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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


QUANDO VOCÊ CHEGOU / Juliana Dantas
QUANDO VOCÊ CHEGOU / Juliana Dantas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Jackson, Wyoming – 1880
A moça sentada próxima à janela da diligência ostentava um semblante esculpido em preocupação.
— Olá. — Uma moça, não tão mais velha que ela, se ajeitou ao seu lado. — Não está feliz que já estamos chegando a Jackson? Foi uma viagem infernal desde a Filadélfia.
A primeira moça esboçou um sorriso hesitante.
— Sim, estou feliz que estamos chegando ao fim da viagem. O tempo não parece nada bom. — Lançou o olhar apreensivo para além da janela, onde uma chuva fina as acompanhava nos últimos instantes de viagem.
— O que vai fazer em Jackson? Parece tão absorta...
— Vou visitar parentes — a primeira moça respondeu evasiva.
— Eu vou me casar — a segunda comentou com um sorriso de satisfação.
— Parabéns pelo casamento. Você parece muito feliz.
— Sim, estou muito satisfeita! Você não ficaria?
— Eu não sei. Nunca estive a ponto de me casar. E nem sei se um dia encontrarei alguém que eu goste o suficiente para tanto.
— Vou fazer votos para que encontre! Eu não vejo a hora de chegar e, finalmente, conhecer meu noivo!

 


 


A primeira moça ficou confusa.

— Não o conhece?

— Apenas trocamos cartas através de uma agência de casamentos. É por isso que estou viajando; para encontrá-lo e nos conhecermos.

— Você é corajosa.

— Por quê?

— Casar-se com um homem que nem conhece.

— Não seja boba! Ele mandou um retrato. — E ela remexeu em sua bolsa rendada, entregando-lhe uma fotografia. — Não é bonito?

— Sim, ele é bonito — a primeira moça respondeu, admirando o retrato em preto e branco do rapaz e estendendo a mão para devolvê-lo à dona.

— O nome dele é Gabe Carter... — a noiva falou com orgulho, mas suas palavras seguintes se transformaram em um grito, quando a diligência virou de súbito, com solavancos que fizeram os passageiros tombarem uns por cima dos outros, enquanto o veículo despencava ribanceira abaixo.

Por um momento aterrorizante, a confusão de gritos, bagagens voando e caos foi tudo o que se podia ouvir. Até finalmente reinar apenas gemidos doloridos e o barulho da chuva.

Porém, das moças que antes conversavam tão animadas restava só o silêncio inconsciente.


Capítulo 1

 

Alguns meses antes


— “É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa.”

A voz clara e cristalina de Rebecca encheu o recinto.

Betsy levantou os olhos do bordado em seu colo.

— Sábias palavras de Jane Austen.

Uma risadinha masculina as fez virar na mesma direção e Betsy sorriu ao avistar os dois garbosos rapazes adentrando a sala.

— Quem é essa senhora Jane? Alguma casamenteira? — Will Carter, o mais alto e forte dos dois e autor da risada, indagou.

Will não era conhecido por sua inteligência ou sutileza. Mas ninguém teria coragem de dizer isso na sua frente, porque certamente ele era conhecido por sua força. Principalmente nos punhos.

Betsy e Rebecca trocaram um olhar consternado e voltaram para seus afazeres. O outro rapaz, que estava quieto até aquele momento, se aproximou por trás de Rebecca.

— Acho que é uma autora inglesa, irmão.

Will Carter também se aproximou da moça ruiva e tomou o livro de sua mão.

— Está doente, Becca?

— Por que pergunta? — Ela colocou a mão no rosto, preocupada. — Estou com cara de doente? Minha aparência está horrível?

— Não, minha querida, estou preocupado apenas por ver você lendo um livro. Nem fazia ideia que sabia ler, esposa.

Betsy e James romperam em gargalhadas, sendo alvos do olhar irritado de Rebecca.

— Quem não deve saber ler é você. — Ela apontou para Will. — E quando fica dizendo essas asneiras, eu me pergunto por que me casei com você! Eu podia escolher qualquer um na cidade, você sabe.

Foi a vez de Will rir.

— Mas nenhum tão rico, querida.

Becca deu de ombros, abrindo o livro novamente.

— Certamente.

Betsy olhou em volta.

— Onde está Gabe?

— Foi ajudar o papai em uma emergência.

— E por que não foram junto? — Rebecca indagou, colocando o livro de lado.

Talvez Will tivesse razão. Ela não era a mais inteligente das criaturas. Mas uma mulher não precisava ser inteligente quando era bonita.

E beleza, Rebecca tinha para dar e vender.

Não que quisesse se livrar de sua perfeição. Ela podia conviver com essa dádiva muito bem, obrigada. Gostava de ser admirada. E conseguira se casar com um dos três melhores partidos da cidade. Foi sua beleza que a levara até um dos irmãos Carter.

— Porque papai disse que agora que temos esposas, devemos ficar em casa cuidando delas — James falou, sentando ao lado de Betsy.

Betsy sorriu, passando a mão pelo rosto do marido.

— Gabe deveria arranjar uma esposa também.

— Pelo jeito, Gabe continuará solteiro por muito tempo — Will comentou.

— Por quê? — Rebecca andou até o espelho, checando seu cabelo. — Gabe é um Carter. São os mais ricos da cidade. E ele é bonito. Toda garota quer casar com ele.

— Inclusive, você já esteve nessa lista, não é, Becca? — Betsy piscou maliciosa, mas Becca deu de ombros.

— Você também.

— Ei, ainda estamos aqui — James comentou com falsa carranca.

Eles não se importavam com a obsessão das moças por Gabe. Sempre foi assim, desde que chegaram à cidade.

Theodore Carter era um médico que morava com a esposa, Selina, na Califórnia, quando recebera a fazenda Triplo C, a mais próspera e rica da região, de herança do velho Roderick Carter, seu pai. Depois da morte do velho homem, todos se perguntavam se seu único filho vivo voltaria à cidade para assumir a fazenda, afinal, ele foi embora de Jackson, ainda jovem, para estudar medicina e nunca mais voltou.

Mas para surpresa de todos, Theodore Carter voltou para a cidade com a esposa e os três filhos já adultos, Will, James e o caçula, Gabe.

E quando os novos Carter chegaram à cidade, não demorou para todas as moças solteiras da região entrarem em rebuliço.

Três rapazes solteiros, bonitos e ricos não era todo dia que se encontrava. E Gabe Carter rapidamente se tornou a primeira opção para todas elas. Ele podia não ser o mais alto e forte, como Will, e nem o mais educado e inteligente, como James, mas certamente era o mais bonito. E em pouco tempo, todas as moças de Jackson estavam apaixonadas e suspirando por ele.

Obviamente, James e Will também tinham seu sucesso. Porém, Gabe era quem as atraía como abelhas em volta do mel, principalmente porque ele nunca dava muita atenção a nenhuma das moças casadoiras, para o desespero delas; tanto é que não propusera casamento a nenhuma.

Rebecca e Betsy tiveram sorte, despertando o interesse dos outros dois irmãos. E os dois casamentos aconteceram em um intervalo de pouco tempo.

Agora só restara um solteiro na família Carter: justamente aquele que parecia que nunca ia se casar.

As moças continuavam tentando, mas Gabe Carter era inatingível.

Isso podia não preocupar muito os irmãos, mas com certeza ocupava bastante a mente das novas cunhadas.

— Sim, Becca tem razão. Gabe precisa de uma esposa — Betsy anuiu.

— Ele terá quando encontrar uma... — James disse, mas Betsy lhe deu tapinhas na mão.

— Querido, vocês não entendem nada! Nós temos que ajudar Gabe.

— Gabe não quer ser ajudado. — Will riu.

— Ele pensa que não quer — Rebecca falou, voltando a se sentar. — Todos os homens precisam de uma esposa. Vejam vocês? Estão bem melhor hoje. E claro que isso se deve a nós.

Ela e Betsy trocaram um sorriso presunçoso.

— Sim, Gabe tem que escolher a melhor moça! — Betsy se levantou agitada, andando de um lado para o outro. — Temos que agir. Podemos dar um baile — sugeriu.

— Já fizemos isso — Becca respondeu desanimada.

— Podemos organizar uma lista de todas as moças da redondeza, aí o Gabe pode escolher a melhor.

— Vocês são loucas. — Will riu.

Becca lhe lançou um olhar mortal.

— Deviam pensar como nós e querer ajudar o irmão de vocês!

— Sim, acham mesmo que Gabe é feliz solitário? Claro que não! — Betsy completou o sermão casamenteiro.

— Mas ele não quer casar com nenhuma moça da cidade — James interferiu.

Rebecca deu de ombros.

— Nenhuma moça parece ser boa o bastante para ele!

— Mas nós podemos achar uma! — Betsy insistiu. — Vamos achar uma esposa perfeita para Gabe!

Rebecca sorriu, concordando.

— Sim. Essa será nossa missão.

James e Will trocaram um olhar preocupado, mas ficaram quietos.

Sabiam que quando as esposas colocavam algo na cabeça, era melhor não ficarem contra elas.

 


Nos meses que se seguiram, Rebecca e Betsy fizeram de tudo; mais bailes, mais jantares. Moças de todos os tipos passaram pela casa dos Carter com a intenção de ser aquela que iria conquistar o coração do caçula.

Mas este parecia imune a todas elas.

E toda aquela situação já estava preocupando Will e James.

— Precisamos dar um jeito nisso — Will falou baixinho, na varanda, certa noite.

Ele e James fumavam no escuro.

— Sim, Betsy está me deixando louco com essa história. Até o enxoval ela já começou a fazer para a futura noiva do Gabe. Atenção para mim que é bom, nada.

— Sim, nunca tive ciúmes do Gabe, mas já está passando dos limites. Becca ficou fazendo lista de garotas da cidade ontem e nem quis... você sabe... e acho que já faz uma semana. Está ficando crítico.

— Sim, temos que acabar com essa história. Mas como? Elas estão obcecadas.

— Gabe tem logo que escolher uma dessas garotas e se casar, não é justo que fique nos atrapalhando.

— Mas ele não quer.

— Eu acho que tenho uma ideia.

Will contou seu plano a James.

— Sim, é uma medida drástica, mas Gabe não poderá se livrar de algo assim. Acho que é a única solução.

— Eu vou encaminhar a carta amanhã. Por enquanto não contamos nada às garotas. Assim que estiver certo, nós abrimos o jogo.

— Elas vão gostar disso.

— Vão querer ter tido a ideia antes.

Eles sorriram muito satisfeitos.

Era um plano arriscado, até mesmo temerário. Uma medida desesperada, mas tinha que dar certo. Resolveria todos os seus problemas.

 


Gabe Carter já não aguentava mais seus irmãos.

Não que ele não os amasse. Mas desde que se casaram, as coisas estavam fugindo do controle.

Gabe gostava das cunhadas. Eram suas irmãs agora também, mas elas não entendiam que ele estava bem do jeito que estava.

Que não precisava de uma esposa.

No entanto, Betsy e Rebecca pareciam pensar diferente.

Nos últimos meses, ele já vira todas as garotas da cidade em sua casa com os mais absurdos pretextos. Teve uma até que aparecera em seu quarto. E mesmo Betsy e Rebecca jurando que não fora ideia delas, ele tinha suas dúvidas.

Agora até seus irmãos pareciam contaminados com a febre casamenteira.

— Vai gostar de estar casado, Gabe — James falava enquanto carregavam seus rifles na floresta naquela manhã.

Estava frio em Jackson, como de costume. Mas a temperatura não impedia os irmãos de levantarem cedo para caçar.

— Já estão casados, então por que se preocupam comigo?

Will riu, apontando o rifle para um coelho.

— Justamente por isso. Porque temos boas garotas para nos aquecer à noite, se é que me entende.

Gabe riu. Era sempre esse o argumento de Will.

— Tem garotas que estão dispostas a isso sem estarem casadas.

— Não me venha com essa, Gabe. É diferente. — James bateu em seu ombro.

— Tudo bem, Gabe. Mas você precisa de uma boa garota. Uma que seja só sua — Will disse.

Gabe riu, acertando o coelho que Will não acertara e passou a mão pelos cabelos escuros.

Ele não deixava de concordar com os irmãos. Sim, ele queria uma garota.

Só não a achara ainda. Talvez ela nem existisse.

Todas aquelas moças da cidade... Eram todas iguais. Elas não eram ainda aquela que ele esperava.

— Eu me casarei quando achar a garota certa — respondeu, por fim.

Will e James trocaram um olhar.

Gabe previu que tinha algo errado.

— O que estão tramando? — indagou desconfiado. — Por favor, não digam que estão compactuando com os planos mirabolantes de Becca e Betsy!

Eles riram, mas estavam tensos.

— Na verdade... — Will se aproximou. — A gente tem algo para lhe contar.

— Contar o quê?

— Gabe, apenas escute. — James se aproximou também. — Lembre-se que somos irmãos e queremos o melhor para você.

— Falem logo!

— Acho melhor tirar a arma dele antes — James advertiu, e Gabe começou a desconfiar que realmente não ia gostar do que ia ouvir.

— O que vocês fizeram?

Will respirou fundo.

— Nós arranjamos uma noiva para você.

— O quê?

— Uma noiva — James completou. — Uma garota para se casar.

— Mas que absurdo é este? A loucura de Betsy e Becca contaminaram vocês? Achei que fosse coisa de mulher! Por Deus! Eu já disse que não quero me casar com ninguém nessa cidade.

— Não é da cidade — Will falou rápido.

— Explique-se. E é bom que tenha uma boa explicação mesmo.

— Nós escrevemos para uma agência na Filadélfia — James falou.

— Agência?

— Sim, de casamentos — continuou. — Existem algumas pelo país. São senhoras que arranjam as melhores moças e as mandam para se casar em cantos remotos.

— Como aqui. Não é perfeito? — Will sorriu, mas seu sorriso morreu no rosto ao ver a expressão de Gabe.

— Vocês fizeram o quê?

— Gabe, não tire conclusões precipitadas — James falava calmamente. — Essa garota é perfeita para você. Nós dizemos tudo o que você queria e a agência está nos mandando a que foi feita para você.

— Estão de brincadeira, não é? — Gabe não podia acreditar em tamanha sandice.

— Não, não estamos.

Gabe soltou um palavrão.

— Desfaçam isso. Agora! Vão mandar uma maldita carta para essa tal agência e dizer que não é para mandar ninguém!

— Agora é tarde. — James coçou os cabelos.

— Ela está vindo, Gabe — Will confirmou.

Gabe respirou fundo. Era um pesadelo.

— Quando?

Os irmãos se entreolharam.

— Hoje.

— O quê?

— Desculpa, Gabe, mas não queríamos lhe contar antes, justamente para que não pudesse impedir.

Will não conseguiu terminar, pois Gabe já se atracava com ele aos socos. Sua fúria era tão grande, que nem se lembrava que sempre perdia as brigas para o irmão.

James se enfiou no meio para apartar o conflito, e Will foi condescendente em não esmurrar Gabe.

— Eu vou matar vocês dois! — o caçula vociferou.

— Mas está batendo só em mim! — Will reclamou.

— Pensa que eu não sei que só pode ter sido ideia sua?

— Ei, Gabe, chega! — James conseguiu tirá-lo de cima de Will. — A culpa é minha também. E pare de bater no Will. Se ele resolver revidar, você ficará de cama uma semana!

— Não, eu não vou bater nele. — Will se levantou, limpando as roupas. — Não quero estragar seu lindo rosto para a noiva...

Gabe foi para cima dele de novo.

— O que é isso rapazes?! — Theodore se aproximou. — O que está acontecendo aqui? Os três brigando feito crianças!

— Nada pai — Will falou rápido.

— Conte a ele! Conte o que fizeram! — Gabe gritou.

James foi quem confessou tudo.

— Não deviam ter feito sem o consentimento do Gabe — Theodore disse, quando o filho terminou de contar sobre a noiva de correspondência.

— Mas a gente só quer ajudar! — Will insistiu.

— Sim, se o Gabe escolhesse logo uma moça da cidade, nada disso seria preciso — James endossou.

— Isso é problema meu!

— Chega! — Theodore os calou. — Gabe, eu sei que eles erraram, mas só queriam lhe ajudar. Além disso, sua mãe e eu também queremos vê-lo casado.

— Não podem escolher por mim.

— Eu sei. Mas agora é tarde. Essa tal moça irá chegar hoje à tarde.

— Ela irá voltar do mesmo jeito que chegou — Gabe falou com frieza.

Não ia deixar seus irmãos fazerem isso.

— Pode ser. Mas o que custa conhecê-la primeiro? Ela está chegando de qualquer jeito. Então, como boas pessoas educadas que somos, nós a receberemos em nossa casa. Se ela não for do seu agrado, nós a enviamos de volta. Tudo bem?

Gabe passou a mão pelos cabelos, frustrado.

Não estava a fim de aturar mais uma moça desmiolada, deslumbrada com sua aparência e com o dinheiro dos Carter.

Mas Theodore tinha razão. Não tinha como se livrar agora.

Iria recebê-la, ser educado e despachá-la de volta para sabe Deus de onde tinha saído.

 


Betsy e Rebecca estavam em polvorosa.

— Como assim, uma noiva?

— Como assim, ela chega hoje?

— Por que não nos disseram nada?

— De onde ela vem?

— Eu nem tive tempo de terminar o enxoval!

— Já marcaram a data?

— Temos que falar com o vigário!

— Meninas, parem de falar — Selina pediu, vendo a expressão desgostosa de Gabe.

— Não vai haver casamento algum — Gabe rebateu nervoso.

— Como não? — Betsy balbuciou. — Ela está vindo para se casar!

— Ela não faz ideia de que não quero me casar com ela!

— Mas nem a conhece! — Rebecca falou horrorizada.

— Por isso mesmo.

— Tenho certeza que Will escolheu bem. — Ela sorriu, abraçando o marido. — Ele só devia ter me contado, eu poderia ajudar!

Will sorriu orgulhoso.

— Sim, escolhi muito bem. Vocês verão hoje.

Betsy saltitou.

— Ah, não vejo a hora! Vem Becca, vamos nos arrumar! Temos todos que ir esperar a diligência.

Rebecca e Betsy desapareceram escada acima, e Gabe olhou consternado para os irmãos.

— Ainda vão me pagar por isso.

— Na verdade, acho que irá nos agradecer. — James riu. — Vem Will, vamos nos arrumar também. Você deveria fazer o mesmo, Gabe.

Os dois subiram as escadas rindo e Gabe encarou os pais.

— Não fique assim querido. — Selina o abraçou. — Talvez goste da moça.

— Eu duvido muito. Foi Will quem escolheu.

— Bem, então vamos recebê-la bem. Por favor, seja educado. Ela não tem culpa de nada. E se realmente não a quiser, ela pode ir embora.

Gabe respirou fundo.

— É exatamente o que vai acontecer.

A chuva caía na cidade. Isso não era novidade. Mas os Carter estarem parados no centro, aguardando a diligência, era.

Todos estavam curiosos para saber quem os Carter esperavam com tanta ansiedade, embaixo dos seus elegantes guarda-chuvas.

Na verdade, nem todos pareciam ansiosos. Theodore e Selina pareciam preocupados. E Gabe estava definitivamente irritado.

Mas os dois jovens casais estavam radiantes.

— Will, querido, não nos disse o nome da noiva do Gabe — Rebecca comentou.

— Sim, aliás, nem nos mostrou a carta de recomendação e a foto — Betsy completou.

Will se mexeu irrequieto.

— Está em algum lugar em casa...

Becca o fuzilou.

— Tem que procurar para nos mostrar quando chegarmos.

— Claro, claro.

— Mas e o nome dela?

— Eu não lembro.

As duas encararam James.

— Não olhem para mim, foi Will quem tratou de tudo.

Elas rolaram os olhos.

— Como vamos saber quem é? — Becca indagou impaciente.

— Fale baixo, Becca — Betsy pediu. — Melhor que o Gabe não nos escute, senão ficará mais bravo ainda. — Gabe estava um pouco afastado com os pais.

— Acho que não teremos problema com isso. Quantas noivas acha que chegarão hoje? Além do mais, ela deve ter a foto de Gabe e a carta dele.

— Carta dele?

Will ficou vermelho.

— Eu escrevi como se fosse ele.

— Oh, Deus! — Rebecca suspirou.

De repente, um rapaz apareceu correndo.

— Uma tragédia aconteceu! Um desastre! — Ele resfolegava.

— O que foi, rapaz? — Theodore se aproximou.

— A diligência... Virou... Um acidente!

— Onde?

— Na entrada da cidade.

Theodore trocou um olhar apreensivo com os filhos.

— Temos que ir para lá. — Virou-se para o rapaz. — Avise o xerife e traga mais ajuda!

Theodore e os filhos correram para onde fora o acidente. E como o rapaz anunciara, a diligência rolara ribanceira abaixo.

Gabe seguiu o pai, que descia onde alguns curiosos já se amontoavam em volta da diligência. Amaldiçoava o mau tempo que causara o acidente, preocupado com as pessoas dentro do veículo. Esperava que todos estivessem vivos.

Ele estava pronto para detestar a moça que viera para ser sua noiva, mas de maneira alguma desejaria um mal deste.

Ela, na verdade, era tão vítima quanto ele.

Will achou o motorista da diligência; o homem gemia, mas não parecia muito machucado. Gabe e James conseguiram desvirar o veículo e lá encontraram uma senhora que gemia, com um machucado na testa, e uma moça loira desmaiada. Havia sangue em seu vestido.

Ela era bonita e jovem. E Gabe se perguntou se esta era sua suposta noiva.

— Garotos, me ajudem aqui! — Theodore gritou não muito longe, e Gabe o viu agachado perto de outra moça.

Eles se aproximaram.

A chuva batia em seu rosto muito branco. Os cabelos castanhos estavam soltos e Theodore o colocou para o lado, revelando um galo em sua testa.

— Ela está...? — James indagou.

— Não. Seu coração bate, não parece haver mais nenhuma escoriação.

— O que é isso em sua mão? — Will indagou e Theodore retirou algo que a moça segurava entre os dedos e, então, ele estendeu a Gabe.

Era o retrato do caçula.

Will riu, contrariando a seriedade da situação.

— Acho que acabamos de conhecer sua noiva, irmão.

A cidade estava no maior rebuliço com o acidente.

E também porque a notícia de que a noiva de Gabe Carter estava na diligência acidentada se espalhou como pólvora.

O hospital de Jackson era bem pequeno e tinha poucos leitos. Então, Theodore deu ordem para levarem os pacientes mais graves e que precisassem de sutura para lá, e aquela que tudo indicava ser a noiva de Gabe para a fazenda dos Carter. Era até melhor, pois assim evitaria os olhares curiosos sobre a pobre moça.

— Mas, pai... — Gabe não queria se sentir mais culpado ainda. Afinal, a moça estava ali por sua causa; porque achava que ia se casar com ele.

— Ela tem apenas um galo na testa, vai ficar bem — Theodore garantiu, examinando-a rapidamente e saindo do quarto. — Vou para o hospital. Você fica e me chama se ela precisar de algo.

— Tudo bem.

Betsy e Rebecca entraram no quarto.

— Oh, meu Deus, que horrível! — Betsy dizia.

— Sim, um acidente horrível! — Becca suspirou.

— Não, eu falo deste vestido, está ensopado, cheio de lama, um horror! Venha Becca, me ajude, vamos tirar isso dela!

Gabe revirou os olhos, mas acabou concordando. A moça podia ficar pior molhada. Então, ele saiu do quarto para que as cunhadas a despissem.

As duas saíram de lá minutos depois.

— Nós vamos tentar achar uma camisola adequada. Você pode entrar, ela está toda coberta — Betsy explicou.

Becca estava atrás dela, segurando o vestido molhado.

Gabe voltou para o quarto. A moça estava ainda mais pálida sobre os lençóis brancos. Os longos cabelos castanhos espalhados pelo travesseiro.

Ele se aproximou e tocou o machucado em sua testa. Não parecia grave.

De repente, ela se mexeu e abriu as pálpebras.

Os olhos mais azuis que ele já tinha visto se fixaram nele, assustados.

E então ela soltou um grito e se sentou, afastando-se para o canto da cama.

— Quem é você? — indagou com a voz trêmula de medo.

— Por favor, fique calma. Houve um acidente com a diligência, a senhorita desmaiou.

Ela olhou em volta.

— Onde estou?

— Na minha casa. Eu sou Gabe Carter — explicou.

Mas ela permaneceu com os olhos arregalados.

— Quem é você? E por que estou aqui?

— Ora, acho que era para cá que estava vindo, não?

“Não que fosse permanecer muito tempo” — pensou.

Mas não iria aborrecê-la com isso agora. Não com ela machucada e amedrontada daquele jeito.

— Eu? Vir para cá? Mas não faço ideia de quem seja o senhor!

— Não? — Gabe franziu o cenho. Será que tinham errado? Não. Ela tinha a foto dele nas mãos. Deveria estar confusa com o acidente. — Você estava com a minha foto na mão.

— Sua foto? Está louco? Nunca te vi na vida, nem em retrato!

— A senhorita realmente não me conhece, porém deve se lembrar que estava vindo para a cidade com o intuito de... se casar comigo.

Seus olhos se arregalaram ainda mais.

— Eu não sei de nada disso... Não é possível... Eu vim... eu vim... — Ela encarou-o novamente. — Oh, Deus, eu não lembro o que vim fazer aqui!

Gabe começou a se preocupar.

Será que a moça era insana?

— Senhorita, vamos começar de novo então. Qual o seu nome?

Ela ficou em silêncio, olhando para baixo, e quando os olhos azuis o fitaram, estavam cheios de lágrimas.

— Eu não sei... Eu não sei o que estou fazendo aqui... Eu não sei qual é o meu nome. — Ela estremeceu. — Eu não sei quem eu sou.


Capítulo 2

 

Duas coisas aconteceram em seguida.

A moça largou o lençol que segurava sobre o corpo e cobriu o rosto com as mãos, soluçando.

Obviamente o lençol escorregou, revelando aos olhos de Gabe um par de seios brancos perfeitos.

Ele sabia que não deveria olhar. Era um cavalheiro. E a moça estava sob forte comoção. Mas ficou sem reação por um momento, os olhos admirando os seios da desconhecida.

Sua noiva.

— O que está acontecendo? — A voz de Rebecca entrando no quarto o fez voltar à realidade, e num átimo, ele cobriu a moça com o lençol.

— Ela está descontrolada.

— Oh, não fique assim! — Betsy entrou atrás, trazendo a camisola.

Gabe ficou aliviado.

Não queria mais ser tentado pela moça nua.

— Saia daqui, Gabe, nós vamos vesti-la — Betsy pediu.

Gabe saiu, pensando no que a moça dissera.

Ela não se lembrava de nada. Estaria com amnésia? Teria que pedir para o pai vir examiná-la.

Becca saiu do quarto, carregando uma pequena bolsa.

— Ela diz que não sabe quem é!

— Sim, me disse o mesmo.

— Será que é porque bateu a cabeça?

— Pode ser. Teremos que esperar por meu pai.

— Não trouxeram a bagagem dela, mas esta bolsa estava em seu pulso. Não há nada dentro, a não ser um lenço e aqui o bordado diz que pertence a Faith Bennett. Pelo menos agora sabemos seu nome.

Então era este o nome da moça: Faith Bennett.

Sua noiva.

 


Ela lutava contra a dor. E estava perdendo.

E não era uma dor física, embora sua cabeça martelasse como se um ferreiro estivesse dentro dela. Não. Era a dor horrível de não saber exatamente nada sobre si mesma.

Que diabos estava acontecendo com ela?

E quem seriam aquelas pessoas à sua volta?

— Por favor, não fique assustada, vamos cuidar de você. — A voz da moça à sua frente era melodiosa como um sino. Ela era bonita, com cabelos loiros muito claros e estava elegantemente vestida. — Gostou da camisola? É uma das minhas preferidas! Veio de Paris, para meu enxoval. E olha que eu me casei há quase um ano e nunca a usei. — Ela sorriu e deu uma piscadela. — Mas eu tenho outras, tão lindas quanto esta. E sempre estou comprando mais e...

— Betsy, por Deus, para de atormentar a pobre moça!

A voz autoritária e com um tom de tédio partiu da garota ruiva que voltava ao quarto.

E se a loira era bonita, esta era deslumbrante.

Ela lhe lançou um olhar que podia ser descrito como crítico, não preocupado.

— Este seu galo está feio, mas acho que não será permanente, graças a Deus!

Betsy rolou os olhos.

— Ai, Becca, só pensa nas aparências!

— E você só pensa em vestidos!

E em camisolas vindas de Paris e nunca usadas, a moça acidentada quis acrescentar.

Sua cabeça começava a dar voltas em busca de respostas que não vinham. Ela se perguntava onde estava e por quê, e quem eram aquelas duas estranhas elegantes.

— Por favor. — Conseguiu balbuciar e as duas a encararam. — Eu... eu... onde estou?

Betsy esboçou-lhe um sorriso. Parecia tranquilizador. Mas ela ficou com medo da moça começar a falar de camisolas de novo.

— Na casa dos Carter, claro!

Carter? Quem eram os Carter? Isso não a ajudava em nada!

— Ela está com amnésia, Betsy. Misericórdia! — A moça ruiva se intrometeu, fitando-a. — Bem, por causa desse galo tenebroso e nada atraente na sua testa, não está se lembrando de nada.

— Mas... mas... Deus, eu não consigo lembrar de nada. Nem quem eu sou, nem onde estou, ou o que estou fazendo aqui! — Ela tinha vontade de gritar de agonia.

— Seu nome é Faith Bennett. Ajuda em alguma coisa?

As duas a encararam esperançosas, mas ela continuou no escuro.

Faith Bennett era seu nome?

Bom, pelo menos tinha um nome.

— E quem são vocês? Devo conhecê-las?

Será que fazia parte daquela família? Como é mesmo que tinham dito? “Carter”.

— Ainda não — a loira, chamada Betsy, respondeu. — Mas vai fazer! — E ela deu pequenos saltinhos enquanto batia as mãos.

— O que quer dizer? — murmurou ainda mais confusa.

A tal Rebecca sentou na cama à sua frente.

— Você está aqui para casar com Gabe.

Gabe.

Sim, o rapaz que estava com ela no quarto quando acordara.

Lembrou-se imediatamente dele. E como é que podia esquecer?

Ela estava sem memória e não se lembrava de qualquer homem especificamente que tivesse conhecido, mesmo assim, duvidava que algum dia tivesse conhecido alguém como Gabe Carter.

Ele era muito atraente.

Absolutamente lindo.

Era essa a palavra que lhe vinha à mente quando se lembrava dele. Era realmente uma pena que estivesse naquele estado deplorável...

Espera, de onde vinham aqueles pensamentos insanos?

E o que foi mesmo que Rebecca dissera? Que ela estava ali para se casar com Gabe Carter? Mas aquilo era uma loucura sem tamanho!

Ela nem o conhecia!

Ou será que conhecia?

Ele tinha dito a mesma coisa, não tinha? Algo sobre ela carregar nas mãos uma foto.

— Como isto pode ser possível? — murmurou aturdida. — Não faço ideia de quem ele seja...

As duas se entreolharam.

— Bem, na verdade nunca o tinha visto antes mesmo — Betsy disse.

— Sim, você foi mandada por uma agência de casamento — Rebecca explicou.

— Agência de casamento?

— Sim, para se casar com Gabe. Talvez por isso sinta que não o conheça, porque realmente não o conhecia.

— E mesmo assim eu estava vindo me casar com ele? — indagou horrorizada. Oh, que tipo de maluca ela era?

— Sim, é muito romântico — Betsy suspirou. — Realmente, uma lástima este acidente com a diligência.

— Mas o importante é que, tirando a amnésia e esse galo que podemos disfarçar com pó de arroz, está muito bem! — Rebecca disse confiante.

— Sim, a outra moça parece que nem acordou ainda — Betsy murmurou.

— Outra moça?

Rebecca lhe deu um tapinha tranquilizador na mão.

— Não se preocupe com isso. Theodore, meu sogro, é um ótimo médico, tenho certeza que todos ficarão bem. Agora vamos deixar você descansar. Gabe foi chamar Theodore para lhe examinar, mas com toda aquela gente acidentada... Melhor descansar.

Becca deitou-a na cama, colocando a coberta em cima.

— Sim, Faith, descanse. — Betsy sorriu e ela queria mesmo fechar os olhos e esquecer.

Esquecer que tinha esquecido de tudo na sua vida.

Quando acordou novamente, havia um homem mais velho no quarto. E bonito.

“Será que todos naquela família eram dotados de extraordinária beleza?” — perguntou-se.

— Olá, não fique assustada. Eu sou Theodore Carter e além de ser pai do Gabe, eu sou médico. Como está se sentindo?

Ela mordeu os lábios.

— Minha cabeça dói.

— Sim, por causa da contusão — disse, enquanto a examinava. — Dói em mais algum lugar?

— Não.

Ele a encarou seriamente.

— Gabe me disse que não está se lembrado de nada.

— Sim... Por mais que eu tente... Nada me vem à mente.

— Irei lhe fazer algumas perguntas, vamos ver.

Ele perguntou em que ano estavam, quem era o presidente e coisas assim. Mas quando as perguntas iam para o âmbito pessoal, ela nada sabia responder.

— Bem, Faith. A senhorita está mesmo com uma amnésia.

— Amnésia? — A palavra parecia assustadora.

— A medicina ainda não sabe muita coisa sobre, mas é um trauma na sua cabeça, que deve ter ocorrido por causa da batida, que a fez esquecer quem é.

— E como é que eu me curo disso?

— Eu andei pesquisando sobre o assunto uma época e as pessoas que sofrem de amnésia podem voltar a se lembrar, sim. Às vezes demora apenas dias.

Ela suspirou aliviada.

— Mas também pode levar mais tempo. Semanas, meses. Ou às vezes volta aos poucos.

Oh, Deus, o que seria dela?

Pelo que tinha entendido até agora, estava numa cidade estranha, cercada de gente estranha e, para completar, não fazia ideia nem do próprio nome.

Ou melhor. Sim, ela se chamava Faith Bennett.

Já era alguma coisa.

— Mas não se preocupe, Faith. Vamos cuidar de você. Vai ficar tudo bem.

— Eu não quero... ser um estorvo...

— Claro que não será.

Ele se levantou ao mesmo tempo em que uma mulher com rosto bondoso entrava no quarto.

— Faith, esta é Selina, minha esposa.

A mulher lhe sorriu.

— Olá, Faith, eu realmente sinto muito por tudo. Espero que fique bem logo e que sua memória volte.

— Eu também espero — murmurou.

— Apenas descanse — Theodore completou. — Se precisar de algo, pode chamar. Eu voltarei ao hospital, mas Selina ficará aqui com você.

Ele se afastou e Selina se aproximou. Ela tinha um olhar maternal que passava segurança.

— Deve estar tudo muito confuso, não é? Não se preocupe. Tudo se resolverá.

— É horrível não saber nada...

— Eu imagino. Mas nós cuidaremos de você.

Faith fechou os olhos. A cabeça rodava, enquanto tentava puxar algo, qualquer coisa, do fundo da mente.

Não havia nada. Apenas o vazio.

Faith não conseguiu dormir, mas fingia que dormia, enquanto Selina Carter continuava por ali. Ouviu quando Rebecca e Betsy entraram no quarto fazendo perguntas e foram expulsas por Selina, que as acompanhou, finalmente, porta afora.

E só então deu vazão ao pranto.

Quando anoiteceu, ouviu uma batida na porta, seguida da entrada de Selina e das duas moças com olhares curiosos atrás. Selina trazia uma bandeja e lhe sorriu.

— Trouxemos seu jantar, querida.

— Obrigada — agradeceu, se sentindo sem graça. Embora não se lembrasse, tinha a impressão que nunca tinham lhe servido comida na cama antes.

— Espero que esteja tudo do seu agrado.

— Acho que estará sim. — Tentou sorrir.

Betsy e Rebecca cochichavam e Selina as fitou, contrariada.

— Vocês deveriam descer e esperar os maridos de vocês para o jantar.

— Mas queremos ficar com a Faith.

— Faith está se recuperando de um acidente e precisa de paz, e tenho certeza que nenhuma de vocês lhe dará isso agora. Desçam.

Contrariadas, as duas saíram do quarto e Selina a encarou.

— Elas estão muito curiosas com você.

— Comigo?

— Sim, há tempos esperam por uma noiva para Gabe.

— Oh. — Ela não sabia o que pensar disto.

Na verdade, era muito esquisito pensar nela como noiva de alguém. Ainda mais de Gabe Carter.

— Mas não se preocupe. Você precisa se recuperar, não as deixarei perturbá-la. Coma tranquila. Assim que chegar, meu marido virá vê-la.

— Tudo bem. Muito obrigada.

Selina saiu do quarto e ela se forçou a ingerir o jantar, embora a cabeça ainda doesse e a deixasse um pouco enjoada.

Theodore Carter apareceu logo depois, examinou-a, fez perguntas, mas ainda não tinha nada a dizer, a não ser que deveriam esperar sua recuperação.

Depois, ela ficou sozinha no quarto semiescuro.

Não lhe restava nada a não ser esperar.

Quem sabe o dia seguinte lhe trouxesse as memórias de volta. E então ela esperava entender o que realmente estava fazendo ali.

Achou que não dormiria, mas quando acordou já era dia e havia alguém no quarto. Ou melhor, duas pessoas.

Betsy e Rebecca.

— Bom dia, bela adormecida. — Rebecca sorriu enquanto abria as cortinas e Betsy trazia uma bandeja, que depositou na sua frente.

— Faminta? Tome seu desjejum.

— Ah, eu...

— Está fazendo um lindo dia. Pena que está neste estado e nem possamos sair para dar um passeio e exibir você para todas as moças da cidade!

Rebecca riu.

— Vai ser engraçado. Muitas ainda acham ter chance.

As duas riram agora de uma piada que Faith não compreendia.

Em seguida, bateram à porta e alguns criados entraram, carregando uma tina, enquanto duas criadas iam e vinham com baldes de água quente.

— Acho que deseja um banho, não? — Betsy disse. — Acabe de tomar seu café e pode relaxar na água morna. Theodore já foi trabalhar, mas ele voltará para vê-la assim que possível.

— Eu estou muito sem graça, não quero dar todo este trabalho.

Rebecca rolou os olhos.

— Não é trabalho algum.

— Sim, agora é nossa irmã! — Rebecca completou.

E embora se sentisse muito sem graça, apenas conseguiu um momento de paz depois que concordou em entrar na banheira.

Rebecca e Betsy saíram do quarto, prometendo voltar depois “para lhe contar tudo sobre Jackson” e, finalmente, Faith pôde respirar aliviada.

Olhou em volta, enquanto afundava na água morna.

Ainda não sabia o que lhe aguardava da porta para fora, mas os Carter deviam ser ricos, se levasse em conta a decoração elegante do quarto que estava.

E o que isso significava? Pensou em tudo o que acontecera desde que acordara com a mente vazia. Ainda não sabia quem era, apenas o que aquelas pessoas bonitas e gentis lhe diziam.

Seu nome era Faith, viera de outra cidade para se casar com Gabe Carter, que não só era muito bonito, mas provavelmente rico, e mesmo assim recorrera sabe Deus por que, a uma agência de matrimônio para conseguir uma noiva.

Será que não havia mulheres em Jackson?

Ou todas eram cegas por não repararem em Gabe Carter?

Era tudo muito estranho. E o que aconteceria com ela agora?

Sentiu a cabeça doer de novo e colocou a mão sobre a testa. Até pensar era difícil quando não se tinha pensamentos suficientes para juntar as peças soltas. Exausta emocionalmente, recostou-se na banheira, fechando os olhos.

Mas se sentou sobressaltada ao ouvir a porta se abrindo de repente; ninguém menos que Gabe Carter a encarava.


Capítulo 3

 

— Oh, me desculpe, eu... — balbuciou aturdido.

E, sinceramente, ela não sabia quem estava mais surpreso.

Gabe continuou ali, parado, seus olhos medindo-a, e Faith se sentiu corar. Havia muita água a cobrindo, mas sinceramente não cobria tudo. Seu rosto se tingiu de vermelho.

Ela não conseguia falar, a voz subitamente sumira.

— Achei que minhas irmãs estivessem aqui com você, mil perdões, senhorita Bennett — Gabe murmurou por fim, se virando para sair.

Faith já ia respirar aliviada quando o viu se afastar, mas de repente algo lhe ocorreu.

— É Faith.

— O quê? — Ele se virou novamente.

— Meu nome. Não gosto que me chamem de senhorita Bennett. Me chame de Faith.

Ele sorriu e algo se remexeu dentro dela.

Gabe Carter era realmente bonito.

— Tudo bem, Faith.

E ele se afastou, fechando a porta atrás de si.

Só então Faith se deu conta de como seu coração tinha disparado.

Levou a mão ao peito, respirando fundo, tentando se acalmar e não sentir mais vergonha ao relembrar a cena.

Mas era difícil.

Rebecca e Betsy voltaram ao quarto quando ela já estava vestida com a camisola novamente.

Betsy fitou-a criticamente.

— Vou trazer outra para você, não se preocupe.

— Eu não quero ficar usando suas coisas, Betsy.

A moça deu de ombros.

— Sim, tem razão. Assim que estiver bem, iremos à modista na cidade e faremos um enxoval completo para você. Ainda não sabemos que fim levou sua bagagem.

Faith suspirou pesadamente. Cada vez mais ficava devendo aos Carter.

— Não fique triste — Rebecca disse. — Tudo vai se resolver. Agora deite-se e descanse para ficar bem logo.

— Sim, prometemos ao Theodore que cuidaríamos bem de você. — Betsy sorriu, cobrindo-a.

Faith não queria ficar na cama, mas também não queria encarar o mundo além do quarto elegante dos Carter.

Um mundo desconhecido. E assustador.

O dia passou entre cochilos e as vozes animadas de Rebecca e Betsy.

Faith queria saber se Gabe tinha dito algo sobre o momento constrangedor que tinham passado, mas pelo visto ele não falara nada.

Ela se sentia aliviada. Pelo menos não teria que compartilhar a vergonha com mais ninguém.

No fim da tarde, Theodore Carter apareceu.

— Como se sente?

— Me sinto bem, minha cabeça já não dói.

— E sua memória?

— Nada ainda — murmurou.

— Certo, não fique muito preocupada. Sua memória vai voltar.

— E ela ainda terá que ficar de cama? — Rebecca perguntou.

— Se Faith já se sente bem, pode sair do repouso — Theodore respondeu e Betsy sorriu satisfeita.

— Que maravilha, poderá descer para jantar conosco! Vou achar um vestido para te emprestar.

Rebecca revirou os olhos, entediada.

Uma hora depois ela se olhou no espelho, enquanto Rebecca acabava de arrumar seus cabelos. Trajava um lindo vestido de Betsy Carter.

— Ficou perfeito em você. Gabe a achará linda!

Faith mordeu os lábios, incerta.

Não era importante que ele gostasse dela, era?

Não saberia dizer.

O certo era que, pelo que todos diziam, havia um único propósito em estar ali: se casar com Gabe Carter.

Seu coração se apertou de incerteza.

Se ao menos se lembrasse...

Era tão difícil entender por que tomara aquele tipo de atitude. Será que além da amnésia, o acidente também mudara sua personalidade? Porque de maneira alguma se imaginava querendo se casar com um homem desconhecido, viajando milhas e milhas atrás dele, apenas com uma foto na mão.

O que a levara até Gabe? Será que fora justamente o retrato? Porque ele era bonito como um anjo, com aqueles cabelos escuros e olhos verdes.

Ou será que era uma daquelas moças que queriam se casar com um homem rico? Ela só queria saber o que a motivara.

Mas será que tinha alguma importância agora que estava ali?

— Vamos descer! — Betsy a puxou pela mão e elas saíram do quarto.

O corredor era iluminado e tão elegantemente decorado como o quarto.

Desceram uma grande escadaria e Faith começou a ouvir uma doce melodia ao piano, enquanto percorriam o corredor até uma linda sala de visitas.

Parou, incerta, quando três pares de olhos a fitaram.

Dois rapazes que estavam em pé, perto da grande janela, eram desconhecidos, mas muito bonitos. Estes deveriam ser os irmãos de Gabe e maridos de Rebecca e Betsy.

Mas seus olhos passaram rapidamente por eles e foram até seu suposto noivo.

Ele estava em frente ao piano, e tinha se levantado quando entraram, como mandava as boas maneiras.

E sim, ele ainda era tão lindo como se lembrava.

— Então esta é a senhorita Bennett. — O mais alto dos rapazes sorriu. — Devo dizer que está bem melhor agora do que toda molhada e suja de lama. Bem melhor...

Faith ficou vermelha, mesmo intuindo que era uma brincadeira.

— Will! — Rebecca ralhou e a encarou. — Não ligue para meu marido, ele gosta de fazer brincadeiras.

— Sim, não ligue para ele — Betsy disse. — Mas devo dizer que está muito bonita mesmo, afinal, fui eu quem a arrumei e tenho muito bom gosto, não é Gabe? Faith não está bonita?

Ela prendeu a respiração, ficando ainda mais vermelha quando Gabe deu um sorriso de lado.

Gabe a viu corar e teve vontade de ir até ela e tocar seu rosto. O que era tremendamente ridículo, para não dizer inapropriado. Como fora o fato de ter entrado em seu quarto naquela tarde. Mas ele acreditara que Rebecca e Betsy estivessem com ela. Não fizera por mal, apenas queria saber como Faith estava.

Desde que a deixara no quarto depois de, acidentalmente, ver seus seios, estava evitando-a. E isto por vários motivos.

Primeiro, que todos se referiam a ela como “sua noiva”, o que ele achava um pouco exagerado, já que todos sabiam o que pensava daquela história. Até o acidente, Gabe estava certo de mandar a tal noiva de volta para o mesmo lugar de onde tinha saído, afinal, nunca concordara com aquela armação dos irmãos. Mas tudo mudara com o acidente e, agora, para piorar, ela estava sem memória. Como é que ia lhe dizer que não tinha a menor intenção de se casar, muito menos com ela?

Então ele resolvera esperar. Talvez a moça recuperasse a memória e assim pudessem ter uma conversa esclarecedora. E Faith Bennett iria, finalmente, embora de Jackson.

Mas pelo que suas cunhadas diziam, embora fisicamente parecesse bem, a memória dela ainda era um mistério.

E agora, o que ia fazer? Gabe passara aqueles dias debatendo consigo mesmo e evitando a tal moça. O problema era que, mesmo a evitando, não conseguia parar de pensar nela. Ou melhor, naqueles poucos segundos em que o lençol escorregara e ele vira seus seios. Certo, podia se envergonhar disso, mas era inevitável. E agora, enquanto ela caminhava ao lado das cunhadas pela sala, usando um lindo vestido de Betsy, ele só conseguia pensar em como gostaria de não só ver seus seios de novo, como também tocá-los para ver se eram tão macios como aparentavam. Ou, quem sabe, prová-los... Oh, inferno, o que estava pensando? Estava enlouquecendo? Nutrindo fantasias totalmente impróprias com sua quase suposta noiva, por quem não deveria sentir absolutamente nada. Além disso, ela estava convalescente. Era mesmo de se envergonhar.

Querendo distrair a mente, voltou ao piano e começou a tocar.

— Gabe, toque algo mais alegre, por Deus! — Rebecca suspirou entediada. — Deste jeito todos nós estaremos dormindo antes mesmo do jantar!

Faith o observou tocar piano.

Então, além de extremamente bonito e rico, Gabe Carter também tocava piano. Ela quase podia suspirar, deslumbrada. Mas se obrigou a manter a compostura.

Ainda não sabia qual seu lugar ali e não queria parecer uma idiota em frente aos Carter.

— Como está se sentindo, Faith? — Selina Carter perguntou ao entrar na sala, acompanhada do Doutor Theodore Carter.

— Bem — respondeu. — E queria aproveitar para agradecer todo cuidado que estão tendo comigo.

— Imagina, querida. Nós lamentamos muito seu acidente e espero que recupere sua memória logo.

— Eu também espero.

— Eu não vejo a hora da Faith estar totalmente restabelecida — Betsy disse, sentada ao lado do marido. — Quero começar logo todos os preparativos e...

— Betsy. — Gabe, que até aquele momento parecia absorto ao piano, parou de tocar e encarava a cunhada parecendo contrariado. — Acho que não é o momento.

— Mas, Gabe...

— Querida, vamos falar sobre isso depois. — James apertou sua mão, tentando fazer com que parasse. — Faith ainda está se recuperando.

— Mas é isto que estou dizendo! Quando ela se recuperar, eu...

— Vamos jantar! — Selina cortou o assunto e Faith olhava de um para o outro, confusa.

Era impressão sua ou havia uma tensão estranha no ar?

Será que era por sua causa?

Enquanto se dirigiam à elegante sala de jantar dos Carter, e empregados uniformizados serviam a comida, ela se perguntava de novo por que um homem como Gabe Carter precisaria mandar buscar uma noiva de uma agência.

E por que ele parecera contrariado quando Betsy falou sobre preparativos?

De alguma forma, Faith podia sentir alguma coisa estranha no ar e se perguntou se era por sua causa, ou se estaria insegura demais com sua situação a ponto de estar inventando coisas.

De qualquer forma, o jantar transcorreu sem percalços. Os Carter pareciam pessoas gentis e as conversas eram todas monopolizadas por Betsy e Rebecca.

Faith tentava não olhar para Gabe, mas era difícil, pois foram colocados frente a frente. Mesmo assim, tentava não parecer uma tola deslumbrada.

Depois do jantar, todos foram para a sala e Betsy parecia ter outros planos.

— Vamos para a varanda? A noite está tão quente...

— Quente? Betsy, está praticamente nevando lá fora! — Will riu e Betsy lhe lançou um olhar irritado, seguido por Rebecca.

— Fique aqui então. — Ela segurou o braço de Faith. — Mas nós vamos tomar um ar.

— Sim, já que nenhum de vocês quer ir conosco — Betsy completou e empurrou James de volta ao sofá, antes deste entender o que estava acontecendo. — Gabe me acompanha, não é? — E ela puxou Gabe em direção à varanda, atrás de Rebecca e Faith.

— Eu sei o que está fazendo — Gabe cochichou para Betsy, que apenas riu.

— Não sei do que está falando...

Estava claro que este era um plano das duas para que se aproximasse de Faith.

E ele sabia que devia desencorajá-las, mas de alguma forma, ele queria mesmo estar mais próximo da suposta noiva.

Claro que não era por nenhum dos motivos que Rebecca e Betsy queriam.

Ele precisava apenas ter a oportunidade de conversar com Faith e esclarecer alguns pontos.

E como desconfiava, depois de alguns minutos na varanda, Rebecca bocejou falsamente.

— Estou com sono, acho que vou entrar. Você me acompanha, Betsy?

— Claro que sim!

E as duas desapareceram, fechando a porta atrás de si.

Faith mordeu os lábios com força, assim que Rebecca e Betsy se foram.

E agora? Como é que tinha se metido naquela situação constrangedora?

Mas parecia que, desde que conhecera Gabe Carter, todas as situações eram embaraçosas.

Respirou fundo, tentando controlar seu coração subitamente disparado.

Gabe estava parado ao seu lado, enquanto fitavam as luzes do jardim dos Carter.

— Está realmente frio aqui — murmurou, sem saber mais o que dizer.

E sem aviso, Gabe tirou o casaco e colocou sobre seus ombros.

— Melhor agora?

Faith agradeceu pela semiescuridão, assim ele não a via vermelha.

— Obrigada.

— Não precisa ficar com medo — disse de repente, e Faith o fitou.

Um erro, claro. Ele estava perto. E ela tinha que levantar a cabeça para alcançar seus olhos.

Eram dourados. Ou verdes. Não estava bem certa. Mesmo assim, a perturbavam.

— Medo? — murmurou e ele sorriu de lado.

Faith engoliu em seco. Oh, Deus, por que ele fazia isto tão bem? Sorrir?

Era como se algo quente se enroscasse dentro dela, fazendo borboletas percorrerem seu estômago. Desviou o olhar.

— Tenho certeza que Betsy e Becca estão atrás da cortina neste exato momento nos espiando — disse divertido.

— Oh...

— Eu sei que deve ser estranho para você. Não se lembrar de nada.

— Sim, é assustador mesmo — concordou.

— Também sei que não deve fazer ideia dos motivos que a levaram a vir para Jackson.

— Achei que era para me casar.

Ele estava sério agora.

— Sim, mas não se lembra disso.

— Não, não lembro. E é realmente estranho imaginar que estou aqui para me casar com você, porque eu nem te conhecia e, mesmo se me lembrasse de tudo, não me lembraria de você.

— Mesmo assim viajou até aqui.

— Eu sei. Ou pelo menos é o que parece, não é? Mas não consigo imaginar... não consigo me imaginar fazendo algo assim. — As palavras saíram de sua boca sem que conseguisse contê-las, mas Faith se arrependeu um pouco. — Me desculpe.

— Não se desculpe. Eu a entendo.

— Mas eu não me entendo. — Sorriu nervosa. — Eu devo mesmo querer estar aqui, afinal, estou aqui! Mesmo não me lembrando... Não quero que pense que... Enfim, não me lembro dos motivos de ter viajado para me casar com você, mas acho que deve ter algum.

— Eu quero que saiba que não a obrigarei a nada — disse, e Faith franziu a testa.

— O que quer dizer?

— Que nada vai acontecer, antes que se lembre de tudo.

— Quer dizer sobre o casamento?

— Sobre qualquer atitude a ser tomada — disse com cuidado, e Faith tentou imaginar se havia algo mais.

Devia se sentir aliviada, não?

Afinal, não fazia ideia do que estava fazendo ali. Não sabia nem quem era!

Como é que podia sequer cogitar se casar?

Mas de alguma maneira as palavras de Gabe não causaram o efeito desejado.

Devia estar louca. A contusão na cabeça deve ter causado algo em seu cérebro, que não estava funcionando bem.

— Sim, concordo com você — disse por fim. — Muito obrigada.

Ele sorriu e ela estremeceu. Desviou o olhar, antes que se visse sorrindo para ele como uma idiota.

— Vamos entrar?

— Sim.

Assim que Gabe abriu a porta, ainda puderam ver os passos apressados de Rebecca e Betsy se afastando, e Gabe riu.

— Eu falei.

Faith poderia rir também, mas ainda estava nervosa com sua proximidade e tudo o que queria era se afastar.

— E então, conversaram bastante? — Betsy sorriu.

— Tenho certeza que você sabe, não é Betsy? — Gabe respondeu, mas Betsy lhe lançou um olhar inocente.

— Eu vou dormir, se não se importam — Faith disse.

Ela precisava se afastar um pouco dos Carter e colocar os pensamentos no lugar.

— Claro que não — Theodore confirmou. — Vou acompanhá-la para examiná-la e depois poderá descansar.

Theodore e Selina acompanharam Faith, e Rebecca se aproximou de Gabe.

— E então, nos conte, o que achou de sua noiva?

— Becca, ela não é minha noiva.

— Como não?

— As coisas não mudaram.

— Mas eu achei... — Betsy murmurou aturdida, sentando ao seu lado também.

— Eu não mudei minha opinião sobre este assunto.

— Mas não gostou nem um pouco dela? — Becca indagou.

Gabe desviou o olhar.

O que responder?

“Eu gostei dos seus seios. Pareceram perfeitos para caberem em minhas mãos.”

Com certeza não era isto que Rebecca queria ouvir.

— Oh, gostou? — Will riu malicioso e Gabe se sentiu corar como um idiota.

— Eu nem a conheço.

— Óbvio que não. — Rebecca rolou os olhos. — Mas irá conhecer!

— Eu gostei dela — Betsy comentou. — E você, o que achou, James?

— Eu a achei um pouco tímida — James respondeu. — Mas também pode ser toda essa situação. Ela deve estar bem confusa, sem se lembrar de nada.

— Sim, se antes eu não podia me casar com ela porque nem a conhecia, agora é pior ainda. — Gabe suspirou pesadamente. — Agora nem ela sabe por que aceitou vir para a cidade se casar comigo.

— Com certeza deve ter um motivo, afinal ela está aqui! — Becca falou. — Não sei por que não se casa com ela!

— Tem muitos motivos, Rebecca, e você sabe de todos, então é melhor que parem com este assunto. Faith ficará aqui até que se restabeleça e depois irá embora, entenderam?

E se afastou, irritado.

Betsy encarou Rebecca.

— Ele gostou dela — disse.

— Você acha mesmo? Ele me pareceu bem decidido a mandá-la embora, como antes.

— Ah, Becca, você é bem burra às vezes.

— Não me chama de burra! Will, fala para ela parar de me tratar assim.

Will riu e beijou o rosto da esposa.

— Querida, desta vez concordo com Betsy. Gabe gostou da tal Faith.

Betsy se levantou, animada.

— Ele está agindo assim porque acha que é o certo. Afinal, Faith está sem memória!

— Mas ele não queria se casar com ela antes — Rebecca insistiu.

— Sim, mas você não percebeu como ele olha para ela? Ah, claro que não, você fica olhando seu reflexo no espelho, não ia reparar nisso mesmo!

— Eu vou fingir que não ouvi seus insultos, porque quero mesmo acreditar que Gabe gostou de Faith Bennett! Seria perfeito! Ele finalmente vai se casar!

— As duas esquecem que Gabe ainda está decidido a não se casar — James as lembrou.

— Isto é um detalhe. — Betsy piscou. — Precisamos fazer Gabe mudar de ideia.

— E quanto à garota? Não acham que ela deve ter sua opinião levada em conta também? — James insistiu com a sensatez que faltava às duas.

— Ora, ela veio até aqui. Queria se casar, claro — Becca respondeu.

— Mas não se lembra disto — Will comentou.

— Não importa, uma hora ela vai lembrar. E se não lembrar, que diferença faz? O importante é haver casamento. — Becca encarou Betsy, pensativa. — Mas como faremos Gabe mudar de ideia?

— Eu já sei: vamos dar um baile!

— Baile?

— Claro! Escute meu plano...

 


Faith acordou tarde naquela manhã. Levantou-se e abriu as cortinas.

Ainda estava nublado lá fora. Será que era sempre assim nesta cidade?

De repente teve vontade de sair e conhecer os arredores. Tocou a testa. O galo parecia bem menor agora. Mas sua memória... Ela forçou a mente. E nada. Não havia nada ali.

Ou melhor, havia.

Havia Gabe Carter.

E seu sorrido de lado. E seu olhar esverdeado...

Ela suspirou.

Não sabia ainda como se sentia em relação a ele. Talvez fosse normal se sentir daquele jeito, afinal, estava ali para se casar, não era? Talvez já sentisse algo antes, mesmo não o conhecendo. Só queria se lembrar!

A porta do quarto se abriu e Selina Carter entrou, segurando vários vestidos.

— Bom dia, Faith, como se sente?

— Bem melhor, mas ainda sem lembrar de nada.

— Não se preocupe, vai se lembrar.

— Eu fico sem graça de ficar aqui assim, dando tanto trabalho.

— Mas já te falei, não está dando trabalho algum. Olha, Betsy separou estes vestidos para você. Will e James foram até o local do acidente para achar suas coisas.

— Tomara que achem, não quero ficar vestindo roupas emprestadas de Betsy.

— Ela não se importa e também tem tantas roupas que nem lhe fará falta. Então se vista e desça para tomar o desjejum.

— Obrigada.

Faith se vestiu com um dos trajes de Betsy e desceu as escadas.

A casa estava silenciosa e encontrou Betsy e Rebecca tomando café.

— Olá, bom dia. — Betsy sorriu. — Dormiu bem?

— Sim, obrigada.

— Meu vestido ficou ótimo em você.

— Selina me contou que James e Will tentarão achar minha mala, assim não precisarei mais emprestar suas roupas.

— Imagina, eu estou adorando vesti-la.

— E nos conte, Faith, será que na sua mala tem um vestido de baile? — Becca perguntou.

— Baile?

— Sim, nós vamos dar um baile daqui a alguns dias — explicou Betsy. — Mas não se preocupe, se não tiver nada apropriado, te empresto algo.

Rebecca rolou os olhos.

— Betsy tem tanta roupa que não poderá usar tudo numa vida só.

— Tenho mesmo e adorarei te emprestar algo fabuloso! Você precisa estar deslumbrante neste baile! Aliás, depois de tomarmos café, vamos para meu quarto para experimentar alguns vestidos.

Faith tentou sorrir, demonstrando animação.

Mas na verdade estava preocupada. Um baile?

Ela ainda se sentia tão insegura, como é que encararia pessoas estranhas num baile? E de alguma maneira, só de se imaginar dançando, ela já sentia dores no estômago.

Como prometido, depois de comerem, Betsy a arrastou escada acima e Rebecca foi para o jardim com um livro nas mãos.

Gabe apareceu enquanto lia e Rebecca fechou o livro, encarando-o com um sorriso.

— Ora, ora, quem está aqui tão cedo? Veio visitar sua noiva?

— Na verdade, meu pai pediu para verificar se ela está se sentindo bem, e caso não esteja, é para levá-la ao hospital.

— Ela está ótima, neste exato momento está com Betsy no quarto experimentando vestidos para o baile.

— Baile?

— Ah, ainda não sabe? Daremos um baile para a Faith daqui a alguns dias. Não é maravilhoso?

Gabe franziu o cenho, desconfiado.

— Por favor, não me diga que ainda não entenderam que eu não vou me casar e querem dar uma festa de noivado.

— Oh, Gabe, claro que não. Todos nós entendemos perfeitamente. Você não quer se casar com Faith Bennett.

— Então qual o intuito deste baile? E não venha me dizer que não tem nada por trás, que eu conheço você e Betsy e sei que estão tramando algo.

Ela deu um risinho afetado.

— É, nos conhece bem. Claro que estamos com algo em mente.

— E o que seria?

— Bem, Faith fez uma longa viagem apenas para se casar e ainda nem faz ideia que será rejeitada.

Gabe se sentiu incomodado com aquele pensamento. Sim, Faith estava sendo rejeitada. Até aquele momento não havia parado para pensar nisso.

Ela fizera uma longa viagem para se casar e ele iria mandá-la de volta.

— Enfim, ficamos preocupadas com ela, porque a achamos uma moça adorável. Então resolvemos ajudá-la.

— Ainda não entendi.

— Vamos apresentar a Faith aos rapazes da cidade, assim algum deles poderá cortejá-la e ela terá um casamento, não é maravilhoso?

Gabe fitou Rebecca, que sorria satisfeita.

Mas que diabos era aquilo agora?

— Está falando sério? Que ideia absurda é essa?

— Ora, Gabe, Faith quer se casar, é óbvio, senão não estaria aqui. E já que não quer se casar com ela, tenho certeza que achará quem queira!

Sim, colocando daquele prisma, Becca tinha razão.

Mas ele não conseguia gostar nada daquela história. Na verdade, só de pensar em Faith Bennett sendo exibida para todos os homens da cidade, ele sentia uma raiva insana por dentro.

— Faith sabe disso? — indagou friamente.

— Bom, ela sabe que você não quer se casar com ela? — Becca indagou com ar inocente e Gabe negou.

— Não, não sabe.

— Então acho melhor contar, assim ela já fica ciente de suas intenções. Não acho certo enganá-la. Pense que ela pode conseguir um ótimo partido! Eu e Betsy já estamos fazendo a lista de convidados e tenho certeza que virão ótimos rapazes que acharão Faith encantadora!

— Rebecca, ainda não posso concordar com esta ideia de vocês.

— Por que não? Mudou de ideia? Quer se casar com ela?

— Claro que não.

— Então não vejo por que nosso plano não seja bom!

— Faith está se recuperando de um acidente, nem sabe quem é, como pode querer que ela escolha um noivo?

— E por isto tem que ficar solteirona?

— Faith é muito jovem para ser chamada de solteirona.

— Ela quer se casar, pode não se lembrar, mas quer. Então este baile será perfeito. Ela poderá conhecer muitos rapazes.

— Ela pode não gostar de nenhum.

Becca deu de ombros.

— Acho que isso é com a Faith, mas tenho certeza que, sabendo que não a quer, ela vai tomar a decisão correta de arranjar outro noivo.

Gabe respirou fundo.

— Já falou com meus pais sobre isso? Acho que não vão concordar.

— Claro que falamos. Começamos hoje os preparativos.

— Ainda acho muito cedo, Faith sofreu um acidente.

— Gabe, querido, não se preocupe com nada, está bem? Nós tomaremos conta de tudo! Olha lá, Will e James chegaram.

E ela se levantou indo na direção deles.

— E então, acharam a mala?

— Achamos duas. Não sabemos qual é a dela.

— E será que vai se lembrar?

Betsy apareceu quando entraram.

— Cadê as coisas da Faith?

James lhe mostrou as duas malas.

— Onde ela está? — Gabe indagou.

— Está se trocando, já, já ela desce. Becca, precisa ver como ela ficou bonita com os vestidos. Deslumbrante. Vai fazer muito sucesso no baile.

Gabe quase bufou e Betsy o encarou.

— Becca já lhe contou sobre o baile?

— Sim, contou.

— Gabe não concorda, Betsy — Becca disse.

— Por que não? É uma ótima ideia! E vai servir para você também, Gabe, querido.

— Para mim?

— Claro, também vamos convidar várias moças, quem sabe não se encanta por alguma desta vez?

— Eu já conheço todas as moças desta cidade.

— Sempre tem alguém para se conhecer! — Betsy disse, abrindo as malas que James colocou sobre o sofá. — Hum, não gostei destas roupas aqui, muito simples... E desta outra... é, são mais bonitas. Deve ser a mala da Faith.

Rebecca pegou um dos vestidos.

— Isto não é da Faith, é bem maior que ela.

— Deve ser da outra moça, a que está desacordada até hoje — Will comentou.

— Hum, então leve para o hospital. E quanto a essa daqui, leve embora também, não gostei de nada.

— Betsy, são as coisas da Faith. — Becca a encarou, espantada.

— E daí? Não gostei de nada.

— Não vai jogar nada fora, Betsy — Gabe avisou.

— Está bem, está bem... — Ela fechou a mala. — Chame um criado e mande guardar a mala. Quando a Faith se lembrar que estes trapos, quer dizer, que estas roupas são dela, pode querer de volta. Mas duvido que isto aconteça. Assim que possível vamos a uma costureira e faremos vestidos lindos para ela!

— Olha, aí está nossa convidada. — Becca sorriu, olhando para a porta quando Faith apareceu.

Gabe a mediu. Vestia um dos vestidos de Betsy e seus cabelos estavam soltos. O tom escuro contrastava lindamente com sua pele branca.

— E então, acharam minha mala? — indagou ansiosa.

— Ah, querida, achamos sim, mas está tudo sujo de lama. Os empregados levaram para lavar. — Betsy mentiu e ninguém se deu ao trabalho de desmentir.

Betsy colocara na cabeça que iria vestir Faith e ninguém conseguiria fazer com que desistisse dessa ideia.

— Que pena.

— Não se preocupe com isso. Bem, eu e Rebecca vamos nos retirar agora para tratar dos preparativos para a festa. Quer nos ajudar, Faith?

— Eu não faço ideia de como posso ajudar — disse, sem graça.

— Fique aqui então.

— James e Will, podem vir com a gente? Precisamos passar algumas instruções — Rebecca falou e eles a seguiram.

Faith torceu as mãos, sem graça.

Era muito óbvio que Rebecca e Betsy estavam conspirando para deixá-la sozinha com Gabe.

Ela ousou lançar-lhe um olhar enviesado.

Ele parecia contrariado com algo.

— Está tudo bem? — indagou.

Ele passou a mão pelos cabelos escuros.

Faith sentiu os próprios dedos formigarem de vontade de fazer o mesmo.

— Rebecca e Betsy, às vezes, me exasperam.

Faith sorriu.

— Acho que posso entender por quê.

— Ah, não faz ideia... Como está se sentindo hoje? — indagou com uma precisão quase clínica.

— Muito bem.

Ele se aproximou e tocou o galo em sua testa. Faith quase deu um pulo, tamanho o susto.

— Oh, me desculpe — Gabe murmurou. — Não queria assustá-la. Eu ajudo meu pai com os pacientes.

— Ah, claro — disse aturdida.

— Ainda dói?

— Um pouco — respondeu.

Ele estava perto ainda, e embora não a tocasse, ela podia sentir seu cheiro maravilhoso, que atordoava seus sentidos.

— E sua memória?

— Nada ainda.

— Sinto muito, Faith.

Ela se afastou.

— Eu só queria me lembrar...

— Eu sei.

— Sua família está sendo muito gentil comigo, mas às vezes eu sinto... como se não fosse para eu estar aqui.

Gabe desviou o olhar e Faith sentiu que havia uma tensão no ar.

— Por que arranjou uma noiva por correspondência, Gabe? — indagou. — Não parece algo que... — calou-se, sem querer parecer intrometida. Talvez estivesse falando bobagens.

— Algo que eu faria? — Gabe completou. — Sim, tem razão.

— Não entendo...

— Faith, a verdade é que não fui eu quem mandou a carta para a agência. Foram meus irmãos.

Faith arregalou os olhos.

— Como assim?

— Depois que meus irmãos se casaram, minha família quer que eu me case também e vem tentando arranjar uma noiva para mim há tempos. E quando não tiveram sucesso com ninguém daqui, meu irmão Will teve a brilhante ideia de escrever a uma agência.

Não passou despercebida para Faith a ironia em suas palavras.

De alguma maneira, tudo parecia fazer mais sentido agora.

— Achei realmente estranho que alguém como você precisasse desse artifício.

— Meus irmãos acham necessário, por isso está aqui.

— Por que não escolheu nenhuma noiva da cidade? Tenho certeza que muitas moças iam querer casar com você.

Ele riu.

— Sim, muitas querem. Mas eu não quero nenhuma.

— Não quer se casar? — constatou.

— Não.

Faith ficou pensativa. Então era isso. Gabe Carter não queria se casar com ela.

Estava sendo obrigado pela família.

— Por que estou aqui ainda? — indagou por fim.

— Porque se acidentou. Eu sinto muito, Faith. Nunca foi minha intenção enganá-la. Soube desta história de noiva de correspondência no mesmo dia que chegou. Fiquei muito bravo com meus irmãos e disse que assim que a tal noiva chegasse, a mandaria de volta. Então ocorreu o acidente. Eu não poderia mandá-la de volta machucada e ainda mais sem memória.

Faith mordeu os lábios, absorvendo as palavras de Gabe.

Era um alívio descobrir a verdade por trás de toda aquela situação.

Fazia muito sentido agora.

Mas também era doloroso saber que estava sendo rejeitada.

Procurou não levar para o lado pessoal. Afinal, pelo jeito, Gabe rejeitaria qualquer moça que aparecesse ali. Mas não era qualquer moça. Era ela. Faith Bennett.

E mesmo sem lembrar quais eram suas expectativas em relação àquele casamento, sentia-se muito mal.

Respirou fundo, voltando a encará-lo.

— Obrigada por me contar — disse por fim. — Acho que devo ir embora, então.

— Não — Gabe discordou. — Não precisa ir embora. Não antes de estar totalmente recuperada.

— Não acho justo ficar aqui...

— Faith, não é justo você ir embora também.

— Tudo isto é bem constrangedor...

— Quem deveria estar constrangido sou eu. A culpa é minha, ou melhor, dos meus irmãos e suas ideias absurdas. Você não tem culpa de nada. Fique.

Faith se inquietou.

Não queria ficar naquela casa. Não queria ficar perto de Gabe, sabendo que ele nunca teve a intenção de ficar com ela.

Mas para onde iria?

Nem sabia quem era!

— Tudo bem, acho que posso ficar mais uns dias — anuiu. — Mas se puder enviar uma carta à agência, eu devo ter família em algum lugar, não é? Preciso voltar para minha casa.

Deus, ela se sentia uma idiota.

Por mais insano que fosse, por mais que não se lembrasse, havia uma parte dela que se considerava mesmo noiva de Gabe Carter.

Que os Carter seriam sua futura família.

Era mesmo muito tola.

— Claro, falarei com Will.

Ela se levantou.

— Obrigada, Gabe — murmurou e se retirou.

Gabe ficou observando-a ir, sentindo um imenso pesar.

Faith não tinha culpa de toda aquela confusão. E para piorar, ainda estava sem memória. Ele se sentia muito mal por tudo.

— Não acredito que fez isso! — Betsy e Becca apareceram e era óbvio que estavam escutando atrás da porta.

— Deviam ter vergonha de ficar escutando as conversas alheias.

— Gabe, coitada da Faith! — Betsy continuou. — Ela não merecia!

— Eu sei que não — concordou.

— Então por que a rejeitou? — Becca indagou.

— Vocês sabem os motivos.

— É um imbecil, Gabe, sério!

— Becca, muita calma. — Betsy lhe lançou um olhar de aviso. — Nós já sabíamos disto, não é? Vamos respeitar a decisão de Gabe. E já estamos aprontando tudo para o baile. Faith ficará bem. Tenho certeza que será um sucesso e terá muitos rapazes a cortejando...

— Ah, sim, ela estará linda e vai arranjar um noivo, claro! Aí nem precisará ir embora da cidade. Não vai ser bom, Gabe? Faith pode ser nossa amiga mesmo assim! Betsy, o que acha de Owen Franklin?

— Oh, Owen seria perfeito!

Gabe quase rosnou ao imaginar o idiota do Owen Franklin cortejando Faith.

Dançando com Faith.

Contemplando os seios alvos de Faith.

Ele se levantou irritado e se afastou.

Betsy e Becca trocaram um olhar e caíram na gargalhada.

— Você tem razão, ele está morrendo de ciúme, Betsy.

— Eu sempre tenho razão! E isto é só o começo, Rebecca, querida. Só o começo!


Capítulo 4

 

Faith fechou a porta atrás de si e caminhou até a janela.

Era normal se sentir daquele jeito? Como se a rejeição de Gabe fosse algo irreparável? Era mesmo uma tonta. Nem o conhecia, não podia sentir como se o tivesse perdido, se ele nunca fora dela.

Talvez fosse seu subconsciente. Claro, estava esperando se casar, viajara até ali para isso!

E agora não aconteceria casamento algum.

Será que estaria se sentindo tão mal assim se estivesse lembrando de tudo? Ou será que seria pior?

Desejou mais que tudo se lembrar.

Queria saber o que a motivara, por que viajara de tão longe para se casar com um homem desconhecido, apenas com um retrato e a promessa de um casamento muito rico. Mas não se imaginava querendo se casar apenas porque ele tinha dinheiro, ou apenas porque era muito bonito.

Fechou os olhos, forçando a mente a quebrar a barreira escura de suas memórias.

Mas nada aconteceu. Havia apenas o vazio.

Ouviu batidas na porta e Betsy entrou em seguida.

Tinha no rosto um sorriso gentil.

— Podemos conversar?

Faith tinha certeza que mesmo que quisesse dizer não, Betsy daria um jeito de convencê-la.

— Claro.

— Espero que não esteja triste com a rejeição de Gabe.

“Oh, Deus, será que era tão transparente assim?” — Faith se perguntou.

— Bem, eu não me lembro de nada, então...

— Mas você está aqui. Óbvio que queria se casar com ele.

— Não me lembro de nada, Betsy. De certa forma... Acho que deveria me sentir aliviada. Não consigo entender por que eu estava fazendo algo assim.

Betsy sorriu.

— Mas você fez.

— Sim, eu fiz...

Betsy segurou sua mão.

— Faith, não se aflija com nada. Tudo vai dar certo, você verá.

— Sinto que não deveria ficar aqui... Não é apropriado.

— Não diga bobagens! É nossa hóspede e não esqueça do baile!

Faith tentou parecer animada, mas era difícil.

— Vamos, mude esta cara. Vai ser uma festa fabulosa! Vem, vamos experimentar mais alguns vestidos. Tenho certeza que a deixará animada.

Faith a seguiu para fora do quarto. Betsy realmente não a conhecia, pois achava que o simples fato de estar experimentando vestidos elegantes fosse deixá-la feliz.

A questão era que, naquele momento, ela não fazia a mínima ideia do que a deixaria feliz.

Naquela noite, Faith evitou encarar Gabe no jantar e na conversa que se seguiu, com Betsy e Rebecca só falando do tal baile.

No fundo achava tudo tão inútil, mas com certeza magoaria Rebecca e Betsy dizendo que não queria participar de baile algum.

Além disso, era uma hóspede na casa dos Carter. Já que Gabe deixara bem claro que nunca iria se casar com ela, eles poderiam mandá-la embora, não tinham nenhuma obrigação de mantê-la ali, mesmo ela não tendo ideia para onde ir.

Mas eles estavam sendo muito gentis em hospedá-la e ela não poderia criar uma situação difícil dizendo que não gostaria de participar do baile que Betsy e Rebecca estavam se esmerando em organizar.

Felizmente, ela teve a ideia de usar o fato de ainda estar convalescendo para se retirar cedo para os aposentos.

— Ainda sente alguma dor, Faith? — Theodore Carter indagou preocupado.

— Apenas uma leve dor de cabeça, mas não se preocupe, acho que preciso apenas descansar. Se me derem licença.

— Claro. Vá dormir. E não deixe Betsy e Rebecca cansá-la demais.

 


— Então já está tudo pronto. — Betsy checou sua lista e a encarou. — Como se sente, Faith?

Faith deu de ombros.

Ela podia falar que na verdade se sentia ainda tonta com tantas coisas que Betsy e Rebecca falavam.

— Não parece animada. — Rebecca a estudou com a testa franzida.

— Mas claro que ela está animada — Betsy respondeu. — É um baile! Irá usar um vestido lindíssimo e vai dançar a noite inteira!

Faith arregalou os olhos.

— Dançar? Eu não danço — balbuciou.

Becca e Betsy se entreolharam e riram.

— Como assim, não dança? — Rebecca indagou. — Todo mundo dança!

— Eu não.

— Faith, como pode dizer isso? Aposto que nem lembra!

Faith torceu a mão no colo. Sim, tinha sentido o que Betsy dizia, mas de alguma maneira ela apenas sabia que dançar não era algo que fazia parte de suas habilidades.

— Eu apenas sei — murmurou. — Realmente não danço.

Betsy revirou os olhos.

— Mas vai ter que dançar... Tive uma ideia!

Betsy praticamente correu para fora da sala, deixando-a sozinha com Rebecca, que sentou ao piano, começando a tocar.

— Não sabia que tocava piano — Faith comentou.

Rebecca sorriu.

— Não tão bem quanto Gabe... E falando em Gabe...

Faith acompanhou seu olhar e viu Betsy entrando com Gabe na sala.

Seu rosto imediatamente se tingiu de vermelho ao vê-lo.

Era extremamente humilhante se sentir daquele jeito, mas também inevitável.

— Olá, Faith. — Gabe lançou-lhe um olhar rápido e encarou as cunhadas. — O que querem? Achei que estivessem superocupadas com os preparativos para o tal baile.

— Sim, nós estamos e queremos sua ajuda.

— Minha ajuda?

— Queremos que ensine a Faith a dançar.

Faith ouviu aquela sentença horrorizada.

— Betsy, não acho que é... — começou a balbuciar.

— Ora, Faith, é uma ótima ideia. — Rebecca sentou de novo ao piano. — Vamos, Gabe, Faith precisa dançar no baile!

Faith sentia-se presa numa armadilha.

Encarou Gabe e ele parecia aborrecido, passando os dedos pelos cabelos.

— Eu não acho...

— Sim, Gabe, por favor, nos ajude — Betsy pediu, saltitando ao seu redor. — Por favor...

Ele ainda pareceu relutar e então encarou Faith.

— Acho que elas não nos deixarão em paz.

Faith engoliu em seco. Sua última esperança era que ele se recusasse, mas ao que parecia, Betsy e Rebecca acabavam sempre conseguindo o que queriam.

E com o coração aos pulos, ela o viu se aproximar e estender a mão.

Faith a segurou e se levantou, fitando-o.

Ela tinha que levantar a cabeça para encará-lo.

Ele parecia tão perto e tão mais perfeito assim do que de longe.

Seu coração disparou um pouco mais, se é que era possível.

Rebecca começou a tocar.

— Desculpe-me, eu... — ela murmurou. — Não queria...

Ele sorriu e Faith prendeu a respiração, não só porque ele tinha um sorriso que mexia com alguma coisa dentro dela, mas também porque sentiu seus braços rodeando-a e puxando-a para si.

Faith respirou fundo, porque parecia que, de repente, todo o ar ao seu redor tornara-se rarefeito. Mas respirar também não era uma opção viável, pois o cheiro único de Gabe Carter adentrou sua narina... Era... deliciosamente intoxicante.

E a mente dela rodou, talvez tivesse caído no chão, se os braços dele não a tivessem segurando firme; a mão direita dele pousada em suas costas, mantendo-a perto, enquanto a esquerda segurava delicadamente sua mão.

E ter as mãos de Gabe Carter nela era... indescritível.

— Apenas se mova comigo — disse-lhe devagar, como se ensinasse uma criança a andar.

Ela se sentia tudo naquele momento, menos uma criança.

E então tropeçou em seus próprios pés, ruborizando de vergonha em seguida.

— Oh, me desculpe, eu realmente não sei fazer isso...

Ele riu.

Por que ele tinha que rir? Não percebia que seu estômago se revirava como se houvesse borboletas dentro dele quando fazia isso?

— Talvez saiba e tenha esquecido, como tudo o mais.

— Eu duvido, acho que é uma habilidade que temos ou não, e eu desconfio que não tenho nenhuma. — E bastou ela falar isto para tropeçar de novo, e agora nem sabia mais se era mesmo uma total falta de coordenação ou o fato de ficar perturbada perto de Gabe Carter.

Talvez fosse a combinação das duas coisas.

E ele riu de novo, seu braço, de repente, apertou-a um pouco mais, e ela se viu erguida até que seus pés estivessem em cima dos pés dele.

— Melhor assim? — Ele sorriu, mais perto ainda. O hálito morno beijava o rosto corado da moça. Ela achou delicioso.

Bem melhor, ela queria dizer, infinitamente melhor.

— Gabe, isso é trapaça — Betsy disse, e só então Faith lembrou-se que não estavam sozinhos.

Seu rosto queimou de vergonha mais uma vez e ela se afastou de Gabe.

— Sim, acho que não poderei fazer algo assim no baile — disse.

Rebecca riu.

— Com certeza não seria apropriado, mas tenho certeza que Owen Franklin iria adorar conduzi-la. Tenho um pressentimento que se darão muito bem.

Faith não fazia ideia de quem era Owen Franklin, mas ao encarar Gabe, ele parecia visivelmente tenso.

— Se me derem licença.

E se afastou, saindo da sala.

— Não ligue para ele, Faith. — Betsy lhe deu tapinhas na mão. — Tenho certeza que fará muito sucesso no baile.

— Sim, não se preocupe com a dança. Apenas se deixe conduzir — Rebecca acrescentou e encarou Betsy com uma piscadela. — Acho que está saindo tudo muito bem, muito bem mesmo.

E elas trocaram um olhar de entendimento que deixou Faith ainda mais confusa.

 


Era a noite do baile.

“O maldito baile” — Gabe pensou enquanto andava de um lado para o outro no grande salão dos Carter.

— Não parece feliz, irmão — Will comentou.

— É culpa da sua esposa — Gabe resmungou.

Rebecca e Betsy o estavam enlouquecendo lentamente.

Nos últimos dias não se falava em outra coisa naquela casa a não ser do tal baile.

E de como Faith Bennett seria uma beldade disputada por todos os rapazes solteiros da redondeza.

E Gabe não sabia dizer por que esta ideia o irritava sobremaneira.

Devia ficar satisfeito. Se Faith arranjasse um pretendente, ficaria livre da insistência de sua família sobre desposá-la e também amenizaria sua culpa.

Afinal, a moça tinha viajado de tão longe para se casar. E fora rejeitada por ele. E mesmo não se lembrando de nada, isso era um fato.

Mas ver Faith sendo disputada não o deixava tranquilo.

Deixava-o exasperado.

— Ei, a culpa é da mulher do James também — Will se defendeu.

— Deveria estar satisfeito, Gabe — James comentou. — Já que não quis a Faith, ela tem o direito de conhecer outro pretendente.

Antes que pudesse responder, Selina e Theodore apareceram no salão.

— Prontos, rapazes? Betsy e Rebecca estão acabando de arrumar Faith e já descerão — Selina disse. — Olhe, já estão chegando os convidados.

Gabe suspirou irritado e esperou.

Os convidados foram chegando, todos muito satisfeitos por estarem numa festa dos Carter, que eram conhecidos por darem as melhores e mais suntuosas festas da região.

E claro, hoje havia toda a curiosidade sobre a recém-chegada à cidade, Faith Bennett.

— Gabe!

Gabe ouviu a inconfundível voz de Josephine Stevens o chamando e pensou se seria muito deselegante fingir que não tinha ouvido.

Mas ela já se aproximava, estendendo a mão enluvada.

— Olá, Josephine — cumprimentou-a.

— Oh, Gabe, este baile está maravilhoso, se superaram desta vez!

— Os créditos são para minhas cunhadas.

— Ah, claro. Onde estão Betsy e Rebecca? Quero cumprimentá-las.

— Elas já descerão.

— Gabe. — Ele quase fugiu correndo ao ver Lauren Martinez se aproximando e lançando olhares poucos amigáveis a Josephine.

Lauren era mais uma que ainda achava que um dia casaria com ele. Assim como Josephine.

Mas Gabe achava as duas apenas extremamente cansativas em suas tentativas de agradá-lo.

Ele cumprimentou a recém-chegada educadamente.

— Estou muito feliz por ter me convidado, Gabe.

— Não foi ele quem a convidou, Lauren. — Josephine bufou.

— Não seja desagradável, Josephine. — Lauren sorriu forçadamente. — Mas gostaria de conhecer a sua hóspede, é tudo tão envolto em mistério... Cheguei a cogitar que ela nem existisse.

— Ah, sim. — Josephine fitou-o cheia de curiosidade. — Disseram que ela era sua noiva, mas eu não acreditei nisto nem um minuto, Gabe.

— Não, Faith não é minha noiva — Gabe respondeu e as duas trocaram um olhar de alívio.

— Ah, eu sabia que era fofoca, claro — Josephine comentou. — Oh, olha quem chegou, os Franklin.

Gabe viu os Franklin entrando e se lembrou das apostas de Rebecca.

Sua antipatia por Owen aumentou consideravelmente.

De repente, ouviu-se um burburinho.

— Quem é ela? — Lauren indagou, olhando em direção à escadaria.

— Acho que é Faith Bennett — Josephine murmurou.

Sim, definitivamente, era Faith Bennett.

Ainda mais bonita do que se lembrava. E ainda mais tímida.

Seu olhar seguia amedrontado enquanto descia as escadas, acompanhada por Rebecca e Betsy que, como sempre, estavam deslumbrantes.

Mas hoje todos os olhos estavam na desconhecida Faith Bennett, trajando um elegante vestido azul. Os murmúrios curiosos se propagavam intensamente.

Gabe viu seu rosto ruborizado e teve vontade de se aproximar e levá-la dali, longe de todos os olhares curiosos e dizer que tudo ficaria bem, que ela não precisava se exibir num baile de Betsy e Rebecca como numa vitrine.

— Ela é bonita — Lauren comentou com desdém. — Mas parece meio comum...

— Sim, não vejo nada de mais. — Josephine usou o mesmo tom invejoso.

— Acho que Owen Franklin pensa diferente — Lauren disse com malícia e Gabe encarou Owen, que olhava Faith Bennett como se esta fosse a mulher dos seus sonhos.

Gabe teve vontade de esmurrá-lo.

Rebecca e Betsy seguiram pelo salão apresentando Faith para os convidados e Gabe as seguiu com o olhar.

— Ela está linda. — James apareceu do seu lado. — Não acha?

— Ela não está linda, ela é naturalmente bonita.

James riu.

— Hum, não sabia que admirava tanto Faith Bennett.

— Estou apenas comentando o que é verdade — Gabe rebateu incomodado.

— Sim, devo concordar. Mas Betsy fez um ótimo trabalho hoje, acentuando a beleza natural dela. Vejo os olhares masculinos a seguirem como mosca no mel. Talvez Rebecca tenha razão e Faith ache logo um noivo.

— Chega desse assunto, James! — Gabe o cortou, irritado.

— Que assunto? — Betsy se aproximou, passando o braço ao redor de James.

— Estamos falando do sucesso de Faith Bennett.

— Oh, não é maravilhoso? Olhe para ela, está deslumbrante!

Faith continuava sendo exibida por Rebecca que, excepcionalmente hoje, parecia satisfeita em não estar em evidência.

— E o baile já vai começar! — Betsy comentou animada, puxando James. — Minha primeira dança é sempre do meu marido.

James beijou seu rosto.

— Deveriam ser todas.

— E você Gabe, trate de escolher suas preferidas! Lauren e Josephine estão muito bonitas hoje e tenho certeza que elas adorariam sua atenção.

— Eu não sei se eu adoraria dar atenção a elas.

— Oh, não seja chato! Ainda não desistimos de lhe arranjar uma noiva. Assim que Faith estiver casada, arranjaremos uma noiva para você também.

E com essas palavras que mais pareciam ameaças, ela se afastou com James.

“Assim que Faith estiver casada”. Essa sentença causava calafrios em Gabe.

E os calafrios se acentuaram quando ele viu Faith no meio do salão nos braços de Owen Franklin.

A vontade que tinha de se aproximar e arrancá-la de lá foi quase irresistível, mas ele respirou fundo.

Estava sendo ridículo. Faith Bennett não lhe pertencia.

Ela podia dançar com todos os homens da festa. E ser cortejada por eles.

Mesmo que lhe parecesse extremamente errado.

— Gabe, não fique aí parado. — Rebecca se aproximou e estava de braços dados com Josephine. — Vá dançar com Josephine.

Gabe quis recusar, mas não seria educado. E também não poderia passar a noite inteira odiando todos os homens que dançassem com Faith.

E conforme a noite foi passando, esta lista foi aumentando consideravelmente. Estavam todos encantados. Ela era a novidade mais quente da cidade desde a chegada dos Carter.

E Gabe não poderia culpá-los por se sentirem atraídos.

Ainda se lembrava de estar dançando com ela. De como achara encantador o seu rubor. De como gostara de tê-la tão perto, sentir seu cheiro fresco e único, de como ela parecera perfeitamente encaixada em seus braços.

— E então, Lauren está divina hoje, não? — Betsy se aproximou, depois que ele se livrou de Josephine e suas equivocadas tentativas de sedução.

— O que quer, Betsy? — Gabe indagou sem humor.

Seus olhos agora acompanhavam Faith, que conversava num canto com Owen Franklin.

Ele parecia absolutamente deslumbrado.

E Gabe se perguntava como Faith se sentiria em relação ao rapaz.

Será que estava gostando? Será que aceitaria algum avanço de Owen Franklin?

Só de pensar nisso, Gabe tinha ganas de esmurrar alguém.

— Nossa, que humor! Fique feliz, Gabe, a noite está sendo um sucesso! A Faith tem vários pretendentes e tenho certeza que choverão propostas de casamento muito em breve. Mas não é isto que eu lhe perguntei. Quero saber o que acha de Lauren. Ela me confidenciou que está apaixonada por você, não é lindo?

— Eu duvido muito que seja verdade, Betsy.

— Por quê? Oh, não quer casar com ela? Achei que seria perfeita. Ela é bonita e educada. Mas também temos Josephine. Embora a voz dela me irrite às vezes. Se você a preferir...

— Eu não prefiro ninguém!

— Mas tem que preferir! Você tem que casar, Gabe!

— Não vão me obrigar, Betsy! Quantas vezes falamos sobre isso?

— Eu sei. Ninguém está lhe obrigando! Mas uma hora terá que escolher uma moça e se casar. Olhe Owen Franklin, com certeza já está pensando em propor casamento a Faith.

— Não seja absurda, eles mal se conhecem — resmungou, ouvindo Faith rir de alguma coisa que Owen lhe dizia.

Gabe sentiu a raiva borbulhar.

— Isto se resolve. Tenho certeza que ele poderá frequentar a nossa casa para fazer a corte e então propor casamento. Oh, já posso antever que cerimônia linda seria. Teria tanta coisa para arrumar, mas daria tempo para ajeitar tudo em poucas semanas, ou dias...

— Para de dizer bobagens, Betsy.

— Não são bobagens! Olhe para eles! Estão se dando tão bem! Quero que se apaixone assim também, Gabe...

Cansado de ouvir as asneiras de Betsy, Gabe se afastou.

A princípio não sabia o que estava fazendo, mas quando chegou perto de Faith e Owen, ele soube.

— Me concede a próxima dança, Faith? — pediu.

Ela pareceu confusa e Owen Franklin enciumado, como se já tivesse algum direito sobre ela.

“Bom, ele estava enganado” — pensou Gabe.

Owen não tinha nenhum direito sobre Faith. Ainda.

— Sim — ela respondeu e o acompanhou para o meio do salão.

Ele a puxou para si, aspirando o cheiro de seu cabelo.

Era ali que ela deveria estar. Com ele. E não com Owen Franklin. Ou qualquer outro. O sentimento de posse que lhe acometeu foi tão forte que o assustou. Não deveria sentir nada, muito menos posse.

Faith Bennett não lhe pertencia.

E muito em breve, se os planos de Betsy e Rebecca dessem certo, ela pertenceria a outro.

Talvez Owen Franklin. Talvez outro qualquer.

Qualquer um menos ele.

Gabe não gostou nem um pouco deste pensamento.

Faith tentava desesperadamente não tropeçar.

Como tentara a noite inteira e até que teve sucesso.

Dança após dança, com tantos rapazes que nem se lembrava o nome direito. E todos pareciam querer agradá-la. Ela não entendia isto.

Não era bonita como Rebecca ou elegante como Betsy.

Ou mesmo charmosa como aquela garota chamada Lauren que vira tantas vezes com Gabe pelo salão.

Aliás, sempre que o procurava com o olhar, ele parecia estar acompanhado de alguma moça que o fitava fascinada, todas lutando por sua atenção. E como culpá-las? Gabe Carter era mesmo maravilhoso.

E agora ele estava ali, tão perto novamente. Os olhos verdes dentro dos seus, os braços à sua volta.

Ela dançara com uma infinidade de pares naquela noite, mas nenhum parecia segurá-la como Gabe Carter a segurava. Como se não fosse mais soltar.

Como se ela pertencesse àquele lugar.

O que era absurdamente ridículo. Ela não tinha nada a ver com Gabe.

Muito pelo contrário, ele deveria estar satisfeito com os planos mirabolantes de suas cunhadas para que ela arranjasse um pretendente. Assim se veria livre de sua presença para sempre.

— Não está tropeçando — comentou divertido e Faith corou.

— Já dancei tanto esta noite, acho que a prática leva à perfeição.

Gabe não pareceu tão divertido com essa afirmação.

— Principalmente com Owen Franklin.

— Ele é muito gentil — Faith comentou, sem saber mais o que dizer do rapaz que parecia louco para agradá-la.

Mas ela não sentia nada por ele. E por nenhum outro que conhecera naquela noite.

Nenhum a fizera ficar tonta apenas com um sorriso.

— Ele parece apaixonado por você — Gabe disse sem humor.

— Ele mal me conhece.

— Eu vejo como a olha, ele a acha bonita.

— Betsy e Rebecca se esmeraram para me deixar assim — disse sem graça.

— Você é bonita de qualquer maneira, Faith Bennett.

Faith se perdeu nos olhos incríveis, na voz perfeita que dizia que ela era bonita e quis acreditar.

Quis desesperadamente que ele a achasse atraente.

Era um pensamento tolo. Ela não precisava disto.

— Não me admira que Owen e todos os outros estejam caídos por você.

Ela corou mais ainda.

— É um exagero.

— Talvez Betsy e Becca tenham razão e muito em breve receba um pedido de casamento.

Faith desviou o olhar.

Por que ele estava dizendo aquelas coisas? Será que estava tão desesperado assim para se livrar dela?

— Você aceitaria? — ele indagou por fim e Faith não soube o que dizer.

Ela aceitaria se casar com algum daqueles rapazes?

Como ela podia sequer pensar nisto se nem sabia quem era?

Mas ela queria se casar, não queria? Afinal, viajara até Jackson para isto: casar-se com Gabe Carter. Mesmo sem conhecê-lo. E como fora rejeitada, seria normal aceitar outro pedido.

Que opção tinha? Talvez fosse o certo a fazer. Embora ela ainda não soubesse se teria realmente coragem para tanto.

No fundo, rezava para que logo descobrisse de onde tinha saído e pudesse, pelo menos, voltar para sua família, seja lá onde estivesse.

Se ao menos ela se lembrasse...

— Aceitaria? — Gabe insistiu, seus olhos inquisidores.

Faith respirou fundo.

— Eu não sei, sinceramente. Mas... Talvez sim, afinal, se estou aqui é porque desejo me casar, não?

— Sim, talvez tenha razão — Gabe comentou mais para si mesmo do que para ela. — Me preocupa não se lembrar de nada e dar um passo assim.

Faith se sentiu tocada com a preocupação repentina e sorriu triste.

— Não mais do que eu, mas mesmo que eu me lembre... talvez eu queira me casar.

— A música acabou, a próxima dança é minha. — Eles foram interrompidos por Owen Franklin.

Gabe a soltou e Faith sentiu certa tensão entre os dois.

— Claro, Franklin — Gabe disse por fim e se afastou.

Faith foi para os braços de Owen, vendo Gabe se afastar e duas moças o cercando cheias de sorrisos, e perguntou-se por que não sentia por Owen o mesmo que sentia por Gabe.

 


— Oh, o baile foi um sucesso! — Betsy comemorou assim que o último convidado se foi.

Faith não sabia se conseguiria andar novamente, tamanha era a dor nos pés de tanto dançar.

— E então Faith, o que achou? — Rebecca perguntou.

Ela ainda parecia linda, mesmo num fim de festa.

— Vocês sabem dar uma festa, com certeza — comentou.

— Isto nós já sabemos. — Betsy a encarou. — Queremos saber o que achou dos seus pretendentes!

— Não são pretendentes.

As duas riram.

— Claro que são! Todos a adoraram! — Becca sorriu.

— Principalmente Owen Franklin — Betsy disse. — E eu o vi pedindo permissão a Theodore para vir aqui lhe visitar, não é ótimo?

— Owen Franklin é rápido, não? — Will riu, seguido de James.

O único que não riu foi Gabe. Ele parecia estranhamente soturno e pensativo.

— Sim, e tem que ser, afinal, Faith é uma beldade e se ele não correr, pode perder o posto! — Betsy comentou. — E nosso Gabe também fez muito sucesso, não acham?

— Sim — Becca concordou. — Acho que ainda não podemos perder as esperanças com as moças da cidade. Tenho certeza que em breve Gabe escolherá uma.

— Eu já falei que não quero mais saber deste assunto, por que insistem? — Gabe indagou irritado.

— Não vamos desistir — Becca disse. — Aliás, Betsy, acho que já podemos planejar um próximo baile e devemos estender os convites às solteiras de cidades vizinhas, o que acha?

— Divino! — Betsy bateu palmas e Gabe pareceu mais irritado ainda.

Selina entrou na sala.

— Crianças, todos devem se recolher, foi uma longa noite e precisam descansar.

— Sim, claro. E amanhã será um longo dia. — Betsy bocejou. — Temos que arrumar Faith para esperar visitas...

Faith foi para o quarto ainda ouvindo a risada de sino de Betsy.

Visitas, pretendentes, casamento...

Sua mente rodava com tantas possibilidades que ela não queria nem pensar.

Queria apenas dormir.

E quem sabe amanhã tudo lhe parecesse mais aceitável.

 


Faith acordou muito cedo na manhã seguinte.

Deveria dormir, já que toda a casa ainda parecia silenciosa, mas não tinha sono. Estava inquieta.

Saindo da cama, ela se vestiu e resolveu dar uma volta.

Respirar ar puro e um pouco de silêncio. Betsy e Rebecca nunca a deixavam sozinha.

Jackson estava coberta de névoa.

Sentiu falta do sol.

Mesmo assim, caminhou pela imensidão verde, gostando de estar sozinha. Será que era uma pessoa solitária?

De repente ela parou, assustada, ao ouvir um estampido e soltou um grito.

— Oh, me desculpe.

Ela olhou para frente e viu Gabe fitando-a, culpado.

Ele segurava uma espingarda de caça.

— Não queria lhe assustar, Faith. O que faz acordada a essa hora?

Ela retirou a mão do coração, que ainda batia descompassado.

Agora nem era mais de susto.

Mesmo àquela hora da manhã nublada, Gabe ainda lhe parecia lindo.

— Estava sem sono e resolvi dar uma volta... O que faz dando tiro a esta hora?

Ele riu.

E ela quase suspirou.

— É a melhor hora para caçar. Meus irmãos deviam estar aqui, mas depois que casaram, vivem me deixando sozinho.

— Eles parecem felizes, com Becca e Betsy.

— Sim, parecem — Gabe comentou distraído.

— Bem, não quero lhe atrapalhar...

— Fique.

— Mas você está caçando.

— Pode me fazer companhia.

— Acho que caçar também não faz parte das minhas habilidades.

— Não lembra disto, de repente até sabe usar uma arma.

— Tenho certeza que não.

— Quer aprender?

— Eu? Provavelmente eu o mataria em vez de algum animal.

Ele riu.

— Tenho certeza que consegue, vem aqui, Faith Bennett.

E ela foi. Porque de alguma maneira, tinha vontade de fazer qualquer coisa que ele pedisse.

Ele parecia tão bonito parado ali, com os cabelos bagunçados pelo vento e o rosto corado de frio, lhe dizendo que ela era capaz de fazer algo tão drástico como usar uma espingarda.

— Eu ainda acho que corre risco de vida — disse, rindo quando Gabe lhe deu a espingarda.

— Não sou seu alvo. Olha aquele cervo ali.

— Não vou matar um cervo! — disse horrorizada.

Ele riu.

— Tudo bem. Vamos pensar em algum outro alvo. Aquele salgueiro ali adiante.

Faith respirou fundo e apontou.

Ele se posicionou atrás dela, e segurando suas mãos, colocou-as no lugar certo.

— Segure assim — disse.

Faith esqueceu de respirar.

— Atire! — ordenou e ela atirou. Claro que não acertou e Gabe riu. — Tem razão, é péssima.

— Eu avisei. — Ela lhe devolveu a arma, ainda sentindo um comichão onde os dedos dele tinham lhe tocado.

Sentou numa pedra.

— Acho melhor só ficar olhando.

Gabe pareceu incerto.

— Talvez queira entrar, está um pouco frio.

Sim, ela deveria entrar e, o mais importante, deveria se afastar dele.

Mas inesperadamente estava gostando de ficar ali, simplesmente na sua companhia.

— Tudo bem, eu quero ficar.

— Acho que está fugindo de Betsy e Rebecca.

Faith riu.

— Elas querem apenas ajudar. Mas sim, às vezes me cansam.

Ele posicionou a arma e atirou, e então coçou o cabelo ainda sem fitá-la.

— Devia estar se preparando para seus pretendentes, não?

Faith mordeu os lábios, não gostando do rumo da conversa.

— Sim, acho que sim.

Ele abaixou a espingarda, ficando pensativo de repente.

— Faith, queria conversar algo com você.

Ela esperou.

— Sim?

Ele abaixou o olhar, como se estivesse ainda incerto do que ia dizer, ou procurando palavras. Em seguida, fitou-a .

— Você se casaria comigo?


Capítulo 5

 

Faith achou que não tinha ouvido direito.

— O quê? — murmurou incerta.

Era impossível.

Gabe respirou fundo.

— Eu perguntei... se você se casaria comigo.

Pronto. Ali estava.

Ela realmente não estava louca. Gabe estava mesmo fazendo aquela pergunta.

O mesmo Gabe que deixara bem claro há algumas noites que não tinha a menor intenção de se casar com ela e nem com ninguém.

Faith o encarou, totalmente confusa e sem ação.

— Como assim... me casar com você? — indagou, tentando entender. — Você quer dizer... hipoteticamente?

— Não. Eu quis dizer... se você quer se casar comigo.

Agora sim ela perdeu o ar. E o estômago deu uma volta tão grande dentro dela que parecia que ia sair pela boca. Assim como seu coração, subitamente disparado.

— Mas... mas... você não quer se casar! — exclamou, ainda tentando achar algum nexo no que ele dizia.

Porque simplesmente não era possível.

— É verdade.

— Gabe, eu não entendo! Por que, então, está me perguntando se eu casaria com você se não quer se casar? É insano!

Ele sorriu, os dedos passando pelos cabelos, enquanto se aproximava e se agachava à frente dela.

E por alguns segundos malucos, Faith achou que ele estava ali para fazer alguma espécie de pedido formal, ajoelhado e tudo, e sentiu que ia desmaiar.

Mas deveria ter adivinhado as palavras a seguir.

— Faith, você conheceu meus irmãos. E minhas cunhadas. Enfim, minha família. Sabe o quão eles estão empenhados em me ver casado, custe o que custar. Há meses eu tento fugir e está ficando cada vez mais insuportável. A sua própria presença aqui é fruto de uma armação deles. Eu fui sincero com você. Eu disse que não foi ideia minha e disse que não tinha intenção de me casar com nenhuma moça que me fosse imposta. E não estava nos meus planos receber uma noiva aqui e muito menos que fosse acontecer o acidente. Eu me senti... extremamente culpado; e de algum modo mudou tudo. Eu estava disposto a lhe mandar de volta do mesmo jeito que chegou, mas não é justo depois do que aconteceu... Enfim, o que estou querendo dizer é que eu andei pensando em tudo o que está acontecendo, em tudo o que meus irmãos vêm aprontando e acho que eles realmente não me deixarão livre enquanto eu não me casar. E você está aqui.

Faith ia se sentindo cada vez mais confusa com aquele discurso.

Mas, de alguma maneira, ela já intuía onde ele estava querendo chegar.

E não sabia se gostava.

— Eu estou aqui e...

— E acho que devemos nos casar.

— Porque seus irmãos querem? Achei que nunca ia deixá-los lhe impor nada. — Sua voz saiu mais fria do que pretendia.

— Eu sei. Não é uma questão de impor. Eu acho que devo isso a você.

— Deve?!

— Sim, você pode não se lembrar, mas está aqui com um propósito, que é se casar. Por isso Becca e Betsy querem tanto lhe arranjar um noivo agora.

— É muito gentil da parte delas — Faith murmurou apenas para ter o que dizer em toda aquela conversa estranha.

— Sim, elas são exageradamente gentis — Gabe falou cheio de ironia. — E elas não nos deixarão em paz. Até que você se case, ou que eu me case.

— E por isso devemos nos casar um com o outro?

— Faith, eu sei que parece o pedido mais estranho do mundo. Mas eu acho que realmente devo cumprir com o prometido, mesmo não sendo uma promessa minha.

— Por quê? Apenas para se livrar de sua família?

— Não só por isso. Eu não quero que se veja forçada a se casar com tipos como Owen Franklin, sem nem saber quem você mesma é.

— Mas devo me casar com você? Qual a diferença?

— A diferença é que eu lhe deixaria uma escolha.

— Como assim?

— Você pode ir embora assim que recobrar a memória.

— Como é?

— Nós podemos anular o casamento.

— É esta sua ideia?

— Eu acho que seria adequado para ambos.

— Adequado? Nossa, Gabe, nunca ouvi nada mais romântico na minha vida — falou irônica. — Mesmo não me lembrando da minha vida!

— Preferia que eu mentisse para você?

— Eu acho que preferia nem estar tendo esta conversa. Ou preferia nem ter um dia achado que valeria a pena vir para este fim de mundo me casar com você!

— É por isso que eu estou propondo este acordo. Você nem sabe o que veio fazer aqui, Faith.

— Eu vim me casar com você. Não é o que dizem?

— Sim, mas agora você não sabe quem é. Eu não acho justo lhe propor algo para a vida inteira sem saber nada sobre você mesma.

— Então se eu não estivesse sem memória você ia querer ficar comigo para a vida inteira?

— Eu não sei. E nem você sabe.

— E por isso devo concordar em ficar casada com você?

— Até que se lembre.

— E depois? — murmurou.

— Depois nós vemos.

Faith respirou fundo várias vezes, desviando o olhar para o horizonte e tentando ordenar os pensamentos caóticos em sua cabeça.

Era a proposta mais bizarra que já tinha escutado na vida.

Ou talvez não. Afinal, o que ela sabia sobre seu passado?

Absolutamente nada.

Talvez a verdadeira Faith estivesse exultante em apenas se casar com um homem rico e bonito, não se importando se ele dizia que podiam cancelar o casamento depois.

E por que ela estava sentindo um vazio no peito? Por que em nenhum momento ele falara em amor ou afeto?

Era óbvio que ele não gostava dela. Eles nem se conheciam!

E o que ela devia fazer agora?

A razão lhe dizia para não aceitar.

Se Gabe Carter se sentia coagido pela família a se casar, ela não deveria se sentir do mesmo jeito. Mas Faith conhecia Betsy e Rebecca. Sabia que elas continuariam insistindo. E ela não tinha para onde ir. Obviamente as duas não poderiam obrigá-la a nada. No entanto, Faith tinha realmente medo de ser convencida.

E será que se casar com um rapaz como Owen Franklin seria melhor do que se casar com Gabe?

— Eu sei que parece muito confuso, Faith. E acredite, uma parte de mim não concorda com isso. Mas acho que, no momento, é uma saída digna para nós dois.

Ela voltou a fitá-lo.

Parecia tão perfeito como uma estátua grega, ajoelhado ali à sua frente. Os cabelos escuros bagunçados pelo vento. Os olhos verdes intensos pareciam suplicar para que ela entendesse.

E de alguma maneira insana e perigosa, ela queria entender.

E mais.

Ela queria aceitar aquela proposta maluca.

— Então acha que devemos nos casar e ficarmos casados por um tempo indeterminado, até que minha memória volte? — indagou mais uma vez.

— Sim.

— Você quer mesmo fazer isso? — insistiu e agora a sombra de um sorriso se delineou no rosto perfeito, fazendo seu coração disparar.

E algo quente se enroscar em seu ventre, descendo...

Ela respirou fundo.

— Isto é insano.

Ele agora sorria de um jeito quase infantil, como se estivesse prestes a fazer uma travessura e estivesse pedindo para Faith ir com ele.

E, por Deus, ela queria ir.

Estava perdida.

— E se eu disser que prefiro me casar com Owen Franklin?

O sorriso morreu no rosto dele.

— Não pode estar falando sério.

— Não... é apenas uma suposição. — Faith sorriu.

— Você morreria de tédio em poucos meses.

Faith parou de rir, fitando-o, incerta.

Então ele segurou suas mãos.

Estavam frias, mesmo assim ela gostou de ver seus dedos entre os dele.

Pareceu... certo.

— Eu não quero forçá-la a nada. E eu prometo não forçá-la a nada. Você estará segura comigo. E eu vou tratá-la muito bem. Toda minha família a adora. Quero apenas que se restabeleça e fique bem. Deixe-me fazer isso por você. Eu lhe livrarei das malucas das minhas cunhadas e de sujeitos como Owen Franklin. E se quiser ir embora, poderá ir quando estiver pronta.

— E, de quebra, também se veria livre de seus irmãos casamenteiros.

Ele riu meio tímido.

— Sim, isto me parece ótimo também.

Ela mordeu os lábios, ainda incerta.

Na sua cabeça, ela começava a ver as possibilidades.

Estar casada com Gabe. Vivendo com Gabe.

Dormindo com Gabe...

Ela baixou os olhos, o rosto tingindo-se de vermelho.

— Quando você diz... não me forçar e... que o casamento poderia ser anulado... — Deixou a questão no ar, sem coragem de continuar.

— Eu quero dizer que não vamos consumar o casamento — Gabe concluiu.

Ela sacudiu a cabeça em sinal de entendimento, retirando as mãos, delicadamente, que ainda estavam presas nas dele.

— E então? O que me diz? — Gabe insistiu.

Faith ergueu o olhar.

Poderia dizer não. Tudo continuaria igual; ainda ficaria de favor na casa dos Carter, aturando Betsy e Rebecca e seus pretendentes, como Owen Franklin que, ela tinha que confessar, era um tanto enfadonho. E sabe mais quantos viriam.

Ou podia aceitar se casar com Gabe.

Um casamento de conveniência. Mas ele lhe garantia que estaria livre se quisesse. Afinal, não seria consumado.

Ela ignorou a voz incômoda dentro dela que lamentava este fato.

Era vergonhoso e inapropriado.

Gabe tinha toda a razão.

Como poderia dormir com ele, quando nem sabia quem ela era? De repente nem era mais virgem. Quem é que ia saber? E se fosse uma viúva, por exemplo? Eram tantas possibilidades...

E ela não sabia o que fazer.

E foi por isso que sua resposta, dada numa voz meio trêmula, surpreendeu a si mesma.

— Sim, eu me caso com você.

— O que estão fazendo aqui?

Faith e Gabe se viraram e viram Betsy e Rebecca se aproximando.

Gabe se levantou.

— Talvez devesse perguntar o que vocês estão fazendo aqui tão cedo.

Becca e Betsy olhavam de Faith para Gabe, desconfiadas.

— Estávamos procurando Faith. Ela não apareceu para o café da manhã — Betsy disse.

— Sim, e nem estava em seu quarto. Ficamos preocupadas.

— Faith está perfeitamente bem — Gabe afirmou, mexendo em sua espingarda, distraído.

Betsy e Rebecca fitaram Faith interrogativamente.

— Por que está aqui? — Becca insistiu.

— Ele estava me ensinando a atirar — Faith respondeu.

— O quê?! — as duas exclamaram horrorizadas, encarando Gabe.

— Gabe, que modos são estes? É totalmente inapropriado! — Betsy ralhou.

— Sim, com certeza! Venha, Faith, deixe Gabe aí. — Rebecca fez Faith se erguer. — Vamos arrumá-la para receber seu pretendente...

— Faith não vai receber pretendente algum — Gabe advertiu.

— Claro que vai — Rebecca insistiu. — Owen Franklin.

— Owen Franklin terá que caçar outra noiva e deixar a minha em paz.

Faith teria rido das expressões de choque de Betsy e Rebecca se ela mesma ainda não estivesse em choque pelo que estava fazendo.

Gabe agora sorria, parecendo muito satisfeito, enquanto continuava a mexer na arma.

— Noiva? Você disse noiva? — Betsy murmurou.

— Sim, Faith acabou de aceitar minha proposta.

Betsy e Rebecca se encararam de bocas e olhos arregalados e então fitaram Faith, como em busca de uma confirmação.

— É verdade? — Rebecca perguntou.

— Sim, é.

E então, sem aviso, as duas começaram a gritar e pular e levavam Faith junto em seu entusiasmo.

— Eu não acredito! Finalmente!

— Você vai ser nossa irmã!

— Gabe vai se casar!

— Viva!

E Faith não pôde fazer outra coisa a não ser rir também.

Sem saber se era da alegria boba das cunhadas de Gabe ou de si mesma, por estar naquela situação.

Até que as três caíram sobre a relva ainda úmida, rindo feito crianças.


E depois, tudo passara tão rápido que Faith se perguntava se estava mesmo acontecendo.

Rebecca e Betsy eram um furacão e começaram os preparativos quase que imediatamente.

E a Faith só restava acompanhá-las em seus delírios, concordando com tudo com um meneio de cabeça.

E quando Will e James apareceram, elas os rodearam eufóricas. No começo eles pareceram incrédulos, mas depois de saírem e, provavelmente, confirmarem a história com Gabe, ficaram tão eufóricos quanto elas.

Será que pensariam assim se soubessem do acordo entre ela e Gabe?

Provavelmente, não.

Faith se perguntava se deveria se sentir culpada por estar praticamente enganando os Carter, mas a verdade era que não se sentia assim.

Eles queriam um casamento, não é? Então era o que teriam.

À tarde, Faith já estava cansada de Betsy e Rebecca e o tagarelar incessante sobre datas, vestidos e qualquer coisa que se referisse a casamento, e conseguiu escapar com um livro para o bosque em frente à casa. E já estava ali há algum tempo, quando Owen Franklin apareceu.

Faith tinha esquecido completamente dele e ficou até com certa pena quando ele lhe entregou um buquê de flores.

— Obrigada — disse, vermelha.

— A senhorita está muito bonita. Espero que não a esteja importunando com a minha visita.

— Sim, totalmente inoportuno.

Faith quase deu um pulo ao ouvir a voz de Gabe, que se aproximava com cara de poucos amigos.

Owen Franklin encarou-o, confuso.

— Carter, eu...

— Saia de perto da minha noiva, Franklin — Gabe pediu friamente, para o espanto de Faith.

Mas com certeza Owen estava ainda mais espantado.

— Noiva? Mas...

— Isto mesmo que ouviu. Eu e Faith estamos noivos, então proponho que vá fazer a corte em outro lugar.

Owen encarou Faith, que estava ainda mais vermelha com aquela situação.

— É verdade?

— Sim, é... Desculpe-me, Owen, eu...

— Eu não... Eu não sabia.

Era realmente de dar pena a confusão de Owen.

Ele encarou Gabe.

— Eu peço desculpas por minha intromissão. Eu realmente não sabia.

— Não teria como saber, Owen. Ficamos noivos essa manhã — Faith se justificou.

— Bom, agora que já foi informado, acho que pode ir embora.

— Sim, eu irei... — balbuciou. — Com licença.

Faith o viu se afastar cabisbaixo e encarou Gabe.

— Você foi insensível.

— Queria que eu o encorajasse a cortejar você? Ele teria que saber que estamos noivos.

— Eu sei, mas... — Ela deu de ombros. — Apenas fiquei com pena.

— Ele lhe deu essas flores?

— Sim, foi muito gentil... — Parou de falar ao ver a expressão de raiva de Gabe. — Você não gosta de Owen Franklin, ou é impressão minha?

Gabe pareceu se recompor, passando os dedos pelos cabelos.

— Eu apenas não gostei de vê-lo com você.

Faith não soube o que pensar.

— Ele apareceu... Eu tinha me esquecido de toda aquela história de pretendente... Eu estava aqui apenas para ler... — Ela mostrou o livro.

Na verdade, estava começando a achar exagerada aquela reação de Gabe, assim como as desculpas que estava dando.

— Tudo bem, Faith. Exagerei, não é? Acho que terei que me acostumar em ver os homens de olho em você. É irresistível demais sem nem perceber.

Faith corou até a raiz dos cabelos com aquelas palavras.

O que ele estava dizendo? Que a achava irresistível?

De repente sentiu dificuldade de respirar.

— Eu não sou... — balbuciou, sem conseguir terminar.

— Desculpe-me. Eu quis apenas dizer que... — De repente ele parecia tão sem graça quanto ela. — Que você é uma garota bonita. É natural que os homens a admirem.

Faith mordeu os lábios, abaixando o olhar.

Se ele continuasse a dizer aquelas coisas e a encará-la daquele jeito...

Ela não sabia como deveria se comportar.

Sabia apenas que seu coração disparava de uma forma alarmante, que borboletas pareciam sobrevoar a boca de seu estômago e que a temperatura de seu corpo subia de repente.

Um silêncio tenso se instalou entre eles, até que Gabe questionou o que estava lendo.

Ela mostrou o livro.

— Orgulho e Preconceito.

Ele sorriu.

— Jane Austen. Rebecca também gosta. Aliás, onde elas estão?

Faith deu de ombros.

— Eu não sei.

O sorriso de Gabe se alargou.

— Está aqui fugindo delas, não é?

Faith riu também.

— Elas estão impossíveis. Não sei como conseguem pensar em tanta coisa ao mesmo tempo...

— Isto vai acabar, não se aflija.

— Espero que sim.

— Vamos entrar?

— Sim.

Ela o acompanhou em direção à casa, e quando estavam passando pelos estábulos, um barulho de algo caindo lhes chamou a atenção e foram ver o que era.

Faith parou, chocada com a cena à sua frente.

Dentro do estábulo, encostados numa pilha de feno, Rebecca e Will se beijavam apaixonadamente.

E ela caiu na bobagem de fitar Gabe, que a encarou ao mesmo tempo, e seu rosto queimou.

Will e Becca continuaram a se beijar, alheios a qualquer movimentação à sua volta, e Gabe foi o primeiro a recobrar a compostura. Segurando o braço de Faith, girou-a para que se afastassem.

Faith não sabia por que estava mais envergonhada, se era por ter flagrado o casal num momento íntimo ou se era o fato de tê-los pego ao lado de Gabe.

— Sinto muito por isso — ele disse por fim, enquanto entravam em casa.

— Não, tudo bem... — ela murmurou.

— Becca e Will são... — Gabe parecia estar buscando a palavra certa. — Insuportavelmente apaixonados, às vezes.

Faith quis sorrir daquele adjetivo.

— Aí está você! — Betsy apareceu. — Onde estava?

— Lendo. — Faith mostrou o livro.

— Temos muito que fazer! Não pode sumir assim! E depois que Will apareceu, Becca também me abandonou.

Gabe e Faith não puderam evitar de trocar um olhar divertido, como se compartilhassem um segredo.

E Faith sentiu um comichão por dentro.

Ela gostara daquilo. Daquela sensação de compartilhar algo com ele.

— Enfim, vamos continuar a nossa lista do que temos que fazer e...

— Não, Betsy — Gabe a interrompeu. — Faith ainda está se recuperando, se não se lembra. Ela irá subir e descansar.

— Mas...

— Sozinha.

Betsy fez um muxoxo, mas não insistiu.

— Tudo bem. Vá descansar. Becca sumiu mesmo! Mas amanhã já aviso que vamos à cidade!

Naquela noite, os Carter pareciam estar em comemoração e Selina perguntou a data do casamento.

— Daqui um mês — Betsy disse.

— Um mês? Betsy isto é exagero! — Selina não concordou.

— Não temos por que esperar. — Becca encarou Gabe. — Não concorda, Gabe? Para que um noivado longo? Faith está aqui com um objetivo claro!

— Sim, Rebecca tem razão. Podem marcar a data. Tudo bem para você, Faith? — Ele a encarou.

E ela concordou.

Ia discordar do que agora?

Ela já tinha a impressão que tudo fora decidido, independentemente de sua vontade.

No dia seguinte, cumprindo o que tinham dito, Rebecca e Betsy a levaram para a cidade.

Todos as fitavam como se fossem as maiores atrações da cidade, e Faith desconfiava que eram mesmo.

Na costureira, Betsy e Rebecca tomaram as rédeas de tudo, escolhendo tecidos e modelos.

— Acham mesmo que tudo isso é necessário? — Faith indagou e as duas riram.

— Ainda é pouco! — Betsy disse. — Já fiz uma lista de coisas que virão de Paris! Mas não chegarão a tempo do casamento.

Enquanto estavam saindo, encontraram Josephine e Lauren.

— Oh, olá. — Josephine sorriu.

— Será que sobrou algum tecido? — Lauren sorriu forçadamente e Rebecca sorriu do mesmo jeito.

— Sim, deixamos os piores para vocês.

— Oh! — Lauren abriu a boca, chocada, mas Rebecca pareceu não ligar.

— Ah, e quero que sejam as primeiras a saber: Faith será nossa irmã! Ela e Gabe estão noivos!

Desta vez, Lauren e Josephine as fitavam em choque.

— Boas compras! — Betsy sorriu e as três saíram para a rua.

Rebecca e Betsy riam.

— Achei que a Josephine fosse desmaiar! — Betsy gargalhou.

— E a Lauren? Ela sempre foi uma das admiradoras mais assíduas do Gabe — Becca explicou. — Mas enfim, teve sua chance e não conseguiu. Agora ele é todo seu, Faith. As moças desta cidade vão morrer de inveja!

“Todo seu, Faith” — repetiu mentalmente.

Talvez fosse uma expressão inadequada, mas Becca não fazia ideia.

— Vamos visitar o hospital? — Betsy indagou. — Preciso pedir ao Theodore que envie meus pedidos o mais rápido possível!

Quando chegaram ao hospital, Betsy foi direto procurar Theodore e Rebecca e Faith encontraram Gabe.

Ele sorriu ao vê-las e Faith sentiu o já costumeiro frio no estômago.

— O que fazem aqui?

— Betsy precisa falar com Theodore. E nós fomos à costureira, estamos providenciando o enxoval da Faith.

Gabe a fitou, divertido.

— Não deixe que elas a cansem muito.

— Eu tento.

— Está se sentindo bem? Pode aproveitar que está aqui e meu pai a examina.

— Não, eu estou bem — garantiu.

— E aquela moça, Gabe? — Rebecca indagou. — A tal que estava na mesma diligência com a Faith, já acordou?

— Não, ela continua em coma.

— Posso vê-la? — Faith pediu num impulso.

— Ela está desacordada, Faith.

— Por favor — insistiu.

— Tudo bem — ele concordou.

— Eu fico aqui, odeio gente doente — Becca disse.

Gabe a acompanhou ao quarto da moça acidentada.

Faith fitou seu rosto pálido contra os lençóis.

Os olhos fechados eram verdes.

E, de repente, Faith sentiu uma tontura. Como ela sabia daquele detalhe?

Ela já tinha visto aquela moça... Sentia como se a conhecesse.

— O que foi? — Gabe indagou.

— Eu a conheço... Eu lembro dos seus olhos. Eram verdes. Muito bonitos.

— Está se lembrando de algo?

— Eu não sei... apenas... eu vejo o rosto dela sorrindo para mim. Ela é muito bonita... Apenas isto.

— Será que a conhece? Será que veio com você?

— Não sei.

— Pode ser alguém que conheceu na diligência.

— Sim, pode ser...

— Pedirei para que Theodore converse com você depois.

— Sim, mas... ainda não me lembro de nada... apenas isto.

Enquanto voltavam para casa, Faith se perguntava se aquele flash sobre a moça loira era um indício de que estava começando a se lembrar de algo.

E se perguntava também se a conhecia de algum lugar.

 


Mas os dias foram passando e mais nada surgiu em sua mente.

Ainda era um vazio.

E seu tempo era preenchido por Betsy, Rebecca e todos os preparativos.

Faith realmente não precisava fazer muita coisa, pois elas cuidavam de tudo e ela tinha apenas que concordar com suas escolhas.

Não que se ressentisse disto. Na verdade, Faith não tinha o menor interesse em toda aquela pompa. Ela só pensava em como seria estar casada com Gabe Carter.

Agora que eram noivos, nunca ficavam sozinhos.

Sempre havia algo que Rebecca, Betsy ou até mesmo Selina precisava falar com ela. E Faith desconfiava que faziam de propósito.

Às vezes ela tinha vontade de acordar cedo e ir caçar com ele de novo. Ainda se lembrava do calor do corpo dele atrás do seu, a voz perfeita que encheu seu ouvido enquanto a ensinava a atirar.

Mas não ousava ir atrás dele.

Mesmo assim, às vezes ainda conseguia se livrar de Rebecca e Betsy e se refugiar no bosque durante algumas tardes para ler.

Infelizmente elas sempre a encontravam uma hora, como agora.

— Achei! Precisa pensar em outro lugar para se esconder. — Rebecca sorriu.

Faith rolou os olhos, fechando o livro.

— Duvido que conseguirei me esconder muito tempo de vocês.

— Sim, eu também duvido. Vamos entrar, Betsy quer tentar alguns penteados em você.

Faith suspirou pesadamente e a acompanhou. Quando chegaram à sala, James estava lá, despedindo-se de Betsy com um beijo.

Não era um beijo do tipo que Faith vira Will e Rebecca trocando no estábulo, mesmo assim, ela se sentiu corar, meio sem graça.

E quando James se afastou, Betsy a fitou e riu.

— Você está vermelha!

— É impressão sua.

— Está vermelha porque viu James me beijando?

— Claro que não.

As duas riram, enquanto subiam para o quarto de Betsy, e depois Rebecca começou a mexer nos cabelos de Faith.

Betsy sentou à sua frente.

— Faith, posso lhe perguntar uma coisa? — indagou curiosa.

— Sim?

— Gabe já lhe beijou?

— Não! — Faith respondeu rápido.

Rebecca parou de pentear seus cabelos e a encarou.

— Jura? Ainda não a beijou? O que ele está esperando? Que lerdo!

Betsy revirou os olhos.

— Rebecca, só porque você foi para a cama com o Will antes de casar...

— Cala a boca! — Rebecca ficou vermelha e encarou Faith. — Não acredita nela, as coisas não foram bem assim.

Betsy riu sarcástica.

— Sei... Enfim, não precisa ser igual à Rebecca, tão desfrutável!

— Não sou desfrutável, você que é puritana! Enfim, Faith — Becca voltou a mexer no cabelo dela —, vocês já são noivos e tudo bem se Gabe quiser lhe beijar.

— Mas ele não quis... quer dizer — Faith mordeu os lábios com força —, nós nunca ficamos sozinhos...

— Ah... Sim, nós estamos tomando conta de tudo — Betsy disse. — Mas podemos ser um pouco flexíveis...

As duas piscaram e riram.

Faith tentou não ficar vermelha. Mas era impossível e as duas riram ainda mais.

Naquela noite, após o jantar, Betsy propôs que todos fossem para a varanda, depois que Theodore e Selina se recolheram.

— Que milagre é este que vocês duas não têm nada para fazer sobre o casamento hoje? — James perguntou.

— O casamento é daqui quatro dias — Becca falou. — Já está quase tudo pronto.

— Sim, será um casamento inesquecível! — Betsy disse, e então bocejou. — Ah, estou cansada, vamos entrar?

— Sim, também estou cansada — Becca disse. — Mas acho que a Faith precisa tomar um pouco de ar. Fique com ela aqui, Gabe. Nós vamos entrar.

Faith claramente percebeu a manobra de Betsy e Rebecca, enquanto elas desapareciam porta adentro.

Gabe riu.

— Elas podiam ser mais sutis.

Faith deu de ombros.

Agora que estava sozinha com ele, sentia-se sem graça.

— Eu quase não o vejo nos últimos dias.

— Com toda esta mudança de temperatura, o hospital anda com muito trabalho.

— Acho interessante que ajude seu pai. Também é um médico.

Ele riu.

— Praticamente. Eu sempre o ajudei, desde pequeno, e quando nos mudamos para cá, ele disse que eu podia ficar na Califórnia e ir para a universidade, mas eu não quis ficar longe da minha família e sabia que iam precisar de ajuda na fazenda. Porém, James e Will se deram melhor no cuidado das coisas da fazenda do que eu. E acabei voltando a ajudar meu pai. Creio agora que sei quase tanto quanto ele, e nem preciso mais ir à universidade.

— E a moça loira? Alguma melhora?

Faith pensava constantemente na moça desacordada.

— Ainda na mesma.

— É uma pena.

— E você, lembrou-se de mais alguma coisa?

— Não. Nada.

Então acabou o assunto e eles ficaram em silêncio.

Ouviram um barulho na janela e Gabe riu.

— Elas estão nos espionando.

Faith mordeu os lábios.

— Elas acham que...

— Acham o quê?

— Bem... elas perguntaram se você tinha me beijado.

Faith se arrependeu no mesmo instante de ter confessado a conversa com Becca e Betsy.

— Claro que eu respondi que não, mas... — ela disse rápido. — Acho que... elas esperam que nos beijemos.

Ela agradeceu mentalmente pela pouca luz da noite para camuflar seu rosto tingido de escarlate.

Gabe a fitou sem nada dizer por um instante.

— Então eu acho que devo beijá-la, não é? Não quero que desconfiem de nada — Gabe respondeu por fim e ela prendeu a respiração.

O rosto dele estava perto e foi ficando cada vez mais próximo, até que ela sentisse a respiração quente banhar seu rosto, arrepiando sua pele e mandando sensações de mil agulhadas por todos os poros.

E a realidade intoxicante de que ele ia beijá-la de verdade atingiu-a um pouco antes que seus lábios se encontrassem pela primeira vez.

Ela fechou os olhos, soltando um suspiro trêmulo, enquanto os lábios de Gabe pressionavam os seus, devagar a princípio, até que ela o acompanhasse, experimentando aquele contato e, sem pensar, apenas obedecendo a um instinto, tocou os lábios dele com a língua e Gabe gemeu.

Sem aviso, os braços a rodearam, trazendo-a para perto do corpo sólido e quente. E Faith derreteu de encontro a ele, entreabrindo os lábios para a invasão da língua masculina, que se enroscou na sua numa missão de reconhecimento que a fez querer mais do que o contato de suas bocas. Ela queria qualquer contato possível com ele e subiu os braços para rodear sua nuca, os dedos se imiscuindo entre os cabelos escuros, deixando de pensar, apenas adorando sentir todas aquelas sensações novas e deliciosas que percorriam sua pele e deixavam seu corpo queimando em lugares escondidos.

Ela queria que ele tocasse aqueles lugares e talvez ela tivesse perdido qualquer pudor e pedido exatamente isto, se o barulho de algo se quebrando não os interrompesse. Gabe a soltou, tão ofegante quanto ela.

Os dois olharam em direção ao barulho e um vaso de Selina havia caído da janela e se partido.

— A culpa é sua, Betsy! — Ouviram a voz de Rebecca.

— Minha? Você que quebrou! Selina vai lhe matar!

Faith passou a língua sobre os lábios, corando.

Tinha até se esquecido de Betsy e Rebecca os espionando.

Gabe passou a mão pelos cabelos.

— Desculpe-me...

— Tudo bem — murmurou. — Acho que agora elas estão satisfeitas.

— Elas estão, mas eu não... — ele resmungou e Faith ficou tentando imaginar o que ele queria dizer.

— Eu vou dormir — disse.

— Sim, boa noite, Faith.

— Boa noite, Gabe.

Ela se afastou e Betsy e Rebecca agora estavam sentadas no sofá, fingindo que bordavam, mas mal continham um sorriso malicioso.

— Eu vou dormir.

— Sim, descanse. Amanhã temos um dia cheio! — Betsy disse.

— Sim, vá descansar e dormir! Daqui a quatro dias estará casada, terá bem pouco tempo para dormir, se tomarmos como exemplo todo aquele fogo...

— Becca! — Betsy a repreendeu e Rebecca riu.

Faith subiu quase correndo para o quarto.

Mas não conseguiu dormir de imediato.

Sua mente ainda cheia de Gabe e seu beijo.

Daqui a quatro dias estariam casados.

E será que ele a beijaria de novo?

No dia do seu casamento, Faith acordou com vozes estridentes e animadas de Rebecca e Betsy.

— Acorde, acorde! — Betsy a sacudia, enquanto Rebecca abria as janelas.

Faith abriu os olhos, sonolenta.

— Hoje é o dia do seu casamento! — Rebecca exclamou eufórica.

— Sim, e temos muitas coisas para fazer! — Betsy a puxou.

Faith tentou ignorar o frio na barriga ao se dar conta que aquilo realmente estava acontecendo.

Hoje ela ia se casar com Gabe Carter.

Algumas horas depois, ela estava sentada em frente a um grande espelho, enquanto Rebecca se posicionava atrás dela.

— Bem, vamos começar arrumando seus cabelos!

— Já que você vai cuidar disto, eu vou descer e ver como está tudo lá embaixo! — Betsy se afastou.

E ao sair do quarto, encontrou Selina ocupada em arrumar alguns arranjos de flores.

Betsy sorriu satisfeita com toda a decoração. Estava tudo saindo como ela queria.

— Oi, Selina, está tudo pronto?

— Sim, tudo perfeito — Selina respondeu.

— Eu nem acredito que, finalmente, Gabe vai se casar, não é fabuloso?

Selina sorriu.

— Sim, eu estou muito feliz que finalmente ele encontrou alguém.

— Sim, tenho certeza que Faith é perfeita para ele. Eles foram feitos um para o outro! E este casamento será o mais maravilho que Jackson já viu! Ah, eu realmente sou muito boa nisto.

— Sim, Betsy, querida. Você é ótima, agora por que não vai atrás dos garotos? Eles precisam se arrumar, sabe como são os homens.

— Ah, sim. Eu os encontrarei.

Ela subiu as escadas e encontrou Will em seu quarto, ainda sem se vestir.

— Will, por favor, vá se arrumar, não quero que se atrase para a cerimônia.

— Cadê a Rebecca? Eu não estou encontrando a minha gravata.

— Rebecca está ocupada arrumando o cabelo da Faith, ela não pode vir agora.

— Então não poderei pôr uma gravata.

Betsy rolou os olhos.

Ela começou ajudar a procurar no armário de Will, e de repente ele ergueu um envelope.

— Olha isto! Finalmente encontrei.

— O que é?

— A carta da agência que enviou a noiva de Gabe.

Betsy pegou o envelope da mão dele, curiosa.

— Ainda bem que deu tudo certo no final, só você mesmo para sumir com uma coisa assim...

Seus olhos percorriam a carta e então ela parou e o encarou.

— Oh, meu Deus!

— O que foi?

— Tem alguma coisa errada aqui...

— Como assim?

— Com o nome da noiva... Está dizendo que ela se chama Elisa Parker.

Os dois se encararam sem entender.

— Não, o nome não é Faith Bennett? — Will indagou confuso.

Betsy começou a revirar o envelope.

— Sim, mas... Tem uma foto aqui... — Ela pegou a foto e então soltou um som abafado de horror, colocando a mão sobre a boca.

— O que foi, Betsy? Está me assustando...

Ela lhe entregou a foto.

— Mas esta não é a Faith... na verdade ela parece com aquela moça lá do acidente...

Eles se encararam em choque.

— Oh, meu Deus, Will, a Faith não é a noiva do Gabe!


Capítulo 6

 

— Então... Quem é esta Faith Bennett? — Will indagou.

— Como podemos saber? Como você não percebeu o engano? Você viu a foto!

— Confesso que não sou muito bom com fisionomia... Acho que nem prestei muita atenção...

— Óbvio que houve um tremendo engano! Por causa do acidente! E ela foi confundida...

— Com a verdadeira noiva que agora está em coma. Que confusão!

— Sim... E agora? E agora, o que vamos fazer?

— Temos que contar ao Gabe...

— Não!

— Como não? Ainda dá tempo de desfazer este mal-entendido!

— Mal-entendido? Isso é uma tragédia! Olha à sua volta, Will! Estamos a poucas horas do casamento.

— Não importa, Betsy. Não podemos deixar o Gabe se casar agora.

— Por que não? Não era isto que queríamos?

— Mas esta Faith não é a noiva!

— Agora ela é! Afinal, o Gabe a pediu em casamento.

— Mas ele não sabe quem ela é! Nós nem sabemos quem ela é! Temos que cancelar tudo e contar ao Gabe...

— Não... não vamos fazer isto.

— Betsy, você está louca?

— Por que contar ao Gabe? Ele vai cancelar o casamento!

— Claro que vai!

— Mas não pode! Eles têm que se casar!

— Betsy, sei que sempre torcemos para isso e chegamos até a fazer algumas armações, mas... acho que aí já é ir longe demais.

— Será que não vê? Gabe finalmente se decidiu! Ele quer se casar com a Faith, e se contarmos a verdade, ele não vai querer mais e estará tudo perdido!

— É o certo a fazer, Betsy.

— Não! Não posso concordar! Gabe tem que se casar!

— Ele pode ainda se casar com a tal Elisa...

— Aquela está em coma e sabe Deus se um dia vai acordar!

— Ela é a noiva!

— Não, a Faith é a noiva e neste momento está se arrumando para casar com Gabe e este casamento vai acontecer!

— Você enlouqueceu de vez. Eu vou contar ao Gabe.

— Não, por favor, Will! Não vamos contar! Vamos deixar tudo como está. Gabe e Faith se casam e tudo ficará perfeito.

— Betsy...

— Will, eles foram feitos um para o outro! Eles têm que ficar juntos! Quer que o Gabe fique sozinho para o resto da vida?

— Está sendo dramática.

— Não estou! O Gabe gosta da Faith. Acha mesmo que teria pedido para se casar com ela apenas porque estávamos fazendo pressão? Lógico que não! Por favor, Will! — Betsy implorou.

Will passou a mão pelos cabelos, confuso.

— E se a Faith se lembrar que nunca foi a noiva de Gabe?

— Aí eles já estarão casados!

— Talvez tenha razão...

— Eu sei que tenho razão.

— E se a tal Elisa acordar?

— Pode ser que ela nunca acorde!

Will ainda ficou pensativo por mais um momento e Betsy pegou os papéis de sua mão, saindo do quarto.

— Ei, Betsy, aonde vai? Volte aqui! — Ele a seguiu até a sala e viu-a jogando a foto de Elisa e a carta na lareira.

— Pronto. Acabou. Ninguém nunca vai ficar sabendo de nada... Nunca!

— Ainda não tenho certeza... Enganar o Gabe...

— Não estamos enganando ninguém. Estamos fazendo a coisa certa. Faith Bennett é a noiva de Gabe e eles vão se casar. É muito simples.

— Tudo bem... Eu vou contar à Rebecca...

— Não! Não pode contar a ninguém.

— Não posso esconder isso da Becca...

— Vai ter que esconder! Quanto mais gente souber, pior será. Tem que ser um segredo nosso, Will. Nem James, nem Becca precisam saber.

— Tudo bem... Eu espero que esteja certa.

— Eu estou certa, sim. — Ela sorriu. — Agora eu vou subir e ver se a Becca acabou de arrumar o cabelo da Faith para lhe ajudar a procurar a tal gravata! E boca fechada, hein?

Ela desapareceu escada acima e Will viu os papéis acabando de serem destruídos pelo fogo na lareira, ainda se perguntando se estava fazendo a coisa certa, quando Gabe apareceu com James.

— Onde estavam?

— Fugindo de toda esta bagunça. Fomos caçar.

— Podiam ter me chamado.

— Não o encontramos de manhã — Gabe respondeu e então franziu a testa.

— O que aconteceu? Está estranho.

Era esquisito ver Will muito sério daquele jeito.

O irmão sempre fora o mais brincalhão de todos e sempre pronto a fazer piadas.

Agora ele parecia excessivamente preocupado com algo.

— Gabe, podemos conversar? Tenho algo para lhe contar...

— Will, está doente? — James riu. — Nunca vi você querendo ter conversa séria, e quer ter logo hoje no dia do casamento do Gabe!

— Por isso mesmo! Gabe é meu irmão e quero ter uma conversa séria, qual o problema?

— Então fiquem aí, vou subir e me arrumar, porque não quero que Betsy fique brava comigo.

James se afastou e Gabe encarou Will.

— Tenho que concordar com o James, algum problema?

Gabe encarou o irmão, que abaixou o olhar, enquanto passava a mão pelos cabelos.

Realmente, Will parecia estar com algum problema, o que era bem estranho.

— O que quer conversar comigo? É sobre o casamento?

Ele o fitou.

— Gabe, quer mesmo se casar com a Faith?

Gabe ficou surpreso com a pergunta, porque desde que se casaram, os irmãos não faziam outra coisa a não ser insistir para que se casasse também, e agora que ele tinha decidido se casar com Faith, Will vinha com esta pergunta.

— Por que pergunta?

— Porque até pouco tempo dizia que nunca ia se casar e ficou muito bravo comigo por lhe trazer uma noiva. Sinceramente, achei que isto nunca ia acontecer.

Gabe riu.

— Achei que era isto que queriam.

— Mas e se... E se a Faith não for a moça certa? E se, de repente... houver outra noiva para você?

— Will, que conversa é essa? Como assim, outra noiva?

— Apenas uma suposição... Você a trocaria se aparecesse outra?

— Ainda não estou entendendo. Eu vou me casar com a Faith hoje, Will.

— Eu sei... por isso quero ter certeza que estou fazendo a coisa certa, quer dizer... que você está fazendo a coisa certa.

— Will, você bebeu?

— Não! É tão difícil acreditar que estou preocupado?

— Sim, é. — Gabe riu.

Realmente toda aquela conversa de Will era muito estranha.

Até aquele momento, sua família parecia plenamente satisfeita com seu casamento iminente.

Rebecca e Betsy não faziam outra coisa a não ser falar disso.

Até seus pais pareciam aliviados.

E Gabe achara realmente que estava fazendo a coisa certa.

Porque quando fizera a proposta a Faith, fora seguindo um impulso.

Ele não podia aguentar ter Owen Franklin a rodeando e depois vê-los se casando. E ela viera para Jackson para se casar com ele. Gabe.

Por que não podiam se casar?

Gabe podia ter uma lista sem fim de porquês.

Primeiro, que não queria se casar com alguém que Will mandara vir de uma agência. Desde o começo achara aquela história absurda e sem sentido. Não ia se casar por imposição. Mas depois, Faith aparecera e ele não podia mandá-la embora, estando sem memória. E ele também não podia se casar com ela.

Mas de alguma maneira, vê-la sendo cortejada, desejada, o enchera de ciúmes. Porque ele mesmo a desejava. Muito. E não podia ter.

E naquela manhã, ele estava ali sozinho, caçando, enquanto remoía o ódio de Owen Franklin e de qualquer homem que ousasse chegar perto de Faith quando ela aparecera.

E a única coisa que ele queria era escondê-la do mundo.

Não a queria com Owen Franklin.

E a ideia lhe ocorrera na hora. Podiam se casar. Ele não precisaria mais se sentir culpado por mandá-la embora.

E, de quebra, sua família ficaria satisfeita.

Mas ele ainda achava injusto impor uma coisa tão importante a Faith em seu estado. Ela estava desmemoriada, não fazia ideia de quem era, como podia se aproveitar disto? Por esse motivo eles não iam consumar o casamento.

Não enquanto Faith estivesse sem memória.

Porque ela podia, um dia, se lembrar, e achar que era um grande erro estar ali e querer partir. Na hora, lhe parecera um bom plano. Nada mais de homens à sua volta. Nada mais de Owen Franklin a levando embora.

Mas os dias foram passando e ele se perguntava se realmente ia dar certo. Até aquela noite em que a beijara. E agora ele só se perguntava se teria forças para fazer a coisa certa e não forçá-la a nada.

Porque ele não pensava em outra coisa a não ser em como suas bocas pareciam se encaixar com perfeição, e que, provavelmente, outras partes de seus corpos também se encaixariam.

E hoje à noite ele poderia saber. Mas não deveria.

— Então, Gabe, quer mesmo se casar com Faith Bennett?

— Sim, eu quero. Muito — respondeu com sinceridade.

— E não a trocaria por outra?

Gabe riu.

— Por que trocaria? Ela é perfeita.

Will sacudiu a cabeça afirmativamente, parecendo mais tranquilo.

— Tudo bem, acho que deve se casar com ela mesmo.

Gabe riu, levantando-se.

— Acho melhor ir se arrumar, antes que Becca venha lhe buscar.

— Sim, farei isso e acho que deve fazer o mesmo. Se algo sair errado, Betsy me mataria.

Faith sentia o estômago dando voltas, enquanto permanecia parada ao lado de Gabe e o padre pronunciava as palavras que estavam mudando sua vida para sempre.

E em poucos minutos estava casada com Gabe Carter.

Era oficialmente Faith Carter.

Ela se virou para Gabe e ele parecia ainda tão perfeito como antes.

“Meu marido” — pensou. As palavras ainda pareciam estranhas.

Ela se sentia estranha.

Mas agora não tinha mais volta.

— Pode beijar a noiva — o padre disse, e Gabe levantou o véu diáfano que cobria seu rosto. Faith prendeu a respiração enquanto ele se inclinava e a beijava de leve. Mas este contato bastou para arrepiar até o último fio do seu cabelo.

E ela só queria que ele a beijasse de novo. E de novo. Muitas vezes.

Porém, os convidados aplaudiram e se aproximaram, e daí por diante tudo passou como uma nuvem de confusão em sua mente.

Parecia que a cidade inteira estava lá. E todos a encaravam com admiração.

A nova Carter. Era um pouco assustador.

Tinha certeza que os olhares de Josephine e Lauren tinham mais inveja que admiração, e Owen Franklin parecia saudoso e triste ao cumprimentá-la de longe. Provavelmente ele estava com medo de Gabe.

Os rostos iam passando e ela se perguntou se lembraria o nome de todos depois, até que um homem se aproximou. Parecia bem distinto em seu uniforme de xerife e barba espessa.

— Faith, este é Lee Bennett, o xerife da cidade.

— Bennett? Que coincidência — Faith murmurou. Desse nome ela provavelmente se lembraria.

— Coincidência?

— Sim, o sobrenome de solteira da Faith é Bennett.

— Bom, podíamos ser parentes então. — O xerife riu. — De onde é?

Faith ficou vermelha, sem saber o que responder.

— Bem, não conheço ninguém da Filadélfia, senhorita Bennett, quer dizer, senhora Carter.

Faith achou muito estranho ser chamada de senhora Carter.

— Pode me chamar de Faith — pediu.

— O senhor sabe que Faith estava no acidente com a diligência e sua memória foi afetada — Gabe esclareceu.

— Sim, uma fatalidade. Infelizmente eu estava fora da cidade até ontem e meu substituto é um tanto incompetente. Ainda estou me inteirando sobre o ocorrido. Felizmente quase todos já se recuperaram e a única perda é da moça no hospital. Não sabemos quem é ainda, pois em sua mala não tinha nada que pudesse identificá-la. Pelo menos, a senhora está bem agora.

— Sim, se me comparar à pobre moça no hospital, eu tive sorte.

— Com certeza. Eu queria mesmo me reunir com a senhora em breve para que possamos conversar. Talvez tenha alguma informação...

— Infelizmente, duvido que Faith possa ajudar — Gabe disse. — Ela não se lembra de nada.

— É uma pena. Mas se lembrar de algo, por favor, não hesite em dizer.

— Claro, ficarei feliz em ajudar.

— Bem, Faith, seja bem-vinda a Jackson.

E ele se afastou.

— Como sabe que sou da Filadélfia?

— A agência para a qual Will mandou a carta era de lá. Acho que deve ser de lá também.

— Sim, é possível.

— Que coincidência ter o mesmo sobrenome do xerife; eu não tinha me atinado.

— Sim, uma coincidência...

— Provavelmente não há nenhum grau de parentesco mesmo. Pelo que eu sei, o xerife é um homem sozinho e não tem parentes na cidade.

— Ele não é casado? Pareceu-me bem-apessoado.

— Parece que foi há muito tempo.

— É viúvo?

— Eu não sei, deve ser. Estamos há pouco tempo na cidade.

— Faith e Gabe, agora é a hora de cortar o bolo! — Betsy chamou.

Gabe rolou os olhos.

— Já estou ficando cansado de toda esta festa.

Faith riu.

— Acho que posso dizer o mesmo.

Ele segurou a mão dela, guiando-a por entre os convidados.

E era muito bom sentir seus dedos entrelaçados.

Parecia... certo.

— Não se preocupe, já está acabando.

Faith sentiu de novo o estômago se apertando.

Sim, estava acabando. A noite já caíra e ela finalmente ficaria sozinha com Gabe.

Sua noite de núpcias.

E não ia acontecer nada. Ela deveria se sentir aliviada. Mas não era assim que se sentia.

E mais algumas horas se passaram de festa e felicitações até que Betsy e Rebecca a cercaram e a levaram para o quarto.

O quarto de Gabe.

— Ah, o casamento foi lindo! — Betsy dizia, enquanto a ajudava a tirar o vestido.

— Sim, toda a cidade não vai falar de outra coisa por meses! Foi fabuloso! — Becca disse, aproximando-se com uma camisola nas mãos e ajudando Faith a se vestir.

Faith encarou sua imagem no espelho, usando aquela longa camisola branca e começou a suar frio.

— Ei, o que foi? Está branca feito papel — Betsy comentou preocupada.

— Ah, deve estar preocupada com a noite de núpcias. — Rebecca riu. — Mas não se preocupe, querida, tudo vai ser perfeito! Aposto que Gabe sabe o que fazer!

As duas riram e Faith se sentiu pior ainda.

— Sim, Faith, não há motivo para pânico, eu também me senti assim, mas depois me senti uma idiota por ficar tão preocupada.

— Bom, eu já sabia o que esperar. — Rebecca riu. — Will e eu não conseguimos esperar, então foi só uma questão de aproveitar a noite.

Betsy a encarou com reprovação.

— Você é uma perdida, Rebecca!

— Não exagera! Eu recusei muitos homens! Mas Will era meu noivo e íamos nos casar, enfim, não lhe devo satisfação, e hoje a noite é da Faith. Vamos sair, o Gabe deve aparecer daqui a pouco.

— Sim, tenha uma boa noite, Faith. — Betsy piscou.

— E vamos querer saber todos os detalhes amanhã! — Rebecca disse antes de fechar a porta atrás de si.

E Faith ficou sozinha. À espera de Gabe.

A vontade que tinha era de se vestir de novo, mas nem fazia ideia de onde estariam suas coisas. E olha que ela tinha muitas coisas agora. Betsy e Rebecca tinham insistido em comprar uma infinidade de vestidos. Eram tantos que, provavelmente, ela não conseguiria usar todos nesta vida.

Faith olhou a noite escura de Jackson pela janela.

Ela tinha se casado. Mas não havia ninguém da sua família ali.

Será que ela tinha família? Será que estariam preocupados com ela? Por que ela aceitara viajar para aquela cidade e se casar com um desconhecido? Talvez fosse uma órfã. Era o mais provável.

E agora era uma Carter.

De repente, ela ouviu a porta se abrir e se virou.

Gabe entrou, fechando a porta atrás de si.


Capítulo 7

 

Faith sentiu o coração bater acelerado no peito ao vê-lo. Um misto de medo e ansiedade.

Ele a mediu através da luz fraca do quarto e ela se sentiu nua, embora estivesse usando uma camisola longa. Mordeu os lábios com força.

— Acho que não deveria estar usando isto, não é? Rebecca e Betsy insistiram... desculpe-me — balbuciou.

Gabe não falou nada por um momento e Faith se sentiu pior ainda.

— Eu... não faço ideia de onde estão minhas roupas... Talvez deva me vestir...

— Não, tudo bem. Tem que dormir com algo, não é?

— Sim... dormir — murmurou, e seus olhos foram para a cama automaticamente.

Gabe seguiu seu olhar.

Faith corou.

Ainda bem que o quarto estava à meia-luz, assim ele não veria o quanto ela estava vermelha.

— Você pode ficar com a cama, claro. Eu posso dormir no chão.

— Isto não me parece justo — murmurou.

“Mas o que seria justo?” — perguntou-se.

Ele dormir na cama com ela? Só de pensar na possibilidade, sentia seu rosto corar ainda mais. Se é que era possível.

— Isto não está em discussão, Faith — Gabe dizia enquanto se aproximava da cama e tirava alguns cobertores e travesseiro.

Faith mordeu os lábios, ainda incerta de como proceder.

Será que se fosse uma lua de mel de verdade ela se sentiria mais à vontade? Provavelmente, estaria nervosa do mesmo jeito.

Ou pior. Mas por motivos bem diferentes...

— Vá dormir, Faith — Gabe disse, agora com um certo tom impaciente na voz.

E Faith foi para a cama.

Sozinha.

Puxando as cobertas firmemente em volta do corpo, virou-se de costas, ainda ouvindo os movimentos de Gabe pelo quarto. Será que ele estaria se despindo? Fechou os olhos com força, crispando os dedos no lençol.

Era melhor não pensar. Não imaginar.

Apenas isso já era constrangedor.

E ela se perguntou onde estava com a cabeça quando concordara com aquele casamento que mais parecia um engodo.

Gabe, por fim, apagou as velas e o movimento cessou.

Faith tentou voltar a respirar normalmente.

Dormir lhe parecia impossível.

Seu coração parecia que ia saltar pela boca a cada respiração de Gabe, a cada movimento seu.

Ela suspirou pesadamente.

Seria uma longa noite.

Gabe se perguntou pela enésima vez que diabos estava fazendo dormindo no chão, quando o que mais almejava era estar na cama.

Mas não dormindo, definitivamente.

Ele gostaria de estar com Faith.

Se fechasse os olhos, ainda a via sob a janela, sua camisola diáfana deixando pouco à imaginação.

E naquele momento ele se perguntou se teria forças de honrar o que tinha prometido a ela. O que era certo.

Não consumar o casamento.

E foi, com muito sacrifício, que desviara o olhar e a mandara ir dormir.

Sozinha.

E agora lá estava ele, ouvindo sua respiração ritmada. E às vezes ela se mexia e murmurava algo desconexo num sono agitado.

E tudo o que ele quis, de repente, foi deitar ao seu lado e protegê-la.

Xingou-se mentalmente.

Sim, ele podia deitar ao lado dela, mas tinha medo de não conseguir se conter. Faith era perigosa para seus instintos.

Seria uma noite longa.

Faith acordou com os primeiros sons da manhã.

Ela achara que não ia conseguir dormir, mas em algum momento naquela noite, após o dia agitado, finalmente sucumbiu ao cansaço e adormeceu.

Seu primeiro movimento foi lançar um olhar para onde Gabe deveria estar. Mas o chão estava vazio. Sem nenhum vestígio de sua passagem por ali.

E ainda era cedo. Onde será que ele tinha ido?

Levantou-se e colocou um vestido, descendo para a sala.

Encontrou Betsy e Rebecca tomando café. Selina, provavelmente, já devia ter ido à igreja, onde passava boa parte dos dias, ocupando-se com trabalhos de caridade.

As duas a fitaram surpresas.

— Já acordada? — Rebecca indagou e Betsy levantou a sobrancelha.

— Tão cedo?

Faith deu de ombros.

— Qual o problema? Sempre levanto cedo — disse, sentando-se.

As duas se entreolharam.

— Não se espera que levante cedo no dia seguinte do seu casamento!

Faith ficou vermelha.

Claro, as duas, com certeza, achavam que ela teria passado boa parte da noite acordada.

Se elas soubessem...

— São apenas hábitos — respondeu sem conseguir encará-las.

— E cadê o Gabe? — Betsy indagou curiosa e Faith ficou sem saber o que responder, porque não fazia ideia de onde Gabe poderia estar.

— Quando eu acordei, ele já tinha saído — disse, dando de ombros. — Provavelmente deve estar ajudando seu pai no hospital.

As duas se entreolharam de novo.

— Ah, Gabe... sempre tão certinho! — Betsy rolou os olhos.

Rebecca se inclinou para frente, aproximando-se de Faith.

— E então, como foi?

Faith deveria saber que aquela pergunta viria, mesmo assim se sentiu corar de embaraço, sem saber o que responder.

— É... eu... enfim... eu... — gaguejou e Betsy e Rebecca riram.

— Não precisa ficar sem graça, Faith! Somos irmãs agora! — Becca lhe deu tapinhas conciliadores na mão.

— Eu sei, mas... se não se importam... gostaria de não falar sobre isso.

— Como não? — Becca parecia horrorizada. — Tem que contar! Estou morta de curiosidade, por favor, Faith!

Mas Betsy veio em seu socorro.

— Becca, deixe Faith em paz! Ela vai explodir de tão vermelha que está! Se ela quer guardar para si sua grande noite, deixe que guarde. Eu acho romântico! — suspirou.

Becca rolou os olhos.

— Eu só queria saber alguns detalhes, ora!

— Eu tenho certeza que você deve imaginar os detalhes, Becca. Deixe a Faith em paz!

— Ela podia ao menos falar se foi satisfatório...

Faith estava ficando cada vez mais embaraçada com o diálogo das duas, mas pelo menos elas a ignoravam como se não estivesse ali.

— Ah, meu Deus, por que não seria? Tenho certeza que o Gabe sabe o que está fazendo...

— Pois eu não teria tanta certeza se ela está aqui sem uma olheira...

E elas continuaram a discussão sobre suas suposições, até que uma criada entrou na sala e elas pararam com o assunto, para alívio de Faith.

Depois, Faith alegou um cansaço súbito apenas para se livrar de Rebecca e Betsy e suas perguntas indiscretas.

Claro que as duas ficaram soltando risadinhas enquanto Faith se afastava, e ela se perguntava até quando teria que aguentar aquilo.

Mas de quem era a culpa a não ser sua?

Tinha se enfiado naquele casamento de fachada e agora teria que suportar.

Se ao menos se lembrasse... Se soubesse quem realmente era. O que aconteceria? Será que ela e Gabe poderiam ter um casamento de verdade? Ou será que ela, finalmente, poderia ir embora daquela cidade?

Eram perguntas demais para sua cabeça.

Então se refugiou no quarto vazio o restante do dia com um livro de Jane Austen, até que uma batida na porta a sobressaltou e Gabe entrou.

Sentiu seu coração disparando no peito ridiculamente, enquanto levantava o olhar do livro. Ele parecia cansado e um pouco constrangido.

— Olá, Faith.

— Olá.

— Desculpe-me por... ter saído sem falar com você hoje, apenas precisei ajudar meu pai, há um mal súbito de gripe na cidade...

— Tudo bem — respondeu rápido. — Não precisa... ficar me dando satisfação, Gabe.

— Mas eu quero dar — ele disse naturalmente, enquanto começava a tirar a camisa, como se Faith não estivesse ali.

Ela se levantou quase de um pulo, e então Gabe pareceu se lembrar do que estava fazendo.

E foi a vez dele de corar.

— Oh, desculpe-me...

— Eu que tenho que pedir desculpas... — Faith murmurou, pegando o livro. — Eu vou descer... ver se sua mãe precisa de ajuda. — E se afastou quase correndo.

Realmente, aquela situação era ridícula.

Como é que iriam conseguir conviver daquele jeito?

No jantar, não demorou para Betsy começar a atazanar.

— Não deveria ter deixado a Faith sozinha hoje, Gabe, que coisa feia! São recém-casados.

— Eu estava trabalhando, Betsy. Precisam de ajuda no hospital.

— Sim, Gabe tem razão. — Theodore veio ao socorro do filho.

— Acho que deveriam viajar — Rebecca opinou.

— Becca, tem muito trabalho no hospital no momento — Gabe respondeu.

— Está certo. Mas acho que podemos programar uma viagem. De repente, nós todos irmos juntos!

— Sim, Paris, seria perfeito! — Betsy bateu palmas.

— Estamos entrando no inverno, Betsy — Theodore a cortou. — Ninguém vai viajar agora.

— Tudo bem, mas eu posso programar uma viagem para a primavera. Vai ser perfeito!

E as duas começaram a tecer planos para a tal viagem, deixando Faith em paz por enquanto.

Mas ela mal conseguia comer, porque estava pensando que até o fim da noite, estaria sozinha com Gabe de novo.

No mesmo quarto. Com uma cama.

E, para piorar, às vezes ele levantava o olhar e sorria para ela. Como se guardassem um segredo. O coração dela batia de um jeito descompassado, seu estômago se revirava de um jeito bom e uma espécie de ansiedade estranha a dominava.

E ela só conseguia desviar o olhar, rezando para não estar corando feito uma boba. Até que a tão fadada hora chegou, em que eles foram para o quarto e Gabe fechou a porta atrás de si.

Faith mordeu os lábios, incerta de como proceder.

— Não se preocupe com estas ideias de viagem de Betsy e Becca — Gabe disse, talvez achando que fosse isto que a desconcertava.

— Ah, acho que já estou me acostumando com o jeito delas. — Faith tentou sorrir.

— Sei como podem ser irritantes às vezes, mas você parece... diferente. — Ele a fitou, passando a mão pelos cabelos. Faith teve vontade de fazer o mesmo: passar suas mãos pelos cabelos dele.

— Como assim, diferente? — indagou.

Ele deu de ombros.

— Elas ficam animadas com a possibilidade de fazer compras, e você parece nem se importar.

Faith riu.

— Eu não me importo mesmo, mas... de repente eu sou assim e não sei. Ainda não sei quem eu sou.

— Duvido que seja diferente. Gosto de você assim.

Ali estava. De novo aquele sorriso de lado, aquele olhar que a aquecia, acompanhado das palavras desconcertantes. Ele tinha dito que gostava dela?

Claro que não deveria significar nada. Era apenas um modo de falar. Afinal, era bem fácil ele dizer que preferia o seu jeito ao de Becca e Betsy, que eram mesmo muito irritantes às vezes.

Era melhor ela não pensar naquelas palavras de maneira diferente.

— Quem sabe eu seja assim então — murmurou, dando de ombros. — Talvez eu me lembre...

— Sim, talvez se lembre...

— Bem, eu preciso...

— Sim, eu vou... vou sair para que possa se trocar.

E sem dizer mais nada, ele saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

Faith suspirou pesadamente e tirou o vestido, colocando uma camisola, desta vez, bem mais discreta, e se enfiou embaixo das cobertas.

Mas Gabe não voltou, até que, vencida pelo sono, adormeceu.

Gabe saiu do quarto e foi para a varanda. Ar frio ia lhe fazer bem.

Porque dormir com Faith no mesmo quarto estava lhe custando muito controle. Mais do que imaginara ser possível.

E de repente, ele desejou que ela recobrasse a memória. Que se lembrasse por que estava ali. E que queria mesmo se casar com ele.

E então... Bom, talvez ele pudesse finalmente dormir com ela. De verdade.

Ou talvez dormir não fosse a palavra certa... Sua imaginação começou a voar solta...

— Ei, o que faz aqui fora?

Tomou um susto ao ouvir a voz de Will.

— Eu que me pergunto o que faz aqui.

Ele deu de ombros.

— Precisava pensar... — Will desviou o olhar e Gabe se perguntou o que estaria afligindo o irmão. Will não era nem um pouco preocupado com nada.

— Está com algum problema?

— Não. Não estou mentindo para você, ok? — respondeu na defensiva.

Gabe riu.

— Ei, calma, o que deu em você? Não estou lhe acusando de mentir para mim, do que está falando?

Will desviou o olhar, vermelho.

— Nada, nada não... é só... não é nada.

— Certo... Se precisar conversar...

— Na verdade... Você podia dizer o que está fazendo aqui... Não está em lua de mel? — Ele riu, dando socos no braço de Gabe.

— Eu já estava voltando — desconversou. — Achei que ouvi um barulho.

— Ah, certo... Está tudo bem entre você e a Faith? Este casamento... Acha que fez a coisa certa, não é? — indagou seriamente, e de repente Gabe teve vontade de contar tudo a Will. Do acordo que fizera com Faith.

Mas se calou. Will não entenderia.

— Claro que sim. Eu vou dormir. Boa noite, Will.

Ele voltou ao quarto e Faith dormia.

Menos mal.

Ele duvidava que conseguiria dormir direito.

 


— Mas o que está acontecendo aqui?

Faith acordou sobressaltada com a voz feminina incrédula e, ao abrir os olhos, Rebecca e Betsy estavam no quarto.

E elas encaravam horrorizadas Gabe ainda dormindo no chão.

Oh. Oh. Tinham sido descobertos!


Capítulo 8

 

Faith empalideceu, mais horrorizada que Betsy e Rebecca, e fitou Gabe em busca de ajuda.

Ele parecia aturdido e irritado. Mas não pego num flagrante de mentira.

— Que diabos as duas estão fazendo aqui? — Ele se levantou, falando com censura.

— A gente achou que você já tinha saído... — Becca balbuciou.

— Viemos acordar a Faith e... — Betsy continuou.

— Fora daqui! — Ele segurou a porta.

— Mas... Por que está dormindo no chão? — Becca ainda tentou perguntar, mas Gabe foi irredutível.

— Agora!

As duas saíram trocando olhares consternados e Faith se permitiu respirar, assim que Gabe fechou a porta atrás das cunhadas.

— Desculpe-me por isto...

— Elas nos descobriram... — Faith murmurou.

Gabe passou a mão pelos cabelos, soltando uma imprecação baixa.

— Elas não têm nada a ver com isto.

— Mas... Elas vão fazer perguntas...

— Não precisa explicar nada a elas, Faith.

— Você as conhece, elas vão insistir...

— Apenas diga que elas não têm nada a ver com o nosso casamento. Já está na hora de pararem de se intrometer mesmo — Gabe dizia enquanto vestia uma camisa, e só então Faith se deu conta de sua seminudez.

— Elas vão desconfiar... — murmurou, abaixando o olhar numa onda de embaraço, sentindo o rosto esquentar.

— Eu darei um jeito nisto, não se preocupe.

Faith tentou acreditar nele.

— Eu não sei... toda esta situação...

Ele se aproximou de repente e ela se surpreendeu quando sentiu os dedos levantando seu queixo.

— Eu sei que é difícil, Faith. E não quero que minha família torne as coisas piores. Mas tudo ficará bem, eu prometo.

Faith sentiu dificuldade de respirar. Ele estava tão próximo...

E ela baixou o olhar para sua boca... Muito perto... Se apenas se movesse um pouquinho...

“Beije-me, Gabe!” — Era o que tinha vontade de dizer, mas em vez disso apenas balbuciou:

— Como? Eu não consigo me lembrar de nada ainda...

Os dedos mornos, de repente, pareciam queimar, enquanto faziam uma leve carícia em sua pele.

E por um momento achou que Gabe estava pensando o mesmo que ela...

Mas no minuto seguinte ele se afastava.

— Vamos esperar. Eu vou descer e conversar com Becca e Betsy.

— Tudo bem.

Ele saiu, fechando a porta atrás de si, e Faith se perguntou se tinha imaginado aquele momento.

Quando desceu, Betsy e Rebecca nada falaram. Mas era visível que elas estavam se remoendo de curiosidade. Faith se indagava o que Gabe havia falado para calá-las.

Infelizmente, o voto de silêncio não durou até o fim do dia.

À tarde, Betsy bordava e Rebecca tentava tocar piano, mas, de repente, fechou-o com um estrondo, assustando Faith, que tentava ler um livro.

— Ah, já chega! Faith, o Gabe pode até mandar cortar minha língua, mas eu preciso saber que diabos está acontecendo!

Betsy suspirou, colocando o bordado de lado.

— Sim, Faith, sei que nos acha duas enxeridas, mas estamos preocupadas! Por que o Gabe estava dormindo no chão?

Faith respirou fundo. E agora? As duas a fitavam esperando uma resposta.

— Nós brigamos — mentiu.

Rebecca saiu do piano, sentando ao seu lado e Betsy fez o mesmo.

— Como assim, brigaram? — Betsy indagou. — No segundo dia de casados?

— Brigaram por quê? — Becca insistiu.

— Gabe é... bem... Conhecem Gabe há mais tempo do que eu, ele é bem irritante às vezes... — gaguejou.

— E o que nele lhe irritou?

— Olha, eu não me sinto à vontade para falar...

— Você se recusou a fazer alguma coisa? — Rebecca indagou curiosa.

Faith não entendeu do que Rebecca estava falando.

— Como assim?

— Como posso dizer? Ele lhe pediu para fazer algo estranho... na cama?

— Becca, isto sim é indiscrição! — Betsy ficou vermelha e então Faith entendeu, ficando vermelha também.

Betsy arregalou os olhos.

— Gabe é um pervertido?

— Ai, Betsy, tudo para você é pervertido! — Becca rolou os olhos e então fitou Faith. — Olha, Faith, algumas coisas... podem parecer estranhas se pensarmos em fazer, mas quando fazemos... podemos gostar... muito...

— Não, não tem nada a ver com... isto... — Faith podia sentir o rosto queimando.

— Oh...

— E o que seria? — Betsy insistiu.

— Nós simplesmente não concordamos em algo e...

— Meu Deus, você é uma megera. — Becca riu.

— Não sou uma megera!

— Colocou-o para dormir no chão no segundo dia de casada!

— Ah, Becca, você coloca o Will toda semana para dormir no celeiro! — Betsy disse para Rebecca e encarou Faith. — Sorte do Gabe. Rebecca coloca Will para dormir no celeiro quando eles brigam!

— Tenho certeza que isto não será necessário... — Faith murmurou.

— Bem, então se foi só isto, acho que podemos ficar despreocupadas. — Betsy sorriu.

Mas Rebecca ainda não parecia muito convencida.

— E já fizeram as pazes?

— Acho que sim — Faith murmurou.

Rebecca a encarava com o cenho franzido.

— Não me parece muito certa disto...

— Ah, Rebecca, deixe a Faith em paz. — Betsy voltou ao seu bordado e Rebecca a encarou.

— E sua memória, alguma novidade?

Betsy parece interessada na conversa de novo.

— Sim, sua memória está voltando?

— Não, ainda nada.

— Ah, que bom. — Betsy sorriu e Faith e Rebecca a fitaram sem entender.

— Oh, quer dizer... que horrível!

E ela voltou ao seu bordado.

Rebecca voltou ao piano e pareciam satisfeitas por enquanto.

Quando Gabe chegou, junto com os irmãos e o pai, Faith se surpreendeu quando ele se aproximou e lhe beijou a testa.

— Está tudo bem? — murmurou e ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

Reparou em Rebecca fitando-os com um olhar desconfiado.

Faith começou a achar que aquela pequena farsa não estava passando despercebida à esperta Rebecca.

— Como está se sentindo, Faith? — Theodore perguntou com um olhar profissional depois do jantar.

— Estou me sentindo bem.

— Alguma dor de cabeça ainda?

— Dói apenas um pouco.

— E algum flash de memória?

— Nada... Eu fico preocupada... de nunca me lembrar.

— Você vai lembrar, Faith — Gabe afirmou.

— Não deve se preocupar com isto, Faith — Theodore insistiu. — Pode recuperar a memória amanhã ou em alguns dias, semanas, talvez.

— Ou nunca, não é? — Betsy perguntou.

— Infelizmente, sim — Theodore concordou e Faith se sentiu mal com esta possibilidade, mas nada falou.

Quando subiram para o quarto, de novo ela começou a sentir aquele nervoso. Ia ficar sozinha com Gabe novamente.

Ele a observou enquanto entravam no quarto. Faith parecia nervosa.

— Você parece angustiada — Gabe comentou preocupado.

Tinha pedido a Rebecca e Betsy que deixassem Faith em paz, mas ele duvidava que as cunhadas o obedeceriam.

Ela mordeu os lábios.

— Sua cunhada está desconfiada — disse.

— Betsy?

— Rebecca. Elas insistiram em saber por que estava dormindo no chão e eu inventei que tínhamos brigado.

— E elas não acreditaram?

— Talvez sim, mas... Rebecca parece ainda achar que tem algo errado.

— Rebecca é uma intrometida — Gabe resmungou irritado.

— Elas parecem apenas preocupadas... E se contássemos a verdade?

— Isto não é uma boa ideia, Faith. O tempo inteiro eles queriam que eu me casasse. O fato de você estar aqui é pela insistência deles. Se acharem que há algo errado, vão transformar minha vida num inferno. E eu temo que a sua também.

— Temos que convencê-los — ela disse e então baixou o olhar, torcendo as mãos. — E se... bem... você dormisse na cama?

Ela disse isto em voz baixa e Gabe podia jurar que seu rosto estava vermelho.

Dormir na cama? Com Faith?

Gabe podia pensar em muitas objeções. E a principal delas era que não confiava em seu controle. Absolutamente.

Ele passara boa parte da noite passada escutando sua respiração, antecipando seus movimentos, tentando conter sua imaginação traiçoeira de como seria se tudo fosse diferente...

E hoje de manhã, quando tentara tranquilizá-la e segurara seu rosto, o simples fato de tê-la tão perto, sentir seu hálito doce, único, fora o suficiente para deixá-lo com uma imensa vontade de beijá-la, de sentir de novo o gosto de sua boca.

E lá estavam eles novamente. Os pensamentos proibidos.

— Não seria certo, Faith — concluiu.

— Sim, acho que tem razão — concordou.

Mas antes que continuassem a conversa, alguém bateu à porta.

E quando Gabe abriu, Rebecca estava ali, com um sorriso no rosto e uma xícara nas mãos.

— Olá, Gabe, posso entrar?

— Não — respondeu secamente e o sorriso sumiu de seu rosto.

— Por que não? Quero apenas dar este chá a Faith. Foi o Theodore quem receitou, para a dor de cabeça dela...

Gabe pensou em mandar Becca e seu chá para o inferno, mas sabia que seria pior.

Faith tinha razão, Rebecca estava desconfiada de algo e estava ali para tentar descobrir o que havia de errado.

— Tudo bem, entra.

Becca passou por ele e entrou no quarto.

— Mas estamos com sono, Rebecca, então é melhor não se demorar.

— Claro! São recém-casados, não quero ficar atrapalhando! Oi, Faith, como está se sentindo?

— O que faz aqui, Becca? — Faith indagou.

— Vim lhe trazer este chá. Vai ser bom para não ter dor de cabeça!

Faith pegou a xícara das mãos de Rebecca.

— Obrigada, muito gentil da sua parte.

E Rebecca continuou parada ali.

— Rebecca, já deu o chá a Faith, agora pode ir — Gabe falou, abrindo a porta e Rebecca sorriu.

— Eu volto para pegar a xícara!

— Não precisa.

— E mais uma coisa. Eu conversei com o Theodore, disse que estou muito preocupada com a Faith e estou me nomeando enfermeira dela agora.

— Mas que conversa é essa, Becca?

Ela sorriu.

— Sim, eu vou cuidar pessoalmente da Faith para que ela melhore e a memória dela volte! Então, talvez apareça por aqui durante a noite para ver se está tudo bem!

E com estas palavras, ela saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

— Tinha razão... — Gabe disse. — Ela está nos vigiando.

— Eu lhe disse.

— Vou falar com o Will para parar a esposa dele!

— Acho que não vai adiantar nada — Faith falou. — A impressão que eu tenho é que ela que manda no seu irmão.

Gabe teve que rir. Porque era a mais pura verdade.

— E o que faremos, Gabe? Será que ela vai mesmo aparecer por aqui?

Ele passou a mão pelos cabelos.

Rebecca era bem capaz de aparecer sem avisar... Ela só estaria satisfeita quando descobrisse o que estava acontecendo.

— Tem razão. Acho que agora teremos que dormir juntos.


Capítulo 9

 

Não havia motivos para ficar nervosa.

Talvez se repetisse a si mesma muitas vezes, Faith se convenceria de que era verdade. Infelizmente, seu coração parecia pensar diferente e batia num ritmo descompassado desde que Gabe dissera as fatídicas palavras: “dormir juntos”.

Claro que podia dizer “não, obrigada”. Mas sabia que seria insensato de sua parte, ainda mais que foi ela mesma quem começou com aquela ideia.

Mas de alguma maneira, mesmo com o pouco que conhecia dele, sabia que ele ia dizer não. E Faith podia concordar, afinal, apenas a ideia de deitar na mesma cama que ele já a deixava em tal estado de nervos.

E o pior era que bem lá no fundo de sua mente, havia uma vozinha que dizia que era justamente ali que residia o problema. Gabe perto demais era perturbador demais. E agora ele a encarava, à espera de uma resposta. E a Faith não restou nada a não ser aquiescer, concordando.

— Sim, tem razão... — murmurou.

— Bom, eu vou sair para que se troque...

— Não... A Rebecca deve estar aí no corredor.

Ele passou a mão pelos cabelos, irritado.

— Sim, tem razão. Eu irei me virar então...

— Tudo bem.

Ele ficou de costas e Faith se obrigou a tirar o vestido. Seus dedos tremiam enquanto se livrava da roupa, insuportavelmente consciente de que estava se despindo na presença de Gabe Carter.

E o fato de saber que ele não podia vê-la não ajudava muito.

Então tratou logo de vestir a camisola, enfiar-se debaixo das cobertas e soprar a vela ao lado da cama.

— Pronto — murmurou, fechando os olhos.

Podia ouvir os movimentos de Gabe no quarto, as roupas sendo tiradas e uma ansiedade estranha ia tomando conta dela.

E quando ele deitou ao seu lado, Faith apertou os dedos fortemente contra o lençol, num misto de nervosismo e curiosidade.

A vontade que tinha de abrir os olhos era imensa. Mas não ousava.

Já o vira sem camisa, mas nunca tão perto, tão ao seu alcance.

— Faith?

Sua voz a chamou na escuridão e ela se sobressaltou.

— Sim?

— Você pode respirar.

Ela riu, achando-se uma idiota.

O que achava? Que Gabe ia atacá-la?

Estava sendo ridícula e exagerada. Não havia nada de mais. Apenas iriam dormir na mesma cama.

Apenas dormir.

E então ela ousou abrir os olhos, respirando uma longa golfada de ar.

O que foi um erro duplo.

Primeiro, que ele estava mais próximo do que imaginara. E seu cheiro delicioso invadiu suas narinas, arrepiando sua pele. E ela prendeu o ar de novo.

Mas Gabe parecia preocupado. Ou seria irritado?

Ela não saberia definir.

— Parece com medo. Nada vai acontecer. Eu prometi a você.

— Eu sei.

Sim, Faith confiava nele. Não confiava era nela mesma.

Porque, definitivamente, não entendia aquela vontade que tinha de chegar mais perto dele, de estender a mão e infiltrar os dedos nos seus cabelos escuros, de sentir seu hálito quente, de respirar ele todo.

Fechou os olhos novamente, amedrontada com o ritmo de seus pensamentos e se virou de costas.

— Boa noite, Gabe.

— Boa noite, Faith.

E como é que ia fazer para dormir agora?

Mas ela dormiu depois de muito esforço, forçando-se a ficar quieta, a moderar a respiração e esquecer que não estava sozinha.

Gabe ouviu sua respiração compassada e tentou relaxar.

Que diabos tinha dado nele para concordar em dormir com Faith?

Deveria saber que seria uma tortura. Mas conhecia bem a astúcia de Rebecca e ela era bem capaz de invadir o quarto, mesmo com portas trancadas. Ela sabia que havia algo errado e não descansaria até descobrir o que era.

E se descobrisse, ia transformar a vida dele e de Faith num inferno.

Mas inferno já não era o que ele vivia agora?

A cada movimento de Faith, a cada suspiro que ela dava no sono, ele se tornava mais consciente de sua presença e daquele desejo proibido que não podia mais negar a si mesmo.

Enquanto a ouvia tirando a roupa, ele fazia um esforço imenso para não se virar e matar a vontade de ver aquilo que sua imaginação já via e queria.

E lá estava ele, deitado na mesma cama que ela e se perguntando por que tinha feito aquela promessa.

Mas em algum momento da noite, ele conseguira dormir também. E quando acordou, surpreendeu-se por ter algo encostado nele.

Algo macio e que se encaixava deliciosamente contra ele.

E antes mesmo de abrir os olhos, a coisa macia começou a se mexer, mas não para se afastar, e sim para se aproximar ainda mais. Gabe prendeu a respiração, sentindo o corpo reagir automaticamente.

Era demais para qualquer homem. Ele ainda conseguiu pensar ao abrir os olhos e se deparar com Faith se enroscando nele daquele jeito.

E ela estava dormindo. Por um momento não soube o que fazer, apenas tentava não reagir. Mas seu corpo não acompanhava sua mente e tinha vontades e desejos próprios.

E quando, de repente, Faith acordou, abrindo os olhos sonolentos e despertando devagar, suspirando e roçando ainda mais nele, Gabe soltou um gemido involuntário e ela despertou totalmente, encarando-o com os olhos arregalados.

E Gabe pensou que do jeito que estavam grudados, ela, com certeza, sentia sua ereção.

Faith não conseguia se mexer. Na verdade, ela não conseguia nem raciocinar direito. A única coisa que entendia era que estava firmemente agarrada a Gabe.

E que não estava assim ontem à noite!

A mente dela, de repente, começou a entender o que se passava. Durante algum momento naquela noite, de alguma maneira, tinha se aproximado dele.

E agora, a luz do dia invadia o quarto, e ele a fitava também sem se mover. Ela se deu conta de que cada pedaço do seu corpo estava firmemente grudado ao corpo de Gabe.

E... Oh, Deus! Ele estava, estava...

Seu rosto se tingiu de um vermelho intenso.

Ela não era tão inocente que não soubesse o que significava. Provavelmente alguém devia tê-la instruído sobre isto um dia, porque não se sentia nada inocente naquele momento, sentindo a reação do corpo dele contra o seu ventre.

Ela devia se afastar ou pedir a ele que se afastasse.

Mas não conseguia se mover. Era como se o tempo tivesse parado. E só houvesse os dois no mundo e aquelas sensações deliciosas que começavam a percorrer sua pele, esquentando por onde passavam, causando arrepios que eriçavam seus pelos e faziam seu coração disparar contra as costelas.

E lá estava aquela ansiedade, aquela vontade irresistível de se encostar ainda mais nele, de roçar aquelas partes do seu próprio corpo que se tornavam, surpreendentemente, quentes e despertas em contato com o corpo dele.

E talvez tivesse feito exatamente isto se, de repente, não batessem à porta, assustando-os.

E eles se afastaram de um pulo, a tempo de a porta abrir sem aviso e a presença ruiva de Rebecca se fazer notar.

— Oh, desculpa interromper, bom dia!

Rebecca sorria, encarando-os.

— Rebecca, por Deus, o que está pensando? — Gabe ralhou.

Becca deu de ombros.

— Eu falei que agora sou a enfermeira da Faith! Vim ver como ela está.

— Pois eu a proíbo de entrar aqui sem bater a partir de agora.

— Mas...

— Você entendeu, Rebecca, está passando dos limites e testando minha paciência, meta-se com a sua vida!

— Nossa, que grosseria.

— Grosseria é você entrando no nosso quarto deste jeito. Imagino que não gostaria que eu fizesse o mesmo com você e Will.

— É, tem razão... Bem, então estou saindo. Ah, Will e James estão esperando você para ir caçar.

E sem mais, ela saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

Gabe saiu da cama.

— Desculpe-me de novo, Faith, mas acho que agora Becca entendeu.

— Sim, acho que sim... — Faith balbuciou ainda meio perdida depois de tudo o que acontecera desde que acordara.

Gabe vestia a camisa, parecendo ainda contrariado e Faith segurava o lençol firmemente contra o corpo.

— Eu vou caçar com meus irmãos.

— Certo.

Ele passou a mão pelos cabelos, como se quisesse dizer algo, mas desistiu e saiu do quarto.

Faith se recostou nos travesseiros e aspirou, suspirando ao sentir o cheiro de Gabe ainda ali.

O que será que teria acontecido se Rebecca não tivesse entrado?

Faith se sentia corar apenas de imaginar.

Mas achava que seria só isto mesmo. Apenas sua imaginação.

Não queria estar sentindo aquele desapontamento.

— E aí, vai dizer o que está acontecendo ou teremos que contar com a xeretice da mulher do Will para descobrir? — Gabe ouviu James dizer ao seu lado e passou os dedos pelos cabelos, exasperado.

Por que diabos sua família era tão intrometida?

Will atirou, errando o alvo e os encarou.

— Becca acha que tem alguma coisa errada.

— Por que teria algo errado? — desconversou, mexendo na espingarda.

— Nós conhecemos você — James disse. — E também confiamos no instinto de Becca e Betsy. E elas acham que há alguma coisa esquisita acontecendo neste seu casamento.

— Faith lembrou de alguma coisa? — Will indagou.

— Não, ela não lembra de nada ainda.

Will deu de ombros.

— Então acho que está tudo bem, não é?

— Gabe, se tem alguma coisa lhe perturbando, você pode nos contar, somos seus irmãos — James insistiu.

— Claro, para vocês irem correndo contar para Becca e Betsy.

— Nós prometemos não contar — James garantiu e encarou Will.

— Eu não conto nada também — Will concordou.

E embora Gabe duvidasse que eles conseguissem mesmo esconder alguma coisa das respectivas esposas, ele já estava se sentindo sufocado com aquela situação.

— Quando eu pedi Faith em casamento, eu prometi a ela que não iríamos consumá-lo — contou.

Will e James o encararam.

— Como é? Não consumar o casamento, por quê? — James indagou confuso.

— Espera aí. — Will baixou a espingarda. — Quer dizer que você não dorme com a Faith?

Gabe sacudiu a cabeça.

— Não, não durmo.

— Meu Deus, mas por que casou então?

— Porque era o certo a fazer. Aparentemente ela veio para a cidade para casar comigo, e não tinha ideia de que eu não queria me casar.

— Mas você mudou de ideia e quis casar com ela — James comentou.

— Sim, porque eu me senti culpado.

— E eu ainda não entendi por que não dorme com ela — Will disse.

— Ela não tem memória, não sabe nem quem é. Pode muito bem se lembrar de tudo e querer ir embora e, se isto acontecer, será muito mais fácil se nada tiver acontecido.

Will e James se encararam, com certeza achando absurdas as considerações de Gabe.

— Becca tinha razão, afinal — James concluiu. — Está tudo errado mesmo.

— Não está nada errado. Eu e Faith temos um acordo, apenas isto.

— Mas o que impede que fiquem juntos de verdade? Apenas porque ela está com amnésia? Como você mesmo disse, ela veio para a cidade para se casar.

— Não, talvez Gabe tenha razão — Will falou, para surpresa dos irmãos. — É melhor agir com cuidado, nunca sabemos o que pode ser a verdade...

— Do que está falando, Will? — James encarou o irmão sem entender e Will desviou o olhar.

— Apenas que talvez Gabe tenha razão em não consumar este casamento. Faith pode não ser quem pensamos.

— O que quer dizer? — Gabe indagou sem entender aquela conversa estranha de Will.

— Apenas o que você já concluiu. A moça está desmemoriada e é melhor ter cuidado mesmo...

— Então você acha certo Gabe continuar com essa história absurda? — James perguntou. — Porque não me venha falar que está satisfeito com isso, Gabe, porque não está.

Gabe soltou uma imprecação.

— É esse o problema. É difícil ficar no mesmo quarto que ela e, bem, vocês sabem, resistir...

— Eu sei o que você precisa — Will disse com um sorriso. — Vamos sair hoje à noite.

Gabe entendeu onde Will queria chegar.

— Não, nem pense nisso, Will.

— Deixe de ser idiota, Gabe. Precisa se divertir e já que não quer se divertir em casa, vamos caçar uma boa moça...

— Quer que eu pague uma prostituta, Will? Não começa.

— Qual o problema? Elas existem para isso. Nós vamos lá hoje à noite e...

Gabe se levantou.

— Nem pensar. Esquece essa história.

— Mas, Gabe...

— E espero que cumpram o prometido e não contem a Betsy e Becca. Para mim chega de caçar por hoje.

E ele se afastou em direção a casa, irritado consigo mesmo por ter confiado o segredo do seu casamento aos irmãos.

Estava entrando no celeiro para deixar a arma, quando se surpreendeu ao ver Faith lá dentro.

Ela estava com a cabeça baixa, sentada sobre um monte de feno e lia um livro.

— Faith?

Ela levantou o olhar, fitando-o.

— O que faz aqui?

Ela deu um meio sorriso sem graça, mas bastou para acender um milhão de fagulhas em seu peito.

— Eu queria ler... em paz.

— Já entendi. — Sorriu, entrando para guardar a arma. — Está fugindo de Betsy e Rebecca.

— Elas não falam nada, mas ficam me encarando, como se estivessem esperando que eu diga algo.

— Sei como se sente. Meus irmãos fazem a mesma coisa. — Sentou-se ao seu lado.

Não parou para pensar por que estava fazendo aquilo, afinal, ela dissera que queria ficar sozinha.

Mas, de repente, ele sentia uma necessidade de ficar perto dela.

— O que está lendo?

— Jane Eyre. — Ela sorriu, fechando o livro.

— Acho que estou lhe atrapalhando então... — Ele fez um movimento para se levantar, mas Faith segurou seu braço.

— Não, não precisa.

E algo aconteceu.

Gabe olhou para a pequena mão em seu braço. Um toque inocente, mas que bastou para deixá-lo com o pulso acelerado. Encarou Faith, seus olhos azuis fitando-o, enquanto ela retirava a mão, como se apenas agora se desse conta de seu gesto.

Mas era tarde, Gabe já sentia aquele desejo insidioso e proibido se apossando dele, levando-o em direção a ela, como se um imã o puxasse. E no minuto seguinte, seus lábios se grudavam num beijo.

Faith soltou um suspiro trêmulo, os lábios se abrindo para ele e Gabe se perdeu em seu gosto, infiltrando a mão nos cabelos castanhos, trazendo-a para mais perto, adorando sentir suas formas enquanto ela se colava mais a ele, passando os braços em volta do seu pescoço e beijando-o com igual vontade.

Até que o barulho de algo caindo no chão, seguido de um palavrão, os fez voltar à realidade e eles se soltaram, olhando em direção ao barulho; Will e James estavam na porta do celeiro.

— Ei, desculpa a intromissão — James dizia divertido. — O Will é muito desastrado.

Faith e Gabe se colocaram de pé sem se encararem, enquanto Will e James se esforçavam para conter o riso.

— Com licença... — Ela murmurou muito vermelha, afastando-se quase correndo.

Gabe a viu se afastar e teve vontade de ir atrás dela.

Podia segurar seu braço e arrastá-la para o quarto. Podiam continuar o que tinham começado...

Mas que diabos estava pensando? Ele não podia agir assim.

Encarou os irmãos.

— Mudou de ideia, é? — James indagou.

— Não, foi apenas... — ele suspirou pesadamente. — Tem razão, Will. Acho que podemos sair hoje à noite.

Sim, ele precisava se livrar daquela obsessão por Faith.

E talvez só outra mulher resolvesse isso.

Faith voltou quase correndo para casa.

Podia sentir o rosto corado num misto de vergonha e outras coisas mais, que não queria nem definir.

Gabe a tinha beijado. E fora tão bom como da primeira vez.

E ela sentira vontade de não parar nunca. Sabe Deus o que teria acontecido se os irmãos dele não tivessem aparecido.

Quando entrou na casa, Rebecca e Betsy a fitaram.

— O que foi? Está vermelha!

— Nada... não é nada.

Ela se sentou, tentando conter a respiração.

Rebecca a fitava, desconfiada.

— Sei...

Não deu muito tempo, Will, James e Gabe entraram fazendo barulho.

Becca se enganchou no braço de Will.

— Querido, hoje à noite poderíamos dar uma volta na cidade, já que não está muito frio.

— Sim, vamos, preciso mostrar meu vestido novo — Betsy falou animada.

— Não, nós não podemos — Will disse. — Nós temos um compromisso.

— Que compromisso? — Becca indagou.

— É... uma caça.

— À noite?

— Sim, um alce que só se encontra à noite — Gabe respondeu.

Ele não a fitava desde que entrara e Faith não sabia se ficava aliviada ou irritada.

— Mas que coisa mais esquisita — Betsy murmurou. — Bom, então vamos amanhã!

— Sim, combinado — Will disse.

Os rapazes se afastaram para se limparem para o jantar e Becca ainda parecia pensativa.

— O que foi, Rebecca? — Betsy perguntou.

— Esta conversa de caçar alce... Não achou estranho?

— Claro que não. Eles adoram caçar.

— Ainda acho esquisito.

— Deixa de ser desconfiada, Becca!

À noite todos se reuniram para jantar e Theodore comentou sobre a moça no hospital.

Faith, às vezes, se pegava pensando sobre o assunto e em como ela tinha sorte por estar ilesa e não em coma numa cama de hospital.

Mesmo estando desmemoriada, pelo menos, estava bem fisicamente.

Mas era perturbador pensar que podia ser ela ali.

— Ela continua na mesma, nenhuma reação — Theodore comentou.

— Coitadinha — Betsy suspirou. — Agora vamos mudar de assunto. Que horas vão sair para caçar este tal alce?

— Caçar alce? — Selina indagou curiosa.

— Sim, seus filhos vão sair para caçar hoje à noite — Becca comentou.

— Caçar alce à noite? — Theodore os encarou. — Que história é essa?

Os três se entreolharam e Faith podia jurar que estavam corando.

Será que Becca tinha razão e havia algo esquisito ali?

— Sim, pai. Um tipo de alce que só aparece à noite — Will disse.

— Nunca ouvi falar.

— Aparece agora na floresta daqui. Queremos ver como é — James explicou.

— Não é perigoso? — Selina perguntou preocupada.

— Não, mãe. Nós temos experiência com esse tipo de alce... — James falou e Will riu.

Todo mundo o encarou sem entender, e Gabe lhe deu um chute por baixo da mesa e ele parou.

— Desculpe...

Assim que terminou o jantar, os três saíram.

Becca ficou tocando piano, pensativa, enquanto Betsy tentava ensinar Faith a bordar.

Mas ela não tinha o menor talento artístico.

Não havia passado muito tempo, quando Josephine apareceu.

Selina e Theodore haviam se recolhido cedo e Betsy abriu a porta, espantada por aquela visita àquela hora.

— Olá, Josephine, o que a traz aqui a esta hora? — Becca indagou contrariada.

Mas Josephine parecia bem animada ao entrar.

— Oh, desculpe aparecer assim sem avisar. Embora já há alguns dias eu penso em visitá-las para conhecer a mais nova Carter e...

— Josephine, fala logo o que veio fazer aqui — Becca a cortou.

— Bem... temo não ter boas notícias.

— O que quer dizer? — Betsy a encarou.

— Por acaso vocês sabem onde estão os maridos de vocês?

— Caçando — Betsy respondeu.

Josephine riu, cobrindo a boca com a mão enluvada.

— O que é tão engraçado? — Betsy perguntou.

— Olha, não queria fazer fofoca, mas eu estava passeando com Owen Franklin hoje à noite... Bem, não sei se sabem, mas Owen está me cortejando. E acho que em breve a cidade verá mais um casamento e...

— Desembucha, Josephine! — Becca pediu irritada.

— Enfim, estávamos passando em frente àquela casa, sabe?! Claro que passamos do outro lado da rua, mas...

— Casa? — Betsy pareceu confusa.

Josephine corou.

— A casa onde os homens vão para encontrar aquelas moças perdidas...

— Ah — Betsy entendeu.

— O que está insinuando? — Becca se levantou, cercando Josephine. — Fala logo de uma vez.

— Eu não estou insinuando. Estou afirmando que eu vi James, Will e Gabe entrando lá agorinha há pouco.

Josephine parecia bem animada em contar esta novidade às três e mais animada ainda ao ver o rosto indignado delas.

Faith nem sabia o que pensar a princípio.

Claro que sabia que tipo de casa Josephine estava falando. E sabia que muitos homens a frequentavam. E sabia para quê. Mas era difícil imaginar Will, James e Gabe num lugar daquele. Afinal, eles eram casados.

De repente ela entendeu.

Sim, Will e James eram verdadeiramente casados. Mas não Gabe.

Ela sentiu um frio no estômago e várias emoções a transpassando. Imaginar Gabe naquele lugar. Com aquele tipo de moça.

Ele as beijando... E fazendo sabe Deus mais o quê.

Era nojento. Era ultrajante.

Ela sentiu uma onda do mais puro ciúme a corroendo.

— Eu vou matar o Will! — Becca gritou.

— Ela está mentindo — Betsy murmurou mais comedida.

— Não estou, não. — Josephine riu. — Eles estavam mesmo entrando lá!

— Já chega! — Becca explodiu. — Já pode ir embora, Josephine.

— Mas eu...

— Já se divertiu o bastante fazendo futrico, agora desaparece!

— Nossa, eu só quis ajudar e...

Mas ela não conseguiu terminar, pois Rebecca fechava a porta na sua cara.

— Acha que ela está dizendo a verdade? — Betsy indagou chorosa.

— Ela não viria aqui se não fosse! Ah, eu vou matar o Will com minhas próprias mãos se estiver me traindo!

— Eu não posso acreditar... — Betsy murmurou, fungando. — James naquele lugar...

— Pois é, os três sem-vergonhas! Safados! — Becca gritava. — Caçar alce! Sei muito bem o tipo de caça que estão fazendo!

— Rebecca, talvez Will e James não estejam fazendo nada — Faith tentou falar.

Porque ela estava imaginando mesmo que a culpa devia ser de Gabe.

— Você acredita mesmo nisso? Mas não vai ficar assim! Nós vamos lá agora!

— Nós? — Betsy e Faith a encararam.

— Sim, quero pegá-los em flagrante!


Capítulo 10

 

Faith ainda se perguntava se estavam agindo certo quando saíram vestindo seus casacos e atravessando a cidade em direção a tal casa.

Mas Rebecca estava decidida e acabara contaminando-as. Betsy, depois da crise de choro, parecia estar com tanta raiva quanto Rebecca.

— Ah, mas eles vão ver — Becca murmurava enquanto marchavam pelas ruas, ignorando os olhares curiosos, até que alguém as abordou.

— Senhoras!

Elas pararam em frente à casa iluminada e Faith podia bem imaginar que tinham chegado aos seus destinos.

— Xerife Bennett — Betsy o cumprimentou.

— Aonde vão a esta hora? — ele indagou.

— Nós vamos entrar aí — Becca disse e o xerife arregalou os olhos.

— Mas não podem!

— Nossos maridos estão aí e nós podemos, sim!

— Senhora, tenho certeza que...

— O senhor não vai nos impedir! — Becca estava decidida. — E quando os pegarmos em flagrante, vamos matá-los com nossas próprias mãos!

— Rebecca, não fala isto para o xerife — Betsy murmurou.

Mas Rebecca estava fora de controle.

— Senhora, esta casa não foi feita para mulheres como vocês. Por favor, se querem mesmo encontrar seus maridos, eu posso entrar e pedir para que encontrem as senhoras.

— Não, eu...

— Rebecca, talvez o xerife Bennett tenha razão. — Faith segurou o braço de Rebecca. — Não podemos entrar aí.

— Sim, acho que será um escândalo. Estaremos arruinadas — Betsy murmurou.

— Mas eu quero pegá-los!

— Becca, deixe que o xerife Bennett cuide disto — Faith pediu. Agora que estavam ali, ela via o absurdo da situação. Por mais que Gabe e os irmãos estivessem errados, não podiam causar uma confusão naquele lugar.

— Sim, eu resolverei. Por favor, já está tarde, voltem para casa.

Rebecca respirou fundo, ponderando. Alguns transeuntes curiosos já estavam encarando as três jovens senhoras.

— Becca, por favor, vamos embora — Betsy sussurrou, começando a corar e Rebecca pareceu cair na real.

— Sim, vamos embora.

Elas finalmente ouviram o xerife Bennett e voltaram para casa.

— Acho melhor irmos embora — Gabe dizia aos irmãos lá dentro.

Havia cerca de cem mulheres ao redor deles, todas ansiosas para agradarem aos Carter.

Afinal, eles não eram clientes habituais.

Mas Gabe, por mais que tentasse, não conseguia se interessar por nenhuma delas. Ele queria sair dali e voltar para casa.

Sofrer mais um pouquinho por causa de Faith.

Mas mesmo assim, era melhor estar com ela.

— Mas já? Acabamos de chegar — Will disse, piscando para uma loira que servia bebida.

— Gabe, estamos aqui por sua causa — James falou.

— Eu sei, por isso mesmo devemos ir. Não quero ficar com ninguém aqui.

— Tem certeza? Aquela loira ali é bem bonita. — Will sorriu.

— Fique você com ela se quiser — Gabe resmungou.

— Está louco? Rebecca me mata. Aliás, ela vai me matar se descobrir que estou aqui...

— Então é melhor começar a rezar. — Eles levantaram o olhar para o recém-chegado, o xerife Bennett.

— Olá, xerife, o que o traz aqui?

— Acabei de encontrar sua esposa e mais a esposa destes dois aí, aqui em frente.

— O quê?

— Elas queriam entrar aqui para confrontá-los, mas fiquem tranquilos, eu consegui convencê-las a retornarem para casa.

— Pronto. Estamos mortos — Will murmurou.

— Como elas descobriram? — James indagou pálido.

— Não faço ideia, mas se eu fosse vocês, iria embora agora resolver isso.

— Sim, nós vamos — Gabe disse e eles se levantaram.

— A Becca vai me matar — Will murmurava.

— A culpa é sua! Foi ideia sua vir aqui! — James acusou. — Eu nunca briguei com a Betsy e ela deve estar arrasada com essa história.

— Culpa minha? Culpa do Gabe!

— Minha? — Gabe o encarou.

— Claro, eu quis lhe ajudar! Eu nunca ia trair a Becca!

— Difícil vai ser ela acreditar agora — Gabe murmurou.

— De todos nós, você é o que tem menos a perder, não é? Aposto que Faith não está nem aí!

— O xerife Bennett disse que ela estava junto com Becca e Betsy.

Gabe passou a mão pelos cabelos, irritado consigo mesmo. Não deveria nunca ter concordado com aquela ideia de Will. Agora o que será que Faith estaria pensando?

Mas a resposta veio rápido. Assim que chegaram, Becca, Betsy e Faith estavam paradas em frente ao celeiro, muito sérias.

— Amor, eu posso explicar. — Will se aproximou e levou uma bofetada de Rebecca.

— Seu cretino! Vai dormir no celeiro pelo resto da sua vida agora!

Betsy fungou, o rosto vermelho de tanto chorar.

— Nunca pensei que ia fazer uma coisa dessa, James — murmurou e Becca a puxou.

— Não fale com ele, Betsy, eles não merecem, depois de sair daquele... antro!

Gabe encarou Faith, que estava quieta e pálida.

Parecia... resignada.

Talvez Will tivesse razão. Ela nem se importava.

— Faith, podemos conversar? — pediu.

Mas para surpresa dele, ela levantou o queixo e deu um passo em direção a Rebecca.

— Espero que goste de dormir no celeiro — falou friamente.

E as três se afastaram, batendo a porta da casa.

Faith dormiu mal naquela noite.

Toda aquela confusão com Gabe e os irmãos fora uma lástima. Como eles puderam aprontar daquele jeito? Rebecca e Betsy tinham até chorado ontem à noite, depois que chegaram da tal casa de perdição.

Faith tentou analisar seus próprios pensamentos.

E imaginou Gabe num prostíbulo. Rodeado de mulheres bonitas e disponíveis a fazer tudo aquilo que ela mesma não podia. Gabe beijando-as, tocando-as.

Ela sentiu um gosto amargo na boca e uma raiva fervilhando por dentro.

Raiva de Gabe.

E não se sentira nem um pouco culpada em deixá-lo no celeiro quando ele chegara com aquela cara deslavada, pedindo para conversar.

Que fosse conversar com alguma amiguinha naquele lugar horrível.

Ou fazer sei lá mais o que fora fazer lá.

Ela não se importava.

Mas agora, enquanto estava naquele quarto sozinha, ainda sentindo o cheiro delicioso dele que ficara impregnado em tudo ali, ela se importava, sim.

Sentia uma dorzinha fina por dentro.

Eles nunca deviam ter se casado. Toda aquela situação era insustentável. Ela concordara com Gabe em se casar, porque na hora parecera mesmo uma boa ideia. Não se lembrava de nada, mas fora com este objetivo que chegara a Jackson; casar-se com Gabe Carter.

Mas saber que ele nunca quisera se casar com ela fora um golpe em seu íntimo.

Mesmo não se lembrando de nada, sentira-se perdida e sozinha

Então ele viera com a ideia de casamento. E ainda dissera que podia desistir de tudo quando recuperasse a memória. Olhando por este prisma, fazia sentido o casamento não ser consumado. E na hora, parecera muito fácil concordar com tudo. Agora lá estavam eles naquela confusão.

Era óbvio que Gabe não estava satisfeito. Tanto que fora àquele lugar. E o pior de tudo era que havia uma parte dela que se sentia culpada. Ou melhor, devia ser culpa de Gabe que James e Will estavam encrencados. Será que ele contara aos irmãos que eles não tinham um casamento normal?

Ela se revirou na cama, incomodada com esta possibilidade.

E agora, como seria?

Com muito custo, conseguiu dormir, e quando acordou e desceu para a sala, já era um pouco tarde.

Rebecca e Betsy estavam com cara de enterro, enquanto Will e James ficavam em volta delas.

Rebecca dava várias alfinetadas e Betsy só fungava.

E como Faith imaginava, Betsy foi a primeira a concordar em dar ouvidos a James, e ele a convenceu a sair para dar uma volta.

Rebecca ficava ao piano, tocando músicas horríveis, enquanto Will tentava chamar sua atenção, e Faith preferiu pegar um livro e ir ler no quarto, para deixá-los sozinhos.

E será que Gabe se daria ao trabalho de tentar lhe explicar alguma coisa?

Ela desceu novamente na hora do jantar e Betsy e Rebecca aparentemente tinham perdoado James e Will, pois eles estavam de mãos dadas e carinhosos uns com os outros.

Não havia nem sinal de Gabe ou Theodore.

— Faith, Theodore mandou um bilhete dizendo que ele e Gabe estão na cidade vizinha, parece que alguém se machucou por lá — Selina explicou.

Rebecca a fitou.

— Depois queremos conversar com você, Faith. — Ela disse bem mordaz, enquanto iam para a mesa e Faith podia bem imaginar o assunto.

Estava claro que todos já sabiam a verdade. Pelo menos, os irmãos de Gabe. Era por isto que eles tinham sido perdoados então.

Ela mordeu os lábios, encabulada.

— Não acho que temos nada para conversar, Becca — disse.

— Mas claro que temos.

Faith parou e a encarou.

— Eu sei sobre o que quer falar.

— Sim e...

— E você não tem nada a ver com isto. Não é da sua conta e eu não quero falar sobre este assunto — rebateu friamente. Estava cansada das intromissões de Rebecca e Betsy e realmente não tinha obrigação nenhuma de se explicar com as duas.

— Rebecca, amor, vem sentar. — Will se voltou, sentindo a tensão das duas e puxou Becca, que se deixou levar.

Faith sabia que podia estar criando uma situação ruim com a cunhada geniosa de Gabe, mas duvidava que sua situação no geral pudesse ficar pior.

Então, que Rebecca fosse para o inferno com sua curiosidade.

Ao fim do jantar, Rebecca e Betsy ficaram cochichando num canto e Faith podia imaginar que era sobre ela, e cansada, levantou-se, dizendo que ia se recolher.

Selina, que estava bordando, fitou-a preocupada.

— Está se sentindo bem, querida?

— Só uma leve dor de cabeça, preciso apenas descansar — mentiu e se afastou para o quarto.

Ficou se perguntando se Gabe ia demorar para chegar e se chegasse, se iria para o quarto.

Será que tentaria se explicar como Will e James?

E será que ela perdoaria?

Ainda sentia um furor de raiva só de pensar em Gabe naquele lugar. E ele tinha a beijado na mesma tarde para, em seguida, deixá-la e ir se encontrar com outras mulheres. Só de pensar nisto, Faith tinha vontade de trancar a porta e deixá-lo dormindo no celeiro eternamente.

Que diferença fazia mesmo? Aquele casamento era um erro.

Tentou ler e esquecer, mas as palavras se embaralhavam à sua frente. Desistindo, colocou a camisola para dormir. Não iria mais perder seu tempo pensando em Gabe ou o que ele estaria fazendo, ou se ele se importava com ela.

Afinal, até agora ele nem se dera ao trabalho de lhe dar qualquer explicação. Talvez sentisse que não devesse nenhuma.

Ela tinha acabado de colocar a camisola, quando ouviu uma batida na porta e Gabe entrou em seguida.

Faith sentiu seu coração acelerando de ansiedade no mesmo momento.

Parecia que fazia séculos que não o via.

Que não mirava aqueles cabelos escuros e os olhos incríveis, que a sondavam agora com receio, enquanto fechava a porta atrás de si.

— Oi, Faith.

Faith mordeu os lábios, nervosa.

— Eu não sabia se... se viria.

— Minha mãe lhe avisou que eu estava ocupado com meu pai?

— Sim, ela disse, mas... depois de ontem à noite...

— Eu sinto muito por ontem à noite, Faith.

— Sente mesmo? — Sua voz saiu mais ressentida do que pretendia.

Gabe deu um passo à frente, passando a mão pelos cabelos.

— Não era para saber...

— Ah, claro. — Faith agora sentia a mesma raiva que sentira ontem. — Não era para eu saber nunca, não é? Que você foi naquele... naquele... com aquelas... Eu não consigo nem pronunciar!

— Eu sinto muito mesmo, Faith, mas quando Will falou...

— Agora a culpa é do seu irmão? E por que foi que contou a eles? Você contou, não foi?

— Sim, eu contei. Eles já estavam desconfiando de algo errado.

— Está tudo errado, Gabe! Começando com este casamento. Mas acho que não serve de desculpa pelo o que fez! E ainda envolvendo seus irmãos! Rebecca e Betsy ficaram arrasadas!

— Eu sei que a culpa é minha... Eles apenas queriam me ajudar.

Faith soltou um rosnado de raiva.

— Ajudar? Vocês são nojentos!

— Eu sei que errei, eu percebi no momento que estava lá que...

— Eu não quero saber o que fez quando estava lá, me poupe dos detalhes sórdidos!

— Eu não fiz nada...

— Quer que eu acredite mesmo?

— Mas é a verdade. Eu juro.

— Imagino que não fez nada porque o xerife chegou, não é? Senão acho que estaria lá até agora com aquelas... vagabundas!

— Não, eu não estaria. Eu disse que percebi a tempo que era um erro estar lá.

— É difícil acreditar, Gabe. Você foi. A sua intenção era esta! Era... ficar com alguma daquelas mulheres ou mais de uma... — Faith se sentiu uma idiota com sua voz falhando e até surpresa com a dor que falar isto lhe causava.

— Sim, eu fui. Sim, era essa a intenção — Gabe admitiu por fim e Faith sentiu uma dor gelada no peito. Um misto de dor e raiva fervilhando por dentro. — Estou tentando manter a promessa que eu fiz a você! Acha que é fácil para mim? Eu a beijei no celeiro à tarde, você se lembra?

— Sim...

— Não era para ter acontecido, Faith. Sabe tão bem quanto eu! Eu nunca deveria ter tocado em você.

— Está dizendo que a culpa é minha então? É isso? Que de alguma maneira eu... eu... tento você? Que eu o perturbo a tal ponto que...

— Sim, é isso, quer dizer... Inferno, Faith, eu estou tentando fazer o que é certo!

— Então por que me beijou? Até parece que eu o obriguei a alguma coisa!

— Você não entende. Eu tenho passado o diabo tentando resistir.

— Só pensa em você? Acha que é fácil para mim? Acha que eu também não tenho passado um inferno? Você parou para pensar no que eu sinto, Gabe? Quer saber? Some daqui! Se eu sou uma tentação tão grande assim para você, melhor ficar bem longe, não é?

— Faith, eu... — Mas ela não queria mais saber daquela discussão inútil.

— É sério, Gabe, eu vou dormir! — E ela se enfiou embaixo das cobertas, fechando os olhos com força, como se assim toda a irritação fosse desaparecer como num passe de mágica e Gabe também.

— Faith, desculpe-me. Nunca devíamos ter nos casado.

— Ótimo que pense assim — resmungou e abriu os olhos. Ele ainda estava ali, parado ao lado da cama.

— Eu realmente não devia estar culpando-a de nada. A culpa é toda minha. Eu achei que casando com você tudo ficaria bem. Mas parece que só piorei. Você não merecia isso.

Faith piscou para conter a vontade de chorar, sentando na cama.

— Eu sinto muito também, Gabe. Na verdade, você nunca me quis aqui. Casou-se comigo porque sentiu que era sua obrigação. Podia ter me mandado embora e mesmo assim ainda quis se casar. E temos um acordo e você está certo. Eu nem sei quem eu sou... — Então ela começou a chorar, sem conseguir se conter.

— Faith, por favor, não chore — Gabe pediu.

— É melhor ir embora, Gabe...

— Não posso deixá-la assim...

Ele falava com tanta preocupação na voz que a fez chorar mais ainda.

E no minuto seguinte, ele a abraçava, confortando-a.

Faith se deixou envolver, chorando por tudo o que não tinha chorado até agora. Pelo casamento arranjado, pela sua memória perdida.

Pelo ciúme que sentira de Gabe apenas por cogitar estar com outra pessoa.

E por saber bem lá no fundo que não tinha o menor direito de sentir nada. Porque ele não era seu de verdade.

E nem sabe como aconteceu, mas quando o choro finalmente acalmou e ela conseguiu se afastar de seu peito, estavam deitados sobre a cama, com Gabe a segurando muito perto.

— Desculpe-me.

— Sou eu que tenho que lhe pedir desculpas. Eu não queria fazer você chorar.

— Que confusão que causamos, não é? — sussurrou. — O que vamos fazer?

— Ainda quer que eu vá embora?

Ela se afastou um pouco mais para encará-lo, mas ele ainda mantinha seus braços ao redor dela.

E Faith se permitiu gostar daquilo. Gostar muito.

Era aí que residia o problema.

— Não quero que... se sinta tentado.

Ele riu, um riso frustrado e divertido.

Faith sentiu algo se revirando dentro dela.

— Não tem culpa de ser uma tentação tão grande.

— Eu sou mesmo? — indagou num sussurro, sentindo uma onda quente de prazer percorrendo-a.

Sim, ela entendia de tentação. Entendia mais do que gostaria.

E entendia de frustração também.

Os dedos dele acariciaram seu rosto.

— Faith, ainda acho que não podemos... Se recobrar a memória. Se quiser partir...

— Então acho que deve dormir em outro lugar... Porque não é só você que se sente tentado, Gabe...

Ele fechou os olhos, soltando uma imprecação e quando abriu, seu olhar parecia queimá-la.

— Não devia dizer estas coisas.

Ele parecia muito mais perto agora. Tão perto que ela poderia sentir o hálito quente dentro da sua boca, enquanto os dedos migravam do rosto para seus lábios.

— Eu sei... Eu gosto quando me beija... — sussurrou, começando a respirar com dificuldade.

— Eu também gosto de beijar você.

— Não há nenhum problema com isso, não é?

— Não, se for só isto. — E ele a beijou.

E Faith sentiu seus ossos derretendo e o corpo estremecendo, enquanto entreabria os lábios e o beijava de volta. Sim, ela gostava demais de beijá-lo, de sentir a língua áspera de encontro à sua, seu gosto a consumindo. E a cabeça girou, todo e qualquer pensamento coerente escapou de sua mente, dando lugar apenas aos instintos. E seus instintos estavam todos em Gabe.

Nos dedos longos que pareciam estar em todos os lugares e queimando por onde passavam.

Sim, cada centímetro de sua pele gritava pedindo aquele toque. Ela queria senti-lo em todos os lugares, naqueles mais escondidos e, subitamente, despertos. Soltou um gemido, aconchegando-se ainda mais a ele, seu quadril buscando um contato maior com o dele e foi a vez de Gabe gemer, as mãos grandes agora deslizavam por sua cintura, mas em vez de puxá-la ainda mais, como Faith queria, ele a afastou um pouco e ela gemeu em protesto quando suas bocas se separaram.

— Faith, não faça isto. — Ele pediu num sussurro rouco contra seu ouvido.

Faith se arrepiou ainda mais.

— Desculpe-me... — murmurou ofegante, mas não conseguia mais conter aquele anseio delirante que aumentava cada vez mais dentro dela. Seus próprios dedos estavam enroscados no cabelo de Gabe. — Pode me beijar de novo?

Ele riu.

— Deus do céu, Faith, o que eu faço com você? — E então sua boca estava sobre a dela de novo, roubando-lhe o ar.

E agora parecia ainda melhor, porque ele parecia beijá-la ainda com mais vontade. Aqueles dedos quentes subiram de sua cintura e, de repente, seguraram seus seios, que pareciam feitos para aquelas mãos. Faith sentiu todo o calor daquele toque se espalhando rapidamente por todo corpo, varrendo sua pele como labaredas e se instalando em meio às suas pernas. E ele interrompeu o beijo para deixar os lábios percorrerem de seu rosto afogueado até seu pescoço. Faith gemeu alto, movendo-se ansiosa em sua direção. De novo, as mãos dele a seguraram, mantendo-a numa distância segura, e agora seu gemido era de frustração.

— Faith, não poderei mais beijá-la se não parar com isto. — Ele pediu, num tom entre divertido e exasperado contra seu pescoço e ela soltou um riso nervoso.

— Não quero que pare... quero que me toque de novo — implorou. — Por favor, Gabe...

Sabia que devia ter vergonha do que estava fazendo, mas ela estava além de qualquer pensamento coerente.

Ela apenas se importava com aquele calor quase insuportável que o toque dele causava e que morreria se ele parasse.

— Tem ideia de como é difícil dizer não quando pede assim? — Gabe disse contra seus lábios, beijando-a devagar.

— Desculpe-me — ela murmurou entre seus beijos, mas sem a menor intenção de concordar em parar. — Quanto mais você me beija, mas eu sinto uma vontade estranha de ficar perto... é quase insuportável...

Ele riu, os dedos voltando a percorrer sua pele por cima da camisola, mas não a tocou novamente nos seios, que doíam à espera do seu toque.

Em vez disto, uma mão se concentrou em segurá-la pela cintura, impedindo-a de se mexer, enquanto a outra percorreu sua barriga e um pouco mais para baixo. Faith sentiu seu estômago sendo sugado, enquanto ele descia até pousar os dedos no vértice entre suas pernas.

Ela teve certeza que morreria ali mesmo, tamanho foi o prazer que sentiu.

Gabe a beijou de leve, contendo qualquer receio que ela poderia ter, enquanto os dedos a acariciavam gentilmente.

— Gabe?

— Hum?

— O que está fazendo?

— Acariciando você.

— Achei que fôssemos nos beijar.

— Eu estou beijando você.

— Mas... Oh, Deus. — Agora a outra mão estava subindo sua camisola e os dedos a tocavam por baixo do tecido. Era infinitamente delicioso.

— Está tudo bem, Faith — disse em seu ouvido. — Eu quero apenas lhe mostrar...

E ele mostrou.

Ou melhor, seus dedos mostraram.

Faith fechou os olhos, sentindo todo o corpo ficar tenso e se concentrar naquela pequena parte de sua anatomia que Gabe acariciava. E algo quente foi se enroscando dentro dela, aumentando de intensidade e se tornando mais insuportável ainda. Mas de um jeito bom. Muito bom.

E ela gemeu, perdida naquelas sensações e querendo um pouco mais de tudo o que ele a fazia sentir.

Até que o calor se transformasse em fogo e queimasse sua pele, um desejo líquido a percorrendo, o ar se tornando rarefeito, seu coração batendo descompassado no peito.

E Gabe. O toque de Gabe. A respiração de Gabe. O cheiro de Gabe. O gosto da boca dele na sua.

E então tudo explodiu. Uma onda de puro prazer a fez gritar, enquanto tudo se desmanchava dentro dela em espasmos deliciosos, que percorriam sua pele e a faziam levitar na sensação mais incrível que já tinha sentido. E acabou.

Abriu os olhos, ainda respirando com dificuldade e Gabe sorria.

— Gabe... isto foi... foi... — Ela não conseguia nem descrever.

Todo seu ser ainda parecia estar levitando de volta à Terra.

Ele a beijou e se afastou.

— E agora? — indagou incerta.

— Ainda está tudo bem, Faith. Durma agora.

— Mas...

— É sério, Faith.

Ela bocejou, sentindo mesmo o corpo agora exaurido.

— Mas eu acho que... — Porém, ela já sentia as pálpebras pesando e fechou os olhos.

E antes de adormecer, seu último pensamento foi se tinha sonhado com tudo aquilo.

E se Gabe ainda estaria com ela enquanto dormisse.


Capítulo 11

 

Quando Faith acordou no dia seguinte, estava sozinha.

Por um momento achou ter imaginado os acontecimentos da noite anterior.

Mas sabia que sua imaginação não era tão fértil assim. Não mesmo. Ela se sentia corar apenas de lembrar.

Fechou os olhos, deixando os pensamentos fluírem.

E agora, como seria?

Será que deveria conversar com Gabe sobre isto? Ela morreria de vergonha. Mas dadas as circunstâncias, depois de tudo o que tinha acontecido, ter vergonha parecia um pouco desproporcional.

E quando ela saiu do quarto, sentia-se inquieta e confusa. Não havia ninguém com quem pudesse conversar sobre um assunto tão íntimo.

A não ser Gabe, claro, e ela ainda não tinha certeza se deveria.

Como previra, ele não estava à mesa do café e nem seus irmãos.

Apenas Rebecca e Betsy ainda se encontravam ali.

Betsy sorriu, meio retraída.

— Bom dia, Faith.

— Bom dia, Betsy. — Faith se sentou.

Rebecca não falou nada. “Agora seria assim?” — Faith se perguntou.

Não se sentia bem com aquele clima ruim, e tentou não se arrepender de tê-la cortado no dia anterior.

De repente teve vontade de poder se abrir com elas. Será que teria coragem?

— Faith, está tudo bem? — Betsy indagou e Faith levantou o olhar do prato intocado.

Não havia fome alguma nela naquela manhã.

— Sim, está tudo bem — respondeu com a voz apagada.

Rebecca arrastou a cadeira e se levantou.

— Tenho mais o que fazer, então deixarei as duas conversarem, já que sou muito intrometida, não é?

E sem mais, ela saiu da copa.

— Não ligue para Becca — Betsy disse. — Ela está brava porque você não quer conversar com ela sobre... sobre...

— Eu sei.

— Bom, está brava comigo também?

Faith sorriu.

— Claro que não.

— Então posso lhe perguntar uma coisa?

Faith respirou fundo, esperando.

— Faith, fala a verdade. Você se lembrou de alguma coisa?

Faith encarou Betsy, que parecia muito apreensiva.

— Não, não lembrei, por que acha isso?

Betsy sorriu, dando de ombros depois de suspirar como numa espécie de... alívio?

— Nada, apenas curiosidade.

— Você parece feliz por eu ainda estar desmemoriada.

— Claro que não!

— É o que parece.

— Não seja boba, Faith. Agora olha, vamos mudar de assunto. Eu acho uma bobagem toda esta ideia de casamento sem consumação de vocês. Eu sei, eu sei, você não quer que a gente se intrometa e tem razão. Isso só interessa a você e ao Gabe, mas pense bem, Faith. E se você nunca recuperar a memória? Vão ficar assim para sempre?

— Eu não sei... Pareceu muito certo quando ele propôs.

— Sim, era certo porque vocês tinham que se casar!

— Eu não lembro nem quem eu sou!

— Mas veio para cá para casar com o Gabe!

— Eu não lembro disto... Às vezes, eu... não consigo me ver tendo este tipo de conduta. Não parece algo que eu faria.

Betsy gemeu, contrariada.

— Ai, Faith, para com isso! Claro que você queria casar!

— Não tenho tanta certeza. E o Gabe nunca quis. Ele apenas foi muito educado e atencioso propondo que nos casássemos.

— Gabe às vezes é muito tapado!

— Não fala assim... Ele se sente culpado.

Betsy revirou os olhos.

— Olha, Betsy — Faith continuou. — Não quero mais falar sobre este assunto. Como eu disse para a Becca ontem, é um assunto entre mim e Gabe.

— Tudo bem, tem razão. Não vou mais insistir! — E ela se afastou, deixando Faith sozinha.

Betsy às vezes era muito estranha. Não era tão temperamental como Rebecca, mas pareceu, por um momento, que ela não queria que Faith recuperasse a memória. Ou seria impressão?

Mas Faith não devia ficar pensando na maluquice da cunhada de Gabe, e sim na sua situação.

Saiu da mesa e foi caminhar para tentar pensar.

Mas tudo o que conseguiu foi ficar sonhando acordada com Gabe. E com tudo o que tinha acontecido na noite anterior.

E se perguntava se ocorreria de novo.

Ele dissera que estava tudo bem. Ela ainda era virgem, afinal, então possivelmente não haveria nenhum problema de acontecer, não era?

E se não acontecesse?

Ela podia admitir para si mesma que queria muito que acontecesse tudo de novo.

Estar com Gabe. Beijar Gabe. Sentir as mãos de Gabe... Suspirou, fechando os olhos.

Era maravilhoso. Ela podia passar a vida inteira assim...

Abriu os olhos, voltando à realidade. Tinha que encarar a possibilidade de Gabe não querer mais nada. Seria possível? Ele parecia gostar tanto quanto ela. Faith era inexperiente, mas ele já estivera excitado quando estavam juntos.

No entanto, ontem ele não a deixara nem chegar perto. Mordeu os lábios, sentindo o rosto queimar ao imaginar por quê. Ele queria se manter no controle. Mas não era justo. Se ele podia fazer com ela...

Faith corou ainda mais com a possibilidade de fazer o mesmo com ele.

Seria justo. E ela gostaria. Gostaria muito. Mas como?

Ela era inocente demais ainda!

Irritada consigo mesma, ela voltou para casa.

E, para sua surpresa, encontrou o xerife Bennet na sala com Betsy.

— Xerife, o que faz aqui? — Corou em frente ao homem da lei ao lembrar-se de como ele encontrara ela e as cunhadas ontem, prestes a adentrar na casa de prostituição da cidade.

— O xerife queria saber se estava tudo bem — Betsy explicou ao se levantar do sofá.

— Eu sinto muito pelo que presenciou — se viu dizendo. — O senhor foi muito sensato nos salvando. Estávamos todas... muito nervosas.

— Já expliquei a ele que está tudo bem agora. Foi apenas um mal entendido.

Faith arregalou os olhos. Que diabos Betsy contara ao xerife?

Betsy entendeu seu olhar apavorado, pois riu.

— Eu apenas disse que nossos maridos não pretendiam usufruir da casa, por assim dizer. E que tudo acabou bem.

— Fico feliz em saber — o xerife anuiu. — Mas aproveitando que estou aqui, poderíamos conversar, senhora Carter? — indagou a Faith.

— Claro.

Betsy se afastou, dizendo que ia procurar Becca e os deixou a sós.

— Se o senhor quer perguntar algo sobre o acidente, ainda não lembro de nada.

— Era exatamente sobre isso que vim investigar. A moça que está desacordada não aparenta sinal de melhora e segue o mistério de sua identidade.

— É terrível. Tenho muita pena — Faith lamentou com sinceridade e, de repente, lembrou-se da sensação que tivera quando viu a moça acamada no hospital. Será que existia a possibilidade de já se conhecerem?

— E também é lamentável a situação da senhorita, assim, sem memória.

— Sim, é muito estranho não saber quem eu sou de verdade. Mas encontro-me em uma situação melhor do que a pobre moça desacordada.

— Acha que existe alguma possibilidade de se conhecerem?

— Por que pergunta?

— Porque é possível. Chegaram juntas. Eu entrevistei alguns passageiros e eles pouco se lembram de vocês duas. Mas um deles disse que na hora do acidente as duas estavam conversando animadamente.

— De fato? — Faith franziu o cenho e mordeu os lábios, desconcertada com aquela revelação. Ciente do olhar perscrutador do xerife, desviou o rosto, culpada. Mas não entendia aquele sentimento. Por que se sentia culpada?

— Que estranho... — Ele disse depois de alguns momentos de silêncio. Faith reuniu coragem para encará-lo de novo, e agora seu semblante parecia confuso.

— O que é estranho?

— De repente tive a impressão que a conhecia de algum lugar.

— Oh... Duvido que nos conhecemos. Eu morava na Filadélfia, ao que parece, e lembro-me do senhor dizendo que não conhecia ninguém por lá.

— De fato, eu nunca estive para aquelas bandas, mas... — Ele continuava a estudar-lhe o rosto atentamente. — Ou talvez me lembre alguém... — Sacudiu a cabeça como se o pensamento que tivesse invadido sua mente fosse muito absurdo. — Enfim, deve ser impressão minha.

— Sinto muito que não possa ajudar.

— A senhora ou algum dos Carter enviou algum pedido de ajuda com informações para a agência da qual veio?

— Eu não sei — Faith respondeu aturdida.

— Será possível que a moça também viesse da mesma agência? Ou quem sabe fossem parentes, amigas, talvez?

— Não faço ideia. Queria lembrar e poder ajudar.

— Tudo bem. Acho que chega de perguntas. Não quero deixar a senhora perturbada.

— Imagina. Eu apenas... Fico incomodada com toda essa situação. Queria muito me lembrar. Saber quem eu sou. Por exemplo, será que eu tenho parentes vivos? Por que eu vim sozinha até aqui para me casar?

— Talvez fosse viúva? Ou uma órfã. Não consigo imaginar que algum pai deixaria a filha viajar tão longe sozinha para se casar com um desconhecido.

Faith sorriu com essa observação paternalista.

— O senhor tem filhos, xerife?

— Não sou casado — respondeu seco.

Faith teve a impressão que o assunto o perturbava.

— Nunca foi? Ouvi dizer que era viúvo...

— É o que dizem. — Foi sua resposta estranha e ele se levantou. — Eu preciso ir. Obrigado pela colaboração, senhora Carter.

Faith acompanhou o homem até a porta.

— Chame-me de Faith — pediu com um sorriso e de novo o xerife a olhou de forma estranha.

— É realmente incrível a semelhança — sussurrou para si mesmo.

— O que disse?

— Nada. Tenha uma boa tarde, senhora.

Ele se afastou rápido, deixando Faith confusa, parada à porta.

 


No almoço, a situação ainda era tensa com Rebecca. E depois Betsy e Selina saíram para ir à costureira, e Faith ficou sozinha com Rebecca na sala.

As duas liam em silêncio e Faith levantou o olhar para a cunhada.

Será que ela poderia conversar com Rebecca sobre “aquele assunto”?

Ela parecia bem-disposta ontem, não?

Mordeu os lábios, incerta.

— Por que está me encarando? — Becca indagou e Faith ficou encabulada, dando de ombros.

— Eu... queria conversar com você.

Becca lançou-lhe um sorriso sarcástico.

— Nossa, agora quer conversar comigo?

— Eu sei o que eu disse ontem...

— Eu só queria ajudar e você foi bem grossa.

— Desculpe-me.

Becca suspirou, fechando o livro.

— Estou com fome! Vamos tomar um chá e você me diz o que tanto quer conversar comigo.

Faith a seguiu para fora da sala.

— Espero que seja um assunto interessante — Becca disse enquanto sentavam à mesa e se serviam.

Faith tentou pensar no que dizer.

— Na verdade, eu queria lhe perguntar uma coisa...

— Sobre?

— Bem, quando está com Will...

Becca arregalou os olhos.

— Oh, meu Deus, você e o Gabe...

— Mais ou menos. — Faith podia sentir o rosto queimando.

— Oh... — Becca pareceu entender.

— Na verdade, eu queria saber... O que faz para, bem... você sabe, além do óbvio?

— Oh... quer saber como excitá-lo? — Becca se inclinou para frente, animada.

— É... isso — Faith admitiu.

— Você pode usar as mãos, mas acho que isso deve saber. E também a boca.

— Boca? — Foi a vez de Faith arregalar os olhos.

Rebecca riu.

— Claro, mas pelo seu espanto, aposto que Gabe nunca fez para você.

— Não!

— Não olha assim, horrorizada, tenho certeza que vai gostar. Se você faz, tem que ter retribuição.

— Como é que eu faço isso?

— Bem, o que é que você sabe fazer?

— Nada.

Rebecca revirou os olhos e pegou uma fruta em cima da mesa. Faith não entendeu, até perceber com o que se parecia e corou até a raiz dos cabelos.

— Tudo bem, eu vou explicar.

Faith teve vontade de sair correndo, mas já que tinha começado, era melhor ir até o fim.

Assim, ela assistiu, entre horrorizada e fascinada, a demonstração manual — e oral — da cunhada com a fruta de formato curioso.

Quando Betsy chegou, as duas estavam de volta à sala e conversavam em voz baixa.

Betsy olhou de uma para a outra.

— Nossa, estão se falando de novo?

Rebecca sorriu.

— Sim, estamos, foi uma tarde bastante instrutiva, não?

— Sim, foi — Faith respondeu, ainda meio chocada com os “ensinamentos” de Rebecca.

— Fico feliz! Estava cansada de tanto mau humor! E aproveitando que voltaram às boas, acabei de encontrar Will e James e eles nos convidaram para um piquenique à beira do lago!

— Oh, magnífico! — Rebecca se animou.

Mas Faith nem tanto.

Porque Gabe não estaria lá.

— Oh, Faith, sei que o Gabe não estará conosco, mas claro que você virá também. — Betsy sorriu. — Está uma tarde quente para um fim de outono e isto é muito raro em Jackson.

— Com certeza — Rebecca concordou e Faith não teve alternativa a não ser seguir os dois casais.

Surpreendentemente, foi uma tarde agradável.

A temperatura estava agradável e Faith até começou a apreciar da companhia dos irmãos de Gabe. Até mesmo Rebecca parecia mais simpática com ela agora que Faith permitira que compartilhassem aquela conversa íntima.

Só faltava algo para a tarde se tornar perfeita: Gabe.

Mas ele sempre passava os dias com o pai na clínica da cidade, enquanto Will e James cuidavam da propriedade da família. Will cuidava da terra e James da administração.

— É realmente uma pena que não possamos viajar agora — Betsy comentou, jogando gravetos no lago.

— Sim, seria fabuloso viajar para a Europa! — Rebecca suspirou, encostada em Will.

— Querida, eu a levarei para a Europa no verão.

— Espero que cumpra com o prometido, senão dormirá no celeiro pela estação inteira!

— Qual das damas quer um passeio de barco? — James indagou.

Havia um pequeno barco, no qual só cabiam duas pessoas, ancorado perto do lago.

Betsy fez uma careta.

— Tenho horror a esse barquinho, James, e você sabe muito bem. Da última vez nós nos desequilibramos e caímos na água. Meu vestido ficou arruinado.

Rebecca e Will riram.

— Sim, pelo menos foi engraçado — Will comentou para a consternação de Betsy.

— Não foi engraçado!

— O que é tão engraçado?

Faith quase deu um pulo ao ouvir a voz conhecida e se virou para ver Gabe se aproximando.

Os cabelos escuros bagunçados pelo vento e um sorriso lindo no rosto.

Sentiu o coração batendo forte no peito. Ele era tão perfeito, tão...

Oh, Deus, estava sendo exagerada e desviou o olhar quando ele sorriu diretamente para ela. Sua mente infestada pelas memórias da noite anterior faziam seu rosto corar.

— Quando Betsy caiu na água — Will explicou.

— Sim, desculpa, Betsy, mas foi definitivamente engraçado — Gabe divertiu-se.

— Pois eu não acho engraçado estragar um vestido.

— Você ganhou três no lugar daquele, sua exagerada — Rebecca rebateu.

— Certo, então por que não vai você passear de barco com o Will?

— Porque eu vou com a Faith — Gabe respondeu e Faith o encarou, surpresa. Ele sorriu e lhe estendeu a mão. — Vamos?

Faith segurou sua mão, e ele a puxou em direção ao barco.

— Tem medo de água? — indagou, fitando-a com um sorriso de lado.

— Não.

— Então por que seu pulso está acelerado? — Os dedos acariciaram o pulso da moça.

Faith mordeu os lábios, desviando o olhar, envergonhada.

— Não esperava vê-lo aqui agora. Estou surpresa.

Gabe a ajudou a subir no barco, sentando à sua frente e pegando os remos.

— Não havia muito a fazer hoje. Temos apenas uma paciente no hospital.

— A moça da diligência — Faith completou, sentindo um arrepio estranho.

Toda vez que pensava naquela moça se sentia mal.

Talvez por estarem no mesmo acidente.

— Sim. Ela continua na mesma.

— Acha que ela irá acordar?

— Eu não sei. Só o tempo dirá.

— O xerife Bennett esteve aqui hoje.

— Por quê? — Gabe indagou curioso.

— Ele queria conversar comigo sobre o acidente.

— Mas eu disse a ele no dia do casamento que você não se lembrava de nada, por que ele veio perturbá-la?

— Não fique bravo. Ele apenas está preocupado com a moça. Acha que eu possa conhecê-la.

— E você acha que isso é possível? — Agora ele parecia interessado e Faith deu de ombros.

— Eu não sei.

Eles se afastaram lentamente das margens, lago adentro, e Faith olhou para onde ficara os Carter, cada vez mais longe.

— Não está com medo, está? — Gabe insistiu divertido.

— Eu disse que não.

— Não tem medo de cair e estragar o vestido como Betsy?

Faith riu.

— Não sou como Betsy.

— Não... Você é única.

Faith sentiu falta de ar ao ouvi-lo falar daquele jeito.

Gabe a fitava intensamente. E desta vez foi impossível desviar o olhar.

De repente ele ficou sério.

— Faith, sobre ontem à noite...

Mas antes que ele pudesse continuar, uma gaivota voou baixo no céu na direção deles e Faith gritou, perdendo o equilíbrio.

O barco virou, jogando os dois na água.

Faith voltou à tona tossindo, enquanto mãos fortes a puxavam para cima.

— Faith, você está bem? — Gabe indagou preocupado e Faith abriu os olhos, retirando os cabelos do rosto.

— Sim, estou...

— Desculpe-me... Não devia ter lhe trazido.

Faith começou a rir.

Gabe a fitou, confuso.

E ele nunca lhe pareceu tão adorável como agora, com os cabelos molhados sobre a testa e aquele olhar culpado.

E sem pensar, ela se aproximou mais e o beijou.

Por um momento, Gabe não reagiu, surpreso, e Faith se afastou, também surpresa.

Mas no minuto seguinte, Gabe a puxava de volta, a mão rodeando sua nuca e colando suas bocas molhadas.

Faith suspirou, roçando seus corpos, adorando sentir os braços dele a rodearem forte. Crispou os dedos na camisa molhada e o beijou de volta. Várias vezes. De mil maneiras, até que ambos estivessem trêmulos e ofegantes, quando, finalmente, as bocas se separaram para respirar.

Ela mordeu-lhe os lábios e Gabe soltou um gemido, apertando-a mais forte e foi a vez dela gemer ao sentir a ereção contra o ventre. E no instante seguinte, Gabe a afastava um pouco, mas Faith não estava disposta a deixá-lo fugir desta vez.

— Não, espera — pediu sem fôlego. — Eu quero fazer uma coisa — disse antes que perdesse a coragem ou que Gabe se afastasse de vez, e o beijou de novo, devagar e persuasivamente, deixando a mão correr pelo peito masculino até alcançar a calça, tocando-o ali.

Gabe gemeu contra seus lábios e Faith o mordeu de novo.

— Faith, não faça isso.

— Mas eu quero fazer... — murmurou, deixando os dedos deslizarem mais além; para dentro da calça até tocá-lo de verdade.

E ela acariciou-o exatamente como tinha vontade, como tinha imaginado, adorando ouvi-lo sussurrar seu nome baixinho e fechar os olhos, ofegando, enquanto os dedos dela prosseguiam, mais rápidos, até que ele gemesse roucamente, estremecendo e abrisse os olhos, ofegando. Faith sorriu e mordeu os lábios, sentindo uma satisfação diferente agora. Porque era delicioso também vê-lo assim, tão perdido quanto estivera ontem e saber que ela podia fazer isto com ele.

— O que vou fazer com você, Faith? — Gabe encostou a testa na dela.

— Está tudo bem, Gabe — Faith respondeu a mesma coisa que ele disse na noite anterior e Gabe sorriu, beijou-a levemente e a puxou em direção ao barco.

— Vamos voltar, antes que organizem uma busca.

Faith só então se lembrou que os irmãos de Gabe ainda estavam em algum lugar da margem esperando por eles.

— Você acha que eles viram? — indagou ruborizada e Gabe riu, pulando para dentro do barco e a colocando dentro também.

— Tenho certeza que daqui não viram nada.

Faith respirou aliviada e Gabe voltou a remar em direção aos Carter.

E, obviamente, foram motivo de piadas e risos quando chegaram encharcados à margem e Betsy os encarava horrorizada.

— Esse vestido era tão bonito! — murmurava, enquanto Rebecca, Will e James riam.

Mas Gabe apenas a pegou pela mão e a levou em direção a casa.

Selina os encarou, chocada.

— O que aconteceu?

— Fui levar a Faith para dar um passeio e caímos no lago.

— Vão ficar doentes assim! Vou já pedir para preparar um banho para vocês! Gabe, Theodore chegou e está no escritório, ele quer falar com você, acho que é sobre a garota desacordada.

Gabe fitou Faith.

— Suba, eu vou conversar com meu pai.

— Gabe, você também precisa tirar estas roupas! — Selina exclamou.

— Eu irei depois de falar com papai.

Faith subiu, levemente decepcionada.

E o que esperava? Ainda se sentia meio chocada com sua própria ousadia no lago. Mas não arrependida.

A criadagem preparou-lhe o banho e ela entrou na banheira quente. E quando, algum tempo depois, a porta abriu e Gabe entrou, lembrou-se imediatamente da ocasião em que chegara ali e ele a pegara do mesmo jeito.

Parecia que fora em outra vida.

Daquela vez se sentira envergonhada. Mas agora ela se sentia diferente.

— Desculpe-me — Gabe murmurou. — Esqueci que...

— Tudo bem — Faith respondeu. Ele ainda estava com as roupas molhadas.

— Eu preciso também tomar um banho. Então eu vou... — Ele fez que ia sair.

— Sim, precisa — ela concordou, abraçando os joelhos junto ao peito. — Mas tem espaço para dois aqui.

Não sabia bem o que estava fazendo, o porquê o fazia, mas havia algo dentro dela que lhe dava uma coragem de que nunca se julgara capaz até agora. Algo que lhe dizia que ter Gabe perto dela era muito certo. Certo demais.

Mordeu os lábios, sem conseguir desviar o olhar, enquanto o via se debater entre o dever e o querer.

Sentiu o coração disparando absurdamente no peito quando ele se aproximou e, sem dizer nada, começou a tirar as roupas.

— Você é bonito — ela murmurou com a boca seca.

Era como uma estátua de mármore. Grega e perfeita.

Ele sorriu, entrando na banheira e Faith podia sentir-se derretendo e se misturando com a água.

— Eu não deveria estar aqui.

— Nada está acontecendo — Faith sussurrou como que para si mesma.

Mas sabia que estava ultrapassando todas as barreiras que tinham imposto. E o pior era que estava gostando. Muito.

Ela mal podia esperar por ultrapassar ainda mais. Seu corpo estava pronto para mais.

— Há algo em você... que faz com que eu faça coisas que não deveria. Que até hoje era muito fácil resistir. Mas acho que não sou tão forte como pensei.

— Você é sim. Está resistindo muito bem até agora.

“Infelizmente” — ela teve vontade de acrescentar, mas achava que já tinha brincado demais com a sorte.

Não queria que Gabe recuasse. Não conseguiria permitir isto agora.

— Ah, Faith... Se você soubesse...

— O quê?

— Como é difícil resistir. — Ele passou a mão pelos cabelos, frustrado, e de repente Faith se sentiu culpada.

— Eu sei... Não devia ter pedido para entrar aqui. Desculpe-me.

— Sim, vamos sair. Esta água já está esfriando.

Ela desviou o olhar quando ele se levantou e saiu da banheira.

Sentia-se meio envergonhada agora. E frustrada. Até mesmo um pouco irritada. Nada daquilo era justo. Aquela amnésia, aquele casamento e não poder ter Gabe. Não era nem um pouco justo.

— Vem. — Ouviu sua voz e levantou o rosto.

Ele a esperava com uma toalha. Agora não estava mais nu, pois vestia uma calça.

— Achei que não queria mais tentações.

Ele sorriu culpado.

— Eu quero muitas coisas, Faith, mas neste momento estou tentando apenas evitar que congele.

Ela se levantou, a água pingando do seu corpo molhado e Gabe deslizou o olhar por sua pele, arrepiando-a inteira e a deixando em brasa.

Era como se cada poro criasse vida enquanto ele a admirava.

— Você é tentadora demais, Faith Bennett — sussurrou, saindo do transe ao enrolá-la na toalha e tirá-la da banheira.

— Sou? — O coração dela estava aos pulos ao perceber que Gabe não a colocava no chão e sim a levava para a cama, depositando-a sobre o colchão e deitando ao seu lado.

— Por que estamos aqui mesmo? — questionou baixinho, passando os dedos pelas mechas molhadas do cabelo escuro sem resistir.

— Algo a ver com fazer coisas que eu sei que não deveria...

— Como o quê? — murmurou, fechando os olhos ao sentir as mãos dele em seu rosto.

— Como beijá-la.

— Sim...

E Gabe tomou-lhe os lábios. Uma vez. Várias. Beijos curtos e deliciosos que serviam apenas para aumentar ainda mais a necessidade que tinha dele.

— Você tem um gosto tão bom... — murmurou, deslizando os lábios por seu rosto e pescoço. — E seu cheiro... é único...

Faith sentiu dificuldade de respirar e ele continuou a beijar sua pele ainda úmida. Os lábios por seu ombro, enquanto os dedos a livravam da toalha e desciam até os seios. Faith gemeu alto ao sentir a língua quente rodeando um mamilo, sugando, mordendo, explorando.

— Eu queria beijar você inteira. — A voz rouca dele adentrou em seu ouvido, entorpecendo-a, deixando-a fraca e alheia a tudo, exceto àquelas sensações inebriantes que Gabe a fazia sentir com seu toque, com seus beijos, que desciam uma trilha úmida por seu estômago, barriga, umbigo... E ela ficou tensa quando sentiu a respiração quente entre suas pernas.

Oh, Deus, por um segundo lembrou-se das palavras de Rebecca. E ela que achava que aquilo nem era possível! Mas Rebecca desapareceu de sua mente quando, finalmente, a língua e os lábios de Gabe a exploraram, delicadamente a princípio, como se a testasse, como se a degustasse, para depois aumentar de intensidade. Faith perdeu-se totalmente naquela carícia, as sensações se enroscando dentro dela e a fazendo gemer cada vez mais alto. E não parava, levando-a cada vez mais longe. O prazer, que ela já conhecia agora, crescendo, se avolumando, explodindo em forma de espasmos deliciosos que a fizeram gemer seu nome muitas vezes, até que finalmente voltasse à realidade, fraca e trêmula.

Abriu os olhos e Gabe estava ao seu lado, fitando-a de um jeito que fez seu coração bater mais rápido de novo.

— Eu quero estar dentro de você, e esse desejo é tão forte que dói — ele disse num misto de angústia e necessidade tão grande que Faith sentiu seu peito doer.

Porque era a mesma necessidade que havia dentro dela.

Era inevitável.

Ela se inclinou e tocou-lhe rosto, beijando-o.

— Eu quero você dentro de mim.

— Faith, não...

— Por favor, Gabe... — pediu, implorou, não importava mais.

Ela estava além de qualquer pensamento coerente.

Então, com um gemido ele a beijou com força.

E Faith soube que não havia mais volta agora, quando Gabe se despiu e rolou por cima dela, os joelhos abrindo suas pernas, até que não houvesse nenhum espaço, nenhuma barreira entre seus corpos.

Ela prendeu a respiração quando o sentiu entrando, penetrando a última barreira de sua inocência.

— Tudo bem? — ele indagou e Faith acenou com a cabeça, incapaz de falar. Havia dor, mas também havia um prazer imensurável. Seu corpo se adaptando ao dele, enquanto ele movia os quadris devagar, impulsionando e recuando. Faith cerrou as pálpebras, enterrando a unha nos ombros de Gabe. Os gemidos deles se misturavam pelo quarto e tudo foi desaparecendo até o fim vertiginoso. Ela estremeceu, desmanchando-se inteira. E era melhor e mais perfeito agora. Porque estavam juntos. Finalmente.

Depois, na quietude da tarde, Gabe a abraçou forte, trazendo-a para junto de si, e Faith sentiu o coração expandindo no peito, repleto de um sentimento que não era apenas físico.

E ela não pôde mais negar a si mesma que estava irrevogavelmente apaixonada por Gabe Carter.


Capítulo 12

 

Faith se desvencilhou dos braços de Gabe quando percebeu que ele caiu no sono.

Levantou-se e após se limpar na banheira de novo, não se importando com a água fria, vestiu-se e saiu do quarto sem fazer barulho. A casa estava silenciosa àquela hora e ela agradeceu aos céus não topar com nenhuma cunhada pelo caminho. Precisava ficar sozinha para colocar seus pensamentos em ordem. Para acalmar seu coração aflito.

Caminhou para longe da casa e sentou-se no mesmo local onde Gabe a pedira em casamento.

Como é que ela podia estar tranquila agora, sabendo que estava muito apaixonada por Gabe? Sim, ele era seu marido. Mas haviam combinado que não fariam nada que pudesse ligá-la a ele para sempre até que recobrasse a memória.

Porém, eles haviam quebrado essa promessa e Faith se perguntava o que isto significava. Será que Gabe nutria os mesmos sentimentos por ela? Será que agora iriam ser um casal normal? Ou ele acordaria e diria que estava arrependido, que nunca mais fariam amor e tudo ficaria como antes?

Ela tinha medo de ambas as respostas.

Porque no fundo do coração sabia que Gabe tinha razão em insistir naquele acordo.

Ela não sabia quem era. E pior, ela tinha medo de saber.

Como se um pressentimento estivesse ali, bem embaixo de sua pele, arrepiando e dizendo que algo estava errado.

Ela só não sabia o que era. E isto a apavorava.

Porque agora que tinha Gabe, ela não queria perdê-lo.

— Faith, o que faz aqui sozinha?

Ela secou os olhos rapidamente ao ouvir a voz de Betsy se aproximando.

— Nada... estava pensando — murmurou.

— Está chorando? — Betsy aproximou-se, sentando ao seu lado. — O que aconteceu?

— Oh, Betsy, sinto-me tão perdida!

— Oh, meu Deus! — A moça levou a mão à boca, com os olhos arregalados. — Lembrou-se de algo? Lembrou-se de quem é?

Faith franziu a testa.

— Não, não é isso.

— Ah, nossa, que alívio.

— Como assim, alívio? Você não quer que eu lembre?

Betsy corou, desviando o olhar, mas Faith reconheceu sua expressão. Era culpa.

— Betsy, o que está acontecendo? Por que tenho a impressão que não quer que eu me lembre?

— Por que estava chorando? — Ela ignorou sua pergunta e foi a vez de Faith desviar o olhar. — Brigou com o Gabe ou algo assim?

— Não, muito pelo contrário... — Faith corou.

— Contrário? Não entendi... — A moça ficou confusa por um instante, mas de repente seu rosto iluminou-se em compreensão. — Você e Gabe finalmente dormiram juntos?!

— Sim... — Faith confessou.

— Mas isso é ótimo! Por que não está feliz? Já estava na hora de pararem com aquele acordo estúpido!

— Mas é justamente este o problema! Eu não sei quem eu sou!

— Mas isso é realmente um problema? Estão casados agora.

— Então por que eu sinto que tem algo errado? Por que não consigo me ver como uma moça que deixaria tudo para trás para me casar com um estranho?

De novo Betsy desviou o olhar e, de repente, Faith teve certeza que Betsy estava lhe escondendo alguma coisa.

— Betsy... Você sabe algo sobre mim?

A cunhada fitou-a.

— Responda-me com sinceridade, Faith, você está apaixonada pelo Gabe, não está?

— Não posso negar que me apaixonei por ele, mas...

— E ele a ama também, não é? Ah, mas que pergunta, claro que ama! Senão não teria consumado o casamento! Está óbvio que ele quer ficar com você para sempre, então... acho que talvez seja a hora de eu lhe revelar a verdade.

— Que verdade?

— Faith, você não era a noiva de Gabe.

— O quê?

— A noiva do Gabe é a moça desacordada. Houve uma confusão...

Faith empalideceu de horror.

— O que está dizendo? Quando acordei disseram que eu estava aqui para me casar com Gabe!

— Sim! Você estava segurando o retrato de Gabe e deduzimos que era a noiva. Mas na verdade, a noiva é outra moça. Elisa Parker!

Faith sentiu a mente rodar. Um nó fechando sua garganta e um frio pavoroso cercando seu coração.

Então ela tinha razão. Realmente não era alguém que se deslocaria da Filadélfia até Jackson para se casar com alguém que nunca tinha visto antes.

Mas Elisa Parker, sim. A mulher desacordada.

A mulher de olhos claros que Faith se lembrava vagamente de ter conhecido e de ter lhe entregado algo.

A foto de Gabe.

Soltou um soluço de dor, sem conseguir conter as lágrimas que caíam de seus olhos.

— Oh, meu Deus!

— Faith, não fica assim, está tudo bem... — Betsy tentou acalmá-la.

— Como... Como sabe? Como descobriu?

Betsy corou.

— Descobri no dia do casamento.

— Como assim? Por que não disse nada?

— Foi Will quem contatou a agência, mas ele perdeu as fotos da noiva verdadeira e nem ao menos se lembrava do seu nome! Você deve saber que Will não é muito inteligente! Enfim, no dia do casamento, ele encontrou a foto da noiva e a carta da agência com o nome verdadeiro e nos demos conta da confusão.

— E por que não disseram nada todo este tempo?

— A culpa é minha. Eu insisti que não dissesse.

— Por quê? — Não conseguia entender como Betsy fora tão leviana com algo tão sério.

— Porque eu queria que se casassem! Eu sabia que iam se apaixonar, que se tivessem a chance, iam perceber que foram feitos um para o outro. — Ela sorriu. — E eu tinha razão. Estão apaixonados!

— Não deveria ter feito isso... Foi um erro terrível...

— Não foi! Eu via como se olhavam! Como estavam atraídos! E Gabe é todo certinho, não ia querer se casar se descobrisse que a verdadeira noiva estava lá, acidentada!

— E não deveria mesmo! — Faith fechou os olhos, sentindo o coração afundar no peito.

E ao abri-los, uma nova e desoladora realidade a acolheu.

Nada lhe pertencia. Nem aquele noivado, nem os Carter.

Nem Gabe.

Principalmente, Gabe.

Ela era uma fraude.

O vento do crepúsculo açoitou seus cabelos e ela se encolheu. Naquele mesmo lugar, Gabe a pedira em casamento, apenas por obrigação, para remediar uma situação que ele mesmo nunca quisera. E Faith estava tão perdida que aceitara.

Não era à toa que ela sempre intuíra que tinha algo errado. Simplesmente não seria do seu feitio fazer o que Elisa Parker fizera. Aceitar se casar com um estranho. Mesmo ele sendo tão bonito como Gabe Carter.

Mas ela aceitara um acordo. Um casamento que existiria apenas até ela recuperar a memória. Um casamento que não seria consumado.

Era como se Gabe também suspeitasse que havia algo errado, afinal.

Tudo estava errado. Faith não era a noiva.

E Deus, o que faria agora, que ele dormia na cama em que tinham finalmente consumado o casamento? Era uma impostora. Tinha roubado o lugar de outra mulher que estava inconsciente. Seu lugar não era com Gabe. Na cama de Gabe. Nos braços de Gabe.

E como seria agora? O que aconteceria quando revelasse a verdade?

Tudo estaria terminado. Gabe teria razão, afinal. Não deveriam ter consumado o casamento. Mas agora era tarde.

Ela entregara tudo a ele. Seu corpo e seu coração.

E não sabia o que fazer.

E havia ainda uma nova e assustadora questão.

Se ela não era a noiva que viera da Filadélfia, quem era ela?

Quem era Faith Bennet?

— Não sofra, Faith. — Betsy segurou sua mão. — Tudo vai dar certo.

— Não vejo como...

— Você ama o Gabe e ele a ama. É muito simples. Estão casados. Consumaram o casamento. Agora é seguir em frente.

— Com uma mentira. — Faith não pôde negar que as palavras de Betsy eram tentadoras.

— E daí? Elisa Parker está desacordada e acho, sinceramente, que nunca mais vai acordar! E você está aqui, nos braços de Gabe. Para que revelar a verdade?

— Acha que não devo contar a ele?

— Vou deixar que decida isto. Mas de verdade? Gabe é consciencioso demais. Ele pode se sentir culpado e... pode estragar tudo. É isso que quer? Perder Gabe?

— Sinto meu coração doer só de pensar nisto...

Betsy apertou sua mão.

— Então não conte. Siga em frente! Com Gabe! Lute pela sua felicidade!

— Betsy... Faith, cadê vocês? — A voz de Becca veio em direção da casa.

— Estamos aqui! Já vamos entrar! — Betsy gritou de volta. — Já anoiteceu e está frio, vamos entrar! Selina já preparou o jantar!

Faith acompanhou Betsy até a casa.

Seu coração ficando mais pesado a cada passo.

O que faria agora? Que decisão tomar?

Quando entraram, ela já ia preparar alguma desculpa para procurar Gabe, mas não foi preciso, porque ele estava ali. E quando a viu, veio em sua direção com um olhar preocupado.

— Faith, onde estava? Eu estava à sua procura — disse, tocando suas mãos frias e Faith tentou sorrir, mas era impossível.

— Eu...

Ele abaixou a cabeça para falar num tom que só ela escutasse.

— Quando acordei e não a vi, fiquei preocupado.

Faith mordeu os lábios, um nó se formou em sua garganta ao se lembrar do que tinham feito.

Do que nunca deveriam ter feito.

— Eu apenas fui dar uma volta, eu precisava... pensar.

— Nós precisamos conversar, Faith...

Sim, se ele soubesse o que ela tinha para dizer...

— Querem parar de cochichos os dois? — Betsy riu ao se aproximar. — Selina nos chama à mesa! Depois podem ficar de conversinha ao pé do ouvido!

— Você é tão chata às vezes, Betsy — Gabe disse num tom entre exasperado e divertido e Betsy riu, segurando seu braço enquanto iam para a sala de jantar.

— Mas você me adora que eu sei!

Rebecca se aproximou de Faith.

— Sumiram agora à tarde, estava usando os novos conhecimentos que lhe mostrei? — cochichou em seu ouvido e Faith corou até a raiz dos cabelos enquanto Rebecca ria com gosto.

— Do que está rindo, querida? — Will indagou.

— De nada, querido, talvez depois eu lhe conte...

Eles comeram no mesmo clima de sempre.

Apenas Faith se mantinha calada e alheia às brincadeiras dos Carter.

— Faith, está se sentindo bem? — Theodore indagou e todos pararam de falar para encará-la.

— Eu... — Sim, era agora. Ela poderia dizer.

Contar que se lembrara de tudo. E que não era a noiva que eles esperavam de Gabe Carter.

Betsy lhe lançou um olhar alarmado e sacudiu a cabeça em negativa.

— Faith? — A voz profunda e perfeita de Gabe a envolveu, assim como seus dedos, segurando os seus por baixo da mesa e ela o fitou.

Havia calor nos olhos intensos. Havia uma atenção que era só para ela. E de repente Faith não queria que acabasse. Não queria que aquele brilho se apagasse, dando lugar à fria decepção.

Ela queria um pouco mais daquela fantasia.

Um pouco mais de Gabe Carter.

— Estou bem. — Sorriu. Para ele. Só para ele.

E Gabe sorriu de volta, levando sua mão aos lábios e a beijando. O olhar preso no dela.

Cheio de promessas.

Ah, se ela pudesse...

Mas ela podia. Nem que fosse apenas por aquela noite.

E daí por diante, se deixou envolver por aquele devaneio. A doce fantasia de que tudo aquilo lhe pertencia. Que Gabe lhe pertencia.

E seu coração voltou a bater num ritmo ansioso, seu corpo se aqueceu à espera. Até que dissessem boa noite aos Carter e por fim, estivessem a sós.

— Faith, precisamos conversar... — Gabe disse assim que fechou a porta atrás de si.

Faith olhou as nuvens escuras através da janela, sentindo de novo aquele medo que sentira à tarde ameaçar engolfá-la.

O medo da verdade.

Medo de perder Gabe.

Porém, Gabe nunca fora seu realmente. Ele pertencia à outra pessoa.

Mas hoje, ela poderia sonhar. Poderia fingir que ele era seu.

Então se voltou e caminhou em sua direção.

E se colocando na ponta dos pés, beijou-o.

— Faith... — Os dedos dele tocaram seus ombros, para afastá-la. Ela podia sentir o lado sensato de Gabe querendo aparecer, mas ela não podia deixar.

E quando ele a afastou, Faith levou os dedos aos botões do vestido, que caiu com um farfalhar aos seus pés.

— Por favor, Gabe — murmurou, vendo seu olhar escurecer, percorrendo suas formas seminuas, mal cobertas pelas roupas íntimas e caras.

Pegou sua mão e levou ao seio.

— Toque-me — pediu.

Com um gemido, Gabe finalmente se rendeu, beijando-a.

Faith suspirou, era assim que ela o queria, o coração batendo no mesmo ritmo que o seu, as mãos a trazendo para mais perto, percorrendo a pele sobre o tecido fino, incendiando por onde passava.

— Eu quero você de novo — ele murmurou entre beijos cada vez mais intensos e Faith gemeu, sentindo o corpo amolecer de desejo.

— Sim... Eu também.

E sem demora, ele a levou para a cama. As mãos a livrando do resto das roupas e foi a vez dele de se despir, e Faith o ajudou, adorando sentir a pele roçando na sua, beijando seus ombros, deixando as mãos o conhecer, como ele tinha conhecido o corpo dela à tarde.

Era maravilhoso ouvi-lo gemer em seu ouvido cada vez que ela descobria algo que lhe dava prazer. Senti-lo enrijecer sob seus dedos e depois em sua boca. Não havia nada como o nome dela em seus lábios. Até que ele a puxasse e a prensasse sobre a cama, devorando-a com o olhar e depois com os lábios.

— Você tem um gosto delicioso — murmurou contra seus seios, deslizando a língua quente e úmida sobre um mamilo, para depois mordê-lo e Faith gritou, contorcendo-se, ansiosa, até que a mão dele descesse para tocá-la entre as pernas, naquele ponto onde ele sabia que ela morreria de prazer.

— Gabe, por favor... — implorou, sentindo as sensações crescendo e se avolumando dentro dela.

Era delicioso sentir sua mão, mas ela queria morrer de prazer com ele.

— Sim... eu também preciso de você — ele disse por fim, enchendo sua boca de beijos molhados e se posicionando para penetrá-la.

E foi melhor do que a primeira vez. Agora não havia mais dor, apenas aquele prazer quente, intenso, delirante, que era senti-lo se mover dentro dela num ritmo perfeito para fazer seu corpo responder e se mover junto com o dele, num impulso e recuo alucinante, os gemidos se misturando, até que ela se desmanchasse embaixo dele, ouvindo-o gemer seu nome no mesmo gozo.

E depois, quando Gabe a abraçou, Faith fechou os olhos, com uma imensa vontade de chorar.

— Faith, está acordada? — Gabe a chamou um tempo depois, mas ela fingiu dormir.

Não estava pronta ainda para voltar à realidade.

E continuou assim, até que ouvisse a respiração compassada dele.

Mas ela não dormiu.

Agora ela podia chorar.

Quando acordou, Gabe já havia saído.

Desceu para o desjejum e encontrou Betsy sozinha à mesa.

A cunhada estudou a expressão de Faith, apreensiva.

— E então, o que decidiu?

— Ainda não sei.

— Isso quer dizer que ainda não contou a Gabe.

— Não. Mas não tenho certeza se devo ou não fazer.

— Bem, você sabe minha opinião...

Suas palavras foram interrompidas quando Rebecca adentrou o recinto. Ela vestia as luvas e fitou as duas com uma expressão decidida.

— Vou à modista. Acompanham-me?

— Ótima ideia! — Betsy levantou, se afastando. — Vou buscar minha sombrinha.

Rebecca encarou Faith.

— E você?

Faith quis dizer que não estava com a menor vontade de acompanhar as cunhadas em suas intermináveis horas de compras escolhendo tecidos para vestidos novos, mas de repente lhe ocorreu uma ideia.

— Eu irei com vocês.

Rebeca franziu o cenho, estudando a moça, atenta.

— Está pálida. Algum problema?

Faith forçou um sorriso.

— Não, apenas estou fatigada.

— Hum. — A ruiva sorriu com malícia. — Imagino que passou boa parte da noite acordada. Você e Gabe finalmente... Ou estão nas brincadeiras ainda?

Faith corou e o sorriso de Rebecca aumentou.

— Sim, acho que já sei a resposta. Fico feliz por você!

Betsy retornou, chamando-as, e Rebecca encerrou o interrogatório.

Na cidade, enquanto Betsy e Rebecca se esbaldavam com os novos tecidos que a costureira trouxera de sua última viagem, Faith comunicou que iria dar uma volta pela cidade.

Entretidas, as duas não se opuseram e Faith tomou o rumo da casa do xerife. Não foi difícil achar a casa que procurava, afinal, todos sabiam onde morava o xerife da cidade. E quando Lee Bennett abriu a porta para a moça pálida e com olhos vermelhos, ele franziu a testa.

— Faith Carter, o que faz aqui tão cedo? Algum problema?

Faith começou a chorar de novo.

O xerife Bennett olhou para a moça, confuso.

— Senhora? Algum problema? Por que está chorando? Precisa de ajuda?

Faith mordeu os lábios, tentando parar de chorar.

— Será que eu posso entrar, por favor?

— Claro que sim.

Ele fez sinal para ela entrar e Faith passou à sua frente. Quando Lee Bennett fechou a porta atrás de si, ela o encarou.

— Em que posso ajudá-la? Está com problemas?

Faith passara a noite acordada sem saber o que fazer e, ao amanhecer, tinha se dado conta de que além de decidir se contava ou não a verdade a Gabe, ainda precisava muito saber quem ela era.

E talvez o xerife da cidade pudesse ajudá-la.

— Eu preciso de sua ajuda, xerife.


Capítulo 13

 

O xerife Bennett encarava a moça aflita na sua frente, depois de contar-lhe toda uma história insólita sobre a troca de identidade com a verdadeira noiva de Gabe Carter.

Agora ela torcia as mãos no colo, com um olhar aflito.

Era realmente de dar pena.

— Will e Betsy não deveriam ter escondido a verdade — ele falou por fim. — Teria evitado toda essa confusão.

— Eu sei, mas agora é tarde. Estou casada com Gabe e ele não faz ideia que sou uma farsa!

— Não fique aflita, senhora...

— Como não ficar? Eu não sei quem eu sou!

— E como acha que posso ajudá-la?

— O senhor disse que estava tentando descobrir quem era a moça desacordada. Agora nós já sabemos. Ela é a noiva de Gabe. Mas quem sou eu? Se eu contar a Gabe, terei que ir embora e não sei nem para onde ir! — Ela enxugou uma lágrima fortuita e o xerife lhe entregou um lenço. De novo teve a impressão de já conhecê-la.

Claro que isso era impossível. Nunca vira Faith antes. Porém, ele sabia com quem ela se parecia.

Desde que conversara com a moça na casa dos Carter e concluíra o porquê de ver certa familiaridade nas suas feições, não conseguia parar de pensar se havia a remota possibilidade dela ser parente de...

— Oh, estou tão perdida! — Ela fungou, prendendo nele o olhar pesaroso. — Acho que não deveria ter vindo perturbá-lo. Como pode me ajudar? Não há nenhuma pista!

Ele respirou fundo, tomando uma decisão.

— Faith, vou tentar lhe ajudar.

— Como? — Sua expressão ganhou um ar esperançoso.

— Ainda não tenho certeza, mas tentarei achar alguma conexão...

— Conexão? Como assim? Conexão com o quê?

— Eu diria com quem... — Ele se levantou. — Agora, deve voltar à casa dos Carter.

— Sinto-me tão culpada... Não sei como contar a Gabe...

— Então espere. Vou tentar descobrir se posso ajudá-la e então lhe comunicarei se descobrir algo, e enquanto isso, você decide como contar ao seu marido.

Faith refugiou-se à beira do lago quando retornaram da cidade. Queria ficar longe das cunhadas e precisava pensar.

Será que o xerife conseguiria ajudá-la na inglória tarefa de descobrir quem ela era de verdade? Ela rezava para que sim, que fosse possível.

Se ao menos conseguisse se lembrar... Fechou os olhos, respirando o ar da tarde e forçando a mente a encontrar qualquer pista que pudesse levá-la a suas memórias.

Mas encontrou apenas o vazio.

— Faith?

Abriu os olhos ao reconhecer a voz de Gabe a chamando. Ele vinha em sua direção. Lindo e com um sorriso no rosto.

O coração titubeou no peito de emoções desencontradas. Desejo e medo travando uma árdua batalha em seu íntimo.

Será que ele a amaria o suficiente para querê-la depois de saber que não era a noiva certa?

Faith tinha medo da resposta.

— O que faz aqui sozinha? — Gabe sentou ao seu lado.

— Apenas fugindo um pouco de Rebecca e Betsy.

Gabe sorriu, mas de repente ficou sério.

— Fiquei preocupado que estivesse... brava comigo. — Ele parecia perturbado agora.

— Por quê?

— Por não ter mantido minha promessa.

Faith segurou sua mão. Ele a apertou. O olhar descansando no rosto da moça, fazia-a transbordar sentimentos.

Ela o amava tanto. E tinha tanto medo de perdê-lo. Mas o olhar consternado que lhe lançava agora, dizia muito sobre a índole de Gabe.

Ele era honrado demais.

E Faith tinha medo que, quando descobrisse que na verdade, o casamento deles fora obra de um terrível equívoco, sentiria-se mais culpado ainda.

— Não foi sua culpa. Eu queria... estar com você — Faith respondeu.

— Eu ainda acho que não é certo... Não saber quem é...

— Acha que eu ia querer partir se me lembrasse? — questionou baixinho.

— Acha que um dia vai lembrar? — Essa questão parecia perturbá-lo.

Faith abriu a boca, sem saber o que dizer. Poderia dizer a verdade. Que sua mente ainda era um quarto vazio, mas que ele tinha razão em temer que algo estivesse errado, pois o casamento deles fora um engano.

Sua verdadeira noiva era Elisa Parker.

Mas o medo a fez se calar.

— Eu não sei. Não faço ideia de como será o futuro... Porém, o que fizemos... foi algo que nós dois queríamos. Foi... inevitável.

— O que vamos fazer?

— O que você quer fazer? — Faith devolveu-lhe a questão.

Gabe tocou seu rosto, o olhar se prendendo no de Faith, cheio de desejo.

— Neste momento? Eu só queria beijá-la.

Faith se permitiu sorrir, o coração aos pulos.

— Então vamos viver o momento... O futuro é incerto e agora eu só queria beijá-lo também, Gabe Carter.

Com um gemido rouco, Gabe tomou-lhe os lábios em um beijo apaixonado, fazendo Faith derreter como uma flor ao sol. E não se opôs quando ele a deitou sobre a relva, aprofundando o beijo.

Sim, aquele momento era sublime e deveria ser aproveitado... enquanto ainda tinham tempo.

 


O xerife Bennett apressou os passos quando adentrou a rua com pouco movimento naquela tarde. De longe avistou a casa azul, que lhe fora descrita. Seu coração falhou um pouco no peito, se perguntando se estava preparado para aquele encontro. Afinal, já fazia vinte anos...

Ele estava na Filadélfia há pouco mais de uma semana, tentando encontrar os passos que sua intuição lhe dizia ser a chave sobre Faith Carter. Ou melhor Faith Bennett.

Chegara à cidade e fora direto à delegacia de polícia pedir ajuda ao colega, xerife da cidade. A questão era simples: precisava encontrar uma costureira chamada Lydia Bennett.

A Filadélfia era uma cidade grande, mas não havia tantas modistas assim. Ele percorrera muitas casas atrás de uma específica, até que na última, lhe fora informado exatamente onde morava quem ele precisava encontrar.

Ao chegar em frente à casa, duas moças saíam de lá e deixaram a porta entreaberta. Bennett entrou na sala e se deteve ao avistar a mulher ocupada em dobrar alguns tecidos sobre a mesa. Por alguns instantes, ele pôde permanecer incógnito, apenas a observando, sem que ela percebesse sua presença. Muitos anos haviam se passado, mas Lydia não havia mudado tanto assim.

Ela era quase a mesma mulher que o havia abandonado há vinte anos.

— Lydia?

A costureira levantou o rosto e seu olhar transformou-se em puro assombro, como se estivesse diante de um fantasma.

— Lee? É mesmo você?

— Sim, sou eu...

— O que... O que faz aqui? Como... — Lydia levou a mão ao peito.

— Por acaso conhece uma moça chamada Faith Bennet?


Capítulo 14

 

— O que quer fazer hoje? — Gabe acariciou seus cabelos e Faith virou-se na cama para encará-lo. Um sorriso preguiçoso desenhado em seus lábios.

Gabe também sorria e, como sempre, ela sentiu um comichão de desejo.

— Seria muito inapropriado se ficássemos o dia inteiro na cama? — questionou e em resposta, ele a beijou, trazendo-a para perto, fazendo a volúpia renascer entre eles, como se não tivessem acabado de fazer amor naquela manhã.

Aliás, eles tinham passado boa parte da noite perdidos na mesma atividade. E ela não se cansava disto. Nunca se cansava de Gabe Carter. Não podia negar que havia certo desespero em toda aquela fome que tinham um do outro. Como se fossem privá-los daquilo a qualquer momento. Obviamente, Gabe não fazia ideia do tamanho das complicações que havia, mas provavelmente havia algum instinto nele que o alertava do perigo.

— Gabe, Faith! — De repente foram interrompidos por batidas na porta, seguidas da voz de Rebecca. — Acordem, estamos atrasados para ir à igreja!

— Oh, inferno! — Gabe praguejou ao soltá-la e Faith riu.

— Isso é um sacrilégio, Gabe!

— Não me importaria de algumas horas no inferno para poder ficar com você. — Ele piscou, tentando segurá-la de novo, mas Faith rolou para longe, embora houvesse nela a mesma tentação.

— Não precisamos de mais pecados! Hoje é domingo, dia de missa e sua família está nos esperando. Seja bonzinho e posso recompensá-lo essa noite. — Piscou, munida de sua recém-descoberta malícia.

Ele jogou as cobertas para o lado, finalmente se levantando também.

— Eu irei cobrar!

— É uma ameaça?

— É uma promessa!

Ela riu, feliz.

Ah, como ela era feliz. Como Gabe a fazia feliz!

Ela iria gastar todas as suas preces hoje na igreja, pedindo para que conseguisse resolver aquela confusão.

E ainda ficar com Gabe.

Será que era possível?

Eles desceram e toda a família já estava impaciente na sala à espera deles.

— Estamos atrasados! — Betsy reclamou. — Só faltavam vocês!

Will soltou uma risadinha.

— Sei muito bem o motivo deste atraso — falou com malícia, recebendo um olhar exasperado de Becca.

Faith corou, mas Gabe pareceu não se importar.

— Parem de brincadeira e vamos indo — Selina os repreendeu.

— Gabe, já soube da moça no hospital? — James indagou quando estavam saindo em direção à carruagem que os levaria à igreja.

Faith empertigou-se e trocou um olhar com Betsy que, por sua vez, trocou um olhar com Will.

Faith havia pedido a Betsy para não contar a Will que ela já sabia de tudo, porque o irmão de Gabe era muito passional e poderia botar tudo a perder.

— O que aconteceu? — Gabe indagou, interessado.

Foi Theodore quem respondeu:

— Eu recebi um bilhete do hospital ontem à noite. Ela acordou.

Faith sentiu que ia desmaiar.

Podia perceber pelos olhares de Will e Betsy que eles estavam tão consternados quanto ela.

— Ao que parece, está ainda muito confusa e não diz coisa com coisa. Tiveram que ministrar-lhe ervas para acalmá-la. Depois da missa eu irei vê-la.

— Eu irei com o senhor — Gabe disse.

Faith não conseguia nem respirar, os pés grudados no chão.

— Faith, o que foi? — Gabe percebeu sua palidez, encarando-a, preocupado.

— Acho que chegou a hora da verdade — Will disse de repente.

— O quê? — Theodore indagou, parando o movimento de entrar na carruagem. Selina e Rebecca já estavam lá dentro, impacientes.

— Não! — Betsy gritou para Will.

— Ei, o que está acontecendo? — Rebecca indagou confusa e exasperada.

— Faith? — Gabe insistiu, tocando seu rosto que ostentava uma palidez de morte.

E ela soube que seu tempo tinha acabado.

Will tinha razão, era chegada a hora da verdade.

Mas neste momento, uma carruagem aportou no jardim em toda velocidade, chamando a atenção da família.

E quando ela parou em frente à casa, o xerife Bennett saiu de lá muito sério e estendeu a mão para ajudar uma senhora a descer.

— Xerife, o que faz aqui? — Theodore começou a questionar, mas tanto a atenção do xerife quanto a da mulher estava em Faith.

— Faith! — A mulher precipitou-se até a jovem, que ficou ali, parada, vendo a estranha se aproximar. — Filha...

— Filha? — todos disseram ao mesmo tempo e então um clarão explodiu na mente de Faith.

Ela reconheceu a mulher, ainda atordoada.

— Mãe...

Foi sua última palavra antes de tudo escurecer e ela perder os sentidos.


Capítulo 15

 

Filadélfia, alguns meses antes


Faith sentia todo seu mundo sendo virado de ponta-cabeça.

De uma hora para outra, tudo o que ela acreditava ser real se transformara em um monte de mentiras.

Sua vida inteira era uma mentira.

— Como pôde esconder isto de mim? — murmurou horrorizada.

A pessoa à sua frente, aquela que mais confiava no mundo, havia lhe mentido a vida toda.

— Não tive escolha! — Lydia respondeu, começando a chorar.

Mas isto não fez Faith sentir menos raiva.

Há apenas algumas horas tudo estava em paz.

Ela tinha 20 anos e vivia com sua mãe na Filadélfia. E Lydia era a única pessoa que Faith tinha na vida. Afinal, seu pai morrera quando ela ainda era um bebê. Ou era isto que Lydia lhe fizera acreditar até agora.

Até Faith achar, por acaso, uma carta no meio das coisas da mãe.

Era uma carta de Lee Bennett, xerife de uma pequena cidade chamada Jackson. O homem que Lydia abandonara anos atrás, mesmo estando grávida. O pai de Faith.

Que nem sabia de sua existência!

— Mãe, eu tenho um pai! E você disse para mim que ele estava morto!

— Eu não podia dizer a todos que tinha fugido do meu marido! Sabe que este mundo em que vivemos não aceitaria!

— Mas podia ter contado a mim!

— Eu queria protegê-la! Dizendo que era viúva, todos aceitariam.

— Mas eu tinha o direito de saber a verdade!

— Do que ia adiantar? Ele nem sabe de sua existência.

— Por isso mesmo! Como pôde fazer isso com ele?

— Você não sabe de nada! Eu me casei muito jovem e foi um erro.

— Sinto muito por você, mas não tenho culpa!

— Eu não sabia que estava grávida quando fui embora. Descobri depois e já era tarde. Eu não podia voltar.

— Você não queria voltar, era diferente! Mas ele lhe mandou uma carta! Por que não contou que estava grávida?

— Porque ele viria atrás de mim se soubesse e me obrigaria a voltar... Por isso saí de Virgínia, da casa dos meus pais para onde tinha voltado, e vim para cá com sua tia, Stela. Para ele não me achar. Sinto muito, Faith. Era para nunca ter descoberto.

— Mas eu descobri.

— Por favor, perdoe-me. Eu apenas quis o melhor para você...

— Chega, mãe. Eu não quero mais ouvir. Vou ficar com tia Stela por um tempo.

— Querida...

— Deixe-me em paz! Eu não conseguirei perdoá-la agora...

Faith remoía a conversa tensa com a mãe, enquanto observava a paisagem cinzenta pela janela. Estavam se aproximando de Jackson. Tinha ficado apenas dois dias na casa da tia, que morava em uma cidade vizinha à Filadélfia, até tomar a decisão de ir atrás do pai.

Pedira que a tia jurasse que não diria à mãe onde estava indo, porque não queria que Lydia a impedisse.

— Olá. — Uma moça, não tão mais velha que ela, se ajeitou ao seu lado. — Não está feliz que já estamos chegando a Jackson? Foi uma viagem infernal desde a Filadélfia.

Faith esboçou um sorriso hesitante.

— Sim, estou feliz que estamos chegando ao fim da viagem. O tempo não parece nada bom. — Lançou de novo o olhar apreensivo para além da janela, onde uma chuva fina as acompanhava nos últimos instantes de viagem.

— O que vai fazer em Jackson? Parece tão absorta...

— Vou visitar parentes — respondeu evasiva.

— Eu vou me casar — a outra comentou com um sorriso de satisfação.

— Parabéns pelo casamento. Você parece muito feliz.

Faith se perguntou se ficaria assim quando fosse se casar.

— Sim, estou muito satisfeita! Você não ficaria?

— Eu não sei. Nunca estive a ponto de me casar. E nem sei se um dia encontrarei alguém que eu goste o suficiente para tanto.

— Vou fazer votos para que encontre! Eu não vejo a hora de chegar e, finalmente, conhecer meu noivo!

Faith ficou confusa.

— Não o conhece?

— Apenas trocamos cartas através de uma agência de casamentos. É por isso que estou viajando; para encontrá-lo e nos conhecermos.

— Você é corajosa.

— Por quê?

— Casar-se com um homem que nem conhece.

— Não seja boba! Ele mandou um retrato. — E ela remexeu em sua bolsa rendada, entregando-lhe uma fotografia. — Não é bonito?

Faith olhou para a foto do noivo da moça.

“Sim. Era extremamente bonito, tinha que admitir. Não era à toa que ela estava correndo para a cidade de Jackson para se casar” — pensou.

Por algum motivo, não conseguia parar de olhar a foto em preto e branco. Perguntava-se qual seria a cor dos seus olhos.

— Sim, ele é bonito — respondeu, estendendo a fotografia para devolver à moça.

— O nome dele é Gabe Carter... — ela falou com orgulho, mas suas palavras seguintes se transformaram em um grito, quando a diligência virou de súbito, com solavancos que fizeram os passageiros tombarem uns por cima dos outros, enquanto o veículo despencava ribanceira abaixo. Faith sentiu o pânico dominá-la e tentou se segurar da melhor maneira possível, enquanto era jogada para todos os lados. Sentiu algo duro bater em sua cabeça e uma tontura súbita, seguida de uma dor tão forte que a atordoou.

A última coisa que se lembrava, antes do caos se instalar e ela perder os sentidos, foi que segurava firmemente a foto de Gabe Carter em suas mãos.

Faith voltou ao presente, quando acordou do desmaio.

Era como se vivesse em um novo mundo.

Ou melhor, sentia como se o seu mundo tivesse sido devolvido.

Enfim.

Desde que acordara na casa dos Carter depois do acidente, ela ansiara lembrar quem era. Ansiara por suas memórias.

E agora ela sabia de tudo.

Viera para Jackson para encontrar o pai e tinha encontrado muito mais.

— Faith? — Abriu os olhos e reconheceu que estava na saleta de Theodore, deitada sobre o sofá, e que sua mãe e o xerife a fitavam preocupados.

“Oh, Deus!” — De repente a realidade a atingiu.

O xerife Bennett era seu pai.

Todo aquele tempo...

— Você é meu pai? — murmurou, sentando-se.

— Sim, eu sou — ele respondeu e não parecia surpreso.

— Eu não entendo... Como... Como encontrou minha mãe?

— Quando eu a vi, tive a impressão de conhecê-la. Sua fisionomia não me era estranha. E percebi quem me lembrava. Você me lembrava Lydia. Mulher que nunca gostou de Jackson, que nunca quis ficar nesta cidade pequena sendo mulher de xerife, que me abandonou há mais de vinte anos e que estava grávida sem eu saber!

Faith olhou para a mãe, que parecia atordoada ainda.

— Querida, como pôde vir para cá sem me contar? Sua tia estava me mandando cartas sobre você e mentindo que estava com ela! Mas o tempo todo estava aqui!

— Eu precisava conhecer meu pai! Você ia me impedir!

— E esse acidente horrível? Perdeu a memória, casou-se com esse rapaz, pois achou que fosse a noiva dele... que confusão!

— Oh, Deus! Gabe! — Faith sentiu a voz embargar ao se recordar da cena no jardim dos Carter. — O que aconteceu depois que desmaiei? Gabe já sabe?

— Foi uma confusão — o xerife explicou. — Gabe e Theodore a trouxeram para cá, enquanto todos faziam perguntas, atordoados. Mas então Elisa Parker apareceu e...

— Elisa Parker? A noiva do Gabe? — Faith indagou horrorizada.

— Sim, ela mesma. Ela apareceu e todos foram para a sala conversar com ela... isso faz apenas alguns minutos...

— Oh, meu Deus! — Faith levantou-se, e foi então que ouviu as vozes vindas da sala.

Não poderia estar mais arrependida por não ter contado a verdade a ele assim que a descobriu.

Agora, muito provavelmente, Elisa Parker estava lá contando tudo.

— Como não estão acreditando em mim? — a moça dizia. — Eu sou a noiva que mandaram vir da agência!

Faith parou com a mão na maçaneta, incapaz de continuar.

— Senhorita, acho que está havendo algum engano. — A voz calma era de Theodore Carter.

— Claro que é um engano! — Agora era a voz impaciente de Betsy. — A noiva do Gabe já chegou aqui há semanas e eles estão casados! Então, senhorita, acho melhor dar meia-volta e desaparecer!

— Eu estou dizendo a verdade! Não sei como pode ter acontecido, mas engano é ele ter se casado com outra que não sou eu! — Elisa gritou. — Vocês foram enganados, sim!

— Que absurdo! — Betsy gritou no mesmo tom. — Gente, vocês não podem estar acreditando nessa louca!

— Betsy, calma — Theodore disse novamente.

— Eu tenho como provar! Eu só preciso achar minha mala! Lá tem as cartas da agência e a foto de Gabe Carter! Eu sou a noiva e, infelizmente, sofri este acidente horrível! E está claro que essa tal de quem estão falando é uma impostora que tomou meu lugar, enganando todos vocês!

— Isso é ridículo. — Betsy riu.

— Espera, Betsy, como podemos saber? — Rebecca falou. — Faith estava sem memória. E se essa história for verdadeira?

— Claro que não é! — Betsy parecia transtornada.

— Está duvidando de mim? Por que não chamam essa tal de Faith aqui? Eu quero desmascará-la! — Elisa insistiu.

De repente, o xerife puxou Faith, abrindo a porta.

— Vamos, Faith! Vamos acabar com esta confusão antes que piore.

Faith sentia que ia desmaiar, mas se obrigou a acompanhar o pai, enquanto lá dentro a discussão continuava.

— Faith! — Gabe foi o primeiro a vê-la do outro lado do recinto, precipitando-se em sua direção. — Você está bem?

Ela sentiu uma mistura agridoce de sentimentos. Mas antes que Gabe chegasse até ela, Elisa se colocou na sua frente.

— Ah, então essa é a impostora! Fale para eles, fale que roubou o meu lugar, fale que se fez passar por mim! — Elisa a encarava furiosa. — Ah... eu conheço você! Estávamos na mesma diligência! Sua... vadia!

Antes que Elisa continuasse, o xerife a interrompeu.

— Ei, senhorita, modere seu linguajar!

— Gente, pelo amor de Deus, alguém tire essa mulher daqui! Ela não pode continuar falando da Faith desse jeito! — Betsy implorou, ainda tentando manter uma farsa que já tinha se desfeito como um castelo de areia.

— Não vou sair daqui enquanto ela não dizer a verdade! — Elisa gritou.

— Senhorita, acalme-se — Gabe disse por fim. — Eu entendo sua situação, mas acho que realmente está acontecendo um terrível engano. Faith Bennett foi mandada pela agência, meu irmão Will pode comprovar.

Todos olharam para Will, que parecia estranhamente quieto, e ele ficou vermelho.

— É, claro que...

— Eu estou dizendo a mais pura verdade! Eu conheci essa moça aqui na diligência e contei a ela que estava vindo me casar com Gabe Carter! Estava até mostrando a foto, quando tudo virou uma confusão...

— A foto — Rebecca disse. — Faith foi encontrada com a foto na mão.

Todos ficaram num silêncio sepulcral, como se, de repente, entendessem que a história de Elisa podia, sim, não ser absurda.

— Meu Deus! — Selina exclamou.

— Eu ainda acho que... — Betsy insistiu.

Faith só conseguia olhar para Gabe, que empalidecera.

— Faith não pode falar nada — disse Theodore. — Se essa história for mesmo verdade, ela não tem como saber, está com amnésia.

— Foi isto que ela disse? E vocês acreditaram? — Elisa refutou.

— Faith, conte logo a eles. — Foi a voz da Lydia que se fez ouvir, impaciente.

Só então todos pareceram se lembrar da presença inusitada da mulher que se dizia mãe de Faith

— Faith. — Lee apertou seu braço, encorajando-a.

Faith respirou fundo, tentando buscar forças, enquanto todos esperavam.

— O que ela diz é verdade. Ela é mesmo a noiva verdadeira de Gabe — Faith murmurou por fim.

Todos a fitaram na sala, surpresos.

Mas Faith só conseguia ver o olhar de uma pessoa: Gabe.

— Eu disse! — Elisa quebrou o silêncio. — Ela está confessando que roubou meu lugar!

— Ela não está confessando nada! — Betsy retrucou. — Faith não lembra de nada!

— Eu me lembrei — Faith murmurou, olhando diretamente para Gabe.

— Lembrou? — Gabe indagou, encarando-a num misto de confusão e descrença. — Como assim, lembrou? Quando se lembrou, Faith?

— Agora, quando vi minha mãe... eu a reconheci e, depois que acordei, tudo começou a voltar — murmurou. — Mas eu já sabia há algum tempo sobre o engano — confessou. Não queria mais manter nenhuma mentira, e a culpa agora tingia seu rosto de vermelho.

Ela deveria ter dito a verdade assim que a descobriu.

Porque agora ela via no olhar de Gabe a confusão se transformar em entendimento. E frieza.

— Como assim, sabia?

— Então é mesmo verdade? — Rebecca indagou. — Nunca foi a noiva de Gabe?

— Não. O que essa moça está falando é verdade. Eu a conheci na diligência. E ela me mostrou a foto... enquanto me contava sobre seu futuro casamento e depois aconteceu o acidente... Quando acordei aqui, não lembrava de nada...E vocês diziam que eu era a noiva...

— Acho que você já pode parar com essa história ridícula de amnésia! — Elisa bufou.

— Ei, senhorita, veja como fala! — o xerife a repreendeu.

— E o que o xerife está fazendo aqui? — James questionou. — E a mãe de Faith?

— Ah, ela veio com o xerife? Vai ver que já sabia da sua culpa! — Elisa alfinetou.

— Eu estou aqui com a Faith porque ela é minha filha — o xerife explicou.

Todos o fitaram, surpresos.

— Isto é verdade, Faith? — A voz de Gabe continha uma frieza desconhecida para ela até então.

E ela sentiu seu coração gelar.

— Sim, é verdade. Eu estava vindo para Jackson para conhecê-lo. Minha mãe foi embora daqui antes de saber que estava grávida. E só agora eu descobri tudo. Lee não sabia de nada.

— Eu achei Faith parecida com Lydia, mas não desconfiei de nada a princípio. Até ela aparecer na minha casa há uma semana, pedindo ajuda para descobrir quem era, depois de saber da confusão e que não era a noiva de Gabe. Desconfiei que ela pudesse ser parente de Lydia, talvez. Eu fui até a Filadélfia encontrar a mãe dela e confirmei que Faith é minha filha.

— Nossa, que história! — Rebecca exclamou.

— Rebecca, isso não é importante agora — Theodore a interrompeu. — Nós precisamos resolver essa situação.

— Sim, eu sinto muito — Faith murmurou para Gabe, que a fitava como se não a conhecesse.

— Mas vocês estão casados agora! — Betsy interrompeu.

— O casamento pode ser anulado, claro! — Lydia disse. — Faith foi coagida por vocês a acreditar que era outra pessoa. Não tinha como saber o que estava fazendo.

— Mas neste caso nós também não sabíamos. Acreditamos realmente que ela fosse a noiva enviada pela agência. Acho que foi tudo um terrível engano... — Theodore explicou.

— Sim, eu concordo com essa anulação! Eu sou a verdadeira noiva! — Elisa exclamou triunfante.

— Eu ainda acho tudo um absurdo... — Betsy revirou os olhos.

— Amor, não se intrometa — James falou. — Nós erramos ao achar que Faith fosse a noiva. Ela nunca veio à cidade para se casar, afinal.

— Mas...

— Essa discussão toda é inútil. Descobrimos o engano e vamos consertar isto. Faith é minha filha e irei protegê-la — o xerife continuou. — Não vou deixar que a acusem de nada e nem que a constranjam mais do que já foi constrangida. Ela está sofrendo muito com toda essa situação.

— Sim, vamos levá-la daqui! — Lydia continuou.

Faith sentia como se estivesse em um pesadelo.

Todos falavam ao mesmo tempo e ela só queria ouvir a voz de uma pessoa.

De repente, Gabe segurou seu braço e a levou para a saleta, silenciando o falatório na sala, e a encarou.

— Gabe... Eu sinto muito, Gabe — Faith murmurou. — Você tinha razão, afinal, era tudo um tremendo engano...

— Você iria me contar quando, Faith?

— Eu... Claro que eu ia lhe contar. Eu apenas fiquei assustada. Era horrível demais para acreditar. E eu nem sabia quem eu era... Fiquei esperando o xerife descobrir algo e... agora eu sei que ele é meu pai... e tudo faz sentido. Eu descobri o que vim fazer aqui.

— Claro que sim. Foi para isso que veio à cidade. — Havia uma fria ironia na sua voz.

— Acho que, de alguma maneira, eu sabia desde o início. Que não era certo. Que eu nunca tinha sido destinada... a esse casamento. Que não era algo que eu faria.

— Então eu tinha razão em querer que se lembrasse de tudo antes de...

— Sim. Mas agora é tarde, não?

— O casamento pode ser anulado mesmo assim. Como o xerife Bennett falou, as circunstâncias estão todas erradas. Você não sabia o que estava fazendo. Nunca deveríamos ter nos casado. — Sua voz era fria como o gelo.

Estas palavras doeram, mas Faith tentou manter-se impassível.

— Eu lamento muito.

— Pelo menos, descobrimos tudo, não? E você pode fazer agora o que veio fazer aqui. Ficar com seu pai. Não é o que quer?

Faith sentiu uma dor pungente no peito.

Então seria assim?

Gabe a estava descartando. Mas como é que ela podia culpá-lo? Ele fora honesto desde o começo. Nunca quisera se casar com ela. Devia estar sentindo alívio de se livrar de um casamento indesejado. Que só acontecera porque fora coagido a tal.

E agora, será que depois que o casamento fosse anulado, ele ia se casar com Elisa?

Faith sentia vontade de chorar só de pensar. A linda e elegante Elisa tomando seu lugar. Casando-se com Gabe. Dormindo com Gabe.

Era dolorido demais só de pensar.

Mas o que ela podia fazer? A verdade era que nunca deviam ter se casado. E ela nunca deveria ter se apaixonado por Gabe.

— Acho que eu devo ir embora — murmurou.

Gabe apenas a fitou. Distante. Frio.

Faith sentia tudo desmoronando por dentro; os sonhos construídos, sem que tivesse se dado conta.

Sonhos com Gabe.

Mesmo assim, naqueles dolorosos momentos, ela esperou. Desejando secretamente que Gabe dissesse que não queria que fosse embora. Que também queria ficar com ela.

Mas isto não aconteceu. Gabe desviou o olhar, passando os dedos pelos cabelos escuros.

— Sim, você deve ir com seus pais.

Faith lutou contra o nó na garganta e as lágrimas que queimavam em seus olhos.

Ela caminhou até a porta, e então parou.

— Desculpe-me, mais uma vez. Adeus, Gabe. Eu desejo que seja feliz.

E então ela saiu da saleta, e todos a encararam.

Ela olhou para o recém-descoberto pai.

— Leve-me embora daqui... pai — implorou, com os lábios trêmulos, e o xerife passou os braços em volta de seus ombros.

— Sim, não temos mais nada a fazer aqui — Lydia disse revoltada. — Nunca deviam ter colocado você nesta confusão, vamos anular este casamento!

— Não... Faith não pode ir! — Betsy deu um passo à frente, mas James a segurou.

— Não se intrometa, Betsy.

Faith ainda lançou um olhar a Elisa, que sorria, triunfante.

— Desculpe-me por toda essa confusão. Eu realmente não sabia.

— Tudo bem. O importante é que agora tudo voltou ao seu devido lugar.

Faith se afastou com os pais, deixando a casa dos Carter para sempre.

A casa que fora sua por um curto período de tempo.

Assim como Gabe.

Seguiram em silêncio, e foi só quando chegaram na residência do xerife, que Faith reparou que estava chorando.

— Faith, não fique assim. — O xerife acariciou seus ombros trêmulos. — Eu sei que foi uma confusão, mas agora está tudo resolvido.

— Tomaremos as providências para anular o casamento — Lydia concluiu.

Faith fechou os olhos com força, sentando-se, enquanto o pai lhe entregava um lenço.

Mas as lágrimas não cessavam.

— Faith... — Ela levantou os olhos vermelhos para o xerife, que a fitava preocupado. — Faith, você gostava mesmo daquele Carter?

Seus lábios tremeram.

— Isso não importa — murmurou, desviando o olhar e soltando uma imprecação.

— Ah, agora percebo. Você está apaixonada por ele. Ah, Faith...

— Ela não está apaixonada! — Lydia refutou. — Ela nem sabia quem era. Estava sem memória! Que absurdo!

— Cala a boca, Lydia! — Bennett se exasperou. — Não vê que Faith está sofrendo?

Faith quis negar, mas do que adiantaria?

— Sim, eu estou apaixonada, mas o que adianta? A verdadeira noiva dele está aqui. Ele só se casou comigo por obrigação.

Ela se levantou, enxugando os olhos.

— E eu não quero mais falar sobre isso.

— Nada disso teria acontecido se ela nunca tivesse vindo atrás de você! — Lydia reclamou.

— Você que errou, mantendo-a longe de mim! — Lee falou, e os dois trocaram um olhar de ira.

— Eu fiz o que acreditava ser melhor para Faith!

— Ela é minha filha e eu tinha o direito de saber!

— Nunca ia me deixar ir embora se soubesse.

— Claro que não!

— Ei, chega vocês dois — Faith pediu exasperada. — Acho que é muito tarde para termos esta discussão. — Ela se virou para Lydia. — Está tudo bem, mãe. Eu queria apenas conhecer meu pai. Acho que tinha este direito.

— Sim, eu sei — Lydia admitiu. — Eu sei que errei. Mas vai ficar tudo bem. Vamos anular esse casamento e vamos voltar para a nossa casa.

— Não! A Faith pode ficar aqui comigo, se assim desejar — o xerife falou.

Faith o fitou.

Sim, havia uma parte dela que queria ficar ali e conhecê-lo melhor.

Saber, finalmente, como era ter um pai. Mas como permanecer na mesma cidade que Gabe Carter, vendo-o casado com Elisa?

Era impossível.

— Pai, eu sinto muito. Mas, dadas as circunstâncias, preciso voltar com minha mãe.

— Faith...

— Não posso ficar aqui... na mesma cidade dos Carter.

— Sim, eu entendo. — A expressão do xerife era de tristeza. — Não posso obrigá-la a ficar. Mas acho que agora deve descansar. Vou levá-la até o quarto. Durma e descanse. Tudo vai passar.

Ela duvidava disto, mas acabou concordando enquanto ele a acompanhava até o quarto.


Capítulo 16

 

— Que bom que resolvemos tudo! — Elisa sorriu satisfeita, depois que Faith fechou a porta.

Mas apenas ela parecia satisfeita no silêncio que caiu sobre o recinto.

— Ah, estou tão cansada! Toda esta confusão... — suspirou.

— Não deveria ter saído do hospital, senhorita. — Theodore finalmente se mexeu, segurando seu pulso e a fazendo sentar-se.

— Toda esta confusão é um absurdo, isso sim. — Betsy revirou os olhos.

— Betsy, por favor — Selina pediu. — Theodore, leve a Elisa para o quarto de hóspedes, acho que ela precisa descansar.

— Sim, eu adoraria! — Elisa sorriu, já não demonstrando estar tão pálida, embora aceitasse o apoio de Theodore, que a levou escada acima.

Assim que ela desapareceu, Rebecca respirou fundo.

— Nossa, como pode ser possível? Como pudemos nos confundir tanto?

— Sim, é tudo lamentável — Selina comentou. — Gabe deve estar arrasado...

— Ele não devia ter deixado a Faith ir embora, isto sim! — Betsy resmungou.

— Mas ela não era a noiva — Rebecca refutou.

— E daí? Agora eles eram casados!

— Mas foi tudo por engano! Não deveríamos ter forçado o casamento, ela estando sem memória.

— Como poderíamos saber? — James falou. — Tudo levava a crer que ela era a noiva que Will pediu da agência. Se ao menos tivéssemos checado as informações... — Encarou Will. — Mas Will nunca achou a carta, não é?

Will ficou vermelho feito pimentão, e se mexeu, incomodado.

— É, quer dizer... a carta... sim, nunca achei...

— Ainda acho isto só um detalhe — Betsy insistiu, lançando a Will um olhar de alerta que, infelizmente, não passou despercebido a Rebecca.

— Espera, o que vocês sabem? — Rebecca indagou desconfiada. — Aliás, não ficou claro como a Faith descobriu sobre o engano...

— Saber o quê? O que poderíamos saber? — Betsy deu de ombros.

Will tossiu.

Rebecca encarou-o.

— Will está mentindo para mim, posso sentir.

— Becca, pare de ser paranoica... — Betsy pediu, mas Rebecca obrigou Will a fitá-la.

— Will, você sabia sobre a Faith?

— É, nada, eu...

— Will não sabia de nada, Becca, que coisa! — Betsy insistiu.

Will suspirou.

— Do que adianta agora, Betsy? — ele disse por fim. — Sim, eu descobri a carta com o nome da verdadeira noiva e no dia do casamento do Gabe.

Todos o encararam, boquiabertos.

— Como assim? E por que não disse nada? — Rebecca indagou horrorizada.

— Queríamos que Gabe se casasse com a Faith.

— Gente, era óbvio que o Gabe tinha que se casar com a Faith — Betsy falou e James a fitou.

— Você sabia também?

Ela ficou vermelha, mas levantou o queixo.

— Sabia, sim! E acho que fiz certo em esconder! Gabe nunca teria se casado com a Faith se...

— Claro que não, sua maluca! — Becca exclamou. — Vocês são loucos? Quem foi que contou a Faith? Por que não contaram a Gabe também? Tinham que ter contado a verdade, olha a confusão agora!

— Eu lhe falei, Betsy — Will gemeu.

— Mas será que não percebem que eles foram feitos um para o outro? Eu só contei a Faith quando percebi que estavam apaixonados!

— Betsy isto é muito grave! — Selina falou.

— Eu ainda acho que é só um detalhe! Como é um erro querer trocar de noiva agora!

— Isso é com o Gabe — Selina falou. — Nem sabemos o que ele fará ainda.

— Ele deixou a Faith ir embora!

— Aposto que ela fez o que ela queria. Gabe é muito honrado — Selina concluiu.

— É um idiota, isso sim!

— Chega, Betsy! — James falou decepcionado. — Você errou em esconder a verdade de todos nós.

E ele saiu da sala, irritado. Betsy o seguiu, tentando se explicar.

— E você, Will, como pôde esconder de mim? É melhor já ir se acostumando a dormir eternamente no celeiro! — E Rebecca também saiu da sala, com Will pedindo desculpa em seu encalço.

Preocupada com Gabe, Selina foi atrás do filho e o encontrou fitando o vazio, através da janela da sala.

— Gabe?

Ele escutou a mãe se aproximando, mas não se virou.

Ele não queria falar com ela. Não queria falar com ninguém.

Tudo era uma confusão dentro de sua cabeça, onde só havia uma dolorida certeza.

Ele cometera o maior erro de sua vida se casando com Faith Bennett.

Como pudera ser tão descuidado? Tão irresponsável?

Sim, ele devia ter mantido o plano original. Apenas se casar com Faith para ajudá-la e manter sua família sob controle. Mas não. Ele fora além. E o casamento que devia ser apenas uma conveniência se tornara de verdade. Assim como seus sentimentos.

E ela nunca fora sua noiva. Nunca tivera a intenção de casar com ele.

Então, como é que ele podia pedir para ela ficar? Tinha que deixá-la ir.

Mesmo que sentisse aquele vazio no peito.

Agora as coisas voltariam ao seu devido lugar. Era o correto a fazer. Pelo menos, agora ele podia agir certo com ela, libertando-a.

— Gabe, querido? — Selina tocou seu ombro e ele, finalmente, se virou. — Eu sinto muito, filho.

— Sim, eu também sinto. Pelo menos agora as coisas se resolveram.

— Mas a que custo?

— Não se preocupe, tudo vai ficar bem — tentou tranquilizar a mãe.

Selina encarou o filho, tentando acreditar.

Ela sabia bem no fundo que, para Gabe, toda aquela história devia estar sendo horrível de suportar.

Mas sabia também que ele sempre faria o que achava certo.

— Vai mesmo anular o casamento, então?

— Claro que sim. É o certo a fazer. Nunca deveríamos ter nos casado — repetiu o que vinha repetindo silenciosamente dentro de sua cabeça desde que Faith saíra da sala.

Talvez uma hora conseguisse se convencer que era realmente o certo. Porque estava difícil de dizer ao seu coração.

Sim, ficara furioso por ela ter lhe escondido que descobrira a verdade, mas isso não era o pior.

Saber que tinha errado, que praticamente a obrigara a se casar com ele, com a promessa de manter um casamento platônico, e depois quebrar essa mesma promessa, fazia-o se sentir terrivelmente culpado.

E ele sabia que não podia prender Faith ao seu lado.

Ela nunca viera a Jackson para se casar, e sim para encontrar o pai.

Quão injusto seria se pedisse para ela ficar?

A verdade era que, o tempo inteiro em que toda a confusão se desenrolava e ele se dava conta do terrível erro, ele só queria que Faith segurasse sua mão, sorrisse como sempre lhe sorria, tão doce e sua, e dissesse que nada mudara. Que ainda queria ficar com ele, apesar de ter se lembrado de tudo. Apesar de ter descoberto que não era a noiva enviada pela agência.

Mas nunca disse. E isso doía.

No fundo, ele só queria fazer o certo. E queria que ela fosse feliz. Mesmo que fosse longe dele.

— E o que faremos com Elisa Parker? — a mãe indagou.

Gabe se afastou, passando a mão pelos cabelos.

— Eu não sei, mãe. É muito para eu pensar agora. Onde ela está?

— Estava passando um pouco mal, afinal, nem se restabeleceu direito ainda. Theodore a levou para o quarto de hóspedes.

— Ela deveria voltar ao hospital.

— Seu pai vai saber o que fazer... Onde vai? — indagou, ao ver Gabe saindo.

— Vou dar uma volta.

Gabe caminhou sem rumo, apenas para se livrar dos seus familiares que, com certeza, teriam alguma opinião formada sobre o que deveria fazer.

Mas ele não queria ouvir. Sua decisão já fora tomada.

Agora só precisava se conformar em perder Faith para sempre.

Era irônico que não queria se casar, até ela chegar. Ele nem sabia que seria capaz de amar, até conhecê-la. Aquela garota tímida, de cabelos castanhos e olhos azuis.

Ela não sabia quem era, porém, para ele, Faith foi tudo.

E agora ela não era mais sua.

Nunca foi de verdade.

Tudo não passou de ilusão. Doce enquanto durara.

E ele nem sabe como, mas quando se deu conta, estava em frente à casa do xerife Bennett.

Imaginando que ela estava ali, em algum lugar.

O lugar ao qual pertencia. Para onde deveria ter ido quando chegara em Jackson. Será que havia algum arrependimento nela? Será que lamentava o fim deles?

E o que viveram? Se fechasse os olhos, ainda podia sentir o gosto da pele macia dela, assim como a textura sobre seus dedos. O jeito que ela lhe implorara para fazerem amor, até que foi impossível a ele resistir. E fora naquele momento que ele se dera conta que nunca seria capaz de lhe negar nada. Ele queria lhe dar tudo.

Queria Faith Bennett para sempre daquele jeito, entrelaçada a ele de todas as maneiras possíveis.

Mesmo assim, ainda tivera dúvidas, ainda quisera esperar e saber se ela também queria o mesmo, afinal, Faith estava sem memória. Como poderia saber realmente o que queria?

E no fim, ele tinha razão em ter medo.

Ela parecia triste quando conversaram pela última vez. Mas de nenhuma maneira parecia querer ficar com ele. E Gabe, de nenhuma maneira, iria prendê-la ali.

Teria que se acostumar de novo a viver como vivera até ela chegar. Sozinho.

Mas quando voltou para sua casa, ao cair da noite, lembrou-se que as coisas não seriam tão simples assim, ao ouvir a voz de Elisa Parker.

Sua noiva.

Respirou fundo e entrou na sala.

Toda sua família estava reunida ali, embora fosse palpável a tensão no ar.

— Gabe, finalmente! — Selina falou preocupada. — Estávamos esperando você para jantar.

— Sim, eu estava louca para que retornasse. — Elisa sorriu, levantando-se e indo em sua direção. — Acho que agora, finalmente, podemos nos conhecer melhor. Afinal, vamos nos casar.

Gabe olhou para aquela moça. Sem dúvida, ela era bonita.

Mas não lhe causava nada. Nenhum sentimento. Nenhuma emoção.

Era apenas uma estranha.

— Senhorita, acho que é cedo ainda para tratarmos de qualquer assunto deste tipo — Gabe falou cuidadoso. Não queria ferir seus sentimentos. Afinal, ela viera a Jackson para se casar com ele, e não fazia ideia que fora tudo apenas uma armação de seus irmãos.

E depois sofrera o acidente, ficando em coma todo aquele tempo e, quando acordara, descobrira que outra mulher tomara seu lugar.

— Claro que não é cedo! Eu estou ótima, totalmente restabelecida. Seu pai pode garantir!

— Mas o Gabe ainda é casado, viu? — Betsy disse mal-humorada.

— Betsy, pelo amor de Deus, pare de se intrometer, será que não aprende? Tudo estaria bem fácil agora se não fosse você e Will! — James exclamou exasperado.

— Do que está falando, James? — Gabe indagou, agora reparando que tanto James quanto Rebecca estavam de cara fechada e longe de seus respectivos pares.

— Ainda não sabe? — Rebecca falou. — Betsy e Will descobriram tudo no dia do casamento! E esconderam de todos nós. Esconderam de você! Depois a Betsy contou a Faith!

Gabe encarou Betsy e Will, sem acreditar.

— É verdade?

— Eu falei para a Betsy que devíamos contar — Will começou a se explicar, mas Betsy o interrompeu.

— Eu não me arrependo! Você tinha que casar com a Faith!

— Betsy, como pôde? Tem noção do que fez? — Gabe indagou exasperado.

— Sim, eu tenho! Você queria se casar com ela e nunca teria casado se soubesse a verdade! Tem que me agradecer! E se tiver um pouco de bom senso, deveria continuar casado com Faith...

— Chega, Betsy — Theodore pediu.

— Sim, acho que este assunto está encerrado — Selina falou. — Vamos todos jantar.

— Claro, chega desse assunto da tal Faith! — Elisa sorriu. — Ela era apenas um erro! E graças a Deus, em breve Gabe estará livre para se casar comigo, como deveria ter sido desde o início.

De novo o silêncio tenso recaiu sobre todos, até Selina exclamar.

— Enfim, vamos jantar!

— Perdi a fome — Gabe murmurou e, em vez de seguir a família para a sala de jantar, saiu de casa e se sentou sozinho na varanda.

Algum tempo depois Will apareceu, carregando um travesseiro.

— Becca está brava comigo.

— Tem razão de estar.

— Eu sinto muito, Gabe. Sei que deveria ter lhe contado, mas Betsy... Sabe como ela é... Eu só queria que você se casasse e parecia estar bem feliz com aquela Faith... Achei que...

— Tudo bem, Will, vá dormir.

— Certo, quero só ver até quando Becca vai me castigar. — E resmungando, afastou-se para o celeiro.

Theodore apareceu em seguida.

— O que vai fazer, Gabe? — ele indagou depois de alguns momentos de silêncio.

— Eu não sei, pai — Gabe suspirou.

— Faith é sua esposa.

— Ela quis ir embora.

— Mas estão casados. E você? Quer que ela vá? Eu recebi um bilhete do xerife. Ele disse que Faith vai embora com a mãe amanhã pela manhã. Ele também vai junto, acompanhando-as.

Gabe sentiu seu coração se apertar.

Theodore se levantou.

— Eu sei que sempre pensa em fazer o que é certo, filho, e confio em você. Mas pense bem no que é realmente certo... para a sua felicidade.

E se afastou.

Então era isto. Faith iria partir para sempre.

Ele nunca mais a veria. Nunca mais...

Mas seria melhor, não?

Melhor para todos que ela fosse embora para sempre.

Para sempre...

De repente ele tomou uma decisão e se levantou.

Já era hora de fazer o que era certo.

Ele entrou na sala e lá estavam suas cunhadas e Elisa.

— Betsy, Becca, podem nos dar licença? Preciso conversar com a Elisa.

Betsy e Rebecca se afastaram, mas ele ainda pôde ouvir a voz delas no corredor.

— Acho que eu preferia a Faith — Becca dizia. — Essa Elisa parece muito arrogante, reparou? Eu estava com pena por toda a situação, mas agora... acho que tenho mais pena da Faith. O que acha que o Gabe vai fazer? Vai mesmo lhe propor casamento depois de anular o casamento com a Faith?

— Sabe minha opinião. Faith nunca deveria ter ido embora. O lugar dela é aqui. Do nosso lado. Do lado de Gabe. Quando ela chegou, eu já percebi isso. Ela pertence à nossa família...

E as vozes delas sumiram no corredor.

Gabe fitou a moça loira à sua frente, que o aguardava ansiosa.

— Eu tenho um pedido a lhe fazer, senhorita...

 


Faith abriu os olhos, desistindo de tentar dormir.

Fora uma noite em claro.

Uma noite para lamentar que estava sozinha. E que, a partir de agora, seria sempre assim.

Para sempre sozinha. Sem Gabe.

Era incrível como em tão pouco tempo tinha se tornado tão dependente dele. De sua companhia. E por fim, do seu toque.

Era dolorido pensar que nunca mais o sentiria. Agora outra pessoa teria este privilégio. Outra receberia seus beijos. Teria sua atenção.

Teria seu amor.

Mas será que ela um dia tivera o amor dele? Com certeza, não.

Senão ele não teria aberto mão dela tão fácil. Na última conversa que tiveram, ele parecia decepcionado e arrependido. Mas não fizera qualquer menção de querê-la. Casara-se com ela apenas por obrigação.

Mas quando estavam juntos, havia desejo. Se fechasse os olhos, ainda podia sentir seu toque, os olhos intensos que a devoravam, a boca que conhecia tão bem cada parte do seu corpo e o jeito que ele sussurrava seu nome quando estava dentro dela...

Faith suspirou, jogando as cobertas para o lado e se levantando.

Do que adiantava se torturar com essas lembranças agora?

Gabe provavelmente tomara aquilo que lhe fora oferecido. E ela lamentava agora não ter resistido. Talvez sofresse menos. Com o coração pesado, ela se arrumou para partir.

Encontrou o pai na cozinha e ele lhe sorriu. Parecia triste, mas conformado. Era uma pena que pudera aproveitar tão pouco a sua companhia. Mas tinha mesmo que partir. Não ia conseguir permanecer na mesma cidade que Gabe Carter.

— Eu irei acompanhá-las até a Filadélfia.

— Acha necessário?

Ele sorriu.

— Eu quero passar mais tempo com você.

— Eu vou apreciar muito. — Ela sorriu de volta.

Lydia apareceu, já vestida para a viagem.

— E então, querida, podemos partir?

Faith sentiu um aperto no peito.

— Sim, estou pronta.

Elas caminharam com Lee Bennett até o centro da cidade, onde pegariam a diligência. Faith sentia dor em cada passo. Estava indo embora para sempre de Jackson.

Deixando seu amor para trás.

Mas quando chegaram em frente à diligência, Faith estacou ao ver os Carter por ali também.

Seu olhar percorreu aqueles que foram por pouco tempo sua família.

Estavam meio afastados. Todos lindos e bem vestidos, com expressões graves. Será que vieram ter certeza que ela iria embora?

“E onde estava Gabe?” — pensou, entre triste e ansiosa. No fundo almejava vê-lo uma última vez.

Então o avistou. Vindo em direção à diligência.

E ao seu lado, Elisa Parker.

Faith teve vontade de sair correndo. Era como enfiar uma faca em seu peito, vê-los juntos.

— Mas o que está acontecendo aqui? — o xerife Bennett resmungou ao seu lado.

Faith engoliu em seco, tentando manter a compostura.

Não ia desabar agora.

Não sabia que diabos os Carter estavam fazendo ali, mas faltava pouco agora para aquele suplício acabar.

Finalmente eles chegaram à sua frente.

Faith mal respirava, tremendo.

Elisa parecia ainda mais bonita agora. Estava muito arrumada e... com roupas de viagem.

Faith então olhou para baixo e viu que a moça carregava uma pequena mala de mão. A mesma que carregava quando se encontraram pela primeira vez.

Elisa ainda lhe lançou um olhar que parecia de desprezo e, para surpresa de Faith, entrou na diligência, sem nada dizer.

Faith fitou Gabe. Seu coração mal batia.

“Como assim, Elisa estava partindo também?”

— Faith, podemos conversar? — ele disse então, com aquela voz que lhe trazia tantas lembranças.

— O que está acontecendo? — conseguiu murmurar aturdida. — Elisa...

Mas antes que Faith conseguisse falar qualquer coisa, Gabe segurou seu braço, afastando-a de Lydia e Lee, e de repente não havia ninguém perto deles.

— Elisa está indo embora.

— Mas...

— Não havia motivos para ela ficar.

— Mas achei que... iam se casar.

Gabe passou a mão pelos cabelos, um gesto tão seu, tão único.

— Eu já sou casado.

Faith jurou que seu coração batia tão forte que poderia ser ouvido do outro lado da praça.

— O casamento será anulado... — murmurou aturdida.

— É por isso que pedi para falar com você. — De repente ele parecia inseguro. — Fique, Faith. Não vá embora.

Faith prendeu a respiração.

“Ele estava pedindo para ela ficar? Oh, Deus...”

— Por quê? — sussurrou sem conseguir acreditar.

— Eu sei que nos casamos por engano. Que eu nem queria me casar e você sabia, mas... o fato é que nos casamos. E por mais que eu tenha lhe prometido que seria apenas uma conveniência, se tornou mais e... — Ele passou novamente os dedos pelos cabelos, nervoso. — Você pode estar grávida, Faith. Pensou nessa possibilidade?

— Acha que devo ficar por isso?

— Não, mas não acho que deva ficar porque eu quero, porque eu te amo... Se quer mesmo ir... Inferno! Só estou tentando achar um motivo para convencê-la a ficar...

— Você me ama? — Faith o interrompeu, sentindo o coração pular no peito.

— Sim, Faith Bennett. — Gabe sorriu e Faith achou que ele nunca pareceu tão lindo.

Tão seu.

Finalmente.

— Faith Carter — corrigiu docemente. — O casamento ainda não foi anulado. Ainda sou sua esposa. Mas você me deixou ir...

E de repente não havia mais nada ao redor. Nem espaço entre seus corpos e nem nada que os separasse, enquanto Gabe cingia seu rosto com as mãos quentes, mirando seus olhos azuis.

— Faith, quando você chegou eu não sabia que queria ter alguém para mim, como eu quero você agora. Eu a deixei ir porque achei que era o certo. Que era o que queria. Mas depois percebi que não queria viver sem você. Diz que vai ficar comigo?

Faith sorriu, sentindo o coração explodir no peito.

— Para sempre. Eu quero ficar com você para sempre... — Ela não conseguiu terminar, porque sua fala foi engolida pela boca de Gabe, em um beijo que dizia tudo sem a necessidade de palavras.

Ela respondeu do mesmo jeito.

E sentiu que finalmente estava no lugar certo.

Estava em casa.

 

Um mês depois...


— E nós tínhamos mesmo razão! Foram feitos um para o outro! — Betsy disse satisfeita, ao se sentar ao lado de James, que lhe sorriu indulgente.

Óbvio que ele tinha a perdoado por ter mentido sobre a verdadeira identidade de Faith.

E Rebecca também acabara perdoando Will, depois de algumas noites dormidas no celeiro.

Gabe sorriu para Faith, que estava sentada ao seu lado no piano, enquanto ele tocava.

Gostava de ficar olhando para ela, que lhe sorria, como se ele fosse a única pessoa na sala. Embora quase sempre estivessem na companhia de seus irmãos intrometidos.

A risada cristalina de Becca se fez ouvir quando ela apareceu com Will.

— Finalmente podemos fazer a viagem a Paris!

Betsy bateu palmas, animada.

— Sim. Paris e muitas compras! Precisamos começar a fazer os planos e...

— Na verdade, acho que teremos que adiar — Faith a interrompeu e trocou um olhar com Gabe, antes de mirar a família. — Eu vou ter um bebê — comunicou o que desconfiava há alguns dias.

E naquela tarde, Theodore confirmara a ela e Gabe a gravidez.

— Olha só, a novata passou na nossa frente! — Rebecca reclamou. — Will, não podíamos permitir! — brincou, e Will a abraçou, plantando um beijo em sua bochecha.

— Se não me colocasse para dormir no celeiro tantas vezes, já teríamos vários bebês!

— Ah, mas é maravilhoso! — Betsy exclamou satisfeita. — Um bebê! Nossa, já posso começar a fazer a lista do enxoval.

— E eu vou começar a lista de nomes — Rebecca falou e as duas começaram a confabular.

Gabe se levantou e puxou Faith consigo.

— Vamos dar uma volta, não nos esperem para o chá.

— Lá vão eles. — Will piscou, mas Faith e Gabe o ignoraram.

— Elas vão me enlouquecer! — Faith exclamou enquanto caminhavam pelo jardim e Gabe riu.

— Não se preocupe. Tenho algo a lhe comunicar. Meu pai decidiu dividir as terras em três partes. E em breve vamos construir a nossa própria casa, do outro lado do lago.

Faith o encarou, surpresa.

— Só eu e você?

— Sim, só eu, você e nosso filho. — Gabe a abraçou.

— Ou filha.

— Ou filhos.

Ela sorriu.

— Eu te amo, Gabe Carter.

Ele sorriu e a beijou, prendendo-a em seus braços.

Onde era o seu lugar. Onde ela ficaria para sempre.


Epílogo

 

— Oh, mas ela é tão linda! — Betsy exclamou, sacudindo o pequeno pacote rosa em seus braços, com um sorriso bobo.

Ao seu lado, Becca se impacientou.

— É minha vez de segurá-la! Diz para ela, Will!

Will riu, sentando ao lado do irmão, James.

— Vocês vão começar a brigar de novo por causa de Annabel? Quando os pais dela chegarem ficarão bravos com vocês! De novo!

— Sim, lembra-se da última vez, há duas semanas, quando brigaram para ver quem ia dar banho na bebê? — James riu.

— Os pais dela a deixaram aqui, aos nossos cuidados, porque querem ficar sozinhos, fazendo eu sei muito bem o quê! — Rebecca bufou. — Melhor não reclamarem!

— Provavelmente estão fazendo mais bebês! — Will riu.

— Eu vou vesti-la como a mais linda princesa! — Betsy continuou, sorrindo para a pequena Annabel Carter, de apenas três meses.

Ao seu lado, Becca rolou os olhos, passando a mão pela própria barriga proeminente.

— Nem pense que vou deixar você mimar minha filha com esses exageros.

Becca havia descoberto que estava grávida, há cinco meses.

— Não vai precisar se preocupar com isso, querida, afinal, teremos um garoto! — Will refutou, fazendo Becca rolar os olhos outra vez.

— Veremos!

— Concordo que não precisa se preocupar — Betsy disse, finalmente passando a bebê para o colo de Becca e sentando-se ao lado de James. Os dois trocaram um olhar cúmplice. — Porque eu e James temos uma novidade!

— Que novidade? — Gabe adentrou a sala, segurando a mão de Faith.

— Que bom que chegaram, assim já contamos a vocês também! — Betsy disse animada. — Eu estou grávida!

— Oh, que notícia ótima! — Faith a abraçou.

Becca não parecia tão feliz.

— Você é tão invejosa... Não poderia esperar a minha filha nascer?

— Filho! — Will a corrigiu.

— E você teve inveja da Faith, ficando grávida quando ela estava! E de propósito! Ficava obrigando o Will a passar horas com você no quarto e...

— Ah, que absurdo!

As duas começaram a discutir e Faith e Gabe riram, enquanto ela pegava a filha.

— Quer dizer que estavam fazendo mais bebês? — Will brincou com malícia.

— Will! — Faith corou. Ainda não tinha se acostumado com as brincadeiras do irmão de Gabe. — Na verdade, meu pai estava lá em casa. Ele foi jantar conosco. Às vezes eu me preocupo com ele, parece tão solitário...

— Ele precisa de uma noiva! — Becca disse, parando de brigar com Betsy que, ao ouvir a palavra noiva, também ficou em alerta.

— Sim! É uma ótima ideia! O xerife ainda é um homem muito bem- apessoado...

— Devo dizer a elas que meu pai não pode se casar, afinal, ainda é casado com a minha mãe? — Faith indagou a Gabe, enquanto Will e James se envolviam na discussão sobre a vida amorosa do xerife. Ou a falta dela.

Gabe apenas sorriu.

— Vamos embora para nossa casa, deixe que elas resolvam as próprias confusões... — Ele sorriu. — Gostei da história sobre fazer bebês...

Ela sorriu de volta, deixando que ele segurasse sua mão, e saíram sem que nenhum deles percebesse.

— Hum, podíamos mandar vir uma noiva da agência que ajudou o Will — Becca dizia. — Querido, tem que nos passar o endereço desta agência, eu e Betsy vamos cuidar de tudo desta vez, para não haver erro...

E as duas começaram a confabular sobre o tipo de noiva que o xerife Bennett iria precisar, afinal, como dizia Jane Austen...

 

 

                                                                  Juliana Dantas

 

 

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