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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


QUEM CASA, QUER CASA / Martins Pena
QUEM CASA, QUER CASA / Martins Pena

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

QUEM CASA, QUER CASA

 

                                                           Personagens

                               NICOLAU, marido de

                               FABIANA, mãe de

                               OLAIA e

                               SABINO.

                               ANSELMO, pai de

                               EDUARDO, irmão de

                               PAULINA.

                               Dois meninos e um homem

 

A cena passa-se no Rio de Janeiro, no ano de 1845.

 

ATO ÚNICO

Sala com uma porta no fundo, duas à direita e duas à esquerda; uma mesa com o que é necessário para escrever-se, cadeiras, etc.

 

CENA I

Paulina e Fabiana. Paulina junto à porta da esquerda e Fabiana no meio da sala; mostram-se enfurecidas.

 

PAULINA, batendo o pé – Hei de mandar!...

FABIANA, no mesmo – Não há de mandar!...

PAULINA, no mesmo – Hei de e hei de mandar!...

FABIANA – Não há de e não há de mandar!...

PAULINA – Eu lho mostrarei. (Sai.)

FABIANA – Ai que estalo! Isto assim não vai longe... Duas senhoras a mandarem em uma casa... é o inferno! Duas senhoras? A senhora aqui sou eu; esta casa é de meu marido, e ela deve obedecer-me, porque é minha nora. Quer também dar ordens; isso veremos...

PAULINA, aparecendo à porta – Hei de mandar e hei de mandar, tenho dito! (Sai.)

FABIANA, arrepelando-se de raiva – Hum! Ora, eis aí está para que se casou meu filho, e trouxe a mulher para minha casa. É isto constantemente. Não sabe o senhor meu filho que quem casa quer casa... Já não posso, não posso, não posso! (Batendo com o pé:) Um dia arrebento, e então veremos! (Tocam dentro rabeca.) Ai, que lá está o outro com a maldita rabeca... É o que se vê: casa-se meu filho e traz a mulher para minha casa... É uma desavergonhada, que se não pode aturar. Casa-se minha filha, e vem seu marido da mesma sorte morar comigo... É um preguiçoso, um indolente, que para nada serve. Depois que ouviu no teatro tocar rabeca, deu-lhe a mania para aí, e leva todo o santo dia – vum,vum,vim,vim! Já tenho a alma esfalfada. (Gritando para a direita:) Ó homem, não deixarás essa maldita sanfona? Nada! (Chamando:) Olaia! (Gritando:) Olaia!

 

CENA II

Olaia e Fabiana

 

OLAIA, entrando pela direita – Minha mãe?

FABIANA – Não dirás a teu marido que deixe de atormentar-me os ouvidos com essa infernal rabecada?

OLAIA – Deixar ele a rabeca? A mamãe bem sabe que é impossível!

FABIANA – Impossível? Muito bem!...

OLAIA – Apenas levantou-se hoje da cama, enfiou as calças e pegou na rabeca – nem penteou os cabelos. Pôsa uma folha de música diante de si, a que ele chama seu Trêmolo de Bériot, e agora verás – zás, zás! (Fazendo o movimento com os braços.) Com os olhos esbugalhados sobre a música, os cabelos arripiados, o suor a correr em bagas pela testa e o braço num vaivém que causa vertigens!

FABIANA – Que casa de Orates é esta minha, que casa de Gonçalo!

OLAIA – Ainda não almoçou, e creio que também não jantará. Não ouve como toca?

FABIANA – Olaia, minha filha, tua mãe não resiste muito tempo a este modo de viver...

OLAIA – Se estivesse em minhas mãos remediá-lo...

FABIANA – Que podes tu? Teu irmão casou-se, e como não teve posses para botar uma casa, trouxe a mulher para a minha. (Apontando:) Ali está para meu tormento. O irmão dessa desavergonhada vinha visitá-la frequentemente; tu o viste, namoricaste-o, e por fim de contas casaste-te com ele... E caiu tudo em minhas costas! Irra, que arreio com a carga! Faço como os camelos...

OLAIA – Minha mãe!

FABIANA – Ela, (apontando) uma atrevida que quer mandar tanto ou mais do que eu; ele, (apontando) um mandrião romano, que só cuida em tocar rabeca, e nada de ganhar a vida; tu, uma pateta, incapaz de dares um conselho à jóia de teu marido.

OLAIA – Ele gritaria comigo...

FABIANA – Pois gritarias tu mais do que ele, que é o meio das mulheres se fazerem ouvir. Qual histórias! É que tu és uma maricas. Teu irmão, casado com aquele demônio, não tem forças para resistir à sua língua e gênio; meu marido, que como dono da casa podia dar cobro nestas coisas, não cuida senão da carolice: sermões, terços, procissões, festas e o mais disse, e sua casa que ande ao Deus dará... E eu que pague as favas! Nada, nada, isto assim não vai bem; há de ter um termo... Ah!

 

CENA III

Eduardo e as ditas. Eduardo, na direita baixa, entra em mangas de camisa, cabelos grandes muito embaraçados, chinelas, tazendo a rabeca.

 

EDUARDO, da porta – Olaia, vem voltar à música.

FABIANA – Psiu, psiu, venha cá!

EDUARDO – Estou muito ocupado. Vem voltar à música.

FABIANA, chegando-se para ele e tomando-o pela mão – Fale primeiro comigo. Tenho muito que lhe dizer.

EDUARDO – Pois depressa, que não me quero esquecer da passagem que tanto me custou a estudar. Que música, que trêmolo! Grande Bériot!

FABIANA – Deixemo-nos agora de Berliós e tremidos e ouça-me.

EDUARDO – Espere, espere; quero que aplauda e goze um momento do que é bom e sublime; assentm-se (Obriga-as a sentarem-se e toca rabeca, tirando sons extravagantes, imitando o Trêmolo.)

FABIANA, levantando-se enquanto ele toca – E então? Peiór, peior! Não deixará esta infernal rabeca? Deixe, homem! Ai, ai!

OLAIA, ao mesmo tempo – Eduardo, Eduardo, deixa-te agora disso. Não vês que a mamãe se aflige. Larga o arco. (Pega na mão do arco e forceja para o tirar.)

FABIANA – Larga a rabeca! Larga a rabeca! (Pegando na rabeca e forcejando.)

EDUARDO, resistindo e tocando entusiasmado – Deixem-me, deixem-me acabar, mulheres, que a inspiração me arrebata... Ah!...ah (Dá com o braço do arco nos peitos de Olaia e com o da rabeca nos queixos de Fabiana, isto tocando com furor.)

OLAIA – Ai, meu estômago!

FABIANA, ao mesmo tempo – Ai, meus queixos!

EDUARDO, tocando sempre co entusiasmo – Sublime! Sublime! Bravo! Bravo!

FABIANA, batendo com o pé, raivosa – Irra!

EDUARDO, deixando de tocar – Acabou-se. Agora pode falar.

FABIANA – Pois agora ouvirás, que estou cheia até aqui... Decididamente já não o possso nem quero aturar.

OLAIA – Minha mãe!

EDUARDO – Não?

FABIANA – Não e não senhor. Há um ano que o senhor casou-se com minha filha e ainda está às minhas costas. A carga já pesa! Em vez de gastar as horas tocando rabeca, procure um emprego, alugue uma casa e, fora daqui com sua mulher! Já não posso com as intrigas e desavenças em que vivo, depois que moramos juntos. É um inferno! Procure casa, procure casa... Procure casa!

EDUARDO – Agora, deixe-me também falar... Recorda-se do que lhe dizia eu quando se tratou do meu casamento com sua filha?

OLAIA – Eduardo!...

EDUARDO – Não se recorda?

FABIANA – Não me recordo de nada... Procure casa. Procure casa!

EDUARDO – Sempre é bom que se recorde... Dizia eu que não podia casar-me por faltarem-me os meios de por casa e sustentar família. E o que respondeu-me a senhora a esta objeção?

FABIANA – Não sei.

EDUARDO – Pois eu lhe digo: respondeu-me que isso não fosse a dívida, que em quanto à casa podíamos ficar morando aqui juntos, e que aonde comiam duas pessoas, bem podiam comer quatro. Enfim, aplainou todas as dificuldades... Mas então queria a senhora pilhar-me para marido de sua filha... Tudo se facilitou; tratava-me nas palmas das mãos. Agora que me pilhou feito marido, grita: Procure casa! Procure casa! Mas eu agora é que não estou para aturá-la; não saio daqui. (Assenta-se com resolução numa cadeira e toca rabeca com raiva.)

FABIANA, indo para ele – Desavergonhado! Malcriado!

OLAIA, no meio deles – Minha mãe!

FABIANA – Deixa-me arrancar os olhos a este traste!

OLAIA – Tenha prudência! Eduardo, vai-te embora.

EDUARDO, levanta-se enfurecido, bate o pé e grita – Irra! (Fabiana e Olaia recuam espavoridas. Indo para Fabiana:) Bruxa! Vampiro! Sanguechuga da minha paciência! Ora, quem diabo havia dizer-me que esta velha se tornaria assim!

FABIANA – Velha, maroto, velha?

EDUARDO – Antes de pilhar-me para marido da filha, eram tudo mimos e carinhos. (Arremedando:) Sr. Eduardinho, o senhor é muito bom moço... Há de ser um excelente marido... Feliz daquela que o gozar... ditosa mãe que o tiver por genro... Agora escoiceia-me, e descompõe... Ah, mães, mães espertalhonas! Que lamúrias para empurrarem as filhas! Estas mães são mesmo umas ratoeiras... Ah, se eu te conhecesse!...

FABIANA – Se eu também te conhecesse, havia de dar-te um...

EDUARDO – Quer dançar a polca?

FABIANA, desesperada – Olhe que me perco...

OLAIA – Minha mãe...

EDUARDO, vai saindo, cantando e dançando a polca – Tra la la la, ri la ra ta...(Etc.,etc.)

FABIANA, querendo ir a ele e retida por Olaia – Espera, maluco de uma figa...

OLAIA – Minha mãe, tranquilize-se, não faça caso.

FABIANA – Que te hei de fazer o trêmolo e a polca com os olhos fora da cara!

EDUARDO, chegando à porta – Olaia, vem voltar à música...

FABIANA, retendo-a – Não quero que vá lá...

EDUARDO, gritando – Vem voltar à música...

FABIANA – Não vai!

EDUARDO, gritando e acompanhando com a rabeca – Vem voltar à música!

FABIANA, empurrando-a – Vai-te com o diabo!

EDUARDO – Vem comigo. (Vai-se com Olaia.)

 

CENA IV

Fabiana, só.

 

FABIANA – Oh, é preciso tomar uma resolução... Escreva-se. (Senta-se, escreve ditando:) “Ilmo Sr. Anselmo Gomes. Seu filho e sua filha são duas pessoas muito malcriadas. Se o senhor hoje mesmo não procura casa para que eles se mudem da minha, leva tuda a breca. Sua criada, Fabiana da Costa.” (Falando:) Quero ver o que ele responde-me a isto. (Fecha a carta e chama:) João? Também este espertalhão do Sr. Anselmo, o que quis foi empurrar a filha e o filho de casa; e os mais que carreguem... Estou cansada; já não posso. Agora aguente ele. (Chamando:) João?

PAJEM, entrando – Minha senhora...

FABIANA – Vai levar esta carta ao Sr. Anselmo. Sabes? É o pai do Sr. Eduardo.

PAJEM – Sei, minha senhora.

FABIANA – Pois vai depressa. (Pajem vai-se.) Estou resolvida a desbaratar...

 

CENA V

Entra Nicolau de hábito de irmão terceiro, seguido de um homem com uma troxa embaixo do braço.

 

NICOLAU, para o homem – Entre, entre... (Seguindo para a porta da direita.)

FABIANA, retendo-o – Espere, tenho que lhe falar.

NICOLAU – Guarda isso para logo; agora tenho muita pressa. O senhor é o armador que vem vestir os nossos dois pequenos para a procissão de hoje.

FABIANA – Isso tem tempo.

NICOLAU – Qual tempo! Eu já volto.

FABIANA, raivosa – Há de ouvir-me!

NICOLAU – O caso não vai de zangar... Ouvir-te-ei, já que gritas. Sr. Bernardo, tenha a bondade de esperar um momento. Vamos lá, o que queres? E em duas palavras, se for possível.

FABIANA – Em duas palavras? Aí vai: já não posso aturar meu genro e minha nora!

NICOLAU – Ora mulher, isso é cantiga velha.

FABIANA – Cantiga velha? Pois olhe: se não procura casa para eles nestes dois dias, ponho-os pela porta fora.

NICOLAU – Pois eu tenho lá tempo de procurar casa?

FABIANA – Oh, também o senhor não tem tempo para coisa alguma... Todos os seus negócios vão por água abaixo. Há quinze dias perdemos uma demanda por seu desleixo; sua casa é uma casa de Orates, filhos para uma banda, mulher para outra, tudo a brigar, tudo em confusão... e tudo em um inferno! E o que faz o senhor no meio de toda essa desordem? Só cuida na carolice...

NICOLAU – Faço muito bem, porque sirvo a Deus.

FABIANA – Meu caro, a caroleice, como tu a praticas, é um excesso de devoção, assim como a hipocrisia o é da religião. E todo o excesso é um vício...

NICOLAU – Mulher, não blasfemes!

FABIANA – Julgas tu que nos atos exteriores é que está a religião? E que um homem, só por andar de hábito há de ser remido de seus pecados?

NICOLAU – Cala-te...

FABIANA – E que Deus agradece ao homem que não cura dos interesses de sua família e da educação de seus filhos, só para andar de tocha na mão?

NICOLAU – Nem mais uma palavra! Nem mais uma palavra!

FABIANA – É nossa obrigação, é nosso mais sagrado dever servir a Deus e contribuirmos para a pompa de seus mistérios, mas também é nosso dever, é nossa obrigação sermos bons pais de família, bons maridos, doutrinar os filhos no verdadeiro temor de Deus... É isto que tu fazes? Que cuidado tens da paz de tua família? Nenhum. Que educação dás a teus filhos? Leva-os à procissão feito anjinhos e contentas-te com isso. Sabem eles o que é uma procissão e que papel vão representar? Vão como crianças; o que querem é o cartucho de amêndoas...

NICOLAU – Oh, estás com o diabo na língua! Arreda!

FABIANA – O sentimento religioso está na alma, e esse transpira nas menores ações da vida. Eu, com este meu vestido, posso ser mais religiosa do que tu com este hábito.

NICOLAU, querendo tapar-lhe a boca – Cala-te, blasfema!... (Seguindo-a.)

FABIANA – O hábito não faz o monge. (Fugindo dele.) Ele é, muitas vezes, capa de espertalhões que querem iludir ao público; de hipócritas que se servem da religião como de um meio; de mandriões que querem fugir a uma ocupação e de velhacos que comem das irmandades...

NICOLAU – Cala-te, que aí vem um raio sobre nós! Ousas dizer que somos velhacos?

FABIANA – Não falo de ti nem de todos; falo de alguns.

NICOLAU – Não quero mais ouvir-te, não quero! Venha, senhor. (Vai-se com o homem.)

FABIANA, seguindo-o – Agora tomei-te eu à minha conta; há de ouvir-me até que te emendes!

 

CENA VI

Entra Sabino, e a dita que está em cena. (Sabino é extremamente gago, o que o obriga a fazer contorsões quando fala.)

 

SABINO, entrando – O que é isto, minha mãe?

FABIANA – Vem tu também cá, que temos que falar.

SABINO – O que aconteceu?

FABIANA – O que aconteceu? Não é novo para ti... Desaforos dela...

SABINO – De Paulina?

FABIANA – Sim. Agora o que acontecerá é que eu te quero dizer. Tua bela mulher é uma desavergonhada!

SABINO – Sim senhora, é; mas minha mãe, às vezes, é que bole com ela.

FABIANA – Ora, eis aí está! Ainda a defende contra mim!

SABINO – Não defendo; digo o que é.

FABIANA, arremedando – O que é... Gago de uma figa!

SABINO, furioso – Ga... ga... ga... ga... (Fica sufocado, sem poder falar.)

FABIANA – Ai, que arrebenta! Canta, canta, rapaz; fala cantando, que só assim te sairão as palavras.

SABINO, cantando no tom de moquirão – Se eu sou gago... se eu sou gago... foi foi Deus que assim me fez... eu não tenho culpa disso... para assim me descompor.

FABIANA – Quem te descompõe? Estou falando de tua mulher, que traz esta casa em uma desordem...

SABINO, no mesmo – Todos, todos, nesta casa... têm culpa, têm culpa nisso... Minha mãe quer só mandar... e Paulina tem mau gênio... Se Paulina, se Paulina... fosse fosse mais poupada... tantas brigas não haviam... viveriam mais tranquilas...

FABIANA – Mas ela é uma desavergonhada, que vem muito de propósito contrariar-me no governo da casa.

SABINO, no mesmo – Que ela, que ela é desaver... desavergonhada... eu bem sei, sei muito bem... e cá sinto, e cá sinto... mas em aten... em aten... em atenão a mim... minha mãe... minha mãe devia ceder...

FABIANA – Ceder, eu? Quando ela não tem a menor atenção comigo? Hoje nem bons dias me deu.

SABINO, gago somente – Vou fazer com que ela venha... com que ela venha pedir perdão... e dizer-lhe que isto assim... que isto assim não me convém... e se ela, se ela persistir... vai tudo raso... com com pancadaria...

FABIANA – Ainda bem que tomaste uma resolução.

 

CENA VII

Nicolau e os ditos.

 

NICOLAU – Ó senhora?

FABIANA – O que me quer?

NICOLAU – Oh, já chegaste, Sabino? As flores de cera para os tocheiros?

SABINO, gago – Ficaram prontas e já foram para a igreja.

NICOLAU – Muito bem; agora vai vestir o hábito, que são horas de sairmos. Vai, anda.

SABINO – Sim senhor. (A Fabiana:) Vou ordenar que lhe venha pedir perdão e fazer as pazes. (Vai-se.)

 

CENA VIII

Nicolau e Fabiana.

 

NICOLAU – Os teus brincos de brilhantes e os teus adereços, para nossos filhos levarem? Quero que sejam os anjinhos mais ricos... Que glória para mim! Que inveja terão!

FABIANA – Homem, estão lá na gaveta. Tire tudo quanto quiser, mas deixe-me a paciência...

NICOLAU – Verás que anjinhos asseados e ricos! (Chamando:) Ó Eduardo? Eduardo? Meu genro?

EDUARDO, dentro – Que é lá?

NICOLAU – Olha que são horas. Veste-te depressa, que a procissão não tarda a sair.

EDUARDO, dentro – Sim senhor.

FABIANA – Ainda a mania deste é inocente... Assim tratasse ele da família.

NICOLAU – Verá, mulher, verás que guapos ficam nossos filhinhos... Tu não os irá ver passar?

FABIANA – Sai de casa quem a tem em paz. (Ouve-se dobrar os sinos.)

NICOLAU – É o primeiro sinal! Sabino, anda depressa! Eduardo? Eduardo?

EDUARDO, dentro – Sim senhor.

SABINO, dentro – Já vou, senhor.

NICOLAU – Já lá vai o primeiro sinal! Depressa, que já saiu... Sabino? Sabino? Anda, filho... (Correndo para dentro:) Ah, senhor Bernardo, vista os pequenos... Ande, ande! Jesus, chegarei tarde! (Vai-se.)

 

CENA IX

Fabiana e depois Paulina

 

FABIANA – É o que se vê... Deus lhe dê um zelo mais esclarecido...

PAULINA, entrando e à parte – Bem me custa...

FABIANA, vendo-a e à parte – Oh, a desavergonhada de minha nora!

PAULINA, à parte – Em vez de conciliar-me, tenho vontade de dar-lhe uma descompostura.

FABIANA, à parte – Olhem aquili! Não sei por que não a descomponho já!

PAULINA, à parte – Mas é preciso fazer a vontade a meu marido...

FABIANA, à parte – Se não fosse por amor da paz... (Alto:) Tem alguma coisa que dizer-me?

PAULINA, à parte – Maldita suçurana! (Alto:) Sim senhora, e a rogos de meu marido é que aqui estou.

FABIANA – Ah, foram a rogos seus? O que lhe rogou ele?

PAULINA – Que era tempo de se acabarem essas desavenças em que andamos...

FABIANA – Mais que tempo...

PAULINA – E eu dei-lhe a minha palavra que faria todo o possível para de hoje em diante vivermos em paz... e que principiaria por pedir-lhe perdão, como faço, dos agravos que de mim tem...

FABIANA – Quisera Deus que assim tivesse sido desde princípio! E acredite, menina, que prezo muito a paz doméstica, e que minha maior satisfação é viver bem com vocês todos.

PAULINA – De hoje em diante espero que assim será. Não levantarei a voz nesta casa sem vosso consentimento. Não darei uma ordem sem vossa permissão... Enfim, serei uma filha obediente e submissa.

FABIANA – Só assim poderemos viver juntos. Dá cá um abraço. (Abraça-a.) És uma boa rapariga... Tens um bocadinho de gênio; mas quem não o tem?

PAULINA – Hei de moderá-lo...

FABIANA – Olha, minha filha, e não tornes a culpa a mim. É impossível haver em uma casa mais de uma senhora. Havendo, é tudo confusão...

PAULINA – Tem razão. E quando acontece haver duas, toca à mais velha o governar.

FABIANA – Assim é.

PAULINA – A mais velha tem sempre mais experiência...

FABIANA – Que dúvida!

PAULINA – A mais velha sabe o que convém...

FABIANA – Decerto.

PAULINA – A mais velha conhece as necessidades...

FABIANA, à parte – A mais velha!

PAULINA, com intenção – A mais velha deve ter mais juízo...

FABIANA – A mais velha, a mais velha... Que modo de falar é esse?

PAULINA, no mesmo – Digo que a mais velha...

FABIANA, desbaratando – Desavergonhada! A mim, velha!...

PAULINA, com escárnio – Pois então?

FABIANA, desesperada – Salta daqui! Salta!

PAULINA – Não quero, não recebo ordens de ninguém.

FABIANA – Ai, ai, que estalo! Assim insultar-me, este belisco!

PAULINA – Esta coruja!

FABIANA, no maior desespero – Sai, sai de o pé de mim, que minhas mãos já comem!

PAULINA – Não faço caso...

FABIANA – Atrevida, malcriada! Desarranjada! Peste! Mirrada! Estupor! Linguaruda! Insolente! Desavergonhada!

PAULINA, ao mesmo tempo – Velha, tartaruga, coruja, arca de Noé! Antigualha! Múmia! Centopéia! Pergaminho! Velhusca, velha velha! (Fabiana e Paulina acabam gritando ao mesmo tempo, chegando-se uma para a outra; finalmente agarram-se. Nisto acode Sabino, em mangas de camisa, e com o hábito na mão.)

 

CENA X

As ditas, Sabino, Olaia e Eduardo. Sabino entra, Eduardo e Olaia o seguem.

 

SABINO, vendo-as agarradas – Que diabo é isto? (Puxa pela mulher.)

OLAIA, ao mesmo tempo – Minha mãe! (Puxando-a.)

FABIANA, ao mesmo tempo – Deixa-me! Desavergonhada!

PAULINA, ao mesmo tempo – Larga-me! Velha! Velha! (Sabino, não podendo tirar a mulher, lança-lhe o hábito pela cabeça e a vai puxando à força até a porta do quarto; e depois de a empurrar para dentro, fecha a porta a chave. Fabiana quer seguir Paulina.)

OLAIA, retendo a mãe – Minha mãe! Minha mãe!

EDUARDO, puxando Olaia pelo braço – Deixa-as lá brigar. Vem dar-me o hábito.

OLAIA – Minha mãe!

EDUARDO – Vem dar-me o hábito! (Arranca Olaia com violência de junto de Fabiana e a vai levando para dentro, e sai.)

FABIANA, vendo Sabino fechar Paulina e sair – É um inferno! É um inferno!

SABINO, seguindo-a – Minha mãe! (Fabiana segue para dentro.)

NICOLAU, entrando – O que é isto?

FABIANA, sem atender, seguindo – É um inferno! É um inferno!

NICOLAU, seguindo-a – Senhora! (Vão-se.)

 

CENA XI

Sabino e depois Paulina.

 

SABINO – isto assim não pode ser! Não me serve; já não posso com minha mulher!

PAULINA, entrando pela segunda porta, esquerda – Onde está a velha? (Sabino, vendo a mulher, corre para o quarto e fecha a porta. Paulina:) Ah, corres? (Segue-o e esbarra na porta que ele fecha.) Deixa estar, que temos também que conversar... Pensam que hão de me levar assim? Enganam-se. Por bons modos, tudo... Mas à força... Ah, será bonito quem o conseguir!

OLAIA, entra chorando – Vou contar a minha mãe!

PAULINA – Psiu! Venha cá; também temos contas que ajustar. (Olaia vai seguindo para a segunda porta da direita. Paulina:) Fale quando se lhe fala, não seja malcriada!

OLAIA, na porta, voltando-se – Malcrida será ela... (Vai-se.)

PAULINA – Hem?

 

CENA XII

Eduardo, de hábito, trazendo a rabeca, e a dita.

 

EDUARDO – Paulina, que é de Olaia?

PAULINA – Lá vai para dentro choramingando, contar não sei o que à mãe.

EDUARDO – Paulina, minha irmã, este modo de viver que levamos já não me agrada.

PAULINA – Nem a mim.

EDUARDO – Nossa sogra é uma velha de todos os mil diabos. Leva desde pela manhã até noite a gritar... O que me admira é que ainda não estourasse pelas goelas... Nosso sogro é um pacóvio, um banana que não cuida senão em acompanhar procissões. Não lhe tirem a tocha da mão, que está satisfeitíssimo... Teu marido é um ga... ga... ga... ga... que quando fala faz-me arrelia, sangue pisado. E o diabo que ature, agora que deu-lhe em falar cantando... Minha mulher tem aqueles olhos que parecem fonte perene... Por dá cá aquela palha, aí vêm as lágrimas aos punhos. E logo atrás: Vou contar à minha mãe... E no meio de toda esta matinada não tenho tempo de estudar um só instante que seja, tranquilamente, a minha rabeca. E tu também fazes sofrivelmente teu pé de cantiga na algazarra desta casa.

PAULINA – E tu, não? Pois olha esta tua infernal rabeca!

EDUARDO – Infernal rabeca! Paulina, não fales mal da minha rabeca; senão perco-te o amor de irmão. Infernal! Sabes tu o que dizes? O rei dos instrumentos, infernal!

PAULINA, rindo – A rabeca deve ser rainha...

EDUARDO – Rei e rainha, tudo. Ah, desde a noite em que pela primeira vez ouvi no Teatro de São Pedro de Alcântara os seus harmoniosos, fantásticos, salpicados e repinicados sons, senti-me outro. Conheci que tinha vindo ao mundo para artista rabequista. Comprei uma rabeca – esta que aqui vês. Disse-me o belchior que a vendeu, que foi de Paganini. Estudei, estudei... Estudo, estudo...

PAULINA – E nós o pagamos.

EDUARDO – Oh, mas tenho feito progressos estupendíssimos! Já toco o Trêmolo de Bériot... Estou agora compondo um tremul’rio e tenho em vista compor um tremendíssimo trêmolo.

PAULINA – O que aí vai!...

EDUARDO – Verás, hei de ser insigne! Viajarei por toda a Europa, África e Ásia; tocarei diante de todos os soberanos e figurões da época, e quando de lá voltar trarei este peito coberto de grã-cruzes, comendas, hábitos, etc., etc. Oh, por lá é que se recompensa o verdeiro mérito... Aqui, julgam que fazem tudo pagando com dinheiro. Dinheiro! Quem faz caso de dinheiro?

PAULINA – Todos. E para ganhá-lo é que os artistas cá vêm.

EDUARDO – Paulina, o artista quando vem ao Brasil, digo, quando se digna vir ao Brasil, é por compaixão que tem do embrutecimento em que vivemos, e não por um cálculo vil e interesseiro. Se lhe pagam, recebe, e faa muito bem; são princípios da arte...

PAILINA – E depois das algibeiras cheias, safa-se para as suas terras, e comendo o dinheiro que ganhara no Brasil, fala mal dele e de seus filhos.

EDUARDO – Também isso são princípios de arte...

PAULINA – Qual arte?

EDUARDO – A do Padre antonio Vieira... Sabes quem foi esse?

PAULINA – Não.

EDUARDO – Foi um grande mestre da rabeca... Mas aí, que estou a parolar contigo, deixando a trovoada engrossar. Minha mulher está lá dentro com a mãe, e os mexericos fervem... Não tarda muito que as veja em cima de mim. Só tu podes desviar a tempestade e dar-me tempo para acabar de compor o meu tremulório.

PAULINA – E como?

EDUARDO – Vai lá dentro e vê se persuade a minha mulher que não se quixe a mãe.

PAULINA – Minha cunhada não me ouve, e...

EDUARDO, empurrando-a – Ouvir-te-á, ouvir-te-á, ouvir-te-á. Anda, minha irmãzinha, faz-me este favor.

PAULINA – Vou fazer um sacrifício, e não...

EDUARDO, o mesmo – E eu te agradecerei. Vai, vai...

 

CENA XIII 

EDUARDO, só

 

– Muito bem! Agora que o meu parlamentário vai assinar o tratado de paz, assentemo-nos e estudemos um pouco. (Assenta-se.) O homem de verdadeiro talento não deve ser imitador; a imitação mata a originalidade e nessa é que está a transcendência e especialidade do indivíduo. Bériot, Paganini, Bassini e Charlatinini muito inventaram, foram homens especiais e únicos na sua individualidade. Eu também quis inventar, quis ser único, quis ser apontado a dedo... Uns tocam com o arco... (N.B.: Deve fazer os movimentos, segundo os vai mencionando.) Isto veio dos primeiros inventores; outros tocam com as costas do arco... ou com uma varinha... Este imita o canto dos passarinhos... zurra como burro... e repinica cordas... Aquele toca abaixo do cavalete, toca em cima no braço... e saca-lhe sons tão tristes e lamentosos capazes de fazer chorar um bacalhau... Estoutro arrebenta três cordas e toca só com uma, e creio mesmo que será capas de arrebentar as quatro e tocar em seco... Inimitável instrumentinho, por quantas modificações e glórias não tens passado? Tudo se tem feito de ti, tudo. Tudo? (Levantando-se estusiasmado:) Tudo não; a arte não tem limites para o homem de talento criador... Ou eu havia de inventar um meio novo, novíssimo de tocar rabeca, ou havia de morrer... Que dias passei sem comer e beber; que noites sem dormir! Depois de muito pensar e cismar, lembrei-me de tocar nas costas da rabeca... Tempo perdido, não se ouvia nada. Quase enlouqueci. Pus-me de novo a pensar... Pensei... cismei... parafusei... parafusei... pensei... pensei... Dias, semanas e meses... Mas enfim, Ah, idéia luminosa penetrou este cansado cérebro e então reputei-me inventor original, como o mais pintado! Que digo? Mais do que qualquer deles... Até agora esses aprendizes de rabeca desde Saens até Paganini, coitados, têm inventado somente modificações de modo primitivo: arco para aqui ou para ali... Eu, não, inventei um modo novo, estupendo e desusado: eles tocam rabeca com o arco, e eu toco a rabeca no arco – eis a minha descoberta! (Toma o arco na mão esquerda, pondo-o na posição da rabeca; pega nesta com a direita e a corre sobre o arco.) É esta invenção que há de cobrir-me de glória e nomeada e levar meu nome à imortalidade... Ditoso Eduardo! Grande homem! Insigne artista!

 

CENA XIV

Fabiana e os ditos

 

FABIANA, falando para dentro – Verás como o ensino! (Vendo Eduardo:) Oh, muito estimo encontrá-lo.

EDUARDO – Ai, que não me deixam estudar!

FABIANA – Pois você, sô mandrião, rabequista das dúzias, tem o atrevimento de insultar e espancar a minha...

EDUARDO - Então acha a senhora que uma arcada nos dedos é espancar?

FABIANA - E por que deu-lhe o senhor com o arco nos dedos?

EDUARDO – Porque não voltou à música a tempo, fazendo-me assim perder dois compassos... Dois compassos de Bériot!

FABIANA – Pois se perdeu, anunciasse pelos jornais e prometesse alvíssaras, que eu havia dá-las, mas havia de ser a quem te achasse o juízo, cabeça de avelã! Ora, que estafermo este! Não me dirão para que serve semelhante figura? Ah, se eu fosse homem havia de tocar com esse arco, mas havia ser no espinhaço; e essa rabeca havia de a fazer em estilhas nessa cabeça desmiolada... Não arregale os olhos que não me mete medo.

EDUARDO, enquanto Fabiana fala, vai-se chegando para junto dela e lhe diz na cara, com força – Velha! (Volta, quer entrar no seu quarto.)

FABIANA – Mariola! (Segura-lhe no hábito. Eduardo dá com o arco nos dedos de Fabiana. Vai-se. Fabiana, largando o hábito:) Ai, que me quebrou os dedos!

 

CENA XV

Entra Olaia e após ela Paulina

 

OLAIA – Falta de educação será ela! (Encaminhando-se para o quarto.)

PAULINA – Cala-me o bico!

OLAIA – Bico terá ela, malcriada!

FABIANA – O que é isto? (Olaia entra no quarto sem dar atenção.)

PAULINA – Deixa estar, minha santinha de pau oco, que te hei de dar educação, já que tua mãe não te deu... (Entra no seu quarto.)

FABIANA – Psiu, como é isso?... (Vendo Paulina entrar no quarto:) Ah! (Chama:) Sabino! Sabino! Sabino!

 

CENA XVI

Sabino, de hábito, e Fabiana.

 

SABINO, entrando – O que temos, minha mãe?

FABIANA – Tu és homem?

SABINO – Sim senhora, e prezo-me disso.

FABIANA – Que farias tu a quem insultasse tua mãe e espancasse uma irmã?

SABINO – Eu? Dava-lhe quatro canelões.

FABIANA – Só quatro?

SABINO – Darei mais, se for preciso.

FABIANA – Está bem, em tua mulher basta que só dês quatro.

SABINO – Em minha mulher? Eu não dou em mulheres...

FABIANA – Pois então vai dar em teu cunhado, que espancou a tua mãe e a tua irmã.

SABINO – Espancou-as?

FABIANA – Vê como tenho os dedos roxos, e ela também.

SABINO – Oh, há muito tempo que tenho vontade de lhe ir ao pêlo, cá por muitas razões... Chegou o dia...

FABIANA – Assim, meu filhinho da minha alma; dá-lhe uma boa sova! Ensina-lhe a ser bem-criado.

SABINO – Deixe-o comigo.

FABIANA – Quebra-lhe a rabeca no queixos.

SABINO – Verá.

FABIANA – Anda, chama-o cá para esta sala, lá dentro o quarto é pequeno e quebraria os trastes, que não são dele... Rijo, que eu vou para dentro atiçar também teu pai... (Encaminha-se para o fundo, apressada.)

SABINO, principia a despir o hábito – Eu o ensinarei...

FABIANA, da porta – Não te esqueças de lhe quebrar a rabeca nos queixos.

 

CENA XVII

SABINO, só, continunando a tirar o hábito

 

– Já é tempo; não posso aturar este meu cunhado! Dá conselhos à minha mulher; ri-se quando eu falo; maltrata minha mãe... Pagará tudo por junto... (Arregaçando as mangas da camisa:) Tratante! (Chega à porta do quarto de Eduardo.) Senhor meu cunhado?

EDUARDO, dentro – Que é lá?

SABINO – Faça o favor de vir cá fora.

 

CENA XVIII

Eduardo e Sabino.

 

EDUARDO, da porta – O que temos?

SABINO – Temos que conversar.

EDUARDO, gaguejando – Não sabe quanto estimo...

SABINO, muito gago e zangado – O senhor arremeda-me!

EDUARDO, no mesmo – Não sou capaz...

SABINO, tão raivoso, que sufoca-se – Eu... eu... eu... eu...

EDUARDO, falando direito – Não se engasgue, dê cá o caroço...

SABINO, fica tão sufocado, que para exprimir-se rompe a fala no tom da polca – Eu já... eu já não posso... por mais tempo me conter... hoje mesmo... hoje mesmo... leva tudo o diabo...

EDUARDO, desata a rir – Ah, ah, ah!

SABINO – Pode rir-se, pode rir-se... sô patife, hei de ensiná-lo...

EDUARDO, cantando como Sabino – Há de ensinar-me... mas há de ser... mas há de ser... mas há de ser a polca... (Dança.)

SABINO – Maroto! (Lança-se sobre Eduardo e atracam-se, gritando ambos: Maroto! Patife! Diabo! Gago! Eu te ensinarei! – Etc., etc.)

 

CENA XIX

Olaia e Paulina

 

PAULINA, entrando – Que bulha é essa? Ah!

OLAIA, entrando – O que é... Ah! (Paulina e Olaia vão apartar os dois que brigam. Olaia:) Eduardo! Eduardo! Meu irmão! Sabino! (Etc.)

PAULINA – Sabino! Sabino! Meu irmão! Eduardo! (Eduardo e Sabino continuam a brigar e a descomporem-se. Paulina, para Olaia:) Tu é que tens a culpa!

OLAIA, para Paulina – Tu é que tens!

PAULINA, o mesmo – Cala esse bico!

OLAIA, o mesmo – Não seja tola!

PAULINA, o mesmo – Mirrada!

OLAIA, o mesmo – Tísica! (Paulina e Olaia atiram-se uma à outra e brigam à direita. Eduardo e Sabino, sempre brigando à esquerda.)

 

CENA XX

Fabiana e os ditos

 

FABIANA – Que bulha é esta? Ah! (Corre para as moças.) Então, o que é isto? Meninas! Meninas! (Procura apartá-las.)

 

CENA XXI

Entra Nicolau apressado, trazendo pela mão dois meninos vestidos de anjinhos

 

NICOLAU – O que é isto? Ah, a brigarem! (Larga os meninos e vai para os dois.) Sabino! Eduardo! Então?... Então, rapazes?...

FABIANA, indo a Nicolau – Isto são obras tuas! (Puxando-o pelo hábito:) Volta-te para cá; tu é que tens culpa...

NICOLAU – Deixe-me! Sabino!

FABIANA – Volta-te para cá... (Nicolau dá com o pé atrás, alcançando-a. Fabiana:) Burro!... (Agarra-lhe nas goelas, o que o obriga a voltar-se e atracarem-se.)

OS DOIS ANJINHOS – Mamãe! Mamãe! (Agarram-se ambos a Fabiana; um deles empurra o outro, que deve cair; levanta-se e atraca-se com o que o empurra, e deste modo Fabiana, Nicolau, Sabino, Eduardo, Olaia, Paulina, 1º e 2º Anjinhos, todos brigam e fazem grande algazarra.)

 

CENA XXII

Anselmo, e os ditos, brigando

 

ANSELMO – O que é isto? O que é isto? (Todos, vendo Anselmo, apartam-se.)

FABIANA – Oh, é o senhor? Muito estimo...

PAULINA e EDUARDO – Meu pai!

ANSELMO – Todos a brigarem!... (Todos se dirigem a Anselmo, querendo tomar a dianteira para falar; cada um puxa para seu lado a reclamarem serem atendidos; falam todos ao mesmo tempo. Grande confusão, etc.)

FABIANA, ao mesmo tempo – Muito estimo que viesse, devia ver com seus próprios olhos... o desaforo de seus filhos... Fazem desta casa um inferno! Eu já não posso; leve-os, leve-os, são dois demômios. Já não posso!

NICOLAU, ao mesmo tempo – Sabe o que mais? Carregue seus filhos daqui para fora; não me deixam servir a Deus... Isto é uma casa de Orates... Carregue-os, carregue-os, senão fazem-me perder a alma... Nem mais um instante...

SABINO, falando ao mesmo tempo no tom do miudinho – Se continuo a viver assim junto, faço uma morte. Ou o senhor, que é meu sogro, ou meu pai, dêem-me dinheiro... dinheiro ou casa, ou leva tudo o diabo... o diabo...

PAULINA, ao mesmo tempo – Meu pai, já não posso; tire-me deste inferno, senão morro! Isto não é viver... Minha sogra, meu marido, minha cunhada maltratam-me... Meu pai, leve-me, leve-me daqui...

EDUARDO – Meu pai, não fico aqui nem mais um momento. Não me deixam estudar a minha rabeca... É uma bulha infernal, uma rixa desde pela manhã até a noite; nem um instante eu tenho para tocar...

OLAIA – Senhor, se isto continua, fujo de casa... Abandono meu marido, tudo, tudo... Antes quero viver só do meu trabalho, do que assim. Não posso, não posso, não quero... Nem mais um instante... É um tormento... (Os dois Anjinhos, enquanto estas falas se recitam, devem chorar muito.)

ANSELMO – Com mil diabos, assim não entendo nada!

FABIANA – Digo-lhe que...

NICOLAU – Perderei a alma...

SABINO – Se eu não...

EDUARDO – Nada estudo...

PAULINA – Meu pai, se...

OLAIA – Nesta casa... (Todos gritam ao mesmo tempo.)

ANSELMO, batendo o pé – Irra, deixem-me falar!

FABIANA – Pois fale...

ANSELMO – Senhora, recebi a vossa carta e sei qual a causa das contendas e brigas em que todos viveis. Andamos muito mal, a experiência o tem mostrado, em casarmos nossos filhos e não lhes darmos casa para morarem. Mas ainda estamos em tempo de remediar o mal... Meu filho, aqui está a chave de uma casa que para ti aluguei. (Dá-lhe.)

EDUARDO – Obrigado. Só assim poderei estudar tranquilo e compor o meu tremendíssimo...

ANSELMO – Filha, dá esta outra chave a teu marido. É a da tua nova casa...

PAULINA, tomando-a – Mil graças, meu pai. (Dá a chave a Sabino.)

FABIANA – Agora, sim...

ANSELMO – Estou certo que em bem pouco tempo verei reinar entre vós todos a maior harmonia e que visitando-vos mutuamente e...

TODOS, uns para os outros – A minha casa está às vossas ordens. Quando quiser...

ANSELMO – Muito bem. (Ao público:) E vós, senhores, que presenciastes todas estas desavenças domésticas, recordai-vos sempre que...

TODOS – Quem casa, quer casa.

                      

                                      (Cai o pano.)

 

                                                                                Martins Pena  

 

                      

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