienígenas, ele não sabia.
— Está dizendo que eu posso ou está afirmando que você pode?
— Eu não posso nada Sean querido.
— Mentira! Você encontrou Fernão Gomes depois que o buraco de minhoca foi aberto pela primeira vez por Martha, e viu o meu futuro.
— Do que está...
— Estou? — esperou Oscar o encarar. — Fernão Gomes veio de outra dimensão, não Oscar? Outro ‘eu’, numa outra dimensão, que também lida com chips? — ele adorou ver Oscar sem ação. — Como o Gato de Schrödinger;
morto num Universo, vivo noutro, ambos dependo do observador. Você dono de sua própria realidade, dois de você cada um sem conhecer o outro como Blanqui, em seu ‘A Eternidade pelos astros’; onde o Universo
é eterno, os astros precederam e como formaram toda a matéria, cada um deles passou por mil, milhões de existências, reminiscências... — olhou Oscar com interesse. — Porque para Blanqui só o fato de um
astro existir, todo astro sempre existiu, sempre existirá, não em sua personalidade atual temporária e perecível, senão como uma série infinita de personalidades semelhantes que se reproduzem através dos
séculos.
— Está delirando, Sean querido.
— Estou? — Sean quis poder ter tido a chance de saber o quanto dos mistérios do Universo Oscar sabia, o quanto a física quântica e a espiritualidade estavam impregnadas nele. — Porque sei que quando deliro,
descubro que a Poliu, sob o comando de outro Mister, na época dos seis cientistas do ENIGMA, teve um encontro com alienígenas. E que ficou de acordo que eles ensinariam coisas em troca de algo. Tenho até
medo de perguntar qual algo, Oscar.
— Está delirando, Sean querido.
— Estou! Porque sei que os alienígenas vão voltar, e que Luanna queria poder estar no comando desse encontro, mesmo não sendo um encontro fácil Oscar, porque Martha esta se preparando para uma guerra.
— Quanta frieza Sean...
— Como é que é?
— Você sabia! Esse tempo todo você sabia!
— Não sei do que está falando. Foi o susto de Luanna ao ver Martha no salão de convenções, que bagunçou as minhas ideias.
— Você sabia!
— Não sabia! — enervou-se. — Porque Luanna só sabia que a ruiva Virgínia era amante de Lous Teac, mas levou um susto ao saber que ela era uma agente de Guam, e ela soube antes que Mercês contasse a mim,
porque ficou pensando se então poderia ser a irmã usando as pílulas. Luanna achou que tinha a corda que a vaca tinha, mas não podia usar — riu nervoso. — Porque tudo começou como uma grande coincidência;
Martha vigiando Lous Teac, o verdadeiro, pai de Luanna ou LAW, que contratou o pai Lous Teac e sua amante para conseguir uns códigos nos meus mainframes — Sean voltou a achar graça.
— Você sabia Sean. Mona lhe ensinou toda uma gama de segredos. Telecinesia, telepatia, clarividência. Você sabia quem era Luanna porque...
— E você Oscar? Você sabia? — e Sean continuava achando graça, vendo Oscar estancar a respiração. — Você sabia quando avisou Luanna que eu iria ‘um pouco diferente’? Era porque sabia que ela me conhecia
da feira? — e Sean só ouviu a risada metálica dele. — Por que foi Martha quem o avisou? Que avisou que LAW era sua irmã? — Sean girou na cadeira e esperou pelo próximo round. — Nossos dons?
Mas Oscar estava se desestabilizando.
— Você acha graça de tudo isso, não Sean querido? Acha graça também em não ter salvado Sandy Monroe?
Sean agora sentiu as pernas amolecerem ficando sem ação por instantes.
— Como se atreve? O portal me mandou para a noite do ataque à Feira de Informática...
— Não, Sean! — Oscar cortou sua fala. — O portal e você são um só. Porque você não se molhou de Helio-3 no corredor da sua casa! — vociferou.
— Saia!
Mas Oscar não saiu, nem parou de falar.
— Porque sabia que podia inserir seu DNA, porque Mona lhe ensinara mais que...
— Saia! — ergueu-se da cadeira.
— Você não quis salvar Sandy Monroe!
E se Sean sentiu tudo girar; lembrou-se do mergulho, de como voltou para o corredor, de como viu Sandy passar por ele e ele não a deteve, não se deteve.
“Mas não sofra assim meu amor, Sandy Monroe tomou a decisão de seu suicidar e nenhum dos ‘Sean’ poderiam ter feito algo”, a lembrança da voz de Martha chegou até ele.
— Sandy teve o que mereceu Sean querido? Sandy foi fraca? Traiu-te? Você acha que ela teve o que mereceu Sean?! — gritou Oscar.
— Não se atreva!!! Não se atreva!!! — levantou num rompante, levantando tudo que estava dentro da sala alugada, e que ficou ali, volitando. — Não lhe dou o direito de me julgar!!!
— Não! Não vou julgar você Sean! Porque você sabia que os eventos eram travados pela física, mas queria ter salvado Freda desesperadamente, porque sabia que sua força de pensamento era maior, porque sabia
que seu DNA atapetava buracos de minhoca, porque você se preparou para atapetá-los aos treze anos...
E tudo explodiu; cadeiras, mesa, estofados, lâmpadas e lustres, telas e teclado. Oscar se calou ao ver que tudo passou por ele a ponto de atingi-lo, mas nada o atingiu, porque ele também tinha dons para
que nada naquela explosão o atingisse.
Ele e Sean estavam ilesos em meio à destruição da sala alugada.
Quando o último caco de vidro, cristal e líquido se assentou, Oscar andou até a porta e falou:
— O seu DNA...
— O seu DNA!!! — berrou.
Oscar sentiu seu chão esvaecer.
— Sim! Nosso DNA! — e Oscar abriu a porta.
— Não quero Luanna apodrecendo nas gavetas da Poliu!
— Não quero aquelas pílulas nas mãos de uma agente desertora.
— Isso é um trato?
Oscar foi embora sem responder.
Mas ele voltaria, Sean tinha certeza disso. Seus mainframes ainda tinham muita informação escondida, ele tinha um DNA paranormal e ele era seu filho e precisava de sua ajuda. E precisava de ajuda porque
foi aos treze anos que conheceu Kelly Garcia, foi aos treze anos que se apaixonou por ela, e foi por Kelly que Sean mudou.
Sean esperou Oscar sumir no primeiro táxi que o levou e saiu ganhando as ruas da Avenida Paulista, em meio a pessoas que iam e vinham atarefadas, inertes aos problemas do Universo e suas curvas temporais,
sabendo que precisava desenvolver-se mais.
E Sean caminhava pela multidão seguida pela agente Martha e por Spartacus, mas também acompanhada pelo espírito de Sandy, sempre caminhando ao seu lado.
Até que a morte os unisse outra vez.
“Nossas virtudes e nossas falhas são inseparáveis, como a energia e a matéria. Quando elas se separam, não mais existe o homem”.
Nikola Tesla.
Marcia Ribeiro Malucelli
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