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Capítulo 22
“Eis minha dama. Oh, sim! É o meu amor. Se ela soubesse disso! Ela fala; contudo, não diz nada. Que importa? Com o olhar está falando.” William Shakespeare Charlotte Eu estava tensa. Meus ombros doíam só com a pressão da minha decisão. Alex me olhava nos olhos, sem desviar nem por um segundo, querendo me tranquilizar, mas a verdade era que até que o fato estivesse consumado eu não relaxaria. Era necessário que acontecesse para que eu soubesse como me sentiria em relação à situação. Então que acontecesse logo de uma vez.
Mais uma vez senti seus dedos melados esquentando e umedecendo o local. Era gostoso e provavelmente me ajudaria e muito. Com a mão ele ajustou seu sexo entre minhas pernas. Senti a cabeça também melada se posicionar. Os olhos de Alex estavam quase negros de tão escuros e demonstrando uma expectativa cheia de prazer que me convencia a continuar.
Ele, segurando-me pela cintura com um braço, subiu a mão até meus cabelos e com as pontas dos dedos, massageou minha nuca. A boca muito perto da minha, tudo estrategicamente pronto, mas nada acontecia.
— Quero fazer uma coisa com você — ele disse me mantendo no suspense. — Outra coisa? — Seu sorriso me roubou o chão. Sorri de volta. — Preciso manter você estimulada, para que seja bom para nós dois. — Ah! — Meu rosto esquentou e eu me perguntei como isso ainda era possível.
— O que vai fazer?
— Colocar isso em você. — Ele levantou a mão e me mostrou uma pequena cápsula prateada. Era como um comprimido gigante, mas tinha um cordão que o fazia parecer mais um espermatozoide gigante. Se eu não estivesse tão tensa riria da situação. — Só no começo. Até você ter certeza de que quer continuar. — Engoli com dificuldade.
— E o que isso faz?
— Vibra e estimula. — Respirei fundo e concordei. — Podemos trocar a posição também. Se você preferir.
— Facilitaria? — A tensão estava voltando aos meus ombros. Por que tanta explicação e coisas para decidir? Alex acariciou meus cabelos e sorriu, fazendo-me derreter.
— Isso só você pode saber.
Ele não esperou que eu dissesse que estava tudo bem. Com o dedo virou a cápsula e ela emitiu aquele mesmo som do motorzinho, então, sem qualquer aviso, a introduziu em meu sexo. Dei um pulinho me assustando, então mordi o lábio para evitar o gemido de prazer por ela ter ido tão longe e fundo, fazendo minhas paredes corresponderem.
Ele também não me deixou ter alguns minutos de adaptação. Seus lábios cercaram os meus enquanto suas mãos me puxavam para baixo, fazendo com que o seu sexo estivesse em minha entrada, forçando. Alex ameaçava e voltava, como se estivesse me testando.
E eu sentia tantas coisas! Expectativa, ansiedade, as paredes vibrando e se contraindo, o lubrificante esquentando, a cabeça do seu pau me forçando e me fazendo gostar da sensação... então ele me puxou com um pouco mais de força e nós dois reagimos ao mesmo tempo.
Porra! Alex gemeu um prazer que fez minhas células tremerem, enquanto eu gemi de dor. Não uma dor insuportável, e sim a dor de algo sendo realmente invadido. Uma ardência que me deixava preocupada. Ele parou e me olhou. Seus olhos pareciam lutar para não se perderem no prazer que sentia. Ele precisava se concentrar em mim.
— Está tudo bem? — Respirei fundo e balancei a cabeça concordando. Com aquela pequena parte já dentro de mim, suas mãos me seguraram pelas costas, abraçando-me para que ele me beijasse. O beijo era uma ótima maneira de me distrair, enquanto seu corpo forçava o meu pedindo mais espaço. Eu estava quieta, enquanto ele se movimentava, lentamente, entrando e saindo apenas com o mínimo.
O gel facilitava realmente. Eu podia sentir que quando ele se empurrava para dentro, o escorregar ficava mais fácil. Apoiei-me em seus ombros e busquei uma posição melhor.
A cápsula estava vibrando dentro de mim, estava difícil me concentrar sentindo seu pau afundar um pouco mais e vendo meu namorado gemer fechando os olhos como se ali fosse o seu paraíso. O que havia de tão errado com os homens que tinham o sexo anal como momento mais glorioso da relação sexual? Aquilo não estava dando certo. Eu ainda estava excitada, embora perdesse feio a batalha para a sensação estranha que era ter um corpo invadindo um lugar ainda não desbravado. E ele ainda tinha muito mais para me oferecer. Por isso resolvi participar. Eu precisava me envolver. Esquecer os medos e participar. Quando Alex levantou os quadris para entrar mais um pouco eu rebolei. Ok!
Ele gemeu forte, segurando-me no lugar, e eu me senti realmente aberta. Contudo, de uma maneira improvável. Quando rebolei a cápsula se movimentou dentro de mim e eu senti o prazer começar a se espalhar pela minha corrente sanguínea. Tentei me movimentar outra vez, acreditando ser esta a chave para o sucesso, mas Alex me impediu, segurando-me com força.
— Não me segure. — Fui firme. Eu estava ansiosa, com aquele troço vibrando dentro de mim, ele entrando cada vez mais, minha pele esquentando. Eu queria abreviar tudo e ganhar logo o prêmio.
— Você vai me fazer gozar, Charlotte. — Sua voz roca e esganiçada indicava que ele estava mesmo no limite.
— A ideia não é essa? — Ele sorriu. Sim, Alex, no limite das suas forças, segurando-me para não perder aquela batalha, conseguiu sorrir e me desarmar. — A ideia é essa. Mas você primeiro. Fique quietinha. — Ele arqueou a coluna e me tomou em um beijo delicioso ao mesmo tempo que me descia sem cuidado, forçando a sua entrada de uma forma mais feroz e atrevida.
Sua mão se fechou em meus cabeços, puxando-me para trás. Senti que com isso ele ganhava mais espaço em meu corpo. Ardia, mas eu não queria parar, principalmente depois que sua boca se fechou em meu seio e seus dedos brincaram com o meu clitóris. Gemi alto e ele se aproveitou para estocar mais fundo, me fazendo gritar. Alex mordeu meu bico e apertou meu sexo. Era estímulo demais. Tanto que o entrar do seu pau em mim passou para segundo plano. A sensação era sempre a mesma, sem modificar, em compensação, o que ele fazia com os dedos e os lábios, em conjunto com o aparelhinho dentro de mim, fez com que calafrios começassem a me atingir.
Até que, com uma única estocada, ele foi fundo, sem piedade, entrando completamente. Senti o outro motor estimulando o espaço que ligava os dois pontos. Céus! Alex parou, a respiração pesada, seus dedos continuaram. Rebolei.
Sim, eu queria rebolar e sentir ele todo dentro de mim, afinal de contas, se eu estava na chuva o ideal era me molhar e me esbaldar na água.
— Charlotte, não! — Ele me levantou do seu colo, saindo completamente de dentro de mim.
Puta merda!
Aquilo foi realmente a pior coisa que ele poderia ter feito. Porque sem seu pau dentro de mim, sem o estímulo do anel que ele usava, sem suas mãos, restava pouco para me manter corajosa. Aliás, com a ausência dele eu me enchi de medo, dúvidas e inseguranças. O mesmo de sempre. Droga!
— Vamos com calma, amor. — Respirou fundo e eu comecei a me retrair. Porra, quem em sã consciência faz anal pela primeira vez e não imagina um monte de besteira? Eu imaginei, e a situação foi crescendo em minha cabeça a ponto de me fazer travar. Sentei no sofá, arranquei, muito constrangida por sinal, a tal cápsula de dentro de mim, decidida a não mais levantar. Vai que... era melhor nem começar a pensar.
— Ok! — Ele soltou um suspiro impaciente e, como se minha vontade não valesse nada, colocou-me em seu colo, desta vez de costas para ele. — Joelhos no sofá. — Sua ordem dada em um tom incontestável me fez obedecer, embora temendo consideravelmente. Gritei quando recebi um tapa na bunda, enquanto Alex me equilibrava no sofá com a outra mão. — Vamos fazer de outra forma. Porra, que outra forma ele poderia inventar? Eu estava de joelhos no sofá, de costas para ele, com a minha bunda ardendo, nada insuportável e começando a me sentir excitada outra vez.
— O que você vai fazer? — Eu sabia o que ele ia fazer e não havia como impedi-lo. — Vou fazer exatamente o que você quer que eu faça. — Ele me puxou para trás, me forçando para sua ereção. — Mas vou usar isso aqui.
Quando Alex me mostrou o que havia em sua mão eu me perguntei como ele conseguiu esconder aquilo de mim? Em que momento aquilo coube no bolso do seu jeans, junto com as demais coisas e eu sequer percebi a sua presença? — Vai usar isso para? — Engoli com dificuldade sabendo exatamente o que ele faria com aquilo.
— Você vai ver. E vai gostar.
— Como você trouxe... — Venha, Charlotte. — Puxando-me contra a sua ereção Alex me fez inclinar um pouco para frente, tendo assim uma visão privilegiada da minha bunda. Senti a cabeça do seu sexo me invadindo sem nenhum preparo. Fechei os olhos e aceitei, ciente de que era só a estranheza do momento. Então, lentamente, ele começou a me puxar para trás, entrando em mim sem o esforço de antes, sem parar, sem acelerar e sem me dar a chance de protestar. Uma mão me conduzia pelo quadril e a outra apalpava meu seio, como se quisesse me dizer que seria realmente bom.
Com ele todo dentro de mim outra vez, ousei descansar a cabeça em seu peito e testar os meus limites, mas perdi todo o meu foco quando Alex pegou o vibrador que estava em sua mão, aquele rosa que um dia ele havia comprado para mim, e o introduziu em meu sexo.
— Puta que pariu — rosnei ao ser invadida, sentindo aquele troço vibrar acariciando cada centímetro da minha vagina.
No embalo empinei a bunda para trás e foi a vez de Alex rosnar de prazer. E assim voltamos ao nosso ritmo. Eu me perdia com o entrar e sair do objeto que ele usava para me masturbar, ao mesmo tempo começava a me sentir bem com a sua penetração, que acompanhava meus movimentos, dando-lhe tanto prazer que me fazia sentir poderosa, enquanto sua mão livre brincava com meus seios e seus lábios com meu ombro e pescoço.
Devo confessar que estava bom. Não. Estava muito gostoso. Rapidamente perdi a compostura, desfiz a imagem de garota recatada e entrei no seu jogo, aproveitando cada estocada e me embalando conforme ele me conduzia.
— Por Deus, Charlotte! — Alex rosnou atrás de mim.
Meu corpo inteiro tremia anunciando o orgasmo que fatalmente me consumiria.
Sinceramente, eu não estava preparada para o que aconteceria. Enquanto Alex brincava comigo de todas as formas que ele encontrava eu me vi explodindo, queimando, desintegrando em um orgasmo avassalador.
O tremor não passava, minhas pernas vacilavam, ainda assim, eu podia sentir meu corpo continuar correspondendo. Alex gemia atrás de mim, movimentando -se para proporcionar a ele mais prazer e o mais incrível de tudo era que eu estava gostando, sentindo que minhas partículas se reagrupavam para me manter no jogo.
Mais ousada me permiti rebolar em seu colo, então Alex me puxou com força, indo mais fundo e gozando.
E então eu gozei outra vez. Entregando-me e me liquefazendo em suas mãos. Não sei quanto tempo fiquei à deriva, mergulhando naquele mar de luxúria, sentindo que meu corpo nada mais era além de prazer, sentindo a respiração pesada do meu namorado logo embaixo de mim, e suas mãos em um ritmo lento acariciando a minha pele. De olhos fechados eu me sentia leve, acompanhando o compasso das nossas respirações que se acalmavam. Alex se mexeu e um leve incômodo me fez voltar a realidade.
Puta. Merda!
Alex Eu estava nas nuvens. Porra, eu estava realmente nas nuvens!
Sejamos sinceros, qual homem não gosta de um anal? Agora potencialize a situação quando você consegue fazer isso com a mulher que ama, com quem quer ficar o resto da sua vida e que acabou de lhe dar passe livre para satisfazer as suas vontades? Entendeu? Eu estava nas nuvens e nada me faria descer de lá.
Charlotte sempre me deu sinal de que não manteria a sua postura de recatada por muito tempo. Ela gostava quando eu brincava com o seu corpo, quando a tocava com mais ousadia, quando forçava o seu limite ao máximo. Ela sempre deixou claro, apesar de nunca usar as palavras, que um dia aconteceria.
E aconteceu.
Graças a Deus ela estava de costas para mim e não pôde ver o sorriso imenso que eu exibia. Era delicioso saber que consegui convencê-la e, melhor ainda, que consegui fazer com que ela correspondesse à altura.
Minha namorada se retesou quando me movimentei para tirá-la do meu colo. E ali eu soube que a sua insegurança, assim como todas as fantasias e lendas urbanas que ela guardava naquela cabecinha confusa a fariam sofrer por algumas horas. Era melhor não deixá-la muito tempo dentro da sua própria imaginação.
— Que tal o banho agora? — Sugeri já consciente de que ela me mandaria ir na frente, só para não ter que admitir que durante algum tempo debateria com todas as inseguranças relacionadas ao seu corpo.
— Eu preciso de uma cama. — A voz fraquinha indicava que ela realmente estava cansada.
Pudera. A garota foi corajosa se entregando para mim daquela forma e, ainda por cima, foi premiada com dois orgasmos sensacionais de se assistir. Ri baixinho e beijei seu ombro, levantando-a com todo cuidado.
— Quer que eu te leve para cama? — Fiquei atento a todas as suas reações. Charlotte deitou no sofá, tomando cuidado para ficar de lado e me encarou.
— Eu tenho duas perguntas. — Ela me encarou séria. — Primeira: Como isso veio parar aqui? — Pegou o vibrador que havíamos comprado juntos e me mostrou. Sorri achando lindo ela falar com tanta naturalidade sobre algo que eu sabia que a constrangia.
— Desci com ele na mão e precisei esconder por causa da Marta. Por isso me ofereci para juntar a bagunça do Lipe. — Ela me encarou sem acreditar e depois riu.
— Você desceu com isso não mão? Meu Deus!
— Pensei que estávamos sozinhos e quis fazer a proposta. — Dei de ombros e ela riu um pouco mais. — Você disse que tinha duas perguntas — provoquei, acariciando suas pernas. Charlotte voltou a ficar séria e eu fiquei preocupado.
— Você já... — Brincou com o acessório enquanto escolhia o que falar. Gelei imediatamente. — Você usou isso aqui em outra mulher? — Umedeci o lábio pensando no que poderia responder sem causar um problema para nós dois.
— Esse não. — Rápido, direto e sem chances de mais perguntas.
Ela me encarou e eu vi muitos sentimentos em seus olhos, mas Charlotte nada disse. Ela mordeu o lábio e levantou. Rápido até demais para alguém com medo das reações do seu corpo.
— Vou tomar aquele banho — Ah, claro! O banho. Ela sempre se escondia com esta desculpa.
— Posso esfregar as suas costas — provoquei.
— Já sou bem crescida para saber tomar banho sozinha. — Saiu do sofá sem olhar para trás. Suspirei.
Não dava para esperar maturidade demais de Charlotte.
— E vai conseguir lavar as costas sozinha? — continuei provocando, sem querer entrar em seu clima.
— Claro — falou um pouco mais alto, já da escada. — Fiz aula de yoga na Inglaterra. Estou bem flexível. — E com essa ela me derrubou de vez.
Minha imaginação pervertida já me inundou com muitas e muitas imagens de posições que poderíamos fazer com toda a sua flexibilidade.
— Isso é um convite?
— Não! Boa noite!
Dei risada, deixando-a em paz e voltando a ficar agradecido pelo sexo maravilhoso.
Charlotte Ele estava tão agarrado a mim que chegava a ser sufocante. Não sei o que havia com Alex para ele ficar tão bobo por ter conseguido comer minha... por ter conseguido fazer anal comigo. Aquilo tudo era uma bobagem tão grande que eu nem tinha ficado insegura.
Mentira, eu estava insegura. Acordei várias vezes no meio da noite para conferir se estava tudo certo e por isso o fato de Alex estar tão grudado em mim estava me incomodando tanto.
Abri os olhos e percebi que já era dia, apesar do silêncio que só foi quebrado pelo cantar dos passarinhos. Tentei não me mexer muito, assim evitaria acordar Alex, porém assim que me virei senti suas mãos possessivas me puxando para perto.
— Bom dia. — Sua voz rouca e repleta de sono me fez sorrir. Ele se esfregou em minha bunda, demonstrando o quanto já estava acordado.
— Hum! — provoquei empinando a bunda. Ele riu baixinho.
— Duvido que você me deixe brincar aqui outra vez. — Mordeu meu lóbulo me fazendo ficar arrepiada.
— Você é o cara que sabe das coisas. — Espreguicei-me e Alex se aproveitou passando a mão com mais vontade em meu corpo.
Ele rolou para cima de mim, acomodando-se entre as minhas pernas, tirou os lençóis, expondo os nossos corpos nus. Fiquei apreensiva, porém, como Alex sempre sabia o que fazia, relaxei. Suas mãos carinhosas cercaram o meu rosto e seus olhos incríveis me prenderam naquela visão maravilhosa.
— Você é linda! — Aquele sorriso perfeito me brindou.
— Eu sei. — Ele sorriu ainda mais.
— E eu amo você, mas isso você sabe também.
— Eu tenho um problema sério de memória — provoquei, mexendo-me embaixo dele. Alex se ajeitou, deixando a ereção acariciar a minha entrada.
— Eu acabei de dizer. — Ele abaixou o rosto para beijar meu pescoço.
— O quê? — Senti sua risadinha em minha pele e me peguei sorrindo amplamente. Quando foi que me senti tão feliz?
— Que eu amo você! — repetiu já aguardando a minha brincadeira.
— O que mesmo? — Ele riu e começou a distribuir beijos pelo meu rosto.
— Quero fazer amor com você. — Mordeu a ponta do meu queixo, roubando de mim um gemido genuíno.
— Faça — sussurrei já entregue. Alex levantou um pouco, ajeitou-se e começou a me penetrar. Gemi um pouco mais, de olhos fechados e ciente de que os dele estavam atentos.
— Hum! — ele gemeu deixando o rosto entre os meus seios. — Adoro fazer amor com você quando acordamos. — Sua mão foi para meu quadril, puxando-me ao seu encontro.
— Eu não tenho nenhuma objeção — brinquei, recebendo uma mordida leve no bico do seio. Mordi o lábio contendo a minha vontade de gemer mais alto.
— Se você dormir comigo todos os dias podemos colocar essa atividade na nossa rotina. — Ri baixinho, enfiando minhas mãos em seus cabelos.
— Bela tentativa. — Alex se levantou e tomou os meus lábios com avidez, indo mais fundo dentro de mim. Minhas paredes íntimas pulsaram com o prazer.
Deixei que ele me devorasse, que sua língua me exigisse e que seus lábios me dominassem. Cruzei minhas pernas em sua cintura, dando-lhe maior acesso e Alex levantou o quadril para se enfiar lentamente, fazendo com que eu voltasse a fechar os olhos. Eu estava no paraíso, sem imaginar que seria atirada no inferno dentro de segundos. — Papai!
Não sei dizer o que demorou mais. Se foi o fato de meu cérebro reconhecer a voz de Lipe e me mandar a mensagem de que algo estava fora do lugar, ou se o de Alex tomando consciência do que acontecia e nos envolvendo com o lençol. Se eu levei horas ou segundos para ser coberta, não sei afirmar, o fato foi que eu me senti exposta por tempo demais.
Em minha cabeça não importava quanto tempo levou realmente e sim o fato de que Lipe estava ali e havia nos vistos.
Puta. Que. Pariu!
Eram tantos sentimentos dentro de mim que congelei. Sim, eu simplesmente não conseguia me mover, falar, gritar, chorar ou até mesmo respirar. Vi tudo acontecer como se estivesse distante da cena, só observando o seu desenrolar.
Lipe gritou pelo pai, correu e se atirou na cama. Aparentemente sem se importar com o que estava acontecendo. Nós estávamos nus, envolvidos pelo mesmo lençol, Alex tentando nos manter cobertos, ao mesmo tempo que recebia o filho nos braços, tentando disfarçar a situação, mas estando tão tenso quanto eu.
Pela minha visão periférica registrei a entrada de Anita. A sua parada teatral colocando as mãos na boca, sem nenhum sinal verdadeiro de constrangimento. Ouvi a respiração pesada do meu namorado, a risada brincalhona do seu filho.
— Paia — Lipe dizia se movimentando de maneira perigosa, prestes a arrancar o lençol de nós dois. — Paia, papai.
— Calma, filho. — Alex estava com a voz calma, o que para mim era completamente irritante. Com um esforço imenso fechei os olhos.
— Meu Deus, Alex! Eu... — Anita se justificava, o que ia me deixando cada vez mais irada. — Vem, Lipe. Vem comigo, amor. — Senti a movimentação na cama.
— Não — ouvi o menino se negar, de maneira malcriada, a nos deixar.
— Vá com sua madrinha, Felipe. — Alex foi mais duro. — Papai já vai descer. — Tentou amenizar.
— Não. Paia!
— Papai vai conversar com você lá embaixo.
— Vem, Lipe — Anita continuava tentando.
A situação toda era tão embaraçosa que eu implorava que um buraco se abrisse na cama e me engolisse.
Era realmente um azar sem tamanho o Brasil não ter atentados terroristas, pois eu queria ser um homem bomba e me detonar naquele instante.
Lipe choramingou e eu finalmente consegui levar as mãos ao rosto cobrindo a minha vergonha. Eu ainda ouvia Alex consolar o filho sem perder a paciência, enquanto Anita se desculpava de todas as formas. Eu apenas queria que eles sumissem daquele quarto para que eu pudesse morrer em paz.
Até que o silêncio prevaleceu. Eu sequer ouvia as nossas respirações.
— Eles já desceram — Alex falou baixinho, mas eu não consegui me destravar.
Eu estava absurdamente envergonhada, embora a raiva prevalecesse. Raiva de tudo e todos. De Alex por ter permitido que aquilo acontecesse, de mim por ser idiota o suficiente para confiar e, principalmente de Anita, que eu tinha certeza, havia feito aquilo de propósito.
— Charlotte? Amor... Levantei em um rompante, sentindo todo o meu corpo dolorido, e fui para o banheiro. Eu queria sumir, queria não precisar ouvir a voz de nenhum deles, não precisar olhar para Lipe e ser lembrada a vida inteira do que havia acontecido.
Como Alex pôde? Como permitiu que aquela mulher tivesse a chave de sua casa? Como nunca imaginou que um dia isso poderia acontecer? Como pôde ser tão descuidado com o filho? Com nós dois?
— Charlotte! — Ouvi sua batida na porta e me encolhi. Não dava para olhar para Alex. Não dava para olhar para ninguém. — Charlotte abra a porta. Vamos conversar!
Entrei no chuveiro desejando um banho que pudesse limpar até a minha alma. Eu sabia que chorava porque os soluços rompiam em meu peito, mas a água do chuveiro não me deixava sentir as lágrimas descendo.
Que merda!
Meu Deus! Eu fui cautelosa. Neguei muitas e muitas vezes a correr este risco. Fiz o que pude. Estava decidida a encarar o nosso namoro e aceitar todas as condições que ele impunha, mas Anita estava ansiosa para tornar a minha vida um inferno e deixava bem claro em todas as suas atitudes.
Alex continuou tentando me fazer abrir a porta até que desistiu. Confesso que foi quando consegui respirar outra vez. Sozinha era possível pensar melhor sobre o ocorrido, culpar os verdadeiros culpados e tentar me situar. Eu sabia que precisava sair daquele banheiro, encarar Alex, Anita e Lipe antes de finalmente conseguir chegar à rua.
Desliguei o chuveiro, respirei fundo segurando o choro. Peguei a toalha que encontrei e comecei a me enxugar sem coragem de me olhar no espelho. Eu me sentia suja demais para me encarar, mesmo sabendo que não tive culpa do ocorrido.
Abri a porta do quarto rezando para que Alex não estivesse ali. Meu coração acelerado suavizou um pouco ao se certificar de que não havia ninguém. Peguei minhas roupas, que estavam arrumadas na poltrona, vesti sem me importar por estarem sujas, passei as mãos pelos cabelos molhados sem querer perder tempo penteando-os e saí do quarto.
Ouvi a voz de Alex no quarto do Lipe. Ele conversava com o filho, mantendo uma serenidade na voz que me deixava desconcertada. Eu estava quase surtando e ele precisava manter a pose na frente de uma criança com menos de três anos para não alertá-lo da merda toda que havia acontecido.
Desci as escadas sem querer encontrá-lo, mesmo sabendo que seria necessário. Eu precisava de espaço e Alex com certeza não permitiria. Meu inferno ficou mais doloroso quando vi Anita parada na sala, as mãos cruzadas na frente do peito e os olhos atentos às escadas.
— Charlotte — ela disse sem muita emoção. — Desculpe. Eu realmente não sabia que... — Guarde suas mentiras para quem acredita nelas. — Tentei passar rapidamente para que Alex não conseguisse me alcançar. Mas ela parou a minha frente, um sorriso debochado em seu rosto. Ouvi os passos na escada e tive vontade de correr.
— Isso nunca aconteceu antes. — Sua voz baixa indicava que ela não queria que Alex ouvisse o seu comentário. — Você sabe. — Olhou rapidamente para a escada. — Todas as vezes que Alex trazia uma mulher para casa eu levava Lipe comigo. Nunca aconteceu de voltarmos antes da hora. Eu não sabia... — Charlotte! — A voz de Alex vibrou em meu corpo. A raiva corria em minhas veias.
Eu sabia que Anita havia dito aquilo de propósito, porém era impossível, depois de tudo, manter a calma e assimilar que Alex não era culpado. O que eu esperava, que ele não tivesse transado com ninguém enquanto eu afirmava veementemente que jamais voltaria?
No entanto doía saber pela boca daquela mulher a realidade do meu namorado. E doía muito. Porque ele levava as mulheres para aquela casa, para a nossa cama, para o lugar que um dia eu pensei em viver. Sem pensar caminhei até a porta.
— Alex, eu preciso ir embora — Anita disse aumentando a voz, o que me levou a acreditar que ele não se importou com ela enquanto tentava me alcançar.
— Charlotte, espere. — Abri a porta da casa decidida a sair, principalmente porque estava sufocada com tudo o que tinha acontecido. — Espere. — Sua urgência e desespero me fizeram parar, mas eu não conseguia olhá-lo, então fiquei parada, de costas e mantendo os olhos baixos. Ouvi sua respiração pesada pelo esforço para me alcançar. — Charlotte, não vá embora. Vamos conversar, por favor! Merda! Entre, Charlotte!
— Não! — Continuei sem olhá-lo. Ameacei continuar andando para ir embora o quanto antes e ele me segurou pelo braço.
— Não fuja de mim. Eu não posso ir atrás de você. Não tem ninguém para ficar com Lipe hoje pela manhã. É meu dia, então, por favor, entre, Charlotte e vamos conversar como dois adultos. — Ri sem vontade e finalmente consegui encará-lo.
— Como adultos? Adultos como as mulheres que você trouxe para casa? — Alex me largou me encarando sem graça.
Eu sabia que não tinha direito de cobrar nada, que ele não tinha culpa das coisas que Anita fazia, apesar de poder culpá-lo por aceitá-la em sua vida mesmo depois de tudo o que ela já havia aprontado, mas estava tão furiosa que não conseguia evitar.
— Charlotte... — Era assim que funcionava, não era? Anita te encobria ficando com seu filho para que você pudesse transar livremente. Que conveniente! O que será que ela ganhava em troca para ajudar no esquema?
— Pare, Charlotte!
— Não. Pare você! — gritei com raiva. — Onde está aquele homem que me disse que tinha uma rotina com o filho, que vivia com ele e por ele? Onde está esse homem, Alex? — Ele suspirou e passou a mão pelo cabelo. — Eu vou embora. — Recuei consciente de que estava passando dos limites e dando à Anita o que ela queria.
— Que droga, Charlotte! Eu não posso ir atrás de você — repetiu sem paciência.
— Ótimo! Eu preciso mesmo de espaço. — Comecei a me afastar e ele não me seguiu.
— Nós precisamos conversar — alertou.
— E vamos. Mas não agora. — Senti meu peito doer e as lágrimas se formarem.
Eu precisava mesmo da distância para acalmar minha dor, colocar a cabeça no lugar e não deixar que a raiva despejasse tudo o que eu sentia no homem que eu amava.
— Quando? — Dei de ombros vendo a decepção em seus olhos. — Charlotte, não vá! — Ele não agia com raiva, estava com medo.
Dei as costas e saí sem saber como seria dali para a frente. Eu só precisava ir embora.
Capítulo 23
“Farei com que comeces a pensar que esse teu cisne não passa de um urubu.” William Shakespeare Charlotte — Pelo amor de Deus! Às vezes eu acho que você conseguiria ser mais rica do que o padrinho se escrevesse um livro contando a sua história. — Miranda riu e conseguiu me fazer rir um pouco também enquanto eu limpava as lágrimas que ainda caíam. — Seria um sucesso como novela mexicana — continuou rindo, ajudando-me a relaxar.
Quando saí da casa do Alex e me vi na rua fiquei perdida. Eu não sabia o que fazer para onde ir e como me sentir, então fiz a coisa mais lógica do dia, liguei para Miranda, que foi me buscar imediatamente. E, claro, já entrei no carro chorando, tremendo e me sentindo uma imbecil.
— Você fica rindo, mas o caso é sério — afirmei voltando a sentir a angústia no peito quando a imagem do Lipe entrando no quarto no momento em que transávamos voltou a minha mente.
— Ele só tem dois anos, Charlotte! Nem faz ideia do que viu. — Afagou meu ombro. — O que não significa que podemos transar livremente com ele em casa. — Ele não estava em casa. A megera da Anita fez de propósito e você deveria conversar sobre isso com Alex.
— Ele não vai acreditar em mim — suspirei derrotada. — Alex acha que deve a vida a Anita. — Ela me olhou com aquele olhar que me dizia que o assunto ficaria sério. Encostei no banco do carro e encarei o flat. Estávamos lá há quase uma hora, conversando sem coragem para descer e entrar em casa.
— Foi difícil para ele — disse com pesar. — O que não dá a Anita o direito de fazer o que fez.
— Anita poderia ter infartado quando soube da morte de Tiffany. Facilitaria muito a minha vida. — Ela riu.
— Que horror, Charlotte! — Dei de ombros.
— Sou humana. Não posso evitar meus pensamentos nada ortodoxos. — Limpei as novas lágrimas sentindo o choro ceder. — Estou tão envergonhada! — Eu te entendo. Tenha em mente que o Lipe não vai lembrar do que viu. Agora é deixar passar e cuidar para que não volte a acontecer.
— Eu fico pensando em como casais com filhos podem ter uma vida sexual. — Ela riu como se a minha pergunta fosse absurda.
— Todo mundo encontra um jeito e você e Alex têm recursos para ter uma vida independente de filhos. É só contratar alguém que possa dormir com ele. — Piscou para mim. Suspirei.
— E você acha que eu teria uma vida sexual normal sabendo que uma pessoa dorme no quarto ao lado ouvindo tudo o que aprontamos durante a noite? — Miranda riu alto. — Não fique rindo de mim. — Cruzei os braços aborrecida. — É que você é engraçada. Lottie, todo mundo se adapta. Sem contar que é só uma fase, depois fica melhor. Só não desista — colocou a mão sobre a minha apertando-a. — Vocês se amam e Alex não fez nada de errado.
— Eu sei. — Lamentei a briga. — Mas foi horrível ouvir da boca de Anita que ele levava outras mulheres para casa.
— E o que você esperava? Você estava na Inglaterra, ignorando completamente o cara. Foram três anos, Lottie! Ele é lindo, maduro, rico... — Soltou o ar dos pulmões. — E as mulheres não esperam por um convite.
— Eu sei! — Fechei os olhos evitando as imagens das mulheres se atirando para Alex. — O que não ameniza a minha raiva — rosnei. — E eu que fui burra. Deveria ter transado com todos os garotos com quem tive oportunidade. Eu deveria ter seguido em frente com minha vida sexual.
— Você faria se não tivesse voltado para o Brasil e reencontrado Alex, mas você voltou e ele é o homem da sua vida. Tenha isso em mente. Não é possível fugir de um amor assim.
— Eu me sinto uma imbecil. — Limpei mais uma lágrima que escapou. — Só não consigo deixar de culpar Alex por ser tão idiota e aceitar Anita em sua vida. — Ela revirou os olhos e encostou também no banco. — Eu sei. Estou sendo repetitiva.
Vou parar de falar — Miranda riu. — Como estão as coisas com Patrício? — Estranhas — suspirou. — Estranhas mesmo. Ele fica bem e fica mal. Tem dias que está numa boa, todo carinhoso e romântico, em outros se tranca no escritório e joga PlayStation até tarde da noite.
— PlayStation? Tá falando sério?
— Patrício é uma criança. Tem síndrome de Peter Pan. — Ri e ela também. — Eu posso sondar Alex.
Quem sabe ele pode nos dar alguma informação... — Não. — Ela me encarou séria. — Deixa todo mundo fora disso, Lottie. Ele é criança, mas eu sou adulta e como tal vou resolver este problema de maneira madura.
— Como ensinar a uma criança a resolver as coisas de maneira madura? — Ela ficou me olhando séria, depois começou a rir.
— Você não existe! Não sei. Realmente não entendo nada do universo materno.
— Olhou-me de soslaio para conferir a minha reação. — Você sabia que Patrício não quer ter filhos?
— Não. — Encarei minha amiga com mais atenção aguardando pelo que ela diria. — Ele disse que não quer e eu disse que achava que seria legal um dia, não agora, um dia. — Eu sentia o quanto o assunto constrangia a minha amiga, mas precisava levar tudo naturalmente para que ela entendesse que poderia conversar sobre qualquer coisa comigo. — Foi depois disso que ele mudou.
— Depois que você disse que queria ser mãe? Tem alguma coisa errada nisso tudo. Patrício curte os sobrinhos. Ele parece um bobo quando está com as crianças. Quer dizer... ele parece um bobo o tempo todo, piora quando está com as crianças.
— Pois é. Eu não entendo. Pode ter sido outra coisa e eu não percebi. Eu preciso voltar para casa. Precisamos conversar sobre a Bienal, Lottie.
— Ainda temos tempo.
— Lana viaja amanhã para a última reunião. Recebi a sua agenda e agora está confirmado. Amanhã eles vão liberar as senhas para a sua tarde de autógrafos. — Ok! — Eu estava sem cabeça para discutir trabalho, mas sabia que quando Miranda agia como profissional era porque não queria mais conversar sobre os problemas dela, então a deixei falar.
— O padrinho quer que você vá no avião particular. — Foi a minha vez de revirar os olhos.
— O padrinho — desdenhei da forma como ela falava do meu pai — não pode mandar em minha vida profissional. Vou em um voo comercial, como todos os mortais.
— Tá bom, só acho que ele vai ficar aborrecido. Já passou a ordem, escolheu os pilotos e combinou tudo. E ele pretende te acompanhar. — Era mesmo uma droga! — Certo, deixe o avião particular. Não vou enfiar meu pai em um avião com poltronas apertadas e mais duzentas pessoas dividindo o espaço com ele. — Miranda riu e concordou com a cabeça.
— Vejo você mais tarde?
— Sim. Vou ficar em casa o dia todo. — Imediatamente fiquei triste ao relembrar da briga com Alex e da situação constrangedora. — Vou tentar escrever. — Faça isso. Também preciso ficar rica.
— Como se você fosse pobre. — Miranda riu e eu desci do carro.
Alex O meu dia foi um inferno! Primeiro eu tive que me manter calmo na frente de Lipe quando a situação era desesperadora. Não podia surtar e deixar que ele percebesse o que tinha presenciado. Segundo, tive que ficar com ele a manhã toda, ansioso para conversar com Charlotte e consertar a merda, mas não podia.
Trabalhei em casa depois que Anita saiu. Com o computador no colo respondi os e-mails supervisionando Lipe que brincava no chão da sala. Eu estava muito puto da vida, mas não podia culpar ninguém. Foi uma fatalidade. Anita pensou que eu estava na praia e quis fazer uma surpresa levando Lipe para me encontrar. Ninguém imaginou que aconteceria o que aconteceu.
Charlotte ficou desesperada e eu podia entendê-la. Ela sempre teve esta preocupação. Como eu poderia saber que aconteceria? Nunca aconteceu antes. Nunca.
E eu estava aborrecido com Anita por ter dito sobre as garotas que eu levei para casa. Não foram tantas, uma ou outra, esporadicamente, quando o tesão falava mais alto e quando eu sabia que Lipe não estaria lá, o que facilitava, no entanto, essa informação Charlotte não precisava receber.
“Eu só quis me desculpar, Alex! Ela estava tão assustada!”, Anita se justificou e eu tive que aceitar a sua defesa. Charlotte estava assustada e nervosa, o que faz com que qualquer pessoa se perca e faça mais besteiras.
Pela tarde, após Marta chegar, eu ainda precisei ir para a editora. Lana estava agitada por causa da viagem para os últimos ajustes relativos à Bienal e eu não estava no clima. Tudo me aborrecia. Tudo mesmo. A sorte era que eu não precisaria buscar Lipe na natação, assim ganhava mais tempo para resolver a minha situação com Charlotte.
No meio da tarde eu já não aguentava mais. Ela não havia telefonado, nem enviado uma mensagem. Eu também não fiz isso e sabia que estava sendo tão teimoso e infantil quanto ela, mas não queria conversar através de mensagens, muito menos por telefone. Eu precisava ver Charlotte e me certificar de que tudo ficaria bem entre nós dois.
Desliguei o computador, organizei os arquivos e comecei a me organizar para sair quando Lana entrou na sala.
— Já vai? — Pareceu espantada. Eu não estava disposto a lhe dar muita atenção. — Alex! — Suspirei.
— Preciso encontrar com Charlotte. Temos um problema para resolver.
— E vai resolver no meio do expediente?
— Vou. Sou o dono desta editora e não tenho horário para trabalhar. Pensei que isso já havia ficado bem claro.
Olhei minha irmã com uma fúria que ela não merecia. Odiava quando Lana tentava me controlar dentro da minha própria empresa. Eu trabalhava até mais do que deveria, nunca me neguei a fazer a minha parte então não queria ser cobrado quando eu precisava priorizar a minha vida particular.
— Mas eu viajo amanhã! Tem muita coisa para resolver ainda.
— Tudo que faz parte da sua função dentro desta empresa. Você é a editora-chefe, você resolve os problemas. A minha parte está toda pronta. — Ela me olhou ofendida pela minha recusa em ajudar. Sentime culpado. — Eu volto mais tarde e coloco tudo em ordem.
— Deve ter sido um problema bem grave. Você está azedo hoje. — Peguei a carteira e o celular.
— Foi grave, mas nada que não tenha solução.
— Vocês não conseguem ter paz? — Aquela era a mais pura realidade. — Foi por isso que fugiram do jantar ontem? — Suspirei pesadamente.
— Lana. — Voltei pela sala e sentei no sofá. — Lipe me viu transando com Charlotte!
— Puta que pariu! — Ela se encostou a mesa com os olhos arregalados. — Puta que pariu! Valentina uma vez foi para a nossa cama e só vimos quando ela já estava deitada tentando me abraçar. Foi uma semana infernal. — Passou a mão na testa como se pudesse expulsar os pensamentos com este gesto. — Vocês sabem que ele nem percebeu o que via, não é?
— Eu sei, mas... merda! Charlotte ficou transtornada. Ela vinha tocando neste ponto há dias, sempre com medo e eu, todo cheio de certezas, fazia com que ela relaxasse. Me sinto péssimo e culpado. Passei a manhã com Lipe e sei que ele não ficou com nada na memória, mesmo assim... porra, eu fui muito descuidado!
— Isso acontece, Alex! Ninguém nunca morreu porque o filho o surpreendeu transando. Você precisa relaxar. Charlotte eu sei que não vai fazer isso tão cedo. Além de ser dramática ela não é mãe, não está habituada a esta realidade. Com certeza foi um grande choque para ela.
— Sim, foi! Por isso preciso ir até a casa dela para tentar fazê-la entender que ninguém teve culpa.
— Pois é. Qualquer criança acorda fora do horário, no meio da noite, pela manhã muito cedo... uma hora ou outra poderia acontecer.
— Esse é o problema. — Esfreguei a mão na testa sentindo meu corpo esgotado. — Lipe não estava em casa, por isso me descuidei. Ele dormiu na casa de Anita.
— Que merda, hein? Com Anita envolvida fica ainda mais difícil acalmar Charlotte. Você não combinou um horário?
— Ela nunca chegou tão cedo. Eu nem sabia que Charlotte iria comigo para casa e disse a Anita que sairia para surfar. Foi uma sucessão de acontecimentos desencontrados. E eu estava me reconciliando de outra briga por causa das camisas manchadas, ou seja, dois dias de brigas e acertos.
— Uma grande merda mesmo. Bom... não tem jeito, você vai sair então eu preciso colocar a mão na massa. Me avise se puder voltar, vou realmente precisar desta força.
— Farei o possível. — Levantei e quando estava quase na porta Patrício entrou abrindo um grande sorriso quando me viu.
— E aí, vacilão! — Deu um tapa em meu braço. Que droga!
— Charlotte conversou com Miranda. — Constatei o óbvio. Ele riu. — E Miranda comigo. — Entrou na sala sem nenhuma cerimônia. — Essa é a grande merda de se ter filhos. Ninguém pode transar em paz na sua própria casa.
— Não existe merda em ter filho — Lana retrucou e piscou para mim.
— Isso eu jamais saberei. Não vou ter filhos.
— Você não quer filhos porque tem medo que ele seja como você. — Toquei na ferida. Patrício sempre deixou bem claro para todos nós.
— Pois é. Não vou correr este risco.
— Miranda tem direito de ser mãe — Lana falou indignada, mas Patrício não se importou.
— Miranda não quer ser mãe. Ela nem leva jeito para essas coisas. É só fogo de palha porque vocês tiveram filhos.
— Eu tenho mesmo que ir. — Dei minhas desculpas deixando os dois naquele debate.
Eu gostaria de ajudar o meu irmão a superar seus medos, a acreditar que sua história não precisava se repetir, porém, nós teríamos tempo para conversar em outra hora. Naquele momento eu tinha que encontrar Charlotte.
Charlotte Assim que saí do banho meu celular parou de tocar. Eu estava ansiosa, mas me decepcionei ao verificar que a ligação era de Johnny e não do meu namorado. Talvez eu tivesse pegado pesado demais. Ou talvez ele estivesse trabalhando e sem tempo para perder com as minhas inseguranças.
Enquanto eu pensava no assunto o telefone voltou a tocar. Dei um pulo com o susto.
— Oi, Johnny! — Minha voz demonstrava a minha falta de ânimo.
— Oi, gatinha! O que aconteceu?
— Eu liguei várias vezes e você não atendeu — acusei, sendo ainda mais infantil. — Onde você está?
— Em Belo Horizonte, Lottie. — Soltou o ar demonstrando cansaço. — Seu pai agendou uma reunião de surpresa e tivemos que voar para cá sem nada preparado. Como estão as coisas?
— Ele está com você?
— Agora não. Está no quarto dele. Acabamos de chegar ao hotel. Aconteceu alguma coisa? — Johnny ficou em alerta.
— Aconteceu uma grande merda.
— Quantas camisas desta vez?
— Johnny!
— Desculpe! Foi mais forte do que eu. É com o Alex?
— É. Nós... ele... eu... — Fala, Charlotte! Você não engravidou, não foi? — Sua voz nervosa fez meu coração doer.
— Você sabe que não! — Ouvi seu suspiro de alívio e me senti péssima.
— Por que o nervosismo?
— Ah, Johnny! Eu nem sei como dizer de tão constrangedor que é, mas queria a sua opinião — choraminguei.
— Desembucha!
— Tá bom! Lipe nos surpreendeu transando. — Ele fez silêncio por alguns segundos, depois sua risada estrondosa fez com que eu afastasse o celular do ouvido. — Johnny a situação é séria.
— Porra, imagino que — continuou rindo. — E ele fez o quê? Cara, eu queria ver a sua cara na hora em que aconteceu.
— Foi um grande erro te procurar, Johnny. Tchau! — Desliguei o celular e levantei da cama. Ele começou a tocar imediatamente. Atendi e meu amigo não ria mais.
— Tá certo. Vou tentar te ouvir sem rir. Como você está?
— Envergonhada. — Ele riu baixinho e eu fechei os olhos. — É sério, Johnny!
— Lottie, eu sei que é uma coisa embaraçosa, que você jamais queria que acontecesse, porém tem que admitir que namorar com um cara que tem um filho tão pequeno é correr este risco. Ainda mais você, toda fogosa. Até do jantar sumiu ontem.
— Meu pai apontou uma arma para Alex e o ameaçou caso me magoasse. Foi motivo de sobra para fugir daquele jantar — menti.
— Não! O padrinho fez isso? — Outro momento de gargalhada que quase me fez desligar de novo.
— Não tem graça. — Mas eu estava sorrindo. Era impossível ouvir a risada do meu amigo e não rir junto.
— Ah, tem sim! Tem muita graça. Eu sempre perco estas coisas. O padrinho poderia me dar mais crédito e me chamar para assistir quando resolvesse intimidar alguém.
— Johnny, não tem nada de engraçado em ameaçar os meus namorados.
— O seu namorado — me corrigiu sem titubear.
— Que seja! — Revirei os olhos. — O problema maior é que Anita está envolvida outra vez.
— Anita? Como assim?
— Ela pegou o Lipe para dormir na casa dela na noite passada, hoje pela manhã bem cedo levou o menino de volta e tudo acabou acontecendo. Eu tenho certeza de que ela fez de propósito. — Johnny ficou em silêncio me ouvindo e mais uma vez me questionei até quando aquilo seria saudável para ele. — Ela tem a chave, estava com o menino... sei lá! Provavelmente Alex comentou que estaria comigo... e ela ainda fez questão de me contar que aquela era uma rotina do Alex. Levar mulheres para casa enquanto ela tirava o Felipe de lá para lhe dar cobertura.
— Ela disse?
— Disse, Johnny. E eu sei que foi de propósito, para me atingir.
— É provável.
— Por quê?
— Porque Anita sempre deixou claro que não gostava de você e não se conformava com a sua relação com o seu professor. Ela pode estar implicando mesmo.
— Implicando? Ela quer acabar com o meu namoro com o Alex.
— É engraçado te ouvir falar dele como seu namorado.
— Johnny!
— Tá certo! Ela pode ter feito de propósito. Você já conversou com Alex?
— Não. Não consegui. Eu estava muito envergonhada.
— Imagino — suspirou audivelmente. — Bom, primeiro tente descobrir se ela sabia mesmo que você estava lá. Caso seja verdade, conte ao Alex sobre a sua desconfiança.
— Eu não posso fazer isso.
— Pode sim. Se Anita sabia de vocês e mesmo assim levou o menino ela tem que ter um motivo muito justo para ter feito isso. Já aviso que Alex provavelmente não contou sobre vocês. Ela nunca nem aceitou me receber na casa dela nos dias em que Lipe estava por lá, então não vejo como poderia querer que o afilhado presenciasse algo do tipo.
— Ela é doente — rebati com raiva.
— Anita é doidinha, mas não faz esse tipo de besteira. Ela realmente ama o Lipe.
Ouvi a batida em minha porta e logo em seguida Odete apareceu.
— O senhor Alex está lá embaixo — anunciou baixinho.
— Obrigada! Já desço. — Ela concordou e fechou a porta. — Johnny, Alex está aqui.
— Escute o que ele tem para dizer. Junte os fatos e só fale com ele sobre o assunto se tiver realmente certeza.
— Ok! — Engoli com dificuldade. — Obrigada, Johnny!
— Use e abuse, gatinha!
Desligamos e eu fui para o closet escolher o que usar para encarar o meu namorado.
Alex Bati à porta e a empregada me recebeu. Implorei mentalmente para que Peter não estivesse em casa e pelo visto não estava mesmo. Odete subiu para avisar a Charlotte da minha presença e eu fiquei aguardando na sala. Confesso que meu coração estava acelerado com a expectativa.
Charlotte desceu as escadas sem demonstrar qualquer insegurança. Ela não sorriu, nem parecia relaxada o que me deixou ainda mais tenso. Veio até a sala e parou a uma distância segura de mim. Era uma merda voltarmos a este ponto, como se fossemos dois estranhos e não dois namorados.
— Você está bem? — comecei com cautela. Era importante estudar o caso antes.
— Ainda não. — Ela olhou para o lado, conferindo se estávamos sozinhos. — O que aconteceu? — Cocei a cabeça. Como assim o que aconteceu?
— Lipe não se deu conta do que estava acontecendo, Charlotte. Eu entendo o seu embaraço, a preocupação, mas... — O que aconteceu para ele voltar tão cedo? — continuou firme, fazendo-me entender a sua pergunta.
— Hum! Ontem ele foi para a casa de Anita. Quando ela me ligou eu não sabia se você iria querer dormir lá comigo depois da surpresa do jantar, então eu disse a ela que iria para a praia logo cedo. — Charlotte fez uma careta e virou as costas para mim.
— Ela não teve culpa, Charlotte. A sua intenção era pegar as coisas de praia do Lipe para me encontrar.
Era uma surpresa.
— Surpresa? — perguntou, virando-se para mim e me olhando sem acreditar em minhas palavras. — Então Anita não teve nenhuma intenção maldosa ao levar Lipe tão cedo para casa.
— Ela nem sabia que eu estava lá. — Vi minha namorada rir com escárnio. — Como não? O carro estava na garagem. Qualquer um poderia ver. — Não sei. Provavelmente ela não prestou atenção. — Ela recuou com descrença. Eu sabia que seria uma conversa difícil, só não estava preparado para tanto.
— Como você pode ser tão idiota?
— Charlotte... — Anita está fazendo de propósito e você não quer enxergar!
— Fazendo o quê?
— Tentando nos jogar um contra o outro. Ela manchou as camisas e agora levou o Lipe para que passássemos por aquela situação. — Balancei a cabeça negando a sua afirmação.
Anita não tinha porque fazer o que Charlotte a acusava. Ela não estava de acordo com o nosso relacionamento, daí a fazer aquelas loucuras era demais. Charlotte estava enciumada, envergonhada e com raiva pelo ocorrido esta manhã, então tentava encontrar um culpado.
— Se tem alguém culpado nesta história, sou eu — admiti, não me sentindo nada bem com aquilo tudo. — Eu não disse a Anita que você estaria lá em casa. Não fiquei atento aos seus alertas todas as vezes que você sentiu medo de que acontecesse.
— Claro que o culpado é você, por acreditar em uma mulher como Anita. Alex, ela tentou te prejudicar muitas e muitas vezes. Eu não me conformo com sua ingenuidade — esbravejou. Charlotte estava impossível.
— Eu já contei que ela me ajudou... — Ah sim! Ela te ajudou, cuidou do seu filho para que você transasse com quantas mulheres quisesse.
— Porra, Charlotte, não faça isso!
— Isso o quê? Te acusar de ser um mentiroso?
— Eu nunca te disse que não tive outras mulheres — comecei a perder a paciência. Não era para ser tão difícil.
— Você disse que nunca levou uma mulher para casa — acusou com fúria e lágrima nos olhos.
— Não disse, não! — Charlotte ficou me olhando com mágoa. Merda! — Charlotte você não voltou.
Estava convencido de que não voltaria mais. Isso aqui — sinalizei nós dois — jamais voltaria a acontecer. Nós não deveríamos estar justificando o que aconteceu.
— Anita fez questão de me contar, Alex. Ela sabia que me magoaria e criaria esta situação entre nós. — Suspirei cansado.
— Anita estava tentando consertar a besteira que fez.
— Meu Deus! Você não enxerga mesmo quem ela é!
— Charlotte, Anita é uma amiga, a madrinha do meu filho mais nada. Você está sentindo ciúmes sem necessidade.
— Ciúmes? É o que você acha que está acontecendo?
— Anita não voltou lá em casa quando aconteceu o episódio das camisas. Ela não sabia que estaríamos lá. Não tem como acusá-la quando eu sei que não existem provas. E ela nunca fez isso antes, por que faria agora?
— Ela não fez isso, mas tentou chupar o seu pau mesmo contra a sua vontade um dia antes do nosso casamento.
— Por Deus! — Eu realmente detestava quando ela falava daquele jeito. — Vamos manter o nível.
— Vá para a merda!
— Charlotte!
— Vá para o inferno! — gritou me alertando que estava em seu nível máximo.
— Não dá para conversar quando você fica assim. — Meu telefone tocou.
Vi que era Anita e cogitei não atender. Depois decidi que Charlotte precisava entender que as coisas mudaram e que Anita havia se tornado uma amiga valiosa. Além do mais, era hora de pegar o Lipe na natação e se ela estava me ligando era porque ou não poderia buscá-lo ou estava com algum problema.
— Diga. — Acabei sendo brusco.
— Alex, estou com um problema aqui. — Soltei o ar dos pulmões.
— Lipe está bem?
— Deve estar. Ele adora quando pode ficar mais tempo na piscina.
— O que aconteceu? — Olhei para Charlotte que acompanhava a conversa de perto, com os braços cruzados e o olhar desafiante, como se soubesse que era Anita do outro lado.
— Meu carro quebrou. Eu peguei Marta porque queria fazer uma surpresa para o Lipe e levá-lo para comer uma pizza, mas a merda do carro quebrou outra vez. Agora estamos as duas paradas em uma avenida de alta velocidade e correndo o risco de sermos assaltadas.
Que merda!
— Não pode chamar um táxi? Eu posso buscar Lipe.
— Alex — gemeu descontente. — Eu já chamei o seguro, mas estamos com medo. Um homem aqui seria ótimo!
Merda!
— Tá! Manda a sua localização por mensagem que eu estou indo.
— Que ótimo! Obrigada!
Desliguei assistindo a expressão de incredulidade de Charlotte. Eu tinha certeza de que seria mais problema, mas não podia deixá-las sozinhas só porque minha namorada estava com ciúme.
— O carro de Anita quebrou — Ela se afastou como se o simples nome lhe causasse repúdio. — Marta está com ela e as duas iam buscar o Lipe na natação — Charlotte nada disse. — Eu tenho que ir. Você pode vir junto.
— O quê?
— Charlotte, não vai levar a nada continuarmos brigando. Elas precisam de mim e o Lipe não pode ficar tanto tempo me esperando. Se você vier comigo nós continuamos a conversa em minha casa.
— Anita pode pegar um táxi.
— Ela chamou o seguro, está com medo de ficar sozinha aguardando. — E Marta?
— As duas estão com medo.
— Ela quer que você faça exatamente isso, que me deixe por ela. — Puta merda! Não dava para ficar pior.
— Então ela quebrou o próprio carro arriscando que eu estivesse com você só para nos prejudicar? — Rebati sem paciência nenhuma. Charlotte estava passando dos limites.
— Se ela quebrou o carro ou não eu não sei, mas Anita sabe que só o fato de ter você à disposição já me irrita.
— É pelo Lipe, Charlotte! Ele está sozinho na natação.
— Você não vai buscá-lo. Vai resolver o problema da frágil Anita.
— Puta que pariu! — Puxei o ar com força. — Eu preciso mesmo ir. Você vem?
— Não!
— Então, Tchau!
— Não precisa voltar — ela gritou revoltada. Aquelas palavras me feriram, mas eu não voltaria para tentar reverter.
Dei as costas e saí da sua casa sem olhar para trás.
Charlotte Fiquei enfurecida. Estava claro para mim que o nosso relacionamento não tinha como seguir em frente.
Alex continuaria permitindo que Anita se intrometesse em nossas vidas e pelo visto a louca era eu, dando ataques de ciúme e acusando uma sensível donzela em perigo.
Porra!
Eu estava furiosa! Nas horas que se passaram eu apenas deixava as lágrimas caírem sem me preocupar em detê-las. Eu buscava força para colocar um fim em tudo ou viveríamos naquele inferno para sempre e eu sabia que não queria viver desse jeito.
Só que desta vez eu não poderia ir embora e pronto. Não poderia me esconder em um apartamento em Londres e seguir com a minha vida como se Alex não existisse. Eu tinha uma agenda para seguir, compromissos para cumprir e quase tudo diretamente ligado a ele.
Pensei em milhares de motivos para convencer Miranda a aceitar a minha fuga, mas eu sabia que ela nunca aceitaria, então decidi cumprir aqueles últimos dias e partir logo em seguida.
Pensar em deixar Alex doía muito, principalmente depois de todos aqueles momentos incríveis juntos.
Infelizmente era uma atitude necessária. Ele não cederia e eu não me conformaria com tudo o que estava acontecendo. Restava apenas ter coragem e seguir em frente.
No fundo eu sempre soube que as dificuldades impostas pelo tempo em que ficamos afastados acabariam nos separando novamente. Não era apenas Anita, mas toda a bagagem que a vida de Alex trazia para o nosso relacionamento.
O fim era inevitável.
Alguém bateu à porta do escritório do meu pai. Provavelmente Odete para me perguntar se eu precisaria de mais alguma coisa, contudo quem entrou foi Miranda, e eu pude ver Patrício do lado de fora, nervoso, sem conseguir se manter quieto.
— O que houve? — Fiquei aflita. Johnny e meu pai estavam longe e se ela estava ali era porque algo estava errado.
— Charlotte... — Minha amiga hesitou. Merda! Levantei rapidamente.
— O que aconteceu, Miranda?
— Alex! — Caí sentada sentindo uma pedra em meu peito.
— O que tem ele?
— Charlotte, Alex sofreu um acidente de carro. Ele está no hospital.
E meu mundo desmoronou.
Capítulo 24
“Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos.” William Shakespeare Charlotte Meu mundo pareceu ter parado. Eu pensava em tudo e em nada ao mesmo tempo. Miranda não tinha muitas informações, ela havia obrigado Patrício a ir primeiro a minha casa me contar o ocorrido e só depois iriam para o hospital.
Parada olhando pela janela do carro eu via a noite chuvosa. Eu não chorei, não queria chorar como se fosse uma sentença de morte, porque Alex não podia morrer. Não ele. No entanto, por mais incrível que pareça, quando Miranda apareceu em minha porta meu desespero seguiu em outra direção.
“Lipe. Ele estava no carro?” Perguntei diversas vezes sem conseguir ouvir a resposta, porque eu sabia que o objetivo de Alex era esse: buscar Lipe na natação, então o acidente poderia ter acontecido quando ele estivesse no carro. E ele poderia estar machucado, poderia ter... não! Eu nem podia imaginar algo deste tipo.
Graças a Deus ele estava bem e foi justamente por ter ficado esquecido na natação que eles descobriram sobre o acidente. Lipe estava bem e na casa de Lana. Só depois que soube disso consegui respirar mais aliviada e sentir o meu peito mais leve. No entanto eu não conseguia entender o porquê de me sentir assim.
— Certo, Lana! Já estamos chegando. O trânsito está horrível por causa da chuva, já estamos quase chegando — Miranda dizia ao celular. Apesar do meu medo, eu sentia dentro de mim que estava tudo bem e que eu precisava ser forte.
— Como ele está? — A voz de Patrício parecia um trovão no meio da chuva e escuridão.
— Lana disse que está bem. Vai passar a noite no CTI por causa da pancada na cabeça. Teve uma fratura na perna esquerda que não precisou de cirurgia, as duas mãos estão machucadas, mas nada grave, alguns arranhões, hematomas no rosto e duas costelas trincadas.
Fechei os olhos imaginando o seu sofrimento e meu coração ficou apertado. Engoli em seco, ainda sem chorar, sem me desesperar.
— Anita e Marta? — Patrício continuou.
— Marta só teve alguns hematomas e está com uma forte dor nas costas, foi quem se machucou menos.
Anita se machucou mais e vai precisar de maiores cuidados. Quebrou três dedos da mão direita, teve um corte profundo no abdome... — Olhou para trás para verificar se eu estava prestando atenção. — Perdeu um dente da frente. — Tentou não fazer uma cara divertida e eu juro que me esforcei para não abrir o sorriso que teimava em querer se apresentar. — Eu acho que este será o que ela mais vai reclamar — brincou rindo ligeiramente. — Ela bateu a cabeça também e teve um corte na testa. Precisou de cirurgia em uma das pernas, machucou bastante o pé da outra e mais alguns cortes e hematomas pelo corpo.
— Que merda! — Patrício resmungou.
— É. Que merda! — Tentei não ser irônica, mas não consegui.
— Graças a Deus ninguém se feriu gravemente ou corre risco de morte — Miranda rebateu.
— Graças a Deus Lipe não estava com eles — completei e houve um silêncio constrangedor dentro do carro.
— Chegamos. — Patrício anunciou, parando o carro para pegar o cartão de acesso na portaria. — Devemos agradecer também ao seu pai, Charlotte. Ele conseguiu transferir todos para cá. Quando conseguimos localizá-los, os três estavam nos hospitais públicos por causa do atendimento de emergência.
— Anita também está aqui?
Não me senti uma boa cristã com tantos pensamentos negativos. Não dava para esquecer tudo o que ela havia feito, nem minha briga com Alex por causa das coisas horríveis que ela fez, contudo me obriguei aceitar que ela receberia um tratamento digno.
— Está sim, Lottie. — Miranda olhou para trás preocupada. — Mas você não precisa visitá-la. — Piscou tentando ser divertida.
— Obrigada por me desobrigar. — Ela sorriu e eu também.
*** — Charlotte! — Dana se levantou da cadeira em que estava e me abraçou. — Ele está bem, querida. — Concordei com a cabeça e tentei sorrir confiante.
Meus olhos vermelhos devido ao choro aparentemente fizeram-na acreditar que eu havia chorado por causa do acidente. Ninguém imaginava o que havia acontecido durante a tarde. Eu havia mandado Alex embora da minha vida e ele foi sem sequer olhar para trás. Lana saiu por uma porta e veio em minha direção me abraçar.
— Como ele está, Lamara? — Dana perguntou apreensiva.
— Ele está bem, mãe. Sonolento por causa da medicação.
— Você estava com ele? — perguntei, sentindo-me ansiosa. Depois do susto e do medo eu me perguntava se Alex gostaria de me ver.
— Sim e ele já perguntou por você. — Lana passou a mão em meu braço tentando ser confiante. Sorri envergonhada. Ela também não sabia da nossa briga. — Mãe, a senhora deveria descansar. Ele vai ficar lá a noite toda.
— O médico disse alguma coisa? — Dandara continuou a perguntar sem se importar com o pedido da filha.
— Peter disse que acabou de conversar com a equipe médica e que o quadro dos três é estável — Adriano falou com o celular na mão. Ele se aproximou e afagou meu ombro. — Eu vou passar a noite aqui porque não preciso de autorização para transitar entre as unidades. Vou acompanhar o nosso filho de perto. — Sorriu amorosamente para a esposa. — Você deveria ir descansar porque amanhã Alex precisará de alguém para ajudá-lo.
— Tem certeza de que ele está bem? — Como a mãe zelosa que era, Dandara não poderia fazer outra pergunta. Adriano sorriu.
— Sim. Eu verifiquei pessoalmente o prontuário dele, Dana. E Peter me garantiu que não tem como haver uma regressão no quadro.
— Está bem. Posso vê-lo?
— Melhor não. Alex precisa descansar. Amanhã ele será transferido para o quarto e você poderá cuidar do seu filho.
— Vamos, Dana. — Miranda abraçou a sogra. — Nós vamos passar a noite na sua casa, assim ficamos todos juntos. — Olhou para Patrício, que concordou com a cabeça.
— Você vai ligar se algo acontecer? — Olhou apelando para o marido.
— Ligo sim, meu bem. Descanse. — Adriano abraçou a esposa. Quando falou com o filho lhe entregou, discretamente um comprimido, que eu deduzi que seria para a mãe, para fazê-la dormir realmente.
— Tem certeza que não precisa de mim aqui? — Patrício perguntou ao pai. Ele parecia agitado, um pouco nervoso. — Eu posso levá-las e voltar.
— Não, filho. Vocês todos devem ir para casa. Ninguém poderá entrar. Eu fico e mantenho todos informados.
— Tudo bem — resmungou. — Charlotte vou deixá-la em casa. — Olhei para Lana e meu coração acelerou. Ela fez uma cara de incentivo.
— Eu vou ficar mais um pouco. Vou tentar falar com o meu pai.
— Charlotte, está tarde — Miranda tentou, porém eu estava decidida.
— Eu vou ficar bem. Levem Dana para descansar. — Minha amiga entendeu que eu não iria e concordou.
— E você, Lana? — Patrício se virou para a irmã desistindo de mim.
— Eu fico mais um pouco também, depois deixo Charlotte em casa.
— Certo. Vamos então.
Assisti os três se afastando. Eu precisava ter certeza de que Alex estava bem e ter coragem para saber o que fazer.
— Eu preciso me preparar para acompanhar a equipe de perto. — Adriano tocou outra vez o meu ombro e beijou o rosto da filha. — Vejo vocês amanhã. — Então entrou por uma porta destinada apenas aos funcionários. Ficamos somente eu e Lana.
— Ele está bem, Charlotte — tentou me acalmar.
— E Lipe? — Seus olhos se abriram surpresos, ela disfarçou tentando não ser indelicada.
— Está em minha casa. João está com ele e as meninas. — Fez uma careta. — Não sei como será. Ontem a babá que nos ajuda à noite entrou de férias e, por causa da minha falta de tempo, não arrumei ninguém para substituí-la. Com Marta e Anita internadas, Alex sem previsão de alta e minha viagem agendada para amanhã pela manhã tudo se complicou mais. Tenho certeza que minha mãe vai se recusar a deixar o hospital para ajudar a cuidar das crianças.
— Eu posso ficar com o Lipe. — Meu coração acelerado me fazia questionar se eu deveria realmente fazer aquilo.
— Ah, não precisa, Charlotte! — Lana foi gentil, mas eu sabia o que ela pensava.
— Lana, eu quero. É importante para mim. Se existe alguém que pode fazer isso, sou eu.
— Você tem os seus afazeres, e... — Que droga! — Sobressaltei-me indignada com a sua recusa. — Qual é o problema? Por acaso você acha que eu sou incapaz ou que vou fazer alguma maldade com o menino?
— Não. — Ela piscou várias vezes tentando conter a surpresa. — Tá certo, Charlotte — suspirou derrotada. — Eu só preciso que Alex concorde, mas não se ofenda. É que você... — me encarou com firmeza —, você tem tudo para não gostar do garoto. Me desculpe a sinceridade, mas se vamos fazer isso funcionar tem que ser assim.
— Mas eu gosto. — E até eu me surpreendi com as minhas palavras. — Lipe não tem culpa do que aconteceu e não precisa pagar por isso. Essa vai ser a minha oportunidade de iniciar o nosso relacionamento, Lana. Eu quero... na verdade eu preciso. Por favor!
— Certo — ela recuou. — Não vou conseguir falar com Alex hoje mesmo. — Mordeu o lábio hesitante.
— Droga! Eu viajo amanhã muito cedo e Lipe tem que ir para a escola. — Olhou para os lados planejando como fazer aquilo dar certo. — Vamos. Eu vou te explicando tudo pelo caminho. — Sorri aliviada.
Eu faria dar certo.
*** — Ele é alérgico a muitas coisas — Lana continuava sussurrando enquanto caminhávamos para a casa de Alex. Lipe dormia em meus braços e eu me sentia segura carregando-o.
— Eu sei. — Esforcei-me para não revirar os olhos. Será que ela não sabia o quanto aquele menino pesava?
— Tem uma lista de tudo na porta da geladeira. Alex vai atualizando à medida que vamos descobrindo.
Tem também o número da emergência, mas acredito que você não vai ter problemas.
— Não terei. — Ela abriu a porta e me deu passagem.
— Alex sempre tem comida congelada. Não sei como será nos próximos dias. De qualquer forma... — Posso pedir ajuda à Odete. Ela é boa cozinheira.
— Certo — continuou, subindo as escadas. Senti o celular vibrar no bolso da minha calça. Ignorei. — Ele tem que ir para a escola amanhã cedo, você acha que consegue? — Desta vez revirei os olhos mesmo.
— Claro que sim. — Lana riu.
— E o endereço da escola? É melhor eu colocar na porta da geladeira também.
— Ótimo! Eu não sei onde fica. — E me dei conta de que não sabia praticamente nada da vida daquela criança.
— Vou pedir para o João te ajudar sempre que puder. — Lana continuava insegura.
— Miranda vai me ajudar. Pode ficar tranquila. Qualquer coisa eu pergunto.
— Tá bom, Charlotte. — Ajudou-me a colocar Lipe na cama. — Vou colocar o endereço na geladeira.
Não esqueça de manter esta portinhola fechada.
— Não vou esquecer. — Observei o menino deitado, a boquinha em formato de coração, a serenidade em sua face. Ele era lindo.
— Eu ligo amanhã antes de embarcar. Boa sorte! — Ela me abraçou e beijou. Vou trancar a porta com a chave reserva. — Concordei e voltei a olhar para Lipe.
Assim que me dei conta de que estávamos sozinhos me senti insegura. Céus! Como eu faria aquilo?
Pensei em sair do quarto, depois achei que era melhor não. Sem Alex ali ele poderia acordar no meio da noite e se sentir inseguro. E se ele precisasse de mim e eu não acordasse? Era melhor passar a noite com ele. E a lista de produtos que ele não podia comer? Deus, eu nunca podia me esquecer de olhá-la.
— Certo, Charlotte. É só um menino e você é perfeitamente capaz de cuidar dele — falei em voz alta e ele mexeu. Fiquei tensa observando a pequena criança abrir os olhos sonolentos.
— Papai? — Meu coração se quebrou. O que eu poderia dizer? Eu deveria contar sobre o acidente? — Loti? — Fechou os olhos e se ajeitou no travesseiro.
— Está tudo bem — sussurrei e me agachei para acariciar seus cabelos. A sensação dos fios em meus dedos era um pouco melhor do que a que eu sentia quando tocava os do pai dele. — Loti está aqui — continuei sussurrando, mesmo com ele já dormindo outra vez. — Vou ficar bem aqui — constatei em choque. — Vou cuidar de você, Lipe.
Tirei o tênis e deitei ao seu lado na cama sem me preocupar com a calça jeans ou o desconforto que o cuidado que eu deveria ter me causaria. Eu apenas queria ficar com ele e me certificar que nada lhe aconteceria.
E assim adormeci.
*** O barulho incômodo do celular vibrando me despertou. Senti uma movimentação estranha do meu lado, mas não tive coragem de abrir os olhos. Quanto tempo eu havia dormido? E por que a minha cabeça doía tanto? Um som oco se repetia juntamente com o movimento. O que era aquilo em minha cama?
Lipe.
Porra!
Levantei num sobressalto procurando desesperadamente pela criança até que me dei conta de que ela estava sentada na cama, as pernas cruzadas e com o meu celular na mão. Seus olhos azuis com cílios longos e negros me atraíam tal e qual os do seu pai.
Alex!
Merda!
— Loti. — Sua mãozinha me mostrava o celular. Ele sorriu mostrando uma fileira de dentes brancos e perfeitos.
— Lipe. Acho que... — Olhei o relógio. — Droga, estamos atrasados. O quê... Deus!
Olhei para os lados sem saber o que fazer. Onde ficava o uniforme escolar? E ele escovava os dentes? Tomava banho? Sim, banho eu sabia que tomava. Alex deu banho no filho no dia em que quase morri com o despertador. Então... — Loti, xixi. — Arregalei os olhos. Deus! Como eu poderia levá-lo ao sanitário?
Ele não usava fralda? — Xixi. — Pareceu mais desesperado.
— Certo. Vem aqui. — Lipe pulou em meu colo e rapidamente entramos em seu banheiro.
Ele se debateu para que o colocasse no chão, então correu para um mictório colorido que ficava ao lado do vaso. Era baixo e parecia ser de borracha e plástico, feito especialmente para crianças. Vi a pequena criança correr até lá e abaixar a calça do pijama florido, emprestado das primas, para fazer o seu desejado xixi e me vi sorrindo. Era mesmo lindo!
Com os cabelos em desordem e olhos sonolentos, ele voltou para mim levantando os braços para ser carregado outra vez. Assim que o fiz ele se inclinou em direção a pia e deduzi que era para lavar as mãos. Coloquei-o sentado sobre o mármore e comecei a fazer a sua higienização. Ao lado estava a sua escova pendurada na parede e a pasta de dentes. Não precisei descobrir como fazer, assim que peguei a escova ele abriu a boca me permitindo fazer o trabalho.
— Agora um banho. — Ele concordou com a cabeça. Tirei o pijama dele e o conduzi até o chuveiro, conferindo a temperatura.
— Loti, papai? Saiu! — Levantou as duas mãos fazendo um lindo gesto. — Seu pai está um pouco ocupado. Vamos ficar alguns dias só nós dois. — Ele me encarou sério, coçando os olhos e percebi que ele sentia falta dos óculos e só então me dei conta de que havia dormido com os meus. Levei as mãos ao rosto ajustando a armação. Lipe sorriu. — Vai ser divertido — brinquei enquanto ele colocava a cabeça embaixo do chuveiro para tirar o shampoo.
De banho tomado e depois de eu praticamente desorganizar todo o seu closet para encontrar o uniforme escolar, estávamos na cozinha. Ele, já com os óculos, sentadinho em sua cadeira e me encarando como se estivesse achando tudo estranho.
Conferi a lista de alimentos proibidos e me peguei perdida sem saber o que oferecer ao menino.
— Muito bem, Lipe. O que você quer comer? — Pensei em torradas com manteiga e ovos e uma boa xícara de café.
— Gagau — disse prontamente com os olhos maximizados como se estranhasse minha pergunta.
— Gagau? O que diabos é gagau? — Abri as prateleiras e ele se agitou. — Ali. Ali. — Apontou para alguma coisa sobre a pia e, seguindo a direção em que apontava, descobri a mamadeira.
— Mingau? — Agitei a mamadeira e ele riu confirmando a minha recente descoberta. — Hum! Isso deveria ser mais fácil.
Pensei em leite, mas não sabia se deveria ser em pó ou líquido. E o que colocava no leite? Voltei a abrir os armários, encontrando em uma porta, separadamente, leite em pó e uma lata de farinha para fazer mingau. Era aquilo. O leite era especial para crianças alérgicas, pelo que dizia na embalagem. Graças a Deus não peguei o da geladeira.
— Como fazer? Tem alguma sugestão? — Lipe deu de ombros e fez biquinho, fazendo-me sorrir. Ele não tinha nada da mãe. Era uma cópia exata do Alex. O que me deixava extasiada e magoada ao mesmo tempo. — Ok. Vamos descobrir. Peguei o telefone ao lado do balcão e disquei o número de Lana, ao perceber que o meu celular havia ficado no quarto do Lipe. Depois eu conferiria as chamadas. — Oi, Charlotte? — Lana parecia agitada. — Estou tentando falar com você há um tempão? Vocês ainda estão em casa? Como está o Lipe? O que ele comeu? — Esse é o problema?
Como fazer um “gagau”? — Ela riu divertida. — Anota aí. — Procurei um bloco de notas e achei preso na geladeira. Anotei tudo o que Lana falou. — Ele já está atrasado e eu também. Preciso correr para o aeroporto. Avisei a meu pai que você estava com o Lipe e ele ficou de contar a novidade ao Alex. Assim que chegar ligo para saber como estão as coisas.
— Ok! Deixa eu fazer logo esse “gagau” antes que Lipe comece a gritar. — João vai para a editora, mas estará à sua disposição.
Desligamos e tratei de fazer o que ela havia me ensinado. Logo Lipe estava com a sua mamadeira em mãos e eu comia apressadamente metade de um pão e uma xícara de café.
Conferi a mochila da escola, coloquei um dos pacotes de biscoito integral e uma caixinha de suco com leite de soja que era o que tinha dentro da geladeira, rezando para ser este o lanche dele. Ele dizia sim para tudo o que eu oferecia, então estava seguindo conforme a sua vontade.
Bastou colocar o pé para fora de casa, ainda sem conferir as chamadas e mensagens, mas com o celular no bolso e o papel com o endereço na outra mão, para me lembrar de que estávamos sem carro. Merda! Eu não tinha mais carro no Brasil e o de Alex estava destruído em algum lugar daquele Rio de Janeiro. — Merda!
— Meda! — Lipe repetiu e riu.
— Não fale isso, Lipe!
— Meda! — continuou com a sua risada infantil. Acabei rindo também. — Seu pai vai me matar.
Descemos para procurar um táxi e vi o carro do Johnny se aproximando da portaria. Respirei aliviada. Era tudo o que mais precisava.
— Que sorte a minha — ele disse assim que abriu a porta para mim. — Liguei tanto que pensei que você tinha tocado fogo na casa, só vim conferir. — Idiota. — Confundi-me com o cinto de segurança.
— Iota! — Lipe repetiu e riu.
— Hum! Acho que isso não vai dar certo — Johnny reclamou ao ouvir Lipe repetir os meus xingamentos. Eu precisaria me controlar se quisesse fazer um trabalho bem feito.
— Quer ser a babá? — Desisti de tentar e sentei no banco de trás ajeitando a mochila para colocar Lipe em meu colo.
— Deus me livre! — resmungou. — E aí companheiro. Pronto para a aula hoje? — Iotaaaaaa — Lipe gritou apontando para Johnny.
— Você estragou a inocência do menino. Nem quero imaginar como será no final destes três dias.
— Cala a boca e dirige.
Alex Aquele bip estava me enchendo o saco. Os fortes remédios ministrados para conter a dor que eu sentia me deixavam grogue e eu oscilava entre estar desperto e atento a sonolento e delirante.
Os médicos chegaram cedo, conversaram, conferiram minha pressão, minha temperatura, verificaram minha cabeça, meus ferimentos, minhas pernas e chegaram à conclusão de que eu poderia ir para um quarto, mas até aquele momento ninguém tinha voltado. Nem o meu pai.
O tempo inteiro eu revia o acidente e o desespero que me dominou. Lembro-me de ter chegado ao local onde o carro de Anita estava praticamente na mesma hora que o carro-guincho. Depois que levaram o carro dela entramos no meu. A ansiedade por deixar Lipe aguardando por tanto tempo já começava a me dominar e a recente briga com Charlotte me deixou com um péssimo humor.
— Algum problema? — Anita perguntou sem se importar com a presença da Marta.
— Alguns, mas vai ficar tudo bem.
— Brigou com Charlotte. — Cruzou os braços na frente do peito. Notei o tom azedo. Olhei pelo retrovisor, verificando se Marta estava prestando atenção. Ela parecia atenta à chuva que começara a cair.
— Não quero conversar sobre isso. Charlotte é assunto meu, Anita. E você precisa aprender a se cuidar sozinha. Não pode me ligar todas as vezes que tiver um problema.
— Meu Deus! Sua briga foi com Charlotte e não comigo.
Soltei o ar me sentindo péssimo, mesmo sabendo que Anita não tinha tanta culpa em minha briga com Charlotte, era necessário impor limites, mais limites, a aquela amizade.
— Charlotte não gosta desta situação, então vamos evitar. — Olhei para Marta que ainda encarava a chuva, embora eu soubesse que estava prestando atenção em tudo.
— Então eu saio perdendo nessa? — Umedeci os lábios e fechei os dedos no volante. — Charlotte volta depois de anos e eu simplesmente tenho que sumir do mapa?
— Anita, você sabe muito bem como tem que ser. Não seja difícil.
— Difícil, não infantil — rebateu. — Charlotte é imatura demais para aceitar que somos amigos e você simplesmente faz o que ela quer.
— Vamos conversar sobre isso depois. Não quero esse clima no carro quando o Lipe entrar. — Franzi os olhos para chuva que ficava cada vez mais forte. Conhecendo o Rio como eu conhecia rapidamente o trânsito estaria parado e algumas partes alagadas.
— Ah, claro! Eu sempre ficando para escanteio. Poxa, o que eu fiz desta vez? Só liguei pedindo ajuda.
— Anita, pare! — Fui incisivo. A chuva estava me deixando ainda mais nervoso.
— Aquela menina mimada sempre agiu assim. Tem que ser a vontade dela ou nada e você cede todas as vezes, como um cachorrinho.
— Merda, Anita, pare! Eu já falei. Você não tem o direito de opinar a respeito do meu relacionamento com Charlotte. Eu não me intrometo nos seus.
— Por que eu não deixo que ninguém atrapalhe nós dois.
— Não existe nós dois — falei alto demais, gerando um silêncio constrangedor no carro. — Eu estou pedindo para você parar. Não estou me recusando a te ajudar, mas Charlotte tem razão em não gostar. Se fosse o contrário eu detestaria também. Você não precisa de mim para nada.
— Você é um ingrato — jogou em minha cara com mágoa em sua voz. — Eu servia quando Charlotte o abandonou, mas agora... — Não faça isso, pelo amor de Deus! — Minha paciência estava por um fio e eu não queria ser injusto com ninguém.
— É a verdade.
— Não é. Você está me cobrando o que não tem direito. Anita, eu estou com Charlotte, não importa de que forma eu farei esse relacionamento dar certo, é com ela que eu estou e com quem quero ficar o resto da minha vida, então você tem que aceitar e não mais me criticar ou então... — Ou então?
Foi quando o carro foi atingido por baixo por alguma coisa nos jogando para o lado. Com o impacto perdi a direção e capotamos algumas vezes. Cada segundo passou em câmera lenta a minha frente. Eu vi tudo, todos os giros, baques ensurdecedores, os gritos... senti todas as vezes que meu corpo se chocou contra a lataria, a força com que bati no volante e quando finalmente parou estávamos de cabeça para baixo.
Depois o choro, gritos, pessoas correndo em nossa direção, a demora do resgate, minha preocupação em permanecer vivo e meus pensamentos voltados para o Lipe e no quanto eu estava grato por ele não estar no carro. A sequência foi uma sucessão de sirenes, luzes e imagens desconexas.
Quando eu acordei já estava no hospital, com a perna coberta com gesso, a cabeça latejando, o queixo parecendo estar quebrado, a língua grossa e seca e o corpo triturado.
Reconheci alguns rostos, amigos do meu pai, pessoas que conheci rapidamente quando precisei passar pelo hospital então logo soube exatamente onde eu estava. Fiquei agitado. E Anita? E Marta?
— Alex, você precisa descansar. — Ouvi a voz de Lana enquanto uma enfermeira me aplicava algo que me fez viajar. Lutei contra o sono.
— Como... Anita? Marta? — Minha língua pesava me impedindo de falar coerentemente.
— Elas estão bem. Machucadas, mas bem. Não se preocupe porque não aconteceu nada grave com nenhum de vocês. Você bateu forte com a cabeça, vai precisar fazer alguns exames e descansar muito.
Relaxe!
— Lipe. — Forcei meus olhos a abrirem e quase perdi a batalha.
— Lipe está ótimo. João Pedro está cuidando dele e das meninas. Mandou te dizer que você é um filho da puta do caralho e que é para assustar a sua mãe. A verdade é que assustou mesmo. — Tentei rir e senti meu peito doer. — Descanse Alex. Você está com duas costelas fraturadas.
— Puta merda! — rosnei sentindo as costas arderem.
— E Charlotte? Ela... — Engoli em seco. Será que Charlotte estava sabendo? Como ela estava? Alguém precisava cuidar dela. Alguém... — Miranda foi buscá-la. Agora descanse.
Meus olhos venceram a batalha e logo fui tragado pelo sono onde eu dormia sem sonhos ou perturbações.
Quando acordei, sem saber quanto tempo havia passado, se era dia ou noite, se estava tudo bem comigo e com os outros que estavam no carro, peguei-me pensando em como aquele acidente aconteceu na hora mais errada possível.
Quem ficaria com Lipe se Anita e Marta estavam no hospital? Lana precisaria viajar e eu duvidava que minha mãe aceitasse fazer o papel de boa avó sabendo que eu estava no CTI. Os bipes ficaram mais altos me alertando que minha ansiedade estava passando dos limites.
— Qual é o problema, filho? — Ouvi a voz do meu pai e procurei por ele. — Estou aqui atrás conferindo seu prontuário. — Sua voz relaxada e divertida me indicava que estava tudo bem.
— Pai... — testei a voz e senti a garganta arranhar. — Água.
— Não pode. Vou molhar seus lábios. — Ele apareceu em meu ângulo de visão, sorriu e foi buscar a água. Demorou o que me pareceu uma eternidade para voltar com um copo de água e algodão. — Como está se sentindo? — Passou o algodão molhado em meus lábios. Era bom, embora não o suficiente.
— Preciso de água... minha garganta — pigarreei para conseguir falar melhor. Ele colocou o pequeno copo em meus lábios derramando um pouco do líquido. Um alívio. — Quem... quem está com o Lipe?
— Charlotte — falou naturalmente, como se não fosse algo realmente assustador. Os bipes voltaram a ficar altos. — Alex, qual é o problema? Seu coração está disparado!
— Merda! Lipe... Charlotte não... ela não vai saber... — Fique tranquilo, meu filho. Lana instruiu sua namorada e até onde eu soube o Lipe está na escola, são e salvo — ele sorriu divertido. — É sério, fique calmo.
— Charlotte não sabe cuidar de crianças — disparei sem saber ao certo porque não conseguia confiar na mulher que eu amava para cuidar do meu filho. — Onde Lana estava com a cabeça?
— Foi Charlotte quem quis cuidar dele. — Conferiu o acesso em meu braço. — Se você não se acalmar vou pedir que apliquem algo que o tranquilize.
— Charlotte não sabe fazer arroz sem quase causar um incêndio na cozinha. Lipe... — Minha garganta voltou a arranhar. — A alergia... ela... — Ela vai fazer um belo trabalho. Miranda e Johnny se comprometeram a ajudar e sua mãe também vai ficar atenta. João disse que vai levar as meninas para brincar com Lipe todos os dias, assim poderá verificar como as coisas estão. —Ele sorriu largamente e apertou minha mão. — Dê mais crédito a mulher que escolheu para passar a vida — fechei os olhos. Eu amava Charlotte e queria passar a minha vida com ela, mas nem sabia se continuávamos juntos depois da briga. — As opções eram poucas, Alex.
— Suspirei e me concentrei em sair dali o mais rápido possível para ficar com o meu filho.
— Tudo bem. — Mantive as palavras como um mantra em minha cabeça. Ficaria tudo bem. — Quando vou ter alta?
— Sem pressa — continuou sorrindo. — Vamos ver como a sua cabeça vai ficar. Trate de descansar. O restante do corpo nós podemos consertar.
— E... Anita... Marta?
— Estão bem. Foi um acidente horrível. Um bueiro explodiu justamente quando vocês passavam. A força da água fez o carro capotar. Um susto terrível, mas estão todos bem. Agora é fazer esta cabeça continuar funcionando.
— Caralho! — Fechei os olhos sentindo as dores do acidente. — E Charlotte... ela... — Esteve aqui ontem, depois foi com Lana cuidar do Lipe. Ela deve aparecer hoje para saber de você.
— E ela estava bem? — Ele franziu o cenho, conferindo o gesso em minha perna.
— Ela estava um pouco assustada. Os olhos vermelhos mostravam que esteve chorando, mas me pareceu bem, equilibrada. Por quê?
— Por nada.
E eu me sentia um merdinha por estar amargurando pela falta de sofrimento da minha... ex?... Namorada.
Charlotte estava mesmo aborrecida comigo, a prova disso era que ela não estava lá naquele momento.
Merda!
Charlotte — Tenho que ser rápida e pegar tudo que vou precisar. Já está quase na hora de buscar o Lipe. — Miranda sorriu me ajudando a colocar algumas roupas na mala. — Não dá para ficar voltando em casa o tempo todo. Eu estou sem carro.
— Podemos alugar um. Vai facilitar para todo mundo.
— Estou quase me rendendo a esta alternativa.
— Resolvo rapidinho. Vai ao hospital ver o Alex? Patrício disse que ele vai fazer um exame e após o resultado será transferido para o quarto. — Fiquei tensa imediatamente. Não sabia como encarar Alex depois da nossa briga. E ainda tinha o Lipe que nem sabia o que estava acontecendo com o pai.
— Acho que hoje não. Tenho que cumprir com as atividades do Lipe. Hoje ele tem aula de pintura, então eu tenho que levá-lo de volta à escola depois do almoço. — Miranda me lançou aquele olhar que eu queria evitar.— Ele não pode almoçar na escola por causa das alergias. Lana disse que Alex prefere assim. — Ela continuou me observando e eu já estava incomodada. — Concordo que devemos alugar um carro. Nada muito chamativo, tá bom?
— Pode deixar comigo. — Colocou minha necessaire com meus produtos de higiene e fechou a mala. — E o que vocês vão almoçar hoje?
Parei assustada. Puta que pariu! Eu precisava providenciar o almoço do menino. E tinha a alergia, o que ele pode e o que não pode comer. Merda, merda, merda! Ouvi a risada da minha amiga.
— Você queria ser mãe... — Arqueou a sobrancelha se divertindo com o meu desespero.
E foi quando caí na real. Eu era mãe. Mesmo que contra a lógica, a natureza, o meu corpo, a história de vida com Alex... eu tinha me tornado mãe de Lipe, mesmo que por poucos dias.
Céus! Eu era mãe.
Capítulo 25
“Poderá acabar mal todo esse enliço, se não for afastada a causa disso.” William Shakespeare Charlotte Meu telefone tocou praticamente a manhã toda. Eu não estava com vontade de encarar algumas pessoas que com certeza estranhavam o meu desejo de cuidar do filho do meu namorado. Ou ex-namorado... Peter era um dos que eu evitava encarar. Eu me neguei a atender todas as suas ligações. Saí de casa correndo não apenas por causa do horário do Lipe, mas, principalmente, para não precisar ter aquela conversar com ele.
No entanto, enquanto Lipe brincava com as tintas que a professora ofereceu, tentando pintar um quadro usando apenas os dedos, vi-me obrigada a atender a sua ligação. Eu não conseguia tirar os olhos do menino e ainda estava abalada pela constatação de que, naquele momento, eu era o que havia de mais próximo de uma mãe para ele.
Devo admitir que, apesar de ser desconcertante, não era complicado conviver com Lipe. Ele era amoroso, educado, sorridente... lindo! Não questionava o que eu fazia e parecia confiar em mim, mesmo sendo a coisa mais louca que poderia fazer em sua vida.
— Charlotte! — começou usando aquele tom de pai que eu bem conhecia. — Está tudo bem?
— Maravilhosamente bem. Por que não estaria? — E eu usava o meu tom infantil de filha mimada que desafiava o pai em qualquer situação.
— Bom... eu estou no hospital desde cedo e você não apareceu. — Eu sabia exatamente aonde aquela conversa chegaria e já estava na defensiva. — Alex piorou? Houve alguma mudança no quadro dele?
— Bem... não... mas... — Então não vejo motivo para estar aí quando me predispus a cuidar do Felipe. — Charlotte... Ele se conteve. Eu sabia muito bem o que ele diria. Que eu não estava sendo racional ou agindo coerentemente. Que era estranho simplesmente abrir mão de estar ao lado do meu namorado para cuidar de uma criança com quem eu não tinha a mínima intimidade. Pior, uma criança que eu tinha todos os motivos para odiar. Sim, meu pai também não estava seguro da minha decisão.
Ele não sabia o que estava acontecendo em meu relacionamento, não sabia da briga que provavelmente colocaria um fim no meu romance com Alex. Não fazia ideia de como eu me sentia em relação à Anita e como passei a me sentir na presença daquele garotinho e na oportunidade que a vida estava me dando. Então entendi que o que eu estava fazendo talvez fosse um tiro no meu próprio pé, porque Alex e eu não tinhámos um destino certo. Tudo seguia com tempo determinado para acabar. Eu ainda precisava definir a minha situação com Alex, mas era certo que tão logo Anita se recuperasse, aquele espaço que eu preenchia seria reivindicado. E Alex concordaria, porque ele não via maldade naquela mulher. — Charlotte?
— Oi, pai. — O desânimo em minha voz deixava claro meu estado de espírito. — Você não ouviu nada do que falei, não é? — Suspirei.
— Não. Eu acabei viajando aqui. O que estava dizendo?
— Que eu não quero interferir nas suas escolhas. Você já é adulta. Mas é meu dever te alertar... — Pai, eu sei o que estou fazendo.
— Compensando. — Foi duro comigo. Estremeci.
— Não estou compensado nada. Felipe não tem culpa do que aconteceu. Alex está hospitalizado, Lana precisou viajar, Dana está decidida a cuidar do filho, Adriano está acompanhando a situação de perto, João Pedro está com as gêmeas, Marta e Anita estão tão quebradas quanto Alex, quem pode cuidar do menino? — Uma babá contratada especificamente para este fim.
— Uma estranha?
— Que possa ser acompanhada de perto por João e a sua assistente, ou qualquer outra pessoa.
— Não estou entendendo. — Levantei-me saindo do local em que aguardava o fim da aula. — Qual é o problema em me oferecer para cuidar do filho do meu namorado? Não era o que todos queriam, que nos aproximássemos? Que eu entendesse que Lipe era uma criança linda sem culpa dos fatos?
— Era o que todos queriam, só que em outras circunstâncias. Você tem que admitir que até ontem nem conseguia falar quando ele estava por perto e hoje Alex, que é o seu maior interesse nisso tudo, está hospitalizado e você não está dando a devida importância ao fato porque resolveu estreitar os laços com o filho dele da noite para o dia. — Suspirei cansada demais para ficar argumentando. — Alex está muito bem assistido.
— Você nem foi visitá-lo! — Por que era tão estranho eu não visitar o Alex no hospital. Eu estava sem tempo por estar cuidando do filho dele?
— Eu vou amanhã? — Tentei encurtar a conversa, já que não chegaríamos a lugar nenhum.
— Amanhã? E o que digo a ele? Alex já me perguntou duas vezes por você. — Diga que eu vou amanhã.
Não sei por que tanto drama, pai. Alex é um homem crescido, não precisa dos meus cuidados.
— Não, ele não precisa. — Ficou em silêncio, o que me incomodou absurdamente. — Pai preciso desligar. Lipe... — Tem certeza que quer mesmo fazer isso? — Respirei profundamente até sen tir meus pulmões no limite.
— Já estou fazendo.
— Você vai se machucar.
— É um risco. — Desafiei-o mesmo sabendo que era a mais pura verdade. — Olha filha, eu quero muito que isso dê certo. Quero inclusive ignorar a pulga que está atrás da minha orelha. Alex é um bom homem e Lipe é uma criança incrível. Eu só tenho medo da forma como você está encarando isso tudo, mas... você e Alex estão juntos e... se for realmente algo que vocês querem fazer dar certo, aproximar-se da criança é mais do que necessário. O meu medo é que você... — Eu sei qual é o seu medo. — Se alguém precisava dizer aquilo eu diria. Não precisava que ninguém me mostrasse com meias palavras. — Porém, mesmo que eu pudesse mudar a situação, viver bem com Lipe é importante. Eu preciso superar esse obstáculo ou então é melhor cair fora de uma vez por todas. Lipe faz parte do Alex, é um pacote, pai, se eu levo um tenho que aceitar o outro.
— Então você está tentando aceitar o Lipe? — Pensei no assunto. — Talvez eu esteja tentando aceitar o Alex. — E sorri pensando que no final daqueles dias, essa poderia ser a minha realidade.
Alex Eu estava mais do que angustiado. A única resposta que eu obtinha era a de que estava tudo bem.
Charlotte tinha ligado e Lipe estava bem, mas ela não aparecia para que eu pudesse ter esta certeza olhando em seus olhos. E se Charlotte não aparecia, mesmo sabendo que eu estava hospitalizado, alguma coisa estava muito errada.
— Você precisa comer, Alex. — Minha mãe insistia, com o garfo suspenso próximo a minha boca, com se eu fosse uma criança.
— Eu posso comer sozinho, mãe. — Tentei não ser rude.
— Pode, mas não vai. E não conteste. Eu sou a sua mãe. Depois do susto de ontem o mínimo que eu posso exigir é o direito de ter o meu menino de volta.
— Só falta dizer que vai me dar banho também — resmunguei sem esconder o meu mau humor.
— A não ser que você prefira uma das enfermeiras. Com a sua perna deste jeito, banho só na cama. — Fiz uma careta de nojo.
Porra, eu estava cheirando a sangue, suor e sujeira, por melhor que as enfermeiras tivessem feito eu ainda podia sentir o cheiro. Precisava de um chuveiro potente.
— Charlotte não vai gostar nada disso — provocou. Levantei a mão para passar nos cabelos, lembrei-me dos machucados e parei. Minhas mãos estavam enfaixadas, deixando apenas as unhas sujas e nojentas expostas.
— Quando ela vem? — Minha mãe desviou a atenção para o prato. Droga! — Espero ter tomado banho até lá. — Ouvi o seu risinho e acabei sorrindo também.
— Só se aceitar a minha ajuda. — Colocou um punhado de comida em minha boca. Estava horrível. Nada de sal, nada de alho, nada de nada. — Não é a comida da Marta, mas... — Como ela está?
— Vai receber alta hoje. — Fiquei feliz com a notícia. — Disse que vem te visitar antes de partir para a casa da irmã em Niterói. Ela vai ficar lá alguns dias até estar realmente recuperada.
— Ela vai se ausentar? Por quantos dias? E o Lipe?
— Alex, ela também estava naquele carro, lembra? — Fiz cara feia. Claro que eu lembrava. Como não lembrar? O problema era que enquanto Marta não pudesse voltar, Anita estivesse no hospital e eu impedido de voltar para casa, Charlotte era a única opção do meu filho. — E você deveria confiar mais na sua namorada. — Fechei os olhos.
Aquele era outro ponto a ser discutido. Ela ainda era a minha namorada? Eu queria que fosse? Sim, eu queria que fosse. Amava Charlotte mesmo enlouquecendo com as suas infantilidades, inseguranças e ciúme. Eu a amava e a queria por perto, só não confiava em uma pessoa que simplesmente congelava quando estava na presença do meu filho.
A incapacidade da minha namorada em interagir com o meu filho era um fato que não poderia ser ignorado, então estar angustiado para saber como ela estava se saindo não deveria ser encarado como algo anormal.
— Charlotte será uma excelente mãe, meu filho. Ela tem todo este jeito desinteressado, é descoordenada, mas é generosa e tem um coração enorme. É lógico que ela vai amar o Lipe e todos os outros filhos que vocês terão. Eu quero mais netos.
Recebi mais uma quantidade de comida e divaguei no assunto. Filhos com Charlotte era um sonho antigo, desde quando pensamos que havia a possibilidade, um pouco antes de tudo desmoronar. Muitas e muitas vezes fantasiei ela grávida, principalmente quando precisava viver com a parte ruim da gravidez da Tiffany. Eu fechava os olhos e me imaginava vivendo tudo diferente com a mulher que eu amava. E era bom.
Olhei minhas mãos sujas e pensei em como seria quando Charlotte chegasse. A ideia me deixou agitado.
Eu precisava melhorar minha aparência. Precisava estar limpo e apresentável. Só assim poderíamos conversar. Ou não.
— Não quero mais comer, mãe. Quero tomar banho.
— Comigo ou com elas?
Suspirei resignado. Aquilo seria humilhante.
*** De banho tomado esperei por Charlotte. Mas ela não apareceu. Todas as vezes que a porta abria, uma enfermeira entrava, um médico ou algum amigo que resolvera saber como eu estava, meu coração acelerava e se desiludia. Por que ela estava fazendo aquilo comigo?
Sim, eu sabia que fui duro e que ela disse para eu nunca mais voltar, mas... caramba! Eu quase morri.
Não seria o suficiente pelo menos para uma trégua? Além do mais eu estava confiante de que o fato de ela ter se oferecido para cuidar do meu filho fosse uma maneira de me avisar que estava tudo bem. Do contrário, qual motivo ela teria para fazer aquilo tudo?
Foi a tarde mais torturante que já passei na vida. Nem mesmo o dia depois de ela ter ido embora me fez ficar tão agitado. Daquela vez eu sabia que ela não voltaria mais e arrumava formas em minha cabeça de aceitar e seguir em frente. Agora era tudo diferente. Charlotte havia voltado, estávamos juntos... ou, ao menos, corrigindo e organizando nossas vidas para nos readaptarmos, e evoluindo bem. Depois de ter provado outra vez o que era tê-la comigo eu não queria que acabasse.
Foi quando Patrício entrou, após o horário de visita, com aquela cara cansada e cheia de preocupação, que eu tive a ideia.
— E aí? Como andam as coisas? — Aproximou-se da minha cama evitando tocar em mim.
Provavelmente com medo de me machucar ainda mais, o que não seria nenhuma surpresa vindo do meu irmão desajeitado.
— Não andam. Preciso do seu celular. — Fui rápido e preciso. Se meu pai ou Peter entrassem com certeza tentariam me impedir de ligar.
— Meu celular? — Automaticamente colocou a mão no bolso traseiro, como se quisesse conferir se ele estava lá.
— Sim. Preciso que faça uma ligação. — Levantei minhas mãos para que ele visse os ferimentos e entendesse que eu precisava da ajuda dele.
— Alex, está tudo bem. Dei um duro danado na editora hoje. Lana não me deixou em paz. Não tem nenhuma pendência... — Quero que ligue para a minha casa. — Ele me olhou curioso, mas não demorou a entender.
— Lipe está bem. — Encarou-me sério.
— Vá se foder, Paty! Eu quero falar com o meu filho e com a minha namorada e se você não me ajudar não conte nunca mais comigo. Que inferno!
— Ei! Calma! E vá se foder você e sua mania de me chamar de Paty. Caralho! Charlotte não apareceu, não foi? Eu disse a Miranda que isso não terminaria bem.
— Isso o quê? — Encarei meu irmão com medo de que ele acabasse revelando algo que me fizesse fugir do hospital.
— De ela não aparecer. Charlotte está focada no Lipe, passou a tarde na aula de pintura do menino. Não sei o que está rolando entre vocês, mas que ela está estranha, isso está. — Engoli com dificuldade.
— O telefone. — fui seco. Ele suspirou tirando o aparelho do bolso e já procurando o telefone da minha casa em sua agenda. — Não vou colocar no viva-voz. Não quero ouvir a conversinha de bicha de vocês dois. Então seja rápido porque não quero ficar segurando o telefone e... — Vá à merda! Coloca logo a porra do telefone em meu ouvido. Inferno! Eu tinha que machucar justamente as mãos. — Ouvi os toques da chamada.
— Vai ficar sem apalpar a menina por um tempão. — Aquele sorriso filho da puta estava em seu rosto. O que era verdade e ele me sacanearia o quanto pudesse por causa disso.
— Vá se... — Alô.
A voz doce e educada da minha namorada me fez parar imediatamente. Ouvi-la me fez suspirar. Era incrível como aquela menina conseguia me levar ao céu e ao inferno em apenas um minuto. O que aconteceu comigo desde que Charlotte entrou em minha vida? Eu simplesmente não era mais eu mesmo.
Era um idiota apaixonado, incapaz de agir por vontade própria, sendo um adolescente o tempo todo e sorrindo muito satisfeito.
— Charlotte? — Tentei deixar minha voz calma.
— Alex? É... — Pigarreou para limpar a garganta, o que demonstrava que estava nervosa. — O que você... eu... Eu queria dizer muitas coisas. Queria perguntar porque ela estava se recusando a ir me ver. Por que quis tanto ficar com o Lipe. Se ela tinha me perdoado. Se ainda estávamos juntos. Mas a única coisa que saiu foi: — Como está o Lipe?
— Lipe? Ele... está aqui. Estávamos montando um quebra-cabeça. — Sorri. Aquela era uma imagem que eu gostaria de assistir.
— Posso falar com ele?
— Claro! Lipe, advinha quem quer falar com você? — A forma doce como ela falava com o meu filho quebrou todas as minhas barreiras.
— Alô! — Fechei os olhos ouvindo a voz do meu filho. Ter a experiência do acidente me fez pensar nele incansavelmente. Eu estava com muita saudade.
— Filho! — Engoli com dificuldade para conter a emoção. — Está tudo bem?
— Papai! — gritou alegre. — Papai! Xaudade!
— Eu também, Lipe. Estou com muita saudade.
— Loti aqui com eu. — O riso próximo da minha namorada me fez entender que eles estavam no viva-voz. — Loti aqui — enfatizou. — Papai, xaudade. Lipe que paia — Foi o suficiente para eu saber que estava tudo bem.
— Você sabe onde eu estou?
— Chei. Uililanca. — E começou a rir. Uma risada tão gostosa que me fez abrir um sorriso imenso.
— Onde? — Comecei a rir acompanhando o meu filho.
— Sri Lanka, Lipe. — Charlotte também ria e eu pude ouvir aquele gritinho divertido dele, de quando achava engraçado a forma errada que falava.
— Sri Lanka? Como assim?
— Eu contei a ele que você foi surfar. — Sua voz continuava divertida, só que um pouco mais cautelosa.
— Meu Deus, Charlotte! — Sorri ainda mais. Como ela conseguia chegar tão longe? Era um alívio Lipe não saber que eu tinha me acidentado.
— Lipe que paia — reclamou e eu podia imaginar seus bracinhos cruzados no peito e o biquinho que sempre fazia.
— Papai já vai voltar para casa e nós vamos para a praia. Tá bom?
— Não. Loti leva Lipe.
— Ah, não. — Tentei ser educado, porém, eu não podia nem imaginar Charlotte na praia com o meu filho, sem nenhuma supervisão. — Papai te ama. Charlotte, pode tirar do viva-voz?
— Toma. Onde vamos colocar esta peça? — Ouvi minha namorada tentar desviar a atenção do meu filho.
Depois o barulho do telefone e o som do ambiente foi abafado. — Pronto.
— Nada de praia com o Lipe. — Não dava para ser cauteloso. Era uma ordem e esta não poderia ser desobedecida.
— Por quê? — Sua voz ainda brincalhona me advertia. — Bom, eu não estava pensando nisso. Mas, se você demorar para voltar, eu não vou conseguir segurá-lo por muito tempo. — Meu sorriso voltou com força total. Porra, aquela era a minha Charlotte.
— É o que você quer? Que eu volte?
— Lipe quer ir para praia e essa tarefa é sua. Eu já aprendi a fazer o gagau, já decorei todos os horários dele e aluguei um carro, ou seja, você tem que voltar para casa. Tem alguma previsão de alta?
— Em dois dias, se tudo correr bem.
— Tempo demais. — Pareceu pensativa. — Acho que teremos que ir à praia sem você.
— Charlotte... — Dois dias é o seu prazo. Nem um dia a mais.
— E você... — pensei no que eu poderia dizer com Patrício por perto. — Vai ficar?
“Dois dias é tempo demais, Alex” — provocou.
— Quem eu tenho que matar para sair daqui? — Ouvi seu risinho que conseguiu acalmar o meu coração.
— Está tudo bem por aí?
— Hum, sim. Foi meio desesperador ontem, mas hoje está tudo bem.
— Desesperador?
— Eu não sabia o que era gagau — riu divertida. — Também precisei de Lana para aprender como fazer, depois que descobri que seu filho ainda toma mingau.
— Ele só tem dois anos.
— Quase três — me corrigiu. — Bom, teve também a questão do... hum... cocô. — Eu podia jurar que Charlotte estava corada e fiquei desejoso de ver aquele rosto vermelho, com um sorriso discreto e as sardas aparentes.
— O que tem o cocô?
— Ele não sabe se limpar, Alex, — Ri alto. Charlotte era maravilhosamente absurda.
— Ele só tem dois anos — continuei rindo.
— E quando as crianças começam a ser responsáveis pela sua higiene pessoal? — Se eu fechasse os olhos poderia até ver seus olhos maximizados. — Ah, droga! Vai demorar, não é?
— Eu dou conta desta parte. Sinto sua falta. — Patrício pigarreou e me apontou o braço com os olhos.
— Eu também. Volte logo. — Sua voz ficou séria, o que indicava que estava dizendo a verdade.
— Venha me ver — quase implorei, já prevendo a reação do meu irmão que acompanhava a nossa conversa de perto.
— Eu não posso. — Havia lamento em sua voz além de certo pânico.
— Por quê?
— Alguém tem que cuidar do Lipe. — Eu sabia que esse não era o único motivo.
— Charlotte!
— Não posso ficar neste hospital. Desculpe!
A urgência em sua voz me pegou de surpresa. Claro! Por que não pensei nisso antes? Foi ali que Mary esteve quando Charlotte descobriu a sua doença. Não era nada fácil conviver com o passado e eu bem sabia disso.
— Desculpe! Eu... eu até tentei, mas não consigo.
— Tudo bem.
E então eu entendi o que provavelmente ninguém entendera ainda. Charlotte tinha se apoiado no fato de Lipe precisar de alguém para não ter que ficar no hospital cuidando de mim. Aquela foi a sua fuga que pelo visto a ajudava a resolver dois problemas.
— Volte logo — repetiu mais relaxada.
— Volto sim. — Patrício resmungou me alertando que meu tempo havia acabado. — Preciso desligar.
— Descanse. E não se preocupe, Lipe está bem agora.
— Agora?
— Sim. Depois que eu descobri que ele não usa mais fralda. — Ri da sua animação.
— Eu amo você! — sussurrei mesmo sabendo que de nada adiantaria. Meu irmão estava ao lado revirando os olhos.
— Também amo você.
Desliguei me sentindo bem. Como se o acidente não tivesse acontecido e eu estivesse mesmo no Sri Lanka. Foi impossível não exibir um sorriso imenso.
— Satisfeito? — Patrício se mexeu, esticando o braço como se eu o tivesse inutilizado.
— Muito, Paty. Obrigado!
— Paty é o caralho! Pede um favor e ainda quer sacanear. Talvez você esteja querendo mais algumas costelas quebradas. — Continuei sorrindo. — É um mané mesmo. Basta a menina dizer algumas coisas doces para que você volte a ser o seu cachorrinho.
— É. Eu sou o cachorrinho dela e você é o vira-lata da Miranda — provoquei, sabendo que ele se revoltaria.
— Você não sabe nada da minha vida — rebateu agitado.
— Claro que sei. Você é o cara que ama fingindo não amar, que se importa fingindo não se importar e que presta atenção em tudo fingindo ser um desligado. Miranda não sabe quem é você, mas eu sei, Paty. — Ele estreitou os olhos me encarando sério.
— Patrício? — Meu pai entrou na sala nos atrapalhando. Meu irmão demorou a desviar a atenção de mim, o que alertou o Dr. Adriano. — Algum problema?
— Não, pai. Patrício ameaçou quebrar algumas costelas minhas, mas está tudo bem. Ele não teria coragem mesmo. — Meu pai balançou a cabeça e riu sem vontade.
— Vocês dois parecem duas crianças. Patrício, não aborreça o seu irmão. Ele precisa descansar.
Sorri como uma criança que acabou de achar uma moeda na rua, aproveitando que meu pai estava de costas conferindo o meu prontuário. Patrício estreitou ainda mais os olhos e cruzou os braços no peito.
Quando meu pai virou em minha direção fiz cara de quem realmente precisava de cuidados.
— Está sentindo alguma coisa?
Olhando para o meu irmão, respondi: — Minhas costelas estão incomodando. — Meu pai fez uma careta.
— Acho que ele precisa de remédio para dor, pai. — Meu irmão entrou no jogo. — Direto na veia. Como é mesmo o nome daquele remédio?
— A sua medicação já está excelente, Alex. Não vamos exagerar na dosagem.
— Ele estava se queixando de fortes dores. Dores absurdas! Mas quer fingir que não porque prometeu a Charlotte que não relataria nenhum problema para conseguir alta antes do planejado.
— Alex! — E foi a vez do filho da puta sorrir. — Você não pode fazer isso. Sabe que precisa relatar tudo o que está sentindo. Vou conversar com o Dr. Caio... — Pai, eu estou bem. Patrício está exagerando.
— Ele acabou de ligar para Charlotte do meu telefone — acusou.
— Alex — meu pai rosnou.
— Eu só queria saber do meu filho. Ai! — Tentei me levantar e a pontada em minhas costelas me impediu, o que só alimentou as mentiras do Patrício.
— Viu que eu disse? — O filho da puta conseguiu reverter o jogo, só que eu não me entregaria tão fácil.
— Pai, você sabia que Patrício voltou a ter insônia? Aliás, ele anda bastante agitado, não reparou? — Meu pai suspirou pesado.
— Vocês dois podem parar com essa implicância? Eu estou tentando trabalhar. Paty, tem ido ao consultório da Dra. Leila?
— Paty é... — Vi meu irmão respirar fundo. — Está tudo normal, pai. E eu tenho ido sim. Uma vez por mês, como sempre tenho feito todos esses anos.
— Até onde eu sei foram três vezes neste último mês — provoquei e ouvi meu irmão xingar algo que não consegui identificar. Ri sem me controlar.
— Sua mãe sabe disso? — Meu pai rapidamente se esqueceu de mim e começou a dar atenção ao problema do meu irmão.
— Não — Patrício rebateu já na defensiva. — E eu preciso ir para casa. Estou cansado. Alex fica o dia todo deitado aqui enquanto eu me fodo para dar conta do meu trabalho, do dele e do de Lana, que deveria ser dele também. Algo me diz que ele provocou este acidente para se livrar de tudo. — Ri alto. — Tchau, babaca! Não precise do meu celular outra vez.
— Amo você também, irmão — continuei rindo enquanto via meu pai sair com Patrício.
Até relaxei um pouco pensando que não estava tudo tão ruim quanto eu pensava, até que meu pai voltou com uma enfermeira. Eles conversavam sobre dor o que me deixou alerta.
— Pai, Patrício estava brincando. — Eles trocaram um olhar cúmplice. — É sério! Não preciso de remédio para dor, vou acabar dormindo mais do que preciso.
— Na sua situação não existe dormir mais do que você precisa. — Ele conferiu o meu acesso, confirmando com a cabeça para a enfermeira, que já preparava a medicação.
— Pai, eu estou bem. — Na ânsia me movimentei forte demais e gemi o que fez com que ele acreditasse na versão absurda do meu irmão.
— Deixe de ser chorão, Alex — brincou, dando passagem para que a mulher aplicasse o remédio.
— Ai! — Ardeu, porque sempre ardia para entrar, mesmo sendo uma merda de um líquido indefeso.
— Ele pode chorar — a enfermeira gracejou, acariciando minha mão para acalmar a ardência. Fiquei tenso. — Relaxe e descanse. — Com um sorriso provocante ela piscou e juntou tudo para sair do quarto.
— Sua mãe já está vindo. Descanse.
E no final das contas o filho da puta do Paty venceu.
Charlotte — Pare de andar de um lado para o outro — Miranda quase gritou. — Vou ficar maluca.
— Ninguém me ligou até agora para dizer se ele recebeu ou não alta. — Ela riu.
— Ligue para o hospital. — Estremeci.
— Posso aguardar uma mensagem do meu pai — resmunguei, abrindo as embalagens da comida que eu havia encomendado.
Dois dias após a nossa conversa eu estava mais do que ansiosa para encontrar aquele par de olhos azuis que arrancavam o meu juízo. Foram longos dias aprendendo a ser alguém em quem Lipe pudesse confiar.
Esforçando-me para não falhar em nada e me perguntando se era assim que funcionava com a minha mãe.
Eu havia aprendido a fazer mingau, cuidar da sua higiene pessoal, estar atenta aos seus horário e atividades, a identificar cada sorriso, a entender quase todas as palavras, porque as vezes era impossível decifrar o que ele dizia, a segurar a sua mão, a pentear o seu cabelo e acariciá-los para que ele pudesse dormir em segurança.
Também aprendi que nem sempre dava para me manter naquela rotina. Às vezes eu estava tão cansada que adormecia na cama do Lipe e às vezes estava tão solitária e saudosa que o levava para dormir na cama do Alex comigo. No final dos três dias eu já estava completamente envolvida e me perguntando como seria depois de ficar tanto tempo sendo apenas eu e ele.
Cuidar de criança tinha umas coisas legais. Eu quase sabia todas as músicas do Mundo Bita e foram tantos episódios da Peppa que estava sendo fácil decorar as falas. Também dava para passar boas horas desenhando e montando quebra-cabeças, o que alimentava o meu lado criança sem chamar muito atenção.
E confesso que era divertido comer com ele, e que não me assustava mais com a forma como ele ajeitava os óculos, muito parecido comigo. Ainda me sentia insegura quando ele perguntava pela madrinha, ou quando a desenhava, porque eu sabia que ela fazia parte da vida dele e que eu nada poderia fazer a respeito.
— Já ligou para a escola para avisar que hoje eu que vou buscar o Lipe?
— Já sim. — Olhei mais uma vez pela janela e como não havia nada de novo conferi pela milionésima vez o celular.
— Eu vou ligar para o Patrício — minha amiga informou, sem nenhuma paciência.
— Miranda, não precisa. Ele vai... — Ouvi o barulho de carro entrando na garagem e meu coração acelerou. — É o Dr. Adriano — afirmei já eufórica e correndo para a porta.
— Charlotte? — Miranda me segurou pelo braço. — Pelo amor de Deus, se contenha. Olha como você está! Fique calma. Está parecendo aquelas mulheres que recebem o marido vindo da guerra. — Ri da tentativa da minha amiga. — É sério! Não o deixe perceber que você já está toda fácil. — Respirei fundo e arrumei o cabelo.
Miranda tinha razão. Eu estava morrendo de saudade do meu namorado, mas precisava agir da forma certa, sem entregar o jogo, principalmente porque Anita ainda estava entre nós dois, mas aquele assunto ficaria adormecido. Por enquanto.
Ouvimos a voz do meu namorado, resmungando, provavelmente de dor. Dana parecia alegre e Dr.
Adriano sério, conversando como se ainda estivesse em seu modo médico. Barulhos de portas se fechando e só depois disso Miranda liberou a porta para que eu abrisse.
Aguardei alguns segundos, até que não aguentei a ansiedade e saí para encontrá-lo já quase na entrada de casa. Alex estava em uma cadeira de rodas, o que me chocou um pouco. As duas mãos envoltas em ataduras, um olho roxo como se tivesse levado um soco, o canto da boca machucado, alguns arranhões pelo rosto e pescoço, mas aqueles olhos azuis maravilhosos estavam lá e posso afirmar, com convicção, que eles continuavam profundos e intensos como sempre foram.
Sorri, ele retribuiu, e eu senti como se o meu mundo estivesse de volta ao eixo.
Capítulo 26
“Se você não tem fracassos na sua vida, é porque deixou de assumir os riscos que deveria.” William Shakespeare Alex Minha perna coçava me irritando consideravelmente. Minhas duas mãos estavam enfaixadas, o que eu achava desnecessário, pois me limitava muito, mas meu pai, e toda a equipe médica haviam insistido que ficasse assim por mais um dia. Meu rosto não estava nada bom. Com certeza Lipe se assustaria com o meu estado. E Charlotte, ela também ficaria assustada? Sim, ela ficaria preocupada e cheia de cuidados.
Sorri convencido.
Era mesmo ridículo que eu estivesse satisfeito com o fato de a minha namorada precisar cuidar de mim.
Mas não era o que eu me tornava quando se tratava de Charlotte? Um nada. Um idiota submisso. Um adolescente apaixonado entregue a mais malvada de todas as garotas. Mesmo assim eu sorria e ansiava por chegar em casa.
Minha mãe insistia que eu deveria passar alguns dias com ela, em sua casa, para que pudesse cuidar adequadamente de mim. Meu pai insistia para que ela me deixasse me paz, afinal de contas eu já era adulto e Charlotte estava em casa. Eu apenas pedia para que aquele carro andasse mais rápido e me levasse de volta ao meu mundo, junto do meu filho e da mulher que eu amava.
E ainda existia aquela maldita cadeira de rodas. Aquilo sim era desnecessário, apesar de eu bem saber que com as mãos enfaixadas e machucadas, somadas às costelas que ainda estavam se recuperando, não seria nada bom usar muletas. E eu não podia colocar o pé no chão. Como faríamos aquilo funcionar eu não fazia a mínima ideia.
Quando o carro estacionou na garagem da minha casa pensei que meu coração abriria espaço em meu peito e sairia sozinho até aquela porta. Foram quatro longos dias sem olhar aqueles olhos meigos e cheios de amor, aquele rosto pintadinho, como uma obra de arte, que corava sem perder a ousadia.
Puta merda! Eu queria poder tocá-la. Poder segurar minha namorada e conduzi-la da forma como eu desejasse. Queria poder beijá-la sem qualquer cuidado ou pudor e fazer amor com aquela mulher incrível que me atirava ao inferno sem nenhum receio.
— Venha, filho. Não force a perna. — Meu pai me apoiou para que eu conseguisse passar do banco do carro para a cadeira.
Eu odiava ser tão inútil e precisar de tanto tempo para alcançar aquela porta. E onde estava Charlotte que não havia aparecido? Com certeza ela estava em casa. Aquele carro estranho só poderia ser o que ela havia alugado. E o carro de Miranda estava parado do lado de fora. Então por que ainda não tinham aparecido?
— Você vai ficar no quarto de hóspedes. Não tem cabimento subir as escadas todos os dias — minha mãe resmungava sem esconder sua contrariedade. — E eu venho trazer o almoço de vocês.
— Dana, ele vai ficar bem. — Meu pai respirou fundo já sem paciência para a insistência da minha mãe.
— Ninguém perguntou a Charlotte se ela vai ficar, não é? — Olhei atento para minha mãe enquanto ela ajeitava a minha pequena mala. — E se ela não ficar? Nem no hospital ela foi? Quem garante que vai ficar e cuidar deles dois?
— Dana! — meu pai a advertiu com um simples olhar, calando-a.
— Ela vai ficar, mãe. Relaxe! E eu estou bem. Amanhã estarei com as mãos livres e vou poder cuidar de mim mesmo.
— Nem pensar! — Olhou horrorizada para o meu pai. — Ele não pode ficar pulando de um lado para o outro, Adriano. Eu tinha certeza que era isso o que esse menino queria. Alex não vai conseguir ficar quieto e... — Alex não é mais nenhum menino, Dandara. — Meu pai passou para trás de mim e começou a empurrar a cadeira. Respirei aliviado. Estávamos cada vez mais perto.
— Ele herdou esse seu gênio. É igualzinho. Impossível como você. — Meu pai riu e eu também. Minha mãe às vezes se esquecia que não éramos de fato pai e filho, e esse fato me agradava. Eu também me esquecia na maioria das vezes.
A porta abriu e meu coração perdeu uma batida. Eu vi uma Charlotte aparentemente calma, mas com olhos que buscavam loucamente por algo. Eu. E eu soube que sua calma era apenas para me tranquilizar.
Charlotte vasculhou meu rosto, minhas mãos e minha perna. O horror malmente disfarçado, até que ela finalmente me encarou e eu pude ver o amor que eu tanto sentia falta. Estávamos conectados.
— Alex! — Ela deu um passo em minha direção, mas se deteve. As mãos pareciam perdidas, como se não pudessem me tocar sem me machucar.
— Eu estou bem. — Ela soltou o ar dos pulmões, relaxando os ombros.
— Sua cara está horrível. — Eu ia responder, porém optei por sorrir. Esta era a forma que Charlotte encontrava para não surtar. — Foi uma bela surra.
— Você precisa ver como o outro cara ficou. — Ela sorriu também.
— Crianças, podemos entrar? — Minha mãe falou nem um pouco satisfeita.
— Ah, Dana, desculpe! — Charlotte saiu da frente para me dar passagem, ainda sem me tocar e sem o beijo que eu tanto desejava.
— Charlotte, Miranda — Dana cumprimentou educadamente, sem dar a devida atenção a suas noras. — O quarto de hóspedes está pronto?
— Sim — Charlotte estava insegura diante da sogra exigente, o que me incomodava um pouco.
— Charlotte, querida, como vai? — Meu pai se saiu melhor, suavizando o clima. — Miranda. — Ele beijou as noras e voltou para empurrar a minha cadeira, sendo seguido por todos de perto. — Hoje Alex vai precisar descansar. Seu corpo ainda está se recuperando e não podemos forçar muito a sua estrutura, por isso nada de escadas ou tentativas de caminhar. Vamos manter a cadeira de rodas, as ataduras das mãos tiraremos amanhã. Por enquanto ele volta a ser um bebezinho. — Ouvi o riso de Miranda e mordi o lábio para não dizer nada desagradável.
— Credo! — Charlotte resmungou. — Casei com um velho caquético que agora precisa de cuidados especiais.
— Vocês não são mais casados — Miranda rebateu sem nenhuma sensibilidade.
— Ah... — Sem ao menos olhar para trás pude perceber o quanto o comentário embaraçou a minha namorada.
— Posso voltar a ser seu marido quando você quiser, amor. — Mesmo tentando continuar emburrada minha mãe sorriu. — É só querer.
— Gosto de ser solteira. — Ri com vontade das birras da minha namorada.
— Você é um porre — rebati rindo e virei para encarar seus lindos olhos.
— Gosto de ser um porre — ela entrou na brincadeira.
— Não seria Charlotte se não fosse um porre. — Miranda estava sorrindo, o que me levou a acreditar que não falou por maldade.
— É assim que uma mulher deve ser: marcante. Todos sabem as características mais marcantes da sua personalidade. — Minha cunhada revirou os olhos e meu pai riu.
Entramos no quarto destinado para mim. Não havia nada que me deixasse mais confortável. Não era a minha cama, o meu banheiro, a minha poltrona, nada. Mas eu não poderia reclamar, afinal de contas não havia o que ser feito. O que realmente me afligia era que Charlotte não poderia dormir comigo. Primeiro porque ela realmente poderia me machucar e segundo porque alguém precisava estar com Lipe, e lá embaixo seria complicado.
Captei o seu olhar e entendi que ela pensava o mesmo que eu naquele momento. A forma como inclinou a cabeça me encarando com um sorriso morno deixava claro que ela também lamentava.
— Alex precisa manter as medicações. — Minha mãe chamou a sua atenção ainda contrariada por não ser ela a cuidar de mim. — É importante que siga corretamente os horários. Fiz uma lista. Aqui. — Meu pai sorriu e piscou para mim ao ver minha namorada acompanhar atentamente tudo o que minha mãe lhe dizia. — E eu vou providenciar a comida para vocês. Alex precisa se alimentar bem para se recuperar mais rápido. — Foi a minha vez de revirar os olhos.
— Não faço nenhuma objeção, Dana. Jamais castigaria o seu filho forçando-o a comer a minha comida.
— Minha mãe riu e pareceu um pouco mais relaxada.
— O que deu ao Lipe esses dias? — provoquei.
— Gagau. — Ela cruzou os braços no peito e estreitou os olhos me desafiando. — Posso dizer que aprendi a fazer alguma coisa comível.
— Bebível — Miranda a corrigiu e minha namorada sorriu concordando.
— Lipe ficou apenas de mingau? — Comecei a entrar em desespero. — Você está brincando, não é?
— Tudo bem, abusamos dos congelados da Marta. — Rendeu-se como uma criança birrenta. — Como acabou ontem, hoje tive que pedir comida pronta.
— Comida pronta? O Lipe não pode comer qualquer coisa.
— Bom, eu fiquei atenta, pedi pelo imã da geladeira e quando atenderam já sabiam quem era e tudo o que podia ou não colocar. Acho que alguém aqui anda pedindo comida pronta demais. — Levantei a sobrancelha. Eu já era grandinho demais para ser repreendido por não querer cozinhar de vez em quando.
— Tá certo. A partir de agora eu sou a responsável pela comida. — Minha mãe parecia orgulhosa de poder assumir aquela tarefa. Eu jamais contestaria. Qualquer coisa menos a comida da minha namorada.
— Vamos para a cama, filho? — Meu pai bateu em meu ombro para me auxiliar. — Quer alguma coisa antes?
— Não. Onde está o Lipe?
— Ah, Deus! Preciso sair agora. — Miranda se agitou. — Vou chegar atrasada. Beijos para vocês. — E saiu imediatamente do quarto. Olhei para Charlotte questionando.
— Ela vai buscar o Lipe na escola. — Deu de ombros. — Eu preferi ficar para te receber adequadamente.
— Obrigado!
— Por falar nisso — minha mãe começou quando meu pai me levantou da cadeira para me transferir para a cama. Fiquei contrariado. Eu queria conversar com Charlotte quando estivéssemos a sós — , você vai ficar, Charlotte? Vai dar conta deles dois? Eu posso... — Dana! — meu pai a advertiu e eu pude ver que Charlotte ficou desconcertada.
— Eu pretendo ficar até Alex se recuperar, se... não for ruim para vocês. — Ela estava achando que eu preferia outra pessoa?
— Não é, Charlotte — meu pai se antecipou, impedindo que minha mãe se atrevesse a se oferecer. — Vamos estar sempre por aqui para te dar apoio. Não vai ser fácil por alguns dias. Pelo menos até ele poder se apoiar em uma muleta.
— Continuo sem objeções. Toda ajuda é bem-vinda. — Então ela parou, pensou e fez uma careta que não consegui identificar o motivo.
— Confortável? Está com dor? Esse travesseiro não parece ser o mais adequado.
— Dana, ele está bem. Alex é perfeitamente capaz de dizer quando não estiver confortável. — Minha mãe me olhou com tristeza. Eu sabia que para ela seria difícil ir embora, também sabia que antes do dia terminar ela estaria de volta.
— Eu estou bem, mãe.
— Tudo bem — suspirou derrotada.
— Obrigado pelos cuidados no hospital, mas agora a senhora precisa descansar.
— Não preciso descansar. Eu estou ótima! Posso muito bem cuidar de você mais uma noite ou duas... — Dana! — E meu pai outra vez foi quem a conteve. Sorri.
— Tudo bem. Tudo bem. Então... — Olhou para os lados conferindo o quarto. — É melhor irmos. Eu ligo para saber... — Seus olhos estavam cheios de lágrimas, até me deu vontade de reconsiderar a minha decisão.
— Dana, não fique assim. — Meu pai a abraçou e ela finalmente soluçou deixando a mágoa extravasar.
— Querida, Alex já é um homem! Por que as mães são assim?
— Ele nunca vai ser velho o suficiente para não merecer os meus cuidados — ela rebateu se afastando do meu pai. — E você vai me prometer ligar se ele tiver qualquer coisa. — Charlotte sorriu amorosa e surpreendeu a todos ao abraçar minha mãe com carinho.
— Não se preocupe, vou seguir corretamente as suas instruções e vou manter o telefone por perto para não perder nenhuma ligação.
— E eu virei todos os dias. — Minha mãe fungou voltando a recuperar a compostura.
— Claro que vai — Charlotte brincou. — Ou vai matar seu filho e seu neto de fome. — Dana riu relaxando outra vez. — Vai dar tudo certo, Dana. Eu nem vou achar ruim trocar as fraldas do Alex.
— O quê? — Todos riram da minha cara, mas eu sabia que não seria nada fácil depender da minha namorada, nem que fosse por apenas um único dia.
Charlotte Dana e Adriano foram embora e finalmente ficamos apenas nós dois. Eu sabia que ele estava machucado, que fora um acidente grave, mas não estava preparada para a gravidade da situação. Alex debilitado, mais magro, pouco, mas dava para notar, dependendo de mim até para comer. Não estava mais tão certa se era uma boa ideia enfrentar tudo sozinha.
— Vai ficar aí me encarando e mordendo o lábio? — Encostado na cabeceira da cama, ele não parecia tão frágil quanto naquela cadeira de rodas.
— Não. — Tentei sorrir. — Preciso saber exatamente o que tenho que fazer agora. — Procurei pelo papel que Dana havia me passado e que coloquei no bolso da minha calça.
— Um beijo.
— Hum? — Levantei a cabeça para conferir o que meu namorado havia dito e fui sugada por aqueles olhos fantásticos. — Alex... — Eu quero um beijo — não titubeou. Estava decidido e ansioso. Meu corpo formigou.
— Você está machucado — afirmei me aproximando aos poucos.
— E você estranha. — Parei imediatamente. — Nós precisamos conversar, Charlotte. Não podemos fingir que nada aconteceu antes do acidente, só não quero que seja agora. Eu quero te beijar, já que é a única coisa que posso fazer no momento. — Sorri ao assistir seu sorriso torto e cafajeste se apresentar.
— Você pode fazer muitas coisas ainda, Alex. — Tentei ignorar a forma como meu corpo reagia ao pensamento, mas era impossível. Eu estava com tanta saudade!
— Posso é? — Continuou aguardando por mim, olhando-me com expectativa, desejando que eu realmente lhe mostrasse o que poderíamos fazer.
Eu me aproximei com cuidado e deixei que nossos lábios se juntassem. Testei a maneira como ele reagia com cada movimento, para não machucá-lo ainda mais. Ele abriu a boca, provocando-me com sua língua.
Com um gemido de prazer deixei que ele me beijasse, trazendo-me recordações de um mundo só nosso, de momentos deliciosos e prazeres magnânimos. Suspirei me afastando.
— Senti sua falta — ele sussurrou, roçando os lábios em meu rosto. — Por Deus, Charlotte, nunca mais me diga para eu não voltar.
— Desculpe — gemi arrependida.
Eu estava de cabeça quente e nem imaginaria, apesar de conhecer as fatalidades da vida, que ele poderia nunca mais voltar mesmo. Tive vontade de abraçá-lo e nunca mais deixá-lo partir. Todo o restante se resolveria se ele estivesse em meus braços.
— Não! Me desculpe você! Eu fiquei nervoso e não te ouvi. Não dei importância aos seus sentimentos, não me coloquei no seu lugar. — Arrisquei levantar a mão e acariciar seu peito. O meu ardia com as suas palavras. Finalmente Alex me daria razão? — Eu sei como se sente em relação a Anita, Charlotte. Eu também tenho as minhas ressalvas, mas entenda, ela é madrinha do Lipe. Não foi uma escolha minha.
Tiffany quis assim e na época... nossa! — Ele se acomodou fazendo uma careta de dor.
— Está doendo? — Não sabia onde tocar nem o que fazer.
— Só um pouco. Não é nada demais. — Tentou sorrir para me enganar e passou a ponta dos dedos machucados em meu rosto. — Quando você foi embora a minha vida virou um inferno. Eu não tinha cabeça para nada, mas me forçava a continuar. Tiffany piorava tudo. A gravidez foi de risco, ela tentou se matar, me acusava, me perseguia... Abaixei a cabeça desconfortável com a conversa. Aquele período não era a época predileta da minha vida e saber o quanto foi ruim para Alex também não me deixava mais feliz.
— Anita foi a única pessoa que me ajudou com Tiffany. Todo mundo brigava, achava que eu deveria ser mais enérgico com ela, que não poderia agir como eu agia. Eles não entendiam, eu estava com medo de tudo. Me sentia péssimo pelo meu filho que ainda era cativo das loucuras da mãe. Anita fez tudo o que podia para facilitar para mim. Ela cuidou da prima com carinho e quando tudo acabou ela me ajudou com Lipe sem exigir nada em troca. Eu não esqueci as coisas que ela aprontou, mas tenho que ser justo e reconhecer o quanto ela foi útil, não posso simplesmente dizer que você voltou e que agora eu não preciso mais dela. — Suspirei derrotada.
O que eu poderia dizer? Eu sempre soube que voltar com Alex seria aceitar Anita em minha vida e, mesmo me recusando e me rebelando, eu sabia que nunca seria justo privá-la da presença do Lipe. Era uma situação complicada e muitas vezes aterrorizante. Precisar aceitar que ela estaria naquela casa, que ocuparia o tempo do Lipe, que estaria perto do Alex... — Se te aborrece tanto, peço a ela a chave da casa. Talvez seja melhor. — Concordei sem nada dizer. A chave da casa seria a solução? Não, mas aquilo era tudo o que eu teria do meu namorado por enquanto.
— Tudo bem, Alex! Vamos deixar para pensar nisso outra hora. — Ele escrutinou meu rosto, buscando qualquer comprovação do meu aborrecimento, o que não aconteceu. Era melhor me agarrar a o que eu tinha. — Quer alguma coisa? — Ele deitou a cabeça no travesseiro suspenso para apoiar o seu pescoço e me encarou.
— Não. O que tem feito? — Deixou que os dedos acariciassem minha mão em seu peito.
— Além de seguir o Lipe por todos os lugares? — Sorri largamente. — Pouca coisa. Escrevi um pouco, aprendi para que servem os códigos das embalagens plásticas. — Ele riu. — Relembrei porque não gostava muito de pintar na escola.
— Ah é?
— Eu era péssima! Continuo sendo. — Seu sorriso se alargou.
— Imagino.
— Sério? O que quer dizer com isso, professor Frankli? Por um acaso está me chamando de descoordenada? Porque eu gostaria de lembrá-lo que posso deixá-lo gritando por mim a noite toda.
— Não seria má ideia. — E seu sorriso se tornou aquele cafajeste, cheio de promessas pecaminosas.
Porra, meu corpo realmente se animava quando Alex sorria daquele jeito!
Ouvimos a porta abrir e o barulho era inconfundível. A mochila sendo puxada pelo assoalho da casa, os pés pequenos correndo para dentro e a risadinha que fazia aquela casa ganhar vida. Lipe tinha chegado.
— Loti, Loti, Loti, Loti. — Alex ergueu a sobrancelha surpreso com o filho. — Lotiiiiiiiiiii! — Lipe puxou o i fazendo-me rir.
— Aqui. — Levantei correndo para impedi-lo de entrar de vez.
— Loti, oh, oh. — Ele estendeu um papel para mim com um desenho. Peguei e fiquei tentando entender o que tinha ali.
— Que lindo, Lipe! Quem é essa?
— Loti.
— Eu?
— É. — Ele estava tão eufórico que nem notou o pai dentro do quarto, mesmo ainda estando na porta.
Deixei ele se alojar entre as minhas pernas. — Loti. — Passou a mão pequena no meu cabelo indicando ser igual ao do desenho. — Linda! — Ri. — Ei, rapaz! A namorada ainda é minha. — Lipe procurou pelo pai de imediato.
Assim que seus olhos encontraram o que procuravam ele parou sem nada dizer. Fiquei tensa. Lógico que os machucados do Alex assustariam o garoto. Como não? Levantei segurando-o no colo e caminhei com ele até a cama.
— Papai voltou. Não está feliz? — Ele continuava observando Alex, seus olhos nos ferimentos, nas mãos enfaixadas e na perna coberta pelo gesso.
— Ei, filhão! — Alex tentou, mas Lipe continuou segurando em meu pescoço, só olhando para ele. — Papai está um pouco dodói, mas vai melhorar rapidinho.
— Dodói? — ele repetiu baixinho.
— Um pouco. — Alex levantou a mão para mostrar ao filho. Lipe virou para me encarar.
— Papai, dodói?
— Só um pouquinho. Hoje vamos ter que cuidar dele. Você me ajuda? — Ele concordou e voltou a olhar para o pai. — Não está com saudade do papai?
— Eu estou com saudade de você — Alex provocou. — Vem cá!
Eu sabia que não poderia deixar Alex carregar o filho, por isso fui até a beira da cama e sentei com Lipe no colo. Ele ficou olhando o rosto machucado do pai por um tempo enorme. Depois estendeu a mãozinha e, com muito cuidado, acariciou a bochecha do Alex. Foi um alívio.
— Papai caiu?
— Papai bateu o carro — Alex explicou. — Lembra que eu sempre digo para você ir na sua cadeirinha?
Então, é importante para não ficar dodói assim. — Lipe levou a mão a boca, assustado. Tive vontade de rir, mas não o fiz.
— Papai bateu o carro — repetiu perfeitamente.
— Isso. — Acariciei seus cabelos sentindo-me orgulhosa.
— Agora que estão todos bem e felizes, eu preciso voltar ao trabalho. — Miranda estava na porta, os braços cruzados na frente do peito e um sorriso imenso no rosto.
— Obrigada, Miranda.
— Bigado, tia Mimi — Lipe falou com a voz triste. — Papai dodói.
— Ele logo vai ficar bom, lindinho. Não se preocupe. Eu tenho que ir, Charlotte. Tome a chave. — Ergueu para mim a chave da casa que eu tinha lhe dado para facilitar com o Lipe.
— Pode deixar na mesinha da sala? — Ela revirou os olhos, mas concordou.
— Vejo vocês amanhã. Tenho que me apressar porque vou almoçar com o meu marido. Preciso que você confirme a agenda.
— Esqueça a agenda. — Minha amiga suspirou insatisfeita.
— Conversamos depois. Tchau para vocês. Tchau, lindinho!
Miranda saiu e eu consegui captar um olhar preocupado de Alex para mim. Não adiantaria alimentar aquele olhar, eu estava decidida a não cumprir com nada da agenda até Alex estar realmente recuperado.
A ideia de contratar uma enfermeira era absurda. Eu dava conta do recado.
— Veja papai, Lipe me desenhou. — Peguei o papel e passei para Alex que segurou com dificuldade. — Está vendo esse nariz aqui. — Apontei o nariz imenso que ele havia feito. — Parece muito com o meu. — Alex riu da minha ironia.
— Parece mesmo. Lipe, você está desenhando cada vez melhor, meu filho.
— É Loti. — Agitou-se para descer do meu colo.
— Ei, para onde pensa que vai?
— Atiti dejenho. — Livrou-se de mim rapidinho. — Vem, papai. — Pegou a mão de Alex e puxou.
— Não. Ai, Lipe!
— Lipe. Vem! — Peguei o menino, afastando-o do pai.
— Papai dodói? — Ficou assustado.
— Que nada. Seu pai é fresco mesmo — ri e Alex me encarou sério.
O repreendi com o olhar por ter gritado assustando o menino. Vi quando seus olhos ficaram carinhosos e fiquei constrangida. Eu não queria aquele papo de que finalmente eu aprendi a conviver com o filho do meu namorado, ou do quanto era louvável a nossa relação. Eu estava ali e pronto.
— Vamos tomar banho para almoçar? Lipe está com fome?
— Sim.
— Então vamos deixar papai descansar um pouco enquanto Loti cuida de você, tá bom? — Lipe concordou com a cabeça, bocejou e coçou os olhos por trás dos óculos. — Ih! Já vi que ninguém vai assistir desenho por aqui.
Virei para Alex que nos observava quieto. Eu sabia exatamente o que ele estava pensando. É isso mesmo, Alex. Você conseguiu o que tanto queria. Quase revirei os olhos. Precisava de tanta emoção só porque eu estava convivendo bem com o Lipe?
— Já volto. Tem um porquinho fedorento aqui. — Lipe riu quando funguei em seu pescoço, como o meu pai fazia comigo quando eu era pequena. — Descanse, Alex.
Deixei o quarto para fazer uma atividade que eu descobri amar. Cuidar daquela criança. Se eu estava feliz por ganhar mais alguns dias naquela casa, com aquele menino? Bom... sim. Claro que sim. Ao mesmo tempo eu sentia medo do que poderia ser prolongar aquela situação.
Alex Ficar sobre uma cama o dia todo, apenas ouvindo os sons que Charlotte e Lipe faziam na sala, as risadas mágicas e as brincadeiras carinhosas estava acabando comigo. Eu queria participar. Queria que aquela fosse a nossa realidade e quando finalmente acontecia eu precisava ficar deitado, sem ao menos poder carregar o meu filho e beijar a minha mulher.
Eles fizeram o esforço de almoçar comigo naquele quarto. Charlotte levou os pratos e ela e Lipe almoçaram sentados no chão, bem ao lado da minha cama. O que parecia ser desnecessário para mim virou uma grande festa para os dois, que brincaram de tudo enquanto comiam.
Consegui dormir um pouco durante a tarde, mas grande parte do tempo aproveitei para ler alguns originais que estavam em meu computador. Graças a Deus eu ainda conseguia fazer alguma coisa.
A diversão toda da casa estava na sala, com a minha namorada e meu filho interagindo, longe dos meus olhos. Fiquei frustrado.
— Precisando de alguma coisa? — Charlotte entrou no quarto levando um copo de suco.
— Não. Onde está o Lipe? — Ela sorriu.
— Pegou no sono. Venha, chega de trabalhar por hoje. — Afastou a bandeja suspensa que mantinha o computador em uma altura boa para mim e me deu o suco. Segurei-o com as duas mãos, sem a firmeza necessária para fazer apenas com uma das mãos.
— Tem certeza de que deve desenfaixá-las amanhã?
— Nem um minuto a mais — resmunguei. — Deixe o computador aqui, estou sem sono. Lembrou de fechar a portinhola?
— Lembrei sim, pode ficar tranquilo. — Pegou o copo da minha mão, mas não devolveu o computador, levando-o para a mesinha do quarto. — Já volto.
— Volta?
— Volto. — E saiu sem olhar para trás.
Estava tarde, a casa estava escura e Charlotte havia prometido voltar ao meu quarto. Eu não deveria, mas fiquei animado. Ouvi seus passos subindo as escadas. O que ela estava aprontando? E Lipe? Ele não poderia dormir comigo e deixá-lo sozinho no andar superior. Passei tanto tempo tentando adivinhar o que ela estava fazendo que não percebi quando ela voltou.
Charlotte usava uma camisola preta de alcinhas finas e seios soltos. Os cabelos desciam pelos ombros emoldurando o rosto perfeito. Aquele olhar tímido, mas que demonstrava aprontar algo, que tanto mexia comigo. Ela colocou alguma coisa no criado mudo e se demorou ajustando-a.
— Vai dormir aqui?
— Não. — Nem se virou para me olhar. — Vou ficar um pouco com você. Veja — Saiu da frente para me mostrar um aparelho que eu conhecia muito bem, mas que há muito estava esquecido por falta de utilidade. — Assim podemos ver o que Lipe pode aprontar. — Piscou confidente e se deitou com cuidado ao meu lado. Olhei para a pequena tela que mostrava a cama com o meu filho dormindo sem nada o incomodar.
— Onde encontrou isso?
— No closet do Lipe. Por que nunca utilizou?
— Usei só no início, mas eu ficava mais no quarto dele do que no meu, e depois acabou perdendo a utilidade, já que ele levantava e ia para a minha cama mesmo.
— Bom, agora voltou a ser útil. — Ela se virou e me abraçou cuidadosamente, passando as mãos delicadas pelo meu abdome. — Está sentindo alguma dor?
— Não. Eu estou bem.
— Bem mesmo? — Seus lábios tocaram o meu pescoço me fazendo estremecer. — Hum! Talvez não tão bem assim.
— O que posso fazer por você?
Levando os lábios até o meu queixo ela foi mais ousada e me mordeu ali. Ao mesmo tempo que sua mão desceu até o meu pau, fechando-se nele. Por cima do short leve eu me vi endurecendo naquela mão deliciosa.
— Charlotte! — gemi inconformado. Não poderíamos levar adiante e eu queria muito poder levar.
— Estou te machucando?
— Não. — Permiti que ela me beijasse. — Mas pode.
— Se você ficar bem quietinho isso não vai acontecer.
Nem tive tempo de contestar. Eu entendia o risco que corria, afinal de contas era Charlotte ali e era certo que eu poderia sair machucado, mas minha mente foi preenchida pelo seu corpo perfeito subindo cuidadosamente sobre o meu. Ela não esperou nem um segundo para que eu me acostumasse à ideia e puxou a camisola pela cabeça revelando sua nudez.
A luz do abajur jogava sobre ela uma camada iluminada que lhe fazia parecer um anjo. Com os cabelos caindo na frente do rosto ela me olhou e sorriu. Era um anjo com certeza. Um anjo caído, prontinho para me desvirtuar.
— Estou te machucando? — Rebolou lentamente em meu pau, fazendo-me ficar ainda mais duro. Sem conseguir articular qualquer palavra apenas neguei, desejando poder tocá-la. — Fique quietinho, Alex.
Deixe que eu faça o trabalho desta vez.
— Charlotte, eu... — Puxei o ar com força. — Merda! Eu quero te tocar... — Para que esta pressa toda? — Inclinando-se, ela alcançou os meus lábios e me fez calar. — Vamos ter tempo, saúde e disposição para você fazer o que quiser comigo. Agora eu faço e você assiste.
Charlotte levantou, voltando a se expor apenas para mim. Com muita habilidade começou a escorregar as mãos pelo próprio corpo, tocando aquela pele macia. Seus dedos pareciam estar interligados a minha mente e faziam exatamente aquilo que eu queria fazer naquele momento.
Incapaz de desviar os olhos daquela imagem encantadora, vi a minha namorada acariciar os seios, brincar com os bicos que pareciam implorar pelos meus lábios, apertar a carne com a mesma intensidade que eu apertaria e descer em direção ao seu próprio sexo.
Todo o meu ar ficou preso nos pulmões enquanto eu esperava aqueles dedos encontrarem aquela parte sua que eu tanto ansiava. E foi o que ela fez. Sem nenhum pudor Charlotte deixou que os dedos entrassem em seu sexo, tocando todos os seus pontos sensíveis e me fazendo enlouquecer.
— Porra, Charlotte! — Avancei sobre a minha namorada em uma atitude inconsequente, mas ela me impediu de levantar, jogando o corpo sobre o meu e parando todo o espetáculo. — Eu quero te tocar — rosnei de frustração.
— Se não se comportar vai perder a melhor parte — provocou, dando uma mordidinha em meu lábio inferior.
— Isso é injusto!
— Não é. Pelo contrário, é estimulante. — Levantou sorrindo e já correndo as mãos pelas coxas roliças, buscando mais um pouco de prazer em seus dedos.
— Ah, merda!
— Você está sendo malvado, Alex.
Ela rebolou no próprio dedo. Porra! Charlotte sabia que eu amava vê-la se masturbar. Que eu enlouquecia. Subindo uma das mãos começou a se estimular nos seios também.
— Você está sendo malvada!
— Não fale assim. — Desceu a mão até o meu pau e facilmente conseguiu retirá-lo do short. Sem me poupar começou a me masturbar. — Vai se comportar?
— Porra, vou!
— Ótimo!
E então, realizando o meu pedido interno, ela levantou e guiou o meu pau até a sua entrada quente e inchada. Imediatamente eu pude sentir o quanto minha namorada estava molhada, o que me deixou louco.
Eu queria levantar os quadris e me enfiar nela, porém sabia que não podia, ou então ela pararia.
Descendo completamente em meu sexo, pude sentir sua carne resistente se abrindo para mim à medida que ela se forçava contra o meu corpo. Toda a minha extensão demonstrava uma sensibilidade anormal, quase não resistindo ao calor daquele local que me acolhia tão bem.
— Ah, Alex!
Ela gemeu inclinando-se para trás para melhor me sentir dentro dela. Era uma delícia! E então, lentamente, provavelmente para não me machucar, ela começou a subir, rebolar e descer, assumindo um padrão enlouquecedor.
Eu amava ver Charlotte tão entregue, dona da situação, embora odiasse não poder fazer nada além de observá-la brincar comigo. No entanto, vendo-a ali, tão sensual, arrematando-me, se empenhando em extrair não apenas o meu prazer, mas o seu próprio, era de me fazer ajoelhar aos seus pés. E eu o faria se pudesse.
Gememos juntos enquanto ela voltava a se tocar, deixando-me entrar até o seu limite para depois ser arrancado de lá. O orgasmo estava tão próximo que ameaçava não me dar a chance de resistir. Eu queria que ela terminasse primeiro, queria vê-la gozar se esbaldando em mim e só depois eu me saciaria nela.
— Assim, amor! Deus! Você é uma delícia, Charlotte!
Ela levou um dedo até o seu clitóris e começou a se acariciar, deixando-se levar pelo momento e gemendo sem nenhum receio. A outra mão estava em seu seio, apertando-o como se a minha própria mão estivesse ali. Ela iria gozar. Eu podia sentir sua bocetinha se apertando em volta do meu pau, envolvendo-me por completo e aquecendo minha pele como nunca. Porra, eu também estava prestes a gozar.
— Ah, porra, Charlotte!
— Alex!
Gemeu e eu senti o calor do seu gozo. Seu corpo enrijecendo e se entregando ao prazer tão merecido.
Segundos depois eu gozei, jorrando para dentro dela todo o meu desejo e agradecendo por ter uma namorada fogosa a ponto de me querer mesmo estando sobre uma cama todo quebrado.
Quem estava preocupado com machucados? Depois de um orgasmo como aquele meu corpo estava tão relaxado que era impossível sentir qualquer dor.
Ela se deitou sobre mim, sem fazer peso e me beijou. Retribuí abraçando-a e pedindo a Deus para ter logo minhas mãos livres para que pudesse acariciar aquela mulher maravilhosa.
— Descanse — sussurrou ainda em meus lábios.
— Fique.
— Não. Lipe pode precisar de mim. — Tirou-me de dentro dela me levando de volta a realidade.
— Eu também preciso de você.
— Vou acabar te machucando. — Vestiu a camisola e eu odiei não poder mais ver o seu corpo.
— Tire a roupa e deite aqui. — Ela riu.
— Não.
— Se você tivesse que me machucar já teria feito. — Charlotte me olhou e suspirou. Ela queria ficar. — Fique comigo.
— E o Lipe?
— Se ele precisar de você nós vamos ouvir. — Apontei a babá eletrônica.
— Tem certeza? E se ele for para o seu quarto procurando por mim?
— Se ele levantar nós vamos ouvir. Venha. — Puxei o cobertor para que ela pudesse deitar do meu lado.
— Não vou ficar agarrada a você — me alertou. — E nada de safadeza, mocinho!
— Safadeza? Eu? — Ri da sua cara de pau. — Ok! Sem safadezas. Venha!
Charlotte deitou e eu logo a envolvi com meus braços, mesmo contra a sua vontade. Ela se ajeitou até ficar confortável e em poucos minutos adormeceu. Eu fiquei acordado, pensando nela, em Lipe e no quanto estava feliz.
— É, Shakespeare, você sempre tem razão.
Beijei o topo da cabeça da mulher que eu amava e fechei os olhos me sentindo agradecido por arriscar.
Capítulo 27
“Quem chegou a cegar, jamais se esquece da joia rara que perdeu com a vista.” William Shakespeare Charlotte Assim que Alex adormeceu profundamente eu levantei sentindo meu corpo pesado e dolorido. Não foi uma boa escolher adormecer tendo em mente que eu poderia machucá-lo se caísse em sono profundo.
Assim, sem desejar piorar o seu estado, adormeci sem conseguir realmente me entregar e quando meu corpo, rígido pela postura imposta, não aguentou mais, levantei e fui para o quarto do meu namorado, o qual eu ocupava desde o seu acidente.
Levei comigo a babá eletrônica e antes de realmente alcançar a cama tão ansiada, entrei no quarto do Lipe para conferir se estava tudo realmente bem. Depois me arrastei até a cama e me joguei lá, adormecendo imediatamente.
Levantei em um pulo. Quanto tempo eu havia dormido? E Alex? E Lipe? Procurei meus óculos e me dei conta de que havia adormecido usando as lentes, o que poderia me causar desconforto durante o dia.
Conferi a imagem de um Lipe ainda adormecido em sua cama e só então me convenci de que poderia ir ao banheiro.
Tirei as lentes, coloquei os óculos, fiz xixi, cogitei a possibilidade de um banho e após um bom tempo analisando a possibilidade de Alex precisar de mim ou do Lipe acordar, optei por um banho rápido de chuveiro, sem lavar os cabelos. Escovei os dentes e escolhi um vestido comportado para aquele dia.
Verifiquei novamente e Lipe continuava dormindo, então desci para pegar o remédio que Alex precisaria tomar. Fui até a cozinha, providenciei tudo e levei até o seu quarto, onde flagrei um Alex arfante dando o seu último pulo para alcançar a cadeira de rodas e erguer a perna para que ficasse no ângulo correto.
Encarei incrédula aquele homem tão cheio de si se esforçando para fazer um movimento mínimo e quase, quase mesmo, sorri. Mas não o fiz porque tinha recomendações explicitas para não deixá-lo ficar pulando de um lado para o outro.
Sem desviar a atenção do meu namorado, pude notar que ele estava barbeado, tomado banho, com roupas limpas e sem as faixas nas mãos. Céus, o que ele havia feito?
— Alex! — Coloquei o copo com água na bancada, juntamente com a embalagem contendo o comprimido e fui em sua direção conferir como estava. — O que pensa que está fazendo?
— Acabando com essa palhaçada. Fora a minha perna, eu estou perfeito.
— Não está não! Você tem duas costelas fraturadas, não pode ficar pulando por aí. E suas mãos! O que fez?
— Tirei as faixas. Estavam incomodando e era mesmo desnecessário. Assim as feridas vão cicatrizar com mais facilidade.
— Alex, você às vezes é mais infantil do que o Lipe!
— Devo ser, mas não vou ficar com as mãos enfaixadas. Fiz curativos nos cortes que ainda não cicatrizaram. — Levantou as mãos para que eu pudesse ver dois pequenos curativos se destacando entre diversos arranhões e alguns cortes mais significativos já em processo de cura.
— Adriano vai ficar aborrecido e Dana... nem quero imaginar o que sua mãe será capaz de fazer quando descobrir que você tomou banho sozinho e fez tudo isso. — Indiquei seu corpo com a mão. Dana com certeza faria aquele discurso, onde ressaltava que ele deveria estar sob os seus cuidados. Suspirei.
— Sou maior de idade, Charlotte! Vem cá. — Segurou em meu braço para tentar me fazer sentar em seu colo, mas a prancha acoplada à cadeira para manter a perna elevada não facilitava.
— Alex, suas mãos... — Ele me segurou com mais força para me provar que eu estava errada. — Você está machucado! — Ouvi seu riso rouco, o que mexeu com a minha imaginação. — E está nesta cadeira... — Toda a minha convicção se esvaia à medida que ele me segurava com mais firmeza.
— Tem alguma coisa contra os cadeirantes? — Pegou-me pela cintura me forçando a fazer a volta e sentar em seu colo. Cedi rindo das suas palavras.
— Hum! Não. Até que é... — Fingi analisar o seu corpo. — Sexy!
— Sexy? Você tem fetiche com um cadeirante?
— Tenho fetiche com você — rebati sentindo o meu corpo ansiar por mais um pouco do meu namorado.
— E é mesmo sexy saber que está fragilizado e que, por causa disso, eu posso me aproveitar deste corpo.
— Tentei levantar e ele me manteve facilmente no lugar.
— Então abuse de mim. — Inclinou o rosto para me beijar. Eu recuei.
— Não posso ficar sentada em seu colo com a sua perna pronta para ser quebrada em mais dois lugares.
— Fiz outra tentativa de levantar e foi em vão.
— Charlotte, eu estou morto de saudade. — Mordeu meu pescoço.
— Você está muito vivo pelo que estou percebendo. — Encarei meu namorado evidenciando que havia sentido a sua ereção. Alex riu e me puxou para um beijo selvagem.
Deus, ele estava mesmo com saudade. Que beijo foi aquele? Alex não tinha cuidado nenhum, ele simplesmente me devorava, esmagando seus lábios aos meus e me incentivando com aquela língua atrevida e mágica que me mantinha cativa. Suas mãos machucadas não pareciam ser um problema, porque elas estavam em todos os lugares me segurando e me puxando como se eu nunca estivesse perto o suficiente.
Santa mãe de Deus! Eu estava tão excitada! Transar com meu namorado em uma cama enquanto ele nada poderia fazer foi algo gostoso, porém ser dominada por ele mesmo estando naquelas condições era mesmo algo que conseguia me deixar rendida.
Deixei que ele me beijasse à vontade e que suas mãos ousadas abusassem de mim, só não sabia de que forma faríamos aquilo acontecer ali, sentados em uma cadeira desconfortável.
— Alex... — O ar faltava e as palavras custavam a sair. Ele desceu os dentes pelo meu pescoço e não se preocupava se as chupadas que dava em minha pele deixariam marcas. — Alex... Lipe... — Ele está dormindo — resmungou sem parar o que fazia. — Vai ser rápido. — E aquela urgência foi muito bem-vinda para o meu corpo ansioso.
Alex me levantou, deixando-me entre as suas pernas. Rapidamente suas mãos subiram pelas minhas coxas alcançando a calcinha. Contorci-me ansiosa e temerosa ao mesmo tempo, mas não o impedi. Terminei o seu trabalho, já que a perna elevada dele não permitia que fizesse grandes movimentos. Assim que arranquei a peça do corpo ele me puxou de volta, sentando-me de frente para ele, mantendo-se entre as minhas pernas.
Eu sabia o que deveria fazer, mas estava perdida sendo devorada outra vez pelos seus lábios exigentes e dominadores. Então, por saber que ali eu não era nada além de alguém que se entregava, Alex me segurou pela cintura e com um único braço conseguiu me levantar, livrar seu membro do short folgado que havia escolhido para usar e direcionar seu sexo para o meu. Tudo isso sem abandonar a minha boca.
Gememos juntos quando ele finalmente entrou em mim. Seus dentes prenderam meus lábios, apertando-os. Doeu, mas foi delicioso na mesma medida. Eu sentia medo de machucá-lo, medo de me perder em nosso ato e não estar presente se Lipe precisasse de mim, medo de estarmos passando dos limites e quebrando todas as regras, mas nem isso me impedia de continuar subindo e descendo, deliciando-me em seu sexo.
As mãos dele subiram pelas minhas costas, prendendo-me ao seu peitoral, deixando meu quadril livre, o que me fez rebolar de maneira mais ousada, estremecendo com os calafrios que me atingiam todas as vezes que eu sentia seu pau roçar minhas paredes com mais intensidade.
Alex tinha razão. Aquilo seria rápido. E delicioso.
Pela sua respiração descompassada e nossos gemidos eu sabia que era exatamente o que ele queria, rápido e forte. Meu sangue esquentou, entrou em ebulição e circulou em disparada através das minhas veias. Minha pele suada facilitava os movimentos do corpo.
Trêmula e ofegante eu sentia que a qualquer momento o orgasmo seria uma realidade palpável, que eu seria enviada ao céu, que poderia tomar sol deitada nas nuvens, no paraíso. A urgência colaborava com a necessidade, então começamos a nos movimentar sem nenhum receio, tornando tudo mais carnal e intenso.
Eram gemidos fortes, altos e cheios de tesão. Gemidos que confessavam o quanto o que fazíamos ali era único e exclusivamente nosso. Eu e Alex. E ninguém mais. Não apenas porque nos amávamos, apesar deste ser o nosso combustível, mas, principalmente porque nos conhecíamos e sabíamos exatamente como agir em cada momento. A hora certa de se entregar e a de recuar, a certeza e segurança nas nossas escolhas, o respeito pelo nosso limite e, acima de tudo, o tesão absurdo e desenfreado que sentíamos e que, sabíamos, não sentíamos por mais ninguém.
Comprovando as teorias científicas, sabíamos que a química entre nossos corpos, a resposta dos nossos hormônios, era real. Éramos formados por células, moléculas, partículas que se buscavam a todo momento. Tudo em mim seguia em direção a Alex e tudo nele em minha direção, fazendo com que correspondêssemos de maneira harmoniosa, mesmo quando tudo parecia uma explosão de sentimentos.
Senti duas gotas de suor escorrendo pelas minhas costas e minhas mãos comprovavam que Alex também suava. O balançar dos nossos corpos fazia um ruído todo nosso, uma melodia de prazer que nos estimulava cada vez mais.
Ele puxou meu vestido para baixo, conseguindo assim alcançar meus seios, que foram abocanhados e sugados com a mesma intensidade que usava em meus lábios. Arfei e tudo em mim estremeceu.
— Alex... O barulho que ouvi não estava nada relacionado a nós dois. Primeiro uma parte mínima da minha mente se perguntou o que era e de onde vinha, mas em seguida uma luz forte e piscante se acendeu em minha cabeça e eu me dei conta. Alguém estava na porta e queria entrar.
O pavor me fez tentar levantar. Alex me segurou com força e seus lábios voltaram aos meus, exigindo-me sem reservas. O leve tremor em seus braços me indicava que ele estava bem perto de gozar, assim como eu estava. Quem quer que estivesse lá fora saberia instantaneamente o que estávamos fazendo e eu não sabia se suportaria tal situação.
— Alex! A campainha. — Tentei mais uma vez me desvencilhar e fui impedida. — Alex!
— Não, amor — gemeu sua súplica. — Agora não. Só mais... oh, Deus! — Suas mãos se fecharam em minha cintura com força e eu entendi que seu esforço era para não gozar antes de mim.
Confesso que vê-lo tão forte e fraco ao mesmo tempo, lutando para que eu também curtisse o momento, para não estragar tudo e me deixar na mão, já era o suficiente para me esquentar ainda mais. Mas foram seus tremores incontidos que me colocaram na beira daquele penhasco.
Eu queria aquele orgasmo, queria Alex gozando em mim, confirmando que era por mim, que eu era a sua fraqueza e a sua força e que nada nem ninguém poderia roubar isso de mim. Assisti-lo entregue e submisso me fortalecia, porque eu não precisava de artifícios para ter Alex em minha cama, ele sempre iria por não conseguir ficar longe. Eu não precisava de artifícios para ter Alex em minha vida, ele entrou nela por livre vontade e continuava nela por não querer viver de outra maneira.
Então, ciente de que eu era o elo forte daquela história, eu era a que conduzia, decidia e dominava, o orgasmo me encontrou. Com um sorriso de satisfação senti o fogo queimar minhas veias em lambidas luxuriosas, o ar ser arrancado dos meus pulmões, e tudo em mim se fragmentar, permitindo que minha alma leve alcançasse o céu.
E como não podia ser diferente, ainda ouvindo os gemidos do meu namorado, fui trazida de volta à realidade pela campainha insistente. A visita que precisava entrar.
— Merda!
— Vamos ignorá-los — Alex resmungou ainda beijando meu dorso nu.
— Ignorá-los? Então... — Com os olhos maximizados encarei meu namorado ao tomar ciência de quem poderia estar na porta. — Alex, eles... puta merda!
— Calma. — Manteve-me quieta, sem deixar que o expulsasse de dentro de mim. — Eu abro a porta.
— Você? Acho que ainda não se deu conta da situação, não é? Estamos suados e cheirando a sexo. — Ele riu descaradamente. — É sério, Alex! Seus pais vão sacar de cara o que estávamos fazendo.
— E daí?
— E daí? Céus! São os seus pais!
— E eu já tenho trinta e oito anos, Charlotte. Não preciso esconder dos meus pais que tenho uma vida sexual ativa com a minha espo... ex-esposa... namorada. — Parecia que, naquele momento, nossa realidade o incomodava.
— Que seja! — resmunguei me esforçando para sair de cima dele. — Eu preciso de um banho. Merda!
— Papai! — Lipe gritou do andar de cima, deixando-me ainda mais tensa. O banho estava suspenso. — Loti!
— Caralho! Não poderia ser pior — gemi desolada. — Aliás... poderia sim. Poderia ser Anita naquela porta. — Vi a careta que Alex fez e nem assim me arrependi do que disse. Ele era amigo de Anita, não eu. — Aliás... se fosse Anita eu não me importaria em demonstrar o que estávamos fazendo.
— Charlotte! — A campainha insistiu o que nos deixou mais alerta. — Vá verificar Lipe e eu cuido da porta.
— Sua mãe vai me matar, mas eu não vejo solução melhor. — Beijei rapidamente os lábios do meu namorado e sorri. Apesar do pânico era engraçado. — Vou levar isso comigo. — Peguei a calcinha do chão e vesti imediatamente. Ela ficaria molhada, o que eu detestava, porém era melhor do que ficar sem calcinha com o gozo do Alex escorrendo pelas minhas pernas.
— Loti!
— Estou indo, docinho — gritei de volta. — Vejo você em alguns minutos — pisquei para um Alex que não desgrudava os olhos de mim.
Subi correndo os degraus, ouvindo o barulho da cadeira de rodas se arrastar pelo chão da casa. Lipe estava na portinhola, os dois braços para fora e a cara entediada e marcada pelo sono.
— Ei! O que faz em pé tão cedo, mocinho? — Não era cedo, mas eu precisava falar alguma coisa que não fosse “eu estava transando com o seu pai e precisei sair correndo para te pegar”.
— Cadê papai?
— Lá embaixo. Vamos fazer xixi e escovar os dentes?
Conduzi Lipe para o banheiro sem deixar de pensar, nem por um segundo, no quanto eu precisava daquele banho.
Alex Minhas mãos doíam pelo esforço que eu precisava fazer para conduzir a cadeira. Meu pai queria uma motorizada, eu achei que seria bobagem, uma vez que a ideia era usar muletas no dia seguinte. Não foi o que aconteceu.
Depois de levar uma bronca chata por estar me esforçando com a cadeira e por ter, sozinho, resolvido me livrar das faixas, fui informado que ficaria mais um dia sem as muletas e que no dia seguinte eu só poderia usá-las após um exame que indicasse que o esforço não pioraria a situação das minhas costelas.
Um saco!
Se eu não tivesse transado com Charlotte minutos antes estaria insuportavelmente mal-humorado. Porém, só de lembrar que ela estava tão participativa, com tanta saudade quanto eu e empolgada com o Lipe, esquecia todo o restante e me sentia bem para aguentar mais um dia naquela cadeira.
Por falar em Charlotte, ela demorou mais do que o necessário para descer e isso me preocupou. Minha mãe falava sem parar, exigindo que eu ficasse quieto na sala enquanto ela providenciava o meu café da manhã e meu pai fazia questão de me fazer cumprir o que minha mãe ordenara, mas aproveitou para fazer muitas perguntas sobre a minha noite, o quanto de esforço eu havia feito, apalpou-me para verificar onde doía e cuidou das feridas em minhas mãos, tornando a me proibir de empurrar a cadeira.
Era uma droga.
Foi quando ouvi as risadas e os passos na escada que me senti de fato uma pessoa de sorte. Charlotte descia os degraus com Lipe no colo, o que, certamente, era um risco, embora a imagem fosse linda. Ela com os cabelos molhados, um short e uma camiseta, carregando o meu filho e rindo.
Espera um pouco. Charlotte estava com cabelos molhados e roupas limpas, ou seja, ela havia tomado banho. A questão era: e o Lipe? Como ela conseguiu tomar banho sem ele? E se foi com ele... será que Charlotte teria coragem? Fiquei intrigado. Mas eu nada poderia dizer na frente dos meus pais.
— Diga: bom dia, vovô! — A pele fresca pelo banho recente, o sorriso aberto e o brilho de felicidade em seus olhos deixavam tudo ainda mais perfeito. — Diga: Bom dia, vovó! — Minha mãe entrou na sala levando uma bandeja que exalava o cheiro de café e pão quente com manteiga derretida. Um sonho!
— Vovó! — Lipe levantou os braços chamando pela avó que logo o atendeu deixando-o acariciar o seu rosto.
— Oi, meu amor! Vovó trouxe bolo para você. E já fiz o seu gagau. — Olhou para Charlotte esperando que ela rebatesse, minha namorada sorriu, colocando Lipe no chão e nada disse.
— Papai! — ele gritou assim que conseguiu correr em minha direção.
— Lipe, cuidado com a perna do papai — meu pai o alertou enquanto Charlotte ajudava minha mãe a improvisar o nosso café da manhã sobre a mesinha de centro.
Meu filho subiu em meu colo sem nenhum cuidado, eu não me importei. Estava louco de saudade dele.
Assim que Lipe cansou de ficar pegando em meu rosto para conferir os machucados, começou a analisar minhas mãos, repetindo sempre um “oh! Papai dodói” que me fazia sorrir pelo cuidado velado.
— O que aconteceu com os seus lábios? — O comentário da minha mãe chamou a minha atenção, então eu pude ver uma Charlotte corada levar as mãos aos lábios sem nada dizer.
— O que tem os lábios dela? — Meu pai se interessou. Claro! Ele era médico e jamais deixaria passar algo deste tipo.
— Estão roxos — minha mãe o informou. Me amaldiçoei mil vezes. Eu sabia exatamente o motivo de eles estarem assim.
— Frio? — Meu pai levantou para analisá-la. Charlotte recuou sem saber ainda o que dizer. Sua mão não deixava a boca, como se quisesse esconder a nossa travessura.
— Não — minha mãe continuou. — Parece mais com um hematoma. — Puta merda!
— Ah! — Meu pai entendeu no mesmo segundo, se mantendo no lugar. Graças a Deus minha mãe não foi tão rápida. Pelo contrário. Foi inocente.
— O que aconteceu? — continuou preocupada.
— Um brinquedo do Lipe — ela conseguiu dizer sem esconder o constrangimento.
— Ah, Deus! Uma vez ele puxou um carrinho e acabou batendo em meu rosto. Imagino a dor. Ainda bem que não cortou, não é mesmo Adriano?
— Hum, sim, com certeza. — Meu pai voltou a sentar, tão constrangido quanto a minha namorada.
— Vou buscar o gagau — minha mãe disse, e finalmente deixaram o assunto morrer. Não antes de Charlotte me acusar com um olhar terrível.
Após o café da manhã meus pais ficaram um pouco mais. Minha mãe arrumava todas as desculpas possíveis para não ir embora. Falava sobre o almoço, que já havia levado para a geladeira, sobre as roupas, a limpeza da casa, salientando que mandaria uma faxineira de confiança para cuidar da parte mais pesada.
O celular de Charlotte apitou. Ela conferiu a mensagem e pediu licença para buscar um dos remédios que eu precisava tomar. Ficamos na sala conversando bobagens. Aproveitei a ausência da minha namorada para me inteirar da situação.
— E Anita, pai? — Tomei o cuidado de deixar a voz baixa e manter os olhos no espaço por onde Charlotte passaria para nos encontrar.
— Ela está se recuperando muito bem. O ferimento da barriga cicatrizou perfeitamente. Dr. Alexandre disse que provavelmente dará alta amanhã ou depois.
— Quem está com ela? Todos os parentes vivem distantes.
— Uma colega de trabalho está acompanhando de perto. Como é mesmo o nome dela? Hum! Não lembro, é uma com os cabelos curtos, cacheados.
— Vitória? — Fiquei surpreso. A professora Vitória e Anita eram amigas, mas eu acreditava que era apenas de farra.
— Sim, acho que é Vitória mesmo.
— Charlotte não está demorando demais para buscar um único comprimido? — Minha mãe chamou a nossa atenção e eu fiquei intrigado.
— Ela deve estar respondendo as mensagens dela. Com tantos afazeres, Charlotte provavelmente não está conseguindo dar conta das coisas dela. Apenas a professora Vitória está acompanhando a Anita? — continuei aproveitando o tempo que tinha para me inteirar da situação da madrinha do meu filho sem despertar a fúria da minha namorada.
— Johnny — meu pai respondeu e sorriu maliciosamente. — Ele tem dedicado um tempo à Anita, mesmo com o peso da agenda apertada do Peter.
— Johnny? — Eu sabia que eles dois andavam tendo um caso, mas não acreditava que era algo que merecesse horas de cuidados da parte do melhor amigo da minha namorada.
— Eu vou buscar o comprimido. — Minha mãe levantou, mas meu pai a impediu.
— Pode deixar, Dana. Eu aproveito e levo o Alex para descansar um pouco. Por que não começa a organizar as coisas por aqui? Eu tenho plantão hoje. Tenho que compensar os que troquei com os colegas para me dedicar exclusivamente a você, filho. — Ele logo se posicionou para empurrar a cadeira e eu continuei pensando no que poderia fazer para facilitar a vida de Anita.
Eu nem imaginava o que viria pela frente.
Charlotte Entrei no quarto e imediatamente ouvi o barulho do celular de Alex vibrando sobre o criado mudo.
Peguei o aparelho para levá-lo até o meu namorado, no entanto quando vi o nome na tela estremeci.
Anita.
Respirei fundo pensando no que deveria fazer.
Eu não queria aquela mulher em nossas vidas, apesar de não haver nada que eu pudesse fazer para impedir. Não por enquanto. Ao menos até conseguir provar alguma coisa contra ela. Então eu sabia que suportar seus telefonemas para o meu namorado era algo com que eu teria que me acostumar.
Porém, como dizem por aí: o que os olhos não veem o coração não sente. Logo, se Alex não soubesse daquela ligação não se importaria com ela.
Continuei encarando o celular em minha mão que parou a chamada e em seguida recomeçou. Fiquei furiosa! Quem ela pensava que era para ser tão inconveniente? Se existe uma coisa que eu detesto é quando uma pessoa começa a ligar insistentemente para outra. Poxa! Se não atendeu na primeira vez era porque ou não estava próximo do telefone ou não estava podendo falar. Claro que ainda havia a opção da pessoa simplesmente não querer atender, mas nem isso dava o direito do outro atormentar a cabeça da pessoa até ser atendido.
Quando Anita insistiu pela terceira vez, eu tomei a decisão. Encostei no batente da porta conferindo se Alex continuava conversando na sala e assim que me certifiquei, atendi a ligação.
— Alex? — Ela foi mais rápida, não aguardando pelo cumprimento. — Anita! — Fui irônica.
— Charlotte? — A surpresa em sua voz me deixou deliciada. — Onde está o Alex? Eu quero falar com ele.
— Infelizmente o meu namorado não pode atender. Ele ainda está bastante de bilitado. — Fiz um muxoxo falso para que ela entendesse. — Eu estou cuidando dele. — Passe o telefone para Alex agora, menina! — Sua ousadia atiçou o meu lado infantil.
— Como vai você? — Continuei ignorando o que ela dizia. — Conseguiu colocar o dente de volta? Ficou perfeito? Porque quase nunca fica, não é mesmo? Mas não se preocupe, tenho certeza que quem não sabe do acidente nem vai notar. — Não seja ridícula, garota!
— E a cicatriz na barriga? Pelo que fiquei sabendo nenhum biquíni será capaz de esconder. — Ela riu com escárnio.
— Acha mesmo que isso vai me atingir, Charlotte? Pensa que não sei que suas palavras não passam de insegurança? Você continua sendo a mesma menina tola, infantil e mimada e não vai tardar para Alex perceber isso mais uma vez — riu um pouco satisfeita por conseguir me calar. — Vocês estão juntos agora, mas, até quando?
Até quando acha que vai conseguir mantê-lo sob o seu olhar? Alex vai cansar outra vez e vai te trair novamente. Com quem será que vai ser desta vez? Meu coração ficou acelerado e minhas mãos suadas.
— E você, Anita? Longos anos se oferecendo para um homem que nunca cogitou te levar para a cama. Que preferiu a sua prima a você. Que te usou para cuidar do filho dele enquanto comia outras aqui, na casa dele, no local onde você tem livre acesso. Não passa pela sua cabeça o quanto isso é ridículo?
— Você está pensando que está por cima, não é mesmo? — riu com vontade. — Tão ingênua? Nem sabe quem é o homem que tem ao seu lado. Está toda animada brincando de casinha com o namorado e o filho dele. Que lindo! Mas torna-se incrivelmente ridículo quando eu percebo que você nem faz ideia de como o Lipe foi gerado, não é mesmo?
— Como ele foi gerado? O que é isso? Está me chamando de burra? — ridicularizei sem querer demonstrar o quanto estava abalada. Contudo eu estava. E muito! — Alex não te contou. Eu tinha certeza de que ele nunca contaria. Que tolo!
Pensando bem... você realmente não suportaria. E Alex é um idiota quando se trata de você. Tem medo de te perder e certamente perderia se soubesse da verdade. — Do que está falando?
Eu não conseguia mais ser irônica. Se quando atendi aquele telefone tinha como objetivo mostrar a Anita que não seria tão fácil quanto parecia, o feitiço virou contra o feiticeiro. A sua risada apenas comprovou isso.
— Sabe o que realmente aconteceu naquela noite? Quando Tiffany foi burra o suficiente para aceitar ir para a cama com um Alex bêbado, desesperado e... — Charlotte?
Ouvi a voz de Alex logo atrás de mim e no desespero interrompi a ligação, não dando chance a Anita de me contar o que tanto desejava. Olhei para o meu namorado, que me encarava ao perceber que o celular na minha mão era o dele e não o meu. Seu pai, o Dr. Adriano, também me olhava com desconfiança. Se eles não imaginaram que eu estava aprontando alguma coisa só pelo fato de ter desligado quando eles chegaram, o meu rosto me denunciava, devido ao calor que demonstrava o seu estado febril.
— Quem ligou para mim, Charlotte? — Alex foi gentil em não me acusar diretamente na frente do pai. Olhei para o Dr. Adriano, com vergonha da situação ridícula em que eu havia me metido.
— Vou ficar um pouco com o Lipe. — Ciente da minha situação desconfortável com o seu filho, Dr. Adriano arrumou uma boa desculpa para sair do quarto. — Quando estiver pronto para se deitar me chame filho.
Ficamos nos encarando. Eu não queria contar, também não queria ignorar a história que Anita havia começado a contar. Se era verdade ou não eu precisava saber. — Anita — anunciei observando a sua reação.
— Anita? Charlotte você... — Alex respirou fundo, impaciente e se atreveu a levantar uma mão para passar nos cabelos, mas se conteve por causa dos machucados.
— Por que não levou o telefone para mim?
— Porque eu não quis. — Engoli com dificuldade. O que eu estava fazendo era absurdo, mas eu iria até o fim.
— Charlotte, você não pode atender o meu telefone e... — O que aconteceu naquela noite? — Fui direta. Alex parou imediatamente, encarando-me sem nada dizer. — Você ia me contar, não é mesmo? Naquela noite lá em Curitiba, quando finalmente ficamos sozinhos. Você começou a falar, lembra? — Charlotte... — Eu quero saber, Alex! Você disse que eu não entenderia. O que eu não entenderia? — Do que você está falando? Foi algo que Anita te disse?
Pensei no que poderia responder. Se eu contasse que Anita começou a me contar ele daria um jeito de impedi-la. Se eu não contasse ele nunca saberia e eu ainda teria a chance de descobrir através dela, sem a sua interferência. Encarei o meu namorado ponderando se eu deveria ou não continuar naquela direção. — Não — recuei. — Anita queria falar com você. Provavelmente pedir mais algum favor.
— Então por quê... — Eu lembrei daquela noite e fiquei curiosa. — Ele me encarou e eu não sabia mais o que seu olhar queria dizer.
— Eu já te contei o que aconteceu. — Ele estava na defensiva, mas poderia ser por medo de estragar tudo o que estávamos construindo.
— Tem certeza? Naquela noite... — Eu estava nervoso. Era a primeira vez que nos encontrávamos sem reservas.
Isso mexeu com a minha cabeça. Eu te disse. No dia eu não tinha certeza se deveríamos ou não deixar acontecer. — Fiquei atenta aos seus olhos e o arrepio que senti na espinha me indicava que nem tudo era verdade.
— Mentiria para mim? — Seus olhos cresceram um pouco e Alex puxou o ar.
Era um momento decisivo. — Me enganaria mais uma vez?
— Não. Eu não mentiria, Charlotte. — Ficamos em silêncio nos encarando. — Mas... — Alex sabia que eu entendi as letras mínimas no pé do contrato.
Havia algo a mais.
— Tenho ressalvas — admitiu demonstrando a sua insegurança. — Ressalvas? — Ponderei o que poderia dizer.
— Sim — Alex mordeu o lábio. — Existem coisas da minha vida que não vejo necessidade de serem expostas.
— Não?
— Não. — Continuei encarando o meu namorado.
— Ok! — Dei um passo à frente. — Eu também tenho ressalvas. — Tem? — Ele ficou confuso com a minha atitude.
— Tenho. E já te adianto que elas vão destruir nós dois.
— Charlotte... — Faça como quiser, Alex! Empurre toda a sujeira para debaixo do tapete. — Pare com isso, Charlotte.
— Está na hora do seu remédio. — Virei para pegar a medicação sem conseguir olhar em seus olhos.
— Converse comigo!
— Já conversamos. — Levei o comprimido até ele junto com o copo com água que já estava no quarto.
— Você disse que tem ressalvas — ele insistiu.
— Você também — meu namorado pegou o remédio e o tomou rapidamente. — Não dá para ser assim, Charlotte.
— Ótimo! Não dá para ser desta forma. O que sugere que façamos? Temos duas opções: confessamos ou... — Tentei me manter calma, embora estivesse destruída por dentro. — Terminamos.
— O quê?
— Você ouviu — rebati irritada. Vi a mandíbula do meu namorado ficar rígida. — Eu não tenho nada para contar. — Fiquei enfurecida.
O que havia de tão absurdo naquela história? Ele havia me traído. Insistia no fato de que pensava ser eu e não Tiffany. Tinha um filho fruto daquela traição. Teria como ser pior do que isso?
— Ótimo! Eu também não.
Passei pelo meu namorado decidida a encerrar o assunto. Era isso ou eu faria jus a minha imaturidade fugindo daquela casa sem me importar com o compromisso que tinha firmado com Lipe e com o próprio Alex.
— Charlotte!
Eu o ignorei. Era melhor assim. Se Alex não queria me contar eu teria que descobrir sozinha. Estremeci só de tentar imaginar o que mais de ruim existia naquela história a ponto de Alex estar aterrorizado com a minha reação se eu descobrisse. Por mais que aquilo tudo me assustasse, descobrir passou a ser uma necessidade.
Eu jamais teria paz se simplesmente ignorasse, aceitasse e continuasse ao lado dele.
Bom... continuar com ele poderia não ser uma questão discutida, mesmo assim, eu precisava saber para tomar as minhas próprias decisões.
— Alex já está pronto para descansar, Adriano — anunciei voltando à sala. — Eu vou levar o Lipe para brincar um pouco no jardim. Um pouco de sol não faz mal a ninguém. — E de ar também, pensei, sentindo-me sufocada.
— Vou me despedir do meu filho. — Dana levantou deixando claro o constrangimento. Lógico que eles sabiam que algo havia acontecido. — Qualquer coisa me ligue.
O almoço está na geladeira.
— Obrigada, Dana!
— Voltaremos à noite. — Adriano se despediu com um afago em meu ombro. Peguei Lipe e fugi para o jardim. Ele não contestou. Eu estava angustiada e precisava ficar sozinha para organizar os meus pensamentos. Eu tinha dois problemas: precisava saber o que aconteceu, e só Anita poderia me contar. Como conseguiria encontrá-la antes de Alex juntar as peças e tentar impedi-la? Que Deus tivesse piedade de todos nós, mas eu conseguiria aquela informação, custasse o que custasse.
Capítulo 28
“Ora, rapaz! Incêndio a incêndio cura. Uma dor faz minguar a mais antiga. Desvirar do vira sara a tontura. Um desespero a velha dor mitiga. Deixa os olhos pegarem nova infecção, porque da velha possas ficar são.” William Shakespeare Charlotte Duas semanas se passaram sem que tocássemos no assunto. Os primeiros dias foram estranhos. Eu me esforçava para não pensar no assunto e falhava todas as vezes. Quem disse que o tempo era o remédio para todos os males não conhecia o significado da palavra ansiedade. Eu sofri por cada minuto perdido que me impedia de correr até a maldita Anita e arrancar dela a tal informação.
Alex tentou se fazer de vítima. Ele usou uma técnica que nunca funcionava comigo: manteve a cara fechada e ficou frio, o que só me deixou mais obstinada, e neste ponto a minha imaturidade foi um fator bem-vindo. Enquanto ele se esforçava para me fazer perceber que estava magoado, eu deixava claro que não mudaria de opinião. E assim levamos quatro longos dias para conseguirmos falar sobre algo que não fosse nada relacionado a Lipe ou aos remédios que meu namorado ainda precisa tomar.
No final do quarto dia finalmente conseguimos conversar. Precisávamos fingir que o incômodo havia passado. Era necessário. E eu estava decidida a procurar Anita na primeira oportunidade, contudo, enquanto não desvendasse aquele mistério, e não via motivos para deixar o meu namorado, não poderia julgá-lo e condená-lo. Por isso permiti a sua reaproximação.
— Não conversamos sobre a Bienal.
Ele começou encostado no balcão da cozinha, observando-me limpar os pratos do jantar e ao mesmo tempo com os olhos no Lipe que estava na sala assistindo um desenho. Dava para sentir a insegurança do meu namorado ao finalmente tentar conversar comigo.
— Você sabe exatamente como está a minha programação. — Ok! Eu estava sendo difícil. Suspirei colocando o último copo na máquina de lavar louça. — O que quer saber? — Liguei a máquina e virei para o meu namorado que me olhava inseguro.
— Como você pretende ir? Já comprou as passagens? Qual a companhia? Qual o seu horário?
Levantei a mão para que ele parasse de falar tanto. Meu Deus! Longos dias praticamente em silêncio e ele resolvia atirar tudo de uma só vez para cima de mim. Respirei fundo. Por que mesmo nunca tínhamos conversado sobre aqueles detalhes antes?
— Vou no avião do meu pai. — Vi que a resposta não o agradou muito. — Quando decidimos eu ainda não estava com você, Alex e depois foram tantos acontecimentos que não colocamos nossas agendas como prioridade.
— Eu vou em um voo comercial. — Deu de ombros. — Onde vai ficar hospedada?
Ok! Estávamos em um campo minado.
— Nós temos um problema. — Eu me aproximei para que ele entendesse que eu estava mesmo disposta a resolver. — Você não está em condições de viajar em um voo comercial.
— Vou trocar minha passagem para um assento com mais espaço. — Eu tinha certeza que seria uma conversa difícil, afinal de contas Alex nunca se mostrou confortável com o fato de eu ser milionária.
Suspirei.
— Qual era o seu plano inicial? Digo... como ficaria o Lipe. — Seus olhos se abriram um pouco mais e pela forma como Alex respirou, puxando o ar com força e demorando para soltá-lo, eu soube que a resposta não me agradaria.
— Ele ficaria aqui com Marta e Anita. Eles iriam me encontrar nos fins de semana.
— Anita e Lipe? — Encarei-o, incrédula. Merda! Alex mordeu o lábio e confirmou. Dei as costas para fazer um café. Eu precisava de alguma distração para não jogar alguma coisa nele.
— Conversei com minha mãe e ela concordou em ficar com o Lipe já que nós dois ficaremos fora — continuou timidamente. — E vamos cancelar os finais de semana.
— Vocês dois poderiam viajar comigo. — Não fui nada delicada ao introduzir o assunto. Ter Anita tão presente em seus planos me irritava profundamente.
— Nós vamos trabalhar, e eu não posso ir em um voo comercial com esta perna, cuidando de muletas e do Lipe ao mesmo tempo.
— Eu falei viajar comigo. — Fui seca. — O avião é grande, tem lugar de sobra. Vamos apenas eu, Miranda e meu pai. Não seria problema ter vocês dois a bordo.
— Ah! — Eu sabia que ele queria negar, assim como também sabia que Alex faria o possível para evitar mais problemas comigo. — Se nós dois vamos trabalhar quem ficaria com o Lipe? — Escolhi a cápsula de café e liguei a máquina, evitando olhá-lo diretamente.
— Vamos ficar na minha casa. A que eu vivia com os meus pais antes de me mudar para cá. Temos muitos empregados por lá e não será difícil escalar alguém para ficar com o Lipe quando eu estiver trabalhando.
Eu tenho eventos pontuais, não vou todos os dias e nem precisarei ficar o tempo todo por lá. — Dei de ombros. — E só vou ficar para o primeiro final de semana. Posso voltar com o Lipe ou ficar por lá enquanto você trabalha.
Alex continuou mordendo o lábio enquanto me encarava, pensando no que responder. Ele sabia que não estava em uma posição confortável para se negar a fazer como eu pedia só porque não queria usufruir da minha fortuna.
— Prefiro que vocês voltem — respondeu por fim. — Lipe precisa seguir a rotina. — Quase revirei os olhos. Que fixação por uma rotina! — Sei que com essas muletas não vou ter muita utilidade por lá, mas preciso dar um suporte a Lana. Vou entrar em contato com minha irmã para resolver a questão da passagem.
Respirei aliviada. Pelo menos ele não criou confusão, mesmo demonstrando que não estava muito contente com o arranjo. De certa forma me tranquilizava saber que Lipe estaria conosco e não me importava nem um pouco que Alex não gostasse da ideia.
— Ótimo! — Peguei a caneca fingindo interesse no café. — Vou avisar a Miranda e pedir para ela providenciar tudo. — Ele me lançou um olhar intrigado, mas não comentou nada. — Mais alguma coisa?
— Hum... sim. — Ajeitou-se no banco demonstrando estar ainda mais desconfortável. — Anita teve alta hoje. — Abri e fechei a boca diversas vezes sem saber o que poderia dizer.
Odiei o fato de tentar ser superior o tempo todo não buscando informações sobre ela. O que a cobra estaria aprontando agora que estava à solta? Por outro lado, com ela livre o nosso encontro poderia acontecer a qualquer momento, o que me levaria mais rápido ao mistério que Alex tanto tentava esconder.
— Ela ainda precisa de cuidados e... — Ela te ligou? — Pela cara do meu namorado eu soube que sim. — Não está pensando em me pedir para cuidar dela também, não é? Porque agora só falta você colocar esta mulher aqui dentro. — Alex se assustou com a minha explosão. Céus! O que acontecia comigo quando o assunto era Anita?
— Claro que não, Charlotte! — Passou a mão no cabelo. — Se eu e Lipe somos um fardo muito pesado para você, eu... — Droga! — Fechei os olhos tentando me controlar. — Não é nada disso, Alex! Eu só... perco a cabeça quando precisamos falar sobre esta mulher. Como se já não bastasse esses dias que estamos brigados por causa dela.
— Tudo bem. Você tem razão. — Fui pega de surpresa.
— Tenho?
— Claro que tem. Não estou sendo muito justo com você. — Pisquei várias vezes tentando me encontrar naquele assunto. — Anita se tornou um problema maior do que deveria ser só porque estou insistindo nela. Sei que não deveria impor a presença dela e não vou mais fazer isso. Aliás, foi exatamente por este motivo que brigamos naquele dia segundos antes do acidente.
— Vocês brigaram?
— Não foi realmente uma briga, mas eu pedi para que ela se afastasse para que você tivesse mais espaço.
— Você fez isso?
E, droga, Alex conseguiu me fazer derrubar de uma só vez as minhas barreiras. Eu tinha consciência de que ele usava aquela conversa para me convencer a ficar mais receptiva, já que a situação dele não estava tão favorável, mas quem ligava para o meu lado racional quando meu coração batia descompassado pelo que ele acabara de me contar?
— E foi por isso que houve o acidente? — De repente eu me senti péssima. Se eles brigaram por minha causa e Alex se machucou, não seria nada satisfatória aquela vitória.
— Não exatamente. Estava chovendo muito e eu me distraí... o que causou o acidente foi a explosão do bueiro.
— Ah! — Senti meu rosto esquentando.
Naquele momento eu me sentia uma idiota por ainda brigar por causa de Anita ou por duvidar completamente do meu namorado por causa das sementes de discórdia que aquela mulher lançava.
— Vamos fazer as pazes? — ele sugeriu me olhando com intensidade, já que se aproximar era algo trabalhoso na sua atual situação.
— E estávamos de mal? — Ok! Foi uma pergunta ridícula, mas o que eu poderia dizer?
— Não. Não estávamos. — Ele esticou o braço e me puxou para perto. — Me beije. — A ordem foi dada com um tom de apelo que foi impossível não obedecer.
Deixei que Alex me acomodasse ao seu corpo e que desfrutasse da minha boca sem nenhuma resistência.
Como eu disse: foram longos quatro dias que não passaram despercebidos. Eu estava sedenta de saudade.
Alex brincou com minha língua, acariciando e chupando todas as vezes que eu a ofertava. Não tive medo do que aconteceria com os meus lábios, um batom os tiraria da atenção da minha sogra e não precisaríamos mais passar por aquele constrangimento, então deixei que Alex me devorasse como bem queria.
Sim, ele conseguiu me convencer. E sim, eu queria recompensá-lo por tirar Anita do meu caminho, por isso não voltaria a levantar o problema que me consumiu nos últimos dias e também me empenharia para fazê-lo esquecer.
— Nunca mais diga que vai me deixar — me repreendeu, rosnando em meus lábios.
Um tremor delicioso se espalhou em meu corpo, alojando-se exatamente entre as minhas pernas. Se provocá-lo me traria mais sensações como aquela essa seria a minha eterna missão.
— Você me provoca — pirracei, voltando a colar as nossas bocas.
Alex me mordeu e foi uma delícia. Gemi sentindo meu sexo ficar úmido. Mas uma pequena mão me despertou do transe em que eu entrava todas as vezes que Alex me segurava daquele jeito.
Lipe.
Forcei-me a separar nossos corpos e só então Alex se deu conta daquela pequena presença. Ele nos encarava com a cabecinha inclinada para o lado, com olhos curiosos e a boquinha em um biquinho que me deu vontade de apertá-lo.
— Beijo? — Seu rosto sério e feições concentradas me fizeram rir.
— Por que, quer um beijo também? — Ele sorriu daquela forma que me deixava rendida.
Puta merda! Lipe era uma versão melhorada do pai. Se é que podíamos melhorar alguma coisa em Alex.
Lipe tinha a graça típica das crianças e ganhava o coração de qualquer pessoa com aquele sorriso.
— Vou beijar você. Venha cá!
Ele gritou e começou a rir na hora em que o levantei do chão. Lipe se encolheu me impedindo de beijar o seu rosto. Ataquei seu pescoço, ganhando em troca uma gargalhada deliciosa. Eu ria livremente, segurando com força enquanto me empenhava em conseguir beijar o seu rosto. Quando parei, acomodando-o melhor em meus braços, vi o Alex bobo nos olhando com tanta emoção que me comoveu.
Só então me dei conta de que aquela era a primeira vez que eu beijava Lipe e os meus olhos também ficaram úmidos.
Alex Lipe ficou inseguro quando embarcou, por isso permaneci tranquilo. Bem, tranquilo por fora. Não era novidade para ninguém que conviver com a fortuna da minha namorada me incomodava, mesmo eu tendo plena certeza de que se queria Charlotte para a vida toda eu precisaria me acostumar com aquela parte da vida dela.
Por isso não fiz nenhum comentário quando nos preparamos para a viagem, também me esforcei para não demonstrar aborrecimento. Concentrei-me no Lipe e no seu medo do avião. Pelo visto o mesmo aconteceu com Charlotte. Ela queria ajudá-lo e eu me embevecia com qualquer demonstração de carinho da minha namorada pelo meu filho. Eram momentos como aqueles que me faziam esquecer qualquer incômodo.
Anita ligou logo cedo pedindo para falar com Lipe. Claro que permiti. Eu precisava me manter longe dela, mas não poderia jamais afastá-la do afilhado. Eu acho que ela estava magoada pelo fato de eu não ter ido visitá-la. O que Anita queria? Eu também estava preso em casa, mal podendo me locomover. A Bienal seria um sacrifício necessário. Visitá-la não.
Lipe conversou com a madrinha demonstrando saudade, o que eu sabia que incomodava Charlotte, mas não quis esconder nada dela. Então assisti minha namorada fingir não se importar com aquela conversa, mesmo não conseguindo enganar ninguém.
No avião eu sentei ao lado do Lipe e Charlotte ao lado de Miranda. A mesa de centro foi providencial, pois eu ainda precisava manter a perna suspensa. Sem contar que sentar com um gesso acima da altura do joelho era realmente impossível.
Peter preferiu viajar na cabine. Eu ainda não havia conseguido relaxar perto dele desde que me mostrou a sua arma, no entanto deixar que um clima ruim se instalasse entre a gente não seria um bom plano. E eu era grato pela sua imensa generosidade com Marta e Anita, além dos cuidados que teve comigo e com minha família enquanto eu estive hospitalizado.
— Não se preocupe, assim que chegarmos eu confiro todas as mensagens — Miranda falava ao telefone sem se importar com a decolagem próxima. — Claro que ela vai poder! Pode confirmar a presença de Charlotte. Obrigada, querido! Um beijo!
Encarei minha namorada tentando entender do que se tratava, e ela revirou os olhos demonstrando falta de interesse. Charlotte se inclinou para o Lipe e acariciou a sua mão.
— Quer alguma coisa? — Observei minha namorada se ocupar do meu filho com satisfação. Lipe negou com a cabeça e se encostou em mim. Ele estava realmente com medo. — Nós vamos ver as nuvens — ela sorriu e piscou com uma animação forçada, que Lipe não perceberia. — Eu acho que tem gosto de algodão-doce.
— Você nem vai acreditar o que acabei de agendar para você, Lottie. — Minha namorada suspirou e voltou ao seu lugar dando atenção a sua agente.
— Não me diga que me encaixou no último programa do Jô. — Cruzou os braços sem muito interesse no que Miranda tinha a revelar.
— Não, meu amor! Infelizmente neste eu não consegui te encaixar, mas acabamos de ser convidadas para o programa da Roberta Cruz e você sabe que a audiência dela é imensa. Eles vão fazer um programa inteiro sobre livros e leitores e você é a convidada de honra. — Sorri. Era uma grande oportunidade para divulgar o livro dela.
— Você sabe que detesto televisão. Não sou tão interessante para manter a audiência por muito tempo.
— Você é muito interessante — Miranda a corrigiu e Charlotte suspirou derrotada. — E o foco será nos seus livros, não você. Vamos ter perguntas das fãs, bate-papo básico, o de sempre. Fique animada! Uma divulgação como esta, alguns dias antes da sua participação na Bienal, é o sonho de qualquer autor.
— Miranda tem razão — corroborei.
— Eu sempre tenho — ela rebateu fazendo-me lembrar do motivo de eu sempre querer me manter distante. — Vai ser ótimo para você. Até o Alex sabe disso.
— Eu sempre sei. — Encarei a melhor amiga da minha namorada com certo deboche. Ela preferiu me ignorar e voltou a sua atenção para Charlotte.
— Então... hoje vamos ter o dia de folga, como você pediu, mas amanhã gravaremos o programa e temos também o programa de rádio que já estava agendado.
— Tudo bem. — Ela me lançou um olhar cheio de significados.
Eu a entendia, mas sabíamos que estávamos em uma viagem a trabalho e que não teríamos muito tempo livre, mesmo assim era complicado viajarmos juntos sem pensar em alguns momentos só nossos.
— Decolamos em cinco minutos. — Um comissário informou, levando o copo que Miranda havia dispensado.
Verifiquei o cinto do Lipe e ele se encolheu um pouco mais. Eu queria poder colocá-lo no colo, infelizmente não podia. Eu mesmo não me sentia muito à vontade em aviões menores, mesmo sendo um jato de puro luxo. Assim que sentimos que os motores foram ligados e o avião começou a se movimentar, abracei Lipe com um braço e mantive seu rosto bem próximo a ele tentando lhe transmitir segurança.
Pouco tempo depois estávamos no ar. Ele assistia um desenho no tablet de Charlotte e parecia ter se esquecido que estávamos vários metros acima da terra. Miranda colocou os fones e se concentrou em conferir as mensagens, utilizando o celular no modo avião.
Charlotte era quem se preocupava. Muitas vezes a flagrei olhando pela pequena janela com um olhar distante, melancólico. Os seus suspiros de tempos em tempos justificavam minha apreensão. Eu sabia que não havia mais nenhum problema entre nós dois. Depois dos dias em que perdemos por orgulho, conseguimos dias de paz onde vivemos momentos maravilhosos.
Enquanto eu pensava a esse respeito ela me olhou. Havia uma saudade em seu olhar que dificilmente eu conseguiria aplacar, pois sabia que a mínima distância entre nós já nos deixava tristes. No entanto, eu também entendia que depois de tudo o que passamos aquela viagem poderia ser para que pudéssemos nos curtir um pouco mais, o que, aparentemente, não seria possível, já que nossas agendas estavam lotadas e, muitas vezes, incompatíveis.
Sorri buscando aquele brilho que ela sempre ostentava, mas, mesmo com o sorriso com o qual me retribuiu, não chegou nem perto do que eu almejava. Ele só surgiu quando ela olhou para o Lipe. O ar ficou preso em meus pulmões.
Lipe, avesso ao que acontecia, mantinha os olhos focados na pequena tela, enquanto Charlotte lhe presenteava com o sorriso mais verdadeiro e espontâneo que consegui assistir desde a sua volta para o Brasil. Seus olhos brilharam e ela finalmente ficou em paz. Foi lindo e impressionante.
Peter saiu da cabine e, segurando uma garrafa de água mineral, sentou-se na poltrona ao lado, nos observando com atenção. Charlotte não notou a sua presença, no entanto ele percebeu o mesmo que eu e passou alguns minutos só olhando a filha com admiração. Até que ela finalmente desviou a sua atenção e o encarou.
O que vi não me deixou muito confortável. Charlotte se encolheu e a tristeza voltou ao seu olhar enquanto sustentava o do pai, que a fitava com o mesmo sentimento. Foi estranho. Muito estranho.
— Lottie — ele pigarreou para limpar a garganta. — Hoje eu vou ao hospital para uma reunião que não vai tomar todo o meu tempo — Ela suspirou e concordou. — Não quer me acompanhar?
O pedido nos pegou de surpresa. Ele foi claro. O convite era para Charlotte, não extensivo, o que me deixou ainda mais intrigado. Ela olhou para o pai e depois para mim, o rosto assumindo um tom avermelhado.
— Prefiro ficar e deixar tudo pronto para o Lipe. — Sua voz não tinha tanta firmeza, o que me surpreendeu. E o seu olhar inseguro lançado diretamente para mim só alimentou a minha desconfiança.
O que estava acontecendo?
Charlotte Por mais ridículo que pareça eu estava completamente constrangida por Alex ficar em meu quarto quando não éramos nem mais casados. Éramos simples namorados e aquilo soava estranho para mim.
Não que eu não quisesse o namoro. Eu queria. Aliás, fui eu que quis assim. Porém, nunca imaginei que algum dia em minha vida teria um namorado dormindo em meu quarto na casa do meu pai.
Definitivamente era embaraçoso.
E meu pai em momento algum me questionou quando eu disse, um dia antes, que precisava que fosse colocada mais uma cama em meu quarto para acomodar o Lipe. E lógico que eu precisei de muita coragem para fazer esse pedido, mas não tive escolha ou eu fazia ou precisaria passar alguns dias longe do Alex, afinal de contas, jamais permitiríamos que Lipe ficasse sozinho enquanto escapulíamos para nossas noites.
Mesmo assim, após o jantar e com um Lipe sonolento quase deitando sobre o prato, subi com a criança no colo, acompanhando o ritmo lento de um Alex que andava com auxílio de muletas. Na escada ele cheirou o cabelo do filho e encarou o seu rostinho, sorrindo. Aquela cena foi uma comprovação de que estava tudo bem comigo. Eu não precisava de mais nada.
Meu pai não pensava assim, e o seu pedido na noite passada, que foi a única coisa que me disse após eu ter avisado sobre Alex e Lipe dormirem no meu quarto, foi que eu não engravidasse. Esse era o seu grande medo. O meu também. E este pedido me desestabilizou de uma forma que quase me fez recuar em meu relacionamento.
— Está tudo bem? — Alex sussurrou assim que entrou no quarto.
Eu havia colocado Lipe na cama improvisada ao lado da nossa e troquei suas roupas pelo pijama da galinha pintadinha que ele tanto adorava. Olhei aquele anjinho e meu coração disparou. Mordi o lábio e apenas confirmei com a cabeça.
— Charlotte? — Ele me segurou pelo braço quando tentei passar para o closet. Nossos olhos se encontraram. — O que está acontecendo?
— Nada — rebati insegura. Claro que Alex percebeu.
— Não minta para mim. O que aconteceu? — continuou paciente e preocupado com o fato de que alguma coisa tivesse mudado. Ele não sabia que tudo havia mudado e que a mudança era irreversível.
— Não sei do que você está falando — menti. Não havia como falar sobre aquele assunto ali. Alex suspirou e alisou meu rosto.
— Você às vezes fica triste e seu pai hoje foi estranho. — Suspirei me sentindo cansada. Era horrível carregar o peso de uma mentira por tanto tempo.
— Ele não queria que você se esforçasse muito, por causa da perna. — Lógico que Alex só aceitaria aquela desculpa por não querer forçar a barra. — E hospital não é um ambiente para o Lipe.
— Eu sei que não é. Não vai me dizer o que está te deixando assim? — Olhei em seus olhos e resolvi contar parte da verdade, contudo, aquela era uma pequena parcela que apenas ocultaria a real verdade.
— Sinto falta da minha mãe. Só isso. — Seus olhos se compadeceram e eu me senti péssima por não estar lhe contando tudo. — É a Bienal. Ela estaria eufórica. — Alex sorriu e alisou o meu braço se equilibrando na muleta.
— Ela estaria muito feliz — ele confirmou mantendo os olhos carinhosos e o afago em meu braço. — Todos nós estamos. Você conseguiu realizar o seu sonho. — Sorri sem realmente me sentir feliz. Nem todos os sonhos eram possíveis para mim.
— Verdade. Vou trocar de roupa e já volto. — Deixei Alex no quarto e no closet consegui desfazer a minha cara de felicidade. Pelo menos de tentativa de felicidade.
Peguei a camisola que eu havia escolhido com muito cuidado, mas que naquele instante não me deixava animada. Alex ainda estava debilitado, porém nunca usamos esta desculpa para ficarmos longe um do outro. Principalmente depois que resolvemos parcialmente o nosso problema com Anita. Depois disso as noites ficaram mais interessantes.
Contudo, ali, mesmo tendo a intimidade de um quarto para nos resguardar, mesmo tendo a liberdade concedida pelo meu pai e, principalmente, mesmo sabendo que independentemente de como começaria, Alex conseguiria fazer a noite terminar de maneira satisfatória, eu não me sentia disposta.
Era a primeira vez que eu não sentia vontade de transar com ele. Na verdade, eu voltava ao meu estado de não me sentir disposta a nada. E isso também me preocupava.
Parte da minha obstinação em permanecer distante quando nos separamos se deu pela mudança brusca em minha vida. Eu não queria levantar todas as manhãs, não queria encarar as pessoas, não queria acordar e lembrar que a saída de Alex da minha vida foi somente um passo para todas as outras coisas que se sucederam e me fizeram almejar o esquecimento.
Demorou para que eu voltasse do meu ostracismo e, quando aconteceu, eu logo entendi que nada nunca mais seria como antes. Eu segui em frente. Cumpri tudo o que havia planejado, mas não esperava pelo meu retorno ao Brasil e consequentemente a minha reconciliação com Alex. E, depois de assistir o medo nos olhos do meu pai e reviver incansavelmente tudo o que havia me acontecido, eu me sentia voltando ao estado de indiferença em que me coloquei durante muito tempo.
— Charlotte? — Olhei pelo espelho e vi um Alex preocupado atrás de mim. — Você estava demorando.
— Ele se equilibrou nas muletas chegando um pouco mais perto.
Olhei para mim e vi que eu segurava a camisola sem reagir e que algumas lágrimas rolaram pelo meu rosto. Abaixei o olhar sem coragem para encarar o homem que eu amava.
— Amor, o que está acontecendo? — Ele deixou uma muleta de lado e me abraçou pelas costas. Seus lábios tocaram meu pescoço. — Por que você está desse jeito?
— Eu não sei — menti mais uma vez. — Voltar aqui tantos anos depois me deixou melancólica. Acho que é isso. — Seu abraço ficou um pouco mais apertado.
— Você não voltou depois da morte dela, não é? — Mais uma vez meus olhos ficaram marejados.
— Não. — Encarei meu eterno professor pelo espelho. — A sensação é de que ela vai aparecer a qualquer momento. — Ele sorriu e cheirou meu pescoço depositando mais um beijo.
— Deus me livre — brincou e riu. Acabei rindo também. Eu nunca imaginaria um Alex com medo de espíritos. — Vem para a cama — suplicou. Nem assim eu me senti animada.
— Estou cansada — afirmei sem querer ser direta. Ele me encarou pelo espelho sem demonstrar descontentamento.
— Então vem deitar. Está frio e eu preciso estar bem para amanhã.
Virei em sua direção e fui surpreendida com um beijo nos lábios. Foi gostoso, embora meu corpo continuasse apagado, sem vida. Alex se afastou e pegou a muleta que havia encostado na arara.
— Vamos, preciso te colocar para dormir.
Ele aguardou que eu passasse à sua frente e me acompanhou de perto. Ajudei ele a deitar na cama, acomodando a sua perna sobre o suave encosto e me deitei ao seu lado, assumindo a minha posição abraçada ao seu peito e permitindo que ele acariciasse minhas costas até que o sono me tomasse.
E eu adormeci em paz.
Capítulo 29
“Coisa terna julgais que seja o amor? Não; muito dura: dura e brutal, e fere como espinho.” William Shakespeare Charlotte Aconteceu exatamente como prevíamos. Naquele dia eu acordei melhor e me entreguei a um amor preguiçoso e cheio de carinhos. Seguimos com nossas agendas, com Miranda se dividindo entre levar e buscar Alex ao local da Bienal e estar comigo nos meus compromissos.
Como combinamos, meu pai escolheu a funcionária de maior confiança para se responsabilizar por Lipe, e, claro, a alertou sobre tudo o que podia e não podia. O primeiro dia foi complicado. Eu tinha a tal gravação do programa e Alex precisava ajudar Lana com os compromissos da Bienal. Nós dois ficamos inseguros quanto a Lipe, então voltei para casa assim que pude, apenas para constatar que estava tudo bem e ele muito feliz, apesar do frio.
No dia seguinte eu tive a entrevista na rádio e Alex seguiria acompanhando de perto tudo o que envolvesse a sua editora. Ele voltava para casa empolgado apesar do cansaço. E eu e Lipe terminávamos de esgotá-lo, cada um da sua maneira.
Minha participação na Bienal Internacional do livro de São Paulo começou no quinto dia após a nossa chegada. Alex foi mais cedo, como sempre fazia. Eu só precisava ir no meu horário. Um bate-papo com mais duas autoras em uma tenda com o nome de uma revista famosa, organizado por uma blogueira que estava em destaque.
Miranda me acompanhou de perto, e foi uma determinação sua que me impediu de aparecer no estande da editora antes de cumprir a minha obrigação. Assim, aguardei quase uma hora na sala dos autores, sorrindo e conversando com escritores que eu nunca tinha ouvido falar e com outros que eu já havia encontrado em outros eventos, mas com quem não desenvolvi uma amizade. Por culpa minha, confesso.
Ser tímida em um meio tão extenso não me ajudava muito.
Quando fui chamada para me apresentar na tenda, deixei-me conduzir por Miranda e mais três seguranças. As duas autoras se juntaram à comitiva e logo estávamos atrás de uma malha, aguardando a hora de entramos.
— Charlotte Middleton! — Uma delas exclamou com admiração sincera. — Sou fã do seu trabalho. — Sorri decorando o seu rosto. Aquela provavelmente era a Nanda Araújo, que escrevera uma série de livros eróticos que ganhavam o mercado. — Obrigada! — Olhei para a outra autora e ela me mediu com certo despeito. — Então você é a autora que precisou apenas de um livro para fazer sucesso. — O tom utilizado deixava claro que ela não acreditava que algo desse tipo fosse possível.
Não fiquei surpresa. Muita gente menosprezava meu trabalho por acreditar que o fato de eu ser uma herdeira multimilionária facilitou o meu ingresso no meio, já que eu conseguia abrir muitas portas. Outros defendiam que meu casamento com o editor-chefe da maior editora do país foi o que me lançou no mercado com tanta aceitação.
Bom, aquela era, sem sombra de dúvidas, Roberta Tanajura. A autora que se estabilizou no mercado devido aos problemas que gerava falando mal das colegas nas redes sociais. Um problema ambulante.
— Ah, seu livro é maravilhoso! Eu li — Nanda a interrompeu com entusiasmo. — Comprei o primeiro e já pedi a meu namorado para passar lá no estande para comprar o segundo. Se ele chegar antes de acabarmos você autografa para mim?
— Claro! — Vi a tal Roberta revirar os olhos.
— Obrigada! Eu estou tão animada! É um prazer tão grande estar com vocês duas aqui! — A garota continuava a fazer cara feia e eu estava cada vez mais desconfortável. — Charlotte, me conte o que vem agora. Qual a sua nova história?
— Ah... — Olhei para os lados buscando apoio. Miranda tinha desaparecido. — Tenho alguns projetos em mente.
— Ligados ao casal atual ou algo novo?
— Quero escrever algo novo, mas também quero contar a história do meu mocinho antes de tudo acontecer.
— Que máximo! — Nanda exultou.
— É prequel — Roberta murmurou com uma expressão cansada. Olhei para ela sem entender e mais uma vez a garota revirou os olhos. — Você quer escrever um prequel — continuei sem entender. — Santo Deus! A mulher é escritora e nem sabe que o que quer escrever é um prequel.
— O que é um prequel? Eu não sei o que é um prequel — Nanda se intrometeu enquanto eu tentava esconder a minha vergonha por não saber do que se tratava.
— Você não disse que quer contar o que aconteceu antes da sua história? — Confirmei com a cabeça sem coragem de abrir a boca. — Isso é um prequel.
Hum! Preferi ficar calada enquanto a outra autora falava sem parar. Prequel era um nome que jamais me levaria a aquela definição. Confesso que minha mente pervertida me fez pensar que o nome estivesse relacionado a certas brincadeiras sexuais, uma vez que as três escreviam romances eróticos. Eu poderia inclusive classificar algumas posições que facilmente receberiam o nome prequel.
— Do que está rindo? — Roberta me questionou impaciente e só então me dei conta do enorme sorriso que eu ostentava.
— Gostei da explicação. — Outro muxoxo que foi interrompido pela assessora nos convidando a entrar.
Os gritos e flashes nos fizeram esquecer o assunto. Como num passe de mágica Roberta passou a exibir um sorriso exuberante e sentadas ali, de frente para uma plateia imensa, parecíamos amigas de infância.
Quanta hipocrisia!
Alex — Alex, as caixas chegaram? — Lana entrou na sala destinada aos nossos autores como um furacão.
Apesar do frio que fazia do lado de fora do centro de convenções, dentro estava quente até demais.
— Ainda não — continuei organizando os marcadores que ela havia solicitado há cinco minutos.
— Estamos perdendo vendas — esbravejou. — Como podem demorar tanto? — Suspirei. Lana era ansiosa e imediatista. Mesmo depois de tantos anos de experiência ainda se aborrecia com os atrasos da Bienal.
— O estoque é perto, porém temos que contar com a burocracia, que é um saco, e os corredores estão lotados. Tenha paciência. Quem quer realmente o livro vai voltar para comprar. — Ela abriu a geladeira e pegou uma garrafinha de água mineral. — Onde está o Peter?
— Disse que ia dar uma volta. — Este detalhe me deixava aliviado. Peter estava estranho. Ou eu estava estranho. O calor não facilitava. Se estava ruim para quem conseguia andar com as duas pernas imagine para quem usava gesso e precisava do auxílio de muletas para se locomover.
— E Charlotte, quando chega? — Sorri diante da menção a minha namorada.
— A qualquer momento.
— Você nem faz ideia de quantas pessoas estão aguardando por ela aí fora. Não sei como descobriram que ela viria para cá. Vai acabar tumultuando a sessão de autógrafos da Natasha.
— Infelizmente não há como impedir que isso aconteça. Charlotte é um sucesso mundial. As pessoas querem estar com ela. E a Natasha está começando, não tem esse público ainda.
— É. Um empurrãozinho da nossa estrela não seria nada mal.
— Lana!
— Aff! O que custa um autor ajudar ao outro? Charlotte só precisaria sorrir para algumas fotos, abraçar a Natasha como se fossem amigas e sugerir que seus leitores comprem o livro da colega. Ninguém morre por isso.
— Nós não podemos pedir coisas deste tipo aos nossos autores. Eles fazem se assim o desejarem. — Deixei os marcadores sobre o balcão e fui me sentar. — E Charlotte não gosta de indicar livros que não leu.
— É apenas marketing, Alex! E não seria ruim vendermos mais alguns livros de outros autores. A ideia é levar o mínimo possível de volta para casa.
— Deixe Charlotte fazer por conta própria, tá legal? Nada de pressão. — Ela ficou irritada e saiu da sala.
Balancei a cabeça tentando me convencer que não era um protecionismo e sim o respeito aos autores, embora no fundo eu soubesse que se estivesse no lugar de Lana e se fosse outro autor eu faria a mesma sugestão. Talvez de maneira mais sutil.
— Charlotte ainda não chegou? — Ouvi a voz do Peter e o encontrei parado a porta.
— Não. Já acabou o evento dela?
— Já sim. — Entrou, fechando a porta e permitindo que o ar condicionado, mesmo não conseguindo trabalhar direito, nos refrescasse um pouco. — Pensei que ela e Miranda já estivessem aqui.
— Elas devem chegar a qualquer momento. Como está lá fora?
— Cheio. — Pareceu assustado, mas riu. — Encontrei alguns livros interessantes. — Bateu na sacolinha que levava na mão.
— Eu até precisava encontrar alguns amigos, conversar e saber das novidades do mercado, mas o gesso me impede. Com os corredores cheios não vou me arriscar a ser levado pela multidão.
— Você vai acompanhar a tal autora internacional?
— Não. Lana vai e eu vou ficar organizando as coisas aqui.
— Melhor assim. Não é bom forçar tanto a barra. Você ainda não está totalmente recuperado.
— Eu sei. — Peter olhou para a porta e parecia querer me dizer alguma coisa. Fiquei em alerta. Não precisava de outro aviso como o anterior.
— Charlotte se adaptou bem ao Lipe — Olhou-me como se quisesse descobrir algo que estava em minha alma. Mas o quê?
— Pois é. Eles estão mais entrosados do que imaginei ser possível — sorri e Peter tentou retribuir, no entanto sua expressão era de preocupação.
— Alex... —Aproximou-se um pouco mais. — Você e Charlotte conversaram sobre isso? Digo... essa aproximação repentina não te surpreende?
— Bom... sim. Sei lá, não é exatamente uma surpresa. Charlotte é uma pessoa boa e jamais me viraria as costas quando eu realmente precisava dela. Ela viu a situação e encarou. Foi bastante corajosa e graças a Deus deu certo.
— Compreendo. Vocês nunca conversaram sobre filhos? — Sorri tentando entender o que exatamente ele queria.
— Está querendo ser vovô, Peter? — Seus olhos brilharam e ele finalmente sorriu de verdade.
— Hum... se formos levar em consideração o relacionamento de vocês eu acho que já sou avô, não? E Charlotte não precisa exatamente gerar uma criança para ser mãe dela.
— É sim. Eu penso assim, só acho que é precipitado pensar em Lipe como filho da Charlotte. Acho que esta relação vai ser construída pelos dois e sem pressão. Nunca conversamos a respeito então não sei como Charlotte se sente sobre este assunto, nem o que ela espera.
— Mas... — Olhou outra vez para a porta. Estava cauteloso. Escolhendo as palavras. — Vocês querem ter mais filhos?
— Não seria uma ideia ruim, não é mesmo? — Não houve alegria no rosto do Peter após a minha resposta. Ele me encarava sério.
— Alex acho que precisamos conversar.
Uma gritaria do lado de fora desviou a nossa atenção. Levantei para verificar o que estava acontecendo quando a porta abriu e Miranda entrou, dando passagem para uma Charlotte corada que ainda acenava para suas fãs ensandecidas do lado de fora.
— Meu Deus do céu! Elas estão em todos os lugares — Miranda riu curtindo o tumulto.
— Oi! — Charlotte olhou para mim e depois para o pai, desconfiada. — Tudo bem?
— Fora o calor, está tudo ótimo — brinquei me aproximando para beijá-la. — Como foi o evento?
— Ótimo! Passei muito tempo autografando. Eles só permitiram para as pessoas que estavam dentro da tenda.
— Tem que ser desse jeito Lottie, ou então vira uma bagunça. Sente um pouco ou sua coluna não vai aguentar esses saltos.
— E o senhor, pai? Ficou o tempo todo aqui ou foi dar uma volta? — Ela ainda estava desconfiada, e eu, com a pulga atrás da orelha. O que Peter tinha para me dizer?
— Fui fazer umas compras — sorriu tranquilamente, dando tapinhas na sacola com seus livros.
— Que ótimo! — A porta voltou a abrir e uma Lana agitada entrou.
— Charlotte! Graças a Deus! Suas leitoras estão te aguardando há horas. O que faço? Você não pode autografar lá fora porque já temos uma autora fazendo a sua sessão de autógrafos e aqui dentro vai ser impossível. Por falar nisso, você poderia ir lá cumprimentar a Natasha. Ela adora o seu trabalho e ficaria tão feliz!
— Lana! — ralhei.
— A Natasha ama os livros da Charlotte. Não custa nada ser educada — rebateu sem se importar comigo.
— Claro que sim. — Charlotte se levantou ajeitando o vestido. — Ela é a que está lá fora sentada à mesa?
— Exatamente. Poucas pessoas compareceram, o que é uma pena. — Fez cara de preocupada. Tive vontade de matar a minha irmã.
— Eh... eu posso conversar um pouco com ela, quem sabe consigo chamar a atenção para o livro. — Lógico que Charlotte seria educada e se ofereceria para ajudar.
— Ótimo! — Lana se animou e eu queria avançar sobre ela para esganá-la. — Tive uma ideia. E se você levasse um livro dela para ser autografado? As suas leitoras veriam e fariam o mesmo.
— Pode ser. — Olhou para Miranda que deu de ombros.
— Vou pedir o livro. Só um minuto. — Minha irmã saiu pela porta de dentro, que dava acesso ao caixa e chamou uma das funcionárias. Quando voltou não deixava de exibir o seu sorriso vitorioso. O mesmo que eu queria poder arrancar da cara dela. — Obrigada, Charlotte! Você é muito generosa. Venha.
— Já volto. — Minha namorada se deixou levar sem me olhar daquele jeito que eu bem conhecia. Que merda!
Peter não voltou a falar sobre o assunto que tanto me intrigou. Com Miranda dentro da sala eu sabia que ele não voltaria a me abordar, no entanto, depois do que conversamos eu não conseguia mais me concentrar em nada. Peter tinha algo importante para me dizer e eu queria muito descobrir o que era.
Charlotte Cansada era pouco. Foram três dias de trabalho. Seis horas de autógrafo. Mais de três mil exemplares vendidos apenas no meu final de semana. Muitos gritos. Muitas fotos. Muitas entrevistas... De banho tomado eu penteava meu cabelo observando Lipe dormir. Quase não consegui ficar com ele nos últimos dias. Estava frio e o menino acabou ficando gripando. Com tanta alergia a asma acabou atacando e passamos uma boa parte da noite anterior no hospital com ele.
Alex já estava acostumado, mas eu não, e ver Lipe naquele estado me assustou. Agora ele descansava enquanto eu verificava a sua respiração. Apesar da gripe ele respirava sem problemas. O nariz avermelhado e machucado pela coriza era uma marca da doença e partia o meu coração.
Por causa da saúde do Lipe adiantei a nossa volta. Alex ficou triste, mas também preferiu que Lipe estivesse de volta ao Rio e ao calor, então iríamos nos despedir naquela noite e passaríamos uma semana separados. Meu namorado entrou no quarto quando eu estava perdida em pensamentos.
— Como ele está? — Aproximou-se tentando não fazer barulho com as muletas.
— Bem melhor. Não teve febre o dia todo. Sem tosse — relatei as informações que a babá havia me passado um pouco antes.
— Que bom. — Acariciou minhas costas. — E você? — Suspirei derrotada.
— Quebrada em um milhão de partes. Meu corpo todo dói. — Ele sorriu.
— Esse é o lado ruim da fama.
— Hum! Vou repensar a minha carreira. — Alex se aproximou, segurou meu rosto e me beijou. Foi rápido, mas revigorante.
— Parabéns, amor! Estou orgulhoso de você.
— Obrigada! — Senti meu rosto esquentar.
Por tanto tempo sonhamos aquilo juntos e nunca tínhamos vivido de fato o que tanto buscamos. Ali estava o nosso momento de festejar e de comemorarmos.
— Você foi o assunto principal deste primeiro final de semana da Bienal. Todos os meios de comunicação comentavam o seu sucesso estrondoso.
— Eles exageram — brinquei, ficando ainda mais envergonhada.
— Eles até podem exagerar, os números não. — Alex me olhou com atenção. — Quando quis publicar o seu livro eu já imaginava que seria sucesso. — Acariciou meu rosto, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Só não fazia ideia que seria dessa proporção. Estou muito feliz.
— E eu devo isso a você. — Ele tentou negar com a cabeça, mas o impedi. — Se não fosse você, não aconteceria. Eu não teria coragem, Alex. Você acreditou em mim e fez com que eu também acreditasse.
— Você acreditava! Tanto que me fez entrar naquela ideia louca — ele sorriu. — A ideia mais maluca e gostosa que eu já me envolvi. — Sorri de volta sentindo meu corpo esquentar.
Alex me beijou mais uma vez, com mais vontade e desejo. O seu gemido confirmou o que eu já esperava.
Me aproximei tentando juntar nossos corpos, no entanto, como sempre, a perna ainda atrapalhava. Ele desceu a mão até minha cintura, acariciando-a.
— Eu preciso de um banho. — A voz rouca me dizia que era sacrificante se separar de mim naquele momento.
— Essa frase é minha. — Voltei a colar as nossas bocas e ele riu.
— Eu preciso realmente de um banho. Sem a necessidade de fuga. — Se afastou me encarando. Havia tanto amor naquele olhar que meu coração disparou. — Obrigado por cuidar do Lipe para mim — sussurrou com veneração. — Vou sentir falta de vocês dois.
— Vamos ficar bem. Fique e venda muito os meus livros. Faça-me uma mulher rica. — Ele riu e me beijou rapidamente.
— Não se atreva a dormir, mocinha!
— Pode deixar.
Enquanto Alex se empenhava em tomar banho com aquela perna engessada, eu observava Lipe dormir.
Aquela era uma cena que eu tinha me acostumado a vivenciar e adorava. Tanto tempo ao lado daquele menino e eu já começava a me torturar com o fim daquela brincadeira de casinha.
Porque, em algum momento, eu teria que voltar para casa e deixar o relacionamento seguir o seu curso normal. Não era esse o plano? Namorar, curtir amassos no sofá, as despedidas fogosas na porta de casa... não acordar todos os dias com o despertador maldito para não se atrasar para a escola do Lipe, não precisar fazer o gagau nem curtir seus olhinhos fechados de prazer ao degustar a iguaria. Seria não precisar aguardar quase duas horas de aula de pintura na escola, nem precisar acenar na natação todas as vezes que ele conseguisse cumprir a missão ditada pelo professor. Eu não ouviria mais Mundo Bita todos os dias, cantando por osmose as suas canções ou me preocuparia com remédios, banhos, hora do soninho, as alergias... seria como não ter um filho.
Era o que eu queria?
— Não vejo a hora de tirar esse gesso e... — Limpei rapidamente a lágrima que escorreu pelo meu rosto, porém sabia que não fui rápida o suficiente para esconder o fato do meu namorado. — O que aconteceu? — Com a toalha enrolada na cintura, Alex se aproximou com as muletas.
— Nada.
— Charlotte?
— Droga! Eu só estava pensando bobagens. Nem sei por que chorei. — Lógico que ele não cairia nessa.
— Eu só estou cansada e mente cansada faz essas coisas com a gente.
— Tem certeza?
— Claro que tenho. — Revirei os olhos e me encostei no travesseiro. — Estava pensando no que me disse a pouco. Sobre o meu sucesso como escritora. Acho que fiquei emocionada. — O calor que tingia meu rosto me ajudou a encobrir a verdade.
— Amo quando você fica emocionada. — Alex sorriu com carinho, deixou as muletas ao lado da cama e se estendeu no colchão.
— E eu amo quando você fica totalmente sem roupas.
Olhei sugestivamente para o seu corpo, indicando que a toalha deixaria a sua cintura, revelando um Alex nu e perfeito. Ele olhou para o próprio corpo e sorriu com malícia para então se acomodar melhor na cama.
— E eu odeio quando você está completamente vestida.
— Está frio.
— Eu vou te esquentar. — segurou-me da forma como podia, já que a perna realmente nos atrapalhava.
Suas mãos subiram pelas minhas costas, por dentro do casaco de lã e encontrando a camisa que eu usava por baixo. — Para que tantas roupas? — resmungou com a boca em meu pescoço.
— Estava frio — ele riu.
— Estava? Pensei que você tinha dito “está frio”.
— Isso foi antes de você colocar as mãos em mim. — Alex gemeu me puxando para perto enquanto eu tentava arrancar o maldito casaco de lã.
Deus, eu amava os gemidos do Alex!
Assim que consegui me livrar do casaco e da camisa, conservando o sutiã, montei no coloco do meu namorado e paramos cientes de que estávamos fazendo barulho demais e Lipe dormia ao lado. Alex sorriu com malícia, segurando em minha bunda e me puxando um pouco mais.
— Preciso te livrar desta calça — reclamou baixinho, enfiando as mãos por dentro do meu jeans.
— Eu me livro da calça, você fica aqui bem quietinho. — Levantei da cama já abrindo a peça.
Pensei em tentar ser sensual, até imaginei a cena antes de fazê-la acontecer. A estatística apontava para os piores desfechos possíveis e eu bem conhecia aquela história: meu pé ficaria preso na calça, eu cairia sobre a perna do Alex e provavelmente a quebraria em mais dois lugares.
Definitivamente era melhor não arriscar.
Então abaixei a calça sem nenhum floreio, mesmo com aquele olhar quente me avaliando e aproveitei para me livrar também do sutiã e da calcinha, afinal de contas Alex já estava sem nada mesmo, por que não fazer o mesmo? Meu namorado aprovou minha ousadia e me recebeu tirando os cobertores para que eu pudesse me acoplar ao seu corpo e ao mesmo tempo nos proteger caso Lipe acordasse.
Merda! O que estávamos pensando? Lipe dormia ao lado e eu tive a ousadia de levantar para tirar a roupa? Meu Deus, eu só podia estar louca! Todos os outros dias tivemos o cuidado de fazer tudo embaixo dos cobertores. Tudo bem que não era a melhor de todas as transas, tudo muito silencioso e sem grandes movimentos, mas era gostoso, carinhoso e chegava até a ser romântico. O importante era não acordar o Lipe.
Naquela noite, sendo ela uma espécie de despedida, vacilamos. Ou quase vacilamos. Ali, nos braços do Alex, segura pelos cobertores que nos cobriam parcialmente, sentada em seu colo e sentindo o seu sexo rígido roçando a minha entrada. Ele me acolheu me beijando imediatamente.
Sua língua serpenteou em minha boca ao mesmo tempo em que suas mãos brincaram em minha pele.
Antes estava frio, agora a temperatura subiu rapidamente e eu estava fervendo.
Alex segurou firme em minha bunda me fazendo roçar seu sexo em uma fricção gostosa, enquanto me alisava com vontade. Nosso beijo ficou mais profundo, fazendo com que meu corpo inteiro reagisse. Ele subiu a mão e tomou meu seio, que coube perfeitamente na sua palma. O bico já sensível enrijeceu sob o contato. Gemi extasiada.
Alex apertou meu seio com cuidado, apenas com a pressão exata para me fazer arfar, enquanto sua língua me mantinha firme em nosso beijo fazendo minha mente voar e meu corpo relaxar consideravelmente, esquecendo todo o restante.
Seus dedos beliscaram o bico do meu seio. No mesmo instante ele desceu os lábios pelo meu queixo, arranhando a minha pele com os dentes e descendo ao encontro do outro seio que implorava por atenção.
Senti seus lábios se fechando me fazendo puxar o ar com força e soltá-lo de vez quando iniciou a leve sucção.
— Ah, céus! — gemi me controlando para não ultrapassar os limites e acabar acordando o Lipe. — Não pare! — implorei segurando-o pelos cabelos.
Alex me obedeceu e a sucção ficou mais intensa, marcando-me não apenas na pele, também na alma.
Movimentei-me devagar, espalhando a umidade do meu sexo no dele, demonstrando o quanto eu o queria, e lhe dando permissão para me tomar quando bem quisesse.
Ele entendeu o recado e, sem afastar a boca do meu seio, segurou seu membro para melhor posicioná-lo.
Levantei permitindo que a cabeça do seu pau se alojasse em minha entrada e então pude deslizar para baixo, recebendo-o, sentindo minha carne se abrir e estremecer ao ser tocada de forma tão íntima.
Libertando o meu seio, seus lábios voltaram a buscar pelos meus, sufocando nossos gemidos. Ansiosa não me dei por rogada e iniciei os movimentos, cavalgando em meu namorado, sabendo que assim eu arrancava dele um prazer mais urgente, enquanto trazia para mim um orgasmo que rapidamente atendesse aos meus anseios.
Alex me apertava, deixando suas mãos abusarem de mim, estando ora em minha cintura, forçando o rebolado e ora em meus seios, pressionando-os, provocando-os. Era uma mistura formando o todo e me levando para um oceano profundo, mágico e excitante.
E o fogo cresceu dentro de mim, queimando-me e me consumindo. Um incêndio completo, forçando-me a manter o movimento até que meu namorado me segurasse no lugar, explodindo e jorrando dentro de mim o seu amor.
Gozamos juntos. Corpos acelerados perdendo o ritmo, alimentando-se do prazer libertado, ficando cada vez mais lento. As respirações descompassadas, o ar que faltava, pois tinha escapado dos pulmões no rompante da luxúria. As mãos que ainda buscavam e os lábios que insistiam em se manter unidos.
Eu podia dizer, se conseguisse nos olhar de fora, que aquela poderia ser uma pintura que retratava perfeitamente o amor. Porque naquele momento eu era apenas amor e gratidão.
— Vou sentir a sua falta — sussurrou mantendo meu rosto bem próximo ao dele. Meu coração inflou.
— Eu te amo, Alex! — Ainda de olhos fechados eu pude sentir o seu sorriso.
— Você nem imagina o quanto eu te amo — confessou me segurando em seus braços.
Deitei sobre o seu peito e pude sentir o seu coração. Parecia que o meu batia no mesmo compasso, com o mesmo amor e a mesma esperança.
Eu amava Alex. E este amor era tão forte que transporia qualquer barreira, suportaria qualquer situação e se fortaleceria a cada obstáculo derrubado.
Capítulo 30
“Se o amor convosco é duro, sede duro também com ele, revidando todas as pancadas que der. Ponde-o no chão.” Wiliam Shakespeare Charlotte Os dias passaram deixando-me acreditar que estava tudo bem e que todos os medos e inseguranças não tinham mais sentido. Isso é o que faz a vida ser engraçada. Quando está tudo bem esquecemos o que existe de ruim e nos deixamos iludir, desfrutando os dias de paz e das promessas que fatalmente acompanham momentos como estes.
Quando deixei São Paulo meu coração estava leve. Eu me sentia realizada profissionalmente pela primeira vez em toda a minha curta carreira. Era como se eu tivesse passado os três anos em que me consagrei mantendo tudo suspenso no ar, aguardando até que Alex estivesse de volta para então usufruir daquela alegria.
Junto com isso eu poderia somar o meu relacionamento que parecia de contos de fadas. Alex estava tranquilo, carinhoso e sempre demonstrando o seu amor. Ele não dizia, mas o meu relacionamento com o Lipe havia lacrado as portas da nossa relação deixando todo o restante de fora. Éramos inabaláveis, ou era o que acreditávamos.
Por isso esquecemos que os problemas jamais poderiam ser varridos para debaixo do tapete, pois um dia alguém poderia levantá-lo e espalhar toda a sujeira. Recolher e organizar tudo poderia ser tão trabalhoso quanto impossível.
Então, navegando naquela maré mansa que havia se tornado a nossa vida, eu e Alex vivemos dias de paz.
Eu cuidei do Lipe por tempo demais para precisar me afastar quando meu namorado finalmente voltou para casa, então, mesmo não dormindo lá todos os dias, eu sempre estava presente, pois Alex tinha que trabalhar, envolvido em infindáveis reuniões, frutos da Bienal.
E eu? Bom... eu usava como desculpa o fato de poder escrever em qualquer lugar e, realmente, Lipe nunca atrapalhava. Eu até gostava de observá-lo enquanto estava reorganizando as ideias.
Marta voltou um mês após o acidente e nem por isso eu deixei de ser importante para aquela família. No entanto, assim como Marta conseguiu se restabelecer para voltar, Anita também reapareceu. Ela ia na casa do Alex, não com a mesma frequência, mas se mantinha presente para o Lipe.
Alex não impedia Lipe de estar com ela. Ele não queria que acabasse de uma maneira ruim então me pediu um tempo para que o afastamento parecesse natural e Anita seguia este rumo, mantendo-se longe do Alex, embora muito mais próxima do Lipe.
Naquele final de tarde carioca eu jamais poderia imaginar o que nos aguardava. Estacionei na porta da casa do meu namorado, utilizando o carro que o seguro havia enviado e que, devido ao ainda impedimento da sua perna, estava comigo até Alex poder dirigir. A casa estava silenciosa como sempre, mas eu sabia que ele estava lá.
Abri a porta com a minha chave e fui surpreendida por um Lipe cheio de energia que se atirou em cima de mim na primeira oportunidade. Rimos e eu curti os seus gritinhos enquanto fazia cosquinha em seu corpinho. Marta nos acompanhava de perto, rindo contagiada pela alegria dele.
A minha função naquele dia era simples: liberar Marta, que precisava ir ao médico que acompanhava o seu caso e as dores na coluna, resquício do acidente, ficar com Lipe até a hora de sairmos para buscar Alex e de lá iríamos jantar na casa de Lana, apesar da ameaça de chuva prevista para aquele dia.
— Preciso adiantar para não ficar presa no trânsito. O horário já não ajuda e com essa chuva... — Marta reclamou buscando a bolsa para sair.
— Eu posso te levar — sugeri enquanto arrumava a camisa do Lipe que tinha subido com a minha brincadeira.
— Não precisa — sorriu sem graça. — Não vou fazer você se deslocar só para me levar.
— Não tem problema. A sua consulta é no hospital?
— É sim. Sou muito grata ao seu pai. Ele é um homem muito generoso.
— Ele é. — E era sempre assim quando alguém falava do meu pai, eu sentia meu coração inflar. — Nós vamos ter que buscar Alex na editora e não é um desvio muito grande.
— Não está muito cedo? — Estava, só que eu tinha outros planos.
— Vamos parar para tomar um sorvete. — Pisquei para Lipe que começou a pular fazendo uma dancinha maluca. Rimos. — Mas vai ser um bem pequenininho porque vai chover e eu não quero ninguém doente aqui.
— Vai chover, mas não aliviou nem um pouco o calor de hoje — Marta completou olhando pela janela.
— Vamos Lipe. Já que ganhei uma carona posso demorar mais um pouco para te arrumar.
— Obrigada!
Ela pegou Lipe no colo e subiu para providenciar tudo o que precisávamos. Aproveitei para conferir mais uma vez a bendita lista de alimentos proibidos. Confesso que no início fiquei tensa com a possibilidade de fazer alguma coisa errada, mas, como Dana ficou responsável pela nossa alimentação, Alex voltou para casa e Marta já havia assumido o seu posto, eu simplesmente relaxei. Deixava para conferir somente quando precisava sair do habitual.
Certa de que não havia nada que Lipe não podia consumir, saímos de casa ansiosos pelo sorvete. Escolhi uma sorveteria próxima à editora, assim não precisaríamos ficar atentos ao trânsito ou horários.
Deixamos Marta no hospital. Eu não quis entrar até porque meu pai estava viajando com Johnny, então eu nada tinha para fazer naquele lugar que não me trazia nenhuma boa lembrança.
— Animado, Lipe? — Ele estava sentado na sua cadeirinha, olhando para fora do carro com os óculos tortos, mas parecia não se importar.
— Loti é mamãe?
Fiquei em choque e o carro que vinha logo atrás do meu passou por mim buzinando como se estivesse me dizendo os piores xingamentos possíveis. Rapidamente voltei a minha atenção para o trânsito, as mãos tremendo, a respiração acelerada e o suor descendo pelas minhas costas.
Eu não fazia nem ideia do que poderia responder, porém o que me emudeceu realmente foi o fato de não saber o que queria dizer. Encarando a pista a minha frente, as mãos apertando o volante, deixei morrer o assunto. Perdi a oportunidade de dizer alguma coisa construtiva, ou qualquer coisa que definisse de uma vez por todas o que vivíamos. Incapaz de falar, deixei que tudo se perdesse.
— Papai vai? — Limpei a garganta recuperando a voz.
— Não. Papai está trabalhando. — Não havia emoção em minha voz. Eu ainda estava bastante abalada.
— Nós vamos buscá-lo e depois vamos para a casa de Catarina e Valentina e vocês vão poder brincar muito.
Olhei pelo retrovisor captando o seu sorriso. Ele endireitou os óculos e se espreguiçou. Minha cabeça não parava de repetir a sua pergunta e a cada segundo eu me sentia pior. Miseravelmente pior.
Que a nossa relação tendia para este lado eu não podia mentir que não sabia. O problema era externar.
Colocar em palavras o que só havia como sentimento. Tornar real o que para mim era apenas um sonho bom.
A conversa acabou ali. Pensativa, dirigi quase que no piloto automático. A sorveteria não era tão próxima da editora, porém não nos deixaria em uma situação ruim, já que para buscar Alex não demoraríamos mais do que dez minutos.
Lipe pulou do carro com energia renovada. O estabelecimento tinha um painel luminoso bastante colorido, projetado especialmente para despertar a atenção das crianças. Sem contar que, a variedade e opções de cobertura, que poderiam ser servidas diretamente pelos seus pequenos consumidores, era um atrativo a mais.
— Chocolate! Chocolate! — Lipe correu para o interior da sorveteria, fazendo-me acelerar os passos.
— Calma, calma, rapazinho! Antes vamos lavar as mãos e depois fazer o nosso pedido ao moço ali para só depois colocarmos todas essas gostosuras. — Ele fez muxoxo se deixando conduzir ao lavabo.
— Chocolate? — Olhou-me com aquela carinha de menino pidão que derretia o meu coração.
— Para falar as bobagens que você gosta de comer as palavras saem certinhas — reclamei, já aceitando o cardápio oferecido pelo garçom. — Dois sorvetes de chocolate, por favor. — Pisquei para Lipe que sorria como se eu tivesse dito palavras mágicas.
Rapidamente os sorvetes chegaram e eu precisei deixar a minha taça sobre a mesa para acompanhar Lipe.
Eu precisava ficar atenta a tudo o que ele pegava, associando à lista feita por Alex e rezando para não ter esquecido nada do que eu decorei que pudesse ser colocado em um sorvete inocente.
Com um sorriso do tamanho do mundo e os olhos quase vesgos de tanto que encarava a taça em suas mãos, Lipe começou a lamber o sorvete antes mesmo de chegar à nossa mesa.
— Cuidado para não sujar a roupa. Lembre-se que ainda vamos na casa da tia Lana, tá bom?
— Tá bom! — E sua boca já estava cheia de sorvete, confetes, castanhas e amendoim.
— Não fale com a boca cheia. Vai melecar tudo. — Peguei o guardanapo para ajudá-lo com a bagunça enquanto ele continuava enfiando porções e mais porções da mistura em sua boquinha.
Olhei a criança tão frágil diante de mim e meu coração apertou. Por que eu não falei nada? Por que não aproveitei o momento para termos aquela conversa? E onde eu estava com a cabeça para acreditar que aquela conversa poderia acontecer com uma criança que nem tinha completado três anos? Lipe certamente nem sabia o que dizia, ou apenas repetia o que alguém tinha dito. Provavelmente ali, naquele momento, ele nem se lembrava mais o que me perguntou.
Levei a colher à boca sem sequer sentir o sabor do sorvete. Os olhos fixos em meu enteado, mas sem enxergá-lo de fato. O que Alex pensaria a respeito daquela pergunta? E como ele nos via? Lipe levou a mão ao pescoço coçando-o. A boquinha toda melada de chocolate. Peguei o guardanapo para limpá-la quando percebi que ele já finalizava o seu sorvete, enquanto o meu derretia sem que eu tivesse me dado conta.
— Será que seu pai já está livre? — Ele tossiu, voltando a coçar o pescoço. — Você está bem? — Lipe fez uma careta voltando a tossir. — Lipe?
Então notei que em seu pescoço algumas placas vermelhas apareciam. Um frio correu minha espinha fazendo-me levantar. O que eu tinha deixado passar? Tudo o que ele consumiu não estava na lista, eu tinha certeza.
— Lipe, olhe para mim? — Meu pânico alertou a moça da mesa ao lado. — Olhe para mim, bebê — sussurrei desesperada ao notar que a orelha dele estava um pouco mais grossa.
Puta que pariu!
A mochila dele estava no carro e eu pensei nisso exatamente quando a chuva grossa e forte começou a cair. Marta certamente colocara algum remédio para ocasiões como aquela. Peguei minha bolsa, chamei o garçom e lhe entreguei uma nota de cinquenta reais. Eu precisava sair de lá o quanto antes.
— Venha comigo. — Puxei um Lipe já totalmente vermelho para o meu colo. — Meu Deus, Lipe! O que eu fiz de errado? — Acelerei para fora da sorveteria com o garçom em meu encalço.
— Moça. — Sua voz assustada me deixou ainda mais apavorada. — Seu troco.
— Pelo amor de Deus, meu senhor! E eu quero lá saber de troco? — A chuva forte nos ensopava.
Acionei o alarme do carro e abri a porta traseira para colocar Lipe na cadeirinha.
Foi quando o senti puxando o ar com força. Não foi parecido com o seu ataque de asma. Era muito pior.
Acendi a luz e encarei uma criança vermelha, os olhos inchados e a boca aberta procurando pelo ar.
— Lipe? — gritei desesperada. — Lipe? — Abri a mochila procurando pelo remédio e não o encontrei.
— Merda! — Corri para fora dando a volta no carro para assumir o volante.
— A senhora precisa de ajuda? — O garçom continuava ao meu lado.
— Preciso chegar ao hospital — Liguei o carro antes mesmo de fechar a porta e arranquei sem ouvir o que o rapaz dizia.
Com as mãos tremendo procurei meu celular na bolsa. Eu precisava avisar o Alex, mas todas as vezes que eu olhava para Lipe eu só pensava em conseguir chegar o mais rápido possível. O hospital não estava distante, o problema era a chuva e o trânsito que logo me obrigou a desacelerar consideravelmente. Eu o ouvia tentar respirar e comecei a sentir como se o meu próprio ar faltasse.
— Lipe, por favor! Aguente firme!
Buzinei como se essa atitude pudesse abrir o caminho para mim. A chuva engrossava cada vez mais. Eu precisava sair dali. Faltava pouco. Muito pouco. Mas o carro não andava. Parecia que o mundo estava desmoronando bem na minha frente.
Sem conseguir pensar em mais nada, peguei a minha bolsa passando-a pelo braço e deixei o carro. Abri a porta traseira, tirei Lipe da cadeirinha carregando-o no colo. Eu precisava tentar chegar. Comecei a andar o mais rápido possível, já sabendo que não era o suficiente, então arranquei as sandálias de saltos médios e comecei a correr pela rua com Lipe nos braços, rogando a Deus para não me deixar cair e acabar com tudo de uma vez.
Vi quando alguns carros buzinaram, mas nem me virei para saber a confusão que havia causado ao abandonar o carro no meio da rua. Eu precisava salvar Lipe e naquele momento essa era o meu único pensamento.
Não sei de onde tirei forças para prosseguir. A chuva forte tentou me impedir de todas as formas, mas as minhas pernas seguiam em frente, como se tivessem vontade própria, enquanto meus braços não cediam nem um centímetro do abraço apertado que o mantinha junto ao meu corpo, emprestando o ritmo do meu coração e dos meus pulmões, para que Lipe permanecesse forte, que insistisse e lutasse.
— Já estamos chegando — eu repetia insistentemente, como um mantra que me fazia prosseguir. — Estamos chegando, bebê.
Eu não conseguia chorar. Tudo em mim estava focado em conseguir chegar e todas as minhas energias eram guiadas pelo mesmo objetivo. Então quando virei a esquina e dei de cara com o hospital comecei a gritar por ajuda. Um carro que estacionava próximo a guarita me ouviu e correu para alertar na recepção.
Antes que eu conseguisse alcançar a entrada da emergência duas pessoas já corriam em minha direção.
Graças a Deus!
— Charlotte Middleton — falei ofegante. — Eu sou Charlotte Middleton. — Vi quando eles se entreolharam entrando no salão da emergência onde uma maca aguardava por nós. — Ele comeu alguma coisa que provocou reação alérgica. — continuei em pânico ao constatar um rosto inchado e os lábios roxos. Rapidamente Dois homens de branco começaram a verificar os sinais vitais, levando a maca para dentro. — Ele é alérgico a quase tudo.
— Choque anafilático — um dos homens falou para o outro, ganhando a sua atenção. Passamos pela primeira porta enquanto o outro homem corria na frente para providenciar o que era necessário. — Colapso cardiorrespiratório — gritou ao passarmos para outra área do hospital enquanto uma enfermeira colocava uma máscara de oxigênio no Lipe. — Vamos injetar adrenalina, tem que ser agora — ele falou enquanto a maca ganhava mais velocidade.
— Senhora? — Uma mulher segurou meu braço. Eu não queria parar. Precisava acompanhá-lo.
— Eu sou Charlotte Middleton. Sou a herdeira deste hospital então não me impeça de entrar — rosnei. — Meu filho está morrendo.
E então as lágrimas desceram como se só naquele momento eu me desse conta do que estava acontecendo e do que eu poderia perder.
Alex Tremer e me equilibrar sobre muletas não era nada agradável. Meu coração acelerado e a ansiedade que o medo me causava iam de encontro ao marasmo dos meus movimentos devido ao gesso em minha perna.
Mesmo assim eu segui em frente, ganhando cada metro daquele hospital para encontrar o meu filho.
Quando me ligaram para avisar que Lipe dera entrada na emergência, levado por Charlotte eu pensei que meu coração não suportaria o terror. Patrício e João me acompanharam, e foi graças a eles que eu não surtei de vez. Meu irmão ligou para Miranda, que ligou para Peter que estava chegando em casa e se empenhou em conseguir maiores informações. E foi ele mesmo quem me ligou para dizer que Lipe não corria risco de morte e que estava muito bem assistido.
Mesmo assim eu não sossegaria até colocar meus olhos nele e me certificar de que tudo estava bem mesmo. Não entendia o que podia ter acontecido. Charlotte conhecia a lista, nunca tinha vacilado, então a única justificativa seria uma reação alérgica a algo ainda não descoberto. O que era uma merda!
— Lana está vindo para cá — João avisou e só consegui assentir enquanto avançava em direção a UTI pediátrica.
De longe eu avistei Charlotte. A posição em que estava, com os braços apoiados nos joelhos e o rosto nas mãos, os cabelos fazendo uma cortina e escondendo ainda mais a sua face, quase irreconhecível. Mas eu sabia que era ela e não conseguia saber como agir.
Os passos ecoaram no piso, fazendo-a virar em nossa direção. Seus olhos encontraram os meus e eu pude ver o pavor que ela sentia. Foi um dos motivos para refrear os meus impulsos.
— Charlotte? — João a chamou como se estivesse surpreso.
— Como ele está? — Patrício se apressou, mas manteve distância. Eu apenas encarava o seu rosto sofrido, os cabelos molhados e desgrenhados.
— Bem melhor. — Sua voz frágil demonstrava seu sofrimento, mesmo assim eu ainda não conseguia me aproximar. — Os médicos informaram que serão necessárias setenta e duas horas na UTI.
— Porra! — Patrício resmungou e João se aproximou da minha namorada, colocando a sua jaqueta em seu ombro. Só então me dei conta de que ela estava molhada. Ensopada.
— O que aconteceu? — Consegui falar, dominando a minha raiva.
— Eles disseram que foi o amendoim, mas... — Amendoim? Você deu amendoim a ele? — Não consegui evitar a voz alta. Como Charlotte pode ser tão descuidada?
— Nós paramos para tomar um sorvete e ele colocou todas as coberturas que quis, eu não sabia... — Como não? Está na lista — rebati sem paciência. — Está na maldita lista presa na geladeira, Charlotte! — Patrício colocou a mão no meu peito para me advertir.
— Não estava. — Ela parecia mais assustada com a minha reação do que com o ocorrido. — Eu olhei a lista e não tinha amendoim.
— Lógico que tinha. — Recuei ciente de que minha raiva não seria nada boa. —Eu mesmo coloquei na lista. Era o último alimento.
— Não tinha — rebateu com raiva e indignação. — Eu olhei aquela lista por dias e não tinha amendoim.
— A sua convicção me fez calar.
— Alex, você tem certeza de ter colocado amendoim na lista? — João tentava apaziguar. — Cara, às vezes a gente pensa que fez uma coisa, mas só aconteceu em pensamentos mesmo.
— João... — respirei fundo. Eu tinha colocado na lista e ninguém me convenceria do contrário. — Estava lá.
— Não estava — ela falou outra vez com raiva. — O que você acha que eu sou? Uma irresponsável?
Acha mesmo que ofereceria qualquer coisa a uma criança extremamente alérgica sem me preocupar com as consequências? — Olhei para Charlotte me conscientizando do que estava fazendo. Ela nunca faria aquilo por negligência.
— Eu quero ver o meu filho.
Vi Charlotte se afastar decepcionada com a minha reação. Nós precisaríamos conversar, mas antes de qualquer coisa eu precisava ver o meu filho e conversar com o médico.
Enquanto João cuidava de Charlotte, Patrício me ajudou a chegar na recepção e após a identificação eu fui recebido pelo médico, a pedido do Peter. Ela me informou que Lipe teve um choque anafilático causando um colapso cardiorrespiratório, que foi rapidamente atendido e não corria risco de morte.
Como Charlotte havia informado, Lipe ficaria por setenta e duas horas em observação, pois, segundo o médico, eles precisavam monitorar os seus sinais vitais, já que algumas reações poderiam acontecer tardiamente. Eu ainda estava nervoso, embora mais aliviado ao saber que meu filho estava bem.
Assim, após a conversa breve e esclarecedora, consegui entrar no quarto em que Lipe estava e fiquei chocado. Seus olhos ainda estavam inchados, assim como o nariz e as orelhas. A pele vermelha indicava a alergia. Ele dormia devido à anestesia geral, mais um procedimento necessário.
— Quando ele acordar já vai estar mais desinchado — a enfermeira me informou. — Os sinais vitais dele estão ótimos. — Concordei limpando a lágrima que descia pelo meu rosto. — A mãe dele conseguiu chegar a tempo. Coitada! Estava tão desesperada! Mas ela chegou, mesmo com toda a chuva que cai lá fora.
Não desmenti seja lá o que Charlotte tenha dito, ou que a mulher tenha deduzido. Eu estava grato por minha namorada ter conseguido chegar, mesmo assim, ainda precisávamos conversar e descobrir o que realmente havia acontecido.
Acariciei os cabelos do meu filho, sentindo meu coração apertado. Talvez se eu ficasse em casa aquilo não estivesse acontecendo, embora bem dentro de mim, eu tivesse a certeza de que Charlotte não seria tão descuidada. Mas o que então? Eu tinha certeza que o nome estava lá, então não havia justificativa.
— O senhor não pode ficar por muito tempo. O horário de visitas já acabou e o menino precisa descansar — a enfermeira me avisou. — Não se preocupe, nós vamos cuidar dele e qualquer alteração no quadro vocês serão informados.
Eu não queria sair dali. Queria ficar segurando a mão dele até o médico liberá-lo para ir para casa, porém eu sabia que a enfermeira estava certa, e deixar Lipe receber os cuidados necessários era fundamental para a sua recuperação, por isso saí, voltando para o corredor onde havia deixado Charlotte e os demais.
— Como ele está? — Patrício se adiantou. Charlotte me olhou ainda com mágoa, aguardando por notícias.
— Melhorando. Precisa ficar aqui, como Charlotte já disse, mas está bem.
— Charlotte? — Peter saiu por uma porta destinada apenas aos funcionários, seguido por Johnny. — Por Deus! Como você está? — Charlotte encarou o pai e algumas lágrimas caíram.
— Estou bem — disse com voz rouca e cansada.
— Alex — bateu em meu ombro com confiança — graças a Deus está tudo bem. Acabei de conversar com os médicos que fizeram o primeiro atendimento. Parece que Charlotte conseguiu chegar antes de ele entrar em um estágio crítico, por isso a cirurgia não foi necessária. Agora é só medicação.
— Merda, Charlotte! — Johnny ajoelhou ao lado da minha namorada fazendo-nos olhar para o que despertara a sua atenção.
Caralho!
Eu estava tão louco para saber como estava o meu filho que não olhei direito para Charlotte, até que Johnny me fez encarar os pés dela.
— Merda! O que aconteceu? — Encostei ao seu lado enquanto Peter corria até a recepção. Ela me olhou e depois olhou para os pés, dando de ombros.
— Eu devo ter pisado em alguma coisa. — A voz sem emoção me chocou.
— Pisou em alguma coisa e não sentiu dor? — Johnny a encarava sem acreditar.
— Sei lá. — Passou as mãos pelos cabelos deixando-os ainda mais desgrenhados. — Precisei correr pelas ruas com Lipe no colo. Estava tudo engarrafado e chovia muito.
— Você perdeu os sapatos? — questionei quando Peter chegou com um enfermeiro que levava uma maleta.
— Ninguém viu isso? — esbravejou fazendo o funcionário se encolher. — Como não perceberam o sangue? Você está bem? Ela não pode perder tanto sangue.
— Eu estou bem, pai. Deve ter sido apenas um corte.
Charlotte não se exaltava, nem demonstrava sentir dor. Ela havia dito que correu na chuva com Lipe no colo para fugir do engarrafamento, estava com os pés cortados e eu a havia culpado de ser irresponsável.
Deus!
— O que aconteceu, Charlotte? — Tentei mais uma vez.
— Ele comeu amendoim. Colocou na cobertura do sorvete. Eu não o impedi porque não estava na lista. A reação foi rápida e assim que notei as placas vermelhas e a coceira coloquei-o no carro e trouxe para o hospital.
— Como perdeu os sapatos? — Peter questionou, acompanhando de perto o trabalho do enfermeiro.
Charlotte não demonstrava sentir dor.
— Eu os tirei. Precisava correr e eles me atrapalhavam. — Ele sorriu compreensivo e acariciou o joelho da filha. — O trânsito não colaborava. Estava tudo engarrafado e o Lipe... — Piscou algumas vezes e mordeu o lábio se impedindo de chorar.
— Fez um bom trabalho, filha — Peter disse com orgulho. — Graças a você ele está bem.
Charlotte me olhou rapidamente e eu sabia que era uma acusação, mas ela nada disse, apenas encarou os pés sendo cuidados.
— Você precisa tirar essas roupas molhadas — Johnny falou.
— Não vou sair daqui. — Ela não foi rebelde, só foi convicta e decidida e todos souberam que nada a tiraria dali.
Foi neste momento que me dei conta do quanto aquilo tudo a machucava. Charlotte detestava aquele hospital. Não fora me visitar quando precisei ficar alguns dias lá por causa do acidente, mas estava lá pelo Lipe e se recusava a sair. Mesmo com os pés machucados e o corpo castigado pelo frio.
Charlotte amava Lipe.
O calor que aqueceu o meu coração rapidamente foi esquecido quando uma Anita enfurecida apareceu.
Ela não usava mais a bota de gesso, mas mancava um pouco. Os olhos molhados e vermelhos indicavam que havia chorado, e ostentava uma fúria que me assustou.
— Sua cretina! — gritou para Charlotte. — Irresponsável!
— Anita, contenha-se! — Johnny se levantou para segurar a madrinha do meu filho que avançava decidida a desestabilizar Charlotte.
— Assassina! Era o que você queria, não é mesmo?
— Chamem a segurança e mandem tirar essa mulher daqui — Peter esbravejou e o enfermeiro saiu rapidamente para atender a sua ordem.
— Anita, o que está fazendo?
— Como você pôde confiar nela, Alex? Ela odeia o Lipe! — continuou gritando. — Ela odeia o Lipe!
— É mentira — Charlotte choramingou chocada demais com a acusação.
— Como alguém pode achar que uma criança que nasceu de uma traição poderia ser amada pela pessoa traída? — Ela continuava descontrolada. — Eu sabia que ela estava aprontando alguma coisa. Que esta garota mimada e egoísta faria alguma coisa para se livrar do Lipe.
— Pare com isso, Anita! — Tomei à frente, decidido a fazê-la parar com o ataque.
— Não consegue enxergar? Ela quis fazer isso. Ela quer vê-lo morto. Ela quer se livrar do meu menino, Alex! Pelo amor de Deus, abra os olhos!
— Já chega. — Peter avançou, a segurança chegou para fazer o seu serviço. — Tirem-na daqui. E a proíbam de voltar.
— Não pode me impedir de ver o Lipe. — Anita ficou assustada com a possibilidade. — Alex, faça alguma coisa. Eu tenho o direito de ver o Lipe. Eu criei ele!
— Anita, vá para casa. Lipe está bem. Descanse — tentei apaziguar. — Eu ligo para dar notícias — Charlotte levantou e saiu de perto do grupo, andando em direção à passagem de funcionários. — Charlotte, espere!
— Sua louca! Assassina! — Anita voltou a gritar enquanto um segurança a afastava.
— Pode deixar — Johnny intercedeu. — Eu vou levá-la daqui.
Segurando Anita ele praticamente a arrastou até o elevador. No entanto Charlotte desapareceu e eu fiquei ali, no corredor, assustado, cansado, confuso e doido para consertar aquela merda.
Capítulo 31
“O intruso que hoje é mel, será amanhã o mais amargo fel.” William Shakespeare Alex Peter foi atrás de Charlotte pedindo-me para que eu aguardasse ali até que ele resolvesse algumas coisas.
A contragosto obedeci. Era difícil correr atrás de Charlotte, embora soubesse que ela precisava ouvir de mim que eu não acreditava em nada do que Anita disse, enquanto meu filho estava apagado em uma UTI.
Cansado, deixei-me cair sobre a cadeira, o gesso pesando mais do que o habitual. João e Patrício me olhavam como se precisassem de um comando meu.
— O que foi? — Minha raiva transpareceu na forma rude como falei com eles. Não conseguia evitar.
— Que merda, cara! — João suspirou sentando do meu lado. — Por que Anita já está sem o gesso e você ainda tem que usar o seu? — Olhei para ele sem acreditar no que dizia.
— Às vezes eu acho que você ainda está no ginásio — o repreendi e Patrício começou a rir.
— Que pensamento de merda — meu irmão esbravejou ainda rindo. — Só poderia ter saído da sua boca, seu imbecil!
— Porra, cara! Eu só pensei — resmungou se desvencilhando do tapa de Patrício em sua cabeça. — É estranho, caralho!
— Cala a boca, João! — ralhei tentando colocar a cabeça no lugar. — Charlotte não está nada bem.
— Se Charlotte não desmoronou por você ter comido Tiffany e tido um filho com ela, nada mais derruba a garota — João soltou mais uma das suas pérolas e se encolheu quando o olhei com raiva. — Tá, tá, parei! — Patrício continuou rindo.
— Vou ligar para Miranda e pedir para ela trazer algumas roupas para Charlotte. Ela vai precisar.
— Se ela não der uma de louca e desaparecer de novo. — João levou um murro no braço com essa. — Porra, Alex!
— Você precisa se decidir, João — Patrício brincou. — Ou Charlotte vai levar numa boa ou vai pirar.
— Merda! Essa porra doeu. — João alisava o braço se afastando de mim.
— O próximo eu dou na boca, assim você não fala mais merda na minha orelha.
— Você está um saco, Alex!
— Meu filho quase morreu, minha namorada está despedaçada e Anita acabou de fazer mais uma merda para tornar a minha vida um inferno.
— É um dos problemas que acontecem quando se tenta manter duas mulheres — rebateu, já se afastando.
— João, porra! — Patrício o empurrou enquanto ria das merdas que meu cunhado falava.
Peter voltou. Desta vez pela entrada normal, acompanhado do meu pai e da minha mãe. Levantei outra vez, sentindo o peso do gesso e o incômodo que eu já não aguentava mais.
— E Charlotte? — Meu pai pegou em meu ombro e minha mãe, com os olhos vermelhos, se controlava para não chorar.
— Ela está bem. No último andar tem um apartamento que eu reservo apenas para mim. Era onde Mary ficava quando precisávamos acompanhar o seu tratamento e onde eu me hospedava quando ainda não morávamos no Rio de Janeiro. Charlotte está lá. Johnny pediu para Miranda trazer algumas roupas.
— Eu estava providenciando isso — Patrício desistiu do telefone.
— Eu vou entrar um pouco, filho. Peter já me colocou a par da situação e tenho certeza que nada deixou de ser feito, mesmo assim vou dar uma olhada nele, apesar de não ser a minha especialidade.
— Eu queria vê-lo também — minha mãe falou com voz chorosa.
— Dana, eu te disse que não seria possível. — Meu pai cuidava da minha mãe do jeito que ele sempre fez, com muito carinho, tentando acalmá-la.
— Ele está bem, Dana — Peter reforçou. — Já está fora de qualquer perigo. Por que não sobe e descansa um pouco?
— Eu vou ficar aqui aguardando Adriano voltar. — Meu pai e Peter trocaram um olhar cúmplice e sorriram.
— Tudo bem. Então eu vou entrar — meu pai deu um tapinha em meu braço e saiu para se preparar.
— Alex, eu preciso cuidar de algumas coisas, mas não gostaria que Charlotte ficasse sozinha por muito tempo. Ela vai tomar um banho e eu pedi para levarem um calmante que, tenho certeza, ela não vai tomar.
Miranda deve chegar a qualquer momento, enquanto isso seria bom ter alguém com ela.
— Pode deixar, Peter. Eu subo para esperar Miranda com Charlotte. — Patrício se ofereceu e eu me amaldiçoei por ainda não conseguir deixar a sala de espera da UTI para cuidar da minha namorada. Não enquanto meu pai não voltasse para me dizer que estava realmente tudo bem.
— Já deixei uma ordem para avisarem lá no apartamento caso ocorra qualquer mudança. Lá todos vocês ficarão melhor acomodados.
— Obrigado, Peter. — Meu sogro sorriu com tristeza e saiu para resolver o que quer que fosse do seu interesse àquela hora da noite.
Patrício saiu junto com Peter. Apesar de grato eu não sabia se Patrício era a escolha certa. Da mesma forma que eu tinha minhas ressalvas a respeito da esposa dele, Charlotte tinha em relação ao meu irmão.
No entanto a ajuda era muito bem-vinda, assim eu conseguiria manter um olho em minha namorada e outro em meu filho. João estava afastado e, quando percebeu que eu o encarava, guardou o celular e se aproximou.
— Lana está chegando — avisou, dando de ombros. Acredito que quis justificar a sua permanência ali.
Como se fosse necessário. — Cara, eu estou morrendo de fome. Com essa loucura o jantar acabou esquecido. Fico pensando no desperdício de toda aquela comida lá em casa. — Minha mãe riu. Era só o que ela fazia quando estava perto do meu cunhado.
— Por que não vai para casa? — Ele me olhou como se eu estivesse falando um enorme absurdo. — Vocês não podem passar a noite toda aqui, então o melhor é irem mesmo para casa. Eu ligo avisando.
— Assim que seu pai voltar, querido. — Minha mãe colocou a mão sobre a minha.
— Minha sogra, ainda bem que a senhora está aqui. Veja como este desalmado me trata. Eu aqui, com fome, cansado, preocupado e ele me descartando como se eu não servisse para nada.
— Você não serve para nada — brinquei e minha mãe riu um pouco mais. — Mas eu fico feliz por você estar aqui falando todas as suas besteiras.
— Eu mereço mais essa. — Foi sentar do outro lado da pequena sala. — Graças a Deus Lana chegou. — Olhei para a porta e vi minha irmã entrando com a habitual cara preocupada. — Finalmente alguém que reconhece o meu valor.
— Sem brincadeiras, João. — Minha irmã entrou como se estivesse disposta a matar um. — Alex, como ele está?
— Bem melhor. — Analisei as feições de Lana e implorei para ela não ser mais uma a disparar suas armas contra Charlotte. — Meu pai está com ele.
— João me contou o que aconteceu. Desculpe, tomei a liberdade de ir até a sua casa. — Olhei intrigado para Lana que não aguardou por qualquer comentário meu — Eu sei onde fica a chave reserva. Sempre achei uma loucura, mas, no final das contas serviu para alguma coisa.
— O que você foi fazer lá em casa?
— Eu tenho que dizer que tive medo o tempo todo. — Minha mãe nos cortou. — Não quero colocar toda a culpa em Charlotte, até porque tenho certeza que nada aconteceu pela vontade dela, mas eu sempre achei que ela não ficaria atenta à lista.
— Ela foi atenta por todos esses dias, mãe!
Eu sabia que todos pensávamos a mesma coisa, Charlotte não era a pessoa mais indicada para cuidar do Lipe. Não por ser incompetente ou irresponsável e sim por sua inexperiência e, principalmente, pela confusão que ela mesma fazia em sua vida. Confesso que só de saber que ela queria estar com Lipe e que não era uma situação forçada, me fez aceitar, recebendo tudo como a concretização de um sonho.
Talvez eu tenha errado ao deixar de ser tão vigilante, ou talvez estivéssemos crucificando a pessoa que salvou a vida do meu filho, e era na segunda opção que eu queria me apegar.
— Se ela não tivesse abandonado o carro e saído na chuva com ele nos braços provavelmente estaríamos organizando um enterro.
— João! — Lana repreendeu o marido que não entendeu o que havia feito de errado.
— É verdade — minha mãe cedeu. — Seu pai me contou o que ela fez.
— E quase perdeu os pés para conseguir chegar — João completou.
— Como assim? — Ele explicaria, mas eu não estava disposto a aguardar.
— Lana, o que você foi fazer lá em casa.
— Pode até me condenar, porém, quando João Pedro me enviou a mensagem contando o que causou o problema com o Lipe e a dúvida sobre amendoim estar ou não na lista eu decidi tirar a prova.
— Como assim? — Meu coração acelerou.
— Amendoim estava na lista. — Ela declarou o óbvio.
— Eu sei — suspirei derrotado. — Eu mesmo coloquei lá.
— Eu tirei uma foto para que não restassem dúvidas. — Pegou o celular para buscar a prova. — Mas não quero que isso cause um problema entre você e Charlotte. Ela deve ter esquecido, ou não associou o nome, sei lá! Charlotte não é irresponsável, nós sabemos muito bem.
Enquanto minha irmã falava, eu me encarreguei de olhar a imagem em seu celular. Encarei a lista fixada na porta da minha geladeira, conferindo todos os itens que eu sabia de cor e um detalhe despertou a minha atenção.
— Porra!
Eu sabia que o palavrão surpreendeu a todos, porém não consegui desgrudar os olhos da foto. Meu coração acelerado antes, por um motivo diferente, batia desesperado com a recente descoberta. Cheguei a sentir minhas mãos formigarem e minha boca secar.
— O que foi, Alex? — Minha mãe já estava assustada.
— O nome está na lista. — Minha voz saiu rouca e parecia arranhar a minha garganta.
— Você já disse isso — João falou impaciente. Olhei para o meu amigo que logo entendeu que a situação era séria.
— Só que a letra não é a minha — revelei, sentindo meu cérebro dar um nó.
— Como assim? — Lana pegou o celular da minha mão questionando seu engano.
— A letra. Veja! — Indiquei abrindo ainda mais a imagem. — Não é a minha letra.
— E daí? Provavelmente não foi você quem colocou. — Lana não conseguia entender.
— Eu coloquei. Sei que eu mesmo coloquei o nome na lista. Lembro inclusive do dia, eu estava com Anita, conversando na cozinha e informando sobre a nova descoberta. Lipe ficou com placas pelo corpo todo e eu conseguir conter a alergia com o remédio. Eu mesmo coloquei o maldito nome na lista.
— Caralho!
— João! — Minha mãe repreendeu o meu amigo.
— Desculpe, sogra! Mas que é uma teoria da conspiração fodida, isso é — ele rebateu, pegando o celular para verificar.
— Você acha então que... não! Seria fantasiar demais. Quem faria um absurdo como este? Não existe ninguém que queira o mal do menino. — Lana tentava encontrar uma explicação junto comigo. — E se for verdade, a pessoa apagou o nome e voltou esta noite mesmo para colocá-lo de volta.
— Usando letras de fôrma para encobrir o que fez — completei o raciocínio.
— Não — ela negou outra vez como se precisasse disso para se convencer. — Ninguém faria uma coisa dessas — me encarou chocada — ou faria?
— Não! — Eu também não conseguia acreditar. — Provavelmente Marta apagou sem querer e escreveu de volta. — E eu queria mesmo crer que esta era a verdade, porque só de imaginar que alguém apagou o nome com a intenção de machucar o meu filho já me fazia estremecer.
— Ou isso ou alguém queria queimar o filme da Charlotte com você — João se manifestou mais uma vez.
Eu queria mandá-lo calar a boca, mas o que ele disse me deixou ainda mais gelado.
— Ninguém faria uma coisa dessas, João! — Minha mãe falava com convicção. O que eu já não conseguia fazer mais. — Todas as pessoas que frequentam as nossas casas amam o Lipe. Ninguém colocaria a vida dele em risco só para prejudicar a Charlotte.
— E a única pessoa que não quer ver Charlotte com meu irmão é Anita, só que eu não consigo pensar que ela seria capaz de fazer uma coisa como esta — Lana falava e eu tentava a todo custo não pensar naquela possibilidade. — Apesar de não prestar, Anita ama o Lipe. — Colocou a mão em meu ombro buscando a minha confirmação. Olhei nos olhos de Lana e não consegui falar nada.
— Tudo certo. — Meu pai entrou na sala e parou instantaneamente. — Aconteceu alguma coisa?
— Pai preciso da sua ajuda. — Com o auxílio da muleta fui até o meu pai.
— Claro! — Ele olhou curioso para o grupo. — O que quer que eu faça?
— Que tire este gesso.
— Alex! — Minha mãe se agitou. Ela até podia protestar, mas eu estava decidido. — Ainda falta uma semana.
— Pai, se o senhor não ajudar, eu mesmo vou tirar — ameacei. Meu pai olhou outra vez para o grupo e depois para mim.
— Tudo bem. Eu tiro.
Charlotte Assim que Miranda chegou, Patrício deixou o quarto. Ela me entregou a pequena sacola de viagem e eu fui direto para o banheiro. Eu sabia que Anita não estava mais lá, mesmo assim, depois de tudo o que ela disse, eu não tinha coragem de encarar Alex e os outros.
Entrei no banho, deixei a água quente esquentar meu corpo e acalmar os calafrios e só neste momento eu me permiti chorar. Por tudo. Pela minha situação, pela de Alex, por Lipe e pelas acusações que eu sabia, não partiriam apenas de Anita.
O que aconteceu? Eu vi a lista e não tinha amendoim nela. Deus! Eu jamais colocaria a vida do Lipe em risco. Eu jamais... deixei que o desespero chegasse e fosse embora enquanto eu ainda estava no banho.
Ninguém precisava ser testemunha da minha fraqueza. E eu permaneceria naquele hospital mesmo que Alex não me quisesse mais por perto.
Eu não podia deixar Lipe.
Nunca mais.
De jeans, camisa de manga longa e uma sandália aberta para não abafar os cortes dos meus pés, saí do banho penteando os cabelos molhados. Miranda me aguardava sem conseguir conter a ansiedade.
— Alguma novidade? — indaguei imaginando se tratar de algo com o Lipe.
— Não. Patrício mandou uma mensagem dizendo que Adriano foi ver o Lipe e que está tudo bem, como os outros médicos já haviam dito. Só nos resta esperar. — Sentei no sofá próximo a janela e continuei observando a minha amiga. Eu sabia que havia alguma coisa que ela queria dizer e não sabia como.
— Fala logo de uma vez, Miranda. — Ela suspirou e coçou a testa.
— Você deveria abrir o jogo com Alex. — Foi direto ao ponto. Senti o ar pesar em meus pulmões.
— Eu não posso. — Desviei o olhar incapaz de sustentar o dela.
— Charlotte, você precisa contar o quanto antes. Não é justo! E... — Eu te contei o que Anita disse, Miranda. — O pavor começava a voltar. Me esforcei para não entrar em desespero outra vez. — Como você acha que Alex vai encarar tudo isso se eu contar? Todo mundo acha que eu sou uma irresponsável, que não sou de confiança... Anita acha que eu fiz de propósito. Que tentei matar o Lipe. O que acha que Alex vai pensar quando souber que eu perdi um filho dele e que não posso mais engravidar?
— O quê?
Meu coração disparou e por um segundo eu vi tudo escurecer. Eu sabia que a voz era de Alex, mas não queria acreditar que era. Não podia acreditar que a vida estava me pregando aquela peça. Que merda era aquela? Não estávamos em uma novela onde as cenas eram ensaiadas e o mocinho surpreendia a mocinha contando um segredo, então por que inferno ele entrou justamente naquela hora sem me dar a oportunidade de continuar escondendo o que tanto me feria?
— Puta merda! — Miranda resmungou. As palavras entravam em meus ouvidos, mas eu não as assimilava.
Congelada no mesmo lugar, eu mantinha meus olhos fixos em Alex enquanto todo o restante dentro de mim entrava em colapso. Eu vi um pouco de tudo passar pelos olhos do meu namorado, mas o que mais me abalou foi a dor.
— Vou buscar um café e... volto logo?
Tive medo de ficar sozinha com Alex e quase implorei para que ela ficasse, porém como a merda já estava feita, eu precisava encará-la.
E que Deus tivesse piedade de mim.
— Você perdeu um filho meu? — Alex permanecia no mesmo lugar. Firme. Sem se mexer nem um centímetro.
— Você tirou o gesso? — O que eu estava fazendo?
— Não faça isso, Charlotte!
Respirei fundo avaliando a situação. Mentir não era uma opção. Fugir não seria mais possível. Só me restava uma única alternativa: a verdade.
— Sente-se, Alex. — Indiquei a poltrona ao lado da cama. Ele não queria, contudo como eu mesma voltei a sentar no sofá, ele mancou até onde eu estava e sentou ao meu lado, virando completamente para mim e me encarando como se não pudesse perder nenhum detalhe. Apesar de estar apavorada, eu iria até o fim.
— Você perdeu um filho meu?!
— Eu não sabia que estava grávida — revelei baixinho sem saber como começar a contar.
— Porra! — Alex fechou os olhos e esfregou as mãos no rosto. — Quando iria me contar?
— Nunca. — Fui sincera. Ele me olhou espantado. — Não havia por que contar.
— Quando? — A raiva estava explícita em sua voz, mas nem isso me impediria mais de colocar para fora toda aquela história.
— Quando eu fui embora.
— Mas... — Ele procurou em meu rosto alguma resposta.
— O bebê já estava morto. Quatro semanas apenas, Alex. Eu não sabia.
— Deus! — Voltou a esconder a mão no rosto. — Por que escondeu de mim? — E estava lá a acusação que eu tanto temia.
— Não sei. Eu estava com raiva, com mágoa, com medo... — Dei de ombros deixando a primeira lágrima rolar. — E eu tinha perdido o nosso filho enquanto Tiffany desfilava a gravidez dela.
— Eu tinha o direito de saber!
— Naquela época eu acreditava que você não tinha direito algum. — Ele engoliu com dificuldade aceitando a sua culpa. — Alex... — Não tive coragem de tocá-lo. — Eu tenho trombofilia.
Dizer em voz alta me machucava mais do que eu poderia imaginar. Ele me encarou sem entender.
Respirei fundo sabendo que eu teria que narrar tudo outra vez.
— Quando eu fui embora, como eu disse, não sabia que estava grávida. Eu viajei para a Suíça onde fiquei trancafiada em um hotel por três dias, pensando no que deveria fazer. De lá resolvi seguir para Nova York e foi nesta viagem que comecei a me sentir mal. Eu pensei que era o meu corpo cobrando o sofrimento pela descoberta da gravidez da Tiffany e a nossa separação, mas quando dei entrada no hospital descobri que havia perdido o filho que eu nem sabia existir e a causa foi clara: trombofilia.
— E o que é isso? — Novas lágrimas rolaram pelo meu rosto.
— Uma trombose que se manifesta durante a gravidez. O sangue coagula e o feto morre. — Ele continuava sem entender o processo. — Não é uma doença. É uma... uma condição. Grosseiramente falando, o sangue engrossa e entope as veias. O meu caso não é hereditário, foi adquirido. É chamado de Síndrome antifosfolípide, quando os anticorpos são estimulados por um determinado hormônio, fazendo o sangue coagular. O sangue que leva os nutrientes para a placenta fica obstruído, as veias entopem e o bebê morre.
— Você disse quatro semanas. — Eu já esperava pela sua constatação.
— Pode acontecer em qualquer momento durante a gravidez.
— Então... — Não foi um caso isolado. Não aconteceu por um acaso. É uma condição. É a forma como o meu corpo reage, Alex!
— Você não... — É um risco muito grande... — Encarei meu namorado que me olhava como se estivesse perdido. Não havia mais como parar, eu teria que ir até o fim. — Para o bebê e... para mim.
— Charlotte... — Eu teria que tomar uma injeção durante três meses antes de engravidar, continuar durante todos os dias da gestação e mais um tempo após. E nem assim há garantias. O bebê pode morrer a qualquer momento e eu... as circunstâncias são ruins. Todas as vezes que... que eu não conseguir, vai ser necessário retirar a criança. Como um aborto. Se o útero não abrir para expelir a criança é necessária uma intervenção. Foi o que aconteceu comigo. Fiquei três dias no hospital esperando e nada acontecia, então foi necessário que o médico fizesse uma cirurgia.
— Mas se você conseguir levar a gravidez até o final... — Eu não quero tentar. O meu caso foi grave, eu... eu quase morri, Alex. Meu pai ficou desesperado. E minhas chances são mínimas. Fizemos todos os exames, buscamos os melhores especialistas. Sempre será uma gravidez de risco. As injeções podem causar hemorragia nas primeiras doze horas após a aplicação. Considerando-se que eu deveria tomar uma por dia seria muito tempo de repouso absoluto. E é preciso levar em consideração que todo este sacrifício pode ser em vão. Uma gravidez pode me destruir, física e psicologicamente, porque não quero perder vários filhos até conseguir dar vida a um, se é que eu conseguirei algum dia.
Alex me abraçou, pegando-me de surpresa. Ele me segurou em seus braços como se o que eu tinha acabado de revelar pudesse me afastar dele. E poderia mesmo.
— Durante três anos eu me forcei a acreditar que não me importava. Eu não pensava em ter filhos, nunca me preparei psicologicamente para isso, e sem você... eu não queria pensar em você, em seu filho e em tudo o que poderíamos estar vivendo juntos e que Tiffany vivia em meu lugar. Foi fácil enquanto eu não pensava em relacionamentos, enquanto eu vivia para minha carreira e deixava para trás o filho que nunca tivemos. Mas, quando eu voltei... — O aperto em meu coração fez novas lágrimas rolarem. — Quando eu te encontrei naquela praia e vi o Lipe... eu enxerguei tudo o que não tive. Olhar o Lipe e ver os seus olhos nele, o formato do seu rosto, me fez pensar em como seria o nosso filho. Com quem ele pareceria?
Eles teriam a mesma idade, seriam parecidos? E o amor que você tinha por ele? Eu não conseguia me decidir se amava ou odiava, porque... eu comecei a desejar que fosse possível. Que aquela criança tivesse nascido e que pudéssemos viver aquela família que poderia ter existido se... por isso eu não conseguia reagir quando Lipe se aproximava. Eu via nele o meu filho, como um fantasma voltando para me assombrar. E estranhamente, ele queria estar sempre perto de mim, como um filho faz com a mãe, como deveria ser com o meu filho, o nosso filho. — Precisei parar para respirar e deixar que as lágrimas caíssem.
Alex me mantinha em seu peito, acariciando minhas costas e me confortando, e, em determinado momento, onde eu me permiti sentir, ouvi o seu fungar e me dei conta de que Alex também chorava.
— Eu nunca faria mal a ele. Nunca desejei o mal do menino, Alex. Eu... eu amo o Lipe. Amo como amaria o meu filho. Eu nunca deixaria que nada de ruim acontecesse com ele e... — Shii! — Ele me separou para que pudesse me impedir de continuar. — Eu sei que você jamais faria isso.
— Mas Anita... — Anita não sabe o que diz. — Segurou em meu rosto para que eu pudesse encará-lo, então eu enxerguei as suas lágrimas e todo o seu sofrimento. Alex me olhava como se decorasse cada pedaço. — Eu queria este filho, Charlotte! — Sua voz saiu entrecortada pelo choro. — Durante anos eu imaginei como seria se Lipe fosse nosso filho. Eu pensava em você grávida, em como seria ter você por perto nas madrugadas de cólicas, quando ele queria apenas brincar, tudo isso eu desejei que fosse com você.
— Eu sofri desde que voltei porque nunca poderia te dar esta realidade. Eu nunca poderia ser mãe dos seus filhos, não poderia te fazer feliz como Lipe te faz... — Isso não é verdade — me recriminou, colocando o dedo em meus lábios. — Esqueceu quem eu sou?
Esqueceu a minha história? Esqueceu a sua própria história? — Seus olhos úmidos assumiram outro sentimento, o de esperança, o que me comoveu. — Mãe e pai são os que amam, Charlotte. Lipe te ama!
Eu te amo!
Ele fechou os olhos e novas lágrimas caíram. Apesar de não dizer mais nada eu sabia o que ele queria dizer. Alex, naquele momento, dava-me permissão para ser mãe do Lipe. Para ser mãe do filho dele, como deveria ser desde sempre.
Sentindo que meu corpo encontrava paz, a gratidão foi muito bem-vinda, por isso juntei meus lábios aos dele, selando a nossa união. O surgimento da nossa família.
Capítulo 32
“Em tua boca me limpo dos pecados.” William Shakespeare Charlotte Lipe finalmente teve alta. Eu e Alex ficamos no hospital durante os três dias aproveitando a oferta do meu pai de usarmos o apartamento reservado para ele. Depois da nossa conversa eu me sentia mais leve.
Conversamos pouco sobre o assunto, era como se soubéssemos que ele estava lá, em um cantinho, olhando para a gente o tempo todo, mas nos deixando seguir.
Alex só me contou no dia seguinte sobre o que desconfiava ter ocorrido com a lista de produtos que Lipe não poderia consumir. Ele não conseguia condenar ninguém, assim como Lana e todos os outros. Nem cogitavam pensar em quem eu facilmente apontaria.
Anita.
Contudo, o momento não era para acusações, principalmente quando eu não poderia provar nada. Apenas me arrepiava pensar que ela poderia fazer aquilo com um ser inocente que dizia amar tanto. E o pior: ela continuaria presente, se valendo do fato de ser a madrinha e de o Lipe ter sofrido o ataque enquanto estava comigo.
Alex estava aborrecido com as acusações que ela fez, no entanto, apesar de saber que a convivência entre nós duas era impossível, ele não podia impedir que o filho estivesse com a madrinha, e justificava a reação horrível da comadre como desespero pela situação do Lipe.
Devido à minha fragilidade pelo mesmo motivo, preferi não criar caso, apenas ficaria mais atenta, tomaria mais cuidado e, sempre que possível, vigiaria a presença dela de perto. Era o que eu poderia fazer até conseguir provas para afastar aquela mulher de uma vez por todas da minha família.
Agora, sentados no chão da varanda, observando Lipe brincar no jardim com Marta, rindo e correndo atrás de uma borboleta, eu não poderia me sentir mais grata. Ele estava bem e isso era o que mais importava naquele momento. Eu ainda acordava a noite com as imagens dele sufocando e a sensação de que não conseguiria chegar a tempo para salvá-lo. Graças a Deus eu consegui e Lipe estava ali, brincando e saudável.
Alex me abraçou pela cintura e pousou o rosto em meu ombro. Sentado atrás de mim e me mantendo entre as suas pernas ele também emanava paz e gratidão. Era o nosso primeiro dia de calmaria após a tempestade.
— Obrigado! — sussurrou em meu ouvido e beijou atrás da minha orelha me fazendo arrepiar.
— Pelo quê? — Ele riu e voltou a descansar o rosto em meu ombro.
— Por salvar o Lipe. Por não ter se desesperado e se conformado com a situação. Se não fosse por você não estaríamos aqui, ouvindo os risinhos divertidos dele, nem observando o quanto ele gosta do sol. — Olhei para Lipe que abria os braços e girava com os olhos fechados e o rosto para cima recebendo o sol.
— Qualquer pessoa faria o mesmo que eu. — Abracei meus joelhos e senti os braços de Alex mais fortes em volta da minha cintura.
— Não faria, não. Você foi... mãe. Não aceitou o que acontecia e mudou o rumo dos acontecimentos. — Senti meus olhos marejarem, porém eu não queria chorar. Eu queria me sentir leve e feliz.
— Vamos deixar que ele decida sobre isso.
Foi o que eu disse a Alex durante os três dias que ficamos no hospital. Lipe precisaria decidir se me aceitaria como sua mãe e a resposta só chegaria com o tempo, sem a nossa imposição. Deveria ser natural e partir do amor que sentia, não da conveniência.
— Conversei com Peter e com meu pai. Não fique aborrecida comigo. — A cautela em sua voz me fez sorrir.
— Não vou ficar. Passou a ser um problema nosso e você tem direito de conversar com quem quiser.
— Peter não quer arriscar de jeito nenhum.
Eu já sabia disso. Meu pai tinha pavor de me perder. Não queria me ver sofrendo a cada filho perdido, ou me arriscando para tornar a maternidade possível. Eu não podia julgá-lo. Se estivesse no seu lugar muito provavelmente também quisesse impedir a minha filha de engravidar.
— O meu acha que deveríamos tentar. Existem muitos casos que deram certo. Principalmente agora que já sabemos de tudo e podemos seguir as regras. — Senti um aperto no coração.
— E o que você acha?
Não tínhamos conversado muito sobre o assunto. Eu sabia que sempre seria uma pessoa pela metade para Alex, mas senti meu corpo esfriar só de imaginar ouvir aquela verdade dita pela sua boca. Ele soltou o ar em meu pescoço e se afastou um pouco. Tive medo de virar para encará-lo, então continuei olhando para o Lipe, como a boa covarde que eu era. Seus dedos percorreram minha coluna.
— Eu tenho medo de arriscar também — disse, por fim. — Nós temos o Lipe e podemos ter mais quantos quisermos. Não precisamos arriscar nada.
—Você fala em adoção?
— Se for uma decisão madura, que seja realmente a nossa vontade, sim.
Pensei a respeito. Assim como aconteceu com os meus pais, que se tornaram pais de Miranda e Johnny por acontecimentos que tornaram a adoção inevitável, eu sabia que a minha relação com Lipe seguiria o mesmo rumo. Daí a resolver procurar uma criança para levar para casa, sem nenhum laço ou vínculo não era algo que passava pela minha cabeça ainda.
E se eu não conseguisse amá-la? E se Alex não se sentisse pai de verdade, como era com Lipe? E se Lipe não quisesse um irmão ou irmã? E se tantas coisas que eu paralisava só de pensar.
— Não precisa decidir nada agora, amor. É apenas uma opção, quando e se um dia você quiser.
— Ok.
— Vocês vão passar o dia nesse chão? — Dana ralhou se aproximando da varanda.
Ela tinha se convidado para preparar o almoço de boas-vindas e nós não fizemos nenhuma objeção. Era tempo de relaxar e curtir a família.
Meu celular tocou, ganhando a minha atenção. Era Miranda.
— Oi!
— Como estão as coisas? — Ela parecia preocupada.
— Bem. Lipe está ótimo e Dana está fazendo o almoço — ri observando Alex se afastar para se apoiar nos braços, jogando o corpo para trás. Ele queria me dar espaço.
— Que ótimo! Eu não queria ligar para falar de trabalho, mas... — Suspirei.
— Trabalho? É sério?
— Você tem, ou tinha, uma agenda para cumprir. Esqueceu que sua volta para a Inglaterra está programada para daqui a cinco dias? O padrinho precisa confirmar o voo. Ele não quer que você viaje sozinha, então precisa saber a sua decisão.
Olhei para Alex e depois para Lipe. Eu não podia voltar para a Inglaterra e deixá-los no Brasil. Também não podia pedir para que modificassem as vidas deles para viajar comigo. Acontece que voltar não era somente uma questão pessoal. Eu tinha compromissos importantes agendados na Europa e nos Estados Unidos.
— Quando mesmo tenho que iniciar a turnê? — Olhei para Alex e ele me observava atentamente.
— Em vinte e dois dias. — Senti os dedos de Alex em meu rosto, acariciando meus cabelos.
Droga! Eu precisava discutir com ele sobre o que fazer.
— Posso confirmar amanhã? — Ela deu um risinho.
— Pode sim. Cuide do Lipe.
— É o que estou fazendo.
Desliguei e encarei meu namorado. Ele sabia sobre o que conversaríamos e já esperava pelas minhas palavras.
Alex Eu sabia que em algum momento Charlotte precisaria conversar comigo sobre a sua turnê. Lógico que sabia! Eu ainda era responsável pela editora e não havia como não saber que a minha principal autora estava prestes a iniciar sua turnê internacional.
— Quando você vai precisar ir?
— Não sei ao certo. — Ela me olhou como se quisesse mudar o que aconteceria. — Eu tinha programado a minha volta para daqui a cinco dias, mas não preciso voltar logo. Minha turnê só começa em vinte e dois dias.
— Charlotte, como vai fazer estas viagens se você não pode passar tanto tempo dentro de um avião? — Ela sorriu compreendendo a minha preocupação.
— Eu vou no avião do meu pai. — Seu rosto começou a ficar rosado, como se precisasse se desculpar pelo fato de ser rica. Milionária. Eu sabia que aquele embaraço era culpa da minha resistência ao seu dinheiro. — Depois que descobrimos o meu problema ele vendeu o avião que tínhamos e comprou um mais confortável, com mais espaço para que eu possa me movimentar e até tem um quarto com cama de casal.
— Nada mau — gracejei, correndo as pontas dos meus dedos em seu rosto. — Vá, faça o seu trabalho e volte. — Fui direto ao ponto. Era necessário. Mas não pude deixar de perceber a decepção em seu olhar.
— Vai ser muito tempo longe — ela sussurrou. — E eu não vou poder voltar enquanto não acabar por causa da duração dos voos.
— Nós vamos conseguir ajustar nossas agendas. — Seu sorrisinho fez o meu dia ficar mais iluminado. — Lipe pode faltar a algumas aulas. Vamos nos organizar e fazer dar certo.
— Vamos sim. — Aquilo me pareceu uma promessa de felicidade.
Voltei a abraçar Charlotte sentindo uma vontade incontrolável de beijá-la. Enquanto Lipe estava no hospital nos ocupamos apenas do que ele precisava, deixando para trás a saudade e o desejo. No entanto ali, sabendo que ela ficaria longe por um tempo, e de tudo o que precisou enfrentar sem mim, a minha única vontade era mantê-la em meus braços.
Ela cedeu ao beijo rapidamente, permitindo-se ser amada. A maciez dos seus lábios era um convite à perdição, e o calor do seu corpo era a certeza de que eu aceitaria me perder sem questionar. Puxando-a pela cintura me moldei melhor a suas curvas e lógico que não foi possível segurar a excitação.
Depois de tudo o que Charlotte me contou eu não conseguia parar de pensar no quanto Deus sempre escreve certo por linhas tortas. Não que quisesse justificar o meu erro com Tiffany, mas... porra!
Charlotte não podia se colocar em risco para me dar um filho. Eu queria um filho. Tiffany me deu um filho. Tiffany morreu.
É. Deus sempre escreve certo por linhas tortas.
Eu queria poder carregar Charlotte para o meu quarto... o nosso quarto. Queria poder fazer amor com ela e demonstrar o quanto a amava e queria. Deixar claro que nada do que aconteceu diminuiu a força do que eu sentia, pelo contrário, fortaleceu.
Mas eu não podia ter a minha namorada — e depois de tudo continuar pensando nela como namorada era cada vez mais difícil —, pois meus pais estavam em minha casa e Lipe ainda precisava da gente. Por isso me contive. À noite eu poderia cobri-la de atenção.
— Alex, Charlotte — minha mãe nos chamou da cozinha. — Já vamos servir o almoço.
— Eles parecem um casal de adolescentes — meu pai falou bem perto da gente, provavelmente parado na porta que dava acesso ao jardim. Não me importei.
— Então que sejam um casal de adolescente com fome. Entrem! — Dana usou o seu tom especial para adolescentes e eu quase ri.
Fazendo um esforço gigantesco para romper o beijo, separei nossos lábios e colei minha testa na dela.
Charlotte suspirou e sorriu. Os lábios rosados se abrindo em um sorriso inocente e doce. Ela era linda!
— Com fome? — Acariciei o seu rosto demorando um pouco na bochecha afogueada.
— Não de comida — sussurrou e mordeu o lábio inferior. Ah, aquela era a minha Charlotte!
Puxei minha namorada para mais um beijo e comecei a me levantar levando-a pela mão, então Lipe correu e se atirou sobre Charlotte que caiu sobre mim e ficamos os três no chão, rindo. Foi impossível não lembrar de quando caímos na igreja e como ela ficou desesperada.
Agora eu compreendia o seu pavor e lhe dava razão, também agradecia por não saber antes e justamente por causa da minha ignorância, ter insistido naquele relacionamento e ali estavam eles, rindo abraçados no chão da minha casa. Era perfeito e bom demais para ser verdade.
Charlotte Olhei para o celular tocando ao mesmo tempo em que Alex voltava para o quarto. Lipe havia dormido e meu namorado entrou levando a babá eletrônica. Atendi a ligação do meu pai antes que ele desistisse.
— Pai.
— Quer dizer então que você está casada outra vez e eu nem fui avisado? — Revirei os olhos para um Alex com cenho franzido, que se aproximou puxando-me pela cintura para sentar na cama.
— Eu ia te contar quando o senhor me contasse sobre a sua namorada.
— Namorada? — ele riu sarcástico. — De onde tirou essa história?
— Das suas saídas quase furtivas sem nenhum tipo de satisfação — o desafiei.
— Ah, então te dar espaço e te fazer querer enxergar que estou bem e não preciso dos seus cuidados significa que estou com uma mulher?
— Não tente fazer eu me sentir culpada. Não é problema algum o senhor arrumar uma namorada. Ainda é jovem, bonito... — Essa é a desculpa que vai me dar para ficar indefinidamente na casa do Alex?
— Eu vou fazer vinte e cinco anos. — Alex beijou meu ombro. Levantei a mão livre e acariciei seus cabelos. — E eu vou voltar para casa hoje, se isso o faz feliz.
— Hoje? — Alex se manifestou surpreso. Meu pai riu.
— Pode ser que eu volte amanhã — corrigi, abrindo um grande sorriso. Era impossível não sorrir quando meu único sentimento era de plenitude.
— Amanhã então, Charlotte Middleton — assumiu o seu tom de pai que em outra época eu tanto temia.
— Pode ser que seja depois de amanhã — provoquei.
— Assim como pode ser que eu vá pessoalmente buscá-la. Pode não parecer, mas eu ainda sou o seu pai e ainda prezo pela moral e o bom costume.
— Hum! — brinquei. — Então em nome da moral e do bom costume eu volto amanhã.
— Estarei te aguardando. Amo você!
— Também te amo!
— Mande um abraço para Alex.
— Vou dar o recado. — Olhei rapidamente para Alex que me encarava carrancudo. — Beijos, Pai!
— Beijos, Lottie!
— Então você não pode mais dormir na casa do seu namorado? — Mordi o lábio tentando não sorrir e abri bem os olhos.
— Eu acho que... não com tanta frequência. — Continuei observando sua reação.
— Isso é um absurdo, Charlotte!
— Absurdo é dormir todos os dias com o namorado. O que aconteceu com o nosso “um passo de cada vez?”.
— Ficou esquecido no momento em que você aceitou cuidar do Lipe. Eu ainda preciso da sua ajuda. — Aquele sorriso torto estava lá para me fazer fraquejar.
— Eu venho ver o Lipe todos os dias. E nós podemos brincar um pouco de guarda compartilhada. — Suas mãos apertaram as minhas coxas. Alex não estava nada satisfeito com aquela conversa.
— Nada de guarda compartilhada. Se você quiser ver o meu filho tem que ficar e fazer parte desta família. — Aproximei-me provocando-o com os lábios.
— Ih! Isso está parecendo papo de mulher inconformada com a separação que tenta segurar o marido usando a desculpa dos filhos. — Deixei que nossas bocas se encontrassem.
— É exatamente o que estou fazendo. E não me envergonho — Passei os braços pelo seu pescoço e me aproximei.
— Vai precisar ser mais persuasivo. — Alex subiu as mãos pelas minhas coxas, permitindo que eu brincasse em seus lábios.
— Eu sei ser bastante persuasivo.
— E eu bastante decidida.
— Vou te fazer implorar, Charlotte. — Ele se curvou sobre mim, me fazendo deitar no colchão. — Vou te fazer voltar todos os dias querendo mais. — Fechei os olhos aceitando seus dentes em meu pescoço, em direção aos meus seios.
— E eu vou fazer você relembrar o quanto namorar é gostoso — continuei provocando.
— Casados também namoram. — Abri os olhos rapidamente.
Eu conhecia aquela história, sabia muito bem onde chegaríamos e não estava muito ansiosa para fazer aquele caminho de novo. Precisava frear Alex antes que ele continuasse. Tirei os braços do seu pescoço e o obriguei a olhar para mim.
— Namorados, lembra? — ele rosnou baixinho.
— Namorados casam. — Ficou firme, encarando-me e deixando claro que não seria tão fácil.
— Um dia — rebati.
— Exatamente. Um dia. Qualquer dia. Inclusive hoje.
— Quem está morrendo desta vez?
— Eu.
— Alex! — Ele riu e tentou me beijar. Virei o rosto para que conseguíssemos terminar aquela conversa.
— Vou morrer um pouco todos os dias que você não estiver comigo. — Segurou o meu rosto fazendo-me encará-lo. — Antes eu tinha que aceitar. Era uma proposta vantajosa para ambos. Precisávamos de espaço e tempo, mas agora... — Continuamos precisando de espaço e tempo.
— Lipe se apegou a você.
— Não use Lipe como arma, Alex. Não é justo.
— Eu nunca disse que seria — ficamos nos encarando.
— Eu não quero casar rápido. Não quero ser precipitada outra vez. Estaríamos atropelando as etapas de novo!
— Charlotte eu... — Ele respirou fundo. — Merda! Eu vou perder esta merda de disputa.
— Vai.
— Então não vou gastar minha energia com um assunto que não vai chegar a lugar nenhum.
— Acho justo. — Voltei a colocar meus braços em torno do seu pescoço.
— Vou guardá-la toda para amanhã. — Ele se levantou, soltando-se do meu abraço. — Boa noite! — E girou para o lado como se há dois minutos não estivéssemos loucos de tesão.
— O quê! — Levantei para encará-lo. — É sério? — Ele continuou com os olhos fechados, os braços cruzados embaixo da cabeça e sustentando aquele sorriso miseravelmente sensual. — Acha mesmo que vai me convencer a casar fazendo greve de sexo? — Seu sorriso se ampliou.
Fiquei furiosa. Alex não podia simplesmente querer me persuadir a fazer tudo errado outra vez. Ele sabia que as coisas não poderiam ser precipitadas. Já havíamos feito uma vez e deu tudo errado. Eu sabia muito bem como acabar com aquela brincadeira sem graça.
— Tudo bem então! — Levantei da cama sabendo que ele abriria os olhos. — Acho que já sou grandinha para saber que não preciso da sua participação todas as vezes que eu quiser ter um orgasmo.
— Ah é? — ele riu virando-se em minha direção. A mão sustentando a cabeça e o corpo inclinado.
— Tenho um amiguinho que pode ser bem interessante. — Fui para o closet rezando para não precisar procurar por muito tempo.
Abri a gaveta — a mesma de sempre — e encontrei tudo o que eu precisava. Peguei o vibrador que o próprio Alex havia comprado para mim decidida a entrar naquele jogo com todas as minhas armas.
Ainda no closet tirei toda a minha roupa e voltei para cama. Muito satisfeita vi os olhos do meu namorado arregalarem ao me ver nua, no entanto ele não se moveu nem um centímetro quando deitei me colocando sob o cobertor. Só quando liguei o vibrador e o ruído abafado revelou o que eu faria, ele se deu conta do quanto seria difícil não participar.
— O que tem aí? — Ah, ele sabia muito bem o que eu tinha ali e com certeza já imaginava o que eu faria.
— Hum! — Fechei os olhos fingindo prazer ao posicionar o vibrador entre as minhas pernas.
— Ei! — Senti sua mão segurando a minha antes que o aparelho realmente me penetrasse. — Não pode se divertir sozinha.
E ele já estava colado a mim, os lábios em minha pele, traçando um caminho excitante dos ombros até o meu pescoço.
— Pensei que você não queria brincar — provoquei, deixando que ele tirasse o aparelho da minha mão.
— E deixar você ter toda a diversão sozinha? Nem pensar. — Alex já estava entre as minhas pernas. — Nosso amigo aqui até pode participar da brincadeira. — Não consegui evitar a minha cara de espanto. Eu sabia muito bem qual seria o papel do “nosso amigo” na brincadeira. Aliás, eu sabia muito bem onde ele entraria, e não estava muito disposta. Alex riu debochado. — Quem vê essa sua cara de espanto até acredita que você não gosta. — E, lógico, meu rosto esquentou absurdamente. Mais uma vez Alex riu. — Tá bom! Vamos deixar nosso amiguinho de fora desta vez.
— E quanto a me fazer implorar? — Tentei provocá-lo, mas a verdade era que eu estava louca para saber como ele conseguiria aquilo de mim. Se bem que não precisava de muito.
— Vou ver o que consigo fazer. — Seus lábios já desciam em direção aos meus seios. O arrepio que correu o meu corpo era apenas uma antecipação do que viria.
— Acho bom se esforçar. — Ele mordeu minha carne e eu gemi sem conseguir conter a reação. — Para quem estava disposto a fazer greve você até que foi fácil.
— Eu sou fácil. — Não se abalou com o meu comentário. — E você sabe ser persuasiva. — Gemi alto quando, com a ponta da língua, Alex contornou o bico do meu seio.
Ele repetiu o processo, lentamente, acariciando o local até que este ficasse completamente rijo. Eu o senti endurecendo à medida que a língua passeava, sem pressa, e quando ficou como Alex queria, seus lábios se fecharam no pequeno espaço e ele iniciou a tortura com um beijo sensual.
Foi impossível não mover os quadris em busca do dele, mas Alex concentrava suas ações ao pequeno bico e minha ansiedade começou a crescer, alojando-se com força total entre as minhas pernas. Eu sabia, por experiência própria, que eu poderia gozar apenas com aquelas chupadas, mas também sabia que se Alex quisesse que eu implorasse ele não permitiria que fosse tão fácil.
Por isso tentei me concentrar o máximo possível, perdendo a batalha todas as vezes que ele recomeçava a sucção e eu me via envolvida em uma bolha de puro prazer e desejo. Era incrível como um estímulo em um ponto tão distante pudesse causar o furacão que se instalava entre as minhas pernas.
Mordi os lábios para não começar a implorar antes da hora no momento em que ele trocou de seio e recomeçou a tortura. Todas as sensações reiniciaram me atingindo como um raio.
Alex era gentil, carinhoso e ao mesmo tempo senhor de si, cheio de certezas e determinações, que me faziam desintegrar com os seus caprichos. Ali, presa em suas mãos, sob o domínio dos seus lábios, eu não conseguia ser mais nada, completamente entregue e disposta a concordar com qualquer pedido.
Os gemidos não cessavam, a ansiedade que esquentava o meu corpo me forçava a buscar o alívio que nunca vinha. Meu sexo úmido latejava por mais contato, porém, por mais que meu quadril se projetasse em busca do dele, Alex não se movia, deixando-me enlouquecida.
Eu já estava pronta para implorar quando fui calada pelo movimento dos seus lábios que desceram pela minha barriga. As mãos quentes em minha cintura me mantinham cativa. Sua língua me provocou, acariciando minha pele. Somado a isso tudo estava o calor dos seus lábios que veneravam minha cintura em beijos suaves e quentes.
E eu ansiava para que ele descesse mais. Para que cansasse de me maltratar com a doce promessa silenciosa do que seria quando finalmente atendesse aos meus anseios. No entanto Alex parecia estar alheio às minhas expectativas. Ele estava naquele modo que me forçava a esperar, deixando claro que seria como e quando ele quisesse.
A mim restava aceitar e saborear cada detalhe. Havia um misto de sensações que me confundia. Ao mesmo tempo que me sentia absurdamente ansiosa por alcançar a satisfação imediata, eu sentia a deliciosa expectativa da espera, o prazer parcial que antecipava a satisfação plena.
A invasão da sua língua no meu umbigo me trouxe de volta à realidade. Gemi despertando do transe doce que era a sensação dos seus beijos em minha pele sensível. Eu o sentia tão próximo e ao mesmo tempo tão distante que tive vontade de gritar para que acabasse logo com aquilo.
Segurar o bailar dos meus quadris era impossível, mesmo sabendo que a nossa posição não me favorecia muito. Alex estava especialmente concentrado em me torturar e usava toda a sua habilidade decidido a me destruir. Sim, porque quando finalmente o orgasmo chegasse não sobraria nem um pedaço de Charlotte Middleton para contar a história.
E então ele, lentamente, porque a tortura até ali não era o suficiente, desceu até o centro entre as minhas pernas. Fraquejei, tremi e me contorci de expectativa, mas Alex dirigiu os lábios para a minha coxa direita, beijando o espaço mínimo que separa meu sexo da minha perna. Rosnei de frustração e prazer, fechando meus dedos em seus cabelos para repreendê-lo.
— Alex... — Não consegui terminar. Eu estava acabada, entregue, submetida, contudo não o suficiente ainda para implorar. Eu resistiria até o limite, até que meu corpo me desobedecesse e agisse por conta própria.
Ele continuou distribuindo beijos muito próximos ao meu sexo. O calor dos seus lábios fazia todo o meu íntimo se aquecer. Suas mãos seguravam minhas coxas permitindo a sua brincadeira. Eu queria que ele me tocasse, que me invadisse com tudo o que podia, que seus lábios se fechassem em meu ponto sensível... eu queria tanta coisa que era impossível enumerar, ou conseguir uma ordem coerente.
Eu apenas queria. Qualquer coisa estava de ótimo tamanho.
Quando meu eterno professor se satisfez, resolveu levar o suplício para a outra coxa. Respirei fundo forçando-me a permanecer no lugar quando ele correu o espaço sobre o meu sexo, os lábios quase roçando a minha pele sensível e o hálito me instigando a me entregar e a me oferecer com tudo o que eu pudesse ofertar.
Os beijos na coxa esquerda seguiram o mesmo padrão, lentos, molhados e cheios de tesão. Era como se cada pedaço da minha pele tivesse um sabor especial, capaz de lhe fazer desejar provar com mais demora, aproveitando e degustando. Tive vontade de arrastá-lo até o meu centro de prazer e forçá-lo a me libertar daquela dor, mas eu simplesmente permiti que Alex me devorasse aos poucos, aproveitando-se de mim e da minha incapacidade de resistir.
Até que ele se fartou e decidiu que era a hora de me fazer quebrar todas as minhas barreiras. Alex me tocou com uma mão e lógico, eu me contorci completamente gemendo alto que era para não deixar dúvidas do quanto eu estava gostando. Com o polegar ele me acariciou e me abriu para finalmente sua língua me provar.
Choraminguei porque não havia mais nada em mim que conseguisse criar resistência. Bastou a ponta da língua do meu namorado roçar os lábios da minha vagina para a comichão se espalhar. Céus! Eu queria me esfregar naquela boca, forçá-lo a me chupar, penetrar-me com a língua e me fazer gozar explodindo em fogos de artifício. No entanto minhas mãos não me obedeciam e eu apenas me segurava em seus cabelos como se pudesse conseguir me manter forte e consciente.
Alex me lambeu, tocando-me em todos os lados, depois seus lábios se fecharam, sugando-me, beijando meu sexo como se estivesse beijando minha boca. De olhos fechados eu comecei a sentir o corpo esquentar e o prazer me lamber com força. Quando acreditei que finalmente iria gozar ele parou.
Não abri os olhos. Era o que Alex queria, testar-me e me levar ao limite. Mordi os lábios aguardando que meu corpo se acalmasse e a forte explosão contida voltasse ao nível aceitável. Enquanto isso ele beijava os lados, chegando bem perto, apenas para me provocar e me manter no ritmo.
Permiti que meu coração desacelerasse. Eu deveria imaginar que Alex jamais me deixaria chegar ao zero outra vez. Ele me queria quente, ansiosa, desejosa, suplicante... e estava quase conseguindo.
De olhos fechados senti quando seu dedo me penetrou. Apenas a ideia já era o suficiente para me deixar excitada. Como Alex não era homem de me deixar só na ideia, logo outro dedo se juntou a brincadeira, roçando minha carne lentamente, sentindo o pulsar insistente do meu sexo. Eu sabia que ele me observava, que assistia atentamente o movimentar dos meus quadris impulsionados pelas estocadas leves que me permitiam saborear um prazer preguiçoso.
— Já está pronta para implorar?
Ainda de olhos fechados, mordi meu lábio e neguei com a cabeça. Alex riu, deixando seus dedos se afundarem em mim, permitindo que as pontas provocassem minhas terminações nervosas. Gemi e rebolei sem nenhum receio.
— Acho que terei que utilizar o plano dois. — Em um segundo ele parou de me penetrar com os dedos.
— Eu estava ansioso para isso, Charlotte. — A ansiedade da sua voz e a leve alegria me deixou curiosa.
Alex abandonou a penetração dos dedos, mas continuou me estimulando acariciando meu clitóris.
Soltando a cabeça no travesseiro aguardei por seus lábios em meu sexo, mais fortes e decididos. Eu esperava que ele me sugasse com força, deixando-me no limite e então parasse novamente, recomeçando em seguida, até que meu corpo não suportasse mais.
O que definitivamente eu não esperava era pelo o que ele fez.
Com o polegar acariciando meu centro de prazer, ele levou a outra mão por baixo da minha coxa me abrindo com facilidade. Me posicionei para que sua língua me castigasse, no entanto, o que aconteceu estava fora de qualquer expectativa. Sem pestanejar Alex abaixou a cabeça e me cavou fundo com a língua. Sim, ele lambeu entre as minhas nádegas, roçando de leve aquele ponto recém-descoberto e que ainda me desestabilizava.
Abri os olhos em choque, mas não tive tempo de pensar mais em nada. Ele introduziu o polegar em mim, acariciou-me com o indicador e me lambeu mais profundamente. E o que aconteceu? Porra! Jamais imaginei que algo assim pudesse ser tão... excitante! Não. Não era apenas excitante, mas era... extasiante!
Instintivamente minhas pernas se abriram e meus quadris levantaram permitindo que meu namorado alcançasse o local com mais facilidade. Os lábios me tocaram e a língua me provocou fazendo-me gemer descontroladamente.
Meu. Deus!
Eu queria gritar que casava, que ficaria desde já, que me submeteria a todos os seus caprichos, mas as palavras não saíam. Parecia que meu corpo estava em estado de transe. O prazer era como a língua do meu namorado, só que serpenteava todos os meus espaços, transbordando pelos meus poros e causando as mais fantásticas sensações.
Gemer era a menor das reações.
Alex não parou mais. Seus dedos me prendiam pela frente, seus lábios e língua por trás e meu corpo não conseguia mais se controlar. Antes mesmo que ele pudesse me impedir, o estrago já estava feito.
O orgasmo chegou como se quisesse explodir meu corpo, partindo-me de dentro para fora, tirando-me do ar por segundos intermináveis. Tenho certeza de que gritei. Foi inevitável, já que o prazer jorrou por todos os lados.
Ainda sentindo o tremor que me mantinha presa ao momento não me dei conta quando Alex levantou e me penetrou de uma vez só. O preenchimento foi bem-vindo. Era como se eu precisasse disso para me sentir na Terra outra vez. Olhei meu namorado que iniciou as estocadas sem aguardar por qualquer reação. Ele se enfiava em mim, perdido em seu próprio momento, sentindo o meu aperto, a carne se fechando em seu membro, molhada e ainda pulsante.
Ele gemia deliciosamente. As veias do seu pescoço alteradas e o peitoral trabalhado enrijecendo a cada movimento. Mantendo o corpo acima do meu, Alex entrava e saia sem dó. Abri ainda mais as minhas pernas para que ele pudesse ter mais espaço para seus movimentos e, quando recuperei a posse do meu corpo, agarrei-me a suas costas, incentivando-o a continuar.
Ele entrava e saia me forçando outra vez até o limite. Eu não sabia como ele conseguia aquilo de mim, mas a verdade era que quantas vezes Alex me exigisse eu estaria pronta para atendê-lo, porque me excitava vê-lo excitado. Eu conseguia gozar ao saber que ele se deliciava em mim. E eu estremecia só de imaginar o prazer que ele sentia ao escorregar em minha carne, recebendo o seu abraço apertado.
— Oh, céus! — Joguei a cabeça para trás sendo invadida por mais um orgasmo que me tiraria de combate.
— Porra!
Ele se esforçou, mas perdeu a batalha, jorrando o seu gozo em meu interior. Seu corpo forte caiu sobre o meu. Recebi meu namorado com um abraço, sentindo-o estremecer e se enfiar em mim com mais força enquanto o orgasmo se esvaía.
Ele se apertou em mim com a respiração ofegante, depois lentamente saiu para entrar com tudo outra vez.
Gemidos mais fracos faziam a nossa trilha sonora. Alex ainda aproveitava o restinho de prazer que podia arrancar do meu corpo, até que relaxou, distribuindo beijos pelos meus seios. Balançando a cabeça ele se levantou para olhar em meus olhos.
— Você é uma criatura má. — O suor que escorria da sua face corada deixava-o ainda mais bonito.
— Sou? — Testei minha voz rouca.
— É sim. Não implorou. — Sorri amplamente.
— Quem disse que não? — Suas sobrancelhas se uniram demonstrando a sua estranheza quanto a minha afirmação. — Foi um apelo mudo. — Assisti aquele sorriso encantador, arrastando-se para apenas um lado, tornando-o um cretino adorável.
— Então eu ganhei? Você vem? — Sorri largamente.
— Acho que preciso de mais algumas doses para chegar a alguma conclusão.
— Será um prazer inenarrável, futura senhora Frankli. — Revirei os olhos, mas gostei da ideia de ter o seu sobrenome de volta.
Capítulo 33
“Como do amor a inimizade me arde! Desconhecido e asnado muito tarde. Como este monstro, o amor, brinca comigo: apaixonada ver-me do inimigo.” William Shakespeare Charlotte Durante dez dias eu vivi o mesmo impasse com Alex. Ele não aceitava mais dormir sem mim. Nós vivíamos como uma família, nos revezando nos cuidados com o Lipe, mas quando chegava à noite eu tinha que voltar para casa.
Confesso que gostava da sensação. Nas noites em que eu dormia sozinha me consumia em saudade, nas que dormia com ele aproveitava o máximo. E a sensação deliciosa do namoro não me abandonava, fazendo-me permanecer firme em minha decisão.
Anita tentou voltar à rotina. Ela queria manter o mesmo nível de envolvimento com o Lipe, porém não havia mais clima. Alex cedia às vezes e era justamente nesses dias que eu implicava e voltava para casa.
— Eu não posso impedi-la de ver o Lipe — ele dizia. — Ela é madrinha, Charlotte! A única parente próxima pelo lado da mãe. — E era o bastante para me magoar. Eu odiava o fato de Lipe ainda precisar conviver com esse fato.
— Eu tenho que ir para casa, Alex — suspirei, derrotada.
Ver Lipe saindo com Anita para passar a noite com ela era estressante. Eu não tinha provas, mas tinha convicção de que ela apagou o nome da lista para me fazer pisar na bola com Alex e quase matou o menino.
— Charlotte, nós temos a casa só para a gente. — Lancei para ele um olhar assassino que o fez encolher.
— E desde quando Lipe é um peso? Você fala como se estivéssemos nos livrando do menino.
— É só uma noite. Amor — Alex me abraçou tentando me beijar. Desvencilhei -me dos seus braços.
— Eu preciso trabalhar.
— Você precisa se acostumar. Anita tem direito legal sobre o Lipe. Ela é parente dele.
— Primo de segundo grau nem é reconhecido como parente perante a justiça. — Ele riu nervoso.
— Mas ela é prima dele. E madrinha. Relaxe, Charlotte! Lipe dorme na casa de Lana, na da minha mãe, até na sua casa ele já foi dormir sem mim quando vocês inventaram aquela ideia maluca de acampar em seu quarto — sorri.
Foi a ideia maluca mais doce que eu já tive. Nós dormimos na cabana improvisada, abraçados e com uma lanterna para fingir que era a fogueira. Foi mágico.
— Relaxe, amor! — Ele me abraçou por trás e beijou o topo da minha cabeça. — Fique. Vamos assistir um filme, ouvir música, pedir uma pizza... — Meu pai vai me matar, Alex. — Usei minha última desculpa.
A verdade era que eu não queria ficar e deixar Alex perceber o meu receio. Estávamos bem e entrar em outro embate por causa de Anita não seria nada legal. No entanto relaxar como ele estava me pedindo seria uma missão impossível. Eu não parava de pensar no que mais a maluca poderia aprontar e me desesperava sempre que imaginava as possibilidades.
— Então vamos para a sua casa. — Suas mãos envolveram minha cintura, avançando sob a camisa e testando minha pele.
— Meu pai está em casa.
— E quantos anos você tem mesmo?
— Vinte e quatro. Quase vinte e cinco.
— Isso eu tenho ouvido há bastante tempo. O que vamos fazer no seu aniversário?
— Uma festa. — Eu já pensava no assunto, embora nunca tenha sido fã de grandes comemorações. No entanto eu enxergava a vida sob outra ótica depois do Lipe. Alguns balões e bolo colorido não fariam mal nenhum.
— Sério? — ele riu aproveitando a trégua. — Desde quando você gosta de festas?
— Desde que Lipe apareceu e ele gosta de balões, bolo, brigadeiro... — É o seu aniversário, não o dele. — Não dei atenção, jogando a bolsa sobre o ombro. Alex segurou a alça fazendo-a cair até minha mão. — Então você quer uma festa com bolo decorado e balões? — Ri.
— Só eu, você e o Lipe.
— E o Peter? Tem Miranda, Johnny, Lana, minha mãe, meu pai, as gêmeas, o padre que realizou o nosso casamento.
— Ele morreu. — Alex ficou tenso e logo em seguida relaxou.
— Sem o padre que realizou o nosso casamento então. — Ri da sua tentativa de me persuadir. — Poderia ser um jantar intimista e uma comemoração só nossa, o que acha?
— E os balões e o bolo decorado?
— No aniversário do Lipe. — Sua mão já estava quase em meu seio e seus lábios em minha orelha.
— Talvez eu não queira nem uma coisa nem outra. — Desvencilhei-me, voltando a jogar a bolsa sobre o ombro. — Vou viajar no dia seguinte, esqueceu?
— Esqueci. — Seu sorriso deixava claro que era mentira. — Poderíamos comemorar em Paris.
— Pode ser uma boa ideia, mas você só vai me encontrar uma semana depois.
— Posso reformular a agenda. — Ele tentou me alcançar e eu fugi — Charlotte!
— Boa noite, Alex!
— Charlotte! — Fui até a porta ainda rindo da sua cara de desesperado. — Eu vou com você. — Correu para pegar a chave do carro e a carteira.
— Meu pai vai te matar. — Continuei com a porta aberta aguardando por ele.
— Às vezes eu acredito que vale a pena morrer. — Deu-me um beijo de leve quando passou por mim.
— E eu acredito que você não tem juízo. — Fechei a porta gostando da ideia de ter o meu namorado comigo em minha casa, na minha cama.
Alex — Não tem problema. Charlotte vai estar em casa — falei baixinho enquanto Anita me informava que deixaria Lipe mais cedo.
Era sábado, eu só precisaria passar rapidamente na editora para a reunião de balanço e depois curtiria o dia com meu filho e minha namorada. Charlotte estava no banho e eu já estava vestido, deitado em sua cama, aguardando-a.
Havíamos feito amor pela manhã daquela forma deliciosa que só os adolescentes conseguem fazer. Sem barulho, sem muitos movimentos bruscos e achando tudo muito engraçado. Era até interessante Peter estar em casa para apimentar a nossa vontade de fazer o que era proibido.
Na verdade, ele não implicou com a minha presença. Claro que fez comentários como “nada mais é como antigamente” ou “eu não sou deste tempo”, porém em momento algum fez objeção à minha estadia, muito menos ficou em nosso pé até ter certeza de que eu iria embora ou dormiria no outro quarto. Quando deu o seu horário ele pediu licença, desejou boa-noite e se retirou.
Trocamos alguns amassos ali na sala mesmo, com direito a mão boba e olhar atento à escada. E quando Charlotte já estava toda quente, subimos nos agarrando, evitando os barulhos e nos trancamos em seu quarto, arrancando as roupas e nos embaralhando como um casal inexperiente.
Foi uma delícia!
No banho, após me provar que também era capaz de me dar dois orgasmos, utilizando a sua boca hábil, após a nossa brincadeira ainda na cama, Charlotte ficou para lavar os cabelos e eu preferi responder as minhas mensagens e conferir se estava tudo bem com Lipe.
Eu sabia que falar abertamente com Anita seria o mesmo que desencadear a terceira guerra mundial com a minha namorada, então moderei a voz e permaneci atento a tudo o que acontecia no banheiro.
— Eu tenho uma reunião rápida agora pela manhã — avisei. — Como foi a noite com ele?
— Tranquila, como sempre. Combinamos que vamos juntos ao parque na próxima semana. Lipe tem reclamado que eu não apareço mais. — Eu não tinha tanta certeza quanto a veracidade da sua afirmação.
Anita não estava satisfeita com a distância imposta por Charlotte e eu a entendia.
— Você está trabalhando muito — desconversei.
— Pensei em combinar uma praia, então lembrei que sua menina não ia gostar da ideia. — Ri sem graça.
Antes de Charlotte, Anita aparecia nas minhas idas à praia. Ela cuidava do Lipe enquanto eu surfava. — Conseguiu descobrir alguma coisa sobre a lista?
Quando contei a Anita o que havia ocorrido com a lista, ela ficou desesperada. Chegou a dizer que a própria Charlotte havia colocado o nome para se livrar da culpa, mas rapidamente recuou quando eu não aceitei a sua teoria e fiquei aborrecido. Eu entendia o seu amor pelo Lipe, mas não era certo culpar Charlotte quando já havia ficado claro que alguém apagou o nome da lista. Com intenção ou não, o nome foi apagado, fazendo com que Charlotte se perdesse neste cuidado.
— Eu preciso ir, Anita. — Apressei-me assim que ouvi o barulho de água cessar. — Vou tentar chegar cedo em casa. Se eu não estiver lá pode deixá-lo com Charlotte. Ela ficará esperando.
— Vou fazer assim porque é a sua vontade, Alex. Você sabe como me sinto em relação à Charlotte.
Durante esses anos eu te ajudei a cuidar do Lipe e nunca nenhum incidente ocorreu. Sei que você não quer que eu a acuse, e eu não estou acusando de ter feito de propósito. É necessário levar em consideração que depois de tantos dias cuidando do Lipe ela já estivesse habituada a lista. Ela foi displicente.
Eu estava cansado daquela discussão. Anita tentava me convencer de que Charlotte não servia para o Lipe e Charlotte tentava a todo custo me fazer enxergar que Anita continuava sendo a vilã. Eu apenas me sentia cada vez mais cansado.
— Charlotte vai ser mãe do Lipe um dia. — Eu sabia que minha declaração era rude e magoaria Anita, porém não dava para evitar. — Ela ama o meu filho.
— Ela nem quer casar com você, Alex — me reprimiu tocando direto na ferida. — Charlotte continua sendo a mesma menina mimada e egoísta.
— Não fale o que não sabe. Charlotte passou por muita coisa, Anita. — Ouvi seus passos se aproximando. — Eu preciso desligar agora. Faça como combinamos, tá bom?
— Sim, farei como combinamos.
Desliguei no exato momento em que Charlotte entrou no quarto. Seu olhar desconfiado enquanto secava os cabelos deixou claro que ela sabia que eu falava ao telefone e provavelmente imaginava com quem.
Tentei manter a serenidade. Eu não viveria mentindo para a mulher da minha vida, então se eu estava falando com Anita não podia fazer daquilo um problema maior.
— O que vai fazer agora pela manhã? — Ela me analisou enquanto penteava os longos cabelos molhados.
— Escrever. É isso ou Lana me mata.
— Anita vai deixar Lipe mais cedo lá em casa e Marta está de folga. Seria ruim para você... — Era Anita ao telefone? — Sentou-se na cama ainda me encarando. Charlotte falava com cautela, como se quisesse evitar outra briga.
— Era. Como eu disse, ela vai deixar Lipe mais cedo.
— Eu posso trabalhar em sua casa. — A resposta foi rápida e concisa. No entanto eu sabia que não era tudo o que ela pretendia dizer. — Que horas ela vai levar o Lipe?
— Antes das dez — continuei aguardando. Charlotte mordeu o lábio inferior e desviou o olhar. — É ruim para você? Eu posso... — Não. Tudo bem — continuou respondendo mecanicamente, sem precisar pensar muito. — E você? Vai fazer o que hoje? — Desconfiei da sua súbita mudança, mas preferi aguardar.
— Reunião com Lana e Patrício, lembra? Vamos receber o balanço.
— Ah sim! Vai ser demorada, não?
— Não sei, acredito que não. Por quê? — Ela piscou como se estivesse acordando de um transe e sorriu.
— Por nada. Só para saber o que programar para hoje. — Continuei desconfiado e ela notou. — Preciso superar a noite do Lipe — e sorriu inocentemente.
Então era isso. Charlotte estava com ciúmes. Não sei porque não pensei nisso antes. Suspirei colocando para fora o meu desagrado e resolvi não mexer mais naquela caixa de marimbondos. Se as duas queriam competir e tornar a convivência mais difícil eu pelo menos teria uma manhã de paz.
Depois do café da manhã e de ter deixado Charlotte em minha casa, segui para a editora com os pensamentos longe do trabalho. Fazia tempo que eu não surfava. Ir a praia no domingo pela manhã não seria um bom programa. Pelo menos não com o Lipe.
Saquarema poderia ser uma boa pedida. Eu poderia ficar dois dias por lá com Charlotte e Lipe, vivendo o que sonhava como família para todos nós, sem a interferência de ninguém. Poderíamos sair à noite para que eu pudesse estar lá bem cedo. Dormiríamos em uma pousada. Qualquer uma que encontrássemos.
Com certeza não seria problema para minha namorada, mesmo sendo ela uma multimilionária. Charlotte com certeza gostaria da proposta e Lipe... Lipe ama a praia.
Entrei em minha sala me sentindo melhor e dei de cara com um Patrício que não parecia nada bem. Freei minha ansiedade e me concentrei nele.
— E Lana?
— Deve ter se embaralhado com as gêmeas. Logo ela chega. — Ele nem levantou os olhos da mesa e continuou batendo o lápis em uma marcação irritante.
— Algum problema? — Sentei diante dele e vi meu irmão suspirar, abrindo bem os olhos e encarando a vista do lado de fora.
— Quando você casou teve a sensação de estar fazendo tudo errado? — Hum! Mais um momento confuso do Patrício.
— Depende. Eu sabia que estava errado pelo fato de estar escondendo a doença da Mary, mentindo para a Charlotte, mas não acredito que seja esta a questão.
— Não é. Eu fico me perguntando se fiz a coisa certa, se não foi precipitado.
— Precipitado? — Dei risada, mas ele continuou sério. — Paty, você se apaixonou pela Miranda, depois não quis a relação, se arrependeu e correu atrás, morou junto com ela e ficou três anos enrolando a garota para casar. Como algo assim pode ser precipitado? — Ele não esbravejou por eu ter usado o seu apelido.
Pelo contrário. Patrício encarou a mão com o lápis e recomeçou a batida. — Qual é o problema? Não ama mais a Miranda?
— Amo. — Pela prontidão eu tive certeza de que ele não mentia. — Porra, eu amo a Miranda! Mas... — Mas... — Alex, quando você conheceu Charlotte ela era virgem e isso facilitou um pouco a vida sexual de vocês dois. Ela era crua e você experiente.
— Não seja o imbecil que lamenta a mulher não ser virgem.
— Não se trata disso. Deixe-me reformular. Miranda é vivida, experiente e eu sempre adorei isso nela, por outro lado, justamente por este fato, existe um entrave entre a gente. Ela já veio pronta, assim como eu.
— E daí? Patrício eu realmente não sei aonde você pretende chegar.
— Ninguém sabe. Ninguém nunca me entendeu.
— Porque é complicado quando você usa estes argumentos. — Nos encaramos enquanto ele pensava em como me explicar.
— Você tinha uma vida sexual antes de Charlotte, mas o fato de Charlotte não ter vivido nada fez com que você a colocasse no seu caminho, entende? — Fiz que não. — Deixou-a como queria, Alex! Fez ela gostar e aceitar o que você gosta em termos de sexo. — Fiz uma careta sem acreditar no que meu irmão dizia. Quanta bobagem! — Tá! Vou ser mais direto. Eu não sei como propor certas coisas à Miranda e são coisas que eu realmente gostaria que fizessem parte de nossa vida sexual.
— O fato de ela ser experiente não seria um ponto positivo para esse tipo de situação? — E eu sabia que isso acontecia porque Patrício não fazia nem ideia de quem era a esposa dele. Naquele momento eu me odiei por nunca ter contado nada.
— Não é um ponto positivo. Ela já tem todas as ideias formadas.
— Como o quê?
— Como aceitar outra mulher em nossa cama. — Continuei impressionado com as coisas que Patrício dizia.
— Eu acho que nem todas as mulheres concordariam com algo assim, Patrício.
— Não as que escolhemos para casar.
— Não fale besteira. Isso não tem nada a ver com casamento. Tem a ver com atração pelo mesmo sexo.
Charlotte jamais aceitaria porque ela não acha interessante outra mulher comigo, nem se anima em ter algo com alguém do mesmo sexo, mas Miranda pode pensar completamente diferente. — E eu sabia que ela pensava. — Vocês já conversaram sobre esse assunto?
— Você não conhece Miranda, Alex! Qualquer insinuação, comentário ou brincadeira já vira uma sessão de perguntas. E ela fica nervosa. — Porra, eu imaginava o motivo de ela ficar tão preocupada.
— Vocês conversaram ou não sobre isso?
— Não sobre convidarmos uma terceira pessoa, mas sobre outras coisas. Lembra do convite... o cartão para aquele clube de sexo.
— Swing — corrigi já com toda a situação formada em minha cabeça.
— Isso. Ela ficou ofendida. Eu juro que nunca imaginei que Miranda se ofenderia com algo deste tipo, mas ela ficou. E muito nervosa também. Ficou perguntando quem tinha me convidado e o porquê, chegou até a te acusar. — Deu uma risada nervosa. — Lógico que nós não éramos casados ainda. Eu nem imaginava que casaria com ela.
— Patrício, se isso é algo que te incomoda ou que realmente é importante para o relacionamento de vocês, seja franco com Miranda. Exponha o que acha, o que deseja. Diga de que forma isso tudo envolve ela, porque relacionamentos assim precisam de confiança e de muito amor. Não é só o tesão. Eu não suportaria ver Charlotte com outro homem então entendo o fato de ela não querer me assistir com outra mulher, porém se você não se importa e Miranda concordar, não há nada de errado.
— Eu não sei se me importo. Nem pensei a respeito. O convite para outra mulher é só um dos meus pensamentos sobre o relacionamento. São muitas outras questões.
— Envolvendo sexo? — Ele respirou fundo e mordeu o lábio, cruzando os dedos sobre a mesa.
— Basicamente.
— Eu no seu lugar conversaria com Miranda. Tenho certeza que vocês vão encontrar um equilíbrio e vão resolver esta falha. — E eu me sentia péssimo por não dizer a ele que, da forma certa, Miranda toparia tudo, e envergonhado por saber exatamente o que Miranda era capaz de fazer.
— Desculpe o atraso, rapazes. Podemos começar?
Lana entrou na sala daquele jeito só dela, como um furacão de salto alto e cabelos esvoaçantes. Ela não notou o clima entre nós dois, ou se notou, preferiu não se importar e seguiu com o combinado.
E eu não sabia se ficava agradecido ou irritado. Aquela poderia ser a última chance de eu dizer a verdade ao meu irmão.
Charlotte Com o computador no colo eu mal conseguia me concentrar. Era muito fácil ignorar Anita quando Alex ou Marta estavam em casa e eu não tinha motivos para precisar olhar na cara dela. Contudo, aquele momento talvez fosse o único para mim. Quando mais eu poderia fazê-la falar sem a interrupção do meu namorado?
Digitei algumas frases. Parecia que nada entrava no clima e os personagens ficavam perdidos em diálogos fracos e acontecimentos rasos. Merda! Era impossível escrever.
Quando ouvi o barulho do carro e alguns minutos depois o barulho da chave abrindo a porta cheguei a pensar que Alex voltara mais cedo, uma vez que Anita não usava mais a chave dela desde que havia entrado e feito Lipe nos surpreender.
Cheguei a ficar desanimada imaginando ter perdido a oportunidade, no entanto, e confesso que para o meu espanto, Anita abriu a porta carregando Lipe em seus braços, e ela agia como se estivesse em sua própria casa.
Lógico que a maldita me viu, sentada no sofá, com o computador no colo e a surpresa no rosto. Apesar de ter desejado que ela chegasse antes do Alex, vê-la usar a própria chave me deixou enfurecida. Então, quando meu namorado não estava em casa ela entrava e fazia o que queria? Um arrepio percorreu o meu corpo quando imaginei que foi exatamente o que ela fez quando Lipe teve a crise alérgica.
Lipe se agitou em seus braços chamando “Loti” sem parar até que ela o deixou no chão e ele correu até mim, subindo no sofá para me abraçar e exigir o seu lugar em meu colo. Ainda em choque não consegui retribuir como deveria e me surpreendi quando ele conseguiu colocar o meu computador no colo e encarar a tela.
— Ei, mocinho! Isso aqui não é para você. — Fechei a tela e puxei o notebook para o lado. Ouvi a risada cínica de Anita que ainda segurava a mochila dele no ombro.
— Você sabe que ele ainda não completou três anos e que não sabe ler, não é? — A ironia em sua voz me deixou ainda mais irritada.
Claro que eu sabia que Lipe não sabia ler, mas não era legal vacilar, e... sei lá. Vai que ele era mais inteligente do que eu imaginava? Mesmo irritada não consegui deixar de encará-la. Anita era muito abusada. Alguém precisava colocá-la no seu devido lugar.
— E você sabe que o dono desta casa não quer mais que você utilize a chave que ele disponibilizou em outro tempo, quando você ainda era útil, não é? — Não apenas vi seu olhar endurecer como assisti Anita ficar tensa e irritada. Antes que ela conseguisse responder tratei de tirar Lipe da nossa linha de fogo. — Venha lindinho. Vamos colocar um desenho bem legal.
Afastei a criança levando-a para o sofá mais distante, em frente à TV e liguei em um canal de desenhos.
Ele rapidamente se acomodou, ficando vidrado na tela que exibia ursinhos pulando. Era o suficiente.
Voltei para perto de Anita que, de braços cruzados, encarava-me.
— Lipe já está entregue, Anita. — Eu sabia que demonstrar desinteresse seria a forma mais rápida de fazê-la abrir o jogo.
— Você deveria se preocupar, Charlotte. — Ri com desdém e andei em direção a cozinha.
Ela me seguiu fazendo exatamente o meu jogo. Pelo menos estaríamos longe do Lipe. Anita parou no balcão me observando abrir a geladeira. Eu nem sabia o que pegaria ali dentro. Simplesmente precisava fingir interesse em alguma coisa. Então peguei um copo com água.
— Você está muito segura quanto ao seu relacionamento.
Sorri com cinismo fingindo não me abalar, apesar de saber que me abalaria, mesmo querendo ser forte e lutando para não deixar que Anita conseguisse destruir o que eu vivia com Lipe e Alex. No fundo eu acreditava que provavelmente me aborreceria, que, o que quer que ela tivesse para me contar, não mudaria muito a forma como eu me sentia em relação àquela história. Afinal de contas o que poderia mudar na maneira como Lipe fora concebido?
Ela podia afirmar que Alex e Tiffany tinham um caso. Claro que ela poderia ser ridícula a tal ponto para acreditar que conseguiria me convencer, contudo algo me dizia que Anita não iria por este lado. Ou então ela poderia dizer que foi meu namorado que quis transar com a prima dela. De verdade eu também não me surpreenderia. Eu vivia com este fantasma há muito tempo para me desesperar depois de já ter aceitado Alex de volta na minha vida.
Bom... se eu queria acabar com aquilo era melhor encarar de vez e deixá-la falar. Então eu riria e deixaria que ela fosse embora. Só depois decidiria se iria chorar, gritar ou matar o Alex.
— Por que não diz logo o que quer dizer? Eu sei que viu que eu estava ocupada, então... — Fiz um gesto vago com as mãos. Anita estreitou os olhos e um sorriso escroto brotou em seus lábios.
— Você já parou para pensar que Alex, o homem perfeito que ele demonstra ser para você, pode ser apenas uma ilusão?
— Você vai precisar ser mais direta. Eu estou bastante cansada e tentar juntar os pontos vai ser um saco — ridicularizei.
— Alguma vez já se perguntou se ele foi sempre assim?
— Assim como?
— Perfeitinho. Companheiro. Amoroso... o homem perfeito, encantador, capaz de tudo para fazer a mulher que ama feliz.
— Provavelmente não. — Dei de ombros. — Eu fui a primeira mulher que Alex amou, então devo imaginar que ele não foi desse jeito com nenhuma outra. — Mantive o meu sorriso confiante, mesmo sem entender o que ela queria provar.
Que diferença faria o que Alex foi com qualquer outra mulher da vida dele? Se ela mesma estava me dizendo que ele não foi o que era para mim eu deveria me sentir feliz, não?
— Depende do que você acredita ser o amor. — Ela relaxou sentada no banco alto da cozinha. — Há quem diga que amar é se submeter a tudo para agradar o seu parceiro. Há quem diga que é não se submeter. Também pode ser aquela pessoa tão viciada na outra, a ponto de fazer loucuras.
— Hum! Eu não chamaria isso de amor, mas tudo bem, continue. — Coloquei o copo sobre a pia e encostei para observar Anita fazer a sua encenação.
— As pessoas tendem a deturpar a ideia de amor. — Nos encaramos.
Neste momento tive medo de fraquejar e deixar que Anita realmente conseguisse abalar o meu namoro.
Se eu estava tão certa de que o que ela tinha para me dizer era algo que não significaria nada para mim... ou quase nada, por que queria tanto que ela me contasse?
— Ok, Anita! Alex pode não ter sido o homem perfeito para muitas mulheres. Para mim, mesmo com tudo o que aconteceu de errado, ele continua sendo perfeito. Continua sendo o homem da minha vida e nada vai mudar isso.
— Ah, não? — Sua risada ousada me fez estremecer. — Nem mesmo se ele for um cara que gosta de espancar mulheres? — Foi a minha vez de rir.
— O que é isso, Anita? Estamos falando da mesma pessoa? — Ela passou a língua no lábio inferior e sorriu com a segurança que me faltava.
— Se você descobrisse que Alex possui gostos... peculiares? — Respirei fundo, já completamente insegura. — Ah, você sabe, Charlotte! Muitas e muitas vezes Tiffany lhe disse que você não era mulher para ele. Por que será?
— Do que você está falando? — praticamente rosnei.
— E se eu te contar que o homem dos seus sonhos não só gosta de espancar mulheres indefesas como também se delicia abusando sexualmente delas?
No primeiro segundo eu pensei no que ela havia revelado e senti o ar preso nos pulmões, logo em seguida minha mente voltou a ficar clara e eu parei de buscar qualquer possibilidade de ser verdade.
Alex nunca machucaria alguém e muito menos abusaria sexualmente. Estava completamente fora da realidade.
— Definitivamente não estamos falando da mesma pessoa. Se fosse verdade ele já teria partido a sua cara ao meio, depois de tudo o que fez. Quanto a abusar sexualmente — ri com escárnio — você deve ter batido forte com a cabeça no acidente.
— Charlotte você é muito ingênua, inocente mesmo. Também sei que não é tão idiota que não tenha capacidade de juntar as pontas que estão soltas. — Fiquei calada aguardando. Anita estava delirando se imaginava que eu acreditaria naquela baboseira toda a respeito do meu namorado. — Alex nunca namorou, nunca se deu ao trabalho de ficar com ninguém, não por muito tempo. Você acredita mesmo naquela história de que ele era um solteirão em busca de emoções? Alex frequentava um clube de sexo, onde ele podia fazer o que bem quisesse com as mulheres que estavam lá, só que ele não ficou satisfeito com a fantasia. Era preciso ser real.
— Clube do sexo? — rebati sem acreditar.
— Talvez Miranda possa te esclarecer sobre este fato.
— Miranda? — quase gritei. — O que Miranda tem a ver com isso? — Ela riu com gosto.
— É melhor perguntar a ela. Vamos ao que realmente importa. Alex não foi seduzido por Tiffany na noite em que achou que você assinou o divórcio. Ele bebeu? Sim. Muito. Foi o combustível para fazer o que fez.
— E o que ele fez?
— Alex estuprou Tiffany. — A calma com que falou não me deixou assimilar as palavras imediatamente.
— Quando Tiffany chegou, disposta a fazer mais uma tentativa, ele a estuprou. Minha prima me contou tudo no dia seguinte. Ela estava assustada, desesperada. Ele não usou camisinha, foi agressivo e tudo isso culminou com a morte dela. Tiffany amava Alex e não aceitou que ele a destruísse, primeiro agredindo, abusando e depois a abandonando quando mais precisava dele.
— Essa sua história é absurda. — Eu não ria. Dentro de mim algo me dizia que não brincávamos mais. O assunto era sério. Grave.
— Lipe é fruto de um estupro — continuou. — Por que acha que ele se empenha tanto em cuidar do menino? A culpa o consome.
— Anita!
Ouvir a voz de Alex não me puxou imediatamente para a realidade. Eu ainda encarava a mulher que empalidecia mortalmente enquanto se dava conta do que havia feito. Na minha cabeça muitas imagens de meus momentos com ele tentavam me provar de que Anita inventara aquela história para me machucar, para provocar mais um desentendimento com Alex e quem sabe assim minar de vez o nosso relacionamento.
— Você ouviu isso? — perguntei a Alex sem desviar os olhos dela.
Meu peito vibrava de raiva e ao mesmo tempo de vitória, pois pelo menos havia conseguido mostrar a Alex quem era Anita. Ela não conseguiria se justificar e não haveria mais espaço para ela naquela casa, nem em nossas vidas.
— Você ouviu isso, Alex? — falei mais alto disposta a encerrar de vez aquela farsa. — Olha o que ela está me dizendo! Veja o absurdo que ela acabou de me contar.
Enquanto eu falava caminhei em direção ao meu namorado, dando a volta no balcão. Eu me sentia forte, determinada, mas bastou olhar para Alex para tudo começar a desmoronar. Pensei que meu coração pararia de bater. Diante de mim eu via um homem em sofrimento atroz, com os olhos cheios de pavor e vergonha. Sem perceber comecei a ofegar. Não existia ar suficiente dentro daquela casa.
— Alex, eu... — Anita tentou, embora já soubesse que não havia como voltar atrás no que tinha feito.
— Saia da minha casa — ele disse sem emoção. Os olhos fixos em mim, mas com toda raiva direcionada para ela.
— Eu não quis... — Saia da minha casa — rosnou me fazendo estremecer. O ódio que eu via em seu olhar não se comparava a nada visto antes.
Anita pegou a bolsa e saiu rapidamente. Eu não conseguia deixar de olhar para Alex. Minhas pernas tremiam e um frio mórbido me fazia congelar. Eu não queria acreditar que era verdade, porém o que eu poderia dizer? Estava tudo ali, estampado em seu rosto.
— Charlotte... — É verdade?
— Charlotte eu... — Só... — Engoli o choro e me forcei a dizer. — Só me responda se é verdade.
— Não como ela contou.
Puta merda!
A primeira lágrima caiu sem que eu pudesse impedi-la. Não havia como impedir.
— Charlotte, deixe eu contar o que realmente aconteceu.
— Todas as vezes que você se impedia de falar... todas as vezes que me dizia que não foi como eu imaginava, era isso, não era? Era isso que queria me contar?
— Era. Mas continua não sendo como você imagina.
— Papai! — Lipe gritou com alegria sem descer do sofá.
— Eu já vou aí Lipe. — Alex não tirou os olhos de mim, como se eu pudesse fugir no momento em que ele virasse o rosto. — Charlotte, por favor!
— Eu preciso ir. — E precisava de ar.
— Não! — Recuei instintivamente, mas me arrependi no momento em que percebi que o havia magoado.
—Não foi como ela disse.
— Eu só preciso ir embora, Alex.
— Não faça isso, Charlotte! Não fuja de mim outra vez. — A sua dor era real, mas como eu poderia conviver com o que fora revelado?
— Eu estou com medo — revelei.
— Eu também. — Ele não se aproximava, mas parecia disposto a avançar caso eu resolvesse fugir.
— Você estuprou Tiffany?
— Não. — A forma como ele negou acalmou um pouco mais o meu coração. — Como ela morreu, não existe mais ninguém além de mim para falar sobre o que aconteceu. Se você não acreditar em mim eu não vou ter como provar que estou dizendo a verdade.
— Ela disse não?
— Disse. — Fechei os olhos querendo não ver a cara de sofrimento dele.
— Como ela pode ter dito não e não ser um estupro?
— Porque existe muito mais além do que Anita contou. Ela não faz ideia do que estava falando.
— Eu não estou entendendo. — Outras lágrimas desceram. — Eu não entendo, Alex!
— Eu vou explicar. Eu vou te contar tudo, Charlotte.
— Você bateu nela? — Alex se calou e eu soube a resposta.
— Charlotte, pelo amor de Deus, só me deixe explicar! Deixe eu te contar tudo.
— Não! — Chorei desesperada. Eu não estava pronta. Não podia ouvir mais nenhum detalhe sem me destruir.
— Charlotte, não faça isso. — Eu sabia que Alex se controlava por causa do Lipe. — Olhe para mim. — Forcei-me a obedecer. — Você me conhece. Você sabe quem eu sou e sabe que eu não seria capaz de fazer isso. É no que precisa se apegar. Você sabe quem eu sou. Eu, o verdadeiro Alex.
— Por quê? Outros Alex existiram?
— Não outros, no entanto nem sempre fui este que sou para você. O Alex real.
— Eu não entendo. — As lágrimas caíam com muita facilidade me impedindo de enxergar corretamente.
— Me deixe ir embora!
— Loti?
Lipe estava lá, bem próximo a mim, a mãozinha em minha perna como se quisesse me consolar. Foi infinitamente pior. Porque ele era a prova viva do que aconteceu.
— Vem cá. — Alex se aproximou pegando o filho no colo.
Olhei para eles dois e me perguntei como era possível? Não existia um Alex como o que Anita havia descrito. Ou então eu estava tão louca de amor que não enxergava quem ele realmente era. Porque não era possível que um homem como Alex, que arriscou várias vezes a própria felicidade para me fazer feliz, que abria mão da própria vida pelo filho, que me respeitou até descobrir que me amava, que teve todas as chances de abusar de mim e nunca o fez. Ele foi justo, honesto, correto, profissional até o seu limite.
Não. Não havia espaço para um Alex abusivo, agressivo, violento... um Alex que não respeitava, que se colocava acima de um “não”. Aquele Alex não existia. Por outro lado, eu não poderia ser tão ingênua a ponto de ignorar tudo o que ele mesmo afirmou. Ele bateu em Tiffany. Ela disse não.
— Eu vou embora, Alex. — Ele me olhou em pânico, sem poder fazer nada pois estava com o filho nos braços.
Era uma atitude covarde, com toda certeza. Mas era o que eu poderia fazer. Analisando de uma forma mais fria, eu estava abalada demais para ouvir qualquer coisa que ele pudesse me contar. Não encontrava forças para conseguir uma solução ou definição. Havia apenas dor e dúvida.
Eu precisava de espaço e tempo. Precisava de ar.
— Você não vai voltar, não é? Vai embora de novo sem ouvir o que eu tenho para dizer.
— Não. — A firmeza da minha voz me deixou mais leve. Eu sabia exatamente o que queria fazer. — Eu vou para a minha casa organizar os meus pensamentos e acalmar a minha dor. Preciso chorar, pensar, relembrar cada detalhe e, quando me sentir pronta, eu volto para ouvir o que você precisa me contar.
— Charlotte... — Não podemos fazer isso agora. Lipe precisa de você.
— De você também. — Sorri sem vontade sabendo que Lipe me olhava com medo.
— Não vai funcionar desta vez, Alex. — Ele engoliu com dificuldade e concordou.
— Quando você volta? Quando eu poderei relatar o que realmente aconteceu? Charlotte... — Puxou o ar com força. — Não vá embora outra vez.
— Eu não vou. — Senti que o choro estava prestes a me dominar. — Eu vou cuidar de mim e voltar para te ouvir.
— Quando?
— Quando eu estiver pronta.
— Mas... — Você precisa confiar em mim, Alex. Essa é a minha maneira de resolver o que está acontecendo dentro de mim.
Ele assentiu sem nada dizer. Com cautela me aproximei deles e abracei Lipe. Eu sentiria saudade.
Morreria de saudade, assim como sabia que ele também sentiria. Controlando a respiração, consegui impedir que as lágrimas descessem. Beijei o seu rosto com carinho e ele tocou o meu com os olhos atentos.
— Eu amo você! — sussurrei com a voz presa na garganta.
Sem conseguir continuar, dei as costas e fui embora, sentindo no ombro o peso de todas as minhas decisões.
Capítulo 34
“Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo.” William Shakespeare Alex Eu queria avançar em Anita e matá-la, porém, se fizesse isso iria comprovar a versão distorcida que ela tinha passado para Charlotte. Então eu precisava ser o cara que sempre fui. Seria duro, com toda certeza, sem ultrapassar nenhum limite.
— Eu só falei o que Tiffany me contou — ela rebateu completamente na defensiva. — Você não pode me impedir de ver o Lipe.
— Posso e vou. Lipe é meu filho e você está prejudicando a minha vida. Eu decido quem convive com ele ou não. Eu pensei que você tivesse mudado, Anita, agora vejo que continua sendo a mesma pessoa mesquinha, egoísta, invejosa... — Por causa da Charlotte? — riu cinicamente. — Por que eu sentiria inveja daquela... retardada? — rosnou a palavra.
— Deve ser porque ela é uma pessoa muito melhor do que você. — Vi que tinha magoado Anita, e, pela primeira vez em três anos, eu não me importei.
— Você não pode tirar o Lipe de mim. Se alguém nesta história tem o direito de ser mãe dele esse alguém sou eu. Não Charlotte! Eu criei o Lipe, eu estive com ele nas noites de cólica, eu o eduquei, cuidei em todos os ataques alérgicos, fui ao primeiro dia de aula. Eu! — Lágrimas desceram e eu vi o quanto ela odiava estar chorando. — Eu sou a parte que representa Tiffany.
— Você perdeu o direito de ser qualquer coisa para ele quando resolveu interferir em minha vida.
— Por que contei à idiota da sua namorada que você estuprou a mãe do seu filho?
— Eu não fiz isso. — Senti a raiva subindo pela minha garganta e minha mão fechou em punho. Era terrível ouvir aquilo.
— Fez! — ela rebateu e me encarou em desafio. — Eu cuidei dela quando foi enxotada. Eu cuidei das marcas que você deixou no corpo dela.
— E por que não me denunciou? Você tinha tudo o que precisava. Se acredita mesmo por que não me jogou na cadeia como sempre desejou fazer?
— Porque Tiffany não queria que fosse assim. Ela te amava e justificava todos os seus atos. Como você faz com Charlotte, ignorando completamente o fato de ela quase ter matado o seu filho.
— Eu não vou mais discutir esse assunto com você, Anita. Só vim para te avisar que troquei a fechadura da minha casa e proibi a sua entrada em meu condomínio. — Eu tenho o direito de ver o Lipe! — gritou mais enérgica.
— Você pode tentar conseguir uma autorização na justiça. Assim eu poderei pedir ajuda do conselho tutelar e, se o juiz decidir que você tem direito à visitas programadas, que seja com a presença do serviço social.
— Você não tem esse direito! Não tem!
— Como você não tinha o direito de destruir a minha vida.
— E você esconderia a verdade para sempre?
— Não é a verdade.
— Então do que você tem medo? — Cruzou os braços me encarando com firmeza.
Eu tinha medo de tudo. Sabia muito bem como Charlotte era, conhecia a fundo a sua infantilidade e imaturidade para já sofrer imaginando o quanto seria difícil convencê-la do contrário se eu lhe contasse toda a verdade. Charlotte se chocaria com o que eu tinha para contar. No entanto, não estava disposto a discutir os meus medos com Anita, muito menos falar sobre os pontos negativos da minha namorada.
— Adeus, Anita! — Comecei a sair e ela se colocou na minha frente me impedindo de alcançar a porta.
— Você destruiu tudo. Você me deixou de lado quando Charlotte voltou. Você foi o ingrato, mal-agradecido... você me usou como faz com todo mundo.
— Você estava lá e se ofereceu para me ajudar. Eu nunca te pedi. Não depois do que aprontou, quase destruindo o meu relacionamento com Charlotte, quase destruindo a minha carreira.
— Esquecer estes detalhes foi bem conveniente quando se viu com uma criança no colo, não é mesmo?
— É. Exatamente. Tiffany equivocadamente te escolheu como madrinha. Provavelmente para me punir.
Para continuar me infernizando quando não estivesse mais aqui. Para me mostrar que eu não me livraria dela nunca! — gritei fazendo-a recuar. — Eu não queria Tiffany, não queria você, não queria a merda de vida em que fui jogado, mas aceitei tudo com resignação.
— Motivado pela culpa.
— Que seja! Eu não deveria ter permitido que Tiffany ou você continuassem na minha vida, mas aconteceu. Lipe veio e eu o amo. Nunca me isentei do papel de pai e seria assim mesmo se a louca da sua prima não tivesse morrido. Você ficou porque quis, foi uma escolha sua e não minha, porém não vou ser ingrato a ponto de dizer que não precisava. Por outro lado, você não tinha o direito de interferir em minha vida. Se fosse realmente minha amiga teria conversado comigo. Teria me dito o que Tiffany contou e eu esclareceria, mas não. Sua intenção era me afastar de Charlotte. Tirá-la do meu caminho. Para quê?
— Você não entende. — Continuava chorando e sustentando a mesma raiva por estar sendo frágil.
— Não entendo mesmo, Anita. Nunca vou entender. Qual, finalmente, é o seu objetivo? Transar comigo?
Qual é o seu problema?
— Ela não tinha o direito de ir embora e voltar tirando tudo o que é meu. — Que é seu? O que é seu?
Lipe? Eu? Não vejo nada seu aqui.
— Lipe. O que vivíamos — rebateu raivosa. — Ela te abandonou.
— Ela foi traída! — Eu não acreditava que precisava explicar aquilo tudo à Anita. — Você fala tanto das infantilidades dela e muitas vezes age exatamente do mesmo jeito. Quantos anos você tem? Dezessete?
Está parecendo uma adolescente problemática, com todos esses ataques de ciúmes e... — Eu tentei te mostrar. Fiz tudo o que pude para que você enxergasse a besteira que estava fazendo. — Ela atacou e como se tivesse me dado a peça que faltava para um quebra-cabeça, eu me vi diante de uma cena completa.
E então a minha ficha caiu. Porra! As coisas nunca melhoravam. Naquele momento, no segundo de lucidez, como se tivesse acordado depois de um longo sono, eu constatei o tamanho da besteira que havia feito em minha vida. Anita... Deus! Como não consegui enxergar antes?
— Alex, tente me entender. — Ela pegou em meu braço e eu me libertei dela como se sua mão me queimasse. Ela me olhou assustada, provavelmente se dando conta do que eu finalmente havia entendido.
— Alex, não... — Foi você, não foi? — Ela recuou.
— Eu o quê? — O espanto em seus olhos já era o suficiente para mim.
— As camisas manchadas. — Ela engoliu com dificuldade, dando alguns passos para trás. Minha raiva ia crescendo à medida que eu enumerava os acontecimentos. — Chegar cedo com Lipe também foi uma tentativa de nos separar, não foi?
— Não era para ele entrar no quarto. — A segurança da sua voz tão ostentada anteriormente não existia mais. — Eu só queria te mostrar que Charlotte não te fazia bem. Que ela te fazia esquecer do Lipe, de mim. — Respirei fundo sabendo que aquele era o meu limite. Não daria para segurar.
— Você apagou o nome da lista — afirmei demonstrando que não teria como negar.
— Quando você me contou sobre os amendoins me disse que conseguiu perceber os sintomas e com o antialérgico conseguiu conter a reação. Não aconteceu nada de grave. Eu não quis machucar o Lipe. Eu... Avancei sobre ela incapaz de pensar com clareza. Eu estava tão tomado pelo ódio que mal consegui ouvir o grito que ela deu ao ser subjugada e arremessada contra a parede. Naquele momento eu só pensava que meu filho poderia estar morto por causa de um capricho daquela... daquela desequilibrada.
— Alex. Pare! — ela gritou quando mais uma vez avancei segurando em seu pescoço. Apertar foi instintivo. Matá-la era uma necessidade, precisava afastar o mal do caminho do meu filho. — A-Lex. Pa-re. — Eu não conseguia soltá-la.
Até que algo se chocou contra mim, derrubando-me no chão da sala do apartamento de Anita.
Defensivamente levantei no mesmo instante e vi Johnny parado, os braços abertos aguardando o ataque, e mantendo Anita atrás dele para defendê-la.
Agradeci a intromissão. Eu poderia realmente matar aquela mulher. Claro que não valia a pena. Nem Lipe nem Charlotte mereciam pagar pela minha burrice e pelas loucuras dela.
— Alex, é melhor se afastar. — Eu sabia que ele não queria se envolver em uma briga comigo.
— Eu vou embora — anunciei.
— Faça isso. — Johnny apaziguou ainda impedindo que Anita estivesse em meu campo de visão. — Esfrie a cabeça.
— Vou esfriar. O que precisava fazer aqui eu já fiz. Nunca mais se aproxime do meu filho, Anita. — Vi a surpresa no rosto do melhor amigo da minha namorada. — Foi ela, Johnny. Ela apagou o nome da lista.
Ela quase matou o meu filho. Apenas porque queria incriminar Charlotte.
— O quê?
— É mentira dele — Anita choramingou. — Ele quer me incriminar para me manter longe do Lipe. Para atender um capricho da namorada.
— Anita, fique calada — Johnny pediu.
— Eu não vou tentar te convencer, Johnny! De qualquer forma, obrigado por me impedir de matar essa maluca. Ela não vale a pena.
— Seu cretino! Eu vou acabar com você na justiça. Vou contar para o mundo o que você fez a Tiffany. Vou destruir o seu conto de fadas.
— Você já destruiu! — Saí batendo a porta, selando e encerrando, de uma vez por todas, aquele capítulo da minha história.
Charlotte Sete dias de silêncio. Uma semana inteirinha. Eu não conseguia pensar, não conseguia me entender e não sabia o que fazer. Falar com Alex era essencial. Ouvir a sua versão dos fatos era o correto a ser feito, independentemente da minha decisão. No entanto eu não me sentia forte o suficiente para saber toda a verdade.
Anita tinha dito para eu procurar Miranda, mas para a minha infelicidade, minha amiga partiu com o marido por uma semana visitando Angra e Parati. Eles tinham conversado e acertado as pontas soltas.
Agora ela irradiava felicidade, enquanto eu vivia sob a sombra escura dos últimos acontecimentos.
Não achei justo interferir no momento deles. Além do mais, eu não poderia expor Alex. Seria um problema maior se eu contasse o que Anita havia me dito. Eu amava Alex e estava disposta a ouvi-lo, dando-lhe todos os méritos que alcançou em seu relacionamento comigo. Mas Miranda, Johnny, meu pai, ou qualquer outra pessoa poderia não levar em consideração quem Alex foi para todos nós, e declarar o seu ódio.
Era pesado e sério demais para ser aceito ou perdoado.
Porém, eu ainda pensava que aquela era uma história excessivamente fantasiosa.
Como ele poderia ser uma pessoa para mim e outra para qualquer outra mulher? Como conseguia manter duas caras? E se ele era esse tipo de homem, porque Anita e Tiffany fizeram tanta questão de tê-lo? Não dava para ignorar os fatos.
Tiffany quis o meu marido mesmo quando já havia ocorrido a agressão. Eu lembrava muito bem da nossa última conversa, do brilho louco dos seus olhos ao projetar um romance que ela nunca viveria. Não havia ódio, nem tristeza, rancor ou medo. Havia a certeza de que ela o amava e que aquele filho seria a união dos dois.
E Anita? Se ela sabia da verdade... se tinha conhecimento de todos os fatos, inclusive sobre o tal clube do sexo, por que não estava horrorizada? Por que não o repudiava e o incriminava?
Além de todas as questões sem respostas eu ainda precisava lidar com o fato de Alex realmente ter agredido Tiffany. Ele não negou, não tentou me convencer do contrário. E havia a sua versão que provavelmente não me convenceria, como ele mesmo havia dito.
Eu estava preparada para ouvi-lo? Não. Talvez nunca estivesse. Eu ouviria? Sim. Devia isso a ele. Por todas as vezes que ele acreditou em mim.
Eu tremia sentindo um frio que sabia não existir. E foi assim todos os dias desde que saí da casa do Alex.
A sensação de vazio, a saudade que eu sentia do Lipe e do Alex. O meu Alex. Não aquele que Anita me revelou existir.
No quarto dia em que mantive o meu silêncio me refugiando em meu quarto e fingindo estar em um surto criativo, resolvi dar uma caminhada pela orla e, sem perceber, acabei parando no Arpoador. Era noite, mas nem isso me deteve. Fazia muito tempo que eu não ia ali, apesar de gostar do local.
Instantaneamente lembrei de tudo o que eu gostava e que não fazia há anos. Tantas coisas que ficaram para trás porque eu me apaixonei, casei, me desesperei e fugi. Tudo ficou para trás com a minha fuga. E quando voltei imaginei que poderia continuar de onde parei, no entanto era impossível. Tudo havia mudado. Tudo.
Eu não era mais a mesma pessoa e Alex... subi as pedras pensando em quem era Alex. Eu não sabia. Não poderia saber. Nos conhecíamos há tão pouco tempo que se somássemos o curto período de namoro e casamento não chegávamos a um ano de relacionamento, então, como eu poderia afirmar que o conhecia?
Alex era um homem maduro, vivido, experiente e eu nunca me iludi a respeito das suas vivências, no entanto, nunca, em meus piores pesadelos, cheguei a cogitar algo parecido com o que Anita havia contado. Nada condizia com o homem que eu julgava conhecer.
Pelo menos não com o professor resistente, que se negou veementemente a se envolver com uma aluna, que teve todas as chances e armas para abusar de mim, que nunca me tocou de uma maneira mais rude, que era amoroso e atencioso com o filho, educado e grato aos pais, paciente, amigo, companheiro... Eu não queria acreditar que ele não era nada daquilo, ou que fosse, embora existisse algo mais sombrio em sua personalidade capaz de fazê-lo agir de maneira tão absurda.
Johnny apareceu quando eu pensava em voltar. Eu imaginava que alguém apareceria, até porque meu pai havia percebido que eu não procurava Alex e nem buscava o Lipe. Apesar de Peter respeitar o meu silêncio, contudo tratou de ficar ali, rondando-me e tentando me atrair de todas as formas. Johnny era uma delas.
E como ele conseguiu me encontrar? Bom, eu sabia que um segurança me seguia o tempo inteiro. Que ele me rastreava quando bem quisesse. Meu pai não tocava no assunto e, como eu sabia que ele precisava disso para se sentir feliz e seguro, fingia não perceber.
— Você aqui no meio da noite e com esta cara, deve ter acontecido realmente algo grave — gracejei sabendo que meu amigo abriria o jogo.
— É fácil saber onde você está. — Ele subiu o que restava para ficar ao meu lado. — Tenho uma coisa para te contar. — Folgou a gravata e se sentou ao meu lado. Seus olhos sérios denunciavam a gravidade do assunto.
— O que aconteceu, Johnny?
— Precisei tirar Alex de cima da Anita. — Meu coração acelerou quando meu cérebro não captou a mensagem, fazendo-me formular teorias absurdas. — Ele estava tentando matá-la. — Meu queixo caiu literalmente. — Pelo menos foi o que me pareceu.
— Porra, Johnny! — Escondi o rosto com as mãos.
Eu não sabia se ficava aliviada ou temerosa. Era ótimo saber que Alex não via mais Anita com bons olhos, no entanto, saber que ele agredira a madrinha do Lipe apenas reforçava a imagem que ela tentou pintar.
— Charlotte, o assunto é sério. — Voltei a olhar para meu amigo que continuava tenso. — Ele acusou Anita. Você sabe de quê. Todas as suas suspeitas.
— O caso do Lipe?
— Principalmente.
— Ai meu Deus! Ela confessou?
—Não para mim. — Continuou me olhando. — Tá legal! Eu estou mais inclinado a acreditar no seu namorado do que nos apelos dela.
— Ele vai dar queixa?
— Duvido muito. Mas eu tive que convencê-la a não dar queixa dele. Os hematomas em seu pescoço são o suficiente para enquadrar Alex.
— Puta merda!
— Exato. Agora é a sua vez. O que aconteceu?
— Como assim? — Recuei. Eu não podia contar ao meu amigo o que Anita havia dito. Não sem antes dar a Alex a chance de se defender.
— Não se faça de idiota. Pelo menos não comigo — rebateu, cansado demais. Suspirei.
— Anita fez algumas acusações graves contra Alex. Ela as usou como arma para nos separar. — Johnny fechou os olhos e coçou a testa. Ele estava mesmo cansado.
— Que tipo de acusações. — Fiz uma careta.
— Desculpe, mas não posso contar.
— Charlotte!
— Não posso, Johnny! Eu e Alex ainda não conversamos e eu preciso saber dele o que realmente aconteceu para chegar a minha própria conclusão.
— Que merda!
— Por favor, confie em mim.
— Vocês terminaram?
Encarei meu amigo e de repente eu não sabia nem o que fazer com as minhas mãos. Qual resposta eu poderia dar? Estávamos juntos? Com certeza não. E separados? Também não. Então o quê?
— O que está faltando para você ouvir o que ele tem para dizer?
— Algumas coisas. — Meu amigo arqueou a sobrancelha me cobrando uma posição. — Coragem. — E uma conversa com Miranda, mas esta parte eu também não poderia contar a ele.
— Lottie... meu amor. — Ele segurou em minha mão.
Imediatamente meus olhos encheram de lágrimas. Johnny só me chamava assim quando realmente estava preocupado, ou triste, ou qualquer outra coisa que exigisse o nível máximo de intimidade entre nós dois.
— Você sabe que Anita não é confiável. Ela não é ruim, também não é muito certa da cabeça. — Tentou sorrir, mas foi em vão. — Ela não quer perder o Lipe e é o que vem acontecendo desde que você voltou para aquela casa.
— E isso justifica ela ter tentado matar o menino?
— Não. Nada vai justificar o que ela fez. Se é que fez. — Mordi o lábio contendo a minha raiva. — Ok!
Tudo indica que ela fez, porém... o que eu quero de fato dizer, Charlotte, é que você já passou por muita coisa por causa deste relacionamento. Você casou rápido demais, descobriu a mentira em que foi envolvida, foi traída, separou, perdeu um filho, descobriu que não poderia ter outro, voltou para Alex, amou o filho dele e reconstruiu tudo com muita nobreza e dignidade. Eu achei que você não conseguiria, mas você conseguiu. Mesmo com Anita, com o seu pavor de crianças, com a mágoa... seu amor por Alex é puro e verdadeiro e o dele por você também. — Solucei deixando cair as lágrimas contidas. — Eu não sei o que Anita aprontou desta vez, mas tente enxergar apenas Alex e o que vocês dois passaram para chegar até aqui.
— Você não está se importando? Não te incomoda o fato de Anita estar tão obcecada com meu relacionamento?
— Eu já disse que não. Há muito Anita deixou de ser interessante para mim. Era só sexo.
— Era?
— Não posso ficar com uma pessoa que te faz mal. Mesmo que seja só para sexo. — Piscou de forma descarada, embora eu soubesse o quanto tal decisão custava ao meu amigo.
— Obrigada, Johnny! Você merece uma pessoa melhor.
— Eu mereço muitas pessoas melhores. — Levantou de um pulo. — Não sou homem de ficar preso a uma única mulher.
— Pela primeira vez eu fico feliz em ouvir isso. — Levantei e abracei o meu amigo. — Obrigada!
— Você está gelada. — Acariciou meus braços tentando me aquecer. Ele não sabia que o gelo vinha de dentro e não do vento local. — Vamos. O padrinho está preocupado. Você não contou nada a ele, não é?
— Não. Com certeza ele já deve ter uma ideia do que está acontecendo.
— Ele tem. Vou te deixar em casa.
Descemos a pedra de mãos dadas. Qualquer pessoa que nos visse acharia que éramos um casal de namorados. Ele me conduziu com cuidado até que estivéssemos no chão, e depois caminhou ao meu lado, abraçando os meus ombros como se quisesse me confortar.
Não havia muita gente por lá, por isso era fácil ver e prestar atenção aos movimentos. Não sei por que minha atenção se voltou para um casal que deixava um carro. O rapaz ajeitava o boné da garota, prendendo seus cabelos vermelhos como se desejasse ocultá-los. Ele sorria e ela parecia emburrada, e então, quando passamos por eles, ela se virou e levantou o dedo do meio.
Meu rosto esquentou consideravelmente. Se ela havia feito aquele gesto indecente para mim foi bem merecido. Eu estava olhando para os dois como se estivesse enfeitiçada pela composição. O rapaz jovem, pele bronzeada, feições finas, bonito, podemos dizer, a garota que não parecia com nada que harmonizasse com a figura dele e que, mesmo assim, tornava a pintura algo admirável.
Claro que eu olhei e lógico que pensei que seria uma ótima dupla para a construção de personagens. Mas foi apenas isso. Obviamente a garota não entendeu assim e reagiu. Parei chocada e Johnny me puxou pelos ombros.
— Você viu o que ela fez? — perguntei perplexa. — Eu só olhei para eles! — Johnny riu. — Não tem graça ser agredida sem ter feito nada.
— Não foi com você, princesa!
— Como pode saber?
— Tá vendo ali? — Apontou um rapaz escondido com uma câmera apontada na direção do casal. — Se eu não me engano o rapaz de boné é um ator internacional famoso.
— Sério? — Olhei outra vez para eles que já se afastavam sem olhar para trás.
— Sério. Pelo menos desta vez as lentes não estavam voltadas para você. Como se não bastasse o escândalo com o Thomas para apimentar o seu namoro.
Sorri descansando no peito do meu amigo até alcançarmos o carro. Ele tinha razão. Graças a Deus não chamamos atenção.
Alex Cinco dias sem que ela mandasse qualquer notícia. Eu estava quase enlouquecendo.
Eu olhava o computador e não conseguia sequer me concentrar para organizar minhas ideias. Foram cinco dias vivendo no modo automático. Tentando não passar para Lipe o que estava acontecendo, apesar de ele perguntar insistentemente por Charlotte. E eu me sentia péssimo!
Não apenas por ter escondido dela a verdade mais uma vez. Eu não conseguia contar e não pensei que Anita poderia estragar tudo contando uma versão fantasiosa. Eu me sentia péssimo por ter aberto a porta da minha casa e permitindo que Charlotte entrasse, mesmo quando imaginava que tudo acabaria outra vez.
E com isso criei um mundo mais vazio não apenas para mim, para o meu filho também, que já estava contagiado por aquela garota maluquinha, de sorriso fácil e cheia de amor.
Mais uma vez eu estraguei tudo e a culpa me corroía.
— Por que você não procura ela e conta logo de uma vez o que realmente aconteceu? — João estava tentando a todo custo encontrar uma solução para o meu problema.
Eu não queria conversar. Ele não sabia o que eu tinha feito, apenas acreditava em mim quando dizia que a versão de Anita era mentirosa. E ponto final. Com João era assim, não precisava de muita explicação.
Ele mantinha uma fé em mim que nem eu chegava a ter, mas naquele momento eu era muito grato por isso.
— Charlotte precisa do tempo dela — expus o mantra que exercitava a cada minuto para não sair correndo atrás da minha namorada. — Eu preciso ter paciência ou vou estragar ainda mais as coisas.
— Cara, você devia denunciar Anita. O que ela fez não tem perdão.
— E vou fazer isso como? Não tenho provas do que ela fez. Quando Johnny chegou lá ela tinha acabado de confessar, mas desmentiu tudo. Vai ser a minha palavra contra a dela e, levando-se em consideração o fato de Tiffany ter atentado contra a própria vida mesmo estando grávida, vai ser muito fácil as pessoas acreditarem na versão dela. Será um escândalo enorme que poderá afetar não apenas a minha carreira como também a vida do meu filho e da própria Charlotte.
— Foda! Eu mesmo mataria aquela desgraçada, se isso não me levasse a ficar longos anos na prisão e longe das minhas pestinhas. — Tive que sorrir. Era bom saber que João era um pai tão dedicado e amoroso. Assim como eu. — Patrício já está sabendo?
— Não. Ele está tentando salvar o casamento. Preferi deixá-lo em paz.
— Patrício é um babaca — ele sorria, então eu soube que meu amigo se referia ao fato do meu irmão enxergar mais problemas do que soluções para viver bem com Miranda.
— Ele é sim. — Olhei mais uma vez o celular. Eu ainda nutria a esperança de receber alguma mensagem.
Qualquer coisa que me dissesse que aquela angústia teria fim.
— Ligue para ela, Alex! Você está péssimo!
A sensação de peso no peito, tão descrita nos livros, acompanhava-me desde que Charlotte passou pela porta da minha casa e foi embora. Eu queria poder massagear o local mesmo sabendo que nada aliviaria a dor. Seria assim até ela voltar ou até eu me acostumar a viver outra vez sem a mulher que amava.
— Charlotte vai me procurar quando estiver pronta.
— E se ela nunca estiver pronta? — Olhei para João com o coração acelerado. Ele disse em voz alta o que eu tanto temia e me obrigava a não acreditar. — Da última vez levou três anos até que ela parasse para te ouvir.
— Da última vez não havia nada que eu pudesse dizer para fazê-la ficar.
— Então ela voltou e te perdoou. Poderia muito bem ter poupado três anos de sofrimento e lamentações em meus ouvidos. — Ri.
— Você sabe que nada funciona assim.
— Mas poderia funcionar — suspirou pesadamente passando as duas mãos nos cabelos. — A vida seria bem mais fácil se fosse como nos livros.
— Eu leio tantos dramas nos livros que penso que a vida já é bem mais fácil e menos complicada — rebati, agradecendo pelo desvio dos meus pensamentos.
— Nos livros os finais são sempre felizes. — Arqueei uma sobrancelha pronto para negar o que ele dizia, mas desisti. Eu almejava um final feliz típico dos livros que o João Pedro citava.
— Não seria uma ideia ruim.
Ficamos em silêncio. Eu sabia que João me observava tentando encontrar qualquer outra coisa que me fizesse sair um pouco daquela apatia. Uma prova disso era ele estar em minha sala há quase duas horas sem nenhum motivo aparente, apenas jogando conversa fora e tentando me convencer a procurar Charlotte.
— O que vai fazer no feriado? — Ele tentou mais uma vez.
— Vou para o rancho com os meus pais. E vocês?
— Vamos para Brasília. Meu pai tem reclamado que nunca mais fomos então pensamos em aproveitar para fazer este passeio com as meninas.
Eu entendia a necessidade do meu amigo passar um pouco mais de tempo com a própria família. Durante anos ele se afastou para viver o mundo de Lamara. Não estava arrependido, mesmo assim eu sabia que ele sentia falta do pai.
Só que eu não esperava ficar sozinho com o Lipe e meus pais em um feriado prolongado e contava com a presença do meu amigo e das suas filhas para fazer o tempo passar mais rápido.
— Patrício também não vai.
— É. — Ele me olhou com culpa. — Eu estou sabendo.
Claro que sabia. Era o aniversário de Charlotte e Miranda não abriria mão de ficar com a amiga. Todos ficariam com ela, menos eu e Lipe. Isso considerando-se que as coisas não estariam resolvidas até lá, como eu almejava.
— E Anita tem tentado alguma coisa? — Ele desviou a conversa.
— Não, mas Lipe não tem ido à escola. Eu ainda não sei como farei para mantê-lo na rotina. Não posso acompanhar todos os seus passos para me certificar de que ela não aparecerá. Também não posso confiar que ela não vai tentar nada.
— Filha da puta! — rosnou. — Eu sempre te disse que essa reaproximação não era legal. — Passei a mão no rosto cansado daquelas acusações.
— Sim, você avisou. Todo mundo avisou e todo mundo aceitou muito bem que Anita assumisse o posto que assumiu em minha vida. Vamos ser realistas: quem poderia dizer que ela seria capaz de atentar contra a vida do Lipe?
— Pelo que você disse ela acreditou que seria apenas um susto.
— Um susto que quase matou o meu filho.
— Você está certo. Lipe ainda não está em idade colegial então não vai ficar atrasado em nada. É melhor prevenir do que remediar.
— É sim. Vai ser melhor tirá-lo um pouco da cidade. Fazê-lo se concentrar em outras coisas. — João fez uma careta que eu já conhecia.
— Ele está sentindo a falta dela, não é mesmo? — Concordei com a cabeça. — Essa é a grande merda de tudo. Da próxima vez pense dez vezes quando for apresentar uma mulher ao seu filho. Quer dizer... caso Charlotte não volte. Claro que ela vai voltar — se corrigiu rapidamente ao ver a minha cara de poucos amigos.
— Eu não apresentei uma mulher qualquer, eu apresentei a mulher da minha vida, a que eu quero que fique comigo para sempre.
— Eu sei, eu sei. — Levantou a mão se rendendo. — Falei bobagem.
— Mais uma das suas bobagens — rebati ofendido. João Pedro riu concordando comigo, o que me deixou mais tranquilo.
Ainda tínhamos duas noites antes de viajarmos e eu precisaria de toda minha força de vontade para permanecer firme e respeitar o tempo de Charlotte.
Charlotte Abri a porta de casa e dei de cara com meu pai. Ele estava sentado no sofá, o celular na mão e os olhos demonstrando claramente que daquela noite não passaria. Soltei o ar dos pulmões decidida a não travar uma guerra. Conhecia meu pai o suficiente para saber que ele cavaria aquela informação até consegui-la.
Era melhor que fosse através de mim, colocada pelas minhas palavras e não por uma mente doentia como a de Anita.
— O que houve? A namorada não quis sair esta noite? — Ele riu irônico.
— Se um monte de planilhas e executivos engravatados fossem considerados namorada muitas pessoas estariam solteiras.
— Muitas pessoas estão solteiras. — Sentei ao seu lado aguardando pela bomba.
— Você está? — Pensei a respeito. Aliás, era só no que eu pensava nos últimos dias.
Muitas e muitas vezes precisei frear o impulso de procurar Alex. Eu não queria vê-lo porque queria ouvir o que tinha para me contar e sim porque a saudade estava me castigando de forma injusta e cruel. Só que saudade não poderia ser a mola propulsora daquela conversa. Eu precisaria estar desprovida dela para conseguir ouvir e tirar as minhas próprias conclusões.
Eu sabia que se fosse vê-lo sentindo falta do Lipe, sentindo falta do que vivemos nos últimos tempos, Alex poderia confirmar que era tudo verdade e ainda assim eu voltaria, apenas para me culpar todos os dias e me condenar por aceitá-lo mesmo depois de tudo.
E também havia o medo que me congelava. Eu queria acabar com a distância, resolver logo, no entanto havia a possibilidade de que o que ele tivesse para me contar acabasse colocando um fim em tudo. E só de imaginar o fim eu me escondia covardemente na ideia de que precisava de mais tempo e assim os dias passavam sem que eu tivesse coragem de dar aquele passo.
— Charlotte?
— Não sei pai. — Fui o mais honesta possível. — Eu me afastei porque precisava de um tempo para entender algumas coisas.
— Alex fez algo errado?
— Eu não sei. Esse é o problema. — Ele me encarou como se quisesse encontrar a verdade além da minha máscara muito bem colocada de mulher madura e serena.
— Você não sabe — repetiu, ainda me analisando. — E o Lipe? — Escondi meu rosto entre minhas mãos tentando acalmar meu coração. Lipe era o meu ponto fraco.
— Eu não sei o que fazer com o Lipe, pai. Não quero perdê-lo. Não quero abandoná-lo, mas qualquer atitude que eu tome em relação a ele vai envolver Alex e eu não sei se estou pronta para encará-lo agora.
— Meu pai suspirou e colocou uma mão em meu joelho.
— Você sabe que pode me contar tudo, não é mesmo?
— Da mesma forma que eu sei que se não te contar o senhor vai descobrir. — Ele ficou surpreso, mas sorriu convencido.
— Apenas porque quero o seu bem.
— Não. Porque o senhor não pode ficar sem estar no controle de tudo.
— Charlotte... — Anita acusou Alex de estupro. — Vi confusão no rosto do meu pai. — Tiffany — tentei consertar, mas vi que o deixei ainda mais confuso. — Ok! Anita disse que Alex estuprou Tiffany na noite em que Lipe... eles... o senhor entendeu. — Meu rosto esquentou e meu pai ficou sem graça com a minha tentativa de informá-lo.
— Alex confirmou?
— Não. O problema é que ele disse que eu ficaria horrorizada com o que ele poderia me contar sobre aquela noite, então eu posso acreditar que ele não violentou Tiffany, mas o que mais de horrível poderia ser envolvendo sexo? — E com isso meu rosto esquentou um pouco mais. Ajustei os óculos tentando esconder o meu embaraço.
— Isso é grave.
— Muito grave. Principalmente porque Tiffany morreu. Ninguém pode dizer que Alex vai falar a verdade, nem Anita.
— Bom... — Ele se acomodou no sofá sem me encarar. Os olhos maximizados buscavam pelas palavras certas. — Levando-se em consideração quem é Alex e quem é Anita eu acho que a versão dele deveria ter mais credibilidade.
— Existe algo de muito ruim nesta história — falei mais para mim do que para ele. — E eu não sei se quero ouvir.
— Você está me dizendo que está se recusando a ouvir a versão dele?
— Estou dizendo que pedi um tempo para me preparar. — Meu pai ficou me encarando como se eu fosse uma idiota. Provavelmente eu era mesmo.
— Charlotte, eu quero ser o mais honesto possível com você... — Eu ficaria grata — salientei devido a todas as vezes que ele não foi honesto quando tivemos problemas.
— Não posso dizer que Alex não fez isso, apesar de querer acreditar com todas as minhas forças. Não posso acreditar que casei minha filha com um homem doente. — Comecei a ficar tensa. — Alex sempre foi um homem justo, nunca houve nada que pudesse desonrá-lo... não me olhe assim. Você jamais se casaria sem que eu investigasse a vida do sujeito.
— Não sei porque isso não me surpreende. — Revirei os olhos.
— Alex é uma figura pública. Não acha que se ele já tivesse feito algo parecido a pessoa não tardaria a acusá-lo?
— E se for a primeira vez? E se aconteceu apenas com Tiffany devido à insistência dela?
— Eles foram namorados, Charlotte.
— Como se fosse algum indicador contra abusos. — Meu pai me encarou, olhando-me com curiosidade.
— Você está buscando justificativas para acreditar nesta história? — Recuei. Era exatamente o que eu estava fazendo?
— Só não quero deixar que o amor que eu sinto me cegue. Não posso ficar com Alex sem ter certeza de que nada aconteceu.
— E como vai conseguir isso sem conversar com ele? — Emudeci. O que eu poderia dizer se meu pai estava coberto de razão? — Filha — sua mão subiu do meu joelho para minha mão — pare de se sabotar.
Todas as vezes que tem um problema você se fecha e fica incapaz de seguir em frente. Eu entendo todas as suas dúvidas e medos, mas sem dar uma chance a ele de se explicar nunca vai conseguir uma verdade.
Uma que te ajude a decidir o que fazer.
— Eu sei.
— Todas as vezes vou precisar te dar um pontapé? — Olhei para ele sem entender. — Alex foi para Petrópolis com Adriano e Dandara.
Entendi a informação e entendi a sua alusão a um pontapé. Era o mesmo de quando eu me escondi na Inglaterra sem coragem de salvar o meu casamento. Meu pai era durão, exigente, antiquado e cheio de manias chatas, porém, quando ele assumia o seu papel de pai, era sempre para me dar aquele empurrão que faltava para me jogar na estrada.
— Ouça o que ele tem para dizer. Olhe nos olhos dele. Eu sei que você vai saber a verdade.
— Pai... — Vá. Use o meu carro, cuidado com a estrada. Eu mandei Odete fazer uma mala pequena para você, para o caso de querer ficar alguns dias por lá.
— Mas, pai... — Se ele disser algo bom, fique, se não, acerte o nariz dele por mim e volte para casa. — Tive que rir — Eu me entendo com ele depois.
— Pode deixar. Eu me resolvo com Alex e o senhor mantém a sua arma muito bem guardada.
Ele riu ainda mais quando me atirei em seus braços como aquela criança de muitos anos atrás. Beijei seu rosto e fui embora. Era hora de descobrir a verdade.
Capítulo 35
“Sendo inimigo, acesso junto dela não obtém ele para suas juras; nem ela sabe, como, com cautela, lhe poderá dizer palavras puras.” William Shakespeare Alex Estava frio. A noite ainda estava se iniciando e já parecia bem tarde. Conferi mais uma vez a bota do Lipe e o seu casaco. Não queria que ele tivesse outro ataque de asma ou qualquer outra reação relacionada a sua saúde.
A lareira estava acesa, mesmo minha mãe reclamando que não era necessário. Na verdade, ela tinha medo por Lipe e eu a entendia, mas como não pretendia tirar os olhos do meu filho, manter a casa aquecida não seria nada ruim.
— Vai chover. A cerração já tomou quase tudo — meu pai anunciou, sentando com uma taça de vinho. — Vamos ter uma noite gostosa e aconchegante. — Abriu os braços para que minha mãe sentasse ao seu lado. Ela riu apaixonadamente.
— Ainda bem que mandamos consertar o telhado — ela disse tentando disfarçar o embaraço por ser cortejada na minha frente.
— E colocamos aquecedores nos quartos — meu pai completou.
— O que foi uma extravagância — me intrometi, quebrando o clima dos dois. — Aqui não é sempre frio.
Nada que alguns cobertores não consigam resolver.
— Nós gostamos de fazer extravagâncias — meu pai me censurou beijando o topo da cabeça da minha mãe, que sorriu imediatamente.
— Lipe, não coma tanto chocolate, meu amor — ela advertiu e eu voltei minha atenção para o meu filho que mantinha na mão o palito com os morangos banhados em chocolate. Os morangos ainda estavam lá, já o chocolate... — Alguém vai ter que tomar banho antes de dormir — brinquei, beliscando a sua barriga. Meu filho riu lambendo os dedos. — Você vai virar uma formiga.
— Será que o rio vai transbordar?
Estremeci com a pergunta da minha mãe. Há alguns anos eu me fiz aquela mesma pergunta e foi graças a ele que finalmente eu tive Charlotte em meus braços. Também estavam lá Tiffany e Anita e elas quase destruíram a minha relação com a mulher que eu amava. O engraçado daquilo tudo era perceber que ali era apenas o começo do inferno ao qual elas me condenariam. Os anos passaram, Lipe nasceu, Tiffany morreu e nem assim elas deixaram de me atormentar. Era impossível não pensar em tamanha semelhança, apesar de Charlotte não estar presente.
— Se formos ter chuva forte é melhor pedir para prenderem os cavalos — minha mãe continuou.
— Vou fazer isso. — Meu pai levantou. — Se aquela cabana não cair hoje não cai nunca mais.
Outra vez fui levado pelas lembranças. Charlotte fugiu de mim quando pensou que eu estava brincando com os seus sentimentos e que tinha um caso com Anita. Eu já estava completamente apaixonado e não pensei duas vezes antes de me atirar naquele rio para encontrá-la. E foi maravilhoso!
Depois disso não voltamos mais à cabana, como ela tanto desejou. Eu deveria levá-la lá para lembrá-la do nosso amor, do meu amor. Suspirei e encontrei o olhar da minha mãe que me fitava com pesar. Meu pai não estava mais lá, o que me fez perceber que fiquei muito tempo perdido em meus pensamentos.
— Lamara e João Pedro gostam tanto do friozinho daqui — ela começou, puxando o casaco para se aquecer melhor. — Pena eles não terem vindo.
— É sim. — Alisei o cabelo do meu filho rezando para que ela não tocasse no nome de Charlotte. Lipe ficaria triste outra vez e eu estava preparando o terreno para o caso de ela não voltar mais.
— Espero que não tenha trovoadas. Os cachorros vão ficar agitados — ela continuava puxando assunto, ou tentando me fazer esquecer as lembranças. Como se fosse possível.
— Tem que mandar prendê-los também.
— Eu já fiz isso. — A voz do meu pai denunciou a sua volta. Ele estava mais animado. — Vejam só quem eu encontrei perdida por aqui. — Olhamos todos no mesmo instante e eu não conseguia acreditar no que meus olhos me mostravam.
— Charlotte? — Minha mãe levantou, mas Lipe foi mais rápido.
— Loti! — ele gritou correndo em sua direção.
Charlotte abaixou para recebê-lo em seus braços e retribuiu a emoção ao levantá-lo rodopiando e beijando seu rosto. Tenho que confessar que a cena me emocionou como há muito eu não me emocionava.
Eu senti medo, por tudo, por mim, por ela e principalmente pelo Lipe. Como seria para ele se Charlotte simplesmente decidisse que não daria mais para continuar?
A sua recepção calorosa não dizia nada sobre nós dois, apenas confirmava o seu amor pelo meu filho.
— Entre, Charlotte. Está gelado — meu pai a incentivou a se aproximar.
Foi quando ela finalmente olhou para mim. Ainda segurando Lipe, abraçando-o como se apenas aquilo não fosse o suficiente para aplacar a sua saudade, Charlotte me olhou. Não havia a emoção que eu imaginei que haveria quando nos reencontrássemos. Ela estava serena, contudo, cautelosa.
— Charlotte, querida, você viajou até aqui sem um casaco? — Ela sorriu envergonhada do comentário da minha mãe.
Foi quando consegui prestar mais atenção naquela mulher linda e me dei conta do seu jeans, tênis sem meias e uma camisa fina de manga curta. Como ela podia ser tão irresponsável? Imediatamente retirei meu casaco levando em sua direção. Ela não recusou, o que me deixou animado.
— Tome. — Entreguei-lhe o casaco e tirei Lipe dos seus braços para que ela pudesse se cobrir. A pele arrepiada indicava o frio que sentia.
— Traga um vinho quente para ela, Adriano. — Minha mãe já se aproximava puxando Charlotte para perto da lareira. — Você não vai voltar hoje, não é mesmo? Então não tem problema beber um pouco.
— Loti!
Lipe abriu os dois braços querendo ir para o seu colo, o que conseguiu tão logo minha namorada... ex... eu não sabia, sentou-se no sofá em que estávamos antes.
— Eu não sei, Dana — começou a falar, mas minha mãe a cortou de imediato.
— Você vai ficar. Onde já se viu voltar para o Rio de Janeiro com toda esta cerração. Você precisa ficar.
Peter nunca nos perdoaria. — Ela sorriu educadamente e me olhou com receio.
— Aqui. — Meu pai lhe entregou uma taça que imediatamente ela levou aos lábios. Eu não sabia se era por causa do frio ou pela situação.
— Chocolate — Lipe mostrou o palito que havia deixado de lado quando ela entrou na sala.
— Hum! Dedos de chocolate, que delícia! — Ela fingiu que morderia os dedos dele e meu filho riu como há dias não o ouvia rir.
Eu sabia que estava sendo difícil para ele perder Charlotte e Anita ao mesmo tempo, contudo enquanto eu desejava fervorosamente que uma voltasse, cuidava para que a outra nunca mais se aproximasse.
— Me conte, pintou mais algum desenho?
— Não. — Fez um biquinho de desolação. — Não foi.
— Não foi? — Charlotte me olhou curiosa, mas eu não queria conversar sobre aquilo na frente da minha mãe.
— Eu não foi pala ecolinha — resmungou se queixando das minhas decisões. Mais uma vez Charlotte me lançou um olhar buscando por respostas que eu continuei sem dar.
— Lipe, vamos até o quarto da vovó?— Minha mãe levantou, tomando a decisão mais sábia daquela noite. — Vamos lavar essa mãozinha ou então a Charlotte vai comer seus dedinhos. — Charlotte fingiu fazer o que minha mãe falava e meu filho riu deliciosamente outra vez. — Vamos, meu amor. Vovó quer te mostrar um desenho muito legal lá naquela TV grandona do meu quarto.
— Vocês já vão dormir? — Charlotte ficou agitada, como se de repente estivesse com medo de ficar sozinha comigo.
— Vou só cuidar do Lipe — minha mãe anunciou. — Já está na hora dele. Alex, cuide para que Charlotte esteja bem instalada. Boa noite, querida. Vamos, Adriano?
— Eu vou fechar o portão. Quando vi o carro do Peter entrando em nossa propriedade acabei deixando minhas tarefas para trás. Vão na frente. Eu vou cuidar dos últimos detalhes porque a chuva já começou a cair e eu ainda não dei as coordenadas ao pessoal. — Meu pai começou a sair e voltou para a sala. — Bom ter você aqui, Charlotte. — E foi embora.
Minha namorada demorou um longo tempo encarando a porta por onde meu pai saiu. Eu reconhecia a sua atitude, a protelação, a dúvida sobre estar ou não fazendo a coisa certa, o medo de me encarar de frente e constatar que o pesadelo era verdade.
Então ela se virou em minha direção e, contra todas as previsões, me encarou. A taça ainda em sua mão já não era mais relevante. Ela não sorria, também não recriminava com os olhos ou atitudes. Era como se estivesse vazia, desprovida de qualquer julgamento. Charlotte estava ali para me ouvir, então eu teria que falar.
— Você cumpriu a sua promessa — comecei indeciso sobre como deveria conduzir aquela conversa.
— Demorei um pouco, agora estou pronta. Preciso ouvir o que aconteceu naquele dia, e, por favor, não me esconda nada.
— Não vou esconder. Eu vou te contar tudo. Não sou um monstro, também não estou isento de culpa.
E com isso eu iniciaria a conversa mais importante da minha vida.
Charlotte Estremeci com as palavras dele. Eu precisava continuar forte, ir até o final e tomar uma decisão. Não dava mais para voltar atrás. Por isso permaneci calada, ouvindo e deixando que ele falasse.
— Vamos para um lugar mais reservado? — Fiquei tensa.
Eu também acreditava que se ficássemos ali na sala, Adriano logo voltaria, Lipe poderia nos procurar e a qualquer momento, Dana poderia acreditar que sentíamos fome, o que não vinha ao caso. Era melhor que conversássemos sem interrupções. No entanto, estar em lugar reservado com Alex seria um risco muito grande.
Se por um lado eu não queria interrupções, por outro eu não queria ser influenciada. Tê-lo tão perto, conhecendo o seu poder de persuasão e sabendo o quanto eu era fraca, o melhor a fazer era ficar em um lugar neutro, de onde eu pudesse fugir, para ser mais específica.
— Podemos ficar no escritório do meu pai — ele sugeriu fazendo-me pensar. O escritório poderia ser um lugar neutro, apesar de eu saber que se Alex quisesse me dominaria em qualquer ambiente.
— Pode ser. — Eu não estava tão certa, mesmo assim aceitei. Era melhor começarmos logo.
Alex não segurou em minha mão, nem tentou me abraçar. Era como se ele soubesse do meu medo e respeitasse a minha necessidade de distância. Fiquei feliz ao constatar tal fato. Se ele respeitava o meu espaço seria capaz de respeitar qualquer outra coisa. Inclusive uma mulher que não quisesse transar com ele.
Será? Eu não estava sendo muito ingênua?
Caminhamos em silêncio até entrarmos no escritório. Estava tudo exatamente como da última vez em que estive naquele lugar. Se eu fechasse os olhos poderia sentir a vergonha que senti quando flagrei Miranda e Patrício em uma situação imprópria.
Parecia que o passado visitava o presente. Na ocasião eu me sentia insegura quanto a Alex. Não sabia do seu amor, apenas do meu. Queria alcançar o meu objetivo mesmo sabendo que sairia em frangalhos. E foi tudo completamente diferente do que eu acreditava.
Será que seria assim novamente?
Alex me indicou a cadeira em frente à mesa e, dando a volta, sentou do outro lado, estabelecendo uma barreira entre nós dois. Mais uma vez me dando a chance de escapar, de fugir e de encerrar a nossa história.
Com um suspiro pesado e demonstrando estar desconfortável, ele começou: — Como eu te disse, naquela noite eu bebi além do normal. Cansado e sem ânimo para sair, misturei tudo o que encontrei em minha casa que continha álcool. Você sabe, eu achei que era o fim. Estávamos afastados fazia tempo demais e você não demonstrava intenção de voltar. Por uma confusão seu pai acabou me fazendo acreditar que você tinha concordado com o divórcio e eu enlouqueci.
Eu já conhecia toda aquela história e não entendia porque Alex queria repeti-la, porém não o interromperia por nada. Era melhor deixar que ele completasse o seu raciocínio e esclarecesse de uma vez por todas aquela confusão.
— Quando Tiffany chegou eu já estava muito bêbado, mal me aguentava em pé. Ela estava tentando imitar você, usando roupas parecidas com as suas, o cabelo estava pintado, você se lembra disso. Eu estava tão fodido que, por algum problema em meu cérebro acreditei ser você. Tiffany tentou me dizer a verdade, mas eu só pensava que não podia perder você novamente. Ela sabia do meu engano, o tempo todo eu a chamava de Charlotte e declarava o meu amor. Como você sabe nós fomos para a cama e a esta altura ela não tentava mais me chamar para a realidade, muito pelo contrário, ela participou ativamente.
Eu queria fechar os olhos, tapar os ouvidos e pedir para ele não continuar. Se imaginar já era ruim, ouvir o homem que eu amava me contar com detalhes como fora a sua traição doía absurdamente. Mesmo assim continuei encarando Alex e ouvindo, embora os olhos estivessem ardendo e o estômago revirado.
— Em determinado momento eu percebi que não era você. Foi estranho, porque eu estava bêbado realmente, mas quando finalmente percebi ser Tiffany, parece que o nó que tinha atordoado minha mente se desfez e a única coisa que eu conseguia sentir era raiva. Não era uma raiva momentânea, era uma raiva acumulada. Foram segundos entre eu pensar no fato de Tiffany estar ali embaixo de mim e em tudo o que ela havia feito para nos separar, mas também, Charlotte... Ele remexeu na cadeira, se aproximando um pouco sobre a mesa. Eu quis me afastar. Pode ser bobagem depois de ter perdoado e aceitado viver outra vez com ele, aceitando o seu filho como meu, no entanto ouvir a história sempre abriria uma falange entre nós dois.
— Eu sentia uma raiva especial por você.
— Por mim?
— Por tudo o que eu estava passando porque você não conseguia amadurecer. Eu... não sei, Charlotte!
Ele parecia inseguro sobre o que poderia ou não revelar. Eu queria saber de tudo, até o final. Não importava o quanto doeria. Então me calei e aguardei que ele continuasse.
— Eu não entendia e não aceitava a nossa situação, mas isso você já sabe também. Então... — Seus olhos foram para a madeira da mesa, como se estivessem decorando as suas falhas, e eu soube que, o que dissesse a partir dali, selaria o nosso destino. — Eu quis mostrar a Tiffany o quanto poderia ser ruim ficar comigo. Ela pensava que me conhecia, que sabia até onde eu poderia ir. Eu usei a raiva para condená-la.
— Então é verdade. — Não resisti. O nó em minha garganta ardia, queimava, e meu coração estava acelerado.
— Não. Não exatamente.
— Eu não entendo.
— Vou explicar. Antes preciso te contar como funcionava o meu relacionamento com Tiffany. — Fiquei incomodada, mesmo sabendo que era importante conhecer aquela parte da história também. — Tiffany sempre foi aquela mulher que você conheceu. Era educada, gentil, meiga e delicada. Sua postura social era totalmente diferente da sexual. Eu não julgo ou considero como algo anormal. Como tínhamos um relacionamento aberto, onde eu não queria nada sério, comprometimento, nada disso, curtíamos juntos, algumas vezes ela encrencava, outras apenas participava. Até que fomos convidados para um clube onde tudo era possível.
— O clube de sexo. — Mais uma vez comprovei o que Anita tinha dito e fui atirada ao inferno.
— Uma casa de swing, Charlotte. Um clube fechado onde todos os participantes são convidados e todos os seus desejos são atendidos. — O ar ficou preso em meus pulmões enquanto eu o ouvia relatar aquela parte obscura do seu passado. — Tiffany resistiu bastante a princípio, mesmo sendo uma pessoa muito liberal na cama ela demonstrou uma resistência que ganhou a minha atenção. Ela... — Ele engoliu com dificuldade, recuperando a coragem, continuou. — Tiffany só relaxou depois que conheceu uma pessoa.
Uma mulher. E foi assim que eu descobri o seu desejo mais obscuro. Na verdade, eu deveria saber como ela funcionava, já que a maneira como agia na cama já dava todos os indícios.
— Do que você está falando? — O temor em minha voz não ficou escondido porque eu sabia o que ele diria.
— Tiffany fantasiava com abusos. — Abaixei a cabeça passando as mãos pelos meus cabelos. — De várias formas. Ela gostava de ser subjugada, submetida, não apenas por homens, por mulheres também.
Em sua fantasia ela não queria a relação e era forçada. Quanto mais geniosa a pessoa fosse mais fácil ela sentia prazer.
— Puta que pariu!
— Era uma fantasia, Charlotte! Apenas uma fantasia. Ela não saía na rua buscando violência sexual.
Naquele clube... ali você pode ser tudo o que quiser. E não se espante, as pessoas que julgamos mais normais são as que mais frequentam lugares como estes, realizando as mais variadas fantasias.
— Então ela permitiu. Não foi um abuso.
— Ela permitiu, tanto que sentiu prazer, só não foi como das outras vezes. Odiei ouvir aquilo. Odiei aquela história e, acima de tudo, odiei Alex, mesmo sabendo que era direito dele viver qualquer situação antes de me conhecer. A idiota ali era eu.
— Porque você a machucou — afirmei e ele concordou.
— Esse foi o meu erro e eu vou viver eternamente com esta culpa. Não transei com Tiffany contra a sua vontade, porém eu fui muito mais rude, muito mais perverso, quis fazê-la sofrer de fato, mostrar o quanto um abuso poderia ser cruel. Eu... porra, eu estava bêbado e com raiva, nem por isso quero ser liberado do meu erro.
De cabeça baixa permiti que as lágrimas caíssem. Eu precisava delas para aliviar o aperto em meu peito e conseguir pensar corretamente.
— Você... — Limpei a garganta para conseguir falar sem assustá-lo com a minha dor. — Vocês sempre transavam assim? Como se fosse uma violência sexual?
— Se você está querendo saber se eu gostava, se também era a minha fantasia, a resposta é não. Não era agradável transar com alguém que ficava repetindo que não queria e que era para você parar.
— Então... — Eu entrava na onda dela. Tiffany também se empenhava em realizar as minhas fantasias. Não mais naquela casa de swing, mas em nossas casas. Não era sempre assim. Não era nem quase sempre. Eu neguei algumas vezes e cedi outras e em outros momentos nem cogitávamos a ideia.
— Alex, porque Anita te acusou então?
— Provavelmente porque Tiffany usou como desculpa, ou porque não soube justificar os machucados... eu não sei, Charlotte!
— Ela ficou muito machucada?
— Ela ficou machucada o suficiente para eu nunca mais esquecer, mas não para fazê-la desistir de mim.
Tiffany não se importou e tentou voltar sempre que teve oportunidade.
— Merda!
— Você nem faz ideia do quanto eu me sinto sujo com essa história toda. Quando lembro que foi assim que Lipe foi gerado eu me envergonho tanto! Nunca poderei olhar nos olhos do meu filho se ele descobrir uma aberração como esta. Nunca serei um homem respeitável se ele souber que eu machuquei a mãe dele, que quis puni-la por tentar a todo custo me atrapalhar.
— Eu te entendo.
Foi o que consegui dizer. Não dava para me sentir melhor. De uma forma ou de outra ele machucou uma mulher por sentir raiva dela. Mesmo tendo o seu consentimento para o sexo, ele não teve para a punição.
Tiffany poderia ter uma mente doentia, mas a minha não era a ponto de aceitar e justificar todos os erros dele.
No entanto eu o entendi quanto ao medo em relação ao filho. Eu seria muito injusta se não atribuísse a Alex o fato de ele ser realmente um excelente pai. Ele conseguia uma relação segura e equilibrada com o filho, mesmo sendo Lipe tão criança. Eu sabia que Alex amava o filho acima de qualquer outra coisa, inclusive de mim e tal atitude era louvável. Por isso sabia que se Lipe descobrisse o que o pai fez com a mãe, provavelmente Alex deixaria de ser o seu herói. E, acredito, não há nada pior para um pai do que perder tal posição.
Por outro lado, Lipe também poderia um dia descobrir tudo o que a mãe e a madrinha fizeram para afastar o pai de mim, o amor da sua vida, como ele mesmo dizia. Ele poderia entender que a mãe era louca e que desenvolvera uma obsessão pelo seu pai, fazendo com que ele fosse gerado.
Para ser bem sincera, eu não desejava que ele descobrisse nenhuma das duas verdades. Seria doloroso. E eu desejava uma vida plena e cheia de amor para aquele menino.
— Isso nunca aconteceu antes, Charlotte. Nem com Tiffany nem com ninguém. Eu sempre tive fantasias, as que eu alimentava e as que surgiam conforme a situação, mas nunca me imaginei fazendo algo assim.
Também nunca acreditei que seria uma coisa danosa atender a fantasia da minha parceira. Hoje eu enxergo tudo diferente. Queria poder mudar a situação, apesar de saber que é impossível.
— Eu sei.
Eu não conseguia pensar em nada que me fizesse pender para um lado ou para o outro. Tudo era novo e fora da realidade. Eu precisava de mais um tempo para digerir todas as informações e então decidir, mas, eu teria este tempo?
— Você está estranha.
— Eu... — Puxei o ar com força e não consegui encará-lo. — É tudo muito complicado, Alex. Eu acredito em você, mesmo assim... — Miranda pode te ajudar com as dúvidas.
— Miranda? — Vi que meu namorado estava pálido e que, recorrer a minha amiga, era algo extremamente custoso para ele.
— Charlotte... — Ele se inclinou outra vez sobre a mesa. — Eu sei que nunca deveria te dizer isso, mas Miranda sabe muito mais sobre esse assunto do que você imagina.
— Como assim?
— É só o que eu posso te dizer. Cabe a Miranda a decisão de te contar ou não. Hoje, eu dependo dela para ter você de volta.
— Mas... — Não posso te contar. Por favor, me entenda! Eu jurei a... eu jurei que nunca contaria.
— Jurou a Miranda?
— Não apenas a ela. — Ele me olhava apreensivo e eu ficava cada vez mais confusa.
Soltei-me na cadeira sentindo todo o peso do mundo em minhas costas. Alex me olhava com atenção. Eu sabia muito bem o que ele falaria, só que eu não poderia tomar nenhuma decisão sem pensar muito bem no assunto. Como ele mesmo disse: Tiffany morreu e restava apenas a versão dele.
Mas o que eu estava pensando? Era do Alex que estava falando. E eu não podia pensar nele de uma forma tão ruim.
— Você não vai voltar, não é?
A certeza sofrida em sua voz fez o meu coração perder uma batida. Eu não sabia a resposta. Na verdade, era muito provável que eu superasse. Estava muito inclinada a aceitar a sua palavra desde que recebi Lipe em meus braços outras vez. Eu não suportaria deixá-lo.
Quanto a Alex, bem... eu não duvidava da sua versão. Como meu pai disse, se olharmos quem era Alex e quem foi Tiffany, não havia como incriminar o meu namorado. Seu pecado existia. Fora demasiadamente violento com uma pessoa que gostava de violência. O que eu poderia dizer?
— Alex, eu... Fomos interrompidos pela batida na porta que logo em seguida foi aberta. Dana entrou com um sorriso nervoso, seus olhos analisaram tanto o filho quanto eu, mas procuraram por mais alguém.
— Lipe está com vocês? — Alex olhou para mim e depois de volta para a mãe.
— Ele não estava com a senhora? — Percebi que ele estava tenso, mas ainda se mantinha equilibrado, buscando pelas informações.
— Estava. Eu fui até a cozinha fazer um chocolate quente e o deixei adormecido em minha cama, quando voltei ele não estava mais lá. — Alex se levantou imediatamente.
— Onde está o meu pai?
— Lá fora ainda. Eu vou procurar no seu quarto. — Dana saiu em busca de Lipe e eu já tremia imaginando o pior.
— A porta da rua estava aberta? — questionei andando logo atrás de Alex, que voltava para a sala procurando pelo filho.
— Se meu pai está lá fora, sim. Ele pode ter passado para a área da piscina. — Mesmo ciente de que Lipe sabia nadar eu estremeci. A água devia estar gelada.
— Eu vou sair pela frente e dar a volta, encontro você lá fora — Alex estava agitado demais para me impedir.
No instante em que coloquei meus pés do lado de fora da casa um trovão soou e logo em seguida começou a chuva grossa, paralisando-me. Era como se o pesadelo estivesse se repetindo, desta vez eu estava no lugar de Alex, desesperada, sem conseguir encontrar soluções, enlouquecendo a cada segundo que se passava sem que eu conseguisse colocar meus olhos em Lipe.
Porra!
Corri na chuva chegando rapidamente à garagem. Ninguém estava lá, eu logo percebi, apesar do escuro.
Mesmo assim entrei e vasculhei cada pedaço chamando pela criança.
Sem me importar com a chuva que me ensopava continuei andando, gritando por ele, até chegar ao celeiro. O mesmo que eu estive em busca do cavalo para conseguir fugir. Meu coração acelerado ia de encontro a tudo o que eu via, porque parecia que tudo transcorria em câmera lenta.
A porta estava aberta e as luzes acesas. Corri para dentro e dei de cara com Adriano e mais três homens, eles estavam conversando como se já estivessem de saída. Parei sem saber se deveria dar a notícia ou esperar por Alex para saber se Lipe fora encontrado.
— Charlotte, o que houve? — Olhei para os homens ao seu lado. O frio colaborava para a minha tremedeira e tenho certeza de que meus lábios estavam roxos. — Charlotte?
— Eh... — E então? — Alex entrou logo atrás de mim, os olhos buscando por Lipe e seu desespero crescendo ao constatar que ele não estava lá.
— O que está acontecendo, Alex? — Adriano se adiantou já sabendo que havia algo errado.
— Lipe sumiu.
— Sumiu?
Meu celular tocou. Eu havia esquecido que estava com ele quando corri para a chuva. Olhei a tela e vi que era uma ligação do Johnny. Pensei em recusar, mas atender parecia ser o mais correto.
— Charlotte? — ele falou antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. — Onde está Alex?
— Aqui. Por quê? — O tom de voz dele me deixou aterrorizada.
— Porra, Lottie! Anita vai aprontar alguma coisa.
— Como assim? — Alex logo estava ao meu lado. — Por que está dizendo isso, Johnny?
— Ela apareceu aqui em casa dizendo que não estava bem e que não queria ficar sozinha.
— O que ela fez?
Eu não queria grandes explicações, queria que ele dissesse logo o que aconteceu para que eu pudesse me certificar de que ela não conseguiu colocar as mãos no Lipe.
— Ela estava aqui quando o padrinho ligou. Eu atendi no viva-voz porque estava arrumando os papéis da minha pós-graduação que estavam sobre a mesa. Então no meio da conversa ele acabou dizendo onde você estava. Imediatamente peguei o celular e saí da sala, mas quando voltei fui atingido na cabeça por uma garrafa.
— O quê? — gritei e Alex se agitou.
— O que aconteceu?
— Anita deu uma garrafada no Johnny depois de descobrir que eu estava aqui com você.
— Puta que pariu! — Alex rosnou.
— E você está bem? — continuei com o meu amigo ao telefone, assistindo Alex correr para fora do celeiro.
— Com uma puta dor de cabeça. Levei quatro pontos, mas aquela maluca me paga.
— Johnny, chame a polícia, conte tudo.
Vou fazer isso, mas por que o desespero?
— Lipe sumiu. — E o nó em minha garganta já me dizia que Anita, de alguma forma, conseguiu colocar as mãos no Lipe.
Capítulo 36
“O excesso de demência causa mortes também, por imprudência. ” William Shakespeare Alex Minhas mãos tremiam, minha boca estava seca, apesar da chuva que me molhara por completo, meu coração parecia que sair do meu peito. Eu estava desesperado.
Correr até a garagem foi apenas uma reação. Eu não fazia ideia do que fazer. Não sabia que direção seguir nem com quem falar. Tinha medo de voltar ao Rio de Janeiro apenas para descobrir que ela havia deixado a cidade. Ela tinha que estar lá, em algum lugar, com o meu filho, no meio daquela chuva absurda.
Meu Deus!
— Ela está por perto. Sua mãe deixou Lipe sozinho apenas por alguns minutos. Foi o tempo de ir até a cozinha, fazer um chocolate quente e voltar para o quarto. Logo em seguida ela nos procurou. Anita deve estar uns vinte minutos a nossa frente. Se ela pegou o Lipe tem que estar aqui na propriedade — Charlotte falava atrás de mim fazendo a minha cabeça dar um nó.
— Se ela estiver de carro já deve estar longe. — Procurei minha chave e não encontrei.
— Alex, pense um pouco. Charlotte está certa. Eu fechei o portão assim que saí de casa. Se Anita entrou não foi de carro e, com certeza, ela não conseguiria sair com Lipe pela entrada principal sem chamar a nossa atenção. Ela não contava com o portão fechado. — Meu pai tentava me chamar para a realidade, mas eu estava quase enlouquecendo.
— O que ela pretende? — Senti que o desespero começava a querer me dominar. — Como ela pode afirmar amar o menino e tirá-lo de casa assim, no meio desta chuva, mesmo sabendo de todos os problemas que ele tem?
— Não tem ninguém na casa. — Minha mãe voltou com Doroteia, a mulher que a ajudava com a casa e um dos homens que administravam a propriedade. — Nós procuramos em todos os lugares, dentro de todos os cômodos e armários. Se essa mulher pegou o meu neto eles estão fora da casa.
— Na merda da chuva — rosnei.
— Tem um carro encostado na estrada, há uns trinta metros daqui, logo na virada. Não tem ninguém nele.
— Outro funcionário informou.
— Só pode ser ela. Temos que nos garantir que ela não vai alcançar aquele carro. — Charlotte começava a esquematizar um plano. — Se ela não conseguiria sair pela frente qual outro caminho poderia tomar?
— Provavelmente desceria em direção ao rio. Seguindo a margem ela consegue achar um caminho para voltar à estrada. Isso se ele não transbordar, que é o que provavelmente vai acontecer com essa chuva. — O outro homem acrescentou.
— Ela tem que estar no meio do caminho. Andando e com Lipe no colo não deve ter chegado lá ainda. — Entrei no modo operante. — Preciso da chave do meu carro.
— Vamos no meu. — Charlotte sacou a chave dela e imediatamente destravou o carro. Não era muito adequado para o que enfrentaríamos, mas eu estava com pressa.
— Eu dirijo. É melhor você ficar e aguardar por alguma novidade. — Passei por ela pegando a chave em sua mão e abrindo a porta do carro.
— De jeito nenhum! — Charlotte rosnou correndo para o lado do carona.
— Charlotte!
— Ele é meu também, Alex! — Foram poucos segundos nos encarando, mas suficientes para saber que ela não desistiria.
Entramos no carro e partimos em direção ao rio.
Charlotte — Dirija mais devagar, Alex — alertei com o estômago embrulhado.
Alex corria apesar da chuva torrencial nos impedindo de enxergar direito o que havia do lado de fora.
— Preciso encontrá-los.
— Se ela estiver por perto vai se esconder. Precisamos ter condições de observar tudo, encontrar qualquer pista. — Ele freou bruscamente e eu quase vomitei.
— Merda! Eles podem estar em qualquer lugar.
— Seu pai já ligou para a polícia e eles estão a caminho. Os outros estão na estrada. Se Anita tentar voltar ao Rio com Lipe nós vamos saber.
— Puta merda! Puta merda!
— Ela não vai fazer nada, Alex!
— Como não? Ela quase matou o meu filho apenas para me jogar contra você.
— Deus! Não podemos nos desesperar. Já estamos perto do rio?
— Provavelmente, se ele realmente transbordou.
— É tão rápido assim?
— Não está lembrada?
Mais uma vez senti um frio anormal. Eu não consegui voltar, Alex quase morreu atravessando, Anita e Lipe não teriam a mínima chance.
Não precisamos procurar muito. O barulho da chuva estava alto, mas o do rio estava ainda maior. Alex reduziu sabendo que era arriscado demais continuar. Olhamos ao redor, ainda sem sair do carro e meu coração congelou. Seguindo a correnteza eu vi primeiro o movimento anormal para uma noite de chuva e alagamento, rapidamente eu entendi do que se tratava.
Ela corria com Lipe no colo, se valendo da escuridão para fugir de nós dois. Ela estava muito próxima da margem e qualquer vacilo poderia pôr um fim a tudo. — Alex! — Eu não conseguia gritar, não conseguia sequer sair do lugar.
O pavor que me mantinha presa naquele banco me impedia de agir. Eu tinha medo de ela escorregar, de ela entrar em desespero e decidir arriscar. Se Anita entrasse naquele rio tudo estaria acabado.
Perderíamos Lipe para sempre. Eu não suportaria.
Meu Deus, eu não suportaria!
Alex não pensou como eu. Assim que seus olhos avistaram a fonte do meu desespero ele abriu a porta e correu na direção do vulto que seguia sua corrida desesperada.
— Anita! — Ouvi ele gritar. Ela parou. Olhou para trás e seguiu correndo.
Alex continuou correndo na direção deles dois. Era lógico que ele os alcançaria. Alex era mais forte, mais rápido e Anita estava em desvantagem por estar correndo a mais tempo e carregando uma criança.
Ela sabia que perderia e poderia tentar qualquer coisa.
Abri a porta do carro e corri na direção deles. Alex precisaria de ajuda. Eu não sabia como iria ajudá-lo, mas não entregaria a vida de Lipe sem antes lutar por ela.
Foi quando vi Alex reduzir. Anita estava perto demais da margem. A correnteza deixava claro que tragaria qualquer coisa que conseguisse alcançar. Ela sabia que a ameaça era real e estava disposta a conseguir se livrar. Alex parou, próximo o suficiente para ouvir o choro do Lipe. Céus! Era desesperador.
— Não se aproxime! — ela gritou. Nós sabíamos o que ela faria se não fizéssemos o que pedia.
— O que está fazendo? — Alex gritou de volta tentando conter a raiva e o pânico. — Isso é sequestro, Anita.
— Você não me deu escolha — ela rebateu dando mais um passo para trás.
— Anita, por favor, não! — Dei um passo à frente e ela girou Lipe como se fosse jogá-lo no rio.
Gritamos desesperados. — Não faça isso, por favor — implorei sem nenhum receio. — Ee não vai resistir. — Minhas lágrimas se confundiam com a chuva.
— Anita, deixe Lipe vir para mim. — Alex estendeu a mão. — Eu deixo que você vá embora. É melhor ir o quanto antes. Meu pai já chamou a polícia logo você estará em uma situação muito complicada.
— Olha o que você fez comigo! — Pela sua voz percebemos que ela estava chorando. — Você destruiu a minha vida, Alex.
— Você sabe que não é verdade.
— É verdade! — gritou girando um Lipe desesperado que se debatia tentando se livrar dela. — Você tirou a vida da minha prima e agora quer tirar o Lipe de mim.
— Anita, vamos conversar. — Alex deu um passo mínimo e eu entendi o que deveríamos fazer. Enquanto ela prestava atenção nele eu me aproximei um pouco mais. — Vamos encontrar uma solução, fique calma.
— Solução? Você é um mentiroso, egoísta, hipócrita! Eu estive com você esse tempo todo. Eu cuidei do Lipe e o amei como mãe e o que você fez? Você destruiu tudo quando ela resolveu voltar. Você não levou em consideração o que eu fui e tudo o que fiz. Eu fui a única que te ajudou e apoiou, mas nada disso foi importante. Quando esta menina entrou em sua vida nada mais existia para você, nem eu, nem mesmo o Lipe. — Dei outro pequeno passo, aproveitando da oportunidade.
— Você não respeitou a minha decisão, Anita. Eu sustentei o seu direito como madrinha até o último momento, você que pôs tudo a perder quando resolveu interferir no meu relacionamento com Charlotte.
— Porque você estava cego!
— Você colocou a vida do meu filho em risco — Alex gritou descontrolado e eu vi que Anita recuou um pouco mais. Tínhamos pouco tempo.
— Alex, calma! — Vi meu namorado respirar fundo. A chuva não cedia e o rio corria com fúria.
— Era para ser um susto. — Sua voz mudou de tom, como se estivesse se desculpando e realmente estivesse arrependida. — Eu só queria que você enxergasse que Charlotte não podia ser a mãe dele. Que ela não tem responsabilidade para tanto e nem direito de assumir tal cargo.
— Eu não entendo. — Alex demonstrava o seu medo em cada palavra. — Por que você fez isso? Você não é apaixonada por mim.
— Você não é o motivo, Alex. — Ela olhou para mim como se quisesse que eu morresse com apenas aquele olhar. Antes de focar meus olhos nela consegui ver que Alex se aproveitou da situação e chegou mais perto. Ele conseguiria segurá-la se corresse. — Ela não pode ter tudo o que quer.
— Charlotte não tem culpa de nada. Eu sou o único culpado aqui. — Ela voltou a olhar Alex permitindo que eu desse mais um passo. — Eu errei.
— Você sempre tenta tirar a culpa dela. Você está sempre justificando as infantilidades dessa menina, passando a mão pela cabeça e agindo como se ela nunca tivesse a intenção de fazer mal. — Lipe chorava com as mãos estendidas em minha direção. Meu coração estava machucado. Eu queria poder arrancá-lo das mãos daquela louca, mas não podia arriscar.
— Anita, deixe o Lipe. Ele está assustado. — Tentei convencê-la e também dar a Alex a chance de se aproximar ainda mais.
— Quem você pensa que é? Você não é a mãe dele. Tiffany morreu por sua causa. Você tirou tudo dela.
Tudo — ela gritou segurando Lipe com mais firmeza. — Você não pode ter tudo, Charlotte! Tiffany perdeu o Alex para você, perdeu o seu lugar na editora, perderia o público dela, perdeu a vida e agora, não satisfeita, você quer ficar com o filho dela também? Pois não vai. Lipe tem uma mãe e você não vai apagá-la de sua vida apenas por um capricho. Eu não vou deixar. — Ela deu um passo para trás e escorregou.
Corremos em sua direção, mas ela levantou desajeitadamente, ainda mantendo Lipe nos braços. Ele tossia e chorava muito. Paramos assim que vimos que a água estava quase neles. Teria que ser uma ação conjunta e certeira. Estávamos muito perto, só teríamos uma chance.
Como arriscar?
— Anita não dê mais nem um passo — Alex ameaçou. Mesmo com tanta chuva eu pude ver o sorriso perverso em seus lábios. Sim, ela seria capaz.
— Não se aproxime. — Ela inclinou o corpo em direção ao rio e respirar ficou mais complicado.
— Não seja burra — eu comecei a falar para que Alex conseguisse agir. — A polícia está vindo, você está encrencada, o que vai fazer? Vai tirar a vida do menino? Que culpa ele tem dos nossos erros. Ele é só uma criança e está assustado demais.
— Ele não está assustado. — Ela o abraçou ainda mais. — Vocês é que estão assustando ele. Vão embora.
— Não sem ele, Anita. — Ela olhou para Alex com um olhar assassino. Era como se dissesse que não importava o quanto sofreríamos.
Ouvimos a sirene e conseguimos enxergar os faróis ao longe. Não daria tempo. Olhei para Anita e vi a determinação em seu olhar.
— Não se aproxime. Eu estou avisando... E foi quando vi a minha oportunidade. Quando Alex tentou chegar mais perto Anita puxou Lipe para o meu lado. Sem pensar duas vezes segurei a criança com toda força possível e puxei. No mesmo instante Alex se jogou contra ela impedindo-a de reagir ao meu ataque. Impossibilitada de segurar o menino, ela desequilibrou e eu finalmente consegui segurá-lo, afastando-o dela.
Com a força acabamos caindo no chão. Agarrei-me a Lipe para impedir que ele fosse retirado dos meus braços e levantei como pude para acompanhar a situação deles. Mas o que vi me deixou em choque. Eles não estavam em lugar algum. Por um segundo pensei que meu mundo estava parado. Nada fazia sentido.
Onde eles estavam?
No segundo seguinte eu me dei conta. Alex e Anita caíram nas águas revoltas do rio. Eu não conseguia chorar. Minha reação foi segurar Lipe com mais força e gritar. Gritar o mais alto possível.
— Alex! — continuei gritando, esperando que ele respondesse.
Eu não queria acreditar no que estava acontecendo. Não podia acreditar. Ele conseguiria sair do rio.
Alex conseguiu uma vez. Era forte o bastante para conseguir. Abraçada a Lipe eu me prendia a esperança que seguia o fluxo das águas, afastando-se de mim cada vez mais.
— Alex! — gritei inúmeras vezes até minha voz ser abafada pela sirene, o barulho do motor e a chuva que, de maneira implacável, ficara mais forte.
— Charlotte! — Era Adriano. Ele me segurou pelos ombros. Eu não conseguia deixar de olhar o rio e nem de segurar Lipe. — Onde Alex está?
Se eu estava em choque não sabia, as palavras não saiam da minha boca simplesmente porque se eu as falasse tudo se tornaria real e eu não queria acreditar.
— Vão pela margem. Olhem para todas as pedras, troncos caídos e fiquem atentos ao outro lado. Eles podem estar agarrados a alguma coisa. — Ouvi Adriano dando as ordens e alguém me puxou fazendo-me andar.
— Vamos, moça. A criança precisa sair da chuva. — Era um homem. Eu não olhei para ele. Agarrada a Lipe eu me mantinha firme com o olhar no rio.
Lipe chorava baixinho, a cabeça apoiada em meu ombro. Eu precisava cuidar dele, certificar-me de que não estava machucado. Ter certeza de que aquela chuva não havia causado muitos danos e principalmente acalmá-lo. Ao mesmo tempo eu precisava ficar ali, esperando que Alex aparecesse, que alguém gritasse que eles estavam bem e do outro lado, ou presos a alguma pedra, qualquer coisa.
— Moça, o menino precisa de cuidados — o homem falou tentando me fazer entrar no carro.
— Charlotte, vá com ele. Lipe precisa de cuidados. Eu vou ficar aqui. — Adriano se voltou para mim, os olhos preocupados, cheios de medo.
— Alex... — Eu tentei, mas não consegui.
— Ele está bem, eu tenho certeza. Alex já conseguiu uma vez, vamos ter fé.
Era o pesadelo se repetindo.
— Loti — Lipe falou baixinho. Pela primeira vez consegui desviar minha atenção do rio e encarei o menino em meu colo, com a pequena mão em meu rosto. Ele estava gelado, os lábios roxos e os olhos vermelhos.
— Vai ficar tudo bem, Lipe. Eu vou cuidar de você.
E me deixei ser levada.
Alex Inacreditavelmente eu caí na água com Anita.
Primeiro eu pensei que, como estávamos na margem, conseguiria levantar facilmente, mas percebi meu engano ao tentar levantar e ser arrastado muito rápido. Eu não conseguia me segurar, rolei e em alguns momentos acreditei que não conseguiria colocar o rosto para fora da água.
Anita foi levada com muita facilidade, desaparecendo rapidamente do meu campo de visão. Tentei me segurar nas pequenas pedras que ficavam no raso, no entanto a verdade era que não existia mais o raso e sim a correnteza que me levava sem piedade.
Nadar contra era impossível, eu só me cansaria. Me deixar levar até onde o rio desejasse também era arriscado demais. Então me concentrei em manter minha cabeça fora da água o máximo que pude, só que até isso era arriscado, já que as águas arrastavam o que encontravam pela frente.
Depois de um tempo que me pareceu uma eternidade, quando eu sentia meu corpo cansar e aumentar o desespero para me manter vivo, choquei-me com uma estrutura flutuante, que parecia ser o lastro de uma cama, já reduzido a pedaços. Segurei-me nele me esforçando para ficar em cima e não precisar mais gastar energia para manter a cabeça fora d’água.
Com o corpo parcialmente flutuando consegui ter uma visão melhor do local e o caos estava estabelecido. A chuva não cedia, o rio parecia possuído pelo demônio, ganhando força e proporção de uma maneira absurda. Era inacreditável.
E mais inacreditável ainda foi ver, agarrada em um arbusto preso entre duas pedras, Anita, tentando se salvar. Eu sabia que aqueles galhos finos não suportariam e ela logo seria tragada outra vez.
Eu deveria deixar Anita se virar e me preocupar com a minha própria vida. Graças a ela estávamos naquela situação. E poderia ser muito pior. Lipe poderia ter caído também. Virei o rosto para ignorá-la, no entanto eu sabia que nunca seria capaz. Por pior que Anita fosse eu nunca conseguiria carregar aquela morte em minhas costas. Mesmo que a tentativa de salvá-la pudesse custar minha própria vida.
Com cuidado me equilibrei na ponta do lastro. O medo do material não me aguentar e afundar não foi o suficiente para me impedir de continuar. Eu estava perto e passaria por ela rapidamente, então ela só teria uma chance.
— Anita — gritei sentindo minha garganta arranhar. — Anita! — Ela me olhou com pânico, mas logo entendeu minha intenção. — Quando eu passar deixe a água te levar. — Faltava pouco. Ela parecia não entender. E estava cada vez mais perto. — Solte o galho!
— Não! — Ela se segurou com mais força.
— Solte e venha que eu te seguro — gritei quando já estávamos equiparados. Ou ela soltava ou não daria mais tempo. — Você vai morrer! — Ela estava apavorada. — Eu vou te segurar, juro! É agora ou nunca.
Sem esperar por mais nada Anita se soltou e a água a empurrou com toda força em minha direção. Ela se chocou contra mim e afundou. Segurando na madeira agarrei o corpo dela com as pernas e tentei levantá- la, mas ela estava embaixo do lastro. Afogaria em pouco tempo.
Desesperado segurei com apenas uma mão e me abaixei para tentar puxá-la, descobrindo que a nossa única chance seria afundar e tentar sair na frente do lastro, para nos segurarmos outra vez. Era isso ou eu assistiria Anita morrer sem poder fazer nada para impedir.
Sem querer pensar no que faria, afundei empurrando meu corpo para frente. A água me levou com facilidade. Em uma manobra cinematográfica, segurei Anita pela cintura e me projetei para frente da madeira, levantando a tempo de segurar e nos apoiar.
Com a chuva forte eu não fazia nem ideia do que vinha pela frente, por isso, assim que consegui colocá-la presa entre meu corpo e o lastro, apoiando-me para equilibrar nós dois, não prestei atenção na pedra grande as minhas costas e senti todo o ar ser arrancado de mim quando chocamos contra ela.
Era o meu fim.
Charlotte Lipe teve febre. Nada assustador. Tudo o que ele apresentava, como os tremores fortes e espirros, eram consequência da forte chuva que havia tomado. O medo era que evoluísse enquanto ainda aguardávamos por notícias.
Eu tentava me concentrar, pajeando a criança adormecida ao meu lado, no chão da sala, em frente à lareira. A cada minuto eu conferia se os cobertores estavam no lugar certo, ou se a temperatura continuava controlada, além de averiguar a respiração dele.
Contudo a minha mente estava lá fora, na chuva fina que cedia aos poucos, no frio que só aumentava, e nas vozes que não chegavam.
Dana estava comigo, sentada no sofá, uma xícara de café nas mãos, os olhos fixos no fogo que crepitava e a mente, provavelmente, vagando pelo mesmo lugar que a minha.
Ninguém aparecia para nos dar notícias e, quanto mais demoravam, mais minha esperança perdia a força.
Se Adriano tivesse achado eles nós já saberíamos e se não sabíamos ainda era porque Alex e Anita ainda estavam na água.
Ou não.
Eles poderiam estar do outro lado, na cabana, se protegendo do frio e da chuva, como aconteceu comigo.
Deus! Eu nem conseguia sentir ciúme de algo assim. Para mim bastava que Alex estivesse vivo. Eu já seria grata apenas por isso.
O tempo parecia não passar e a escuridão da noite deixava tudo ainda mais sinistro, mas o tempo passara e, se eu olhasse mais atentamente para o céu através da janela de vidro que resistira ao vento daquela madrugada, poderia ver as finas listras alaranjadas que riscavam o horizonte de maneira quase imperceptível.
Perguntei-me como a minha mãe se sentiu quando foi a minha vez de desaparecer. Provavelmente ela deve ter ficado como Dana naquele momento, encarando o fogo e orando em silêncio, implorando pela vida do filho. Meu coração doía só de olhar para ela.
E Lipe? Ele estava tão assustado. Às vezes choramingava enquanto dormia e eu me inclinava sobre ele, abraçando-o e sussurrando que estava tudo bem, até que ele se acalmasse e voltasse ao sono profundo.
Alex tinha que voltar. Ele precisava estar lá para me ensinar a ser mãe do Lipe. Ele sabia que sozinha eu nunca conseguiria, então ele tinha que voltar. Nós dois precisávamos dele.
Ouvi o barulho dos passos e levantei imediatamente. Dana só percebeu quando eu já estava de pé, encarando a porta que se abria lentamente. Vi meu pai entrar e depois Johnny, seguidos de dois homens com rostos que não me pareciam estranhos, só não me recordava de onde os conhecia.
Eles estavam estranhos, com aparências cansadas e ensopados. Os quatro juntos pareciam seguir um cortejo. Meu corpo enregelou no instante em que minha mente me enviou esta informação.
— Pai? O que faz aqui? — Ele me olhou com pesar e depois olhou para Johnny, como se buscasse apoio.
— Acharam eles.
Minhas pernas fraquejaram. Eu não estava pronta para ouvir o que ele iria me dizer.
Capítulo 37
“Mas o amor, em tamanha extremidade, sabe fazer da dor felicidade.” William Shakespeare Alex Quando abri os meus olhos, voltando a recuperar a consciência eu conseguia sentir o chão molhado embaixo de mim e a dor em minha cabeça que chegava a me enlouquecer. Meu corpo todo também doía, inclusive quando eu respirava.
— Não se mexa. — Ouvi a voz de Anita e meu corpo retesou. — Você está machucado.
Onde estávamos e como fomos parar ali eu não sabia dizer. Só sabia que estava escuro o suficiente para não me deixar enxergar nada, o barulho do rio ainda estava alto, então não estávamos muito distantes e a chuva continuava, só que havia reduzido para um fraco chuvisco.
— Fique bem quieto, Alex. Tem um buraco na sua cabeça. — Que merda! — Eles logo vão nos encontrar.
— O que aconteceu?
— Ah... basicamente fomos jogados contra uma pedra, o que foi bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque ela nos impediu de continuar, ruim porque o impacto fez você apagar, além de abrir uma ferida nesta sua cabeça dura.
— Se eu apaguei como chegamos aqui? — Eu não via Anita, porém, pelo que pude sentir, eu estava com a cabeça apoiada em suas pernas, embora ela não me tocasse.
— Você ficou preso entre a pedra e o meu corpo. Com a força da água e das madeiras que nos levavam você não afundou. Eu consegui sair quando senti a pressão diminuir e segurei você com força. Chegar à margem foi fácil, nós já estávamos bem perto.
Eu duvidava que fosse verdade, porém não havia como questionar. Apenas ela sabia o que precisou fazer para nos tirar de lá.
— Eles logo vão nos encontrar. Deixei meu casaco em uma madeira fincada na margem, quando precisei trazer você para cá. Eu estou atenta, assim que aparecer qualquer luz do outro lado vou até lá gritar por eles.
Engoli em seco. Anita passou a vida tentando me seduzir, não aceitou a rejeição, forçou a barra, ameaçou me prejudicar e a Charlotte também, foi a pessoa com quem pude contar quando Tiffany engravidou, se tornou uma amiga valiosa, não se conformou com as minhas escolhas, criou situações para prejudicar a minha relação com Charlotte, atentou contra a vida do meu filho, o sequestrou e por sua causa quase morremos afogados.
No entanto estávamos ali, no meio do mato, com a chuva em nossos rostos, ela preocupada comigo e disposta a se entregar para me salvar. Era confuso demais para tentar entender.
— Eu me desesperei. Quando Tiffany dava sinais de que não suportaria a gravidez, acreditei que você não merecia passar por aquilo. Eu não sou santa, Alex. Sempre fui uma pessoa que fazia primeiro e pensava depois. Minha independência me permitiu ser assim. Eu não media as atitudes e estava sempre disposta a pagar pelas consequências. Nunca fui obcecada por você, era apenas tesão e birra, mas me aproveitei do amor de Tiffany para me aproximar e conseguir te levar para cama. Só que eu não sabia que ela estava doente e acabei piorando as coisas. Eu a incentivava a te procurar, porque sem Charlotte por perto seria mais fácil. Era uma brincadeira. Perversa, é a verdade, mas nunca foi com a intenção de enlouquecê-la.
— Foi perversidade. Ainda bem que você sabe. Não foi nada justo brincar comigo, com os sentimentos de Charlotte e principalmente com os da sua prima.
— Eu sei. Nunca pensei que me arrependeria. Cuidar de Tiffany mudou tudo. Ela me falava de você de uma forma diferente. Dizia que você era cruel, que não se dobrava, que desprezava os sentimentos dela.
Tudo isso mexia comigo, como um desafio. E quando Charlotte chegou eu me senti realmente desafiada.
— Que absurdo!
— Absurdo mesmo. — Ela ficou em silêncio por um tempo.
Eu queria que a polícia chegasse logo, que eu tivesse tempo de ter um atendimento médico que me livrasse de qualquer sequela, que estivesse livre para abraçar meu filho e a mulher que eu amava. Não queria ficar ali ouvindo as suas justificativas.
— Lipe mudou tudo. — Sua voz embargada me deixou incomodado. Eu não queria sentir pena de Anita e muito menos relevar as suas atitudes. — Um dia antes de Tiffany morrer ela me contou que você a estuprou. Contou a mesma versão que você sustentava, com o acréscimo de que quando ela disse não você a agrediu e violentou. Eu me lembrava dos machucados. Foi para a minha casa que ela foi para se recuperar, lamentando ter te magoado e temendo ter te perdido para sempre. Como minha prima era burra!
— Eu não estuprei Tiffany. — Tive vontade de rosnar, mas minha cabeça latejou.
— Ela me contou que você fez isso porque a queria longe do seu caminho — continuou sem se importar com o que eu acabara de dizer. — E me contou como Charlotte conseguiu se inserir em sua vida, roubando tudo o que era dela, inclusive o contrato. Tiffany me fez prometer que Charlotte nunca colocaria as mãos no Lipe. Acreditava que tinha perdido tudo, só não poderia perder o próprio filho. Tiffany sabia que morreria e não queria ser apagada da vida do Lipe, tendo mais aquele papel roubado por uma menina mimada que fazia tudo isso apenas por capricho.
— Anita, não... — Minha cabeça doía cada vez mais.
— Não se agite — continuou com calma. — Eu prometi a Tiffany, mas nem precisei cumprir minha promessa porque a própria Charlotte fez questão de sumir. E quando voltou deixou claro que não suportaria a barra. Mas você... Deus! Você parecia ter esquecido de viver, Alex! Mesmo que ela nunca voltasse, não tinha mais jeito, ela estava em nossas vidas e nunca mais sairia. Eu senti raiva, ciúme, medo... sei lá! Quando Lipe olhava para ela eu estremecia. Não entendia aquela admiração, o fascínio, como se eles estivessem ligados. Foi quando eu realmente me dei conta de que, com a volta de Charlotte eu voltaria a ser aquela pessoa egoísta, mesquinha e inconsequente que era antes de precisar me tornar responsável pelo Lipe. Senti tanto medo! Ter Charlotte de volta àquela casa era a certeza de que eu seria trancada do lado de fora. Ela ficaria com tudo outra vez, você, a fama, a família feliz, o Lipe... — Deus! Não seria deste jeito. Eu nunca aceitei nenhuma exigência dela a este respeito. Sempre ressaltei a sua importância na vida do meu filho. Eu te prometi isso, por que não confiou em mim? Por que precisou atacá-lo? Lipe poderia ter morrido!
— Eu sei. — Ela soluçava sem tentar esconder. — Como eu disse, não pensei nas consequências. O nosso acidente colocou Charlotte de vez na vida dele e eu fiquei desesperada. Não pensei que seria tão grave. Achei que seria como foi com você, apenas uma pequena reação... — Continuou chorando copiosamente. — Eu morreria se alguma coisa acontecesse com ele. Fosse culpa minha ou não. Você precisa acreditar em mim!
Fiquei calado. Eu não sabia se poderia acreditar em Anita depois de tudo o que ela aprontou, mas... merda! Eu odiava ver uma mulher chorando daquela forma. Era quase impossível não se compadecer.
— No final acabou acontecendo o que eu mais temia. Eu perdi tudo, até o Johnny. Perdi todas as pessoas que estiveram comigo depois que o Lipe nasceu. E quando você descobriu tudo me deu a tacada final tirando Lipe de mim. Eu estava sozinha outra vez.
— Não teria sido desse jeito se você jogasse limpo comigo — rebati sem sentir a mesma raiva de antes.
— Eu sei, Alex. Eu sei. Eu sou essa pessoa. Cada um tem o seu defeito. Charlotte é infantil e mimada, você aceita qualquer coisa dela, e eu... eu não penso direito quando me desespero.
— Eu queria poder te matar, Anita, então agradeça a Deus pela pedra que afetou a minha cabeça. — Ela riu um pouco e fungou.
— Eu não queria fazer nada disso. Enquanto Charlotte se mantinha distante eu acreditei que você me daria uma chance, que reconsideraria a sua decisão de me impedir de ver o Lipe, mas quando descobri que ela estava aqui com você eu surtei. Com Charlotte de volta, a ideia de família feliz ficava mais forte, deixando-me para trás. Não pensei duas vezes, Alex. Entrar foi muito fácil, porém a chuva e o portão fechado me impediram de sair. Entrei em desespero porque eu não podia voltar, nem ficar ali com o Lipe nos braços, ele começou a chorar quando sentiu a chuva, mesmo com todas as minhas tentativas de acalmá-lo. Afastei-me para não ser surpreendida e pensar melhor no que fazer.
— Você ia fugir com ele? Ia realmente tirar o meu filho de mim? — Ela demorou para responder.
— Eu queria fugir, só não sei se teria coragem. Há três dias recebi uma resposta que eu esperava há muito tempo. Uma bolsa de estudos para um mestrado em Angola. Na verdade, é uma instituição do Canadá que patrocinará o estudo. Era a oportunidade perfeita.
— Meu Deus!
— Eu desisti quando vi vocês dois desesperados. Dispostos a tudo para me impedir.
— Então por que continuou?
— Eu não tinha escolha. Era continuar ou ser presa. Nas duas opções eu seria presa, ficaria sem Lipe e sem a bolsa de estudos.
— Você podia tê-lo matado — acusei.
— Não, eu não podia. Não sou burra, Alex. Eu vi vocês se aproximando e deixei. Não queria admitir para mim mesma que estava abrindo mão dele, então me enganei, aceitando que ele fosse tirado de mim e não entregue por mim. Lipe nunca vai esquecer o terror que o fiz passar e minha prisão vai ganhar os meios de comunicação. Ninguém vai deixar de noticiar que a professora maluca tentou sequestrar o enteado de Charlotte Middleton. No final das contas eu perdi mesmo, não foi?
— Ainda não. — Amaldiçoei mil vezes por estar facilitando as coisas para ela, contudo não dava para ser diferente. — Eles ainda não chegaram. Se você fugir agora vai conseguir ir embora. — Ela riu com pesar.
— Eu nunca te largaria no mato, machucado e precisando de ajuda. — Eu era um imbecil por me sentir tocado com aquela afirmação.
— Eu estou bem. Posso sentar na margem e gritar se vir alguma luz. Vá de uma vez, Anita. Aproveite a oportunidade.
— Não, Alex. — Sua voz carregada de emoção estava mais suave. — Eu já estou velha demais para continuar fugindo de mim. É hora de encarar de frente as consequências.
E foi neste momento que vimos o primeiro feixe de luz. Cuidadosamente Anita me tirou do seu colo e levantou. Eu queria poder dizer para ela ir embora, mas ela já estava correndo em direção à margem, com as mãos para cima e gritando por ajuda.
Charlotte Quando meu pai chegou com a notícia eu não consegui deixar o rancho. Dana estava lá e ela tinha mais direitos do que eu. Além disso, Lipe não podia sair de casa, ser exposto novamente à chuva e ao frio, então preferi ficar e aguardar.
Dana cuidaria de tudo por mim, enquanto eu cuidaria do Lipe pelo Alex. Na manhã seguinte Miranda estava no rancho, acompanhada de Patrício que não deixou de brincar afirmando que Alex sempre arrumava uma maneira de chamar atenção para estragar os feriados dele. Lógico que dava para ver em seu rosto o sofrimento, mas nada comentamos.
Lipe não teve mais febre, apenas um resfriado que tratamos de cuidar com bastante atenção. Ele falou na madrinha algumas vezes, dizendo que ela apertou e gritou. Estava tão assustado que eu me sentia péssima, mesmo não tendo culpa das loucuras de Anita.
E, lógico, ele perguntou pelo pai. Muitas e muitas vezes. Eu apenas dizia que papai teve outro dodói e que ficaria um pouco no médico igual ao que ele havia ficado da outra vez. Ele fez uma careta estendendo o braço.
— Dói. Ai! — E fingiu tomar uma injeção.
Sim, Lipe, eu bem entendia como você se sentia em relação às agulhadas malditas.
— Ai! — repeti brincando para que ele esquecesse o assunto.
Quando finalmente consegui distraí-lo com um desenho, Miranda aproveitou para conversar comigo.
Patrício estava no hospital, ajudando os pais a cuidarem de tudo.
Eu sabia que tentar tirar aquela história a limpo chegava a beirar o absurdo. Depois de tudo o que passamos, de assistir o sumiço de Alex naquele rio, de passar horas de desespero me culpando por ter esperado tanto, por não ter acreditado nele de imediato e me sentindo a pior de todas as pessoas depois das acusações de Anita, não havia mais o que ser explicado.
— Vocês estavam separados? — ela começou a falar enquanto eu ainda pensava no assunto.
— Não. Eu só precisava de um tempo para colocar a minha cabeça no lugar.
— Ah! — Minha amiga aguardou que eu dissesse mais.
Eu não precisava de mais. Não precisava da confirmação dela quando eu já acreditava plenamente em Alex. Anita dissera que Alex encobria os meus erros, que aceitava as minhas falhas e justificava as minhas atitudes. Ela tinha razão.
Alex era esse homem, que amava a ponto de assumir toda a carga pesada para que nada respingasse em mim. Que amou e respeitou uma criança que ele não queria, fruto de uma relação doentia, que tirou dele tudo o que ele sempre buscou, e ele nem conseguia atribuir ao filho qualquer culpa. Alex era o homem que não concordava com metade das minhas infantilidades, mesmo assim me apoiava e se mantinha junto de mim.
E, acima de tudo, ele foi o homem que mesmo contra, resistindo, sentindo medo, embarcou naquele plano doido para me ajudar. Ele podia ter se aproveitado da situação, eu queria, forcei a barra, testei todos os seus limites e ele resistiu bravamente para que não tivesse que ir contra os seus princípios, até que o amor venceu a guerra e então tudo se tornou possível e justificável.
Esse era o Alex que eu conhecia e nem Tiffany nem Anita conseguiriam destruir aquela imagem. Nunca mais.
— Então... você estava aqui porque estava tudo bem entre vocês? — Olhei minha amiga e não tive nenhum medo de mentir.
— Sim. Estava tudo bem.
— Que bom! — Ela sorriu e não foi forçado, foi um sorriso verdadeiro e honesto.
— E você e Patrício? — Miranda riu feliz com uma história só dela.
— Eu e Patrício poderíamos ser personagens de um romance maravilhoso. Um dia eu ainda escrevo esta história. — E piscou para mim.
— Hum! Não sei se eu teria coragem de ler esse livro.
— Acredite em mim, você iria se escandalizar. — Minha amiga voltou a sua atenção para o Lipe e alisou o seu cabelo.
Lipe sorriu para Miranda, mas levantou para se sentar em meu colo, voltando a ficar agarrado em mim, como tinha feito desde que consegui tirá-lo de Anita. Beijei o topo da sua cabeça, acariciando seu bracinho. Então ele levantou o rosto e me encarou. Fiquei presa ao seu olhar, como acontecia quando Alex me olhava com aqueles mesmos olhos hipnotizantes. Lipe tocou meu rosto com carinho, deixando-me comovida.
— Loti é mamãe?
Outra vez aquela pergunta.
Encarando seus olhos eu não me senti em pânico. Não havia dúvidas nem medo, apenas uma felicidade que aquecia o meu coração e transbordava os meus olhos.
— Se você quiser. — Minha voz rouca, tomada pela emoção, quase não saiu.
Lipe sorriu e voltou a deitar a cabeça em meu peito, aceitando meus braços como sua proteção. Olhei para a minha amiga enquanto as lágrimas complicavam a minha visão. Ela também sorria, de uma maneira tão plena e reconfortante que me fez aceitar que sim, era possível.
Alex Era uma merda ficar no hospital outra vez. A pancada fez o que eu já tinha previsto. As costelas mal recuperadas protestaram e a porrada em minha cabeça somada ao corte preocupou o médico.
Principalmente porque eu havia batido no mesmo local no momento do acidente com o carro. Eles sabiam do risco, mas os exames não apontaram nada, graças ao corte, que permitiu que o sangue saísse.
Ficar alguns dias no hospital era apenas precaução, e justamente por isso eu estava louco para ir embora.
Precisa abraçar o meu filho. Precisava encontrar Charlotte, olhar em seus olhos e saber que estava tudo bem.
Eu conhecia o seu medo de hospital e as lembranças horríveis que amedrontavam a minha garota. Entendi quando ela não apareceu da última vez, mas aquela era uma situação diferente e eu não conseguiria ficar nem mais um dia se Charlotte não fosse me visitar. Era angustiante demais não saber o que esperar da nossa história.
— Alex, você não está colaborando — meu pai comentou.
Era frustrante para o Dr. Adriano não poder agir como médico da casa, uma vez que ainda estávamos em Petrópolis e ele podia apenas contar com a boa vontade de amigos de profissão.
— Vamos lá. — Ele levantou para me fazer deitar na cama. — Você precisa descansar. Essa sua ansiedade não vai dar em nada.
— Pai!
— Vou pedir um tranquilizante. Se acha que o que passou foi pouca coisa, você nem imagina o que sua mãe será capaz de fazer quando souber que você está insistindo em se dar alta.
— Merda!
— Ela vai aparecer, Alex. Dana me disse que Charlotte estava cuidando do Lipe para deixar tudo em ordem antes de sair de casa. E Peter me garantiu que vem com ela, então deite e relaxe.
— Eu preciso ver o meu filho. Não é justo ficar aqui quando ele passou por um trauma tão grande e precisa de mim.
— Ele tem Charlotte. — Meu pai estava irredutível. Cansado de reclamar me deixei guiar até a cama e deitei decidido a dormir esperando assim que o tempo passasse mais rápido.
No entanto, mal fechei os olhos e iniciei o processo de inspirar, expirar, até que o sono me tragasse, quando ouvi a porta abrir. O silêncio e imobilidade dentro do quarto me fizeram abrir os olhos e imediatamente encontrei os de Charlotte. Aquele azul leve, transparente e sincero, encarava-me sem desviar sua atenção do meu rosto.
Ela sorriu e tocou meu tornozelo, como se quisesse me garantir que era ela mesma ali, diante de mim, enfrentando todos os seus medos. Meu pai levantou com aquela cara que, eu acho, todos os pais fazem quando o filho encontra sua namorada.
— Onde está Peter? — Charlotte não desviou os olhos de mim.
— Lá fora. Disse que ia se atualizar.
— Então eu vou procurá-lo. — Sem aguardar pela nossa permissão ele saiu nos deixando a sós. Foi inevitável sorrir.
— Pensei que você não viria — comecei, deliciando-me ao assistir a vermelhidão que se espalhava em seu rosto. Charlotte ficou séria, mesmo deixando transparecer o esforço que fazia para parecer aborrecida.
— Não sorria para mim quando eu estiver chateada. — Meu sorriso ficou ainda maior.
— Não acredito que esteja chateada comigo. Eu quase morri!
— E eu não acredito que você se negou a prestar queixa contra Anita.
Hum! Eu já esperava por isso. Só não imaginava que seria de cara, antes que ela dissesse que me amava e que estava tudo bem entre nós dois. O problema com Anita seria debatido em um nível mais brando, abordado com cuidado. Pelo visto eu não conhecia muito bem a minha namorada.
— Ela salvou a minha vida — comecei usando o argumento ensaiado. Eu já tinha toda aquela discussão decorada em minha mente. Tive tempo de sobra para pensar no assunto.
— Ela quase matou o Lipe — Charlotte rebateu realmente aborrecida. Não seria como eu imaginava.
— Anita se arrependeu.
— Claro! — Revirou os olhos e cruzou os braços na frente do peito me encarando com a acusação nítida.
Respirei fundo e senti minhas costelas protestarem. — Ela queria uma forma de ficar livre da prisão.
Anita nunca foi confiável. — Charlotte... — É inacreditável, Alex! Ela ameaça jogar o Lipe naquele rio e você a perdoa?
— Ela não jogaria. — Vi que meus argumentos estavam deixando Charlotte cada vez mais enraivecida.
— Não brigue comigo.
— Não brigar? Se você não estivesse em uma cama de hospital eu te chutaria. — Tive que rir. — Não ria de mim. Eu não consigo acreditar que estamos discutindo esse assunto. Depois de tudo o que Anita nos fez você a perdoa? Mais uma vez? Até quando?
— Eu não perdoei Anita.
— Ah, não? E fez o que? Graças a Deus aquele policial na porta do quarto dela me impediu de entrar, porque eu ia mesmo ter uma conversa séria com ela.
— Anita ainda está aqui? — Todas as pessoas que estiveram lá se recusaram a me dar notícias de Anita.
Ninguém concordava com a minha atitude. Eles não entendiam.
— Vai sair hoje. Vai daqui para a delegacia.
— Como assim?
— Johnny. — Ela me disse como se estivesse me cobrando uma atitude parecida.
— Bom, eu não posso fazer nada quanto a isso. — Pensei em dar de ombros, mas rapidamente desisti.
Provavelmente doeria.
— É, não pode — ela revidou com uma ameaça verdadeira. — Não se atreva!
— Já disse que não vou fazer nada. Só fiquei admirado.
— Johnny não é idiota. — Ok! Entendi muito bem o recado.
— Pelo visto eu sou — provoquei porque estava achando linda a sua fúria.
— Você é... nem sei denominar.
— Charlotte, eu precisei fazer isso. Venha cá. Eu preciso te tocar e não posso fazer movimentos bruscos.
— Ela me olhou com desafio, porém acabou cedendo e se aproximou, mesmo ainda com os braços cruzados na frente do peito.
Toquei seu braço, subi até o pescoço, acariciando a pele, sentindo uma saudade absurda daquela menina.
Eu queria poder abraçá-la, beijá-la... céus! Como eu podia amar tanto?
— Não brigue comigo — pedi, querendo que ela se aproximasse mais, que colasse o seu corpo ao meu.
— Impossível, Alex! O que vamos fazer? — Ela já estava desarmada, como eu queria. — Se Anita não for presa pela queixa do Johnny, eu, você, o Lipe, todos nós vamos correr o risco de ela aprontar outra vez.
— Não vai acontecer.
— Urgh! — Charlotte se afastou outra vez e eu me senti só. — Como você pode colocar tanta fé naquela mulher?
— Eu não coloco.
— Então por que fez isso?
— Porque eu queria que Lipe tivesse direito a uma história mais limpa. Não quero que ele cresça enfiado nesta confusão. Com a madrinha presa por tentativa de assassinato e sequestro, com uma mãe que foi tão louca a ponto de criar toda essa situação mesmo depois da sua morte. Lipe merece algo melhor e nós podemos fazer isso por ele. — Mantive a voz baixa e decidida. — Eu e você, vamos dar esta família que ele merece ter, uma história linda, só nossa.
— Com Anita livre para nos atormentar?
— Anita vai embora do Brasil. — Vi a surpresa em seu rosto, nem assim ela se rendeu.
— E quem garante que em algum momento ela não vai voltar exigindo fazer parte da vida do Lipe?
— Ninguém garante, mas eu quero acreditar que Anita deixou de ser uma ameaça. Ela estava com medo, assustada e com raiva. Acabou, Charlotte. Anita sabe tudo o que fez de errado e se envergonha disso. E sempre podemos contar a verdade ao Lipe. Prepará-lo para não aceitar uma reaproximação.
— Então não vamos ter uma história feliz, Alex. Não com ele sendo lembrado de tudo o que sofreu.
— Vamos deixar acontecer então. Anita vai embora eu acredito que tão logo se resolva com Johnny e espero que não volte mais.
— É confiar demais. — Ela se aproximou e finalmente, sentou com cuidado em minha cama e se inclinou para me beijar. — Senti tanto medo!
— Eu também. — Abracei Charlotte querendo beijá-la até não restar mais nada da saudade que eu sentia.
— Tive medo de não poder ter você assim, perto de mim, me querendo também.
— Ah, Alex! — Ela fechou os olhos e, tomando bastante cuidado, encostou em meu peito. — Eu fui tão burra! Outra vez fui burra, infantil, egoísta... — Não foi! — Puxei seu rosto para que ela me encarasse. — Não foi, amor. Eu deveria ter te contado a verdade antes de Anita ou qualquer outra pessoa te envenenar. A culpa foi minha, mais uma vez. Eu tive tanto medo de que você me deixasse que preferi esquecer, acreditando que o problema havia morrido com Tiffany. Acabou acontecendo exatamente o que tentei evitar.
— Eu devia ter confiado em você. Não esperar tanto tempo.
— Você deveria não esperar tanto — acusei me divertindo com a sua culpa. — Quase me enlouqueceu.
— Me perdoe! — Ela riu um pouco. — Eu já fiz tantas bobagens que nem sei como te recompensar.
— Mas eu sei. — Charlotte me deu aquele olhar quente, o rosto ficando ainda mais vermelho. Fiquei feliz assistindo seu pescoço e orelhas assumindo o mesmo tom. Passei a mão em seu cabelo e ela sorriu tímida. Linda! — Case comigo.
O espanto em seu olhar era esperado. O ar preso em seus pulmões também. Ela mordeu o lábio inferior e sorriu. Essa reação foi totalmente inesperada para mim.
— Você sabe que existe um livro que termina assim, não é?
— Sei. E você sabe que a vida imita a arte e a arte imita a vida, então... Por que não?
— Porque é clichê demais.
— O clichê é o ouro da literatura, Charlotte. — Seu riso infantil tomou o ambiente. — Pensei que fosse o erótico.
— Erótico paga as contas.
— Isso foi horrível!
— Case comigo! — insisti disposto a usar de todos os meus argumentos até conseguir o seu sim.
— Eu caso.
Foi minha vez de me assustar. Definitivamente eu não esperava pela sua rendição tão fácil. Ela me observava com aqueles olhos cheios de expectativas, e repletos de uma confiança antes desconhecida.
— Casa? — Não pude esconder a minha surpresa.
— Caso.
— Sério?
— Por que o espanto? Por um acaso não tem certeza do pedido?
— Não... — De repente me senti incomodado. — Eu tenho... apenas pensei que passaria uns seis meses tentando te convencer.
— Por que achou isso? — Ela parecia indignada.
— Como assim por quê? E toda a conversa de um passo de cada vez?
— Lipe precisa de mim como mãe e não poderei ser mãe dele se não estiver casada com você — ela disse assim, como se não fosse algo absurdo.
— Então é só por isso? Não quer casar comigo porque me ama? É tudo por causa do Lipe?
— Principalmente. — Seu sorriso maroto me fazia pensar no enigma que sustentava. O que realmente Charlotte queria? — Você é um ótimo bônus.
— Bônus?
— Bônus — repetiu sem titubear.
— Hum! — Fingi pensar no assunto. — Tudo bem.
— Tudo bem?
— Sim. Tudo bem. — Charlotte estreitou os olhos me encarando sem acreditar. — Lipe precisa mesmo de uma mãe. É para o bem dele.
— Alex! — Ela riu me batendo no braço. Doeu mais do que deveria. — Então não caso.
— E vai deixar Lipe sem uma mãe?
— Eu não preciso estar casada com você para ser mãe dele.
— Ah não?
— Não!
— Então case comigo porque me ama. — Ela sorriu de maneira esplêndida, linda e leve, exatamente como Charlotte era.
— Eu caso — sussurrou.
— Obrigado — sussurrei de volta, enlaçando o seu pescoço para puxá-la para mim. — Eu amo você, Charlotte!
— E eu amo muito você, Alex! — Ela me beijou com cuidado, mas logo se afastou me encarando com um sorriso desconcertante. — Mas amo mais o Lipe. — Eu tive que sorrir satisfeito com aquele adicional.
Capítulo 38
“O céu se encontra onde Julieta vive.” William Shakespeare Alex No dia seguinte, logo pela manhã bem cedo, recebi alta do hospital. Charlotte fez questão de me buscar, juntamente com meu pai e Peter, que mais parecia uma celebridade do que um médico aposentado. Todos queriam falar com ele.
Enquanto meu pai e Peter tratavam de agradecer pelo ótimo trabalho deles comigo, assim eles disseram, eu e Charlotte saímos do quarto para aguardá-los no carro. Eu estava ansioso demais para ver o Lipe e comunicar à família sobre a nossa decisão.
Casar outra vez com Charlotte era algo que me empolgava demais. Minhas esperanças estavam renovadas, eu me sentia leve, feliz, tudo parecia mais bonito e brilhante. Tudo porque aquela menina mimada decidiu dizer sim e casar comigo, ser a mãe do meu filho e de quantos outros quiséssemos ter.
Havia uma promessa de final feliz que me animava e impulsionava.
Ela, ao meu lado, o braço entrelaçado ao meu, sorria com uma jovialidade que me fazia parecer um adolescente apaixonado. Não havia nada que eu não amasse naquela garota. Nada que eu desejasse modificar. Ela era perfeita para mim.
Até que vimos Anita no final do corredor. Os braços cruzados na frente do peito em uma posição que indicava fraqueza logo me fizeram ver que ela não queria briga, nem armava nada para nos prejudicar.
Mas Charlotte não via o que eu via, e se empertigou.
Agradeci por ter seu braço preso ao meu. Assim eu conseguiria segurar a minha namorada antes que ela cumprisse a promessa de dar uma lição em Anita. Eu sabia que a raiva que praticamente saía dos olhos da minha futura esposa poderia facilmente atingir a madrinha do meu filho.
O olhar inseguro de Anita demonstrava o seu nervosismo. Ela hesitava, principalmente por causa de Charlotte e parecia tentada a desistir do que quer que tenha planejado para estar ali.
— Alex! — Ela olhou rapidamente para Charlotte que a encarava com uma acusação nítida. — Eu queria... eu só vim... — Olhou outra vez para minha namorada, como se a sua presença fosse fator decisivo para fazê-la não falar.
— Pensei que você estivesse presa — Charlotte começou. Apertei seu braço para que ela encurtasse a conversa.
— Vou responder pelos meus atos, Charlotte. — Não havia arrogância em Anita, apenas a vergonha pelo que tinha feito. — Meu advogado disse que ainda estamos na fase da queixa, então... — Johnny irá até o final — Charlotte provocou.
— E eu vou aceitar. Foi absurdo o que eu fiz. Johnny não merecia ser ferido. — Anita abaixou o olhar e Charlotte se surpreendeu, porém, sem ceder. — O que você quer, Anita? — Minha namorada atacou mais uma vez. — Eu avisei, Alex. Ela não vai nos deixar em paz.
— Charlotte! — Tentei conter minha namorada, mas Anita nos surpreendeu mais uma vez.
— Eu vim me despedir. — Anita olhou diretamente para mim. — E agradecer. — Tchau! — Sim, Charlotte conseguia ser infantil quando queria. — Aceitou a bolsa?
— Aceitei. Vai ser melhor assim. Graças a você.
— Pelo amor de Deus! — Charlotte se soltou de mim e se afastou enfurecida. — Se você tivesse dado a queixa eu não poderia ir — Anita continuou. — Não vou esquecer disso. — Apenas concordei com a cabeça. — E não volto mais — acrescentou com tristeza.
— Então vai aborrecer outras pessoas e sequestrar as crianças das famílias desavisadas? — Charlotte agrediu e Anita se encolheu com as palavras sem nada responder. — Espero que não volte mais mesmo! E que não se atreva a se aproximar do Lipe! Era ridículo me sentir orgulhoso do instinto materno da minha namorada? Por mais que eu não quisesse aquela conversa, mesmo desejando que Anita realmente não se aproximasse outra vez do Lipe, eu gostei de ouvir Charlotte defendendo o meu filho como se fosse realmente dela.
— Pode deixar, Charlotte. — Anita sorriu com tristeza. — Alex já deixou este detalhe bem claro. — Minha namorada me olhou sem entender. Bom, a verdade era que de uma forma ou de outra, ela nunca entenderia, então... — Seja feliz, Anita. — Com isso eu esperava encerrar o assunto e seguir meu caminho.
— Este é o meu objetivo de vida, Alex. — Ela sorriu com tristeza, fazendo-me entender que seria mesmo difícil.
Segui em frente conduzindo uma Charlotte cheia de dúvidas e receios. Ela temia por nós dois e principalmente pelo Lipe. Eu também temia, apesar de acreditar que Anita cumpriria com a sua promessa. De uma coisa eu estava certo: quando Charlotte dissesse que deveríamos prestar mais atenção, eu obedeceria. Não dava mais para ignorar a sua sagacidade.
Charlotte — Para, Miranda — resmunguei quando minha amiga tentou pregar mais uma flor em meu cabelo.
— É necessário, Charlotte! — Ela continuava insistindo e eu estava em meu limite. — Não é não! Já está ótimo! E eu te disse: eu quero um penteado simples. — Mais simples do que esse é impossível. — Lana estava de cara amarrada observando Miranda argumentar comigo. As duas não aceitavam as minhas determinações. — Nunca vi um casal tão frustrante.
— Não esqueça que eu e Alex já casamos antes e tivemos a festa dos sonhos. Agora eu quero tudo como eu sonho, então, parem de tentar me convencer. — Miranda colocou as mãos em meus ombros e sorriu.
— A madrinha ficaria orgulhosa. — Nossos olhos se encontraram através do espelho e eu vi que minha amiga estava emocionada.
Eu evitava pensar na minha mãe, principalmente nos dois dias que se passaram após eu aceitar me casar outra vez com o mesmo homem. Ela ficaria escandalizada na mesma proporção que deliciada. Se antes já foi estranho organizar tudo em quinze dias, como ela reagiria a dois? Sorri imaginando.
— Mary estaria vivendo o seu pior momento de frustração — Lana continuava reclamando. — Onde já se viu um casamento assim? A noiva não quer nada além de flores, com apenas treze participantes, isso já contando com os noivos, um cardápio escandaloso, nada de músicos e apenas um juiz de paz, que, diga-se de passagem, aceitou propina para realizar um casamento em tão pouco tempo. — Tive que rir. — E eu nem vou falar do vestido comprado em uma loja comum, pronto e ajustado.
— Está tudo lindo, Lana. — Eu não conseguia, nem mesmo com toda a reclamação da minha cunhada, sentir-me menos feliz.
— Se você acha. — Revirou os olhos e desistiu de não participar. — Você podia pelo menos ter aceitado um maquiador profissional. — Pegou o pincel da minha mão e me encostou na cadeira. — Eu cuido disso. Como se já não bastasse todo o restante teríamos que encarar uma noiva pintada para um circo. — Ri alto. — Pare de rir. — Obedeci de imediato.
— Graças a Deus desta vez não tivemos despedida de solteiro — Miranda brincou. A ideia me fazia estremecer. Eu bem lembrava de tudo o que vivemos por causa das loucuras do João e depois das de Anita e Tiffany. — Como eles voltariam hoje? Pelados? — Lana riu e eu tive liberdade para rir também.
— Posso dizer que vocês me devem esta — minha cunhada brincou espalhando a base em meu rosto. — Deixei claro que não admitiria, mas, só para garantir, providenciei algo para entreter o João, distraindo-o de qualquer ideia absurda.
— Eu te devo a minha felicidade — agradeci dramaticamente a força que Lana me deu.
— Deveria ter me agradecido concordando que convidássemos pelo menos alguns amigos mais próximos.
— Eu permiti que convidasse a Aline. — E foi um escândalo não admitir ninguém mais.
— Porque sabia que ela estaria fora do país. Isso foi um absurdo, Charlotte.
— E vale ressaltar que desta vez ela não aceitou ser depilada — Miranda acrescentou querendo colocar mais lenha na fogueira. Lana suspirou descontente.
— E Alex gostou tanto! — Seu pesar me deixou em alerta.
— Alex gostou? Então ele conversou sobre isso com você? Lana, ele... céus! Como... eu vou matar o seu irmão! — Meu rosto ficou tão quente que eu tive certeza que nem precisara de mais maquiagem. — E eu já estou depilada — informei com raiva.
— Toda? — Lana não entendia que aquele assunto era íntimo e pessoal? — Porque Alex gosta de... — Tá legal! Já chega. Eu sei exatamente como o meu marido gosta. — E o calor já descia pelo meu pescoço. — E vamos adiantando esta maquiagem porque eu não quero me atrasar.
— Claro, claro — Lana falou com ironia. — Você é a noiva que é do contra, então, por que não ser pontual?
E com essa eu tive que voltar a sorrir.
*** — Pai, para de ficar me olhando com essa cara de bobo — preferi reclamar do que dar atenção para as lágrimas que se formavam em meus olhos. — O senhor entendeu mesmo o meu motivo?
— Sim, filha. Entendi e estou orgulhoso.
— Não está aborrecido e nem magoado? — Ele sorriu, fazendo-me lembrar do pai que sentava para tomar chá com as minhas bonecas sem se importar com os olhares divertidos dos empregados.
— De forma alguma! Eu já fiz isso antes. Não tem problema nenhum aceitar da sua maneira agora. — Com os olhos marejados abracei o meu pai me sentindo tão grata que chegava a me questionar se eu não estava sonhando. — Vá em frente. Você já é uma mulher.
— O senhor demorou muito tempo para perceber isso. — Funguei sem me importar com a falta de boas maneiras.
— Um dia teria que acontecer. Por falar nisso... — Pegou uma caixa vermelha do bolso de trás e me entregou. — Parabéns!
— Ah, pai! — Lógico que ele não aceitaria que o casamento ofuscasse o meu aniversário de vinte e cinco anos.
Abri a caixa e retirei de lá uma pulseira de ouro branco com pedras azuis lindas. Ela sabia que eu amava aquela cor por ser a mais próxima possível da cor dos olhos do Alex e agora do Lipe também. Era tão delicada e ao mesmo tempo tão cheia de personalidade que imaginei se algo poderia ser tão parecido comigo.
— Obrigada! — Entreguei a joia a ele para que a fechasse em meu pulso.
— Agora precisamos mesmo ir. O que quer que eu faça?
— Pode chamar o Lipe para mim?
— Claro, filha! — E seus olhos emocionados demonstravam o orgulho que sentia.
Meu pai saiu e eu me preparei para viver o momento mais mágico e encantador da minha vida: o meu casamento.
Alex Eu não estava nervoso e nem com medo, como fiquei da primeira vez. Naquele momento tudo era diferente. Charlotte queria casar, não havia nem ameaça nem pressão do Peter, Lipe estava muito feliz e nós sairíamos dali para a cabana e só voltaríamos dois dias depois para seguir viagem. Nossa lua de mel seria acompanhando a turnê da minha esposa famosa e bem-sucedida.
Dava para aguentar.
Patrício estava do meu lado, mas não tirava os olhos da esposa. Dava para notar que havia algo diferente entre eles. Algo mais carnal do que o habitual, mas também mais cúmplice, como se compartilhassem um segredo só deles.
João ficava um pouco comigo, sempre precisando correr atrás das gêmeas, como se as babás não fossem o suficiente para aquelas duas. E provavelmente não eram mesmo.
Meu pai namorava a minha mãe, acariciando o seu rosto e relembrando do casamento deles. Enquanto Lana andava de um lado para o outro conferindo se tudo estava de acordo, mesmo sendo apenas nós e uma única mesa que serviria o almoço. Ela queria que tudo fosse impecável e com isso deixava os cinco funcionários loucos.
Lipe não estava em lugar algum. Eu acreditava que ele deveria estar com Charlotte, já que eles não se desgrudavam. E Peter certamente estava com eles também. Ele conduziria a filha até o local em que o juiz de paz nos aguardava.
Estava tudo caminhando bem e conforme o planejado. Charlotte provavelmente atrasaria, porque era o que as noivas faziam. Então eu podia relaxar e me sentir confortável naquela roupa completamente desconfortável que Lana me forçou a usar.
— Isso vai ser divertido — Patrício riu.
— O que vai ser divertido?
— Esse casamento. Não é forçado demais? Vocês já foram casados, então bastava ir ao fórum e casar outra vez. — Olhei para o meu irmão sem acreditar no que ele dizia. — Ah, tudo bem que nossos pais te censurariam eternamente, mas... precisa mesmo de tudo isso? — Apontou para a própria roupa.
— E isso é divertido?
— Vai ser. Quando Charlotte atrasar e você ficar com aquela cara de bobão que ficou na primeira vez. Eu nunca acreditei que você pudesse ser um homem inseguro, Alex. — Dei risada observando João Pedro se aproximar.
— Eu posso ser muitas coisas que você nem imagina. Posso te mostrar. Quer?
— Vá se foder!
— Ei, meninas! O que é isso? Estamos aqui, reunidos na presença de Deus para... — Vá se foder, João!
— Eu e Patrício dissemos ao mesmo tempo e começamos a rir. — Vocês são uns babacas mesmo. Onde está a Charlotte? — Ele olhou para o espaço do lado de fora da nossa casa do rancho e nós o acompanhamos por instinto.
— Ela vai atrasar. — Patrício me lançou um olhar de deboche. — Ou desistir.
— Por que ela desistiria? Você é um idiota, Paty — João rebateu e se afastou para não ficar ao alcance das mãos do meu irmão.
— Paty é a... — O que Peter faz aqui — interrompi os dois com o coração acelerado.
Peter deveria conduzir Charlotte até o local onde o juiz de paz nos aguardava. Ele tinha ido buscar a filha e voltou sozinho. Meu coração acelerou a um nível humanamente impossível.
— Eu disse que ela desistiria — Patrício provocou.
— Cala a boca, mané! — João me defendeu, mas havia muita preocupação em sua voz que não passou despercebido por mim. — Ele deve ter vindo avisar que ela vai atrasar.
— Ou que desistiu. — Lancei um olhar assassino para o meu irmão que se afastou rindo.
Peter se curvou para falar no ouvido da minha irmã, que me olhou rapidamente e logo em seguida foi para dentro da casa. Porra! Eu não deveria, mas meus pés não me obedeceram e comecei a caminhar em busca da minha noiva. O que estava acontecendo? Sem tirar os olhos do local por onde Lana entrara, fui interrompido por Johnny.
— É melhor você ir para o seu lugar. A noiva já está vindo. — Peter passou por mim e me deu um tapinha amigável no ombro, sem nada dizer.
Que merda estava acontecendo? Peter, que deveria estar com Charlotte, estava ali, sentado na primeira fileira das poucas cadeiras dispostas defronte da mesa que serviria para assinarmos os papéis, isso significava que minha noiva entraria sozinha?
Johnny me levou de volta e confesso que a confusão não me deixava raciocinar direito, por isso fui sem protestar. Todos sentaram e uma música instrumental preencheu o ambiente. Clair de Lune. Tão apropriado! Meu coração, já acelerado, iniciou um ritmo diferente, mais emocionado, ansioso e agradecido.
E então Charlotte surgiu no meu campo de visão. O ar ficou preso em meus pulmões. Ela estava deslumbrante! Um vestido todo de renda justo até a cintura definida e esvoaçante em uma saia rodada de tecido leve, até os seus joelhos. Não era longo, nem um vestido tradicional de noiva. Era exatamente como minha Charlotte. Simples, leve e lindo.
Mas o que me deixou extasiado não foi a beleza da sua escolha pelo vestido, nem as flores que ornamentavam o seu cabelo. O que me deixou sem fala e com lágrimas nos olhos foi um pequeno detalhe.
Tão pequeno e imenso na sua importância: Lipe.
O meu Lipe, fruto da minha traição e também o motivo para eu merecer o perdão, o filho que eu tive com uma mulher que tentou a todo custo nos separar. Era ele quem conduzia Charlotte.
Ele, a criança que ela não pôde gerar, mas que amava como mãe, trazia para mim, outra vez e de volta, o amor da minha vida. A mulher que eu precisei deixar para trás para assumir a minha obrigação com aquela pequena criança. E era tão perfeito que eu não quis evitar que as lágrimas caíssem dos meus olhos.
Eu não me importava se as pessoas estavam vendo. Ali, naquele momento, era como se estivéssemos fechando um ciclo de amor, medo, derrotas, dor e rendição. Era a certeza de que não importava o rumo que tomássemos, o nosso amor era verdadeiro e forte o bastante para resistir a todas as provações, entender, redefinir-se, adaptar-se e permanecer.
O fruto da nossa separação me entregava pela mão o amor que perdi um dia. E era como se me dissesse que tudo era possível, até mesmo aquela armação do destino, que parecia impossível e que agora não me parecia menos adequada.
Quando eles chegaram eu me abaixei e abracei meu filho, que, inocente como era, abraçou-me com pernas e braços. Não consegui deixá-lo, então levantei com Lipe no colo e beijei minha noiva, que também chorava emocionada.
— Obrigado! — sussurrei em seus lábios. Ela apenas sorriu.
Com Lipe no colo e Charlotte com a mão na minha, nos viramos para o juiz para darmos início àquela nova etapa da nossa vida. Ou, para finalizarmos uma que precisava ser encerrada de uma vez por todas.
O juiz disse algumas palavras, que eu não consegui prestar atenção, já que meus olhos e ouvidos me levavam o tempo inteiro na direção daquela mulher inacreditável ao meu lado. E, muito rápido, assinamos os papéis, nos tornando marido e mulher novamente. Quando beijei Charlotte ouvimos os murmúrios.
— Não vamos ter declaração de amor desta vez? — Lana falou alto, fazendo os outros rirem e protestarem.
Olhamos um para o outro e eu sabia que muito poderia ser dito, mas nada que eu quisesse declarar. No pouco tempo que ficamos separados eu aprendi que palavras eram apenas palavras. Poucas mereciam ser repetidas, ou precisavam. Então, ali, de frente para a mulher da minha vida, eu muito sentia, sem nada conseguir dizer.
— Casados outra vez? — Sorri me sentindo um bobo.
— Outra vez — ela sussurrou com a voz rouca e embargada. — Desta vez para sempre. — Aquelas eram palavras que significavam muito. — Para sempre — ela repetiu, como se quisesse fixar as palavras no firmamento.
— Sim, para sempre.
Voltei a beijar minha noiva quando senti os pequenos braços do nosso filho cercando nossas cabeças. Ele nos abraçou, como se seus braços fossem capazes de nos manter ali, sem deixar nada nos atrapalhar, protegendo-nos e selando aquela união.
Sorrimos e eu senti que o mundo não poderia ser mais perfeito.
Capítulo 39
“Não o duvides; todas estas dores nos servirão ainda unicamente para doces deixar nossos colóquios.” William Shakespeare Charlotte Desci as escadas tentando conter a ansiedade. Alex estava com os meninos: Lipe e Francisco, ou Chico, como chamávamos o nosso filho caçula.
Há três anos, quando completávamos um ano do nosso novo casamento, recebemos a notícia que tanto esperávamos: Chico, um garotinho, magro, com apenas um ano e dois meses, abandonado pela mãe em uma casa de adoção, seria nosso filho.
Quando entramos para a fila de adoção conversamos com Lipe sobre como seria ter mais uma criança dentro de casa e ele nos surpreendeu. Ele disse: — Meu irmãozinho vai nascer do seu coração também? Assim como eu nasci? — Fiquei admirada e, lógico, chorei. Porque eu nunca deixaria de ser aquela garota que corava e chorava em qualquer situação.
Lipe sabia que eu não era a sua mãe verdadeira, ou, a mãe que o gerou. Nós nunca apagaríamos Tiffany da sua vida. Mas eu era a mãe dele, a que o amava e criava. Como também seria a mãe dessa outra criança confiada a nós. Ele ficou feliz e nos acompanhou em todo o processo.
Junto com a gente ele escolheu o Chico. Francisco não se parecia com a gente, apesar de sua pele acompanhar o bronzeado da pele do Alex. Ele tinha cabelos castanhos, com cachos grossos, olhos de um tom avelã invejável e um sorriso que derretia o meu coração.
Parece bobagem e provavelmente muita gente não me entenderá. Escolher uma criança para adotar não é como chegar em uma loja e escolher a camisa mais bonita. Talvez até fosse para algumas famílias, mas eu e Alex sabíamos como teria que ser, então visitamos alguns orfanatos, conhecemos as crianças, brincamos com elas sem nenhuma promessa.
Nós tínhamos algumas ideias, tais como preferir meninos porque seria mais fácil para o Lipe, e não queríamos que fosse um bebê pelo mesmo motivo, mas tínhamos consciência de que seria aquele que nosso coração indicasse, por isso escolhemos o Chico. Ele não falava quase nada, andava cambaleando e era tão tímido que se escondia da gente todas as vezes que chegávamos para uma visita.
Na primeira vez não prestamos atenção nele. Chico se escondeu e ficou com uma das funcionárias o tempo todo, sendo carregado para ver as árvores ou para brincar no parquinho. Na segunda, quando estávamos deixando o local, eu já desanimada por não sentir aquele calorzinho que eu acreditava que sentiria quando colocasse os olhos na criança que seria “minha”, vi uma garota com o Chico no colo. Ela lia um livro para ele usando sempre o tom calmo. E ele olhava para ela encantado, como se a historinha contada o fascinasse. Aquela cena ganhou o meu coração.
Fiquei um bom tempo, parada na porta vendo os dois. Ele sorria olhando para a imagem quando ela indicava e depois voltava a olhar atentamente o seu rosto, exatamente como o Lipe costumava olhar para mim quando conversávamos. E exatamente como que eu queria que aquela criança me olhasse.
Alex chegou sem que eu percebesse e ficou me observando. Eu não sei que tipo de conexão ele teve com o Chico, porém quando o percebi parado atrás de mim ele sorriu e me abraçou por trás para sussurrar em meu ouvido.
— Achamos o nosso filho. — E me beijou de leve sabendo que eu concordava com a sua afirmação.
Todo o processo burocrático de adoção chega a ser injusto com a família e com a criança. Tenho que contar que todas as noites, desde que encontramos o Chico, eu sentia medo de alguém chegar primeiro, de ele não nos aceitar ou de qualquer outra coisa absurda projetada pela minha mente muito criativa, acontecesse.
Então depois de alguns meses, ele finalmente foi para a nossa casa e meu mundo azul se transformou em uma mistura de azul e marrom tão harmoniosa que eu não conseguia me imaginar sem esses tons.
Agora, sendo mãe de um menino de quase sete anos e outro de quase cinco, eu me sentia forte para mais uma batalha.
Eu conseguia ouvir a risadas deles três antes mesmo de alcançar o jardim e ver a farra. Alex, só de sunga, brincava com nossos filhos, que tentavam limpar as pranchas. A cena era digna de novela. Os três se encaixavam tão bem que ninguém diria que não eram corpos do mesmo sangue.
O amor que Alex dedicava a Lipe era o mesmo que ele dava a Chico. Nunca houve em nossa casa um momento em que a adoção fosse colocada em evidência. Eu sabia que poderia acontecer, afinal de contas um dia os hormônios tomariam conta daqueles meninos e sabe Deus o que dois adolescentes dentro de uma mesma casa são capazes de fazer. Meu pai e meus sogros que o digam.
— Achei que o desperdício de água era um assunto sério dentro desta casa. — Alex se virou para mim, com a mangueira ainda na mão, rindo de duas crianças que fugiam do seu jato d’água. Meu marido riu, constrangido e fechou a mangueira.
— Mamãe tem razão. — Ouvi o lamento dos dois. Pronto, logo eu seria a bruxa daquela casa. — Podemos fazer guerra de bexigas, o que acham?
— Eles vão molhar a casa toda — Marta gritou lá da cozinha e eu olhei para Alex censurando-o.
— Só aqui fora. Vão pela porta dos fundos pedir à Marta as bexigas. — Os meninos saíram correndo e Alex veio em minha direção.
Os cabelos negros molhados estavam um pouco maiores do que o habitual. A pele morena, queimada de sol, brilhava com a água que escorria. O corpo espantosamente magnífico totalmente exposto naquela sunga azul e o sorriso torto... ah, o sorriso torto! Por que ele não cansava de me deslumbrar?
— Aproveitaram a praia? — Ele se aproximou para beijar meu pescoço, com cuidado para não me molhar.
— Sim, preguiçosa. — Ri sem graça. Nos últimos meses eu arranjava todas as desculpas para não precisar levantar da cama antes da hora. — Você precisa parar de trabalhar tanto durante a madrugada.
Os homens da sua vida agradeceriam.
— É só uma fase. — Eu me distraí acariciando seu peitoral. Alex era delicioso.
— Uma fase longa — reclamou, beijando meus lábios e me envolvendo com seus braços longos, fortes e molhados.
— Alex! Você vai me molhar! — Ele riu, soltando-me.
— Posso saber para onde a senhora vai toda arrumada assim?
Olhei para mim mesma me perguntando se eu realmente estava sendo descuidada comigo, já que meu marido acreditava que um vestido estampado com corte reto e uma sapatilha era estar tão arrumada.
— Hoje é quinta-feira. — Cruzei os braços observando a reação dele e outra vez me questionei.
As quintas-feiras eram nossas e apenas nossas. Quando nos casamos e começamos a rotina de casados e com filhos, determinamos que tiraríamos um dia, que não poderia ser final de semana, para ficarmos juntos sem a interrupção de nada nem ninguém. Eu não trabalharia e Alex também não. A surpresa nos olhos do meu marido me fez pensar se eu não estava realmente negligenciando a nossa relação, já que nos últimos meses eu arrumei todas as desculpas possíveis para não termos o nosso dia.
Mas foi por uma boa causa.
Assim eu queria acreditar.
— O que foi? — Ele continuava me olhando daquela forma desconcertante.
— Nada. — Alex pareceu sem graça. — Pensei que você precisaria resolver alguma coisa. — Ok! Eu realmente negligenciei o meu marido. Era hora de consertar.
— Nada para resolver.
Ele continuou me encarando como se eu estivesse fazendo uma besteira. Senti o sangue esquentar meu rosto. Era ridículo pensar assim, mas parecia que eu estava me oferecendo. E de fato eu estava me oferecendo. E daí? Era quinta-feira.
— Mesmo local — disse por fim.
— Te encontro lá. — E saí para me despedir dos meninos.
*** Desde que escolhemos a quinta-feira para ser apenas o nosso dia, definimos todos os detalhes como se fôssemos amantes nos encontrando escondido. Alex ia no carro dele e eu no meu. Sairíamos em horários diferentes. Cada semana um escolhia como seria o nosso dia e o outro aguardava para ser surpreendido.
Alex nem imaginava o quanto seria surpreendido.
Dirigi até o apartamento que mantínhamos na Gávea e que utilizávamos quando precisávamos trabalhar sem a interrupção das crianças ou para os nossos encontros de quinta. Nos últimos meses utilizei mais o apartamento do que Alex julgava aceitável. Estacionei na nossa vaga dupla, cumprimentei os funcionários que encontrei pelo caminho e subi para o apartamento carregando a sacola com tudo o que eu precisava.
Abri a porta indo direto para a cozinha, onde deixei uma parte das compras. Depois fui até o quarto, escolhi um lençol, perfumei o ambiente, troquei as fronhas e coloquei a caixa azul com uma fita marrom sobre a cama.
No banheiro tirei o vestido e a sapatilha e me cobri com o roupão. Conferi a maquiagem, reforcei o perfume e voltei para a cozinha, onde preparei o vinho, servido em apenas uma taça. Foi quando ouvi a porta ser destrancada. Sentei no banco no balcão da cozinha americana e aguardei.
Alex entrou desconfiado. O tempo que ele levou para tomar banho, se arrumar e me encontrar no apartamento foi realmente recorde. Quase ri, mas mantive a postura séria. Ele vestia uma camisa de algodão com gola polo e mangas curtas e uma calça jeans. Os cabelos molhados e a barba por fazer, provavelmente devido à pressa de me encontrar, davam um charme todo especial ao meu eterno professor.
— Professor Frankli — provoquei, saboreando o prazer que ele sentia com aquela brincadeira.
Sim, este era mais um detalhe dos nossos encontros. Ali dentro Alex seria sempre o professor Frankli e eu a sua eterna aluna Charlotte Middleton. Um fetiche que adorávamos. Ali ele continuava a sua missão de me ensinar e eu, como ótima aluna, aprendia corretamente.
— O que aconteceu? Terminou o livro? — Respirei fundo.
Na verdade, eu queria que Alex atendesse aos meus pedidos silenciosos e simplesmente não questionasse os meus motivos para estarmos ali depois de tanto tempo.
— Não! — brinquei, levando a taça até ele.
— Você sabe que eu não bebo, Charlotte. — Eu sabia, assim como sabia que ele precisava relaxar.
Depois de tantos anos meu marido ainda não se sentia confortável com a bebida. Ele ainda se culpava pela situação que viveu com Tiffany. Apesar de também não me sentir confortável com tudo o que aconteceu, eu acreditava que Alex já sofrera demais e que era hora de simplesmente esquecer.
Aparentemente ele nunca esqueceria.
Mesmo assim fiz com que ele segurasse a taça e o conduzi até o sofá. — Acredite em mim, você vai precisar. — Ele parou me detendo.
— O que está acontecendo? — Seus olhos preocupados quase conseguiam me fazer sentir culpada.
Porém, continuar com o plano era uma missão, então me aproximei e beijei meu professor, que correspondeu, mesmo ainda intrigado. — Charlotte!
Alex gemeu em meus lábios lançando uma corrente de energia violenta pelo meu corpo. Deus! Eu estava morta de saudade. Quanto tempo fazia? Uma semana, duas? Quatro. Quatro semanas inteiras evitando o meu marido.
— Não preciso beber para te ensinar alguma coisa, menina. — Mesmo assim ele continuava com a taça na mão, enquanto a outra me mantinha presa ao seu corpo.
Porra, e que corpo! Na ponta dos pés, mesmo com o roupão grosso entre nós dois e uma calça jeans, eu pude sentir que meu marido já estava mais do que excitado.
— Eu preciso... — gemi, sentindo seus dentes arranharem meu pescoço e suas mãos avançarem em minha coxa para levantar minha perna e me prender ainda mais a ele. — Alex... professor... — me corrigi a tempo. Ele riu. — Céus! — Com uma mão em seu ombro e a outra em seu cabelo eu me prendia com força a ele, sentindo seus dedos invadirem a borda da minha calcinha e me provocarem.
— Deixa eu colocar isso aqui em algum lugar. — Ele começava a parar para deixar a taça sobre uma mesinha alta ao lado do sofá quando o impedi.
— Não. — Afastei-me aproveitando para recuperar minhas forças. — Beba.
— Charlotte!
— Beba, Al... professor Frankli. Por favor! — Com os olhos atentos ele virou a taça na boca e bebeu todo o vinho de uma só vez. Bom... não era bem o que eu esperava, mas estava de ótimo tamanho. — Vou pegar mais um pouco.
— Não — ele me deteve. — Não vou beber mais do que isso. O que está acontecendo?
A ideia era contar para ele, então por que inferno eu estava tão nervosa? Não foi o que eu quis? Eu não tinha me preparado para isso e estava segura da minha decisão?
— Charlotte?
Alex estava tenso, não era a reação que eu queria. Precisava dele relaxado e receptivo. Por isso o beijei mais uma vez para eu voltássemos ao clima.
— Eu quero fazer amor com você — sussurrei sem que minha boca deixasse a dele.
Senti que suas mãos fizeram mais força em minha cintura. Lógico que meu marido também queria. Sexo sempre foi importante para o nosso bom entendimento, no entanto as quatro semanas que não permiti que encostasse em mim também serviram para me mostrar que sexo podia ser importante sem ser o fator principal, porque Alex me respeitou e aceitou com resignação. Mesmo tentando todos os dias encontrar um jeito de se reaproximar.
—Bem lentamente. — Acariciei seu peitoral largo e enrosquei minha língua na dele aprofundando nosso beijo.
Suas mãos desceram para a minha bunda e me puxou para cima, demonstrando a sua ereção.
Provavelmente uma maneira de me dizer que lentamente talvez só fosse possível após o primeiro round.
Tolinho!
— Lentamente? — Sua voz rouca e carnal era mais um alerta.
— Muito, muito lentamente. — Ele rosnou quando mordi o lóbulo da sua orelha.
— Por quê? — Ainda com as mãos em minha bunda, prendendo -me em sua ereção gritante, ele afastou a boca da minha para me encarar.
Com a mão em seu peito me afastei e abri o roupão. Eu usava uma única peça, maiô, com rendas nos lugares apropriados e transparências no que eu sabia, mexeria com a sua imaginação. Os olhos gulosos do meu marido fizeram minha pele arder. E quando ele avançou eu recuei.
— Lentamente, Alex — o alertei. — E você está muito vestido. — Com outro rosnado ele puxou a camisa para cima retirando-a rapidamente.
O sol da manhã deixou a sua pele mais brilhante e as quatro semanas sem sentir aquele corpo maravilhoso me fizeram arfar. Mesmo assim me mantive no lugar enquanto ele, que me olhava como se estivesse me devorando, abria a calça, puxando-a para baixo. Uma cueca branca sendo revelado à medida que minha imaginação fazia um ótimo trabalho em meu corpo.
Alex puxou os tênis, sem se importar por deixá-los caírem longe e retirou a calça, ficando apenas com a peça branca que mal escondia a sua ereção fabulosa.
Ah, como eu sentia falta daquela visão!
— E agora? Mais alguma ordem? — Algo me dizia que meu marido não estava muito satisfeito com a nossa inversão de papéis.
— Uma — sorri inocentemente. — Me leve para a cama. — Ele revirou os olhos e sorriu, para logo em seguida me erguer, fazendo-me abraçá-lo com as pernas.
— Alex!
— Calada, Charlotte! Você hoje está exigente demais. — E me beijou com ardor enquanto me conduzia.
Meu coração acelerou. Era a hora da verdade e aquele momento poderia ser perfeito ou simplesmente desesperador. Não havia como saber.
Alex, gentilmente, me levou até a cama, sem interromper o nosso beijo, e me deixou sobre o colchão, cumprindo com a minha determinação de ser algo lento. No entanto sua mão esbarrou na caixa deixada estrategicamente ali e sua atenção se voltou toda para a pequena surpresa.
— O que é isso? — Seu rosto franzido demonstrava também diversão. Não era a primeira vez que inventávamos presentinhos para apimentar nossa relação.
Ele nem fazia ideia do presente que o aguardava.
— Abra.
Tentei não parecer tão nervosa, porém eu estava quase enlouquecendo. Alex sentou sobre as minhas pernas para não me deixar escapar e segurou a caixa com atenção.
— O que tem aqui? — Quase surtei de ansiedade.
— Abra! — Ele sorriu daquela forma que tirava todo o meu ar. Puxei o travesseiro e apoiei a minha cabeça.
Alex retirou o laço, e, sendo o sacana que ele era, demorou uma eternidade observando a fita. Quase arranquei das suas mãos e rasguei a caixa, mas me contive. Então ele, depois de admirar a caixa, resolveu que era hora de parar de me torturar e a abriu retirando de lá o papel.
— O que é isso? — Ainda estava com a expressão divertida, embora houvesse certa tensão em seus ombros. — Comprou um apartamento ou um carro para mim. — Seu sorriso tenso me indicava que aquela seria uma péssima ideia, então anotei mentalmente para nunca me atrever a presentear o meu marido com algo parecido.
— Leia. Você é frustrante. — Ele riu.
— Você é frustrante. Parar uma transa para me dar um papel de presente. — Continuou abrindo sem entender do que se tratava.
O ar ficou preso em meus pulmões enquanto eu observava a sua reação. Sua expressão passou de divertida a preocupada em dois tempos. Lógico, ele reconheceu o papel timbrado do hospital, que ganhou imediatamente a sua atenção.
— Charlotte... — Comecei a tremer. — Você... — Estou grávida — falei de uma vez. Não dava para conter a ansiedade que ameaçava explodir dentro de mim. — Seis semanas.
Alex, com o papel na mão e os olhos fixos em mim parecia apavorado. Até o brilho do seu bronzeado recém-adquirido parecia ter se apagado. Merda, merda, merda!
— Alex... — Como isso aconteceu? — Ok! Eu não teria como impedir que a risada saísse. Ele fechou a cara aguardando pela minha explicação.
— Bom... teoricamente o homem introduz o pênis na... — É sério, Charlotte! Esqueceu as pílulas? O que houve? — Eu não queria chorar, mas vendo o pavor no rosto do meu marido e não a emoção que eu imaginei que nos dominaria, meus olhos ficaram cheios de lágrimas.
— Eu quis engravidar. — Se era para ser uma merda então que fosse logo de uma vez. Alex me encarou incrédulo. O pânico não abandonava o seu rosto. — Alex, eu quis tentar. Não dava para viver sempre com medo.
— Mas... — Ele balançou a cabeça e deixou o papel de lado, saindo de cima de mim. — Por que não me disse antes? Por que não conversou comigo? Você sabe o que pode acontecer, sabe de todos os detalhes necessários. Não poderia ser assim.
— Eu tomei todos os cuidados e não quis te contar porque sabia que você nunca iria permitir. — Nos encaramos. Ele desesperado e eu desafiante. Até que meu marido desistiu e me abraçou. As lágrimas finalmente caíram e eu me senti uma criança inconsequente.
Pela primeira vez desde que tomei aquela decisão eu me perguntei se não estava sendo egoísta. O mais justo seria dividir com ele aquela vontade, uma vez que decidimos juntos que não tentaríamos, assim como juntos resolvemos adotar, porém aquela decisão, engravidar ou não, era algo meu. Como se eu nunca fosse me sentir completa se não tentasse. Pelo menos tentar. Uma única vez eu queria saber o que era ter uma criança dentro de mim, mesmo correndo todos os riscos.
— Me desculpe — ele falou antes que eu fizesse o mesmo. — Deus, Charlotte, eu estou sendo injusto com você! — Funguei sem conseguir dizer nada. — Pare de chorar. Vamos conversar. Olhe para mim. — Eu não conseguia. Estava tão envergonhada de ter feito tudo pelas costas dele e contra a sua vontade que me sentia péssima. — Charlotte, olhe para mim. — Levantei o rosto, mesmo consciente de que meu nariz vermelho e as lágrimas que melecavam tudo estavam destruindo a minha imagem. — Ah, Charlotte! Eu te amo tanto! Tanto! — Distribuiu beijos pelo meu rosto que segurava com as duas mãos. — Não chore, por favor!
— Você tem razão. Eu devia ter conversado, ter a sua aceitação. Agora estou grávida e nem é o que você deseja. — Chorei ainda mais.
— Não é o que eu desejo? Como pode dizer isso? Você sabe que eu quero esta criança como quis todos os nossos filhos. Eu só... droga, amor! Eu estou com medo. Desesperado para ser mais exato. Você sabe que engravidar pode te destruir. Se não fisicamente, emocionalmente. E eu não queria correr este risco.
Não quero que você sofra e não quero... não quero perder vocês. —Os olhos dele também estavam marejados.
— Há quatro meses eu tomo a injeção todos os dias — relatei. — Por isso precisei me afastar. Você sabe como funciona. Eu tenho que me proteger antes, assim as chances aumentam.
— De madrugada. — Enfim ele entendeu o que aconteceu comigo nos últimos meses.
— Quando todos dormiam. Eu precisava de repouso absoluto pelas primeiras doze horas.
— Por que não me contou?
— Porque você não aceitaria correr o risco. — Pelo seu olhar eu confirmei a minha teoria. Alex nunca permitiria.
— Quando descobriu?
— Há uma semana.
— E já tem seis semanas? — Um sorriso fraco iluminou a sua face. Ele olhou para a minha barriga coberta apenas pelo tecido transparente da lingerie. — Não apareceu ainda... digo... tem pouco tempo, então... — Eu já sinto a barriga um pouco arredondada. Aqui. Bem embaixo. — Ele sorriu um pouco mais.
— E agora? — Seus olhos se voltaram para mim, ainda havia sofrimento, também admiração e fascínio.
— Eu tenho que continuar com as injeções e com as horas de repouso. — Ele concordou com a cabeça.
— Nada de aviões, de esportes radicais, precisamos de uma casa nova e... — Sorri sentindo minhas bochechas arderem. — Sexo lento e com cuidado. — Alex me deu um sorriso encantador que me fez acreditar que estava tudo bem, mas logo este sorriso sumiu.
— E se... E se não acontecer? — Eu já esperava por aquela pergunta, mesmo assim senti o frio na barriga por ouvi-la.
— Será a minha única tentativa. Se não acontecer nós adotamos uma menina. — Ele mordeu o lábio inferior.
— E se for mais um menino. — Sua mão tocou a minha barriga e todo o meu medo foi embora com aquele toque. Como podia algo tão inocente ter um significado tão grande.
— Se for mais um menino nós adotamos uma menina. — Ele voltou a sorrir largamente e me puxou para um beijo de gratidão que fez com que eu ficasse ainda mais emocionada.
— Você sabe que eu ficarei insuportável, não é?
— Pensei que esse era um direito apenas da grávida. — Levei minhas mãos aos seus cabelos para acariciá-los. Eu precisava me sentir normal depois daquele estresse.
— Você é uma grávida atípica, então vai apenas relaxar e deixar que eu cuide de tudo. E nada de reclamar. A escolha foi sua, porém a missão de manter esta criança firme e forte aí dentro vai ser minha.
— Soltei o ar preso em meus pulmões como se eu estivesse sufocando.
— Não está mais aborrecido?
— Estou. Você deveria ter conversado comigo e usado todo o seu poder de persuasão para me convencer.
Você sabe que acabaria me convencendo. Mas ele já está aí dentro, e eu estou feliz, apesar de estar em pânico.
— Vai dar certo, Alex.
— Tem que dar. — Ele me beijou com devoção, as mãos em meu rosto. — Foi por isso que me evitou este tempo todo?
— Sim. Quando desconfiei que estava grávida tive medo de perder antes de saborear a descoberta, então tomei todos os cuidados do primeiro mês. — Seus olhos intensos me avaliavam enquanto suas mãos me acariciavam com ternura. — Desculpe se te fiz pensar outra coisa.
— Eu só pensava que você estava mesmo empolgada com o livro — sorriu sem graça e suas palavras aqueceram o meu coração. — Ou cansada demais com os cuidados com os meninos.
— Não pensou em nenhum momento que eu deixei de te desejar? — Seu sorriso tímido entregou o seu medo. Levei a mão ao rosto do meu marido puxando-o para mim. — Isso nunca vai acontecer.
— É só insegurança de um marido apaixonado. — Pegou minha mão e beijou. — Muito apaixonado!
— Mesmo com uma esposa que entope a sua vida de filhos?
— Três. — Seus olhos brilharam. — Mais do que eu achava possível. — E o sorriso que ele dava indicava que estava muito feliz com a notícia, apesar de todo medo que nos cercaria até o último momento. — Eu quero que dê certo, Charlotte! Quero muito esse filho, só não quero que você se cobre ou se sinta culpada se... — Está tudo bem. Eu amo tanto você!
Ficamos nos olhando por um tempo, absorvendo os nossos sentimentos, ajustando os temores, confirmando as certezas, até que ele me beijou com força, com uma paixão familiar, que envolvia medo, saudade, tesão e muito amor. Ele me deitou no colchão e se deitou sobre mim. Meu sangue aqueceu, então Alex se afastou com os olhos enormes.
— Desculpe! Te machuquei? — Ri.
Minha vida seria um inferno com Alex e Peter controlando todos os meus passos, pulsação, batimentos cardíacos e qualquer outra coisa para garantir que aquela criança nascesse. E eu seria apenas grata por todo cuidado compartilhado.
— Não machucou, mas como eu te disse: muito, muito lento. — Ele me olhou deitada embaixo dele e não escondeu o tesão que estava sentindo e que precisava ser contido.
— Tem certeza? Não é melhor esperarmos?
— Ainda temos trinta e duas semanas pela frente — o desafiei. Ele franziu o cenho, então fiz logo questão de explicar. — O máximo que eu posso chegar são trinta e oito semanas. O bebê tem que ser retirado de mim.
— Cesárea? — Confirmei com a cabeça e seus olhos correram outra vez o meu corpo. — Não vai ser ruim ter uma cicatriz bem aqui. — Seus dedos longos correram meu sexo indicando o local da cicatriz de uma maneira lasciva.
— Vai ser horrível! — lamentei.
— Não se eu puder beijá-la todos os dias — Seus lábios quentes desceram pelo meu pescoço em uma lentidão sufocante. — Posso começar desde agora para que você se acostume. — A língua provocante traçou um caminho perverso entre meus seios, parando no tecido que cobria o restante do corpo. — Preciso tirar isso de você. — Determinou me pegando com cuidado para que eu pudesse virar. — Preciso beijar você toda, Charlotte!
— Não com tanta lentidão, por favor! — Implorei ao sentir seus dedos abaixarem as alças da peça para retirá-la de mim.
— Tem que ser lentamente — provocou, beijando meus ombros enquanto descobria meus seios. Sua mão logo se apossou de um e o calor da sua palma aqueceu a intimidade entre as minhas pernas.
— Não... não tão lentamente. — Me mexi quando ele colou a ereção em minha bunda e roçou a língua pelas minhas costas, subindo os quadris e me levando com ele.
— Muito... — mordeu com cuidado a minha pele. — Muito lentamente.
— Alex... — Sem reclamar, Charlotte — me advertiu puxando o tecido para o meio das minhas pernas.
Eu estava nua, com a lingerie presa em minhas coxas, prendendo-as naquela posição, com a ereção do meu marido me provocando, suas mãos vagarosamente atiçando minha pele e seios, sua boca saboreando o meu prazer e seus dentes arrepiando o meu corpo.
— Se incline um pouco para frente. — A voz baixa em meu ouvido me fez estremecer. Obedeci sendo guiada por suas mãos que me acariciavam, apalpando meus seios e instigando os bicos já rijos de desejo.
— Assim. — Sensualmente, lambeu minha orelha roubando um gemido de mim. — Vou entrar em você, amor — anunciou deixando-me em uma expectativa alucinante.
— Pensei que queria beijar todo o meu corpo — instiguei sem saber qual das duas partes eu queria primeiro.
— Vou fazer isso. — Sua mão correu entre minhas pernas fechadas até alcançar meu sexo molhado.
— Alex! — gemi abertamente. Eu queria ser penetrada e depois beijada.
— Bem lentamente — indicou escorregando para dentro de mim sem tirar seus dedos do meio da minha perna.
Na posição em que eu estava, com as coxas juntas e impedidas de se abrirem para lhe dar mais espaço e a sua mão em meu sexo me fechando ainda mais, Alex não tenha escolha, ele precisaria mesmo entrar aos poucos, conquistando o território e me condenando a loucura.
— Ah, Deus! — A satisfação em sua voz era afrodisíaca. Nada melhor do que saber que seu marido se perdia em prazer quando entrava em você.
Incapaz de me conter e consciente de que eu não poderia fazer grandes esforços, empinei um pouco mais a bunda, sentindo minhas paredes espremerem o sexo duro do meu marido. O prazer era instantâneo, ele entrava e meu corpo correspondia deixando-me cada vez mais entregue.
Quando Alex estava todo dentro de mim, depois de me torturar com a sua lentidão e de quase me fazer ter um orgasmo três vezes, ele saiu, correu as mãos pelas minhas costas, inclinou-se para beijar meus ombros e, aos poucos, descer cada centímetro até chegar a minha bunda. O tempo inteiro ele me tocava e estimulava com a pressão certa em cada ponto.
Segurando em meus quadris ele mordeu cada nádega, beijou e chupou para logo em seguida descer seus lábios até o centro, levando-me aos céus com aquele beijo tão pecaminoso.
Com o rosto no travesseiro e os olhos fechados eu recebia e aceitava todas as carícias que meu marido me ofertava, e amava cada detalhe. Principalmente aquele.
Sua boca logo me deixou, descendo pelas minhas pernas até que ele me segurou com cuidado para me virar de frente. Sem pedir permissão arrancou a peça das minhas coxas e abriu minhas pernas, massageando-as com a mão.
— Isso é tortura — reclamei. — Se não me deixaria gozar porque começou pela penetração. — Ele me deu um sorriso descarado, puramente carnal e cheio de luxúria.
— Gosto daquela posição. — Suas mãos subiram a massagem chegando na junção que levaria ao meu sexo. Me contorci.
— Eu também — gemi deliciada com seu polegar me tocando tão intimamente. — Então por que parou?
— Quero te beijar todinha, esqueceu?
Ele se abaixou e, levantando meu joelho, começou a beijar meus pés. Céus! Só a ideia já me deixava excitada, imagine seus lábios em meus pés? Eu estava em puro êxtase. Qualquer partícula do meu corpo entrava em transe quando Alex me tocava, beijava, mordia... era a forma mais fácil de me subjugar.
Seus beijos continuaram trabalhando com a língua, subindo pela minha perna, sem perdoar nenhum detalhe. Na panturrilha ele teve ajuda dos dentes, mordendo a carne nos pontos certos, que reverberavam no meu centro de prazer. Meu corpo vibrava e implorava por mais. Sempre mais.
E ele continuava sua excursão. Sua língua provocando minhas coxas em uma ousadia ultrajante e excitante na mesma medida. Senti uma vontade absurda de fechar as pernas, de roçar uma na outra e me tocar, porque minha mente implorava para que eu atendesse o apelo do meu corpo dando-lhe alívio. Ao mesmo tempo, o prazer que lambia minhas terminações nervosas me lembrava o quanto a espera era saborosa, incentivando-me a continuar aguardando até que esperar não fosse mais uma opção.
Alex ignorou meu sexo, subindo até meus seios para abocanhar um por um. Ele sabia que assim me manteria equilibrada por mais tempo, fazendo-me continuar no jogo. Com as mãos em seus cabelos eu o incentivava a continuar. Ele sugou meu seio, provocou o bico, mordeu, atiçou, apalpou e, quando pensei que era demais para suportar, recomeçou no outro seio. O ambiente estava completamente preenchido com os meus gemidos e gritinhos, além dos sons de satisfação que meu marido fazia.
Porém, o que realmente me deixou fora do ar foi quando ele, seguindo o mesmo padrão lento, parou em minha barriga. Seus dedos me tocaram com tanta sutileza que prendi o ar. Suas carícias eram apenas com as pontas dos dedos, como se quisessem de fato afagar o bebê. Seus olhos se encheram de ternura em uma concentração única.
Ele suspirou e beijou minha barriga com carinho. A impressão que eu tive era que ele conversava em silêncio com o filho, para então voltar a cuidar da mamãe.
— Será que ele vai ficar bem? — As pontas dos dedos corriam com ternura pelo pé da minha barriga.
Era excitante e emocionante.
— Ele, ou ela — ressaltei. — Vai ficar ótimo, ou ótima. — Sorri largamente encontrando o seu olhar. — Termine a sua promessa.
— Qual promessa?
— De me beijar todinha.
Alex deu um sorriso torto e tão levado que me deu vontade de abraçá-lo. Ele era tão lindo!
Especialmente com os cabelos despenteados e entre as minhas pernas.
— Te beijar todinha pode não ser tão ruim assim para o bebê.
— Me comer todinha também não. — Seu olhar espantado e guloso me fez rir.
— Que boca suja. — E suas mãos já me tocavam de uma forma diferente, mais forte, com mais intensidade.
— Eu falei comer e não foder. Fica muito mais leve — provoquei. — E nós precisamos de sexo leve.
— Cala a boca, Charlotte!
— Me faça calar. — Ele então enfiou a cabeça entre as minhas pernas e seus lábios arrancaram meu fôlego.
Seus lábios se fecharam em um beijo ardente, exigente. A língua me penetrou, invadiu-me sem receio, tocando minha carne provocantemente. Toda a minha extensão era massageada pela sua boca e eu me contorcia saboreando cada investida. Mas foi quando ele resolveu sugar aquele pequeno ponto que me dava tanto prazer que eu praticamente perdi a batalha.
— Puta que pariu! — Consegui dizer com o último resquício de ar que restava em meus pulmões. Alex riu e se afastou contendo o fogo que quase incendiava tudo.
— Era para calar a boca, mas você nunca obedece. — Caída sobre o travesseiro, com a cabeça jogada para trás e louca de prazer consegui rir. Levantei para encarar meu marido e segurei em seus cabelos.
— Professor Frankli, eu quero um orgasmo. — Abri um pouco mais as minhas pernas para que ele entendesse o recado.
— Quer? — Ele já levantava se posicionando. — Então fique quietinha. Não vamos abusar. — Enlacei sua cintura com as minhas pernas enquanto ele, com os dois braços nas laterais do meu corpo, apoiava-se para sustentar o próprio peso e me acariciava a face como conseguia. — Bem devagar, amor!
Eu sabia que era necessário e queria de fato conseguir fazer tudo de acordo com as recomendações médicas, mas... porra! Depois de quatro semanas era frustrante. E Alex me conhecia como ninguém.
— Não há nada de errado em te amar, Charlotte. — Não consegui responder. Alex falava e entrava em mim no ritmo de suas palavras, lenta e constantemente. Ele gemeu baixinho encostando a testa no espaço entre meu pescoço. Os lábios sempre lá, em mim. — Eu amo entrar em você... — E ele ganhava meu corpo com facilidade. — Bem lentamente... — A voz rouca, controlada e calma fazia minhas células se agitarem em uma dança louca e frenética. — Sentindo e venerando cada centímetro seu. — Era como se ele estivesse gemendo as palavras de tão deliciado que estava. — Assim... — Eu me movia em sintonia com seus movimentos, indo e voltando sem nunca perder a calma.
Porra, eu queria gritar e me mover mais rápido, segurá-lo com força, mas só conseguia acompanhá-lo, seguir o seu ritmo lento e constante. E, por incrível que pareça, estava muito gostoso. Tão gostoso que eu não conseguia mais parar.
E assim, aceitando aquele amor cuidadoso, senti os primeiros formigamentos se formando. Alex mantinha estocadas suaves, entrando e saindo, enlouquecendo-me.
E então, como se nada mais pudesse ser perfeito, eu me senti flutuar. O prazer percorrendo todo o meu corpo, dividindo cada pedaço meu em minúsculas partículas que pareciam estourar como fogos de artifício. Eu gozei sentindo minhas pernas ficarem dormentes, meu ventre se contorcer e meu ar faltar.
Alex me acompanhou, entregando-se com uma desenvoltura fascinante. Seus gemidos nada contidos seguiam conforme suas estocadas lentas e profundas. Ele se derramou em mim, enchendo-me do seu amor.
Ainda ficamos abraçados, ele beijando meu torso, venerando-me enquanto eu acariciava seus cabelos, de olhos fechados, desfrutando de cada segundo daquele nosso dia encantador.
— Está tudo bem? — Ele rolou para o lado, mas continuou deitado em meu ombro para que eu pudesse manter a carícia.
— Tudo ótimo. — Sorri pensando se eu me acostumaria com tanto cuidado. Alex passou a mão em minha barriga e ali ficou acariciando-a suavemente.
— Eu vou cuidar de vocês — sussurrou com a voz sonolenta. — Essa vai ser a minha mais nova missão.
E eu sabia que ele cumpriria sua promessa, então, sonolenta como todas as grávidas, adormeci sendo velada pelo homem dos meus sonhos, sabendo que nada seria mais bonito do que a nossa realidade.
Capítulo 40
“Se eu tiver de dar crédito à verdade do sono aduladora, os sonhos dizem-me que está iminente alguma alegre nova.” William Shakespeare.
Alex — Por que está demorando tanto?
Eu não conseguia ficar sentado como meus irmãos e amigos. Minhas pernas me levavam de um lado para o outro sem saber ao certo o que fazer. Cada segundo contava como horas e o tempo assim parecia demorar uma eternidade para passar.
— Filho, você precisa relaxar. — Era tudo o que meu pai dizia nos últimos meses, ou semanas, como eu vinha contando desde que descobri a gravidez de Charlotte. — Logo vocês vão passar muitas noites acordados com um menino chorão para atrapalhar o sono.
— Ou menina. — Minha mãe sorriu orgulhosa. Ela também estava ansiosa e nervosa, obviamente não tanto quanto eu.
— Eu devia ter entrado — reclamei pela milionésima vez. — Peter não tinha o direito de me impedir.
— Você atrapalharia tudo — Miranda rebateu impaciente. — Charlotte precisa estar tranquila. Sua ansiedade não ajudaria em nada. — Olhei para a esposa do meu irmão ciente de que ela não sentia nenhum medo de mim.
— Alex, ela vai ficar bem. Você não tem mais idade para ficar nervoso — Lana brincou. — Por que não vai beber alguma coisa com o João? — E olhou sugestivamente para o marido que não gostou nada da ideia.
— Ele não bebe mais — resmungou. — Alex virou uma bichinha desde que Charlotte foi embora.
— Vá à merda, João! — xinguei fazendo todos rirem. Eu não estava com vontade de rir.
— Por que está demorando tanto? — repeti voltando a andar de um lado para o outro.
— Por que você não vai para casa cuidar dos meninos? — Lana propôs, levantou as mãos retirando o que disse assim que viu a minha cara feia.
— Nem é o seu primeiro filho — Patrício se manifestou com a mesma falta de paciência da esposa. — Não é nem o primeiro filho que você vê nascer. Esse seu nervosismo está me deixando nervoso.
— Vá se foder!
— Alex! — Minha mãe me recriminou fazendo-me recuar. Merda! Eu não tinha mais idade para aquilo.
— Peter não vem dar notícias — resmunguei me afastando do meu irmão.
— Ele está acompanhando o parto — Johnny me informou outra vez. Ele se mantinha firme, embora eu soubesse que o seu medo era o mesmo que o meu.
— Filho, está tudo bem com o bebê. Você acompanhou todos os exames. Acabou! — Meu pai tentava me animar. Ele não entendia.
— E Charlotte? — Todos pararam para me olhar. — Não acabou ainda, pai! Eu preciso sair daqui com ela. Aliás, eu preciso que passe todo o primeiro mês, até que ela tenha realmente alta. Aliás, o primeiro ano seria mais seguro.
— Você está exagerando — ela continuou com toda a calma que eu precisava. — Charlotte está ótima também.
— Eu preciso vê-la para ter essa certeza. — Passei a mão pelos cabelos. Eu estava sendo castigado. Não havia outra explicação.
— E aí? — Lana se aproximou com uma animação irritante. — Já escolheram os nomes? Se for menino vai chamar como?
— Charlex — João brincou e todos riram. Eu acabei rindo também. Era tão ridículo que acabou me vencendo. — Não, Charlex é para o caso de ser menina. Se for menino será Alottie.
— O contrário ficaria melhor — Miranda contribuiu.
— Ah, eu não sei qual dos dois poderíamos considerar melhor. São horríveis. — Minha mãe se envolveu na brincadeira.
— Já temos Felipe, Francisco então agora teremos ou Fedora ou Fedorento — Patrício falou e gargalhou.
— Porra, Fedorento é bem capaz.
— Não fale assim. — Miranda lhe deu um tapa no braço, mas ela também ria. — Toda criança é cheirosa. E linda!
— Linda será de qualquer jeito — Lana gracejou e eu sorri pensando no rostinho do meu filho, ou filha.
Charlotte insistiu em não saber o sexo. Eu acredito que ela escolheu assim para o caso de não dar certo.
Seria mais fácil superar a perda de alguém sem rosto e sem nome. No fundo eu sabia que nunca seria fácil superar e, à medida que a gravidez avançava, eu tinha mais consciência desta realidade.
— Espero que não tenha os olhos dos pais. — Meu pai falou ganhando a minha atenção. — O Chico pode se sentir diferente.
Esse era outro problema que um dia enfrentaríamos. Lipe era meu filho e agora teríamos um filho legitimamente nosso. Se o bebê se parecesse comigo esta realidade pesaria quando adolescência chegasse. Precisávamos nos cercar de todo o cuidado.
Enquanto eles discorriam sobre o assunto eu aproveitei para encostar no batente da porta, olhando diretamente para o corredor por onde Peter, ou qualquer outro médico, passariam para nos dar notícias.
Eu já tinha presenciado um parto para saber que estava demorando demais. Já era para alguém ter aparecido para nos informar. Um suor frio escorreu pelas minhas costas.
Miranda passou por mim e parou bem perto, do lado de fora da sala. Com um suspiro pesado ela encarou o corredor vazio.
— O bebê está bem, Alex. — Sua voz contida indicava que não queria me provocar ou qualquer coisa do tipo. — E ela também vai ficar. Você precisa acreditar nisso — Olhou outra vez para o corredor. — Todos nós devemos acreditar.
Olhei para a mulata diante de mim. Miranda sempre foi dona de si. Era desafiadora, persistente, inabalável. Ali, ela era somente a irmã da minha esposa, que sofria e temia tanto quanto eu. Relaxei completamente.
— Quando ela me disse que estava grávida eu senti muito medo, mas eu sabia que Charlotte conseguiria, por isso nunca parei para pensar em como seria quando a hora do parto chegasse. Esperar está me matando. — Miranda sorriu amigavelmente.
— Logo o padrinho chega para te dizer o sexo do bebê.
— Eu sei. — Desviei o olhar e encarei meus pés. — Só não sei como me sentir.
— Como assim?
— Eu quero muito ver o meu filho, ou filha. Quero pegar ele no colo e me certificar da sua saúde. Ao mesmo tempo... é muito egoísmo eu pensar mais nela? Quer dizer... chegamos bem até aqui. O bebê estava ótimo quando fizemos o ultrassom hoje cedo, mas Charlotte... não quero sequer pensar em perdê- la. Não posso passar por isso. — Meu coração disparou com a possibilidade.
— Eu te entendo. — Ela passou a mão em meu braço e avistamos Peter andando pelo corredor ainda vestindo as roupas do centro cirúrgico.
Adiantei-me quase correndo em sua direção. Quando Peter me viu parou de andar e me aguardou. Sua cara não estava nada boa. Pensei que minhas pernas não suportariam. Ele entendeu o meu estado levantando a mão para me pedir calma. Quando nos encontramos, Miranda logo atrás de mim, ele soltou o ar.
— Primeiro de tudo: parabéns! É uma menina linda! — Seus olhos se repuxaram em um sorriso de pura alegria. Senti meus olhos ficarem úmidos. Uma menina? Deus! — É, Alex! Bem-vindo ao clube dos pais enlouquecidos. — Sorri um pouco ainda anestesiado com a notícia.
— E Charlotte? — Seu sorriso se desfez um pouco. — O que houve, Peter?
— Charlotte está bem, mas tivemos algumas complicações.
— Complicações? Como ela está? Eu quero vê-la.
— Acalme-se Alex! Charlotte ainda está em observação.
— Não me peça para ter calma — me rebelei sentindo meu mundo desabar.
— Se ela não estivesse bem eu não estaria aqui para te dar a notícia. — Parei assimilando as palavras do meu sogro.
Era verdade o que ele dizia. Se alguma coisa estivesse acontecendo com a minha esposa ele certamente estaria pior do que eu. Respirei fundo e tentei me acalmar. Senti a mão de Miranda em meu braço e pelo canto dos olhos vi que meu pai se aproximava.
— Ele teve uma hemorragia forte, falando em termos vulgares. — Porra! Foi impossível não tremer. — Precisamos realizar uma histerectomia, a retirada do... — Eu sei o que é? Ela perdeu o útero. — Ele concordou com pesar. — Como Charlotte está? Quais são os riscos?
— A hemorragia foi contida, ela reagiu bem à cirurgia, porém não poderá amamentar e precisará de cuidados durante esta primeira etapa. Sem muitos esforços, sem grandes sacrifícios, repouso absoluto, mais ou menos como deveria ser mesmo por causa da cesárea. — Continuei em pânico. — Ela está bem, não precisa achar que é o fim do mundo perder o útero, então melhore esta cara antes de vê-la.
— Está tudo bem, filho. — Meu pai já estava do meu lado. — Vocês não tentariam mais um filho mesmo, não é? — Apenas concordei sentindo o meu desespero não ceder nem um centímetro. — Charlotte está sabendo, Peter?
— Sim. Ela estava consciente e autorizou o procedimento sem nenhum medo. Agora ela está dormindo na sala de observação e a nossa neta já está no berçário. Uma legítima princesa.
— Eu quero ver Charlotte, Peter. — Ele me olhou compreendendo minha ansiedade.
— Ela está na sala de observação e você não pode entrar lá. Assim que passar o tempo necessário vamos transferi-la para o quarto. Por enquanto você pode conhecer a sua filha — sorriu orgulhoso. Um pequeno sorriso brotou em meu rosto. Eu queria conhecer a menina, mas ver Charlotte era uma necessidade. — Ela está no berçário. — E me indicou o caminho com Miranda e todos os outros já caminhando em sua direção.
*** Através da imensa janela de vidro eu via a enfermeira cuidando da minha filha. Era engraçado como eu me sentia. Era meu terceiro filho e mesmo assim eu me sentia como da primeira vez. Ela era tão frágil, pequena, cabeluda e linda! Tão linda! Parecia com Charlotte em tudo, na cor da pele e cabelos, nos olhos azuis transparentes, nas bochechas redondas que com certeza corariam como a mãe.
Ela seria o meu pesadelo de pai. Sorri apenas com a ideia.
— Como vão chamá-la? — Lana falou baixo, como se fosse possível que sua voz mais alta ultrapassasse o vidro e incomodasse as crianças.
— Não sei. — Ela ficou espantada. — Eu escolhi o nome de menino e Charlotte escolheu o de menina.
— Minha irmã riu balançando a cabeça.
— E como seria se fosse um menino? — João participou da conversa.
— Luiz Gustavo.
— Credo! Parece nome de novela mexicana — Miranda comentou sem tirar os olhos da minha filha.
— É um nome lindo — minha mãe sorriu orgulhosa. — Como é uma menina... — Que Charlotte não invente nada como “Maria do Bairro” — Lana brincou e Miranda riu.
— Ou “Esmeralda”. — Elas ficaram rindo e eu nem fazia ideia de onde elas tiraram aqueles nomes.
— Tenho certeza que ela escolheu um nome adequado — E só em pensar nisso eu já sentia a urgência de vê-la voltar com força.
— Luiz Gustavo é um nome lindo, filho. Você pode deixar este para o próximo. — Meu pai me ajudou.
— Próximo? — João se virou para mim com os olhos arregalados. — Quem em sã consciência tem quatro filhos? Pelo amor de Deus! — Acabei rindo.
João ainda não tinha se recuperado das gêmeas e pelo visto não se recuperaria nunca, pois, à medida que elas cresciam o trabalho crescia na mesma proporção.
— Que horas ela vai para o quarto? — perguntei diretamente a meu pai que conhecia os trâmites do hospital.
— Quando Charlotte for. Acho que temos tempo para um café. O que acha? — E, mais uma vez, eu precisava conter minha ansiedade e esperar.
Charlotte A primeira coisa que vi quando abri meus olhos foi Alex com nossa menina nos braços. Ele balançava lentamente o pequeno embrulho e a olhava com tanto amor que imediatamente as lágrimas surgiram em meus olhos. Eu não queria chorar. Eu queria sorrir e pegar minha filha nos braços. Ela era a nossa vitória, a certeza de que eu era forte para encarar qualquer problema.
Quando meu pai, desesperado, acompanhou a hemorragia que preocupou os médicos, eu tive a certeza do que aconteceria, mas não tive medo. O que importava era que minha filha estava bem e que eu conseguiria voltar para casa para cuidar dos meus filhos, então sem pensar duas vezes autorizei a retirada do meu útero. Era isso ou correr o risco de não voltar mais e eu queria voltar. Queria continuar nossa vida e dar seguimento a tudo o que sonhei.
Meu pai chorou. Escondido, lógico! Fingindo não estar chorando. Quanto a mim não derrubei nenhuma lágrima. Precisava ser feito. Eu tinha chegado longe até demais. Arrisquei tudo quando decidi engravidar.
Arrisquei a felicidade dos meus filhos, do meu marido, porque se alguma coisa desse errado, eles ficariam sozinhos. Mesmo assim eu quis. Uma única vez, uma única tentativa. Era tudo o que eu me permitiria.
E deu certo.
Minha pequena Betina conseguiu vir ao mundo. Minha pequena guerreira que aguentou firme, ouvindo todas as minhas súplicas, as orações, os desesperos. E eles estavam lá, juntos. Ela quietinha se deixando embalar pelo papai mais babão que eu já havia conhecido.
— Cuidado para não estragar a menina antes do tempo. — Minha voz estava rouca e cansada, além de embargada pela emoção. Alex levantou a cabeça e me olhou a princípio com preocupação e depois com devoção.
— Ela é linda — disse baixinho levantando para se aproximar de mim. — Parece com você.
— Oh, droga! Isso não é nada justo. Não acredito que arrisquei tudo por uma menina sem sal e sem graça — brinquei e ele sorriu amplamente.
— Talvez nossa filha consiga fazer você se enxergar melhor. Veja, uma linda miniatura da menina mais cheia de vontades que eu já conheci. — Inclinou-se e beijou meus lábios ressecados. — Obrigado!
— Não se torne um novo Peter. Betina não precisa ser uma nova Charlotte — Ele sorriu, voltando a olhar a nossa filha.
— Hoje eu entendo o seu pai. — Revirei os olhos. A menina só tinha um dia de vida e ele já entendia os absurdos que meu pai cometeu para me defender do mundo. — Você disse... Betina? — Sorri amplamente. Nós não sabíamos o sexo do bebê então eu escolhi o nome para o caso de ser uma menina e ele para o caso de ser um menino.
— Gosto deste nome.
— É antigo, mas... gostei. Betina! — Repetiu olhando diretamente para a nossa filha. — Combina muito bem com você, princesa. Princesa Betina. Que nome mais lindo a sua mãe escolheu.
— Como seria se fosse menino?
— Luiz Gustavo. — Havia certo receio nos olhos do meu marido cujo motivo eu não entendi.
— É um nome lindo, Alex! Quem sabe um dia. — E o constrangimento modificou para algo maior que eu logo identifiquei. — Nós ainda podemos adotar.
— Podemos sim, amor. — Seu compadecimento me alertava.
— Eu estou bem, Alex. Bem de verdade. Há alguns anos não existia sequer a possibilidade de eu engravidar. Era algo com o qual eu já estava conformada. Hoje eu tenho você, Lipe, Chico e agora Betina. Estou completa e realizada. — Ele me olhava com admiração enquanto continuava embalando a nossa filha. — Posso pegá-la? — Alex me passou Betina com cuidado.
— Ela acabou de mamar. — Outra vez o constrangimento. — Na mamadeira.
— Você deu a primeira mamadeira dela?
— Eu tenho experiência na área. — Sorriu de maneira encantadora.
— Que traição, Betina. Você mal o conhece e já permite que ele seja o primeiro em sua vida. — Alex riu.
Revirei os olhos teatralmente. — Tudo bem, eu te entendo. É difícil pensar direito quando encaramos estes olhos profundos e sedutores.
— Olhos profundos e sedutores?
— E ele também é convencido. — Ouvi seu riso que fazia todo meu ser vibrar de felicidade. — Às vezes ele é muito convencido.
— Então não seja como a sua mãe, Betina. Ela é persistente, exigente, nunca aceita um não como resposta. É uma verdadeira pentelha, mimada e cheia de vontade. Quando ela quer muito uma coisa insiste até conseguir. — Colocou uma mão na cabecinha da nossa filha, alisando a cabeleira vasta e clara. — E ela sempre consegue. — O orgulho que enxerguei em seus olhos, assim como a emoção deixaram os meus ainda mais marejados.
— Você vai assustar a menina. Ela vai acreditar em suas palavras.
— Eu espero que ela acredite. — Seus dedos subiram da nossa filha para mim, tocando meu rosto com devoção. — Ela tem que saber que a mãe dela me venceu pelo cansaço. — Aquele sorriso sacana estava lá para encobrir o clima.
— Ah, claro! Até parece que você não toparia transar comigo logo de cara se eu não fosse sua aluna.
— Eu nunca gostei de virgens — revelou fingindo prestar atenção na criança em meu colo. Betina olhava para o pai atenta a tudo o que ele dizia. E ela tinha mesmo os meus olhos, só que nela ficavam lindos.
— Você adorou a ideia de tirar a minha virgindade.
— Como eu disse: você é muito insistente.
— Se eu pudesse fazer grandes esforços acertaria a comadre na sua cabeça. — Ele riu com gosto. — Se eu soubesse disso teria preferido virar freira.
— E eu invadiria o convento e escandalizaria a igreja católica.
— Pensei que tinha dito que nunca gostou de virgens.
— Toda regra tem a sua exceção — sentou na beirada da cama e me encarou sério.
— Eu sou a sua exceção?
— Sempre. — E continuou me hipnotizando, puxando-me para aquele oceano profundo tão cheio de promessas, que me faziam mergulhar sem medo. — Eu não fazia nem ideia do quanto a minha vida era chata e vazia antes de você chegar com um chute na porta e colocando ordem no pedaço.
— Eu fiz isso?
— Fez! — Ele não desviava o olhar e eu mal conseguia me concentrar. — Você me confundiu completamente e me estragou. — Sem entender continuei me deixando levar pelo oceano azul escuro que eram os seus olhos. — Eu não conseguia mais olhar para ninguém. Não desejava mais ninguém. Senti raiva muitas vezes por reagir assim a você, uma menina que vivia presa em seu próprio mundo. Uma garota que acreditava que poderia ter o que quisesse e, principalmente, quando acreditei que você queria apenas sexo, enquanto eu queria muito mais. — O sorriso imenso que se abriu em meus lábios foi involuntário. — Hilário, não?
— Muito. Você era o cara cheio de si. Que sabia o que queria, que não se abalava, inatingível, impossível. Que aceitou me dar uns amassos apenas para conter a minha fúria e não se sentir culpado.
— Você sabe que não foi assim. — Seus dedos correram da minha bochecha aos meus lábios. — Eu quis te levar para cama desde a primeira noite, mas alguma coisa me impedia de agir assim com você. E eu gostava das aulas. Tive medo de ir até o final e você sumir.
— E eu tive medo de ir até o final e você sumir. — Ele riu e se inclinou para beijar o topo da cabeça da nossa filha.
— Como será que os meninos vão reagir? Acho que eles estavam torcendo por um menino.
— Eles vão superar. São seus filhos — provoquei, apesar de eu também sentir receio, mesmo sabendo que era normal. Foi exatamente assim quando escolhemos o Chico e o levamos para casa.
— E vão cair de amores por essa menininha linda — brincou com carinho fazendo meu coração inflar.
— Nós temos uma família linda, não é mesmo? — A primeira lágrima desceu sem que eu me sentisse envergonhada por isso.
— Linda e perfeita. — A voz rouca do meu marido também indicava a sua emoção. — Eu vou cuidar de vocês — sussurrou limpando minha lágrima. Revirei os olhos.
— Ah, para com isso. Eu sou a heroína desta história. Eu vou cuidar de vocês. — Alex riu e levantou da cama.
— Tudo bem, heroína. Só que, pelo menos por enquanto você está fora de combate. Repouso absoluto — gemi descontente.
Foi um tempo longo demais precisando de repouso. Eu queria poder simplesmente levantar e seguir com a minha vida, sem recomendações médicas, sem injeções e sem quaisquer restrições.
— Repouso, Charlotte! Nada de invenções ou estratégias para burlar as regras. O seu caso é ainda mais delicado do que de qualquer outra cesárea.
— Eu sei. As injeções continuam. — E, de repente, eu me senti outra vez aquela menina mimada e birrenta, porque continuar tomando agulhadas durante mais um tempo, era revoltante.
— Não apenas as injeções. Você fez duas cirurgias sérias, precisa de cuidados. — Seus olhos apelativos me faziam concordar com tudo.
Alex sofreu muito durante a minha gravidez. Ele vivia preocupado. Não havia nenhuma garantia e nós tínhamos filhos pequenos, que precisavam de mim e que muitas vezes contavam apenas com o pai. Por causa da minha escolha ele precisou se afastar ainda mais da editora. Era inevitável. Contudo nunca ouvi meu marido reclamar ou demonstrar qualquer insatisfação.
Ele estava lá. Fazia questão de estar. Mesmo quando Miranda dizia que era a vez dela, ou quando Dana levava os meninos para um passeio, ou até mesmo quando Marta terminava tudo mais cedo e se oferecia para me fazer companhia, porque ele não me queria sozinha nem por um minuto. Não, Alex queria estar comigo, vivendo cada momento ao meu lado.
Foi complicado, mas vencemos e eu não podia estragar tudo na última etapa. Seria só mais um mês de sacrifício, talvez um pouco mais e eu teria que encarar e aceitar com a mesma boa disposição que tive desde que resolvi que valeria a pena arriscar.
— Tá bom. — Aceitei que ele tirasse Betina dos meus braços para colocá-la no berço que ficava bem ao lado. — Vou deitar aqui e deixar você aproveitar tudo sozinho. — Ele riu, voltando a sentar na cama para me dedicar toda a sua atenção. Seus olhos vasculharam o meu rosto e ele voltou a me acariciar com as pontas dos dedos. — Preciso que você fique bem — sussurrou.
— Você não aguenta mais esta versão doente e impossibilitada, não é mesmo? — Ele estreitou os olhos, mas sorriu como um menino travesso.
— Tem suas vantagens. — Abaixou-se para beijar o meu pescoço.
— Alex, eu estou suja, nojenta, com resquícios do parto. — Tentei afastá-lo.
—Você está maravilhosa como sempre.
— E lógico que você não seria capaz de dizer a verdade para uma mulher que acabou de dar à luz uma filha sua.
— Você está linda, Charlotte! Linda de uma forma especial — ele continuava sussurrando e eu sabia muito bem o que aquela voz arrastada e leve era capaz de fazer comigo.
— Com os cabelos emaranhados parecendo um ninho de sabiá?
— Com os cabelos emaranhados parecendo que acabou de transar com o marido louco de saudade. — Mordeu meu lábio inferior ao tentar me beijar.
— Alex!
— A pior parte disso tudo é a droga do resguardo. — Eu tive que rir enquanto ele distribuía beijos leves e mordidas pelo meu rosto.
— Não pode sentir desejo por uma mulher deitada em um leito de hospital. — Minhas pálpebras pesaram indicando que eu ainda não havia dormido tudo o que precisava.
— Eu posso sentir desejo pela minha mulher quando e onde eu quiser — ressaltou o minha, fazendo-me estremecer.
— Que possessivo. — Ele mordeu o lóbulo da minha orelha quando bocejei para falar. — Eu estou sangrando como nunca achei que seria possível. Que tal me desejar assim.
— Eca! — Ri quando ele se afastou teatralmente, voltando rapidamente. — Me beije. — Não foi uma ordem e sim uma súplica que me fez atender de imediato.
Ele não se importou com meus lábios ressecados. Alex me beijou como se fosse o nosso primeiro beijo.
E havia tanto amor naquele beijo que me fez esquecer o mundo. Minha mão estava presa no soro, nem isso me impediu de segurá-lo pelo pescoço pedindo mais. E eu queria muito mais. Só que de uma maneira sonolenta e preguiçosa.
— Charlotte! — Ele se afastou, mas eu mantive meus braços em seu pescoço. — Merda de resguardo!
— Merda de resguardo — repeti, sempre presenteada com aquele sorriso lindo que derretia meu cérebro e me tornava sua escrava.
— Não xingue na frente da menina. — Me repreendeu se afastando, ainda sorrindo. — Não quero que minha filha tenha a boca suja da mãe.
— Acho que vou fugir com essa menina. — E me senti cansada. Esgotada para dizer a verdade. — Você vai estragá-la. — Alex notou o meu estado e voltou para o meu lado.
— Descanse um pouco. — Acariciou meus cabelos. Era bom.
— Para você ficar aqui fazendo com que Betina se apaixone ainda mais por você? Isso não me parece nada justo — reclamei já sentindo meu corpo inteiro implorar para que eu dormisse mais um pouco.
— Se formos levar em consideração o quanto os meninos preferem você, eu acho que já perdi esta disputa. — Fechei os olhos e sorri. Era um sono tão gostoso e repentino que eu não conseguia recusá-lo.
— As meninas sempre preferem o pai. — Minha voz saiu baixa e meus olhos não abriam mais. Ainda ouvi o risinho baixo do meu marido e sorri acompanhando-o.
— Eles sempre vão preferir você, amor. — Eu quis responder que não, mas fui sugada pelo sono e apenas aceitei.
*** Sentada na poltrona de balanço colocada estrategicamente na varanda da casa, eu observava Lipe e Chico brincarem na grama enquanto Betina dormia tranquilamente no cestinho de vime forrado com detalhes rosa sobre a mesa ao meu lado. Foi um presente de Miranda, comprado no dia em que minha filha nasceu. Eu adorava. Marta o deixava sempre perto de mim para que eu não fizesse muito esforço e assim eu podia ficar sempre junto dos meus filhos.
Um mês depois eu ainda me recuperava do parto e da histerectomia. Mesmo com todo o pesar que as pessoas demonstravam quando falávamos sobre o assunto eu nunca me senti mal pela retirada do útero.
Achei até que este detalhe me impediria de cometer novas loucuras, como tentar mais um filho. E não poder mais engravidar era muito pouco quando comparado ao fato de nunca poder engravidar, nunca poder ser mãe e que era o que eu tinha antes reencontrar Alex.
— Mamãe, olha! — Lipe gritou quando deu uma estrelinha perfeita. Bati palmas, sem querer gritar nenhuma palavra de incentivo e assim acabar acordando a princesa que dormia bem pertinho de mim.
— Eu também! Eu também! — Chico fez uma desajeitada e sorriu como se tivesse conseguido fazer igual à do irmão. Bati palmas da mesma forma e com o mesmo entusiasmo. Eles eram lindos juntos.
— Cuidado para não se machucarem — Alex falou logo atrás de mim, me surpreendendo. Ele se aproximou, beijou minha cabeça e se inclinou para olhar Betina. Seu sorriso foi encantador. — Não está calor para ela?
— Está sim, por isso não coloquei a manta. — Ele concordou e se voltou para mim. — O que é isso? — Ele estava com um embrulho grosso nas mãos e tinha acabado de chegar da rua.
— Como você está? — Esforcei-me para não revirar os olhos.
— Ótima! Já estou pronta para outra. — Eu sabia que ele não gostava que eu falasse assim, mas desta vez meu marido não me repreendeu nem ficou aborrecido.
— Mas precisa continuar de repouso. — Ele pegou o copo com suco que Marta havia deixado para mim e bebeu metade do conteúdo. Estreitei os olhos como se quisesse acusá-lo e ele não se importou. — Está quente hoje.
— Onde você estava? Liguei para Lana e ela disse que você não apareceu por lá hoje. — Seu rosto de divertimento era um convite à loucura.
— No apartamento. — Continuou com aquela expressão de pirraça que me enlouquecia de fato.
— Fazendo o quê? O que está aprontando, Alex Frankli?
— Fui fazer o que não posso fazer aqui. — Eu não queria acreditar no que ouvia. Usávamos o apartamento para trabalhar, mas a sua função principal era... eu não queria acreditar naquilo. — Depois de satisfeito, precisei ir em um lugar buscar uma encomenda.
— E eu vou levantar para arrancar esse sorrisinho da sua cara. É divertido fazer isso comigo? — Ele riu com vontade.
— É divertido. Pode ler isso aqui para mim e colocar as devidas orientações? — Entregou-me o embrulho e cruzou os braços me observando. Abri rapidamente o papel e dei de cara com um volume grosso de papéis devidamente encadernados.
— O que é isso?
— Leia.
Comecei a ler o que estava escrito na primeira página e não consegui fazer meu cérebro funcionar corretamente. Eu estava tão confusa e emocionada que meus olhos ficaram turvos.
— A aluna? — Meu coração acelerado não conseguia acreditar no que ele colocara em minhas mãos.
— Só consegui terminar ontem. Deu trabalho convencer Lana a imprimir e me entregar sem ler nenhuma página.
— Alex... é... — Meu livro — ele revelou. — Finalmente consegui finalizar a história. — Duas lágrimas desceram sem que eu me esforçasse para impedi-las.
— A aluna. — Li em voz alta. — Uma história de amor sem fim. — Funguei ainda sem acreditar. — É a nossa história?
— Com um pouco de floreios, alguns detalhes retirados, outros inventados e um pouco mais de drama.
Porque não existe um bom romance sem um bom drama.
— Então você contou a nossa história todinha, recheada de dramas como ela é. — Ele riu baixinho.
— É a história de um professor sério e ranzinza, que acreditava já ter vivido tudo na vida, além de ter conquistado todos os seus sonhos.
— Esqueceu de dizer que ele era velho.
— Ah, sim. Um professor velho, sério e ranzinza. — Limpou meu rosto molhado pelas lágrimas. — Um dia ele encontra uma aluna desafiadora.
— Vai desenvolver o transtorno desafiador? — brinquei.
— Não porque não acredito na existência deste transtorno — ele riu. — Mas fiz questão de mostrar que não existe barreira que permaneça de pé quando uma aluna com o sonho maior do que ela mesma, decide torná-lo possível. — Solucei deixando as lágrimas rolarem livremente.
— Tenho certeza que vou amar o livro.
Folheei as páginas e logo no primeiro capítulo, no primeiro parágrafo, encontrei algo que me fez sorrir.
Uma frase de Shakespeare: “Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.” Suspirei me acomodando para começar aquela leitura que com certeza me ganharia, porque eu sabia que aquele livro era só o começo de uma longa história de amor.
Lipe e Chico
“Bons amigos são a família que nos permitiram escolher.” William Shakespeare Estávamos sentados no sofá aguardando a chegada deles. Tia Lana escolheu as nossas roupas. Eu achei que era exagero nos arrumarmos para esperar a chegada dos nossos pais e da nossa nova irmãzinha.
Mesmo assim obedeci e ajudei Chico a se arrumar também. Agora, enquanto aguardávamos, eu assistia meu irmão balançar os próprios pés enquanto olhava para eles.
— É uma irmãzinha?
Ele me olhou com aqueles olhos assustados que sempre usava quando queria dormir, mas estava com medo de ficar sozinho. Eu costumava dormir com ele quando ele me olhava daquele jeito. Então eu logo percebi que Chico estava com medo. Eu entendia o seu medo. Eu também senti quando ele nasceu do coração da mamãe.
— Papai disse que sim e que o nome dela é Betina.
— Be... — Buscou segurança em mim. — Bedina? — Ri.
— Não. Be-ti-na.
— Ah!
Ele não repetiu. Chico não repetia quando não conseguia. Ele pensava no assunto e quando se sentia seguro voltava a perguntar. Ajustei meus óculos que insistiam em escorregar pelo meu nariz.
— Mamãe comprou ela? — Ri das bobagens que meu irmão falava. Ele não gostava quando eu ria, mas eu ria assim mesmo.
— Lembra que a mamãe ficou com a barriga bem grande? — Ele concordou com aqueles olhos assustados. — E lembra que papai contou que era lá que nossa irmãzinha morava? — Ele voltou a concordar. — Agora ela saiu e vai morar aqui em casa com a gente.
— Como ela saiu? — Seus olhos ficaram ainda maiores. — Ela machucou a mamãe?
— Não. O médico tem uma faca mágica. Ele corta a barriga da mamãe e não sangra. Depois ele coloca uma cola mágica que fecha. A mamãe vai voltar sem aquele barrigão.
— Ah! — Ele voltou a encarar os pés, balançando-os sem parar.
— A mamãe não vai mais ser a mamãe? — Eu já esperava que ele pensasse assim. Foi o que eu pensei quando ele chegou.
— A mamãe sempre vai ser a mamãe. E o papai sempre vai ser o papai. Da mesma forma que eu vou continuar sendo o seu irmão. Só que agora eu sou o irmãozão e você o irmãozinho da Betina. Nós vamos cuidar dela como todos os meninos devem cuidar das meninas. O papai que falou. Ela é muito pequena e vai precisar de nós dois, tá bom?
— Tá bom!
Olhei meu irmão imaginando o quanto ele estava confuso. Eu também me sentia assim quando ele foi morar com a gente. Eu tive medo da mamãe não me amar mais, já que ela tinha escolhido um novo filho.
Mas o que eu não sabia era que a mamãe podia me amar, amar o papai e amar o restante todo do mundo.
Porque a mamãe tem um coração enorme e ela ama demais. Tem muito amor no seu coração, mesmo ele sendo pequeno, como a professora ensinou na escola.
Por isso eu sabia que Betina não faria a mamãe deixar de me amar, nem de amar o Chico. Era o contrário.
Ela nos amaria mais ainda porque nós também amaríamos a Betina.
Eu acho que o amor funciona assim. O coração é só a fábrica. Ela pega um pouco do amor e transforma em mais amor e assim a mamãe tem cada vez mais amor para dar. Por isso ela precisa de novos filhos, porque ela tem muito amor para dar.
Meu coração também tem muito amor. Eu amo o papai, o Chico, a mamãe e toda a minha família. E vou amar a Betina também, porque a mamãe escolheu ela para ser a minha irmãzinha, e ela estava feliz. Papai também estava feliz. O mundo todo parecia feliz, então eu também estava.
Olhei meu irmão que levantou a cabeça olhando para a porta. Tia Marta correu para abri-la e papai e mamãe entraram junto com vovó e Tia Mimi. Corremos os dois ao mesmo tempo. Eu até queria chegar primeiro, como sabia que Chico não queria ficar por último, deixei ele ganhar. Papai se abaixou para carregar meu irmão.
— Olha quem está com saudade da mamãe? — Chico se encolheu quando mamãe se aproximou.
— Que saudade do meu garotinho! — ela disse com aquela voz que me lembrava algodão doce. — E do meu garotão também. — Olhou-me sorrindo. — Venha ver a sua irmã. — Papai abaixou Chico para que ele pudesse ver o bebê e eu vi Chico sorrir, sem aquele medo que ele estava antes.
— Não vem conhecer a sua irmã? — meu pai falou para mim e eu me aproximei.
Mamãe abaixou um pouco para que eu pudesse ver o que um bocado de pano escondia. E então eu vi o seu rostinho. Ela tinha uma boca pequena, rosinha, as bochechas iguais a da mamãe, um nariz tão pequeno que eu não sabia por onde ela respiraria até o nariz crescer e os olhos... eram lindos! Pareciam as minhas gudes. Tão linda!
E eu também amava a minha irmãzinha. Eu estava feliz. O mundo todo estava feliz.
Agradecimentos
Finalizar um livro envolve muitas emoções. Uma delas é a gratidão. É impossível agradecer a todas as pessoas que lutaram comigo para que chegássemos até aqui. São muitos amigos, muitos profissionais e muitos leitores que me ajudavam com mensagens de carinho e amor, que me incentivavam sempre a continuar independentemente dos problemas.
Torna-se imprescindível agradecer a toda equipe da Editora Pandorga. Eu amo trabalhar com vocês!
Obrigada pela confiança e por acreditar em todas as minhas loucuras.
Também preciso agradecer verdadeiramente à Mariza Miranda por continuar sendo a minha revisora, leitora beta, amiga, conselheira e leitora empolgada. Como eu sempre digo, nenhum livro meu teria brilho sem a sua ajuda.
À Janaina Rico, hoje e sempre, por ter sido a primeira pessoa a acreditar em mim, acolhendo-me como ninguém mais foi capaz de fazer.
Às Maritacas, minhas amigas fiéis, que leram as minhas primeiras linhas e nunca me abandonaram. Amo vocês mais do que o amor é capaz de explicar.
À minha amiga e leitora apaixonada, Gisele, por me emprestar um pouco da sua história para escrever o desfecho de Charlotte. Gi, Deus sempre escreve certo por linhas tortas. Você entrou em minha vida quando eu mais precisava e me ajudou a contar para o mundo que mesmo no pior problema, na mais triste desilusão, é possível ser feliz, recomeçar e acreditar. Obrigada por tudo!
O meu marido pela paciência e ajuda. Por ser pai e mãe quando eu precisava ser apenas a escritora.
À minhas irmãs por me cobrarem o livro todos os dias. Escrever tem um sabor todo especial quando tenho vocês como leitoras.
O meu irmão Igor pelo apoio e paciência quando eu atrasava a entrega de todos os materiais que ele me pedia. Nano, obrigada pela força!
Aos meus filhos, meus 3Ds. Acreditem quando mamãe diz que é por vocês. Sempre será. E perdão pela ausência, pela falta de paciência quando o prazo estava acabando, por deixar o pôr do sol acabar sem estar com vocês, por deixar o papai mais tempo do que o necessário fazendo tudo o que eu deveria fazer.
Um dia mamãe encontra um equilíbrio.
Às minhas leitoras. Todas. As que me procuram, as que me seguem, as que apenas compram o livro sem nunca se apresentar, as que ficam de longe torcendo e esperando sempre por mais, as que viajam quilômetros para me encontrar em um evento, as que enlouquecem a editora cobrando o livro novo, as que não reclamam por esperar, as que reclamam, as que ficam na fila aguardando por mim. Eu amo vocês! Minha gratidão eterna. Obrigada! Obrigada! Obrigada!
Nota da autora
Então é isso. Depois de três anos vivendo o amor de Alex e Charlotte eu chego ao fim desta linda história. Não posso dizer que não estou feliz. Eu estou muito feliz. A série O professor expandiu meu horizonte, me fez conhecer pessoas incríveis e tornou os meus dias mais alegres.
Terminar a série vai me permitir me dedicar a novos projetos que há muito habitam em minha alma e pedem uma oportunidade. Então assim eu me despeço deste casal que tirou o meu sono muitas vezes, que me deixou sem palavras, que me fez sentir raiva, rir, chorar e amar muito.
Ao mesmo tempo eu consigo me sentir triste. Acredito que todo escritor sente aquela tristeza quase que depressiva ao colocar o ponto final. Foram três anos de dedicação total, vivendo essa série e agora eu me sinto um pouco perdida. Sei que amanhã vou acordar e pensar: E agora?
E agora eu vou escrever um novo livro. Uma história tão linda quanto a de Alex e Charlotte.
Vocês notaram que durante os quatro livros eu falei sobre um segredo entre Alex e Miranda, não foi mesmo? Aqui neste livro eu não contei o segredo, apenas dei a entender o que poderia ser. Existe um motivo para isso.
Miranda é uma personagem com uma história que precisa ser contada. E justamente por isso eu deixei para ela contar esse segredo. Terminamos aqui a linda história de amor entre Alex e Charlotte, mas a de Miranda e Patrício está apenas começando.
Em breve um livro fresquinho, cheio de emoções, contando como tudo aconteceu, de que forma vivia Miranda antes de conhecer o Patrício e, finalmente, qual é o segredo que Alex tanto evitava falar.
Espero que gostem e abracem Miranda com o mesmo carinho que vocês receberam Charlotte. Com vocês, O Diário de Miranda.
O diário de Miranda
Estava escuro e frio lá fora. Todos os elementos que deveriam me fazer morrer de medo, mas que, por ironia da vida, com a ajuda da personalidade persistente que não se permitia ser dobrada, serviam de estímulo. O motorista do táxi me aguardava enquanto eu continuava hipnotizada olhando aquela fachada ameaçadora.
Era sempre a mesma reação todas as vezes que eu resolvia voltar a aquele lugar. Eu jurava que seria a última vez, que já tinha conseguido tudo o que eu queria, mas a necessidade de testar todos os meus limites era muito mais forte do que qualquer golpe de consciência. Então eu voltava e voltava e nunca conseguia me livrar daquela casa.
— Senhora? — Aquela voz cansada e abusada também deveria ser um elemento para me fazer fugir dali, daquele carro. Eu não tinha medo. Nunca mais eu teria. — Tem certeza que é aqui?
Eu tinha certeza. Nunca esqueceria aquele endereço. Abri a porta e retirei o dinheiro para pagar a corrida. Ele me olhou pelo retrovisor e me entregou o troco.
— Quer que eu espere?
— Não, obrigada! — Abri a porta com um único pensamento: A noite seria longa.
Esperei o carro dar partida e desaparecer naquela rua escura e deserta, mas ali, em pé, de frente para uma fachada de casa velha e abandonada, eu sabia que era observada e protegida como não seria em nenhum lugar.
Sem vacilar em meus saltos altíssimos caminhei em direção a porta improvisada que separava o mundo real daquele mundo íntimo e particular. Aquele lugar onde eu poderia ser quem eu quisesse, como quisesse e quando eu quisesse.
Havia liberdade maior do que esta?
Não. Eu sabia perfeitamente que não.
Mas estar ali exigia de mim sacrifícios que muitas vezes me faziam questionar se valia realmente a pena.
Eu mentia, enganava uma família que me amava, fingia ser a garotinha que eles criaram e que, de uma forma ou de outra, seguia as suas regras.
Era tudo uma grande mentira. A minha vida era uma mentira, só que isso não me revoltava mais. Eu podia ser tudo. Podia ser a garota que seguia as regras e a garota que não possuía regra alguma.
Como eu conseguia fazer isso tendo um padrinho controlador, com obsessão pela filha e que usava de todos os meios lícitos e ilícitos para nos manter sob a sua proteção? Só posso dizer que eu conseguia. O padrinho era esperto, o que ele não imaginava era que, desde de pequena, eu aprendi a observar, estudar a situação e me aproveitar dela.
De nada adiantava ele colocar seguranças para nos seguirem camufladamente quando exigíamos um pouco mais de espaço. Eu sabia onde eles estavam, o que faziam e como convencê-los a fechar os olhos.
E eu sempre conseguia convencê-los, fosse com dinheiro, com ameaças ou com... com o que fosse mais adequado para o momento.
Não posso dizer que não era grata por tudo o que eles fizeram por mim. Eu era grata até demais. Amava os meus padrinhos, Charlotte e até mesmo o Johnny. Justamente por amá-los demais eu não podia sequer imaginar que um dia eles pudessem descobrir os meus segredos. E me certificava disso. Estudava cada passo para que nada saísse fora do planejado.
Como naquela noite. Ou como em todas as outras que aconteceram antes desta. Eu não vacilava, não piscava sequer.
A porta se abriu para mim sem que eu precisasse fazer qualquer movimento. O segurança alto, forte e negro apenas me deu passagem sem me fazer qualquer pergunta. Continuei caminhando pelo terreno irregular até alcançar outra porta e esta sim seria a que me levaria ao meu destino.
Enquanto eu aguardava que alguém me recebesse pensei em Charlotte. Eu sempre pensava nela e na sua forma doce e simples de encarar a vida. Eu queria ser como ela? Não. Jamais quis para mim a vida que ela levava. Charlotte era tão fora da realidade que chegava a ser absurda. Mas ela era uma menina forte, boa de verdade, capaz de abrir mão dela mesma para agradar aos pais. Eu sabia que, mesmo quando se rebelava, ela se preocupava com a felicidade dos dois e acabava fazendo todas as suas vontades.
Eu me lembrava de quanto a detestei por um tempo. Ela era a menina rica, que tinha tudo, tão branca que chegava a assustar. Todos os olhos se voltavam para ela, a filha do patrão, a pobrezinha que não podia cair, não podia chorar, não podia ser contrariada. Acima de tudo, eu odiava o fato de a minha mãe amá-la também.
Charlotte sempre teve aquele jeito que fazia com as pessoas sorrissem e acariciassem os seus cabelos, ou que a carregassem no colo. Minha mãe sorria quando Charlotte entrava em nossa pequena casa procurando pela torta de morango, que ela sempre fazia para agradar a garota. Eu detestava. Detestava o fato de ter que agradá-la, de precisar ficar com ela enquanto brincava de chá das cinco, de ter que ouvi-la cantar ou fingir que escrevia um livro.
Eu a detestava.
E esse ódio durou até o dia em que puxei a boneca da sua mão e arranquei os braços e pernas em um ataque de fúria. Quando finalmente larguei os pedaços da boneca no chão me dei conta de que com isso eu havia comprometido o trabalho da minha mãe e que provavelmente não teríamos mais onde morar ou o que comer. Entrei em desespero, que, orgulhosamente, não demonstrei. Aguardei vendo aquela menina branca demais ficar com os olhos cheios de lágrimas sem derramá-las. Ela se abaixou, pegou as pernas e os braços da boneca e saiu em direção a casa maior, onde morava.
TATIANA AMARAL 477
Lembro que corri para casa e me tranquei no quarto enquanto aguardava a madrinha entrar esbravejando com a minha mãe e mandando-a embora. Isso nunca aconteceu. Então pensei que talvez ela tivesse ficado brava e que apenas proibiria a filha de brincar comigo, o que também não aconteceu.
Na manhã seguinte Charlotte me aguardou para irmos juntas à escola, como ela sempre fazia. Eu estudava em uma escola de brancos e ricos, uma cortesia do meu padrinho, o patrão da minha mãe. Passei pela madrinha que sorriu e beijou meu rosto como sempre fazia e se certificou de que eu estava realmente aquecida.
O padrinho também não agiu diferente. Ele era mais sério e distante, embora fizesse questão de nos levar em seu carro maravilhoso até a escola. Charlotte manteve-se em silêncio enquanto seguíamos pelas ruas de Londres. Quando me vi na frente da escola, longe dos olhares curiosos a questionei e descobri que ela não contara nada aos pais. Que mesmo magoada ela não queria que eles brigassem comigo.
Não posso dizer que morri de amores por ela naquele dia, mas posso garantir que Charlotte Middleton ganhou o meu respeito e este logo se transformou em amizade para em seguida virar amor. E eu amava Charlotte, como todos amavam.
Por isso eu vivia uma vida secreta. Não queria que ela precisasse sair do seu mundo lindo e cor de rosa.
Ela merecia um conto de fadas, como eu não queria aquela vida para mim, ficava de bom grado com a realidade que lhe faltava.
A luz que quase me cegou quando a porta foi aberta já era conhecida. E eu sabia muito bem o que vinha em seguida. A mulher que me recebeu também era um rosto conhecido, apesar de eu não saber o seu nome, assim como ela não sabia o meu. Entrei lhe entregando minha bolsa e casaco. Um garçom se aproximou me oferecendo champanhe que obviamente aceitei. A mulher me conduziu a sala maior, onde muitas outras pessoas da alta sociedade brasileira circulavam.
Ali ninguém escondia os rostos. Não havia motivos para tanto. Podíamos nos reconhecer, saber quem era cada pessoa. O que importava era que nenhuma informação poderia sair dali. Nada. E não adiantava acreditar que poderia revelar alguma coisa para o melhor amigo ou de maneira mais aberta. Quem ousasse compartilhar o que ocorria ali, além de ser exposto também, era banido.
E, verdade seja dita: ninguém queria ser exposto. Muito menos banido. Então frequentávamos um clube onde os participantes eram convidados, compartilhávamos ou não os nossos desejos, fantasias mais íntimas, e voltávamos para casa como se nada tivesse acontecido.
Eu já cheguei a encontrar um dos participantes no shopping, caminhando com a família, de mãos dadas com a esposa, mesmo depois de ter passado uma parte da noite sendo açoitado por um homem para em seguida transar com ele. Minha reação? Que reação? Eu não sabia quem ele era. Nunca o tinha visto.
Era isso que sempre deveríamos fazer. Seguir como se nada tivesse acontecido.
Olhei o longo salão oval, onde as paqueras e acertos aconteciam e vi uma pessoa que sempre estava por lá. Uma “amiga”, podemos dizer assim. Ela era filha de um milionário, dono de uma empreiteira.
Caminhei até ela disposta a saber o que teríamos para aquela noite, mesmo com a minha ideia já formada.
Faltava escolher com quem.
— Como vai? Nunca mais te vi por aqui — ela começou. Também não sabia o meu nome. Eu nunca me apresentava.
— O que temos de novo? — Ela sorriu amplamente.
— Isso vai depender do que você pretende. — Ri um pouco saboreando a minha bebida. — Quase todos os quartos estão com atividade.
— Com convite aberto? — Ela concordou. — Vou ficar e aguardar o que pode acontecer.
— Você sempre faz isso. Boa sorte! — Ela ia sair, mas se deteve quando viu um casal entrando. Seus olhos brilharam e o sorriso ficou amplo. — Eles são novos?
Olhei na direção em que ela olhava e por um segundo não consegui acreditar no que via. Parecia que minhas preces foram atendidas. Seguindo para o bar, sem se sentirem familiarizados com um ambiente até então nada ameaçador, mais parecido com uma boate do que com um clube de sexo, estava o meu tão desejado professor Alex Frankli, acompanhado de uma loira que não parecia se adequar ao ambiente, mas que não deixava de ser linda.
Eles olhavam tudo com interesse, como se estivessem esperando por outra coisa. O pote de cristal redondo, estrategicamente posto sobre o balcão, contendo cocaína da mais alta qualidade, fez com que eles dois trocassem um olhar significativo. Não. Eles dois não estavam nada familiarizados com o que tínhamos ali.
Ri saboreando a vista com a segurança de estar muito bem camuflada pela pouca luz do ambiente. Vi quando uma funcionária que fazia papel de anfitriã se aproximou dos dois. Eles sorriram. Alex visivelmente mais à vontade do que a sua acompanhante. A mulher conversou e eu notei que meu professor olhou de uma forma mais quente para a loira ao seu lado. Seus dedos percorreram as costas nuas dela e... meu Deus! Ele era quente. Uma promessa.
— Será que aceitam companhia? — Minha “amiga” falou fazendo-me olhar para ela.
Ela era bonita. Alta, cabelos longos, negros e lisos até a cintura. Os seios empinados não eram de fato naturais, porém eram lindos e chamativos. Ela era bronzeada, exibindo discretamente no decote do vestido, a marca do biquíni, seu corpo trabalhado era, com certeza, algo que qualquer homem desejaria.
Ostentava uma classe que corroborava com o seu nível social, mas se esta não existisse, suas joias fariam este papel. Nem por isso eu me senti intimidada.
Eu era Miranda Middleton e nada poderia me deter.
— Eu serei a companhia — determinei, ganhando o seu olhar desafiador.
— Mesmo sendo apenas para ela?
— Se ele estiver me olhando... — dei de ombros sabendo exatamente o que eu queria.
O que eu não imaginava era que seria muito diferente e que, depois daquele dia eu teria um objetivo e um segredo que deveria guardar pelo resto da minha vida.
Tatiana Amaral
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