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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


QUEEN OF DARKNENESS / Isadora Brown
QUEEN OF DARKNENESS / Isadora Brown

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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A Rainha das Trevas não vai parar por nada para chegar até Drew, e isso significa acabar com a vida de Kelia de uma vez por todas.
Depois de voltar da beira da morte, Kelia Starling está pronta para sacrificar tudo pela liberdade de Drew, mas isso não significa que ela está disposta a perdoá-lo depois do que ele fez a ela.
O único caminho para a liberdade, no entanto, leva ao monstro que quer Kelia morta: a Rainha das Trevas.
Para derrotá-la de uma vez por todas, Kelia e Drew devem primeiro enfrentar uma ilha de Sombras que Drew traiu, criaturas que Kelia nunca soube que existiam, e uma mulher do passado de Kelia que ela uma vez chamou de amiga.
A traição, no entanto, é a menor de suas preocupações quando descobrem que sua única esperança de liberdade está nas mãos de seus inimigos.

 


 


CAPÍTULO 1

No momento em que a consciência puxou sua mente, arrancando-a do sono, a cabeça de Kelia latejou com uma batida estranha e dolorida. Ela não pôde deixar de estender a mão e pressionar as têmporas. Embora a pressão suave de seus dedos aliviasse sua dor, a ameaça de nova agonia se ela abrisse os olhos a compeliu a mantê-los fechados.

O que estava acontecendo?

—Calma aí, querida. — Uma voz familiar murmurou ao lado dela.

Os cabelos finos de seus braços e pescoço faiscaram, como se tivessem sido chamados por magia por ele.

—Ela está acordando? — Outra voz perguntou. Esta era baixa, feminina e suave. Emma. Kelia poderia reconhecer a voz da bruxa da terra em qualquer lugar. —Como ela está?

Havia um tremor em sua voz, como se ela estivesse preocupada com alguma coisa. Mas com o que Emma poderia estar preocupada? Emma nunca se preocupou com nada.

—Ela está consciente, mas, além disso, não sei de nada — Drew respondeu secamente. —Talvez vocês bruxas devam ajudar Wendy a nos levar de volta para Nassau o mais rápido possível. Uma bruxa do vento só tem controle do vento. Daniella, talvez você possa fazer algo útil e atear fogo no oceano.

Depois de um bufo descontente e passos que soaram como se estivessem se afastando, uma porta bateu com força.

—Por que você é tão duro com ela? — Emma perguntou.

—Você sabe porquê. O que ela fez com Kelia...

—Funcionou, não é? — Emma explodiu. —Colocar Kelia no programa de procriação permitiu que Kelia encontrasse Wendy. Também permitiu que você as tirasse de Port George e longe da Sociedade. Se qualquer coisa, Daniella é a razão de você ter Kelia de volta.

—Só para cair nas mãos da Rainha, devo lembrá-la.

Kelia abriu os olhos. Mas em vez da luz penetrante que ela esperava, ela se deparou com a escuridão. Além das duas silhuetas distintas que ela sabia ser Emma e Drew, tudo era muito preto. Sua cabeça latejava, mas ela piscou até que seus olhos se ajustaram à escuridão.

Não, era mais do que isso. Mais do que sua visão apenas se acostumando com as sombras do cômodo. Kelia realmente podia ver através da escuridão agora.

Mas por que?

—O que aconteceu? — Kelia perguntou. Com a garganta tão seca, era difícil para Kelia falar. Sua voz soou estranha, como se ela não tivesse a habilidade de formular palavras há anos. —Eu me lembro que a Rainha me teve. E depois...

O que ela lembrava? A Rainha lhe deu algum tipo de veneno que a faria vomitar. Isso não a mataria imediatamente; em vez disso, ela sangraria lentamente por dentro e o vômito faria o sangue sair.

Kelia se mexeu para poder se sentar e quase rolou para fora da cama. O movimento foi muito cedo. Drew e Emma correram para o lado dela.

—Onde eu estou agora? — Kelia perguntou, agarrando-se com força na beira da cama para não cair.

Ela fechou os olhos e inclinou a cabeça para cima, as narinas dilatando-se enquanto tentava sentir o cheiro. Sal. Ar limpo e fresco. Um aroma pesado que pairava em torno dos navios no mar. Suas orelhas captaram as ondas batendo contra o navio. Passos estalavam e batevam na madeira, e o navio gemia. Pássaros crocitavam ao longe.

—O Espectro, — ela murmurou, mais para si mesma. Ela lentamente abriu os olhos. —Eu estou no Espectro. Como? Por quê?

Drew juntou as mãos e se sentou na beira da cama. —Há muito tempo para responder a essas perguntas mais tarde. Por enquanto, vamos ter certeza de que você está bem. Como você está se sentindo?

Kelia se recostou para que sua cabeça descansasse no travesseiro atrás dela. Parecia familiar, cheirava familiar. O travesseiro de Drew. Este era o seu quarto. Agora ela viu, claro como o dia. A mesa atrás de Emma, cheia de pergaminhos e desorganizados. A estante pregada no chão, cheia de livros que ela ainda não tinha encontrado tempo para ler.

Ela se virou para a janela, tomando muito cuidado para não se mover como antes, para não ser confrontada com uma forte crise de tontura novamente. Mas a janela estava bloqueada. Algo preto pressionado contra o vidro.

—O que há na janela? — Ela perguntou, apontando.

Emma se encostou na borda da mesa de Drew para que ela também pudesse olhar para a janela. —Uma mistura que eu criei, — ela disse, puxando sua trança para cair sobre seu ombro, as pontas se espalhando contra um vestido simples e justo que parecia mais confortável do que estiloso. —Semelhante ao alcatrão — acrescentou ela. —É para bloquear o sol.

Drew lançou um olhar para Emma antes de colocar um sorriso no rosto. —Não dê ouvidos a ela, querida. Isso não é importante agora.

—Como não? — Emma perguntou, zombando. —Talvez seja a coisa mais importante no momento. E vou falar a verdade, mesmo que seja difícil. Principalmente se alguém de quem gosto, talvez até ame, merece saber a verdade. Especialmente se talvez esse mesmo alguém devesse ouvir a verdade de mim antes de descobrir de outra pessoa. O que você acha, Drew Knight? — Ela cruzou os braços sobre o peito e deu a Drew um olhar de expectativa. —Talvez Kelia mereça ouvir a verdade? E se sim, de quem ela merece ouvir, hein?

—Drew...— Kelia disse lentamente, fixando o olhar no Sombra do Mar.

Drew parecia cansado; isso era certo. Parecia que ele carregava um grande fardo que ele havia desistido ou resolvido, mas que ainda o deixava exausto. Independentemente disso, mesmo agora, ela não pode deixar de olhar para ele. Seus olhos escuros que pareciam penetrar em sua alma. Aqueles lábios que a faziam se lembrar das vezes em que ele a beijava nos lugares certos. Aquelas maçãs do rosto, o queixo, seu belo rosto que parecia feito de mármore. Seu cabelo escuro caiu em seu rosto e Kelia coçou para afastar os fios.

Mas tão bonito como ele era, sua expressão desmentia sua culpa. Ele estava escondendo algo.

—O que você não está me dizendo? — Ela pressionou.

Drew abriu a boca e, a julgar pela expressão em seu rosto, Kelia percebeu que tudo o que ele estava prestes a dizer seria encantador... uma meia-verdade encantadora. Ele fazia isso às vezes, pensando que a estava protegendo ao reter informações; quando, na verdade, ela preferiria toda a verdade, mesmo que não gostasse dela.

—Drew? — Ela ergueu as sobrancelhas na esperança de que ele entendesse o quão séria ela estava. —Sem mentiras de omissão, por favor.

Ela inclinou a cabeça para o lado, na esperança de esticar o pescoço. Um leve puxão contra o lado de sua garganta a fez grunhir. Ela estendeu a mão para tocar a área sensível, na esperança de acalmá-la, mas hesitou quando seus dedos encontraram algo pegajoso. Algo úmido.

Ela franziu a testa e trouxe os dedos na frente dela. Ela teve que piscar uma, duas vezes, seu polegar acariciando seus dedos para ter uma melhor noção da substância antes de lançar seu olhar de volta para Drew, mais confusa do que antes.

Os dedos de Drew se enrolaram e ele colocou as mãos embaixo do queixo. A postura estava totalmente errada para alguém como Drew Knight. Ele parecia hesitante, preocupado. Com o que ele poderia se preocupar? Eles não estavam mais com a Rainha, estavam?

—Há algo que você provavelmente deveria saber. — Ele disse finalmente.

—Eu juntei tanto. E é por isso que eu...

Um cheiro estranho e metálico a pegou desprevenida, fazendo cócegas em suas narinas. Como ela conhecia esse cheiro? Por que era tão familiar para ela?

Seu estômago roncou. Ela estava com fome. Quando foi a última vez que ela comeu? Provavelmente na época em que a Rainha lhe deu aquele veneno.

Ela mudou seu foco de volta para os dedos.

—Drew? — Ela aproximou os dedos dos olhos. —Isso é sangue? É por isso que meu pescoço dói?

—Você não achou sábio curar o pescoço dela depois? — Emma começou com os dentes cerrados, mas Drew a interrompeu com uma risada histérica.

Sem se virar para olhar para Emma, ele a empurrou suavemente em direção à porta. —Você não tem uma ruiva para supervisionar? Eu não a quero queimando meu navio com seus dedos de fogo e outros enfeites.

—O que você não está me dizendo? — Kelia perguntou, sua voz caindo para um sussurro. —Drew, o que está acontecendo? O que aconteceu comigo? A Rainha fez isso comigo? Você a matou?

—Não exatamente.

—Não exatamente para qual pergunta?

—Qualquer um deles. — Ele deu um passo em direção à cama e se abaixou para se sentar ao pé do colchão, torcendo o torso para encarar Kelia. —Ouça, princesa, você estava inconsciente por três dias. Acho que o mais importante agora é você recuperar as forças.

—O que? — Kelia exigiu, deixando cair a mão para que batesse nos lençóis. O carmesim respingou nos lençóis esbranquiçados, mas Kelia nem piscou com o pensamento.

—É completamente normal, garanto a você. — Drew estava usando as mãos animadamente agora, e Kelia sabia que ele só fazia isso quando estava nervoso com alguma coisa. Normalmente, isso ocorria apenas quando ele tinha que pedir algo a Emma ou precisava de um favor dela que ela não gostaria particularmente; como pedir-lhe que se vista como uma prostituta para ouvir conversas privadas e obter informações. Kelia nunca pensou que Drew precisaria usá-lo nela e, ainda assim, aqui estava ele, falando com as mãos. —Estar inconsciente por três dias, quero dizer.

—Como isso é normal? — Kelia se endireitou. —Você quer dizer que é um efeito colateral normal da poção? Por que você expulsou Emma? Talvez ela possa ajudar. E por que há sangue no meu pescoço? Eu me machuquei? E por que não estamos com a Rainha? Presumo que você me resgatou, mas como você conseguiu isso? — Ela piscou e fixou os olhos em Drew. —Por favor, Drew. Eu não sinto... eu não posso explicar isso. Alguma coisa está errada comigo. Não, não está errado. Essa não é a palavra que procuro. Me sinto diferente. Mas não sei por que me sinto diferente, e isso me assusta. Se você sabe o que aconteceu comigo, você precisa me dizer. Agora.

Os olhos castanhos escuros de Drew nunca vacilaram, embora ela pudesse dizer que ele estava preocupado com algo. Vê-lo tão vulnerável, novamente, foi o suficiente para disparar alarmes de advertência na cabeça de Kelia. Ela agarrou o lençol enrolado em seu colo e esperou que ele falasse.

—Tudo bem —, disse ele. —Vou te contar. Mas você deve prometer que me permitirá terminar a história antes de fazer qualquer pergunta.

Kelia concordou. —Isso é justo.

Drew baixou o olhar para as mãos dela e estendeu a mão para que pudesse pegar uma das suas. A sensação familiar de sua pele áspera contra a dela fez um pouco da tensão em seus músculos se dissipar, mas não foi o suficiente para aliviar Drew. Ela ainda precisava saber o que estava acontecendo.

—Preciso prefaciar esta história com um lembrete gentil de que te amo e que isso não mudou nada — disse Drew. —Tudo que eu fiz é para você e seu bem-estar. Eu faria qualquer coisa por você, qualquer coisa para garantir sua segurança. Você entende?

—Sim, — Kelia disse, —mas, Drew, você está começando a me assustar. Você não pode me dizer o que está acontecendo?

Ela olhou para a janela, apenas para ser lembrada de que as cortinas estavam fechadas. Kelia nem sabia que horas eram, se estava ensolarado ou se estava chovendo.

—Claro. — Ele limpou a garganta, entrelaçando os dedos com os dela e apertando-os suavemente. —Quando descobri que você tinha sido levada, não pude, não fui... Não era uma pessoa agradável de se estar por perto. Como tínhamos o mapa de Sangre, zarpamos quase imediatamente. Wendy estava muito envolvida em sua própria tristeza para reunir a capacidade de nos levar para a ilha mais rápido, então tivemos que nos contentar com o vento, pois era fornecido por Deus.

—Tudo bem — disse Kelia, apertando mais os lençóis. Ela não tirou os olhos dele. Ele estava agindo de forma estranha, completamente diferente de si mesmo, e isso a assustava.

—Chegamos à ilha e Daniella fez um grande incêndio —, continuou. —Wendy voou sobre o fogo usando seu poder, e tudo queimou. O maior medo de uma Sombra é o fogo. É a única coisa além de ser perfurado no coração que pode nos matar.

—Então você queimou a ilha. — Kelia precisava que ele ficasse no caminho certo e, mesmo assim, ele continuava sumindo, como se quisesse evitar chegar à parte que era mais importante agora.

—Eu corri pela água até a ilha e para a mansão —, ele continuou. —Eu te encontrei e te trouxe de volta. Infelizmente, Emma soube imediatamente com o que você foi envenenada; é uma mistura incrivelmente rara que corrói suas entranhas e faz com que você continue vomitando, independentemente de seu estômago está cheio ou vazio. Te dando um sangramento interno, então sua morte, que poderia acontecer semanas após receber o veneno, se estende. A cada dia que passa fica pior. Você perde mais sangue e a dor aumenta, mas o resultado final é o mesmo: você morre.

Kelia esfregou os lábios, tentando ignorar a maneira como seu coração batia na garganta. As palmas das mãos umedecidas de suor e ela continuou a apertar os lençóis para não começar a tremer. Ela nunca pensou que teria medo da morte e, ainda assim, ela não podia evitar se entregar a um momento de completa autopiedade.

—Existe uma cura? — Ela exigiu saber. Ela podia ouvir como sua voz estava estridente e balançou a cabeça, tentando se acalmar. Não adiantou. —Eu estou - você está dizendo que eu vou morrer? É por isso que fiquei inconsciente por três dias? Emma deve ter encontrado uma cura, certo? Porque me sinto melhor agora. Por favor, diga que ela encontrou uma cura.

—Querida —, disse Drew. Ele largou a mão dela para alcançar uma mecha perdida de cabelo loiro, mas se conteve e então colocou a mão em seu colo mais uma vez. —Eu não terminei.

—Oh. — Ela moveu os quadris. —Peço desculpas. Continue.

—Não há cura para o que a Rainha deu a você, infelizmente, — ele disse. Cada palavra foi pronunciada, e Kelia percebeu que, mais uma vez, ele estava tentando ganhar tempo. Ela estava perto de estender a mão e estrangulá-lo para acelerar as coisas. —Se não fizéssemos o que fizemos, você teria morrido. Eu não poderia suportar pensar em você não aqui, comigo, ao meu lado. A probabilidade de você morrer... Eu não poderia deixar isso ocorrer. E sim, eu sei que isso me torna egoísta, mas não me arrependo, e faria isso de novo e de novo se isso tirasse sua dor e significasse que você sobreviveria.

—Drew — disse Kelia. —O que você fez? Se você me salvou, por que parece tão... desolado?

—Porque para salvá-la, eu tive que matá-la — disse ele. —Você ficou inconsciente por três dias porque seu corpo precisava aceitar a mudança.

—Eu não entendo — disse Kelia lentamente. —O que você não está me dizendo? Que mudança?

—Tenho certeza que você notou seu olfato mais forte, sua capacidade de ver através da escuridão...— Drew respirou fundo e estendeu a mão para pegar a mão de Kelia. —Eu tive que transformar você, Kelia. Era a única maneira. Eu tive que transformá-la em uma Sombra do Mar.

CAPÍTULO 2

Kelia tirou a mão de Drew e puxou os joelhos, ainda cobertos com cobertas, até o peito e os envolveu com os braços. —Sinto muito, Drew. Você terá que repetir isso. Parecia que você disse que me transformou em uma Sombra do Mar. Mas, certamente, você não teria feito isso. Você teria esperado até que eu estivesse consciente para obter meu consentimento. Por favor, me diga que você realmente não me transformou sem pedir.

—Não houve tempo. — Disse ele, uma cadência de pesar no tom.

—Você disse que levaria semanas para eu morrer! — Kelia disse, jogando os braços para fora, mas mantendo os joelhos para cima. —Você sabia que eu tinha chegado naquela ilha dias atrás. Por que não esperar? Por que não ter certeza de que viver como uma Sombra do Mar era algo que eu queria?

—Não sabíamos se algo mais foi feito com você. — Disse Drew.

—Isso é uma merda, e você sabe disso. — Ela cerrou os dedos em punhos. Sua cabeça começou a latejar mais uma vez, e algo se moveu em sua boca. No início, ela pensou que era doloroso, mas, se alguma coisa, foi apenas uma surpresa. Quando ela moveu a língua para sentir o que tinha acontecido, ela cortou em algo afiado.

Presas.

Ela tinha presas agora.

Lágrimas brotaram de seus olhos. Não por causa da dor, mas porque o que Drew disse era realmente verdade.

—Por que você fez isso comigo? — Ela perguntou, sua voz falhando. Uma lágrima escorreu por seu rosto e depois outra. —Por que você não falou comigo sobre isso primeiro?

—Eu te disse...

—Sem mentiras — rebateu Kelia. —Você escondeu coisas de mim antes, coisas que eu entendi e te perdoei, mas não minta para mim, Drew. Você me deve mais do que isso. A Rainha queria ver você sofrer. Tenho quase certeza de que ela não esperava que você chegasse tão rapidamente para me resgatar, e certamente não esperava que chovesse fogo do céu e que você me pegasse. Você teve tempo. Você poderia ter esperado antes de me transformar, mas você optou por não o fazer.

—Eu fiz o que pensei que deveria fazer para parar o seu sofrimento — disse Drew. Sua voz estava fria, resignada. —Você não estava respondendo. A Rainha é uma coisa vil e distorcida. Não queria que você sofresse mais. Eu transformei você porque pensei que era nossa única opção.

—Nossa única opção? — Kelia lutou para se sentar mais reta na cama, mas se mexeu o melhor que pôde. —Não havia nenhum nosso neste plano, Drew. Nunca tive a chance de tomar uma decisão. Não, esta foi uma escolha que você fez. Você foi egoísta. Você só queria me manter só para você!

—O que? — Sua voz era baixa, mas aguda. Seus olhos castanhos se estreitaram e suas próprias presas se alongaram.

Kelia confiava que ele não tinha intenção de tentar assustá-la. Mesmo que estivesse com raiva ou magoado, ele não faria algo assim.

Você pensava que ele não era o tipo de pessoa que te transformava em um monstro, mas ele fez isso na primeira chance que teve, uma voz apontou.

—Eu não vou me repetir — rebateu Kelia, olhando pela janela o melhor que podia. A mistura de Emma mascarava o dia ou a noite, mas ela preferia escuridão a Drew no momento. —Por que mais você tomaria uma decisão que não pode desfazer?

—Você teria preferido vomitar até não ter mais nada? — Drew exigiu, quase se sentando em sua cadeira e estreitando os olhos. —Exceto sangue? Você gostou do sabor do seu próprio sangue quando ele apareceu? Eu vi você, a crosta de sangue em seu lábio. Eu vi o sangue salpicado de vermelho em sua túnica. Eu vi você e pensei o pior. Achei que a Rainha... — a voz dele falhou e Kelia poderia jurar que percebeu as lágrimas se acumulando nos olhos dele. Mas ela piscou e elas se foram. Talvez elas nunca tenham estado lá. —Você não sabe em que posição eu estava.

—E que posição era essa? — Kelia desviou o olhar para Drew, flexionando os dedos para não brincar com as unhas. Ela precisava de algo para fazer, qualquer coisa para tirar essa energia de seu corpo, ou então sairia de sua boca em palavras que ela provavelmente não deveria dizer. Ela estendeu a mão e puxou seu cabelo. Parecia estranho, seu cabelo cobrindo a nuca quando ela normalmente o tinha trançado para trás. Ela pode não ser a mesma pessoa que era, mas isso não significava que tudo mais tinha que mudar.

—Você esqueceu o quanto eu te amo? — Ele perguntou, um som de partir o coração de desespero em sua voz.

As palavras pairaram entre eles, afiadas o suficiente para que nenhum deles quisesse se arriscar a dançar ao redor delas.

Kelia parou sua trança, mas não baixou as mãos. Foi como se tudo dentro de Drew desabasse. Seus ombros curvados para frente, seu olhar caiu para o chão, e ele quase se jogou no canto da cama ao pé de Kelia. Sua cabeça estava em suas palmas, seu cabelo pendurado na frente dele.

Kelia tinha vontade de ir até ele, de confortá-lo, de dizer que ainda o amava. Mas o desejo nunca se concretizou. Seus dedos se transformaram em punhos e suas unhas cravaram em sua pele, lembrando-a de que ela havia se transformado em um monstro que viveria para sempre. Como ele poderia afirmar que a amava depois de escolher esse destino para ela?

—Se você me amasse — disse Kelia, surpresa com sua própria frieza, —você teria me deixado sofrer.

Houve mais silêncio; uma adaga no coração dela e no dele. Não era assim que eles deveriam falar um com o outro depois de terem se reunido tão recentemente. Eles deveriam estar se abraçando, envoltos nos braços um do outro. Eles deveriam estar fazendo amor, lembrando como seus corpos se sentiam, como eles sabiam, o que significava quando eles estavam conectados. Sem gritar. Não dizendo coisas perversas que eles não poderiam retirar.

Drew ergueu a cabeça. —Eu nunca vou deixar você sofrer novamente. Eu prefiro que você me odeie. Quando você recebeu chicotadas por minha causa, quando foi mandada para o programa de criação por minha causa, você não sabe o preço que custou. Você ainda não entende como foi extremamente difícil não ir imediatamente até você.

—Por que você não fez isso? — Kelia empurrou. —Você é uma Sombra do Mar. Você acabou de me dizer que correu na água para chegar até mim. Por que não me tirou da prisão em Port George? Por que você não me tirou do programa de reprodução?

—Se você se lembra — disse Drew, sua voz quase um rosnado, —eu tentei. — Ele se levantou, virando seu corpo para ela. —Você me disse que não queria ir embora.

—E você respeitou essa decisão, mas não esta?

—Olha aonde isso te levou! — ele disse. —Eu jurei que nunca iria deixar você ir tão facilmente novamente. Como eu poderia saber que você não queria ser transformada? —Drew jogou os braços ao lado do corpo. — Como eu poderia saber disso? Nunca discutimos o que deveríamos fazer se fossemos confrontados com a situação. Tomei uma decisão em o calor do momento. Talvez você pense que foi o errado, mas acabou com a sua dor e a manteve viva, e essa sempre será a decisão certa para mim.

—Você sabe o que eu sinto sobre Sombras do Mar. — Kelia insistiu.

Drew arqueou uma sobrancelha para ela antes de balançar a cabeça e começar a andar. Cada vez que ele girava na ponta dos pés, o chão rangia sob seu peso. —Eu sei o que você foi ensinada a sentir sobre as Sombras, sim, mas depois de tudo que passamos juntos... Eu não sabia que você ainda se sentia assim.

—Você odeia a Rainha pelo que ela fez com você, e ainda assim, você fez a mesma coisa comigo.

—Não se atreva a me comparar com aquele monstro horrível, — Drew disse entre os dentes. —Aquela vadia me mudou para que eu pudesse ser pouco mais que um brinquedo; algo que ela pudesse alcançar em seu próprio tempo. Eu transformei você para salvar sua vida. Não vou mantê-la comigo se quiser ir embora. Tudo o que fiz, fiz por você.

—Mas você também se odeia — disse Kelia. —Você me diz isso o tempo todo. Por que você quer me transformar em algo que até você, você mesmo, odeia?

Drew congelou, sua atenção pousando em seu rosto enquanto sua expressão diminuía. —É isso que você acha? — Ele perguntou. —Que eu me odeio porque sou uma Sombra?

—Não é por isso?

Os lábios de Drew se apertaram e ele balançou a cabeça. —Eu não me odeio por causa do que eu sou, mas porque que eu era. Eu me odeio pelos erros que cometi, erros que nunca cometerei novamente, por sua causa. Lamento se você está insatisfeita com a escolha que fiz, mas, pela primeira vez, não tenho vergonha de uma decisão que tomei. Salvar você... é a coisa mais certa que já fiz.

Os olhos de Kelia se encheram de lágrimas e ela se odiou por fazer algo tão fraco quanto chorar na frente do homem que provavelmente arruinou sua vida inteira. Ela desviou o olhar dele, os lençóis amontoados em suas mãos novamente. Ela não conseguia se controlar por mais tempo e, antes que soubesse o que estava fazendo, os lençóis de seda dele - lençóis que foram colocados sobre seu corpo nu depois de uma noite apaixonada de sexo - eram fitas vermelhas em suas mãos. Ela os havia rasgado como se fossem nada além de papel.

Kelia piscou com a bagunça que ela tinha feito. Como ela poderia fazer algo assim simplesmente com as mãos? Não fazia sentido. Ela não tinha força...

Exceto, ela tinha.

Se isso não era prova de que ela era uma Sombra do Mar, ela não sabia o que mais poderia convencê-la.

Ela se colocou de pé. A ação foi muito rápida, e seus joelhos quase cederam embaixo dela. Drew deu um passo à frente com os braços estendidos, pronto para segurá-la. Mas ela estendeu o braço com a palma da mão voltada para ele, impedindo-o de fazer isso.

—Não, — ela disse, sua voz trêmula enquanto usava a outra mão para se levantar. — Não me toque.

—Você está inconsciente há três dias — disse ele. —Vai levar algum tempo para voltar a andar confortável. Deixe-me ajudá-la.

—Você já 'ajudou' o suficiente, obrigada. — Ela disse, mordendo as palavras.

O tom de sua voz parecia ser a única coisa sobre a qual ela realmente tinha controle. Ela não conseguia nem ficar de pé ainda. Colocando a mão na cama para se apoiar mais, Kelia endireitou os pés e se levantou. Se ela deveria ser uma maldita Sombra do Mar, então, no mínimo, ela deveria ser capaz de atravessar um quarto, abrir a porta e dizer a Drew Knight para sair. Mesmo se este fosse seu quarto.

Ela deu um passo e depois outro. Ela não precisava olhar para Drew para saber que sua expressão era de pena, e isso era a última coisa que ela queria do homem que a reduziu a isso.

Antes que ela soubesse o que estava fazendo, ela se lançou sobre ele. Kelia nunca tinha ficado com tanta raiva antes, e ela nunca esperava sentir uma raiva tão ardente de Drew, de qualquer pessoa no mundo. Ela conseguiu quebrar sua mandíbula com o punho, sua nova força mandando-o para trás. Com as pernas trêmulas, ela o perseguiu, batendo nele novamente e novamente.

Ele não revidou. Ele bloqueou os golpes, mas não a impediu. Apenas cambaleou para trás até que suas costas bateram na parede atrás de si e ele não pôde ir mais longe. Nesse ponto, Kelia não tinha forças para continuar a esmurrá-lo com os punhos.

—Vamos, maldito — disse ela, levantando o punho e empurrando Drew. —Lute de volta. Lute de volta!

—Não. — Sua voz estava baixa, suave. Parecia sábio e completamente diferente do Drew. Paciente. Talvez até compreensivo.

—Por favor. — Lágrimas arderam em seus olhos. —Não fique aí parado!

—Eu não vou lutar com você, Kelia Starling.

Antes que Kelia soubesse o que estava acontecendo, as lágrimas começaram a cair mais livremente e suas pernas cederam. Drew foi mais rápido do que ela esperava e, em vez de pousar no chão duro de madeira, ela pousou em seu colo, os braços fortes envolvendo sua cintura. Imediatamente, Kelia enterrou o rosto em seu peito e continuou a chorar. Ela estava certa de que sua túnica estava arruinada - pelo menos, mais arruinada do que a túnica de um pirata vampiro poderia ser arruinada pelos meios usuais - agora acumulando lágrimas úmidas e pegajosas em cima do sangue seco, suor e sujeira.

Em vez de dizer qualquer coisa para ela, Drew a deixou chorar. Ela ainda se lembrava da última vez em que chorou na frente dele. Seu corpo inteiro estava tenso, como se ele não tivesse certeza de como lidar com as emoções dela. Ela não tinha certeza de como lidar com suas emoções. Mas ele ficou com ela e a deixou chorar até terminar, mesmo com o corpo imóvel e firme, como a madeira que construiu este navio.

Enquanto Drew ainda estava tenso debaixo dela, ele não disse a ela o quão desconfortável ele estava. Ele não disse a ela que não sabia o que fazer para fazê-la se sentir melhor. Ele não fez nada, exceto segurá-la com força e deixá-la chorar. E aquele silêncio, o conforto que ela sentia simplesmente por estar em seus braços, foi o suficiente para ajudar Kelia a se acalmar e lentamente superar o choque inicial de descobrir o que ela era agora.

—Sinto muito, princesa, — ele murmurou em seu cabelo, agarrando-se firmemente a ela. —Eu sinto muito. Se houvesse alguma outra maneira...

Ela podia ouvir a dor na voz de Drew. Se Drew era alguma coisa, ele era forte e resistente. Ele não mostrava suas emoções livremente. Embora ela quisesse discutir, dizer a ele que havia muitas outras maneiras, em algum lugar bem no fundo, ela sabia que ele teria feito isso se fosse possível.

Ela soluçou, colocando a cabeça confortavelmente no peito dele e fechou os olhos para relaxar. Se Drew disse que sentia muito, ele quis dizer isso quando disse que não conseguia pensar em outra maneira.

Então Kelia fechou a boca e deixou Drew segurá-la, balançando-a para frente e para trás. Seu coração ecoou em seu ouvido, e as lágrimas ainda caíam de seus olhos, lentamente agora. Resoluta. Ela não podia mudar o que era, e demoraria um pouco até que pudesse perdoar Drew, mas ela não podia odiá-lo. Não quando ela ainda o amava mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Ela não conseguia se concentrar nisso agora. Não quando a Rainha ainda era uma ameaça iminente para eles.

Naquele momento, alguém bateu na porta. Era estranho ouvir alguém se aproximando antes de se anunciar.

Drew se levantou, mantendo os braços imóveis em torno de Kelia e puxando-a lentamente antes de abrir a porta. Emma estava do outro lado da soleira, seus olhos castanhos escuros arregalados e um brilho de preocupação brilhando nas íris.

—Drew, — ela disse, antes que ele pudesse questioná-la. —Nós temos um problema.


CAPÍTULO 3

Kelia sabia que Emma não queria que ela acompanhasse Drew no convés. Embora a bruxa da terra não tenha falado muito, seus lábios enrugados, sua sobrancelha ligeiramente contraída e a forma como seu queixo se inclinou para baixo quando ela desviou o olhar de Drew para o corredor, deixando Kelia fora do contato visual, disseram isso a ela.

Mesmo assim, Drew não disse a ela para ficar no quarto. Na verdade, ele manteve a mão em seu quadril ao passar pela porta, levando-a com ele.

Saindo do quarto e sob o céu crepuscular púrpura empoeirado enquanto o sol mergulhava na água, os olhos de Kelia ardiam. Ela piscou uma, duas vezes. Seu corpo inteiro ficou tenso e sua cabeça girou com intensas sensações de... tudo.

Ela podia sentir o cheiro de cada grão de sal no oceano, podia ouvir as diferentes batidas do coração de cada indivíduo neste navio e podia ver o fundo do oceano, mesmo que as ondas estivessem violentas e negras.

Agarrando a cabeça com as mãos, Kelia emitiu um pequeno gemido. Graças ao zumbido e sensação de flutuação em sua cabeça e à forma como seu estômago se apertou, ela tropeçou e quase caiu no duro deck de madeira. Drew a pegou, mas ela estava com muita fome para realmente sentir seu toque. Seu estômago explodiu como o rugido de um leão. Ela precisava de comida. Agora.

O desejo de comer bateu nela como água fria durante um sono profundo. Suas narinas se contraíram. Ela cheirou... alguma coisa. Algo no ar que se misturou com o sal e a brisa límpida e fria.

Metal.

Os olhos de Kelia se abriram.

Não. Não era metal.

Sangue.

Foi o sangue que acendeu seus sentidos, e ela o queria. Ansiava por isso. Precisava disso.

O impulso foi tão intenso que tudo ao seu redor embotou. A conversa de Drew e Emma mal passou pelo silêncio abafado e macio em seus ouvidos, embora cada batida do coração no navio parecesse penetrar direto, batendo mais alto e chamando-a mais perto.

Ela tentou se concentrar na conversa de Drew e Emma. Algo sobre uma sereia. Mas ela não conseguia se concentrar no quê. Não com aquele cheiro no ar.

Kelia fechou os olhos. O cheiro era tão fresco que sua boca se encheu de saliva. Então sua boca começou a ficar estranha, quase dormente e inchada ao redor das gengivas. Parecia que algo estava se movendo em sua boca. Ela engasgou, sua mão voando para os lábios, assim como os dentes do olho se projetaram para cutucar seu lábio inferior.

De novo não.

Horrorizada, ela correu o dedo contra o dente, até a ponta afiada. Picou seu dedo, e quando ela puxou a mão, uma gota de sangue perolou em sua pele.

Ela precisava aprender como ter certeza de não continuar cortando a boca com as presas.

O momento tirou Kelia de seu transe e sua atenção voltou-se para Emma e Drew.

—... não sei, mas a equipe a viu, — disse Emma. —Nós a puxamos para cima. Parece um corte no abdômen. Ela está sangrando.

—Não há como salvá-la, então? — Drew perguntou.

—Acho que não. Daniella pode tentar fundir a pele, mas não posso prometer que funcionará.

—Por que não?

Percebendo que estava curvada sobre os ombros, Kelia se forçou a se endireitar, embora isso fizesse a dor em seu estômago piorar. Ela não sabia como conseguiu cruzar o convés, mas os passos de Drew estalaram no mesmo ritmo que ela. Se ela se concentrasse, seria capaz de sentir a mão dele ainda ao seu lado, guiando-a, mesmo com sua atenção voltada para Emma.

Quando seus olhos caíram sobre o ser que se estendia pelo convés do navio, Kelia quase saltou.

Elise.

A sereia que havia tentado levá-la antes. Aquela que mentiu sobre sua mãe.

A sereia ofegava, mas talvez seu orgulho fosse muito importante para ela, já que ela não parecia se esforçar muito para respirar. Mas o oxigênio não faria bem a ela. As sereias foram condenadas à água da mesma forma que as Sombras do Mar. Estar fora da água era semelhante a se afogar para um humano, ou pisar em terra para uma Sombra. Mas, em vez de virar cinzas instantaneamente, as sereias pareciam apenas... sufocar.

Não ajudou que houvesse um longo corte em seu torso, sua pele rasgada e o sangue jorrando dela como se a chuva caísse do céu. Sua bela cauda, que antes brilhava sob a lua que se aproximava, agora estava opaca e cinza, as cores sumindo diante dos olhos de Kelia.

Se ela ainda fosse humana, ela teria se deteriorado por todo o convés agora. Mas ela não era humana. Não mais. Ela era um monstro, algo que se deliciava em ver sangue ao invés de vê-lo como nojento ou assustador.

Elise estava morrendo. Seu sangue seria desperdiçado. Não havia razão para salvá-la.

Kelia poderia festejar sem culpa. Sentir a vida escapar da sereia e entrar nela mesma. Ela havia prometido a Elise que a mataria, e esta era a oportunidade perfeita para fazer exatamente isso e saciar sua fome ao mesmo tempo.

—... Parece que você foi punida. — Disse Drew.

Kelia piscou lentamente antes de virar a cabeça para encarar Drew. Por que ele estava falando com ela? Ele era uma Sombra do Mar. Por que não apenas se alimentar quando o sangue era tão raro, esta sereia era sua inimiga, e ela estava morrendo de qualquer maneira?

—Por sua amante, — Elise conseguiu dizer. Um pequeno sorriso tocou suas feições enquanto sangue carmesim brilhante descia por seu queixo. —Ela sente sua falta.

—Como ela pode sentir minha falta quando está ao meu lado? — Drew apertou Kelia para dar ênfase.

Se Elise não estivesse sangrando, Kelia tinha certeza de que ela teria revirado os olhos com o sentimento.

—Seu idiota, — ela conseguiu dizer, embora suas palavras fossem distorcidas. —Você sabe que estou falando da Rainha.

Mais sangue escorreu pelo queixo e desceu pelo pescoço. Kelia acompanhou cada gota e lambeu os lábios. Se Drew não iria pegá-la, Kelia o faria.

—Ela vai encontrar você — disse Elise. —Ela vai matar aquela coisa na sua frente, e você vai implorar para ela te aceitar de volta.

—Você não pode forçar alguém a amar outra pessoa — disse Drew. —Mesmo as bruxas poderosas que podem trazer os mortos de volta não podem forçar o amor.

—Ela não vai forçar você, Drew Knight. Ela vai obrigar você —, disse Elise. —Agora, você vai me deixar envenenar seu navio ou vai me jogar no mar? Minha irmã morreu há meses e agora é minha vez de deixar também está prisão aquosa. Finalmente estou livre.

—Sua morte me diverte. Sua irmã, se bem me lembro, era Alessandra. Ela não foi responsável por transformar Christopher?

Kelia apertou a mandíbula. Ela não podia mais ouvir isso. Verdade seja dita, ela achava que tinha feito um bom trabalho se contendo. Seu estômago parecia que estava sendo retalhado por dentro por garras insistentes que tentavam agarrar a comida. Drew não a havia transformado para livrá-la de uma dor tão terrível?

E agora aqui estava Elise, como um assado enviado a ela pelo próprio Deus, exigindo que Kelia saciasse sua fome para que pudesse ficar forte e recuperar a capacidade de pensar com clareza.

Kelia deu um passo à frente, fora do alcance de Drew. Ela deu mais um passo em direção a Elise até seus passos serem mais urgentes. A última coisa que Kelia lembrava era de ver aquele sorriso no rosto de Elise pouco antes de Kelia ficar perto da sereia. Houve uma risada, mas Kelia não conseguiu decifrar se era dela ou de Elise.

Não importa.

A risada morreu abruptamente, substituída por um estranho som gorgolejante enquanto Kelia sugava o máximo de sangue que podia da sereia. Foi só então que Kelia percebeu que havia matado Elise. Elise já estava morrendo, mas Kelia foi responsável por extinguir sua vida.

Não foi a primeira vez que Kelia matou um monstro, e não seria a última, então ela não se preocupou com a matança. Seu único objetivo era encher o estômago. E não foi tão ruim quanto Kelia poderia ter imaginado. O sangue da sereia, espesso e liso, cobriu a língua de Kelia como um doce creme de canela. Ela não conseguia o suficiente. Ela precisava de mais.

Mas tão rápido quanto Kelia conseguiu consumir o líquido carmesim, dois braços fortes agarraram seus braços e a arrancaram da sereia. Ela soltou um grito estrangulado e tentou se libertar. Antes que ela pudesse, o corpo de Elise voou alto para o céu. Depois de algumas flexões nauseantes, o corpo foi lançado ao oceano.

— Vadia. — Wendy murmurou baixinho, chegando ao lado de Kelia.

Drew rosnou, desviando sua atenção de Wendy e de volta para ele. Ele e Emma foram os que a tiraram da sereia.

—Por que você...

—Você não deveria ter feito isso! — Drew explodiu. Em todo o tempo que passaram juntos, ela nunca tinha ouvido Drew tão zangado com ela. Provocador e brincalhão, constantemente; irritado, de vez em quando; e frustrado, raramente; mas nunca com raiva.

Exceto agora.

—Eu estava com fome —, disse Kelia. —E eu ainda estou. Por que não me deixa comer? Ela estava morrendo de qualquer maneira! — Kelia se desvencilhou e tentou ver se conseguia distinguir o cadáver de Elise flutuando na água. —Você me salvou apenas para me deixar sofrer?

—Você já consumiu o suficiente, — ele latiu, estendendo a mão para agarrá-la mais uma vez, desta vez pelos ombros, embora ele dirigisse seu olhar para Emma agora. —Você pode tirar o sangue dela antes que seja tarde demais?

Os lábios de Emma ainda estavam apertados. A maneira como ela olhou para Kelia, como se Kelia fosse nojenta, fez Kelia rosnar baixinho. —Ela não vai gostar —, disse ela. —E vamos precisar de sangue para substituir o que está em seu sistema.

A mente de Kelia entrou em pânico apenas com o tom de Emma, com a emoção que pairava no ar entre ela e Drew, mas antes que ela pudesse perguntar o que estava acontecendo, Drew apertou seu aperto sobre ela.

—Não podemos voltar para a Ilha dos Amaldiçoados — ele insistiu enquanto ela continuava a lutar contra seu domínio. —É muito perigoso.

—É nossa única esperança de tirar o sangue de seu sistema, — disse Emma. —Talvez se você tivesse pensado antes de agir. Você a transformou...

—Eu não tive escolha! Se eu não a transformasse, seu estômago teria se torcido em nós que não poderíamos desfazer. Teria sido insuportável.

—Ainda tínhamos tempo. — Emma não precisava levantar a voz para obter a atenção que desejava. Talvez isso a tornasse mais mortal do que Drew Knight. —E agora veja o que aconteceu com sua decisão precipitada. Kelia Starling agora é uma Sombra do Mar que acabou de se transformar em uma sereia agonizante, e não temos escolha a não ser corrigir a situação indo para a própria ilha que o amaldiçoou em primeiro lugar. De curso é um risco. Mas Kelia precisa de sangue. Não levamos em consideração que ela se transformou em uma Sombra quando seguimos suas ordens.

—Ninguém poderia ter previsto tal coisa. — Drew murmurou.

Ele ergueu o olhar para que seus olhos se fixassem em Kelia. Ela queria perguntar a ele o que estava acontecendo, o que havia de tão ruim no sangue de sereia, por que eles precisariam removê-lo, substituí-lo? Mas seus lábios não se moveram. Estava ficando cada vez mais difícil para ela se levantar. Seus joelhos bateram, suas pernas bambas ameaçando desabar embaixo dela. Se Drew não a estivesse segurando, ela provavelmente já teria caído.

Mesmo assim, seu corpo continuou a lutar contra ele, impulsionado apenas pelo impulso de mais sangue. Seus esforços para se libertar, entretanto, ocorreram em câmera lenta, como se o próprio mundo tivesse desacelerado completamente e ela estivesse lutando contra a areia movediça.

—Ela vai ficar bem? — Drew perguntou.

—Se você confia em mim o suficiente para fazer meu trabalho, ela pode confiar, — Emma cortou. —Leve-a de volta para sua cama. Vou precisar que ela seja controlada. Provavelmente posso conjurar algo temporário, mas não serei capaz de remover tudo do corpo dela até chegarmos à Ilha dos Amaldiçoados e eu conseguir mais ingredientes.

—O que você...— Kelia parou. Era essa a voz dela? Era assim que ela parecia?

Ela limpou a garganta e pôde sentir o gosto das manchas de sangue quando elas saíram de sua garganta e pousaram em sua língua. O sabor metálico consumiu seu desejo e fez seu estômago revirar de nojo. Ela respirou fundo, na esperança de se manter estável, e se apoiou em Drew, batendo a cabeça em seu peito.

—Estou com muita fome — ela se ouviu dizendo, com lágrimas nos olhos. Ela não conseguia se lembrar de ter pensado as palavras, muito menos de querer dizê-las, mas elas saíram de seus lábios do mesmo jeito. —Eu a cheirei. Eu só... estava com fome. Eu estou com fome.

—Drew, — Emma disse, sua voz áspera. Kelia se encolheu, embora não entendesse por que, especialmente quando suas palavras e tom foram dirigidos a Drew. — Agora. Devemos fazer isso imediatamente. Leva-a para a cama. Vou pegar o que tenho e chegar logo.

Kelia podia sentir Drew acenar com a cabeça atrás dela.

—Vamos lá, Assassina. — Disse ele.

Sua voz era como uma canção de ninar, calmante e relaxante. Suas pálpebras se fecharam e um suspiro profundo saiu de sua boca enquanto seu corpo liberava a tensão contra Drew. Uma vibração de calor se espalhou por seu corpo e fez cócegas em seu interior.

—Drew. — Ela se ouviu choramingar. Sua mente empacou com a ideia de choramingar para alguém, muito menos Drew Knight, mas ela não conseguia se controlar. Era como se ela tivesse sido dividida em duas. Ela podia se ver e se ouvir, mas não conseguia parar de fazer nada. Ela não estava mais no controle.

—Eu deveria saber que isso ia acontecer, — Drew disse, caminhando em direção a sua cabine. Ele foi gentil com Kelia, puxando-a junto com ele, mas seu aperto ainda era forte, como se ele estivesse preocupado que ela pudesse tentar fazer algo tão precipitado quanto o que ela havia feito antes. —Maldição, eu deveria saber.

Kelia não tinha certeza do que Drew estava murmurando, mas não importava. Ele a levou de volta para o quarto e ajudou-a a subir na cama.

—Drew, — ela murmurou. —Estou encharcada de sangue. Não quero estragar seus lençóis. Talvez seja melhor se eu sentasse em sua mesa?

—Sua boba e tola mulher, — Drew disse. Ele se abaixou e segurou sua bochecha com a palma da mão. —Eu não poderia me importar menos com meus lençóis. Contanto que você esteja bem, eu não poderia me importar menos com qualquer coisa neste mundo inteiro.

—O que está acontecendo comigo?

—O sangue de sereia possui magia para protegê-las das Sombras, — Drew murmurou. Ele largou a mão e sentou-se ao lado da cama. —Infelizmente, não há instintos inatos para Sombras ficar longe delas. Seu sangue tem um cheiro atraente, assim como suas vozes. Mas beba delas, e o veneno amaldiçoará suas entranhas. Você vai se sentir lenta. Não tem como orientar seu ser. Perderá o controle de seu corpo. O veneno vai comer você viva até que você involuntariamente acabe com sua vida pisando em terra durante o dia, ou você saia de um navio e vá direto para um enxame de sereias, esperando para consumi-la inteira.

Ele respirou fundo e apertou sua mão. —E você não tinha como saber. Porque eu nunca te disse.

Poção? O sangue da sereia era veneno?

A risada borbulhou na garganta de Kelia, embora, na verdade, a ironia não fosse nada engraçada. Drew a havia transformado para salvar sua vida de um veneno que lentamente a mataria como humana... apenas para ela consumir outro que faria o mesmo com ela como uma Sombra.

Logo, porém, quando a compreensão se estabeleceu, sua risada se transformou em lágrimas. Ela enterrou o rosto no peito de Drew e deixou que ele a abraçasse.

Ela não queria morrer. Ela tinha ficado tão brava que Drew a salvou dessa forma, mas agora ela percebeu... ela teria concordado se ele pedisse. E agora ela estava encarando a morte de novo, e tudo o que ela queria era ser salva.

Deus, ela odiava isso. Odiava precisar de outra pessoa para salvá-la.

Uma vez que ela superasse isso - se ela superasse isso - ela aprenderia a lutar melhor do que nunca, mesmo como uma Assassina. Ela aprenderia a começar a se salvar novamente, desta vez como uma Sombra.

Mas primeiro, ela tinha que sobreviver.

Agora, ela mal conseguia manter a cabeça erguida. O travesseiro de Drew era macio e tudo o que ela queria era dormir, embora seu estômago parecesse querer mais comida.

Emma entrou no quarto com uma pequena tigela na mão. Drew mudou seu corpo para trás de Kelia, os braços em volta de seu torso para que ela não pudesse se afastar.

—Infelizmente, isso não será agradável, — Emma disse enquanto montava em Kelia, equilibrando a tigela com cuidado. —Você desejará a morte. Agora, abra sua boca.


CAPÍTULO 4

Drew se forçou a assistir Emma enfiar um líquido espesso e pútrido não identificável na boca de Kelia. Kelia se encolheu. A julgar pela forma como seus ombros se curvaram e seus olhos lacrimejaram, estava usando toda a sua força de vontade para manter o líquido baixo.

Emma manteve um aperto firme na boca de Kelia, colocando a mão sobre os lábios para impedi-la de cuspir mesmo uma gota. —Você deve terminar, — a bruxa da terra disse, sua voz tensa. —Ou não vai funcionar.

Kelia murmurou alguma coisa, mas a mão de Emma e a mistura em sua boca tornaram suas palavras ininteligíveis.

A culpa deslizou pelas entranhas de Drew e se contorceu em torno de seu intestino, apertando-o até que ficou difícil para ele respirar.

Isto é culpa sua.

As palavras repetidas em sua cabeça. Ele deveria saber que algo assim iria acontecer. Ele tinha se esquecido de algo tão terrivelmente importante quanto não se alimentar de sereias, porque ele via Kelia como ele queria vê-la ao invés do que ela realmente era.

Kelia era feroz, teimosa e orgulhosa - e isso foi antes de ele transformá-la em uma besta. Como ele falhou em prepará-la para as maneiras certas e erradas de encontrar sustento e saciar sua nova fome primitiva?

Talvez seja porque ele fez algo que jurou que nunca faria: transformar alguém em uma Sombra. Como tal, uma parte dele ainda queria ver Kelia como humana, para negar a gravidade do que ele tinha feito. Sua negação não admitida significava que ele não priorizou sua preparação para este novo mundo. E isso agora se provou um erro caro.

Drew Knight era o idiota afetado; com tanto medo de que ela fosse tirada dele novamente que ele esqueceu que não poderia mantê-la para si mesmo. Ela não o deixaria. E, mais do que isso, ele não gostaria de impedi-la de ser livre. A rainha tinha feito isso com ele. Ele não podia - não iria - fazer o mesmo com Kelia.

Os gemidos de dor dela fizeram cócegas em seus ouvidos, e a cobra da culpa o apertou ainda mais forte, a ponto de ele ter que limpar a garganta para conseguir ar.

—Você engoliu tudo? — Emma soltou a boca de Kelia apenas para agarrar suas bochechas e forçar a abrir a boca para inspecionar o interior por si mesma. —Bom. Vá para a cama. Se você não vomitar - e é melhor rezar para que não o faça - você adormecerá muito rapidamente enquanto a mistura passa pelo seu sistema. Isso é apenas temporário. Precisamos encontrar uma solução mais permanente assim que chegarmos à Ilha dos Amaldiçoados.

Kelia franziu a testa. Não parecia que ela estava acompanhando metade da conversa, muito menos toda ela. Ela deu um passo, e depois outro, para a cama. Seus ombros se curvaram para frente e ela se curvou na cintura como um gato pronto para atacar. Emma segurou seu braço e gentilmente a ajudou no resto do caminho.

—E se...— Kelia engoliu em seco enquanto se deitava na cama. Ela tinha ficado pálida - mais pálida do que uma Sombra do Mar normalmente aparecia mesmo depois de décadas sem o sol. —... se eu vomitar?

—Então teremos que fazer de novo. Até que demore, —disse Emma, cobrindo-a com o cobertor enquanto suas pálpebras se fechavam. —Você envenenou seu sistema e precisa eliminar esse veneno antes que ele a consuma. Você entende...?

Um ronco alto interrompeu Emma, fazendo a bruxa da terra recuar um pouco. Kelia já havia caído em uma inconsciência profunda.

O olhar de Emma se voltou para Drew. Ela abriu a boca, mas ele a interrompeu com um rosnado que nem mesmo ele esperava.

—Eu sei —, ele retrucou, caminhando pelo quarto até que a mesa estava entre ele e Kelia. Seus dedos bateram contra a madeira. Ele estava com medo que se estivesse muito perto dela, ele iria estender a mão e tocá-la como se ela fosse uma criança adormecida que ele precisava ter certeza de que ainda estava respirando. —Eu sei.

—Não. Você não sabe. — Emma quase pisou até onde ele estava, agarrou seu cotovelo e o girou para que ele não segurasse a cortina, olhando pela janela, para o mar, para o céu azul da meia-noite e a meia-lua baixa pendurada o céu. —Ela ainda pode morrer, Drew. E seu orgulho...

—Meu orgulho! — Ele interrompeu, dilatando as narinas e estreitando os olhos.

—Seu orgulho, — Emma repetiu sem hesitação. —Você a transformou, Drew. Você a transformou de humana em um...

—Monstro?

—Um Sombra. — Emma apertou os lábios, captando o olhar de Drew. Havia uma firmeza - um brilho teimoso e inabalável - em seus profundos olhos castanhos. Mas também havia compreensão. —Agora pare de sentir pena de si mesmo. Você fez uma escolha. Foi o certo? Eu não direi. Mas está feito agora, e você deve fazer suas escolhas futuras com base nisso. Lamentar, tratar Kelia como se ela fosse feita de vidro não vai ajudar.

Drew cerrou os dentes e desviou o olhar. Ele odiava quando Emma estava certa sobre as coisas. Odiava estar errado. Mas ele precisava deixar isso ir e se concentrar em Kelia e como ele poderia ajudá-la. Não a esconder da realidade do que ela era.

—O que eu faço? — Ele perguntou finalmente.

Ele não esperava que sua voz se quebrasse ou seus dedos se curvassem e suas unhas se cravassem em sua carne. Ele não esperava baixar o olhar para a madeira sob seus pés.

Ele limpou a garganta e traçou o contorno de um atlas pintado em um pergaminho amassado em sua mesa. —Eu nunca transformei ninguém, Emma. — Sua voz saiu mais dura do que pretendia. —Eu nunca pensei que faria isso. Não depois que eu aguentei. Isso simplesmente aconteceu. Eu não tive a chance de pensar sobre isso, e agora estou perdido. Não sei o que fazer para cuidar dela.

—Como você gostaria de ser cuidado? — Ela perguntou.

Drew ergueu a cabeça, inclinando-a para o lado. —O que você quer dizer?

—Quando você foi transformado, como você gostaria que a Rainha o tratasse? Como ela poderia ter feito você se sentir seguro? E antes que você diga que ela não podia, apenas pense.

—Apenas esqueça —, disse ele com desdém. —Quanto tempo nós temos?

Emma olhou para Kelia. —Ela estará fora nas próximas horas ou duas. Isso deve nos dar tempo suficiente para chegar à Ilha dos Amaldiçoados. Os ventos estão aumentando.

—O que? — Drew puxou a cortina para que ela caísse de seu lugar e desviasse seu olhar para o mar. Embora ele não pudesse ver exatamente o vento, ele notou um céu nublado. Cinza os cercava como um cobertor de lã áspero. —Vento?

—Sim. — Emma se dirigiu para a porta, seus passos leves e quase inaudíveis. —Isso significa algo para você?

Drew balançou a cabeça, uma mecha de cabelo caindo em seu rosto enquanto o fazia. —Não, — ele disse. —É apenas uma superstição pela qual nunca me importei.

—As superstições são verdadeiras para alguém. — Seus dedos acariciaram a maçaneta da porta, mas ela não abriu a porta. —O que é isso?

—Uma mudança repentina no vento significa que uma maldição está sobre você. — Um silêncio apoderou-se de Drew. —A sereia. Sereias trazem má sorte. Mas matar aquela sereia? Uma maldição está colocada no navio. Você não acha que isso significa...

—Supõe-se que as mulheres a bordo trazem azar aos marinheiros, porque os homens parecem não conseguir se controlar perto das vaginas. — Ela revirou os olhos, mas eles não foram tão descuidados quanto ele esperava ver. A cautela residia nas íris. —No entanto, acredito que desrespeitar as criaturas de Deus...

—Uma sereia não é criatura de Deus. — Drew quase cuspiu. Ele se afastou da mesa para percorrer o pequeno espaço entre sua cadeira e a parede. Ele ainda não confiava em si mesmo para chegar muito perto de Kelia. Ainda não.

—Uma criatura que vive nesta terra, no entanto, — Emma disse, zombando dele, talvez para expressar seu desgosto por sua interrupção. —Não podemos simplesmente pegar algo sem retribuir de alguma forma.

Drew reprimiu um sorriso e virou de costas para ela. —Antes de eu abrir minha boca, você não saberia de nada sobre essa superstição —, Drew apontou. Ele cruzou os braços sobre o peito. —O que está preocupando você?

—Eu não estou preocupada. Eu só quero meus pés em chão sólido, —Emma quase estalou. —Eu quero ter certeza de que Kelia está bem. Preciso de mais ingredientes e não posso obtê-los de um navio que está no mar há dias. E agora você está me dizendo que o vento não traz boa sorte, não depois da sereia. — Ela engoliu em seco. —Eu quero a Rainha morta, Drew. E eu quero Kelia bem.

—Eu quero as mesmas coisas, — Drew disse, dando um passo em direção a ela. —Certamente, você entende isso?

Kelia gemeu. Drew ergueu a perna como se estivesse pronto para ir até ela, mas se conteve.

—As coisas foram colocadas em movimento, — disse Emma. —A Rainha não está morta. Ela estará de volta para se vingar. Quem sabe como ela vai reagir quando surgirem notícias da transformação de Kelia.

—Não vou viver minha vida baseado em como ela pode ou não reagir.

Naquele momento, o vento bateu contra a janela.

Kelia estremeceu durante o sono, mas não acordou. Drew não tinha certeza se isso era bom ou não.

—Não foi isso que eu quis dizer —, disse Emma. Sua voz se elevou, o que era incomum para ela. —Tudo o que estou dizendo é que a Rainha ainda é uma ameaça. Ela está lá fora, e saber que você transformou Kelia... algo que tenho certeza que ela não achou que fosse possível... não vai ser um bom presságio para vocês dois. Originalmente, ela queria puni-lo por traí-la e punir Kelia por ter roubado você. Mas agora? Certamente as coisas estão muito piores. Não se trata apenas de ter você de volta agora, Drew. Ela vai querer vingança. Ela vai querer que vocês dois sofram.

Drew deu outro passo mais ousado em direção a Emma. —Você acha que tenho medo dela?

—Não, — Emma sussurrou. —É disso que tenho medo. Porque você deveria estar, — ela disse. — Talvez você não se importe com o que ela faça com você, mas a Rainha queimará Kelia até virar cinzas só para irritá-lo, e então forçá-lo a fazer coisas más e indescritíveis. Até que as cinzas da Rainha voem pelo maldito mar, ela continuará a vir atrás de nós. Todos nós. Temos que destruir sua Ilha de uma vez por todas.

Drew mudou seu peso. Ele tinha estado tão envolvido em salvar Kelia que não havia considerado o risco para todos os outros a bordo do navio. Não era apenas sua vida ou a vida de Kelia em jogo aqui. Mas destruir a Ilha da Rainha? Ele não poderia estar entendendo isso direito.

—O que você quer dizer? — ele perguntou. —Destruir a Ilha? Já a colocamos em chamas.

—Não perto o suficiente, — Emma entoou. —Qualquer dano que fizemos foi reparável. Precisamos nos livrar completamente da ilha. Deixar a Rainha sem nenhum outro lugar para ir.

—Como é que a destruição da Ilha consegue isso? — Ele deu um passo para diminuir a distância entre ele e Emma, mas outro gemido de Kelia o parou em seu caminho. Cada fibra de seu ser queria ir para ela, segurá-la em seus braços e sentir sua respiração em sua pele. Saber que ela ainda estava viva, mesmo como uma Sombra. Mas havia algo o pressionando sobre o que Emma estava dizendo. —Por que você está obcecada pela Ilha? Por que você acha que esta ilha tem tanto poder?

—Pense, Drew. — Sua voz estava nervosa. —Ela está ligada àquela ilha. Ela não pode deixar a ilha. Destruindo, você a destrói.

Drew respirou fundo. Ele sentiu o movimento dos cobertores passar por sua coxa enquanto passava pela cama. Ele fechou os olhos. Muitos pensamentos nadaram em sua mente.

—Mas como você sabe que a ilha pode ser destruída? Já tentamos isso e falhamos. — Perguntou Drew. Algo fez cócegas no fundo de sua mente. Havia algo que Emma não estava revelando, algo importante.

Kelia choramingou mais uma vez, mas como Drew estava tão focado em Emma, ele não sentiu o mesmo desejo de correr para ela. Agora, seu foco estava apenas em Emma e o que ela não estava dizendo a ele.

Emma deu as costas para ele e colocou as costas da mão para que descansasse na testa de Kelia antes de deixá-la cair na coluna de sua garganta e depois em sua clavícula.

—Sem febre, o que é bom. — Ela alcançou atrás de Kelia e começou a afofar os travesseiros sob sua cabeça.

—Isso é completamente diferente de você, Emma.— Drew arrastou os dedos pelos pergaminhos sobre a mesa. —Fugindo das perguntas? Liberte-se e confesse seu pecado.

—Pecado? Eu não cometi nenhum pecado.

O canto do lábio de Drew se ergueu. —Então por que me evita? — ele perguntou. —Por que se ocupar com trivialidades, como almofadas afofadas, que não lhe diziam respeito há poucos momentos?

Emma deu um suspiro e se virou lentamente. Ela inclinou a cabeça para a esquerda e depois para a direita antes de focar seu olhar em Drew. Ela travou a mandíbula e, por um momento, ele pensou que ela não diria nada.

Finalmente, ela lambeu os lábios e falou. —Uma bruxa poderosa lançou um feitiço naquela ilha, enfeitiçando-a para que a Rainha pudesse viver lá; então qualquer Sombra pode viver lá, —ela disse. —Essa é a única razão pela qual a Rainha é capaz de ficar lá, quando normalmente eles morreriam em terra durante o dia. E só porque a Companhia das Índias Orientais precisa de uma prisão para prendê-la.

—E por acaso você conhece a bruxa que lançou aquele feitiço. — Drew disse lentamente, dando seu melhor palpite.

—Não exatamente...— Emma disse. —A razão pela qual você me encontrou em Port Royal todos aqueles anos atrás, Drew, foi que eu queria ser encontrada. Por você. Eu me senti culpada porque, de certa forma, me senti responsável pelo que aconteceu com você.

Drew franziu a testa. —Não é sua culpa, Emma.

—Talvez não diretamente. — Ela brincou com as dobras da saia. —Mas eu sou a razão dessa ilha —, disse ela finalmente. —Eu sou a razão pela qual ela tem um lugar para morar.

Antes que Drew pudesse responder à confissão de Emma, uma batida forte soou na porta. Drew voltou sua atenção para isso e estava prestes a dizer a quem quer que os estava perturbando para ir embora, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu.


CAPÍTULO 5

Bryce entrou, seguido por dois outros Sombras. Todos eles pareciam preocupados. Todos eles tinham medo em seus olhos, o que fez Drew ficar quieto. Se eles estavam com medo de algo, isso indicava que algo estava errado.

—O que? — Drew exigiu. —O que é?

Bryce examinou a cabine, parando seu olhar panorâmico apenas o tempo suficiente para acenar respeitosamente para Emma. Ele parou mais uma vez quando seu olhar pousou em Kelia, que ainda estava se revirando em seu estado inconsciente.

—Sereias, — ele disse finalmente, voltando sua atenção para Drew. O rosto de Bryce revelava seu medo ao invés de seu status como uma Sombra. —Podemos cheirá-las. Um enxame delas. Rumo a este navio. — Ele pigarreou. —Aquela que ela atacou...

—Se alimentou, — Drew corrigiu imediatamente. —Ela não a atacou. Isso foi a Rainha. Kelia se alimentou dela e já está mais do que pagando as consequências, eu acrescentaria.

—Bem, independentemente —, disse Bryce, —elas estão vindo por ela.

—E você sabe disso?

Bryce acenou com a cabeça para sua forma letárgica. —Porque é o nome dela que está sendo sussurrado no vento lá fora —, disse ele. —Ordens, senhor?

—Pronto —, disse Drew. —Não deixe que elas te seduzam com sua música. Se lutarmos, nós lutaremos.

—Se houver derramamento de sangue...?

Drew entendeu. Bryce não tinha medo da batalha, ao contrário, temia os resultados dessa batalha. Com o sangue de sereia por todo o navio, sua tripulação ficaria tentada a provar os restos mortais e, se fizessem isso, todos estariam em risco.

A pergunta de Bryce, feita não tão diretamente, era o que eles deveriam fazer no caso de que mais Sombras sucumbissem à tentação. Porque havia uma boa chance de pelo menos alguns irem.

Mais do que isso, os pequenos ingredientes que Emma tinha deixado para tirar o veneno do corpo de uma vítima acabavam de ser dados a Kelia, e eles ainda estavam a um dia, talvez dois com aquele vento, longe da Ilha dos Amaldiçoados.

—Faça o que for melhor para o navio, — Drew disse, sua voz baixa e firme. —Quanto tempo você acha que temos?

Bryce engoliu em seco. —Eu diria uma hora, duas no máximo.

—Isso lhe dá tempo para transmitir minhas ordens e se preparar. — Drew projetou o queixo para a porta. —Vá em frente, então.

Bryce não parecia tão seguro de si quando saiu, endireitando os ombros ao sair. Drew não podia culpá-lo, especialmente depois do que aconteceu com Kelia.

Quando a porta se fechou, ele se virou para Emma. —Ainda não terminamos nossa discussão —, disse ele. —Por enquanto, você deve colocar Wendy e Daniella em seu quarto. Bloqueie, se puder.

—Nós podemos ajudar. — Disse Emma.

—Muito arriscado. — Drew suspirou pelo nariz. —Se as sereias estão vindo com força, eu não ficaria surpreso se a maioria da tripulação cair. Eu preciso saber que você está segura. Eu preciso saber que vocês três estão seguras.

—E você? — Emma empurrou, dando um passo à frente.

—Farei o que for preciso —, disse Drew, —seja para minha tripulação ou para uma sereia.

—E Kelia?

—Ela vai ficar aqui. — Drew quase correu pelo quarto e abriu a porta. Ele precisava entrar no convés. Agora. —Vá. Não temos muito tempo.

Se as sereias estavam vindo para atacar o navio, ele não tinha tempo a perder. Especialmente porque elas estavam sem dúvida vindo atrás de Kelia. Foi ela quem acabou drenando a sereia, rasgou-a em pedaços e ficou bêbada com os produtos químicos atados no interior da sereia. E isso tinha sido culpa de Drew. Agora, ele a protegeria a todo custo.

Quando ele saiu, o vento o atingiu no rosto e ele se preparou para enfrentar o clima severo. O navio estava lento. Não parecia estar fazendo nenhum tipo de progresso enquanto se arrastava pelo oceano quase negro. O sal fez seus olhos lacrimejarem quando as gotas da superfície do mar cortaram sua pele. O nível da água diminuiu a um grau sobrenatural. As sereias pareciam vir do Leste.

O que ele deveria fazer a seguir? O vento abafava os gritos de sua tripulação. Metal retinia em metal; a afiação de cutelos, talvez. As armas nem sempre eram necessárias para uma Sombra, mas Drew fez sua tripulação carregar uma para o caso. O controle era essencial para sobreviver. Só porque eles eram monstros não significava que precisassem agir como tais... e este era um bom exemplo do porquê.

Ele se abaixou e sentiu o punho de sua lâmina entre os dedos. Ele nunca havia sido ameaçado por uma sereia antes. Agora, ele se perguntava se seria porque a Rainha não queria que ninguém o tocasse, nem mesmo se ele merecesse. E desde que a Rainha criou essas bruxas do mar, elas obedeciam a ela assim como as Sombras fariam.

Quando outro jato de água o atingiu, afastando-o de seus pensamentos, ele deu um passo à frente para o leme do navio. Acima do ninho do corvo, as nuvens tinham ficado espessas e escuras. A chuva poderia cair a qualquer momento e, ainda assim, nenhuma gota caía do céu. Parecia que o oceano estava fazendo esse trabalho.

Uma vez no leme, Drew soltou o cabo do cutelo para agarrar o leme do navio. Ele sabia melhor do que tentar controlá-lo; seu toque não faria nada contra a tempestade que se aproximava. Mas ajudaria a centrar seus pensamentos e a si mesmo. Kelia ainda estava inconsciente no quarto. Ele tinha Sombras no ninho de corvo. Outros estavam de cada lado do navio, todos posicionados e prontos para fazer o que fosse necessário.

—Ordens, capitão? — Perguntou Lloyd, um homem Sombra parado a bombordo.

Se não fosse por sua audição de Sombra sobrenatural, ele nem teria ouvido o pedido. Mas antes que ele pudesse responder, um tentáculo preto escorregadio saiu da água e se chocou contra o Espectro.

A velha madeira gemeu em protesto ao ceder sob o peso. Quando a madeira estilhaçou de forma audível, Drew cerrou os dentes. Ele não deveria ter ficado surpreso que as sereias usassem magia da água grandiosa para obter sua vingança.

Mas um maldito Kraken?

—Emma? — Drew gritou, sua voz quase abafada pelo vento.

—Estou trabalhando nisso! — Ela gritou de volta.

Deus a abençoe, ela ignorou suas demandas para se trancar e as outras bruxas longe. Naquele momento, ele estava grato demais para ser orgulhoso.

Logo depois, Wendy e Daniella emergiram do convés inferior. Daniella foi empurrada para baixo pelo vento enquanto Wendy conseguia se segurar. Drew observou sua irmã olhar ao redor, seu cabelo voando atrás dela, emaranhado com o vento. Ela apertou os olhos contra o tempo inclemente e vacilava em seus esforços para manter o equilíbrio, mas ela se segurava, quase teimosamente.

Wendy ergueu os braços para o céu, palmas abertas. Ela os circulou para que ficassem na horizontal. Parecia estranho, mas parecia que ela estava segurando algo, algo que cercava o navio.

De repente, o vento parou.

Ou melhor, o vento não estava mais afetando o navio.

Seus olhos se fixaram em Wendy, observaram a linha apertada de seus lábios, o sulco profundo em sua testa. Ela o estava mantendo sob controle com seus escudos, e isso estava exigindo muito dela. Quanto tempo eles tinham?

—Leve-a para o ninho! — Drew gritou para sua tripulação, acenando com a cabeça na direção de sua irmã. Se as sereias estivessem chegando, ele precisava que ela fizesse o que fosse necessário sem se colocar em risco.

Um dos homens Sombra agarrou Wendy e subiu no alto mastro do navio com ela jogada por cima do ombro como uma boneca de pano. Apesar disso, seus braços ainda estavam estendidos, segurando o escudo.

Isso só os fez bem, embora. Um ciclone de água estreito e apertado disparou direto para o céu. Drew não gostava de admitir quando algo o pegava de surpresa, mas esse ciclone era uma exceção.

Sua boca se afrouxou e ele observou em terror absoluto enquanto o ciclone aumentava. Outro tentáculo disparou do outro lado do navio e quase esmagou o casco. Em vez disso, o tentáculo bateu na água, espirrando em todo o convés, como se seu navio estivesse no meio de uma terrível tempestade.

O nível do mar aumentou. O grande navio inclinando... inclinando... inclinando...

Ah não.

O navio estava prestes a virar de lado. Ele se preparou, seu coração caindo no estômago enquanto o navio continuava em seu caminho traiçoeiro.

Mais do que tudo, ele queria ir para Kelia, mas se ele soltasse agora, ele simplesmente escorregaria e então cairia no mar. De onde ele agarrava o leme, ele podia ver que alguns de seus tripulantes já haviam encontrado aquele destino.

Ele fechou os olhos com força.

O rolar nunca veio. O barco balançou para baixo, batendo com força contra a água e criando um forte respingo.

Isso foi muito perto. Mas o que Drew deveria fazer a partir daqui?

Os corpos que haviam caído na água balançavam para cima e para baixo. Ele não sabia dizer se eles estavam se movendo ou se o oceano os jogava como se fossem bonecos de pano.

Vento. Um ciclone. Um maldito Kraken. E as sereias.

Ele não podia se permitir esquecer as sereias.

—Ordens, capitão? — Perguntou um tripulante.

Drew não sabia o que dizer. Como alguém derrubava um Kraken? Talvez Wendy pudesse ter feito isso, mas ela estava ocupada demais impedindo o vento de trabalhar com o mar tumultuado.

Emma era a bruxa mais poderosa que ele conhecia, mas ela era uma bruxa da terra. Pelo pouco que ele sabia sobre as bruxas da terra, elas simplesmente não tinham muito poder para lutar contra a água. Na melhor das hipóteses, elas cancelavam uma a outra. Mas talvez isso fosse o suficiente.

Ele não tinha certeza do que Emma poderia fazer, dado o fato de que ela não tinha ingredientes para preparar uma de suas poções, ou que ela estava em um navio, não em terra. Mas eles tinham que tentar algo.

Ele olhou em volta, mas não viu a bruxa da terra em lugar nenhum. Talvez ela tivesse ido verificar Kelia ou fazer outra coisa, mas o fato era que ele precisava dela de volta aqui. Agora.

—Chame Emma, — Drew disse. Sua voz não era tão segura quanto deveria, mas em seu século de vida, ele nunca tinha visto nada assim antes. Ele nem sabia o que era apropriado dizer, o que inspiraria e o que causaria dúvidas. —E não morra.

Sua mão caiu para o punho de sua lâmina mais uma vez, e seus dedos apertaram. O metal frio parecia reconfortante em suas mãos. Estranho, ele tinha mais força nas pontas dos dedos e dentes, que podiam rasgar a carne do osso, e ainda assim ele parecia mais confortável sabendo que tinha uma arma que ele poderia segurar ao invés da arma que ele era.

A primeira sereia fez sua presença conhecida antes que alguém pudesse vê-la. Seu grito de batalha agudo como um sino perfurou o céu, silenciando até mesmo o vento momentaneamente. Drew estava paralisado; não com medo, mas com admiração. Embora sua mente não quisesse nada mais do que mover os pés, sacar a espada, ele era incapaz de se mover. Ele se amaldiçoou; ele amaldiçoou as sereias por sua habilidade de tornar o homem, e também o monstro, completamente impotentes apenas com sua voz.

O nariz de Drew se contraiu e ele quase espirrou quando o vento furioso trouxe o cheiro de fumaça. Ele virou a cabeça para ver de onde vinha a fumaça e ficou surpreso ao ver Daniella tentando esfregar as mãos para criar uma chama a fim de libertar as Sombras de seu estupor.

Uma Sombra de cada vez, ela criou uma pequena bola de chamas e então tentou colocá-la no peito das Sombras. Às vezes funcionava; o transe sob o qual o Sombra estava quebrava. O escudo de Wendy contra os elementos permitiu que Daniella libertasse pelo menos algumas das Sombras do feitiço.

Naquele momento, Drew percebeu o quão feroz sua irmã era. Mas embora ela pudesse ser capaz de manter as sereias fora, ela não poderia abafar as canções penetrantes das sereias... Não a menos que ela pudesse criar uma tempestade de vento semelhante contra elas.

Emma, por outro lado, estava apenas tocando o convés do navio, seguindo de perto com o homem Sombra que ele havia enviado para buscá-la. Bom. Talvez ele devesse ter pedido a ajuda dela desde o início, em vez de tentar manter as bruxas trancadas. A magia delas poderia ser a única esperança das sombras.

A cada poucos passos, Emma se abaixava e tocava o convés usando a palma das mãos novamente. Seus olhos estavam fechados e seus lábios murmuravam algo. Se ele tivesse que adivinhar, deve ter sido algum tipo de encantamento.

A primeira sereia violou a barreira de Wendy como se ela estivesse pulando em um vidro. O queixo de Drew caiu quando o vento - agora livre mais uma vez - bateu em seu rosto, bagunçou seu cabelo e continuou a repreendê-lo.

As chamas de Daniella foram apagadas instantaneamente, mas ela continuou a ir para cada Sombra e tentar. Infelizmente, Drew ainda estava enraizado em seu lugar devido ao feitiço hipnotizante da sereia e pouco podia fazer para ajudar.

O lindo monstro bateu em seu navio, mas de alguma forma se ergueu com graça. As sereias só podiam ficar completamente fora d'água por alguns minutos, no máximo, mas parecia ser todo o tempo de que ela precisava. Ela rastejou atrás de Lloyd e rasgou seu pescoço como se ele fosse a carcaça de uma baleia.

Drew cerrou os dentes, estreitando os olhos. Lloyd não teve chance de gritar antes de explodir em cinzas, o vento levando o que restava dele em uma rajada repentina e dispersiva.

Um tentáculo disparou para o céu mais uma vez e veio em direção ao navio. Desta vez, ele conseguiu acertar o ninho do corvo, trazendo o mastro direto para a água.

—Wendy! — Drew gritou.

Emma parou o que estava fazendo e correu pelo convés. Quando ela abriu os braços, uma poderosa força de luz verde saiu de seus dedos. Em vez de cair na água, Wendy e Sam foram delicadamente colocados de volta no navio.

O que estava acontecendo? Seu navio, seu precioso navio, estava sendo destruído diante de seus olhos.

A sereia tornou a submergir na água. Os gritos agudos de batalha de mais três sereias perfuraram o ar. Drew rosnou, embora ainda fosse incapaz de se mover.

A mesma sereia que havia destruído Lloyd reapareceu novamente, desta vez na frente dele. Ela era linda e tão assustadora quanto sua melodia. Mas quando ela olhou em seus olhos, Drew não viu nada.

Era como se ele estivesse encarando a morte diretamente.

—Vou desfrutar do sabor de suas cinzas. — A sereia ronronou enquanto o percorria com o olhar.

Ele curvou os lábios em um sorriso fácil, propositalmente tentando evitar responder à ameaça de morte dela.

—Vocês, sereias, sempre lutaram com justiça. — Disse ele.

Ela encolheu os ombros, seu longo cabelo ruivo caindo sobre o ombro para cobrir o seio nu.

—Eu faço o que preciso para fazer. — Disse ela.

E então, ela se lançou para a garganta de Drew Knight.


CAPÍTULO 6

Se aquela sereia pensava que ela ia matar Drew Knight enquanto Kelia estava sentada lá e não fazia nada, ela tinha outra coisa vindo. Kelia não temia a morte, mas não aguentava perder outra pessoa que amava.

Arrancando Drew das garras da sereia, ela a jogou atrás dela antes de bater o punho no peito da sereia até que seus dedos rasparam o coração ainda batendo. Ela envolveu os dedos com força ao redor do órgão e apertou até estourar em sua mão. A sereia ficou boquiaberta e ela explodiu em gotas de chuva que, quando caíram sobre a pele de Kelia, queimaram como brasas de fogo. Ela sibilou.

—Você está acordada. — Drew murmurou atrás dela.

Ela nem mesmo se virou. —Você percebeu.

Enquanto Kelia continuava a olhar para sua mão, sua cabeça girou com o cheiro do sangue intoxicante. Seu primeiro instinto foi enfiar a mão na boca e saborear a essência da sereia, colocar até a última gota em seu corpo. Por quê? Ela não sabia. Tudo o que ela sabia era que ela queria - precisava disso. E, no entanto, ela não conseguia prová-lo, nem mesmo mover a mão, porque temia que uma gota daquela suculenta força vital tocasse seus lábios.

—Nem pense em provar esse sangue vil. — Drew disse, vindo por trás dela. Ele pegou um lenço, pendurado na cintura, e lentamente limpou o sangue.

Antes que ele pudesse fazer mais alguma coisa, outro tentáculo atingiu o navio, e o navio gemeu em protesto. Quase soou como se não pudesse se manter unido a menos que alguém realmente fizesse algo para salvá-lo.

Drew a empurrou para o chão, cobrindo seu corpo com o seu.

—Que diabo é isso? — Kelia perguntou, obrigando-se a ignorar o calor que vinha do corpo de Drew enquanto descansava sobre o dela. Em vez disso, ela se esforçou para se sentar, focalizando os olhos no tentáculo preto-tinta que estava se retraindo para o mar.

—Eles nunca lhe ensinaram sobre Kraken quando você estava na Sociedade? — Drew perguntou. Seu tom era sarcástico, mas ela podia ouvir um tremor de preocupação em sua voz.

—Achei que fosse um mito.

—Mas Sombras do Mar são reais?

—Acabei de salvar sua vida, Sr. Knight —, disse Kelia. Ela plantou os pés no convés e colocou as mãos nos quadris. —Um agradecimento será suficiente.

—Vou tentar me lembrar disso quando não estivermos sendo atacados por sereias, vento e um Kraken.

Kelia cerrou os dentes para não rolar os olhos. —Onde está Wendy? — ela perguntou, dando um passo em direção à borda do navio.

Drew agarrou seu pulso e a puxou de volta. —Você é louca? — Toda a secura deixou sua voz quando ela tropeçou de volta para ele. —As sereias podem alcançá-la e agarrá-la como fizeram antes. O Kraken pode mover o navio bufando e impelir você para a morte. Não seja estúpida.

Kelia ignorou seu insulto e olhou para o ninho de corvo, apenas para encontrá-lo completamente destruído. Ela repetiu sua pergunta. —Onde. Está. Wendy?

—Por quê? — Seus dedos se curvaram ao redor do cabo de sua lâmina antes que ele baixasse a mão para o lado.

—Ela não pode nos proteger do ataque? Como o Kraken foi capaz de romper?

—O Kraken é feito de magia pela Rainha. Parece que eles são mais poderosos do que o escudo de Wendy. A única coisa que ela bloqueou com sucesso foi o vento.

—O vento? — Kelia colocou os dedos no queixo enquanto as ideias inundavam sua mente. —E se ela controlar o vento?

Drew piscou como se não entendesse o que ela queria dizer.

—O vento —, disse ela. —Só porque é selvagem não significa que não podemos usar isso a nosso favor. Se ela assumir o controle do vento...

—Ela poderia assumir o controle da água. — Drew terminou.

Kelia concordou. —Exatamente.

Drew gritou para sua tripulação resgatar Wendy antes de tocar o pulso de Kelia.

—Você está bem? — Ele perguntou. Ele parecia genuinamente preocupado, seu olhar traçando seu rosto como se procurasse algum tipo de ferimento em sua pessoa.

—Estou com um gosto ruim na boca, mas me sinto muito melhor do que antes. Suponho que seja em grande parte graças a Emma.

Drew inclinou a cabeça para o lado. —Afofando seus travesseiros.

Antes que Kelia pudesse rir, outra sereia disparou direto para o céu como uma bala de canhão, em seguida, saltou direto para eles.

Kelia pegou seu cutelo apenas para encontrar osso. —Droga!

—Sem arma? — Drew adivinhou, seu foco na bruxa do mar.

—Nenhuma com o qual eu me sinta confortável. — Ela dobrou os joelhos e encolheu os ombros. Era mais por instinto do que qualquer coisa, porque ela realmente não tinha ideia do que fazer ou como usar suas habilidades para se proteger e aos outros.

A sereia estava cada vez mais perto. Kelia podia sentir seu coração martelar na garganta.

—Às vezes, você precisa ser jogado ao mar para ver se consegue se manter à tona. — Disse Drew.

Antes que ele pudesse elaborar, a sereia o golpeou. Ele se esquivou dela com um pato enquanto simultaneamente puxava seu cutelo e acertava o lado dela. O ar se encheu com um perfume floral frutado, e Kelia parou no meio do caminho e fechou os olhos, balançando a cabeça na esperança de livrar o cheiro dela completamente.

Drew, por outro lado, não parecia afetado por isso. Era por causa de sua idade e experiência, ou o desejo apenas afetava Kelia mais fortemente do que ele? Para pensar: Kelia uma vez acreditou que Drew Knight não tinha controle. Na verdade, ele era provavelmente o ser mais controlado que ela conhecia, entre humanos e criaturas sobrenaturais.

A sereia gritou. A água gotejou e Kelia deu um pulo quando ela escorregou por sua blusa e ensopou seu cabelo. Com sua trança agora colada na nuca, ela olhou para cima quando outro tentáculo se preparou para atacar.

A sereia voltou sua atenção para Kelia e se lançou para atacar. Kelia saltou e a derrubou. Elas lutaram no ar até que se chocaram contra o convés no momento em que o tentáculo desabou novamente. Quase não acertou o navio, mas a batida na água criou ondas violentas que atingiram o convés, encharcando Kelia e todos os outros a bordo.

Enquanto Kelia engasgava com o jato de água, a sereia cravou as garras em seus ombros, arrancando um grito agudo de Kelia.

—Posso sentir o cheiro de Elise em você —, disparou a sereia. — Você é a única responsável pela morte dela.

Kelia ergueu o joelho para que ele chegasse ao peito da criatura e empurrou sua perna com um forte empurrão.

Gritando com raiva, a sereia cravou suas garras mais fundo na carne de Kelia, mas a adrenalina afogou qualquer dor. O empurrão foi o suficiente para dar a Kelia espaço para acertar um chute forte no estômago da sereia. A criatura soltou um suspiro ao voar de volta, e Kelia se levantou e respirou fundo enquanto tentava recuperar o fôlego.

Seu impulso foi tocar o ombro, sentir o ferimento e ter uma ideia de como estava. Mas ela não podia se permitir nem pensar em seu ferimento. Ela não podia se permitir a distração.

Ela não tinha acabado com essa vadia ainda.

A sereia não podia fazer muito, deitada no convés do navio. Ela ainda tinha sua cauda horrível e não era capaz de se endireitar. Pelo que Kelia podia ver, ela estava tentando chegar à borda do navio para que pudesse se jogar na água. No caso de isso poder curar seu ferimento, Kelia não poderia deixá-la fazer isso.

Ela disparou pelo convés escorregadio até a sereia que lutava e agarrou-a pelo rabo. A besta lutou de volta, a força em sua cauda atordoante quando uma barbatana bateu contra a lateral do corpo de Kelia.

Uau. Mesmo que não tenha sido doloroso, foi o suficiente para quase derrubar Kelia. Ela estendeu a mão novamente antes que a sereia pudesse deslizar na água e segurou firme. Então ela puxou - puxando a criatura de volta para o convés.

A sereia gemeu, correndo em sua direção, mas Kelia estendeu o braço, forrando a sereia com um golpe na garganta. O obstáculo abrupto mandou a sereia gritando para o chão novamente.

Ela estava tentando dizer algo, mas com a lesão distorcendo sua voz, as palavras eram inaudíveis. Kelia sorriu quando ela se aproximou dela e olhou para baixo. A sereia tentou se esquivar, mas Kelia bateu o pé contra o peito e a prendeu no lugar. Então ela se abaixou e agarrou a criatura pelo pescoço.

Qualquer grito que se acumulou em sua garganta foi abafado pelo aperto de Kelia, mas ela podia sentir o esforço vibrando com uma coceira contra a palma da mão.

Com sua nova força Sombra do Mar, ela ergueu a sereia como se ela fosse nada mais do que um krill leve, segurando-a em direção ao céu pela mandíbula.

—Isto é por atacar Drew. — Ela disse em voz baixa.

Então ela apertou o mais forte que pôde até que a garganta da sereia estalou e rangeu em sua mão. A sereia entrou em colapso, olhos revirados, boca aberta, e Kelia a jogou no oceano.

Que as outras sereias fossem sábias o suficiente para tomar isso como um aviso e ficar longe.

Mas por mais feliz que estivesse em enviar o aviso, alguma parte sombria dela encontrou prazer no ato de matar e na ideia de que as outras sereias encontrariam o corpo.

Quando um golpe de água atingiu seu rosto e a adrenalina diminuiu em suas veias, Kelia piscou. Ela estava começando a voltar a si mesma. Ela olhou em volta procurando Drew assim que ele emergiu do convés inferior, seguido por Wendy.

Naquele momento, ela percebeu o que tinha feito. No que ela havia se transformado.

Olhando para suas mãos, para o líquido carmesim escorregando entre seus dedos e pingando no convés, seu corpo estremeceu. Rapidamente, ela limpou o sangue de sua túnica.

Salvar Drew era uma coisa, mas se deliciar em matar alguém? Isso não era típico dela. Isso era algo que ela nunca quis se tornar.

—Você está bem, querida? — Drew perguntou, um olhar preocupado em seus olhos escuros.

Um arrepio desceu por suas costas. Ela parou de esfregar as mãos na barriga e acenou com a cabeça, então olhou para Wendy. Sem dizer uma palavra a ninguém, os braços de Wendy estavam acima de sua cabeça, seus dedos dobrados com força como se ela estivesse segurando algo alto. Seus braços se moveram por um momento, para frente e para trás, como se ela estivesse tentando ganhar impulso sobre algo até que o vento parou de soprar abruptamente.

Tudo ficou parado.

Kelia mudou seu olhar. Ela nem conseguia ouvir o barulho do oceano entrando no navio. A única coisa que ela ouviu foi sua própria respiração.

Então, Wendy soltou um grito e, sem aviso, um guincho alto perfurou o ar.

Kelia caiu de joelhos e apertou as orelhas, soltando um gemido. Naquele momento, seu novo sentido de audição de Sombra do Mar provou ser mais um obstáculo do que uma vantagem.

A cabeça feia do Kraken enraizou-se sob a superfície da água, olhando para Kelia com um grande olho dourado. Sua boca era perfurada com fileiras e mais fileiras de dentes afiados; uma espetada por si só seria suficiente para cortar a pele fatalmente.

Ainda sem uma arma para agarrar, Kelia largou a mão e flexionou os dedos. Ela não tinha ideia de como diabos ela iria sair disso, mas ela precisava pensar em algo. Rápido.

O Kraken continuou erguendo a cabeça, cada vez mais alto, enquanto Kelia permanecia congelada no lugar. Ela olhou ao redor em busca de uma resposta. Mas Wendy ainda estava ocupada controlando o vento, e Emma estava fazendo algo estranho no convés do navio, tocando repetidamente o chão com a palma da mão e avançando alguns passos.

O que em nome de Deus ela estava fazendo?

Ainda assim, o Kraken se levantou, mas não fez nenhum movimento para atacar, e uma sensação estranha tomou conta de Kelia. A sensação de ar sendo puxado para cima na frente dela, quase caindo nos dedos dos pés e puxando-a em direção a ele com sua grande força.

É isso aí. O Kraken não estava no comando de seus movimentos! Em vez disso, era Wendy, puxando-o para cima com nada mais do que a força do vento.

—Não consigo segurar por muito tempo — gritou Wendy. —Vocês precisam matá-lo!

Drew desembainhou sua espada, mas não fez nenhum movimento para atacar. —Como diabos vamos fazer isso?

Emma quase bateu nele enquanto andava para frente, tocava o convés, andava para frente e continuava enquanto outra sereia saía da água e se espatifava no convés. No entanto, em vez de pousar graciosamente sobre a cauda como os outros, ela perdeu o equilíbrio e deslizou para a frente, tombando de cara com a cauda pendurada frouxamente diante dos olhos.

—Que feitiçaria é essa? — Ela gritou.

—Terra, — Emma disse com um sorriso. —Você não é bem vinda aqui.

Antes que a sereia pudesse responder, uma das sombras a matou.

Drew veio para o lado de Kelia. —Precisamos matar o Kraken.

Os olhos de Kelia voltaram para o Kraken, sua boca ficando seca. —Eu mal consigo me controlar.

—É disso que precisamos agora. — Drew se voltou para o Kraken, agora totalmente fora do oceano. A água caía em fortes rajadas como uma cachoeira furiosa enquanto Wendy segurava a besta. —Raiva incontrolável. É a única coisa que pode nos salvar agora.

Kelia olhou para as próprias mãos como se ainda não pudesse acreditar que matou com elas - não uma arma, mas com as duas mãos nuas. Mas uma sereia era do mesmo tamanho que ela. Um Kraken não era.

No entanto, parecia que não havia outra escolha.

—Então... vamos pular? — Kelia perguntou.

Drew acenou com a cabeça. —Sim. — Ele se ajoelhou e Kelia o seguiu. —Pronta?

Kelia inclinou a cabeça quando seu batimento cardíaco ecoou em sua cabeça e o medo cortou suas veias. Como ela faria isso quando nunca havia treinado para tal façanha antes?

Ela morreria antes de realmente aprender o que significava ser uma Sombra. Mas talvez isso não fosse a pior coisa que poderia acontecer.

—No meu sinal. — Drew instruiu.

Kelia sentiu a madeira dura do convés sob as palmas das mãos. Seus dedos ficaram tensos e ela se preparou para saltar. Joelhos dobrados. A parte traseira arranhando suas panturrilhas.

—Um.

Kelia soltou um suspiro trêmulo. Ela não pôde deixar de pular para cima e para baixo enquanto esperava.

—Dois.

Ela inclinou a cabeça para a esquerda, para a direita, esticando as dobras no pescoço. Ela não tinha ideia do que faria quando eles saltassem, mas estava ansiosa para acabar com isso.

—Três.


CAPÍTULO 7

Na terceira contagem de Drew, eles se lançaram para cima em direção ao Kraken. Wendy não seria forte o suficiente para segurar o Kraken fora da água até que ele sufocasse, então eles precisavam agir rápido para matar a fera antes que essa oportunidade fosse perdida.

Drew rasgou a carne espessa e oleosa. O Kraken gritou, um grito de dor tão alto que o oceano abaixo balançou para frente e para trás. O grito de Kelia perfurou o ar, mas Drew não conseguiu ver como ela estava. Não até que o Kraken estivesse morto.

Ele mordeu, arranhou e rasgou tanto quanto podia. O Kraken não iria cair sem lutar. Seus braços parecidos com lulas balançavam no ar. Quando um deles veio para dentro para dar um tapa em Drew, ele curvou o corpo para fora do caminho, mas não foi rápido o suficiente, e o membro do cefalópode acertou o pé de Drew com um tapa forte.

Drew uivou. Embora o pé quebrado fosse curar, a dor no momento era excruciante. Mas, já, o braço do Kraken estava chegando para outro golpe. Drew trabalhou mais rápido para separá-lo, garra e presa. Logo, o Kraken estava borbulhando em vez de gritar.

Sua luta começou a morrer enquanto seu corpo murchava. Depois de outro momento, Drew saltou de volta para o convés e olhou para cima em busca de Kelia. Em vez de pousar graciosamente em pé como Drew fez, ela quase caiu do convés.

Wendy libertou o agora derrotado Kraken, e quando seu corpo flácido bateu contra o mar, as ondas surgiram e cobriram-no com gotas de oceano como a chuva.

Mas eles estavam seguros. Por enquanto.

Kelia sibilou. Lembrando-se de seu grito anterior e temendo que ela estivesse ferida, Drew subiu até ela.

—O bastardo me mordeu. — Ela gesticulou para sua panturrilha, onde um bom ferimento fez com que o sangue vazasse mais rápido do que ela poderia se curar.

Drew olhou para Emma.

—Nós mal temos o suficiente para a tripulação, — ela disse calmamente. —Se dermos isso a ela, precisaremos chegar à Ilha dos Amaldiçoados muito mais cedo.

O olhar de Drew se tornou um clarão, e ele não precisava dignificar as preocupações de Emma com uma resposta. Ela acenou com a cabeça e desapareceu.

Kelia precisava beber sangue, especialmente se eles fossem chegar à Ilha dos Amaldiçoados inteiros. E agora, eles precisavam chegar lá mais rápido, pois seus suprimentos já estavam baixos antes disso. Sem falar que o sangue animal era realmente apenas um curativo em um ferimento fatal. Como uma recém-nascida Sombra do Mar, Kelia precisava de sangue humano.

Como eles conseguiriam chegar mais rápido à ilha sem mastro, ele não tinha ideia. Mas ele descobriria. De alguma forma.

Ele a ajudou a se levantar e a levou de volta para seus aposentos. Felizmente, seu quarto quase não foi afetado pelos danos do Kraken. Ele a colocou em sua cama, considerando cuidadosamente sua perna machucada.

—Precisamos curar você —, disse Drew. —Você precisa de sangue.

—De você?

Drew fez uma pausa, surpreso com as palavras que saíram de sua boca. Antes que ele pudesse processá-los, Emma voltou com uma garrafa e a entregou a Drew, que a entregou a Kelia.

—Dos animais abaixo. — Ele disse a ela.

Uma variedade de emoções cruzou o rosto de Kelia, e Drew teve que morder o lábio para se impedir de dizer qualquer outra coisa. O quanto ele queria que ela se alimentasse dele. No entanto, a ideia de se relacionar com qualquer pessoa, até mesmo Kelia, não era algo que ele se sentisse confortável pensando. Fazia décadas, mas ainda havia momentos em que ele sonhava com seu tempo com a Rainha, ligado a ela como um homem apodrecendo sua vida na prisão, sem esperança de liberdade. Cada vez que pensava sobre isso, era difícil para ele respirar, e ele tinha que colocar a mão espalmada sobre o peito e respirar fundo para se lembrar de que estava bem e que não estava mais ligado a ela.

Ele deu um passo para trás quando Kelia olhou para a garrafa mais uma vez, e ele se coçou para fazer algo com as mãos. Ele não sabia por que estava nervoso com Kelia bebendo sangue na frente dele. Era como se ele precisasse que ela gostasse do gosto, temendo que ele pudesse ter arruinado seu único método de sustento ao transformá-la em uma Sombra do Mar.

—Vá em frente, — ele pediu. —Você não vai tirar nada disso simplesmente olhando.

—Eu vou ajudar a limpar o navio, — Emma murmurou. —Quando Wendy se recuperar, ela vai ajudar a nos levar para a Ilha dos Amaldiçoados. A água não é mais segura.

Drew esfregou as coxas com as palmas das mãos e deu mais um passo para trás. O ritmo aliviaria sua ansiedade, mas ele estava obcecado por Kelia. Ele queria vê-la consumir o sangue, para garantir que ela estava satisfeita.

Havia também uma pequena parte sombria dele que queria ver se ela sentia algum prazer em beber, do jeito que ele tinha quando bebeu o líquido pela primeira vez. Ele tinha vergonha por aquele sentimento, pelo fato de querer mais, não se importando de quem ele conseguisse, contanto que ele conseguisse. Assim que o sangue tocou seus lábios, ele esqueceu completamente o gosto da comida e não teve sede de nada mais do que isso.

A Rainha disse a ele que era uma reação natural, que a insistência por mais agora era típica de uma nova Sombra. Mas, uma vez que Drew foi forçado a parar e esperar, ele não conseguiu concordar com ela.

—Por que você está olhando assim para mim? — Kelia perguntou. —Há algo de errado com o sangue?

—Pelo amor de Cristo, apenas beba, está bem? — A voz de Drew estava mais áspera do que pretendia, e ele cerrou os dentes e desviou o olhar, tentando controlar suas emoções. —Olha, eu preciso de você forte. Como eu disse, você esteve fora por três dias. Sem comida, sem água. Não só isso, você bebeu uma sereia e foi ferida por um Kraken. O sangue vai hidratá-la e aliviá-la da fome. Isso lhe dará a força de que você precisa. Isso vai te curar.

Kelia colocou a garrafa no colo, mantendo os dedos no pescoço. —O que você não está me dizendo? — Ela perguntou, sua voz baixa, cada palavra nítida. —É como se você estivesse esperando por algo, e eu não sei o que é.

—Estou preparando você —, disse Drew, jogando os braços para fora. —Você é uma maldita Sombra do Mar. A Rainha não está morta - claramente, dados os ataques recentes. E se ela está viva, vai ser um inferno pagar por arruinar sua ilha, por incendiar sua casa e por roubar você de volta.

—Eu nunca pedi para você vir atrás de mim, — Kelia retrucou. —Eu saí para garantir que sua irmã e Emma estivessem seguras. Saí para garantir que Daniella estivesse segura; que você estivesse seguro. Eu sabia o que estava fazendo. Eu conhecia as ramificações de minha escolha e estava preparada para enfrentá-las.

—Você honestamente esperava que eu a deixasse lá? — Drew perguntou. —Ela foi atrás de você para me pegar porque ela é uma vadia vingativa que não entende o significado de uma palavra simples de duas letras. Você é... —Ele parou, ouvindo sua voz falhar, e baixou as mãos ao lado do corpo. Suas bochechas esquentaram com a raiva e o constrangimento de sua frustração. Ele não sabia por que estava frustrado com Kelia. —Você é tudo para mim.

—Então por que você deve me fazer sentir como se tivesse feito algo errado? — Ela perguntou.

Drew fechou a boca e suspirou enquanto olhava a garrafa de sangue que ela ainda não havia tocado.

—A verdade de tudo isso —, disse ele, com a voz mais suave, —é que eu sei o que fiz com você. E me sinto muito mal por isso. — Ele caminhou até sua cama, seus passos lentos e pesados. Por mais que quisesse ficar com ela, estava desconfortável o suficiente com a situação para desejar estar recuando em vez de diminuir a distância entre eles. —Transformar você foi egoísta. Eu nem mesmo pensei que você preferiria estar morta do que ser o que eu sou. Você pede para se vincular a mim, e eu não quero nada mais do que sentir você dentro de mim, sentir dentro de você. É algo mais íntimo do que sexo. E, no entanto, estou atormentado pela culpa porque a Rainha me forçou a ter um vínculo com ela, e me preocupo em estar fazendo o mesmo com você porque forcei você a ser uma Sombra, assim como ela me forçou.

O silêncio de Kelia normalmente o teria enervado, mas, neste momento, ele apreciou o silêncio. Ele se sentou na beira da cama e recostou-se. Ele respirou fundo, e depois outra vez, até que a tensão em seu corpo diminuiu, mesmo que ligeiramente.

—Eu entendo por que você está em conflito —, disse ela. —Não sei como aliviar seus problemas.

—Você não pode. — Drew fechou os olhos e soltou outro suspiro. —Minhas emoções não são de sua responsabilidade. Elas são minhas. Eu só... quero você preparada. Não sei o que vai acontecer, e isso me preocupa.

Kelia zombou da garrafa.

—Você precisa beber —, disse Drew. Ele tirou a garrafa de seus dedos, e ela não opôs resistência. —Podemos falar sobre qualquer outra coisa em um momento diferente, mas você precisa se alimentar. Algumas Sombra, quando são criadas, não aceitam bem o sangue. É algo a que elas precisam se acostumar. — Ele removeu a tampa da garrafa e estendeu-a para ela. —Beba.

Quando ela não fez menção de pegar a garrafa dele, ele acrescentou: —Você está adiando isso.

—Eu estou.

Sua paciência estava se esgotando. —Por quê?

Kelia mexeu nos lençóis em vez de olhar nos olhos dele. Por mais que a amasse - e ele a amava mais do que amava qualquer coisa - ele não queria que ela mexesse nas coisas e as colocasse onde ele não seria capaz de encontrá-las mais tarde. Ele limpou a garganta, chamando sua atenção, e ergueu a sobrancelha, como se para encorajá-la a falar livremente.

—Eu me preocupo em não gostar, — ela murmurou, balançando a cabeça. —Eu me preocupo que a única maneira de eu sobreviver vai me enojar tanto que eu prefiro morrer de fome a ceder. E eu prefiro resistir a saber que vou morrer de fome.

Drew apertou os lábios, contendo um grunhido de aborrecimento e frustração. —Querida, embora eu entenda sua hesitação, acredito que você esteja sendo um pouco dramática —, disse ele. —Eu conheço muitos humanos que não gostavam de muitos tipos de alimentos saudáveis que se acreditava nutrir seus ossos, coração e corpo, e ainda assim, nós os consumimos porque acreditamos que é bom para nós e porque é vital para nossa saúde. Como Sombras, só temos sangue, mas existem tantos tipos diferentes que, se você não gostar deste, podemos encontrar algo diferente e ver se você prefere. Eu prometo a você, sob pena de morte, nós encontraremos o sustento que você deseja. — Ele estendeu a garrafa para ela novamente. —Agora por favor. Beba.

Kelia engoliu em seco, sua garganta balançando para cima e para baixo enquanto olhava para ele com os olhos arregalados. —Ok. — Ela disse com um aceno de cabeça. Ela envolveu o vidro com os dedos e levou os lábios à boca da garrafa.

Com os olhos fixos nos de Drew, Kelia inclinou o recipiente para trás e engoliu o líquido carmesim. Seu nariz franziu e seus ombros saltaram como se ela fosse vomitar. Mas ela respirou fundo e continuou engolindo.

Essa era sua mulher. Sempre disposta a endurecer quando a situação exigia.

Os cantos de seus lábios se ergueram e ele colocou a mão sobre a que estava livre.

Enquanto ela bebia, diferentes expressões cruzaram o lindo rosto de Kelia; algumas que falavam de medo, confusão e curiosidade, e outras que ele não conseguia discernir, exceto por um momento que ele teve certeza de que era uma demonstração de satisfação.

A tensão no corpo de Drew diminuiu. Se ela ficasse satisfeita com seu primeiro consumo de sangue, ela não seria uma comedora exigente, o que tornava as coisas tremendamente fáceis.

Uma gota de sangue pingou de sua boca e rolou pelo queixo até se juntar na linha da mandíbula. Drew queria limpar o sangue escuro do rosto pálido de Kelia. Em vez disso, ele colocou as mãos atrás das costas, mantendo-se no lugar. Embora ele tentasse tirar os olhos dela, ele não conseguia.

Havia algo estranhamente erótico em Kelia beber sangue, e seu desejo por ela se agitou. Ele cerrou os dentes, tentando pensar em algo mais - qualquer outra coisa, mas ele não podia. As sombras acariciavam seu rosto, ela era linda na escuridão. Ele deu um passo em direção a ela uma vez, e depois novamente.

Kelia estava muito envolvida em seu próprio prazer que ela não pareceu notar. Seus olhos estavam fechados e ela fazia pequenos gemidos.

Drew se impediu de chegar mais perto dela. Ele cravou as unhas nas coxas e pressionou os calcanhares no chão. Ele não queria interrompê-la por seu próprio egoísmo.

Quando ela terminou, seus olhos se abriram e ela colocou a garrafa no suporte ao lado da cama. Ele fez questão de não demonstrar qualquer alarme pela quantidade do suprimento que ela havia bebido. Não faria bem a ninguém Kelia se sentir culpada por sua atual escassez; a verdade era que eles já haviam sido curtos antes desse ponto, e Drew não via muita diferença em uma situação ruim e em outra pior.

Ainda havia algumas gotas dentro, e Drew ficou quase tentado a beber ele mesmo, para compartilhar essa experiência com a mulher que amava. Mas quando ele foi levantar a garrafa, ele agarrou a garrafa com tanta força em sua mão que ela estourou em pequenos pedaços, o vidro caindo por toda a mesa e em sua palma.

—Drew! — Kelia exclamou, usando as costas da mão para limpar o sangue. —O que você está fazendo?

Drew piscou para baixo em sua palma. Antes que ele pudesse fazer mais alguma coisa, Kelia segurou a mão dele e a trouxe de volta ao rosto para que pudesse examiná-la.

—Não é terrivelmente brilhante, capitão, — ela disse, sua brincadeira aliviando um pouco da escuridão que estava se mexendo dentro dele. —Porque você fez isso?

Ele não tinha a intenção de quebrar a garrafa. Todo aquele controle se acumulou nele enquanto observava Kelia deve ter se tornado demais para aguentar.

E se ele machucasse Kelia desse jeito?

Ele puxou a mão dela e deu um passo para trás. Por mais que ele quisesse ir para Kelia, para se familiarizar com ela e conhecê-la como uma Sombra, agora não era o momento. Não seria certo tirar vantagem dela em uma posição tão vulnerável, e ele realmente precisava colocar suas emoções sob controle primeiro.

Quando ele não respondeu, ela perguntou: —O que fazemos agora?

—Wendy está movendo nosso navio para a ilha. Uma vez lá, Emma precisa preparar uma mistura para tirar o sangue da sereia de seu sistema também —, disse ele, grato pela mudança de assunto. —Não podemos fazer mais nada até que a Rainha seja sacrificada.

—Então por que não a colocar no chão? — Ela perguntou baixinho. —Depois da ilha, quero dizer.

Drew franziu a testa e forçou uma respiração áspera de suas narinas. —Tipo, matar a Rainha?

—Não era esse o seu plano o tempo todo? — Kelia perguntou.

Ele cruzou os braços sobre o peito, permitindo que as palavras de Kelia fossem absorvidas. Era uma solução tão simples. Quase parecia muito fácil. Todo esse tempo, eles estavam tentando pensar em uma maneira de destruir a ilha inteira. A ideia de matar a Rainha parecia uma tarefa intransponível. Mas era mesmo?

Ele girou no salto da bota. —Vou ter que pensar mais no assunto —, disse ele, — mas você pode estar certa.

—Nós poderíamos fazer isso, — Kelia disse a ele, —se trabalharmos juntos. Não podemos ir atrás dela agora, é claro, mas talvez em breve. E se...

—Não vamos atrás dela. Você não pode ir atrás dela de jeito nenhum, —Drew disse, não deixando espaço para erro em seu tom. —Eu já envolvi você muito profundamente em meu relacionamento pessoal e perigoso com a Rainha. Esta não é sua cruz para carregar.

—Se é a sua cruz, também é minha. — Kelia levantou-se de um salto e o brilho teimoso em seus olhos disse a Drew que ele poderia argumentar o quanto quisesse, mas ela não se mexeu. Pelo menos ela parecia já estar se curando. —Somos parceiros, Drew Knight. E agora que sou uma Sombra, somos iguais. Não sou mais uma mera humana.

—Você nunca foi um 'mero' nada. — Ele fechou a distância entre eles e enganchou o dedo indicador sob o queixo dela para inclinar o rosto para cima e olhar em seus olhos. —Eu nunca quero que você pense que você não era útil, querida. Mesmo quando você era humana, você carregava seu peso e muito mais. Você ajudou a localizar Wendy. Você deixou Port George. Você descobriu o que seu pai fez. Você é extraordinária, seja humana ou Sombra. O rótulo que você dá a si mesma não a define. Não é o que você é que importa, mas quem você é. E você é alguém que traz à tona o que há de melhor em mim, que - pela primeira vez em minha longa vida - me deixa esperançoso para o futuro. Você me surpreende, e eu nunca quero que você pense o contrário.

Um pequeno sorriso apareceu no rosto de Kelia. —Então me ajude, — ela desafiou. —Ajude-me a me tornar uma Sombra melhor. Eu quero fazer tudo que você faz. Quero controlar meus poderes e ser ainda mais forte do que era antes.

Drew enrolou uma mecha de cabelo loiro errante atrás da orelha. —Farei exatamente isso... depois de deixarmos a tripulação na Ilha dos Amaldiçoados.

Kelia inclinou a cabeça para o lado. —Deixar a tripulação?

—Não sei mais em quem posso confiar —, admitiu. —Se vou treiná-la, se nosso objetivo é matar a Rainha, devo ter certeza de que ela não descobrirá nossas intenções. Vou deixá-los e alegar que estou visitando a família.

—Achei que Wendy fosse sua única família viva, considerando que você tem mais de cem anos.

Drew suspirou pelo nariz. —De onde você acha que Wendy consegue seus poderes? — Ele perguntou. —Nossa tia Adelaide, que não fará um favor a esta terra e simplesmente morrerá.

Naquele momento, Emma irrompeu pela porta.

—A ilha está à vista. — Disse ela, sem fôlego.

Drew se virou para ela, tão grato pela notícia que não conseguiu impedir o sorriso de se espalhar por seu rosto. —Maravilhoso.

Emma balançou a cabeça. —Não é maravilhoso, Drew. Não há nada de bom nisso. Você vai querer ver isso.


CAPÍTULO 8

A ilha foi totalmente queimada.

Emma os levou para o tombadilho, onde eles puderam ver os danos por si mesmos. As tabernas que antes ficavam nas docas agora estavam queimadas, suas entranhas destruídas como uma baleia podre que apareceu na costa. O nariz de Kelia se contraiu, o cheiro persistente de enxofre fazendo cócegas em suas narinas.

Estava quieto... muito quieto. Kelia nunca gostou da frase silencioso como o túmulo, mas parecia aplicável aqui. A ilha outrora ruidosa que estava cheia de devassidão e pecado foi apagada com um fogo implacável. O Sombras do Mar não tinha um lugar reservado para eles, e o resto dos sobrenaturais, irem se alimentar e obter objetos ilícitos e outras tendências que a sociedade sem dúvida proibiria.

—Os ingredientes, — disse Emma, as palavras tendo mais peso do que quaisquer duas palavras deveriam. —Eu preciso encontrar Adelaide. Preciso ter certeza de que ela ainda tem os ingredientes.

Kelia franziu as sobrancelhas, surpresa que Emma só conseguia pensar em ingredientes em um momento como este. Uma ilha inteira foi incendiada - semelhante ao que as bruxas e Drew fizeram com a Ilha de Sangre da Rainha - e tudo o que Emma parecia se importar era uma mistura.

—Se Adelaide ainda estiver viva. — Drew murmurou.

Kelia não conseguiu decifrar seu tom. Ela entendeu que Adelaide era sua tia, mas ele pareceu um pouco abrupto sobre o fato de que ela ainda estava viva. Não se podia escolher a família, mesmo na vida após a morte, ao que parecia.

—O pôr-do-sol é daqui a algumas horas —, disse Emma. —Eu preciso...

—Uma maldita ilha foi queimada da mesma forma que empregamos em Sangre —, disse Drew. Suas mãos se fecharam em punhos apertados, e ele ficou no leme do navio, seu corpo voltado para Emma. —Eu não vou permitir que você arrisque sua vida para ver minha tia por uma mistura.

—Você não se importa se ela ainda respira? — Emma perguntou.

—Quase posso garantir que sim. — Drew caminhou pelo tombadilho, seus passos leves e rápidos. Embora sua postura parecesse relaxada, quase indiferente, Kelia conhecia Drew bem o suficiente para saber que, se ele estava andando de um lado para o outro, havia algo que o preocupava. —Adelaide é uma bruxa escorregadia e engana a morte a cada respiração. Hoje não é diferente. Amanhã também não será. Você vai esperar até eu permitir que você...

—Permitir? — Emma rosnou.

Kelia estava tão chocada quanto Emma parecia. Eles não tinham feito mais progresso com Drew do que isso a essa altura?

—Permitir, — Drew repetiu, sua voz mais alta. —Permitir que você saia. Permitir que você vasculhe a ilha. Permita que você corra em sua missão de suprimentos. Ainda sou o capitão e ninguém deve fazer nada sem minha permissão explícita. Você entende?

Drew quase saiu furioso, deixando o tombadilho e voltando na direção de seu quarto. Kelia e Emma desceram as escadas, mas quando Emma tentou abrir a porta que levava ao convés principal, não deu certo. Ela soltou um grito assustado e tentou novamente, desta vez com mais força.

Novamente, ele permaneceu imóvel.

—Eu poderia quebrar a porta, se você quiser. — Kelia ofereceu.

Emma se virou e lançou um olhar penetrante para Kelia. —Essa mistura é para você, — ela retrucou. —Você ainda tem o sangue da sereia dentro de você.

Kelia engoliu em seco ao se lembrar do gosto. Era um doce veneno que causava estragos em seu corpo, mas era tentador em sua língua. Ela estremeceu e desviou o olhar para o tombadilho.

Ela voltou a subir os degraus e olhou para o mar.

—O que você está fazendo? — Emma perguntou, seguindo atrás dela.

Quando Kelia se virou, os ângulos do rosto de Emma ainda eram intensos, mas a luta dentro dela parecia ter diminuído.

Kelia deixou seus dedos traçarem ao longo do elmo. Por um momento, ela se perguntou se as sereias estavam seguindo sob o navio de Drew em silêncio, relatando tudo à Rainha.

—Muito está em minha mente. — Kelia admitiu.

—Foi o que Drew disse. — Emma abraçou seu torso, a brisa suave tirando seu cabelo escuro de sua trança áspera. Kelia se lembrava de quando costumava usar tranças no cabelo. Agora, ela preferia longo e livre, assim como ela se sentia. —Você sabe qual é o plano dele então, eu presumo?

—Em relação à Rainha? — Kelia perguntou. —Eu sei que ele quer matá-la, mas ainda não me treinou.

—Ele está preso em uma situação incomum —, disse Emma. —Ele resiste a você porque se sente culpado pelo que fez com você. Ele sabe que deve treinar você, mas vai evitar isso enquanto puder.

Kelia cerrou os dentes e puxou os braços para trás, fechando os dedos em punhos apertados.

—Então, — Kelia disse lentamente, — para esclarecer seu ponto, você está me dizendo que Drew está evitando a bagunça que fez simplesmente porque se sente culpado?

—Acho que isso resume tudo, — disse Emma. —Essa é minha opinião, de qualquer maneira. Mas eu o conheço há muito tempo. E acho que até você o conhece bem o suficiente para saber o que eu digo parece verdade.

Kelia desceu as escadas em direção à porta. Drew poderia não gostar do que ela estava prestes a fazer, mas gostaria muito menos se ela assumisse o controle do navio, o que ela poderia facilmente fazer visto que ele as trancou no tombadilho.

Em vez disso, ela agarrou a maçaneta e arrancou a porta das dobradiças. Ela nem mesmo precisou tentar. Dali, ela disparou pelo convés do navio. Ela nunca se sentiu capaz de correr tão rápido antes. Quase parecia que ela estava voando. Seus pés mal tocavam o chão - pelo menos, ela realmente não os sentia tocar o chão.

Quando ela alcançou Drew, ele estava parado na proa do navio, as mãos segurando a amurada. Ela se lançou sobre ele e o derrubou de costas, então deixou que seu peso caísse sobre ele para que, por um momento, ele também pudesse saber o que era ter o fôlego tirado dele.

—Você ainda não me ajudou porque está atormentado pela culpa? — Kelia exigiu. —Você não me vê como sua igual? Alguém que você respeita como respeita a si mesmo, sua tripulação, até mesmo sua bruxa?

Emma veio correndo atrás dela, mas congelou quando ela se aproximou do par.

Drew estreitou os olhos. Não havia diversão em seus olhos castanhos. Qualquer calor que ela se lembrava desapareceu completamente. Ele abriu os braços, pressionando as palmas das mãos no convés do navio e empurrando-se para cima.

Kelia caiu para trás e bateu com a cabeça no chão com um estalo alto. Ela sorriu quando a dor disparou em sua cabeça, e ela estendeu a mão para esfregar a parte de trás da cabeça.

—Quem você pensa que é? — Ele demandou. —Eu sou o maldito capitão deste navio. Só porque você é importante para mim, não significa que tenha o direito de me atacar, especialmente na frente de minha equipe. Emma colocou você nisso? — Ele olhou para a bruxa da terra, que balançou a cabeça, antes que seu olhar caísse de volta para Kelia. —Simplesmente porque eu a quero no navio até que eu possa acompanhá-la até a casa de Adelaide? A ilha não é segura. Eu não me importo quem ou o que você é.

Kelia se sentiu ensinada neste momento, e a pior parte é que, neste caso, ele estava certo. Como seu capitão, ela não deveria tratá-lo dessa forma, especialmente na frente da tripulação. Mas sua natureza indomável aparentemente veio com mais do que apenas sede de sangue. Suas emoções eram mais difíceis de controlar agora também.

—Quando você vai me treinar? — Ela perguntou, mantendo a voz baixa.

Drew prendeu os tornozelos em sua cintura e a virou de costas, depois rolou para ficar em cima dela. Houve um lampejo de desejo nos olhos de Drew, claro na maneira como ele olhou para ela, a maneira como seus olhos caíram para os lábios dela e se demoraram, a maneira como seu corpo pressionou contra o dela.

—Vou treiná-la no meu próprio tempo. — Disse ele.

—Seu próprio tempo? — ela perguntou. —Eu quero ser treinada agora.

—Você nem sempre consegue o que deseja.

—Claramente! — Kelia quase gritou.

Emma recuou agora. Se ela ainda estava por perto, ela estava fora da periferia de Kelia.

Quando Kelia falou novamente, sua voz era baixa e nítida. —Você acha que eu quero isso? Me tornar uma criatura da noite, presa neste maldito navio até o pôr do sol? Claro que não! Eu não teria feito essa escolha por mim mesma, mas essa escolha foi tirada de mim. — Ela cerrou os dentes. Mais cedo, ela disse que faria. Agora, ela tinha certeza que preferia morrer do que ser uma besta. Ela odiava sentimentos conflitantes, odiava não saber como realmente se sentia sobre o que era. Ela algum dia tomaria uma decisão clara sobre isso? Ela não sabia dizer. Mas ela estava infeliz. E ela certamente não iria discutir isso com Drew. —Mas não possuirei esses grandes poderes sem saber como usá-los. — Toda a sua frustração e raiva se dissipou, apenas para ser substituída pelo desespero. —Eu estou te implorando, Drew. Aproveite o tempo para me ensinar para que eu possa ser ótima. Eu não posso fazer isso sem você. — Ela sabia que ele mencionou fazer isso antes, mas ele pode protelar. Ele poderia mudar de ideia tão facilmente quanto ela.

Seu corpo pressionado contra o dela, o peso dele moldando-se contra seu corpo. Ela não pôde evitar o estremecimento que atingiu seu núcleo, e fechou os olhos por um breve momento, tentando não se demorar no pensamento.

—Tudo que eu quero é a habilidade de me defender, — ela disse entre dentes. —Isso é tudo que estou pedindo. Porque isso é tão difícil? Não quero sobrecarregar você ou este navio. Eu quero ser capaz de me defender; eu quero ser capaz de me salvar. Não quero precisar de você o tempo todo.

Drew se aproximou e segurou a bochecha dela com a mão. Seu polegar brincou com seu lábio inferior - um fantasma dançando sobre ele. Ela engoliu em seco, com cuidado para não chupar o polegar. Havia um momento e um lugar para deixar Drew saber que ela o desejava, mas se o fizesse agora, não obteria o respeito de que precisava.

—Eu quero que você precise de mim. — Ele admitiu em voz baixa.

Ela podia sentir a respiração dele em seu rosto e se acalmou embaixo dele. Seu corpo inteiro ainda estava em chamas, e ainda assim, arrepios estouraram em seu corpo. A ponta de seu nariz acariciou sua bochecha, e ela quase soluçou, desejando que ele a beijasse. Ela precisava senti-lo como antes. Ela não entendia por que, mas tinha esse desejo ardente de senti-lo de uma maneira que só ela sabia que podia.

—Eu preciso ser capaz de lutar por mim mesma, — ela disse em meio à sensação de aperto em sua garganta. —Gosto de saber que, se fosse necessário, eu poderia salvá-lo. — No silêncio de Drew, ela acrescentou rapidamente: —Não que você precise ser salvo, mas gosto de saber que poderia se você precisasse.

Drew tirou os dedos de seu rosto e acariciou sua clavícula exposta antes de pousar a mão em sua coxa.

—E, ainda assim, aqui estou eu, em cima de você, e você não fez nada a respeito —, disse ele. —Como posso acreditar que você quer treinar quando se recusa a lutar na primeira oportunidade que eu lhe dei?

Kelia abriu a boca para responder, mas Drew colocou o dedo indicador sobre os lábios dela.

—Você quer treinar, não é? Então faça o que eu já te ensinei. Mostre-me que você pode reter minhas aulas, e então irei treiná-la quando você quiser. Se você não pode me tirar de você, então você vai esperar até que eu esteja pronto.

—E quando será isso? — Kelia perguntou.

Drew firmou sua postura, olhando para ela.

—Quando. Eu estiver. Pronto. — Repetiu ele, e Kelia sentiu então que nem ele sabia quando seria.


CAPÍTULO 9

O sol aquecia sua pele lá de cima, o que era estranho, já que o céu estava carregado de nuvens. De sua posição no chão, ela podia ver botas andando pelo convés. Certamente, ela e Drew fizeram uma cena e tanto, mas ninguém olhou para eles. Ninguém os parou ou perguntou a Drew o que diabos ele estava fazendo. Até mesmo Emma certamente se foi agora. Era assim que as coisas eram. Era quase cômico o que Drew conseguia fazer sem questionar.

Mas havia algo em que ela ainda tinha a vantagem.

O rosto de Kelia aqueceu só de pensar nisso, e ela mordeu o lábio inferior entre os dentes, sem saber se poderia realizar tal façanha. Ela nunca acreditou que possuía tais talentos, mas ela sabia que a maioria dos homens eram iguais, independentemente se eles eram humanos ou Sombra. Como tal, ela limpou a garganta e olhou para Drew por entre os cílios.

—Drew. — Disse ela em voz baixa.

Drew franziu a testa, inclinando a cabeça para o lado. Ele parecia confuso. Talvez fosse o tom de sua voz. Ela estava tentando fazer parecer abafado, mas talvez estivesse saindo do jeito errado.

—Sim? — Ele perguntou.

—Eu preciso que você se levante. — Ela colocou as mãos nas coxas dele e lentamente as esfregou para cima, virando as palmas para a parte interna das coxas. —Você está me fazendo sentir coisas que não sei se ainda quero sentir. Com todas as mudanças acontecendo em meu corpo.

Ela colocou uma mão sobre o peito, certificando-se de que fosse colocada logo acima dos seios para que seus olhos a seguissem.

—Você sabe —, disse ele, aninhando-se mais perto, —posso ajudá-la com isso, se você precisar se entregar aos assuntos da carne.

Kelia fingiu surpresa. —Não me tente. Eu posso pedir a você que me dê uma indulgência bem aqui na frente do navio.

Ela ergueu a sobrancelha, esperando enfatizar seu ponto.

As sobrancelhas de Drew se juntaram e Kelia usou essa janela de hesitação para mudar o peso de seu corpo e jogá-lo fora de seu corpo. Ele caiu de costas e ela se jogou em cima dele.

—Eu tirei você de cima de mim, — ela disse a ele categoricamente. —Me treine.

Drew desviou o olhar. —Isso não é justo, você sabe. Isso é trapaça.

Ela encolheu os ombros. — Pirata.

—Oh, tudo bem —, disse ele. —Mas depois de levarmos Emma para Adelaide. Você precisa livrar seu corpo do sangue da sereia primeiro.

Kelia sorriu em triunfo e se levantou. Ela já estava começando a se sentir mais poderosa.

 


O sol se escondeu mais cedo do que o normal. Ou talvez o tempo simplesmente tivesse passado mais rápido do que Drew esperava. De qualquer maneira, ele e sua tripulação logo estavam em barcos remando em direção à costa. Ele não tinha certeza se estava pronto para encontrar Adelaide. E, mais importante, ele não tinha certeza se estava pronto para treinar Kelia.

À medida que remavam para mais perto da ilha, a fumaça saía dos restos do fogo. O que antes era um verde rico agora era preto. A sujeira estava coberta de cinzas. O cheiro de enxofre era mais forte quanto mais perto eles se aproximavam da ilha. Os barcos ficaram em silêncio enquanto cortavam a água. Ninguém ousou falar, embora Drew não soubesse por quê. Pessoalmente, ele sentia que não havia nada para dizer.

A pontada de fome retumbou no estômago de Drew. Quando foi a última vez que ele comeu?

Kelia.

Ele soltou um rosnado e olhou para longe da ilha e de volta para o oceano. Ele não queria pensar em afundar suas presas em Kelia e se alimentar dela. Isso fez com que seu corpo ficasse tenso. Isso causou arrepios em sua espinha e os dedos dos pés se curvaram. Ele queria mais de seu sangue. Ele queria isso em seu sistema. Ele queria se relacionar com ela de uma forma que ninguém fez e ninguém faria.

Mas ele não conseguia pensar nisso agora. Ele, junto com sua tripulação, procuraria qualquer animal que permanecesse vivo na ilha, como ele havia dito antes de atracar. Eles não tinham permissão para se alimentar das bruxas e não havia nenhuma maneira no inferno de se alimentar de Kelia. Eles sabiam que não deveriam perguntar. No entanto, Drew também estava ciente de que a fome produzia respostas idiotas. Ele precisava alimentar sua tripulação para mantê-los leais.

No momento em que chegaram às docas, Drew havia rasgado quase todas as unhas que tinha pela metade, até o couro. Ele agarrou a corda grossa do fundo do barco e, sem dizer uma palavra, amarrou o barco à madeira para que não flutuasse. Do canto do olho, ele notou que sua tripulação fazia o mesmo antes de pisar em terra.

A essa altura, o céu estava com uma cor cinza raivosa. Não havia nuvens e havia um frio no ar, o tipo que percorre o corpo de uma pessoa até cobrir seus próprios ossos. O ar puro e o sal do mar não fizeram nada para mascarar o cheiro chamuscado do que havia acontecido. Se Drew tivesse que adivinhar, ele diria que isso não poderia ter acontecido há mais de três dias, se não mais recentemente.

Sua tripulação seguiu seu próprio caminho para encontrar sustento, deixando Drew sozinho com Kelia e as bruxas.

—Tem certeza que quer vê-la? — Wendy perguntou. Sua voz ainda estava carregada de amargura, e ela não havia voltado seu olhar escuro para Drew. Desde que Christopher morreu, ela não olhava realmente para ninguém. Em vez disso, seu foco estava principalmente no horizonte, como se ela esperasse que ele voltasse magicamente de algum lugar.

—Eu não tenho escolha. — Ele parou no convés de madeira e se virou, se abaixando e começou a ajudar todos os outros em seu barco. —Emma insiste que os ingredientes só podem ser obtidos por meio dela.

—É verdade, — Emma disse, soando como se ela não estivesse com humor para discutir. —E você vai me agradecer quando eu a curar. — Os olhos de Emma moveram quando ela pisou no cais, tirando a poeira da frente de seu vestido. —Sua Sombra vai me agradecer também.

—Ela não é minha Sombra, — ele murmurou, mais para si mesmo do que para Emma. —Ela não pertence a ninguém. Ela deixou isso muito claro.

—Bem, talvez você deva respeitar isso sobre ela. — Emma apontou. Ela baixou as mãos e se virou. Sem esperar por mais ninguém, ela começou a se dirigir à cidade.

Drew soltou um suspiro de frustração, puxando Wendy, então Daniella e finalmente Kelia. Com Kelia, ele permitiu que sua mão permanecesse na dela. A sensação da pele dela na sua enviou pequenos choques através de seu sistema, e ele instantaneamente voltou ao único momento em que eram íntimos um com o outro.

Ele sentia falta de seu calor. Ele sentia falta de estar dentro dela, envolto em uma pureza que não se lembrava de ter experimentado em sua vida.

Kelia afastou a mão da dele, arrancando-o da memória. Ela não parecia se importar com o que eles eram e o que poderiam ser. Seu foco, como Emma, permanecia em conseguir os ingredientes, mas apenas para que Drew se apressasse e a treinasse. Ele se absteve de revirar os olhos e murmurar um pouco mais baixinho. As únicas mulheres que ele parecia conhecer eram teimosas e irritantes.

—Você acha que nossa querida tia ficará feliz em nos ver, então? — Wendy perguntou, acompanhando o passo dele.

Kelia e Daniella alcançaram Emma, e as três estavam andando em um ritmo mais rápido do que Drew e Wendy. Contanto que Drew as tivesse diretamente à vista, não se importava que estivessem determinadas a andar à sua frente. Talvez fosse melhor se ele tomasse espaço de todos eles, para que não saísse de sua boca algo de que mais tarde se arrependesse.

—A última vez que estive com ela —, continuou Wendy, —ela gritou que eu não respeitava sua arte e me disse que nunca mais queria me ver.

—Arte? — Drew perguntou.

—Adelaide é uma bruxa da terra, mas ela trata suas poções e misturas como se fossem arte, em vez de simples remédios para doenças —, disse Wendy. —Eu estava apaixonada pelo vento e achei muito mais grandiosa do que ter as capacidades terrestres e disse isso a ela.

—A Tia não gosta de ser contestada.

O fantasma de um sorriso tocou os lábios de Wendy. —Não, — ela concordou. —Isso ela não gosta.

A sujeira estava pesada quando eles saíram das docas e pegaram a estrada que passava pela cidade. Ela grudou em suas botas. A cinza ainda sendo empurrada pelo vento encontrou sua pele e ficou lá. Drew precisaria fazer com que Emma preparasse todos os banhos depois desse passeio. Ele não se importava de ficar sujo quando a ocasião pedia, mas isso era algo diferente. Isso o deixou se sentindo mais sujo do que ele poderia tolerar.

—A última vez que vi a tia, ela me deu um tapa no rosto e me disse como eu era patético por causa da minha paixão por um lindo monstro —, disse Drew. —Eu odeio admitir que ela estava certa. Ela disse que minha escolha em relação às mulheres iria me matar e, de certa forma, isso aconteceu.

—Tenho certeza de que ela está ansiosa para dizer que ela estava certa.

Drew bufou. Ele não conseguia evitar um sorriso malicioso, mesmo que tentasse. Wendy estava certa sobre isso.

Os cinco continuaram a caminhar pela cidade. O bordel que Grayson Briggs possuía ainda estava de pé, mas a madeira estava manchada de preto pelo fogo. Não havia mais nada dentro, exceto um buraco bastante grande.

O bordel não se erguia mais em três níveis. Em vez disso, a base foi a única parte da estrutura que sobreviveu. Nenhuma das pessoas que o povoaram antes estava presente. Drew nem mesmo sentiu o cheiro de corpos carbonizados. Ou eles receberam um amplo aviso para deixar a ilha, foram tirados da ilha ou foram mortos e levados.

Nenhum cenário parecia muito bom.

Cada edifício que constituía a pequena cidade era o mesmo. Algumas partes da estrutura sobreviveram, mas como um todo, nenhum edifício permaneceu. Não havia corpos. Apenas cinzas e fumaça. Drew tentou encontrar algo - qualquer dica ou pista que pudesse revelar o que, exatamente, acontecera - mas não conseguiu encontrar nada.

—Te incomoda o que aconteceu aqui é assustadoramente semelhante ao que fizemos com Sangre? — Wendy perguntou.

Drew tinha pensado nisso, mas colocar em palavras fez os pelos de seus braços se eriçarem.

—Você acha que isso foi um contra-ataque? — Drew perguntou. —Da Rainha?

—Nós queimamos sua ilha —, disse Wendy. —Você disse que a casa preciosa dela pegou fogo. Eu não ficaria surpresa.

—Mas eu pensei que ela nos queria —, disse Kelia. Drew ergueu os olhos, surpreso ao vê-la, Emma e Daniella esperando por eles à frente. —Ela ficava dizendo que nos quer vivos. Então, por que ela queimaria a ilha? Isso não nos mataria se estivéssemos aqui?

—Ela provavelmente suspeitou que tínhamos que vir aqui para obter suprimentos. Aposto que é um aviso. Parte do jogo que ela está jogando com você. — Sua atenção se voltou para Drew. —Você usou esta ilha para se alimentar. Sua tripulação também. Emma a usou para reunir ingredientes. Tire coisas essenciais para a vida e você cria o caos dentro de uma pessoa, o que, por sua vez, cria o caos em um grupo.

As sobrancelhas de Drew se ergueram ao ouvir a resposta de Daniella, de todas as pessoas. Ele abriu a boca para responder antes de fechá-la lentamente. Por mais que odiasse admitir, a garota fazia sentido.

—Um jogo mental? — Ele perguntou.

Daniella encolheu os ombros. —Eu não conheço sua Rainha, — ela disse. —Parece algo que ela faria?

Sim, na verdade, faria.

—O que isso significa para nós, então? — Kelia perguntou. —Se isto é um jogo, o que ela espera tirar dele?

—Você, amor. — Veio uma voz atrás deles.

Antes que o olhar de Drew pudesse alcançar o orador, a figura se lançou para Kelia. Ele se virou e, usando sua velocidade, conseguiu derrubar o atacante, impedindo-o de alcançar o alvo pretendido.

No entanto, quando Drew se levantou, ele olhou ao redor e percebeu que estava familiarizado com a maioria das Sombras que os cercavam em suas visitas à ilha. Essas eram as sombras de Grayson, sombras que ele comprou com sangue e sexo de graça. O coração de Drew bateu forte contra o peito. Provavelmente havia sete deles.

Não havia como eles saírem dessa bagunça. Sete sombras contra duas sombras e três bruxas não eram boas chances.

—Venha conosco, Drew, — Sammy comentou à esquerda de Drew. Drew se lembrava dele como uma das Sombras mais vicárias que consumia tantas mulheres quanto sangue. —Você sabe que iremos levá-lo. Não vamos prolongar isso.

—A Rainha chamou você então? — Drew perguntou, sua voz saindo em palavras cortadas e ásperas. —Estou surpreso que você não esteja tentando me matar.

—Eu implorei a ela, mas a Rainha quer você vivo, — Sammy respondeu. Ele olhou para suas cutículas com desdém. —Você não é nada mais do que um capitão pirata patético sem direção na vida. Você acha que sabe tudo. A verdade é que você é egoísta. E você não sabe de nada. Você tem sorte de a Rainha te amar do jeito que ela ama. Você tem sorte que ela quer você e oferece misericórdia. — Ele sorriu. —Para minha sorte, posso fazer você sofrer, mesmo que não possa matá-lo.

Alguém saltou para frente e tentou agarrar Kelia. Ela foi rápida o suficiente para se esquivar do ataque, mas ela ainda era nova em ser uma Sombra, e com o veneno da sereia percorrendo seu corpo, ela não seria capaz de desviar dos ataques por muito tempo.

—Grayson pensou o mesmo —, disse Drew com um sorriso. —E ainda assim, ele está morto. Eu não estou. Claramente, eu sou o superior. Você deve se curvar diante de mim.

—Você quer se curvar, hein? — Sammy se inclinou para frente. —Sua filha vai se curvar a mim depois que eu der prazer a ela repetidamente enquanto você assiste. E não haverá nada que você possa fazer sobre isso.

—Você vai morrer esta noite, — Drew rosnou, suas narinas dilatadas. —Você sabe disso, certo?

Uma rajada de vento saiu aparentemente do nada e envolveu duas Sombras na frente de Wendy. Elas agarraram suas gargantas, arranhando sua pele. Drew não tinha certeza, mas quase parecia que Wendy enfiava uma rajada de vento em suas gargantas e os sufocava.

Fitas carmesins saíam de suas gargantas e desciam por seus peitos enquanto as unhas rompiam a pele. Durou apenas alguns momentos, mas as duas Sombras que ela sufocou eram cinzas. Drew piscou, pressionando os lábios para que nenhuma carcaça caísse em sua boca.

Assim que as duas morreram, uma das moças que costumava abrir a porta do bordel de sangue pulou em cima de Kelia e a derrubou.

Kelia soltou um grito agudo. Antes que Drew pudesse fazer qualquer coisa, ele foi atacado por outra Sombra. As garras afundaram em seu ombro e ele grunhiu.

Pelo canto dos olhos, ele viu Wendy lidando com sua Sombra da melhor maneira que podia. Daniella, por outro lado...

—Ela vai suportar muito por sua causa. — Disse Sammy. Ele ergueu o braço e Drew rolou para longe bem a tempo. A sujeira atingiu seu rosto com o ataque.

Drew se levantou de um salto. Ele olhou para Kelia. Kelia levantou o pé e chutou a Sombra, fazendo com que a cabeça da criatura estalasse.

—Daniella! — Kelia gritou, sem tirar os olhos da Sombra.

—Eu tenho meus próprios problemas, Kelia! — Daniella gritou.

—Eu poderia usar um pouco de fogo aqui.

—Tão típico! — Daniella disse. —Deixe-me esquecer o que estou fazendo e ajudá-la porque você é muito importante.

Apesar de sua explosão, Daniella criou uma bola de fogo de suas mãos e a enviou voando até pousar na Sombra. Ela gemeu, suas mãos acariciando sua cabeça após o chute de Kelia.

—Sua vadia! — Ela gritou.

No minuto em que o fogo pousou sobre ela, no entanto, ela começou a gritar. Um momento depois, ela também era cinzas.

Três já foram. Faltavam quatro.

Em vez de esperar para atacar, Drew dobrou os joelhos e se ergueu para o alto. De sua posição, ele viu duas outras Sombras aproveitarem a oportunidade e irem atrás de Kelia. A Sombra de Wendy ficou com ela, segurando-a pelo pescoço. Mas enquanto Drew descia de volta, ele usou a força que veio com ele, manobrando seus pés para mirar na Sombra lutando contra sua irmã.

O salto levou menos de alguns segundos, e a Sombra em que ele pousou não teve tempo de se mover antes que Drew se chocasse contra ele com um ruído nauseante.

A Sombra caiu de costas, seu peito cedeu com o peso e impacto de Drew. Drew se abaixou e quebrou seu pescoço. Cinza instantânea.

Restavam três.

Wendy soltou um suspiro, sugando o ar. Suas mãos foram para a garganta, mas Drew não perguntou à irmã se ela estava bem. Essa luta não acabou.

—Wendy! — Ele gritou. —Escudo. Por favor?

Wendy balançou a cabeça. Parecia que ela estava tentando sair de seus pensamentos. Ela acenou com a cabeça uma vez e ergueu o escudo.

Um homem Sombra rapidamente o rompeu e foi para Drew.

—Droga, Wendy, prepare-se! — Drew rosnou enquanto se esquivava do ataque.

—Foco, — ela murmurou para si mesma. —Vamos, Wendy, vamos.

Um punho derrubou Drew no chão. Ele fechou os olhos e balançou a cabeça antes de reabri-los. O Sombra saltou e Drew refletiu o movimento, jogando-se para o alto. Ele jogou o braço no peito da Sombra e apertou o coração. Cinzas caíram em todos os lugares enquanto ele pousava em pé.

Kelia agarrou sua lâmina e começou a atacar a Sombra solitária que poderia alcançar qualquer um deles enquanto as outras duas Sombras continuavam batendo inutilmente no escudo.

Wendy grunhiu quando o escudo se estilhaçou. As Sombras saltaram, derrubando Wendy e Emma.

Eles iam matar as bruxas e não havia nada que ele pudesse fazer a respeito.

Ele não sabia se deveria ajudar Kelia ou ir atrás das Sombras pairando sobre Wendy e Emma.

Antes que ele pudesse decidir, um grito alto e gutural perfurou o ar. Todos congelaram, levantando a cabeça e olhando ao redor.

De repente, o chão vibrou, tremendo tanto que a cabeça de Drew assentiu e seus dentes se fecharam. Enquanto as três Sombras atacantes pararam, dobrando os joelhos como se para manter o equilíbrio, Drew disparou em direção a cada uma e quebrou seus pescoços. Cinzas voaram no ar, dançando em padrões sacudidos devido ao tremor incessante da terra.

Depois de outro momento, a terra se acalmou.

—Emma. — Ele sabia que era ela. Além de sua tia, Emma era a única bruxa com o poder de fazer algo assim.

—Eu não pensei que seria capaz de fazer isso, — ela disse, sua respiração presa na garganta. Ela se levantou com as mãos trêmulas antes de limpar a frente do vestido como se fosse tirar a poeira. —Precisamos chegar à cabana de Adelaide rapidamente. Venham.

Drew não precisava ouvir duas vezes. Felizmente para eles, era apenas por esse caminho de terra.

Um poderoso feitiço protegia a cabana e as terras ao redor para garantir a segurança de Adelaide, o que significava que ninguém poderia localizar a cabana, exceto as poucas que Adelaide queria vê-la. Drew e Wendy já haviam estado lá antes, assim como Emma quando ela era aprendiz de Adelaide, mas Kelia e Daniella estariam olhando para o nada até que Adelaide lhes desse permissão para ver a cabana.

Mas, à medida que se aproximavam da casa pitoresca, o silêncio assustador pairando no ar enviou um arrepio na espinha de Drew.

Não havia fumaça saindo da chaminé, e ele não podia ver sua tia da janela.

—Parece que ela não está aqui. — Disse Daniella.

—Ela deve estar. — Drew disse.

Outro momento se passou e algo o surpreendeu.

—Vocês podem ver isso? — Ele perguntou. —Mas eu não vejo Adelaide.

Kelia e Daniella não deveriam ter sido capazes de ver aquele chalé até que Adelaide desse permissão, e se Adelaide as visse, ela certamente sairia para cumprimentá-las.

—Tenho certeza de que ela acabou de entrar. — Wendy ofereceu baixinho.

Seus olhos se voltaram para Emma a fim de ajudá-lo a explicar melhor, mas ela estava pálida, como se estivesse presa em seu lugar.

—Emma? — ele perguntou, dando um passo em direção à bruxa.

—Algo está errado —, disse ela. —Adelaide não está aqui. E esta casa não está mais encantada.


CAPÍTULO 10

Kelia mudou seu peso ao lado de Drew, olhando um papel pendurado em sua porta, que Daniella estava subindo para recuperar.

Drew franziu a testa para Emma. —O que você quer dizer com “’não está mais encantada”?

—Kelia e Daniella podem ver a casa, — Emma disse. —Se elas podem ver, apesar do fato de não saberem nada sobre sua tia, o que você acha que isso significa?

Enquanto os dois discutiam, Daniella agarrou o bilhete da porta. Seu olhar se concentrou no papel enquanto ela voltava, e seus lábios se curvaram em uma carranca.

Quando ela o entregou a Drew, Kelia espiou por cima do ombro para ler.

Você não deveria estar aqui, garoto.

Kelia franziu a testa. Essa era uma nota estranha.

—Ela sabia que estávamos chegando. — Drew murmurou.

—Claro que sim —, disse Wendy, arrebatando o bilhete de Drew. —Adelaide sabe tudo. — Ela leu a nota rapidamente antes de olhar para seu irmão e balançar a cabeça. —Cristo, você sabe onde ela está, não é?

Ele suspirou. —Sim.

—Com as Sombras correndo por aí, é ainda mais perigoso cruzar do que já seria. — Ela amassou o papel em seu punho. —Por que ela torna tudo mais difícil?

—Porque ela é Adelaide Knight. — Drew girou no calcanhar da bota e saiu do chalé. —Vamos fazer um movimento, hmm? Kelia tem pouco tempo e nós temos pouco luar.

—Onde é mais perigoso? — Kelia perguntou. —Onde estamos indo?

Drew nem olhou para ela enquanto avançava. —Através do deserto.

Ela olhou para Emma para obter mais informações, mas Emma apenas balançou a cabeça e olhou para baixo, seu rosto empalidecendo com a menção do lugar.

O brilho da lua fornecia a única luz, mas com a visão aprimorada de Sombra de Kelia, era o suficiente para ver as cinzas flutuando no chão como folhas caindo das árvores. Enxofre acariciou seu nariz, dando-lhe aquela sensação estranha de querer espirrar sem poder.

Kelia seguiu alguns metros atrás de Drew e Wendy, enquanto Emma e Daniella seguiam atrás de Kelia, esgueirando-se juntas e falando em voz baixa.

Ela não tinha certeza para onde estavam indo, a não ser para longe do destino que pretendiam originalmente. O deserto poderia significar qualquer coisa, mas se mesmo Drew, Wendy e Emma ficassem abalados simplesmente com a menção deles, não seria uma jornada fácil.

O silêncio parecia tão denso quanto a fumaça que havia capturado a ilha e sufocado a vida dos habitantes. Ela queria pegar a mão de Drew. Ela queria tocá-lo, porque tocá-lo sempre a fazia se sentir segura e ela precisava disso agora. Desde a ingestão do sangue da sereia até o fato de que agora ela era um monstro, Kelia precisava de algo para ancorá-la no lugar. Alguém para dizer a ela que tudo ficaria bem.

E ainda, embora ela não quisesse nada mais do que segurar a mão de Drew, ela não poderia fazer isso. Ela nem sabia por quê. Talvez em parte fosse porque ela não tinha certeza de como ele reagiria. Outra parte tinha a ver com o fato de que ainda havia algo entre eles, algo que a impedia de estender a mão e buscar conforto em um amigo.

Ele ainda era seu amigo? Ele era seu amante? Ele era seu salvador ou seu assassino?

Ele poderia ser todos eles de uma vez?

—Conte-me sobre sua tia, — Kelia decidiu dizer, vindo por trás dele. Sua voz estava crua e rachada, sem saber se essa era a coisa apropriada para discutir agora. Pelo menos foi alguma coisa. —Eu não sabia que você tinha uma até que você a mencionou recentemente.

Ela sentiu seu corpo trabalhar mais simplesmente, andando, e ela se perguntou se isso era um efeito do veneno dentro dela.

—Ela é uma maldição nesta terra, pois ela coloca maldições nesta terra, — Drew comentou. Ele não olhou para trás. —Eu preciso que você fique quieta para não chamar nenhuma atenção para nós. Ainda estamos expostos e as terras áridas ficarão muito piores.

Certo. Entendi.

A lua estava alta no céu, apenas um quarto de sua luz brilhando entre as estrelas à medida que avançavam pelo terreno. Os pés de Kelia estavam começando a apertar as botas e ela de repente estava com sede de água. Isso ou sangue.

No minuto em que ela pensou sobre sangue, ela afastou o pensamento. Ela se recusou a permitir que sua mente se demorasse no líquido carmesim. Como uma Sombra, seu corpo começou a igualar as mesmas sensações que recebia quando pensava no toque de Drew com sangue, como se ambos produzissem os mesmos sentimentos sexualmente carregados.

Onde estava esse deserto, afinal? E como elas se diferenciavam do terreno pelo qual andaram agora? O que as tornava ruins?

Ela perguntaria, mas Drew deixara claro que o silêncio era imperativo.

Ela olhou em volta procurando por algo que pudesse lhe dar algum tipo de pista, mas não havia nada além do balanço suave da grama alta... e algo farfalhando dentro.

Os pelos do corpo de Kelia se eriçaram. Ela queria pensar que era um animal, mas havia algo dentro dela que sabia que não era o caso.

Drew também deve ter ouvido.

—Wendy, leve todos para o Ponto de Passagem, — ele disse, parando e olhando ao redor. —Kelia...

—Eu vou ficar com você. — Ela nem mesmo olhou para Drew. Seus olhos examinaram a escuridão. Ela não podia necessariamente ver nada, mas podia ouvir o movimento. Era difícil definir, considerando que vinha de todos os lugares ao mesmo tempo.

—Ser uma Sombra não diminuiu sua teimosia, não é? — Drew perguntou.

—Você não gostaria tanto de mim se eu não fosse.

Kelia estava deitada de costas antes mesmo de ter a chance de perceber o que aconteceu. Outra Sombra a deixou sem fôlego ao saltar sobre ela e agarrar sua garganta com a mão. Ela podia sentir o quão forte ele era - Bert, ela decidiu chamá-lo. Ela conhecia um Assassino chamado Bert antes, alguém de quem ela não gostava muito.

Tudo o que ele precisava fazer era aplicar aquela pressão em sua garganta um pouco mais forte e ela seria nada mais do que pó. No entanto, ela sabia que ele não podia. Era sua única vantagem - saber que Sombras não poderia realmente machucá-la porque a Rainha a queria viva. Ela não planejava desperdiçá-la.

Exceto, ele não estava liberando seu domínio sobre ela. Se qualquer coisa, ele estava apertando seu aperto.

—Olá, boneca, — ele sussurrou. —Vou gostar de provar suas cinzas.

—Você não pode — Ela não poderia dizer mais do que o que ela já disse.

—Você acha que eu não vou te matar? — Ele estava tão perto que ela podia sentir suas presas dançando em sua bochecha. —Você acha que só porque a Rainha quer você significa que eu tenho que ouvir? Você acha que eu me importo com ela? Grayson foi quem cuidou de mim. Ela não. Grayson. E farei Drew pagar caro pelo que ele tirou de mim.

Seu aperto aumentou.

Kelia não conseguia respirar. Ela precisava fazer algo - qualquer coisa - para fazê-lo ir embora.

Ela chutou o pé e conseguiu acertar o estômago dele. Ele grunhiu. Seu aperto em sua garganta apenas aumentou. Ela agarrou suas mãos e mexeu seu corpo. Sem sorte.

Atrás dela, ela ouviu Drew lutando com outra Sombra. Kelia estava incapacitada demais para ver por si mesma, mas devia haver três atacando Drew ao mesmo tempo, o que provavelmente era a única razão pela qual Drew não os havia acabado e ido até ela.

—Estou gostando da sua dor, do seu medo —, disse Bert, cada palavra baixa e precisa. —Eu gostaria de poder tomar banho nele.

Kelia continuou a se debater no chão, tentando fazer com que ele a soltasse. Ele se inclinou mais perto, uma mecha de cabelo preto caindo em seu rosto, a fim de rir.

—Tenho planejado isso desde que vi o corpo de Grayson. — Continuou Bert.

Ele abriu a boca, pronto para falar mais, mas Kelia finalmente o levou aonde queria. Ela chutou seu rosto com a bota, colocando cada última gota de força que tinha por trás do impacto. Ela sabia que não era tão forte quanto ele e não esperava ser, mas esperava surpreendê-lo.

E ela fez.

Seu aperto afrouxou substancialmente a ponto de Kelia se livrar dele. Usando sua nova velocidade, ela correu ao redor dele e ergueu o braço para que sua palma tocasse suas costas. A força o empurrou com força para o chão. Ele grunhiu, mas se recompôs.

—Já está respirando pesado, Infante? — Bert disse com um sorriso de escárnio. —Ora, ora, onde está sua resistência? Se Drew lhe ensinou alguma coisa, eu teria assumido que era para acompanhar.

Ele se lançou. Kelia conseguiu sair do caminho bem a tempo. Seu coração martelou em seu peito. A palavra correr ecoou em sua cabeça. Ela estava com medo, o que a abalou, porque ela não achava que as Sombras do Mar eram capazes de ter medo.

Seus olhos procuraram freneticamente ao seu redor. Seu corpo ficou na frente de seu agressor, posicionado no caso de ele atacar novamente.

Ela precisava de uma arma. Ela não sabia de que outra forma iria vencê-lo. Ela tinha a força do Sombra do Mar, mas ele também. E ao contrário dela, ele sabia como usá-la. Ele bateu nela antes mesmo que ela tivesse a oportunidade de ir para o ataque.

—Oi, Kelia. — A voz de Wendy perfurou o ar e um casal de pássaros em uma árvore próxima disparou para o céu, suas penas caindo. —Use a terra para cegá-lo. Pegue-o de surpresa. Como você não sabe disso? Alcance ele e quebre seu coração com sua mão. Não me diga que você não tem estômago para isso! Você é uma besta, não uma princesa. Abrace isso.

Bert jogou a cabeça para trás e riu. —Ouça a bruxa —, disse ele. —Antes de eu te matar, você pode muito bem aprender algo. Vou até te dar uma chance de me atacar. Será uma experiência educacional, algo que você precisa. Drew não viu nele para te ensinar. Talvez ele não queira perder seu tempo, sabendo que você nunca vai significar muito? Que você não era uma boa Assassina e você é uma Sombra ainda mais patética.

O calor pungente perfurou seu lado. As palavras eram mais verdadeiras do que ela gostaria de admitir.

Bert estava certo. Não havia nenhuma maneira que ela seria capaz de derrotá-lo. Ela não tinha ideia do que estava fazendo. Possuir poder não significava nada sem a educação para realmente fazer algo a respeito.

—Não dê ouvidos a essa merda de cavalo! — Daniella gritou. —Você deve valer alguma coisa se aquela Rainha quer você, hein?

Exceto que Bert não planejava levar Kelia para a Rainha. Bert queria fazer Drew sofrer pelo que fez a Grayson.

Ao lado dela, houve um estalo alto. Uma das sombras se transformou em cinzas, o que significava que Drew estava reduzido a duas. Se Drew podia afastar três Sombras poderosas, o mínimo que Kelia poderia fazer era lidar com uma.

—Pronta, então? — Bert perguntou, sorrindo.

Kelia não disse nada. Ela nem mesmo acenou com a cabeça. Ela apenas esperou.

A Sombra disparou direto para ela. Kelia se ajoelhou no chão, pegou a sujeira com a mão e jogou-a de modo que caísse nos olhos da Sombra.

Ele não parecia ter sido afetado por isso, provavelmente porque ele previu, mas foi o suficiente para permitir que Kelia manobrasse atrás dele rapidamente e encontrasse suas costas.

Wendy a instruiu a alcançar seu corpo e agarrar seu coração enquanto batia em seu peito. A única vez que ela fez algo remotamente perto disso foi com a sereia que ela tinha se banqueteado.

Não é quem Kelia era.

—Faça! — Wendy rugiu.

Como se impulsionada por instinto, o braço de Kelia disparou e seus dedos se fecharam em um punho. Ela não tinha ideia de como era um coração batendo. Ela só sabia que tinha que abrir a mão e apertar algo que se movia.

Tudo aconteceu muito rápido. No minuto em que ela acertou as costas de Bert, sua mão atravessou sua pele, quebrou seu osso e roçou em algo borrachento. Ela flexionou os dedos e pegou a coisa de borracha em sua mão e apertou o mais forte que pôde.

Ela ouviu algo pingar na terra e olhou para onde a Sombra estava. Ela viu o sangue pingando no chão entre seus pés.

De repente, a Sombra se desintegrou e as cinzas acertaram Kelia no rosto. Ela ficou tão assustada que se esqueceu de garantir que sua boca estava fechada para que as cinzas espirrassem em sua boca, fazendo-a tossir.

—Pelo amor de Cristo. — Wendy murmurou.

—Drew precisa de ajuda. — Daniella disse com urgência irritada.

Kelia balançou a cabeça. Daniella estava certa. Ela voltou sua atenção para Drew e se forçou a se concentrar. Ele parecia estar mantendo ambas as Sombras longe dele, mas seus movimentos lentos revelavam que ele estava ficando cansado.

Kelia saltou e caiu nas costas de um - Horace, ela pensou. Havia algo sobre dar a eles um nome antes de matá-los, mesmo que ela estivesse errada.

Ela conseguiu derrubá-lo e montá-lo. Ele ficou tão surpreso que nem pensou em se defender. Ela fez a mesma coisa que fez com o outro Sombra: alcançou seu corpo e apertou seu coração. Desta vez, antes que as cinzas explodissem em todos os lugares, Kelia apertou os lábios em uma linha tensa.

Houve um estalo revelador e ela foi coberta por cinzas.

Outro foi ouvido logo depois, e o terceiro atacante havia partido.

—Bem, parece que estou bem por enquanto. — Drew disse, sua voz áspera.

Kelia sabia o que isso significava. Ela sabia que ele estava perguntando se ela estava bem. Antes que ela pudesse responder, Emma o interrompeu.

—Ela está muito bem. Ela está respirando, não está? Temos que cruzar as terras áridas, e isso já é perigoso o suficiente! Agora, vamos antes que sejamos atacados novamente.

Com isso, ela se virou e continuou a pisar no terreno da ilha. Kelia e o resto do grupo não tiveram escolha a não ser seguir.

Drew ainda estava em silêncio ao lado dela. Ela odiava. Odiava o fato de que ele nem mesmo olharia para ela. E, no entanto, ela sabia que tinha alguma responsabilidade. Ainda havia alguma raiva que ela sentia quando se tratava dele e do que ele fazia com ela. Seria muito mais fácil simplesmente perdoá-lo e seguir em frente, mas havia uma pequena parte dela que se preocupava que alguém pudesse se aproveitar dela novamente. Alguém poderia fazer algo indizível com ela se ela não deixasse claro que, semanas depois do ato, ainda estava infeliz com isso.

Emma parou abruptamente, fazendo com que Wendy quase colidisse com suas costas. Kelia continuou até estar ao lado de Emma, Drew do outro lado.

Em vez de ser cercado por um campo de grama, não havia nada além de terra. Estava aberto e exposto. Havia névoa em torno desta parte da ilha. Kelia podia ver cinzas e carvão cobrindo o chão.

—Bem-vindos ao deserto. — Emma murmurou.

—Sua tia atravessou este lugar e sobreviveu? — Daniella perguntou, vocalizando a preocupação de Kelia com precisão.

—Não sabemos se ela ainda está viva. — Disse Wendy.

—Sim nós sabemos. — Drew não se preocupou em esconder seu sarcasmo. —Essa garota não vai morrer.

Kelia mordeu o lábio inferior. —Nós vamos?

—Infelizmente, acho que não temos a mesma sorte que ela —, disse Drew. —Mas, enquanto mantivermos um olho atento e estivermos preparados... estaremos bem...

Ele não parecia convencido.

—Vamos.


CAPÍTULO 11

Kelia nunca tinha estado no deserto antes. Ela nem mesmo soube que eles existiam. Mas quando ela olhou para a parte rural e plana desta ilha, um arrepio de medo desceu por suas costas.

Ela se aproximou de Drew, tentando usar sua presença para se sentir segura. Ela não gostava de admitir que mesmo como uma Sombra do Mar, ela estava com medo, mas ela estava.

Havia algo neste lugar que se emprestava à ideia de que o mal existe em todas as formas e tamanhos. Por que eles iriam conscientemente andar por um lugar como este, ela não conseguia entender.

Cada passo que ela dava parecia sacudir o chão, alertando tudo nas terras áridas de sua presença. Ela podia sentir as bruxas atrás dela, e ela tinha a sensação de que elas se sentiam da mesma maneira. Pelo menos, Wendy e Daniella. Talvez Emma estivesse familiarizada o suficiente com este lugar para não sentir medo.

—Por que sua tia viria por aqui? — Kelia perguntou suavemente.

—As Sombras de Grayson atualmente povoam a terra, e está claro que elas estão atrás de vingança por causa de sua morte prematura, — Drew respondeu sem olhar para Kelia. —Se foram elas que descobriram minha tia...

—Elas não — Emma corrigiu atrás deles. —Eu te disse. Era uma bruxa, não uma Sombra.

—Bem, talvez as Sombras pagaram uma boa quantia em dinheiro para a bruxa para que minha tia deixasse sua cabana. — Drew acrescentou, olhando por cima do ombro e dando uma olhada em Emma.

Emma não parecia convencida, mas não fez menção de discutir. Em vez disso, ela limpou a garganta e olhou para a frente dela.

—Devemos nos preocupar com essa bruxa? — Wendy perguntou em voz baixa. —Se ela pode quebrar os feitiços da minha tia...

—A bruxa é desleixada, — disse Emma. —Na verdade, ela não completou seu aprendizado com Adelaide. Talvez ela tenha pensado que poderia aprender através de um livro. Isso, ou ela não está na prática.

—Ela quebrou um feitiço, — Daniella apontou. —Como isso a torna desleixada?

—Porque sabemos que ela quebrou um feitiço, — Emma rebateu. —Ela pode ser poderosa, mas ela é crua e sem treinamento. Uma bruxa talentosa nunca teria deixado outros perceberem que o feitiço não funcionava mais.

Kelia deixou as palavras de Emma afundarem enquanto a terra sob seus sapatos amolecia. Não era lama exatamente, mas era mais fácil de percorrer em comparação com a alternativa difícil que parecia compor a maior parte da ilha, como se esta parte recebesse mais chuva do que em qualquer outro lugar.

A noite ainda estava fresca, e seus novos sentidos aguçados permitiram que ela visse que ela nunca pensou que veria à distância que estava atualmente, mas não trouxe nenhuma informação útil. Ela não sabia se havia algo de que ela deveria ter medo ou não.

—Parece que está chovendo. — Disse Drew.

Kelia torceu o nariz, surpresa com o tópico casual da conversa. Realmente? Chuva? Ela quase foi morta por uma Sombra tentando se vingar do Mago caído, eles agora estavam caminhando por algo chamado de 'deserto', e tudo o que ele queria fazer era falar sobre o tempo?

No entanto, ela não conseguia encontrar um tópico mais apropriado. Ela não queria dizer algo parecido com “Eu quase morri e você só pode falar sobre a chuva?”. Ela não gostava da atenção e não queria se irritar com a falta de preocupação de Drew em relação a ela. Afinal, todo esse tempo, ela queria ser tratada como igual. Isso é o que ele estava fazendo agora, certo? Então ela cerrou os dentes para impedir que qualquer palavra escapasse.

—Temos certeza de que é seguro? — Daniella perguntou. —Este lugar parece não natural. O que vive aqui, afinal?

—Claro que não é seguro —, disse Drew, com um tom de impaciência na voz. —Eu já disse isso. Estas são as terras áridas, o deserto. Coisas que são ruins vivem aqui. Mas não tínhamos escolha.

—Então, se eu visse uma besta...— Daniella empurrou.

Drew parou de andar e se virou para ela. Kelia fez o mesmo.

—Besta? — Ele perguntou, sem se preocupar em esconder sua descrença. —Explique-se.

Daniella estalou os dedos para que uma pequena bola de fogo surgisse e ela apontasse graciosamente para a terra. Os olhos de Kelia se arregalaram quando ela viu a que Daniella estava se referindo. Pegadas grandes, muito maiores do que as de um lobo comum, cobriam a maior parte da terra que formava o deserto.

Kelia engoliu em seco. Ela não deveria ter medo. Ela era uma sombra. Mesmo assim, ela deu um passo para trás e depois outro. Ela se virou e viu mais pegadas, todas do mesmo monstro. Certo, ela não conseguia decifrar se pertencia a um ou se havia mais, mas elas estavam em toda parte, como se Kelia e seu pequeno grupo de entidades sobrenaturais estivessem cercados por bestas invisíveis, esperando para atacá-los.

—Existe uma razão para as Sombra de antes se recusarem a vir aqui? — Daniella perguntou. Ela não estava olhando para Drew, entretanto. Seus olhos estavam fixos em Emma.

—As Sombra não se atrevem a cruzar o deserto —, disse Emma. —Existem coisas piores do que as sombras que vivem na terra.

—Ainda estamos cruzando? — Kelia perguntou, sua voz mais cortante do que ela pretendia.

—Adelaide está do outro lado, — Emma retrucou. —Ela sabe que estará segura lá. E nós também.

—Se chegarmos lá. — Daniella disse baixinho.

—Nós sabemos que ela conseguiu chegar do outro lado? — Kelia perguntou, dando mais um passo para trás. —Talvez devêssemos ir para o...

—É preciso lembrar que estamos aqui por causa de você? — Emma lançou um olhar na Kelia. —Você é a pessoa que ingeriu sangue da sereia. Você é a única que requer uma poção que irá lhe livrar do veneno corroendo suas entranhas. Está é a nossa única esperança de conseguir isso.

—Eu me sinto bem agora. — Kelia deu mais um passo para trás. Ela quase perdeu o equilíbrio, mas seus reflexos rápidos permitiram que ela se segurasse antes de cair. —Tenho certeza que vai passar.

—Não vai. — Disse Wendy.

Emma inclinou a cabeça para o lado. —Você está com medo?

—Eu não deveria estar? — ela perguntou. —Por que sou ridicularizada por ter medo do desconhecido?

Ela abriu a boca, pronta para continuar sua discussão, quando algo se enrolou em seu tornozelo e puxou com força, puxando-a para baixo de sua bunda. Ele disparou, e sua cabeça bateu no chão enquanto a arrastava pela área aberta.

Kelia soltou um grito incomum. Algo se enrolou em seu tornozelo e a puxou para o outro lado do campo. Ramos cutucaram suas costas e arranharam sua pele; a sujeira entrou em sua boca e queimou seus olhos. Ela se mexeu, fechando os olhos com força e tentando cuspir a terra.

—Kelia? — Drew gritou. Ele correu para alcançá-la, mas apesar de sua velocidade e agilidade, o que quer que fosse, Kelia era mais rápida do que ele mesmo.

Kelia grunhiu, tentando se sentar, para alcançar a lasca do que quer que estivesse ao redor de seu tornozelo. Ela chutou, mas nada parecia funcionar.

Foi só quando algo pisou na gavinha que Kelia voou no ar e pousou em algo grande e peludo. Algo vivo. Algo tenso. Algo zangado e sombrio. Algo com olhos que brilhavam como a lua.

Kelia se soltou ao cair, caindo de costas. Uma pata pressionou seu ombro.

—Foi você? — Ela conseguiu sair, com medo de sua vida.

A besta rugiu. Mas ela não achou que foi essa besta que a agarrou. Alguém mais deve ter feito. No entanto, isso não significava que a besta não a machucaria. Considerando a maneira como seus estranhos olhos amarelos olhavam para ela, saliva escorrendo de sua boca e caindo em seu rosto, ele simplesmente roubou uma refeição de uma criatura para si mesmo.

O cheiro miserável de carne velha deixada ao sol e algo horrível a abordou, parecendo apodrecer suas grandes e afiadas presas.

Sem aviso, a besta virou a cabeça e rugiu novamente.

Drew apareceu de costas, atacando a criatura parecida com um lobo. Kelia tentou se afastar. Ela pensou que não seria capaz por causa da corrente invisível, mas ela se moveu muito bem, como se não estivesse lá.

Ela rolou para longe e se levantou no momento em que a besta alcançou atrás dele e jogou Drew pelo caminho. Ele caiu em uma moita.

A besta se voltou para Kelia e se lançou. De repente, o fogo explodiu nele, uma rajada de vento soprando as chamas em uma corrida mais rápida. Ele estalou a mandíbula como se fosse imune ao calor, mas a explosão de fogo foi o suficiente para permitir que Kelia recuasse.

—O que devemos fazer? — Wendy perguntou a Emma.

Drew não se levantou. Kelia precisava fazer alguma coisa.

Ela saltou para o céu e pousou nas costas da criatura. De novo, ela quase perdeu o equilíbrio, mas agarrou o pelo espesso e rebelde que constituía a besta.

Quando ela puxou, ele rugiu de dor. O primeiro instinto de Kelia foi rasgá-lo. Ela ergueu as garras.

—Não! — Emma gritou.

Kelia parou. Ela não queria que o que acontecera com a sereia acontecesse novamente.

Sem aviso, a besta jogou Kelia de cima dele antes que ela pudesse atacar. Ela bateu no chão com força. Ela tentou se levantar, mas não conseguiu. Quando ela olhou ao redor, Drew havia sumido.

Mais uma vez, Kelia tentou se levantar. Desta vez, ela teve sucesso. Ela precisava de um momento para encontrar o equilíbrio. Quando ela olhou para cima, Drew estava de pé na besta. Daniella estava segurando suas chamas. Wendy e Emma estavam no chão, tentando se levantar.

Isso não parecia bom.

Drew puxou uma boa parte do pelo da fera, e a criatura rugiu, resistindo para jogar Drew de cima dele.

Daniella gritou. A besta tinha golpeado ela e seu fogo sem esforço.

Eles não iriam ganhar isso. Kelia se moveu para correr para o lado de Drew e ajudar, mas seu cérebro embaçou. A lentidão a desacelerou. O desejo repentino de vomitar revirou seu estômago.

O veneno da sereia.

Kelia forçou seus passos para frente em uma corrida manca para a besta. Ela nem mesmo conseguiu chegar às costas dele antes que ele a acertasse com o rabo. Sua náusea balançou mais forte. Ela rolou e esvaziou o estômago ao lado de uma cova próxima de algum tipo.

A besta gemeu. Algo puxou as patas da besta juntas e a arrastou. O chão tremeu e de repente se abriu. Sem aviso, a besta foi engolida e o solo voltou a se juntar.

—Por que não estou surpresa que constantemente tenho que salvar seus traseiros, Drew e Wendy Knight? Vocês pensariam que com suas habilidades, vocês seriam mais do que capazes de fazerem isso sozinhos.

Drew deu um suspiro e deu um sorriso falso enquanto se levantava. Ele girou no salto da bota.

—Tia Adelaide —, disse ele. —É tão bom ver você de novo.

Adelaide Knight era uma mulher dura com nariz adunco, queixo pontudo e os mesmos olhos escuros que Drew e Wendy possuíam.

Um estremecimento de intimidação desceu pelas costas de Kelia enquanto ela considerava a mulher que acabara de ajudá-los contra as Sombras do Mar. A julgar pelos lábios franzidos e olhos estreitos, ela não parecia nem um pouco divertida.

—Não me venha com essa besteira —, ela murmurou para Drew, ignorando todo mundo. —Eu sei que você prefere me ver morta. — Ela pousou os olhos em Kelia. —E você. Se você não parasse de se contorcer, poderia ter cruzado o declive sem acordar a besta.

—Foi você? — Kelia perguntou. —Você estava me puxando com o fio invisível?

—Salvando você —, disse Adelaide. —Eu estava salvando você. Ou tentando. Um de cada vez era o plano. Ele era uma boa proteção, você sabe. Parece que você é a encrenqueira do grupo.

Drew abriu a boca antes de projetar o lábio inferior e assentir. A boca de Kelia se abriu e ela rapidamente lhe deu uma cotovelada na lateral do corpo, como se dissesse que ele não deveria admitir tal coisa, mesmo que fosse um retrato preciso do que ele estava sentindo.

—Não estou surpresa por ter que sair e limpar sua bagunça, — ela continuou olhando para Drew desta vez. — Sombras vagando por toda parte. Fiquei feliz quando eles queimaram este lugar até o chão há cerca de dois, três dias. Menos entidades para eu lidar. E então você pega e vem aqui.

As sobrancelhas de Drew se juntaram. —Você deixou uma nota.

—Para que você saiba que não deve vir me procurar, garoto! Para que você saiba que consegui, estou segura e, se não conseguisse, estaria morta. O que poderia muito bem ter sido o seu destino também. Eu não te ensinei nada? Nenhuma pessoa sã iria cruzar o deserto.

—Mas precisávamos de sua ajuda.

Adelaide olhou para Kelia. —Deixe-me adivinhar. Esta.

Quando Drew não disse nada, Adelaide acrescentou: —Entendo...

Kelia queria perguntar o que ela viu exatamente, mas a mulher deu as costas e foi na direção de onde tinha vindo.

—Sigam-me, — ela chamou por cima do ombro. —Não é longe daqui.

—Você ainda tem sua casa? — Wendy perguntou, indo para o lado de sua tia.

Adelaide parou de andar para que pudesse dar a sua sobrinha um olhar feroz. —Que tipo de pergunta é essa, Wendy? — Ela perguntou. —Sempre achei que Drew tinha a beleza e você o cérebro, mas agora estou totalmente insegura. Onde mais eu estaria morando no deserto?

—Tudo que eu quis dizer era —, disse Wendy, — se ela sobreviveu ou não.

—Ha. — Adelaide balançou a cabeça e começou sua jornada de volta para onde sua cabana era mantida. —Como se alguém pudesse se livrar de mim tão facilmente. Desculpe por desapontá-la!

Houve um som distorcido que parecia vir de Daniella. Kelia não sabia se sua audição era sensível o suficiente para que ela pudesse distingui-la claramente ou se Daniella não estava tão quieta quanto ela pensava que estava. De qualquer maneira, Adelaide fez uma pausa e se virou para olhar a ex-colega de Kelia com um olhar desconfiado e desinteressado.

—Quem trouxe a cadela de fogo? — ela perguntou, uma mão em seu quadril largo. —Ainda molhada atrás das orelhas, eu diria. — Houve uma pausa; Daniella grunhiu de ofensa, mas ninguém veio para defendê-la, e mesmo Daniella não tinha nada a dizer além do som que ela fez. —Mas há um poder aí. Forte. Anseio. Muito a provar.

—Isso tudo é muito bom, — Drew disse rapidamente, passando pelo grupo que veio para ficar ao lado de sua tia. —Tia, vim te pedir um favor.

—Eu imaginei —, observou Adelaide, com a voz seca. — Eu já sei que sua bruxa da terra quer ingredientes. É a única razão pela qual ela volta a me ver, embora eu a tenha orientado.

—Você mesma disse que acabou comigo. — Emma comentou. Seu tom era seco e estoico, mas quando Kelia olhou para ela, Kelia percebeu um afeto reservado pela bruxa rabugenta nos olhos de Emma.

—E você ouviu? — Ela fez um som de estalo com a língua contra a parte de trás dos dentes. —O que é que você quer, sobrinho? Pelo que ouvi, você se meteu em um grande problema, não é? Aquela garota das Sombras certamente pensa que ama você.

—Se você chama de 'amor' querer controlar meus sentimentos e assassinar todos que estão perto de mim, então eu diria que você está certa.

Apesar da escuridão, Adelaide movia-se confortavelmente pela terra, empurrando os arbustos e arrancando galhos baixos do rosto. Não parecia preocupá-la que fosse idosa e pudesse tropeçar. Na verdade, ela se movia como se pudesse ver tudo à sua frente.

—Devemos nos mover daqui, talvez? — Wendy interrompeu. —No caso de alguma outra besta querer festejar conosco?

—A coisa mais inteligente que já ouvi de seus lábios —, disse Adelaide antes de fixar os olhos em Drew. —O que mais poderia significar o amor? Nunca pensei que você fosse um homem para perder seu coração para alguma mulher. Me divertiu ao vê-la enlouquecer quando percebeu que perdeu você.

Ela soltou uma risada que não soou totalmente divertida. Kelia ouviu o farfalhar de asas de pássaros lá em cima.

—Suponho que a loira é aquela em que você se fixou, então? — Adelaide continuou. — Minta para mim o quanto quiser, garoto, mas mal olhei para você por um ou dois minutos e você não consegue tirar seus olhos sangrentos dela. Nunca te vi tão patético. Serve para você.

Kelia continuou pela expansão aberta. Ela sentiu o próprio vômito persistente em sua boca. Ela queria engolir, mas estava preocupada em vomitar mais uma vez.

—Para ser sincera —, continuou Adelaide, como se precisasse quebrar o silêncio, —ela parece muito inteligente para você, garoto. O que você fez, manipulou-a para se apaixonar por você?

—Eu não ficaria surpresa. — Wendy brincou.

Os olhos de Kelia se voltaram para a bruxa do vento, surpresa ao ouvir a felicidade em sua voz. Foi bom ver seu sorriso - mesmo o pequeno que estava brincando em seus lábios - após o período sombrio de luto após a morte de Christopher.

—Eu estava me perguntando quanto tempo levaria até que você começasse a beijar a bunda da tia. — Drew murmurou.

—Você percebe que é o único que ainda a chama de tia, certo? — Wendy perguntou.

—Parem de brigar, vocês dois. — Disse Adelaide. Foi só então que Kelia percebeu que a mulher robusta estava congelada na frente deles, o braço para cima formando um ângulo de noventa graus com o cotovelo.

Quando Kelia olhou à sua frente, ficou surpresa ao ver uma pequena casa de madeira cercada por bosques, que parecia ter surgido do nada.

—Tirem os sapatos antes de entrar —, disse Adelaide. —Eu gostaria de manter minha nova casa renovada.

Kelia engoliu em seco.

—E não se atreva a pensar em vomitar no meu chão.


CAPÍTULO 12

Uma rica vegetação cercava a curiosa cabana de Adelaide Knight; palmeiras altas proporcionando sombra contra um sol implacável. Arbustos e grama da altura da cintura rastejavam até a casa em si, exceto por uma trilha de terra que levava até a escada da varanda.

Adelaide tinha encantado a terra para manter a floresta sob controle? Alguém poderia pensar que propriedades acessadas apenas através do deserto não eram geralmente tão conservadas.

Considerando que Adelaide era uma bruxa da terra, era perfeitamente possível que magia pudesse ser creditada pela casa bem cuidada. No entanto, o cheiro do fogo ainda atingiu a casa isolada. De alguma forma, apesar de toda a ilha ter sido queimada, esta pequena área permaneceu intocada por qualquer fogo brutal.

Os lábios de Kelia se curvaram quando ela entrou na cabana. Ela foi instantaneamente atingida pelo cheiro de lavanda e não pôde deixar de fechar os olhos e respirar.

—O que você está fazendo, bloqueando o corredor? — Adelaide perguntou, batendo no ombro de Kelia. —E eu não acabei de te contar sobre suas botas? Fora com elas! Achei que você fosse a inteligente, mas claramente me enganei.

Kelia riu abertamente enquanto se inclinava para frente e tirava as botas de seus pés. Drew as pegou nas mãos e as levou para fora junto com as suas. Kelia o observou, murmurando um gentil obrigada, mas sem saber se ele realmente ouviu. Ele provavelmente fez, com sua audição de Sombra, mas ele não respondeu.

O saguão estava cheio de luz da lua, derramando-se das janelas em várias paredes. Algumas estavam abertas, outras fechadas, mas quase parecia que Adelaide precisava sentir os elementos externos de alguma forma, fosse para cheirar o sal do mar ou sentir a brisa suave que envolvia a casa.

Adelaide passou por seu saguão agora lotado e os conduziu até uma sala de estar, onde sofás e cadeiras mofadas foram colocados. Em frente às cadeiras, na parede oposta, havia uma lareira com manto e prateleiras cheias de garrafas e outros recipientes.

Logo atrás de uma poltrona combinando à esquerda de Kelia, uma janela ligeiramente entreaberta permitia que uma brisa entrasse e mascarasse o cheiro de mofo dos sofás antigos com o cheiro fresco do mar, que de alguma forma alcançava até mesmo o interior da ilha.

Quando Kelia se sentou no lado esquerdo do sofá de cor carmesim, ela notou uma caixa com amor e poções enriquecedoras de beleza jogadas aleatoriamente dentro. Devem ser produtos do negócio de Adelaide que ela agarrou ao evacuar sua casa principal com tanta pressa.

Drew se sentou ao lado de Kelia e Wendy ocupou o último lugar no sofá do outro lado de seu irmão. Daniella se sentou em uma das poltronas enquanto Emma estava ao lado da poltrona de Daniella, os braços cruzados sobre o peito em uma pose surpreendentemente defensiva.

A própria Adelaide sentou-se ao lado da lareira, olhando para seus convidados. —O que você está olhando, Starling? — Adelaide perguntou. —Eu não acho que você precisa de uma poção do amor. Meu sobrinho já parece apaixonado por você.

Kelia sentiu suas bochechas apertarem ao pronunciar as palavras. Drew pegou a mão de Kelia e apertou-a. Ainda havia tensão entre eles. Kelia podia sentir isso. Mesmo que eles ainda trabalhassem bem juntos, mesmo que Kelia alegremente daria sua vida por Drew, ela sabia que ainda havia um grande problema os separando, e ela não sabia como consertá-lo.

—O que você quer então? — Adelaide perguntou. Seus olhos pousaram em Emma ao invés de Drew. —Acho que eles estão aqui por sua causa.

—Eu preciso de ingredientes para livrar o sangue de um Sombra do sangue de uma Sereia, — disse Emma.

—Obviamente, — Adelaide murmurou enquanto continuava a olhar para Kelia. —Eu acho que você realmente não é o inteligente então. Que pena, eu esperava que meu sobrinho idiota finalmente tivesse um motivo para usar a cabeça em seus ombros em vez da cabeça em seu pênis.

—Tia. — Drew e Wendy retrucaram.

—É verdade, não é? — Ela latiu. —Se Drew não fosse atraído pelas aparências, ele já estaria morto. Em vez disso, ele se enredou com a vadia errada, e agora ele é um vampiro! Não só isso, ele arriscou a vida de Starling tentando encontrar Wendy, Wendy estava tentando salvar Emma e Emma só foi capturada pela Sociedade porque Drew decidiu romper seu vínculo com sua Rainha. Tudo de ruim que aconteceu com vocês aconteceu por causa do meu sobrinho. Se eu disser que ele é um idiota, ele é um idiota.

—Todos nós fizemos escolhas ruins em nossas vidas —, disse Kelia. Ela podia sentir os olhos escuros de Drew em seu perfil, mas não conseguia olhar para ele, ainda não. Ela não seria capaz de pronunciar as palavras se o fizesse. —Quer sigamos nossos paus ou nossa história, quer sigamos nosso coração ou nosso cérebro, todos nós seguimos, e talvez seja isso o que precisa mudar. Eu estava cega pela minha devoção ao meu pai. Eu acreditava na Sociedade sem questionar. Mas eu estava errada. E Drew me ajudou a ver a verdade. Drew salvou minha vida várias vezes...

—Meu sobrinho matou você —, disse Adelaide. Seus olhos não estavam em Kelia, mas em Drew. —Meu sobrinho, aquele que odiava tanto a Rainha pelo que ela fez com ele, que falava sem parar sobre como ele nunca faria algo assim com ninguém - fez isso com você, a mulher que ele parece amar. Tirou sua vida. Porque ele é egoísta.

—Não. — A palavra saiu baixa e nítida da boca de Drew. Ele não estava mais olhando para ela, mas para sua tia. Havia uma fúria silenciosa naqueles olhos.

—Não? — Adelaide pareceu surpresa com a refutação de Drew de sua declaração. Seus olhos escuros brilharam com diversão e seus lábios formaram um sorriso estranho. —Então com o que você a seguiu? Sua cabeça ou seu pau?

Drew apertou os lábios em uma linha fina e branca. Seu aperto na mão de Kelia - colocada entre a parte de fora das coxas e mascarada para todos os outros - apenas aumentou.

Sua respiração ficou presa na garganta. Ela sabia o que isso significava. Ela sabia que significava mais para ele do que outro corpo para consumir com seu desejo.

—Você cresceu um coração, sobrinho? Não pensei que fosse possível, considerando que você não tinha um desses quando estava vivo. É irônico que você encontre na morte, hein? E então você decide matá-la e trazê-la para a escuridão com você. Nossa, a teia que você tece.

—Ele não me matou. — As palavras saíram de sua boca antes que ela pudesse detê-las. —Ele me salvou.

Adelaide bufou, revirando os olhos como se estivesse falando com uma criança ingênua. —Tão ignorante, tão jovem. — Disse ela com desdém.

—Eu gostaria dos ingredientes e podemos ir embora, Adelaide. — Disse Emma. Sua voz era curta, insistente. Seus nós dos dedos estavam brancos de quão forte ela estava segurando seus braços.

—Sim, isso seria bom, não seria, Emma? — Ela se levantou e a cadeira gemeu com o peso de Adelaide. A mulher corpulenta se virou e começou a examinar o frasco e os béqueres, apalpando um galho, sacudindo outra coisa que parecia seixos.

—O que aconteceu lá? — Wendy perguntou. —Como alguém rompeu seus feitiços?

—Você acha que se eu soubesse quem fez isso, estaríamos sentados, conversando amigavelmente? — Adelaide perguntou.

—Os sobrenaturais do deserto, talvez? — Kelia perguntou. —Eu nunca vi uma besta assim antes. Eu nunca tinha ouvido falar disso antes.

—Não, — disse Emma. —Para quebrar as proteções de Adelaide, tem que ser uma bruxa.

—Uma bruxa desonesta —, disse Adelaide. —Eu só conheço outra além de Emma, mas ela morreu há muito tempo. Não tenho ideia de quem possa ser. É por isso que deixei esse bilhete para você, para que não fosse tola o suficiente para vir atrás de mim. No entanto, aqui está você.

—Kelia precisava...

—Sim, sobrinho, estou ciente. — Ela revirou os olhos e murmurou algo sob sua respiração. —Quais são seus planos depois disso, Drew? Você planeja finalmente matar a cadela?

Ela pegou uma terceira mistura e a trouxe para perto do rosto antes de franzir o nariz e colocá-la de volta na prateleira.

—Eu preciso treinar Kelia —, disse ele depois de limpar a garganta. Os olhos de Kelia se arregalaram. Ele não olhou para ela, entretanto. Seu foco estava estritamente em sua tia. —Quero ficar aqui alguns dias e me reagrupar antes de partirmos.

—Na verdade, — Wendy disse, sua voz engatando. —Eu gostaria de ficar mais tempo do que isso.

O queixo de Drew caiu. —O que? — Ele perguntou, sua voz curta.

Wendy revirou os ombros. —Parece que tenho muito que aprender sobre meus poderes. Eu era uma idiota antes, — ela disse, se mexendo em sua cadeira. —Minhas emoções levaram o melhor de mim. Eu perdi alguém próximo a mim. Não quero suportar esse tipo de dor de novo e acho, tia, você poderia me ajudar com isso.

Adelaide bufou novamente enquanto puxava um quarto recipiente. —Você tem o romantismo de sua mãe sobre você —, disse ela. Kelia percebeu uma sugestão de tom de desaprovação. — Tanto de você, ao que parece. Não levo harpias sensíveis sob meu teto por mais de um dia, talvez dois, e isso apenas se essas harpias forem família.

—Você não pode ficar aqui enquanto buscamos a Rainha. — Drew acrescentou.

—Eu não posso lutar —, disse Wendy. —Quanto tempo demorou para eu acertar o vento quando estávamos resgatando Kelia da Rainha? E quando as sereias e o Kraken atacaram? Eu sou um obstáculo. Preciso de um tempo para chorar e ficar forte. — Ela se levantou do sofá, um punho cerrado contra o peito. —Por favor, tia. Vou fazer o que você exige de mim. Leve-me do jeito que você fez com Emma.

—Emma é a bruxa mais talentosa que eu já vi, além de mim —, disse Adelaide, arrumando os ingredientes nas almofadas de sua poltrona. —Você precisa provar seu valor para mim. Ajude seu irmão. Se você realmente quer treinar depois disso, volte.

—Há Sombras do Mar rastejando sobre a ilha —, destacou Daniella, falando pela primeira vez. Suas unhas cravaram nos braços da cadeira antes de enrolar na palma da mão. —Como você vai sobreviver, considerando que você é uma parente direta da Sombra que eles deveriam recuperar.

—Você é uma bruxa do fogo, não é? — Adelaide perguntou, seu tom seco. —Sempre falando sem pensar, agindo sem pensar, fazendo tudo sem pensar. Tenho cerca de cem anos e pretendo viver mais cem. Você acha que as Sombras do Mar me assustam? — Ela soltou uma risada vazia. —Você tem muito a aprender. Emma está treinando você?

—Ela está

—Não mais. — Ela voltou aos ingredientes, pegando uma pitada de algo entre dois dedos grossos. —Você fica comigo. Vou treinar você.

—Tia! — Wendy disse, certamente ofendida por ter sido dispensada.

—O que? Eu posso dizer que ela tem espírito. Ela é difícil. Ela está cansada. Seu coração está partido, isso é tudo. Você nem consegue ver além disso, que vai se recuperar disso. A dor é passageira, um momento passageiro, mas você escolhe viver nela. Ela pode fazer perguntas idiotas, mas não está chafurdando em seu passado. Ela está pronta. Você não está.

Wendy engoliu em seco. Seus dedos tremeram, mas ela se sentou ao lado de Drew, piscando rapidamente os olhos. Kelia presumiu que era para garantir que ela não começasse a chorar.

—Então, qual é o plano? — Emma perguntou. Ela olhou entre Drew e Adelaide. —Você vai me dar os ingredientes?

—Sim, sim, sempre tão impaciente. — Adelaide acenou para Emma afastar-se enquanto ela colocava a pitada de algo em um pequeno frasco. —Vou mandar fazer isso para você. Acho que Drew vai administrar isso? — Ela voltou sua atenção para Drew. —Termine exatamente este frasco e uma noite de descanso. Assim que ela se recuperar, você pode treiná-la em minhas terras por dois dias. Então você deve partir. Você entende, garoto?

Drew ficou na frente de Kelia, quase como se quisesse protegê-la do que quer que Adelaide pudesse dizer a seguir, o que deixou Kelia perplexa. Ele pensava tão pouco dela que ela não conseguia lidar com as palavras, mesmo que fossem frias e implacáveis?

—Não posso levá-la de volta ao navio. — Disse ele.

Adelaide revirou os olhos. —Claramente não.

Kelia ficou parada, sem se importar, nem precisar da proteção de Drew de sua tia. —Por que não podemos voltar para o navio?

—Parece estúpido é contagioso. — Adelaide guardou seus ingredientes, tomando cuidado para garantir que todos estivessem no mesmo lugar de antes. —Você mal sobreviveu ao passar pelo deserto pela primeira vez. Você espera voltar agora? Você nem sabe como lutar como uma Sombra.

—Mas estamos seguros aqui? — Kelia perguntou. —Sua última casa segura foi desfeita por uma bruxa desonesta. Estamos cercados por criaturas que Drew nunca viu antes. Sombras voltadas para a vingança estão nos caçando. Estamos seguros em algum lugar?

—Apenas os tolos cruzariam o deserto —, disse Drew. Adelaide riu disso, mas Drew apenas olhou feio para ela e voltou sua atenção para Kelia. —Devemos estar seguros por enquanto.

—Por enquanto. — Adelaide reiterou.

—Por enquanto, — Drew repetiu, sua voz segurando uma nitidez sutil. No entanto, quando ele se virou para olhar para Kelia, seus olhos se suavizaram. —Mas devemos seguir em frente, sair desta ilha assim que pudermos. Emma está preparando a poção com as ervas da tia. Amanhã, assim que o medicamento terminar, começaremos o treinamento.


CAPÍTULO 13

Drew conduziu Kelia pelo longo corredor até o quarto à direita. Ele só estivera aqui uma vez, quando menino, antes de ser transformado em uma Sombra. Este era o quarto em que ele tinha ficado.

Abrindo a porta, ele foi atingido por um forte cheiro de sálvia. Sua pequena cama estava no canto, uma cadeira ao lado. Parecia exatamente como ele se lembrava. Do lado de fora da janela não havia nada além de um céu escuro e raivoso.

—Entre no quarto. — Drew disse a ela, acenando em direção à porta.

O quarto era pequeno. Quando ele a seguiu para dentro, ele percebeu que mal continha os dois confortavelmente. Quando menino, ele achava que era muito mais espaçoso. Pelo menos, foi o maior quarto que ele tinha ficado em toda a sua vida.

Kelia permaneceu em silêncio. Parecia que eles estavam bem, mas como poderiam estar quando ainda havia tanto não dito entre eles? Ele não a tocou como costumava fazer nas últimas semanas. E ele queria. Deus, ele queria. Mas como ele poderia?

—Por que sua tia tem uma cabana no meio do nada? — Ela perguntou, olhando para o céu. Um braço estava cruzado sobre o peito, segurando o outro. Ela não parecia afetada pelo frio, embora houvesse um resfriado persistente.

—Minha tia sempre tem um plano reserva para o caso de as coisas darem errado —, disse Drew ao se aproximar por trás dela. —Ela ama a terra, adora plantar suas raízes, mas sempre diz que nenhum lugar é realmente seguro.

—Ela não mora aqui há muito tempo? — Kelia perguntou, virando-se para olhar para Drew por cima do ombro.

—Desde que me lembro, mas ela tem outra rota de fuga se ela precisar. Ela está sempre dois passos à frente, ao que parece.

Seu olhar permaneceu em sua pele, para a escultura de suas bochechas, seus lábios. Ele queria estender a mão, acariciar o rosto dela com as costas dos dedos, mas não conseguia tocá-la. Ainda não.

—Você precisa da mistura, Kelia. — A palavra parecia estranha em sua boca, como se ele não a dissesse de verdade por um tempo. Como se aquilo não pertencesse exatamente a ele como antes. —Você provavelmente deveria se deitar.

—Certamente isso pode esperar. Não é muito pior do que enjoo no mar agora.

—Isso é só por causa do que Emma deu a você para segurá-lo. O efeito vai passar em breve e as coisas vão piorar rapidamente a partir daí. Por favor. — Havia uma súplica em sua voz que uma vez ele teria escondido. —Tome antes que as coisas piorem.

Ela se sentou na beira da cama, e Drew notou arrepios em seus braços. Não tão imune ao frio quanto ele pensava.

Ela olhou para o frasco de poção com cautela. —O que isso fará comigo?

—Curar você —, disse Drew. —Isso é tudo, eu prometo a você. — Ele estremeceu com suas próprias palavras. Que direito ele tinha de continuar fazendo promessas? —Minha tia é uma mulher rabugenta e, ainda assim, encontra os camaradas mais estranhos. As bruxas da terra se dão melhor com as bruxas da água simplesmente porque os elementos são complementares. No entanto, acredito que ela tenha um aliado com as sereias. Ou, pelo menos, uma das sereias a respeita o suficiente para dar a ela a capacidade de curar o veneno da sereia em uma Sombra do Mar.

A cama rangeu quando ela mudou de posição.

—Devo estar mais pesada agora que sou uma Sombra. — Disse ela.

—Você é perfeita —, disse Drew antes que pudesse se conter. —Não importa o que você seja.

Um peso repentino encheu o quarto. Se eles não se apressassem, seriam engolidos por isso. Ele se forçou a limpar a garganta e pegou a poção nas mãos.

—Você ouviu Adelaide —, disse ele. —Você deve tomar até a última gota.

—Isso vai me deixar doente? — ela perguntou. —Estou cansada de ficar doente.

O canto do lábio de Drew tremeu quando ele pegou a rolha do frasco e o removeu. Ele foi atingido por um cheiro avassalador de grama e terra. Seja o que for que Adelaide juntou, deve ter vindo principalmente da terra.

—Eu não sei, querida, — ele disse a ela, oferecendo-lhe o frasco. —Tudo o que importa para mim é que você vai se curar depois de ingerir. O veneno da sereia é uma fachada. Tem um gosto delicioso, deixa você viciada nele. Uma vez que está em seu sistema, é difícil se livrar dele. É uma morte lenta e purulenta. Não é algo que eu gostaria que você suportasse.

Kelia pegou o frasco dele e olhou para o líquido verde escuro.

—Por favor. Beba.

Kelia olhou para Drew e assentiu. Ela bebeu o líquido. Seus olhos se cerraram com força e, enquanto ela ingeria a substância, sua garganta balançava furiosamente. Mas ela se manteve calada. Isso era o que importava.

—Você vai, uh...— Kelia engoliu em seco novamente, franzindo o nariz ao fazê-lo. —Você vai ficar comigo? Até que isso saia do meu sistema?

—Claro. — Ele estendeu a mão e pegou a mão dela. —Claro que sim querida.

Em poucos instantes, Kelia adormeceu. Antes que Drew tivesse a chance de pensar, passos soaram do lado de fora da porta e entraram sua tia e Emma, ambas com preocupação escrita em seus rostos.

—O que? — Ele perguntou, sem se preocupar em esconder seu aborrecimento.

—É assim que você cumprimenta sua tia que acabou de salvar a vida da sua amante? — Adelaide perguntou. Ela encostou o corpo na parede oposta à cama enquanto Emma se sentava aos pés da cama, seus olhos focados apenas em Kelia.

—Ela está bem? — Emma perguntou, seus olhos cortando para Drew.

—Ela tomou até a última gota —, disse ele com um encolher de ombros. —Não tenho certeza de como vou saber que ela está bem.

—Você saberá —, brincou Adelaide. —Precisamos conversar, garoto. As coisas mudaram. Você não pode mais ficar aqui.

—Você acabou de dizer...

—Eu sei o que eu disse. Mas parece que Emma é muito mais poderosa do que eu acreditava. Uma bruxa está desfazendo meus feitiços. Só fui capaz de montar este abrigo depois de perceber que o meu havia sido descoberto.

Drew colocou as mãos nos joelhos. Ele se perguntou quando eles iriam discutir o que tinha acontecido no chalé de sua tia.

—Você acredita que uma bruxa pode desfazer seus feitiços? — Ele não se preocupou em esconder sua descrença. —Você só teve Emma como aprendiz...

—Eu tive duas aprendizes na minha vida —, corrigiu Adelaide. —Uma era Emma. A outra era uma garota maluca que fugiu e se casou com um explorador espanhol na primeira oportunidade que teve.

—E você acha que ela está quebrando seus feitiços?

—Além de Emma, ela é a única pessoa que seria capaz.

—Que denominação ela está? — Emma perguntou, embora seus olhos permanecessem focados em Kelia.

—Fogo. — Respondeu Adelaide.

—Não admira.

—O que isso tem a ver com o que estamos enfrentando? — Drew perguntou.

—Além do fato de que você deve treinar Kelia? — Adelaide perguntou.

—Eu já estou bem ciente disso, — Drew murmurou. —Ela está crua. Ela tem habilidade, mas precisa desenvolvê-la.

—Infelizmente, você é o único professor dela. — Disse Adelaide.

—Eu consegui me manter vivo por cem anos...

—Porque a Rainha se imagina apaixonada por você —, interrompeu Adelaide. Ela revirou os olhos e se afastou da parede. —E porque você tinha alguém realmente disposto a treiná-lo.

—O que isso deveria significar?

Enquanto ele olhava ao redor do quarto, ninguém manteve contato visual com ele, exceto por sua tia. Ela nivelou o olhar para ele e cruzou os braços.

—Mesmo se você superar sua paixão por ela o suficiente para treiná-la, quanta ajuda você acha que será? — sua tia pressionou. —Sério, Drew, por favor, me diga que você não é tão estúpido a ponto de pensar que é a Sombra viva mais habilidosa.

—Eu sou um dos mais velhos, — Drew disparou de volta, — e embora eu possa não aderir a certa lógica porque não sou um bruxo, ainda sou mais poderoso do que qualquer Sombra viva.

—Não mais —, disse Adelaide. —Não com ela ao seu lado. — Ela acenou com a cabeça para Kelia. —Nenhuma Sombra tem uma fraqueza como a sua.

—Então o que você sugere? — Drew cuspiu. —Me livrar dela?

—Livrar-se dela seria como se livrar de um membro —, disse Adelaide. —Você ficaria mais fraco ainda.

—Precisamos nos concentrar, — Emma disse. —Kelia precisa ganhar força.

—Há mais nisso do que apenas esta garota...

—Cuidado, — Drew disse, suas presas extraindo antes que ele pudesse detê-las. —Você pode ridicularizar meus sentimentos por ela o quanto quiser, mas não vai insultá-la. Entendeu?

Adelaide olhou para Drew, mas não o contradisse.

—Você disse que há uma bruxa poderosa quebrando seus feitiços, — disse Emma, levantando-se ao pé da cama para andar pelo pequeno quarto. Com Emma e Adelaide dentro, Drew sentiu que mal havia espaço para respirar, muito menos se mover. —O que podemos fazer sobre ela?

—Só há uma coisa a fazer —, disse Adelaide. —Precisamos das sereias.

Emma parou de andar e Drew bufou, balançando a cabeça.

—As sereias? — Ele enrolou o cabelo loiro da trança de Kelia para trás da orelha. Ela não se moveu sob seu toque. Na verdade, a única maneira pela qual ele sabia que ela ainda estava viva era o subir e descer suave seu peito. —Você quer que nós façamos amizade com uma sereia? Isso é impossível.

—Mais de uma —, disse Adelaide, cutucando as unhas. —Não acho que conseguiremos nada com apenas uma. E sim, pode ser impossível, mas é preciso tentarmos.

—Uma bruxa da água para ir contra uma bruxa do fogo, — Emma murmurou. Ela tinha um tom que soava como se ela estivesse imersa em pensamentos sobre algo, então, enquanto Drew queria intervir mais, ele segurou a língua, esperando para ver o que Emma tinha a dizer. —Essa é a decisão lógica. Mas como obtemos o auxílio de uma sereia? Elas são todas leais à Rainha.

—São? — Adelaide baixou a mão para o quadril saliente. —Assim como todas as Sombra são leais a ela? — Ela olhou entre Drew e Emma. —Se você pesquisar bastante, você encontrará uma bruxa do mar que quer matar a Rainha tanto quanto você. Como você acha que consegui inventar um antídoto para o veneno da sereia? Tenho uma aliada com quem posso colocá-los em contato.

—Quem? — Emma perguntou.

—O nome dela é Bethany —, respondeu Adelaide. —Ela sofreu grandes perdas nas mãos da Rainha.

—Impossível —, disse Drew. —A Rainha não tirou de ninguém o que ela tirou de mim.

—Quer parar de sentir pena de si mesmo, garoto? As sereias costumavam ser humanas, assim como você. Bruxas, na verdade. Ela as levou e as condenou ao mar. Não há mais terra. Não há mais como andar. Ela tirou algo delas também, e elas estão procurando por sua liberdade do jeito que você está. Talvez, se você ver as coisas com os olhos delas, possa encontrar um número suficiente delas dispostas a ajudá-lo.

—Não sou só eu que preciso de ajuda, tia —, disse Drew. Ele colocou a mão na coxa, tentando suavizar as rugas do material. —Se houver uma bruxa quebrando seus feitiços, você também não estará mais segura aqui.

—Você não acha que eu sei disso? — Ela revirou os olhos, olhando para o teto. Um trovão forte ecoou do lado de fora, mas não havia sinal de chuva ainda.

—O que faremos sobre a bruxa do fogo? — Drew perguntou.

—Não podemos fazer nada sobre alguém que não conhecemos. — Adelaide esfregou a ponte do nariz. Apesar de sua tia ser velha - muito mais velha do que ele -, Drew nunca a virá parecer cansada até agora. Isso o fez se sentir desconfortável. Ele desviou o olhar, de volta para Kelia. —Precisamos descobrir mais sobre a magia dela.

—Existe uma maneira de rastreá-la? — Emma perguntou. Ela voltou a andar, esfregando as mãos. —Se você acredita que foi a sua outra aluna, talvez possamos olhar mais para ela...

—Nós não podemos.

—Por que não?

—Ela morreu anos atrás —, disse Adelaide. —Eu não sei se ela passou seus poderes para uma criança. Espero que não, porque ela era muito instável para começar. Poderosa, mas inconstante.

—Não vai doer —, disse Drew. —Não podemos ficar sentados sem fazer nada. Não quando há muito em jogo. Nenhum de nós pode mais ficar nesta ilha. Nem mesmo você.

—Eu posso cuidar de mim mesma, garoto.

Gotas de chuva batiam no telhado e nas janelas da cabana. Uma caiu na ponta do nariz de Drew. Ele olhou para cima para ver a chuva vazando pelo telhado. Ele teria que consertar isso o mais rápido possível para que Kelia não pegasse um resfriado.

Ela não podia pegar um resfriado.

A realidade o atingiu mais uma vez, que ela não era mais humana.

—Você —, continuou Adelaide. —Você deve treinar Kelia.

—Eu sei...

—Você não sabe. — Adelaide caminhou em direção a Drew, seus passos pesados, mas sérios. —Eu vejo como você olha para ela, como se ela fosse muito frágil para este mundo. Ela está muito próxima de você, Drew. Você ficará tentado a ir com calma porque, em sua mente, você acredita que sempre estará por perto para protegê-la.

—Eu aprendi essa lição da maneira mais difícil, tia, — ele disse a ela, cada palavra cronometrada para combinar com seus passos. —Ela foi tirada de mim, envenenada. Houve uma razão para eu transformá-la.

—Ela precisa ser treinada e muito. Ela não pode ser uma infante por muito mais tempo ou não sobreviverá a isso.

Drew conteve o rosnado crescendo em seu peito. —Compreendo.

Adelaide lançou um olhar para Emma, cujo rosto permanecia inescrutável. As duas mulheres saíram do quarto sem dizer mais nada.

Outra gota de chuva atingiu seu ombro.

Ele precisaria consertar isso agora. Seria uma boa oportunidade para descobrir como ele sobreviveria ao treinamento de Kelia amanhã.


CAPÍTULO 14

Drew não deveria ter ficado surpreso ao acordar na manhã seguinte com dores nas costas e músculos tensos. Ele havia dormido ao lado da cama em que Kelia dormia, e quando ele se levantou, todo o seu corpo gemeu.

Sua tia tinha enfeitiçado sua casa para flutuar na água do mar durante a noite, movendo a terra abaixo deles até que a água do oceano subisse logo abaixo da fundação de sua casa, mas ela tinha deixado claro que não estava interessada em uma casa no mar e não iria manter as coisas assim por muito tempo.

Do lado de fora da janela, a água do mar se espalhava pela terra ao redor deles. O céu estava escuro, embora ainda não fosse noite. Ele e Kelia precisariam ficar dentro de casa por mais algumas horas. As grossas nuvens cinzentas pareciam cheias de chuva, bloqueando completamente o sol.

Ele tinha certeza de que Kelia gostaria de acordar e treinar, especialmente considerando que ela havia sobrevivido ao envenenamento das sereias e se sentia mais forte agora.

Mas se ele não precisava treiná-la, ele não queria. Havia tanta coisa nisso, tanto que ele não queria que ela sofresse depois de já ter sofrido tanto. E, no entanto, ele sabia que precisava ser feito.

Ele a ouviu se mexendo ao lado dele. Ela se sentou na cama, um olhar confuso em seu rosto, como se ela não se lembrasse de onde estava e o que estava fazendo aqui.

Pelo menos ela parecia muito melhor do que no dia anterior. Na verdade, Drew iria tão longe ao dizer que esta era provavelmente a melhor aparência dela como uma Sombra do Mar.

—Como vai querida? — Ele perguntou, sua voz hesitante enquanto olhava para ela.

Ela acenou com a cabeça uma vez, jogando as pernas para o lado da cama para se esticar. —Bem, — ela disse. Ela olhou para seu corpo e depois de volta para ele. —Muito melhor do que há muito tempo. A mistura de sua tia deve ter funcionado.

—As coisas que ela cria geralmente funcionam. — Disse Drew.

—Ela é uma bruxa poderosa. — Parecia mais uma afirmação que saía de sua boca do que uma pergunta, e Drew pôde detectar um toque de admiração, embora sua tia não fosse a pessoa mais amável na terra verde de Deus. Ela era tão rabugenta quanto velha, e muitas vezes até Drew se perguntou quando diabos ela simplesmente desistiria e morreria. —Eu vejo de onde Wendy tirou isso.

—Wendy sempre tentou alcançar o que era natural para minha tia. — Ele apontou com um encolher de ombros gentil.

Kelia veio ficar ao lado dele perto da janela, tão perto que seus ombros se encostaram.

—Onde está Wendy? — Kelia perguntou.

Drew ergueu um ombro com indiferença. —Não tenho certeza —, disse ele. —Mas em algum lugar aqui, conversando com Emma sobre isso ou aquilo. — Ele colocou as mãos no peitoril.

—Suponho que elas merecem algum tempo para elas —, murmurou Kelia. —Todos nós passamos por uma provação.

Drew não pôde deixar de apreciar o calor que parecia vir dela. —Estou feliz que você esteja bem. Eu estava... eu estava preocupado com você. Eu sei que você odeia que eu diga isso, mas é verdade.

Kelia sorriu, virando a cabeça para poder vê-lo. —Você? Preocupado com alguma coisa?

Ele riu, aliviado por ela não ter interpretado isso como um insulto à sua capacidade de cuidar de si mesma. —Estou tão surpreso com isso quanto você, — ele admitiu. —Embora você sempre pareça ter um efeito estranho sobre mim.

Ela arqueou a sobrancelha. —É assim mesmo?

Drew não soube dizer se sua declaração a agradou ou não. Mas era verdade. Isso era o que importava.

Ele ainda tinha amor por ela, apesar da tensão entre eles que parecia ser intransponível. Talvez... talvez houvesse esperança, então. Talvez eles pudessem consertar o que havia sido danificado.

—Kelia.

Sua voz era baixa. Ele não queria que saísse baixa, mas também não a impediu. Ele agarrou o parapeito da janela, sentindo pequenas lascas de madeira velha pressionadas contra sua pele.

Sua frequência cardíaca começou a aumentar e ele descobriu que não conseguia olhar para Kelia. Era um sentimento absurdo que ele não entendia muito bem, porque nunca se sentiu assim, nunca perdeu o controle de seus sentidos. Agora, ele mal conseguia respirar sem pensar conscientemente sobre isso.

—Nós provavelmente deveríamos conversar. — Ele disse finalmente.

Ela pigarreou. Seu corpo enrijeceu ao lado dele. Mas quando ele finalmente conseguiu olhar para ela, viu que ela ainda estava olhando para a água.

—Eu quis dizer o que eu disse, — ela disse a ele em uma voz suave. —Quando sua tia fez seus comentários, eu sei agora que o que você fez...— Ela franziu a testa, como se estivesse tentando agarrar a palavra certa. —Ainda sinto raiva do que sou. Há uma parte de mim que ainda lamenta a alma que perdi. Mas eu entendo por que você fez isso.

Ela se virou, estendendo a mão para segurar o antebraço dele. O toque dela enviou uma faísca através de Drew, e ele não pôde deixar de pular de surpresa com a sensação.

Como ele desejava tocá-la. Parecia que havia séculos desde que eles se tocaram de propósito.

—Eu te perdoo, Drew, — ela disse. —Você salvou minha vida fazendo-me algo que nenhum de nós queria. Eu sei que você provavelmente odiava o fato de ter que fazer isso tanto quanto eu odiava o fato de que isso é o que eu sou agora.

—Você ainda se odeia? — Drew perguntou timidamente.

Provavelmente era uma daquelas perguntas que era melhor não dizer, só porque não era da sua conta. Ela podia sentir o que quisesse sobre isso. Não cabia a ele saber quais eram esses sentimentos.

Mas isso não impediu que o desejo de saber entrasse em seu corpo e enrolasse seus tentáculos em torno de seu cérebro, exigindo algum tipo de resposta.

Kelia suspirou pelo nariz. —Para ser completamente honesta, não sei o que sinto por mim mesma —, disse ela. Seus olhos estavam de volta ao horizonte, mas seu ombro ainda estava muito contra o dele, e ela não fez nenhum movimento para se afastar. —Mas não acho que ódio seja a palavra certa. Estou me acostumando com o que sou. Acho que o treinamento vai ajudar.

Drew não sorriu. Treiná-la como uma Sombra era a última coisa que ele queria fazer. Ele não estava pronto para enfrentar o fato de que ela era um monstro, assim como ele. Admitir que ele a criou, tirou a vida dela e a forçou a uma vida que ela não queria significava que ele era exatamente o que prometeu a si mesmo que nunca seria.

E, no entanto, seu único meio de sobreviver era garantir que ela entendesse como controlar seus desejos, a melhor maneira de atacar a presa e qualquer inimigo que pudesse querer matá-la, e como se defender adequadamente.

—Sim, bem...

Antes que ele tivesse a oportunidade de terminar seu pensamento, uma gota de chuva espirrou contra a janela, e depois outra, e mais até que a chuva estava caindo com força contra o vidro.

Em circunstâncias normais, a chuva não causaria grande angústia a Drew. Se Kelia fosse um membro de sua tripulação, ele ainda esperava que ela cumprisse seus deveres como de costume. Ele iria treiná-la, como sempre.

Mas em vez disso, ele viu isso como uma desculpa para não treiná-la - pelo menos, não agora.

Kelia abriu a janela e colocou a cabeça para fora para olhar para o céu. A chuva atingiu seu rosto e rolou por suas bochechas antes de se acumular em seu queixo. Seu cabelo loiro emaranhado com água, deixando os fios dourados quase castanhos.

—Eu sei o que você está pensando, Sr. Knight, — ela disse brincando. —E você não está escapando tão facilmente. Eu amo a chuva.

Ele teve o desejo repentino de puxá-la em seus braços e beijá-la como ele queria, beijá-la do jeito que ele fez antes dessa pilha de decisões ruins empilhadas entre eles.

E ainda assim, ele hesitou. Pelo que ele sabia, ela ainda era sua amante. Ela não disse a ele o contrário. Os sentimentos que ele nutria por ela não haviam desaparecido. Na verdade, eles apenas se fortaleceram. Mas ele não pôde deixar de manter distância quando essa era a última coisa que queria fazer.

Ela colocou a cabeça para dentro e se virou para ele, olhando para ele com cílios cobertos de chuva e sobrancelhas com gotas de água.

—Estou ansiosa para o momento em que possamos nos livrar disso. — Ela murmurou enquanto a chuva batia na água lá fora.

—Livrar de quê? — Drew perguntou, sua voz tão gentil.

—Isto. — Ela encolheu os ombros e gesticulou ao seu redor. —Sermos perseguidos, encurralados, presos, como se não fossemos nada mais do que animais. Sendo atacados. Sendo caçados por uma mulher que pensa que ainda está apaixonada por você.

Drew deu um passo para trás. Ele odiava que Kelia até mesmo mencionasse a Rainha, não quando eram apenas os dois. Era como se o momento estivesse manchado.

A culpa se acumulou no corpo de Drew. Logicamente, ele sabia que as ações da Rainha não eram culpa dele e, ainda assim, apenas a memória de ser seu amante, de sentir coisas por ela, o fazia se considerar pouco melhor do que nojento.

Se ele não estivesse com a rainha, ele não estaria onde está agora. Kelia não teria que suportar o que estava sofrendo.

Então, novamente, Drew provavelmente nunca teria conhecido Kelia.

Antes que ele pudesse pensar mais sobre isso, a porta se abriu e Daniella entrou correndo, uma mecha de cabelo ruivo voando atrás dela.

Drew ficou tenso. Ele já podia sentir que algo estava errado, mas não tinha certeza do porquê. Os nós dos dedos de Kelia ficaram brancos quando suas mãos se fecharam em punhos.

—O que? — Drew disse. —O que foi?

Daniella abriu a boca, mas antes que ela pudesse falar, ele cheirou o problema por si mesmo.

Fogo.

Ele e Kelia correram para o corredor, mas antes mesmo que pudessem chegar à sala de estar, a fumaça era tão densa que ele mal conseguia ver ou respirar.

As chamas dançavam nas paredes, visíveis apenas como um brilho laranja dançante através da fumaça.

—Onde está todo mundo? — Drew perguntou, sem tirar os olhos das chamas, tentando descobrir a saída mais rápida.

Certamente quem quer que tenha começado o fogo estaria lá fora esperando por eles. Ele tinha que estar preparado para isso também.

—Sua tia está tentando salvar os ingredientes, — disse Daniella. —Wendy e Emma estão segurando-a — Ela tossiu na fumaça. —M-mas ela é mais poderosa do que eu pensei que ela poderia ser.

—Ela?

Em vez de olhar para Drew quando ela respondeu, os olhos de Daniella estavam em Kelia parada ao lado dele. —A bruxa, — disse Daniella. —Ela nem mesmo... depois de todos esses anos... eu não tinha percebido que ela era uma bruxa.

—Quem? — Drew exigiu. —Como você conhece essa pessoa?

—Fomos para a escola com ela.

Kelia ficou rígida ao lado dele. —Diga —, disse ela em voz baixa. —Diga o nome dela.

Daniella tossiu novamente, então ergueu o olhar para Kelia, um pedido de desculpas em seus olhos. —Jennifer Espinosa.

Kelia deu um passo para trás, balançando a cabeça. Então, sem aviso, ela mergulhou na fumaça, como se estivesse pronta para sair correndo.

Drew agarrou seu pulso. Eles precisavam sair e rápido. Mas não dessa forma.

—Não. — Ele disse.

—Mas...

—Só porque o céu está preto não significa que você pode ir com segurança para a terra —, ele latiu. A chuva continuou a cair, forte, mas ainda lenta. Parecia estar construindo algo maior. —Você sai desta cabana antes disso, e você será cinzas. Eu não vou deixar isso acontecer.

—Mais ou menos o mesmo resultado se ficarmos. — Kelia disse, puxando sua mão.

—Não no meu turno! — Adelaide disse, emergindo da fumaça. —O fogo foi apagado.

Drew olhou além dela. A fumaça ainda era sufocante e densa, mas o brilho laranja do fogo havia sumido.

—Posso não ser uma feiticeira da água, mas você também pode apagar um incêndio com terra. — Ela apontou o dedo para Daniella. —Lição número um.

—Mas e a bruxa lá fora? — Kelia perguntou. —Ela não vai simplesmente parar.

Adelaide revirou os olhos. —Nem eu. Mas espero vocês dois aí fora e fazendo algo sobre isso no segundo em que o sol se põe. E não me agradeçam por ajudar. Só estou fazendo isso porque não quero perder minha casa. E eu culpo vocês dois pelo problema!

Ela se virou e voltou para a fumaça.

—Eu gosto dela. — Disse Kelia.

Drew estreitou os olhos para ela. —Isso faz um de nós.

—O que fazemos agora? — Daniella perguntou.

—Nada podemos fazer, exceto esperar. — Disse Drew.

—E depois? — Kelia perguntou.

—E então nós lutamos.

Um vento forte soprou pela casa, dissipando a fumaça e revelando Wendy na sala de estar. Drew respirou fundo o ar puro enquanto podia. Eles poderiam ser capazes de manter o fogo sob controle, mas ainda havia um pesadelo esperando por eles do lado de fora.

—Não podemos simplesmente esperar, — Kelia pressionou. —Ela é poderosa o suficiente para se mascarar da Sociedade e quebrar as proteções de sua tia. Ela não será derrotada facilmente.

—E você acha que correr para lá agora vai ajudar? — Drew latiu de volta. —Você não será nada além de um empecilho. Você não sabe nada sobre como se proteger de qualquer coisa ou pessoa. Mesmo se você pudesse pisar em terra agora, de que adiantaria? Ela iria matá-la antes que seu pé atingisse a areia.

Assim que terminou de falar as palavras, ele estremeceu. Ele estava sendo duro porque precisava que ela entendesse que não podia simplesmente ir e salvar pessoas sem consequências. As sombras eram criaturas ferozes, mas elas precisavam aderir à lei de sua espécie. Não era justo, mas era necessário.

Embora ele lamentasse suas palavras duras, ele precisava salvá-la de aprender essas coisas da maneira mais difícil. Se ele pudesse protegê-la, se pudesse garantir sua segurança, mesmo que fosse mal e a afastasse, ele o faria. Ele já arruinou sua vida. Ele não precisava causar mais dor e sofrimento.

Mas em vez de ficar ofendida como Drew havia previsto, Kelia apenas empurrou os ombros para trás e o olhou bem nos olhos. —Posso ajudar se tiver oportunidade —, disse ela. —E isso é melhor do que ficar aqui sentindo pena de mim mesma.

—O que isso deveria significar? — Drew explodiu.

—Parem de brigar, — Daniella implorou. —Jennifer está atrás de Kelia, e eu não acho que ela está aqui em nome da Rainha. Não acho que ela esteja aqui por causa da Sociedade. Eu acho que é... pessoal.

—Por quê? — Kelia perguntou.

—Não importa. — Drew começou.

—Claro que importa, — Daniella retrucou. —Ela quebrou as proteções de sua tia. A bruxa mais poderosa que você conhece.

—Tem certeza que é ela? — Kelia perguntou. —Jennifer era uma mulher frívola e insípida que ia se casar em vez de continuar com a Sociedade. Como o fogo dela é capaz de sustentar a chuva?

Daniella balançou a cabeça. —Eu não sei, mas estou dizendo a você, Kelia. É ela.

—Você está me dizendo que Jennifer Espinosa tem um poder que rivaliza com o de Adelaide?

—Adelaide disse algo sobre a mãe de Jennifer ser uma aprendiz —, disse Daniella. —Eu sei que ela não aceita aprendizes, exceto em raras circunstâncias. Parece que Jennifer herdou o poder de sua mãe, o que significa...

—Isso significa que se sairmos vivos, teremos sorte. — Disse Drew.


CAPÍTULO 15

—Quanto tempo até escurecer? — Kelia perguntou, observando enquanto a chuva continuava a cair do céu.

—Meia hora, no máximo, — Drew respondeu. —Não podemos deixar este lugar até lá.

—Ela poderia colocar fogo neste lugar novamente e queimá-lo em pouco tempo.

—Você acha que eu não percebi isso? — Ele girou em sua bota para encará-la. Seus passos ecoaram na mente de Kelia com cada um que ele tomou até que ele estava perto o suficiente dela para que inclinar a cabeça para baixo fizesse com que seu queixo roçasse o topo de sua cabeça. —O que você gostaria que eu fizesse para impedir isso? Eu não sou poderoso o suficiente para parar uma bruxa sozinho.

Kelia se afastou da janela e caminhou pela pequena sala de estar.

—Como ela sabia que estávamos aqui, eu me pergunto? — Ela murmurou, sua mente girando em torno do pensamento.

—O que você quer dizer? — Drew perguntou lentamente.

—Pense nisso —, disse Kelia, parando para enfrentar Drew. Ainda fez seu estômago revirar, estar tão perto dele. O fato de que ela não podia simplesmente estender a mão e tocá-lo foi o suficiente para fazer seu corpo gemer de frustração. —Ela encontrou a casa de sua tia, e é por isso que sua tia cruzou o deserto para este lugar. Você está me dizendo que ela cruzou as mesmas terras áridas em pouco tempo com um arranhão nela? Ela sabia exatamente onde encontrar sua tia.

—Ela é uma bruxa, — Drew disse, esfregando a nuca com a mão. —A mãe dela treinou com minha tia, assim como Emma. Se o treinamento fosse semelhante, ela teria aprendido a lançar feitiços em ilhas, tentar o mais frio dos homens e até mesmo rastrear pessoas.

—Sim, mas Emma é uma bruxa da terra, — Kelia rebateu. —Jennifer não é, claramente. — Ela projetou o queixo para o fogo, que ainda queimava a grama ao redor da casa e lambia as paredes externas. Não demoraria muito para que as chamas fizessem seu caminho para dentro novamente.

—O que você está dizendo?

—Estou dizendo que alguém deve ter dito a ela onde encontrar você. — Kelia afastou o cabelo dos olhos para que pudesse olhar para Drew com clareza.

—Nós nem sabíamos para onde estávamos indo até decidirmos seguir. Como eu poderia ser responsável...

—Você não entende. Eu não estava tentando insinuar...

—Vocês dois calariam a boca? — perguntou uma voz sedosa do lado de fora da janela. —Se vocês realmente precisam saber, podem sempre perguntar.

Um arrepio percorreu a espinha de Kelia e ela se virou para ver Jennifer parada bem no final de onde a água embaixo da casa tocava a terra que havia sido queimada pelo fogo.

No chão a seus pés estava Daniella, seu rosto coberto de sujeira e cinzas, brasas queimando onde as chamas haviam morrido.

O coração de Kelia apertou. Ela estava tão envolvida em seu ritmo que nem ouviu Daniella sair.

Ela deveria ser uma Sombra do Mar. Ela deveria ver e ouvir coisas a quilômetros de distância. E o mesmo para Drew. Por que ela não ouviu Daniella sair, ou uma luta entre ela e Jennifer ocorrendo do lado de fora da janela?

A menos que Jennifer tivesse usado algum tipo de magia para mascarar os sons.

Por que, então, deixar Kelia e Drew vivos? Ou isso era apenas o talento de Jennifer para o dramático... ou ela não conseguia entrar em casa. Isso explicaria o incêndio... tentando forçá-los a sair.

—Sabe —, continuou Jennifer, olhando para baixo para ver suas unhas antes que uma pequena carranca puxasse seus lábios para baixo, —quando você me deixou naquela ilha, depois de escolher a Sombra em vez de sua amiga mais querida, fiquei magoada, Kelia Starling. Deveríamos ser amigas. Eu esperava que minhas velas tivessem feito seu trabalho para obrigar você a ficar, mas quanto mais eu pensava nisso, mais furiosa ficava. Eu não deveria ter precisado de velas. Eu pensei que éramos amigas.

Kelia piscou uma vez. Todas as velas que enchiam o quarto que eles compartilharam, os cheiros pesados e persistentes de lavanda, foram usados para um propósito. Não era simplesmente porque Jennifer gostava da estética e do clima sombrio. Ela estava usando as velas - o fogo - para um propósito.

—Eu estava errada, — Jennifer continuou quase gritando agora. Ou ela estava tentando falar sobre a chuva, ou suas emoções estavam levando a melhor sobre ela. —Seus sentimentos por sua Sombra anularam completamente minhas habilidades. Eu me senti um fracasso e prometi a mim mesma que faria o que fosse necessário para transformar meus poderes em algo que não pudesse simplesmente ser deixado de lado.

Jennifer ergueu uma sobrancelha. O fogo cacarejou na frente dela. Ela nem mesmo piscou os olhos para considerá-lo.

—Você...— Kelia murmurou antes de engolir. Sua garganta estava seca. — Você colocou fogo no celeiro em Port George.

—Na minha pressa, não percebi que você e a outra Cega haviam sido escoltados para fora do celeiro. Eu não tinha percebido que era hora de acasalar.

—Mas você me ajudou a entregar uma carta para ele. — Kelia não entendeu. —Por que você se voltaria contra mim tão de repente?

—Sua idiota — Jennifer quase cuspiu, franzindo o nariz. —Drew Knight é o pior tipo de animal desta terra. Ele acha que pode fazer o que quiser e que sua lógica por trás de suas escolhas é válida. Isso é o que o torna tão perigoso. Achei que você estava entregando uma carta de despedida para ele. Achei que você tivesse recuperado o juízo.

—Depois que a Sociedade me envenenou, jurei nunca mais me permitir sucumbir a tal vulnerabilidade novamente, — ela continuou. —Se qualquer coisa, eu endureci meu coração. Eu me despeço de Bron. Encontrar você, encontrar Drew Knight, era meu único foco. Felizmente para mim, não sou só eu que quero você.

O olhar de Jennifer dirigiu-se a Drew com um sorriso de satisfação que fez os cabelos de Kelia se arrepiarem.

Drew endureceu ao lado dela. Cada músculo de seu corpo estava tenso, embora ele não saltasse para atacá-la. Eles estavam presos a esta pequena casa, e agir em reação aos estímulos de Jennifer só o mataria.

—Sua equipe, eles me disseram onde encontrar sua tia. — Jennifer estendeu a mão e brincou com suas pulseiras antes de puxar para baixo as mangas de sua túnica. —Eles deveriam entregar você para um dos homens da Rainha aqui, mas, aparentemente, você saiu mais cedo em sua estadia nesta ilha do que sua tripulação esperava. Eles concordaram em me dizer para onde você estava indo - através do deserto que eles não queriam enfrentar - e só exigiram que eu devolvesse você a eles como pagamento. Você também, Key.

Kelia se irritou com o uso de seu apelido, mas mordeu a língua ao notar Daniella se mexendo no chão. Ela fez questão de não olhar para ela, chamar a atenção para ela e focou seu olhar mais fortemente em Jennifer.

—Tolos. Eles provavelmente ainda estão esperando em seu navio para que eu entregasse você a eles — disse Jennifer, cruzando os braços com altivez. —Se eles soubessem. Se eu entregar alguma coisa, será as suas cinzas.

Daniella rapidamente compeliu uma pequena bola de fogo. —Não se eu tiver algo a dizer sobre isso.

Ela liberou a chama de onde ainda estava deitada no chão, que atingiu as calças de Jennifer.

Jennifer gritou e chutou Daniella no rosto. Daniella grunhiu, o sangue jorrando de seu nariz. Jennifer deu um tapinha no fogo rapidamente.

Embora Jennifer também fosse uma bruxa do fogo, ela parecia incapaz de controlar essas chamas, talvez porque pertenciam a outra bruxa do fogo. Não impediu aqui a confiança, no entanto.

—Patético —, Jennifer gritou. —Suas chamas vão morrer na chuva.

—Vou fazer mais. — Disse Daniella, fazendo exatamente isso.

Este ela apontou para o ombro de Jennifer. Chamuscou a túnica, mas morreu quase imediatamente.

—Precisamos sair, — Drew murmurou. Ele caminhava como um animal selvagem, preso em um lugar pequeno, esperando a oportunidade de atacar sua presa. Sua mandíbula estava travada, seus olhos se estreitaram. —O fogo está voltando pelas janelas agora. Se não saímos logo, o fogo vai nos consumir.

—Não está se movendo tão rápido como antes. — Disse Kelia, tentando permanecer esperançosa de que eles poderiam demorar um pouco mais para o anoitecer.

Mas então sua mente processou o que Drew quis dizer, assim que ele expandiu seus pensamentos.

—Quando ela terminar de repreender você por deixá-la, ela vai enviar fogo direto para nós. — Ele acenou com a cabeça para a janela, onde as chamas tinham escalado as cortinas e agora estavam lambendo o chão novamente. —A chuva deveria ter apagado o fogo, mas não apagou. Só diminuiu a velocidade das coisas. Mas ela é poderosa, e quando ela quiser cortar o papo furado, essas chamas vão nos alcançar muito mais rápido.

Kelia podia sentir o cheiro forte da fumaça. Quando as tábuas do piso pegaram fogo, a fumaça começou a nublar tudo novamente.

—Onde está Adelaide? E Emma e Wendy? — ela perguntou, olhando ao redor. Elss devem ter se movido quando Daniella se mexeu, mas não estavam fora ou aparentemente no radar de Jennifer. Oh Deus. E se todos elas tivessem saído enquanto ela e Drew estavam conversando? —Você não acha que Jennifer já...

—Não é tão fácil se livrar da minha tia —, disse Drew. Ele ainda estava focado à sua frente, ainda sem olhar para ela. Kelia não sabia se era porque ele estava com raiva dela ou se estava preocupado com sua família. —Nem Emma ou mesmo Wendy.

—Você certamente tem muita confiança nelas. — Disse Kelia.

Havia amargura em sua voz e uma pontada de ciúme a varreu e a perfurou. Este era o momento errado para vocalizar seus pensamentos sobre a fé de Drew em todas as outras mulheres a bordo de seu navio, ao passo que, quando se tratava de Kelia, ele queria que ela ficasse para trás, para ficar parada, porque temia que algo ruim pudesse cair sobre ela. As coisas só pioraram depois que ele a resgatou da Rainha e a trouxe de volta ao navio. Depois que ele a transformou em uma das bestas mais poderosas que já viveu nesta terra.

—Kelia. — Drew disse, um aviso em seu tom.

Os olhos de Kelia avistaram a corda enrolada na caixa perto da janela. Ela fez uma careta. Se ela pudesse pegar a corda e amarrá-la em algum lugar, ela poderia usá-la para balançar sem tocar o chão. Mas a caixa estava perto da janela... quase totalmente cercada por chamas agora.

—Drew, deixe-me perguntar a você —, disse Kelia, movendo-se do lado de Drew para se aproximar da janela. —Eu realmente preciso estar na água para estar segura, ou posso estar em qualquer lugar, desde que não toque a terra?

Drew franziu a testa. —Você não poderia pular de uma casa para uma árvore —, disse ele. —Mesmo se você pudesse pular tão longe, a árvore é algo que ainda toca a terra, entendeu? Nem tente fazer isso.

Kelia acenou com a cabeça em direção à corda. —E se eu usasse a corda e girasse para agarrá-la e trazê-la para nós, para dentro da cabana enquanto está queimando? — Perguntou ela.

—E amarrar a quê?

Antes que Kelia pudesse responder, a terra começou a tremer e Jennifer foi jogada ao chão.

Naquele momento, Adelaide, Emma e Wendy apareceram, correndo pela lateral da casa, carrancudas. Adelaide ajoelhou-se no chão, uma mão estendida, plantada na terra. Os braços de Wendy estavam levantados, e foi então que Kelia percebeu que o vento tinha ficado mais forte por causa dela, não por causa da tempestade. Daniella ainda estava no chão, tentando colocar fogo em Jennifer, mas Jennifer conseguiu se afastar.

Sem aviso, o fogo disparou das mãos de Jennifer nas três bruxas. Wendy deixou cair os braços e enfiou a palma da mão no fogo. Em vez de atingir as bruxas, o fogo atingiu Jennifer e apagou-se imediatamente antes de tocar sua pele.

—Rasgue para abrir! — Gritou Adelaide.

Kelia não tinha ideia do que ela estava se referindo até que Emma caiu de joelhos e cravou as mãos na terra, em seguida, puxou-as em direções opostas.

A terra se abriu.

Emma grunhiu e continuou a puxar as mãos e, como resultado, a terra se separou.

Enquanto isso, Daniella persistia com seus fúteis ataques de fogo, que pareciam ser mais irritantes para Jennifer do que devastadores.

Oh.

Agora fazia sentido. As bruxas queriam que Daniella distraísse Jennifer, não a destruísse. Elas devem ter saído todas ao mesmo tempo; tudo isso fazia parte do plano delas.

Pelo menos elas sabiam o que estavam fazendo, porque Kelia e Drew haviam sido deixados no escuro até agora.

Quando Jennifer atirou em Daniella, Wendy rapidamente ergueu um escudo ao redor de Daniella, mas ela não foi rápida o suficiente. O braço de Daniella queimou antes de ser protegida, e ela soltou um grito de dor.

Daniella rolou para longe e Jennifer franziu a testa. Kelia percebeu que ela estava confusa. Daniella estava tentando atacar. Por que a retirada repentina?

Ela ainda não tinha percebido o que as outras bruxas estavam fazendo.

Emma continuou a dividir a terra na direção de Jennifer. Adelaide se levantou, com as pernas trêmulas. Foi então que Kelia foi confrontada com o fato de que a mulher era velha. Era difícil lembrar disso quando ela era tão sarcástica e fofa de pé.

O olhar de Jennifer passou de Daniella para a terra se dividindo, e ela rugiu tão alto que Kelia tremeu. Ela nunca esperaria que alguém como ela emitisse tal som.

Jennifer atirou em Emma, mas Wendy foi rápida desta vez, e o escudo deixou Daniella para proteger Emma enquanto ela continuava a dividir a terra. Jennifer esquivou-se da fenda e manteve os pés firmes, mesmo quando Adelaide caiu de joelhos novamente e fez o chão tremer.

—A cadela não vai cair! — Gritou Adelaide.

Kelia acabou de falar com Drew, de fazer perguntas e de esperar. Ela disparou em direção à caixa que segurava a corda. Drew estendeu a mão para agarrá-la, mas só conseguiu agarrar sua manga, que rasgou quando ela correu para frente.

O fogo queimou seu braço quando ela estendeu a mão para agarrar a corda da caixa. Ela tossiu contra a nuvem de fumaça enquanto corria de volta por onde veio.

—O que você está fazendo? — Drew exigiu.

Ela passou correndo por ele, em direção ao outro lado da casa, e saiu pela janela. Ela não podia ver as bruxas daqui, mas isso mudaria em breve.

Ela ficou no parapeito da janela e estendeu a mão para agarrar a saliência do telhado, então se levantou quando o calor das chamas queimando a casa lambeu sua pele. Seus poderes ajudaram a estabilizá-la enquanto ela subia até chegar ao topo. Seus pés queimavam, mas ela precisava fazer isso.

Sem esperar, Kelia correu o mais rápido que pôde pelo telhado e amarrou uma ponta da corda em volta da chaminé. Então ela agarrou a outra extremidade da corda com as duas mãos.

—Kelia! — Drew gritou, colocando a cabeça para fora da janela e olhando para ela.

Kelia o ignorou. Ela escalou o outro lado do telhado, para o lado da casa em que as bruxas estavam, e começou a diminuir. Ela balançou de um lado para o outro.

Usando toda a sua recém-descoberta força do Sombra do Mar, ela empurrou com força a lateral da casa, mirando seu corpo direto em Jennifer.

A corda girou em um arco, o suficiente para levá-la para longe o suficiente da casa para fazer contato com a bruxa, mas ainda direcioná-la de volta para a casa antes de atingir o chão.

Ainda assim, ela quase fechou os olhos com força, não inteiramente certa de que funcionaria. Ela poderia estar enfrentando sua morte final, mas se isso impedisse Jennifer, valeria a pena.

Mas Kelia errou. Seu corpo voltou para o lado da casa. Ela precisava de mais liberdade na corda. Ou ela precisaria balançar novamente... e desta vez, pular o resto do caminho.

Isso a mataria. Mas se ela não fizesse isso, Jennifer mataria todos eles.

—Não! — Drew gritou, como se tivesse reconhecido uma expressão de determinação em seu rosto que só poderia significar uma coisa. —Kelia, você não pode...

Ela se lançou novamente. A corda balançou em um arco novamente. E desta vez, quando estava no ponto mais distante da casa, mais próximo de Jennifer, ela a soltou e voou em direção a ex-melhor amiga.

—Wendy! — Drew gritou. —Levante Jennifer no ar. Agora!

Mas era tarde demais.

O vento soprou no cabelo de Kelia. A chuva caía rápido agora, quase a cegando. E então, Kelia sentiu seu pé bater no abdômen de Jennifer. Jennifer gritou ao cair de volta no buraco que Emma criou.

E Kelia estava caindo bem atrás dela.

Uma grande rajada de vento varreu Kelia e a jogou de volta para o prédio em chamas. Kelia bateu desajeitadamente contra a janela aberta, batendo com as costelas contra o parapeito, mas se agarrou à moldura enquanto Drew a segurava pelos braços.

Isso deve ter sido feito por Wendy.

Kelia fez uma careta quando Drew a puxou de volta para dentro. As chamas estavam invadindo-os agora, a fumaça tão densa que ela mal conseguia ver através dela.

Emma de repente lançou suas mãos para o céu, liberando seu domínio sobre a terra. Mais uma vez, Adelaide se levantou, desta vez mais devagar do que antes.

A terra se fechou como uma porta, esmagando o corpo de Jennifer no processo conforme ele se recompunha. Ao fazer isso, as chamas dentro e ao redor da casa pareceram perder o poder, embora Kelia ainda estivesse contando os segundos até que pudessem pular para fora da casa cheia de fumaça.

—Boa viagem, — Murmurou Adelaide, batendo as mãos para limpar a sujeira de si mesma.

—E quanto ao incêndio? — Wendy perguntou.

—Agora que ela está morta e não pode continuar a alimentá-lo, a chuva vai cuidar disso —, respondeu Adelaide. Ela olhou para Drew pela janela. —Temos muito o que discutir, sobrinho.


CAPÍTULO 16

O cheiro de enxofre era tão predominante quanto quando a cabana estava pegando fogo, mas, em poucos instantes, o interior da casa parecia imaculado, como se o fogo nunca tivesse tocado o lugar. Drew percebeu que sua tia provavelmente trabalhou sua magia e conseguiu limpar tudo com um rápido movimento de seu pulso.

—Rapaz, precisamos conversar. — Disse Adelaide enquanto ela e os outros entravam.

Embora Kelia tivesse entrado com ele, Emma perguntou se ela se importaria de ajudar a preparar uma poção de energia rápida. Pelo menos isso deu a ele a oportunidade de falar com sua tia sozinho. Por mais que confiasse em Kelia com sua vida, ele não queria que ela se preocupasse com nada, e tudo o que Adelaide queria falar, Drew entendeu que não seria um assunto alegre ou comovente.

Adelaide e Drew sentaram-se em sua sala de estar mais uma vez imaculada enquanto as bruxas se retiraram para a sala de poções com a lareira.

As pernas de Adelaide tremeram até que ela finalmente se sentou. Foi uma das poucas ocorrências em que ele foi lembrado de que Adelaide era muito mais velha do que aparentava e até mesmo agia.

—Sua garota é rápida em seus pés. — Sua tia disse.

—Sim. — Drew disse com um aceno de cabeça. Ele não tinha certeza se ela precisava de uma resposta, mas queria dar uma de qualquer maneira. Ele apoiou o cotovelo direito no braço da cadeira e apoiou o tornozelo na coxa oposta. Ele estava tentando relaxar, mas seu coração estava disparado desde que viu Kelia pegar a corda e se balançar.

—Ela precisa ser treinada.

—Você já disse isso.

—Bem, estou dizendo de novo —, disse ela. —Eu não acho que está totalmente afundado em sua cabeça dura. Ela se virou para chutar aquela cadela no chão. Foi uma ideia ridiculamente tola, e não foi nada mais do que sorte que de alguma forma funcionou.

—Você está chateada por ela ter feito uma coisa dessas?

—Você está?

Drew cerrou os dentes para evitar que suas presas se extraíssem. Ele não deveria se importar se Kelia arriscou sua vida para salvar a todos. Ele teria feito a mesma coisa se estivesse mais a par de seus arredores. Mas sua tia não estava errada. Kelia agiu tolamente. Se Wendy não tivesse largado o escudo sobre Emma para levantar Kelia, ela seria cinzas.

—Você está fazendo beicinho como uma criança que não ganhou um doce —, disse Adelaide. —Sua testa está tão franzida que estou surpresa que você pode até mesmo ver. Você deve concordar que ela agiu tolamente.

—Você está malditamente certa que ela fez. — Drew saltou da cadeira e quase pisou na sala. —Ela poderia ter se matado! Ela não tem absolutamente nenhuma consideração por sua vida agora que é uma Sombra do Mar. Ela deve...

—Ser treinada. — Adelaide colocou antes mesmo que ele pudesse terminar.

—Quando você gostaria que eu a treinasse, hmm? — Ele girou sobre o calcanhar do pé para que pudesse enfrentar sua tia. —Só falamos sobre isso ontem à noite. Quando você sugere que eu a treine? De alguma forma, antes do ataque de Jennifer?

—Quando você tirou a vida dela? — Adelaide se levantou lentamente. Embora estivesse um pouco abaixo da altura de Drew, de alguma forma parecia muito mais alta. Seus ombros estavam quadrados, seu queixo erguido, suas narinas dilatadas.

Drew sentiu que reagia da mesma maneira que reagia quando era menino e ela estava chateada com ele, apesar do fato de que agora ele era uma besta imortal com mais de um século de experiência.

—Diga-me, garoto, — ela pressionou. —Quando você a transformou? Talvez tivesse sido prudente começar a treinar imediatamente depois disso?

—Eu não poderia, — Drew rosnou. —Fomos atacados por sereias. Kelia a rasgou em pedaços e ingeriu o sangue. Eu não poderia treiná-la com o veneno percorrendo seu sistema.

—Talvez não fisicamente —, Adelaide concordou. —Mas você está me dizendo que é incapaz de falar com ela? — Ela recostou-se na cadeira, usando os apoios de braço como guias e para ajudá-la a se equilibrar. —Você fala com qualquer coisa que se move, sobrinho. Até mesmo as prostitutas piscavam para você quando você era apenas um filhote, e sua língua fugia de você porque você não tinha ideia de como controlá-la. Se você falasse com ela sobre o que significa ser uma Sombra tanto quanto olhava para ela, pelo menos sua cabeça estaria repleta de conhecimentos pertinentes sobre o que ela é e o que isso significa.

Ela se inclinou para trás e suas sobrancelhas se juntaram, franzindo ainda mais a testa.

—Você está com medo. — Ela disse, sua voz praticamente um sussurro.

—Eu não estou.

—Cuidado com a língua quando mentir para mim, garoto. — Disse Adelaide bruscamente.

—Não é mentira.

Adelaide olhou ferozmente. —Você deve treiná-la, — ela repetiu. —Se você tivesse, ela teria mais bom senso do que deixar água durante o dia.

—Ela salvou nossas vidas! — Drew exclamou.

—E, no entanto, aqui está você com uma carranca no rosto, fazendo beicinho como uma criança —, disse ela. —Ela salvou nossas vidas. Ela usou a cabeça. Por que você está tão infeliz?

Drew abriu a boca, mas não saiu nada. Na verdade, quanto mais Drew pensava na pergunta, mais percebia que não tinha uma resposta.

A verdade da questão era: ele gostaria que Kelia se considerasse uma pessoa de valor. Ela importava. E, no entanto, arriscar sua vida assim parecia implicar que ela não se importava se ganhasse ou perdesse; ela estava apenas focada em matar Jennifer e não se importava com ela mesma.

—Você a ama. — Adelaide inclinou a cabeça para baixo para poder ver Drew melhor. Ela estalou a parte de trás dos dentes com a língua. —Bem, isso não é simplesmente perfeito.

Seu tom gotejava sarcasmo e julgamento.

Drew manteve um grunhido alojado na garganta, mas cravou os dedos nas coxas para ajudá-lo. —Desculpe?

—Você me ouviu —, disse ela. —Você é patético. O amor é uma fraqueza. Você a ama tanto que não consegue fazer nada para matar a ameaça. Você nos veria morrer antes de se permitir arriscá-la. Patético porque ela não está permitindo que uma emoção como essa a impeça de fazer o que deve ser feito, embora esteja escrito em seu rosto o quanto ela, por sua vez, te ama. Você está paralisado de amor, garoto. Exceto... não é amor como o amor deveria ser, não é? Não. — Ela balançou a cabeça. —O amor exige que você deixe a pessoa fazer o que ela quer e apoie-a mesmo que você não concorde. Amor significa colocá-los em primeiro lugar.

—Eu coloco...

—Bah! Você a esconde! — Adelaide rugiu.

A casa ficou incrivelmente quieta, como se até as paredes estivessem com medo de continuar batendo, para não pegar o pior do temperamento de Adelaide.

—Você a mantém longe da luta, longe das verdades que ela deve saber se quiser sobreviver.

—Se eu a treinar, devo fazer coisas com ela...

—Então faça-as. Essas são lições que ela deve aprender - e você deve ser o único a ensiná-la. — Ela colocou as mãos nas coxas e se inclinou para frente. Quando ela falou, ele ficou surpreso ao ver como sua voz estava baixa. —Você prefere que ela aprenda da maneira difícil? Você prefere que ela vá para a morte, sem saber dessas coisas? Coisas que você poderia ter ensinado a ela, coisas que teriam evitado essa morte? O sangue de sereia, por exemplo.

Drew respirou fundo pelo nariz, dilatando as narinas e grunhindo. Seus olhos estavam no chão e ele tirou o pé do joelho e pisou na madeira dura.

—Você deve treiná-la, ou você a condenará à morte. — Adelaide estalou a língua mais uma vez. —A escolha é sua, garoto. Você a criou, agora assuma a responsabilidade. Não fuja com medo de algo que você fez. Você é um homem, não é?

—Eu pensei que era uma besta.

—Mais como um gatinho, a maneira como você se encolhe. — Ela revirou os olhos e respirou fundo. —Devemos também discutir a aliança com as sereias.

—Nós não temos...

—Não, ainda não, mas é algo que deve ser feito. — Ela apertou os lábios em uma linha fina. —E você deve ser o único a fazer isso.

—Eu? Eu não poderia...

—Não podemos ficar aqui —, disse Adelaide, e pela primeira vez desde que Drew conseguia se lembrar, ele ouviu a voz de sua tia falhar, revelando sua preocupação. Ela limpou a garganta e desviou o olhar, mas esfregou as mãos entre as coxas. —Devo seguir meu próprio caminho, e você... você tem uma tripulação para matar e uma família para cuidar.

—Então você está ciente de que minha tripulação me traiu? — Drew perguntou.

Adelaide bufou. —Eu soube no minuto que aquela vadia encontrou minha casa, — ela murmurou. —Todos eles querem que você seja levado pela Rainha. Não fiquei nem um pouco surpresa quando ela disse isso. Claro, ela queria matar todos nós, principalmente você e sua garota, mas ela não o fez. Felizmente.

Drew se levantou para andar pela sala novamente, desta vez lentamente. —É difícil descobrir em quem confiar. — Ele murmurou, mais para si mesmo.

—Merda de cavalo —, disse ela. —Não acredite em ninguém.

—Tia...

—Não confie em ninguém e você não se machucará —, disse Adelaide com mais firmeza. —Você é mole, garoto. Você não pode mudar o que você é. Você se preocupa com Emma, com sua irmã, talvez até com a vadia de fogo. — Ela riu. —Eu gosto dela. — Depois de outra risadinha para si mesma, ela continuou, —Mas você se preocupa mais com sua Sombra. Sua pequena equipe que você compilou será sua ruína, Drew. Você deve saber disso. Você deve saber que ir à Rainha a fim de obter sua liberdade... Você a receberá através da morte.

Drew soltou um suspiro. O pensamento o incomodava desde antes mesmo de transformar Kelia. Na verdade, ele não esperava sobreviver a uma batalha com a Rainha. Mas se Kelia vivesse...

—Estou bem ciente —, disse ele, tentando corrigir seu tom com secura. A última coisa que ele precisava agora era Adelaide sentindo seu medo e repetindo o quão patético ele era. —E ainda assim, você sugere que nos aliamos com as sereias.

—Você é louco? Eu disse para confiar nelas? Não, seu tolo! Você precisa da ajuda delas assim como elas precisam da sua. As bruxas são uma com os elementos. Não gostamos de ficar enjauladas ou presas. É por isso que vivemos e morremos sozinhas. É por isso que estou quase tentada a recusar um lugar comigo a Wendy. O coração dela é suave, assim como o seu. — Ela cuspiu. —Infelizmente, você se parece com seu pai dessa maneira.

—Como você sugere que eu me alie às sereias, então? Como vou ter a oportunidade de fazer isso? Elas atacam primeiro, perguntam depois.

—Encontre uma sozinha —, disse Adelaide. —Emma está criando uma mistura que ajudará a atrair uma sereia para você. Use-a apenas quando estiver pronto para falar. E então, faça o que você precisa para garantir sua trégua.

—Eu pensei que Emma disse que precisava de uma mistura para sua energia.

Adelaide soltou um grunhido. —Você é mesmo idiota, não é, garoto? — Ela balançou a cabeça. —As bruxas não precisam de poções para se rejuvenescer. Precisamos nos conectar ao nosso elemento. Você não tem sentido?

—Aparentemente não.

—Pelo menos você pode admitir. — Ela ficou. —Agora, pegue sua Sombra e suas bruxas e saia da minha cabana. Vai demorar muito para eu ver todos vocês novamente.

Drew não pôde deixar de sorrir. —Também te amo, tia.

 


Drew deixou a cabana momentos depois, com Emma embolsando um frasco cheio de uma mistura, Wendy tentando pedir a Adelaide uma última vez para ensiná-la, Daniella enfaixada, mas ainda capaz de se mover, e Kelia perdida em seus pensamentos.

—Onde estamos indo? — Wendy perguntou quando eles entraram no deserto mais uma vez. —Precisamos de um lugar com um barco ou um navio. As Sombras querem nos matar ou nos entregar à sua rainha. A cidade está completamente destruída e nenhuma das casas de Adelaide é mais uma passagem segura. Estamos sentados, esperando para levar um tiro. Devemos voltar para o navio.

—E vamos, — Drew insistiu, — mas ainda não. Haverá uma batalha lá com minha tripulação assim que chegarmos, e não estamos prontos para isso. Temos horas antes do nascer do sol. Temos sorte de a chuva ter parado, por enquanto.

—Então, para onde devemos ir? — Daniella perguntou.

Drew se eriçou como sempre fazia cada vez que Daniella abria a boca. —Emma tem um lugar, — ele disse. —Ela morava aqui há muito tempo. Tenho certeza de que ainda é seguro.

—Deve ficar tudo bem, — disse Emma. —Podemos circundar o deserto e evitar essas ameaças, mas se quisermos nos virar antes do nascer do sol, devemos ir agora.

Ela começou a andar rapidamente à frente, com Wendy e Daniella logo atrás dela. Kelia estava atrás delas e Drew assumiu a retaguarda. O grupo caminhava em silêncio, o que provavelmente foi uma coisa boa. Drew tinha muito em que pensar e não queria falar sobre nada, muito menos sobre isso.

Sua tia estava certa, é claro. Sobre tudo. Mas especialmente sobre o treinamento de Kelia. Era a única coisa que ele não queria ter de fazer, embora fosse necessário.

Kelia ainda era uma criança, e os bebês eram mais suscetíveis à dor. Drew não poderia treinar Kelia sem fazê-la sentir aquela dor. Era a única maneira de ela aprender.

—Você está bem? — A voz de Kelia o tirou de seus pensamentos.

Ele se abaixou para evitar um galho baixo antes de limpar a garganta. —Claro, — ele disse. —Claro que estou.

Kelia acenou com a cabeça e continuou.

Mas ele era um mentiroso.

Ele não estava bem. Não quando ele sabia que tinha que machucar a única pessoa que ele realmente amou para moldá-la para ser mais forte, mais rápida, mais inteligente, melhor em todos os aspectos.

Ele esperava que ela entendesse, mas ele não a culparia se ela não entendesse.

Talvez fosse tolice ele amá-la. Porque após o treinamento, Kelia sem dúvida o desejaria morto.


CAPÍTULO 17

Infelizmente para as Sombras, a humilde morada de Emma não estava acima da água do mar como a de Adelaide estava, e o poder de Emma sobre os elementos não era tão forte quanto o de Adelaide, então ela foi incapaz de encontrar uma solução mágica. Como tal, eles foram forçados a encontrar um lugar nas docas próximas para Drew e Kelia ficarem até o anoitecer.

Felizmente, a pousada em que Christopher e Wendy haviam se hospedado ainda estava aberta - embora não estivesse funcionando - então Drew escolheu um barco e ele e Kelia embarcaram nele.

Dois dias inteiros se passaram antes que Drew finalmente viesse até ela e perguntasse se ela estava pronta para treinar. Ele disse algo sobre esperar que a chuva parasse, para fazer a poção de Emma atravessar completamente o corpo de Kelia e se livrar do veneno da sereia, e porque ele queria ter certeza de que faria tudo certo.

Kelia não tinha certeza do que isso significava, mas não o questionou, embora quisesse. Obter uma resposta como aquela era melhor do que nada, então ela apertou os lábios e tentou não permitir que sua mente ficasse frenética por ficar presa em um barco o dia todo sem nada para fazer.

—Querida —, disse Drew. —Devo avisá-la, você não vai gostar disso.

—Estou pronta. — Disse Kelia.

Drew parecia querer discutir com ela, mas manteve a boca fechada.

Homem inteligente.

—O que você deve saber sobre ser uma Sombra é que todas as habilidades que você tinha como humana - velocidade, força física - são todas aprimoradas. No entanto, você tem novas fraquezas que irão matá-la se você não tomar cuidado. A façanha que você fez há alguns dias, balançando e chutando Jennifer no chão foi imprudente.

—Mas eficaz. — Kelia argumentou.

—Mas ainda assim imprudente, — Drew retrucou, colocando as mãos nos quadris. Ele se posicionou na proa do navio. As costas de Kelia estavam para a cabine que eles compartilhavam, de frente para Drew. —Eu não vou treinar você se você acha que isso é uma piada. A vida e a morte não são motivo de riso. Principalmente sua vida.

Kelia apertou os lábios para não fazer uma observação que seria ofensiva e cruel. Ela tentou se lembrar que Drew só estava agindo dessa forma porque estava preocupado com ela. Talvez ele até tivesse razão. Ela tinha sido imprudente. Se algo tivesse dado errado, Kelia poderia ser nada mais do que cinzas.

—Você está certo —, disse ela em vez de discutir. —Eu sinto muito.

Sua sobrancelha se ergueu, mas apenas ligeiramente. Ela esperava que isso significasse que ele aceitasse suas desculpas.

Daniella e Emma vieram visitá-los e atualizá-los na ilha. Drew as fez procurar qualquer indício de onde sua tripulação poderia estar, se havia alguma ameaça de que deviam estar cientes e qualquer palavra das sereias. Não que Drew esperasse encontrar informações pertinentes sobre as bruxas do mar de qualquer pessoa na ilha, mas Emma tinha maneiras curiosas de descobrir essas coisas. Se alguém pudesse descobrir, seria ela.

Wendy, por outro lado, recusou-se a pôr os pés em qualquer um dos barcos. Não que Kelia a culpasse. Um desses barcos foi onde ela perdeu o amor de sua vida. Em uma das noites em que se conheceram em terra, Wendy não tinha falado muito sobre nada além de murmurar como ela deveria ter ficado com Adelaide e como ela não conseguia acreditar que Drew e Kelia estavam aqui.

—Eu quero que você saiba —, ela continuou, —que eu aprecio tudo o que você está fazendo por mim, me treinando.

—Não é porque eu quero. — Ele retrucou. Ele enfrentou a água, as sobrancelhas caindo sobre os olhos.

Kelia respirou fundo, tentando controlar sua raiva. Ser uma Sombra fazia com que tudo dentro dela reagisse mais rápido, mais do que apenas suas ações.

—As coisas que você enfrentará, se viver tanto quanto eu, não serão algo para o qual você possa se preparar —, disse Drew. —Aquela besta que vimos no deserto - era algo que eu nunca tinha visto antes. Contanto que você saiba como se controlar, contanto que você possa controlar sua mente e seu corpo, você terá a vantagem em todas as coisas, seja um humano de mente pequena que quer te estacar ou a Rainha das Sombra que não quer infligir nada além de dor.

O vento uivou e Kelia se virou, esperando ver Wendy. Em vez disso, ela não encontrou nada, exceto pela vista da costa. As nuvens escuras ainda estavam distantes, dando à ilha um alívio das tempestades que assaltaram a tripulação nos últimos meses. Ainda havia aquele frio no ar, mas enquanto Kelia saltasse em ambos os pés, enquanto ela tensionasse o corpo e se mantivesse ativa, era fácil ignorar.

Kelia não levou para o lado pessoal. Na verdade, agora que Kelia entendia o que era amar tão ferozmente, ela gostaria de poder conversar com Wendy, para oferecer o pouco apoio de que precisava.

Não houve nenhuma palavra sobre nada. Emma não pareceu gostar. O sol estava alto, mas ainda soprava um vento frio e cortante que impedia a ilha de esquentar muito.

—Tenha em mente que você não é mais humana, — Drew disse, dando a volta e ficando atrás de Kelia. Ele se inclinou para frente para que a ponta de seu queixo roçasse sua pele em seu ombro. Ela engoliu em seco, tentando umedecer a garganta, mas não adiantou. —O que significa que você deve reagir mais rápido do que o normal - porque você pode. É por isso que os humanos morrem e as Sombras não. Somos mais rápidos. Então, se eu...

De repente, um braço cruzou seus seios e a abraçou com força contra seu peito, enquanto o outro puxou uma adaga e a colocou contra sua garganta.

Seus lábios roçaram a coluna de seu pescoço. —Você está morta.

Kelia podia sentir o cheiro forte e pesado de seu sangue. Drew conseguiu roubá-la no processo de lhe ensinar uma lição.

Drew largou a adaga e caiu no chão. Kelia o ouviu dar um passo para trás, depois outro.

—Eu, sinto muito —, disse ele. Sua voz soou quase arrastada. —Eu precisei...

—Está bem. — Kelia se virou para olhar para ele, mas seus olhos estavam em suas mãos. Nenhum de seu sangue estava em seus dedos, mas ele enxugou as mãos na túnica como se estivesse. —Drew, não estou ferida. Eu vou curar, não vou?

Ele assentiu.

Kelia estendeu a mão para limpar o sangue. Foram apenas algumas gotas. Ela estava prestes a enterrar o dedo no tecido da calça para se livrar dele completamente quando Drew agarrou seu pulso.

—Não faça isso.

A palavra foi baixa e enviou um arrepio por seu corpo. Era a mesma voz que ele usava quando estavam no quarto, ordenando que ela tirasse a roupa, ou tocasse nele de uma certa maneira ou vocalizasse seu prazer mais alto. Isso causou uma emoção atingir sua pélvis com uma precisão inesperada, e ela teve que apertar os músculos internos para tentar manter seus pensamentos puros.

Toda aquela determinação saiu pela janela no minuto em que Drew levantou o dedo dela e deslizou a língua para fora até que os dois se encontraram.

Ela se acalmou sob seu toque. Seus olhos se arregalaram enquanto Drew lentamente sugava a ponta de seu dedo indicador em sua boca e sacudia a língua contra a ponta de seu dedo.

Kelia fechou os olhos e soltou um pequeno gemido. Como ela sentia falta dele. Como ela sentia falta disso. Por que eles não se abraçaram? Seria diferente agora? Ele ainda queria estar com ela intimamente agora que ela era uma Sombra?

De repente, ele se afastou dela e colocou uma boa distância entre eles. Por estar no convés de um navio tão pequeno, de repente ela sentiu que tinha a capacidade de respirar, como se tivesse acesso a uma quantidade infinita de ar quando não havia nenhum antes.

—Não faça isso —, ele retrucou. —Não faça sons assim quando estivermos no meio do treinamento.

Kelia abriu a boca. Como ele poderia culpá-la pelos sons que saíam de sua boca quando ele era capaz de tocá-la assim?

—Eu acho que este seria um bom momento para parar...

—Drew —, disse Kelia rapidamente, movendo-se em direção a ele. —Nós nem começamos.

Ele deu um passo para trás. —Não, Kelia, — ele disse, sua voz curta. —Eu não acho que você entende a gravidade da situação, especialmente se quisermos atrair feras aquáticas para nós. Você não pode se permitir ser distraída.

—Não faça isso. Você não me distrairia desse jeito durante uma luta, e não há ninguém mais que poderia. Você está sendo ridículo.

Quando ela se aproximou para diminuir a distância entre eles, Drew ficou tenso, as mãos fechando em punhos. Seus olhos se estreitaram e suas presas pressionaram para fora de sua boca. Ele olhou para ela como se ela fosse sua inimiga, como se ela fosse alguém que ele odiava e precisava livrar o mundo.

Ela nunca mais queria ver aquele olhar em seu rosto novamente.

Sem aviso, ele correu para a direita e depois cortou para a esquerda antes de pular no ar e atacá-la.

Kelia não teve tempo de se esquivar do ataque. Ela caiu no chão. O deck de madeira gemeu sob seu peso. Ela soltou um grunhido. Drew ficou de pé, colocou uma bota em sua garganta e rosnou.

—Você é muito lenta. — Ele deu um passo para trás e se virou. —Novamente.

—Eu não entendo o que você...

Drew se virou e correu diretamente para ela. Novamente, ele a segurou nos braços e a jogou. Ela sabia que a ação estava controlada. Ele poderia tê-la jogado através da amurada do navio e na água gelada. Em vez disso, ela bateu no corrimão e, em vez de atravessar a madeira, foi o suficiente para parar seu ímpeto.

A dor percorreu suas costas, embora pelo menos diminuísse mais rapidamente do que aconteceria quando ela era humana.

—Lute comigo, — ele exigiu, dando um passo em direção a ela. Ele parecia mais uma besta do que um homem. Ele nunca tinha sido alto, mas ele era atarracado, seu corpo enrolado com músculos. Quando ele ergueu os braços ao sol, parecia que poderia causar danos graves. Por alguma estranha razão, essa raiva foi dirigida a ela. —Lute comigo como se sua vida dependesse disso, porque vai depender.

Sua voz retumbou como um trovão e Kelia se encolheu. O que ele estava fazendo? Tudo o que ela queria era ser treinada, saber como usar seu corpo tão bem quanto ela sabia como usar suas lâminas. Ele parecia zangado com ela, como se ela tivesse feito algo para aborrecê-lo.

—Lute comigo! — Ele rugiu novamente.

Sua própria frustração com ele aumentou, e ela correu para ele com uma velocidade desumana. Ela não achava que já tinha corrido tão rápido em sua vida. Em uma distância tão curta, ela sabia que acertar Drew resultaria em danos. Se isso era contra a pessoa dela ou a dele, ainda não sabia.

Ele ficou imóvel, como se estivesse esperando por ela.

Isso deveria ter sido o suficiente para ela questioná-lo. Ela deveria saber.

Exatamente como ela deveria ter batido nele, Drew saiu do caminho, como se estivesse dando um passeio vagaroso e quisesse contornar uma poça. Em vez de bater em Drew e parar sua energia, ela continuou. Era tarde demais para ela parar. Ela atingiu a cabine e abriu a frágil parede, caindo em uma pilha de madeira dentro do pequeno quarto.

Kelia gemeu. Seu corpo gritou de dor, mas ela cerrou os dentes até passar. Ela não queria dar a Drew a satisfação de saber que ele a machucou.

Com toda a franqueza, não havia motivo para ferir o orgulho de Kelia. Ele tinha cem anos sobre ela. Mesmo quando ela era uma estudante na Sociedade, eles aprenderam sobre Drew Knight e como ele era um terror. Seus caminhos e atos perversos o seguiam como uma sombra maligna. Antes de conhecê-lo, ela tinha medo de Drew Knight. Ele poderia manipular, seduzir e matar qualquer um que quisesse. Seus poderes perdiam apenas para a Rainha.

E, no entanto, mesmo agora, Kelia estava chateada por não poder vencê-lo. Ela não podia nem mesmo afetá-lo. Ele ainda não se importava com ela?

Não que Kelia estivesse questionando seu tratamento com ela. O treinamento tinha que ser difícil, ela sabia. O que mais preocupava Kelia era que Drew parecia indiferente. Frio. Ela poderia quebrar as costas, e parecia que Drew não se importaria se isso acontecesse.

Kelia se levantou e tirou o pó.

—De novo. — Ela disse, sua voz rouca.

—Eu acho que você já teve o suficiente.

Lá estava: aquele tom de desdém, como se ele não a levasse a sério. Como se ele estivesse perdendo tempo treinando-a porque ela era uma causa indefesa que nem mesmo valia o esforço.

Ela iria mostrar a ele.

A raiva queimou seu corpo. Ela não deu a Drew nenhum tempo para pensar se ela o ouviria ou não.

Ela correu para ele, tentando obter o máximo de velocidade que ela podia reunir. Seus dentes cerrados. Seus dedos se apertaram em punhos. Suas unhas deixariam cortes nas palmas.

Ela não ligou. Nada disso importava.

Ela colocaria Drew em suas costas, sua bota em sua garganta, não importava o que ela tivesse que fazer.

Desta vez, Drew não se mexeu. Mas em vez de seu impulso ser suficiente para empurrá-lo para trás, ela o acertou como se fosse uma pedra. Ele era firme, musculoso e forte.

Kelia saltou para trás e pousou no convés. Ela grunhiu, seu orgulho mais ferido do que ela.

Drew deu um passo e depois outro.

—Você é teimosa, — ele disse e colocou a bota na garganta dela para enfatizar seu ponto. —Mas eu deveria esperar isso de você agora. Você precisa aprender que sua vida pode acabar em cinzas. Está feito. Se você não pode me vencer, você acha que pode vencer outra coisa? Você me conhece intimamente. Você deve conhecer minha fraqueza.

—E o que seria? — Ela retrucou, olhando para ele.

Ele tirou a bota de sua garganta, e por trás de seu comportamento indiferente, ela podia ver a tristeza em seus olhos.

—Você.

 


Drew se abaixou para Kelia e puxou-a para cima. Ela grunhiu ao se levantar, mas manteve a boca fechada, como se não quisesse revelar a verdadeira natureza de seus ferimentos.

Drew desviou o olhar, a culpa se infiltrando em sua forma. Ele odiava isso. Ele odiava cada maldito segundo disso.

Ele não queria machucá-la. Ele não queria forçá-la a lições para assustá-la e fazê-la aprendê-las para que ela não agisse estupidamente novamente.

E ainda assim, ele não conseguia parar.


CAPÍTULO 18

Drew continuou a treinar com Kelia todos os dias e, felizmente, ela melhorou. E mais inteligente também. Após o quinto dia de treinamento, ela foi capaz de lê-lo de uma maneira que ninguém antes, quase como se pudesse prever seu próximo movimento.

—Melhor. — Disse ele.

—Drew. — Kelia murmurou, tirando a poeira das calças.

Seu tom chamou sua atenção e ele se virou para encará-la. Havia algo mais antigo em seus olhos. Mais maduro, mais experiente.

Era possível amá-la mais do que ele já amou? Ele pensava que não, mas agora não tinha tanta certeza. Ou talvez ele estivesse se bloqueando de amá-la verdadeiramente enquanto fazia o que precisava fazer. Enquanto ele a machucava, batia nela e a erguia de volta para levar tudo de novo.

—Eu sei que isso deve ser difícil para você —, ela disse a ele. —Eu só quero que você saiba que eu aprecio isso.

Drew empurrou o ar pelo nariz e assentiu. —Eu não faria isso por mais ninguém. — Disse ele.

—Eu sei.

Ainda havia tensão entre eles. Passaram-se alguns meses desde que ele a transformou e, embora ainda sentisse o mesmo amor por ela, ele entendia que as coisas haviam mudado. Estar com ela da maneira que ele queria não era mais uma opção.

A lua estava baixa, metade dela escondida por um cobertor preto. As estrelas brilhavam tão intensamente quanto o brilho do oceano. O brilho iridescente só fez Kelia parecer ainda mais bonita. Foi difícil desviar o olhar dela.

—Você acha que...— Kelia balançou a cabeça e fechou a boca. Drew queria saber o que ela estava perguntando, mas não queria pressioná-la. Ele tinha feito o suficiente hoje. Finalmente, ela continuou. —Você acha que vamos ficar bem?

Ela se virou e caminhou para o lado do navio, os ombros tensos, curvados para cima, enquanto olhava para a água abaixo.

Drew se deu um momento antes de responder. Ele não tinha certeza do que ela queria dizer com isso e não queria dar uma resposta que não se alinhasse com sua pergunta.

—Eu não sei. — Ele murmurou.

Ele se aproximou dela, apoiando-se na amurada do navio para sentir o toque de seu ombro no dele. Seus olhos encontraram o horizonte, viram as nuvens negras ainda a uma distância. Estava claro que eles estavam indo nessa direção. Não havia como fugir da tempestade. Só se podia enfrentar isso e orar a Deus para que sobrevivesse.

—Acho que a busca pela certeza é um desperdício, querida —, ele continuou. —Nada é garantido. O amor certamente não é. Nossa próxima respiração não é. Tudo o que temos - o sol brilhando, a água brilhando, as roupas do corpo, as batidas do nosso coração - tudo isso é uma bênção.

Kelia inclinou a cabeça ligeiramente para a esquerda para que descansasse no ombro de Drew. Ele se acalmou, não ousando se mover. Ele não queria assustá-la, nem queria afastá-la. Ele queria deixar tudo como estava e esperar que continuasse assim.

—Eu pensei que você odiava ser uma Sombra. — Ela disse.

—Eu odiava —, disse ele. —Até eu perceber que poderia me afogar em álcool que não iria me embriagar e chafurdar na autopiedade... ou eu poderia aceitar que isso não era algo que eu poderia mudar e continuar com minha vida. Eu sou imortal. Posso assistir a um infinito pôr do sol e nascer do sol - a menos que alguém me mate. Posso apreciar o que sou agora, mas levei muito tempo para perceber isso.

Kelia concordou. Drew respirou fundo pelo nariz e, sem pensar muito nisso, inclinou a cabeça para baixo até que pousou sobre a dela.

—A Rainha me quer morta, — Kelia murmurou. —Ela está apaixonada por você.

—Então eu sou constantemente lembrado. — Drew murmurou.

—Você já sentiu...— Ela mudou o peso, mas manteve o corpo apoiado no dele. —Você já sentiu pena dela?

Drew franziu a testa. —Pela Rainha? — Ele perguntou. —A mesma Rainha que sequestrou você, levou você embora e envenenou você? A mesma Rainha que ameaçou você com um dano incomensurável só porque eu estou apaixonado por você? — As palavras pareciam estranhas em sua língua, e ele ficou surpreso por tê-las mesmo dito. Ele limpou a garganta e empurrou para frente. —Por que diabos eu iria desperdiçar tal emoção com ela?

Kelia encolheu os ombros. Uma brisa suave acariciou os fios soltos de cabelo e os puxou de sua trança. Ele se lembrou, quando a conheceu, como era importante para ela colocar todas as fechaduras no lugar.

—Estou sentindo pena dela —, disse ela. —Se você olhar para isso da perspectiva dela, ela é uma mulher que estava destinada a uma vida de solidão até que ela conheceu você, se imaginou apaixonada e fez de você uma Sombra para que ela não tivesse que ficar mais sozinha. Ela criou mais e mais e mais tudo porque ela não queria ficar sozinha. E então você a deixa. Você a trai ao partir, e ela provavelmente pensa que não há sentido em uma vida tão longa se você não pode passá-la com a pessoa que ama.

—Isso é incomumente romântico. — Drew apontou.

Sem aviso, Kelia se lançou sobre ele. Drew odiava admitir, mas ela o pegou de surpresa.

Ela conseguiu afundar suas garras em sua carne e se enraizar no lugar. Ele grunhiu quando ela perfurou sua pele. Ela o forçou a ir para o lado. Ele sabia que ela estava tentando colocá-lo no chão. A única maneira de uma verdadeira vitória ser declarada era se Drew ou Kelia estivessem de costas, a bota na garganta.

Mas só porque Kelia conseguiu pegar Drew de surpresa não significa que ela ganhou. Drew não era de perder.

—Bom começo —, disse Drew, evitando-a, — mas você não é rápida o suficiente.

—Não?

Kelia correu para o mastro do navio e saltou para o topo. Havia um pequeno ninho de corvo que não era realmente necessário devido ao fato de que se tratava de um mero veleiro e não um navio de verdade. No entanto, Kelia ficou dentro dele - ela mal cabia em si mesma - e agarrou uma corda perdida que estava pendurada ao lado da máscara. A partir daí, ela se virou como fizera com Jennifer e projetou o pé, preparando-se para um chute.

Por mais que Drew odiasse o que tinha que fazer, ele o fez de qualquer maneira.

Ele ficou parado, esperando que Kelia viesse diretamente para ele. No último momento, ele se esquivou de seu chute. Ela esperava fazer contato com ele, então ela usou força extra para aumentar seu poder.

Infelizmente para ela, por perder Drew por completo, foi forçada a largar a corda e voar em direção ao mar. Usando sua própria velocidade - que ainda era muito mais rápida do que a dela - Drew foi para a corda, girou em torno do navio, pegou Kelia e jogou-a no convés. Ele colocou uma bota sobre sua garganta, mesmo enquanto a via lutando para respirar devido ao pouso difícil. Ele a deixou sem fôlego e, embora se arrependesse de não mostrar sua compaixão, sabia que não poderia mimá-la.

—Você é previsível —, disse ele lentamente. Ele colocou pressão extra em sua garganta para enfatizar seu ponto. —Você está morta.

Kelia grunhiu. Ela prendeu as mãos em seu tornozelo e o girou para que ele caísse de costas. Ele não caiu tão forte quanto Kelia, então ele conseguiu se levantar antes que Kelia pudesse sequer pensar em colocar a bota em seu pescoço.

—Melhor. — Disse ele.

Ela rosnou, e ele sorriu para ela por ficar frustrado com ele.

Bom. Ela precisava ficar frustrada para realmente entender.

Quando Kelia tentou colocar a bota na garganta dele, ela quase perdeu o equilíbrio quando Drew de repente não estava no chão. Mas em vez de cair ou demorar para se endireitar, ela balançou a perna direita e se virou, de modo que Drew foi atingido por seu pé. Ele recuou dois, três passos. Ele sentiu o canto do lábio subir em apreciação.

—Você está aprendendo. — Disse ele, indo em sua direção.

—Você está surpreso. — Ela grunhiu.

—Você tem um excelente professor —, ressaltou. —Por que eu ficaria surpreso?

Kelia sorriu e Drew encolheu os ombros. Era bom ser capaz de provocá-la do jeito que ele fazia antes. Ele tinha sido duro com ela, mas era necessário. Ela não levava sua vida a sério. Ele não tinha certeza se era porque ela era uma Sombra do Mar e se considerava já morta, ou se era porque ela considerava suas novas habilidades garantidas. De qualquer forma, ela precisava perceber que suas ações tinham consequências e só porque ela era imortal não significava que ela não poderia morrer. Especialmente quando seu oponente era tão vingativo, mau, amargo e miserável quanto a Rainha.

—Você precisa trabalhar no seu salto, — ele disse a ela, forçando-se a se concentrar tanto quanto ela precisava. Sua cabeça estava nadando com o gosto do sangue dela em sua boca, a maneira como os dedos dela roçaram sua pele. Tão estranho. Ele havia sido tocado tantas vezes antes dela, e ainda assim não se lembrava deles como se lembrava de cada momento com ela. —Você está saltando de seus calcanhares. Você deve estar saltando da ponta dos pés.

—Como faço isso? — Kelia perguntou.

Drew se aproximou dela e caiu de joelhos. Usando as mãos, ele abriu os pés dela de forma que estivessem na largura dos ombros. Kelia não esperava o gesto e teve que se equilibrar colocando uma das mãos no ombro de Drew. Ele ignorou o calor que emanava de seu toque.

—Amplie sua postura assim.— Ele se sentou na ponta dos pés e colocou uma mão em sua panturrilha, a outra em sua coxa, forçando seu joelho a dobrar. —Faça isso com a outra perna e incline-se um pouco para frente ficando na ponta dos pés. Nem os dedos dos pés, nem os calcanhares.

Ele esperou que Kelia o fizesse. Quando ela ouviu, ele continuou. —Pense nisso como se você fosse um golfinho, se os golfinhos tivessem pés, impulsionando-se para fora da água e no ar, como se você quisesse tocar o céu, mesmo que seja por apenas um segundo. Sua força deve vir direto pelas pernas e pelos pés, empurrando-o para cima.

Kelia acenou com a cabeça, saltando na ponta dos pés.

—Experimente —, disse Drew, levantando-se. —Corra da proa até mim e pule para cima, saltando dos dedos dos pés e subindo pelas pernas.

Kelia recuou. Ela correu e fez o que ele instruiu. Ela ainda não fez o que ele precisava que ela fizesse, no entanto.

Ele balançou sua cabeça. —Toque o céu. — Ele repetiu.

—Como você esperava que eu tocasse o céu?

—Como isso. — Ele estendeu a mão para ela, e ela colocou a mão na dele. Eles recuaram juntos e então correram. Ela acompanhou seu ritmo perfeitamente. — Agora.

E ela fez.

Eles fizeram, juntos.

Um sorriso dançou em seu rosto. Era assim que deveria ser estar com a pessoa que você amava. Eles não deveriam estar constantemente olhando por cima dos ombros esperando que os amigos os traíssem, ou esperando que os inimigos a levassem para longe dele e lucrassem com algo que a Rainha queria.

Mas era isso: viver um momento precioso que eles puderam vivenciar juntos.

Seu coração se encheu de amor por Kelia, por tudo sobre ela, até mesmo os pedaços que o incomodavam. Ele segurou a mão dela com força, sem intenção de soltá-la. Ela era sua, e era isso. Ele faria qualquer coisa por ela, mesmo que isso significasse sofrimento. Mesmo que isso significasse uma dor duradoura. Ele até morreria por ela, e não hesitaria em fazê-lo.

Que medo, esse sentimento que ele tinha por ela. O poder que ela tinha sobre ele.

O tempo se acelerou. Assim que alcançaram o pico, não tiveram escolha a não ser cair de volta no convés. Ele gemeu sob o peso deles, mas segurou, surpreendendo Drew com sua robustez. Mesmo assim, ele não a largou.

—Kelia —, disse ele em voz baixa, —Eu...

—Oi, Sombras, — Daniella chamou da costa. Suas mãos estavam nos quadris e a cabeça inclinada para o lado. Wendy estava ao lado dela com Emma atrás delas, um pequeno sorriso divertido no rosto. —Estamos interrompendo vocês?

—Esta é uma pergunta retórica? — Drew latiu, sem tirar os olhos de Kelia, mesmo quando ela ficou de pé quando percebeu que não estavam mais sozinhos.

—Na verdade, não. — Disse Wendy. Seus braços estavam cruzados sobre o peito.

Drew franziu a testa com o tom de sua irmã e também se levantou. Ele não tinha certeza se ela era reservada porque estava chateada ou por causa de tudo o que tinha acontecido recentemente. Talvez a dor persistente da dispensa de sua tia ainda a afetasse.

—Você é necessário, Drew. — Ela disse, olhando para ele.

Drew se virou para olhar para Emma. Em todo o tempo que passaram juntos, ele sabia que Emma sempre seria honesta com ele, não importa o quê.

—Está na hora, — ela disse. —A lua está começando a aparecer, o que significa que as sereias estão começando a vagar. Precisamos trazê-las aqui.

—E como você acha que fazemos isso? — Kelia perguntou. —Duvido muito que elas venham se chamarmos.

O canto do lábio de Emma se curvou. —Só importa como você chama — disse ela. Ela puxou uma adaga da dobra de suas saias. Ela brilhava ao luar. —Vamos precisar de sangue de uma Sombra. E então elas virão. Eu estou certa disso.


CAPÍTULO 19

Drew não tinha medo de nada quando se tratava de batalhas, armas e luta pela vida após a morte. No entanto, quando solicitado a cortar seu antebraço em um esforço para tirar sangue, ele não estava particularmente ansioso para fazê-lo.

Ele sabia, é claro, que isso apenas ajudaria em sua missão. Gostasse ou não, eles precisavam das sereias. Jennifer poderia estar morta, mas era altamente improvável que ele fosse capaz de derrotar a Rainha sem a ajuda delas. Ele só precisava encontrar alguém que quisesse se livrar da Rainha tanto quanto ele.

O céu ainda estava limpo e escuro. O sol havia acabado de desaparecer atrás do horizonte, deixando um rastro de cor em seu rastro. As estrelas ainda não haviam aparecido, mas a lua continuava a brilhar.

Emma estava mais perto da costa, desenhando diagramas na areia com uma vara grossa. Ela estava murmurando em voz baixa para Daniella, provavelmente ensinando-lhe o que estava acontecendo. Wendy estava logo atrás dos duas, os braços cruzados sobre o peito, o cabelo voando na brisa suave, uma carranca nos lábios. Drew sabia que ela ainda estava chateada com a dispensa abrupta de sua tia, mas era algo que Wendy precisava ouvir.

Kelia estava sentada nas docas, as pernas balançando para frente e para trás. Ela se inclinou para trás, com o peso nas mãos, olhando para as bruxas.

O que ela estava pensando? Ela quis dizer o que disse na outra noite?

Ainda não estava consertado - essa coisa entre eles. Poderia nunca ser consertado. Mesmo se ele matasse a rainha, Kelia ainda poderia ficar ressentida com ele pelo que aconteceu. Ele poderia se ressentir por ela ter sentimentos tão fortes por ela, por estar tão apaixonado por ela, que nem mesmo hesitou em transformá-la. E ressentindo-se dela ainda mais pelo fato de que agora ele era forçado a treiná-la, embora essa fosse a última coisa que ele queria fazer.

Ele balançou a cabeça, olhando para baixo enquanto a água do oceano chegava calmamente à costa e lambia suas botas. Era uma bela noite. Ele poderia não ter a habilidade de tocar a terra durante o dia, mas ele ainda estava vivo - tão vivo quanto as Sombras estavam tecnicamente - e ele teve a experiência de um lado desta terra que poucas pessoas experimentaram.

—Está pronto?

Os olhos de Drew se ergueram para encontrar Emma olhando para ele, uma carranca irritada em seu rosto. Daniella tinha um quadril projetado para fora e os braços cruzados sobre o peito. Wendy nem estava olhando em sua direção. Kelia olhou por cima do ombro, os lábios contraídos, mas em silêncio.

Drew pigarreou e se afastou da água, deixando um rastro de pegadas na areia.

—Sim. — Disse ele.

Emma revirou os olhos. —Você está com medo?

—Como você ousa...

—Ele está com medo, — disse Daniella. —Eu não entendo. Você lutou contra a Rainha das Sombra e, no entanto, não consegue traçar uma linha no braço com sua própria lâmina?

—Não tenho medo de fazer o que deve ser feito. — Rebateu Drew.

—Ele não quer atrair as sereias. — Kelia disse, fixando os olhos nele.

Como ela foi capaz de descobrir isso? Ele era tão transparente? Ou sua habilidade natural de lê-lo foi aumentada quando ele a fez uma Sombra?

—Por que você não quer fazer isso? — Emma perguntou, estalando a língua e batendo o pé. —Drew, não é hora de hesitar. Você ouviu sua tia. Devemos encontrar Bethany. É a única maneira. Você sabe disso. Por que evitar?

Drew pigarreou. Ele não queria dizer a ela que não tinha certeza de como Kelia reagiria ao redor de um enxame de sereias. Ele não queria que as outras aqui, especialmente Emma, soubessem que ele ainda não confiava em Kelia em torno de tão grande tentação. A tensão que se dissipou durante o treinamento desapareceria se ele vocalizasse seus medos, e isso era a última coisa que desejava. Kelia era tudo para ele. Ele não a arriscaria novamente.

Como tal, a única coisa que ele poderia fazer para calá-las era realmente afundar a lâmina em seu antebraço, e foi o que ele fez.

—O que isso deve fazer, exatamente? — Daniella perguntou, seu lábio curvando-se enquanto observava o sangue escorrer pelo braço dele.

—Com medo de um pouco de sangue, não é? — Drew perguntou, sem se preocupar em esconder sua irritação com ela em seu tom.

Daniella olhou para ele, depois revirou os olhos e olhou para o mar.

—O cheiro de uma Sombra pode ser facilmente detectado por outros seres sobrenaturais, — Emma murmurou enquanto Drew estendia o braço para que o sangue caísse no oceano. —Até mesmo bruxas. Se nos concentrarmos em tentar pegar a localização exata de uma Sombra, seremos capazes de fazer isso.

—Por que não fazer isso então? — Daniella perguntou. —A Rainha, quero dizer. As proteções daquela ilha dela devem ter sido colocadas no lugar por uma bruxa poderosa. Por que não fazer com que ela rastreie Drew ou Kelia em vez de enviar um bando de Sombras atrás de nós?

Emma endureceu com a pergunta. Ela soltou um suspiro e ergueu a cabeça. Ele ainda não entendia por que Emma ajudaria a Rainha. Emma nunca teve a chance de explicar a ele quando ela o confessou em primeiro lugar, e com tudo que estava acontecendo, ele não havia pressionado por uma resposta.

Drew interrompeu antes que Emma se sentisse obrigada a responder a uma pergunta que ele sabia que ela ainda não estava pronta para responder.

—Por que você deve fazer tantas perguntas? — Ele perguntou enquanto pressionava a pele ao redor de seu corte para forçar mais sangue para fora de seu sistema. —O que importa agora é atrair as sereias, e pretendo fazer exatamente isso. — Ele estremeceu. Uma súbita tontura o atingiu, e ele teve que mudar seu peso para se segurar. Ele olhou para Emma, uma torção irônica em sua boca enquanto ela olhava para a superfície da água. —Quanto sangue você acha que elas precisam?

—Só uma gota, — ela disse, mas Drew detectou um indício de incerteza. Além disso, ele já derramou mais do que isso. —Pelo menos, é isso que Adelaide sempre disse. Deve ser apenas uma questão de tempo.

Drew acenou com a cabeça e puxou o braço para trás. O corte já estava sarando. Com a idade e a prática, seu corpo permitia que ele se curasse mais rápido do que outras Sombras.

—Você está bem? — Kelia perguntou em uma voz suave atrás dele.

Drew se virou e olhou nos olhos dela. Ele poderia dizer que a preocupação dela era genuína. Ele acenou com a cabeça uma vez e olhou para baixo. Seu braço formigou. Ele fechou a mão antes de abri-la, na esperança de fazer o formigamento passar.

Kelia deu um passo hesitante para mais perto, colocando-se diretamente no caminho dele. Ele foi incapaz de se mover ao redor dela. Ele também não queria. Qualquer chance que ele tivesse de estar perto dela, ele aproveitaria.

Ela roçou as costas dos dedos contra a ferida dele - ou melhor, onde a ferida estava antes de seu corpo assumir o controle e o processo de cura começar. O corte havia desaparecido completamente. E, no entanto, enquanto Kelia o acariciava com o mais suave dos toques, ele de repente foi atingido pela mesma vertigem, como se ela tivesse tanto controle sobre ele quanto seu corpo.

—Kelia...

Quando ela ergueu o olhar para encontrar o dele, as palavras não ditas morreram em seus lábios. Seus olhos sempre foram tão únicos. A coloração o perseguia às vezes. Eles o lembravam do oceano, um azul turbulento misturado com uma pitada de verde sereno. Era um contraste tão estranho que tornava suas expressões enfatizadas e claras. Mesmo agora, ele se lembrava de ter lhe dado um sermão sobre como suas emoções eram óbvias. Ela não era melhor em esconder suas emoções dos outros, mas especialmente dele. Agora que a conhecia, ele podia lê-la com mais facilidade do que antes.

—Há muito entre nós, — ela supôs. Ela manteve a voz baixa. As bruxas estavam de lado, sussurrando entre si, mas Drew entendia a necessidade de privacidade. —Às vezes, sinto que não consigo alcançá-lo.

—Estou sempre aqui —, disse ele rapidamente. Ele pegou a mão dela e ergueu-a para que seus lábios roçassem os nós dos dedos. —Eu estou sempre aqui.

Antes que ele pudesse responder, Emma limpou a garganta. Ela não os estava interrompendo, exatamente, mas queria a atenção de Drew.

—Temos companhia. — Disse ela.

Drew desviou o olhar de Kelia e olhou para onde o braço estendido de Emma estava gesticulando. Ele respirou fundo, tentando acalmar o coração. Ele não sabia como as sereias reagiriam ao seu sangue, ou se estariam dispostas a ouvir o que ele tinha a dizer.

—Qual é a sua palavra, capitão? — Daniella murmurou.

Drew ficou surpreso com o respeito em sua voz, embora ela também estivesse observando enquanto a água se dividia para dar lugar às sereias.

—Esperamos —, disse ele. —Tentamos falar com elas.

—E se elas não nos derem a chance? — Wendy perguntou.

—Tudo que a tia disse foi para encontrar Bethany, — Drew disse depois de um momento. —Encontramos Bethany. Não matamos Bethany, mesmo que ela nos ataque. Talvez possamos tentar ficar sozinhos com ela. Qualquer outra pessoa, no entanto, é um jogo justo.

Todas concordaram.

Ele subiu no barco e ajudou Kelia a subir no convés. Ela não precisava da ajuda dele, mas ele esperava que ela achasse o gesto cavalheiresco em vez de condescendente.

Apesar da lua baixa que estava quase cheia, a água baixou rapidamente devido à atração das sereias. À medida que ficava cada vez mais superficial, Drew prendeu a respiração.

Estava muito quieto. A água, embora ainda rasa, suavizou a superfície.

Então, um grito alto e agudo rompeu o silêncio. O ruído da madeira se transformando em nada mais do que lascas desviou sua atenção da água para o grupo de barcos, subindo e descendo na água. Um dos barcos no meio foi completamente destruído por uma sereia que agora disparou para o céu e vinha direto para eles.

—Eu devo me corrigir —, disse Drew, inclinando a cabeça na direção de Kelia. —Não pule como um golfinho. Salte como aquela sereia.

O lábio de Kelia se contraiu, mas ela não respondeu.

Quando a sereia caiu, ela foi direto para a bruxa do fogo.

—Daniella, rápido! — Emma explodiu.

Daniella piscou, como se acordasse de um sonho. Ela sacudiu os pulsos e cada dedo se iluminou com pequenas chamas. Ela juntou as mãos, fundindo cada chama até criar uma grande bola. Ela teve apenas tempo suficiente para jogá-la na sereia antes que a sereia pousasse sobre ela. A sereia gritou de dor.

Drew não viu o que aconteceu a seguir. Uma, duas, três sereias se lançaram para o céu e caíram como granizo - pontiaguda e diretamente, forte e rápido. Uma caiu sobre ele, mas ele firmou seus pés no convés para não ser derrubado. Do canto do olho, ele viu Kelia usar a técnica de esquiva que eles usaram quando estavam treinando.

Drew dilatou as narinas, precisando direcionar sua atenção para sua própria agressora. Ele precisava confiar que Kelia poderia cuidar de si mesma, que ele a ensinou tudo o que pudesse. Certamente, havia muito mais que ela precisava aprender. Por enquanto, porém, era o suficiente.

Tinha que ser o suficiente.

Drew olhou ao redor do barco. Havia um corrimão à sua esquerda. Ele empurrou com um pé, deu dois passos rápidos, então saltou para o corrimão para que pudesse empurrar a parede vertical. Ele deu um passo, deu a volta e chutou a sereia no rosto. Sua mandíbula estalou, seus dentes batendo no chão como dados sendo jogados em uma mesa. Ela havia perdido alguns dentes. Ela estava sangrando. Mas ela ainda estava viva.

Drew caiu sobre os dois pés. Ele dobrou os joelhos e se impulsionou para cima.

Toque nas estrelas.

Ele não precisava ir tão alto. Em vez disso, ele saltou o comprimento de seu corpo mais alto do que a pequena cabine e enfrentou a sereia. Ela caiu para trás e sua cabeça bateu no convés. Ele se levantou e rapidamente colocou a bota no pescoço dela. Ele empurrou para baixo até sentir algo espirrar embaixo dele.

Ela estava morta.

Ele levou um momento para recuperar o fôlego e avaliar o ambiente. Corpos de sereias flutuavam sem vida no oceano. A água salgada ficou vermelha de sangue. Ainda havia mais vindo, ainda mais que precisava ser abatido. Ele nem sabia quem estava procurando.

Qual era Bethany?

Ela estaria no enxame que veio? Ela estaria aqui em primeiro lugar? Isso tudo foi em vão? Ele era um tolo por ouvir sua tia?

E se ela já estivesse morta entre as sereias?

O que foi feito, estava feito e não havia mais nada que eles pudessem fazer a respeito.

Kelia parecia estar lidando bem com sua sereia. O sangue escorria por seu ombro, mas não pareceu retardá-la. Seus movimentos eram desajeitados, mas havia um talento criativo que ela usava que a tornava imprevisível. Ser imprevisível em uma luta era semelhante a ser mortal, e era disso que eles precisavam agora.

Uma faixa vermelha iluminou a noite negra. Drew inclinou a cabeça para absorvê-lo. As chamas caíram até pousar em uma sereia. Seu uivo de dor parecia fazer com que o oceano vibrasse. Imediatamente, ela mergulhou. Drew não estava familiarizado o suficiente com as sereias para saber se isso faria diferença. Ele esperou que ela ressurgisse, mas até agora, ela ainda não tinha feito isso.

Alguém familiar soltou um grunhido assustado e ele se virou para olhar. Os braços de Wendy estavam levantados, segurando um escudo protetor ao redor de Daniella, que atualmente estava jogando bolas de fogo sobre o barco e atingindo seus alvos pretendidos.

Wendy estava focada em Daniella. Ela não viu a sereia na sua frente.

Sua irmã iria morrer se ele não fizesse nada. Assim que ele enrijeceu seu corpo, pronto para correr até lá com o máximo de velocidade que pudesse reunir, uma sereia o derrubou no chão.

Ele chegaria tarde demais.

Wendy estaria morta antes que ele pudesse chegar até ela.


CAPÍTULO 20

Uma explosão de energia impulsionou Kelia para frente. Ela precisava chegar até Wendy. A sereia atrás dela iria matá-la se ela não o fizesse.

O tempo pareceu desacelerar. Naquele momento, apesar de sua velocidade aumentada, ela não iria chegar a Wendy a tempo. Ainda assim, ela continuou dando o seu melhor, embora não fizesse nada para livrá-la da sensação de que Wendy não sobreviveria.

A irmã de Drew, uma bruxa do vento que estava viva há tanto tempo quanto seu irmão, iria morrer. E não havia nada que Kelia pudesse fazer sobre isso.

Drew estava lidando com duas sereias e Daniella estava lutando com uma. Kelia não sabia onde Emma estava; esperançosamente em algum lugar seguro. Wendy estava tentando manter um escudo em volta de Daniella com uma mão enquanto usava o vento para sufocar a outra, e a última sereia estava se lançando para Wendy, mesmo com Kelia correndo tão rápido que quase pisava na água.

De repente, Emma se jogou na frente de Wendy, posteriormente jogando Wendy na água. Ela caiu com um forte baque.

A sereia continuou em frente e atingiu Emma no coração com suas garras afiadas. Emma deixou escapar um grunhido de dor. Seus olhos escuros se encheram de água e Daniella gritou.

Drew continuou a lutar; ele não tinha outra escolha, pois a sereia contra a qual estava lutando não havia sido derrotada e não cedeu. Kelia vacilou e quase caiu para frente por causa de seu impulso. Sua boca se abriu, e ela imediatamente colocou os dedos sobre o nariz para conter seu próprio grito de agonia.

—O que é isso? — A sereia perguntou, sua voz sedutora e baixa. —Um sacrifício de uma bruxa da terra? Nunca pensei que veria esse dia.

Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso, e ela empurrou suas garras mais fundo no peito de Emma antes de arrancar o coração de Emma. Kelia o ouviu bater uma, duas vezes.

Então o corpo sem vida de sua amiga caiu na água.

Daniella matou a sereia que a estava atacando e correu atrás de Emma.

—Então é assim que se parece o coração de uma bruxa —, continuou a sereia. —Eu me pergunto se o gosto é tão lindo quanto parece.

Kelia se lançou para a sereia quando ela trouxe o órgão aos lábios. Ela não teve nenhum outro tempo para reagir quando Kelia pegou sua cabeça em suas mãos e quebrou seu pescoço. Então, para garantir que a sereia estava realmente morta, arrancou sua cabeça com as mãos e jogou-a no mar.

Kelia deixou o corpo cair. Ao fazer isso, o coração rolou de suas mãos e caiu no mar. Kelia gritou quando viu o pequeno respingo, se perguntando o que aconteceria agora.

Emma se foi.

Não havia como superar isso. Nenhuma maneira de trazê-la de volta. Kelia não foi rápida o suficiente.

Wendy rugiu atrás dela. Kelia piscou e saltou, surpresa. Ela tinha esquecido completamente que Wendy estivera lá em primeiro lugar. Os olhos de Wendy estavam vermelhos de raiva, sua boca se contorceu em um rosnado tenso. O vento ao redor deles de repente balançou com tanta força que o barco, e mesmo o oceano, não soube como responder.

Sem aviso, Wendy ergueu todas as sereias em volta do barco no ar. Elas gritaram quando perceberam que não estavam confortadas por seu cobertor oceânico. Em vez disso, elas foram trazidas à superfície, e seria apenas uma questão de tempo antes que Wendy extraísse sua vingança.

Ela começou com uma. Kelia não sabia se ela não tinha o poder de fazer com todas elas ao mesmo tempo, mas não importava. Kelia não conseguia desviar os olhos da visão.

Wendy trouxe uma para frente enquanto segurava o resto - sete outras - no limbo, impedindo-as de se libertar de suas amarras imaginárias. Ela manteve a mão esquerda estendida para fora para manter as sereias no lugar, e com a direita, ela acenou para a primeira sereia avançar até que ela estivesse perto.

Wendy ergueu a palma da mão para o céu antes de sacudir o pulso e empurrá-lo para a sereia. A sereia voou de volta, agarrando seu pescoço. Era como se uma força a estivesse sacudindo ao mesmo tempo que a sufocava.

Wendy soltou a única sereia, jogou o braço direito no ar para que a sereia voasse mais alto e mais alto até que ela não fosse nada mais do que um ponto no céu. E então, ela deixou cair o braço com pressa, de modo que a palma da mão bateu em sua coxa.

O queixo de Kelia caiu quando a mesma sereia caiu na superfície do oceano e aterrissou com um baque de quebrar os ossos. Kelia nunca tiraria aquele som de sua cabeça pelo resto de sua longa vida.

Todas as outras sereias começaram a gritar, se contorcendo no ar em agonia, embora Wendy ainda não as tivesse machucado.

Um estremecimento percorreu Kelia. Ela não sabia o que pensava sobre a vingança de Wendy. Era cruel e dolorosa. Ela não sabia se essas sereias teriam atacado ou estavam sendo compelidas a isso. Isso importava de qualquer maneira? Linhas foram traçadas?

Eles precisavam encontrar Bethany antes que esse banho de sangue ficasse pior.

Antes que ela pudesse se virar para começar sua busca, garras rasgaram suas costas. Kelia soltou um grito e caiu de joelhos. Garras de sereia perfuram sua pele. Se ela pudesse remover a sereia, ela se curaria rapidamente, mas como tirar uma de suas costas não era algo que Kelia sabia fazer. A única coisa em que ela conseguia pensar era se levantar e correr para trás até bater em alguma coisa.

—Seu sangue tem um cheiro fresco. — Disse a sereia, seus lábios roçando a parte inferior de sua orelha.

Kelia suprimiu um estremecimento.

—Você ainda está em seu estágio infantil? A inocência de uma criança fala comigo de uma maneira que ninguém mais pode. — Sem aviso, uma língua deslizou pela coluna da garganta de Kelia. — Vou gostar de provar você, Sombra. Vou te comer devagar, saboreá-la de verdade. Saiba disso.

Kelia estendeu a mão por cima do ombro e cravou as próprias unhas no rosto da sereia. A criatura gritou e soltou Kelia, estendendo a mão para agarrar seu rosto.

Uma sensação de frio varreu o corpo de Kelia como uma brisa em um dia quente, curando a pele de suas costas. Em sua próxima respiração, ela soltou o rosto da sereia apenas para soltar as mãos na cintura da sereia e colocá-la de costas no chão. Uma mão foi para a garganta da sereia. Seu joelho esquerdo estava alojado entre os seios da sereia.

—Estou procurando Bethany. — Disse Kelia.

A sereia não fez nada além de cuspir nela.

Kelia apertou ainda mais a bruxa do mar.

—Vou perguntar de novo, moça —, disse Kelia com os dentes cerrados. —Onde está Bethany?

Ela afrouxou o aperto ligeiramente, esperando que a sereia respondesse.

—Você pode dizer quantas vezes quiser, Sombra —, disse a sereia. —Eu não vou responder.

Kelia desviou o olhar e apertou o pescoço da sereia até que se desfez em sua mão. Ela jogou o corpo pela borda do barco.

Antes que ela pudesse tirar a poeira, outro salto para frente.

—Você é aquela que a Rainha quer, — ela disse. Esta tinha pele escura e olhos escuros. —Se eu levar você até ela, serei generosamente recompensada.

—Se você não fizer isso, vou deixar você viver —, disse Kelia. Ela se curvou ligeiramente, seu corpo inteiro tenso, pronto para atacar se ela precisasse. —Diga-me, qual é o seu nome?

—O que você faria com um nome? — Perguntou a sereia.

—Isso depende —, respondeu Kelia. As duas circularam uma a outra. De alguma forma, mesmo com a cauda, a sereia conseguia se manter equilibrada no convés do barco. —Diga o nome certo e eu a deixarei viver.

A sereia riu. —Meu nome não é da sua conta —, disse ela. —Agora fique quieta para que eu possa levá-la até minha rainha.

A sereia fez seu movimento, mas Kelia se esquivou. Seu tempo com Drew e sua maldita esquiva pelo menos passou para ela. A sereia gritou de frustração. Pelo menos Kelia não era a única que se sentia assim.

Kelia saltou no ar do jeito que Drew a treinou, sua mão se estendendo para raspar o céu. Quando ela sentiu que estava caindo, ela enrijeceu seu corpo para garantir que cairia com graça e direção.

Pareceu muito mais tempo do que realmente foi. Sua esquiva, salto e queda não poderiam durar mais de cinco segundos, se tanto, deixando a sereia sem tempo para reagir. Kelia caiu sobre ela, tirando o fôlego da bruxa. Kelia pulou e colocou um pé na garganta da sereia.

—Seu nome. — Kelia exigiu.

A sereia não fez nada além de cuspir. Ela duvidava que Bethany resistisse tanto, especialmente se Adelaide tinha certeza de que a bruxa estava aberta para trabalhar com outras pessoas fora de sua própria espécie. Kelia empurrou para baixo com força até o pescoço da sereia esmagar sob sua bota, e a sereia parou de se mover completamente.

Antes que Kelia pudesse se mover de onde estava, ela foi impulsionada por uma força que ela não esperava. Era outra sereia, está sibilando no ouvido de Kelia.

—Sua vadia estúpida, — ela disse. —Como você ousa...

—Não se preocupe —, disse Kelia, projetando o pé e tentando se levantar. —Eu também posso brincar com você.

A sereia rosnou, empurrando seu peso para baixo sobre Kelia. A sereia era mais pesada do que Kelia esperava. Ela grunhiu, dobrando os joelhos e empurrando as costas para fora, mas a sereia prendeu seus pulsos em volta do pescoço de Kelia para se manter agarrada a ela.

Apesar do peso adicionado, apesar da pressão na base da garganta, Kelia conseguiu se levantar. Agora, tudo o que ela precisava fazer era segurar o braço da sereia e de alguma forma jogá-la fora.

Kelia estendeu a mão, mas a sereia estava escorregadia. Mais do que isso, Kelia estava começando a perder a capacidade de respirar. Se ela não fizesse algo logo, a sereia iria apagá-la.

Kelia se virou e recuou para a lateral do barco. A sereia guinchou e soltou o pescoço de Kelia, dando a Kelia um momento para se virar.

Mas Kelia não foi rápida o suficiente para se distanciar completamente da sereia. A sereia se lançou para frente e cravou os dentes no ombro de Kelia.

Kelia gritou. As sereias tinham dentes de tubarão, e a bruxa acabara de tirar um grande pedaço do ombro de Kelia. A sereia cuspiu a carne com nojo.

—Terra. — Cuspiu a sereia.

A adrenalina subiu por Kelia. Seu ombro se curaria. Pelo menos, ela confiou em Drew quando ele disse que sim. Mas ela precisava acabar com essa luta.

Kelia se abaixou novamente e esticou o pé. Ele varreu a cauda da sereia, e a sereia caiu para trás. A cabeça dela bateu na borda do corrimão, um baque alto reverberando nos ouvidos de Kelia.

Enquanto a sereia estendeu a mão para agarrar a parte de trás de sua cabeça, Kelia se levantou e, no mesmo momento, chutou a cabeça da sereia para que ela voltasse. Instantaneamente, a sereia parou de se mover, sua cabeça caindo para frente em um ângulo não natural.

—Eu tenho! — Alguém gritou atrás dela.

A cabeça de Kelia se voltou para o corrimão. Ela se aproximou dele, tentando ver melhor.

—O coração. — Foi uma sereia. —Eu tenho o coração!

Uma sereia nadou até o barco, algo em sua mão. Kelia não tinha certeza, mas se tivesse que adivinhar dado o contexto, ela diria que aquela sereia tinha o coração de Emma.

Mas por que?

Por que o coração de uma bruxa era tão importante? Por que as sereias iriam querer isso?

O sangue de sereia manchava a água de vermelho ao redor deles. Houve gritos em torno do barco. O movimento da água empurrou os barcos um contra o outro. A lua parecia refletir o vermelho da água, e as estrelas haviam desaparecido atrás do seguro cobertor preto.

Com horror, Kelia observou enquanto a sereia se pendurava no degrau da escada e enfiava o coração na boca.

Kelia soltou um grito assustado, mas rapidamente se virou, avançando mais perto da sereia, pronta para atacar.

Comer o coração de Emma foi a gota d'água.

Naquele momento, a sereia subiu a bordo do barco. Mas havia algo muito diferente nela. Em vez de uma cauda longa, ela tinha duas pernas. Seus olhos focaram em Kelia, e havia um pequeno sorriso em seu rosto. Ela deu um passo à frente e quase caiu, claramente não acostumada com as pernas recém-encontradas.

O que diabos aconteceu?

A sereia se levantou e pigarreou. Ela se sacudiu. Ela estava completamente nua, sem se envergonhar de nada. A sereia parecia diferente. Astuta, sim. Vingativa? Kelia não tinha certeza.

—Você é a Sombra que está pedindo por Bethany? — Perguntou a sereia. Ela colocou as mãos nos quadris, mantendo o equilíbrio. Ela enraizou os pés no convés.

—Eu estou, — Kelia disse lentamente, sem saber para onde ela estava indo com isso e sem saber onde focar sua atenção na presença de uma mulher nua. Ela forçou seu olhar para o rosto de Sereia, sentindo-se um pouco desconfortável com o contato visual prolongado, mas com medo de olhar para qualquer outro lugar. —Você sabe onde ela está?

—Eu sei. — A sereia disse, seus lábios carnudos deslizando em seu rosto em um sorriso largo.

Kelia quase revirou os olhos. —Então, onde posso encontrá-la?

—Vou informá-lo depois de decidir se devo ou não confiar em você. — A sereia acenou com a mão para indicar seu próprio corpo. —E se você quiser conversar, sugiro que saiamos dessa luta e sigamos para algum lugar mais silencioso. Um quarto, talvez?

Ela acenou com a cabeça para a pequena cabine.

Kelia olhou para os outros que ainda estavam lutando. Esta batalha era tudo por este momento. Para encontrar Bethany. Eles mal podiam esperar para que acabasse, quando poderia ser tarde demais. Bethany e Kelia precisavam conversar. Agora.

—Acho que você está certa —, disse Kelia, sentindo seus próprios lábios se erguerem. —Vamos entrar, vamos?


CAPÍTULO 21

O coração de Drew parou de bater no minuto em que a sereia puxou Kelia para um quarto em um dos barcos.

—Como isso é possível? — Ele conseguiu sair. O sangue brilhante alisava a superfície do oceano. O rico e doce aroma da morte encheu suas narinas, e sua besta interior empurrou contra sua pele, tentando se libertar. Ele não queria nada mais do que se afogar no sangue da sereia. —Como pode a sereia andar no barco? Onde ela conseguiu as pernas?

—Emma.— A voz de Wendy falhou com o nome, e ela teve que desviar o olhar. Seus tornozelos ainda estavam na água, suas pantalonas encharcadas de água, sal e sangue. —Se uma sereia mata uma bruxa, seu poder é distribuído para a sereia mais próxima. Normalmente, isso vai para aquela que rasga seu coração. Porque Kelia matou aquele que a matou, uma das sereias deve ter encontrado o coração depois que ele foi jogado no oceano e comido.

Drew apertou a mandíbula e examinou o horizonte. Pelo que ele podia ver, não havia outras sereias. Isso não significava que as bruxas do mar não estivessem lá, espreitando logo abaixo da superfície, esperando o momento oportuno. Na verdade, se Drew tivesse que arriscar um palpite, ele diria que era exatamente o que esperava das criaturas cruéis.

Independentemente disso, ele precisava chegar até Kelia.

—Drew, — Wendy disse novamente. Era estranho ouvir sua irmã soar tão quebrada. Wendy era uma das mulheres mais fortes que ele conhecia e, no entanto, do jeito que ela era agora, depois da perda de Christopher e agora de Emma, ela se despedaçou.

—O que? — Drew tentou manter a voz suave, mas não conseguiu reunir energia quando sua mente estava focada em encontrar uma maneira de garantir que Kelia estava bem.

—Você acha que realmente vale a pena? — Ela perguntou.

—O que você quer dizer?

Assim que falou as palavras, ele avistou um caminho para o barco. Se ele seguisse as docas e pulasse de um barco para o outro até chegar ao de Kelia, ele a alcançaria sem tocar na água. Poderia funcionar.

—Eu não posso deixar você pegá-la.

—O que? — Drew desviou sua atenção dos barcos e voltou para Wendy. —Do que você está falando?

—Kelia —, disse ela. —Eu não posso permitir que você vá até ela.

—Desculpa? — Drew cerrou os dedos em punhos. —Não é sua decisão, eu lhe garanto.

—Não vou perder ninguém de quem gosto —, disse Wendy. —E eu peço desculpas, irmão, mas não acho que ela valha a pena.

—Eu discordo —, disse Drew. —Não fique no meu caminho. Por mais que eu ame você, Wendy, farei o que for preciso para chegar até ela. Você pode ajudar ou pode se afastar e me deixar ir.

—Drew...

—Eu disse para se mexer. — Drew rugiu tão alto que a superfície do oceano vibrou com sua voz.

Daniella se aproximou deles, completamente encharcada por ter puxado o corpo de Emma para fora da água e movido para a areia. Grãos de areia sujavam a maior parte de suas roupas, seu cabelo, até mesmo seu rosto, mas Daniella não parecia se importar.

—O que está acontecendo? — Ela perguntou.

—Estou indo para encontrar Kelia. — Drew rebateu.

—E eu não vou deixá-lo fazer isso. — Wendy terminou.

—Por que não? — Daniella estreitou os olhos castanhos para Wendy, e a surpresa fez cócegas no pescoço de Drew. Ele e Daniella tinham suas diferenças, mas pelo menos ela colocava isso de lado quando era importante. Talvez, apenas talvez, ele estivesse errado sobre ela. —Se ele quer ir para Kelia, deixe-o. Todos nós vimos o que aconteceu com Emma. E o que você fez com as sereias... —Ela ergueu a mão até que tocou seu pescoço e fez uma careta. —Brilhante, mas assustador, Wendy. Eu não pensei que você pudesse fazer uma coisa dessas com seus poderes.

—Quando você está presa em um criadouro com homens de mente pequena, você começa a pensar em maneiras diferentes de como usar seus poderes e cultivá-los para ajudar em sua vingança —, disse Wendy. —Daniella, você é uma tola ignorante e uma bruxa crua com poderes que você não entende.

—E ainda assim a Tia prefere colocá-la sob sua proteção do que você. — Drew apontou.

Wendy bufou. —Tia está perdendo a cabeça, — ela disse, com desdém. —Ela está viva há muito tempo. Ela precisa perceber que só porque é ela quem faz sugestões não significa que seja a melhor decisão. Você ir atrás de Kelia não tem sentido. Ela pode cuidar de si mesma.

—Você não sabe de nada —, disse Drew com a testa franzida. —Saia do meu caminho.

—O que é isso, irmãs? — uma voz ronronou do lado do barco. —A Bruxa do Vento e a Sombra têm uma opinião diferente? Talvez não devêssemos pegá-los e deixá-los se matar.

—Vergonha —, disse uma segunda. —Eu pensei que a Rainha nos pagaria generosamente pela Sombra.

—Ela iria, — o primeiro disse. —Mas eu prefiro assistir os dois lutarem até a morte.

—Por que eles estão brigando? — Uma terceira perguntou.

Drew deu um passo para o lado do barco para distinguir quem estava falando. Ele ainda precisava encontrar Bethany. Ele ainda precisava chegar até Kelia.

Wendy estava certa? Kelia poderia cuidar de si mesma? Se ele deixasse, isso o tornaria um tolo? Ou isso faria dele alguém que acreditasse em suas capacidades, mesmo que ele não quisesse nada mais do que protegê-la a todo custo.

—O que você diz, Sombra? — A primeira perguntou. Ela tinha longos cabelos loiros que cobriam os seios e olhos grandes e arregalados com sardas no nariz. —Você tem um olhar perplexo. Devemos usar palavras menores?

—Talvez você deva calar a boca completamente, — Drew disse o mais casualmente que pôde. Ele não queria nada mais do que olhar para o barco em que Kelia estava, mas não queria alertar as sereias de que estava preocupado com qualquer coisa, para não dar a elas uma vantagem. —Você está desperdiçando um ar precioso.

—Se você quiser, eu posso te dar mais, — Wendy disse, ficando ao lado de seu irmão. —Suas companheiras apreciaram, para dizer o mínimo.

As sereias rosnaram. Seus olhos brilharam. Drew queria colocar a mão no ombro da irmã e apertar - um lembrete gentil para manter a boca fechada. No entanto, ele não fez tal coisa. Isso faria Wendy parecer fraca.

Ainda assim, eles estavam cercados por sereias, e por mais poderosas que Wendy e Daniella fossem, a perda de Emma os machucaria muito. Eles precisavam ser espertos sobre seu próximo movimento, especialmente porque precisavam das sereias para ajudar a derrubar a Rainha.

—Vamos começar de novo, — Drew disse firmemente. —Sua espécie e a minha precisam uma da outra.

Houve um momento de silêncio antes que as sereias rissem. Algumas jogaram a cabeça para trás, outras bateram na superfície da água. Algumas sorriam, mas não tiravam os olhos dele, como se ele fosse sua próxima refeição e estivessem esperando o momento apropriado para comer.

—Sombra, você é tão estúpido quanto bonito? — perguntou uma sereia. Ela tinha um anel no nariz e cachos escuros. —Não precisamos de ninguém.

—A única pessoa que escolhemos seguir é a Rainha. — Outra acrescentou.

—Há! — Wendy exclamou. —Isso é uma piada! Você disse que escolheu segui-la? Você não escolhe nada, peixe. Você nem mesmo escolhe a cor de suas escamas.

—Lembre-se das palavras da Tia, — Drew disse entre dentes, tentando manter sua voz leve, mas achando extremamente difícil fazê-lo. —Nós precisamos delas.

—Tia também disse que preferia ter Daniella a mim sob sua proteção para ensiná-la o que significa ser uma bruxa, — Wendy retrucou, virando a cabeça para encarar o perfil de Drew. —Desculpe, irmão, por escolher não aceitar suas palavras pelo valor de face.

—Sinto muito —, observou a primeira sereia, — estamos interrompendo uma briga de família?

—Onde está Bethany? — Outra murmurou. —Ela não recuperou o coração?

—Ela não iria comer, não é? — Outra perguntou.

O coração.

Como ele poderia esquecer o coração de Emma?

Por ser uma bruxa da terra, Emma tinha o poder de criar vida. Se ela tivesse optado por se estabelecer e se reproduzir, sua fertilidade teria permitido que ela gerasse muitos descendentes. Consumir o vaso que a mantinha viva era considerado para dar poderes especiais ao consumidor. Para as sereias, acreditava-se que lhes dava pernas e permitia que andassem em terra. A única maneira de Drew saber disso era porque ele ouviu sua tia falando com um cliente dela há muito tempo, quando ele foi transformado em uma Sombra e fugiu da Rainha.

Ele se recusou a pensar mais em Emma, sobre o fato de que ela havia partido. Eles nunca teriam aquela conversa que ele pretendia ter. Eles nunca mais falariam.

Drew cerrou os dentes e empurrou todos os pensamentos sobre Emma de lado. Por enquanto. Ele precisava se concentrar no que foi apresentado a ele.

—Estou ficando cansada de esperar —, disse a sereia com o anel no nariz. —A Rainha o quer. Vamos levá-lo até ela e colher as recompensas.

—Talvez não devêssemos dá-lo a ela, — Outra voz comentou. —E se simplesmente o matássemos?

Uma ondulação pareceu sair entre as sereias. Drew ficou imóvel. Ele não esperava que elas pensassem em matá-lo, não quando a Rainha deixou claro que o queria vivo. Qual seria o benefício para elas então? Não haveria recompensa se ele estivesse morto.

—Mydera —, disse uma sereia. —O que você sugere vai contra os desejos de nossa Rainha. Algumas podem até declarar isso como traição

—No entanto, é para o bem de nossa Rainha que eu até sugiro isso. — Ela disse.

Drew não teve um momento para pensar na lógica por trás de tal declaração. Uma sereia veio por trás dele e deslizou suas garras em suas costas. Se ela fosse mais forte, havia uma boa chance de que ela pudesse penetrar em sua cavidade torácica e arrancar seu coração.

Como ele pôde se permitir ficar tão distraído? Não foi essa a primeira lição que deu a Kelia? Toda a dor que ele a forçou a suportar, as palavras frias e calosas que atirou nela como balas, e ele não conseguia nem ouvir a si mesmo. Drew estalou a língua em desgosto.

Ele se abaixou para que seu peito tocasse o topo de suas coxas. Ele torceu o ombro e desceu o braço até que sua mão segurasse bem o cabelo da sereia.

Drew grunhiu. A maneira como ele contorceu seu corpo fez os ossos de seus ombros se rangerem juntos. Ele arrancou a sereia de cima dele. Outro grunhido saiu de sua boca quando ela foi forçada a retrair suas garras. Um desejo repentino de mordê-la assumiu o controle dele, mas ele se conteve. A última coisa que ele precisava agora era uma dose do sangue de sereia.

—Talvez nós não o matemos —, uma sereia gritou da água. —Não devemos arriscar a ira da Rainha. Ela o quer vivo, lembra? E independentemente de como nos sentimos sobre isso, devemos obedecer. Ela é nossa Rainha, tanto quanto ela é as Sombra. Ela nos criou assim como os criou. Devemos cumprir seus desejos, mesmo que desejemos nos divertir.

—Você fez um excelente ponto, irmã, — Aquela que lutou contra ele gritou enquanto ela se endireitava. —Embora eu deva dizer que ele parece completamente seco para o meu gosto. Seria melhor se corrigíssemos isso.

Ela se moveu com uma velocidade que Drew não esperava e o empurrou por cima do corrimão, na água. Uma súbita rajada de vento o atingiu. Graças a Deus por Wendy. Ele não sabia o que faria se caísse na água. Era noite, então não era uma questão de morrer, mas embora Drew tivesse aprendido a nadar há muito tempo, ele não estava morrendo de medo na água. Na verdade, ele não se lembrava da última vez que esteve nela.

Um grito fez com que Drew se mexesse no ar, tentando ver o que acontecia.

Essa foi Wendy.

Tão rapidamente quanto Wendy foi capaz de levantá-lo com o vento, ela o soltou e ele caiu com força no oceano frio. Algo deve tê-la distraído.

Água fria bateu em seu rosto, e ele forçou os olhos a se abrirem contra o sal picante, tentando colocar os olhos em sua irmã e se certificar de que ela estava bem. Mas ele não podia ver deste ponto de vista.

Drew soltou um suspiro com as narinas e tentou se levantar. Era difícil controlar seus poderes debaixo d'água. Provavelmente era a única vantagem que as sereias tinham sobre as Sombras. Ele se sentia lento, como se seus braços e pernas estivessem ancorados, forçando-o a afundar ainda mais no abismo negro. De sua posição atual, ele não conseguia distinguir o fundo do oceano. Parecia um buraco negro.

Ele precisava se levantar. Ele precisava atingir a superfície. Não porque ele iria se afogar - respirar não era uma necessidade para uma Sombra do Mar, uma vez que a vida já havia sido tirada dele - mas porque ele precisava se recompor, entrar em terra firme e parar um momento para recalibrar.

Infelizmente para ele, não tinha tempo.

Drew soltou um rugido enquanto batia os pés para frente e para trás. Ele teve que tirar o sobretudo, deixando-o flutuar para longe dele na escuridão circundante. Isso o pesava. Ele chutou novamente e novamente. Não era muito, mas cada chute o trazia para mais perto da superfície. Bolhas mascararam sua visão apenas temporariamente após emitir o som frustrado. Ele moveu os braços acima dele, pegando a água de volta e tentando se impulsionar para cima. Funcionou, mas apenas ligeiramente.

Seu cabelo flutuou na frente dele, e ele jogou a cabeça para trás para que saísse de seu rosto e ele pudesse ver melhor.

Algo deslizou em seu tornozelo e ele saltou. Um arrepio percorreu suas costas. Ele não era fã do oceano - de estar no oceano. Havia muitas variáveis desconhecidas, incluindo animais marinhos que ele nunca tinha visto antes que não se importavam com o que ele era e queriam comê-lo.

Sem aviso, uma mão disparou e agarrou seu pulso antes de jogá-lo para cima. A sereia tinha mais força do que ele esperava. Em segundos, ele emergiu da superfície. Ele engoliu o ar mais por hábito do que por necessidade e depois se virou, tentando encontrar o barco. Antes que ele pudesse se orientar, algo acariciou seu tornozelo mais uma vez. Ele pulou.

Uma sereia surgiu ao lado dele, rindo. Sua voz soava como sinos tocando. Ela tinha longos cabelos ruivos e pele pálida, quase translúcida.

—Você tem medo do mar, Sombra? — Ela perguntou.

Antes que ele pudesse responder, a água moveu-se atrás dele. Ele virou. Mais três sereias o cercaram, bloqueando todas as direções. A única coisa que ele conseguia pensar em fazer era se empurrar para baixo e afundar. No entanto, considerando que a água era seu território, ele não iria longe.

—Não sobrou nenhum lugar para você ir, Sombra, — uma das sereias disse, aproximando-se e serpenteando com uma mão em volta do pescoço. —Você é nosso agora.

Sem aviso, elas cravaram suas garras nele. Uma em cada pulso, uma em cada tornozelo. Elas o içaram horizontalmente, agarrando-se a ele como se fosse algum tipo de sacrifício.

—Você terminou, Sombra, — a sereia continuou. —Você não pode escapar e não há ninguém por perto para ajudá-lo.


CAPÍTULO 22

Kelia não se preocupou com o ambiente. Não se importava que ela estivesse em um pequeno cômodo com uma sereia que acabara de consumir o coração de Emma e agora tinha a capacidade de andar sobre duas pernas. Tudo o que importava era conseguir o que precisava da sereia. Do contrário, a morte de Emma seria em vão.

—Diga-me o que você quer —, disse a sereia. —Você pediu para falar. Aqui estou.

Se esta sereia não fosse ajudá-la, Kelia planejava matá-la e seguir para a próxima, até que alguém estivesse disposta a oferecer ajuda. Devia haver pelo menos uma feiticeira do mar que não estava satisfeita com a Rainha, que não queria nada mais do que se libertar de suas garras de ferro e obter sua vingança.

—Estou propondo um acordo. — Disse Kelia, desistindo de qualquer conversa fiada.

A sereia ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços sobre o peito. Ela se moveu de um pé para o outro, mudando seu peso. Quase parecia que ela estava testando seu novo corpo. —Uma união?

—Sim. — Kelia deu um passo em direção à sereia, os olhos fixos na bruxa. —Eu sei que parece idiota...

—Você sabe?

—Mas é necessário para derrubar a Rainha, — Kelia terminou. —O que você me diz... Desculpe, não peguei seu nome.

—Eu não ofereci —, disse a sereia antes de rolar os olhos. —Só porque não estamos lutando não nos torna amigas.

—Estou ciente, — Kelia rebateu. —No entanto, o fato de você estar falando comigo em vez de se envolver em uma batalha comigo me dá esperança.

—Só não luto porque não saberia lutar com essas pernas. — Destacou a sereia.

—Então, como forma de me agradecer por não tirar vantagem de sua fraqueza, eu agradeceria se você concordasse com o acordo. — Kelia sugeriu.

—Podemos começar com as apresentações —, disse a sereia. —Gosto de saber com quem estou pensando em fazer negócios.

—Muito justo —, disse Kelia. —Eu sou Kelia Starling.

Ela estendeu a mão, mas quando a sereia não tremeu, ela a abaixou para o lado.

O rosto da sereia enrugou-se em uma carranca. —A Kelia Starling? — ela disse mais do que perguntou. —Você é aquela que a Rainha quer. Você e aquela Sombra. — Ela desviou o olhar e estremeceu. —Eu nunca a vi tão zangada. O simples pensamento de ela me querer ou de alguém que me importo com o jeito que ela quer você é enervante, para dizer o mínimo.

—É simpatia que eu detecto? — Kelia perguntou.

—Dificilmente.

Ela não queria empurrar a sereia, mas não queria perder tempo. Ela não ficaria surpresa se as sereias estivessem tentando pegar Wendy, Drew ou Daniella e machucá-los em resposta ao que Wendy fez com suas irmãs.

—Bem, eu me apresentei —, disse Kelia. —Sua vez.

—Bethany. — Sua voz ficou suave e seus olhos pareciam distantes.

—Você conhece Adelaide. — Disse Kelia lentamente.

Um aceno singular. —Eu conheço.

A sereia saltou na ponta dos pés, dobrando os joelhos e os endireitando. Kelia não achava que estava ciente de que estava fazendo isso. Isso a fazia parecer vulnerável, o que era surpreendentemente revigorante.

—Você quer alguma roupa? — Kelia perguntou, interrompendo Bethany antes mesmo de começar. —Eu acredito que há algumas roupas neste baú. — Ela caiu de joelhos. —Como você estava dizendo. Sobre Adelaide, quero dizer.

—Eu desenvolvi um relacionamento com ela depois...— Bethany apertou sua mandíbula. Ela desviou o olhar e deu as costas. Kelia não conseguia mais ver seu rosto. Bethany zombou. —Faz apenas um ano?

—Um ano desde... seu relacionamento com Adelaide?

—Desde que a Rainha tirou minha irmã de mim. — Bethany disse em uma voz fria, olhando por cima do ombro para que seu longo cabelo caísse sobre os ombros.

Oh.

Kelia não esperava por isso. Ela se levantou e entregou a Bethany um par de roupas.

—Sinto muito por sua perda. — Ela murmurou. Ela não era boa em encontrar as palavras certas. Normalmente, ela optou por não dizer nada porque não queria ofender ou continuar com a dor mesmo inadvertidamente. No entanto, Kelia sentiu que precisava dizer mais. Era necessário tranquilizá-la por algum motivo. —Ninguém merece morrer nas mãos dela.

—Não. — A palavra amarga escapou da boca de Bethany. Ela pegou as roupas, mas era como se não as visse. —Minha irmã merecia morrer. Ela deixou um homem entrar em sua cabeça, a fez esquecer a missão. Deveríamos adquirir nossa liberdade juntas. Ela me prometeu. Seu coração derreteu na hora errada e, em vez de ficar comigo, ela tentou ajudar um marinheiro, que acabou sendo transformado por ela de qualquer maneira. Sua morte foi em vão, e me enfureceu que ela escolheria um humano em vez de sua própria irmã.

Cada palavra era mais ardente do que a última. A sereia ficou tensa até que seu corpo ficou reto como um mastro, cheio de uma energia tensa que parecia empurrá-la para sair. O próprio corpo de Kelia ficou tenso em resposta - apenas no caso.

—Não sei como é isso —, admitiu Kelia. —Não é algo que eu gostaria de saber.

—Não, você não saberia. — Bethany concordou. Ela caminhou pela pequena cabine. A cama ocupava muito espaço, então ficava cerca de cinco passos para frente e cinco para trás. Suas mãos estavam atrás das costas, seus movimentos bruscos e desajeitados, roupas em suas mãos, mas ignoradas. —Minha irmã me ensinou a criar uma concha. Não deixe ninguém ou nada entrar. Proteja-se a todo custo porque ninguém, mas o fará.

—Sua irmã parecia muito sábia...

—Ela pode soar tão sábia quanto quiser. — Bethany parou abruptamente de andar e respirou fundo. —Este oxigênio... é estranho. Eu mal consigo me lembrar de ser uma humana. Eu já respirei oxigênio antes. Costumava ser o que me mantinha viva. E ainda, inalando agora, eu sinto que estou sufocando. — Ela se virou e balançou a cabeça. —Eu pensei que estava contente como uma humana. Quando a Rainha me transformou, pensei que estava contente como um monstro. Na verdade, eu estava apenas contente enquanto tivesse minha irmã comigo.

O luar derramou-se na janela aberta. Kelia notou que estava quase cheio.

—Eu sinto falta dela. — A sereia acrescentou tristemente.

Kelia olhou para o chão de madeira sob seus pés. A madeira era barata, trabalhada às pressas. Estar no Espectro ensinou Kelia a apreciar o bom artesanato quando se tratava de construir uma embarcação como um navio ou mesmo um barco. Não foram feitos com cuidado. Esses barcos foram feitos o mais barato possível para que o proprietário pudesse ter lucro. Faz sentido.

—Estou sempre com raiva agora —, admitiu Bethany. Ela enfiou o queixo embaixo do pescoço e continuou andando, desta vez lentamente. Seus passos eram suaves e discretos e, a julgar pela tensão nas pernas, Kelia percebeu que ela estava implementando mais controle em seus movimentos. —Estou com raiva de todos. Com minha irmã, por fazer sua escolha estúpida. Comigo mesma, por não fazer nada a respeito. Com minhas irmãs sereias, por não ter lamentado por ela. Mas estou mais zangada com a Rainha. Minha irmã fez tudo por ela, tudo que ela pediu. Um erro. Uma escolha ruim. Isso foi tudo que precisou.

A sereia riu, mas era um som oco. —Eu suponho que eu deveria entender isto. A Rainha sempre nos ameaçou caso a traíssemos. Minha Jessa estava bem ciente do que estava fazendo ao ignorar as ordens diretas da Rainha e tentar soltar aquele humano. Acho que talvez seja isso que mais me irrita. Ela sabia o que ela estava fazendo. E ela ainda não se importava.

—Sim, mas foi seu ato de liberdade, — Kelia ofereceu, tentando manter o julgamento fora de sua voz. —Talvez, por mais obediente que sua irmã fosse, ela encontrou alguém que abriu seus olhos e a fez ver a vida que ela realmente estava vivendo. Não aquela que ela viveria ou aquela que ela viveu no passado... mas aquela que ela escolheu para viver no presente. Trair a Rainha foi seu último ato de desafio. Ela fez isso porque simbolizava a liberdade que ela perdeu, a liberdade que provavelmente nunca mais ganharia. Era ela realmente vivendo o momento e fazendo a escolha que queria.

Bethany se afastou da janela, lágrimas nos olhos. Ela abriu a boca, pronta para responder, mas as palavras não saíram. Em vez disso, ela olhou para as próprias mãos e lentamente as virou.

—Você ajuda Adelaide —, disse Kelia lentamente, tentando manter a voz neutra. Se soasse como se Kelia estivesse tentando influenciar Bethany a fazer qualquer coisa que Bethany não quisesse, tudo estaria arruinado. —Você deve ter concordado com alguma parte do que sua irmã fez.

—Eu só...— Bethany deixou suas mãos baterem em suas coxas. As roupas caíram no chão. —Eu sinto falta da minha irmã e a quero de volta e não há como eu recuperá-la. Estou sozinha e odeio isso. A Rainha se recusa a me dar qualquer atenção e, se eu agir, minhas irmãs me punem. Eu odeio o que sou, mas não posso me matar.

—Você está sobrecarregada com o castigo da vida —, disse Kelia, sua sobrancelha erguendo-se de surpresa. —A Rainha sabia que você tentaria se matar?

—Eu não sei, — ela admitiu com um encolher de ombros. Ela inspecionou suas unhas. —A Rainha é tão sábia quanto brutal. Sua única fraqueza é aquela Sombra.

—Drew Knight.

—Seu amante —, disse Bethany. —Ela te odeia mais do que ela odiou alguém ou alguma coisa. Eu nunca a vi com tanta raiva. Ao menos quando Drew partisse sozinho, ela poderia considerar que ele era insípido, talvez rebelde. Mas porque ele encontrou você, porque é claro que seu coração pertence a outra pessoa, ela arde de raiva. A Rainha nunca possuiu o coração de Drew. Talvez, por um tempo, seu corpo, mas nunca seu coração. É por isso que escolhi ajudar Adelaide Knight. É por isso que eu livremente dou a ela meu sangue para ajudar no envenenamento das sereias. Porque eu acho tudo muito divertido - a rainha todo-poderosa colocada de joelhos por um homem. — Ela zombou. —O que isso diz sobre o nosso sexo?

—Diz que amamos intensamente. — Disse Kelia.

—Diz que somos fracas quando se trata de questões do coração —, ela rosnou. —Eu prometi a mim mesma, depois que minha irmã morresse, que nunca ficaria em dívida com ninguém. Não minhas irmãs, não meu coração. Se eu fosse sobreviver a isso, porque fui forçada, eu precisaria manter meu juízo sobre mim.

—Como isso está funcionando até agora? — Kelia perguntou.

—Não tenho queixas —, disse ela. —Eu deveria te fazer a mesma pergunta. Você ama o homem Sombra, não é?

Kelia respirou fundo e deixou a pergunta penetrar. É claro que ela amava Drew. Isso nunca foi uma pergunta. Mas contar a alguém em quem ela não tinha certeza se podia confiar sobre algo que a deixava vulnerável não era algo que Kelia preferia fazer. Ela manteve seus sentimentos para si mesma. Isso dava a ela mais proteção.

Mas ela precisava ganhar a confiança de Bethany, e ela não poderia fazer isso se ela mesma não mostrasse alguma confiança.

—Eu quero. — Ela disse finalmente. Se esta fosse a única maneira de se apresentar como vulnerável, ela o faria. Ela tinha que fazer isso.

—E ele ama você —, continuou Bethany. —Isso é claro. E veja o que o amor da Rainha está fazendo com ela. Que maneira miserável de gastar seu tempo - consumida por esse sentimento que você não consegue dominar. Ser escrava de algo que você não pode controlar. Eu prometo a mim mesma que nunca vou deixar isso acontecer comigo.

—E ainda assim você está. — Kelia queria arrancar os lençóis da cama devido ao quão frustrante essa conversa estava ficando. —Você está seguindo as regras. Você está fazendo exatamente o que a Rainha manda, com base nos sentimentos dela por Drew. Dessa forma, você é exatamente como ela. Exceto que o sentimento que o controla é o medo, não o amor. Você tem medo da ira dela. Você tem medo da tortura que ela certamente trará sobre você. Você tem medo de se preocupar com alguém porque pode perdê-lo. Sua irmã também estava, até que conheceu um humano que fez a morte parecer digna de ser conquistada.

—Não se vence a morte —, disse Bethany. —Alguém sucumbe a isso.

—É tudo uma questão de perspectiva, suponho —, disse Kelia. —O que você precisa descobrir é se esse é o tipo de vida que você quer viver. Diga-me, Bethany. Você quer seguir as ordens de uma mulher que mal consegue superar seus próprios sentimentos por tempo suficiente para comandá-los? Que está usando um exército inteiro de Sombras e Sereias para encontrar uma sombra para que ela possa trazê-lo de volta e forçá-lo a amá-la. Essa é realmente a pessoa a quem você deseja se curvar?

Bethany cerrou a mandíbula e desviou o olhar. Kelia prendeu a respiração, esperando que suas palavras penetrassem, mesmo que apenas ligeiramente.

—Este negócio —, disse Bethany lentamente, — é temporário.

—Só até matarmos a Rainha. — Kelia respondeu.

—Então o que?

—Bem, eu espero que se a Rainha estiver morta, você está livre, — ela respondeu. —Não sei se isso significa que você voltará a ser humana ou se continuará sendo uma sereia. Mas seja o que for, você poderá fazer o que quiser, quando quiser. — Ela estendeu a mão. —O que diz você?

Bethany fez uma pausa, seus olhos demorando-se na mão estendida de Kelia. — Sim, — ela finalmente disse, colocando a mão na de Kelia. —Nós temos um acordo. Agora me deixe. Aparentemente, não posso andar nua e devo vestir meu novo corpo.

Infelizmente, o pior ainda estava por vir.


CAPÍTULO 23

Quando Kelia e Bethany emergiram da pequena cabine, o cheiro do sangue de sereia foi o suficiente para fazer sua cabeça girar. Seus olhos captaram os brilhos na água azul-carmesim, e ela teve que se segurar na lateral do barco, com medo de cair fora dele e se permitir afogar no sangue.

—Eu... — Kelia disse. Ela não sabia por que estava falando quando era difícil para ela sequer pensar, mas Kelia percebeu que isso devia parecer ruim. Na verdade, ela estava preocupada que isso prejudicasse a trégua que acabara de fazer com Bethany. —Eu sinto muito pela sua perda.

Bethany olhou para Kelia, seus lábios franzidos e seus olhos se estreitaram antes de se virar.

—Nós duas tiramos uma da outra —, disse ela. —Estar neste barco prova isso. Sinto muito pela perda de sua bruxa. Ela fez um sacrifício por você que é humilhante, até mesmo para mim.

Kelia concordou. Ela ainda não tinha deixado o pensamento da morte de Emma afundar. Ela se forçou a superar isso.

Bethany caminhou até o convés do navio onde quatro sereias seguravam Drew logo acima da água, com sua vida em jogo. Ele não conseguia se mover porque a quantidade de sereias segurando-o parecia sobrepujar sua força, o que surpreendeu Kelia - Drew era a Sombra do Mar mais forte viva.

Seu coração apertou dolorosamente, e ela se virou para Bethany na esperança de que a sereia dissesse algo. Ela precisava que Bethany controlasse suas sereias, porque se Kelia pensasse que qualquer uma delas iria machucar Drew, ela iria rasgar cada uma delas em pedaços. Mesmo que isso significasse morrer por ingestão do sangue de sereia, ela faria isso se significasse que Drew sobreviveria.

—Minhas irmãs —, disse Bethany. —Não mate Drew Knight. Fizemos um acordo com este grupo. Nenhum deles será prejudicado.

—Bethany, — Uma sereia disse, soltando Drew e nadando para frente. —Essas não são nossas ordens. Devemos entregá-lo à Rainha.

—A Rainha esperou décadas para tê-lo de volta —, disse Bethany. —Ela pode esperar um pouco mais.

—Você está cega por suas novas pernas, irmã? — Perguntou outra, mantendo seu domínio sobre Drew Knight. —Você não vê o oceano vermelho com o sangue de nossas irmãs? Eles devem pagar.

—Eles pagaram —, disse Bethany. —Você não me veem parada diante de vocês? Uma bruxa da terra sacrificou sua vida. Mathilda a matou. Eu consumi seu coração. Eles também tiveram suas perdas, assim como nós temos as nossas. Mas devemos ver além disso. Devemos trabalhar juntos.

—E por que devemos fazer isso? — Uma terceira sereia perguntou. Foi difícil para Kelia distingui-la devido à sua posição atrás de Drew.

—Porque temos um inimigo comum. — Disse Bethany.

—A Rainha —, disse Kelia corajosamente, dando um passo à frente, ao lado de Bethany. —A Rainha condenou cada um de nós a uma vida que não queríamos. Ela roubou aqueles que amamos, aqueles de quem cuidamos, por causa de suas crenças egoístas. Ela pensa que o mundo é dela para fazer o que ela quiser, e nós cedemos porque ela é mais poderosa do que nós. Não escolhemos ajudá-la; fazemos isso porque devemos, se quisermos sobreviver.

—Ela nos deu poderes que você nunca vai entender —, disse a segunda sereia, aquela com a marca de nascença no rosto, com um rosnado. —Antes de ser uma sereia, eu era uma menina de rua que não sabia de onde viria minha próxima refeição. Tive de vender meu corpo algumas noites no inverno apenas para garantir que não ficaria no frio. Imagine isso. A chuva é imprevisível e eu seria expulsa até mesmo do estabelecimento mais baixo. Eu tive que implorar. Eu tive que sucumbir. A Rainha me deu a capacidade de me sustentar, de ser forte. Tenho irmãs agora, um lugar ao qual pertenço, um propósito. Por que a trair, quando ela é a única pessoa que me ajudou quando eu mais precisava? Por que eu deveria te ajudar?

—Fique, então —, disse Kelia. —Fiquem e continuem sendo suas peças, fazendo tudo o que ela pedir. Aproveitem a glória dela sem pensar na sua. Mas, por enquanto, ajude-nos. O que quer que vocês escolham fazer depois, tudo bem. Se nos encontrarmos novamente em lados separados, não espero que vocês me mostrem misericórdia. Mas antes de tomar essa decisão, perguntem-se: a Rainha faria qualquer coisa para salvá-la? Você é insubstituível? Claro, ela deu a vocês um propósito - o propósito dela. Não é seu. Vocês não conseguiram decidir seu destino, ela decide por vocês. Isso não é liberdade.

—Liberdade não é o que eu quero.

—Então, o que é? — Kelia perguntou, dando um passo em sua direção. —Um lugar para pertencer? Você descobriu isso entre suas irmãs. Você é mais leal à Rainha do que a elas? Diga-me, se a Rainha mandasse você matar sua irmã mais próxima, isso mudaria sua opinião sobre ela?

A sereia não disse nada.

—Isso é o que eu pensei —, disse Kelia. —Talvez você esteja grata por uma segunda chance - por todos os meios, agradeço. Mas isso não significa que ela pode ditar o resto de sua vida simplesmente porque ela a salvou. Tenho certeza de que todas vocês a testemunharam fazer coisas terríveis, coisas com as quais talvez vocês não concordem. Tenho certeza de que vocês já ouviram coisas piores. — Seus olhos encontraram a sereia com a marca de nascença mais uma vez. —E se eu dissesse que você poderia ter o que deseja? Essa liberdade em seus termos não está fora de alcance? O que você diria?

—Não digo nada —, a sereia finalmente respondeu. —Eu digo que você não me mostrou nada além de belas palavras. Como vou confiar nelas? — Ela balançou a cabeça, seu cabelo voando por toda parte. —Não acho que não. — Ela voltou sua atenção para suas irmãs, segurando Drew. —Eu acho que ele deveria ser morto.

—Mas a Rainha...

—A rainha está apaixonada, e podemos libertá-la de seu coração partido. — Insistiu a sereia.

—Mydera, eu não acho que você está pensando claramente, — a terceira sereia disse, sua voz hesitante. —A Rainha o quer. Essa foi a sua instrução para nós. Encontre-o ou encontre notícias dele.

—Ela o quer, mas ele não é digno dela. — Mydera pressionou. Ela se moveu em direção ao corpo de Drew, a água saindo de seu caminho enquanto ela o fazia, como se nem mesmo a água quisesse suportar sua ira.

Kelia não queria nada mais do que pular na água e rasgar a sereia em pedaços por sequer considerar matar Drew, mas ela se conteve por enquanto. Ela não queria fazer nada que pudesse ameaçar sua aliança. Já estava muito frágil do jeito que estava.

—Ele considerava o amor dela garantido, — Mydera continuou. —Na verdade, fomos condenadas a esta vida por causa dele. Pensem nisso, irmãs: se Drew Knight tivesse permanecido ao seu lado e sido o parceiro que ela merecia, a Rainha precisaria de bruxas do mar? Ela arrancaria meninas vulneráveis de suas casas e as condenaria a uma vida no mar? Respondam-me, irmãs!

Houve um murmúrio baixo em todo o grupo. Kelia olhou para Bethany. Bethany tinha uma expressão de determinação em seu rosto, uma que Kelia não conseguia ler.

—Bethany, — Kelia disse em voz baixa. —Farei o que for preciso para salvar Drew.

—Eu estou ciente. — Disse Bethany, embora seus olhos violetas permanecessem na frente dela em vez de olhar para Kelia de qualquer forma.

—Se você tocar nele, eu vou te matar. — Kelia alertou as sereias.

Elas riram.

—Talvez você gostaria de dizer algo? — Kelia perguntou em voz baixa, inclinando a cabeça na direção de Bethany. —Elas podem ouvir alguém que também é uma sereia, e não eu.

Bethany pigarreou. Ela ainda não reconheceu Kelia nem um pouco, mas deu um passo à frente e se inclinou sobre o barco para chamar a atenção das outras sereias.

—Irmãs, devo concordar com Kelia Starling —, disse Bethany. —Como vocês bem sabem, perdi minha irmã nas mãos da Rainha.

—Sua irmã nos traiu —, gritou uma das sereias segurando Drew, com o rosto enrugado de raiva. Ela tinha um anel no nariz que brilhava ao luar. —Ela questionou a Rainha. Ela protegeu um humano!

—Minha irmã fez o que achou certo —, disse Bethany. Kelia poderia dizer que ainda era um ponto de discórdia com Bethany pelo tom de sua voz. —Talvez ela tenha tomado a decisão errada, mas ela usou essa liberdade que não temos para fazer isso. Marque-me, irmãs, não temos liberdade. Eu tive que consumir o coração de uma bruxa para crescer pernas e andar novamente. Vocês ainda estão condenadas ao mar. É assim que vocês querem viver o resto da sua vida?

Algumas se entreolharam; outras mostraram os dentes. Elas estavam divididas, Kelia percebeu. Aquilo era uma coisa boa. Se elas fossem divididas, elas poderiam ser conquistadas.

—Bethany, estou surpresa por você, — Mydera disse. —Você não aprendeu nada com a ação egoísta de sua irmã? Ela se colocou diante da tribo.

—Minha irmã se colocou antes de qualquer um —, Bethany concordou. —E estou pedindo a todos vocês que se apresentem diante da Rainha. Se trabalharmos com Drew e sua heterogênea tripulação, seremos libertadas.

—Seremos mortas. — Guinchou uma sereia.

—Substituídas por outras, que o quer mais do que nós.

—E é isso que você quer? — Bethany perguntou. —Ser tão facilmente substituída?

—Eu quero estar viva. — Argumentou uma sereia.

No momento, Kelia se permitiu focar em Drew. Suas costas estavam retas como uma prancha. Ela viu quatro sereias, duas de cada lado dele, segurando-o para cima. Ele estava encharcado. Alguém deve tê-lo empurrado na água, ou ele caiu durante uma luta. De qualquer maneira, ele não parecia satisfeito.

Seus olhos viajaram para o corpo dele. Ela queria garantir que ele não estivesse ferido de qualquer maneira. Sua túnica se agarrou a ele, e ela podia ver seu corpo através do tecido fino. Ela quase teria dito que ele parecia com frio, mas ela não achava que tal coisa fosse possível. Talvez para outras sombras, mas não para Drew. Drew parecia imune ao frio.

Algumas listras vermelhas marcavam suas costas. Talvez elas ainda estivessem se curando de antes porque as sereias que o seguravam eram brutais enquanto o mantinham no lugar.

O coração de Kelia bateu lentamente em seu peito. Não foi tão rápido quanto vibrou quando ela estava nervosa. Ele desacelerou como se ela estivesse esperando que algo acontecesse, como se toda esperança estivesse perdida, não houvesse nada a ser feito e tudo o que eles podiam fazer agora era esperar.

Onde estava Wendy? Kelia olhou ao redor. E Daniella? Elas estavam mortas? Se não, elas estavam tão presas quanto Drew? Ou estavam se escondendo, esperando o momento oportuno para atacar?

Kelia esperava que fosse o último. Então, novamente, ela acreditava que o momento de atacar fora alguns segundos atrás. Se elas estavam esperando, certamente estavam gastando seu doce tempo para fazer algo.

—Infelizmente, tenho uma definição de liberdade diferente da sua —, disse Mydera. —Matar Drew libertará a Rainha, pois até ela está presa. Ela vai ficar com raiva, sim, mas vai nos agradecer. — Ela se virou para olhar para Drew e as quatro sereias que o seguravam. —Matem ele.

—Não! — Kelia gritou.

Sem hesitar, ela saltou do barco e pousou na água. A água bateu em seu rosto com seu aperto de gelo, como se para dizer a ela que idiota ela era por ser tão ousada.

Mas apesar do fato de seu corpo inteiro ter paralisado de frio, ela nadou até onde as sereias estavam segurando Drew e foi atrás de uma. Foi muito mais difícil de fazer do que quando ela estava no barco. Manter a cabeça erguida ao pisar na água já era algo em que ela precisava se concentrar. Salvar Drew foi o segundo e muito mais difícil. Independentemente disso, Kelia tinha que tentar - mesmo que isso significasse morrer.

Ela alcançou a sereia mais próxima e a arrancou de Drew. A sereia gritou. Quase parecia que ela estava surpresa com a força de Kelia na água. Com toda a justiça, Kelia ficou igualmente surpresa. Ela pôde ver duas outras sereias pularem do barco, todas vindo em sua direção.

Kelia tentou agarrar a garganta da sereia, na esperança de esmagá-la entre as mãos. Pelo canto do olho, ela pensou que Drew se moveu, talvez lutando contra as sereias restantes que o seguravam.

Naquele momento, as sereias na água, junto com Drew, foram erguidas no ar.

Kelia usou a distração a seu favor, apertando a garganta da sereia até que os ossos quebrassem. Quando a sereia entrou em colapso, Kelia a soltou e procurou uma maneira de voltar para o barco. Ela nadou em direção a uma escada lateral, mantendo um olho acima dela, observando o que Wendy estava fazendo.

Tinha que ser Wendy. Ninguém mais tinha o poder de levitar seres.

Kelia não podia ver Wendy, mas observou enquanto, uma por uma, cada sereia era sufocada. Quando todas os cinco terminaram, Wendy lentamente colocou Drew de volta no barco. Kelia içou-se escada acima, tentando se apressar e subir. O frio havia tomado conta dela, entretanto, e era difícil se mover tão rapidamente quanto ela gostaria.

—Bem! — Mydera gritou do convés do navio. —Vou fazer isso sozinha.

Uma explosão de energia atingiu Kelia. Além de Bethany, não havia ninguém no navio para proteger Drew. Mas assim que Kelia pisou no convés, Bethany agarrou o cabelo de Mydera e a puxou para trás, forçando-a a cair de costas. Bethany usou o pé e pisou no peito de Mydera antes de se abaixar para rasgar uma escama após a outra. Aquilo pareceu infligir tanta dor que Mydera nem mesmo tentou se levantar. Em vez disso, ela se contorceu para frente e para trás.

Kelia correu até a sereia e bateu com o pé no rosto - uma e outra vez até que Mydera estava morta.

Bethany se endireitou e lentamente se aproximou de Drew.

—Eu salvei sua vida, Sombra, — ela disse a ele. —Mas haverá um preço a pagar pela morte da minha família.


CAPÍTULO 24

O sol nasceria em uma hora, talvez duas se tivessem sorte. Na verdade, Drew estava exausto. Ele ansiava pelo tempo em que pudesse desabar na cama e dormir por um longo tempo. No entanto, ele nem sabia se tinha um navio para onde voltar. Com o fato de que sua tripulação o havia traído, ele não ficaria surpreso se o Espectro fosse cinzas agora.

Não que isso importasse.

Kelia estava segura. Wendy estava segura. Até Daniella estava segura.

Emma...

Ele não queria pensar sobre isso agora, e ainda, olhando para a sereia que devorou o coração de Emma, ele não podia deixar de ficar amargo sobre isso.

Emma se foi, e em seu lugar, estava pouco mais que uma criança, com longos cabelos escuros e olhos violeta. Havia algo antinatural em sua beleza, algo sobrenatural e enervante, que não permitiria que um espectador apreciasse sua estética sem sentir uma pontada de mal-estar percorrendo seu corpo.

—Acho que isso exige uma reunião —, disse a sereia. —Eu acredito que há muito o que discutir entre nós dois.

—E quanto a todo mundo? — Drew perguntou, balançando a cabeça. —Você teve alguns dissidentes que não queriam que essa trégua acontecesse.

—Tenho certeza de que elas nadaram para falar com a Rainha para que ela soubesse de nossa traição —, disse ela. Ela olhou para Kelia. —Vamos, então?

—As cabines são assustadoramente pequenas, — Kelia apontou. —Se todos nós entrarmos, sem dúvida será difícil respirar.

—Não se preocupe —, disse a sereia. —Eu enviei algumas de minhas irmãs para recuperar seu barco. Deve estar aqui em questão de minutos.

—Barco? — Drew franziu a testa e olhou entre as duas mulheres. —Certamente você quis dizer navio, porque eu não possuo um barco.

Kelia revirou os olhos. —Drew tem uma equipe, — ela disse, sua voz séria. —Recebemos a notícia de que eles já traíram Drew, mas não quero que aconteça nenhum mal a suas irmãs. Se elas estiverem no navio...

—Eles serão controlados —, disse a sereia. Ela fixou aqueles olhos em Drew. —Acho que não fomos apresentados formalmente. Sua amante aqui exigiu meu nome quando nos conhecemos. Você não parece se importar. Por que?

—Eu confio nela —, disse ele. —Se ela sente a necessidade de falar com você, você deve tê-la conquistado de alguma forma. Deve haver uma parte de você que é boa. Se não houvesse, ela não perderia tempo. — Drew cruzou os braços sobre o peito e inclinou a cabeça. —Você também salvou minha vida. Isso é muito importante, pelo menos para mim.

—Bethany —, disse a sereia. Seus olhos caíram dos dele para examinar seu corpo. Ele poderia dizer que ela estava atraída por ele, mas havia algo em seu olhar que era mais reservado. —Meu nome é Bethany. Você é Drew Knight.

—Eu sou, — ele disse solenemente.

—Sua reputação o precede —, disse Bethany. Ela caminhou pelo pequeno convés do barco enquanto esperavam o aparecimento do Espectro. —Tenho certeza que você provou muito sangue em toda a sua vida.

—Não porque eu tive que fazer. — Drew não gostava de discutir suas mortes, se pudesse evitar. Era algo que ele considerava privado. A menos que achasse que eles poderiam beneficiar Kelia a fim de lhe ensinar algum tipo de lição, ele não queria entrar em detalhes sobre as muitas maneiras como matou alguém, os diferentes tipos de sangue que provou, a sensação dos ossos quando se transformavam em poeira, ou a forma como as cinzas acariciavam seu rosto.

—Claro que não. — Bethany concordou.

—Obrigada —, disse Kelia, de onde estava na proa. Ela tinha estado surpreendentemente quieta durante esta troca. —Por salvá-lo.

—Não há necessidade de me agradecer, Sombra —, disse Bethany. —A verdade de tudo é que eu não o teria salvado se isso não me beneficiasse de alguma forma. Não pense que somos amigos agora.

—Oh, duvido que algum dia pensemos assim. — Brincou Drew.

Naquele momento, o navio apareceu. O coração de Drew inchou com a visão. Finalmente, finalmente, ele poderia retornar ao seu navio. Ele se separou disso apenas alguns dias, mas parecia uma vida inteira. Ele não poderia funcionar adequadamente sem seu navio. Ele não dormia bem em uma cama diferente. Ele não sentia a mesma segurança que sentia no Espectro.

—Ele está apaixonado por seu navio. — Comentou Bethany, seus lábios se transformaram em um sorriso divertido. O sorriso em si parecia tenso, como se a ação não fosse algo de que ela participasse em circunstâncias normais.

—Sim —, disse Kelia. —De fato.

Quando o navio se aproximou do barco deles, parecia haver um problema.

—Drew —, disse Kelia, franzindo o nariz. —São aqueles... Há pessoas em seu navio.

—Não. — Todo o corpo de Drew ficou tenso. Mesmo à distância de onde estava, ele podia ver um punhado de sua tripulação. Ele deveria saber. Ele mesmo os ensinou a habilidade. Alguém sempre precisava ficar com o navio. —Essa é a tripulação.

—Eu posso ver quatro. — Disse Bethany. Sua voz mudou de brincalhona para curta.

—Cinco, — Drew corrigiu. —Há um no ninho de corvo. Suas irmãs perderam completamente a presença deles?

—Elas não foram encarregadas de olhar para o navio antes de trazê-lo para cá. — Ressaltou.

—Elas aprenderão em breve —, disse Drew. —Espero que suas irmãs sejam sereias em quem possa confiar, porque se trouxeram o navio aqui sabendo muito bem que minha tripulação traidora estava no convés, não terei problemas em abatê-las.

—Nem eu. — Bethany respondeu.

—Quais são as ordens? — Kelia perguntou. —Os barcos estão...

—A meio dia de distância—, disse Bethany. —Posso fazer com que minhas irmãs mudem a maré e torne mais difícil para elas chegarem até nós. Elas vão, eventualmente. Não podemos detê-las totalmente, mas podemos atrasar o processo. Vou precisar de sua cabine para reunir minha magia.

—Use-a para o que quiser. — Disse Drew.

—Você precisa de mais alguma ajuda? — Wendy perguntou.

Bethany abriu a boca. Drew pensou que ela rejeitaria sua irmã, mas ela se conteve.

—Na verdade, sim —, disse Bethany. —A chuva está chegando. Eu não ficaria surpresa se isso nos atingir nas próximas horas. Se minhas irmãs e eu formos capazes de controlar a água, então, com a sua ajuda com o vento, isso vai impedir que cheguem até nós. Assim que tiver minha magia, irei para o mar. Posso precisar de roupas extras para vestir.

—Você pode ter algumas das minhas. — Disse Kelia.

Bethany acenou com a cabeça. —Por enquanto —, disse ela, olhando para trás para Wendy, — use o vento e as empurre para longe.

Wendy ergueu as mãos e torceu os pulsos. O vento uivava enquanto se movia contra sua direção natural, controlado por sua irmã. Bethany desapareceu na cabine de Drew mais uma vez, deixando Drew com Kelia e Daniella.

—Eu vou descer no convés. — Daniella anunciou. Nenhuma explicação foi oferecida, nenhuma explicação pedida. Ela desapareceu até que Drew ficou sozinho com Kelia.

— Sombra. — A voz de Bethany cortou Drew e Kelia, pendurada entre eles como uma adaga poderia ter sido lançada entre eles para evitar que o casal se aproximasse. Drew não a ouviu ressurgir da cabine. —Precisamos nos encontrar. Agora.

As sobrancelhas de Kelia se juntaram. —Mas o...

—Kelia —, disse Bethany, sua voz um pouco gentil, mas ainda com mordida suficiente para revelar a quão séria ela poderia ser. —Eu preciso falar com seu capitão. Eu entendo que você esteja preocupada com o tamanho da cabine, mas isso é de grande importância. Não vou perguntar de novo.

Drew fixou os olhos em Kelia e tentou dar a ela um olhar reconfortante que dizia que ele cuidaria das coisas e ela não precisava se preocupar. Kelia franziu a testa, mas não abriu a boca para discutir - uma novidade para ela. Talvez ela estivesse aprendendo. Isso, ou ela estava exausta do encontro com as sereias.

—Mostre o caminho. — Drew disse, girando em seus pés até que seus dedos apontassem para a direção pretendida de sua cabine.

Bethany sorriu e fez seu caminho. Drew a seguiu. Ele sentiu os olhos de Kelia nele por todo o caminho.

Assim que eles entraram, Bethany passou por Drew para se certificar de que a porta estava fechada. Drew saiu do caminho para que ela não o tocasse. Ele não era um fã de sereias, mas estar muito perto de uma tornava fácil esquecer que seu sangue poderia muito bem matá-lo.

—O que você quer? — Ele perguntou, cruzando os braços sobre o peito como se quisesse se proteger dela. Ele não tinha certeza do porquê. Ele confiava no julgamento de Kelia e não tinha a sensação de que Bethany tinha um ás na manga. Mas havia algo em seu comportamento, algo que ele não sabia o que fazer.

—Sem conversa fiada? — Bethany perguntou. —Eu pensei que você deveria ser charmoso.

—Eu prefiro ficar de olho na ameaça à frente, obrigado, — Drew mordeu fora. Ele não estava tentando ser difícil, mas não queria perder tempo. —Se você veio aqui para tentar me encantar...

—Por favor — interrompeu Bethany. — Não se iluda. Embora, sim, mesmo alguém tão frio como eu possa admitir que você é agradável aos olhos, isso não significa que eu queira ter algo a ver com você em um nível romântico ou físico. Em qualquer nível, realmente. No entanto, acredito que podemos ser úteis um para o outro.

—Realmente? — Ele não escondeu a dúvida de sua voz. —E como é isso?

—Bem, eu salvei sua vida, — Bethany apontou. —E agora, eu quero algo de você.

—Por que não estou surpreso? — Ele perguntou. Baixinho, ele murmurou: —Sereias escorregadias. Mais como enguias, na verdade.

—Murmure o quanto quiser, mas é a verdade —, disse Bethany. Ela se sentou na beira da cama e trouxe os joelhos até o peito. —Eu acredito que você me deve um favor, no mínimo.

Drew suspirou pelo nariz. Ele não gostou para onde esta conversa estava indo.

—E o que você quer então? — Ele perguntou.

—Você.

O canto da boca de Drew tremulou para cima. —Agora, querida, enquanto estou lisonjeado com sua atenção, devo informá-lA que, infelizmente para você, meu coração pertence a outra. — Ele ergueu as mãos, pressionadas juntas. —Mas eu agradeço sua consideração.

O rosto de Bethany se contorceu em uma carranca. —Nunca —, disse ela. —Nunca em um milhão de anos eu sequer consideraria você como um parceiro romântico. O que quero dizer quando digo que quero você é que quero que você se entregue a Port George. Ouvi dizer que a Companhia das Índias Orientais recuperou a fortaleza desde que você derrubou a Sociedade. Quero que você se entregue e, em troca, prometo a minhas irmãs e vou ajudá-los em sua missão de matar a Rainha.

—Você quer que eu me entregue a CIO? — Drew perguntou lentamente. —Porque eu faria isso?

—Minha irmã morreu por causa da Rainha —, disse Bethany. —Se a Rainha não estivesse decidida a trazer você de volta, ela nunca teria levado a mim e minha irmã. Minha irmã ainda estaria viva. Ao menos assim, posso vingá-la.

—Matar a Rainha não é o suficiente para isso?

—Essa é a sua vingança —, disse Bethany. —Não pode pertencer a nós dois.

—Eles vão me matar. — Afirmou Drew.

—Talvez, — Bethany concordou com um aceno de cabeça. —Mas se você não fizer isso, vou matar você, sua irmã e a ruiva antes de entregar Kelia à rainha para fazer o que ela quiser com ela, e nós dois sabemos que a rainha será mais do que cruel.

—Você não está me dando muita escolha.

—Estou feliz que você veja do meu jeito. — Ela estendeu a mão. —Nós temos um acordo?

Não havia nada que Drew pudesse fazer. Ele poderia morrer agora ou, mesmo se matasse Bethany e tentasse lutar contra a Rainha sozinho, morrer mais tarde.

Mas só havia uma maneira de manter Kelia segura: viver o suficiente para matar a rainha.

—Tudo bem —, disse ele, balançando a cabeça. —Não diga a Kelia.

—Eu não vou. — Disse Bethany.

—É isso?

—Sim.

Drew não disse nada antes de sair pela porta e direto para o leme, tentando manter sua frustração para si mesmo. Isso não manteve Kelia longe dele, no entanto. Ela estava muito curiosa para seu próprio bem.

—Está tudo bem? — Ela perguntou. —Tudo o que aconteceu entre você e Bethany. Está tudo bem? O que ela disse?

Drew abriu a boca, uma mentira dançando em seus lábios. Quando ele olhou para ela, entretanto, ele vacilou. Ele nunca havia mentido para ela antes. Informações retidas, certamente, mas ele nunca mentiu abertamente, e não tinha a intenção de fazê-lo agora.

Ele limpou a garganta e olhou para o horizonte, para o navio que parecia estar diminuindo a velocidade, pelo menos momentaneamente. Ele não poderia mentir para ela, mesmo se quisesse.

—É tão bom quanto pode ser. — Drew disse, sua voz firme quando seu olhar voltou para o dela.

Uma pergunta brilhou nos olhos de Kelia, uma que parecia sentir que havia mais do que ele estava demonstrando. Ele esperou. Ele não queria interrompê-la e revelar que sua suspeita era, de fato, correta. No entanto, ele não gostava do silêncio pesado que pairava entre eles e queria preenchê-lo com barulho.

Em vez disso, ele se afastou do corrimão e continuou em direção ao leme.

A voz dela o seguiu enquanto ele continuava a se afastar. —Você não está me contando tudo.

—Estou lhe dizendo o que posso. — Disse ele. Ele não se virou e olhou para ela. Em vez disso, ele se concentrou em chegar ao leme.

—Então você admite que há mais nisso? — Ela perguntou, vindo por trás dele.

—Por favor. — Ele fechou os olhos, erguendo a cabeça em direção ao sol, silenciosamente pedindo a Deus paciência, a capacidade de mentir para Kelia. —Não me peça mais informações porque não posso dar a você.

Kelia apertou a mandíbula e cruzou um braço sobre o peito. —Vai ficar tudo bem? — ela perguntou, sua voz estranhamente mansa. —O mínimo que você pode fazer é me dizer isso, não é?

Drew deu um suspiro e abriu os olhos mais uma vez. —Não posso prever o futuro, Kelia —, disse ele. —Tudo o que posso dizer é que, neste momento, estamos vivos. Não direi mais do que isso.

Ele voltou sua atenção para seu navio. Quanto tempo ele teria que esperar antes de pisar no convés novamente? Ele estaria vivo para desfrutar do Espectro uma última vez?


CAPÍTULO 25

Quando Drew se afastou de Kelia, ele se obrigou a olhar para frente. Ele não queria que ela o lesse do jeito que ela sempre soube fazer.

Drew não precisava se preocupar, entretanto. Ela cruzou o pequeno convés para bombordo, encostada no corrimão, os braços cruzados sobre o peito como se para se proteger do frio.

As nuvens do horizonte haviam surgido e agora estavam quase acima. Haveria outra tempestade, quando eles estavam prestes a zarpar para Sangre. Isso ajudaria a atrasar a tripulação do Espectro, mas não ajudaria em nada a levar os pequenos barcos para a ilha.

Bethany passou por ele e desembarcou do barco. Decidiu-se que ela pegaria um dos outros barcos que pertenciam à pousada e navegaria ela mesma, conduzindo as sereias que a apoiavam alguns dias depois de Drew.

Aparentemente, mesmo com a ajuda de Wendy com o vento, Bethany queria ver se ela e suas irmãs poderiam cuidar da ameaça iminente que era o Espectro e sua tripulação. Drew suspeitava que ela queria lidar com qualquer traição de outras sereias em segredo.

Drew não sabia se era uma boa ideia, mas Bethany era insistente. Ela queria falar com as sereias, reunir mais, se possível. Do jeito que ela falou, parecia que ela pensava que sobreviveria à batalha com a Rainha.

Ele achava que ninguém iria. Mas, enquanto a rainha estivesse morta, isso era tudo que importava.

Kelia se afastou do corrimão e entrou na cabine. A visão dela de volta no pequeno quarto o encheu de uma sensação de pertencimento, como se ele estivesse onde deveria estar. Ele se sentia completo. Inteiro. Claro, ele desejava que fosse sua cabine em seu navio, mas em qualquer lugar que Kelia estivesse, era o lar de Drew.

Ao olhar para Kelia, ele teve a sensação de que este seria o último momento que teriam juntos. Ele não queria perder tempo chafurdando. Ele não queria perder tempo planejando seu ataque. Ele queria estar com ela. Ele queria esquecer tudo, exceto ela.

—Está tudo...

Antes que ela pudesse terminar a frase, ele estendeu a mão e puxou-a para si. Seus lábios colidiram com os dela, e suas mãos encontraram seu lar em seus quadris, apertando quase imediatamente.

—Sinto muito, — ele sussurrou, sua respiração áspera enquanto suas mãos corriam para cima e para baixo em seus lados. —Eu sinto muito por esta vida que eu condenei você. Sinto muito por te amar do jeito que te amo.

—Não faça isso. — Ela o acalmou com seu próprio beijo firme. De repente, ela deu um passo para trás, seus olhos queimando em esmeralda. —Não me diga que você sente muito por me amar.

—Se eu não...

—Meu mundo deixaria de existir —, ela acrescentou. —Você é tudo que considero verdade. Ainda me lembro... —Ela riu para si mesma. — Ainda me lembro de quando nos conhecemos. Eu tinha tanta certeza de que conhecia você. Acontece que eu não sabia de nada. Você era a única verdade. Até meu pai era um homem que não dizia a verdade sobre quem ele era ou no que ele acreditava. Ele sabia o que a Sociedade era, e ainda assim, ele não fez nada sobre isso. Você é a única pessoa em minha vida, sem dúvida, que eu sei que nunca mentiria para mim. Por favor, se desculpar por me amar, me diria que eu estava errada sobre você.

—Eu te amo mais do que qualquer coisa, — ele disse, segurando-a perto dele. Ela enfiou a cabeça sob o queixo dele e ele a apertou contra seu corpo. —Eu gostaria de poder viver neste momento para sempre. Mas lamento o que aconteceu com você, Kelia.

—Eu não. Não mais. — Ela apertou os lábios e olhou para as mãos, como se estivesse inspecionando o sangue que se formava em seus dedos e sob as unhas. —Eu não posso mudar isso agora. Não adianta ficar com remorso. Não estou infeliz, Drew. Eu preciso que você saiba disso. — Ela balançou a cabeça, pressionando os ombros para cima enquanto esticava os braços. Ela olhou pela janela da pequena cabine. Drew sabia que ela estava olhando para seu navio, chegando cada vez mais perto, embora devagar. —O que aconteceu com sua tripulação...

—Não fale sobre isso —, disse Drew. —O que está feito está feito. Eles escolheram seu caminho. E agora devemos escolher o nosso.

—Eu não sabia que sereias podiam ser tão destrutivas —, disse Kelia antes que um sorriso irônico tomasse conta de seus lábios. —Tolo da minha parte. Eu vi em primeira mão o que elas podem fazer e, no entanto, sempre estive envolvida. Agora, olhando de fora, vejo que criaturas cruéis são e como todos nós temos sorte de ter sobrevivido ao ataque. — Ela caminhou pelo quarto até chegar à cama. Ela olhou para ele por cima do ombro. —E você? Você está bem?

Drew forçou um sorriso. —Eu faço o que preciso para sobreviver —, disse ele. —Com toda a franqueza, estou cansado. Isso consumiu minha vida por muito tempo. Eu só gostaria de esquecer isso por enquanto.

Kelia lentamente deslizou na beira da cama. —Como você gostaria de esquecer?

Ela separou as pernas ligeiramente, o suficiente para fazê-lo levantar as sobrancelhas.

Drew sentiu sua respiração desaparecer. —Posso pensar em uma maneira particular de me dar ao luxo agora.

—Então me dê o luxo.

O canto de seus lábios se ergueu quando ele se aproximou dela.

—Eu pretendo. — Ele murmurou em voz baixa.

Quando ele a alcançou, ele se posicionou entre suas pernas antes de se ajoelhar. Sua cabeça alcançou sua clavícula, e ele a inclinou para que pudesse olhar nos olhos dela. As mãos dele estavam acariciando círculos estúpidos em suas coxas. Ele sentiu um arrepio percorrer seu corpo e sorriu. Ele esqueceu o quanto a afetava. Ele esqueceu o quanto ela respondia ao seu toque.

Ele moveu as mãos por suas coxas até chegarem à bainha de sua túnica. Ele começou a desfazer a túnica até que escorregou de seus ombros e a deixou com nada além de uma camiseta suja que ele acreditava que costumava ser branca. Agora, ele não conseguia distinguir a cor.

Deus, ela era linda. Era como se ele esquecesse cada vez que olhava para ela. Ele levantou a camiseta para que pudesse ver sua pele, embora não a tirasse completamente.

Ele beijou sua caixa torácica e a sentiu se contorcer sob seu toque. Ele sorriu enquanto dava outro beijo logo abaixo de seus seios. Lentamente, muito lentamente, ele levantou a camisa e jogou-a no chão.

Seus mamilos endureceram de frio. Drew a empurrou para que ela descansasse na cama e ele cobrisse seu corpo com o dele. Ele não queria nada mais do que penetrá-la agora, ceder ao desejo e se revestir de seu calor, mas se obrigou a ir devagar. Ele não sabia quando eles seriam capazes de fazer isso novamente, e ele não queria tomar isso como certo. Ele queria se lembrar de estar com ela dessa forma porque, depois que ele se entregasse à Companhia das Índias Orientais, seria tudo o que lhe restaria.

Seus lábios encontraram seu mamilo e ele gentilmente o levou em sua boca e cantarolou. Ela engasgou e Drew sentiu que ficava mais duro com o som.

Kelia agarrou a nuca dele, empurrando-o para mais perto de seu peito. Drew envolveu seu braço direito ao redor dela antes de arrastar o esquerdo para baixo em seu corpo, sob suas calças e entre suas coxas até que tocou seu núcleo. Ela soltou um gemido e seu aperto nele apenas aumentou.

—Por favor, Drew, — ela disse. —Não pare.

Drew teve que abafar seu próprio gemido. O som de seu nome em sua boca foi o suficiente para fazê-lo colocar tudo de lado e simplesmente transar com ela. Sem romance, sem memória, apenas fodê-la com força até que ele gozasse dentro dela, marcando seu território e liberando toda a tensão reprimida que vinha crescendo dentro dele desde a última vez que eles foram íntimos.

Os dedos dele não diminuíram a velocidade enquanto dançavam em suas dobras. Ela arqueou as costas, abrindo as pernas para que ele tivesse melhor acesso. E então, ela soltou um suspiro e gritou seu nome mais uma vez.

Quando ela teve um espasmo embaixo dele, ele apertou a boca ao redor de seu mamilo. Ela teve que empurrá-lo para longe dela, o que Drew adorou. Ele esperava que ele rastejasse de volta em cima dela e tirasse suas calças e se despisse.

Em vez disso, ela rastejou em cima dele e montou nele ela mesma. Quando ela quase rasgou a túnica dele, ele não sabia o que esperar.

Suas mãos correram para cima e para baixo em seu torso, percorrendo os músculos de seu estômago e demorando-se apenas quando ela passava por uma cicatriz ou marca permanentemente em sua pele. Suas mãos alcançaram atrás dela e começaram a tirar suas calças. Ela balançou os quadris para ajudá-lo a fazer isso, o que significava que ela estava se mexendo contra o desejo dele por ela. Ele reprimiu um gemido.

Ele precisava dela mais perto. Ele precisava pressioná-la contra ele para que ela fosse parte de seu corpo do jeito que ela era parte de sua alma.

Havia muitas roupas entre eles. Ele puxou as calças dela o resto do caminho para baixo, em seguida, começou a trabalhar em suas calças. No minuto em que ficou completamente nu, o ar frio tocando sua pele, ele soltou um suspiro.

Mas o frio não durou muito.

Kelia se reposicionou em cima dele e lentamente empalou-se em sua dureza. Drew não queria ser dramático, mas estava pronto para gritar. Era uma bela espécie de tortura, algo que lhe trouxe grande dor e ainda mais prazer. Ela estava tão molhada, tão escorregadia, que ele precisava soltá-la e agarrar os lençóis ásperos debaixo dele na tentativa de se controlar.

Cem anos de experiência desapareceram.

Ele se sentia como um virgem sendo fodido pela primeira vez por uma mulher que sentia prazer em torturá-lo, atrasando sua gratificação apenas para fazê-lo se contorcer.

O fato de Kelia ser tão ousada só aumentava seu êxtase. Ele não esperava que ela se sentisse tão confortável consigo mesma, com ele, para fazer algo tão divertido em um ambiente tão íntimo. O calor encheu seu corpo. Ele se apaixonou por ela ainda mais. Algo que ele não pensava ser possível.

—Eu te amo. — Disse ele de repente.

Ele abriu os olhos para prendê-los nos dela. Deus, ela estava linda com seu cabelo loiro emaranhado, seus olhos escuros verde-jade pesados de desejo. O toque malicioso em seu sorriso não era o que ele tinha visto antes, mas ele queria ver mais.

—Eu te amo, eu te amo, eu te amo.

Ela riu, um som leve com bordas irregulares. Ele de repente ficou viciado no som. Ele precisava de mais.

Quando ele finalmente estava totalmente dentro dela, posicionado profundamente onde deveria estar, suas mãos soltaram os lençóis e encontraram seu lugar apropriado em seus quadris. Ela queria estar no controle, tudo bem. Mas ele tinha que segurá-la. Ele tinha que tocá-la.

Kelia arqueou as costas e soltou um suspiro. Quase parecia que ela estava procurando o melhor lugar para estar e havia encontrado exatamente o que procurava.

Kelia abriu as coxas ainda mais e colocou os dedos onde os dele estavam momentos antes.

E então, ela se moveu.

Lentamente, no início. Cada movimento que ela fazia era lento e excruciante.

Ele amou cada segundo disso.

Ela estava testando isso, experimentando. Ele amava que ela estava confiante o suficiente - que ela confiava nele o suficiente - para se dar prazer na frente dele sem hesitação.

Ela revirou os quadris. Drew gemeu. Seu aperto sobre ela aumentou.

Quando ela encontrou um ritmo com os dedos, ela começou a aumentar sua velocidade. Drew não ocultou os sons que saíam de sua boca mais do que ela, o que parecia não ser.

Ela se movia em um ritmo constante, para cima e para baixo. Seus olhos estavam fechados como se ela estivesse se concentrando lentamente em seu prazer, como se ela estivesse simplesmente usando-o para seu próprio desejo.

O que estava bom para Drew.

Ele empurrou para cima, encontrando os quadris dela com os seus.

Ele fez isso de novo e de novo. Ele continuou a atender cada impulso, e seus gemidos se transformaram em gritos.

Ela chegaria ao clímax em breve.

Assim como ele.

Ele tinha estado tão obcecado em garantir que ela fosse cuidada que quase se esqueceu de seu próprio desejo até que era quase tarde demais para detê-lo.

—Goze, querida, — ele instruiu. —Não consigo mais me conter.

Ela prendeu a respiração.

As palavras pareciam ter o efeito correto porque estava ficando cada vez mais difícil para ela manter seus movimentos tão consistentes quanto antes.

—Drew, — ela disse, sua voz travada em uma respiração. —Eu vou...

—Goze para mim, querida.

No minuto em que ela começou a se contorcer, ele se lançou dentro dela. Ele não foi capaz de impedir. Sua cabeça ficou leve e ele soltou um grunhido longo e baixo.

Drew desceu de sua altura a passo de caracol enquanto Kelia lentamente caía para frente até que sua cabeça bateu em seu ombro. Ele finalmente soltou seus quadris e arrastou as mãos pelas costas. O corpo dela explodiu em arrepios e os lábios dele se curvaram em um sorriso cansado. Foi difícil para ele abrir os olhos, mas ele podia senti-la muito melhor. A maneira como a cabeça dela se encaixava perfeitamente logo abaixo do queixo. A forma como a parte inferior de suas costas era o local perfeito para sua mão. A maneira como ele enganchou um tornozelo em torno de uma de suas pernas, enroscando-se com ela, mesmo com seus corpos já conectados.

—Eu te amo. — Ela sussurrou.

Sua respiração se estabilizou imediatamente. Ele sabia que ela estava dormindo.

Mesmo assim, ele disse: —Eu também te amo. Mais do que você jamais saberá.

Tanto, na verdade, que estou disposto a fazer algo que nunca fiz antes em todos os meus anos para garantir sua segurança: me entregar ao meu inimigo.


CAPÍTULO 26

A Ilha de Sangre estava cercada por um manto de névoa. Havia uma qualidade misteriosa nisso que enviou um arrepio na espinha de Drew. Parecia exatamente como ele se lembrava - pequena e despretensiosa, rodeada por água. A única ilha que permitia que as Sombras do Mar andassem durante o dia. Ele gostaria de ter seu navio. Ele se sentiria mais confortável manejando o Espectro em vez deste mero barco.

De sua posição no leme, ele podia ver o ponto de terra, embora em sua mente, ele pudesse ver como se seu navio estivesse ancorado na costa. Ele estremeceu. Ele não queria se lembrar disso. Se qualquer coisa, ele gostaria de poder apagá-lo completamente de sua mente.

—O sol está se pondo —, disse Wendy. —Podemos atacar agora. Pegá-los de surpresa, já que vocês dois poderiam caminhar pela ilha.

Kelia olhou para Drew. Ela deve ter sentido que a sugestão de Wendy era válida, mas se ela estava olhando para ele, isso significava que ela só agiria sob seu comando.

Conhecendo Kelia, não era porque ela sentia a necessidade de obedecê-lo, mas porque ela entendia que ele conhecia esta ilha como a palma da sua mão. Ele tinha vivido aqui. Ele havia escapado daqui.

Só ele poderia guiá-los nesta situação.

—Nós esperamos. — Ele disse a ela.

Wendy franziu a testa. —Por que esperar quando temos a vantagem? — ela empurrou. —Ataque agora. Ela poderia estar tomando banho ou se vestindo. As Sombras que a protegem poderiam estar fazendo outras coisas. Deixe-nos...

—Eu conheço a Rainha, — Drew interrompeu. —Eu sei que ela está esperando. Ela provavelmente tem seu próprio pequeno exército esperando por nós. Nós esperamos. Avaliando a situação.

—Eu posso quebrar as proteções de Emma, — Wendy disse. Ela levantou as mãos, sacudindo o pulso como se estivesse tentando ganhar o controle do vento. —Eu posso tentar fazer agora, então...

—Pare. — Drew disse.

—Proteções de Emma? — Kelia perguntou. —Do que você está falando?

—Ela não sabe? — Wendy deu um passo para trás do corrimão do barco. —Como você pôde não contar a ela?

—Eu tinha outros assuntos mais urgentes para me preocupar. — Drew rosnou.

—Emma é quem fez a magia desta ilha, — Wendy disse para Kelia. —A Rainha tem esta ilha por causa de Emma.

Kelia piscou uma vez, depois duas. —Por que ela faria tal coisa? Ela não percebeu o que estava fazendo?

Drew fechou as mãos em punhos cerrados, tentando liberar sua raiva com a memória enquanto as desenrolava. Por mais zangado que estivesse com o que ela tinha feito, ele também sabia que a bruxa da terra não tinha intenção de malícia.

—Não acredito que ela tenha entendido as consequências de suas ações — disse ele. —No mínimo, eu sei que ela se arrependeu muito delas. Eu não ficaria surpreso se aquela culpa com a qual ela vivia, escondida atrás de um exterior frio, fosse uma das razões pelas quais ela salvou Wendy.

—Ela teria feito isso por qualquer um de nós, — Wendy apontou. —Se quebrarmos suas proteções, podemos finalmente libertá-la.

—Ela está livre, — Drew disparou. —Suas proteções serão quebradas, mas Emma se foi agora, e não há nada que possa ser feito sobre isso. Devemos seguir em frente.

— Não podemos seguir em frente só porque você diz — retrucou Wendy. —Alguns de nós realmente nos permitimos sentir, Drew. Precisamos de tempo para lamentar.

—O tempo não é algo que possuímos no momento —, disse Drew. —Se você quer arriscar sua vida porque precisa sentir coisas, vá em frente e faça isso, mas não se surpreenda se morrer durante o período de luto.

—Você é um idiota.

—E você é patética. — Ele esfregou o rosto com a palma da mão e soltou um rosnado frustrado. —Nosso foco agora é quebrar as barreiras. E não apenas por capricho, — Ele acrescentou, nivelando seu olhar em Wendy. —Nós as removemos da maneira certa.

Wendy arqueou uma sobrancelha desafiadora. —E como você sugere que façamos isso?

Drew bufou. Ele queria fazer o que eles fizeram da última vez que estiveram aqui: atirar bolas de fogo na ilha e incendiá-la. No entanto, ele esperava que a Rainha tivesse aprendido com seus erros. Com toda a honestidade, ele não achava que Daniella seria de alguma utilidade agora. A rainha se prepararia para o fogo. Ele não sabia se a Companhia das Índias Orientais poderia intervir e ajudar ou se ela tinha recursos para resolver o problema sozinha. De qualquer maneira, ele precisava deixar claro o que iria fazer.

Daniella pisou no convés pela escada abaixo, subindo do depósito. —Você acha que ela sabe que estamos aqui?

—Claro que ela sabe —, disse Drew. —Ela soube no minuto em que éramos um pequeno ponto no horizonte.

—E, no entanto, ela não faz nada. — Kelia murmurou, cruzando os braços sobre o peito.

Drew tentou não olhar. Desde que esteve com ela como uma Sombra, foi como se um sentimento totalmente novo se apoderasse dele. Ele pensava que já tinha se apaixonado antes, mas agora... Era difícil descrever com precisão. O único propósito de seu coração era bater no mesmo ritmo do dela. Era isso. Ele não ficava feliz se ela não estava feliz. E mais do que qualquer coisa no mundo, ele precisava garantir sua proteção.

A morte hoje era uma garantia.

Antes de Kelia, ele não estava realmente vivo. Ele diria que o último século até ela entrar em sua vida tinha sido um desperdício, mas sem aqueles cem anos, ele nunca a teria conhecido.

—Por quê? — Kelia pressionou. —Por que ela não fez nada?

Drew piscou, como se de repente acordasse de um torpor.

—Ela espera que demos o primeiro passo. — Adivinhou Wendy, embora seu tom indicasse que ela não estava fazendo uma pergunta.

—É mais como se ela estivesse esperando que caíssemos em uma armadilha, — Drew corrigiu. Ele foi até o corrimão e se inclinou. Mesmo sua visão aguçada não conseguia ver nada de importante. —Eu não ficaria surpreso se...

Algo pontiagudo picou Drew logo abaixo de sua caixa torácica. Ele soltou um grito de dor e se virou para ver a flecha que havia roçado seu lado agora cravada no chão do outro lado de seu navio.

—Era uma armadilha! — Ele exclamou, girando em um círculo lento até que pôs os olhos no Espectro. —Essas malditas sereias! Nunca deveríamos ter confiado nelas.

—Não —, disse Kelia. —Eu não acho que Bethany e suas sereias estão por trás disso.

O trio agachou-se mais para permanecer o mais longe possível. Mais flechas voaram para pousar no barco, mas com a ex-tripulação atirando às cegas, nenhuma das flechas os atingiu.

Onde estava Bethany e suas sereias com os outros barcos? O que elas estavam esperando?

Wendy correu, ainda agachada, para o outro lado do barco. Uma flecha passou zunindo por sua perna, mas errou, antes que ela pudesse se esconder atrás de uma das paredes do navio.

E então Drew viu os barcos cercando o Espectro. Ele franziu a testa. Apesar de sua visão aguçada, ele não conseguia entender o que estava acontecendo.

—Elas têm os navios da Bethany! — Ela exclamou, roubando outro olhar rápido sobre a borda do barco. —Do meu ponto de vista, não consigo ver se ela precisa de ajuda ou se está por trás da traição.

Kelia correu para Drew. Ele agarrou os joelhos, dobrado na cintura. Seus olhos ardiam de lágrimas e ele tentava recuperar o fôlego, mas não conseguia respirar.

—Existem apenas três sereias movendo os barcos —, disse Wendy. —Eu acho que posso ver quatro, talvez cinco Sombras no total. Parece que algumas sereias estão ajudando a tripulação.

Ele se preparou contra a dor para dar uma olhada rápida.

Ele sabia que Sombras de sua tripulação iriam querer levá-lo para a Rainha. Ele sabia que alguns estavam mais ansiosos para traí-lo do que outros. Mas ele não percebeu que Horace, Juan, Will, Hector e Kane fariam isso também. Ele presumiu que eles queriam se libertar da Rainha assim como ele, e era por isso que eles queriam se juntar à sua tripulação, mesmo sabendo quem ele era, mesmo sabendo que era um risco.

Drew era um idiota por confiar neles.

—Sim.

Kelia se virou para procurar por si mesma. —É aquele...?

—Sim, — Drew disse novamente. Ele não precisava esclarecer. Ela estava certamente se referindo a Horace. Os dois ficaram próximos quando ela estava no navio. O fato de que ele não estava apenas traindo Drew, mas Kelia também era o suficiente para irritá-lo.

Daniella correu agachada até Drew e se jogou ao lado dele, fora da linha de fogo.

—O que nós fazemos? — Ela perguntou. —Nós sabemos se Bethany está por trás disso?

—Eu pensei no começo..., mas eu não acho que ela esteja. — Drew murmurou.

—O que te dá tanta certeza? — Wendy perguntou.

—Porque discutimos os termos e confio na palavra dela —, disse Drew. —E eu confio no julgamento de Kelia.

Seu olhar estalou para o dele, sua expressão transmitindo tantas emoções ao mesmo tempo: orgulho, felicidade, surpresa.

Se ela soubesse que era seu julgamento que deveria ser questionado. Se ao menos ela soubesse o que iria acontecer com ele se ele tivesse sorte o suficiente para sobreviver ao seu encontro com a Rainha.

—As sereias? —, Perguntou Wendy. —Você confia na palavra delas?

Ele engoliu em seco o caroço se formando em sua garganta e forçou sua atenção para sua irmã. —Elas não estão seguindo as ordens dela —, disse Drew. —Mate todas.

Daniella disparou em seus dedos. Wendy ergueu as mãos e assumiu o controle do vento. Kelia recuou lentamente, posicionando o corpo de uma forma que estivesse pronta para atacar. Enquanto isso, os barcos navegaram mais perto. Eles pareciam estar sem flechas, pelo menos.

Ele apertou a mandíbula e esperou.

—Drew. — Disse Kelia em voz baixa. Havia uma pergunta em sua voz. Ela não precisava mais elaborar. Ele a conhecia bem o suficiente para saber o que ela estava perguntando.

—Sim, todos eles. Até Horace. — Ele estava com muita raiva para pensar direito, com muita raiva para se acalmar. —E se você não puder, fique no convés. Eu vou buscar o meu navio de volta. — Ele se virou para que pudesse encontrar seus olhos. —É exatamente por isso que treinamos. Por que as Sombras exigem um coração negro para sobreviver. Porque a natureza humana transcende até a morte. O fato de você questionar um pedido agora mesmo...

—Essa não era minha intenção. — Rebateu Kelia.

—Então qual era a sua intenção? — Drew perguntou. O Espectro e os barcos estavam se aproximando. Em alguns momentos, eles estariam perto o suficiente, onde as Sombras seriam capazes de pular do navio para o barco de Drew. —Como eu imaginei. Você não está pronta.

—Pronta? — Kelia pisou mais perto dele. —Você pensa porque eu hesito em matar nossos amigos...

—Eles não são nossos amigos, Kelia. — Ele baixou o olhar para ela. —Temos a confirmação de que eles nos traíram.

—Que confirmação? — Kelia perguntou, jogando os braços ao lado do corpo. Ela o lembrava mais de uma menina do que da mulher com quem ele acabara de sair. —As sereias foram recuperar seu navio. As Sombras naquele navio poderiam estar esperando por nós. Talvez eles tenham sido os poucos que não nos traíram.

—Você está sendo uma criança! — Ele retrucou.

Ela estremeceu com suas palavras. Drew imediatamente se arrependeu delas, mas não as retirou. Como ele poderia? Depois de tudo que ele disse, depois do ponto que ele estava tentando fazer, retirar as palavras iria torná-las discutíveis. E ele não poderia ter isso. Não quando isso poderia significar sua morte.

—Fique na cabine, — ele ordenou. —Eu não quero ter que me preocupar com você.

—Drew...

Ele sacudiu o pulso com desdém. Ele sabia que ela odiava isso, e se odiava ainda mais por usar isso contra ela. Era um tapa na cara. Ele sabia disso. No entanto, ele não se importou.

E, aparentemente, ela também não ligou para sua dispensa. Ela permaneceu firmemente plantada ao lado dele enquanto seu navio se aproximava.

Em minutos, o Espectro estaria aqui. Ele estalou os nós dos dedos antes de agarrar o mastro do barco. Não havia leme, nada roda para ele dirigir. O navio em que ele estava era muito menor do que seu navio. Ele ficaria feliz em se livrar disso.

O trovão caiu no alto. Drew nem mesmo vacilou. Ele cravou as unhas na madeira e saboreou a leve dor.

Mais perto veio o navio. Ainda mais perto.

Drew ignorou Kelia propositalmente, que se recusou a entrar na cabine como ele havia ordenado. Parte dele desejava que ela simplesmente confiasse nele sem questionar. Outra parte dele estava feliz que ela empurrava de volta, fazia perguntas e não acreditava na palavra de ninguém. Isso a mantinha curiosa e determinada pela verdade - duas características que ele amava nela.

Ela caminhava para cima e para baixo no convés, seus olhos nunca deixando o horizonte.

Deus, ele queria protegê-la de tudo. Mas ele também queria que ela entendesse por experiência pessoal que a vida como uma Sombra era tremenda e tragicamente diferente de ser humana.

Quando o navio estava a alguns passos de distância, uma Sombra jogou a âncora ao mar.

—Bem, Drew, — Horace gritou da proa do navio, estalando os nós dos dedos ao fazê-lo. —Então nós finalmente encontramos você. Devo dizer que você me preocupou.

—Preocupei? — Drew esboçou um sorriso. —E por que seria isso? Você sabe que eu nunca morro, mesmo quando provavelmente deveria.

—Infelizmente para nós. — Ele olhou para as sombras à sua esquerda e depois para as sombras à sua direita. —Devemos fazer isso da maneira mais difícil ou mais fácil?

—O que você está querendo? — Drew girou o pulso, circulando a mão como se fosse apressar Horace.

—Você sabe. — Horace caminhou em direção à proa do navio. Se Drew realmente quisesse, ele poderia correr pelo convés do barco e pousar em Horace, fazendo-o em pedaços no ar. —A Rainha quer você. E estamos aqui para entregar você a ela.

 


A fúria queimou em Kelia com a traição.

Sem aviso, ela se lançou em uma corrida. Ela não tinha ideia do que estava fazendo, mas ao ouvir as palavras saírem de sua boca, ela sabia que tinha que agir. Talvez Drew, Wendy, Daniella e a própria Kelia estivessem aptos para lidar com as ameaças. Afinal, havia apenas cinco das outras Sombras.

Mas Kelia não queria esperar. Ela não queria demorar. Ela queria eliminar os riscos à medida que surgissem.

Ela pousou no navio bem na frente de Horace. Ele piscou surpreso. Kelia não deu tempo para ele fazer mais nada.

—Kelia! — Drew gritou do barco. —Kelia!

Ela o ignorou, em vez disso, colocou as duas mãos no rosto de Horace e torceu sua cabeça para que os ossos do pescoço se quebrassem. Então ela bateu a mão em seu peito, encontrou seu coração e apertou. Ela nem se incomodou em tirá-lo de seu corpo. Ela só queria que ele fosse embora.

Horace engasgou. Seus olhos se arregalaram. E em um instante, ele entrou em combustão, suas cinzas cobrindo as mãos, braços, peito e rosto de Kelia.

A culpa se acumulou no estômago de Kelia, mas ela se endureceu contra a emoção imediatamente. Horace iria tirar Drew dela. Ela não se sentiria culpada por impedi-lo, mesmo se ele estivesse perto dela.

Antes que ela pudesse limpar as cinzas que cobriam seu corpo como tinta de guerra, Kelia foi jogada ao chão por trás. Ela mal teve tempo de registrar que outra pessoa acabara de atacá-la. Em um giro rápido, ela se virou de costas e usou as pernas como um tiro para chutar a Sombra de cima dela antes de pular de pé com uma velocidade desumana.

Uma rajada passou zunindo e Drew saiu do barco e entrou em seu navio. Ele arrancou a Sombra de Kelia, dando-lhe tempo suficiente para se recompor antes que a terceira Sombra atacasse.

Desta vez, Kelia se controlou e se esquivou de um golpe. Ela balançou para trás e conseguiu derrubá-lo. Ele agarrou seu tornozelo, jogando-a para trás, e ela grunhiu ao cair de volta no convés.

O homem Sombra estava com um pé sobre ela, pronto para pisar no chão.

Água espirrou em Kelia, e ela se encolheu. Uma das sereias saltou do oceano para ajudá-la. Ou ajudá-los. Ela não tinha certeza de qual, mas sua pergunta foi respondida quando a Sombra caiu na água e as cinzas subiram como uma baleia lançando névoa de seu bico.

Kelia se virou para olhar para Drew, que acabou de matar outro Sombra. Hector... se foi.

O olhar de Drew alcançou seus olhos, como se quisesse ter certeza de que ela estava bem, assim como ela tinha feito com ele.

—Você está com raiva. — Disse ele, aproximando-se dela.

—Sim. — Ela concordou.

As duas sombras restantes estavam lutando com as sereias. Gritos e assobios encheram o ar. Kelia deveria ter se preocupado mais com quem iria ganhar, mas ela não se importou.

Ele fechou a distância entre eles. —Por que você faria algo tão...

—Maluco?

—Eu ia dizer louco.

—Eles iam levar você—, disse Kelia. —Eu não poderia ter isso. Além disso, eu estava com raiva de você. Eu não poderia exatamente quebrar seu pescoço, então pensei em fazer isso com outra pessoa.

—Sorte minha, — Drew murmurou. Seus lábios se curvaram, seus olhos brilharam. —Estou com meu navio de volta.

—Você está. — Kelia disse com um aceno de cabeça.

—Agora é hora de matar a Rainha.

—Sim. — Kelia forçou.

Ou morrer tentando.


CAPÍTULO 27

As cinzas cobriam a superfície do oceano. O sangue seco endureceu sob as unhas de Kelia e em seu cabelo. Quando ela terminasse a missão de matar a Rainha, ela passaria a odiar o cheiro de sangue.

Drew partiu para Sangre. Kelia continuou a olhar para a frente deles, segurando o corrimão para salvar sua vida.

Ela não queria matar Horace. Horace tinha sido um bom amigo... até que não era mais. Ele a ensinou como dar um nó e subir em um mastro. Ele a ensinou como permanecer parada em um ninho de corvo e não ficar entediada.

Mas ele iria tirar Drew dela.

Ela sempre seria grata pelo calor e aceitação de Horace enquanto durasse, mas Drew era seu coração. Ele podia ser cruel e inabalável, frio e indiferente, mas ela o amava mais do que amava estar viva, e faria qualquer coisa por ele.

E ela sabia que ele faria o mesmo e muito mais por ela.

Kelia continuou a tirar o sangue das mãos, mas era inútil, no entanto. Era como se suas mãos estivessem manchadas de vermelho.

O dia passou em silêncio. A chuva continuou a cair. À noite, ela se arrastava para a cama com Drew e ele a abraçava. Quando o dia voltasse, eles se afastariam e continuariam em silêncio.

Ela não tinha certeza de por que eles se separaram tão cedo depois de terem caído juntos. Talvez fosse porque ele tinha sido rude com ela. Talvez seja porque ele disse coisas cruéis. Ou talvez fosse porque ela não o ouviu mais uma vez e foi atrás de Horace.

Por causa de seu orgulho.

Foi uma das primeiras coisas sobre as quais Drew falou. Seu orgulho. Suas emoções. Agora, ela não mostrava nada, exatamente como ele queria, e ela não tinha certeza de como se sentir sobre isso.

Após a terceira manhã, Kelia acordou cedo e caminhou pelo convés. Hoje. Seria hoje. Ela podia ver o início da ilha à frente deles. Ela podia sentir o cheiro da morte iminente pairando diante deles.

—Você está pronta para isso? — Ele perguntou.

Kelia olhou para suas mãos e zombou. —Você viu o que eu fiz e ainda me faz essa pergunta? — ela perguntou. —Diga-me, você vai confiar em mim ou devo parar de ter esperança?

Drew abriu a boca como se fosse responder, mas se conteve. Depois de mais um momento de silêncio, ele disse: —Falaremos mais tarde. É hora de se preparar.

Então ele saiu novamente.

Ela não deveria ter ficado surpresa, e ainda assim, ela ficou. Horas se passaram e Drew não falou com ela.

À medida que a ilha se aproximava, o coração de Kelia saltou para a garganta ao ver as Sombras na costa. Quando ela avistou a Rainha entre eles, vestida de vermelho, ela não pode deixar de olhar.

Tudo o que eles precisavam fazer era matá-la.

Como parecia fácil.

Era uma coisa, uma coisa que precisava ser feita e então...

Então o que?

Alguém realmente pensou sobre o que aconteceria sem a Rainha? A quem as Sombras responderiam? Quanto peso a Companhia das Índias Orientais tinha?

No final, não importaria. Agora, eles tinham que se concentrar em passar por esta batalha.

A sensação de pavor era impossível de ignorar. Como marchar para a morte. Havia pouca esperança de que sobrevivessem a isso.

Eles tinham ajuda de bruxas, magia e sereias. Eles sabiam como a Rainha administrava seus homens. Mas eles ainda estavam em menor número.

—Você está bem? — Drew perguntou, parando ao lado dela.

—Achei que agora não era o momento apropriado para conversar. — Disse ela, arqueando a sobrancelha.

Com o canto do olho, ela o viu abrir um sorriso. —Por mais que eu aprecie seu senso de humor seco, eu queria ser sério por um momento. Você fez algo para o qual tenho certeza de que não estava preparada. E eu só queria te dizer...

—Eu não quero ouvir nada, Drew, — ela murmurou, tirando seu olhar da Rainha para que ela pudesse olhar para ele ela mesma. Seus olhos esculpiam suas maçãs do rosto salientes, sua mandíbula afiada, seus olhos profundos, seu nariz reto. Ela desejou poder manter aquela imagem dele em sua mente quando morresse, para que nunca fosse forçada a se afastar dele. —O que fui forçada a fazer foi terrível, mas é o preço a pagar por tudo pelo que lutamos.

—Você sabe pelo que estamos lutando. — Disse Drew.

—Eu sei que estou aqui por sua causa. Não de uma forma em que eu o culpe pela situação em que estamos. Em vez disso, se alguém faz mal a você, eu sinto o mesmo mal e também sinto o desejo de fazer o mal. Eu quero que a Rainha morra porque ela nos ameaça. Porque ela ameaça você.

—Estamos lutando pela liberdade —, disse Drew. —Você é uma Sombra agora também. Você se enquadra nas mesmas regras que eu. As sereias querem sua liberdade. Eu quero a minha. Você deveria querer a sua também.

—Drew—, disse Kelia, interrompendo-o com uma rispidez na voz. —Eu quero o que você quer. Quero estar com você sem me preocupar se alguém próximo a nós trairá você ou a mim porque a Rainha está chateada porque você é feliz sem ela. Que eu, por sua vez, faço você feliz de uma maneira que ela não consegue. É por isso que estou lutando. Você é minha liberdade. Se eu não tiver você, tudo isso terá sido em vão.

Drew a envolveu em seus braços para um longo beijo e Kelia o beijou de volta, embora sua mente gritasse com a tolice de fazer algo tão fisicamente íntimo na frente da Rainha.

Talvez fosse por isso que ele estava fazendo tal coisa em primeiro lugar. Talvez, em circunstâncias normais, ela não ficaria satisfeita em ser usada para obter uma reação de alguém que deveria ser irrelevante, mas ela percebeu que havia uma chance de que esta pudesse ser a última vez que ela o beijasse.

Drew se afastou e olhou para ela. —Eu acredito em você, você sabe, — ele disse calmamente. —Eu fico com medo por você, sim, porque você é meu tudo. Mas eu não estaria aqui com você ao meu lado para lutar contra a Rainha se não acreditasse em você. Quando você duvidar disso, lembre-se de onde você está.

O treinamento longo e árduo que Drew a fez passar, que resultou em ele ser frio e indiferente, e mesmo às vezes maldoso, de repente fez sentido para ela. Ele vinha fazendo isso para se separar, para separar seus sentimentos por ela.

Naquele momento, uma grande e gorda gota d'água atingiu sua bochecha. Nuvens negras de chuva se amontoavam no alto, lançando sombras escuras no convés do navio. O oceano que os rodeava tinha uma tonalidade negra, como se até o oceano estivesse envolto em trevas.

Apesar disso, Kelia nunca havia se sentido tão confortável em toda a sua vida, sabendo que estava prestes a embarcar em uma aventura que exigiria luta, sobrevivência e morte. Era como se ela finalmente entendesse o que significava ser uma Sombra.

—Você está pronta, meu amor? — Drew perguntou. Ele não se afastou dela, nem mesmo quando a chuva começou a cair mais e mais forte até que eles ficaram encharcados.

—Pronto para a luta? — Kelia perguntou.

—Para o fim —, disse ele, olhando para as mãos dela, que segurou nas suas. —Eu provavelmente deveria ter dito a você antes, eu não acho que vou sobreviver a isso, querida.

Kelia engoliu em seco. —Você mente.

—Você sabe que eu não mentiria para você —, disse ele. —Esconder coisas, certamente. Mas mentir?

—Então por que estamos aqui? Se você já aceitou a derrota? Qual é o ponto?

Ele agarrou seu queixo e inclinou a cabeça para trás antes de soltá-la. Ele passou as costas dos dedos pela bochecha dela, e ela não pôde evitar se apoiar em seu toque.

—Porque eu acredito que você vai sobreviver a isso. E eu ficaria feliz em desistir da minha vida se isso significasse salvar a sua.

—Não precisa ser um ou outro —, disse Kelia. —Você é Drew Knight. É melhor você ser a última Sombra de pé.

—E você?

—Além de mim. — Ela emendou.

Claramente, nenhum deles pensou que iria sobreviver a isso, mas ambos estavam fazendo isso para salvar o outro. Talvez fosse isso que lhes desse uma chance.

Apesar do fato de que a Rainha estava a pelo menos meio dia de distância, se não mais, Kelia podia ouvir a voz da Rainha tão clara quanto a chuva no navio. Deve ter sido parte da magia que ela fez com que alguém conjurasse para ela.

—É bom ver você, Katrina, — Drew disse, se afastando de Kelia e empurrando-a atrás dele. Era como se ele não quisesse que a rainha visse Kelia. —Você parece zangada, como sempre.

—Se estou com raiva, você é a razão, Drew Knight. — Ela deu um passo à frente. De onde Kelia estava, ela podia ver as ondas quebrando na costa e deslizando para cima. Ainda assim, a água se recusou a chegar perto dos pés da Rainha, como se também não quisesse tocá-la. —Eu estive procurando por você por um século inteiro. Ninguém me deixa. Eu sou sua Rainha.

—Eu sou um vigarista de sangue, — Drew corrigiu. Kelia sabia que ele não gostava de ouvir o que fazer, principalmente de alguém que ele não respeitava e que não era importante. —Eu não tenho rainha. Não sou governado por ninguém, exceto por mim mesmo. Suas Sombras nada mais são do que gado, movendo-se da maneira que você as empurra. Elas não te amam. Elas temem você.

—Eu não quero o amor delas, — a Rainha disse com um encolher de ombros desdenhoso. —Eu só quero o seu.

—Você nunca terá. Para começar, você nunca teve. — Ele fez uma pausa, esperando que ela respondesse. Quando ela não o fez, ele continuou. —Amor não é algo que você pode impor a alguém, Katrina. E agindo de forma egoísta, me transformando em uma besta para que eu ficasse com você para sempre, você garantiu que nunca possuiria meu coração. Você estava tão insegura, com tanto medo de que eu fugisse e a deixasse em lágrimas, que você tirou de mim a única coisa que eu sempre amei: minha liberdade. E agora, vou tirar a única coisa que você já amou.

—Você planeja se matar? — A Rainha perguntou, zombando.

—Você nunca me amou —, disse Drew, franzindo o nariz. —Sua idiota. Você é tão cega para não ver o que realmente ama? É o seu poder que vou tirar.

O oceano preencheu o silêncio tenso entre eles. Kelia espiou por cima do ombro de Drew para ver o rosto da rainha. Ela estava mais pálida do que Kelia se lembrava. Zangada, a julgar pela expressão comprimida em seu rosto bonito. Mas também havia preocupação.

A Rainha caminhou pela costa, a água movendo-se fora do caminho a cada passo. A única água que chegou perto dela foi a chuva caindo suavemente do céu.

—Eu vou matá-la, você sabe. — A Rainha finalmente disse.

—Não se eu te matar primeiro. — Drew respondeu.

A rainha pareceu ofendida e até magoada por Drew ter pronunciado tais palavras. Kelia queria rasgá-la, sufocar a vida dela. De que outra forma ela entenderia que Drew não queria mais absolutamente nada com ela, que Drew não se importaria se a Rainha estivesse morta, que ele não teria nenhum problema em matá-la?

A Rainha balançou a cabeça. —Você não me deixa outra escolha, Drew Knight.

Ela se virou para as Sombras atrás dela e assentiu.

E então, a guerra começou.

Sombras emergiram da ilha. O vento mudou de direção em um piscar de olhos. O fogo caiu do céu com a chuva. Sereias surgiram da água e puxaram as Sombras para o mar na esperança de distraí-las antes de matá-las. Bethany fez sua aparição em seu barco alguns minutos depois, trazendo ainda mais sereias para que os números não parecessem tão lamentáveis.

De alguma forma, Kelia e Drew se separaram. Kelia não sabia se Drew optou por deixar o navio ou se foi forçado, mas tudo o que importava era que ele não estava aqui e ela não sabia onde ele estava.

As Sombras começaram a tomar conta do navio. Kelia se posicionou perto de Wendy, tentando protegê-la. Ela conseguiu derrubar duas Sombras ao mesmo tempo, evitando ataques e usando mais do que apenas as mãos.

O treinamento cruel e implacável de Drew era o motivo, e Kelia sabia disso, sem dúvida. Por mais que doesse admitir, sua direção fria e dura a ajudou a reagir em vez de pensar.

Uma terceira Sombra conseguiu passar por ela e alcançou Wendy, mas Kelia saltou para frente e recebeu o golpe. Em vez de derrubar Wendy e colocar a bruxa em uma posição vulnerável, a Sombra agora tinha Kelia para enfrentar.

Esta era muito mais poderosa do que ela esperava.

O homem Sombra era quase tão rápida quanto Drew. Ele derrubou Kelia fazendo-a tropeçar para trás e então se lançou em cima dela, tirando o ar de seus pulmões. Ele saltou e chutou a cabeça dela com a bota.

Kelia grunhiu quando sua cabeça caiu para trás e atingiu o convés atrás dela. Sua visão manchada e turva.

Enquanto a Sombra chutava suas costelas, ela enrolou o corpo na posição fetal. Outro chute, e ela estava cuspindo sangue.

Faça alguma coisa, uma vozinha dentro de sua cabeça insistiu. Você vai morrer se não se levantar.

Outro chute.

O sangue voou de sua boca e foi imediatamente lavado pela chuva. Ela gemeu enquanto tentava se levantar. Seus músculos doíam. Ela não deveria se curar rapidamente? O que estava demorando tanto?

A Sombra saltou atrás dela e passou o braço em volta de sua garganta.

—Eu gostaria de poder matar você agora e terminar com você, — ele sussurrou contra o lado de sua garganta. —Mas a Rainha quer você. E eu vou cumprir meu dever e levá-la até ela.

Antes que Kelia pudesse reagir, as presas perfuraram sua pele e rasgaram a carne em seu ombro. Ela gritou, e as manchas só ficaram mais escuras. Parecia que o esforço era apenas para feri-la, não para beber dela.

Sem aviso, a Sombra a virou de costas e saiu correndo do navio. Kelia estava em um estado de dor e choque, e ela não conseguia ver como ele estava fazendo isso ou para onde estava indo.

Uma porta se fechou e a Sombra saltou como se estivesse descendo uma escada. Momentos depois, ela foi jogada em uma pilha no chão.

—Obrigado, Hayden, — disse uma voz familiar sedosa. —Ela é exatamente o que eu esperava.


CAPÍTULO 28

—Bem, bem, bem. — A voz suave e sedosa se infiltrou no corpo inconsciente de Kelia e fez cócegas em sua consciência o suficiente para acordá-la. —Olhe o que o gato arrastou. Você está positivamente horrível. Ser uma Sombra não combina com você, Sra. Starling.

—Felizmente —, disse ela, sentindo lentamente seu corpo queimar e gemer de dor. Ela não se importou; seu corpo iria se curar. Pelo menos, ele tinha se curado até agora. Ela tinha rasgado por inúmeras sombras até agora. Pega. Pelo menos Drew ainda estava vivo. E, mais do que isso, pelo menos ele ainda não estava com a Rainha. Se ele não caísse em uma armadilha, se ainda retivesse a liberdade que lhe restava, então tudo valeria a pena —Eu não me importo com o que você pensa. Meu amante parece me achar muito atraente. Você o conhece? Seu nome é Drew Knight.

A Rainha foi até Kelia e chutou seu estômago. Kelia se dobrou de dor, mas não pôde evitar sorrir de dor, mesmo quando um gosto forte e metálico encheu sua boca.

Sangue.

Kelia começou a rir. Ela se levantou e cuspiu o sangue. —Eu vejo você, — ela disse. —Eu costumava ser você.

Desta vez, foi a Rainha quem riu. —Sinto muito —, disse ela, dando um passo ao lado de Kelia. Kelia podia ver sua bota preta e o sangue seco endurecido até a ponta. —Você disse que costumava ser eu? Como isso é possível?

—Eu costumava usar minhas emoções em minhas mangas —, disse Kelia. Foi difícil para ela pronunciar as palavras. Seu estômago estava machucado; até mesmo a respiração colocava pressão sobre ela que fazia seu rosto se contorcer de dor. —Eu costumava deixar minhas emoções me controlarem. Suponho que a única diferença é que agora posso ver como fui ingênua. Drew estava certo.

À menção do nome de Drew, a Rainha chutou Kelia nas costas. Kelia grunhiu, seu corpo inteiro se endireitando.

—Você não vai dizer o nome dele. — A Rainha disparou.

Kelia riu novamente. —Tudo bem —, disse ela. —Eu disse o nome dele tantas vezes no auge da paixão que estou começando a me cansar disso. — Ela sacudiu o pulso com desdém. A surpreendeu que seu pulso não disparasse nenhuma dor em seu corpo. Provavelmente foi a única parte de seu corpo que ainda não foi ferida.

A Rainha rugiu. Ela parou de andar, suas botas bem na frente do rosto de Kelia. Kelia rolou de volta para a posição fetal, mas descobriu que não conseguia levantar os joelhos mais do que os paralelos à cintura. A rainha era forte, mesmo sendo emocional. Kelia mordeu o lábio para evitar choramingar.

—Ele não te ama. — Disse Kelia. Ela cuspiu o sangue que ainda estava em sua boca. Ela não sabia por que ainda estava falando. Ela não achava que as palavras fariam qualquer coisa para mudar a opinião da Rainha; isso só iria enfurecê-la mais. No entanto, se Kelia ia morrer aqui, ela iria falar algumas palavras primeiro. Palavras que saíram de sua boca em fitas elaboradas, como a renda de um vestido. —Por que desperdiçar todo esse tempo e todo esse esforço? Por que desperdiçar seguidores devotados que não veem nada além da morte quando Drew nunca vai te amar?

—Drew está confuso —, disse a Rainha. —Você o enfeitiçou de alguma forma. Talvez aquela bruxa da terra que ele mantém por perto tenha ajudado você.

—Emma? — Kelia perguntou. —A mesma bruxa que ajudou com as proteções em sua ilha?

—Eu posso andar na terra por causa dela, mas não pense que ela não se ressentiu de mim por isso. Você sabia que Emma e eu somos primas distantes?

Eram primas distantes, talvez. Ela não sabia...

Kelia bufou.

—Eu não espero que você acredite em mim, — a Rainha murmurou. De onde Kelia estava deitada, ela podia ver a Rainha andar para cima e para baixo no frio chão de pedra, seus calçados em silêncio. —Por que mais ela me ajudaria? Ela é família.

—Se ela é família, por que ela te odeia? — Kelia perguntou. —Por que se envolver com a Sombra que partiu seu coração?

—Você acha que Drew partiu meu coração? — A rainha parou e riu novamente. —Que sugestão cômica. Senhor, não. Drew é uma posse. Ele pertence a mim. Eu quero o que é meu. E ele é meu. Você não entende a diferença?

—Eu entendo o amor. Eu entendo que Drew me ama e não a você, e desde que você foi criada, você ansiava por alguém para viver uma vida - mil vidas - com você. Eu não tinha entendido até agora, mas você está sozinha. Poderosa, sim. Você tem todas essas criaturas clamando por você. Eles se curvam aos seus pés e olham para você como se você fosse algum tipo de deusa encarnada. Eles adoram você. E ainda assim, você quer Drew. Você quer um parceiro. Drew é provavelmente a única pessoa que você respeita porque o vê como seu igual. E ele se afastou de você porque preferia estar em qualquer lugar, menos com você.

Essa última piada ganhou outro chute. Kelia foi forçada a cuspir tudo na boca.

—Por que eu ainda te escuto? — disse a Rainha. —Você é uma criança sem experiência.

—Você me escuta porque Drew Knight me ama de uma forma que nunca amará ninguém, e por mais que isso a irrite —, disse Kelia, — Você quer saber por quê.

Outro chute.

—Você tem um desejo de morte? — A Rainha perguntou.

O corpo de Kelia gemeu. Ela estava com muita dor para ser capaz de distinguir onde a Rainha estava atualmente em relação a sua própria posição.

Ela não achava que iria sobreviver por muito mais tempo. Sabendo disso, ela ainda não conseguia parar de falar. As palavras saíram naturalmente, da mesma forma que ela tentava respirar fundo ou abrir e fechar os olhos.

—Ninguém te contou? — Kelia perguntou. Ela foi subitamente surpreendida por um surto de tosse. O sangue voou de sua boca e respingou no chão. —Eu já estou morta. O próprio Drew me transformou.

A Rainha fez um som que parecia um grito e um grunhido. Ela correu até Kelia, usando sua velocidade não natural, e agarrou Kelia pela garganta antes de levantá-la no ar.

—Eu posso matar você agora, e Drew não teria escolha a não ser me amar, — a Rainha disse. —Você é a razão pela qual ele não está comigo. É você.

—Drew... deixou você antes de... eu até mesmo... nascer. — Kelia não sabia se a rainha realmente entendia as palavras que saíam de sua boca, ou se eram tão confusas quanto pareciam.

A Rainha não parecia gostar de qualquer maneira; ela apertou a garganta de Kelia com mais força. A mente de Kelia começou a ficar confusa. Era isso. Ela morreria. A Rainha não iria torturá-la na frente de Drew. Isso atrasaria o inevitável. Isso daria a Drew a oportunidade de salvá-la novamente, e essa era a última coisa que a rainha queria.

Não, Kelia tinha certeza de que a rainha iria matá-la agora. Apesar desse conhecimento, sua boca formou um sorriso triunfante. No mínimo, Kelia sabia sem dúvida que Drew a amava. Ele seguiria em frente quando ela se fosse, mas haveria uma parte dele que pertenceria apenas a ela, e isso faria toda a diferença.

—Coloque-a no chão, Katrina.

Aquela voz. A voz dele. Claro que ele viria, mas ela desejou que ele não tivesse vindo.

O aperto da Rainha em Kelia não diminuiu. A visão de Kelia ficou manchada com manchas escuras. Não era como se ela precisasse de ar para respirar, exatamente, mas ela podia sentir sua garganta ceder. Em segundos, seria esmagada e Kelia viraria cinzas.

—E por que eu deveria fazer isso? — A Rainha perguntou. Ela nem se virou para olhar para Drew. Seu foco estava em Kelia e Kelia sozinha. Kelia ficou lisonjeada. Ela tentou olhar para Drew, mas estava ficando cada vez mais difícil de ver.

—Porque estou pedindo a você. — Drew disse com surpreendente gentileza.

O estômago de Kelia se revirou com o som. Por que ele estava sendo gentil com a rainha? Por que se rebaixar?

—Deixe-a ir, — Drew continuou, — E eu vou te amar.

Kelia sentiu o aperto da Rainha vacilar. Não. Drew não escolheria realmente ficar aqui, certo?

—Você mente.

—Eu farei tudo o que você me pedir, se ao menos você a deixasse ir.

Mesmo assim, a Rainha hesitou, seu aperto ainda lentamente tirando a vida de Kelia. Seu corpo inteiro agora parecia confuso, e ela estava escorregando...

Até que sua garganta fosse liberada.

Até que seus pés tocassem o chão.

Até que Kelia desabou sobre a pedra.

Passos pesados cruzaram para o lado delas, que ela sabia pertencer a Drew.

—Drew. — Kelia conseguiu dizer. Sua garganta parecia estar pegando fogo. Queimava até pensar, quanto mais tentar falar.

Talvez o dano infligido por outras Sombras, ou talvez apenas a própria Rainha, não tenha curado tão rapidamente.

—Por favor, — a Rainha resmungou. Ela parecia nada menos que patética. —Não minta para mim. Eu esperei apenas cem anos...

—E lamento ter feito você esperar —, disse Drew. Kelia achou que a voz dele soava forçada, como se fosse uma mentira, mas a dor estava começando a entorpecer sua sensibilidade e ela não conseguia abrir o olho esquerdo. Era difícil distinguir o que era fato e o que era ficção. —Eu só precisava me recompor.

—Vou fazer você pagar pela minha dor.

—Da pior maneira, espero. — Agora, havia um sorriso em sua voz, um tom que ela reconheceu e, ao mesmo tempo, a fez se sentir calorosa e especial. Agora, ela queria desgraçar, e não apenas porque suas entranhas estavam girando. —Querida, você se lembra quando eu beijava a parte interna do seu joelho? Você se lembra do que isso faria com você?

Kelia cerrou os dentes. Por que a Rainha não a matou? Mesmo que tudo isso fosse uma farsa, Kelia não queria ouvir.

—O que devemos fazer com ela? — A Rainha perguntou.

Kelia virou a cabeça para que ela pudesse olhar para eles.

Foi a pior coisa que ela poderia ter feito.

Drew se acomodou atrás da Rainha e colocou um braço em volta da cintura dela, enquanto a outra afastou seu cabelo e expôs seu pescoço.

—As trivialidades que podemos discutir mais tarde, — Drew disse com desdém. —Você sabe que eu não tirei sangue dela do jeito que tirei de você. Algo dentro de mim não queria poluir meu corpo com outra...

—Então por que fugir de mim, Drew? — a Rainha perguntou. —Por que se manter longe de mim por quase um século?

—Como eu disse. Para cuidar das coisas. Para provar a mim mesmo que te amo. Achei que não poderia amar para sempre. Você me mostrou que eu posso. Achei que a distância me daria clareza, mas é agora, vendo você, que me dou conta do que senti falta todos esses anos. Sinto muito por sua dor, minha querida. Me perdoe?

—Claro, meu querido, claro.

Kelia não tinha certeza, mas parecia que a rainha estava falando em meio a um soluço, talvez dois. Ela fez uma careta. Onde estava a vadia temível que controlava Sombras do Mar? O que aconteceu com ela? Ela poderia realmente cair tão facilmente de volta para Drew? Ela era tão patética?

—Venha agora. — Drew ronronou.

O estômago de Kelia continuou a revirar. Ela não se conteve quando começou a vomitar. Era a última coisa que ela queria ouvir; Drew falava assim com qualquer pessoa que não fosse ela, mas especialmente a Rainha. Não havia nada no estômago de Kelia, o que tornava o vômito mais doloroso, mas era como se o som ecoasse em sua mente. Ela não conseguia tirar isso da cabeça. Parte dela estava pronta para começar a bater a cabeça no chão para fazê-lo parar.

—Drew...— A Rainha se afastou dele. —Eu não posso... eu preciso que ela morra. Eu preciso que ela morra agora, você não vê? Eu não posso tê-la viva quando ela ameaça nosso reencontro.

—Ela não tem importância —, disse Drew. —Sujeira em nossas botas, nada mais. Você se preocupa por nada.

—Se ela não é nada, então por que você quer mantê-la viva? — A voz da Rainha estava aguda agora, como se ele estivesse começando a suspeitar.

—Eu não, — Drew insistiu. —Contudo...

—Então mate-a agora. — A Rainha cruzou os braços sobre o peito. —Se você me ama, se realmente quis dizer o que acabou de dizer, você vai matá-la agora. Eu queria fazer isso lentamente, para puni-la pela dor que ela me causou, mas agora, eu preferiria que ela fosse embora o mais rápido possível. — Uma batida. —Você hesita?

—Sinto muito. — Drew murmurou.

Kelia sabia que ele não iria matá-la, mas não sabia o que esperar enquanto isso acontecia.

—Lamento não ter feito isso antes —, disse Drew. —Lamento não ter feito isto quando tive oportunidade, mas irei corrigir a situação agora.

Ele girou no salto da bota para encarar a Rainha e correu em sua direção como se fosse uma sombra tentando escapar de ser tocada pela luz do sol. A rainha demorou a responder apenas porque ela não esperava por isso.

Kelia quase sentiu pena dela.

Quase.

Drew achatou a mão e bateu em seu peito com tanta rapidez que Kelia nem teve tempo de piscar. Em menos de um segundo, ele puxou o coração dela - um órgão negro que parecia tão morto e decrépito quanto sereias flutuando no mar - e o apertou até que se desfez em sua mão.


CAPÍTULO 29

Drew piscou uma vez, depois duas.

Estava feito.

A Rainha finalmente estava morta.

As sombras restantes pararam. Elas se entreolharam, a incerteza cruzando seus rostos. Obviamente, elas não sabiam o que fazer ou como se comportar agora que a Rainha havia partido.

Drew ficou tenso, esperando que elas atacassem. Quando isso não aconteceu, ele se endireitou. Sem aviso, elas passaram por ele, fugindo. Drew não se preocupou em ir atrás delas. Ele não achava que elas seriam uma ameaça por mais tempo.

Por que arriscar suas vidas por uma rainha que estava morta?

Cinza os cercou como chuva após uma seca. Ele começou a rir. Ele girou sobre a planta do pé enquanto as risadas continuavam a sair de sua boca.

Até que seus olhos pousaram em Kelia.

—Querida.

—Não me chame assim. — Os olhos de Kelia estavam fechados e ela estremeceu ao se mover.

Ele não sabia dizer se era dor pelo que tinha que acontecer entre ele e a rainha, ou se era porque o corpo dela não suportava mais danos.

Talvez ambos.

—Você sabe que eu não quis dizer...

—Eu sei. — Ela tentou balançar a cabeça e encolheu a cabeça. —Eu sei. E provavelmente... provavelmente estarei bem com isso mais tarde. Mas agora... é muito cedo.

Drew caiu de joelhos e levou o pulso à boca. Rapidamente, suas presas arrancaram a pele de seu pulso e a colocaram bem na frente da boca de Kelia. Ela abriu um olho como se pudesse sentir o cheiro de sangue.

—Beba, querida... Kelia. — Ele sorriu. Ele amava o nome dela. Ele amava o jeito que soava em sua boca. Ele amava tudo nela. —Isso vai acelerar o processo de cura do seu corpo. Mesmo as sombras não podem se curar rapidamente de outra forma quando feridas pela Rainha.

Kelia acenou com a cabeça e fechou os olhos mais uma vez. Ela se inclinou para frente e colocou os lábios em seu pulso e começou a consumir seu sangue. Ele teve que conter um gemido. De alguma forma, mesmo nos lugares mais traiçoeiros, ela trazia algo cru e apaixonado nele.

Quando ela terminou, ela soltou sua mão e ele a deixou cair para o lado. Ele podia ver a mudança nela quase imediatamente. Depois de mais alguns minutos, ela conseguiu se sentar.

Drew se ajoelhou e passou o braço em volta do corpo dela, ajudando-a a se levantar. —Você está bem?

Ela encolheu os ombros. —Já estive melhor.

Ele sorriu. —Fico feliz em ver que você não perdeu sua personalidade encantadora.

Drew ajudou Kelia em direção à porta. Juntos, eles voltariam para a batalha.

Isso poderia ter acabado?

Quando eles saíram do prédio, ele viu muitas cinzas e muito sangue no oceano. As sereias estavam se transformando diante de seus olhos nas humanas que costumavam ser enquanto as sombras restantes olhavam ao redor, como se um feitiço tivesse sido quebrado de suas mentes.

Ele olhou para o outro lado do mar em seu navio e viu Wendy, segurando o que parecia ser nada, mas na verdade parecia ser um escudo para proteger as sereias.

Drew e Kelia caminharam até a costa. Nenhuma sombra atacou. Elas olhavam para Drew e Kelia com admiração.

—Não pode ser...

—Diga-me que não é verdade.

—Desculpe, — Drew disse, embora ele não parasse de andar. —A rainha está morta. Todos vocês estão livres.

Ele fez seu caminho até um barco a remo e ajudou Kelia a entrar antes de empurrar o barco para a água e remar até o Espectro.

Demorou apenas um momento para que os dois estivessem de volta ao convés. Drew estava prestes a puxar Kelia para um longo beijo quando Bethany apareceu, aparentemente do nada.

Drew pigarreou. —Deixe-me ser o único a dizer a ela.

—Me dizer o quê? — Kelia perguntou.

Seu olhar se voltou para Kelia. Seus olhos ainda estavam fechados, mas havia uma ruga em seu nariz que indicava que ela podia sentir a dor em seu corpo. Ela estava se curando, mas seu corpo estava lento, ainda em sua infância. Ela poderia ficar presa com a dor por alguns dias, pelo menos.

—Temo que não vou te dar esse feliz para sempre depois de tudo. — Ele disse lentamente.

—Do que você está falando? — Sua voz estava tensa, controlada. Ele sabia que ela estava tentando esconder a dor de sua voz para que ele não tivesse que se preocupar. Por que ela continuou a pensar nele mesmo enquanto suportava tanta dor, não era algo que ele entendia. Talvez essa fosse a própria definição de amor.

Havia tantos mistérios não resolvidos sobre essa mulher. Ele esperava por muitas existências descobrir mais deles. Mas não era para acontecer.

—Eu devo deixá-la, — ele disse a ela. —Eu preciso ir.

Suas sobrancelhas se juntaram e ela tentou se sentar. Ela grunhiu ao fazer isso, movendo-se mais devagar do que o navio dele contra o vento.

—Kelia —, disse ele em voz baixa. —Não se esforce demais.

—Eu fui ao Inferno e voltei, algumas vezes na verdade, só para ver você matar a Rainha para que pudéssemos ficar juntos, — Kelia apontou. Ela finalmente abriu os olhos para que travassem em Drew. Ele queria desviar o olhar, mas não conseguiu. Ela o cativou. —E agora você me diz que não pode acontecer?

Drew riu, mas não havia coração nisso. Ele simplesmente reagiu.

—Sim, receio que sim. — Disse ele.

—Você mentiu.

—Eu não menti, — ele falou. —Eu retive.

—Está começando a parecer a mesma coisa —, disse ela. —Você poderia apenas ter me contado. Eu teria apoiado você. Eu teria feito qualquer coisa por você, Drew - eu fiz tudo por você. E você está indo embora?

—Eu não tenho escolha.

—Você sempre tem uma escolha, — ela retrucou. Ela estremeceu, como se o impulso poderoso de suas palavras fosse suficiente para arder como armas. —Pare de mentir para mim e pare de mentir para si mesmo.

—A única razão pela qual as sereias concordaram em ajudar foi porque Bethany as fez —, disse ele. —Ela queria que eu fosse punido porque, de certa forma, eu sou o culpado pelo que aconteceu com as sereias. Eu deixei a Rainha, e as consequências dessa ação afetaram a todos, de Emma a Wendy e Daniella a você. Seu pai. As sereias. Como posso culpá-los por seu ódio por mim e por minha espécie - por seu desejo de retribuição - quando, se eu tivesse apenas ficado, eles não teriam sido criados, ou teriam sofrido, em primeiro lugar?

Kelia colocou a mão em sua bochecha. Ele podia ler seus olhos claramente. Ela sempre foi tão aberta com suas emoções. Ele queria lembrá-la de que suas emoções não serviriam a ela, mas ele se conteve. Agora não era hora de dizer essas coisas.

—A Rainha está finalmente morta, — ela murmurou. —E ainda não podemos ficar juntos.

Drew abriu a boca, pronto para responder, quando alguém pigarreou atrás deles. Kelia inclinou a cabeça para olhar. Quando Drew viu Kelia franzir a testa, ele se moveu para ficar de frente para ela, posicionando Kelia atrás dele.

—Está na hora —, disse Bethany. —Devemos partir agora.

—Bethany —, disse Kelia, sua voz trêmula quando ela disse seu nome. Em todo o tempo que Drew conheceu Kelia, ele nunca a tinha ouvido implorar antes. Ela tinha muito orgulho. Mesmo enquanto ele a observava com a Rainha, nenhuma vez ela implorou por sua vida. —Bethany, por favor. Suas irmãs recuperaram suas vidas. Olhe para elas. — Ela gesticulou para Sangre, onde as sereias restantes ainda vivas estavam com as pernas trêmulas e tentaram cobrir seus corpos com o que podiam encontrar. —Você tem sua liberdade. Por que você forçaria Drew a desistir? Sem ele, você...

—Sem ele, minha irmã e eu nunca teríamos nos tornado sereias em primeiro lugar —, disse ela. —Sem Drew Knight, teríamos casado, provavelmente com filhos adultos agora. Sem ele, minha irmã ainda estaria viva.

—Eu irei para Port George, — Drew disse, — mas ainda tenho pessoas em meu navio que desejam desembarcar no caminho. Você pode nos acompanhar, se quiser, se não confiar que eu me entregarei. Mas eu apreciaria a oportunidade de levar minha irmã e a ruiva para Adelaide.

—A ruiva? — Bethany perguntou, seus lábios se curvando em um pequeno sorriso divertido.

—Você sabe muito bem qual é o nome dela. — Kelia disse a ele, seu tom engraçado.

—Tudo bem para você? — Drew perguntou.

—Eu suponho...— ela disse. —Eu não acho que irei com você. Vou apenas confiar na sua palavra. É imperativo que você não traia isso, Sombra. Meu tempo como uma sereia me ensinou magia que eu não hesitaria em usar contra você, ou as pessoas que você ama, se eu precisar.

—Qual é o seu problema? — Kelia retrucou, saindo de trás de Drew. —Todos nós perdemos pessoas nesta guerra. Perdi um pai, um companheiro próximo. Fui prejudicada de mais maneiras do que você pode imaginar. E eu morri. Morri. Eu não consigo me transformar em uma humana no final disso como você fez. Eu ainda sou uma Sombra. Ainda estou morta, condenada ao mar até a escuridão. O que mais você quer?

Bethany não vacilou. Seus olhos permaneceram em Drew, e houve uma comunicação silenciosa que pareceu passar entre eles, algo que Kelia não entendeu direito.

—Eu prometo a você, eu irei para Port George. Vou me entregar à Companhia das Índias Orientais.

Bethany acenou com a cabeça antes de mudar os olhos para que pousassem em Kelia. —Talvez nos encontremos novamente um dia, Sombra.

—É melhor rezar para que não o façamos. — Disse Kelia com os dentes cerrados.

Bethany sorriu e olhou para Drew. —Vejo por que você gosta dela —, disse ela. —Vou desembarcar agora. Estou confiando em sua palavra, capitão Knight. Se eu descobrir que você mentiu para mim...

—Economize seu fôlego, querida, — Drew disse. —Estou ciente de suas ameaças e sua capacidade de cumpri-las. Você tem minha palavra. O que mais você precisa?

Ainda houve uma pausa, como se ela estivesse hesitando em confiar nele, mas finalmente ela concordou. Sem outra palavra, ela saiu do navio de Drew e se dirigiu a um dos barcos que ela requisitou da pousada na Ilha dos Amaldiçoados.

—Pronta para zarpar, então? — Drew perguntou.

Kelia não respondeu. Ela apenas se virou e foi embora, como se ele já tivesse partido de sua vida.

 


Kelia teve que colocar alguma distância entre ela e Drew. Mesmo depois de saber que ele a traiu - que ele concordou em se entregar à Companhia das Índias Orientais - ela ainda não conseguia ficar perto dele sem calafrios percorrendo seu corpo. Apesar do fato de que ela o conhecia há algum tempo, ele ainda tinha esse efeito sobre ela. Ele ainda fazia seu estômago embrulhar e seu coração acelerar e sua respiração estremecer.

Logo, ela nunca mais sentiria aquela pressa novamente.

Deixar Wendy e Daniella com Adelaide foi muito mais rápido do que Kelia esperava. Claro, Adelaide não gostava de sentimentalismos ou tagarelice. Drew mal disse duas palavras para ela antes que ela quase batesse a porta na cara dele. Ela estava de volta à sua antiga casa, já tendo reconstruída em questão de dias. Quando Adelaide descobriu sobre Emma, foi a primeira vez que Kelia a viu em qualquer coisa além de irritação, frustração e arrogância.

—Ela gostaria que eu a levasse, infelizmente —, Adelaide disse a Wendy. —É melhor eu fazer isso. A última coisa que quero é que ela me assombre na morte. Ela já era uma cadela de mulher em vida; Só posso imaginar como ela seria como um espírito.

Drew e Kelia voltaram da ilha para o navio. A Ilha dos Amaldiçoados estava em construção. Não havia tantas pessoas lá, e não havia ameaças esperando por Drew e Kelia a cada passo, como antes.

Ou isso significava que Drew e Kelia erradicaram as ameaças da última vez que estiveram aqui ou, agora que a Rainha finalmente estava morta, não havia razão para ir atrás de Drew e Kelia.

Por mais que ela quisesse ficar com raiva dele e se distanciar dele, quanto mais perto eles chegavam dele se entregando, mais ela queria experimentar com ele cada momento que ela havia deixado.

—Agora, para onde vamos? — Kelia perguntou, uma vez que eles estavam em segurança a bordo.

—Você sabe onde, querida. — Drew disse.

Drew puxou Kelia em sua direção para que ela descansasse a bochecha contra seu peito, e ele colocou o queixo no topo de sua cabeça, seus braços envolvendo seu corpo e mantendo-a perto dele.

—Nós vamos para Port George. — Ele murmurou.

Kelia sentiu as lágrimas se acumularem em seus olhos, mas as piscou para evitar que caíssem. Drew precisava que ela fosse forte e tudo o que ela queria fazer era desabar.

—Vamos à Sociedade e ver se ainda está de pé —, continuou ele. —Tenho certeza que a Companhia das Índias Orientais vai querer ouvir sobre o que aconteceu com sua Rainha.


CAPÍTULO 30

Quando Kelia pisou nas docas de Port George, ela olhou para o castelo que uma vez abrigou a Sociedade.

Ela morava - costumava viver - aqui. Parecia terrivelmente semelhante e, no entanto, as coisas haviam mudado muito. Havia um vazio nisso. Era como se uma tensão crescente ainda pairasse no ar ao redor deste lugar, embora não houvesse ninguém aqui, exceto fantasmas.

Ela olhou para o chão e seu estômago embrulhou. Ela não ficava enjoada há meses, e ainda assim, havia algo neste lugar que a tornava fraca, que a tornava mais humana do que ela gostaria de admitir.

Ela alargou o nariz e olhou em volta. O cheiro do fogo parecia persistir, embora o celeiro estivesse amontoado no chão. Sua mente voltou para aquela noite, onde todos morreram. Onde Jennifer a traiu. Onde Drew voltou e a salvou.

Na época, Kelia pensou que a ilha inteira iria pegar fogo, e ela não teria se importado. Agora, porém... Port George era resistente, para dizer o mínimo. Ele suportou incêndios e tempestades, batalhas e furacões e, de alguma forma, ainda estava de pé. Provavelmente ainda estaria de pé muito antes que ela...

Morresse era a palavra errada.

Ela escondeu um sorriso e mudou seu peso, olhando para trás. Drew a seguiu para a ilha. O céu escuro não estava tão escuro para apagar a luz das estrelas que brilhavam sobre eles. Não havia lua. Estava completamente escuro - lua nova, como as bruxas chamavam. Um novo começo. Era hora de recomeçar, definir intenções. Uma lousa em branco.

Kelia gostou disso.

—Você está pronta para isso? — Drew perguntou, dando um passo ao lado dela e alisando as rugas de sua túnica branca bem passada.

Ela achava que nunca o tinha visto tão limpo antes. Isso a lembrou de quão bonito ele era, o que a surpreendeu porque ela já estava tão maravilhada com ele.

—Você está pronto para isso? — Kelia perguntou. —Você fugiu da Companhia das Índias Orientais a vida toda. Você acha que eles vão honrar a trégua?

—Eu não tenho nenhuma expectativa, — Drew respondeu, sua voz seca. —Infelizmente, não confio em ninguém, exceto em alguns poucos selecionados.

—Estou na lista?

—Você ainda está sob revisão.

Kelia sorriu apesar de si mesma. —Estou surpresa que Wendy não quisesse vir, — ela disse quando eles começaram a subir para a fortaleza. —Eu tinha certeza que ela não iria querer nada mais do que ver esses bastardos assinarem o desejo de vê-lo preso e morto.

—Wendy aproveitou a chance que Adelaide deu a ela e, francamente, não a culpo —, disse ele. Ele estendeu a mão e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha dela. —Adelaide não suporta os outros, a menos que isso a beneficie de alguma forma. O fato de que ela levou a Daniella e Wendy surpreendeu até a mim, e eu não sou facilmente surpreendido.

Kelia apertou os lábios para não sorrir. Eles começaram a subir o caminho que levava diretamente à fortaleza. De onde Kelia estava, havia dois guardas armados vestidos de preto, um arco pendurado no peito e flechas nas costas. Kelia não ficaria surpresa se as pontas das flechas fossem atadas com prata. Apenas no caso.

—Tem certeza de que é isso que deseja fazer? — Kelia perguntou. —Não sabemos o que eles farão com você, Drew. E se eles matarem você?

—Eu não pensei em nenhum outro resultado. — Drew respondeu.

Kelia recuou. Ela não podia acreditar que estava caminhando com ele para a morte. Ela tinha que acreditar que ainda havia esperança, se não para eles ficarem juntos, pelo menos para ele permanecer vivo. Mesmo se ele fosse um prisioneiro.

Se ele fosse um prisioneiro, ela poderia visitá-lo. Liberte-o. Fazer algo.

Mas não haveria como trazê-lo de volta de uma morte final.

—Não vá. — Ela disse, parando forte em seu caminho, a mão dele na dela para impedi-lo de continuar.

—Kelia —, disse ele, tristeza enchendo seus olhos. —Você sabe que devo. Talvez... —Ele mordeu o lábio e então enrolou uma mecha errante de cabelo atrás da orelha dela. —Talvez devêssemos nos separar aqui. Deixar uma boa memória. Você pode carregar qualquer esperança que precisar com você. Lembre-se de mim desta forma.

Ela engoliu o nó na garganta. —Eu estou com você até o fim, Drew Knight. Saiba disso tão absolutamente quanto você conhece o seu amor por mim.

Seu olhar triste procurou o dela por mais um momento antes de silenciosamente começar a subir o caminho novamente.

Kelia o seguiu, seus pés como chumbo a cada passo.

Um homem saiu do prédio. Kelia percebeu que ele era uma Sombra do Mar apenas pela maneira como ele se portava. Havia também algo nele, algo sobrenatural que chamava a atenção para sua boa aparência. Até Kelia não pôde deixar de olhar para ele. Seu cabelo castanho era espesso e selvagem, como a juba de um leão. Ele tinha olhos de ouro afiados e uma mandíbula forte que parecia perpetuamente cerrada, como se estivesse com raiva de tudo o tempo todo. Ele era mais alto que Drew por cerca de cinco, talvez sete centímetros, e seu corpo era repleto de músculos.

—Drew Knight. — A voz do homem era uma madeira rica. Ele provavelmente foi um cantor encantador quando estava vivo. Ele ainda poderia ser um mesmo agora. —E você trouxe uma... amiga.

Drew forçou um sorriso e combinou o olhar de Sombra com o seu próprio.

—Sinto muito, não acredito que tivemos o prazer. — Disse Drew.

Nenhum dos homens apertou as mãos.

—James —, disse o homem. —James Faulkner. Tenente do Exército das Sombras. Estou aqui para mostrar a você a sala de estar. Sua amiga terá que esperar do lado de fora enquanto as coisas são discutidas.

—Minha amiga não fará tal coisa, — Drew disse sério. —Ela vai entrar e ficar comigo. O que você me diz, você pode dizer a ela.

—A Companhia das Índias Orientais não deseja aborrecer a senhora com palavras e detalhes triviais. — Disse James Faulkner quando eles entraram na fortaleza e viraram à direita.

—Sr. Faulkner — disse Kelia antes que Drew tivesse chance de responder. —Perdoe-me, mas você já conheceu uma senhora antes? Alguém que é educada e já matou? Alguém que pode combinar meias apropriadas com vestidos e alguém que, como uma Sombra, provou o sangue de sereia e viveu para contar a história?

James mudou seu olhar de Drew para Kelia. Kelia forçou um sorriso.

—Não, — ele admitiu, embora sua voz ainda fosse curta. —Eu não tenho.

—Não estou surpresa —, disse ela, desviando sua atenção de Faulkner e deixando seus olhos vagarem pelo corredor familiar. —Se alguém precisar de ajuda quando palavras particularmente difíceis surgem em discussão, fico feliz em oferecer meus serviços.

—Querida, não há necessidade de fazer um espetáculo da Sombra. — Drew murmurou, embora Kelia pudesse ver a aprovação brilhando em seus olhos escuros.

—Ele precisa aprender boas maneiras. — Kelia apontou.

—Estou bem ciente do decoro de nossa sociedade, — James Faulkner disse. Ele abriu a porta da fortaleza e deu um passo para trás para que Drew e Kelia pudessem avançar. —Se eu realmente decidir participar desse decoro é uma questão diferente.

—Seu empregador não deseja que você seja a besta perfeita deles? — Kelia perguntou.

Havia uma parte dela que estava sendo picante de propósito, mas ela estava genuinamente curiosa sobre essa Sombra do Mar. Se ele estivesse sendo honesto, se sua irritação em relação às regras não fosse para se exibir, ela queria saber como a Companhia das Índias Orientais o mantinha na linha.

—Eu não sou a besta de ninguém. — Disse James. Havia uma leve mordida em seu tom.

Enquanto o trio caminhava pelo corredor sombrio iluminado apenas pelas tochas penduradas nas paredes, Drew deslizou sua mão na de Kelia e deu um aperto suave. Para um observador casual, pode ter sido um gesto romântico. Kelia sabia, no entanto, que ele estava enviando a ela um aviso silencioso.

O resto da caminhada foi silenciosa e sem pressa. James não parecia estar com pressa. Kelia sabia que ela e Drew não estavam. Kelia sabia que a Companhia das Índias Orientais esperava que Drew se entregasse. Bethany esperava o mesmo. Mas talvez houvesse uma maneira de barganhar com Drew fora disso.

Kelia estava disposta a fazer qualquer coisa pela Companhia das Índias Orientais, apesar de sua história traiçoeira e sórdida, se isso significasse trazer Drew de volta.

James virou à esquerda e subiu a escada. Kelia reconheceu instantaneamente como o caminho para as câmaras do conselho. Ela se lembrava de ter vindo aqui quando estava procurando por documentação sobre onde Wendy Knight estava localizada na Sociedade. Continha uma biblioteca secreta cheia de livros de magia que Kelia desejava ler antes de ser puxada pelo destino.

Eles caminharam por outro corredor onde vozes suaves ecoavam por trás das portas fechadas enquanto eles passavam. Ela apertou a mandíbula. Ela pensou que a Sociedade havia sido destruída desde que eles partiram, desde a morte de Rycroft, desde...

Mas claramente não.

A Sociedade - assim como sua fortaleza - ainda estava de pé.

Kelia empalideceu. Ela teve que se conter. Seu estômago estava ficando tonto, e ela quase teve medo de se espirrar no chão.

Estranho.

Ela não sentia náuseas assim desde que era humana e estava lutando contra o enjoo prevalente do mar.

—Você está bem, querida? — Drew perguntou, parando para que ele pudesse ficar ao lado dela.

James parou e deu a ela um olhar questionador, mas não disse nada.

—Estou bem —, disse Kelia, alisando as rugas da túnica sobre o estômago. —Estou bem.

—Ótimo —, disse Faulkner. —Não gostaríamos de deixar a CIO esperando por mais tempo.

Kelia tinha uma réplica esperando por ele na ponta da língua, mas Drew a puxou para dentro da sala antes que ela pudesse dizer qualquer coisa. A longa mesa de madeira ainda estava lá, mas a biblioteca havia desaparecido completamente. Kelia esperava mais do que tudo que a Companhia das Índias Orientais não tivesse queimado os livros ou destruído. Escondeu-os se fosse preciso, mas qualquer coisa além disso era simplesmente criminoso.

—Drew Knight. — Disse um dos homens, levantando-se de sua cadeira à cabeceira da mesa.

Seu parceiro, um homem baixo com uma carranca no rosto, nem se deu ao trabalho de erguer a cabeça da fascinante tarefa de limpar as cutículas com as unhas.

—A que devemos a visita? — O primeiro homem perguntou.

Drew franziu a testa. Ele entrou na sala. Kelia preferia ficar ao lado da porta caso uma saída rápida fosse necessária. Com o canto do olho, ela viu Faulkner deslizar para uma cadeira do lado oposto da mesa e tamborilar seus longos dedos contra a superfície. Seus ombros estavam quadrados, sua postura quase perfeita. Ele deve ter sido algum tipo de cavalheiro antes de ser transformado.

—Fiz um trato com uma sereia —, disse Drew. —Em troca da ajuda das sereias para matar a Rainha, eu deveria fazer uma visita a vocês.

—Por quê? — A voz seca do homem indiferente encheu a sala.

Kelia se irritou, embora não devesse permitir que alguém inconsequente entrasse em sua pele. Havia apenas algo sobre este homem, no entanto. Algo em que ela não confiava.

—Por quê? — Drew repetiu. —Certamente você sabe o que acontece agora? — Ele deu um passo hesitante para dentro da sala, mas sua cabeça moveu-se panoramicamente. Kelia sabia que ele estava tentando procurar saídas em potencial. —A rainha está morta.

—Você gostaria de um biscoito? — O segundo, sentado, disse o homem. Ele finalmente olhou para Drew, seus olhos cor de pervinca tão entediados quanto seus lábios curvados.

—Wilson —, disse o primeiro homem em um aviso gentil. —Drew Knight e sua amiga nos prestaram um grande serviço matando a Rainha.

—A Companhia das Índias Orientais queria a morte da Rainha? — Kelia disse antes que ela pudesse se conter.

—Por que você acha que ninguém da CIO a defendeu? — Wilson perguntou. Ele se inclinou para a frente na cadeira e colocou as mãos na superfície da mesa. —Você não acha estranho que seu maior aliado não estivesse lá para ela durante um período tão ameaçador?

O queixo de Kelia caiu quando ela deixou as palavras do homem afundarem. Em nenhuma vez ela questionou por que a Companhia das Índias Orientais não estava lá. Ela sabia que a Rainha e a CIO tinham uma relação tumultuada para dizer o mínimo, mas eles se viam como aliados. No mínimo, eles lutariam do mesmo lado.

E ainda, não havia ninguém em Sangre além das Sombras da Rainha para defendê-la.

Isso era revelador, e Kelia não tinha percebido até agora.

—Vocês queriam a Rainha morta? — Drew repetiu, como se esperasse uma resposta diferente.

Seu tom era muito mais reservado do que o de Kelia. Ele sempre mantinha suas emoções perto de seu peito. Kelia desejava poder ser mais assim, mas sabia que nunca seria. E ela estava começando a aceitar que estava tudo bem.

—Sim —, disse o primeiro homem. —E você nos ajudou a conseguir isso. Não tínhamos que arriscar nossos homens. E por isso, agradecemos.

—O que isso significa exatamente? — Kelia perguntou, dando um passo à frente de onde ela havia se posicionado no canto da sala.

—Significa, querida, que você e seu amado não têm importância para nós —, disse Wilson. —Façam o que vocês quiserem. Vão para onde quiserem. Nós não ligamos. Estamos começando a executar a segunda parte do nosso plano e, uma vez que não deve afetar as Sombras, ninguém se preocupa com vocês.

—Não afetará Sombras. — Drew disse lentamente.

—A CIO sempre esteve de olho na colonização da Índia, China e parte oriental do continente, e conseguimos fazer isso —, continuou Wilson. —Continuamos a comercializar com uma variedade de países a fim de uni-los todos e estabelecer a Inglaterra como governante soberano sobre esses países.

—Mas —, disse o primeiro homem, — há outros que precisam de nossa ajuda.

Kelia franziu os lábios. Precisando da ajuda deles? Eles lançaram isso como se fossem heróis. Na verdade, eles estavam tentando obter o controle de qualquer pessoa que pudessem.

—O programa de procriação de seu pai nos deu algum progresso —, continuou Wilson. —Mas vamos começar um novo programa. Afinal, não queremos apenas países. Queremos criaturas. Começamos com a Rainha, mas queremos expandir. Experimentar. Criar. Adicionar mais valor ao mundo.

—O controle sobre a terra nos permite ajudar muitas pessoas —, disse o primeiro homem, —mas imagine quanto bem podemos fazer se também tivermos controle sobre a magia.

—É mesmo possível? — Kelia perguntou, um buraco crescendo em seu estômago.

A Companhia das Índias Orientais pode ter desejado a morte da Rainha, e pode ter estado disposta a deixar Drew andar livre, mas eles não eram pessoas boas e nobres. O poder em suas mãos era perigoso.

—Nós achamos que sim, — o primeiro homem disse com um sorriso. —E temos que agradecer a você por tirar a Rainha do caminho, dando-nos assim a capacidade de seguir em frente. Agradeço, vocês dois. Agora, se vocês nos derem licença. Temos muito que discutir.

Faulkner se levantou e foi até a porta. Ele abriu, e Drew saiu seguido por uma Kelia muito confusa.

Por que Drew não estava dizendo nada?

—Você está bem com isso? — Ela perguntou a Faulkner ao passar por ele. —Eles controlam suas bolas, assim como sua boca?

Faulkner olhou para ela, mas não respondeu.

 


Quando eles finalmente chegaram ao navio, Kelia abriu os braços e bateu o pé. —Por que nenhuma luta, Drew? — ela exigiu. —Por que nenhum argumento? Porque não...

—Porque somos livres! — Ele exclamou, agarrando seus ombros e trazendo-a para perto dele. —Somos livres, estamos juntos e estamos vivos. Isso é tudo o que importa para mim. Você não vê? Fomos para o Inferno e voltamos e sobrevivemos. Eu quero aproveitar isso. Toda minha vida estive correndo. Agora, eu não preciso. Não mais.

Ele não entendia? Isso os tornaria tão ruins quanto qualquer pessoa que olhava para o outro lado no que a Sociedade estava fazendo. Pelo que a Rainha fez.

Ninguém se importava até que suas próprias vidas estivessem em jogo.

—Achei que você fosse diferente, Drew —, ela disse, balançando a cabeça. —Mas você só se preocupa com você mesmo.

—E você, — ele disse, se aproximando. —Mas você está certa. Devemos fazer algo. Nós vamos fazer alguma coisa.

Kelia arqueou a sobrancelha. —Nós vamos?

—Sim, — ele prometeu. —Mas não hoje. Não quando sabemos tão pouco e estamos tão mal preparados. Vamos ver o que eles fazem primeiro. — Ele colocou o cabelo atrás da orelha dela e segurou a bochecha de Kelia com a palma da mão. —Por favor, Kelia. Conceda-me este único favor. Vamos simplesmente esquecer que outra pessoa existe por um curto período de tempo. Deixe-me desfrutar de você.

Ele ficou de joelhos e olhou para ela, fazendo seu estômago se contorcer. —Você é minha rainha. Deixe-me adorar você sem preocupação ou estresse. Temos mil vidas juntos. Vamos começar agora.

Kelia queria discutir, mas não conseguia encontrar um bom motivo para isso. Especialmente quando ele olhava para ela dessa forma.

Eles poderiam salvar o mundo outro dia.

—Rainha, você disse? — Ela perguntou enquanto corria os dedos pelos cabelos de Drew.

Ele acariciou a barra de sua túnica. —E eu sou seu cavaleiro. E é assim que é. É assim que sempre será.

Ele ergueu a roupa e beijou sua barriga nua, e seus olhos se fecharam por conta própria.

—O que você diz, querida? — Ele perguntou.

—Eu pensei que era uma rainha. — Ela brincou.

—Você está certa, eu me desculpo. — Outro beijo, perto de seu umbigo. —O que você diz, Sua Majestade?

—Sim —, ela murmurou de volta. —Eu digo sim.

Com essa declaração para selar o acordo, ele puxou sua túnica e a despiu antes de fazer amor com ela sob as estrelas e na onda fria da escuridão.

 

 

                                                   Isadora Brown         

 

 

 

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