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QUANDO É PRECISO VOLTAR - P.2 / Zibia Gasparetto
QUANDO É PRECISO VOLTAR - P.2 / Zibia Gasparetto

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

QUANDO É PRECISO VOLTAR

Segunda Parte

 

Clara entrou em casa e admirou-se ao encontrar Marcos e Carlos esperando-a na sala.

- Os dois em casa tão cedo? Aconteceu alguma coisa?

- Estávamos esperando você - disse Carlos.

Papai vai mandar o carro nos buscar. Vamos para o sítio passar o fim de semana. Não queríamos ir sem nos despedirmos de você.

- Parece que agora virou moda. Todos os fins de semana vocês vão para o sítio e nos deixam sozinhas. Não acham que estão exagerando? Eu também gosto de ficar com vocês. Faz tempo que não passamos uma tarde juntos, conversando.

- Eu sei, mãe. Mas é que vai haver um evento importante no sítio. Não queremos perder - disse Marcos. - Carlos vai tocar. Ensaiou a semana toda.

- Não sei o que há lá que vocês tanto gostam.

- Garanto que se você fosse adoraria - tornou Carlos.

Clara fez de conta que não ouviu. Disse apenas:

- Nesse caso, não digo mais nada. Podem ir.

Os dois a abraçaram com carinho. Subiram para o quarto e desceram logo com a bagagem.

- Pelo menos, jantem comigo.

Os dois hesitaram, e Marcos respondeu:

- É que papai mandou preparar um jantar especial para nós. O carro já deve estar chegando.

Eles a beijaram e se foram. Clara entrou na copa dizendo:

- Você viu, Rita? Eles nem ligam mais para mim. Agora tudo é o pai. Não sei como isso vai acabar. Qualquer dia destes vão querer nos deixar e morar com ele. Isso não vou suportar. Depois de tudo, Osvaldo aparece e quer tomar os filhos de mim.

Rita, que supervisionava Diva, que fazia o jantar, disse séria:

- Não exagere, Clara. Eles adoram o pai, mas não é só isso. Eles gostam das palestras que Osvaldo faz, dos jovens que circulam por lá aos domingos. Eles fizeram amizades, cantam, alegram-se juntos.

- Osvaldo faz isso só para tirá-los de mim.

- Não seja injusta, Clara. Na verdade, Osvaldo conseguiu criar naquele Sítio um ambiente leve, agradável, onde as pessoas se voltam para a espiritualidade, sentem-se bem, melhoram suas vidas. O lugar é alegre, bonito.

- Chega, Rita. Daqui a pouco você também vai passar para o lado dele.

- Gostaria que você também fizesse isso. Garanto que se sentiria muito feliz.

- Você sabe que isso é impossível.

- Não sei por quê. Conheço muitos casais que se separaram mas convivem pacificamente, até como amigos.

- Eu também conheço, mas nosso caso é diferente. Osvaldo nunca vai esquecer o que eu lhe fiz. Depois, eu também não quero vê-lo.

- Você é quem sabe. Mas não pode impedir que seus filhos gostem de ficar com ele.

Clara não respondeu. Subitamente sentiu-se cansada. Não queria pensar em nada. O passado estava morto, e ela não queria ressuscitá-lo.

Antônio chegou em casa e encontrou Neusa mal-humorada.

- Até que enfim chegou. Estava falando sozinha.

- Porque quer. Saia, vá visitar alguma amiga, ligue o rádio, a televisão. Procure distrair-se.

- Não sinto vontade de nada.

Antônio olhou pensativo para ela. Osvaldo estava certo: Neusa não sentia prazer em nada. Havia comprado um televisor em cores para ela. Mas, apesar de assistir um pouco, ela não demonstrava alegria.

Depois do jantar, tomaram café na sala. Ao final, ele se levantou, dizendo:

- Vou subir Tenho de arrumar a mala. Amanhã bem cedo vou para o sítio.

- Outra vez Pensei que fosse ficar em casa este fim de semana.

- Não posso. Faz parte do meu trabalho. Depois, neste domingo teremos um evento lá. Osvaldo conta comigo.

- Ele está é se aproveitando de você. Ninguém é obrigado a trabalhar nos fins de semana.

- Gosto tanto de ir para lá que nem é trabalho, é prazer. Por que não vai comigo?

- Eu? Não gosto de dormir fora de casa.

- Quando fomos lá, você bem que queria ficar.

- E Osvaldo não deixou. Não esqueço essa grosseria. Por isso não vou de oferecida.

- Ele fez isso porque não tinha como nos hospedar. Mas agora ele aumentou a casa e podemos ir. Assim não ficará aqui sozinha. Poderá distrair-se.

Ela hesitava entre curiosidade e a vontade de se fazer de difícil.

- Estou convidando Faça como quiser. Não vou insistir. Tem todo direito de escolher.

Vendo que ele ia saindo, ela decidiu:

- Está bem. Eu vou. Mas é só para não passar o fim de semana aqui, olhando para as paredes.

Ele sorriu levemente e respondeu:

- Sairemos às seis. Quero chegar lá antes de Osvaldo e do resto do pessoal.

No dia seguinte, quando Antônio se levantou, ouviu barulho na cozinha e sentiu o cheiro do café fresco. Arrumou-se e quando desceu viu a mala da mãe pronta na sala.

Quando Osvaldo chegou ao sítio com José, Rosa e os dois filhos, Antônio e Neusa já estavam lá. Enquanto ele abraçava a mãe, dando-lhe as boas-vindas, Marcos e Carlinhos se entreolharam aborrecidos.

A presença da avó, com quem haviam tido momentos desagradáveis, foi um balde de água fria em seu entusiasmo.

Osvaldo disse com simplicidade:

- Vocês não vão cumprimentar sua avó?

Acanhados, cada um por sua vez estendeu a mão, arriscando um tímido "Como vai, vó?" Neusa olhou para os dois. Fazia muito tempo que não os via. Exclamou admirada:

- Estão moços! Bonitos! Puxa, Marcos se parece muito com meu falecido João, seu avô. Já Carlos é mais parecido com a mãe. Eu vou muito bem. Mas, se eu não viesse aqui, vocês nunca se lembrariam que têm uma avó. Eu sei que não se importam comigo. Afinal, nunca pudemos conviver.

Nenhum dos dois respondeu, e ela continuou:

- Mas não os culpo por terem me esquecido. Com certeza fizeram muito bem a cabeça de vocês contra mim.

-Está enganada, vó. Ninguém nunca fez nossa cabeça - disse Carlos com certa irritação. Você é que nunca gostou de nós.

Osvaldo interveio:

-Talvez vocês não se conheçam o suficiente para apreciar as qualidades uns dos outros. Esta é uma excelente oportunidade de se conhecerem melhor e notar o que cada um tem de bom. Garanto que vão se surpreender.

- É injusto você dizer que não gosto de vocês. Ao contrário. Sempre me preocupei com o futuro, principalmente depois que Osvaldo foi embora. Muitas vezes falei com sua mãe. Queria que fossem morar comigo. Estava disposta a ficar com vocês. Mas ela nunca quis. Apesar disso, tenho rezado sempre para que Deus os proteja.

Neusa tinha lágrimas nos olhos, e os dois rapazes não sabiam o que responder. Foi Osvaldo quem tomou a palavra:

- O amor é um sentimento singular. Cada pessoa sente e se manifesta do seu jeito. Isso gera muita incompreensão. Como não podemos entrar dentro do coração dos outros para saber qual é o sentimento que cultivam, o mais certo é nunca julgar. Por outro lado, sempre será útil analisar e procurar compreender o que vai dentro do nosso coração. Isso eu garanto que dará um resultado muito melhor.

José apareceu para avisar que a mesa estava pronta para um lanche, e os dois rapazes respiraram aliviados. Quando se viram a sós, Carlinhos não se conteve:

-Você viu só? Na frente do papai ela parecia um cordeirinho.

Não acredito em nada do que ela disse.

- De fato. Vovó sempre foi irritante, maltratou mamãe. Agora ela vem com essa conversa de que gosta de nós. Também não creio. Mas viemos aqui para um encontro de paz, e não é bom lembrar das nossas mágoas. Depois, papai tem razão.

- Por quê? Eu não acho.

- Se ela nos tratou mal, nós fizemos o mesmo. Nunca a procuramos nem tivemos um gesto de carinho com ela.

- O que ela queria, depois do que fez? Deve dar graças a Deu por a tratarmos com educação. Só fiz isso em respeito ao papai. A última vez que nos vimos, ela foi à escola falar mal da mãe para você Rita apareceu bem na hora.

- Seja como for, temos de ser educados com ela.

- Isso se ela não provocar. Viu o que ela falou de mamãe? Se der mais alguma indireta, não vou tolerar. Papai que me desculpe

- Calma, Carlos. Não devemos nos importar com o que os outros dizem, mas sim cuidar para não cairmos no mesmo erro deles. O pai sempre fala isso, lembra?

- Lembro. Mas não é fácil.

Marcos riu e respondeu:

- Não é porque estamos viciados em revidar tudo. Estamos ainda na lei do "olho por olho, dente por dente". Isso é um atraso para nossa vida.

Carlos suspirou:

- Está bem. Sei o que quer dizer. Vou me esforçar.

Depois do lauto café que tomaram, apressaram-se a ir até o galpão que Osvaldo construíra ao lado do lago que estavam inaugurando naquele dia. Ele costumava fazer as palestras na beira do lago, ao ar livre. No começo, eram poucas as pessoas presentes. Com o tempo, o número foi aumentando.

Por isso Osvaldo decidiu construir aquele galpão rústico mas que os protegeria das intempéries. Estava lotado. Apenas na primeira fila de cadeiras alguns lugares estavam reservados. Antônio levou a mãe e os dois sobrinhos para se acomodarem nesses assentos. O dia estava lindo e o sol brilhava refletindo-se nas águas do rio. Os pássaros cantavam e havia flores por toda parte.

Um jovem cuidava do aparelho de som e a música era suave. Osvaldo apanhou o microfone e colocou-se em pé à frente do público.

Depois de saudá-los dando as boas-vindas, disse:

- Hoje é um dia feliz para mim, porque, além de receber vocês em nosso novo salão, conto com a visita de uma pessoa muito importante para mim. Finalmente ela decidiu nos honrar com sua presença tão esperada. É com alegria que desejo apresentar-lhes minha mãe, Dona Neusa.

Uma salva de palmas entusiasmadas ecoou enquanto Neusa, tomada de surpresa, tremia qual folha batida pelo vento forte. Osvaldo foi até ela, pegou seu braço para que se levantasse e ficasse de frente para a platéia.

Olhando para aqueles rostos alegres que batiam palmas sorrindo amistosamente, Neusa não conteve a emoção e começou a soluçar. Abraçou o filho, que a apertou em seus braços com carinho. Quanto mais ela chorava, mais eles a aplaudiam.

Quando ela conseguiu se acalmar, ele a fez sentar novamente e continuou:

- Minha mãe é uma mulher simples, que se mostrou corajosa, fiel. Ficou viúva depois de seis anos de casamento, tendo dois filhos pequenos para criar: eu e Antônio, que vocês conhecem.

Naquele tempo era difícil para uma mulher conseguir trabalho, principalmente para ela, que vinha de uma família pobre, sem recursos para estudar. Por isso, fez o sacrifício de separar-se de mim, seu filho mais velho, pedindo à minha tia Ester, irmã de meu pai, que cuidasse de mim, enquanto ela cuidaria do sustento do menor, ainda de colo.

O povo ouvia com interesse, e Osvaldo continuou:

-Eu estava com cinco anos e senti muito a mudança. Fui para um lugar estranho, com costumes muito diferentes da casa de minha mãe. Meus tios, ricos e instruídos, sempre me trataram bem, mas eu me sentia retraído, deslocado. José, que hoje trabalha comigo, vocês conhecem, foi quem me ensinou os rudimentos da vida social. Eu tentei não desagradar aos tios que me acolheram, que me deram tudo. Estudei nos melhores colégios, tornei-me um jovem educado, que sabia conviver em qualquer ambiente social. Consegui trabalho, fiz uma carreira bem-sucedida.

- Apesar disso, eu continuava retraído. Naquele tempo, não soube avaliar o que fizeram por mim. Sempre me julguei inferior a eles, sempre me senti como uma pessoa criada de favor. Observando a diferença social entre meus pais e eles, fiquei magoado com minha mãe por ela ter me dado a eles. Nunca tive coragem de lhe dizer que naquele tempo talvez eu tivesse preferido passar pelas agruras da pobreza ao lado dos meus a viver como eu vivia.

- Incapaz de analisar meus sentimentos, distanciei-me muito da minha mãe e do meu irmão. Acreditei que eles não me amassem e que estavam contentes por verem-se livres de mim.

- Foi preciso que uma tempestade terrível varresse minha indiferença, foi preciso que eu mergulhasse no inferno da desilusão, da dor e do desespero, que eu perdesse a fé nas pessoas, em Deus, em tudo, descesse ao fundo do poço, para entender que eu sempre estivera errado.

- Foi a ajuda de pessoas simples, sinceras, cheias de amor e fé na espiritualidade que me trouxe de volta à vida. A bondade divina me abriu a sensibilidade, e eu pude vislumbrar a luz de outros mundos, de outros seres que já viveram aqui e hoje estão ao nosso lado, prontos para nos ajudar.

- Então, iluminado pela luz espiritual, pude analisar minha vida e enxergar a verdade. Foi por amor que minha mãe me entregou para meus tios. Ela pensou em meu futuro. Ela também deve ter chorado de saudade sentindo minha falta, mas preferiu sacrificar-se para que eu pudesse desfrutar de mais conforto e de um futuro melhor.

- Mas eu, julgando-me abandonado, sentindo-me inferior, dei vazão ao meu egoísmo e, qual criança mimada, não cumpri a parte de filho. Não valorizei quem me deu o bem maior, que é a vida. Fiz mais. Não aceitei o carinho dos meus tios. Só depois, quando me vi perdido, foi que finalmente conheci melhor minha tia Ester. Mulher admirável, justa, bondosa. Felizmente, tive tempo de aprender com ela muitas coisas. Tenho certeza de que, de onde ela está, continua me abençoando.

- Graças a ela, de quem herdei todos os bens, posso hoje me dedicar inteiramente ao que gosto de fazer.

Osvaldo fez ligeira pausa e, olhando nos olhos das pessoas presentes, prosseguiu:

- Hoje ao chegar aqui, senti muita alegria por encontrar minha mãe, porque sei que é a oportunidade que a vida está me oferecendo para que eu demonstre a gratidão que sinto por ela ter me dado a vida. Não importam os caminhos que cada um de nós escolheu para enfrentar seus medos e poder sobreviver. Não estou em condições de julgar ninguém. Se me distanciei dela e ela se retraiu, não vem ao caso. O importante é que tomei consciência de que a vida nos colocou lado a lado para que aprendêssemos um com o outro, e, embora eu tenha demorado a entender isso, ainda temos tempo de conviver e aproveitar essa oportunidade.

- Sei que não há duas pessoas iguais, e isso pode atrapalhar o bom relacionamento. Contudo, se houver respeito, se aceitarmos as diferenças uns dos outros, a convivência se tomará boa e prazerosa.

- Estou expondo minhas experiências para que vocês observem, meditem na verdadeira causa dos desentendimentos que nos perturbam. A falta de diálogo, a presunção de saber o que os outros pensam, de ver segundas intenções onde pode ser apenas dificuldade de se expressar, são as causas mais prováveis de nossos problemas. Por isso, há que ponderar, ter bom senso. Conversar. Colocar-se com sinceridade, dizer o que sente sem medo, procurar o que está atrás das palavras.

- Nem sempre o que parece é. Um ato agressivo pode ser uma maneira indireta de chamar a atenção e de pedir ajuda. Uma postura indiferente pode ser uma máscara para esconder a própria sensibilidade a fim de evitar o sofrimento. Uma observação maldosa sobre o comportamento de alguém esconde a falta de confiança em si, a carência de afeto e o desejo inconsciente de fazer amigos.

- Nós que desejamos conhecer a verdade, que confiamos na vida, não podemos mais nos prender a essas ilusões. Durante anos, pressionados pelas regras sociais, fomos colocando diversas máscaras conforme as conveniências.

E chegamos à conclusão de que elas apenas nos levaram à infelicidade.

- Chega de querer parecer isto ou aquilo. Somos como somos. Negar nossas qualidades será atirar fora todas as nossas conquistas. Trazê-las à tona, mantendo-as ativas, é colocar nossa força a serviço do nosso progresso. Quanto aos pontos fracos, é preciso conhecê-los e ter paciência diante dos próprios limites. A aprendizagem é objetivo da vida, porém ela é gradativa e cada um a realiza em seu próprio ritmo. Nesses casos, a impaciência e a intolerância criam maiores obstáculos ao amadurecimento.

- Por isso, vocês, que estão aqui dispostos a criar uma vida melhor, devem saber que o primeiro passo é conhecer o processo, saber como a vida trabalha. É ela que une na mesma família pessoas que podem ajudar-se mutuamente. É ela também que as separa por períodos conforme o aproveitamento e as necessidades de cada um.

- Todavia é preciso estar atento, porque a escolha, a aprendizagem é para todos os envolvidos. A vida não exige que alguém suporte a maldade alheia indiscriminadamente, mas sim que cada um faça sua parte. Depois de certo tempo, afasta as pessoas resistentes. Elas precisam de mais tempo para aprender.

- Mas você que anseia por seguir um caminho melhor, mais condizente com as aspirações de sua alma, não se prenda nem se martirize tentando insistir para que os outros entendam seus argumentos e o acompanhem. Será inútil. Entregue os retardatários nas mãos de Deus e siga seu próprio caminho.

- É preciso respeitar os próprios limites. Aceitar o que não pode mudar é reconhecer a força maior que rege nossas vidas. Esforçar-se para fazer o seu melhor aproveitando todas as oportunidades é fazer a parte que lhe cabe na criação do próprio destino.

- A bondade de Deus é infinita e o universo é perfeito. A felicidade é o nosso objetivo, seja onde for. Minhas palavras indicam o caminho mais curto para a conquista do nosso progresso. Quem as entender e experimentar certamente se livrará de muitos sofrimentos e descobrirá que tudo ficou mais fácil. Faço votos de que consigam.

Osvaldo calou-se por alguns instantes, depois fez uma prece de agradecimento e encerrou a reunião.

As pessoas foram se levantando e saindo. Marcos e Carlos abraçaram o pai. Antônio e Neusa continuaram sentados. Cabeça baixa, Neusa, sempre tão comunicativa, não sentia vontade de falar.

As palavras de Osvaldo mexeram com seus sentimentos. Fizeram-na recordar-se de todos os sofrimentos quando perdeu o marido e viu-se sem dinheiro, com duas crianças pequenas.

Lembrou-se dos primeiros dias de viuvez, quando o dinheiro foi acabando e ela não sabia o que seria deles no futuro.

Viu-se na sala de sua pequena casa conversando com Ester, que concordou em criar Osvaldo. Dos primeiros dias em que ela olhava a caminha dele vazia e se culpava por haver se separado dele. Suas brincadeiras, seu riso alegre, suas palavras engraçadas... Sua casa tornou-se muito vazia depois que ele se foi. Os brinquedos simples que ele possuía e que Ester não quis levar ficaram, e Neusa pegou-se algumas vezes segurando-os enquanto as lágrimas desciam pelo seu rosto. Conformara-se ao saber que ele vivia com conforto, vestia-se bem, tinha tudo. Ela procurou sustentar a casa como deu. Lavou roupa para fora, costurou, fez doces. Trabalhava muito para se ocupar e poder ganhar o sustento. A pensão do marido era insuficiente, pagava o aluguel e nada mais.

Ester comprou-lhe a pequena casa em que ela morava e assim pôde economizar o dinheiro do aluguel.

Ela sentiu uma mão em seu ombro enquanto uma voz de mulher dizia:

- Dona Neusa, posso dar-lhe um abraço?

Arrancada de seus pensamentos, Neusa levantou os olhos. Uma mulher de meia-idade, rosto corado, sorriso acolhedor, estava parada à sua frente.

- Tenho muito prazer em conhecê-la. Meu nome é Luísa. Posso dar-lhe um abraço?

Neusa levantou-se admirada e sorriu. A outra abraçou-a com força, depois disse emocionada:

- Deve ser muito bom ter um filho como Osvaldo. A senhora é uma mãe feliz. Eu perdi meu filho há dois anos. Vim aqui desesperada, pensando até em me matar. Mas ele me ajudou, me devolveu a fé, a vontade de viver. Hoje eu sei que a separação é temporária, que meu filho continua vivo em outra dimensão. Deus abençoe a senhora por ter dado vida a ele.

Neusa agradeceu emocionada. Logo viu-se rodeada por algumas pessoas que demonstravam carinho e gratidão.

Antônio pegou em seu braço, dizendo:

- Agora temos de ir. A segunda parte vai começar. Carlinhos vai tocar.

Em meio àquelas pessoas, Neusa seguiu calada. Sentia um calor no peito que a deixava sem vontade de falar. Tinha medo de chorar.

- Veja como o dia está lindo! Aqui o céu fica mais azul e as flores são mais perfumadas. Não acha, Dona Neusa?

Ela olhou para o céu. Viu as flores, ouviu os pássaros como se os estivesse vendo pela primeira vez. Havia quanto tempo não prestava atenção neles?

- Sim. É lindo.

Na varanda do casarão, as pessoas se acomodavam, algumas sentando nas escadas, outras no chão ou nas cadeiras dispostas contra a parede. No meio deles, Carlinhos, sentado, segurando o violão, esperava.

Antônio encaminhou Neusa para uma cadeira de onde podia ver o neto e acomodou-se do lado de fora. As pessoas conversavam alegres. Alguém pediu silêncio e Carlinhos começou a tocar e cantar uma canção em voga, e as pessoas cantaram junto.

Enquanto isso, Osvaldo foi para uma sala e chamou Marta. Apesar de trabalhar na capital, ela ia para casa dos pais todos os fins de semana. Era uma moça bonita, inteligente, instruída, agradável. Possuía olhos castanhos que, quando estava alegre e sorria, tomavam-se cor de mel. Sua voz era doce e seu sorriso, amistoso.

Osvaldo simpatizou com ela desde o primeiro momento. Marta interessou-se logo pelo projeto e ofereceu-se para ajudá-lo nos fins de semana.

Dentro de pouco tempo, havia se familiarizado com tudo, e sua ajuda tornou-se eficiente. Ia para o sítio às sextas-feiras no fim da tarde e no sábado pela manhã atendia às pessoas que procuravam Osvaldo para uma consulta.

À tarde, ele as atendia e depois Marta obedecia às determinações que lhe eram indicadas.

No domingo, havia uma reunião à qual compareciam as pessoas que Osvaldo indicava. Nesses encontros, além da prece e das palestras de Osvaldo, havia um almoço e um evento musical em que todos participavam.

Seguindo orientação espiritual, solicitavam aos participantes que levassem um prato qualquer como contribuição.

No início, havia poucas pessoas, porém depois de algum tempo o número foi aumentando. Osvaldo havia organizado essas reuniões como um tratamento psicoespiritual no qual o convidado participaria por um período. Quando estivesse mais equilibrado, teria alta e não precisaria mais comparecer.

No entanto, o ambiente alegre, gostoso, participativo, a camaradagem acabaram por fazer com que, mesmo não precisando mais de tratamento, as pessoas insistissem em continuar.

Osvaldo pediu orientação de Alberto, que respondeu:

- Pode permitir que continuem. Lembre-se de que a alegria, o companheirismo, o convívio, a oração em conjunto criam energias radiosas. Nesse ambiente, não me surpreenderia se muitas curas viessem a ocorrer.

- Entendi. Há mais alguma orientação?

- Continue como está. Muitos acreditam que para se ligar com Deus precisam ir às igrejas, obedecer a determinadas regras. A verdade é outra. Para se ligar com a luz basta a alegria de coração, a sinceridade de propósito, o respeito pelas diferenças dos outros, a disposição de fazer o melhor e de ficar no bem. Esse é o caminho do equilíbrio espiritual, o segredo da boa saúde e da longevidade. Enquanto mantiver o ambiente aqui como está, tudo estará favorável a que nós os espíritos possamos trabalhar.

Assim, ele atendia às pessoas nos fins de semana e, nos outros dias, trabalhava na organização do laboratório, onde colocara um farmacêutico responsável, que, apesar de ser funcionário contratado, comungava nos mesmos ideais de espiritualidade.

Aliás, orientado pelos espíritos, Osvaldo só empregava pessoas que compartilhassem dos mesmos objetivos. Alberto dissera-lhe que, para haver comprometimento, entusiasmo, alegria, realização profissional, era indispensável esse ponto de vista. Alguém que pensasse de forma diferente estaria deslocado, distanciado, e não faria um bom trabalho.

Depois, os trabalhadores ligados à espiritualidade precisam conhecer as energias que estão à sua volta, tanto no contato com as pessoas como para poder manter o próprio equilíbrio.

Os funcionários de uma organização, mesmo remunerados pelo seu trabalho, não se isentam das energias que seu trabalho atrai. Onde as pessoas se agrupam, mesmo sem conhecer a espiritualidade, apenas com propósito de manter um negócio, além das energias de cada um que se misturam e os influenciam, circulam outras: espíritos ligados às pessoas presentes, parentes mortos desejosos de se comunicar ou de proteger seus entes queridos, espíritos perturbadores que implicam com certas atitudes de alguém.

O mundo das energias atua com um realismo impressionante, e ninguém está isento de suas influências. Por isso seria bom que nas empresas se cultivassem a meditação, os valores verdadeiros do espírito, o hábito da oração.

Osvaldo sabia que, atendendo a pessoas doentes, desequilibradas, aflitas, precisaria mais do que nunca cercar-se de pessoas conhecedoras do processo e fortes na fé.

Marta entrou na sala onde Osvaldo esperava com uma ficha na mão.

- Vamos começar a atender. Quantas pessoas temos?

- Selecionei quinze que são aqueles que realmente precisam ser atendidos.

- Está bem. Pode entrar o primeiro.

Enquanto isso, na varanda as pessoas cantavam alegres, e Carlinhos acompanhava-os ao violão. Marcos, sentado nos degraus da escada ao lado de uma garota morena muito bonita, sentia-se feliz.

Havia dois meses que ela ia às reuniões com a mãe, que estava em tratamento. Apesar de estar melhor, elas continuavam indo. Eunice era filha única de Estela, que ficara viúva e a criara com carinho.

Marcos, que a princípio comparecera a essas reuniões para passar o tempo e agradar ao pai, depois que a conheceu passou a aguardar com ansiedade os fins de semana no sítio.

Dezesseis anos, alta, morena, cabelos vastos e ondulados, corpo bem-feito, boca carnuda, olhos amendoados, duas covinhas quando sorria, o que fazia com freqüência, tornavam-na encantadora.

Conhecia todas as músicas em voga, cantava muito bem. Sua alegria e vivacidade animavam esses encontros, o que fez Carlinhos comentar com o irmão:

- No próximo domingo vou arranjar um babador para você. Quando ela canta, você fica babando.

- Não seja intrometido. Não é nada disso.

Carlos sorria contente. Gostava desses encontros, quando, além de fazer inúmeros amigos, tocava e cantava. A alegria do ambiente deixava-o bem a semana inteira.

Marcos sentia-se atraído por Eunice. Quando ela estava, ele não conseguia desviar a atenção. Seus olhos a seguiam por toda parte. Era tímido e não sabia como se aproximar. Carlinhos facilitou tudo, por que Eunice logo fez amizade com ele, trocaram letras de música, e Marcos aproximou-se com naturalidade.

Sentado ao lado dela na escada, ele sentia uma gostosa energia. Tinha vontade de segurar sua mão, mas continha-se. Como havia muitos jovens na escada, estavam muito próximos e muitas vezes seus corpos se tocavam, principalmente quando alguém resolvia subir ou descer os degraus.

Nesse momento ele sentia seu coração bater descompassado. Carlos, que os observava furtivamente, quando seus olhos se encontravam com os do irmão, piscava sugestivamente, e Marcos fingia não ter visto.

Sentada na cadeira, Neusa, rodeada por algumas senhoras, observava tudo calada. Elas tentavam conversar, mas Neusa não sentia vontade de falar. Educadamente respondia o que lhe perguntavam, mas só.

Ela se recordava que, quando adolescente, gostava de dançar, ouvir música, reunir-se com jovens de sua idade para trocar confidências. Agora, ali, esse parecia-lhe um outro mundo.

Sentiu saudade. Lembrou-se de que quando se casou havia sido difícil controlar o desejo de dançar, de cantar. Mas esforçou-se para isso.

Uma mulher casada não podia sair por aí como uma adolescente.Quando o marido era vivo, o nascimento dos filhos compensou-a de certa forma. Ela aceitou a parte que lhe cabia na responsabilidade conjugal. Mas, depois que ficou viúva, tudo piorou.

Uma viúva não podia sorrir, muito menos ser alegre. O que os outros iriam dizer? O casamento também não a atraía mais. Não valia a pena. Representava mais trabalho e a possibilidade de arranjar outros filhos.

As mulheres a seu lado cantavam e batiam palmas acompanhando a música, e ela se surpreendeu. Muitas eram tão velhas quanto ela, pois estavam com os filhos adultos.

A que estava a seu lado tocou em seu braço, dizendo:

- Eu adoro essa música. Sei só um pedaço da letra.

Começou a cantar alto e Neusa olhou em volta e notou que todos faziam o mesmo com naturalidade. Só ela estava calada.

Quando a música acabou, a que estava do seu lado lhe disse:

- Eu tenho um caderno onde copio as letras de que gosto. Estou vendo que você não canta.

- Não sei as letras - desculpou-se Neusa.

- Nesse caso, vou trazê-lo na semana que vem. Você pode levar e copiar tudo. Eu já sei de cor.

Neusa teve vergonha de dizer que não sabia mais cantar. Deixou-se ficar ali, pensativa, em silêncio. Do lado de fora, Antônio observava-a, tentando descobrir o que estava se passando em sua cabeça.

 

Clara entrou no quarto dos filhos com uma pilha de roupas para guardar. Ela gostava de vez em quando de fazer isso pessoalmente para arrumar as gavetas e colocar saches perfumados.

Abriu a gaveta da cômoda e começou a fazer a arrumação. Os dois rapazes conversavam animadamente no banheiro:

-Acabe logo com essa barba que eu preciso do espelho.

- Para quê? Essa penugem de bigode não precisa tirar - respondeu Marcos em tom de brincadeira.

- Penugem? Pode ser, mas sou mais corajoso do que você. Não fosse por mim, pelo meu charme e meu violão, Eunice nem teria se aproximado de você.

- Você que não viu como ela se jogava em cima de mim cada vez que alguém subia a escada.

- Claro, não tinha espaço. O que queria que ela fizesse?

- Ela ainda vai entrar na minha, pode esperar.

- Você está mesmo caidinho! Por que não fala logo e pede para namorar? Vai demorar muito nesse espelho?

Clara sorriu ouvindo o barulho da água.

Marcos havia se tornado um bonito rapaz e mesmo sendo um pouco tímido era natural que chamasse a atenção das moças. Eles continuavam conversando.

- Você viu Marta?

-. O que é que tem?

- Aonde o pai vai, ela vai atrás. Fica em volta para adivinhar tudo que ele quer. Aí tem...

- Não seja malicioso, Carlinhos. Ela trabalha com ele. É natural que procure agradá-lo.

- O que não é natural é a maneira como ela olha para ele. Acho que está caidinha!

O pai é um pouco passado, mas ainda impressiona as mulheres. Não viu como suspiram quando ele passa?

- Vi, mas ele não liga.

- Mas com Marta ele é muito delicado. Qualquer hora eles vão se entender, você não acha?

- Agora que você me chamou a atenção, me recordo que na semana passada, quando entrei na sala, ele estava debruçado sobre a mesa examinando alguns papéis e ela olhava para ele com muito carinho. Sabe que você pode ter razão?

- E se eles se entenderem, o que faremos? Nada. Ele tem todo o direito de refazer sua vida. Depois, ela é uma mulher muito especial. Tenho certeza de que o fará muito feliz.

Clara colocou a roupa de qualquer jeito na gaveta e saiu. Sentia-se inquieta, irritada. Seus filhos estavam falando do namoro de Osvaldo com outra mulher.

Foi para o quarto, fechou a porta e sentou-se na cama, pensativa. Durante todos aqueles anos imaginara que isso pudesse acontecer.

Afinal estavam separados e ele era livre.

Havia se preparado para essa realidade. Pouco lhe importava que ele se relacionasse com outra. Ficaria até aliviada do peso da culpa de ser a causadora de sua solidão.

Mas, ouvindo aquela conversa, não foi alívio que sentiu mas uma inquietação irritante, desagradável.

"Bobagem", pensou. "É melhor que ele tenha esquecido o passado. Assim posso ficar em paz."

Mas a sensação inquietante não ia embora.

"Devo reconhecer que me envaidecia pensar que ele nunca mais amou outra mulher. Claro. E só vaidade que me incomoda. Pois para mim ele pode se casar com quem quiser."

Foi ao banheiro, arrumou-se e desceu para ver o jantar. Marcos já estava na copa conversando com Rita:

- Estou com fome. Vai demorar?

- Não. Está pronto. Estou esperando Carlinhos e sua mãe descerem para mandar servir.

- Eu já estou aqui - interveio Clara.

- É melhor não esperar Carlinhos. O banho dele é muito demorado. Eu preciso sair.

Dez minutos depois o jantar foi servido. Ao final, depois que os dois rapazes saíram, Rita e Clara foram tomar café na sala. As duas gostavam de conversar depois do jantar.

Falaram sobre o movimento da loja, de outros assuntos. De repente, Clara indagou:

-Você conhece uma moça chamada Marta?

Rita olhou surpreendida para Clara.

-Sim. Por que pergunta?

- Casualmente ouvi os meninos falando sobre ela. Disseram que é muito bonita.

- Bonita e inteligente. É filha do caseiro do sítio. Trabalha aqui na cidade durante a semana e vai para lá às sextas-feiras. Parece que os meninos gostam muito dela. Quando eles vão para o sítio, ela faz tudo para agradá-los.

- Por quê? Que interesse pode ter neles?

Rita fitou-a com seriedade.

- É uma moça gentil, educada. Trata todas as pessoas muito bem. Não demonstra nenhum interesse especial por eles. Se está preocupada com Marcos, esclareço que ele se interessa muito por uma jovem, e aonde ela vai ele vai atrás. Quanto a Marta, é bem mais velha e pela sua postura não creio que tenha qualquer intenção com ele. Pode ficar tranqüila.

Clara não respondeu. Mas a sensação inquietante reapareceu com mais força.

- Pois eu não gosto que meus filhos andem nesse sítio todos os fins de semana. Não conheço as pessoas, não sei o que eles fazem lá. O que sei é que a cada dia noto que ficam mais interessados em ir. Alguma coisa tem.

- Tem mesmo. É um lugar lindo, as pessoas são alegres, agradáveis. Se você fosse, perceberia logo que é o melhor lugar para eles. Depois, Osvaldo cuida de tudo com muito carinho, é respeitado.

- Preferia que ficassem aqui, perto de mim, como antigamente.

- Você está com ciúme!

Clara irritou-se:

- Ciúme? De onde tirou essa idéia?

- Está, sim. Confesse. Está com ciúme de Osvaldo. Está sendo injusta. Seus filhos gostam dele, mas gostam muito de você. Não precisa ficar enciumada.

Clara não respondeu. Levantou-se, colocou a xícara na bandeja e disse:

- Espero que não venha a me arrepender de deixar que eles freqüentem esse lugar. Agora vou dormir, estou cansada.

Ela subiu e Rita se demorou um pouco mais pensando naquela conversa.

O que teriam dito os meninos a respeito de Marta que deixou Clara tão irritada? Gostaria de saber.

Na manhã seguinte, depois da saída de Clara para o trabalho e de Marcos para a faculdade, enquanto Carlinhos tomava café na copa, Rita, vendo-se a sós com ele, tocou no assunto:

- Neste domingo não pude ir ao sítio. Era a inauguração do galpão na beira do lago. Como foi?

- Lindo! Você nem imagina quem estava lá: a vovó! Tio Antônio a levou. Papai fez a palestra falando sobre a família, foi emocionante. Todo mundo chorou. Vovó, então, você precisava ver. Nunca pensei que ela fosse tão sensível. Achei que era durona, indiferente, mas me enganei.

- É mesmo? Pena que não fui. Conte tudo com detalhes.

Carlinhos em breves palavras relatou tudo e Rita surpreendida pensava em como Osvaldo estava mudado. Percebeu que Antônio havia melhorado muito. Parecia outro homem. Osvaldo conseguira transformá-lo. Talvez desejasse fazer o mesmo com Neusa. Mas estaria perdendo tempo: essa nunca mudaria.

Carlinhos dizia:

- Quando nos despedimos, ela me abraçou e disse que eu cantava muito bem. Foi o primeiro elogio que a ouvi fazer.

- É surpreendente. Neusa sempre foi muito crítica. Só vê o lado negativo das coisas.

- Acho que foi o ambiente, que estava alegre, gostoso, todo mundo bem. Não havia nada para criticar.

- E Marta, o que acha dela?

- Muito boa, linda, inteligente, alegre. Gosto dela.

- Eu também. Muito atenciosa.

- Principalmente com papai. Você reparou o jeito como ela olha para ele?

- Você quer dizer que ela...

- Gosta dele. Tenho certeza.

- E ele, corresponde?

- Acho que nem percebeu. Às vezes penso que papai é meio devagar nessas coisas. Não se interessa por mulher nenhuma.

- Só pode ser por dois motivos: ou ainda ama sua mãe ou tem medo de amar e sofrer.

Carlinhos interessou-se:

- Você acha que, apesar de tudo que aconteceu, ele ainda pode gostar de mamãe?

- Ele era louco por ela. Posso estar enganada, mas sua falta de interesse por outras mulheres pode ser por causa disso.

- Seria ótimo se eles voltassem a viver juntos. Mas mamãe não gosta dele.

- Por que diz isso?

- Não sou eu quem diz, é papai. Nas raras vezes que tocou no assunto, disse que foi ela quem deixou de amá-lo.

Rita ficou calada. De fato, Osvaldo, quando se referia a Clara, repetia isso. Seria mesmo? Depois do rompimento deles, Clara despediu Válter e nunca mais se interessou por ninguém.

Era bonita, os homens sentiam-se atraídos por ela, mas eram sistematicamente recusados.

Carlinhos saiu e Rita continuou pensando. Clara casara-se por amor. Ela mesma havia presenciado como eles se amavam. Quanto ao interesse que sentira por Válter, havia sido uma ilusão que teria terminado logo e sem conseqüências se Osvaldo não os houvesse surpreendido.

Muito jovem, um pouco imatura, Clara entrou na aventura da qual saiu arrependida e culpada. Várias vezes dissera-lhe que se pudesse voltar atrás nunca teria se deixado envolver.

Clara não era uma mulher volúvel, fácil. Ao contrário: era sincera, fiel, honesta em todas as suas atitudes. Osvaldo estava enganado. Se ela o tivesse traído por amor a outro, teria ficado com Válter quando se separou. Se ela se arrependeu, se descobriu que não amava Válter, foi porque continuava amando o marido. Não era falta de amor que a impedia de procurá-lo, mas medo, culpa.

A esse pensamento, Rita levantou-se. Precisava fazer alguma coisa para saber a verdade. Tinha certeza de que Osvaldo continuava amando Clara. O que precisava saber era se Clara também sentia amor por ele.

O sonho de Carlinhos não era tão difícil assim. Se os dois ainda se amavam, havia possibilidade de uma reconciliação. Rita decidiu fazer tudo para descobrir.

No domingo anterior, quando Osvaldo terminou de atender às pessoas, foi servido um lanche e depois todos se despediram.

Osvaldo abraçou a mãe, dizendo:

- Estou feliz que tenha vindo, espero que volte sempre.

- Foi tudo muito bom. Eu voltarei.

Neusa entrou no carro de Antônio calada. Durante o trajeto de volta, Antônio, vendo que ela estava quieta, o que não era seu costume, perguntou:

- O que foi, você não gostou de ter vindo?

- Gostei muito.

- Pois não parece. Está tão calada, com uma cara triste...

- Estou pensando, lembrando algumas coisas. Isso me deixa triste. Mas não tem nada a ver com nosso passeio. Todos me trataram muito bem.

- Eu vi. Lá só tem gente boa, mãe. Osvaldo falou do passado, mas o que ele disse não foi para entristecê-la.

- Eu sei, meu filho. Eu é que estou pensando. Osvaldo está diferente, mudou muito. As pessoas gostam dele.

- Isso mesmo. Ele ficou contente por você ter ido.

Neusa não respondeu. Sentiu um nó na garganta e não quis que Antônio notasse sua comoção. Ele percebeu e mergulhou nos próprios pensamentos.

Uma vez em casa, Neusa foi para o quarto e deitou-se. Por sua mente desfilaram todos os acontecimentos do dia. Quando Osvaldo começou a palestra falando a respeito dela, a princípio temeu que ele estivesse apenas sendo amável por causa das pessoas presentes, mas depois, diante do tom de sinceridade, falando sobre os próprios sentimentos, ela entendeu que ele estava sendo sincero.

Ele era tão pequeno quando se separaram. Nunca imaginou que essa separação o houvesse magoado. Percebeu que essa mágoa foi causadora da indiferença dele.

De repente compreendeu: o que Osvaldo sentia não era indiferença, mas amor que julgava não correspondido. Ele nunca soube quanto ela havia chorado sua ausência.

As lágrimas brotaram em profusão, lavando suas faces. Neusa deixou-as cair. Sentiu o quanto amava os filhos. Arrependeu-se de ter pensado que o conforto era mais importante que o amor.

Como ela pôde fazer isso? Sentiu-se arrependida, culpada, triste. Lembrou-se de que Osvaldo dissera o quanto valorizava sua amizade. Mas ela não merecia os elogios que ele lhe dispensara.

Chorou durante muito tempo até que, por fim, exausta, adormeceu. No dia seguinte levantou-se apressada. Olhou para o relógio e vestiu-se rápida. Estava atrasada para fazer o café.

Correu para a cozinha e encontrou a mesa posta, a térmica sobre a mesa, pão fresco no cestinho. Antônio já havia saído, mas antes havia comprado pão, feito o café, arrumado tudo.

Sentiu-se culpada por ter perdido a hora, mas ao mesmo tempo sentiu alívio. Não estava com vontade de conversar.

Tomou café e lembrou-se do lanche servido no sítio. A mesa estava tão bonita, com uma toalha xadrez amarela, um arranjo de flores no centro, os pratos arrumados com capricho.

Lá era tudo tão alegre, tão bonito. Havia flores por toda parte. Estavam na primavera. Olhou em volta: em sua casa não havia nenhuma flor. O velho vaso meio desbeiçado estava vazio. Dentro apenas alguns pequenos objetos que ela ia colocando ao acaso.

Apanhou o vaso e debruçou-o sobre a pia da cozinha. De dentro caíram alguns parafusos um pedaço de barbante enrolado, um lápis preto com a ponta gasta, uma chave de fenda pequena, uma nota de compras dobrada e amarelecida.

Ela apanhou a chave de fenda, dizendo:

- Puxa, eu procurei tanto por você! Não sabia que estava aí.

Tirou a mesa e começou a lavar a louça. Observou que o pratinho de sobremesa estava lascado. No sítio tudo parecia novo, mesmo o velho bule que conhecia desde o tempo de Ester.

Deu de ombros. Ester tinha empregados; ela, não. Precisava fazer tudo sozinha. Esse pensamento não a confortou. Reconheceu que sua louça estava muito feia. Talvez fosse bom colocar em uso aquele jogo que ganhara no casamento e nunca havia usado. Orgulhava-se de dizer que ele estava na caixa, novo como no primeiro dia.

Foi ao quartinho dos fundos, apanhou a caixa, colocou-a sobre a mesa da cozinha, abriu-a. Foi tirando as peças uma a uma. Era um jogo de chá de porcelana, muito bonito. Estava empoeirado. Neusa lavou tudo cuidadosamente. Pegou a caixa para guardá-lo novamente porém notou que ela estava suja, o papelão rasgado de um lado. O aparelho estava limpo, lindo. Não seria justo guardá-lo naquela caixa velha, quase se desfazendo.

Foi para a sala de jantar e olhou a cristaleira onde havia também algumas lembranças, como os copos que Ester lhe dera quando comprou a casa. Teve de reconhecer que a garrafa de licor, os cálices de cristal foram presente de Ester, que nunca esquecia seu aniversário.

Decidiu lavar tudo e arrumar de forma que o aparelho de chá coubesse. Ali ficaria melhor do que na caixa, e ela poderia vê-lo sempre. Quando acabou, olhou satisfeita para cristaleira. Tudo estava brilhando e a louça havia ficado muito bonita.

Afastaram-se alguns passos para avaliar o efeito e sorriu com satisfação. Ela também tinha coisas bonitas em casa.

A campainha tocou e ela foi abrir. Dorotéia entrou dizendo:

- Então, como foi ontem?

Neusa no sábado havia confidenciado que não tinha vontade de ir ao sítio. Iria apenas para satisfazer Antônio e não passar o domingo sozinha.

- Ontem como?

- Lá no sítio. Aborreceu-se muito? Vi quando chegaram. Quase vim aqui saber as novidades. Mas Antônio anda tão antipático comigo... Aliás, não sei o que deu nele ultimamente. Está com o rei na barriga. Só porque arranjou um emprego bom, não dá confiança aos pobres, como eu.

Neusa olhou para Dorotéia como se a estivesse vendo pela primeira vez. Fechou a cara e respondeu:

- Antônio é muito bom. Não gosto que fale dele desse jeito.

- Puxa, não pensei que fosse se ofender. Não disse por mal. Você sabe que, apesar de tudo, gosto dele como de um filho.

Dorotéia olhou em volta e parou em frente à cristaleira:

- Puxa, você também está melhorando de vida. Ainda bem, não é? Foi Osvaldo quem lhe deu essa louça linda?

Neusa irritou-se com o tom dela. Respondeu com frieza:

- Não. Eu tenho esse aparelho desde o meu casamento.

- Nossa. Por que nunca me mostrou?

- Estava guardado em uma caixa. Ficou bonito aí, não?

- É, ficou. Mas você ainda não me falou de ontem. Foi muito ruim?

-Ao contrário. Foi ótimo. Até me arrependo de não ter ido antes. Estou pensando em voltar lá no próximo domingo.

Neusa notou que Dorotéia não gostara da resposta, dissimulando. Conhecia o trejeito de sua boca quando disfarçava.

Dorotéia ironizou:

- Estou vendo que eles conseguiram.

- Conseguiram o quê?

- Impressionar você, como fizeram com Antônio. Logo estará fazendo tudo que eles querem. Não percebe que eles estão envolvendo vocês com essa história de espíritos? Você sabe que isso é coisa do demônio. Aliás, é ele quem está lhes trazendo dinheiro. Você está se deixando levar.

Neusa encarou-a irritada:

- Não gosto que fale assim de meus filhos. Eles são muito bons. Principalmente Osvaldo. Ele é muito querido e respeitado por todos.

- Está vendo? Até ontem dizia que seu filho era ruim, não ligava para a família, ficou rico e nunca ajudou vocês.

Agora ficou bom de uma hora para outra? Não vê que está sendo usada?

- Não. Você está sendo maldosa. Todos que estavam no sítio são pessoas de bem que só pensam no bem. Você pensa que sou burra e incapaz de saber o que é bom ou ruim para mim?

Dorotéia adoçou a voz:

-Eu não quis dizer isso. É que o tinhoso fascina. Tem mil e uma maneiras de enganar. Estou vendo que você já caiu na lábia dele.

- Sabe de uma coisa? Não estou com vontade de conversar. Você vê maldade em tudo. Nunca a ouvi dizer uma coisa boa.

- Sou sua amiga, quero esclarecer, desejo o seu bem.

- Não parece. Só pensa no mal.

- Ao contrário. Estou prevenindo você contra o mal.

Está se metendo na minha vida e não estou gostando disso.

- Já vi que não dá para fazer mais nada. Se é assim, lavo minhas mãos. Depois, quando cair em si, vai me dar razão, mas pode ser tarde.

-Olhe aqui, Dorotéia, não gosto que aponte o dedo para mim.Estou sem vontade de conversar. Quero ficar quieta no meu canto. Por isso, é melhor ir embora.

- Está me expulsando de sua casa? - gritou ela, colérica.

- Estou pedindo que vá embora porque quero ficar sozinha. Não estou querendo brigar.

- Bastou uma vez nesse sítio infeliz para você acabar com uma amizade de tantos anos - disse ela com voz chorosa. - Mas não faz mal. Meu Deus me ensinou a perdoar, por isso vou embora. Mas estou sentida. Só voltarei aqui se for me pedir.

Ela deu as costas, saiu de cabeça erguida e passos firmes. Neusa passou a mão pela testa como querendo afastar os pensamentos desagradáveis.

Melhor mesmo que Dorotéia não voltasse mais. Era uma maldosa. Só sabia falar mal dos outros. Estava com inveja porque eles estavam melhorando de vida.

Sua amizade não lhe faria falta. Tinha novos amigos que a respeitavam e a tratavam com carinho.

Domingo iria de novo ao sítio. Foi para o quarto, abriu o guarda-roupa. Examinou um a um os vestidos pendurados. Eram escuros, impróprios para um dia de primavera.

Lembrou-se de um corte de tecido que Antônio lhe dera havia alguns anos e que ela não costurara por achá-lo de cor muito viva.

Abriu a gaveta, apanhou o tecido, estendeu-o sobre a cama. Era de fundo azul- claro e tinha estampadas algumas florzinhas miúdas amarelo-claras.

Colocou-o sobre o corpo e foi até o espelho. Achou-o alegre. Servia bem para um dia de verão. Resolveu fazer um vestido para usar no domingo.

Apanhou os velhos figurinos e começou a folheá-los à procura de um modelo. Neusa não percebeu, mas do seu lado estava um moço que sorriu satisfeito vendo-a entretida na escolha.

Com carinho, passou a mão acariciando sua cabeça dizendo ao seu ouvido:

- Finalmente, minha querida, você está começando a acordar. Havia muito tempo que estava esperando que você reagisse. Eu nunca a esqueci. Agora tenho esperanças de que possamos ficar juntos de novo quando você regressar.

Beijou-a levemente na testa. Neusa estremeceu e lembrou-se de João, seu marido. Ele gostava de tecidos daquela cor. Como seria bom se ele estivesse ali e pudesse vê-la!

João abraçou-a, dizendo ao seu ouvido:

- Eu estou aqui e voltarei para vê-la com esse vestido. Vai ficar linda!

Neusa sorriu. João gostava de cores vivas, alegres. Se ele estivesse vivo, sua vida não teria sido tão triste.

- Vou me vestir assim em memória dele. Se os espíritos podem nos observar, como Osvaldo disse, ele vai poder me ver com este vestido.

Com disposição ela continuou procurando o modelo, escolheu um de duas peças que tinha o molde exatamente no seu número.

Quando Antônio voltou à noite, ao invés de Neusa estar, como sempre, em frente à televisão, estava no quarto dos fundos onde passava roupas e tinha a máquina de costura, trabalhando. Admirado, ele a encontrou em meio a moldes, alfinetes, tesoura e retalhos de pano.

- O que está fazendo?

- Um vestido. Foi você quem me deu este tecido, há muito tempo, lembra?

- Lembro. Pensei que não tivesse gostado, afinal nunca fez nada com ele.

- É. Agora resolvi. Lembrei que seu pai gostava desta cor. Vou parar para esquentar o seu jantar.

-Não precisa. Comi um lanche fora. Já passa das nove.

- Já? Nem percebi. Esqueci até a novela. Também, não estava boa mesmo.

Vou comer alguma coisa. Estou com fome. Amanhã continuo.

Antônio olhou pensativo para a mãe. Teria visto bem! Ela, além de não fazer nenhuma queixa, estava costurando, coisa que dizia detestar. Reclamava toda vez que tinha de consertar uma roupa ou pregar um botão em suas camisas.

Entrou na sala e logo notou que a cristaleira estava diferente.

Havia alguma coisa nova ou era só impressão?

Neusa apareceu na porta e disse:

- É lindo esse aparelho de chá, não acha?

- Acho. Você comprou?

Não. É velho. Foi presente de casamento.

- Onde estava, que eu nunca vi?

- Na caixa. Mas ela estava velha. Depois, achei que ele fica muito bonito aí.

- Ficou lindo. A sala até parece outra com essas coisas brilhando na cristaleira.

Neusa sorriu contente. Ela também sabia fazer as coisas e cuidar de sua casa.

Antônio foi para o quarto pensativo. Era cedo para avaliar, mas Neusa estava diferente: mais disposta, mais viva, até seus olhos brilhavam mais. Como seria bom se ela fosse mais feliz! Não gostava de vê-la insatisfeita, inquieta, reclamando pelos cantos da casa.

Insistiu para levá-la ao sítio porque queria que ela usufruísse todo o bem que ele mesmo sentia lá. No íntimo, temia que ela não se sensibilizasse. Mas estava enganado. Agora podia ter esperanças de que ela mudasse sua maneira de olhar a vida.

As palavras de Osvaldo ainda estavam vivas em sua memória. Neusa era uma mulher corajosa, dedicada, honesta. Apesar dos problemas que havia enfrentado na mocidade, gozava de boa saúde e podia contar com Antônio, que sempre estivera do seu lado. Agora que ele havia encontrado um caminho melhor, que se sentia alegre, motivado ao trabalho, ganhando dinheiro, desfrutando de mais conforto, reconhecia que não tinham nada a reclamar da vida mas sim a agradecer.

Estava disposto a ser feliz. Não queria mais ficar ao lado da mãe sempre descontente, infeliz. Por isso desejara se mudar. Não pretendia abandoná-la, mas sim viver em um lugar mais bonito, que pudesse arrumar com capricho, manter em ordem.

Alberto dissera que os espíritos iluminados vivem em lugares bonitos, que a beleza alimenta a alma.

A ordem, a higiene criam a harmonia, atraem energias positivas. Para isso não havia necessidade de ser rico mas de ter capricho e bom gosto.

Antônio ficava imaginando como seria esse lugar. Sentia vontade de usufruir todas essas coisas.

Deitou-se pensando em como seria bom se Neusa também descobrisse essa realidade e ele não precisasse sair de casa, se juntos pudessem transformar aquela velha casa em um lugar alegre e feliz.

 

Clara estugou o passo. As lojas estavam lotadas, apesar de ainda faltar um mês para o Natal. Ela havia comprado um presente para Marcos e pretendia comprar um violão melhor para Carlinhos. O dele era simples e o som deixava a desejar.

Carlinhos havia comentado com Marcos que andava namorando um violão e sempre ia à loja de instrumentos musicais para vê-lo.

Mas era caro e ele não queria pedir para comprá-lo.

Clara casualmente ouvira essa conversa e Marcos dera-lhe as informações a respeito. Dispunha de algumas economias e desejava dar esse prazer ao filho. Carlinhos estava mais estudioso, mais atencioso, e ela achava que ele merecia.

A tarde estava acabando e ela finalmente encontrou a loja. Estava lotada. Procurou por um vendedor, mas todos estavam ocupados. Parou diante de um balcão olhando os violões expostos, procurando descobrir qual o que procurava.

Uma vendedora carregando uma caixa passou por trás dela, pisou em falso e caiu em cima de Clara, que por sua vez perdeu o equilíbrio e ia caindo em cima do balcão de vidro quando alguém a segurou impedindo que batesse o rosto.

Clara voltou-se para agradecer e deu com o rosto preocupado de Osvaldo, que, reconhecendo-a, empalideceu e largou-a imediatamente. Por alguns instantes, nenhum dos dois conseguiu falar.

Clara tremia e sentia as pernas fraquejarem. A jovem causadora do acidente havia se levantado.

- Desculpe. Tropecei. Machucou-se? Você está pálida... Está sentindo mal?

Clara passou a mão pelos cabelos e respirou fundo. Osvaldo, percebendo que ela ia desmaiar, segurou seu braço, dizendo:

- Venha, aqui está muito abafado. Você precisa de ar. Clara deixou-se conduzir sem dizer nada. Uma vez na calçada, ele continuou:

- Vamos entrar naquela confeitaria. Você precisa sentar-se e tomar uma água.

Clara não respondeu. Parecia-lhe estar vivendo um sonho. Deixou-se levar. Osvaldo conduziu-a a um lugar discreto, perto de uma janela, e ela se sentou. Ele se sentou em sua frente, chamou a garçonete e pediu uma água. Enquanto isso, Clara observava-o furtivamente, pensando no que ele lhe diria.

Veio a água, ele a serviu e entregou-lhe o copo:

- Beba. Vai fazer-lhe bem.

Ela tomou alguns goles. Osvaldo olhava-a tentando dissimular a emoção. Clara estava mais bonita. Havia em seu rosto, em sua postura, algo diferente que ele não sabia bem o que era.

Enquanto bebia a água e tentava se acalmar, Clara notava que Osvaldo continuava elegante, bonito. Alguns fios de cabelos brancos nas têmporas davam-lhe um aspecto distinto.

- Então, sente-se melhor?

- Sim. Já passou.

- O que aconteceu? Ficou mal porque fui eu quem a segurou?

Diante de uma pergunta tão direta, Clara baixou a cabeça e não soube o que responder. Ele continuou:

- Minha presença a incomoda tanto assim?

Havia tanta mágoa em sua voz que ela protestou:

- Não foi isso. É que a surpresa, eu não esperava.., perdi o rumo.

- Faz tempo que não nos vemos.

- É... depois de tudo que houve, eu me sinto constrangida.

-Não se sinta assim. O tempo passou, nós amadurecemos.

De repente Clara começou a chorar. As lágrimas desciam pelo seu rosto e ela não conseguia parar. Os soluços sacudiam seus ombros, e de cabeça baixa ela dava vazão aos seus sentimentos.

Comovido, Osvaldo levantou-se e sentou-se ao lado dela. Apanhou o lenço e colocou-o em sua mão. Depois passou o braço sobre seus ombros, apertando-a de encontro ao peito.

- Chore, Clara. Lave sua alma.

Ela continuou soluçando por algum tempo, depois aos poucos foi serenando. Deixou-se ficar ali, cabeça encostada no peito dele, que batia descompassado com a proximidade dela.

Clara estava em seus braços. Sentia o perfume de seus cabelos, a maciez de sua pele, o cheiro familiar de sua presença.

Teve vontade de beijá-la muito, matar a saudade que irrompia incontrolável. Conteve-se, porém. Não podia abusar de um momento de fragilidade que ela estava vivendo. Beijou-lhe levemente os cabelos, sentindo o calor do amor que vibrava em seu coração.

Ela se afastou um pouco, dizendo:

- Desculpe. Não pude evitar.

-Eu sei. Também estou tentando me controlar. Não está fácil.

Seus olhos se encontraram e Clara disse baixinho sem desviar:

- Perdoe-me por todo o mal que lhe fiz.

Osvaldo não respondeu logo. Pela sua mente passou de novo a cena de Clara nos braços de Válter. Sentiu um aperto no peito e respondeu:

- Ninguém manda no coração. Você deixou de me amar e não a culpo por isso. Se tivesse sido franca, se tivesse dito que gostava de outro, eu, mesmo sofrendo, teria deixado o caminho livre.

- Fui covarde. Até hoje, quando me lembro daquele tempo, não consigo entender meus sentimentos. Não estou justificando o que fiz. Aceito minha culpa. Ela tem me infelicitado desde aquele dia. Mas eu mereço. Errei. Fui leviana, covarde, e, o que é pior...

Ela se calou indecisa.

- O que pode ser pior?

- O arrependimento. Ver que nesse jogo eu perdi muito mais do que ganhei.

Osvaldo ficou calado. A garçonete aproximou-se:

-Desejam comer alguma coisa?

Osvaldo pediu suco e alguns salgadinhos. Clara apanhou a bolsa, abriu, tirou o espelho, olhou para seu rosto e comentou:

- Que horror, estou horrível.

-Você continua bonita como sempre.

Ela corou levemente. Osvaldo olhava-a com admiração e Clara perdeu o jeito. Dissimulou, empoou o rosto, passou levemente o batom. Guardou tudo.

- Fazia tempo que desejava procurá-la, porém você não queria me ver, e eu respeitei. Mas foi bom termos nos encontrado. Nossos filhos não têm culpa de nossos desacertos e merecem viver em paz.

- Por que diz isso? Eles comentaram alguma coisa?

- Não diretamente, mesmo porque tenho evitado falar no assunto. Mas se ressentem. Você precisa saber que voltei para refazer minha vida, assumir a responsabilidade de pai. Afastei-me porque não tinha condições emocionais. Estava desequilibrado, levou tempo para conseguir voltar ao normal.

Mesmo que desejasse regressar, não tinha como. Estava desempregado, sem capacidade de trabalho. Não podia oferecer nada aos nossos filhos. Depois...

Ele hesitou sem poder continuar, e Clara perguntou:

- Depois o quê?

- Nada. Eu estava desequilibrado, minha imaginação não me dava sossego. Não tive coragem de voltar e enfrentar meus medos.

- Tenho ouvido comentários sobre você e o trabalho que vem realizando.

- Tive a felicidade de conhecer pessoas muito boas no interior que me deram algumas respostas sobre as dúvidas que me atormentavam. Aprendi a confiar na bondade divina, que me levantou e me fez enxergar a vida de outra forma. Sou grato por isso. Encontrei a paz e a vontade de viver.

Osvaldo fez uma pausa e, notando que Clara o ouvia com atenção, continuou:

- A vida é maravilhosa. Fomos criados para a felicidade. Mas nós enchemos nossa cabeça com idéias limitantes e erradas que nos fazem enxergar o lado pior. Essa é a causa da nossa infelicidade. Tenho aprendido com os espíritos superiores que todos somos fortes, podemos enfrentar todos os desafios e encontrar a paz.

Clara meneou a cabeça indecisa:

- Não tenho essa certeza. Dona Lídia tem me orientado, mas não está fácil. Vivo atormentada. Há momentos em que acredito que nunca mais terei paz.

- Terá quando encontrar a fé. Aconteça o que acontecer, é preciso confiar na fonte da vida. Ela supre todas as nossas necessidades.A natureza prova o que estou dizendo.

Clara levantou para ele os olhos emocionados. O rosto de Osvaldo estava expressivo, seus olhos brilhavam cheios de vida e havia entusiasmo em sua voz, que adquirira um tom amoroso e firme.

- Pelo jeito você já conseguiu.

- Algumas vezes. Não o tempo todo. Alguns fantasmas mentais ainda aparecem para cobrar alguma coisa. Mas eu insisto no bem e na fé. Sei que esse é o caminho para a conquista definitiva.

- Gostaria de poder fazer isso. Agora preciso ir. É bom saber que você está feliz. A lembrança do mal que lhe fiz tem me atormentado. Apesar do que houve, nunca desejei prejudicá-lo. Em minha leviandade, nem sequer pensei nisso.

Osvaldo colocou sua mão sobre a dela.

- Não precisa se justificar. Não estou lhe cobrando nada. Por causa de nossos filhos, gostaria que mantivéssemos um relacionamento cordial. Se minha presença a incomoda, basta apenas que, quando nos encontrarmos, o que poderá acontecer no futuro quando as circunstâncias exigirem, possamos nos falar com naturalidade, sem magoas ou ressentimentos.

- Você já conseguiu não me odiar!

- Nunca a odiei. Nem nos piores momentos. Naqueles dias, o que eu queria era desaparecer, sumir, para não atrapalhar sua vida. Mas não pense que sou bom. Apenas compreendi que o amor é espontâneo. Não se pode forçar. A única dor era porque você não me contou nada. Mais tarde, percebi que não foi capaz. Tenho aprendido que é loucura querer de alguém o que não nos pode dar. Acredite, eu nunca a odiei.

Clara estremeceu, seus lábios tremeram e as lágrimas tomaram seus olhos mais brilhantes. Ela se controlou.

- Desculpe. Não estou conseguindo me controlar.

- Não se perturbe. Foi bom termos nos encontrado. Ainda continua querendo me evitar?

- Não. Acho que fantasiei demais sobre nosso encontro. Também me sinto aliviada.

- Antes assim.

- Preciso ir. Pretendia comprar um violão para Carlinhos. Ele anda querendo um.

- Fui lá pelo mesmo motivo. Antônio me contou que ele sonhava com esse violão.

Ela sorriu.

- Se não nos encontrássemos, ele poderia ganhar dois.

Eu já encomendei um. Vai demorar quinze dias para ficar pronto Você pode dá-lo a ele. Vou procurar outra coisa.

- Não. Você encomendou. Já pagou?

- Dei metade de sinal.

- Nesse caso, procurarei outra coisa.

- Se quiser dar o violão, não se acanhe. Escolherei outro presente

- Não. Pode deixar. Amanhã verei outra coisa. Tenho de ir.

- Espere, vou pagar a conta. Posso levá-la.

- Não, obrigada. Meu carro está no estacionamento próximo.

Ele tirou um cartão do bolso e ofereceu a ela.

- Fique com meu telefone. Se precisar de alguma coisa, ligue.

Seus olhos se encontraram e Clara pegou o cartão com a mão trêmula. Levantou -se. Ele fez o mesmo e segurou a mão que ela lhe estendia.

- Obrigada por tudo.

- Foi muito bom vê-la!

Estavam muito próximos, e Osvaldo sentiu vontade de beijá-la. Conteve-se a custo. Clara puxou a mão, apanhou a bolsa, os pacotes e saiu.

Osvaldo sentou-se novamente pensativo. Por que não conseguia esquecer aquele amor? Clara estava perdida para sempre. Precisava conformar-se em vê-la sem esperar nada, em amá-la sabendo que nunca teria seu amor.

Clara foi direto para casa. Não sentia vontade de continuar as compras. Vendo-a, Rita comentou:

- Voltou cedo! As lojas devem estar lotadas.

- Estão. Você nem imagina o que me aconteceu.

- Hmm... Você está corada, agitada... O que foi?

- Fui à loja ver o violão de Carlinhos e tive uma surpresa.

Em poucas palavras Clara contou tudo. Quando acabou, Rita disse séria:

- Eu sabia que um dia isso iria acontecer. Não houve nada do que você temia. Como foi? Garanto que ele a tratou muito bem.

- De fato, ele foi atencioso. Em nenhum momento me pediu contas do passado. Acho que foi por isso que não pude me controlar. Caí no choro, foi um vexame: a surpresa, a tensão de todos estes anos imaginando o que ele faria quando me encontrasse. Não sei, mas ele está diferente. Seus olhos têm um brilho novo, seu rosto está mais vivo, não sei explicar. Há alguma coisa nele que o torna muito diferente do que foi.

- Também tenho notado essa mudança. No princípio fiquei me perguntando o que era. Com o tempo entendi. Ele se tornou mais maduro, mais lúcido e mais verdadeiro. Sua presença faz bem, suas palavras me colocam para cima. Ele se tomou muito positivo, e eu sinto que o que ele diz é verdade.

Clara ficou pensativa por alguns instantes. Rita serviu um café para ambas e sentaram-se na sala enquanto Diva cuidava do jantar.

- Estive pensando... - disse Clara. - Será mesmo que ele pode ver os espíritos?

- Tenho certeza. Várias vezes eu o vi atendendo a pessoas falando de coisas que só elas sabiam. Se você visse, também acreditaria.

- Talvez assim eu pudesse ter mais fé. Ele disse que para conquistar a paz interior é preciso ter fé.

- A fé para agir, para nos dar forças, precisa ser verdadeira. A dúvida nos enfraquece. Não me refiro ao fanatismo, que sempre prejudica, mas à certeza de como as coisas são. Há muita diferença entre uma coisa e outra. O fanatismo vem da superstição, da ilusão, do orgulho; a fé vem da constatação da verdade. Aparece quando olhamos as bênçãos que a vida nos traz todos os dias.

Não sabia que você conhecia tanto a respeito.

- Tenho freqüentado as palestras de Osvaldo no sítio. Elas têm me esclarecido muito. Ele nos ensina a observar, a pensar, a compreender. Agora que perdeu o medo, não quer ir comigo no próximo domingo?

Clara estremeceu.

- Não. Conversamos como pessoas civilizadas, mas ele deixou claro que só vai se aproximar de mim quando a situação exigir por causa dos meninos. Em nenhum momento falou em manter uma amizade. Eu entendo isso. Acho melhor assim. Não pretendo me aproximar dele.

Rita olhou-a nos olhos, como querendo penetrar seus pensamentos íntimos, e tornou:

- Osvaldo está mais bonito agora do que sempre foi. Esse encontro não a fez sentir saudade do passado?

Clara corou levemente.

-Saudade do passado eu sempre tive, porque foi uma época em que fomos felizes. Mas isso acabou.

- E se ele quisesse voltar, você aceitaria?

Clara levantou-se indignada.

- Nem fale uma coisa dessas! Nunca passou pela minha cabeça essa possibilidade. Acho que você andou conversando demais com os meninos. Eles é que de vez em quando atiram suas indiretas.

-Fale a verdade, Clara. Você vive sozinha. Por que nunca mais se apaixonou?

- Porque sofri o bastante. E você, por que nunca se casou?

- Porque não encontrei o homem dos meus sonhos. Se encontrasse, não perderia a oportunidade.

- Você agora virou casamenteira? Pois para mim chega. Nunca mais quero amar ninguém. Tenho meus dois amores, tenho você, muitos amigos. Não preciso de nada.

Rita sorriu maliciosa, mas não respondeu. Era cedo ainda para falar sobre o assunto.

Sabia que Osvaldo amava Clara como no primeiro dia. Era preciso dar tempo ao tempo.

Nos dias que se seguiram, Rita notou que Clara estava mais quieta do que o habitual. Várias vezes surpreendera-a pensativa. Quando perguntava o que estava acontecendo, ela desconversava.

Já não brigava com os rapazes quando os via arrumar a bagagem nos fins de semana para ir ao sítio com Osvaldo. Ficava em volta deles, prestando atenção às suas conversas, fingindo que estava arrumando alguma coisa.

Uma noite em que estava lendo na sala, os rapazes se aproximaram e sentaram-se. Clara fechou o livro, dizendo:

- Os dois aqui a esta hora? Acho que querem alguma coisa. O que é?

- Temos de conversar - disse Marcos. - Faltam três dias para o Natal, e como vai ser este ano?

- Como sempre foi. Teremos nossa ceia à meia-noite. Já sei, querem sair depois para ver as garotas.

Marcos hesitou e Carlinhos tomou a dianteira:

- Não. É que vai haver uma festa no sítio de papai amanhã. Queremos participar.Carlinhos vai tocar. As pessoas esperam, programaram.

Clara olhava-os franzindo o cenho. Eles estavam dizendo que passariam o Natal fora de casa, longe dela?

- Mas estaremos de volta na véspera de Natal, antes da meia- noite, para a ceia - apressou-se a esclarecer Carlinhos.

- Só não vamos poder ajudar a arrumar os enfeites, a árvore, como sempre. Rita e Diva disseram que farão nossa parte.

Clara suspirou, sem saber o que responder. Era evidente que eles preferiam ir ao sítio a ficar em casa com ela. Não respondeu logo. Eles sempre se entusiasmaram com os preparativos para a ceia. Escolhiam os enfeites, montavam o cardápio, compravam ornamentos novos.

Carlinhos aproximou-se, sentou-se a seu lado no sofá e passou o braço sobre seus ombros.

- Mãe, não queremos que fique triste. Você é a pessoa a quem mais amamos no mundo.

Marcos também a abraçou.

- Se você ficar triste, nós não iremos.

Clara não encontrou resposta logo. Tinha a sensação de que os filhos a estavam abandonando, preferindo o pai, que durante tantos anos esteve ausente. Não achava justo.

- Será uma festa muito bonita. Gostaríamos muito que você fosse. Assim ficaríamos todos juntos, sem termos de dividir nosso carinho - disse Carlos.

-Vocês sabem que isso é impossível.

- Por quê? - perguntou Carlos. - Lá é um lugar mágico, que torna as pessoas felizes. Você se lembra de como eram a vovó Neusa e o tio Antônio? Duas pessoas desagradáveis, das quais ninguém gostava.Agora...

Marcos interveio:

- Estão tão diferentes que você não os reconheceria mais.

Clara sacudiu a cabeça negativamente:

- Vocês estão me dizendo que eles mudaram? Não posso acreditar. Convivi alguns anos com eles e sei que são intratáveis. Vocês se lembram de que, depois que seu pai foi embora, ela ia à escola perturbar.

- Sei disso, mas vovó parece outra pessoa. Está mais alegre, arruma-se melhor, tem muitas amigas, troca receitas com elas e a cada semana leva um prato diferente para o lanche - contou Marcos.

- Quando fazemos música, as pessoas sentam-se em volta e cantam. Você sabia que vovó tem uma bela voz?

Clara não se conteve:

- Dona Neusa canta? Vocês estão enganados. Ela nem sorri. Acho que se trata de outra pessoa.

- Nada disso. É a vovó mesmo. Sabe, mãe, nós estávamos enganados a respeito dela - disse Marcos.

- Não posso crer. Vão contar essa história para outra pessoa.

- Papai explicou tudo - esclareceu Carlinhos. - Vovó ficou viúva muito cedo e teve medo de não poder sustentar os filhos. Quando deu o papai para tia Ester criar, ela sofreu e tornou-se infeliz.

- Ele disse que o medo pode tornar a pessoa agressiva. É uma reação de quem não acredita na própria capacidade. Ela é uma mulher forte, mas não tinha consciência disso. Tornou-se amarga. Mas agora ela sabe que é corajosa e com Deus pode enfrentar qualquer coisa- completou Marcos.

- No começo não me aproximei muito dela. Tive receio de que falasse mal dos outros, como antigamente. Mas ela nunca mais falou nada. Elogia as músicas, me abraça. Agora até gosto quando ela chega.

- Não sabia que estavam convivendo com eles. Seu pai nunca foi muito ligado à família.

- Ele também sofreu muito quando se separou de vovó. Tinha só cinco anos. Pensou que ela não gostasse dele. Agora ele sabe que ela também sofreu, que se sacrificou para que ele tivesse conforto e não passasse necessidade - disse Marcos.

- Quer dizer que seu pai se aproximou da família...

- Sim. Ele costuma dizer que todas as pessoas têm Deus dentro de si. Algumas não têm consciência disso e o buscam fora, nas coisas do mundo. Mas isso é uma ilusão perigosa. Nunca dá certo. Bom mesmo é sentir o bem que cada um guarda dentro de si. Aí não tem erro.

Clara fitou-os admirada. Era difícil crer no que eles diziam. Dona Neusa era uma mulher mesquinha, ruim, sempre vigiando para criticar.

- Tudo que vocês estão dizendo é muito bonito, mas não acredito que sua avó seja como dizem. Vocês estão sendo ingênuos. Ela pode muito bem estar fingindo. É interesseira e mesquinha. Faz qualquer coisa por dinheiro. Ela quer agradar a seu pai agora que está bem de vida.

Marcos baixou a cabeça, mas Carlinhos disse com tristeza:

- Mãe, falando assim você me parece mais maldosa do que ela. Temos nos encontrado várias vezes, e ela nunca falou mal de você.

Clara remexeu-se no sofá inquieta, notando que ele estava certo.

- Desculpe, meu filho. Não quis ser maldosa mas essa é a lembrança que guardo dela. Tenho consciência de que nos anos que estive casada procurei inúmeras vezes me aproximar dela, manter um relacionamento afetivo, respeitoso. Mas não consegui. Agora você diz que ela mudou... É difícil acreditar.

- Mas é verdade - garantiu Marcos. - Ninguém pode fingir daquele jeito. Os olhos dela brilham de alegria, ela demonstra boa vontade, não se queixa de nada.

- Você precisa ir lá e ver - disse Carlinhos. - Quando há boa vontade, alegria, as pessoas ficam bem, não sentem vontade de criticar nem de criar problemas.

- Do jeito que dizem, esse sítio é a oitava maravilha do mundo- tornou Clara sorrindo, tentando desfazer a impressão de intolerante que estava transmitindo.

- Você bem que poderia ir conosco. Tenho certeza de que seria muito bem recebida por todos - acrescentou Carlinhos.

- Ela não quer encontrar papai - disse Marcos ao irmão.

Clara interveio:

- Não irei com vocês. Podem ir, mas voltem para a ceia. Nós arrumaremos tudo.

Depois que eles deixaram a sala, Rita aproximou-se:

- O cerco está apertando - disse sorrindo.

- Você estava aí? Ouviu tudo?

- Sim.

- Eles estão me abandonando, passando para o lado do pai. Também, com tanta festa e movimento, é mais interessante mesmo do que ficar aqui ao nosso lado. Imagine você: quiseram convencer-me que Dona Neusa agora é uma pessoa boa, alegre. Acha possível?

- Por incrível que pareça, ela mudou muito mesmo.

- Você acha que está sendo sincera?

- Bem, isso não sei. Os dois mudaram muito. Tanto ela quanto Antônio parecem outras pessoas. Com ele tenho conversado mais. Já com ela, apesar de me cumprimentar sorrindo, tenho evitado conversa, porque, se ela me perguntar alguma coisa de você, como fazia antigamente, ou fizer uma provocação, não terei paciência de tolerar. Não gostaria de ter uma discussão em um lugar em que as pessoas vão para se sentir melhor.

- Você também não acredita que ela tenha mudado.

- É que nós a conhecemos de outros tempos. Mas lá as pessoas a estimam, ela tem muitos amigos. Que eu saiba, ela tem se comportado muito bem.

- Vai ver que tem medo de perder a ajuda de Osvaldo.

- Acho que não. Ele nunca lhe pediu que freqüentasse o sítio. Pelo que sei, muito antes de Dona Neusa aparecer por lá, ele já lhe dava mesada.

- Os meninos não gostaram quando eu disse o que pensava dela. Chamaram-me de maldosa. Agora ela passa por boa. Eu é que fiquei sendo a ruim.

- Também não é para tanto. Deixe de ser ciumenta. Afinal, acabar com as mágoas do passado, relacionar-se melhor com a família sempre é um bem.

- Seja como for, não gostaria de me reencontrar com ela.

- Isso demonstra que você ainda guarda mágoa. Temos aprendido com os espíritos que para sermos felizes é preciso limpar nosso coração de todos os ressentimentos.

- É fácil dizer mas difícil de fazer.

- Não quando encontramos a verdade dos fatos. Eles acabam demonstrando que nosso juízo foi errado.

- Não com Dona Neusa. Ela sempre foi terrível. Está certo que eu errei, mas ela nunca tentou compreender e ajudar.

- Você nunca poderia esperar isso dela. Dona Neusa estava sofrendo com seus próprios problemas emocionais. Não tinha alcance nem condições de olhar com equilíbrio os desacertos de sua relação com Osvaldo.

Depois, se sua incapacidade de trabalhar a dor tornou- a agressiva e crítica com as pessoas, seu sofrimento com os problemas do filho fizeram-na ver em você a causa do que estava sofrendo.

- Não sei se é verdade esta história de que a dor provoca agressividade.

- Pode não ser para você ou para mim, mas pode ser para alguém que veja na agressividade uma forma de prevenir o mal, de se defender, de bater antes que os outros batam.

- Pode ser que ela tenha pensado assim.

- Nós julgamos os outros pelo nosso modo de ver as coisas. Isso nunca dá certo, uma vez que cada um pensa de um jeito.

- Amanhã eles irão para o sítio e nós ficaremos sozinhas.

- É bom nos acostumarmos. Eles são adultos. Hoje irão com o pai, amanhã vai aparecer uma moça, e aí se irão de vez. É a vida. Temos de nos desapegar deles.

- Sei disso. Mas não é fácil. Eles são tudo que me resta no mundo Durante estes anos, habituei-me a fazer tudo para eles.

- Não diga isso. A vida faz tudo certo. Quando eles se forem, outros interesses aparecerão em nossas vidas, O importante é aceitar as mudanças que a vida traz e seguir adiante, com otimismo e alegria.

- Não sei onde você aprendeu a ser tão positiva. Gostaria de ter a sua coragem.

- É melhor ir pela inteligência do que pela dor. Quando a gente não quer andar, a vida empurra.

Clara riu e abraçou a amiga, dizendo:

- Enquanto você estiver comigo, tudo vai sair bem.

No dia seguinte pela manhã, Carlinhos foi procurar o pai.

- Falamos com mamãe e ela concordou. Nós vamos para o sítio hoje com você e voltaremos para a ceia na véspera de Natal.

- Estou contente, mas ela concordou mesmo?

- Bom, a princípio ficou triste, mas por fim entendeu. Ela sabe que nós a amamos muito. Vim para combinar a hora e ver o que precisamos levar.

- Iremos no fim da tarde. Depois das cinco. Tenho algumas coisas para fazer na cidade.

- Marta disse que ia levar tudo hoje. Ela vai conosco?

- Não. Um dos motoristas foi com ela fazer tudo. José devem estar a caminho do sítio. Vão adiantar os preparativos.

Carlinhos ficou parado alguns momentos de cabeça baixa.

- Você parece triste, O que foi? Prefere ficar com sua mãe?

- Não é isso. E que eu gostaria que ela também fosse. Tenho certeza de que lhe faria bem. Não gosto de vê-la sempre sozinha com Rita, trabalhando, lendo, sem se divertir.

- Por que não a convida para ir?

- Eu convidei, mas ela não quis. Acho que tem receio de encontrar você.

- Bobagem. Nós nos encontramos outro dia na cidade e conversamos, O motivo deve ser outro. Vai ver que tem outro compromisso.

- Que nada. Antigamente ela ainda saía com alguns amigos, mas ultimamente recusa os passeios. Está sempre em casa. Só sai para ir ao centro de Dona Lídia e para trabalhar. Se ela fosse junto, seria maravilhoso. Tenho certeza de que Rita ficaria feliz. Ela me disse que gostaria de estar lá.

Ficou calado por alguns instantes, hesitou e depois disse:

- Posso lhe perguntar uma coisa? Pode.

-Vocês conversaram numa boa?

- Sim. Está tudo bem.

-Nesse caso, por que não liga e convida-a para ir conosco? Notei que ela até gostaria de ir, mas está acanhada. Se você convidasse...

-Não creio que ela aceite. Vamos deixar isso. Não gosto de pressionar. Se um dia ela for, será bem recebida. Mas não vou pedir-lhe isso.

Carlinhos não respondeu. O fato de seus pais já terem se falado havia sido bom. Não queria insistir.

Depois que ele saiu, Osvaldo sentiu vontade de ligar. Mas conteve-se. Não queria que Clara pensasse que ele estava forçando a situação.

Apanhou a lista do que faltava para comprar e saiu.

Osvaldo terminou as compras antes do meio-dia e foi para casa almoçar. Pretendia descansar um pouco antes de viajar para o sítio.

Enquanto comia, José aproximou-se:

- O motorista foi com Dona Marta mas esqueceu-se de entregar as cestas para Dona Lídia. Ficaram na despensa.

- Comprei tudo antes, para evitar as correrias de última hora.

- Telefonei para Dona Lídia, mas ela não tem ninguém para mandar buscar. Se quiser, eu posso ir.

- Não. Você ainda tem muitas coisas para fazer. Não quero atrasar a viagem. Pode deixar, eu mesmo levo. Assim aproveito para abraçar Dona Lídia.

Quando terminou de almoçar, José há havia colocado tudo no carro e Osvaldo apressou-se. Além do dinheiro que mandava mensalmente para a assistência social do centro, levara também alimentos para as famílias que ela atendia por ocasião do Natal.

Encontrou Lídia no salão acompanhada de seus voluntários preparando os sacos de alimentos para distribuição, como fazia todos os anos.

Ela não achava justo ter mesa farta nessa data enquanto outras pessoas não tinham nem o necessário para comer.

É preciso dizer que ela cadastrava essas famílias e as atendia durante o ano inteiro com tudo que podia, mas nas festas do Natal, com a ajuda das pessoas, preparava uma sacola especial. Era com alegria que trabalhava nessa tarefa, cuidando dos brinquedos e dos alimentos a serem distribuídos para mais de trezentas famílias.

Vendo Osvaldo descarregar o carro auxiliado por alguns voluntários, aproximou-se sorrindo:

- Seja bem-vindo.

 

Trocaram um abraço amigo, e, depois de agradecer o donativo, ela convidou:

- Vamos até minha sala tomar um refresco. Está muito calor. Ele a acompanhou satisfeito. Admirava o trabalho daquela mulher simples e bondosa. Conversaram durante quinze minutos. Depois Osvaldo se despediu:

- Não vou tomar mais seu tempo.

- Fique mais um pouco. É um prazer falar com você.

- Obrigado, mas tenho de viajar logo mais. Não quero pegar estrada à noite.

Ele saiu e encontrou um conhecido, que o abraçou. Quando se voltou, Clara, segurando alguns pacotes coloridos, estava na sua frente. Ficaram olhando-se por alguns segundos. Depois ele estendeu a mão e disse:

- Como vai, Clara?

Ela apertou a mão que ele lhe estendia.

- Bem. E você?

- Vim cumprimentar Dona Lídia. Acho que você teve a mesma idéia.

É. Trouxe alguns brinquedos para a distribuição.

- É bom saber que você também se interessa em ajudar. Dona Lídia faz um trabalho maravilhoso.

- É verdade. Os meninos já foram para sua casa. Não pensei encontrá-lo aqui.

- Combinamos de sair às cinco. Tenho muito tempo. Você está corada, o sol está quente, vamos tomar um refresco na lanchonete da esquina?

Ela hesitou um pouco, depois decidiu:

- Aceito. Antes vou entregar os brinquedos.

Ele ficou esperando, o coração batendo forte. Clara voltou logo e foram caminhando até a lanchonete.

- Você mora aqui perto. Rita me disse que sua loja tem bom movimento.

- Dá para viver. Ela é quem cuida. Eu trabalho em um ateliê. É um bom emprego. Gosto do que faço.

Eles entraram na lanchonete e sentaram-se em um canto. Osvaldo pediu refrigerantes.

- Quer comer alguma coisa?

- Não, acabei de almoçar. Estamos com muito serviço no ateliê. Tenho de voltar para trabalhar. Nem poderia ter saído.

- Foi bom tê-la encontrado. Os meninos gostam muito de ir ao sítio nos fins de semana. Prepararam-se para a festa de amanhã. Disseram que você concordou de boa vontade que eles fossem comigo. Não fica aborrecida por eles a deixarem sozinha?

- Sinto falta deles. Mas preciso me acostumar. Não são mais crianças. Um dia, cada um tomará seu rumo e terei de aceitar. É a vida.

- Por que não se junta a nós?

Clara estremeceu. Baixou a cabeça pensativa. Ele continuou:

- Somos pessoas civilizadas querendo nos espiritualizar. Por que não podemos conviver amigavelmente? Nossos filhos ficariam felizes.

Eles se ressentem da nossa falta de diálogo.

- Falando assim parece fácil. Mas fico constrangida. Sua família freqüenta lá. Não gostaria de encontrá-los.

-Clara, precisamos deixar ir o passado. Todos sofremos, mudamos, aprendemos muitas coisas, mas a vida continua. Conservar mágoas, desentendimentos no coração impede-nos de encontrar a felicidade. Sei que guarda uma lembrança desagradável de minha família. Mas eles também mudaram. Entenderam que cuidar da própria felicidade é mais importante do que se meter na vida dos outros. Se você fosse ao sítio com nossos filhos, seria muito bem recebida. Ninguém se atreveria a mencionar o passado. Isso eu garanto.

- Pode ser. Mas sou eu que não estou preparada. Vê-los significa lembrar da minha culpa.

Osvaldo pegou a mão dela com carinho e respondeu:

- Não se machuque mais do que já fez. Esqueça o passado. Não é bom conservar ressentimentos. Atrai forças negativas. Não dá para voltar atrás, mas podemos ser amigos.

Estavam tão entretidos que não notaram alguém parado atrás da coluna da lanchonete observando-os com raiva. Era Válter.

Havia seguido Clara esperando oportunidade para lhe falar. Vendo-a sair do centro com Osvaldo, escondeu-se e seguiu-os.

De onde estava não podia ouvir o que diziam mas, vendo-o segurar a mão dela olhando-a com carinho, ficou furioso.

Então era verdade. O que ele temia estava acontecendo. Por certo estavam combinando os detalhes para reatar o casamento. Isso ele não iria admitir. Eles ficariam juntos e seriam felizes, enquanto ele estaria sofrendo, só, desprezado.

Trincou os dentes com raiva. Osvaldo não perdia por esperar.

Não iria ficar com Clara. Ela lhe pertencia por direito. Por ela havia suportado o desprezo dos amigos, tornara-se incapaz de amar outra mulher.

Nunca se casara. Por causa do seu desprezo, enterrara-se na bebida, perdera o emprego. Vivia de expedientes.

Osvaldo tomara-se rico. Andava elegante, carro bonito... Claro que ela o havia preferido.

Quando os dois se levantaram, ele se escondeu. Despediram-se.

Osvaldo voltou para o carro enquanto ela se dirigia para sua casa.

Válter entrou na lanchonete e pediu uma bebida. Precisava pensar, encontrar um jeito de tirar seu rival do caminho.

Clara chegou em casa pensativa. Rita notou:

- Aconteceu alguma coisa?

-Encontrei Osvaldo no centro. Conversamos sobre Marcos e Carlinhos.

- Isso a deixou triste?

- Não. É que ele me convidou para ir com eles ao sítio. Ás vezes me pergunto se ele está bem da cabeça.

- Por quê?

- Porque as pessoas da família dele são as últimas que eu gostaria de ver. Ele disse que é preciso esquecer o passado. Do jeito que fala, parece até que já esqueceu. Eu não sei até que ponto diz a verdade. Quando nos separamos, ele largou tudo, sumiu, jogou-se do trem, e agora fala no assunto como se nada tivesse acontecido.

- Osvaldo compreendeu que não adianta lembrar o que já foi. O passado não volta mais. Depois, não há como modificá-lo. Por isso o melhor é mesmo esquecer.

- Talvez tenha razão. Por que não consigo tirar essa mágoa do coração? Depois que Osvaldo voltou, ela ficou mais viva.

Rita abraçou-a com carinho.

- Talvez você ainda goste dele. Você nunca amou Válter nem outro qualquer.

- Não é nada disso. O problema é que vocês o elogiam tanto, exaltam suas qualidades, que eu me sinto ainda mais culpada. Ele é bom, nobre, maravilhoso, enquanto eu sou a esposa adúltera que se deixou iludir por um Don Juan barato. É isso que me entristece.

- Em nenhum momento nós criticamos você. Todos a consideramos muito. Você tem nosso respeito, nossa amizade. Seus filhos a amam e admiram. Não se deixe envolver por esses pensamentos deprimentes. Isso não é verdade.

Clara sacudiu a cabeça negativamente, como querendo jogar fora aqueles pensamentos.

- Tem razão. Nem sei por que estou dizendo isso. É que a presença de Osvaldo mexe comigo.

- Se eu fosse você, pensaria melhor no que ele disse. Se você pudesse conviver, manter um relacionamento cordial, mesmo que convencional, com Osvaldo e sua família, acabaria por enxergar as coisas de outra forma. Iria se livrar da sensação de culpa que tanto a tem atormentado. Teria mais paz, seus filhos viveriam em um ambiente mais harmonioso.

- Você realmente acredita nisso? Quando me separei de Osvaldo, a única coisa boa que me aconteceu foi livrar-me de Dona Neusa e de Antônio. Não consigo nem imaginar ter essa mulher de novo por perto, ainda que seja socialmente.

- Sabe, Clara, quando pedimos ajuda espiritual, saúde, paz, harmonia em nossas vidas, esperamos ser atendidos. Rezamos, mas nos esquecemos de que para obter tudo isso há determinadas condições sem as quais nunca alcançaremos o que pedimos. A conquista da felicidade é o resultado das nossas atitudes. Lembre-se disso.

- Você está cada vez mais insistente. Acha que todos têm de pensar como você.

- Se é assim que pensa, mudemos de assunto. Você é livre como sempre foi para escolher seu caminho. E melhor tratarmos da lista de compras para a ceia. Já escolheu o cardápio?

- Deixemos isso para quando eu chegar à noite. Preciso ir ao ateliê. Domênico já deve estar reclamando minha ausência.

Depois que ela saiu, Rita ficou pensando naquela conversa. Sentia que Osvaldo estava sendo sincero. Embora ele nunca lhe houvesse dito nada, sabia que continuava amando Clara. Por outro lado, embora Clara não quisesse admitir, suspeitava que ela ainda conservava o amor do marido no coração.

Admitir isso seria tornar ainda mais grave a culpa que carregava. Imaginando que havia deixado de amá-lo, ela não tinha de enfrentar a dor da perda desse amor.

Era uma pena que ela estivesse jogando fora a oportunidade de refazer a vida e ser feliz.

- Um dia ela vai perceber, tenho certeza. Só que aí poderá ser tarde demais.

Ela murmurou essa frase pensando em Marta. Ela era bonita, inteligente, amorosa, tinha todas as qualidades, além de gostar das atividades de Osvaldo. Estava certa de que Marta estava interessada nele.

Osvaldo não nutria nenhuma esperança de reconquistar o amor de Clara.

Tinha certeza de que ela não o amava. Um dia ele poderia se sentir sozinho, desejar companhia. Marta estaria por perto, atenta, amorosa. Seria natural que se unissem definitivamente.

Para Osvaldo não seria ruim. Marta era uma moça boa, dedicada, e com certeza o faria muito feliz.

Mas e Clara, como reagiria? Talvez descobrisse que nunca havia deixado de amar o marido, mas, sabendo que ele estava com outra, nunca teria coragem de confessar. Arrastaria pelo resto da vida a frustração e mais culpa por ter deixado passar a oportunidade.

Notou que, quanto mais demonstravam entusiasmo com o trabalho no sítio, elogiavam Osvaldo, mais Clara resistia. Decidiu não tocar mais naquele assunto.

Várias vezes tentara aproximá-los, sem sucesso. Suas tentativas provocavam efeito contrário: estavam atrapalhando ao invés de ajudar. Não iria tentar mais nada. O futuro estava nas mãos de Deus.

A vida promovera o encontro deles por duas vezes. Se tivessem de ficar juntos, ela teria meios de dar um empurrãozinho.

Na véspera do Natal, Clara trabalhou até a metade do dia. Quando chegou em casa, Rita já havia providenciado quase tudo. A árvore montada na sala de estar estava brilhando, os presentes já haviam sido colocados à sua volta.

Clara não estava com vontade de comemorar o Natal. Sentia-se cansada, deprimida. Suspirou resignada. Preferia que aquela data já tivesse passado. Desejava ficar quieta no seu canto, mas não podia por causa dos filhos.

Depois, Rita e Diva haviam feito tudo para alegrá-la. Não desejava desgostá-las.

-Você tem trabalhado demais nestes últimos dias - considerou Rita. Está abatida. Vá descansar, nós faremos tudo.

Clara sorriu.

- Não mesmo. Este ano não pude ajudar em nada. Vou trocar de roupa e já volto. Vamos deixar tudo ainda mais bonito.

Quando ela desceu novamente, seu rosto estava mais animado. Entregaram-se às arrumações. Tudo pronto, elas foram se preparar. Clara havia comprado um vestido longo verde-escuro de seda pura que Gino havia confeccionado para uma cliente que nesse meio tempo ficou grávida e decidiu suspender a encomenda.

Clara encantou-se com o vestido e comprou-o a preço de custo.

Apesar de não ir a festas, aproveitou a oportunidade.

- Se eu não o usar, acabo vendendo - disse na ocasião. Porém naquela noite queria reagir, jogar fora a depressão. Os filhos mereciam que ela se arrumasse, ficasse bonita. Eles gostavam de vê-la elegante e bem vestida.

Quando ela desceu, Rita já estava pronta na sala. Vendo-a, não conteve uma exclamação:

- Nossa, como você está linda!

Os olhos de Clara brilharam alegres. O verde do vestido realçava o tom de sua pele contrastando com o castanho-dourado dos cabelos.

- Decidi jogar fora a tristeza. De agora em diante vou mudar, você vai ver.

- Estava na hora!

Clara olhou para o relógio.

- Os meninos já deveriam ter chegado. São nove horas.

- Logo estarão aqui.

Tudo pronto, as duas serviram-se de vinho branco e sentaram- se para esperar. À medida que o tempo passava, Clara ia ficando mais inquieta.

- Será que aconteceu alguma coisa?

- Não. Devem estar chegando.

Passava das dez quando Marcos entrou. Carlinhos vinha logo atrás. Clara foi ao encontro deles no hall, dizendo:

- Finalmente chegaram! Estava preocupada. Vocês não têm consideração..

Então ela viu que Osvaldo entrara atrás deles. Calou-se surpreendida. Ele se aproximou:

- Não brigue com eles. Não tiveram culpa. Entrei para pedir-lhe desculpas. Houve um pequeno problema com o carro. Saímos de lá cedo, mas só conseguimos chegar agora. Nem fomos para minha casa, viemos direto para cá.

- Eu disse que ela ia achar ruim - tomou Carlinhos para Marcos. Depois continuou: - Nossa, como a árvore está linda! Vocês fizeram tudo melhor do que nós.

Rita aproximou-se, estendendo a mão para Osvaldo.

- Que bom vê-lo! Feliz Natal!

- Obrigado, feliz Natal para vocês também.

Clara refez-se da surpresa.

- Obrigada. Eu estava mesmo zangada. Estamos esperando faz tempo.

- Bem, agora que já está explicado, vou embora.

- É cedo, pai. Por que não fica aqui um pouco mais? - disse Carlinhos.

-Obrigado, meu filho, mas preciso ir.

- Pelo menos aceite um copo de vinho - disse Rita estendendo o copo para ele. Vamos brindar juntos.

Ele segurou o copo, o coração aos pulos. Não conseguia desviar os olhos de Clara. Ela estava mais linda do que quando a conhecera.

Mais requintada, mais fina.

-A felicidade de todos nós - disse Rita.

Eles repetiram em coro, tocando os copos levemente.

- Como foi a festa? - indagou Clara, tentando controlar o nervosismo.

- Foi maravilhosa! - disse Marcos.

- Claro. Em tão boa companhia! - comentou Carlinhos sorrindo.

Rita apanhou um prato com salgadinhos e ofereceu-o a Osvaldo:

-Experimente um desses. Devem estar com fome.

Osvaldo apanhou um e respondeu:

- De fato, os meninos estão com fome mesmo. Por isso já vou indo. Não quero atrasar ainda mais a ceia de vocês.

- Por que não fica para cear conosco? - indagou Carlinhos.

- Obrigado, meu filho, mas as pessoas lá em casa estão me esperando.

Osvaldo colocou o copo sobre a mesinha e despediu-se. Depois que ele saiu, Carlinhos tornou:

- Mãe, por que você não pediu a ele para ficar?

- É mesmo - interveio Marcos. - Se você tivesse convidado, ele teria ficado.

-Ele disse claramente que não podia. Há pessoas esperando em sua casa - respondeu Clara.

- Rosa e José! Papai vai passar a véspera de Natal sozinho com os empregados - comentou Carlinhos.

- Ele tem família. Certamente ficarão juntos.

- Vovó e tio Antônio estiveram no sítio. Estavam cansados e disseram que iam dormir cedo - retrucou Marcos.

- Chega de conversa. Vão tomar um banho rápido para espantar o cansaço - pediu Clara.

Os dois subiram e Clara os acompanhou. Ela havia comprado roupas novas para aquela noite e queria que eles as vestissem.

Os dois entraram no banheiro e Clara ficou colocando sobre a cama as roupas que iriam vestir. Ouviu perfeitamente quando Marcos comentou:

- Acho que papai não vai ficar só com os empregados.

- Por que diz isso?

- Ouvi Marta combinando com Rosa de fazer uma surpresa para ele.

- Ela vai aparecer na casa dele hoje?

- Vai. Disse que comprou um presente maravilhoso. Comentou que não ia permitir que papai ficasse sozinho.

- Eu disse que ela está caidinha por ele. Qualquer um pode notar isso. Será que ele sabia?

- Claro que não. Ela queria fazer surpresa, mas ele vai gostar. Também, uma surpresa dessas!

- Rosa pode ter contado a ele. Vai ver que foi por isso que não aceitou nosso convite.

Clara desistiu da arrumação e desceu. De repente seu entusiasmo desapareceu, a depressão voltou. Não tinha por que se importar com Osvaldo. Era natural que ele encontrasse outra mulher e fosse feliz.

Mas a sensação desagradável não passava. Pegou outro copo de vinho e sentou-se pensativa.

Rita aproximou-se:

- Por essa você não esperava.

- Não mesmo.

- Por isso está com essa cara? -

- Que cara? Eu estou muito bem. É que os meninos me deixam nervosa com a demora. Estou com fome.

-Sei. Você gostaria que Osvaldo tivesse aceitado o convite?

- Isso não tem cabimento. Tiraria nossa privacidade. Ainda bem que ele teve o bom senso de recusar. Carlinhos continua inconveniente.

- Pois eu gostaria que ele ficasse. Afinal, Natal é festa de família. Os meninos ficariam contentes.

- Eles já ficaram tempo demais com ele. Agora é minha vez.

Rita sorriu. Os dois desceram e Carlinhos comentou:

- Nós saímos cedo do sítio porque papai queria que passássemos na casa dele para poder nos dar nossos presentes. Ainda nem os abrimos. Estou morrendo de curiosidade.

Clara impacientou-se:

- Vamos servir a ceia. Já é quase meia-noite.

Osvaldo deixou a casa dos filhos emocionado. Clara sempre fora bonita. Todavia os anos a haviam transformado em uma mulher de classe, muito atraente.

Daria tudo para ter ficado lá, mas de que adiantaria? Serviria apenas para aumentar seu sofrimento. Vê-la perto sem poder tocá-la, sentir seu perfume, sem poder beijá-la, seria um tormento constante.

Perdido em seus pensamentos, não viu que Válter estava do outro lado da rua, acompanhando-o com os olhos.

Era fora de dúvida que Osvaldo estava reatando com a família. Trouxera os filhos, entrara na casa. Talvez até estivessem planejando a vida juntos. Precisava fazer alguma coisa. Não podia mais esperar.

Depois que Osvaldo entrou no carro e se foi, Válter decidiu procurar dois conhecidos na periferia. Bertão, ex-policial, era seu companheiro de bar. Várias vezes abrira-se com ele contando os próprios problemas.

Quando Bertão foi mandado embora da polícia por tráfico de drogas, Válter depôs a seu favor, dizendo que aquela droga era para consumo de ambos.

Bertão foi exonerado, mas livrou-se da prisão. Depois disso, passou a prestar pequenos serviços a quem pagasse. Encontrou-o no bar de sempre, bebendo. Abraçaram-se, reclamaram da vida, da solidão, da falta de dinheiro.

-Neco não apareceu por aqui hoje? - indagou Válter.

- Não. Ele não está abandonado como nós. Arrumou uma viúva que o convidou para ceia. Vai passar a noite lá.

- Sabe, Bertão, estou resolvido a dar um jeito na minha vida. Chega de ficar em segundo plano. Preciso que vocês dois me façam um serviço.

- Eu topo. Estou precisando de dinheiro. Meu aluguel está vencido. Se não pagar logo, serei despejado.

- Verei o que posso arrumar. Você sabe que atualmente estou sem dinheiro.

- Você é meu amigo. Se eu não estivesse nesta situação, nem falaria em dinheiro. Mas, nas atuais circunstâncias, só posso aceitar se me pagar.

- Mas você vai ser recompensado.

- Nesse caso, pode me contar tudo.

- Você sabe dos meus problemas. A mulher que eu amo, pela qual sacrifiquei tudo nesta vida, não quer nada comigo. O ex-marido reapareceu rico e anda no pedaço, e ela prefere voltar a viver com ele.

- Que ingratidão! Depois de tudo que você fez por ela...

- Para você ver. Mas, se ele desaparecer, ela acabará voltando para mim. Clara me amava. Traiu o marido por minha causa.

- Você quer dar um susto nele?

- Susto? Eu quero que vocês apaguem esse cara. Deve desaparecer para sempre.

- Isso é perigoso. Não estou disposto a correr riscos.

- Vocês sabem como fazer isso. Olhe, o sujeito é muito rico. Só o carro de luxo dele vale um dinheirão. Vocês podem ficar com todo o lucro. Eu não quero absolutamente nada, só que ele saia do meu caminho de uma vez.

Bertão tomou alguns goles, tirou umas baforadas do cigarro jogando a fumaça para o ar, depois respondeu:

- Falarei com Neco. Vamos estudar esse caso.

- Garanto que não vão se arrepender. Podem entrar na casa e levar muita coisa. Ele vive em uma mansão, sozinho com alguns criados. Forneço os dados, depois nos reunimos para programar a ação.

- Eu ainda não disse que vamos aceitar.

- Estou certo de que, depois de estudar, vocês não vão recusar.Vai ser sopa.

Os sinos da igreja badalaram a meia-noite comemorando o Natal, mas os dois, imersos em energias escuras e viciadas, nem sequer perceberam. Continuaram bebendo e tecendo seus nefandos planos para o futuro.

Nos dias que se seguiram, Osvaldo não conseguia esquecer o rosto de Clara. Ela povoava seus pensamentos, e ele recorreu à oração, suplicando aos amigos espirituais que o ajudassem a controlar aquele amor que depois do reencontro se acendera mais do que nos tempos de juventude.

Marta, vendo-o calado e pensativo, fazia tudo para alegrá-lo.Apesar de continuar amável, trabalhando como sempre, ela notava que havia um brilho triste em seus olhos.

Tinha conversado com Rosa tentando descobrir o que estava acontecendo.

- A senhora sabe o que está havendo com Osvaldo? Ele anda quieto, diferente. Nosso projeto está melhor a cada dia. Ele deveria estar satisfeito.

Rosa olhou séria para Marta e respondeu:

- Não aconteceu nada. Ele é assim mesmo.

- Não creio. Antes ele era mais alegre, entusiasmado. Agora há momentos em que me parece distante, sem vontade de conversar. Alguma coisa está acontecendo com ele.

- Talvez ele não tenha boas recordações. Ele sofreu uma desilusão amorosa no passado. Mas agora está tudo bem.

Marta ficou pensativa por alguns instantes, depois considerou:

- Não pode ser só o passado. Sinto que ele está sofrendo, e é coisa de agora. Ele mesmo diz que é preciso soltar o passado e viver no presente.

Rosa, apesar de haver notado, não quis comentar. Respondeu:

- Esqueça isso. Não está acontecendo nada.

Ela sabia que Osvaldo havia se encontrado com Clara. Comentara com o marido que ele ficara mais introvertido depois disso.

Na véspera do Natal, ele lhe contou que fora falar com Clara sobre o atraso dos filhos. Rosa notou que os olhos de Osvaldo brilhavam emocionados ao mencionar isso. Logo depois chegaram Marta e alguns amigos para cumprimentá-lo, conforme haviam planejado.

Rosa observou que foi difícil para Osvaldo manter a atenção na conversa dos amigos. Quando se despediram, uma hora depois, ficou aliviado.

Conversou com o marido:

- Acho que Osvaldo ainda gosta de Clara. Você notou como chegou aqui hoje?

- Muito inquieto, distraído.

- Isso mesmo. Ele entrou na casa dela e conversaram. Justino não disse nada?

- Não. Ele é um motorista muito discreto. Depois, não sabe nada sobre o passado.

Marta veio perguntar se eu sabia o que estava acontecendo. Ela também notou.

- Vocês estão sempre vendo coisas. Há dias que as pessoas gostam de estar sozinhas, descansar. Osvaldo está cansado. A festa no sítio deu muito trabalho. Ele atendeu a muita gente.

- Pois eu acho que aí tem coisa. O futuro dirá.

Osvaldo havia programado férias para os trabalhos do sítio. Voltariam no mês de fevereiro. Só o laboratório estava funcionando. Ele queria dedicar mais tempo às pesquisas que estavam realizando sob a orientação dos espíritos.

Haviam montado um aparelho que registrava os tipos de energias das plantas, e a cada dia que passava eles estavam mais entusiasma dos com as descobertas.

Nos dias que se seguiram,Osvaldo entregou-se ao trabalho, tentando não pensar em Clara. Mas estava difícil. Percebendo que era inútil, decidiu não lutar mais contra seus sentimentos. Amava Clara. Não adiantava fugir. Aceitou essa verdade resignado e assim conseguiu acalmar um pouco sua ansiedade.

Sentia que seria assim pelo resto de sua vida. Não havia nada que pudesse fazer para apagar esse sentimento do coração.

 

Clara olhou para o calendário pensativa, O ateliê ficaria fechado quinze dias. Gostaria de viajar com os meninos para descansar, aproveitando as férias escolares.

Desde o encerramento das aulas, no final de novembro, eles pouco ficavam em casa, passando a maior parte do tempo com o pai e os fins de semana no sítio.

Não era justo. Queixava-se com Rita:

- Eles estão me deixando de lado. Moram mais com o pai do que aqui.

- Não é nada disso. Eles gostam das atividades de Osvaldo. Há um grupo de jovens com os quais fizeram amizade. Sentem-se bem com eles.

- Eu também gosto do trabalho espiritual. Tenho me sentido muito bem freqüentando o centro de Dona Lídia. Quando posso, colaboro com o trabalho assistencial. Mas não estou lá todos os dias.

Rita sorriu e respondeu:

- Não dá para imaginar como é no sítio. Se você fosse ver, tenho certeza de que entenderia. Marcos gosta de uma garota, estão sempre juntos. Penso que já estão namorando.

- Não gosto de ver meu filho namorando tão novo, ainda mais com uma moça que não conheço.

-Eu conheço. É muito bonita e educada, de boa família. Não tem com que se preocupar. E Carlinhos lá é como um rei. Vive paparicado por todos.

- Não sei se isso é bom para ele.

- É que ele leva alegria, música, aonde vai. Todos gostam dele As garotas ficam em volta, as mães levam coisas gostosas para o lanche porque Carlinhos gosta. Você precisa ver.

- Estive olhando os prospectos de viagem. Hoje quando eles vierem vamos programar tudo.

- Você está precisando mesmo sair um pouco.

Depois do jantar, os dois rapazes foram para o quarto e Clara ainda ficou mais um pouco conversando com Rita. Quando ela subiu, ou viu que os dois se entretinham com o violão cantarolando e conversando. Entrou:

- É bom vê-los tão alegres.

- Carlinhos está compondo uma melodia e me pediu para fazer a letra. Eu fiz, mas não é fácil rimar e fazer dar certo nos compassos da melodia.

- Não sabia que tinha dois filhos compositores.

- Estamos tentando - explicou Carlinhos. - Marcos quer a música pronta para o próximo fim de semana.

- Você disse que podia fazer isso.

- Por que tanta urgência? - indagou Clara.

Carlinhos fez um gesto largo e disse com voz teatral:

- Porque temos de criar um momento romântico.

Marcos interveio:

- Não exagere. Você quer ou não fazer essa música?

- Quero.

- Subi para conversar - disse Clara sentando-se na cama. - Estamos de férias. Tenho quinze dias. Pensei em aproveitarmos e irmos para um lugar bem bonito, um hotel cinco estrelas, tudo.

Os dois a olharam surpreendidos, entreolharam-se e não responderam logo.

- O que foi, não gostaram? -

- Não é isso, mãe - começou Marcos. - É que não sabíamos e fizemos outros projetos. Combinamos com alguns amigos...

- É... - reforçou Carlinhos. - Eu me comprometi a tocar, e as pessoas contam com isso. Elas se programaram.

Clara levantou-se irritada.

-Naturalmente é nesse bendito sítio aonde vão todos os fins de semana.

- Por que implica tanto com o sítio? Pois você está enganada. Não há nada lá. As atividades estão suspensas até fevereiro.

- Então não entendo.

Marcos levantou-se e abraçou-a tentando contornar.

- Você não nos disse nada, nós não sabíamos. Mas, se faz tanta questão, veremos o que será possível fazer.

- Pois eu prefiro ficar e fazer o que prometi. Combinamos com vários amigos o que faríamos nessas férias. Vamos nos reunir cada fim de semana na casa de um. Eu levo a música e as outras pessoas colaboram com a comida e a bebida. Se eu não for, eles vão suspender tudo.

- Estou vendo que vocês preferem ficar com os amigos a viajar com a mãe. Nesse caso, desisto.

Clara deixou o quarto, e Marcos considerou:

-Talvez possamos fazer o que ela pede. Viajar com ela pelo menos uma semana.

- Mamãe precisa entender que temos nossos compromissos. Não é ela quem vive falando que é preciso cumprir o que prometemos?

- Estou notando que você está muito interessado nesses encontros. Não seria por causa daquela lourinha que nos dois últimos fins de semana ficou grudada em você o tempo todo? Como é mesmo o nome dela?

- Liliana.

- Você capricha mais quando ela está perto.

- O que há de errado? Pensa que é só você que pode ter uma garota?

Marcos sorriu satisfeito.

- Ela fica perto porque gosta de música. Não se anime muito. Você é que pensa. Ela está mesmo me dando bola.

- E você está gostando.

- Estou. Ela não vai viajar nestas férias. Eu quero ficar com ela. Mamãe poderia viajar com Rita. Elas se divertiriam mais. Gostam das mesmas coisas.

- Para ir de má vontade é melhor não ir. Vou conversar com mamãe. Ela vai entender.

- Não vá jogar a culpa toda sobre mim. Você também quer ficar com Eunice. Quer dedicar essa música a ela.

Marcos encontrou a mãe na sala lendo. Sentou-se a seu lado.

- Mãe, ficou aborrecida conosco?

Clara colocou o marcador e fechou o livro:

- Estou decepcionada. Pensei em dar-lhes uma grande alegria com essa viagem, mas enganei-me.

- Gostaria que entendesse que nós crescemos. Gostamos de estar com você, mas é muito bom fazer amigos, namorar, viver a nos juventude. Você mesma sempre diz que é o melhor tempo da vida. Preferindo estar com os amigos, não estamos nos afastando de você.Seu lugar ninguém tira.

Clara olhou nos olhos de Marcos e notou sua sinceridade. Sorriu e respondeu:

- Eu entendo, meu filho. Não se preocupe. Vocês têm razão. Eu havia me esquecido como é na juventude. Vocês podem fazer o que quiserem.

- Por que você não viaja com Rita? Seria uma boa companhia.

- Há a loja. Mas vou pensar.

Quando ele voltou para o quarto, Clara sentiu voltar a sensação de vazio no peito. Por quê? Sabia que um dia seus filhos iriam embora, cuidar da própria vida.

Eles haviam crescido muito depressa. Clara não queria se transformar em uma mãe queixosa como tantas que conhecia, cobrando dos filhos o retorno do amor e da dedicação que lhes dera.

Mas teria forças para desapegar-se deles? Estava sendo difícil aceitar o amor deles pelo pai. Como seria no dia em que resolvessem casar, assumir o amor por outra mulher?

Rita aproximou-se com uma xícara de chá.

- Tome, Clara, é daquele que você gosta.

Ela apanhou a xícara.

- Obrigada.

- Você estava tão entusiasmada com a viagem. O que aconteceu, por que está com essa cara?

- Hoje descobri que meus filhos cresceram. Programei a viagem com eles sem os consultar e não deu certo.

- Eles tinham outro programa.

- É. O que me deixou chocada foi que eles se esforçaram para me agradar, mas odiaram a idéia.

- Não se aborreça. A reação deles é natural. Estão descobrindo a vida, o sexo oposto, as amizades.

- Eu sei. Reconheço isso. Mas confesso que não esperava. Qual quer dias destes vão querer casar, assumir a própria vida, e eu terei de aceitar.

- É a vida, Clara. Mas você deve viajar assim mesmo. Faça uma excursão. Sempre terá companhia. Eu tomarei conta de tudo.

- Não. Não seria a mesma coisa. Vou descansar em casa mesmo. Abriu novamente o livro e reiniciou a leitura.

Osvaldo chegou em casa na sexta-feira à tarde. Durante as férias das atividades no sítio, ele ia para lá nas segundas-feiras e trabalhava no laboratório até sábado cedo, quando voltava à cidade.

Estava satisfeito com as pesquisas, que a cada dia se tornavam mais específicas e os resultados, melhores.

Os produtos devidamente licenciados que lançara no mercado estavam tendo boa aceitação e começavam a render um lucro razoável, que Osvaldo investia na empresa, principalmente na área das pesquisas.

Claro que seus produtos não eram como os existentes no mercado. Iam acompanhados de um folheto com orientação metafísica para determinados tipos de sintomas, deixando claro que a ajuda energética que eles continham precisava ser acrescida de um ambiente especial que os pensamentos do paciente teriam de criar para que o efeito fosse completo.

Devido à grande procura de pessoas interessadas em aprender mais, Osvaldo estava treinando um grupo de terapeutas sensíveis à mediunidade para dar atendimento.

Orientados pelos espíritos, que consideravam a necessidade de a pessoa valorizar a ajuda recebida, cobravam preços módicos pelo atendimento.

Estava com saudade e telefonou para os filhos. Rita atendeu e chamou Carlinhos. Depois de saber como estavam, Osvaldo convidou-os para jantar.

- Sabe o que é, pai? Hoje vamos nos reunir na casa de Flávio. Combinamos tocar.

- A que horas vocês vão?

- Lá pelas duas.

- Nesse caso, venham almoçar comigo e depois eu os levo de carro até lá.

Eles chegaram com a alegria de sempre. O almoço decorreu descontraído. Quando faltavam quinze para as duas, saíram.

Osvaldo tinha dado folga ao motorista e foi pessoalmente leva-los. Saíram conversando animados e não notaram um carro estacionado em frente à casa.

Dentro dele estavam Válter e seus dois amigos.

- Veja, é ele com os filhos. Vamos segui-los.

- Não, agora não - disse Bertão. - Vou fazer as coisas do meu jeito. Concordei em fazer o que me pediu, mas não vou correr riscos desnecessários.

- Tudo bem. Faça como quiser, mas acabe com ele.

- A casa é muito grande - disse o outro.

- É, Neco. Mas entrar lá pode ser mais arriscado.

- O lucro será maior. Depois, tenho observado. Os criados dormem em um apartamento fora da casa. São velhos e não há vigia. Sei a disposição de todos os cômodos da casa.

- Em dez dias conseguiu ver tudo isso, Neco?

- Eu vesti aquele velho uniforme da companhia de gás e entrei na casa para fazer uma vistoria a pretexto de uma reclamação de vazamento.

- O quê? Você não podia ser visto por Osvaldo - disse Válter assustado.

- Ele estava viajando. Ficou fora a semana inteira.

- Ele vive no sítio. Seria bom pegá-lo na estrada. É deserta.

- A idéia é boa. Mas nesse caso não entraríamos na casa - considerou Neco, que não tirava os olhos dela.

- Vamos esperar um pouco mais antes de decidir. Nada pode dar errado - tornou Bertão.

- Temos de resolver logo. Estou cansado de esperar - reclamou Válter.

- Vamos estudar isso - concluiu Bertão.

Osvaldo parou o carro e os rapazes desceram.

- Quando quiserem ir para casa, liguem. O carro virá buscá-los. Não precisa. Não temos hora para terminar - apressou-se a dizer Marcos.

Ele queria sair com Eunice. Carlinhos lançou-lhe um olhar malicioso e tornou:

-Pode deixar. Se ficar muito tarde, Flávio nos leva de carro.

Osvaldo chegou em casa pensando em descansar um pouco. Recostou-se no sofá, deu uma cochilada e acordou assustado, sentindo um aperto no peito.

Levantou-se de um salto e foi à copa tomar um copo de água.

- É energia pesada - pensou, sentindo arrepios pelo corpo e certo mal-estar.

Foi para o quarto, sentou-se na cama e concentrou-se, procurando ajuda espiritual. Sentiu que estava difícil. Esforçou-se para mentalizar luz, chamando pelos espíritos amigos.

Notava à sua volta nuvens de energias escuras. Tentou descobrir de onde vinham, mas sua cabeça estava atordoada e seu rosto coberto de suor.

- É energia de encarnado - pensou, por fim. - Mas de quem? Na mesma hora, a imagem de Válter apareceu em sua frente.

Osvaldo percebeu que as energias escuras vinham dele. Sentiu que ele estava com muita raiva.

Era melhor enfrentar. Por isso olhou-o nos olhos, dizendo com voz firme:

- Não aceito suas energias. Neste momento, o que lhe pertence vai voltar para você e eu fico com o que é meu. Não quero nada de você. Não cobro nada. Eu sou eu e você é você. Estou me desligando de você. Você vai seguir seu caminho e eu, o meu. Não temos nada a ver um com o outro. Deus é testemunha disso.

Repetiu essas palavras com tal convicção e firmeza que de repente a visão desapareceu e o mal-estar também. Respirou fundo pensando como as pessoas podem se agredir a distância.

Aliviado, fez uma oração agradecendo a ajuda espiritual.

Na tarde de domingo, Carlinhos ligou para o pai dizendo que gostaria de ir com ele passar a semana no sítio. Liliana dissera-lhe que sua mãe havia combinado com Marta de ir trabalhar lá como voluntária na semana seguinte. Ela iria junto e queria saber se Carlinhos estaria lá.

É claro que ele disse sim e combinou com o pai, que esclareceu:

- Amanhã vou sair muito cedo. É melhor vir dormir aqui esta noite. Fale com sua mãe. Vou mandar o carro buscá-lo.

Clara concordou. Estava decidida a deixar os filhos escolherem como queriam passar as férias. Ele arrumou a mala, pegou o violão e foi para a casa do pai.

Eles se recolheram cedo. Osvaldo pretendia sair às quatro da manhã. Por isso, às duas da madrugada a casa estava às escuras. Todos dormiam.

Um carro de faróis apagados parou no portão dos fundos e dois homens encapuzados portando armas desceram enquanto outro ficou esperando no carro.

Eles haviam calculado tudo e decidido não esperar mais. Válter havia convencido Neco a não levar nada da casa.

- Vamos pedir um bom resgate. Esse dinheiro será para vocês. Eu só quero tirar esse cara do caminho. Ficarei satisfeito com isso.

- Quer dizer que, mesmo se pagarem, ele não vai voltar para casa - disse Bertão rindo.

- Claro que não - confirmou Válter. - Mas o dinheiro será de vocês.

- Vamos logo - impacientou-se Neco.

Eles pularam o muro e foram à porta dos fundos. Neco começou a trabalhar na fechadura e logo a porta se abriu.

Os dois entraram. Sabiam qual era o quarto de Osvaldo. Durante a vigia, Neco havia observado tudo. Podia entrar na casa mesmo no escuro.

Em poucos minutos estavam no quarto de Osvaldo, que dormia. Aproximaram-se da cama, e Bertão colocou o revólver na cabeça dele, dizendo:

- Acorde. Isto é um assalto!

Osvaldo abriu os olhos ainda sonolentos mas logo viu o brilho da arma e o vulto ao lado da cama.

- Levante-se em silêncio. Você vai comigo.

Osvaldo obedeceu.

- O que querem? - indagou.

- Você. Vista-se rápido e vamos embora.

Osvaldo procurou ganhar tempo.

- Está muito escuro aqui. Vou acender o abajur para poder me vestir.

- Não vai acender nada - disse Neco.

- Não estou vendo nada. A luz do abajur é fraca. Não haverá perigo.

- Acenda e vista-se rápido, então. Temos pressa.

Osvaldo acendeu e procurou vestir-se devagar, mas eles o ameaçaram insistindo:

- Depressa, depressa, vamos! Pegue a chave e os documentos do seu carro. Vamos descer. Se fizer o menor barulho, eu atiro - garantiu Bertão.

Osvaldo obedeceu. Desceram e foram à garagem.

- Entre no carro, vamos - disse Neco.

Nesse momento, Carlinhos apareceu na porta chamando:

- Pai, você já vai? Por que não me chamou?

- Volte para o quarto, meu filho. Não vou para o sítio agora.

Carlinhos entrou na garagem:

- O que está acontecendo? Pai...

Os dois pegaram Carlinhos, e Neco empurrou-o para dentro do carro. -

- É um assalto. Entre no carro e não faça barulho se não quiser levar um tiro.

Trêmulo, Carlinhos encolheu-se no banco enquanto forçavam Osvaldo a entrar no carro.

- Por favor - pediu ele -, deixem meu filho sair. Eu irei com vocês. Ele é só um menino.

- Não. Ele vai junto - disse Bertão.

- Eu farei o que quiserem, mas deixem-no ir - disse Osvaldo, nervoso.

- Para ele telefonar à polícia? Acha que somos bobos? Vamos embora.

Bertão sentou-se na frente ao lado de Osvaldo e mandou-o tirar o carro. Saíram. Depois de fechar a porta da garagem para não levantar suspeitas, Neco, de arma em punho, voltou ao carro e sentou- se ao lado de Carlinhos.

- Siga em frente - ordenou Bertão.

Depois de rodarem algum tempo sob orientação de Bertão, eles pararam em uma rua deserta e o carro de Válter, que os havia seguido, parou atrás.

-Fique de olho neles enquanto converso.

Bertão desceu e foi ter com Válter.

- O que aconteceu? Quem é a outra pessoa que vocês pegaram?

- É o filho dele. Apareceu de repente e não tivemos outro remédio senão colocá-lo no carro.

- Não é possível! Como puderam fazer isso? Vai atrapalhar tudo. Não vai atrapalhar nada. Teremos de dar cabo dos dois.

-Não posso fazer isso. Se Clara souber que matamos o filho dela, nunca vai me perdoar.

- Bobagem. Ela nunca vai saber. Podemos fazer o trabalho agora e depois jogar os corpos na represa.

- Não. Vamos esperar.

-É perigoso. Não foi isso que combinamos.

-Claro que foi, não se lembra?

Válter estava assustado e procurou ganhar tempo:

-Você pode não receber o dinheiro do resgate. Antes de pagar eles sempre exigem uma prova de que a pessoa está viva.

- Ih... Não foi isso que você disse.

-Mas estou dizendo agora. É melhor prender os dois em algum lugar e só fazer o serviço após receber o dinheiro. Não quero depois que você diga que não recebeu e fique me cobrando.

- Não estava em nossos planos. Aonde vamos levá-los?

- Você tem tantos esconderijos. Precisamos de um lugar de que ninguém desconfie.

Bertão pensou por alguns instantes, depois disse:

- Já sei. Tenho um na periferia onde guardo algumas muambas. Deve servir. Mas depois terei de encontrar outro lugar para colocar tudo. Não posso facilitar.

- Com o dinheiro que você vai ganhar, vai arranjar outro fácil e melhor. Vá, que eu vou atrás.

Bertão voltou para o carro. Fez Osvaldo e Carlinhos descerem do carro e obrigou-os a entrar no porta-malas.

Apertados, abafados e muito assustados, os dois sentiam o coração bater descompassado. Osvaldo esforçou-se por recuperar a calma e disse ao filho:

- Vamos rezar, meu filho. Deus vai nos ajudar.

Segurou a mão trêmula de Carlinhos e continuou:

-Nós vamos sair desta, filho. Somos pessoas de bem. Nada vai nos acontecer.

O carro começou a andar e eles rezavam baixinho na escuridão do porta-malas.

Depois de algum tempo o carro parou. Eles desceram e Osvaldo notou que havia mais alguém com eles. Susteve a respiração, esforçando-se para ouvir o que diziam:

-Abra a porta que eu quero ver o lugar.

Osvaldo estremeceu. Onde ouvira aquela voz? Pareceu-lhe familiar, mas não conseguiu descobrir. Ouviu passos, depois a mesma voz disse:

- Pode ser aí. Vou indo. Não quero me encontrar com eles.

- Pode deixar. Tomaremos conta de tudo.

- Amanhã combinamos o próximo passo.

- Não estou gostando dessa mudança. Eu queria terminar tudo hoje.

Osvaldo estremeceu. Eles estavam querendo matá-los?

- Tenha calma. Tudo vai dar certo.

Escutou o barulho de um carro. Depois o carro deles andou alguns metros e parou. Abriram o porta-malas e os obrigaram a sair. Carlinhos, que estava de pijamas, tremia de nervoso e de frio.

- Vamos andando - disse Neco, empurrando-os.

Estava escuro, e Osvaldo tentou olhar em volta para ver onde estavam, mas levou um safanão e Neco resmungou:

- O que está olhando? Vamos em frente, ande. Entre aí.

A porta estava aberta e eles obedeceram. A sala estava escura. Eles foram levados para outro aposento e a porta foi trancada por fora.

Osvaldo abraçou o filho, tentando confortá-lo.

- Você está tremendo de frio.

Tirou o paletó e fez Carlinhos vesti-lo. Depois olhou em volta.

O aposento era pequeno e sem janelas, cheirando a mofo.

- Pai, o que vai acontecer agora?

- Não sei, meu filho. Imagino que vão pedir dinheiro para nos soltar.

Tenho medo.

- Eu também tenho. Mas não podemos nos entregar ao pessimismo. É preciso ter fé. Deus pode tudo e vai nos ajudar. Você verá.

Apesar de tentar ser forte, Osvaldo estava muito assustado por causa de Carlinhos. Não conseguiam enxergar quase nada. Osvaldo puxou o filho e sentaram-se no chão abraçados.

- Vamos rezar. Estamos nas mãos de Deus.

Abraçados, eles oraram pedindo ajuda espiritual.

Bertão estendeu-se no velho sofá que havia na sala, dizendo:

- Vou dormir um pouco. Você fica vigiando. Não tire os olhos daquela porta.

- Também estou cansado.

- Acorde-me daqui a uma hora, e aí você dorme e eu vigio.

O despertador tocou e José levantou-se de um salto. Chamou Rosa e trataram de preparar-se para a viagem. Depois José foi chamar Osvaldo. A porta do quarto estava aberta. Ele entrou, procurou, mas não o encontrou.

Talvez estivesse no quarto de Carlinhos. A porta estava encostada. Bateu ligeiramente, mas ninguém respondeu. Entrou e viu a roupa do menino sobre a cadeira, e deles nem sinal.

Foi ter com Rosa.

- Não sei o que aconteceu, mas parece que já foram.

- Como já foram? Não pode ser. Osvaldo não iria partir sem nos esperar.

- Já procurei, mas os dois não estão. Vou ver se o carro está na garagem.

Voltou alguns segundos depois, dizendo:

- O carro também não está.

- Deve ter acontecido alguma coisa. Estou ficando com medo.

- Não. Vai ver que foram à padaria comprar alguma coisa.

- Duvido. As malas estão no quarto e a roupa de Carlinhos, na cadeira. Ele não sairia de pijama.

Desceram novamente à garagem.

- A porta está só encostada. Osvaldo nunca teria saído e deixa do a casa aberta.

Foram para o quintal nos fundos e José apontou o muro:

- Veja, Rosa, uma marca de tênis na parede. Alguém entrou aqui.

- Meu Deus! Deve ter sido um ladrão. Vamos chamar a polícia.

- Vamos ligar primeiro para o Dr. Felisberto.

O advogado assustou-se e aconselhou:

- Vou avisar a polícia. Não toquem em nada. Podem atrapalhar a perícia.

Rosa estava pálida e trêmula. José foi à copa e preparou água com açúcar para ambos.

- Beba, Rosa. Precisamos manter a calma.

Felisberto chegou com alguns policiais, que interrogaram os dois criados, mas eles não tinham visto nem ouvido nada. Percorreram to das as dependências da casa procurando encontrar vestígios.

Avisado por Felisberto, Durval chegou em seguida.

- Os ladrões eram dois e pularam o muro dos fundos. As marcas estão visíveis - disse um dos policiais.

Durval perguntou a José:

- Verificou se abriram o cofre? Deu por falta de alguma coisa?

- A primeira vista, não levaram nada. Vamos ver o cofre.

O advogado, Durval e o policial acompanharam José até o escritório. O cofre não havia sido violado.

- Pode ser que tenham obrigado o Sr. Osvaldo a abri-lo disse o policial.

- Pode. Mas não teriam o cuidado de fechá-lo novamente nem de colocar o quadro no lugar - disse Durval.

Eles levaram apenas os dois comentou Felisberto.

- Então não foi um assalto, mas um seqüestro. Vamos avisar o grupo anti-seqüestro e esperar que os bandidos se comuniquem pedindo o resgate - considerou o policial.

- Para mim trata-se de uma vingança - disse Durval. - Nesse caso, a vida deles corre perigo. Esperar pode ser fatal. Temos de agir depressa.

Baseado em que diz isso? - perguntou o delegado, que havia se aproximado.

- É uma longa história, doutor. Vou lhe contar.

Durval em poucas palavras contou o que sabia. O delegado ouviu com atenção.

- De fato, é uma hipótese. Vamos à delegacia tomar providências. Dois homens ficarão aqui para o caso de eles se comunicarem.

Felisberto e Durval acompanharam o trabalho policial. Para o sucesso das investigações, o delegado pediu sigilo.

- Precisamos falar com a mãe do menino - disse Felisberto, preocupado.

- É melhor esperar mais um pouco. Não vamos tomar nenhuma providência antes de falar com o chefe da divisão especial.

Durval deu o nome e endereço de Válter.

- Não vou prendê-lo agora. Vamos vigiá-lo. Se tiver alguma coisa a ver com o caso, nos dará a pista.

No estreito aposento em que estavam confinados, Osvaldo e Carlinhos continuavam sentados no chão, abraçados.

- Ainda está escuro tornou Carlinhos.

- O dia já amanheceu, mas daqui não podemos ver.

Já devem ter dado pela nossa falta. O que vai acontecer?

- Talvez avisem Durval ou o Dr. Felisberto. Eles saberão o que fazer.

- Pai, estou com medo.

- Vamos continuar rezando, meu filho. A força do mal é menor que a do bem. Nós estamos do lado mais forte.

- Espero que seja assim.

O tempo foi passando. Um dos seqüestradores abriu a porta, colocou um pacote no chão e uma garrafa de água. Fechou a porta de novo sem dizer nada.

Osvaldo apanhou o pacote. Continha um filão de pão.

-Você deve estar com fome.

- Não, pai. Meu estômago está embrulhado. Este cheiro é horrível. Essa privada ao lado cheira mal.

Osvaldo levantou-se tateando, tentando descobrir os objetos que havia lá. Lembrou-se de que tinha fósforos no bolso. Acendeu um e olhou em volta. Havia alguns caixotes velhos, uma mesa tosca a um canto e muita poeira.

Osvaldo pegou os caixotes e colocou-os em frente da privada, tentando isolá-la.

- Se ao menos tivéssemos uma vela - disse ele.

- Este lugar é horrível!

Osvaldo sentou-se novamente ao lado do filho. Dividiu o pão ao meio e deu-o a ele, dizendo:

- Vamos comer. Temos de conservar as forças. Nós vamos sair daqui, você vai ver.

Carlinhos pegou o pão sem vontade.

- Coma, Carlinhos. Não está ruim, é fresco.

Ele obedeceu. Depois de comer, diminuiu o enjôo.

- Vamos procurar descansar, poupar nossas forças.

Estenderam-se no chão. Osvaldo segurou a mão do filho para dar lhe coragem. Eles não podiam fazer nada senão esperar.

 

Clara chegou em casa no fim da tarde. Pouco depois recebeu a visita de Felisberto e Durval.

Surpreendida, mandou-os entrar. Uma vez na sala, Durval disse sério:

- Dona Clara, precisamos conversar.

- Aconteceu alguma coisa?

- Infelizmente aconteceu - tornou Felisberto.

Clara levantou-se nervosa:

- Meu filho viajou com Osvaldo. Aconteceu algum acidente?

- Não. Mas, a casa do Sr. Osvaldo foi assaltada e eles levaram os dois - respondeu o advogado.

- Meu Deus! Levaram como?

Rita apoiou Clara, que cambaleou.

- Calma, Clara. Vamos ouvir.

- Por favor, digam o que aconteceu.

Ele contaram tudo, e Clara deixou-se cair no sofá transtornada.

- Quero ir à polícia, falar com o delegado. Isso não pode ter acontecido com eles.

- O delegado vai mandar um investigador aqui para conversar com todos da casa. Eles querem guardar sigilo por enquanto para não prejudicar as investigações. Na delegacia há repórteres.

Rita suspeitou de Válter, más não quis dizer. Perguntou apenas:

- Os ladrões levaram muita coisa?

- Nada. Apenas os dois - esclareceu o detetive. - Suspeito que Válter esteja metido nisso.

Clara deu um salto.

- Não pode ser. Ele não faria isso! Se fosse só Osvaldo eu até poderia acreditar. Mas levar Carlinhos... isso não.

- Suspeitamos que eles o tenham levado por força das circunstâncias. O rapaz acordou, viu-os e ficaram com medo. Ao que tudo indica, ele nem teve tempo para se vestir. As roupas dele ficaram em cima da cadeira.

Clara, apavorada, olhou para Rita.

- O que vamos fazer? Meu Deus! Carlinhos e Osvaldo na mão de bandidos.

- Eles vão pedir dinheiro para soltá-los - disse Felisberto tentando acalmá-las. - Estamos atentos.

- Temos de estar preparados. Precisaremos arranjar o dinheiro- disse Clara aflita.

- Não se preocupe, Dona Clara. Tenho como fazer isso - esclareceu Felisberto.

- Meu Deus! O que faremos enquanto isso? Carlinhos pode estar com frio, passando fome, apavorado.

- Vamos rezar, Clara. E o que podemos fazer. Deus não vai nos desamparar.

- Um investigador vai ficar aqui e eu vou deixar um dos meus homens também - disse Durval. - Tenho algumas suspeitas. Vou investigar.

- Tome cuidado-aconselhou Felisberto. - A polícia não quer ninguém no caso.

- Tenho minhas suspeitas e não vou esperar. Sei fazer as coisas. Fique tranqüilo.

Durval saiu com Felisberto, que foi à casa de Osvaldo consolar Rosa e José e esperar alguma notícia.

Começou para eles o tempo terrível da espera. Rita tratou de ligar para Lídia pedindo ajuda espiritual. Clara andava de um lado para o outro inquieta. Marcos chegou na hora do almoço e juntou-se a elas nervoso.

As horas passavam, e nada. Nenhum telefonema. Antônio não foi ao sítio porque tinha serviço a fazer na cidade. No fim da tarde, ligou para o sítio. Precisava falar com Osvaldo.

Marta atendeu e informou que eles ainda não haviam chegado.

- Como não? Ele me disse que iria bem cedo.

- Mas não veio. Talvez tenha resolvido vir amanhã.

Antônio desligou o telefone preocupado. Ligou para casa de Osvaldo e José contou-lhe o que havia acontecido, pedindo-lhe segredo.

Antônio foi até lá e informou-se dos detalhes. Não se conformava. Ficou também à espera, mas nenhuma notícia chegava.

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

349

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

346

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.

Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele não iria conseguir pregar olho.

Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e Marcos deitou-se a seu lado.

- Mãe, o que será que está acontecendo com eles?

- Não sei. Isso está me matando.

Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela. Deve estar arrependido de ter ido.

- Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.

- Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.

Clara suspirou aflita.

- Meu Deus! Ninguém telefona.

- Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.

- Não sei o que dizer.

Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:

-Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.

Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.

-Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?

Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.

- Ele não seria capaz disso.

- Eu penso que seria. Ele odeia papai.

- Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.

- Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.

- Você acha mesmo?

- Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.

-Durval também acha.

- Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar alguma coisa contra Osvaldo.

Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso. Tentou disfarçar.

- São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar, entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.

- Deus queira, meu filho.

- Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.

Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.

Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura. Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:

- Não estou gostando nada da mudança de planos.

- Eu também não.

- Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. A mãe deles não precisa saber quem fez o serviço.

- Mas ele pode se vingar, nos denunciar.

- Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.

- Bom, isso é.

- Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia. É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.

Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou nada.

Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:

- Levante-se.

Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.

- Vamos dar um passeio - disse.

Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.

- Vamos andando - disse Neco conduzindo-os pelo braço.

Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.

Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.

Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu Válter e foi abrir.

- Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?

- Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.

- Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?

- Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?

- Tomando ar.

- Vamos entrar.

Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse baixinho:

- Por que eles não estão presos?

- Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não posso admitir.

Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:

- Vamos, entre ali.

- Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?

- Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e esfriar a cabeça.

Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:

- Se tentar alguma coisa, eu atiro.

Carlinhos interveio assustado:

- Pai, cuidado. Não faça nada!

Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:

- Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.

Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.

Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:

- Vamos para bem longe daqui.

- Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?- perguntou Carlinhos baixinho.

Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.

- Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.

Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que fossem amparados pelos amigos espirituais.

- Se ao menos eu pudesse soltar as mãos - disse Osvaldo.

Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:

- Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com os dentes.

Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.

- Agora vou soltar você.

Eles conseguiram e tiraram as vendas.

- Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas - disse Osvaldo. - Eu saio na frente.

- Tome cuidado, pai.

O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele e a arma caiu longe.

Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:

- O que foi?

Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento soco no rosto e ele caiu.

- Vá, Carlinhos, corra para o mato.

Bertão estava na sua frente com a arma apontada:

- Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.

Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.

- Vá, Carlinhos, corra.

O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.

Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:

- Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto. Precisava fugir.

Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.

Sentiu-se mal. Pensou:

"Eu vou desmaiar e eles vão me matar."

Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o barranco.

Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?

Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.

O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?

Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.

Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo. Sentiu que ele estava respirando.

- Ele está vivo!

O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.

Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.

Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.

- Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo amor de Deus!

O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.

- Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.

- Por favor, não nos abandone.

- Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.

De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.

Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.

Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:

- Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.

O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.

- Sim, ela está aqui. Fale com ela. - E, voltando-se para Clara:

-É seu filho.

Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:

- Filho. O que aconteceu?

- Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.

- Eu vou já. Diga o endereço.

Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone. Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.

- Vamos, vou levar vocês lá - disse o policial.

Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.

Filho, você está ferido!

- Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!

A enfermeira explicou:

- Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.

- Como ele está? - indagou Clara.

- Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.

- Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.

Clara abraçou Carlinhos.

-Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.

A enfermeira aproximou-se.

- A senhora é esposa do paciente?

Clara hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Precisa me acompanhar para preencher a ficha.

Clara estava atordoada.

- Tem de ser agora?

- É melhor.

Marcos interveio:

- Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.

Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.

Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:

- Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.

Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.

- Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes disse Durval.

- Como ele está? Soube de alguma coisa? - perguntou Carlinhos aflito.

-Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?

-Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles. A voz era conhecida. Papai comentou isso.

- Você acha que pode ser Válter?

- Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.

- Vamos investigar.

Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:

- Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam. Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.

- Vai agora?

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

- Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos de evitar isso.

O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.

- E então, doutor, como está meu pai? - indagou Carlinhos.

- Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue. Estamos fazendo uma transfusão.

- Por favor, doutor, salve meu pai! - implorou Carlinhos.

- Faça o que for preciso, mas salve-o - pediu Marcos com os olhos cheios de lágrimas.

Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:

- Ele vai se recuperar?

- É cedo para dizer. Por enquanto temos de esperar.

- Podemos vê-lo? - indagou Marcos.

- Ele está sob efeito de anestesia. Melhor deixá-lo descansar. O enfermeiro está cuidando dele.

- Mas eu quero vê-lo - insistiu Carlinhos. - Não agüento ficar aqui fora esperando.

- Ele está na UTI. O enfermeiro precisa estar atento. É melhor que fique só com o paciente. Por que não descansa um pouco? Você está precisando, depois do que passou.

- Enquanto ele não melhorar, não saio daqui. Vou ficar na porta da UTI até ele acordar.

Rita apareceu no corredor assustada. Abraçou Clara e perguntou:

- Como está ele?

- Ainda não sabemos. Foi operado, temos de esperar. Perdeu muito sangue e está fraco.

Felisberto conseguiu um quarto particular, com duas camas, e conduziu-os para lá.

- Carlinhos precisa descansar. O médico que o examinou receitou um calmante explicou ele discretamente a Clara.

A enfermeira entrou, mandou Carlinhos tomar um banho e vestir roupa limpa do hospital. Depois obrigou-o a deitar-se e deu-lhe um comprimido.

-Vou ficar lá fora. Tratem de descansar. Se houver novidade, eu avisarei.

Clara e Marcos estenderam-se na outra cama. Rita sentou-se ao lado da cama de Carlinhos e começou para eles a espera.

No momento em que Bertão e Neco o prenderam no pequeno quarto escuro, Válter arrependeu-se de ter entrado naquela aventura.

Tinha de impedir a todo custo que matassem Carlinhos. Tentou arrombar a porta, mas não conseguiu. Machucou a mão em uma farpa de madeira e praguejou nervoso.

Nunca deveria ter confiado em Bertão. Ele só fazia o que queria, não ouvia ninguém. E se eles não voltassem para libertá-lo, como sairia dali?

As horas passavam e eles não apareciam. Válter daria tudo para saber o que estava acontecendo.

Naquele momento, Bertão e Neco estavam bem longe, rumo ao sul. Tinham pegado o dinheiro que havia no bolso de Osvaldo.

- Tem certeza de que ele estava morto? - indagou Bertão.

- Tenho. Esse não incomoda mais ninguém.

-Não sei como é que você pode ser tão mole. Não amarrou a mão deles direito e depois ainda perdeu a arma.

- Eu não esperava aquele ataque. O cara tem parte com o diabo. Como é que se livrou daquelas cordas?

- Você que é frouxo.

Estou pensando no rapaz. Você não devia desistir de pegá-lo.

- Não gosto de correr riscos. Aquele carro passou bem na hora que jogamos o corpo no barranco.

- Eles não viram nada, tenho certeza. Quando passaram, já estávamos voltando.

- Por via das dúvidas, foi melhor vir embora. Temos de aproveitar enquanto eles não descobrem o corpo. Hoje mesmo chegaremos a Foz do Iguaçu. Atravessamos a ponte e pronto. Vendemos o carro no Paraguai. Ficamos por lá um tempo. Assunção é uma cidade ótima. Podemos arranjar muitos bicos interessantes. Tenho alguns amigos lá.

- Quanto acha que pegamos por este carro?

- É novo e de luxo. Claro que terá de ser menos do que vale. Mas isso é assim mesmo. Pelo menos estamos livres e com dinheiro.

- Válter deve estar furioso.

- Que nada. Fizemos o que ele queria, O caminho agora está livre para ele. É por isso que não gosto de me amarrar em mulher. O cara desgraçou a vida por causa dela.

- Pois eu gosto. Minha viúva vai achar falta de mim.

Os dois riram satisfeitos. Estavam acostumados a viver de expedientes. Para eles era uma aventura excitante.

Durval havia colocado um homem perto da casa de Válter à espera e depois foi à delegacia. O delegado era seu amigo e costumavam trocar idéias sobre os casos. Estavam conversando quando o telefone tocou e um investigador atendeu.

Imediatamente anotou e foi ter com o delegado.

- Alguém que não se identificou ligou para dizer que há um carro suspeito parado na periferia, aberto. Parece carro roubado. Deu o número da chapa.

Durval olhou e reconheceu:

- É o carro de Válter, o suspeito de que lhe falei. Vamos até lá.

A viatura saiu e Durval acompanhou-os. O carro estava com os vidros abertos, mal estacionados em frente ao muro de uma casa que parecia abandonada. Revistaram o carro e só encontraram alguns jornais.

Olharam em volta. Durval bateu no portão e ninguém atendeu.

Alguns curiosos apareceram.      

- Não adianta bater. Aí não mora ninguém. É um depósito não sei de quê. De vez em quando aparece um homem, mas não mora aí.

O portão estava preso só com o trinco. Um policial tirou a arma e entrou, enquanto o outro ficava do lado de fora. Durval entrou com ele.

A sala estava vazia, mas havia vestígios de comida. Alguém estivera lá recentemente. Havia outra porta fechada, com a chave do lado de fora. Abriram-na e encontraram Válter encolhido em um canto, tentando esconder-se.

- O que aconteceu com você? Por que o prenderam aí? - indagou o policial.

- Fui assaltado - mentiu ele. - Os ladrões levaram todo o meu dinheiro.

- O carro que está lá fora é seu?

- É.

- Você vai nos acompanhar até a delegacia.

- Mas eu não quero dar queixa. Tenho medo de represália.

Tendo reconhecido Durval, ele queria escapar.

- Você terá de ir conosco - tornou o policial.

Uma vez na delegacia, depois de revistado, foi levado a uma sala onde o próprio delegado o interrogou. Ele negou qualquer participação no seqüestro de Osvaldo.

Mas Durval, que assistiu calado ao interrogatório, a um sinal do delegado interveio:

- Não adianta negar, Válter. Temos seguido você todos estes dias e sabemos que os dois seqüestradores são seus amigos. Se não der o nome deles, você vai responder sozinho por esses crimes.

- Crimes? Não tenho nada a ver com a morte de Carlinhos nem de Osvaldo.

- Como sabe que os dois estavam juntos?

Válter engasgou e percebeu que não tinha como enganá-los. Assustado, começou a chorar, gritando:

- Eu não queria que eles matassem ninguém. Mas Carlinhos apareceu. Era só para dar um susto em Osvaldo. Não era para matá-lo. Eu disse para Bertão...

Depois da crise de choro e de desespero, Válter contou tudo.

Imediatamente a polícia levantou a ficha dos outros dois, que já tinham algumas passagens pela delegacia. Mandou a foto para todos os distritos para que se iniciasse a busca.

No hospital, Clara e os filhos continuavam esperando que Osvaldo melhorasse. O médico dissera que ele não estava reagindo e continuava inconsciente. O caso tanto poderia evoluir para cura como para o coma e a morte.

Clara, muito abalada, não continha as lágrimas. Rita fazia o possível para consolá-la e também aos dois rapazes. Depois do almoço, foi para casa buscar roupas para eles.

Clara, recostada na cama, esperava calada. Os dois rapazes foram andar um pouco pelo jardim do hospital. Alguém bateu levemente na porta e Clara mandou entrar.

Antônio apareceu na porta. Atrás dele vinha Neusa. Clara sentou-se na cama assustada. Não estava com disposição de ouvir desaforos.

- Desculpe, Clara, termos vindo incomodá-la, mas só agora ficamos sabendo o que aconteceu. Carlinhos está bem?

Neusa aproximou-se dela chorando.

- Clara, como foi acontecer uma coisa dessas com eles? Meu Deus! Estou agoniada. Logo agora que tudo estava indo tão bem...

Apesar da antipatia que sentia pela sogra, Clara ficou penalizada. Também era mãe e podia avaliar o que Neusa estava sentindo.

- Carlinhos está bem - respondeu. - Temos de rezar para Osvaldo melhorar.

Neusa fixou nela os olhos cheios de lágrimas.

- Disseram que ele está muito mal. Eu gostaria de rezar, mas veja... - Estendeu para ela as mãos trêmulas. - Estou tremendo. Sinto uma dor no peito. Nunca pensei que isso pudesse acontecer.

Clara segurou suas mãos e fê-la sentar-se a seu lado na cama.

- Vamos esperar pelo melhor. Ele vai reagir, ficar bom. Vamos conservar a fé.

Antônio, pálido, olhos vermelhos, olhava aflito.

- Sente-se, Antônio.

- Não consigo ficar parado.

- Os meninos também não. Foram andar no jardim.

- Vou falar com eles. Posso deixar minha mãe com você?

- Pode.

Clara colocou água com açúcar em um copo e deu-o a Neusa.

- Beba, Dona Neusa. A senhora está pálida. E melhor estender-se na cama.

Neusa olhou admirada para Clara. Parecia estar vendo a nora pela primeira vez. Sua cabeça estava atordoada e seu peito, oprimido. Estendeu-se na cama, suspirando:

- Como pôde acontecer uma coisa dessas?

- O que importa agora é que Osvaldo melhore.

De repente ela começou a soluçar e Clara, preocupada, sentou-se na beira da cama, dizendo:

- Sei que é difícil, mas o desespero só vai arruinar sua saúde. Procure se acalmar.

- Eu fui culpada de tudo. Eu permiti que aquele canalha freqüentasse minha casa e desgraçasse nossa família.

Clara estremeceu. Não queria falar no passado. Ela continuou:

- Nunca me senti bem ao lado dele. Eu sentia que não era boa coisa. Mas fui ambiciosa, interesseira. Não acreditava Antônio capaz de arranjar um bom emprego e nos sustentar. Válter arranjou emprego, protegeu Antônio, eu fechei os olhos. Mas eu sentia que ele não prestava. Não me enganei quanto a ele, mas quanto a Antônio eu estava enganada: ele é capaz, trabalhador, honesto. Não precisava da proteção daquele marginal. Eu infelicitei Osvaldo, dei-o para Ester criar, e ele ficou sentido. Mas eu não sabia o que sei agora. Juro que se fosse hoje eu nunca teria feito isso. Eu teria criado os dois filhos, porque meu amor me daria forças. Eu teria expulsado Válter de casa e ele nunca teria iludido você. Eu fui a única culpada, Clara. Agora estou sendo castigada. Deus me permitiu conhecer a verdade, mas está me punindo tirando meu filho.

Clara, emocionada, segurou a mão dela, dizendo:

- Isso não é verdade. Deus não pune ninguém. A senhora não tem culpa de nada. Eu é que me iludi, errei, estou pagando pelo meu erro. O peso da culpa é terrível. A senhora não pode carregar isso no coração.

- É só no que eu penso. Por isso tenho tanto medo. Deus vai me castigar.

- Não creio.

Alguém bateu levemente na porta, e Clara foi abrir. Lídia abraçou-a com carinho.

- Que bom que veio!

- Rita me contou. Como está ele?

- Por enquanto na mesma.

- Vamos confiar, minha filha.

- Entre, Dona Lídia. Venha conhecer a mãe de Osvaldo.

Neusa tentou conter o choro e limpou o rosto com a ponta do lençol.

- Dona Lídia é uma amiga muito querida. Veio nos ajudar. Lídia aproximou-se da cama e pegou a mão que Neusa lhe estendia, mantendo-a entre as suas.

Sempre desejei conhecê-la. Osvaldo me falou muito bem da senhora.

Obrigada. Desculpe, mas ainda estou muito chocada com o que aconteceu.

- Compreendo. Mas Deus está nos ajudando. Vamos confiar. Antônio e os rapazes entraram no quarto. Depois de cumprimentarem Lídia, Carlinhos pediu:

- Dona Lídia, a senhora, que é tão boa, peça a Deus para salvar meu pai. Vivemos tanto tempo separados. Não queremos perdê-lo de novo.

- Vamos orar juntos.

Ela pediu a todos que se dessem as mãos e proferiu comovida prece pedindo calma e ajuda para todos. Quando terminou, Clara respirou aliviada. Lídia olhou-os com ternura e disse:

- Osvaldo precisa da nossa ajuda. Vamos todos manter o otimismo. O medo, o desespero só atrapalham. Vamos envolver nosso doente com pensamentos de luz, recuperação. Agora é hora de confiar, de ter fé, de esperar o melhor.

- Dona Lídia tem razão - disse Marcos. - Papai sempre nos ensinou que o pensamento positivo com a fé fazem milagres.

Depois que Lídia se foi, Antônio tornou:

- Vamos para casa, mãe. A senhora precisa descansar. Eu voltarei e ficarei aqui.

- De jeito nenhum. Daqui não saio.

- Mas Clara e os rapazes precisam descansar. Vovó pode ficar - disse Carlinhos. - Eu e Marcos dormimos em qualquer lugar.

Neusa interveio:

- À noite vou para outro lugar. Mas quero ficar no hospital.

- A senhora fica aqui comigo - decidiu Clara com firmeza. - É hora de ficarmos todos juntos.

Os dois rapazes trocaram olhares admirados e Clara fingiu que não viu. Antônio sorriu levemente e respondeu:

- Eu também acho que temos de nos unir. Afinal nós somos uma família.

Quando anoiteceu, Antônio e os dois rapazes foram comer na lanchonete. Neusa não quis ir e Clara também não. Pediu que lhes trouxessem um lanche.

Quando eles saíram, Neusa, ainda estendida na cama, considerou:

- Você deve ter muita raiva de mim.

Apanhada de surpresa, Clara não respondeu logo, e ela continuou:

- Eu sei. Fui muito impertinente. Não que agora eu tenha me tornado uma santa. Às vezes sinto vontade de brigar, de me meter nas coisas dos outros, mas procuro me conter. Osvaldo me ensinou muito. Agora eu quero ser bondosa, porque descobri que fico muito alegre quando faço alguma coisa boa para alguém.

- De fato, a bondade traz alegria, felicidade.

- Sabe, Clara, eu fui muito implicante com você. Se fosse hoje, eu faria tudo diferente. Por isso, gostaria muito que você esquecesse as coisas que eu disse e fiz. Sei que agora é tarde, que você está separada de Osvaldo, mas continua sendo a mãe dos meus netos. Gostaria que não tivesse mais raiva de mim por causa do que passou.

Clara olhou admirada para ela. Nunca imaginou que Neusa pudesse lhe dizer aquilo.

- De fato, reconheço que nós não nos demos bem no passado. Mas parece-me que a senhora mudou. Eu também mudei. Meus filhos gostam da senhora. Seria muito bom que pudéssemos conviver em paz.

- Quer dizer que vai esquecer o que lhe fiz?

- Sim. O que a senhora fez não foi tão grave como o que eu fiz. Tenho consciência da minha culpa. Não vou pedir que me perdoe porque sei que é impossível. Mas aceito a paz que me oferece.

- Tenho pensado muito no passado. Cheguei à conclusão de que não tenho condições de julgar nem condenar ninguém. Eu gostaria muito se pudéssemos apagar o que aconteceu e voltar a sermos uma família. Você com Osvaldo e os rapazes.

Clara estremeceu.Ficou calada por alguns segundos, depois respondeu:

- Eu também gostaria. Se eu pudesse voltar atrás, nunca teria feito o que fiz. Mas agora é tarde. Osvaldo nunca me perdoará.

- Não tenha tanta certeza. Ele está muito mudado. Mas mesmo nos piores momentos nunca condenou você.

- Ele é muito generoso. Mas, mesmo que ele me perdoe, eu nunca me perdoarei.

Neusa olhou surpreendida para ela. Não imaginava que Clara estivesse tão arrependida.

- O arrependimento dói muito. Mas o passado não volta. Eu me arrependo de muitas coisas. Osvaldo me aconselhou a esquecer. Disse que o arrependimento serve para nos motivar a não repetir a mesma coisa.

- Ele está certo.

As duas continuaram conversando. Pela primeira vez desde que se conheceram, falavam com sinceridade sobre seus sentimentos. Assim acabaram descobrindo que, apesar dos antigos desentendimentos, tinham muitos pontos em comum.

 

Era madrugada. Clara deitara-se vestida e, vencida pelo cansaço, adormecera. Sonhou que estava sentada no jardim do hospital e viu Osvaldo aproximar-se.

Ele se sentou a seu lado. Estava muito abatido e havia tanta tristeza em seu rosto que Clara se assustou.

- Osvaldo! Você ainda não pode se levantar!

Ele não respondeu. Seus olhos estavam apáticos, imóveis. Clara continuou:

- Osvaldo, você tem de reagir. Não pode ficar desse jeito! Nossos filhos estão desesperados.

Ele estremeceu. Por seus olhos passou um lampejo de emoção.

-De que me vale viver sem você? De que me vale voltar para sufocar este amor que nunca me deixou? É melhor eu partir. Assim, você ficará livre.

Clara sentiu que as lágrimas molhavam suas faces.

- É possível que continue me amando depois de tudo?

- Esse tem sido meu segredo. Mas estou muito cansado. Estou sem coragem de retornar.

- Não diga isso. Você tem de viver!

Ele se levantou e foi se afastando. Clara chamou-o, mas ele se desfez como fumaça e ela acordou chorando, sentindo o peito oprimido, o coração descompassado.

Ela se levantou, tomou um pouco de água e respirou fundo.

- Foi apenas um sonho - murmurou.

Mas a imagem de Osvaldo, suas palavras não lhe saíam do pensamento. O médico dissera que ele não dava acordo de si. Tanto podia voltar como entrar em coma e morrer.

Ela estremeceu horrorizada. E se ele morresse?

Sentiu o peito apertado enquanto as lágrimas continuavam molhando seu rosto. Clara compreendeu:

"Eu ainda o amo! Se ele morrer, nunca mais serei feliz. Isso não pode acontecer."

Saiu do quarto e foi para a porta da UTI. Tentou entrar, mas a enfermeira não deixou.

- Por favor - pediu Clara. Preciso vê-lo. É muito importante!

- Sinto, Dona Clara, mas não posso permitir. A senhora está muito emocionada.

Disse isso e fechou a porta.

Clara sentou-se no banco em frente. O dia estava clareando quando o médico apareceu. Ela o abordou:

- Doutor, quero entrar para ver meu marido.

- Não convém. Ele precisa de repouso.

- Ele precisa de mim. Eu sinto. Por favor! Juro que não vou atrapalhar. Mas ele tem de saber que estou aqui.

- Se me prometer que vai se controlar, deixarei que o veja e fique por cinco minutos.

Clara vestiu o avental branco, colocou a máscara e com o coração aos saltos entrou. Osvaldo, pálido, respiração lenta, não parecia vivo.

Ela se sentou ao lado da cama e segurou sua mão gelada. Emocionada, fez uma prece pedindo a Deus que salvasse a vida dele.

Depois aproximou os lábios de seu ouvido e disse:

- Volte, Osvaldo. Eu preciso de você. Nunca deixei de amá-lo. Quero que viva para mim, para nossos filhos.

Ela repetiu essas palavras várias vezes.

- Não adianta dizer nada. Ele está inconsciente, não pode ouvir - disse o médico.

- Ele vai me ouvir, doutor. Tenho certeza. Seu corpo pode estar doente, mas seu espírito está vivo. Ele vai voltar para a família.

A enfermeira ia intervir, mas a um sinal do médico conteve-se.

- Você está me ouvindo, não é, Osvaldo?

Naquele instante Clara sentiu que a mão dele apertara a sua e exclamou contente:

- Ele está me ouvindo. Apertou minha mão.

- Agora chega. O paciente precisa descansar - disse o médico.

Clara não queria sair, mas ele insistiu e ela obedeceu.

- Tenho certeza de que ele me ouviu. Ele vai reagir e voltar. O senhor vai ver.

- É melhor não se entusiasmar.

Todos estamos torcendo para que ele reaja, mas é comum nesses estados o paciente ter um espasmo. Ele não apertou sua mão conscientemente. Ele teve um espasmo.

Clara não respondeu. Tinha certeza de que Osvaldo a ouvira. Entrou no quarto e encontrou Neusa de pé.

- Eu ia sair à sua procura. Acordei e não a vi. Fiquei assustada. Aconteceu alguma coisa?

- Sim. Consegui ver Osvaldo. Tenho esperança de que ele vai reagir.

- Graças a Deus! Estou rezando para isso. A enfermeira trouxe o café e Clara tomou:

- Vamos comer, Dona Neusa. Precisamos estar bem de saúde para cuidar de Osvaldo quando ele sair.

Enquanto tomavam o café com leite, Clara, olhando nos olhos da sogra, disse séria:

- Esta noite tive um sonho muito forte com Osvaldo.

- Será que ele vai morrer?

Em poucas palavras, Clara contou o sonho. Finalizou:

- Senti que, apesar de tudo, Osvaldo ainda me ama. Senti que nunca amei outro homem, O que a senhora acha disso?

- Sempre desconfiei que vocês ainda se gostavam. Você nunca teve outro, nem ele teve outra. Isso sempre me intrigou. Só pode ser amor mesmo. Eu gostaria muito que voltássemos a ser uma família de verdade. Agora estamos mais experientes, tenho certeza de que viveríamos muito bem.

Clara aproximou-se de Neusa e beijou-lhe delicadamente a face. Rita, que ia entrando, olhou-as admirada. A cena era difícil de crer.

- Chegou na hora, Rita. Quer um café? - disse Clara.

- Acabei de tomar em casa. Como está Osvaldo?

Antes que Clara respondesse, a porta se abriu e o médico entrou.As três olharam em sua direção, esperando suas palavras.

- Seu marido acordou. Chama pela senhora. É melhor ir.

Clara acompanhou-o, o coração aos pulos.

- Eu disse que ele estava me ouvindo, doutor.

O médico meneou a cabeça, dizendo:

- Existem reações inexplicáveis. Pode ser coincidência.

Clara sorriu e não respondeu. Vestiu o avental e a máscara e entrou. Sentou-se ao lado da cama e pegou a mão de Osvaldo, que gemeu levemente, abriu os olhos e disse baixinho:

- Estou sonhando ou é você mesma?

- Você não está sonhando. Sou eu.

- E Carlinhos?

- Está bem. Todos estamos aqui, rezando pela sua cura. Sua mãe, seu irmão, estamos todos juntos.

Ele sorriu levemente.

- Tenha paciência com eles, Clara.

- Não se preocupe. Estamos todos nos entendendo, nos conhecendo de verdade. Dona Neusa tem ficado comigo desde que você foi ferido.

- É bom demais para ser verdade.

Clara beliscou levemente seu braço.

- É para você sentir que está vivo e que estamos todos juntos. Agora é melhor descansar. Está tudo bem. Não há nada com que se preocupar.

Ele se remexeu inquieto.

-Quer alguma coisa?

Ele respirou fundo e tomou:

- Sei que você está aqui, que estão todos juntos, mas...

Ele hesitou. Clara esperou. Como ele ficou calado, ela disse:

-Continue, O que ia dizer?

-Estou atordoado. Misturando as coisas. Não sei se sonhei ou se você me disse algumas coisas..

- Eu disse que nunca deixei de amar você.

Ele fechou os olhos tentando esconder a emoção. Quando conseguiu falar, tornou:

- Você ficou com pena de mim. Pensou que eu fosse morrer.

- Não. Eu amo você. Nunca mais duvide disso. Se deixar, vou cuidar de você pelo resto da vida. Agora trate de descansar.

Ele apertou a mão que ela detinha entre as suas e não disse nada.

Sua voz estava embargada. Quando se acalmou, murmurou:

- Se este é um sonho, não quero acordar.

O médico chegou, examinou-o e a enfermeira aplicou-lhe uma injeção.

- Venha, Dona Clara. Seu marido agora vai dormir. Quanto mais ele descansar, mais rápido será o processo de cicatrização.

Ela obedeceu. Uma vez fora do quarto, perguntou:

- Ele está fora de perigo?

- Está melhor, mas ainda não posso afirmar isso. Vamos esperar até amanhã. Se a melhora se mantiver, ele irá para o quarto. Então poderei saber.

- A mãe dele e os filhos gostariam de vê-lo.

- Vou permitir a visita de um de cada vez, mas devem ficar em silêncio. Ele está sob efeito de calmante. Não devem acordá-lo.

Clara voltou ao quarto animada. Neusa esperava-a ansiosa.

- Ele acordou e está melhor - informou Clara. - Perguntou por todos.

- Ele vai sarar? - quis saber Marcos.

- Se a melhora se mantiver, amanhã ele deixará a UTI.

Neusa quis ir ver o filho, e Antônio acompanhou-a.

Rita sentou-se ao lado de Clara.

- Quando entrei, você estava beijando a face de Dona Neusa ou foi sonho?

- Eu vi que você ficou assustada.

- Cheguei a pensar que Osvaldo tivesse piorado.

- É que nós estivemos conversando. Dona Neusa mudou muito.

- Eu notei, mas não pensei que fosse tanto.

- Pois foi. Ela chegou a se declarar culpada até do que eu fiz.

-Não diga!

Os dois rapazes, que estavam cada um lendo uma revista esperando o momento de ir ver o pai, aproximaram-se interessados. Rita procurou ser discreta:

- Conversaremos depois.

- Não, Eles precisam saber o que está acontecendo. Chega de mal entendidos, de coisas mal explicadas. Vou contar.Eles a rodearam satisfeitos e ela relatou minuciosamente tudo.

Finalizou:

- Não sei o que vai acontecer daqui para frente. Mas, se Osvaldo me quiser, voltaremos a viver juntos.

Os dois rapazes abraçaram-na efusivamente, beijando-a com alegria.

- Claro que ele vai querer - disse Carlinhos. - Bem que eu notei como ele ficava quando falávamos de você.

- É uma notícia maravilhosa.

No fim da tarde, Durval apareceu.

- Trago boas notícias. Válter confessou tudo. Conseguimos prender os dois malandros no sul. Esta noite chegarão à delegacia.

- São pessoas conhecidas? - indagou Clara.

- Trata-se de Bertão, um ex policial que se tornou marginal, e de Neco, indivíduo com várias passagens na polícia, especializado em arrombamento.

É difícil acreditar que Válter tenha sido capaz de se juntar a marginais e tentar matar Osvaldo.

- Esse sujeito nunca me enganou - disse Marcos.

- E agora? Ele vai ficar preso? Tenho medo de que ele saia e volte a nos perseguir - acrescentou Carlinhos.

- O que ele fez foi muito grave. Tenho certeza de que ficará preso por muitos anos.

A melhora de Osvaldo se manteve e dois dias depois foi transferido para outro quarto. Estava pálido, abatido, mas, rodeado pela família, foi se recuperando.

Clara foi incansável. Suas férias estavam para terminar e ela telefonou para Domênico relatando o que havia acontecido, pedindo uma licença.

Depois disso, o quarto de Osvaldo estava sempre cheio de visitantes. Primeiro Gino e Domênico, que demonstraram quanto gostavam de Clara, só tendo palavras elogiosas. Depois, as melhores clientes do ateliê, para abraçá-la e desejar que Osvaldo se recuperasse.

Quando Osvaldo foi para o quarto, Neusa disse que ficaria para dormir com o filho e que Clara poderia ir para casa descansar. Mas ela não aceitou:

- Não, Dona Neusa. A senhora é quem precisa descansar. Meu lugar é aqui, ao lado de Osvaldo.

Ele as ouvia, procurando esconder a emoção. Estava fraco e fragilizado. Neusa concordou em dormir em casa, mas iria ao hospital todos os dias.

Assim Neusa pôde ver como sua nora era querida e admirada. Sentiu-se orgulhosa e satisfeita. Clara era digna e merecedora de sua estima.

Uma semana depois, no fim da tarde, o médico examinou Osvaldo e disse com satisfação:

- Amanhã vou dar-lhe alta. Pode se preparar para retomar sua vida. Mas no começo não pode fazer esforço nem dirigir, está bem?

Ele concordou. Depois que o médico se foi, Clara fechou a cortina e sentou-se novamente ao lado da cama. Estavam sozinhos.

- Que bom que você vai deixar o hospital - disse ela com alegria.

- Não sei se será bom. Por mim ficaria aqui mais tempo. Ela olhou surpreendida para ele.

- Por que diz isso? Acha que ainda não está bem?

- Estou muito bem.

- Então...

- Ao sairmos daqui, você irá para sua casa e eu ficarei sozinho. Clara, você tem se dedicado todos esses dias. Tem me tratado com carinho. Preciso ser sincero. Sua presença me trouxe de volta à vida. Você disse que ainda me ama. Eu gostaria que fosse verdade. Mas tenho dúvidas. Você deixou de me amar há muitos anos. Agora está grata por eu ter salvado a vida de Carlinhos, confundindo gratidão com amor.

Ela tentou falar, mas ele a impediu:

- Não diga nada. Deixe-me terminar. Eu a amei sempre. Esse amor sem esperança machucou meu coração durante muito tempo, até que, cansado de lutar, compreendi que precisava aceitar essa verdade. Eu amo você e a amarei por toda a minha vida. Esse amor é tão grande, tão verdadeiro, que eu não gostaria que você ficasse a meu lado por gratidão. É nobre de sua parte, mas eu não aceito isso. Não quero que um dia você se arrependa.

- E me apaixone por outro? É disso que tem medo? Você me ama mas não confia mais em mim, em meu amor. A mágoa do passa do ainda está viva dentro de você.

- Não é verdade. Eu admiro você. Sei que é digna, fiel.

Os olhos de Clara encheram-se de lágrimas.

- Eu sabia que você não ia aceitar meu amor.

Havia tanta tristeza em sua voz que ele a abraçou emocionado.

- Clara, seu amor é o que eu mais quero no mundo.

Abraçou-a, puxou-a para junto de si e beijou-a com ardor. Ela retribuiu, e a emoção reprimida de tantos anos tomou conta deles. Continuaram beijando-se com paixão.

- Osvaldo, estou com você porque o amo. Sempre amei. Sinto que você é o amor da minha vida. Não me expulse de seu lado. Não quero mais viver sem você.

Inebriado, ele ouvia, o coração batendo descompassado, a emoção transbordando.

- Clara, como eu sonhei com este momento! Como desejei ter você novamente em meus braços como agora.

- Diga que me quer. Que vai voltar para mim. Que nunca mais vai me deixar.

- Eu a quero.

Nos braços um do outro, entregaram-se ao sentimento que os unia.

Quando se acalmaram, deitados um ao lado do outro, Osvaldo disse:

- Gostaria que vocês se mudassem para minha casa amanhã mesmo. É uma casa grande, boa, ficaremos bem. Nossos filhos gostam de lá.

- Eu também gostaria. Mas preciso resolver minhas coisas.

- Quero que vá à minha casa para ver se gosta.

- Eu disse que vou resolver minhas coisas, mas não vou deixa-lo nem por um dia. Já perdemos muito tempo.

Osvaldo beijou sua face com carinho.

No dia seguinte ele foi para casa. Clara e os filhos o acompanharam. Os rapazes estavam comovidos com a reconciliação dos pais.

Na tarde do mesmo dia, Marta foi visitá-lo. Quando chegou, Osvaldo estava em uma poltrona na sala segurando a mão de Clara, que estava sentada a seu lado.

Vendo os dois, Marta empalideceu. Osvaldo apresentou Clara com naturalidade:

- Esta é Clara, minha esposa.

A outra estendeu a mão que tremia e tentou dissimular a contrariedade. Clara olhava curiosa para Marta. Era uma mulher mais nova do que ela e muito bonita. Olhou para Osvaldo um pouco enciumada.

Ele, porém, conversou com naturalidade, informando-se de como estavam seus projetos. Marta deu todas as informações, depois, sentindo-se mais calma, disse:

- Eu tentei ir ao hospital visitá-lo, mas disseram-me que as visitas não eram permitidas.

- Eu pedi a José que dissesse isso porque preferia receber os amigos aqui em casa. No hospital é sempre desagradável. Mas isso não se aplicava a você.

- Ele não me disse. Foi por isso que só apareci hoje. Mas todos rezamos muito para seu restabelecimento.

Continuaram conversando e, a pretexto de combinar algumas coisas com Rosa, ela foi à cozinha:

- Ninguém me avisou que ex-esposa vinha visitá-lo - reclamou.

- Não pensei que você se interessasse em saber-defendeu-se Rosa. Eles não se falavam. Não pensei que ela fosse aparecer.

- Não só apareceu como voltaram a viver juntos.

Marta estremeceu.

- Eles voltaram?

- Olhe, Marta, eu sei que você gosta muito de Osvaldo e nutria a esperança de conquistá-lo. Mas, mesmo separado, ele nunca deixou de amar a esposa.

Nunca quis ter outra mulher. Por isso, o que tem a fazer é esquecer e partir para outra.

- Claro. Pensei que ele fosse livre, mas agora...

- Não perca seu tempo alimentando essa ilusão. Pelo que eu vi até agora, desta vez é para sempre. Nunca mais vão se separar.

- Tem razão. Vou tirá-lo da minha cabeça.

Quando ela voltou para a sala, estava mais calma. Depois que ela se foi, Clara conversou com Osvaldo:

- Estive pensando... Acho que vou deixar de trabalhar todos os dias no ateliê. Participarei dos desfiles, dos eventos e até como relações-públicas, que é o que tenho feito nos últimos tempos. Quero ter tempo para ajudá-lo nos trabalhos espirituais. Dona Lídia me falou a respeito e fiquei entusiasmada.

Carlinhos, que havia entrado e ouvido essas palavras, interveio:

- Eu sei por que pensou nisso agora. Encontrei Marta saindo... Clara fez que não entendeu:

- Não sei o que quer dizer. Eu gosto do trabalho espiritual. Freqüento Dona Lídia.

Osvaldo sorriu satisfeito. O ciúme de Clara alegrava-o. O ambiente estava agradável e todos estavam felizes.

- Contar com você vai ser muito bom - disse ele.

Nos dias que se seguiram, ele foi ganhando forças rapidamente. Clara decidiu que Rita continuaria morando no mesmo lugar e cuidando da loja, o que ela fazia muito bem.

Mudou-se com os filhos para a casa de Osvaldo. Ele queria que Clara reformasse tudo a seu bel-prazer, porém ela gostou muito da casa e não quis mudar nada.

Rosa e José, que a principio ficaram um pouco preocupados em tê-la na casa, logo se habituaram e passaram a gostar dela. Clara tinha classe, sabia respeitar os empregados e tratá-los bem.

Rosa logo estava fazendo docinhos para ela, e José, cercando-a de gentilezas.

Foram para o sítio e Clara adorou o que viu. Interessou-se logo pelo trabalho e procurou aprender tudo. Ficaram por lá uma semana recebendo os amigos que apareciam para abraçar Osvaldo, felizes com sua recuperação.

Quando voltaram para a capital, Osvaldo teve a idéia de fazer uma reunião espiritual em sua casa. Convidou Dona Lídia, dizendo que ela poderia levar alguns médiuns. Queria agradecer o auxílio recebido e obter orientação para o trabalho.

Estava ansioso para recomeçar a atender às pessoas e precisava saber se já estava em condições.

Ao redor da mesa coberta com uma linda toalha branca bordada na sala de jantar, sentaram-se Felisberto, Antônio, Neusa, Clara, Carlinhos, Marcos, Lídia e mais duas senhoras que ela convidara. Sobre a mesa, alguns livros e uma bandeja com copos e a jarra de água.

As luzes foram apagadas e, na penumbra da sala iluminada apenas por um abajur, Osvaldo proferiu sentida prece agradecendo a Deus pela cura e pela união de sua família. Estava comovido, sentindo o corpo leve e no peito um brando calor.

No final, pediu orientação dos espíritos. Uma das convidadas de Lídia começou a falar:

- É com alegria que venho hoje visitá-los e dizer que completaram mais um ciclo no caminho da evolução. Isso significa que de agora em diante terão pela frente uma etapa de progresso e alegria.

No fim do século passado, um fidalgo muito rico vivia no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Bonito, requestado pelas mulheres em virtude de seu dinheiro e sua boa aparência, Dom Ricardo, como se chamava, vivia com a mãe, mulher arrogante e autoritária, que controlava os gastos do solar onde residiam com avareza, vigiando os escravos com rigor.

Ricardo levava vida social intensa, viajando pela Europa, conquistando belas mulheres. Em uma dessas viagens, conheceu Denise em Paris. Era uma dançarina do Moulin Rouge, muito disputada. Bonita, cheia de vida, alegre, Ricardo apaixonou-se perdidamente. Por ela esqueceu todas as mulheres. Levou-a para o Brasil e casou-se com ela, apesar de a mãe tentar impedir de todas as formas, porque ficou sabendo a vida que a nora levava em Paris e ficou horrorizada. Por isso vigiava Denise, tendo discutido muitas vezes com o filho.

Apesar de amar o marido, Denise sentia falta do palco, dos aplausos, da alegria de sua vida em Paris, tendo a sogra sempre desconfia da e irritada por perto. Ricardo fazia tudo para agradar à esposa, proporcionando-lhe uma vida de luxo, levando-a a festas na corte, onde ela brilhava sempre.

Foi em uma dessas festas que Denise conheceu André, um jovem bonito e fútil que a cercou de atenções. Ele não tinha renda, por isso conquistava ricas mulheres que acabavam por sustentá-lo.

Ricardo, cego pela paixão, não percebia nada. Ofélia, sua mãe, tentou abrir-lhe os olhos, mas ele se zangava, porque percebia a implicância da sogra com a nora.

Denise começou cedendo aos galanteios de André mais por divertimento, mas acabou se envolvendo. Algum tempo depois, teve a surpresa desagradável de ser chantageada por ele. Dizia que sua irmã conseguira provas do relacionamento deles e para se calar exigia jóias.

Ela se arrependeu de sua leviandade, mas era tarde. Estava nas mãos dele. Apavorada, rompeu a relação, mas começou a dar-lhe algumas jóias.

Ofélia, que percebeu que as jóias haviam desaparecido, exigiu que Ricardo encontrasse o ladrão. Ele não gostava de se incomodar com os negócios e deixava tudo a cargo da mãe. Deu-lhe carta-branca para investigar.

Assustada, Denise tentou despistar. Apanhou o saco de jóias de Ofélia e colocou-o do lado de fora da casa, em meio às plantas do jardim. Tinha certeza de que a sogra o encontraria.

Ofélia deu pela falta do saco de jóias e ficou desesperada procurando. Encontrou-o e chamou o filho, acusando um dos escravos que vira passando pelo local momentos antes.

Jerônimo trabalhava dentro de casa e era estimado por todos. Chamado a tomar providência, Ricardo, aborrecido, tratou de resolver aquela situação o mais rapidamente possível. Ele não gostava de enfrentar situações desagradáveis.

Jerônimo chorou, jurou que não tinha feito nada, mas Ofélia foi implacável: exigiu que Ricardo o castigasse. Contrariado, porque ele gostava do escravo, mandou que o capataz o colocasse no tronco, não desejando enfrentar uma briga com a mãe.

Assustada, Denise rogou que não o castigassem, porém Ofélia foi irredutível e Ricardo preferiu esquecer o assunto. Jerônimo, depois das cinqüenta chicotadas controladas por Ofélia, foi deixado no tronco a pão e água.

Na manhã seguinte, Jerônimo estava morto. Denise chorou muito, arrependeu-se, mas não teve coragem de dizer nada. Dali para frente, mudou muito. Sentindo o peso da culpa, tinha pesadelos, deixou de freqüentar a côrte, vivia triste e deprimida.

Ricardo fazia tudo para alegrá-la, mas ela aos poucos foi se consumindo. Aos quarenta anos, uma pneumonia a trouxe de volta ao mundo espiritual.

Não tiveram filhos. Ricardo nunca mais se casou. Viveu o resto de seus dias triste e desinteressado de todas as coisas. Ofélia cuidou de tudo e viveu mais do que Ricardo. Quando ele voltou ao mundo espiritual, partiu em longa busca por Denise. Enfim encontrou-a perambulando dementada, tendo ao lado o escravo que havia se colado a ela, exigindo justiça.

Levou tempo para Ricardo conformar-se com a verdade. Porém o amor que sentia por Denise ainda estava em seu coração. Por isso, tudo fez para ajudá-la. Assistido pelos espíritos superiores, conseguiu que ela se equilibrasse.

Arrependida, Denise pediu perdão. Ofélia, sabendo que castigara um inocente, arrependeu-se. Descobriu que, para livrar-se da culpa e das perturbações que a acometiam de vez em quando, precisava fazer alguma coisa que lhe devolvesse a dignidade.

Descobriram que só a reencarnação poderia ajudá-los a conseguir o equilíbrio que tanto queriam. Ofélia, sabendo quanto havia errado como mãe de Ricardo, pediu para tentar de novo. Foi-lhe concedido recebê-lo outra vez como filho, mas, para que ela ficasse bem, era preciso receber também Jerônimo. Ela concordou.

Ricardo, ansioso por ajudar Denise, pediu para casar-se com ela novamente. Foi alertado de que não precisava fazer isso, que eles se amavam, mas que ela precisava amadurecer. Ele poderia ficar no astral e esperar até que ela voltasse, então ficariam juntos.

Ricardo, porém, preferiu reencarnar, mesmo sabendo que André também reencarnaria e se encontrariam novamente, Decidiu correr o risco.

- Meu amor é tanto que a ajudará.

Assim, começaram essa nova vida. Ricardo como Osvaldo, Denise como Clara, Ofélia como Neusa, e Jerônimo como Antônio. André renasceu como Válter.

No mundo, os desafios mais difíceis são os do sentimento, por que em meio aos problemas do dia-a-dia, mesmo havendo esquecido o que aconteceu em outras vidas, os assuntos não resolvidos continuam no inconsciente, refletindo-se no presente.

Só a fé na espiritualidade, a certeza de que a vida contínua após a morte do corpo ajudam a encontrar o rumo melhor na conquista da vitória. A mediunidade é uma ferramenta abençoada para abrir a consciência e mostrar a verdade.

- Estamos felizes por vocês terem vencido. Osvaldo aprendeu a olhar as pessoas com olhos do amor. Clara descobriu os verdadeiros valores da alma. Neusa, na dificuldade e na carência, descobriu que a bondade traz felicidade. Antônio aprendeu que a valorização independe da cor da pele, conquista-se pela dignidade do trabalho e da honestidade. Infelizmente Válter não conseguiu. Mas a vida cuidará dele no momento certo.

A verdade é que ele nunca mais os perturbará. A energia de vocês agora é diferente e ele desistirá de persegui-los.

Ela fez uma pausa, depois continuou:

- Você pode recomeçar o trabalho espiritual, Osvaldo. Muitos amigos no astral esperam ansiosos o momento de participar. O mundo está conturbado. A violência plantada indiscriminadamente por alguns polariza as disputas, e a vaidade, a luta pelo poder imperam.

Não se deixem dominar pelo pessimismo. A luz vence as trevas, e o futuro será de progresso e paz. A firmeza na fé é necessária, mas o discernimento é fruto do bom senso. Tenho certeza de que saberão fazer o melhor. Que Deus os abençoe.

Ela se calou e Osvaldo encerrou a reunião. Eles estavam tocados pelo momento. Cada um tomou seu copo de água. Conversaram um pouco sobre as belezas da vida espiritual e do conforto que proporciona.

Quando todos se despediram, Osvaldo tomou a mão de Clara, passaram pelo quarto dos rapazes, que já se haviam acomodado.

Depois foram para o quarto. Osvaldo abriu a janela e chamou Clara.

- Venha ver as estrelas.

Abraçados, ficaram contemplando o céu.

- De onde será que viemos? - indagou ela.

- Não sei. Só sei que estamos juntos, e desta vez nada e ninguém vai nos separar.

Clara abraçou-o e seus lábios procuraram os do marido. E a brisa delicada que passava através da janela os envolvia com carinho, como a dizer que tudo estava em paz!

 

                                                                                 Zibia Gasparetto  

 

                      

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