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PROMESSA AUDAZ / Jude Deveraux
PROMESSA AUDAZ / Jude Deveraux

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Inglaterra, 1501. O país inteiro aguardava o casamento de Judith Revedoune e Gavin Montgomery.
Embora Judith prometesse a si mesma que seu marido a possuiria apenas pela força, o primeiro contato entre os dois, ante o altar florido, ascendeu a chama de uma paixão indisfarçável.
Quando Gavin olhou no fundo dos olhos dourados, sentiu-se consumido pelo desejo....
Mas ele já havia entregue seu coração à outra.
Humilhada e sozinha em um castelo estranho, Judith resolve odiar a seu marido, que toma seu corpo, mas rejeita a sua alma.
Porem ela sabe que o ama e teme perde-lo...
Judith Revedoune olhou para o pai por cima do livro contábil. Sua mãe, Helen, estava ao seu lado. Judith não sentia medo do homem, apesar de tudo o que tinha feito ao longo dos anos para fazê-la temê-lo. Seus olhos estavam vermelhos, com profundos círculos debaixo deles. Ela sabia que seu rosto devastado era devido ao seu pesar pela perda de seus amados filhos, dois ignorantes, homens cruéis que eram réplicas exatas de seu pai.
Judith estudou Robert Revedoune com uma certa curiosidade. Geralmente não se preocupava com sua única filha. Ele não via utilidade para as mulheres desde que sua primeira esposa morreu e a segunda, uma mulher assustada, tinha apenas lhe dado uma menina.
— O que você quer? — Judith perguntou calmamente.

 


 


Robert olhou para a filha como se a visse pela primeira vez. Na verdade, a moça tinha sido mantida escondida a maior parte de sua vida, enterrada com sua mãe em seus próprios aposentos em meio a seus livros e registros contábeis. Ele notou com satisfação que ela parecia com Helen naquela idade. Judith tinha aqueles olhos dourados estranhos que alguns homens adoravam, mas que ele achava desconcertantes. Seu cabelo era castanho-avermelhado. Sua testa era larga e forte, como era seu queixo, seu nariz reto, sua boca generosa. “Sim, servirá”, pensou. Poderia usar sua beleza em vantagem própria.

— Você é a única que me resta, — disse Robert, sua voz pesada de desgosto. — Se casará e me dará netos.

Judith olhou para ele em estado de choque. Durante toda a sua vida, Helen a treinara e educara para o convento de freiras. Não se tratara de uma piedosa educação de orações e cânticos, mas de ensinamentos e práticas, que levam à única carreira aberta a uma nobre. Ela poderia se tornar uma abadessa antes de completar trinta anos. Uma abadessa era tão diferente da mulher comum, quanto o rei de um servo. Ela governava terras, propriedades, aldeias, cavaleiros. Comprava e vendia de acordo com seu próprio critério. Era procurada por homens e mulheres por sua sabedoria. Uma abadessa governava e não recebia ordens de ninguém.

Judith podia contabilizar livros para uma propriedade grande, podia fazer julgamentos justos em disputas, e sabia quanto trigo calcular para alimentar certa quantidade pessoas. Podia ler e escrever, dirigir uma recepção para um rei, dirigir um hospital: Tudo o que ela precisasse, tinha-lhe sido ensinado.

E agora esperava-se que esquecesse tudo e se tornasse a serva de algum homem?

— Não o farei.

A voz estava baixa, mas as poucas palavras não poderiam ter sido mais altas se tivessem sido gritadas do telhado de ardósia.

Por um momento, Robert Revedoune ficou perplexo. Nenhuma mulher jamais o desafiou com um olhar tão firme antes. De fato, se não soubesse que ela era uma mulher, sua expressão teria sido confundida com a de um homem. Quando se recuperou do choque, esbofeteou Judith, jogando-a no outro lado do pequeno quarto. Mesmo deitada no chão, com um fio de sangue escorrendo pelo canto da boca, ela olhou para ele, absolutamente, sem nenhum medo em seus olhos, apenas nojo e um toque de ódio. Sua respiração ficou presa por um momento com o que viu. De certa forma, a garota quase o assustava.

Helen correu para sua filha, sem perda de tempo. Agachou-se ao lado dela, tirou de entre suas roupas um punhal de mesa. Olhando para a cena primitiva, o momentâneo nervosismo de Robert o deixou. Sua esposa era uma mulher que ele podia entender. Apesar da aparência externa de um animal zangado, no fundo de seus olhos ele percebia fraqueza. Em segundos, agarrou seu braço, a faca voando pelo quarto. Ele sorriu para sua filha enquanto segurava o antebraço de sua esposa em suas poderosas mãos e quebrava os ossos como se quebrasse um galho.

Helen entrou em colapso a seus pés, sem dizer uma palavra.

Robert olhou de volta para a filha onde ainda estava deitada, incapaz de compreender sua brutalidade.

— Agora, qual é a sua resposta, moça? Você se casa ou não?

Judith assentiu brevemente antes de se virar para ajudar a mãe inconsciente.


Capítulo Um

A lua lançava longas sombras sobre a velha torre de pedra, que se erguia em três andares e parecia franzir o cenho, cansada da parede quebrada e desmoronada que a cercava. A torre havia sido construída duzentos anos antes desta úmida noite primaveril do mês de abril de 1501. Agora era um tempo de paz, um tempo em que as fortalezas de pedra não eram mais necessárias. Mas este não era o lar de um homem diligente. Seu bisavô tinha vivido na torre quando tais fortificações eram necessárias, e Nicolas Valence pensava, se ele ficasse sóbrio o suficiente para pensar, que a torre era boa o suficiente para ele e para as gerações futuras.

Um enorme portão olhava para as paredes desintegradas e a velha torre. Aqui um guarda solitário dormia com o braço em torno de um odre de vinho meio vazio. Dentro da torre, o piso térreo estava cheio de cães e cavaleiros dormindo. Armaduras empilhadas contra as paredes, desarrumadas e enferrujadas, intercaladas com os juncos sujos que cobriam as tábuas de carvalho.

Esta era a propriedade Valence, um castelo pobre, ultrapassado, antiquado que era objeto de piadas em toda a Inglaterra. Dizia-se que, se as fortificações fossem tão fortes como o vinho, Nicolas Valence poderia deter toda a Inglaterra. Mas ninguém atacou. Não havia razão para atacar. Muitos anos atrás, a maior parte da terra de Nicolas fora tirada dele por cavaleiros jovens, ávidos e sem dinheiro, que haviam acabado de ganhar suas esporas. Tudo o que restava era a antiga torre, que todos concordavam que deveria ter sido derrubada, e alguns campos periféricos que eram o sustento a família Valence.

Havia luz na janela do último andar. Dentro, o quarto estava frio e úmido, uma umidade que nunca deixava as paredes, mesmo no tempo mais seco do verão. O musgo crescia entre as fendas da pedra, e pequenas coisas rastejantes se moviam constantemente pelo chão. Mas neste quarto estava toda a riqueza do castelo, sentada diante de um espelho.

Alice Valence inclinou-se para o espelho e aplicou um escurecedor a seus curtos e pálidos cílios. O cosmético foi importado da França. Ela se inclinou para trás e estudou-se criticamente. Era objetiva sobre sua aparência, sabia o que possuía e como usá-lo a seu favor.

Refletido no espelho ela viu um pequeno rosto oval, com traços delicados, uma boca parecida com um botão de rosa, um nariz esguio e reto. Seus olhos longos em formato de amêndoa, de um azul brilhante, eram o seu traço mais marcante. Seu cabelo era loiro, que ela constantemente enxaguava com suco de limão e vinagre. Sua criada, Ella, puxou uma mecha amarelo pálido sobre a testa de sua ama e então pôs um capuz francês na cabeça de Alice. O capuz era de um grosso brocado, bordeado por uma ampla franja de veludo alaranjado.

Alice abriu a boca e olhou os dentes. Eles eram a sua pior característica: tortos e salientes. Ao longo dos anos, ela aprendeu a mantê-los escondidos, a sorrir com os lábios fechados, a falar baixinho, a cabeça ligeiramente abaixada. Esses maneirismos eram uma vantagem, pois intrigavam os homens. Isso deu-lhes a ideia de que ela não tinha noção de como era linda. Eles imaginavam despertar essa tímida flor para todas as delícias do mundo.

Alice levantou-se e alisou seu vestido por cima de seu corpo magro. Tinha poucas curvas. Seus seios pequenos repousavam sobre uma armação reta sem quadris, sem entalhes na cintura. Ela gostava de seu corpo. Parecia esguio e elegante em comparação com outras mulheres.

Suas roupas eram exuberantes, parecendo fora de lugar no quarto sujo. Sobre o corpo, ela usava uma roupa de chemise, tão fino que era quase gaze. Em seguida, um vestido exuberante do mesmo brocado pesado do capuz. Tinha um decote profundo e quadrado, o corpete encaixando muito bem em seu corpo fino. A saia era em formato de sino, suave e gracioso. O brocado azul com as bordas de pele de coelho branco; formando os amplos e largos punhos das mangas penduradas. Sobre a sua cintura estava um cinto de couro azul, com grandes granadas, esmeraldas e rubis.

Alice continuou analisando-se, enquanto Ella escorregava sobre seus ombros uma capa de brocado forrada de peles de coelho.

— Minha senhora, não pode se encontrar com ele, não quando vai...

— Casar com outro? — Alice perguntou enquanto segurava o pesado manto sobre os ombros. Ela se virou para olhar para si mesma, satisfeita com o resultado. A combinação do laranja e o azul eram impressionantes. Ela não passaria despercebida em tal roupa. — E o que tem meu casamento a ver com o que faço agora?

— Vós sabeis que é um pecado, não pode encontrar um homem que não é seu marido.

Alice deu uma risada curta enquanto ajustava as dobras do pesado manto.

— Quer que eu saia para encontrar o meu prometido, o querido Edmund? — Ela perguntou com grande sarcasmo. Antes que Ella pudesse responder, ela continuou.

— Você não precisa ir comigo, eu sei o caminho e o que Gavin e eu fazemos, não precisamos de mais ninguém.

Ella estava com Alice por muito tempo para ficar chocada. Alice fazia o que queria, quando queria.

— Não, eu irei, mas só para me certificar que você não sofra qualquer dano.

Alice ignorou a mulher idosa como fez toda a sua vida. Ela tirou uma vela do suporte de metal pesado ao lado da cama e foi até a porta de carvalho reforçado com tiras de ferro.

— Silencio, então — disse a Ella, por cima do ombro enquanto voltava a encostar a porta, as dobradiças bem lubrificadas.

Juntou o vestido e o manto de brocado em sua mão e jogou-o sobre seu braço. Não podia deixar de pensar que, em poucas semanas, deixaria esta decrépita Torre e viveria num castelo — o Castelo de Chatworth, — um edifício de pedra e madeira rodeado por altas muralhas protetoras.

— Quieta! — Alice ordenou a Ella enquanto jogava um braço sobre o estômago mole da mulher e as apertava contra a parede úmida da escada escura. Um dos guardas de seu pai caminhou desajeitadamente para além do pé da escada, fez suas necessidades, amarrou as calças e voltou para a cama de palha. Alice apressadamente apagou a vela e esperou que o homem não ouvisse o suspiro de Ella enquanto a escuridão do velho castelo envolvia as duas.

— Venha. — Sussurrou Alice, sem ter tempo nem vontade de ouvir os protestos de Ella.

A noite estava clara e fresca, e, como Alice sabia que seria, dois cavalos esperavam por ela e sua criada. Alice sorriu enquanto se jogava na sela do garanhão escuro. Mais tarde, recompensaria o cavalariço do estábulo que tomava cuidados tão bons e apropriados para sua senhora.

— Minha dama! — Ella gemeu em desespero.

Mas Alice não se virou porque sabia que Ella era gorda demais para montar o cavalo sozinha. Não desperdiçaria nem um de seus preciosos minutos com uma mulher idosa e inútil. Não quando Gavin a esperava.

A porta de frente para o rio fora deixada aberta para ela. Tinha chovido mais cedo e o chão estava molhado, mas havia um toque de primavera no ar. E com ela veio uma sensação de promessa e paixão.

Quando estava certa de que os cascos do cavalo não seriam ouvidos, inclinou-se para frente e sussurrou para ele.

— Vá, meu demônio negro. Leve-me para o meu amante.

O garanhão empinou para mostrar que compreendeu, então esticou suas pernas dianteiras, longas e retas. Conhecia o caminho e partiu a uma velocidade tremenda.

Alice ergueu a cabeça, deixando que o ar soprasse em seu rosto enquanto ela se entregava ao poder e à força do magnífico animal. Gavin. Gavin. Gavin, os cascos pareciam dizer enquanto trovejavam na estrada molhada. Em muitos sentidos os músculos de um cavalo entre suas coxas lhe lembravam de Gavin. Suas mãos fortes em seu corpo, a sua potência que a fazia fraca de desejo. Seu rosto, o luar brilhando em suas maçãs do rosto, seus olhos brilhantes mesmo na noite mais escura.

— Oh, meu doce, cuidado agora, — Alice disse suavemente enquanto puxava as rédeas para trás. Agora que ela estava se aproximando do local de encontro, começou a se lembrar do que tão cuidadosamente tentou esquecer. Dessa vez Gavin teria ouvido falar de seu casamento iminente, e ele estaria zangado com ela.

Ela virou o rosto para pegar o vento diretamente. Piscou rapidamente até que as lágrimas começaram a se formar. As lágrimas ajudariam. Gavin sempre odiava as lágrimas, então as usou com cuidado nos últimos dois anos. Só quando ela desesperadamente queria algo, recorreu ao truque, deste modo não lhe restava outra coisa que não a mimar.

Alice suspirou. Por que não podia falar honestamente com Gavin? Por que os homens devem ser sempre tratados tão suavemente? Ele a amava, portanto devia amar o que ela fazia, por mais desagradável que fosse para ele. Era uma esperança inútil, ela sabia disso. Se dissesse a Gavin a verdade, o perderia. Então onde encontraria outro amante?

A recordação de seu corpo, duro e exigente, fez Alice empurrar os calcanhares de seus sapatos macios nos flancos do cavalo. Oh sim, ela usaria lágrimas ou qualquer outra coisa que fosse necessária para manter Gavin Montgomery, um cavaleiro de renome, um lutador sem igual... e dela, todo dela!

De repente, quase pôde ouvir as perguntas de Ella. Se desejava tanto Gavin, por que estava prometida a Edmund Chatworth, um homem com a pele da cor do peito de um peixe, com mãos gordas e macias e uma boca feia e pequena, que formava um círculo perfeito?

Porque Edmund era um conde. Ele possuía terras de um extremo da Inglaterra a outro, propriedades na Irlanda, País de Gales, Escócia e, segundo rumores, na França também. Claro que Alice não podia saber exatamente a extensão de sua riqueza, mas logo saberia. Oh sim, quando fosse sua esposa, saberia. A mente de Edmund era tão fraca quanto seu corpo, e não demoraria muito para que ela o controlasse, assim como a suas propriedades. Ela iria mantê-lo feliz com algumas putas e atenderia as propriedades pessoalmente, sem obstrução e interferência de qualquer homem ou de ordens conjugais.

Alice tinha uma paixão pelo belo Gavin, mas isso não obscurecia seu bom senso. Quem era Gavin Montgomery? Um barão de pouca importância, mais pobre do que rico. Um guerreiro brilhante, um homem forte e bonito, mas não rico. Não comparado com Edmund. E o que seria a vida com Gavin? As noites seriam de paixão e êxtase, mas Alice sabia muito bem que nenhuma mulher jamais controlaria Gavin. Se ela se casasse com ele, seria forçada a permanecer dentro de casa, fazendo trabalho de mulheres. Não, nenhuma mulher jamais controlaria Gavin Montgomery.

Seria um marido tão exigente, como era em seu papel como amante.

Instigou o cavalo para frente. Ela queria tudo: a fortuna e posição social de Edmund e a paixão de Gavin. Sorriu enquanto endireitava os broches de ouro, um em cada ombro, que segurava o vistoso manto no lugar. Ele a amava — Alice estava confiante — e não perderia seu amor. Como poderia? Que mulher se aproximava dela em beleza.

Alice começou a piscar rapidamente. Algumas lágrimas e ele entenderia que ela estava sendo forçada a se casar com Edmund. Gavin era um homem de honra. Entenderia que ela devia manter o acordo de seu pai com Edmund. Sim, se fosse cautelosa, teria os dois; Gavin para as noites, e a riqueza de Edmund para o dia.


Gavin esperava em silêncio. A única parte dele que se movia era um músculo em sua mandíbula, tenso e flexionando. O luar prateado brilhava nas maçãs de seu rosto, comparando-a a uma lâmina de punhal. Sua boca firme e reta formava uma linha grave acima de uma covinha no queixo. Seus olhos cinzentos, escuros de raiva, quase tão negros quanto os cabelos que se encaracolavam e apareciam pela gola da jaqueta de lã.

Somente longos anos de árduo treinamento como cavaleiro lhe permitiram um rígido controle externo. Por dentro, ele estava fervendo. Esta manhã ele ouviu que a mulher que amava se casaria com outro, iria para a cama com outro homem, seus filhos pertenceriam a ele. Seu primeiro impulso foi o de cavalgar diretamente para a torre de Valence e exigir que ela negasse o que ouviu. Mas seu orgulho o reteve. Este encontro com ela havia sido organizado semanas atrás, então se obrigou a esperar até que pudesse vê-la novamente, segurá-la entre os braços e ouvi-la dizer-lhe, de seus próprios lábios doces, o que queria ouvir. Ela não se casaria com ninguém além dele. Disso tinha certeza.

Ele olhou através do vazio da noite, alerta ao som de cascos. Mas a paisagem permanecia silenciosa, uma massa de escuridão quebrada apenas pelas sombras mais escuras. Um cão passou de uma árvore para a outra, olhando para Gavin, desconfiado do homem quieto e silencioso. A noite trouxe de volta memórias da primeira vez que ele e Alice se encontraram nessa clareira, um lugar protegido pelo vento aberto ao céu. Durante o dia, um homem poderia passar a cavalo por ela e não notar, mas à noite as sombras transformaram-na em uma caixa de veludo negro, apenas grande o suficiente para segurar uma joia.

Gavin conhecera Alice no casamento de uma de suas irmãs. Apesar dos Montgomery e os Valence serem vizinhos, raramente se viam. O pai de Alice era um bêbado. Ele pouco se importava com suas propriedades. Ele vivia, e forçava sua esposa e cinco filhas a viver, tão mal como alguns servos. Foi por um senso de dever que Gavin assistiu a um casamento lá, como representante de sua família, seus três irmãos se recusaram a fazê-lo.

Nesse monte de esterco, de sujeira e negligência, Gavin a viu, sua bela e inocente, Alice. No começo não podia acreditar que ela pertencia a essa família de mulheres gordas e feias. Suas roupas eram dos materiais mais ricos, suas maneiras delicadas e refinadas, e sua beleza...

Sentou-se para olha-la, como vários dos outros rapazes fizeram. Ela era perfeita, cabelos loiros, olhos azuis, uma pequena boca que ele faria sorrir a qualquer custo. A partir deste momento, sem sequer falar com ela, se apaixonou. Mais tarde, ele teve que abrir caminho a cotoveladas através dos homens para chegar ao seu lado. Sua violência pareceu chocar Alice e seus olhos abaixados, sua voz suave o hipnotizou ainda mais. Ela era tão tímida, tão reticente que mal conseguia responder às suas perguntas. Alice era tudo e muito mais do que podia esperar, virginal e ainda feminina.

Naquela noite, pediu que se casasse com ele. Ela lhe deu um olhar assustado, e por um momento seus olhos eram como safiras. Então abaixou a cabeça e murmurou algo sobre a necessidade de perguntar ao pai.

No dia seguinte, Gavin apareceu diante do bêbado para pedir a mão de Alice, mas o homem disse algumas asneiras, algo como: a mãe precisava da moça. Suas palavras soaram estranhamente instáveis, como se repetindo um discurso aprendido de memória. Nada do que Gavin lhe disse o fez mudar de ideia.

Gavin saiu em desgosto, furioso por ser impedido de ter a mulher que queria. Não tinha ido muito longe quando a viu. Seu cabelo estava descoberto sob o sol poente, o que a fazia resplandecer, e o rico veludo azul de seu vestido refletia na cor de seus olhos. Estava ansiosa para saber qual foi à resposta de seu pai. Gavin lhe comunicou furioso, então viu suas lágrimas. Alice tentou escondê-las, mas ele podia senti-las, bem como vê-las. Em segundos, ele desmontou e tirou-a de seu cavalo. Ele não se lembrava de como isso aconteceu. Um minuto, ele a estava confortando. O seguinte, eles estavam aqui, neste lugar secreto, suas roupas removidas e na agonia da paixão. Ele não sabia se deveria se desculpar ou se alegrar. A doce e inocente Alice, não era uma serva que poderia se deitar no feno, mas uma dama, que um dia seria sua esposa. Além disso, uma virgem. Disso ele tinha certeza quando viu duas gotas de sangue em suas coxas magras.

Dois anos! Há dois anos atrás. Se ele não tivesse passado a maior parte do tempo na Escócia, patrulhando as fronteiras, ele teria exigido que o pai dela lhe desse sua mão em casamento. Agora que ele voltou, planejou fazer exatamente isso. Na verdade, se necessário, iria ao rei com sua súplica. Valence não era razoável. Alice contou a Gavin suas conversas com seu pai, implorando e suplicando por ele, mas sem sucesso. Uma vez, mostrou a ele uma contusão que recebeu por sua insistência em favor de Gavin. O jovem esteve prestes a enlouquecer. Desembainhou sua espada e teria ido atrás do homem se Alice não tivesse se agarrado a ele, com lágrimas nos olhos, e implorasse, por favor, para não prejudicar seu pai. Ele nada poderia recusar a visão de suas lágrimas, portanto, embainhou sua espada e prometeu que iria esperar. Alice assegurou-lhe que o pai acabaria por ver a razão.

Assim, eles continuaram a se encontrar secretamente, como crianças desobedientes, uma situação que desgostava Gavin. No entanto, Alice pediu-lhe para não falar com seu pai, assegurando que ela iria persuadi-lo.

Gavin mudou de posição e escutou novamente. Ainda havia apenas silêncio. Esta manhã ouviu que Alice casaria com Edmund Chatworth, aquele pedaço de alga marinha. Chatworth pagava grandes somas, taxas enormes ao rei para que não fosse chamado a lutar em qualquer guerra. “Ele não é um homem” pensou Gavin. Chatworth não merecia o título de conde. Pensar em Alice casada com alguém como ele estava além da imaginação.

De repente todos os sentidos de Gavin ficaram em alerta quando ouviu os sons abafados de cascos do cavalo sobre a humidade do solo. Ele estava ao lado de Alice instantaneamente e ela caiu em seus braços.

— Gavin — sussurrou — meu doce Gavin.

Ela se agarrou a ele, quase como se estivesse aterrorizada. O jovem tentou puxá-la para que pudesse ver seu rosto, mas ela o segurou com tanto desespero que ele não ousou separa-la de si. Sentiu a umidade de suas lágrimas em seu pescoço e toda a raiva que sentira durante o dia o deixou. Segurou-a perto dele, murmurando palavras de carinho em sua pequena orelha, acariciando seus cabelos.

— O que acontece? Diga-me, o que é que te magoou tanto?

Ela se afastou para poder olhar para ele, segura no conhecimento de que a noite não poderia trair a falta de vermelhidão em seus olhos.

— É terrível — Alice sussurrou roucamente. — É demais para suportar.

Gavin ficou um pouco tenso quando se lembrou do que tinha ouvido sobre seu casamento.

— É verdade, então?

Ela chorou delicadamente, tocou um dedo no canto do olho e olhou para ele através de seus cílios.

— Meu pai não pôde ser persuadido. Até recusei-me a comer para fazê-lo mudar de ideia, mas ele fez uma das mulheres... Não, eu não vou te dizer o que eles fizeram para mim. Ele disse que... Oh, Gavin, eu não posso repetir as coisas que ele me disse.

Ela sentiu Gavin enrijecer.

— Vou até ele e...

— Não! — Alice disse quase freneticamente, suas mãos apertando seus braços musculosos. — Você não pode! Eu quero dizer... — Ela abaixou os braços e os cílios. — Quero dizer, já está feito, o contrato foi assinado e testemunhado, não há nada que alguém possa fazer agora. Se meu pai cancelar, ele ainda teria que pagar meu dote a Chatworth.

— Eu vou pagá-lo — disse Gavin, com dureza.

Alice deu-lhe um olhar de surpresa, então mais lágrimas se juntaram em seus olhos.

— Não importa, meu pai não vai permitir que eu me case com você, já o sabe... Oh, Gavin, o que devo fazer? Eu vou me casar com um homem que não amo. — Ela olhou para ele com tanto desespero que Gavin a apertou contra si. — Como posso suportar perder você, meu amor? — Ela sussurrou contra seu pescoço. — Você é minha carne e meu sangue, sol e noite. Eu vou morrer, vou morrer se te perder.

— Não diga isso! Como poderá me perder? Sabe que eu sinto o mesmo por você.

Ela se afastou para olhar para ele, de repente mais feliz.

— Então você me ama, verdadeiramente me ama, de modo que se nosso amor for testado, eu ainda estarei segura de você?

Gavin franziu o cenho.

— Testado?

Alice sorriu através de suas lágrimas.

— Mesmo se eu me casar com Edmund, você ainda vai me amar?

— Casar! — Ele quase gritou enquanto a empurrava para longe dele. — Você pretende se casar com esse homem?

— Eu tenho uma escolha?

Eles ficaram em silêncio, Gavin olhando para ela, Alice com os olhos baixos.

— Eu irei então, desaparecerei de sua vista. Você não precisa olhar para mim novamente.

Estava preparando-se para montar no cavalo quando ele reagiu. Agarrou-a com força, puxando sua boca para a dele até que a machucou. Não havia palavras, não eram necessárias. Seus corpos se entenderam mesmo que não pudessem concordar. A moça tímida tinha desaparecido. Em seu lugar estava a Alice apaixonada que Gavin tinha gostado de conhecer tão bem. Suas mãos rasgaram freneticamente as roupas até que elas rapidamente estivessem empilhadas no chão.

Ela riu ao vê-lo nu diante de si. Seu corpo era musculoso devido aos muitos anos de treinamento. Ele era facilmente uma cabeça mais alto que Alice, que muitas vezes se elevava sobre os homens. Seus ombros eram largos, seu peito poderosamente grosso. No entanto, seu corpo era magro, o ventre plano com músculos divididos em cadeias. Destacava-se as coxas e panturrilhas, fortalecidos pelo uso frequente da armadura pesada.

Alice deu um passo para trás e respirou entre os dentes, devorando-o com os olhos. As mãos dele a alcançaram como se fossem garras.

Gavin puxou-a para si, beijou a pequena boca que se abriu amplamente por baixo da sua, fundindo-se as línguas. Ele puxou-a para perto, a sensação de seu vestido contra a pele nua excitava-a. Seus lábios se moveram para sua bochecha, depois para seu pescoço.

Com a noite toda ainda pela frente, ele tinha a intenção de passa-la inteira fazendo-lhe amor.

— Não! — Alice disse impacientemente enquanto se afastava bruscamente. Ela afastou o manto de seus ombros, descuidada do caro tecido. Afastou as mãos de Gavin da fivela do cinto. — Você é muito lento, — declarou sem rodeios.

Gavin franziu a testa por um momento, mas à medida que as camadas de roupas femininas foram jogadas no chão, seus sentidos assumiram. Ela estava ansiosa por ele, como ele por ela. Assim, que importava se não queria perder tempo para unir pele com pele?

Gavin teria gostado de saborear o corpo esbelto de Alice por um tempo, mas ela o puxou rapidamente para o chão, sua mão guiando-o imediatamente para dentro dela. Então ele parou de pensar sobre os preliminares jogos de amor ou beijos lentos. Alice estava debaixo dele, instigando-o. A voz dela era áspera enquanto dirigia seu corpo, com as mãos nos seus quadris, o empurrava cada vez com mais força. Gavin, no entanto, estava preocupado que ele iria machucá-la, mas ela parecia se glorificar na força dele.

— Agora! Agora! — Exigia debaixo dele, emitiu um som baixo e gutural de triunfo quando ele obedeceu.

Imediatamente ela se moveu afastando-se para longe dele. Havia-lhe dito repetidamente que o fazia porque não conseguia conciliar a paixão que guerreava com sua condição de solteira. No entanto, ele teria gostado de tê-la abraçado mais, desfrutado mais de seu corpo, até talvez feito amor com ela novamente. Seria um amor lento desta vez, agora que o fogo da primeira paixão foi extinto. Gavin tentou ignorar o sentimento de vazio dentro de si, como se tivesse acabado de provar algo, mas ainda não estava saciado.

— Tenho que ir embora — disse ela, sentando-se e começando o intrincado processo de vestir-se.

Ele gostava de ver suas pernas magras enquanto ela enfiava as meias leves de linho. Pelo menos observá-la ajudou a dissipar um pouco do vazio. Inesperadamente, se lembrou de que em breve outro homem teria o direito de tocá-la. De repente, quis machucá-la como ela o machucava.

— Eu também tenho uma oferta de casamento.

Alice parou instantaneamente, sua mão na meia e observou-o, esperando por mais.

— A filha de Robert Revedoune.

— Ele não tem filhas, apenas filhos, ambos casados — disse Alice instantaneamente.

Revedoune era um dos condes do rei, um homem cujas propriedades faziam com que as de Edmund parecessem um terreno de servos. Levou um tempo, mas Alice usou os dois anos passados por Gavin na Escócia para averiguar e descobrir a história de todos os condes, de todos os homens mais ricos da Inglaterra, antes de decidir que Edmund era a captura mais provável.

— Você não ouviu que os dois filhos morreram faz dois meses de uma terrível doença?

Ela olhou para ele.

— Mas nunca soube que tinha uma filha.

— Uma moça chamada Judith, mais nova do que seus irmãos, ouvi dizer que ela foi preparada por sua mãe para a igreja, e que a moça é mantida enclausurada na casa de seu pai.

— E lhe foi oferecida essa Judith em matrimonio? Mas ela seria a herdeira de seu pai, uma mulher rica. Por que haveria de oferecê-la a...? — Ela parou, lembrando-se de esconder seus pensamentos de Gavin.

Ele virou o rosto, e ela podia ver os músculos em sua mandíbula contraídos, o luar brilhando em seu peito nu, ainda levemente coberto de suor pelo ato amor.

— Por que ele ofereceria esse prêmio a um Montgomery? — Gavin terminou para ela, sua voz fria. Em outros tempos a família Montgomery tinha sido rica o suficiente para atrair a inveja do rei Henrique IV. Henry declarou a família inteira traidores e então começou a destruir a poderosa família. Ele foi tão bem-sucedido, que só agora, cem anos mais tarde, a família estava começando a recuperar parte do que havia perdido. Mas as lembranças da família Montgomery estavam intactas, e nenhuma delas se importava de ser lembrada do que haviam sido uma vez.

— Pelos braços de meus irmãos e o meu também, — disse Gavin depois de um tempo. - As terras Revedoune fazem fronteira com a nossa, ao norte, e ele tem medo dos escoceses. Percebeu que suas terras serão protegidas se ele se alia a minha família Um dos trovadores da Corte ouviu dizer que os Montgomery, pelo menos, produzem varões que sobrevivem, por isso, parece, que sou uma boa oferta para sua filha, para que conceba filhos varões.

Alice estava quase vestida agora. Ela olhou para ele.

— O título passará pela filha, não é? Seu filho mais velho seria um conde, e você quando Revedoune morrer.

Gavin se virou abruptamente. Ele não tinha pensado nisso, nem se preocupou com isso. Era estranho que para Alice, que se importava tão pouco com bens mundanos, ocorrera justamente pensar primeiro nisso.

— Então você vai casar com ela? — Alice perguntou, em pé ante ele, observando enquanto às pressas começava a vestir as roupas.

— Não tomei uma decisão, a oferta só veio há dois dias, e então pensei...

— Você viu ela? — Alice interrompeu.

— Quem? A herdeira?

Alice apertou os dentes. Os homens podiam ser tão insuportáveis às vezes. Ela se recuperou.

— Ela é linda, eu sei — Alice disse em lágrimas. — E quando você se casar com ela, nunca se lembrará de mim.

Gavin levantou-se rapidamente. Ele não sabia se estava zangado ou não. A mulher falava de seus casamentos com outras pessoas como se não fizessem nenhuma diferença em seu relacionamento.

— Eu não a vi — ele disse calmamente em voz baixa.

De repente, a noite estava se distanciando do que esperava. Ele queria ouvir Alice negar a conversa de seu casamento, mas em vez disso se viu falando da possibilidade de seu próprio casamento. Desejava fugir. Fugir para longe das complexidades das mulheres e de volta à solidez e lógica de seus irmãos.

— Eu não sei o que vai acontecer.

Alice franziu o cenho quando ele tomou seu braço e a levou para o cavalo.

— Eu te amo, Gavin — ela disse rapidamente. — Aconteça o que acontecer sempre te amarei, sempre vou te querer.

Ele rapidamente a ergueu na sela.

— Você deve retornar antes que alguém descubra sua ausência. Nós não gostaríamos que uma história como essa possa chegar ao bravo e nobre Chatworth, não é?

— Você é cruel, Gavin, — ela disse, mas não havia nenhum som de lágrimas em sua voz. — Será que vou ser punida pelo que está fora das minhas mãos, pelo que não posso controlar?

Ele não tinha resposta.

Alice inclinou-se para frente e o beijou, mas sabia que sua mente estava em outro lugar e isso a assustou. Ela puxou bruscamente as rédeas e galopou para longe.


Capítulo Dois

Já era muito tarde quando Gavin se aproximou do castelo Montgomery. Apesar de todos os seus bens lhes terem sido roubados por um rei ambicioso, estas muralhas continuavam sendo deles. Por mais de quatrocentos anos habitava ali um Montgomery: desde que William tinha conquistado a Inglaterra, trazendo consigo a família normanda, já rica e poderosa.

Ao longo dos séculos, o castelo tinha sofrido ampliações, reforços e renovações, até que suas muralhas, de quatro metros de largura, cercavam mais de três hectares. Dentro, a terra foi dividida em duas partes: a muralha exterior e o interior. A muralha exterior e sua cidadela abrigavam os servos, os cavaleiros da guarnição e todas as centenas de pessoas e animais necessários para manter o castelo. Também abrigava e protegia a muralha interior, onde ficavam as casas dos quatro irmãos Montgomery e seus servos privados. Todo o complexo estava situado no topo de uma colina, apoiado contra um rio. Nenhuma árvore era permitida crescer dentro de meia milha do castelo: qualquer inimigo teria que se aproximar ao ar livre.

Durante quatro séculos, os Montgomery tinham defendido a fortaleza contra um rei avarento e guerras privadas entre os senhores feudais. Foi com orgulho que Gavin olhou para as iminentes muralhas que eram sua casa. Conduziu seu cavalo em direção ao rio, em seguida desmontou para leva-lo pela brida através da estreita passagem do rio. Além do enorme portão principal, que era a única entrada. O portão principal estava coberto por uma grade terminada em lanças, que podia ser levantada ou baixada por meio de cordas. Àquela hora da noite, os guardas teriam de acordar cinco homens para levantá-la. Assim, Gavin foi até a estreita entrada escondida, a cerca de quatrocentos metros da muralha e com dois metros e meio de altura, o topo das paredes guardado por homens que andavam de um lado para o outro durante toda a noite. Gavin acenou para os guardas quando sua presença foi notada. Nenhum homem que valorizava sua vida dormia enquanto estava de serviço.

Durante o reinado do rei Henrique VII, o atual rei, a maioria dos castelos caíram em declínio. Quando tomou o trono, dezesseis anos atrás em 1485, Henry VII proibiu então os exércitos privados e colocou a pólvora sob o controle do governo. Como os barões não podiam mais fazer guerras privadas com fins lucrativos, viram suas fortunas diminuírem. Os castelos eram onerosos de manter, e um após o outro as grossas muralhas foram sendo abandonadas para o conforto e a conveniência de uma casa senhorial.

Mas havia aqueles que, através de uma boa gestão e trabalho árduo, ainda mantinham o uso das poderosas estruturas antigas. Entre eles, os Montgomery, respeitados em toda a Inglaterra. O pai de Gavin havia construído uma forte e confortável casa senhorial para seus cinco filhos, mas no interior das muralhas do castelo.

Uma vez dentro da muralha, Gavin viu que havia muita atividade.

— O que aconteceu? — Perguntou ao cavalariço que levava seu cavalo.

— Os mestres acabam de retornar de um incêndio na aldeia.

— Grave?

— Não, Milorde, só algumas casas dos comerciantes. Não havia necessidade dos amos se preocuparem. — O garoto deu de ombros, como se dissesse que não havia nenhuma maneira de compreender os nobres.

Gavin o deixou e entrou na mansão, construída contra a velha torre de pedra que agora era usado apenas como um depósito. Os quatro irmãos varões preferiram o conforto da casa grande. Vários cavaleiros estavam se ajeitando para dormir e Gavin cumprimentou alguns deles enquanto subia apressadamente a escada de carvalho até seu próprio quarto no segundo andar.

— Aqui está o nosso irmão desobediente. — Raine comentou alegremente. — Você pode acreditar Miles, que passa suas noites cavalgando pelo campo, sem levar em conta suas responsabilidades? Se nós agíssemos à sua maneira, meia vila teria queimado até o chão.

Raine era o terceiro dos irmãos Montgomery, o mais baixo e mais musculoso dos quatro, um homem poderoso. Sua aparência seria formidável no campo de batalha e era com certeza, mas seus olhos azuis estavam sempre dançando em sorrisos e as bochechas marcadas com covinhas profundas.

Gavin olhou para os irmãos mais novos, mas não sorriu.

Miles, com as roupas enegrecidas de fuligem, derramou vinho em um copo e ofereceu-o a Gavin.

— Você recebeu más notícias?

Miles era o irmão mais novo, um homem sério com olhos cinzentos penetrantes que não perdiam nada. Seu sorriso raramente era visto.

Raine ficou sério imediatamente.

— Alguma coisa errada?

Gavin tomou o vinho e afundou pesadamente em uma cadeira de nogueira esculpida, em frente ao fogo A sala onde estavam, era espaçosa, o piso de carvalho era coberto em parte por tapetes orientais. As paredes decoradas com tapeçarias de lã com cenas de caça ou das Cruzadas. O teto era de madeira pesada, arqueada, tanto decorativa quanto funcional. O gesso branco enchia a abertura entre as vigas. O mobiliário escuro, de intrincados entalhes, terminou por dar uma aparência masculina. No extremo sul se via uma janela com sacada de boa profundidade, com assentos vermelhos. O vidro nos caixilhos das janelas era da França.

Os três irmãos estavam vestidos com roupas simples e escuras. Camisas de linho, levemente franzida no pescoço e ajustadas ao corpo; longos casacos de lã que lhe chegavam às coxas e um casaco pesado, curto de mangas compridas que passava por cima de um gibão. As pernas dos homens estavam envoltas em calças de lã escuras, bem ajustados as enormes protuberâncias de músculos grossos. Gavin usava pesadas botas de cano alto até os joelhos, uma espada no quadril, e um cinturão incrustado de pedras preciosas.

Bebeu um longo gole do vinho, depois olhou silenciosamente enquanto Miles tornava a encher o copo. Ele não podia compartilhar sua infelicidade com Alice, mesmo com seus irmãos.

Quando Gavin não falou, Miles e Raine trocaram olhares. Sabiam onde Gavin estivera e poderiam adivinhar que notícia lhe havia dado um ar de desgraça. Algum tempo atrás, Raine fora apresentado a Alice, devido a discreta insistência de Gavin, viu nela uma frieza que não gostou. Mas para o moço enfeitiçado, ela era a mulher perfeita. Apesar de seus pontos de vista, Raine sentia pena dele.

Miles não. Não o comovia o menor vestígio de amor por uma mulher. Para ele eram todas iguais e serviam para a mesma finalidade.

— Robert Revedoune enviou outro mensageiro hoje. — Miles interrompeu o silêncio. — Acho que ele está preocupado que, se sua filha não conceber um filho em breve, ela poderá morrer e deixá-lo sem nenhum herdeiro.

— Ela está doente? — Raine perguntou. Ele era o humanitário dos irmãos, sempre preocupado, fosse com uma égua machucada ou um servo doente.

— Não ouvi dizer, — respondeu Miles. — O homem está louco de dor pela perda de seus filhos e diz que tem apenas uma filha insignificante. Comenta-se que castiga regularmente sua esposa por não lhe dar mais filhos varões.

Raine franziu o cenho por cima de sua taça de vinho. Ele não gostava que punissem as mulheres.

— Você vai lhe dar a resposta? — Miles pressionou, uma vez que Gavin não estava respondendo.

— Que um de vocês dois a tome por esposa, — propôs Gavin. — Façam com que Stephen retorne da Escócia. Ou você Raine, precisa de uma esposa.

— Revedoune só quer o filho mais velho, — Raine respondeu, sorrindo. — Caso contrário, me declararia mais do que disposto.

— Por que tanta resistência? — Miles disse com raiva. — Você já tem vinte e sete anos e precisa se casar. Judith Revedoune é rica. Vai lhe trazer um condado. Talvez graças a ela, os Montgomery comecem a recuperar o que já tivemos.

Alice estava perdida para ele e quanto mais cedo enfrentasse, mais cedo poderia começar a se curar, Gavin então decidiu.

— Está bem, eu concordo com o casamento.

Imediatamente, Raine e Miles soltaram a respiração que não tinham percebido que estavam retendo.

Miles baixou sua taça.

— Eu pedi ao mensageiro para ficar, contava com a sua resposta.

Quando Miles saiu da sala, o senso de humor de Raine se impôs.

— Ouvi dizer que ela é tão alta e gorda que não levanta isso do solo, - indicou colocando a mão em volta da cintura - e que tem dentes do tamanho dos de um cavalo, além disso...


A velha torre era cheia de correntes de ar, o vento assobiava pelas fendas. O papel oleado sobre as janelas fazia pouco para manter fora o frio.

Alice dormia confortavelmente, nua sob uma coberta de linho e um travesseiro de pena ganso.

— Minha lady. — sussurrou Ella a sua ama. — Ele está aqui.

Sonolenta, Alice se virou.

— Como ousa me acordar? — Ela disse em um sussurro feroz. — Quem está aqui?

— O homem da casa Revedoune.

— Revedoune! — Alice disse enquanto se sentava completamente acordada agora. — Traga-me o meu manto e mande o homem para mim.

— Aqui? — Ella ficou horrorizada. — Não, minha lady, não pode. Alguém poderia ouvi-lo.

— Sim. — Alice disse distraidamente. — É um risco muito grande, deixe-me vestir, vou encontrá-lo debaixo do olmo, junto à horta.

— À noite? Mas...

— Vá agora, diga que estarei lá em breve.

Alice rapidamente enfiou seus braços em um manto de veludo carmesim grosso forrado com pele de esquilo cinzento. Ela enrolou um cinto largo sobre sua cintura e deslizou seus pés em sapatos de couro macio tingidos de ouro.

Havia quase um mês desde que vira Gavin, e durante todo esse tempo ela não tinha recebido nenhuma palavra dele. Mas, alguns dias depois do encontro no bosque soube que ia se casar com a herdeira Revedoune. Em todo o país estava sendo anunciado um torneio para celebrar a boda. Todos os homens importantes estavam recebendo convites, todo cavaleiro com habilidade foi instado a participar. Com cada noticia, Alice sentia aumentar o seu ciúme. Quanto teria gostado de sentar ao lado de um marido como Gavin para testemunhar um torneio organizado para celebrar suas próprias núpcias! Mas seu casamento aconteceria sem tais celebrações.

No entanto, por tudo o que ouviu dos planos, em lugar nenhum encontrou alguém que poderia dizer uma palavra sobre Judith Revedoune. A moça era um nome sem rosto e sem corpo. Duas semanas atrás, Alice tinha concebido a ideia de contratar um espião que fizesse averiguações sobre essa esquiva Judith, queria saber como era e com o que ela era forçada a competir. Ella tinha ordens para alertar sobre a chegada desse homem, sem importar a hora.

O coração de Alice estava batendo rapidamente enquanto corria pelo caminho do jardim de ervas. Esta Judith era um sapo absoluto, Alice disse a si mesma. Ela tinha que ser.

— Ah, minha senhora, — disse o espião quando Alice estava perto. — Sua beleza ofusca o brilho a lua. — Ele agarrou sua mão e beijou-a.

Aquele homem lhe dava nojo, mas era o único homem que conseguira encontrar e que tinha acesso à família Revedoune. O preço que ela teve que pagar era ultrajante! Era um homem viscoso, oleoso, mas pelo menos era bom fazendo amor. Talvez como ninguém.

— Quais são as notícias? — Perguntou, impaciente, enquanto lhe retirava a mão. — Você a viu?

— Não... De perto, não...

— Você a viu ou não? — Alice exigiu, olhando diretamente em seus olhos.

— Sim, eu a vi. — ele respondeu firmemente. — Mas ela está muito protegida.

Queria agradar a essa beleza loira, então sabia que devia esconder a verdade. Tinha visto Judith Revedoune, mas só de longe, enquanto se afastava da mansão montada a cavalo, cercada por suas damas de companhia. Nem sequer tinha a certeza de qual era a herdeira.

— Por que ela é mantida guardada? Sua mente não é sã, por isso não a deixam andar livremente?

De repente, ele teve medo daquela mulher que o interrogava tão agudamente. Havia poder naqueles olhos azuis frios.

— Há rumores, é claro, ela não é vista por ninguém, exceto suas damas e sua mãe, viveu sua vida entre elas e foi preparada para a igreja.

— A Igreja? — Alice começou a sentir que parte da tensão a deixava.

Era do conhecimento geral que sempre que uma filha deformada ou retardada nascesse, se a família fosse rica o suficiente, era-lhe concedida uma pensão e dada aos cuidados das freiras.

— Então você acha que ela poderia ter uma mente fraca ou ser deformada de alguma maneira?

— Por qual outro motivo haveriam de mantê-la tão oculta, senhora? Robert Revedoune é um homem duro. Sua esposa ainda manca desde que ele a jogou das escadas. Com certeza não ia querer que o mundo visse uma filha monstruosa.

— Mas você não tem certeza de que essa é a razão pela qual ela está escondida?

Ele sorriu, sentindo-se mais seguro.

— Que outra razão poderia haver? Se ela fosse sã e completa, ele não iria mostra-la para o mundo? Só a ofereceu em casamento depois de ser forçado a fazê-lo devido à morte de seus filhos, não foi? Permitiria que sua única filha entrasse na igreja? Só quando um homem tem muitas filhas permite isso.

Alice estava olhando fixamente para a noite. Seu silêncio fez o homem ficar mais ousado. Ele se inclinou para perto dela, colocou sua mão sobre a dela e sussurrou em seu ouvido.

— Você não tem razão para temer, milady, não haverá noiva linda para tirar você da cabeça de Lorde Gavin.

Apenas a ingestão aguda da respiração de Alice bruscamente, deu indicação de que ela tivesse ouvido. Até o mais comum dos homens sabia sobre ela e Gavin? Com a habilidade de uma grande atriz, ela se virou e sorriu para o homem.

— Você fez um bom trabalho e será... devidamente recompensado.

Ela não deixou dúvida quanto ao significado de suas palavras. Ele se curvou e beijou seu pescoço. Alice se afastou, escondendo sua repulsa.

— Não, não esta noite, — ela sussurrou intimamente. — Amanhã, deve ser feitos arranjos para que possamos passar mais tempo juntos. Ela passou a mão sob o tabardo solto, ao longo da parte superior de sua coxa, e sorriu sedutoramente quando sua respiração ficou presa. — Tenho que ir embora. — disse ela com aparente relutância.

Não havia nem sinal de sorriso em seu rosto quando estava de costas para ele. Ela tinha mais uma diligencia para fazer antes de voltar para a cama. O cavalariço ficaria feliz em ajudá-la. Ela não permitiria que nenhum homem falasse livremente de Gavin e dela... e este pagaria por suas palavras.

— Bom dia, pai. — Disse Alice, alegremente, enquanto se inclinava para roçar os lábios contra a bochecha do velho nodoso e imundo. Eles estavam no segundo andar da torre, que era uma única sala aberta. Este era o grande salão: um quarto que os servos utilizavam para comer e dormir, e todas as atividades diárias. Olhou para o copo vazio de seu pai.

— Aqui você! — Disse ela bruscamente a um criado que passava. — Traga mais cerveja para meu pai.

Nicolas Valence pegou a mão de sua filha entre as dele e olhou para ela com gratidão.

— Você é a única que se importa comigo, minha linda Alice, todas as outras, sua mãe e suas irmãs tentam me impedir de beber, mas você entende como isso me conforta.

Ela se afastou dele, escondendo a sensação ao seu toque.

— Mas é claro, querido pai. Isso é porque eu te amo. — Ela sorriu docemente para ele.

Depois de todos esses anos, Nicolas ainda se admirava de que ele e sua esposa feia pudessem ter criado uma garota tão adorável. A pálida beleza de Alice contrastava fortemente com sua própria escuridão. E quando as outras o rejeitavam e escondiam seu licor, Alice conseguia e lhe entregava uma garrafa. Era verdade, ela o amava. E ele também a amava. Acaso não lhe dava roupas com as poucas moedas que tinha? Sua adorável Alice usava seda, enquanto suas irmãs usavam tecidos caseiros. Teria feito qualquer coisa por ela. Por acaso não havia negado sua mão a Gavin Montgomery, seguindo as orientações de Alice? Claro que Nicolas não entendia por que uma jovem não queria casar com um homem tão forte e rico como Gavin. Mas Alice tinha razão. Ele pegou seu copo, que agora estava cheio e drenou-o. Ela tinha razão, agora iria casar com um conde. Claro que Edmund Chatworth não era nada parecido com um daqueles Montgomery bonitos, mas Alice sempre soube o que era melhor.

— Pai, — Alice disse sorrindo, — eu gostaria de te pedir um favor.

Ele bebeu ainda um terceiro copo de cerveja. Às vezes os favores de Alice não eram fáceis de serem concedidos. Ele mudou de assunto.

— Você sabia que um homem caiu da parede ontem à noite? Um estranho, ninguém sabe de onde ele veio.

A expressão de Alice mudou. Agora o espião não contaria a ninguém de Gavin, ou que ela perguntou sobre a herdeira Revedoune. Rapidamente descartou o pensamento. A morte do homem não significava nada para ela.

— Quero ir ao casamento da mulher Revedoune com Gavin.

— Quer um convite para o casamento da filha de um conde? — Nicolas estava incrédulo.

— Sim.

— É que não posso! O que você quer de mim?

Desta vez Alice rejeitou o servo e encheu o copo de seu pai com suas próprias mãos.

— Eu tenho um plano. — disse imediatamente com seu sorriso doce.


Capítulo Três

O fogo subia pela parede de pedra e devorava o primeiro andar da loja, construída em madeira. O ar estava cheio de fumaça, homens e mulheres que estavam na fila passando baldes de água já estavam negros. Somente olhos e dentes permaneciam brancos.

Gavin, nu da cintura para cima, usava vigorosamente o longo machado para destruir a loja vizinha, já incendiada. O vigor com que trabalhava não traía o fato de que tinha trabalhado assim por dois dias.

A cidade onde o edifício queimava e onde havia três outros reduzidos a cinzas lhe pertencia. A circundava muralhas de três metros e meio, que desciam pela colina do grande castelo Montgomery. Seus impostos constituíam parte do sustento dos irmãos; em contrapartida, os cavaleiros protegiam e defendiam os seus habitantes.

— Gavin! — Raine berrou sobre o rugido das chamas. Ele também estava sujo de fumaça e suor. — Desça daí e venha para fora! O fogo está muito perto de você!

Gavin ignorou a advertência de seu irmão. Nem mesmo olhou para a parede ardente e que ameaçava cair sobre ele. Suas machadadas tornaram-se mais vigorosas, enquanto lutava para derrubar a madeira seca que revestia a parede de pedra, de modo que o homem que esperava abaixo poderia encharca-la de água.

Raine sabia que não adiantava gritar com Gavin. Fez um sinal cansaço para os homens exaustos que o acompanhavam para continuarem puxando a madeira da parede. Estava exausto, ainda que houvesse dormido quatro horas. Quatro a mais do que Gavin. Sabia por experiência que enquanto um centímetro quadrado da propriedade de Gavin estivesse em perigo, seu irmão não iria dormir, nem se permitiria descansar.

Raine permaneceu no solo, prendendo a respiração, enquanto Gavin trabalhava ao lado da parede em chamas. Iria desabar a qualquer momento. Só podia esperar que acabasse logo com a sua tarefa e pudesse descer da escada para algum lugar seguro. Raine murmurou todos os juramentos que conhecia, enquanto seu irmão flertava com a morte. Os mercadores e os servos arquejaram quando a parede de fogo tremeu de um lado para o outro. Raine pensou que gostaria de forçar Gavin a descer da escada, mas sabia que sua força não era maior do que a de seu irmão mais velho.

De repente, as madeiras caíram dentro dos muros de pedra. Gavin imediatamente se jogou pela escada. Assim que Gavin tocou o chão, Raine se atirou contra seu irmão, para derrubá-lo, jogando-o longe da cortina de fogo.

— Maldito seja, Raine! — Gavin uivou junto ao ouvido de Raine, esmagado sob seu peso. — Você está me sufocando. Afaste-se!

Raine estava muito acostumado com Gavin para se ofender. Ele se levantou lentamente, seus músculos doendo do trabalho dos últimos dias.

— Então é assim que me agradece por salvar sua vida? Por que diabo ficou entretido por tanto tempo lá em cima? Poucos segundos a mais e você teria sido assado.

Gavin se levantou rapidamente, seu rosto enegrecido de fuligem, virou-se para o edifício que acabara de sair. O fogo estava contido dentro das paredes de pedra e não iria passar ao prédio vizinho. Quando ficou convencido de que os edifícios estavam seguros, voltou-se para o irmão.

— O que poderia fazer? Deixar que tudo pegasse fogo? — Perguntou enquanto flexionava seu ombro. Estava raspado e sangrando onde Raine o tinha derrapado através do cascalho e detritos. — Se o fogo não tivesse sido interrompido, eu poderia não ter uma cidade à esquerda.

Os olhos de Raine brilharam.

— Preferia perder cem prédios a você.

Gavin sorriu. Seus dentes brancos brilharam contra a escuridão de seu rosto sujo.

— Obrigado, — ele disse calmamente. — Mas eu acho que prefiro perder um pouco de pele a outro prédio.

Ele se virou e foi dirigir os homens no resfriamento da estrutura dos edifícios vizinhos as construções demolidas.

Raine encolheu os ombros e optou por sair. Gavin era o dono dos imóveis da família desde que tinha dezesseis anos e levava muito a sério suas responsabilidades. O que era dele, era dele, e lutaria até a morte para mantê-los. No entanto, mesmo o servo mais indigno e o pior dos ladrões recebiam dele um tratamento justo, enquanto residissem na propriedade Montgomery.

Tarde da noite, Gavin voltou para a mansão. Encaminhou-se até a sala de inverno, ao lado do grande salão que servia como sala de jantar da família. O chão estava coberto de tapetes grossos de Antioquia. Aquela sala era uma adição recente, coberta por um novo tipo de esculturas em madeira de nogueira que pareciam ondular e sair da tela. Uma extremidade foi ocupada por uma enorme lareira. Na borda de pedra apareciam esculpidos os leopardos heráldicos da família Montgomery.

Raine já estava ali, limpo e vestido de lã preta, uma enorme bandeja de prata à sua frente, cheia de carne de porco assada, pedaços de pão quente, maçãs secas e pêssegos. Pensava em comer até a última migalha. Ele grunhiu e apontou para uma grande banheira de madeira cheia de água quente fumegante colocada diante de uma lareira.

A fadiga estava vencendo Gavin, que retirou as calças, a botas e entrou na tina. A água causou um efeito desagradável em suas bolhas e escoriações recentes. Uma jovem criada surgiu das sombras e começou a lavar as costas de Gavin.

— Onde está Miles? — Raine disse entre bocados.

— Mandei-o para a casa de Revedoune, ele me lembrou que o compromisso deveria ser concretizado hoje. Foi em meu nome como procurador. — Gavin inclinou-se para frente, deixando a menina lavá-lo. Ele não olhou para seu irmão.

Raine quase engasgou com um pedaço de carne de porco.

— O que você fez?

Gavin olhou para cima, surpreso.

— Eu disse que enviei Miles como meu representante para o compromisso com a herdeira Revedoune.

— Meu Deus, homem! Você não tem um pouco de senso comum? Não pode enviar outra pessoa como se fosse comprar uma égua de prêmio. Trata-se de uma mulher!

Gavin olhou fixamente para o irmão. A luz do fogo destacou as covas profundas de suas bochechas, quando ele apertou os dentes.

— Estou ciente de que é uma mulher, se não fosse, não me veria forçado a casar com ela.

— Forçado! Quem o está obrigando?

Raine recostou-se na cadeira, incrédulo. Era verdade que, enquanto os três irmãos mais novos tinham viajado livremente pelo país, visitando castelos e mansões na França e até na Terra Santa, Gavin estava acorrentado a um livro contábil. Tinha vinte e sete anos e há onze anos, - exceto pela recente revolta na Escócia, - que não abandonava a sua herança. Gavin não sabia que seus irmãos frequentemente faziam concessões pelo que consideravam sua ignorância, uma vez que o primogênito não tinha se relacionado com mulheres além das filhas das classes mais baixas.

— Gavin, — Raine começou pacientemente — Judith Revedoune é uma dama, filha de um conde. Tem-lhe sido ensinado a esperar certas coisas de você, como cortesia e respeito. Você deveria ter ido pessoalmente dizer-lhe que quer se casar com ela.

Gavin estirou o braço para que a criada lhe passasse o pano ensaboado. O corpete encharcado da moça agarrava-se a seus peitos cheios. Ele olhou nos seus olhos e sorriu, sentindo os primeiros sinais de desejo. Então voltou os olhos para Raine.

— Mas eu não quero me casar com ela, certamente não é tão ignorante para pensar que estou casando por qualquer motivo além de suas terras.

— Não pode lhe dizer isso! Deve fazer-lhe a corte e...

Gavin levantou-se da banheira e ficou em pé enquanto a criada subia em um banquinho e derramava água quente sobre ele para enxaguá-lo.

— Ela será minha. — disse sem rodeios. — Fará o que eu lhe diga. Tenho visto muitas damas de linhagem e sei como são. Passam a vida sentadas em seus quartos, costurando e fofocando, comendo frutas com mel e engordam. São preguiçosas e estúpidas, têm tudo o que querem. Sei como tratar a essas mulheres. Uma semana atrás eu mandei trazer de Londres algumas tapeçarias flamengas, cenas bobas, como ninfas brincando na floresta, para que não lhe assuste as cenas de guerra. Vou pendurá-los em seu quarto, depois vou disponibilizar todos os fios de seda e agulhas de prata que possa precisar. E estará satisfeita.

Raine sentou-se em silêncio e pensou nas mulheres que conhecera em suas viagens pelo país. A maioria delas era como a descrição de Gavin, mas então, havia mulheres de inteligência e fogo que eram quase como companheiras de seus maridos.

Gavin saiu da tina e pegou a toalha de algodão macia que a criada lhe entregou.

— Não se intrometerá no que é meu. Fará o que eu lhe disser ou vai se arrepender.


Capítulo Quatro

A luz do sol entrava em torrentes pelas janelas abertas e caia obliquamente no chão coberto de juncos, misturados com minúsculos grãos de poeira que brilhavam como partículas de ouro. Era um dia perfeito de primavera, o primeiro de maio. O sol estava brilhando e no ar flutuava aquela doçura que só a primavera podia trazer. A sala, ampla e arejada, ocupava metade do quarto andar. Suas janelas davam para o sul e deixavam entrar luz suficiente para aquecer o ambiente. Este era simples, porque Robert Revedoune não gostava de desperdiçar dinheiro em coisas que pareciam frívolas, tais como, tapetes e tapeçarias.

Esta manhã, no entanto, o quarto não parecia tão grande. Cada cadeira estava coberta com um respingo de cor. Havia roupas em todos os lugares. Belas, exuberantes, luxuosos objetos brilhantes, todas novas, todas faziam parte do dote de Judith Revedoune. Havia sedas da Itália, veludos do Oriente, cashmeres de Veneza, algodões de Trípoli. As joias piscavam por toda parte: em sapatos, cintos, arcos. Havia esmeraldas, pérolas, rubis. E tudo foi colocado sobre um fundo de peles: sabre, arminho, castor, esquilo, cordeiro preto encaracolado, lince.

Judith sentou-se sozinha em meio a todo este esplendor, tão silenciosamente que alguém que entrasse no quarto não a teria visto exceto que sua figura ofuscava o brilho dos tecidos e joias. Seus pés pequenos estavam envoltos em couro verde macio, forrado e bordado com pele de doninha branca, com manchas pretas. Seu vestido ajustava-se a seu corpo firmemente no corpete, as mangas compridas drapejadas nos pulsos. A cintura era confortável, revelando sua aparência esbelta. O decote quadrado exibia com vantagem os seios cheios de Judith. Acima deles, um colar de pedras repousava majestoso. A saia formava um sino que balançava suavemente quando ela caminhava. O tecido era dourado, frágil e pesado, iridescente e cintilante ao sol. Sua cintura estava cercada por um estreito cinto de couro dourado, coberto de esmeraldas. Em sua testa havia uma fina corrente de ouro, uma grande esmeralda suspensa no meio. Um manto de tafetá verde-esmeralda abraçava seus ombros, totalmente forrado com arminho.

Em outra mulher o brilho de seu vestido verde e dourado poderia ter sido esmagadora. Mas Judith era mais bonita do que qualquer vestido. Embora pequena, suas curvas tiravam o fôlego dos homens. O cabelo loiro avermelhado caia até à cintura e terminava em cachos abundantes. Mantinha o queixo alto e as mandíbulas fortemente apertadas enquanto pensava nos eventos horríveis que viriam, os lábios mantiveram-se macios e cheios. Mas o que chamava a atenção eram os olhos. De um ouro rico e profundo que agarrava a luz do sol e refletia-o sobre o dourado de seu vestido.

Virou a cabeça ligeiramente para olhar para o belo dia. Em qualquer outro momento teria sentido desejo de cavalgar atravessando prados floridos, mas naquele dia estava quieta, cuidando para não se mover e não enrugar o vestido. No entanto, não era a sua roupa que a manteve tão quieta, mas os pensamentos tristes. Este era o dia de seu casamento, o dia que tanto temia e que acabaria com sua liberdade e a felicidade que conhecia.

De repente, a porta se abriu e as duas criadas entraram na grande sala. Estavam ruborizadas porque vieram correndo da igreja, onde foram dar uma primeira olhada ao noivo.

— Ah, Milady, — disse Maud. — É muito bonito! Alto, cabelos pretos, olhos pretos e ombros deste tamanho - esticou os braços em toda sua extensão, com um suspiro dramático. — Eu não entendo como passou através das portas. Teve que fazê-lo de lado.

Seus olhos dançaram enquanto observava sua ama. Ela não gostava de ver Judith tão infeliz.

— E ele anda assim. — Joan acrescentou. Jogou os ombros para trás até as omoplatas quase ficarem juntas, e deu vários passos longos e firmes em toda a sala.

— Sim. — disse Maud. — Ele é orgulhoso, tão orgulhoso quanto todos aqueles homens de Montgomery, que agem como se fossem donos do mundo.

— Gostaria que fosse assim. — Joan deu uma risadinha, depois revirou os olhos para Maud, que se esforçou por não rir com ela.

Mas Maud estava mais interessada em sua ama, e apesar de todas as suas brincadeiras, Judith não tinha dado nenhum m sorriso. Maud segurou sua mão, indicando a Joan para ficar em silêncio.

— Minha lady. — disse calmamente — há alguma coisa que deseja? Temos tempo, antes de irmos à igreja. Talvez...

Judith sacudiu a cabeça.

— Não é mais possível me ajudar. Minha mãe está bem?

— Sim, ela está descansando antes de cavalgar para a igreja, é uma distância longa e seu braço... — Maud parou sensível ao olhar de dor de sua senhora. Judith culpava-se pelo braço quebrado de Helen. Sua própria consciência era suficiente sem os lembretes desajeitados de Maud. A serva queria dar-se um pontapé.

— Então, está pronta? — Perguntou gentilmente.

— Meu corpo está pronto, são apenas meus pensamentos que precisam de mais tempo. Você e Joan se encarregaram de minha mãe?

— Mas minha senhora...

— Não. — Judith interrompeu. — Eu gostaria de ficar sozinha, pode ser meu último momento de privacidade por algum tempo. Quem sabe o que o amanhã trará?

E se virou para olhar para fora da janela.

Joan estava para responder a tamanha melancolia, mas Maud lhe impediu.

Joan não entendia Judith. Tinha fortuna, este era o dia de seu casamento e, além disso, ia casar com um cavaleiro jovem e bonito. Por que não estava feliz? Deu de ombros, resignada, enquanto Maud a empurrava para a porta.

Os preparativos para o casamento haviam requerido semanas inteiras. Seria uma festa complexa e suntuosa, que custaria a seu pai as rendas de um ano. Ela tinha anotado cada registro de compra, principalmente dos milhares de pedaços de tecidos necessários para fazer uma grande tenda para abrigar os convidados. E a comida que ia ser servida! Mil porcos, trezentos bezerros, cem bois, quatro mil bolos de carne, trezentos barris de cerveja. A lista era infinita.

E tudo por algo que ela desesperadamente não queria.

Quase todas as meninas eram educadas para pensar em casamento como parte do futuro. Não era o caso de Judith. Desde o dia do seu nascimento a trataram de forma diferente. Sua mãe já estava desgastada pelos abortos e nos últimos anos por um marido que lhe punia em cada oportunidade, até que finalmente sua filha nasceu. Helen olhou para o pequeno pedaço de vida ruiva e perdeu seu coração. Embora nunca se opusesse a seu marido, por aquela criança enfrentaria o próprio diabo. Queria duas coisas para sua pequena Judith: proteção contra um pai brutal e violento, e a segurança de nunca cair nas mãos de homens semelhantes.

Pela primeira vez em muitos anos de casamento, Helen enfrentou ao marido que tanto temia e exigiu que sua filha estivesse destinada para a Igreja. Robert pouco se importava com o que ocorria a mãe ou filha. O que lhe importava a menina? Tinha dois filhos varões de sua primeira esposa e tudo o que tinha sido capaz de lhe dar essa mulher medrosa e chorona foram bebês mortos e uma fêmea inútil. Rindo, aceitou que a criança fosse dada às freiras quando tivesse a idade certa. Mas para mostrar aquela criatura o que pensava de sua exigência, jogou-a pelas escadas de pedra. Helen ainda mancava como resultado de uma perna quebrada em dois lugares, mas valeu a pena. Manteve sua filha com ela em total privacidade. Às vezes nem mesmo se lembrava de que era casada. Gostava de imaginar que era viúva e morava sozinha com sua linda filha.

Foram anos felizes em que treinou sua menina para a carreira exigente do convento.

E agora, de tudo isso, não restava nada. Judith se tornaria uma esposa, uma mulher sem mais poder do que o permitido por seu marido e senhor. Ela não sabia nada da vida de uma esposa, costurava mal e não sabia tecelagem. Ninguém lhe tinha ensinado a permanecer sentada e quieta por horas, permitindo que os servos trabalhassem por ela. Pior ainda: Judith nem sequer sabia o significado de subserviência. Uma esposa devia manter os olhos baixos para o marido e pedir seus conselhos sobre tudo. Mas lhe foi ensinada que um dia seria abadessa, a única mulher que era considerada igual aos homens. Olhava seu pai e seus irmãos de frente, nem mesmo se acovardava quando o pai lhe levantava o punho. Isso, por algum motivo, parecia divertir Robert. Seu orgulho não era comum entre as mulheres. Nem tampouco entre a maioria dos homens, na verdade. Andava com os ombros para trás e as costas retas.

Nenhum homem iria tolerar que com voz calma, analisasse as relações do rei francês ou expressasse suas opiniões radicais sobre o tratamento dos servos. As mulheres deviam falar sobre joias e ornamentos. Judith, em vez disso, costumava deixar que suas criadas escolhessem seus vestidos, mas quando faltavam nas despensas dois sacos de lentilhas, sua raiva era formidável.

Helen tinha tido um enorme esforço para separar a filha do mundo exterior. Temia que qualquer homem quando a visse, pediria a sua mão, e que Robert aceitaria o enlace. Isso equivaleria a perdê-la. Judith deveria ter entrado no convento aos doze anos, mas sua mãe não podia suportar separar-se dela. A conservou consigo ano após ano, egoisticamente, apenas para que o tempo e todos os seus esforços se dissolvessem em nada.

Judith teve meses para se acostumar com a ideia de que iria se casar com um estranho. Não o tinha visto e nem queria vê-lo, estaria muito com ele no futuro. Não conhecia outros homens que seu pai e seus irmãos, portanto, esperava uma vida com um homem que odiava as mulheres e lhe golpearia, o imaginava nada educado e incapaz de aprender qualquer coisa, exceto o uso da força. Sempre tinha planejado escapar de uma existência assim; agora sabia que era impossível. Durante o curso de dez anos seria parecida com a mãe? Um ser tremulo, sempre temerosa e cujos olhos se desviavam para os cantos?

Levantou-se e a saia dourada pesada caiu no chão com um sussurro agradável. Não seria assim! Nunca mostraria seu medo aquele homem. Sentisse o que fosse, manteria a cabeça elevada e o olhar firme.

Por um momento, sentiu seus ombros caírem. Estava assustada com aquele estranho que devia ser seu senhor e mestre. Suas criadas riam e falavam de seus amantes com alegria. Poderia o casamento de um nobre ser assim? Era um homem capaz de amor e ternura, assim como uma mulher?

Ela saberia em pouco tempo.

Saberia em breve.

Voltou a endireitar os ombros. Daria-lhe uma oportunidade, pensou consigo mesma. Seria como seu espelho: quando ele se mostrasse amigável, seria amável. Mas se ele era como seu pai, iria se encontrar com a forma do seu sapato.

Nenhum homem havia mandado nela e nunca o faria. Esse era o seu primeiro juramento.

— Minha dama! — Joan chamou animadamente, entrando no quarto. — Lá fora estão Sir Raine e seu irmão Sir Miles. Eles vieram para vê-la. — Como sua senhora a olhou fixa e inexpressivamente, pôs cara de exasperação. — Os irmãos de seu marido, minha senhora. Sir Raine quer conhecê-la antes do casamento.

Judith fez um aceno de cabeça e levantou-se para receber os visitantes. O homem com quem se casaria não demonstrava qualquer interesse nela. Até o compromisso havia sido feito por procuração. E agora não era ele quem a visitava, mas seus irmãos. Respirou fundo e forçou-se a não tremer, mesmo estando mais assustada do que pensou.

Raine e Miles desceram juntos a escadaria larga da casa Revedoune lado a lado. Chegaram à noite anterior, pois Gavin insistiu em adiar o iminente enlace até o último momento. Raine tentou convencê-lo que visitasse sua noiva, mas ele recusou. Convencido de que veria ela por muitos anos, então porque encarar antecipadamente a maldição?

Quando Miles voltou do compromisso, depois de oficiar o contrato, foi Raine que o questionou sobre a herdeira. Como de costume, Miles disse pouco, mas Raine sabia que ele estava escondendo algo. Agora que Raine tinha visto Judith, percebeu o que era.

— Por que não disse nada para Gavin? — Ele acusou. — Sabe o quanto teme que se trate de uma herdeira feia

Miles não sorriu, mas seus olhos brilharam em memória da visão de sua cunhada.

— Pensei que talvez lhe fizesse bem reconhecer estar errado ao menos uma vez.

Raine sufocou o riso. Gavin às vezes tratava seu irmão mais novo como se ele fosse um menino em vez de um homem de vinte anos. O silêncio de Miles em não contar a Gavin a beleza de sua noiva era um pequeno castigo para tanto autoritarismo e por todas as vezes que Gavin ordenara a seu irmãozinho. Raine deu uma risada curta.

— Pensar que Gavin ofereceu-me e nem sequer cogitei aceitar! Se tivesse a visto antes teria lutado por ela. Você acha que é tarde demais?

Se Miles respondeu, Raine não o ouviu. Seus pensamentos estavam fixos na pequena cunhada, que mal atingia seu ombro. Havia apreciado esse detalhe antes de ver seu rosto. Depois de enfrentar os seus olhos, ouro puro e rico como a Terra Santa, já não viu mais nada. Judith Revedoune o tinha enfrentado com um olhar inteligente e sereno, como se estivesse avaliando-o. Raine apenas olhou fixamente, incapaz de falar, se sentiu sendo puxado para baixo pela corrente destes olhos, ela não fazia caretas ou ria infantilmente, como quase todas as jovens donzelas: olhava-o de igual para igual, e essa sensação era inebriante. Miles teve de cutucá-lo para que falasse, enquanto o outro imaginava-se levando-a para longe da casa e de todas as pessoas para torná-la sua. Ele sabia que devia partir antes de ter outros pensamentos indecentes sobre a esposa de seu irmão.

— Miles, — disse baixinho, com suas bochechas sulcadas pelas covinhas, como lhe ocorria quando continha o riso, — talvez possamos tirá-la do nosso irmão mais velho por ter-nos exigido muitas horas no campo de treinamento.

— O que você planeja? — Os olhos de Miles arderam de interesse.

— Se a memória não me falha, acabo de ver uma anã hedionda de dentes podres e traseiro incrivelmente gordo.

Miles começou a sorrir. Na verdade, tinha visto um verdadeiro espantalho ao descer as escadas.

— Eu entendo. Não temos que mentir, mas nada nos obriga a dizer toda a verdade.

— Isso é o que eu penso.


Ainda era cedo quando Judith seguiu suas criadas pelas escadas, para o grande salão no segundo andar. O chão estava coberto de junco fresco; as tapeçarias que estavam guardadas foram penduradas, e o chão entre a porta e a parte de trás do salão era um caminho de pétalas de rosas e lírios. Por ali passaria ao sair da igreja, já casada.

Maud andava atrás de sua senhora, segurando no alto a cauda longa e frágil do vestido dourado e o manto forrado com doninhas. Judith fez uma pausa por um segundo antes de sair de casa e respirou fundo para conseguir coragem.

Levou um momento para adaptar-se à forte luz do sol, em seguida, viu a longa fila de pessoas que vieram para testemunhar o casamento da filha de um conde. Não estava pronta para receber os aplausos que a saudaram, gritos de boas-vindas e prazer pela visão de tão esplêndida jovem.

Judith sorriu como resposta, acenando para os convidados, servos e mercadores que vieram às festividades.

O trajeto para a igreja seria como um desfile, criado para mostrar a riqueza e a importância do conde do rei, de Robert Revedoune. Mais tarde, poderia se gabar de que o casamento de sua filha havia sido assistido por muitos condes e barões. Os menestréis conduziram a procissão, com entusiasmo anunciando a passagem da noiva. Judith foi colocada no cavalo branco por seu próprio pai, que fez um sinal de aprovação para o seu traje e comportamento. Para esta grande ocasião devia montar de lado, uma posição incomum para ela e que a incomodava, mas dissimulou. Sua mãe cavalgava atrás, ladeada por Miles e Raine. Os seguiam uma multidão de convidados, em ordem de importância.

Com grande estrondo de címbalos, os menestréis começaram a cantar e a procissão se colocou a caminho. Moviam-se lentamente, seguindo os músicos e Robert Revedoune, que conduzia pelas rédeas o cavalo de sua filha.

Apesar de todos os seus votos e juramentos, Judith descobriu que estava ficando cada vez mais nervosa, a curiosidade sobre seu noivo começou a carcomê-la. Sentou-se ereta, mas apertou os olhos, tratando de enxergar as duas silhuetas que ocupavam a porta da igreja: o padre e o estranho que seria seu marido.

Gavin não possuía a mesma curiosidade. Ainda se sentia enjoado a partir da descrição de Raine: aparentemente, a moça era simplória e feia. Tratou de não olhar a procissão que se aproximava rapidamente, mas o barulho dos menestréis e os aplausos ensurdecedores dos servos e mercadores, que se alinhavam no caminho, o impedia de ouvir seus próprios pensamentos. Contra sua vontade, seus olhos se voltaram para o desfile. Ele não percebeu que estavam tão perto!

Olhando para cima, viu uma moça de cabelo vermelho dourado na sela de um cavalo branco. Não tinha ideia de quem poderia ser, e levou um minuto para perceber que era sua noiva. O sol brilhava sobre ela como se fosse uma deusa pagã revivida. Olhou-a boquiaberto. Depois abriu um sorriso.

Raine!

Era de se espera que Raine mentisse! Seu alívio e felicidade eram tais que, inadvertidamente, sem se dar conta, abandonou ao portal da igreja e desceu a escadaria, de dois em dois e depois de três em três degraus. O costume ditava que o noivo esperasse até que o pai da noiva a descesse de seu cavalo e a acompanhasse até a escadaria para apresenta-la ao seu novo senhor. Mas Gavin queria vê-la melhor. Sem ouvir os risos e aplausos dos espectadores, afastou seu sogro de lado, com um empurrão e tomou a cintura de sua noiva para baixa-la do cavalo.

De perto, era ainda mais bonita. Os olhos de Gavin regozijaram-se sobre aqueles lábios carnudos, suaves e convidativos. Sua pele era límpida, cremosa e pura mais suave do que o melhor cetim. E quando finalmente percebeu seus olhos, esteve prestes a lançar uma exclamação.

Gavin sorriu para ela com puro prazer, e ela sorriu de volta para ele, expondo os dentes brancos. O rugido da multidão o trouxe de volta à realidade. Relutantemente, Gavin colocou-a no chão e ofereceu-lhe seu braço, apertando sua mão sobre a dela como se tivesse medo de vê-la fugir. Ele tinha toda a intenção de manter esta nova posse.

Os espectadores ficaram completamente satisfeitos com o comportamento impetuoso de Gavin Montgomery, e deram voz à sua aprovação. Robert franziu o cenho ao ser empurrado de lado, então viu que cada um dos convidados estava rindo.

A cerimônia de casamento foi realizada no átrio da igreja para que todos pudessem testemunhar o enlace, porque dentro não poderia caber a todos. O padre perguntou a Gavin se aceitaria Judith Revedoune para sua esposa. Gavin olhou para a mulher que estava ao seu lado, com seus cabelos soltos até a cintura, onde se cacheava à perfeição, e respondeu:

— Aceito.

Em seguida, o padre perguntou a Judith, que olhava para seu prometido com a mesma franqueza. Este vestia cinza da cabeça aos pés. O gibão e o casaco de ombros largo eram de veludo italiano macio. A jaqueta estava totalmente revestida com um vison escuro, a pele formava uma volta larga no pescoço, e uma borda estreita na parte dianteira. Seu único ornamento era a espada que pendia de seu quadril com o cabo embutido com um grande diamante que brilhava sob a luz do sol.

Mesmo as servas tendo dito que Gavin era bonito, Judith não esperava encontrar tal poder e força, mas algum jovem delicado e loiro. Observou seu espesso cabelo negro que se cacheava ao longo do pescoço, lábios que lhe sorriam e aqueles olhos que, de repente lhe fez correr um arrepio na espinha. Para o deleite da multidão, o padre teve que repetir a pergunta. Judith sentiu que lhe avermelhava o rosto ao dizer:

— Sim.

Decididamente, estava muito disposta a aceitar Gavin Montgomery.

Prometeram-se amar, honrar e obedecer. Depois, veio à troca de anéis, enquanto a multidão, que estava em silêncio até então, soltava bramidos que ameaçavam o telhado da igreja. Como o dote de Judith era lido para os convidados e espectadores, dificilmente podia ser ouvido. Judith e Gavin, dois belos jovens, contavam com o afeto de todos. Os noivos receberam cestos com moedas de prata, para jogá-los para o povo ao pé dos degraus. Em seguida, o casal seguiu o sacerdote ao interior da igreja, tranquila e relativamente escura.

Gavin e Judith ocuparam lugares de honra no coro, acima da multidão de convidados. Pareciam crianças pelo modo como se olhavam ao longo da missa longa e solene. Os convidados estavam observando com adoração, encantados por esta união que começava como um conto de fadas. Os menestréis já estavam escrevendo as canções que entoariam mais tarde, durante o banquete. Os servos e a classe média se mantiveram fora da igreja, e trocavam comentários sobre as roupas requintadas dos hóspedes e, acima de tudo, sobre a beleza da noiva.

Mas havia uma pessoa que não estava feliz. Alice Valence sentou-se ao lado da figura gorda e adormecida de seu futuro marido, Edmund Chatworth, e olhou para a noiva com todo o ódio de sua alma. Gavin tinha feito papel de tolo! Até mesmo os servos riram dele quando desceu as escadas correndo em busca daquela mulher, como um menino que corre em direção ao seu primeiro cavalo.

Como alguém poderia pensar que aquela cadela ruiva era linda? Alice sabia que as sardas sempre acompanhavam os cabelos vermelhos.

Afastou o olhar de Judith para fixar em Gavin. Era ele quem a enfurecia. Alice o conhecia melhor do que ele mesmo. Embora um rosto bonito pudesse fazê-lo saltar como um palhaço, suas emoções eram profundas. Havia-lhe dito que a amava e era verdade. E ela iria lembra-lo o mais rapidamente possível. Não lhe permitiria esquecer-se disso quando estivesse na cama com aquele demônio de cabelos vermelhos.

Olhou para suas mãos e sorriu. Ela possuía um anel... sim. Um pouco mais calma, olhou novamente para o casal de noivos, enquanto um plano estava se formando em sua mente.

Viu que Gavin pegava a mão de Judith para beijá-la, ignorando Raine que lhe lembrava de que estavam na igreja. Alice balançou a cabeça, essa tola nem sabia como reagir. Deveria ter baixado os olhos e ruborizado. De sua parte, sabia corar de uma forma muito lisonjeira. Mas Judith Revedoune simplesmente limitou-se a olhar para seu marido, atenta a cada um de seus movimentos enquanto apertava os lábios contra o dorso de sua mão. Muito pouco feminino, pensou Alice.

Neste momento, Alice não era ignorada, alguém a estava observando. Raine cravou o olhar em Alice desde o coro e notou o cenho franzido que enrugou sua testa perfeita. Sem dúvida alguma, a jovem não tinha ideia de que estava fazendo esse gesto, pois sempre teve o cuidado de mostrar apenas o que devia ser visto.

— Fogo e gelo — pensou. A beleza de Judith era como o fogo da sensualidade combatendo a palidez gelada de Alice. Ele sorriu enquanto pensava como facilmente o fogo derretia o gelo, mas depois lembrou que tudo dependia do calor do fogo e do tamanho do bloco de gelo. Seu irmão era um homem sensato e sensível, racional em todos os aspectos, exceto um: Alice Valence. Gavin a adorava, e se tornava insano quando qualquer um insinuava as suas falhas. Sua nova esposa exercia atração sobre Gavin e ao mesmo tempo se sentia atraída por ele, mas por quanto tempo? Poderia ela superar o fato de que Alice havia roubado seu coração? Raine esperava que sim. Ao olhar de uma mulher para a outra, percebeu que Alice poderia ser uma mulher para adorar, mas Judith era uma mulher para amar.


Capítulo Cinco

Ao terminar a longa missa de casamento, Gavin pegou a mão de Judith e a conduziu pelos degraus até ao altar, onde se ajoelharam diante do sacerdote para abençoá-los. O homem santo deu permissão a Gavin para o beijo da paz, que ele transmitiu para sua esposa. Deveria ter sido um beijo simbólico, realmente foi leve, apesar de ter acabado rapidamente, os lábios de Gavin permaneceram sobre os dela. Judith olhou para ele, seus olhos dourados refletiam ao mesmo tempo prazer e surpresa. Gavin sorriu largamente, cheio de pura alegria. Tomou-a pela mão novamente e a levou para fora quase correndo. Uma vez fora, a multidão jogou uma chuva de arroz, que por seu volume, foi quase mortal. Ele levantou Judith para senta-la em sua sela, sua cintura era muito fina, ainda que envolta em muitas camadas de tecido. Gavin queria senta-la em sua montaria, mas já tinha faltado amplamente aos costumes quando a viu pela primeira vez. Ocupar-se-ia das rédeas do animal, mas Judith levou seu próprio animal. Gavin estava satisfeito: sua esposa devia ser uma boa amazona.

Os noivos encabeçaram a procissão para a casa senhorial de Revedoune. Gavin segurava a mão dela com força quando entraram no grande salão, recentemente limpo, Judith olhou os lírios e pétalas de rosas espalhadas pelo chão. Algumas horas antes, estas flores tinham lhe parecido o prenúncio de algo terrível, que estava prestes a acontecer. Agora, olhando para aqueles olhos cinza que lhe sorriam a ideia de ser sua esposa não parecia horrível em absoluto.

— Daria qualquer coisa para conhecer seus pensamentos, — disse Gavin, colocando os lábios perto de sua orelha.

— Pensava que este casamento não parece tão ruim como eu imaginava.

Gavin ficou atordoado por um momento, em seguida, jogou a cabeça para trás, em uma gargalhada. Judith não tinha ideia de que acabou de insulta-lo e elogiá-lo na mesma frase.

Uma jovem bem treinada nunca teria admitido que não gostava da ideia de se casar com o homem escolhido para ela.

— Bem minha esposa. — disse com os olhos brilhando. — Estou mais do que satisfeito.

Foram as primeiras palavras que trocaram. E não tiveram tempo para mais. Os noivos tinham que se colocar a frente de uma fila para saudar as centenas de convidados que iriam felicitá-los.

Judith permaneceu serena junto ao seu esposo, sorrindo para cada um dos convidados. Conhecia poucos deles, desde que sua vida fora tão isolada.

Robert Revedoune estava de lado, olhando-a para se certificar de que não cometesse erros. Não tinha certeza de haver se livrado dela, pois o casamento ainda não havia sido consumado.

Judith tinha se preocupado com o fato de que suas roupas seriam excessivamente ricas, mas enquanto observava os convidados, murmurando "obrigada", percebeu que seu traje era conservador. Os convidados estavam vestidos com cores de pavão. Vários deles, ao mesmo tempo. As mulheres usavam vermelhos, púrpuras e verdes. Havia quadrados, listras, brocados, apliques e bordados exuberantes. O dourado e o verde de Judith se destacaram por sua discrição.

Raine de repente agarrou a cintura de Judith, levantou-a bem acima de sua cabeça, então plantou um beijo estalado em cada bochecha.

— Bem-vinda ao clã Montgomery, irmãzinha. — disse a ela com doçura, suas bochechas sulcadas por covinhas profundas.

Judith gostou dessa franqueza. Em seguida foi Miles, a quem ela conhecia por ter oficializado e representado ao noivo no contrato de compromisso. Aquela vez a olhou com olhos de falcão.

Miles continuava olhando-a de uma forma estranha e penetrante. Ela desviou os olhos para o marido, que parecia estar repreendendo Raine por alguma piada sobre uma mulher feia. Raine era mais baixo do que Gavin, estava vestido de veludo preto com jaqueta em prata; suas covinhas profundas e brilhantes olhos azuis sorridentes faziam dele um homem bonito. Miles era tão alto quanto o irmão mais velho, mas de constituição mais leve.

Dos três, as roupas de Miles eram as mais brilhantes e luxuosas: usava um gibão verde escuro de lã e jaqueta verde brilhante, forrada com pele de martas escuras. Seus quadris delgados estavam cingidos por um cinto largo de couro cravejado de esmeraldas.

Os três eram fortes e galantes, mas ao vê-los juntos, Gavin ofuscava os outros. Pelo menos, aos olhos de Judith. Ele sentiu seu olhar fixar-se nele e se virou para ela. Pegou sua mão e aplicou um beijo em seus dedos. Judith sentiu o coração acelerado: Gavin colocou a ponta de um dedo em sua boca, tocando-o com a língua.

— Acho que deveria esperar um pouco irmão, embora compreenda as razões para a sua impaciência. — Raine riu. — Fale-me outra vez das herdeiras gordas e muito alimentadas.

Gavin relutou em soltar a mão de sua esposa.

— Pode rir de mim o quanto queira e goste, mas sou eu quem a possui, por isso, serei quem ri por último. Ou talvez não seja apropriado falar de risos.

Raine soltou um som gutural e cutucou Miles.

— Venha, vamos ver se podemos encontrar mais deusas de olhos dourados nesse lugar. Dê a sua nova cunhada um beijo de boas-vindas e vamos embora.

Miles ergueu a mão de Judith e beijou-a prolongadamente, seus olhos nos dela o tempo todo.

— Creio que vou reservar o beijo para um momento de maior intimidade. — disse, antes de seguir Raine.

Gavin colocou seu braço nos ombros de Judith possessivamente.

— Não deixe que eles o aborreçam, só estão brincando.

— Eu prefiro suas brincadeiras.

Gavin sorriu para ela, então abruptamente a soltou. Tocá-la quase o incendiou. Ainda faltavam muitas horas para se deitar com ela. Se queria chegar ao final do dia, teria que manter as mãos longe dela.

Mais tarde, enquanto Judith aceitava um beijo de uma mulher mirrada, condessa de algum lugar, usando um vestido cintilante de cetim roxo, sentiu que Gavin se encolhia ao seu lado. Ela seguiu a direção dos seus olhos, estavam em uma mulher tão bonita que vários homens lhe olhavam boquiabertos. Quando ela ficou diante da noiva, Judith se surpreendeu com o ódio que ardia nos olhos azuis. Ela estava quase fazendo o sinal da cruz como meio de se proteger. Os risos chamaram a atenção de Judith e ela viu que várias pessoas se divertiam com o espetáculo destas duas mulheres, belas e muito diferentes, enfrentando-se entre si.

A loira passou rapidamente junto a Gavin, recusando-se a encontrar seus olhos. Judith notou uma expressão de dor no rosto de seu marido. Foi um encontro intrigante e desconcertante, que não conseguiu entender.

Finalmente, a recepção terminou. Todos os convidados haviam felicitado os recém-casados, o pai de Judith tinha dado a cada pessoa um presente, de acordo com sua importância e, finalmente, as trombetas soaram indicando que o banquete iria começar.

Enquanto os convidados felicitavam o casal, as mesas foram armadas no grande salão e já estavam cobertas com alimentos: galinha, pato, perdiz, cegonha, faisão, codorna, carne de porco e bovino. Havia tortas de carne e doze tipos de peixes. Legumes em abundância, temperados com especiarias do Oriente. Serviam-se os primeiros morangos da estação, bem como algumas romãs raras e dispendiosas.

A riqueza dos objetos da fazenda era visível nos pratos de ouro e prata utilizados pelos convidados mais importantes sentados na mesa principal, em uma plataforma ligeiramente levantada. Judith e Gavin tinham taças iguais: alta, fina, feita de prata e base finamente trabalhada em ouro.

No centro, havia uma área aberta, onde cantavam os bardos e atuavam os artistas. Havia: malabaristas, dançarinas do ventre, que se moviam sedutoramente, acrobatas e um elenco de artistas itinerantes que representavam uma obra. A tremenda agitação enchia o imenso hall, cuja altura era de dois andares.

— Não come muito. — observou Gavin, tentando não gritar, mas era difícil de ser ouvido em meio a tamanho estrondo.

— Não! — Ela o olhou com um sorriso. A ideia de que aquele estranho era seu marido cruzava a sua mente insistentemente. Sentia desejo de tocar-lhe a covinha no queixo.

— Venha. — ele propôs.

E tomou-lhe a mão para ajudá-la a levantar-se. Houve aplausos, gritarias, zombarias, gargalhadas e brincadeiras indecentes a granel, enquanto Gavin levava sua esposa para fora do grande salão. Nenhum deles virou a cabeça.

Passaram pelos campos, cheio de flores da primavera que roçavam a saia longa de Judith. À sua direita estavam às tendas de quem iria participar do torneio no dia seguinte. Em cada tenda voava um estandarte identificando o seu ocupante. Em toda parte, o leopardo dos Montgomery. O estandarte mostrava três leopardos colocados em sentido vertical, bordados com brilhantes fios de ouro em um campo verde esmeralda.

— São todos seus parentes? — Judith perguntou.

Gavin olhou por cima de sua cabeça.

— Tios e primos. Quando Raine disse que éramos um clã, não estava mentindo.

— Você é feliz com eles?

— Feliz? — Gavin deu de ombros. — Somos Montgomery. — Para ele, parecia resposta suficiente.

Detiveram-se em uma pequena colina, de onde se viam as tendas se elevando a baixo. Ele segurou a sua mão, enquanto Judith espalhava suas saias para sentar. Gavin se estendeu ao seu lado em todo o seu comprimento, com as mãos atrás da cabeça.

Judith sentou-se de costas para o seu rosto, com as pernas de Gavin esticadas diante dela. Apreciou a curva dos músculos acima do joelho, onde se arredondavam para a coxa. Judith sabia sem sombra de dúvida que cada uma de suas coxas era maior que sua cintura. Inesperadamente, ela estremeceu.

— Está com frio? — Perguntou Gavin, imediatamente alerta. Ele se ergueu sobre os cotovelos e observou-a sacudir a cabeça. — Espero que não tenha se importado em sair por um tempo, e nem que pense que não tenho boas maneiras, primeiro na igreja e agora isso, mas estava muito barulhento e queria ficar a sós com você.

— Eu também. — ela disse honestamente enquanto se virava para encará-lo.

Ele ergueu uma mão e pegou um cacho de cabelo, observando como se enrolava em seu pulso.

— Fiquei surpreso ao te ver, ouvi dizer que era feia. — Seus olhos brilharam quando ele esfregou a mecha de cabelo e enrolou entre seus dedos.

— Onde você ouviu isso?

— Todo mundo era de opinião que se Revedoune escondia sua filha, só podia ser por isso.

— Pelo contrário, eu era mantida escondida dele.

Judith não disse mais nada, mas Gavin havia compreendido. Não gostava muito deste homem contencioso, que punia os fracos e se acovardava diante dos fortes.

Gavin sorriu para ela.

— Estou muito satisfeito com você, é mais do que um homem poderia esperar.

De repente Judith se lembrou do doce beijo na igreja. Como seria beijar de novo, sem pressa? Tinha pouca experiência com os costumes entre homens e mulheres.

A respiração de Gavin parou quando ele a viu olhando para sua boca. Um rápido olhar para o sol lhe indicou que ainda faltavam muitas horas para tê-la só para si. Ele não começaria o que não poderia terminar.

— Devemos voltar. — disse bruscamente. — Nosso comportamento fará com que as más línguas falem por vários anos.

Ele a ajudou a ficar em pé. Quando a teve tão perto olhou seu cabelo, inalando sua fragrância especial. Sabia que o sol o tinha aquecido e sua única intenção era dar um beijo casto em seus cabelos, mas Judith levantou o rosto para lhe sorrir. Em poucos segundos abraçou-a e a estava beijando.

O pouco conhecimento que Judith possuía sobre relações sexuais provinha de conversas escutadas de suas criadas, que riam como mocinhas, quando comparam as façanhas amorosas de um homem e outro. Então Judith reagiu ao beijo de Gavin, não com a reticência de uma dama apropriada, mas com todo o entusiasmo que sentia.

Colocou as mãos atrás da sua nuca, e seus lábios se abriram sob os dele. Ela apertou seu corpo ao dele. Que musculoso ele era! Os músculos de seu peito eram duros contra a suavidade de seus seios, suas coxas eram como ferro. Ela gostava da sensação dele, do cheiro dele. Seus braços apertaram-se sobre ele.

De repente, Gavin recuou, sua respiração curta, ofegante.

— Você parece saber muito sobre beijar. — ele disse com raiva. — Tem beijado muito?

A mente e o corpo de Judith estavam cheios demais, de sensações, da novidade, e de formigamento para ter percebido o seu tom.

— Eu nunca beijei ninguém, minhas servas me disseram que era agradável, mas é mais do que isso.

Ele olhou fixamente, sabia reconhecer uma resposta honesta quando ouvia uma.

— Vamos voltar agora e rezar para que o pôr do sol não permaneça e escureça cedo.

Judith virou as bochechas avermelhadas para longe e seguiu seu passo. Caminharam para o castelo lentamente, nenhum deles falando. Gavin parecia imerso na observação de uma tenda. Se não estivesse segurando a mão de sua esposa com tanta força, teria pensado que a esqueceu.

Como estava olhando para o lado oposto, Gavin não viu Robert Revedoune, que estava os esperando. Judith sim. Reconhecendo raiva nos olhos dele, se preparou para enfrentá-lo.

— Sua putinha! — Robert sibilou. — Andas ofegando atrás dele como uma cadela no cio. Eu não vou ter toda a Inglaterra rindo de mim! — Levantou e baixou as costas da mão no rosto de Judith.

Gavin precisou de um momento para reagir. Ele não imaginaria um pai golpeando sua filha. Quando reagiu, descarregou o punho no rosto de seu sogro, que o deixou esparramado no chão em um completo atordoamento.

Judith olhou para o marido. Seus olhos eram negros, sua mandíbula transformada em granito.

— Não se atreva a tocá-la outra vez. — ordenou Gavin, com uma voz baixa e mortal. — O que é meu, eu guardo e cuido. — Voltou a caminhar em direção a Revedoune.

— Por favor, não. — Judith disse e agarrou o braço do marido. — Estou ilesa, e você o reembolsou por esse pequeno golpe.

Gavin não se moveu. Os olhos de Robert Revedoune passaram de sua filha para seu genro. Ele sabia que era melhor não falar. Lentamente se levantou e se afastou.

Judith puxou a manga do marido.

— Não deixe ele arruinar o dia, não sabe nada, exceto usar os punhos. — Sua mente estava girando. Os poucos homens que conhecera pensavam que era um direito do pai golpear sua filha. Talvez Gavin só pensasse nela como uma propriedade, mas algo na forma como falara fez Judith se sentir protegida, quase amada.

— Aqui, deixe-me olhar para você, — Gavin disse, sua voz mostrando que ele estava trabalhando duro para controlar seu temperamento.

Deslizou as pontas dos dedos sobre seus lábios, procurando contusões ou cortes. Ela estudou a sombra de seu queixo, que se escondia sob a pele raspada da barba. O contato amolecia seus joelhos. Levantou a mão e colocou um dedo na fenda de seu queixo. Ele interrompeu sua exploração para encontrar seus olhos. Ambos ficaram em silêncio por um longo momento.

— Devemos voltar. — disse ele, muito triste. Ele tomou seu braço e levou-a de volta para o castelo. A comida havia sido retirada e as mesas de cavalete, estavam desmontadas e empilhadas contra a parede. Os músicos afinavam seus instrumentos, pois estava prestes a começar a dança.

— Gavin, — chamou alguém — você vai tê-la pelo resto de sua vida. Não deve monopoliza-la hoje também

Judith se agarrou ao braço do moço, mas logo foi atraída para um círculo de dançarinos energéticos. Que a empurravam e a atraiam com passos vigorosos e rápidos, entretanto, tentou não perder de vista seu marido. Um homem riu entre dentes, fazendo-a olhar para cima.

— Irmãzinha, — disse Raine — ocasionalmente, deveria reservar um olhar para nós.

Judith sorriu para ele pouco antes que um braço forte lhe girasse, levantando-a do chão. Quando voltou ao seu lado, Raine disse:

— Como ignorar a homens tão bonitos como meus cunhados?

— Falou muito bem, mas se seus olhos não mentem, meu irmão é o único a pôr a luz das estrelas nesses pedaços de ouro.

Novamente alguém afastou Judith, e quando foi levantada no braço do homem, viu Gavin enquanto ele sorria para uma mulherzinha bonita, em um vestido de tafetá roxo e verde. Judith observou enquanto a mulher tocava o veludo no peito de Gavin.

— Onde está o seu sorriso? — Raine perguntou quando ela voltou para perto dele na dança. Virou-se e olhou para seu irmão.

— Você acha que ela é bonita? — Perguntou Judith.

Raine se controlou para não rir em voz alta.

— Feia, ela é um pequeno rato marrom de mulher, e Gavin não a tomaria. — "Porque todo mundo já o fez. Ah!" — Ele suspirou.

— Vamos sair daqui e tomar um pouco de cidra. Ele agarrou seu braço e levou-a para o lado oposto da sala onde estava Gavin.

Judith ficou quieta na sombra de Raine e observou enquanto Gavin conduzia a mulher de cabelos castanhos para a pista de dança. Cada vez que ele tocava a mulher, uma rápida sensação de dor atravessava o peito de Judith. Raine estava absorvido em alguma conversa com outro homem. Ela deixou sua taça e caminhou lentamente pelas sombras do corredor e para fora.

Atrás da mansão havia um pequeno jardim murado. Toda a sua vida, quando precisava ficar sozinha, Judith tinha ido para este jardim. A imagem de Gavin segurando a mulher em seus braços foi marcada em fogo diante de seus olhos. Mas por que ela deveria se importar? Ela o conhecia nem um dia inteiro. Então o que importava se ele tocasse a outra?

Sentou-se num banco de pedra, escondido do resto do jardim. Ela poderia estar com ciúmes? Nunca tinha experimentado a emoção em sua vida, mas tudo o que sabia era que não queria ver seu marido olhando ou tocando outras mulheres.

— Pensei que iria encontrá-la aqui.

Judith olhou para a mãe, depois para baixo novamente.

Helen sentou-se rapidamente ao lado da filha.

— Tem algo errado? Ele tem sido indelicado com você?

— Gavin? — Judith perguntou lentamente, gostando do som do nome. — Não. Ele é mais que amável.

Helen não gostou do que viu no rosto de Judith. Ela também, em outro tempo, havia sido assim. Ela agarrou os ombros da filha, embora o movimento machucasse seu braço ainda não curado.

— Você deve me ouvir! Por muito tempo eu adiei esta conversa com você. Todos os dias eu estive esperando por alguma coisa que impedisse esse casamento, mas não foi assim. Vou te dizer uma coisa que precisa saber: nunca confie em um homem.

Judith queria defender seu marido.

— Mas Gavin é um homem honrado. — disse ela, teimosa.

Helen deixou cair às mãos sobre o colo.

— Ah, sim, eles são honrados e honestos entre eles, para os seus homens, para os seus cavalos, mas para o homem, uma mulher significa menos do que seu cavalo. Uma mulher é facilmente substituída, menos valioso. Um homem é incapaz de mentir ao mais vil de seus vassalos e não dúvida em contar as piores fábulas a sua esposa. Não tem nada a perder. O que é uma mulher?

— Não! — Disse Judith. — Não posso acreditar que todos os homens sejam assim.

— Então você terá uma vida longa e infeliz, como eu tive. Se tivesse aprendido isso em sua idade, minha vida teria sido diferente. Acreditava estar apaixonada por seu pai Eu mesma o disse isso. Ele riu de mim. Sabe o que significa para uma mulher dar seu coração a um homem e ver que ele o recebe com uma risada?

— Mas os homens amam as mulheres... — começou Judith. Ela não podia acreditar no que sua mãe disse.

— Eles amam as mulheres, mas somente aquela cuja cama ocupam, e quando eles se cansam dela, amam outra. Há apenas uma vez em que uma esposa tem qualquer controle sobre seu marido, e isso é quando ela é novidade para ele, quando a magia da cama está sobre o homem. Então ele vai “amar” você e então poderá controlá-lo.

Judith estava de pé, de costas para a mãe.

— Não! Todos os homens não podem ser como você diz, Gavin é... — Ela não pôde terminar.

Helena, alarmada, dirigiu-se a sua filha e parou diante dela.

— Não me diga que você acha que está apaixonada por ele. Judith, minha doce Judith, você viveu nesta casa por dezessete anos e não aprendeu nada, não viu nada... Teu pai era assim em outros tempos. Acredite ou não, eu também era bonita e lhe agradava. É por isso que te digo essas coisas. Acredita que eu gostaria de revela-las à minha única filha? Preparei-te para a Igreja, para salva-la destas coisas. Preste atenção: tem que afirmar-te perante ele desde o início, deste modo te escutara. Nunca demonstre medo. Quando a mulher deixa transparecer seu medo, o homem se sente forte. Se estabelecer exigências desde o início, talvez te escute. Do contrário, será tarde demais. Haverá outras mulheres e...

— Não! — Judith gritou.

Helen lhe lançou um olhar de grande tristeza. Ela não podia salvar sua filha da dor que a esperava.

— Preciso voltar para os convidados, você virá?

— Não. — disse Judith suavemente. — Vou segui-la em breve, preciso pensar um pouco.

Helen encolheu os ombros e saiu pelo portão lateral. Não havia mais nada que ela pudesse fazer.

Judith sentou-se quieta no banco de pedra, os joelhos dobrados sob o queixo. Ela defendeu seu marido contra o que sua mãe disse. Ela pensou em centenas de maneiras de mostrar que Gavin era diferente de seu pai, a maioria, invenções criadas a partir de sua imaginação.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo som da abertura do portão. Uma mulher magra entrou no jardim. Judith a reconheceu imediatamente. Ela se vestiu para fazer com que as pessoas a notassem. O lado esquerdo do corpete era tafetá verde; o direito era vermelho. As cores estavam invertidas em sua saia. Ela se movia com certo propósito. De seu banco escondido atrás das madressilvas, Judith observou. Sua primeira impressão ao vê-la na recepção foi que Alice Valence era linda, mas agora ela não parecia assim. Seu queixo parecia fraco, sua boca pequena, mesquinha, como a revelar o mínimo possível. Seus olhos brilhavam como gelo. Judith ouviu uns pesados passos masculinos do outro lado do muro que conduzia até o portão menor, que sua mãe havia usado para sair. Queria dar à mulher a oportunidade de receber o seu amante em particular, mas as primeiras palavras a fizeram parar. Já reconhecia essa voz.

— Por que você me pediu para te encontrar aqui? — Perguntou Gavin, rígido.

— Oh, Gavin. — Alice disse, suas mãos indo para seus braços. — Que frio está comigo. Não foi capaz de me perdoar? Você não pode ter me esquecido, é o seu amor por esta nova esposa tão forte?

Gavin franziu o cenho para ela, sem tocá-la, mas também não se afastando.

— Você pode falar comigo de amor? Eu implorei que você se casasse comigo, me ofereci para te levar sem um dote, para reembolsar a seu pai o que ele deu a Chatworth, mas mesmo assim você me recusou.

— Você tem isso contra mim? Guarda rancor por isso? — Ela perguntou. — Não lhe mostrei as contusões que meu pai me fez, não falei das vezes em que ele me trancou sem comida ou água, o que eu deveria fazer? Encontrava-me contigo quando podia, te dei tudo o que tinha para dar a um homem, contudo é assim que eu sou reembolsada. Já ama outra. Diga-me, Gavin, você alguma vez já me amou?

— Por que você fala de meu amor à outra? Eu não disse que a amo. — Sua irritação permaneceu inabalável. — Me casei porque a oferta era boa, essa mulher traz riquezas, terras e um título, como você mesmo me fez ver.

— Mas quando você a viu... — Alice disse rapidamente.

— Eu sou um homem e ela é linda. Claro que fiquei satisfeito.

Judith queria deixar o jardim. Mesmo quando viu seu marido com a mulher loira, quis partir, mas era como se seu corpo se transformasse em pedra e não pudesse se mover. Cada palavra que ouviu Gavin falar empurrou uma faca através de seu coração: implorou a esta mulher que se casasse com ele e aceitava Judith, por causa de sua riqueza, como uma segunda escolha. Ela era uma tola! Ela sentira seus toques, suas carícias, como uma centelha de amor, mas não era assim.

— Então você não a ama? — Alice insistiu.

— Como poderia? Passei com ela senão umas poucas horas.

— Mas você poderia amá-la. — Alice disse sem rodeios e virou a cabeça para o lado. Quando ela olhou para ele, havia lágrimas em seus olhos, grandes, lindas e brilhantes. — Pode garantir que nunca a amará?

Gavin ficou em silêncio.

Alice suspirou pesadamente, então sorriu através de suas lágrimas.

— Eu esperava que pudéssemos nos encontrar aqui. Pedi que nos enviem um pouco de vinho.

— Preciso voltar à festa.

— Não vai demorar muito. — Disse ela docemente enquanto o conduzia a um banco contra a parede de pedra.

Judith observou Alice, fascinada, estava assistindo uma grande atriz. Ela viu a maneira como Alice virou a cabeça e habilmente enfiou a unha no canto do olho para produzir as lágrimas necessárias. As palavras dela eram melodramáticas. Judith observou Alice sentar-se cuidadosamente no banco, evitando esmagar o tafetá duro de seu vestido, então serviu duas taças de vinho. Em um processo lento, com elaborada produção, ela escorregou um grande anel de seu dedo, abriu a tampa escondida e, lentamente, derramou um pó branco em sua bebida.

Quando ela começou a saborear o vinho, Gavin tirou a taça de sua mão, enviando-a voando pelo jardim.

— O que você está fazendo? — Ele perguntou.

Alice se inclinou languidamente contra a parede.

— Gostaria de acabar com tudo, meu amor, posso suportar qualquer coisa, se estivermos juntos, suportarei meu casamento com outro, e que você despose a outra, mas devo ter o seu amor. Sem ele não sou nada. — Suas pálpebras caíram lentamente e ela estava com um olhar de tanta paz, como se já fosse um dos anjos de Deus.

— Alice, — Gavin disse enquanto a pegava em seus braços — você não pode querer tirar a própria vida.

— Meu doce Gavin, não sabe o que o amor é para as mulheres. Sem ele já estou morta. Por que prolongar a agonia?

— Como você pode dizer que não tem amor?

— Me ama, Gavin? Só a mim?

— Claro. — Ele se curvou e beijou sua boca, o vinho ainda em seus lábios. O pôr-do-sol aprofundou a cor aplicada em suas bochechas. Seus cílios escuros lançavam uma misteriosa sombra sobre suas bochechas.

— Jure-me! — Pediu ela com firmeza. — Tem que jurar que vai amar só a mim e a ninguém mais.

Parecia um pequeno preço a pagar para evitar que ela se matasse.

— Eu juro.

Alice levantou-se rapidamente.

— Preciso voltar agora, antes que notem a minha ausência. — Ela parecia completamente recuperada. — Você não vai me esquecer, mesmo esta noite? — Ela sussurrou contra seus lábios, suas mãos procurando dentro de suas roupas. Ela não esperou por sua resposta, mas escapou de seu aperto e atravessou o portão.

O som de aplausos fez Gavin se virar. Judith estava ali, seu vestido e seus olhos brilhando em um reflexo do sol poente.

— Essa foi uma performance excelente. — ela disse enquanto baixava as mãos. — Eu não tenho sido tão entretida em anos. Nunca tinha visto nada igual. Essa mulher deve tentar o palco em Londres. Eu ouvi dizer que há necessidade de bons comediantes.

Gavin avançou em direção a ela, seu rosto refletindo sua raiva.

— Pequena mentirosa e falsa! Você estava escondida me vigiando, não tem o direito de me espionar!

— Espionar-te! — Ela zombou. — Saí do salão para tomar um pouco de ar depois que meu esposo, pronunciou essa palavra com ironia, me deixou sozinha. E aqui no jardim, vi como meu esposo estava se rastejando aos pés de uma mulher cheia de maquiagem, capaz de manipulá-lo com o dedo mindinho.

Gavin então lhe deu uma bofetada. Uma hora antes ele jurara que por nada no mundo seria capaz de ferir uma mulher.

Judith bateu contra o chão, aterrissando em uma massa de cabelos amontoados e seda dourada. O reflexo do sol parecia ter lhe aproximado uma tocha.

Gavin ficou instantaneamente arrependido. Estava desgostoso de si mesmo e do que tinha feito. Ajoelhou-se para ajudá-la a se levantar.

Ela se afastou dele e seus olhos brilharam de ódio. Sua voz era tão calma, tão seca, que ele mal podia ouvi-la.

— Você disse que não queria se casar comigo, que o fez apenas pela riqueza que lhe trago com o dote. Eu também não queria me casar com você. Recusei-me até que meu pai diante dos meus olhos quebrou um braço de minha mãe como se fosse uma farpa. Eu não tenho amor por esse homem, mas por você eu tenho menos ainda, nisso pelo menos ele é um homem honesto, pelo menos é sincero. Não jura amor eterno diante de um padre e centenas de testemunhas, para jurar esse mesmo amor para outra apenas uma hora depois. Gavin Montgomery você é inferior à serpente no Jardim do Éden, e sempre amaldiçoarei o dia em que me uniram a você. Fez um juramento a essa mulher. Agora eu te farei outro. Diante de Deus juro que lamentaras o dia de hoje. Podes obter a riqueza que deseja, mas nunca me entregarei livremente.

Gavin se afastou de Judith como se ela tivesse se transformado em veneno. Sua experiência com mulheres limitava-se a prostitutas e amizades com algumas das damas da corte. Todas elas eram recatadas e castas como Alice. Que direito tinha Judith de lhe fazer exigências, de amaldiçoá-lo, de fazer votos perante Deus? Um marido era o deus de uma mulher, e quanto mais cedo aprendesse isso, melhor.

Gavin agarrou um punhado de cabelos de Judith e puxou-a para ele.

— Eu a tomarei o quanto quiser, e quando quiser que me satisfaça e ao tomá-la, você deveria estar grata. — Ele a soltou e a empurrou de volta ao chão. — Agora se levante e prepare-se para se tornar minha esposa.

— Eu te odeio. — ela disse em voz baixa.

— O que isso importa para mim? Eu também não te amo.

Seus olhos se encontraram: aço cinza contra ouro. Nenhum dos dois se moveu até que chegaram as mulheres encarregadas de preparar Judith para a noite de núpcias.


Capítulo Seis

Haviam preparado um quarto especial para os recém-casados, separando um grande canto dos aposentos superiores, em torno de uma lareira. Havia uma enorme cama, coberta com os mais suaves lençóis de linho e uma colcha de pele de esquilo cinzento, forrada com seda carmesim. A cama estava coberta com pétalas de rosa.

As donzelas de Judith e várias das convidadas ajudaram a despir a noiva. Quando ela estava nua, afastaram os cobertores e Judith se deitou. Sua mente não prestava atenção no que acontecia ao seu redor. Ela continuava chamando a si mesma de idiota. Em poucas horas tinha esquecido dezessete anos de experiência sobre os homens; por algumas horas acreditou que um deles poderia ser bom e amável, até mesmo capaz de amar. Mas Gavin era como todos; talvez pior.

As mulheres riram com estardalhaço do silêncio de Judith. Mas Helen sabia que havia mais do que apenas nervosismo envolvido no comportamento de sua filha. Ela sussurrou uma oração silenciosa, pedindo a Deus que ajudasse sua filha.

— Você é uma mulher afortunada. — murmurou uma mulher mais velha ao ouvido de Judith. — Em meu primeiro casamento me encontrei em uma cama com um homem cinco anos mais velho do que meu pai. Surpreendi-me que ninguém o ajudara a cumprir com os seus deveres.

Maud riu bastante.

— Lorde Gavin não precisará de ajuda disso tenho certeza.

— Talvez Lady Judith precise de ajuda, e eu ofereceria meus... ah... serviços de boa vontade. — Riu outra pessoa.

Judith mal as ouviu. Tudo o que ela lembrava era de ouvir o seu marido prometendo seu amor à outra mulher, a maneira como ele abraçava Alice e a beijava. As mulheres cobriram com o lençol até os seios de Judith. Alguém penteou seu cabelo de modo que eles ficassem cascateados suavemente sobre seus ombros nus para descansar em cachos castanho-avermelhados grossos em torno de seus quadris.

Através da porta de carvalho, as mulheres ouviram o ruído dos homens que chegavam com Gavin carregados em seus ombros, com os pés para frente e já meio despido, os homens gritando suas ofertas de auxílio, suas apostas quanto à competência de seu desempenho para a tarefa à frente. Ficaram em silêncio enquanto o colocavam de pé e olhavam para a noiva que esperava na cama. O lençol acentuava seus ombros cremosos e as curvas cheias de seus seios. A luz das velas acentuando as sombras dos lençóis. Sua garganta nua pulsava com vida. Seu rosto estava em uma expressão séria e que fez seus olhos escurecerem, como se jogassem chispas. Seus lábios eram duros, como se esculpidos em algum cálido mármore vermelho.

— Acabe com isso! Mãos à obra! — Alguém gritou. — Quem vai atormentar? A ele ou a mim?

O silêncio estava quebrado. Gavin rapidamente se despiu e foi empurrado para a cama. Os homens observaram avidamente enquanto Maud afastou as cobertas, dando-lhes um breve olhar dos quadris e das coxas.

— Agora fora! — Ordenou uma mulher alta. — Deixe-os em paz.

Helen deu um último olhar para a filha, mas Judith olhava para as mãos cruzadas no colo e não via ninguém.

Quando a porta pesada se fechou, o quarto de repente parecia naturalmente silencioso e Judith estava dolorosamente ciente do homem ao seu lado. Gavin ficou sentado, olhando para ela. A única luz no quarto era das chamas que ardiam na lareira em frente ao pé da cama. A luz dançava em seus cabelos, brincava com as sombras de sua delicada clavícula. Neste momento, ele não se lembrava de terem discutido. Nem possuía pensamentos de amor. Só sabia que estava na cama com uma mulher desejável. Ele moveu sua mão para tocar seu ombro e ver se a pele era tão suave quanto parecia.

Judith afastou-se bruscamente dele.

— Não me toque! — Ela disse com os dentes cerrados.

Ele a olhou surpreso. Havia ódio em seus olhos dourados, suas bochechas vermelhas. Se possível, sua raiva tornava-a ainda mais bonita. Nunca havia sentido um desejo tão violento. Sua mão rodeou seu pescoço, seu polegar cavando na carne macia.

— Você é minha esposa. — ele disse em voz baixa. — Você é minha!

Ela resistiu a ele com todas as suas forças, mas não era nada comparada a força dele. Facilmente, puxou o rosto de Judith para o dele.

— Nunca vou pertencer a você livremente! — Ela cuspiu nele antes que seus lábios a silenciasse.

Gavin queria ser gentil com ela, mas ela o enfurecia. Essa mulher fazia querer amaldiçoá-la, inspirando o desejo de golpeá-la de novo. Mas, acima de tudo, queria possuí-la. Sua boca caiu brutalmente sobre a dela.

Judith tentou afastar-se, mas ele não permitiu. Ele a machucava. Não era o beijo doce da tarde, mas sim um castigo para discipliná-la. Ela tentou chutá-lo, mas o lençol que os separava prendia seus pés e ela mal conseguia se mover.

— Eu vou te ajudar. — Gavin disse e rasgou o lençol, puxando-o de debaixo do colchão. Sua mão ainda segurava o pescoço de Judith, quando o lençol foi jogado no chão e ela continuava deitada, nua diante dele, que relaxou seu aperto enquanto a fitava. Ele a encarou maravilhado: Seus seios cheios, cintura pequena, quadris redondos. Olhou de volta para seu rosto, seus olhos brilhando. Seus lábios estavam vermelhos de seu beijo, e de repente não havia nenhum poder na terra que pudesse impedi-lo de tomá-la. Ele agiu como um homem faminto, desesperado por comida, que iria matar ou mutilar para conseguir o que desejava.

Ele a empurrou para o colchão e Judith viu a expressão em seus olhos. Ela não entendia, mas tinha medo. Ele planejou mais do que lhe bater. Disso ela tinha certeza.

— Não! — Ela sussurrou e lutou contra ele.

Gavin era um cavaleiro experiente. Judith não tinha força contra ele, não mais do que um mosquito para uma peça de granito. E ele prestou-lhe tanta atenção como a um inseto. Ele não fez amor com ela, mas usou seu corpo. Gavin estava além de pensar no prazer dela, como em qualquer outra coisa, somente pensava no que ele desejava e tão desesperadamente precisava. Ele se jogou em cima dela, abrindo suas pernas com uma coxa, beijou-lhe novamente, com força.

Quando Gavin sentiu a minúscula membrana que o deteve, por um momento ficou perplexo. Mas ele mergulhou empurrando, inconsciente da dor que causava a Judith. Quando ela gritou, ele silenciou seus lábios com os dele e continuou.

Depois que ele terminou, rolou para o lado, um braço pesado cruzado sobre seus seios. Para ele, havia sido um alívio; para Judith, nada parecido com prazer.

Em minutos, ela ouviu sua respiração lenta e soube que ele estava dormindo. Silenciosamente, saiu de baixo de seu braço e da cama. O cobertor de peles de esquilo tinha sido arremessado ao chão. Ela o pegou e envolveu seu corpo. Olhou para o fogo, dizendo a si mesma que não iria chorar. Por que ela deveria chorar? Casou-se contra sua vontade com um homem que jurou, no dia do seu casamento, que nunca a amaria, nunca poderia amá-la. Um homem que lhe disse que não era nada para ele. Que razão tinha para chorar quando a vida diante dela parecia ser tão agradável. Esperavam-lhe anos que nada faria, a não ser para dar-lhe filhos e passar sua vida em casa, enquanto ele passearia no campo com sua bela Alice.

Ela não iria chorar! Encontraria sua própria vida e, se possível, seu amor próprio. Não se importaria com seu esposo em absoluto.

Ela ficou em silêncio, controlando suas lágrimas, e tudo o que parecia relembrar era a doçura do beijo de Gavin naquela tarde, tão diferente de seu ataque de hoje à noite.

Gavin se mexeu na cama e abriu os olhos. No início, não se lembrava de onde estava. Virou a cabeça e viu a cama vazia ao seu lado. Ela tinha ido embora! Cada polegada de sua pele ficou tensa, até que ele notou Judith na frente da lareira. Esqueceu seu súbito medo, aliviado por ela ainda estar com ele. Ela parecia estar em outro mundo, nem mesmo o ouviu se mexer na cama. Os lençóis estavam generosamente manchados de sangue e Gavin franziu o cenho. Ele sabia que a machucou, mas não entendia o motivo. Alice tinha sido virgem até aquele primeiro encontro, mas ela não demostrou nenhuma dor.

Ele olhou para sua esposa, tão pequena e sozinha. Era verdade que ele não a amava, mas a tinha usado com dureza. Uma donzela não merecia estupro.

— Volte para a cama — ele disse suavemente, sorrindo um pouco. Ele faria amor com ela lentamente, como meio de desculpas.

Judith endireitou os ombros.

— Não, eu não vou. — disse com firmeza. Ela deveria começar por não o deixar controlá-la.

Gavin olhou para as suas costas, horrorizado. A mulher era impossível! Ela fazia de cada frase um concurso de vontades. Com a mandíbula apertada, levantou-se da cama para ficar diante dela.

Judith realmente não o viu nu antes, pelo menos não na claridade, e seu peito nu, coberto com cabelo escuro sobre a pele bronzeada pelo sol, atraiu seus olhos. Ele parecia formidável.

— Você não aprendeu que virá até mim quando eu chamar?

Ela levantou o queixo e encontrou seus olhos.

— Você não aprendeu que não lhe darei nada livremente? — Ela respondeu.

Gavin estendeu a mão e tirou um cacho de seu quadril, enrolando-o sobre seu pulso várias vezes, puxando Judith mais perto de si, enquanto ela cedia se encolhendo da dor. A coberta caiu e ele puxou sua pele nua contra a dele.

— Agora você usa a dor para tomar o que quiser, — ela sussurrou — mas no final eu vou ganhar porque você se cansará de lutar.

— E o que você ganha? — Ele perguntou, os lábios perto dela.

— Liberdade de um homem que eu odeio, um bruto, mentiroso, desonroso e fal... — Parou quando ele a beijou. Não era o beijo de uma hora antes, mas um gentil.

No início, Judith se recusou a reagir a ele, mas suas mãos foram contra a sua vontade para seus braços. Eles eram duros, os músculos proeminentes, e sua pele era tão quente. Ela percebeu os cabelos de seu peito contra seus seios.

Quando seu beijo se aprofundou, ele afrouxou a mão de seu cabelo, seus braços rodeando seus ombros. Ele moveu-a de modo que a cabeça dela se encostou à curva de seu ombro.

Judith desistiu de pensar. Ela era uma massa de sensações, cada sentimento novo e não sonhado. Ela se aproximou, passando as mãos sobre suas costas, sentindo como os músculos se moviam, tão diferentes da suavidade de suas próprias costas. Começou a beijá-la nas orelhas, mordiscando os lóbulos. Emitiu uma risada baixa e gutural: os joelhos de Judith amoleceram e ela caiu contra a força de seu braço atrás das suas costas. Ele se inclinou, colocou seu outro braço sob seus joelhos, sua boca nunca deixando seu pescoço, e a levou para a cama. Deitando-a, ele beijou seu corpo desde a testa até os dedos dos pés. Judith ficou em silêncio, apenas seus sentidos vivos.

Em pouco tempo ela não podia suportar mais beijos. Ela tinha uma absurda dor por toda parte, e puxou seu cabelo para melhor beijar sua boca. E se perdeu em seus lábios com avidez, famintos.

Os sentidos de Gavin também estavam cambaleando. Nunca teve o prazer de fazer amor com uma mulher, suave e longamente como fazia hoje à noite, e nunca imaginara o prazer dela. A paixão de Judith era tão feroz quanto a sua própria, mas não apressaram o ato de fazer amor. Quando ele se deitou sobre ela, seus braços o seguraram firmemente, puxando-o para mais perto. Não havia dor para Judith desta vez. Ela estava pronta e disposta e se moveu com ele, lentamente no início, até que eles explodiram juntos no clímax.

Eventualmente, Judith caiu em um sono profundo, exausta, com a perna jogada sobre a de Gavin, os cabelos torcidos ao redor do braço.

Mas Gavin não adormeceu imediatamente. Ele sabia que esta era a primeira vez para aquela mulher suave que ele tinha nos braços, mas de certa forma sentia como se acabasse de perder a virgindade também. E essa era certamente uma ideia absurda. Não se lembrava de todas as mulheres que levara para sua cama. Mas esta noite foi infinitamente diferente. Nunca havia experimentado tal paixão. As outras mulheres se retiravam quando ele estava mais excitado. Judith lhe deu tanto quanto ele lhe dava.

Ele pegou uma mecha de cabelo de seu pescoço e segurou-o, deixando que a luz do fogo tocasse através dos fios. Ele o segurou perto do nariz, depois nos lábios. Ela se mexeu contra ele e se aconchegou mais perto. Mesmo no sono ela o queria nas proximidades.

Os olhos cinza de Gavin ficaram pesados. Pela primeira vez em que ele conseguia se lembrar, estava satisfeito e saciado. Ah, mas havia o amanhã.

Ele sorriu antes de dormir.


Jocelin Laing colocou seu alaúde no estojo de couro e deu um aceno quase imperceptível para a loira antes de ela sair do salão. Naquela noite houve várias ofertas de mulheres para compartilhar suas camas. A excitação do casamento e especialmente de ver o belo casal se despir e colocar-se na cama enviou muitas pessoas em busca do próprio prazer.

O cantor era um jovem especialmente bonito, olhos quentes e escuros sob cílios longos e grossos, os cabelos escuros terminavam em ondas na pele perfeita, que se estendia sobre maçãs do rosto.

— Ocupado esta noite? — Gritou um dos outros cantores rindo.

Jocelin sorriu enquanto fechava seu estojo de alaúde, mas não respondeu.

— Eu invejo um homem com uma noiva como essa. — O outro homem acenou com a cabeça para a escada.

— Sim, ela é linda, — concordou Jocelin. — Mas há outras.

— Não é assim. — O homem se aproximou de seu amigo. — Há alguns de nós reunidos com algumas das donzelas da noiva. Você é bem-vindo para vir conosco.

— Não! — Jocelin disse calmamente. — Eu não posso.

O cantor deu a Jocelin um olhar malicioso, juntou seu saltério e saiu do grande salão.

Quando a enorme sala estava em silêncio, dispersos pelo chão, cem colchões de palha para os serventes e convidados de menor importância, Jocelin subiu as escadas. Ele se perguntou como a mulher que ia encontrar poderia ter arranjado um quarto privado. Alice Valence não era rica, e embora sua beleza tivesse conquistado o anel e a promessa de casamento de um conde, ela não era uma das pessoas mais importantes. Nesta noite, quando o castelo estava transbordando de convidados, só os noivos tinham um quarto sozinho. Os outros convidados compartilhavam os leitos instalados nos quartos das damas ou no dormitório principal. Eram grandes camas de até dois metros e meio, rodeado por cortinas pesadas que pareciam quase quartos individuais.

Jocelin não teve dificuldade em entrar no quarto reservado para as mulheres solteiras, vários homens já haviam escorregado furtivamente pela porta e estavam lá. Foi fácil ver que as cortinas se abriram, deixando ver a loira. Aproximou-se dela rapidamente, uma vez que apenas vê-la o encheu de desejo. Alice estendeu os braços, com fome por ele, quase violenta em sua paixão e qualquer tentativa feita por Jocelin para prolongar o prazer de ambos encontrou resistência. Ela era como uma tempestade, cheia de relâmpagos e trovões.

Quando terminou, não queria que Jocelin a tocasse. Sempre atento ao humor de uma mulher, ele obedeceu ao seu desejo não expresso. Nunca tinha visto uma mulher que não quisesse ser abraçada depois de fazer amor. Começou a vestir suas roupas descartadas precipitadamente.

— Vou me casar em um mês. — disse ela calmamente. — Então você virá ao castelo do meu marido.

Ele não comentou. Ambos sabiam que ele estaria lá.

Ele apenas se perguntou quantos outros homens ela convidou.


Um único raio de sol passou através da janela, seu calor fazendo cócegas no nariz de Judith. Dormindo, ela o roçou e tentou se afastar, mas algo a segurava pelos cabelos. Preguiçosamente abriu os olhos e viu a estranha cama de dossel. Quando se lembrou de onde estava, sentiu o rosto ficar quente. Até seu corpo parecia corar.

Ela moveu a cabeça para o outro lado da cama e olhou para o marido adormecido. Seus cílios eram curtos, grossos e escuros, nas bochechas já aparecia à barba crescida. Adormecido, as maçãs de seu rosto não eram tão afiadas. Até a fenda profunda no queixo dele parecia relaxada.

Gavin estava deitado de lado, de frente para ela e Judith deixou seus olhos vagarem por ele. Seu peito largo estava coberto generosamente por cabelos escuros e ondulados. Os músculos formavam montículos grandes e bem modelados. Seus braços estavam cobertos por um músculo redondo e firme. Seus olhos desceram até seu ventre duro e achatado. Só depois de um momento seus olhos baixaram um pouco mais. O que ela viu não parecia tão poderoso agora, mas enquanto observava, sua masculinidade começou a crescer.

Ela ofegou e seus olhos voaram de volta para os dele. Ele estava acordado, observando-a, seus olhos ficando mais escuros a cada momento. Não era mais o homem descontraído que ela observara, mas um homem cheio de paixão. Judith tentou afastar-se, mas Gavin ainda a segurava presa por seus cabelos. O que era pior, ela realmente não queria resistir. Lembrou-se de que o odiava; porém mais do que isso, lembrou-se do prazer quando ele fez amor com suavidade.

— Judith, — ele sussurrou e o tom de sua voz fez arrepios percorrer seus braços.

Ele beijou o canto de sua boca. Suas mãos empurraram em vão contra seus ombros, mas mesmo com esse ligeiro toque, seus olhos se fecharam em rendição. Ele beijou sua bochecha, o lóbulo de sua orelha. Então, enquanto ela ofegava para respirar, sua boca caiu sobre a dela. Sua língua tocou docemente a ponta da dela. Ela recuou assustada. Ele sorriu para ela como se a entendesse. Na noite passada Judith pensou que aprendeu tudo o que havia para saber sobre o amor entre um homem e uma mulher, mas agora pensava que talvez soubesse muito, muito pouco.

Os olhos de Gavin assumiram um tom de fumaça quando a puxou para ele novamente. Ele correu a língua ao longo de seus lábios, tocando os cantos internos especialmente. Ela abriu os dentes para saboreá-lo. Seu sabor melhor do que o mel mais rico. Quente e frio, macio e firme. Ela explorou sua boca enquanto ele explorava a dela. Ela não pensava agora em timidez. Na verdade, ela não tinha ideia nenhuma.

Ela passou as mãos sobre ele enquanto ele baixava a cabeça para seu pescoço, correndo a língua ao longo do pulso que batia lá. Instintivamente ela inclinou a cabeça para trás, sua respiração mais profunda, mais rápida.

Quando os lábios e língua de Gavin tocaram seus seios, quase gritou. Ela pensou que talvez pudesse morrer sob essa tortura lenta e deliciosa. Tentou puxar a cabeça dele de volta para a boca, mas ele deu uma risada profunda e gutural que a fez tremer. Talvez ele a possuísse depois de tudo.

Quando pensou que iria perder a cabeça, ele se deitou em cima dela, sua mão acariciando o interior de suas coxas até que ela tremeu de desejo. Quando ele a penetrou, ela gritou. Não havia alívio para seu tormento. Agarrou-se a ele, suas pernas em torno de sua cintura enquanto erguia o quadril para encontrar cada arremesso dele. Finalmente, quando se sentia prestes a explodir, experimentou as contrações que a aliviaram. Gavin desmoronou sobre ela, segurando-a tão perto que quase não conseguia respirar. Mas no momento, ela realmente não se importava se alguma vez respirasse novamente.

Uma hora depois, as donzelas vieram vestir Judith, acordando os recém-casados. De repente, cobrou perfeitamente a consciência de que o seu corpo e os cabelos estavam enroscados em Gavin. Maud e Joan tinham várias coisas a dizer sobre o abandono de Judith. Os lençóis estavam manchados e tinha mais roupas de cama no chão que sobre o colchão. A colcha de pele de esquilo jazia do outro lado do quarto junto à lareira.

As donzelas puxaram Judith e a ajudaram a se lavar. Gavin vagava com preguiça na cama e observava cada movimento.

Judith não olhou para ele, não podia. Ela estava envergonhada até as profundezas de sua alma. Ela detestava o homem. Ele era tudo o que ela odiava, vil, mentiroso, enganador, ganancioso, mas ela agiu sem orgulho quando a tocou. Ela fez um voto a ele — e a Deus — de que não receberia nada dela, mas ele tomou mais dela do que ela queria dar.

Ela mal notou quando suas criadas colocaram uma fina camisola de linho sobre sua cabeça, e depois um vestido de veludo verde escuro. O vestido tinha sido bordado com intrincados desenhos de ouro. A parte dianteira da saia foi dividida, revelando uma faixa larga de anáguas de seda. As mangas eram cheias e recolhidas nos pulsos, com pequenos cortes em alguns lugares, e o forro de seda verde claro foi puxado através das barras.

— E agora, minha lady. — disse Maud, entregando a Judith uma grande caixa de marfim.

Judith olhou para sua serva surpresa enquanto segurava a caixa aberta. Em um veludo preto estava um grande colar de filigrana de ouro, os fios minúsculos eram tão finos como o seu cabelo. Ao longo do fundo do colar havia uma fileira de esmeraldas, muitas delas perfeitamente combinadas em tamanho, nenhuma delas maior do que uma gota de chuva.

— É linda. — sussurrou Judith. — Como minha mãe...

— É presente de casamento de seu esposo, minha lady. — Maud corrigiu com chispas em seus olhos.

Judith podia sentir os olhos de Gavin em suas costas. Ela girou e encarou-o. A visão dele na cama, sua pele tão morena contra a brancura dos lençóis, fizeram seus joelhos amolecerem. Foi preciso muita força de vontade, mas curvou um joelho e fez uma reverência.

— Obrigada, milorde.

A mandíbula de Gavin apertou ante sua frieza. Havia esperado que o presente a suavizasse um pouco. Como podia ser tão ardente na cama e tão fria e altiva fora dela?

Judith voltou-se para suas donzelas e Maud terminou de abotoar os botões do vestido. Joan trançou a camada superior do cabelo de sua ama, e entrelaçou as tranças com fitas de ouro. Antes que elas terminassem, Gavin ordenou que saíssem do quarto. Judith preferiu não olhar para ele enquanto se barbeava às pressas e vestia um gibão e colete marrom escuro, uma calça e casaco de lã castanho sobre ele, o forro de lince dourado.

Quando deu um passo em direção a ela, Judith teve que lutar para acalmar o seu precipitado coração. Gavin ofereceu-lhe o braço e conduziu-a ao térreo, onde esperavam os convidados.

Assistiram à missa juntos, mas desta vez não se olhavam nos olhos nem ele beijou sua mão.

Permaneceram solenes e sóbrios ao longo de todo o ritual.


Capítulo Sete

No terreno fora da mansão Revedoune, a agitação prevaleceu, o ar estava carregado de excitação. Em todos os lugares tremulavam estandartes coloridos, vibrando nas arquibancadas e nas tendas que cobriam o campo. As roupas brilhavam a luz do sol, como joias. Crianças corriam entre os grupos de pessoas. Vendedores, com grandes caixas penduradas no pescoço, vendiam suas mercadorias, desde frutas e tortas a relíquias sagradas.

A praça em si era um campo coberto de areia de cem metros de comprimento, com duas fileiras de cercas de madeira ao longo de ambos os lados. A cerca interna era curta, apenas um metro e vinte de altura, mas o exterior chegava a quase dois metros e meio. O espaço interior era para os escudeiros e cavalos dos participantes. Fora da cerca alta, a classe mercante e os servos se pressionavam por uma visão dos jogos e das justas.

As damas e os cavaleiros que não participavam sentaram-se em arquibancadas em terraços suficientemente altos acima das cercas para ver tudo. As arquibancadas eram cobertas e marcadas com os estandartes que exibiam as cores das diferentes famílias. Várias áreas levavam os leopardos dos Montgomery.

Antes de o combate começar, os cavaleiros desfilaram com sua armadura. A qualidade e desenho das armaduras variavam consideravelmente, dependendo da riqueza de cada um. As antigas tinham cota de malha, outras, mais modernas, placas de metal costuradas sobre couro, os mais ricos usavam a nova armadura Maximiliano da Alemanha, que cobria o homem da cabeça aos pés com aço inoxidável, sem deixar um centímetro desprotegido. Era uma defesa pesada, ultrapassando os cinquenta quilos. Sobre os elmos ondulavam penas com as cores do cavaleiro.

Enquanto Judith e Gavin andavam em direção ao terreno do torneio, ela ficou perplexa com todo o barulho e cheiro que os rodeava. Era novo e emocionante, mas Gavin tinha seus próprios pensamentos contraditórios. A noite tinha sido uma revelação. Nunca desfrutou tanto do gozo com uma mulher como tinha sido com Judith. Com muita frequência, suas cópulas eram encontros apressados ou secretos com Alice. Gavin não amava a essa mulher que havia desposado, pelo contrário, falar-lhe o enfurecia, contudo não conhecia paixão tão desinibida quanto a sua.

Judith viu Raine aproximar-se deles. Ele estava vestido com armadura completa para a justa. O aço foi gravado com pequenas flores de lis de ouro. Ele carregava seu capacete debaixo do braço, e andava como se estivesse acostumado com o enorme peso da armadura. E estava.

Judith não percebeu que ela deixou cair à mão do braço de Gavin quando reconheceu seu cunhado. Raine aproximou-se rapidamente, um sorriso de covinha no rosto, um sorriso que transformaria muitos joelhos femininos em água.

— Olá, minha irmãzinha. — ele sorriu para ela. — Esta manhã acordei pensando que sonhei tal beleza, mas vejo que você é mais do que real e mais bela do que me lembrava.

Ela ficou encantada.

— E você faz o dia mais brilhante. Você participará dos combates? — Ela acenou com a cabeça em direção ao campo coberto de areia.

— Miles e eu vamos participar da justa.

Nenhum dos dois parecia estar ciente de que Gavin olhava para eles com o cenho franzido.

— E essas fitas que eu vejo os homens usando. — disse Judith. — O que elas querem dizer?

— Uma dama pode escolher um cavaleiro do seu gosto e dar-lhe uma prenda.

— Então, neste caso, eu posso lhe dar uma fita? — Ela sorriu para ele.

Raine estava imediatamente de joelhos diante dela, as dobradiças da armadura rangendo, o aço contra o aço batendo.

— Eu ficaria honrado.

Judith levantou o véu transparente que cobria seu cabelo e tirou uma das fitas de ouro de uma trança. Era óbvio que suas criadas sabiam da concessão de prendas a um cavaleiro.

Raine sorriu para ela enquanto apoiava a mão em seu quadril e ela amarrava a fita ao redor de seu braço. Antes de terminar, Miles caminhou para o lado oposto dela e ajoelhou-se também.

— Você não iria favorecer um irmão sobre o outro, iria?

Olhando para Miles, então, Judith descobriu porque outras mulheres colocavam os olhos sobre ele desde a puberdade. Ontem ela era virgem e não sabia o significado de seu olhar intenso. Ela corou lindamente e inclinou a cabeça para deslizar uma fita em volta do braço de seu outro irmão.

Raine viu o rubor e começou a rir.

— Não comece com ela, Miles. — ele riu, pois, as mulheres de Miles eram motivo de velhas piadas no castelo de Montgomery. Stephen, o segundo irmão, costumava reclamar que o jovem tinha deixado metade das servas grávidas antes dos dezessete anos e a outra metade antes dos dezoito anos.

— Não pode ver que Gavin está nos fulminando com o olhar?

— Eu vejo vocês dois se fazendo de tolos. — Gavin disse com um grunhido. — Há outras mulheres aqui, vão encontrar uma delas para desfilarem, como se estivessem se vangloriando.

Judith mal tinha terminado de amarrar o nó da fita em Miles antes que os dedos de Gavin lhe apertassem o braço e a afastasse para longe usando a força.

— Você está me machucando! — Acusou ela, tentando arrancar os dedos sem sucesso.

— Eu vou mais que te machucar se você se exibir novamente diante de outros homens.

— Exibir-me? — Ela sacudiu seu braço, mas só conseguiu que Gavin a segurasse mais forte. Todos ao seu redor eram cavaleiros ajoelhados diante de damas, recebendo fitas, cintos, mangas de vestidos, até joias, e ainda assim a acusava de se exibir. — Uma pessoa desonesta sempre acredita que os outros o sejam, talvez procure me acusar de suas próprias falhas.

Ele parou e olhou para ela, seus olhos escuros.

— Eu te acuso apenas do que sei que é verdade, você é ardente com um homem, e eu não vou ter você se fazendo de rameira para os meus irmãos. Agora sente aqui e não cause mais conflito entre nós. — Ele se virou e saiu andando deixando Judith sozinha nas arquibancadas guarnecida com o estandarte de Montgomery.

Por um momento, os sentidos de Judith não funcionaram. Ela não podia nem ver nem ouvir. O que Gavin disse era injusto e ela poderia ter descartado isso sem dar importância, exceto que ele jogou no seu rosto o que eles fizeram em privado. Isso ela não poderia perdoar. Ela tinha feito errado em responder a seu toque? Se sim, como faria para evitar? Mal conseguia se lembrar dos acontecimentos da noite. Era tudo um delicioso borrão de veludo vermelho para ela. Suas mãos em seu corpo enviaram ondas de prazer através dela, depois disso, lembrou-se de muito pouco. No entanto, ele lhe jogava na cara como se ela fosse imunda. Ela piscou as lágrimas de frustração. Estava certa em odiá-lo.

Subiu os degraus para sentar nos assentos de Montgomery. Seu marido a deixara sozinha para encontrar seus parentes. Judith manteve a cabeça erguida e se recusou a deixar qualquer um ver que as lágrimas estavam começando a se formar.

— Lady Judith.

Uma voz suave finalmente penetrou seus sentidos, e ela se virou para ver uma mulher mais velha vestida com o hábito sombrio de uma freira.

— Eu gostaria de me apresentar, te conheci ontem, mas não tenho certeza que você se lembrará, sou a irmã de Gavin, Mary.

Mary olhava para as costas de seu irmão. Era estranho que ele se ausentasse, deixando uma mulher sem vigilância. Todos os seus irmãos — Gavin, Stephen, Raine e Miles — eram extremamente corteses. No entanto, Gavin não tinha sorrido uma única vez à sua esposa e, embora não participasse dos jogos, estava indo até as tendas. Mary não conseguia compreendê-lo.

Gavin atravessou a multidão até as tendas no fim das cercas. Muitas pessoas bateram nas suas costas e deram-lhe piscadas de olho. Quanto mais perto ele chegava das tendas, mais alto o som familiar de ferro e aço era ouvido. Ele esperava que a sanidade da guerra simulada o acalmasse.

Ele manteve os ombros para trás, os olhos em frente. Ninguém teria adivinhado a raiva cega que o enchia. Ela era uma cadela! Uma bruxa conivente, magistral! Tudo o que ele podia pensar era que queria puni-la e fazer amor com ela ao mesmo tempo. Ele tinha ficado ali, observando como ela sorria tão docemente a seus irmãos, mas quando o olhou, era como se ele fosse algo detestável.

E tudo o que ele conseguia pensar era o jeito que ela tinha estado com ele durante a noite. Ela o beijou com avidez, o abraçou com fome, mas só depois que a forçou a vir até ele. Ele a estuprou na primeira vez e usou a dor de seus cabelos torcidos ao redor de seu braço para ordená-la a vir para ele pela segunda vez. Mesmo na terceira vez, teve que agir contra seu protesto inicial. No entanto, ela riu e deu a seus irmãos fitas de ouro. Ouro como seus olhos. Se ela deu tal paixão a ele que admitia livremente odiar, como seria com um homem que ela gostava? Ele a observara com Raine e Miles, imaginando que ela os tocava, beijava-os. De repente, foi difícil se controlar, tudo o que Gavin pôde fazer foi afasta-la para evitar empurra-la no chão. Ele queria machucá-la, e tinha feito. Pelo menos havia alguma satisfação nisso, mas não prazer. Na verdade, a expressão em seu rosto só o deixou mais furioso. A maldita mulher não tinha o direito de olhar para ele com tanta frieza.

Com raiva, jogou para trás a aba da tenda de Miles. Como Miles estava no campo, deveria estar vazia, mas não foi assim. Alice estava ali, seus olhos baixos, sua boca pequena, serenamente submissa. Ela era um alívio bem-vindo para Gavin, que não teve muito no último dia com uma mulher que rosnava para ele, em seguida, o deixava louco com seu corpo. Alice era o que uma mulher deveria ser: calma, subordinada a um homem. Sem pensar, ele a abraçou, beijando-a violentamente. Ele gostava quando ela se derretia em seus braços. Ela não ofereceu nenhuma resistência, e ele estava feliz com isso.

Alice nunca tinha visto Gavin de tão mau humor, e silenciosamente agradeceu quem era a responsável. No entanto, apesar de todo seu desejo, não era nenhuma idiota. Um torneio era demasiado público, especialmente quando tantos parentes de Gavin acampavam nas proximidades.

— Gavin, — ela sussurrou contra seus lábios — este não é o lugar nem o momento certo.

Ele se afastou dela imediatamente, sentindo que naquele momento não poderia suportar outra mulher relutante.

— Vá então! — Ele disparou quando saiu da tenda.

Alice olhou para ele, uma carranca franzindo sua suave sobrancelha. Aparentemente, o prazer de dormir com a sua nova esposa não afastou ele, mesmo assim, não era o mesmo que ela conhecia.


Walter Demari não conseguia tirar os olhos de Judith. Ela sentava-se quieta no pavilhão de Montgomery, ouvindo atentamente seus novos parentes enquanto a recebiam na sua nova família. Desde a primeira vez que a viu, quando saiu do castelo para ir até a igreja, ele a observara. Tinha visto Judith escapar para o jardim murado atrás da torre, viu o olhar em seu rosto quando ela voltou. Ele sentia como se a conhecesse, e mais do que isso... Ele a amava. Ele amava o jeito que ela andava, com a cabeça erguida, o queixo firme, como se estivesse pronta para enfrentar o mundo, não importava o que houvesse à frente. Ele amava seus olhos, seu pequeno nariz.

Passara a noite sozinho, pensando nela, imaginando-a como sua.

Agora, depois de uma noite sem dormir, começou a se perguntar por que ela não era dele. Sua família era tão rica quanto à dos Montgomery e talvez mais. Ele tinha sido um visitante frequente da mansão Revedoune, um amigo para os irmãos de Judith.

Robert Revedoune tinha acabado de comprar várias tortas fritas de um dos vendedores e estava segurando uma caneca de refresco.

Walter não hesitou nem tomou tempo para explicar o que se tornara uma obsessão para ele.

— Por que não me ofereceu a garota? — Perguntou ele, erguendo-se sobre o homem sentado.

Robert levantou a cabeça, surpreso.

— O que você tem moço? Você deveria estar no campo com os outros homens.

Walter se sentou e passou a mão pelo cabelo. Ele não era um homem desinteressante, mas também não era bonito. Ele tinha olhos de um azul indescritível e um nariz muito proeminente. Seus lábios eram finos, sem forma, e podiam facilmente ser cruéis. Seu cabelo arenoso estava cuidadosamente enrolado para dentro em volta de seu pescoço.

— A menina, sua filha. — repetiu ele. — Por que você não a ofereceu para mim? Eu passei bastante tempo com seus filhos. Não sou rico, mas minhas propriedades rivalizam favoravelmente com as de Gavin Montgomery.

Robert encolheu os ombros, comendo uma torta, a geleia escorrendo entre as camadas crocantes e bebendo profundamente do refresco azedo.

— Há outras mulheres ricas para você. — ele observou evasivo.

— Mas não como ela! — Walter respondeu com veemência.

Robert olhou para ele com surpresa.

— Você não vê que ela é linda? — Walter perguntou.

Robert olhou pelos pavilhões que o separavam de sua filha.

— Sim, vejo que ela é linda. — disse ele com desgosto. — Mas o que é beleza, isso se desvanece em pouco tempo. Sua mãe já foi assim e olhe como é agora.

Walter não precisava olhar para trás e nem para a mulher nervosa e magra que se sentava na borda de seu assento, pronta a levantar de um salto quando seu esposo decidir dar-lhe uma pancada na cabeça. Ele ignorou a observação de Robert.

— Por que você a manteve escondida? Que necessidade havia para mantê-la fora do mundo?

— Foi ideia da mãe dela. — Robert sorriu ligeiramente. — Ela pagou pela guarda da menina, e isso não fez diferença para mim. Por que você me pergunta essas coisas agora? Você não pode ver que a justa está prestes a começar?

Walter agarrou Robert pelo braço. Ele conhecia bem o homem, e conhecia a covardia de seus atos.

— Porque eu a quero, nunca vi uma mulher mais desejável, ela deveria ter sido minha, minhas terras fazem fronteira com as suas, teria sido uma boa aliança, mas você nem mesmo a mostrou para mim.

Robert afastou o braço do jovem.

— Você, uma aliança adequada? — Ele zombou. — Olhe para os Montgomery que cercam a menina: há Thomas, com quase sessenta anos de idade, tem seis filhos, todos vivos, e todos produziram mais filhos, ao lado de Ralph, seu primo, com cinco filhos, Hugh em seguida com...

— O que isso tem a ver com sua filha? — Perguntou Walter, furioso.

— Filhos! — Berrou Robert no ouvido do homem. — Os Montgomery produzem mais filhos que qualquer outra família na Inglaterra. E que filhos! Olhe para a família com que a menina se casou. O mais jovem, Miles, ganhou suas esporas no campo de batalha antes dos dezoito anos e já teve três filhos. Filhos das servas. Raine passou três anos viajando o país de um torneio para o seguinte. Ele saiu invicto e ganhou uma fortuna própria. Stephen serve agora na Escócia com o rei, e ele já dirige exércitos embora tenha apenas vinte e cinco anos. E finalmente o primogênito que aos dezesseis anos, ficou sozinho com propriedades para administrar, irmãos para cuidar, não tinha guardião para ajudá-lo a aprender o trabalho de um homem... Que outro aos dezesseis anos de idade poderia fazer como ele fez? Quase todos choramingam quando sua vontade não é feita.

Ele olhou de volta para Walter.

— E agora você pergunta por que eu dou Judith a tal homem? Se eu não posso produzir os filhos que são fortes o suficiente para viver, talvez eu possa obter netos fortes e saudáveis.

Walter ficou furioso. Perdera Judith só porque o velho sonhava com netos.

— Eu poderia lhe dar filhos! — Retrucou Walter, com os dentes cerrados.

— Você? — Robert começou a rir. — Quantas irmãs você tem? Cinco? Seis? Eu perco a conta delas E o que você faz? Seu pai dirige suas propriedades. Você não faz mais que caçar e incomodar as servas. Agora vá e não volte a gritar comigo. Se eu tiver uma égua e quero raça, vou dar-lhe o melhor garanhão. Vamos terminar por aqui. — Ele se virou para olhar a justa, afastando Walter de sua mente.

Mas Demari não era um homem a ser despedido tão facilmente. Tudo o que Robert dizia era verdade. Walter tinha feito pouco que merecia mérito em sua curta vida, mas isso era apenas porque ele não havia sido forçado a fazê-lo como os homens de Montgomery foram. Walter não tinha dúvidas de que se ele tivesse sido forçado, pela morte precoce de seu pai, em uma posição de responsabilidade, teria se saído tão bem, ou melhor, do que qualquer outro homem.

Ele deixou as arquibancadas um homem mudado. Uma semente havia sido plantada em sua mente e essa semente começou a crescer. Ele assistiu aos jogos começarem, o leopardo Montgomery de ouro brilhando por toda parte, como o sol, começou a pensar nele como um inimigo. Ele queria provar a Robert e aos Montgomery, mas principalmente a si mesmo, que não iria ficar para trás. Quanto mais ele olhava para os estandartes verdes e dourados, mais tinha certeza de que odiava os Montgomery. O que eles fizeram para merecer as ricas terras Revedoune? Por que eles deveriam ter o que era para ser dele? Durante anos ele aguentou a companhia dos irmãos de Judith, mas nunca tinha tomado nada em troca. Agora, quando havia algo que ele queria e deveria ter tido, e lhe foi negado por causa do Montgomery.

Walter deixou a cerca e começou a andar em direção ao pavilhão de Montgomery. A crescente raiva da injustiça que sentia lhe dava coragem. Ele falaria com Judith, passaria um tempo com ela.

Afinal, por direito, ela era dele, não era?


Capítulo Oito

Judith fechou a porta do quarto com tanta força que até as paredes de pedra pareciam tremer. Era o fim do primeiro dia de seu casamento, e poderia facilmente qualificar-se como o dia mais horrível de sua vida. Deveria ter sido feliz, um dia cheio de amor e risos, mas não com o marido que ela tinha! Não havia uma oportunidade que Gavin não usasse para humilhá-la.

Pela manhã, ele a acusou de ser uma prostituta para seus irmãos. Quando ele se afastou e a deixou sozinha, ela conversou com outras pessoas. Um homem, Walter Demari, foi gentil o suficiente para sentar-se ao lado dela e explicar o funcionamento do torneio. Pela primeira vez naquele dia, começou a se divertir. Walter tinha um talento para encontrar o ridículo, e gostava muito de seu humor.

Gavin de repente reapareceu e ordenou que o seguisse. Judith não queria fazer uma cena em público, mas na privacidade da tenda de Raine, ela disse a Gavin o que achava de seu comportamento. Ele a deixou sozinha para se conduzir por si mesma, mas quando demostrou qualquer alegria e divertimento ele tirou isso dela. Ele era como um menino pequeno com um brinquedo que não queria, mas também não queria que ninguém mais o tivesse. Gavin respondeu ironicamente, mas Judith registou com satisfação que não sabia o que dizer.

Quando Raine e Miles entraram, ela e Gavin pararam sua briga. Mais tarde, ela caminhou com Miles de volta ao torneio. Foi então que Gavin realmente a humilhou. Assim que Alice Valence apareceu, ele praticamente correu atrás dela. Gavin parecia como se pudesse comê-la, devorá-la, mas ao mesmo tempo a olhava com reverência, como se ela fosse santa. Judith não tinha perdido o olhar de triunfo que Alice lhe deu. Judith afastou os olhos, endireitou as costas e pegou o braço de Miles. Ela não deixaria ninguém ver como tinha sido publicamente envergonhada.

Mais tarde, no jantar, Gavin ignorou Judith, embora estivessem sentados lado a lado na mesa alta. Ela riu do bufão e malabaristas, fingiu estar contente quando um bardo extremamente bonito compôs e cantou uma canção para sua beleza. Na verdade, ela quase não ouviu. A proximidade de Gavin tinha um efeito perturbador sobre ela, sem lhe permitir desfrutar de nada.

Depois da refeição, as mesas de cavalete foram desmontadas e empurradas contra a parede para dar lugar às danças. Depois de uma dança juntos, por razões de aparência, Gavin tinha procedido a dançar com uma mulher após outra em seus braços. Judith recebeu mais convites para dançar do que ela poderia aceitar, mas logo contestou fadiga e subiu correndo as escadas para a privacidade de seu quarto.

— Um banho. — ela exigiu de Joan, que arrastou de um canto da escada, onde estava entrelaçada com um jovem. — Traga uma banheira e água quente. Talvez eu possa lavar um pouco do fedor do dia de hoje.

Ao contrário do que Judith acreditava, Gavin esteve muito consciente da presença de sua esposa. Não houve um momento em que ele não soubesse onde ela estava ou com quem. Parecia que conversou durante horas com um homem no torneio. Ela riu de cada uma de suas palavras. Sorrindo para ele até que o homem estava obviamente enlouquecido.

Gavin a afastou para o seu próprio bem. Ele sabia que Judith não tinha ideia de como afetava um homem. Ela era como uma criança. Tudo era novo. Olhava-o sem esconder nada, sem reservas, abertamente rindo do que ele dizia. Gavin viu que o homem tomava essa cordialidade como algo mais profundo

Ele pretendia explicar isso a ela, mas quando o atacou, acusando-o com todo tipo de insulto, de como ele estava se comportando, preferia morrer em vez de explicar suas ações. Ele temeu que pudesse envolver suas mãos sobre sua garganta encantadora e estrangula-la. Pelo menos a breve aparição de Alice o acalmou. Alice era como um gole de água fresca para aqueles que acabavam de sair do inferno.

Agora, enquanto ele apoiava as mãos sobre o quadril redondo de uma jovem atraente, viu Judith subir os degraus. Ele não dançou com ela, com medo que pudesse se desculpar. Para quê? Ele se perguntou. Havia sido gentil com Judith até aquele momento no jardim quando ela começou a agir de forma insana, fazendo juramentos que não tinha o direito de fazer. Ele estava certo em afastá-la do homem que obviamente pensava que seus sorrisos significavam mais do que eles eram, no entanto, se sentia como se tivesse feito algo de errado.

Esperou um pouco, dançou com mais duas mulheres, mas Judith não voltou ao grande salão. Impaciente, subiu as escadas. Nesses breves segundos, imaginou todo tipo de coisas que poderia estar fazendo.

Quando abriu a porta da câmara Judith estava submersa até seu pescoço em uma banheira de água fumegante. Seus cabelos castanho-avermelhados estavam recolhidos em cima de sua cabeça em uma massa macia de cachos. Seus olhos estavam fechados, sua cabeça descansando na borda da banheira. A água devia estar muito quente porque seu rosto estava levemente umedecido com suor. Todos seus músculos se congelaram ao vê-la. Quando ela franzia o cenho para ele, enfurecendo-o, mesmo assim era magnífica, mas agora de olhos fechados era a inocência personificada. De repente, ele sabia que era isso que queria dela, isso era tudo o que precisava. O que importava que ela o desprezasse? Ela era dele e só dele. Seu coração batia forte quando fechou a porta atrás de si.

— Joan? — Judith disse languidamente. Não recebendo nenhuma resposta, seus olhos se abriram. Ela viu o olhar no rosto de Gavin e conhecia seus pensamentos. Apesar de tudo, seu coração começou a bater rapidamente.

— Deixe-me sozinha em minha privacidade. — ela conseguiu sussurrar.

Ele a ignorou enquanto avançava, seus olhos ficaram escuros. Inclinou-se sobre ela, pegou o queixo em sua mão. Judith tentou afastar-se, mas ele a segurou rapidamente. Beijou-a grosseiramente no começo, mas então seus dedos e beijo se tornaram gentis, profundos.

Judith sentiu-se à deriva. O prazer da água quente, a mão na bochecha, o beijo a enfraqueceram. Ele se afastou dela e olhou em seus olhos, o ouro quente e brilhante. Todos os pensamentos de ódio desapareceram deles. Havia apenas a proximidade de seus corpos. A fome de um pelo outro superou qualquer hostilidade ou mesmo pensamentos de quem não amava quem.

Gavin se ajoelhou junto à banheira, sua mão se movendo para trás do pescoço de Judith. Ele a beijou de novo, correu a boca pela curva de seu pescoço. Estava úmida e quente e o vapor ascendente era como sua paixão, crescente. Ele estava pronto, mas queria prolongar seu prazer, arrastá-la com ele até o auge da dor suprema. Suas orelhas eram doces e cheiravam ao sabão perfumado de rosa que ela usava.

De repente, ele queria vê-la por inteiro. Tudo dela. Gavin colocou as mãos sob seus braços e a levantou. Ela ofegou ante o movimento inesperado, e o impacto do ar frio depois do calor da água. Uma toalha macia e morna pendia ao alcance do braço, e Gavin a envolveu. Judith não falou. Em algum lugar, enterrado em sua mente, estava o conhecimento de que as palavras romperiam o feitiço. Ele a tocou ternamente, sem exigências severas, sem contusões e sem amargurá-la. Sentou-se em um banco diante do fogo e a colocou entre suas pernas como se fosse uma criança.

Se alguém falasse de tal cena, Judith teria negado que pudesse acontecer e diria que Gavin era um bruto insensível. Não sentiu nenhum embaraço por sua nudez enquanto ele permanecia completamente vestido, só se maravilhava com a magia do momento. Gavin a secou cuidadosamente. Ele era um pouco desajeitado, muito áspero às vezes, mas muito gentil.

— Vire-se. — ordenou e ela obedeceu permitindo que lhe secasse as costas. Gavin jogou a toalha no chão e Judith conteve a respiração. Mas ele não falou. Simplesmente passeou o dedo através do sulco profundo de sua coluna. Ela podia sentir os calafrios que seu toque trouxe. Seu dedo disse mais que uma centena de carícias.

— Você é linda. — sussurrou com voz rouca, enquanto colocava as palmas das mãos sobre a curva de seus quadris. — Tão bonita.

Judith não respirou e não se moveu mesmo quando sentiu seus lábios no lado de seu pescoço. Suas mãos se moveram em tortura lenta sobre seu ventre, através de suas costelas, até seus seios, que o esperavam ansiosos, implorando por ele. Judith soltou sua respiração reprimida e se recostou contra ele, sua cabeça descansando contra seu ombro, a boca dele ainda em seu pescoço. Ele passou suas mãos sobre ela, tocando sua pele, explorando seu corpo.

Quando Judith estava quase louca de desejo, ele a levou para a cama. Em segundos, suas roupas estavam no chão e ele deitou-se ao lado dela. Ela puxou-o para si, procurou sua boca. Gavin riu da cobiça de suas mãos agarrando-o, provocando-o, mas não havia nenhuma zombaria em seus olhos cinzentos. Havia apenas o desejo de prolongar seu prazer. Um brilho se acendeu nos olhos de Judith, e soube que ela teria a última risada. Suas mãos se moveram para baixo. Quando encontrou o que buscava, não havia mais riso em seus olhos. Estavam negros de paixão quando ele a penetrou e se moveram numa dança sensual.

Apenas alguns segundos mais tarde ambos alcançaram o prazer, soltaram em uníssono um grito, ambos em alivio do doce tormento. Judith sentiu-se esgotada, os ossos fracos enquanto Gavin se afastava parcialmente, caindo de lado, embora sua perna ainda estivesse entre as dela, seu braço sobre seus seios. Ela suspirou profundamente antes de adormecer.

Judith acordou na manhã seguinte, estirando-se como um gato depois de uma sesta. Seu braço deslizou através do lençol apenas para encontrar o vazio. Seus olhos se abriram. Gavin havia ido embora e, pelo sol que atravessava a janela, a manhã já se fazia tarde. Seu primeiro pensamento foi sair correndo, mas a cama aquecida e a recordação da noite anterior a seguravam entre os lençóis. Virou-se para o lado, deslizando a mão para a marca funda no colchão ao seu lado, e enterrou o rosto no travesseiro. Ele ainda tinha o cheiro de Gavin. Quanto tempo levou para identificar o cheiro dele!

Ela sorriu sonhadora. A última noite havia sido o céu. Lembrava-se dos olhos de Gavin, da boca dele...

Ele preenchia todas as suas visões.

Uma batida suave na porta fez seu coração bater descompassado, depois se acalmou abruptamente quando Joan abriu a porta.

— Esta acordada senhora? — Perguntou Joan, com um sorriso no rosto.

Judith se sentiu muito bem para se ofender.

— Lorde Gavin levantou-se cedo e se armou. Está colocando a armadura.

— Armadura? — Judith sentou-se na cama.

— Ele só quer participar da justa, não entendo porque, como noivo, não precisa.

Judith deitou-se contra o travesseiro. Ela entendia. Naquela manhã poderia voar a partir da Torre para pousar-se com leveza no chão. Ela sabia que Gavin devia sentir o mesmo. A justa era uma maneira de gastar sua energia.

Ela jogou para trás as cobertas e pulou da cama.

— Tenho que me vestir, já é tarde, você acha que o perderemos sua participação?

— Não. — Joan riu. — Chegaremos a tempo.

Judith vestiu-se rapidamente com um vestido de veludo azul índigo com uma capa de seda azul claro. Sobre sua cintura havia um cinto fino de couro azul macio cravejado de pérolas.

Joan apenas penteou o cabelo de sua ama e colocou um véu de gaze azul transparente, bordado com pequenas pérolas. O sustentava com uma tiara de pérolas trançadas.

— Estou pronta. — disse Judith, impaciente.

Caminhou rapidamente para o terreno onde o torneio estava sendo realizado e sentou-se em seu lugar no pavilhão dos Montgomery. Seus pensamentos guerreavam uns contra os outros. E se o que aconteceu na noite anterior tivesse sido pura imaginação? Um sonho? Gavin fizera amor com ela. Não havia outra palavra para isso. Claro que ela era muito inexperiente, mas poderia um homem tocar uma mulher como ele a tocou e não sentir algo por ela? O dia parecia mais brilhante de repente. Talvez ela fosse uma tola, mas estava disposta a tentar fazer com que desse certo seu casamento.

Judith esticou o pescoço para ver o fim do campo do torneio, procurando ver o marido, mas havia muitas pessoas e cavalos no caminho.

Silenciosamente, Judith saiu das arquibancadas e caminhou em direção às tendas. Ela parou ao longo da cerca externa, alheia aos servos e comerciantes que se aglomeravam em torno dela. Passaram alguns minutos antes de vê-lo. Gavin em trajes normais era um homem poderoso, mas com armadura era formidável. Ele montava um enorme cavalo de guerra cinza escuro, suas rédeas de sarja e couro verde estampado e pintado com leopardos dourados. Ele movia-se facilmente na sela, como se os cinquenta quilos de armadura não pesassem nada. Viu o seu escudeiro lhe entregar seu capacete, escudo e, finalmente, sua lança.

O coração de Judith saltou até sua garganta e quase a sufocou. Essa modalidade de jogo na justa era perigosa. Ela observou sem fôlego Gavin carregando seu grande cavalo, sua cabeça abaixada, seu braço apoiado contra a lança. Sua lança golpeou o escudo do adversário exatamente como seu próprio escudo foi atingido. As lanças romperam e os homens cavalgaram para as extremidades opostas do campo para obter novas. Felizmente, as lanças usadas na batalha eram mais fortes do que as de madeira usadas nos jogos. O objetivo era quebrar três lanças sem perder os estribos. Se um homem for derrubado antes dos três confrontos, ele deveria pagar o valor de seu cavalo e armadura para seu adversário e não era uma soma insignificante. Assim, Raine fez uma fortuna no circuito de torneios.

Mas os homens se machucavam. Acidentes aconteciam constantemente. Judith sabia disso e observava com medo enquanto Gavin cavalgava de novo, e novamente nenhum dos dois perdeu os estribos.

Uma mulher perto de Judith riu, mas ela não prestou atenção até que as palavras a alcançassem.

— Seu marido é o único homem que não carrega nenhuma prenda, contudo dá fitas de ouro a seus irmãos. Que pensar de tão má meretriz?

As palavras eram maliciosas e significavam que eram ditas para os ouvidos de Judith, contudo, quando ela se virou, ninguém demostrou nenhum interesse nela. Ela olhou em volta para os cavaleiros que andavam entre os cavalos ou ficavam no fim do campo perto dela. O que a mulher disse era verdade. Todos os cavaleiros tinham fitas ou mangas tremulando em suas lanças ou capacetes. Raine e Miles tinham várias, e em um braço cada um usava uma fita de ouro já desgastada.

Judith só queria correr pela borda do campo e alcançar Gavin antes que ele combatesse seu oponente pela terceira vez. Ela era nova para a justa e não tinha ideia de que o que iria fazer era perigoso. Os cavalos de guerra, criados para a força, tamanho e resistência, eram treinados para ajudar um cavaleiro em tempos de guerra. Eles poderiam usar seus cascos grandes para matar tão facilmente como um homem usava uma espada.

Ela não ouviu os suspiros e exclamações enquanto homem após homem puxava seu cavalo para trás e afasta-los da mulher que se lançava a toda velocidade para o extremo do campo. Também não estava ciente de que várias das pessoas que estavam nas arquibancadas a haviam visto e agora estavam de pé, suas respirações suspensas.

Gavin afastou os olhos de seu escudeiro quando lhe foi entregue uma nova lança. Ele podia sentir o silêncio gradual sobre a multidão. Viu Judith imediatamente e percebeu que não havia nada que pudesse fazer. Antes que pudesse desmontar, ela já o teria alcançado. Ele olhou fixamente, esperando, cada músculo rígido.

Ela não possuía uma fita para dar a ele, mas sabia que deveria lhe dar uma prenda. Ele era seu esposo e era dela! Judith tirou o véu de gaze transparente enquanto corria pela areia, colocando a tiara de pérolas sobre seu cabelo.

Quando chegou a Gavin, levantou o véu para ele.

— Uma prenda. — ela sorriu sedutoramente.

Ele não se moveu por um momento, então levantou sua lança e baixou-a até ela. Rapidamente, Judith amarrou um canto do véu firmemente acima do eixo. Quando ela o olhou e sorriu, ele se inclinou para frente, colocou a mão atrás da cabeça dela e quase a levantou do chão enquanto a beijava. O nariz do capacete estava frio contra sua bochecha e seu beijo era duro. Quando ele a soltou, seus calcanhares afundaram na areia, e ela estava aturdida.

Judith não estava ciente da multidão repentinamente silenciosa, mas Gavin, sim. Sua esposa tinha arriscado a vida para dar-lhe uma prenda, e então levantou a sua lança em sinal de triunfo. Seu sorriso parecia chegar de um lado a outro do capacete.

O rugido de aprovação da multidão foi ensurdecedor.

Judith girou, viu que todos os olhos estavam sobre ela. Suas bochechas arderam e suas mãos cobriram seu rosto. Miles e Raine correram desde as laterais, colocaram seus braços protetoramente em torno dela e a levaram para a segurança.

— Se não tivesse agradado tanto a Gavin, eu iria colocá-la sobre os meus joelhos e te daria uma surra pelo que fez. — Raine disse.

Em meio a novas aclamações, Gavin desarmou seu oponente. Judith não gostou de ser o alvo de tantas risadas. Recolheu suas saias e voltou o mais rápido possível para o castelo. Talvez alguns minutos sozinha no jardim ajudariam suas bochechas a voltar à sua cor natural.


Alice entrou abruptamente na tenda do conde de Bayham, um lugar rico, feito de finas sedas e tapetes bizantinos, erguida para o conforto de Edmund Chatworth.

— Algo está errado? — Perguntou uma voz profunda atrás dela.

Alice virou para encarar Roger, o irmão mais novo de Edmund. Ele sentou-se em um banco baixo, sua camisa removida enquanto corria cuidadosamente a lamina de sua espada ao longo de uma pedra de amolar que girava com seu pé. Era um homem bonito, cabelos loiros com reflexos mais claros devido ao sol, nariz aquilino, boca firme. Em seu olho esquerdo havia uma cicatriz curva que em nada prejudicava a sua boa aparência.

Muitas vezes Alice desejava que Roger fosse o conde em vez de Edmund. Ela começou a responder a sua pergunta, depois parou. Ela não podia contar a ele de sua raiva quando viu a esposa de Gavin fazendo um espetáculo na frente de várias centenas de pessoas. Alice lhe ofereceu uma prenda, mas ele não aceitou, disse que já havia muitos rumores sobre eles e não era adequado provocar mais

— Você joga com fogo, sabe? — Roger disse enquanto corria seu polegar ao longo da lamina da espada. Quando Alice não fez nenhum comentário, ele continuou. — Os homens de Montgomery não veem as coisas como nós fazemos, para elas o certo é certo e o errado é errado, não há nada no meio.

— Eu não tenho ideia do que você quer dizer. — Respondeu com altivez.

— Gavin não ficará satisfeito quando descobrir que você mentiu para ele.

— Eu não menti!

Roger levantou uma sobrancelha.

— E que razão você lhe deu por casar com meu irmão, o conde?

Alice sentou-se pesadamente em um banco ao lado de Roger.

— Você não achava que a herdeira seria tão bonita, não é?

Os olhos de Alice brilharam quando olhou para ele.

— Ela não é linda, seu cabelo é vermelho e ela com certeza deve estar coberta de sardas. — Ela sorriu maliciosamente. — Tenho que perguntar qual creme ela usa para cobri-las no rosto, Gavin não a achará tão desejável quando a ver...

Roger a interrompeu.

— Eu estava na cerimônia de cama e vi uma grande parte de seu corpo, não havia sardas não se iluda, acha que pode segurá-lo quando ele estiver sozinho com ela?

Alice se levantou e caminhou até a entrada da tenda. Não deixaria Roger perceber como as palavras a perturbavam. Necessitava manter Gavin. A qualquer custo, deveria mantê-lo. Ele a amava, profunda e sinceramente, como ninguém a amou. Precisava disso tanto quanto precisava da riqueza de Edmund. Ela não deixava as pessoas verem dentro dela. Escondeu bem suas mágoas. Desde criança, havia sido uma linda filha nascida entre um bando de irmãs feias e doentes. Sua mãe deu todo seu amor às outras, pensando que Alice tinha atenção suficiente de suas babas e dos visitantes do castelo. Desprezada pela mãe, ela se voltou para o pai em busca de amor. Mas a única coisa que Nicolas Valence amava vinha de uma garrafa. Alice aprendeu a tomar o que não lhe era dado. Manipulou seu pai para lhe comprar roupas bonitas e caras, e sua beleza deixou o ódio de suas irmãs mais forte por ela. Além de sua velha serva, Ella, ninguém a amava, até encontrar Gavin. No entanto, todos esses anos de luta, tentando obter algumas moedas, fez com que ela desejasse a segurança financeira tanto quanto o amor. Gavin não era rico o suficiente para lhe dar essa segurança, mas Edmund era.

Agora, a metade do que precisava estava sendo tirada dela por uma bruxa ruiva. Alice não era alguém que se sentava de braços cruzados e deixava o futuro cuidar de si mesmo. Ela lutaria pelo que ela queria.

— Onde está Edmund? — Perguntou a Roger.

Ele acenou com a cabeça para a divisão de linho na parte de trás da tenda.

— Adormecido, muito vinho e muita comida. — disse ele com desgosto. — Vá para ele, precisará de alguém para segurar sua cabeça dolorida.


— Acalme-se, irmão! — Raine comandou Miles. — Sua cabeça está dolorida o suficiente sem precisar bater contra um poste de tenda.

Levavam Gavin em seu escudo, suas pernas penduradas na borda, seus pés arrastando na terra. Ele tinha acabado de derrubar seu segundo adversário quando a lança do homem escorregou se elevando para cima, pouco antes de cair. O golpe pegou Gavin logo acima de sua orelha. Foi um golpe duro, que amassou seu capacete. Ele viu apenas a escuridão e ouviu um zumbido em sua cabeça que abafava todos os outros ruídos. Conseguiu ficar na sela, mais por treinamento do que por força, enquanto seu cavalo girava e voltava para o fim do campo. Gavin olhou para seus irmãos e seu escudeiro, deu um sorriso dolorido, então lentamente caiu em seus braços erguidos para ampara-lo.

Raine e Miles transferiram seu irmão para um colchão de palha dentro de sua barraca. Eles removeram o danificado capacete e colocaram um travesseiro sob a cabeça.

— Vou buscar um médico. — disse Raine ao irmão. — E você encontra a esposa dele. Não há nada que uma mulher goste mais que um homem impotente.

Vários minutos depois, Gavin começou a recuperar a consciência. Água fria estava sendo pressionada em seu rosto quente. Mãos geladas tocaram sua bochecha. Ele ficou aturdido quando abriu os olhos. Sua cabeça rugiu. A princípio, não conseguia se lembrar de quem via.

— Sou eu, Alice. — Ela sussurrou, Gavin estava feliz que não havia ruídos mais altos. — Eu vim cuidar de você.

Ele sorriu um pouco e fechou os olhos novamente. Havia algo que deveria se lembrar, mas não podia.

Alice viu que em sua mão direita ainda apertava o véu que Judith lhe dera. O mesmo que conseguiu desamarrar de sua lança quando caiu de seu cavalo. Não gostou do que isso parecia significar. Tirou de sua mão e o jogou ao chão.

— Ele está muito ferido? — Uma mulher perguntou ansiosamente de fora da tenda.

Alice se inclinou para frente e colou os lábios na boca dormente de Gavin, lhe guiando um braço para que rodeasse a sua cintura.

A luz que penetrava da tenda aberta em seu rosto e a pressão em seus lábios fizeram Gavin abrir os olhos. Em seguida, recuperou seus sentidos. Viu sua esposa, ladeada pelas figuras de seus irmãos, franzindo o cenho, olhando para ele fixamente, enquanto abraçava Alice. Ele a afastou e tentou sentar-se.

— Judith. — ele sussurrou.

Toda a cor drenou de seu rosto. Seus olhos eram escuros e enormes. E o olhar que ela lhe deu foi novamente de ódio. Então, de repente, se converteu em frieza.

A rápida mudança de pressão em seu crânio ferido enquanto tentava se sentar era demais para Gavin. A dor era insuportável. Por sorte, tudo ficou preto. Caiu pesadamente contra o travesseiro.

Judith virou-se rapidamente no calcanhar e deixou a tenda, seguida de perto por Miles, que parecia protegê-la de alguma maldade.

O rosto de Raine estava escuro quando olhou para seu irmão.

— Seu bastardo... — ele começou, depois parou quando viu que Gavin estava novamente inconsciente. Raine virou-se para Alice, que olhava para ele triunfante. Agarrou seu braço e a puxou com violência. — Você planejou isso! — Ele acusou. — Deus, como posso ter um idiota por irmão? Você não vale uma só lágrima de Judith, mas temo que já causou muitas.

Raine ficou mais enfurecido quando viu um leve sorriso no canto da boca. Sem pensar, ele puxou para trás seu braço e deu uma bofetada em Alice com o dorso de sua mão. Não soltou seu braço. Quando ela olhou de volta para ele, Raine respirou profundamente com o que viu. Alice não estava zangada. Em vez disso, olhava para sua boca. Havia o inconfundível fogo da paixão em seus olhos.

Ele ficou chocado e aborrecido como nunca esteve antes em sua vida. Atirou-a contra um poste da tenda, tão forte que ela mal conseguiu respirar.

— Saia de perto de mim! — Ele disse calmamente. — E tema por sua vida se nossos caminhos se cruzarem novamente.

Quando ela se foi, Raine voltou-se para seu irmão, que estava começando a se mover novamente. Um médico que veio para atender a cabeça dolorida de Gavin estava tremendo no canto da tenda. A raiva de um dos Montgomery não era um espetáculo agradável.

Raine falou com o homem por cima do ombro.

— Tome cuidado com ele e se tiver algum tratamento que cause mais dor, use-o. — Ele se virou e saiu da tenda.

Era noite quando Gavin acordou de um sono profundo, drogado, induzido por algo que o médico o fez beber. A tenda estava escura e ele estava sozinho. Cautelosamente, balançou as pernas sobre a borda da cama e sentou-se. Sua cabeça parecia como se alguém tivesse feito um corte profundo de um canto de seu olho, através da parte de trás de sua cabeça para o outro olho, e agora as duas metades estavam sendo separadas. Ele apoiou a cabeça em suas mãos, fechando seus olhos contra a dor terrível.

Gradualmente, Gavin foi capaz de abri-los. Seu primeiro pensamento foi que era estranho que estivesse sozinho. Seu escudeiro ou seus irmãos deveriam estar com ele. Endireitou suas costas e estava ciente de uma dor nova. Tinha dormido várias horas em sua armadura, e cada articulação, cada arresta tinha se cravado, através do couro e o feltro, em sua pele. Por que seu escudeiro não o despira? Geralmente o rapaz era muito consciente e responsável.

Algo no chão chamou sua atenção, se curvou e levantou o véu azul de Judith. Sorriu quando o tocou, lembrando claramente como ela correu para ele, sorrindo, seu cabelo flutuado atrás dela. Nunca estivera tão orgulhoso em sua vida como quando ela lhe entregou a prenda, embora tenha segurado sua respiração quando Judith chegou tão perto dos cavalos de guerra. Ele passou os dedos pela borda de pérolas em gotas pequenas, segurou a gaze contra sua bochecha. Quase podia sentir o cheiro de seu cabelo, mas é claro que isso era impossível depois que o véu esteve perto de seu cavalo suado. Pensou em seu rosto quando ele olhou para ela. Agora, esse era um rosto que valia a pena lutar!

Logo Gavin pareceu se lembrar de uma mudança nela. Deixou cair à cabeça entre suas mãos. Havia peças do quebra-cabeça faltando. Sua cabeça doía tanto que era difícil de lembrar. Ele podia ver uma Judith diferente, que não estava sorrindo, mas rosnando como na primeira noite de seu casamento, uma Judith que o olhava como se ele já não existisse. Foi uma luta para juntar todas as peças. Gradualmente, se lembrou da lança bater em sua cabeça, então alguém falando com ele.

De repente, tudo ficou claro. Judith o viu abraçando Alice. Era estranho que não conseguisse se lembrar de querer que Alice fosse reconforta-lo.

Gavin teve que usar todos os esforços para ficar de pé e remover sua armadura. Estava muito cansado e fraco para andar com tanto peso. Por mais que lhe doesse a cabeça, tinha que encontrar Judith e falar com ela.

Duas horas mais tarde, Gavin estava dentro do grande salão. Ele procurou por toda a parte sua esposa, mas não conseguiu encontrá-la. Cada passo causava-lhe aflição e agora estava quase cego com a dor constante e o cansaço de caminhar.

Através de uma névoa, viu Helen que carregava uma bandeja de bebidas para alguns convidados. Quando ela voltou, a puxou para um canto escuro do corredor.

— Onde está Judith? — Ele perguntou em um sussurro rouco.

Os olhos de Helen o fulminaram.

— E agora me perguntas onde ela está? A tem feito sofrer, como todos os homens fazem as mulheres sofrerem. Tratei de salvá-la. Disse-lhe que todos os homens são bestas vis e maus, que não se podia confiar, mas ela não quis me ouvir. Não, te defendeu. E o que ganhou com isso? Na noite de núpcias vi seu lábio ferido. Bateu-lhe antes mesmo que a tivesse acariciado. E esta manhã muitas pessoas viram que teu irmão expulsava aquela vadia da Valence, sua rameira, de sua tenda. Morreria antes de lhe dizer onde está! Lamento não ter tido a coragem de acabar com nós duas antes de entregar Judith em mãos como o tuas.

Se a sogra disse algo mais, Gavin não a ouviu. Ele já estava indo embora.

Encontrou Judith, minutos depois, sentada ao lado de Miles em um banco no jardim. Gavin ignorou a carranca malévola de seu irmão mais novo. Ele não queria discutir. Tudo o que queria era ficar sozinho com Judith, abraçá-la como havia feito à noite anterior. Talvez, então, sua cabeça parasse de latejar.

— Vamos para dentro. — disse em voz baixa, com dificuldade.

Ela se levantou imediatamente.

— Sim, milorde.

Gavin franziu a testa levemente e ofereceu-lhe o braço, mas ela pareceu não ter visto o seu gesto. Ele caminhava lentamente, para que Judith pudesse estar ao seu lado, mas ela se mantinha um passo atrás. Ele levou-os para a mansão e para o seu quarto.

Depois do ruído do grande salão, a câmara era um paraíso, e ele afundou em um banco almofadado para tirar as botas. Ele ergueu os olhos para ver Judith de pé ao lado da cama, imóvel.

— Por que você me olha assim?

— Estou esperando o seu comando, milorde.

— Meu comando? — Ele franziu a testa, pois todo o movimento machucava sua cabeça com novas dores. — Então, se dispa para dormir. — Ele estava intrigado com ela. Por que não se enfurecia com ele? Ele saberia como tirar sua raiva.

— Sim, meu lorde. — Respondeu Judith. Sua voz era monótona.

Nu, Gavin caminhou lentamente para a cama. Judith já estava deitada, a coberta até o pescoço, os olhos fixos no dossel. Ele se meteu debaixo das cobertas e se aproximou dela. Sua pele contra a dele era calmante. Passou a mão pelo seu braço, mas Judith não reagiu. Ele se inclinou, começou a beijá-la, mas seus olhos não se fecharam e seus lábios não responderam.

— O que a aflige? — Perguntou Gavin.

— O que me aflige meu lorde? — Repetiu calmamente, sem alterar-se, olhando em seus olhos. — Eu não sei o que quer dizer. Estou às suas ordens, porque sou tua, tal como tens repetido muitas vezes. Diga-me o que desejas e obedecerei. Queres copular comigo? Obedeço ao senhor. Ela moveu sua coxa contra a dele e Gavin levou alguns minutos para perceber que ela tinha aberto as pernas para ele.

Ele olhou para ela, horrorizado. Sabia que a crueza não era natural para ela.

— Judith, — ele começou — eu queria explicar sobre o que aconteceu esta manhã. Eu...

— Explicar, meu lorde? O que deves me explicar? Explica suas ações aos vassalos? Eu não sou nada, talvez menos do que eles, apenas me diga como posso obedecer e o farei.

Gavin começou a afastar-se dela. Ele não gostou do jeito que Judith olhou para ele. Pelo menos, quando o odiava, havia vida em seus olhos. Agora não havia nada. Ele deixou a cama. Sem perceber o que estava fazendo, vestiu o gibão e as botas, recolheu suas outras roupas sobre o braço, e saiu da câmara fria.


Capítulo Nove

O castelo de Montgomery estava em silêncio enquanto Judith deixava a cama grande e vazia, e deslizava os braços em um vestido de veludo verde-esmeralda revestido de vison. Era muito cedo pela manhã, e os servos do castelo não estavam acordados ainda. Desde que Gavin a tinha deixado na soleira da propriedade de sua família, Judith quase não conseguira dormir. A cama parecia grande demais e deserta para se sentir em paz.

Na manhã seguinte aquela que Judith recusou-se a responder ao seu amor, Gavin exigiu que partissem para sua casa. Judith obedeceu, falando com ele apenas quando necessário. Viajaram por dois dias antes de chegar aos portões de Montgomery.

Ao entrar no castelo, ficou impressionada. Os guardas no topo das duas enormes torres que ladeavam o portão deram-lhes voz de alto, embora eles pudessem ver os leopardos Montgomery. A ponte levadiça foi abaixada sobre o fosso largo, profundo e a pesada porta de grade foi levantada. A área do setor exterior era alinhada com casas modestas e limpas, estábulos, o arsenal, cavalariças e galpões de armazenamento. Outro portão teve que ser destrancado antes que eles entrassem na área do setor interior onde Gavin e seus irmãos viviam. A casa tinha quatro andares com vidro nos caixilhos das janelas no andar de cima. O pátio murado ficava no centro, e Judith podia ver um jardim com árvores de fruto florescendo atrás de um muro baixo.

Ela queria comentar com Gavin o que pensava de sua administração, mas ele não lhe deu uma chance. Tinha feito pouco mais do que dar algumas ordens, em seguida, abandonou-a em meio à bagagem. Foi Judith que se apresentou aos serviçais.

Durante a semana seguinte, Judith se familiarizou com o castelo de Montgomery, e encontrou um lugar alegre para trabalhar. Os criados não tinham objeções à direção de uma mulher. Ela se enterrou em tarefas e se esforçou para não pensar no caso de seu marido estar com Alice Valence. Na maioria das vezes Judith era bem-sucedida. Somente à noite a sua solidão a atormentava.

Um barulho no pátio a fez correr até a janela. Era muito cedo para os servos, e só a um Montgomery seria permitido entrar através do portão traseiro menor. A luz era muito fraca para dizer quem desmontava dos cavalos.

Ela voou pelas escadas para o grande salão.

— Tenha cuidado, homem. — gritou Raine. — Você acha que eu sou feito de ferro para que possa estar me batendo tanto?

Judith parou ao pé da escada. Seu cunhado estava sendo levado para a sala, os pés primeiro, uma perna pesadamente enfaixada.

— Raine, o que aconteceu com você?

— Maldito cavalo! — Ele disse com os dentes cerrados. — Ele não pode ver para onde está indo mesmo nos dias mais brilhantes.

Ela foi até ele quando seus homens o colocaram em uma cadeira junto à lareira vazia.

— Devo entender que seu cavalo causou isso? — Ela sorriu.

Raine parou de franzir a testa, as bochechas começando a ruborizar.

— Bem, talvez tenha sido em parte minha culpa, ele tropeçou em um buraco e me jogou. Eu caí por cima de minha perna e ele desabou sob mim.

Judith imediatamente se ajoelhou e começou a desembrulhar seu pé que estava apoiado em um banquinho.

— O que você está fazendo? — Perguntou ele bruscamente. — O meu médico já cuidou disso.

— Eu não confio nele e vou ver por mim mesma. Se não está bem fixo, poderá ficar coxo.

Raine olhou para o topo de sua cabeça, em seguida, chamou seu escudeiro.

— Traga-me um copo de vinho, tenho certeza de que ela não ficará satisfeita até que me provoque mais agonia e chamem meu irmão. Por que ele deveria dormir quando estamos acordados?

— Ele não está aqui. — disse Judith em voz baixa.

— Quem não está aqui?

— Seu irmão, meu marido. — disse Judith.

— Onde ele foi e que negócio o chamou?

— Receio não saber, ele me deixou na soleira da porta e se foi, não me falou de nenhum assunto que precisasse de sua atenção.

Raine pegou o cálice de vinho que seu vassalo lhe oferecia e observou sua cunhada, que lhe apalpava o osso da perna. Pelo menos a dor o impediu de dar plena vazão à raiva que sentia por seu irmão. Ele não tinha dúvida de que Gavin deixou sua bela esposa para ir atrás da puta, Alice. Seus dentes apertaram a borda do cálice enquanto Judith tocava a ruptura.

— Está somente um poucochinho desviado. — observou — Você o segura pelos ombros — disse ela a um dos homens atrás de Raine — eu puxarei a perna.


A forte tenda de seda estava coberta de água. Na parte alta se juntavam grossas gotas que caiam no interior enquanto a chuva sacudia o tecido.

Gavin lançou um juramento alto quando mais água bateu em seu rosto. Desde que tinha deixado Judith, pouco havia feito. Não havia nada que não estivesse molhado. E pior do que as águas era o temperamento de seus homens, mais negro ainda do que o céu. Eles estavam vagando pelo campo há mais de uma semana, acampando em um lugar diferente a cada noite. Os alimentos eram preparados às pressas entre aguaceiros e, consequentemente, a metade estava crua. Quando John Bassett, seu segundo em comando, perguntou a seu lorde o motivo da viagem sinuosa, Gavin explodiu. O olhar de sarcasmo de John fez Gavin evitar seus homens.

Sabia que todos se sentiam ansiosos e ele também. Mas pelo menos ele sabia o motivo da viagem aparentemente inútil. Ou não? Naquela noite, na casa do pai de Judith, quando foi tão fria com ele, decidiu ensinar-lhe uma lição. Sentia-se segura num lugar onde passara a vida, cercada de amigos e familiares. Mas ela ousaria agir tão desagradavelmente quando estivesse sozinha em uma casa estranha?

Funcionou bem quando seus irmãos decidiram deixar o casal recém-casado sozinho. Apesar da chuva que gotejava através das frestas da tenda, começou a sorrir para uma cena imaginaria. Ele podia vê-la enfrentando alguma crise, talvez algo cataclísmico, como o cozinheiro queimando uma panela de lentilha. Ela ficaria frenética com a preocupação, mandaria um mensageiro até ele, implorando para retornar e salvá-la do desastre. O mensageiro não seria capaz de encontrar seu amo, já que Gavin não estava em nenhuma de suas propriedades. Mais calamidades ocorreriam. Quando Gavin voltasse, encontraria uma Judith, chorosa e arrependida, que cairia em seus braços, grata por vê-lo novamente, aliviada por ter vindo salvá-la de um destino pior do que a morte.

— Oh sim! — Disse ele, sorrindo. Toda a chuva e desconforto valeriam a pena. Ele falaria severamente com ela e quando ela estivesse completamente arrependida, beijaria suas lágrimas e a levaria para sua cama.

— Meu lorde?

— O que é? — Gavin falou quando a deliciosa visão foi interrompida, exatamente quando estava prestes a imaginar o que ele permitiria que Judith fizesse no quarto, a fim de obter o seu perdão.

— Estávamos pensando, senhor, quando poderíamos ir para casa e sair dessa chuva amaldiçoada.

Gavin começou a grunhir que não era assunto do homem, então fechou a boca. Ele começou a sorrir.

— Voltaremos amanhã. — Judith estava sozinha há oito dias. Isso foi tempo suficiente para ela aprender alguma coisa sobre gratidão... e humildade.

— Por favor, Judith. — Raine implorou quando agarrou seu antebraço. — Estou aqui há dois dias, mas você não me deu um momento do seu tempo.

— Isso não é verdade. — ela riu. — Só na noite passada passei uma hora com você no tabuleiro de xadrez, e você me mostrou alguns acordes no alaúde.

— Eu sei. — ele disse, ainda implorando, as covinhas aparecendo em suas bochechas, embora ele não sorrisse. — É tão horrível aqui sozinho. Não posso me mover por causa desta perna amaldiçoada, e não há ninguém para me fazer companhia.

— Ninguém? Há mais de trezentas pessoas aqui, certamente uma delas... — Ela parou quando Raine olhou para ela com olhos tão tristes que ela riu. — Tudo bem, mas só um jogo, tenho trabalho a fazer.

Raine deu-lhe um sorriso deslumbrante quando ela foi para o outro lado do tabuleiro.

— Você é a melhor neste jogo, nenhum dos meus homens pode me bater como fez a noite passada, além disso, você precisa descansar, o que você faz o dia todo?

— Pondo em ordem o castelo. — Judith respondeu simplesmente.

— Sempre me pareceu estar em ordem. — disse enquanto movia um peão para frente. — Os mordomos...

— Os mordomos! — Ela disse bruscamente enquanto manobrava seu bispo para atacar. — Eles não se importam como os donos de quem possui uma propriedade, devem ser vigiados, verificar as contas, ler as entradas diárias e...

— Ler. Você lê Judith?

Ela olhou para cima, surpresa, com a mão na rainha.

— Mas é claro, você não?

Raine encolheu os ombros.

— Eu nunca aprendi, meus irmãos, sim, mas isso não me interessava. Nunca conheci uma mulher que pudesse ler, meu pai dizia que as mulheres não podiam aprender a ler.

Judith o olhou com desgosto enquanto sua rainha colocava seu rei em perigo mortal.

— Eu acho que você deve aprender que uma mulher pode muitas coisas, às vezes até melhor que um homem, até mesmo um rei. Acredito que ganhei o jogo. — Ela se levantou.

Raine olhou para o tabuleiro com admiração.

— Você não pode ter vencido tão cedo! Eu nem vi isso. Você me manteve falando para que eu não pudesse me concentrar. — Ele lhe deu um olhar pelo canto do olho. — E minha perna dói tanto que é difícil pensar.

Judith olhou para ele com preocupação por um momento, depois começou a rir.

— Raine, você é um mentiroso de primeira. Agora devo ir.

— Não, Judith. — ele disse enquanto se inclinava, agarrou sua mão e começou a beijá-la. — Judith, não me deixe! — implorou. — Na verdade, estou tão entediado que posso enlouquecer, por favor, fique comigo, só mais um jogo.

Judith estava rindo para ele. Ela colocou a outra mão em seus cabelos quando ele começou a fazer promessas ultrajantes de amor eterno e gratidão se ela ficasse com ele mais uma hora.

Foi assim que Gavin os encontrou. Esquecera-se da beleza de sua esposa em parte. Ela não estava vestida com os veludos e peles que usara no casamento, mas com um simples vestido de lã azul. Seu cabelo estava puxado para trás em uma longa e grossa trança castanho-avermelhado. Se havia alguma dúvida, a roupa simples a deixava ainda mais bonita e charmosa do que antes. Ela era inocente, mas as curvas exuberantes de seu corpo mostravam que era toda mulher.

Judith foi a primeira que ficou ciente da presença de seu marido. O sorriso em seu rosto morreu imediatamente e seu corpo inteiro endureceu.

Raine sentiu a tensão em sua mão e olhou para ela interrogativamente. Ele seguiu a direção de seus olhos e viu seu irmão franzindo o cenho. Não havia dúvida quanto ao que Gavin pensava da cena. Judith começou a afastar a mão de Raine, mas ele a segurou firmemente. Ele não daria a impressão de um homem culpado ao seu irmão zangado.

— Tenho tentado persuadir Judith a passar a manhã comigo. — disse Raine levemente. — Fiquei confinado a esta sala por dois dias sem nada para fazer, mas não consigo convencê-la a me dar mais do seu tempo.

— E sem dúvida você já tentou todas as persuasões. — Gavin zombou, seu olhar dirigido a sua esposa que olhava para ele friamente.

Judith tirou a mão de Raine.

— Tenho de voltar ao meu trabalho. — disse ela rígida, quando saiu da sala.

Raine atacou primeiro antes que Gavin tivesse a chance de fazê-lo.

— Onde você esteve? — Ele demandou. — Apenas três dias de casados, e você a deixa na porta como uma bagagem.

— Ela parece ter tratado bem a situação. — disse Gavin enquanto ele afundava pesadamente em uma cadeira.

— Se você insinuar alguma coisa desonrosa...

— Não, eu não. — Disse honestamente. Conhecia bem seus irmãos e Raine não desonraria a cunhada. Foi apenas um choque doloroso após o que ele esperava e desejava. Encontrá-la esperando por ele. — O que aconteceu com sua perna?

Raine sentiu-se envergonhado ao confessar que tinha caído de seu cavalo, mas Gavin não riu como costumava fazer. Cansado, Gavin levantou-se da cadeira.

— Preciso cuidar do meu castelo, tenho estado longe há muito tempo e tenho certeza de que está perto de cair sobre minhas orelhas.

— Eu não contaria com isso. — disse Raine enquanto estudava o tabuleiro de xadrez, examinando cada um dos movimentos de Judith em sua cabeça. —Nunca vi uma mulher trabalhar como Judith.

— Bah! — Gavin disse condescendente. — Quanto trabalho de mulher se pode fazer em uma semana? Bordar cinco peças de pano?

Raine olhou para seu irmão, surpreso.

— Eu não disse que fez trabalho de mulher, disse que não vi uma mulher trabalhar como ela.

Gavin não entendia, mas tampouco pressionou Raine por uma explicação. Como o Senhor do castelo, Gavin tinha muito a fazer. O castelo parecia sempre decair significativamente enquanto ele estava fora por um tempo.

Raine conhecia os pensamentos de seu irmão e o dispensou com uma frase alegre:

— Espero que encontre algo para fazer. — E riu.

Gavin não tinha ideia do que seu irmão estava falando e esqueceu as palavras quando saiu da mansão. Ele ainda estava furioso de que a cena que sonhara tivesse sido destruída. Mas, pelo menos, havia esperança. Judith ficaria feliz por ele ter voltado para resolver todos os problemas que se desenvolveram em sua ausência.

Quando Gavin cavalgava pelos setores naquela manhã, estava tão ansioso para chegar à sua mulher chorosa que não notou nenhuma mudança. Agora ele observava as alterações sutis. Os prédios do pátio exterior pareciam mais limpos, quase novos de fato, como se tivessem sido recentemente reparados e caiados. Os esgotos que corriam ao longo da parte de trás dos edifícios pareciam ter sido esvaziados recentemente.

Deteve-se em frente ao galpão onde os falcões eram treinados. Tinham diversas aves: merlins, peregrinos, gaviões, águias, tiercels. Seu falcoeiro estava em frente ao prédio, um falcão amarrado pela perna a um poste, enquanto o homem lentamente balançava uma isca sobre o pássaro.

— É uma nova isca, Simon? — Gavin perguntou.

— Sim, milorde, é um pouco menor e balança mais rápido, o pássaro é forçado a voar mais rápido e seu objetivo deve ter mais precisão.

— Boa ideia. — Concordou Gavin.

— Não é minha, senhor, mas da senhora Judith. Ela fez a sugestão.

Gavin olhou fixamente.

— Lady Judith lhe sugeriu, a um mestre falcoeiro, uma melhor isca?

— Sim, milorde. — Simon sorriu, revelando dois dentes ausentes. — Eu não sou tão velho para não apreciar uma boa ideia quando ouço uma. Nossa lady é tão inteligente quanto é bela. Veio aqui na manhã seguinte que chegou e me observou por um longo tempo. Então, como eu disse, fez algumas sugestões. Venha, meu lorde, e veja os novos poleiros que eu fiz. Lady Judith disse que os velhos eram a causa dos pés feridos das aves. Ela disse que os ácaros minúsculos que estavam neles feriam os pássaros.

Simon começou a abrir caminho para o edifício, mas Gavin não o seguiu.

— Não quer vê-los? — Simon perguntou tristemente.

Gavin não tinha se recuperado do fato de que seu falcoeiro grisalho recebeu tomado conselho de uma mulher. Gavin tentara fazer centenas de recomendações a Simon, como o seu pai, mas a seu conhecimento, Simon sempre fez o que queria e não o que se queria dele.

— Não. — Gavin disse. — Verei mais tarde que mudanças minha esposa fez. — Ele não conseguiu manter o sarcasmo de sua voz enquanto girava no calcanhar. Que direito tinha sua mulher de interferir com seus falcões? Certamente as mulheres gostavam deles tanto quanto os homens, e certamente Judith teria seu próprio falcão, mas o cuidado com os falcões era um trabalho de homem.

— Milorde! — Gritou uma garota, e depois corou quando Gavin a olhou com ferocidade.

Ela fez uma reverência e estendeu uma caneca para ele.

— Eu pensei que talvez você gostasse de um refresco.

Gavin sorriu para a garota. Aqui pelo menos tinha uma mulher que sabia agir corretamente. Olhou-a nos olhos enquanto bebia. Então sua atenção foi atraída para a bebida. Estava uma delícia!

— O que é isso?

— São os morangos da primavera e o suco das maçãs do ano passado depois de serem fervidos, com um pouco de canela.

— Canela?

— Sim, milorde. Lady Judith trouxe-a de sua casa.

Gavin empurrou a caneca vazia de volta para a garota e se virou. Agora estava realmente começando a ficar irritado. Todos ficaram loucos? Rapidamente, dirigiu-se para o outro extremo do pátio, para o seu ferreiro. Pelo menos naquele lugar quente, de ferro forjado, ele ficaria a salvo da interferência de uma mulher.

A visão que o cumprimentou foi chocante. Seu ferreiro, um homem enorme, enegrecido da cintura para cima, com os músculos volumosos de seus braços, sentava-se em silêncio com uma cesta de costura.

— O que é isso? — Gavin exigiu irritado, já cheio de suspeitas.

O homem sorriu e levantou dois pequenos pedaços de couro. Era um projeto para uma articulação nova que poderia ser usada na armadura de um cavaleiro.

—Veja, o jeito que isso é feito, a articulação é muito mais flexível, inteligente, não é?

Gavin cerrou o queixo com força.

— E onde você conseguiu essa nova ideia?

— Caramba, de Lady Judith. — respondeu o ferreiro, depois deu de ombros quando Gavin saiu do galpão.

— Como ela ousava! — Pensou. Quem era ela para interferir no que era dele, para fazer mudança após mudança, sem nem pedir sua aprovação? Essas propriedades eram dele! Se fossem feitas mudanças, seriam feitas por ele.

Encontrou Judith na despensa, um vasto quarto anexado à cozinha, separado da casa por medo do fogo. Ela estava enterrada cabeça e ombros, dentro de um enorme barril de farinha. Seus cabelos castanho-avermelhados eram inconfundíveis. Ele parou perto dela, aproveitando ao máximo sua altura.

— O que você fez na minha casa? — Ele berrou.

Judith imediatamente puxou a cabeça do barril, de forma tão abrupta que quase bateu com a cabeça na borda. Apesar da altura de Gavin e da sua voz alta, ela não tinha medo dele. Até seu casamento há menos de duas semanas, nunca estivera perto de um homem que não estivesse zangado.

— Sua casa? — Ela respondeu com uma voz mortal. — E eu, o que sou, a serva que esfrega a cozinha? — Perguntou, estendendo os braços, cobertos de farinha, até os cotovelos.

Eles estavam cercados por criados do castelo que se apoiavam contra as paredes com medo, mas que não perderiam uma cena tão fascinante por nada.

— Você sabe muito bem quem você é, mas não quero que interfira nos meus negócios. Você alterou muitas coisas: meu falcoeiro, até mesmo meu ferreiro. Deve atender a suas próprias tarefas e não as minhas!

Judith olhou para ele, fulminando-o.

— Então, me diga o que devo fazer para não falar com o falcoeiro ou com quem mais precisar de aconselhamento.

Gavin ficou intrigado por um momento.

— Bem... Coisas de mulheres. Deve fazer as coisas de todas as mulheres. Costurar. Inspecionar a comida e a limpeza e... E preparar cremes para o rosto. — Sentiu que a última sugestão foi inspiradora.

As bochechas de Judith queimaram os olhos brilhando com pequenos cacos de vidro de ouro.

— Cremes para o rosto! — Ela rosnou. — Então agora eu sou feia e preciso de cremes para o rosto! Talvez também deva fazer escurecedor para os cílios e pó para as minhas bochechas pálidas.

Gavin estava perplexo.

— Eu não disse que você era feia, apenas que não deve colocar meu ferreiro para costurar.

A mandíbula de Judith estava firme.

- Então não voltarei a fazê-lo, deixarei que sua armadura fique rígida e pesada antes de falar com o homem novamente. O que mais posso fazer para te agradar?

Gavin olhou para ela. A discussão estava escapando de suas mãos.

— Os falcões. — disse ele fracamente.

— Então deixarei os pássaros morrerem de patas feridas, há mais alguma coisa?

Ficou ali, emudecido, sem resposta.

— Agora suponho que nos entendemos, milorde. — prosseguiu Judith. — Eu não devo proteger-lhe as mãos, devo deixar suas aves morrerem, e passar meus dias inventando cremes de rosto para dissimular e cobrir a minha feiura.

Gavin agarrou-a pela parte superior do braço e levantou-a do chão para que se enfrentassem.

— Maldita seja, Judith, você não é feia, você é a mulher mais linda que eu já vi. — Ele olhou para sua boca, tão perto da dele.

Seus olhos se suavizaram e sua voz era mais doce do que mel.

— Então posso definir meu pobre cérebro para algo além de estimuladores de beleza?

— Sim. — Sussurrou, enfraquecido pela proximidade dela.

— Ótimo. — Disse com firmeza. — Depois, há uma nova ponta de seta que gostaria de conversar com o armeiro.

Gavin pestanejou de espanto, então a pôs no chão com tanta força que seus dentes se agitaram.

— Você não deve... — Ele parou de falar, enquanto olhava para seus desafiantes olhos.

— Sim, milorde?

Ele saiu da cozinha.

Raine sentou-se à sombra da muralha do castelo, sua perna enfaixada diante dele, tomando a nova bebida de canela de Judith e comendo pães ainda quentes do forno. De vez em quando tentava reprimir uma risada enquanto observava seu irmão. A ira de Gavin era aparente em cada um de seus movimentos. Ele montava seu cavalo como se um demônio o estivesse perseguindo e empunhava sua lança furiosamente através do fantoche de palha que representava seu inimigo.

A discussão da despensa estava sendo contada e recontada. Em poucos dias chegaria ao rei em Londres. Apesar de sua alegria, Raine sentiu pena de seu irmão. Ele tinha sido vencido publicamente por uma mulher.

— Gavin, — chamou — dê ao animal um descanso e venha se sentar um pouco.

Relutantemente, Gavin fez como seu irmão pediu quando percebeu que seu cavalo estava coberto de espuma. Ele jogou as rédeas para seu escudeiro e caminhou, cansado, para sentar ao lado de seu irmão.

— Tome um refresco. — ofereceu Raine.

Gavin começou a pegar a caneca e parou.

— O refresco é dela?

Raine sacudiu a cabeça ao ouvir o tom de seu irmão.

— Sim, Judith o preparou.

Gavin virou-se para o escudeiro.

— Traga-me uma cerveja da adega. — Ordenou.

Raine começou a falar, em seguida, viu a tensão nos olhos de seu irmão, fixo no pátio. Judith caminhava da mansão, através do campo de treinamento coberto de areia, em direção à fila de cavalos de guerra amarrados na margem. Os olhos de Gavin a observavam ardentemente. Então, quando ela parou junto aos cavalos, começou a se levantar.

Raine agarrou o braço de seu irmão e puxou-o para o assento novamente.

— Deixe-a em paz, você só começará outra briga, que sem dúvida perderá novamente.

Gavin começou a falar, depois parou quando seu escudeiro lhe entregou uma caneca de cerveja.

Quando o menino se foi, Raine falou novamente.

— Não faz nada além de berrar com a sua mulher?

— Eu não... — Gavin começou, então parou e engoliu mais cerveja.

— Olhe para ela e me diga o que está errado. Ela é bonita o suficiente para rivalizar com o sol. Trabalha todos os dias para manter sua casa em ordem. Tem todos os homens, mulheres e crianças, incluindo Simon, comendo na mão dela. Até mesmo os cavalos de guerra pegam deliciosas maçãs de sua palma, ela é uma mulher de humor, e joga xadrez como ninguém mais na Inglaterra. O que mais você poderia querer?

Gavin não tinha tirado os olhos dela.

— O que eu sei de seu humor? — Ele disse tristemente. — Ela nunca me chama pelo meu nome.

— E por que ela deveria? — Perguntou Raine. — Alguma vez chegou a dizer-lhe uma palavra gentil? Não te entendo. Te vi cortejar com mais ardor as servas. Acaso uma beleza como Judith não merece palavras doces?

Gavin se virou para ele.

— Eu não sou um idiota para que um irmão mais novo me ensine em como dar prazer a uma mulher. Eu estava de cama em cama, com mulheres, enquanto você estava com sua ama de leite.

Raine não respondeu, mas seus olhos estavam dançando. Ele se absteve de mencionar que havia apenas quatro anos de diferença em suas idades.

Gavin deixou seu irmão e foi para a mansão onde pediu que lhe preparassem um banho. Sentado na água quente, teve tempo de pensar. Por mais que odiasse admiti-lo, Raine estava certo. Talvez Judith tivesse razão para não ser amável com ele. Seu casamento começou com o pé esquerdo. Foi uma vergonha ter-lhe batido na primeira noite, uma pena que ela tivesse entrado em sua tenda, quando menos deveria.

Mas isso era passado. Gavin lembrou-se de seu juramento, que não receberia nada dela livremente, exceto o que ele tomava. Sorriu enquanto ensaboava os braços. Ele passara duas noites com ela e sabia que era uma mulher de grande paixão. Quanto tempo ela poderia manter-se fora de sua cama? Raine estava certo também, quando mencionou a habilidade de seu irmão para cortejar uma mulher. Dois anos atrás, fez uma aposta com Raine sobre certa condessa gelada. Em um tempo surpreendentemente curto, Gavin estava em sua cama. Existia uma mulher que ele não poderia conquistar quando assim se propunha? Seria um prazer dobrar sua esposa arrogante. Seria doce com ela e a cortejaria até ouvi-la implorar para ir a sua cama.

Então, pensou, quase rindo em voz alta, ela seria sua. Ele a possuiria e nunca mais interferiria em sua vida. Ele teria assim tudo o que desejava: Alice para amar e Judith para aquecer sua cama.

Limpo e vestido com roupas frescas, Gavin sentia-se como se fosse um novo homem. Estava exultante com a ideia de tentar seduzir sua adorável esposa. Encontrou-a nos estábulos, suspensa precariamente em cima do muro de uma baia, falando calmamente a um dos cavalos de guerra enquanto o cavalariço limpava e aparava um casco coberto de pelos. O primeiro pensamento de Gavin foi dizer-lhe para se afastar da besta antes que estivesse ferida. Então relaxou. Ela era muito boa com cavalos.

— Ele não é um animal que é facilmente domesticado. — ele disse calmamente enquanto se aproximava para ficar ao lado dela. — Você tem jeito com cavalos, Judith.

Ela se virou para ele com um olhar suspeito.

O cavalo sentiu sua tensão e deu um coice, o ferrador quase não conseguiu se desviar antes que o casco o golpeasse.

— Segure-o ainda, minha lady. — Ordenou o homem sem olhar para trás. — Eu não terminei e não consigo fazer isso se ele se movimentar.

Gavin começou a abrir a boca para perguntar ao homem que direito tinha de falar com sua ama desta forma, mas Judith não parecia se ofender com as palavras do homem.

— Eu o farei, William. — Ela disse enquanto segurava as rédeas do cavalo firmemente e acariciava o nariz macio. — Você não foi ferido, não é?

— Não! — Respondeu o ferrador com voz rouca. — Já está feito agora. Ele se virou para Gavin. — Milorde, estava prestes a dizer alguma coisa?

— Sim. Costuma dar ordens à sua senhora como acaba de fazer?

William ficou vermelho.

— Só quando preciso que me deem. — Judith retrucou. — Vá, William, por favor, e cuida dos outros animais.

Ele obedeceu instantaneamente. Judith olhou desafiante para Gavin. Em vez da raiva que ela esperava, ele sorriu.

— Não, Judith. — disse ele. — Não vim discutir com você.

— Não sabia que existia outra coisa entre nós, além disso.

Ele estremeceu, então estendeu a mão e pegou a de sua esposa, puxando-a relutante atrás dele.

— Eu vim perguntar se poderia te dar um presente. Vê o garanhão no estábulo distante? — Ele perguntou e apontando quando deixou cair sua mão.

— O negro? Eu o conheço bem.

— Quando veio da casa de seu pai, não trouxe nenhum cavalo próprio.

— Meu pai preferiria perder todo o ouro que possuí do que um de seus cavalos. — disse ela, referindo-se as carroças carregadas de riquezas que a tinham acompanhado até a propriedade de Montgomery.

Gavin encostou-se no portão de uma baia vazia.

— Aquele garanhão produziu belas éguas, são mantidas em uma fazenda de criação a certa distância, pensei que talvez amanhã você pudesse ir comigo e escolher um.

Judith não entendeu sua súbita bondade, nem gostou.

— Há cavalos aqui que são suficientes para minhas necessidades.

Gavin ficou quieto por um momento, observando-a.

— Você me odeia tanto, ou tem medo de mim?

— Não tenho medo de você! — Judith disse, com as costas tão retas como uma vara de ferro.

— Então você vai comigo?

Ela olhou fixamente em seus olhos e assentiu secamente.

Gavin sorriu para ela— um sorriso genuíno — e Judith se lembrou inesperadamente de algo que parecia distante, o dia do seu casamento, quando ele sorriu para ela muitas vezes.

— Então esperarei o amanhã impaciente. — disse ele antes de deixar os estábulos.

Judith olhou para ele, franzindo o cenho. O que ele queria dela agora? Que razão tinha para lhe dar um presente? Ela não pensou sobre o assunto por muito tempo, pois havia muito trabalho a ser feito. O lago de peixes era um lugar que negligenciou, e precisava desesperadamente de limpeza.


Capítulo Dez

O grande salão da casa senhorial brilhava com a luz cintilante das lareiras. Alguns guerreiros mais favorecidos dos homens de Montgomery estavam jogando cartas, dados, xadrez, limpando armas ou simplesmente descansando. Judith e Raine estavam sentados sozinhos na outra extremidade da sala.

— Por favor, toque a música, Raine. — pediu Judith. — Você sabe que eu não sou boa na música. Eu disse isso esta manhã, e que iria jogar um jogo de xadrez com você.

— Quer que toque uma música tão longa como suas ausências? — Dedilhou dois acordes no alaúde. — Aqui está. — Brincou. — Tenho certeza de que tocarei tanto quanto o tempo do jogo que você precisa para me derrotar.

— Não é minha culpa que se deixe derrotar facilmente. Usa os peões apenas para atacar e não te protege de diferentes ataques dos outros.

Raine olhou-a fixamente, sua boca aberta, então começou a rir.

— Isso é um sinal de sabedoria que ouço, ou um insulto sem adornos?

— Raine, — começou Judith, — você sabe exatamente o que quero dizer, gostaria que tocasse para mim.

Raine sorriu para ela, a luz do fogo brilhando em seu cabelo castanho-avermelhado, o vestido de lã mostrando seu corpo tentador. Mas sua beleza não era o que ameaçava deixá-lo louco. Beleza às vezes era encontrada mesmo nas servas. Não, era a própria Judith. Ele nunca encontrou uma mulher com a sua honestidade, sua lógica, sua inteligência. Se ela fosse um homem... Ele sorriu. Se ela fosse um homem, não estaria em tal perigo de cair irremediavelmente apaixonado por ela. Ele sabia que precisava fugir de Judith logo, mesmo que sua perna não estivesse curada.

Raine olhou por cima da cabeça e viu Gavin encostado no marco da porta, observando o perfil de sua esposa iluminado pelas chamas.

— Aqui, Gavin. — chamou. — Venha e toque para sua esposa. Eu acho que esta perna me dói demais para desfrutar de qualquer coisa. Eu tenho dado lições a Judith, mas ela não é boa em tudo. — Seus olhos brilharam enquanto olhava para sua cunhada, mas ela apenas olhava fixamente as mãos que estavam unidas em seu colo.

Gavin avançou.

— Estou feliz em saber que há algo que minha esposa não faz à perfeição. — ele riu. — Sabe que hoje ela limpou o lago de peixes? Ouvi dizer que os homens encontraram um castelo normando no fundo. — Parou quando Judith se levantou.

— Devem me perdoar. — ela disse calmamente. — Acho que estou mais cansada do que imaginava, e quero me retirar. — Sem outra palavra, saiu do salão.

O sorriso desapareceu de seu rosto, Gavin afundou-se em uma cadeira almofadada.

Raine olhou para seu irmão com simpatia.

— Amanhã retornarei às minhas propriedades.

Se Gavin ouviu, não fez nenhum comentário.

Raine sinalizou para um dos servos ajudá-lo a chegar a sua câmara.

Judith olhou para o quarto com novos olhos. Já não era somente dela. Agora que seu marido voltou para casa, tinha o direito de compartilhá-lo com ela. Compartilhar o quarto, compartilhar a cama, compartilhar seu corpo. Despiu-se apressadamente e se meteu sob os lençóis. Tinha despedido suas donzelas anteriormente, querendo alguma solidão. Embora Judith estivesse cansada após as atividades do dia, olhava para a roupa de cama de dossel com os olhos abertos. Depois de um longo tempo, ouviu passos fora da porta. Prendeu a respiração por um longo momento, então, hesitante, os passos recuaram. Estava contente, é claro, Judith disse a si mesma, mas isso não aquecia a cama fria.

“Por que Gavin não a queria” — pensou enquanto lágrimas rápidas lhe caíam dos olhos. Sem dúvida ele passara a última semana com sua amada Alice. E sua paixão estava completamente esgotada, não precisava de sua esposa.

Apesar de seus pensamentos, o cansaço do longo dia, eventualmente conspirou para fazê-la dormir.

Ela acordou muito cedo. Ainda estava escuro no quarto. Só a luz fraca do amanhecer entrava através das persianas. O castelo inteiro ainda estava dormindo, e Judith achou o silêncio agradável. Ela sabia que não podia dormir mais, nem queria. Esse momento, ainda escuro da manhã, era seu favorito.

Vestiu-se rapidamente com um simples vestido de lã azul-escuro feito com tecido da Pérsia. Seus suaves sapatos de couro não emitiam nenhum som nos degraus de madeira ou enquanto ela caminhava através dos homens dormindo no grande salão. Lá fora, a luz era cinza escuro, mas seus olhos se ajustaram rapidamente. Ao lado da mansão havia um pequeno jardim murado. Tinha sido uma das primeiras coisas que Judith viu em sua nova casa e um dos últimos que poderia dar a sua atenção. Havia fileiras de rosas, uma grande variedade de cores, suas flores quase escondidas debaixo das hastes mortas e nos arbustos muito negligenciados.

A fragrância no frio da manhã era inebriante. Judith sorriu quando se inclinou sobre um dos arbustos. O trabalho na lagoa de peixes havia sido necessário, mas a poda das rosas era um trabalho por amor.

— Elas pertenciam à minha mãe.

Judith ofegou com a voz tão perto dela. Não tinha ouvido ninguém se aproximar.

— Onde quer que ela fosse, colecionava mudas de rosas de outras pessoas. — continuou Gavin enquanto se ajoelhava ao lado de Judith, tocando uma das flores.

O tempo e o lugar pareciam de outro mundo. Quase podia esquecer que o odiava. Voltou-se para a poda.

— Sua mãe morreu quando era pequeno? — Ela perguntou calmamente.

— Sim. Muito pequeno e Miles quase não a conheceu.

— E seu pai não se casou novamente?

— Ele passou o resto da vida chorando por ela. O pouco tempo que lhe restava. Morreu três anos depois dela. Eu tinha apenas dezesseis anos.

Judith nunca o ouvira parecer tão triste. Na verdade, ouviu pouco na voz de Gavin além de raiva.

— Você era muito jovem para lidar com a administração das propriedades de seu pai.

— Um ano mais novo do que você, e você parece saber perfeitamente como administrar essa propriedade. Muito melhor do que eu fiz antes, e o tenho feito até agora. — Havia admiração em sua voz, mas um pouco de dor também.

— Mas fui treinada para este trabalho — ela disse rapidamente. — Você foi treinado como um cavaleiro. Seria mais difícil para você aprender o que fazer e o que mudar.

— Fui informado de que você foi preparada para a igreja. — Ele observou surpreendido.

— Sim. — disse Judith enquanto se movia para outra roseira. — Minha mãe desejava que eu escapasse de uma vida como a que ela estava levando, ela passou sua infância em um convento e foi muito feliz lá. — Só quando ela se casou com... — Judith parou, não querendo terminar a frase.

— Eu não entendo como a vida em um convento de freiras poderia prepará-la para o que fez aqui. Pelo contrário, deveria ter passado os dias orando.

Ela sorriu-lhe quando ele se sentou no caminho de cascalho ao lado dela. Estava ficando mais claro agora, o céu começando a ficar rosado. Ela podia ouvir o barulho dos criados à distância.

— A maioria dos homens pensa que a pior coisa que poderia acontecer a uma mulher seria privá-las da companhia de um homem, eu lhe asseguro que a vida de uma freira está longe de ser vazia. Olhe para o convento de St. Anne. Quem você acha que administra essas propriedades?

— Eu nunca pensei sobre isso.

— A abadessa administra as propriedades que tem pouca diferença das do rei. As tuas e as minhas poderia caber em um canto de St. Anne. Minha mãe me levou no ano passado para visitar a abadessa. Passei uma semana ao seu lado. Ela é constantemente ocupada. Ela que ordena o trabalho de milhares de homens e acres de terra. Ela não... — os olhos de Judith brilharam — têm tempo para o trabalho de mulher.

Gavin ficou assustado por um momento e começou a rir.

— Boa tentativa. — O que tinha dito Raine sobre o senso de humor de Judith? — Aceito a correção.

— Eu acho que você deveria saber mais sobre um convento já que sua irmã vive em um.

Um brilho especial caiu sobre o rosto de Gavin quando sua irmã foi mencionada. Ele sorriu.

— Eu não consigo imaginar Mary administrando as propriedades de ninguém. Mesmo quando criança era tão doce e tímida que parecia de outro mundo.

— E então você a deixou entrar em um convento.

— Foi o desejo dela, e quando herdei as propriedades de meu pai, ela nos deixou, eu queria que ficasse aqui e não se casasse se não quisesse, mas ela queria estar perto das irmãs.

Gavin olhou para sua esposa, pensando que tinha chegado muito perto de passar a vida em um convento. A luz do sol parecia fogo em seus cabelos ruivos, A forma como ela olhou para ele, sem raiva ou ódio, fez sua respiração parar.

— Oh! — Judith quebrou o feitiço enquanto olhava para seu dedo, cortado em um espinho da roseira.

— Deixe-me ver. — Gavin disse enquanto pegava sua mão pequena na sua. Ele afastou uma gota de sangue da ponta de seu dedo e depois o levou para seus lábios, enquanto a olhava nos olhos.

— Bom Dia!

Os dois olharam para a janela acima do jardim.

— Eu odeio perturbar a cena de amor, — disse Raine da janela da mansão — mas os meus homens parecem ter-me esquecido, e com esta maldita perna, sou pouco mais que um prisioneiro.

Judith tirou a mão da de Gavin e desviou o olhar, suas bochechas, por algum motivo, ruborizaram-se.

— Vou ajudá-lo. — disse Gavin. — Raine disse que ele está partindo hoje. Talvez eu possa colocá-lo em caminho. Cavalgará comigo esta manhã para escolher uma égua?

Ela assentiu com a cabeça, mas não olhou para ele antes de sair do jardim.

— Vejo que você está fazendo algum progresso com sua esposa. — disse Raine enquanto Gavin o ajudava a descer as escadas.

— Teria progredido mais se alguém não tivesse começado a gritar pela janela. — Comentou Gavin amargamente.

Raine soprou em riso. Sua perna doía e ele não estava ansioso pela longa jornada para a outra propriedade, estava de mau humor.

— Nem sequer passou a noite com ela.

— E isso o que a você importa? Desde quando averiguas onde eu durmo?

— Desde que conheci Judith.

— Raine, se você...

— Não se atreva a dizê-lo. Por que acha que vou partir com a perna curada pela metade?

Gavin sorriu.

— Ela é linda, não é? Dentro de alguns dias vou tê-la comendo em minha mão. Então verás onde vou dormir. As mulheres são como falcões: devemos deixá-los passar fome até que estejam desesperados por comida, então é fácil domestica-los.

Raine parou na escada, seu braço sobre o ombro de Gavin.

— Você é um tolo, irmão. Deve ser o maior tolo já criado. Não sabe que o mestre é muitas vezes o servo de seu falcão? Quanta vez já viu homens carregando seu falcão favorito em seus pulsos, mesmo na Igreja?

— Está falando tolices, — Gavin disse, — e eu não gosto de ser chamado de tolo.

Raine apertou os dentes enquanto Gavin sacudia a sua perna.

— Judith vale dois de você e cem daquela cadela gélida que você acha que ama.

Gavin parou ao pé da escada, deu a seu irmão um olhar malévolo e afastou-se tão rapidamente que Raine teve que agarrar a parede para não cair.

— Não volte a mencionar Alice! — Advertiu o irmão mais velho com voz mortal.

— Maldito seja, vou falar dela, alguém precisa, está arruinando a sua vida e a felicidade de Judith. E Alice não vale uma mecha de cabelo de Judith.

Gavin ergueu o punho e deixou-o cair.

— É bom que esteja partindo hoje. Não quero te ouvir dizer mais nenhuma palavra sobre as minhas mulheres. — Ele se virou e saiu andando.

— Suas mulheres? — Perguntou Raine. — Uma é dona de sua alma e a outra você trata com desprezo. Como você pode chamá-las de suas?


Capítulo Onze

Havia dez cavalos dentro da área cercada. Cada um era elegante e forte, com longas pernas que inspiravam visões dos animais que galopavam pelos campos floridos.

— Devo escolher um, milorde? — Judith perguntou enquanto se inclinava para o outro lado da grade da cerca. Ela olhou para Gavin ao seu lado, observando-o com desconfiança. Toda a manhã fora excepcionalmente agradável; Primeiro no jardim, e agora com ele dando-lhe um presente. Ele a ajudara a montar, tomara-lhe o braço quando ela, em um gesto pouco nobre, subiu sobre a cerca. Ela podia entender sua irritação, seus cenhos franzidos, mas estava muito desconfiada dessa nova bondade.

— Qualquer um que você queira, — Gavin respondeu, sorrindo para ela. — Todos foram domesticados e estão prontos para arreios e uma sela. Você vê algum que gosta?

Ela olhou para os cavalos.

— Não há um que eu não goste, não é fácil de escolher, acho que essa, a negra.

Gavin sorriu para sua escolha, uma égua com um passo alto e elegante.

— Ela é sua. — disse ele. Então, antes que pudesse ajudá-la, Judith estava no chão e entrando pelo portão. Dentro de minutos, o homem de Gavin tinha a égua selada e Judith montada nas costas de seu animal.

Era maravilhoso montar um cavalo outra vez. À direita de Judith estava o caminho para o castelo. À sua esquerda, a densa floresta, um campo de caça para os Montgomery. Sem pensar, tomou o caminho para a floresta. Por muito tempo ficou confinada dentro das paredes e entre as pessoas. Os grandes carvalhos e faias pareciam convidativas, seus ramos se ligando acima para formar um abrigo privado. Judith não olhou para trás para ver se estava sendo seguida, apenas limitou-se a correr adiante em direção à liberdade esperada.

Ela cavalgou duro, testando a égua e ela mesma. Eram compatíveis, como sabia que seriam. O animal gostava da corrida tanto quanto Judith.

— Calma agora, querida. — sussurrou Judith quando estavam bem dentro da floresta. A égua obedeceu, escolhendo delicadamente o caminho entre as árvores e os arbustos. O solo era coberto por samambaias e centenas de anos de folhagem acumulada. Era um tapete macio e silencioso. Judith respirou profundamente o ar limpo e fresco e deixou que sua égua decidisse o caminho.

O som da água corrente chamou a atenção de Judith, assim como de sua égua. Um córrego, profundo e fresco, corria rapidamente entre as árvores, a luz do sol brincando nos galhos pendentes. Ela desmontou e levou a égua para a água. Enquanto a égua bebia em silêncio, Judith puxou pedaços de grama suave e começou a esfregar nos lados do animal. Elas galoparam durante vários minutos antes de chegar à floresta, e a égua estava suada.

Judith estava envolvida em sua tarefa agradável, glorificando seu dia, a água rugindo. A égua ergueu as orelhas e escutou, depois recuou nervosamente.

— Calma garota. — disse Judith, acariciando o pescoço macio. A égua deu outro passo mais agudo para trás, jogou a cabeça e relinchou. Judith girou, agarrando as rédeas do animal assustado.

Um javali se aproximou, cheirando o ar. Estava ferido, seus olhos minúsculos vidrados de dor. Judith tentou novamente pegar as rédeas de sua égua, mas o javali começou seu ataque e a égua, selvagem e com medo, galopou para longe. Ela agarrou suas saias e começou a correr. Mas o porco era mais rápido do que ela. Judith deu um pulo em direção a um galho da árvore, agarrou-o e começou a erguer-se. Forte, de uma vida de trabalho e exercício balançou as pernas para outro ramo, quando o javali quase a alcançava. Não era tarefa fácil manter-se na árvore enquanto o javali enlouquecido atacava e sacudia o tronco a seus pés.

Finalmente, Judith pôde sentar no ramo mais baixo enquanto segurava outro acima de sua cabeça. Quando olhou para o javali, percebeu que estava muito acima do chão. Ela olhava fixamente com medo, quase sem visão, seus nódulos se tornando brancos quando agarrou o ramo da árvore com toda sua força.


— Temos que nos espalhar. — ordenou Gavin ao seu homem, John Bassett. — Não somos suficientes para irmos em pares, e ela não poderia ter ido longe. — Gavin tentou manter o nível de voz. Estava zangado com sua esposa por galopar em um cavalo estranho em uma floresta desconhecida para ela. Estava de pé com os cavalos e seus homens, observando-a se afastar. Esperava que assim que chegasse à margem do bosque, voltasse. Demorou um momento para perceber que Judith estava indo para a floresta.

Agora ele não podia encontrá-la. Era como se tivesse desaparecido, engolida pelas árvores.

— John, vá para o norte, ao redor das árvores. Odo vá para o sul, vou tentar o centro.

Dentro da floresta estava silencioso. Gavin ouvia atentamente tentando perceber qualquer sinal dela. Passou uma grande parte de sua vida aqui e conhecia cada centímetro do bosque. Ele sabia que a égua provavelmente iria para o córrego que corria através de seu centro. Ele chamou Judith várias vezes, mas não houve resposta.

Então seu garanhão ergueu as orelhas.

— O que foi menino? — Gavin questionou, escutando em alerta. O cavalo deu um passo para trás, as narinas dilatadas. O animal foi treinado para a caça, e Gavin reconheceu os sinais. — Não agora, — disse ele. — Mais tarde vamos procurar à presa.

O cavalo não pareceu entender, mas sacudiu a cabeça contra as rédeas. Gavin franziu a testa, em seguida, não lhe deu rédeas. Ele ouviu o som do javali atacando a base da árvore antes de vê-lo. Teria conduzido sua montaria fazendo um rodeio para passar longe da besta se seu olho não tivesse avistado algo azul em cima da árvore.

— Pelos dentes de Deus! — Ele sussurrou ao perceber que Judith estava presa na árvore. — Judith! — Ele chamou, mas não obteve resposta. — Você estará segura em um momento.

Seu cavalo pôs a cabeça para baixo em antecipação ao ataque, enquanto Gavin tirava sua espada longa da bainha no lado da sela. O garanhão, bem treinado, correu muito perto do javali e Gavin inclinou-se para fora da sela, suas poderosas coxas agarrando-se com força enquanto se dobrava e enfiava a espada pela espinha do animal. Ele gritou uma vez e chutou antes de morrer.

Gavin saltou rapidamente da sela e pegou a arma. Ele olhou para Judith e ficou espantado com o puro terror em seu rosto.

— Judith, está tudo bem agora, o javali está morto, não pode te machucar. — Seu terror parecia fora de proporção com o perigo. Ela estava suficientemente segura na árvore.

Ela não respondeu, mas continuou olhando para o chão, seu corpo tão rígido quanto sua lança de ferro.

— Judith! — Disse bruscamente. — Você está machucada?

Ainda assim ela não respondeu nem reconheceu sua presença.

— É apenas um salto curto. — disse, erguendo os braços para ela. — Solte o ramo acima e eu te segurarei.

Ela não se mexeu.

Gavin ficou perplexo, lançou um olhar desconcertado ao javali morto e voltou a observar o rosto de sua esposa, ela estava aterrorizada. Algo além do porco a assustava.

— Judith é a altura que te causa medo? — Ele disse calmamente e se moveu para que estivesse na linha de seu olhar vago. Gavin se agarrou ao ramo mais baixo, perto de seus pés e facilmente subiu e se instalou ao lado dela. Ele colocou o braço sobre sua cintura, mas ela não deu nenhum sinal de que estivesse ciente de sua presença.

— Judith, me escute. — disse calmamente. — Vou tomar suas mãos e baixa-la para o chão. Deve confiar em mim. Não tenha medo. — Foi preciso lhe soltar as mãos, ela se agarrou a seus pulsos, em pânico. Gavin buscou apoio em um ramo e a baixou até o chão. Quando os pés da esposa haviam tocado a terra, ele desceu de um salto e tomou-a nos seus braços. Judith se agarrou a ele desesperadamente, tremendo.

— Silêncio, agora. — ele sussurrou enquanto acariciava sua cabeça. — Você está segura. — Os tremores de Judith não pararam, e Gavin sentiu seus joelhos cederem. Levantou-a em seus braços, e a levou a um troco de árvore, onde sentou e segurou-a como se ela fosse uma criança. Tinha pouca experiência com mulheres fora da cama e nenhuma com crianças, mas sabia que seu medo era extraordinário.

Segurou Judith firmemente, o mais forte que pôde sem esmagá-la. Afastou seu cabelo longe de sua bochecha onde começava a transpirar, seu rosto quente. Embalou-a e abraçou-a mais forte. Se alguém lhe tivesse dito que estar a poucos metros do chão poderia causar tanto terror, teria rido, mas agora não achava divertido. O medo de Judith era muito real e seu coração se encheu de pena que ela sofresse tanto assim. Seu pequeno corpo tremia, seu coração batia tão violentamente quanto o de um pássaro e ele sabia que deveria fazê-la se sentir segura novamente. Gavin começou a cantar, baixinho no começo, sem realmente prestar atenção às palavras. Sua voz era rica e reconfortante. Ele cantou uma canção de amor, de um homem que retorna das Cruzadas para encontrar o seu verdadeiro amor esperando por ele.

Gradualmente, sentiu que Judith começava a relaxar contra ele, o terrível tremor diminuindo. Suas mãos se soltando, mas Gavin não a soltou. Ele sorriu e beijou sua têmpora enquanto cantarolava a melodia. Sua respiração tornou-se mais uniforme até que ela levantou a cabeça de seu ombro. Judith afastou-se, mas ele a segurou firmemente, não querendo soltá-la. A necessidade que Judith tinha dele era estranhamente reconfortante, embora Gavin dissesse que não gostava de mulheres dependentes.

— Você vai pensar que sou uma idiota. — disse suavemente.

Ele não respondeu.

— Não gosto de lugares altos. — prosseguiu Judith.

Ele sorriu e abraçou-a junto a ele.

— Me dei conta disso. — ele riu. — Embora “não gosto" é pouco para o que vi. Por que te inspira tanto medo lugares altos? — Ele estava rindo agora, feliz por ela ter se recuperado. Gavin ficou assustado quando ela se enrijeceu. — O que eu disse, não fique zangada.

— Eu não estou irritada. — ela disse tristemente, relaxando novamente, confortável em seus braços. — Não gosto de pensar no meu pai, só isso.

Gavin a obrigou a apoiar sua cabeça de volta em seu ombro.

— Conte-me sobre isso. — disse seriamente.

Judith ficou quieta por um momento, depois, quando falou, dificilmente podia ouvi-la.

— Na verdade, eu me lembro de pouco disso, só o medo permanece comigo. Minhas donzelas me contaram muitos anos depois. Eu tinha três anos e algo perturbou meu sono. Eu deixei o quarto e fui para o grande salão, cheio de luzes e música, meu pai estava lá com seus amigos e todos estavam bêbados. — Sua voz era fria, como se contasse uma história sobre outra pessoa.

— Ao me ver, meu pai pareceu idealizar uma grande brincadeira. Pediu uma escada e subiu por ela, comigo debaixo do braço, para sentar-me em uma grande janela de uma boa altura. Como eu disse não me lembro de quase nada. Meu pai e seus amigos foram dormir e pela manhã minhas donzelas tiveram que me procurar. Não demorou muito para que elas me encontrassem, embora devesse tê-las ouvido me chamar. Aparentemente estava tão assustada que não conseguia falar.

Gavin acariciou seu cabelo e começou a balançá-la novamente. O pensamento de um homem colocando uma criança de três anos a seis metros acima do chão, depois deixando-a toda a noite, fez seu estômago se revirar. Ele agarrou seus ombros e afastou Judith dele.

— Mas agora você está a salvo, veja, o chão está bem próximo.

Ela lhe deu um sorriso hesitante.

— Tem sido bom para mim, obrigada.

Aquele agradecimento não era suficiente para Gavin. Era triste pensar que a moça havia sido maltratada em sua curta vida, e que o conforto de seu marido lhe parecia uma dádiva dos céus.

— Você não viu meus bosques, o que você acha de ficamos aqui por algum tempo?

— Mas há trabalho...

— Você é um demônio para o trabalho. Você nunca se diverte?

— Não tenho certeza se sei como fazê-lo. — Ela respondeu honestamente.

— Bem, hoje você vai aprender. Hoje o dia será para a colheita de flores silvestres e observação dos pássaros da mata. — Ele balançou as sobrancelhas para ela e Judith deu uma risada muito incomum para ele. Gavin estava encantado. Seus olhos eram quentes, seus lábios curvados docemente, e sua beleza era uma vista inebriante. — Então venha, — disse ele, levantando-a para colocá-la de pé. — Há uma colina próxima que está coberta de flores e alguns pássaros bastante extraordinários.

Quando os pés de Judith tocaram o chão, seu tornozelo esquerdo se dobrou debaixo dela. Ela agarrou o braço de Gavin por apoio.

— Você está ferida. — disse enquanto se ajoelhava para olhar seu tornozelo. Ele se virou e viu Judith morder o lábio. — Vamos colocá-lo na água do córrego frio. Isso deve deter o inchaço. — Ele a levou em seus braços.

— Eu posso andar se você me ajudar um pouco.

— E deixar a minha condição de cavaleiro ser tirada de mim? Somos ensinados, você sabe, nas regras do amor cortês. As regras são bastante firmes sobre belas damas em perigo. Elas devem ser levadas nos braços sempre que possível.

— Então eu sou apenas um meio para promover seu status de cavaleiro? - Judith perguntou seriamente.

— Claro, já que você é um grande fardo para carregar, deve pesar tanto quanto meu cavalo.

— Não é assim! — Ela protestou veementemente e então viu seus olhos brilhando. — Você está me provocando!

— Eu não disse que o dia era para a alegria?

Ela sorriu e se apoiou contra seu ombro. Era agradável estar tão perto.

Gavin colocou-a na beira do córrego, depois cuidadosamente retirou seu sapato.

— É necessário tirar à meia. — exigiu e sorriu. Ele observou com deleite enquanto Judith levantava a saia de seu longo vestido para revelar o topo de sua meia, amarrada com uma liga justamente acima do joelho. — Se você precisar de ajuda... — ele olhava lascivo como ela rolava a meia de seda em sua perna.

Judith observou Gavin enquanto gentilmente banhava seu pé na água fria. Quem era aquele homem que a tocava tão gentilmente? Ele não poderia ser o homem que a esbofeteou, que ostentou sua amante diante dela, que a estuprou em sua noite de núpcias.

— Não parece ser muito ruim. — disse enquanto olhava para ela.

— Não, não parece. — Disse ela calmamente.

Uma brisa súbita soprou uma mecha de cabelo em seus olhos. Gentilmente, Gavin afastou-a.

— O que você acha, de fazer uma fogueira e assarmos esse porco hediondo?

— Isso seria agradável. — Sorriu para ele.

Ele a pegou do tronco e a jogou alegremente no ar. Ela agarrou ao seu pescoço, morta de medo.

— Talvez comece a gostar deste seu medo. — riu e a pressionou contra ele. Levou-a através do córrego para uma colina que estava realmente coberta de flores silvestres, e construiu um fogo debaixo de uma saliência rochosa. Em minutos, voltou com um pedaço de javali selvagem, já limpo, no espeto e o colocou para assar sobre o fogo. Ele não permitia que Judith se movesse ou ajudasse de qualquer maneira. Enquanto a carne assava e já havia uma abundante fonte de lenha, Gavin a deixou de novo e voltou após alguns momentos com o tabardo levantado sobre os quadris, como se carregasse alguma coisa.

— Feche os olhos. — disse, e quando ela obedeceu, derramou uma chuva de flores sobre Judith. — Você não pode ir até elas, então elas devem vir até você.

Ela olhou para ele, seu colo e o chão à sua volta cobertos em um tapete de flores de cheiro doce.

— Obrigada, milorde. — disse ela, sorrindo brilhantemente.

Ele se sentou ao lado dela, uma mão atrás das costas, inclinando-se para perto dela.

— Tenho outro presente. — disse ele, estendendo três Aquilégias Columbine frágeis para ela.

Eram belas e delicadas flores, brilhando a luz do sol, de cor violeta e branca. Ela tentou pegá-las, mas ele as afastou de suas mãos. Ela olhou para ele surpresa.

— Elas não são gratuitas. — Ele estava brincando com ela de novo, mas a expressão em seu rosto mostrava que não percebera. Sentiu um arrepio de remorso por tê-la machucado tanto. De repente Gavin se perguntou se ele seria melhor que seu sogro. Correu um dedo levemente pela sua bochecha. — É um pequeno preço a pagar, — disse suavemente. — Eu gostaria de ouvir você me chamar pelo meu nome de batismo.

Seus olhos se arregalaram e estavam quentes novamente.

— Gavin. — ela disse calmamente enquanto ele lhe entregava as flores. —Obrigada, meu... Gavin pelas flores.

Ele suspirou preguiçosamente e se recostou na grama, suas mãos atrás da cabeça.

— Meu Gavin! — Ele repetiu. — Tem um som agradável. — Ele moveu a mão preguiçosamente e enroscou um cacho de cabelo sobre a palma da mão. Ela estava de costas para ele enquanto reunia as flores e as colocava em um buquê. “Sempre ordenada” — pensou.

De repente, ocorreu-lhe que transcorreu anos sem passar um dia tão agradável em suas próprias terras. As responsabilidades do castelo o cercavam sempre, mas em poucos dias sua esposa tinha organizado as coisas de tal forma que ele podia estender-se sobre a grama, sem pensar em nada, para observar o voo das abelhas e a textura sedosa dos cabelos de uma mulher.

— Você realmente ficou com raiva pelas sugestões que dei a Simon? —Perguntou Judith.

Gavin quase não se lembrava de quem era Simon.

— Não! — Ele sorriu. — Simplesmente não gostei de uma mulher conseguir o que eu não podia alcançar, e não tenho tanta certeza de que essa nova isca seja melhor.

Ela girou para encará-lo.

— Sim, Simon concordou instantaneamente, tenho certeza de que os falcões vão pegar mais presas agora e... — Ela parou quando o viu rindo dela. — Você é um homem vaidoso.

— Eu? — Gavin perguntou, apoiando-se nos cotovelos. — Sou o menos vaidoso dos homens.

— Você não acabou de dizer que estava zangado porque uma mulher fez o que não pôde?

— Oh... — Gavin disse enquanto relaxava na grama, seus olhos fechados. — Isso não é o mesmo, um homem fica sempre surpreso quando uma mulher faz algo além de costurar e cuidar de crianças.

— Oh, você! — Judith disse em desgosto, em seguida, pegou um punhado de grama com um torrão de terra unida a ele e jogou em seu rosto.

Ele abriu os olhos em surpresa, em seguida, limpou a sujeira de sua boca. Seus olhos se estreitaram.

— Você pagará por isso, — disse, enquanto se movia furtivamente para ela.

Judith recuou, temendo a dor que sabia que lhe causaria. Ela começou a se levantar, mas ele agarrou seu tornozelo nu e segurou-o rápido.

— Não... — ela começou antes que ele se jogasse sobre ela... e começasse a lhe fazer cócegas. Judith se surpreendeu tanto quanto qualquer outra coisa, então começou a rir. Recolheu os joelhos para os seios tentando manter as mãos dele longe de seus lados, mas Gavin era impiedoso.

— Você se retrata?

— Não. — Ela suspirou. — É vaidoso e pretensioso, mil vezes mais do que qualquer mulher.

Seus dedos corriam para cima e para baixo em suas costelas até fazê-la chutar em risadas.

— Por favor, pare. — ela gritou. — Eu não aguento mais!

As mãos de Gavin se acalmaram e ele se inclinou perto de seu rosto.

— Se dá por vencida?

— Não, — disse ela, mas acrescentou rapidamente — embora você não seja tão vaidoso como eu pensava.

— Isso não é maneira de se desculpar.

— Me arrancou o pedido de desculpa sob tortura.

Gavin sorriu para ela, o pôr-do-sol fazendo sua pele dourada, seu cabelo espalhado como um pôr-do-sol impetuoso.

— Quem é você, minha esposa? — Ele sussurrou, devorando-a com os olhos. — Você me amaldiçoa em um momento, me encanta no seguinte. Você me desafia até me dar vontade de querer matá-la, então sorri para mim, e fico atordoado com sua beleza. Não é como nenhuma outra mulher que eu já conheci. Ainda não vi você enfiar uma agulha para costurar, mas a vi, mergulhada até os joelhos, na lama da lagoa dos peixes. Você monta um cavalo, assim como um homem, no entanto, a encontro em uma árvore tremendo como uma criança em um medo mortal. Você nunca é a mesma, de um momento para o outro muda? Alguma vez será a mesma pessoa por dois dias seguidos?

— Eu sou Judith, não sou mais ninguém, nem sei ser outra pessoa.

Sua mão acariciou sua têmpora. Então ele se inclinou e tocou seus lábios nos dela. Eles estavam quentes do sol e doces. Ele tinha começado a provar os lábios dela quando o céu se abriu de repente com uma enorme explosão de trovão e começou a verter uma torrente de chuva pesada sobre eles.

Gavin pronunciou uma palavra muito suja, que Judith nunca ouviu antes.

— Para a saliência da rocha! — Ele disse e então se lembrou do tornozelo dela. Pegou-a e correu com ela nos braços para o abrigo profundo, onde o fogo crepitava e chiava pela queda da gordura da carne gotejando nele. O temperamento de Gavin não estava melhorando com a chuva abrupta. Com raiva, ele foi para o fogo. Um lado da carne estava queimado, preto, o outro cru. Nenhum deles pensou em dar a volta no assado.

— Você é uma pobre cozinheira. — disse ele. Estava aborrecido por ter um momento perfeito destruído.

Ela lhe deu um olhar vazio.

— Eu costumo ser melhor costurando do que cozinhando.

Ele olhou para ela, então começou a rir.

— Boa resposta. — Estudou a chuva. — Devo ver como está meu cavalo. Não posso deixa-lo nesta chuva com a sela colocada.

Sempre preocupada com o bem-estar dos animais, Judith voltou-se para ele.

— Você deixou seu pobre cavalo desacompanhado todo esse tempo?

Ele não gostou do tom de comando dela.

— E onde, por favor, me diga, está a sua égua? Você se importa tanto que não sabe o que aconteceu com ela?

— Eu... — ela começou. Estava tão encantada com Gavin que não pensou em mais nada.

— Então, ponha-se a fazer as lições de casa antes de achar que tem direito de me dar ordens.

— Eu não estava ordenando nada a você.

— E então, o que mais?

Judith se afastou dele.

— Vá então, seu cavalo espera na chuva.

Gavin começou a falar, depois mudou de ideia quando saiu na chuva.

Judith sentou-se esfregando o tornozelo, repreendendo-se. Ela parecia deixa-lo zangado em cada momento. Então ela parou. O que importava se ela o deixasse com raiva? Ela o odiava, não era? Ele era um homem vil e desonroso e um dia de bondade não mudaria seus sentimentos de ódio por ele. Ou poderia?

— Milorde.

Ele ouviu a voz como se viesse de longe.

— Milorde Gavin, Lady Judith. — As vozes se aproximaram.

Gavin resmungou baixinho, ajustando a cilha que acabou de soltar. Esquecera-se de seus homens. Que magia tinha essa pequena bruxa lançado sobre ele que o fez esquecer seu cavalo e, pior ainda, esqueceu os seus homens que diligentemente procuravam por eles? Agora eles cavalgavam na chuva, molhados, com frio e sem dúvida com fome. Por mais que tenha gostado de estar com Judith, talvez passar a noite com ela, seus homens devem vir em primeiro lugar.

Levou seu cavalo a atravessar o riacho e subiu a colina. Até então, eles já tinham visto o fogo.

— Você está ileso, milorde? — Perguntou John Bassett quando se encontraram, com a água escorrendo do nariz.

— Sim. — disse Gavin, sem olhar para a mulher que se apoiava no rebordo de pedra. — Fomos apanhados na tempestade e Judith machucou seu tornozelo. — ele começou, então parou quando John olhou intensamente para o céu. Uma nuvem de primavera dificilmente era uma tempestade, e tanto Gavin quanto sua esposa poderiam ter montado um só cavalo.

John era um homem mais velho, um cavaleiro do pai de Gavin, e tinha experiência em lidar com rapazes.

— Eu compreendo milorde, trouxemos a égua da lady.

— Droga... droga... droga! — Gavin murmurou. Agora ela o fizera mentir para seus homens. Aproximou-se da égua e ajustou a cilha selvagemente.

Mesmo com toda a dor no tornozelo machucado, Judith correu rapidamente em sua direção.

— Não seja tão duro com a minha égua. — disse possessiva.

Ele se virou para ela.

— Não seja tão rude comigo, Judith!


Judith olhava silenciosamente entre as persianas semicerradas, observando a noite estrelada. Usava uma bata de damasco azul índigo, forrada com seda azul, em torno do pescoço, abaixo da parte dianteira e em torno da bainha de bordada com arminho branco. A chuva havia desaparecido e o ar da noite estava fresco. Relutantemente, se afastou da janela para sua cama vazia. Judith sabia o que estava errado com ela, embora odiasse admiti-lo. Que tipo de mulher era se estava morrendo pelas carícias de um homem que a desprezava? Ela fechou os olhos e quase pôde sentir suas mãos e seus lábios em seu corpo. Não tinha orgulho de que seu corpo traísse sua mente. Ela tirou a túnica e deslizou nua, na cama fria.

Seu coração quase parou quando ouviu passos pesados parar fora da porta de seu quarto. Ela esperou, sem fôlego, por um longo tempo antes que os passos recuassem pelo corredor. Ela bateu o punho no travesseiro de penas e foi muito, muito tempo depois que conseguiu dormir.

Gavin ficou parado fora da porta por alguns minutos antes de ir para o quarto que agora usava. O que havia de errado com ele? Perguntou-se. De onde veio esta nova timidez com as mulheres? Ela estava pronta para ele. Tinha visto isso em seus olhos. Hoje, pela primeira vez em muitas semanas, sorrira para ele e, pela primeira vez, o chamara pelo seu primeiro nome. Ele poderia arriscar perder esse pequeno ganho forçando sua entrada em seu quarto e novamente correr o risco de causar novo ódio?

O que importava se estuprasse Judith de novo? Ele não tinha gostado da primeira noite? Despiu-se rapidamente e deslizou para a cama vazia. Ele não queria violá-la novamente. Não, queria que ela sorrisse para ele, que chamasse seu nome e estendesse os braços para ele. De sua mente desaparecera todos os pensamentos de triunfo. Ele adormeceu lembrando o modo que ela se agarrou a ele quando estava assustada.


Capítulo Doze

Gavin acordou muito cedo depois de uma noite de sono perturbada. No castelo já havia algum movimento, mas os ruídos ainda eram fracos. Seu primeiro pensamento foi em Judith. Queria vê-la. Será que ela realmente sorriu para ele ontem?

Vestiu-se rapidamente com uma camisa de linho e um grosso gibão de lã, preso com um amplo cinto de couro. Ele puxou a meia de linha sobre os músculos do quadril e coxas, amarrando-os aos calções que usava. Depois, desceu apressadamente as escadas até o jardim e lá cortou uma rosa vermelha perfumada, suas pétalas beijadas por gotas peroladas de orvalho.

A porta da câmara de Judith estava fechada. Silenciosamente, Gavin a abriu, ela estava dormindo, uma mão enrolada em seu cabelo que estava espalhado sobre seus ombros nus e o travesseiro ao lado dela. Ele colocou a rosa no travesseiro e gentilmente removeu um cacho de sua bochecha.

Judith abriu os olhos lentamente. Parecia parte de seus sonhos ver Gavin tão próximo. Ela tocou seu rosto suavemente, seu polegar no queixo, sentindo a barba crescida, seus dedos em suas bochechas. Parecia mais jovem do que de costume, as linhas de expressão e preocupação desapareceram de seus olhos.

— Eu não acho que você seja real. — ela sussurrou, observando seus olhos enquanto estes se suavizavam.

Ele moveu a cabeça ligeiramente e mordeu a ponta de seu dedo.

— Sou muito real, é você quem parece ser um sonho.

Ela sorriu maliciosamente para ele.

— Então estamos bem satisfeitos com os nossos sonhos, não estamos?

Ele riu enquanto a rodeava com os braços e esfregava a bochecha na carne macia de seu pescoço, deleitando-se com seus gritinhos de protesto enquanto sua barba ameaçava arranhar sua pele.

— Judith, doce Judith. — sussurrou enquanto mordiscava o lóbulo da orelha. — É sempre um mistério para mim, não sei se eu gosto de você ou não.

— E isso importaria tanto, se não o gostasse?

Ele se afastou dela e tocou sua têmpora.

— Sim, acho que isso importaria.

— Minha dama!

Ambos levantaram os olhos quando Joan irrompeu no quarto.

— Mil perdões, minha lady. — disse Joan, rindo. — Eu não sabia que estava tão bem ocupada, mas a hora já se faz tarde e há muitos que chamam por você.

— Diga a eles para esperar. — disse Gavin acaloradamente enquanto segurava Judith firmemente enquanto tentava afastá-lo.

— Não! — Judith disse. — Joan, quem me convoca?

— O padre pergunta se deseja começar o dia sem missa. O homem do Senhor Gavin, John Bassett, manda dizer que alguns cavalos de Chestershire chegaram. E há três comerciantes de tecidos que querem ter suas mercadorias inspecionadas.

Gavin enrijeceu e soltou sua esposa.

— Diga ao padre que estaremos lá, vou ver os cavalos depois da missa e diga aos mercadores... — ele parou, enojado. — Sou senhor desta casa ou não? — Perguntou ele.

Judith colocou a mão em seu braço.

— Diga aos mercadores que armazenem suas mercadorias e assistam à missa conosco, eu os verei depois da missa.

— Bem? — Gavin perguntou à donzela. — Foi-lhe dito o que fazer. Agora vá.

Joan fechou a porta as suas costas.

— Tenho que ajudar a minha lady a se vestir.

Gavin começou a sorrir.

— Vou fazer isso, talvez encontre algum prazer neste dia além do dever.

Joan sorriu maliciosamente para a ama, antes que ela saísse pela porta e a fechasse.

— Agora, minha senhora, — disse Gavin, voltando-se para a esposa. — Estou às suas ordens.

Os olhos de Judith cintilaram.

— Mesmo que minhas ordens se refiram a seus cavalos?

Ele gemeu em fingida agonia.

— Foi uma briga boba, não foi? Eu estava com raiva da chuva mais do que de você.

— E por que a chuva te deixou com raiva? — Ela brincou.

Ele se inclinou sobre ela.

— Isso me impediu de um esporte que eu tanto desejava.

Ela pôs a mão em seu peito, sentiu seu coração martelar.

— Você se esquece de que o padre nos espera?

Ele se inclinou para trás.

— Bem, se levante que a ajudarei a se vestir. Se não posso provar, pelo menos posso olhar.

Judith olhou-o nos olhos por um momento. Há quase duas semanas que não fazia amor com ela. Talvez a tenha deixado logo após seu casamento para ir encontrar-se com a sua amante. Mas Judith percebeu que Gavin era seu naquele momento, e tiraria o máximo de proveito disso. Muitas pessoas lhe disseram que era linda, mas geralmente as descartava como bajuladores. Ela sabia que as curvas de seu corpo eram muito diferentes da magreza de Alice Valence. Mais de uma vez Gavin desejara seu corpo. Ela se perguntou se poderia fazer aqueles olhos escurecerem de cinza para preto novamente com prazer.

Ela lentamente puxou uma borda da colcha para trás e estendeu um pé descalço, em seguida, puxou o lençol até o meio da coxa. Ela flexionou os dois pés.

— Acho que meu tornozelo já está bem recuperado, não é? — Ela sorriu inocentemente, mas ele não estava olhando para seu rosto.

Muito lentamente, afastou a coberta de seu quadril firme e redondo, então expôs seu umbigo, seu ventre achatado. Levantou-se lentamente para fora da cama e ficou diante dele na luz do amanhecer.

Gavin olhou para ela. Não a via nua há semanas. Apreciou-a. Suas pernas eram longas e magras, seus quadris redondos, possuía uma cintura fina, seios cheios e mamilos rosados.

— Ao diabo com o padre! — Gavin murmurou enquanto estendia a mão para tocar a curva de seu quadril.

— Não blasfeme milorde. — disse Judith seriamente. Gavin olhou para ela surpreso.

— Sempre me espanta saber que queria esconder tudo isso sob o hábito de freira. — Gavin suspirou pesadamente quando olhava para ela, as palmas das mãos, doendo de desejo de tocá-la. — Seja uma boa menina e traga suas roupas, não aguento mais essa doce tortura. Mais um momento, e eu a violentaria diante dos olhos do padre.

Judith virou-se para arca e escondeu o sorriso. Perguntava-se se isso poderia ser chamado de violação.

Judith vestiu-se devagar, desfrutando de seus olhos sobre ela e seu silêncio tenso. Ela vestiu uma camisa de algodão fino bordada com minúsculos unicórnios azuis. Não chegava até a metade da coxa. Em seguida vieram anáguas combinando. Então ela colocou a perna na borda do banco onde Gavin se sentou rígido, e cuidadosamente puxou as meias de seda sobre suas pernas, mantidas no lugar por ligas.

Estendeu a mão à frente dele para pegar seu vestido de cashmira marrom de Veneza. Leões de prata estavam bordados na frente e ao longo da bainha. As mãos de Gavin tremiam quando ele abotoou os botões nas costas. Um cinto de filigrana de prata completou o traje, mas Judith não conseguia fechar a simples fivela por si mesma.

— Pronto. — ela disse depois de muito tempo de lutar com as roupas não cooperativas.

Gavin deixou escapar sua longa respiração.

— Seria uma boa donzela. — ela riu, girando em um mar de marrom e prata.

— Não. — Disse Gavin honestamente. — Eu morreria em menos de uma semana. Agora venha comigo e não me provoque mais.

— Sim, meu lorde; — disse Judith, obediente, com os olhos brilhando.

Dentro da muralha interior havia um longo campo com uma pesada camada de areia. Aqui os homens de Montgomery e seus vassalos principais treinavam. Um fantoche de palha balançava pendurado na forca onde os homens faziam lançar suas estocadas enquanto montavam seus cavalos de guerra. Um anel unido entre dois postes era o objeto de mais uso para os treinamentos. Outro homem estava atacando um poste de dez centímetros de espessura, profundamente preso no chão, à espada segura com ambas às mãos.

Gavin sentou-se pesadamente em um banco na beira do campo de treinamento. Tirou o capacete e passou a mão pelo cabelo molhado de suor. Seus olhos estavam transformados em poços escuros, suas bochechas finas, seus ombros doloridos de cansaço. Havia quatro dias desde aquela manhã que ajudara Judith a se vestir. Durante esse tempo dormiu muito pouco, comeu ainda menos, de modo que agora seus sentidos estavam tensos.

Inclinou a cabeça para trás contra a parede de pedra pensando que não poderia passar mais outro infortúnio. Várias casinhas dos servos tinham pegado fogo, e o vento enviou faíscas para a leiteria. Ele e seus homens lutaram contra o fogo por dois dias, dormindo no chão onde quer que eles caíssem. Uma noite passou nos estábulos com uma égua que entrou em trabalho de parto de um potro mal posicionado. Judith ficou com ele durante a noite, segurando a cabeça do animal, entregando panos e unguentos a Gavin antes que ele soubesse que precisava deles. Nunca se sentira tão perto de alguém como dela nesse momento. Ao amanhecer, com um sentimento de triunfo, ficaram juntos e observaram o pequeno potro dar os primeiros passos trêmulos.

No entanto, apesar de toda a sua proximidade em espírito, seus corpos estavam tão distantes como sempre. Gavin sentiu que a qualquer momento poderia enlouquecer de tanto desejo que sentia por ela. Limpou o suor de seus olhos enquanto olhava para o outro lado do pátio e via Judith andando em sua direção. Ou era puramente sua imaginação? Ela parecia estar em todos os lugares diante de seus olhos, mesmo quando ela não estava.

— Trouxe-lhe uma bebida fresca. — ela disse, estendendo uma caneca para ele.

Ele a olhou atentamente.

Ela colocou a caneca ao lado dele no banco.

— Gavin, você está bem? — Ela perguntou enquanto colocava uma mão fria em sua testa.

Ele a agarrou violentamente e puxou-a para baixo. Seus lábios procuraram os dela com fome, forçando-os a se abrir. Não pensava que pudesse negá-lo. Nada mais importava.

Judith circulou seu pescoço com seus braços e sua resposta ao seu beijo foi tão ansiosa quanto à dele. Nem se importava que metade do castelo estivesse olhando. Não havia mais ninguém além dos dois. Gavin moveu seus lábios para seu pescoço, mas sem suavidade, agia como se fosse devorá-la.

— Milorde. — Alguém disse impacientemente.

Judith abriu os olhos para ver um menino perto deles, com um papel enrolado na mão. De repente, se lembrou de quem era e onde estava.

— Gavin, há uma mensagem para você.

Ele não moveu os lábios de seu pescoço, e Judith teve que se concentrar muito para manter sua mente no garoto que esperava.

— Meu lorde. — disse o rapaz. — É uma mensagem urgente. — Ele era muito jovem nem possuía barba e olhava para o beijo de Gavin com sua esposa como uma perda de tempo.

— Vou ver! — Disse Gavin enquanto pegava o pergaminho do garoto. — Agora vá e não me incomode mais.

Ele jogou o papel no chão antes de se virar novamente para os lábios de sua esposa.

Mas Judith estava agora muito consciente de que estavam em lugar público.

— Gavin. — disse severamente, lutando para descer de seu colo. — Você deve ler.

Ele olhou-a enquanto se erguia, sua respiração se acelerando.

— Leia você. — pediu enquanto tomava a caneca de refresco que Judith lhe trouxe, na esperança de resfriar seu sangue.

Judith desenrolou o papel com uma careta preocupada, seu rosto perdendo a cor enquanto lia.

Imediatamente Gavin ficou preocupado.

— São más notícias? — Quando olhou em seus olhos, sua respiração parou, pois lá novamente viu a frieza. Seus lindos, quentes e apaixonados olhos lhe lançavam punhais de ódio.

— Eu sou três vezes uma idiota! — Disse com os dentes cerrados enquanto jogava o pergaminho em seu rosto. Girou sobre o calcanhar e caminhou em direção à mansão.

Gavin pegou o pergaminho de seu colo.

Queridíssimo:

Envio-te esta carta em segredo para falar livremente do meu amor. Amanhã me casarei com Edmund Chatworth. Ore por mim, pense em mim como eu o terei em meus pensamentos.

Não se esqueça nunca que a minha vida é sua. Sem teu amor não sou nada. Conto os instantes até que volte a ser tua.

Com amor

Alice

— Problemas, meu senhor? — Perguntou John Bassett.

Gavin baixou a carta.

— O pior que já tive. Diga-me, John, você que já é maduro, sabe acaso algo sobre as mulheres?

John deu uma risadinha.

— Nenhum homem sabe, meu lorde.

— É possível dar o seu amor a uma mulher, mas desejar a outra quase até enlouquecer?

John balançou a cabeça enquanto observava seu senhor olhando para a forma como a esposa dele se afastava.

— Este homem também deseja a mulher que ele ama?

— Certamente! — Gavin respondeu. — Mas talvez não... não da mesma maneira.

— Ah, entendo. Um amor sagrado, como o que se fornece a Virgem. Sou um homem simples. Se fosse comigo iria ficar com o amor profano. Creio que se a mulher for encantadora na cama, o amor acabaria por vir.

Gavin apoiou os cotovelos nos joelhos, a cabeça entre as mãos.

— As mulheres foram criadas para tentar os homens, elas são a criação do próprio diabo.

John sorriu.

— Eu acho que se encontrasse o velho maligno, poderia agradecê-lo por essa parte de seu trabalho do mal.

Para Gavin, os três dias seguintes foram o inferno. Judith não o olhava nem falava com ele. Se possível, não ficava perto dele. E quanto mais arrogante e altiva o tratava, mais furioso ele se tornava.

— Fique! — Ordenou uma noite quando ela começou a sair da sala quando ele entrou.

— Claro, milorde. — disse com uma reverencia. Judith manteve a cabeça inclinada, os olhos dela nunca se encontrando com os dele.

Em uma ocasião Gavin acreditou ver-lhe os olhos vermelhos, como se tivesse chorado. Isso não poderia ser, é claro. Que razão tinha essa mulher para chorar? Ele era o único a ser punido, não ela. Ele havia demonstrado que queria ser bondoso, mas decidiu desprezá-lo. Bem, isso já havia acontecido no passado, e iria superá-lo novamente. Contudo os dias se passaram, e Judith continuava sendo fria com ele. Ouvia seu riso, mas quando se aproximava, o sorriso morria em seu rosto. Sentia vontade de esbofeteá-la, forçá-la a responder-lhe, até mesmo sua raiva era melhor do que essa maneira de olhar, como se ele não estivesse presente. Mas Gavin não podia machucá-la. Queria abraçá-la e até pedir desculpas. Desculpas por quê? Passava os dias galopando e treinando exageradamente, mas às noites não conseguia dormir. Encontrou-se à procura de desculpas para se aproximar dela, só para ver se poderia tocá-la.


Judith tinha chorado até quase ficar doente. Como ela poderia ter esquecido tão rápido que ele era um homem tão vil? No entanto, apesar de toda a angústia que a carta causou, teve que se proteger de correr para seus braços. Judith odiava Gavin, mas seu corpo ardia por ele a cada momento, de cada hora, de cada dia.

— Minha dama. — disse Joan em voz baixa. Muitos dos criados tinham aprendido a andar na ponta dos pés perto de seus amos ultimamente. — Lorde Gavin pede para vir até ele no grande salão.

— Eu não o farei! — Judith respondeu sem hesitar.

— Disse que é urgente. Trata-se de algo relacionado com seus pais, minha dama.

— Minha mãe? — Ela perguntou imediatamente preocupada.

— Não sei. Ele só disse que precisava falar com você imediatamente.

Quando Judith viu o esposo, percebeu que havia algum problema grave. Seus olhos pareciam carvões pretos. Seus lábios estavam tão apertados que tinham sido reduzidos a uma linha fina no rosto. Imediatamente descarregou sua ira contra ela.

— Por que não me disse que estava prometida a outra pessoa antes de mim?

Judith estava perplexa.

— Eu lhe disse que estava comprometida com a igreja.

— Você sabe que não me refiro à igreja, e quanto a esse homem com quem você riu e flertou no torneio? Eu deveria ter percebido então.

Judith podia sentir o sangue começar a correr através de suas veias.

— Você devia ter sabido o quê? Que qualquer homem seria um marido mais adequado do que você?

Gavin deu um passo à frente, ameaçando-a a sua maneira, mas Judith não recuou.

— Walter Demari apresentou uma reclamação sobre você e sobre as suas terras. Para reivindica-la matou seu pai e tem a sua mãe em cativeiro.

Imediatamente, toda a raiva deixou Judith. Sentia-se atordoada e fraca. Agarrou-se a uma cadeira para não cair.

— Quem foi morto? Quem tem em cativeiro? — Ela conseguiu sussurrar.

Gavin acalmou-se um pouco e colocou uma mão em seu braço.

— Não era minha intenção dar-lhe a notícia desta maneira. É que esse homem reivindica o que é meu!

— Seu? — Judith olhou fixamente. — Meu pai foi morto, minha mãe sequestrada, minhas terras usurpadas... E você se atreve a mencionar o que perdeu?

Ele se afastou dela.

— Vamos falar razoavelmente. Você foi prometida a Walter Demari?

— Eu não estava prometida a ele.

— Você tem certeza?

Ela apenas olhou para ele em resposta.

— Ele disse que só vai libertar sua mãe se você for se reunir com ele.

Ela se virou instantaneamente.

— Então eu irei.

— Não! — Gavin disse e puxou-a de volta ao assento. — Você não pode! Você é minha!

Ela olhou para ele fixamente, sua mente se concentrando em negócios.

— Se sou sua e minhas terras são suas, como pensa este homem apoderar-se de tudo? Mesmo que lute contra você, não pode lutar contra todos os seus parentes.

— Demari não planeja fazê-lo. — Os olhos de Gavin perfuraram os dela. — Foi-lhe dito que não dormimos juntos. Ele pede uma anulação, que você terá que declarar diante do rei sua aversão por mim e seu desejo por ele.

— Se eu fizer isso, vai liberar minha mãe, ilesa?

— É o que ele diz.

— Se eu não fizer essa declaração diante do rei, o que acontecerá à minha mãe?

Gavin fez uma pausa antes de responder.

— Não sei, não posso dizer o que será dela.

Judith ficou em silêncio por um momento.

— Então, devo escolher entre meu marido e minha mãe? Devo escolher se vou ceder às exigências gananciosas de um homem que mal conheço?

A voz de Gavin era diferente de tudo o que já ouvira antes. Estava frio como aço endurecido.

— Não, você não vai escolher.

Sua cabeça levantou bruscamente.

— Podemos brigar muitas vezes dentro de nossas próprias propriedades, mesmo dentro de nossas próprias câmaras, e posso ceder diante de você muitas vezes. Pode mudar as iscas do falcoeiro e eu posso estar com raiva de você, mas agora não vai interferir. Se você se comprometeu com ele antes de nos casarmos, ou mesmo se você passou sua infância na cama com ele, pouco importa. Esta é uma questão de guerra, e eu não vou discutir isso com você.

— Mas minha mãe...

— Vou tentar tirá-la com segurança, mas não sei se poderei.

— Então deixe-me ir até ele, deixe-me tentar persuadi-lo.

Gavin era inflexível.

— Não posso permitir isso. Agora tenho que reunir meus homens. Partiremos amanhã ao amanhecer.

E saiu do salão.

Judith ficou parada na janela de seu quarto por muito tempo. Sua criada veio e despiu-a, colocando os braços de sua ama em um roupão de veludo verde forrado com vison. Judith mal sabia da presença de outra pessoa. Sua mãe, que a havia protegido por toda a sua vida, era ameaçada por um homem que Judith mal conhecia. Ela se lembrava de Walter Demari apenas vagamente como um jovem agradável que conversou com ela sobre as regras do torneio. Lembrou-se claramente da maneira como Gavin dissera que tinha seduzido o homem.

Gavin. Gavin. Gavin. Sempre de volta nele. Todos os caminhos levavam ao marido. Ele exigia, ele ordenava o que ela deveria fazer. Ela não tinha escolha. Sua mãe devia ser sacrificada pela possessividade feroz de Gavin.

Mas o que ela faria se tivesse uma escolha?

De repente, seus olhos cintilaram em ouro. Que direito tinha aquele odioso pequeno homem a interferir em sua vida? Ele fingia ser deus quando, fazia com que os outros escolhessem entre o que não era seu. “Lutar!” - Sua mente gritou. Sua mãe lhe ensinou a ter orgulho. Será que Helen queria que sua única filha ficasse calma e sossegada diante do rei e cedesse de boa vontade a algum palhaço presunçoso somente porque esse homem assim o decretava?

Não, ela não iria! E Helen não queria isso. Judith voltou-se para a porta, sem ter certeza de seu destino, mas uma ideia, provocada por sua nova raiva, deu-lhe coragem.

— Então, os espiões de Demari dizem que não dormimos juntos e que nosso casamento pode ser anulado. — ela murmurou enquanto caminhava pelo corredor deserto.

Suas convicções mantiveram-se firme até que abriu a porta do quarto ocupado por Gavin. Viu-o diante da janela, perdido em pensamentos, com uma perna apoiada no parapeito da janela. Uma coisa era fazer bravata do orgulho, mas outra bem diferente era enfrentar o homem que, todas as noites, encontrava motivos para evitar a cama de sua esposa. O rosto gelado de Alice Valence flutuou diante dela. Judith mordeu a língua, a dor mantendo as lágrimas de seus olhos. Tomou sua decisão e agora devia respeitá-la. Amanhã seu marido iria para a guerra. Seus pés descalços estavam silenciosos e não fizeram ruídos no chão coberto de juncos, quando ela se deteve a poucos metros atrás dele.

Gavin sentiu, mais do que viu, sua presença. Ele se virou devagar, prendendo a sua respiração. Os cabelos de Judith pareciam mais escuros à luz das velas, o verde do veludo fazia brilhar a riqueza de sua cor. O vison escuro enfatizava a rica cremosidade de sua pele. Ele não podia falar. A proximidade dela, o quarto silencioso, as luzes das velas, a cena era ainda melhor do que em seus sonhos. Ela olhou para ele, então desatou lentamente o cinto de sua bata e deslizou languidamente sobre sua pele lisa, caindo aos seus pés.

Seu olhar percorreu-a como se não fosse capaz de compreender plenamente sua beleza. Somente quando olhou para os olhos, viu que estava perturbada. Essa expressão era medo? Como se esperasse que ele a rejeitasse? A possibilidade lhe pareceu tão humorística que quase riu em voz alta.

— Gavin. — ela sussurrou.

Ela mal tinha terminado de murmurar seu nome quando a puxou para seus braços, e a levou para sua cama, seus lábios já presos aos dela.

Judith temia tanto a si mesma como a ele. Ele podia senti-la enquanto a beijava. Gavin tinha esperado muito tempo para ela vir até ele. Ficara longe dela por semanas, esperando que ela pudesse aprender a confiar nele. No entanto, agora, enquanto a abraçava, não sentia a grande sensação de triunfo.

— O que é isso, querida? O que te preocupa?

Sua preocupação por ela a fez querer chorar. Como poderia contar a ele sobre sua dor?

Quando ele a levou para a cama e a luz da vela dançou sobre seu corpo, seus ombros, aumentando o ofego a cada respiração, esqueceu todos os pensamentos de qualquer coisa, menos a proximidade dela. Suas roupas foram rapidamente jogadas de lado e gentilmente se acomodou ao lado dela. Ele queria saborear sua pele tocando-a, polegada por polegada lentamente.

Quando a tortura foi mais do que ele podia suportar, agarrou-a ferozmente.

— Judith, senti sua falta.

Ela levantou o rosto para beijá-lo.

Passaram muito tempo separados para avançarem devagar. A mútua necessidade era urgente. Judith apertou um punhado de carne e músculos nas costas de Gavin. Ele ofegou e soltou uma gargalhada rouca. Quando suas mãos o apertaram novamente, ele agarrou ambas as mãos com uma das suas e as segurou sobre sua cabeça. Ela lutou para se libertar, mas ele era muito forte. Quando ele a penetrou, ela ofegou, então empurrou seu quadril para cima para encontrar o dele. Gavin soltou suas mãos e Judith puxou-o cada vez mais dentro dela. Eles fizeram amor rapidamente, quase com rudeza, antes de obterem a libertação que buscavam. Então Gavin caiu sobre ela, seus corpos ainda ligados.

Eles devem ter cochilado, mas algum tempo depois Judith foi acordada pelo lento movimento rítmico de Gavin. Meio sonolenta, meio excitada, começou a responder-lhe com movimentos vagos e preguiçosos. Minuto a minuto, sua mente se perdeu mais profundamente aos sentimentos de seu corpo. Ela não sabia o que precisamente queria, mas não estava satisfeita com sua posição. Ela não percebeu a surpresa de Gavin enquanto o empurrava para o lado, sem separar-se. Um momento depois, ele estava deitado de costas e ela o montava.

Gavin não perdeu tempo em admiração. Suas mãos deslizaram de seu ventre até seus seios. A cabeça de Judith arqueou para trás e sua garganta, tão lisa e branca na escuridão, inflamou-o ainda mais. Ele agarrou seus quadris, ambos perdidos na crescente paixão. Eles explodiram juntos em um flash de estrelas azuis e brancas.

Judith desmoronou por cima de Gavin e ele a segurou contra seu corpo, seu cabelo enrolando-se em torno de seus corpos embebidos de suor, envolvendo-os em um casulo de seda. Nenhum deles mencionou o que lhes passou pela cabeça.

Amanhã Gavin partiria para a batalha.


Capítulo Treze

A mansão Chatworth era de dois andares, feita de tijolos com janelas de pedra esculpida com vidro importado. Em cada extremidade da estrutura comprida e estreita, e em ambos os lados havia uma janela de vidro com vitrais. Atrás da casa havia um encantador pátio murado. O campo de dois acres antes da casa era de um gramado exuberante, no final do qual havia uma floresta de caça privada do conde.

Três pessoas estavam saindo desse bosque, caminhando pelo gramado em direção à mansão. Jocelin Laing, seu alaúde pendurado em seu ombro, tinha ambos os braços ao redor de duas cozinheiras, Gladys e Blanche. Os olhos quentes e escuros de Jocelin ficaram ainda mais ardentes na tarde em que passara satisfazendo as duas mulheres gananciosas. Mas Jocelin não se considerava ambicioso. Para ele, todas as mulheres eram joias, para serem apreciadas por seu próprio brilho especial. Não havia ciúme ou possessividade nele.

Infelizmente, esse não era o caso das mulheres. No momento, ambas estavam temendo deixar Jocelin.

— Você veio a convite dela? — Perguntou Gladys.

Jocelin virou a cabeça e olhou para ela até que desviou o olhar e corou. Blanche não era tão facilmente de assustar.

— É muito estranho que Lorde Edmund permitisse que você viesse. Ele mantém Lady Alice como uma prisioneira, e nem sequer permite que ela cavalgue a menos que esteja com ela.

— E Lorde Edmund não gosta de sacudir seu delicado traseiro no lombo de um cavalo. — Gladys falou.

Jocelin parecia perplexo.

— Eu pensei que esta era uma aliança de amor, uma mulher pobre que se casa com um conde.

— Por Amor, Bah! — Blanche riu. — Aquela mulher não ama a ninguém, a não ser a si mesma, pensava que Lorde Edmund era um simples idiota que poderia usar como desejasse, mas ele não é nada simples e está longe de sê-lo... Sabemos muito bem... Não é, Gladys... Desde que vivemos aqui há anos, não é?

— Ah, sim. — concordou Gladys. — Ela pensou que poderia dirigir o castelo, eu conheço seu tipo, mas Lorde Edmund preferia queimar o lugar até o chão do que dar-lhe as rédeas.

Jocelin franziu o cenho.

— Então por que ele se casou com ela? Ele poderia ter escolhido entre tantas mulheres, Lady Alice não possuía terras para oferecer nessa aliança.

— Ela é linda. —- respondeu Blanche dando de ombros. — Ele ama mulheres bonitas.

Jocelin sorriu.

— Estou começando a gostar desse homem, concordo com ele com todo o coração. — Ele deu a Blanche e Gladys olhares lascivos que fizeram suas bochechas ruborizarem e seus olhos mais baixos.

— Jocelin, — prosseguiu Blanche — ele não é como você.

— Não, de fato. — disse Gladys enquanto passava a mão pela coxa de Jocelin. Blanche lhe deu um forte olhar de reprimenda.

— Lorde Edmund gosta apenas da sua beleza e não se importa com a própria mulher.

— Como faz com a pobre Constance. — acrescentou Gladys.

— Constance? — Jocelin perguntou. — Não a conheço.

Blanche riu.

— Olhe para ele, Gladys, tem duas mulheres com ele agora, mas se preocupa que não conheça uma terceira.

— Ou é que ele se preocupa sempre que há alguma mulher que não conhece? — Gladys perguntou.

Jocelin colocou a mão em sua testa em desespero fingido.

— Descobriram. Estou perdido!

— Que você é mulherengo?— Blanche riu quando ela começou a beijar seu pescoço. —Diga-me, meu doce, é fiel a alguma mulher?

Ele começou a mordiscar sua orelha.

— Eu sou fiel a todas as mulheres... Por um tempo. — Chegaram à mansão, rindo.

— Onde você esteve? — Alice sibilou para ele assim que entrou no grande salão.

Blanche e Gladys correram para seus deveres em partes diferentes da casa.

Jocelin estava imperturbável.

— Sentiu minha falta, milady? — Ele sorriu, pegando sua mão e beijando-a depois de ter certeza de que ninguém estava por perto.

— Não, eu não! — Disse Alice honestamente. — Não como você quer dizer. Você estava fora com essas rameiras esta tarde enquanto me sentei aqui sozinha?

Jocelin estava imediatamente preocupado.

— Você estava sozinha?

— Oh, sim, eu estive só! — Alice disse enquanto afundava na almofada de uma cadeira próxima a janela. Ela era tão delicadamente adorável como quando a vira pela primeira vez no casamento de Montgomery. Mas agora tinha um olhar mais refinado, como se ela tivesse perdido peso, e seus olhos se moveram nervosamente de um ponto para outro. — Sim — ela disse calmamente. — Estou sozinha, não tenho ninguém aqui que seja meu amigo.

— Como pode ser isso? Certamente, seu marido deve amar um ser lindo como você.

— Amar-me! — Ela riu. — Edmund não ama ninguém, ele me mantém como se fosse um pássaro numa gaiola, não vejo ninguém, não falo com ninguém. — Ela se virou para olhar para um vulto no quarto, seu belo rosto retorcido de ódio. — Exceto ela! — Ela rosnou.

Jocelin olhou para o vulto, sem saber se alguém estava perto deles.

— Saia, sua putinha. — Alice zombou. — Deixe que ele veja você. Não se esconda como uma ave de rapina. Tenha orgulho do que faz.

Jocelin cerrou os olhos até que viu uma jovem dar um passo à frente, a figura baixa, os ombros inclinados para frente, cabeça baixa.

— Olhe para cima, sua prostituta! — Alice ordenou.

A respiração de Jocelin parou quando olhou nos olhos da jovem. Ela era bonita — não com a beleza de Alice ou da mulher que ele tinha visto como uma noiva, Judith Revedoune, mas adorável. No entanto, foi seus olhos que o fizeram olhar fixamente. Eram duas piscinas violeta, cheia de todos os problemas do mundo. Ele nunca viu tanta agonia e desespero.

— Ele a colocou me seguindo como um cachorro. — Alice disse, recuperando a atenção de Jocelin. — Eu não posso me mexer sem que ela me siga, tentei matá-la uma vez, mas Edmund a reviveu, se eu machuca-la de novo ameaçou me trancar por um mês. — Neste momento, Alice percebeu que seu marido se aproximava dela.

Ele era um homem baixo e gordo, com grandes mandíbulas, olhar sonolento e de olhos pesados. Ninguém imaginaria que por trás daquele rosto poderia ter uma mente que não era das mais simples. Mas Alice tinha descoberto muito bem a sua astúcia e inteligência.

— Venha para mim. — ela sussurrou para Jocelin antes que acenasse brevemente para Edmund e saísse do salão.

— Seu gosto mudou. — observou Edmund. — Aquele não parece nada com Gavin Montgomery.

Alice apenas olhou para ele. Ela sabia que não adiantava falar nada. Estava casada há apenas um mês, e toda vez que olhava para o marido, lembrava-se da manhã seguinte ao casamento. Passara a noite de núpcias sozinha.

Pela manhã, Edmund a chamara. Ele era um homem diferente do que Alice tinha conhecido pela primeira vez.

— Confio em que você dormiu bem. — Edmund dissera calmamente, seus pequenos olhos em seu rosto demasiado gordo observando-a.

Alice abaixou os cílios com delicadeza.

— Eu estava... Só, meu senhor.

— Agora você pode deixar a sua farsa! — Edmund ordenou enquanto se levantava de sua cadeira. — Então, você achava que poderia governar a mim e às minhas propriedades, não é?

— Eu... eu não tenho ideia do que você quer dizer. — Alice balbuciou, seus olhos azuis se encontraram com os dele.

— Você... todos vocês, toda a Inglaterra, pensam que eu sou um tolo, esses cavaleiros musculosos com quem você se deitava me chamam de covarde, porque me recuso a arriscar minha vida lutando as batalhas do rei. O que me interessa as batalhas de outras pessoas? Só me preocupam as minhas.

Alice ficou atônita sem palavras.

— Ah, minha querida, onde está aquele olhar pequeno, aquele sorriso de covinhas que você usa para os homens, aqueles que babam sobre sua beleza?

— Eu não entendo.

Edmund atravessou a sala para um armário alto e serviu-se de um pouco de vinho. Era um quarto grande e arejado, situado no último andar da encantadora mansão da propriedade de Chatworth. Todos os móveis eram de carvalho ou nogueira, finamente esculpidos, com peles de lobo e esquilo lançadas sobre as costas das cadeiras. O copo que ele agora bebia era feito de cristal de rocha com pequenos pés de ouro. Ele segurou o cristal na luz do sol. Havia palavras em Latim na base do navio, prometendo boa sorte ao dono.

— Você tem alguma ideia por que eu me casei com você? — Ele não deu a Alice chance de responder. — Tenho certeza que você deve pensar ser a mulher mais vaidosa da Inglaterra. Provavelmente pensou que estava tão cego quanto a esse apaixonado Gavin Montgomery. Nunca se perguntou por que um conde como eu iria querer casar com uma pobretona, que se deitava com qualquer homem que tivesse o equipamento para agradá-la?

Alice levantou-se.

— Eu não vou ouvir isso!

Aproximando-se, Edmund a empurrou de volta à cadeira.

— Quem você pensa que é para me dizer o que vai fazer ou não? Quero que entenda uma coisa, não me casei com você por amor ou porque eu estava enfeitiçado por sua suposta beleza.

Ele se afastou dela e serviu outro copo de vinho.

— Sua beleza! — Ele zombou. — Não consigo ver o que Montgomery desejaria com uma mulher como você quando tem aquela mulher Revedoune... Aquela sim é uma mulher para agitar o sangue de um homem.

Alice tentou atacar Edmund com as mãos feitas em garras, mas ele facilmente a derrubou.

— Estou cansado desses jogos, seu pai possui duzentos acres no meio de minhas fazendas. O velho imundo estava prestes a vendê-lo ao Conde de Weston, que tem sido meu inimigo e de meu pai há anos. Você sabe o que teria acontecido com minhas propriedades se Weston possuísse terras no meio delas? Um riacho corre por ali, se ele o represasse, eu perderia centenas de acres de lavouras assim como meus servos morreriam de sede. Seu pai foi muito estúpido para não perceber que eu só queria pegar as terras.

Alice só podia olhar. Por que não falara seu pai com ela sobre a terra que Weston queria?

— Mas, Edmund... —ela disse em sua voz mais suave.

— Não fale comigo. Durante os últimos meses a mantive vigiada, eu conheço cada homem que você levou para a sua cama E esse Montgomery! Mesmo no seu casamento você se atirou nos braços dele Eu sei sobre a cena no jardim com ele. Suicidar-se, você! Sabia que a esposa dele viu o seu joguinho? Não, não imaginava. Eu fiquei bêbado para não ouvir os risos de provocação.

— Mas, Edmund...

— Eu lhe disse para não falar comigo, continuei com o casamento porque não podia suportar as terras indo para Weston. Seu pai me prometeu as escrituras quando você produzir um neto para ele.

Alice se recostou contra a cadeira. Um neto! Ela quase sorriu. Quando tinha catorze anos, tinha-se encontrado grávida e procurou uma velha na aldeia. A bruxa tinha retirado o feto. Alice quase morreu por causa do sangramento, mas ficara feliz em se livrar do pirralho. Ela nunca destruiria sua figura esguia pelo bastardo de algum homem. Nos anos que se passaram, com todos os homens que teve, não engravidou novamente. Até ficou feliz que esta operação a deixou estéril. Agora, Alice sabia que sua vida se tornaria um inferno.

Uma hora depois, Jocelin terminou de tocar para um grupo de garotas da cozinha, andou ao longo da parede do grande salão. A tensão no castelo de Chatworth era quase insuportável. Os servos eram desordenados e desonestos. Eles pareciam estar aterrorizados com seu amo e sua senhora e não perderam tempo em contar a Jocelin os horrores da vida no castelo. As primeiras semanas após o casamento, Edmund e Alice haviam discutido violentamente. Até que, um dos servos rindo, contou que o lorde descobriu que Lady Alice gostava de uma mão forte. Então Lorde Edmund a trancou longe de todos e a impediu de todos os divertimentos e, acima de tudo, a impediu de desfrutar de qualquer um dos seus bens.

Sempre que Jocelin perguntava a razão dos castigos de Edmund, os criados encolhiam os ombros. Tinha algo a ver com o casamento da herdeira Revedoune e Gavin Montgomery. Desde o começo, ouviram frequentemente, Lorde Edmund que gritava que não seria feito de tolo, já havia matado três homens que supostamente eram os amantes de Alice.

Todos riram quando o rosto de Jocelin se tornou branco como pergaminho. Agora, enquanto se afastava dos servos, jurou deixar pela manhã o castelo de Chatworth. Era muito perigoso continuar aqui.

O mais leve dos sons, vindo de um canto escuro do corredor o fez saltar. Ele acalmou seu coração acelerado, então riu de seu nervosismo. Seus sentidos lhe disseram que havia uma mulher nas sombras e ela estava chorando. Quando ele se moveu para a garota, ela recuou, como um animal selvagem encurralado.

Era Constance, a mulher que Alice odiava tanto.

— Fique quieta. — ele disse calmamente, sua rica voz ronronando. — Eu não vou te fazer mal. — Cuidadosamente, moveu sua mão para tocar seus cabelos. Ela olhou-o com medo, e ele sentiu seu coração retumbar. Quem poderia ter maltratado essa mulher para fazê-la tão assustada?

Ela embalava seu braço contra seu lado como se estivesse com dor.

— Deixe-me ver. — ele disse gentilmente e tocou seu pulso. Alguns momentos antes ela soltou seu braço o suficiente para que pudesse tocá-la. A pele não estava ferida e nem tinha ossos quebrados, como ele suspeitou. Na luz fraca, ele podia ver que estava avermelhado, como se alguém tivesse virtualmente torcido a pele.

Ele queria abraçá-la, confortá-la, mas seu terror era quase tangível. Ela estava tremendo de medo. Ele sabia que seria mais amável deixá-la ir do que forçar sua presença sobre ela por mais tempo. Ele deu um passo atrás e ela fugiu rapidamente. Jocelin ficou olhando para ela por um longo tempo.

Era muito tarde da noite quando entrou no quarto de Alice. Ela estava esperando por ele, seus braços abertos e ansiosos. Apesar de toda sua experiência, Jocelin ficou surpreso com a violência de suas ações. Ela o agarrou, suas unhas se cravando na pele de suas costas, sua boca procurando a dele, mordendo seus lábios. Ele se afastou com o cenho franzido e ela rosnou com irritação aguda.

— Você planeja me deixar? — Ela exigiu estreitando seus olhos. — Outros já tentaram me deixar. — Alice sorriu quando viu sua expressão. — Vejo que já ouviu sobre eles. — ela riu. — Se você me agradar, não encontrará nenhuma causa para se juntar a eles.

Jocelin não gostava de suas ameaças. Seu primeiro impulso foi sair. Então a vela à beira da cama tremeu e ele tornou-se agudamente consciente de como ela era linda, como o mármore frio. Sorriu, seus olhos escuros brilhando.

— Eu seria um tolo de ir. — ele disse enquanto corria os dentes ao longo de seu pescoço.

Alice inclinou a cabeça para trás e sorriu, as unhas novamente cavando em sua pele. Ela o queria rapidamente e com tanta força quanto possível. Jocelin sabia que ele a machucava e também sabia que ela gostava. Ele não recebeu qualquer prazer de seu ato de amor. Era uma demonstração egoísta das exigências de Alice. No entanto, ele obedeceu, sua mente nunca longe da ideia de deixá-la e sua casa no dia seguinte.

Finalmente ela gemeu e o empurrou para longe dela.

— Vá agora. — ela ordenou e afastou-se.

Jocelin sentiu pena dela. O que era vida sem amor? Alice nunca teria amor, porque não sabia amar.

— Você me satisfez. — ela disse calmamente quando ele começou a abrir a porta. Ele podia ver as marcas que sua mão fez em seu pescoço, e podia sentir as feridas das unhas em suas costas. — Vejo você amanhã. — disse antes que ele partisse.

— Sim, vou escapar deste lugar. — Jocelin disse para si mesmo enquanto caminhava pelo corredor escuro.

— Aqui rapaz! — Edmund Chatworth disse enquanto abria a porta do quarto, inundando o corredor com luz das velas. — O que você está fazendo aqui, a espreita no corredor à noite?

Jocelin encolheu os ombros e voltou a mexer na calça, como se tivesse acabado de responder a um chamado da natureza.

Edmund olhou para Jocelin, depois para a porta fechada da câmara de sua esposa. Ele começou a falar, então deu de ombros como se dissesse que não valeria a pena prosseguir com o assunto.

— Você consegue manter a boca fechada, rapaz?

— Sim, milorde. — respondeu Jocelin com cautela.

— Não me refiro a um assunto pequeno, mas um maior, mais importante, se você não falar, há um saco de ouro para você. — Ele estreitou os olhos. — Se não o fizer, vai ganhar a morte.

— Ali. — disse Edmund enquanto se afastava e se servia de uma garrafa de vinho. — Quem teria pensado que alguns golpes a teriam matado?

Jocelin foi imediatamente para o outro lado da cama. Constance estava deitada, com o rosto quase sem reconhecimento, as roupas arrancadas de seu corpo, penduradas por uma costura em torno de sua cintura. Sua pele estava coberta por arranhões e pequenos cortes; grandes machas roxas formadas em seus braços e ombros.

— Tão jovem — Jocelin sussurrou enquanto caia pesadamente de joelhos. Seus olhos estavam fechados, seus cabelos eram uma massa emaranhada e sangue seco. Quando se inclinou e puxou seu corpo suavemente para levantá-la em seus braços, sentiu sua pele fria. Ternamente, afastou o cabelo para longe de seu rosto sem vida.

— A maldita cadela me desafiou. - Edmund disse atrás de Jocelin e olhou para a mulher que tinha sido sua amante. — Disse que preferia morrer a dormir comigo de novo. — Ele bufou em escárnio. — Em certo sentido, eu só dei o que ela queria. — Ele bebeu o último gole do vinho e virou-se para obter mais.

Jocelin não se atreveu a olhar para ele de novo. Suas mãos estavam pressionadas sob o corpo da menina.

— Toma! — Edmund exclamou enquanto jogava uma bolsa de couro ao lado de Jocelin. — Eu quero que você se livre dela, amarre algumas pedras e jogue-a no rio Só não deixe que se saiba o que aconteceu aqui esta noite A notícia pode causar problemas. Eu direi que ela voltou para sua família. — Ele bebeu mais vinho. — Ela não valia o dinheiro que gastava para vesti-la, só conseguia arrancar qualquer movimento dela se lhe batesse, senão ficava como um tronco inerte debaixo de mim.

— Por que você a manteve, então? — Jocelin perguntou calmamente enquanto tirava o manto para envolver a menina morta.

— Aqueles malditos olhos dela. Os mais bonitos que eu já vi. Eu podia vê-los em meu sono. Eu a coloquei para vigiar minha esposa e me relatar o que acontecesse, mas a garota era uma pobre espiã. Nunca me dizia nada. — Ele riu. — Acho que Alice lhe pagava para certificar-se de que não me dissesse nada. — disse Edmund enquanto se afastava de Jocelin e da moça. — Você foi pago, leve-a e faça o que quiser com o corpo.

— Um padre...

— Aquele velho saco de vento? — Edmund riu. — O anjo Gabriel não conseguiria acordar o homem depois que toma sua habitual garrafa de vinho noturno. Diga algumas palavras de benção sobre ela, se quiser, mas ninguém mais! — Ele teve que contentar-se com o aceno de Jocelin. — Agora saia daqui, estou cansado de olhar para esse rosto feio.

Jocelin nem falou nem olhou para Edmund enquanto pegava Constance em seus braços.

— Aqui, rapaz. — disse Edmund, surpreso. — Você deixou o ouro. — Deixou cair à bolsa no ventre do cadáver.

Jocelin usou cada resto de força que possuía para manter os olhos baixos. Se o conde visse o ódio que queimava neles, Jocelin não viveria para fugir pela manhã. Silenciosamente, levou o corpo da câmara, descendo as escadas e saindo para a noite estrelada.

A mulher do cavalariço, uma velha gorda e desdentada, a quem Jocelin tratara com respeito e até mesmo carinho, lhe dera um quarto no alto dos estábulos para usar como seu. Era um lugar quente no meio de fardos de feno. Era tranquilo e privado. Poucas pessoas sabiam de sua existência. Ele levaria a menina para lá, iria lavá-la e preparar seu corpo para o enterro. Pela manhã a levaria para fora dos muros do castelo e lhe daria um enterro apropriado. Talvez não em um terreno sagrado, abençoado pela igreja, mas pelo menos em algum lugar livre e longe do fedor do castelo de Chatworth.

A única maneira de alcançar seu quarto era subindo uma escada colocada contra o exterior dos estábulos. Cuidadosamente, acomodou Constance em seus ombros e levou-a para o alto. Uma vez dentro, colocou-a ternamente sobre uma cama macia de feno, em seguida, acendeu uma vela ao lado dela. A visão dela no quarto de Edmund fora um choque, agora era um horror. Jocelin mergulhou um pano num balde de água e começou a lavar o sangue endurecido de seu rosto. Ele não percebeu que havia lágrimas em seus olhos quando tocou a forma surrada. Tirando uma faca de seu quadril, cortou o que restou de seu vestido e continuou banhando suas contusões.

— Tão jovem. — ele sussurrou. — E tão bonita. — Ela era bonita ou tinha sido e mesmo agora, na morte, seu corpo era tão adorável, magro e firme, embora mostrassem demais de suas costelas.

— Por favor.

A palavra foi sussurrada, tão baixa que Jocelin quase não a ouviu. Ele virou a cabeça e viu que seus olhos estavam abertos, ou um deles, já que o outro estava inchado.

— Água... — ela ofegou através de uma boca seca e ardente.

No começo ele só pôde encará-la com incredulidade, então sorriu em pura alegria.

— Viva! — ele sussurrou. — Está viva! — Rapidamente pegou um pouco de vinho com água, depois cuidadosamente levantou a cabeça em seu braço enquanto segurava o copo nos lábios inchados.

- Lentamente... - ele disse, ainda sorrindo. — Bem devagar.

Constance recostou-se contra ele, franzindo a testa enquanto tentava engolir, revelando contusões profundas sobre sua garganta.

Ele passou a mão sobre seu ombro, e percebeu que ainda estava frio ao toque. Que tolo fora para dar-lhe por morta só porque Edmund o disse! Ela estava congelada. Foi isso que a fez parecer tão fria. Ela estava deitada em seu cobertor e, como Jocelin não conhecia outra maneira de aquecer uma mulher, se deitou ao lado dela, segurando-a perto do calor dele, enquanto baixava a manta sobre ambos com grande preocupação. Nunca se deitou com uma mulher assim.

Já era tarde quando Jocelin acordou com a garota entre seus braços. Ela se mexeu em sonhos, fazendo caretas por causa de seu corpo dolorido. Jocelin levantou-se e colocou uma toalha fria em sua testa, acusando o início da febre.

Agora, à luz do dia, Jocelin começou a ver a situação realisticamente. O que ele tinha a ver com a garota? Ele não podia anunciar que ela estava viva. Edmund levaria Constance para seu lado assim que ela estivesse bem. Havia pouca probabilidade de que ela pudesse sobreviver a uma segunda surra. Se Edmund não a matasse, Jocelin tinha certeza de que Alice o faria. Jocelin olhou ao redor da pequena sala com novos olhos, estudando. Era privativo, bem protegido contra ruídos e difícil de chegar. Com sorte e muito cuidado, poderia mantê-la escondida até que ela estivesse bem. Se ele a mantinha viva e segura, então depois se preocuparia com o que aconteceria a seguir.

Ele levantou-a e deu-lhe mais do vinho aguado, mas com sua garganta inchada podia tomar pouco.

— Joss! — Uma mulher chamava ao pé da escada.

— Droga! — Ele disse baixinho, amaldiçoando pela primeira vez em sua vida a sua falta de liberdade das mulheres.

— Joss, sabemos que você está ai, se você não descer, nós vamos subir.

Ele caminhou através de um labirinto de feno empilhado ante a porta aberta e sorriu para Blanche e Gladys.

— Uma bela manhã, não é? E o que vocês senhoras encantadoras podem querer de mim?

Gladys deu uma risadinha.

— Devemos gritar para que o castelo escute?

Ele sorriu de novo e depois de um último olhar por cima do ombro, desceu a escada. Colocou um braço ao redor dos ombros de cada mulher.

— Talvez pudéssemos conversar com o cozinheiro esta manhã, acho que estou faminto.

Os quatro dias seguintes foram um inferno para Jocelin. Nunca em sua vida teve que manter um segredo, e seus constantes atos de subterfúgio eram exaustivos. Se não fosse pela esposa do homem do estábulo, não teria sido bem-sucedido.

— Não sei o que você escondeu ali — disse a velha — mas já vivi o suficiente para não me surpreender com nada. — Ela inclinou a cabeça para Jocelin admirando sua aparência. — Acho que é uma mulher. — Ela riu da expressão em seu rosto. — Oh, sim, é uma mulher, tudo bem, agora devo forçar minha mente para descobrir por que ela deve ser mantida escondida.

Jocelin começou a falar, mas ela levantou a mão.

— Não há necessidade de explicar. Ninguém ama um mistério mais do que eu. Deixe-me ter o meu quebra-cabeça e vou ajudá-lo a manter as outras mulheres fora de seu quarto, embora isso não vá ser fácil com os números que perseguem você. Deveria ser guardado em conservante, isso é certo. Nenhum outro homem vivo poderia satisfazer tantas mulheres quanto você.

Jocelin se afastou, exasperado. Estava preocupado com Constance, e quase todo mundo tinha começado a notar sua distração. Todos exceto Alice. Ela exigia mais e mais de Jocelin, chamando-o constantemente para tocar o alaúde para ela e todas as noites para sua cama, onde a violência que ela desejava o drenava mais a cada noite. E constantemente tinha que ouvir o ódio de Alice contra Judith Revedoune, e de como Alice pensava visitar o Rei Henrique VII e obter Gavin Montgomery de volta.

Ele olhou para ver se alguém o observava enquanto subia a escada para o pequeno sótão. Pela primeira vez, Constance estava acordada para cumprimentá-lo. Ela se sentou, segurando o cobertor sobre seu corpo nu. Durante dias, enquanto estava aturdida pela febre, Jocelin cuidara dela, tornando-se familiarizado com seu corpo, quase tanto quanto com o seu. Não lhe ocorreu pensar que era um estranho para ela.

— Constance! — Ele disse alegremente, não completamente consciente de seu medo. Ele se ajoelhou ao lado dela. — Como é bom ver seus olhos novamente. — Ele tomou seu rosto em suas mãos para examinar as contusões que estavam curando rapidamente, graças à sua juventude e aos cuidados de Jocelin. Começou a mover o manto de seus ombros nus para examinar aos seus outros ferimentos.

— Não. — ela sussurrou, fechando o manto.

Ele olhou para ela surpreso.

— Quem é você?

— Ah, querida, não tenha medo de mim, eu sou Jocelin Laing, você me viu antes com Lady Alice, não se lembra?

A menção do nome de Alice, os olhos de Constance voaram de um lado para o outro. Jocelin a puxou para seus braços, um lugar onde ela passara muito tempo embora não soubesse. Tentou afastar-se dele, mas estava muito fraca.

— Está tudo acabado agora, está a salvo, está aqui comigo e eu não vou permitir que ninguém a machuque.

— Lorde Edmund... — ela sussurrou contra seu ombro.

— Não, ele não sabe que você está aqui, ninguém sabe, só eu. Mantive oculto de todos, ele acha que você está morta.

— Morta? Mas...

— Quieta. — Ele alisou seu cabelo. — Haverá tempo para conversar depois, primeiro você deve se curar, trouxe uma sopa de cenouras e lentilhas, você pode mastigar?

Ela assentiu com a cabeça; embora não parecia relaxada, não estava tão tensa. Ele a apoiou no comprimento do braço.

— Pode sentar? — Ela assentiu de novo, e ele sorriu como se tivesse realizado uma grande façanha.

Jocelin tornara-se adepto de levar tigelas de comida quentes para o celeiro. Ninguém parecia achar estranho que ele carregasse seu alaúde sobre o ombro e a tigela nas mãos. Mas cada noite enchia uma tigela com comida que esperava que nutrisse o febril corpo de Constance.

Ele segurou a tigela e começou a alimentá-la como se ela fosse uma criança. Ela estendeu a mão para tirar a colher dele, mas suas mãos tremiam demais para segurá-la. Quando ela não pode comer mais, seus olhos caíram em exaustão. Ela teria caído se Jocelin não a tivesse amparado. Demasiada fraca para protestar, ele a embalou em seu colo e ela adormeceu facilmente, de fato, sentindo-se protegida.

Quando Constance acordou, estava sozinha. Levou alguns momentos para lembrar onde estava. O jovem de grossas pestanas negras que cantarolava em seu ouvido não poderia ter sido real. O que era real eram as mãos de Edmund Chatworth sobre sua garganta e Alice torcendo seus braços, puxando seus cabelos, qualquer método para dar dor e que não iria mostrar as impressões digitais.

Horas mais tarde, Jocelin retornou, tomou Constance em seus braços, e a aconchegou profundamente sob o seu manto. Ele não tinha consciência que o tempo passava. Pela primeira vez em sua vida, os desejos das mulheres não o governavam. Constance dependia completamente dele, o que lhe trouxe uma emoção que nunca tinha conhecido antes, o começo do amor. Todo o amor que ele sentiu por todas as mulheres estava sendo concentrado em uma paixão feroz e ardente.

Mas Jocelin não era um homem livre. Havia outros que o observavam.


Capítulo Quatorze

O longo e fino couro preto do chicote serpenteava furiosamente pelas costas do homem. Suas costas já estavam entrecruzadas com muitas marcas sangrentas. Ele gritava alto cada vez que o chicote o golpeava e torcia as mãos freneticamente amarradas em um poste com tiras de couro cru.

John Bassett olhou para Gavin, que acenou secamente. Gavin não tinha estômago para o castigo, e ainda tinha menos respeito pelos gritos efeminados do homem.

John Bassett cortou as ataduras e o homem caiu na grama. Ninguém fez qualquer movimento para ajudá-lo.

— Devo deixá-lo? — Perguntou John.

Gavin olhou para o castelo através do estreito vale. Levou duas semanas para encontrar Walter Demari. O homem astuto parecia mais interessado em uma perseguição de gato e rato do que em conseguir o que queria. Durante a semana passada, Gavin acampou fora das muralhas elaborando o seu ataque. Desde os muros lançou seu desafio contra os guardas do portão, mas suas palavras foram ignoradas. No entanto, mesmo quando os desafios foram feitos, quatro homens de Gavin cavavam silenciosamente sob os antigos muros. Mas as paredes eram profundas, as fundações largas. Levaria muito tempo para penetrar no castelo. Temia que Demari se cansasse de esperar a rendição de Gavin e matasse Helen.

Como se não tivesse problemas suficientes, um de seus homens, essa criatura choramingando a seus pés, decidira que, como era um dos cavaleiros dos Montgomery, poderia se considerar um Deus. Durante a noite, Humphrey Bohun tinha cavalgado para a cidade mais próxima e estuprado a filha de um comerciante, de catorze anos, em seguida, voltou para o acampamento triunfante. Ficou perplexo com a raiva do Lorde Gavin quando o pai da moça contou sobre a sua filha.

— Eu não me importo com o que você vai fazer com ele. Apenas certifique-se que esteja fora da minha vista dentro das próximas horas. — Gavin puxou suas pesadas luvas de couro de onde elas pendiam sobre seu cinto. — Chame o Odo para mim.

— Odo? — O rosto de John assumiu um olhar duro. — Milorde, não pode pensar de novo em viajar para a Escócia.

— Já discutimos sobre isso antes, não tenho homens suficientes para declarar um ataque total ao castelo, olhe para ele, parece entrar em colapso e que um bom vento desmoronaria o resto das pedras, mas eu juro que não sabia que os normandos saberiam construir uma fortaleza, acho que é feito de rocha derretida. Se quisermos entrar antes do fim do ano, precisarei da ajuda de Stephen.

— Então me deixe ir até ele.

— E quando foi a última vez que esteve na Escócia? Eu tenho uma ideia de onde está Stephen, e amanhã pela manhã vou pegar quatro homens e encontrá-lo.

— Você precisará de mais proteção do que apenas quatro homens.

— Eu posso viajar mais rápido com menos homens, — disse Gavin. — Não posso me dar ao luxo de dividir os meus homens, metade deles estão com Judith, agora, se eu cavalgar com a metade novamente, deixarei você desprotegido. Vamos esperar que Demari não perceba minha ausência.

John sabia que Lorde Gavin tinha razão, mas não gostava que seu senhor se afastasse sem uma boa guarda. Mas ele aprendeu há muito tempo que não adiantava discutir com um homem tão teimoso como Gavin.

O homem a seus pés gemia, chamando sua atenção para ele.

— Tira-o de minha vista! — Gavin disse e caminhou em direção a onde seus homens estavam construindo uma catapulta.

Sem pensar, John colocou um braço forte sob o ombro do cavaleiro e o levantou.

— Tudo isso por causa daquela puta! — O homem sibilou, sangrando pelos cantos de sua boca.

— Cale-se! — John ordenou. — Você não tinha o direito de tratar a menina como uma pagã. Se tivesse sido eu, o teria feito ser enforcado. — Arrastou o homem sangrando para a margem do acampamento, onde John lhe deu um empurrão que o esparramou no chão. — Agora saia daqui e não volte.

Humphrey Bohun tirou a grama de sua boca e olhou para John se afastando.

— Oh, eu voltarei e serei eu quem vai segurar o chicote na próxima vez.


Os quatro homens estavam em silencio enquanto se dirigiam para os cavalos que os esperavam. Gavin não tinha dito a ninguém, exceto para John Bassett, de sua jornada para encontrar Stephen. Os três homens que cavalgariam com ele lutaram com Gavin na Escócia e conheciam a paisagem áspera e selvagem. O grupo viajaria o mais rápido possível, sem um arauto carregando a bandeira de Montgomery diante deles. Todos os homens usavam marrom e verde na tentativa de atrair a menor atenção possível para eles.

Eles montaram silenciosamente em suas selas e cavalgaram para longe do acampamento adormecido.

Estavam a apenas dez milhas do acampamento quando foram cercados por vinte e cinco homens usando as cores de Demari.

Gavin tirou a espada e se inclinou para Odo.

— Eu vou atacar e abrir um caminho através deles, você escapa e tente chegar a Stephen.

— Mas meu lorde, você será morto!

— Faça o que eu digo. — ordenou Gavin.

Os homens de Demari cercaram o pequeno grupo lentamente. Gavin olhou em volta para encontrar seu ponto mais fraco. Olharam para ele presunçosamente, como se soubessem que a batalha já estava ganha. Então Gavin viu Humphrey Bohun. O estuprador sorriu de prazer ao ver seu antigo senhor encurralado.

Imediatamente, Gavin soube onde tinha cometido seu erro. Ele tinha falado com John sobre sua viagem na frente deste pedaço de sujeira. Gavin acenou com a cabeça para Odo, ergueu sua longa espada de aço com as duas mãos no punho e se lançou a luta. Os homens de Demari ficaram surpresos. Eles tinham ordens de levar Lorde Gavin prisioneiro. Presumiram que quando Gavin se visse superado em número superior a seis para um, se renderia docilmente.

Esse momento de hesitação custou a Humphrey Bohun sua vida e permitiu que Odo escapasse. Gavin cutilou o traidor que morreu antes que pudesse desembainhar sua espada. Um após o outro caíram sob a espada de Gavin enquanto brilhava contra os raios do sol nascente. O animal bem treinado de Odo pulou sobre os cadáveres e os cavalos relinchando, e galopou para a segurança da floresta. Não teve tempo de ver se alguém o seguia. Odo manteve a cabeça baixa e moldou-se a silhueta de seu cavalo.

Gavin escolheu bem seus homens. Os dois que estavam ao seu lado, retrocederam os cavalos, os animais treinados para seguir os comandos recebidos através dos joelhos de seus senhores. Os três homens lutaram valentemente e quando um deles caiu, Gavin sentiu parte de si mesmo cair. Eram seus homens e os unia uma relação estreita.

— Cessar! — Uma voz ordenou sobre o choque do aço contra o aço, os gritos de angústia.

Os homens recuaram rapidamente e, quando seus olhos se serenaram, começaram a avaliar os danos. Pelo menos quinze dos homens de Demari estavam mortos ou feridos, incapazes de permanecer em suas montarias.

Os cavalos dos homens agrupados no meio ainda mantinham-se firmes, garupa a garupa formando um circulo. O homem à esquerda de Gavin tinha um corte profundo no alto de seu braço. Gavin, ofegante com o esforço, estava coberto de sangue, mas muito pouco era o dele.

Os restantes dos homens de Demari olhavam em silencioso tributo aos combatentes mortos.

— Peguem-no! — Disse o homem que parecia ser o líder dos atacantes. — Mas cuidado, que Montgomery não sofra nenhum dano, é necessário vivo.

Gavin ergueu a espada novamente, mas de repente sentiu um estalo afiado e suas mãos estavam imobilizadas. Um fino chicote fora atirado, e seus braços estavam presos a seus lados.

— Amarrem-no.

Mesmo quando Gavin foi retirado de seu cavalo, seu pé abateu um homem na garganta.

— Tem medo dele? — Perguntou o líder. — Você vai morrer de qualquer maneira se não me obedecer, amarre-o àquela árvore. Gostaria que ele assistisse como tratamos os cativos.


Judith estava ajoelhada no jardim de rosas, com o colo cheio de flores. Gavin já se ausentava há um mês, sem nenhuma palavra nos últimos dez dias. Não houve um momento em que ela não olhasse por uma janela ou uma porta para ver se um mensageiro chegava. Ela vacilou entre querer vê-lo e temer seu retorno. Exercia muito poder sobre ela, como provou quando ela foi para seu quarto na noite antes que partiu para lutar por suas terras. No entanto, sabia muito bem que ele não tinha sentimentos tão ambíguos em relação a ela. Para ele, só a loira Alice existia. Sua esposa era apenas um brinquedo para ser usado quando precisava de diversão.

Ela ouviu o barulho dos cascos enquanto os homens atravessavam o portão duplo que separava as muralhas interna do exterior. Ela se levantou rapidamente, as rosas caindo aos seus pés enquanto pegava suas saias e começava a correr. Nenhum deles era Gavin. Judith soltou sua respiração reprimida, baixou as saias e andou mais calmamente.

John Bassett sentou-se em cima de seu cavalo de guerra parecendo anos mais velho do que quando saiu algumas semanas antes. Seus cabelos, cinzentos nas têmporas, estavam ainda mais brancos. Seus olhos estavam afundados, círculos escuros sob eles. O lado de sua cota de malha estava rasgado e as bordas enferrujadas de sangue. Os outros homens não tinham melhores aspectos. Seus rostos abatidos, suas roupas rasgadas e sujas.

Judith ficou em silêncio enquanto John descia.

— Pegue os cavalos; — disse ela a um cavalariço. — Veja para que eles sejam bem cuidados.

John olhou para ela por um momento, então, com resignação, começou a se ajoelhar para beijá-la nas mãos.

— Não! — Judith disse rapidamente. Era muito prática para permitir que ele desperdiçasse mais energia no que, para ela, era um gesto inútil. Ela colocou o braço sobre a cintura dele, guiando seu outro braço sobre seus ombros.

John ficou rígido, surpreso com a familiaridade de sua pequena ama. Então sorriu carinhosamente por sobre sua cabeça.

— Venha sentar-se junto à fonte. — disse ela, conduzindo-o até a piscina de azulejos que ficava perto da parede do jardim. — Joan! Ela ordenou. — Chame algumas das criadas e envia alguém a cozinha para trazerem comida e vinho.

— Sim milady.

Ela se virou para John.

— Vou te ajudar a remover sua armadura. — disse antes que ele pudesse protestar.

As mulheres vieram de dentro do castelo e logo os quatro homens ficaram nu da cintura para cima, suas armaduras enviadas para o reparo. Cada homem comia vorazmente das tigelas, um guisado quente e espesso.

— Você não me perguntou notícias. — disse John entre colheradas, o cotovelo levantado para que Judith pudesse limpar e atar a ferida em seu lado.

— Você vai me dizer. — disse ela. — Se fossem boas, meu marido também teria retornado. Posso esperar mais tempo por más notícias.

John colocou a tigela e olhou para ela.

— Ele está morto? — Ela perguntou, não olhando para ele.

— Eu não sei. — ele disse calmamente. — Fomos traídos.

— Quem o traiu? — Exclamou ela, pedindo desculpas quando percebeu que tinha causado dor a ferida de John.

— Um dos cavaleiros da guarnição, um novo homem chamado Bohun, fugiu a noite para dizer a Demari que Lorde Gavin planejava sair ao encontro de seu irmão ao amanhecer, para pedir ajuda. Lorde Gavin não tinha ido longe quando foi emboscado.

— Ele não foi morto? — Judith sussurrou.

— Eu acredito que não, não encontramos seu corpo. — disse John com dureza, voltando a sua comida. — Dois dos homens que cavalgaram com meu senhor foram mortos. Assassinados de tal forma que me entristece, certamente. Este não é um homem comum com quem lidamos, mas um demônio!

— Não houve nenhuma mensagem de resgate ou qualquer palavra que o fizesse ciente de que o tem prisioneiro?

— Não. Nada. Quatro de nós chegamos momentos depois da batalha, havia alguns homens de Demari ainda lá, nós lutamos com eles.

Ela amarrou o último nó na bandagem e olhou para ele.

— Onde estão os outros homens? Não é possível que restem somente quatro.

— Eles ainda acampam fora das muralhas de Demari, viemos em busca de Lorde Miles e seus homens, a perna de Lorde Raine não teria tido tempo de curar.

— E você acha que Miles será capaz de libertar Gavin? — John não respondeu, mas concentrou-se no guisado.

— Anda, pode me dizer a verdade.

Ele olhou para ela.

— É um castelo forte, só pode ser tomado sem reforços se sitiarmos.

— Mas isso levaria meses!

— Sim milady.

— E quanto a Gavin e a minha mãe que estão prisioneiros ali, não seriam eles os primeiros a morrerem de fome se a comida estivesse faltando?

John olhou para sua tigela.

Judith estava de pé, o punho apertado, as unhas cravadas nas palmas das mãos.

— Existe outro jeito. — disse ela, igualmente. — Irei até Walter Demari.

A cabeça de John se elevou, uma sobrancelha erguida.

— E o que você poderá fazer que os homens não podem? — Ele perguntou cinicamente.

— Tudo o que é exigido de mim. — Judith respondeu calmamente.

John quase jogou sua tigela. Em vez disso, ele agarrou seu braço, sua mão forte quase a machucá-la.

— Não, não sabe o que está dizendo, acha que lidamos com um homem sensato, acha que ele livrará Lorde Gavin e a sua mãe se você lhe der o que ele quer? Se tivesse visto como deixou os homens — ele acrescentou — que cavalgavam com o milorde Gavin, não consideraria se entregar a este Demari. Não havia necessidade de tal tortura, mas ele precisava fazê-lo com alegria. Se fosse um homem, eu consideraria sua ideia, mas ele não é.

Ela sacudiu o braço até que John a soltou.

— O que mais há para fazer? Um cerco certamente causaria a morte dos prisioneiros, sem qualquer duvida, mas você disse que um cerco é a única maneira de atacar. Se eu entrasse no castelo, talvez pudesse encontrar Gavin e minha mãe e organizar uma fuga para eles.

— Uma fuga! — Ele bufou. John tinha esquecido que ela era Lady Judith e tinha autoridade para ordená-lo. Neste momento a via apenas como uma menina jovem e inexperiente. — E como você sairia? Existem apenas duas entradas, ambas bem guardadas.

Judith ergueu os ombros, o queixo levantado.

— Temos alternativas? Se Miles liderasse um ataque, Demari certamente mataria Gavin, assim como minha mãe. Você ama tão pouco a Gavin que não se importa se ele morre ou não?

De repente, John sabia que ela estava certa. E sabia que seria ele quem a entregaria às mãos sangrentas de Walter Demari. Judith tinha atingido o coração de John quando mencionou o amor por Lorde Gavin. John não poderia amar o jovem mais se ele fosse seu próprio filho. Judith estava certa ao dizer que havia uma chance de salvar Gavin se ela se rendesse. O lorde poderia mandá-lo enforcar por colocar em perigo Lady Judith, mas sabia que ia obedecê-la.

— Você está tentando se matar. — disse John em voz baixa. — O que vai impedir Demari de te matar também?

Judith sorriu para ele, colocou as mãos em seu ombro, pois sabia que tinha vencido.

— Se ele me matasse, perderia as terras de Revedoune, e se eu não soubesse nada, pelo menos descobrirei a que extremo os homens chegarão pelas minhas propriedades. — Seus olhos cintilaram por um momento. — Agora, entre onde podemos conversar mais livremente. Você e eu temos muitos planejamentos a fazer.

Ele a seguiu, sem graça. Ela agia como se eles preparassem o cardápio para um almoço na floresta em vez de se entregarem, como um cordeiro ao matadouro, de um açougueiro.

Judith queria sair imediatamente, mas John a convenceu a esperar e dar-lhe um descanso. Na verdade, esperava falar com ela de sua loucura e encontrar um plano alternativo, mas sua lógica o perturbava.

Cada razão que ele dava para que ela não fosse Judith dava dez mais sensatas por que deveria ir. E acabou concordando com ela. Não havia outra maneira de salvar os prisioneiros, se eles estivessem ainda vivos.

Mas, oh, como temia a ira de Lorde Gavin! Ele disse isso à Lady Judith. Ela riu.

— Se ele está em condição suficiente para dar vazão a sua ira, irei beijar sua mão em sinal de gratidão.

John sacudiu a cabeça, maravilhado. A mulher era muito esperta. Ele não invejava Lorde Gavin na tarefa de doma-la.

Não podiam levar muitos homens com eles, não podiam deixar a propriedade desprotegida e muitos dos cavaleiros de Gavin esperavam por eles diante do castelo Demari. Deveriam agradecer por ser apenas dois dias de viagem até a propriedade de Demari.

Judith trabalhou sem parar enquanto John descansava e comia. Ela ordenou o carregamento de várias carretas de grãos e carnes preservadas para serem consumidas no acampamento. Outra carreta levava às suas roupas. As mais bonitas sedas, veludos, brocados, cashmeres, juntamente com um grande baú de ferro repleto de joias.

Quando John murmurou algo sobre as mulheres serem ostensivas, Judith o acusou.

— Walter Demari deseja uma mulher que ele acredita ser bela, gostaria que eu aparecesse diante dele vestida em tecidos rústicos? Ele diria que mudou de ideia e me jogaria no fundo de um poço. Deve ser um homem vaidoso, ou não exigiria que uma mulher que mal conhece repudie seu marido e o reivindique como seu verdadeiro amor. Portanto, vou jogar com a sua vaidade e vestir minhas roupas mais requintadas para ele.

John olhou para ela por um momento, depois se virou. Ele não sabia se deveria elogia-la ou ficava zangado consigo mesmo por não ter pensado antes no que ela acabara de dizer.

Apesar da serenidade que ela mostrava ao mundo, Judith estava assustada. Por mais que tentasse não poderia pensar em qualquer plano alternativo.

Ficou acordada toda a noite pensando. Demari não enviara nenhuma mensagem pedindo algo pela troca dos reféns. Talvez já tivesse matado Gavin e Helen, e Judith estava se entregando a ele sem nenhuma razão.

Ela passou as mãos sobre o ventre, sabia que ainda estava duro e plano, mas tinha certeza de que carregava o filho de Gavin. O bebê era parte da razão pela qual insistia tanto em salvar o marido?

Quando o sol se levantou, Judith vestiu-se lentamente um vestido de lã prático. Ela estava estranhamente serena, quase como se caminhasse para uma morte certa. Foi até a pequena capela para ouvir a missa. Ela rezava por todos, por seu marido, sua mãe e seu filho por nascer.


Capítulo Quinze

Walter Demari estava sentado diante de uma mesa de madeira no grande salão da propriedade de seu pai. Em outros tempos a mesa tinha sido um móvel finamente esculpido, mas com o tempo a maioria das cabeças dos animais foram quebradas, os pescoços já não se erguiam. Abstratamente, Walter chutou um frango que bicava nas pernas das calças curtas e finas. Ele estudou o pergaminho na frente dele e se recusou a olhar para o seu entorno. Seu pai recusou-se a dar-lhe qualquer coisa, menos esta velha, decrepita e descuidada torre. Walter enterrou profundamente seu ressentimento e concentrou-se na tarefa que tinha diante dele. Quando estivesse casado com a herdeira das terras de Revedoune, seu pai não o trataria como se não existisse.

Atrás de Walter estava Arthur Smiton, um homem que Walter considerava seu amigo. Arthur ajudou-o em cada passo, concordando que Walter deveria ter tido a encantadora herdeira em vez de Gavin Montgomery. Para retribuir sua lealdade a Arthur, Walter havia feito do homem seu principal vassalo. Foi Arthur quem conseguiu capturar Lorde Gavin.

— Arthur, — reclamou Demari — eu não sei como escrever a mensagem, e se ela não vir, se ela odeia realmente a seu marido, por que se arriscaria tanto por ele?

Arthur não deixou suas emoções se mostrarem.

— Você se esquece da velha que temos? Não é a mãe da menina?

— Sim. — disse Walter, voltando sua atenção para o pergaminho que tinha diante dele. Não era fácil perguntar o que queria. Ele queria casar-se com Lady Judith em troca da liberdade de seu marido e mãe.

Arthur ficou de pé atrás de Walter por um momento, depois se afastou para servir uma taça de vinho. Precisava de um estômago firme para poder suportar as lamentações de Walter. O jovem doente de amor deixava Arthur com náuseas. Walter voltou do casamento de Montgomery com a herdeira Revedoune tão fascinado com a noiva que mal conseguira fazer outra coisa a não ser falar dela. Arthur olhou para ele com desgosto. Walter possuía tudo, terras, riqueza, família, esperança para o futuro. Não era como ele, que se levantou da lama que nasceu. Tudo o que possuía havia adquirido através da inteligência, da força física e, muitas vezes, da traição e da mentira. Não havia nada que ele não fizesse para conseguir o que queria. Quando viu o fascínio de Walter pela mulher Revedoune, Arthur desenvolveu um plano.

Não demorou muito para saber que havia brigas entre os recém-casados. Arthur, apenas era um cavaleiro na guarnição de Walter, no entanto, achou o ouvido atento de seu senhor ao sugerir que Judith poderia pedir uma anulação do seu matrimonio para se casar com Walter. Arthur não se importava com a moça, mas pelas terras de Revedoune valia a pena lutar. Walter resistiu em atacar Robert Revedoune, mas Arthur sabia que Revedoune não se deteria diante de nada para manter sua filha casada com o Montgomery. Tinha sido fácil matar o velho uma vez que ele permitiu, como amigos, que entrassem nos muros do seu castelo. Sua esposa, Helen, os seguiu docilmente e Arthur riu, reconhecendo uma mulher bem domada quando via uma. Ele admirava Revedoune por isso.

— Meu lorde — anunciou um nervoso criado — há visitantes lá fora.

— Visitantes? — Walter perguntou seus olhos nebulosos.

— Sim, milorde é Lady Judith Montgomery, cercada por seus homens de armas.

Walter levantou-se de um salto, batendo na mesa de escrever, enquanto seguia atrás do criado.

Arthur agarrou seu braço.

— Rogo-lhe, meu lorde, tome cuidado, talvez seja uma armadilha.

Os olhos de Walter ardiam.

— Que armadilha poderia haver? Os homens não vão lutar e colocar em perigo sua lady.

— Talvez a própria dama...

Walter se afastou dele.

— Está indo muito longe, tenha cuidado para não se encontrar no mesmo porão que Lorde Gavin. — Saindo precipitadamente, deixou a velha torre, chutando os juncos secos para fora do seu caminho. As palavras de prudência de Arthur haviam penetrado em seu cérebro, e agora ele corria pela estreita escada de pedra até o topo do muro para ter certeza de que era realmente Lady Judith que esperava lá embaixo.

Não havia como confundi-la. O cabelo castanho-avermelhado que caía pelas costas não havia como confundir com outra.

— É ela. — ele sussurrou excitadamente, então aparentemente, voou escadas abaixo, através do pátio do portão principal.

— Abra homem! — Gritou para o porteiro. — E seja rápido! — A pesada porta de ferro com lanças nas pontas era levantada lentamente. Walter aguardava com impaciência.

— Meu lorde. — disse Arthur ao seu lado. — Não pode deixar que ela venha com seus homens para dentro, há mais de uma centena deles. Poderíamos ser atacados aqui dentro.

Walter desviou os olhos do portão que roncou em protesto enquanto se elevava. Ele sabia que Arthur tinha razão, mas não sabia o que fazer.

Arthur fixou os olhos azuis débeis nos olhos desbotados e escuros de Walter.

— Eu vou montar para encontrá-la Você não pode se arriscar. Ficarei longe do alcance dos arqueiros Quando tiver certeza que é Lady Judith, meus homens e eu a escoltaremos através do portão.

— Sozinha? — Perguntou Walter, ansioso.

— Ela pode ter um guarda pessoal se insistir, mas nenhum outro, não podemos permitir que toda a sua guarnição entre.

O portão foi levantado, a ponte levadiça baixada enquanto Arthur montava seu cavalo e cavalgava para fora, seguido por outros cinco cavaleiros.

Judith sentou-se imóvel em sua montaria enquanto observava a elevação do portão. Precisou de toda a sua coragem para não se afastar. O antigo castelo poderia estar desmoronando em vários lugares, mas de perto era formidável. Ela sentia como se estivesse prestes a engoli-la.

— Ainda há tempo para partirmos, minha lady. - Observou John Bassett, inclinando-se para frente.

Seis homens estavam cavalgando em sua direção, e ela queria muito se afastar. Então seu estômago revirou e teve que engolir um súbito ataque de náuseas. Seu filho estava lembrando-a de sua presença. O pai e a avó do bebê estavam dentro daquelas muralhas velhas e, se pudesse, iria tirá-los dali.

— Não! — Ela disse a John com mais força do que realmente sentia. — Tenho que tentar cumprir minha missão.

Quando o líder dos homens que se aproximavam estava perto de Judith, ela soube imediatamente que ele era o instigador de toda a trama. Lembrou-se de Walter como suave e gentil, mas os olhos escuros e zombeteiros deste homem não mostravam qualquer fraqueza. Suas roupas brilharam com joias de todas as cores, variedades e tamanhos. Seu cabelo escuro estava coberto por um pequeno gorro de veludo, cuja larga faixa continha pelo menos cem joias. Parecia quase uma coroa.

— Minha lady! — disse ele, curvando-se ao sentar-se em cima do cavalo. Seu sorriso era zombeteiro, quase um insulto. Judith olhou para ele, seu coração batendo rapidamente. Havia uma frieza em seus olhos que a assustava. Ele não seria um homem fácil de dominar.

— Sou Sir Arthur Smiton, segundo em comando de Lorde Walter Demari, que lhe manda as boas-vindas.

— Bem vinda! — Judith pensou, controlando-se para não cuspir a palavra para ele, pensando em seu pai assassinado, seu marido e sua mãe em cativeiro, várias vidas perdidas. Inclinou a cabeça para ele.

— Você mantém minha mãe cativa?

Ele a olhou especulativamente, como se tentasse entende-la. Ela não tinha recebido nenhuma mensagem, mas sabia o que havia acontecido.

— Sim minha lady.

— Então eu irei até ela. — Judith incitou seu cavalo para frente, mas Arthur agarrou as rédeas.

Os cem cavaleiros que cercavam Judith desembainharam suas espadas.

Arthur não perdeu o sorriso.

— Não pode pensar em entrar em nossas muralhas com tantos homens.

— Quer que eu vá sozinha? — Ela perguntou, horrorizada. Era o que se esperava, mas talvez pudesse convencer Smiton a permitir que alguns de seus homens a acompanhassem. — Você quer que eu deixe minha donzela para trás ou minha guarda pessoal?

Ele a observou atentamente.

— Um homem, uma mulher, nada mais.

Judith assentiu, sabendo que não adiantava discutir. Pelo menos John Bassett estaria com ela.

— Joan. — chamou quando se virou e viu a serva olhando para Arthur especulativamente. — Preparem a carreta com os meus bens e siga-me. John. — ela se virou e viu que já estava dando ordens para o estabelecimento de um acampamento fora das muralhas do castelo.

Judith atravessou a ponte levadiça, sob o portão de pedra arqueado, com as costas retas. Perguntou-se se alguma vez deixaria as paredes vivas. Walter Demari estava esperando para ajudá-la a desmontar. Ela se lembrava dele como um jovem gentil, nem bonito, nem feio; Mas agora seus olhos azuis mostravam fraqueza, seu nariz era muito grande, e seus lábios finos pareciam cruéis.

Ele olhou para ela.

— Você é ainda mais bonita do que me lembrava.

Vestira-se com cuidado naquela manhã. Uma faixa de pérolas cercava sua cabeça. No corpo usava uma saia de seda vermelha com uma larga faixa de pele branca. Seu vestido era de veludo marrom, a bainha bordada com ouro. As mangas estavam apertadas, exceto no ombro, onde o veludo era cortado e a seda vermelha transpassava. O decote era cortado em profundidade, seus seios faziam volume acima do tecido. Quando caminhava, ela levantava a bainha de veludo e expunha a seda e peles margeando por baixo.

Judith conseguiu sorrir para este homem traiçoeiro, mesmo quando se afastou das mãos sobre sua cintura.

— Você me lisonjeia, milorde — disse ela, olhando-o docemente.

Walter ficou encantado.

— Deve estar cansada e precisa de um refresco. Teríamos preparado comida, mas não a esperávamos.

Judith não queria que ele pensasse em por que ela veio sem um chamado. Enquanto observava o olhar de adoração de Walter, sabia que faria bem em converter-se em uma jovem tímida, uma recém-casada envergonhada.

— Por favor, — ela disse, com a cabeça inclinada. — eu gostaria de ver minha mãe.

Walter não respondeu, mas continuou a olhar para ela, seus grossos cílios tocando sua suave face, as pérolas em sua testa ecoando a cremosidade de sua pele. John Bassett avançou, com a mandíbula rígida. Era um homem grande, alto como Gavin, mas mais lento com a idade. O aço-cinza de seu cabelo só enfatizava a dureza de seu corpo.

— A senhora deseja ver a mãe. — disse ele severamente. Sua voz era uniforme, mas irradiava poder.

Walter mal notou John, estava muito arrebatado por Judith. Mas Arthur estava muito consciente dele e reconheceu o perigo. John Bassett precisava ser eliminado imediatamente. Tal homem livre pelo castelo poderia causar muitos problemas.

— Claro, minha lady. — disse Walter, oferecendo seu braço para ela. Alguém teria pensado que sua visita era de prazer.

Chegaram à entrada do primeiro andar da torre, em tempo de guerra, os degraus de madeira eram cortados para que a entrada ficasse a vários metros do chão. Judith estudou o interior enquanto atravessavam o grande salão em direção aos degraus de pedra. Era um lugar sujo, repleto de pedaços de ossos entre os juncos secos no chão. Cães preguiçosamente cheiravam e fuçavam restos de alimentos. As janelas profundamente rebaixadas não tinham persianas de madeira e, em alguns lugares, as pedras caíram porque a fenda estava desmoronando. Ela se perguntou se tal estrutura pobre era indicativo da má administração do lugar. Ela queria descobrir.

Helen estava num pequeno quarto, sentada numa cadeira recostada nas espessas paredes de pedra do segundo andar. Carvão vegetal queimava em um braseiro de bronze. A torre foi construída antes de serem inventadas às lareiras.

— Mãe! — Judith sussurrou e correu para frente, colocando a cabeça contra os joelhos de sua mãe.

— Minha filha! — Helen ofegou, então puxou Judith para seus braços. Passou um tempo até que suas lágrimas se acalmassem o suficiente para que pudessem falar. — Você está bem?

Judith assentiu, depois olhou para os homens que estavam ali.

— Não teremos privacidade?

— É claro. — disse Walter, voltando-se para a porta. — Você também pode sair. — disse ele a John Bassett.

— Não. Não deixarei minha lady sozinha.

Walter franziu o cenho, mas não queria aborrecer Judith de forma alguma.

— Você deveria ter saído com eles. — Judith disse severamente quando Walter e Arthur foram embora.

John sentou-se pesadamente em uma cadeira perto do braseiro de carvão.

— Não vou deixá-la sozinha.

— Mas eu desejo um pouco de privacidade para falar com minha mãe!

John não respondeu e nem olhou para ela.

— Ele é um homem teimoso. — disse Judith com desgosto para Helen.

— Sou teimoso quando não deixo você mandar em todas as oportunidades? —Ele perguntou. — Você é teimosa o suficiente para rivalizar com um touro.

Judith abriu a boca para responder, mas a risada de Helen a deteve.

— Você está realmente bem, minha filha. — Ela se virou para John. — Judith é tudo o que sempre quis que ela fosse, e ainda mais. — Disse ela carinhosamente, acariciando o cabelo de sua filha. — Agora me diga por que você está aqui.

—Eu... Oh, mãe. — ela balbuciou com lágrimas começando a se formar em seus olhos novamente.

— O que se passa? Pode falar livremente.

— Não, eu não posso! — Ela disse, apaixonadamente, enquanto olhava para John tão perto.

John deu-lhe um olhar tão sério que ela quase teve medo dele.

— Não duvide da minha honestidade. Fale com sua mãe. Nenhuma palavra do que eu ouvir será repetido.

Sabendo que podia confiar nele, Judith relaxou enquanto se sentava sobre uma almofada aos pés de sua mãe. Ela queria conversar, desesperadamente precisava conversar.

— Eu quebrei um voto que fiz a Deus. — ela disse suavemente.

A mão de Helen se deteve por um momento na cabeça da filha.

— Explique-se. — sussurrou ela.

As palavras saíram por si mesmas se atropelando. Judith contou como havia tentado obter repetidas vezes um pouco de amor em seu casamento, mas tinha sido frustrada em todos os esforços. Nada que ela fizesse poderia soltar o laço que unia Alice Chatworth a Gavin.

— E seu voto? — Helen perguntou.

— Prometi que não lhe daria nada exceto o que ele tomasse, mas livremente fui até Gavin na noite anterior à sua partida para vir aqui. — Ela corou, pensando naquela noite de amor, as mãos e os lábios de Gavin em seu corpo.

— Judith, você o ama?

— Eu não sei se o odeio, o amo, o desprezo, o adoro, não sei! Ele é tão grande, há tanto dele, que me devora. Quando entra em uma sala, ele a enche. Ainda o odeio mais quando o vejo abraçando outra mulher ou lendo uma carta dela, não consigo livrar-me dele. É amor ou meramente posse do diabo? — Ela perguntou enquanto olhava suplicante para a mãe. — Não é gentil comigo, tenho certeza que não tem amor por mim, ele até me disse isso. O único lugar que ele é bom para mim é...

— Na cama? — Helen sorriu.

— Sim. — Judith disse e desviou o olhar, suas bochechas vermelhas.

Passaram-se vários segundos antes que Helen respondesse.

— Me pergunta de amor. Quem sabe menos disso do que eu? Seu pai também tinha controle sobre mim. Você sabia que uma vez salvei sua vida? Na noite anterior havia me castigado, e na manhã seguinte, cavalguei com ele, meu olho estava preto e inchado, cavalgávamos sozinhos, longe da escolta, e o cavalo de Robert se assustou e o derrubou, caiu no pântano ao longo da margem norte de uma das propriedades. Quanto mais se mexia mais profundo se afundava. Meu corpo inteiro doía de sua surra, e meu primeiro pensamento foi cavalgar e deixá-lo morrer, mas não pude. Você sabe o que ele fez quando o salvei? Riu de mim, me chamou de tola.

Ela fez uma pausa.

— Eu te digo isso para te mostrar que entendo esse poder. É o mesmo que meu marido tinha sobre mim. Eu sei o poder que Gavin tem sobre você, pois o meu próprio casamento era do mesmo modo. Eu não posso dizer que era amor. E não posso dizer que o seu caso seja.

Ficaram em silêncio por um momento, ambos olhando para o carvão brilhante.

— E agora resgatarei meu marido como você resgatou o seu — disse Judith. — Mesmo que o seu viveu para novamente castiga-la, e o meu para voltar para outra mulher.

— Sim. — disse Helen tristemente.

— O fato de ter um filho, troca as coisas?

Helen pensou.

— Talvez no meu caso tivesse mudado se os primeiros tivessem vivido, mas os três nasceram mortos, todos meninos. Então você veio, e era uma menina... — Ela não terminou a frase.

— Você acha que teria mudado se o primeiro tivesse vivido e tivesse sido um varão? — Judith persistiu.

— Não sei. Não acredito que ele espancasse a sua primeira esposa, que lhe deu filhos. Mas era mais jovem. — Ela parou abruptamente. — Judith, você carrega uma criança?

— Sim. Há dois meses.

John levantou-se de um pulo batendo a armadura e a espada de aço contra a pedra.

— Você cavalgou por todo esse caminho estando gravida! — Ele demandou. Estava tão quieto que as duas mulheres esqueceram a sua presença. Pôs a mão na testa. — Enforcar-me será muito pouco. Lorde Gavin vai me torturar, bem como eu mereço, quando ele se inteirar disso.

— E quem vai dizer-lhe? Você jurou segredo! — Judith estava de pé instantaneamente, os olhos dourados brilhando.

— Como planeja manter isso em segredo? — Ele perguntou com forte sarcasmo.

— Quando a gravidez estiver evidente, pretendo estar longe deste lugar. — Seus olhos se suavizaram. — Você não diria, não é, John?

A expressão do Bassett não mudou.

— Não tente esse ardil comigo milady. As economize para esse homem, o canalha do Walter Demari.

A risada de Helen os interrompeu. Era bom ouvi-la rir, as gargalhadas era um som muito pouco escutado em sua infeliz vida.

— Faz-me bem ver-te assim, minha filha, temia que o matrimônio te domasse e quebrasse o teu caráter.

Judith não estava prestando atenção. John ouviu demais. Ela tinha dito muitas coisas íntimas em sua presença, Agora suas bochechas estavam começando a ficar vermelhas.

— Não. — disse John, com um suspiro. — Seria preciso mais do que um mero homem para domar esta mulher. Não peça mais nada, criança. Não direi nada do que ouvi a menos que me peça isso.

— Nem mesmo para Gavin?

Ele lançou-lhe um olhar preocupado.

— Eu não o vi ainda. Daria qualquer coisa para saber onde ele está sendo mantido preso e se está bem.

— Judith! — disse Helen, atraindo a atenção deles de volta para ela. — Você ainda não me disse por que está aqui. Walter Demari mandou chamá-la?

John sentou-se pesadamente na cadeira.

— Estamos aqui porque Lady Judith disse que deveríamos vir. Não escuta a razão.

—Não havia outro jeito. — Judith disse, sentando-se novamente. — O que eles disseram? — Perguntou à mãe.

— Nada. Fui trazida aqui depois da morte de Robert. Não falei com ninguém por uma semana. Até mesmo a serva que esvazia o penico da câmara não fala comigo.

— Então não sabe onde Gavin é mantido?

— Não, deduzi por suas palavras, que ele também está prisioneiro, o que Lorde Demari espera ganhar?

— A mim. — Judith disse simplesmente, então baixou os olhos antes de explicar brevemente o plano de Walter para anular suas bodas.

— Mas não pode haver anulação se você carrega o filho de Gavin.

— Sim. — disse Judith enquanto olhava para a mãe ao lado de John. — É por isso que devemos manter em segredo.

— Judith, o que você vai fazer? Como você espera salvar a si mesma, Gavin, Joan, o homem do seu marido, a mim e partir deste lugar? Como vai sair destes muros de pedra?

John grunhiu de acordo.

— Não sei. — respondeu Judith exasperada. — Não consegui achar alternativa. Pelo menos agora tenho a chance de tirá-los daqui, mas primeiro preciso encontrar Gavin.

— Você trouxe Joan? — interrompeu Helen.

— Sim. — disse Judith, sabendo que sua mãe tinha alguma ideia.

— Diga a Joan para encontrar Gavin. Quando se trata de encontrar um homem, ela pode fazê-lo. Ela é pouco mais do que uma cadela no cio.

Judith assentiu com a cabeça.

— E agora, quanto a Walter Demari? — Helen continuou. — Só o vi algumas vezes.

— Ele é de confiança?

— Não! — John disse. — Nem ele nem aquele arremedo de homem de confiança dele podem ser confiáveis.

Judith o ignorou.

— Demari me acha bonita. E pretendo continuar sendo bonita, até encontrar Gavin e planejar a fuga.

Helen olhou para a filha, tão adorável no brilho das brasas.

— Você sabe tão pouco de homens. — Observou ela. — Os homens não são como livros de contas, onde você adiciona números e eles lhe dão uma soma gerenciável. São todos diferentes e muito mais capitalistas do que você ou eu.

De repente, John se levantou e olhou para a porta.

— Eles retornam.

— Judith, escute-me. — disse Helen rapidamente. — Pergunte a Joan como lidar com Walter, ela sabe muito sobre os homens, me prometa que vai seguir o conselho dela e não deixe que seus próprios pensamentos a influenciem.

— Prometa-me! — Exigiu Helen, com as mãos segurando a cabeça da filha.

— Eu vou fazer o meu melhor, é tudo que posso prometer.

— Então assim deve ser.

A porta se abriu com violência e não se falaram mais palavras. Joan e uma das donzelas do castelo vieram buscar Judith para que ela pudesse se preparar para o jantar com o senhor do castelo. Ela apressadamente se despediu de sua mãe, depois seguiu as mulheres, com John próximo a elas.

O terceiro andar continha o solar das senhoras, uma sala grande e arejada, recém-limpa com juncos frescos no chão, as paredes de pedras caiadas, quase como se tivessem sido preparadas para a espera de uma convidada. Judith ficou sozinha com sua donzela. John estava fora, vigiando a porta. Pelo menos Walter confiava nela o suficiente para não lhe atribuir um espião. Joan trouxe uma bacia de água aquecida para a ama.

Enquanto Judith lavava o rosto e as mãos, olhou para Joan.

— Sabe onde está o Gavin?

— Não, minha senhora. — disse Joan com desconfiança. Ela não estava acostumada a ser interrogada por sua senhora.

— Poderia descobrir onde ele está?

— Tenho a certeza de que posso. — Joan sorriu. — Este é um castelo cheio de fofocas.

— Você vai precisar de moedas de prata para obter essa informação?

— Não minha lady, vou perguntar aos homens. — Judith estava chocada

— E eles vão te dizer apenas porque você perguntou?

Joan estava ganhando confiança. Sua encantadora lady sabia pouco além de propriedades e contas.

— É muito importante o modo como é perguntado a um homem.

Judith usava um vestido de tecido de prata. A saia se dividia na frente para revelar uma grande extensão de cetim verde-escuro. As mangas eram grandes e em forma de sino, drapejando graciosamente do pulso até a metade da saia. As mangas estavam forradas com mais cetim verde. Seu cabelo estava coberto com um capuz francês bordado com flores de lis prata.

Judith sentou-se num banquinho enquanto Joan organizava o capuz.

— E se uma mulher quisesse obter alguma coisa de Lorde Walter?

— Dele! — Disse Joan choramingando, acalorada. — Eu não confiaria nele, embora Sir Arthur, que o segue como a um cão não seja mal favorecido.

Judith girou para encarar a criada.

— Arthur tem olhos tão duros, qualquer um pode ver que ele é um homem ganancioso. Então como pode dizer isso?

— Lorde Walter não é o mesmo? — Joan girou a cabeça de sua ama. Se sentindo superior no momento. — Ele é igualmente ganancioso, traiçoeiro, brutal e egoísta. — Ele é tudo isso e muito mais.

— Então, por que...?

— Porque com Artur é sempre o mesmo, uma mulher saberia o que esperar dele, e isso seria, com o que melhor se adaptasse às suas necessidades. Você poderia lidar com isso.

— No caso de Lorde Walter não é o mesmo?

— Não, minha senhora. Lorde Walter é uma criança, no corpo de um homem. Ele muda com o vento. Agora quer uma coisa, então, quando a tiver, não a quererá mais.

— E isso também acontece às mulheres?

Joan caiu de joelhos diante da ama.

— Você deve me ouvir e ouvir bem. Eu conheço os homens como a nada mais neste mundo. Lorde Walter arde por você agora. Ele está louco de desejo, e contanto que ele mantenha essa fúria dentro dele, você estará segura.

— Segura? Eu não entendo.

— Ele matou seu pai e tomou sua mãe e seu marido como prisioneiros só por causa dessa paixão. O que você acha que será de todos vocês quando este fogo se apagar?

Judith ainda não entendia. Quando ela e Gavin fizeram amor, nenhum fogo foi extinto por mais de alguns momentos. Na verdade, quanto mais tempo passavam na cama, mais ela o desejava.

Joan começou a falar com paciência.

— Nem todos os homens não são como Lorde Gavin. — disse ela, lendo a mente de Judith. — Se se entregar para Lorde Walter, não terá mais domínio sobre ele. Para homens como ele, a caça é tudo.

Judith estava começando a entender.

— Como posso afastá-lo de mim? — Ela estava totalmente preparada para entregar-se a cem homens se salvasse a vida daqueles a quem amava.

— Ele não vai força-la, deve acreditar que a cortejou e conquistou. Você pode pedir o que quiser e ele vai dar-lhe de bom grado, mas deve ser inteligente e agir com astucia. Ele estará ciumento. Não sugira que se interessa por Lorde Gavin. Deixe-o acreditar que o despreza. Segure a cenoura diante do seu nariz, mas não lhe permita mordiscar.

Joan levantou-se e deu uma última olhada crítica para o vestido de sua lady.

— E o que dizer de Sir Arthur? — Perguntou Judith.

— Lorde Walter o governa e no pior dos casos, pode ser comprado.

Judith levantou-se e olhou para a criada.

— Acreditas que alguma vez aprenderei tanto sobre os homens?

— Só quando eu aprender a ler. — disse Joan, rindo da impossibilidade de tal afirmação. — Por que precisa saber de muitos homens quando você tem Lorde Gavin? Ele vale mais a pena que todos os meus homens juntos.

Quando saíram da câmara para descer as escadas para o grande salão, Judith pensou: — Tenho realmente Gavin? Quero a ele?


Capítulo Dezesseis

— Milady! — disse Walter, tomando a mão de Judith e beijando-a. Ela manteve os olhos baixos, como se estivesse tímida. — Faz muito tempo desde que a vi pela última vez e parece ter ficado mais adorável, venha sentar-se à mesa comigo, preparamos um jantar para você.

Ele levou-a para a longa mesa colocada em uma plataforma. A toalha de mesa era velha e manchada, e os pratos eram de estanho amassado. Quando se sentaram, ele se virou para ela.

— Seu quarto é confortável?

— Sim. — ela respondeu calmamente.

Ele sorriu, inchando um pouco o peito.

— Ora, milady, não precisa me temer.

— Medo de você! — Ela pensou furiosamente, seus olhos se encontraram com os dele. Então ela se recuperou.

— Não é medo que eu sinto, mas estranheza. Eu não estou acostumada com a companhia de homens, e aqueles que eu conheci... não foram gentis comigo.

Ele pegou sua mão na dele.

— Eu corrigiria isso se pudesse. Eu sei muito sobre você, embora você saiba pouco de mim. Sabia que era um amigo de seus irmãos?

— Não. — disse ela, espantada, — eu não sabia. Foi quando meu pai me prometeu em casamento a você? — Ela perguntou com inocência e olhos arregalados.

— Sim... Não... — Walter gaguejou.

— Ah, eu entendo, milorde, foi depois da morte prematura de meus queridos irmãos.

— Sim, foi depois. — Walter sorriu.

— Meus pobres irmãos tinham tão poucos amigos. Fico feliz que eles tivessem você por um tempo. Em termos de meu pai. Eu não falaria mal do homem, mas estava sempre perdendo as coisas. Talvez ele tenha perdido o acordo de compromisso matrimonial entre nós.

— Não houve... — começou Walter, depois tomou um gole de vinho para interromper suas palavras. Ele não podia admitir que não houvesse tal documento.

Judith pôs uma mão trêmula em seu antebraço.

— Eu disse algo errado, você vai me bater?

Ele rapidamente se voltou para ela e viu que havia lágrimas em seus olhos.

— Doce Judith. — ele disse enquanto beijava sua mão apaixonadamente. — O que há de errado com o mundo que uma bela inocente como você está tão aterrorizada com os homens?

Judith limpou ostensivamente, uma lágrima de seu olho.

— Perdoe-me, eu conheci tão poucos e... — Ela baixou os olhos.

— Vamos me dê um sorriso. Pergunte-me qualquer coisa, peça-me qualquer tarefa ou presente, e eu vou lhe dar.

Judith ergueu os olhos imediatamente.

— Gostaria de ter um quarto melhor para a minha mãe. — disse ela com firmeza. — Talvez no mesmo andar que o meu.

— Meu Senhor! — Sir Arthur interrompeu-o sentado do outro lado de Judith. Ele estava ouvindo cada palavra de sua conversa. — Há muita liberdade no terceiro andar.

Walter franziu o cenho. Ele queria muito agradar a sua doce e tímida cativa, e ser repreendido diante dela por seu homem não era um meio para esse fim. Instantaneamente, Arthur viu seu erro.

— Eu quero dizer, milorde, que ela deveria ter um guarda de confiança perto dela, para o seu próprio bem. — Olhou para Judith. — Diga-me, minha senhora, se você tivesse apenas um homem para protegê-la, quem escolheria?

— John Bassett — disse rapidamente. Ela poderia ter mordido a língua assim que as palavras foram pronunciadas.

Arthur deu a ela um olhar presunçoso antes de voltar seu olhar para Walter.

— Vê, da própria boca da dama, ela escolheu o guarda de Lady Helen.

— E me deixa sem ajuda se eu tentar escapar — Judith pensou. Sir Arthur olhava para ela como se pudesse ler seus. pensamentos.

— Uma excelente ideia! — Exclamou Walter. — Está satisfeita, milady?

Ela não podia pensar em nenhuma razão para manter John para si mesma, e talvez sua ausência lhe desse mais liberdade.

— Isso me agradaria muito, milorde. — disse ela docemente. — Eu sei que John vai cuidar bem de minha mãe.

— E agora podemos nos voltar para assuntos mais agradáveis. O que acha de cavalgarmos e caçarmos amanhã?

— Caçar, milorde? Eu...

— Sim. Você pode falar com franqueza comigo.

— É um desejo tolo.

— Vamos, me diga. — Walter sorriu tolerantemente.

— Eu só recentemente saí de casa, e estava sempre confinada a uma parte das propriedades. Nunca vi um desses antigos castelos. Você vai rir de mim!

— Não, eu não vou. — Walter riu.

— Gostaria de ver tudo, os estábulos, currais, até mesmo os campos.

— Então eu a levarei em um percurso completo amanhã. — ele sorriu. — É um pedido simples, e eu faria qualquer coisa para lhe dar prazer, milady. — Seus olhos ardiam para ela e Judith abaixou os cílios, principalmente para evitar que ele visse a raiva que brilhava nos dela.

— Meu senhor, — ela disse suavemente — eu acho que estou muito cansada. Pode me dar licença?

— Claro, seu desejo é uma ordem para mim. — Ele se levantou e ofereceu-lhe sua mão enquanto ela se levantava de sua cadeira.

John manteve-se muito próximo, com os braços cruzados no peito.

— Gostaria de falar com meu homem por um momento. — disse ela, indo até ele antes que Walter pudesse responder. — Sir Arthur fez de você um guarda para minha mãe. — disse ela sem preâmbulo.

— Não vou aceitar. Lorde Gavin...

— Silêncio! — Ela disse enquanto colocava a mão em seu braço. — Eu não quero que nos escutem. Que razão você daria para não deixar a minha porta? Aquele idiota pensa que eu já sou dele.

— Ele teve atrevimentos com você?

— Não, ainda não, mas ele vai tentar. Você deve ficar com minha mãe, não creio que Sir Arthur a deixe sair daquele lugar úmido se você se recusar. Ela não resistirá por muito tempo

— Você pensa demais em sua mãe e muito pouco em si mesma.

— Não, você está errado, estou segura. Mas ela poderia ficar doente dos ossos. Se eu estivesse na umidade, eu exigiria tratamento igual.

— Você mente. — John disse sem rodeios. — Você poderia estar segura em casa se não fosse tão teimosa.

— E agora está me dando sermões? — Judith protestou, exasperada.

— É inútil. Assim ficarei com Lady Helen se você prometer não fazer coisas tolas.

— Claro, posso até mesmo jurar, se quiser.

— Você é muito faladeira, mas não há tempo para discutir, eles estão vindo, eu esperarei mensagens com frequência, talvez mantenha minha mente longe das torturas que Lorde Gavin aplicará a mim.

Quando Judith e sua donzela estavam sozinhas, Joan soltou uma gargalhada.

— Eu nunca vi uma representação igual à desta noite, milady. — Ela riu. — Você atuaria bem em Londres. Onde aprendeu o truque de tocar sua unha em seu olho para produzir lágrimas?

Judith respirou fundo. As palavras de Joan trouxeram uma imagem vívida de Alice nos braços de Gavin.

— Aprendi o truque de uma mulher que vive de falsas palavras em meio a mentiras. — disse ela, sombria.

— Quem quer que seja que tem que ser insuperável. Eu mesmo estava meio convencida. Espero que tenha conseguido o que queria.

— Como tem certeza que queria algo?

— Que outra razão há para uma mulher mostrar as suas lágrimas a um homem?

Judith pensou em Alice novamente.

— Por que mais? — Ela murmurou.

— E conseguiu o que queria? — Joan insistiu.

— Em grande parte. Arthur me enganou, John foi enviado para vigiar minha mãe. Guarda-la, Bah! Como dois prisioneiros, trancados, se guardam? Meu homem de armas foi convertido em dama de companhia e colocado a chaves, e estou novamente sozinha com você para organizar e tentar tirar todos deste lugar.

Joan desfez os laços ao lado de Judith.

— Tenho certeza de que era seu interesse tirar John de você. Convinha-lhe.

— Você tem razão, mas Lorde Walter é um tolo, a língua do homem se perde com ele, tenho que ter mais cuidado de falar com ele apenas se Sir Arthur estiver longe.

— Isso, minha senhora, pode ser a tarefa mais difícil de todas. — Joan puxou as cobertas para sua ama.

— O que você vai fazer Joan? — Judith perguntou enquanto observava sua donzela passar um pente pelo cabelo castanho.

— Vou encontrar Lorde Gavin — ela sorriu. — A serva e a ama estavam assumindo um papel mais igualitário. — Vejo você amanhã, e então terei notícias dele.

Judith quase não ouviu a porta se fechar atrás de sua criada. Ela pensava que estava muito preocupada para dormir, mas não era assim. Adormeceu quase instantaneamente.


Walter e Arthur estavam a um lado do grande salão. As mesas tinham sido limpas e os homens de armas espalharam seus colchões cheios de palha no chão para passarem a noite.

— Não confio nela. — disse Sir Arthur em voz baixa.

— O que não confia nela? — Walter explodiu. — Como você pode dizer uma coisa assim depois que você a viu? Ela é uma flor delicada de menina. Foi punida desde criança e tão maltratada que tem medo de qualquer cenho franzido.

— Ela não parecia tão assustada quando exigiu um quarto melhor para sua mãe.

— Ela nunca poderia exigir nada, não é da sua natureza fazê-lo, apenas estava preocupada com Lady Helen, e esse é outro exemplo de sua natureza doce.

— Essa natureza doce obteve muito de você hoje à noite, veja como você quase admitiu que não houvesse um acordo escrito de casamento com seu pai.

— O que isso importa? — Perguntou Walter. — Ela não quer seu casamento com Gavin Montgomery.

— E o que o torna tão certo disso?

— Já ouvi...

— Bah! Rumores! Por que ela veio aqui? Não pode ser tão tola que acredite que não há perigo aqui para ela.

— Você insinua que eu iria machucá-la? — Perguntou Walter.

Arthur olhou fixamente para seu senhor.

— Não, enquanto ela for novidade para você. — Ele conhecia bem o Walter. —Vocês devem se casar antes de você dormir com ela. Só assim você realmente a terá. Se você a tomar sem a benção da igreja, pode te odiar como diz que odeia seu marido.

— Eu não preciso de você para me dar conselhos sobre mulheres! Eu sou o senhor aqui. Você não tem deveres a fazer?

— Sim, meu senhor. — Arthur sorriu em tom de ironia. — Amanhã devo ajudar meu senhor a mostrar nossas defesas a nossa prisioneira. — Ele se afastou quando Walter jogou uma taça de vinho em sua cabeça.


Judith acordou muito cedo, enquanto o quarto ainda estava escuro. Imediatamente se lembrou de Joan dizendo que pela manhã traria notícias de Gavin. Ela rapidamente levantou o cobertor e colocou um manto de brocado Bizantino, cor de canela, com flores mais claras que o tecido e cashmere creme forrado de flores. O colchão onde Joan devia dormir estava vazio. Judith apertou os dentes com raiva e de repente começou a se preocupar. Joan teria deixado ela também? Arthur descobriu Joan em algum ato de espionagem?

A porta se abriu quase em silêncio, e uma Joan, com olhos inchados, caminhou na ponta dos pés.

— Onde você esteve! — Judith exigiu em um sussurro tenso.

A mão de Joan voou para cobrir a boca e abafar o grito que estava prestes a emitir.

— Minha senhora, me deu um susto, por que não está na cama?

— Como se atreve a me perguntar por que não estou na cama? — Judith sibilou antes de se controlar. — Venha, fale-me, dê-me notícia. Soube alguma coisa sobre Gavin? — Judith pegou o braço de sua donzela e puxou-a para a cama. Ambas sentaram-se de pernas cruzadas no espesso colchão de penas. Mas os olhos de Joan não olhavam diretamente para o intenso olhar dourado de sua ama.

— Sim, minha senhora, eu o encontrei.

— Ele está bem? — Judith pressionou.

Joan respirou fundo e se apressou em sua descrição.

— Foi difícil encontrá-lo, ele está bem vigiado em todos os momentos e a entrada é... difícil. — Ela sorriu. — Mas tive sorte, um dos guardas pareceu gostar muito de mim, e passamos muito tempo juntos. Que homem! Esteve toda a noite...

— Joan! — Judith disse bruscamente. — Você está escondendo alguma coisa de mim, não é? E o meu marido, como está?

Joan olhou para sua senhora, começou a falar, depois baixou o rosto entre as mãos.

— É horrível demais, milady. É incrível que eles pudessem fazer uma coisa dessas com ele, é um nobre, mesmo os piores servos não são tratados desta maneira.

— Diga-me — Judith disse em uma voz mortal. — Conte-me tudo.

Joan ergueu a cabeça, lutando contra as lágrimas e a náuseas.

— Poucos servos do castelo sabem que ele está aqui, foi trazido sozinho, durante a noite e... atirado para baixo.

— Para baixo?

— Sim, minha lady, há um espaço abaixo do porão, um pouco mais do que um buraco cavado entre os alicerces da torre... A água do fosso penetra pelo chão e coisas... coisas viscosas... se reproduzem lá.

— E é ali que Gavin é mantido?

— Sim, minha lady. — disse Joan em voz baixa. — O teto do buraco é o piso do porão, e é elevado acima do buraco, que é muito profundo. O único meio de descer é por uma escada.

— Você viu este lugar?

— Sim milady. — Ela curvou a cabeça novamente. — E eu vi Lorde Gavin.

Judith agarrou os braços da serva com ferocidade.

— Você o viu e esperou tanto tempo para me contar?

— Eu não acreditava que... aquele homem fosse Lorde Gavin. — Ela olhou para cima, a agonia gravando seu rosto. — Ele sempre foi tão bonito, tão forte, mas agora a pouco mais do que a pele em seus ossos. Seus olhos são círculos negros que queimam ao olhar. O guarda, o homem com quem passei a noite, abriu o alçapão e segurou uma vela. O fedor! Eu mal podia olhar na escuridão. No principio não tive tanta certeza de que era Lorde Gavin. Ele cobriu os olhos do brilho de apenas uma vela. O chão, milady... estava cheio de bichos rastejando! Não havia um só lugar seco. Como ele dorme? Não tem um lugar para se deitar.

— Tem certeza de que esse homem era Lorde Gavin?

— Sim. O chicote do guarda ameaçou toca-lo, e ele afastou a mão e olhou para nós com ódio.

— Ele a reconheceu?

— Creio que não. No começo acreditei que sim, mas agora, eu acho que é incapaz de reconhecer alguém.

Judith desviou o olhar.

Joan tocou seu braço.

— Minha lady, é tarde demais. Não demorará muito tempo neste mundo. Não pode durar mais do que alguns dias, no máximo. Esqueça-o. Estará melhor morto.

Judith lançou-lhe um olhar duro.

— Você não disse que ele está vivo?

— Apenas meio vivo. Mesmo que fosse tirado hoje, a luz do sol o mataria em alguns instantes.

Judith saiu da cama.

— Tenho que me vestir.

Joan olhou para as costas retas de sua ama. Estava contente por ter desistido de qualquer ideia de resgate. Aquele rosto magro ainda a assombrava. Ainda assim, Joan estava desconfiada. Vivia com Judith por muito tempo, e sabia que sua pequena ama raramente deixava um problema sem solução. Havia momentos em que Joan estava completamente exausta de arrumar e reorganizar algumas coisas para que Judith pudesse vê-lo de todos os ângulos. No entanto, Judith nunca desistiu. Se ela se concentrasse na colheita de um campo antes de uma certa data, esta era ceifada, mesmo que Judith tivesse que ajudar na tarefa.

— Joan vou precisar de uma roupa de pano tosco, muito escuro, como a que usam os servos, e botas de cano alto, não importará se elas são muito grandes, porque eu posso amarrá-las com força. E um banco. Terá que ser longo, mas estreito o suficiente para caber através do alçapão. Também, vou precisar de uma caixa de ferro presa a um cinto, não muito grande, mas um que eu possa carrega-lo no cinto ligado a meu ventre.

— No ventre? — Joan conseguiu balbuciar. — Você não pode estar pensando... não acabei de lhe explicar que ele está quase morto, que não pode ser resgatado? Não pode levar um banco para ele e achar que ninguém vai notar. Alimentos, talvez, mas... — O olhar de Judith a deteve. Ela era uma mulher pequena, mas quando aqueles olhos dourados se tornavam tão duros como agora não havia desobediência. — Sim, minha senhora — disse Joan, mansamente. — Um banco, botas, roupas de servos e... uma caixa de ferro com cinto na medida de seu ventre. — Ela disse sarcasticamente.

— Sim, a medida da minha cintura. — disse Judith sem humor. — Agora me ajude a me vestir. — Ela levantou uma saia amarela de seda do grande baú junto à cama. Por cima dela, deslizou um vestido de veludo dourado com mangas largas e penduradas. Havia vinte botões de pérolas do pulso ao cotovelo. Um cinto de seda marrom rosqueados com pérolas pendia de sua cintura até o chão.

Joan pegou um pente de marfim e começou a arrumar os cabelos de sua ama.

— Não deixe que ele saiba que se preocupa com Lorde Gavin.

— Não preciso que me diga isso, vá agora e encontre as coisas que quero e não deixe ninguém te veja com elas.

— Eu não posso trazer um banco em segredo.

— Joan!

— Sim, milady, farei o que me manda.


Horas mais tarde, depois de passar a manhã visitando estábulos e leitarias Walter disse:

— Minha lady, deve estar cansada, certamente tudo isso deve ter pouco interesse para você.

— Oh, pelo contrario! — Judith sorriu. — Qual a espessura das paredes do castelo? Elas são tão espessas! — Exclamou ela com inocência e olhos arregalados. O castelo era simples. Ele continha uma grande torre de pedra de quatro andares colocada dentro de um único muro de três metros e meio de espessura. Havia alguns homens no topo das paredes, mas eles pareciam sonolentos e não muito alertas.

— Talvez a minha lady gostasse de inspecionar a armadura dos cavaleiros e procurar defeitos — disse Arthur enquanto a observava.

Judith conseguiu manter seu rosto sem expressão.

— Não entendo o que quer dizer, senhor. — disse ela confusa.

— Nem eu, Arthur! — Walter acrescentou. Ela compreendeu que tinha um inimigo: o cavalheiro tinha interpretado com facilidade seu interesse pelas fortificações. Ela se voltou para Walter:

— Acredito que estou mais cansada do que pensei... Foi realmente uma longa viagem, talvez eu devesse descansar.

— Claro, minha lady.

Judith queria se afastar dele, se livrar de sua mão, tantas vezes em seu braço ou sua cintura. Felizmente, ele a deixou na porta da câmara. Ela caiu sobre a cama completamente vestida. Durante toda a manhã, sua mente estava cheia do que Joan lhe dissera sobre Gavin. Podia imaginá-lo meio morto na imundície do lugar horrível onde era mantido.

A porta se abriu, mas ela não prestou atenção. Uma nobre raramente era permitida a privacidade. As donzelas sempre entravam e saíam do quarto. Ela ofegou quando uma mão masculina tocou seu pescoço.

— Lorde Walter! — Exclamou, olhando rapidamente pelo quarto.

— Não tenha medo. — Ele disse calmamente. — Nós estamos sozinhos. Cuidei disso e os servos sabem que minhas punições são duras se me desobedecerem.

Judith estava nervosa.

— Tem medo de mim? — Ele perguntou, seus olhos mexendo-se. — Não há razão para ter medo. Não sabe que eu te amo? Eu te amei desde a primeira vez que te vi. Esperava no meio da procissão que te seguiu para a igreja, devo lhe dizer como você olhou para mim? — Ele pegou um cacho de cabelo e enrolou-o em torno de seu dedo. — Você ficou na luz do sol, e era como se o dia escurecesse diante do seu esplendor. Seu vestido de ouro, seus olhos dourados.

Ele ergueu a mecha de cabelo, esfregando-a com os dedos da outra mão contra a sua palma.

— Como eu queria tocar esses finos fios! Foi então que eu soube que você devia ser minha. Mas você se casou com outro! — Ele acusou.

Judith estava assustada, não por ele ou pelo que poderia acontecer com ela, mas pelo que perderia se a tomasse agora. Ela enterrou o rosto em suas mãos como se estivesse chorando.

— Minha dama, minha doce Judith, perdoe-me, o que é que eu fiz? — Perguntou Walter perplexo.

Ela fez um esforço para se recuperar.

— Eu sou a única a pedir perdão, é apenas que os homens...

— Os homens o que? Você pode me dizer, eu sou seu amigo.

— De verdade? — Ela perguntou, seus olhos suplicantes e excessivamente inocentes.

— Sim. — sussurrou Walter, confortando-a o melhor que pôde.

— Eu nunca tive um amigo antes, primeiro meu pai e meus irmãos... Não, não falarei mal deles.

— Não há necessidade. — disse Walter, enquanto lhe tocava o dorso da mão com as pontas dos dedos. — Eu os conhecia bem.

— E então meu marido! — Judith disse ferozmente.

Walter piscou para ela.

— Você não gosta dele então? É verdade?

Seus olhos dourados brilharam quando ela olhou para ele com tanto ódio que ficou surpreso. Era quase como se fosse para ele em vez de seu marido.

— Todos os homens são iguais! — Ela disse com raiva. — Eles só querem uma coisa de uma mulher, e se ela não dá de bom grado, é forçada. Você sabe como é horrível o estupro de uma mulher?

— Não, eu... — Walter estava confuso.

— Os homens sabem pouco das coisas mais refinadas da vida: música e arte. Eu gostaria de acreditar que existe um homem em algum lugar da terra que não me apalpe e faça exigências.

Walter lançou-lhe um olhar perspicaz.

— E se encontrasse um homem como este você o recompensaria?

Ela sorriu docemente.

—- Eu o amaria com todo meu coração. — ela disse simplesmente.

Ele levou sua mão aos lábios e beijou-a com ternura. Judith abaixou os olhos.

— Eu vou guardar suas palavras. — ele disse calmamente. — Porque eu faria qualquer coisa para ter seu coração.

— Não pertencerá a mais ninguém..— sussurrou Judith.

Ele soltou a mão dela e se levantou.

— Vou deixá-la descansar. Lembre-se que eu sou seu amigo e vou estar por perto quando precisar de mim.

Ao sair do quarto, Joan entrou.

— Lady Judith, ele não...?

— Não, nada aconteceu. — Ela disse enquanto se recostava contra a cabeceira da cama. — Consegui dissuadi-lo.

—- Dissuadi-lo! Por favor, me explique... Não, não o faça. Não tenho nenhuma necessidade de saber como dissuadir a um homem que deseje me fazer amor. O que quer que tenha feito foi bom, poderá afastá-lo de você?

— Eu não sei, ele pensa que eu sou uma idiota ingênua, e eu não sei quanto tempo posso mantê-lo enganado. Odeio-me quando minto assim! — Judith virou-se para a criada. — Está tudo preparado para esta noite?

— Sim, embora não tenha sido fácil.

— Vai ser bem recompensada quando sairmos daqui, se sairmos... Encontre outras mulheres e prepare-me um banho, devo esfregar onde quer que esse homem me tenha tocado.

 

John Bassett andava pelo chão do quarto, com passos pesados. O dedo do pé de sua bota pegou em algo enterrado nos juncos, e ele chutou com ira. Um osso de carne, velho e seco, voou contra a parede distante.

— Uma criada de companhia. — Ele amaldiçoou. Trancado dentro de um quarto, sem liberdade alguma e, sua única companhia era uma mulher que tinha medo dele.

Na verdade, não era culpa dela que ele estivesse ali. Ele se virou e olhou para ela, enrolada com uma coberta diante do braseiro. Ele sabia que suas longas saias escondiam um tornozelo muito torcido que ela não permitia que sua filha visse. De repente, sua raiva o deixou. Não lhe fazia bem deixar-se remoer por este sentimento.

— Sou uma má companhia. — disse ele enquanto movia um banquinho para o outro lado do braseiro e se sentava. Helen olhou para ele com olhos assustados. Sabia de seu marido, e estava envergonhado que ele também inspirasse medo nela. — Não é você que me irrita minha lady, mas aquela filha sua... Como poderia uma mulher calma e sensata como você gerar uma moça tão teimosa? Queria resgatar dois prisioneiros, mas agora tem quatro para salvar e sem ajuda a não ser daquela donzela louca. Do que aquela dama de sangue quente é feita?

Ele se virou e viu Helen sorrindo. Um sorriso de puro orgulho.

— Você se orgulha de uma filha assim? — Perguntou atônito.

— Sim. Ela não tem medo de nada e sempre pensa nos outros primeiro.

— Ela deveria ter sido ensinada a temer. — John disse ferozmente. — O medo é bom às vezes.

— Se ela fosse sua filha, ter-lhe-ia ensinado a temer?

— Eu teria ensinado a... — começou John e se interrompeu. — Obviamente, punir não era a resposta; Ele tinha certeza de que Robert Revedoune lhe causara muita dor. Ele se virou para Helen e sorriu. — Não acredito que poderia lhe ensinar. Mas se ela fosse minha filha... — Ele sorriu mais amplamente. — Eu ficaria orgulhoso dela. Embora duvide que tal beleza pudesse ter vindo de algo tão feio quanto eu.

— Oh, mas você não é feio absolutamente. — Helen disse, suas bochechas ficando rosa.

John olhou para ela pela primeira vez. Durante o casamento quando a vira a considerou desleixada e simples, mas agora podia ver que ela não era nenhuma coisa e nem outra. Um mês longe de Robert Revedoune lhe tinha feito muito bem. Ela não parecia tão nervosa como antes, e suas bochechas ocas estavam se enchendo. Exceto pela touca bico de viúva, seu cabelo estava coberto, mas ele podia ver que era castanho avermelhado, mais escuro que o de sua filha. E seus olhos pareciam ter pequenas manchas de ouro neles.

— Por que me olha, senhor?

Com sua habitual brusquidão, John disse o que pensava.

— Você não é velha.

— Farei trinta e três anos este ano. — respondeu ela. — Essa é uma idade avançada para uma mulher.

— Bah! Eu me lembro de uma mulher de quarenta anos que... — Ele parou e sorriu. — Talvez não devesse contar a uma dama essa história, mas trinta e três anos está longe de ser velha. — De repente lhe veio uma ideia. — Sabe que agora é uma mulher rica, é uma viúva com grandes propriedades e logo terá homens batendo à sua porta.

— Não. — ela riu, suas bochechas coradas. — Você está brincando.

— Uma viúva rica e bonita, além disso, — brincou ele. — Lorde Gavin terá que cortá-los a espada para afugentá-los e encontrar um marido para você.

— Marido? — Helen subitamente ficou séria.

— Vamos, não faça essa cara! — Ordenou John. — Poucos são como aquele vilão que você se casou.

Helen piscou para o que deveria ser considerado rudeza. Mas vindo de John, era uma declaração do fato.

— Lorde Gavin encontrará um bom homem para você.

Ela olhou para ele como se estivesse especulando.

— Você já foi casado, John?

Ele esperou um momento antes de responder.

— Sim, uma vez quando eu era muito jovem, ela morreu da praga.

— Não houve filhos?

— Não, nenhum.

— Você... a amava? — Helen perguntou timidamente.

— Não. — Ele respondeu honestamente. — Ela era uma criatura simples. Infelizmente, não suporto a estupidez, em um homem, em um cavalo ou em uma mulher. — Ele riu de algum pensamento privado. — Uma vez eu me gabei que só colocaria meu coração diante de uma mulher que poderia jogar um bom jogo de xadrez. Sabe que cheguei uma vez a jogar com a rainha Elizabeth?

— E ela ganhou?

— Não. — Ele disse com desgosto. — Ela não conseguia manter sua mente no jogo. Eu tentei ensinar a Gavin e a seus irmãos o jogo, mas eles são piores do que algumas mulheres. Só seu pai se igualava comigo em um desafio.

Helen olhou para ele com seriedade.

— Eu conheço o jogo, pelo menos eu conheço os movimentos.

— Você? De verdade?

— Sim. Ensinei Judith a jogar, embora nunca pudesse me vencer. Era como a rainha, sempre preocupada com outro problema, não podia dar a concentração que o jogo merecia.

John hesitou.

— Se vamos passar algum tempo aqui, talvez possa me dar lições. Eu apreciaria qualquer ajuda.

John suspirou. Talvez fosse uma boa ideia. Pelo menos ajudaria a passar o tempo.


Capítulo Dezessete

A câmara de Judith estava tão quieta quanto o resto do castelo de Demari quando ela começou seus preparativos para ir até Gavin no calabouço.

— Dê ao guarda isso, — disse Judith, enquanto entregava a Joan um odre de vinho — e ele dormirá durante a noite. Poderíamos colocar barris de óleo queimando ao lado dele, e não acordará.

— O que vai acontecer quando Lorde Gavin a vir? — murmurou Joan.

— Eu pensei que você acreditava que ele estava quase morto, agora não fale mais, apenas faça como eu digo. Está tudo pronto?

— Sim. Está se sentindo melhor? — Joan perguntou preocupada.

Judith assentiu, engolindo saliva ao recordar de sua recente náusea.

— Se deixou algo em seu estômago, vai perder quando você entrar naquele poço vil.

Judith ignorou seu comentário.

— Vá agora e dê ao homem seu vinho. Vou esperar um pouco, então a seguirei.

Joan saiu silenciosamente do quarto, uma arte que aprendera durante longos anos de prática. Judith esperou nervosamente por quase uma hora. Amarrou a caixa de ferro sobre seu ventre, então deslizou o vestido de lã áspera sobre sua cabeça. Se alguém notasse a serva que caminhava silenciosamente entre os cavaleiros adormecidos, só veriam uma mulher em estado avançado de gravidez, com as mãos na parte inferior das costas, apoiando o peso de sua barriga. Judith teve alguma dificuldade em descer as escadas de pedra, sem corrimão que levavam ao porão.

— Minha dama? — Joan sussurrou.

— Sim. — Judith dirigiu-se à única chama de vela que Joan segurava. — Ele está dormindo?

— Sim. Não consegue ouvi-lo roncar?

— Eu não consigo ouvir nada sobre as batidas do meu coração. Coloque a vela em algum lugar e me ajude a desatar esta caixa.

Joan caiu de joelhos enquanto Judith levantava suas saias até a cintura.

— Por que precisa da caixa? — Perguntou Joan.

— Para armazenar os alimentos, para manter os ratos longe da comida.

Joan estremeceu quando suas mãos frias trabalharam os nós do couro cru.

— Há mais do que ratos lá embaixo. Minha senhora, por favor, não é tarde demais para mudar de ideia.

— Você está dizendo que vai em meu lugar?

O suspiro de horror de Joan foi sua resposta.

— Silêncio, então, pense em Gavin, que é forçado a viver lá.

Enquanto as duas mulheres puxavam o alçapão o ar viciado do poço, as fez virar a cabeça para o lado.

— Gavin! — Judith chamou. — Você está aí?

Nenhuma resposta veio.

— Dê-me a vela.

Joan entregou para sua ama o castiçal e desviou o olhar. Não queria voltar a olhar para o poço.

Judith esquadrinhou o buraco negro com a luz. Preparou-se para o pior, e não ficou desapontada. No entanto, Joan se enganara quanto ao fundo do poço. Não era totalmente desprovido de área seca, ou pelo menos relativamente seco. O chão de terra inclinava-se para longe das paredes de pedra, de modo que um canto era apenas lama em vez da água infestada de lodo. Neste canto Judith viu uma figura encurvada. Só os olhos brilhantes que a olhavam lhe disseram que a silhueta encolhida no canto estava viva.

— Me dê à escada, Joan. Quando eu estiver no fundo, envie primeiro o banco para baixo, então a comida e o vinho. Você entendeu?

— Eu não gosto deste lugar.

— Nem eu.

Não foi fácil para Judith descer naquela escada para o inferno. Não ousava olhar para baixo. Não havia necessidade de ver o que estava no chão. Ela podia sentir o cheiro e ouvir os movimentos rastejantes. Colocou a vela sobre uma pedra protuberante da parede, mas não olhou para Gavin. Sabia que ele lutava para sentar-se.

— O banco agora. — Judith ordenou. Não era fácil descer a peça pesada pela escada, e sabia que os braços de Joan estavam puxados pelo esforço a ponto de desconjuntar. Foi mais fácil levantá-lo e colocá-lo contra a parede ao lado de Gavin. A caixa de comida veio em seguida, depois um grande odre de vinho.

— Pronto! — Ela disse enquanto colocava os itens em cima do banco, então deu um passo em direção ao marido. Sabia por que Joan dissera que estava perto da morte. Estava enfraquecido, abatido e com as maçãs do rosto que eram altas, afinadas.

— Gavin. — Disse calmamente e estendeu a mão para ele, com a palma para cima.

Gavin moveu sua mão fina e imunda lentamente para tocá-la, como se esperasse que ela desaparecesse. Quando sentiu sua carne quente contra a dele, olhou para ela surpreso.

— Judith. — A palavra era áspera, sua voz rouca pelo desuso prolongado e a garganta ressequida.

Judith pegou a mão dele firme nas suas, o ajudou a erguer-se para sentar no banco. Segurou o odre de vinho e o levou a seus lábios. Passou um tempo até que ele entendeu que devia beber.

— Lentamente. — disse Judith, enquanto ele começava a engolir grandes goles do doce líquido. Ela pôs o odre de lado, então pegou um frasco com rolha da caixa e começou a alimentá-lo com um guisado rico e encorpado. A carne e os legumes haviam sido cozidos até transformarem-se em uma pasta fácil dele mastigar.

Gavin comeu pouco antes de se recostar contra a parede, seus olhos fechados em cansaço.

— Faz muito tempo que não tenho comida, um homem não aprecia o que tem até que lhe seja tirado. — Ele descansou um momento, depois se sentou de novo e olhou para a esposa. — Por que você está aqui?

— Para lhe trazer comida.

— Não. Não me referi a isso. Por que você está nas propriedades de Demari?

— Gavin, você deve comer e não falar. Se você continuar a comer eu vou te contar tudo. — Ela lhe deu um pedaço de pão escuro mergulhado no guisado.

Gavin voltou sua atenção para a comida.

— Meus homens estão ai em cima? — Perguntou, com a boca cheia. — Acho que posso ter esquecido como andar, mas quando tiver comido mais, estarei mais forte. Eles não deveriam ter mandado você para cá.

Judith não tinha calculado que sua presença faria Gavin acreditar que ele estava livre.

— Não. — Ela disse enquanto piscava para conter as lágrimas. — Eu não posso te tirar daqui... ainda.

— Ainda? — Ele olhou-a. — O que você está dizendo?

— Estou sozinha, Gavin. Seus homens não estão acima, você ainda é cativo de Walter Demari, como é minha mãe e agora John Bassett.

Ele parou de comer, sua mão parou sobre a garrafa, abruptamente, como se ela não tivesse dito nada, continuou mastigando.

— Diga-me tudo. — Ele disse sem rodeios.

— John Bassett me disse que Demari o tinha capturado. John não via nenhuma forma de resgatá-lo a não ser através do cerco ao castelo. — Ela parou como se terminasse com a história.

— Então você veio aqui e pensou em me salvar? — Ele olhou para ela, seus olhos afundados e ardentes.

— Gavin, eu...

— E, ora, diga-me, por favor, como esperava consegui-lo? Desembainhar uma espada e ordenar a minha libertação?

Ela apertou sua mandíbula, tensa.

— Eu vou ter a cabeça de John por isso.

— Foi o que ele disse. — murmurou ela.

— O que?

— Eu disse que John sabia que você ficaria zangado.

— Zangado? — Disse Gavin. — As minhas propriedades ficaram desprotegidas, os meus homens sem liderança, a minha mulher é mantida presa por um louco, e você diz que estou com raiva? Não, esposa, não. Estou muito mais do que zangado.

Judith endireitou suas costas, apertou sua mandíbula.

— Não havia outro jeito, um cerco teria matado você.

— Um cerco, sim! — Disse ele furioso. — Não há outras maneiras de tomar este lugar do que por cerco.

— Mas John disse...

— John! John é um cavaleiro, não um líder. Seu pai seguiu o meu, assim como ele me segue. Deveria ter ido a Miles ou mesmo Raine, apesar de sua perna quebrada. Eu matarei John na próxima vez que eu o veja!

— Não, Gavin, ele não tem culpa. Disse-lhe que viria sozinha se não me trouxesse.

A luz da vela fez seus olhos brilharem. O capuz de lã tinha caído deixando descobertos o seu cabelo.

— Eu tinha esquecido como você é linda. — Ele disse calmamente. — Não vamos mais brigar, não podemos mudar o que foi feito e agora me diga o que está acontecendo lá em cima.

Ela contou-lhe como conseguiu um quarto melhor para sua mãe, mas também tinha conseguido fazer John tornar-se prisioneiro.

— Mas está bem assim. — continuou ela. — Ele não me permitiria vir aqui.

— Desejaria que não tivesse feito isso, Judith, nunca deveria ter pisado neste lugar.

— Mas tinha que lhe trazer comida! — Protestou ela.

Ele olhou para ela, então suspirou. Então começou a sorrir para ela.

— Tenho pena de John por ter que lidar com você.

Ela olhou para ele surpresa.

— Ele disse o mesmo de você. O que faço de errado?

— Sim. — respondeu Gavin honestamente. — Colocou em perigo um bom numero de pessoas, e qualquer resgate agora será muito mais difícil.

Ela olhou para as mãos.

— Venha, olhe para mim. Já faz muito tempo que não vejo nada bonito e que estivesse limpo. — Ele entregou-lhe o frasco vazio.

— Eu trouxe mais comida e uma caixa de metal para mantê-la dentro.

— E um banco. — Ele disse enquanto balançava a cabeça. — Judith, você sabe que os homens de Demari saberão quem enviou estas coisas para cá quando as virem. Você deve levá-las de volta.

— Não, você precisa deles.

Ele olhou para ela. Tudo que fizera foi queixar-se dela.

— Judith! — ele sussurrou — obrigado. — Levantou a mão, como se fosse tocar sua bochecha, mas parou.

— Você está irritado comigo. — Ela disse sem rodeios, pensando que era por isso que ele não a tocava.

— Eu não quero te sujar. Estou muito sujo. Eu sinto coisas rastejarem em minha pele mesmo agora com você tão perto de mim.

Ela pegou a mão dele e guiou-a até a bochecha.

— Joan disse que você estava quase morto. Mas também falou que olhava para o guarda em desafio, se ainda odiava, não poderia estar tão perto da morte. — Ela se inclinou para ele e Gavin tocou sua boca na dela. Judith tinha que contentar-se com isso. Ele não a contaminaria mais com seu toque.

— Escute-me, Judith, você deve me obedecer. Não vou tolerar a desobediência, entendeu? Eu não sou John Bassett, que você pode mandar com o dedo mindinho. E se você me desobedecer, o preço será muitas vidas, sem dúvida. Você entendeu?

— Sim. — ela balançou a cabeça, ansiosa para receber as indicações.

— Antes de ser capturado, Odo conseguiu fugir do cerco e foi à procura de Stephen na Escócia.

— Seu irmão?

— Sim, você não o conhece. Ele será informado de tudo o que Demari fez. Stephen virá em breve, ele é um guerreiro experiente e essas velhas paredes não ficarão muito tempo erguidas ante ele. Mas vai demorar vários dias para chegar da Escócia mesmo se o mensageiro conseguiu encontrá-lo imediatamente.

— Então, o que devo fazer?

— Você deveria ter ficado em casa e esperado com seu bastidor de bordados. — Disse ele com desgosto. — Então teríamos tempo, agora você deve fazer tempo para nós agirmos. Não concorde com nada do que Demari propor. Fale com ele das coisas das mulheres, mas não fale da anulação de nosso casamento ou de suas propriedades.

— Ele acha que sou uma tola.

— Deus livre todos os homens de mulheres tão tolas como você. Agora deve ir.

— Vou trazer mais comida amanhã. — Ela falou.

— Não! Mande Joan, ninguém prestará atenção na gata que escorrega de uma cama para a outra.

— Mas eu virei disfarçada.

— Judith, quem mais tem cabelos de sua cor? Se um fio escapar, será reconhecida, e se for descoberta, não haveria razão para manter os prisioneiros vivos. Demari deve pensar que você vai aceitar seus planos. Agora vá e me obedeça pelo menos uma vez.

Ela se levantou e assentiu enquanto se virava para a escada.

— Judith. — ele sussurrou. — Me beijaria de novo?

Ela sorriu feliz e antes que ele pudesse detê-la, seus braços estavam sobre sua cintura, segurando-o perto dela. Podia sentir a mudança em seu corpo, o peso que perdera.

— Fiquei assustada, Gavin. — confessou ela.

Ele levantou o queixo em sua mão.

— Você é mais valente do que dez homens juntos. — Ele a beijou com angustia. — Agora vá e não volte mais.

Judith subiu a escada com pressa para sair do porão escuro.


Capítulo Dezoito

O castelo estava silencioso quando Arthur finalmente permitiu que sua raiva explodisse. Sabia que deveria ter mantido seu temperamento sobre controle, mas tinha visto muito em um dia.

— Você é um tolo! — Arthur disse com um sorriso sarcástico. — Não vê como aquela mulher te manuseia como um musico harpista interpreta um saltério?

— Você se excede. — avisou Walter.

— Alguém deve adverti-lo! Você está tão cego que ela poderia cravar uma faca entre as suas costelas e o único que murmurarias seria: Obrigado.

De repente, Walter olhou para sua caneca de cerveja.

— Ela é uma mulher linda, doce e adorável. — murmurou.

— Doce! Ela é tão doce quanto o limão. Ela está aqui há três dias, e diga-me, quanto você tem progredido com as negociações para uma anulação do matrimonio? O que ela diz quando pergunta? — Não deu tempo a Walter para responder. — Essa mulher tem uma perda auditiva conveniente. Às vezes ela só lhe sorri quando você lhe faz uma pergunta. Acha que ela é surda e muda. Você nunca a pressiona, em vez disso olha-a com outro sorriso estupido.

— Ela é uma mulher linda. — disse Walter em defesa.

— Sim, ela é sedutora. — Reconheceu Artur e sorriu para si mesmo. Judith Montgomery estava começando a mexer com seu sangue também, embora não do modo que ela afetava Walter. — Mas o que adianta sua beleza se não estás mais perto do teu objetivo do que quando ela chegou?

Walter bateu com sua taça na mesa.

— Ela é uma mulher, maldito seja! Não um homem com quem se possa argumentar. Deve ser cortejada e conquistada. As mulheres devem ser amadas. Além disso, recorda seu pai e seu vil marido com quem a casaram. Eles a assustaram.

— Assustada! — Arthur bufou. — Nunca vi uma mulher menos assustada em minha vida. Uma mulher assustada teria ficado em casa, em sua cama, atrás das muralhas do seu castelo. Essa, no entanto, veio cavalgando para nossos portões e...

— E não pede nada! — Retrucou Walter, triunfante. — Ela pediu nada além de um quarto melhor para sua mãe, um pedido simples. Ela passa seus dias comigo e é uma companhia agradável. Judith não perguntou sobre o destino de seu marido. Isso demonstra que não está interessada nele.

— Não tenho tanta certeza. — disse Artur, pensativo. — Eu não acho tão natural que pouco se importe com ele.

— Ela o odeia, eu te digo! Não vejo por que não matá-lo para encerrar o caso. Casar-me-ia com ela em cima do cadáver do homem morto se o sacerdote permitisse isso.

— Então você teria o rei sobre a sua cabeça. Ela é uma mulher rica. Seu pai tinha o direito de entregá-la a um homem em matrimonio, mas ele está morto. Agora ninguém tem o direito de dá-la em matrimônio, exceto o rei. No momento em que seu marido é morto, ela se torna tutelada do rei, os produtos de suas propriedades serão dele. Você acha que o rei Henry daria uma viúva rica para o homem que torturou e matou seu marido? E se você tomá-la sem sua permissão, ele ficaria ainda mais irritado Eu lhe disse mais de uma vez, a única maneira é ela se apresentar diante do rei e pedir publicamente uma anulação de seu casamento e declarar que quer ser entregue a você. O rei Henry ama muito a rainha e ficará comovido por tal sentimentalismo.

— Então, estou indo bem. — disse Walter. — Estou fazendo com que a mulher me ame. Eu posso ver isso em seus olhos quando me olha.

— Digo de novo, você é um tolo! Vê o que deseja. Não estou tão certo de que ela não esteja planejando algo, talvez, um plano de fuga.

— Escapar de mim? Eu não a mantenho cativa. Ela é livre para ir onde ela quiser.

Artur olhou para o homem com repulsa. Ele não era apenas um idiota, mas também estúpido. Se Arthur não fosse cauteloso, todos os seus planos cuidadosamente arquitetados seriam destruídos por uma deusa de olhos dourados.

— Você diz que ela odeia o marido?

— Sim. Eu sei que sim.

— Você tem provas além das fofocas dos servos?

— Ela nunca fala dele.

— Talvez o amor que ela tem por ele a machuque demais para falar dele. —Disse Arthur franzindo o cenho. — Talvez devêssemos testar seu ódio.

Walter hesitou.

— Você não tem tanta certeza agora?

— Eu estou! O que você planeja?

— Vamos trazer o marido do poço, levá-lo diante dela e ver sua reação. Chorará horrorizada ao vê-lo como deve estar agora, ou será que ela ficará contente em vê-lo tão torturado?

— Ela ficará contente. — disse Walter com firmeza.

— Esperemos que tenha razão, mas acredito que não.


O novo quarto que Judith tinha conseguido para Lady Helen era grande, arejado e limpo. Uma sólida divisória de madeira havia sido pregada nas paredes do terceiro andar, criando o quarto. Estava afastado do resto do castelo, protegido por uma porta de carvalho temperado de quatro polegadas de espessura.

Havia poucos móveis. Uma grande cama coberta com linho pesado ocupava um canto. Um colchão de palha estava do outro lado da câmara. Duas pessoas se sentavam em frente ao brilhante braseiro, as cabeças quase se tocando sobre um tabuleiro de xadrez colocado em uma mesa baixa.

— Você ganhou novamente! — Exclamou John Bassett, surpreso.

Helen sorriu para ele.

— Você parece satisfeito.

— Sim. Pelo menos esses dias não foram aborrecidos. —Durante o tempo em que estiveram juntos, ele tinha visto muitas mudanças nela. Ela ganhou peso, suas bochechas estavam perdendo suas cavidades. E ela começara a relaxar na sua presença. Seus olhos não mais se moviam de um lado para o outro. Na verdade, raramente seus olhos deixavam John.

— Você acha que minha filha está bem? — Helen perguntou, levando de volta, as peças xadrez a suas posições originais.

— Só posso deduzir que sim. Se ela tivesse sofrido algum dano, acho que saberíamos. Não acho que Demari perderia tempo ao nos fazer sofrer o mesmo destino.

Helen assentiu com a cabeça. Ela achou a dura veracidade de John refrescante depois de ter vivido com mentiras por tanto tempo. Ela não vira Judith desde aquela primeira noite, e se não fosse a firmeza de John, teria adoecido de preocupação.

— Outro jogo?

— Não. Devo ter um descanso de seus ataques.

— É tarde, talvez... — começou ela, não querendo ir para a cama e deixar sua companhia.

— Você pode sentar-se comigo um momento? — Ele perguntou, levantando-se e agitando as brasas no braseiro.

— Sim. — Ela sorriu. Aquela era a parte do dia em que ela amava, ser levada de um lugar para outro nos braços fortes de John. Tinha certeza de que seu tornozelo estava bem, mas ele não perguntou e ela não mencionou.

John olhou para a cabeça encostada em seu ombro.

— Você se parece mais com sua filha a cada dia. — Ele disse enquanto a levava para uma cadeira mais perto do fogo. — É fácil ver que ela saiu com a sua beleza.

Helen não falou, mas sorriu contra seu ombro, deleitando-se com a força dele. Ele tinha acabado de deposita-la na cadeira quando a porta se abriu.

— Mãe! — Judith disse enquanto corria para os braços abertos de Helen.

— Fiquei preocupada com você — Helen disse ansiosamente. — Onde eles te mantiveram? Eles te fizeram mal?

— Que notícias têm? — A voz profunda de John interrompeu.

Judith afastou-se da mãe.

— Não, estou ilesa. Não pude vir antes porque não tive tempo, Walter Demari me retém a cada momento, se menciono uma visita a você, ele encontra um lugar em que devo ir. — Ela se sentou em um banquinho que John colocou atrás dela. — Quanto a notícias, eu vi Gavin.

Nem João nem Helen falaram.

— Eles o mantêm em um buraco abaixo do porão. É um lugar viscoso e mal cheiroso. Ele não pode viver muito tempo nele. Eu fui a ele e...

— Você entrou no poço? — Perguntou Helen, atônita. — Não podia! Você carrega uma criança e colocou em risco o bebê!

— Quieta! — Ordenou John. — Quero que ela fale de Lorde Gavin.

Judith olhou para a mãe, que geralmente se afastava dos tons agudos de um homem, mas Helen apenas obedeceu e não mostrou medo.

— Ele ficou muito bravo comigo por estar aqui e disse que já havia preparado nosso resgate. Um de seus homens foi mandado para buscar seu irmão Stephen.

— Lorde Stephen? — Perguntou John, depois sorriu. — Ah, sim, se pudermos aguentar até que ele venha, seremos salvos, é um bom guerreiro.

— Isso foi o que Gavin disse, que mantivesse Demari longe de mim o máximo que puder, para dar a Stephen o tempo de trazer seus homens.

— O que mais disse Lorde Gavin?

— Muito pouco, ele passou a maior parte do tempo listando tudo o que há de errado comigo. — Disse Judith com desgosto.

— E você é capaz de manter Demari longe de você? — Helen perguntou.

Judith suspirou.

— Não é fácil. Se ele toca meu pulso, sua mão desliza para o meu cotovelo. Se coloca a mão na minha cintura, desliza até as minhas costelas. Eu não respeito esse homem. Se ele se sentasse e falasse razoavelmente comigo, eu lhe daria a metade das terras Revedoune se nos deixasse livres. Em vez disso, me oferece guirlandas de margaridas e poemas de amor. Há momentos em que tenho vontade de gritar de frustração.

— E Sir Arthur? — Perguntou John. — Não consigo ver aquele homem fazendo guirlandas de margarida.

— Não. Ele só me observa. Nunca estou longe de seus olhos, Sinto que há algo que ele planeja, mas não sei o que.

— Será o pior, tenho certeza. — disse John. — Eu gostaria de poder te ajudar!

— Não. No momento não preciso de ajuda, só posso esperar que Lorde Stephen chegue e negocie ou lute. O que for necessário fazer e então falarei com ele.

— Conversar? — John levantou uma sobrancelha. — Stephen é pouco dado a falar sobre seus planos de batalha com mulheres.

Uma batida soou na porta.

— Joan espera por mim, não sei se quero que Demari saiba que estive aqui.

— Judith. — Helen agarrou o braço de sua filha. — Você está cuidando de si mesma?

— Tanto quanto possa Estou cansada... Só isso. — Ela beijou a bochecha de sua mãe. — Eu preciso ir.

Quando estavam sozinhos, John se voltou para Helen.

— Não chore. — Ele disse severamente. — Não vai ajudar em nada.

— Eu sei. — concordou Helen. — Ela está tão sozinha, sempre esteve sozinha.

— E o que há com você? Também não esteve sempre sozinha?

— Não tenho importância, sou velha.

John agarrou-a com força pelos braços e levantou-a para si.

— Você não é velha! — John disse furioso antes que sua boca caísse sobre a dela.

Helen não fora beijada por ninguém, exceto pelo marido e só no início de seu casamento. Ficou assustada com o frio que subia pela espinha. Ela devolveu seu beijo, seus braços em volta de seu pescoço, atraindo-o para mais perto dela. Ele beijou sua bochecha, seu pescoço, seu coração batendo forte aos seus ouvidos.

— É tarde! — Ele sussurrou, então a pegou em seus braços e a levou para a cama. Cada noite a ajudava a desabotoar seu vestido simples, já que não tinha uma serva. Ele sempre foi respeitoso e manteve os olhos voltados para o outro lado enquanto ela se deitava na cama. Agora a colocou de pé junto à cama, depois se virou para ir embora.

— John, — ela chamou — você não vai me ajudar com os botões?

Ele olhou para ela, seus olhos escuros de paixão.

— Não esta noite. Se te ajudo a se despir, não iria subir para a cama sozinha.

Helen olhou para ele, o sangue correndo em seu corpo. Suas experiências com um homem na cama tinham sido épocas brutais. Mas agora olhava para John e sabia que com ele seria diferente. Como seria ficar feliz enroscada nos braços desse homem? Mal podia ouvir sua própria voz quando falou.

— Ainda vou precisar de ajuda.

Ele caminhou até ficar diante dela.

— Tem certeza? Você é uma dama, sou apenas vassalo do seu genro.

— Veio a significar muito para mim, John Bassett. Agora eu quero que você seja tudo para mim.

Ele tocou o capuz que cobria seus cabelos, então o puxou completamente.

— Venha, então. — Sorriu. — Deixe-me lidar com esses botões.

Apesar das palavras valentes de Helen, tinha medo de John. Ela chegou a amá-lo nos últimos dias, e queria lhe dar algo. Ela não possuía nada exceto seu corpo. Ela se entregaria como uma mártir. Sabia que os homens recebiam um grande prazer da relação sexual, mas para ela só foi um assunto rápido e sujo. Ela não tinha ideia de que poderia ser diferente.

Ela ficou surpresa quando ele a despiu. Ela pensava que o homem jogaria suas saias sobre seu rosto para acabar de uma vez com isso. John parecia gostar de tocá-la. Seus dedos ao longo de suas costelas enviaram pequenos arrepios em sua pele. Ele tirou seu vestido sobre sua cabeça, e depois sua camisa. Afastou-se dela e olhou-a enquanto estava vestindo apenas a camisola de algodão fina e suas meias. Ele sorriu calorosamente para ela como se seu corpo lhe agradasse. John colocou as mãos em sua cintura, então tirou sua camisola. Suas mãos estavam em seus seios instantaneamente, e Helen ofegou de prazer ao seu toque. Ele levou seus lábios aos dela, beijando-a. Ela manteve os olhos abertos enquanto olhava maravilhada. Sua gentileza enviou ondas de prazer através de seu corpo. Seus braços dobraram-se contra a lã áspera de seu gibão. Ela fechou os olhos e se apoiou contra ele, seus braços apertados. Nunca experimentara esse sentimento antes.

John se afastou dela e começou a tirar a roupa. O coração de Helen estava pulsando.

— Deixe-me fazê-lo. — Ela se ouviu dizer, então recuou da sua própria ousadia. John sorriu para ela com a mesma expressão que ela estava sentindo de crescente paixão.

Ela nunca despiu um homem antes, exceto para ajudar um visitante que estava por tomar banho. O corpo de John era grande e musculoso, e ela tocou sua pele enquanto cada peça caia ao chão. Seus seios tocaram seu braço, enviando pequenas faíscas através de seu corpo.

Quando John estava nu, levantou Helen em seus braços e a colocou cuidadosamente na cama. Ela teve um momento de pesar ao pensar que o prazer terminara e começaria a dor. John ergueu-lhe o pé e colocou-o em seu colo. Enquanto Helen observava sem fôlego, desatou a liga e tirou a meia de algodão, beijando sua perna a cada centímetro do caminho, no momento em que ele alcançou seus dedos do pé, Helen não conseguia mais se segurar. Seu corpo estava estranhamente fraco, seu coração estava martelando em sua garganta. Ela estendeu os braços para ele vir até ela, mas ele não a atendeu.

John estendeu a mão para a outra perna. Uma eternidade se passou antes que ele removesse a beijos a outra meia. Helen sabia que não podia suportar mais. Seu corpo começava a doer por ele. John riu rouco e afastou as suas mãos.

Helen deitou-se contra os travesseiros, fraca. John aproximou-se dela, beijou-a. Ela cravou suas mãos em seus ombros. Ele passeava as mãos firmemente por seu lado. Helen pressionou-se contra ele, podia sentir que estava pronto para ela. Mas John não tinha acabado com sua tortura. Sua cabeça inclinada foi para seus seios, sua língua e dentes fazendo círculos e mordiscando os mamilos cor-de-rosa e duros. Helen gemeu, a cabeça movendo-se de um lado para o outro no travesseiro.

John lentamente moveu uma perna em cima dela. Depois a cobriu com todo o seu peso. Como ela se sentia bem! Ele era tão forte e pesado. Quando ele a penetrou, ela gritou. Sentia-se como uma virgem sem experiência do que era o prazer. Seu marido tinha usado seu corpo, mas John fazia amor com ela.

Sua paixão era tão feroz quanto à de John, e eles alcançaram juntos o clímax em uma tremenda explosão. Ele puxou-a para perto de si, seu braço e uma perna jogados em cima dela como se pensasse que ela tentaria escapar. Helen se aproximou ainda mais dele. Se possível, ela teria gostado de deslizar dentro de sua pele. Seu corpo começou a relaxar do delicioso prazer de uma noite de amor. Ela adormeceu com a suave respiração de John no ouvido e no pescoço.

 

Judith sentou-se na mesa alta entre Walter e Arthur. Estava mordiscando alimentos mal preparados incapaz de engolir. Mesmo que tivessem sido os mais deliciosos pratos, não teria importância. Ela usava saia de seda creme sob a túnica e sobre ela um vestido de veludo azul royal. As grandes mangas penduradas do vestido estavam forradas de cetim azul bordado com minúsculas meias-luas de ouro. Um cinto de filigrana de ouro com uma fivela definida com uma única safira grande rodeava a sua cintura.

As mãos de Walter a tocavam constantemente. Elas estavam em seus pulsos, seu braço, seu pescoço. Ele não parecia perceber que estavam em um lugar público. Mas Judith estava muito consciente dos vinte e cinco cavaleiros que a olhavam descaradamente. Ela podia sentir a especulação em seus olhos. Enquanto punha o garfo em um pedaço de carne, desejou que fosse o coração de Walter. Era uma coisa difícil engolir o próprio orgulho.

— Judith. — sussurrou Walter em seu ouvido. — Eu poderia te devorar. — Ele pressionou seus lábios contra seu pescoço, e ela podia sentir tremores de repulsa sacudindo-a. — Por que esperarmos? Não sente meu amor por você? Não percebe o meu desejo?

Judith manteve-se rígida, recusando-se a se permitir puxar seu corpo para longe. Ele mordiscou seu pescoço, acariciou seu ombro com o nariz e ela não podia mostrar como se sentia.

— Meu senhor, — ela conseguiu engolir várias vezes com dificuldade — você não se lembra de suas próprias palavras, disse que devemos esperar.

— Eu não posso. — Ele ofegou. — Eu não posso esperar mais.

— Mas você deve! — Judith disse com mais raiva do que pretendia e empurrou a mão dele violentamente. — Ouça-me, e se eu ceder às suas paixões e permitir-lhe vir para a minha cama? Você não acha que uma criança seria feita? O que o rei diria quando aparecermos diante dele com minha barriga inchada? Quem acreditaria que a criança não é do meu marido? Não haverá anulação se eu levar seu filho. E você sabe que um divórcio é concedido pelo papa. Ouvi dizer que leva anos.

— Judith... — começou Walter, depois parou. Suas palavras faziam sentido. Elas também apelavam para sua vaidade. Como se lembrava de Robert Revedoune dizendo que deu sua filha para os homens de Montgomery para obter filhos. Sabia que ele — Walter — poderia lhe dar seus filhos! Ela estava certa. Se eles deitassem juntos, gerariam um filho no primeiro acasalamento. Ele tomou um gole de vinho, sua mente misturada com orgulho e frustração.

— Quando iremos ao rei, meu senhor? — Judith perguntou sem rodeios. Talvez pudesse arranjar uma fuga em sua jornada.

Sentavam-se à mesa do jantar, mas Walter prestou pouca atenção ao que perguntou. Foi Arthur que respondeu.

— Você está ansiosa para declarar seu desejo de uma anulação de casamento ao rei? — Ele perguntou e Judith não respondeu. — Vamos, minha lady, somos seus amigos, pode falar livremente de sua paixão por Lorde Walter que é tão profunda que não pode esperar para declará-la ao mundo?

— Não gosto do seu tom. — Disse Walter. — Ela não tem que provar nada, é convidada, não prisioneira. Não foi forçada a vir até aqui.

Arthur sorriu, seus olhos se estreitaram.

— Sim, ela veio livremente. — disse ele em voz alta. Então, quando estendeu a mão na frente de Judith para pegar um pedaço de carne, baixou a voz. — Mas por que minha lady veio? Ainda não me deu uma resposta.

A refeição parecia horrivelmente longa para Judith e não podia esperar mais para sair do recinto. Quando Walter voltou às costas para falar com seu mordomo, Judith aproveitou a oportunidade para se levantar da mesa. Subiu correndo a escada, o coração batendo violentamente. Quanto tempo mais poderia aguentar Walter Demari? Cada minuto seus avanços se tornavam mais atrevidos. Ela parou de correr e encostou-se à pedra fria da parede, tentando recuperar-se. Por que sempre acreditava que poderia lidar com tudo sozinha?

— Aí está você!

Judith ergueu os olhos e viu Arthur de pé perto dela. Eles estavam sozinhos em um recesso profundo das paredes grossas.

— Está procurando uma rota de fuga? — Ele sorriu maliciosamente. — Não há ninguém, estamos sozinhos. — Seu forte braço se estendeu e sua mão rodeou sua cintura, puxando-a para perto dele. — Onde está sua língua afiada? Vai tentar me convencer a não tocar em você? — Sua mão correu por seu braço, acariciando-a. — É adorável o suficiente para fazer com que um homem perca a cabeça, quase compreendo a insistência de Walter em possuir você. — Olhou para o rosto dela. — Não vejo medo nesses olhos dourados, mas gostaria de vê-los resplandecer com o calor da paixão. Você acha que eu poderia fazê-los arderem por mim?

Seus lábios duros caíram sobre os dela, mas Judith não sentiu nada. Ela permaneceu rígida contra ele. Ele se separou dela.

— Você é uma cadela gelada. — Ele rosnou e então a apertou com mais força. Ela ofegou enquanto o ar ficava preso em seus pulmões. O que a fez abrir a boca. Arthur aproveitou a oportunidade para beijá-la novamente. Agarrou-a novamente, empurrando a língua para dentro da boca de Judith. Seu abraço a machucava. Sua boca dava-lhe náuseas.

Arthur afastou-se dela, afrouxando os braços, mas não a soltou. Seus olhos mostraram raiva em primeiro lugar, depois mudou para zombaria.

— Não, você não é fria. Nenhuma mulher com esses cabelos e olhos poderia ser... Mas quem é que derrete o gelo? Walter com beijos da mão, ou talvez seja esse seu marido?

— Não! — Judith disse então apertou os lábios.

Arthur sorriu.

— Embora Walter pense de outra maneira, você é uma pobre atriz. — O rosto de Arthur ficou duro. — Walter é um homem estúpido, mas eu não sou. Acha que veio a este lugar por amor a ele, mas eu não acredito. Se eu fosse uma mulher, esperaria usar minha beleza para libertar aqueles a quem amo. É seu plano negociar com seu corpo a liberdade de sua mãe e seu marido?

— Me deixar ir embora! — Judith exigiu, retorcendo-se em seus braços. Ele a segurou com mais firmeza.

— Você não pode escapar de mim, nem tente.

— E quanto a Walter? — Ela desafiou. Arthur riu.

— Você faz bem o seu jogo, mas lembre-se que está brincando com fogo e pode se queimar. Acha que temo um lixo como Demari? Eu posso lidar com ele. Quem você acha que pensou nesta ideia de anulação?

Judith parou de lutar.

— Ah sim, agora tenho a sua atenção. Ouça-me: Walter vai ter você em primeiro lugar, mas será minha mais tarde. Quando ele se cansar de você e começar a tomar outras mulheres, será minha.

— Eu preferiria dormir com uma víbora. — Ela sibilou enquanto a mão de Arthur apertava seu braço.

— Mesmo para salvar a sua mãe? — Ele disse em uma voz mortal. — Já fez muito por ela, o que mais faria?

— Você nunca saberá!

Ele a puxou de novo contra si.

— Não? Acha que tem algum poder enquanto mantenha esse tolo do Demari em suas mãos, mas vou mostrar-lhe quem tem o poder aqui.

— O que? O que você quer dizer com isso?

Ele sorriu.

— Você saberá em breve.

Ela tentou se recuperar dos terríveis presságios que suas palavras lhe deram.

— O que você vai fazer? Você não machucaria minha mãe?

— Não. Não sou tão insensível assim. Só um pouco de diversão. Far-me-á bem ver você se contorcer. Quando tiver tido o suficiente, venha para minha cama à noite e conversemos.

— Nunca!

— Não seja tão precipitada. — De repente, Arthur a soltou. — Preciso ir. Tem minhas palavras para pensar.

Quando estava sozinha, Judith ficou quieta, respirando profundamente para se acalmar. Ela se virou para ir para seu quarto, mas ficou espantada ao ver um homem parado silenciosamente nas sombras. Ele se inclinou preguiçosamente contra a parede oposta do salão. Um alaúde estava pendurado em seus amplos ombros, e usava uma faca para cortar as unhas. Judith não sabia o que a fazia olhar para ele, exceto que poderia ter ouvido algumas das ameaças de Arthur. No entanto, seus olhos se fixaram nele, embora não levantasse a cabeça para olhar para ela. De repente, ergueu o rosto para olhá-la. Seus olhos azuis escuros a olhavam com tanto ódio que ela ofegou. Sua mão voou até sua boca, e ela mordeu o dorso.

Ela se virou e correu pelo corredor até seu quarto onde se jogou na cama. As lágrimas vieram aos poucos, formando-se acima do ventre antes que encontraram a liberação.

— Minha lady, — sussurrou Joan enquanto acariciava o cabelo de Judith. Tinham se tornado mais intimas nos últimos dias diminuindo a diferença social entre as duas. — Ele a machucou?

— Não, eu me machuquei. Gavin disse que deveria ter ficado em casa com o meu bordado, temo que tenha razão.

— Bordado? — A criada questionou, sorrindo. — Teria enroscado os fios pior do que fez com as coisas aqui.

Judith olhou para cima, horrorizada. Então, através de suas lágrimas, ela disse:

— Você é boa para mim. Senti pena de mim por um momento. Você levou comida a Gavin ontem à noite?

— Sim.

— E como ele estava?

Joan franziu o cenho.

— Mais fraco.

— Como posso ajudá-lo? — Judith perguntou a si mesma. — Gavin disse que devia esperar por seu irmão Stephen, mas por quanto tempo? Devo tirar Gavin daquele buraco!

— Sim, milady, você deve.

— Mas como?

Joan falou sério.

— Só Deus pode responder a isso.

 

Naquela noite, Arthur respondeu à pergunta de Judith. Sentaram-se à ceia, uma refeição de sopa e guisados. Walter estava silencioso, quieto, sem tocar em Judith como costumava fazer, mas olhando para ela com o canto do olho, como se estivesse julgando-a.

— Você gosta da comida, Lady Judith? — Arthur perguntou.

Ela assentiu com a cabeça.

— Esperemos que o entretenimento também lhe agrade.

Ela ia perguntar o que ele queria dizer, mas não o fez. Ela não daria ao homem tal satisfação.

Arthur inclinou-se para olhar para Walter.

— Você não acha que é hora, milorde?

Walter começou a protestar, mas depois pareceu pensar melhor. Era algo que obviamente ele e Arthur tinham discutido minunciosamente. Walter acenou com a mão para dois homens de armas que esperavam junto à porta, e estes se retiraram.

Judith não conseguia engolir a comida de sua boca e tinha que empurrá-la com vinho. Sabia que Arthur planejava algum truque, e queria estar pronta para isso. Olhou nervosamente para o salão. Viu o homem que tinha visto no corredor naquela tarde. Ele era alto e magro, com cabelos loiros escuros com alguns fios mais claros. Sua mandíbula era forte e estava em uma linha firme acima de um queixo com uma covinha. Mas seus olhos eram o que a perturbava. Eram de um azul escuro profundo e que ardia com o fogo do ódio. Esse ódio se dirigia a ela. Ele a hipnotizava.

O repentino e anormal silêncio do salão foi quebrado com o som de correntes arrastadas, chamando sua atenção. A luz brilhante do grande salão impediu Judith em primeiro lugar, de reconhecer como humana, a forma que trouxeram arrastando entre os dois cavaleiros. Era mais uma pilha de trapos fedorentos do que um homem. Foram esses poucos segundos de não reconhecimento que a salvaram. Percebeu que Artur e Walter olhavam para ela, observando-a. Judith olhou-os perplexa e um olhar interrogativo. Percebeu que a figura arrastada para o salão era Gavin. Ela não olhou para ele novamente, mas manteve os olhos fixos em Walter. Isso lhe daria tempo para pensar. Por que o apresentavam assim? Não sabiam que ela queria correr para ele e ajudá-lo?

A resposta veio imediatamente quando percebeu que era exatamente o que Arthur queria que ela fizesse. Ele queria mostrar a Walter que ela não odiava seu marido.

— Você não o reconhece? — Walter perguntou.

Judith olhou para cima, fingindo surpresa, para o homem imundo sendo conduzido para o salão. Então ela começou a sorrir, muito lentamente.

— É como sempre quis vê-lo.

Walter deu um grito de triunfo.

— Traga-o aqui! Minha linda lady deve vê-lo como desejava que ele estivesse. — Declarou a todos no salão. — Deixe-a desfrutar deste momento. Ela o ganhou.

Os dois guardas trouxeram Gavin à mesa. Seu coração batia loucamente. Judith não poderia arriscar-se a cometer erros agora. Se ela mostrasse como seu coração se apiedava do marido, esse sentimento, sem dúvida causaria muitas mortes. Ela se levantou sua mão tremendo, e levantou sua taça de vinho. Ela jogou o conteúdo em seu rosto.

O líquido pareceu reviver Gavin, que olhou para ela. Seu rosto, magro e afinado, mostrava surpresa. Então perplexidade. Lentamente, olhou para Walter e Arthur, que estavam ao lado de sua esposa.

Demari pôs o braço possessivamente sobre os ombros de Judith.

— Olhe agora quem a abraça. — ele se gabou.

Antes que alguém pudesse reagir, Gavin se jogou para atacar Walter por cima da mesa. Os guardas que seguravam suas correntes foram puxados para frente, tropeçando e caíram nos pratos de comida. Walter não conseguiu sair rápido o suficiente, e as mãos imundas de Gavin se fecharam em torno do pescoço do homem menor, de aparência elegante, sobre a mesa.

— Segure-o! — Walter ofegou fraco, usando as unhas para tentar afastar as mãos de Gavin de sua garganta.

Judith ficou atônita, assim como os guardas. Gavin já devia estar meio morto, mas sua força ainda era o suficiente para fazer dois homens perder o equilíbrio e quase matar seu captor.

Os guardas se recuperaram e puxaram as correntes em torno dos pulsos de Gavin. Foram necessários três poderosos puxões antes de conseguirem libertar Walter. O final de uma corrente estava pesadamente rodeado nas costelas de Gavin. Ele gemeu de dor e caiu sobre um joelho por um momento antes de endireitar as costas.

— Vou matá-lo por isso — disse Gavin, seus olhos fixos em Walter antes que outra corrente fosse colocada em suas costelas.

— Leve-o embora! — Walter ordenou enquanto esfregava sua garganta quase esmagada. Ele estremeceu enquanto ainda olhava para Gavin.

Quando Gavin foi removido, Walter desabou em sua cadeira.

Judith percebeu que ele estava mais vulnerável naquele momento.

— Isso foi agradável. — Ela sorriu e então se virou rapidamente para o Walter trêmulo. — Não, é claro, que não me refiro ao que ele fez com você... Não era isso, mas estou feliz que ele me viu com alguém que sinto... carinho.

Walter olhou para ela, sua coluna se endireitou um pouco.

— Mas é claro que eu deveria estar com raiva de você. — Ela baixou os olhos sedutoramente.

— O que eu fiz?

— Você realmente não deveria ter trazido tal sujeira na presença de uma lady. Ele parecia tão faminto. Acho que o que o excitava era a comida. Como ele poderá se afligir em ver o que eu tenho agora, enquanto tudo o que pensa é nutrição e nas coisas que rastejam em sua pele?

Walter olhou-a pensativo.

— Você está certa. — Ele se virou para alguns homens perto da porta. — Diga aos guardas para limpá-lo e alimentá-lo. — Estava extasiado. Arthur havia dito que Judith choraria quando visse seu marido em tal estado, mas ela tinha sorrido!

Só Joan sabia o que aquele sorriso custou à sua ama.

Judith se afastou de Walter, querendo sair da sala e, especialmente, deixar sua presença. Manteve a cabeça erguida enquanto caminhava através dos servos.

— A mulher merece o que a espera! — Disse alguém perto dela.

— Nenhuma esposa tem o direito de tratar um marido assim.

Todos e cada um deles desprezavam-na. E ela também estava começando a se odiar. Judith subiu lentamente as escadas para o terceiro andar, querendo apenas privacidade. No topo dos degraus, um braço voou sobre sua cintura, e ela foi jogada contra o peito de um homem que parecia ferro. Uma adaga se aproximou de sua garganta, a lamina afiada quase perfurando sua pele delicada. Judith tentou afastar seu braço, mas não teve sucesso.


Capítulo Dezenove

— Diga uma palavra e cortarei a cabeça de uma serpente. — disse a voz profunda, que ela nunca ouvira antes. — Onde está John Bassett?

Judith mal podia falar, mas este era um homem a ser desobedecido.

— Me responda! — Ele disse enquanto seu braço se apertava e a adaga se pressionava mais forte contra sua garganta.

— Com minha mãe, — ela sussurrou.

— Mãe! — Ele zombou em seu ouvido. — Que essa mulher amaldiçoe o dia que ela deu à luz a um ser como você!

Judith não podia vê-lo, e mal podia respirar com seu braço apertando suas costelas e cortando o ar dos pulmões.

— Quem é você? — Ela perguntou ofegante.

— Sim, você pode perguntar. Eu sou seu inimigo, e gostaria de acabar com sua vil existência aqui se não precisasse de você. Onde eles estão guardando John?

— Não consigo respirar.

Ele hesitou, então soltou seu aperto, a adaga afastando-se de sua garganta.

— Me responda!

— Há dois homens fora da porta do quarto que ele compartilha com minha mãe.

— Que andar? Anda, me responda. — Ele ordenou enquanto apertava-a mais uma vez. — Não pense que alguém virá para salvá-la.

De repente, foi demais para Judith e ela começou a rir. Suavemente no início, mas ficando cada vez mais histérica com cada palavra.

— Salvar-me? Minha mãe é mantida prisioneira Meu único guarda também é mantido prisioneiro. Meu marido é mantido no fundo de um esgoto. Um homem que eu detesto pensa que tem o direito de me por as mãos diante de meu marido, enquanto o outro me sussurra ameaças. Agora sou atacada por um estranho no escuro do salão! — Suas mãos em seu antebraço puxaram a adaga para perto de sua garganta. — Faça-o, senhor, quem quer que você seja. Termine o que começou, acabe com minha vida, eu imploro. Para que me serve? Devo ficar de pé e testemunhar o assassinato de todos os meus amigos e parentes abatidos diante de mim? Não desejo viver para ver esse fim.

O braço do homem relaxou sua pressão. Então ele afastou a mão que empunhava a adaga. Embainhou a lâmina, segurou seus ombros e virou-a. Judith não se surpreendeu ao reconhecer o menestrel do grande salão.

— Quero saber mais. — disse ele, com uma voz menos áspera.

— Por quê? — Perguntou enquanto olhava para seus olhos azuis mortíferos. — Você é um espião enviado por Walter ou Arthur? Já lhe disse muito.

— Sim, é verdade. - ele concordou sem rodeios. — Se eu fosse um espião, teria muito que contar ao meu amo.

— Vá. Diga-lhes então!

— Não sou um espião, sou Stephen, o irmão de Gavin.

Judith olhou fixamente, os olhos arregalados. Ela sabia que era verdade. Por isso se sentira atraída por ele. Havia algo nas atitudes de Stephen, e não em sua aparência, que a lembrava de Gavin. Ela não estava ciente de que lágrimas corriam por suas bochechas.

— Gavin disse que você viria. Ele disse que eu tinha feito uma confusão, mas que você iria arrumar tudo de novo.

Stephen piscou para ela.

— Quando o viu que ele disse isso?

— Na segunda noite que cheguei aqui. Fui até ele no poço.

— No...? — Stephen ouviu falar do lugar onde seu irmão era mantido prisioneiro, mas ele não conseguiu se aproximar de Gavin.

— Venha, sente aqui. — Ele disse, levando Judith para um banco na janela. — Temos muito que discutir, conte-me tudo desde o início.

Stephen ouviu atentamente e em silencio enquanto ela contava que tinham assassinando seu pai e reivindicando suas terras, de como Gavin foi para combater Walter.

— E Gavin e sua mãe foram feitos prisioneiros?

— Sim.

— O que você está fazendo aqui se Demari não pediu um resgate? Deveria estar dando ordens aos servos.

— Eu não esperei até que ele pedisse. Eu vim com John Bassett, e fomos recebidos no castelo.

— Sim, imaginei isso. — Stephen disse sarcasticamente. — Agora Walter Demari tem todos: você, Gavin, sua mãe e o segundo em comando do meu irmão.

— Eu não sabia mais o que fazer.

— Você poderia ter procurado qualquer um de nós! — Stephen disse furioso. — Até Raine, com a perna quebrada, teria feito melhor do que você, uma mulher. John Bassett deveria ter sabido...

Judith colocou a mão no braço de Stephen.

— Não o culpe. Eu ameacei vir sozinha se ele não me guiasse.

Stephen olhou para a mão pequena e depois para os olhos.

— E o que eu vi lá baixo? Os servos do castelo dizem que odeia Gavin e faria qualquer coisa para se livrar dele. Talvez você queira que seu casamento termine.

Judith afastou rapidamente a mão dela. Ele estava começando a lembrá-la muito do comportamento de Gavin. Seu temperamento era feroz.

— O que eu sinto por Gavin é entre ele e eu, e não para os outros saberem.

Os olhos de Stephen brilharam em fúria. Ele agarrou seu pulso até que ela apertou os dentes de dor.

— Então é verdade que você se importa com esse Walter Demari?

— Não, eu não o quero!

Ele apertou mais forte.

— Não minta para mim!

A violência dos homens sempre deixava Judith furiosa.

— Você é como Gavin! - Ela retrucou. — Vê apenas o que deseja ver. Não, eu não sou tão desonesta como o seu irmão. É ele quem se arrasta aos pés de uma mulher má. Mas eu não vou me rebaixar assim.

Stephen olhou intrigado e afrouxou sua pressão.

— Que mulher má? Que conversa é esta de desonestidade?

Judith afastou o pulso e esfregou-o.

— Vim salvar meu marido porque ele me foi dado diante de Deus e porque agora carrego seu filho. Tenho a obrigação de tentar ajudá-lo, mas não o faço por amor a ele. — Ela disse apaixonadamente. — Ele dá o seu amor a essa loira! — E se interrompeu para olhar para o pulso.

A gargalhada de Stephen fez com que ela levantasse os olhos.

— Alice. — Ele sorriu. — Não é uma guerra séria pelas propriedades, mas uma briga de amante, um problema de mulheres.

— Mulheres?

— Silêncio, seremos ouvidos.

— É mais do que problema de mulheres, eu lhe asseguro! — Ela sibilou.

Stephen ficou serio.

— Você pode lidar com Alice mais tarde, mas tenho que ter certeza que não irá ao rei e pedirá uma anulação. Não podemos perder as propriedades Revedoune.

Então era por isso que ele se importava se ela queria ou não Walter. Não importava se Gavin a traísse com outra mulher. Que o céu a ajudasse se ela alguma vez pensasse em se apaixonar por outro homem.

— Eu não posso ter o casamento anulado enquanto carrego seu filho.

— Quem mais sabe sobre essa criança? Certamente não Demari?

— Só minha mãe e John Bassett... e minha serva.

— Gavin não?

— Não. Não houve tempo de dizer a ele.

— Bom. Ele vai ter o suficiente em que pensar. Quem conhece melhor este castelo?

— O mordomo está aqui há doze anos.

— Você sempre tem a resposta certa. — Stephen observou suspeito.

— Por mais que você e seu irmão pensem de outra forma, eu tenho um cérebro para pensar e olhos para observar.

Ele a estudou sob a luz fraca.

— Foi corajosa em vir aqui, embora estivesse agindo errado.

— Devo tomar isso como um elogio?

— Como quiser.

Judith estreitou os olhos.

— Sua mãe deve ter ficado contente por seus filhos mais novos não serem como seus dois primeiros.

Stephen olhou para ela, então começou a sorrir.

— Deve levar meu irmão a uma vida bem alegre. Agora pare de me provocar e deixe-me ver uma maneira de solucionar o desastre que você fez.

— Eu! — Ela exclamou, mas se interrompeu. Ele estava certo, é claro.

Stephen ignorou sua explosão.

— Você conseguiu tirar Gavin do poço e que fosse limpo e alimentado, embora seus métodos fossem desagradáveis ao meu estomago.

— Deveria ter corrido e abraçado ele? — Ela perguntou sarcasticamente.

— Não, você fez certo. Não acredito que ele esteja bem o suficiente para viajar ainda, e seria um obstáculo para nós como está. Mas ele é forte. Em dois dias, com cuidado, vai se recuperar o suficiente para iniciar viagem. Tenho que sair do castelo para procurar ajuda.

— Meus homens estão lá fora.

— Sim, eu sei. Mas os meus homens não estão aqui, cheguei quase sozinho quando ouvi que Gavin precisava de mim. Os meus homens me seguem, mas demorará pelo menos mais dois dias para chegarem. Tenho que encontra-los e trazê-los até aqui.

Ela tocou seu braço novamente.

— Estarei sozinha de novo.

Ele sorriu, acariciando com um dedo seu queixo.

— Sim, você vai! Mas vai conseguir... Veja que Gavin seja cuidado e recupere suas forças... Quando eu voltar, vou tirar todos daqui.

Ela assentiu, depois olhou para as mãos. Stephen ergueu-lhe o queixo e olhou-a nos olhos.

— Não fique zangada comigo. Pensei que você queria que Gavin morresse, agora vejo que não é assim.

Ela sorriu hesitante.

— Não estou zangada. Só estou farta deste lugar, daquele homem me tocando, do outro...

Ele colocou o dedo nos lábios dela.

— Mantenha-o longe de você um pouco mais, você pode fazer isso?

— Vou tentar, estava começando a perder a esperança.

Ele se curvou e beijou sua testa.

— Gavin tem sorte, — sussurrou ele. Então se levantou e a deixou.


Capítulo Vinte

— Você já o viu? — Judith perguntou enquanto se levantava de sua cama. Era a manhã depois de ter visto Stephen, e agora perguntava a Joan o que descobrira sobre Gavin.

— Sim. — respondeu Joan. — E mais uma vez está bonito. Temia que a sujeira daquele lugar tivesse tirado sua boa aparência.

— Você pensa demais em aparências.

— E talvez você pense muito pouco! — Joan retrucou.

— Mas Gavin está bem? Ele não ficou doente naquele lugar sujo?

—Tenho certeza de que o alimento que você enviou o manteve vivo.

Judith fez uma pausa. E a sua mente? Como ele reagiu ao fato de que sua esposa jogou vinho em seu rosto?

— Tragam-me a roupa de serva que eu usei. Ela foi lavada?

— Não pode ir até ele. — Joan disse categoricamente. — Se for pega...

— Traga-me o vestido e não me dê mais ordens.

Gavin estava sendo mantido dentro de um quarto aberto na base da torre. Era um lugar triste aonde nenhuma luz chegava. A sua única entrada era uma porta de carvalho e ferro.

Joan parecia estar bem familiarizada com os guardas que estavam de cada lado da porta. A disciplina era frouxa na propriedade de Demari, e Joan usou isto em seu benefício. Ela piscou sugestivamente para um dos homens.

— Abra! — Joan gritou diante da porta. — Trazemos alimentos e remédios enviados pelo Lorde Walter.

Cautelosamente, uma mulher velha e suja abriu a enorme porta.

— Como eu sei que Lorde Walter envia-lhe?

— Porque eu lhe digo. — Joan disse, empurrando-a para entrar. Judith manteve a cabeça abaixada, o capuz de lã áspera cobrindo com cuidado seu cabelo.

— Pode vê-lo. — A mulher disse com raiva. — Ele dorme e não fez mais nada desde que veio para aqui. Está sob meus cuidados e faço um bom trabalho.

— Certamente! — Disse Joan sarcasticamente. — A cama parece imunda!

— Mais limpo do que onde ele estava.

Judith deu uma pequena cotovelada na serva para impedir que ela continuasse a provocar a velha.

— Deixe-nos então e vamos cuidar dele. — disse Joan.

A mulher, com os cabelos grisalhos e gordurosos, a boca cheia de dentes apodrecidos, parecia ser estúpida, mas não era. Ela viu a mulher pequena escondida cutucar a outra. Esteve ciente de que o desagradável temperamento da moça se acalmou instantaneamente.

— Bem, o que você está esperando? — Perguntou Joan.

A velha queria ver o rosto debaixo do capuz.

— Preciso de alguns remédios. — disse ela. — Há outros que estão doentes e precisam de mim, mesmo que este não precise. — Quando tinha um frasco na mão, passou pela mulher que a intrigava. Quando estava perto da vela, deixou cair o frasco. A mulher, assustada, levantou os olhos, dando a velha um breve vislumbre deles. A luz das velas dançava nas lindas esferas douradas. A velha fez o possível para não sorrir abertamente. Ela viu aqueles olhos em apenas uma pessoa.

— Você é desajeitada e estúpida. — Sibilou Joan. — Saia antes que eu ponha esses trapos que usa nas chama.

A mulher deu a Joan um olhar malévolo antes de sair ruidosamente do quarto.

— Joan! — Judith disse logo que estavam sozinhos. — Sou eu quem te jogará nas chamas se tratar alguém assim de novo.

Joan ficou chocada.

— O que importa ela a alguém?

— Ela é uma das filhas de Deus, assim como eu e você. — Judith continuaria, mas sabia que era inútil. Joan era uma esnobe incurável. Ela menosprezava qualquer pessoa que não fosse melhor do que ela. Judith se aproximou do marido, preferindo usar seu tempo cuidando dele, em vez de dar um sermão à sua criada.

— Gavin. — Ela disse calmamente enquanto se sentava na beira da cama. A luz das velas brilhava sobre ele, brincando com as sombras das maçãs do seu rosto e a linha da mandíbula. Ela tocou sua bochecha. Era bom vê-lo limpo de novo.

Ele abriu os olhos, o cinza profundo deles tornou-se ainda mais escuro à luz das velas.

— Judith. — Ele sussurrou.

— Sim, sou eu. — Ela sorriu enquanto empurrava o capuz do manto para trás e revelava seus cabelos. — Agora que está limpo é melhor de olhar.

A expressão de Gavin estava fria e dura.

— Não tenho que lhe agradecer por isso, ou talvez ache que me limpou o vinho que me jogou no rosto.

— Gavin, me acusa erroneamente, se tivesse corrido até você com qualquer saudação, Walter teria acabado com sua vida.

—Isso não lhe serviria bem?

Ela recuou.

— Não vou brigar com você, podemos prosseguir o assunto quando estivermos livres. Eu vi Stephen.

— Aqui? — Gavin disse enquanto começava a sentar-se, as mantas caindo de seu peito nu.

Tinha passado muito tempo desde a noite em que Judith fora abraçada contra aquele peito. A pele bronzeada pelo sol mantinha sua atenção completamente.

— Judith! — Exclamou Gavin. — Stephen está aqui?

— Ele esteve aqui. — Voltou seus olhos para os dele. — Voltou para encontrar seus homens.

— E quanto aos meus homens, o que estão fazendo, vadiam fora das muralhas?

— Não sei, não perguntei.

— Não, você não faria. — Disse ele irritado. — Quando ele volta?

— Esperamos que amanhã.

— Menos de um dia. Por que você está aqui? Tem apenas um dia para esperar, se for encontrada aqui, poderia causar grandes problemas.

Judith apertou os dentes.

— Poderia fazer outra coisa a não ser discutir. Eu vim para este inferno porque você foi feito prisioneiro. Arrisquei muito para ver se estava sendo cuidado, mas você me amaldiçoa a cada oportunidade Diga-me, milorde, o que lhe agradaria?

Ele olhou para ela.

— Tem muita liberdade neste castelo, certo? Parece ir onde quiser sem nenhum impedimento. Como sei que Demari não está esperando lá fora por você? — Gavin agarrou seu pulso. — Você está mentindo pra mim?

Ela foi liberada com uma torção.

— Eu estou espantada com sua vileza. Que razão tem para me chamar de mentirosa? Você é o único que mentiu desde o início. Pode acreditar em tudo o que você quiser. Eu não deveria ter tentado ajudar. Talvez devesse não havê-lo feito e teria agora um pouco de paz, ou ainda mais, deveria ter aceitado Walter Demari quando ele me ofereceu casamento pela primeira vez, o que certamente teria sido preferível a uma vida com você.

— Isso é o que eu pensava. — Gavin observado, cruel.

— Sim, é como você pensou! — Judith respondeu da mesma forma. A raiva por suas insinuações e acusações a tornava tão cega quanto ele.

— Minha dama! — Joan interrompeu a discussão. — Precisamos ir, já passamos muito tempo aqui.

— Sim — concordou Judith. — Eu preciso ir.

— Quem espera para acompanhar minha esposa de volta ao quarto dela?

Judith apenas olhou para ele, muito zangada para falar.

— Lady Judith! - disse Joan com urgência. Judith se afastou de seu marido.

Quando estavam ao lado da porta, Joan sussurrou para a ama.

— Não adianta tentar falar com um homem quando ele está corroído de ciúmes.

— Com ciúmes! — Judith disse. — Para ser ciumento é necessário que o outro nos interesse. Obviamente, ele não se importa comigo. — Ela endireitou o capuz para dissimular seu cabelo.

Joan começou a responder enquanto abriam a porta e deixavam a cela. Ela parou abruptamente, seu corpo rígido. Judith, atrás dela, seguiu seu olhar para ver o que causava a preocupação da serva.

Arthur estava ali, com as mãos nos quadris, a perna aberta, o rosto sisudo. Judith abaixou a cabeça e se virou, esperando que ele não a tivesse visto.

Arthur caminhou em sua direção, seu braço estendido.

— Lady Judith quero falar com você.

Para Judith, os três degraus que levavam para o quarto de Arthur eram os mais longos que já tinha feito. Seus joelhos tremiam de medo e, o que era pior, o mal estar que sentia pela manhã estava aumentando em sua garganta. Sua impetuosidade provavelmente arruinou os planos de Stephen e... e... Ela não podia deixar de pensar no resultado se Stephen não chegasse a eles a tempo.

— Você é uma idiota. — comentou Arthur quando estavam sozinhos em seu quarto.

— Já fui chamada assim antes. — disse Judith, com o coração batendo forte.

— À luz do dia, você foi para ele! Não foi capaz de esperar até a noite.

Judith manteve a cabeça baixa, concentrada em suas mãos.

— Diga-me, que planos tinha? — Arthur parou de repente. — Sou um idiota ao pensar que isso poderia ter funcionado. Sou mais estúpido do que o homem a quem sirvo. Diga-me como planejava se livrar dessa rede de mentiras?

Seu queixo levantou-se.

— Não lhe direi nada.

Arthur estreitou os olhos.

— Ele vai sofrer as consequências e você se esquece de sua mãe? Estava certo em não confiar em você. Sabia muito bem, mas eu também estava meio cego por você. Agora estou tão profundamente envolvido quanto você. Sabe quem Lorde Walter vai culpar quando seus planos forem destruídos? Quando souber que não deverá ter a mão da bela Revedoune? Não será você, milady, mas a mim. Será como uma criança que perdeu o poder.

— Quer que sinta compaixão por você? Foi você que destruiu minha vida de tal modo que minha família e eu estamos à beira da morte.

— Nós entendemos um ao outro, então, a nenhum importa nada do outro. Queria suas terras e Walter seu corpo. — Ele parou e olhou fixamente para ela. — Embora seu corpo tenha me intrigado muito nos últimos dias.

— E como espera se livrar dessa desordem que você criou? — Judith perguntou, mudando de assunto e virando o jogo contra ele.

— Bem, você pode perguntar. Há apenas um caminho aberto para mim. Preciso ter essa anulação ao fim. Você não vai comparecer perante o rei, mas vai assinar um papel dizendo que deseja uma anulação. Será elaborado de modo que não possa recusar o seu pedido.

Judith levantou-se da cadeira, outro ataque mais forte de náusea invadiu-a. Correu para o canto do quarto, para o urinol de cerâmica e aliviou seu estômago de seu magro conteúdo. Quando se recuperou, voltou-se para Arthur.

— Perdoe-me, o peixe da noite passada devia estar estragado.

Arthur serviu uma taça de vinho aguado. Ela o tomou com mãos trêmulas.

— Você carrega seu filho. — Ele declarou afirmativamente.

— Não, eu não! — Judith mentiu.

O rosto de Arthur endureceu.

— Devo chamar uma parteira para examiná-la?

Judith olhou para a taça e sacudiu a cabeça.

— Não pode pedir uma anulação. — Ele continuou. — Eu não tinha pensado em uma criança concebida tão cedo. Parece que nos afundamos mais e mais na pilha de dejetos.

— Vai contar para o Walter?

Arthur bufou.

— Esse idiota pensa que é pura e virginal. Fala de amor e compartilhar sua vida com você. Não sabe que é duas vezes mais inteligente do que ele.

— Você fala demais. — Judith disse, seu estômago mais uma vez se estabelecendo. — O que você quer?

Artur olhou para ela com admiração.

— É uma mulher de inteligência e beleza, eu gostaria de ser seu dono. — Ele sorriu, depois ficou sério. — Walter vai descobrir a respeito de sua traição e da criança. É só uma questão de tempo... Você daria um quarto das terras de Revedoune se eu levá-la para fora daqui?

Judith pensou rapidamente. As propriedades significavam pouco para ela. Artur era mais seguro do que esperar por Stephen? Se ela recusasse Arthur poderia dizer a Walter e todos perderiam suas vidas depois que Walter se cansasse dela.

— Sim, você tem a minha palavra. Somos cinco, e se você nos tirar a todos em segurança, um quarto das terras será seu.

— Eu não posso garantir que todos saiam.

— Todos nós ou não haverá barganha.

— Sim. — disse ele. — Eu sei que você está falando sério. Preciso de tempo para arrumar as coisas e você deve se apresentar para o jantar. Lorde Walter ficará bravo se você não estiver ao seu lado para as brincadeiras.

Judith se recusou a aceitar o braço enquanto saíam do quarto. Ele entendeu que o desprezava. Menos ainda por se voltar contra seu senhor, e isso o fez rir. A ideia de lealdade para com alguém além de si próprio o divertia.

Quando a porta do quarto de Arthur se fechou atrás deles, a câmara parecia estar vazia. Por vários minutos ficou envolta em silêncio. Em seguida, o fraco ruído de deslizamento podia ser ouvido debaixo da cama. A velha saiu de seu esconderijo com grande cautela. Ela sorriu quando olhou novamente para a moeda apertada firmemente em sua mão.

— Prata! — Ela sussurrou. O que o amo daria para saber o que acabara de ouvir? Ouro! Ela não entendera tudo, mas tinha ouvido Sir Arthur chamar Lorde Walter de estúpido. Sabia que ele queria trair seu senhor por alguma terra que a mulher de Montgomery possuía. Havia também algo sobre um bebê que a lady estava esperando. Isso parecia muito importante.


Judith sentava-se em silêncio perto de uma grande janela no salão. Vestia uma saia cinza clara e um vestido de lã flamenga de rosa escura. As mangas eram revestidas com pele de esquilo cinzento. O sol estava se pondo, tornando o salão mais escuro a cada momento. Estava começando a perder parte do medo que a invadira naquela manhã depois de conversar com Arthur. Ela olhou para o sol com gratidão. Só mais um dia, e Stephen voltaria e tudo estaria bem.

Não viu Walter desde o jantar. Convidara-a para ir cavalgar com ele, mas não apareceu para levá-la. Judith presumiu que alguns negócios do castelo o mantinham afastado.

Começou a se preocupar quando o sol se pôs e as mesas foram colocadas para o jantar. Nem Arthur nem Walter apareceram. Enviou Joan para descobrir o que podia, mas isso não foi suficiente.

— A porta do Lorde Walter está selada e guardada. Os homens não responderam as perguntas, embora eu tentasse todas as persuasões.

Algo estava errado! Judith entendeu isso quando ela e Joan se retiraram para seu quarto naquela noite e ouviram que corriam o ferrolho da porta pelo lado de fora. Nenhuma das duas dormiu muito.

Pela manhã, Judith usava um terno de lã marrom escuro. Não usava ornamentos nem joias. Esperou em silêncio. O ferrolho foi solto e um homem, vestido com cota de malha como se fosse a uma batalha, entrou em seu quarto.

— Siga-me. — disse ele.

Quando Joan tentou seguir com sua ama, foi empurrada para trás e a porta fechada com ferrolho por fora. O guarda levou Judith à câmara de Walter.

A primeira visão que teve quando a porta foi aberta foi o que restava de Arthur acorrentado à parede. Ela virou o rosto para longe, seu estômago revirando.

— Não é um belo espetáculo minha dama?

Ela olhou para Walter descansando em uma cadeira almofadada. Seus olhos injetados de sangue e sua atitude mostrou que ele estava muito bêbado. Suas palavras estavam ligeiramente arrastadas.

— Claro que você não é uma verdadeira dama, como eu descobri. — Ele se levantou, parou um momento enquanto tentava se equilibrar, depois foi até uma mesa e serviu mais vinho. — As damas são verdadeiras e boas, mas você, doce beleza, é uma prostituta. — Ele caminhou em sua direção e Judith permaneceu imóvel. Não havia para onde correr. Agarrou seu cabelo, puxando a cabeça para trás.

— Eu sei de tudo agora. — Ele virou a cabeça de Judith para que ela olhasse para a figura sangrando. — Olhe bem para ele. Disse-me muito antes de morrer. Sei que acha que sou estúpido, mas não sou tão estúpido que não consiga controlar uma mulher. — Ele a virou para olhar para ele. — Você fez tudo isso por seu marido, não foi? Veio aqui para encontrá-lo. Diga-me: quanto teria feito para salvá-lo?

— Eu teria feito qualquer coisa. — Ela disse calmamente.

Walter olhou para ela e sorriu, empurrando-a para longe dele.

— Você o ama tanto assim?

— Não é uma questão de amor. Ele é meu marido.

— Eu lhe ofereci mais amor do que ele poderia te oferecer — disse Walter, com lágrimas nos olhos. — Toda a Inglaterra sabe que Gavin Montgomery morre por Alice Chatworth.

Judith não tinha resposta para dar.

Os lábios finos de Walter se transformaram em um grunhido.

— Não vou tentar mais fazê-la raciocinar. Tem tido amplas oportunidades. —Aproximou-se da porta e abriu-a. — Tirem essa coisa e joguem-no aos porcos, e quando tiverem terminado com ele, tragam Lorde Gavin e acorrentem-no da mesma maneira.

— Não! — Judith gritou quando correu para Walter e colocou ambas as mãos em seu antebraço. — Por favor, não o prejudique mais, eu farei o que você quer.

Ele bateu a porta.

— Sim, fará como eu digo. E fará diante desse marido pelo qual você se prostitui.

— Não! — Judith sussurrou.

Walter sorriu ao vê-la empalidecer. Virou-se e abriu a porta novamente e viu como os guardas arrastaram o corpo de Arthur.

— Venha aqui! — Walter ordenou quando eles estavam novamente sozinhos. — Venha e me beije como você faz com esse seu marido.

Ela balançou a cabeça aturdida.

— Vai nos matar de qualquer maneira, por que devo obedecer a você? Talvez nossa tortura tenha um fim mais rápido se eu desobedecê-lo.

— Você é realmente astuta. — Walter sorriu. — Eu quero que seja o oposto, pois para cada coisa que me negar, cortarei um pouco da carne de Lorde Gavin.

Ela olhou para ele com horror.

— Sim, você me entendeu.

Judith mal conseguia pensar. — Stephen não demore mais do que disse — ela implorou silenciosamente. Talvez pudesse prolongar o sofrimento de Gavin até que Stephen e seus homens começassem seu ataque. A porta se abriu de novo. Quatro guardas corpulentos entraram, Gavin acorrentado entre eles. Desta vez, Walter não se arriscava.

Gavin olhou de Walter para sua esposa.

— Ela é minha. — Gavin disse em voz baixa e deu um passo à frente. Um dos guardas bateu com o punho da espada na cabeça de Gavin que caiu para frente, inconsciente.

— Acorrentem-no! — Ordenou Walter.

As lágrimas vieram rapidamente aos olhos de Judith. Lágrimas da bravura de Gavin. Mesmo estando acorrentado, ainda tentou lutar. O corpo de Gavin estava machucado e maltratado, fraco por estar quase morrendo de fome, mas ainda lutava. Poderia ela fazer menos? Sua única chance era ganhar tempo até que Stephen chegasse. Ela faria o que Walter pedisse.

Walter viu a resignação em seus olhos.

— Uma decisão sábia. — Walter riu quando os braços de Gavin foram abertos por anéis de ferro em torno de seus pulsos. Ele dispensou os guardas. Soltou uma gargalhada e jogou um copo de vinho no rosto de Gavin. — Acorde, meu amigo, não deve dormir enquanto tudo que quero acontece. Ocupou meu porão por muito tempo, e sei que de lá não podia desfrutar de sua esposa. Olhe para ela, não é linda? Estava pronto para lutar uma batalha por ela. Agora acho que não será preciso. — Ele estendeu a mão. — Venha aqui, minha dama, venha para o seu senhor.

Gavin deferiu um chute contra Walter que mal teve tempo de recuar.

Um pequeno chicote pendia sobre uma mesa. O couro ainda estava manchado com o sangue do corpo de Arthur. Walter deu uma chicotada, cortando Gavin no rosto. Um longo corte apareceu imediatamente, mas Gavin não pareceu notar. Ele ergueu o pé novamente, mas Walter estava longe do alcance.

Enquanto Walter levantava o chicote uma segunda vez, Judith correu ficando na frente de seu marido, jogando os braços para protegê-lo.

— Afaste-se! — Gavin rosnou para ela. — Lutarei minhas próprias batalhas.

Judith só podia responder ao absurdo de suas palavras. Seus dois braços estavam acorrentados a uma parede que já estava coberta com o sangue de outro homem, mas ele pensava que poderia lutar contra um louco. Ela afastou-se.

— O que você quer? — Judith perguntou a Walter numa voz fraca. Ela podia sentir os olhos de Gavin furiosos em suas costas.

— Venha aqui. — Ele disse lentamente, com cuidado para não chegar ao alcance dos pés de Gavin.

Judith hesitou, mas sabia que devia obedecer. Ela pegou a mão dele, embora sua carne úmida fizesse sua pele arrepiar-se.

— Que mão tão linda. — disse Walter, enquanto a segurava diante dos olhos de Gavin. — Vamos, não tem nada a dizer?

Gavin virou os olhos para Judith, e um calafrio percorreu sua espinha.

— Minha querida, creio que desejamos ver mais do seu corpo requintado. — Walter voltou-se para Gavin. — Tenho visto e apreciado com frequência. Ela foi feita para um homem, ou devo dizer muitos homens? — Walter olhou para Judith, com os olhos bem duros. — Eu ordenei-lhe que deveria nos deixar ver o que está por baixo dessas roupas. Interessa-se tão pouco por seu marido que lhe negaria um último olhar?

Com as mãos trêmulas, Judith trabalhava nos laços do vestido da lã marrom. Queria levar o máximo de tempo possível.

— Ah, você é muito lenta! — Walter soltou uma gargalhada quando jogou a taça de lado e puxou a espada. Cortou a túnica e o corpete do vestido e enfiou os dedos no decote da camisola. Suas unhas rasgaram a pele macia de seu pescoço. Sua roupa interior foi arrancada dela de uma maneira semelhante.

Ela se curvou como para se cobrir, mas a ponta da espada de Walter sobre seu ventre a fez ficar em linha reta.

Seus ombros cremosos deram lugar a seus seios fartos que, apesar da angustia, se erguiam orgulhosos. Sua cintura ainda era pequena, ainda não distendida pela criança. Suas pernas eram longas e magras.

Walter olhou-a admirado. Ela era mais do que ele imaginava que fosse.

— Linda o suficiente para matar. — sussurrou Walter.

— Como vou matá-lo por isso! — Gavin gritou. Esforçou-se violentamente para libertar-se das correntes.

— Você! — Walter riu. — O que pode fazer? — Ele agarrou Judith, seu braço em torno de sua cintura. A virou para que ela encarasse o marido, acariciando seu seio. — Acha que arrancará as correntes da parede? Olhe bem para ela, pois será a última coisa que você verá.

Sua mão deslizou para a barriga de Judith.

— E olhe para aqui. Agora está plano, mas logo crescerá com meu filho.

— Não! — Judith gritou.

Ele apertou sua cintura até que ela não podia respirar.

— Eu plantei minha semente e ela cresce. Pense nisso enquanto você apodrece no inferno!

— Eu não pensaria em nenhuma mulher que você tenha tocado. — Gavin disse, sem tirar os olhos de sua esposa. — Preferia copular com um animal.

Walter afastou Judith.

— Você vai se arrepender dessas palavras.

— Não, não! — Judith disse enquanto Walter avançava para Gavin com espada empunhada.

Walter estava muito bêbado e a lâmina passou o distante das costelas de Gavin, especialmente quando ele a esquivou.

— Você vai ficar quieto! — Walter gritou e apontou novamente, desta vez para a cabeça do seu prisioneiro. A arma, tão imprecisa na manipulação, não atingiu o alvo visado e sim pegou de lado. A larga lâmina atingiu a orelha de Gavin e sua cabeça caiu para frente.

— Adormeceu? — Walter gritou quando jogou a espada para o lado e foi para a garganta de Gavin com suas mãos nuas.

Judith não perdeu tempo. Correu para a espada. Antes que pudesse pensar no que estava fazendo, segurou o punho com as duas mãos e enterrou com toda a força entre as omoplatas de Walter. Ele ficou equilibrado e suspenso por um momento. Então, muito devagar, virou-se e olhou para Judith antes de cair. Ela engoliu em seco enquanto começava a perceber que tinha matado um homem.

Sem aviso prévio, um enorme estrondo balançou a torre até seus próprios alicerces. Não tinha tempo a perder. A chave dos anéis de ferro dos pulsos de Gavin estava pendurada na parede. Assim que destrancou os anéis, Gavin se mexeu.

Gavin recuperou o equilíbrio antes de começar a cair. Abriu os olhos para ver sua esposa de pé perto dele, seu corpo nu salpicado de sangue. Walter estava ao seus pés com uma espada sobressaindo-se de suas costas.

— Cubra-se! — Ele ordenou furioso.

Judith esqueceu que estava despida durante o tumulto. Suas vestes jaziam amontoadas, cortadas, inúteis. Gavin abriu um baú ao pé da cama. Estava cheio de roupas de Walter. Ela hesitou. Não queria tocar em nada daquele homem.

— Tome isso! — Gavin disse, jogando uma túnica de lã. — É apropriado que use seu traje. — Ele foi até a janela, não lhe dando tempo para responder.

Na verdade, ela não podia. A enormidade de ter matado um homem pesava sobre ela.

— Stephen está aqui. — anunciou Gavin. — Ele fez um túnel debaixo da parede e as pedras desmoronaram. — Foi até Walter, pôs o pé sobre as costas do morto e retirou a espada. — Você cortou sua coluna. — observou Gavin calmamente. — Tomarei nota para não lhe virar as costas. Você é hábil.

— Gavin! — Uma voz familiar chamou de fora da porta.

— Raine! — Judith sussurrou as lágrimas começando a se formar em seus olhos. Gavin abriu o ferrolho.

— Você está bem? — Raine perguntou enquanto abraçava os ombros de seu irmão.

— Sim, tanto quanto se pode esperar. Onde está Stephen?

— Abaixo, com os outros. O castelo foi facilmente tomado assim que a muralha caiu. A serva e sua sogra esperam com John Bassett, mas não conseguimos encontrar Judith.

— Ela está aqui. — disse Gavin friamente. — Cuide-a enquanto encontro Stephen. — Ele passou por Raine e saiu do quarto.

Raine entrou. No primeiro momento não viu Judith, que estava sentada em um baú ao pé da cama vestida com a túnica de um homem. Suas pernas nuas apareciam abaixo da bainha. Ela olhou-o com os olhos cheios de lágrimas, como uma criança abandonada, preenchendo seu coração de compaixão, Raine atravessou a sala em direção a ela, sua perna ainda fortemente enfaixada.

— Judith. — Ele sussurrou e estendeu os braços para ela.

Judith não hesitou em procurar conforto de sua força. Soluços saiam dela.

— Eu o matei. — chorou.

— Quem?

— Walter.

Raine estreitou-a mais apertada, os pés longe do chão.

— Ele não merecia morrer?

Judith enterrou o rosto em seu ombro.

— Eu não tinha direito, Deus...

— Silêncio! — Raine ordenou. — Fez o que devia ser feito. Diga-me de quem é o sangue que mancha a parede?

— O de Arthur, ele era o vassalo de Walter.

— Venha, não chore tanto. Tudo ficará bem. Vamos lá embaixo, e sua criada a ajudará a se vestir. — Ele não queria saber por que suas roupas estavam caídas no chão.

— Minha mãe está bem?

— Sim, mais do que bem. Ela olha para John Bassett como se ele fosse o Messias.

Ela se afastou dele.

— Você blasfema!

— Não eu, mas sua mãe. O que vai dizer quando ela acender velas a seus pés?

Ela ia repreender Raine. Então sorriu, as lágrimas secando em suas bochechas. Ela o abraçou com força.

— É tão bom vê-lo novamente.

— Como sempre, você dá mais ao meu irmão do que a mim. — Veio uma voz solene da porta.

Ela olhou para porta e viu Miles, seus olhos cravados em suas pernas nuas. Ela tinha passado por muitas coisas para corar. Raine deixou-a no chão e ela correu para abraçar Miles.

— Tem sido dias ruins? — Ele perguntou enquanto a abraçava.

— Mais do que ruins.

— Bem, tenho novidades para te alegrar. — relatou Raine. — O rei convoca-a ao Tribunal da Corte. Parece que ele ouviu tantos comentários sobre você e do seu casamento que deseja ver nossa irmãzinha de olhos dourados.

— Ao tribunal? — Perguntou Judith.

— Deixe-a no chão! — Raine ordenou a Miles, fingindo irritação. — É muito tempo para ser um abraço de afeto fraternal.

— É apenas uma nova moda que se usa. Espero que isso se imponha. — Miles disse enquanto a colocava no chão.

Judith olhou para eles e sorriu. Então suas lágrimas começaram de novo.

— É bom ver vocês dois, eu vou me vestir. — Ela disse enquanto se virava.

Raine tirou o manto de seus ombros e envolveu-o nela.

— Vamos. Iremos esperar lá embaixo. Partiremos hoje, não quero voltar a ver este lugar.

— Eu também não. — Sussurrou Judith, sem olhar para trás, mas com uma imagem vívida do quarto em sua mente.


Capítulo Vinte e Um

— Você sabe da criança? — Stephen perguntou a Gavin enquanto caminhavam lado a lado no castelo de Demari.

— Foi-me dito. — disse ele friamente. — Aqui, vamos sentar na sombra. Eu ainda não estou acostumado com a luz do sol.

— Eles te mantiveram em um poço?

— Sim, por quase uma semana.

— Você não parece muito enfraquecido. Alimentaram-no?

— Não, Jud... minha esposa mandava comida pela serva.

Stephen olhou para o que restava da velha torre.

— Ela arriscou muito para vir aqui.

— Ela não arriscou nada. Queria Demari tanto quanto ele a queria.

— Isso não pareceu ser verdade quando falei com Judith.

— Então você está errado! — Disse Gavin em voz alta.

Stephen encolheu os ombros.

— Ela é assunto seu. Raine disse que você foi convocado a corte. Podemos viajar juntos, também vou comparecer perante o rei.

Gavin estava cansado e não queria nada além de dormir.

— O que o rei quer conosco?

— Ele quer ver sua esposa e quer me apresentar uma.

— Você vai se casar?

— Sim, uma rica herdeira escocesa que odeia todos os ingleses.

— Eu sei o que é ser odiado por sua esposa.

Stephen sorriu.

— Mas a diferença é que você se importa, eu não. Se ela não se comportar adequadamente, a trancarei e nunca mais a verei. Direi que ela é estéril e adotarei um filho que herdará suas terras. Por que não faz o mesmo com sua esposa se ela te desagrada?

— Nunca mais vê-la? — Gavin disse e surpreendeu-se quando seu irmão punha-se a rir.

— Ela aquece o seu sangue? Não precisa me dizer, eu a vi. Você sabia que ameacei sua vida depois que a vi jogar o vinho em seu rosto? Ela agarrou minha adaga e me implorou para terminar com a vida dela.

— Você foi enganado. — Disse Gavin com desgosto. — Como Raine e Miles. Sentam-se a seus pés e olham para ela encantados.

— Falando de olhos embevecidos, o que pretende fazer com John Bassett?

— Deveria casá-lo com lady Helen. Se Lady Helen for como sua filha, a vida dele será um inferno. É uma boa punição para sua estupidez.

Stephen ria as gargalhadas.

— Você está mudando irmão. Judith te deixou obcecado.

— Sim, como uma adaga em minhas costas. Venha, vamos apressar nossa gente a deixar este lugar.

Fora da propriedade de Demari estava o acampamento que Gavin tinha deixado. John Bassett não sabia sobre o túnel que Gavin mandara escavar sob as muralhas, pois nunca contava a nenhum de seus homens todos os seus planos. Quando Gavin foi levado cativo e John retornou à propriedade de Montgomery, os homens que Gavin escolhera continuaram com suas escavações. Tinha demorado dias, sem que ninguém tivesse mais do que algumas horas de sono. Enquanto os homens cavavam, faziam a sustentação da terra sobre suas cabeças com vigas. Quando chegaram ao outro lado, construíram uma fogueira dentro do túnel. Uma vez que as vigas se queimam, uma parte da muralha desmoronou com um estrondo ensurdecedor.

Na confusão que se seguiu à captura do castelo e enquanto o grupo levantava acampamento, Judith conseguiu escapar sozinha por um tempo. Havia um rio na floresta, atrás das barracas. Caminhou pelos bosques e encontrou um lugar isolado onde ela estava escondida, mas capaz de apreciar o som e a visão da água.

Ela não percebeu o quão tensa tinha estado durante a última semana. As incessantes mentiras que contara enquanto Walter a mantinha cativa e a dissimulação a deixaram esgotada. Era bom se sentir tranquila e livre novamente. Nesses breves momentos, não pensaria em seu marido ou em qualquer outro de seus muitos problemas.

— Também procura conforto? — Veio uma voz calma.

Ela não ouvira ninguém se aproximar. Olhou para cima para ver Raine sorrindo para ela.

— Eu irei, se quiser ficar sozinha. Não é minha intenção te incomodar.

— Não me incomoda. Venha sentar-se comigo. Eu só queria ficar longe do barulho e das pessoas por um tempo.

Raine se sentou ao lado dela, suas longas pernas esticadas diante dele, suas costas contra uma pedra.

— Esperava que as coisas tivessem melhorado entre meu irmão e você, mas parece que não é assim. — Ele disse sem preâmbulo. — Por que você matou Demari?

— Porque não havia outro jeito. — disse Judith, inclinando a cabeça. Ela olhou para ele, seus olhos cheios de lágrimas. — É terrível ter tirado a vida de alguém.

Raine encolheu os ombros.

— É necessário às vezes. E Gavin, não lhe explicou isso, não lhe ofereceu conforto pelo que fez?

— Quase não tem falado comigo. — ela respondeu francamente. — Mas vamos falar sobre outras coisas. Sua perna está melhor?

Raine começou a falar, então ambos olharam para o rio quando ouviram uma risada de mulher. Helen e John Bassett caminhavam ao longo da beira da água. Judith ia chamar sua mãe, mas Raine a deteve. Pensava que os amantes não deviam ser incomodados.

— John... — Helen disse, olhando para ele com amor. — Acho que não posso suportar.

John afastou ternamente uma mecha de cabelo de sua bochecha. Ela parecia uma jovem radiante.

— Não será fácil ter você tirada de mim. Vê-la casada com outro.

— Por favor, — ela sussurrou. — eu não posso suportar a ideia. Não existe outra solução?

John colocou as pontas dos dedos nos lábios dela.

— Não, não diga de novo. Não podemos nos casar. Nós só temos essas poucas horas.

Helen apoiou os braços sobre o peito dele, segurando-o o mais forte que podia. John a abraçou até que quase a esmagou.

— Eu deixaria tudo por você. — Ela sussurrou.

— E eu daria qualquer coisa se pudesse ter você. — Ele encostou seu rosto contra o topo de sua cabeça. — Vamos, vamos! Alguém pode nos ver aqui.

Ela assentiu com a cabeça e os dois se afastaram, lentamente, seus braços envolvendo-os pela cintura.

— Eu não sabia. — disse Judith finalmente.

Raine sorriu para ela.

— Acontece às vezes. Eles vão superar a dor. Gavin vai encontrar um novo marido para sua mãe, e ele vai preencher sua cama.

Judith virou-se para ele, seus olhos uma chama de ouro.

— Um novo marido? — Ela sibilou. — Alguém que preencha sua cama! Os homens não pensam em alguma outra coisa?

Raine a olhava fascinado. Ela nunca tinha mostrado sua ira para ele. Não era apenas sua beleza que o fascinava, mas seu caráter. Ele novamente sentiu os movimentos de amor por ela. E sorriu.

— No caso das mulheres, não há muito mais em que pensar. — brincou ele, meio sério.

Judith ia replicar até que viu o riso nos olhos de Raine, as covinhas em suas bochechas.

— Não há solução para eles?

— Os pais de John não eram nobres de nascimento, e sua mãe era casada com um conde. — Ele colocou a mão em seu antebraço.

— Gavin encontrará um homem bom para ela. Um que irá gerenciar bem sua propriedade e que será gentil com ela.

Judith não lhe respondeu.

— Eu devo ir. — Raine disse abruptamente e desajeitadamente se levantou. — Droga de fratura! — Ele disse com veemência. — Tive um ferimento de machado na minha perna que não me causou tanta dor como esta ruptura.

Ela olhou para ele.

— Pelo menos curará bem. — disse ela, com os olhos brilhando.

Raine estremeceu ante a lembrança da dor quando Judith reajustou sua perna.

— Me lembrarei de não recorrer a você se alguma outra vez precisar de um medico. Não sou homem o suficiente para suportar sua cura. Você vai voltar agora para as tendas?

— Não. Ficarei sentada aqui sozinha por algum tempo.

Ele olhou ao redor do lugar. Parecia seguro o suficiente, mas não podia ter certeza.

— Não fique além do pôr-do-sol. Se não a vir antes de escurecer, virei buscá-la.

Ela assentiu e olhou para a água enquanto ele se afastava. A preocupação de Raine sempre a fazia sentir-se viva e protegida. Lembrou-se de como estava feliz quando ele estava no castelo. Seus braços ao redor dela faziam-na sentir-se segura. Então por que não olhava para ele com paixão? Era estranho que sentisse apenas a afeição mais fraternal por um homem que a tratava tão gentilmente, enquanto seu marido...

Não pensaria em Gavin enquanto estivesse naquele lugar calmo. Qualquer lembrança dele deixava-a irritada. Ele acreditou nas palavras de Walter de que ela estava carregando o filho daquele homem. Suas mãos foram para seu ventre protetoramente. Seu filho! O que quer que aconteça, o bebê sempre será meu.

 

— O que planeja para ela? — Raine perguntou enquanto se acomodava com exagero numa cadeira na tenda de Gavin. Stephen se sentou a um lado, correndo uma adaga ao longo de uma pedra de amolar.

Gavin estava do outro lado, comendo, como fazia desde que saiu do castelo.

— Suponho que se refira a minha esposa. — disse Gavin enquanto empunhava um pedaço de carne de porco assado. — Parece preocupado com ela. — acusou.

— E você parece ignorá-la! — Raine contra-atacou. — Ela matou um homem por você. Isso não é fácil para uma mulher e mesmo assim não fala com ela.

— Que consolo poderia lhe dar depois que meus irmãos lhe deram tanto?

— Ela não encontra o suficiente em outro lugar.

— Quer que meu escudeiro pegue as espadas? — Perguntou Stephen sarcasticamente. — Ou talvez prefiram armadura completa?

Raine relaxou imediatamente.

— Você está certo, Stephen. Só queria que esse meu outro irmão fosse tão sensato quanto você.

Gavin olhou para Raine e voltou-se para a comida.

Stephen observou Gavin comendo por um momento.

— Raine, você está tentando se interpor entre Gavin e sua esposa?

Raine encolheu os ombros e ajustou a perna.

— Ele não a trata bem.

Stephen sorriu em compreensão. Raine sempre foi um defensor dos oprimidos. Iria defender qualquer causa que sentia ser necessário. O silêncio entre os irmãos ficou pesado até que Raine se levantou e saiu da tenda.

Gavin o seguiu com os olhos. Então, saciado finalmente, empurrou o prato. Levantou-se e caminhou em direção a sua cama.

— Ela carrega o filho desse homem. — Gavin disse depois de um tempo.

— De Demari? — Stephen perguntou. Em seguida, deu um assobio baixo ao assentimento de Gavin. — O que você vai fazer com ela?

Gavin afundou em uma cadeira.

— Eu não sei. — Ele disse calmamente. — Raine disse que não a confortei, mas como poderia? Ela matou o amante dela.

— Ela foi estuprada?

Gavin baixou a cabeça.

— Não acredito. Não, isso não é possível. Ela podia ir e vir através do castelo à vontade. Veio até mim no poço e novamente quando fui trazido de lá e levado para uma cela de torre. Se fosse a força, não teria tido tal liberdade.

— Isso é verdade, mas a visita dela não significa que desejava ajudá-lo?

Os olhos de Gavin faiscaram.

— Não sei o que ela deseja. Parecia estar do lado de quem a tivesse. Quando veio até mim, disse que tinha feito tudo por mim. No entanto, quando estava com Demari era inteiramente dele. É uma mulher astuta.

Stephen correu o polegar ao longo da borda da adaga, testando-o.

— Raine parece pensar muito bem dela, e Miles também.

Gavin bufou.

— Miles é muito jovem para saber que as mulheres têm algo além de um corpo e Raine tem defendido a causa de Judith por muito tempo.

— Você pode declarar que a criança é de outro e repudia-la.

— Não! — Gavin disse quase com violência, depois desviou o olhar. Stephen riu.

— Você ainda arde por ela? É linda, mas há outras mulheres bonitas. E quanto a Alice? A quem você declarou amar?

Stephen era a única pessoa que Gavin havia confidenciado sobre Alice.

— Ela se casou há pouco com Edmund Chatworth.

— Edmund, aquele bocado de lixo? Não ofereceu casamento a ela? — O silêncio de Gavin foi sua resposta. Stephen embainhou a adaga do seu lado. — Mulheres. Não vale a pena se preocupar tanto com elas. Traga para a cama sua esposa e nunca mais pense sobre isso. — Ele finalizou o assunto e levantou-se. — Eu acho que vou dormir, foi um dia longo. Vejo-te amanhã.

Gavin sentou-se sozinho em sua tenda, a escuridão se intensificando rapidamente. — Deixá-la de lado. Repudiá-la — ele pensou. Podia fazer isso já que ela carregava o filho de outro homem. Mas não podia imaginar ficar sem vê-la.

— Gavin, — Raine interrompeu seus pensamentos. — Judith voltou? Eu disse a ela que não deveria ficar fora depois do pôr do sol.

Gavin levantou-se, com a mandíbula apertada.

— Você pensa demais em minha esposa, onde ela estava? Vou encontrá-la.

Raine sorriu para seu irmão.

— Ao longo do riacho, por ali — apontou.

Judith estava ajoelhada ao lado do córrego, movendo a mão sobre a água límpida e fresca.

— É tarde. Já deveria ter voltado ao acampamento.

Ela olhou para cima, assustada. Gavin estava diante dela em toda a sua estatura, seus olhos cinza pareciam mais escuro no inicio do crepúsculo. Sua expressão era fechada.

— Eu não conheço esses bosques. — Ele continuou. — Pode haver perigo.

Ela se levantou, os ombros eretos.

— Isso seria conveniente, não é? Uma esposa morta é certamente melhor do que uma esposa desonrada. — Ela levantou as saias e passou por ele.

Ele agarrou seu antebraço

— Precisamos conversar seriamente e sem ficar com raiva.

— Houve alguma outra coisa entre nós, exceto a raiva? ? Diga o que quer. Estou cansada. — A expressão se suavizou.

— O fardo da criança te cansa?

Judith levou suas mãos até seu ventre. Então ela se endireitou, levantando o queixo.

— Este bebê nunca será um fardo para mim.

Gavin olhou para o outro lado do rio, como se estivesse lutando com algum grande problema.

— Por tudo o que aconteceu, acredito que quando se entregou nas mãos de Demari, o fez com boas intenções. Sei que não tem amor por mim, mas ele também tinha prisioneira a sua mãe. Somente por ela teria se arriscado como que fez.

Judith assentiu, franzindo ligeiramente o cenho.

— Não sei o que aconteceu depois que veio para o castelo. Talvez Demari tenha sido gentil e você precisava de bondade. Talvez, ainda durante as bodas... ele ofereceu-lhe amabilidade.

Judith não podia falar enquanto sua bílis se elevava.

— Quanto à criança, você pode mantê-la e não vou te repudiar, como talvez devesse fazê-lo. Porque, de fato, se a verdade for conhecida, talvez uma parte da culpa seja minha. Eu vou cuidar da criança como se ela fosse minha E lhe será dada algumas de suas terras para herdar. — Gavin fez uma pausa e olhou para ela. — Você não diz nada? Eu tentei ser honesto e justo. Acho que você não poderia pedir mais

Judith levou um momento para se recuperar. Seus dentes estavam apertados quando falou.

— Honesto! Justo! Você não sabe o significado dessas palavras, basta olhar para o que está dizendo. Está disposto a admitir que eu vim ao castelo por fins honrosos, mas depois disso, me insulta horrivelmente.

— Insultar você? — Gavin perguntou perplexo.

— Sim, insulta-me. Acredita que sou tão vil, que me entregaria livremente a um homem que ameaçava minha mãe e meu marido? Porque diante de Deus é quem você é. Diz que eu precisava de bondade! Sim, eu preciso, porque nunca recebi de você. Mas não sou leviana ao ponto de quebrar meus votos diante de Deus por um pouco de atenção. Uma vez quebrei meu juramento, mas não vou fazê-lo novamente. — Ela desviou o olhar, seu rosto quente com a recordação.

— Não sei o que quer dizer — Gavin começou, perdendo de vez a calma. — Você fala por enigmas.

— Você insinua que sou uma adúltera. Isso é um enigma?

— Leva no ventre o filho de outro homem. De que outro modo posso chamar-te? Ofereci-me para cuidar da criança. Deveria agradecer que não te repudie

Judith olhou para ele fixamente. Gavin não perguntou se a criança era dele. Ele supôs que as palavras de Walter eram as verdadeiras. No casamento, a mãe de Judith havia dito que um homem acreditaria no servo mais baixo antes de acreditar em uma mulher. Era verdade. E se Judith negasse ter dormido com Walter? Ele acreditaria nela? Não haveria maneira de provar suas palavras.

— Você não tem mais nada a dizer? — Gavin exigiu, com os lábios cerrados.

Judith lhe deu um olhar fulminante, mudo.

— Então concorda com meus termos?

Bem, ela iria jogar o jogo à sua maneira.

— Você diz que dá a meu filho minhas terras. Você sacrifica pouco.

— Te manterei a meu lado. Poderia te repudiar por direito.

Ela riu.

— Claro que você poderia. Os homens têm esse direito. Vai me manter enquanto me deseja. Não sou tola. Deveria receber algo mais do que apenas um legado para meu filho.

— Você pede pagamento?

— Sim, por ter vindo por você no castelo. — As palavras doíam. Estava chorando por dentro, mas se recusou a mostrar.

— O que você quer?

Que minha mãe seja dada em matrimônio ao John Bassett.

Gavin arregalou os olhos.

— Agora você é o parente mais próximo. — observou Judith. — Só você tem esse direito.

— John Bassett é...

— Não me diga, sei muito bem. Mas não vê como ela o ama?

— O que tem o amor a ver com isso? Há propriedades a serem consideradas, propriedades a serem unidas.

Judith apoiou as mãos em seus braços, os olhos implorando.

— Não sabe o que é viver sem amor. Entregaste o seu, e não tenho nenhuma chance de obtê-lo. Minha mãe nunca amou um homem como ama John. Está em seu poder dar-lhe o que ela mais quer. Peço-vos, não permita que teu ódio por mim te impeça de deixar que ela tenha alguma felicidade.

Ele a observou. Era tão linda, mas também viu uma jovem solitária. Tinha sido tão duro com ela que precisara de Walter Demari, mesmo que por alguns instantes? Ela dissera que deu o seu amor à outra, mas naquele momento não conseguia se lembrar do rosto de Alice.

Ele puxou Judith para seus braços. Lembrou-se de como estava assustada quando foi atacada pelo javali. Apesar desta falta de coragem, ela enfrentou um inimigo como se fosse capaz de matar dragões.

— Não odeio você. — Ele sussurrou, abraçando-a, seu rosto enterrado em seu cabelo. Raine uma vez perguntou o que estava errado com ela, e agora Gavin se fazia a mesma pergunta. Se ela carregava o filho de outro homem, não era culpa dele por deixá-la desprotegida? Em todo o casamento, Gavin lembrava-se de ser amável com ela apenas uma vez. O dia que passaram juntos na floresta. Agora sua consciência machucava-o. Tinha planejado aquele dia apenas para conquistá-la e trazê-la de volta para sua cama. Pensava apenas em si mesmo e não nela. Ele se curvou e colocou a mão sob seus joelhos, erguendo-a nos braços. Sentou-se na grama de cheiro doce, de costas contra uma árvore e segurou-a enrolada em seus braços.

— Diga-me o que aconteceu no castelo. — disse ele gentilmente.

Ela não confiava nele. Sempre, quando confiava nele, jogava suas palavras de volta em seu rosto. Mas seu contato físico a reconfortava. — Esse sentimento é tudo o que compartilhamos — pensou Judith. — Só a luxúria que existe entre nós. Não há amor ou compreensão ou o mais importante, confiança.

Judith deu de ombros, recusando-se a revelar qualquer coisa a ele. Seus lábios estavam tão perto de seu pescoço.

— Já passou, é melhor esquecer.

Gavin franziu o cenho, querendo pressioná-la a falar com ele, mas sua proximidade era mais do que podia suportar.

— Judith. — Ele sussurrou quando sua boca caiu sobre a dela.

Seus braços rodearam seu pescoço e puxou-o para mais perto, sua mente se apagou ao toque dele. Foram esquecidas quaisquer idéia de compreensão e confiança.

— Eu senti sua falta. — Gavin sussurrou contra seu pescoço. — Sabe que quando a vi pela primeira vez no fosso de Demari, pensei que estava morto?

Ela inclinou a cabeça, dando a Gavin o arco de sua garganta esbelta.

— Foi como um anjo trazendo luz, ar e sua beleza naquele lugar. Tinha medo de tocá-la por receio de que não era real, ou que era real, e seria destruída se ousasse tocar em você. — Ele se atrapalhou com os cordões atados do lado do vestido.

— Sou muito real. — Judith sorriu.

Ele ficou tão encantado com seu olhar que a atraiu para si e beijou-a profundamente.

— Seus sorrisos são mais raros e mais preciosos do que os diamantes. Eu vi tão poucos deles. — Seu rosto escureceu de repente perdido em lembranças. — Poderia ter matado vocês dois quando vi que Demari te tocava.

Ela olhava para Gavin horrorizada, depois tentou afastar-se.

— Não! — Ele disse e a abraçou. — Daria a ele mais do que dá a mim, seu marido?

Judith estava em uma posição embaraçosa, mas conseguiu retirar a mão e lhe dar uma bofetada no rosto.

Seus olhos brilhavam quando pegou sua mão na dele, esmagando seus pequenos dedos juntos. De repente, elevou a mão dela para a boca e beijou-a.

— Você está certa, sou um tolo. Está feito, está atrás de nós. Vamos olhar para o futuro e para esta noite somente. — Sua boca capturou a dela e Judith lutou contra qualquer raiva. Na verdade, não pensava em nada, enquanto suas mãos vagavam sob suas roupas.

Estavam famintos um do outro, mais do que famintos. A fome que Gavin havia experimentado no fosso não era nada comparada com o que sentia por ter ficado sem a esposa.

O vestido de lã azul índigo foi rasgado, assim como as anáguas de linho. O tecido despedaçado aumentou a paixão, e as mãos de Judith lutaram com as roupas de Gavin. Mas as mãos dele eram mais rápidas que as dela. Instantaneamente, suas roupas estavam em um monte em cima das dela.

Freneticamente, Judith puxou-o para ela e Gavin igualou e superou-a com o seu ardor. Em poucos instantes consumavam o ato de amor em uma violenta explosão de satisfação que os levou as estrelas e os deixou exaustos.


Capítulo Vinte e Dois

— Ele acha que é melhor que nós — disse Blanche com desdém. Ela e Gladys estavam na adega de Chatworth, enchendo jarras com vinho para a refeição das onze horas.

— Sim. — disse Gladys com menos veneno. Ela sentia muita falta de Jocelin, mas não estava zangada com isso, como Blanche.

— Que negócio você acha que o afasta de nós? — Blanche perguntou.

— Ele passa pouco tempo com ela. — Ela empurrou a cabeça para cima para indicar o quarto de Alice Chatworth. — E raramente está no salão. — Gladys suspirou.

— Ele parece passar a maior parte de seu tempo sozinho no celeiro.

Blanche de repente parou sua tarefa.

— Ele está sozinho mesmo? Não tínhamos pensado nisso. E se tiver uma mulher lá em cima? — Gladys riu.

— Por que Jocelin vai querer apenas uma mulher quando pode ter muitas? Qual das mulheres falta no castelo? E que mulher está ausente? A menos que seja uma das servas, não conheço ninguém que possa ter estado ausente por tanto tempo.

— Então, o que mais poderia segurar um homem como Jocelin? Aqui, você! — Blanche chamou uma das moças de serviço. — Termine de encher estas canecas.

— Mas eu... — a menina ia protestar, mas Blanche deu um beliscão no seu braço, e a serva cedeu.

— Está bem! — Disse ela, chorosa.

— Venha, Gladys! — chamou Blanche. — Enquanto Jocelin está ocupado em outro lugar, vamos pôr fim a este mistério.

As duas mulheres deixaram o castelo e caminharam a curta distância até os estábulos.

— Veja, ele remove a escada toda vez que sai. — Observou Blanche. Caminharam silenciosamente para os estábulos. Gladys logo atrás dela. Blanche colocou um dedo em seus lábios e apontou para a mulher gorda no estábulo.

— O velho dragão, vigia. — sussurrou ela.

As moças pegaram a escada, tomando cuidado para não fazer barulho. Colocaram-na contra a parede externa, a extremidade apoiada contra a abertura do quarto de Jocelin. Blanche levantou as saias e subiu. Quando estavam dentro, a visão da pequena sala bloqueada pelas pilhas de feno, uma voz de mulher chegou até elas.

— Jocelin, é você?

Blanche sorriu em triunfo malicioso para Gladys e abriu o caminho para a área aberta.

— Constance!

O lindo rosto da mulher ainda estava maltratado, mas estava começando a se curar. Constance recuou, de costas contra uma pilha de feno.

— Então, você é a razão pela qual Jocelin nos negligencia. Pensei que tivesse saído do castelo. — disse Gladys.

Constance só podia balançar a cabeça.

— Não! Ela não se foi! — Disse Blanche. — Viu Jocelin e decidiu que deveria ser dela. Ela não podia compartilhá-lo.

— Isso não é verdade. — disse Constance, tremendo o lábio inferior. — Quase morri, ele cuidou de mim.

— Sim, e você se importa com ele, não é? Que bruxaria você usou para encantá-lo?

— Por favor, eu não quis fazer nenhum mal.

Blanche não estava ouvindo os apelos da mulher. Ela sabia que Jocelin não tinha colocado as marcas que Constance usava no rosto e no corpo. Somente Edmund Chatworth poderia ter feito isso.

— Diga-me, Lorde Edmund sabe onde você está?

Os olhos de Constance se arregalaram de horror.

Blanche riu.

— Veja, Gladys, ela é a amante do lorde, contudo, o trai com outro, acha que devemos devolvê-la ao seu senhor?

Gladys olhou para a jovem aterrorizada com simpatia.

Blanche agarrou os braços de sua amiga, seus dedos cravados na carne macia.

— Ele nos traiu, mas você hesita em dar um pouco de sua própria moeda? Esta pequena cadela coniventemente nos tomou Joss. Ela tinha Lorde Edmund, mas queria mais. Não estava satisfeita com um homem, mas tinha que ter todos eles a seus pés.

Gladys virou-se para Constance com um olhar de ódio.

— Se não vir conosco, contaremos para Lorde Edmund que Jocelin está escondendo você. — Blanche sorriu.

Constance as seguiu silenciosamente pela escada. Não se permitia pensar, bastava ter em mente que deveria proteger Jocelin. Em toda a sua vida, ninguém lhe ofereceu tanta ternura. Seu mundo estava cheio de pessoas como Edmund, Blanche e Alice. No entanto, por quase duas semanas, tinha vivido um sonho nos braços de Jocelin. Ele tinha falado com ela, cantado para ela, abraçou-a e fez amor com ela. Ele sussurrou que a amava e ela acreditou nele.

Seguir Blanche e Gladys era como acordar de um sonho. Ao contrário de Jocelin, Constance não fazia planos para quando deixasse o castelo de Chatworth, quando estivesse completamente curada. Sabia que o tempo que eles tiveram no sótão seria o único que iriam viver. Docilmente, seguiu as mulheres, aceitando seu destino. A ideia de fuga ou luta nunca entrou em sua mente. Sabia onde elas a levavam e quando entrou na câmara de Edmund, seu peito apertou como se faixas de ferro estivessem se fechando.

— Fique aqui e vou buscar Lorde Edmund. — ordenou Blanche.

— Ele virá? — Gladys perguntou.

— Oh, sim, quando ouvir o que eu vou dizer a ele. Não a deixe sair da sala.

Blanche estava de volta em poucos momentos, com um furioso Edmund logo atrás. Não gostava de interromper o jantar, mas a menção do nome de Constance o fez seguir a presunçosa criada. Entrando no quarto, bateu e fechou a porta atrás dele, seus olhos em Constance, ignorando os olhares nervosos das duas empregadas.

— Então minha doce Constance, você não morreu, afinal. — Edmund colocou a mão sob seu queixo e levantou seu rosto para encontrar o dele. Ele só via resignação. Seus machucados marcavam sua beleza, mas ela se curaria. — Esses olhos, — ele sussurrou. — Têm-me assombrado por muito tempo.

Ele ouviu um barulho atrás de si e se virou observando as duas servas tentando puxar o ferrolho da porta.

— Aqui! — Ele comandou e agarrou o braço da mais próxima, Gladys.

— Para onde acha que vão?

— Aos nossos deveres, meu lorde. — Blanche disse, com a voz trêmula. — Somos suas servas mais leais.

Gladys tinha lágrimas nos olhos enquanto os dedos de Edmund lhe apertavam a pele. Tentava afastar os dedos de seu amo, sem o conseguir. Edmund jogou a garota no chão.

— Vocês acham que poderiam trazê-la aqui e deixá-la com tanta facilidade e irem saindo? Onde ela estava?

Blanche e Gladys trocaram olhares. Elas não tinham pensado nisso. Tudo o que queriam fazer era deixar Constance longe de Jocelin. Elas queriam as coisas do jeito que eram antes, com Jocelin lhes dando diversão e fazendo amor com elas.

— Não sei meu senhor! — Blanche gaguejou.

— Acham que sou um idiota? — Edmund disse e avançou para elas. — A moça esteve bem escondida. Seria informado sobre a presença dela, através das fofocas do castelo.

— Não, meu senhor, ela... — Blanche não podia pensar rápido o suficiente para criar uma história. Sua língua a traia.

Edmund parou, depois olhou para Gladys encolhendo-se no chão.

— Há alguma coisa nesta história que escondem. A quem tentam proteger? — Agarrou o braço de Blanche e torceu-o dolorosamente atrás das costas.

— Milorde, está me machucando!

— Farei mais do que isso se mentirem para mim.

— Foi Baines da cozinha — disse Gladys em voz alta, querendo proteger sua amiga.

Edmund soltou o braço de Blanche enquanto pensava nisso. Baines era um homem profundamente detestado, mal-humorado, sabia disso. Mas Edmund também sabia que Baines dormia na cozinha. Ele não tinha privacidade, certamente não o suficiente para esconder uma moça maltratada até que ela fosse curada. Teria ocasionado conversa por todo o castelo.

— Você mente. — disse Edmund com uma voz mortal, depois avançou lentamente para ela.

Gladys se afastou dele, meio rastejando pelos juncos.

— Meu senhor! — disse ela, com todas as fibras de seu corpo tremendo.

— É sua última mentira. — Ele disse enquanto a segurava pela cintura. Ela começou a lutar quando o viu carregando-a em direção à janela aberta.

Blanche olhava horrorizada enquanto Edmund arrastava Gladys para a janela. A serva segurou o marco da janela, com toda a força de seus braços, mas não era páreo para a força de Edmund. Ele deu um empurrão nas costas de Gladys que voou para frente, golpeando o ar com a sua queda. O grito dela ecoava enquanto caia do terceiro andar para o pátio, fazendo as paredes tremerem.

Blanche só conseguia olhar fixamente, com os joelhos tremendo e o estômago revirando.

— Agora, — disse Edmund, voltando-se para Blanche. — quero saber a verdade, quem a manteve? — Ele acenou para Constance, que estava em silêncio, encostada na parede. O assassinato de Gladys por Edmund não tinha chocado Constance. Era o que ela esperava.

— Jocelin. — Blanche sussurrou.

Ao nome, Constance levantou a cabeça.

— Não! — Ela não podia suportar que Jocelin fosse traído.

Edmund sorriu.

— Esse bonito cantor? Foi quem a levou naquela noite. — um fato que Edmund tinha esquecido. — Onde ele dorme que pôde mantê-la despercebida?

— Acima, no sótão dos estábulos. — Blanche mal podia falar. Ela olhava fixo para a janela. Apenas um momento antes, Gladys estava viva. Agora seu corpo estava quebrado e esmagado no pavimento.

Edmund concordou com a resposta de Blanche. Sabia reconhecer a verdade quando a ouvia. Deu um passo em direção a ela que se encolheu e recuou com medo, colando as costas na porta.

— Não, meu lorde. Disse-lhe o que queria saber. — Ele continuou avançando em sua direção, um leve sorriso em seu rosto. — Eu trouxe Constance. Sou uma serva leal

Edmund gostava de seu terror. Provava seu poder e que era forte. Parou frente a ela, levantou a mão gorda para acariciar a linha de sua mandíbula. Havia lágrimas em seus olhos. Lágrimas de medo. Sorriu quando a esbofeteou.

Blanche caiu no chão, com a mão no lado do rosto, o olho já roxo,

— Vá! — Ele disse, meio rindo enquanto abria a porta. — Você aprendeu bem sua lição.

Blanche saiu correndo do quarto antes que a porta se fechasse. Desceu as escadas e saiu pelo salão. Atravessou correndo o pátio do castelo e saiu pelo portão aberto. Não respondeu aos chamados dos homens de cima das muralhas. Só sabia que queria estar longe de qualquer coisa que tivesse a ver com a propriedade Chatworth. Somente quando as dores em seu lado a tomaram, ela parou. Então continuou andando, nunca olhando para trás.

Jocelin deslizou quatro ameixas dentro de seu gibão. Sabia o quanto Constance amava frutas frescas. Nas últimas semanas, sua vida começou a girar em torno do que Constance gostava ou não gostava. Observando-a desabrochar, pétala por pétala macia, tinha sido o que de mais delicioso já lhe aconteceu. Sua gratidão por cada prazer, por menor que fosse, o reconfortava, embora seu coração doesse ao pensar em sua vida antes, onde um simples buquê de flores poderia fazê-la chorar.

Na cama, ele sorriu maliciosamente. Não era um mártir a tal ponto de renunciar a todos os prazeres egoístas. Constance queria recompensá-lo por sua bondade e queria demonstrar-lhe seu amor. A princípio, sua expectativa da dor a tinha feito rígida, mas a sensação das mãos de Jocelin em seu corpo, sabendo que não iriam machucá-la, a deixava louca de paixão. Era como se ela quisesse reunir todo o amor de sua vida em poucas semanas.

Jocelin sorriu ao pensar em seu futuro juntos. Ele pararia de viajar e se instalaria, faria uma casa para Constance e para si mesmo. Teriam vários filhos de olhos violetas. Nunca em sua vida quis mais do que a liberdade, uma cama confortável e uma mulher quente. Mas nunca esteve apaixonado antes. Constance mudou toda a sua vida. Só mais alguns dias e ela estaria bem o suficiente para suportar a longa viagem. Eles iriam embora.

Jocelin assobiava quando saiu da mansão e passou pela cozinha em direção aos estábulos. Congelou quando viu a escada encostada na parede. Ultimamente tinha tido o cuidado de remover a escada. A esposa do cavalariço manteve um olho nítido para ele, e Jocelin recompensou-a com muitos sorrisos e alguns abraços genuinamente afetuosos. Ele não pensou em nenhum perigo para si mesmo, mas apenas para Constance.

Correu os últimos trechos e subiu pela escada. Seu coração batia violentamente enquanto procurava no pequeno quarto, como se ele pudesse encontra-la sob o feno. Sabia sem dúvida que Constance não partiria sozinha. Não, ela era como uma corça, tímida e temerosa.

As lágrimas nublaram seus olhos enquanto ele descia a escada. Onde a encontraria? Talvez algumas das mulheres estivessem brincando e ele a encontraria segura em algum canto, mastigando um bolo de passas. Jocelin não acreditava nisso, mesmo quando imaginava a cena.

Não se surpreendeu ao ver Chatworth ao pé da escada, rodeado por dois guardas armados.

— O que você fez com ela? — Jocelin exigiu, saltando do segundo degrau da escada, suas mãos indo para a garganta de Edmund.

O rosto de Edmund estava começando a ficar azul antes que seus homens pudessem libertá-lo e afastar Jocelin. Seguraram-no firmemente pelos braços.

Edmund levantou-se e bateu a poeira olhando com desgosto para sua roupa arruinada. O veludo nunca mais seria o mesmo. Ele esfregou a marca da garganta.

— Você vai pagar por isso com sua vida.

— O que você fez com ela, pilha de esterco? — Jocelin perguntou.

Edmund ofegou. Ninguém jamais ousara falar com ele assim. Recuou a mão e deu um murro no rosto de Jocelin, cortando o canto de sua boca.

— Sim, vai pagar por isso.

Ele saiu do alcance dos pés de Jocelin, mais cauteloso do que tinha sido. Atrás daquele rosto espreitava um homem que ele não imaginava que existisse. Pensava que Jocelin era apenas um garoto muito bonito.

— Eu vou gostar disso. — Ele zombou. — Hoje à noite você vai passar na masmorra, e amanhã vai ver o seu último nascer do sol. Todo o dia você vai sofrer, mas esta noite talvez, sofra mais. Enquanto sofre na cela, vou possuir a mulher.

— Não! — Jocelin gritou. — Ela não fez nada, deixe-a ir, pagarei por tê-la tomado.

— Você vai pagar, sim. Quanto ao seu nobre gesto, não faz sentido. Você não tem nada para negociar: Eu tenho ambos. Ela na minha cama. Você, para qualquer outro prazer que possa pensar. Levem-no para meditar no que significa desafiar um conde.


Constance sentou-se à janela do quarto de Edmund. O animo e a coragem afastaram-se dela. Não voltaria a ver Jocelin. Não mais a seguraria em seus braços e lhe juraria que a amava mais do que a lua amava as estrelas. A única esperança era que ele tivesse conseguido escapar. Viu a maneira que Blanche correu do quarto. Constance rezou para que a mulher tivesse ido avisar Jocelin. Sabia que Blanche se importava com ele, tinha a ouvido chamando-o. Certamente, Blanche avisou Jocelin, e juntos estavam seguros.

Constance não sentia ciúme. Na verdade, só queria a felicidade de Jocelin. Se a tivesse pedido para morrer por ele, o faria com prazer. O que importava sua pobre vida?

Uma comoção no pátio e um raio do sol em uma cabeça familiar chamaram sua atenção. Dois corpulentos guardas arrastraram Jocelin lutando pelo pátio. Enquanto observava, um dos homens golpeou Jocelin com força na clavícula, fazendo com que ele caísse para um lado. Com dificuldade, manteve-se de pé. Constance prendeu a respiração, querendo chamá-lo, mas sabia que o colocaria em um perigo maior. Como se a sentisse, ele se contorceu e olhou para a janela. Constance ergueu a mão. Através de suas lágrimas, podia ver o sangue em seu queixo.

Quando os guardas empurravam Jocelin, Constance percebeu de repente onde estavam levando-o, e seu coração parou. A cela do castigo era um invento horrível. Uma câmara em forma de frasco lapidada nas entranhas da rocha sólida. O prisioneiro era abaixado através da garganta estreita da rocha por uma roldana. Uma vez lá dentro, não podia se sentar e nem ficar de pé, mas deveria estar meio agachado, as costas e o pescoço continuamente dobrados. Havia pouco ar e muitas vezes não havia comida ou água. Ninguém poderia durar mais do que alguns dias, e só os mais fortes sobreviviam.

Constance observou os guardas atarem Jocelin na roldana e abaixá-lo naquele inferno. Observou por alguns instantes enquanto a tampa da cela estava sendo presa, depois desviou o olhar. Não havia esperança agora. Amanhã Jocelin estaria morto, se vivesse a noite toda, pois Edmund certamente inventaria alguma tortura adicional.

Em uma mesa havia um jarro de vinho e três copos. Eles eram para uso privado de Edmund, que reservava para si os mais belos objetos. Constance agiu sem pensar, porque sua vida estava acabada. Um último ato era necessário para completar a ação. Quebrando um copo contra a mesa, pegou a base dentada em sua mão e foi para a janela, sentando-se na cadeira almofadada.

Era um dia lindo, o verão em plena floração. Constance mal sentiu a ponta afiada quando cortou um pulso. Ela olhou para o sangue fluindo de seu corpo com uma sensação de alívio.

— Em breve. — Ela sussurrou. — Logo estarei com você, meu Jocelin.

Constance cortou seu outro pulso e recostou-se contra a parede, um pulso em seu colo, o outro no parapeito da janela, seu sangue escorrendo na argamassa das pedras. Uma suave brisa de verão soprou em seus cabelos e ela sorriu. Certa noite, ela e Jocelin haviam ido ao rio, passando a noite sozinhos nas gramíneas suaves. Eles haviam voltado muito cedo na manhã seguinte antes do castelo estar completamente acordado. Tinha sido uma noite de arrebatamento e palavras de amor sussurradas. Lembrou-se de cada palavra que Jocelin lhe tinha falado.

Gradualmente, seus pensamentos tornaram-se mais preguiçosos. Era quase como se ela fosse dormir. Constance fechou os olhos e sorriu levemente, o sol acariciando seu rosto, a brisa no cabelo, e não pensou mais.

— Garoto, você está bem? — Uma voz chamou Jocelin em um sussurro rouco.

Estava aturdido e tinha dificuldade em entender as palavras.

— Moço? — Perguntou a voz novamente. — Me responda!

— Sim — respondeu Jocelin. Um forte suspiro foi ouvido.

— Jocelin está bem. — Disse uma voz de mulher. —Coloque isso em torno de você e eu vou puxá-lo para cima.

Jocelin estava atordoado demais para perceber o que estava acontecendo com ele. As mãos da mulher guiaram a corda pela garganta da rocha e depois o puxaram até o ar fresco da noite. O ar — a primeira respiração real que tinha tido em varias horas — começou a limpar sua mente. Seu corpo estava dormente, rígido e cheio de dores corporais. Quando seu corpo tocou o chão, desamarraram a correia da roldana.

O cavalariço e sua gorda esposa o encararam.

— Meu querido, — ela disse — você deve partir imediatamente. Ela o conduziu através da escuridão para o estábulo.

A cada passo, a cabeça de Jocelin se tornava mais consciente. Como nunca antes em sua vida experimentou o amor até recentemente, tampouco tinha conhecimento sobre o ódio. Agora, atravessando o pátio, olhou para a janela escura de Edmund. Ele odiava Edmund Chatworth, que agora estava com Constance.

Quando estavam nos estábulos, a mulher falou de novo.

— Você deve ir depressa, meu marido pode ajuda-lo a passar pela muralha. Aqui, preparei um pacote de comida para você que vai durar alguns dias se for cuidadoso.

Jocelin franziu o cenho.

— Não, não posso ir. Não posso deixar Constance com ele.

— Eu sei que não irá até que saiba. — A velha disse. Ela se virou e fez um gesto para que Jocelin a seguisse. Acendeu uma vela na outra parede e levou Jocelin para uma baia vazia. Um pano estava cobrindo vários feixes de feno. Lentamente ela puxou o pano.

No início Jocelin não acreditou no que viu. Tinha visto Constance uma vez assim, quando pensou que estava morta. Ajoelhou-se a seu lado e tomou o frígido corpo em seus braços.

— Ela está com frio. — Disse ele com autoridade. — Tragam cobertores para que eu possa aquecê-la.

A velha pôs a mão no ombro de Jocelin.

— Todos os cobertores do mundo não vão ajuda-la, ela está morta.

— Não, ela não está! Já esteve assim antes e...

— Não se torture, o sangue da garota se foi e não tem mais nenhuma gota.

— Sangue?

A mulher moveu o pano para trás e segurou o pulso sem vida de Constance, a veia exposta, cortada. Jocelin observou-a em silêncio.

— Quem foi? — Ele finalmente sussurrou.

— Ela tirou a própria vida, ninguém fez isso.

Jocelin olhou para o rosto de Constance, finalmente percebendo que ela tinha ido embora. Curvou-se e beijou sua testa.

— Ela está em paz agora.

— Sim. — Disse a mulher, aliviada. — E você deve ir.

Joss afastou-se da mão insistente da mulher e caminhou deliberadamente em direção à mansão. O grande salão estava coberto de homens dormindo em colchões de palha. Jocelin silenciosamente retirou uma espada da parede onde estava no meio de muitas armas. Seus sapatos macios não fizeram barulho enquanto subia as escadas para o terceiro andar.

Um guarda dormia na frente da porta de Edmund. Jocelin sabia que não teria chance se o guarda acordasse, pois a força de Jocelin não era páreo para um cavaleiro experiente. O homem não emitiu qualquer som quando Jocelin empurrou a espada através de sua barriga.

Jocelin nunca matou um homem antes e faze-lo não lhe deu prazer.

A porta de Edmund não estava trancada. Ele se sentia seguro em seu próprio castelo, em seu quarto. Jocelin abriu a porta. Não gostava do que faria, nem desejava demorar-se sobre o cenário deleitando-se como alguns teriam feito. Agarrou os cabelos de Edmund em suas mãos. Os olhos de Chatworth abriram-se e alargaram-se ao ver Jocelin.

— Não!

Foi à última palavra que Edmund Chatworth falou. Jocelin deslizou a espada pela garganta do homem. Na morte, o conde desgostava Jocelin tanto como em vida. Jocelin jogou a espada para o lado da cama e caminhou até a porta.

Alice não conseguia dormir. Não conseguira dormir bem durante semanas — desde que o menestrel deixara de ir à sua cama. Ela o ameaçara repetidamente, mas sem sucesso. Jocelin tinha apenas olhado para ela através de seus longos cílios e não disse nada. Na verdade, estava um pouco intrigada que um homem a tratasse tão mal.

Ela jogou as cobertas de sua cama para trás e vestiu uma bata. Seus pés não fizeram nenhum barulho no chão coberto com juncos. No corredor, Alice percebeu que algo estava errado. A porta do quarto de Edmund estava aberta, o guarda estava sentado em uma posição estranha. Curiosa, caminhou em direção a ele. Seus olhos estavam acostumados à escuridão, e o corredor estava iluminado apenas pelas tochas ao longo da parede.

Um homem deixou o quarto de Edmund, sem olhar para a direita e nem para a esquerda, caminhou direto para ela. Viu o sangue em seu gibão antes de ver seu rosto. Alice ofegou e colocou a mão na garganta. Quando ele parou diante dela, mal o reconheceu. Já não havia nenhum moço risonho, mas um homem que a olhava com ousadia. Um pequeno arrepio de medo subiu por sua espinha.

— Jocelin.

Ele passou por ela como se não a tivesse visto ou não se importasse com sua presença. Alice olhou para ele, depois caminhou lentamente até o quarto de Edmund. Passou sobre o guarda morto, seu coração batendo. Quando viu o corpo de Edmund, o sangue ainda escorrendo da garganta rasgada, ela sorriu.

Alice foi até a janela, sua mão no peitoril, cobrindo uma mancha feita pelo sangue da outra inocente no dia anterior.

— Viúva. — Ela sussurrou. — Uma viúva! — Agora ela tinha tudo: riqueza, beleza e liberdade.

Durante um mês estivera escrevendo cartas, pedindo um convite para a corte do rei Henrique. Quando chegou, Edmund riu dela, dizendo que se recusava a gastar dinheiro em tais frivolidades. Na verdade, na corte ele não poderia jogar servas das janelas como fizera em seu próprio castelo. Agora, decidiu Alice, poderia ir para a corte do rei sem que ninguém a impedisse.

E haveria Gavin! Ah sim, arranjou isso também. Aquela prostituta de cabelos vermelhos o teve por muito tempo. Gavin era dela e continuaria sendo. Se ela pudesse se livrar de sua esposa, então seria dela completamente. Ele não negaria seus vestidos de tecidos dourados. Não, Gavin não lhe negaria nada. Será que não era capaz de conseguir o que queria? Queria Gavin Montgomery novamente, e iria tê-lo.

Alguém andando pelo pátio chamou sua atenção. Jocelin dirigiu-se para a escada que levava ao topo da muralha, um saco de couro sobre o ombro.

— Você me fez um grande favor. — Ela sussurrou. — E agora vou te retribuir. — Ela não chamou os guardas. Em vez disso, ficou em silêncio, planejando o que faria agora que estava livre de Edmund. Jocelin tinha dado a ela acesso a uma grande riqueza, mas, acima de tudo, lhe devolveu Gavin.


Capítulo Vinte e Três

Estava quente na tenda. Gavin não conseguia dormir. Ele se levantou e olhou para Judith, dormindo pacificamente, um ombro nu exposto acima do lençol de linho. Silenciosamente, vestiu suas roupas, sorrindo para sua esposa adormecida. Passaram boa parte da noite fazendo amor, e agora ela estava exausta. Mas ele não estava. Não, longe disso. Amar Judith parecia lhe acender uma faísca e um fogo que não se apagava.

Tirou um manto de veludo de um baú, tirou-lhe o lençol e envolveu-a no manto. Ela se aconchegou contra ele como uma criança, sem acordar, dormindo o sono do inocente. A levou para fora da tenda, acenou com a cabeça para os guardas de plantão e caminhou em direção à floresta. Inclinou a cabeça e beijou sua boca adormecida.

— Gavin. — Murmurou ela.

— Sim, sou eu.

Ela sorriu contra seu ombro, seus olhos sem se abriram.

— Para onde está me levando?

Ele riu e a abraçou mais perto.

— Te interessa?

Ela sorriu mais largo, seus olhos ainda fechados.

— Não, nenhum pouco. — Sussurrou.

Ele deu uma risada profunda. Ao lado do rio, sentou-a e ela começou gradualmente a acordar. A frieza do ar, o som da água e a doçura das ervas adicionaram à qualidade onírica da situação.

Gavin sentou-se ao lado dela, sem tocá-la.

— Você disse uma vez que quebrou um voto a Deus. Que voto foi esse? — Ele ficou tenso esperando por sua resposta. Eles não tinham falado da temporada que ela viveu no castelo de Demari, mas Gavin ainda queria saber as coisas que aconteceram lá. Ele queria que ela negasse o que sabia ser verdade. Se amava Demari, por que o matara? E se ela tinha ido aos braços de outro homem, não era culpa de Gavin? Ele sabia que o voto que ela quebrou foi o que fez diante de um padre e centenas de testemunhas.

A escuridão dissimulou o rubor do Judith. Ela ignorava a direção que tomava a linha de pensamento de Gavin. Lembrou-se apenas de ter ido até ele antes que partisse para a batalha.

— Sou um ogro tão grande que não pode me dizer? — Ele perguntou calmamente. — Diga-me apenas isso, e não vou pedir mais nada a você.

Para ela era algo íntimo, mas era realmente verdade, Gavin não pedia muito. Havia uma lua cheia e a noite era brilhante. Manteve os olhos virados para o outro lado.

— No dia do nosso casamento e eu fiz um juramento... E faltei a ele.

Gavin assentiu. Era o que ele temia.

— Eu sei que o quebrei quando fui para tua cama naquela noite — continuou ela. — Mas esse homem, não tinha o direito de dizer que não dormíamos juntos. Aqueles eram os nossos problemas que devemos resolver nós mesmos.

— Judith, eu não entendo.

Ela olhou para ele, assustada.

— Falo do juramento. Não me perguntou? — Ela percebeu que ele ainda não entendia. — No jardim, quando eu vi você e... — Ela parou e desviou o olhar. A lembrança de Alice em seus braços ainda era vívida para ela, e muito mais dolorosa agora do que era então.

Gavin olhou para ela, tentando se lembrar. Quando finalmente recordou, começou a rir. Judith virou-se para ele, os olhos brilhando.

— Está rindo de mim?

— Oh, Sim! O voto de ignorância! Quando você o fez era virgem. Portanto, não podia conhecer os prazeres que teria em minha cama, e ignorava que não poderia ficar sem mim.

Ela olhou para ele, depois se levantou.

— Você é um homem vaidoso e insuportável, eu lhe dou minha confiança, lhe conto um segredo e você ri de mim! — Ela jogou seus ombros para trás, o manto envolto firmemente sobre ela, e arrogantemente começou a se afastar dele.

Gavin, com um sorriso lascivo em seu rosto, deu um puxão poderoso na capa e puxou-o dela. Judith ofegou e tentou cobrir-se.

— Você vai voltar para o acampamento agora? — Ele provocou, enrolando o manto de veludo e colocando-o atrás de sua cabeça.

Judith olhou para ele, estirado na grama, sem sequer olhar para ela. — Assim! Acredita que ganhou, não é? — pensou.

Gavin permaneceu quieto, esperando a qualquer momento que ela voltasse e implorasse por suas roupas. Ouviu um monte de sussurro nos arbustos e sorriu com confiança. Ela era muito pudica para voltar ao acampamento sem suas roupas. Houve silêncio por um momento, depois ouviu um movimento rítmico de folhas, como se...

Ele levantou-se em um instante, seguindo o som.

— Você é uma pequena travessa! — Ele riu em pé diante de sua esposa. Ela usava um vestido muito dissimulado de folhas de árvores e ramos de vários arbustos. Ela sorriu para ele em triunfo.

Gavin colocou as mãos nos quadris.

— Alguma vez ganharei uma discussão com você?

— Provavelmente não. — Disse Judith, presunçosa.

Gavin riu diabolicamente. Estendeu sua mão e arrancou a frágil roupa.

— Você acha? — Ele perguntou enquanto a segurava pela cintura e a levantava. As curvas nuas de seu corpo pareciam o luar prateado. Ele a elevou nos braços, rindo de seu suspiro de susto.

— Não ensinaram que uma boa esposa não discute com o marido? — Ele brincou.

Ele a sentou no ramo de uma árvore, seus joelhos ao nível dos seus olhos.

— Acho-te particularmente interessante assim. — Olhava para seu rosto com os olhos sorridentes, então congelou quando viu o puro terror em seus olhos.

— Judith! — Ele sussurrou. — Esqueci seu medo. Perdoe-me. — Teve que tirar suas mãos do ramo da árvore, as juntas brancas. Mesmo quando a tinha solta, ainda assim pegou-a nos braços, arranhando seu traseiro nu na casca áspera. — Judith, me perdoe. — Ele sussurrou enquanto ela se agarrava a ele.

Ele a levou de volta à beira do rio e envolveu o manto sobre ela, segurando-a em seu colo e abraçando-a. Sua estupidez o enfureceu. Como poderia ter esquecido algo tão importante como seu terrível medo de alturas? Ele ergueu-lhe o queixo e beijou-a docemente na boca.

De repente, seu beijo se transformou em paixão.

— Abrace-me. — Ela sussurrou desesperadamente. — Não me deixe.

Ele ficou impressionado com a urgência em sua voz.

— Não, querida. Não a deixarei.

Sempre tinha sido uma mulher de paixão, mas agora estava em frenesi. Sua boca se agarrou a dele. Seus lábios percorreram ao longo de seu pescoço. Nunca fora tão agressiva.

— Judith — murmurou ele. — Doce, doce Judith. — O manto caiu e seus seios nus apertaram-se contra ele, insolentes e exigentes. A cabeça de Gavin começou a girar.

— Tirará essas roupas? — Ela perguntou em um sussurro áspero enquanto suas mãos percorriam sob o tabardo solto. Gavin mal podia suportar deixar a proximidade de seu corpo por alguns instantes até remover sua roupa. Seu gibão foi rapidamente tirado por sobre sua cabeça, depois sua camisa. Ele não tinha se incomodado com roupas íntimas quando saiu da tenda.

Judith o empurrou para o chão e se inclinou sobre ele. Gavin permaneceu quieto, quase sem poder respirar.

— É você que parece estar com medo agora. — ela riu.

— Estou. — Seus olhos cintilaram. — Vai satisfazer tua vontade comigo?

Sua mão se moveu sobre seu corpo, deleitando-se em sua pele lisa, a espessa camada de cabelo em seu peito. Então se moveu mais para baixo, então mais baixo ainda.

Ele ofegou, seus olhos ficando negros.

— Faça o que quiser! — disse ele com voz rouca. — Só não retire essa mão daí.

Ela riu gravemente, sentindo-se invadida por uma onda de poder. Ela o controlava. Mas no momento seguinte, sentindo seu membro duro em sua mão, percebeu que ele tinha o mesmo poder sobre ela. Ela estava louca de desejo. Subiu em cima dele, inclinou-se e procurou avidamente sua boca.

Gavin permaneceu imóvel enquanto ela cavalgava sobre ele, mas logo não pôde ficar quieto. Pegou-a pelos quadris para guiá-la, com mais força, mais rápido. Sua ferocidade começando a corresponder a de Judith.

E então eles explodiram juntos.

— Acorde, louquinha! — Gavin riu e deu um tapa nas nádegas nuas de Judith. — O acampamento já acordou e virão nos procurar.

— Que nos procurem. — Judith murmurou e puxou o manto mais perto dela.

Gavin de pé, tinha seu corpo entre seus tornozelos. Nunca experimentou uma noite como a que acabou de passar. Quem era sua esposa? Uma adúltera? Uma mulher que passava de um amor a outro, quando o vento a carregava? Ou era boa e gentil, como seus irmãos pensavam? Seja o que for, ela era um demônio quando se tratava de fazer amor.

— Devo chamar sua serva para te vestir aqui? Joan terá algumas palavras para dizer, sem dúvida.

Quando Judith sonolenta pensou nos sorrisos maliciosos de Joan, demorou pouco tempo para ficar completamente acordada. Sentou-se e olhou para o rio, então respirou fundo, ar fresco da manhã. Bocejou e espreguiçou-se, o manto caindo, expondo seios cheios, sem pudor algum.

— Pelos dentes de Deus! — Gavin jurou. — Cubra-se, ou nunca chegaremos a Londres e ao rei.

Ela sorriu para ele, sedutora.

— Pode ser melhor ficarmos aqui. O Tribunal não deve ser tão bom, na verdade.

— Certamente. — Gavin riu então se curvou e envolveu-a em seu manto e gentilmente elevou-a em seus braços. — Venha, vamos voltar, Miles e Raine nos deixam hoje, e quero falar com eles.

Voltaram para a tenda em silêncio. Judith se aconchegou contra o ombro de Gavin. — Será que não poderia sempre ser assim. — ela pensou. Ele podia ser gentil e terno quando queria. — Por favor, Deus, — ela rezou — deixe como está entre nós. Não nos deixe discutir mais uma vez.

Uma hora depois, Judith andava entre Raine e Miles, cada homem segurando sua mão. Pareciam ser um grupo incongruente: dois homens grandes vestidos com roupas de viagem de lã pesada, Judith entre eles, mal chegando até os ombros.

— Vou sentir falta de vocês dois. — disse Judith, apertando-lhes as mãos. — É bom ter toda a minha família perto, embora minha mãe raramente deixe o lado de John Bassett.

Raine riu.

— Ouço ciúmes nisso?

— Sim. — Disse Miles. — Não somos suficientes para você?

— Gavin parece ser o suficiente. — brincou Raine.

Judith riu, as bochechas ficando rosadas.

— Existe alguma coisa que um irmão faça que os outros não conheçam?

— Raramente. — Raine disse então olhou por cima da cabeça de Judith para Miles. — Há a questão de onde o nosso irmãozinho passou a noite passada.

— Com Joan. — disse Judith antes de pensar.

Os olhos de Raine dançavam em risadas enquanto Miles estava, como de costume, ilegível.

— Eu sei, Joan falou muito sobre ele. — Disse Judith, balbuciando.

As covinhas de Raine se aprofundaram.

— Não deixe que Miles te assuste. Está curioso para saber o que a mulher disse.

Judith sorriu.

— Vou dizer-lhe da próxima vez que eu o vir, talvez assim, possa encorajá-lo a visitar-nos mais cedo do que o planejado.

— Bem dito! — Raine riu. — Agora, na verdade, temos de ir. Não seríamos bem-vindos na corte, a menos que paguemos para entrar, e eu não posso arcar com despesa extra.

— Ele é rico. — disse Miles. — Não o deixe enganar.

— Nenhum de vocês me engana. Obrigada por todo o seu tempo e preocupação. E obrigada por ouvir meus problemas.

— Quer que choremos, quando poderíamos beijar essa mulher deliciosa? — Miles perguntou.

— Você está certo por uma vez, irmãozinho. — disse Raine, enquanto levantava Judith do chão e lhe dava um beijo no rosto. Miles fez o mesmo rindo de seu irmão.

— Você não sabe como tratar uma mulher. — Ele disse enquanto erguia Judith em seus braços e roçava-lhe um beijo a sua boca fraternal.

— O que significa isso, Miles? — Perguntou uma voz mortal.

Judith se separou de seu cunhado e virou-se para Gavin que olhava para eles com olhos escuros. Raine e Miles trocaram olhares. Era a primeira vez que Gavin mostrava algum ciúme real.

— Coloque-a no chão antes que Gavin o atravesse com uma espada. — Disse Raine.

Miles reteve Judith por um momento mais e olhando para ela falou:

— Pode valer a pena. — Ele a pôs gentilmente no chão.

— Vamos vê-lo novamente em breve. — Disse Raine a Gavin. — Talvez no Natal possamos nos reunir. Gostaria de conhecer a dama escocesa com quem Stephen vai se casar.

Gavin colocou uma mão possessiva no ombro de Judith e puxou- a para perto dele.

— Até o Natal! — disse ele. Seus irmãos montaram seus cavalos e foram embora.

— Suponho que não está realmente com raiva? — Perguntou Judith.

— Não. — Gavin suspirou. — Mas não gosto de ver nenhum homem te tocando. Até mesmo meu irmão.

Judith respirou fundo.

— Se vierem no Natal, o bebê deverá já ter nascido.

— O bebê. — pensou Gavin. — Não meu bebê ou nosso bebê, mas o bebê. —Ele não gostava de pensar na criança.

— Venha, precisamos levantar o acampamento, ficamos aqui por muito tempo.

Judith o seguiu, piscando as lágrimas. Eles não mencionaram o tempo passado no castelo de Demari nem falaram do bebê. Deveria dizer-lhe que a criança só poderia ser dele? Deveria implorar que a ouvisse, e acreditasse nela? Podia contar os dias e dizer-lhe o tempo de gravidez, mas Gavin uma vez havia insinuado que ela poderia ter deitado com Demari durante os festejos de suas bodas. Ela voltou para a tenda para dirigir a sua serva para empacotar sua bagagem.

Acamparam cedo naquela noite. Não havia pressa para chegar a Londres, e Gavin apreciava o tempo da viagem. Começara a sentir-se próximo de sua esposa. Eles costumavam conversar como se fossem amigos. Gavin surpreendeu-se compartilhando segredos da infância com ela, dizendo-lhe dos medos que teve quando seu pai morreu e o deixou com tantas terras para administrar.

Finalmente, se sentou em uma mesa com os registros contábeis abertos diante dele. Cada moeda gasto deve ser registrado e contabilizado. Era um trabalho tedioso, mas seu mordomo tinha ficado doente com alguma febre, e Gavin não podia confiar a um dos seus cavaleiros as contas.

Tomou um gole de uma caneca de sidra e olhou para a esposa. Sentava-se num banquinho junto à aba aberta da barraca, com uma bola de fios azuis no colo. Suas mãos lutavam com um longo par de agulhas de tricô. Como ele observava, ela fazia um emaranhado de fios sem resultados em seu trabalho manual. Seu lindo rosto estava contorcido com o esforço, a pequena ponta de sua língua mostrando entre os lábios. Olhou novamente para os livros e percebeu que sua tentativa de tricotar era um esforço para agradá-lo. Havia falado muitas vezes do seu desagrado quando ela interferiu nos negócios do castelo. Gavin sufocou uma gargalhada quando ela rosnou para o fio e murmurou algo baixo.

— Judith, — disse com calma — talvez possa me ajudar. Você não se importa de pôr isso de lado? — perguntou ele com toda a seriedade que conseguiu reunir. Tentou não sorrir enquanto ela atirava ansiosamente os fios e as agulhas contra a parede da barraca. Gavin apontou para o livro.

— Gastamos muito nessa jornada, mas não sei por quê.

Judith virou o livro para ela. Finalmente algo que ela compreendia. Ela correu os dedos pelas colunas, seus olhos se movendo de um lado para o outro. Ela parou de repente.

— Cinco marcos de pão, quem vem cobrando tanto?

— Não sei. — Gavin disse honestamente. — Limito-me a comê-lo, não cozê-lo.

— Bem, você tem comido ouro! Vou cuidar disso imediatamente. Por que não me mostrou isso antes?

— Porque minha querida esposa, pensei que pudesse dirigir minha vida sozinho. Tenho pena de qualquer homem que pense assim.

Ela olhou para ele.

— Vou ajustar contas com esse padeiro! — Ela disse indo em direção à saída.

— Você não deveria levar o seu tricô? Talvez não vá encontrar o suficiente para ocupá-la.

Judith olhou por cima do ombro para Gavin e viu que ele estava brincando com ela. Ela devolveu seu sorriso, então pegou a bola de fio e jogou para ele.

— Talvez você seja a pessoa que precisa de ocupação. — Ela olhou intensamente para os livros, depois saiu da tenda.

Gavin sentou-se e segurou o fio por um momento, girando-o em suas mãos. A tenda ficou vazia quando ela se foi. Aproximou-se da aba aberta e encostou-se ao poste, observando-a. Nunca gritava com um servo, mas de alguma forma conseguiu mais trabalho deles do que ele jamais obteve. Ela cuidava da comida, da lavanderia, do acampamento, tudo com facilidade. No entanto, ela nunca demostrou qualquer nervosismo e nunca se poderia imaginar que ela conseguia comandar seis coisas ao mesmo tempo.

Ela terminou de falar com o homem cujo carrinho estava cheio de pão. O homem baixo e gordo foi embora, sacudindo a cabeça, e Gavin sorriu divertido. Ele sabia como o padeiro se sentia. Quantas vezes perdeu uma discussão com Judith? Ela podia rebater as palavras até que uma pessoa não pudesse se lembrar de seus próprios pensamentos.

Gavin a observou caminhar pelo acampamento. Ela parou para provar o guisado em uma panela, falou com o escudeiro de Gavin, o menino estava sentado em um banquinho polindo a armadura de seu amo. O menino acenou com a cabeça e sorriu para ela, e Gavin sabia que haveria alguma pequena mudança feita no procedimento simples. E a mudança seria para melhor. Nunca viveu ou viajou com tanto conforto, e com tão pouco esforço feito de sua parte. Lembrou-se das vezes em que deixou sua tenda pela manhã e pisou em uma pilha de esterco de cavalo. Agora Judith não permitia que a lama e dejetos se amontoassem no chão. Seu acampamento era o mais limpo que já viu.

Judith sentiu que ele a olhava e se virou sorrindo, afastando a atenção das galinhas que ela inspecionava. Gavin sentiu seu peito apertar. O que sentia por ela? Importava que carregasse o filho de outro homem? Tudo o que sabia era que a queria. Atravessou a grama e tomou-lhe o braço.

— Venha comigo.

— Mas eu devo...

— Prefere que façamos amor aqui fora? — perguntou, levantando uma sobrancelha.

Ela sorriu encantada.

— Não, acho que não.

Eles fizeram amor vagarosamente, saboreando o corpo um do outro até que a paixão crescesse. Era isso que Gavin adorava em fazer amor com Judith. A variedade. Ela nunca parecia ser a mesma por duas vezes. Uma vez era calma e sensual, a próxima agressiva e exigente. Em outros momentos, estaria rindo e provocando, em outros, gostava de experimentar novidades e era quase acrobática. Mas não importava como ela era. Adorava amá-la. Até o pensamento de tocá-la o excitava.

Agora a abraçava, seu nariz enterrado em seus cabelos. Ela se moveu contra ele como se pudesse aproximar-se mais. Não era possível. Ele beijou o topo de sua cabeça sonolenta e adormeceu.

— Você está se apaixonando por ele. — disse Joan na manhã seguinte, penteando os cabelos de sua ama. A luz atravessando as paredes da tenda era cheia de bolinhas. Judith usava um vestido de suave de lã verde, um cinto de couro trançado em volta da cintura. Mesmo na roupa de viagem simples e sem adornos, sua pele brilhava e seus olhos eram as únicas joias que precisava.

— Suponho que você se refere ao meu marido.

— Oh, não! — Disse Joan, indiferente. — Eu me referia ao homem da pastelaria.

— E como você reparou?

Joan não respondeu.

— Não é certo que uma mulher ame seu marido?

— É, se seu amor é correspondido. Tenha cuidado e não vá se apaixonar tanto ao ponto de se sentir despedaçada, se ele for falso e te faltar.

— Ele quase não sai de minha vista — disse Judith em sua defesa.

— É verdade, mas quando estiver na corte do rei? Não ficará sozinha com Lorde Gavin. Haverá as mulheres mais belas da Inglaterra, e qualquer homem irá desviar os olhos.

— Cale a boca! — Judith ordenou. — E cuide de meu cabelo.

— Sim, minha lady. — disse Joan, zombando.

Durante todo o dia, enquanto viajavam Judith pensou nas palavras de Joan. Estava começando a se apaixonar por seu marido? Ela o viu uma vez nos braços de outra mulher, o que a enfureceu. Mas o que a deixou zangada, de fato, era que ele lhe tinha tão pouco respeito. Mas agora a ideia de vê-lo com outra mulher a fazia sentir-se como se pequenos dardos de gelo estivessem sendo conduzidos através de seu coração.

— Judith, você está bem? — Gavin perguntou do cavalo ao lado dela.

— Sim... Não.

— O que aconteceu?

— Estou preocupada com a corte do rei Henrique. Há muitas mulheres bonitas lá?

Gavin olhou para Stephen.

— O que você acha irmão? As mulheres na corte são adoráveis?

Stephen olhou para a cunhada, sem sorrir.

— Eu acredito que vai saber por si própria. — Ele disse calmamente. Desviou seu cavalo para se juntar a seus homens. Judith se voltou para Gavin.

— Não queria ofendê-lo.

— Stephen não se ofendeu. Embora não tenha comentado, ele teme o seu casamento, e não o culpo, a dama odeia os ingleses e certamente fará da sua vida um inferno.

Judith assentiu e olhou para a estrada.

Somente quando pararam para o jantar que ela foi capaz de escapar por alguns momentos. Ela encontrou um arbusto de framboesa selvagem nas margens do campo e começou a encher a saia de sua túnica.

— Não deveria estar aqui sozinha.

Judith ofegou.

— Stephen, você me assustou.

— Se eu fosse um inimigo, poderia estar morta agora ou então sequestrada e mantida para resgate.

Judith olhou para ele.

— Você é sempre tão sombrio, Stephen, ou é apenas essa herdeira escocesa que tanto o preocupa?

Stephen soltou a respiração.

— Sou tão transparente?

— Não para mim, mas para Gavin. Venha! Vamos sentar um pouco, acha que poderíamos ser completamente egoístas e comermos todas essas framboesas nós mesmos? Você já viu sua escocesa?

— Não. — Stephen disse, colocando uma framboesa aquecida pelo sol em sua boca. — E ela ainda não é minha. Sabia que seu pai a fez Laird do clã MacArran antes de morrer?

— Uma mulher que herda um clã por conta própria? — Os olhos de Judith tinham um olhar distante.

— Sim. — disse Stephen com desgosto.

Judith recuperou-se.

— Então você não sabe como ela é?

— Oh, sim, eu sei! Tenho certeza de que pequena, escura, e enrugada como uma pinha.

— Ela é velha?

— Talvez ela seja um cone de pinheiro jovem e gordo.

Judith riu de seu ar de desgraça.

— Como são diferentes os quatro irmãos. Gavin é pavio curto, é gelo em um momento e fogo dentro de um segundo. Raine é riso e brincadeira, Miles é...

Stephen sorriu para ela.

— Não tente me explicar Miles, esse garoto tenta povoar toda a Inglaterra com seus filhos.

— E quanto a você? Que lugar compartilha? É o segundo filho, mas me parece o menos fácil de conhecer.

Stephen desviou o olhar.

— Não foi fácil quando eu era menino. Miles e Raine tinham um ao outro, Gavin a preocupação das propriedades e eu...

— Você foi deixado sozinho.

Stephen olhou para Judith, atônito.

— Você me enfeitiçou! Em poucos momentos lhe disse mais sobre mim do que já disse a qualquer outra pessoa.

Os olhos de Judith cintilaram.

— Se esta sua herdeira escocesa não tratá-lo bem, me avise e arrancarei os dois olhos dela.

— Vamos primeiro esperar que ela tenha os dois para começar.

Eles começaram a rir.

— Vamos nos apressar em comer estas frutas ou teremos que compartilhá-las. Se não me engano, meu irmão mais velho se aproxima.

— Sempre a encontrarei na companhia de outros homens? — Gavin franziu o cenho para eles.

— Você nunca vai me cumprimentar com outra coisa que não uma crítica? — Judith retrucou.

Stephen soltou uma gargalhada.

— Acho que deveria voltar para o acampamento. — Ele se inclinou e beijou a testa de Judith. — Se você precisar de ajuda, irmãzinha, eu também sei arrancar os olhos das pessoas.

Gavin agarrou o braço de seu irmão.

— Ela o conquistou também?

Stephen olhou de volta para sua cunhada, seus lábios manchados de rosa escuro com suco de framboesas.

— Sim. Se você não a quiser...

Gavin lançou-lhe um olhar de desgosto.

— Raine já a pediu.

Stephen riu e se afastou.

— Por que você deixou o acampamento? — Gavin perguntou enquanto se sentava ao lado dela e tirava um punhado de framboesas de seu colo.

— Chegaremos a Londres amanhã, não é?

— Sim. O rei e a rainha não te assustam, não?

— Não, não eles.

— E o que a assusta então?

— As mulheres da corte.

— Está com ciúme? — Ele riu.

— Eu não sei.

— Como eu poderia ter tempo para outras mulheres quando você está perto? Você me mantém tão cansado, que mal posso ficar sobre meu cavalo.

Ela não riu com ele.

— Só tem uma mulher que me dá medo. Ela nos separou antes. Não deixe que ela...

A expressão de Gavin ficou endurecida.

— Não fale dela. Tratei-te bem, e não me intrometo com o que fez com Demari. Mas você quer aprisionar minha alma.

— E ela é sua alma? — Judith perguntou calmamente.

Gavin olhou para ela, seus olhos quentes, sua pele suave e perfumada. As noites passadas de paixão inundaram sua memória.

— Não me pergunte. — Ele sussurrou. — Só tenho certeza de uma coisa, que minha alma não me pertence.


A primeira coisa que Judith notou em Londres foi o mau cheiro. Ela pensava que conhecia todos os cheiros que os humanos poderiam criar tendo passado verões em castelos invadidos pelo calor e excesso de população. Mas nada a preparara para Londres. Esgotos abertos corriam de cada lado das ruas de paralelepípedos, transbordando de todo tipo de lixo. De cabeças de peixe e vegetais apodrecendo, aos resíduos dos penicos, tudo estava nas ruas. Porcos e ratos corriam livremente, comendo o lixo e espalhando-o por toda parte.

As casas, de madeiras e estruturas de pedra tinham dois ou três andares de altura, e tão perto um do outro que pouco ar e nenhum sol circulavam entre eles. O horror que Judith sentiu deve ter se mostrado em seu rosto, pois tanto Gavin quanto Stephen riram dela.

— Bem-vinda à cidade dos reis. — disse Stephen.

Uma vez dentro das paredes de Winchester, o ruído e mau cheiro eram menores. Um homem veio tomar seus cavalos, e assim que Gavin ajudou Judith a desmontar do dela, virou-se para dar ordens sobre a bagagem, móveis e carretas.

— Não. — Disse Gavin. — Tenho certeza de que o rei foi informado de nossa chegada, e não vai gostar de esperar enquanto você coloca ordem em seu castelo.

— As minhas roupas estão limpas? Não estão muito amassadas? — Judith vestiu-se com cuidado naquela manhã, com uma túnica de seda preta e um vestido de veludo amarelo brilhante. As longas mangas penduradas estavam revestidas com o melhor sabre russo. Havia também uma larga margem de sabre ao longo da bainha do vestido.

— Está perfeita. Agora venha e deixe o rei olhar para você.

Judith tentou acalmar seu coração palpitante com a ideia de encontrar o rei da Inglaterra. Não sabia o que a esperava, mas achou que o salão era bastante comum. Homens e mulheres sentados, jogando xadrez e outros jogos. Três mulheres sentavam-se nos banquinhos aos pés de um homem bonito que tocava um saltério. Em nenhum lugar viu um homem que poderia ser o rei Henry.

Judith ficou espantada quando Gavin parou diante de um homem de meia-idade, de olhos azuis e cabelos brancos. Ele parecia muito cansado. Judith recuperou-se e rapidamente fez uma reverência.

O rei Henry pegou sua mão.

— Venha para a luz e deixe-me olhar para você. Ouvi muito sobre sua beleza. — Ele a levou para o outro lado, elevando-se sobre ela, pois ele tinha um metro e oitenta de altura. — Você é tão bonita quanto me disseram, venha aqui, Bess, — disse o rei Henry — e veja Lady Judith, a esposa de Gavin.

Judith virou-se e viu uma bela mulher de meia-idade atrás dela. Se estava surpresa de que Henry fosse o rei, não havia dúvida de que aquela mulher era a rainha. Era uma mulher régia, tão segura de si mesma, e demonstrava ser gentil e generosa. Seus olhos expressavam boas-vindas para Judith.

— Sua Majestade! — disse Judith e fez uma reverência.

Isabel estendeu a mão.

— Condessa! — disse a rainha. — Estou tão feliz que você pôde vir ficar conosco por um tempo. Eu disse algo errado?

Judith sorriu com a sensibilidade da mulher.

— É a primeira vez que me chamam de "condessa". Já faz algum tempo desde a morte de meu pai.

— Sim, foi uma tragédia, não foi? E o homem que fez a ação?

— Ele está morto. — Judith disse com firmeza, lembrando-se muito bem da sensação da espada afundando na espinha de Walter.

— Venha, deve estar cansada depois de sua viagem.

— Não, eu não estou.

Isabel sorriu com carinho.

— Então, talvez gostasse de vir ao meu quarto para um pouco de vinho.

— Sim, Majestade, eu gostaria.

— Vai me desculpar, Henry?

Judith de repente percebeu que tinha virado as costas para o rei. Virou-se, as bochechas coradas.

— Não se preocupe comigo, criança. — disse Henry, distraído. — Tenho a certeza de que Bess vai coloca-la para trabalhar nos planos de casamento do nosso filho mais velho, Arthur.

Judith sorriu e fez uma reverência para ele antes que seguisse a rainha pela larga escada até o andar de acima.


Capítulo Vinte e Quatro

Alice sentava-se num banquinho diante de um espelho numa grande sala no último andar do palácio. Ao seu redor havia uma profusão de cores vivas. Havia cetim roxo e verde, tafetás escarlates, brocados alaranjados. Cada tecido, cada peça foi escolhida como um instrumento para chamar a atenção para si mesma. Ela tinha visto os vestidos de Judith Revedoune em seu casamento e Alice sabia que o gosto da herdeira inclinava-se para as cores simples, tecidos finos e exuberantes. Alice queria chamar a atenção de Gavin com suas roupas brilhantes.

Usava uma túnica rosa pálido, os braços bordados com tranças rodadas e negras que desciam em redemoinhos. Seu vestido de veludo carmesim tinha profundas aberturas no lado e na saia foram aplicadas enormes flores silvestres de todas as cores conhecidas. A capa sobre seus ombros era seu orgulho. Era de brocado italiano, com chamativos animais entretecidos na trama, cada um tão grande quanto à mão de um homem, tecido em verde, roxo, laranja e preto. Ela tinha certeza de que ninguém a superaria hoje.

Era muito importante que Alice chamasse a atenção para si hoje porque voltaria a ver Gavin. Ela sorriu para si mesma no espelho. Sabia que precisava do amor de Gavin depois daquelas horas horríveis que passara com Edmund. Agora que era viúva, podia olhar para Edmund quase com carinho. É claro que o pobre homem só agiu assim porque estava com ciúmes.

— Olhe esta tiara! — Alice de repente ordenou a sua serva, Ella. — Acha que essa pedra azul combina com meus olhos, ou é muito clara? — Com raiva, arrancou o círculo dourado de sua cabeça. — Maldito seja o ourives, ele deve ter usado seus pés para fazer uma arte tão desajeitada.

Ella pegou a tiara de sua ama irritada.

— O ourives é o do próprio rei. O melhor de toda a Inglaterra, e a tiara é a mais bonita que ele já criou. — Ella a tranquilizou. — É claro que a pedra parece clara, nenhuma pedra poderia igualar a cor rica de seus olhos.

Alice olhou de volta para o espelho e começou a se acalmar.

— Você realmente acha isso?

— Sim. — Ella respondeu honestamente. — Nenhuma mulher poderia rivalizar com sua beleza.

— Nem mesmo aquela cadela Revedoune? — perguntou Alice, recusando-se a usar o nome de Judith.

— Minha lady, não planeja algo que vai contra a igreja, não é?

— Como poderia estar contra os ensinos da Igreja o que eu faço com ele? Gavin era meu antes que ela o tomasse, e será meu de novo!

Ella sabia por experiência que era impossível raciocinar com Alice quanto tinha algo em sua mente.

— Se lembra de que chora a morte de seu marido enquanto ela chora seu pai?

Alice riu.

— Eu imagino que sentimos o mesmo sobre esses dois homens, ouvi dizer que seu pai era ainda mais desprezível do que o meu amado marido.

— Não fale assim dos mortos.

— E não me repreenda, ou vou ver você servir a outra pessoa. — Era uma ameaça a que Ella não dava mais atenção. O pior castigo que Alice poderia imaginar era privar a uma pessoa de sua companhia.

Alice levantou-se e alisou seu vestido. Todas as cores e texturas brilharam e competiram umas com as outras.

— Você acha que ele vai me notar? — Ela perguntou sem fôlego.

— Quem não notaria?

— Sim. — Alice concordou. — Quem poderia não notar?


Judith estava silenciosa ao lado de seu marido, aturdida pelos muitos convidados do rei. Gavin parecia à vontade com todos eles. Um homem respeitado, sua palavra valorizada. Foi bom vê-lo em outro ambiente além de um estritamente pessoal. Apesar de suas brigas e disputas, ele cuidava dela e a protegia. Ele sabia que ela não estava acostumada a multidões, então a manteve perto dele, sem força-la a ficar com as mulheres, onde estaria entre estranhas. Recebeu muitas provocações sobre isso, mas sorriu de bom humor, sem constrangimento, ao contrario do que a maioria dos homens teria feito em sua situação.

As mesas de cavalete longas estavam sendo armadas para o jantar, os trovadores organizando seus músicos, os jograis, os acrobatas ensaiando suas acrobacias.

— Está se divertindo? — Gavin perguntou, sorrindo para ela.

— Sim. É tudo tão barulhento e ativo.

Ele riu.

— Vai ficar pior. Avise-me se ficar cansada, e nós nos retiraremos.

— Não se importa que eu fique tão perto de você?

— Me importaria se não o estivesse. Não te quereria em liberdade entre esta gente. Há muitos jovens e velhos, por exemplo, que te devoram com os olhos.

— Serio? — Judith perguntou inocentemente. — Não notei.

— Judith, não provoque esses homens. A moral da corte é muito fugaz, e não gostaria que você se visse presa em alguma rede de confusão por sua própria inocência. Fique comigo ou com Stephen. A menos que... — seus olhos endureceram em lembrança de Walter Demari — você deseje encorajar alguém.

Judith estava por dizer-lhe o que pensava de suas insinuações, mas um conde de algum lugar — ela nunca poderia recordar tantos nomes — veio falar com Gavin.

— Vou ficar com Stephen. — disse ela e caminhou ao longo da enorme sala até onde seu cunhado estava encostado na parede.

Stephen, como Gavin, estava vestido com uma rica roupa de lã escura. O de Stephen era marrom, o de Gavin era cinza. Os duplos coletes, ajustado no corpo, eram também de lã escura finamente tecida. Judith não pôde deixar de sentir um arrepio de orgulho por estar acompanhada de homens tão magníficos.

Judith notou uma jovem bonita, de rosto sardento, com um nariz virado para cima que insistentemente olhava para Stephen por trás das costas do pai.

— Ela parece gostar de você. — disse Judith.

Stephen não levantou os olhos.

— Sim. — Disse abatido. — Mas meus dias estão contados, verdade? Algumas semanas a partir de agora, e eu vou ter uma mulher anã marrom pendurada no meu braço, e terei que suportar seus chiados diante de algo que eu faça.

— Stephen! — Judith riu. — Certamente não poderia ser tão ruim quanto você pensa que ela é. Nenhuma mulher poderia ser. Olhe-me. Gavin não me viu antes de nosso casamento. Acredita que ele também se preocupava que eu era feia?

Ele olhou para ela.

— Você não sabe o quanto invejo meu irmão, não é apenas bela, mas sábia e gentil também. Gavin é o mais afortunado dos homens.

Judith sentiu as bochechas ficarem rosadas.

— Você me lisonjeia, mas eu gosto de ouvir.

— Não sou nenhum bajulador. — disse Stephen sem rodeios.

De repente, a atmosfera agradável no salão mudou, e tanto Stephen como Judith olharam para as pessoas ao seu redor, sentindo que uma parte da tensão estava voltada para eles. Muitas pessoas olhavam para Judith. Algumas em apreensão, algumas sorrindo friamente, outras em perplexidade e estranheza. Judith não entendia o que estava acontecendo.

— Judith, — disse Stephen — você viu o jardim? A rainha Isabel tem alguns lírios bonitos, e suas rosas são magníficas.

Judith franziu o cenho para ele, percebendo que a queria fora do salão por alguma razão. Várias pessoas se afastaram e ela viu o motivo da tensão. Alice Chatworth caminhava regiamente pelo salão, a cabeça alta, um sorriso quente em seu rosto. E o sorriso era para uma pessoa, Gavin.

Judith observou Alice em seu vestido que parecia espalhafatoso e mal combinado. Não encontrou beleza alguma naquela pele pálida, seus olhos, obviamente, obscurecidos por meios artificiais.

A multidão ficou mais calma quando o "segredo" de Alice e Gavin foi sussurrado de uma pessoa para outra. Judith virou-se da mulher para olhar para o marido. Gavin olhava para Alice com uma intensidade que era quase tangível. Seus olhos estavam hipnotizados por ela, e nada parecia quebrar o contato. Ele a observou aproximar-se lentamente e, quando ela estava perto, estendeu a mão. Ele a pegou e a beijou.

O riso do rei foi ouvido acima dos pequenos sons do salão.

— Vocês dois parecem se conhecer.

— Em efeito, conhecemo-nos. — Gavin respondeu, sorrindo lentamente.

— Certamente. — Alice respondeu, dando-lhe um sorriso recatado, de lábios fechados.

— Acho que gostaria de ver o jardim agora. — Judith disse rapidamente e pegou o braço estendido de Stephen.

— Judith ouça-me... — começou Stephen quando eles estavam sozinhos no lindo jardim.

— Não me fale dela. Não há nada que você possa dizer que me dê conforto, sempre soube dela, desde o dia de nosso casamento. — Ela olhou para um arbusto de rosa, o ar pesado com a fragrância. — Ele nunca mentiu a respeito. Não me escondeu que a ama ou tentou fingir que sente carinho por mim.

— Judith, basta! Pare com isso. Não pode aceitar a essa mulher.

Judith voltou-se para Stephen.

— E o que mais posso fazer? Ora, me diga o que, por favor! Ele acredita que eu sou perversa em cada coisa que faço. Se fui até ele quando foi mantido em cativeiro, acredita que fui para o meu amante Se concebi seu filho, acredita que pertence para outro.

— A criança é de Gavin?

— Vejo que ele lhe disse o que pensa, que meu bebê é do Demari.

— Por que não lhe diz a verdade?

— Para que me chame de mentirosa? Não, obrigada, essa criança é minha, não importa o pai.

— Judith, significaria muito para Gavin saber que a criança é dele.

— Você vai correr e contar a ele? — Ela perguntou acaloradamente. — Derrubará a sua amante para chegar perto dele? A notícia vai fazê-lo muito feliz, tenho certeza. Ele tem as terras Revedoune, um herdeiro a caminho, e sua loira Alice para amar. Perdoe-me se eu sou egoísta o suficiente para querer manter alguma coisa pequena para mim, por um tempo.

Stephen sentou-se em um banco de pedra e olhou para ela. Ele sabia que era melhor não confrontar seu irmão mais velho no momento em que estava tão zangado. Uma mulher como Judith não merecia tanta negligência e maus tratos como Gavin a tratava.

— Minha lady. — chamou uma mulher.

— Aqui, Joan. — respondeu Judith. — O que quer?

— As mesas estão preparadas para o jantar e você deve vir.

— Não, não vou. Por favor, diga que estou indisposta. Meu estado servirá de desculpa.

— E deixar que a puta o tenha? — Joan gritou. — Você deve participar.

— Concordo Judith. — Disse Stephen.

Joan girou, sem ter percebido a presença de Stephen. Ela ficou ruborizada. Ela ainda não havia superado a surpresa pela beleza impressionante dos homens da nova família de sua ama. Até mesmo o modo como se moviam a fazia tremer de desejo.

— Você planeja atacá-lo aqui? — Perguntou Judith. — Você às vezes se esquece de onde está, Joan.

— São os homens que me obrigam a esquecê-lo. — murmurou a criada. — Lorde Gavin perguntou por você.

— Estou feliz por ele se lembrar de mim. — Ela disse sarcástica.

— Sim, eu me lembrei de você. — Gavin disse do portão. — Vá — disse ele à serva. — Gostaria de falar com minha mulher a sós.

Stephen ficou de pé.

— Eu também irei. — Dirigiu a seu irmão um olhar duro, depois saiu.

— Não me sinto bem. — disse Judith. — Preciso ir ao meu quarto.

Gavin agarrou seu braço e aproximou-se dela. Seus olhos olharam-no friamente. Quanto tempo se passou desde que ela olhou para ele assim!

— Judith, não me odeie de novo.

Judith tentou afastar-se dele.

— Você me humilha, e não posso demostrar raiva, não sabia que você pensava que eu era uma santa. Talvez eu devesse fazer um pedido de canonização.

Ele riu de sua aguda inteligência.

— Eu não fiz nada além de olhar para ela e beijá-la na mão. Não a via faz um tempo.

Judith zombou dele.

— Olhar para ela? — Ela sibilou. — Os juncos estavam quase incendiando.

Gavin olhou para sua esposa com admiração.

— Você está com ciúmes? — Ele perguntou calmamente.

— Daquela loira que deseja o meu marido? Não, encontraria uma candidata mais digna se eu tivesse ciúmes.

Os olhos de Gavin brilharam por um momento. Ele nunca tinha permitido ninguém dizer nada contra Alice.

— Sua raiva diz que você mente.

— Raiva! — Disse ela, depois se acalmou. — Sim, estou zangada porque você exibe sua paixão para todos verem. Você me envergonhou diante do rei. Não viu como as pessoas olhavam-me e sussurravam? — Ela queria machucá-lo. — Quanto ao ciúme, é preciso amar para que essa emoção ocorra.

— E você me dá amor? — Perguntou friamente.

— Eu nunca disse isso, não é? — Ela não podia ler sua expressão. Não sabia se machucava ou não Gavin. Mas mesmo que o machucasse, suas palavras cruéis não lhe davam prazer.

— Venha, então. - disse ele, tomando seu braço. — O rei espera por nós, e você não vai insultá-lo com sua ausência. Se for realmente o seu desejo parar a fofoca, deve representar o papel de esposa amorosa.

Judith o seguiu docilmente, sua raiva estranhamente desaparecida.

Como convidados recém-chegados e aqueles a serem especialmente honrados, Gavin e Judith foram sentados ao lado do rei e rainha, Judith à direita do rei, Gavin à esquerda da rainha e ao lado de Gavin, Alice.

— Você parece perturbada — disse o rei Henry a Judith.

Ela sorriu.

— Não, é só a jornada e a criança que me cansam.

— Uma criança, tão cedo? Tenho certeza de que Lorde Gavin está especialmente satisfeito com isso.

Ela sorriu, mas não pôde responder.

— Gavin, — Alice disse suavemente para que nenhum outro ouvido escutasse suas palavras — faz tanto tempo que não te via. — Ela era cautelosa com ele, pois sentia que as coisas haviam mudado entre eles. Evidentemente, não esquecera seu amor por ela, e ainda podia olhá-la como antes. Mas ele acabava de beijar sua mão quando seus olhos se afastaram dela e esquadrinharam o salão. Eles pararam quando viu a esposa se retirar. Momentos depois, ele a abandonou e seguiu Judith.

— Minhas condolências pela morte precoce de seu marido. — disse Gavin friamente.

— Você vai achar que sou cruel, mas lamento muito pouco sua morte. — murmurou Alice tristemente. — Ele era... indelicado comigo.

Gavin olhou-a bruscamente.

— Mas ele não era o marido de sua escolha?

— Como você pode dizer isso? Eu fui forçada a aceitar esse casamento... Oh, Gavin, se você tivesse esperado, poderíamos estar juntos agora, mas tenho certeza de que o rei nos permitirá casarmos. — Ela pôs a mão em seu braço.

Ele olhou para a mão dela, tão fina e pálida, e então de volta para seus olhos.

— Você se esquece de que estou casado, que tenho uma esposa?

— O rei é um homem compreensivo. Ele nos ouvirá. Seu casamento pode ser anulado.

Gavin voltou-se para a comida no seu prato.

— Não me fale de anulação. Eu ouvi essa palavra o suficiente para me durar uma vida. Ela carrega uma criança. Mesmo o rei não dissolveria um casamento nestas condições.

Gavin dedicou sua atenção à rainha e começou a fazer perguntas sobre o casamento do príncipe Arthur com a Catalina, princesa da Espanha, que estava próximo.

Alice ficou silenciosa, pensando nas palavras de Gavin. Queria saber por que ele estava cansado da palavra “anulação” e por que se referia ao bebê de sua esposa como "uma criança" quase como se não o tivesse gerado.

Uma hora depois, as mesas estavam limpas e empilhadas contra a parede, dando espaço para qualquer pessoa que se quisesse dançar.

— Você dançaria comigo? — Perguntou Gavin à esposa.

— Devo pedir permissão? — Perguntou ela, olhando para Alice, que se sentava entre vários jovens admiradores.

Os dedos de Gavin apertaram o braço de Judith.

— Está sendo injusta comigo, não foi eu quem distribuiu os assentos para o jantar. Estou fazendo tudo o que estiver ao meu alcance para tranquilizá-la, mas há algumas coisas que não consigo controlar.

— Talvez eu esteja agindo de forma irracional — ela pensou.

— Sim, vou dançar com você.

— Ou talvez prefira um passeio no jardim. — Ele sorriu. — É uma noite quente.

Ela hesitou.

— Venha comigo, Judith.

Eles mal passaram pelo portão quando ele a puxou para seus braços e a beijou com fome. Ela se agarrou a ele desesperadamente.

— Minha doce Judith. — ele sussurrou. — Não sei se posso suportar mais a sua raiva. Machuca-me profundamente quando me olha com ódio.

Ela se derreteu contra ele. Era o mais próximo que chegou de dizer que se importava com ela. Poderia confiar nele, acreditar nele?

— Venha para cima comigo. Vamos para a cama, e não voltemos a discutir novamente.

— Está me dizendo palavras suaves na esperança de que eu não fique fria na cama? — Ela perguntou suspeitosamente.

— Digo palavras suaves porque eu as sinto. Não quero que elas sejam jogadas de volta para mim.

— Eu... Peço desculpas, foi cruel contigo.

Ele a beijou novamente.

— Pensarei em algum jeito de que me peças desculpas pelo seu temperamento precipitado.

Judith deu uma risadinha e ele sorriu calorosamente, sua mão acariciando sua têmpora.

— Venha comigo se não quer que a possua no jardim do rei.

Ela olhou para o lugar escuro, como se estivesse considerando.

— Não! — Ele riu. — Não me tente. — Ele pegou sua mão e a levou subindo as escadas até o último andar da mansão. O enorme quarto havia sido dividido em pequenos quartos para a noite com biombos de carvalho.

— Milady. — disse Joan sonolenta quando os ouviu se aproximar.

— Esta noite não precisaremos de seus serviços. — Gavin disse dispensando-a.

Joan revirou os olhos e saiu pelo labirinto de biombos.

— Ela está de olho em seu irmão. — disse Judith.

Gavin levantou uma sobrancelha.

— Por que você se importaria com o que Stephen faz com suas noites?

Judith sorriu para ele.

— E você desperdiça a nossa em conversa desnecessária. Vou te ajudar com esses botões.

Gavin estava se tornando bastante eficiente em despir sua esposa. Quando começou a tirar suas próprias roupas, Judith sussurrou:

— Deixe-me fazê-lo, serei teu escudeiro esta noite. — Ela desabotoou o cinto que segurava o gibão sobre seu ventre duro e achatado e passou sobre sua cabeça. A túnica de mangas compridas veio em seguida, expondo seu peito e a parte superior das coxas entre a calça e as roupas íntimas.

Uma grossa vela queimava junto à cama. Ela empurrou Gavin para perto da luz, olhando para seu corpo com interesse. Judith o explorou com as mãos, mas nunca tão completamente com os olhos. As pontas de seus dedos corriam sobre os músculos de seu braço e seu ventre ondulado.

— Você gosta? — Perguntou, com os olhos escuros.

Ela sorriu-lhe. Às vezes ele parecia ser um garotinho, preocupado se ela gostava ou não. Ela não respondeu, mas o deitou na cama e desamarrou sua calça, jogando-a para longe de suas pernas musculosas. Gavin ficou imóvel, como se tivesse medo de quebrar o feitiço. Judith deslizou suas mãos desde seus pés, pelos os lados até seus quadris, e habilmente desamarrou o calção de linho preso a cintura por um cadarço. Suas mãos percorreriam seu corpo.

— Você me agrada. — ela disse enquanto o beijava. — E a você, eu agrado?

Ao invés de responder, empurrou-a para a cama e deitou-se em cima dela. Sua paixão era tanta que não podia esperar por ela muito tempo, mas Judith também precisava dele, tão ferozmente quanto ele necessitava dela.

Mais tarde, Gavin segurava-a estreitamente em seus braços ouvindo sua respiração serena. Perguntava-se quando se apaixonara por ela. Talvez já estivesse apaixonado quando a levou para casa e a deixou na soleira da porta. Sorriu lembrando-se de como estava bravo porque ela ousou desafiá-lo. Beijou sua testa adormecida. Judith seguiria desafiando-o mesmo quando tivesse noventa anos. A ideia realmente era atrativa.

E quanto a Alice? Quando havia deixado de amá-la? Alguma vez a amou? Talvez tenha sido somente a paixão de um jovem por uma bela mulher. Ela era linda, era verdade, e esta noite ficou surpreso quando a viu de novo, seu brilho o havia ofuscado de certo modo. Alice era uma mulher gentil, suave e boa, tão doce quanto Judith era ácida. Mas nos últimos meses ele tinha aprendido a gostar um pouco de vinagre com sua comida.

Judith se moveu em seus braços e ele a trouxe para mais perto. Acusava-a de desonestidade, mas ele realmente não acreditava em suas próprias palavras. Carregava o filho de outro homem, então, o tinha concebido enquanto tentava proteger seu marido. Equivocadamente, com certeza, mas no fundo seu coração era cheio de bondade. Ela desistiria de sua própria vida para salvar a mãe, e até mesmo um marido que não a tratava bem.

Abraçou-a tão forte que ela acordou, lutando para respirar.

— Está me estrangulando! — Ela ofegou. Ele beijou seu nariz.

— Já lhe disse que gosto de vinagre? — Ela o olhou sem compreender.

— Que tipo de esposa é você? — Perguntou Gavin. — Não sabe como ajudar seu marido a dormir? — Esfregou sua pélvis contra o corpo dela e ela arregalou seus olhos. — Dormir assim me causaria muita dor. Você não gostaria disso, não é?

— Não. — Ela sussurrou com os olhos meio fechados. — Não tem que suportar tanta dor.

Era Gavin quem estava excitado, Judith estava envolta em uma luz vermelha e prateada. Ele passava as mãos sobre seu corpo como se nunca tivesse tocado nela antes, e sua carne fosse algo novo. Depois que suas mãos se familiarizaram com sua pele macia e lisa, começou a explora-la com os olhos.

Judith gritou em um desejo desesperado, mas ele somente riu e afastou suas mãos de seus ombros. Quando ela estava tremendo de desejo, a penetrou e juntos, quase que instantaneamente, alcançaram o alivio de sua paixão. Eles adormeceram acoplados. Gavin ainda em cima dela.

Quando Judith acordou na manhã seguinte, Gavin não estava na cama. A cama estava deserta e vazia. Joan a ajudou a colocar um vestido de veludo marrom, o decote quadrado e profundo. Suas mangas estavam forradas com pele de raposa. Sobre o peito e ao redor da cintura usava cordões dourados, presos no ombro com um broche de diamante. Na ceia, haviam falado sobre um dia de caça com arcos, e ela queria participar.

Gavin a esperava ao pé da escada, seus olhos dançando de prazer.

— Que dorminhoca é! Tinha a esperança de encontrá-la na cama e talvez me juntar a você.

Ela sorriu provocadora.

— Devo voltar?

— Não, não agora. Tenho notícias para dar-te. Falei com o rei e ele concorda em permitir que John Bassett se case com sua mãe. O rei Henrique era galês, descendente de plebeus.

Ela o olhou fixamente.

— Isso não te agrada?

— Oh, Gavin! — Judith se lançou dos degraus em seus braços. O abraçou tão apertado pelo pescoço, que ele quase sufocou. — Muito obrigada, milhares de vezes, obrigada.

Ele a abraçou rindo.

— Se soubesse que sua reação teria sido assim, teria conversado com o rei ontem à noite.

— Pois ontem à noite não poderia assimilar mais do que tinha. — Judith disse seca.

Ele riu e apertou-a até que ela pediu por liberdade a gritos, suas costelas quase quebrando.

— Acredita que não? — Gavin desafiou. — Provoque-me um pouco mais e vou levá-la para a cama e mantê-la lá até que esteja muito dolorida para andar.

—Gavin! — Ofegou, seu rosto vermelho. Ela olhou ao redor para ver se alguém estava ouvindo.

Ele riu por entre dentes e beijou-a levemente.

— Minha mãe sabe do casamento dela?

— Não. Pensei que talvez você gostaria de dizer pessoalmente a ela.

— Tenho vergonha de dizer que nem sei onde ela está.

— Mandei John cuidar do alojamento dos meus homens. Suponho que a sua mãe esteja perto dele.

— É verdade, ela não costuma sair do lado dele. Gavin, obrigada, foi muito gentil de sua parte me conceder esse favor.

— Eu gostaria de poder lhe conceder tudo o que desejasse. — Ele disse suavemente.

Ela o olhou, maravilhada.

— Vá então. — Ele sorriu. — Dê a sua mãe a noticia, depois se junte a mim no pátio para a caçada. — Colocou-a no chão, e deu-lhe uma olhada com preocupação. — Está bem o suficiente para montar?

Era a primeira vez que mencionava a criança sem raiva.

— Sim. — Respondeu ela sorrindo. — Estou muito bem. A rainha Isabel disse que o exercício me fará bem.

— Bem, apenas não exagere. — Gavin advertiu.

Ela sorriu e se virou reconfortada por aquele interesse. Sentia-se leve de felicidade.

Judith desceu as escadas e saiu do grande salão. O enorme pátio, que estava dentro das muralhas vigiadas estava cheio de gente. O barulho era quase ensurdecedor quando homens e mulheres gritavam com os criados e os criados gritavam uns com os outros. Tudo parecia tão desorganizado que Judith se perguntou como tudo era feito. Um longo edifício ficava no fim do pátio. Os cavalos galopavam pelo lado de fora, segurados pelos cavalariços. Era obviamente o estábulo.

— Ah, se não é a pequena ruiva. — Murmurou uma voz ronronante que parou Judith instantaneamente. — Está indo para algum encontro com um amante, talvez?

Judith parou e olhou para Alice Chatworth. Sua inimiga, cara a cara.

— Tenho certeza que você deve se lembrar de mim. — Alice disse docemente. — Nos conhecemos no seu casamento.

— Lamento não ter podido assistir ao seu, embora Gavin e eu compartilhássemos sua mensagem de amor eterno. — Judith respondeu no mesmo tom.

Os olhos de Alice dispararam fogo azul, seu corpo endureceu.

— Sim, é lamentável que tudo tenha terminado tão cedo.

— Terminado?

Alice sorriu.

— Não soube? Meu marido, pobrezinho, foi assassinado enquanto dormia. Agora, sou viúva e livre. Oh, sim, muito livre. Presumi que Gavin lhe contou... Ele estava muito interessado em meu novo... ah, estado civil.

Judith virou-se e saiu andando rapidamente. Não, ela não sabia que Alice havia enviuvado. Agora só ela estava entre aquela mulher e Gavin. Já não havia Edmund Chatworth para impedi-los.


Capítulo Vinte e Cinco

Judith continuou a caminhar em direção aos estábulos, embora não tivesse ideia para onde estava indo. Sua mente só estava ciente do fato de que Alice Chatworth era uma viúva.

— Judith.

Ela levantou a vista e conseguiu sorrir para a mãe.

— Vai participar da caçada hoje?

— Sim. — Ela disse, havia perdido a alegria de seu dia.

— O que está errado?

Judith tentou sorrir.

— É que eu vou perder a minha mãe, só isso. Sabia que Gavin deu permissão para seu casamento com John Bassett?

Helen olhou para a filha. Não falou nem sorriu. Lentamente, a cor sumia de seu rosto. Caiu para frente nos braços da filha.

— Socorro! — Judith conseguiu exclamar.

Um jovem alto que estava perto correu para elas e rapidamente levantou Helen.

— Para os estábulos. — Ordenou Judith. — Onde não tenha sol.

Quando ficaram na sombra, Helen começou a se recuperar quase que instantaneamente.

— Mãe, está bem?

Helen olhou significativamente para o jovem. Que entendeu o olhar.

— Vou deixá-las sozinha. — disse ele e afastou-se antes que Judith pudesse agradecê-lo.

— Eu... não sabia. — Helen ofegou. — Quero dizer, não sabia que Lorde Gavin sabia do meu amor por John.

Judith conteve uma gargalhada.

— Pedi-lhe permissão há algum tempo, mas ele queria consultar o rei. O seu casamento será incomum.

— E em breve. — murmurou Helen.

— Em breve, mãe!

Helen sorriu como uma criança presa em alguma travessura.

— Sim... a verdade... Vou ter o seu filho.

Judith afundou em uma pilha de feno.

— Devemos dar a luz juntas? — Judith perguntou maravilhada.

— Quase!

Judith começou a rir.

— Os arranjos do casamento devem ser rápidos, assim o bebê poderá ter direito a um sobrenome.

— Judith! — Ela levantou a cabeça e viu Gavin se aproximando delas.

— Um homem disse que sua mãe passou mal.

Ela se levantou e pegou seu braço.

— Vamos. Temos que conversar.

Momentos depois, Gavin balançava com a cabeça.

— E pensar que acreditei que John Bassett fosse um homem sensato!

— Ele está apaixonado. Homens e mulheres fazem coisas insensatas quando estão apaixonados.

Gavin olhou em seus olhos, o ouro especialmente brilhante à luz do sol.

— Estou bem ciente disso.

— Por que não me disse que ela estava viúva? — Judith perguntou calmamente.

— Quem? — Ele perguntou honestamente intrigado.

— Alice, quem mais?

Ele encolheu os ombros.

— Não pensei em lhe contar. — Sorriu. — Acho que tenho outros pensamentos quando você está perto de mim.

— Você está tentando mudar de assunto?

Ele agarrou Judith pelos ombros, levantando-a do chão.

— Não sou eu que vive obcecado com essa mulher, mas você! Se não posso te fazer raciocinar, vou tentar faze-la compreender a sacudidas. Você gostaria de ser sacudida em público?

Ele balançou a cabeça em admiração quando ela sorriu-lhe docemente.

— Prefiro participar da caçada. Pode me ajudar a montar meu cavalo?

Ele olhou para ela por um momento, depois a colocou no chão. Nunca entenderia as mulheres. A caçada foi emocionante para Judith. Um pequeno falcão repousava em um poleiro preso a sua sela. Seu falcão derrubou três cegonhas, e ela ficou satisfeita com a caçada do dia.

Gavin não teve tanta sorte. Ele acabava de montar sua sela quando recebeu uma mensagem sussurrada no seu ouvido por uma donzela. Stephen queria se encontrar com ele por assuntos particulares, há três milhas fora das muralhas do castelo. Seu irmão pedia que ele não contasse a ninguém sobre o encontro, nem mesmo a sua esposa. Gavin ficou intrigado com a mensagem, pois não soava como sendo de Stephen. Ele deixou o grupo de caça enquanto Judith estava envolvida no voo de seu falcão, amaldiçoando seu irmão por afastá-lo de uma visão tão linda.

Gavin não foi direto ao local indicado, mas amarrou seu cavalo a certa distância e se aproximou cautelosamente, a espada desembainhada.

— Gavin! — Alice disse, sua mão sobre o peito. — Você me deu um susto terrível.

— Onde está Stephen? — Gavin perguntou, ainda olhando para o lugar com cautela.

— Gavin, por favor, afaste sua espada. Assusta-me! — Alice sorria, mas em seus olhos não se via medo algum.

— Você me chamou aqui, e não Stephen?

— Sim, era a única maneira para trazê-lo aqui. — Ela baixou os olhos. — Pensei que você queria me ver a sós.

Gavin guardou sua espada. Era um lugar calmo e isolado, bem parecido com aquele onde ela costumava encontrá-lo quando eram solteiros.

— Ah, então você também pensa naqueles tempos. Venha, sente-se perto de mim, temos muito que conversar.

Gavin olhava para ela e sem querer, começou a compará-la com Judith. Alice era bonita, sim, mas sua pequena boca, com seu sorriso de lábios fechados, parecia pouco generosa e quase mesquinha. Seus olhos azuis lembravam mais o gelo, em vez de safiras. E o vermelho, laranja e o verde que usava pareciam chocantes ao invés de brilhantes, como costumava recordar de suas roupas.

— As coisas mudaram tanto que se senta tão longe de mim?

— Sim, é verdade. — Gavin não viu o breve franzido de sobrancelha que cruzou sua fronte pálida.

— Ainda está bravo comigo? Eu disse a você uma e outra vez que me casaram contra minha vontade com Edmund. Mas agora que eu estou viúva poderemos...

— Alice, — ele interrompeu — por favor, não fale mais sobre isso. — Tinha que dizer a ela, e temia feri-la. Ela era tão suave e delicada, tão incapaz de suportar as dores da vida. — Não deixarei Judith, nem por anulação, nem divórcio ou qualquer outro meio antinatural.

— Não... não entendo. Agora temos a oportunidade de ficarmos juntos.

Ele cobriu a mão dela com a sua.

— Não, não temos.

— Gavin, o que você está dizendo?

— Eu a amo. — Ele disse simplesmente.

Os olhos de Alice brilharam por um momento. Logo recuperou o domínio de si.

— Mas me disse que não se apaixonaria. No dia do seu casamento, me prometeu que não a amaria.

Gavin quase sorriu com a recordação. Dois votos foram feitos naquele dia. Judith havia jurado não dar-lhe nada de boa vontade, apenas o que ele tomasse. E que encantadoramente havia quebrado esse juramento! E ele também quebrou o juramento dele.

— Não se lembra de que ameaçou tirar a própria vida? Eu teria feito ou dito qualquer coisa para impedi-la.

— E agora não se importa mais com o que eu faça com minha vida?

— Não, não se trata disso! Sabe que sempre terá um lugar no meu coração. Foi meu primeiro amor, e jamais vou te esquecer.

Alice olhou para ele, de olhos arregalados.

— Você fala como se eu já estivesse morta. Diga-me, ela tomou todo o seu coração sem deixar-me nada?

— Te disse que tinha uma parte, Alice. Não faça isso conosco. Deve aceitar o que aconteceu.

Alice sorriu, seus olhos começando a encher-se de lágrimas.

— Devo aceitar com a fortaleza de um homem? Gavin, eu sou uma mulher. Uma mulher débil e frágil. Mesmo que seu coração tenha esfriado para mim, o meu não faz nada que não arder mais e mais quando te vejo. Sabe o que foi como estar casada com Edmund? Ele me tratou como uma serva, trancava-me no meu quarto constantemente.

— Alice...

— E pode adivinhar por quê? Porque mandou me vigiar no dia de seu casamento. Sim, ele sabia que estivemos sozinhos no jardim. Também sabia dos momentos em que estivemos sozinhos em sua tenda. Lembra-se do beijo que me deu com tanto carinho, na manhã após seu casamento?

Gavin assentiu, não querendo ouvir aquela confissão.

— Durante nossa vida de casados, ele nunca perdeu um momento para me lembrar do tempo que passei com você. Mas eu aguentei tudo, de boa vontade, quase com alegria, porque sabia que você me amava. Cada noite solitária que passei acordada e pensando em você, e seu amor por mim.

— Basta Alice, você deve parar.

— Diga-me... — ela insistiu em voz baixa. — Não pensou uma vez em mim?

— Sim. — Ele respondeu com honestidade. — No principio sim. Judith é uma boa mulher, gentil, bondosa e amorosa. Nunca pensei que a amaria. Bem sabes que era um casamento de conveniência.

Alice suspirou.

— O que devo fazer agora? Meu coração é seu. Como sempre foi e sempre será.

— Alice, isso não vai ajudar em nada. Entre nós está tudo acabado. Agora estou casado e amo minha esposa. Seu caminho e o meu precisa se separar.

— Que frio está comigo. — Alice tocou seu braço, então moveu sua mão até seu ombro. — Em outros tempos não era tão frio.

Gavin lembrava-se claramente de como faziam amor. Ele cego por seu amor por ela, acreditava que qualquer coisa que ela fizesse, era a maneira como deveria ser feito. Mas agora, depois de meses de paixão com Judith, a ideia de deitar com Alice quase o repugnava. O jeito que ela não suportava ser tocada nem antes ou depois da copula. Não, com Alice era puro sexo, um impulso animal, nada mais.

Alice viu a expressão em seu rosto, mas não a compreendeu. Continuou acariciando-lhe até que tocou seu pescoço. Gavin se levantou imediatamente. Alice também se levantou, tomava sua relutância a seu toque como um sinal de seu desejo crescente por ela. Ela se colou corajosamente contra ele, seus braços ao redor de seu pescoço.

— Eu vejo que você se lembra. — Ela sussurrou, erguendo o rosto para beija-lo. Gavin desviou com suavidade. Gentilmente retirou seus braços de seu pescoço.

— Não, Alice.

Alice o fulminou com o olhar, suas mãos apertadas em punhos aos seus lados.

— Tanto te impressiona essa mulher que tem medo dela?

— Não. — Gavin disse surpreso, tanto com o seu raciocínio, quanto com sua explosão. A raiva não era natural para Alice, que era sempre tão doce.

Alice rapidamente percebeu que cometeu um erro ao revelar suas verdadeiras emoções. Ela piscou os olhos até que grandes lágrimas se formaram como pedras preciosas.

— Isto é um adeus. — ela sussurrou. — Não posso nem ter um último beijo? Negaria-me isso, depois de tanto que nos amamos?

Era tão delicada e ele a tinha amado tanto. Ele limpou uma lágrima de sua bochecha com a ponta do dedo.

— Não! — Ele sussurrou. — Não negaria um último beijo. — Ele tomou-a suavemente em seus braços e a beijou docemente.

Mas Alice não queria doçura. Gavin esquecera-se de sua violência. Ela empurrou sua língua em sua boca, esfregando os dentes contra seus lábios. Ele não sentiu qualquer sinal de ardor como o teria sentido antes, mas apenas uma fraca sensação de aversão. Queria afastar-se daquela mulher.

— Preciso ir. — disse ele, escondendo sua repugnância.

Alice sentiu que algo estava muito errado. Ela pensou em domina-lo através desse beijo, mas não havia sido assim. Contrariamente, Gavin estava mais distante do que antes. Ela mordeu a língua para não soltar suas palavras afiadas e conseguiu um olhar adequadamente triste, enquanto ele caminhava através das árvores para o seu cavalo que o esperava.

— Maldita seja sua cadela! — Alice disse com os dentes cerrados. Aquela bruxa de cabelos ruivos roubou seu homem!

Ou pelo menos ela pensava que tinha. Alice começou a sorrir. Talvez aquela mulher Revedoune pensasse que conquistou Gavin, que pudesse manobra-lo com seu dedo mínimo. Mas ela estava enganada! Alice não permitiria que alguém tomasse o que era dela. Não, ela iria lutar pelo que lhe pertencia e Gavin era dela... ou seria novamente.

Esforçou-se muito para chegar onde estava, na corte do rei e perto de Gavin; Ela até permitiu que o assassino de seu marido escapasse. Observaria a mulher e descobriria sua fraqueza. Então Alice recuperaria o que era dela. Mesmo que decidisse depois se desfazer de Gavin, essa era sua decisão e não dele!

Gavin voltou rapidamente para a caçada. Tinha partido por um longo tempo, mas esperava que ninguém tivesse sentido a sua falta. Elevou uma oração silenciosa de agradecimento que Judith não o viu beijando Alice. Nenhuma explicação no mundo a teria pacificado. Mas tudo isso acabou. Fora difícil, mas tinha dito a Alice e agora estava para sempre livre dela.

Gavin viu sua esposa à frente, balançando sua isca para atrair seu falcão de volta ao poleiro. De repente, desejou-a de forma intensa. Incitou sua montaria para frente até que estavam quase galopando juntos quando alcançou seu cavalo. Ele se inclinou para frente e tirou-lhe as rédeas.

— Gavin! — Gritou Judith enquanto agarrava-se a sela. Seu falcão batendo as asas de medo.

As pessoas ao seu redor riam as gargalhadas.

— Estão casados há quanto tempo?

— Não o tempo suficiente! — Veio à resposta.

Gavin parou os dois cavalos quando estavam a alguma distância, em uma clareira isolada.

— Gavin, você perdeu a cabeça? — Perguntou Judith.

Ele desmontou de seu cavalo, em seguida, tirou-a do dela. Não falou uma palavra sequer, começou a beijá-la com fome.

— Estava pensando em você. — Ele sussurrou. — E quanto mais pensava em você, mais meu desejo... crescia.

— Eu posso sentir sua necessidade. — Ela olhou em volta. — Este é um lugar bonito, não é?

— Não poderia ser mais bonito.

— Sim, poderia. — ela respondeu enquanto se deixava beijar.

O doce ar do verão ao ar livre aumentava a sua paixão, assim como a ideia ligeiramente impertinente, que estavam fazendo algo que não deveriam em algum lugar inapropriado. Judith riu quando Gavin fez um comentário sobre as numerosas crianças do Rei Henrique. Ele interrompeu seu riso com os lábios.

Desfizeram-se das roupas um do outro apressadamente e fizeram amor como se não tivessem se visto há anos. Saciados, permaneceram abraçados envoltos na aquecida luz solar e o delicado cheiro de flores silvestres.


Capítulo Vinte e Seis

Alice olhava por cima das muitas cabeças dos homens ao seu redor para o homem magro, loiro, bonito, encostado na parede. Ele tinha uma expressão pensativa no rosto que ela reconheceu como a de alguém apaixonado. Ela sorriu docemente para um homem próximo, mas Alice não estava ouvindo. Sua mente estava completamente absorvida lembrando-se desta tarde, quando Gavin disse que estava apaixonado por sua esposa. Ela observou-o enquanto Gavin segurava a mão de sua esposa e a conduzia pelos intrincados passos de uma dança. Não importava que Alice tivesse vários homens jovens a seus pés. Ser desprezada por Gavin só a fez querer-lhe mais. Se ele tivesse jurado que a amava ainda, talvez, ela tivesse considerado uma das muitas propostas de casamento oferecidas a ela. Mas Gavin a rejeitou, e agora sabia que devia tê-lo. Somente uma coisa estava em seu caminho, e que ela planejava tirar.

O jovem loiro olhava para Judith com fascínio, seus olhos nunca a deixando. Alice notara-o no jantar quando olhou para a mesa alta, nem sequer piscando enquanto olhava insistentemente para Judith. Alice percebeu que a mulher era estúpida demais para sequer tomar consciência de um admirador, pois os olhos de Judith nunca saíam de Gavin.

— Pode me dar licença? — Alice murmurou poderosa e descartou os homens ao redor dela enquanto caminhava em direção ao jovem apoiado contra a parede.

— Ela é linda, não é? — Alice perguntou, rangendo os dentes com as palavras.

— Sim. — ele sussurrou. A palavra vindo de sua alma.

— É triste ver uma mulher como ela tão infeliz.

O homem se virou e olhou fixamente para Alice.

— Não parece infeliz.

— Não, porque dissimula bem, mas a infelicidade existe.

— Você é Lady Alice Chatworth?

— Sim, e você?

— Alan Fairfax, minha linda condessa — respondeu, curvando-se e beijando-lhe a mão. — A seu serviço.

Alice riu alegremente.

— Não sou eu quem precisa do seu serviço, mas Lady Judith.

Alan olhou para os dançarinos.

— Ela é a mulher mais linda que já vi. — Sussurrou.

Os olhos de Alice soltaram chispas como vidro azul.

— Confessou-lhe o seu amor?

— Não! — Ele disse, franzindo a testa. — Eu sou um cavaleiro, fiz um juramento de honrar. E ela é uma mulher casada.

— Sim, ela é. Ainda que este matrimônio seja infeliz.

— Ela não parece ser infeliz. — Repetiu enquanto observava o objeto de suas afeições que olhava para seu marido com grande ardor.

— Conheço-a a muito tempo. Em verdade está angustiada. Ontem estava chorando dizendo-me que precisava desesperadamente de alguém para amar. Alguém que fosse doce e gentil com ela.

— O marido dela não é? — Alan estava preocupado.

— Não é do conhecimento comum, — Alice baixou a voz — mas ele bate nela com frequência.

Alan voltou a observar Judith.

— Não acredito em você.

Alice deu de ombros.

— Não é minha intensão espalhar fofocas. Ela é minha amiga e eu gostaria de ajudá-la. Não ficarão na corte por muito tempo, e eu esperava que antes de partirem Judith pudesse encontrar apenas alguns momentos de prazer.

Era verdade que Lady Judith era adorável, graças a seu cabelo radiante que brilhava com a fascinante coloração. O cabelo dourado-avermelhado era visível sob um véu de gaze transparente. O tecido de prata de seu vestido abraçava curvas exuberantes. Mas o que chamava a atenção de Alan e que parecia ser ainda mais impressionante do que sua beleza, era a vitalidade que parecia emanar. Ela olhava para todos, do rei aos servos, com calma, que demonstrava que se interessava por todos. Nunca ria, nem flertava, nem brincava como uma donzela tímida. Alan estava realmente fascinado. Ele daria qualquer coisa para receber sequer um olhar daqueles quentes olhos dourados.

— Gostaria de vê-la sozinha?

Os olhos de Alan cintilaram.

— Sim, gostaria.

— Então me encarregarei de arrumar isso. Vá para o jardim e eu vou mandá-la para lá. Nós somos grandes amigas e ela sabe que pode confiar em mim. — Alice parou e pôs uma mão no braço de Alan. — Sem duvida estará preocupada com a possibilidade de seu marido encontrá-la. Diga-lhe que ele está comigo, então vai saber que não há perigo de ser descoberta.

Alan assentiu com a cabeça. Não faria mal passar algum tempo com a dama, e como seu marido raramente a deixava fora de sua vista, Alan aproveitaria esta oportunidade.

Judith estava perto de Gavin, bebendo uma caneca de sidra fria. Estava com calor por causa da dança, e era agradável encostar-se à pedra fria e observar os outros. Um homem se aproximou com uma mensagem para Gavin, que transmitiu calmamente, no ouvido dele. Gavin franziu o cenho.

— Você teve más notícias? — Ela perguntou.

— Eu não sei, alguém diz que necessita me ver.

— Não sabe quem é?

— Não. Estive falando com um comerciante de cavalos sobre uma égua, Talvez seja isso. — Ele se virou e acariciou sua bochecha. — Ali está Stephen, vá ficar com ele, não demorarei muito.

— Se eu puder encontrar uma maneira de passar através das mulheres em torno de Stephen! — Ela riu.

— Faça o que te digo.

— Sim, meu lorde. — disse ela zombeteiramente.

Ele sacudiu a cabeça para Judith, mas sorriu depois se virou e saiu.

Judith foi ao encontro de Stephen, que tocava um alaúde e cantava para um grupo de mulheres bonitas e adoráveis. Stephen lhe disse que pretendia usar seus últimos dias de liberdade para se beneficiar.

— Lady Judith?

— Sim. — Ela se virou para uma donzela que não reconheceu.

— Há um homem esperando por você no jardim.

— Um homem? Meu marido?

— Não sei milady.

Judith começou a sorrir. Sem dúvida, Gavin planejou um encontro ao luar.

— Obrigada — disse ela, saindo do salão para ir ao jardim. O jardim estava escuro e frio, com muitas sombras secretas que revelavam vários casais entrelaçados.

— Lady Judith?

— Sim. — Não era possível ver claramente, mas viu um rapaz alto, magro, com os olhos brilhantes, um nariz proeminente e os lábios um pouco cheios.

— Permita que eu me apresente, sou Alan Fairfax de Lincolnshire.

Ela sorriu para ele enquanto pegava sua mão e beijava.

— Estava procurando alguém?

— Pensei que meu marido estaria aqui.

— Não o vi.

— Você o conhece então?

Ele sorriu, mostrando dentes brancos.

— Os tenho observado, sei quem os rodeia e estou ciente de quem está perto de você.

Ela o olhou, maravilhada.

— Bonitas palavras senhor.

Alan ofereceu seu braço para ela.

— Vamos sentar aqui um momento enquanto esperamos seu marido?

Ela hesitou.

— Como você vê, o banco está à vista. Não peço nada, a não ser que se sente e converse com um cavaleiro solitário.

O banco estava diretamente sob uma tocha brilhante fixada na parede do jardim. Judith podia vê-lo com mais clareza. Seus lábios eram sensuais, seu nariz magro e aristocrático. Seus olhos eram quase negros na escuridão. Judith estava cautelosa. O último homem com quem se sentou e conversou foi Walter Demari e isso levou ao desastre.

— Não esta tranquila, milady.

— Não estou acostumada aos costumes da corte. Tenho passado muito pouco tempo com homens que não sejam meus parentes.

— E gostaria de sanar esta falta? — Ele encorajou.

— Não tinha pensado nisso. Conto com meu marido e meus cunhados. Com eles me parece ser o suficiente.

— Mas aqui, na corte, uma dama pode desfrutar de mais liberdade. É aceitável ter muitos amigos, homens e mulheres. — Alan tomou sua mão de seu colo. — Eu gostaria muito de ser seu amigo.

Ela afastou a mão bruscamente, franzindo a sobrancelhas, depois se levantou.

— Preciso voltar para o salão e para meu marido.

Alan também se levantou e ficou ao lado dela.

— Não há necessidade de temê-lo. Ele está se distraindo com sua amiga Alice Chatworth.

— Não! Insulta-me!

— Não, por favor, não era essa a minha intenção. — disse Alan, perplexo. — O que eu disse?

Então Gavin estava com Alice! Talvez tenha conspirado para que ela passasse esse tempo com outro homem no jardim, na esperança de que se mantivesse ocupada. Mas não tinha nenhum desejo de ficar com um estranho.

— Devo ir. — Disse rapidamente, virando-se em seu calcanhar.

Gavin vinha a seu encontro antes que ela chegasse ao salão.

— Onde você esteve? — Gavin exigiu.

— Com meu amante. — Ela disse serena. — E você?

Suas mãos apertaram seus braços.

— Está me provocando?

— Possivelmente.

— Judith! — Ela lhe cravou um olhar fulminante.

— Não estava Lady Alice especialmente bonita esta noite? O tecido dourado vai bem com seu cabelo e seus olhos, não acha?

Gavin afrouxou o aperto no braço, sorrindo ligeiramente.

— Não reparei nela. Está com ciúmes?

— Tenho motivos?

— Não, Judith, não o tem. Disse-lhe que a tirei de minha vida.

Ela zombou dele.

— Em seguida, vai me dizer que seu amor é agora meu.

— E se eu o disser? — Gavin sussurrou com tanta intensidade que Judith quase sentiu medo.

Seu coração vibrou.

— Não sei se eu acreditaria em você. — Ela disse calmamente. Temia de que, se dissesse que a amava, ela lhe devolveria com palavras iguais? E se ele as recebesse com escarnio? E se ridicularizasse nos braços de Alice, quando estivessem deitados, um nos braços do outro, o que para ela era uma questão de vida e morte?

— Venha, entremos. Já é tarde.

O que havia na voz de Gavin que a inspirava querer consolá-lo?


— Vai embora amanhã? — Gavin perguntou enquanto enxugava suor de sua testa. Estava treinando desde o amanhecer no longo campo coberto de areia do rei. Havia muitos cavaleiros e escudeiros presentes de toda a Inglaterra.

— Sim. — disse Stephen com um ar de tristeza. — Sinto como se estivesse indo para a forca.

Gavin riu.

— Não vai ser tão ruim, olhe para o meu casamento.

— Sim, mas só existe uma Judith.

Gavin sorriu e arranhou a pesada armadura que usava.

— Sim, e ela é minha.

Stephen lhe devolveu o sorriso.

— Isso significa que está tudo está bem entre vocês?

— Está se arranjando. Ela está com ciúmes de Alice e sempre me acusa de todo tipo de convivência com ela, mas Judith acabará por compreender.

— E quanto a Alice?

— Não estou mais interessado, disse-lhe isso ontem.

Stephen deu um assobio baixo.

— Você disse a sua Alice, a quem você tanto amava que agora prefere outra? Eu temeria por minha vida se eu fosse você.

— Talvez de Judith, mas não de alguém tão doce como Alice.

— Doce? Alice Chatworth? Verdadeiramente é cego, meu irmão.

Como sempre, Gavin ficou irritado quando alguém falava mal de Alice.

— Não a conhece como eu. Doeu-lhe muito quando disse a ela, mas aceitou regiamente, como eu esperava. Se Judith não tivesse me capturado tão completamente, ainda pensaria em Alice como uma possível esposa.

Stephen achou melhor não comentar mais.

— Hoje à noite planejo uma farra alcoólica esplêndida. Vou beber tudo que tenha no castelo. Então, será menos duro conhecer a minha famosa prometida. Gostaria de se juntar a mim? Vamos celebrar os meus últimos momentos de liberdade.

Gavin sorriu antecipadamente.

— Sim. Não celebramos nossa fuga de Demari, Stephen, não lhe dei meus agradecimentos.

Stephen bateu em seu irmão nas costas.

— Devolverá o favor quando eu precisar de você.

Gavin franziu o cenho.

— Talvez possa me encontrar um homem para substituir John Bassett.

— Pergunte a Judith. — Stephen disse, seus olhos brilhando. —Talvez ela seja capaz até de dirigir seus homens.

— Não pense em dar uma ideia dessas a ela. Reclama que tem muito pouco para fazer aqui.

— A culpa é sua, irmão. Não a mantém ocupada?

— Tenha cuidado. Posso começar a desejar que sua herdeira escocesa seja tão feia quanto você pensa que é.


Judith sentava-se no grande salão entre um grupo de mulheres. Todas elas, incluindo a rainha, estavam sentadas atrás de belos bastidores de madeira rosa e bronze. Suas mãos voavam habilidosas e rapidamente sobre o tecido, belas cores de seda fluindo de suas agulhas. Judith sentou-se calmamente em uma cadeira, um pedaço de bordado diante dela, também, mas apenas olhava fixamente, sentindo-se embaraçada, sem saber o que fazer. Pelo menos Gavin poderia fazer seu treinamento mesmo se estivesse longe de casa. Mas ele a proibiu de limpar o tanque de peixes do rei, a sua despensa ou qualquer outra coisa, próxima a esse assunto.

— Acho que o bordado é a mais feminina das artes, não concorda, Majestade? — Alice disse calmamente.

A rainha Isabel nem sequer levantou a vista.

— Eu acredito que iria depender a mulher. Já vi algumas mulheres usarem um arco, mas mantêm a sua feminilidade, enquanto outras que pareciam ser doces e desempenham todas as artes do sexo feminino com perfeição, serem cruéis em seu interior.

Judith levantou a cabeça e olhou surpresa, quando uma risadinha escapou de uma jovem bonita ao lado dela.

— Você não concorda Lady Isabel? — Perguntou a rainha Isabel.

— Oh, sim, Majestade, certamente. — As duas mulheres trocaram olhares de compreensão.

Alice, furiosa por ter sido colocada em seu lugar, continuou.

— Mas acredita que uma verdadeira mulher desejaria usar um arco? Não posso compreender a necessidade, se as mulheres estão sempre protegidas por homens.

— Acaso uma mulher não deve ajudar seu marido? Uma vez me coloquei diante de uma flecha que estava destinada a John. — disse Lady Isabel.

Várias das mulheres arquejaram exclamações de horror. Alice olhou para a mulher de olhos verdes com desgosto.

— Mas uma verdadeira mulher não poderia cometer um ato de violência. Não é verdade Lady Judith? Quero dizer, uma mulher não pode matar um homem, não é?

Judith olhou para seu bastidor vazio, sem bordado.

Alice inclinou-se para frente.

— Lady Judith, não poderia matar um homem, não é?

— Lady Alice! - disse a rainha Isabel. — Acredito que você se mete em assuntos que não são da sua conta.

— Oh! — Alice fingiu surpresa. — Não sabia que a destreza de Lady Judith com uma espada era segredo. Não voltarei a falar sobre isso.

— Não, você não vai, — Lady Isabel atacou — agora que você já disse tudo.

— Minha dama! — Joan anunciou em voz alta — Lorde Gavin a chama imediatamente.

— Alguma coisa errada? — Judith perguntou, levantando-se rapidamente.

— Eu não sei. — Joan disse, uma expressão estranha, vazia em seu rosto. — Como milady sabe, ele não pode suportar que fique fora de sua vista por muito tempo.

Judith lançou-lhe um olhar de espanto.

— Venha depressa, ele não gosta de esperar muito.

Judith se absteve de repreender sua criada diante da rainha. Ela se virou e desculpou-se com as mulheres, feliz por ver que os olhos de Alice ardiam de raiva. Quando estavam longe, Judith voltou-se para sua criada.

— Você se esquece de se manter em seu lugar.

— Não, eu só queria te ajudar. Essa gata te rasgaria em pedaços. Não é páreo para ela.

— Ela não me assusta.

— Então talvez devesse, é uma mulher má.

— Sim. — concordou Judith. — Estou ciente disso. Sinto-me grata por ter me tirado daquele lugar. Quase prefiro a companhia de Alice ao bordado, mas as duas coisas juntas são mais do que posso suportar! — Ela suspirou. — Suponho que Gavin não mandou me chamar.

— Por que deveria mandar chamá-la? Não acredita que ficará feliz em vê-la?

Judith franziu o cenho.

— Você é uma mulher tola. — disse Joan, arriscando-se a receber palavras duras de sua ama. — Esse homem a deseja, mas você não se dá conta.

Quando se encontrou fora, sob a luz do sol, Judith esqueceu todos os pensamentos de Alice. Gavin estava inclinado sobre um grande canal de água, nu da cintura para cima se lavando. Judith caminhou silenciosamente por trás dele, então se inclinou e deu-lhe um beijo mordiscando-o no pescoço. No momento seguinte, ela ofegou quando Gavin girou e a derrubou no cocho. Ambos ficaram igualmente surpresos.

— Judith, você está ferida? — Perguntou Gavin enquanto lhe estendia a mão.

Ela empurrou sua mão bruscamente, limpando a água de seus olhos, olhando para seu vestido encharcado e arruinado, o veludo carmesim colado em seu corpo.

— Não seu pedaço de bruto desajeitado. Acha que sou seu cavalo de guerra, para ser tratada como um animal, ou talvez pensa que sou seu escudeiro?

Pôs a mão no lado da calha para se levantar, mas os pés dela escorregaram e voltou a cair novamente. Ela ofegou um protesto enquanto olhava para Gavin. Seus braços estavam cruzados em seu peito e um largo sorriso no rosto.

— Você está rindo de mim! — Ela sibilou, enfurecida. — Como se atreve?

Ele agarrou seus ombros e levantou seu corpo gotejando da água

— Posso oferecer minhas desculpas? Não estou exatamente calmo desde o episodio de Demari. Demorei demais para reconhecer seu beijo como mostra de carinho. Não deveria se esgueirar por trás de mim sem qualquer aviso.

— Não precisa temer isso não acontecerá novamente. — Disse Judith sombria.

— Não conheço outra mulher, minha pequena esposa, que pareça tão tentadora enquanto está sendo mantida sobre um coche de água. Eu poderia deixá-la cair nela novamente.

— Você não ousaria!

Sorrindo Gavin a abaixou lentamente até que os dedos dos seus pés se aproximaram da água novamente.

— Gavin! — Exclamou, meio implorando.

Ele a estreitou contra si, mas o contato com seu corpo frio o fez espirrar energicamente. .

— Você bem que merece. — riu ela. — Espero que se congele.

— Contigo por perto? Duvido. — Ele levantou-a em seus braços. — Vamos para o nosso quarto para que eu te tire essas roupas molhadas.

— Gavin, você não pode pensar...

— Pensar, enquanto está em meus braços, é uma perda de tempo. Se você não quer chamar mais a atenção sobre si, fique em silêncio, e me deixe leva-la para o quarto.

— E se eu não quiser?

Ele esfregou a bochecha contra a dela molhada.

— Verá que essas lindas bochechas ficam muito vermelhas.

— Então eu sou cativa?

— Sim. — Ele respondeu com firmeza e a levou escada acima.


A rainha Isabel caminhava ao lado de seu marido. Pararam quando viram que Gavin derrubava Judith na água. Isabel teria ido ajudar Judith, mas Henry a deteve.

— Olhe, são somente brincadeiras de amor. Agrada-me quando vejo um casal tão apaixonado. Nem sempre um casamento de conveniência se transforma em felicidade.

Isabel suspirou.

—.Estou feliz em vê-los demonstrar amar um ao outro. Não tinha certeza se havia amor entre eles. Lady Alice parece pensar que Lady Judith não é uma esposa adequada para Lorde Gavin.

— Lady Alice? — Perguntou o rei Henry. — Aquela mulher loira?

— Sim. A viúva de Edmund Chatworth.

Henry assentiu com a cabeça.

— Gostaria de vê-la casada em breve. Estive observando-a, ela brinca com os homens, como um gato com um rato. Ela dá a impressão de interessar-se por um, depois por outro distinto. Os homens estão apaixonados por sua beleza e suportam qualquer coisa. Não gostaria de vê-los chegarem a uma disputa de espadas. Mas o que essa mulher tem a ver com Lorde Gavin e sua linda esposa?

— Não tenho certeza — disse Isabel. — Há rumores que antes de casar-se, Gavin esteve muito apaixonado por Lady Alice.

Henry acenou com a cabeça em direção a Gavin enquanto ele levantava sua esposa em seus braços.

— Pois não é assim agora, como todos podem ver.

— Talvez nem todos possam ver, Lady Alice provoca Lady Judith constantemente.

— Temos que por um fim nesta situação. — disse Henry.

— Não. — Isabel pôs a mão no braço do marido. — Não podemos dar ordens, temo que isso só faça com que Alice fique mais irritada, e ela é o tipo de mulher que encontraria uma maneira de expressar a sua vontade, não importa as ordens que lhe forem dadas. Em minha opinião o melhor é a sua ideia de casá-la. Você consegue encontrar um marido para ela?

Henry observava Gavin levando sua esposa para a mansão, provocando-a e fazendo-lhe cócegas, fazendo o riso de Judith ressoar através do pátio.

— Sim, vou encontrar um marido para Lady Alice, e rapidamente Não gostaria de ver nada se interpondo entre esses dois.

— Você é um bom homem. — Isabel disse e sorriu alto para seu marido.

Henry deu uma risadinha.

— Só para alguns, minha querida. Deve perguntar aos franceses quem é um bom rei ou não.

Isabel mudou o tema com um gesto da mão.

— Você é muito macia, muito boa para eles.

Ele se curvou e beijou sua testa.

— E se eu fosse um rei francês, tenho certeza de que diria o mesmo dos ingleses.

Ela sorriu amorosamente. O rei estreitou o abraço.

Havia outra pessoa que tinha um interesse especial no jogo do Montgomery. Alan Fairfax tinha começado a avançar, sua mão no punho de sua espada quando viu Gavin jogar Judith no cocho. Então olhou a sua volta com ar culpado. Um homem podia tratar sua esposa da maneira que quisesse, e Alan não tinha o direito de interferir.

Enquanto Alan observava, viu a preocupação de Gavin com Judith. Observou como ele a tirou da água, abraçou-a e beijou. Esta não era a conduta de nenhum homem que castigava sua esposa! Alan franziu as sobrancelhas quando começou a perceber que foi feito de tolo. Quando voltou para a mansão encontrou Alice Chatworth atravessando o grande salão.

— Gostaria de ter uma palavra com você, minha lady. — Disse ele, segurando seu braço.

Ela engasgou uma exclamação pela dor, mas sorriu.

— Claro Sir Alan. Pode dispor de meu tempo à vontade.

Ele a atraiu a um lado do salão, para as sombras.

— Você me usou, e não gosto disso.

— Usei você? Por favor, sir, diga-me como?

— Não finja para mim timidez virginal. Conheço os homens que frequentam sua cama. Não falta-lhe inteligência, sem duvida, e tenho certeza, que me manipulou para seus propósitos.

— Liberte-me ou eu vou gritar!

Ele cravou-lhe os dedos com mais força.

— Acaso não é seu gosto milady? Meus amigos me dizem que não tem aversão à dor.

Alice olhou para ele furiosa.

— O que quer insinuar?

— Que não gosto de ser usado. Suas mentiras, milady, poderiam ter ocasionado à Lady Judith um grande problema, e eu teria sido a causa.

— Não disse que queria alguns momentos sozinho com ela? Não fiz nada além do que dar-lhe a oportunidade.

— Mediante armadilhas! Ela é uma mulher honrada e feliz em seu matrimônio. E não sou um vilão para recorrer à violação.

— Então você a deseja? — Alice sorriu.

Ele a soltou rapidamente.

— Que homem não a deseja? Ela é linda.

— Não! — Alice sibilou. — Ela não é tão bonita como... — Ela se deteve. Alan sorriu.

— Como você, Lady Alice? Não, você está errada. Há vários dias tenho observado Lady Judith, e aprendi a conhecê-la. Ela não é apenas bonita no exterior, mas por dentro também. Quando for uma velha e tenha perdido seu resplendor, é tão adorável, que seguirá sendo bem amada. Mas você, em troca, é bela somente por fora. Se fosse tirada essa beleza, só permaneceria uma mulher queixosa, de mente malvada e inclinada a crueldade.

— Vou te odiar por isso! — Alice disse numa voz mortal.

— Algum dia, cada segundo que passou odiando vai mostrar-se em seu rosto. — Alan observou-a calmamente. — Sejam quais forem seus sentimentos por mim, não importa, não pense que poderá me usar novamente. — Deu as costas para ela e a deixou sozinha.

Alice observou sua retirada. Mas sua vingança era para Judith e não para Alan. Aquela mulher era a causa de todos os seus problemas. Nada tinha sido o mesmo desde que Gavin decidira se casar com a cadela. Agora, Alice foi insultada por um jovem por causa da crueldade desta Revedoune. Alice estava ainda mais determinada do que nunca a pôr fim a um casamento que ela considerava errado.


— Minha doce Judith, fique na cama. — murmurou Gavin contra a bochecha sonolenta. — Você precisa descansar, e a água pode ter lhe dado um resfriado.

Judith não respondeu. Saciada com o ato de amor, estava se sentindo sonolenta e lânguida.

Ele esfregou seu nariz contra seu pescoço mais uma vez e levantou da cama. Vestiu-se rapidamente, sem deixar de observa-la. Quando ele estava vestido, se despediu dela com um sorriso, beijou suas bochechas e saiu do quarto.

Stephen o encontrou ao pé da escada.

— Não posso dar um passo pelo salão que não ouça mais fofocas de você!

— E agora o que acontece? — Gavin perguntou suspeitosamente.

— Dizem que você castiga sua esposa, a joga no coche de água, então a exibe diante de todo mundo.

Gavin sorriu.

— É verdade.

Stephen devolveu o sorriso de seu irmão.

— Agora nos entendemos, pensei que não soubesse como tratar uma mulher. Ela está dormindo?

— Sim. Não descerá até amanhã. — Gavin levantou uma sobrancelha. — Pensei que você teria um barril de vinho pronto.

— E tenho. — Stephen sorriu. — Não queria que você se sentisse reduzido por ver-me beber duas vezes mais do que você.

— Você! O dobro você, meu irmão mais novo? — Gavin bufou. — Não sabia que fiquei bêbado pela primeira vez antes de você nascer?

— Eu não acredito em você!

— É verdade, vou lhe contar a história, embora seja muito longa.

Stephen deu um tapa nas costas de seu irmão.

— Dispomos de toda a noite. Amanhã nos arrependeremos do que fizemos.

Gavin riu entre dentes.

— Você se arrependerá com sua prometida escocesa feia, mas eu vou colocar minha cabeça cansada no colo da minha bela esposa e gentilmente permitir que ela me mime.

Stephen gemeu.

— Você é um homem cruel!

Para ambos os irmãos, a noite foi um momento especial de proximidade. Eles celebraram a vitória sobre Demari. Celebraram a boa sorte de Gavin em seu casamento, e lamentaram juntos a perspectiva das bodas de Stephen.

— Vou devolvê-la ao seu povo se ela me desobedecer. — Disse Stephen. O vinho que bebiam era tão ruim que eles tiveram que coa-lo através de seus dentes, mas nenhum deles notou.

— As mulheres desobedientes! — Gavin exclamou com voz embolada levantando sua caneca. — Se Judith me obedecesse, pensaria que algum demônio tinha roubado sua mente.

— E só deixou seu corpo? — Stephen sugeriu com luxuria.

— Eu vou desafiá-lo para um duelo por esta sugestão. — Gavin protestou buscando torpe por sua espada.

— Ela não me aceitaria. — Stephen respondeu enquanto enchia sua caneca novamente.

— Você acha isso? Ela certamente parecia muito satisfeita com Demari. —Gavin mudou de felicidade para tristeza em segundos, como só um bêbado poderia.

— Não, ela odiava o homem.

— E está gravida dele! — Gavin disse, soando como um garotinho prestes a chorar.

— Não tem cérebro, irmão? A criança é sua, não de Demari.

— Não acredito em você.

— É verdade, ela me contou.

Gavin sentado na solida mesa, silenciou por um momento, então começou a se levantar, mas sua cabeça girava.

— Por que não me contou?

— Disse que queria manter alguma coisa para si mesma.

Gavin deixou-se cair na cadeira.

— E meu filho é “alguma coisa” e nada mais?

— Não. Não compreende as mulheres.

— E você sim? — Perguntou Gavin indignado.

Stephen encheu a caneca do irmão.

— Não mais do que você, sem duvida. Talvez menos, se isso for possível. Raine poderia explicar-te o que ela disse melhor do que eu. Ela disse que você já possuía as terras Revedoune e Alice, por isso não queria dar-te mais.

O rosto de Gavin enegreceu quando se levantou. De repente, se acalmou e sentou-se novamente, com um leve sorriso no rosto.

— Ela é uma bruxa, não é? Ela rebola seu quadril diante de mim até que fique cego de desejo. Amaldiçoa-me quando troco umas poucas palavras com outra mulher.

— Uma que você admitiu livremente que amava.

Gavin acenou com a mão como se isso não importasse.

— E, no entanto, ela tem a chave que destrancaria todos os segredos e nos liberaria da tensão que existe entre nós.

— Não vejo nenhuma objeção de sua parte. — disse Stephen.

Gavin deu um sorriso leve.

— Não, de minha parte nenhuma, mas eu tenho sido relutante em... impor-me a ela. Eu pensei que Demari significava algo para ela.

— Só um meio de salvar seu pescoço desagradável.

Gavin sorriu.

— Passe-me esse vinho. Temos mais para celebrar esta noite, além de sua princesa escocesa.

Stephen pegou a caneca antes que Gavin pudesse tocá-la.

— Você é um irmão cruel.

— Aprendi com minha esposa. — Gavin sorriu e encheu sua própria caneca.


Capítulo Vinte e Sete

— Não posso permitir isso! — Ella disse, com a espinha dorsal rígida. Estava de pé ao lado de Alice em uma pequena câmara dividida no castelo.

— Desde quando você permite ou não o que eu quero? — Alice desdenhou. — Minha vida é minha, e tudo o que você faz é me ajudar a me vestir.

— Não é certo que você se jogue nos braços desse homem. Não há um dia em que alguém não a peça em matrimônio. Não pode se contentar com um deles?

Alice voltou-se para a criada.

— E deixar que ela fique com Gavin? Eu morreria primeiro.

— Realmente você o quer? — Ella insistiu.

— O que isso importa? — Alice perguntou enquanto ajustava o véu e a tiara. — Ele é meu e seguirá sendo meu.

A escada estava escura quando saiu do quarto. Alice logo descobriu que a corte do rei Henry era um lugar fácil para descobrir o que ela queria saber. Havia muitos que estavam dispostos, por um preço, a fazer qualquer coisa que ela pedisse. Seus espiões lhe disseram que Gavin estava sentado com seu irmão, longe de sua esposa. Alice sabia o quão confuso um homem poderia ficar com a bebida, e ela planejava usar a oportunidade para tirar vantagem. Ele não seria capaz de resistir a ela quando sua mente estivesse toldada de bebida.

Amaldiçoou quando chegou ao grande salão e nem Gavin nem seu irmão estavam à vista.

— Onde está o Senhor Gavin? — Alice perguntou duramente a uma serva que bocejava. O chão estava cheio de serventes em colchões de palha.

— Ele saiu, é tudo o que sei.

Alice agarrou o braço da menina.

— Para onde foi?

— Eu não faço ideia.

Alice tirou uma moeda de ouro do bolso e viu os olhos da garota brilharem.

— O que você faria por isso?

A menina ficou completamente acordada.

— Faria qualquer coisa.

— Bom — Alice sorriu. — Então me escute com atenção.


Judith acordou de seu sono profundo ao ouvir uma fraca batida na porta. Estendeu o braço antes de abrir os olhos, apenas para encontrar o lado da cama de Gavin vazio. Ela se sentou, franzindo as sobrancelhas, depois se lembrou de ter dito algo sobre despedir-se de Stephen.

As batidas na porta continuaram. Joan, que muitas vezes ficava com sua ama quando Gavin estava fora, não estava no quarto. Relutantemente, Judith jogou as cobertas para trás e enfiou os braços na bata de veludo verde esmeralda.

— O que está acontecendo? — Perguntou, abrindo a porta para uma criada.

— Não sei milady. — A serva disse com um sorriso afetado. — Foi-me dito que milady era necessária e deve vir imediatamente.

— Quem disse isso, meu marido?

A serva encolheu os ombros em resposta.

Judith franziu o cenho. A corte era cheia de mensagens anônimas, e todos elas pareciam leva-la a lugares que não tinha interesse em estar. No entanto, talvez sua mãe precisasse dela. Mais provável que Gavin estivesse muito bêbado para subir as escadas e devia ajudá-lo. Ela sorriu ao pensar no sermão que lhe daria.

Seguiu a serva pelas escadas de pedra escura até o andar de baixo. Parecia mais escuro do que de costume. Algumas das tochas nas paredes não tinham sido acesas. Cortado dentro das paredes de doze metros de espessura haviam quartos pequenos e feios, que os hospedes mais nobres não os frequentavam. A serva se deteve diante de um desses aposentos, que ficava perto da escadaria circular.

A serva deu a Judith um olhar incompreensível e desapareceu na escuridão. Judite estava ofendida por este ar de mistério, e ia protestar quando a voz de uma mulher chamou sua atenção.

— Gavin. — a mulher sussurrou alto.

Era um sussurro de paixão. Judith só podia permanecer congelada no lugar. Uma pedra de fogo foi riscada e uma vela acesa. Judith podia ver claramente então. Alice, seu corpo magro e ósseo nu da cintura para cima, estava meio debaixo de Gavin. A luz da vela revelou a pele bronzeada do cavaleiro, não havia nada escondido. Ele estava deitado sob seu ventre, com a perna nua cobrindo a de Alice.

— Não! — Judith sussurrou com a mão na boca, os olhos borrados de lágrimas. Ela queria que fosse um pesadelo, mas não era. Ele mentira para ela, repetidas vezes. E ela estava tão perto de acreditar nele!

Ela se afastou deles, Gavin não se movendo, Alice segurando a vela, de sua posição debaixo Gavin, observava Judith, sorrindo para ela.

— Não! — Era tudo o que Judith podia dizer. Moveu-se cada vez mais para trás, sem perceber a escada sem corrimão.

Com pés inseguros, Judith nem sequer estava consciente quando deu um passo em falso, perdendo o equilibro e voando pelo ar. Gritou quando caiu um degrau, depois dois, cinco. Freneticamente tentou se agarrar, gritando de novo quando seu corpo caiu de lado e completamente fora da escada. Judith caiu no chão, lá em baixo, com um baque terrível, mesmo que sua queda foi amortecida pelo colchão de um dos cavaleiros do rei Henrique.

— O que é que foi isso? — Gavin perguntou com uma voz arrastada enquanto tentava levantar a cabeça.

— Não foi nada. — Alice murmurou. Seu coração batendo rapidamente com pura alegria. Talvez a mulher tivesse morrido com a queda e Gavin realmente seria de Alice novamente.

Gavin se ergueu sobre um cotovelo.

— Meu Deus, Alice, o que está fazendo aqui? — Seus olhos percorreram seu corpo nu. O único pensamento que lhe ocorreu foi que não havia percebido que ela era tão magra. Não havia desejo por aquele corpo que ele uma vez amou.

A alegria de Alice morreu diante da expressão nos olhos de Gavin.

— Você não lembra? — Perguntou com voz entrecortada. Ela estava realmente chocada com a reação de Gavin. Teve tanta certeza de que quando o tivesse em seus braços ele voltaria a ser seu.

Gavin franziu o cenho para ela. Ele estava bêbado, era verdade, mas não tão bêbado que não se lembrasse da noite anterior. Sabia muito bem que não tinha ido para a cama de Alice, nem a convidou para a dele.

Suas acusações estavam prontas para serem lançadas, mas de repente o grande salão abaixo deles estava vivo com luz e barulho. Os homens gritavam um para o outro. Então escutou um grito que balançou as vigas.

— Montgomery!

Gavin saltou da cama em um rápido movimento, jogando a túnica sobre sua cabeça. Desceu os degraus de dois em dois, mas se deteve na última curva da escada em espiral. Judith jazia logo abaixo em um colchão, seus cabelos ruivos em uma massa emaranhada sobre sua cabeça, uma perna dobrada sob o corpo. Por um momento, seu coração parou de bater.

— Não toque nela! — Ordenou com um grunhido gutural enquanto saltava os últimos degraus e se ajoelhava ao lado dela.

— Como? — Ele murmurou enquanto tocava sua mão, então buscou o pulso no pescoço dela.

— Parece ter caído pelas escadas. — Stephen disse enquanto se ajoelhava ao lado de sua cunhada.

Gavin levantou a cabeça e olhou para cima e viu Alice no patamar, apertado sua bata com um leve sorriso. Gavin sentiu que havia algo faltando no quebra-cabeça, mas não tinha tempo de procurá-lo.

— O médico foi chamado. — disse Stephen, segurando a mão de Judith. — Ela não abria os olhos.

O médico veio lentamente, vestido com uma rica camisola de gola.

— Dê-me espaço. — ele exigiu. — Preciso procurar por ossos quebrados.

Gavin se afastou e viu o homem passar as mãos sobre o corpo fraco de Judith. Por quê? Como? Gavin continuava perguntando sem cessar. O que ela estava fazendo na escada no meio da noite? Seus olhos voltaram para Alice. A mulher ficou em silêncio, com um ávido interesse no rosto, enquanto o médico examinava Judith. O quartinho onde Gavin acordou na cama, entre os braços de Alice estava no final da escada. Sentiu o sangue escorrer de seu rosto enquanto olhava de novo para sua esposa. Judith o tinha visto na cama com Alice! Ela recuou provavelmente muito alterada para olhar onde pisava, isso explicava a queda. Mas como ela sabia onde encontra-lo? Somente mediante informação de alguém.

— Ao que parece não há nenhum osso quebrado. — Disse o médico. — Leve-a para a cama e deixe-a descansar.

Gavin murmurou uma oração de agradecimento, depois se inclinou e levantou a forma relaxada de sua esposa. A multidão de pessoas ao seu redor soltou uma exclamação quando ele a levantou. O colchão e seu vestido estavam encharcados de sangue.

— Ela aborta a criança. — Disse a rainha Isabel junto a Gavin. — Leve-a para cima. Vou fazer com que minha própria parteira a atenda.

Gavin podia sentir o sangue de Judith em seu braço através das mangas de sua túnica. Uma mão forte foi colocada em seu ombro, e ele sabia sem olhar que Stephen estava lá.

— Minha dama! — Joan ofegou quando Gavin entrou no quarto carregando Judith. — Acabo de voltar e não a encontrei. Ela foi ferida! — A voz de Joan mostrava o amor que sentia por sua ama. — Ela vai ficar bem?

— Não sabemos. — respondeu Stephen.

Gavin colocou gentilmente a esposa na cama.

— Joan. — disse a rainha Isabel. — Pegue água quente na cozinha e lençóis limpos.

— Lençóis, Sua Majestade?

— Para absorver o sangue. Ela está perdendo o bebê. Quando tiver os lençóis, chame Lady Helen, ela vai querer estar com a filha.

— Minha pobre dama — sussurrou Joan. — Ela queria tanto essa criança. — Havia lágrimas em sua voz quando saiu do quarto.

— Vão agora. — Isabel insistiu enquanto se voltava para os dois homens. — Devem deixá-la. Vocês não são de utilidade agora. Nós vamos cuidar dela.

Stephen passou o braço pelos ombros de seu irmão, mas Gavin encolheu os ombros.

— Não, Majestade. Não vou embora... Se eu estivesse com ela esta noite, não estaria ferida.

Stephen ia falar, mas Isabel o deteve. Sabia que seria inútil.

— Pode ficar. — Acenou com a cabeça para Stephen e ele partiu.

Gavin acariciou a testa de Judith enquanto olhava para a rainha.

— Me diga o que fazer.

— Tire sua bata.

Gavin desatou cuidadosamente a peça de vestuário, então gentilmente levantou Judith e tirou os braços das mangas. Ficou horrorizado ao ver o sangue em suas coxas. Por um momento permaneceu imóvel olhando-a.

Isabel o observava.

— O parto não é uma visão agradável.

— Isto não é um parto, mas um... — Ele não pôde terminar.

— Sem duvida a gravidez estava em estado avançado para que haja tanto sangue. Será de fato um parto, embora com resultados menos agradáveis.

Ambos levantaram a vista. A parteira, uma mulher gorda e de rosto vermelho irrompeu na câmara.

— Querem matar de frio a pobre menina? — Ela perguntou. — Não precisamos de homens, saia. — Disse a Gavin.

— Ele vai ficar. — disse a rainha Isabel com firmeza.

A parteira olhou para Gavin por um momento.

— Vá então e traga a água. A donzela leva muito tempo para subir pelas escadas.

Gavin reagiu imediatamente.

— É o esposo, Majestade? — Perguntou à parteira quando Gavin se foi.

— Sim, é seu primeiro filho.

A mulher gorda bufou.

— Deveria ter cuidado melhor dela, Majestade, e não deixá-la vagar pelos corredores à noite.

Assim que Gavin colocou a água no interior do quarto, a mulher continuou dando mais ordens para ele.

— Encontre alguma roupa e mantenha-a aquecida.

Joan, que tinha entrado atrás de Gavin, revirou um baú e entregou-lhe um vestido de lã quente. Gavin cuidadosamente vestiu Judith, o tempo todo observando o sangue escoar lentamente dela. A transpiração apareceu em sua testa e ele limpou-a com um pano molhado.

— Ela vai ficar bem? — Ele sussurrou.

— Não posso responder a isso. Depende se podemos tirar todo o feto e se conseguirmos parar o sangramento. — Judith gemeu e moveu sua cabeça. — Mantenha-a quieta ou ela vai fazer nosso trabalho mais difícil.

— Judith... — disse Gavin em voz baixa. — Não se mova. — Pegou as mãos dela e quando começou a movê-las, ela abriu os olhos.

— Gavin? — Ela sussurrou.

— Sim. Não fale agora, fique quieta e descanse. Logo estará bem.

— Bem? — Ela não parecia estar plenamente consciente de seu estado. Em seguida, uma violenta contração a sacudiu. Suas mãos apertaram as de Gavin. Judith olhou para ele, perplexa.

— O que está acontecendo? — Ela gemeu, em seguida, seus olhos começaram a se concentrar claramente. A rainha, a donzela e outra mulher estavam ajoelhadas ao seu lado, olhando-a com preocupação. Outra contração a envolveu.

— Vamos. — disse a parteira. — Devemos massagear seu ventre para ajudá-la.

— Gavin! — Judith exclamou assustada, ofegando depois da última dor.

— Calma, meu amor, em breve estará bem. Logo teremos outros filhos.

Seus olhos se abriram em horror.

— Outros filhos? Meu bebê? Meu filho! Estou perdendo meu bebê? — Sua voz se ergueu quase histericamente.

— Judith, por favor! — rogou Gavin, acalmando-a. — Teremos outros.

Outra dor atravessou Judith enquanto olhava para Gavin, sua lembrança retornando.

— Eu caí da escada. — Ela disse calmamente. — Te vi na cama com sua prostituta e caí da escada.

— Judith, este não é o momento...

— Não me toque!

— Judith. — repetiu Gavin, quase implorando.

— Te decepciona que eu não tenha morrido? Como meu filho está morto? — Seus olhos piscavam para afastar as lágrimas. — Vá para ela, se a quer tanto. Fique com ela e boa sorte!

— Judith... — Gavin queria falar, mas a rainha Isabel lhe segurou o braço.

— Talvez seja melhor que saia.

— Sim. — concordou enquanto Judith se recusava a olhar para ele. Stephen esperava junto da porta por ele, suas sobrancelhas levantadas em uma pergunta.

— Perdeu a criança e ainda não sei se Judith viverá.

— Vamos para baixo. — Disse Stephen. — Elas não vão permitir que você fique com ela?

— Judith não permite. — disse Gavin inexpressivo.

Stephen não voltou a falar até que estavam fora da mansão. O sol estava apenas começando a nascer, o céu estava cinza. A comoção causada pela queda de Judith fez o castelo se levantar mais cedo do que o habitual. Os irmãos sentaram-se num banco junto à muralha do castelo.

— Por que ela estava andando pelo corredor à noite? — Stephen perguntou.

— Eu não sei, quando eu e você nos separamos, caí em uma cama, a mais próxima no final da escada.

— Talvez tenha acordado, descobriu que você não estava e saiu a procurá-lo.

Gavin não respondeu.

— Há mais nisso que você não está me contando.

— Sim. Quando Judith me viu, eu estava na cama com Alice.

Nunca antes Stephen havia expressado sua opinião sobre seu irmão, mas naquele momento seu rosto estava escurecido.

— Poderia ter causado a morte de Judith, e por quê? Somente por essa cadela... — se interrompeu quando viu o perfil triste de Gavin. — Estava bêbado demais para desejar uma mulher. E se desejava fazer amor, Judith esperava por você no quarto.

Gavin olhou para o outro lado do pátio.

— Eu não a levei para a cama. — Disse em voz baixa. — Estava dormindo e ouvi um barulho que me acordou. Encontrei Alice ao meu lado. Mas não estava tão bêbado na noite passada, como para tê-la levado para a minha cama e não recordar.

— O que aconteceu então?

— Eu não sei.

— Eu sim! — Stephen disse com os dentes cerrados. — Você é um homem sensato em tudo, exceto quando se trata daquela bruxa!

Pela primeira vez, Gavin não defendia Alice. Stephen continuou.

— Nunca foi capaz de vê-la como ela é. Não sabe que ela dorme com metade dos homens da corte?

Gavin se virou e olhou para ele.

— Pare de olhar para mim com incredulidade. E não ponha essa cara. Está na boca de todos os homens e tenho certeza que na da maioria das mulheres. De moço do estábulo a conde, ela não se importa, contanto que eles tenham o equipamento necessário para o prazer dela.

— Se ela é assim, talvez seja por minha culpa. Ela era virgem quando a tomei pela primeira vez.

— Virgem? — Stephen gargalhou — O conde de Lancashire jura havê-la feito sua quando ela tinha apenas doze anos de idade.

A expressão de Gavin era de incredulidade. Não podia acreditar em tudo aquilo.

— Olhe para o que ela fez com você, te dominou e utilizou. E você permitiu. Até tem suplicado pedindo mais. Diga-me, que método ela usou para impedi-lo de amar Judith desde o inicio?

Gavin olhava-o fixamente sem o ver. Estava revivendo a cena no jardim no dia do seu casamento.

— Ela jurou se matar se eu amasse minha esposa.

Stephen encostou as costas contra o muro de pedra.

— Pelos pregos do Cristo! E você acreditou? Essa mulher mataria de boa vontade milhares de pessoas antes de colocar em risco um fio de cabelo em sua própria cabeça.

— Mas pedi que ela se casasse comigo. — insistiu Gavin. — Antes de eu ouvir falar de Judith, pedi que se casasse comigo.

— No entanto, ela preferiu escolher um conde muito rico.

— Mas o pai dela...

— Gavin, não pode olhá-la com olhos nítidos? Acredita que seu pai, esse bêbado, deu na vida uma só ordem a alguém? Nem mesmo seus servos o obedecem! Se ele fosse um homem enérgico, ela poderia escapar tão facilmente, com liberdade para encontrar-se contigo em um campo aberto a noite?

Era difícil para Gavin acreditar em tudo isso de sua Alice. Ela era tão bonita, tão delicada, tão tímida. Quando o olhava com grandes lágrimas nos olhos, seu coração se derretia. Recordou de como se sentiu quando ameaçou tirar a própria vida. Teria feito qualquer coisa por ela. Mesmo assim, sua atração por Judith era enorme.

— Você não está convencido. — disse Stephen.

— Não tenho certeza. É muito difícil matar os velhos sonhos. Ela é uma mulher linda.

— Sim, e você se apaixonou por essa beleza. Nunca se questionou o que mais havia debaixo dela. Diz que não a levou para a cama, então como ela apareceu ali?

Como Gavin não respondeu, Stephen continuou.

— A vagabunda tirou suas próprias roupas e se deitou ao seu lado. Depois mandou alguém chamar Judith.

Gavin levantou-se. Não queria ouvir mais nada.

— Preciso ir ver se Judith está bem. — murmurou.

Caminhou até a mansão. Toda sua vida, desde que tinha dezesseis anos, Gavin tinha sido responsável pelas propriedades e pelos homens. Nunca teve tempo desocupado como seus irmãos para cortejar as mulheres e aprender a conhecer seu caráter. Na verdade, as mulheres que passaram por sua cama, desapareceram rapidamente. Nenhuma mulher passou algum tempo com ele, rindo e conversando. Ele crescera acreditando que todas as mulheres eram como se lembrava de sua mãe, bonita, doce e gentil. Alice sempre pareceu ser a representação desses traços, e como resultado, se apaixonou por ela quase que imediatamente.

Judith tinha sido, de certo modo, a sua primeira mulher. A princípio, ela o enfureceu por não ser obediente, como uma dama deveria ser. Ela preferia se preocupar com os livros de conta de sua casa do que com as sedas de cores usadas em bordados. Ela era de tirar o fôlego, mas parecia desconhecer sua beleza. Não passou horas dedicando-se as suas roupas. Na verdade, deixava nas mãos de sua donzela Joan que muitas vezes escolhia o traje de sua ama. Judith parecia ser tudo o que era indesejável, e pouco feminina. No entanto, Gavin se apaixonara por ela. Era honesta, corajosa, generosa e ela o fazia rir. Alice, em troca, nunca demostrou até mesmo um toque de humor.

Gavin se deteve do lado de fora da porta da câmara de Judith. Estava seguro de que já não amava Alice, mas poderia ser tão traiçoeira quanto Stephen disse? Como Raine e Miles também disseram? Como ela havia aparecido em sua cama, exceto pela razão que Stephen deu?

A porta se abriu e a parteira saiu no corredor. Gavin agarrou seu braço.

— Como ela está?

— Dormindo agora, a criança nasceu morta.

Gavin respirou fundo e calmamente.

— Minha esposa vai se recuperar?

— Eu não sei. Perdeu muito sangue, não sei se era do bebê, ou talvez tenha sofrido algum dano interno com a queda.

O rosto de Gavin se tornou pálido.

— Não disse que ela perdia o sangue da criança? — Ele não queria acreditar que algo mais poderia estar errado.

— Há quanto tempo está casado com ela?

— Quase quatro meses. — Ele respondeu surpreso.

— E ela era virgem quando a tomou?

— Sim — disse ele, se lembrando da dor que lhe causara.

— A gravidez estava avançada, a criança estava bem formada. Eu diria que ela concebeu nos primeiros dias de casados... Talvez por isso perdeu tanto sangue, porque a criança estava muito crescida. É muito cedo para dizer.

Ela se virou para ir, mas Gavin agarrou seu braço.

— Como saberá?

— Quando o sangramento parar e ela ainda estiver viva.

Ele soltou seu braço.

— Você diz que ela dorme. Posso vê-la?

A velha riu entre dentes.

— Oh, jovens! Eles parecem não negarem nada a si mesmos. São incansáveis. Deitam com uma mulher enquanto outra o espera. Agora ronda a primeira. Deveria escolher entre uma ou outra.

Gavin engoliu sua resposta, mas seu cenho franzido fez com que o sorriso deixasse seu rosto.

— Sim, você pode ir até ela. — A mulher disse calmamente, então se virou e desceu a escada.


A chuva caia como chicotes cortantes. O vento dobrava as árvores quase ao meio. Relâmpagos lançavam feixes de luz e, ao longe, uma árvore se partiu e caiu. Mas as quatro pessoas que estavam ao redor do pequeno caixão, depositado há pouco na terra, não reparavam na torrente fria. Seus corpos balançavam com o açoite do vendaval, mas não o notaram.

Helen estava de pé junto a John, seu corpo relaxado, se apoiava, inclinando-se pesadamente contra a força dele. Seus olhos estavam secos e irritados. Stephen estava perto de Gavin, pronto a ajudar se seu irmão precisasse dele.

John e Stephen trocaram olhares, a chuva correndo por seus rostos, pingando em suas roupas. John gentilmente levou Helen para longe da pequena sepultura e Stephen guiou seu irmão Gavin. A tempestade começou de repente, depois que o padre começou a ler o ritual de sepultamento sobre o pequeno caixão.

Stephen e John pareciam estar conduzindo duas pessoas cegas e desamparadas pelo cemitério. Levaram Helen e Gavin para um mausoléu e os deixaram lá enquanto foram buscar os cavalos.

Gavin caiu pesadamente em um banco de ferro. A criança tinha sido um varão. Seu primeiro filho. Cada palavra que dissera a Judith sobre a criança, pensando que não era dele ressoava em seus ouvidos. E o bebê estava morto por causa dele. Baixou a cabeça em suas mãos.

— Gavin. — Helen disse enquanto se sentava ao lado dele e colocava seu braço sobre seus ombros. Tinham tido muito pouco para dizer um ao o outro, desde aquele dia que Helen gritara que desejava ter matado a filha e a si, antes de permitir que ela se casasse com ele. Mas ao longo dos meses, muitas coisas mudaram. Helen descobriu o que era amar alguém, e agora reconhecia o amor nos olhos de Gavin. Ela viu a dor que ele sofreu por perder seu filho e o medo de perder Judith.

Gavin virou-se para sua sogra. Esquecera qualquer hostilidade entre eles. Viu-a e lembrou-se apenas que Helen era a mãe da mulher que ele amava. Abraçou-a, mas sem aperta-la. Não. Era Helen que abraçava seu genro, e sentia o calor de suas lágrimas através de seu vestido molhado pela chuva. E finalmente, Helen desafogou sua dor e suas próprias lágrimas.


Joan estava sentada perto à sua ama que dormia. A cor de Judith havia desaparecido, o cabelo úmido de suor.

— Em breve estará bem. — Respondeu Joan à pergunta não formulada de Gavin.

— Não tenho tanta certeza. — Ele tocou a bochecha quente de sua esposa. Observando-a com atenção.

— Foi uma queda terrível que ela tomou. — disse Joan, olhando fixamente para Gavin.

Gavin apenas balançou a cabeça, mais preocupado com Judith do que com qualquer conversa.

— O que você pretende fazer com ela? — Joan continuou.

— Que posso fazer? — Perguntou Gavin. — Só espero vê-la bem o quanto antes melhor.

Joan acenou com a mão de forma depreciativa.

— Não. Refiro-me à Lady Alice. Que punição planeja aplicar-lhe pelo truque que ela fez? — Joan bufou. — Um truque que pode custar à milady sua vida!

— Não diga isso. — Gavin rosnou.

— Te pergunto novamente, que punição você planeja aplicar?

— Segure sua língua, mulher, não sei nada sobre um truque.

— Não? Então, neste caso direi o que devo esclarecer. Há uma serva na cozinha, que chora mares e mares. Ela tem uma moeda de ouro e diz que Lady Alice lhe deu para levar a minha lady até aonde estava na cama com essa meretriz. Ela disse que teria feito qualquer coisa pela moeda, mas não estava pensando em assassinato. Disse que é culpada pela morte do bebê e a possível morte de Lady Judith. Teme ir para o inferno.

Gavin percebeu que era hora de encarar a verdade.

— Eu gostaria de ver essa mulher e falar com ela. — Disse ele em voz baixa.

Joan levantou-se.

— Vou buscar a menina se puder encontrá-la.

Gavin sentou-se com Judith, observando, notando que sua cor natural estava retornando.

Algum tempo mais tarde, Joan voltou, puxando uma serva assustada e encolhida atrás dela.

— Esta é a porca! — Joan disse e deu a serva um empurrão violento. — Olhe para minha lady, que está ali deitada. Matou um bebê, e agora pode matar a minha senhora. Ela nunca machucou ninguém. Sabe que me ensinou muitas vezes a não maltratar a escória como você?

— Silêncio! — Ordenou Gavin. A serva estava, obviamente, com muito medo. — Diga-me o que sabe do acidente de minha esposa.

— Acidente! — Joan gargalhou depois se calou diante do olhar de Gavin.

A serva, com os olhos correndo de um canto do quarto para o outro, contou sua história em frases desconexas e hesitantes. No final, se atirou aos pés de Gavin.

— Por favor, meu senhor, salve-me, Lady Alice vai me matar!

O rosto de Gavin não mostrou nenhuma piedade.

— Você me pede ajuda? Que ajuda você deu à minha esposa, ou a nosso filho? Devo levá-la a tumba onde enterraram a criança?

— Não. — A serva chorava desesperadamente, sua cabeça tocando o chão.

— Levante-se! — Ordenou Joan. — Você suja o chão deste quarto!

— Leve-a daqui! — Ordenou Gavin. — Não suporto a visão dela.

Joan agarrou os cabelos da serva e puxou-a violentamente para cima, então deu-lhe um duro pontapé em direção à porta.

— Joan. — interveio Gavin. — Leve-a para John Bassett e diga que a mantenha segura.

— Segura? — Joan explodiu então seus olhos endureceram. — Sim, meu senhor. — Ela disse em uma voz falsamente submissa. Fechou a porta, torcendo o braço da serva atrás de suas costas. — Ela mata o bebê da minha senhora, e eu vou vê-la segura! — Ela murmurou. — Não, vou me inteirar de que receba o que merece.

No topo da escada em espiral, a mão de Joan apertou com mais força o braço da serva aterrorizada.

— Aqui, pare com isso! Fique quieta! — John Bassett rosnou. Nunca esteve longe da porta do quarto de Judith nos últimos dias. — Esta é a mulher que Lady Alice subornou? — Não havia uma só pessoa no castelo que não estivesse ciente da história da traição de Alice.

— Oh, por favor, senhor — pediu a moça, caindo de joelhos. — Não deixe que me matem. Não voltarei a fazer nada parecido com isso novamente.

Joan tentou falar, mas John cravou-lhe um olhar de desgosto e levantou a criada. Joan permaneceu de pé por vários minutos, observando-os com o olhar enquanto se afastavam.

— Que pena que ele a tenha levado, poderia ter-me resolvido o trabalho. — disse uma voz calma atrás dela.

Joan girou para encarar Alice Chatworth.

— Preferia vê-la arrojada no pé da escada. — disse Joan com desprezo.

Os olhos azuis de Alice brilharam em chamas.

— Pagarás com tua vida por isso!

— Aqui? Agora? — Joan provocou. — Porque vacilas? Estou na beira da escada. Não. Esse não é o seu modo de agir. Contrata gente para fazer o trabalho sujo para você, e depois, finge ser uma dama inocente.

Ninguém nunca ousou dizer essas coisas a Alice!

Ela estava tentada a dar um duro empurrão à donzela, mas Joan parecia ser mais forte, e Alice não podia arriscar perder a luta.

— Depois do que me disse cuidado com a sua vida. — Alice advertiu.

— Não, vou cuidar de minhas costas, onde pessoas como você atacam por ai. — Joan olhou para a mulher, depois começou a rir. Ela riu todo o caminho, das escadas até chegar ao quarto de sua lady.

A parteira e Gavin velavam Judith.

— A febre começou. — Disse a velha em voz baixa. — Agora as orações ajudarão tanto quanto qualquer outra coisa.


Capítulo Vinte e Oito

Judith estava sonhando. Seu corpo estava quente e dolorido, e tinha problemas para se concentrar no que estava acontecendo. Gavin estava lá, sorrindo para ela, mas seu sorriso era falso. Atrás dele estava Alice Chatworth, seus olhos brilhando em triunfo.

— Ganhei. — sussurrou a mulher. — Eu ganhei!

Judith acordou devagar, saindo do sonho que parecia real, quando sentiu as dores de seu corpo, como se tivesse dormido durante dias em uma taboa. Ela moveu a cabeça para um lado. Gavin dormia em uma cadeira junto à cama. Até adormecido, ele parecia tenso, como se estivesse pronto para se colocar de pé. Seu rosto estava abatido, as maçãs do rosto proeminentes debaixo de sua pele. Estava há vários dias sem se barbear, e havia círculos escuros sob seus olhos.

Judith ficou perplexa por alguns instantes, perguntando-se por que Gavin parecia tão cansado e por que seu corpo doía tanto. Sua mão se moveu sob as cobertas e tocou seu ventre. Já não estava tão duro e ligeiramente arredondado, agora estava afundado e vazio. E que horrível vazio!

Lembrou-se de tudo! Lembrou-se de Gavin na cama com Alice. Ele havia dito que já não se importava com ela, que já não a queria e Judith começara a acreditar nele. Começou a sonhar em uma vida juntos, na felicidade quando seu filho nascesse. Que idiota ela havia sido!

— Judith! — murmurou Gavin com uma voz estranhamente rouca. Rapidamente se sentou ao lado dela na cama, sua mão sentindo sua testa.

— A febre passou. — disse ele, aliviado. — Como você está se sentindo?

— Não me toque. — Ela sussurrou. — Saia de perto de mim!

Gavin assentiu com a cabeça, os lábios em uma linha fina e firme.

Antes que qualquer um dos dois pudesse falar de novo, a porta se abriu e Stephen entrou. A expressão preocupada em seu rosto deu lugar a um amplo sorriso quando viu que ela estava acordada. Rapidamente foi para o lado da cama em frente Gavin.

— Doce irmãzinha. — murmurou ele. — Nós pensamos que poderíamos perdê-la. — Tocou seu pescoço gentilmente.

Ao ver um rosto familiar e amado, Judith sentiu lágrimas nos olhos.

Stephen franziu o cenho e olhou para seu irmão, mas Gavin balançou a cabeça.

— Vamos, tesouro. — disse Stephen, apertando Judith em seus braços. — Não chore! — Ele sussurrou enquanto acariciava seus cabelos.

— Era um menino? — Perguntou.

Stephen só pode assentir.

— Eu o perdi! — Exclamou desesperada. — Ele não teve sequer uma chance de vida e eu o perdi. Oh, Stephen, eu queria tanto o bebê. Ele teria sido bom, gentil e muito bonito!

— Sim. — concordou Stephen. — Alto e moreno como o pai.

Os soluços de Judith rasgaram-na.

— Sim. Pelo menos meu pai tinha razão em relação a ter um neto. Mas está morto!

Stephen olhou por cima da cabeça dela para o irmão. Não sabia quem era o mais desesperado, Gavin ou a mulher que ele confortava.

Gavin nunca viu Judith chorar. Ela mostrou-lhe hostilidade, paixão, humor, mas nunca esta dor horrível. Sentiu uma profunda tristeza por ela não ter compartilhado seu pesar com ele.

— Judith. — disse Stephen. — Você deve descansar, esteve muito doente.

— Há quanto tempo estou doente?

— Três dias. A febre quase a tirou de nós.

Ela soluçou e então abruptamente se afastou dele.

— Stephen, não deveria estar em viagem? Chegará atrasado para o seu próprio casamento.

Ele assentiu sombrio.

— Teria que casar com ela esta manhã.

— Então você a abandonou no altar.

— Espero que tenha percebido meu atraso antes de chegar até esse ponto.

— Enviou-lhe alguma mensagem?

Ele balançou sua cabeça.

— Que a verdade seja dita, esqueci-me. Estávamos muito preocupados com você. Não sabe o quão perto chegou da morte.

Em realidade Judith se sentia fraca e extremamente cansada.

— Agora deve voltar a dormir.

— E você irá conhecer sua noiva? — Judith perguntou enquanto a ajudava a deitar-se.

— Posso ir agora que sei que a febre cedeu.

— Prometa-me — disse ela, cansada. — Não gostaria que você começasse seu casamento como começou o meu. Quero o melhor para você.

Stephen olhou rapidamente para seu irmão.

— Sim, prometo. Partirei dentro de uma hora.

Ela assentiu, fechando os olhos.

— Obrigada. — Sussurrou e adormeceu.

Gavin levantou-se da cama ao mesmo tempo que seu irmão.

— Eu também esqueci o seu casamento.

— Você tinha outras coisas em mente. — Respondeu Stephen. — Ela ainda está brava com você?

Gavin deu a seu irmão um olhar cínico.

— Mais do que zangada, eu diria.

— Fale com ela. Explique como você se sente. Diga-lhe a verdade sobre Alice Acreditará em você.

Gavin olhou para sua esposa adormecida.

— Tem que preparar seu grupo e sua bagagem. Essa sua noiva escocesa lhe esfolará.

— Se isso fosse tudo o que ela deseja, meu couro, o daria de boa vontade.

Os dois homens saíram do quarto, fechando a porta. Gavin abraçou seu irmão.

— No Natal. — Ele disse sorrindo. — Traga sua esposa para o Natal.

— Sim. Vai falar com Judith?

Gavin assentiu.

— Quando ela estiver mais descansada e eu banhado.

Stephen sorriu. Gavin não saiu do lado de sua esposa durante os três dias de febre. Stephen deu um afetuoso golpezinho em seu irmão, virou-se e se afastou pelo corredor.


Quando Judith acordou novamente, estava escuro no quarto. Joan estava dormindo em um colchão perto da porta. A cabeça de Judith estava mais leve e se sentia mais forte e com muita fome.

— Joan. — ela sussurrou.

A serva ficou de pé imediatamente.

— Minha lady. — Ela disse e sorriu alegremente. — Lorde Gavin disse que estava bem melhor, mas eu não acreditei nele.

— Quero um pouco de água. — disse Judith através dos lábios ressecados.

— Sim. — Joan riu alegremente e aproximou o copo os lábios de sua ama. — Não tão rápido. — disse enquanto Judith bebia com avidez.

A porta se abriu e ambas se viraram para ver Gavin entrando com uma bandeja de comida.

— Não quero vê-lo. — disse Judith com firmeza.

— Saia! — Ordenou Gavin a Joan.

A criada pousou o copo e saiu apressadamente.

Gavin colocou a bandeja em uma pequena mesa ao lado da cama.

— Está se sentindo melhor? — Ela olhou-o firme, mas não respondeu.

— Te trouxe um pouco de caldo e um pedaço de pão. Deve estar com muita fome.

— Não quero nada de você. Nem comida e nem companhia.

— Judith, — disse ele com grande paciência — está agindo como uma criança, falaremos disso novamente quando estiver bem.

— Acha que o tempo vai mudar minha ideia? O tempo vai me devolver meu bebê? Será que o tempo me deixará abraça-lo, amá-lo, me deixará ver a cor de seus olhos?

Gavin tirou as mãos da bandeja.

— Também era meu filho. Eu também o perdi.

— Então, pelo menos disso está sabendo. Devo dar-lhe os pêsames por tê-lo perdido? Deveria sentir pena de sua tristeza? Nem sequer acreditou que ele fosse seu. Ou mentiu sobre isso também?

— Não menti para você, Judith. Se puder me escutar, eu lhe contarei tudo.

— Escutar-te? — Ela disse com seriedade. — Quando você já me ouviu? Desde o momento em que nos casamos tenho tentado agradá-lo, mas havia pouca coisa que eu podia fazer que não o deixasse enfurecido. Sempre sentia que estava me comparando com outra pessoa.

— Judith. — disse, tomando-lhe a mão de seu colo.

— Não me toque. Teu toque me suja. — Seus olhos mudaram de cinza para preto.

— Tenho algo a dizer, e o direi, mesmo que tente arduamente me impedir. Muito do que você disse é verdade. Estive apaixonado por Alice, ou pensei que estava. Apaixonei-me por ela antes mesmo de ouvir uma palavra de sua boca. Inventei uma imagem de mulher, e ela se converteu nessa imagem. Nunca passamos muito tempo juntos, apenas momentos rápidos aqui e ali. Em realidade, nunca soube como ela era realmente, apenas o que eu desejava que ela fosse.

Judith não respondeu. Gavin não conseguia ler seus pensamentos.

— Lutei contra te amar, — ele continuou — convencido de que meu coração pertencia a Alice. Mas agora sei que estava enganado, Judith. Te amo faz um longo tempo. Talvez tenha te amado desde o início. Sei agora, com certeza, que te amo com todo o meu coração e alma.

Ele parou e olhou para ela, mas sua expressão não mudou.

— Devo cair em seus braços e declarar meu grande amor por você também? É isso que espera de mim?

Gavin ficou surpreso. Talvez tivesse esperado que ela dissesse que o amava.

— Sua luxúria matou meu filho!

— Não foi a minha luxúria! — Gavin disse apaixonadamente. — Eu fui enganado. Fizeram-me uma armadilha. Stephen e eu bebemos demais juntos. Poderia ter deitado com um leopardo e eu não saberia!

Judith sorriu friamente.

— E gostou do leopardo e suas garras como antes?

Gavin lhe lançou um olhar frio.

— Tentei explicar-lhe minhas ações, mas não me escuta. Declarei meu amor, o que mais posso fazer?

— Não parece entender. Não me importa que me ame ou não. Teu amor precisa ser real, porque o tem dado livremente a quem o reclama. Em outros tempos teria feito qualquer coisa para ouvir essas palavras, mas elas já não são doces ao ouvi-las. A morte do meu filho tirou da minha mente contos de fadas, como o amor.

Gavin se recostou, olhando para ela. Não sabia mais o que dizer.

— Tenho errado em todos os aspectos. Tem todo o direito de estar zangada.

— Não. — Ela sorriu — Não estou zangada, nem te odeio. Simplesmente a vida contigo ficou intolerável.

— O que você quer dizer?

— Implorarei ao rei que peça ao Papa meu divórcio. Creio que nem mesmo o Papa me exija que viva com você depois disso. Reterás a metade da minha terra e... — Ela parou quando Gavin se levantou.

— Vou mandar Joan para você. Tem que comer. — Disse Gavin, depois saiu do quarto.

Judith deitou-se contra o travesseiro. Sentia-se esgotada. Como poderia acreditar que ele a amava quando tudo que podia ver era Alice se levantando debaixo de seu corpo nu?

Por mais três dias, Judith não saiu de sua cama. Dormia muito e comia obedientemente. Seu animo estava tão baixo que a comida significava pouco para ela. Recusou-se a ver qualquer pessoa, especialmente seu marido. Preferindo manter sua opinião para si mesma, Joan mal falou com sua ama.

Na manhã do quarto dia, Joan puxou as cobertas de Judith.

— Não vai permanecer na cama hoje, há trabalho a ser feito e deve se exercitar. — Joan tirou uma túnica nova que estava ao pé da cama. Uma túnica para substituir a de veludo verde manchada de sangue. A túnica nova era de veludo cinza com uma larga manga de vison, uma bainha, também de vison, ao longo da frente e ao redor. O intrincado bordado de ouro corria em volta dos ombros.

— Eu não quero me levantar. — Judith disse e se virou.

— Você irá!

Judith ainda estava muito fraca para resistir. Joan facilmente tirou sua ama da cama e a ajudou a vestir a roupa de veludo. Conduziu Judith para um assento próximo da janela.

— Agora fique aqui enquanto coloco lençóis limpos.

A brisa do verão refrescava agradavelmente o rosto de Judith. Tinha uma vista maravilhosa do jardim. Recostou-se contra o marco e observou as pessoas embaixo.


— Gavin? — Alguém disse calmamente ao seu lado.

Sentava-se sozinho no jardim, um lugar onde passara muito tempo ultimamente. Virou rapidamente para a voz familiar. Era Alice, sua pele radiante na luz do amanhecer. Ele propositadamente havia adiado o confronto com ela. Não confiava em suas próprias reações.

— Como se atreve a aproximar-se de mim?

— Por favor, permita-me explicar...

— Não. Você não pode explicar nada.

Alice desviou o olhar, levando sua mão ao seu olho. Quando voltou a olha-lo, havia grandes lágrimas brilhantes. Gavin olhou-a e se perguntou como suas lágrimas tiveram uma vez o poder de comovê-lo. Quão diferentes eram das de Judith! Grandes soluços dilacerantes, que se rasgaram através dela. Ela chorava de tristeza, não para aumentar sua beleza.

— Eu fiz isso só por você. — Disse Alice. — Meu amor por você é tão forte que...

— Não me fale de amor. Pergunto-me se você sabe o significado desta palavra. Sabe que interroguei a garota que pagou para trazer Judith até você? Planejou bem, não é?

— Gavin, eu...

Ele a agarrou pelos braços e a sacudiu.

— Mataste a meu filho! Isso não significa nada para você? E quase matou minha esposa. A mulher que amo. — Afastou Alice com um empurrou para longe dele. — Poderia leva-la diante de um tribunal pelo que fez, mas me sinto tão culpado quanto você. Fui um estúpido em não ter compreendido como você era.

Alice levantou a mão e deu um tapa na cara de Gavin. Ele permitiu, sentindo que o merecia.

— Saia da minha frente e não me tente. Ou torcerei seu pescoço.

Alice virou sobre o calcanhar e fugiu do jardim. Ella saiu das sombras.

— Eu disse para você não ir até ele. Disse para esperar. Ele está muito zangado com você e bem o merece. — Ella ficou perplexa quando sua ama caminhou por atrás da cozinha, em um beco. Alice encostou-se à parede. Seus ombros tremiam. Ella foi até sua ama e puxou sua cabeça para seu amplo peito. Desta vez, Alice chorou genuinamente.

— Ele me amava. — Ela disse através de soluços dolorosos. — Me amou e agora não mais. Não tenho mais ninguém.

— Silêncio, querida! — Ella acalmou-a. — Tem a mim. Sempre me teve. — Ella segurou-a como quando Alice era uma criança e a linda menina tinha chorado por negligência de sua mãe. — Lorde Gavin é apenas um homem, há outros. Você é tão linda. Haverá muitos homens para te amar.

— Não! — Alice disse com tanta violência que sacudiu todo o seu corpo. — Eu o quero, quero Gavin. Outro homem não me serve!

Ella tentou acalmar sua ama, mas não conseguiu.

— Você vai tê-lo então. — Ella disse finalmente.

Alice ergueu a cabeça, os olhos e o nariz vermelhos e inchados.

— Você promete?

Ela assentiu.

— Eu não te dou sempre o que quer?

— Sim. — Alice concordou. — E você trará Gavin para mim?

— Eu juro.

Alice deu um pequeno sorriso. Então, em uma rara explosão de afeto, deu a Ella um beijo rápido na bochecha. Os velhos olhos da empregada brilharam. É claro que faria qualquer coisa por essa doce garota, que era tão mal compreendida pelas pessoas ao seu redor.

— Vamos para cima — disse Ella docemente. — Vamos planejar um vestido novo.

— Sim. — Alice sorriu, fungando alto pelo nariz. — Um comerciante trouxe algumas lãs francesas esta manhã.

— Vamos vê-las.


Judith observou da janela apenas parte da cena. Tempo suficiente para ver o marido se voltar e falar com a amante.

— Joan, eu gostaria de ver o rei. — disse ela, afastando-se da janela.

— Minha lady, não pode pedir ao rei Henry para vir aqui.

— Não tenho a intenção de fazê-lo. Tem que me ajudar a me vestir e vou descer para vê-lo.

— Mas...

— Não discuta comigo!

— Sim, milady! — Disse Joan com voz rouca.

Uma hora mais tarde, Judith apareceu no grande salão, apoiando-se pesadamente no braço da criada. Um jovem veio saudá-la.

— Alan Fairfax, minha dama, se você não se lembra.

— Claro que lembro. — Ela conseguiu esboçar um pequeno sorriso. — Você é gentil em me ajudar.

— É um prazer. Quer ver o rei?

Ela assentiu gravemente. Pegou o braço de Alan e ele a conduziu para a câmara real. Era uma elegante sala com um teto de grandes vigas, painéis de madeira e pisos de carvalho cobertos com tapetes persas.

— Condessa! — Disse o rei quando a viu. Tinha um manuscrito iluminado no colo. — Não deveria ter deixado sua cama tão cedo. — Ele colocou o livro de lado e pegou seu outro braço.

— Ambos são muito amáveis. — Disse ela enquanto Alan e Henry a ajudavam a sentar. — Gostaria de falar com vós, Sua Majestade, sobre um assunto particular.

Henry acenou para Alan e o cavaleiro os deixou.

— Agora, que assunto é tão importante que a obrigou a cansar-se para falar comigo?

Judith olhou para as mãos dela.

— Gostaria de me divorciar.

O rei Henrique ficou em silêncio por um momento.

— O divórcio é um assunto sério. Tem motivos?

Havia dois tipos de divórcio e três razões para cada um. O melhor que Judith podia pedir era uma separação, permitindo-lhe viver separada de seu marido pelo resto de sua vida.

— Adultério. — Ela disse em voz baixa. Henry estudou a resposta.

— Se autorizarem o divórcio por esse motivo, nenhum dos dois poderá se casar de novo.

— Não quero voltar a me casar. Entrarei em um convento, como fui preparada.

— E o que dizer de Gavin? Negar-lhe-ia o direito de tomar uma nova esposa que lhe daria filhos para segui-lo?

— Não. — sussurrou. — Ele tem seus direitos.

Henry a observava atentamente.

— Então, neste caso, devemos buscar um divórcio que declare seu casamento nulo e sem efeito. Não estão ligados por vínculos de parentesco?

Novamente ela balançou a cabeça, pensando em Walter Demari.

— E Gavin, não estava comprometido com outra?

Judith ergueu o queixo.

— Pediu a outra mulher que se casasse com ele.

— E esta mulher quem é?

— Lady Alice Chatworth.

— Ah... — Henry suspirou e se recostou na cadeira. — E agora a dama é viúva e ele quer se casar com ela?

— Sim, ele o quer.

O rei Henry franziu o cenho.

— Não gosto de divórcio, mas também não gosto que meus condes e condessas sejam infelizes. Isso vai custar muito, estou seguro de que o Papa exigirá que lhe dê uma capela ou um convento.

— Eu farei isso.

— Lady Judith, eu devo pensar sobre isso. Falarei com os outros envolvidos antes de tomar uma decisão. Alan, — ele chamou — leve a condessa para seu quarto e veja para que ela descanse.

Alan sorriu amplamente enquanto ajudava Judith a se levantar.

— Lady Judith parecia muito triste. — comentou a rainha Isabel quando entrou na sala no momento que Judith estava saindo e se sentou ao lado de seu marido. — Eu sei como ela se sente depois de ter perdido uma criança.

— Não é isso. Ou pelo menos a criança não é tudo que pesa sobre ela. Pediu o divórcio de Gavin.

— Não! — Exclamou Isabel, deixando cair o tecido no colo. — Nunca vi duas pessoas mais apaixonadas. Eles discutem, é verdade, mas vi como Lorde Gavin levantou-a nos braços e a beijou.

— Parece que Lady Judith não é a única mulher que Gavin beija.

Isabel ficou em silêncio. Poucos homens eram fiéis a suas esposas. Ela sabia que mesmo seu marido, às vezes...

— Lady Judith pede o divórcio por esse motivo?

— Sim. Gavin parece ter pedido para Lady Alice Chatworth que se casasse com ele antes de se casar com Judith. É um contrato verbal e o motivo do divórcio, isto é, se essa mulher aceitar Gavin.

— O aceitará — disse Isabel, furiosa. — Para ela será uma alegria ficar com Gavin, esforçou-se muito por conquistá-lo.

— Do que está falando?

Isabel rapidamente disse a seu marido sobre os rumores que circulavam pelo castelo de como Lady Judith havia caído e abortado seu filho.

Henry franziu o cenho.

— Não gosto desses acontecimentos entre os meus súditos. Gavin deveria ter sido mais discreto.

— Há algumas dúvidas se ele levou a mulher para sua cama ou se ela mesma se colocou ali.

O rei riu entre dentes.

— Pobre Gavin! Não queria estar em sua situação.

— Falou com ele? Não acho que queira o divórcio. — Afirmou Isabel.

— Mas se estava comprometido com Lady Alice antes de seu casamento...

— Neste caso por que ela se casou com Edmund Chatworth?

— Entendo. — disse Henry seriamente. — Acho que vou investigar isso mais a fundo, há mais aqui do que aparece na superfície. Falarei com Gavin e Lady Alice.

— Espero que demore muito com essas conversações.

— Não compreendo.

— Se Judith tiver permissão para se separar de seu marido, seu casamento vai realmente acabar, mas se eles forem forçados a ficar perto um do outro, poderiam compreender que se amam.

Henry sorriu afetuosamente para sua esposa. Ela era uma mulher sábia.

— Vou levar muito tempo antes de enviar uma mensagem ao papa, aonde você vai? — Ele perguntou enquanto se levantava.

— Desejo trocar umas palavras com Sir Alan Fairfax, pergunto-me se ele estaria disposto a ajudar uma dama em perigo.

Henry deu a ela um olhar intrigado, logo recolheu seu manuscrito.

— Sim, minha querida. Tenho certeza de que vai lidar com tudo isso sem minha ajuda.

Duas horas depois, a porta da câmara de Judith foi aberta com violência, Gavin entrou no quarto em grandes passadas com o rosto enegrecido pela fúria. Judith levantou o olhar do livro que tinha em seu colo.

— Você pediu o divórcio ao rei! — Vociferou ele.

— Em efeito. — respondeu ela com firmeza.

— Pensa revelar nossas diferenças ante o mundo?

— Sim, se for necessário para me liberar de ti. — Gavin a fulminou com os olhos.

— Que mulher tão teimosa! Alguma vez vê além de sua opinião? Alguma vez raciocina?

— A sua ideia de raciocinar não é a mesma que a minha. Quer que te perdoe por adultério uma e outra vez. Já fiz tantas vezes, mas agora não posso mais, pretendo me livrar de você e entrar num convento. Como eu deveria ter feito há muito tempo.

— Um convento! — Disse incrédulo, depois sorriu zombeteiro. Deu um rápido passo em direção à esposa e lhe rodeou os ombros com um braço. Levantou-a da cama e sua boca cobriu a dela. Não foi um beijo suave, mas mesmo em sua brutalidade deixou Judith excitada. Seus braços rodearam seu pescoço, estreitando-se violentamente contra ele. Gavin a soltou de repente e a deixou cair no colchão de penas. Os lados do colchão macio se ergueram ao redor dela.

— Pois vá aceitando que nunca se libertará de mim. Quando estiver disposta a admitir que sou o homem que necessita, venha até mim. Talvez aceite-a ao meu lado outra vez. — Ele se virou e saiu do quarto antes que Judith pudesse dizer uma palavra.

Joan estava na porta aberta, um olhar de adoração em seu rosto.

— Mas, como se atreve? — Balbuciou Judith. Mas se interrompeu ante a expressão de sua donzela. — Por que me olha assim? — Perguntou.

— Porque está errada. Este homem a ama, já o disse, mas você não quer escutá-lo. Estive do seu lado desde que se casaram, mas agora não.

— Mas aquela mulher... — protestou Judith com uma voz estranha e suplicante.

— Não pode perdoá-lo? Ele pensou que a amava: Seria menos homem se estivesse disposto a esquecê-la quando viu pela primeira vez a sua linda esposa?

— Mas meu bebê! — Judith disse, com lágrimas em sua voz.

— Eu lhe falei da traição de Alice. Por que segue jogando a responsabilidade sobre os ombros de seu marido, senhora?

Judith ficou em silêncio por um tempo. A perda da criança a machucou muito. Talvez ela quisesse alguém para culpar e Gavin era uma pessoa adequada para infligir tudo. Sabia que Joan dizia a verdade com respeito à Alice. Naquela noite, as coisas aconteceram tão rapidamente. Mas agora, passados vários dias, dava-se conta de que Gavin tinha estado muito inerte sobre o corpo de Alice.

— Ele diz que te ama. — Joan continuou com uma voz mais calma.

— Você faz alguma coisa além de ouvir atrás das portas? — Perguntou Judith.

Joan sorriu.

— Eu gosto de saber o que acontece com aqueles que me importo. Ele diz que te ama milady, o que você sente por ele?

— Eu... eu não sei.

Joan resmungou um juramento que fez os olhos de Judith se arregalarem.

— Sua mãe deveria ter lhe ensinado algo além dos registros contábeis, minha lady. Não acredito que tenha visto uma mulher amar um homem como você ama Lorde Gavin. Seus olhos não o deixaram desde que ele desmontou daquele cavalo branco em seu casamento. Entretanto, resiste a cada instante... e ele a você — ela acrescentou antes que Judith pudesse interromper. — Por que os dois não param de brigar e fazem mais bebês? Eu gostaria de ter um para cuidar.

Judith sorriu. Seus olhos se encheram de lágrimas.

— Mas ele não me ama, em realidade. E embora assim fosse, está furioso comigo. Devo ir para ele e dizer-lhe que eu não quero o divórcio, que eu... eu...

Joan riu.

— Não pode nem dizê-lo. Ama-o, não é verdade?

Judith estava muito séria antes de responder.

— Sim, eu o amo.

— Agora, devemos fazer nossos planos. Não pode ir até ele, dar-lhe-ia motivos para se regozijar com isso por muitos anos. Além disso, não saberia como fazê-lo. Mostrar-se-ia fria e lógica, em vez de chorar e suspirar.

— Dar-se conta do que quero dizer, milady? Certa vez me disse que eu dava muita importância ao aspecto pessoal, e eu disse que você dava para isso muito pouco valor. Pelo menos uma vez têm que usar sua beleza em benefício próprio.

— Mas como? Gavin me viu de todas as maneiras, minha aparência não terá efeito sobre ele.

— Acha que não? — Joan riu. — Ouça-me, e dentro de alguns dias teremos Lorde Gavin rastejando aos seus pés.

— Seria bom para variar. — Judith sorriu. — Sim, gostaria disso.

— Então, as coisas de minha conta, há um comerciante de tecidos italiano lá embaixo e...

— Não preciso de mais roupas! — Judith disse, olhando para os quatro grandes baús no quarto.

Joan sorriu de maneira secreta.

— Deixe que eu me encarregue dos homens, basta descansar, vai precisar de sua força.

 

A notícia do desejo de Judith por um divórcio se espalhou por toda a corte como um incêndio. O divórcio não era incomum, mas Judith e Gavin haviam se casado há pouco tempo. A reação do povo da corte foi estranha. As mulheres herdeiras, órfãs e as jovens viúvas se aglomeravam em torno de Gavin, percebendo que seu longo romance com Alice Chatworth terminou. Obviamente, sua adorável esposa não deveria fazer reclamação alguma. Para elas, Gavin era um homem solteiro que logo precisaria escolher uma delas por esposa.

Mas os homens não correram para Judith. Não era jogo de dados a atuar primeiro e pensar depois. A rainha mantinha Judith ao seu lado, dando-lhe um tratamento preferencial ou, como os homens a viam, guardando-a como uma ursa com seus filhotes. Os homens também sabiam que era incomum para o rei Henry manter o casal separado na corte. O rei não gostava de divórcio e geralmente mandava o casal embora. É verdade que Lady Judith era linda, encantadora e muito rica, mas com muita frequência um homem sentia os olhos de Gavin em cima dele quando contemplava durante muito tempo a essa beleza de olhos dourados. Mais de um homem expressou a opinião de que uma boa surra teria impedido Judith de trazer suas diferenças a público.

— Minha dama?

Judith levantou os olhos do livro e sorriu para Alan Fairfax. O vestido novo que usava era extremamente simples. Tinha um pescoço quadrado e mangas longas e apertadas. Descia por seus pés, de modo que formava um pequeno amontoado de tecido no chão quando ela se levantava. Para caminhar, precisava carregar parte da saia sobre o braço. Os lados estavam amarrados com força. Mas o que realmente era original no vestido era a sua cor. Era preto-sólido, preto de meia-noite. Não havia cinto, nem manto. Sobre seu pescoço tinha um colar de filigrana de ouro com grandes rubis. Seu cabelo estava descoberto, solto, caindo em suas costas. Tinha vacilado ante o vestido negro, perguntando-se até que ponto era adequado; não suspeitava que o negro fizesse brilhar sua pele como uma pérola. O ouro do colar refletia o tom de seus olhos e os rubis ficavam em um segundo plano sob o fulgor de sua cabeleira dourado-avermelhado.

Alan quase não conseguiu conter-se para não olhá-la com a boca aberta. Pelo visto, Judith ignorava que estava deixando loucos aos homens da Corte, e não só ao seu marido.

— Vai permanecer aqui dentro em um dia tão lindo? — Ele finalmente conseguiu dizer.

— Parece que sim. — Ela sorriu. — Verdade seja dita, faz vários dias que não me afasto muito destes muros.

Ele lhe ofereceu seu braço.

— Então talvez goste de andar um pouco comigo?

Judith se levantou, aceitando seu braço.

— Seria um verdadeiro prazer, amável senhor. — Judith segurou seu braço firmemente. Ela estava feliz em falar com um homem novamente. Durante dias, todos pareciam afastar-se dela. O pensamento a fez rir em voz alta.

— Algo te diverte? — Perguntou Alan.

— Estava pensando que você é um homem corajoso. Na última semana, comecei a temer que tivesse doente da peste ou talvez algo ainda pior. Basta eu olhar para um homem e ele foge como se estivesse em um perigo mortal.

Foi a vez de Alan rir.

—Não é você, mas seu marido quem os afugenta para as sombras.

— Mas possivelmente... logo não seja meu marido.

— Possivelmente? — Alan perguntou, levantando uma sobrancelha. — Ouço uma nota de incerteza?

Judith ficou quieta por um momento.

— Temo ser muito transparente.

Ele cobriu sua mão com a dele.

— Estava muito zangada e com razão. Lady Alice... — interrompeu-se ao notar que ela ficava rígida. — Foi indelicadeza de minha parte mencioná-la. Perdoou seu marido então?

Judith sorriu.

— Pode-se amar sem perdoar? Se for possível, então esse é o meu destino.

— Por que não vai até ele e acaba com esse distanciamento?

— Oh, não conhece Gavin, Lorde Alan. Teria que suportar sua arrogância e sermão sobre a minha rebeldia.

Alan riu entre dentes.

— Então deve fazê-lo vir até você.

— É o que diz a minha donzela, embora não me tenha dado nenhuma lição sobre como devolver a meu lado meu marido.

— Só há uma maneira. Seu marido é homem ciumento, milady. Se dedicar parte de seu tempo a outro, Lorde Gavin não demorará em reconhecer seu engano.

— Mas que homem? — Judith perguntou, pensando que conhecia tão poucas pessoas na corte.

— Me ofende gravemente. — Alan riu, levando a mão ao peito, fingindo desespero.

— Você? Mas se não tem interesse algum em minha causa!

— Neste caso, devo me forçar a passar um tempo com você, certamente, será uma tarefa muito difícil, mas, sinceramente, devo-lhe um favor.

— Você não me deve nada.

— Não. Fui usado para agir em favor de um truque contra milady, e gostaria de compensá-la.

— Um truque? Não sei o que quer dizer.

— É o meu segredo. Agora, não falemos mais de assuntos sérios, este é um dia de prazer.

— Sim. — concordou ela. — Sabemos pouco um do outro, fale-me sobre você.

Alan sorriu provocando.

— Eu tive uma vida longa e interessante, tenho certeza que minha história vai levar o dia inteiro.

— Neste caso, comece agora mesmo. — Judith riu.


Capítulo Vinte e Nove

Alan e Judith deixaram o barulho e confusão da casa real e caminharam em direção ao parque arborizado que rodeava as muralhas do castelo. Foi uma longa caminhada, mas que ambos desfrutaram com alegria.

Foi uma tarde interessante para Judith. Ela percebeu como tinha conhecido poucos homens em sua vida. Alan era divertido e o dia passou rapidamente. Ele estava fascinado que Judith fosse uma mulher bem educada. Riram juntos ante as confissões de Judith, que contou como suas donzelas estavam acostumadas lhe levar em segredo contos românticos para que ela os lesse em voz alta. Alan estava certo de que Judith não tinha plena consciência de quão pouco ortodoxa havia sido sua infância. Só no final da tarde ela falou de sua vida de casada. Contou sobre sua reorganização no castelo de Gavin, mencionou brevemente suas conversas com o ferreiro. Alan começou a compreender a causa das explosões de Gavin. Seria preciso uma grande força de vontade em um homem para ser capaz de ficar de lado e permitir a sua esposa impor suas ordens à cima das dele.

Conversavam e riam até que o sol estava baixo no céu.

— Devemos voltar. — disse Alan. — Mas eu odeio terminar a diversão deste dia.

— Concordo. — Judith sorriu. — Foi realmente agradável e estou feliz por me afastar da corte, há muita fofoca e maledicência lá para mim.

— Não é um lugar ruim, a menos que você seja o objeto da fofoca.

— Como sou agora? — Judith estremeceu.

— Sim. Fazia anos que não se contava com tão bom tema de conversação.

— Sir Alan, — ela riu. — é cruel comigo. — Colocou a mão em volta do braço dele e sorriu.

— Encontrei-os! — Uma voz sibilou perto deles. — Aqui é onde vocês se escondem?

Judith voltou-se para ver Alice de pé perto deles.

— Ele será meu em breve! — Alice gabou-se e se aproximou de Judith. — Quando ele se livrar de você, virá a mim.

Judith deu um passo atrás. A luz nos olhos azuis de Alice era antinatural. Seus lábios se curvaram e mostraram seus dentes desiguais e tortos, que costumava ter o cuidado de esconder.

Alan colocou-se entre Alice e Judith.

— Parta Lady Alice! — Alan disse em uma voz baixa e ameaçadora.

— Está se escondendo atrás de seu amante? — Alice gritou, ignorando Alan. — Não pode esperar o divórcio antes de tomar outros homens?

A mão de Alan apertou o ombro de Alice.

— Vá e não volte. Se a vir perto de Lady Judith, será a mim que responderá.

Alice quis dizer algo mais, mas a mão de Alan cravada em seu ombro a impediu. Ela virou e se afastou.

Alan voltou-se para Judith, que seguia olhando para a mulher.

— Você parece assustada.

— E estou. — ela reconheceu, esfregando-os braços. — Essa mulher me dá calafrios. Antes acreditava que ela fosse minha inimiga, mas agora quase sinto pena dela.

— Você é bondosa. A maioria das mulheres a odeiam pelo que ela fez a você.

— Eu também a odiava. Talvez ainda sinta o mesmo, mas não posso culpá-la por todos os meus problemas. Muitos foram causados por mim mesma e por....

— E por seu marido?

— Sim. — Ela sussurrou. — Por Gavin.

Alan estava muito perto dela. A escuridão estava rapidamente caindo, e ele passara o dia inteiro com ela. Talvez fosse a luz delicada em seus cabelos e olhos, mas ele não pode se abster de beijá-la. Tomou o queixo dela em sua mão e levantou seu rosto. Seus lábios encontraram os dela.

— Querida, linda Judith, — ele sussurrou — se preocupa muito pelos outros e muito pouco por si mesma.

Judith ficou assustada, mas não achou a carícia de Alan ofensiva. Nem achou isso particularmente excitante. Seus olhos permaneceram abertos, e observou os cílios de Alan em sua bochecha. Seus lábios eram suaves e agradáveis, mas não acenderam o fogo nela.

No momento seguinte, o chão se abriu e brotou o inferno. Judith foi violentamente separada de Alan e jogada de lado, suas costas bateram em uma árvore. Por um instante perdeu os sentidos. Olhou ao seu redor, aturdida. Alan estava no chão, o sangue escorrendo pelo canto da boca. Ele esfregava a mandíbula, flexionando-a. Gavin se inclinou para atacá-lo outra vez.

— Gavin! — Judith gritou e atirou-se contra seu marido.

Gavin afastou-a descuidadamente.

— Você ousa tocar no que é meu? — Ele rosnou para o cavaleiro. — Vou tirar a sua vida por isso!

Alan ficou imediatamente de pé, sua mão indo para a espada. Eles olhavam fixamente um para o outro, sem falar, suas narinas dilatadas de raiva.

Judith colocou-se entre os dois homens, de frente para Gavin.

— Quer brigar por mim depois de me haver abandonado voluntariamente?

Ao princípio Gavin não pareceu ouvi-la ou até mesmo estar ciente de sua presença. Lentamente, afastou os olhos de Alan para olhar para sua esposa.

— Não fui eu quem te abandonou, — disse ele calmamente — foi você.

— Foi você quem me deu motivo! — Ela justificou. — Foi você que durante todo o nosso casamento lutou contra mim quando eu tentei lhe oferecer amor.

— Nunca me ofereceu amor — disse ele calmamente.

Judith o olhava fixamente. Esquecendo sua fúria.

— Gavin, não fiz outra coisa desde que nos casamos. Tentei fazer e ser o que você queria de mim, mas você queria que eu fosse... ela! Não poderia ser ninguém além de mim mesma. — Judith inclinou a cabeça para esconder as lágrimas.

Gavin deu um passo na direção dela, mais se voltou para olhar Alan com ódio. Judith sentiu a tensão e levantou a vista.

— Se tocar um só fio de cabelo em sua cabeça, vai se arrepender,. — ela advertiu.

Gavin, com o sobrecenho franzido, quis dizer algo, mas pouco a pouco acabou sorrindo.

— Tinha começado a pensar que minha Judith já não existia. — sussurrou. — Mas só estava oculta sob um manto de doçura.

Alan tossiu para dissimular o riso que ameaçava escapar.

Judith endireitou sua espinha e jogou seus ombros para trás quando começou a afastar-se para longe de ambos os homens, desgostosa por que riam dela.

Gavin a observou por um momento, dividido entre sua briga com Alan Fairfax e seu desejo de correr atrás de sua esposa. Judith ganhou facilmente o cabo-de-guerra. Gavin deu três passos longos, e a teve em seus braços. Alan se apressou a deixá-los sozinhos.

— Se não ficar quieta, pôr-te-ei no ramo de uma árvore até que não possa te mover.

A horrível ameaça a imobilizou. Gavin sentou-se no chão com ela e segurou seus braços entre seus corpos.

— Assim eu gosto mais. — disse, ao vê-la mais serena. — Agora eu falarei e você escutará. Humilhaste-me em público. Não! — interrompeu-se. — Não diga nada até que eu tenha terminado. Posso suportar que me ridicularize em meu próprio castelo, mas já estou farto de que o faça diante do rei. E agora toda a Inglaterra ri de mim.

— Pelo menos tenho prazer nisso. — disse Judith, presunçosa.

— Seriamente, Judith? Isto te deu prazer? — Ela piscou com rapidez.

— Não, não me deu. Mas não foi minha culpa.

— É verdade. É inocente da maior parte. Mas disse que te amava e pedi seu perdão.

— E eu lhe disse...

Ele colocou dois dedos sobre seus lábios e sufocou suas palavras.

— Estou cansado de brigar contigo. É minha esposa, pertence-me, e planejo tratá-la como tal. Não haverá divórcio. — seus olhos se obscureceram. — Tampouco voltará a passar à tarde com jovens cavaleiros. Amanhã deixaremos este lugar cheio de fofocas e voltaremos para casa. Lá, se for necessário, te trancarei em um quarto na torre e só eu terei a chave. Levará um longo tempo em sossegar as risadas em toda a Inglaterra, mas pode ser feito. — Ele fez uma pausa, sem que Judith falasse. — Eu sinto muito pela armadilha que Alice fez. Também derramei minhas próprias lágrimas por nosso filho que perdemos, mas nos divorciarmos não mudará o passado. Só espero te deixar grávida logo, para que isso cure sua ferida. Mas se não acredita que seja assim, não importa: vou fazer as coisas ao meu modo.

Gavin dissera tudo isso de uma maneira deliberada. Judith sem responder, permaneceu quieta em seus braços.

— Não tem nada a dizer? — Ele perguntou.

— E o que poderia dizer? Não acredito que me permita dar uma opinião

Ele não olhava para ela, e sim para o campo verde.

— A ideia é tão repulsiva para você?

Judith não podia conter-se mais. Começou a rir e ele a encarou admirado.

— Disse que me ama e que me manterá separada de todos, exceto de você, trancando-me em um quarto na torre onde passaremos noites de paixão. Admite que a mulher a quem jurou amar, foi falsa e preparou armadilhas. Diz-me tudo isto e me pergunta se me repugna a ideia. Dar-me-á o que mais quis desde a primeira vez que te vi na igreja. — Continuou olhando-o.

— Judith... — murmurou ele hesitante.

— Eu te amo, Gavin! — Ela sorriu. — Isso é tão difícil de entender?

— Mas há três dias... o divórcio...

Esta vez foi ela quem lhe apoiou dois dedos nos lábios.

— Pediste-me perdão. Poderá também me perdoar?

— Sim. — ele sussurrou enquanto se inclinava e a beijava. Mas se retirou bruscamente. — E o que me diz desse homem que te beijou, vou matá-lo!

— Não! Foi apenas um sinal de amizade.

— Pois não me parecia...

— Está se encolerizando outra vez? — Perguntou ela, seus olhos disparando faíscas. — Passei dias inteiros vendo como lhe manuseavam as mulheres. — Riu entre dentes

— Eu deveria ter gostado, mas não foi assim. Arruinaste-me para toda a vida.

— Não compreendo.

— As mulheres só falavam de roupas e — os olhos de Gavin cintilavam — cremes para o rosto. Eu tive problemas com as notas contábeis e nenhuma delas soube me ajudar.

Judith se preocupou imediatamente.

— Novamente permitiu que algum padeiro nos roubasse? — quis afastar-se dele. — Venha, vamos, tenho que cuidar disso imediatamente. — Gavin a apertou com os braços.

— Não irá! Ao diabo com os registros! Não pode usar sua doce boca para algo que não seja tagarelar? — Sorriu-lhe com ar inocente.

— Pensei que era apenas sua propriedade e você o amo. — Ele ignorou seu sarcasmo.

— Venha, escrava, e encontremos uma guarida secreta neste bosque escuro.

— Sim, meu amo! Irei de boa vontade. — Andaram de mãos dadas na floresta.

Judith e Gavin não estavam sozinhos. Suas palavras de amor, seus jogos, foram testemunhadas por Alice. Observou-os com olhos azuis febris.

— Venha pequena! — Ella disse enquanto forçosamente afastava sua ama. Ella olhou com ódio para o casal que andava pelas árvores, seus braços e corpos entrelaçados. — Esses diabos brincavam com Alice! — ela pensou. Provocavam-na e riram dela, até enlouquecer a pobre menina. Mas pagariam bem caro, jurou.


— Bom dia — sussurrou Judith e se aconchegou mais perto de seu marido. Ele beijou o topo de sua cabeça, sem responder.

— Nós realmente vamos embora hoje?

— Se você desejar.

— Oh, sim, quero. Estou cheia de tantas fofocas, de olhares maldosos e de homens me fazendo perguntas indecentes.

— Que homens? — Gavin franziu o cenho.

— Não me confunda. — Ela respondeu. De repente se sentou na cama, as cobertas caindo. — Devo falar com o rei, agora mesmo! Não pode continuar acreditando que quero o divórcio. Talvez o mensageiro possa ser alcançado.

Gavin puxou-a para deita-la na cama ao lado dele. Correu os dentes pelos tendões do pescoço. Fizera amor com ela na floresta ontem e na maior parte da noite passada, mas não estava nem um pouco saciado.

— Não há necessidade de tanta pressa, nenhuma mensagem chegará ao papa.

— Nenhuma mensagem? — Judith perguntou enquanto se afastava de Gavin. — O que está dizendo? Faz vários dias que pedi o divórcio ao rei.

— Nenhuma mensagem foi enviada.

Judith afastou-se violentamente dele.

— Gavin, eu exijo uma explicação, você fala em enigmas. — Sentou-se na cama.

— O rei Henry me falou de sua solicitação e perguntou se eu queria um divórcio. Disse-lhe que era um absurdo, que agiu enquanto estava zangada comigo. Disse-lhe que iria se arrepender em um curto espaço de tempo.

Judith abriu a boca para falar, os olhos arregalados.

— Como você ousa! — Ela finalmente ofegou. — Eu tinha todo o direito!

— Judith, —- interrompeu ele — um divórcio não pode ser concedido a cada esposa que está furiosa com seu marido. Desse modo não ficariam matrimônios.

— Mas você não tinha direito...

— Eu tenho todo o direito. Sou seu marido e te amo. Quem pode ter mais direitos que eu? Agora vem aqui e deixa de falar.

— Não me toque! Como posso encarar o rei depois do que você disse?

— Enfrentou-o por dias e não parece ter sofrido nenhum dano. — Gavin olhava para seus seios nus. Ela cobriu-se com as cobertas até o pescoço.

— Você riu de mim!

— Judith! — Exclamou Gavin em voz baixa e ameaçadora. — Suportei muitas coisas neste caso. Suportei as risadas e o ridículo, tudo com intenção de te apaziguar. Mas já basta. Se não te comportar devidamente, pôr-te-ei sobre meus joelhos para dar uma boa surra neste bonito traseiro. Agora vem aqui!

Judith ia desafiá-lo, mas então, sorriu e se aconchegou contra seu peito.

— O que lhe fez ter tanta certeza de que não me divorciaria de você?

— Sabia que te amava o bastante para proibi-lo. Realmente teria te encerrado em uma torre antes de vê-la nos braços de outro.

— Mas suportou as brincadeiras sobre o divórcio.

Gavin emitiu uma risada depreciativa.

— Não tinha intenções de fazê-lo. Não sabia que sua raiva chegaria a ser de conhecimento público. Claro que esqueci até que ponto é fofoqueira a Corte. Aqui ninguém faz nada sem que todos saibam

— Como se espalhou a notícia?

Gavin encolheu os ombros.

— Pelas servas, suponho. Como se espalhou a armadilha de Alice?

Judith levantou a cabeça.

— Não mencione o nome dessa mulher!

Ele apertou Judith de volta ao peito.

— Você não tem perdão em seu coração? Essa mulher me ama, tal como em outros tempos acreditei amá-la. Tem feito tudo por esse amor

Judith deu um suspiro de exasperação.

— Você ainda não acredita em nenhum mal que ela tenha feito, não é?

— Você ainda está com ciúmes? — Ele perguntou, sorrindo.

Ela olhou para ele, seus olhos muito sérios.

— De certo modo, estou. Ela sempre será uma mulher perfeita para você. Tudo o que faz você interpreta como um ato de amor a você. É uma mulher pura, perfeita, como você acredita que seja e sempre será. A mim em troca... eu sou terrestre. Represento à mulher que tem e pode possuir. Alice representa o amor etéreo.

Ele franziu o sobrecenho.

— Diz que eu estou errado, mas por que mais ela teria feito o que fez?

Judith moveu negativamente a cabeça.

— A ganância. Ela acredita que você é dela e eu roubei-o dela. Não te ama mais do que me ama, exceto que você tem os recursos para dar ao seu corpo algum prazer... por mais breve que seja.

— Me insulta? — Ele levantou uma sobrancelha.

— Não, são os rumores que correm. Os homens se queixam de sua inclinação pela violência.

Gavin respirou profundamente.

— Não vamos falar mais sobre isso. — Disse ele friamente. —Você é minha esposa e eu te amo, mas mesmo assim, não quero que se enfureça com ela e não vou escutar que maldiga a uma mulher tão infeliz. Você ganhou e ela perdeu. Isso deveria ser suficiente para você.

Judith piscou as lágrimas.

— Eu te amo, Gavin. Amo-te profundamente, mas temo que não tenha seu amor íntegro enquanto essa doença por Alice Chatworth siga instalada em seu coração.

Gavin franziu o cenho, estreitando-a com mais força.

— Não tem motivos para ter ciúmes dela.

Judith ia falar, mas se calou. Do que serviriam suas palavras? Sempre teria que ceder um pedaço do coração de seu marido a uma gélida beleza loira. E não havia palavras que pudessem alterar esses sentimentos.


Dizer adeus ao povo que Judith gostava na corte não foi fácil. A rainha especialmente se tornara sua amiga. Enquanto Judith fazia uma reverência diante do rei, sentiu seu rosto ficar quente. Ela lamentou a publicidade de sua busca de um divórcio, mas se ela não tivesse percebido o seu erro, ela e Gavin não estariam juntos agora. Ao levantar a cabeça para o rei, ela sorriu. Saber que Gavin a amava e que ela o amava valia todo o embaraço e provocação.

— Sentiremos falta do seu lindo rosto. - sorriu o rei Henry. — Espero que volte a nos visitar logo.

Gavin colocou um braço possessivamente sobre os ombros de sua esposa.

— É o rosto dela ou a diversão que ela oferece?

— Gavin! — Judith ofegou horrorizada.

O rei jogou a cabeça para trás e rugiu de riso.

— É verdade, Gavin. — Disse ele depois de um tempo. — Juro que não me divertia assim há tanto tempo. Tenho certeza de que nenhum outro casamento será tão fascinante como este.

Gavin devolveu o sorriso de seu rei.

— Então pode observar o de Stephen. Acabei de ouvir que sua noiva escocesa lhe ameaçou com uma adaga em sua noite de núpcias.

— Ele foi ferido? — Perguntou Henry, preocupado.

— Não, — foi a sorridente resposta — mas imagino que não pôde dominar igualmente seu caráter. Talvez a mulher tivesse motivos para encolerizar-se. Depois de tudo, Stephen chegou a suas próprias bodas com três dias de atraso.

O rei Henry sacudiu a cabeça, incrédulo.

— Não invejo o homem. — Ele sorriu de novo. — Pelo menos tudo está bem com um dos irmãos Montgomery.

— Sim. — disse Gavin enquanto acariciava o braço de Judith. — Tudo está bem.

Terminaram de despedir-se e abandonaram o grande salão. Tinha-lhes tomado a maior parte do dia fazer a bagagem para iniciar a viagem de volta. Em realidade deveriam ter esperado até o dia seguinte, mas todo mundo parecia tão disposto a partir como Judith e Gavin. Contando o tempo passado no castelo de Demari e a estadia na Corte, levavam muitas semanas ausentes.

Quando montaram seus cavalos e se despediram das várias pessoas que se reuniram para saudá-los, apenas um observava com preocupação. Alan Fairfax não conseguiu ficar um momento a sós com Judith, como esperava. Cedo naquela manhã Alice Chatworth deixou o castelo, com seus servos e pertences. Todos na corte pareciam acreditar que a mulher aceitou a derrota quando Judith e Gavin se reconciliaram. Mas não Alan. Ele sentia que conhecia Alice melhor do que isso. Alice foi humilhada. Sabia que ela iria se vingar.

Quando o pátio ficou limpo e o grupo Montgomery partiu para fora das muralhas do castelo, Alan montou em seu cavalo e seguiu a uma discreta distância. Não fazia mal ser cauteloso, pelo menos até que Lady Judith estivesse segura dentro das muralhas do próprio castelo. Alan sorriu e flexionou sua mandíbula dolorida onde Gavin o havia atingido no dia anterior. Ele não expressou abertamente seus medos de Alice, ele sabia que Lorde Gavin acreditava que ele tinha uma preocupação não cavalheiresca por sua esposa. Talvez fosse verdade, pensou Alan. Talvez no início. Finalmente, quando a conheceu melhor, começou a olhar para ela como a uma irmã mais nova. Ele suspirou e quase riu em voz alta. Pelo menos podia dizer a si mesmo. Com a maneira como ela olhava para Lorde Gavin, não havia esperança para mais nada.


Capítulo Trinta

A temperatura da água morna era algo celestial contra a pele nua de Judith. Melhor do que a água era a liberdade. Não havia nenhuma fofoqueira da corte observando-os, comentando sobre seu comportamento impróprio. Pois seu comportamento, agora, era muito impróprio para um conde e sua condessa, os governantes de vastas propriedades. Eles haviam viajado por três dias quando viram o belo lago azul, um canto escondido e isolado por salgueiros chorões pendurados. Aparados pelos salgueiros, Gavin e Judith brincavam como crianças.

— Oh, Gavin! — Judith disse em uma voz que era meio riso e sussurro.

O riso de Gavin ressonou profundamente em sua garganta quando a tirou da água e a jogou de volta. Estavam brincando na água por uma hora, perseguindo um ao outro, beijando e se tocando. Suas roupas estavam em um monte na margem enquanto se moviam sem estorvos na água.

— Judith, — sussurrou Gavin ao aproximar-se dela — você me faz esquecer meus deveres. Meus homens não estão acostumados a esse tipo de negligência.

— Nem eu estou acostumada a tanta atenção. — disse ela, mordiscando seus ombros.

— Não! Não comece de novo, preciso voltar para o acampamento.

Ela suspirou, mas sabia que ele estava certo. Caminharam até a margem onde Gavin se vestiu rapidamente, e esperou impacientemente por sua esposa.

— Gavin, — ela sorriu — como posso me vestir quando com você olhando assim? Volta para o acampamento e seguirei em alguns minutos.

— Eu não gosto de te deixar sozinha. — protestou ele, com o sobrecenho franzido.

— Estamos muito perto do acampamento. Nada me acontecerá.

Gavin se inclinou para lhe dar um abraço apertado.

— Deve me perdoar por ser muito protetor. É que estive muito perto de te perder por causa da perda da criança.

— Não foi por isso que esteve a ponto de me perder. — Retrucou.

Ele riu e deu-lhe uma palmada no traseiro molhado.

— Se vista moça atrevida, e volte rapidamente ao acampamento.

— Sim, meu senhor — ela sorriu.

Quando Judith ficou sozinha, vestia-se lentamente, sentindo como era bom ter um momento de solidão para sua reflexão. Os últimos dias foram de felicidade. Gavin era finalmente dela. Não ocultavam seu mútuo amor. Quando esteve vestida, não voltou para o acampamento, mas sentou-se em silêncio sob uma árvore, desfrutando o lugar pacífico.

Mas Judith não estava sozinha. Não muito longe estava um homem que mal deixara seu lado desde que saíram da corte, contudo, não o havia visto e não tinha nenhuma ideia que permanecia tão próximo. Alan Fairfax se mantinha discretamente oculto, mas a vigiava sem incomodá-la, onde podia ver o verde-esmeralda do vestido de Judith, mas suficientemente longe para não interferir em sua privacidade. Depois de dias seguindo-a, começava a relaxar. Várias vezes se perguntara exatamente o que estava fazendo quando tinha seu marido que quase não deixou seu lado.

Alan estava se amaldiçoando por sua estupidez e não ouviu os passos que se aproximavam por trás. Uma espada desceu ao lado de sua cabeça com força brutal. Ele caiu para frente, com a cabeça no peito e depois caiu pesadamente nas folhas do chão da floresta.

Sem aviso, um capuz foi jogado sobre a cabeça de Judith e seus braços presos atrás dela, lhe impedindo toda a resistência. O tecido sufocante abafou seus gritos. Ela foi atirada em um ombro de homem, o ar quase forçado de seus pulmões.

O sequestrador passou junto ao corpo inerte de Alan e jogou um olhar interrogativo à mulher montada.

— Deixe-o. Ele dirá ao Gavin que esta desapareceu. Gavin virá até mim e veremos qual de nós ele escolhe.

O rosto do homem não traiu seus pensamentos. Ele simplesmente recolheu seu dinheiro e realizou as tarefas. Colocou o corpo de Judith sobre a sela e seguiu Alice Chatworth pela floresta.

Alan despertou algum tempo depois, seus pensamentos confusos, com uma horrível dor de cabeça. Ele pôs a mão contra uma árvore para se firmar. À medida que lhe esclarecia a visão, ele se lembrou de Judith e sabia que precisava encontrar Gavin para que pudessem procurá-la. Ele tropeçou desajeitadamente em direção ao acampamento.

Gavin o encontrou no meio do caminho.

— O que você está fazendo aqui? — Ele demandou. — Não basta que tivesse tocado minha esposa na corte? Você acha que eu vou perdoar a sua vida de novo?

— Judith foi sequestrada! — Alan exclamou, levando uma mão à cabeça palpitante.

Gavin agarrou Alan pela gola de suas roupas, levantando-o do chão.

— Se você tiver tocado em um só fio de seu cabelo eu...

Alan ofegou, esquecendo a cabeça e empurrando as mãos de Gavin.

— É você quem pode ter lhe machucado. Embora não acredite, Lady Alice é capaz de qualquer maldade, e deixou Judith desprotegida.

— O que você está dizendo?

— Você é um homem estupido! Alice Chatworth sequestrou sua esposa, levou ela prisioneira e você não faz nada a não ser ficar falando.

Gavin olhou para ele.

— Alice... minha esposa... eu não acredito em você!

Alan lhe voltou às costas.

— Acredite em mim ou não, não vou perder mais tempo conversando. Vou atrás dela sozinho.

Gavin não voltou a pronunciar palavra, girou e retornou ao acampamento. Em poucos minutos, ele e vários de seus homens selaram seus cavalos e rapidamente alcançaram Alan.

— A mansão de Chatworth?

— Sim. — respondeu Alan gravemente.

Essas foram às únicas palavras trocadas enquanto os nobres cavaleiros cavalgavam lado a lado seguindo os captores de Judith.


— Bem-vinda à minha casa. — Alice disse quando o capuz foi tirado do rosto de Judith. Alice observava a jovem sequestrada respirar ofegante. — Não gostou do passeio? Sinto muito, uma mulher como você não está habituada as melhores alegrias da vida, tenho certeza.

— O que você quer de mim? — Judith perguntou, tentando aliviar a dor de seus ombros, pois as cordas em seus pulsos quase deslocavam seus braços.

— De você eu não quero nada. — Alice disse. — Mas tem o que é meu e eu desejo seu retorno.

Judith levantou o queixo.

— Você quer dizer Gavin?

— Sim. — Alice zombou. — Quero dizer Gavin. Meu Gavin. Sempre meu Gavin.

— Então por que não se casou com ele quando lhe propôs matrimônio? — Judith perguntou calmamente.

Os olhos de Alice se arregalaram, seus lábios se curvaram em um grunhido, expondo seus dentes tortos, suas mãos formaram garras indo para o rosto de Judith.

Judith se virou e as garras não a alcançaram.

Ella agarrou forte o braço de sua ama.

— Vamos, tesouro, não se altere. Ela não vale a pena.

Alice parecia relaxar.

— Por que não vai descansar? — Ella apaziguou. — Eu vou ficar com ela. Deve mostrar seu melhor aspecto quando Lorde Gavin chegar.

— Sim. — Alice disse calmamente. — Tenho que estar mais bela do que nunca. — Ela saiu sem olhar para Judith.

Ella sentou seu corpo grande e mole em uma cadeira perto da que Judith estava amarrada, manuseando um novelo de tricô.

— De quem é essa casa? — Perguntou Judith.

Ella não levantou a vista.

— É a propriedade de Chatworth, uma das que lady Alice possui. — Ela respondeu orgulhosa.

— Por que estou aqui?

Ella fez uma breve pausa no tricô, depois retomou.

— Minha lady deseja voltar a ver Lorde Gavin.

— E acredita nisso? — Judith exigiu, sua calma deixando-a. — Você acha que essa louca só quer ver meu marido?

Ella jogou a malha no colo.

— Não se atreva a chamar de louca a minha lady! Você não a conhece como eu. Não levou uma vida fácil. Há motivos. — E cruzou o quarto a grandes passos para a janela.

— Você sabe, não é? — Judith perguntou calmamente. — Ela está louca. A rejeição de Gavin a levou à loucura.

— Não! — Gritou a anciã donzela, mas se acalmou — Lorde Gavin não poderia rechaçar a minha Alice. Nenhum homem poderia rechaçá-la. É formosa e sempre foi. Inclusive quando era um bebê, era a mais bela que alguém já tinha visto.

— Você está com ela desde criança?

— Sim. Eu estive com ela sempre. Tinha passado a idade de ter meus próprios filhos quando ela nasceu. Foi entregue aos meus cuidados e foi como uma dadiva do céu para mim.

— Não há nada que não faria por ela, verdade?

— Sim. — Disse Ella com firmeza. — Eu faria qualquer coisa por ela.

— Até me matar para que ela fique com meu marido.

Ella olhou para Judith, seus velhos olhos preocupados.

— Você não vai morrer. É que lady Alice precisa voltar a estar com Lorde Gavin, e você não permite. É uma mulher egoísta. Tomou o homem que era dela, sem ter piedade ou simpatia pela dor de minha senhora.

Judith podia sentir seu temperamento subir.

— Mentiu para mim, me enganou, fez tudo o que podia para tirar meu marido. Uma de suas armadilhas de traição custou à vida do meu filho.

— Uma criança! — Ella sussurrou. — Minha linda lady não pode ter filhos. Não sabe o quanto ela quis um filho de Lorde Gavin. E até isso você roubou dela. É justo que você tenha perdido o que deveria ter sido de Lady Alice.

Judith ia dizer algo, mas parou. A donzela estava tão louca como sua ama. Não importava o que alguém dissesse, ela defenderia Alice.

— Quais são seus planos para mim?

Ella percebeu que Judith estava mais calma e ela retomou o tricô.

— Você será nossa... hóspede por alguns dias. Lorde Gavin virá, e ele passará algum tempo com Lady Alice. Quando voltarem a estar juntos, compreenderá que a ama. Alguns dias, talvez apenas algumas horas para que esqueça você, pois na verdade já amava Alice muito antes de te conhecer. Esse será um verdadeiro matrimônio por amor, não por interesse, como o que o levou a você. Agora minha lady é uma viúva rica, que pode contribuir com vastas terras à família Montgomery.

Judith permanecia em silêncio e observava Ella tricotar. A velha tinha uma expressão de satisfação no rosto. Havia muitas perguntas que Judith gostaria de fazer, como Alice planejava liberar Gavin para que pudessem se casar. Mas Judith, sabiamente, não fez mais perguntas à serva. Teria sido inútil.


Durante todo a dura e rápida cavalgada para a mansão Chatworth, Gavin permaneceu em silêncio. Não podia acreditar que encontraria Judith prisioneira de Alice. Sabia que Alice cometera enganos na corte e o que os outros diziam dela, mas na verdade não encontrava maldade naquela mulher. Ainda considerava-a uma mulher de natureza doce, que cometera erros, devido ao seu amor e sua adoração por dele.

O portão da frente estava aberto. Gavin deu a Alan um olhar de triunfo. Este não era um lugar que mantinha uma herdeira cativa.

— Gavin. — Alice exclamou enquanto ela corria pelo pátio para encontrá-lo. — Esperava que você viesse me visitar. — Estava mais pálida que nunca em um vestido de seda azul que combinava com seus olhos.

Gavin desmontou e se manteve rígido, distante dela.

— Minha esposa está aqui? — Perguntou friamente.

Os olhos de Alice se arregalaram.

— Sua esposa? — Ela perguntou inocentemente.

A mão de Alan agarrou o braço da mulher.

— Onde ela está sua cadela? Não tenho tempo para seus jogos!

Gavin deu a Alan um empurrão forte que jogou o jovem contra seu cavalo.

— Não volte a tocá-la! — Ele avisou. Voltou-se para Alice. — Quero uma resposta à minha pergunta.

— Entrem. — convidou Alice. Mas se interrompeu ao ver a expressão de Gavin. — Ela não é dada a me visitar.

— Neste caso, vamos. Sequestraram-na e temos que procurá-la. — Se virou para montar seu cavalo novamente.

— Não, Gavin, não me abandone! — Exclamou ela, lançando-se para ele. — Por favor, não me deixe sozinha!

Gavin virou-se para colocá-la longe dele.

— Sua esposa está aqui.

Ele se virou para ver Ella de pé na soleira da porta.

— Sua esposa é mantida aqui, segura. Mas não estará tão segura se você desprezar Lady Alice.

Gavin estava ao lado da anciã gorda em segundos.

— Você me ameaça velha bruxa? — Voltou-se para Alice. — Onde ela está? — Gritou.

Dos olhos de Alice transbordavam grandes e encantadoras lágrimas. Não disse uma palavra.

— Você perde tempo! — Advertiu Alan. — Vamos destruir este lugar para encontrá-la.

Gavin deu um passo para a mansão.

— Não vai encontrá-la!

Gavin girou. Era uma versão distorcida da voz de Alice, alta e gritando. Sua pequena boca contraída e repuxada para trás em uma careta, mostrava seus dentes desiguais e tortos. Como era possível que não tivesse reparado nenhuma vez neste detalhe?

— Está onde nem você nem homem algum poderá encontrá-la. — Alice continuou, pela primeira vez deixando cair sua mascara de doçura diante de Gavin. — Você acha que eu daria a essa prostituta o meu melhor quarto? Ela merece apenas o fundo do fosso!

Gavin deu um passo para ela, sem poder acreditar naquela drástica mudança. Não se parecia sequer remotamente à mulher que ele amou.

— Não sabe que ela se entregou a muitos homens, sabe? Que o menino que perdeu nem sequer era seu, mas sim do Demari. — Alice lhe pôs uma mão em seu braço. — Eu poderia te dar filhos varões! — sua voz e seu rosto eram uma caricatura da mulher que ele acreditou conhecer.

— Foi por isso que você negligenciou Judith? — Disse Alan em voz baixa. — Vê agora o que todos outros veem?

— Sim! Eu vejo. — Gavin disse em desgosto.

Alice retrocedeu, pegou suas saias, se virou e se afastou correndo dos cavaleiros, seus olhos enlouquecidos. Ella seguindo-a.

Quando Alan começou a persegui-la, Gavin disse:

— Deixe-a! Eu prefiro recuperar minha esposa a punir Alice.

Alice correu de um prédio para o outro, escondendo-se, espreitando, olhando furtivamente. Gavin olhou para ela como se lhe desse asco. Em algum lugar em sua mente, sabia que Ella a seguia, mas não parecia ser capaz de pensar a não ser em uma só coisa de cada vez. Neste momento, só podia compreender que outra mulher lhe tinha roubado seu amante. Subiu apressadamente os degraus da torre, assegurando-se de que ninguém a seguisse.

Judith levantou a vista. Alice estava no vão da porta, com o cabelo emaranhado, o véu torto.

— Bem! — Alice gritou, seus olhos brilhando descontroladamente. — Acredita que vai tê-lo de volta?

Judith encolheu-se contra as cordas. Sua garganta irritada, portanto, não adiantaria gritar. As paredes eram muito grossas para que ela fosse ouvida.

Alice cruzou o quarto pegando uma lamparina de barro com óleo quente do braseiro. Um fio flutuava sobre o óleo, pronta para ser acesa. Alice segurou a lamparina com cuidado enquanto caminhava em direção à sua prisioneira.

— Ele não vai acha-la tão adorável, quando o óleo tenha comido metade do seu rosto.

— Não! — Judith sussurrou e recuou o máximo que pôde.

— Dou-te medo? Faço da sua vida um inferno como você fez a minha? Eu era uma mulher feliz antes que você se intrometesse. Minha vida não tem sido a mesma desde que ouvi seu nome pela primeira vez. Eu tinha um pai que me amava, Gavin me adorava, um rico conde que pediu para casar comigo. Mas você me tirou tudo. Meu pai mal me reconhece, Gavin me odeia, meu rico marido está morto e tudo por sua culpa.

Afastou-se de Judith e enterrou a lamparina de óleo mais profundo entre as brasas.

— Tem que estar quente, fervendo. O que acha que acontecerá quando sua beleza se for?

Judith sabia que era impossível tratar de fazê-la raciocinar, mas ainda tentava.

— O que pretende fazer comigo não vai trazer de volta seu marido para você. Quanto a seu pai, nem sequer o conheci.

— Meu marido? — Alice desdenhou. — Acha que o quero de volta? Era um porco. Mas em algum momento me amou. Ele mudou depois de assistir à suas bodas. Você o fez acreditar que eu não era digna dele.

Judith não podia falar. Mantinha a vista fixa na lamparina aquecendo.


— Milorde! — disse Ella, nervosa. — Tem que vir. Tenho receio.

— O que é sua velha bruxa? — Perguntou Gavin.

— Sua esposa. Temo por ela.

Gavin teria feito grandes esforços para evitar ferir a uma mulher. Mesmo vendo Alice como ela realmente era não podia exigir que lhe dissesse onde Judith estava. Mas agarrou o braço de Ella.

— O que você está dizendo? Estou farto desse jogo de esconde-esconde. Onde está minha esposa?

— Eu não queria fazer mal algum. — sussurrou a donzela. — Só tentei trazer você de volta para Lady Alice porque era o que ela desejava. Sempre trato de lhe dar o que deseja. Mas agora estou com medo. Não desejo para Lady Judith nenhum mal.

— Onde está? — Insistiu Gavin, lhe apertando o braço com mais força.

— Ela fechou a porta com chave e...

— Vamos! — Gavin disse e empurrou a mulher. Ele e Alan a seguiram pelo pátio até a torre.

— Por favor, Deus! — Gavin orou. — Não deixe nada acontecer a Judith.

Aos primeiros golpes descarregados contra a porta, Alice pulou. Sabia que o ferrolho não resistiria muito tempo. Tirou de entre suas roupas uma adaga longa e afiada e a segurou contra a garganta de Judith enquanto desamarrava as cordas amareladas.

— Vamos! — Alice ordenou enquanto segurava a lamparina de óleo na outra mão.

Judith sentiu o fio da lamina contra seu pescoço e o calor da lamparina de óleo fervente perto de sua bochecha. Sabia que o menor movimento poderia assustar a nervosa Alice lhe fazendo derramar o óleo ou afundar a adaga em sua garganta.

— Vamos! — Alice ordenou a Judith que lentamente subissem por uma estreita escada de madeira até o telhado. Alice se mantinha longe das bordas, seu braço rodeando Judith, segurando a faca perto de seu pescoço.

Gavin, Ella e Alan derrubaram a porta segundos depois. Quando viram a câmara vazia, seguiram Ella pelas escadas. Todos ficaram paralisados ao ver Alice com expressão enlouquecida ameaçando Judith.

— Minha doce Lady Alice... — Começou Ella.

— Não me dirija à palavra! — Ordenou Alice, apertando as mãos. — Disse que o recuperaria para mim, mas ele me odeia. Eu sei que sim!

— Não! — Ella disse, dando um passo adiante. — Lorde Gavin não te odeia milady. Protege sua esposa porque é sua propriedade, nenhuma outra razão. Agora vamos conversar, tenho certeza que Lorde Gavin vai entender por que tudo isso aconteceu.

— Não! — Alice desdenhou. — Olhe para ele! Despreza-me. Rosna para mim e me olha como se eu fosse o mais detestável dos insetos. E tudo por esta puta ruiva!

— Não lhe faça mal! — Advertiu Gavin.

Alice gargalhou.

— Não lhe fazer mal? Far-lhe-ei algo mais que isso. — Ela segurou a lamparina de óleo fervente no alto. — Está muito, muito quente. Vai lhe encher o rosto de cicatrizes. O que vai dizer e fazer quando ela já não for tão bonita?

Gavin deu um passo à frente.

— Não! — Alice gritou. — Suba! — Ordenou à Judith, empurrando-a mais para a borda, perto do tubo de saída de fumaça da chaminé.

— Não! — Judith sussurrou. Estava muito assustada, mas seu terror das alturas era ainda maior.

— Faça o que ela diz. — Gavin disse em voz baixa, percebendo finalmente que Alice estava louca.

Judith assentiu e se aproximou da beira do telhado. A sua frente estava o condutor de fumaça da chaminé. Judith agarrou-o, seus braços firmemente rígidos.

Alice começou a rir.

— Tem medo de estar aqui! É como uma menina. E você prefere a esta cadela! Eu sou uma verdadeira mulher.

Ella pôs a mão no braço de Gavin que ia adiantar-se. As duas mulheres estavam em uma posição precária. Os olhos de Judith estavam vidrados de medo, os nódulos brancos pela força com que apertava os tijolos. Alice meneava a adaga, a lamparina de óleo fervente na mão.

— Sim. — disse Ella. — Você é verdadeiramente uma mulher. Desça dai e Lorde Gavin logo compreenderá isso.

— Está tentando me enganar? — Alice perguntou.

— Já lhe enganei alguma vez?

— Não. — Alice disse e sorriu para a anciã por um momento. — É a única que sempre foi boa para mim.

O momentâneo lapso de distração fez Alice tropeçar. Ella agarrou freneticamente sua amada ama, empurrando seu corpo para a segurança do telhado de ardósia da mansão. Alice tentou agarrar-se a sua criada ao mesmo tempo em que Ella caiu pelo lado da casa, demorando alguns segundos antes de bater ruidosamente no chão de pedras abaixo. Alice caiu para trás, longe do limite da borda, graças ao sacrifício de sua donzela. Mas a lamparina de óleo fervente em sua mão caiu sobre ela, derramando seu liquido desde sua testa até bochecha. Alice começou a dar gritos espantosos.

Gavin deu um salto através do telhado para onde Judith imóvel ainda se agarrava. Seu medo extremo de alturas tinha feito que se aferrasse à chaminé com mão de ferro, lhe salvando a vida.

Os gritos de Alice enchiam o ar.

Gavin afrouxou os dedos de sua esposa do tijolo, um a um, e a estreitou contra si. Estava tensa e com o coração palpitante.

— Olha o que me fizeste! — Alice gritou através de suas dores. — Ella! Você matou minha Ella, a única que realmente me amou.

— Não. — Gavin respondeu, olhando para o rosto mutilado de Alice com grande pena. — Não fui eu e nem Judith que te feriu e te fez mal. Foi você mesma. — Ele se virou para Alan enquanto pegava Judith em seus braços. — Não a deixe morrer, talvez essa cicatriz seja o justo castigo por suas mentiras.

Alan olhou com desgosto para a mulher encolhida, então caminhou em direção a ela.

Gavin levou Judith pelas escadas para o quarto abaixo. Ela demorou alguns minutos para relaxar.

— Já acabou, meu amor. — sussurrou Gavin. — Está segura agora. Ela não poderá mais te fazer mal. — Ele a abraçou apertado.

Os gritos de Alice, pouco mais que gemidos roucos, se aproximaram. Gavin e Judith observaram como Alan a conduzia para baixo. Alice se deteve e lançou a Judith um último olhar cruel, depois se virou quando viu a expressão de pena nos olhos de Judith. Alan a levou da sala.

— O que acontecerá com ela agora? — Judith perguntou em voz baixa.

— Não sei. Poderia entregá-la ao tribunal, mas acho que talvez já tenha sido punida o suficiente. Sua beleza não voltará a servir de armadilha aos homens.

Judith olhou para ele surpreendida e estudou sua expressão.

— Olha-me como se me visse pela primeira vez. — observou ele.

— Talvez assim seja. Está livre dela.

— Já lhe disse antes que já não a amava.

— Sim, mas sempre houve uma parte de você que era dela, uma parte que eu não podia tocar. Agora ela não mais a possui. Você é meu. Total e completamente meu.

— E isso lhe agrada?

— Sim — sussurrou. — Agrada-me muito.

 

 

                                                   Jude Deveraux         

 

 

 

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