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O calendário terrano registra o ano de 2.326. Grandes modificações se verificaram nos últimos duzentos anos, nos setores da Via Láctea percorridos pelos astronautas terranos.
Desde o dia 1o de janeiro de 2.115, data em que Atlan renunciou ao cargo de Imperador de Árcon, o Império Solar e o Império Arcônida deixaram de existir. Em seu lugar surgiu o Império Unido, governado por Perry Rhodan, na qualidade de Administrador Geral. O arcônida Atlan exerce as funções de Chefe da USO, cujos especialistas formam espécie de polícia galáctica, também chamado “Corpo de Bombeiros Galácticos”.
A necessidade de uma força de segurança desse tipo foi revelada pela primeira vez durante a caçada aos ativadores celulares, que transformou amigos em inimigos e espalhou o tumulto por toda a Via Láctea.
Desde o dia 4 de agosto de 2.326 a Galáxia voltou a ficar em estado de alarma. Os vorazes gafanhotos córneos representam um perigo terrível. As notícias catastróficas precipitam-se. Grandes frotas espaciais viajam ininterruptamente, para salvar o que ainda pode ser salvo, pois os gafanhotos córneos representam uma torrente violeta que inunda muitos planetas, enquanto seu ácido destrói tudo que se interponha em seu caminho.
Como se isto não bastasse, surgem os vermes do pavor. Trata-se de monstros gigantescos, ainda mais invulneráveis que os gafanhotos córneos, e que dispõem de armas com poderes destrutivos incríveis.
O comando do Capitão Joel Carso, formado por especialistas e cientistas, também sofreu graves reveses ao tentarem desvendar o mistério do verme do pavor. Mas a obstinação dos terranos supera qualquer situação crítica.
E quatro deles chegam em Euhja, outro planeta destruído: São os Quatro Agentes da USO!
O monstro saiu devagar de trás das árvores, como se não soubesse para onde ir. Seu corpo de verme tinha pouco mais de vinte metros de comprimento e quase três de diâmetro.
Na ponta do corpo monstruoso via-se uma cabeça redonda de pelo menos cinco metros de diâmetro, com dois olhos enormes.
Claude Collignot ficou apavorado ao ver o monstro abrir a enorme boca. As tenazes uniformemente distribuídas em torno da cabeça estavam em movimento.
O verme do pavor passou a andar mais depressa. Sua cabeça precipitou-se em direção a Collignot, que recuou instintivamente para o fundo da poltrona.
— Basta! — gritou Atlan.
O sargento Gilmore, que operava o projetor tridimensional, desligou o aparelho e voltou a acender as luzes.
Collignot esfregou os olhos. Viu o Capitão Firgolt afastar-se lentamente da parede e apontar para a tela escura.
— Não poderíamos ter obtido uma imagem mais fiel do inimigo — disse, dirigindo-se ao Lorde-Almirante Atlan. — Todo mundo já tem uma idéia de como é a criatura que teremos de enfrentar.
— Infelizmente não conseguimos filmar todas as características do verme do pavor — observou Perry Rhodan, que estava sentado numa poltrona, em posição mais afastada. — Não se esqueça de que o mesmo pode dar saltos de cento e cinqüenta metros. Isso basta para fazer dele um inimigo muito perigoso, sem falar na capacidade de resistir às armas mais potentes.
O grupo de homens que estava conversando encontrava-se no interior da nave Carbula, um cruzador leve da USO. O calendário registrava o dia 17 de dezembro de 2.326.
Atlan escolhera quatro agentes da USO para uma missão muito importante. Há algum tempo ocorrera a deserção do Tenente
Ebrolo, um anti que trabalhava como agente da USO. Por isso, o lorde-almirante recorrera agora aos terranos. Nessa missão especial Atlan resolvera evitar de qualquer maneira a participação de inteligências estranhas. A escolha recaíra no Capitão Brent Firgolt e nos Tenentes Warren, Kopenziak e Collignot, que eram especialistas altamente treinados.
— Os senhores já sabem qual é a tarefa que têm pela frente — disse Atlan, dirigindo-se aos quatro homens. — Não se trata de capturar ou matar o verme do pavor. Os senhores deverão testar o verme do pavor sem criar problemas para si mesmos.
— Tomara que o verme do pavor concorde com isso — observou o Tenente Aldo Kopenziak em tom sarcástico.
Um sorriso quase imperceptível surgiu no rosto de Atlan. Conhecia as peculiaridades de seus amigos terranos e sabia como lidar com eles.
— Pergunte a ele — sugeriu. Os homens riram.
O cruzador ligeiro Carbula estava estacionado nas imediações do planeta Euhja, o terceiro dos cinco mundos que circulavam em torno da estrela Euthet. O sistema ficava a 8.314 anos-luz do planeta Terra, longe das rotas de tráfego galáctico.
Euhja era um mundo ara. Ou melhor, havia sido até o momento em que os cientistas aras haviam trazido gafanhotos córneos em uma de suas naves. Assim que os monstrinhos saíram da nave, despertaram do torpor, iniciaram seu processo de divisão ininterrupta e devastaram o único continente existente em Euhja.
Dali em diante não havia mais nenhum núcleo dos aras por lá. Os médicos galácticos ainda tiveram tempo para expedir um pedido de socorro, mas o auxílio chegou tarde.
Euhja era um mundo aquático. Só possuía um único continente, que não passava de uma ilha do tamanho da Groenlândia. A massa de molkex, formada pela divisão e multiplicação dos gafanhotos córneos, só fora suficiente para a criação de um único verme do pavor.
E esse exemplar único fora escolhido por Perry Rhodan e Atlan, depois de uma série de conferências, para fazer novas descobertas sobre essa espécie de monstro.
Infelizmente Euhja não era o único mundo destruído pelos gafanhotos. A leviandade e a irresponsabilidade haviam trazido a invasão dessa praga a quase duzentos planetas, isso a um tempo em que já se tinham passado quinze dias desde o início desses acontecimentos desastrosos.
E foi assim que nesses 200 mundos os vermes do pavor só surgiram 15 dias depois de seu aparecimento nos planetas em que já havia ovos dos mesmos.
— Como sabem, conseguimos fazer observações em vermes do pavor no planeta Zanmalon — disse Atlan. — Lá foram filmadas as cenas a que acabam de assistir. Neste meio tempo, todos os dados disponíveis sobre os vermes do pavor foram introduzidos no computador hiperimpotrônico da Lua terrana, para serem interpretados.
— E Natan, o computador, formulou algumas hipóteses espantosas — disse o Capitão Firgolt.
— É verdade — confirmou o comandante supremo da USO. — Natan apurou, com base nos dados existentes, que os vermes do pavor devem possuir certo grau de inteligência. Diz que a mesma excede em cerca de dez vezes a de um cão pastor terrano. A isso deve ser acrescentado um instinto muito preciso e uma série de atos previamente treinados.
— Quem vai apurar se isso é verdade somos nós — disse Firgolt em tom calmo.
— Natan ainda apurou que, segundo parece, a massa de molkex é utilizada por alguma raça desconhecida no revestimento protetor de suas naves. O computador não foi capaz de informar como isso é feito.
Atlan fez um sinal para o sargento Gilmore. Este guardou o projetor tridimensional e enrolou a tela.
— Neste meio tempo a situação da Galáxia se estabilizou — disse Rhodan sem levantar-se da poltrona. — Os gafanhotos córneos, saídos dos ovos e formados por meio da divisão contínua, transformaram-se em molkex, que por sua vez deu origem aos vermes do pavor. Em Euhja temos uma última oportunidade para testar um desses monstros. Não preciso ressaltar a importância da missão. Ainda não sabemos muito bem o que está acontecendo, mas o perigo é evidente.
— Eu e meus homens faremos tudo que estiver ao nosso alcance — prometeu Firgolt com a voz tranqüila.
— Assim que tiverem saldo da Carbula, Atlan e eu voltaremos para bordo da Eric Manoli, onde aguardaremos os acontecimentos — disse Rhodan. — A Carbula permanecerá no interior do sistema solar de Euthet. Dessa forma poderão pedir auxílio à nave, assim que surja algum perigo.
Claude Collignot abriu o bolso do uniforme e tirou um charuto negro.
— E nosso equipamento especial, sir? — perguntou, dirigindo-se a Atlan.
O lorde-almirante esperou que Collignot acendesse o charuto.
— Será colocado num submarino. Não o largaremos diretamente na ilha, conforme sugeriu o Tenente Warren — disse finalmente. — O submarino, bem camuflado, colocará todo o equipamento necessário ao alcance de suas mãos, e ao mesmo tempo evitará que alguém o localize.
— Compreendo, sir — disse Warren. — Iremos ao continente, vindos do mar.
— Os senhores disporão de todos os equipamentos de que poderão precisar durante a permanência em Euhja — prosseguiu Atlan. — O mais importante é que não se esqueçam do conversor de símbolos, que nos prestou serviços tão valiosos quando nos comunicamos com os pos-bis. Talvez a inteligência do verme do pavor seja suficiente para descobrir um método de estabelecer contato conosco.
— Claude ainda está preocupado, sir — disse o Capitão Firgolt, um oficial alto e de ombros largos, de olhos castanhos e orelhas salientes.
Collignot, com o charuto pendendo molemente no canto da boca, lançou um olhar desconfiado para seu superior.
— Pode falar, Tenente Collignot — disse Atlan, dirigindo-se ao homem de cabelos negros.
— Não é nada, sir — apressou-se este a dizer.
Kopenziak, o mais idoso dos quatro agentes, brindou Collignot com um sorriso irônico.
— Ele tem medo que alguma coisa possa acontecer aos seus charutos, sir — disse. — Como Euhja é um mundo aquático, receia que a umidade possa amolecê-los.
Collignot ficou ruborizado e passou a mão no cabelo.
— Bem, sir, a gente tem de pagar um preço absurdo por estes charutos — disse em tom valente.
Lembrou-se do verme do pavor que vira poucos minutos antes na tela.
Pelo que se concluía do aspecto do monstro, não teria muitas oportunidades para fumar...
Andara de uma extremidade da ilha à outra. Percorrera o pequeno continente, à procura de alguma forma de vida.
Mas não havia nenhuma vida.
O quadro era o mesmo que se via em todos os mundos devorados pelos gafanhotos córneos.
O único continente do planeta Euhja estava transformado num deserto, numa ilha desnudada, em cujo flanco norte o mar bramia de encontro às costas escarpadas, enquanto no sul banhava as margens suaves.
Apesar da praga dos gafanhotos córneos havia vida inteligente em Euhja: no mar, dentro de um submarino.
Mas o caminhante solitário não sabia disso. A busca inconsciente da vida em que andava empenhado tinha sua origem numa cisão de sua mente. Desde o momento em que começara a pensar, dois desejos conflitantes martelavam seu interior: sentia-se impelido a seguir as ordens antiqüíssimas dos benévolos e a irradiar o hiperimpulso que os traria para perto de si. Seu saber coletivo, de que dispunha desde o momento em que nascera, o levava a transmitir a notícia o mais cedo possível.
Mas outra parte de seu cérebro se rebelava contra essa intenção.
Sabia perfeitamente que o germe da revolução dormia em seu íntimo.
Havia algo que o prevenia a trabalhar sem discussão para os benévolos.
Naquele momento caminhava pelo continente, à procura de algo que tivesse vida. Vez por outra encontrava depósitos de molkex. A maior parte da massa fora consumida na metamorfose.
O verme do pavor perguntou a si mesmo que instinto era este que o impedia de seguir seus hábitos antiqüíssimos. Seus pensamentos eram revolucionários, eram criminosos.
A simples hesitação que estava revelando era incompreensível e condenável.
Nem os benévolos, nem os indivíduos de sua espécie teriam a menor compreensão por essa atitude.
“Ninguém sabe da sua existência neste mundo”, insistia o pensamento rebelde. “Se não enviar o hiperimpulso, nunca o encontrarão.”
Sentiu-se apavorado e passou a rastejar mais depressa. Sua revolução mental o deixava assustado, o que era perfeitamente natural. O pior era uma espécie de satisfação que começava a sentir toda vez que conseguia superar o medo que lhe inspiravam os benévolos.
Se deixasse de enviar o hiperimpulso, estaria violando uma lei antiqüíssima. Se conseguisse obrigar-se a não enviar o hiperimpulso, talvez poderia terminar num estado de alienação mental, pois já a idéia de que poderia infringir os deveres eternos já o deixava profundamente abalado.
Perguntou a si mesmo se poderia reunir forças para resistir também, no futuro, aos velhos instintos implantados em sua raça no curso de muitas gerações.
O pior era a solidão total, a consciência de que teria de tomar uma decisão solitária, pois qualquer outro verme do pavor não hesitaria um instante que fosse em irradiar o impulso. Chegava cada vez mais perto da margem. Naquele momento encontrava-se na parte sul da ilha. Seu corpo gigantesco percorria a terra deserta.
“O que daria aos benévolos o direito de aproveitar-me”, pensou. Ninguém conhecia a inteligência tremenda de sua raça, nem mesmo os benévolos. A idéia deixou-o satisfeito. Era bom saber que até mesmo os benévolos acreditavam que os vermes do pavor eram seres primitivos.
Havia um segredo que sua raça guardava diante de toda a Galáxia: o segredo de suas maravilhosas faculdades mentais. Jamais um verme do pavor revelara a inteligência de sua raça. Seu ser coletivo evitava a prática de um erro como este, e sua consciência de raça praticamente o tornava impossível.
Qualquer verme do pavor preferia morrer a ter que revelar sua inteligência.
Ele se orgulhava disso. Era o único ponto em que enganavam os benévolos.
Mas o dever estava acima desse segredo.
Não havia nenhuma solução capaz de satisfazer tanto aos benévolos, como à sua raça e a si mesmo. Continuou a rastejar, desesperado. A falta do codificador que costumava ser usado para chamar os benévolos não lhe poderia servir de desculpa. O hipersetor de seu enorme cérebro permitia não só a recepção de freqüências, que se estendiam até a quinta dimensão, mas também lhe dava a possibilidade de irradiar um impulso goniométrico, que consistia num impulso bioelétrico locomovente numa hiperfaixa de rádio e que podia vencer muitos anos-luz.
Conhecia essa faculdade, da mesma forma que todos os indivíduos de sua raça. E os benévolos também tinham conhecimento da mesma.
Subiu ao topo de uma colina comprida. Dali podia ver o mar. Por lá devia haver muitas formas de vida primitiva. Mas as amebas, os unicelulares, os caranguejos e os monstros marinhos não lhe poderiam proporcionar nenhum auxílio.
Naturalmente o verme do pavor não confessou a si mesmo que estava precisando de auxílio. Tudo se limitava à busca inconsciente de seres situados no mesmo nível mental que o seu, capazes de compreender suas tendências revolucionárias.
Deitou na posição de descanso. Ficou com os olhos abertos, enquanto a brisa do mar acariciava seu corpo gigantesco.
Ali estava ele acomodado sobre o solo que se tornara praticamente estéril sob a ação dos vorazes gafanhotos córneos. Procurou exercer um controle rígido sobre seus pensamentos, mas os mesmos escapavam constantemente e retornavam às idéias perigosas.
Sentiu o sol parado no espaço longínquo, cujas energias estava absorvendo. Não demoraria a saciar-se. Seu corpo assumiria a típica coloração violeta de um verme do pavor adulto.
Depois disso não haveria mais nada em seu aspecto exterior que o distinguisse dos outros vermes do pavor. Mas seus pensamentos o transformavam num “indivíduo excêntrico”. Seu corpo contorceu-se de dor. Teve vontade de soltar um berro e precipitar-se no mar, para que a água fria lhe abafasse os sentimentos, mas sabia que isso não adiantaria nada.
Não poderia resistir por muito tempo ao velho hábito.
Descontraiu-se e fechou os olhos por um instante. Todas as fibras de seu corpo entregaram-se à sensação do sossego absoluto.
Foi quando irradiou o hiperimpulso.
Aconteceu de forma quase automática, sem que colaborasse conscientemente para isso. Até parecia uma reação à descontração do corpo. Mas sabia que enganava a si mesmo.
Fora derrotado. A lealdade para com os benévolos, existente há tempos imemoriais, levara a melhor. Acabara de chamá-los. Jazia exausto, profundamente abalado pelo conflito interior.
Se esperava que sua mente se acalmasse, teria uma amarga decepção. As idéias revolucionárias continuavam em sua mente, fustigavam-no e estimulavam-no, procurando controlar o setor tradicional de seu cérebro.
Foi naquele momento, porém, que viu quatro minúsculas figuras saírem do mar.
Aproximavam-se lentamente. Eram pequenas e caminhavam eretas. Ao que tudo indicava, acabavam de abandonar seu elemento aquático para subirem à margem. Provavelmente viviam nas profundezas do mar, onde haviam escapado à ação fulminante dos quatrilhões de gafanhotos córneos.
O verme do pavor parou instintivamente. Hesitou em matar esses seres, seguindo o velho costume. Bastaria dar cinco saltos para alcançá-los e matá-los. Mas não o fez. Preferiu esperar para descobrir o que levara esses seres a abandonarem o oceano e subirem a terra firme. Ao que tudo indicava eram criaturas nativas desse mundo, capazes de viver tanto na água como na terra.
Talvez até possuíssem um pouco de inteligência.
Mas — o que era isso?
Esses seres caminhavam!
Andavam sobre dois membros, como se nunca tivessem feito outra coisa. Seus corpos não pareciam ter sido feitos para a vida aquática. Talvez fosse esta a explicação de seu aparecimento repentino na ilha. Talvez tivessem fugido dos gafanhotos córneos e estavam voltando para ver o que restava de sua terra.
Teriam uma decepção. Não havia naquele pequeno continente nenhuma vida, a não ser ele mesmo. O verme do pavor resolveu brincar com os quatro nativos. Antes de matá-los queria descobrir mais alguma coisa a seu respeito. Queria saber qual era seu grau de inteligência, como viviam e de que tipo eram suas mentes. Obedeceria às velhas leis de sua raça, fazendo o papel do monstro estúpido. Aqueles seres nem perceberiam que ele lhes era superior no terreno espiritual.
Isso o distrairia dos pensamentos sombrios. Finalmente encontrara alguma coisa com que ocupar-se. Abriu a boca gigantesca. Qualquer outra criatura entraria em pânico com esse gesto. Os corpos monstruosos eram o disfarce mais perfeitos que os vermes do pavor poderiam desejar.
Um monstro costuma ser voraz, mas não inteligente.
O verme do pavor lançou os olhos para a praia. Os quatro bípedes, caminhando com uma incrível lentidão, ofereciam um quadro miserável. Sabia de antemão que esse quadro acabaria por cansá-lo.
E quando isso acontecesse, ele os mataria...!
Enquanto a Carbula penetrava na atmosfera de Euhja pela face noturna do planeta, os quatro agentes da USO preparavam-se para entrar em ação. O equipamento especial foi colocado no pequeno submarino atômico. Tomaram-se todos os preparativos para fazer sair o veículo aquático.
O Tenente Aldo Kopenziak, um homem baixo, calvo e de rosto enrugado, supervisionava o carregamento do submarino, enquanto Firgolt, Warren e Collignot realizavam uma última conferência com Perry Rhodan e Atlan, que dentro de algumas horas voltariam à nave Eric Manoli.
Quando Kopenziak e o sargento Gilmore estavam colocando no submarino três carabinas de radiações de cano curto, o Tenente Claude Collignot apareceu.
Kopenziak colocou a cabeça enorme na torre e viu Collignot caminhar pelo convés de proa. O agente estava segurando uma caixa não muito grande.
— Um momento! — gritou Kopenziak para Gilmore.
Collignot parou embaixo da torre e brindou Kopenziak com um sorriso irônico.
— Há mais uma coisa que não podemos deixar de levar — disse.
Kopenziak não era nenhum pedante, mas resolvera executar com o maior cuidado a tarefa que lhe fora confiada.
— Existe uma lista das coisas que devemos levar — disse. — Essa caixa consta da mesma.
O Tenente Collignot sorriu.
— Contém munições — informou.
— Munições? — repetiu Kopenziak em tom de incredulidade. — Pensei que Gilmore e eu já tivéssemos carregado todas elas.
— Parece que esqueceram isto aqui — disse Collignot em tom ingênuo.
Levantou a caixa em direção à torre e Kopenziak pegou-a. Estava enrolada em tecido impermeável. Kopenziak farejou-a. Até parecia que esperava sentir um cheiro especial.
— Acho que são charutos — disse. — Longos charutos fedorentos, de um tipo que só é fumado por um único homem na Galáxia.
Prosseguiu em tom sério.
— Tenente, o senhor tenta contrabandear tóxicos para um planeta estranho.
O rosto de Collignot não revelava o menor sinal de perplexidade. Desabotoou o bolso do uniforme e tirou um papel.
— Kopenziak — disse, esticando as palavras — sabe o que é isto?
— Não me lembro de já ter visto este papel — respondeu Kopenziak em tom hesitante.
— Nesse caso vou ver se consigo refrescar sua memória — respondeu Collignot numa amabilidade um tanto suspeita. — Está lembrado da missão que desempenhamos juntos no terceiro mundo da estrela Better?
Kopenziak fez que sim com um gesto melancólico.
— Pois nesse planeta — prosseguiu Collignot em tom implacável — o senhor assinou uma nota promissória de três milhões de solares a meu favor.
Ergueu o papel num gesto de triunfo.
— Aqui está a promissória, Aldo!
— Quando assinei isto, estava embriagado! — gritou Kopenziak. — Tivemos que testar o efeito que certa bebida fabricada pelos nativos produz no corpo humano, isso porque o consumo da mesma havia levado todos os colonos à miséria total. Essa droga faz com que a pessoa tenha vontade de dar tudo que tem. Durante a embriaguez sente-se uma tendência de derramar riquezas sobre todo mundo. Kopenziak pigarreou.
— O senhor se aproveitou da situação, tenente. Isso foi feito durante o teste.
Kopenziak desapareceu na torre sem dizer uma palavra.
— Tome cuidado para que minha “munição” não fique molhada! — gritou Collignot.
O Capitão Firgolt e o Tenente Warren apareceram na antecâmara da eclusa. Atlan e Perry Rhodan estavam com eles.
— Como vai o trabalho de Kopenziak? — perguntou Firgolt.
— Está quase pronto, sir — informou Collignot. — Está levando mais um pouco de “munição” para bordo.
— Nós os largaremos juntamente com o submarino na face oposta do planeta — disse Atlan. — Descerão em Euhja sem que ninguém os perceba. A embarcação os levará em segurança ao único continente, onde vive o verme do pavor. Deixem o submarino ancorado nas proximidades da ilha. Não terão nenhuma dificuldade em chegar à terra com os trajes subaquáticos.
Perry Rhodan, que segundo seu costume usava um uniforme simples de uma peça, passou a mão pelo casco do submarino atômico.
— Talvez o senhor queira saber por que não desembarcamos um grande contingente de tropas para observar o verme do pavor — disse, dirigindo-se a Firgolt. — Ficamos sabendo que, neste caso, provavelmente não conseguiríamos os resultados corretos. O animal não deve ser perturbado em seu habitat. É necessário que possa seguir seus hábitos. A importância de sua missão já foi ressaltada várias vezes. Muita coisa pode depender do resultado da mesma; talvez tudo. Peço-lhe que não se esqueçam disso, sejam quais forem as situações que tenham de enfrentar.
Perry Rhodan fez um gesto de despedida e retirou-se.
— Este homem sabe exprimir em poucas palavras o que outras pessoas não conseguem dizer em muitas frases — disse Firgolt, bastante impressionado. — Acho que qualquer um de nós daria a cabeça por ele.
— Tomara que o verme do pavor não lhes dê oportunidade para isso — disse Atlan. — De qualquer maneira compreendo o que dizer, capitão. Acho que minha amizade com o Administrador Geral também se baseia no fato de que qualquer um de nós estaria disposto a dar a vida pelo outro.
Collignot baixou os olhos, embaraçado. Palavras como estas sempre costumavam deixá-lo inseguro. Sentiu-se aliviado quando Firgolt mudou de assunto.
— Quer dizer que, de início, subiremos a terra sem qualquer equipamento, para não deixar o verme do pavor perturbado sem necessidade.
— Os equipamentos ficarão no submarino até que o animal se tenha acostumado à sua presença — confirmou Atlan. — Depois disso poderão usar um ou outro aparelho, em caso de necessidade.
O alto-falante emitiu um estalo. Ouviu-se a voz do Major Herkner, comandante da Carbula.
— Não demoraremos a chegar ao destino, lorde-almirante. Os homens já podem embarcar no submarino — anunciou.
Atlan ligou o pequeno radiofone que trazia no pulso.
— Está bem, major. Faça a Carbula chegar bem perto da superfície do mar, para que o submarino possa deslizar para a água.
A Carbula estava equipada com uma rampa especial, que possuía um comando hidráulico. O submarino atômico que trazia o nome Moonshine deslizaria por esta rampa e desapareceria imediatamente sob a superfície do oceano.
O Major Herkner confirmou. Atlan despediu-se dos agentes e retirou-se da antecâmara da eclusa juntamente com o Sargento Gilmore.
O último a desaparecer no interior da pequena embarcação foi o Capitão Firgolt. Os homens já estavam nos seus lugares. Collignot, que possuía instrução náutica, ficou junto aos controles. Warren operou o rádio que os manteria em contato com a Carbula. Era bem verdade que esse equipamento só seria utilizado em último caso, pois queriam evitar qualquer possibilidade de serem localizados.
— Moonshine preparado! — gritou Firgolt, assim que se certificou de que todas as escotilhas estavam fechadas.
Em meio à noite de breu do planeta Euhja, a Carbula parecia um fantasma sobre a superfície do oceano. A parte externa da nave, que tinha quase cem metros de diâmetro, chegou perto de tocar a água. O Major Herkner, que se encontrava na sala de comando, havia ligado o propulsor antigravitacional, fazendo com que a nave flutuasse quase imóvel.
— Abrir comportas! — ordenou o major. — Soltar rampa!
A eclusa abriu-se e a construção metálica, sobre a qual o submarino Moonshine sairia da Carbula, mergulhou na água.
— Pronto, capitão? — perguntou Atlan pelo rádio.
— Tudo preparado, sir — respondeu Firgolt.
Os cabos magnéticos que prendiam o submarino soltaram-se.
— Moonshine saindo, sir — anunciou Firgolt.
A proa do submarino atingiu a superfície da água num ângulo bem aberto e logo mergulhou. Dali a alguns segundos a rampa foi encolhida e a eclusa fechou-se. A Carbula ficou parada por um instante sobre a superfície da água, mas logo foi impelida para cima pelos propulsores e desapareceu em meio à noite.
— Terra à vista! — gritou o Capitão Brent e recolocou as alavancas do periscópio nos suportes. — Acho que daqui a pouco poderemos procurar um ancoradouro.
Os quatro homens começaram a preparar-se para abandonar o submarino. Warren examinou os trajes subaquáticos. Quando já se encontravam bem perto do continente, Firgolt recolheu o periscópio.
— Encontramos um bom ancoradouro — disse, depois de observar os arredores por algum tempo. — O litoral é plano. Só vejo algumas colinas bem ao longe. Não existe o menor sinal de vegetação ou vida animal.
— Os gafanhotos córneos não deixaram nada — observou Kopenziak. — De tão vorazes que são, destruíram tudo que parecesse orgânico.
Collignot dirigiu o Moonshine para dentro de uma baía e o fez pousar no fundo do mar. Apesar do tamanho reduzido, o submarino era ágil e veloz. A liga especial de aço de Árcon, de que era feito o casco, agüentava perfeitamente a pressão da água, até mesmo a grandes profundidades.
No lugar raso em que se encontrava o Moonshine não corria o menor perigo. Durante a viagem pelo mar, seus ocupantes haviam observado por várias vezes a presença de vida animal dentro da água. Em Euhja havia uma quantidade enorme de espécie de peixes. E aqui, junto ao litoral, surgiram caranguejos, peixes e animais parecidos com tartarugas.
Em algumas oportunidades os homens tiveram a impressão de ter visto uma sombra gigantesca mais ao longe. Tratava-se de um monstro marinho, ou então eram grandes massas de plantas aquáticas que se deslocavam com a correnteza. Assim que ligavam os holofotes exteriores, as sombras desapareciam.
— Será que não deveríamos levar ao menos algumas armas? — perguntou o Tenente Warren.
— Não — recusou Firgolt. — Seguiremos as instruções do lorde-almirante. Não deve aparecer nada de extraordinário que possa assustar o verme do pavor. Por enquanto não levaremos nenhum equipamento para terra.
Collignot pigarreou e fitou Kopenziak com uma expressão insistente. Vestiram os trajes subaquáticos. Collignot voltou a controlar a pressão exterior.
— Verificar o suprimento de oxigênio — ordenou Firgolt.
Todos colocaram a máscara e prenderam a mangueira que ia do pequeno depósito de oxigênio que traziam nas costas até a boca.
Acenaram com a cabeça para mostrar que tudo estava em ordem. Firgolt foi o primeiro a entrar na câmara inundável. Quando todos se encontravam no interior da mesma, Warren fechou a escotilha que a separava da sala de comando. Com alguns movimentos seguros abriu as válvulas de admissão. A água penetrou no recinto.
Collignot apressou-se em guardar um pequeno pacote que Kopenziak lhe dera às escondidas.
A pressão foi aumentando, e dali a pouco Firgolt pôde abrir a câmara. O capitão empurrou-se com o pé e começou a executar movimentos rítmicos com as pernas revestidas de nadadeiras de borracha.
Olhou para trás a fim de certificar-se de que os outros o seguiam.
Ao nadar formavam uma corrente, cujo primeiro elo era formado por Firgolt. Warren ia no fim. Cardumes de peixinhos coloridos atravessavam velozmente a água e as medusas que se locomoviam aos solavancos aproximaram-se, como se quisessem verificar quem eram os seres estranhos que haviam penetrado em seu elemento.
Firgolt não se perturbou. Continuou a nadar na direção em que devia ficar a terra. Alguns metros acima de sua cabeça, a luminosidade da superfície parecia seduzi-los. Peixes que tinham o aspecto de esferas coloridas executavam uma dança louca em torno dos homens.
Finalmente o capitão da USO sentiu chão firme sob os pés. Esperou até que os outros se encontrassem a seu lado. Depois apontou para a margem. A superfície ficava três metros acima de suas cabeças. Prosseguiram andando embaixo da água. O fundo do mar era mole e estava cheio de plantas. Até mesmo os vorazes gafanhotos córneos tiveram de parar neste ponto.
Firgolt, que era mais alto que os outros, foi o primeiro a emergir. Sentiu-se aliviado ao tirar a mangueira de oxigênio. O resultado das análises, aliado ao fato de que Euhja era um núcleo dos aras, haviam levado à conclusão de que a atmosfera desse mundo era respirável para os terranos.
O ar era puro e aromático. Firgolt viu à sua frente o único continente que existia nesse mundo aquático.
Prosseguiu na caminhada. A cabeça de Warren surgiu a seu lado. Finalmente apareceram Kopenziak e Collignot.
— Olhe só, capitão — disse Kopenziak em tom zangado. — Tudo que se encontrava nessa terra foi devorado. Só resta o solo nu, e em alguns lugares se vê o molkex.
— O senhor esperava ver outra coisa?
Os homens passaram os olhos pelo terreno, mas a única coisa que viram foi a margem abandonada e as colinas desoladas que tomavam o fundo do quadro. Na praia nem sequer havia conchas. O continente era formado apenas por rocha, terra e pedras.
Foi justamente a ausência total de qualquer forma de vida que deixou os homens abalados. Sem que o quisessem, todos pensaram no que poderia acontecer se um dia essa praga maldita fosse introduzida no sistema solar terrano.
Saíram da água gotejantes. O material de seus trajes secava rapidamente e se tornava permeável ao ar. Os trajes subaquáticos não eram mais pesados que quaisquer outras vestes, motivo por que os homens podiam usá-los em terra.
Reuniram-se bem perto da margem.
— Esta ilha é bem grande — disse o Capitão Firgolt. — Sua superfície chega a cerca de dois milhões de quilômetros quadrados.
— Gostaria de saber como faremos para encontrar o bichinho — observou Collignot. — Mesmo que queiramos admitir que no ponto mais largo a ilha só mede quinhentos quilômetros, ainda teríamos um comprimento de mais de quatro mil quilômetros. Será que conseguiremos encontrar o monstro numa extensão destas?
Firgolt confirmou com um gesto.
— Suas preocupações não deixam de ter sua razão de ser, mas o senhor se esquece de dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, o Moonshine nos deixou na área do continente em que, segundo as observações realizadas pela Carbula, os depósitos de molkex são mais escassos. Dali se conclui que o verme nasceu por aqui. Além disso, o monstro e nós somos os únicos seres vivos existentes nesta ilha. Isso também concorrerá para facilitar nosso trabalho. Também não acredito que o verme do pavor permaneça nas proximidades de uma costa escarpada. Até mesmo para um ser que possui seus extraordinários dotes físicos a área não deve ser nada confortável.
Firgolt colocou a mangueira de oxigênio nas costas. O aparelho era feito de metal leve e pesava muito pouco.
— Acho que podemos dispensar a discussão sobre o verme do pavor — disse Warren de repente.
Era um oficial jovem e muito magro, de cabelos louros e rosto um pouco efeminado.
Firgolt lançou um olhar prolongado para Warren.
— O que quer dizer com isso, Elmer? — perguntou.
— O que quero dizer é que não precisamos procurar o bicho — respondeu Warren, esticando as palavras. — Está sentado lá em cima, pouco abaixo da colina alongada e, ao que parece, está nos observando.
Dali a alguns segundos todos estavam distinguindo o monstro. Estava estendido numa encosta, a algumas centenas de metros de distância. Seu corpo quase se confundia com a rocha.
— Nem se mexe — afirmou Collignot e soltou o maço de charutos que trazia no cinto.
— Quem sabe se não está morto? — conjeturou Kopenziak. Notava-se que esse fato o deixaria bastante aliviado.
— Não acredito que esteja — objetou Firgolt, entesando o corpo musculoso. — É possível que já nos tenha visto. Evidentemente isso não seria nada agradável, mas nesta altura não podemos fazer mais nada. Tomara que esteja dormindo.
— Está tirando seu cochilo — disse Collignot com um sorriso irônico, no que tirou um charuto de comprimento respeitável, mordeu uma das pontas e acendeu-o.
— Talvez o fedor dessa erva o narcotize — disse Kopenziak em tom sarcástico.
Firgolt pôs-se a refletir sobre o problema que estavam enfrentando. Ninguém contara com a possibilidade de esbarrarem imediatamente no verme do pavor. O fato de o monstro estar deitado logo ali resultava de uma incrível coincidência. Pretendiam observar o verme do pavor de um esconderijo seguro, assim que o tivessem encontrado.
Firgolt não via nenhum motivo para modificarem seus planos. Em toda parte devia haver cantos escondidos, cavernas, desfiladeiros, nichos nas pedras. Deviam operar a partir de um desses pontos, permanecendo sempre nas proximidades do monstro. Talvez seria preferível que por enquanto se separassem para aguardar a reação do verme do pavor.
Firgolt acreditava que o comportamento do animal seria imprevisível. Se todos os seguissem ao mesmo tempo poderia ficar furioso e atacá-los. Cada um dos agentes devia representar uma coisa insignificante para o colosso, que não se preocuparia com eles.
— Vamos cercá-lo — anunciou Firgolt.
— Devemos aproximar-nos dele de pontos diferentes. Ninguém se arriscará. Vamos observar o animal de uma distância segura, e é só.
Nesse momento uma situação grotesca surgiu em Euhja. Os quatro agentes acreditavam ter pela frente um monstro nervoso, mas bastante primitivo, que deveriam observar, acontecesse o que acontecesse. O verme do pavor, por sua vez, tinha a impressão de ter encontrado um grupo de nativos selvagens, que pretendia submeter a um exame. Em suma: nenhum sabia da inteligência do outro.
Era bem verdade que havia uma diferença que poderia tornar-se fatal para os quatro terranos: o verme do pavor evitava dar mostras de sua inteligência, fazia o papel de monstro.
Os terranos porém não ocultavam sua inteligência.
— Assim que tenhamos encontrado algum ponto de referência e saibamos que o verme não pretende destruir-nos, voltaremos ao Moonshine para pegar nosso equipamento — prosseguiu Firgolt. — Devemos evitar que cada um de nós proceda segundo seu arbítrio. Por isso sugiro que nos encontremos aqui mesmo, com intervalos de oito horas. Todos têm relógio. Além disso cada um de nós traz seu suprimento de alimentos concentrados e dropes de água.
Firgolt não poderia deixar de confessar que preferiria ter uma arma, mas as ordens de Atlan não permitiam isso.
— Está se mexendo! — gritou Kopenziak.
Os quatro agentes ergueram a cabeça abruptamente. O monstro acabara de sair do lugar que ocupara na encosta. Enquanto rastejava, mantinha a cabeça gigantesca esticada para cima. O aspecto do monstro era muito mais terrível que sua imagem projetada na tela.
Afinal, havia alguma diferença em defrontar-se com uma projeção inofensiva do que com o verdadeiro verme do pavor.
— Vamos separar-nos! Rápido! — ordenou Firgolt.
Mandou que os três companheiros saíssem em direções diferentes. Warren e Kopenziak correram em direção às penínsulas, cada um para um lado. Collignot deveria operar a partir da posição atual, na medida em que isso fosse possível.
Seguindo uma das suas características, Firgolt guardou a tarefa mais difícil para si mesmo: pretendia caminhar ao encontro do verme do pavor, para que o monstro praticamente ficasse cercado.
Collignot aspirou a fumaça de seu charuto. Parecia um pouco triste, enquanto contemplava os agentes que se afastavam apressadamente.
— Boa sorte, sir — disse, dirigindo-se a Firgolt.
O capitão limitou-se a acenar com a cabeça... e saiu caminhando bem na direção do verme do pavor...!
Viu que as quatro criaturas ficaram paradas. Ao que parecia comunicavam-se entre si. Isso não era necessariamente um sinal de inteligência. Muitas raças possuíam uma forma primitiva de comunicação por meio de sinais.
Os hábitos de sua raça impeliam-no a matar os quatro habitantes do mar, mas seu ser revoltou-se contra as tendências inatas. Por algum tempo manteve-se completamente imóvel, para observar os desconhecidos.
Refletiu sobre um meio de assustá-los. Seria interessante observar a reação dessas criaturas miseráveis quando ele aparecesse.
A idéia chegou a diverti-lo. Será que a natureza não fizera uma brincadeira macabra ao dotar justamente os monstruosos vermes do pavor com uma inteligência superior? Como teria surgido sua raça? De onde vinha? O que teria aparecido em primeiro lugar: os gafanhotos córneos, o verme do pavor ou o molkex?
Estas perguntas deixaram-no intrigado. Voltou a dedicar sua atenção exclusivamente aos desconhecidos.
Começou a impacientar-se. Ergueu-se ligeiramente e desceu pela encosta.
Naquele momento aconteceu uma coisa estranha.
Os seres que via à sua frente espalharam-se apressadamente. Dois deles correram em direções opostas, o terceiro veio em sua direção e o quarto continuou onde estava. Por um instante o verme do pavor sentiu-se chocado. Mas chegou à conclusão de que isso não queria dizer nada. Aquelas criaturas ainda não o haviam descoberto. A melhor prova disso era o fato de que uma delas vinha exatamente em sua direção.
Nenhuma criatura, muito menos uma criatura que possuísse inteligência, seria destemido a ponto de ficar parado ao vê-lo, quanto mais caminhar em sua direção.
A separação dos desconhecidos devia ter um motivo diferente. Talvez a devastação da terra os deixasse apavorados, fazendo com que se afastassem em todas as direções para verificar se em toda parte o quadro era o mesmo.
Indiretamente deviam a vida ao fato de que em torno deles tudo estava morto.
Não sentia pena por essas criaturas, mas compreendia perfeitamente a dor e a tristeza que deviam sentir ao ver sua terra devastada. Qualquer criatura, por menor que fosse seu grau de inteligência, possuía um instinto seguro do seu habitat. Muitas raças chegavam a morrer quando retiradas do seu ambiente.
Seguiu atentamente os movimentos dos nativos. Ficou espantado ao notar a segurança com que se moviam em terra, pois ao que tudo indicava eram habitantes do mar.
Será que ao vê-lo fugiriam para voltar ao oceano? Resolveu que, se isso acontecesse, ele os mataria antes que alcançassem o elemento salvador. Se conseguissem fugir dele por certo não voltariam, pois o choque os manteria afastados por muito tempo da terra. Os benévolos apareceriam neste mundo antes que se aventurassem novamente para fora da água.
Viu o ser que, segundo acreditara, estava caminhando exatamente em sua direção, se desviar um pouco. Apesar disso não acreditava que o tivesse visto. Não receava ser descoberto, pois esses anões não lhe poderiam fazer nada.
O verme do pavor sentiu-se grato diante da idéia de que, além de um cérebro inigualável, fora dotado de um corpo quase inexpugnável.
Mais uma vez a lembrança da ligação entre sua espécie e os benévolos lhe provocou uma sensação desagradável. Havia algo de errado nisso, algo que devia ser mudado. Procurou descobrir a série de conexões, mas seu saber coletivo não foi suficiente para isso, pois resumia-se aos grupos de conhecimentos básicos. Só numa área dispunha de conhecimentos mais detalhados. Sabia quais eram suas obrigações para com os benévolos.
Perdeu de vista dois dos nativos, que desapareceram atrás das colinas que cobriam duas penínsulas. Isso não preocupava o verme do pavor. Notou novamente, que o ser que de início caminhara diretamente para ele, estava descrevendo uma curva ampla, mas atribuiu o fato a algum acaso.
A quarta criatura continuava parada junto à água. O verme do pavor ficou espantado ao notar que a mesma possuía um hálito tão quente que de vez em quando produzia pequenas nuvens de fumaça. Isso contrastava fortemente com a suposição de que a forma de vida que tinha à sua frente podia viver tanto na água como na terra.
Nenhum animal aquático seria capaz de produzir fumaça; quanto a isso não havia a menor dúvida.
Resolveu mostrar-se abertamente aos nativos.
Ergueu-se ligeiramente sobre a parte traseira do corpo, fazendo com que os dois braços-tenazes balançassem livremente no ar. Encurvou o corpo e encolheu a parte posterior do mesmo. Sentiu a força que havia em seu interior. Seu ser parecia entesar-se com a força de uma mola.
Deu um salto de cem metros em direção à água.
Tinha certeza de que pelo menos dois dos desconhecidos o haviam observado. Esperava que fugissem, apavorados.
Mas não aconteceu nada.
A criatura que se encontrava perto da água nem sequer se moveu. Mantinha-se em posição quase provocadora, produzindo nuvens de fumaça e colocando, a intervalos regulares, uma das extremidades do corpo junto ao crânio.
O verme do pavor sentiu-se estupefato, ao constatar que o desconhecido que caminhava obliquamente para a colina em que se encontrava também não esboçou a menor reação. Viu-se diante de um mistério. O comportamento desses seres era incompreensível.
Será que eram primitivos a ponto de nem terem a capacidade de avaliar um perigo iminente? O verme do pavor sentiu-se cada vez mais perplexo. O aspecto dos nativos levava à suposição de que seu grau de inteligência era bastante reduzido, mas seu comportamento parecia ser um sinal de debilidade mental.
O verme do pavor deu outro salto, que o fez chegar a cem metros da praia. Não havia a menor dúvida de que sua locomoção fora notada.
Naquele momento aconteceu uma coisa que o deixou totalmente confuso.
O ser que se encontrava junto ao mar deitou confortavelmente na areia e passou a contemplar a água.
Eles o estavam ignorando!
Para essas criaturas, o verme do pavor nem existia. Os animais que tinha à sua frente eram extremamente estúpidos. A decepção que sentiu quase chegou a ser dolorosa. Ao mesmo tempo começou a aborrecer-se. Bem, ele lhes daria um sinal de sua presença nesse continente ridículo. Mostraria que era forte, poderoso e invencível, e estes perceberiam que o dono dessa ilha era ele.
Então o monstro abriu a boca gigantesca.
O nativo que se encontrava junto à água virou-se e encarou-o.
“Está me olhando”, pensou o monstro. “Está olhando para mim. Sei disso, embora a esta distância não possa ver seus olhos.”
Lembrou-se de que talvez os olhos dessas criaturas fossem muito fracos. Talvez só agora tivessem notado sua presença. Voltou a fechar a boca enorme. Esperou que os nativos se levantassem e fugissem.
Mas não aconteceu nada disso. A criatura miserável ficou deitada e continuou a fitá-lo.
“O medo deve tê-lo paralisado”, concluiu o verme.
Virou-se instintivamente para olhar a outra criatura, que estivera de pé bem perto dele. Teve dificuldade de distinguir a figura minúscula naquele solo escuro. Mas logo viu o outro habitante dos mares.
O mesmo estava calmamente parado atrás dele, a uma distância não muito grande, e olhava em sua direção.
“O que é isso? — perguntou-se mentalmente o verme do pavor. “Até parece que estas criaturas não sentem medo.”
“Estão me observando”, pensou. “Realmente parece que estão me observando.”
Mas logo chegou à conclusão de que isso seria impossível. Nenhum ser, por mais primitivo que fosse, teria coragem para ficar parado perto dele. Será que a mentalidade desses desconhecidos era diferente da de outras raças? Será que não conheciam o medo? Isso significaria que não possuíam o instinto de autoconservação. Nesse caso aceitariam qualquer coisa que acontecesse com eles como se fosse a coisa mais natural deste mundo. Não se defenderiam de nenhum ataque. Tudo lhes seria indiferente.
O verme do pavor não acreditava na existência de seres desse tipo.
Voltou a abrir a boca, mas desta vez não perdeu tempo. Um raio energético saiu dos pólos de irradiação, atravessou o ar com um chiado e atingiu o solo ao lado do nativo que permanecia junto ao mar. O calor fez tremeluzir o ar. A areia transformou-se numa massa vitrificada. Uma trilha negra marcava a trajetória de impacto do tiro energético.
O verme do pavor teve uma sensação de triunfo ao ver o nativo levantar-se de um salto e sair correndo pela praia. Começava a divertir-se. Conseguira despertá-los da letargia. Outro raio saiu de sua boca. A energia descarregou-se bem à frente do fugitivo. Este deu um salto enorme para dentro da água, para não morrer queimado. O monstro ronronava entusiasmado. Aqueles seres tinham medo, suas reações eram idênticas às de quaisquer outros seres que entrassem em contato com os vermes do pavor. Ficou ansioso para ver o que aconteceria em seguida.
Metade do corpo daquela criatura miserável estava coberta pela água. Depois de algum tempo levantou a cabeça e olhou cautelosamente em torno. Parará de produzir pequenas nuvens de fumaça.
Muito satisfeito, o verme do pavor contemplou sua vítima.
O próximo disparo provaria definitivamente a essa criatura que ninguém brinca com o verme do pavor.
O Tenente Claude Collignot lançou um olhar triste para o pedaço de charuto molhado que segurava na mão. O salto com que se colocara a salvo diante da fera inutilizara a preciosa erva.
Um homem mundano como ele não deveria meter-se com criaturas desconhecidas, muito menos com monstros estúpidos que faziam questão de exibir sua força bruta, investindo contra tudo que se movesse perto deles.
Se esse gigante possuísse dez vezes a inteligência de um cão, ele não o mostrava. Bem, até mesmo Natan poderia cometer um erro. Na opinião de Collignot esse monstro não era mais inteligente que um rato de navio. Perguntou a si mesmo o que havia a observar por ali. Poderiam dar-se por satisfeitos se escapassem com vida. Bastaria que esse bebê gigante fizesse boa pontaria, e ele estaria perdido.
Collignot imaginou que estivesse deslizando aos sons de uma valsa antiqüíssima sobre a pista de dança muito lisa do Hotel Jambuin de Terrânia. Passou gostosamente a língua pelos lábios molhados. Se as coisas continuassem assim, executaria uma dança bem alegre ali mesmo. O regente da orquestra seria aquele dragão, e ele, Collignot, saltaria pela praia ao ritmo dos tiros energéticos.
“É bom que um homem possua senso de humor”, pensou Collignot. Mas na situação em que se encontrava teria preferido um jogo de equipamento especial. Acontece que haviam recebido ordens para aparecer na ilha completamente desguarnecidos.
Teve vontade de nadar para as profundezas do mar, mas por certo o Capitão Firgolt, que estava de pé no alto da encosta, não gostaria disso. Tinham de descobrir os hábitos do monstro.
“Que belos hábitos”, pensou Collignot, zangado.
A água fria lhe fazia bem e formava um contraste agradável com o ar superaquecido dos locais em que se verificaram as descargas energéticas. “Todo cavalheiro deve tomar um banho de vez em quando”, pensou o agente da USO.
O próximo disparo da fera arrancou-o abruptamente das reflexões.
Em torno dele a água começou a chiar e a borbulhar como se uma fonte tivesse saído da terra. Vapores ergueram-se. Collignot espirrou. Os olhos lacrimejantes procuraram enxergar para além da fumaça e distinguiram os contornos do verme do pavor. Seus dedos agarraram-se ao fundo do mar. Apressou-se em pôr a cabeça embaixo da água.
As ondas não bastaram para refrigerar a água com a rapidez que seria necessária. O bombardeio do monstro fazia com que o calor aumentasse sensivelmente.
“Está me cozinhando como se eu fosse um peixe”, pensou Collignot apavorado.
O calor começou a tornar-se insuportável e o especialista levantou-se de um salto. Em torno dele rugia o inferno. Collignot avançou pela cortina de fumaça e admirou-se de ainda estar vivo. Cambaleando e correndo, conseguiu aumentar em alguns preciosos metros a distância que o separava do ser que o martirizava.
Lançou um olhar para a encosta e viu o Capitão Firgolt, que saltava que nem um louco entre as rochas e emitia gritos estridentes. Ao que parecia pretendia distrair o verme do pavor.
Collignot sentiu-se grato ao constatar que deixara de servir de alvo para os exercícios de tiro do monstro. Ficou parado. Fungava. O ar escaldante parecia ter queimado sua garganta. Tirou um drope de água do cinto do traje subaquático e enfiou-o na boca. Começou a chupá-lo gulosamente.
Aos poucos foi-se sentindo melhor.
“Agora o monstro vai atacar o capitão”, pensou Collignot.
Deixou-se cair na areia e pôs-se a refletir sobre como ajudar Firgolt caso a situação se tornasse crítica para o mesmo.
Mais que o do tenente, o treinamento do Capitão Firgolt fora talhado para a versatilidade. Isso não significava que apresentasse deficiência em alguma área que devesse dominar; pelo contrário. Os conhecimentos do agente abrangiam muitas coisas que aos olhos do homem comum pareciam não ter a menor importância.
Muitas vezes as missões dos agentes da USO colocavam os mesmos em situações difíceis e extraordinárias. Naturalmente as tarefas eram distribuídas segundo os conhecimentos de cada um. Um prestava-se muito melhor aos serviços de espionagem que um gigantesco ertruso. As características físicas também eram consideradas na escolha dos agentes.
Brent Firgolt fora colocado na pseudo-central de tiro de uma nave-modelo, para receber um treinamento meticuloso no manejo de todas as armas existentes a bordo de uma nave do Império.
Era versado em todos os tipos de tiro.
Quando o verme do pavor fez o primeiro disparo, cuja energia se descarregou bem ao lado de Collignot, chegou a prender a respiração, pois chegou a recear pela vida do companheiro. Mas quando viu que os outros tiros do gigantesco verme também não acertaram o alvo, começou a acreditar que o fogo do monstro era bem orientado. Não acreditava que fosse por simples acaso que o verme nunca atingia Collignot. Firgolt constatou que a distância entre o agente e o ponto de impacto dos tiros, que aparentemente erravam o alvo, sempre era a mesma. Concluiu que o monstro sabia perfeitamente para onde estava atirando.
Ao que parecia, não tinha a intenção de matar Collignot — ao menos por enquanto...
Firgolt refletiu intensamente. Lembrou-se de que certos animais costumam brincar com suas vítimas antes de matá-las. Há alguns anos, quando trabalhara como agente numa velha nave cargueira, vira um gato maltratar um rato durante vários minutos, antes de devorá-lo.
Era possível que o fato de os tiros do monstro não acertarem o alvo tivesse o mesmo motivo. Nem sequer chegavam a ser um indício de inteligência. Provavelmente Collignot não tinha tempo para pensar nisso. O tenente corria pela praia e provavelmente acreditava que só lhe restavam alguns segundos de vida.
Firgolt viu Collignot atirar-se na água com um salto enorme. Por um instante acreditou que quisesse nadar para o submarino, mas logo notou que o agente ficou deitado no mesmo lugar.
Provavelmente o verme do pavor ainda não se havia adaptado à nova situação. Estava agachado à distância de um salto de Collignot. Firgolt levantou os olhos para o céu nublado. Em Euhja o sol brilhava raras vezes, pois o planeta era chuvoso. Aquele mundo já fora uma base ideal dos aras, que podiam dedicar-se com toda calma às suas pesquisas.
Mas no momento a terra era seca. O vento tangia rapidamente as nuvens.
De repente o verme do pavor abriu fogo contra a água em torno de Collignot. Assim que surgiram os primeiros lampejos, a cabeça do tenente mergulhou. Firgolt sabia que se tratava de descargas polares. Uma idéia surpreendente surgiu em seu cérebro. Lembrou-se das lendas antigas, que continuavam a ser contadas na Terra. Nelas se falava muitas vezes em dragões que cuspiam fogo, em monstros gigantescos que despejavam raios mortíferos. Será que havia uma ligação entre essas histórias e o verme do pavor? Será que há tempos imemoriais a Terra fora devastada pela praga dos gafanhotos córneos?
Era pouco provável, mas não impossível. De qualquer maneira Firgolt já estava inclinado a acreditar que nem sempre as velhas lendas são absurdas e inacreditáveis, conforme se costuma dizer.
Collignot desapareceu atrás de uma densa nuvem de fumaça. O capitão olhou para a praia. Estava preocupado. Parecia que o verme do pavor começava a levar as coisas a sério.
Precisava distrair a atenção da fera. Firgolt viu o tenente cambalear em meio aos vapores. Ao que parecia não estava passando muito bem. Firgolt pôs-se a praguejar. Onde estavam Warren e Kopenziak? Bem que poderiam ajudá-lo na manobra de desviar a atenção do monstro.
Firgolt começou a gritar que nem um índio e pôs-se a agitar furiosamente os braços. Esperava que o monstro o ouvisse. Collignot continuava a cambalear. Parecia exausto.
Firgolt gritou a plenos pulmões. O verme do pavor girou o corpo de lagarta e levantou os olhos diabólicos para ele. Firgolt soltou um suspiro de alívio, mas logo teve uma sensação de insegurança. Se sua atitude tivesse irritado o gigante, seria obrigado a correr para salvar a vida.
Collignot deixou-se cair na areia. Do lado oposto da baía veio uma série de gritos animalescos. Era Kopenziak, que corria pela rocha sobre as pernas tortas. Não demoraria, e Warren também apareceria.
O verme do pavor escolheria um deles. Quando uma rocha rebentou bem a seu lado, Firgolt compreendeu que o monstro estava atrás dele.
A criatura que se encontrava junto à água estava praticamente morta. Viu-a cair na areia e ficar deitada. O ser que se encontrava atrás dele agia que nem um louco. Devia ser a mãe do outro animal, que acabara de enlouquecer de susto porque o filhote fora atacado, ou então estava empenhado numa manobra desviacionista.
“Para isso não se precisa de muita inteligência”, pensou o verme do pavor. Mas havia um fato que o deixava pensativo. Os anões se haviam espalhado uniformemente em torno dele. Estavam postados em quatro pontos opostos.
Não era possível que se iludissem a ponto de acreditarem que poderiam caçá-lo. Caçar um monstro terrível, capaz de destruí-los de um golpe.
Não deixava de haver um plano em seu procedimento. Tudo parecia processar-se segundo um sistema perfeitamente elaborado. Refletiu, febrilmente, à procura da solução. Às vezes parecia que tinha pela frente animais extremamente primitivos, mas logo a seguir era levado a acreditar que se tratava de nativos inteligentes.
Se os matasse naquele momento nunca descobriria a verdade. Era claro que pouco importava para seu destino futuro que essas criaturas possuíssem inteligência ou não. Mas a chama da revolução que ardia no interior do verme do pavor levava-o a agir de forma estranha.
Não se dava conta disso, mas o fato era que todos os seus atos tinham um caráter rebelde. Fez certas coisas que qualquer outro verme do pavor se teria recusado a fazer. A reação normal teria consistido em matar imediatamente os desconhecidos, sem interessar-se por sua origem.
Apesar de seu saber coletivo, o verme do pavor era um individualista típico, um personagem singular, capaz de tomar decisões independentemente de sua raça. Era jovem e inexperiente; seu saber limitava-se a certas insinuações. Mas sua inteligência extraordinária permitia-lhe extrapolar seus conhecimentos. Era claro que muitas vezes isso o levava a suposições menos corretas.
Nunca descobriria por que motivo fora justamente ele que, pela primeira vez, sentira uma revolta interior contra os benévolos. Talvez isso tivesse sua origem no fato de ter ficado só naquele continente.
Mergulhado em reflexões, deu um tiro na direção do ser que procurava distrair sua atenção da criatura semimorta que estava deitada na praia. Sentiu uma necessidade premente de ficar em sossego. Precisava refletir. Mais tarde poderia voltar ao mesmo lugar e observar as criaturas para as quais seu desaparecimento devia representar um triunfo.
Seu corpo contraiu-se como se fosse uma gigantesca mola de aço. Depois disso afastou-se em saltos gigantescos e logo desapareceu atrás das colinas.
O Capitão Firgolt foi o primeiro a chegar. Já começava a escurecer. O Tenente Collignot imaginava que teriam pela frente uma noite cheia de fantasmas. A ausência de qualquer vida, com exceção do verme do pavor, transformava aquele continente numa terra medonha. Não haveria o ruído dos insetos, o farfalhar das asas de um pássaro, o sussurro de um ratinho em fuga, o grito de um animal noturno.
Euhja era um planeta morto. Só no mar havia vida, mas a mesma mantinha-se silenciosa sob a superfície aquática.
Já haviam passado oito horas em Euhja. O verme do pavor desaparecera.
— Olá, Claude — disse Firgolt, dirigindo-se ao tenente. — Está ferido?
— Não senhor — respondeu Collignot. — Atravessei o fogo de artifício são e salvo.
— O monstro não dirigiu os tiros diretamente contra o senhor — informou Firgolt. — Lá de cima pude observar perfeitamente. Errou propositadamente os tiros.
Collignot fitou-o com uma expressão de desconfiança.
— Quando estava jogado na água, não tive a impressão de que essa fera estivesse interessada em poupar minha vida.
Warren e Kopenziak desceram das colinas. Warren parecia muito magro ao lado de um homem baixo como Kopenziak. Quando chegaram à praia, Kopenziak fitou Collignot com uma expressão de decepção.
— Pensei que estivesse morto — disse em tom contrariado.
— Graças ao seu sacrifício ainda estou vivo — respondeu Collignot com a voz alegre. — Nunca me esquecerei de como o senhor correu pela rocha, soltando berros selvagens e sacrificando sua valiosa segurança, apenas para distrair a atenção do monstro de minha pessoa.
— Sua fala é muito empolada — disse Kopenziak, aborrecido. — É pena que não seja senador.
— Sei perfeitamente que estou usando minhas faculdades extraordinárias no lugar errado — respondeu Collignot em tom modesto.
Muito cuidadosamente, como se receasse danificá-lo, tirou um charuto do recipiente impermeável e acendeu-o.
— Há de chegar o dia — profetizou Kopenziak em tom sombrio — em que o senhor cairá de cara e enfiará na garganta um desses charutos nojentos, que o sufocará.
Collignot soprou para o ar um anel de fumaça e ficou todo enlevado ao notar que o mesmo se deslocava em direção a Kopenziak.
Firgolt sorriu. Aquilo parecia diverti-lo.
— Vamos cuidar de nosso amigo — sugeriu. — A pergunta mais importante é a seguinte: o que descobrimos a respeito dele?
— Não descobrimos nada de que não soubéssemos face aos relatórios — disse Kopenziak. — Tenho a impressão de que se trata de um animal selvagem. É só o que tenho a dizer.
— Qual é sua opinião, Warren? — perguntou Firgolt, dirigindo-se ao tenente que falava raramente sem que lhe perguntassem.
— Se o verme do pavor realmente dispõe da inteligência que Natan lhe atribui, ele, em minha opinião, age de forma muito estranha — disse Warren com a voz clara. — Mas a estupidez rematada também não explicaria seu comportamento. Acho que teremos de observá-lo por bastante tempo para descobrir mais alguma coisa a seu respeito.
— O que acha, Collignot? — perguntou Firgolt.
— Passei quase todo o tempo fugindo do monstro — respondeu Collignot. — Por isso torna-se difícil dar uma opinião mais precisa sobre o bebê gigante. O capitão teve a impressão de que o verme do pavor não atirou para me acertar. Bem, não era ele quem estava deitado na água.
— Em que nível mental o senhor classificaria o verme do pavor? — perguntou Firgolt.
Collignot sorveu a fumaça do charuto.
— Diria que Natan tem razão — respondeu em tom pensativo.
— O senhor não pode estar falando sério — objetou Kopenziak.
— Bem, talvez não tenha dez vezes mais inteligência que um cachorro, mas acho que podemos conceder-lhe tranqüilamente cinco vezes mais — ponderou Collignot.
— Dez vezes mais, sir — interveio Warren. — Digo isso por uma questão de sentimento.
— Continuo a afirmar que não passa de um monstro estúpido — resmungou Kopenziak.
Firgolt reconheceu que esses pronunciamentos eram apenas um sinal de que não haviam descoberto nada de novo sobre o verme do pavor. Já se sabia que o mesmo possuía uma inteligência pouco pronunciada. No quartel-general também se tinha conhecimento de que era capaz de disparar tiros contra os inimigos e de dar saltos de cem metros, ou mais, e ainda de que possuía uma força tremenda.
Só haviam descoberto uma coisa: o monstro estava em condições de poupar suas vítimas e de bater repentinamente em retirada. Esse comportamento nunca fora observado nele.
— Sugiro que não façamos mais nada antes que o dia comece a raiar — disse. — Acho que não teremos dificuldade em reencontrar “nosso amigo”.
Collignot fitou o mar. Havia em seus olhos uma indagação muda.
— Está pensando em nosso equipamento? — perguntou Firgolt.
— Isso mesmo, capitão.
— Se conseguirmos atravessar o dia de amanhã sem maiores contratempos, talvez possamos arriscar-nos a trazer para terra parte dele.
Kopenziak suspirou fortemente.
— Inclusive armas, sir? — perguntou.
— Inclusive armas — disse Firgolt. Kopenziak parecia avaliado.
“Para se enfrentar um monstro precisa-se de armas”, pensou. Sempre seria assim. Estava disposto a cumprir fielmente qualquer ordem que lhe fosse dada. Mas ninguém lhe poderia proibir que tivesse suas próprias idéias sobre determinada missão.
“Os monstros devem ser mortos”, concluiu.
O verme do pavor voltou na manhã seguinte, bem cedo, poupando o trabalho de uma busca extensa aos especialistas. O último turno de sentinela ficou a cargo de Warren. O mesmo ergueu-se e olhou para a encosta em que tinha aparecido o colosso. Distinguiu perfeitamente os contornos sombreados em meio à neblina.
Seus companheiros ainda dormiam. Warren observou tranqüilamente o verme do pavor, para ver o que o mesmo pretendia fazer. Quando se certificou de que pretendia descer pela encosta, acordou o Capitão Firgolt.
— Temos visita logo de manhã, sir — disse.
Firgolt despertou imediatamente. Warren apontou para o lugar em que o monstro se aproximava em meio à bruma.
— Até parece que o bicho está com saudades de nós — observou Collignot, que também já estava acordado.
— Quase chego a dizer que ele tem a capacidade de memorizar os fatos — disse Firgolt.
Kopenziak roncava fortemente. Para ele não parecia haver nenhum perigo. Collignot lançou um olhar recriminador para o agente de estatura baixa.
— Este sujeito seria capaz de dormir em cima de um vulcão — disse. — Às vezes chego a ter medo de seus nervos de aço.
Kopenziak ronronou em tom de desprezo, deitou de costas e continuou a dormir. Até parecia que havia entendido as palavras do tenente. Firgolt tocou-o de leve com a ponta do pé.
— Levante, Aldo. É possível que daqui a pouco tenhamos de correr.
O homem pesado virou o corpo e abriu os olhos.
— Bom dia, capitão — disse. — Algum problema?
— O problema vem vindo para cá — observou Firgolt.
Kopenziak tirou uma porção de alimento concentrado da bolsa de provisões de seu traje subaquático. Lançou um olhar indagador para Collignot.
— O senhor não costuma tomar o café-da-manhã?
— Costumo, sim — disse Collignot e pegou um charuto.
Viram o verme do pavor rastejar lenta, mas implacavelmente em direção à praia. Não havia dúvida de que se dirigia aos quatro especialistas. Firgolt começou a ficar nervoso.
— Será que devemos ficar parados? — perguntou Collignot.
— Ali há um pequeno regato — disse Warren, apontando para a extremidade oposta da baía. — Descobri-o ontem. A água cavou numerosas cavernas naturais. Podemos esconder-nos lá.
— Está bem — concordou Firgolt. — Mas um de nós terá de ficar aqui para observar nosso amigo.
— Proponho que seja eu — disse Collignot em tom azedo. — Ele já está acostumado a me ver.
— Não, Claude — objetou Firgolt. — Vá com os outros. Irei depois.
Collignot sabia perfeitamente que seria inútil tentar resistir a uma ordem do capitão. As decisões de Firgolt eram intocáveis. A autoridade de Firgolt repousava em grande parte no fato de que nunca revogava uma ordem. Por isso refletia bem antes de dar suas instruções.
Os homens afastaram-se, deixando o capitão para trás. O treino rigoroso dos agentes da USO fazia deles especialistas conscienciosos e leais. Mas o caso do Tenente Ebrolo provava que até nesse setor havia homens que se colocavam fora da lei.
Firgolt acreditava estar em condições de resistir a todas as tentações. Representava os interesses do Império por convicção. Já compreendera que um minúsculo império estelar só pode manter-se, todas as forças se unirem e cada um contribuir, para a manutenção da paz entre as estrelas.
Era por isso que ele, Brent Firgolt, estava parado à margem de um mar desconhecido, encarando com ânimo resoluto um perigo muito mais forte que ele.
Passara a noite entre as rochas frias, refletindo. Tentara reprimir os pensamentos rebeldes, mas não conseguira afastá-los de seu cérebro. O que faria se os benévolos chegassem e ele ainda se encontrasse nesse estado mental?
Perceberiam imediatamente que havia algo de errado com ele.
Não se ocupara unicamente com este problema. Seus pensamentos voltavam constantemente para os quatro desconhecidos saídos do mar que, segundo parecia, se interessavam bastante por ele.
Já chegara à conclusão de que esse interesse não poderia ter sua origem exclusivamente numa curiosidade animalesca. Era de supor que os nativos possuíssem uma inteligência bastante limitada. Nem de longe podiam comparar-se com ele no terreno mental, mas...
Para essas criaturas, ele era o destruidor de sua terra. Haviam perdido tudo. Era possível que em parte sua audácia incompreensível resultasse disso. Uma criatura que não tem mais nada a perder não tem medo.
Quando se levantou do lugar em que estivera repousando, tinha o corpo endurecido pelo frio da noite. Uma bruma cinza-azulada cobria a paisagem. A atmosfera desse planeta era muito úmida, mas isso não importava. Se houvesse necessidade, poderia permanecer por alguns minutos no espaço sem morrer. Era o que lhe dizia o saber coletivo.
Este mesmo saber não lhe dizia nada sobre os benévolos, não lhe dizia nada sobre as quatro criaturas que se encontravam à sua frente, nada sobre o destino que o esperava.
Durante a noite caíra o sereno, revestindo a terra com uma camada fina de umidade. Deslizou sobre essa camada e sentiu que seu corpo se tornava mais ágil.
Será que os nativos tinham voltado ao mar enquanto estava escuro? Já não tinha tanta certeza de que os mataria. Talvez estivessem escondidos. Para ele não haveria problema em encontrar-se, desde que estivessem em terra.
Deu alguns saltos e atingiu as colinas que lhe obstruíam a visão para o mar. Assim que chegou ao topo viu os desconhecidos acampados na praia. O fato de ver os anões à sua frente surpreendeu-o. Nunca tivera muita certeza de que ainda estivessem ali. Aos poucos uma certa admiração por essas criaturas foi surgindo em sua mente. Eram muito perseverantes no seu objetivo, fosse qual fosse o mesmo. Aquelas criaturas haviam sido bastante maltratadas, mas mantinham-se obstinadamente por perto.
Provavelmente voltariam a separar-se assim que o avistassem. Era a única precaução que tomavam. O que mais poderiam fazer? Perguntou-se, num súbito reconhecimento das idéias que iam em sua mente.
Não possuíam armas ofensivas ou defensivas. Lá embaixo não havia nenhum esconderijo, com exceção do mar, de onde não poderiam observá-lo.
O único meio de que dispunham para reduzir o impacto de um eventual impacto consistia em dividir-se. Eram espertos; quanto a isso não havia a menor dúvida.
Perguntou-se o que significavam as pequenas corcovas que traziam nas costas. Ao que parecia não eram excrescências orgânicas. Sua pele era completamente negra, com exceção do rosto, que era de um marrom-claro.
Vez por outra uma das criaturas soltava pequenas nuvens de fumaça. Devia haver alguma relação entre essa fumaça e certo objeto escuro que o desconhecido trazia na boca. Será que aquela coisa alongada, praticamente invisível, era algum ser vivo com o qual o nativo mantinha uma relação de simbiose?
O verme do pavor desconfiou de que não seria nada fácil encontrar a resposta certa a todas essas perguntas.
Desceu para a praia, muito cautelosamente, para não assustar os nativos. Já deviam tê-lo visto. Esperava que desta vez ficassem parados. Porém, quando chegou mais perto, três dos seres separaram-se do quarto e foram-se afastando. Um deles permaneceu imóvel. Era o maior. O verme do pavor esperava que os outros três também se espalhassem em direções diversas, mas não aconteceu nada disso.
Os três caminharam lado a lado em direção à península.
O verme do pavor concentrou sua atenção no ser solitário que permanecia junto à margem, e que se atrevera a desafiar sua presença. Sem dúvida o desconhecido fugiria para dentro do mar assim que se sentisse ameaçado. O verme do pavor aproximou-se calmamente, mas aos olhos de Firgolt seus movimentos ainda eram muito rápidos.
O monstro preferiu não saltar, pois não queria assustar o nativo.
O desconhecido abaixou-se e levantou uma pedra. Depois disso procurou outra, maior, e colocou o pé sobre a mesma. O verme do pavor parou instintivamente, mas logo se lembrou do seu papel de monstro desajeitado e voltou a colocar-se em movimento.
O nativo apontou para si mesmo e depois para a pedra pequena que segurava na mão. Depois apontou para o verme do pavor e para a rocha. O monstro logo compreendeu a linguagem simbólica, mas teve o cuidado de não demonstrá-lo. Todo seu ser ansiava por uma aproximação maior com o ser que se encontrava à sua frente. O ato dessa criatura humilde provava que a mesma não possuía apenas uma esperteza fundada no instinto.
Até então acreditara que os nativos fossem animais, mas agora as coisas eram diferentes. Os seres que se encontravam à sua frente eram representantes pouco civilizados, mas nada estúpidos, de uma raça inteligente.
A excitação do verme do pavor passou a estender-se até mesmo aos hipersetores de seu cérebro múltiplo. Irradiou um impulso em ondas curtas, mas quase não teve consciência disso. Naturalmente aquele anão não era capaz de captar esse impulso.
Ainda bem, pois do contrário poderia perfeitamente ter traído a inteligência de sua raça.
Aos poucos o verme do pavor foi recuperando o autocontrole. Por fora continuara perfeitamente calmo e prosseguira rastejando em direção ao desconhecido.
Pela primeira vez conseguiu fitar diretamente os olhos do nativo. Eram castanho-escuros e, ao que parecia, sua capacidade de visão não era muito elevada. Aliás, nessa criatura tudo parecia degenerado. O corpo, os olhos, os membros, as orelhas, tudo era pequenino e parecia quebradiço.
Mas o verme do pavor também percebeu que os braços finos do desconhecido provavelmente poderiam fazer muito mais coisas que suas tenazes grosseiras, feitas somente para o serviço bruto.
O equipamento natural do selvagem — pois o verme do pavor estava convencido de que a criatura à sua frente era um selvagem — permitia-lhe transformar em realidade qualquer idéia razoável, por meio desses membros.
Essa criatura era inteligente. Talvez fosse ainda mais inteligente do que estava pensando.
O verme do pavor continuou a observar. Viu o peito do ser levantar e abaixar em movimentos respiratórios regulares, mas incrivelmente rápidos. Era um sinal evidente de medo ou nervosismo.
Os dedos aparentemente inertes da criatura à sua frente deixaram cair a pedra.
“Minha proximidade deixou-o completamente perturbado”, pensou o verme do pavor.
Por um breve instante lamentou-se de não poder revelar sua inteligência diante do selvagem. Pelo contrário. Estava na hora de desempenhar novamente o papel do monstro imprevisível, da fera que se precipitava sobre qualquer coisa que encontrasse pela frente.
Em toda sua vida o Capitão Brent Firgolt nunca encarara a morte tão de perto como naquele instante. Todas as fibras do seu corpo ansiavam por abandonar seu posto e sair correndo.
De início chegou a acreditar que o monstro tivesse compreendido a linguagem simbólica das pedras, mas suas esperanças logo se revelaram vãs. Cometera o erro de superestimar o gigante. Provavelmente a teoria de Kopenziak era correta. A criatura à sua frente devia ser uma fera perigosa que se deixava conduzir exclusivamente pelos instintos.
Infelizmente já era tarde para fazer reflexões desse tipo. A fuga precipitada para o mar seria inútil. O monstro o alcançaria facilmente num salto.
Por isso Firgolt resolveu ficar parado. Fixava os olhos do tamanho de um prato, que brilhavam de umidade.
Entreolhavam-se frente a frente. Jamais um homem do Império chegara tão perto de um verme do pavor e conseguira sobreviver. Firgolt conhecia o perigo, pois colhera suas experiências em inúmeras missões realizadas só ou em companhia de outros. Mas neste caso as coisas eram diferentes. Não sabia qual era a diferença, mas não conseguiu reprimir o sentimento de que a mesma existia.
O verme do pavor chegara tão perto que o especialista ouvia o ruído que o corpo enorme produzia ao locomover-se. Era o arranhar de uma carne firme sobre o solo áspero. Os cabelos da nuca de Firgolt arrepiaram-se com o ruído. O pavor fez seu corpo tremer de frio.
O crânio gigantesco do monstro balançava ameaçadoramente acima dele. Podia distinguir todos os detalhes, que eram de uma feiúra apavorante.
Firgolt engoliu em seco. Um cheiro estranho atingiu-o.
“Agora ele vai me matar”, pensou.
A inevitabilidade do acontecimento fez com que permanecesse calmo.
Um dos braços-tenazes moveu-se em sua direção. O movimento foi tão rápido que parecia ter sua origem no nada. Firgolt não teve tempo para esquivar-se.
O golpe foi tão violento que o oficial, com seus noventa e cinco quilos, se viu atirado para longe. Soltou um grito. Caiu de costas na água, que se fechou por cima de seu corpo.
Respirava com dificuldade e lutava para manter-se na superfície.
A praia parecia consistir exclusivamente no verme do pavor. O corpo gigantesco parecia uma barreira que lhe fechava o caminho para a terra.
O golpe desferido pelo monstro afundara pelo menos três costelas de Firgolt. A dor lhe remoía o peito. Quase louco, procurou afastar-se da criatura que o martirizava.
De repente a parte traseira do corpo do monstro chicoteou a água, nas proximidades do lugar em que se encontrava. Firgolt foi derrubado. Rastejou sobre as mãos e os pés, fazendo um grande esforço para manter a cabeça acima da água. Apesar do perigo enorme que o ameaçava não se afastou da praia.
O animal suspendeu o ataque tão repentinamente como o havia iniciado. Quando Firgolt voltou a enxergar, o verme do pavor estava sentado entre as rochas, a cem metros de distância.
“Estou vivo”, pensou Firgolt, espantado.
Apesar da selvageria com que havia investido contra ele, o inimigo preferira não matá-lo. E por certo não foi por falta de forças.
— Qual será então a causa? — perguntou Firgolt a si mesmo.
* * *
Antes que chegassem à península, Kopenziak recusou-se a prosseguir. Parou e olhou para onde estava Firgolt.
— Esse demônio está chegando cada vez mais perto dele — constatou. — Não acredito que a teoria de Firgolt seja verdadeira. Se as coisas continuarem assim, ele não terá tempo para convencer-se do erro que cometeu.
— O que podemos fazer? — perguntou Collignot.
— Vamos buscar as armas antes que seja tarde — pediu Kopenziak.
— As ordens que recebemos dizem outra coisa — disse Warren em tom calmo.
Kopenziak apoiou as mãos nos quadris.
— As ordens não nos obrigam a cometer suicídio.
Naquele momento viram o capitão ser atirado ao mar pelo adversário.
— O monstro o está matando! — gritou Kopenziak. — Caramba! É isso mesmo! O monstro o está assassinando.
Por um instante Collignot ficou indeciso entre a disciplina que lhe fora imposta, segundo a qual deveria prosseguir, e o desejo de ir em auxílio do Capitão Firgolt.
Kopenziak não perdeu mais tempo. Correu de volta para o campo de batalha.
— Ele está decidindo por nós — disse Collignot, e saiu correndo.
Warren seguiu Collignot. Seu rosto parecia indiferente. Sempre que necessário, os agentes da USO afastavam-se das ordens recebidas e agiam por conta própria. Isso só acontecia quando as circunstâncias o exigissem. De qualquer maneira, esse procedimento era muito mais eficiente que uma obtusa atitude disciplinar.
Warren e Collignot passaram à frente do Tenente Kopenziak, que não era bom corredor.
A parte superior do tronco do Capitão Firgolt estava deitada fora da água. Os pés eram lavados pelas ondas. O ser que acabara de derrotá-lo observava os homens de uma distância segura.
Collignot sentiu uma mão gelada que o segurou. No mesmo instante Firgolt virou-se com grande esforço e piscou os olhos para ele.
— Capitão! — exclamou Kopenziak, que corria para junto dele. — Pensei que estivesse morto...
Firgolt não aludiu nem de leve ao fato de o tenente ter desobedecido às suas ordens. Sabia que, se estivesse no seu lugar, teria agido da mesma forma.
— Como vê, gozo de perfeita saúde — disse Firgolt com a voz rouca. — Warren, preciso de um dos seus comprimidos de analgésico.
Warren tirou o comprimido solicitado do cinto do traje subaquático. Collignot inclinou-se por cima do ferido.
— Está muito ferido, sir? — perguntou em tom preocupado.
Firgolt soltou um gemido e passou a mão pelo peito.
— Acho que o monstro afundou algumas das minhas costelas.
Collignot ajudou o superior a pôr-se de pé. O capitão tomou os comprimidos e apontou para o verme do pavor. Um sorriso desfigurado pela dor surgiu em seu rosto.
— Parece que não nos quer matar — observou. — Pelos nossos padrões seu comportamento é um pouco primitivo, mas se me lembro do seu físico, acho que ainda escapei bem.
— Deveríamos condecorá-lo pelo seu gênio humanitário — disse Kopenziak em tom amargurado. — Mas antes disso ele deve ser assado nas fogueiras do inferno, para que alguém possa pendurar a condecoração em seu corpo sem ser despedaçado.
— Compreendo o senhor, Aldo — disse Firgolt com a voz tranqüila. — Nenhum de nós tem motivo para entreter sentimentos amistosos para com esse bicho. Acontece que não estamos aqui para praticar atos ditados pelos sentimentos. Nossa tarefa consiste na observação objetiva do verme do pavor, por meio da qual deveremos verificar se as informações fornecidas por Natan são corretas. Além disso, devemos colher novos dados.
— Será que já conseguimos algum resultado, por insignificante que seja? — perguntou Kopenziak. — Não conseguimos, sir. Até parece que esse demônio está brincando conosco...
Ao pronunciar as últimas palavras, sua voz tornou-se mais baixa.
— Até parece que está brincando conosco — repetiu.
Um sorriso quase imperceptível surgiu nos lábios de Firgolt.
— Qual é o grau de inteligência que o senhor lhe atribui em comparação com um grau terrano, Aldo?
— Dez vezes mais, sir. — respondeu Kopenziak.
— Ainda bem que estamos de acordo — disse Firgolt. — Acho que já podemos arriscar-nos a trazer as armas e equipamentos.
De repente Kopenziak teve a impressão de que já compreendia por que Firgolt era capitão, enquanto ele apenas era tenente. Não era apenas uma questão de coragem e capacidade de sacrifício. Havia outros fatores que desempenhavam seu papel.
Um desses fatores era a capacidade de quase ser trucidado por um monstro sem manifestar logo o desejo de recorrer às armas para vingar-se. Kopenziak passou a mão pela calva.
“Muitas vezes tudo depende de que se faça a coisa certa ou a coisa errada”, pensou.
Firgolt olhou para o mar. No momento não sentia dores, pois os comprimidos já estavam agindo. Prendeu a mangueira de oxigênio à boca e ligou o suprimento.
Lançou mais um olhar para o verme do pavor, que permanecia imóvel.
— Vamos — disse, e foi entrando na água.
Antes que compreendesse as intenções dos nativos, os mesmos desapareceram no oceano. Sua última ação levara-os a isso. Seu procedimento deixara-os tão chocados, que preferiam retirar-se para seu mundo subaquático.
Os benévolos não demorariam a chegar. Provavelmente nunca mais veria aqueles selvagens. Espantou-se ao notar que isso o deixava triste. A presença desses seres ajudara-o a esquecer seus problemas.
Por mais que lutasse contra essa tendência, a revolta que sentia contra os benévolos transformou-se em ódio. Temia esse sentimento, pois sabia que o mesmo poderia ter conseqüências desastrosas. Se não conseguisse controlar seu corpo durante o primeiro encontro com os benévolos, a catástrofe seria inevitável.
Se não conseguisse reprimir as idéias rebeldes, a própria existência de sua raça estaria em perigo. Provavelmente um dia outro verme do pavor enfrentaria a mesma situação. Gostaria de saber por que justamente ele fora escolhido pelo destino.
Deveria conformar-se com o fato, mas isso era impossível. Tornava-se impossível reprimir os pensamentos malévolos que remoíam em seu interior. Não havia como afastá-los.
Além disso, restava saber se esses pensamentos realmente eram malévolos.
Do ponto de vista dos benévolos talvez fossem. Mas como é que uma criatura dotada de uma inteligência elevada podia reprimir idéias que, sabia, eram verdadeiras?
Seu corpo contorceu-se com a dor que o martirizava por dentro. Exigia-se dele uma decisão que poderia exercer influência sobre a existência de toda uma raça. Era jovem e inexperiente. O seu saber coletivo nem de longe lhe fornecia todos os fatos de que precisava para adotar um procedimento adequado. Qualquer coisa que fizesse, para resistir aos benévolos, teria sua origem em razões puramente intuitivas.
Talvez devesse agir da mesma forma que tinham agido os que o precederam, fazendo apenas aquilo que os benévolos esperavam dele.
Estava cansado. Pensou que, no fim, não teria outra alternativa senão trilhar o mesmo caminho que sua raça havia escolhido há muitas gerações. Afinal, sua dependência dos benévolos era muito grande. Como poderia um verme jovem e solitário resolver o problema do transporte?
Em comparação com as distâncias enormes que a nave já havia percorrido, naquele momento sua velocidade não era muito elevada. Todos os instrumentos de rastreamento e medição que trazia a bordo estavam dirigidos para o espaço, a fim de captar quaisquer impulsos que pudessem surgir. A tripulação não era humana. A forma da nave era assimétrica, se bem que primitivamente seu casco tivesse um formato mais agradável. O revestimento de molkex transformara-a naquela forma grotesca.
Um rastreador de impulsos fez um registro, no interior de um recinto que um terrano talvez teria designado como a sala de comando.
Um verme do pavor irradiara o impulso-aviso de um planeta em que havia uma preciosa carga de molkex. O processamento dos dados e os cálculos foram realizados a bordo da nave estranha. A tripulação verificou de que setor da Galáxia tinha vindo o impulso. Havia outras naves. Por isso não tinham certeza de que a tarefa de recolher o molkex e o verme do pavor caberia a eles. As rotas das outras naves eram conhecidas. Não demoraram a descobrir que o planeta ficava em sua área.
A nave acelerou, até atingir a velocidade máxima.
Quando voltou ao espaço normal, nas imediações do sistema ao qual se dirigia, a tripulação constatou que por ali já havia outra nave.
Era uma nave estranha.
E por ser estranha tinha que ser destruída.
Era a nave Carbula!
No momento em que os selvagens voltaram a aparecer, o verme do pavor compreendeu que não eram selvagens.
Os seres que classificara erroneamente como primitivos e sem cultura não vinham sós.
Traziam aparelhos e, segundo parecia, armas. Seu equipamento não ficava nada a dever ao dos benévolos.
Esse fato destruiu uma antiqüíssima crença errônea do verme do pavor. Havia seres tão inteligentes e bem equipados como os benévolos. Acreditava-se que isso fosse impossível.
Os pensamentos do verme do pavor atropelaram-se em sua cabeça. Já não tinha certeza se as criaturas que tinha à sua frente realmente eram nativos. Era possível que dominassem a astronáutica tão bem quanto os benévolos. Talvez tivessem vindo numa nave estelar e a escondessem sob a água.
Seriam esses seres inimigos dos benévolos de cuja existência sua raça ainda não tivera conhecimento? Esse encontro inesperado fez com que a evolução do verme do pavor entrasse num estágio decisivo. Velhos tabus romperam-se. Naquele momento foram varridas concepções aceitas há muitas gerações. De repente as tradições não tinham mais nenhum sentido.
O verme do pavor via claramente o curso que os acontecimentos tomariam dali em diante. Assim que pousassem no planeta, os benévolos atacariam e matariam os desconhecidos. Mas não tinha tanta certeza de que os benévolos realmente o conseguissem, pois aquelas criaturas não pareciam tão indefesas como acreditara.
Dali em diante tudo dependeria dele. Se permanecesse fiel aos benévolos, os desconhecidos estariam perdidos. Mas se tomasse o partido destes, era possível que os benévolos sofressem sua derrota.
Na situação em que se encontrava a neutralidade seria impossível; quanto a isso não havia a menor dúvida. Para os benévolos a mesma equivaleria a traição. Como os mesmos o consideravam apenas um monstro semi-inteligente, teriam uma dificuldade ainda maior em compreender sua não-interferência.
Encontrava-se numa situação desesperada. Qualquer coisa que fizesse poderia terminar em sua destruição. Mesmo que matasse os desconhecidos, conforme planejara no início, não obteria uma solução satisfatória. Com isso sua raça ficaria privada para todo o sempre da possibilidade de resolver o problema do transporte. Sabia perfeitamente que os benévolos exigiam tudo e só ofereciam o mais necessário.
Precisava de tempo, de muito tempo, para refletir sobre tudo isso. Acontece que não dispunha de tempo.
Ali estavam os quatro desconhecidos, que pretendiam fazer alguma coisa. Também não dispunham de muito tempo, embora nem desconfiassem disso. Os benévolos não demorariam a aparecer.
Num caso como este seu saber coletivo tinha pouca utilidade; atrapalhava mais do que ajudava. Não lhe dizia nada sobre as raças que, tal qual os benévolos, possuíam uma civilização tecnológica. E não lhe ensinava o que um verme do pavor jovem e inexperiente devia fazer numa situação daquelas.
Qualquer erro poderia provocar uma catástrofe cósmica. A responsabilidade que carregava naquele momento parecia oprimi-lo.
Antes de mais nada tornava-se necessário proteger o segredo da inteligência de sua raça, isso por um imperativo de auto-conservação. Sob o ponto de vista orgânico os vermes do pavor não tinham a menor aptidão para criar uma civilização. Seus membros toscos não poderiam dar forma a qualquer tipo de material. Seu saber baseava-se unicamente na teoria. Os aspectos práticos só poderiam ser observados e testados com outras raças.
O verme do pavor não via nisso uma desvantagem, da mesma forma que o homem não vê uma desvantagem no fato de possuir apenas dois olhos, muito embora a existência de outro par na parte posterior do crânio lhe pouparia o trabalho de virar constantemente a cabeça. A raça dos vermes do pavor já se conformara com suas deficiências orgânicas. Considerava-as perfeitamente normais.
Como nunca haviam sido diferente, seu aspecto não lhes poderia criar complexos.
“Quem dera que eu fosse velho e sábio”, pensou o verme do pavor.
Como não era, só podia fazer aquilo que lhe era ditado pelo sentimento. Devia descobrir quanto antes qual era o grau de inteligência dos desconhecidos.
Precisava saber disso o mais rápido possível, antes que o rugido dos propulsores anunciasse o pouso de uma espaçonave dos benévolos.
Aldo Kopenziak gemeu e deixou que o pesado aparelho de rastreamento de radiações lhe caísse dos ombros. A maior parte do equipamento especial já fora trazido para terra e montado na praia. O verme do pavor observava-os sem interferir em sua atividade.
— O “bebê gigante” está assistindo ao que fazemos — observou Collignot. — O que me deixa admirado é que não demonstre a menor aversão por estas coisinhas que estamos montando bem à frente de seu focinho.
— Talvez tenha a consideração de esperar até que tenhamos terminado — disse Kopenziak. — Sem dúvida preferirá destruir tudo de um só golpe.
— Provavelmente não tem a menor idéia do que seja isto que estamos trazendo — disse Firgolt.
Tirou a capa impermeável de cima de uma escavadeira positrônica que haviam colocado em seu equipamento.
— Sente-se perturbado — prosseguiu — e sua fraca inteligência esforça-se para descobrir o que está acontecendo perto dele.
Tiraram da embalagem as peças de um pequeno disco voador antigravitacional. Warren e Kopenziak iniciaram a montagem.
Collignot acendeu um dos seus charutos compridos.
— Sugiro que guardemos o equipamento numa caverna, sir — disse.
— Acho que será o melhor que podemos fazer — concordou Firgolt.
Os traços de seu rosto magro eram ainda mais marcantes que de costume. Mas se sentia dores não o demonstrava.
Por algum tempo trabalharam em silêncio, para colocar o equipamento em condições de funcionamento. Vez por outra lançavam um olhar para a encosta, onde estava deitado o monstro, que não tirava os olhos deles.
Quando já estavam concluindo o trabalho, Firgolt disse:
— Voltarei ao submarino para trazer o conversor de símbolos.
— O senhor não deveria cansar-se tanto, sir — resmungou Kopenziak. — Está ferido. Deixe que um de nós vá ao Moonshine.
Firgolt sorriu.
— Acho que o trabalho mais pesado é o transporte do equipamento até as cavernas descobertas por Warren. Escolhi o serviço mais fácil.
Collignot sorveu a fumaça do charuto. Parecia pensativo. Tinha certeza de que não era por desconfiança que Firgolt queria evitar que um deles lidasse com o conversor de símbolos. Mas o capitão devia ter seu motivo para submeter-se a essa canseira.
“De qualquer maneira, a medida que o capitão resolveu tomar tem alguma relação com o ‘bebê gigante’”, pensou Collignot. Foi arrancado das suas reflexões, quando Kopenziak perguntou em tom irritado:
— Será que estas coisas fedorentas nunca terminam?
Collignot tirou lentamente a bolsa que trazia a tiracolo.
— Neste século não — respondeu com a maior tranqüilidade.
— Será que a produção de fumaça ainda lhe deixa algum tempo para o trabalho? — perguntou Kopenziak em tom de deboche. — Será que ainda teremos de carregar seus embrulhos?
Collignot examinou as unhas bem cuidadas.
— Ora esta — disse. — Sei que seu gentil oferecimento não deixa de ser sincero, mas prefiro... Ai!
Kopenziak acabara de colocar o volume mais pesado em seus ombros. O Tenente Claude Collignot que, segundo dizia, desprezava o trabalho físico, dobrou ligeiramente os joelhos. Teve de usar ambas as mãos para segurar o embrulho.
Mantendo o charuto pendurado no canto da boca, saiu cambaleando. Kopenziak, todo satisfeito, sorriu atrás dele.
— Vamos, Elmer — disse, dirigindo-se a Warren. — Vamos pegar o resto. Se queremos alcançá-lo, teremos de andar depressa.
Warren lançou um olhar preocupado para o verme, que ainda os observava.
— Tomara que ele fique quieto — disse. Num gesto tranqüilizador, Kopenziak bateu na carabina de radiações que trazia sobre o ombro.
— Afinal, já temos um meio de proteger-nos — disse.
— Isso não representa perigo sério para ele — disse Warren, que de repente parecia muito loquaz.
Firgolt esperou um momento e voltou para dentro da água. Prendeu a mangueira de oxigênio e saiu nadando. Não demoraria a escurecer, e queria chegar à caverna onde estavam os outros antes que fosse noite. Continuou a avançar com braçadas vigorosas. Acabara de tomar outros analgésicos, mas preferira não contar aos outros. Sabia que sua vida não estava em perigo. A fratura das costelas não produzira qualquer lesão interna. Ainda bem, pois do contrário teriam de chamar a Carbula para vir em seu auxílio.
Firgolt estava decidido a cumprir a missão até o fim, juntamente com os companheiros. O problema do verme do pavor deixava-o cada vez mais fascinado. Seu sentimento lhe dizia que estavam longe de saber tudo que havia a descobrir sobre essa criatura semi-inteligente.
Faltava esclarecer muita coisa que não podia ser explicada com base nos resultados já alcançados. O capitão teve a impressão de que o colosso estava travando uma luta interior. Ao que tudo indicava, não sabia como agir diante dos terranos.
Provavelmente para ele seus inimigos eram um problema muito mais difícil do que ele mesmo representava para os mesmos. Firgolt sabia que qualquer tentativa de colocar-se na posição do verme do pavor estava destinada ao fracasso, pois os dados colhidos a seu respeito eram muito escassos.
O pequeno rastreador que trazia consigo levou-o são e salvo ao ancoradouro do Moonshine. Quando mergulhou em direção ao submarino, mais uma vez teve a impressão de que uma sombra gigantesca passara por perto. Já haviam observado o estranho fenômeno durante a viagem de submarino, mas o mesmo sempre se esquivara à luz dos holofotes.
Talvez fossem correntezas de cor diferente, ou sombras na superfície, provocadas por plantas aquáticas coloridas.
Firgolt não se preocupou mais com o fato. Entrou na câmara de inundação e penetrou no interior do submarino. Todos os equipamentos já haviam sido levados para terra, com exceção do conversor de símbolos. Cada um deles carregava um pequeno radiotransmissor, com o qual poderiam a qualquer momento entrar em contato com a Carbula.
Firgolt descansou alguns minutos e certificou-se de que a embalagem do conversor de símbolos era à prova d'água. Foram os pos-bis os primeiros a construir essa máquina tradutora. O aparelho era capaz de converter no intercosmo qualquer manifestação de uma raça estranha que pudesse ser expressa em símbolos. Seu funcionamento era hiperimpotrônico.
Firgolt prendeu-o ao cinto e pôs-se a caminho para voltar à praia. Pensava unicamente no verme do pavor. Quando saiu nadando da câmara de inundação, perguntou a si mesmo quanto tempo ainda teriam para poderem examinar o monstro. O tempo era um fator muito importante. Quanto mais tempo tivessem para seguir o gigante, maiores seriam as chances de fazer novas descobertas a seu respeito.
Teriam de agir sempre com a maior cautela. Nunca deveriam dar a impressão de estar atacando. O monstro deveria acostumar-se a eles a tal ponto, para que a presença de cada um se tornasse uma coisa bem natural perante o mesmo. Para isso teriam de manter atitude passiva sempre que possível.
O fato de terem levado o equipamento para terra certamente dificultava seu relacionamento com o monstro. Mas, por outro lado, sem os aparelhos já não poderiam alcançar nenhum progresso sensível.
Firgolt continuou a nadar. Em torno dele cardumes de peixes coloridos dançavam na água. Haviam sobrevivido ao ataque dos gafanhotos córneos, pois esses animais não atacavam nada que vivesse embaixo da água.
De repente a sombra voltou a aparecer acima do Capitão Firgolt. Virou-se, impelindo o corpo com os pés. Desta vez o fenômeno misterioso não se afastou.
Ficou parado bem em cima de Firgolt. O capitão viu que não se tratava de plantas ou correntezas.
Um animal monstruoso, de aspecto repugnante, nadava em cima dele. No primeiro instante pensou que fosse o verme do pavor, mas logo abandonou a idéia. Este costumava manter-se longe da água.
O monstro foi descendo lentamente sobre Firgolt. Até parecia que queria comprimi-lo contra o fundo do mar. Firgolt viu uma boca nojenta, com duas fileiras de dentes entrecortados.
Continuou a nadar desesperadamente, mas nunca seria capaz de alcançar a velocidade do monstro.
Se não acontecesse um milagre, não sobreviveria à missão Euhja. O rugido das ondas retumbava nos ouvidos de Firgolt. A praia não ficava longe.
Mas esta, para Firgolt, era inatingível.
Kopenziak tossiu, foi à entrada da caverna e olhou para a noite que começava a cobrir a paisagem.
— O senhor poderia deixar de fumar ao menos no interior desta caverna — gritou para Collignot. — Está empesteando o ar dos outros.
Collignot esmagou o toco de charuto e saiu para onde estava Kopenziak. Warren foi o único que permaneceu calmamente em seu lugar.
— Estou preocupado — confessou Kopenziak, quando Collignot se encontrava a seu lado.
— Com Firgolt?
— Isso mesmo — disse o mais baixo dos dois. — Por que será que ainda não chegou? Daqui não podemos ver o verme do pavor. Se o capitão tiver um encontro com esse bicho, ficaremos inativos, pois não perceberemos nada.
Collignot olhou para o relógio.
— Se Firgolt andou depressa, deveria ter chegado há cinco minutos. Acontece que está ferido, e por isso demorará mais um pouco. Por enquanto não há motivo para nos preocuparmos.
— De qualquer maneira fico pensando no assunto, pois acho que isso adianta alguma coisa — disse Kopenziak.
Collignot fitou-o, estupefato. Kopenziak acrescentou em tom embaraçado:
— Constatei que em geral as coisas terminam bem, quando a gente acredita desde o início que tudo está indo mal e se preocupa com isso.
— É uma estranha filosofia — disse Collignot.
— Quer ajudar-me? — perguntou Kopenziak.
— Ajudar em quê?
— Ajude-me a ficar preocupado, tenente — sugeriu Kopenziak.
— Ei! — gritou Warren. — Parece que o sereno da noite não lhes faz bem. Voltem para a caverna.
Antes que pudessem atender ao convite, Warren saiu. Kopenziak fitou-o com uma expressão de compaixão.
— O senhor está pálido — disse. — Deve estar muito cansado.
— Sempre me vi cercado de gente que se preocupa com meu aspecto — disse Warren em tom sarcástico. — Uns recomendam o sol, outros a ingestão de alimentos energéticos.
Sorriu para Kopenziak.
— Qual é sua sugestão?
Para Warren estas palavras representavam um longo discurso.
Estavam parados na entrada da caverna e conversavam sobre coisas sem importância. Ninguém queria confessar que se preocupava com Firgolt. Kopenziak foi o único que vivia olhando para o relógio.
Mais alguns minutos se passaram. O agente calvo bateu com o pé.
— Se quiserem, fiquem aqui — disse. — Vou ver o que está acontecendo com Firgolt.
— O que pretende fazer? — perguntou Collignot.
— Vou até a praia — anunciou Kopenziak. — Procurarei o capitão.
Saiu sem dizer mais nada.
— Espere! — gritou Collignot. — Um momento, Aldo.
— O que houve? — perguntou Kopenziak e virou-se num gesto de impaciência.
— Iremos todos — sugeriu Collignot. — Mas iremos armados.
Tiraram as carabinas de radiações do interior da caverna e saíram andando. À medida que se afastavam, começavam a andar mais depressa.
O crepúsculo da tarde já começara. Collignot sentiu-se satisfeito, por não terem de realizar sua missão num dos intermináveis períodos de chuva.
Atingiram o topo da colina, de onde se via o mar. Collignot, que caminhava à frente dos outros, parou abruptamente.
Mal percebeu que os outros já estavam a seu lado e também estacaram.
Um espetáculo fantástico desenrolava-se à sua frente.
Quando o monstro marinho passou ao ataque direto, a água parecia ser atirada para o alto em torno de Firgolt. O especialista viu a enorme boca aberta precipitar-se em sua direção. Os movimentos que fazia com as nadadeiras pareciam inúteis face à velocidade do atacante.
Mas a vontade de viver tornou-se mais forte. Num movimento repentino conseguiu escapar à boca gulosa. Sentiu o impacto do corpo pesado do animal marinho. O ar escapou-lhe dos pulmões. Por um instante o equipamento de oxigênio entrou em pane.
Não poderia disparar a arma energética embaixo da água, mas de repente sentiu chão firme sob os pés. Naquele momento não sabia de onde viria o próximo ataque. O impacto deixara-o desorientado.
Não demorou e viu o monstro novamente a seu lado. Pela primeira vez Firgolt conseguiu ver seu tamanho. Era alongado e a cabeça não passava de um alargamento horrível do corpo, cujo formato era cônico. A fera possuía pernas curtas e robustas, que mantinha encostadas ao corpo enquanto estava nadando. Provavelmente era capaz de viver também fora da água. Durante a praga dos gafanhotos córneos devia ter dormido em alguma caverna. E agora estava com fome.
Firgolt já estava nadando em direção à água rasa, e por isso o inimigo ficou sem saber direito como atacá-lo.
Finalmente Firgolt conseguiu pôr a cabeça fora da água. Tirou a arma e continuou a avançar, usando apenas as pernas. O sáurio, ou fosse lá que bicho era, procurou mordê-lo. Firgolt sentiu que o traje subaquático abriu-se na altura dos quadris. Dali a pouco sentiu dores.
Então disparou sua arma às cegas. Já podia correr na água. A praia ainda ficava a uns dez ou quinze metros de distância. Uma cabeça repugnante, que gotejava água e estava coberta de algas, apareceu ao lado do capitão.
Firgolt atirou, mas como ainda não estava muito firme sobre os pés, errou o alvo. A cauda do monstro chicoteava a água. Firgolt procurou desviar-se, mas o movimento instintivo foi muito lento. Foi atingido em cheio do lado do corpo.
O capitão soltou um grito e foi atirado para longe. Estonteado, procurou pôr-se de pé. O monstro soprava água e grunhia enquanto se aproximava dele.
O mundo parecia girar em torno de Firgolt. Estava para desmaiar. Sentiu-se atingido por um cheiro de carniça. Arrancou a mangueira de oxigênio, pois queria respirar o ar puro. Seu traje subaquático estava reduzido a farrapos.
Firgolt sentiu-se mal. Vomitou. Cambaleou em direção à praia. A fera tinha tanta certeza de alcançá-lo que nem se apressou. Aos poucos a visão de Firgolt foi clareando. Virou-se e fez um disparo com a arma energética. O animal soltou um berro e ergueu o corpo. Fustigado pela dor, procurou atingir o ponto de impacto com as pernas curtas.
Firgolt fez pontaria. A arma era à prova de água, mas falhou. Talvez tivesse sido danificada. O agente praguejou e atirou fora o objeto que não servia para mais nada. Estava indefeso diante do monstro marinho.
Para Firgolt era o fim.
A morte precipitou-se em sua direção, com a enorme boca bem aberta!...
A superfície calma do mar rompeu-se. O verme do pavor ergueu-se, sobressaltado.
Reconhecia os detalhes, pois ainda não era muito escuro. Compreendeu imediatamente que aqueles movimentos não poderiam ser causados por um dos desconhecidos que andara observando.
De repente viu o crânio horrível por um breve instante.
Era um monstro marinho!
O verme do pavor raciocinou com uma rapidez tremenda. O animal encontrava-se próximo ao lugar em que os desconhecidos costumavam sair da água. Portanto, ele os descobrira e estava caçando um deles. Um dos seres ainda se encontrava embaixo da água, pois ao que parecia fora buscar outros aparelhos que se encontravam em alguma base oculta.
O monstro não era tão comprido quanto ele, mas em compensação era bem mais largo. De qualquer maneira, representava um perigo para a minúscula criatura. O verme do pavor ficou aborrecido porque aquele animal o privava da possibilidade de continuar a observar as inteligências desconhecidas.
De repente teve a impressão de ter visto por um instante a cabeça da pequena criatura. Era possível que se tivesse enganado face à escuridão, mas preferia não confiar nisso.
Com um salto gigantesco colocou-se mais perto do mar. O monstro parecia ocupado com alguma coisa, pois seus movimentos furiosos agitavam a água.
De repente a cabeça do desconhecido voltou a aparecer. Desta vez continuou fora da água. No mesmo instante o anão apontou a arma. O verme do pavor ficou surpreso ao constatar que houve uma descarga energética de potência considerável. Esses seres deviam ser tecnicamente avançados em todos os sentidos. Isso representava mais uma prova de sua inteligência.
O verme do pavor concluiu que se encontrara com uma raça equivalente aos benévolos.
No mesmo instante, lembrou-se de que aquelas inteligências haviam evitado mostrar qualquer arma por ocasião do primeiro contato. Estavam bem equipados, mas haviam demonstrado coragem bastante para enfrentá-lo sem a menor chance de defender-se.
Era uma atitude digna de admiração.
Qual seria o motivo da mesma?
Teriam desconfiado de alguma coisa? Será que supunham que sua raça possuía inteligência?
O verme do pavor ansiava por uma resposta a estas perguntas. Quase chegou a esquecer os acontecimentos que se desenrolavam no campo de batalha.
Notou que aquilo que acreditara ser a pele preta dos desconhecidos, era uma espécie de camada protetora que se rompera durante o ataque desfechado pelo animal. A pele propriamente dita do desconhecido era fina e clara, o que reforçava a impressão de fraqueza desses seres.
De repente o desconhecido atirou fora a arma. Era um procedimento incompreensível, que deixou o verme do pavor intrigado. Mas logo se lembrou de que talvez pudesse ter surgido algum defeito.
Viu o anão miserável recuar lentamente diante da desgraça que desabava sobre ele.
Para a minúscula criatura não havia salvação.
O verme do pavor abriu a boca enorme. Num gesto inconsciente emitiu um impulso de alerta para a criatura ameaçada, mas esta naturalmente não o compreendeu.
O verme do pavor resolveu atirar o mortífero raio energético por cima da cabeça do desconhecido. O disparo atingiu o monstro marinho com uma precisão matemática. O berro cessou de um instante para o outro. Por um momento tinha-se a impressão de que o animal prosseguiria, mas o mesmo caiu pesadamente para o lado.
O monstro estava morto. As massas de água borbulhavam enquanto se fechavam em cima de seu corpo.
Só agora o verme do pavor compreendeu, em toda sua extensão, o ato que acabara de praticar espontaneamente.
O desconhecido continuava a fitar o lugar em que pouco antes estivera o monstro. Ao que parecia, não conseguia compreender o que acabara de acontecer.
“Talvez”, pensou o verme do pavor com certa amargura, “já lhes tenha dado a prova que procuravam: a prova de que possuo inteligência”.
Se fosse assim, o fato de ter salvo um dos desconhecidos seria um absurdo. Se a hipótese fosse verdadeira, devia matar todos. Havia uma lei antiqüíssima contra a qual nunca se rebelaria.
A inteligência de sua raça devia ficar em segredo, acontecesse o que acontecesse. Não hesitaria um instante em sacrificar a vida por esse objetivo.
Viu a criatura que ele acabara de salvar da morte certa virar lentamente a cabeça.
Virou-se abruptamente e, com alguns saltos largos, desapareceu na noite que começava a descer.
As mãos trêmulas de Claude Collignot tatearam à procura de um charuto. O Capitão Firgolt estava lá embaixo, com água até os quadris. O verme do pavor estava agachado na praia, e um ser primitivo deslocava-se pela água, na direção em que estava o agente.
Kopenziak levantou a carabina de radiações, mas não poderia dar nenhum tiro sem correr o risco de atingir o capitão.
— Pelos planetas da Galáxia, o que é isso? — exclamou Warren.
Num gesto automático Collignot acendeu um charuto. Seus pensamentos atropelavam-se. Firgolt estava com um aspecto horrível. O traje subaquático fora estraçalhado. A estranha fera estava prestes a precipitar-se sobre ele. Collignot aspirou profundamente a fumaça.
Decidiu num instante. Daquela distância, qualquer tiro representaria um perigo para o capitão, mas, se não fizessem nada, a morte deste seria certa.
Collignot encostou a carabina de radiações no ombro. Fechou um dos olhos e com o outro fitou a mira automática. Viu Firgolt à sua frente com uma nitidez tremenda. O aspecto do especialista deixou-o assustado.
Girou a arma até que o monstro marinho ficasse na mira. Mas, antes que pudesse puxar o gatilho, um raio espalhou-se diante do crânio do sáurio. Dali a alguns segundos o atacante tombou, saindo fora da sua mira.
Estupefato, Collignot descansou a arma.
— O verme do pavor matou o bicho! — gritou Kopenziak. — Liquidou-o com um único tiro.
Collignot engoliu em seco. Enfiou os polegares no cinto, para esconder o forte tremor das mãos. Haviam testemunhado uma coisa que antes parecia um extrato de um mundo primitivo já desaparecido.
Collignot vira muita coisa em sua vida agitada, mas a cena a que acabara de assistir superava tudo. A impressão provocada pelo acontecimento deixara-o fascinado. O que teria levado o verme do pavor a intervir nos acontecimentos? Será que também se sentira ameaçado?
Collignot aspirou apressadamente a fumaça do charuto.
— Temos de ajudar o capitão — disse a voz de Warren, despertando-o do estupor em que estava mergulhado.
Antes que saíssem andando, o verme do pavor abandonou o cenário, afastando-se na direção das colinas.
Quando chegaram ao lugar em que estava Firgolt, o capitão estava saindo da água.
Firgolt fechou os olhos para esperar o momento em que a boca fedorenta o agarrasse. Naquele instante o tiro de radiações passou acima de sua cabeça com um chiado. Imediatamente reconheceu o ruído, mas pensou que fossem Collignot, Kopenziak e Warren que vinham ajudá-lo.
Abriu os olhos e viu o monstro cair no mar. Sentiu-se inundado por uma onda de alívio. Já esperara a morte. Acabara de ser presenteado com uma nova vida. Firgolt ficou parado, profundamente emocionado.
O choque que tomara conta dele foi diminuindo. Os nervos começaram a reagir. Esperou mais alguns segundos e virou a cabeça. Não queria que os homens percebessem como estava abalado.
Finalmente conseguiu controlar-se o suficiente para poder virar a cabeça.
— Claude, o senhor... — principiou com grande esforço.
Mas Collignot não estava por perto. Nem viu Warren e Kopenziak à sua frente.
A única coisa que viu foi o verme do pavor, que estava virado em direção oposta a ele e se afastava em grandes saltos.
Firgolt levou algum tempo para compreender o que tinha acontecido. O verme do pavor matou a fera, num momento em que a situação de Firgolt já se tornara desesperadora. Acompanhara todo o desenrolar da luta desigual, para intervir no momento adequado.
Firgolt esqueceu as dores que o martirizavam.
Uma coisa incrível acabara de acontecer.
Até então os humanos e os vermes do pavor sempre haviam sido inimigos declarados.
Mas naquele momento um verme do pavor lhe salvara a vida.
Esse fato provava, em definitivo, que o cérebro hiperimpotrônico da Lua não se enganara. Aquele monstro realmente possuía uma inteligência que superava a do cão. Nem por isso podia ser enquadrado na classe das inteligências, mas era superior aos animais comuns.
Collignot, Warren e Kopenziak vieram correndo do lado em que ficava a península. Firgolt saiu andando. Lamentou que o verme do pavor tivesse abandonado tão depressa o palco dos acontecimentos. Talvez pudesse comunicar-se com ele para exprimir sua gratidão.
Firgolt saiu da água. A mordida na parte superior da coxa não parecia ser perigosa. Seria fácil curá-la com a farmácia portátil de Warren, pois o osso não fora atingido. Era bem verdade que as costelas quebradas o incomodariam por mais algum tempo.
O capitão afastou os restos do traje subaquático, que não serviam para mais nada. No interior da caverna colocaria outras roupas.
— Sir! — gritou Collignot. — Está ferido?
— Não é nada — disse.. Firgolt para tranqüilizar o tenente, que parou a seu lado, esbaforido.
— Vimos tudo — informou Collignot. — Teria sido muito arriscado dar um tiro. No momento em que resolvemos fazê-lo, o verme do pavor interveio nos acontecimentos.
— Já sei — disse Firgolt. — Ele me salvou a vida.
— Por que terá feito isso, capitão? — perguntou Kopenziak.
Firgolt ficou de pé, com as pernas afastadas, para que Warren pudesse colocar uma atadura de emergência. O jovem agente concluiu o trabalho com os dedos hábeis, sem machucar Firgolt.
— Sobre isso só podemos fazer conjeturas — disse Firgolt, respondendo à pergunta de Kopenziak. — Provavelmente acreditava que este animal também poderia tornar-se perigoso para ele.
— Com as qualidades e a capacidade do verme do pavor, acho isso pouco provável — observou Collignot.
— Acho que não descobriremos tão depressa o verdadeiro motivo — admitiu Firgolt.
Deu ordem para que se retirassem para a caverna. Estava escurecendo rapidamente. Kopenziak ofereceu-se para apoiar Firgolt, mas o capitão recusou.
— Felizmente o conversor de símbolos resistiu à luta — disse Firgolt enquanto se dirigiam ao esconderijo. — Minha arma falhou no momento decisivo.
Se o verme do pavor os espreitava na escuridão, não o deixava perceber. Firgolt estava muito cansado, mas, apesar disso, ansiava pelo amanhecer do dia seguinte. Queria alcançar algum progresso, houvesse o que houvesse. Atlan e Rhodan aguardavam os resultados da missão.
Firgolt esperava que, depois da intervenção do verme do pavor, pudessem assumir maiores riscos. O monstro dera a entender de forma bastante clara que não pretendia matar os terranos.
Chegaram à caverna. Warren ligou uma lâmpada. Firgolt olhou em torno.
— A entrada é grande — disse o capitão. — Tomara que não recebamos nenhuma visita indesejável.
— Instalaremos um campo protetor durante a noite — disse Warren. — Nada nos poderá acontecer.
Collignot e Kopenziak prepararam um leito para Firgolt. O capitão vestiu outra roupa. Comeu algumas porções de alimentos concentrados e bebeu uma caneca de água do mar purificada, que Kopenziak lhe entregou numa atitude orgulhosa.
— Assim que chegamos liguei o equipamento de filtragem no interior da caverna — disse.
Firgolt agradeceu com um sorriso. Bebeu a água e devolveu a caneca.
— Nunca me senti tão cansado como agora — disse.
Deitou no leito rudimentar. Adormeceu no momento em que sua cabeça tocou o chão.
Kopenziak apontou com um gesto irônico para a rocha nua que se estendia atrás de Collignot.
— Onde deseja dormir, tenente? — perguntou em tom irônico.
Antes que Collignot pudesse dormir, a luz de controle do conversor de símbolos acendeu-se. O aparelho acabara de processar uma notícia por ele captada.
Collignot deu dois passos e colocou-se ao lado do aparelho.
— Espere aí! — disse Warren em voz baixa. — Isto é com ele.
Fez um sinal em direção a Firgolt.
— Naturalmente — disse Collignot, decepcionado. — Mas acho que não vale a pena acordá-lo por isso.
Warren sacudiu o ombro de Firgolt, sem dar atenção às palavras de Collignot. O capitão abriu os olhos e imediatamente ficou bem acordado.
— O que houve? — perguntou.
— O conversor de símbolos está trabalhando, sir — informou Warren.
Firgolt ergueu-se e puxou o aparelho para perto de si. Comprimiu o botão que acionava o setor de reprodução.
Uma voz metálica indiferente disse:
— Dê o fora, seu idiota!
Os homens entreolharam-se por cima do aparelho. Firgolt sentiu o nervosismo que começava a apoderar-se dele. Aquilo que acabavam de ouvir era a prova definitiva. Firgolt não teve a menor dúvida de que aquilo era uma sugestão que o verme do pavor transmitira, instintivamente, ao ver Firgolt lutar com o monstro marinho. O conversor de símbolos captara o impulso. Como se tratasse de símbolos vocabulares aparecidos pela primeira vez, levara todo esse tempo para decifrar a mensagem. Numa futura transmissão o funcionamento do conversor de símbolos seria mais rápido.
— Ele quis preveni-lo, sir! — exclamou Kopenziak, estupefato.
— Tenho a impressão de que Natan o classificou num nível muito baixo — disse Firgolt em tom pensativo. — Devemos enviar imediatamente uma mensagem à Carbula. Já temos certeza de que esta criatura, que acreditávamos ser um animal, possui inteligência.
Firgolt acionou o pequeno radiotransmissor.
— Moonshine chamando Carbula — disse com a voz tranqüila.
Os quatro agentes da USO, porém, não obtiveram resposta.
O Major France Herkner era o tipo de comandante terrano calmo e eficiente. Já comandara mais de uma dezena de naves. O fato de ter sido escolhido para a missão especial da Carbula aumentou fortemente sua autoconfiança.
Rhodan e Atlan, os dois homens mais poderosos do Império, haviam permanecido a bordo por muito tempo, e Herkner tivera oportunidade para conversar com eles. Dali em diante sentia-se pessoalmente responsável pelo desenrolar dos acontecimentos.
A cada hora que se passava, sem que chegasse uma mensagem de rádio de Euhja, as preocupações do major aumentavam. Sabia que não podia tomar a iniciativa de transmitir uma mensagem, pois devia evitar qualquer risco de ser localizado.
Apesar disso surpreendia-se constantemente ao notar que seus olhos vagavam em direção ao rádio de bordo, que era operado por um arcônida. Nos últimos dias, a mistura de raças a bordo das naves do Império tornara-se cada vez mais intensa. Herkner já estava acostumado a trabalhar com arcônidas, saltadores, acônidas, antis e outras raças. Ainda havia os tipos adaptados a um novo ambiente que, embora descendessem dos terranos, geralmente faziam questão de ressaltar que vinham de mundos coloniais que consideravam sua pátria.
O homem já existia em várias formas. Sob o ponto de vista mental e espiritual permanecera o mesmo, mas seu corpo se adaptara às condições de planetas estranhos.
Muitas vezes os tipos adaptados ao ambiente formavam a elite de uma tripulação, pois suas características quase sempre os tornavam aptos a determinada especialidade. Até então Herkner nunca tivera dificuldades com eles. Era bem mais difícil amalgamar os aconenses, saltadores e antis num grupo coeso.
Eram principalmente os antis que não gostavam de submeter-se às ordens de um terrano.
O Major Herkner lembrou-se de tudo isso quando a Carbula penetrou no setor noturno de Euhja. O major não contara o número das evoluções em torno do planeta aquático que a nave tinha completado, mas seria fácil verificar se já haviam circundado esse mundo.
A reação inesperada dos aparelhos de rastreamento atingiu Herkner com a força de um golpe. Assim que soou o primeiro alarma, virou-se abruptamente. A tela de rastreamento espacial iluminou-se.
— Estamos a localizar um objeto estranho, sir! — gritou o imediato Dettweiler.
Se a situação fosse diferente, Herkner teria ordenado imediatamente a ativação dos campos defensivos da Carbula. Mas um acaso infeliz impediu-o de dar essa ordem.
— Estamos recebendo impulsos de rádio vindos de Euhja! — gritou o radio operador arcônida, superando o ruído da sala de comando.
— Aceite a transmissão — apressou-se Herkner a ordenar. — E transmita um pedido de socorro generalizado. É possível que sejamos atacados.
O arcônida esbelto confirmou com um gesto. Naquele instante Herkner lembrou-se de que esquecera uma coisa.
— Ligar campos def...
A outra nave já se aproximara tanto da Carbula, que desenvolvia uma velocidade relativamente pequena, pois seria praticamente impossível errar o alvo.
O Major France Herkner não teve tempo de concluir a ordem. Uma incandescência branca surgiu à frente dos seus olhos. O calor envolveu-o. As mãos ainda executaram alguns movimentos instintivos. Já não tinha consciência de si mesmo.
Antes que a Carbula rebentasse, o hiperimpulso emitido por sua aparelhagem de rádio percorreu o espaço.
O radio operador arcônida fora um homem muito cauteloso. Expedira o pedido de socorro antes de confirmar o recebimento da mensagem vinda de Euhja.
E foi a última coisa que fez na vida.
O fim da Carbula e de seus tripulantes foi rápido. A nave desconhecida golpeou-a implacavelmente. O cruzador ligeiro estava praticamente indefeso diante do ataque, e por isso não restou praticamente nada do mesmo. Sem os campos defensivos a destruição provocada pelas armas inimigas foi total.
A Carbula desfez-se que nem uma bola de fogo. Pedaços de metal choveram sobre Euhja, desmanchando-se na atmosfera ou produzindo um chiado ao caírem no mar.
Outros pedaços foram arremessados para o espaço pela força da explosão. Só uns poucos destroços da nave terrana permaneceram em órbita em torno do mundo aquático.
Em comparação com o tamanho da Carbula não passavam de fragmentos insignificantes.
Para todos os efeitos práticos o “cadáver” do cruzador ligeiro deixara de existir.
Um impulso captado inconscientemente por seu cérebro, semelhante a um radio-receptor, despertou o verme do pavor do estado de sonolência em que se encontrava. Ainda não era capaz de verificar de que tipo fora a mensagem. Poderia ser de origem natural. Talvez fossem os benévolos que anunciavam sua vinda, ou então os quatro desconhecidos haviam ativado um transmissor. Concentrou sua atenção nos arredores, mas o misterioso impulso não se repetiu.
Talvez estivesse enganado. Seu radiocérebro era capaz de retransmitir e receber ondas e impulsos de todos os tipos, mesmo os da quinta dimensão. Essa função era desempenhada pelo hipersetor de seu poderoso cérebro.
O verme do pavor sabia que nessa noite não voltaria a encontrar o descanso pelo qual tanto ansiava, mas sentia-se grato pelo breve cochilo que lhe fora concedido. O cansaço que sentia não era físico. Era antes uma conseqüência das tentativas ininterruptas para encontrar a solução de todos os problemas.
Um cardume de meteoritos clareou o céu.
Levantou os olhos. Será que esse fenômeno tinha alguma relação com o impulso que acreditara ter captado?
Seria inútil refletir sobre isso. Acreditava que os benévolos não demorariam. Sem dúvida não desceriam de noite à superfície do planeta. Tornava-se mais fácil recolher o molkex à luz do dia.
O verme do pavor sentiu o ódio voltar a revolver sua mente.
Se o impulso que acabara de captar fora expedido pelos desconhecidos, dali se poderia concluir com bastante certeza que os mesmos também possuíam espaçonaves. A quem poderiam ter enviado a mensagem, a não ser a um veículo espacial? No planeta não havia ninguém que pudesse interessar-se pela mesma.
O fato de haver alguém além dos benévolos que dominava a Astronáutica lançava, pela primeira vez, no curso de muitas gerações, uma luz inteiramente nova sobre o velho problema do transporte.
A chance enorme que se oferecia à sua espécie não poderia ser estragada por um ato impensado. Havia obstáculos insuperáveis, mas apesar disso devia fazer alguma coisa para esse fim.
A queda de meteoritos foi diminuindo. Alguns dos mensageiros do espaço eram tão grandes que caíram ao mar.
Começou a chover. Isso não incomodava o verme do pavor. Não teria a menor dificuldade em encontrar uma caverna, mas preferiu ficar ao ar livre. Não queria que nada lhe distraísse a atenção. Era difícil resolver um problema aparentemente insolúvel; quando o tempo de que se dispunha para isso era limitado, quase se chegava a desanimar.
À medida que o tempo ia passando, o verme do pavor teve de resignar-se diante da idéia de que não seria capaz de resolver a questão sozinho. O problema do transporte, que existia há muitas gerações, não poderia ser resolvido sem ajuda durante uma noite. Seu saber coletivo estava praticamente restrito às coisas ligadas aos benévolos, de que devia ter conhecimento.
Havia outro problema importantíssimo a resolver. Precisava descobrir se os desconhecidos haviam reconhecido sua inteligência. Se os benévolos já chegassem ao raiar do dia, devia estar informado sobre isso. Não poderia sair desse mundo, sabendo que um segredo vital de sua raça se tornara conhecido de quaisquer inteligências.
Se os desconhecidos tivessem notado as faculdades de seu cérebro, o que deveria fazer?
Poderia matá-los. Dessa forma extinguiria qualquer testemunho vivo. Mas, por outro lado também destruiria todas as chances de libertar-se da relação de dependência para com os benévolos.
Também poderia deixar que as quatro criaturas continuassem vivas e recusar-se a subir a bordo da nave dos benévolos. Mas com isso prejudicaria não apenas a si mesmo, mas a toda sua raça.
Havia uma terceira possibilidade. A mesma era tão horrível que a simples idéia o fazia tremer.
Poderia matar os benévolos!
Sentiu-se deprimido e rastejou entre as rochas. Precisava descobrir logo o que aquelas quatro criaturas sabiam a seu respeito.
A Carbula não respondeu!
Há duas horas vinham tentando estabelecer contato com o cruzador ligeiro, por meio de seus transmissores pequenos, mas potentes.
Finalmente Firgolt fez um sinal de desânimo.
— Vamos parar com isso — disse. — Alguma coisa aconteceu com a Carbula. Infelizmente não temos nenhum aparelho de grande alcance no nosso equipamento. Por isso teremos de esperar até que alguém dê pela falta do cruzador.
— O que pode ter acontecido com eles? — perguntou Collignot.
— Talvez a Carbula tenha recebido ordens para afastar-se daqui — disse Firgolt em tom não muito convicto. — Mas o mais provável sé que haja algum problema com seu equipamento.
Warren foi o primeiro a exprimir o que todos pensavam:
— Quem sabe se o cruzador não foi atacado?
— Por quem? — perguntou Kopenziak.
— Pelas naves estranhas — respondeu Warren. — Sempre aparecem nos mundos em que podem encontrar molkex.
— Nesse caso teria havido uma batalha espacial — objetou Kopenziak. — A Carbula possui armas modernas e campos defensivos muito potentes.
— Vamos acabar com isso — ordenou Firgolt. — Estas suposições sem base não nos levarão a lugar algum.
Collignot sugava, em tom pensativo, o charuto que sempre trazia na boca.
— Quer dizer que no momento nossas comunicações com a Frota e com o lorde-almirante estão interrompidas — constatou. — Dentro de alguns dias deverão sair à procura da Carbula, mas até lá teremos de esforçar-nos para manter a cabeça fora da água. Se neste meio tempo o verme do pavor se fizer de doido ou as naves estranhas pousarem no planeta, nossa situação se tornará insustentável.
Firgolt sentou no leito. Seus olhos brilhavam na luz do holofote que Warren prendera à parede da caverna. A iluminação fazia com que os traços do rosto magro do capitão se tornassem bem nítidos. Era um homem persistente, que costumava atacar suas tarefas sem esmaecimentos, até encontrar a solução.
— Seu pessimismo é um tanto prematuro — disse, dirigindo-se a Collignot. — Por enquanto não corremos nenhum perigo. Já registramos um êxito importante. O verme do pavor colocou-se claramente do nosso lado. Acho que amanhã descobriremos certas coisas a seu respeito de que ninguém desconfiava nessa raça.
De repente, o campo defensivo levantado por meio do gerador portátil emitiu um brilho azulado. Um ruído crepitante encheu a caverna. Até parecia que alguém estava queimando um enorme eletrodo.
— O campo defensivo! — exclamou Warren.
Todos se levantaram de um salto. Firgolt sentiu o coração bater mais forte. Mal acabara de afirmar que estavam em segurança, e o perigo se aproximava deles.
Lá fora, na escuridão da noite, alguém estava destruindo o campo defensivo.
Enquanto caminhava pela chuva, voltou a captar o impulso. Desta vez não poderia ter sido engano. Não havia dúvida de que se tratava de uma mensagem de rádio, que alguém que se encontrava neste mundo estava irradiando no espaço.
Os desconhecidos estavam enviando uma mensagem de rádio incompreensível à sua raça. Já tinha certeza absoluta de que também dominavam a Astronáutica. Os seres com que se defrontava formavam um pequeno comando que descera no planeta com um objetivo definido.
Não era difícil adivinhar esse objetivo. Queriam observá-lo.
Durante todo o tempo acreditara, na sua arrogância, que as criaturas que tinha pela frente eram selvagens estúpidos, animais que não possuíam o dom da razão. Como poderia ter sido tão temerário?
Por algum tempo conseguiu orientar-se pelos impulsos, mas de repente os mesmos deixaram de ser transmitidos. Mas já descobrira que os desconhecidos deviam encontrar-se numa das cavernas situadas junto à baía.
Por lá esperavam o raiar do dia seguinte, quando prosseguiriam em sua tarefa. Começou a sentir raiva. Haviam conseguido montar um espetáculo formidável? Ou será que o comportamento daquelas criaturas não representava nenhum espetáculo? Será que tinha sua origem na suposição de que ele, o verme do pavor, era um animal primitivo?
Mais uma vez seus pensamentos resvalaram nessa terrível ignorância. De que servia sua inteligência, se o volume de conhecimentos que possuía era tão limitado?
Assim que localizou a caverna, em cujo interior se haviam abrigado os anões, constatou que sua entrada estava fechada por uma barreira energética.
Desconfiavam dele. Agora, que talvez já desconfiavam de que era inteligente, mostravam-se mais cautelosos que no dia em que haviam chegado.
Seu cérebro não resistiu mais. Durante todo o tempo martirizava-se para tomar decisões que não eram de sua alçada. Refletira intensamente, formulara suposições, assumira riscos e fizera coisas que infringiam as tradições.
Com uma carga dessas qualquer cérebro acabaria por entrar em curto-circuito, até mesmo o de um verme do pavor. Por isso disparou furiosos raios energéticos contra o campo energético que barrava o caminho que o levaria aos pequenos seres. Agiu com a selvageria de um animal.
Os ponteiros de controle do gerador de campo energético executaram uma dança louca. Warren fitou o aparelho com o rosto sombrio.
— O campo energético não agüentará por muito tempo — disse. — Devemos agir contra o atacante.
— Para isso precisamos saber quem é ele — ponderou Kopenziak.
— Acredito que seja o verme do pavor — disse Firgolt em tom de desânimo.
— O “bebê gigante”? — Collignot ergueu as sobrancelhas num gesto de espanto. — Isso não seria lógico. Será que nos salvou da morte apenas para assar-nos nesta caverna?
Firgolt nem parecia notar a situação perigosa do campo defensivo.
— Até aqui sempre temos cometido um erro grave — disse. — Andamos observando o monstro e sempre o mantivemos ocupado. Sem que o percebêssemos, transformou-se num problema que passamos a considerar normal. Lançamo-nos à tarefa da mesma forma que alguém iniciaria os trabalhos de reparo de uma máquina defeituosa.
— Onde está o erro, sir? — perguntou Collignot em tom de perplexidade.
— Está tudo errado! — respondeu o capitão em tom áspero. — Acostumamo-nos tanto a ver no verme do pavor uma fera selvagem, que lhe dispensamos um tratamento correspondente. Esquecemos o principal; provavelmente essa criatura possui uma mentalidade totalmente diversa da nossa. Isso significa que agora teremos de suportar as conseqüências dos nossos erros. De certa forma, os atos do verme do pavor são apenas o reflexo dos nossos atos.
Firgolt não poderia imaginar que em parte tinha razão. Seria impossível compreender a situação do verme do pavor. Não tinha o necessário conhecimento dos respectivos dados.
— Queira desculpar, sir — disse Kopenziak e apontou para o campo defensivo tremeluzente. — Acho que essa idéia está chegando tarde.
Firgolt bateu palmas.
— Pelos planetas da Galáxia! — exclamou. — Já vejo que nos permitimos mais uma dedução falsa. Supúnhamos que o monstro quisesse matar-nos. Não é verdade. Todas as experiências colhidas com os vermes do pavor provam que os mesmos matam qualquer criatura viva que se aproxime deles, com exceção dos seres das naves estranhas. Por isso, o primeiro desejo que sentiu a criatura que se encontra lá fora, quando nos viu, deve ter sido o de matar-nos imediatamente.
— Mas não fez nada disso — ponderou Warren.
— Está travando uma luta consigo mesmo — constatou Firgolt. — Parte de sua mente quer nossa morte, outra parte quer que continuemos a viver. Se o monstro se afastou dos hábitos antigos, deve ter havido um motivo para isso. Dali se conclui que esse verme do pavor é diferente dos outros indivíduos de sua espécie.
— Será que é o único espécime que possui inteligência?
— Não, Tenente Warren; toda a raça é inteligente. Os motivos para o comportamento de nosso inimigo, sim, ele continua a ser nosso inimigo, devem ser outros. No momento, a tradição parece ter levado novamente a melhor sobre os outros motivos, pois o animal nos ataca com toda a violência.
— É verdade — confirmou Kopenziak. — Faço questão de ressaltar que o campo defensivo pode desmoronar a qualquer momento.
Sem dizer uma palavra, Firgolt pôs a mão na carabina de radiações. Isso representou um sinal para que os outros também se armassem. Collignot lançou um olhar preocupado para Firgolt. Naquele momento o capitão se esquecera do cansaço, mas quando voltasse a lembrar-se, o esgotamento seria muito maior. Era verdade que dispunham de estimulantes, mas para um homem ferido esses medicamentos eram muito perigosos.
Colocaram-se junto à entrada da caverna, de armas em punho, e esperaram que o gerador sobrecarregado deixasse de funcionar.
Quando isso acontecesse, o campo defensivo deixaria de existir. E então não haveria mais nada que impedisse o verme do pavor de liquidar os terranos.
Grandes blocos de rocha desprenderam-se acima da entrada da caverna e caíram ruidosamente no chão. Uma luz fluorescente espalhou-se nos pontos em que se descarregava a energia dos tiros disparados contra o campo defensivo.
O ataque cessou tão abruptamente como havia começado. O verme do pavor suspendeu o bombardeio. Deveria ter estado louco quando começara o assalto.
Nem se tinha certeza de que seria capaz de destruir o campo defensivo dos desconhecidos. Talvez os mesmos continuassem calmamente no interior da caverna e se divertissem à custa da tentativa ridícula.
Grossos pingos de chuva produziam um chiado, enquanto se evaporavam nas rochas aquecidas que circundavam a caverna. Apesar da escuridão, via as nuvens de fumaça.
Será que sairiam quando percebessem que não estava atirando mais? Como faria para comunicar-lhes isso sem trair sua inteligência?
Enquanto permanecessem no interior da caverna, estariam tão longe como se estivessem num mundo estranho. Precisava observá-los mais uma vez, antes que chegassem os benévolos.
Mas no momento não poderia obrigá-los pela força. O tempo era escasso, mas assim mesmo precisava ter um pouco de paciência.
Recuou lentamente para trás das rochas. Seu corpo roçou inúmeros regatos que desciam das colinas, em direção ao mar. Seus pensamentos moviam-se a contragosto, o espírito parecia envolto numa bruma. O esgotamento mental continuou a progredir. Era urgente que descansasse um pouco.
Mas como encontrar sossego, perguntou a si mesmo, se os problemas continuavam a trabalhar sua mente como se fossem fantasmas sombrios?
Aos poucos certa indiferença para com os benévolos foi surgindo em sua mente. O ódio que lhes dedicava consumia muitas forças. Ninguém poderia acusá-lo de não ter feito tudo para agir no interesse de sua espécie.
Apesar das idéias revolucionárias que desde o início lhe agitavam a mente, sempre dera primazia a tudo que desse respeito aos vermes do pavor. Subordinara a própria vida a esse objetivo.
Seu rosto gigantesco contraiu-se. No momento em que a criatura percebe que a derrota é inevitável, a mesma gosta de lembrar-se do orgulho de tempos passados.
Foi o que ainda o manteve de pé.
— Ele se retirou — constatou Firgolt, aliviado. — Até o amanhecer do dia teremos sossego.
Sua testa enrugou-se.
— Mas ainda temos algum trabalho a fazer.
O especialista ligou o gravador de fita que haviam trazido do Moonshine. A gravação podia ser feita por meio do rádio de pulso dos agentes. Mas, no caso, a distância era bastante limitada.
— O que pretende fazer, sir? — perguntou Collignot.
— Gravarei na fita um relatório completo dos acontecimentos e também registrarei nossas impressões. Se algo nos acontecer, ainda poderemos transmitir informações valiosas às pessoas que nos encontrarem.
Começou a falar calma e objetivamente. Registrou em palavras claras e lacônicas tudo que haviam descoberto sobre o verme do pavor.
— Muito bem — disse em tom satisfeito. — Daqui a pouco sairemos da caverna e registraremos na fita todas as ocorrências importantes.
Collignot reconheceu que o capitão estava com a razão, ainda mais que já não podiam contar com a Carbula como receptora de mensagens.
O resto da noite correu calmamente. Dormiram sem que ninguém os perturbasse, ficando sempre um homem de sentinela.
Kopenziak, que foi o último a ficar de guarda, acordou os outros quando começou a clarear do lado de fora da caverna. Firgolt levantou-se e desligou o gerador de campo defensivo. O primeiro a sair da caverna foi Warren. Chovia a cântaros. O chão estava ensopado. Não se via o menor sinal do verme do pavor.
— O tempo não está nada agradável — disse Collignot e colocou-se ao lado de Warren.
— Nem por isso o capitão nos dispensará de corrermos atrás do “bebê gigante” — observou Warren com um sorriso.
Firgolt e Kopenziak levaram mais algum tempo para sair. O capitão tinha rugas embaixo dos olhos, mas nem por isso parecia cansado. Examinou atentamente os arredores.
— O estado do solo não poderia ser mais favorável para os fins que temos em vista — disse. — Basta descobrir a pista do verme do pavor e acompanhá-la. Não demoraremos a encontrar o bicho.
— Será que depois de suas loucuras noturnas podemos chegar perto dele? — perguntou Kopenziak em tom de ceticismo.
— Sempre se corre um risco — respondeu Firgolt. — Nunca se pode prever suas reações.
— É volúvel que nem o tempo — disse Collignot.
Firgolt sorriu. Collignot era um garotão cheio de idéias malucas, com um belo exterior. “Tem exatamente o aspecto que os cidadãos do planeta Terra esperam encontrar num agente”, pensou Firgolt.
Voltaram à caverna. Warren distribuiu uma refeição frugal, formada, como de costume, por alimentos concentrados e dropes de água. Kopenziak contribuiu com uma caneca de água do mar filtrada e dessalinizada.
— Ao que tudo indica, o verme do pavor tem de superar um problema psicológico — disse Firgolt. — Por isso seu comportamento é imprevisível. Não devemos irritá-lo desnecessariamente.
Pegaram suas armas e saíram da caverna.
— Até parece que hoje o dia não quer clarear de vez — observou Kopenziak.
Olhou atentamente em torno, só distinguindo alguns contornos apagados em meio ao cinza.
— É o mundo mais triste em que já estive — disse. — Por aqui só existe uma ilha deserta cercada pelo mar. Os únicos seres vivos neste continente somos nós, os seres aquáticos e o verme do pavor. Além disso, ainda temos de suportar o cheiro dos charutos negros de Collignot.
Os agentes caminharam em direção às colinas distantes. Estavam à procura da pista do verme do pavor.
Firgolt ia à frente dos outros. Tinha um pressentimento de que esse dia traria uma decisão. Era possível que o sentimento o enganasse, mas resolveu agir com cautela.
Os benévolos chegaram nas primeiras horas da manhã. Sua nave rompeu a camada de nuvens e a chuva e penetrou com um rugido nas camadas inferiores da atmosfera. O silêncio medonho desse dia cinzento foi rompido de repente. O ar parecia tremer. Todo o continente parecia vibrar.
O ruído aumentou, transformando-se num trovejar ensurdecedor. Antes fora apenas um suave chiado, e ainda antes um farfalhar quase imperceptível, como o produzido pelas asas de um pássaro.
O verme do pavor já havia registrado os primeiros indícios.
O primeiro som, muito fraco, bastou para que se sobressaltasse.
Os benévolos estavam chegando.
Estava na hora de tomar sua decisão. Até então tivera uma pequenina esperança de que os benévolos não aparecessem. Essa esperança já se desvanecera.
Teria de mostrar do que era capaz.
Por alguns segundos, teve a impressão de ver a nave grotesca correndo entre as nuvens, como se fosse uma sombra gigantesca. Dali a instantes seu ouvido sensível foi atingido com toda a violência pelas ondas sonoras.
Estremeceu. Saltou imediatamente para cima da colina mais alta, para verificar se a nave iria pousar nas proximidades. Deu apenas uns poucos saltos para chegar ao destino. Uma grande planície estendia-se terra adentro.
Logo viu a nave. Estava pousada logo atrás das colinas. O revestimento de molkex dava-lhe o aspecto de uma escultura na qual tivesse trabalhando um verdadeiro exército de artistas, para produzir uma obra desse tamanho.
O verme do pavor ficou deitado por algum tempo, estarrecido. Cuidariam primeiro do molkex, para depois dedicar sua atenção a ele. Deveria dirigir-se à nave.
Mas não o fez. O velho ódio voltou a despertar. Pensamentos confusos cruzaram seu cérebro.
Lá embaixo, a nave pertencente à raça da qual dependia estava parada em meio à chuva torrencial. Há tempos imemoriais os seres dessa raça faziam seu jogo infame com os vermes do pavor.
Nunca se colocaria espontaneamente nas suas mãos.
Resolveu esconder-se deles. Não sabia até que ponto era importante e nem tinha certeza de que o procurariam.
Sem dúvida havia por ali bons esconderijos, onde poderia permanecer oculto. Ainda não sabia se aqueles seres possuíam aparelhos que facilitassem a procura. Lembrou-se da caverna em cujo interior as quatro inteligências desconhecidas haviam passado a noite. A entrada da mesma era bastante grande para permitir sua passagem. Se os desconhecidos haviam abandonado a caverna para procurá-lo, poderia entrar lá.
Refletiu sobre seu plano.
Provavelmente aquelas minúsculas criaturas também haviam percebido a chegada da nave. Qual seria sua reação? Fazia votos de que não cometessem o erro de dispensar aos benévolos o mesmo tratamento que lhe haviam dispensado. Nesse caso o tempo de vida que lhes restava seria bastante escasso.
Viu um movimento junto à nave.
O verme do pavor não perdeu tempo para descobrir o que era. Saiu em direção à caverna, dando saltos gigantescos.
Quando chegou lá, notou que a caverna estava abandonada. Ninguém ficara para tomar conta da mesma. Provavelmente os anões rastejavam entre as colinas, para procurá-lo.
Espremeu-se pela entrada e conseguiu penetrar na caverna.
Os desconhecidos haviam deixado seu equipamento. Fascinado, o verme do pavor examinou a aparelhagem. Não conhecia nenhum dos objetos. Mesmo que descobrisse sua finalidade, seria incapaz de manejá-los, pois nada podia fazer com suas patas desajeitadas.
Viu que os seres desconhecidos haviam preparado leitos no chão. Isso constituía mais uma prova de sua fraqueza e vulnerabilidade.
O verme do pavor estava tão entretido na observação do interior da caverna, que só notou que os desconhecidos haviam voltado quando os mesmos se encontravam à sua frente, de armas em punho.
Warren, que tinha ótimo ouvido, foi o primeiro a ouvir o rugido distante dos propulsores. Seu corpo esbelto estacou de repente. Inclinou-se ligeiramente.
— O que houve, tenente? — perguntou Firgolt.
— Não está ouvindo, sir? — perguntou Warren com a voz tensa.
Firgolt forçou o ouvido, mas a única coisa que percebeu foi o farfalhar da chuva.
— Parece... parece uma espaçonave que se aproxima — disse Warren em tom hesitante. Ao que parecia, ainda não tinha muita certeza.
— É a Carbula — gritou Kopenziak. — Só pode ser.
— Silêncio! — ordenou Firgolt. Agora todos estavam ouvindo.
— É uma nave; quanto a isso não existe a menor dúvida — concordou Firgolt. — Mas tenho certeza de que não é a Carbula. O cruzador ligeiro, se é que ainda existe, não teria nenhum motivo para pousar aqui.
Ficaram parados. Estavam curiosos. Esqueceram-se do verme do pavor.
— Quem sabe se não são os estranhos seres? — gritou Collignot, superando o ruído, que se tornava cada vez mais forte. — Nesse caso teremos distração de sobra.
O Capitão Firgolt não pôde deixar de rir. O som trovejante da nave estranha continuou a retumbar em seus ouvidos.
— Está descendo por perto — profetizou Kopenziak.
Naquele momento viram uma mancha escura que se movia entre as nuvens e crescia rapidamente. Warren abaixou-se instintivamente.
— Está descendo! — berrou Collignot. Um objeto totalmente assimétrico ficou pendurado em cima das colinas. Firgolt lembrou-se do formato das naves dos pos-bis, que representava um verdadeiro pesadelo. Mas o que viu à sua frente era uma massa de formato arbitrário, que não dava a menor idéia sobre o aspecto geral da nave.
— Não sei como uma coisa dessas consegue voar — disse Kopenziak em tom de incredulidade.
A nave estranha desceu atrás das colinas.
— Pousou — observou Collignot em tom seco.
O silêncio que se seguiu ao pouso da nave quase chegava a doer.
Firgolt lançou um olhar pensativo para a carabina de radiações que trazia ao ombro.
— Não poderemos enfrentá-los com isto — disse.
— O que vamos fazer, sir? — perguntou Warren.
— Acho que será preferível que nos retiremos para a caverna — sugeriu Firgolt.
— Aqui estamos numa posição insustentável. Talvez consigamos fazer observações sem sermos notados, até que a nave volte a sair de Euhja.
— Isso é um eufemismo para o que realmente vamos fazer: fugir! — Collignot cuspiu o toco de charuto apagado. — Ainda bem que voltaremos a um lugar enxuto.
Correram apressadamente para a caverna. Era espantoso que Firgolt se agüentasse tão bem. Não se queixou uma única vez.
Quando se encontravam a cinqüenta metros de seu esconderijo, deram com a pista do verme do pavor. O chão amolecido mostrava as marcas características de seu corpo gigantesco.
Collignot freou a corrida. Fez o cano da carabina apontar para o chão.
— Olhe! — disse. Kopenziak soltou um palavrão.
— Está na caverna — disse Firgolt com a voz tranqüila.
Entreolharam-se. Os olhos de Kopenziak chamejaram numa resolução selvagem para a luta.
— Já deve ter quebrado tudo — gritou, indignado. — Enquanto nós o procurávamos, veio às escondidas e destruiu o equipamento.
— Logo saberemos se é assim — observou Firgolt, tranqüilo.
O Tenente Kopenziak fitou-o como se fosse uma coisa nunca vista. Seu rosto largo contorceu-se numa expressão de espanto.
— Não me venha dizer que pretende entrar na caverna, sir.
— Não temos alternativa — disse Firgolt. — O verme do pavor é menos perigoso que os seres estranhos. Talvez se encontre numa fase de tranqüilidade.
— Numa fase de tranqüilidade! — cochichou Collignot. — É muito engraçado.
Firgolt fez como se não tivesse ouvido. Não hesitou mais. Prosseguiu em direção à caverna. Kopenziak imediatamente seguiu o capitão.
— Não podemos deixar que entrem sós no lugar em que está a fera — disse Collignot, dirigindo-se a Warren. — Ainda acontece que meus charutos estão lá dentro.
Não quero que o monstro os esmague.
Os dois seguiram Firgolt e o especialista de estatura baixa. O verme do pavor ocupava quase toda a caverna. Entraram silenciosamente e viram o monstro absorto na contemplação do equipamento.
Não havia nada que tivesse sido destruído ou danificado. Cercaram o monstro com as armas em punho.
O crânio gigantesco virou-se abruptamente. Collignot recuou instintivamente. Kopenziak fechou os olhos para esperar a morte.
O verme do pavor brincou com as quatro tenazes. Abriu a boca enorme. Uma nuvem de fedentina envolveu os homens.
— Está bancando o animal selvagem — cochichou Firgolt. — Parece que quer nos fazer acreditar que veio a esta caverna para fugir da nave estranha.
— O conversor de símbolos, sir — disse Warren, também em voz baixa. — Podemos tentar comunicar-nos com ele.
— Não — decidiu o capitão. — Acho que é preferível que continue a acreditar que, em nossa opinião, possui pouca inteligência. Deve ter seus motivos para apresentar este espetáculo. Por certo está interessado em ocultar sua inteligência.
Collignot fez menção de acender um charuto, mas Firgolt deu uma pancada em sua mão e fê-lo cair.
— Não acenda nenhum fogo — cochichou. — Se irritarmos o bicho, não sairemos daqui vivos.
O monstro recuou cautelosamente até a extremidade da caverna, sem tirar os olhos dos terranos. Fazia de conta que estava tão perturbado que não sabia o que fazer.
Firgolt começou a falar em voz baixa, para gravar outro relato na fita. Só podiam atingir parte do equipamento. A outra parte ficava atrás do corpo do verme do pavor.
Era uma situação estranha. Um verme do pavor e quatro homens defrontavam-se num espaço estreito. Espreitavam-se mutuamente. Firgolt acreditava que qualquer erro pudesse trazer a desgraça.
Caso a situação se tornasse mais séria, as armas que mantinham preparadas para disparar não serviriam para muita coisa. No recinto apertado em que se encontravam qualquer disparo representaria um perigo para eles mesmos.
Firgolt concluiu o relato e desligou o gravador.
Os olhos atentos do monstro acompanhavam todos os seus movimentos. Reinava uma espécie de armistício, que poderia ser suspenso a qualquer momento, para degenerar na luta armada.
Firgolt fazia votos de que os nervos do verme do pavor — se é que ele os possuía — fossem tão firmes quanto os seus. Encostou cautelosamente à parede da caverna, evitando fazer qualquer movimento rápido.
E agora? O verme do pavor parecia estar à espera de alguma coisa. Sua postura exprimia perfeitamente a tensão interna sob a qual se encontrava.
Firgolt sentiu a frieza da rocha através das vestes. Lá fora as torrentes de chuva precipitavam-se do céu. Um dos intermináveis períodos de chuva de Euhja acabara de ter início.
De repente o silêncio foi rompido pelo rugido dos propulsores. O verme do pavor abriu a boca, num gesto de pânico.
Firgolt inclinou-se para a frente.
A nave dos desconhecidos acabara de subir.
De início pensou em matar os quatro desconhecidos com uma série de rapidíssimos disparos energéticos, mas logo se lembrou de que os aparelhos de rastreamento dos benévolos registrariam imediatamente a liberação de energia. Não demorariam a descobri-lo.
A única coisa que podia fazer no momento era dividir a caverna com os anões. Provavelmente os mesmos haviam fugido da nave. Viu que estavam armados, mas não o atacaram. Devia continuar a desempenhar o papel do animal estúpido.
Bancava o nervoso. Até parecia que tudo aquilo era novidade para ele. Ficou satisfeito ao constatar que os desconhecidos não tentavam comunicar-se com ele. Isso significava que ainda não tinham conhecimento de sua inteligência extraordinária.
Foi o que lhes salvou a vida. Provavelmente ele os teria esmagado com seu corpo gigantesco, se tivessem mostrado que conheciam suas faculdades.
Recuou para os fundos da caverna.
Depois de algum tempo ouviu a nave dos benévolos decolar. Sentiu-se possuído de uma alegria louca. Estavam abandonando este mundo. Era uma criatura livre! Mas levou apenas alguns segundos para descobrir que sua esperança fora ilusória. A nave ainda não estava abandonando o planeta.
Andavam à sua procura!
Começaram a sobrevoar sistematicamente todo o continente-ilha.
Lançou um olhar para os desconhecidos. Será que os mesmos sabiam o que estava acontecendo?
Por um instante sentiu-se tentado a fazer um esforço para comunicar-se com eles, para pedir que o ajudassem. Mas não fez nada disso. Por enquanto não havia um perigo imediato à sua vida. Não podia sair da caverna. Os benévolos haviam esperado que aparecesse logo após o pouso da nave. Acontece que ele se escondera. Se entrasse na nave, formulariam perguntas embaraçosas e o examinariam. E não teriam nenhuma dificuldade em constatar que ele possuía uma razão que não era apenas instintiva.
O ruído dos propulsores foi diminuindo. Nem por isso se poderia dizer que já não corria nenhum perigo. Estavam procurando em outro lugar. Mas acabariam voltando para cá.
À medida que se aproximava o momento em que os benévolos deveriam aparecer nas proximidades, mais difícil lhe parecia a solução dos seus problemas. Bem que precisaria do conselho dos anciãos, mas estava só.
Seu comportamento punha em risco todo e qualquer transporte. Face a isso, sua própria vida, que estava arriscando, não assumia a menor importância. Sem que o quisesse, causara um perigo grave para toda a espécie.
Não era um simples revolucionário, era um criminoso. Tinha uma mente deformada. Eles o expulsariam, se chegassem a vê-lo. Gemeu. A angústia mental parecia oprimi-lo.
Dali a pouco voltou a ouvir a nave dos benévolos.
A nave sobrevoou o continente devastado. A colheita de molkex fora muito escassa neste mundo. Os tripulantes estavam nervosos, pois o verme do pavor ainda não aparecera. Devia estar por aqui, pois haviam captado o impulso característico, vindo deste planeta. A existência do molkex e os estragos visíveis causados pelos gafanhotos córneos constituíam outras provas de sua presença.
Por certo o verme do pavor se afogara no mar, ou então estava escondido em algum lugar.
A nave vasculhou sistematicamente todo o continente.
Junto ao litoral sul os rastreadores mentais começaram a reagir. As cifras registradas eram bastante elevadas. Até parecia que havia mais de um verme do pavor. Mas era pouco provável que realmente fosse assim, pois a quantidade de molkex era muito reduzida.
Os tripulantes resolveram pousar a nave junto ao mar e sair à procura do verme do pavor.
A frenagem foi iniciada. Cada um dos ocupantes da nave recebeu uma tarefa bem definida. Provavelmente o verme do pavor estava doente e se recolhera a alguma caverna. Os tripulantes nem pensaram na possibilidade de os motivos serem outros.
A nave pousou suavemente.
Uma abertura surgiu no revestimento de molkex: era a eclusa.
Sairiam para procurar o verme do pavor. Já conheciam sua posição aproximada, e os aparelhos os levariam para junto dele. Saíram resolutamente da nave.
Caminharam pela chuva, em direção às cavernas escavadas pela água que ficavam do lado oposto da baía.
Nem por um instante pensaram que suas vidas pudessem estar em perigo.
— Está voltando — disse Collignot, muito nervoso.
Ouviram que lá fora o ruído dos propulsores se tornava mais intenso.
— Era o que eu imaginava — respondeu Firgolt. — Estão vasculhando o continente. Acho que já sei o que estão procurando.
— É o verme do pavor — conjeturou Kopenziak.
— Isso mesmo. Não sei por que, mas o fato é que o estão caçando. Isso representa um perigo para nós. É possível que, quando encontrarem seu amigo, também nos encontrem. Não temos motivo para duvidar de que possuam o mesmo equipamento de que dispõe o Império. Se tiverem um único rastreador individual a bordo, não terão nenhuma dificuldade em localizar esta caverna.
— O “bebê gigante” vai nos meter numa boa, capitão — queixou-se Collignot. — Talvez não fosse por simples coincidência que escolhesse justamente esta caverna.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida, tenente.
De repente, Warren, que se encontrava na entrada da caverna, gritou:
— Estou vendo a nave, sir!
Foram apressadamente ao lugar em que estava Warren. A nave de molkex caía do céu nublado. Seus propulsores uivaram.
— Está pousando junto ao mar — disse Kopenziak. — Daqui a pouco desaparecerá atrás das colinas.
— Quer dizer que descobriram a posição aproximada do verme do pavor — afirmou Firgolt. — Podemos preparar-nos para receber uma visita desagradável.
— Contra essa nave não teremos a menor chance, sir — disse Collignot.
— Sei disso, Claude. Só nos resta esperar. Talvez esse monstro os mantenha ocupados a tal ponto que nem dêem pela nossa presença.
Collignot era menos otimista. Sem dúvida a caverna seria revistada. E o campo defensivo não resistiria por muito tempo a um ataque concentrado. Firgolt chegara mesmo a recusar-se a ligar o gerador, para evitar que os seres estranhos usassem seus aparelhos de localização.
Agora estavam numa armadilha.
A nave de molkex desceu junto ao mar, conforme previra Kopenziak. O silêncio voltou a reinar. Collignot quase chegou a ver fisicamente a imagem da nave, quando essa abria as eclusas e os seres estranhos fortemente armados saíam da mesma.
Como seriam eles? Teriam aspecto humanóide ou pertenceriam a uma raça totalmente diferente das que conheciam?
De qualquer maneira sua disposição seria hostil. De onde vinham? Seriam enviados de outro império estelar, mais poderoso que o Império Unido?
As naves do Império nem de longe haviam penetrado em todas as partes da imensa Galáxia. Era bem possível que houvesse vários impérios tão grandes quanto o construído pela Humanidade.
Será, refletiu Collignot, que os desconhecidos tinham vindo de uma galáxia diferente? Face à distância enorme que separava as ilhas estelares, isso era pouco provável. Nenhuma nave do Império havia chegado a Andrômeda. A viagem representava uma tarefa formidável que ainda tinham pela frente. Collignot ficou triste ao lembrar-se de que não se poderia contar com o alcance desse objetivo antes de sua morte.
— O verme do pavor está ficando nervoso — disse Firgolt em meio às suas reflexões.
Lançou um olhar para o interior da caverna. O monstro parecia contorcer-se de dores.
— Está sentindo a proximidade da nave — disse Kopenziak.
Firgolt percebeu que o nervosismo do gigante se transmitia a ele.
Teve um sentimento inconsciente de que no interior do verme do pavor se travava uma luta entre tendências mentais diferentes. Era possível que sua vida dependesse do resultado dessa luta.
Firgolt tomou um analgésico e logo depois um estimulante. Não poderia fraquejar agora. Ligou o gravador de fita e fez um breve relato do pouso da nave dos estranhos seres.
A parte posterior do corpo do verme do pavor movia-se nervosamente. Firgolt aspirou profundamente o ar, não se importando com o fato de que isso fazia doer suas costelas quebradas.
O capitão olhou para fora da caverna. Viu as sombras escuras dos estranhos seres, que apareceram no topo das colinas. Seus corpos não passavam de sombras escuras no meio da chuva. O pulso de Firgolt bateu mais depressa.
Estavam vindo em sua direção. Isso provava que haviam descoberto a caverna.
De repente Firgolt levou uma terrível pancada. Foi atirado ao chão. Kopenziak soltou um estridente grito de alerta. Firgolt rolou instintivamente pelo chão, em direção ao interior da caverna. Uma coisa gigantesca passou por ele. Ouviu Warren praguejar baixinho.
O rosto de Collignot apareceu em cima dele. O tenente mantinha os olhos semicerrados.
— Está machucado, sir?
— Ajude-me a levantar — ordenou Firgolt.
Não reconheceu a própria voz. Viu Kopenziak, que rastejava pelo chão a certa distância dele. O tenente comprimia o braço direito contra o peito.
— O que houve? — perguntou Firgolt com a voz rouca.
— O verme do pavor acaba de sair da caverna — informou Collignot. — Fugiu. E na fuga derrubou tudo que estava no seu caminho.
A primeira coisa que Firgolt fez foi pôr a mão no conversor de símbolos, que voltara a trazer preso ao cinto. O aparelho estava intato.
Cambaleou em direção à entrada da caverna. Warren ajudou Kopenziak a sair. Num gesto automático Collignot acendeu um dos seus longos charutos.
Os olhos de Firgolt ardiam. O quadro que se desenrolava diante deles, deu-lhe calafrios.
A tragédia de Euhja acabara de ter início...
Todas as fibras de seu ser se contraíam. Haviam localizado seu esconderijo. Ouviu a nave descer. Provavelmente iriam pousar junto ao mar, onde as coisas seriam mais fáceis para a tripulação. O que deveria fazer?
Desesperado, procurou ouvir o que se passava do lado de fora. Não demorariam a descer pela encosta, em direção à caverna.
Esqueceu os desconhecidos que se encontravam por ali. Sentiu a velha dependência como se fosse uma pressão que pesava sobre seu corpo. Os benévolos exploravam sua raça, e ele os odiava por isso. Este sentimento sufocou todas as reflexões. Esforçara-se para eliminar as idéias revolucionárias que lhe ocupavam a mente, pretendia observar as tradições de todos os vermes do pavor, mas não conseguiu.
Ele mesmo representava o início de um novo sistema, que romperia o sistema anterior, que se esfacelaria conforme acaba por acontecer com qualquer sistema.
Viu os benévolos surgirem entre as rochas. Por alguns segundos sentiu-se totalmente indefeso. A simples visão dessas criaturas bastava para transformá-lo num indivíduo impotente. Mas o ódio foi mais forte que o medo que trazia consigo desde o nascimento. Abateu-se sobre ele e envolveu-o como se fosse um manto protetor.
A angústia interior e o desespero foram deslocados pela maldade nascente. Como poderia viver enquanto existissem os benévolos? Sua espécie nem poderia pensar em resolver o problema do transporte, enquanto conservasse a relação de dependência.
Cego de raiva e ódio represado, saiu correndo. O mundo que o cercava desmanchou-se numa massa cinzenta. Sentiu o corpo como se fosse uma coisa estranha, que usava somente para ceder a uma ânsia espiritual.
Com dois saltos afastou-se da caverna. Os benévolos ficaram parados lá em cima. Fitaram-no, à espera de que os acompanhasse para a nave. Deu mais um salto enorme e foi parar bem no meio deles.
Os desconhecidos ficaram tão surpresos, que nem tiveram tempo para pensar em qualquer gesto de defesa. No primeiro impacto matou seis. Outros oito, que se encontravam bem à sua frente, foram mortos a patadas.
Abriu a boca e disparou raios mortíferos contra todos aqueles que fugiam para colocar-se em segurança. Só então foi atingido pelo primeiro tiro, mas não demonstrou a menor reação. Matava com a precisão de uma máquina. Virou o corpo e, durante o movimento, esmagou três dos benévolos com a parte posterior do tronco. Com alguns tiros bem orientados, destruiu um grupo que pretendia abrigar-se entre as rochas para disparar contra ele.
Não sentiu alegria nem satisfação. Destruiu os benévolos porque não via outro meio de resolver o problema daquele momento.
Quando parou, os inimigos jaziam espalhados entre as rochas. No fundo eram seres débeis e indefesos, que tinham muita coisa em comum com os desconhecidos que se encontravam no interior da caverna.
Não sentiu nenhum arrependimento. Teve uma sensação vaga de que acabara de fazer uma coisa que nunca acontecera na história dos benévolos. Fitou os cadáveres.
Sentiu-se vazio por dentro.
O crânio gigantesco balançava. Saiu andando muito devagar. Tinha certeza de que todos os tripulantes estavam mortos. Os benévolos sentiam-se tão seguros nos mundos em que existiam vermes do pavor, que nunca deixavam guardas no interior das naves.
Praticara um massacre horrível entre eles. A violência não era uma coisa estranha à sua vida, e, sob o ponto de vista do sentimento, nem sempre representava uma maldade. A violência era um meio que, tal qual outro meio, podia ser usada para atingir algum objetivo.
Os benévolos acreditavam que era um monstro estúpido.
Será que esses seres presunçosos nunca pensavam que, para ele, também podiam ser monstros? Para ele, os benévolos eram tão feios como ele mesmo era para essas criaturas.
Só mesmo um observador dotado de muito senso objetivo seria capaz de dizer quem era o verdadeiro monstro.
Sentiu-se cansado e não tinha um objetivo definido. Seu ódio se extinguira.
Para ele era o fim. Dali em diante tudo mudaria. Sua atuação dera início a uma série de acontecimentos que logo poderia terminar numa catástrofe cósmica. Alguma coisa aconteceria; quanto a isso não tinha a menor dúvida.
Talvez tivesse acendido a tocha capaz de incendiar a Via Láctea.
Firgolt estava com o rosto pálido. Cerrou os lábios e viu o verme do pavor desenvolver sua ação furiosa entre os seres estranhos. Desta vez a fera não teve contemplação: seus tiros e golpes sempre acertavam o alvo.
Durante sua atividade de agente especial da USO, o Capitão Firgolt já vira muitas lutas. Era um homem duro, mas desta vez teve de olhar para outro lado. Surpreendidos, os desconhecidos praticamente não possuíam a menor chance. Morreram antes que compreendessem direito o que estava acontecendo.
Firgolt sabia que a mesma coisa poderia acontecer com eles. Provavelmente era só graças a alguma circunstância especial que ainda estavam vivos.
Quando Firgolt voltou a levantar os olhos, o espetáculo já tinha chegado ao fim. A luta — se é que a atuação do verme do pavor poderia ser chamada assim — não demorara mais de três minutos.
— Que demônio — observou Kopenziak, perplexo. — Deve ser de uma crueldade infinita para fazer uma coisa dessas.
— O senhor está sendo injusto para com ele — objetou Collignot. — Não conhecemos os motivos que o levaram a praticar esse massacre. Talvez seríamos capazes de compreendê-lo, se conhecêssemos suas relações com os seres estranhos.
— Concordo plenamente com o senhor, tenente — disse Firgolt. — Esse monstro não é nenhum assassino feroz. Ele deu prova disso durante nossa permanência neste planeta.
Viram o verme do pavor desaparecer lentamente entre as rochas.
— E agora? — perguntou Warren em tom indeciso. — Vamos ficar na caverna? Ou será que devemos cuidar dos mortos?
Firgolt pôs-se a refletir. Face à disposição em que o verme do pavor se encontrava, não parecia recomendável segui-lo. Isso os exporia a um perigo desnecessário.
Uma idéia louca passou pela sua cabeça.
A nave dos seres estranhos estava parada junto ao mar. Ao que parecia, todos os tripulantes a haviam abandonado. Isso representava uma chance que não voltaria tão depressa.
Firgolt correu para dentro da caverna e ligou o gravador de fita. Fez um relatório dos últimos acontecimentos. Mencionou a morte dos estranhos seres. Concluiu da seguinte forma:
— Os três tenentes e eu tentaremos entrar na nave dos desconhecidos. Talvez façamos algumas descobertas valiosas. Final.
Quando levantou os olhos, viu os outros parados atrás deles.
— Sir — principiou Kopenziak. — O senhor pretende penetrar naquela nave?
Firgolt acenou com a cabeça.
— Isso mesmo. Finalmente temos uma oportunidade de descobrir quem são eles.
— Será que todos os tripulantes abandonaram a nave?
— Não demoraremos a descobrir isso. Acredito que não haja ninguém a bordo.
— Tomara que o verme do pavor não tenha nenhuma objeção — disse Warren.
Colocaram as armas a tiracolo e Firgolt certificou-se de que o conversor de símbolos estava bem preso ao seu cinto. Depois disso saíram da caverna. Do lado de fora tinha ficado muito mais frio. O vento tangia a chuva atrás deles. Os tenentes ainda usavam os trajes subaquáticos, que os protegiam. Firgolt levantou a gola do uniforme.
Caminharam diretamente para o mar, muito embora Firgolt se sentisse tentado a examinar os desconhecidos de perto. Mas no momento não tinham muito interesse em dirigir-se ao local do morticínio.
Assim que chegaram às colinas viram a nave. Parecia uma pedra tosca. Era difícil de saber se as numerosas saliências eram excrescências de molkex ou torres de canhões. O conjunto nem tinha o aspecto de uma espaçonave. Firgolt sabia que o revestimento protetor de molkex tornava o veículo espacial praticamente invulnerável.
Por isso não deviam hesitar em aproveitar a oportunidade de entrar numa dessas naves. Correram em direção ao mar o mais depressa que o chão amolecido permitia.
Firgolt teve a impressão de enxergar metal embaixo do molkex, mas não tinha a menor dúvida de que estava enganado. Talvez fosse alguma coluna de pouso, saliente.
Quando chegaram mais perto, descobriram a eclusa. O revestimento de molkex era tão espesso, que a entrada parecia antes uma abertura natural que uma passagem criada por meios artificiais.
Num gesto instintivo, Firgolt passou a avançar mais devagar. Uma ameaça terrível parecia irradiar da estranha nave. O capitão fez um esforço para controlar-se. Numa hora destas não poderia perder a calma.
Tudo permanecia imóvel junto ao mar. A nave realmente parecia ter sido abandonado, conforme acreditavam. E não se via o menor sinal do verme do pavor.
Firgolt lamentou que não pudessem contar mais com a Carbula. Teriam de agir por conta própria e, em caso de emergência, não poderiam contar com qualquer tipo de auxílio.
Sabia que estavam abandonando a tarefa que lhes fora confiada, e que consistia em observar o verme do pavor. Tinham certeza de que o Lorde-Americano Atlan teria agido da mesma forma. Os agentes da USO desfrutavam de grande autonomia. Só assim poderiam ser bem-sucedidos.
Chegaram mais perto da nave e tudo continuava imóvel. A sensação de caminhar diretamente em direção a esse objeto disforme não era nada agradável. A qualquer momento alguém poderia abrir fogo contra eles com uma arma de radiações invisível.
O pálido rosto de garoto de Warren parecia uma máscara mortuária.
A chuva que escorria sobre o mesmo dava-lhe um aspecto de fantasma.
Dirigiram-se diretamente à eclusa. Quando se encontravam a cinqüenta metros da mesma, Firgolt viu uma espécie de passadiço. O mesmo levava à eclusa, que não atingia o solo. Viram pistas na areia, mas não podiam basear-se nas mesmas, pois a areia da praia já fora revolvida pelo verme do pavor e por eles mesmos.
Finalmente viram-se embaixo da eclusa. Firgolt colocou o pé sobre o passadiço. O material balançava, mas parecia resistente.
— Vou esperar até que saia a recepcionista — observou Collignot em tom de insegurança.
Ninguém achou graça. Collignot jogou fora o toco mastigado e acendeu outro charuto.
— Volto a ressaltar que isto não é uma ordem.
Firgolt falou muito devagar.
— Qualquer um que me acompanhe para dentro desta nave estará agindo por sua livre e espontânea vontade. Quem não quiser se arriscar poderá esperar aqui.
— Meus joelhos estão tremendo — confessou Kopenziak. — Mas irei com o senhor.
— Vamos andando — disse Collignot. Warren assentiu com um gesto. Atravessaram o passadiço. A eclusa de ar assemelhava-se à boca de um animal faminto. Firgolt passou a língua pelos lábios ressequidos. Visto de perto, o revestimento de molkex parecia um enorme furúnculo.
No interior da comporta reinava a penumbra. Quando os olhos de Firgolt se acostumaram à luz crepuscular, o mesmo notou que a câmara da eclusa à sua frente apresentava, em princípio, certa semelhança com as das naves terranas.
Viu algumas alavancas, cuja finalidade não conseguiu entender.
Entraram. Por ali não havia o menor sinal de molkex. Tudo era feito de metal liso bem trabalhado. Os seres que haviam fabricado aquilo deviam possuir uma tecnologia muito avançada.
Firgolt fez um gesto para que os tenentes o acompanhassem.
Saíram da câmara da eclusa e entraram num corredor de teto abaulado, fortemente iluminado por uma fonte de luz invisível. Parecia que a luminosidade vinha de fendas quase invisíveis que se encontravam de ambos os lados do teto.
O corredor estava abandonado. Outros corredores menores desembocavam nele. Mais ao longe Firgolt viu escotilhas semicirculares, que deviam dar para camarotes e outros recintos. Não se sabia onde ficava a sala de máquinas e a sala de comando.
E eram justamente estas salas que interessavam a Firgolt. Esperava que por ali se tornaria mais fácil descobrir alguma coisa a respeito dos seres estranhos.
De repente ouviu um chiado atrás de suas costas.
O Capitão Firgolt virou-se abruptamente.
A câmara da eclusa de onde acabavam de sair fechara-se atrás deles, como se tivesse sido acionada por alguma força invisível. Os agentes entreolharam-se. Seus rostos exprimiam medo e perplexidade.
— Ora, que... — principiou Kopenziak.
No mesmo instante a nave começou a vibrar. O robusto agente engoliu o resto da frase e segurou-se na parede.
Os pensamentos de Firgolt precipitaram-se. O que estava acontecendo? Será que alguns dos desconhecidos tinham ficado a bordo? Tinha lá suas dúvidas. Precisavam descobrir logo de onde vinham as vibrações. O caminho que levava para fora da nave estava fechado.
De repente Firgolt sentiu-se atingido por uma forte pressão, que o atirou ao chão.
A nave estava decolando!
Pôs-se a refletir intensamente. Todo o seu ser se rebelava diante da idéia de estarem sendo arrastados para o espaço. Teriam entrado numa armadilha?
Por que esse barco maldito não possuía neutralizadores de pressão? Depois de algum tempo, o capitão conseguiu pôr-se de pé. Estava cercado pelos tenentes, que naquele momento se haviam transformado num grupo de homens molhados, que praguejavam e estavam à procura de alguém que pudessem atacar.
— Precisamos encontrar a sala de comando — exclamou Firgolt em tom nervoso. — Temos que deter a nave enquanto existe uma possibilidade de voltar.
Firgolt imaginava que algum dispositivo, que fazia decolar a nave, havia entrado em funcionamento. No momento não podiam fazer nada para impedir que isso acontecesse.
— Vamos separar-nos — ordenou. — Encontramo-nos daqui a dez minutos, aqui mesmo, perto da eclusa. Se alguém encontrar a sala de comando, deverá voltar imediatamente.
Saíram correndo. Cada um deles seguiu por um corredor diferente. Firgolt ficou satisfeito ao constatar que a atmosfera do interior da nave era respirável. Em todos os lugares sentia-se um cheiro estranho, mas não era isso que importava.
Os olhos de Firgolt se turvaram. Tirou apressadamente um estimulante da bolsa que trazia presa ao cinto e engoliu-o.
O corredor no qual acabara de penetrar seguia em linha reta. Depois de algum tempo o capitão defrontou-se com uma escotilha. Examinou o fecho e não demorou em abri-lo.
Entrou num recinto não muito grande. O teto era formado por uma espécie de tela de imagem, que estava iluminada.
Por coincidência Firgolt encontrara o observatório de bordo. Se hão estava enganado, já se encontravam no espaço.
A idéia deixou-o arrasado: eram prisioneiros da nave. Praticamente não possuíam a menor chance de voltar para Euhja. Era possível que o dispositivo automático os arrastasse ao sistema dos seres estranhos.
Firgolt retirou-se do observatório. Sentia-se bastante contrariado. Devia informar os companheiros sobre o que acabara de ver. Quem dera que tivessem uma possibilidade de avisar a Frota.
Um vulto surgiu na outra extremidade do corredor.
— Claude! — gritou Firgolt.
Não era Collignot. Era um robô. Firgolt não perdeu tempo. A carabina de radiações parou em suas mãos como que num passe de mágica. Disparou uma carga completa contra a máquina que se aproximava.
O robô desmanchou-se no calor. Provavelmente havia outros tipos da mesma espécie, que criariam problemas para os agentes.
Firgolt sentiu-se satisfeito quando saiu para o corredor. Encontrou Warren no corredor principal. O jovem oficial fez um gesto de desânimo.
— Nada feito, sir — disse. — Encontrei uma espécie de sala dos tripulantes; foi só.
— Vamos até a eclusa — sugeriu Firgolt. — Talvez os outros tenham encontrado alguma coisa.
Quando chegaram à eclusa, Kopenziak já havia voltado. Sua calva, ainda molhada da chuva, brilhava sob a iluminação do corredor.
— A única coisa que encontrei foi uma espécie de depósito — disse em tom contrariado. — Está cheio de tudo quanto é coisa. Até encontrei molkex.
Só faltava Collignot. Firgolt não acreditava que Claude tivesse mais sorte que eles, mas não devia desesperar.
Esperaram em silêncio. Finalmente, quando Firgolt já estava prestes a dar ordem para que todos saíssem à procura do tenente, Collignot veio correndo por um corredor.
Correu até perto da eclusa e, chegado lá, reduziu sua marcha. Firgolt percebeu imediatamente que havia algo de errado. O rosto de Collignot estava muito sério.
— Estamos no espaço, sir — disse em tom de desânimo.
— Já sei — disse Firgolt e ofereceu um breve relato sobre o observatório que acabara de encontrar.
Respirando fortemente, Collignot tirou um dos seus queridos charutos. Imaginava que o tenente precisava urgentemente de uma boa baforada.
— Não estamos sós nesta nave, sir — disse Collignot depois de acender o charuto. — Encontrei a sala de comando, mas a mesma está ocupada.
Firgolt teve a impressão de que alguém acabara de pronunciar sua sentença de morte.
— Quantas pessoas estão lá dentro? — perguntou.
Collignot procurou sorrir, mas só conseguiu fazer uma careta de cansaço. A mão que segurava o charuto tremia fortemente.
— É uma única pessoa — disse Collignot com a voz rouca.
Firgolt soltou um suspiro de alívio. Sempre seriam capazes de livrar-se de um desconhecido, mesmo que este mantivesse ocupada a sala de comando.
Mas a última frase pronunciada por Collignot fez com que suas esperanças desmoronassem de repente. As palavras do tenente representavam um prenuncio do que os aguardava a bordo da nave. Ao mesmo tempo abriam uma perspectiva assustadora.
Collignot soprou a fumaça e acompanhou-a com os olhos, enquanto subia ao teto.
— O passageiro que se encontra na sala de comando é o verme do pavor — disse.
Seguiu-se um silêncio completo. Quando Firgolt voltou a falar, Euhja já havia ficado bem para trás. A nave corria com uma velocidade cada vez maior para um destino desconhecido.
WilliamVoltz
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