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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


QUEM É ESTE HOMEM / Carole Mortimer
QUEM É ESTE HOMEM / Carole Mortimer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Ao chegar à Inglaterra, Arabella tinha um só objetivo: encontrar o autor que criara o magnífico personagem Palfrey Onde quer que ele estivesse. Não esperava, porém, ter de enfrente dois pastores-alemães, uma recepção pouco amigável e descobrir que o personagem pelo qual se apaixonara era o jardineiro da casa do autor que se recusava a revelar sua identidade ao público. Mas se Arabella pensava que as surpresas haviam acabado... ela não sabia o que ainda estava por vir!

 

 

 

 

BEM-VINDA A LONDRES

Londres, capital do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Londres, cidade de reis, rainhas, príncipes e princesas; Londres de emocio­nantes histórias e do romântico Tamisa. Estar em Londres, mesmo que um só dia, é viver a história do mundo.

PASSADO ROMÂNTICO

A história da cidade de Londres remonta há aproxima­damente dois mil anos com um pequeno posto comercial instalado no encontro dos rios Tamisa, Fleet e Walbrook.

O nome da cidade Llyn-Din, de origem celta, foi traduzido pelos romanos por Londinium em 43 a.C. quando estes ocu­param a Bretanha, transformando-a na sua principal pro­víncia. De pequena aldeia, Londres foi lentamente crescendo e englobando inúmeros povoados ao seu redor, tornando-se um centro comercial muito ativo.

Em 1191, a cidade conseguiu o direito, confirmado pela Magna Carta, de ter prefeito e uma corporação. Já nessa época o porto de Londres, onde se estabeleciam os merca­dores de Hansa, começava a constituir-se em um importante centro comercial, cujo apogeu configurou-se nos séculos 16 e 17. Essa prosperidade traduziu-se por um brusco aumento da população. Entre 1530 e 1665, já sob o reinado de Hen­rique VIII, o número de habitantes passou de cem mil para quinhentos mil, a maioria dos quais se amontoavam no cen­tro da cidade — a City.

No século 19, Londres, capital no imenso Império Britâ­nico, tornou-se uma potência respeitada no mundo das fi­nanças e do comércio, assim como o principal centro da vida intelectual e artística da Inglaterra.

Mesmo com todas as catástrofes e guerras pelas quais passou, Londres sobreviveu a tudo, tornando-se uma cidade encantadora e cheia de vida.

PRESENTE ROMÂNTICO

As melhores épocas para visitar Londres são a primavera, que começa em abril, e o verão, que termina em setembro. Dada a proximidade do mar, o clima londrino é do tipo úmido. As temperaturas são relativamente brandas: a média de janeiro é de 5aC e a de julho é de 20aC.

Para conhecer a cidade o melhor é fazer uso do seu efi­ciente serviço de transporte. O metro faz uma ligação rápida e confortável a todos os lugares da cidade. Além do metro, que é o mais antigo do mundo e está em funcionamento desde 1863, Londres possui uma bem articulada rede de ônibus, aqueles tradicionais ônibus vermelhos de dois an­dares, irresistíveis para os turistas que podem ter do seu segundo andar uma bela visão da cidade.

Londres é sempre lembrada, muitas vezes por causa de antigos filmes de terror e suspense, como uma cidade coberta pelo fog, uma verdadeira nuvem de fumaça que a envolvia, reduzindo suas horas de insolação. Hoje tudo isso mudou graças às restrições legais contra a queima de carvão e o controle do dióxido de enxofre, que melhoraram muito suas condições atmosféricas.

O rio Tamisa é a primeira grande atração da capital inglesa. Ele atravessa Londres de leste a oeste e nas suas águas, hoje totalmente despoluídas, pode-se apreciar a cidade passeando nos barcos que saem do cais de Westminster e Charing Cross e descem o rio até a Torre de Londres e Greenvich.

E fantástico passear pela City, local onde a cidade nasceu. É nessa área que se localizam a St. Paul Cathedral, a Torre de Londres, o Museu de Londres e onde se concentram as grandes instituições financeiras da Grã-Bretanha. A City, com suas ruas pequenas e estreitas, é uma cidade à parte dentro de Londres. Ali estão alguns símbolos do poder civil, como a Corte da Justiça e a residência oficial do prefeito, a Mansion House. Até hoje, como um sinal de respeito às tradições de separação entre o poder civil e o poder real, a rainha Elizabeth, quando visita a City, pede permissão for­mal ao Senhor Prefeito para entrar.

Outra área importante do centro de Londres é Westmins­ter, onde já no século 8 existia uma pequena abadia que era um dos postos avançados da City. No século 11 foi cons­truída a Abadia de Westminster, o mais importante templo da Igreja Anglicana. Ali foram coroados e enterrados reis, rainhas e grandes personagens, como a rainha Elizabeth I e o escritor Charles Dickens.

O centro do poder real é o Buckinghan Palace, no Mall, uma larga avenida arborizada que garante aos cortejos reais um cenário à sua pompa e circunstância. Uma das maiores atrações turísticas de Londres acontece na frente do portão principal do palácio, onde ocorre a cerimônia de troca de guardas, com a milícia real usando os tradicionais uniformes vermelhos e chapéus altos de pele de urso.

Outras atrações londrinas são a Trafalgar Square, uma grandiosa praça em cujo centro ergue-se uma coluna de granito de mais de cinqüenta metros de altura, cercada pelos leões do Piccadilly Circus, outra praça para onde importan­tes ruas confluem. Piccadilly divide as áreas de espetáculo e vida noturna da cidade como o Soho, Leicester Square e Haymarket, do comércio sofisticado da Regent Street e a elegante zona residencial de Mayfair e St. James.

São mundialmente famosos os museus londrinos, entre os quais se destacam o British Museum com seu acervo de preciosos objetos de arte pertencentes às antigas civilizações grega, egípcia, romana e orientais.

Estar em Londres e não ir aos seus parques é cometer um sacrilégio, pois eles são verdadeiros oásis dentro da ci­dade. O Hyde Park é o maior e o mais conhecido deles. São cento e trinta e seis hectares, com muitas árvores, gramados, inumeráveis caminhos e um lago, o Serpertine, onde se pode passear de barco ou nadar no verão, num local destinado para isso, como se fosse um clube.

O Kensington Gardens é outro maravilhoso parque com cem hectares com jardins cultivados, que se prolonga a oeste do Hyde Park. Um dos seus pontos mais turísticos é a es­tátua de Peter Pan, o personagem criado por Sir James Barrie, que vivia muito próximo dali. E ainda neste parque que está localizado o Palácio de Kensington, antiga resi­dência real no século 18.

Fazer compras em Londres é o máximo. Nessa cidade en­contra-se de tudo. Dos artigos mais sofisticados a todo tipo de quinquilharias. Na Oxford Street e na Regent Street ficam os grandes magazines e butiques. Na Bond Street e Knightsbridge estão as grandes joalherias e casas de alta costura.

Mas os lugares mais divertidos para se comprar são os mercados de Londres que vendem de tudo: de peixe e frutas a roupas usadas.

Dizem que Londres tem mais de dezesseis mil pubs — um diferente do outro. A origem dos pubs está nas antigas estalagens e tavernas, lugares de descanso para viajantes e seus animais. Muitos desses pubs lembram esses velhos tempos, com paredes de pedra, lareira e teto de madeira*. O ambiente descontraído é uma deliciosa oportunidade para um copo de cerveja, drinque ou uma refeição rápida.

Londres é assim, cheia de contrastes: do mais moderno ao mais antigo, do tradicional ao irreverente. É essa mistura de passado e presente que faz dela uma cidade do mundo.

VOCÊ SABIA QUE...

— a moeda inglesa é a libra esterlina?

— Londres possui cerca de um mil e setecentas igrejas e mais de uma centena de teatros?

— foi durante o reinado da rainha Victoria de 1837 a 1901 que Londres tornou-se uma cidade cosmopolita?

— os parques londrinos começaram a ser constituídos a par­tir do século 17, quando algumas áreas de caça pertencentes à família real inglesa passaram a ser doadas à cidade?

— os pubs londrinos fecham impreterivelmente às 23 horas?

— a rainha Elizabeth II foi coroada em 1952 na Abadia de Westminster?

I love you quer dizer “eu te amo”?

 

Arabella olhou fixamente para o imenso portão. Quarenta e oito horas antes teria con­siderado aquela visita impossível. Agora, não só era possível, mas necessária, se ela ainda quisesse salvar seu relaciona­mento com Merlin... apesar do que o pai e Stephen haviam feito para destruí-lo. Ela ainda se arrepiava ao lembrar-se da conversa que ouvira entre os dois, dois dias antes.

— Como o homem nem sequer ouviu o que você tinha a dizer? Devia ter...

— Já disse, papai — Stephen interrompera, irritado. — Nem consegui atravessar os portões. Os cachorros eram enormes e...

— Stephen! Papai! — Arabella advertiu-os, parando dian­te da porta aberta. — Pude ouvir a discussão de vocês da minha sala! O que está acontecendo?

Seu pai tinha as faces coradas e ela desconfiou que isso não se devia somente à fúria evidente. Eram três e meia da tarde e ele adorava um bom almoço, acompanhado por algumas taças de seu vinho predileto. Na verdade, era de admirar que ele estivesse de volta ao escritório tão cedo.

Quanto ao irmão, Stephen, era evidente que não deveria estar ali. Afinal, o pai o encarregara de uma viagem de negócios que duraria vários dias. E, pelo pouco que Arabella conseguira ouvir, fora justamente o insucesso da viagem de Stephen que provocara a discussão entre pai e filho.

O pai se sentou atrás da imponente mesa de carvalho. Aos cinqüenta e cinco anos, ainda era um homem atraente, de cabelos fartos e escuros, com apenas alguns fios grisalhos nas têmporas. Os olhos cinzentos apresentavam um brilho frio, fixos no filho.

— Seu irmão tem a resposta — respondeu com um toque de desprezo.

Stephen corou, ressentido.

— Já disse que não tive culpa se...

— "Dê-lhe maior responsabilidade", você disse — o pai acu­sou com impaciência. — "Deixe-o mostrar o que é capaz de fazer". E o que acontece na primeira vez em que decido seguir o seu conselho? Ele é expulso, como um vendedor ambulante! Assim não é possível, Arabella. Você e eu sabemos que...

— Vamos nos acalmar e discutir o problema com sensatez — ela interrompeu.

A sugestão aplicava-se aos dois homens, uma vez que Arabella estava calma. Não tinha tanta certeza de que o problema era necessariamente culpa do irmão, pois o pai tinha o hábito de incumbi-lo com tarefas impossíveis.

— Stephen? — incitou-o a sentar-se diante do pai.

Ele resolveu se rebelar, sentando-se na poltrona junto à porta, com uma expressão fechada no rosto bonito e jovial. Stephen tinha os cabelos escuros do pai e olhos azuis, como os da irmã.

Arabella suspirou, contemplando os semblantes arrogantes e teimosos, e sentou-se diante do pai. Amava profundamente aqueles dois homens, mas tinha de reconhecer que, apesar da diferença de trinta anos entre eles, era comum se compor­tarem como duas crianças birrentas. Frequentemente tinha de atuar como árbitro entre os dois. O pai ficava impaciente com a juventude impetuosa do filho, enquanto Stephen con­siderava o pai velho e rígido em suas atitudes, seguindo um código de negócios inspirado na era vitoriana.

Stephen tinha certa razão na última acusação, mas como proprietário de uma prestigiada editora que pertencia à fa­mília havia quase cem anos, o sistema antiquado do pai fazia da Atherton Publishing o que a companhia realmente era. Ali, no terceiro andar do edifício, longe do burburinho dos departamentos de edição nos dois andares inferiores, o tempo parecera ter parado. A mobília de cada sala parecia ter saído do castelo da rainha Vitória.

Exatamente como o pai gostava. E, para ser honesta,

Arabella também. Somente Stephen, com seus vinte e cinco anos, considerava o ambiente claustrofóbico. Havia saído da universidade três anos antes, com um diploma debaixo do braço, além de uma porção de idéias para arrastar a Atherton Publishing para o século vinte, mesmo que para isso tivesse de gritar e espernear.

A reação do pai fora colocar Stephen onde ele pudesse causar o menor dano possível: o pobre rapaz passara os últimos três anos encarregado da aquisição e distribuição de livros didáticos infantis. Como não suportava observar o irmão mais novo se tornar insano, Arabella encorajara o pai a designar-lhe tarefas mais interessantes. Haviam sido meses de suave persuasão e, pelo que ela ouvira da discussão atual, a idéia não atingira o sucesso.

— Conte-me exatamente o que aconteceu — ela pediu ao irmão em tom reconfortante.

Sua afeição por ele era profunda, embora às vezes Arabella sentisse que os dois anos que tinha a mais na idade chegavam a parecer vinte. Talvez pelo fato de a mãe ter morrido quinze anos antes, quando ela tinha apenas doze, deixando-lhe a ta­refa de assumir o controle feminino da casa e da família. Um papel que Arabella desempenhara sem tropeços.

A expressão de Stephen suavizou, quando ele a fitou.

— Bem, fiz o que papai mandou e fui visitar o tal de Merlin...

— Papai, não!

Arabella não escondeu o choque, nem a fúria. O autor que conheciam simplesmente como Merlin era conhecido por ser um dos que menos cooperavam, além de se comportar como um recluso. Mandar Stephen visitá-lo não só era in­justo, como também ridículo. Além do mais, Merlin era um dos autores aos cuidados dela.

— Mandou Stephen falar com ele sobre os direitos de um filme baseado nos livros dele? — inquiriu, tensa.

O pai se mostrou ligeiramente constrangido, percebendo o brilho irado que iluminava os olhos azuis de Arabella, por trás dos óculos que ela usava o tempo todo.

— Foi você quem insistiu na idéia de que Stephen pre­cisava provar o seu valor...

— Mas não com Merlin!

Ela se levantou, agitada.

Stephen fora à procura de Merlin, um homem que ela desejava conhecer há anos, e que se recusava terminante­mente a marcar um encontro!

— Por que não me contou para onde havia mandado Ste­phen? — perguntou ao pai, embora já soubesse a resposta.

O pai mantivera segredo porque sabia que do contrário, ela se oporia com veemência a qualquer aproximação entre o irmão e o autor "dela". Cada editor tinha os seus próprios autores e Arabella não fazia exceção à regra. E Merlin era um dos seus autores!

— Se alguém tinha de visitar Merlin, esse alguém deveria ter sido eu — declarou, indignada.

— Estou inclinado a concordar com você — o pai admitiu, fazendo mais uma careta para o filho.

Arabella sabia que o pai estava apenas desabafando em cima de Stephen, pois se ele a valorizava, era como anfitriã, como a mulher que administrava a sua casa e sua vida social com tanta eficiência, e não como uma profissional. Ah, sim, ela trabalhava na editora da família, tinha até mesmo uma sala só dela, mas sempre soubera que seu lugar ali era visto com uma boa dose de indulgência paternal. A verdade era que seu pai não acreditava que o mundo dos negócios fosse o lugar para uma mulher, especialmente uma tão delicada, como ele preferia pensar que Arabella era. E o fato de ele ter mandado Stephen visitar Merlin compro­vava a visão machista e antiquada.

Arabella sabia muito bem que, mesmo que o pai insistisse em dizer o contrário, ele não acreditava que ela deveria ter ido falar com Merlin. Tudo não passara de mais um teste para Stephen que, aparentemente, falhara. A quebra de protocolo representada pela visita do irmão a um de seus autores não tinha nada a ver com o arrependimento de seu pai. Ou com os lamentos de Stephen. Infelizmente, o irmão fora criado à imagem do pai, acreditando também que o lugar de uma mulher era dentro de casa.

Arabella fora considerada indispensável em casa quando chegara o momento de ir para a universidade, nove anos antes. Uma sala na Atherton Publishing fora mera isca para impedi-la de mudar-se de casa. Ela se lembrava com clareza da satisfação que a invadira ao saber que o pai a julgava responsável o bastante para assumir um cargo tão importante na companhia. Porém, foi apenas uma questão de dias para ela descobrir que o pai não esperava realmente vê-la com freqüência por ali.

Não era de admirar que seu pai jamais voltara a se casar. Afinal, Arabella cuidara para que ele tivesse a vida mais confortável possível desde a morte de sua mãe. Assim, ele não tinha de se preocupar em assumir um compromisso permanente com qualquer das mulheres com quem se en­volvera discretamente ao longo dos últimos quinze anos.

Na verdade, ela não havia se importado com tal atitude do pai. Com calma e perseverança, construíra uma boa re­putação dentro da companhia e, agora, contava com uma lista longa de autores, em sua maioria, nomes de peso.

Merlin era um deles, uma descoberta casual a partir de um manuscrito enviado à editora, cinco anos antes. Merlin, que desde o início se recusara a ser conhecido por qualquer outro nome, havia escrito uma história eletrizante sobre um agente secreto trabalhando para os ingleses, durante as guerras napoleônicas. Como se tratava do período his­tórico predileto de Arabella, ela recebera o manuscrito para avaliação. Já na primeira página, ela se dera conta de que tinha em mãos não só uma excelente trama, mas também muito bem escrita. O herói, major Palfrey, era um homem muito atraente, capaz de atravessar um homem com sua espada e levar uma mulher às alturas com a mesma faci­lidade. Além disso, jamais permitia que uma coisa ou outra interferisse em sua verdadeira causa: ajudar a Inglaterra. Havia ainda um detalhe muito importante: os fatos histó­ricos entremeados na trama eram totalmente corretos, transformando o trabalho de edição em um grande prazer.

A partir de então, Merlin enviara um manuscrito por ano, todos com o mesmo herói, Palfrey. Um herói por quem Arabella logo ficara mais ou menos apaixonada.

Robert Palfrey, o bravo cavalheiro de uma época distante, era alto, com cabelos loiros e ligeiramente longos, olhos azuis e um corpo musculoso, que ele parecia saber exatamente como usar, fosse para aniquilar um inimigo, ou para amar uma mulher. Arabella não se surpreendera quando uma companhia cinematográfica de Hollywood entrara em contato com a Atherton, alguns meses antes, com a proposta de levar Robert Palfrey para as telas.

Infelizmente, até agora, Arabella não conseguira conven­cer o autor de que se tratava de um bom negócio. Na ver­dade, as duas cartas que escrevera para ele, mencionando o assunto, não haviam sido respondidas.

O que, provavelmente, já era uma resposta. Ao longo daqueles cinco anos, Merlin havia se recusado a se deslocar de sua casa, no sul da Inglaterra, até Londres, para con­versar com seus editores pessoalmente. E, também, recusara todas as tentativas de contato direto de Arabella.

O adjetivo "recluso" nem chegava a descrever o sujeito. Em todos aqueles anos, ninguém conseguira descobrir nada sobre ele. Todas as negociações sobre contratos haviam sido condu­zidas via correio, sempre diretamente com o autor, que tam­bém se recusava a contratar um agente para representá-lo.

Assim, ao longo dos anos, Arabella fora construindo na mente uma imagem do autor misterioso: um homem velho e mal-humorado, de cabelos grisalhos e longos demais para a idade, rosto enrugado e bronzeado e corpo magro e energético.

Apesar de tudo isso, Arabella nutria certa afeição pelo homem, como se ele fosse um avô distante. Tendo negociado com ele todo aquele tempo, mesmo que somente pelo correio, ela agora se sentia profundamente ressentida pela decisão do pai em mandar Stephen visitá-lo, em vez de pedir a ela que o fizesse.

— Você não me entendeu, papai — falou com voz tensa. — Eu quis dizer que você não tinha o direito de mandar Stephen visitar um de meus autores sem a minha permissão.

— Não faça uma tempestade em um copo de água, Ara­bella! — o pai protestou, impaciente. — Já temos problemas demais. Stephen foi expulso da casa do sujeito sem...

— Merlin tinha todo o direito de expulsar Stephen — Arabella lançou-se na defesa do autor. — Afinal, nem sabe quem ele é e...

— Ele é meu filho, ora! — o pai a interrompeu, furioso.

— E quem é você, para Merlin? — ela insistiu.

— Sou o dono dessa editora!

— Não foi isso o que eu quis dizer, e você sabe! Durante os últimos cinco anos, Merlin negociou exclusivamente com A. Atherton...

— Durante os últimos cinco anos, o sujeito foi uma grande dor de cabeça! Ele é, sem sombra de dúvida, o autor mais difícil que já tivemos, um eremita invisível, um...

— Durante os últimos cinco anos os livros de Merlin foram, sem sombra de dúvida, a principal fonte de renda da editora — Arabella contra-atacou em voz baixa, sabendo que o pai estava prestes a sugerir que Merlin fosse cortado de sua lista de autores.

O que seria um verdadeira loucura. Embora contassem com alguns outros autores de sucesso, nenhum deles se igualava a Merlin, cujas histórias haviam se transformado em best-sellers internacionais. Dizer a um autor desse porte que procu­rasse outra editora, simplesmente porque ele não enquadrava nos conceitos antiquados de seu pai, seria suicídio financeiro. Especialmente com a proposta de um filme pairando no ar!

— Existem outros autores...

— Não tão bons, papai — Arabella declarou em tom cansado e magoado. — Gostaria que vocês dois tivessem me contado sobre o que pretendiam fazer. Eu teria previsto o resultado.

Uma coisa que Merlin deixara bem clara desde o início, fora o seu desejo de absoluta privacidade. A súbita aparição de Stephen na casa dele jamais teria sido bem-aceita. A verdade era que teriam sorte se Merlin não os informasse de que estava mudando de editora!

Arabella suspirou.

— Alguém terá de ir até lá e tentar acalmar a indig­nação dele...

— Eu não vou! — Stephen protestou de pronto, com ex­pressão horrorizada. — O sujeito é maluco!

— Bem, é evidente que não vou me envolver nisso pes­soalmente — o pai argumentou com ar arrogante. — Sempre considerei o sujeito esquisito, tolerável somente por ser um grande sucesso.

Os dois dirigiram olhares cheios de expectativa para Ara­bella. Ora, ela poderia ter previsto esse resultado, também. Os dois eram tão parecidos, sempre esperando que ela fosse capaz de resolver qualquer tipo de problema criado por eles. O fato era que ela sempre satisfizera tais expectativas. Ago­ra, eles haviam ido longe demais!

— Vou enviar uma carta...

— Acha que será o bastante? — Stephen inquiriu. — Eu... Bem... Acho que fui um pouco... eloqüente demais, antes de deixar a propriedade dele. Para ser honesto, acho que dei a entender algo parecido ao que papai acabou de dizer. Ele foi muito rude, Arabella — defendeu-se, ao per­ceber a censura nos olhos da irmã. — Eu não podia permitir que ele falasse comigo daquela maneira.

Claro que não podia. Afinal, esse era Stephen Atherton, filho de Martin Atherton. Ora, quando aqueles dois iam aprender que o tempo das festas regadas a champanhe se fora... que as estrelas do mercado editorial eram os autores, agora... que sem eles não haveria dinheiro para sustentar o tipo de vida que os dois tanto gostavam de viver?

Felizmente, havia ao menos uma pessoa prática na família, embora dessa vez fosse possível que nem todo o tato e diplo­macia de Arabella conseguissem desfazer a confusão criada.

Ela sacudiu a cabeça.

— Enviarei uma carta, mas farei uma visita em seguida — decidiu com firmeza. — Vou escrever hoje mesmo, antes que Merlin tenha tempo de se vingar da sua atitude pouco cavalheiresca.

Com um olhar impaciente para os dois, Arabella saiu da sala e foi para o seu escritório, a fim de escrever a carta imediatamente, para colocá-la no correio antes do anoitecer.

Ao mesmo tempo, não fazia idéia do que escrever como desculpa para o comportamento do irmão. Depois de muito refletir, concluiu que o melhor seria manter a objetividade. Limitou-se a informar Merlin que ela mesma iria visitá-lo, dois dias depois, a menos que ele se manifestasse em con­trário. Sabia que ele só poderia impedir sua ida se telefo­nasse e, como os dois jamais haviam falado por telefone, Arabella duvidou que ele fizesse uma exceção, agora.

E não fez. Provavelmente, decidira esperar pela chegada dela, a fim de expulsá-la também!

Porém, depois da confusão criada por seu pai e seu irmão, ela não contava com muitas alternativas. Além disso, tinha de admitir, também estava curiosa com relação a Merlin. Talvez ele fosse cavalheiro o bastante, assim como o personagem que criara, para não usar de força bruta com uma mulher.

Desde o princípio, Arabella ficara intrigada com Palfrey. Até demais, uma vez que ele havia se transformado no pa­râmetro que ela usava para avaliar os homens que ocasional­mente tentavam entrar na sua vida. Todos, sem exceção, dei­xavam muito a desejar. Ora, não era ingênua a ponto de acreditar que aqueles homens se interessavam exclusivamente por ela. Afinal, a Atherton Publishing e a riqueza que a acom­panhava funcionavam como um imã para jovens ambiciosos. E a herdeira solteirona da família era um excelente partido.

Por outro lado, Arabella sabia exatamente com que homem queria passar o resto de sua vida. Infelizmente, ele havia vivido quase duzentos anos antes e era inteiramente fictício, existindo apenas entre as páginas de um livro e a imaginação de um homem que ela esperava conhecer em breve.

A simples idéia de nunca mais receber um manuscrito de Merlin, de viver o resto da vida sem Robert Palfrey, havia lhe dado a força necessária para decidir conversar pessoalmente com o autor. Ele podia até mesmo recusar a idéia de um filme sobre o personagem, desde que conti­nuasse enviando os manuscritos sobre o homem por que ela estava mais ou menos apaixonada...

E agora lá estava ela, sentada em seu carro, diante do portão da propriedade de Merlin. Stephen fornecera instru­ções detalhadas sobre como chegar até lá. Na verdade, o irmão se mostrara mais que solícito nas últimas quarenta e oito horas, consciente que estava do erro que havia co­metido e ansioso para compensá-lo.

Conforme as expectativas de Arabella, Merlin não havia telefonado. Assim, ela fizera os arranjos para a viagem, esperando não ter de passar a noite em um hotel da região. A verdade era que só esperava não ser expulsa como seu irmão fora, dois dias antes.

— Cuidado com os dois pastores alemães enormes, quan­do chegar ao portão — fora a última advertência de Ste­phen, quando ela partira pela manhã.

Agora, Arabella compreendia o que o irmão quisera dizer com "enormes". Aqueles era os dois maiores pastores que ela já vira. A pelugem negra indicava uma possível relação de parentesco entre eles. Mas não foi o seu tamanho, nem os latidos ferozes, que mantiveram Arabella imóvel dentro do carro, mas sim o fato de que eles não se encontravam atrás do portão, que fora deixado aberto, dando plena liberdade para os cães saltarem sobre as janelas do automóvel.

Era óbvio que Merlin estava à sua espera, Arabella con­cluiu com sarcasmo.

Como os cachorros não parassem de latir e pular junto do carro, Arabella refletiu sobre suas opções pouco anima­doras. Se tentasse dar a ré, eles certamente a seguiriam, correndo o risco de serem atropelados. Embora ela detes­tasse o comportamento daqueles animais, não tinha a menor intenção de feri-los. Tentar avançar para dentro da proprie­dade produziria a mesma reação. Assim, Arabella viu-se diante de um terrível dilema: O que fazer?

Uma vez, ela assistira a um filme no qual o mocinho confrontava alguns cães, no território deles, conseguindo desarmá-los totalmente, confundindo-os. Afinal, cachorros daquele porte estariam mais acostumados às pessoas cor­rendo deles do que para eles. No filme, dera certo...

Na vida real, porém... Os dois cachorro possuíam dentes enormes, que Arabella calculou capazes de causar grandes danos à pele humana. Ao mesmo tempo, não poderia ficar ali sentada, o dia todo, olhando para os animais que não pareciam estar se cansando do jogo!

Respirou fundo e tomou sua decisão. Em vez de sair do carro devagar e hesitante, simplesmente abriu a porta e saiu. Dois segundos depois, encontrava-se de pé, diante dos portões, encarando os animais.

Se a situação não fosse tão tensa, teria sido cômica. Os cães enormes recuaram vários passos, surpresos, embora con­tinuassem a latir como antes. Porém, como Arabella se limi­tasse a fitá-los com firmeza, até mesmo o barulho foi morrendo aos poucos. Após alguns minutos, os dois a fitavam com o que ela só poderia descrever como surpresa ou confusão.

— Ora, onde foram parar os caninos ameaçadores? — ela inquiriu em tom de desprezo, embora sentisse profundo alívio por continuar inteira. — Vão me levar até seu dono, ou vou ter de encontrá-lo sozinha?

Os cachorros continuaram a observá-la, como se tentas­sem compreender o que ela dizia. Ao mesmo tempo, pare­ceram aceitar o fato de que ela falava com certa autoridade. Mesmo assim, Arabella não sabia bem o que fazer a seguir. Até então, não chegara a realmente atravessar os limites da propriedade. Perguntou-se como os cães reagiriam se ela demonstrasse a intenção de seguir na direção da casa. Voltariam a assumir postura protetora?

Bem, não poderia ficar ali parada, esperando que alguém aparecesse para resgatá-la. Decidiu arriscar. O pior que poderia acontecer seria os cachorros lhe arrancarem alguns pedaços.

Um pensamento definitivamente animador!

Começou a caminhar. Os cachorros a seguiram de perto, parecendo ainda mais confusos com sua audácia. A cami­nhada foi mais longa do que Arabella havia calculado e, quando ela finalmente se aproximou da casa, os dois a acom­panhavam, um de cada lado, como batedores.

Arabella começou a ouvir vozes masculinas e, quando dobrou a esquina formada por uma das extremidades da casa, elas se tornaram mais altas.

Parou de súbito, surpresa, ao deparar com os dois homens no jardim. Merlin era exatamente como ela havia imaginado, sentado em uma cadeira de braços, observando o jardim: com mais de sessenta anos, cabelos longos e grisalhos, pele bronzeada. Apenas a barba, também grisalha, representava um dado novo.

Mas não foi Merlin quem a fez perder o fôlego. Foi o jovem que trabalhava no jardim: alto, de cabelos longos e loiros, os músculos fortes, cobertos pela pele bronzeada, es­tirando-se à medida que ele lutava com as raízes de uma velha árvore, que pareciam se recusar a sair do solo. Ele vestia uma calça jeans desbotada e... mais nada.

Ao perceber a presença de Arabella, ele foi se erguendo de­vagar, fitando-a com o par de olhos mais azuis que ela já vira.

E foi então que Arabella se viu frente a frente com o homem por quem já estava mais ou menos apaixonada. Um homem saído diretamente das páginas dos livros de Merlin. Obviamente, não uma completa invenção da mente do autor.

Robert Palfrey era o jardineiro de Merlin!

 

"Palfrey" se recuperou do encontro inesperado bem mais depressa que Arabella. O que não era de admirar. Afinal, ele não acabara de ser confrontado com um herói de carne e osso... mais carne que osso!

Arabella fora perfeita na orientação das ilustrações das capas dos livros. Se houvesse conhecido aquele homem an­tes, sua descrição não teria mudado absolutamente nada.

— Quem é você? — ele inquiriu de súbito, arrancando-a do estupor.

Não o bastante para que ela pudesse responder à per­gunta, uma vez que Arabella continuou sem voz, diante de toda aquela beleza máscula. Ele era mesmo bonito, completamente seguro em sua virilidade e...

— Daisy, May, sentadas! — ele ordenou aos animais, que obedeceram de pronto, sentando-se aos pés dele, fitan­do-o com adoração.

Arabella sabia como se sentiam, pois teria ela mesma se sentado aos pés dele de bom grado, salivando. Ele era real! Robert Palfrey, em pessoa, encontrava-se bem à sua frente.

— Fiz uma pergunta — ele insistiu, estreitando os olhos e assumindo postura protetora com relação à casa e seus ocupantes.

— Daisy e May? — Arabella repetiu, dando-se conta de que ainda não respondera à pergunta com relação à sua identidade.

Porém, os nomes das cachorras estavam em tamanho desacordo com o tamanho e o aspecto assustador dos animais... Stephen ficaria mortificado quando ela lhe contasse que ele havia fugido de Daisy e May!

Os lábios de "Palfrey" formaram uma linha dura diante do tom ligeiramente divertido de Arabella.

— Não se deixe enganar pelos nomes — ele praticamente rosnou. — Elas guardam o que são instruídas a guardar.

Merlin! De repente, Arabella lembrou-se do motivo exato pelo qual estava ali. Ver-se face a face com aquele homem a colocara em órbita.

— Tenho certeza que sim — falou com voz tranqüila. — Estou aqui porque tenho um encontro marcado com o sr. Merlin — declarou, espiando por cima do ombro de "Palfrey", o velho ainda sentado na varanda.

Os olhos azuis estreitaram-se ainda mais.

— Um encontro marcado? — ele repetiu com ceticismo. Haveria algo errado com sua aparência? Ora, Arabella examinara cuidadosamente o próprio reflexo no espelho, an­tes de sair de casa, pela manhã. Embora o paletó do conjunto cinza estivesse no carro, a blusa branca e a saia cinza e reta, que ia quase até os joelhos, além dos sapatos pretos e discretos, eram sem dúvida extremamente profissionais. Além disso, seus cabelos encontravam-se presos na nuca, como de hábito e, também como sempre, seus óculos repou­savam sobre seu nariz. O que poderia haver de errado?

— Sim, um encontro marcado — ela confirmou em tom seco, recuperando-se um pouquinho do choque de ter se deparado com Palfrey, na vida real.

Afinal, não fora até ali para conversar com ele, mas sim com o homem mais velho, sentado na varanda. Como não fora expulsa até aquele momento, não tinha a menor in­tenção de partir sem realizar o seu objetivo. Especialmente depois de ter ficado tão furiosa com o pai e o irmão, dois dias antes. Seria humilhante demais acabar expulsa, do mesmo jeito.

— Escrevi a ele informando-o sobre a minha chegada, hoje — acrescentou com frieza, desejando que ele saísse do seu caminho para que ela pudesse se dirigir a Merlin.

O jovem franziu o cenho.

— Escreveu?

Embora houvesse ficado literalmente atordoada pela be­leza devastadora daquele homem, Arabella começava a ir­ritar-se com a conversa. Estava ali para falar com Merlin, não com o jardineiro dele!

— Gostaria de trocar algumas palavras com Merlin, em particular — insistiu.

— A respeito do quê?

Algo muito estranho estava acontecendo! Merlin não pro­nunciara uma só palavra desde que ela chegara. Por outro lado, o jardineiro era evidentemente hostil. E também era evidente que ele estava ultrapassando os limites de sua função, falando pelo patrão naquele tom. A menos que hou­vesse sido contratado para agir como guarda-costas do velho, também. Mas, mesmo assim...

— Meu nome é Atherton...

— É a editora, garotão — o mais velho falou pela primeira vez, ao mesmo tempo em que se levantava e se aproximava dos dois. — Não é, senhorita?

— Exatamente — Arabella confirmou, aliviada por sen­tir que começava a fazer algum progresso. — Escrevi para o senhor...

— Você é A.Atherton? — o jovem voltou a interrompê-la.

— Arabella Atherton — ela respondeu irritada.

A irritação logo se transformou em surpresa, pois Merlin soltou uma risadinha divertida, que em segundos se trans­formou em uma profunda gargalhada.

O que havia de tão engraçado em seu nome? Era verdade que lembrava os nomes das damas da Idade Média, mas era um nome bonito, assim mesmo. E, certamente, diferente.

— Sei que nunca fomos formalmente apresentados — ela falou, estendendo a mão para Merlin, com um sorriso —, mas nos comunicamos por carta há cinco anos. Sou Arabella Atherton. O senhor é...

— Andrew, o jardineiro idoso da família.

Ele havia parado de rir alto, embora um sorriso divertido permanecesse em seus lábios.

— Sua idade só vem à tona quando tem de se livrar de raízes teimosas — o mais jovem corrigiu. — Na maior parte do tempo, você adora repetir que está em excelente forma.

— Mas eu estou, garoto. — Andrew virou-se para Ara­bella. — Ele é Merlin — informou-a, apontando para o ho­mem que ela passara a chamar, em sua mente, de Palfrey.

Aquele jovem de corpo atlético, ainda brilhando de suor pelo esforço de retirar a raiz do solo, um homem que poderia ter posado em pessoa para as capas dos livros de Palfrey, era o verdadeiro autor dos mesmos livros? Merlin era Pal­frey? Não, Palfrey era Merlin! Os dois eram, na realidade, uma única pessoa?

O jardineiro voltou a rir.

— Acho que você foi uma surpresa para ela, exatamente como ela foi para você, garoto — murmurou.

Merlin examinou Arabella da cabeça aos pés.

— Pensei que A. Atherton era um homem — declarou.

Corando, Arabella deu-se conta de que ele não estava contente pela descoberta de que sua editora era uma mulher.

— Parece que os dois tiraram conclusões erradas, um sobre o outro — Andrew comentou, ainda soando divertido.

Merlin lançou-lhe um olhar irritado.

— Peça a Stella que ponha água para ferver. Toma­remos chá.

— Sim, senhor — o mais velho replicou, virando-se e desaparecendo no que Arabella calculou ser a cozinha.

A irritação de Merlin era evidente em seu semblante.

— Dei liberdade demais a ele, ao longo dos anos — resmungou.

Ora, era óbvio que os dois homens gostavam um do outro e se respeitavam.

— Uma xícara de chá seria ótimo. Obrigada — Arabella falou, mudando de assunto.

A verdade era que, depois de dirigir tantas horas, um chá cairia muito bem.

Merlin franziu o cenho, antes de se abaixar para apanhar a camisa do chão e vesti-la.

Arabella soltou o ar que nem havia percebido que pren­dera. Agora, era mais fácil respirar, uma vez que Merlin se apresentava vestido. A semelhança dele com o persona­gem, porém, continuava a intrigá-la. Ela sempre aconse­lhava jovens escritores a escreverem sobre assuntos que conhecessem muito bem, mas essa era a primeira vez em que se deparava com uma situação em que autor e perso­nagem era a mesma pessoa.

— Eu disse ao seu marido, no outro dia, que não temos nada a conversar — ele anunciou com frieza.

Arabella demorou alguns segundos para perceber a quem ele se referia.

— Stephen é meu irmão — corrigiu com um sorriso.

A idéia de alguém como Stephen para marido era digna de riso. Embora a diferença de idade fosse de apenas dois anos, ele seria sempre uma criança para ela.

— Não existe semelhança familiar entre vocês — Merlin concluiu, pensativo.

Arabella sabia disso. O irmão herdara os belos traços do pai, enquanto ela jamais havia chegado a uma conclusão sobre com quem se parecia. Certamente, não era bonita como a mãe, mas também não era feia.

No passado, diversos homens haviam imaginado que, as­sim como nos filmes, se ela soltasse os cabelos e tirasse os óculos, se transformaria em uma beldade. E todos haviam ficado profundamente decepcionados. Seus cabelos ruivos realmente apresentavam uma tonalidade lindíssima, mas quando soltos, pela altura dos ombros, tornavam-se rebeldes e armados, impossíveis de pentear. E, sem os óculos, seus olhos deixavam de ser grandes e azuis, circundados por cílios espessos e escuros. Eram, simplesmente, míopes. Bas­tava um olhar para Arabella para se saber que ela não enxergava um palmo diante do nariz! Bela transformação!

— Garanto que é meu irmão — falou, sem mágoa, pois era o que era. — Só posso pedir desculpas pelo modo como ele apareceu aqui, sem ser anunciado, há dois dias. Só tomei conhecimento disso, quando ele voltou para a editora.

— Furioso pela recepção que dei a ele — Merlin adivi­nhou, corretamente, com um esboço de sorriso.

Arabella também sorriu.

— Pode-se dizer que sim.

— E, agora, você foi mandada para acalmar a tempestade — ele concluiu em tom zombeteiro.

— Não fui "mandada" a lugar nenhum. E espero que a única tempestade seja a que tivemos na editora. Deixei bem claro para meu pai e meu irmão como me senti com relação à interferência deles no meu relacionamento com você.

— Relacionamento?

— O relacionamento entre autor e editora — Arabella esclareceu, sentindo as faces arderem. — Eu...

— O chá está pronto, garoto — Andrew anunciou da porta da cozinha.

— Talvez a srta. Atherton tenha decidido não ficar para o chá — Merlin retrucou, sem desviar os olhos de Arabella.

— É claro que ela quer o chá — o jardineiro provocou-o.

— Acha que ela dirigiu até aqui, para ir embora, sem ao menos uma xícara de chá?

Arabella refletiu que seu pai concordaria com o comen­tário anterior de Merlin sobre as liberdades de Andrew. Na residência dos Atherton, os empregados eram raramente vistos e nunca ouvidos, e a organização doméstica era per­feita. Porém, era evidente que aqueles dois eram muito mais que patrão e empregado, que partilhavam uma amizade aparentemente antiga. Merlin deveria se considerar aben­çoado por isso, em vez de se incomodar.

— De fato, estou louca por uma xícara de chá — aceitou, decidida a não ir embora sem antes ser devidamente recebida.

— Mas, antes, vou até o carro para apanhar minha bolsa.

Embora não estivesse em Londres, Arabella não estava disposta a deixar a bolsa dentro do carro aberto, a certa distância da casa. Quando chegara, não quisera levar nada nas mãos, a fim de não assustar os cachorros. Porém, dei­xara alguns papéis no carro e precisaria deles, caso conse­guisse conversar com Merlin.

— As cachorras não vão se importar? — inquiriu, hesitante. Merlin franziu o cenho.

— Você já se arriscou ao sair do carro, antes.

Ora, ou corria o risco, ou fugia, como o irmão fizera. Depois da discussão com o pai e Stephen, Arabella jamais fugiria. Embora algo lhe dissesse que a intenção de Merlin ao deixar as cachorras soltas fosse justamente essa.

— Vou demorar apenas um minuto — ela declarou.

— Não há pressa. Quando voltar, vá direto para a casa — Merlin instruiu-a, antes de seguir para a cozinha, acom­panhado por Daisy e May.

Arabella sorriu a caminho do carro. Embora muita coisa houvesse mudado desde que seu pai assumira o comando da Atherton Publishing, vinte anos antes, quando os editores detinham o poder, a maioria dos autores ainda gostava de ser visitada pelos editores. Merlin deixara óbvio que a pre­sença dela ali era uma grande inconveniência. Porém, ele era um dos autores mais vendidos no momento e seria ime­diatamente agarrado por outra companhia, caso cancelasse o contrato com a Atherton, por achar que estavam invadindo a sua privacidade.

Depois de apanhar a bolsa, Arabella fez o mesmo caminho que Andrew e Merlin haviam seguido antes e entrou diretamente na cozinha. Os dois homens encontravam-se sen­tados a uma grande mesa de carvalho e uma mulher de seus sessenta anos servia-lhes chá e bolinhos.

— Minha esposa, Stella — Andrew apresentou-a, assim que Arabella entrou. — Esta é a editora de Rob, Stella — explicou, ainda se divertindo pelo fato de a editora do patrão ser uma mulher.

Arabella esperava descobrir o primeiro nome de Merlin, uma vez que nem todo mundo poderia chamá-lo de "garoto", especialmente porque ele parecia estar chegando perto dos quarenta. Rob? Examinou-o detidamente. Seria Robert, assim como o herói de seus livros? Ele não parecia inclinado a contar.

— Pode me chamar de Stella — a governanta ofereceu com simpatia, colocando uma xícara fumegante diante de Arabella, que já estava sentada ao lado de Merlin.

— Arabella — ela replicou com um sorriso.

— Bonito nome — Stella elogiou e, então, sorriu para o patrão. — Parece o nome de uma das suas heroínas, Rob.

Era uma mulher de baixa estatura e corpo roliço, os ca­belos brancos como os do marido e os olhos muito brilhantes. Era evidente que aquele era um lar feliz, mesmo que o patrão fosse um bocado taciturno.

Merlin limitou-se a emitir um resmungo baixo, sem tirar os olhos da xícara. Arabella tinha de admitir que, fisica­mente, ele se parecia muito com o herói, Palfrey, embora não tivesse as linhas provocadas pelo riso freqüente em tornos dos olhos e da boca, como Palfrey tinha. Mas, se Merlin escrevera as histórias de Palfrey, tinha de possuir algum senso de humor, não tinha? Não em se tratando de visitas indesejadas de sua editora! Ele se levantou de súbito.

— Que tal levarmos o chá para o meu escritório? — su­geriu em tom de comando.

— Sim, claro — Arabella concordou.

Bem, ao menos, ele ia conversar com ela, o que era um passo além do que Stephen conseguira. Ela lançou um olhar de desculpas para o casal mais velho por não poder fazer jus aos bolinhos apetitosos preparados pela governanta. Afi­nal, Merlin não lhe dera tempo para comer.

O escritório de Merlin se parecia com o da maioria dos escritores que ela conhecia. A mesa era a figura dominante e as paredes eram cobertas de prateleiras repletas de livros de consulta. A única diferença era a ausência de um compu­tador, uma vez que quase todos os escritores utilizavam um. Mas, como os manuscritos de Merlin eram entregues perfei­tamente impressos, tinha de haver um computador na casa. Arabella perguntou-se se ele realmente trabalhava ali.

— Sente-se — ele convidou, depois de ter se acomodado, tendo uma cachorra de cada lado.

Agora, Arabella sabia como um autor principiante se sentia, sentado em sua sala, acomodado na cadeira diante da mesa dela. Era como estar de volta aos tempos de escola, quando era chamada à sala do diretor, por ter cometido algum pequeno delito escolar. E a presença dos cães tornava o ambiente ainda mais ameaçador. A medida que os minutos foram se arras­tando, tal sensação não melhorou nem um pouco.

— Não recebeu minha carta? — ela finalmente perguntou.

— Sim, recebi.

— Nesse caso, minha chegada não foi inesperada — Ara­bella persistiu.

— A visita de A.Atherton era esperada — ele admitiu —, mas a sua presença... Eu não fazia idéia de que o A era de Arabella.

Do contrário, teria solicitado outro editor, anos antes. Sim, era o que o tom de voz de Merlin indicava.

— Eu também não fazia idéia de que o seu primeiro nome é Robert.

Após alguns segundos de silêncio, os lábios dele se cur­varam ligeiramente.

— Muito bem — murmurou, demonstrando que havia percebido o tom de desafio na voz de Arabella.

Era estranho, mas, na privacidade do escritório, Robert Merlin parecia ainda mais familiar. Não era só o fato de ele ser muito parecido com Palfrey. Arabella tinha a sen­sação de já tê-lo visto antes. Mas, onde? Se tivesse visto, não teria se esquecido. Como alguém poderia esquecer de um homem tão atraente?

Endireitou-se na cadeira ao perceber que olhava fixa­mente para ele e que ele retribuía o olhar com curiosidade.

— Desculpe, mas você também não é exatamente o que eu esperava. Tenho alguns documentos que gostaria de lhe mostrar...

— Se são sobre o filme de Palfrey, não estou interessado.

— Como pode ter tanta certeza, sem saber o que a com­panhia oferece?

Embora não quisesse provocá-lo, Arabella estava cons­ciente de que o filme poderia ser muito lucrativo para Mer­lin. Assim como para a Atherton, claro.

Bastava olhar para a casa de Merlin, para saber que ele vivia com muito conforto. E Arabella sabia mais do que nin­guém quanto dinheiro ele ganhava com os livros de Palfrey. Porém, a companhia cinematográfica estava preparada a ofe­recer uma quantia milionária pelos direitos de filmagem. Seria loucura recusar a idéia, sem sequer ler o contrato!

— Palfrey se transformaria em uma caricatura hollywoodiana — ele comentou com cinismo.

Arabella colocou o contrato sobre a mesa.

— Tenho certeza de que a companhia está aberta a ne­gociar o seu envolvimento nas filmagens — ela garantiu.

Ora, depois de tanta dificuldade em conseguir falar com ele, o pessoal de Hollywood parecia disposto a aceitar qual­quer condição.

— Quebrariam o contrato assim que lhes conviesse — ele retrucou.

— Claro que não!

— Em quantos contratos com Hollywood já se envolveu, srta. Atherton?

A Atherton Publishing não era esse tipo de editora. Cons­truíra sua reputação, basicamente, com livros didáticos. Fora Arabella quem acrescentara livros de ficção contem­porânea à lista e Merlin era, sem dúvida, seu autor de maior sucesso. Ao que parecia, Robert Merlin sabia muito bem disso.

— E você? — ela devolveu a pergunta, irritada por per­ceber que não estava progredindo naquela conversa.

A expressão cínica e zombeteira abandonou o semblante de Merlin, dando lugar a um olhar duro e, de alguma forma, amarga.

— Não tenho de...

— Papai, estou na equipe de natação!

A porta do escritório se abriu de repente e a declaração entusiasmada foi feita pela garota parada ali.

Arabella percebeu que, apesar de bastante alta, a menina tinha treze ou catorze anos. Cabelos negros e sedosos caíam sobre seus ombros, emoldurando um rosto de traços perfei­tos. O corpo apresentava a promessa de curvas cheias e bem-proporcionadas. Dentro de poucos anos, ela seria uma mulher lindíssima.

E acabara de chamar Merlin de "papai"!

Arabella voltou a fitá-lo, mas de uma nova perspectiva. Haveria uma sra. Merlin, em algum lugar, por ali?

A reação de surpresa chegava a ser ridícula. Robert Merlin era, definitivamente, o homem mais atraente que Arabella já vira. Portanto, era óbvio que existia uma mulher na vida dele. Até mesmo uma esposa! E a presença da filha provava.

— Papai, você ouviu o que eu disse?

— Claro que ouvi, Emma — ele respondeu, indulgente. — Não vê que temos visita?

Os olhos tão azuis quanto os do pai voltaram-se para Arabella com timidez e, ao mesmo tempo, determinação.

— Desculpe. Não tive a intenção de interrompê-los, mas não podia esperar para dar a boa notícia a papai.

Arabella sorriu com simpatia, lembrando-se das vezes em que ela mesma invadira a casa para contar ao pai no­tícias igualmente excitantes. Infelizmente, o pai jamais de­monstrara o menor interesse. Robert Merlin, por outro lado, não parecia desinteressado. O problema era a presença dela ali, naquele exato momento.

— Tenho certeza de que a sua notícia é mais importante do que qualquer assunto que eu tenha para discutir com seu pai.

— Sobre o que você e papai estão conversando? — Emma perguntou com inocência, sentando-se na beirada da mesa.

— Emma! — o pai reprovou.

Arabella riu.

— Sou da editora de seu pai e...

— A.Atherton? — a menina inquiriu com um novo brilho no olhar.

Merlin endireitou-sé na cadeira.

— O que exatamente você sabe sobre A.Atherton? — perguntou.

Emma sorriu para Arabella, sem se importar com a ex­pressão sombria do pai.

— Você é A. Atherton? Sempre tive um palpite de que era mulher!

— De onde tirou essa idéia? — Merlin insistiu, impaciente.

A filha deu de ombros.

— Pelo tom das cartas.

— E que tom é esse?

— Sempre muito educado e razoável, mesmo depois de você ter sido mais do que grosseiro. — Emma sorriu com malícia. — Sempre achei que um homem o trataria mal!

O pai ficou indignado.

— Nunca fui rude!

Emma lançou um olhar de conspiração para Arabella.

— Ah, vai descobrir que já foi, sim, papai. Embora eu tenha certeza de que a srta. Atherton já o perdoou.

Arabella estava impressionada com a maturidade, bem como com a percepção da garota. Seu pai e irmão viviam furiosos com o desejo fanático de Merlin por privacidade, enquanto ela respeitava tal desejo, cuidando de distrair a atenção da imprensa, afastando-a do autor tão popular.

Martin e Stephen Atherton pensavam diferente. Na opi­nião deles, se Merlin queria a glória e o dinheiro que seus livros traziam, então também tinha de aceitar alguns dos aspectos negativos, o que incluía o interesse do público por sua vida pessoal.

Emma tinha razão. Se o editor de Merlin fosse um ho­mem, ele teria sido tratado de maneira muito diferente.

— Claro que perdoei — Arabella confirmou.

Robert Merlin não parecia nem um pouco satisfeito com o ar indulgente que as duas mulheres à sua frente haviam assumido.

— Eu não fui...

— Seu pai é um autor de talento — Arabella comentou com Emma. — Poderia ser perdoado por muitas coisas.

— Exceto por matar Palfrey — Emma retrucou em tom de desagrado. — Isso seria a coisa mais absurda...

— Emma! — o pai explodiu. — Quer fazer o favor de ficar quieta?

A menina encarou o pai, mostrando-se teimosa e deter­minada diante do ar de reprovação com que ele a fitava. Mas foi em Robert Merlin que Arabella concentrou toda a sua atenção. Não podia ter compreendido as palavras de Emma corretamente.

Ele não podia estar sequer pensando em matar Palfrey!

 

— Muito bem, srta. Atherton — Merlin fitou-a com ar de desafio. — Tem algo a dizer?

Algo a dizer? Se era mesmo verdade, era óbvio que ela tinha algo a dizer!

— Não pode estar falando sério! — foi tudo o que ela conseguiu articular.

Ele continuou a fitá-la com olhar frio.

— Pensei que fosse um grande talento, srta. Atherton.

— E é, mas...

— Existe um "mas", srta. Atherton?

O fato de ele chamá-la de srta. Atherton repetidas vezes deixou Arabella irritada. Os livros de Palfrey eram os mais populares dos últimos anos... e Robert Merlin parecia in­clinado a matar o herói!

— Emma — ele se virou para a filha —, não tem lição de casa a fazer?

— Eu...

— Ou qualquer outra coisa? — ele acrescentou com ar determinado, deixando claro que ela já falara muito mais do que deveria.

— Na verdade, não — ela respondeu, evidentemente se­gura em sua relação com o pai.

— Nesse caso, sugiro que encontre algo para fazer — ele falou com tanta segurança quanto ela.

Emma se levantou.

— Está bem. Vejo você no jantar — dirigiu-se a Arabella e, ao perceber-lhe a expressão de embaraço, voltou a encarar o pai, chocada. — Papai! Não convidou a srta. Atherton para jantar?

Robert Merlin não escondeu o desagrado.

— Eu...

— Não pode esperar que a srta. Atherton volte para Lon­dres sem jantar! Afinal, ela veio até aqui só para vê-lo.

Arabella notou que Merlin não tinha a menor intenção de convidá-la.

Mais uma vez, viu-se obrigada a admitir que a reação dele ao conhecê-la era um tanto incomum. A maioria dos autores gostava de saber que seu editor tinha interesse pes­soal em sua vida. Ora, Robert Merlin não se parecia em nada com qualquer autor que ela conhecesse!

Ele suspirou com impaciência.

— Não conversei com a srta. Atherton por tempo bas­tante, antes da sua interrupção, para poder convidá-la para o jantar — declarou.

Emma continuou tranqüila.

— Então, convide-a agora, e avise Stella que teremos uma convidada para o jantar.

Profundamente irritado, Merlin virou-se para Arabella.

— Fica para jantar? — convidou-a.

Não foi o convite mais simpático que ela já ouvira e, se tivesse bom senso, trataria de recusá-lo. Porém, em termos profissionais, ela sabia que teria de ficar e tentar, ao menos tentar, convencer Merlin de que matar Palfrey seria suicídio profissional. Arabella duvidava que ele fosse capaz de criar outra série que atraísse tanto interesse do público. Ou o dela!

— Obrigada — aceitou, tensa. Ele voltou a encarar a filha.

— Satisfeita? — inquiriu.

— Claro — Emma concordou, sorrindo, antes de beijá-lo no rosto. — Vejo vocês dois mais tarde.

Arabella ainda estava chocada demais pela notícia de que Merlin estava pensando em matar Palfrey, para reagir à piscadela de cumplicidade de Emma.

— Peço desculpas pelo comportamento de minha filha — Merlin murmurou, assim que Emma saiu. — As vezes, ela toma liberdades exageradas.

— Diferente do pai, claro — Arabella falou sem pensar. — Estou apenas apontando o óbvio, sr. Merlin — acrescen­tou sem jeito, concluindo que seria impossível não ofendê-lo.

— Diferente do pai — ele repetiu, pensativo, examinando Arabella com olhar curioso, como se só então houvesse se dado conta de que ela era uma mulher.

Ela sentiu as faces arderem, tornando-se subitamente consciente de sua aparência profissional, dos cabelos presos, dos óculos. Gostaria de ser loira e linda, de ter o tipo de corpo que todos os homens gostam de olhar. Ora, não era, nem tinha nada disso. Talvez fosse justamente esse o motivo de ela continuar solteira, aos vinte e sete anos.

— Desculpe — murmurou, desviando o olhar. — Fui mui­to rude.

— Sim, foi — ele confirmou. — Mas também foi honesta.

Ela deu de ombros.

— Sempre sou honesta, sr. Merlin...

— Robert — ele a interrompeu. — A formalidade se torna ridícula nas atuais circunstâncias.

Arabella concordava plenamente, mas tivera a impressão de que ele preferia manter a formalidade.

— Como já sabe, meu nome é Arabella. Ele se reclinou na cadeira.

— Como Stella mencionou na cozinha, é um nome perfeito para uma das mulheres de Palfrey.

Levando em conta que, na mente de Arabella, Robert era a própria encarnação de Palfrey, o comentário mexeu com os nervos dela.

— Se o que Emma disse é verdade, não existirão mais mulheres de Palfrey — ela mudou de assunto, afastando o pensamento perturbador sobre si mesma como sendo uma das mulheres de Robert Merlin.

Ora, a existência de Emma provava que o homem era casado! Ele não escondeu a irritação.

— Além de tomar liberdades exageradas, minha filha é indiscreta!

— Mas também é honesta? — Arabella arriscou. Afinal, ele ainda não havia confirmado a intenção de ma­tar Palfrey.

— Sim.

A ousadia a afirmação deixava claro que ele estava fa­lando sério. Ia matar Palfrey! Arabella sentiu como se hou­vesse acabado de ser informada de que alguém que ela ama­va muito estava com os dias contados.

— Ela deve ter herdado esses traços da mãe — comentou, distraída.

— Vamos deixar a mãe de Emma fora disso! — Robert Merlin advertiu, abandonando a posição relaxada e assu­mido outra, muito tensa.

Era óbvio que ela havia tocado num ponto muito sensível. Talvez não existisse nenhuma sra. Merlin. Infelizmente, o divórcio era uma coisa comum, hoje em dia. E Robert Merlin não teria sido o primeiro homem a pedir a custódia da filha. Porém, não restava a menor dúvida de que a mãe de Emma era uma mulher bonita. Emma não se parecia em nada com o pai, exceto pelos olhos azuis e, quem sabe, a estatura.

Mas, se Merlin não queria conversar sobre a esposa, não seria Arabella quem insistiria no assunto.

— Claro — murmurou. — De qualquer maneira, prefiro discutir Palfrey.

— Tenho certeza que sim, Arabella, mas, como já deve ter percebido, não discuto o meu trabalho com ninguém.

De fato, ser editora de Merlin durante os últimos cinco anos não dera a ela o menor trabalho. Ele simplesmente enviava seus manuscritos regularmente, nunca pedindo con­selhos ou sugestões sobre as histórias, como muitos autores faziam. E raramente seu trabalho exigia uma verdadeira edição, uma vez que os manuscritos eram sempre muito bem escritos.

— Exceto por Emma, ao que parece — ela murmurou, pensativa.

Ainda tentada encontrar um meio de fazê-lo ouvir a voz da razão no que dizia respeito ao seu herói. Ela mesma ficaria arrasada se Palfrey morresse, e não somente do ponto de vista profissional.

— Nem mesmo com Emma — ele corrigiu. — Acontece que ela fez um curso de computação na escola, no ano pas­sado — explicou — e, agora, insiste em passar todo o meu trabalho para disquetes. Costumo escrever a mão, Arabella. Costumava contratar uma pessoa para datilografar meus manuscritos, antes de Emma decidir que podia fazer isso no computador.

O que explicava a ausência de um computador, ou má­quina de escrever, no escritório. Arabella não fazia idéia de que Merlin escrevia a mão. Na verdade, não sabia nada sobre ele. Exceto que estava prestes a assassinar Palfrey!

— Que motivos tem para querer matar Palfrey?

Ele deu de ombros.

— É o momento certo.

Que momento? Como ela, assim com milhões de leito­res, poderia viver sem a expectativa das novas publicações sobre Palfrey?

— Não concordo. Por que é o momento certo?

— Ele já viveu demais — Merlin respondeu em tom im­placável. — Está na hora de começar algo novo.

Incrível. Palfrey não era um mero personagem para Ara­bella. Era real. E ela estava certa de que muitas outras pessoas sentiam o mesmo.

Mas, afinal de contas, ela era a editora de Merlin.

— Tem outra série em mente? — perguntou em tom profissional.

— É possível.

— Vai ser muito difícil criar uma série tão popular quanto a de Palfrey...

— Gosto de desafios.

— Os fãs de Palfrey podem não gostar.

"Podem não gostar!" Se eles sentissem algo parecido ao que Arabella sentia, ficariam arrasados com a notícia!

— Nesse caso, quanto antes eu terminar esse livro e der início à nova série, melhor.

Ela não estava conseguindo fazê-lo ouvir suas palavras. Ou, talvez, estivesse e ele simplesmente não se importasse. Merlin já morava naquela casa imensa quando lhe enviara o primeiro manuscrito. Portanto, a conclusão era de que ele já era relativamente rico, mesmo antes de ter começado a escrever. O que significava que Merlin não escrevia por dinheiro. Assim, Arabella não poderia citar os prejuízos como parte de sua argumentação em favor de Palfrey.

— Robert... Você parece não compreender...

— Ah, pois acho que compreendo muito bem — ele a interrompeu em tom seco. — E também acho que minha filha deve ter razão quanto à sua viagem até aqui. Vou pedir a Stella que a leve a uma das suítes de hóspedes, para que possa se refrescar e descansar, antes do jantar.

Em outras palavras, a conversa estava encerrada. Pelo menos, ele não a estava expulsando de sua propriedade, como fizera com Stephen. Por outro lado, Arabella tinha certeza de que devia sua sorte a Emma, não às boas ma­neiras de Robert Merlin.

E também não se iludiu, nem acreditou que o tempo extra que passaria ali lhe daria alguma chance de voltar a conversar com ele sobre Palfrey. A expressão de Merlin era implacável.

— Seria ótimo. Obrigada — ela murmurou.

De qualquer maneira, precisava de tempo para pensar e tentar descobrir qual seria o seu próximo passo. Se havia algum passo a dar!

Os lábios dele se curvaram, como se ele soubesse exata-mente o que ela estava pensado e se divertisse com a idéia.

— Vou chamar Stella — anunciou, levantou-se e abriu a porta.

Arabella se encolheu ao ouvir a voz de Merlin trovejar, chamando a governanta. Seu pai teria empalidecido diante de tamanha indelicadeza. Sua casa, administrada por Ara­bella, era silenciosa e tranqüila. Porém, já ficara bem claro que o casal que cuidava da casa de Merlin eram mais amigos que empregados. Talvez, uma necessidade para um homem tentando educar uma filha sozinho.

Voltou a sentir curiosidade com relação à sra. Merlin, embora soubesse que o próprio Merlin não lhe daria qual­quer informação. Afinal, Arabella só descobrira que ele tinha uma filha há poucos minutos.

Stella entrou com um sorriso largo para o patrão. Certamente estava habituada ao método utilizado por ele para chamá-la.

— A srta. Atherton jantará conosco — ele a informou.

— Leve a um dos quartos de hóspedes, para que possa des­cansar e mostre-lhe como chegar à sala de jantar, mais tarde. Se Stella ficou surpresa por saber que Arabella ficaria para jantar, não demonstrou. Conversou alegremente, en­quanto levava a convidada ao andar de cima.

— É um lindo quarto — Arabella declarou, examinando a decoração em tons de creme e limão, ligeiramente impessoal.

— Estou preparando carneiro para o jantar — Stella in­formou-a. — Espero que goste. E o prato predileto de Rob.

O instinto disse a Arabella que, apesar de toda a infor­malidade reinante, aquela casa era administrada estrita­mente segundo o gosto de "Rob".

— É o meu predileto, também — garantiu.

A governanta ficou satisfeita. Assim que ela saiu, Ara­bella atirou-se na cama, sentindo-se exausta. Fora até ali, preparada para convencer Merlin a ouvir a proposta para um filme sobre Palfrey e, ao que parecia, a série teria um final abrupto.

— Olá — Emma cumprimentou com um sorriso, parada diante da porta do quarto. — Achei que deveria vir buscá-la para o jantar.

A menina parecia tão inocente, que Arabella não teve coragem de contar que Stella lhe dera informações precisas sobre como chegar à sala de jantar.

— Entre — convidou. — Estou arrumando os cabelos — explicou com um careta, apontando para as mechas armadas.

— São um tanto rebeldes, não? — Emma comentou, sen­tando-se na beirada da cama. — Já pensou em cortá-los? A cor é tão linda. Tenho certeza de que ficaria bem de cabelos curtos.

Jamais ocorrera a Arabella cortar os cabelos, que ela havia usado compridos a vida inteira.

— O patinho feio nem sempre se transforma em um cisne — falou com um sorriso.

Emma corou.

— Não foi o que eu quis dizer! — protestou. — Você não é um patinho feio.

— Esqueça, Emma — Arabella sugeriu, lamentando ter deixado a garota sem graça.

— Mas eu falei sério. Sempre quis ter cabelos ruivos.

— Seus cabelos são lindos.

— Está vendo? Acho que todos querem exatamente o que não têm. Conseguiu alguma coisa com papai?

— Como assim? — Arabella inquiriu, confusa.

Teria deixado a sua atração por Merlin tão óbvia, que até Emma percebera? Que vergonha!

— Conseguiu persuadi-lo a não matar o pobre Palfrey? — Emma esclareceu.

Ufa! Teria de aprender a não tirar conclusões apressadas. Além de discutir um assunto mais seguro... como Palfrey.

— Ele se recusa a conversar a respeito.

— Aposto que você não quer conversar sobre mais nada.

Arabella começava a desconfiar que a aparição de Emma na porta de seu quarto não era tão inocente quanto parecera a princípio. Ao que parecia, a menina queria conversar com ela, a sós, sobre os livros de Palfrey. Arabella, porém, já conhecia Merlin o bastante para saber que ele ficaria furioso se ela discutisse os assuntos dele com qualquer pessoa, mes­mo que fosse sua filha.

— Acho que, ao menos por enquanto, terei de me curvar aos desejos de seu pai — declarou.

— Mas...

— Vamos nos atrasar para o jantar se não descermos agora mesmo — Arabella falou em tom amigável. — E algo me diz que seu pai é fanático por pontualidade.

Emma se pôs de pé.

— Ele é fanático por uma porção de coisas... Mas você não pode permitir que ele mate Palfrey.

— Emma — Arabella usou um tom de reprovação.

— Mas...

— Vamos descer e comer. — Arabella abriu a porta. — Estou faminta.

Os lábios de Emma formaram uma linha rígida. Era evi­dente que a garota não imaginara que seu plano de con­versar em particular com Arabella pudesse ser destruído pela própria Arabella.

Embora lamentasse ter criado aquela barreira entre si mes­ma e a menina, gostaria muito de ter uma aliada naquela casa, e Arabella não podia correr o risco de ofender ainda mais a sensibilidade de Merlin. Se isso fosse possível!

Emma se alegrou assim que viu o pai na sala de jantar. Correu para beijá-lo.

— Está muito bonito, esta noite — elogiou, examinando o terno cinza e a camisa branca com olhar especulativo. — A que devemos o prazer de vê-lo tão elegante para o jantar? Tenho certeza de que não é em minha homenagem!

A aparência de Merlin havia tirado o fôlego de Arabella. Vestindo roupas formais ele parecia ainda mais atraente do que em jeans. Assim, ela se sentiu grata pelo momento de distração de pai e filha, pois precisava de alguns minutos para se recuperar.

Robert Merlin se mostrou muito longe de satisfeito pela filha ter chamado atenção para o fato de que ele não cos­tumava se arrumar para o jantar.

— Temos uma convidada, Emma — lembrou a filha em tom impaciente, antes de se virar para Arabella. — Aceita uma taça de vinho, antes do jantar?

— Sim, obrigada — ela respondeu, surpresa que sua voz soasse normal, apesar de ligeiramente rouca.

Ora, que vergonha! Estava ali a trabalho, mas mais pa­recia uma colegial, não muito mais velha que Emma. E tudo isso por ter se deparado com o homem que ocupara suas fantasias durante anos!

Sim, fantasiara sobre Palfrey, com suas escapadas ou­sadas e comportamento sedutor. E fora essa a razão pela qual nenhum outro homem conseguira despertar o seu interesse. E Robert Merlin estava se transformando ra­pidamente em Palfrey...

Se antes Arabella não acreditava em amor à primeira vista, teria de mudar de idéia.

Estava apaixonada por Robert Merlin!

 

Apaixonada?

Claro que não estava apaixonada por Robert Merlin. Nem sequer o conhecia!

Atraída, então?

Ah, sim! Toda vez que Arabella olhava para ele, sentia o corpo estremecer. Justamente ela, que jamais experimen­tara algo mais que relacionamentos mornos com os poucos homens com quem saíra. Inclusive Malcolm, com quem saía no momento. A sensação de atração física era diferente que tudo o que ela já sentira antes.

— Mais vinho?

Arabella deu-se conta, de repente, de que Robert se dirigia a ela. Porém, não fazia a menor idéia do que ele estava dizendo. Algo a ver com vinho, talvez...

— Sua taça está vazia — ele explicou, parecendo preo­cupado com ela. — Gostaria de mais um pouco de vinho?

A taça estava vazia! Quando ela bebera o conteúdo? Não se lembrava de nenhum gole.

— Sim, por favor — aceitou, confusa.

Ao contrário do resto da família, Arabella raramente be­bia. Só aceitara o vinho por uma questão de cortesia. Porém, a bebida desaparecera completamente, ou melhor, quase completamente, pois ela sentia um calor estranho envol­vendo seu corpo.

Bem, tal sensação poderia ser mero efeito da proximidade de Merlin. Ele chegou tão perto de Arabella para encher seu copo, que ela pôde sentir o perfume que ele usava. Pro­vavelmente, tomara banho antes de descer.

No mesmo instante, a mente de Arabella formou uma imagem de como ele seria entrando no chuveiro...

Pare!

Tinha de parar de pensar nele dessa maneira. Do con­trário, acabaria perdendo o controle de uma vez.

Bebeu um longo gole de vinho.

— Eu iria devagar, se fosse você — Robert sugeriu.

Arabella fitou-o, admirando mais uma vez a alta estatura dele. Ora, a diferença desapareceria quando estivessem na horizontal...

Lá estava ela, fazendo a mesma coisa de novo! Nunca ficaria na horizontal com aquele homem. Stephen morreria de rir se soubesse de metade dos pensamentos eróticos que ela tinha com Robert Merlin. Afinal, o irmão a via como uma "virgem profissional". Bem, Arabella não se sentia nem um pouco virginal, no momento.

— Deve fazer um bom tempo que você almoçou — Robert continuou. — Eu detestaria ser acusado de deixar você bêbada.

Almoço? Ela nem pensara em parar para almoçar, du­rante a viagem. Estava habituada a passar o dia sem al­moço, pois descobrira que a refeição provocava sonolência, à tarde. Agora, porém, dava-se conta de que fazia dez horas que havia tomado o seu café da manhã.

— Nunca fiquei bêbada — assegurou com um sorriso, notando que sua voz soava mais estridente que o normal.

— Existe uma primeira vez para tudo — ele concluiu, dando de ombros.

Verdade! Momentos antes, Arabella contemplava a idéia de ir para a cama pela primeira vez... com Robert!

Uma idéia ridícula, claro. Mesmo que fosse divorciado, era óbvio que havia uma mulher, ou várias, na vida dele.

A euforia provocada pelo vinho desvaneceu e Arabella foi atingida em cheio pela realidade. Era uma solteirona de vinte e sete anos, com cabelos rebeldes, óculos e o tipo de corpo que as modelos dos anos sessenta pagavam para ter: magro e sem curvas!

Não possuía absolutamente nada que pudesse atrair um homem do calibre de Robert Merlin. Um homem atraente o bastante para representar ele mesmo o papel de seu per­sonagem. Um personagem que ele pretendia matar e... Já ia se esquecendo! Palfrey ia morrer!

— Está sendo rude de novo, papai! — Emma advertiu. — Arabella tem idade suficiente para saber se deve ou não beber mais vinho.

Robert examinou Arabella da cabeça aos pés, antes de declarar:

— Mais que suficiente, eu diria.

Ora, ela não era tão velha, mas o tom de Robert a fazia parecer Matusalém! Bem, o melhor seria não insistir no assunto, para não ouvir uma resposta desagradável.

Deprimente! Talvez estivesse na hora de procurar um cabeleireiro para uma mudança radical no penteado e, tam­bém, pôr um fim definitivo ao medo das lentes de contato. Quanto ao corpo, porém, não havia nada a fazer. Arabella simplesmente não possuía as curvas de que os homens tanto gostam e seria impossível desenvolvê-las. Ainda assim, um novo guarda-roupa poderia ajudar...

Pare com isso, pensou consigo mesma.

Era ridículo seguir aquele rumo de pensamento, depois de um único encontro com o homem de seus sonhos. E, mesmo depois de todas aquelas mudanças, ela continuaria sendo a editora indesejada de Robert Merlin, invadindo a preciosa privacidade do autor. O que, sem dúvida, ele tra­taria de impedir que voltasse a acontecer.

Naquele momento, Stella serviu a entrada e Arabella sentiu-se grata, não só pela interrupção, mas também pelo fato de a mesa redonda ser grande o bastante para que ela não tivesse de se sentar muito perto de Robert.

Tratou de deixar a conversa por conta de pai e filha, enquanto recompunha seus pensamentos. Vinha lutando há anos para ser levada a sério no plano profissional e, nos últimos minutos, agira como uma colegial imatura. Sua pre­sença ali tinha um propósito ainda mais importante do que ela imaginara, antes da revelação feita por Emma.

— ...voltar a Londres esta noite?

Arabella ergueu os olhos ao ouvir o final da pergunta e deu-se conta de que Robert se dirigira a ela.

— Sim, inicialmente, era esse o meu plano — respondeu com firmeza. — Agora, pensando melhor, acho que vou me hospedar em um hotel. Pode me recomendar um?

Além de saber que, uma vez terminado o jantar, ela não estaria em condições de dirigir até Londres, Arabella ainda não conseguira conversar com Robert. Provavelmente, por ele acreditar que não havia nada para discutir.

— Eu...

— Não podemos permitir que Arabella vá para um hotel, papai — Emma protestou. — Ela pode ficar no quarto que usou antes do jantar.

Em outras circunstâncias, Arabella teria adorado a oferta, mas não podia ignorar o fato de que Robert não se mostrara satisfeito com a idéia.

— Para ser sincera, Emma, prefiro ir para um hotel — falou com um sorriso.

— Por quê? — ele mesmo inquiriu.

Arabella não poderia explicar que sua atração por ele tornava urgente o maior afastamento possível!

— Já abusei demais da sua hospitalidade — declarou.

— De jeito nenhum — ele retrucou com sarcasmo.

Embora tivesse o ímpeto de aceitar o convite de Emma só para contrariar o pai dela, Arabella sabia que tal atitude significaria passar mais tempo na companhia de Robert.

— Ainda assim, acho melhor me hospedar em um hotel.

— Bobagem! — Emma voltou a insistir. — Já será muito tarde, quando terminarmos o jantar. Papai, explique a Ara­bella que ela não pode ir para um hotel a essa hora da noite.

Stella retirou a louça usada para servir o prato principal.

— Andrew pediu para avisá-lo que trouxe o carro da srta. Atherton para a garagem — informou a Robert.

Arabella fitou-o com expressão surpresa.

— Você deixou as chaves no contato — ele explicou —, e estacionou de maneira que seria impossível fechar o portão.

— Então, está tudo resolvido — Emma declarou. — Os portões já foram trancados.

Para Arabella nada estava resolvido. Bastaria abrirem os portões, para ela ir embora.

— Eu não trouxe nada para passar a noite — alegou, continuando a recusar o convite com delicadeza.

— Isso não é problema — Emma replicou depressa. — Posso lhe emprestar o que precisar.

— Mas...

— Você mesma concordou que não tem condições de di­rigir até Londres, ainda hoje — Emma lembrou-a.

— Bem, sim... mas...

— Então, deve ficar — a garota concluiu, sorridente. — Não deve, papai?

Robert ainda fitava Arabella com olhar zombeteiro.

— Minha filha é um tanto teimosa, como já deve ter percebido — falou. — Ela parece determinada a manter você aqui, esta noite.

— Ela deve ter herdado esse traço de você — Arabella retrucou, irritada.

— Talvez — ele admitiu, antes de assumir a expressão fria de antes. — Acho melhor comermos, agora. Voltaremos a esse assunto mais tarde.

No que dizia respeito a Arabella, não havia o que discutir. Dormiria em um hotel e ponto final!

Quem diria... Ao deixar sua casa, pela manhã, tudo o que ela queria era encontrar Robert Merlin. Agora, daria tudo para se ver longe dele. Bem, pela manhã, nem lhe passaria pela cabeça o efeito devastador que aquele homem poderia exercer sobre ela.

— ...telefonar?

Arabella voltou a erguer os olhos e descobrir que, mais uma vez, Robert se dirigia a ela enquanto ela se encontrava perdida em pensamentos. Se continuasse assim, ele acabaria concluindo que sua editora era retardada!

— O que disse?

Robert suspirou com impaciência.

— Perguntei se há alguém para quem gostaria de tele­fonar para avisar que não vai voltar hoje.

Depois de Arabella ter jurado só voltar para casa depois de conversar com Robert Merlin, Stephen e o pai acredita­riam que ela estava enfrentado as mesmas dificuldades que o irmão tivera, em atingir seu objetivo, caso ela demorasse a voltar. E, sem dúvida, se divertiriam com a idéia.

— Não, obrigada.

Nem mesmo Malcolm, o homem com quem estava saindo, se preocuparia, uma vez que costumavam se encontrar ape­nas duas ou três noites por semana, sem questionarem as atividades um do outro nas demais.

Arabella tinha um palpite de que Malcolm saía com outra mulher, mas como ele era uma companhia muito agradável e ela não tivesse qualquer intenção séria, além de sair com ele por algum tempo, pouco se importava com isso. Na ver­dade, Arabella jamais se interessara com seriedade por ne­nhum dos homens com quem já saíra.

Mais precisamente, nunca se interessara por homem al­gum... até agora.

Até conhecer Robert Merlin, Arabella nem sabia o que era atração física. E não tinha certeza se realmente queria saber.

— Nenhum jovem ansioso para vê-la? — ele inquiriu, no já familiar tom zombeteiro.

Como Malcolm tinha quarenta e tantos anos, não se en­quadrava na descrição.

— Não — ela respondeu em tom seco. — O carneiro está delicioso — elogiou, mudando de assunto.

Não tinha a menor intenção de discutir sua vida parti­cular, especialmente com aquele homem. Assim, tratou de desviar o olhar, uma vez que a intensidade dos olhos azuis a perturbava a ponto de fazê-la tremer.

A presença de Emma salvou o ambiente da tensão que pairou no ar. Tanto Robert quanto Arabella conversavam com a menina, evitando dirigir-se um ao outro. O que agra­dou Arabella imensamente, pois ela não sabia mais o que dizer a Robert.

Quando Stella serviu o café, Emma recusou-o, dizendo que estava na hora de se retirar, pois tinha aula cedo, no dia seguinte. Imediatamente, Arabella entrou em pânico diante da possibilidade de ficar sozinha com Robert.

— Deixarei uma camisola no seu quarto — Emma infor­mou, antes que Arabella tivesse a chance de falar em partir.

Ao ver a expressão atônita da convidada, Robert riu baixinho.

— Aceite o inevitável, Arabella. Como já concordamos, Emma pode ser tão teimosa quanto eu, quando põe uma coisa na cabeça.

— Muito bem — ela concordou, uma vez que parecia não ter a menor chance contra dois Merlin. — Mas, se não se importar, também vou me retirar.

A verdade era que a comida e o vinho começavam a dei­xá-la sonolenta e, acima de tudo, Arabella tivera um dia longo e... traumático.

— E se eu me importar? — Robert desafiou.

— Papai! — mais uma vez, Emma protestou.

— Talvez eu tenha negócios a discutir com Arabella — ele explicou.

— Nesse caso... — Arabella voltou a se sentar.

— Você é terrível, papai! Pare de provocar Arabella. Ela parece cansada.

Provocar? Seria aquele comportamento a forma de provocação utilizada por Robert Merlin? Ora, o sujeito não era normal!

Assim que Emma saiu, o silêncio pesado tomou conta da sala de jantar. Arabella esperou que ele falasse, até quase explodir de impaciência.

— O que tem a discutir comigo? — finalmente inquiriu.

— Nada.

— Mas...

— Eu disse a Emma que "talvez" tivesse negócios a discutir com você — Robert explicou, zombeteiro como sempre. —Acon­tece que já discutimos tudo o que havia para ser discutido.

Embora não concordasse, Arabella se sentia cansada de­mais para argumentar. O que realmente precisava era sair dali, afastar-se da semelhança arrasadora entre Robert Mer­lin e Palfrey, e pensar seriamente sobre o que fazer a res­peito daquela situação.

Por outro lado, não poderia partir calmamente, sabendo que Robert pretendia matar Palfrey.

O verdadeiro problema era que sua atração por Robert significava que ela estava envolvida demais na questão, para lidar com o assunto com sua costumeira eficiência profis­sional. Como poderia ser objetiva, quando toda vez que olhava para ele, só pensava em atirar-se para aqueles braços fortes e sentir o calor daqueles lábios tentadores? Levantou-se.

— Preciso ir para a cama — declarou abruptamente.

— Se isso é um convite, não tem o menor finesse — ele falou com voz rouca, também se levantando e chegando per­to, muito perto. — Mas o que falta em finesse, sobra em honestidade.

— Eu... você... Eu não quis dizer que preciso ir para a cama com você! — ela protestou, confusa... e embaraçada.

Não era possível que Robert houvesse percebido os sen­timentos dela! Era?

Ele voltou a rir baixinho.

— Quantos anos você tem, Arabella? — perguntou, afa­gando-lhe os cabelos com suavidade.

O toque fez os joelhos de Arabella amolecerem. Seu co­ração disparou.

Quantos anos tinha? Ora, que tipo de pergunta era aquela?

— Não faz diferença — Robert falou com súbita frieza. — Eu só estava fazendo um jogo de flerte verbal, provocando você, como Emma diria. Não pensei em atacar a minha hóspede relutante, assim que me visse sozinho com ela.

— Não sou relutante... quero dizer...

Arabella corou até a raiz dos cabelos, ao perceber que só estava piorando a situação. O problema era que nunca antes participara do que Robert chamava de flerte verbal.

O pai e o irmão a consideravam calma, tranqüila e capaz. No momento, porém, ela não era nada disso. Sentia o corpo em chamas e o tremor ameaçava-lhe o equilíbrio. Quanto a ser capaz... Ora, sua reputação como editora de Merlin dependia disso!

A mão perigosamente delicada acariciou-lhe a face, en­quanto o polegar traçava a linha de seus lábios.

— Você é uma combinação intrigante, Arabella — Robert murmurou. — É óbvio que tem muita experiência em sua carreira e é boa no que faz. Ao mesmo tempo, como mulher, eu poderia jurar... — parou de falar, estreitando os olhos. — As aparências podem ser enganosas. Nunca conheci uma mulher que não fosse diferente do que aparentava ser... e não pretendo me envolver com nenhuma outra!

Apanhada de surpresa pela acusação amarga e inespe­rada, Arabella nem teve a chance de escapar dos lábios vorazes que pousaram com violência sobre os seus.

Os braços de Robert eram como aço em torno de sua cintura, moldando seus corpos, um ao outro. Arabella foi invadida por um desejo intenso, que fez seu corpo latejar e sua mente girar, atordoada.

De repente, não estava mais nos braços de Robert. Agora, ele se encontrava a alguns passos de distância, com expres­são amarga, a respiração ofegante traindo-lhe os sentidos perturbados.

— Eu... — Arabella gaguejou, confusa.

— O que você quer, Emma? — Robert perguntou, a aten­ção toda voltada para filha, parada na porta.

O primeiro pensamento de Arabella foi sobre quanto tem­po Emma estivera ali. Ficou horrorizada ao imaginar que a garota poderia ter assistido à cena que acabara de acon­tecer. E era evidente que o pai dela não estava nada contente com tal possibilidade.

Emma limitou-se a observá-los com olhar curioso, sem dar sinal de os vira se beijando.

Ao menos, a conversa entre pai e filha daria tempo a Arabella para se recompor. O que acabara de acontecer, afinal? Num momento, Robert parecera furioso... com ela. Em seguida, a beijara com paixão ardente!

— Eu trouxe uma camisola para Arabella — Emma finalmente respondeu, em tom defensivo —, como avisei que ia fazer.

— Poderia ter deixado a camisola no quarto de Arabella — Robert retrucou, irritado.

— Eu...

— Onde eu sugiro que a deixe, agora — ele acrescentou com frieza.

— Mas...

— Agora, Emma!

— Mas eu...

— Faça o que estou dizendo! — ele praticamente gritou. — Você interrompeu uma conversa particular entre mim e Arabella.

Embora estivesse habituada às maneiras rudes, bem como à impaciência do pai, Emma certamente não costumava ser o objeto da ira dele. O pior era que Robert não estava com raiva da filha, mas sim de si mesmo, ou de Arabella, talvez. A pobre Emma estava sendo injustamente maltratada.

Os olhos da menina se encheram de lágrimas, que ela se esforçou para conter.

— Sim, senhor — murmurou, tensa, antes de girar nos calcanhares e desaparecer.

— Emma! — Robert chamou, apenas para ser ignorado.

— Falarei com ela — Arabella ofereceu.

Robert fitou-a como se não a visse, como se estivesse cego de remorso.

Arabella ainda não sabia com quem ele estava tão zan­gado, nem o que realmente acontecera entre eles, como ha­viam acabado nos braços um do outro, num beijo apaixo­nado... Mas não podia pensar nisso naquele exato momento, ou arriscaria perder de vez o tênue controle que lhe restava.

— Vou subir e conversar com Emma — insistiu.

— É como eu disse — Robert resmungou às suas costas. — O envolvimento com uma mulher só traz problemas.

Arabella saiu da sala depressa, sem olhar para Robert. Ainda não sabia o que diria a Emma, mas tinha de pensar em algo. Afinal, partiria daquela casa na manhã seguinte, para sempre, e o que acontecer entre ela e Robert não era importante, ao menos não para ele, a ponto de criar um clima tenso entre pai e filha.

Alcançou Emma quando a menina entrava no quarto. Ao vê-la sentar-se na beirada da cama, Arabella não pôde evitar que seus olhos pousassem no porta-retrato sobre a mesa-de-cabeceira. A fotografia mostrava uma linda mulher, sorrindo para o fotógrafo. A semelhança com Emma era gritante.

Emma seguiu a direção do olhar chocado de Arabella e apanhou o retrato com um sorriso fraco.

— Minha mãe — falou com orgulho. — Ela mora na América e não nos vemos com freqüência.

Quando vira Emma pela primeira vez, Arabella a consi­derara lindíssima. Porém, no que a garota apenas começava a desabrochar, a mãe era de uma beleza estonteante, com os olhos cor de violeta a dominar o rosto perfeito, de traços delicados. Sim, era a imagem da perfeição.

E, também, tratava-se de uma mulher que Arabella re­conheceu de pronto.

A identidade da mãe de Emma respondia a quase todas as perguntas de Arabella. Agora, ela sabia exatamente por que Robert Merlin protegia sua privacidade com tanta de­terminação, compreendia os cães, o portão alto, os contatos por correspondência.

Também se deu conta do motivo pelo qual o achara tão familiar, independente de Palfrey, quando pusera os olhos nele pela primeira vez. Fazia sete... provavelmente, seis anos que o vira pela última vez. Os cabelos eram mais longos, agora, e os anos haviam acrescentado maturidade ao rosto másculo. Mas Arabella o reconheceu assim mesmo.

 

— Arabella! O que fez com seus cabelos!

Arabella ergueu os olhos do ma­nuscrito que estivera lendo em seu escritório, para exibir um sorriso zombeteiro para o irmão.

— O que acha que fiz com meus cabelos?

Stephen atravessou a sala e foi sentar-se diante dela.

— Bem, devo admitir que está muito melhor assim — elogiou.

— Muito obrigada!

Ela sabia que era verdade, embora não desse a mínima importância ao que o irmão e o pai achavam do fato de ela, depois de ter usado os cabelos compridos a vida inteira, cortara-os tão curtos, que quase pareciam masculinos. Qua­se. As mechas atrevidas que lhe emolduravam o rosto e enfeitavam a nuca, além da tonalidade semelhante a cobre queimado, eram extremamente femininas.

Arabella ficara surpresa com a transformação produzida pelo novo estilo. Seus olhos pareciam enormes, as maçãs do rosto melhor delineadas... Enfim, havia se transformado em uma mulher um bocado atraente, embora não se atre­vesse a se considerar bonita. A diferença era incrível. Stephen sorriu com ar de especulação.

— Quem é ele? — inquiriu à queima-roupa.

— Quem é quem? — Arabella perguntou com ar inocente.

— Ora, vamos, Arabella! Sabe muito bem do que estou falando. Na última semana, você substituiu os óculos por lentes de contato e trocou os conjuntos sóbrios que costu­mava usar para trabalhar pôr roupas muito mais femininas.

— Stephen comentou, apontando para a calça preta e justa e a blusa de seda cinza que ela vestia.

E ele nem imaginava que aquela roupa escondia roupas de baixo de renda negra, de um tipo que Arabella jamais usara antes. Era inacreditável como aquelas peças que ninguém via, exceto ela mesma, a faziam sentir-se tão feminina e sensual. Uma semana, Stephen acabara de dizer. Fazia mesmo somente uma semana que ela deixara a residência de Merlin de maneira tão abrupta? Parecia mais tempo.

Conseguira dizer algumas palavras conciliadoras para Emma, naquela noite, antes de ir para o seu quarto. Esque­cera-se de apanhar a camisola, mas isso não fez diferença, uma vez que passou a noite inteira vestida, deitada sobre as cobertas, sem conseguir dormir. A fotografia no quarto de Emma havia lhe tirado o sono. Aquela mulher tão fácil de reconhecer, tão linda e espetacular, fora esposa de Robert.

Sua mente havia entrado em órbita com a descoberta. A esposa de Robert era incomparável em sua beleza. O que tor­nava os sentimentos de Arabella por ela ainda mais ridículos. O que quer que o tivesse levado a beijá-la, certamente não fora qualquer tipo de atração. Simplesmente, não poderia ser, depois de ele ter sido casado com alguém tão adorável.

E, nas circunstâncias, ela nem mesmo poderia culpá-lo pelos sentimentos amargos que nutria com relação às mu­lheres. Robert fora profundamente magoado pela mãe de Emma. Então, havia se fechado no interior da Inglaterra, a fim de recuperar o orgulho ferido, depois do divórcio.

E Arabella também descobrira que não faria o menor sentido sequer tentar discutir a possibilidade de um filme sobre Palfrey, em Hollywood. Robert jamais aceitaria. Seria perda de tempo insistir.

Pouco antes do amanhecer, Arabella caíra num sono pro­fundo, exausta de tanto pensar em tudo o que acontecera em tão pouco tempo. Quando despertara, já passava das nove, e ela havia se preparado para partir com toda a pressa. Encontrara Stella na cozinha. A governanta a informara de que Robert fora levar Emma para a escola, mas que não demoraria a chegar. Arabella nunca se sentira tão aliviada e tratou de explicar a Stella, também com pressa, que tinha de partir imediatamente, pois precisava chegar em Londres o quanto antes.

Para aumentar a confusão da pobre mulher, Arabella re­cusara até mesmo uma xícara de café, limitando-se a rabiscar um bilhete para Robert, informando-o de que a Atherton Publishing faria contato em breve.

Daisy e May encontravam-se sentadas perto de seu carro, mas apenas a observaram calmamente, aparentemente acei­tando que se seu dono deixara Arabella entrar, então podiam permitir que ela partisse.

E Arabella se fora, tão depressa, que parecia estar sendo perseguida por demônios.

De certa forma, estava mesmo. Sim, usava óculos. Sim, seus cabelos eram rebeldes. Sim, era magra demais. E sim, Robert Merlin jamais a veria como algo além de uma in­vasora de sua privacidade.

Sim, todas essas coisas eram verdadeiras. E, quanto à última, ela não poderia fazer nada. Quantos às outras...

Na semana seguinte, como Stephen havia percebido, Ara­bella tomara diversas providências. Ainda não era uma mu­lher maravilhosa, nem jamais seria, mas as mudanças já representavam uma sensível melhora.

— Tem de haver um homem envolvido nessa sua meta­morfose — Stephen persistiu. — Não me diga que se apai­xonou pelo bom e velho Malcolm, afinal! — zombou, não escondendo o desprezo que tinha pelo mais velho.

— Afinal? — Arabella repetiu, erguendo as sobrancelhas.

— Ora, você está saindo com o sujeito há tempo demais, Arabella. Mesmo assim, pensei que não havia nada sério nesse relacionamento. Ele não é o homem certo para você, maninha.

— Sei disso melhor que você. Pode ficar tranqüilo. Não há nada sério entre nós — Arabella confirmou.

Malcolm havia se mostrado fascinado pela nova aparência de Arabella. Ao mesmo tempo em que a disposição dela para estar em sua companhia havia praticamente desapa­recido, depois do encontro com Robert, o interesse de Mal­colm se tornara subitamente intenso. Prova disso eram os convites insistentes, para vê-la quase todas as noites. Convites que Arabella conseguira recusar com delicadeza, dando a desculpa de que já tinha outros compromissos.

Era verdade que ela jamais se compararia à ex-esposa de Robert, mas Malcolm também jamais chegaria aos pés do autor. Apesar do que havia descoberto, Arabella não conseguia dissociar a figura de Robert da de Palfrey. Na verdade, sua atração havia crescido, depois de constatar a semelhança.

Stephen deu de ombros.

— Bem, como já disse, tem de haver um homem en­volvido nisso.

— Um comentário bastante machista —r Arabella concluiu com ar de desprezo.

Ele sorriu.

— Claro! Sou o primeiro a admitir o meu lado "porco chauvinista"!

Arabella ofereceu-lhe um sorriso afetuoso.

— Você, melhor que ninguém, deveria saber que papai não é um modelo para ser seguido, Stephen — murmurou em tom de zombaria. — Você... — parou de falar quando o telefone tocou. — Pois não, Di — atendeu a telefonista.

— Um homem deseja falar com você, Arabella — Di in­formou-a, parecendo um pouco ofegante.

— Quem é?

— Ele se recusar a dar o nome, mas diz que quer con­versar com você.

Arabella suspirou.

— A menos que ele diga o nome, não complete a ligação.

Candidatos a autor costumavam fazer isso o tempo todo, depois de enviarem seu primeiro manuscrito. Em geral, a própria telefonista explicava que de nada adiantaria insistir e que seriam contatados via correio. Por isso, era surpreen­dente que Di houvesse ligado para Arabella.

— Você não entendeu, Arabella — Di passou a soar um tanto desesperada. — O homem está aqui, na recepção.

— Aqui? — Essa não! — Pode, por favor...

— Ele é lindo, Arabella — Di continuou, ainda ofegante. — Não é simplesmente bonito, como muitos. E absoluta­mente maravilhoso! Eu...

— Di — Arabella interrompeu-a, ficando imóvel e agarrando o fone com força. — Como, exatamente, ele é maravilhoso?

— E difícil dizer...

— Tente.

— Bem, ele é alto, muito alto. Tem cabelos loiros, um pouco compridos, mas ficam bem nele. E tem os olhos mais azuis que eu já vi. Quase me afoguei naqueles olhos!

Arabella havia se empertigado na cadeira quando Di co­meçara a descrever os cabelos, ficara muito pálida quando a outra mencionara os olhos azuis.

— E é tão lindo! — Di continuou, definitivamente fasci­nada. — Mas faz um tipo másculo, de uma beleza rude. Para ser exata, ele se parece demais com...

— Palfrey! — Arabella completou, cerrando os olhos.

Lembrou-se do pôster imenso da capa de um dos livros de Palfrey, afixado diante da recepção. Imaginou a expressão no rosto de Di, comparando a figura impressa com o homem à sua frente. Sentiu o estômago se contorcer diante do forte palpite sobre quem se encontrava na recepção. Ao mesmo tempo, percebeu o interesse renovado de Stephen na con­versa, à menção do nome de Palfrey. Tratou de desviar o olhar, enquanto tentava ordenar os pensamentos.

— Isso mesmo! — Di confirmou, parecendo aliviada por Arabella ter compreendido o que ela tentava lhe dizer. — Você o conhece?

Ah, como o conhecia! Mas o que Robert Merlin estava fazendo lá? Ao longo dos últimos cinco anos, ele havia re­cusado todos os convites que ela fizera para que ele fosse a Londres e conhecesse o pessoal da Atherton Publishing. Agora, ele resolvia aparecer do nada, sem ter sido convidado! Ora, Robert era a última pessoa que Arabella queria ver.

Porém, conhecendo Robert Merlin, mesmo tão pouco quanto conhecia, ela sabia que não conseguiria escapar.

— Sim, Di, eu o conheço — respondeu.

— Conhece? — Agora, a voz da recepcionista soava fas­cinada. — E vai...

— Arabella, está dizendo que Merlin está lá embaixo? — Stephen inquiriu, explodindo de curiosidade e se esque­cendo das boas maneiras.

— Fique quieto, Stephen! Estou conversando com Di.

— Mas...

— Sim, estou dizendo que Robert Merlin está na recepção. Agora, deixe-me falar com Di. O que estava dizendo, Di?

— Arabella voltou a desviar os olhos do irmão, a mente em disparada.

Não queria ver Robert, pois não sabia se seria capaz de enfrentá-lo. Afinal, fizera papel de tola, na casa dele, uma semana antes. Sem saber como, deixara que ele percebesse quanto ela o achava atraente. Por que outra razão ele a beijara? "O jogo do flerte verbal." Bastara ver a fotografia da ex-esposa dele, para Arabella saber que a idéia era, no mínimo, ridícula.

Agora, ele se encontrava lá embaixo, na recepção. Como Arabella poderia encará-lo?

— Vai descer para recebê-lo, ou devo mandá-lo subir? — Di perguntou, ainda com voz fascinada.

Evidentemente, ficara impressionada com o fato de Ara­bella conhecer um homem tão espetacular.

— Mande-o subir — Arabella respondeu depressa, na esperança de ganhar tempo para se recompor, antes de vê-lo.

— Explique onde fica a minha sala. Estarei esperando.

Desligou rapidamente, antes que Di tivesse a chance de fazer qualquer pergunta desconcertante.

Estaria esperando! Não queria vê-lo. Ele não tinha o di­reito de aparecer assim. A ironia era que, se ele houvesse aparecido antes de sua visita à casa dele, na semana an­terior, Arabella teria ficado deliciada.

— Merlin está subindo? — Stephen inquiriu, como se estivesse se referindo a um fantasma.

Apesar dos sentimentos também confusos, Arabella não pôde deixar de sorrir diante da reação do irmão à chegada do homem que o expulsara de sua casa, dez dias antes.

— Qual é o problema, Stephen? — provocou. — A idéia de encontrá-lo de novo o deixa nervoso?

— "Nervoso" é pouco! — Stephen admitiu. — Não tenho a menor vontade de ficar frente a frente com o homem, de novo.

Nem ela, embora, aparentemente, não lhe restasse alternativa.

— Stephen Atherton, pare exatamente onde está! — Arabella ordenou, ao ver o irmão se dirigindo para a porta. — Aonde pensa que vai?

— Tenho muito trabalho a fazer na minha sala. Só passei para dizer olá.

— Muito bem, pois pode dizer olá para Robert Merlin, também. Afinal de contas, vai ter de encará-lo, mais cedo ou mais tarde.

— O que não precisa ser agora. Boa sorte, irmãzinha. — Stephen espiou o corredor e fez uma careta. — Tenho um palpite de que vai precisar.

Arabella sentiu ó sangue abandonar suas faces ao des­cobrir o motivo do comentário do irmão. Robert caminhava com passos determinados pelo corredor, na direção de sua sala. Ora, ela pedira a Di que o mandasse subir, na intenção de contar com alguns minutos para se preparar. Ao que parecia, Robert mal acabara de ouvir as explicações da re­cepcionista e já embarcara no elevador!

Di tinha razão. Ele estava absolutamente maravilhoso. A calça jeans desbotada combinava perfeitamente com a camisa azul clara, e a jaqueta de couro preto realçava-se os cabelos, mais dourados do que nunca.

— Até mais tarde — Stephen resmungou, ao fazer a sua retirada estratégica.

— Covarde — Arabella teve tempo de murmurar entre dentes, antes que ele saísse.

Robert estreitou os olhos quando viu Stephen se aproximar.

— Atherton — cumprimentou com frieza.

— Merlin — Stephen replicou no mesmo tom e seguiu para o seu escritório.

Arabella permaneceu imóvel na porta de sua sala. Não faria sentido tentar fugir, pois Robert já a avistara. Além do mais, suas pernas não teriam obedecido ao seu comando.

Definitivamente, não era a mesma mulher que chegara na casa de Merlin, uma semana antes. E a diferença não estava somente na nova aparência. Algo mudara dentro dela, ao ver a fotografia da mãe de Emma e se dar conta de que jamais poderia ser tão bonita quanto aquela mulher, que nunca atrai­ria o interesse de um homem como Robert Merlin.

E também fora naquele instante que ela tomara uma decisão. Não só faria o possível para melhorar ao máximo a sua aparência, como também trataria de abandonar o sonho de Palfrey e procurar um homem de verdade para amar.

Assim, saíra e renovara seu guarda-roupa, incluindo rou­pas de baixo, trocara os óculos pelas lentes de contato e, finalmente, mudara os cabelos. Naquela manhã, antes de sair para o trabalho, sentira-se olhando para uma estranha no espelho, mas não poderia negar que a imagem refletida ali a agradava um bocado.

Agora, só lhe restava rezar para que a recém-adquirida confiança durasse até o final daquele encontro!

— Robert — cumprimentou-o em tom absolutamente pro­fissional, sentindo a confiança estremecer só um pouquinho.

Ele parou à sua frente, examinando-a da cabeça aos pés, mantendo a expressão enigmática de sempre. Bem, ao me­nos, ele parecia ter notado a diferença. O que já era um ponto positivo!

— Arabella — Robert retribuiu o cumprimento.

Ela deu um passo para trás, a fim de deixá-lo entrar.

— Queria me ver?

Em vez de responder de imediato, ele entrou na sala e também a examinou por completo.

Arabella fechou a porta atrás de si, pois sabia que se não o fizesse, Stephen provavelmente voltaria para ouvir a con­versa incógnito. E, como ela não fizesse idéia do motivo daquela visita, não estava disposta a dar essa oportunidade ao irmão.

Olhou em volta, tentando enxergar sua sala através dos olhos de Robert. As paredes claras, a mesa de nogueira, o carpete azul-escuro, além dos quadros e vasos de plantas que enfeitavam o ambiente agradavam Arabella imensa­mente. Ela sentia prazer ao entrar ali, todas as manhãs. Robert, certamente, consideraria a decoração feminina de­mais para um local de trabalho.

Ele finalmente se virou para fitá-la.

— Gostaria que me desse o nome de sua decoradora. Minha casa bem que está precisando de alguns toques femininos.

Seria difícil julgar, pelo tom de voz, se ele estava ou não zombando de Arabella.

— Eu mesma cuidei da decoração desta sala — ela res­pondeu, ressentida.

Aquela fora mais uma das concessões de seu pai, quando a persuadira a trabalhar na editora, em vez de ir para a universidade.

— Nesse caso, talvez eu devesse pedir que você desse al­gumas sugestões para uma nova decoração em minha casa — Robert falou, ao mesmo tempo em que se sentava na cadeira em frente à dela, parecendo totalmente à vontade.

— Queria falar comigo? — Arabella insistiu, uma vez que não tinha a menor disposição de perder tempo em con­versas amenas.

— É sempre bom ver uma pessoa em seu próprio terri­tório, não acha? — Robert inquiriu, inabalável.

Sim, era o que ela achava. E era exatamente o que pen­sara com relação a ele, quando fora visitá-lo, na semana anterior. O que Arabella não esperava, era ser confrontada com a imagem viva de Palfrey. Porém, até esse choque já perdera o impacto inicial, uma vez que sua mente deixara de confundir os dois homens. Por maior que fosse a seme­lhança física, Robert possuía um cinismo inteiramente au­sente no personagem de seus livros. Palfrey era espirituoso, cheio de humor, dono de um caráter honrado que ele punha a serviço de outros seres humanos.

O fato de Robert ter escrito os livros provavelmente sig­nificava que ele também possuía tais características. Ainda assim, como nunca as exibisse para o mundo, era fácil dis­tinguir os dois. E fora por Palfrey que Arabella havia se apaixonado. Robert apenas despertara uma atração física que ela jamais sentira antes.

— Tenho certeza de que não viajou até Londres só para comentar a decoração de meu escritório — ela afirmou, impaciente.

— Não — ele admitiu. — Na verdade, vim trazer Emma.

A visita à editora que publicara seus livros, nos últimos cinco anos, não passara de um passatempo conveniente!

Seria decepção o que Arabella estava sentindo? Claro que não! Bem, talvez ela não houvesse sido tão eficiente na separação dos dois homens em sua mente.

— Emma gostaria muito que você almoçasse conosco — Robert informou-a, sem jamais desviar os olhos dos dela.

Emma, mas não Robert.

— Por quê? — Arabella inquiriu, usando a mesma tática que ele usara na semana anterior.

Ele deu de ombros.

— Não sei. Terá de perguntar a Emma. De preferência, durante o almoço.

— Já tenho outro compromisso para o almoço — Arabella declarou, grata por isso ser verdade, pois tinha um palpite de que Robert saberia facilmente quando ela mentia.

— Nesse caso, sugiro que cancele seu compromisso. Ela respirou fundo.

— Receio que isso não seja possível.

Embora conseguisse manter a voz calma, Arabella mal podia acreditar na arrogância do sujeito!

— Você foi embora de maneira um tanto abrupta, na semana passada.

A mudança de assunto apanhou-a de surpresa, tornando impossível controlar o rubor que tomou conta de suas faces.

— Stella me disse que você tinha ido levar Emma para a escola. Deixei um bilhete — Arabella explicou na defensiva.

— "Obrigada pela hospitalidade. Entrarei em contato." — ele recitou o conteúdo do bilhete.

Bem, era verdade que não havia muito o que lembrar. Por outro lado, Arabella não tivera muito o que dizer, na ocasião. Além de ainda se encontrar sob os efeitos do choque provocado pela fotografia no quarto de Emma, Robert deixara claro que não queria discutir a proposta do filme de Palfrey.

Naquelas circunstâncias, agradecê-lo pelo jantar e pela hos­pedagem e garantir que entraria em contato, depois que voltasse para Londres, eram os únicos assuntos possíveis entre os dois.

— Cumpri a promessa — Arabela declarou, tensa.

— Está se referindo a isto? — Robert perguntou, retirando do bolso um carta.

Arabella teve o cuidado de se manter impassível. O fato de ele ter levado a carta consigo significava que a visita à editora, bem como o convite para o almoço, não eram tão casuais como poderiam parecer.

Robert sabia que ela vira a fotografia no quarto de Emma? Teria a filha contado como Arabella ficara chocada e com que pressa pedira licença e saíra de lá?

Como sempre, era impossível tirar qualquer conclusão a partir da expressão, sempre muito bem guardada, no rosto de Robert.

— Não pedi um outro editor, Arabella — ele declarou em tom quase rude, batendo com a carta na mesa.

— Stephen é jovem, eu admito, e também um pouco im­petuoso — Arabella apressou-se em tentar desculpar a ati­tude do irmão, dez dias antes. — Mas é um bom editor, dedicado e...

— Tenho certeza de que seu irmão é um modelo de virtude...

— Eu não iria tão longe! — ela o interrompeu, irritada.

— Muito bem. Digamos... eficiente em seu trabalho — Robert se corrigiu, contrariado. — Acontece que, simples­mente, não preciso de outro editor, uma vez que estou mais que satisfeito com o seu trabalho.

Arabella desviou o olhar, pois o verdadeiro problema era que já não se sentia à vontade para ser editora daquele homem. Muita coisa havia acontecido naquela noite, na casa dele, para que ela jamais voltasse a se sentir bem.

Ao voltar para Londres, na semana anterior, ela escrevera uma carta breve e profissional, informando Robert Merlin sobre a mudança de editores. Acreditara que ele ficaria sa­tisfeito com a decisão.

Agora, porém, começava a perceber que havia cometido um engano.

— Nas circunstâncias...

— Que circunstancias? — ele inquiriu, estreitando os olhos.

Ora, ele sabia muito bem! O que acontecera entre os dois certamente não era normal entre autor e editora! Arabella respirou fundo, buscando controle.

— Tenho certeza de que você ficaria melhor com outro editor...

— Essa decisão deveria ser minha, não acha?

Não! Tomara aquela decisão porque deixara de acreditar que pudesse continuar trabalhando com ele. Depois de ter passado um único dia na companhia de Robert, Arabella perderas a imparcialidade com relação a ele e seus livros.

Passara a se sentir envolvida demais, emocionalmente, para tratar com ele em termos profissionais. Por isso, concluíra que o melhor para todos seria se retirar do cargo.

Era óbvio que não lhe ocorrera a possibilidade de Robert aparecer ali, contestando a sua decisão.

Como ele não se manifestara ao longo da semana inteira, Arabella acreditara que ele ficara satisfeito com o novo ar­ranjo. Só agora se dava conta de que o silêncio só servira para lhe dar um falso sentimento de segurança.

— Escute, Robert, eu... — parou de falar quando a porta da sala se abriu.

Seu pai, que se julgava acima da necessidade de bater em qualquer porta de sua própria companhia, entrou. Em­bora erguesse as sobrancelhas ao descobrir que a filha não estava sozinha, não se preocupou em se desculpar.

— Pensei que tivéssemos um compromisso para o almoço, Arabella — declarou com a costumeira arrogância.

Arabella notou o interesse de Robert no recém-chegado e também percebeu que ele não sabia quem era o mais velho. O que era comum, uma vez que não havia a menor semelhança entre pai e filha, assim como no caso de Robert e Emma.

— E temos — ela respondeu, tranqüila, esperando que Robert compreendesse a deixa e fosse embora.

Não queria apresentá-los. Seria melhor, por diversas ra­zões, que Robert pensasse que Martin era um amigo de Arabella. Além disso, ela preferia que o pai não soubesse que aquele era Merlin.

Porém, como se lesse seus pensamentos, Robert se aco­modou ainda melhor na cadeira.

— Nosso assunto está resolvido — Arabella se dirigiu a Robert, após alguns segundos de silêncio constrangedor.

Ele sacudiu a cabeça.

— Não no que me diz respeito.

A postura dele deixava muito claro que ele não tinha a menor intenção de sair dali.

Percebendo a confusão do pai e sabendo que ele não su­portaria tal estado de espírito por muito tempo, Arabella abriu a agenda.

— Que tal marcarmos um outro dia, para retomarmos a discussão?

— Ficarei em Londres só até amanhã, de manhã.

Diante do tom resoluto, Arabella simplesmente não sabia mais o que dizer, ou o que fazer.

— Qual é o problema? — Martin, como seria de se esperar, havia ficado impaciente com a conversa enigmática e, sem dúvida, se cansara de esperar por Arabella, parado na porta.

— O problema parece ser que Arabella marcou dois com­promissos para o almoço de hoje — Robert respondeu, antes que ela tivesse chance de dizer alguma coisa.

Embora Arabella não houvesse concordado em almoçar com Robert, era evidente que seu pai acreditara no outro homem. E por que não acreditaria. Afinal, que motivo al­guém teria para inventar uma mentira tão absurda?

Arabella, concluindo que não conseguiria escapar daquela enrascada sem apresentar os dois, falou:

— Papai, este é o nosso autor, Merlin. Robert Merlin, meu pai, Martin Atherton.

Apesar de ter feito as apresentações contra vontade, Ara­bella não pôde reprimir uma pontada de satisfação ao ver as expressões de ambos.

Seria difícil dizer qual dos dois estava mais surpreso.

— Sr. Merlin — Martin foi o primeiro a se recuperar do choque, estendendo a mão para o outro. — É um imenso prazer conhecê-lo.

— Atherton — Robert murmurou, cuidadoso, como se soubesse que a simpatia do mais velho fosse meramente profissional.

— Disse que tem um compromisso com Arabella para o almoço? — Martin perguntou.

— Exatamente — Robert respondeu, lançando um olhar de desafio para Arabella.

— Bem, dadas as circunstâncias, Arabella, creio que você deve ir almoçar com o sr. Merlin.

Mais uma vez, o pai agiu conforme seria previsto. Ele sabia muito bem que Arabella não tinha compromisso al­gum, exceto com ele mesmo. Afinal, ela só confirmara o almoço depois de ter consultado sua agenda.

Ora, era evidente que ele via uma grande chance: como o sujeito se dignara a ir até a editora, Arabella poderia conseguir, finalmente, convencê-lo sobre o filme de Palfrey. A perspectiva de todo aquele dinheiro entrando para os co­fres da Atherton Publishing representava um incentivo in­finitamente maior do que a idéia de almoçar com a filha que ele via todos os dias.

Arabella concluiu que não havia possibilidade de fuga para ela. Ao menos, não sem fazer papel de tola. E o brilho de triunfo nos olhos de Robert só serviu para comprovar sua impressão.

 

— Quando cortou os cabelos?

Finalmente! Arabella já começava a se perguntar se Robert não havia notado. O pai nem percebera. Stephen, ao menos, se dera conta da mudança assim que a vira.

Quando teria sido a última vez em que seu pai a olhara e a vira como Arabella, a mulher? Provavelmente, nunca, pensou com tristeza. Ela sempre estivera ali, garantindo uma organização doméstica perfeita.

Malcolm se mostrara mais entusiasmado do que nunca, na noite anterior. Chegara a sugerir outro encontro para a noite seguinte. Um convite que Arabella não tivera a menor dificuldade em recusar. Malcolm certamente considerava seu novo visual mais atraente, mas os sentimentos dela por ele não haviam mudado em nada.

Ah, sim, ele era atraente e divertido e, na noite anterior, não deixara dúvidas quanto a desejá-la ardentemente. Mas não era Palfrey!

Assim como o homem sentado a seu lado, no táxi, a ca­minho do restaurante. Não podia se esquecer disso.

— Faz algum tempo — Arabella respondeu com indiferença.

— Faz só uma semana que nos vimos — Robert replicou em tom zombeteiro.

— Verdade? Não contei os dias. Ele sorriu.

— Ficaria surpresa se eu dissesse que contei?

— O jogo do flerte verbal de novo, Robert?

— Ao que parece, não foram só os cabelos que mudaram, ao longo da última semana — Robert comentou, pensativo.

Arabella fizera papel de boba com aquele homem, uma semana antes. Soubera disso assim que pusera os olhos na fotografia da mãe de Emma. Robert estava certo. Ela real­mente mudara, crescera, parara de procurar por Palfrey. Afinal, ele simplesmente não existia.

— Combina com você, Arabella — ele murmurou, tocando de leve as mechas atrevidas que lhe emolduravam o rosto.

Ela sabia disso desde que o cabeleireiro lhe mostrara o resultado final da mudança. E também ficara óbvio, pela atitude mais ardente da noite anterior, que Malcolm tam­bém apreciara o novo estilo.

Agora, era Robert que parecia satisfeito com a novidade.

— Obrigada — agradeceu com voz seca. — Por que disse que Emma veio a Londres? — mudou de assunto, deliberadamente.

A mudança na expressão de Robert indicou que ele não estava disposto a discutir aquele assunto. Ora, que assunto os dois poderiam discutir em paz? O tempo, talvez. E, mesmo assim, não havia dúvida de que acabariam discordando. Ara­bella apreciava o inverno, pois o sol provocava sardas horríveis em sua pele. Robert, por sua vez, a julgar pelo bronzeado espetacular de sua pele, adorava o verão e a vida ao ar livre.

— Eu não disse — foi a resposta contrariada à per­gunta dela.

Assunto encerrado, Arabella concluiu. Pois se Robert es­tava pensando que discutiriam a troca de editores dele, es­tava muito enganado!

— O tempo está bom para esta época do ano — falou, colocando em teste a sua teoria e, como ele soltasse um risinho baixo, perguntou: — Eu disse algo engraçado?

Robert continuava sorrindo, o semblante exibindo uma expressão dócil com Arabella ainda não vira nele.

— Que tal uma trégua? — ele sugeriu, estendendo a mão num gesto de paz.

Ela ficou olhando fixamente para a mão que havia aca­riciado os seus cabelos momentos antes.

— Eu não mordo, Arabella — Robert encorajou-a.

Sem desviar os olhos da mão estendida, Arabella pôs-se a imaginar Robert beijando as pontas de seus dedos, mor­discando os lóbulos de suas orelhas, a base de seu pescoço. Fechou os olhos, o que tornou a visão ainda mais intensa.

Pare! Tinha de pôr um fim àquelas fantasias absurdas!

— Acha que o tempo está bom para esta época do ano? — repetiu de súbito.

Ele deu de ombros.

— Levando-se em conta que estamos no final da prima­vera, sim, está bom.

Então, foi a vez de Arabella rir.

— Talvez fosse melhor anotarmos em nossos diários: "Ro­bert e Arabella concordaram sobre alguma coisa"!

— Estou certo de que poderíamos concordar sobre uma porção de coisas, se realmente tentássemos.

Ele continuava jogando, Arabella pensou. E, embora hou­vesse praticamente se atirado nos braços dele, uma semana antes, ela não era do tipo que se envolve em aventuras passageiras. Nem mesmo com Merlin, a versão moderna de Palfrey, o homem de seus sonhos.

— Ao que parece, temos opiniões diferentes com relação ao seu novo editor — Arabella lembrou-o.

— De jeito nenhum — Robert discordou. — Concordo plenamente que seu irmão é muito competente. Só não estou precisando de um novo editor.

— Não foi a impressão que eu tive, na semana passada. Naquele dia, ficou claro para mim que você preferia que A. Atherton fosse um homem.

— Isso foi na semana passada — ele argumentou, dando de ombros.

Nada havia mudado, naquele ínterim, para tornar a ati­tude de Robert mais aceitável.

— A verdade, Robert, é que não estou mais satisfeita com o rumo que os livros de Palfrey estão tomando.

— Eles não estão tomando rumo algum, Arabella. Estão terminando.

— Exatamente.

— Costuma dizer a outros autores como devem escrever seus livros?

— Algumas vezes, eu os... oriento na direção correta.

Na verdade, ela só fazia isso quando o autor solicitava ajuda, ou opinião. Porém, os livros de Palfrey haviam se tornado pessoais demais para ela, a ponto de Arabella não ser mais capaz de garantir a objetividade necessária ao seu trabalho. Afinal, como poderia ser conivente com a morte de um grande amigo?

— Não preciso de orientação, Arabella...

— Eu discordo! — ela o interrompeu com veemência, dando-se conta de que começava a se descontrolar. — Está vendo? Não vai dar certo.

Robert a observava com interesse.

— Por que não espera até ter lido o último manuscrito de Palfrey, para então tomar uma decisão? — sugeriu.

Arabella não queria ler o "último manuscrito de Palfrey", pois assim manteria o herói vivo na memória. Ora, já estava começando a ficar com raiva do homem sentado a seu lado, pois ele estava assumindo o papel do assassino de Palfrey!

— Não — declarou com firmeza. — Onde vamos encontrar Emma? — voltou a mudar de assunto, sabendo que sobre esse não havia qualquer ponto de discórdia.

A garota era fantástica.

Embora Robert assentisse, aceitando a mudança de as­sunto, Arabella sabia que a trégua era temporária. No en­tanto, de nada adiantaria ele voltar àquela discussão, pois ela já tomara a decisão de não editar o livro no qual seu herói iria morrer.

— Num restaurante sossegado, onde se come massas de­liciosas e que poucas pessoas parecem ter descoberto, até agora — ele respondeu. — Emma e eu sempre comemos lá, quando estamos em Londres.

— E você costuma vir a Londres com freqüência?

— Não muita.

Diante da pouca disposição de Robert em levar adiante as tentativas de conversa de Arabella, ela decidiu ficar ca­lada até chegar no restaurante desconhecido.

Que de desconhecido não tinha nada!

A medida que o táxi seguia por ruas muito próximas da casa que ela dividia com o pai e o irmão, Arabella foi se dando conta de que restaurante, exatamente, Robert mencionara.

Mario's era uma trattoria que ela e a família freqüentavam com certa assiduidade. Um dos pratos no cardápio, o Spaghetti Arabella, recebera o nome em sua homenagem, pois nos seis primeiros meses em que comera ali, ela pedira sempre o mesmo prato.

Porém, em todas as vezes que visitara o restaurante, Arabella jamais vira Robert ou Emma por lá. Do contrário, teria se lembrado. O que indicava que Robert raramente ia a Londres.

Arabella não pôde conter um sorriso ao imaginar a reação de Robert quando Mário a cumprimentasse como de costu­me, como se fossem parentes distantes e saudosos.

— Emma já chegou — Robert informou, assim que en­traram no restaurante. — Está sentada...

— Arabella! Bambina! — Mário cumprimentou com um sorriso largo, ao vê-la.

Na casa dos cinqüenta, com pouco mais de um metro e meio de altura e quase tão redondo quanto alto, cabelos negros e um bigode fino sobre o lábio, Mário parecia um típico italiano dos filmes de Hollywood.

— Bellissima...

— Se pretende continuar me lisonjeando, trate de falar inglês, Mário! — Arabella protestou com um sorriso afetuoso. — Quero compreender os seus elogios, mas não falo uma palavra em italiano.

— Está bem. Você ficou linda com o novo penteado e... Roberto! — gritou, ao ver o homem logo atrás dela. — Dois de meus clientes prediletos chegando ao mesmo tempo!

— Chegamos ao mesmo tempo porque estamos juntos, Mário — Robert explicou, um tanto surpreso.

— Estão juntos? Bem, eu... Mas... Isso é maravilhoso! — o italiano logo se recompôs. — Vou lhes dar a melhor mesa...

— Emma já está sentada nela, Mário.

O proprietário virou-se para onde Emma estava sentada, acenando na sua direção.

— Pelo menos — Robert continuou —, foi o que você me disse da última vez em que estivemos aqui.

— Mas é! — Mário confirmou, sem se abalar com o pe­queno deslize. — Vou acompanhá-los até lá.

— Um restaurante sossegado que pouca gente descobriu, até agora! — Robert resmungou para Arabella, revirando os olhos, enquanto seguiam Mário até a mesa.

— Não se sinta tão mal — Arabella reconfortou-o. — Você tem razão. Freqüento esse lugar há anos porque moro bem perto daqui.

— É o seu restaurante "local", por assim dizer?

— Pode-se dizer que sim. Mário, nosso almoço é de ne­gócios — ela advertiu o proprietário, ao vê-lo acender as velas sobre a mesa.

— Negócios? — ele hesitou.

— Negócios — Arabella confirmou. — Eu não...

— Acenda a vela, Mário — Robert a interrompeu com frieza. — Preciso de toda a ajuda que puder conseguir!

Emma riu ao ver as faces de Arabella adquirirem uma tonalidade escarlate.

— É muito bom vê-la de novo, Arabella. Seus cabelos estão ótimos, exatamente como eu previ.

— Mais um de seus palpites, Emma? — Robert inquiriu, antes de se sentar. — Quando foi que teve esse?

— Na semana passada, lá em casa, quando fui buscar Arabella no quarto, antes do jantar. — Emma voltou a virar-se para Arabella. — Seus olhos são lindos. Definitiva­mente, Arabella, você estava errada quanto ao patinho feio.

— Não vejo nenhum patinho no cardápio — Robert fran­ziu o cenho, confuso.

Emma e Arabella partilharam uma gargalhada de cumplicidade.

— Mas estou vendo um Spaghetti Arabella.

Ela voltou a rir, ao deparar com a expressão amuada de Robert.

— Não posso mentir...

— Emma, parece que convidamos Arabella para almoçar no restaurante predileto dela.

E, também, estavam conversando sobre algo em que con­cordavam. O que era surpreendente. E desconcertante. Era mais fácil enfrentar os efeitos da companhia de Robert quan­do sua posição era de antagonista.

No entanto, era difícil manter a animosidade com Emma presente. A garota, com seu entusiasmo fervilhante, chegou a insistir que todos eles deveriam pedir o Spaghetti Arabella, em homenagem à convidada e musa do cardápio!

— Trata-se de espaguete com frutos do mar — Arabella explicou. — Portanto, se não gostam de frutos do mar...

— Nós adoramos! — Emma interrompeu. — Não é, papai?

— Aparentemente — Robert respondeu contrariado, fa­zendo o pedido a Mário, que decidira atendê-los em pessoa, "em homenagem à ocasião".

— E uma garrafa do meu melhor vinho por conta da casa em homenagem...

— A ocasião — Robert terminou a frase. — Se você insiste...

— Ah, sim, eu insisto! Conheço Arabella desde que ela tinha... há muito tempo — Mário se corrigiu, diante do olhar de advertência que ela lhe lançou. — Mas ela nunca veio acompanhada, aqui. E agora traz justamente você...

— A verdade, Mário, é que Robert me trouxe — Arabella o interrompeu, sem jeito.

Não queria que Mário desse a Robert a impressão de que, em todos aqueles anos, ela nunca tivesse tido um re­lacionamento sério o bastante para levar um acompanhante ao seu restaurante predileto. Mesmo que isso fosse verdade!

— Por que Stephen não veio? — Mário perguntou, já que o irmão era o acompanhante constante de Arabella. — O molho bolonhesa está particularmente suculento, hoje.

— Direi a ele — Arabella garantiu, desejando que ele saísse dali bem depressa.

Gostava muito de Mário, mas ele falava demais e ela não queria tantas revelações sobre sua vida particular, dian­te de Robert.

Como se lesse seus pensamentos, ele se retirou a fim de transmitir o pedido ao pessoal da cozinha.

— Quem é Stephen? — Emma perguntou com interesse.

— Meu irmão mais novo.

— O jovem que pedi para deixar nossa casa, na semana passada — Robert esclareceu.

Emma arregalou os olhos.

— Acho que "pediu para deixar nossa casa" não descreve com exatidão â sua atitude, papai.

— E eu acho que seria muita presunção de nossa parte concluir que não existe outro homem na vida de Arabella, só por causa do comentário de Mário — o pai replicou, li­geiramente irritado.

Arabella sentiu as faces arderem, quando pai e filha a fitaram com o mesmo ar de curiosidade.

— Muita presunção — finalmente resmungou.

— O que isso quer dizer? — Robert persistiu. — Há um homem? Não há um homem? Ou isso não é da nossa conta?

Por que ele fazia tanta questão de saber?

— Sim — Arabella respondeu, evasiva. Ele ficou visivelmente irritado.

— O que quer dizer? — insistiu em tom duro.

— Quer dizer — foi Emma quem respondeu — que há um homem, talvez mais que um, mas nada sério.

Arabella fitou-a, surpresa. No futuro, teria de tomar cui­dado com o que dissesse na frente de Emma. Futuro? Ora, não haveria futuro para ela com a família Merlin!

— Como chegou a essa conclusão? — Robert dirigiu-se à filha. — Mais um de seus palpites?

— Não exatamente — a menina explicou. — Se Arabella tivesse um namorado sério, ou noivo, não seria tão evasiva. Além disso, ela não usa aliança.

— Mesmo assim, você acredita que ela tem alguém — Ro­bert continuou, demonstrando interesse crescente no assunto.

— Acredito.

— Por quê?

— Arabella é bonita demais para estar sozinha.

Foi a vez de Arabella sorrir. Afinal, Emma não era tão perigosa quanto parecera alguns segundos antes.

— "Elementar, meu caro Watson" — Robert resmungou descontente. — A comida está chegando.

Mário chegou com os pratos e Arabella aproveitou a opor­tunidade para se concentrar na comida e nem sequer olhar para Robert. Pouco depois, virou-se para Emma.

— Fez boas compras, aqui em Londres?

— Eu... sim. — Emma lançou um olhar rápido para o pai. — Não existe lugar melhor que Londres para se fazer compras, não acha?

— Sem dúvida — Arabella concordou, também lançando um olhar para Robert.

Havia algo errado ali, mas ela não conseguiu perceber o quê. E era evidente que pai e filha não esclareceriam coisa alguma. Assim, voltou a se concentrar na comida.

Mário não demorou a voltar, a fim de saber a opinião dos fregueses sobre os pratos.

— Está excelente — Robert elogiou. — Quase tão mara­vilhoso como sua musa inspiradora — acrescentou, assim que o proprietário, satisfeito, se afastou.

— Papai! Que coisa antiga!

Ele deu de ombros.

— Já faz algum tempo e estou sem prática.

— Muito sem prática — Emma confirmou. — Palfrey teria se saído muito melhor.

— Com certeza. A esta altura, Arabella já teria se der­retido nos braços dele. Infelizmente, não sou Palfrey.

Não. Definitivamente, não era. O problema era que Ara­bella estava encontrando dificuldades cada vez maiores para separar os dois homens em sua mente.

— Não vou me derreter nos braços de ninguém! — protestou.

De novo, poderia ter acrescentado, uma vez que já havia se derretido nos de Robert.

Estaria imaginando coisas, ou Robert realmente murmu­rara algo como "Que pena"?

— Parece que seu pai não teve dificuldade em encontrar companhia para o almoço — ele anunciou de súbito.

Arabella ergueu os olhos e deparou com o pai, que se sentava a uma mesa do outro lado do salão. Estava acom­panhado por uma loira muito bonita.

A moça era jovem. Provavelmente, não mais que cinco ou seis anos mais velha que Arabella. Os cabelos loiros e lisos chegavam à altura dos ombros e a franja acentuava o belo tom de verde de seus olhos. Ela usava um vestido simples, preto, terminando pouco acima dos joelhos, dei­xando à mostra parte das pernas bem torneadas.

Além de bonita, ela parecia bem íntima de Martin, uma vez que os dois se sentaram muito próximos, diminuindo ainda mais a distância que os separava ao se inclinarem para examinar o mesmo cardápio.

— Muito bonita — Robert murmurou. — E uma amiga da família?

— Não. Nunca a vi antes.

Arabella não ficou particularmente perturbada pela evi­dente aprovação de Robert. Afinal, já sabia que Robert gos­tava de mulheres bonitas. Porém, estava com ciúmes. Roxa de ciúmes!

— Seu pai parece conhecê-la muito bem — ele acrescen­tou, ainda observando o casal.

Arabella já se dera conta disso, mas tinha certeza de que nunca vira a moça antes. E Stephen também, pois, do con­trário, teria comentado.

Quem era ela? Por que seu pai não a mencionara para nenhum dos filhos? E por que a levara justamente àquele restaurante?

— Acha que sua mãe sabe disso? — Robert inquiriu, pensativo.

Arabella fitou-o com expressão indignada.

— Minha mãe morreu há quinze anos!

— Ah... Sinto muito. Pela sua reação ao ver os dois, achei que...

— Meu pai é um homem livre para sair com quem bem entender!

— Tudo bem — Robert falou, erguendo as mãos num pedido de desculpas. — Não seria melhor você ir até lá e cumprimentá-los?

Arabella perguntou-se se deveria fazer isso. A verdade era que não queria. Porém, parecia não ter escolha, especialmente com Robert e Emma observando-a com tamanha curiosidade.

— Sim — concordou com relutância e se levantou. — Não vou me demorar.

Ou assim esperava. Que situação embaraçosa! Arabella não fazia idéia se o pai ficaria feliz em vê-la. Afinal, Martin jamais fizera segredo sobre as mulheres com quem saía e, ainda assim, não fizera qualquer menção a essa.

Envolvido na conversa com a acompanhante, Martin só notou a presença da filha quando ela chegou à mesa.

— Arabella! — cumprimentou-a com jovialidade forçada e um olhar surpreso e... culpado. — Querida, estávamos falando de você.

— Espero que estejam falando bem — Arabella replicou, também forçando um sorriso.

— Martin não se cansa de elogiar você, Arabella — a loira assegurou, sorrindo com afeição para Martin. — Ele estava justamente me contando que, por causa dos seus compromissos de trabalho, ele ficou subitamente livre para o almoço.

— Ora, Alison — Martin protestou —, você sabe...

— Tenho certeza de que Martin jamais cometeria uma grosseria — Robert comentou, bem atrás de Arabella que, sem ter visto que ele a seguira, quase pulou de susto. — Na verdade, ele deve estar tão feliz quanto eu pelo seqüestro que fiz de Arabella. Sou Robert Merlin.

— Alison Wilder — a loira se apresentou.

O nome também não significava nada para Arabella, que continuou não sabendo quem ela era. Seu pai não parecia nem um pouco satisfeito com o encontro.

Alison estendeu a mão, que Arabella apertou.

— Arabella Atherton — falou. — Bem, acho que você já sabe disso.

O pai evitava fitá-la, o que a deixava ainda mais confusa. Martin jamais se mostrara embaraçado antes! O que estava acontecendo, afinal?

— Pensei em convidá-los para se juntarem a nós — Robert ofereceu —, mas como já estamos quase terminando o nosso almoço e vocês, apenas começando...

— Sim, claro — Martin concordou, efusivo demais. — Não se prendam por nós — acrescentou, dando-lhes a deixa para se retirarem.

— Martin! — Alison advertiu.

— Eu... estava me referindo à sua adorável acompanhan­te — ele apontou para Emma, sozinha.

— É minha filha — Robert explicou.

— É linda — Martin elogiou.

— Obrigado. E você tem razão. Vamos voltar para a nossa mesa.

— Não foi isso o que eu quis dizer, Merlin...

— Nem eu — Robert assegurou. — Mas preciso voltar às minhas tentativas, até agora frustradas, de convencer a sua filha teimosa de que ela realmente deseja continuar sendo a minha editora.

Arabella reprimiu um gemido. Agora, sim, Robert acer­tara o alvo. Foi a vez de ela desviar os olhos dos do pai.

— Existe alguma dúvida a respeito? — Martin inquiriu.

— Ao que parece... — Robert insinuou.

— Por quê?

— Não se preocupe, Atherton. Tenho certeza de que aca­barei persuadindo Arabella.

Ela lhe lançou um olhar fulminante. Robert não tinha a menor intenção de persuadi-la. Tratara de garantir que seu desejo fosse satisfeito, ao contar ao pai dela o que se passava. Martin já se mostrava furioso com a notícia.

— Avise-me se não conseguir — ele falou para Robert, franzindo o cenho.

— Pode deixar — Robert garantiu. — Bom apetite.

— Obrigada — Alison respondeu com um sorriso.

— Experimente o Spaghetti Arabella — ele sugeriu. — É delicioso!

Arabella estava lívida, quando voltou para a mesa. Como Robert descobrira que seu pai não sabia de sua decisão de não mais editar os livros de Merlin? Porque era óbvio que ele descobrira e tratara de se garantir, naquela conversa. E, como Martin jamais admitiria que uma decisão desse porte fosse tomada sem o seu conhecimento, insistiria para que Arabella continuasse como editora de Robert Merlin.

 

Furiosa, Arabella retomou seu lugar à mesa. Robert Merlin era manipulador, controlador...

— Eu disse algo errado? — ele inquiriu com ar de inocência.

— Você sabe muito bem que sim! — Arabella respondeu, sem sequer tentar dominar sua ira.

— Papai? — Emma se mostrou preocupada com a tensão que pairava no ar. — O que você fez?

— Não faço a menor idéia.

Embora sacudisse a cabeça e erguesse as mãos, Robert voltou a fitar Arabella com aquele irritante olhar zombeteiro.

Ele sabia exatamente o que havia feito. Pior, estava se divertindo com os resultados. Martin, certamente, teria mui­to a dizer quando encontrasse a filha de novo.

— Alguém vai querer sobremesa? — Robert inquiriu, tranqüilo. — Talvez você possa nos dar uma boa sugestão, Arabella.

A única sugestão que ocorreu a ela foi sobre o que ele podia fazer com a sobremesa. E seus livros!

— Nunca como sobremesa — resmungou de má vontade.

— Por já ser doce demais?

Ora, ela deveria saber que ele não perderia a oportuni­dade de provocá-la ainda mais.

Emma soltou um gemido impaciente.

— Ah, papai, esse elogio foi pior do que aquele que você tentou fazer antes!

— Foram elogios? — Arabella inquiriu, assumindo ex­pressão de zombaria e desprezo. — Eu nem tinha percebido!

Emma riu, enquanto o pai franzia o cenho.

— É uma sorte seu pai ser tão avesso a todo tipo de publicidade, Emma — Arabella acrescentou. — Eu jamais aceitaria o cargo de Relações Públicas dele, numa tarde de autógrafos!

— A sorte é sua por isso não ser uma possibilidade — Robert replicou, dando de ombros. — Do contrário, eu faria questão que você assumisse tal posição.

— Sem dúvida! — Emma confirmou com uma gargalhada. E Arabella sabia que aquela era a mais pura verdade. Com gestos exagerados e teatrais, consultou o relógio de pulso e ficou genuinamente surpresa ao descobrir que já era tarde.

— Preciso voltar para o escritório — anunciou, com fin­gida tranqüilidade. — Especialmente porque meu pai não parece nem um pouco inclinado a voltar para lá tão cedo.

De fato, Martin continuava profundamente envolvido em sua conversa com Alison. Além disso, a comida dos dois havia acabado de ser servida.

— Alison parece muito simpática — Robert comentou.

Os lábios de Arabella formaram uma linha dura. Claro que Alison parecia simpática, além de excepcionalmente bo­nita. E também era óbvio que Robert a considerava atraente.

— Muito — Arabella concordou, tensa. — Agora, eu real­mente preciso ir. Por favor, fiquem para a sobremesa e o café. A Atherton Publishing tem conta aqui.

— Eu a convidei para almoçar, Arabella — Robert re­trucou com voz rude. — O que significa que pagarei a conta.

Embora pensasse em protestar, ela concluiu que seria pura perda de tempo.

— Como desejar — aceitou, antes de virar-se para Emma com um largo sorriso. — Foi muito bom vê-la de novo. Ob­rigada por ter pensado em mim.

— Percebeu que ela não me incluiu em nada disso? — Robert se dirigiu à filha, erguendo as sobrancelhas.

— Se não estou enganada, você me disse que a idéia de me convidar para almoçar foi de sua filha — ela fez questão de lembrar.

— Foi o que ele disse? — Emma perguntou, incrédula.

— Foi o que eu disse — Robert confirmou, sustentando o olhar da filha, impassível.

Depois de estudá-lo por um momento, a menina deu de ombros.

— Então, deve ser verdade. Papai nunca mente.

Talvez isso houvesse sido verdadeiro no passado, mas Arabella tinha o palpite de que, dessa vez, Robert mentira. O que trazia à tona a pergunta: por que ele quisera a com­panhia dela no almoço? E, mais importante, por que fingira que a idéia fora de Emma? Arabella se levantou.

— Bem, adorei o almoço, independente de quem o convite tenha partido.

— Também gostou da companhia? — Robert inquiriu à queima-roupa.

Por mais estranho que pudesse parecer, até a chegada de Martin e Alison, Arabella estivera se divertindo um bo­cado. Sozinha com Robert, ainda ficava aterrorizada pela reação que ele provocava, mas com Emma presente, a tensão tendia a desvanecer. Afinal, a garota provocava o pai de maneira que Arabella ainda não havia tido a coragem de tentar. Ainda? Ela jamais provocaria Robert daquele jeito. Provavelmente, não voltaria a vê-lo, depois daquele almoço.

— Sim, também gostei da companhia — respondeu devagar. Robert também se levantou.

— Vou acompanhá-la até o táxi.

Ela não discutiu. Acenou para Emma e deixou-se levar por entre as mesas ocupadas. Notou que o pai e Alison não haviam notado que ela estava indo embora, Arabella decidiu não se despedir. Mesmo porque sabia que veria o pai muito antes do que gostaria.

— Espero que seu pai não a atormente demais — Robert falou, como se tivesse lido os pensamentos dela.

Arabella lançou-lhe um olhar irritado.

— Espera?

Ele segurou as mãos dela nas suas.

— Quero que continue sendo minha editora, Arabella.

— Mesmo que tenha de usar força para isso?

— Se necessário, sim.

Arabella fitou-o nos olhos e, no mesmo instante, foi como se só eles dois existissem no mundo.

— Por quê? — inquiriu, num fio de voz.

Em resposta, Robert se inclinou e beijou-lhe os lábios, ao mesmo tempo em que a apertava contra si. Quando fi­nalmente se afastou, ambos estavam ofegantes.

— Porque é o que eu quero, Arabella — ele falou, mantendo-a prisioneira em seus braços.

— Sempre consegue o que quer? — a voz dela soou trêmula, mas, ao menos, ainda era capaz de falar!

Robert sacudiu a cabeça com impaciência.

— Não com freqüência — admitiu —, mas isso eu quero mais do que muitas coisas.

Ainda ofegante, Arabella passou a língua pelos lábios, pois tinha a boca muito seca. Ao perceber que os olhos de Robert acompanhavam o movimento, deu-se conta de quanto devia estar parecendo provocante.

— Por quê? — perguntou mais uma vez.

— Porque quero muito que você leia meu último livro de Palfrey, Arabella. Eu...

Ele queria que ela lesse o livro no qual Palfrey morria! Arabella se afastou.

— Mande o manuscrito quando estiver pronto, Robert — declarou com frieza. — Garanto que será lido.

Não por ela, claro. Pouco se importava com o que o pai teria a dizer a respeito, pois não editaria aquele livro em particular.

Robert estudou-a por um momento.

— Mas não por você — adivinhou.

Arabella estendeu o braço para um táxi que passava, surpreendendo-se por ver o motorista parar de pronto.

— Preciso ir, Robert — falou, esquivando-se à última pergunta dele. — Mais uma vez, obrigada pelo almoço.

Sentiu-se tola ao perceber que, num gesto automático, estendera a mão para se despedir dele. Deixou o braço cair ao longo do corpo, pois Robert lhe lançou um olhar que deixava clara a opinião dele sobre o gesto ridículo.

— Espero que você e Emma aproveitem o resto de sua estada me Londres.

A porta do táxi já estava aberta e o motorista esperava pacientemente. Ela precisava fugir, se afastar daquele homem que, mais uma vez, conseguira hipnotizá-la... até a menção de Palfrey.

— Obrigado — ele agradeceu, um tanto impaciente. — Arabella...

— Eu realmente preciso ir, Robert — ela falou depressa.

— Cuide-se.

Entrou no táxi e fechou a porta. Infelizmente, o vidro estava aberto.

— Você também — ele falou pela janela. — Voltaremos a nos encontrar — garantiu, ao vê-la dar o endereço da editora ao motorista.

Arabella não respondeu. Manteve os olhos fixos adiante, à medida que o táxi se afastava. Não voltariam a se en­contrar, pois ela simplesmente não podia ficar na companhia de Robert Merlin.

— Despedidas são sempre tristes — o motorista falou, como se estivesse tentando encorajá-la —, mas eu não choraria se fosse você, pois ele disse que vão voltar a se encontrar.

Chorar? Quem estava chorando?

Ela estava! Sentiu as lágrimas quentes rolando por suas faces.

Por quem estava chorando, afinal? Por si mesma? Por Robert? Ou seria por Palfrey?

Arabella simplesmente já não sabia.

— O que pensou que estava fazendo, Arabella? — o pai inquiriu assim que entrou na sala de jantar.

Arabella ergueu os olhos. Estava ocupada em limpar a prataria, um trabalho que costumava fazer quando sentia a necessidade de fugir de seus próprios pensamentos. Ge­ralmente, tal estado de espírito se devia à frustração pro­vocada pelo pai ou pelo irmão. Naquela noite, porém, eram as lembranças do almoço que ela queria afastar da mente.

— Tenho direito a férias, assim como todos os demais funcionários da Atherton Publishing — respondeu, dando de ombros. — Por isso, decidi tirar a tarde de folga.

Simplesmente, não se sentira disposta a voltar para o escritório e enfrentar a curiosidade de Stephen sobre Merlin, bem como um possível confronto com o pai.

Assim, informara o motorista do táxi sobre sua mudança de destino, fornecendo o endereço de sua casa. Passara a maior parte da tarde na banheira, fora do alcance de todos, fosse pessoalmente, ou por telefone.

Porém, ouvira o pai chegar, dez minutos antes e servir-se de uma dose de uísque. Portanto, sua entrada na sala de jantar não fora inesperada.

— Não estou me referindo à sua inesperada tarde de folga, você sabe disso muito bem — Martin declarou entre dentes.

Arabella sustentou-lhe o olhar com calma e firmeza. Du­rante o demorado banho de imersão, refletira sobre como enfrentaria aquele ataque, quando acontecesse. E chegara à conclusão de que, se fosse necessário, estava preparada para pedir demissão. Na verdade, tal atitude resolveria vá­rios de seus problemas.

— Eu sei? — inquiriu, impassível.

O pai se pôs a andar de um lado para o outro, definiti­vamente furioso.

— O que pensou que estava fazendo? — repetiu. — Uma mudança de editor, no caso de qualquer autor, deve ser uma decisão da companhia, não pessoal.

Arabella ergueu as sobrancelhas.

— A menos que a decisão seja tomada por você.

— Está bem! É isso mesmo! Acontece que não posso per­mitir que nenhum de meus editores tomem esse tipo de decisão sem me consultar. Mesmo que seja minha filha. Eu me senti um perfeito idiota quando Merlin explicou por que vocês dois estavam almoçando juntos.

Ah! Agora, sim, estavam chegando ao cerne do problema. Uma semana antes, Martin considerava Merlin presunçoso demais para um autor. Ao mesmo tempo, não tinha a menor intenção de permitir que ninguém, nem mesmo a filha, to­masse qualquer iniciativa com relação àquele mesmo autor.

— Eu realmente acredito que, para melhor atender os interesses de Merlin, devo deixar de editar os livros dele. — Não citaria os próprios interesses, claro, mas seus sen­timentos haviam mergulhando no caos, desde que pusera os olhos em Robert pela primeira vez! — Nós concordamos, há algum tempo, que já está na hora de Stephen começar a colocar em prática toda a educação que você pagou — utilizou, deliberadamente, as mesmas palavras que o pai empregara em uma de suas tantas queixas, desde que o filho mais novo terminara a faculdade.

— Não como editor de Merlin — ele declarou, inflexível. Arabella deu de ombros.

— Desculpe, mas pensei que fosse justamente o que você tinha em mente, ao mandar Stephen visitar Merlin, em vez de falar comigo antes. Só tentei facilitar as coisas para todo mundo — acrescentou com ar inocente, percebendo a ex­pressão de culpa no semblante do pai, ao ser lembrado do que fizera uma semana antes.

Martin estreitou os olhos e estudou-a por alguns instantes.

— Você mudou, Arabella — murmurou devagar.

— E acho que você ainda não tinha notado.

— Não estou falando das lentes de contato, ou dos cabelos curtos... embora eu realmente não compreenda por que você tinha de cortar seus cabelos, Sua mãe sempre gostou tanto deles longos.

Era verdade. Arabella se lembrava de que, todas as noites, a mãe escovava seus cabelos até eles brilharem. Enquanto fazia isso, perguntava à filha como ela havia passado o dia, o que fizera. Haviam sido momentos especiais para Arabella.

— Quando eu era menina, eles não eram tão rebeldes — ela admitiu —, mas mamãe se foi há muito tempo. As coisas mudam, as situações também.

O assunto mudara tão naturalmente para a mãe... Ara­bella não poderia ter desejado oportunidade melhor. Martin voltou a fitá-la, mas agora parecia desarmado.

— O que está querendo dizer? — inquiriu em tom defensivo. Arabella voltou a dar de ombros, sem desviar o olhar.

— Estou apenas tentando dizer que Stephen e eu já não somos crianças, que o tempo passou, que as pessoas têm de levar adiante suas vidas. Alison Wilder é muito simpática — acrescentou.

— Sim, eu sei — o pai confirmou, corando.

— O que ela faz?

— É editora de uma revista de moda.

O que explicava como os dois poderiam ter se conhecido.

E também explicava por que Alison se vestia tão bem. Os dois tinham, ao menos, o trabalho em comum.

— Por que não a convida para jantar conosco, uma noite dessas?

— Arabella...

— Só se você quiser, claro — ela encorajou, confirmando suas suspeitas quanto à seriedade do relacionamento do pai.

— E claro que eu quero! Aliás, eu pretendia conversar sobre isso com você durante o nosso almoço de hoje, mas Merlin me colocou naquela posição constrangedora e...

— Olá... há alguém em casa? — Stephen cumprimentou-os com ar jovial, do corredor. — Espero que sim, pois eu trouxe... um convidado para o jantar.

Arabella quase teve medo de se virar para a porta. De­tectara uma nota de pânico na voz excessivamente entu­siasmada do irmão e sabia que só existia uma pessoa capaz de provocar tal reação em Stephen.

Virou-se lentamente, à medida que a porta se abria... e se deparou com Robert Merlin.

— Que coisa incrível! — Martin foi o primeiro a se ma­nifestar. — Depois de se comportar como um eremita du­rante anos, você decide aparecer em todos os lugares!

— Espero não estar atrapalhando — Robert falou, diri­gindo o olhar para Arabella.

No que dizia respeito a ela, aquele homem sempre atra­palhava tudo!

E, dessa vez, ultrapassara os limites! Interrompera uma conversa muito particular entre Arabella e o pai. Ela pen­sara muito sobre o comportamento estranho de seu pai na­quele dia, o convite inesperado para almoçarem juntos, só os dois, a facilidade com que a substituíra por Alison e a evidente intimidade do casal.

Chegara a uma única conclusão: seu pai estava levando aquele relacionamento muito a sério. O que explicava o fato de ele ter mantido segredo até então. Certamente, Alison era importante demais para ser mencionada a troco de nada. Era possível que ele estivesse mesmo pensando em se casar com Alison!

Passada a surpresa inicial provocada por tal constatação,

Arabella refletira muito sobre seus verdadeiros sentimentos com relação à situação. E fora sincera com o pai minutos antes: já fazia muito tempo que sua mãe havia morrido e todos eles precisavam levar suas vidas adiante. Se, para seu pai, isso significava unir-se a Alison Wilder, Arabella ficaria muito feliz pelos dois.

Não sabia exatamente onde a possibilidade a colocava, em termos de continuar vivendo naquela casa, ou não. Po­rém, sabia que era impossível uma única casa ter duas donas. A idéia de finalmente seguir seu próprio caminho era um pouco assustadora, mas, ao mesmo tempo, parecia a mais correta. Estava na hora de mudar de vida, assim como mudara o corte de cabelo.

— De maneira alguma — mais uma vez, seu pai se dirigiu a Robert. — E bom vê-lo de novo.

Arabella teve a impressão de que, embora o pai houvesse planejado conversar com ela durante o almoço, acabara se sentindo aliviado por aquela interrupção, mesmo tendo sido interrompido pelo mesmo Merlin, duas vezes no mesmo dia.

E, a propósito, o que Stephen quisera dizer com "convi­dado para jantar"?

— Eu me esqueci de entregar isto a Arabella, no almoço. Então, telefonei para a editora, no final da tarde, e Stephen me convidou para jantar com vocês — Robert explicou, di­rigindo-se a Martin.

"Isto" se revelou um grande envelope pardo que, até aque­le momento, passara despercebido na mão dele.

Arabella reconheceu o volume mais que familiar instantaneamente.

Ao que parecia, desde, que ela o visitara na semana anterior, Robert terminara o último manuscrito de Palfrey. Mas, defi­nitivamente, ela não tinha a menor intenção de lê-lo.

Assentiu com expressão remota.

— Jantar foi uma boa idéia. Assim, você e Stephen terão uma oportunidade de se conhecerem melhor. Agora, se me derem licença...

Sem esperar por uma resposta, encaminhou-se decidida para a porta. Infelizmente, tinha de passar por Robert para sair da sala. E ele não perdeu a oportunidade e se­gurou-a pelo braço.

— É com você que eu quero conversar — declarou com voz dura.

Arabella Fixou o olhar em um ponto pouco acima do ombro de Robert, pois a breve visão dele entrando, elegante, em seu terno escuro e camisa branca, já fora o bastante para fazer o seu coração disparar.

— Stephen é o seu editor, agora — anunciou, retirando o braço do aperto da mão dele. — E eu tenho um compro­misso, esta noite.

Claro que estava mentindo, mas tinha de fugir dali a qualquer preço.

Ele estreitou os olhos.

— E, desta vez, não é com o seu pai — concluiu.

— Parece evidente que não — ela replicou com um sorriso totalmente desprovido de humor.

— Seria com o homem que "não é nada sério"? Arabella soltou uma risada.

— Nem todos os palpites de Emma estão certos — ad­vertiu-o em tom enigmático. — Tenha uma boa noite. Estou certa de que Stephen e papai farão o possível para que se sinta em casa.

Com essas palavras, Arabella voltou a tomar o rumo da porta.

— Arabella! — o pai chamou-a, soando furioso e frustrado.

Devia estar ansioso para dizer a ela exatamente o que pensava de seu "compromisso", mas jamais poderia cometer tamanha gafe diante de um convidado. Ela virou para encará-lo.

— Sim?

Sabia quanto estava sendo rude. Até mesmo Stephen pa­recia chocado com sua atitude e, certamente, já um bocado perturbado por estar na companhia de Robert há algum tempo. Infelizmente, Arabella só poderia simpatizar com o irmão, pois não pretendia ficar ali para receber os golpes duros do sarcasmo de Robert Merlin.

Também não tinha dúvida de que ouviria muito de seu pai sobre seu comportamento, mais tarde, ou no dia seguinte. Porém, não se importava. Só não queria passar nem mais um minuto na companhia de Robert.

O motivo era que Arabella descobrira, quando ele a bei­jara na porta do restaurante, que era pelo autor que estava apaixonada, não por Palfrey. E tanto fazia que tipo de jogo Robert escolhesse jogar com os sentimentos dela, pois Ara­bella sabia que não passava disso: um jogo. Robert estava tão fora de seu alcance quanto a lua e as estrelas.

No entanto, ele era o tipo de homem que detestava ser contrariado. Fazia uso. de qualquer meio à sua disposição, nesse caso, a fraqueza emocional de Arabella com relação a ele, para atingir seus objetivos. E Robert estava deter­minado a mantê-la na posição de editora de seus livros.

Tanto quanto ela estava determinada a não ser!

Bem, uma explosão e tanto poderia resultar dali. E era justamente por isso que ela queria sair dali, ir para qualquer lugar, desde que fosse longe de Robert.

— A que horas vai voltar — o pai perguntou entre dentes, os olhos faiscando de fúria.

— Não faço idéia — ela respondeu, dando de ombros. — Antes de sair, avisarei a sra. Willis que vocês têm um con­vidado para o jantar.

Mais uma vez, ela se virou para partir.

— Arabella...

Ela ficou petrificada ao ouvir seu nome sendo pronunciado num sussurro rouco.

O que ele queria? O que mais havia a dizer? Robert pa­recia achar que havia algo...

— Sim? — Arabella respondeu, hesitante, sabendo que sua determinação poderia cair por terra, caso não fugisse imediatamente.

Robert fitou-a em silêncio por um longo momento, pare­cendo tranqüilo e à vontade.

Arabella sentiu a tensão tomar conta de seu corpo, até que suas mãos se encontrassem fortemente cerradas, as unhas cravadas nas palmas.

Então, ele a presenteou com um sorriso espetacular, que roubou o fôlego de Arabella, antes de declarar, com voz aveludada:

— Tenha uma boa noite.

Os joelhos de Arabella quase vergaram pelo alívio que ela sentiu, por ele não ter provocado mais uma controvérsia.

— Obrigada — replicou, dando-se conta de que estava lutando para contar as lágrimas.

Não podia chorar, pois seria a sua humilhação final!

Virou-se e, finalmente, conseguiu atravessar a porta da sala de jantar, fechando-a atrás de si. Parou apenas para apanhar a bolsa e as chaves do carro da mesa do hall de entrada e avisar a governanta sobre o convidado para o jantar. Então, saiu da casa como se estivesse sendo perseguida.

De certa forma, era assim mesmo que se sentia. Robert estivera em seu escritório, em seu restaurante predileto e, agora, em sua casa. Era como se não existissem mais lugares para onde ela pudesse ir, sem ter de se lembrar dele.

O desespero levou-a a pensar em Malcolm. Ele a convi­dara para sair naquela noite, além de ter se mostrado mais que ansioso por sua companhia, nos últimos dias. Prova­velmente, pressentira o fato de que as mudanças ocorridas nela não haviam alterado apenas a superfície. Passara a telefonar várias vezes por dia, o que jamais fora comum, antes. Naquela manhã, chegara a telefonar a fim de per­guntar se ela não havia mudado de idéia com relação a um encontro mais tarde, à noite. Arabella respondera que não, mas... Ora, uma mulher sempre tinha a prerrogativa de mudar de idéia!

Mudou o caminho no primeiro cruzamento, sabendo agora para onde ia. Precisava se sentir querida, na companhia de alguém contra quem ela não tivesse de passar o tempo todo em guarda. Arabella conseguia esquecer completamente Robert Merlin, quando estava com Malcolm.

Ao ver o carro dele na garagem, foi invadida por uma onda de alívio por ele não ter marcado outro compromisso, depois de ela ter recusado o convite para vê-lo. Talvez es­tivesse na hora de permitir que aquele relacionamento fosse um pouco mais longe. Quem sabe, até ceder à leve pressão de Malcolm para colocar tal relacionamento em bases físicas.

Talvez as razões fossem as mais erradas, mas naquele exato momento, Arabella não se importava.

Trancou o carro e entrou apressada no edifício, tomando o elevador para o andar de Malcolm, antes que perdesse a coragem. Era perfeitamente capaz de ir adiante com seu plano. Afinal, quem já ouvira falar de uma virgem de vinte e sete anos de idade?  

Malcolm demorou o que pareceu uma eternidade para aten­der à campainha, embora Arabella soubesse que fora apenas uma questão de minutos. Concluiu que era o próprio embaraço que a fazia sentir assim. O que era ridículo, uma vez que se tratava simplesmente de Malcolm. Simplesmente? Ora, ela acabara de decidir que ele seria o seu primeiro amante!

Sentiu-se ainda mais constrangida quando Malcolm abriu a porta, aparentando ter sido interrompido no meio do pro­cesso de se vestir, provavelmente, para sair. Os cabelos loi­ros apresentavam-se despenteados e a camisa, apenas par­cialmente abotoada.

— Arabella... — ele falou, surpreso por constatar que ela era a visitante inesperada.

Malcolm já caminhava para os cinqüenta anos, mas não tinha um fio de cabelo branco, nem rugas. Embora não fosse exatamente bonito, tinha um rosto simpático e agra­dável. O corpo ainda atlético se devia, Arabella sabia, às visitas regulares à academia.

A surpresa dele ao vê-la não foi inesperada. Arabella jamais aparecera no apartamento dele sem avisar. Ela exi­biu um sorriso largo.

— Achei que, talvez, ainda estivesse em tempo de mudar de idéia quanto ao nosso jantar.

— Eu... Bem... Sim, claro — ele replicou agitado. — Quando?

Como Arabella bem sabia, Malcolm era um homem me­tódico, fazendo sempre a mesma coisa, na mesma hora, todos os dias da semana. Ainda assim, se o acusasse de falta de espontaneidade, ele negaria com veemência.

Talvez, não fosse tão difícil levar a cabo o seu plano ou­sado. Afinal, até a semana anterior, gostava bastante de Malcolm. Até Robert... Não! Não pensaria nele agora! De jeito nenhum!

— Esta noite — respondeu com voz rouca, perguntando-se por quanto tempo mais ele a manteria do lado de fora da porta.

— Esta noite? — ele repetiu ainda mais agitado. — Mas eu... Pensei que estivesse ocupada, esta noite.

— Mudei meus planos para poder jantar com você — ela afirmou com um sorriso encorajador.

— Bem, eu... Isso é maravilhoso!

Se era tão maravilhoso, por que ele não a convidava para entrar? Arabella começava a ficar impaciente.

— Malcolm, querido, vai demorar? — uma voz feminina chamou de dentro do apartamento. — Já disse que tenho de ir embora cedo e... Ah, meu Deus! — a mulher exclamou num gemido, ao aparecer diante da porta aberta. — Você estava tão quieto, que pensei que quem quer que tivesse tocado a campainha já tivesse ido embora...

Seria difícil dizer qual das duas mulheres estava mais surpresa por ver a outra.

Embora jamais houvesse tocado no assunto, Arabella sem­pre suspeitara que Malcolm tivesse outros "interesses" femi­ninos em sua vida. Porém, conhecia aquela mulher das visitas ocasionais que fazia ao banco onde Malcolm era gerente. Aque­la era a secretária de Malcolm. A secretária casada!

Ela vestia o que parecia ser um robe masculino, o cinto bem apertado na cintura, a fim de impedir que o excesso de material escapasse pelo decote.

Foi então que Arabella se deu conta de que, quando che­gara, Malcolm não estivera se vestindo, mas sim se des­pindo, antes de se juntar à sua secretária na cama!

— Fazendo hora extra, Suzanne? — conseguiu perguntar com voz calma, sabendo que tinha de se controlar, a fim de salvar o seu orgulho.

E pensar que estivera prestes a ir para a cama com aquele homem! Não lhe ocorrera que teria de entrar na fila! Quanta humilhação!

Suzanne pareceu petrificada pelo pânico e foi Malcolm quem respondeu:

— Posso explicar tudo, Arabella...

— Tenho certeza que sim — ela concordou com um sorriso adorável. — Mas creio que seria melhor para todos os envol­vidos que você nem tentasse. Não se preocupe, Malcolm. Nunca houve nada realmente sério entre nós e a sua vida particular só diz respeito a você... e ao marido de Suzanne, eu imagino.

— Não vai contar a ele... — Suzanne subitamente recuperou a voz.

Arabella ergueu as sobrancelhas, indignada. A situação parecia mais sórdida a cada segundo.

— Acabei de dizer que nada disso é da minha conta — replicou com frieza. — Sugiro que não julgue os outros se­gundo a sua própria falta de ética e moral — acrescentou com desprezo, antes de voltar a encarar Malcolm. — Por favor, não volte a me telefonar.

— Arabella...

— Adeus, Malcolm... Suzanne.

Girou nos calcanhares e se foi. Só começou a tremer quan­do já se encontrava dentro de seu carro. Então, não conse­guia mais parar. Nunca se sentira tão humilhada.

Sempre soubera que tinha de haver outra mulher na vida de Malcolm e, na verdade, jamais se importara com isso. Porém, uma coisa era saber. Ser confrontada com os dois era bem diferente.

Ora, se tivesse chegado alguns minutos mais tarde, teria apanhado os dois em meio a... Não queria nem pensar! As­sim como não queria pensar na decisão de aprofundar o relacionamento com Malcolm.

Se tivesse chegado uma hora mais tarde, provavelmente, teria se deitado na cama ainda quente pela presença de outra mulher.

A simples idéia lhe provocava náuseas. Não queria ver Mal­colm nunca mais. Jamais poderia confiar em um homem que tinha um caso com uma mulher casada. Se ele dava tão pouca importância à fidelidade dos outros, que valor daria à própria?

Como era mesmo o ditado? Quando uma porta se fecha, outra se abre?

No seu caso, quando uma porta se fechara, a outra fora batida com mais força ainda!

 

— A andarilha voltou!

Arabella teve um sobressalto, mas logo relaxou, ao perceber que a voz era de Stephen.

"Andarilha" se aproximava bastante do que ela fizera naquela noite. Depois de deixar o apartamento de Malcolm, ela não quisera voltar para casa enquanto não tivesse cer­teza de que o convidado inesperado já havia partido. Assim, acabara passeando de carro pela cidade, durante três horas!

Descobrira partes de Londres que nem imaginava exis­tirem, apesar de ter vivido ali desde que nascera.

— Fique tranqüila — Stephen zombou. — Nosso convi­dado já foi embora.

Imediatamente, Arabella sentiu boa parte da tensão se dissipar, embora continuasse pálida. Stephen fitou-a, preocupado.

— Vamos tomar um drinque. Você parece estar preci­sando de um.

Um drinque traria de volta o calor ao corpo dela, mas jamais restabeleceria sua confiança nos homens. Todos eles. Malcolm por sua traição, o pai pela arrogância, Stephen pela complacência e Robert... Bem, de todos eles, Robert era o que ela menos compreendia. Na verdade, Arabella decidira nem mais tentar.

Na sala, Stephen estendeu-lhe uma dose de conhaque.

— Não foi uma noite das melhores — comentou.

— Definitivamente, não — Arabella concordou.

— Não me referi à sua — o irmão corrigiu com impa­ciência. — Seu camarada, Merlin...

— Ele não é nada meu!

— Ah, receio que você esteja redondamente enganada! Ao contrário da última vez em que o vi, ele foi extremamente simpático, esta noite, muito interessante de se conversar. Aparentemente, viveu muitos anos na América, e você sabe que se trata de um dos meus assuntos prediletos.

Sim, Arabella sabia, mas não estava interessada naquela parte da conversa entre Stephen e Robert.

— Acho que estamos nos desviando do assunto — lembrou-o.

— Ah, sim. Bem, foi uma noite espetacular. Até papai pareceu gostar de Merlin e... Arabella, o resultado é que você ainda é a editora dele.

— Não sou, não!

— Bem, vai ter de discutir isso com papai. E, enquanto a situação não se define — Stephen colocou o envelope pardo sobre a mesinha —, papai pediu que eu lhe entregasse o manuscrito.

Arabella limitou-se a fitar o envelope.

— Onde está papai? — perguntou, imóvel.

— Saiu, mas não faço idéia onde esteja, nem com quem.

Com Alison Wilder, sem sombra de dúvida. E se as sus­peitas de Arabella estivessem corretas, em breve seu pai pararia de sair à noite, pois teria uma nova esposa vivendo naquela casa.

— Conversarei com ele amanhã — declarou. Stephen franziu o cenho.

— Vai descobrir que não há mais nada a dizer.

Ah, sim, havia! E, dessa vez, era ela quem diria tudo o que pensava.

— O que devo fazer com isso? — o irmão perguntou, apontando para o envelope.

Arabella gostaria que Stephen o jogasse fora, destruísse. Preferia que aquela história não houvesse sido escrita. Res­pirou fundo e bebeu um gole do conhaque, antes de responder:

— Sugiro que leve para o seu escritório e o leia. Ele a estudou, pensativo.

— Alguma coisa mudou em você, Arabella, e não estou falando da sua aparência, embora eu seja obrigado a con­fessar que está uma gata!

— Obrigada! Mas não mudei tanto assim, Stephen. Sim­plesmente, parece que cheguei a uma encruzilhada em mi­nha vida, e não sei exatamente para onde ir.

Era verdade. Ao que parecia, chegara a um impasse com Robert e o pai sobre o livro de Palfrey, uma situação na qual nenhum dos três cederia nenhum milímetro. Arabella não podia ceder, Robert e Martin não queriam. Porém, nin­guém poderia obrigá-la a fazer algo contra a sua vontade. Mesmo que a alternativa fosse um pouco assustadora e a deixasse apreensiva. Deixar aquela casa, bem como a Atherton Publishing seria um passo enorme para dar.

Mas, talvez, fosse a sua única opção.

— Arabella? — Di falou com sua voz suave ao telefone. — Aquele homem está aqui para vê-la de novo.

Dessa vez, Arabella não precisou perguntar quem ele era. A voz de Di apresentava aquele mesmo tom de fascinação da primeira vez em que Robert visitara a editora.

Arabella mantivera a sua decisão com relação ao livro de Palfrey. Stephen se encarregara de ler o manuscrito e de enviar uma carta de aceitação para Robert. Como ela havia pedido ao irmão que não comentasse a história, exceto por alguns deslizes de entusiasmo nos quais ele comentara que se tratava de um livro brilhante, Stephen havia res­peitado os desejos da irmã.

— Pode fazer o favor de informar o sr. Merlin que é com meu irmão que ele deve conversar, Di?

Houve um longo momento de silêncio, enquanto Di cer­tamente falava com ele. Então, a recepcionista voltou a falar com Arabella, mais agitada do que antes.

— Ele insiste em ver você!

Para brincar com os sentimentos dela de novo? Nem pensar!

— Diga a ele que estou de saída, mas que meu irmão está na sala dele.

Tomando uma decisão repentina, apanhou a bolsa e se pôs de pé. Já que parecia não ter escolha, trataria de almoçar mais cedo.

Tinha certeza absoluta de que Stephen realmente se en­contrava em sua sala. Ultimamente, ele estivera tão atarefado, que chegava em casa toda noite reclamando da falta de tempo até mesmo para almoçar. Embora simpatizasse com ele, Arabella não podia fazer nada para ajudá-lo. To­mara a sua decisão duas semanas antes e pretendia mantê-la, por maior que fosse a pressão colocada sobre ela.

— Direi a ele, Arabella — Di respondeu, preocupada. — Mas não creio que ele vá me dar ouvidos!

Arabella também não e foi por isso que ela desligou o telefone apressada, determinada a fugir enquanto podia. Da última vez, Robert fora rápido demais e ela não estava disposta a dar mais uma vitória a ele.

Porém, antes que pudesse sair, Stephen invadiu sua sala com expressão atormentada.

— Meu Deus, Arabella, ele está lá embaixo! Acha que houve algum problema com a carta que enviei? Tive o cui­dado de ser direto e objetivo e...

— Stephen, não estou interessada. Deixei isso bem claro para você e papai, há semanas. Agora, estou de saída. Terá de lidar com ele sozinho.

— Mas, o que vou dizer?

— Ora, pare de ter medo daquele homem! Do contrário...

— Arabella não tem medo de mim — a voz familiar afir­mou da porta.

Mais uma vez, agora por causa de Stephen, ela não con­seguira fugir.

Com um suspiro, virou-se lentamente para encarar o ho­mem que desejava tanto evitar. E quase perdeu o fôlego ao descobrir como ele ficava bem de azul. Sentiu profunda ir­ritação consigo mesma por prestar atenção em uma coisa tão tola, mas não conseguia evitar. Bastava fechar os olhos e a imagem de Robert sempre se formava clara, mesmo que indesejada, em sua mente.

Estranho era o fato de que fazia o mesmo tempo que não via Malcolm, mas já não se lembrava de todos os traços do rosto dele com clareza. E não porque ele não houvesse tentado entrar em contato, depois da noite fatídica, no apar­tamento dele. Malcolm telefonara diversas vezes e até fora ao escritório, mas, ao contrário de Robert, aceitara a recusa dela em atendê-lo.

Continuara ligando todos os dias, embora diminuísse as tentativas para uma por dia, apenas. Arabella se convencera de que o único motivo da insistência de Malcolm era o medo de que ela pudesse contar a alguém que ele tinha um caso com a secretária casada. Como se ela sequer pensasse uma coisa dessas! Já fora humilhante demais ter de reconhecer a própria estupidez. Não haveria motivo para fazer com que o mundo soubesse.

— Nem um pouco — replicou. — Como vai, Merlin?

Os lábios dele formaram uma linha dura diante do uso de seu nome profissional.

— Bem, minha editora se recusa a falar comigo, aparen­temente nem leu meu último manuscrito e, para piorar ainda mais as coisas, recebi uma carta do irmão dela, informando-me de que meu livro foi aceito! Como espera que eu esteja?

— Está sendo muito teimoso, Merlin...

— Meu nome é Robert. Quanto a ser teimoso... Atherton, importa-se de nos deixar a sós? Acredito que esta seja uma conversa muito particular entre mim e Arabella — declarou com arrogância.

Embora se mostrasse contrariado, Stephen não foi capaz de discutir. Aquele homem era tão arrogante quanto seu pai. A diferença era que Merlin era o autor de maior peso em toda a lista da editora. Discutir com ele criaria ainda mais problemas com o autoritário Martin. Arabella já não se importava, mas sabia que o irmão ainda não havia su­perado seus receios.

— Está tudo bem — Arabella assegurou. — Talvez seja melhor você não se envolver nessa conversa.

Assim, ao menos, se o resultado fosse um confronto com o pai, Stephen poderia alegar que nem sequer participara da discussão.

Apesar de evidentemente aliviado, ele hesitou, preocu­pado com a irmã.

— Tem certeza de que vai ficar bem?

— Ela não acabou de dizer que não tem nem um pouco de medo de mim? — Robert inquiriu, sentando-se na cadeira diante da mesa de Arabella.

Stephen fitou-o, mortificado.

— Sim, mas...

— Estarei bem, Stephen — Arabella assegurou. — Apro­veite para almoçar mais cedo. Tem trabalhado demais, ultimamente, e merece um descanso. Tome um drinque por mim.

Ele não precisou de maior incentivo. Saiu apressado, an­tes que qualquer incidente pudesse impedi-lo. Arabella não pôde deixar de simpatizar com os sentimentos do irmão. Nas últimas duas semanas o pai havia pressionado o filho mais novo a ponto de Arabella temer que Stephen não re­sistisse ao massacre.

E ela sabia muito bem por que o pai estava agindo assim. Sua intenção, na verdade, era pressionar Arabella, uma vez que ela era muito apegada ao irmão, tendo nutrido por ele sentimentos protetores depois da morte da mãe.

— Acha que está precisando de um drinque? — Robert inquiriu, assim que ficaram sozinhos.

— Não — ela respondeu com ar de impaciência. — Por que insiste em ser tão difícil?

Ora, para um homem que ela nem sequer conseguira conhecer pessoalmente durante cinco anos, ele acabara se transformando na dor de cabeça número um da companhia!

Ele estreitou os olhos.

— Trabalhamos em perfeita harmonia, no passado. Por que mudar isso?

— Porque...

— Porque não gosta do último livro de Palfrey, sem nem sequer ter lido o manuscrito! — Robert se levantou com gestos tão bruscos, que a cadeira tombou para trás, fazendo Arabella recuar alguns passos. — Não se preocupe, Arabella. Nunca agredi uma mulher antes, por maior que fosse a provocação.

— Não provoquei você...

— Você me provocou em todos os sentidos em que uma mulher pode provocar um homem, desde o momento em que nos vimos pela primeira vez...

— Você foi muito rude comigo — ela o interrompeu. — Cheguei a pensar que fosse lançar seus cães sobre mim a qualquer momento!

— Daisy e May não seriam capazes de atacar uma mosca!

— A menos que vocês lhes ordene que o façam!

— O que eu realmente deveria ter feito! Quem sabe, assim, você tivesse ficado quieta por tempo bastante para que eu enfiasse um pouquinho de bom senso nessa sua cabeça!

Arabella lançou-lhe um olhar furioso.

— E você quem se recusa a ter bom senso! Está cometendo suicídio profissional e se recusar a ouvir alguém que tenha coragem de lhe dizer isso!

— Está se referindo a si mesma?

— Exatamente!

— Ora, Arabella, não está sendo nada corajosa. Muito pelo contrário!

Ela parecia prestes a explodir de raiva.

— Depois de conhecer você, não quero mais ser sua editora, pois você é arrogante, cabeça-dura, egoísta ao extremo...

— Pode usar quase as mesmas palavras para falar de você mesma.

— Quase?

— Às vezes, você até que coopera um bocado.

Arabella sabia que Robert só poderia estar se referindo às vezes em que ela se derretera nos braços dele.

— Isso foi antes de eu me dar conta de que você não passa de um grande...

— Tendo mais uma de suas briguinhas de amor? — uma voz zombeteira inquiriu da porta. — Francamente, Arabella, Merlin — Martin continuou de bom humor, ao entrar na sala e fechar a porta atrás de si —, não podem pensar em um lugar menos público para essas demonstrações verbais de paixão que vocês parecem gostar tanto de fazer? O es­critório certamente não é o melhor lugar, uma vez que todos podem ouvi-los e qualquer um pode entrar de repente.

Arabella ficara indignada com o comentário inicial sobre "briguinhas de amor", mas quando ele continuou a falar naquele tom de provocação, ela foi invadida pelo ímpeto de esbofeteá-lo. O que ele estava insinuando, afinal?

— Se estivessem em um local mais particular, você po­deria beijá-la até que ela perdesse a voz — Martin se dirigiu a Robert com um sorriso. — E essa discussão já teria sido resolvida há muito tempo.

— Francamente, papai! Só porque você e Alison decidiram que estão perdidamente apaixonados um pelo outro, não tem o direito de supor que todos que conheça sintam o mesmo. Robert e eu nos detestamos!

— Não seja ridícula, Arabella — o pai declarou, como se falasse a uma criança. — A emoção se torna quase palpável no ar, quando vocês dois se encontram no mesmo aposento.

— Já disse que é de ódio! — ela se defendeu.

Por que Robert não dizia alguma coisa? Por que não mos­trava a seu pai como ele estava sendo ridículo?

— Lamento tudo isso, Robert, mas, ao que parece, algu­mas partes da educação de minha filha foram negligencia­das. Isso se deve ao fato de a mãe dela ter morrido muito cedo. Mesmo assim, eu deveria ter feito alguma coisa para corrigir essa omissão. Bem, é claro que, agora que Alison e eu vamos nos casar, Arabella terá uma madrasta, com quem poderá conversar. Embora já seja um pouco tarde, eu receio. Sinto muito.

Arabella tornava-se mais e mais furiosa. O pai continuava a falar como se ela nem estivesse ali, ou como se fosse incapaz de falar por si mesma. Na verdade, parecia estar se desculpando pelo comportamento rebelde de uma criança!

— Eu não fazia idéia de que deveria lhe dar os parabéns — Robert falou, estendendo a mão para Martin. — Arabella não mencionou a novidade — acrescentou, lançando um olhar de acusação na direção dela.

Ora, ela nem sequer tivera uma oportunidade para cum­prir com seus deveres sociais, uma vez que havia estado ocupada, discutindo com ele, desde que ele pusera os pés em sua sala!

— Quando será o casamento? — Robert inquiriu.

— Daqui a duas semanas. Sim, eu sei — Martin soltou uma risada jovial ao ver a surpresa do mais jovem. — Mas já tendo sido apresentado a Alison, tenho certeza de que vai compreender a minha pressa.

— Sem dúvida — Robert concordou. — É uma mulher muito bonita. Você é um homem de sorte.

— Também acho — Martin assentiu, parecendo mais feliz do que nunca.

Arabella compreendia aquela felicidade, uma vez que já havia estado na companhia de Alison diversas vezes, desde o encontro inusitado no restaurante. Além de bonita, a outra era amável e sincera, além de se esforçar ao máximo para não invadir a vida de Arabella. Embora não houvesse motivo de preocupação, pois Arabella gostava muito de Alison e estava contente por ver que o pai encontrara uma mulher realmente capaz de fazê-lo feliz.

— Você vai ao casamento, não vai, Merlin? — Martin convidou com entusiasmo. — Alison ficará muito feliz. Ela ficou mortificada, naquele dia, no restaurante, por não tê-lo reconhecido de imediato. É uma grande fã de seus livros. Já leu todos.

— Ainda bem que alguém os lê — Robert comentou com uma pontada de amargura.

— Leve sua filha, também. Vocês dois podem acompanhar Arabella. Ela...

— Já terminaram? — Arabella inquiriu, furiosa por eles estarem discutindo a sua pessoa, como se ela não estivesse ali. — Sou perfeitamente capaz de escolher o meu acompa­nhante — falou para o pai.

E não seria Robert Merlin, pensou consigo mesma, nem Malcolm.

— Bem, ao que parece, você não está mais saindo com Malcolm — Martin anunciou. — É uma pena se você e Robert forem passar a festa inteira sozinhos...

— Vamos deixar isso de lado por enquanto, Martin — Robert sugeriu, percebendo que Arabella estava prestes a explodir de novo. — Daremos um jeito.

Se, com isso, ele queria dizer que conseguiria convencê-la a acompanhá-lo no casamento, então Robert teria uma gran­de surpresa!

— Assim espero — Martin concordou com um sorriso. — Quem sabe vocês dois não se entusiasmem e também se casem! Já brigam o suficiente para serem marido e mulher!

Arabella observou, muda, os dois partilharem uma gar­galhada chauvinista. Mal podia acreditar no que o pai aca­bara de dizer. Ela e Robert se casarem? Seria mais fácil ela se tornar primeira-ministra da Inglaterra!

— Bem, vou deixar vocês a sós, para resolverem seus probleminhas — Martin anunciou, encaminhando-se para a porta. — De qualquer maneira, vejo você no casamento, daqui a duas semanas, Merlin.

Arabella ficou olhando para a porta que o pai fechou ao sair, incapaz de dizer ou fazer qualquer coisa.

— Antes que você tenha mais uma de suas explosões — Robert falou —, acho que vou seguir o conselho de seu pai.

Ela o fitou, sem compreender uma palavra. Do que ele estava falando, afinal?

Então, os braços de Robert a enlaçaram.

— Acho que ele tem razão quando diz que eu deveria beijá-la até você perder a voz!

Arabella nem teve tempo de protestar, antes que os lábios de Robert pousassem sobre os seus, num beijo apaixonado e ardente. Sentiu-se como se houvesse esperado por aquilo desde o momento em que o vira.

— Você é a mulher mais teimosa que eu já vi — Robert murmurou com voz rouca, afagando-lhe os cabelos.

— Humm... — ela concordou, atordoada, querendo apenas que ele a beijasse de novo.

Também não protestou quando Robert se sentou, acomo­dando-a no colo.

— Cuidado, Arabella — ele sussurrou ao seu ouvido, com uma risada baixa. — Acabamos de concordar de novo. Po­demos adquirir o hábito!

Arabella desejou que ele parasse de falar e simplesmente a beijasse. E foi o que ele fez, reacendendo a chama do desejo que os consumia, fazendo com que ela gemesse de prazer, ao sentir as mãos experientes acariciarem seus seios.

— Ah, Arabella — Robert falou com voz entrecortada —, seu pai acertou sobre mais uma coisa. Não posso beijá-la aqui. Alguém poderia entrar e... Precisamos ir para um lugar onde eu possa fazer amor com você!

Ainda sacudida pelo prazer, Arabella foi assimilando as palavras de Robert lentamente, à medida que ela atraves­savam a onda de paixão que ameaçara engolfá-la. Amea­çara? Por que já estava pensando no passado?

Porque a paixão arrasadora começava a se dissipar, dando lugar ao raciocínio claro. O que estava fazendo? Ou melhor, com quem estava fazendo?

— Não podemos ir para a sua casa, Arabella? Como só vim passar o dia em Londres, não estou hospedado em ne­nhum hotel, embora isso não signifique...

— Pare agora mesmo! — ela o interrompeu de súbito, lutando para se pôr de pé. — Não vou a um hotel, ou qual­quer outro lugar com você!

Parecendo atordoado, Robert fechou os olhos e sacudiu a cabeça.

— Acho que fiz tudo errado, de novo — murmurou com um suspiro. — Como disse a Emma, naquele almoço, estou sem prática nesse tipo de coisa.

E Arabella sabia por quê. Robert jamais superara o ca­samento falido.

— Pois não vai recuperar a prática comigo!

— Arabella...

— Você mesmo disse que não veio para ficar em Londres. E, como já disse o que tinha a dizer, sugiro que se retire.

Robert já não parecia atordoado. Ao contrário, exibia ex­pressão dura e amarga.

— Irei embora quando achar que chegou o momento — declarou entre dentes. — Não sei o que se passa com você. Num momento, apaixonada e fogosa; no outro, parece uma pedra de gelo. Mas se é assim que você quer, que seja! — Levantou-se de súbito, assustando Arabella. — Já lhe disse uma vez, Arabella, que não precisa se preocupar. Nunca agredi, nem forcei uma mulher em minha vida.

E nem precisara, com um esposa maravilhosa como Kate Lawrence. Ali estava o cerne de todo o medo que Arabella sentia daquele homem. Ele fora casado com uma mulher que era considerada a mais bonita do mundo. Uma mulher que, alguns anos antes, fora seqüestrada e mantida como refém, somente resgatada mediante o pagamento de alto resgate.

A história fora manchete nos jornais durante muitos dias, assim como o desespero de Robert Lawrence, suas tentativas de levantar o dinheiro do resgate, e o fato de o sogro ter finalmente providenciado a quantia, assegurando a liber­dade da filha.

O seqüestro mudara a vida daquelas pessoas, pois Kate Lawrence não conseguira perdoar o marido por ele não ter pago o resgate. O divórcio viera poucos meses depois.

A tragédia se dera seis anos antes. Robert Lawrence, roteirista famoso, deixara Hollywood quando, quase ime­diatamente depois do divórcio, a ex-esposa se casara com o homem que a confortara desde o início da história. Levara consigo a filha, Emma, e nunca mais ninguém ouvira falar dos dois.

Mas Arabella sabia quem ele era, onde estava, e por que fazia questão de que seus livros fossem publicados sob o nome de Merlin. Robert não queria que ninguém descobrisse sua verdadeira identidade.

E, acima de tudo, Arabella sabia que era a mais pura loucura apaixonar-se por um homem que amara a esposa com tamanho desespero, que jamais seria capaz de confiar em uma mulher de novo.

 

— Não vou começar outra discussão — Robert acrescentou. — Stephen tem uma cópia do último manuscrito de Palfrey. Leia, se quiser. Já não dou a mínima.

No instante seguinte, a porta batia com força atrás dele e Arabella sentia as lágrimas quentes descendo por suas faces.

Queria correr atrás dele, impedir que se fosse, pois sabia que se não o fizesse, nunca mais voltaria a vê-lo. Porém, se o chamasse de volta, se conseguisse desfazer o clima horrível que acabara de criar, o que aconteceria? Teriam um caso pas­sageiro que, quando terminasse, a deixaria tão desolada e inconsolável quanto Robert ficara depois do divórcio?

E Arabella o amava tanto, que sua dor era quase física. Ao mesmo tempo, tinha medo dele, pois sabia que, de um jeito ou de outro, o perderia. Ah, como amava aquele homem! Não Palfrey, um herói mítico, mas sim o homem, Robert Merlin Lawrence.

Tinha de pôr um fim àquilo tudo, retomar o controle sobre sua vida. Tomara algumas decisões muito sérias, ao longo das duas últimas semanas. Trataria de se concentrar nelas, pois, do contrário, arriscaria a própria sanidade.

Em primeiro lugar, precisava pensar no casamento de seu pai com Alison. Agora, tinha certeza de que Robert não compareceria à cerimônia, ou à festa. Ele fizera questão de afirmar que não pretendia forçar nada, nem ninguém. Ara­bella, por sua vez, deixara claro que queria distância.

Não, Robert não iria ao casamento.

Ainda assim, em meio a todos os planos que Arabella tinha de pôr em prática naquelas duas semanas, não se esqueceu de verificar regularmente se Robert ou Emma ha­viam respondido ao convite que lhes fora enviado. O silêncio não era exatamente uma resposta, uma vez que não havia aceitação, mas também não havia a esperada recusa.

Que jogo ele estaria fazendo, agora? De nada adiantaria mentir para si mesma, dizendo que não faria diferença se ele fosse ao casamento ou não. Por outro lado, não havia a menor possibilidade de Arabella não comparecer. E o mo­tivo principal nem era seu pai, mas sim Alison.

Nas últimas semanas, passara a conhecê-la muito bem, assim como a gostar demais dela. Sabia que Alison preo­cupava-se com a possibilidade de Arabella sentir que seu lugar na residência Atherton lhe estava sendo roubado. E não fora nada fácil convencê-la de que, na verdade, a che­gada de outra mulher àquela casa era a sua libertação.

Arabella sentia-se genuinamente satisfeita pela felicidade do casal, além de não ter a. menor dúvida de que o pai finalmente encontrara alguém que realmente amava e que o faria feliz. Não comparecer ao casamento, não ser a dama de honra de Alison, seria o mesmo que provar a eles que estivera, o tempo todo, apenas fingindo tal satisfação.

O que não era verdade. A entrada de Alison na vida de seu pai dera a Arabella uma liberdade que ela nem sabia que lhe faltava, antes. Agora, poderia viver onde quisesse, trabalhar onde quisesse, sem a culpa de estar abandonando alguém para isso. E fora por isso que aceitara o convite para ser dama de honra com tanto prazer. Como os pais de Alison já haviam morrido, e o tio dela a acompanharia na entrada na igreja, Martin e Stephen haviam concordado em se hospedar em um hotel, na véspera do casamento, para que Alison ficasse na casa, com Arabella, que a ajudaria a se preparar para a cerimônia.

Fora a decisão mais sensata a tomar. Os pertences de Alison já haviam sido levados para a casa e já se encon­travam perfeitamente acomodados na suíte do casal. Os dois passariam duas semanas em lua-de-mel, antes de voltarem à casa, como sr. e sra. Atherton.

Alison estava linda. Como nunca fora casada antes, fizera questão de um vestido branco, com véu e grinalda, seguindo todos os costumes de uma noiva. Havia esperado para se casar somente quando tivesse certeza de que encontrara o homem certo. E Arabella estava muito feliz por esse homem ser seu pai.

A princípio, ficara preocupada com as noções antiquadas de Martin com relação a mulheres que trabalham. Alison, porém, apesar de muito dócil e meiga, sabia fazer valer a sua opinião e, àquela altura, sua carreira já estava garan­tida. Martin Atherton fora, finalmente, arrastado para o século vinte!

E, por querer tanto que Alison soubesse com certeza que Arabella aprovava aquele casamento do fundo de seu cora­ção, ela escolhera um presente especial para a noiva.

— Uma coisa velha — declarou com um sorriso, ao abrir a caixa que continha o colar vitoriano, em formato de co­ração. — Pertenceu à minha avó — explicou, diante do olhar chocado de Alison. — E minha mãe o deixou para mim.

Alison ficou alarmada.

— Não posso aceitá-lo! — protestou.

— Por favor, Alison. Papai tinha apenas quarenta anos, quando mamãe morreu. Ela sabia que estava morrendo e não queria que ele passasse o resto da vida sozinho. Stephen e eu estamos muito felizes por ele ter esperado, até conhecer você.

Os olhos de Alison se encheram de lágrimas.

— Eu também — admitiu. — Vou aceitar o colar, Ara­bella, mas como algo emprestado. Se pertenceu à sua mãe, imagino que seu pai vai ficar muito feliz se você também o usar, no dia do seu casamento.

Arabella sorriu.

— Tem razão, mas isso não vai acontecer.

— Mulheres que prezam suas carreiras profissionais são as que mais sofrem, sabia? — Alison murmurou, sabendo como deveria ter sido difícil para Arabella enfrentar o pai, nesse aspecto.

Arabella assentiu, embora o rótulo não se aplicasse a ela. Sempre soubera que, se o homem certo aparecesse em sua vida, ela abandonaria a carreira sem pensar duas vezes.

Bem, ele havia aparecido, mas, com a mesma rapidez, de­saparecera. Agora, sua carreira era o que havia de mais importante em sua vida.

— Talvez — respondeu, evasiva. — Agora, é melhor irmos para a igreja, antes que papai pense que você mudou de idéia e tenha um ataque!

O geralmente confiante Martin ficara idêntico a um noivo jovem e inexperiente, à medida que o casamento se apro­ximara. Ao deixar a casa na noite anterior, estivera nervoso como Arabella jamais o vira antes.

Alison sorriu.

— Tem razão. Eu... Ah, meu Deus! — exclamou, arrega­lando os olhos. — Devo estar mais nervosa que ele! Com toda a correria, esta manhã, esqueci de lhe dizer que ele telefonou...

— Vocês não deveriam se falar antes do casamento! — Arabella reprovou.

— Mas, na pressa de sair, ontem à noite, ele se esqueceu de nos avisar que Robert Merlin ligou para ele, ontem à tarde, informando que vai comparecer ao casamento!

Arabella sentiu o rosto empalidecer. Robert esperara até o último instante para dar a sua resposta, mas estaria lá.

— Sinto muito por ter me esquecido de lhe contar, Ara­bella! Ao que parece, ele esteve viajando e só voltou ontem.

E a primeira coisa que fizera fora telefonar e aceitar o convite. Por quê? Que motivo ele poderia ter para ir? Sim, era o autor mais destacado da Atherton Publishing, mas por que desejaria assistir ao casamento de um homem que mal conhecia, com uma mulher que ele vira uma única vez?

— Arabella, quer que eu entre em contato com seu pai? — Alison perguntou, preocupada. — Ele poderia...

— Não, não — Arabella negou, irritada com a própria reação descontrolada.

Muito bem, Robert iria ao casamento. E daí? Ela era a filha do noivo, dama de honra, e passaria a maior parte do tempo dando atenção aos convidados. Robert era apenas um deles.

— Não tem importância — declarou. — E, quanto a entrar em contato com papai, ele já deve estar na igreja, à sua espera!

Alison consultou o relógio.

— Tem razão! Vamos. — Correu para a porta e, então, virou-se para Arabella com expressão de dúvida.

— Você está linda — Arabella assegurou-a. — Meu pai vai adorar. Assim como todos os convidados.

Alison soltou uma risadinha tímida.

— Bem, é tarde demais para qualquer mudança! Você também está linda. Estou tão feliz por você ter concordado em usar esse vestido.

— Sempre tive vontade de ser dama de honra. Só não imaginei que isso fosse acontecer aos vinte e sete anos!

Tudo aconteceu muito depressa, como num sonho.

Logo chegaram à igreja, onde o tio de Alison as esperava na porta. Então, os três haviam entrado, ao som da marcha nupcial. A igreja estava lotada com parentes e amigos, tor­nando impossível a Arabella avistar alguém em particular.

Mas ele estava ali. Era como se Arabella pressentisse a presença e tivesse de se esforçar para se concentrar na cerimônia, uma vez posicionada no altar.

Quando a cerimônia terminou e chegou a hora de refazer o caminho pelo corredor da igreja, Arabella se permitiu olhar em volta, à procura de Robert. Não o viu, mas saiba que ele a via, uma vez que ela ocupava um papel de destaque, sendo a dama de honra.

A sessão de fotografias fora da igreja pareceu durar uma eternidade, e Arabella precisou fazer um esforço enorme para manter um sorriso nos lábios. Porém, nada a impediria de mostrar a todos quanto estava feliz com aquele casamento.

Afinal, vários dos jornais que haviam noticiado do casa­mento do presidente da Atherton Publishing haviam insi­nuado o contrário. De comum acordo, a família decidira ignorar as fofocas, pois a verdade era que o casamento não poderia ter acontecido em momento melhor para Arabella.

— Você está linda.

O sorriso dela se tornou hesitante quando a voz de Robert soou tão próxima a seu ouvido. Arabella havia se afastado, enquanto os fotógrafos se concentravam nos noivos.

Tratou de se recompor, antes de se virar para cumpri­mentá-lo. Porém, não estava preparada para o golpe que a visão provocou em seu coração, pois naquele momento, ela se deu conta de que ainda o amava... e muito!

Perguntou-se se o sentimento jamais a abandonaria, se continuaria a amá-lo pelo resto da vida.

— Arabella? — ele insistiu, franzindo o cenho diante do silêncio dela.

Ela respirou fundo e continuou forçando um sorriso.

— Pareço uma fadinha de árvore de natal — apressou-se em contradizer o elogio —, mas era o que Alison queria. Onde está Emma?

— Visitando o avô — Robert respondeu, antes de apontar para os noivos e padrinhos. —Acho que estão se preparando para partir.

Sim, todos se encaminhavam para os automóveis esta­cionados diante da igreja, que os levariam ao hotel onde a recepção aconteceria.

Sem fazer a menor idéia de como tudo aconteceu, Arabella acabou no segundo carro, acompanhada por Robert. Stephen fora deixado para trás!

— Como tem passado? — Robert perguntou, assim que o carro se pôs em movimento, seguindo a limusine dos noivos.

A verdade era que Arabella vinha passando muito bem, desde que conseguisse manter os pensamentos relacionados a Robert afastados de sua mente.

— Bem, obrigada. E você? — inquiriu, só então se dando conta de que ele parecia abatido e preocupado. — Disse que Emma está visitando o avô?

Ora, ninguém mencionara um avô, antes!

— Sim — Robert respondeu, evidentemente tenso. — Seu pai e Alison vão viajar, depois da festa?

Assunto encerrado, Arabella concluiu, pensando na citada visita de Emma ao avô misterioso. Bem, não havia qualquer novidade naquela atitude.

— Vão, embora o destino seja segredo — ela mentiu, uma vez que o pai confidenciara que passaria a lua-de-mel nas Bermudas.

Mais um assunto encerrado. Se continuassem naquele ritmo, não teriam o que conversar, antes mesmo de chega­rem ao hotel! Felizmente, faltava pouco, agora. Na opinião de Arabella, ela já havia representado com perfeição suas obrigações sociais com aquele convidado em particular. As­sim, poderia até mesmo ignorá-lo pelo resto do dia.

Ora, haviam se colocado em uma situação na qual não só não concordavam sobre qualquer assunto trazido à tona, como também não tinham muito o que dizer sobre aqueles que, antes, conseguiam discutir com tranqüilidade. Por nada no mundo Arabella conversaria sobre os livros dele. Fizera questão de se recusar discutir o assunto com Stephen, não fazia a menor idéia de como os dois estavam se relacionando e, nas atuais circunstâncias, não tinha a menor disposição de conversar com Robert a respeito.

— O tempo está bom para esta época do ano, não acha? — Robert perguntou com voz suave.

Arabella fitou-o com expressão confusa, que logo se dis­sipou, quando ela notou o brilho divertido nos olhos dele.

— Levando-se em conta de que estamos no início do verão, sim, está.

A resposta, mera repetição de uma que ele lhe dera tem­pos atrás, era perfeita, uma vez que os dois não haviam progredido nem um pouco, desde o almoço no Mario's. Em­bora a vida de Arabella houvesse mudado completamente...

Ela teve um sobressalto quando Robert segurou sua mão, notando que o simples contato abalava inteiramente sua decisão de ignorá-lo.

Robert parecia diferente. Depois de estudá-lo por um mo­mento, Arabella descobriu o motivo. Ele não pronunciara nenhuma palavra de insulto, ou desafio, desde que a cum­primentara na porta da igreja. Podia parecer ridículo, mas isso a deixou ainda mais nervosa.

— Gostaria de saber como você está passando... de ver­dade, Arabella — Robert perguntou, fitando-a nos olhos.

O quê, exatamente, ele queria saber? Ela respondera com sinceridade, antes...

— Pensei em telefonar — ele continuou, ao perceber que ela não responderia à sua pergunta —, mas, depois da úl­tima vez em que nos vimos, não sabia se seria bem recebido.

— Tenho certeza de que meu pai ficará feliz pelo fato de você ter vindo — ela falou, fugindo deliberadamente da conversa que ele propunha.

— E você, Arabella, está feliz por me ver aqui?

O que ela poderia responder? Não estava disposta a se humilhar, dizendo que sim. Além disso, não tinha certeza se era verdade. Se não o visse, não pensasse nele, a dor de amá-lo tornava-se menos intensa.

— Pela sua expressão, já sei que não está — ele falou com amargura. — Arabella, eu...

— Chegamos! — ela anunciou, aliviada, quando o carro parou na porta do hotel. — Preciso entrar, Robert. Stephen e eu seremos os principais anfitriões.

— Arabella, preciso conversar com você.

— Não aqui — ela protestou, agitada. — Não agora.

Robert também saiu do carro, ainda segurando a mão dela com firmeza. Como diversos outros carros também ha­viam chegado, o casal começava a atrair atenção e curiosi­dade. Afinal, Arabella conhecia a maior parte daquelas pes­soas, sendo que todas sabiam que ela não tinha nenhum relacionamento sério com ninguém.

— Arabella, onde foi que você se... Robert! — Stephen cumprimentou com entusiasmo, ao reconhecer o acompa­nhante da irmã. — Desculpe. Não tinha visto que era você. Tudo o que vi foi Arabella desaparecendo em meio aos con­vidados, junto a um homem, que deveria ser eu!

— A culpa foi minha — Robert apressou-se em dizer, sem esconder o desagrado pela interrupção.

— Esqueça — Stephen tranquilizou-o com um sorriso.

— Peguei carona com um dos convidados. Vamos entrar?

Ao contrário do que Arabella esperava, Robert aceitou o convite e, segurando o braço dela com desenvoltura, acom­panhou-os para dentro do hotel.

Martin e Alison encontravam-se na porta do salão onde se daria a recepção, a fim de cumprimentar os convidados. Pareciam mais felizes do que nunca e Arabella não pôde evitar uma pontada de inveja, uma vez que, ao que tudo indicava, a pior parte para ela estava apenas começando.

— Acho que vai adorar a capa do novo livro de Palfrey — Stephen comentou, ansioso para agradar Robert.

— Tenho certeza que sim — o autor replicou sem o menor interesse.

— Trabalhamos com afinco e...

— Stephen, não é hora de falar de trabalho — Arabella interrompeu.

Robert sorriu contrafeito.

— Sua irmã realmente lavou as mãos, no que diz respeito aos livros de Palfrey.

Ela se virou, as faces coradas.

— Eu...

— Não só dos livros de Palfrey, mas de todos nós — Stephen informou.

— Não é verdade! — Arabella protestou, notando o brilho de interesse nos olhos de Robert. — Não foi assim, Stephen, e você sabe disso.

— Do que vocês estão falando? — Robert inquiriu.

— Stephen, tia Catherine acabou de chegar — ela falou, apressada — e está sozinha. Um de nós dois precisa pro­videnciar para que ela se sente junto de alguém com quem possa conversar.

Stephen seguiu a direção do olhar da irmã e fez uma careta. A senhora altiva e sisuda acabava de cumprimentar os noivos. Como de costume, estava vestida de preto, sem dar importância à alegria da ocasião.

— Por que eu? — resmungou, contrariado.

— Porque você é o sobrinho-neto favorito dela.

— Sou o único sobrinho-neto que ela tem!

— Exatamente — Arabella confirmou. — E ela vai cortar você do testamento, se não lhe der a devida atenção. Já é tarde demais para mim, pois me desgracei aos olhos dela, quando decidi trabalhar fora.

— Tem razão — Stephen concordou com ironia. — E, quem sabe, eu realmente me torne o queridinho dela se contar a sua última proeza — acrescentou, antes de se di­rigir para a tia-avó.

Mais uma vez, Arabella se viu sozinha com Robert. A tensão que pairava no ar era quase palpável e ela nem tinha coragem de encará-lo.

De repente, Robert segurou-a pelos ombros, puxando-a para si e forçando-a a fitá-lo.

— Do que seu irmão estava falando, Arabella?

— Quer fazer o favor de me soltar? As pessoas estão olhando!

Na verdade, estavam atraindo mais atenção que os noivos.

— Não dou a mínima para o que...

— Robert! — Martin aproximou-se com passos rápidos, estendendo a mão. — E bom vê-lo aqui.

A fim de apertar a mão estendida, Robert foi obrigado a soltar um dos ombros de Arabella, mas continuou a se­gurar o outro com a mesma firmeza.

— Martin, quero saber o que está acontecendo — ele declarou, sem disfarçar o mau humor. — Ao que parece, Arabella não tem nada a dizer.

Martin continuou sorrindo, notando que as pessoas re­tomavam suas conversas lentamente.

— Qual é o problema, Robert? O que deseja saber?

— Papai...

— Tive a impressão de que foi o seu silêncio que deixou Robert confuso. Portanto, sugiro que me deixe responder à pergunta dele.

— Mas...

— Arabella, não posso permitir que um de meus convidados seja impedido de se divertir na minha festa de casamento!

— Eu não estou me divertindo — ela protestou.

— Mas você não é uma convidada — o pai argumentou. — Robert?

Arabella olhou de um para o outro, incrédula. Eles não podiam tratá-la daquela forma!

— Robert está zangado porque ninguém o informou sobre fatos que, por acaso, não são da conta dele! — falou com sarcasmo.

— É mesmo? — Martin continuou calmo. — Que fatos são esses?

— Acabei de dizer que não são da conta de Robert!

— Eu decidi que são — Robert declarou com voz contro­lada, embora continuasse a segurar Arabella com força.

— Que fatos são esses? — Martin repetiu.

Robert respirou fundo.

— Arabella ainda trabalha na Atherton Publishing?

— Desde ontem, não — o mais velho respondeu com ho­nestidade, ignorando a expressão indignada da filha.

Robert virou-se para ela.

— Você se demitiu, ou foi demitida?

— É claro que me demiti. Meu pai pode ter muitos de­feitos, mas...

— Quando pediu a sua demissão?

— Não é da sua...

— Conforme os termos do contrato dela, Arabella deveria nos dar um mês de aviso prévio — Martin a interrompeu, explicando a situação. — Mas decidimos liberá-la de duas semanas.

Robert fitou-a com olhar faiscante.

— Você se demitiu por causa dos livros de Palfrey — afirmou.

— Incrível, não? — o pai voltou a interferir. — Sempre pensei que Arabella tivesse saído à mãe. Só agora estou me dando conta de que ela herdou a minha determinação. Ainda não consegui compreender exatamente por que Ara­bella achou que tinha de se demitir. Nada do que eu disse, nem Alison, foi suficiente para fazê-la mudar de idéia. Mi­nha filha parece ser a única pessoa insatisfeita com o final feliz do livro de Palfrey.

— Final feliz? — ela repetiu, confusa. — Que idéia vocês, homens, fazem de um final feliz? Imagino que Palfrey tenha morrido em meio à glória e, por isso, vocês consideram tal final feliz!

— Ainda não leu o maldito manuscrito, não é? — Robert comentou, frustrado.

— Fui muito clara quando disse que me recusava a ler a morte de Palfrey!

— Morte? — Martin se mostrou surpreso. — Palfrey não morre, Arabella. Ele...

— Martin — Robert interrompeu-o —, mais uma vez, Arabella e eu escolhemos o lugar menos apropriado para uma de nossas... demonstrações verbais de paixão. Você se importa se eu a levar para um lugar onde tenhamos maior privacidade, a fim de podermos continuar essa discussão? Prometo trazê-la de volta, mais tarde.

— Acho uma excelente idéia! E não voltem enquanto não tiverem resolvido essa situação de uma vez por todas!

Arabella já não ouvia o que os dois conversavam, pois estava atordoada pela idéia de que Robert não havia matado Palfrey, afinal. Por que ninguém lhe contara? Ora, porque ela havia se recusado terminantemente a discutir o livro. Preferira se demitir a ouvir o que tinham a lhe dizer.

Mas, se Robert não matara Palfrey, que final teria dado ao herói?

— Robert... — Martin murmurou, antes que o outro le­vasse sua filha dali —, desta vez, gostaria que realmente levasse a sério a minha sugestão de beijá-la até que ela tenha perdido a voz.

— É exatamente o que pretendo fazer — Robert assegurou-o.

Arabella abriu a boca para protestar, mas bastou um olhar para a expressão rígida de Robert para fazê-la mudar de idéia. Ele parecia prestes a explodir e quem poderia saber o que seria capaz de fazer!

— Ela tem apartamento próprio, agora — seu pai infor­mou Robert. — Mudou-se ontem. É um lugar muito agra­dável, mas um pouco longe para o que você tem em mente — acrescentou com uma piscadela. — E, Arabella, seu em­prego estará à sua espera se, depois de conversar com Ro­bert, você decida voltar.

— Ela não vai voltar — Robert afirmou com arrogância.

— Não? — Martin ergueu as sobrancelhas.

— Não, mas voltaremos para cá, mais tarde.

— Não tenham pressa.

— Pode deixar.

Arabella nem sequer teve a chance de protestar, ao ser firmemente arrastada para fora do hotel.

 

— Para onde estamos indo? — Arabella perguntou num fio de voz, dentro do táxi que Robert pegara.

— Para o meu hotel.

O tom de voz de Robert não dava margem a discussões. Ele parecia tão furioso que poderia estrangulá-la. Bem, para ser honesta, Arabella não sabia mais o que tinha para dis­cutir, uma vez que Palfrey não morrera.

Robert tinha razão. Precisavam conversar, embora ele parecesse ter muito mais que isso em mente.

Arabella estudou as feições duras, os olhos tão azuis e tomou uma decisão. Amava aquele homem e o desejava com tamanha intensidade, que pouco se importava com a dor que viria, quando ele a abandonasse. Queria fazer amor com Robert.

Ele finalmente a encarou.

— Não tem nada a dizer? — inquiriu.

— Não — ela respondeu, sustentando-lhe o olhar.

— Arabella, temos muito o que conversar, mas, antes, quero fazer amor com você. Tudo bem?

Ela não pôde deixar de sorrir diante da expressão de quase agonia estampada no rosto de Robert.

— Acha que é capaz de se mostrar um pouco mais feliz com relação a essa perspectiva?

Ele tentou sorrir.

— Desculpe, mas não tenho tido muitos motivos para sorrir, recentemente. Andrew e Stella parecem cansados de me ver andando de um lado para outro. Emma mal podia esperar para fugir para a América. Até mesmo as cachorras têm ficado fora do meu caminho!

Arabella não se sentira melhor, nas últimas semanas, mas havia concentrado toda a sua energia no esforço de conseguir outro emprego e um lugar para morar. Atingira os dois objetivos. Completara a sua mudança na véspera e começaria a trabalhar como editora na Roach Press na segunda-feira. Sua vida mudara totalmente.

Seus sentimentos por Robert, porém...

— O que há de errado com você? — perguntou, sincera­mente preocupada. — Está encontrando dificuldades com a nova série de livros?

— Agora, você age como minha editora! — Robert excla­mou, revirando os olhos. — Definitivamente, Arabella, você é a mulher mais complicada que já conheci! Será que não percebe que você é o motivo da minha infelicidade e do conseqüente afastamento de todos os que me amam?

— Eu? Mas...

— Conversaremos lá em cima — ele a interrompeu, aliviado ao notar que o táxi estacionava diante da entrada do hotel.

Atordoada por tantas revelações em tão pouco tempo, Arabella se deixou levar e, poucos minutos depois, encon­travam-se frente a frente, no apartamento de Robert.

Ele sacudiu a cabeça.

— Sei que deveríamos conversar, primeiro, que há muito o que discutirmos, mas só consigo pensar em fazer amor com você.

Arabella desejou que Robert parasse de falar e simples­mente fizesse o que estava dizendo!

Sobressaltou-se ao vê-lo soltar uma risada, antes de torná-la nos braços e carregá-la para o quarto. Só então ela se deu conta de que havia pronunciado seus desejos secretos em voz alta! O que Robert pensaria dela, agora?

O que ele pensava logo ficou muito claro, pela maneira como Robert a beijou e acariciou, com profunda reverência e adoração. Despiu-a sem pressa, dedicando-se de corpo e alma a lhe dar o máximo prazer. Porém, não fez menção de realmente fazer amor com ela.

Quem f. Este Homem?

— Robert, quero você! — Arabella confessou com voz trêmula e ofegante, já totalmente à vontade em sua nudez, imersa num desejo quase doloroso.

— Também quero você, minha querida — Robert mur­murou entre beijos ternos e, ao mesmo tempo, famintos.

— Então...

— Meu amor, você ainda não está pronta — ele protestou com suavidade.

Não estava pronta? Arabella sentia-se prestes a explodir em um milhão de pedacinhos, se não fosse possuída por aquele homem imediatamente!

Então, ele voltou a acariciá-la e beijá-la. E, logo, Arabella compreendeu. Uma onda de calor escaldante foi se apode­rando de seu corpo, provocando-lhe a sensação de uma fo­gueira poderosa que queimava até mesmo sua alma.

— Robert! — exclamou, surpresa com a sensação que ela nem sequer imaginara existir.

— Agora, sim, você está pronta, querida — ele declarou com voz rouca e satisfeita, finalmente posicionando-se so­bre ela.

O prazer foi se tornando tão intenso, que Arabella acre­ditou que não o suportaria. Agarrou-se aos ombros de Ro­bert, enquanto ele a penetrava lentamente, para então co­meçar a se mover dentro dela, também devagar, aumen­tando o ritmo gradualmente, levando-a a picos cada vez mais altos, até os dois explodirem em êxtase.

— Arabella, não teria feito a menor diferença se... Ora, eu nem teria o direito... Ah, como estou feliz por ser o pri­meiro! — Robert confessou com voz embargada pela emoção, ao mesmo tempo em que a apertava nos braços.

— Eu também! — ela replicou, transbordando de felicidade.

— Quer se casar comigo?

Arabella ergueu os olhos para fitá-lo. Teria ouvido bem?

— Arabella? — Robert insistiu, apoiando-se num cotovelo. — Acha que eu a arrastaria da festa de casamento de seu pai, para trazê-la ao meu hotel e fazer amor com você, se não tivesse a intenção de me casar com você? Que tipo de homem pensa que sou?

Ela engoliu em seco. Robert queria se casar com ela?

— Mas eu não sou bonita! — protestou. Robert fitou-a com expressão confusa.

— Como pode dizer uma coisa dessas? Arabella, para mim, você é a mulher mais.linda do mundo. Como pode duvidar disso, depois de termos feito amor de maneira tão... completa?

— Você já foi casado com a mulher mais bonita do mundo...

— Kate! — Ele se deixou cair nos travesseiros, fechando os olhos. — Você sabe sobre Kate — concluiu, contrariado.

Foi a vez de Arabella se apoiar num cotovelo para fitá-lo.

— Vi a fotografia dela no quarto Emma. Não estava bis­bilhotando, Robert. — Como ele não respondesse, Arabella quase entrou em pânico. — Robert... Por favor!

Ele acabara de pedi-la em casamento. Não poderia mudar de idéia, agora!

Ele abriu os olhos.

— Ei, não estou zangado com você. — Voltou a abraçá-la. — Se estou zangado, é comigo mesmo. A verdade é que deixei a raiva e a mágoa governarem minha vida durante os últimos seis anos. Mas isso já acabou. Eu ia lhe contar sobre Kate. Afinal, você precisa saber de tudo, se vai se casar comigo. Mas, antes que falemos nisso, quero que saiba que eu te amo. Foi assim desde a primeira vez em que a vi.

— Não pode ser verdade! Eu estava horrível, naquele dia! Meus cabelos... os óculos... as roupas...

— Arabella, amo você com a aparência que tem hoje, e gostei muito das mudanças no seu visual, mas eu já te amava, antes. Teve coragem de sair do carro e enfrentar as cachorras...

— Você as deixou soltas de propósito, a fim de intimidar A.Atherton! — Arabella acusou.

— Verdade, mas não deu o menor resultado com você. Entrou assim mesmo, seguida pelas cachorras e...

— E fiz papel de boba, achando que Andrew era Merlin e, você, o jardineiro!

Robert sorriu.

— Você se recuperou depressa em sua determinação de discutir a oferta do filme.

— Assim como você estava determinado a não discutir coisa alguma.

— Por motivos que, agora eu sei, você logo descobriu. Nunca voltarei a Hollywood, Arabella. Nunca permitirei que aquela gente ponha suas mãos imundas em Palfrey. Co­nheço-os muito bem e sei o que fariam com o personagem. E ele é o meu personagem, Arabella. Não tenho a menor intenção de deixar que Hollywood o destrua, transforman­do-o em alguém totalmente irreconhecível. Eles fazem isso até mesmo com pessoas reais.

— Kate? — Arabella arriscou.

— Um típico produto hollywoodiano — ele confirmou. — E filha do proprietário de um dos estúdios. Bonita, talen­tosa... totalmente imoral.

— Robert... — Arabella murmurou surpresa, uma vez que sempre acreditara que ele amava profundamente a esposa.

— Ah, sim, eu amava Kate, no início. Tivemos três anos de felicidade. Então, Emma foi concebida e Kate detestou estar grávida. Tinha raiva de tudo o que se relacionava ao seu estado, especialmente, com o que a gravidez fez a seu corpo. Para ela, a beleza e o corpo perfeito sempre foram tudo. Grávida, ela se sentia feia e disforme...

— Mulheres grávidas não são feias, nem disformes! — Arabella protestou, indignada. — Estão carregando no ventre uma criança que, geralmente, é fruto de um amor correspondido...

Robert apertou-a contra si.

— Eu sabia que você só podia ter esse tipo de opinião!

Arabella estava certa de que a maioria das mulheres pensava o mesmo. Certamente, não uma que desse tanta importância à aparência. E pensar que ela estivera fugindo de Robert desde que se dera conta de que havia se apaixo­nado por ele e de quem fora sua esposa. Agora, descobria que nada era como havia imaginado. Provavelmente, não precisaria ter fugido. Desde o início ela se perguntara por que Robert tinha a custódia de Emma...

— Kate odiou a experiência — Robert continuou. — Quan­do Emma nasceu, ela viu a criança logo depois do parto e, então, entregou-a aos cuidados da babá que fizera questão de contratar tempos antes. Pelo que sei, só voltou a olhar para a filha, quando Emma já tinha três anos e era linda para se olhar e mostrar e, ao mesmo tempo, crescida o bastante para fazer exatamente o que lhe ordenavam. Quan­to a mim... simplesmente não conseguia mais tocar em Kate, depois que ela rejeitou nossa filha. Como vingança, ela co­meçou a colecionar amantes. Casou-se com o último deles, com todo o alarde digno de Hollywood, logo após o divórcio.

— Eu não fazia idéia... — Arabella murmurou, chocada pela destruição do mito.

Não era de admirar que Robert odiasse Hollywood e tudo o que se relacionava àquele lugar!

— Ninguém fazia idéia — Robert esclareceu. — Até o seqüestro, Kate estava mais que satisfeita com a situação. Vivia exatamente como desejava, sem perder a respeita­bilidade proporcionada pelo casamento. E tinha um gran­de trunfo nas mãos. Todas as vezes em que tentei con­vencê-la a me dar o divórcio, ela ameaçava brigar pela custódia de Emma.

— Meu Deus!

— Exatamente. Eu jamais poderia permitir isso. Assim, fiquei cora ela, me enterrei no trabalho e ignorei o compor­tamento de Kate. Desde que ela deixasse Emma e a mim em paz, pouco me importava o resto. Mas o seqüestro mudou tudo. O fato de ter sido o pai dela quem conseguiu o dinheiro para o resgate deu a Kate a oportunidade de se livrar do casamento e, ainda, sair da história como Branca de Neve. Fui rotulado de bandido, mau caráter, mas estava disposto a aceitar a fama em troca da liberdade daquele casamento sem amor. A única condição que impus para permitir que o cenário se mantivesse assim foi que eu tivesse a custódia integral de Emma. Como Kate nunca tivesse querido real­mente ficar com a filha, minha imposição caiu do céu para ela.

Tudo soava muito sórdido. Arabella não podia sequer ima­ginar como seria viver naquele inferno. Ah, se tivesse sabido de tudo antes! Estivera fugindo de um fantasma inexistente. Robert a amava.

— Emma está nos Estados Unidos — Robert informou.

— Até agora, tentei protegê-la das influências de Hollywood e do estilo de vida que a mãe dela tem por lá. Mas, quando me apaixonei por você, comecei a perceber que não posso esconder Emma para sempre. Mais cedo ou mais tarde, ela terá de decidir por si mesma o que deseja para a própria vida. Kate continua casada com o mesmo homem, não tem outros filhos e se diz muito feliz, afinal. Jura amar Emma e quer conhecê-la melhor. No passado, sempre recusei os pedidos de Kate para que Emma a visitasse na América. Só concordava em deixá-la ver a filha, por poucas horas, quando ela vinha a Londres. A última vez, foi no dia em que almoçamos juntos, Emma, você e eu, no Mario's.

Fora por isso que Emma se mostrara tão surpresa quando Arabella lhe perguntara sobre as compras!

— Levei Emma para os Estados Unidos no início da se­mana e me certifiquei de que ela estava bem acomodada e que as duas estavam se entendendo, antes de voltar a tempo de ir ao casamento de seu pai — Robert explicou. — Não queria que você enfrentasse a situação sozinha.

— Mas estou muito feliz pelos dois! Eu juro.

— Naquele dia, no restaurante, você me pareceu muito perturbada. E, mais ainda, quando seu pai me comunicou que ia se casar. E, também, você se mudou da casa dele e...

— Naquele dia, no restaurante, fiquei furiosa porque você achou Alison muito atraente — Arabella admitiu, um tanto embaraçada. — E demonstrou profunda aprovação, quando papai o convidou para o casamento. Quanto à minha mu­dança, era o que eu queria fazer, pois...

— Ficou com ciúmes de mim, por causa de Alison? — Robert inquiriu, incrédulo.

— Sim, eu...

— Arabella, você também me ama! — ele anunciou, triunfante.

— E claro que te amo! Por que eu estaria aqui, se não amasse?

— Arabella — Robert começou em tom indulgente —, já faz pelo menos quinze minutos que eu disse que amo e, até agora, você não retribuiu a declaração.

— Eu já amava uma parte de você, antes mesmo de te conhecer — ela confidenciou. — Robert, você é Palfrey.

— E você se apaixonou por ele, não foi? Percebi isso no primeiro dia. Você ficou arrasada quando Emma contou que ele ia morrer. Foi a sua reação. que me fez repensar a minha decisão. Concluí que se você estava tão disposta a lutar para salvá-lo, então, outras pessoas certamente sentiam o mesmo. E foi então que me dei conta de que, embora eu tenha o poder absoluto de vida e morte sobre Palfrey, poderia magoar demais muita gente, ao exercer tal poder.

— E qual foi o final de Palfrey? — Arabella pergun­tou, ansiosa.

— Não é realmente um final, Arabella, mas sim, um começo. Palfrey se apaixona, se casa e vive feliz para sempre. E seu autor gostaria de ter o mesmo destino... com você.

— Robert segurou-lhe o queixo com ternura, hipnotizando-a com seus olhos incrivelmente azuis. — Responda, Arabella: quer se casar comigo?

— Quero, Robert! É tudo o que eu quero! Vou passar o resto de minha vida com você.

Ele a beijou nos lábios.

— Você é a mulher mais incrível que já conheci. Ainda não acredito que pediu demissão por causa de Palfrey.

— Para mim, ele é real, porque ele é você. Depois que conheci você, a pessoa real por trás de Palfrey, deixá-lo morrer seria o mesmo que deixar você morrer. E eu não poderia suportar isso, porque te amo demais, Robert.

— Fiz tanto esforço para que você lesse o último manus­crito de Palfrey — Robert falou num gemido. — Queria que você soubesse do efeito que suas palavras haviam exercido sobre mim. Mas a sua teimosia...

— E não foi teimosia sua se recusar a, simplesmente, me informar que havia mudado de idéia? — Arabella ar­gumentou. — Além do mais, não pode se zangar comigo, depois de ter admitido que sou a mulher mais incrível que você já conheceu!

— Ah, isso é verdade! — ele concordou com um sorriso.

— Arabella, estou louco para fazer amor com você mais uma vez, mas temos uma vida inteira pela frente e prometi ao seu pai que a levaria de volta...

— Meu pai e seus convidados podem esperar! — Arabella o interrompeu, colando o corpo ao dele. — Ainda não perdi a voz completamente — provocou-o.

Robert soltou uma risada triunfante, apertando-a contra si.

— Uma esposa exigente! Acho que vou gostar disso.

Esposa. A esposa de Robert. Arabella tinha certeza de que ia gostar muito disso, também. Pelo resto de sua vida.

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

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