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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROPOSTA DE NOIVADO / Margo Maguire
PROPOSTA DE NOIVADO / Margo Maguire

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

PROPOSTA DE NOIVADO

 

         Ilha de Bitterlee, Mar do Norte, outono de 1299

— Não, Penyngton — Adam Sutton disse com impaciência, sem pa­rar de andar pela sala. — Não vou me casar de novo. E muito menos com uma escocesa.

— Mas, milorde... — Sir Charles Penyngton tinha li­cença para falar com intimidade com o conde por ter servido como mordomo em Bitterlee por muito tempo. — O senhor é ainda jovem, está apenas com trinta e um anos, e não tem herdeiro. Como conde de Bitterlee, é seu dever providenciar...

Distraído, Adam parou junto a uma das janelas de seu castelo e fitou o mar. Bitterlee, também conhecida por Ilha da Amargura, era um lugar frio e isolado. De acordo com a lenda, tinha recebido esse nome de um dos antigos ancestrais da família, depois que sua mulher ali morrera.

— Essa escocesa é a escolha perfeita, milorde. Cha­ma-se Cristiane MacDhiubh, e está acostumada ao clima frio como o nosso. E dizem que é muito bonita.

— Então é bem diferente de Rosamund.

Adam, ainda agora, não conseguia entender como o pai de Rosamund concordara em casar a filha com ele, sabendo que morariam naquele lugar inóspito. Rosamund possuía uma saúde frágil, muito delicada, e deveria ter se casado com algum nobre que morasse em um local mais quente, talvez alguém que frequentasse a corte de Londres.

Em vez disso, seu pai a enviara para viver em Bitterlee, e ela conseguira resistir por cinco anos. Ninguém duvi­dava que sempre odiara estar tão confinada.

— Milorde, há outras coisas a considerar... — Charles criava coragem para entrar em um assunto tão delicado. — Sua filha, sir, ela precisa de... Margaret... quero dizer, lady Margaret não parece ter se ajustado muito bem à perda da mãe, milorde.

Adam tinha de admitir que isso era verdade. Apesar de que todos em Bitterlee haviam escondido da menina a causa do falecimento de Rosamund, a pequena Mar­garet ficara traumatizada.

A criança não se parecia em nada com Adam. Era frágil e delicada como a mãe tinha sido. Desde a morte de Rosamund, Margaret vivia fechada em si mesma. Não falava com ninguém, nem mostrava o menor interesse por nada que chamaria a atenção de qualquer menina.

Adam sabia que, se não tomasse alguma providência rápida, a filha talvez não chegasse nem ao fim do ano. Mas casar-se com uma escocesa...

— Fale-me mais sobre essa Cristiane MacDhiubh — pediu, desanimado. Sofrera perdas amargas nas mãos dos escoceses em batalhas recentes e nem poderia ima­ginar trazer para a ilha alguém dessa nacionalidade. — Estou apenas curioso. Isso não quer dizer que concordo com seus planos, Charles.

 

                Vila de St Oln, Escócia, 1300

Cristiane MacDhiubh, a filha metade in­glesa de Domhnall MacDhiubh, sentou-se à beira de um penhasco e ficou olhando as ondas escuras do mar do Norte chocarem-se contra o paredão de pedra. O vento aumentara de intensidade e nuvens escuras co­briam o firmamento. Cristiane sabia que a chuva não iria demorar a cair.

Mas não se importava com isso, porque havia uma caverna por perto e poderia se refugiar nela. Não voltaria à vila, se tivesse escolha. Sabia muito bem que era apenas tolerada em St. Oln desde a morte de seus pais.

Cristiane procurou se ajeitar na rocha e ficar em uma posição mais confortável. Logo um casal de pequenas gai­votas se aproximou cauteloso, mas logo perdeu o medo e veio comer as migalhas de pão que ela trouxera para alimentar os pássaros.

Fazia anos que Cristiane ia até os penhascos onde estavam os ninhos de aves marinhas. Nenhum dos pás­saros tinha medo dela e vinham comer em sua mão. Um pouco ressabiados, mas isso era natural.

Logo Cristiane não os veria mais. Sua mãe, Elizabeth, antes de morrer, arranjara que levassem a filha até seu tio, que morava no condado de York, na Inglaterra. Quan­do seu marido morrera em uma disputa com um clã vizinho, Elizabeth começou a procurar um novo lar para a filha, porque sabia que ela não teria chance alguma de um futuro feliz no vilarejo.

Cristiane ficava imaginando se a mãe combinara um enlace para ela em York. Ali em St. Oln não arranjaria marido, sobretudo agora que seu pai falecera. Nenhum escocês ia querer uma esposa que tivesse sangue inglês, e Cristiane era filha de um escocês com uma inglesa. Isso a tornava uma espécie de inimiga, pois escoceses e ingleses sempre se odiaram.

Bem, não ia se preocupar agora com esse assunto de matrimônio, mas gostaria de ter uma família. Os homens locais se casavam com um pouco mais de vinte anos, e todos os rapazes que conhecia já estavam casados, e al­guns até com filhos. Era provável que ela não viesse a se casar, e nunca iria conhecer o prazer de ser mãe.

Sabia que era diferente das outras moças de St. Oln, não só porque tinha sangue inglês nas veias, mas porque seu pai a ensinara até a ler francês e latim. Desde criança, explorara os rochedos querendo saber como era a vida dos animais e das aves da região.

Ora, não adiantava pensar nisso agora. Voltou a aten­ção para a gaivotinha que se aproximou e com seu bico longo e afiado pegou mais um pedaço de pão. Quando voou para se reunir a seu grupo, Cristiane ficou obser­vando as fortes ondas que batiam nos rochedos.

Iria passar mais um dia ou dois ali em St. Oln até a chegada dos cavaleiros que a levariam até York. Tinha de respeitar a vontade de sua mãe que agora estava morta e enterrada.

Não tivera dificuldade em prometer à mãe que partiria. Nada a prendia a St. Oln, e só lamentava não poder ver mais os pássaros, que faziam seus ninhos nos penhascos e eram seus amigos.

Não lhe restava escolha. O povo de St. Oln empobrecera com as lutas contra os ingleses e alguns clãs vizinhos, e não queria ter entre eles alguém com sangue inimigo.

Cristiane sempre soubera ter parentes na Inglaterra. O irmão mais velho de Elizabeth era o conde de Learick, que morava ao sul de York, e era para lá que sua mãe queria que ela fosse. No leito de morte, Elizabeth fizera a filha prometer que iria com os homens do conde de Bitterlee, quando eles viessem buscá-la.

Cristiane não tinha idéia que ligação a mãe mantinha com esse conde, porque nunca escutara antes o nome Bitterlee. E Elizabeth não estava em condições de lhe explicar bem os planos que fizera. Parecia estranho que não fosse seu tio quem a levasse para York.

Agora era tarde para saber o que sua mãe planejara. Elizabeth não costumava falar de sua família, que a man­dara da Inglaterra para St. Oln para se casar com Domhnall MacDhiubh, que era chefe de um clã escocês.

Cristiane sentiu as primeiras gotas de chuva caindo em seu.rosto. Ergueu a saia fina e rasgada para ter mais facilidade para subir nas pedras e chegar até a caverna, onde guardava seus poucos pertences. Visto que ninguém costumava vir até aquele lugar tão alto, Cristiane sabia que estaria segura.

Adam estava achando um pouco estranho o acordo que Elizabeth MacDhiubh fizera com ele, que estabelecia que a filha deveria ter a chance de se ajustar a Bitterlee antes que Adam a fizesse sua esposa. Ele autorizara sir Charles a concordar com esse pedido, porque isso lhe permitiria também decidir se queria ou não se casar com a jovem. Se não ficasse satisfeito com a moça, poderia muito bem rejeitá-la.

As condições pareciam ir de encontro aos seus inte­resses. Afinal, Adam duvidava que a garota viesse a satisfazê-lo. Mesmo que fosse inglesa por parte de mãe, crescera com os escoceses, que eram um povo bárbaro e falso. O clã MacDhiubh vivia em conflito direto com os vizinhos ingleses.

Não precisava, de modo algum, ter como esposa uma escocesa sedenta de sangue.

Entrando na vila de St. Oln, ficou impressionado com a pobreza reinante. Adam e seus homens apearam em frente a uma igrejinha de pedra. Sentiu que a perna que tinha ferido em uma batalha em Falkirk doía bastante por ter permanecido tanto tempo em uma só posição, nessa longa viagem. A chuva fria que caía só piorava ainda mais a dor e, ao subir os degraus da igreja, seguido de seus homens, viu que estava mancando bastante.

Ali viviam as verdadeiras vítimas das guerras, os so­breviventes das batalhas, os esfarrapados, os famintos e os desiludidos.

Os moradores começaram a sair de suas casas, atraídos pela chegada dos cavaleiros, e foram se aproximando jun­to com suas crianças.

— O senhor deve Ser o conde de Bitterlee, não é? Adam fez que sim para o padre que lhe fizera a pergunta.

— Pensei que fosse chegar antes — o velho senhor comentou, entrando na igreja para fugir da borrasca.

— Se disser como meus homens podem achar lady Elizabeth, eles a trarão até aqui com sua filha. — Adam sentiu alívio por entrar em um ambiente mais quente.

Antes de chegar à igreja, haviam passado por moradias muito pobres. Lady Elizabeth deveria morar em um lugar melhor. Sua esperança era de que ela não fosse tão frágil que não pudesse enfrentar a viagem debaixo da chuva, e o obrigasse a pernoitar naquele chão miserável.

— Não precisa chamar ninguém, sir. Todos em St. Oln os viram chegando, e não vai demorar para a moça estar chegando aqui.

— E a mãe dela?

— Morreu uns quinze dias atrás. Que descanse em paz. — O padre fez o sinal-da-cruz. A mocinha está completamente sozinha agora.

Adam sentiu um arrepio ao ouvir as palavras do sa­cerdote. O que deveria fazer? Combinara levar lady Eli­zabeth e sua filha até Bitterlee, onde passariam o verão. Aí, se tudo corresse bem, ele e a jovem ficariam noivos. Caso contrário, faria com que as duas viajassem para York.

Agora que a jovem estava só, ainda teria de levar lady Cristiane para Bitterlee? O acordo estaria de pé?

— Venha. — O padre o puxou para um lugar sem goteira. — Aqueça-se um pouco.

E conduziu Adam e seus dois cavaleiros até o altar, onde havia um braseiro.

— Cristiane não pode ficar em St. Oln nem mais um dia, sir. Agora que tanto seu pai como sua mãe se foram, é só uma questão de tempo antes que algo ruim lhe aconteça.

Adam começava a achar aquela história muito estranha.

— Prometi a lady Elizabeth em seu leito de morte que faria tudo para que o acordo que fez com o senhor se realizasse. Leve-a para sua ilha, conde de Bitterlee. Para o bem de Cristiane, para sua segurança, tire-a daqui.

Adam ficou em silêncio, ponderando. O que poderia acontecer a lady Cristiane, se ela ficasse em St. Oln? Que problemas poderiam haver? Afinal, a moça nascera e crescera ali, seu pai fora o chefe do clã. O fato de ter sangue inglês por parte de mãe seria esquecido, pois lady Elizabeth estava morta.

Gritos e vozes iradas o distraíram de seus devaneios, e Adam foi até a entrada dar uma olhada no que acon­tecia. A chuva parara, mas ainda havia uma neblina forte. As pessoas gritavam ameaças para uma moça que era empurrada para dentro da igreja.

— Ah, essa é Cfistiane... — o padre falou.

Adam olhou surpreso para a jovem que vestia um traje tão rasgado que até o mais humilde aldeão o rejeitaria. Carregava um saquinho e andava rápido em meio à gente hostil. Todos gritavam na língua escocesa, e Adam, mes­mo sem entender o que se dizia, constatou que pareciam querer atacá-la.

Pelo jeito, não tinham esquecido que ela era filha de uma inglesa.

Apesar do perigo que corria, lady Cristiane cami­nhava com a cabeça erguida, o corpo firme, os olhos brilhantes, olhando apenas para a frente. Seus cabelos longos eram vermelhos, e sua pele branquíssima, como uma lua de inverno. Cristiane MacDhiubh era uma mulher lindíssima.

Adam não a imaginara assim... Teve de se controlar para não sair correndo para salvá-la da fúria daquele povo.

— Por que estão bravos com ela, padre?

— Quem é que sabe? — Suspirou. — Talvez porque Cristiane tem sangue inglês por parte de mãe. Ou porque é filha do homem que prometeu nos proteger dos inimigos e falhou.

Alguém jogou uma pedra, que atingiu Cristiane. O sangue começou a correr por seu rosto, mas ela continuou seu caminho sem dar sinal de que tinha sido ferida.

Cheio de raiva, Adam desceu os degraus depressa, es­quecendo-se da perna que doía.   Foi empurrando os que estavam em seu caminho e chegou até lady Cristiane, tomando-a pelo braço. Todos ficaram em silêncio.

Adam olhou para a moça e viu que estava com os olhos cheios de lágrimas. Seus lábios tremiam de leve, mas podia perceber que se segurava em seu orgulho, não querendo mostrar aos outros que era vulnerável à agres­são de que era vítima.

Adam segurou sua mão com força e a puxou para bem junto de si, ajudando-a a subir e entrar na igreja.

Em outras circunstâncias, Cristiane teria sentido suas pernas fraquejarem ao se ver diante do cavaleiro tão forte e tão belo que tinha vindo salvá-la de seus agres­sores.

O mero toque de seus dedos foi o suficiente para dei­xá-la tremendo. Naquele momento, porém, não podia se permitir fraquezas diante da hostilidade do povo que seu pai comandara um dia.

Não podia culpá-los. Os ingleses tinham deixado a vila tão destruída que não resistiu ao ataque de um clã vi­zinho. Na batalha sangrenta, quase todos os homens mor­reram. A população de St. Oln não via motivo para gostar da filha de uma inglesa.

Cristiane gostaria que as coisas fossem diferentes. Não iriam aceita-la ali nunca, porém. Tinha de reconhecer que estava tendo sorte por estarem deixando que partisse.

Só ao subir os degraus foi que percebeu que o cavaleiro que resolvera ajudá-la mancava um pouco. Notou que apertava os lábios a cada passo como se estivesse sen­tindo dor.

— Meu Deus! — O padre Walter correu em sua direção.

— Está machucada, minha filha?

— Não, não, padre. — Cristiane tocou o rosto com a ponta dos dedos, que ficaram manchados de sangue. — Foi apenas um arranhão.

Adam pegou um lenço e limpou-lhe o ferimento.

Cristiane ficou parada, encarando seus olhos castanho esverdeados. As sobrancelhas dele eram grossas e bem escuras, o nariz reto, e os lábios cheios e bem mar­cados. Uma cicatriz no queixo quebrava a perfeição da­queles traços tão bonitos, e ela ficou imaginando em que luta terrível ele terra sido ferido de forma tão cruel.

Se seu tio de York quisesse lhe arranjar um marido, Cristiane esperava que fosse alguém como aquele homem alto e com ombros fortes. Já tinha sonhado em ter a seu lado alguém tão másculo e com aqueles olhos fascinantes.

Alguém que cuidaria de sua segurança. Será que seu sonho poderia se tornar realidade?

— Cristiane, esses senhores estão aqui para escoltá-la até Bitterlee, como sua mãe pediu.

— Sim, padre. Já tinha percebido que eram eles. O padre virou-se para Adam.

— Conde de Bitterlee, esta é lady Cristiane MacDhiubh. Cristiane olhou-o, surpresa. Então aquele era o conde de quem sua mãe tanto falara!

Nunca conhecera um lorde inglês antes. O homem mais importante que conhecera fora seu próprio pai, o chefe do clã. Nenhuma outra pessoa possuía mais poder e in­fluência que MacDhiubh, mas ele tinha sido mais um professor do que líder, e decerto não fora o guerreiro capaz de defender sua família e sua tribo.

Cristiane tomou consciência de seu vestido rasgado, dos cabelos despenteados e de seus pés, que pisavam descalços o solo frio. Todas as suas roupas haviam sido levadas embora, e em troca ficara com um único traje esfarrapado.

Lembrou-se de como Elizabeth possuía roupas finas quando Cristiane era ainda bem criança. Lady Elizabeth frequentara a corte inglesa antes de se casar.

Cristiane sabia que não se parecia em nada com a mulher que o conde de Bitterlee esperara encontrar. Gra­ças aos céus, não se mostrava chocado, nem a olhava com desdém. Mesmo assim, Cristiane tentou esconder os pés descalços de alguma maneira.

— Lady Cristiane... — O conde inclinou-se, respeitoso. — Estou feliz em conhecê-la. Partiremos de St. Oln no momento em que estiver pronta.

— Oh, senhor, estou pronta já! — Procurou manter o queixo bem empinado, enquanto respondia, sabendo que devia parecer ridícula, pois onde é que se viu uma lady cheia de orgulho mas sem sapatos?

Bem, não adiantava ficar lamentando demais o que não podia ser mudado. O que lamentava mais era dizer adeus a seus rochedos e suas aves tão amigas.

Não podia fazer naquele momento as indagações que estavam presas em sua garganta. Melhor não chamar mais a atenção sobre sua pessoa.

— Quais são seus planos, milorde? — o padre quis saber.

— Vamos atravessar a região de Tweed à noite, e acam­paremos ao sul dali.

— Ah, sim... É uma boa idéia chegar logo ao solo inglês. Mas como lady Cristiane vai viajar, se não temos nenhum cavalo aqui em St. Oln?

 

Adam pensara que o plano de lady Elizabeth poderia dar certo, mas agora sabia que isso era impossível. Não podia se casar com uma escocesa sem polimento social e meio tosca. O contato que tivera com escoceses e vendo a forma como Cristiane se vestia e falava o deixavam com a certeza cada vez maior de que deveria encontrar uma inglesa para esposa. Mesmo assim, não ia deixar que lady Cristiane caval­gasse com um de seus homens. Assim, colocou-a em sua sela, e a pressão que o corpo dela fazia no seu começou a perturbá-lo cada vez mais.

Depois de algumas horas, Cristiane ficou menos ten­sa e encostou-se em Adam. Sem pensar, ele colocou os braços em volta de sua cintura para evitar que caísse da montaria. Não fazia objeção de que ela dormisse enquanto cavalgavam, mas queria estar certo de que não se machucaria.

Cristiane era quente e macia, e seu perfume o fazia pensar em encostas marinhas.   Umas poucas sardas en­feitavam seu rosto, deixando-a mais bonita ainda. Seu pescoço era gracioso, e suas mãos, delicadas. Tocando nelas, sentiu o pulso bater em um ritmo lento, como se ela, enfim, estivesse calma e se sentindo segura. Adam estava fascinado por aquela criatura que mantinha presa em seus braços.

Cristiane entreabria os lábios a cada respiração, e seus cabelos ondulados cobriam de leve sua testa, movidos pelo vento, provocando em Adam uma reação que não experimentava fazia muito tempo. Ele a desejava!

Isso era um absurdo. Aquela jovem não lhe servia como companheira por ter sangue inimigo nas veias. O certo era mandá-la para York, onde moravam seus parentes.

O lamentável era que Cristiane era escocesa, e sua cabeleira vermelha e as sardas eram provas inegáveis de sua ascendência. Apesar de não falar com a linguagem rude do povo de St. Oln, vestia-se como uma selvagem e andava descalça, como as pessoas mais pobres de sua vila.

Cristiane também não parecia ser nada dócil. Enfren­tara a hostilidade da multidão em St. Oln com uma co­ragem enorme, mas coragem não era uma qualidade ne­cessária em uma esposa.

Também não devia ter tido nenhum tutor. Assim, que tipo de mãe poderia ser para sua filha? Era uma pena, mas a jovem lady não seria um bom exemplo para a pequena Margaret.

A seu favor estava o fato de que não parecia ser uma moça desagradável, nem ignorante. Falava direito e era orgulhosa. Tinha olhos azuis brilhantes e tristes, talvez por estar deixando o lugar onde nascera. Quem sabe se a tristeza não viria da perda de seus pais? Afinal, per­dera os dois em tempo muito curto.

— Ali está o rio, milorde. — Sir Elwin chamou sua atenção, apontando para um ponto à frente. Procurou emparelhar seu cavalo com o de Adam. — Devemos atra­vessar agora, ou esperaremos para passar pelas águas de manhãzinha?

O rio Tweed estava à vista, e Adam tinha urgência de pisar em solo inglês o mais rápido possível. Havia muitas cidadezinhas e vilas nos arredores, tanto no lado escocês como no inglês, e eles estariam mais seguros na floresta fechada, que ficava do outro lado do rio. Adam decidiu que deviam acampar lá e continuar a viagem pela manhã.

— Atravessemos.

Sir Elwin esporeou seu cavalo e foi se reunir a sir Raynauld, que estava mais adiante.   Adam ficou de novo sozinho com Cristiane, que continuava adormecida.

Procurou saborear aquela sensação de estar com ela em seus braços por mais um momento, apertando de leve sua cintura e sentindo sua maciez tentadora.

Cristiane murmurou alguma coisa, e o som de sua voz fez Adam pensar em prazeres bem íntimos. Lembrou-se de que não ia poder satisfazer seus desejos com aquela mulher e, então, induziu seu cavalo em direção à margem.

Cristiane sabia que devia estar sonhando. Não era pos­sível que o conde de Bitterlee tivesse sido atrevido e acariciado seu corpo. A sensação de estar sendo tocada devia ser produto dos devaneios que tinha tido antes de partir de St. Oln.

Desde que atravessara o rio, o conde fora apenas so­lícito e respeitoso, ajudando inclusive seus homens a lhe armarem uma tenda. Mantinha-se a distância, como se quisesse deixar bem claro que se decepcionara por ela não se parecer com uma dama inglesa.

Não podia culpá-lo. Ela própria se sentia mais como uma camponesa humilde do que como uma nobre. Até as mulheres mais miseráveis de St. Oln tinham sapatos. Sua vida mudara drasticamente com morte de seu pai. Apesar de ele ser o chefe do clã, nunca chegara a ser rico, mas tanto Cristiane como Elizabeth viviam com con­forto, apesar de nunca terem sido bem aceitas pela comunidade. Eram apenas toleradas, nada mais do que isso.

Essa devia ter sido a razão de Elizabeth adoecer e morrer apenas alguns meses depois de perder a proteção do marido.

Cristiane olhou em volta. Lamentava ter dormido durante a viagem, porque não vira nada da paisagem por onde passara. Queria ficar acordada no dia seguinte, pois, afinal, não ia ter chance de estar naquela região outra vez. Quando chegasse a York, na certa ficaria por lá e não viajaria mais.

Enquanto os cavaleiros se encarregaram de pescar o jantar, Cristiane foi até a margem e procurou um trecho raso perto de um banco de areia para poder se lavar. O fim de tarde estava tão tranquilo que se sentou e ficou olhando para uma cachoeira ali perto, sentindo o sol a aquecê-la.

Avistou vários pássaros conhecidos, inclusive as pe­quenas gaivotas que costumava alimentar nos penhascos de St. Oln.

Sua atenção foi atraída para uns pássaros enormes com longo pescoço e plumagem muito branca que pare­ciam deslizar sobre as águas. Viu um casal, e atrás dele nadavam os filhotes. Nunca vira pássaros tão lindos e majestosos.

— Não devia se afastar do acampamento, lady Cris­tiane — o conde de Bitterlee falou, assustando-a, pois ela não o vira se aproximar.

Ele tirara o casaco e estava apenas com uma túnica azul bem simples sobre as calças escuras. Vestia-se com simplicidade, o que não o fazia menos bonito e atraente, e sua voz demonstrava estar um pouco irritado com ela.

— Oh, milorde... — Cristiane se levantou de imediato. — Não farei isso de novo, se o aborrece tanto.

— E para sua própria proteção. Sir Raynauld e sir Elwin já voltaram ao acampamento e estão cozinhando a truta que pescaram.

— Então, é melhor que eu volte, também.

Cristiane tentou disfarçar os seus pés descalços. O con­de ofereceu-lhe a mão para ajudá-la a sair do banco de areia.

O calor de sua pele junto à dela fez com que quase perdesse o equilíbrio, mas Cristiane tentou ignorar a sen­sação estranha que a invadia cada vez que ele a tocava.

— Milorde, sabe o nome daqueles pássaros brancos que estão nadando no rio?

— São cisnes. Não os conhecia? É um casal, e seus filhotes os seguem bem atrás.

— Quer dizer que os pais cuidam juntos da ninhada?

— Acredito que sim. Nunca pensei nisso antes. Cristiane voltou a fitar os cisnes, tentando memorizar sua imagem para poder se lembrar deles depois.

Percebeu que estava com fome ao sentir o aroma do peixe sendo assado. Apressou-se em voltar ao acampa­mento, mas tropeçou, e Adam precisou segurá-la para que não caísse.

— Você está bem, milady?

— Estou, sim. — Passou à frente dele e correu para junto dos outros.

Adam não podia imaginar que alguém nunca tivesse visto um cisne, pássaro tão conhecido por ali. No mínimo, Cristiane levara uma vida muito reclusa em sua vila, o que explicaria por que se vestia com tanta humildade e andava descalça, além de deixar os cabelos soltos e tão rebeldes.

Observou-a comendo com as mãos e lambendo a pon­ta dos dedos com delicadeza. Quando ela pegou a caneca e bebeu a água, o conde desviou o olhar, porque as coisas mais simples que Cristiane fazia conseguiam ex­citá-lo. Procurou se concentrar na comida que tinha diante de si.

Aquelas reações inesperadas tinham de acabar. Iriam viajar juntos mais dois dias antes de chegar a Bitterlee. Adam se lembrou do que tinha prometido a lady Elizabeth: ou se casaria com sua filha ou a escoltaria em segurança até seu tio, em York. Já que decidira que ela não servia como sua esposa, qualquer desejo sexual teria de estar fora de seus planos.

Quando olhou novamente para Cristiane MacDhiubh, viu que se erguera e estava pegando os pratos sujos de Raynauld e Elwin e vindo agora em sua direção.

O movimento de seu corpo ao se aproximar excitou-o mais uma vez. Isso estava errado. Cristiane era uma garota indefesa, sem experiência, e dependia dele. Seus apetites masculinos podiam ter voltado, mas isso preci­sava acabar.

Não podia desejar Cristiane MacDhiubh. Não era o tipo de esposa que precisava ou queria. E também não era uma moça com quem pudesse tomar liberdades.

Tão logo voltasse para Bitterlee, daria a Charles Penyngton a missão de lhe encontrar uma esposa mais ade­quada. Uma dama inglesa, de preferência.

— Pode me dar seu prato, milorde? — Cristiane pediu, com gentileza. —Vou lavá-lo com os outros, no rio.

O sol desaparecia no horizonte e iluminava os olhos dela. Seus cílios eram grossos e dourados nas pontas. Apesar de estar falando com ele, fitava-o com timidez, como se soubesse como devia considerá-la humilde de­mais para estar a seu lado.

Adam levantou-se, entregou-lhe o prato e afastou-se, entrando na mata..Não podia ficar o tempo todo pensando em Cristiane, em como suas pupilas brilhavam, como seus lábios eram macios.

Penyngton já lhe dissera várias vezes que ele neces­sitava de uma esposa, e sua filha, de uma mãe. Claro que nunca se pode substituir uma mãe, mas teria de encontrar alguém que tomasse conta da menina. Enquan­to não encontrasse a pessoa certa, cuidaria de Margaret sozinho.

A vida de Margaret podia estar dependendo de Adam lhe arranjar uma nova mãe, mas não seria qualquer mu­lher que ocuparia esse lugar.

Margaret se tornara franzina demais depois da morte de Rosamund, e seus olhos enormes se destacavam no rosto fino. A ama, Mathilde, tentava cuidar da menina, mas parecia que nada a despertava da melancolia que a dominara desde que perdera a mãe.A pequena mal saía do quarto, a não ser para ir na capela do castelo.

Adam não entendia muito bem de crianças, mas sabia que esse não era o comportamento normal de uma menina de apenas cinco anos. Teria de tomar providências urgentes tão logo chegasse a Bitterlee.

Preocupado, voltou ao acampamento, onde encontrou seus homens conversando perto do fogo.

— Lady Cristiane ainda não voltou do rio?

— Não, milorde. — Sir Raynauld levantou-se, respei­toso. — Já estava com vontade de ir procurá-la para ver se tudo está bem.

— Pode deixar, irei eu mesmo.

Caminhou em silêncio, ainda pensando em sua filha e como se sentia atraído por Cristiane MacDhiubh, até que a avistou perto da água.

Viu-a estava parada, tendo ao fundo o pôr-do-sol. Uma das mãos segurava os cabelos que esvoaçavam com o vento, e a outra estava esticada.

No fim dessa mão estava um veado vermelho, roçando com seu focinho os dedos delicados de Cristiane.

 

Adam não se mexeu. Estava espantado com a cena, e ficou olhando o cervo chei­rar a mão de Cristiane e depois lambê-la.

Ela não disse nada ao animal, mas logo começou a acariciar sua cabeça.

De repente, o animal levantou o focinho e percebeu a presença de Adam. Em pânico, fugiu, sumindo em meio à vegetação.

Adam respirou fundo, pois sem querer prendera a res­piração para não fazer ruído algum.

— Milorde! Não pretendia me demorar. Já estava indo embora e...

— Milady... Havia um veado a seu lado, tocando sua mão!

— Ali, sim! Era ainda um filhote, apesar de já estar bem crescidinho.

Adam continuava estupefato. O cervo escapara logo que o notara, mas estivera manso e tranquilo junto de Cristiane. Nunca vira ou ouvira falar que um animal selvagem se aproximasse de uma pessoa daquela forma. Como Cristiane conseguira isso?

— Milady... — ele começou a falar, mas, encontrando seus olhos tão azuis, esqueceu-se do que ia dizer.

Era bastante agradável ter um homem, sobretudo um nobre assim bonito, a escoltá-la.

Os cavaleiros haviam montado uma tenda espaçosa demais para uma pessoa, mas o conde de Bitterlee comen­tou que contavam com a companhia de lady Elizabeth.

Cristiane preparou-se para dormir, recordando a mãe e os tempos bons que haviam passado juntas.

A manhã despertou brilhante e ensolarada. Retoma­ram a viagem, e Cristiane teve de montar no cavalo de Adam outra vez.

Sentia-se muito embaraçada por estar com os pés des­calços, apesar de ninguém ter feito comentário algum sobre isso. Logo chegariam a Bitterlee e todos iriam ima­ginar que ela não passava de uma camponesa das mais pobres.

Nunca se preocupara antes com sua aparência nem com o que as pessoas podiam achar dela. Agora, porém, ao lado do conde de Bitterlee, começara a se preocupar com isso.

Bem, não havia como arranjar uma roupa nova nem um par de sapatos. Portanto, o jeito era aceitar a reali­dade. Estava pobre e sem bens.

O dia passou sem que nada de extraordinário aconte­cesse, mas começara a chover, o que diminuiu o ritmo dos cavalos. Parte do tempo cavalgaram perto de roche­dos, de ondeCristiane podia avistar o mar.

Em alguns trechos se embrenhavam na floresta, e Cris­tiane se encantara ao avistar muitos animaizinhos que fugiam assustados com a chegada de intrusos.

Ao entardecer, começou a desejar que Adam resolvesse parar, porque se sentia cansada, com as costas e as per­nas doendo, já que não estava acostumada a cavalgar.   Por fim, avistaram uma hospedaria com algumas casas por perto. O conde parou bem em frente. O lugar devia estar cheio, porque dava para ouvir o barulho de lá de fora.

— Devemos ver se há quartos disponíveis, milorde? — Sir Elwin amarrava seu cavalo em um mourão. Adam fez que sim.

— Fique bem a meu lado, milady. Enquanto estivermos perto da fronteira, corremos riscos. Em especial você.

Cristiane concordou de pronto. Estava habituada a pro­blemas desse tipo e, mesmo o conde de Bitterlee e seus homens sendo ingleses, não se podia confiar em estra­nhos.Naquele momento, teve vontade de estar longe dali, acampando na mata. Iria se sentir mais segura em sua tenda do que na estalagem.  

Resignada em ficar ali, aproximou-se mais de Adam e esperou que sir Elwin voltasse com as informações.

Escurecera bastante. Cristiane tremeu de frio e logo sentiu o braço do conde puxá-la para junto do peito. Sua roupa podia estar gelada, mesmo assim sentiu o calor que vinha de seu corpo másculo.

Fazia tempo que não se sentia tão protegida. Desde a morte violenta de seu pai ninguém a ajudara em ne­nhuma de suas dificuldades. Sentia-se tão sozinha desde a doença de Elizabeth...

Seus olhos se encheram de lágrimas. Adam Sutton a tratava com bondade. Alguém, enfim, parecia se interes­sar por ela.

— Milorde, lá dentro está cheio de homens com jeito de serem perigosos — sir Elwin informou ao sair da es­talagem. — Parece perigoso levarmos lady Cristiane lá para dentro.

— E há quartos disponíveis? Milady está molhada e tremendo de frio.

— Há apenas um, e eu mandei o senhorio reservá-lo para milorde.

— Há alguma entrada pelos fundos?

— Pela cozinha. Podemos conseguir levar milady até o quarto sem chamarmos muita atenção.

Cristiane sentiu a pressão da mão de Adam empur­rando-a de leve na direção indicada por Elwin. Seguiu o cavaleiro, enquanto Raynauld ficava para trás, dando água e alimento para os cavalos.

Havia fumaça na cozinha e cheiro de comida sendo preparada. Na sala, uma multidão barulhenta comia e bebia.

— Bem, temos de subir aquela escada, pois não há outro caminho para chegar aos aposentos, milorde — sir Elwin lamentou.

— Nós a protegeremos. Suba bem depressa, milady.

Procuraram subir rápido, mas um dos homens viu Cris­tiane e gritou que havia uma mulher ali nas escadas. Cristiane se apavorou, e Adam a empurrou em direção ao quarto, desembainhando a espada.

Quatro homens correram até os degraus e tentaram alcançar Cristiane, porém Adam foi mais ágil e derrubou um deles com um chute violento. Os outros, que vinham bem atrás, acabaram caindo também, o que permitiu a ela chegar até o quarto. Antes de entrar, pôde ver que Adam e Elwin duelavam. Homens gritavam e alguém foi ferido.

Não conseguiu entrar, porque estava paralisada, lem­brando-se da luta sangrenta que presenciara em St. Oln e que terminara com a morte de seu pai. Sentiu-se fraca e prestes a desmaiar.

Naquele instante, como antes, assistia à luta, encur­ralada em um canto. Em St. Oln, seu pai duelara, como agora os cavaleiros faziam, para protegê-la. Vira o sangue jorrar do peito de Domhnall quando atingido por uma espada inimiga. Temia que aquela tragédia ocorresse de novo.

Não conseguia esquecer a morte do pai.

— Cristiane! — ele gritara ao tombar.

Antes de falecer, tinha conseguido ferir seu assas­sino. Cristiane ficara sozinha em seu refúgio, incapaz de se mover. Via o pai caído e sentia o cheiro da fumaça que vinha das casas que tinham sido incendiadas pelos invasores.

— Cristiane!

Esse foi o conde chamando por ela. Piscou e tentou voltar ao momento presente. Sabia que devia seguir as ordens de Adam, mas suas pernas não a obedeciam.

— Cristiane! Mova-se! Entre logo no quarto! — ele ordenou, e voltou-se para o homem que o atacava com a espada.

Raynauld chegou para ajudá-los na luta, e Adam apro­veitou-se para subir alguns degraus e pegar Cristiane em seus braços. Sem esforço, levantou-a e abriu a porta com um chute.

A um lado do cômodo, crepitava um pequeno fogo, su­ficiente para iluminar o ambiente. Adam colocou Cris­tiane na cama.

— Você está bem?

Ela não respondeu. Assim, ele se ajoelhou e massageou suas mãos, para aquecê-las.Estavam geladas, e Cristiane não conseguia parar de tremer. Isso surpreendia Adam.Apesar de ela ter sangue inglês, também era escocesa, e devia estar mais preparada para ver sangue sem se perturbar tanto.

Sua quietude o preocupou e o conde continuou a massagear-lhe as mãos, ao mesmo tempo que ficava atento ao barulho que vinha da escadaria e do salão. Sabia que ninguém morrera, mas havia feridos.

Ficou se censurando por ter decidido pernoitar ali em vez de acampar na floresta.

— Tudo terminou, Cristiane. Você não corre mais ne­nhum perigo.

— Eu sei...

— Dormirá aqui, e eu e meus homens ficaremos vigiando.

— Está bem.

— Você podia... Bem, suas roupas estão tão molhadas! Terá de tirá-las. Vou sair do quarto por um momento e...

— Por favor, não me deixe só!

Adam passou a mão sobre seus cabelos, tentando acalmá-la.

— Estarei bem aqui. Ficarei de costas e você pode se despir.

Adam a ouviu suspirar. Ninguém contara a ele o que acontecera na vila de Cristiane, mas podia imaginar que as lutas que presenciara deviam ter sido bárbaras, para estar reagindo daquela forma. Mesmo sendo escocesa só por parte de pai, não era possível que tivesse visto cenas de horror sem ser afetada pela violência.

Ficou olhando o fogo, enquanto Cristiane ia tirando o vestido. Ouviu o barulho da roupa cair ao chão, e seu corpo reagiu, espantando-o com a intensidade de excita­ção que o invadia, apenas por imaginá-la sem roupa.

Mais uma vez, censurou-se por ter decidido dormir ali.

— Já pode se virar, milorde.

Cristiane deitara-se no leito e estava coberta pelos lençóis. Naquele momento, era difícil para Adam se lembrar de que era uma escocesa. Ou que era a mesma mulher que enfrentara a multidão hostil em sua saída de St. Oln.

Era apenas uma moça amedrontada e vulnerável. Con­tra qualquer bom senso, queria abraçá-la e lhe assegurar que estava tudo bem.

Em vez disso, porém, controlou seu desejo, começou a reunir as roupas dela e colocá-las perto do fogo para que secassem. Esperava que ninguém decidisse aparecer por ali atrás da jovem que tinham visto subir as escadarias.

Lady Elizabeth não tinha mentido quando dissera que sua filha era corajosa. O problema era que Cristiane per­dera tanto a mãe como o pai em um curto período. O povo da vila a hostilizara e a forçara a partir, sem se mostrar amigo e solidário com sua infelicidade. Diante dessas circunstâncias todas, até que estava se portando muito bem.

Adam atravessou o aposento e sentou-se perto da por­ta. Desembainhou a espada e a deixou no piso, perto dele. Precisava descansar um pouco. Não estava satisfeito por ter de compartilhar o quarto naquela noite com Cris­tiane, mas não tinha outro jeito. Durante a viagem, ter as formas dela tão próximas das suas já lhe esquentara o sangue. Agora era pior. Cristiane estava em uma cama, a poucos metros dele.

Ficou olhando as roupas que secavam junto à lareira. Desejou não ter sugerido que ela se despisse. A última coisa que queria era ficar ali imaginando a bela Cristiane MacDhiubh nua.

Em um certo momento da noite, Cristiane ouviu uma leve batida na porta. Era Raynauld informando a Adam que tudo estava tranquilo lá embaixo e que os homens com quem lutaram haviam partido.

Adam ainda não dormira. Cristiane ficou observando-o mexer na sacola onde guardava seus pertences. Procu­rava não fazer barulho, para não perturbá-la, e estendeu uma coberta no chão perto do fogo. Ia tentar ficar em uma posição menos desconfortável.

Viu quando ele colocou mais madeira para queimar, depois enrolou-se num cobertor e recostou-se para dormir um pouco, visto que Raynauld garantira que o perigo acabara.

Adam devia estar cansado, porque ficara de guarda até aquele instante. Seus cabelos estavam despenteados e via-se uma leve barba cobrindo-lhe o rosto. Cristiane nunca conhecera antes um homem tão bonito.

Seu coração bateu mais forte. Estivera completamente indefesa, quando o conde de Bitterlee a protegera com seu próprio corpo, sem temer ser ferido e até morrer por sua causa. Depois, ficara de guarda a noite inteira, para que ela pudesse repousar sossegada.

Não era apenas um herói, mas um homem de honra. Poderia ter tirado vantagem de sua fraqueza, mas nem tentara ser atrevido. Ao contrário, procurara acalmá-la. Que outro homem teria agido de maneira tão nobre?

Conhecia tão pouco dos homens... Seu pai sempre a mantinha afastada dos guerreiros, e os rapazes de St. Oln a desprezavam por ser meio inglesa. Não acredi­tava que outros cavaleiros fossem pacientes como Adam. A maioria teria se aproveitado dela ou deixado que a apunhalassem.

Cristiane preferia aqueles que agiam como Adam.

Ficava difícil pensar nele como conde de Bitterlee. Adam tinha sido bondoso, além de ter lutado como um nobre guerreiro para protegê-la. Quando estivesse sozi­nha e pensando nele, chamaria-o de Adam.

 

Devia estar amanhecendo, pelo som que os passarinhos faziam lá fora. Porém, não fora o canto dos pássaros que despertara Adam, mas ruídos no quarto.

Estava muito cansado para se mover, e sua perna ma­chucada doía. Mesmo assim se esforçou para olhar para onde Cristiane MacDhiubh devia estar dormindo.

Engoliu em seco ao vê-la.

Ela havia recolhido as roupas secas que se encontra­vam junto ao fogo e começava a se vestir. Entretanto, boa parte de suas curvas femininas ainda se achavam sem veste alguma.

Cristiane era uma tentação. Seus cabelos caíam em cascatas vermelhas, cobrindo parte dos seios nus, dei­xando descoberto o suficiente para que Adam pudesse ver que eram cheios e acetinados. As pernas eram per­feitas, e a parte mais íntima dela mostrava uma sombra aveludada.

Adam lamentava que toda aquela beleza e perfeição fossem escondidas por seus trajes maltrapilhos.

Enquanto ele a olhava, Cristiane começou a amarrar, sem muita pressa, os laços do vestido, continuando se­dutoramente despida. Adam gemeu baixinho, e ela se cobriu rápido.

Bem devagar, o conde ergueu o olhar e encontrou o dela. Não havia dúvida de que estava bastante embaraçada com sua nudez. Nem a roupa, nem seus braços con­seguiam cobri-la direito.

— Perdoe-me, milady. Vou sair para deixá-la compor-se com privacidade.

Cristiane ficou parada, enquanto Adam saia às pressas do aposento e, nem bem a porta foi fechada, vestiu-se o mais depressa que podia. Não ia ser pega daquele jeito outra vez.

No entanto, reconheceu que não se irritara por Adam tê-la visto nua. Na realidade, gostara de ver a admiração em seus olhos. Mesmo assim, era muitíssimo embaraçoso ter estado exposta a sua avaliação.

Talvez não se sentisse tão embaraçada se ele também estivesse sem as roupas, Adam tinha ombros largos, qua­dris estreitos e pernas poderosas de um cavaleiro. Ficou pensando em como se sentiria se estivessem nus.

Sem perceber, Cristiane umedeceu os lábios, lembran­do-se de que aquele era um dos prazeres que maridos e mulheres compartilhavam. Tinha tão pouco conhecimen­to de tais coisas... Seus pais haviam se amado, mas Cristiane nunca presenciara nenhum momento mais quente entre eles.

Escutou vozes vindas do pátio em frente da estalagem. Reuniu as cobertas que Adam usara, colocando-as em uma bolsa de couro. Só então se arriscou a abrir a porta e sair.

Do alto da escada, pôde ver os estragos da véspera. Haveria algum perigo lá embaixo, e por isso ela não de­veria descer? Não queria de jeito nenhum presenciar uma nova luta. Talvez fosse melhor esperar que Adam viesse chamá-la. Assim, retornou ao quarto, quando ouviu pas­sos. Alguém estava subindo as escadas.

— Lady Cristiane!

— Bom dia, sir Raynauld — cumprimentou-o, aliviada, reconhecendo a voz amiga e abrindo a porta.

Entregou-lhe a bolsa de Adam, um pouco decepcionada por não ter sido o conde a vir buscá-la.

— A esposa do dono da hospedaria preparou uma re­feição para nós, milady. Se estiver pronta, eu a acompa­nharei até a sala de refeições.

— Obrigada.

Desceram juntos, e Cristiane viu que estavam colo­cando tigelas com comida sobre a mesa. Adam não es­tava lá.

   Com um longo suspiro, sentou-se e começou a comer.

Adam retornou à estalagem, satisfeito com as compras que fizera. Os aldeões ficaram contentes em trocar alguns de seus produtos pelas moedas do conde, e ele agora voltava carregando pequenas lembranças que levaria para Margaret.

Encontrara, inclusive, uma mulher que concordara em lhe vender um par de sapatos que seu marido artesão havia feito. Pretendia presentear Cristiane com o calçado, logo que tivesse oportunidade. Sabia como ela andava desgostosa por ter de andar descalça.

Procurara afastar a visão dela sem roupas, distrain­do-se com suas aquisições. Sabia que devia evitar em ficar de novo sozinho com ela, sobretudo em situações como a que acontecera naquela manhã. A experiência demonstrava o quanto era suscetível a seus encantos. Assim, o correto era nem sequer dar chance para que a atração entre os dois aumentasse.

Cristiane não era uma moça com quem pudesse viver uma aventura. Vira muito bem que se sentira confusa e embaraçada, mas também um pouco excitada por estar nua diante dele. Saber que ela também se excitava fazia aumentar ainda mais seu desejo.

Não conseguiria resistir àquele corpo sedutor, se ca­valgassem juntos mais um pouco. Assim, insistiu com o dono da estalagem para lhe vender uma mula que serviria de montaria para ela. Poderiam viajar separados o resto do caminho até Bitterlee.

— Bom dia, milorde.

— Bom dia, Elwin. Lady Cristiane já tomou café?

— Está terminando de tomá-lo, milorde. — Elwin con­tinuou a selar o cavalo. — Permanece lá dentro.

Adam entrou na hospedaria e encontrou Cristiane so­zinha na sala. Bastou um olhar para se convencer mais uma vez de que era perigoso e tentador demais tê-la a seu lado.

Cristiane parecia uma fada da floresta, com a luz do sol da manhã iluminando seus longos cabelos vermelhos. Segurava sua pequena sacola de roupas junto aos seios e, quando Adam entrou, fitou-o.

   Seus lábios estavam entreabertos, e ela ofegava um pouco. Nenhum dos dois se moveu durante alguns mi­nutos, e o rosto de Cristiane foi invadido por um delicioso rubor.

Estava se lembrando de que ele a vira despida...

Mesmo naquele momento, estando ela com seus trajes rasgados, mas vestida com decência, Adam não conseguia se desviar de suas curvas ou se esquecer de como a vira logo cedo. Não importava de modo algum o fato de que Cristiane tinha sangue escocês correndo em suas veias.

Adam pigarreou e lhe entregou um pacote.

— Achei isto para você.

— O que é? — Cristiane perguntou, com curiosidade.

— É apenas uma... Abra e veja. Cristiane mordeu o lábio, ao abrir o pacote.

— Sapatos! — exclamou, olhando surpresa para Adam. Os olhos dela ficaram brilhantes e tímidos. Estava claro que se sentia muito grata.

— O artesão era um sapateiro muita habilidoso.

— Eu tinha sapatos em casa, sir. Fiquei sem eles, porque disseram que outras pessoas precisavam mais de calçados do que eu.

Adam procurou controlar a raiva que sentiu ao escutar essa revelação. Era um absurdo que um aldeão comum confiscasse os pertences da filha do chefe do clã. Como Cristiane ficara sozinha e indefesa em St. Oln!

Fez um juramento silencioso de que aquela jovem não seria mais humilhada nem sofreria nenhum outro abuso enquanto estivesse sob sua proteção.

Cristiane estava ansiosa para calçar os sapatos. Sem pensar, Adam ajoelhou-se diante dela e tirou-os de sua mão, colocando-os em seus pés delicados.

— Serviu! — ela exclamou, emocionada.

Sem ter coragem de encará-la, Adam os amarrou.

Depois de ter os dois pés calçados, Cristiane colocou uma mão no ombro de Adam e inclinou-se, ficando muito próxima dele.

Adam antecipou o prazer que sentiria se tocasse os lábios dela com os seus. Podia imaginar como sua boca devia ser suave e doce. Não conseguia parar de olhar aquela boca carnuda e convidativa se movendo tão perto.

Então, Cristiane o beijou no rosto e, antes que ele tivesse tempo de reagir, levantou-se e saiu correndo.

— Será mais confortável para milady — sir Elwin in­sistiu, querendo convencer Cristiane a subir na mula. — O conde de Bitterlee a comprou hoje de manhã.

Cristiane sentiu uma dor de estômago. Nunca caval­gara antes, com exceção das horas em que passara sobre o cavalo de Adam, mas com ele a segurá-la.

E agora todos esperavam que montasse naquele ani­mal, que era tão mais alto que ela. Não tinha certeza de que conseguiria montar a mula e chegar inteira a Bitterlee.

Resignada, Cristiane conseguiu montar a mula con­tando com a ajuda de Elwin. Adam não estava ali, mas isso não pareceu preocupar os cavaleiros, que se puseram a caminho.

Apesar de não se sentir muito segura, Cristiane não resistiu e levantou os pés para poder ver mais uma vez os sapatos lindos que Adam lhe dera.

Adam cavalgou à frente durante o dia inteiro. Já conhecia aquela rota. Da última vez que passara por ali, viera ferido e com febre. Não conseguia recordar bem a viagem,

Naquela ocasião, conseguira chegar a Bitterlee e ficara sabendo que Rosamund morrera alguns dias antes. Mes­mo muito ferido e com febre, esquecera-se de suas dores ao receber essa notícia. Nunca se esqueceria daquela oca­sião tão triste.

Ficou pensando se não poderia ter evitado o suicídio de Rosamund. Atendera ao chamado do rei Edward para lutar, ao lado dos soldados ingleses, na Escócia e demo­rara muito para voltar para casa. Quem sabe, se tivesse retornado antes, Rosamund ainda estaria viva? Essa era uma dúvida que sempre o atormentaria.

Rosamund nunca se ajustara nem ao casamento nem à vida em Bitterlee. Depois do parto, vivia doente, sempre tristonha e cabisbaixa.

Nos primeiros três anos de existência de Margaret, a menina permanecia agarrada à mãe. Chorava quando a via, e nem queria sair do quarto nessas ocasiões. Parecia uma reação estranha para uma criança daquela idade. Adam sentia-se amargurado sempre que pensava em Rosamund. Ela fora sempre tão distante dele, tão frágil! Nunca sabia bem o que fazer com sua mulher. Tanto seu pai como o dela haviam combinado o casamento, sem nem ao menos considerar que a ilha de Bitterlee não seria o lugar ideal para uma jovem tão delicada, que gostava de festas e animação.

O pai de Adam escolhera Rosamund porque ela era nobre e bonita. Queria herdeiros para Bitterlee, mas não vivera para ver a neta nascer.

Depois da sangrenta batalha de Falkirk, sua vida mu­dara drasticamente. Rosamund se fora, e a ama, Mathilde, que sempre a acompanhava, passara a cuidar de Margaret. Gerard Sutton, o tio de Adam, que governara a ilha em sua ausência, tomara uma série de medidas erradas, e só não fizera bobagens maiores, porque fora impedido por Penyngton.

Entretanto, muitos dos homens da ilha haviam lutado ao lado de Adam e morrido em batalha, e assim se tornava mais difícil para ele cuidar de Bitterlee e da filha ao mesmo tempo.

E a pequena Margaret, para piorar tudo, via o pai como um estranho, assustando-se com a cicatriz em seu queixo e com a forma como mancava.

Devia parecer um monstro para a filha...

Charles Penyngton se convencera de que tudo devia mudar. Forçara Gerard a deixar de lado os negócios e fazer o que gostava, ou seja, passear pela ilha. As vezes, o tio sumia por dias, mas Adam não ficava preocupado, porque sabia que deveria estar em algum de seus refúgios prediletos.

Penyngton também convencera Adam de que ele pre­cisava arranjar uma nova esposa.

Adam encontraria essa mulher, logo que fosse pos­sível. Pena que Cristiane MacDhiubh não servisse para o papel de lady de um lorde inglês, pois o sangue escocês que corria em suas veias atrapalhava. Estava deter­minado a não errar de novo e falhar em seus deveres de marido. Mesmo que Cristiane o atraísse tanto, não era a esposa adequada para ele. Melhor seria escolher uma dama inglesa.

No entanto, não deixaria de cumprir o que prometera a lady Elizabeth. Tinha responsabilidades para com Cris­tiane. Chegando a Bitterlee, iria lhe arranjar roupas boas e formaria uma escolta para conduzi-la a seu tio em York. Daria um jeito de colocá-la sob a proteção de dois de seus cavaleiros, que a acompanhariam na viagem. Espe­rariam a primavera chegar, para que a jornada fosse mais fácil.

Até alcançarem Bitterlee, teria de se manter um pouco afastado de Cristiane, apesar de que era muito difícil se esquecer de seu corpo despido.

Não adiantava tentar pensar em Bitterlee. A beleza de Cristiane o conquistara, e Adam se espantava com as sensações que o dominavam, mas não queria ter de cuidar de uma mulher com sangue escocês.

O dia continuava bonito e ensolarado, e Cristiane co­meçou a se acostumar com o passo da mula. Não viajavam depressa demais, porém já tinham percorrido uma boa parte do trajeto. Ela sentia o cheiro do mar, ao cavalgar, e desejou acampar de novo em algum lugar que tivesse água por perto.

Ficou imaginando se se reuniriam a Adam, no final da tarde. Apesar de Elwin e Raynauld serem boa com­panhia, sentia falta do conde.

Suspirou lembrando-se de suas mãos amarrando seus sapatos. Eram grandes e bem-feitas. As unhas, curtas e limpas. Cristiane se sentiria segura se aquelas mãos a protegessem, se a tocassem.

Adam não iria tocá-la outra vez, disso tinha certeza. Vira algo em seu olhar naquela manhã, ao se vestir, que até naquele instante a fazia enrubescer. No entanto, Adam se afastara depois, ficando só alguns minutos a seu lado, quando lhe amarrava os sapatos.   Não havia, porém como negar que sentira desejo por ela. Também ficara embaraçado.

Era bobagem pensar nisso agora. A falta de interesse de Adam não traria consequências para ela. Não se de­moraria muito em Bitterlee, talvez apenas algumas se­manas, e depois estaria a caminho de York.

Pelo menos era um alívio saber que chegaria a York calçada. Pena que suas roupas eram maltrapilhas de­mais. A verdade era que a única coisa de valor que pos­suía eram seus livros, que Cristiane escondia antes na caverna do penhasco, em St. Oln. Não trocaria nenhum deles pelo traje mais rico. Aprendera tanto com eles!

Bem, não adiantava ficar se lamentando. Iria para York parecendo ser aquilo que era.— Estamos quase chegando, milady — sir Elwin avi­sou. — Logo nos encontraremos com o conde de Bitterlee.

— Ele ficou o dia inteiro bem a nossa frente.

— Por quê, sir Raynauld? — Cristiane não resistiu a perguntar.

— Para nossa segurança, milady — Elwin respondeu pelo amigo. — Aqueles homens com quem lutamos ontem a noite podiam estar preparando alguma emboscada. O conde de Bitterlee quis evitar que isso acontecesse.

A Cristiane isso não ocorrera. Graças a Deus, Adam não se distraía. A idéia de presenciar mais uma tragedia era terrível. Se isso acontecesse, iria rememorar, mais uma vez, os momentos trágicos da luta em que seu pai morrera.

Aquela fora a primeira vez em que vira alguém morrer. Nem mesmo em seus piores pesadelos pudera imaginar a cena brutal das espadas se cruzando, do sangue jor­rando das feridas.

— Viemos em um bom passo. Logo estaremos na ilha de Bitterlee.

— Ilha, sir Elwin?!

— Ah, sim. — Raynauld sorriu. — Bitterlee é uma ilha no mar do Norte.

— Ninguém me disse isso.

Ia ficar em um lugar rodeado pelo mar! Que maravilha! Deveria haver pássaros, lagos, criaturas marinhas...

— O castelo do conde fica bem em cima de rochedos de frente para o mar — Raynauld continuou.

— É um lugar sensacional no verão. — Sir Elwin exa­lou um suspiro. — O inverno, porém, é muito rigoroso, e as pessoas mais frágeis não conseguem resistir...

Cristiane achou que sir Elwin estava para revelar algo mais. Todavia, Raynauld retomou a conversa:

— Nossas safras são fartas, e estocamos a comida para as épocas mais difíceis.

— Os pescadores de Bitterlee são os melhores que há. Temos fartura de bacalhau o ano inteiro.

— Também tínhamos muito peixe em St. Oln. Só que muitos pescadores morreram há pouco, no campo de ba­talha. Também se foram diversos fazendeiros, e a comida é pouca na vila. — Essa havia sido uma das razões para que os aldeões quisessem ver Cristiane longe de lá.

Continuaram o caminho, apressando um pouco o ritmo da cavalgada. Cristiane estava ansiosa para reencontrar Adam. Mesmo assim, procurou observar a floresta, que­rendo avistar algum animalzinho.

O sol passava por entre as árvores em um belíssimo espetáculo da natureza. Aos poucos, a noite foi caindo. Cristiane, muito cansada, queria se deitar e descansar seus músculos doloridos.

Tinham cavalgado pela mata fechada por horas, mas, quando chegaram a uma colina, viram o mar a distância. — O conde de Bitterlee deve estar nos esperando perto da praia — Elwin explicou.

Por fim, alcançaram um pequeno riacho. Cristiane ficou feliz por poder desmontar e esticar as pernas.

Logo sentia o cheiro de carne sendo assada e soube que deveria ser Adam preparando a refeição para eles. Após uma curva, Cristiane o viu a poucos metros do riacho.

Percebeu que Adam estava sem camisa. Nunca tinha visto um homem semidespido antes, pois em St. Oln, nem debaixo do sol mais forte, os aldeões tiravam suas vestes.

Não lhe parecia errado que Adam estivesse agora com o peito nu. Seu corpo era forte, e sua visão provocava arrepios em Cristiane.

O conde era tão másculo! Cristiane notou que havia várias cicatrizes, decerto adquiridas em batalhas.

De repente, tomou consciência de que ainda não des­montara e olhava direto para as formas de Adam. Com esforço, disfarçou seu embaraço.

 

Adam vestiu rápido sua túnica. Não que o vento o tivesse deixado com frio, porque se sentia quente até demais. O olhar de aprovação que lady Cristiane lhe dirigira ao vê-lo sem camisa o agradara.

De repente, tudo em que podia pensar era no jeito como os lábios dela tinham tocado seu rosto, depois que lhe calçara os sapatos. Parecia sentir ainda seu perfume.

Nunca conhecera uma nobre que mostrasse aberta­mente a admiração pelo corpo masculino. Rosamund aborrecia-se até com o vigor do marido. Nos quatro anos de casamento, nunca ficara à vontade com ele. Vivia dan­do desculpas para mantê-lo afastado de sua cama e, nas vezes em que, haviam estado nela juntos, apenas aceitara, resignada, o ato sexual.

Fora quase que um milagre que tivesse engravidado, dando à luz a pequena Margaret.

— Parece que o clima vai continuar bom, milorde. — Raynauld desmontou. — Será uma noite agradável e ideal para acamparmos.

Adam assentiu e caminhou até a fogueira, onde deixara a carne assando. Esperava que Elwin estivesse ajudando Cristiane a descer da mula.

— Tudo bem com sua viagem, milorde? — Elwin pas­sava por ele com seu cavalo.

— Bem, não aconteceu nada inesperado e... — Adam se virou e observou Cristiane, que tentava desmontar sozinha, mas havia uma grande distância entre seu pé e o chão.

Raynauld sumira, e Elwin levava seu garanhão para uma direção oposta.

Adam resmungou. A última coisa que queria era tocar Cristiane de novo. Tomara a decisão de manter-se longe. Ela nunca seria uma esposa inglesa adequada a sua po­sição, e o conde sabia que sua libido poderia traí-lo, se a tocasse.

Cristiane poderia desmontar sem ajuda. Afinal, era robusta, e não precisava de ninguém.

Mesmo assim, não resistiu e se aproximou dela.

— Permita-me, milady. — E tomou-lhe a mão.

Cristiane aceitou sem hesitar e procurou deslizar na sela. Adam a segurou pela cintura e estremeceu. Pensou em soltá-la, mas ela ainda não tinha conseguido se equi­librar. Assim, manteve-a consigo, e suas mãos roçaram-lhe os seios e os quadris, partes que   Adam já vira sem roupa alguma.

— Obrigada, conde de Bitterlee — agradeceu, quando ficou de pé. Procurou um lugar para sentar-se, tão doloridas estavam suas pernas. — Estarei bem em um segundo.

Adam sabia que devia ter sido um esforço muito grande para Cristiane cavalgar o dia inteiro. Em St. Oln não havia cavalos. Deveria ter se lembrado disso e trazido-a em sua sela.

Será que ela teria condições de cavalgar sozinha na manhã seguinte? A jornada não seria longa, pois já es­tavam bem próximos de Bitterlee.

Seria bom voltar logo para a ilha. Não gostava de se demorar longe dela, ainda mais porque seu tio andava ansioso para assumir o papel de senhor de Bitterlee, o que seria um desastre.

Bem que Penyngton devia ter imaginado como Cris­tiane MacDhiubh seria. Pelo menos teria lhe poupado aquela viagem cansativa.

Tornou a se aproximar do fogo e pegou um cantil. Vol­tando até onde Cristiane se sentara, ofereceu-lhe a água.

— A comida logo estará pronta, milady. Se quiser se lavar, há um lugar bem reservado depois daquela curva do rio. — Era curioso como conseguia falar sobre esses assuntos com Cristiane, quando nunca fizera o mesmo com Rosamund. — Acha que pode andar?

— Ah, sim... — Ela lhe devolveu o cantil. Cristiane enxugou o suor. Pela primeira vez, Adam notou como tinha mãos e punhos delicados. Não era frágil como Rosamund, mas muitíssimo feminina.

A lady se afastou, andando com dificuldade. Adam teve de se esforçar para não correr para auxiliá-la.

Cristiane conseguiu caminhar sozinha. Suas pernas não estavam machucadas, apenas doloridas. O que não fazia muita diferença, visto que o resultado era o mesmo.

Estava confusa com a atitude de Adam. Mesmo sendo delicado, parecia estar aborrecido com ela, o que não fazia sentido algum. Deixou de lado essas conjecturas e resol­veu imaginar o lugar que ia conhecer.

Nunca estivera fora de St. Oln, mas tinha ouvido falar das ilhas do mar do Norte e sabia que eram habitadas por aves marinhas e outras formas de vida selvagem. Bitterlee devia ser assim.

Teria de cavalgar toda a manhã para chegar lá. Pre­feria que Adam voltasse a levá-la consigo em seu cavalo, ainda mais porque queria sentir os braços fortes em volta de sua cintura mais uma vez.

Nunca antes seu coração batera tão forte como acon­tecia quando o sentia tocá-la, mesmo que de leve. Dese­java vê-lo sem a camisa, como havia pouco. Mas ter esses desejos era um pecado, bem que o sabia.

Passou a água fria no rosto, confusa com todas essas idéias estranhas. Resolveu voltar ao acampamento e, ao se aproximar dele, ouviu vozes. Percebeu que Adam con­versava com Raynauld, e olhavam para um pacote com fitas coloridas.

— Vão ficar bem nos cabelos de Margaret — Adam dizia

— De fato, milorde. Sem dúvida, ela vai adorar as fitas

"Margaret..." Esse nome ficou se repetindo na mente de Cristiane, enquanto tentava dormir. E depois, quando, na manhã seguinte, sentada na mula, completava o último trecho antes de chegarem a Bitterlee. Adam ia bem à frente.

Deveria saber que ele era casado. Era por isso que se mantinha distante. Sendo um homem decente, tomara a decisão de continuar fiel à esposa e não se aproveitar da forte atração que existia entre eles dois.

Mesmo assim, Cristiane não conseguia deixar de se sentir decepcionada. Adam era seu herói, seu salvador, que se arriscara em duelo para protegê-la na estalagem. Tomara conta dela e a protegera durante a noite. Não era assim tão estranho que se sentisse ligada ao conde e quisesse acreditar que havia mais do que cavalheirismo em relação a ela.

Suspirou, desanimada. Era apenas uma jovem sem experiência, vinda de uma vila insignificante. No entanto, era inteligente o bastante para saber que devia procurar proteger seu coração para evitar, a todo custo, uma de­silusão amorosa. Assim, o que devia fazer era não su­cumbir aos sentimentos. Só porque um homem estava sendo delicado com sua pessoa não queria dizer que a quisesse como esposa.

Doía saber que não significava nada para Adam, além de uma responsabilidade que ele assumira. Talvez tivesse alguma dívida para com o pai dela e por isso concordara em ir buscá-la em St. Oln e escoltá-la até York. Era apenas uma forma de pagamento, nada mais. Graças aos céus, conseguiu se distrair com a paisagem que se modificava à medida que iam se aproximando de seu destino. Cavalgavam perto do mar e de praias enormes, e Cristiane saboreava cada novo cenário por onde passava.

Suas aves marinhas tão conhecidas apareciam em grande número, mergulhando na água e emergindo com o peixe na boca.

— Há muitas aves na ilha, senhores?

— Por todos os penhascos ao sul do castelo — respon­deu sir Elwin.

— E lady Margaret passeia por esses penhascos?

— Ah, então já sabe da existência de lady Margaret? Cristiane fez que sim.

— Bem, ela não anda por ali. Milorde ia ficar com medo de que escorregasse e caísse.

Apesar de sempre ter passeado pelos rochedos de St. Oln e saber que não existiam assim tantos perigos em andar neles, Gristiane desejou que também alguém ti­vesse se preocupado desse modo com sua segurança. O conde de Bitterlee devia gostar muito de lady Margaret.

— Olhe! — Raynauld apontou ao sul. — Bitterlee! Cristiane pôde ver uma massa escura imersa em águas brilhantes a uma certa distância. O sol da tarde impedia que se visualizassem maiores detalhes, mas chegava a ser excitante já ter a ilha à vista.

Os condes de Bitterlee sempre mantiveram um vilarejo na parte continental, com um porto bem equipado, de onde saíam os barcos para a ilha. Adam chegara antes do demais e fora ouvir as últimas novidades na taverna.

O tempo parecia bom, até o momento, assim ele não via problemas em embarcarem logo que Cristiane che­gasse com Elwin e Raynauld. Preocupava-o o fato de lady Cristiane poder sentir medo de andar de barco...

Além disso, ficava pensando em como deixar de en­contrá-la, quando estivessem no castelo. Apesar de gran­de, apenas uma parte estava sendo ocupada pela família, Sendo sua convidada, Cristiane teria de ficar em um bom quarto, que ficaria muito próximo do dele.

Podia encarregar Gerard de lhe fazer companhia, mas seu tio era pouco hospitaleiro.   Apesar de ter apenas dez anos a mais que Adam, vivia como um homem idoso, meio afastado de todos. Ressentira-se de não herdar Bitterlee quando morrera seu irmão, o pai de Adam, e che­gara a pedir ao rei Edward que o fizesse herdeiro do condado. O monarca, porém, não fora tolo em mexer com as leis de heranças, e confirmara Adam como o senhor de Bitterlee, que passaria seu título para seu filho. Se viesse a ter um filho.

— Há chuva no ar, milorde — o dono da estalagem comentou.

— Tem razão, Kirk. Mas acredito que só vai cair daqui a algumas horas.

— Milorde está certo. Não quer aproveitar para comer algo?

— Só se tiver alguma coisa preparada.

Adam observou a esposa de Kirk, uma mulher que tam­bém tinha cabelos avermelhados, mas não era bonita como Cristiane, nem possuía os mesmos olhos azuis intensos, nem o nariz perfeito e o queixinho tentador; e muito menos os lábios macios e carnudos, que ele poderia...

Frustrado consigo mesmo, ficou olhando para a porta, como se Cristiane estivesse para entrar por ali a qualquer momento. Conseguira não pensar nela durante toda a manhã, e agora aquilo...

— Quando meus homens chegarem, quero embarcar logo, antes de a chuva cair, Kirk.

Iria hospedar Cristiane em algum lugar do castelo e se esquecer dela. Logo se encontraria com Penyngton e o incumbiria de escrever para os lordes do reino. Um deles devia ter uma filha em idade de se casar.

— Muito sábio de sua parte ir antes da borrasca, mi­lorde. Mas minha mulher pode lhe servir galinha fria e um pouco de carne de carneiro.

— O que tiver pronto estará bom.

Adam tivera uma idéia. Seu problema não podia ser resolvido apenas com Cristiane MacDhiubh. Qualquer mulher podia resolvê-lo. O jeito era mandar Raynauld e Elwin levarem Cristiane para a ilha, enquanto ele ia até Watersby, onde havia uma taverna com garotas bonitas e acostumadas a satisfazer o apetite sexual dos frequen­tadores, a qualquer hora.

Se fosse logo, chegaria antes que escurecesse. Passaria uns dois dias com alguma dessas garotas e, quando vol­tasse a Bitterlee, estaria satisfeito e imune aos atrativos de lady Cristiane.

Tinha quase se convencido de que faria isso, quando se lembrou de que fazia muito que não via a filha, e Margaret andava frágil e doentinha. Como um bom pai, precisava ficar mais perto dela, e não agir como um de­pravado que não preza a família.

Voltaria à ilha para ver a filha, mesmo que isso viesse a ser um sacrifício.

Um vento mais forte começou a balançar as janelas da estalagem, anunciando que o aguaceiro iria cair mais cedo do que se esperava. Adam saiu para olhar o céu e depois para o porto, querendo saber se já lhe haviam preparado o barco.

As nuvens ainda não estavam muito próximas, mas seria bom que seus cavaleiros e lady Cristiane chegassem logo. Haveria tempo para comerem e atravessarem antes da chuva. Pela ventania, notava que vinha vindo uma tempestade das mais fortes.

Impaciente, pôs-se a caminhar de um lado para o outro, ansioso para colocar seu plano em prática. Quando di­visou seus homens e Cristiane, suspirou, aliviado.

Alguns dos aldeãos haviam se aproximado dele, con­tentes por poderem passar o dia com seu lorde. Muitos chegaram, a beber a seu lado, contando as novidades. Logo Adam sabia quem havia morrido nas últimas se­manas, quantos bebês tinham nascido...

Sentia, que todos continuavam tristes com as perdas sofridas na batalha de Falkirk, reclamando que existiam poucos homens para cuidar dos carneiros e dos campos.

Adam prometeu que mandaria seus cavaleiros para co­laborar, como na primavera anterior. Levaria anos para que a população viesse a crescer e ficar como estava antes da guerra.

Raynauld entrou na hospedaria, seguido de Elwin e Cristiane. Os aldeãos ficaram em silêncio, estudando a moça estranha, que parecia estar vindo da Escócia. Ne­nhuma mulher ali tinha cabelos tão vermelhos.

Cristiane manteve os cílios baixos e não desgrudou de Raynauld até que Adam puxou uma cadeira para ela e a fez sentar-se.

Ninguém ousou fazer nenhuma pergunta ao lorde, mas os olhares que dirigiam a Cristiane não eram nada amis­tosos. Adam resistiu à tentação de pegá-la em seus braços e protegê-la mais uma vez. Devia saber que o povo dali não ia receber bem uma jovem que não fosse inglesa e que, acima de tudo, tivesse nascido em terra inimiga. Era preciso evitar mais dissabores para lady Cristiane. Seria uma pena se tornasse a ser hostilizada.

A mulher de Kirk trouxe a comida, e Adam e os demais se serviram. Os aldeãos aos poucos foram indo embora, deixando Adam consciente de que tinha justo a seu lado a mulher que o perturbava tanto.

— Que bom que estamos em casa! — Elwin mordeu, com satisfação, a perna de carneiro que pusera em seu prato.

— É mesmo. — Raynauld sorria. — Quem sabe con­seguiremos fazer a travessia antes que a chuva caia...

— Vamos conseguir — Adam garantiu.

— Como chegaremos até a ilha?

— De barco, milady. A travessia leva apenas um quarto de hora, ou um pouco mais.

Cristiane sacudiu de leve a cabeça.

— Já viajou pelo mar, milady? — Raynauld quis saber.

— Nunca.

— É uma travessia fácil e rápida, lady Cristiane.

— Não precisa ter medo.

— Está bem, sir Elwin. Não estou com medo.

— Diga-me isso quando estiver branca como um fan­tasma... — Elwin brincou.

Cristiane ruborizou.

— Vocês mandaram um menino embarcar os cavalos, Elwin?

— Sim, milorde. Tudo estará pronto quando chegarmos à embarcação.

— E os remadores?

— Também já estão lá.

Cristiane comeu pouco, mas Adam achou que era me­lhor assim. Não sabia se ela ia enjoar com o balanço do barco e, se isso acontecesse, era melhor que estivesse de estômago vazio.

O caminho até o embarcadouro era curto, e Cristiane segurou suas saias para que o vento forte não as erguesse. Com uma das mãos, fazia o mesmo com a cabeleira.

Adam se esforçou para não olhá-la.

Os cavalos e a mula tinham sido transportados em outra embarcação e já deviam estar na ilha. Assim, Adam e seu grupo podiam utilizar uma menor e mais rápida.

A ventania ficou mais forte, e oito remadores se es­forçaram para mover a embarcação. Sir Elwin e Raynauld uniram suas forças à deles, também. Não içaram a vela, porque o vento ficava mais forte a cada momento. De qualquer maneira, se continuasse ventando assim, con­seguiriam alcançar mais depressa a ilha.

Pela primeira vez em dias, Adam sentiu-se leve e satisfeito. Logo estaria em casa. A promessa que fizera à mãe de Cristiane estava quase que toda cumprida, e ago­ra podia se dedicar mais a seu condado.

Os homens remavam contra as ondas violentas, e a ilha parecia ficar mais próxima a cada momento. Adam se ergueu ao lado do mestre do barco, saboreando a fe­rocidade dos elementos naturais, que lhe tirava a respi­ração e arrepiava seus cabelos.

— A jovem que milorde trouxe consigo é uma escocesa, não é?

   Adam não respondeu de imediato, mas o homem que fizera a pergunta era de sua confiança e trabalhava com ele fazia muitos anos.

— Sim, é.

— O senhor acha que o povo daqui vai recebê-la bem, milorde?

— Isso não importa. A lady é minha convidada e ficará no castelo durante sua visita.

O mestre se afastou dando ordens para os remadores, e Adam virou-se para ver onde   Cristiane estava, certo de que deveria estar agarrada em algum mastro e es­verdeada pelo balanço do navio.

Antes de ir, viu que gaivotas aproveitavam a ventania para mergulhar na água e pegar seus peixes. Ficou olhan­do para os pássaros por um longo tempo, depois decidiu ir procurar Cristiane. Preparou-se para o pior. Mas isso. não era o que estava acontecendo!   Cristiane observava duas gaivotas pescando. Ria feliz da dança dos pássaros, e não estava nem pálida nem enjoada.

O vento agitava sua roupa, e ela a mantinha presa para que não se levantasse, descobrindo o seu corpo.

— O mar está agitado, lady Cristiane.

— Ah, sim, milorde...

— Melhor sentar-se, milady — o mestre gritou. — Não quero que aconteçam acidentes aqui.

Cristiane obedeceu, sentando-se em um dos bancos. Adam sentou-se a seu lado, perturbado agora com seu compor­tamento. Nunca antes vira uma mulher se sentir tão à vontade em meio aos fenômenos da Natureza.

— Isso tudo é tão lindo, milorde!

— Está falando da tempestade?

— Sim. E das gaivotas que acabei de ver. — Cristiane riu mais. — Nunca tinha visto gaivotas tão grandes. Devem ser os senhores do céu, mergulhando em busca de comida e roubando as presas dos pássaros menores.

Adam ficou se perguntando como aquela garota podia estar contente e sorrindo, sem tomar consciência do pe­rigo que corria. A tempestade podia cair a qualquer mo­mento e, se fosse forte, talvez virasse o barco.

Tinha de ficar de olho nela enquanto estivesse em Bitterlee. Só assim teria certeza de que Cristiane não cor­reria nenhum risco.

 

O vilarejo de Bitterlee começava bem ao sul da ilha, perto da entrada do porto.

A família de Adam sempre fora muito popular, porque conseguira tornar Bitterlee um lugar bastante próspero e bem administrado.

   O povo ficara mais devotado ainda a seu lorde, quando Adam voltara da Escócia, dois anos antes, como um herói ferido, só para descobrir que sua jovem esposa falecera.

Todos passaram a se preocupar com a pequena lady Margaret, querendo ajudar em tudo o que fosse possível. As preces e as indulgências se multiplicaram em favor do conde de Bitterlee e de sua pobre filha, que agora estava sem mãe. Ninguém duvidava de que os escoceses é que eram responsáveis por todas essas tragédias.

Cristiane apaixonou-se pela ilha no momento em que o navio ancorou. Lembrou-se de St. Oln, mas Bitterlee era muito mais bonito.

A cidade que se espalhava em torno do porto era en­cantadora, com chalés bem construídos e estradas cru­zando as colinas. Barcos se enfileiravam, todos bem amar­rados para que o vento não viesse a destruí-los.

Mas foram os rochedos que prenderam a atenção de Cristiane. Mesmo com aquele tempo escuro, podia ver suas rochas negras envoltas em neblina. O castelo era imponente e tinha as paredes brancas e inúmeras torres. Ela prendeu a respiração, com a beleza da construção. O local era magnífico.

O povo viera ao encontro do conde de Bitterlee e de seus cavaleiros. As crianças com seus cachorros corriam para cima e para baixo das docas, enquanto homens e mulheres acenavam, muito alegres, para Adam.

Cristiane hesitou em descer da embarcação, temerosa de passar por aquela multidão. Esperou que Raynauld e Elwin estivessem prontos para desqmbarcar e os seguiu a milímetros de distância.

Claro que os ilhéus iriam logo saber que ela era es­cocesa e seriam hostis, como os aldeãos que encontrara na estalagem de onde acabara de sair.

Cruzou os braços, para se aquecer um pouco. Sabia que não estava tremendo de frio, mas sim porque teria de enfrentar novas dificuldades. Já deveria estar acos­tumada a isso, porque não fizera outra coisa desde que seu pai morrera.

Conseguiria sobreviver a qualquer dificuldade que apa­recesse em seu caminho.

Depois, não ia se demorar muito ali na ilha de Bitter­lee. Talvez uma semana ou um pouco mais. Logo estaria tomando um outro navio e começando uma jornada que a levaria para uma nova terra, a de York. Mas prometeu a si mesma que, antes de partir, iria explorar todos os picos dos rochedos,em busca de ninhos de aves.

Avistou Adam no meio de uma multidão, andando em direção a um abrigo onde estavam os cavalos e a mula. Parecia ter se esquecido dela.

Cristiane se alarmou, em seguida percebeu que estava sendo ridícula. Adam não a abandonaria, mesmo que sua gente caçoasse dela.

— Venha, milady — Elwin a chamou. — Melhor che­garmos em casa antes que as nuvens virem uma tem­pestade.

Cristiane teve de correr para acompanhá-los. Conse­guiu ver Adam um pouco à frente, ainda falando com seu povo. Gostaria que ele lhe desse tanta atenção assim. Era um pensamento absurdo. Afinal, como o conde ia pensar em outra mulher que não fosse sua esposa?

— Como vamos subir até o castelo, sir Raynauld? Há todas aquelas rochas...

— Há um bom caminho que não dá para ver daqui, milady. Iremos a cavalo.

— Não seria melhor ficarmos na vila esperando a chuva parar?

Elwin e Raynauld trocaram um olhar estranho.

— Não — Raynauld, por fim, respondeu.

— Mas temos de ir depressa. — Elwin pegou-a pelo braço e a fez andar.

A multidão ia abrindo caminho para deixar passar os cavaleiros e, de repente, ao perceberem a presença de Cris­tiane, emudeceram, como havia acontecido na taverna.

Cristiane desejou ter um manto para cobrir sua cabe­leira ruiva, que a identificavam logo como escocesa.

Ouviu vozes irritadas a seu redor. Alguns a xingavam, deixando Cristiane entristecida.   Podia ter sangue escocês nas veias, mas não era responsável pelas mortes dos aldeãos, nem pelos ferimentos do conde. Ela própria era mais uma das vítimas da guerra.

Nunca pegara uma arma, nem ferira ninguém. Vira quando os soldados de St. Oln partiram para a luta. Outros haviam ficado na vila e morrido em suas próprias casas, como seu pai.

De repente, sentiu que haviam atirado algo nela. Ou­tros a empurraram, e ela caiu ao chão.

— Parem já com isso! — Adam nunca estivera tão furioso em sua vida.

Jamais vira sua gente se comportando com tanta cruel­dade com uma pessoa indefesa. Iriam machucá-la de ver­dade, se não agisse rápido.

Empurrando a multidão, chegou até onde estavam seus homens e ajudou Cristiane a se levantar. Bastara olhar para aqueles cabelos vermelhos para que o povo desco­brisse sua origem. Não tinham como saber que ela era filha de uma lady inglesa e filha de um chefe de clã.

Devia ter lhe arranjado roupas melhores. Se a vissem como uma lady, não se atreveriam a tratá-la mal, mesmo sabendo que era escocesa.

Adam pegou a mão dela e a colocou em seu braço.

— Lady Cristiane é minha hóspede em Bitterlee. Ela tem sangue escocês, porém sofreu na guerra tanto quanto vocês.

A agressão cessou, mas a hostilidade, não. Raynauld e Elwin aproximaram-se para auxiliar na proteção de lady Cristiane.

O vento aumentou de intensidade, o que tornava mais difícil a subida até o castelo. Se não estivesse com Cristiane, Adam teria ficado lá embaixo, mas não ia se arriscar.

Olhou o firmamento mais uma vez e achou que talvez conseguissem chegar lá em cima ainda antes de a chuva começar. Tinham de se apressar.

O caminho era muito perigoso, e Adam não podia dei­xar que Cristiane subisse montada na mula. Assim, pe­gou-a nos braços e a colocou em seu próprio cavalo, como tinha feito quando partiram de St. Oln.

— É melhor fechar os olhos, enquanto subimos, milady — Elwin sugeriu, logo atrás.

— E deixar de apreciar essa vista maravilhosa, sir? Não perderei isso por nada no mundo.

Adam escutou o riso de sir Elwin, mas tinha certeza de que Cristiane não estaria tão encantada com a ilha se estivessem no inverno ou houvesse passado mais tem­po naquele lugar isolado. Existia até a lenda de que a esposa de um antigo senhor da ilha se envenenara porque não quisera continuar vivendo em Bitterlee.

Rosamund fizera o mesmo. Preferira a morte a viver ao lado dele.

Quem podia garantir que Cristiane MacDhiubh seria tão diferente dessas mulheres?

Adam não podia ficar pensando nela. Precisava manter-se atento ao caminho para evitar que o cavalo desse um passo errado.

O castelo era uma fortaleza formidável, dominando a área do alto do rochedo. Era mais imponente ainda do que parecera do porto. Cristiane ergueu bem a cabeça para poder ver as torres que apontavam para o alto.

Ouviu vozes do outro lado do portão, que eram abertos para deixá-los entrar. Adam cavalgou até uma escadaria de pedra que levava até a porta principal.

Empregados surgiram de todos os lados, pegando as rédeas dos cavalos e ajudando a apanhar os pacotes. Adam desmontou e fez Cristiane descer, guiando-a até a escadaria.

Logo entravam em um salão enorme, onde criados acendiam as velas dos candelabros para iluminar o cô­modo. Cristiane nunca tinha visto nenhum outro tão grande assim.

Em um dos cantos, crepitava um fogo, ao lado de duas cadeiras estofadas. Seria ali que o conde e sua esposa deviam ficar conversando à noite.

Dois cães enormes estavam sentados junto ao fogo e se levantaram logo, sacudindo alegres a cauda, e que­rendo dar as boas-vindas ao dono, que não viam fazia bastante tempo.

Os cachorros também rodearam Cristiane cheios de curiosidade, e ela, sem nenhum medo, esticou a mão para lhes fazer agrados.

— Eles são mansos — Adam disse. — Se fossem bravos, não os manteria aqui, com Margaret por perto.

— Entendo. — Cristiane nunca conhecera ninguém tão preocupado com a esposa.

Mesmo seu pai, que adorava sua mãe, não era dado a tamanha devoção. Disfarçou seus pensamentos, brin­cando com os cachorros.

Um criado entrou na sala trazendo a sacola de viagem de Adam e o pequeno pacote de Cristiane.

— Já preparamos um quarto para milady, senhor. Fica na torre leste. Quer me acompanhar agora, milady?

O empregado estava sendo gentil, mas Cristiane per­cebeu que não parecia muito satisfeito com sua presença ali. Cristiane e Adam seguiram-no.

— Onde está lady Margaret, Stephan?

— No quarto de crianças, milorde. Com Mathilde. Cristiane fixou o olhar no assoalho, estupefata com a reação que sentira ao escutar aquelas palavras. Ele tinha uma esposa e uma filha! Arrependeu-se dos pensamentos ousados que tivera em relação ao conde, ao mesmo tempo que experimentava uma pontada no coração.

A chuva escolheu aquele momento para desabar, e tro­vões ressoaram muito perto de onde eles estavam. Se houvesse janelas naquele corredor, teriam visto as faíscas dos relâmpagos.

Passaram por uma galeria e chegaram até uma escada em espiral, que levava a uma torre circular. Stephan carregava um lampião, e Adam, um outro; assim, havia uma certa claridade, mesmo que fraca.

Não era estranho que lady Margaret não tivesse ido recebê-los na entrada. O castelo era imenso. Algum criado devia ter ido avisá-la da chegada do conde.

Melhor assim. Quanto mais demorasse para conhecer lady Margaret, melhor seria. Cristiane precisava de al­gum tempo para colocar a cabeça em ordem e controlar seus sentimentos.

Gostaria de estar usando uma roupa menos esfarra­pada quando fosse apresentada à esposa de Adam.

Passaram por uma porta no alto da escada e cami­nharam por um outro corredor também escuro, cheio de portas fechadas em cada lado. Cristiane não tinha certeza de que conseguiria andar por ali sozinha, sem se perder.

— Venha por aqui, milady — Stephan disse, quando chegaram diante de um aposento.

Cristiane mordeu o lábio e o seguiu.

O quarto estava escuro, apesar de ter duas janelas. Enquanto Stephan colocava o lampião sobre uma mesi­nha, Cristiane correu até uma das janelas e a abriu. Deu risada quando a chuva molhou seu rosto, e só fechou a janela porque tanto o empregado como   Adam gritaram ao mesmo tempo.

— Que bom que conseguimos chegar antes da borrasca, milorde! — Cristiane sempre adorara as tempestades, mesmo as que vinham com trovões e relâmpagos.

— De fato, conseguimos escapar da chuva, milady. — Adam esperou que o criado saísse antes de continuar: — Tem habilidade com uma agulha?

— Alguma, milorde.

— Sei que minha esposa deixou alguns bons vestidos. Se eu os encontrar, seria capaz de costurá-los, caso pre­cisem de ajustes?

Um trovão ressoou, e Cristiane não podia garantir ter escutado direito.

— Quer que eu costure, milorde?

— Você vai precisar de outros trajes, antes de partir para York. Há uma mulher na vila que pode ajudá-la com a costura.

— Mas, sir... A condessa pode querer ainda ficar com esses vestidos.

Com a pouca iluminação reinante, Cristiane não podia saber ao certo, mas lhe pareceu que Adam ficara per­turbado.

— Lady Sutton já está morta faz dois anos, lady Cris­tiane. Portanto, não precisará mais de coisas terrenas. — Ele deu-lhe as costas e se foi.

 

Cristiane censurou-se por ter ficado conten­de ao escutar o que Adam acabara de di­zer. A esposa dele havia morrido, e ela não podia se alegrar com isso.

Envergonhada, decidiu afastar seus pensamentos com relação ao conde de Bitterlee.

O quarto onde passaria os próximos dias era melhor do que o que tinha em St. Oln.   Havia uma cama enorme no meio do cômodo, uma arca vazia ao pé da cama e, sobre uma mesinha, uma vela que ela se apressou em acender. Sentou-se em uma cadeira ao lado do fogo e ficou imaginando quem seria lady Margaret.

Adam passou pela porta de seu quarto, mas não entrou. Decidiu ir ver a filha primeiro.

Precisava parar de pensar em Cristiane. Passara mais tempo ao lado dela do que pretendia.

Apertou as mãos com nervosismo. Havia pouco a tivera quase em seus braços, ao subirem a rampa que levava ao castelo, protegendo-a com seu próprio corpo.

Não tornaria a tocá-la. Tinha de reconhecer que era vul­nerável àqueles olhos tão azuis e a suas curvas tentadoras.

Margaret precisava de sua atenção, assim como Bit­terlee, e ele ia se dedicar à filha e a seu condado.

Abriu a porta do quarto da menina e a encontrou ajoe­lhada no chão diante de um crucifixo pendurado na parede. Tinha os olhos fechados, e os lábios se moviam em uma prece. Seus lindos cabelos loiros estavam cobertos por uma touca muito severa, que cobria também as ore­lhas e o pescoço.

Parecia idêntica a sua ama, que também se encontrava ajoelhada a seu lado, rezando.   Adam lembrou-se de que Rosamund fazia a mesma coisa, sempre imersa em suas orações.

— Milorde! — Mathilde notara a presença de Adam. Margaret não disse nada, apenas ergueu a cabeça e fitou o pai com timidez.

Adam se aproximou dela com um certo receio, A filha sempre lhe parecera tão frágil, tão delicada... Era como a mãe, que ele nem a tocava com medo de machucá-la.

Mathilde vivia falando de como Margaret era fraquinha e proibindo que ela fizesse as coisas que as outras crianças da mesma idade faziam. Fazia algum tempo que o conde se perguntava se Mathilde era mesmo a melhor pessoa para cuidar da menina.

Margaret ainda não superara a morte da mãe, e não parava de rezar por sua alma.   Adam não a ouvira dizer uma única palavra desde que voltara de Falkirk. Era normal que uma criança sofresse ao perder a mãe, mas aos poucos esse sofrimento era superado. Isso não estava acontecendo com Margaret. Até quando manteria aquele estado de melancolia?

— Margaret está bem, Mathilde?

— Está, sim, milorde. Sempre fervorosa e obediente. Adam percebeu que Margaret baixara o rosto e voltara a rezar.

A chuva continuava a bater forte nas janelas do quarto de Cristiane. Resolveu mexer em suas coisas e abriu o pequeno saco que trouxera de St. Oln. Dele tirou os dois livros, seus bens mais valiosos. Na realidade, além dos livros, tinha apenas algumas conchas e pedrinhas que encontrara em seus passeios pela praia e pelos rochedos. Com cuidado, para não estragar os volumes, guardou suas preciosidades na arca ao pé do leito. Pegou o pente e começou a desembaraçar a cabeleira. Depois disso, ficou sentada esperando que alguém viesse procurá-la.

Esperava que algum criado lhe trouxesse uma bacia com água. Pelo menos, alguém iria lhe mostrar onde en­contraria o que precisava para se lavar.

Uma hora se passou e ninguém apareceu. Cristiane se ergueu e começou a andar de um lado para o outro. Enfim, chegou até a janela e a abriu, apesar do aguaceiro que continuava a cair.

Quantas vezes se escondera na caverna durante uma tempestade e nunca sentira medo algum? Adorava as demonstrações de poder da natureza. Não havia nada de que gostasse mais do que sentir a chuva molhar seu corpo, ouvir o vento batendo nos rochedos ou admirar as ondas chegando às praias.

Sempre soubera que as tempestades podiam ser peri­gosas, assim refugiava-se na caverna, quando seu desejo era brincar no meio da água.

Agora, estava ficando impaciente demais e também com fome, mas não tinha escolha senão permanecer bem quieta nos aposentos. Para começar, jamais saberia achar uma saída em meio àqueles corredores todos e acertar as escadarias que a levariam até o grande salão por onde passara. Evidente que a excitação com a volta do conde fizera com que todos se esquecessem dela. Talvez devesse se arranjar por conta própria.

Pegou um lampião e iluminou o corredor. Ao fundo, avistou uma escada e começou a descê-la. Deu em um outro corredor e em nova escada.

De repente, ouviu vozes e parou. De onde estava, viu dois empregados estendendo uma enorme toalha branca na mesa, enquanto outros iam colocando a prataria ao lado de pratos e copos.

Viu Adam sentado junto ao fogo, perto de uma criança. Não havia nenhum dos cachorros por perto.

Sir Raynauld se achava de pé ao lado de uma mulher que usava uma roupa escura demais. O tecido do traje era pesado e devia ser muito desconfortável.

A criança usava uma roupa parecida, também escura e pesada. Mantinha os olhos baixos, enquanto o pai con­versava com ela, sem responder a nada do que ele lhe perguntava.

Cristiane ouviu uma voz forte atrás de si e quase per­deu o equilíbrio. Não percebera que alguém chegara a seu lado.

— Minha sobrinha nunca fala. Não espere que ela fale com você, porque nenhuma das pessoas desta família gosta de escoceses.

Cristiane encarou, surpresa, a figura que se mantinha em um lugar com pouca iluminação. Mal lhe via o rosto, mas o brilho de seus olhos deixava bem claro que não estava sendo nada amigável. Os cabelos eram longos, e ele usava uma barba grisalha bem comprida.

— Vamos nos reunir aos demais?

— Claro, sir — Cristiane respondeu, baixinho.

— Lady Cristiane! — Raynauld acenou, quando a viu. — Sir Gerard!

Adam levantou-se e observou Cristiane entrando na sala ao lado de seu tio. Usava ainda o mesmo vestido rasgado e amarrotado, agora cheio de poeira. Pelo menos, tinha se penteado.

O conde dera ordens para os criados providenciarem tudo aquilo que lady Cristiane precisava para se sentir melhor, mas estava claro que ninguém de Bitterlee fora hospitaleiro com ela.

— Mathilde, ache Sibilla e traga-a até aqui — disse, sem esconder sua irritação.

Em geral era Charles Penyngton quem lidava com a criadagem, mas estava agora doente e acamado.

Adam já fizera uma visita para seu secretário. Preocu­pava-se com seu estado de saúde e pretendia chamar um médico o mais rápido possível para cuidar de Penyngton.

— Vejo que já conhece meu tio, sir Gerard Sutton... — Adam ajudou Cristiane a se acomodar em uma das cadeiras.

— Bem, podemos dizer que sim, milorde.

Adam percebeu que estava um pouco nervosa, e com razão. Enfiaram-na em um quarto em meio a uma tem­pestade, e ninguém lhe fora levar água para se lavar. Apostava que nem haviam se interessado em saber se a hóspede sentia sede ou não.

Mandara que Sibilla lhe levasse roupas limpas, mas parecia que também essa sua ordem fora desobedecida.

Teve raiva de seus criados, que deram uma olhada em Cristiane, avaliando-a por seus trajes maltrapilhos, sem saber que ela era nobre.

— O senhor me chamou, milorde? — Uma mulher baixa, com um avental branco, aproximou-se de Adam.

— Parece que houve um mal-entendido, Sibilla. Pelo que noto, os empregados estavam muito ocupados para poder obedecer às ordens que dei de atenderem às ne­cessidades de lady Cristiane.

Sibilla mexeu os pés tensa. Ela era a chefe dos criados, e devia coordenar o trabalho deles.

Adam queria que ficasse bem claro que todos deveriam respeitar Cristiane, qualquer que fosse seu país de ori­gem. Não os puniria dessa vez, mas, se voltassem a de­sobedecê-lo, não ia ser tão compreensivo.

— Desculpe-me, senhor. Vou cuidar disso agora mes­mo. — E Sibilla deixou a sala.

Adam voltou sua atenção para Cristiane, que conver­sava com sir Raynauld. Gerard continuava de pé, perto do fogo, bastante taciturno e com ar de poucos amigos. Apenas observava o que acontecia, mas não parecia dis­posto a participar da conversa.

Adam ficou espantado quando se voltou para Margaret e a viu olhando para Cristiane com grande interesse. Nunca a vira arregalar os olhos daquele modo, atraída pelo que quer que fosse.

E tinha sido Cristiane MacDhiubh a responsável por isso.

Engoliu em seco e acariciou a cabeça da filha, Incli­nou-se para ficar mais perto dela e, assim, roçou o joelho de Cristiane.

— Margaret, esta é lady Cristiane. Milady, Margaret é minha filha,

— Estou muito feliz em conhecê-la, pequena Margaret. — Cristiane estendeu a mão para a menina. — Estou aqui graças à gentileza de seu pai.

Um estranho brilho apareceu nas pupilas de Margaret, mas baixou a cabeça sem nada dizer.

— Seu pai viajou até minha vila, lá na Escócia, e me trouxe até Bitterlee. Mas agora ele é todo seu de novo, ouviu?

Cristiane se esforçava para falar como uma lady in­glesa, sem pronunciar as palavras do jeito escocês.

Adam observou que ela acariciava a mãozinha de Mar­garet. Não dava mostras de estar ofendida com o silêncio da garota, ou aborrecida com o desprezo dos empregados.

Sir Raynauld avisou que a refeição ia ser servida.

— Vamos nos sentar à mesa, lady Cristiane? — Adam ofereceu-lhe a mão. — Elwin virá jantar conosco, Raynauld?

— Não, milorde. A esposa dele... pediu sua presença agora e...

Adam fez um gesto, querendo dizer que entendera. Não conseguia deixar de se espantar, quando ouvia falar de esposas ardentes que ficavam ansiosas por reencon­trarem seus maridos. Nunca lhe havia acontecido isso. Não via nada de errado na atitude da mulher de seu cavaleiro, e desejou que, um dia, também pudesse ter uma com­panheira tão apaixonada.

Mathilde segurou a mão de Margaret e ia levá-la para fora da sala, mas Adam a chamou:

— Espere, Mathilde. Vou querer que minha filha jante conosco.

Embora tentasse esconder sua desaprovação, era evidente que a ama não achava adequado que uma criança jantasse com adultos.

Adam perguntou a si mesmo se ela estaria certa. Era costume, que os pequenos não se reunissem aos pais du­rante as refeições, ficando com suas governantas. Não cabia a eles tomar conta dos filhos, e esse serviço era desempenhado por empregados de confiança.

Podia estar errado, mas tinha de fazer algo para que Margaret voltasse a se animar.Lembrava-se de como brincava com a mãe e vivia fazendo perguntas o tempo todo.Mesmo que Rosamund não lhe desse atenção, pas­sando o dia inteiro deitada na cama,Margaret se mos­trava contente, porque só queria ficar a seu lado. Ma­thilde sempre estava junto delas também, atenta à me­nina e a Rosamund, enquanto bordava.

Dois anos haviam se passado, e Margaret se compor­tava de maneira estranha. Era silenciosa demais, quando antes falava sem parar. A pele se tornara transparente, e parecia não estar crescendo como devia.

O conde não tinha idéia do que ia fazer. Estava quase sem esperanças de conseguir resgatar a menina daquela tristeza. Talvez o jeito fosse arranjar uma nova mãe para ela, visto que tentara de tudo antes.

Procurara fazê-la comer mais, sem sucesso. Arranjara um professor de música para descobrir que Margaret não tinha interesse por instrumento algum. O mesmo em relação à costura e aos bordados.

Adam olhou para Cristiane. Seu perfil era perfeito, e as orelhas, pequenas e bem-feitas.Ela também passara por uma terrível tragédia. Como conseguira superá-la? Será que não poderia sugerir alguma coisa que tirasse Margaret daquele estado?

Os pratos começaram a ser servidos, mas todos se man­tinham calados. Cristiane sabia que não era bem-vinda ali, apesar de Raynauld e Adam se esforçarem em dis­farçar esse fato. Começaram a conversar, como se fosse muito normal estarem ali ao lado da filha de um inimigo.

— Quando a chuva parar, você deve visitar os jardins de Bitterlee, milady. — Raynauld era um cavaleiro loiro, jovem e muito bonito, e que não demoraria em arranjar uma bela esposa. — É o lugar onde as mulheres preferem passear.

— Ah, vou gostar de conhecê-los! Mas diga-me, sir Raynauld, como posso ir até a costa do mar?

— À costa do mar?

— Sim. Há mar nos rodeando de todos os lados, não é?

— Está certa, lady Cristiane. — Adam resolveu entrar na conversa. — Porém, é muito perigoso andar pelos pe­nhascos. Temos apenas alguns quilometros de praia, e o resto são rochedos.

— Compreendo... — ela murmurou, sem procurar es­conder seu desapontamento.

Cristiane suspirou e ficou pensando em quando poderia pedir licença e se retirar para seus aposentos. Nunca se sentira tão só, mesmo tendo tantas pessoas a seu lado. Queria escapar dali.

— Há muitos locais bonitos em Bitterlee que gostaria de lhe mostrar. — Logo Adam ficou assustado com o que disse.

— Obrigada, milorde. — Cristiane sabia que o conde não pretendia fazer esse convite, e já deveria estar ar­rependido. — Não será necessário, porém. Esteve muito tempo fora daqui, e deve ter muito o que fazer.

— Nada disso, lady Cristiane. Faço o que quero com meu tempo.

Cristiane não discutiu. Olhando para Margaret naque­le momento, viu que a menina parecia bastante interes­sada no que falavam.

— Lady Margaret, certamente, iria nos acompanhar nesses passeios, não?!

Adam hesitou um instante, depois sorriu.

— Sim, talvez ela vá conosco.

 

Cristiane foi despertada durante a noite por relâmpagos. Trovões ressoavam com tan­ta violência que ela imaginou que a ilha estivesse se partindo em duas. Alarmada com a força da borrasca, jogou de lado seu cobertor e vestiu uma roupa que aparecera misteriosamente em seu quarto, junto com uma bacia com água.

De repente, ouviu um barulho estranho e correu para o corredor, querendo descobrir o que era.

Outra porta foi aberta, e Adam saiu de seu quarto, segurando um lampião. Mesmo com a pouca claridade, Cristiane pôde ver que ele ainda não se trocara para dormir. Seguiu-o em silêncio, quando o conde tomou a direção oposta,

Adam abriu a porta de um outro cômodo e entrou. Descalça, Cristiane parou diante dessa porta que ficara entreaberta e pôde ver Adam se aproximando da filha, aterrorizada no meio do colchão. Margaret não falava nada, mas seus olhos estavam cheios de pavor, e sua boca tremia.

Quando um outro trovão ressoou, Margaret jogou-se nos braços do pai.

Adam a segurou com carinho e a embalou, falando baixinho, para acalmá-la. Cristiane olhou em volta à pro­cura da ama, mas ela não estava por perto. Para Mar­garet, era melhor ter o pai consigo, em um momento como aquele. A ama sisuda tinha jeito de não tolerar fraquezas, e ia mandar a menina rezar para pagar seus pecados.

Emocionou-se ao ver Adam abraçando a filha. Lem­brou-se dos tempos em que seu pai também a confortava, quando ela era ainda pequena. Esses momentos jamais voltariam.

Como Adam não estava precisando de ajuda alguma, decidiu voltar para o quarto.

Já na cama, ficou rolando de um lado para o outro, e se passaria um longo tempo antes que conseguisse voltar a adormecer.

Ao amanhecer, a chuva parou de bater contra a vidraça do quarto de Cristiane. Foi justo o silêncio repentino que a acordou. Desejou que Margaret tivesse conseguido tam­bém dormir e permitir que o pai descansasse.

Percebeu que dormira com o traje que tinha vestido às pressas durante a noite.  Levantou-se e correu até a janela, abrindo-a.

Ainda estava escuro para poder enxergar muito da ilha, mas Cristiane tinha a impressão de que seu quarto dava para o mar. Conseguia ouvir o som das ondas e sentir um ar salgado.

Esticou-se e respirou bem fundo. Havia uma mistura de cheiro de terra molhada com odores marítimos. Pelo som, sabia que as ondas deviam estar violentas e teve vontade de poder ver tudo isso, e era o que ia acontecer, logo que ficasse mais claro.

Deixou a janela aberta, pegou o lampião e saiu. Pisando bem de leve para não incomodar ninguém, foi até o fim do corredor, onde havia uma escada, e começou a subi-la.

O castelo era enorme. Tinha muitas torres e outras tantas escadarias e passagens estranhas. Cristiane não sabia aonde aqueles degraus iriam levá-la, mas pelo que conversara na véspera achava que era possível se alcan­çar o topo, de onde poderia avistar os rochedos.

Com isso em mente, continuou a subir.

Quando a tempestade amenizou, Margaret dormiu nos braços de Adam. Só então ele voltou aos aposentos, porém não conciliou o sono. O peso de suas responsabilidades era muito grande.

Desistiu de tentar repousar e decidiu ir até o parapeito de onde sua esposa pulara, acabando com sua vida.

Lá no alto da torre, a atmosfera estava clara e limpa. Adam apagou a vela que trouxera e foi até o paredão. Não se preocupara em se vestir, apenas colocara a calça e uma túnica, mas achou gostoso o friozinho que fazia.

Olhou para a escuridão à frente e ficou imaginando como a vida em Bitterlee deveria ter sido terrível para que Rosamund se jogasse do alto do paredão. Adam ado­rava a ilha.Conhecia cada rocha, cada planta, cada ria­cho. Gostava até da solidão reinante.

Entendia que nem todos eram como ele. A solidão fora umas das maiores dificuldades que Rosamund enfrenta­ra, e o conde se esforçara em trazer convidados para distraí-la. Pelo visto, nada disso adiantara. Devia tê-la mandado em visitas mais frequentes aos pais, sobretudo quando fora lutar na Escócia.

Por que não entendera o quanto era importante para ela viver rodeada de amigos? Pensara que se entusias­maria por ter um marido e uma filha para cuidar, mas isso não acontecera.

Fora um tolo, incapaz de manter a esposa feliz. Se viesse a se casar de novo, tudo seria diferente. Manteria sua mulher rodeada de conhecidos, se esse fosse o desejo dela.

Sem querer, a imagem de Cristiane MacDhiubh lhe veio à memória. Será que ela faria amizades em York com mais facilidade do que em Bitterlee. Não bastava ser sobrinha do conde de Learick para que ser aceita na corte inglesa. Também lá iriam vê-la como escocesa e, quem sabe, a hostilizariam do mesmo modo.

No entanto, para ser honesto consigo mesmo, tinha de reconhecer que Cristiane não se assustava fácil. Era escocesa, o que estava lhe criando tantos problemas ali no lado inglês, porém não negava sua origem. Também se mantivera firme diante do povo de St. Oln, que a odiava por ser inglesa por parte de mãe.

Uma força interior a mantinha forte mesmo diante das circunstâncias mais complicadas. Isso a fazia mais atraente ainda do que qualquer outra mulher que conhecia.

Evidente que não era esse o único de seus atrativos. Adam sempre se excitava ao pensar em seu corpo. Os olhos expressivos, o pescoço gracioso, os seios com os ma­milos cor-de-rosa, os quadris sensuais... tudo tinha o po­der de perturbá-lo.

Passou a mão pelos cabelos despenteados como se o gesto pudesse afastar suas conjecturas. Já conseguia ou­vir o canto dos pássaros, e sabia que o sol não demoraria em despontar. Tinha muitos assuntos para resolver na­quele dia e precisava se concentrar neles, não em Cris­tiane MacDhiubh.

— Oh, milorde!

Adam se virou, surpreso, e viu lady Cristiane apare­cendo no topo das escadas com uma vela na mão. Não devia ter pensado que ele estaria ali também.

— Bom dia, milady.

Não conseguia visualizá-la muito bem, porque a luz de fora atrapalhava, mas percebeu que Cristiane olhava-o com apreciação.

— E ainda muito cedo, milady.

— A quietude matinal me acordou, milorde.

O comentário era meio esquisito, mas de fato Cristiane tinha razão. Quando a chuva parou, também ele ficou inquieto com o silêncio repentino.

Virou-se e tornou a fitar o mar, desejando que a luz fosse mais forte para poder ver   Cristiane melhor. Estaria também sem sua vestimenta completa, assim como ele?

O efeito de tal questão foi imediato. Adam se irritou por não ter ido à tal taverna com mulheres fáceis, como chegara a cogitar no dia anterior.

— O sol... — Adam pigarreou. — O sol vai surgir logo. Cristiane se aproximou do parapeito ainda segurando vela.

— Está ouvindo as gaivotas? Estão prontas para mergulhar em busca de comida. — A voz dela era suave, como se estivesse falando com um amante.

Adam nunca iria se acostumar com seu jeito de falar. As palavras eram pronunciadas com uma nuance musi­cal, nem escocesa, nem inglesa.

— Temos focas, também, milady. Ficam na ilha ao lado.

— Não acredito! — Cristiane nem tentou esconder seu sotaque escocês, tão excitada estava com a perspectiva de ver um desses lindos animais. Sem notar, colocou a mão sobre o braço dele.

— Pois temos focas, sim. — Adam sentiu ao arrepio àquele toque. — Não é bem uma ilha o lugar, onde elas ficam, mas rochas que ficam separadas da costa. As focas parecem gostar deste nosso clima insuportável.

— Não é insuportável!

— Mas a tempestade da noite passada...

— Foi magnífica!

"Será que escutei direito?"

— Você está em Bitterlee há menos que um dia, milady. Como pode saber como é de fato este lugar?

— Bem, não posso. Todavia, é uma ilha tão linda... Oh, Adam, olhe!

Os primeiros raios de sol brilhavam na água. Em mi­nutos, o céu se tornou rosa, sombreando o mar de ver­melho e dourado.

— É de tirar o fôlego! — Cristiane suspirou, extasiada.

Adam não se lembrava de ter visto nada tão maravi­lhoso como Cristiane MacDhiubh assistindo pela primei­ra vez ao nascer do sol em Bitterlee. Suas íris brilhavam, os lábios estavam úmidos. Tudo nela era encantador.

Cristiane se virou, e seus corpos ficaram próximos de­mais. Adam sentiu que suas palmas umedeceram, e seu coração começou a bater mais forte.

A luminosidade aumentara, e ele pôde ver que ela vestia o traje que haviam colocado em seu quarto. Mesmo assim, suas formas apareciam, não importava que esti­vessem cobertas. Nunca poderia se esquecer de como a vira, naquela manhã na estalagem, quando o fogo ilu­minara suas formas despidas.

Bastaria estender a mão para puxá-la ainda mais perto e beijá-la.

Precisava tê-la em seus braços! Suas entranhas exi­giam isso...

Mas Adam sabia que não podia. Cristiane estava sobre sua proteção.

— Há um caminho que leve à praia, milorde?

— Não há nenhuma praia — Adam retrucou com as­pereza. Apertou os punhos com força e deu um passo para trás, querendo se afastar dela. — Não aqui perto do castelo. E não há caminho para a água, também.

— Mas...

— Só temos rochas e pássaros lá.

Ele mentia. Era possível passar pelos rochedos e che­gar até a água do mar. Tentara convencer Rosamund a acompanhá-lo até lá, quando eram recém-casados, mas ela não mostrara o mínimo interesse em chegar até as águas. Também desprezara o lago esplêndido que ficava sob uma cachoeira.

— Tenho certeza de que vai gostar de nossos jardins — completou, arrependido por ter sido tão brusco. Não era fácil descer pelos rochedos até a areia, e não queria que ela se arriscasse, ainda mais quando estivesse sozi­nha. — Nasceram muitas flores, e temos também um lago.

O nascer do dia se tornara agora mais dourado, e Cris­tiane tomou consciência de como estava trajada de forma não muito apropriada. Sentira-se mais à vontade quando estava escuro, mas agora, sabendo que Adam a via com clareza, cobriu os seios com os braços.

Quando Cristiane passou a língua pelos lábios, cada fibra de Adam vibrou, e ele teve de se esforçar para olhar para o outro lado.

Cristiane parecia saber o efeito que provocava nele.

— Melhor eu voltar a meu quarto, milorde. Antes que eu...

Adam escutou seus pés descalços ressoando na esca­daria, e só quando ouviu a porta da escada ser fechada conseguiu voltar a respirar.

Cristiane não parou até que chegou a uma porta e começou a abri-la, até perceber, mortificada, que não era ali seu quarto. Rápido, encontrou a porta certa.

Sentia as faces quentes e passou as mãos sobre elas como se pudesse assim esfriá-lo. Resolveu que no futuro iria evitar esses encontros matinais com Adam Sutton, visto que serviam apenas para embaraçá-la.

Procurou a bacia e lavou o rosto, esfriando-o. Tomou também um copo d'água, antes de começar a se vestir.

Precisava partir da ilha o quanto antes.

Achou sobre a arca um vestido limpo, que deveria ter sido verde um bom tempo atrás. O tecido estava desbo­tado e desfiado em alguns pontos, mas o traje se achava em melhores condições do que a roupa com que viajara. Apressou-se a se compor e viu que lhe servia.

Procurou não ficar desapontada demais com aquele vestido e prometeu a si mesma que começaria a costurar logo que Adam lhe trouxesse alguns tecidos.

Sentou-se para calçar os sapatos e, mais uma vez, sen­tiu-se agradecida com o presente de Adam. Amarrou-os e saiu do quarto em busca do caminho para a sala. Não queria correr o risco de encontrar Adam naquele corredor.

Havia tantas passagens e portas que talvez tivesse a chance de sair sem ter de chegar ao salão. Queria en­contrar o caminho para fora do castelo e, seguindo seu instinto natural de direção, conseguiu chegar à porta principal sem deparar com ninguém.

— Milady?

Cristiane se assustou com a voz e o barulho de passos atrás de si. Era sir Edwin, parecendo descansado e feliz.

— O conde de Bitterlee mandou-me mostrar-lhe os lugares mais bonitos daqui.

— Obrigada, sir, mas isso não é necessário. Posso achá-los...

— Ah, mas o conde me deu ordens expressas de acom­panhá-la em seus passeios pelos jardins!

— Mas...

— Sem mas! — E o nobre a pegou por um braço. Iam visitar os jardins e todas suas gloriosas flores.

Adam esperava que a chuva da véspera tivesse deixado a água da cachoeira mais volumosa e também bem mais fria. Era do que precisava para atenuar seu calor, que não conseguia controlar desde o momento em que Cris­tiane MacDhiubh surgira em sua vida.

Os cachorros foram abrindo passagem, e Adam os se­guia, mancando um pouco. A trilha começava no lado norte do castelo em um aclive, depois penetrava na flo­resta. Logo ouvia o barulho da água batendo nas pedras, caindo de uma grande altura e enchendo uma lagoa, que se transformava em rio que corria para o mar.

Levou um momento para massagear a perna que doía, então parou diante do espetáculo a sua frente. O pa­raíso deveria se parecer com aquele recanto maravilhoso.

Os cães não permitiram que o conde descansasse por muito tempo. Estavam ansiosos por correr, e giravam em torno dele, seguiam adiante, depois voltavam, ani­mados. Logo desceram a rocha, sem se importar com o risco de escorregar.

Impacientes, Ren e Gray pularam na lagoa, sacudindo os pêlos molhados e espalhando água por toda parte. O barulho da cachoeira estava ensurdecedor aquela manhã. Adam gostou da neblina que o envolveu. Começou a despir-se, enquanto andava em direção à lagoa, e logo estava nu.

Entrou na superfície fria, sacudindo-se como os cães ha­viam feito, tirando, assim, toda a tensão que o perturbava.

Subiu em uma rocha e mergulhou. Ia ficar ali até que readquirisse o comando sobre sua mente e seu corpo e ser capaz de não ceder aos encantos de uma certa escocesa de cabelos ruivos.

Tinha de conseguir isso, mesmo que as partes mais importantes de sua anatomia congelassem e até caíssem.

 

Apesar de sir Elwin ter atrapalhado seus planos, Cristiane gostou do passeio. A tempestade causara alguns estragos no jardim, derru­bando galhos e empoçando o terreno, mas alguns homens já trabalhavam ali para deixar tudo em ordem de novo. Os jardins eram lindos, cheios de flores e plantas por toda parte.

A uma certa distância do castelo, havia um lago bem grande, onde nadavam patinhos selvagens, não muito longe da margem.

— Onde estará a mãe deles? — Cristiane perguntou, mais para si mesma, olhando em volta para ver se avis­tava a pata.

Elwin deu de ombros, meio distraído. Cristiane sabia que os patinhos jamais ficariam longe da mãe, a não ser que...

Tirou os sapatos, levantou as saias e entrou na água.

— Lady Cristiane! — Elwin gritou, tão surpreso quanto assustado. — Não acha que...

— Deixe para lá, sir Elwin. Estou acostumada com a água e sei nadar muito bem.

Elwin resmungou algo que ela não escutou direito. Re­solveu ignorar os protestos do cavaleiro e acabou desco­brindo um tronco flutuando na água. Estava cheio de galhos e o corpo da pata se encontrava preso neles. Era por isso que os filhotes nadavam em volta do tronco.

Cristiane os observou e viu que eram novos demais. Deviam ter pouco mais de algumas semanas, e morreriam se não tivessem a mãe para cuidar deles.

Não ia deixar que isso acontecesse. Os patinhos eram preciosos demais para terem tal destino.

Não podiam contar com a ajuda dela por muito tempo, porém, visto que partiria logo.   Deu uma olhada em sir Elwin e teve certeza de que ele não tinha o menor inte­resse em alimentar os filhotes, nem os jardineiros iam se dar a esse trabalho.

No entanto, tinha de achar um jeito de salvá-los.

— Já está ficando tarde, milady. Estou bastante fa­minto, e gostaria de quebrar meu jejum.

Cristiane também estava com fome, mas ia pensar em um modo de ajudar os patinhos.

O sol já ia alto, quando entraram no castelo. Ao passar pela capela, Cristiane viu Adam de pé junto a uma es­cadaria, rodeado de um grupo de pessoas. Os cabelos dele estavam molhados e penteados para trás, e o conde havia se barbeado. Vestia uma túnica escura e calções pretos. Parecia ter acabado de sair do banho.

Sempre o achara bonito, mas lhe pareceu mais atraente ainda naquele momento. Que pena que não sentisse ne­nhuma atração por ela...

Não podia culpá-lo por não gostar de nada que fosse escocês. Adam perdera muitos de seus homens na guerra contra a Escócia, e ele próprio ficara muito ferido. Para piorar tudo, sua mulher falecera enquanto ele lutava lon­ge dali.

Apesar de o conde não colocar a culpa nos escoceses pela morte de lady Rosamund, devia ressentir-se por es­tar distante na hora em que ela havia morrido.

— Quem são aquelas pessoas, sir Elwin?

— Gente da cidade de Bitterlee, milady. Devem ter vindo relatar sobre os estragos que a tempestade de on­tem causou por lá.

Eram quatro homens e uma mulher jovem e bonita, com a cabeleira cor de mel, lisa e bem penteada. Vestia um traje discreto e elegante, e Adam parecia prestar bastante atenção ao que ela dizia.

Cristiane concluiu que a jovem devia ser de boa família. E, pelo jeito como Adam inclinava a cabeça para escutá-la, devia ser alguém especial para ele. Distraída, Gristiane esfregou o centro do peito, como se pudesse tirar com esse gesto a dor que surgiu em seu coração.

Virou-se, começou a subir as escadas e entrou no salão, onde criados começavam a colocar o almoço na mesa. Os cachorros a viram e correram para junto dela, farejando seus sapatos e oferecendo-se para os agrados. Cristiane suspirou e procurou se entreter um pouco com os cães. Depois, aproximou-se da mesa.

A pequena Margaret estava lá com sua ama e sir Ge­rard. Também avistou sentado à mesa um homem que Cristiane não conhecia ainda. Parecia um padre, com seu manto marrom escuro.

A expressão do sacerdote era bastante séria, combinando com a de Mathilde. Gerard também continuava com o mesmo olhar crítico da noite anterior. Margaret Sutton parecia distraída, sentada ao lado desses adultos sisudos.

Cristiane sabia que sua aparência não parecia das me­lhores. Devia ter ido até o quarto trocar a roupa, que ficara molhada quando entrara na lagoa. Agora isso não era mais possível. Além do mais, não tinha outros trajes para vestir, e seus cabelos dariam muito trabalho para ficar arrumados. Não bastasse isso, não queria que nin­guém atrasasse o almoço por sua causa.

Sem mais demora, acomodou-se, deixando que Elwin escolhesse o lugar que quisesse.

Adam escutara sobre todos os desastres que a chuva provocara na cidade. Arvores tinham caído, telhados de­sabaram, o rio subira e invadira as margens em algumas áreas. E, claro, havia outros tantos pequenos estragos que iam exigir consertos aqui e ali.

Sabia que Sara Cole não exagerava quando se referia aos danos. Sara não nascera em Bitterlee, mas era filha bastarda de uma artista que estivera na ilha para algu­mas apresentações. Adam confiava nela, porque era uma excelente parteira, e muitos a procuravam quando adoe­ciam. Desde que chegara àquele lugar, cinco anos atrás, conquistara, a confiança e admiração de todos.

Fora Sara quem ajudara Margaret a nascer e, depois, tentara de tudo para arrancar   Rosamund da depressão em que caíra.

Mas Adam não pensava em Sara quando entrou no salão. Enganara-se ao acreditar que o banho frio na ca­choeira o deixaria imune aos encantos de Cristiane MacDhiubh. Continuava ainda suscetível a ela, atraído por sua cabeleira vermelha e seu corpo, do qual a roupa des­botada e desfiada não conseguia esconder a beleza.

Não podia sentir tanta atração por uma mulher vinda de um país inimigo!

Percebeu que Cristiane hesitara antes de se sentar. Nenhum dos homens se levantara para ajudá-la, o que era uma indelicadeza.

Os criados também não se aproximavam dela, ficando a uma certa distância. Mathilde não lhe dirigia a palavra, e o padre Beaupré também se mantinha em silêncio.

Por fim, Gerard resmungou algo, com seu jeito irônico de sempre, e Cristiane respondeu com gentileza, man­tendo os olhos baixos e a expressão bastante neutra.

Isso despertou os instintos protetores de Adam, ao mes­mo tempo que lutava contra a vontade de sumir dali e se manter bem longe.

Em vez disso, contudo, forçou-se a se aproximar da mesa. Cumprimentou Cristiane e a apresentou ao padre:

— Padre Beaupré não se reuniu a nós ontem no jantar, por isso você não teve oportunidade de conhecê-lo, milady.

Adam percebeu que as mãos de Cristiane tremiam, mas procurou ignorar. Voltou-se para sua filha, enquanto o padre fazia um leve cumprimento para Cristiane.

— Como vai indo, milady? — Beaupré indagou, com entonação bastante grave.

— Muito bem, obrigada, padre.

Adam notou que Margaret tornara a fitar Cristiane, como na véspera. Estranhou que estivesse interessada por alguém. Nunca mais a vira brincar, como fazia quan­do Rosamund era viva.

— Margaret, está lembrada de lady Cristiane?

Um leve assentir foi a resposta da menina. Adam viu que surgira um ar de desaprovação no rosto de Mathilde e uma máscara de indiferença no de Gerard. O padre apenas comia, não dando importância para o que acon­tecia a seu redor,

Margaret, como era de se esperar, não dizia palavra alguma. Mesmo assim, parecia diferente, e até fizera um gesto. Era mais do que Adam conseguira dela em muitos meses, desde que voltara de Falkirk. Não ousava esperar mais do que isso.

Cristiane observava a menina, e Adam reconheceu que estava com o mesmo olhar de carinho, como na ocasião em que acariciara o veado à beira do rio.

— Sir Elwin a levou para conhecer nossos jardins, lady Cristiane? — Adam tinha lhe prometido que seria ele a levá-la a passear e, quando a olhou, viu a acusação nos semblante dela.

— Sim, milorde. — Mordeu o lábio e voltou a atenção para o seu prato, apesar de ter perdido o apetite.

Talvez fosse melhor que Adam arranjasse uma escolta que pudesse levá-la para York sem demora. Não havia razão alguma para continuar ali e ficar costurando seus novos vestidos. Quando chegasse a Learick, seu tio iria entender as circunstâncias de sua vida em St. Oln e não se escandalizaria com seus trajes humildes.

Cristiane suspirou resignada com seu destino. De al­guma forma iria aguentar tudo aquilo. Sua mãe pensara no futuro da filha, e ela ia procurar atender a seus pe­didos. Tudo o que tinha de fazer era suportar mais alguns dias em Bitterlee, e então partir para o condado de York.

— ...da sra. Cole — sir Gerard estava dizendo. Cristiane não escutara o que Gerard falara.

— De fato — Adam respondeu. — Ela disse que a chuva estragou muita coisa na cidade, mas os homens já estão começando os consertos.

— E os campos? Estão arruinados?

— Não. Apenas algumas áreas foram inundadas. Seria bom se não chovesse de novo nos próximos dias.

A conversa continuou, e Cristiane apenas se ocupou de comer e, vez por outra, trocar olhares com Margaret.

A menina tinha os mesmos olhos do pai, apesar de as sobrancelhas serem mais claras.   Estava com os cabelos cobertos por uma touca austera, como na noite anterior, assimCristiane não podia ver seus cabelos e saber de que cor eram. Também a roupa era escura e sóbria demais para ser usada por uma criança. Margaret parecia uma miniatura de sua ama, que, naquele momento, dava or­dens para que não se distraísse e comesse.

A garotinha era magra demais. Cristiane estava im­pressionada com a transparência de sua pele cheia de veias azuis muito finas. O rosto mantinha-se inexpres­sivo, a não ser em raros momentos em que mostrava um rápido interesse por algo que lhe chamara a atenção. Cristiane ficou imaginando se a pequena não se interes­saria pelos patinhos, que também tinham perdido a mãe.

— Vi uma coisa interessante na lagoa, esta manhã, lady Margaret. Bastante curiosa.

Os olhos da criança brilharam por um momento, depois tornaram a ficar apáticos. Mathilde cortou a carne do prato da menina, mas Margaret cerrou os lábios com força e se recusou a se alimentar. Todos à mesa ficaram quietos, como se Cristiane tivesse cometido o pior dos crimes ao se atrever em falar com a menina.

Ela não se importou com isso. Pelo que via, pouca gente ali em Bitterlee tinha a mais remota noção do que era hospitalidade. Pois, pelo tempo que passasse na ilha, ia dizer e fazer o que lhe agradasse.

— Se seu pai não se importar, eu poderia lhe mostrar algo lá no jardim, depois que acabarmos de comer. Você vai gostar de ver.

Mais uma vez a menina pareceu animar-se, mas logo se distraiu. Adam não tinha visto a filha agir daquele jeito e começou a ficar observando o que acontecia entre Margaret e Cristiane.

Cristiane cortou um pedaço de pão e o colocou junto à boca de Margaret.

— Coma. Se quiser vir comigo e ver o que quero lhe mostrar, terá de ficar mais forte.

Adam conteve a respiração, observando Cristiane usar de uma espécie de mágica, desde que parecia que Mar­garet começava a despertar de sua apatia. A pequena comeu até o pedaço de pão que Cristiane lhe dera.

— Temos de rezar esta tarde, lady Cristiane — Mathilde falou com dureza. — Assim, lady Margaret não vai poder...

— As devoções podem esperar — Adam a interrompeu. — Margaret e eu vamos acompanhar lady Cristiane à lagoa agora à tarde.

O conde viu que voltara a cor às faces de Cristiane, que continuou a oferecer suco para Margaret, e a menina foi aceitando tudo sem hesitar. Quando ficou claro que a menina não ia comer mais nada, Cristiane se levantou e pegou-a pela mão, ajúdando-a a descer da cadeira.

— Não quero apressá-lo, milorde, mas lady Margaret e eu já estamos prontas para ir ao lago.

Apanhou um pedaço de pão de cima da mesa e saiu da sala, levando a menina consigo.

Adam se ergueu no mesmo instante e as seguiu, vendo que Cristiane continuava a falar com Margaret enquanto caminhavam, mas só conseguia ouvir uma palavra ou outra.

Cristiane conseguira despertar o interesse de Marga­ret, e o conde esperava que não viesse a se decepcionar com o que ia ver. Esperara tanto para ver a filha reagir a alguma coisa...

Chegaram à lagoa, e Cristiane sentou-se perto da mar­gem. O sol brilhava, e havia uma brisa quente vinda do continente. Era difícil acreditar que uma tempestade aca­bara de destruir residências e derrubar árvores. Esperava que não chovesse assim forte por meses.

Continuou observando Cristiane e Margaret, que, na­quele momento, estava sentada no chão. Cristiane tirou os sapatos e disse para a garota tirar os dela. Quando viu que   Margaret não seguira sua sugestão, ela mesma descalçou-a.

Cristiane tornou a se levantar e, segurando Margaret pela mãozinha, puxou-a para que se erguesse tam­bém e estendeu-lhe um pedaço de pão. A menina pegou-o e olhou para Cristiane, com um olhar menos distraído, como se estivesse um pouco curiosa agora.

Adam nunca imaginara que pudesse se emocionar tan­to. Estava vendo sua filha retornar à vida.

— Venha ver. — Cristiane se pôs a andar na margem. — Venha...

Margaret hesitou, mas acabou lhe dando a mão e en­trou na água, segurando o pedaço de pão. Sentindo a água fria, estremeceu e parecia que ia entrar em pânico. Adam lutou para não correr para acudi-la.

Cristiane não se abalou e falou com a menina em voz baixa, mas firme. Adam queria escutar o que ela dizia, mas não ousava se aproximar. Temia estragar tudo.

Cristiane mostrou a Margaret como segurar suas saias acima dos joelhos, e o conde viu a filha imitá-la. Foram andando para dentro, da lagoa, e Cristiane jogou um pe­daço de pão na água. No mesmo instante, um bando de patinhos veio nadando para pegar o alimento.

Surpresa, Margaret suspendeu a respiração, como qualquer outra criança de sua idade também faria.

Adam procurou chegar mais perto delas. Podia ouvir o barulho dos patinhos nadando e cada palavra que Cris­tiane dizia para Margaret:

— Jogue um pedaço de pão para eles, pequena Meg.

Adam parou, espantado. Sua filha sempre fora cha­mada de Margaret, mas Cristiane podia escolher o nome que quisesse, escocês que fosse, se conseguisse fazer com que a menininha voltasse para ele.

Depois de um momento de hesitação, Margaret a obe­deceu, e os patinhos a rodearam animados. Margaret não se mexeu, nem falou nada, mas era óbvio que fora tomada por uma excitação enorme.

— Vamos, jogue mais. Eles estão famintos.

Dessa vez, os patinhos chegaram até mais perto, e Mar­garet olhou para Cristiane com os olhinhos cintilando.

— A mamãe deles foi embora, e os patinhos não têm ninguém para alimentá-los — Cnstiane contou.

Margaret observou os animaizinhos, que estavam na­dando como loucos, animadíssimos. Adam ficou pensando se sua filha havia percebido a semelhança entre sua si­tuação e a deles. Estavam todos órfãos.

— Vamos ajudá-los, não é, Meg? Só assim eles ficarão bem.

Margaret continuou a alimentar os patinhos, até que eles ficaram satisfeitos e se afastaram. Ela não riu, nem mesmo sorriu, como qualquer criança teria feito, naquelas circunstâncias. Apesar disso, Adam não podia deixar de reconhecer que havia feito um enorme progresso.

Olhou para Cristiane, com as saias levantadas mos­trando até seus joelhos. Cachos ruivos haviam escapado de suas presilhas e caíam nos ombros. A roupa marcava seus quadris quando ela se inclinava para ajudar Mar­garet. De repente, ela começou a rir, muito feliz. Adam não conseguiu se controlar, e sorriu também.

Não podia atrapalhar aquele momento mágico, quando Cristiane conseguira o que ninguém mais tinha conseguido.

Logo, Margaret tinha jogado todo seu pão para os pa­tinhos. Virou-se para Cristiane preocupada.

— Quero mais — pediu-lhe.

O coração de Adam bateu mais forte. Fazia muito que não escutava nenhuma palavra saindo da boca de sua filha. Agora, ela falara. E dirigira-se a Cristiane MacDhiubh.

 

A menina era tão magra e frágil que Cristiane duvidara que conseguisse fazer a longa caminhada até o lago. Mas Meg, ela agora a cha­mava assim, chegara lá.

Cristiane não percebeu a presença de Adam até ter levantado a roupa e entrado na água, mas agora era muito tarde para ficar embaraçada. Afinal, o conde já a vira se despir e ficar quase sem roupa alguma diante dele.

Além do mais, já havia se convencido de que não ia ligar para o que pensassem dela ali em Bitterlee.

— Quer se reunir a nós, milorde? — perguntou, sem acanhamento.

Para alguém sempre tão forte e confiante, era es­tranho que Adam hesitasse em se aproximar de Cris­tiane e Margaret.

— Você não se importa de que seu pai nos ajude a alimentar os patos, não é, Meg?

A menina fez um leve gesto de anuência, conti­nuando a olhar os patinhos.

— Viu milorde? — Cristiane sorria. — Venha ficar conosco.

Adam se aproximou um pouco, mas ainda se manteve a uma certa distância.

— Meg, querida, dê a seu pai um pouco do pão que trouxemos.

Margaret fitou Cristiane, depois de volta para os patos que nadavam por ali. Pegou um pedaço de pão e se apro­ximou da margem, entregando-o ao pai.

Qualquer preocupação que Cristiane pudesse ter por Adam estar com elas sumiu, quando viu a expressão de carinho com que ele olhou a filha.

Cristiane não tinha descoberto ainda o que afligia a criança. Primeiro, pensara que Margaret estava aborre­cida com alguma coisa, mas esse não devia ser o caso. Na certa, o problema da menina era passar tempo demais com aquela sua horrorosa ama.   Prometeu a si mesma que ia trazer Margaret ao lago todos os dias que perma­necesse em Bitterlee. Ficar ao ar livre seria muito bom para a pequena, que ia até começar a falar mais, quando estivesse bem motivada.

— Vamos ensinar o papai a alimentar os patos, Meg? — Sorrindo, Cristiane pegou a mão de Margaret e a levou até junto de Adam. — Ajude-o a jogar o pão.

Adam esperou para ver como a filha reagia. De repente, ela o ajudou a atirar o pão para os patos selvagens que se aproximaram deles. Logo, porém, os olhos de Margaret tornaram a mostrar uma expressão sem vida.

Adam estava emocionado, mesmo assim. Nunca ima­ginara que ficaria tão feliz com um gesto tão simples como o que sua filha fizera havia pouco, ajudando-o a jogar as migalhas na água. Queria abraçá-la e brincar com ela, mas tinha medo de que se assustasse e ficasse mais retraída ainda.

— Margaret... — o conde começou a dizer, mas parou, procurando as palavras certas. — É um prazer ajudá-la a alimentar os patos. Vamos voltar aqui de novo amanhã?

A princípio, as pupilas da menina brilharam, mas logo ela tornou a baixar a cabeça. Não importava. Pelo menos ela começara a mudar seu comportamento. Na véspera, Adam não conseguira que Margaret reagisse a nada. E agora...

Esperou a uma certa distância que Cristiane arrumasse suas roupas e calçasse os sapatos. Percebeu que ela o observava com uma expressão meio estranha, mas não fez nenhum comentário.

Quando Cristiane e Margaret puseram-se no caminho de volta, seguiu-as até o castelo.

Mathilde e Gerard estavam à espera deles. A ama pegou a mão de Margaret e a empurrou em direção à capela. A criança a seguiu, cabisbaixa, sem protestar.

Cristiane ia falar alguma coisa para Adam, mas Ge­rard não lhe deu a chance de dizer o que pensava.

— Adam, a sra. Cole está a sua espera no salão — Gerard se mostrava irritado, como sempre.

— Não sei como lhe agradecer por ter levado Margaret ao lago, milady.

— O que perturba a criança, milorde? Por que ela...

— Adam! — Gerard chamou-o, impaciente.

— Minha filha tem sofrido muito, desde que minha esposa morreu. — Adam resolveu ignorar o tio.

— Quer dizer que ela não falou desde então? Nem brincou?

— Fico muito triste por vê-la desse jeito. Antes era uma criança tão animada... — A frustração e o desconsolo estavam claros em sua voz. — Não sei o que fazer.

— Meg está sofrendo, milorde. Perdi meus pais, e sei como isso nos abala. Demorará um pouco para que con­siga voltar a ser como antes.

— Mas se passaram dois anos!

— É verdade. Mas às vezes fica difícil superar uma dor como a dela.

— Você não entende. A mãe dela nunca foi... — Passou a mão pelos cabelos em um gesto de desalento. — Mar­garet era muito pequena quando Rosamund morreu e...

— Adam! — Gerard o interrompeu de novo. — A crian­ça é deficiente! Pare de querer o impossível.

— Por favor, deixe-nos sozinhos, Gerard! — Adam or­denou, com raiva. — Daqui a pouco vou falar com Sara.

Cristiane teria preferido não presenciar a discussão entre Adam e seu tio. Gerard era um homem irritante, e estava sendo grosseiro, sobretudo com ela. Sabia que não era popular com o povo de Bitterlee, mas sir Gerard su­perava todos os que a haviam agredido até então. Teve vontade de chorar, mas se controlou. Recusava-se a deixar que   Gerard percebesse que a magoara com sua hostilidade. Gerard afastou-se um pouco, mas ficou ainda por perto. Cristiane não tinha dúvida de que ele queria ficar escu­tando a conversa entre ela e Adam.

— Não tomarei mais seu tempo, milorde. Posso levar Margaret ao lago outra vez, se permitir.

— Cristiane... — Adam segurou seu braço, antes que ela se fosse. — O que você fez hoje... — Seus olhos escuros estavam cheios de gratidão. — Ajudou Margaret a voltar ao normal!

— Achei que ela gostaria de fazer o que eu fazia quando tinha a mesma idade. — Cristiane sorriu. — Desejei que Margaret se sentisse igual.

Adam podia imaginar Cristiane como uma menina ale­gre, rindo, dançando na água, brincando. Acariciou de leve seu rosto e percebeu que ela ruborizava, passando a respirar mais depressa. Teve uma tentação enorme de beijá-la.

Por gratidão, lógico. O beijo não teria significado maior, pelo menos era esse o seu desejo.

Deu um passo para trás e a soltou. Era prudente que não a tocasse e a deixasse entrar. Aí então iria se en­contrar com Sara e ver o que ela queria.

Sara devia ter vindo visitar Penyngton, e Adam queria muito saber o que achava do estado de seu secretário.

Sentia-se relutante em deixar Cristiane, porém. Ah, se pudesse beijá-la!

Os olhos azuis de Cristiane o fitavam. Por mais que tentasse, não conseguiu evitar.Assim, puxou-a para seus braços.

Inclinou a cabeça ao mesmo tempo que ela levantava a sua. Cristiane mordeu o lábio. Adam sabia, antes de tocá-los, que eram doces.

Com uma das mãos, acariciou sua nuca e a puxou para que seus corpos ficassem unidos. Sentiu-a tremer, quando entreabriu a boca, querendo que ela fizesse o mesmo.   Pensou naquele instante que iria explodir, tal a intensidade de seu desejo.

Aos poucos, Cristiane foi se deixando levar. Seus braços tocaram os ombros dele, querendo que não houvesse ne­nhuma distância entre os dois. Gemeu quando seus qua­dris se roçaram.

Adam agarrou-se em sua maciez, dominando-se para não pegá-la no colo, ali mesmo onde estavam, e levá-la para seu quarto, onde poderia fazer amor com ela durante toda a tarde.

Mas não podia fazer isso. Eram praticamente estra­nhos, destinados a não ser mais do que conhecidos. Ela fora bondosa com Margaret, mas logo partiria de Bitterlee. E quando seguisse para York, lady Cristiane MacDhiubh não existiria mais para ele.

— Adam! — O grito de Gerard o fez deixar os lábios suaves de Cristiane.

 

Cristiane ficou embaraçadíssima ao perce­ber que sir Gerard havia presenciado o beijo entre ela e Adam. Não devia ter deixado que a atração que sentia pelo conde fosse tão longe. Não era decente se comportar desse jeito com um homem, que nunca seria seu marido.

Saiu correndo em direção ao lago, refugiando-se de­baixo de um carvalho enorme. Ficou se lembrando do momento em que os lábios de Adam tocaram os seus, de como ele a envolvera em seus braços...

Até onde teriam chegado, se Gerard não tivesse cha­mado Adam de novo? No mínimo, teria se deixado levar para o quarto dele. Sabia que a esposa de Adam morrera fazia dois anos. A solidão que devia sentir seria suficiente para ele deixar seus princípios morais de lado e apro­veitar-se de sua fraqueza?

Tinha de reconhecer que estava atraída demais pelo conde de Bitterlee, desde o momento em que o conhecera, em St. Oln.

Suspirou, lembrando-se de como Adam era forte e bo­nito. Pena não poder deixar que seu desejo intenso levasse a melhor...

Isso era errado, porém. Não era tola em acreditar que Adam também a queria. O beijo começara como uma expressão de agradecimento, nada mais do que isso. O que existia entre os dois era apenas uma atração física muito grande.

— Sir Charles está pele e osso — Sara Cole dizia a Adam. — Ele me disse que tem suores toda noite, e agora está tossindo sangue. Eu diria que sofre de febre pulmo­nar, milorde.

— Por que Charles não se queixou antes? — Adam andava de lá para cá, muito nervoso, pelo corredor.

Estava aborrecido porque o empregado e amigo deixara a enfermidade progredir tanto, antes de pedir ajuda, e também porque acabara de se deixar levar pelo que sentia por Cristiane e a beijara.

Não deveria tê-la tocado de forma tão íntima. Agora que a tinha beijado, duvidava que pudesse se esquecer da sensação de tê-la em seus braços. Não poderia levar adiante a sua intenção de manter distância dela.

— Não sei por que sir Charles não reclamou antes, milorde. Só sei dizer que, se ele não se cuidar agora, pode morrer.

— Há alguma coisa que possa fazer por ele? — Adam ficou horrorizado com o diagnóstico de Sara.

— Bem, vou preparar um remédio. Virei visitá-lo todos os dias e eu mesma farei com que sir Charles o tome. Se deixarmos por conta dele, poderá acabar não tomando nada.

— Obrigado, Sara. Mas há algo que o restante de nós possa fazer, aqui no castelo?

O sorriso de Sara fez Adam lembrar-se de seu pai. Na realidade, ela era sua meia-irmã, que aparecera em Bit­terlee, anos atrás, para conhecer o pai nobre que havia abandonado sua mãe.

Quando Sara se apresentara pela primeira vez no cas­telo, o pai de Adam já estava bastante doente para poder confirmar ou negar o que a jovem afirmava, mas em seus delírios tinha repetido o nome Nichola, que era o nome da mãe de Sara.

Adam não tinha como duvidar de que Sara era sua irmã. Além do mais, possuía os mesmos olhos verdes, a mesma cor de cabelos, o mesmo modo de sorrir. Era uma Sutton, sem sombra de dúvida.

No entanto, não viera a Bitterlee para reclamar um lugar dentro da família. Apenas mostrara interesse em conhecer o pai, mas, como o encontrou doente, passou a cuidar dele como se fosse sua enfermeira.

Depois disso, todos a aceitaram na cidade, e ela co­meçou a tratar dos doentes. Se alguém suspeitava que fosse filha de Thomas Sutton, não fizera menção a isso naqueles anos todos.

— Vocês podem animá-lo, milorde. Deixem que sir Char­les coma tudo o que gosta, e procurem mantê-lo feliz.

Adam assentiu. Isso podia ser feito, claro. Não podia imaginar Bitterlee sem Charles Penyngton. Além de estar à frente de todos os negócios da ilha, ainda era um amigo leal em que todos confiavam.

Adam acompanhou Sara de volta ao quarto de Charles, encontrando-o adormecido.   Resolveram deixá-lo descan­sar e saíram.

Com sorte, o conde teria tempo de reencontrar Cris­tiane. Restava saber se isso era ou não a atitude que ele deveria tomar.

Cristiane não gostava de ficar trancada, preferindo es­tar nos lugares abertos, não importando se ficasse mo­lhada ou não. O castelo de Bitterlee a fascinava. Estava ansiosa por conhecê-lo inteiro.

O castelo que seu pai possuía em St. Oln era insigni­ficante perto daquele. Tinha apenas uma torre e poucos quartos, uma única escadaria, na qual Domhnall encon­trara sua morte.

Agora, andando pelo castelo de Bitterlee, viu muitas salas enormes, nas mesmas proporções daquela onde se serviam as refeições. Havia janelas cobertas por vitrais que podiam ser abertas, se o clima estivesse bom. Descobrira quartos debaixo da escadaria principal, e até uma capela de tamanho maior que a igreja de St. Oln.

A capela de Bitterlee era feita de pedra, com um altar muito bonito. Centenas de velas acesas brilhavam na semi-escuridão e um cheiro bem forte de incenso recendia. Viam-se imagens de Cristo e de Nossa Senhora pendu­radas nas paredes, ao lado do altar.

Cristiane sentiu vontade de se ajoelhar, tanta religio­sidade havia ali. Inclinando a cabeça, rezou para que tivesse forças para resistir aos apelos de seu corpo, en­quanto estivesse em Bitterlee, e não cair em tentação. A atração que sentia por Adam era uma espécie de pe­cado, e tinha de ser evitada.

Ofereceu preces às almas de seus pais e rezou para que Margaret logo superasse a dor pela morte da mãe. Ao levantar-se, seguiu por um corredor comprido, che­gando ao salão, onde viu Adam e a moça da cidade con­versando. Devia ser Sara.

Percebeu que Adam pousara a mãos no ombro dela, como se houvesse um sentimento especial entre eles. Isso não devia surpreendê-la, nem aborrecê-la. Adam tinha todo o direito de se relacionar com outras mulheres.

No entanto, ficou triste. Apesar de ter feito tantos ju­ramentos de que não queria que acontecesse nenhum romance entre ela e Adam, doía ver que o conde apenas se distraíra um pouco, quando a beijou.

— Duvido que um escocês saiba apreciar uma comida como esta — Gerard comentou, cortando um pedaço su­culento de peixe.

Cristiane tentou ignorar as palavras desagradáveis e continuou entretida com seu prato, sem fitá-lo. A seu lado, Margaret e Adam comiam em silêncio.

— Lady Cristiane não tem nada a ver com a morte de ingleses, meu tio. A vila onde ela morava não entrou em conflito com os soldados do rei Edward.

— Ah! Então a moça é inocente, e nem deve conhecer aquele demônio chamado William Wallace — Gerard dis­se, com sarcasmo.

Cristiane largou os talheres, pronta para lhe dar uma resposta.

— Meu tio não será bem-vindo a minha mesa, se con­tinuar insultando nossa hóspede.

— E que hóspede, meu sobrinho... — Gerard deu um sorriso de escárnio. — Podemos   dizer que é bem conveniente...

Cristiane não tinha certeza absoluta do que Gerard queria dizer com aquilo, mas desconfiava que tivesse ti­rado conclusões erradas após ter presenciado o beijo entre ela e Adam. Afinal, uma moça distinta nunca seria vista aos beijos com um homem que mal conhecia.

Teve vontade de se retirar de imediato. Gerard a in­sultava e acabaria discutindo com Adam. Não queria as­sistir a uma nova briga entre eles.

Assim, pediu licença para sair. Sabia que estava mal vestida e, como todos a desprezavam, precisou de todo seu orgulho para sair de cabeça erguida.

Ainda tremia quando passou pela capela e chegou à porta principal.

— Isso foi muito desagradável, Gerard! — Adam ex­clamou, aborrecido, também se levantando. — Se tornar a acontecer, vou mandá-lo embora da ilha.

E saiu apressado, querendo alcançar Cristiane, sem saber que caminho tinha tomado. Apesar de ter sido tão ofendida, com certeza ela encontraria forças para su­perar mais essa mágoa.

Como ainda mancava, ia mais devagar que Cristiane e, assim, quando chegou aos portões, não a viu em parte alguma. Porém, continuou por ali, convencido de que a encontraria fora do quarto.

De repente, teve uma idéia e se dirigiu à cachoeira. Cris­tiane poderia ter decidido se refugiar junto à natureza,

O sol estava quase desaparecendo no horizonte e, na­quele lugar da floresta, fazia menos calor.

Cristiane foi encontrando por onde passava pequenos animais e muitos pássaros voando lá no alto. Um cheiro forte de pinheiro se misturava ao perfume das outras árvores floridas. O espetáculo era belíssimo, e ela teria aproveitado melhor a caminhada, se não estivesse per­turbada com o que Gerard insinuara.

Ouviu o barulho de água e seguiu uma nova trilha para saber de onde vinha. De repente, encontrou-se dian­te de uma cachoeira belíssima.

Prendeu a respiração, olhando, maravilhada, a água cair majestosa do cimo das rochas. Nunca vira nada tão bonito antes.

Cristiane começou a procurar um ponto por onde pu­desse descer até a base da cachoeira. Lá deparou com um lago com águas muito azuis. Adorava nadar, mas sempre nadara no mar ou no rio de St. Oln.

Apesar de não haver uma trilha para descer, foi des­lizando pelas rochas, que não ofereciam perigo nem para uma criança. Com a queda d'água ressoando em seus ouvidos, tirou os sapatos e desejou não estar ali sozinha. Queria poder dividir sua alegria de estar naquele lugar fabuloso com mais alguém.

Procurou ficar bem debaixo da cachoeira, desejando que tivesse o efeito de fazer desaparecer todos seus pen­samentos e desejos proibidos.

Qualquer um podia ver que Sara era a mulher perfeita para Adam. Além de ser bonita, vestia-se bem, e devia pertencer a uma família importante da ilha.

   Tinha de se convencer de que não era especial para Adam. O conde apenas fora buscá-la em St. Oln e a man­daria logo para York, retomando em seguida sua vida normal em Bitterlee. Não podia ficar alimentando esperanças de que representava mais do que uma mulher que se encontrava ali de passagem.

Resolveu nadar na parte do lago que era calma e pro­funda, e ainda recebia alguns raios de sol.

Acalmou seus pensamentos e procurou relaxar, sol­tando o corpo enquanto escutava o barulho incessante das águas. De repente, avistou uma raposa vermelha perto das rochas descendo para beber água. O animal não se assustou. Apenas olhou para Cristiane e, consta­tando que ela não representava perigo algum, bebeu com tranquilidade.

De repente, o animal se assustou com alguma coisa e sumiu na floresta.

Cristiane decidiu sair dali e calçou os sapatos, pronta para voltar ao castelo. Prometeu a si mesma que voltaria para nadar na manhã seguinte.

Talvez trouxesse Margaret, se conseguisse tirá-la do lado de Mathilde.

Adam chegou ao ponto da floresta de onde já podia avistar a cachoeira e tentou ver se   Cristiane estava por ali, antes de descer até o lago. Encostou-se em uma das árvores, e seus olhos ficaram procurando por ela.

Avistou-a lá embaixo, no lago. Seu corpo reagiu, como sempre acontecia quando avistava Cristiane. Apressou-se a descer pelas rochas, ansioso em poder abraçá-la. Não conseguia pensar em mais nada que não fosse a forma como Cristiane retribuíra a seu beijo.

Nunca se sentira assim em nenhum momento em que estivera casado com Rosamund.   Com Cristiane era dife­rente, e não duvidava de que ela sentiria prazer fazendo amor com ele.

Não ia se satisfazer apenas com um beijo. Tocar seus cabelos sedosos e sua pele macia apenas inflamara mais ainda seu desejo. Queria passar horas tocando as partes mais secretas de sua anatomia, compartilhando os de­leites que sabia que os dois experimentariam.

No meio do caminho, forçou-se a parar. Não podia ter pensamentos assim em relação a Cristiane MacDhiubh. Não ia se casar com ela, que, sendo nobre, merecia en­contrar um marido, e não viver apenas uma aventura.

Logo, não precisaria se indispor contra Gerard por cau­sa dela. Não demoraria e seus cavaleiros terminariam de ajudar a consertar os estragos provocados pela tem­pestade, e poderiam escoltar Cristiane até York. Era questão de poucos dias.

Depois disso, poderia recuperar a paz que perdera e tocar sua vida para a frente.

 

Veja o estrago, milorde! — Sara Cole apontou para várias casas que haviam ficado sem os telhados.

Já estava escurecendo e Adam devia se apressar, se quisesse voltar para a ilha aquela noite.

Sentia-se inquieto demais. Seu corpo exigia que vol­tasse para Cristiane e satisfizesse o desejo que o vinha deixando quase louco. Por sorte, o bom senso prevalecia. Não ia violar a inocência dela, enquanto Cristiane es­tivesse hospedada em Bitterlee, não importava o que ele sentisse.

— Olhe os campos, sir. Até as mulheres e crianças estão trabalhando para tirar os galhos de árvores que caíram sobre as plantações!

— De fato...— Adam comentou, distraído. — Todos têm de ajudar neste momento difícil.

Olhou em volta e desceu a colina, chegando à área mais danificada.

Sara não exagerara em nada, mas ninguém se ma­chucara durante a tempestade, e os navios haviam re­sistido até contra a força dos ventos. Perder um navio de pesca naquele momento seria pior que ter os telhados derrubados e as áreas inundadas, pelo menos naquele período do ano. Até chegar a época das colheitas, a re­serva dos grãos estaria baixa, e Bitterlee dependia prin­cipalmente do peixe para sua subsistência.

Ainda assim, os consertos exigiam também o auxílio de seus cavaleiros e não ia ser possível mandar que es­coltassem Cristiané até York.

Adam arregaçou as mangas e se pôs a ajudar os al­deãos. Depois, foi descansar um pouco na taverna e tomar uma caneca de cerveja preta. Queria colocar seus pen­samentos em ordem.

O conde não voltara ao castelo, na véspera, e Cristiane ficou sabendo que ele pernoitara na cidade. Quem sabe a presença de Sara teria algo a ver com sua decisão de não voltar para casa?

Bem, isso não era de sua conta. Adam Sutton não era seu noivo, nem nada, mesmo que a deixasse tão pertur­bada e disposta a fazer uma bobagem. A vida ali na ilha continuaria depois que fosse embora, e ninguém iria se lembrar dela.

Ora, talvez Gerard se lembrasse... Mas com desdém, óbvio.

Cristiane procurou dominar as emoções que estavam mudando seu jeito de ser. Se ainda pudesse contar com sua mãe... Nunca precisara dela tanto quanto agora, quando tudo tinha mudado, e ia mudar ainda mais. Pre­cisava dos conselhos maternos.

Tentou se controlar e não tornar a chorar. Abriu as janelas de seu quarto e viu que o dia estava bonito. De­terminada a evitar um encontro com Gerard, vestiu-se depressa e desceu as escadas. Para seu pesar, encontrou justo a pessoa que não queria ver.

— Pelo menos não fomos assassinados em nossas camas, enquanto dormíamos — Gerard disse, com sarcasmo.

— O quê? — Cristiane fingiu-se de assustada. — Al­guém está atacando o castelo?

— Se eu fosse o senhor da ilha, não permitiria que uma escocesa dormisse debaixo de meu teto.

— Graças a Deus não é. — Cristiane não iria se importar com mais essa indelicadeza daquele homem de­testável que tivera o desprazer de conhecer.

Sem prestar mais atenção ao que Gerard dizia, tapou os ouvidos e correu para fora.

Não fizera nada para merecer um desprezo assim. Era detestada como se tivesse lutado ao lado de William Wallace, o valente escocês que enfrentava os ingleses em batalhas sangrentas.

Viu que, mesmo sem querer, voltava para os lados da cachoeira. Só que mudou de caminho, procurando o lado do mar.

Chegou até um penhasco e observou bem a área, para ver se havia arbustos em que pudesse segurar, em caso de escorregar nas pedras. Ainda aborrecida por ter en­contrado   Gerard, começou a descer bem devagar.

A descida foi mais fácil do que supusera.

Por que Adam mentira, dizendo que era impossível visitar os penhascos e o mar azul de Bitterlee?

Chegou à praia, uma faixa estreita de areia em meio a rochedos negros. Escalou uma das rochas e sentou-se. Encontrara um lugar maravilhoso, um novo refúgio.

Por alguns minutos, conseguiu manter a mente calma. A brisa marítima agitava seus cabelos e levantava um pouco a sua saia, mas a tranquilidade era total, e não pensou mais em nada. Nem mesmo em Gerard, nem em Adam. Apenas ficou sentada, bem quieta em cima dos rochedos, observando as gaivotas voarem em círculos e ouvindo seus berros ao mergulhar na água.

Mas logo seus problemas estariam de volta.

Cristiane tirou os sapatos e resolveu caminhar à beira-mar, olhando de vez em quando para o rochedo que escalara. Aquele era um dos pontos mais isolados, e onde podia se sentir sozinha de verdade.

Não tinha dúvidas de que era, pelo menos, a pessoa mais solitária do mundo. Quando em St. Oln, tivera mãe e pai. Agora, em Bitterlee, não tinha ninguém.

Sentiu a garganta se apertar e uma dor invadir seu peito. Que saudade do riso do pai e dos conselhos da mãe! A família era pequena, mas todos se estimavam demais.

Não adiantava chorar. Mesmo assim, sentiu os olhos úmidos, que impediam-na que visse o mar com nitidez. Tudo estava embaçado, assim como seu futuro.

Nunca pertenceria a lugar algum, nem mesmo quando estivesse em York. Seria sempre uma pessoa só, fosse em St. Oln, em York ou ali, na ilha de Bitterlee. Era uma alma perdida. Teria sorte se encontrasse apenas indiferença em York, em vez de hostilidade.

Muitas vezes Adam dormira na cidade, aceitando a hospitalidade dos aldeãos. Na noite anterior, sentira-se ansioso para voltar para o castelo, mas terminara ficando tarde demais para viajar na escuridão.

Não fizera nada além de pensar em Cristiane MacDhiubh, enquanto estivera acordado, e, mesmo em seus sonhos, ela aparecera. Acordou agitado, ansioso para fa­zer alguma coisa.

Nem bem amanheceu, voltou para a ilha. Encontrou Margaret adormecida, e depois descobriu que Cristiane não estava em parte alguma por ali.

Resolveu dar uma espiada no lago dos patos, depois subiu até a torre mais alta do castelo.

Duvidava que se machucasse ali na ilha, mas era res­ponsável por ela e começou a ficar preocupado com seu desaparecimento. Não queria que acontecesse nada de errado, enquanto estivesse sob sua proteção.

Além disso, os sonhos que tivera o agitaram. Tinha visto suas curvas macias e a beijara, mas nos sonhos, não tinham parado no beijo. Ele a tocara, sugado seus mamilos passara as mãos por seu corpo inteiro.

E isso não era nada comparado ao modo como Cristiane o tocara...

Adam pensava nisso, quando chegou à cachoeira, en­contrando o lugar deserto, também. Despiu-se e nadou, procurando esfriar o calor que insistia em esquentar suas entranhas.

Chegou à conclusão de que Cristiane tomara o ca­minho para a praia. Ela dissera que queria conhecer os rochedos e, na ocasião, o conde falara que não havia como chegar até lá, tudo porque temia que Cristiane fosse lá desacompanhada. Fora um erro.

Saiu da lagoa, sentindo-se refrescado e livre da dor de cabeça que o atormentava desde que despertara, aque­la manhã. Vestiu-se e pegou o caminho para os rochedos.   Não a avistou em lugar algum, e subir nas rochas com a perna machucada não era fácil.Alcançou a praia e encostou-se em uma das pedras à beira do mar. Olhando com mais atenção para todos os lados, pôde, enfim, divisar alguma coisa colorida a distância. Era Cristiane...

Deixou a perna descansar um pouco, depois seguiu em direção à figura que avistara.

Cristiane tinha escolhido um de seus pontos favoritos, perto de uma pequena enseada, onde patos iam se ali­mentar. Cristiane estava sentada com as pernas dobra­das e a cabeça sobre os joelhos. Seus cabelos ruivos es­voaçam com o vento.

Não viu Adam se aproximar, mas ele a chamou, com medo de assustá-la.

Ela ergueu o rosto e falou alguma coisa, mas o conde não conseguia entender o que dizia. Mesmo de longe, notou seus olhos vermelhos e as faces molhadas de lágrimas. Preocupado, apressou o passo.

Cristiane enxugou o pranto com as mãos, depois desceu do rochedo e foi ao encontro dele, sorrindo, tímida.

— Sua perna, milorde. Não devia estar fazendo esse esforço.

Adam estava tão aborrecido por vê-la nesse estado que deixou de lado sua intenção de se manter longe dela.

Fez um juramento solene de que a manteria a salvo, que impediria que sofresse. Falhara até agora nisso. Passara a noite longe entretido com imagens eróticas, en­quanto devia ter percebido que estava mais uma vez so­frendo injustiças.

— O que aconteceu, milady? Por que está chorando?

— Não foi nada, milorde.

— Meu tio tornou a ofendê-la?

— Não. É que eu... — Deu alguns passos, virando-se para o mar. — É muito lindo aqui.

Adam não sabia o que responder. Decerto acontecera algo com ela, mas não insistiria, porque Cristiane não queria tocar no assunto. Ele a abraçaria, se ela o per­mitisse, mas aquele não era o momento adequado.

— Quando poderá me levar para York, sir?

— Daqui a alguns dias. Pensei que queria ficar um pouco aqui. Tinha esperança de que passasse algum tem­po com minha filha.

Margaret comia apenas o suficiente para sobreviver, e não brincava como as outras crianças. Bastara conhecer Cristiane MacDhiubh, contudo, para se animar a ponto de ir alimentar os patinhos e quebrar seu silêncio, mesmo que fosse para falar apenas uma palavra. Não podia dei­xar Cristiane ir embora, antes que ela estreitasse relações com a menina.

Faria qualquer coisa, se ela concordasse em ficar mais alguns dias.

Para sua satisfação, Cristiane mudou de idéia depois de ouvir falar em Margaret. Não parecia mais tão ansiosa assim em partir.

— Você conseguiu que ela comesse alguma coisa, on­tem. Pode tentar de novo, hoje?

— Claro, milorde. — Fitou-o com um leve sorriso.— Vou me sentar ao lado dela na hora das refeições e depois levá-la para alimentar os patinhos.

— Obrigado, milady. Agora, não quer me contar o que a aborreceu?

— Não foi nada, sir. Apenas um momento de fraqueza. Adam duvidava disso, mas resolveu não insistir.

 

O céu estava nublado quando Cristiane le­vou Margaret ao lago dos patos. A ama não queria permitir que a menina saísse, mas Adam já decidira que a filha ia passear, e Mathilde teve de aceitar.

Quando começavam o passeio, Cristiane podia ver que Adam as seguia as duas com discrição, também levando um pedaço de pão e algumas toalhas, para o caso de resolverem nadar.

Não queria atrapalhar o passeio e inibir a filha, por isso procurava não chamar a atenção.

Como se isso fosse possível. Cristiane sentia sua pre­sença em cada fibra de seu ser.   Teria se jogado nos braços dele na praia se não fosse um comportamento inade­quado para uma dama.

— Acha que os patinhos ainda estarão no lago, Meg? — Na verdade, Cristiane sabia a resposta, porque tinha trazido comida para eles pela manhã.

A menina não respondeu.

— Você trouxe o pão?

Margaret mostrou que carregava um bom pedaço. Não percebera que o pai vinha logo atrás delas. Cristiane continuava confiante, porque detectava animação nos olhos da criança. Meg, como preferia chamá-la, estava interessada nos patinhos.

Quando chegaram à beira do lago, Meg se sentou no chão e tirou os sapatos. Cristiane e Adam trocaram um olhar de surpresa. Os dois se emocionaram.

Cristiane sentiu-se como um membro da família, como se pertencesse à ilha.

Conteve a alegria que sentia naquele momento e sen­tou-se ao lado de Meg, também se descalçando. Precisava se apressar, porque a menina já erguera a saia até os joelhos e entrara na água.

— Meg! Espere por mim! — Cristiane temia que a criança estivesse dentro do lago sem um adulto a seu lado.

Os patinhos surgiram e nadaram em volta de Meg, que começou a jogar migalhas de pão para eles. Adam estava pronto para se jogar na água, mas Cristiane foi mais rápida e entrou antes dele.

— Como eles ficaram alegres em verem você, Meg!

A pequena não respondeu, mas continuou a jogar mi­galhas para os animaizinhos. Cristiane a acompanhou, pronta para entrar em ação, caso fosse necessário.

— Pise com muito cuidado, querida.

Nem bem acabara de fazer esse alerta, Meg escorregou, mas Cristiane não a deixou afundar. Entretanto, ela pró­pria perdeu o equilíbrio e foi para o fundo do lago. Adam não resistiu dessa vez, e pulou na água para ajudar, molhando toda a túnica.

Meg levou a mão na boca e arregalou os olhos, apa­vorada. Os patinhos se afastaram-se assustados, com a turbulência.

Adam praguejou por entre os dentes.

Cristiane sorriu diante do absurdo da situação. Ten­tara evitar que Meg entrasse sozinha no lago, mas a menina queria logo alimentar os patinhos. Meg pisara errado, mas bem que podia ter se mantido de pé sem a ajuda de Cristiane. O caso era que se assustava à toa.

Cristiane se perguntou se alguma coisa daria certo para ela naquele dia. Primeiro, Adam a flagrara chorando na praia. Depois, conseguira convencê-la a não partir logo de Bitterlee e usara a filha para lhe arrancar a promessa de que ficaria. E agora, estava sentada no leito barrento do lago de patos, com uma criança de cinco anos apavorada a seu lado e sob as vistas de um nobre inglês. Nada podia ser mais ridículo que isso.

Encontrando o olhar de Meg, gargalhou.

A criança parecia atordoada, mas Adam também ria atrás dela.

— Meg, o pão que você trouxe ainda está intacto! — Cristiane não conseguia parar de rir!?

— Mas a dignidade de lady Cristiane, não. — Adam ria muito, apontando para Cristiane, que aproveitou para jogar água em cima dele.

Adam não se importou. Não depois de ver o sorriso no rostinho da filha. Margaret se divertia à custa de Cristiane! Se pudesse, teria abraçado aquela jovem es­cocesa que possuía o poder de alcançar o coração de Mar­garet e despertá-la de seu longo sono.

— Não fique caçoando de mim, milorde — Cristiane reclamou, fingindo-se ofendida. — Sou capaz de jogá-lo nessa lama, também...

— Oh! — Meg gritou, sem saber o que fazer. Adam não se preocupou em atendê-la, porque Cristiane sabia lidar melhor com a menina.

— Está tudo bem, mocinha. Não se espante, senão vou puxá-la para me fazer companhia...

A menina se acalmou e tornou a sorrir.

De repente, Cristiane percebeu que seu vestido mo­lhado grudara no corpo. Parecia estar nua. Usava o mes­mo vestido com que viajara desde St. Oln, porque sabia que ia se molhar e não queria estragar o outro que ga­nhara ali em Bitterlee.

A cabeleira também estava molhada, e Cristiane a puxou para trás, tirando-a do pescoço. Adam desejou po­der beijar aquele ponto tentador e depois descer em busca de seus seios. Não pararia ali. Suas mãos acariciariam a doce curva de suas costas e chegariam aos quadris.

Tinha de parar de pensar nisso, pois estava se tortu­rando demais.

E resolveu olhar para o outro lado. Esse descontrole era provocado pela felicidade que experimentava ao ver que sua filha estava mudando seu comportamento sombrio. Reconhecia e admirava a beleza de Cristiane, mas deci­dira que a manteria ali emBitterlee só o tempo necessário para que Margaret voltasse a ser uma criança normal.

Quando fitou a filha, viu que Cristiane estava tirando a rede que prendia os cabelos da menina, deixando-os soltos.

— Assim fica muito melhor, Meg. Por que esconder cabelos tão bonitos?

Margaret tocou-os com a ponta dos dedos, como se não estivesse familiarizada com eles. Adam arqueou as so­brancelhas, surpreso. Nem ele mesmo sabia direito de que cor eram os cabelos da filha, pois viviam cobertos por redes e toucas.

— Sempre quis ter uma cabeleira bonita como a sua, querida. É sedosa e dourada como os raios brilhantes do sol.

Margaret se mantinha calada, enquanto Cristiane fa­lava, mas estava atenta a cada palavra.

— Eu tinha um véu lindo, muito tempo atrás, lá em minha terra, na Escócia. E possuía muitas fivelas para segurá-los no lugar.

— Fivelas?

Adam ficou imóvel. A filha estava falando!

— Ah, sim! Fivelas lindas. — Cristiane não fez o menor gesto para demonstrar espanto com o que acontecia com a menina. — Você sabe, dessas feitas de osso. E, se as colocamos no lugar certo, os cabelos ficam mais bonitos ainda.

— Boni... to. — Margaret se expressava com certa di­ficuldade, visto que não falava fazia tanto tempo.

Cristiane pegou a toalha que Adam lhe oferecia e co­meçou a se secar, enquanto Margaret observava cada movimento dela.

— Seu pai lhe trouxe fitas muito bonitas, Meg. Adam se esquecera delas, mas quando Margaret o fitou com expectativa no olhar, desejou sair correndo e pegar o presente que ainda estava enfiado em sua sacola de viagem.

— É verdade, filhinha. Vou entregá-las a você, quando voltarmos ao castelo. Tenho certeza de que gostará.

A menina assentiu.  

— Lady Cristiane, acho que deve sair da água e secar essa sua roupa molhada. Melhor irmos embora, para que se troque.

Cristiane sentiu que ficava corada com as palavras de Adam, porque tinha se lembrado de um outro momento em que tirara a roupa encharcada.

— Venha. — Adam ajudou a menina a sair da água e colocou uma toalha em volta dela.   Depois, pegou Mar­garet pela mão e ficou feliz porque ela não se afastou dele.

Começaram a caminhar os três juntos, como um casal passeando com a filha. Tomando consciência disso, Cristiane ficou para trás, apenas seguindo Adam e Margaret.

— Charles! — Adam exclamou ao entrar no salão e encontrar Penyngton sentado junto ao fogo. —Você devia estar na cama!

— Ah, sim, milorde... Desci para poder conversar com lady Cristiane, e não sabia como encontrá-la.

Adam olhou para ela, embrulhada na toalha e segu­rando Margaret pela mão. A menina parecia uma criança comum, com os cabelos soltos e despenteados. Seus olhinhos brilhavam. Margaret voltava à vida.

Penyngton se dirigiu a Cristiane:

— Perdoe-me, milady, se não fico de pé.

— Lady Cristiane, este é Charles Penyngton, o mordomo e administrador de Bitterlee. Sem ele, meus negócios não andam — Adam apressou-se em fazer as apresentações.

— E sou primo de sua mãe, minha jovem — Penyngton acrescentou, sorrindo com uma certa dificuldade. — La­mento que tenha falecido.

— Obrigada, senhor. — Ela estava surpresa ao ouvi-lo dizer que tinha parentesco com sua família.

Adam nunca ouvira Penyngton falar que era primo de lady Elizabeth, mas isso fazia sentido. Como teria sabido da existência de Cristiane, se não tivesse nenhuma li­gação com a família de St. Oln? Na certa mantivera uma correspondência com a prima esses anos todos.

— Lembro-me de lady Elizabeth quando ela era ainda uma menina, em Learick. — Penyngton cobriu a boca com o lenço e teve um acesso de tosse. — Quem sabe milady pode me fazer uma visita em meu quarto e eu lhe contarei de sua mãe e da viagem que ela fez para a Escócia, anos atrás.

— Gostaria muito, sir Charles. — Cristiane não con­seguia esconder a curiosidade.

— Milorde, acabaram de trazer estes pacotes da cidade. — Penyngton se voltara para Adam.

Eram os vestidos que o conde encomendara para Cris­tiane. Não estavam ainda prontos, mas já cortados e co­meçados. Era preciso fazer os ajustes. Adam não conse­guira trazer a costureira para tirar as medidas de Cris­tiane. Todos continuavam arredios e não queriam rela­cionamento algum com uma escocesa.

Pegou o pacote e o abriu. Os vestidos estavam quase prontos, faltando só as costuras dos lados.

— Mandei fazer estes trajes para milady. — Adam levantou primeiro um, depois o outro, mostrando-os.

Cristiane fez a mesma expressão de quando Adam lhe dera os sapatos de presente. Mal conseguia conter o choro.

— Ainda falta costurá-los. Não sei se estão do tamanho certo, porque apenas dei algumas medidas aproximadas de seu corpo e... — Parou a frase no meio ao perceber o que estava dizendo.

Como uma tempestade inesperada, a imagem das for­mas dela semidespidas surgiu em sua memoria. Cada músculo começou a doer à medida que ele pensava em determinadas partes íntimas de Cristiane.

Pelo brilho de seus olhos, teve certeza de que ela se lembrava do mesmo momento.

Penyngton começou a tossir de novo, quebrando o en­canto do momento. Adam ficou bastante preocupado com o estado de saúde do amigo e insistiu em levá-lo de volta para a cama.

Cristiane segurou o pacote com cuidado e viu que Meg continuava silenciosa a seu lado. Olhou em volta para ver se Mathilde estava por ali.

— Venha comigo, querida. Vamos costurar os vestidos que seu pai me deu?

A criança não hesitou por nenhum momento, e seguiu Cristiane, subindo as duas escadas e entrando no quarto. Também ficou observando os vestidos que estavam sendo estendidos na cama. Um era azul com mangas verdes e uma gola dourada. O outro, de um amarelo bem forte e de um pano muito macio.

Mais uma vez Cristiane sentiu vontade de chorar ao ver a beleza dos dois trajes. Nunca tivera nada tão belo, a não ser seus dois livros.

— Você está choran... do?

— Não, queridinha. — Cristiane pegou com carinho as mãos de Meg. — E que estou tão feliz com esses meus dois vestidos novos. Veja que pano sedoso!

Passou o vestido por sua pele, para tornar a sentir a maciez. E começou a se despir.

— Suponho que não tenha tido ocasião de ver ninguém sem roupa antes, Meg — disse ao ver que a menina a olhava, espantada. — Bem, não há nada do que se en­vergonhar. Em minha terra, eu costumava nadar despida.

Cristiane pôs o vestido desbotado que ganhara logo depois de chegar a Bitterlee.

— Venha. Vamos tirar essa sua roupa molhada, tam­bém. Mostre-me seu quarto, querida.

Meg a levou a seus aposentos. A menina empurrou a porta, e as duas entraram. Estava tudo escuro e Cris­tiane, foi até a janela e a abriu. — É aqui que você dorme?

Cristiane estudava a mobília do quarto de criança. Havia um enorme crucifixo na parede, com um banco bem debaixo dele. Devia ser ali que a pequena Margaret se ajoelhava ao rezar. Tanto o móvel como a cruz eram feitos de madeira. Percebeu que Meg olhava fixo para o móvel, e ficou pensando em quanto tempo ela deveria ficar ali rezando, machucando os joelhos.

No quarto havia ainda uma cama bem estreita e uma arca perto da janela. Nenhum tapete cobria o piso frio. Meg foi até a arca, onde estavam as suas roupas, mas ficou parada sem saber o que escolher.

— Venha aqui, mocinha. Vá abrindo os botões. Isso, muito bem! Seu pai ficará orgulhoso ao saber que você sabe se trocar sozinha.

Quando Meg já estava vestida, Cristiane pegou um pente e começou a pentear-lhe os cabelos macios. Lembrou-se de como sua própria mãe costumava penteá-la, e teve saudade. Lady Elizabeth gostava de cantar, tam­bém. Naquele momento, embalada por tais recordações, sentiu-se como se fosse a mãe de Margaret, e que aquele era seu lar.

Podia ser bobagem, porém, por alguns instantes, sentiu uma grande paz. Estava contente de poder ficar ao lado daquela criança, que, igual a ela, sofrera uma grande tragédia.

— Ah, aqui estão vocês! — Mathilde entrou, como um furacão. — Não consegui achá-las em lugar algum e fiquei preocupada. Milady não devia...

— A pequena Margaret estava comigo e com o conde de Bitterlee — Cristiane interrompeu-a, sem ligar para o tom de voz fino e esganiçado que ela usava.

Mathilde censurava as duas, colocando uma culpa ab­surda em Margaret. A ama bem que sabia que o próprio Adam deixara claro que a filha ia passear, naquela tarde.

Mathilde fungou irritadíssima. Meg mantinha os olhos baixos. Esperando...

— Acabei de pentear Meg e vou levá-la até seu pai para comermos juntos. Está na hora, não é? — Cristiane agia com total naturalidade.

Mathilde não disse nada por um momento, e Cristiane prendeu a respiração, preparando-se para a reação dela. Nunca dera ordens para uma outra pessoa antes, e não tinha certeza de que a ama iria aceitar sua autoridade agora. Para sua surpresa, Mathilde inclinou-se em um sinal de respeito e saiu.

— Bem, isso não foi tão difícil, não é? — Cristiane respirou fundo, aliviada.

— Mantenha-a aqui — Penyngton sussurrou, subindo na cama. — Milorde, o senhor podia ter menos sorte.

— Eu sei. — Adam sabia que o senescal se referia a Cristiane. — Mas não tive tanta assim, convenhamos.

— Do que está falando? Lady Cristiane é perfeita. Adam teve de concordar. Sabia que ela era perfeita, mas não nascera para ser a sua esposa. Poderia levá-la para sua cama, mas nada mais.

— Viu como Margaret gostou dela? Como a pequena acompanhava lady Cristiane com os olhos?

Adam não tinha percebido isso, porque estava atento às reações de Cristiane. Ficara imaginando como o ves­tido lhe cairia. Mal olhara para a filha naquele momento.

Era o lado selvagem de Cristiane que o levava a crer que ela não servia como sua esposa, e ao mesmo tempo a fazia sensacional para ocupar seu leito. Não podia fazer isso, porque ela não era um dessas moças com quem se pode tomar liberdades.

— Você nunca me disse que ela era sua prima. Essa era mais uma razão para não tocá-la.

— E parente distante, milorde. Mantive uma corres­pondência com a mãe dela.

— Quando pretendia me informar de sua doença, Penyngton? — Adam mudou de assunto. — Essa tosse não deve ter aparecido só agora!

— E que havia tanta coisa a fazer, milorde! E o senhor estava tão ferido, e lady Margaret daquele jeito... Pensei...

— E achou que eu não ia me importar com seu estado?

— Não é isso. Achei que o mais importante era milorde ir a St. Oln buscar lady Cristiane.

Adam coçou a nuca. Charles lhe parecia agora bem mais velho do que era. Tinha apenas quarenta e cinco anos, mas seus cabelos estavam sem brilho, e havia enor­mes entradas anunciando uma calvície prematura. Os olhos pareciam cansados, sem aquela animação com que antes o senescal encarava o trabalho da ilha.

— O que Sara Cole falou disso tudo, Penyngton?

— Acha que é uma doença do pulmão. Insiste em que eu descanse, tente comer, e terei de tomar um remédio que ela trará para mim.

— Pois é o que vai fazer, Charles. Por sinal que não há nada mais para ser feito agora. Se aparecer algum assunto, eu o resolverei.

— E quanto a minha prima?

— Deixe-a comigo.

— Bem, bem... Parece que vamos jantar informalmente — sir Gerard comentou quando Cristiane e Meg se sen­taram à mesa. Suas palavras saíam com dificuldade, por­que ele parecia ter bebido demais.

Cristiane prometeu a si mesma que ia ficar em silêncio, mesmo que sir Gerard a irritasse bastante. Já tinha de­safiado a autoridade de Mathilde sobre Meg e era bem capaz de colocar aquele homem implicante em seu devido lugar.

Adam ainda não se reunira a eles, mesmo assim os criados começaram a servir a refeição. Bandejas com co­mida fumegante foram sendo postas na mesa, e um dos empregados voltou a encher o copo de sir Gerard. Ele tomou a cerveja de um só gole. Cristiane tinha certeza de que o nobre não devia beber nenhuma gota a mais.

— Experimente isto, Meg — Cristiane ofereceu à me­nina um pedaço de peixe.

Margaret abriu a boca e comeu, enquanto Cristiane se sentia incomodada com o olhar crítico de Gerard.

— Onde está a velha Mathilde? — Gerard quis saber. — Na capela, de joelhos, de novo?

Cristiane nada disse.

— Nem imagino que pecados cometeu para ter de cum­prir tanta penitência.

— Eu...

— Você, ao contrário, como todo escocês, tem muito do que se arrepender.

Cristiane pegou o prato onde estava o peixe que ela e Margaret dividiam e deu a mão para a menina, levan­do-a para fora da sala, sem se importar com os gritos de Gerard mandando que voltassem.

Parecia que ia chover, mas Cristiane resolveu passear com Meg assim mesmo. Atravessaram o portão do castelo e pegaram um caminho que já era conhecido dela.   Deixou a garota parar um pouco e descansar. Meg não estava acostumada a exercícios físicos, mas estava com os olhos cheios de excitação.

Cristiane sabia que estava fazendo a coisa certa. Mal podia esperar para ver a reação da menina quando es­tivesse diante da cachoeira.

Era para lá que as duas estavam indo.

Adam não conseguiu achar Cristiane e, segundo Ge­rard, ela saíra e levara Margaret junto.

Não sabia o que tinha acontecido entre Cristiane e Gerard. O tio lutara em muitas batalhas contra os es­coceses, daí era justificável seu ódio contra eles. O pro­blema era que não podia descarregar a sua raiva na pobre Cristiane; que não era responsável pelas lutas contra a coroa inglesa. Também tinha sangue inglês, e isso era o que todos ali na ilha deviam ficar sabendo.

Andou pelo jardim e chegou até o lago dos patos, es­perando encontrar Cristiane e a filha ali. Com certeza Cristiane se aborrecera por ter discutido com Gerard, e Adam queria estar ao lado dela o mais rápido possível. Afinal das contas, já tinha chorado naquela manhã e agora deveria estar chorando de novo.

Parou de repente, pensando no que poderia fazer para consolá-la. Cristiane se afastara dele quando estavam na praia e pedira para partir de imediato para York. Agora, deveria estar mais ansiosa ainda para ir embora. Como convencê-la a ficar?

Precisava dela. Margaret começava a voltar a ser o que era antes da morte da mãe, graças a Cristiane. Ela teria de ficar.

A velha ferida de sua perna recomeçou a doer, com tanta caminhada que o conde vinha fazendo. Não encon­trou ninguém no lago dos patos, a não ser um belo cisne que se aproximou dele, certo de que tinha algum alimento para lhe dar.

Descansou alguns minutos, sentado em uma pedra, massageando a perna e pensando aonde Cristiane e Meg teriam ido.

 

Cristiane tinha muito pouca experiência em lidar com crianças, apesar de ter visto muitas delas brincando em St. Oln. Meg Sutton não sabia o que era brincar.

Tinham pegado a trilha que ia dar na cachoeira, se­guindo o barulho da água que caía do alto do rochedo. Chegando diante da belíssima queda d'água, Cristiane chegou a prender a respiração.

Meg ficou olhando a uma certa distância, sem fazer a menor menção de querer molhar a mão.

— Venha, Meg. — Cristiane se abaixou e afundou os dedos dentro do lago, indicando que a menina devia fazer o mesmo.

Enfim, Meg criou coragem e a imitou, mas ficou as­sustada e deu um passo para trás. Logo, voltou a repetir o que fizera, e dessa vez, por seu jeito, ficou claro que adorara a experiência.

Cristiane respirou fundo, aliviada.

Meg se afastara de novo.

— Volte aqui,..querida. Está apenas fria, mas não vai machucá-la. Você só corre o risco de ficar toda molhada.

Meg aproximou-se de Cristiane, agarrando sua saia. Depois, voltou a pôr a mão no lago, e agora riu alto.

— É delicioso, não é?

Meg assentiu, e seu rosto era um espelho de felicidade.

Cristiane mal conhecia a pequena, mas sabia o quanto Adam se preocupava com a filha.

— Sei que pode falar, Meg. — Cristiane gargalhou, jogando a cabeça para trás. — Diga que isso aqui é maravilhoso.

Meg baixou a cabeça em uma clara demonstração de timidez, mas Cristiane levantou seu queixo, fazendo-a olhar para a cachoeira e lhe fazendo cócegas. As duas davam gargalhadas que ressoavam nas rochas.

— Maravilho... so!

— Sabia que ia adorar aqui, meu bem. Vamos tirar os sapatos e molhar os pés?

Sem falar, Meg abaixou-se e desamarrou os calçados. Tirou um de cada vez e depois estendeu a mão para Cristiane.

Estava pronta para brincar.

Não havia motivo algum para ficar ali no lago dos patos. Por isso, Adam voltou ao castelo, mancando. Tinha de confiar em Cristiane. A jovem não ia fazer nada que machucasse Margaret, e ele queria que as duas passas­sem muito tempo juntas. O efeito sobre sua filha seria assim bem maior.

Poria a perna em água quente. Só assim aliviaria a dor. Subiu ao quarto, que ficava na torre norte, dando ordens para que lhe preparassem um banho quente. De­pois que esquentasse bem a cicatriz, colocaria o unguento que Sara lhe recomendara.

Algumas vezes, o remédio fazia efeito. Entrou em seus aposentos e abriu a janela. O céu estava escuro, mas ainda não chovia. Desabotoou a túnica e o resto de sua roupa, e ficou à espera que os homens trouxessem a banheira e a água quente.

Observou que havia um pacote perto de sua cama e lembrou-se de que eram as fitas que trouxera para Mar­garet. Não sabia o que o levara a comprá-las, já que Meg só usava toucas e redinhas prendendo os cabelos, como sua mãe e a ama faziam. Na ocasião da compra, visua­lizara a filha com fitas enfeitando sua cabeleira solta.

Pegou o pacote e saiu pelo corredor, passando pelos aposentos que pertenceram a Rosamund, e chegou ao quarto de criança.

Entrando, mais uma vez ficou chocado com a austeri­dade do cômodo. Era tão diferente daquele que tivera quando era um garoto... Mas Rosamund insistira em dei­xar que   Mathilde escolhesse os móveis do quarto de bebê.

Adam concordara, sabendo que, se não atendesse a seus pedidos, ela poderia ficar ainda mais triste do que já era.

Colocou as fitas em cima de um armarinho, esperando que Margaret as encontrasse. Aí, Cristiane enfeitaria os cabelinhos loiros com elas.

— Milorde! — Mathilde parou à soleira, escandalizada com a nudez de Adam. Ficou corada de raiva e baixou os olhos, furiosa.

— Já estou saindo, Mathilde. — Lembrou-se de que a reação de Rosamund ao vê-lo sem roupas era idêntica à da ama.

Era capaz de jurar que não veria essa expressão nos olhos de Cristiane, se as circunstâncias fossem as mesmas.

— Trouxe algumas fitas para enfeitar Margaret. Gos­taria que você não cobrisse mais a cabeça dela com aque­las toucas e redes. Não é sadio ficar com a cabeça coberta o dia inteiro.

— Mas, milorde... — Mathilde resmungou, procurando olhar apenas para o rosto dele.

— Não quero ouvir mais falar sobre isso. — Adam foi saindo. — Minha filha vai ficar mais comigo, Mathilde. Todas as tardes, para ser mais preciso. Modifique seu esquema de trabalho, por favor.

Mathilde podia estar querendo dizer algo, mas o con­de já seguira pelo corredor.Resolveu entrar no aposento que fora de Rosamund, onde nunca fora muito bem recebido.

Muitos dos pertences de Rosamund ainda estavam lá, inclusive alguns vestidos que não haviam sido doados. Gostaria de tê-los dado a Cristiane, mas sua esposa era de muito baixa estatura. Nada do que vestia ia servir em uma mulher escocesa.

Rosamund era uma mulher delicada, com mãos e pés bem pequenos. Sempre pálida, a pele muito clara e macia. Os cabelos eram como os de Margaret. Loiros bem claros, como os de um anjo. E sempre cobertos. Intocáveis.

Uma cestinha de madeira se encontrava perto da ja­nela, e ele a abriu. Dentro, achou duas fivelas e algumas jóias que a família de Rosamund não levara embora.

As fivelas eram de madeira e de pouco valor. No en­tanto, sabia que Cristiane iria gostar delas. Dando uma volta, encontrou a cesta de costura.

Fechou a porta, procurando afastar as recordações amargas. Dessa vez, parou na frente do quarto de Cris­tiane, onde deixou as fivelas e os apetrechos de costura. Os vestidos que lhe dera naquele dia, estavam sobre o colchão. Havia pouco sinal de que alguém ocupava aquele quarto; só o vestido velho e algumas roupas de baixo.

Adam não resistiu ao desejo de tocar a roupa que ves­tira o corpo dela, sentindo nela seu perfume. Mais uma vez, lembrou-se dela nua. Sua reação física foi imediata, e largou logo o traje.

Afastou os pensamentos eróticos proibidos. Dessa vez, quando saiu, foi direto para seu próprio quarto, onde um banho quente o esperava.

Embora tivesse vontade de ficar com Meg perto da cachoeira até escurecer, Cristiane sabia que tinha de ir embora. Adam devia estar preocupado. Talvez mandasse todos os homens irem procurar por elas, caso não vol­tassem logo.

Além do mais, parecia que ia chover, e não queria que Margaret ficasse debaixo da chuva. Quem sabe se não seria uma tempestade tão forte quanto a da noite em que chegara?

Prometeu à menina que voltariam ali no dia seguinte, se o tempo estivesse bom.   Ajudou-a a calçar os sapatos, e as duas retornaram, satisfeitas, para o castelo.

Teve esperanças de não encontrar ninguém pelo ca­minho, sobretudo Gerard. Cristiane e Meg passaram pela capela e entraram no salão.

— Gostaria de não ver seu tio, Meg — Cristiane mur­murou, o que fez a pequena rir.

Cristiane olhou maravilhada para a criança. Meg mu­dara tanto... Por que ninguém procurara tratá-la como uma criança? Afinal, era uma criança! Claro que no meio de adultos austeros Meg tinha de se manter silenciosa e cabisbaixa.

Iria conversar sobre isso com Adam, logo que o en­contrasse.

Não viram ninguém no salão, e subiram as escadas para a torre norte, onde estavam os quartos.

— Se eu achar agulha e linha, vou costurar um da­queles meus vestidos — confidenciou a Meg. — Só assim estarei apresentável no jantar de hoje à noite.

Meg assentiu.

— Pode vir me ajudar, querida?

O sorriso de Meg fez o coração de Cristiane transbordar de ternura. Abriu uma das portas, pensando que era a de seu quarto. Assustada, percebeu que tinha entrado no quarto errado.

Puxou Meg para junto de si. Adam acabara de sair do banho e estava nu, perto da banheira. Cristiane não conseguia afastar os olhos de seu corpo.

— Eu...eu...

Adam não falou nada, nem tentou se cobrir.

Como nunca vira um homem nu, Cristiane se sur­preendeu com a beleza masculina. O conde era musculoso e tinha pêlos cobrindo as pernas, no peito e mais abaixo também.

Mais embaraçada do que sempre estivera, conseguiu dizer, ao procurar o caminho da saída.

— Peço-lhe perdão, milorde...

— Pa... pai?

— É ele sim, querida. É seu pai. Venha. — E empurrou Meg para fora.

Adam não sabia se deveria se sentir contrariado ou satisfeito com o olhar ardente de   Cristiane quando o vira nu e excitado. Quando saíra de seus aposentos, estava muito corada, mas nem um pouco assustada.

Na certa, não sairia do quarto tão cedo. Mais tarde, ele ia pensar em como lidar com essa questão. Por ora, queria apenas rememorar o que tinha acabado de acontecer.

Penyngton acertara em alguns pontos sobre Cristiane. Sem dúvida alguma, ela adorava a ilha, e o tempo ruim não a intimidava. Também se relacionara bem com Mar-garet e conseguira que a garota fosse voltando ao normal, pouco a pouco, coisa com a qual ele nem sonhara naqueles dois anos, desde que voltara de Falkirk.

Cristiane não tinha família, a não ser o tal conde de Learick, que ela não conhecia, e não iria sentir sua falta se não o visse nunca mais.

Adam reconheceu que haveria problemas se a fizesse sua esposa. Era ainda uma escocesa rude, sem estudos, sem preparo para se portar como uma dama. Havia tam­bém o povo da ilha, que a hostilizava por sua origem.

Ninguém ia aceitá-la como a senhora de Bitterlee. Mes­mo os empregados do castelo não estavam nada satis­feitos em ter de servi-la.

Tinha de tomar uma decisão. Ou deixá-la ir, ou assumir um compromisso sério.   Desejava Cristiane de uma forma que assustaria qualquer mulher. Mas algo lhe dizia que ela era diferente, e seria a mais apaixonada das esposas.

 

Meg foi quem viu primeiro as fivelas. Cristiane nem podia imaginar de onde elas tinham vindo. Pegou-as e se admirou de como eram macias. Teria medo de quebrá-las se fosse colocá-las em seus cabelos.

Encontrou também a cestinha de costura. Devia ser coisa de Adam. Aos poucos, o conde ia presenteando-a com os objetos de que iria precisar, quando chegasse a York.

Tornou a ficar embaraçada. Não só parecia uma re­belde do norte como ainda ficava invadindo a privacidade de Adam, e ainda olhava com apreciação seu corpo nu. Devia ser a mulher mais ridícula que ele conhecia.

Estava aliviada porque recebera um convite para jan­tar com sir Charles Penyngton em seu quarto. Assim não teria de encarar Adam antes que os dois tivessem tempo suficiente para se esquecer do lamentável inci­dente que acabara de ocorrer.

Aproveitou a tarde toda para costurar seus vestidos novos, enquanto ela e Meg escutavam o barulho da chuva. Meg estava ajudando bastante, unindo as partes, enquan­to Cristiane enfiava os alfinetes no tecido delicado. Tra­balharam juntas, e a expressão da menininha foi ficando cada vez mais aberta a cada hora que passava.

Ainda falava pouco, uma palavra de vez em quando, mas isso já era um progresso.

— Está na hora da aula que você terá com o padre Beaupré, querida — disse Cristiane, quando o vestido azul ficou pronto.

Meg baixou a cabeça, e Cristiane não conseguiu des­cobrir se a menina estava ou não satisfeita em voltar a seus antigos hábitos. Gostaria que Meg continuasse ali com ela, mas uma mudança tão grande podia fazer mais mal do que bem.

Antes de mandar Meg até a ama, colocou as mãos em seus ombros, com muito carinho.

— Mais tarde, posso ir até seu quarto para rezarmos antes de você dormir?

— Sim. — Meg a encarou e sorriu. — Sim, por favor!

— Pelo menos diga que está pensando no assunto, milorde. — Penyngton observava Adam andar pelos apo­sentos de um lado para o outro.

Os criados trouxeram uma mesa e duas cadeiras para o jantar de Penyngton e Cristiane.

— Está bem, Charles, considerarei sua sugestão. Mas não prometo nada.

— Está bem assim.

Adam ajoelhou-se e colocou mais lenha no fogo. A chuva não esfriara demais o ambiente, mas todo cuidado era pouco, e Charles não podia ficar mais doente ainda.

Estava ansioso pela chegada de Cristiane, mas não queria que o amigo percebesse. A decisão que ia ter de tomar, se queria ou não Cristiane como esposa, precisava ser bem pensada. Não queria aumentar as esperanças de Charles, porque podia terminar escolhendo afastar-se dela.

Quando ouviu uma batida bem leve na porta, Adam atravessou o ambiente para ir atender. Deu com uma Cristiane MacDhiubh totalmente diferente.

Seus cabelos estavam presos em um penteado elabo­rado, e ela usava as fivelas que ele lhe era. Deixara soltos alguns cachos, que caíam ao lado do rosto.

A seda azul fora transformada em um vestido bem simples e adorável, com mangas longas e saias bem ar­madas. A blusa era justa e delineava bem seu corpo, e o decote deixava seu pescoço e os ombros descobertos.

Não havia nada de selvagem nela, naquele momento.

Mesmo seus olhos estavam semicerrados, não se po­dendo descobrir o que pensava. Se não fosse pelo rubor de seu rosto, Adam teria acreditado que o incidente em seu aposento nunca acontecera de fato.

— Entre, milady.

— Lady Cristiane! Que prazer que me dá, vindo aqui jantar comigo.

— Eu é que agradeço por ter me convidado, sir. Cristiane passou por Adam e caminhou até sir Charles.

Havia leveza em seus passos, mas ela ainda assim parecia mais escocesa que inglesa.

— Sente-se, minha querida. Conversaremos um pouco, antes que sirvam nossa refeição.

— Obrigada, sir Charles. — Sentou-se perto da cama, ignorando Adam. — Estou ansiosa em ouvir o que tem a dizer sobre minha mãe. Quando ela falava de sua casa em York, era sempre com tristeza. Tudo o que sei é que a exilaram para St. Oln, deserdada por seu pai.

— Foi uma punição muito dura. — Penyngton meneou a cabeça pensativo. — Mas ninguém, nem mesmo sua avó, protestou.

— O que houve?

— Vamos deixar essa história para depois do jantar. — Penyngton começou a tossir.

Adam o conhecia muito bem e percebeu que Charles estava querendo adiar, por alguma razão, a história de Elizabeth de York.

— Como está se sentindo, sir Charles? — Cristiane quis saber.

Seu senso de protocolo e cortesia eram impecáveis. Até parecia que tinha sido criada em Londres.

Adam se sentou em uma das cadeiras e ficou observando os movimentos graciosos dela enquanto conversava com Penyngton, servindo-lhe um copo de água, ajudan­do-o a se acomodar melhor no travesseiro. Ouvia sua entonação musical, sem quase nenhum sotaque escocês, mas seu riso, apesar de suave, o fez começar a sentir suas habituais reações físicas.

— ...lá na cachoeira?

Cristiane e Penyngton olharam para Adam, esperando por sua resposta.

— Desculpem-me... Estava por demais distraído.

— Tudo bem, milorde. É que lady Cristiane apaixo­nou-se por nossa cachoeira, e parece que lady Margaret divertiu-se muito lá.

— Foi lá que estiveram esta tarde?

— Sim, milorde. — Cristiane o encarou, pela primeira vez desde que ali entrara. — Nós almoçamos lá perto.

— Minha filha comeu? E ao ar livre?! — Adam mal conseguia acreditar no que ouvia.

— E muito bem. Não sobrou nada do que levamos. O sorriso de Penyngton era triunfal. Adam tinha de admitir que ocorrera um milagre. Cristiane conseguira tirá-la daquele seu mundo solitário. Talvez Charles es­tivesse certo, quando recomendava que Cristiane conti­nuasse em Bitteríee. Adam não tinha certeza de que essa mudança em Margaret continuaria, ainda mais se Cris­tiane fosse embora.

— O que minha filha achou da cachoeira?

— Deliciosa, milorde.

O sorriso e todo o semblante de Cristiane pareciam brilhar. Se Adam a achava linda antes, agora não en­contrava um termo adequado para descrevê-la. Ela estava radiante, magnífica...

A refeição foi servida, e eles conversaram com polidez sobre o clima e os estragos provocados pela tempestade.

— Seu tio Rodrick, o conde de Learick... — Penyngton começou a dizer, logo depois que a refeição terminou. — ...é o irmão de sua mãe.

Cristiane já sabia disso.

— Por que meu avô expulsou minha mãe de casa, sir Charles?

— Ela se apaixonou pelo homem errado. Cristiane inclinou-se de leve para não perder uma pa­lavra do que sir Charles dizia.

— Elizabeth caiu de amores por um caçador. Alan era mais velho que ela, e devia saber qual seria a reação da família de minha prima. Elizabeth era muito bonita, na­quela época.   Adorava andar a cavalo e participava das caçadas. Garanto que Alan tentou não se apaixonar por ela, mas acabou não resistindo, e o inevitável aconteceu.

Cristiane engoliu em seco, chocada com as revelações de Penyngton. Nunca imaginara que sua mãe tivesse amado outro que não fosse seu pai. Sentiu uma dor no coração, pressentindo que Charles tinha muito mais a contar. E ela queria saber de tudo.

— Quando o conde descobriu o romance da filha, man­dou que ela renunciasse a Alan. Não adiantou nem mes­mo Alan tentar convencê-la de que era melhor se sepa­rarem. Nada a fez mudar de idéia, e Elizabeth fugiu da casa paterna para a de Alan, esperando, suponho, que ele a levasse embora para se casarem. O conde, seu avô, descobriu que a filha fugira e...

— Penyngton... — Adam o alertou. — Você está dei­xando lady Cristiane perturbada.

Cristiane percebeu que lágrimas escorriam por seu ros­to. Afastou-as, contendo um soluço.

— O que houve, sir Charles? Por que eles não se ca­saram? O que meu avô fez com eles?

Penyngton deu um rápido olhar na direção de Adam, mas prosseguiu:

— Alan foi morto por uma flecha, naquela noite. Dis­seram que um intruso o matou, e seu avô se recusou a dar maiores detalhes. Sua mãe foi trancada em seu quar­to até que um noivo fosse encontrado.

Cristiane arregalou os olhos.

— Em semanas, Elizabeth estava a caminho de St. Oln, na Escócia, para se casar com alguém que estava disposto a aceitar a desonrada filha de um conde inglês.

Cristiane levantou-se e caminhou até o fogo. Não tinha palavras para fazer algum comentário. Sentia uma angústia imensa invadir seu peito.

Adam se aproximou, sem fazer ruído, e passou o braço por sua cintura.

— Venha, você precisa de ar, lady Cristiane. Eu a acompanho.

O conde pegou um lampião, e ela o seguiu, calada. Adam ainda a segurava pela cintura, ajudando-a a subir os degraus. Ficou imaginando o porquê de Penyngton ter contado aquilo para Cristiane, que sofrera muito a morte dos pais, e agora tinha de escutar mais essa tragédia.

Estava chovendo, assim eles não saíram do castelo. Adam levou Cristiane até o quarto dela, amparando-a enquanto entravam.

— Milady...

— Sim? — Uma ruga tirava a perfeição de sua testa.

— Você vai ficar bem?

— Ah, sim... Estou bem, milorde. Não precisa... Bem, estou atordoada por saber que minha mãe... que ela...

— Tinha um amante.

— Nunca imaginei que tivesse havido mais alguém, além de meu pai.

Adam não sabia o que dizer. Cristiane estava pertur­bada por ter acabado de descobrir o romance entre a mãe e o caçador. Ambos seus pais tinham morrido, e aquilo tinha acontecido tantos anos atrás que...

— Minha mãe nunca se ajustou bem em St. Oln. Meu pai a adorava. — Cristiane retorceu a boca como se fosse chorar.

Adam tomou-a em seus braços, sabendo que não podia fazer nada para protegê-la contra essas lembranças. Apertou-a mais forte ainda.

O conde não sabia precisar quanto tempo ficaram assim, abraçados. As formas dela eram tão macias encos­tadas às suas... e ele não conseguia deixar de passar a mão em seus ombros, em suas costas.

Cristiane gemeu e enlaçou seu pescoço, encostando o rosto no peito dele.

Adam a desejava.

Mas nada podia acontecer entre eles.

Cristiane passou uma noite agitada. Ficou horas e ho­ras sentada na cama, ouvindo a chuva, pensando em sua vida e em tudo o que acabara de saber sobre sua família. Conseguiu dormir só ao amanhecer.

Quando acordou, seus olhos estavam inchados, e sua cabeça doía. Fazia calor, e o sol brilhava. Cristiane nunca ficava trancada dentro de casa em uma manhã ensolarada.

Lavou-se rápido, mas, antes que tivesse se vestido, ouviu uma leve batida.

Era Meg.

Cristiane escancarou a porta e olhou para ver se Mathilde acompanhava a pequena. Não havia ninguém, ape­nas a menina.

— Entre enquanto calço meus sapatos. — Ficou ima­ginando se Adam estaria por perto.

Meg entrou e subiu na cama.

— Quer me acompanhar em meu passeio, querida? — Cristiane sorriu para a menina.

Meg sorriu também, concordando.

— Bem, então terá de falar que vai comigo.

— Vamos an... dar?

— Isso! Vamos andar.

Era um pequeno progresso, mas Cristiane estava sa­tisfeita assim mesmo. Pegou a mão da garota, e as duas desceram os dois lances de escada, chegando ao salão, onde uma criada limpava os tapetes, e outra, a lareira.

Saíram pela porta principal e desceram a enorme escadaria de pedra. Alguns cavaleiros passavam ali perto, e um deles parou e tirou o capacete ao vê-las.

Era Gerard Sutton.

Cristiane se recusou a fugir dele. Apertou a mão de Meg, empinou o queixo e endireitou a espinha, determi­nada a passar por ele sem se perturbar.

Gerard bloqueou a passagem delas com seu cavalo. Cristiane não teve alternativa a não ser parar.

— Sir Gerard. — Não era um cumprimento. Estava apenas falando alto o nome dele, como para se fortalecer de alguma forma.

— Aqui é um lugar muito mais bonito do que sua preciosa Escócia, não é?

— Ah, sim... A ilha de Bitterlee é bem mais bonita, sir Gerard. — Procurou não se acovardar com sua atitude agressiva.

— Meu sobrinho está na cidade, ajudando a consertar os estragos da tempestade,

— Isso é bom.

— E ele aprecia a companhia de mulheres de lá, so­bretudo Sara Cole. Ela é uma inglesa adorável.

Cristiane falseou o passo por um instante, mas reto­mou o caminho levando Meg junto.   O que importava se Adam estivesse na cidade rodeado de mil é uma mulheres adoráveis? Ele era o conde de Bitterlee. Ali era seu con­dado, e não havia dúvida alguma de que o povo o adorava. Ficou se perguntando se de fato Sara Cole significava algo a mais na vida de Adam.

Ela e Meg percorreram a distância que levava à ca­choeira, e Cristiane procurou afastar suas conjecturas aflitivas. Já sofrera bastante ao saber das circunstâncias que envolviam o casamento de seus pais, e agora não ia ficar se importando com Adam e Sara Cole.

O sol estava forte, quando se aproximaram da cachoei­ra. Muito alegres, desceram pelas rochas até chegarem ao lago. Meg gritou, feliz, e correu para enfiar a mão na água.

Cristiane ficou radiante com a atitude da menininha.

— Devemos tirar os sapatos antes que fiquem enchar­cados, Meg.

Passaram a próxima hora caminhando pelas rochas até chegarem debaixo da cachoeira, sentindo a força da água sobre elas.

— Suponho que você não sabe nadar, não é?

— Não sei.

— Então chegou a hora de aprender, Meg!

 

Adam soube que a sua filha e lady Cris­tiane tinham deixado o castelo havia cer­ca de uma hora. Entregou seu cavalo a um empregado e seguiu a pé para onde sabia que elas estavam.

Não demorou a chegar até o desfiladeiro de onde se podia ver a cachoeira.

O barulho ensurdecedor da água caindo impedia que o conde escutasse vozes, mas tinha certeza de que elas estariam lá.

Procurou um local de onde pudesse ter uma visão me­lhor e, enfim, viu-as lá embaixo.   As duas estavam dentro do lago, e Margaret nadava, sem que Cristiane precisasse segurá-la! A menina nadou até à beira e saiu sozinha das águas.

As duas, nuas, riam muito.

Adam olhou, atónito, quando Cristiane torceu os ca­belos de Margaret e depois levantou os braços para fazer o mesmo com os dela. Seu corpo brilhava sob a luz do sol, seus seios estavam cheios e empinados, sua pele pa­recia macia, e os quadris, provocantes.

As pernas eram tão perfeitas como ele já sabia, mais longas do que pareciam quando Cristiane estava vestida.

Ver a pequena Margaret, com seu corpinho magro, rir e dançar em volta de Cristiane o emocionou. Ficava claro que uma adorava a companhia da outra.

Forçou-se a se afastar dali, mesmo porque a visão da nudez de Cristiane representava uma tentação que o tor­turava. Não ia se permitir ser um intruso naquele mo­mento de privacidade, mesmo que seu sangue estivesse para explodir, exigindo que satisfizesse seu desejo.

Decidiu ficar ali mesmo, apenas olhando para elas, sem deixar que percebessem sua presença. No momento em que se vestissem, talvez descesse e fosse ao encontro delas.

Cristiane terminou de amarrar os laços do vestido de Meg e sugeriu que a menina se estendesse em uma das pedras e tomasse um pouco do sol. Sentia-se bem ali naquele lugar tão tranquilo, tendo apenas Meg consigo. Talvez fosse melhor ainda se Adam também estivesse junto...

De imediato, afastou esses pensamentos.

— Você tem um talento nato para nadar, Meg. — Co­meçou a fazer pequenos cachos com os cabelos da garotinha. — Consegue boiar como os patinhos do outro lago.

— Os patinhos! — Meg gritou, tapando logo a boca com a mão.

— Ah, sim, vamos alimentá-los mais tarde! Não os deixaremos morrer de fome.

— Agora!

— Nada disso, minha querida. Devemos tomar um pouco de sol primeiro. Depois voltaremos ao castelo, para que ninguém fique preocupado com sua ausência.

Estava tão gostoso ali junto da cachoeira que Cristiane não tinha vontade de retornar.   Começou a observar os pássaros que cantavam nas árvores. Descobriu um es­quilo e a raposa vermelha que já tinha visto antes be­bendo água no lago.

— Está vendo a raposinha? — sussurrou para Meg. A menina estava encantada.

— Fique quietinha que talvez ela venha para mais perto.

A raposa terminou de beber e olhou para cima. Avistou Cristiane e Margaret nas pedras e ficou imóvel. Depois de alguns minutos, foi vindo para mais e mais perto...

Margaret e Cristiane não se mexiam, nem falavam, mas o olhar da criança era de puro êxtase.

Curiosa, a raposa chegou quase a tocá-las. De repente, ficou alerta e fugiu.

Cristiane gargalhou, e Meg também.

— Amanhã traremos uma guloseima para o sr. Raposa.

— Amanhã?

— Se você quiser, Meg.

— E os patinhos?

— Também os alimentaremos. — E abraçou Meg. Um som vindo do alto as assustou, e Cristiane olhou para cima, tentando descobrir o que era.

Avistou Adam descendo pelas rochas, vindo na direção delas. Cristiane procurou acalmar as batidas fortes de seu coração, lembrando-se de que ele devia ter vindo à procura da filha. .

Lógico que não procurava a escocesa rejeitada por todos, a mulher que trouxera para Bitterlee com suas roupas maltrapilhas. Levou as mãos aos cabelos rebeldes, tentando ajeitá-los para trás de um jeito mais comportado.

— Papai! — Meg gritou, satisfeita.

Adam não a escutou, mas podia ver que ela estava feliz em vê-lo. O calor do sorriso de Adam fez com que Cristiane tivesse medo de que viesse a derreter.

O conde chegou até a rocha onde elas estavam e sen­tou-se. Cristiane procurou lembrar a si mesma que era apenas uma visitante ali. De fato, conseguira maravilhas com   Margaret e passara bastante do seu tempo com a garota. Sentiu que começara a amar a pequena da mesma forma como amava o pai dela.

Lady Cristiane levantou-se abruptamente e se afastou de onde estivera sentada até aquele momento. Adam não sabia se tinha feito algo errado para deixá-la tão tensa.

Ficou admirando os longos cabelos vermelhos caindo nas costas como ondas de um oceano bravio. Não era capaz de afastar a visão dela nua sobre as rochas, apro­veitando cada momento que passava ao lado da pequena Margaret.  

Cristiane voltou-se para ele, mas não se aproximou.

— Já decidiu quando posso partir para York, milorde? — Havia uma certa ansiedade e urgência na pergunta, e Adam ficou se indagando o que provocara essa pressa.

Decerto nada de diferente teria ocorrido naquele mes­mo dia para fazê-la querer partir já de Bitterlee. O conde a vira se divertir ao lado de Margaret.

Gerard estava na cidade desde cedo e atrapalhando todos os que trabalhavam por lá.   Então, não podia ter sido ele a insultar Cristiane. Teriam sido os criados? Duvidava disso.

Quem sabe a lady estivesse ansiosa para chegar a York e saber com o tio sobre o exílio da mãe? Podia ser uma boa razão como qualquer outra, em especial depois do que Penyngton contara durante o jantar.

— Cris... ty? — Margaret puxou a túnica do pai. — Cristy está indo em... bora?

Adam ficou tão espantado com o fato de a filha estar falando que não respondeu logo.   Então, olhou significa­tivamente para Cristiane.

— Talvez consigamos convencê-la a ficar aqui por mais tempo.

— Posso ficar mais um dia, milorde. Mas peço que providencie para mim uma escolta. Não há motivo para minha permanência aqui em Bitterlee. Já fiz o que me pediu... — Olhou com carinho para Meg. — Mas agora devo ir.

Adam segurou a mão de Margaret e juntos, se apro­ximaram de Cristiane.

Ele não estava pronto para deixá-la ir.

— Há ainda muita coisa em Bitterlee para ver, milady. A ilha é muito bonita na primavera e todos podem notar que está gostando daqui. Por favor, reconsidere sua de­cisão e fique conosco mais alguns dias.

— Fique! — Margaret pediu, e Adam ficou agradecido à filha por acrescentar esse pedido ao seu. Sabia que Cristiane atenderia ao pedido da menina.

— Está bem — concordou, dizendo a si mesma que estava fazendo a maior bobagem de sua vida. — Vou ficar, mas só por mais alguns dias.

— Nadar amanhã? — Margaret, embora ainda não conseguisse formar uma frase inteira, podia falar.

— Sim, se o tempo estiver bom.

— Talvez eu possa acompanhá-las... — Adam receou que sua proposta pudesse não ser bem recebida nem por Cristiane nem, por Margaret.

— Não será bom. — O rosto de Cristiane ficou bastante corado.

— Eu adoraria ficar um pouco ao lado de vocês duas. Assim teria chance de ver minha filha nadando.

— Prefiro que não venha, milorde.

Adam decidiu não insistir naquele momento. Voltaria ali nos rochedos na manhã seguinte e ficaria a distância, enquanto elas brincassem nuas no lago.

Adam e Margaret alimentaram os patinhos naquela tarde, dessa vez sem Cristiane. Meg quase implorara para que ela os acompanhasse, mas Adam não dissera nada. Cristiane sabia que não ia ficar mais muito ali na ilha e queria que Meg não dependesse dela.

O conde deveria continuar com o que Cristiane tinha conseguido. Em vez de irem os três juntos aproveitarem o dia, ela passou a tarde sozinha em seu quarto.

Não conseguiria ter outra hora com eles, não agora que seus sentimentos estavam tão claros.

Descobrira que se apaixonara por Adam Sutton desde o momento em que ele a protegera da multidão enfurecida em St. Oln. Ele não a menosprezara, apesar de ela ter sangue escocês nas veias. Continuara a protegê-la, tratando-a com delicadeza e respeito e entregando sua filha a seus cuidados.  

Adam agira sempre como um cavalheiro nobre. Como seria possível não se apaixonar por ele?

Enquanto Adam e Meg iam à cozinha em busca de um pedaço de pão, Cristiane refugiou-se nos aposentos. Prometera que ficaria mais alguns dias em Bitterlee, mas seria apenas isso. Seu sofrimento seria imenso quando deixasse a ilha para trás.

Cristiane encontrou Gerard bloqueando sua passagem pelo corredor.

— Está com pressa, milady?

Tentou passar por ele, mas Gerard segurou-a pelo braço.

— Venha, venha tomar um copo de cerveja preta

— Lamento muito, mas não posso. Tentou fazer com que ele a largasse. — Tenho um trabalho de costura a minha espera, sir Gerard.

— Isso pode esperar. Não é possível para uma escocesa mostrar alguma cortesia por uma pessoa mais velha?

— Perdoe-me, sir Gerard, mas eu... conseguiu libertar-se — devo ir...

— Bem, agora sei o que meu sobrinho vê em você. Ele sorria. — Há fogo em seu olhar suficiente para convidá-lo para sua cama, mas...

Chocada com o que ouviu, Cristiane quase o esbofeteou. Em vez disso, porém, correu para não participar daquela conversa degradante.

— Ele pode ir para a cama com você, moça, mas nunca se casará com uma escocesa selvagem!

Cristiane parou em um dos degraus por um instante, atormentada com a risada e o comentário de Gerard. Conseguiu controlar-se e subiu mais depressa as escadas que levavam a seu quarto. Em seu coração ficaram as feridas causadas pelas palavras cruéis que acabara de ouvir.

— Ainda bem que ele não prometeu a sua mãe que se casaria com você — Gerard ainda dizia. — Só combinou a que a traria aqui e então decidiria se você serviria como sua esposa.

Era quase hora do jantar, quando Adam entrou no quarto de Charles Penyngton e encontrou Sara Cole a examiná-lo. A jovem se vestia de forma simples e usava os cabelos cobertos por um véu modesto.

— Margaret voltou a falar — Adam contou-lhe. Estava muito à vontade ao lado de Charles e Sara.

Apesar de não ter reconhecido oficialmente seu paren­tesco com a moça, eles se uniram muito nos últimos anos.

— Essa é uma boa notícia, milorde. O que houve? Foi Mathilde quem conseguiu esse milagre? — Sara logo per­cebeu seu engano. — Ah, claro, foi sua hóspede escocesa!

— E impressionante o que Cristiane consegue de Meg. Minha filha acabou de me falar dos patinhos do lago e de como uma raposa vermelha chegou perto dela lá perto da cachoeira. E Cristiane a está ensinando a nadar!

— E ainda tem dúvidas sobre se deve ou não fazê-la sua esposa! — Charles meneou a cabeça. — Além do mais, a garota é minha parente, como já sabe.

— Charles, não é que estou questionando o valor de lady Cristiane. Ela vale tanto como qualquer mulher que conheço. E honesta, carinhosa e adora a ilha

— Mas?

— Mas... é escocesa! E...

Quase comentou que era órfã, sem refinamento, de­sarrumada. Adam ficou andando de lá para cá, e ninguém fez comentário algum.

Charles continuava a tomar o seu remédio, e Sara permanecia sentada na cadeira, ao lado da cama. Só se ouvia um ou outro ruído da madeira queimando no fogo.

— As vezes, Cristiane fala como uma escocesa. Em outras parece ser mesmo a neta de um conde inglês.

Bem, agora que ela usava um vestido melhor e se penteava, tinha de admitir que não parecia assim tão selvagem como antes.

Com exceção dos momentos em que ficava nua na ca­choeira, como se fizesse parte da natureza e de todos seus elementos. Adam gemeu porque, só de se lembrar dela sem roupas, seu corpo reagia. Recordou como seus lábios eram macios e tornou a gemer.

— Não posso imaginar o povo daqui aceitando lady Cristiane como a senhora da ilha.

— Talvez com o tempo eles a aceitem, milorde.

— Lady Rosamund nunca fez parte de Bitterlee em todos os anos de seu casamento — Charles afirmou. — E nada na ilha a interessava.

Adam assentiu, distraído, sentindo o estômago doer só de imaginar Cristiane partindo com uma escolta. Iria navegar outra vez, com a cabeleira solta voando ao vento, segurando as saias para que não revelassem a beleza de suas pernas. Seguiria para York, e ele nunca mais a veria.

— Ela está ansiosa por se encontrar com seu tio, sir Charles.

— Bobagem! Cristiane nunca se encontrou com o conde de Learick. E depois de tudo o que aconteceu com sua mãe...

— Pois tem pedido para partir para York.

— É só conversa. — Charles sorriu. — Peça para que fique. Ou a mande para mim, e farei a proposta em seu nome. Como seu parente, sou eu quem deve fazer isso.

Como Adam recomeçara a andar, não percebeu que Charles e Sara trocavam um olhar curioso. Ele não con­seguia afastar a imagem de Cristiane partindo da ilha. A vida ali passaria a ser monótona, sem graça.

— O que ela tem, afinal, em York? Só uns tios e alguns primos.

— Ah, sim, milorde! Tem dois primos jovens. — Char­les mal continha o riso.

Dois primos jovens que talvez tivessem o bom senso de não levar em conta apenas sua aparência exterior. Em York, apareceria alguém que passasse a tomar conta dela, que a faria sua esposa.

Trincou os dentes, sem perceber. Parou em frente de Charles, bastante decidido,

— Pode fazer isso, então. Mandarei que lady Cristiane venha até seu quarto, depois do jantar. Você agirá como seu guardião e fará a proposta.

— Posso dar minha opinião, milorde?

— Diga, Sara.

— Se fosse eu, iria preferir escutar o pedido de casa­mento de meu próprio noivo, não de um primo distante que se apresentasse como meu guardião.

— Mas quando Rosamund e eu nos casamos... foram nossos pais que negociaram a união.

— Bem, desde que nenhum de vocês tem pai vivo... O silêncio reinou por alguns instantes.

— É verdade — Adam acabou por reconhecer. — Serei eu a fazer a proposta. Falarei com Cristiane esta noite.

Cristiane sentou-se perto da janela de seu quarto, cos­turando. Sentia-se em pedaços.   Não podia ficar ali nem mais um dia, agora que descobrira estar apaixonada por Adam e querer Meg como a uma filha. Também desco­brira o que sua mãe combinara com o conde.

Adam já passara um bom tempo com ela, suficiente para decidir se a queria ou não como esposa. Pelo jeito, concluíra que ela não era uma escolha adequada. Não tinha grandes habilidades femininas. Sabia costurar um pouco, mas nunca conseguiria fazer um vestido sem aju­da. Não sabia bordar, nem saberia como governar uma casa.

Aprendera latim, mas de que isso serviria, se Adam já tinha a seu serviço um ótimo administrador que cui­dava de todos os seus negócios?

O povo de Bitterlee a desprezava e até os criados saíam de seu caminho, evitando-a. E ainda havia sir Gerard, que a odiava. Por mais que se esforçasse para corrigir sua pronúncia, nem sempre conseguia falar como uma nobre inglesa. E não havia nada que pudesse ser feito com seus cabelos rebeldes, a não ser que o cobrisse com uma touca, dali para a frente.

Passou a mão pelos olhos para enxugar as lágrimas. Retomou a tarefa, ansiosa por terminar o segundo ves­tido. Tão logo o concluísse partiria para Learick.

Seria muito difícil deixar Adam e Meg. Jamais vira uma criança tão carente. A menina sofria sem a mãe, e o pai mal sabia como lidar com ela. E a ama... bem, pobre Mathilde. Não estava preparada para criar nin­guém. Tratava Meg como se ela fosse um adulto em miniatura.

Pelo menos, Meg começava a falar. Jamais se esque­ceria da mãe, mas tinha chances de superar sua dor e crescer em paz. Agora podia seguir sem sua ajuda.

Quanto a Adam... Haviam trocado um beijo maravi­lhoso, mas fora tudo.

A verdade era que o conde não se apaixonara por ela. Depois de algum tempo, nem se lembraria de sua existência.

Tornou a secar os olhos e decidiu mudar de ares. Es­tava ficando triste demais, ali trancada.

Pegou um pente e procurou colocar as mechas ruivas em ordem, prendendo-as com as fivelas que Adam lhe dera. Decidiu parar de choramingar por alguma coisa que não tinha remédio. Seria sempre uma jovem escocesa nada bem-vinda em solo inglês.

Resolveu dar uma chegada até o lago, quem sabe até a praia. Não tinha intenção de jantar no salão, onde precisaria enfrentar sir Gerard mais uma vez. Também não queria se encontrar com Adam.

Como ainda estava claro, pegou seus livros da arca. Apagou as velas e abriu a porta para sair.

— Adam!

O conde não podia entender como tinha pensado em Cristiane como uma pessoa sem cultura. Ou desarruma­da. Vestida com aquele traje tão bonito que costurara, com os cabelos arrumados, parecia exatamente o que era: uma dama bem nascida. E isso era obrigado a reconhecer.

— Desculpe-me se a assustei, milady. Não era minha intenção. Vim pedir para acompanhá-la até o salão.

Cristiane não respondeu de imediato. Parecia meio es­tranha. Faltava alguma coisa nela, apesar de Adam não conseguir definir o que era. A não ser que Gerard...

— Não estou com fome, milorde. Planejei ir ao lago...

Mostrou-lhe os volumes.

— Pretendia ler um pouco. Mal escondendo sua surpresa, Adam pegou um dos livros.

— Está lendo Opus Maius, de Roger Bacon?

— Sim. Pensei em aproveitar o resto da claridade.

O conde lhe devolveu o livro, admirado por ela poder ler em latim.

— Devo admitir que não estou seguindo à risca os ensinamentos de frade Roger.

— O quê? — Adam indagou, incrédulo. — Pretendia estudar a língua árabe? Ou matemática?

Que Cristiane lesse Opus Maius já era algo que estava além de sua compreensão. Adam ouvira falar desse franciscano, mas sabia que nenhuma mulher parecia inte­ressada em suas idéias. Apoiou-se no batente, para re­cuperar o equilíbrio.

— Não, milorde. Não estudei grego, nem árabe.

— Mas estudou matemática...

— Um pouco.

De súbito, Adam a pegou pelo braço e a puxou para fora do aposento. Como pudera tê-la julgado tão mal? Ficara atento apenas a sua aparência física, nunca se preocupando em saber o que ela pensava ou sabia.

Adam a acompanhou, descendo as escadas, e foram dar um passeio no jardim.

— Onde está a pequena Meg, milorde? Ela não vai jantar, também?

— Não. Minha filha dormiu logo depois de nosso pas­seio. Ficou aborrecida, porque não aconteceu nada de interessante nele.

— Ah, bem...E há algum outro problema?

— Só queria conversar com você.

Vários de seus cavaleiros viriam para o jantar aquela noite, mas Adam não queria pensar em comida. Conhecer mais do íntimo de Cristiane era mais importante e, claro, estava pronto para lhe perguntar se ela queria se tornar a condessa de Bitterlee.

Não. Assim a proposta seria muito formal. Pediria ape­nas que se casasse com ele.

Também isso não parecia bem. Como noivo, precisava deixar a proposta mais pessoal, como Sara aconselhara. Talvez pedisse a Cristiane que lhe desse a honra de se tornar sua esposa.

E aí, o conde lhe diria suas razões.

 

Adam procurou controlar o desejo de tocá-la, ao caminharem pelo jardim. Temia assusta-la com sua falta de habilidade em fazer-lhe a proposta. Sabia muito bem o que Rosamund teria feito se ele a tivesse tocado de maneira muito íntima durante o noivado.   Assim, queria prevenir que não acontecesse a mesma coisa dessa vez.

Daria um certo tempo a Cristiane, antes de se atrever a certas liberdades.

— Os sete patinhos apareceram para comer, hoje à tarde, milorde? Cristiane quis saber quando chegaram ao lago.

— Alimentamos todos eles.

— Que bom! Se conseguirem sobreviver mais uma se­mana, acredito que possam se arranjar sozinhos depois

Adam assentiu. Cristiane parecia saber bastante sobre as criaturas selvagens e possuía uma afinidade incrível com elas.

Raios de um dourado pálido encontravam os cabelos de Cristiane e os tornavam mais brilhantes. O penteado que ela fizera acentuava as linhas delicadas de seu rosto e a linha do queixo.

Os dedos dele doíam por não poder tocá-la e se a beijasse, chegaria ao paraíso. Mas as esposas nunca correspondiam aos avanços dos maridos. Rosa­mund desprezava as relações sexuais. Agora, o conde estava decidido a se conter o quanto fosse necessário para não assustar Cristiane.

— Há uma pequena praia, no outro lado do lago.

— Oh, ainda não estive por lá!

Adam continuava afastado dela, enquanto andavam pela margem do lago. Seguiam no mesmo passo, pois Cristiane, apesar da pele delicada, tinha os ossos fortes e acostumados a exercícios.

— Podemos encontrar cisnes por lá, milorde?

— Eles são raros em Bitterlee.

— Nunca vi nenhum em St. Oln. Eu os reconheceria, se os visse.

— Não tenho dúvidas disso. Onde aprendeu tanto sobre pássaros e animais?

— Com meu pai. Ele era professor. Chegou a estudar em Paris, antes de conhecer minha mãe.

— Então isso explica o livro?

— Sim. E também o motivo porque meu avô mandou mamãe para a Escócia, para se casar com ele.

— Como assim?

— Meu tio conheceu meu pai em Paris.

Chegaram à praia e se sentaram de frente para o poen­te, onde o sol era uma mancha avermelhada sobre o céu azul.

— Pois foi meu tio quem combinou o casamento de meus pais. Disso, eu sabia.

Adam ficou em silêncio, apenas observando o pôr-do-sol. Estava evidente que Cristiane ainda não se refizera da morte dos pais, e preferia falar sempre sobre eles, apesar de assim avivar o sofrimento.

— Mamãe nunca foi feliz em St. Oln. Aquele não era seu lugar.

Talvez Cristiane recusasse sua proposta de casamento pela mesma razão. Acreditaria ser sempre uma estranha na ilha. Mas, com um certo esforço, o povo dali terminaria por aceitá-la. Com a ajuda de Sara, esqueceriam seu lado escocês e a veriam como a condessa de Bitterlee. Sua esposa.

— Agora sei a outra causa da tristeza de minha mãe, milorde. A forma como seu pai a afastou de seu amado.

Adam teve certeza de que ela também se sentiria des­locada em Learick. Ser a sobrinha do conde não era o suficiente para fazer com que as pessoas se esquecessem de que nascera de pai escocês. Sobretudo agora, que mui­tos ingleses haviam morrido nas campanhas do rei Edward contra a Escócia.

Também ainda se lembrariam da indiscrição que lady Elizabeth cometera, apaixonando-se por um caçador. Quem sabe de que modo tratariam Cristiane?

— Sabia pouco do passado de meus pais. — Cristiane retomou a conversa. — Só fiquei sabendo que mamãe tinha ido à Escócia para se casar com meu pai quando já era crescida.

Não havia nada que ele pudesse dizer que a ajudasse a enfrentar essa parte de seu passado.

Cristiane pegou os livros e os abriu com cuidado, tra­duzindo alto uma passagem curta em latim:

— "Algumas vezes, os teólogos discutem a substância da Terra, tentando localizar o céu. Querem saber se ela termina no equador. E se perguntam onde fica o inferno e se os céus têm poder sobre todas as coisas que nascem ou morrem. Ou sobre a alma racional".

— Seu latim é melhor que o meu, milady.

— Duvido de que venha a fazer muito uso dele. — Cristiane ruborizou diante do elogio.

— Concordo. Tenho a sorte de ter sir Charles para cuidar de toda minha escrita.

— Era ele quem se correspondia com minha mãe e que fez os arranjos para que fosse me buscar lá em St. Oln e me trazer aqui?

— Foi. — Aquela parecia uma boa hora para fazer o pedido. — Lady Cristiane...

O livro estava aberto em seu colo, com o vento virando-Ihe as folhas. Ela o fitou e, sem notar, umedeceu os lábios.

— Você e Meg estão se dando muito bem...

— Ela é uma criança adorável.

— E a ilha a agrada.

— Sem dúvida. Se tivesse tempo para visitar cada cantinho dela! Mas vou partir para York e...

— Cristiane: — Adam tomou sua mão e a beijou de leve. — Não precisa partir de Bitterlee.

— Mas eu...

— Fique, por favor. Fique na ilha e se torne minha esposa.

Cristiane teria batido palmas de contentamento se Adam tivesse mostrado mais entusiasmo, algum interes­se pessoal por ela, a não ser querer que ficasse para tomar conta de sua filha.

Ele estava sendo frio, distante, como se a resposta dela fosse de somenos importância.   Encarou-o e viu que havia algo nas profundezas daqueles olhos escuros, algo que não podia definir bem.

Se o conde pelo menos a tocasse, talvez mesmo a bei­jasse de novo... Queria tanto sentir os braços dele envol­vendo seu corpo, encostar-se nele... Desejava que a qui­sesse tanto quanto ela o queria. Então, saberia como responder a sua proposta.

Estava sendo tola.

Muitos casamentos, mesmo o de seus pais, se realizaram por outros motivos que não a paixão entre os noivos. Títulos, condados, poder político... Por isso se deveria casar.

Na realidade, quando Cristiane chegasse ao condado de seu tio, poderia nem sequer arranjar um marido, pois não tinha terra, nem dote, nem ligações políticas. No mínimo, seria recebida como o que era: uma escocesa.

Seria igual como ali na ilha. Muito embora em Bitterlee pudesse estar com Meg e fazer lindos passeios. E ficaria perto de Adam.

Talvez o conde não estivesse querendo se casar com ela apenas para que Meg tivesse uma nova ama. Adam acertara quando dissera que Cristiane se dava bem com Meg e adorava a ilha. O que não sabia era que se apaixonara por ele e teria ficado ali, mesmo que Adam não a tivesse pedido em casamento.

— Não tenho dote, milorde.

— Um dote não é necessário.

— Mas o povo da ilha não me aceitará como a senhora daqui. — A voz dela era um mero sussurro. Seu coração batia em disparada, à medida que o rosto dele ficava cada vez mais próximo.

Adam pretendia tocá-la... A qualquer momento, a beijaria...

— Isso pode mudar, pouco a pouco. — Adam deu um passo para trás, temendo fazer a coisa errada e assustá-la.

Cristiane percebeu que o conde estava agitado. Acre­ditou, de repente, que a resposta dela a sua proposta era de grande importância para ele.

Estava confusa, mas precisava tomar sua decisão.

— Então, milorde, eu ficarei. Serei sua esposa.

— Papai vem também, Cristy? — Meg indagou, quando saíam do castelo para pegar o caminho para a cachoeira.

O sol estava bem quente, e parecia uma tarde perfeita para se nadar.

—Não. Seu pai falou que virá se encontrar conosco mais tarde. Tinha uns assuntos para resolver na cidade.

O coração de Cristiane estava repleto de felicidade, e nada iria estragar aquele dia, mesmo que Adam estivesse se comportando de maneira um tanto estranha. Não im­portava que quisesse manter uma distância entre eles. Devia estar preocupado com as mudanças que adviriam depois que se casassem.

Enquanto isso não acontecia, ela e Meg nadariam, brin­cariam perto da cachoeira, e, durante o jantar, ouviriam Adam anunciar o noivado.

Sorriu, imaginando a cena.

— Levando a bobinha para um passeio?

Meg soltou a mão de Cristiane e escondeu o rosto nas saias, quando ouviu o tio.

— Tente manter uma linguagem civilizada, sir Gerard, ou vou acreditar que a ilha recebeu o nome de Amargura por sua causa. — Tornou a pegar a mão de Meg e retomou o caminho.

Alguns homens que estavam por perto deviam ter es­cutado a troca áspera de palavras, porque começaram a rir. Cristiane não sabia de onde lhe viera a coragem de falar daquele jeito com Gerard, mas não estava arrepen­dida, Se ele voltasse a ofender Meg e caçoar de sua di­ficuldade de falar direito... bem, não seria responsável por suas ações.

Apertou a mãozinha da menina, com carinho. Meg a olhou como se sua vida dependesse dela.

— Será que nossa raposa vermelha virá nos encontrar hoje, querida?

— Você trouxe pão para ela?

— É muito esperta, Meg. — Cristiane gostava da idéia de que iria ser sua mãe. Queria muito protegê-la de tudo o que pudesse magoá-la. — Sim, eu trouxe pão.

Alcançaram as rochas e começaram a descer, chegando muito perto da cachoeira. Ficaram ali passeando, até que resolveram nadar.

Cristiane olhou para todos os lados, para ver se esta­vam mesmo sozinhas, antes de tirar as roupas.

Suspeitava que os ingleses consideravam que nadar nu era coisa de bárbaros, mas sempre nadara nua em St. Oln. Além do mais, agora não tinha um traje próprio para usar na água. Meg devia ter um. Cristiane ia pro­curá-lo e o traria, na próxima ocasião.

Por ora, já que se encontravam sozinhas, o sol brilhava e o dia estava maravilhoso, iam nadar mesmo sem roupa.

— Venha, Meg. Há uma lagoa azul sensacional a nossa espera.

Não havia razão alguma para esperar três semanas para se casar com Cristiane, apesar de os costumes de­terminarem que assim se fizesse.

Bem cedinho, Adam despachara um de seus homens para levar ao bispo de Alnwick cartas que o padre de St. Oln lhe dera, uma outra de lady Elizabeth e outra ainda do padre Beaupré, atestando que o casamento entre Adam e Cristiane poderia acontecer, porque era legal.

A jornada iria demorar poucos dias, e a permissão viria. Era até possível que estivesse casado no fim da semana.

Adam não queria esperar mais. Bem, achava que não conseguiria esperar mais.

Olhou para o lago, onde Cristiane e Margaret nada­vam. Prometera ficar só admirando as duas, mas estava difícil resistir ao impulso de descer e ir encontrá-las. E por que não poderia fazer isso? Uma delas era sua filha, e a outra, sua noiva, que logo seria a sua mulher.

Cristiane estava toda mergulhada na água, mas mes­mo assim a anatomia de Adam reagiu de uma maneira que já lhe era familiar. Fazia anos que não se sentia assim, e chegava a se espantar com a intensidade de sua paixão por Cristiane.

Jurou que iria se controlar. Teriam muitos anos pela frente. E, com certeza, seriam diferentes dos que passara com Rosamund.

Desejava Cristiane e sabia que, se fosse com cuidado, iria despertar aquele lado mais selvagem que percebera existir nela. Nem todas as esposas temiam o ato sexual.

Mas a mãe de Adam e a própria Rosamund tinham aversão ao toque de seus maridos.

Adam queria que seu novo enlace fosse diferente e que Cristiane o tocasse com prazer. Queria dormir abra­çado a ela, todas as noites.

Nunca vira os pais dormirem juntos, nem ele mesmo passara uma noite inteira com   Rosamund. Sua mulher jamais fora procurá-lo nos aposentos dele, e nas raras ocasiões em que Adam a visitara deixara claríssimo que não era bem-vindo para pernoitar.

Não tinha dúvidas de que manter Cristiane MacDhiubh bem perto de si, enquanto dormiam, seria uma delícia que não podia ser evitada.

Com calma, faria Cristiane se acostumar a sua pre­sença. Iria ser preciso bastante paciência, para não as­sustá-la. Procuraria estar sempre a seu lado, passear na praia com ela, convencê-la de que a primeira noite que teriam juntos na cama lhe daria tanto deleite quanto a ele.

Procurou não se adiantar demais aos acontecimentos. Decidiu que chegara a hora de pôr suas idéias em ação.

Rindo, começou a descer as rochas, certo de que a presença de Meg no lago iria deixar Cristiane menos agitada, mais segura.

Meg estava nadando como um pato. Cristiane mara­vilhava-se com o progresso e sabia que, com mais algumas aulas, poderia deixar a menina sozinha na água.

Meg boiava, enfiava a cabeça no lago como os patinhos, movimentava as pernas com perfeição.

As águas estavam bem frescas. Meg não ficava mais azulada com o frio; assim Cristiane a deixava cada vez mais tempo nadando. Duvidava que a pequena tivesse alguma vez se divertido tanto.

Mathilde era muito severa com a criança, e Cristiane teria de conversar com Adam sobre disso. Quando fora buscá-la para nadar, encontrou Meg de joelhos no chão de pedra da capela, rezando pela alma de sua falecida mãe.

Aquilo de nada contribuía para que a menina supe­rasse sua perda.

Agora, Meg batia os pés e as mãos e ria, feliz. De repente, seus olhos ficaram mais brilhantes.

— É papai! — gritou.

 

Cristiane gemeu, embaraçada. Estava nua, e a água transparente iria permitir que Adam a visse com nitidez.

Olhou em volta, ansiosa para ver onde colocara as roupas. Avistou-as longe, penduradas em uma árvore, junto com as de Meg.

— Veja, papai! — Meg enfiou o rosto na água, mos­trando o que podia fazer, sem ajuda de ninguém.

— Muito bem! Você está nadando como um patinho! E lady Cristiane? Também sabe nadar?

Ela lhe dirigiu um olhar que dispensava uma resposta.

— Sim! — Meg afirmou, entusiasmada. — Cristy mer­gulha bem fundo!

— Ah... E será que posso nadar com vocês?

— Não, milorde! — Cristiane exclamou, alarmada.

A última coisa que queria era ver Adam se despir também e pular no lago.

Meg começou a tremer de frio, e Cristiane compreendeu que era hora de sair da água e se aquecer.

— Devemos parar, querida. Papai poderá puxá-la para fora,

— Quero que você me puxe, Cristy.

— Não desta vez, minha queridinha. Estenda os bra­ços, e papai a pegará.

Adam se achava perto demais da lagoa, e Cristiane não se sentia à vontade. Cruzou os braços sobre os seios, tentando escondê-los. Nunca tomara tanta consciência de sua nudez como naquele instante. Além de tudo, a água estava fria, e teria de sair logo dali.

Adam tomou Meg no colo, levando-a até a rocha, onde havia uma toalha, e passou a secar a filha com carinho. Cristiane suspirou, desejando estar no lugar da menina.

Naquele momento, seus olhares se encontraram. En­rubesceu e submergiu, tentando esfriar-se, aplacando o calor que sentia.

Adam ficou ao sol, secando Margaret. Sabia que Cris­tiane não podia ficar muito mais na água gelada da lagoa. Teria de sair e ir a seu encontro, mais cedo ou mais tarde.

— Já está bem sequinha, Meg?

— Estou. E Cris... ty?

— Ela sairá logo. Se isso não acontecer, iremos lá buscá-la.

Cristiane emergia naquele momento.

— Cris... ty! .

— Sim, anjinho... — Puxou os cabelos para trás e olhou, nervosa, para Adam.

O conde prometera a si mesmo não espantá-la. Ia dei­xá-la à vontade para fazer com que confiasse nele.

— Milady, eu e Margaret vamos dar uma volta e lhe dar um momento de privacidade. —Ergueu a garota em seus braços e caminhou até o outro lado da cachoeira. — Quando estiver pronta, pode nos chamar.

O barulho da queda d'água não o impedia de ouvir os ruídos provocados por Cristiane ao sair da água e seus passos até a rocha onde estavam as suas roupas. Esperou por um momento, confiando que Margaret, que não des­grudava os olhos dela, avisasse quandoCristiane já es­tivesse composta.

— A raposa, papai! — Margaret apontava.

Sem pensar, ele se voltou depressa e, apesar de ter a água da cachoeira entre ele e Cristiane, pôde ver suas curvas meio despidas.

Ela cobrira apenas parte do corpo com a toalha e estava de pé, os olhos pousados na lagoa de onde saíra havia pouco.

Adam viu como a raposa olhava para todos os lados procurando saber se havia gente por perto.

— Fique quietinha, Meg — sussurrou para a filha. Bem devagar e sem fazer barulho, Cristiane pegou algo do meio de suas roupas. Deu um passo. A raposa parou de beber, observando-a.

Cristiane deu mais um passo, e a raposa sentou-se, farejando o ar. Então, escondeu-se entre as rochas. Ainda segurando a toalha, Cristiane deu um último passo e alcançou o lugar onde a raposa estivera, deixando ali um pedaço de pão.

Adam prendeu a respiração quando ela se inclinou.

Virou-se de costas, antes que Cristiane percebesse que ele estivera olhando seus seios volumosos, suas pernas perfeitas, a curva de seus quadris.

— Você já se esquentou, Margaret?

— Já, papai. Agora, quero ver a raposa.

Adam ficou admirado por a filha ter conseguido falar uma frase inteirinha, sem dificuldade. Colocou-a no chão, ansioso por contar isso para Cristiane.

— Podem se virar — Cristiane disse-lhes, amarrando o último laço do vestido.

Adam admirou-se de tanta formosura. Os cabelos mo­lhados formavam ondas que conferiam uma graça toda especial a seu rosto. Ficou imaginando como Cristiane reagiria se a beijasse naquele instante.

— Cris... ty! — Meg chamou, correndo para seus bra­ços. — A raposa!

— Ela estava aqui, não é?

— Foi embora.

— Sim, Meg, mas sem dúvida voltará. Não concorda comigo, milorde?

— Isso não me surpreenderia.

— A raposa volta hoje?

— Talvez, querida. — Cristiane calçou os sapatos. — E, quando achar o pão, virá outras vezes.

— Como os patinhos?

— Isso mesmo.

— Cristiane, que tal contarmos a novidade para Meg?

— Isso fica a seu encargo, milorde. — Ainda não con­seguia acreditar que logo seria a lady de Bitterlee.

— Não mudou de idéia, não é?

— Não, sir.

Cristiane percebeu que Adam ficara aliviado. Não con­seguia entendê-lo. Às vezes, era formal e distante. Em outras ocasiões, parecia querer beijá-la. Era mais prová­vel que estivesse preocupado que ela não fosse cuidar de Meg.

Cristiane não poderia mudar de idéia, nem que qui­sesse. Não conseguiria deixar Adam, nem a menina. Nem mesmo a ilha.

— Meg, meu bem, seu pai tem uma novidade para lhe dizer.

Margaret fitou o pai, interessada.

— Lady Cristiane decidiu ficar conosco na ilha. Irá se tornar minha esposa, e sua nova mãe.

— Ma... mãe? Ma... mãe está no céu, com Nosso Senhor.

— Claro, Meg — Cristiane falou com suavidade. As palavras da menina pareciam ter saído da boca de Mathilde. — Sua verdadeira mamãe está no céu. Mas eu estarei aqui, com seu pai, para tomar conta de você.

A menina ficou calada, olhando para o ponto em que a raposa tinha bebido água, momentos atrás. Depois, olhou para a cachoeira, como se estivesse distraída.

Adam começou a ficar preocupado.

— Meg? — Cristiane pegou sua mãozinha. — Você não quer que eu fique?

De repente, engoliu em seco. E se a menina não a quisesse a seu lado? Adam desistiria do casamento?

— Quero que fique, Cristy. E dê comida aos patos.

— Pedi autorização ao bispo de Alnwick para nos ca­sarmos — Adam contou a Cristiane, ao retornarem.

Meg ia à frente deles, parando de vez em quando para colher alguma flor que a interessasse.

Cristiane ficou surpresa que Adam quisesse apressar o casamento. Em geral se levava três semanas para a leitura dos proclamas.

— É possível que nos casemos no final da semana. Adam ansiava por fazê-la sua mulher ou para que Meg tivesse logo uma nova mãe? O conde a teria mandado em­bora para York, se Meg não a quisesse ali em Bitterlee?

— Não serei um marido exigente demais, Cristiane.

— Oh, mas eu...

— Não quero que tenha medo de mim.

— Não tenho, milorde.

Pensou ouvi-lo suspirar, mas podia ter se enganado.

Adam parou um pouco, por causa da dor da perna, e Cristiane aproveitou a parada para rememorar o beijo que ele lhe dera. Parecia ter acontecido tanto tempo atrás...

— Você conseguiu com que minha filha voltasse à nor­malidade em um espaço muito curto, Cristiane.

— O problema é que a menina passava muito tempo de joelhos, rezando pela mãe.

— Eu sei que Mathilde exagera nas preces e na devoção...

— Exagera, mesmo. Passa horas entretida em suas rezas, e faz Meg rezar o dia inteiro.

— Não tinha percebido. Eu achei... — Adam meneou a cabeça. — Isso é indesculpável. Devia ter visto o que estava acontecendo.

Cristiane gostaria de saber como teria sido a vida de Adam, depois da batalha de Falkirk. Ele retornara a Bitterlee ferido e ficara sabendo que estava viúvo. Devia ter sido difícil lidar com seu próprio sofrimento e com o da filha. Talvez ele ainda sofresse com a morte da esposa.

— Milorde não se encontrava ferido, quando voltou de Falkirk?

Como Adam não respondesse, ela continuou expondo a sua teoria:

— Imagino que sua recuperação tenha sido difícil.

— Sim. Mas isso não serve para desculpar minha ne­gligência com Margaret.

Cristiane sabia, pelo modo como ele mancava, que sua perna ainda doía. Olhou para a cicatriz em seu queixo e imaginou o que ele passara guerreando para seu rei.

— Uma vez quebrei meu braço, milorde. O osso transpassou a carne. Lembro-me de como doeu por meses. Minha mãe colocava linimento e depois massageava todos os dias, e meu pai me obrigava a exercitá-lo.

— Seu braço parece bom, agora.

— E o mesmo vai acontecer com sua perna. Se tiver linimento, posso... — Parou de falar, quando percebeu que estava quase se oferecendo para passar o remédio em sua perna e massageá-la. — Isto é, se tiver linimento, deve passá-lo e...

— Tenho, sim — A voz dele estava diferente agora. Mais baixa, mais profunda.

— Talvez alguém possa...

— Cris... ty! — Meg gritou, salvando-a do embaraço. A criança correu até eles com um maço de flores na mão e as entregou para Cristiane. Depois, foi para longe deles, cheia de energia.

Cristiane entregou Meg aos cuidados de Mathilde e recolheu-se a seu quarto. Uma criada já estava lá, pre­parando seu banho. Sorria, tímida.

— Seu banho, milady. — Curvou-se com respeito.

— Obrigada.

Até então nenhum dos empregados do castelo fora simpático com ela, e assim desconfiava de qualquer amos­tra de cortesia.

— Quer que a ajude com os laços?

Cristiane ficou parada, olhando a criada, tentando des­cobrir se aquilo estava acontecendo mesmo ou se era fruto de sua imaginação. Por fim, virou-se e permitiu que a jovem a auxiliasse a se despir.

— Tomei a liberdade de terminar a costura de seu vestido, milady.

— Ora, obrigada! — Fitou o vestido, que agora estava em cima da arca.

— Se me permite a ousadia, milady, queria dizer que o que está fazendo para a filha do conde de Bitterlee é maravilhoso. Como a pequena mudou... Não importa mais se milady é escocesa.

— Bem, eu...

— A criança não andava bem, desde que sua mãe mor­reu. Aí, milady veio para cá, e a doce Margaret está normal, agora.

— Espero que sim. Ela é uma menina adorável. Cristiane acabou de se despir e entrou na banheira.

Não pensara em tomar um banho naquele momento, por­que acabara de sair da lagoa, mas não teve coragem de decepcionar a criada. Esse era o primeiro gesto de ami­zade que recebia de alguém de Bitterlee.

— Qual é seu nome?

— Sou Beatrice, milady. Mas pode me chamar de Bea, como todos o fazem.

Adam mandara preparar um jantar especial para aquela noite em que ia anunciar seu noivado. Tinha cer­teza de que muitos se colocariam contra a união, mas esperava que, aos poucos, fossem reconhecendo os valores de Cristiane e a aceitassem. Se isso não acontecesse, estava disposto a enfrentar qualquer um que lhe negasse o direito de fazê-la sua esposa.

— Podia ter feito uma escolha melhor — Gerard co­mentou, tomando seu copo de bebida.

— Se está se referindo a meu casamento, tio, então devo discordar de você. Estou muito satisfeito com minha escolha.

— Mas uma escocesa?

— Cristiane é escocesa só por parte de pai. Sua mãe foi uma nobre inglesa. Espero que se lembre disso, quando nos casarmos:

— Pois ela se casará com você só para não ter de sair da ilha. Não há parte que ainda não conheça. Bitterlee a faz lembrar-se de sua terra natal.

Esse comentário preocupou Adam. O tio teria seguido Cristiane pela ilha, espionando-a?

— A moça não serve para você, Adam. Seria melhor que fosse até Watersby toda vez que precisasse de uma mulher, em vez de pegar essa... selvagem.

— Mantenha-se longe dela, Gerard. Estou avisando. Adam avistou Raynauld já sentado à mesa, ao lado de sir Elwin e sua mulher, Letícia. Podia contar com aqueles dois homens para darem proteção a Cristiane. Sabiam que ela não era uma escocesa sedenta de sangue, nem uma oportunista.

Era verdade que gostava da ilha, mas isso não repre­sentava um problema. Ao contrário. A condessa de Bit­terlee deveria se sentir bem em seu lar. Não ia se prender a uma companheira como Rosamund, que odiava a ilha e se sentia isolada e infeliz ali.

De súbito, todos ficaram em silêncio. Cristiane apare­ceu no topo da escada.

Estava tão bela que Adam sentiu a garganta ficar seca. Seu vestido dourado marcava-lhe o corpo sedutor, e ele ficou imaginando como podia ser tão bonita vestida como quando nua.

Adornara os cabelos com uma fita feita com o pano da roupa. Irradiava beleza, saúde e um certo nervosismo.

Adam subiu os degraus para escoltá-la até embaixo e viu que suas mãos tremiam um pouco.

— Milady... Está vendo sir Elwin lá embaixo? Perto dele está sua esposa, Letícia. Mais adiante, Raynauld.

— Onde está Meg?

Adam percebeu que ela encontrara o olhar de sir Ge­rard e estreitara os lábios.

— Minha filha jantará em seu quarto, hoje, junto com Mathilde. E não terá de fazer mais preces, a não ser uma bem curta antes de dormir.

Cristiane arregalou os olhos, encantada.

— E o que Mathilde fará a partir de agora?

— Pedi que ensinasse a Margaret alguns jogos. Que invente diversões para passar o tempo.

Com um sorriso tenso, Cristiane foi descendo a esca­daria. Sentia-se feliz com sua aparência, porém não es­tava à vontade. Todos ali a esperavam em silêncio, talvez desejando que cometesse algum erro, o que os divertiria.

— Lady Cristiane... — Elwin aproximou-se — ...quero lhe apresentar minha esposa, Letícia.

— É um prazer conhecê-la, milady. — Uma jovem bo­nita, de cabelos pretos e faces rosadas, sorria para ela.

— O prazer é meu, Letícia.

Então, todos começaram a falar ao mesmo tempo.

Vários cavaleiros se aproximaram, e Cristiane foi apre­sentada a todos. Ela se portava com graça e refinamento, para grande satisfação de Adam.

— Vamos nos sentar? — Adam puxou-lhe uma cadeira. — Parece que o pior já passou.

Os criados andavam de um lado para o outro, trazendo os pratos cheios de deliciosas iguarias e garrafas de cer­veja preta. Os músicos começaram a tocar, e alguns ma-labaristas iniciaram sua exibição.

Adam lamentava que Penyngton não estivesse presen­te, o que levantaria bastante o moral de Cristiane, mas ele continuava doente demais para sair de seu quarto.

Pela primeira vez, desde que soubera que o amigo adoe­cera, Adam temia que ele morresse. A tosse piorava cada vez mais, assim como a febre, que não baixava com ne­nhum remédio.

Adam mandara chamar Sara para fazer o que fosse possível, e a jovem prometera que viria e ficaria ali o quanto fosse necessário. Isso o deixava mais sossegado.

Queria apresentar Sara a Cristiane naquela noite. Não acreditava que viesse a reconhecer Sara como irmã, em público. Claro que contaria a sua futura esposa sobre o parentesco. Além do mais, Sara era muito respeitada na comunidade, e Cristiane deveria conhecê-la.

Os cozinheiros de Bitterlee capricharam na refeição. No entanto, Adam percebeu que Cristiane mal tocara na comida.

Mas, para seu alívio, Gerard desaparecera da mesa.

Adam olhou em volta e percebeu que, mesmo com os músicos, os artistas, a refeição deliciosa e a cerveja preta, que era servida à vontade, ninguém parecia muito ani­mado.As pessoas de Bitterlee não estavam preparadas ainda para aceitar Cristiane como sua esposa.

— De que milagre milady lança mão para fazer mi­nha filha comer? — Adam perguntou a Cristiane, com curiosidade.

— Milorde?

— Você mal tocou em seu prato. Então, pensei em usar do mesmo milagre para convencê-la a comer.

Cristiane ruborizou e mordeu o lábio.

— Não estou com muito apetite... — Falava devagar, para esconder seu sotaque.

— Cristiane, não a julgo pelo modo como fala. Não precisa se preocupar com isso, quando conversa comigo.

— Receio que os outros vão reparar, milorde.

— Não por muito tempo.

Adam levantou-se e, pegando a faca, bateu-a em um copo, para chamar a atenção de todos. Os músicos pa­raram de tocar, os malabaristas largaram suas bolas e todos se calaram. Logo, havia uma profunda quietude na sala.

— Quero agradecer a todos por terem vindo aqui, hoje.

Adam falou da tempestade, que causara tantos estra­gos na cidade, e como os consertos estavam sendo feitos. Brincou com os soldados porque eles faziam o trabalho dos fazendeiros. Por fim, tocou no assunto principal:

— Estamos celebrando esta noite meu noivado com lady Cristiane, de St. Oln. O matrimônio será realizado daqui a dez dias, na Igreja da Santa Cruz. Minha noiva e eu convidamos a todos a comparecer à cerimônia e à festa que se dará a seguir.

Os cavaleiros começaram a aplaudir, mas os demais continuaram sem se manifestar, pelo visto chocados com a notícia.

Adam jamais vira Cristiane tão nervosa.

— Um brinde! — Sir Elwin levantou-se antes que Adam pudesse dizer o que quer que fosse.

Os cavaleiros e suas esposas ergueram seus copos e desejaram ao conde e a sua noiva uma vida longa e prós­pera, juntos. Antes que o brinde terminasse, todos os outros convidados os imitaram.

Apesar de relutantes ao brindarem, Adam teve de re­conhecer que já era um começo. Por ora, não podia esperar mais do que isso.

 

A chuva era iminente. Cristiane podia sen­tir a mudança na atmosfera densa que, combinava com seu estado de espírito.

Respirou fundo, ali de pé, junto do parapeito da torre mais alta. Lembrou-se de que fora naquele ponto que encontrara Adam na primeira manhã que passara em Bitterlee.

— Achei que ia encontrá-la aqui.

Virou-se e encontrou o olhar carinhoso de Adam.

— Vão aceitá-la, com o tempo.

Cristiane continuou calada. Não se sentia assim tão otimista. O desdém do povo de Bitterlee a magoava, mes­mo que esperasse que agissem assim. Isso não ia fazê-la quebrar a promessa de se casar com Adam.

Não podia deixá-lo, nem que todos ali a odiassem.

— Quantos homens perdeu na batalha de Falkirk, milorde?

— Setenta.

Cristiane suspirou, desanimada. Tantas vidas. Tantas famílias afetadas. Como conseguiria conquistar aquele povo sofrido? Como deixariam de vê-la como uma inimiga?

— Todos os cavaleiros que você conheceu hoje no jantar também estiveram lutando na Escócia. Eles não a res­ponsabilizam pela morte de nossos soldados.

— Mas eu represento a causa do sofrimento deles.

— Seus sentimentos mudarão, Cristiane.

Adam aproximara-se e colocara as mãos nos ombros dela. Por um instante, Cristiane pensou que ia beijá-la.

— Reconhecerão o que você tem feito por Margaret.

Cristiane voltou-se de novo para o parapeito. Lógico que Adam não pretendia beijá-la, porque, se quisesse fazê-lo; já o teria feito.

Talvez a tivesse beijado daquela outra vez por estar agradecido diante das mudanças no comportamento da filha. Dali em diante, parecia evitá-la.

Tinha de se resignar a ser uma mãe substituta para a menina e ficar em um segundo plano para Adam. Seria sua esposa e a mãe de Meg. Talvez um dia ele se apai­xonasse por ela.

Não podia contar com isso, porém. Um trovão ressoou a distância, anunciando que o agua­ceiro estava prestes a cair. Adam pensou em abraçar Cristiane e fazê-la confiar no futuro, mas isso talvez der­rubasse suas boas intenções e ele perdesse o controle, vindo a fazer algo de que se arrependeria mais tarde.

A paciência era a chave para chegar até o coração dela. Pretendia cortejá-la e nunca assustá-la com avanços eróticos. Logo que se casassem, iria se aproximar dela como um marido, mas, antes disso, pretendia respeitá-la acima de tudo.

— Vai chover.

— A tempestade será tão devastadora como a última que tivemos, milorde?

— Espero que não. Já houve estrago demais na cidade. Não precisamos de outros.

— Meg sempre teve medo de trovões?

— Então a ouviu gritar, na noite em que chegou?

— Ouvi.

— Antes de minha partida para lutar na Escócia, e com a mãe ainda viva, ela não tinha medo algum. Agora, basta o som de um trovão para deixá-la em pânico. E não é conveniente para alguém que vive em Bitterlee ter medo de tempestades.

Mesmo com a pouca claridade, Adam pôde ver que Cristiane franzira a testa, como se estivesse com um problema. Talvez se preocupasse com Meg e procurasse uma forma de fazer a menina superar seu trauma.

Naquele momento, ela estava perto demais daquele parapeito...

Estremeceu e deu um passo para trás.

Quando ouviu o grito cortar a escuridão, Cristiane sa­bia o que era. Apesar de ter certeza de que Adam também ouvira e já devia ter ido ao quarto de Meg, ela pulou da cama e acendeu uma vela. Ia também ver como a pequena estava.

Encontrou Adam abraçando Meg. Estava de costas para a porta e foi Meg quem a viu primeiro.

— Cris... ty!

— Estou aqui, minha querida.

Outro trovão fez a janela estremecer, e Meg tornou a gritar, chamando pelo pai.

— Estamos aqui com você, filhinha. Não precisa ter medo.

— Mamãe! — Escondeu o rosto no peito nu de Adam. — Volte!  

— Cristiane está aqui, querida. E não está indo embora. Cristiane sentou-se na cama e colocou o braço em volta de Margaret.

— Tente não deixar que o vento e o trovão a assustem, Meg. Eles não vão machucá-la.

— Machucaram a mamãe!

— Nada disso, filha. Mamãe se machucou na queda. Cristiane olhou para Adam, surpresa. Nunca o tinha ouvido falar de como Rosamund falecera. Então, tinha sofrido uma queda! Teria sido durante uma tempestade? Quem sabe se escorregara dos rochedos perto da praia... Essa podia ter sido a razão de Adam não querer que ninguém descesse até lá.

— Estava chovendo quando lady Rosamund caiu? — Cristiane não conseguiu deixar de perguntar a Adam.

— Não sei. Ela morreu na semana anterior a minha volta de Falkirk.

— Talvez devêssemos descobrir.

A borrasca passou sem causar maiores danos, e a vida continuou como antes. Cristiane e Meg alimentavam os patinhos e nadavam no lago da cachoeira, enquanto Adam apenas as observava,

Ele sabia agora que Rosamund tinha pulado do para­peito durante uma chuvarada violenta. Mas por que Meg fazia essa ligação entre tempestades e a morte da mãe? Não era possível que a menina a tivesse visto se matar! Agora, o jeito era esperar que a pequena fosse se acos­tumando a se sentir segura quando chovesse.

Com o passar dos dias, o estado de saúde de Charles Penyngton piorou, e Cristiane procurou não visitá-lo de­mais, porque isso o cansava. Sara Cole, no entanto, pas­sava uma boa parte de seu dia no castelo, cuidando dele.

— Há alguém na cidade que não esteja contra meu casamento com Cristiane?

Adam conversava com Sara, depois que ela acabara de dar o remédio a Charles. A febre diminuíra, e Charles adormecera. Sara podia voltar para sua casa e cuidar de outros doentes.

— Lógico que sim, milorde. Mas há também aqueles que vão desprezar Cristiane para sempre, por causa de seu sangue escocês.

— Você os conhece, Sara. Vive com eles. Acredita que vão mudar de opinião um dia?

— Todos o admiram muito, sir. Não posso imaginar que desdenhem sua esposa por muito tempo.

— Percebi que alguns criados estão mais simpáticos com ela.

Na verdade, as criadas mais jovens tinham começado a sorrir para Cristiane e servi-la melhor. Os empregados homens também não estavam assim tão hostis.

— O povo de Bitterlee acabará fazendo o mesmo. — Sara parecia confiante.

— Espero que sim.

— Papai! — Margaret os interrompeu, e o conde viu a menina correndo a seu encontro.

Cristiane ficara para trás, parecendo hesitar em se reunir a ele e a Sara.

Adam pegou Sara pelo braço e levou-a de encontro a Cristiane.

— Milady, quero que conheça Sara Cole — ele disse, ao mesmo tempo que pegava a filha no colo.

Cristiane desejou estar mais bem vestida, mas usava justo seu vestido desbotado. Os cabelos, despenteados como sempre.

— Como vai, sra. Cole?

— Chame-me de Sara, por favor. Estou tão feliz em conhecê-la, milady... O conde de Bitterlee fala sempre de você.

Cristiane não conseguiu deixar de sentir ciúme. Adam podia ter falado com Sara sobre ela, mas nunca citava o nome da jovem quando conversavam. Devia ter con­versas íntimas com aquela mulher.

E Sara era bonita, com uma pele perfeita e feições adoráveis.

— Tenho certeza de que não há muito o que dizer de mim. — Cristiane procurou esconder seu sotaque escocês.

— Está enganada. Adam tem contado o que fez por Margaret... — Sara se aproximou da menina e alisou seus cabelinhos loiros.

Cristiane foi dominada pelo desejo irracional de dizer a Sara que se afastasse de sua filha. E isso era ridículo. Sara Cole conhecia Meg fazia muito mais tempo que ela.

— Também me contou dos patinhos que você e Mar­garet alimentam. E falou-me sobre uma raposa que tem ido comer em sua mão.

Cristiane olhou surpresa para Adam. Como ele sabia que a raposa havia se aproximado dela sem medo? Na ocasião em que o conde estivera na cachoeira, a raposa ainda estava arisca. Então, devia ter ficado espiando as duas de longe mais vezes...

Seu rosto ficou quase roxo. Adam a vira nadando com Meg, e as duas ficavam sempre nuas quando estavam na lagoa.

— Eu... eu...

— É preciso ser uma pessoa especial para saber lidar assim com os animais selvagens — Sara a elogiou.

— Talvez seja porque gosto tanto deles e os respeito. — Não conseguia encarar Adam naquele momento.

— Quero água, Cris... ty! — Meg pediu, soltando-se dos braços do pai e correndo para Cristiane.

— Se me dão licença... — Cristiane aproveitou a chance de escapar dali e esconder seu embaraço. — ...vou dar água a Meg. Foi um prazer conhecê-la, Sara.

Quando entrou no hall, os cachorros vieram correndo, ansiosos por agrados.

“Sei mesmo lidar com animais. Pena que não tenho tanta habilidade em tratar os empregados, nem sei cuidar de doentes..."

— Raça... — Gerard olhou com cinismo para Cristiane.

— Algo que atesta contra você.

Cristiane não notara a presença dele e tratou de sair dali o mais rápido possível, levando Meg consigo.

— Você não se compara a Sara, mocinha. Ela seria uma melhor escolha para Bitterlee.

Mesmo que já estivesse longe daquele homem horrível, Cristiane ainda conseguia ouvir o que ele dizia. Dessa vez, porém, tinha que concordar com Gerard.

Adam encontrou Cristiane e a filha sentadas em uma das escadarias, tomando água. Os dois cachorros estavam esparramados ali perto, olhando em expectativa para a nova dona. Como todos, queriam a atenção de Cristiane.

Não conseguia esquecer a expressão que ela fizera ao descobrir que a espiara, às escondidas, quando na ca­choeira. Enrubescera, e surgira um brilho em seus olhos no instante em que criara coragem de encará-lo.

Esse era um progresso interessante.

— Viajaremos para a cidade amanhã. — O conde se sentou num degrau.

Sara ia organizar uma festa para apresentar Cristiane aos que ainda não a conheciam, gostara dela e acreditava que o povo acabaria por apreciá-la, se tivesse oportuni­dade de conhecê-la melhor.

— Não, papai!

— Por que não, Margaret?

— Temos de dar comida aos patos!

— É verdade. Sendo assim, temos que encontrar al­guém que faça isso, quando estivermos fora.

Margaret ficou pensativa.

— Veja, haverá uma festa na cidade. É para festejar meu noivado com lady Cristiane, e não podemos deixar de ir.

— Mas, Adam...

— Não me diga que também não quer deixar os patos por um dia, Cristiane — provocou-a.

Adam faria qualquer coisa para que sumisse aquela linha de preocupação que lhe marcava a testa. Sabia que era importante para Cristiane ir à cidade e misturar-se com a população.

Ninguém conseguiria odiá-la se a conhecesse bem.

— Ora...

— Não se preocupe. Estarei a seu lado, e não deixarei que nada de mal lhe aconteça.

A impressão que Cristiane teve da cidade era de que era toda povoada por crianças. E por alguns adultos cautelosos.

Pelo menos Gerard Sutton não estaria ali para au­mentar ainda seu constrangimento.

O dia amanhecera bastante fresco, e os músicos toca­vam, animando o ambiente. Havia acrobatas e malabaristas encantando a criançada. Adam cumpria o prome­tido e não se afastava por nenhum momento sequer de Cristiane. Assim, ninguém ousava ser agressivo com ela. Ao contrário, alguns pareciam até amigáveis.

— Muitas felicidades para você. — Uma garotinha en­tregou um maço de flores a Cristiane.

— Obrigada. Qual é o seu norrie?

— É Gemette, milady. — A menina sorriu, antes de ir embora correndo.

Meg se mantinha agarrada nas saias de Cristiane, olhando as crianças brincarem.   Apesar de não estar pronta ainda para se reunir a elas, as brincadeiras a fascinavam.

Mesas enormes tinham sido espalhadas em frente da igreja de pedra, e mulheres iam chegando trazendo cestas com comida. Havia pães e pratos à base de peixe. Sara supervisionava tudo, com a ajuda dos empregados que Adam trouxera do castelo.

Tudo seria maravilhoso se Cristiane não se sentisse tão nervosa.

— Estou contente em conhecê-la — Cristiane cumpri­mentou uma mulher que carregava uma criança no colo e andava com uma outra agarrada à sua perna.

— Também eu, milady.

— Seus filhos são lindos, mas devem lhe dar muito trabalho.

— Ah, elas dão sim! Sabia que tenho outros dois?

— De que idade são, senhora?

A jovem mãe ficou à vontade e falou sobre sua família. Adam apertou de leve o braço de Cristiane para fazê-la notar como começava a se relacionar com as pessoas.

Outra jovem se aproximou com o marido, e depois outra mais, e logo Cristiane estava rodeada de mulheres, todas falando sobre seus filhos. Cristiane nem percebeu que a haviam separado de Adam.

— Ouvimos contar que fez maravilhas com Margaret, milady.

— Bem... Ela é tão doce! É tão bom passar o tempo em sua companhia.

— Não é surpresa que o conde de Bitterlee queira se casar com você. Deve gostar de saber que tem alguém cuidando de sua menina.

— Mas já tem uma ama que lady Rosamund trouxe quando veio para a ilha... — alguém comentou.

— No,entanto, ela não é boa com a criança.

Cristiane não fez comentário. Sua opinião era idêntica à daquela gente. Adam se casaria com ela para ser a mãe de Margaret.

— Vamos comer, Meg? — Cristiane precisava se afas­tar daquelas mulheres e de suas línguas afiadas.

Procurou localizar Adam, que estava ali perto, rodeado de aldeãos, pescadores e fazendeiros.

— Somos só nós duas, Meg. — E acomodou a pequena. Enquanto enchia os pratos, Sara Cole se aproximou.

— Estou feliz que milady e o conde de Bitterlee tenham vindo aqui hoje.

— Obrigada, Sara. Está um dia perfeito para uma festa.

— Espero que os patinhos não sintam muito a falta de você, Meg. O conde de Bitterlee me falou que vocês estavam preocupadas com eles.

— De fato. — Cristiane mais uma vez percebeu como Sara era íntima de Adam.

Enquanto isso, mantinha-se tão afastado dela...

— Algumas crianças estão brincando perto do rio, Mar­garet. Talvez Cristiane a leve lá,

— Para nadar? — Meg perguntou, interessada.

— Nada disso — Sara respondeu com um sorriso ami­go. — A não ser que faça mais calor.

Depois de comer e, já que Adam continuava ocupado com os conhecidos, Cristiane e Meg foram com outras mulheres até a beira do rio.

— Os meninos mais velhos gostam de nadar aqui, milady — informaram-na.

— Mas é muito frio, também — Mary observou.

— O rio anda agitado com a chuva dos últimos dias. Melhor olhar a corrente, senão alguém pode ser levado para o mar.

— Ah, todos tomam cuidado...

— Sim, sem dúvida.

A conversação continuou sem que ninguém dissesse algo desagradável para Cristiane.

Ela resolveu incentivar Meg a ir brincar com algumas crianças bem pequenas que estavam atirando pedras na água do rio. Meg não quis ir sem Cristiane.  

Querendo se afastar das demais, ela e a menina dirigiram-se até onde estavam os garotos, mas Meg era tí­mida demais. Gemette, a menina que oferecera flores a Cristiane, chegou até elas.

— Olá! — Estendeu para Meg uma pedra bonita que tinha na mão. — Pode jogar esta, se quiser.

Meg olhou encantada para a pedra.

— O que tenho de fazer?

— Você não sabe como jogar uma pedra? — Gemette arregalou os olhos.

— Sei — Meg respondeu, mas Cristiane tinha algumas dúvidas quanto a isso.

— Olhe como eu faço. — E Gemette atirou uma pedra na água.

Cristiane sorriu, satisfeita por ver que Meg brincava.

Havia várias crianças brincando ali. Alguns meninos mais velhos ficavam em cima de um tronco que flutuava no rio. Suas mães não pareciam preocupadas, e ninguém atentava ao que eles faziam. A brincadeira pareceu bas­tante perigosa para Cristiane.

— Cris... ty, vou jogar uma pedra!

Cristiane voltou-se para Meg e Gemette, e para as criancinhas que tinham se aproximado. Cada uma delas queria atirar a pedra mais longe, e Cristiane se alegrou.

Distraiu-se um pouco olhando para onde estavam os homens, desejando que Adam viesse ver o que a filha fazia. Mas ele sumira, e não conseguia localizá-lo em parte alguma. Desapontada, voltou à beira do rio, quando um grito quebrou a tranquilidade da tarde.

— É Gil! — gritaram.  

— Ele caiu!

— Está sendo carregado para longe pela água! Todos que ouviram os gritos correram para a margem para ver o que acontecia. Cristiane estava bem perto da água e viu o que parecia ser uma pessoa sendo arrastada pela correnteza.

Sem parar para pensar, mergulhou.

 

O som de gritos chegou até Adam. Todos se puseram a correr até a margem. Adam procurou localizar Cristiane e Margaret, mas não avistou nenhuma delas.

— Milorde!

Distraído, Adam não prestou muita atenção ao homem que o chamava.

— É milady!

Adam agarrou-o pelos ombros.

— O que aconteceu com ela? Explique-se!

— Um dos meninos, Gilbert Raven, caiu no rio, mi­lorde. — Respirou fundo, antes de continuar: — Lady Cristiane mergulhou para salvá-lo.

— Não! — Adam. correu para a multidão. Apavorado, temia pelo pior. Cristiane teria de ser uma nadadora incrível para conseguir evitar a correnteza e salvar o menino.

Com o coração na garganta, sabia que só um milagre não levaria os dois para o alto-mar.

Conseguiu vê-los, pelo colorido das vestes. Ninguém Conseguiria se salvar, caindo naquele lugar. E, para pio­rar as coisas, a chuva aumentara demais o volume das águas.

Ele a perderia. Cristiane significava tanto! Mais do que imaginara. E Margaret, como ficaria? Era tão apegada a Cristiane... Nem podia imaginar o que aconteceria com a menina se perdesse sua nova mãe.

Adam tirou as botas e desabotoou a túnica, com a idéia de entrar também no rio. Viu que a força da cor­renteza arrastava Cristiane para mais longe ainda. — Arranjem-me um barco! Depressa! Os homens correram para atendê-lo. Adam teve mais uma vez de lutar contra o desejo de se atirar e tentar resgatar Cristiane de qualquer jeito. Que droga! Tinha ela de ser tão prestativa assim?!

As pessoas atrás de Adam estavam frenéticas. A mãe de Gilbert chorava, gritando o nome do filho, que todos acreditavam já ter se afogado. Estavam com ares de pe­sar, tentando amparar a pobre mulher.

Ninguém chorava por Cristiane MacDhiubh. Alguns homens se aproximaram trazendo dois barcos, e conseguiram colocá-los na água.

— Aí estão, milorde.

Adam viu de repente que algo se aproximava da mar­gem. Pôs-se a correr, ignorando a dor da perna. A cidade inteira, ao que parecia, o acompanhava.

— Alguém arranje cobertores! — ordenou, quando se aproximou do lugar onde julgava ter visto Cristiane.

Era uma área sem praia, só com rochas. Não havia lugar para ela subir, mesmo que tivesse capacidade para isso. Manteve o olhar preso naquele ponto, sem parar de correr, procurando ver se existia ainda algum sinal dela e do menino. Conseguiu enxergar um pano azul entre as pedras. Podia ser do vestido que ela usava...

Cristiane conseguira levar o menino até as rochas! Seu corpo estava pesado, e sua roupa se enroscara nas pedras. Com uma das mãos, segurava o garoto, mantendo seu rosto na superfície. O episódio inteiro durara apenas al­guns momentos, mas para Adam parecia ter se passado uma eternidade.

— Cristiane! — O conde conseguiu chegar às rochas. Dois ou três homens o seguiram, entrando também na água e conseguindo ajudar a fazer Cristiane e o me­nino subirem.

Quando Cristiane, enfim, alcançou terra firme, come­çou a tossir. O menino que salvara abraçara a mãe, e vomitava muito.

Adam ajoelhou-se ao lado de sua noiva e colocou um cobertor sobre ela, erguendo-a em seus braços. Beijou-lhe a testa, agradecendo a Deus por ela estar viva.

— Cris... ty! — Em instantes, Margaret chegou até eles, chorando e passando a mão no rosto de Cristiane. — Papai!

— Ela vai ficar bem, Margaret.

Cristiane continuava a tremer, e o conde sabia que devia levá-la para um lugar onde tivesse um bom fogo. Carregou-a dali, meio inconsciente. Margaret o seguiu até a residência de Sara.

Atrás deles, a multidão sussurrava.

— Beba, lady Cristiane — uma voz feminina falou. Alguém levantava sua cabeça e fazia-a tomar algo.

Obediente, engoliu o líquido.

— Adam?

— Estou aqui, Cristiane.

Ela abriu os olhos. Estava em uma sala aquecida.

— Onde está Meg?

— Acabou de dormir. Ela está aqui, na casa de Sara.

— E o menino?

— Está vivo, graças a sua intervenção!

— O pai do garoto o levou para casa — Sara esclareceu. — Gil estava só machucado, mas ficará bom.

Cristiane não tinha energia para conversar, por isso se calou. Como conseguira evitar que o garoto se afogasse? A última coisa de que se lembrava era de tê-lo puxado do fundo do rio, e o esforço fora tão grande que ficara sem respiração e sem senso de direção.

— Descanse agora, lady Cristiane. Daqui a pouco, eu a levarei para casa.

Ela fechou os olhos, pensando em Bitterlee, Estava feliz porque ia voltar para casa.

Cristiane acordou com o som de vozes baixas falando a uma certa distância. Ergueu as pálpebras e notou que não vinha mais claridade da janela. Anoitecera.

Adam estava perto de Sara, as cabeças bem juntas, conversando baixo. Cristiane tentou se levantar, e o mo­vimento que fez chamou a atenção deles. Sara e Adam vieram correndo até ela.

— Como está se sentindo?

— Tão cansada, milorde! E confusa. Não me lembro de nada do que aconteceu.

Começou a se levantar, mas percebeu que estava sem suas roupas. Adam arrumou as cobertas de modo que sua nudez não ficasse à mostra.

— Seu vestido ficou encharcado, e foi posto para secar. Uma de nossas empregadas já lhe trouxe do castelo rou­pas secas.

Devia ter sido Bea, a única criada que parecia gostar dela.

— Quando vamos voltar para casa, sir?

— Só amanhã cedo. Está muito escuro para voltarmos agora. Além do mais, você precisa descansar.

— E o menino que caiu no rio?

— Está bem. — Sara sorria. — Acabei de estar com ele, uma hora atrás.

— Graças a Deus!

— A mãe de Gil já esteve aqui várias vezes para saber como você está passando — Adam contou-lhe.

— É muita delicadeza da parte dela. E Meg? Ainda dorme?

— Ah, sim! Preparei uma cama para ela e só acordará amanhã, pode ficar sossegada.

— E você, milorde?

— Não se preocupe. Vou dar um jeito.

Cristiane viu-se sozinha quando acordou. Já era de manhã. Conseguiu se levantar e observou que tinha ar­ranhões na pele.

Correra um grande risco, tentando salvar o menino.

Mas Gil teria se afogado se ela não tivesse agido da­quela forma. Não importava em nada se ficara com alguns machucados.

Encontrou seu vestido dourado estendido ao pé do leito, junto com roupa de baixo, bem limpa. Seu vestido azul devia estar arruinado.

Onde Adam e Meg estariam naquele exato momento? Deviam ter passado a noite ali, na residência de Sara. A jovem fazia parte de suas vidas mais do que qualquer outra pessoa. Também fazia parte de Bitterlee e era bem aceita por seu povo.

Sara não seria louca a ponto de pular para dentro do rio, arriscando a própria vida, nem que fosse para salvar a do menino.

Bem, agora era tarde para arrependimentos.

Só esperava que Meg não tivesse ficado aterrorizada demais? vendo-a tomar aquela atitude e desaparecer de sua vista. Talvez sua reação pudesse ter terminado em tragédia.   Meg acostumara-se a imitá-la e podia ter pulado na água também. Tomara que não tivesse se refugiado em seu silêncio de novo.

Levantou-se da cama e começou a se vestir com cui­dado, porque seu ombro doía. Quase não conseguia aguen­tar o tecido em sua pele. Mal suspendera a roupa, quando ouviu uma batida na porta.

— Quem está ai?

— Sou eu, Adam. E Margaret.

— Cristy! — Meg correu, agarrando-se em Cristiane, que tentou impedir que o traje escorregasse e deixasse aparecer seu corpo despido.

— Margaret ficou muito preocupada com você, ontem à noite. Deu um trabalhão para fazê-la dormir. — Adam chegou para mais perto, ajudando a amarrar os laços.

— Acordou bem cedo e ficou atrás de rnim querendo vir aqui vê-la.

Cristiane observou bem a expressão de Adam. Ele não parecia estar bravo com ela.   Suspirou, quando o conde pegou seu rosto entre suas mãos enormes.

— Nunca imaginei que fosse ficar com tanto medo um dia, milady, mas quando me disseram que você tinha pulado para dentro do rio...

Cristiane conseguia sentir a respiração dele, bem pró­xima a seus lábios, e teve certeza de que Adam ia beijá-la. Seu coração bateu mais depressa, antecipando o toque íntimo.   Esperara tanto por aquilo!

— Prometa-me que será mais cuidadosa...

A porta foi aberta, e Adam e Cristiane se separaram. Sara entrou e pareceu embaraçada.

— Desculpem-me. Achei que... — Virou-se para sair. — A mãe de Gilbert Raven está aí fora esperando para vê-la, lady Cristiane.

— Eu me esqueci de lhe dizer isso — Adam comentou, enquanto Sara saía do quarto.

— Quem é Gilbert Raven? Ah, claro, o menino que quase se afogou.

Adam assentiu, e suas mãos voltaram a tocar os laços do vestido de Cristiane.

— Ela the trouxe um presente.

Cristiane respirou fundo, erguendo os seios, em um movimento inconsciente, Seus olhares ficaram presos um no outro, por um momento, e ela pensou que havia um quê de arrependimento nos dele.

Adam puxou Meg, que continuava presa às pernas de Cristiane.

— Está pronta para sair, milady? — Quando Adam a viu ficar de pé sem muito equilíbrio, ofereceu-lhe o braço. — Correu um risco enorme, ontem. Apesar de todo o pavor por que passei, tenho de confessar que estou muito orgulhoso de você por ter evitado que o dia acabasse em tragédia.

— Não raciocinei, Adam. Só agi.

— Fiquei com medo, Cristy. — Meg arregalou os olhos. — Não conseguia ver você na água...

Cristiane abaixou-se e fitou a menina com intenso carinho.

— Eu sei, Meg. Perdoe-me por tê-la assustado. Mas a vida do menino corria perigo, e tive que fazer alguma coisa.

Meg meneou a cabeça, como se compreendesse o que levara Cristiane a se arriscar.

— Sabe que sei nadar muito bem, querida. Se fosse você a cair no rio e eu não estivesse por perto, gostaria que alguém fizesse o mesmo que fiz.

— Cristiane... — O olhar de Adam era sério. — Pro­meta-me que pensará duas vezes antes de fazer algo as­sim perigoso.

— Adam, não posso prometer que não repetirei a dose. Se houver outro modo...

— Seja cuidadosa, pelo menos.

— Serei.

Adam abriu a porta e saíram. Cristiane segurava a mão da menina, que se mostrava satisfeita, porque assim não ficaria longe de sua nova mãe.

A mãe de Gilbert não era a única pessoa à espera de Cristiane. Adam contou pelo menos mais de quarenta pessoas, entre homens e mulheres, todos parados silen­ciosos à porta de Sara.

— Milady! — A mãe de Gilbert tomou a mão de Cris­tiane e a beijou. — Não posso agradecer-lhe o suficiente por ter salvado meu filho. Se não fosse milady, Gil teria se afogado. Nem sabe nadar direito...

— Estou feliz por ter estado lá naquele momento. Por favor, não precisa me agradecer.

A multidão a rodeou, e Adam percebeu que ela estava um pouco apreensiva. Puxou Meg para mais perto de si e olhou em volta. Adam desejou que Cristiane o estivesse procurando.

O conde caminhou no meio do povo e, depois de pegar Meg no colo, pôs o braço ao redor dos ombros de Cristiane, de forma possessiva e protetora, querendo que ela se sentisse segura e certa de que sempre ele estaria a seu lado.

Quase a perdera. Só quando a vira no meio da cor­renteza foi que descobriu que a amava e como sofreria se a perdesse.

Puxou-a para mais perto de si.

— Milady... — a mãe de Gilbert prosseguia. — ...quero que aceite isto.

E estendeu uma caixinha de madeira para Cristiane.

— É uma relíquia de São Cuthbert, nosso santo protetor. Tem estado com minha família por uma centena de anos.

— Ah, mas...

— Aceite-o. Milady mais que o merece.

— Milady! — Outras vozes se uniram à da mãe de Gilbert.

Cristiane foi recebendo presentes de todas as mulheres ali. Eram fitas, um vestido, alimentos.

No momento em que sir Elwin conseguiu trazer os cavalos até perto deles, tanto ela como Adam tinham os braços cheios de pacotes.

Elwin pegou todos os presentes, enquanto Adam erguia Cristiane para o alto do cavalo.

— Cristy! — Meg esticou os braços para subir também.

— Não, Meg. Você seguirá com sir Elwin.

— Mas eu quero ir com Cristy, papai!

— Meg! — Cristiane procurava acalmá-la. — Se for com sir Elwin, e eu com o seu pai, cada uma de nós terá um cavaleiro para protegê-la.

— Ah...

— Vamos, deixe sir Elwin ajudá-la.

Adam afinal podia acreditar que sua filha estivesse dis­cutindo, e ficou mais espantado ainda ao vê-la obedecer a ordem de Cristiane. Tudo mudara, de fato.

Cristiane ia se tornar a condessa de Bitterlee no dia seguinte.

A permissão especial chegara de Alnwick na véspera. Estivera receosa de que a autorização não viesse logo, mas Adam se mostrava tranquilo, certo de que tudo sairia como planejara.

Ela vira Sara Cole diversas vezes, depois do incidente na cidade, mas falara pouco com ela. Sara mantinha-se ocupada ao lado de sir Charles, porque ele piorara muito. Afligia Cristiane o relacionamento de Adam e Sara. Não havia dúvida de que eles eram amantes, mas ficava imaginando se continuariam sendo, depois que se casas­sem. Receava falar sobre isso com o conde, ainda que quisesse entender melhor quais seriam os termos de sua união. Adam podia confundir sua preocupação com ciúme. Gostaria de saber o que devia esperar do enlace. Estava claro que Adam queria que Cristiane cuidasse de sua filha, mas iria também querer um filho para ser seu herdeiro. Visto que Sara Cole não era nobre, não poderia vir a ser a mãe dessa criança.

Cristiane sabia que isso ficaria, pois, a seu encargo. A luz do quarto era suficiente para que a costureira continuasse a trabalhar no vestido que Cristiane usaria no casamento.

— Está muito decotado.

— Ah, não! Milady precisa dar uma mostra de seus charmes ao noivo.

Cristiane enrubesceu. Adam já vira mais do que isso, e mais de uma vez. Um decote ousado não era nada comparado à nudez completa que ele presenciara. Deixou de reclamar, e a costureira continuou com sua tarefa.

— Está bem apertado, madame Williamson!

— Para aumentar seus encantos, milady. Acredite-me, seu marido vai ter olhos só para milady.

— Mesmo que eu desmaie na igreja com falta de ar?

— Milady será a mais bela dama por lá, mesmo caída no chão. — A costureira riu.

Cristiane queria acreditar que aquilo era verdade. Gos­taria de estar bem bonita, pelo menos no dia em que ia se tornar a esposa de Adam.

— Você parece bem melhor esta manhã, Charles. — Adam estava esperançoso de que o amigo não piorasse de novo.

Era o dia de seu casamento, mas sabia que Charles não tinha a menor condição de comparecer à cerimônia na cidade..

— De fato, estou me sentindo muito melhor.

— Suponho que não conseguirei persuadi-lo a conver­sar com o meu sobrinho, não é? — Gerard também tinha ido até o quarto de Penyngton.

— Sobre o quê? — Charles tossiu.

— Pare com isso, Gerard. Já ouvi seus argumentos, e sei que são infundados.

— A escocesa é esperta, e logo viu que podia tirar proveito de você.

— Sir Gerard, para ser sincero, duvido que... — Charles começou a dar a sua opinião, mas foi interrompido.

— Duvida de quê? Que a moça entrou aqui já com a intenção de conquistar Adam e se tornar a mulher mais rica de toda a terra do norte?

— Isso mesmo. — Ia continuar falando, mas teve novo acesso de tosse.

Adam não gostava das acusações de Gerard. Lembra­va-se muito bem de como   Cristiane pedira para ser levada para York, mesmo sabendo que seria hostilizada também lá. Além do mais, continuava magoada com o que acon­tecera a sua mãe.

De certa forma, tanto Adam como Cristiane tinham sido manipulados por Charles. Por um lado, ele encora­java Adam a se casar com ela, antes mesmo de a lady chegar à ilha.

Também contara para Cristiane a história do infeliz romance de sua mãe e de como sua família agira, na ocasião. Tudo isso a deixara sem muita vontade de partir para York.

Tudo havia se desenrolado como Penyngton planejara. Porém, isso não tinha nada a ver com as razões que levavam Adam a se casar com Cristiane. Não a escolhera porque precisava de um herdeiro, nem para ter alguém capaz de cuidar de sua filha.

Sua vida se tornara excitante depois de conhecer Cris­tiane. A beleza dela tirava-lhe o fôlego e, quando a to­cava... bem, ela não se afastava dele com repugnância. Só isso já lhe dava esperança de que também Cristiane teria prazer quando fizessem amor.

Não se importaria se Cristiane estivesse se casando apenas para ser a condessa de Bitterlee, como seu tio sugeria. Era a mulher com quem Adam queria se casar, e estava certo de que se dariam muito bem juntos. O lugar dela era ali em Bitterlee.

— Lady Cristiane não pediu que eu me casasse com ela, tio Gerard.

— Nem precisava. Bastou provocá-lo com seu tipo

Adam encostou o tio contra a parede, apertando-lhe a garganta de tal forma que Gerard não conseguia falar.

— Outra palavra sobre minha futura esposa, seu bas­tardo, só mais uma palavrinha e pode arrumar as malas e sumir de Bitterlee! Está me ouvindo bem?!

As pupilas de Gerard brilharam de raiva por um mo­mento, então capitulou. Adam o largou, e o tio saiu dali como um furacão.

Um longo silêncio reinou no quarto durante vários mi­nutos. Adam tentou se acalmar.Seu coração batia mais rápido, o sangue lhe subira a cabeça. Não ia tolerar ofensas contra Cristiane. Se existia alguém mais puro de coração ali na ilha, ele o desconhecia.

— Acho que Gerard não comparecerá a seu casamento — Charles observou, quebrando a quietude.

Adam continuou calado, controlando sua ira. Seu tio se tornara um homem difícil, desde que o pai de Adam resolvera permitir que viesse morar na ilha, anos atrás. Mas a amargura de Gerard estava indo longe demais. Adam não hesitaria de mandá-lo embora, se tornasse a insultar ou fizesse a mais leve ofensa contra Cristiane.

Não iria aguentar a crueldade de Gerard.

— Que horas são, milorde? Já não devia estar saindo para a cidade?  

— Sim, meu amigo. Lamento ter perdido a paciência aqui em seu quarto, depois de todo o trabalho que teve.

— Que trabalho?

Adam sorriu de leve e se foi.

Ágata Williamson, a costureira, dava os últimos reto­ques no vestido de Cristiane. Agora, ela estava pronta para o casamento.

Todos os homens tinham sido espantados da casa de Ágata, e as duas mulheres ficaram sozinhas com Meg, que também experimentava seu novo traje para a cerimônia.

Cristiane espirrou.

— Vai ver você pegou um resfriado ao pular no rio, aquele dia, milady. Entenda-me bem. Não estou recla­mando que tenha feito isso, mas hoje é seu casamento, e não pode adoecer quando está para se encontrar com seu noivo na igreja.

— Ficarei bem. — Cristiane assoou o nariz. — Nunca fico doente.

— Bem, agora ficou. — Ágata suspirou, desanimada, arrumando os laços da roupa.

— Se eu espirrar de novo, vou arrebentar as costuras.

— Não as minhas costuras. Elas estão muito bem feitas. — Ágata arrumou o enfeite dos cabelos de Cristiane. — Está muito bonita, milady.

Cristiane ficou embaraçada com o elogio tão inesperado de Ágata: A costureira costumava ser brusca, e não pro­curava agradar ninguém.

— Você está pronta, meu amorzinho? — Ágata virou-se para Meg.

— Estou,

— Então, é hora de irmos.

De mãos dadas, Cristiane e Meg caminharam até a igreja escoltadas por sir Elwin e sir Raynauld. A população as seguiu, formando um cortejo.

Adam esperava a noiva no topo das escadas. Não se sentia nem um pouco nervoso, mas de uma forma bem diferente de quando tinha esperado Rosamund, na mesma igreja. Ele era mais jovem, na época, moço demais para saber lidar com uma esposa.

Cristiane parecia radiante em seu vestido verde, que enfatizava seus atributos femininos. Os cabelos foram arranjados com um penteado que prendia parte deles e deixava o restante cair como em cascata. Uma coroa de flores enfeitava-lhe a cabeça, e um véu curto cobria as costas e chegava à cintura.

Adam ficou emocionado. Aquela era sua noiva.

Enfim, ela chegou à igreja. Segurando as saias com uma das mãos e com a outra a mãozinha de Meg, subiu os degraus e foi ao encontro de Adam, que a aguardava, com um sorriso de felicidade.

Adam suspirou. Cristiane estava ainda mais linda vis­ta de perto.

— Papai!

Adam abaixou-se e beijou a filha. Voltou-se para o padre, depois de entregar a criança a sir Elwin.

O padre Beaupré, muito solene, deu início à cerimônia, diante das portas da igreja.

— Milorde de Bitterlee, é de livre e espontânea vontade que se une em sagrado matrimônio com esta mulher?

— Sim, padre.

— Lady Cristine MacDhiubh, é de livre e espontânea vontade que se une ao conde de Bitterlee?

— Sim, padre.

As perguntas continuaram, uma simples formalidade naquele caso, pois nenhum deles tinha pais para aprovar o enlace, assim como também não havia nenhum paren­tesco entre eles, o que impediria o casamento.

Por fim, Adam estendeu ao padre o documento em que o bispo dava consentimento para que o matrimonio se realizasse antes mesmo que tivessem passado por uma espera de três semanas.

Cristiane mal escutava as palavras do sacerdote. Sua atenção estava toda voltada para seu noivo, tão bonito em uma túnica azul cobrindo os ombros largos e na cintura estreita, um cinto prateado. Os cabelos escuros estavam penteados para trás, o rosto barbeado e a cicatriz marcando o queixo.

Cristiane via uma promessa no semblante de Adam. Uma promessa de prazeres antes proibidos.

Logo ela e seu marido compartilhariam a mesma cama.

Esperava, que o que acontecesse entre eles naquela noite o fizesse abandonar Sara Cole, prendendo-se apenas a ela, sua esposa, para todo o sempre.

 

Muitos artistas se encarregaram de distrair os convidados da festa. Para sur­presa de todos, Meg foi brincar com Gemette e algumas outras crianças, todas proibidas de se aproximar da mar­gem do rio.

Cristiane conseguiu participar da refeição e, depois, da dança dos noivos. Adam, porém, percebeu que ela espirrava e sua voz estava rouca e que, sem dúvida, sentia dor de garganta, precisava levá-la para casa o mais rápido possível.

— Isto vai ajudar a amenizar a dor de Cristiane, milorde. Mas a fará dormir, também. — Sara lhe entregou um remédio. Parecia estar quase chorando, e Adam não entendia o porquê.

— Obrigado, Sara. Diga-me, o que está acontecendo com você? O que há de errado?

— Não é nada...

O conde pegou-Ihe o braço.

— Sara, está chorando! O que houve?

— É porque nada aconteceu e nunca irá acontecer no futuro...

— Não estou entendendo.

— É seu casamento. Eu o quero muito bem, Adam. Você e lady Cristiane foram feitos um para o outro. É que... eu queria que...

— O quê?

— Choro pelo que nunca vou ter, pelo que jamais acontecerá.

— Não vai se casar um dia? Por quê? Não há alguém que...

— Vá para sua noiva, Adam. Ela o espera. Além do mais, tenho de voltar ao castelo para ver como sir Charles está.

Adam sempre pensara que a irmã era feliz ali. Nunca lhe ocorrera que Sara estivesse querendo ter um marido, e talvez filhos. Jamais lhe falara sobre esse assunto, nem reclamara de sua vida em Bitterlee.

Relutava em deixá-la com seus problemas, mas Sara o convenceu a retornar à festa, enquanto ia ao castelo. Saiu de sua casa e caminhou até onde os outros estavam.Contudo, continuava preocupado com Sara.

Como seu pai morrera fazia muito tempo, Adam se tornara o protetor da meia-irmã. Reconhecia agora que a tinha negligenciado um pouco. Muita coisa acontecera na ilha desde a chegada de Sara. Ela fora tão útil... talvez útil demais.

Não era tarde para remediar a situação, no entanto. Sara ainda era jovem, e podia muito bem se casar. Era mais nova que ele alguns anos. Mas onde encontraria um bom noivo?

Talvez um dos cavaleiros? Claro que Sara não podia se casar com um homem de classe inferior, mesmo que não fosse reconhecida sua origem nobre.

Adam prometeu a si mesmo que encontraria uma solução.

O calor estava forte, mesmo com o sol escondido atrás das nuvens, mas Cristiane sentia calafrios. Seus olhos estavam sensíveis à luminosidade, e ela não conseguia parar de espirrar. Além do mais, seu vestido era muito apertado. Sentia se péssima.

Tirando isso, a cerimônia tinha sido maravilhosa. A missa que o padre rezara chegara a emocioná-la. Como esposa de Adam, fora muito bem recebida pela comuni­dade, e muitas mulheres choraram, e os homens lhe de­sejaram os melhores votos.

Até mesmo Sara lhe dera um abraço.

— Seu marido é um bom homem, milady. Cuide bem dele.

Cristiane ficara muito surpresa para responder. Talvez Sara estivesse desistindo de Adam e não seria mais a sua amante.

— Milady! — Ágata Williamson aproximou-se. — Mi­lady parece enferma. Venha sentar-se e beber algo.

Cristiane seguiu a costureira até uma mesa e se aco­modou, concordando em tomar um copo de cidra. Come­çava a ficar tarde. Assim, procurou localizar Adam e o avistou em frente da casa de Sara.

Uma onda de ciúme e de desconsolo atingiu-a, ao ver Adam abraçar Sara Cole.

— Seu marido deve levá-la ao castelo, milady — Ágata recomendou. — Antes que fique muito tarde e o frio chegue.

— Eu estou bem... — Cristiane protestou, tornando a espirrar.

Tudo estava quieto, quando eles chegaram. A maioria das pessoas permanecia ainda na cidade, festejando o enlace do conde.

Os únicos que haviam ficado no castelo eram Charles Penyngton e um cavaleiro muito idoso, que não conseguia se locomover muito bem e vivia recordando as glórias do passado.

— Sara trouxe Meg para casa e vai passar a noite com sir Charles — Adam disse, enquanto ele e Cristiane subiam as escadas da torre leste.

Cristiane não se sentia muito à vontade em saber que a amante de Adam passaria justo a noite de núpcias sob o mesmo teto que a esposa dele. Mas não podia dizer nada.Decerto sir Charles precisava de algum remédio, e Sara ainda fora gentil em trazer Meg para casa, per­mitindo assim que os recém-casados voltassem a sós.

Adam caminhou ao lado de Cristiane até chegarem a uma porta. Então, inclinou-se e brincou com um dos cachinhos dela.

— Posso ajudá-la a se despir?

— Eu... eu...

— Você está doente, Cristiane! — Colocou a mão em sua testa e constatou que ela estava com muita febre. — Venha.  

O conde abriu a porta e a fez entrar. Apressou-se em avivar o fogo. Cristiane tirava a guirlanda de flores da cabeça.

— Posso me despir sozinha, milorde! — exclamou, quando Adam começou a abrir seu vestido.

— Quietinha, Cristiane. Deixe-me auxiliá-la.

Deslizou o vestido sobre os ombros dela, depois afas­tou-lhe a cabeleira e beijou seu pescoço. Ela estremeceu, mas dessa vez Adam duvidava que fosse de febre. Ou melhor, a febre agora era outra.

Embalado pela reação que ela tivera, correu as mãos por seus braços e enlaçou-lhe a cintura, puxando-a de encontro ao peito.

— Acostume-se com minhas carícias, Cristiane. Quan­do estiver boa, eu a farei minha mulher. Agora, descanse. Esta é a primeira de muitas noites que pretendo dormir com minha esposa. — E a puxou para bem perto.

Cristiane passou os três primeiros dias de casada na cama, doente. E a maior parte desse tempo, longe do marido.

Meg viera vê-la no primeiro dia e pedira para ficar nos aposentos, brincando sem fazer barulho, enquanto Cristiane repousava.

Sara examinou-a e a fez tomar um remédio amargo. Antes de sair do quarto, ficou conversando baixinho com Adam, mas Cristiane não conseguiu ouvir nenhuma pa­lavra que diziam.

Noite após noite, Adam dormiu com ela, abraçando-a. Cristiane sentiu-se contente por ele não ter ido procurar Sara, preferindo ficar com sua esposa enferma.

Acordou no quarto dia, sentindo-se bem melhor. A ca­beça não doía mais, não sentia dor ao engolir, como antes. E estava com fome!

Levantou-se e se ajeitou na beirada do colchão, para esperar que a tontura passasse. Quando isso aconteceu, pôs-se a se lavar. Bea entrou naquele exato momento.

— Milady! Devia estar deitada! — gritou, horrorizada. Trazia uma troca de roupa de cama e toalhas.

— Estou me sentindo como se estivesse caindo de um precipício.

— Mas está parecendo muito melhor hoje, senhora. Estávamos preocupados com sua febre. Todavia, a sra. Cole nos disse para não nos preocuparmos, pois levaria uns três dias para que ficasse boa de novo.

A empregada começou a tirar os lençóis, colocando os limpos no lugar.

— E ela estava com a razão, não é? — Bea continuava falando. — A sra. Cole nunca se engana nesses assuntos.

De algum modo, aquele comentário não agradou a Cris­tiane. O diagnóstico de Sara fora certíssimo, mas isso a irritava.

— Sabe onde está o conde de Bitterlee?

— No quarto de sir Charles com a sra. Cole. Sir Charles não está bem...

— Quer dizer que piorou?

— Estamos rezando por ele. O padre Beaupré até ofe­rece a missa para sir Charles todos os dias.

Cristiane sentiu-se envergonhada por ter tido ciúme.

— Será que posso fazer algo por ele, Bea?

— Não! A sra. Cole recomendou que milady não deve entrar nos aposentos de sir Charles, porque está fraco e corre o risco de pegar sua doença.

Cristiane não sabia se era possível sentir-se pior. O pobre Charles, tão enfermo, talvez até viesse a morrer e, por causa disso, Adam passava todo seu tempo com a única mulher cuja presença ali era uma ameaça a seu casamento.

— E Meg?

— Mathilde está cuidando dela, milady. Pelo menos até milady estar boa de novo. O conde de Bitterlee não quer que a criança venha aborrecê-la e, como está tão ocupado com sir Charles...

— Está certo, Bea. Agora, quando sair, quero que ache Meg e a traga até aqui.

— Sim, milady. Ah, ia esquecendo! A sra. Cole falou que milady estaria com fome. Devo lhe trazer uma refeição?

Mais um dia se passou até que Cristiane achou que estava com forças suficientes para deixar a cama e sair. Mas, mesmo se não as tivesse, ia dar um jeito assim mesmo.

Adam não voltara para o leito, na véspera.

Quando chegou ao salão, encontrou Gerard sentado sozinho em seu lugar habitual, à mesa. E bebia, como sempre.

Pelo menos, Meg estava dormindo em seu quarto e não ia escutar as palavras amargas de seu tio.

— Ora, se não é a condessa de Bitterlee que se aproxima! Cristiane ignorou seu sarcasmo.

— Meu marido está no castelo? — perguntou a um dos empregados.

— Está, milady, e.... Gerard o interrompeu:

— Está no quarto de Charles Penyngton. Por que não se senta antes que desmaie?

Cristiane sabia que não estava totalmente curada, mas não parecia verdade que estivesse com uma aparência assim tão ruirn.

— Você faria o favor de ir procurar o conde e pedir a ele que venha me ver? — pediu ao criado, afastando-se de Gerard.

— Sim, milady. — O empregado apressou-se em aten­der a seu pedido.

Não havia razão para chamar Adam, mas sentira falta dele na noite anterior e precisava vê-lo de novo.

— Sara tem passado dia e noite ao lado de Charles. — Gerard vinha se aproximando dela.

— E muita bondade da parte dela.

— Ela fez o mesmo com o pai de Adam, quando esteve doente. E também ajudou no parto de Rosamund. — Sir Gerard pegou o copo, antes de prosseguir: — Cuidou até de Adam, quando voltou de Falkirk.

Cristiane ficou surpresa. Não chegara a pensar que Sara tratara alguma vez de Adam, apesar de que era lógico. Não havia outros médicos por ali.

Gerard levantou-se, foi até o fogo e encarou Cristiane.

— Então agora você é uma heroína...

Cristiane não lhe respondeu. Mordeu a língua para hão discutir, e saiu da sala.

Passou pela capela e alcançou o jardim, trocando cum­primentos com todos que encontrava.

Sentia-se contente com a forma como era tratada ago­ra. Podia ainda não ser aceita por inteiro, mas todos a respeitavam. Não pareciam mais desprezá-la, como antes.

Começava a escurecer. Ao que tudo indicava, ia chover, mas Cristiane continuou andando até a praia, do outro lado do lago. Esperava que alguém dissesse a Adam que ela saíra do castelo, mas era difícil que ele fosse achá-la ali.

Mesmo assim, adoraria que seu marido fosse procurá-la. Afinal, ela era a sua esposa agora, e era dever dele estar a seu lado, não importando se preferisse ficar com Sara Cole.

Adam estava com os nervos à flor da pele. Primeiro, preocupara-se com Cristiane.   Depois, sir Charles piorara. Pelo menos, Meg parecia contente e com saúde.

Chegou ao lago e viu Cristiane sentada em um banco, do outro lado. Contornando a margem, aproximou-se. Ela continuava pálida, e Adam temeu por sua saúde, mais uma vez. Porém, Sara dissera que ela se recuperaria por completo em poucos dias, e confiava no diagnóstico da irmã.

Cristiane olhava os patinhos pedindo comida, mas se esquecera de trazer pão para eles. Ansiosas, as pequenas aves saíram do lago e a rodearam. Adam escutou-a rir.

— É uma pena que eu não tenha trazido nada para vocês, meus queridos, mas já estão bem grandinhos para sair à procura de alimento... — De repente, ouviu um barulho e se voltou. — Adam!

— É com satisfação que a vejo de pé, minha esposa. Pegou-lhe a mão e a beijou. — Mais do que satisfação: é puro alívio por vê-la em seu lugar habitual. Começava a achar que ficaria na cama para sempre,

— Não, Adam. Sinto-me muito melhor.

— Estou feliz com isso. Alimentou-se? Bebeu algo?

— Não. Não estou com fome.

Adam sentou-se ao lado dela, ainda segurando sua mão. Logo Cristiane se acostumaria com ele, ansiaria por seus agrados. Já vira a reação dela na noite do ca­samento, quando tirara seu vestido ou quando dormia abraçado a ela.

— Ainda tem febre? — Tocou sua testa com a ponta dos dedos.

Cristiane fechou os olhos, quando sentiu que ele a to­cava. Adam queria poder abraçá-la, mas se controlou. Por ora.

— Deve tomar cuidado nos próximos dias. Sara disse que se sentiria fraca...

— Não me sinto fraca, milorde. Estou muitíssimo bem.

— Não precisa se envergonhar de estar doente, Cristiane. Ficou assim porque se molhou demais, quando sal­vou aquele menino. Ela suspirou.

— Está pronta para voltar?

— Claro.

Adam não entendia o que tinha acontecido com ela. Parecia distante, diferente. Quem sabe era algum efeito da febre, e ele não precisava ficar preocupado.

— Meg tem brincado em seu quarto, enquanto você dorme, sabia? Ficou preocupada com você.

— Meg, milorde? Pensei que sempre a chamasse de Margaret.

— O apelido que você lhe deu combina com minha filha. Meg está tão bem, tão normal desde que você chegou a Bitterlee...

— Voltarei aqui com ela mais tarde, para alimenta­remos os patinhos.

— Não se exceda, Cristiane.

— Pode ficar sossegado, milorde. Tomarei cuidado. Fa­remos um passeio bem curto. Quero que Meg saiba que já estou bem, que tudo voltou a ser como era antes.

Naquele momento, um criado chegou correndo e arfando.

— Milorde!

— O que foi, Jon?

— A sra. Cole precisa de sua ajuda. Sir Charles está muito mal.

— Preciso ir, Cristiane.

— Adam, há alguma coisa que eu possa fazer por Charles?

— Sara tem tudo sobre controle. — Beijou-lhe o rosto. — Jon a acompanhará ao castelo.

 

Uma grande movimentação no quarto acor­dou Cristiane.

— Perdoe-me, milady. — Bea estava acendendo a lareira, porque o tempo esfriara. — Não pretendia acordá-la.

— Tudo bem. Já dormi bastante.

— Está com fome, milady? Posso lhe trazer o jantar agora mesmo.

— Não. Vou esperar para jantar com meu marido.

— Ah, milady... O conde de Bitterlee já jantou. Man­dou-me lhe dizer que precisará passar a noite ao lado de sir Charles.

Cristiane gostaria de não deixar a criada perceber sua decepção, mas suspirou, desanimada. Seu marido ia pas­sar outra noite em companhia de Sara.

Criticou-se por estar sendo tão egoísta. O pobre Char­les estava nas últimas e precisava tanto de Sara como de Adam a seu lado, naquele momento. Adam não con­siderava Charles um empregado, mas seu amigo.

— Há uma jovenzinha no fim do corredor que poderia gostar de sua companhia. Isto é, se milady estiver se sentindo bem.

— Claro. — Esquecera-se por um momento de que Meg continuava precisando dela.

— Quer que eu a traga aqui? Aproveito e lhe trago junto o jantar.

Logo, Cristiane e Meg estavam sentadas perto do fogo, compartilhando a refeição.

Meg falava pouco e mantinha os olhos baixos. Cristiane não ia permitir de modo algum que ela tivesse uma re­caída e voltasse a se isolar em seu mundo solitário. Teria de retomar os passeios com a menina.

Resolveu provocá-la:

— Que pena que choveu tanto no dia de meu casamento e a festa ficou arruinada...

— Choveu? — Meg a encarou, surpresa.

— Sim. Caíram baldes e baldes de água sobre todos nós. — Cristiane cortou um pedaço de queijo e o estendeu para Meg. — Eu queria tanto que tivesse feito sol!

— Sol? — Meg franziu a testa, confusa.

— Lógico! Mas a ilha estava coberta de nuvens negras...

— Mas, Cristy, estava ensolarado! Fez um dia lindo!

— Tem certeza? Pois me lembro de que meu vestido ficou todo molhado...

— Não foi nesse dia. — Meg passou a mãozinha pelo rosto de Cristiane. — Isso aconteceu quando você pulou no rio para salvar Gilbert.

— Ah, sim! Agora recordo. Você tem toda a razão. Já sei por que não gostei de minha festa de casamento. Os músicos e os artistas não apareceram. Queria dançar, mas não havia música.

— Está confundindo tudo, de novo! Os músicos e artistas estavam lá. — De repente, Meg percebeu que Cristiane brincava com ela e resolveu participar do jogo. — Pena que os elefantes apareceram e comeram toda a comida!

Cristiane riu e puxou Meg para seu colo.

— Oh, queridinha! Foi horrível ficar longe de você! A garotinha sorriu, contente.

Adam observou Sara segurando com carinho a mão de Charles.

— Voltarei amanhã cedo — ela disse. — Sabe que eu não sairia daqui se não precisasse ajudar Margery Smyth a ter seu bebê.

— Pode ir, Sara. Vá e ajude a criança a nascer. Estão precisando de você na cidade.

O sobrinho de Margery viera ao castelo pedir por Sara. Não havia parteiras por ali, e, nos últimos anos, as mulheres vinham sempre pedir para ela ajudar nos partos difíceis.

— Está noite fechada, minha irmã. Mandarei que al­guns de meus homens a acompanhem. Tome cuidado, assim mesmo.

— Tomarei, milorde. — Tornou a virar-se para Charles... — Estarei aqui bem de manhãzinha. Prometo.

Orientou Adam, mais uma vez, a agir em caso de emergência.

Quando ela saiu, Adam sentou-se perto do fogo, de onde podia ver o amigo. Charles dormia, o que era uma bênção, porque assim não ficaria tossindo e respirando com mais dificuldade.

O silêncio não demorou em ser quebrado. Logo, Charles voltava a gemer e tossir. Adam percebeu que ele quei­mava de febre e parecia não estar muito consciente.

O conde cochilou um pouco e acordou com a tosse de Charles. Ajudou-o a mudar de posição para poder respirar melhor. Com tristeza, limpou o sangue que escorria dos lábios do amigo.

Quando Charles tornou a adormecer, Adam sentou-se de novo em sua cadeira.

E assim a noite foi passando, com Charles tossindo, depois dormindo, depois tossindo outra vez.

— Adam?

O conde abriu os olhos e viu que Charles acordara.

Procurou despertar direito e foi até o amigo.

Os olhos de Charles não pareciam estar mais brilhavam de febre. Adam pegou sua mão e sentou-se na ponta do leito.

— Como está, esta manhã?

Os dedos de Charles estavam muito frios, assim como seu rosto, quando Adam o tocou.

— Penso que estou um pouquinho melhor, milorde. Adam não queria contar muito com isso, mas parecia mesmo que Charles melhorara. A temperatura baixara, e Charles não delirava mais. Mas a tosse...

— Beba isto. — Adam ajudou-o a beber água. Começou a ter esperanças, e queria que Sara voltasse logo e visse se havia alteração no estado de Charles. Mesmo a cor de seu rosto parecia outra.

Talvez seu amigo vencesse a terrível enfermidade que atacara seus pulmões.

— Não precisa se preocupar, Mathilde. Tomarei conta de Meg, e você poderá fazer o que quiser com seu dia.

Mathilde não gostou de ser dispensada. Cristiane acha­va bobagem a ama não ficar satisfeita por ter uma folga.

— Venha, Meg, e traga um agasalho. Hoje está fazendo um pouco de frio, e vamos aproveitar para explorar vários lugares.

— Com papai?

— Não, querida. Ele está cuidando de sir Charles, que está acamado.

Prepararam um lanche para levar e deixaram o cas­telo sem encontrar ninguém pelo caminho. Graças aos céus, Gerard não estava por ali, o que as livrou de ter de aguentar mais uma vez o sarcasmo daquele homem irritante.

— Vamos até a cachoeira, Cristy?

— Não hoje, anjinho. Há um lugar lindo que quero lhe mostrar.

— Mas não podemos chegar perto do mar. Há rochedos no caminho.

— E passaremos por eles. Mas você só poderá ir até lá se estiver comigo ou com seu pai.

Escolheu uma passagem entre as pedras, e com cui­dado, fez Meg passar pelo vão estreito e chegar à praia. Uma brisa fria vinha do mar, mas estavam agasalhadas e não corriam o risco de se resfriar.

Colocaram a sacola com o lanche sobre as pedras e começaram a explorar os arredores. Cristiane foi mos­trando a Meg todos os pássaros que habitavam aquela área.   A menina corria de um lado para o outro, apontando para as aves e encantando-se com a forma como gritavam e pescavam seu peixe.

Sentaram-se ao sol e, distraídas, só viram que Adam se aproximava delas, quando os cachorros apareceram latindo e saltando sobre elas.

— Bom dia para vocês! — Adam incentivou seus cães a ir atrás dos patos selvagens que estavam por perto.

— Papai!

O conde a jogou para o alto, e Meg gritou de alegria. Depois, aproximou-se de Cristiane e a beijou na face. Ela sentiu que ruborizava, e o coração batia mais forte.

— Como está sir Charles, milorde?

— Parece melhor, hoje.

Cristiane vibrou com a notícia e com a sensação que a presença de Adam provocava em seus sentidos. Talvez ele pudesse ir a seu encontro à noite, se sir Charles estivesse bem. Poderia esperar que...

— Sara acredita que o pior já passou. A febre baixou esta manhã, e ele está tossindo menos.

— Essas são boas notícias! — Cristiane não acrescen­tou que, se isso estava acontecendo, talvez Sara não pre­cisasse ficar mais por ali.

— Vou lhes mostrar uma coisa. Venham! — Adam tomou as mãos de Cristiane e Meg.

Andaram pela areia e chegaram à praia que levava a uma outra rocha.

— Olhem por este ângulo.

— É outra ilha! — Meg gritou, surpresa. — Veja, papai!

— Está vendo as focas? — Cristiane ficara tão excitada como a criança. — Estão tomando sol, assim como nós fazemos.

Fascinadas, ficaram olhando as focas mergulhar e na­dar, brincando umas com as outras, depois voltando às pedras para se aquecer.

Adam abraçou Cristiane pela cintura e a puxou.

— Senti muita falta de você nestas últimas noites, milady.

— E eu a sua, Adam.

— Esta noite — ele murmurou. Baixou a cabeça e a beijou. Então, segurou sua mão e continuaram a andar pela praia.

— Aperte mais a faixa, Bea. — Cristiane tinha pedido que a criada a ajudasse a se vestir.

— É um traje lindo, milady. Madame Wíllíamson su­perou a si mesma costurando-o.

— Tudo está preparado como determinei?

— Sim, milady.

— E o vinho? Achou algum?

— Arranjei um que o conde trouxe de fora, antes de partir para a Escócia.

— E é bom?

— Mandarei que o testem antes de trazê-lo para cá.

— Obrigada, Bea.

Cristiane estava nervosa e querendo que tudo desse certo naquela ocasião. A empregada a auxiliara com seus planos.

— Não sei o que teria feito sem você, Bea.

— Estou contente em servi-la, milady. Gostaria que tivesse tudo aquilo que perdeu na noite de seu casamento, porque estava doente.

Logo que escureceu, os empregados começaram a trazer para o quarto de Cristiane pratos com comida e uma garrafa de vinho. Bea mandou que saíssem logo dali e foi atrás do conde de Bitterlee, dizendo que sua esposa o chamava.

Cristiane se mirara no espelho centenas de vezes antes de ouvir os passos de Adam no corredor. Quando ele bateu em sua porta, procurou esconder o nervosismo e sorrir.

— Entre, meu marido...

 

Os olhos de Adam estavam fixos em Cristiane. Se a achara linda no dia do ca­samento, julgava-a duplamente maravilhosa naquele momento.

A cor de seu vestido realçava o azul de seus olhos, que brilhavam, ansiosos. Os cabelos, soltos em ondas, caíam sobre seus ombros e cobriam-lhe as costas.

Seus dedos ansiavam por tocá-la.

— Mandei que preparassem uma refeição para milorde. — Cristiane procurou esconder seu nervosismo e mor­deu de leve o lábio. — Está com fome?

Adam se emocionou ao compreender que ela recriava a noite de núpcias.

Entrou no aposento e viu sobre uma mesinha os pratos cheios de comida. Notou também uma garrafa de vinho e pensou que, se Cristiane bebesse um pouco, poderia ficar bem mais relaxada...

Pigarreou e se aproximou da mesa. Abriu a rolha, sem desviar o olhar da esposa.

— Fica sensacional nesse vestido de noiva, sabia? Já lhe disse isso antes?

— Sim, milorde. Madame Williamson sabe costurar muito bem e fez um lindo trabalho.

— Se fez... Mas é você quem torna o traje tão adorável. Encheu dois copos de vinho e estendeu um deles para Cristiane. Levantou o seu e fez um brinde.

— Bebo em sua homenagem, minha esposa, e pelos anos que passaremos juntos.

Conversaram muito, riram e comeram. E a cada sorriso de Adam, Cristiane ficava mais e mais seduzida.

Uma avalanche de sentimentos invadiu todo seu ser, trazendo sensações extraordinárias que aumentavam minuto a minuto. Não tinha mais controle sobre si mes­ma, nem vontade de tentar se controlar. Sentia-se livre, enfim.

Adam se ergueu, tomou Cristiane pela mão e deu-lhe um beijo, que se aprofundou de tal modo que tirou-lhe o fôlego. Em instantes, ambos estavam nus e prontos para o amor.

O conde beijou-lhe os seios e explorou cada milímetro das formas voluptuosas até senti-la pronta para ele. En­tão, a penetrou.

Adam fechou os olhos, jogou a cabeça para trás e todos os músculos de seu corpo retesaram. Cristiane sabia que ele sentia o mesmo que ela, e chegava ao mesmo ponto máximo do prazer. Juntos, chegaram ao clímax.

— Cristiane!

Permaneceram abraçados por um longo tempo, até suas respirações voltarem ao normal.

Adam apoiou-se em um cotovelo e ficou observando aquela mulher fantástica, que era sua. Beijou-lhe o canto da boca e, quando começou a se levantar, Cristiane o puxou para si.

— Quero que se demore mais, milorde.

Um minuto se passou, e Adam tomou posse de sua boca mais uma vez, em um beijo íntimo. Não demorou para estar excitado.

Retomaram suas posições, repetindo o ato milenar de amor. Ele a penetrou de novo, moveu-se com ela, os dois chegando às mesmas alturas de momentos antes.

Nuvens negras escureciam a ilha quando Cristiane e Meg vieram correndo, procurando chegar logo ao castelo.

Cristiane queria estar lá dentro, antes que a borrasca desabasse. As paredes brancas erguiam-se, majestosas, e ela se admirou de sua sorte, porque ali era seu lar.

Estava apaixonadíssima por seu marido e rezava para que ele logo a amasse também.Prometeu a si mesma que faria de tudo para ser uma boa esposa. Precisava mantê-lo afastado de Sara e ganhar suas atenções.

Cristiane e Meg passaram pelos portões e, ao encontrar Gerard Sutton, procurou ver se poderia mudar de cami­nho e não ter de encontrá-lo.

— Passeando com a bobinha de novo, pelo que vejo — Gerard zombou.

Com muita raiva, Cristiane decidiu que chegara a hora de não fazer mais o papel de dócil. Adam a escolhera para ser sua esposa, mesmo que fosse para cuidar de Meg. A criança era sua filha agora, e não ia tolerar que se referissem a ela com insultos.

— Meg, meu amor, corra até o castelo e suba para seu quarto e espere-me lá. Não vou me demorar.

A criança a obedeceu, e Cristiane virou-se para Gerard, decidida a brigar.

— Estou farta de suas ofensas contra minha filha, sir Gerard. Não vou tolerar isso de novo. Guarde sua língua venenosa quando falar com ela ou sobre ela ou...

— Ou o quê? Vai contar a seu marido? O homem que está neste momento com Sara Cole nos braços?

Cristiane sentiu o mundo ruindo a sua volta.

— Você mente.

— Pois veja por si mesma. Eles nem tentam ser dis­cretos. — E Gerard gargalhou.

Cristiane segurou as saias e correu em direção ao cas­telo, tentando não escutar a risada de Gerard. Passou pela capela, certa de que o tio de Adam mentira. Com esse espírito, chegou até perto do quarto de sir Charles.

Estacou. Gerard não havia mentido.

Em um dos cantos do corredor, como Gerard descre­vera, viu Adam e Sara abraçados.

A dor fez quase o seu coração parar. Lágrimas come­çaram a escorrer por seu rosto quando viu que Adam envolvia sua amante com tanto carinho. Não ouvia o que eles diziam, mas isso não era preciso.

Cristiane correu de volta aos portões, sem consciência do que estava fazendo.   Continuou correndo, mesmo com o vento uivando a seu redor e machucando sua pele.

Logo deparou com os rochedos. Escolheu o mais alto e o escalou. Ficou olhando o mar agitado, deixando que a ventania levantasse suas roupas. Queria estar bem longe do castelo. Não podia permanecer lá nem mais um minuto. Tinha que pensar, pensar...

Caminhou até o mar, sem se importar com as gotas de chuva que caíam sobre si. Continuou a andar, para cada vez para mais longe da praia, enfrentando as ondas altas e se perdendo em meio à chuva e ao vento.

A tempestade a ensopava e alisava seus cabelos. Parou por um momento e caiu, batendo a mão contra uma rocha.

Nem percebeu que tinha se machucado.

De repente, se deu conta de onde estava. Mal conseguia respirar e sentia-se gelada até os ossos.

Algo a puxava para dentro do oceano.

No entanto, não queria morrer. Queria levar sua vida em Bitterlee, ao lado de Adam e   Meg. Não era covarde. Fora uma tola em desistir de conquistar seu marido. Sara Cole podia ser ainda sua amada, mas seria por pouco tempo. Tinha de ser.

Com o renascer da esperança em seu coração, Cristiane começou a andar em direção ao rochedo. Ia procurar um abrigo.

A chuva batia furiosa contra as janelas do quarto vazio de Cristiane. Adam a procurara por todo o castelo, mas ela não estava em lugar algum.

Os olhos de Meg cintilavam de medo.

— E ela disse que viria procurá-la aqui, filha?

— Sim, pai.

— Vamos esperá-la, então.

Não tinha muitas esperanças de encontrá-la, porém. Cristiane tinha desaparecido como por um passe de mágica.

E, se não a encontrasse, nunca mais seria o mesmo.

Segurando a mão de Meg, retornaram ao quarto e se sentaram na cama, dispostos a esperar o quanto fosse necessário. Meg estava assustada porque chovia muito forte.   Adam queria lhe fazer perguntas, mas não preten­dia piorar as coisas.

— Conte-me de novo como tudo aconteceu, querida. O que Cristy lhe falou?

— Ela me mandou correr para o castelo e esperá-la no quarto.

— Quando foi isso? Era de manhã, depois que tomaram café?

— Não, papai. — Meg começou a chorar. — Nós fomos ao lago, mas voltamos porque ia chover.

— E Cristy a mandou na frente?

— Porque ia falar com tio Gerard. "Então foi isso o que aconteceu!"

— O que tio Gerard disse?

— Ele foi muito mau, papai, e fez Cristy ficar brava.

— E você não a viu depois disso?

— Não, papai.

Adam se enfureceu como havia muito tempo não acon­tecia. Se Gerard tivesse colocado a vida de Cristiane em risco, ele não se controlaria. O tio veria do que o sobrinho era capaz!

— Venha, Meg. — Estendeu-lhe a mão e a ajudou a sair da cama. Pegou-a no colo e desceu as escadarias indo em direção ao salão.

Encontrou Mathilde e entregou a menina a seus cui­dados, avisando que não era para ficarem rezando de joelhos. Sugeriu que procurassem os filhos dos emprega­dos para brincar todos juntos.

Feito isso, assobiou para os cachorros. Ren e Gray vieram pulando, animados. Adam abriu a porta, sem se importar com a tempestade que caía, e saiu com os dois.

A perna lhe doía, mas não ia parar por causa disso. Gerard podia ter levado Cristiane para algum lugar... Mas por quê?

Não acreditava que Cristiane tivesse acompanhado seu tio por vontade própria. Nada fazia sentido. Talvez ela houvesse fugido de Gerard e agora não conseguisse retornar.

Essa era a única explicação possível.

Pensou em ir até a cachoeira, mas aquele não era o lugar favorito do tio. Gerard gostava mais das cavernas nos rochedos. Ia lá para beber e ficar recordando a época em que lutara ao lado do rei Edward.

De repente, Adam teve certeza de que seria ali que encontraria Cristiane.

 

Cristiane viu que a tempestade se tornava cada vez mais forte. Relâmpagos corta­vam os céus e terminavam em trovões ensurdecedores.

Refugiara-se em um vão que encontrara no penhasco. Não estava muito protegida ali, mas teria de esperar a chuva amenizar para tentar ir embora. Queria não ter fugido do castelo, mesmo depois de ter visto Sara nos braços de Adam. Com calma, tudo se resolveria.

Fora ingênua demais em imaginar que bastaria Adam ter ido para a cama com ela para largar sua amante de longos anos. O que queria de um marido era lealdade e devoção.Não sabia como conseguiria viver ali em Bitterlee, sabendo que, na verdade, não era nada mais do que uma ama para a filha dele.

Pensara que, depois da noite que passaram juntos, Adam quisesse viver apenas para ela.

Um raio caiu ali bem perto, e o choque fez Cristiane cair de joelhos. Apavorada, nem conseguia decidir se con­tinuava esperando a tempestade passar ou se saía em busca de um abrigo melhor.

Procurou se lembrar do que seu pai lhe ensinara sobre tempestades e decidiu que devia ficar.

Tentou se ajeitar melhor no pequeno vão. Lá fora, a borrasca soltava toda sua fúria contra os rochedos, a praia e o mar. Cristiane não conseguiria sobreviver, se a enfrentasse. Sua situação era terrível.

   Por um lado, via-se presa por um fenômeno da natu­reza. Por outro, tinha a sua frente uma vida de decepções. Sua mãe queria que estivesse preparada para enfrentar a realidade e aceitar que os maridos, em geral, são infiéis.

No entanto, em seu casamento, Adam prometera amá-la e honrá-la, protegê-la de tudo e de todos. Teria mentido? "Todos os maridos ingleses mentem quando se casam?"

Começou a sentir uma forte dor de cabeça, de tanto procurar uma solução para seu dilema. Não conseguia achar normal que um marido fosse ao encontro de sua amante, logo depois de uma noite de amor com sua mulher.

Não sabia mais o que pensar.

Depois de alguns instantes, os relâmpagos diminuíram e os trovões passaram a soar a distância. A chuva, porém, continuava forte, e o vento era cortante. De algum lugar, pareceu-lhe vir um som diferente. Levantou a cabeça e procurou escutar melhor.

Eram latidos!

Os cachorros de Adam estavam ali, debaixo da tem­pestade. Com certeza alguém os trouxera, porque era impossível que estivessem soltos durante um tempo como aquele.   Logo a descobriram e começaram a latir mais forte.

— Cristiane!

Adam nunca vira uma imagem tão impressionante. Cristiane estava ali, parecendo meio afogada, completamente arrasada. Gerard não estava por perto.

— Você está bem? — gritou, tentando ser ouvido no meio dos latidos e do barulho dos trovões.

Ela começou a falar, mas não encontrou as palavras certas.

— Onde está Gerard?

O conde a viu sacudir os ombros, antes de conseguir puxá-la para si. Tinham de voltar logo para casa. Não queria que Cristiane adoecesse de novo.

— Venha. Temos de encontrar um outro abrigo. Essa chuva vai durar horas.

Adam tentava mante-la bem junto a si, mas a chuva os separava, ao caminharem pela praia. Cristiane não dizia nada, e Adam ficou imaginando o que poderia ter lhe acontecido. Não havia ferimentos visíveis, mas se Gerard a tivesse machucado de alguma forma, o conde o expulsaria de Bitterlee.

Poderia até matá-lo.

A caverna onde Gerard se embebedava, ficava por ali. Os cachorros foram à frente, e   Adam tentava localizar algum buraco no rochedo. Colocara o braço nos ombros deCristiane e a ajudava a caminhar, mas nenhum deles dizia coisa alguma.

— Está lá em cima! — Por fim, o conde localizou a caverna.

Se Gerard estivesse lá e tentasse impedi-los de entrar... faria uma loucura.

Ajudou Cristiane a subir pelas rochas e foram che­gando à entrada da gruta. Ainda nenhum sinal de Gerard.

— Só faltam alguns passos, Cristiane. Já estamos qua­se chegando...

Conseguiram entrar no local bem escuro e vazio. Adam brincara ali quando criança, mas tinha se esquecido do lugar, só se lembrando quando Gerard mencionava ter passado por ali, Ficou pensando onde estaria o tio naquele momento.

— Aqui é seguro.

Adam sabia que o tio não iria passar muito tempo na caverna, sem que tivesse trazido alguns de seus perten­ces. Olhou em volta e descobriu uma lâmpada em cima de uma mesa natural feita de rochas. Acendeu-a e voltou para junto de Cristiane.

— Farei um fogo e, então, você tirará essas roupas molhadas.

Ela não fez nenhum comentário.

— Cristiane, o que houve? Gerard a obrigou a vir até aqui?

— Não. Não foi seu tio.

— Então, o que aconteceu? Por que veio até os rochedos debaixo de uma tempestade?

— Eu... — Procurou tirar a água que escorria de seu rosto.  

— Você o quê?

Cristiane demorou em lhe responder. De repente, ba­lançou a cabeça em um gesto de desânimo.

— Fui uma tola, Adam. Acreditei que... — Cruzou os braços e se afastou do marido.

Adam pegou-a pelo pulso e a pôs de frente para ele. Não poderia haver segredos entre os dois. O que tivesse acontecido com ela podia ser resolvido.

— O que você pensou?

— Foi bobagem...

— Pelo amor de Deus, Cristiane, fale logo!

— É que Gerard disse que tinha visto você com Sara. Eu sabia que ele não estava mentindo. Você a ama, só que se casou comigo porque...

— O que é isso que está dizendo?! Não devia crer no que Gerard diz. Ele é um homem amargo que adora ator­mentar os outros.

— Mas eu vi você e...

— Você me viu confortando minha irmã. Sara é filha bastarda de meu pai. Devia ter lhe contado isso há mais tempo, mas eu... Com Charles tão doente...

— Sara é sua irmã?!

— Sim, e ama Charles. Por isso está sofrendo, pois sabe que ele vai morrer.

— Pobrezinha! Nunca imaginei... Oh, Adam, sinto-me tão envergonhada! Gerard tem insinuado coisas sobre Sara e você, desde que cheguei aqui. Chegou a dizer que ela seria uma esposa melhor para você. Tentei não me importar com nada disso, mas ficou cada vez mais difícil.

— Cristy, não há outra mulher em minha vida. Só você. Você!

Adam baixou a cabeça e a beijou. Havia lágrimas em seu rosto, que ele enxugou com carinho.

— Não chore, meu amor! Cristiane suspirou, aliviada.

— Vou fazer um fogo, querida. Temos de nos aquecer.

Não havia nenhuma roupa seca por ali que pudessem usar. Adam vestira uma capa antes de sair na tempes­tade, e não estava tão molhado quanto Cristiane. Com o fogo crepitando, ela foi se aquecendo, aos poucos, abra­çada a Adam.

Os cães guardavam a entrada da caverna. As roupas de Cristiane foram estendidas nas pedras perto das la­baredas, para secarem.

Duvidava que ficassem secas. A chuva continuava forte e não mostrava sinal de parar.

Não que ela quisesse ir embora. Estava contente ali, segura e aquecida junto de seu marido. E ele se preocu­pava com ela, e nunca a traíra!

— Por que não conversou comigo sobre Sara?

— Estava com vergonha. Como poderia lhe perguntar algo sobre ela, se achava que era sua amante?

— Cristiane... — Forçou-a a olhar direto para os olhos dele. — Eu te amo. — Beijou-a com paixão. — Não poderia amar mais ninguém.

— Oh, Adam! Também te amo. Morria de ciúme de Sara e não sabia o que fazer para aceitar que você tivesse uma amante. Fugi do castelo sem pensar em mais nada.

— Prometa-me que nunca mais fugirá de mim. Se tiver problemas, fale deles comigo. Não podemos ter segredos.

— Farei isso, doravante. — E aninhou-se em seus bra­ços fortes.

— Será que Gerard também insinuou mentiras para Rosamund, fazendo-a querer a morte?

— Como Rosamund morreu?

— Tirou a própria vida.

— Matou-se? Eu lamento muito... Nunca imaginei que tivesse passado por tal sofrimento.

— Rosamund morreu uma semana antes de meu re­torno da batalha de Falkirk. Nesse período que fiquei fora, talvez Gerard a tenha infernizado.

Isso podia ter acontecido Cristiane bem que sofrera bastante com sua maldade. Chegara a se desesperar, como acabara de acontecer.

— Não é difícil crer que seu tio tenha feito com Ro­samund o mesmo que fez a mim.

— O tempo de Gerard aqui na ilha acabou. Quando eu o encontrar, vou expulsá-lo. Poderá voltar à corte do rei Edward ou se enfiar onde bem entender. Não o quero aqui perturbando a paz de minha família.

Cristiane adorou ouvir aquilo. Adam iria impedir que Gerard viesse a atormentá-la ou magoar Meg. Não podia pedir nada mais a ele.

— E Meg?! — Cristiane soltou-se dele. — Eu disse para que me esperasse em seu quarto e...

— Ela está bem, querida. Deixei-a brincando com os filhos dos empregados. — Os lábios de Adam começaram a percorrer todo o caminho de seu corpo que levava a seu ponto mais sensual.

Sugara seus mamilos, continuara a deslizar a sua lín­gua mais para baixo...

— Ensine-me, Adam — Cristiane pediu, desatando a fivela do cinto que prendia as calças dele. — Quero apren­der como fazê-lo sentir prazer.

— Cristiane, meu amor! Para isso basta me tocar, me amar... Preciso disso para viver.

Ela ajudou-o a se despir e começou a explorar suas formas.

— Farei isso, milorde. Pode apostar!

 

         Castelo Bitterlee, outono de 1303.

Um casal de cisnes deslizava pelo lago, en­quanto sua ninhada o seguia. Como ti­nham chegado até ali em Bitterlee era um mistério para todos da ilha, mas ninguém perdia muito tempo tentando encontrar a resposta. Os lindos pássaros pareciam exem­plificar o crescimento recente e a prosperidade local.

Os músicos tocavam por toda parte, alegrando o povo e celebrando a magnífica colheita daquele ano. Muitos participavam de jogos ou dançavam, logo depois que as celebrações começaram.

Adam se encontrava de pé, atrás do banco onde Cristiane se sentara com seu bebê no colo, o pequenino Thomas. Como a criança dormia, Cristiane aproveitou para aceitar as carícias do marido.

— Estou me sentindo no paraíso, Adam. Ele se abaixou para beijá-la na orelha.

— Isso não é nada comparado ao que tenho em mente para mais tarde, meu amor...

Cristiane sentiu arrepios, antecipando os prazeres de logo mais.

— E o que poderá ser isso que promete, milorde?

— Mamãe? — Meg os interrompeu. — Charles está perto da água e não quer ficar segurando minha mão!

— Vou resolver esse problema, querida. Seu filho está ficando um garoto travesso, milady.

— Meu filho? — Cristiane dirigiu ao conde um olhar inocente.

Adam continuou sorrindo, ao ir atrás de Charles, que desobedecia sua irmã maior desde que tinha aprendido a andar.

Claro que os garotos tinham uma ama, mas Cristiane não confiava por completo nela. Não depois de ter visto os estragos provocados por uma ama medíocre. Mathilde tinha feito somente o que achava que era melhor para Meg e a tornara tímida e medrosa, como acontecera com Rosamund.

— O menino é genioso, milorde. — Sir Raynauld pas­sara a ser o administrador do castelo de Adam, desde a morte de Charles Penyngton, e estava provando ser um ótimo secretário.

Cristiane sabia o quanto Adam sentia falta de Charles, assim como de Sara, que deixara Bitterlee, um ano atrás.

A vida com Adam e as crianças era idílica. Tinha um marido carinhoso e apaixonado, e três filhos lindos: o bebê Thomas, o travesso Charles, que começava agora a andar e, claro, Meg, que considerava como sua filha.

Adam decidira mudar o nome da ilha. Costumavam chamá-la de Ilha da Amargura, o que não combinava com a felicidade que ali reinava. Chegara a hora de ar­ranjar uma denominação que refletisse a prosperidade e alegria de seus habitantes. Assim, o conde enviara uma petição ao rei pedindo permissão para rebatizá-la.

O coração de Cristiane batia mais forte quando ela olhava o marido erguer o pequeno   Charles e colocá-lo em seus ombros. Aquelas mãos enormes que tanto ad­mirava eram gentis e afetuosas com ela e com seus filhos.

Charles pomeçou a brincar com os cabelos do pai, despenteando-os.

— Ele é desobediente — Meg reclamou. — E se cair no lago, o que vai acontecer?

Meg adorava o irmãozinho, apesar de todas as reclamações. A menina estava mais crescida. Naquele momento, fingindo contrariedade, empinou o queixo e se afastou, andando com muita dignidade, até que viu algumas amigas e saiu correndo para encontrá-las.

Cristiane acomodou melhor o bebê e se levantou. Thomas nascera no meio do verão. Seu parto fora fácil, e ela já se sentia muito bem.

Adam voltou até junto dela com Charles ainda em seus ombros e abraçou-a pela cintura.

— Milorde? — Raynauld o chamou. — Estão fazendo sinais pedindo sua presença para começar oficialmente a festa.

Adam e Cristiane foram ao encontro dos convidados. Os empregados haviam espalhado mesas pelos jardins, e a refeição seria ao ar livre.

— Já decidiu se vai fazer seu discurso antes ou depois da refeição, milorde?

— Antes, Raynauld. Se esperar para depois, não conseguirão ficar ouvindo meu texto brilhante.

A ama aproximou-se, e levou Thomas e Charles para dentro do castelo. Adam tomou Cristiane pela mão, e os dois caminharam com a formalidade que cabia a sua nobre posição.

Adam logo conseguiu a atenção de todos, que ouviram seu discurso que falava da colheita farta e do sucesso na pesca naquele ano. Referiu-se, com orgulho, a como sua família estava crescendo, às tradições da ilha e suas esperanças para o porvir.

— Pedi ao rei que me permita mudar o nome de nossa ilha para um que combine com sua realidade. Ergam os copos e façamos um brinde.

Cristiane se aproximou dele e Adam colocou o braço em seus ombros.

— Vamos beber em homenagem à Ilha da Esperança! Um silêncio total reinou, enquanto todos bebiam. De­pois, ouviram-se gritos e aplausos.

A música recomeçou, e Adam olhou com amor para sua Cristiane. Ela trouxera o amor e a felicidade para ele. Dera-lhe a esperança que agora reinava em seu coração.

Viu que as pupilas dela estavam brilhantes de orgulho e alegria.

— Você sabe que é a rainha da Ilha da Esperança, não é? — Adam a abraçou, não se importando que todos estivessem vendo.

— Se milorde for o rei, então sou sua rainha.

— Não mencione isso ao rei Edward — brincou, bei­jando-a com ardor.

Cristiane colocou os braços em torno dos ombros do marido e retribuiu o beijo.

Logo todos davam vivas à felicidade do casal.

Adam mal respirava, quando a carícia terminou, mas não se afastou de sua esposa.

— Você é minha vida e minha esperança, Cristiane. Eu te amo mais que tudo.

— Oh, Adam... Nada poderia ser mais gratificante, mais sensacional do que é. Eu te amo também, com todo meu coração e minha alma.

De mãos dadas, reuniram-se aos demais, participando da euforia dos habitantes da Ilha da Esperança.

 

                                                                                Margo Maguire  

 

                      

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