Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
RAZÕES DO CORAÇÃO
Por que o destino a fazia viver a mesma história duas vezes?
Laura estava tão nervosa que trocou de vestido várias vezes antes de se decidir por um lilás, sofisticado o suficiente para um último encontro com James Ballantine.
"Já deve ter notado como ele valoriza a fidelidade, não?", haviam-lhe dito, obrigando-a a encarar o fato: precisava pôr um fim na breve mas profunda relação com James. Laura o conhecera tarde demais! Mas agora... onde acharia forças para lhe dizer adeus?
Laura examinou detidamente o homem que estava sentado atrás da escrivaninha. Depois, entre confusa e irritada, virou-se para a secretária que a acompanhara até o escritório, procurando esclarecer a situação.
— Acho que deve haver algum engano...
— Não há engano nenhum, srta. Jones.
A voz grave a fez olhar mais uma vez para o homem, que agora se encontrava em pé. Ao observá-lo, ela compreendeu por que motivo a mobília era tão austera: qualquer outro estilo pareceria ridículo como cenário para aquela figura alta, de constituição atlética, de quem o elegante terno sob medida ressaltava a virilidade. Ele irradiava força, poder, seriedade.
Tudo isso Laura percebeu numa questão de segundos. Só depois notou que o cabelo preto e os olhos verdes que a estudavam com curiosidade davam-lhe um charme irresistível, assim como a boca sensual, o nariz arrogantemente levantado e o queixo quadrado, firme.
"Pare com isso!", ela se censurou. "Não é a aparência dele que importa, mas sim de quem se trata."
— Obrigado por trazer a senhorita, Moira — ele disse dispensando a secretária, enquanto atravessava a sala e fechava a porta. Então, dirigiu-se de novo a Laura: — Sente-se, por favor.
Ela não sabia o que fazer. Fora até ali preparada para uma verdadeira guerra e agora era tratada com cortesia por um entranho de quem nem sequer conhecia o nome. Onde estaria Adrian?
— Acomode-se — insistiu o homem, um tanto intrigado com a relutância dela.
Laura sentou-se na cadeira que ele indicara, em frente à escrivaninha, desejando ter telefonado e marcado um encontro antes de aparecer ali assim, de surpresa. Mas estivera furiosa demais para pensar nisso.
Bastou lembrar-se do motivo da raiva, para que começasse a se recobrar do susto. Apertou os lábios. Os olhos castanhos faiscaram, desafiadores.
— Vim até aqui para ver...
— O sr. Mayhew — o homem completou, enquanto dava a volta na escrivaninha para acomodar-se de novo atrás dela.
Senhor Mayhew? Não tratava Adrian de maneira tão formal havia semanas!
— Sinto muito, porém ele não se encontra no momento — o estranho continuou, pousando nela um olhar avaliador. — Como a senhorita disse, o problema que gostaria de discutir é importante... Meu nome é Ballantine, srta. Jones — acrescentou, ao notar que Laura ainda parecia confusa. — Sou sócio do sr. Mayhew.
Surpresa, Laura arregalou os olhos. James Ballantine! Claro! Mas ele não era nem de perto semelhante à imagem que ela fazia do sócio de Adrian.
Pelas palavras dele, o companheiro de negócios parecia um senhor, talvez um velho, e o homem que estava a sua frente devia ter menos de trinta e cinco anos. No entanto, Adrian se referia a ele como se fosse o próprio Matusalém!
E agora? O que fazer? Como sair daquela situação embaraçosa? Não iria, evidentemente, tratar do assunto com aquele homem.
— Desculpe-me, porém prefiro falar com o sr. Mayhew.
Ele soergueu as sobrancelhas escuras, com um ar indagador. Mas sua expressão se manteve séria. Até mais do que antes. Ao que tudo indicava, James Ballantine não ficara nem um pouco satisfeito com a insistência de Laura.
— Creio já ter dito à senhorita que meu sócio não pode atender no momento. A voz tornara-se mais áspera. — Posso assegurar, srta. Jones que estou credenciado a tratar de qualquer assunto. Fique à vontade para dizer a mim o que pretendia falar com o sr. Mayhew.
A expressão então se suavizou um pouco. No entanto, era indisfarçável a impaciência contida atrás daquela fachada polida.
Laura suspirou. Claro que não poderia dizer àquele homem nenhuma das coisas que tencionava conversar com Adrian.
Bem, mas havia o problema da carta, que com certeza podia ser discutido com qualquer um dos dois sócios.
Laura olhou mais uma vez para o homem sentado a sua frente. Será que Adrian contara sua existência a ele? Será que ambos haviam dado boas gargalhadas juntos por causa dela? Provavelmente não. James Ballantine não parecia o tipo de pessoa que se sujeita a uma coisa dessas. Isso, porém, não significava que estivesse alheio aos problemas pessoais do sócio.
Fosse como fosse, no entanto, Laura não tinha opção. Ou falava com James ou com ninguém mais. Além disso, havia a possibilidade, embora um tanto remota, de ter julgado mal o procedimento de Adrian. Contudo, ela não punha muita fé nessa possibilidade.
Abriu a bolsa e tirou de dentro um envelope.
— Recebi esta manhã.
Desdobrou uma folha e estendeu-a na direção de James, com os olhos castanhos, costumeiramente tranqüilos, fuzilando de raiva.
Dedos longos e firmes pegaram o papel, enquanto a outra mão tateava no tampo da escrivaninha à cata dos óculos de aro escuro. Ele examinou rapidamente as linhas e, intrigado, fixou outra ver a atenção em Laura.
— Parece-me bastante clara.
Dito isso, pôs a carta sobre a mesa e continuou a observar Laura através das lentes.
Ela estava mais do que ciente da "clareza" da mensagem, e até mesmo a decorara do começo ao fim. O advogado de James Ballantine e Adrian Mayhew a informava oficialmente que o contrato de locação de sua loja, a vencer no próximo mês, não seria renovado, e que por isso devia desocupar o imóvel dentro do prazo legal.
Laura encontrara o envelope aquela manhã, ao abrir a loja. Tinha sido colocado por debaixo da porta. Ela não perdera tempo: dera alguns telefonemas e avisara a assistente de que iria ver Adrian. A última coisa que esperava era que ele não estivesse no escritório e que se visse obrigada a tratar do problema com o sócio.
Será que James percebia o ato de vingança que havia por trás daquelas linhas? Impossível saber. Ele não era do tipo que demonstrava seus sentimentos tão facilmente. Além disso, os óculos escondiam qualquer expressão que pudesse ser lida em seu olhar.
— Tem razão. A carta ó bastante clara.
Ele franziu a testa, confuso.
— Então, qual ó o problema?
— O problema, sr. Ballantine, é que, quando assinei o contrato há dois anos, ficou subentendido que o mesmo podia ser renovado quando do vencimento.
— Este assunto tem de ser aprovado por ambas as partes, srta. Jones.
— Sim, mas...
— E é claro que, como prova esta carta, nós não aprovamos — ele declarou com impaciência, na certa se perguntando por que Laura o fazia perder tempo com aquilo.
Os olhos castanhos relampejaram mais uma vez, e uma mecha de cabelo loiro caiu sobre o rosto fechado numa expressão séria.
— Por que só meu contrato não pode ser renovado? Telefonei para os outros inquilinos que a firma tem em Cooper Mews, e fiquei sabendo que com todos eles foram feitos acordos nos últimos doze meses.
Laura fizera questão do obter esse tipo de informação antes de ir para o escritório. Queria armar-se de quantos argumentos fossem possíveis para a conversa que pretendera ter com Adrian.
James Ballantine continuava impassível
— A senhorita então ligou para eles...
Percebeu Laura que o tom de voz, a despeito de educado e formal, escondia irritação. Precisava tomar cuidado com aquele homem. As rugas de expressão em torno dos olhos e boca indicavam que ele podia ser extremamente perigoso.
— Claro que sim! E já que estamos falando nisso. sr. Ballantine devo dizer que moro no apartamento que fica em cima da loja.
— Sozinha? — Ele pareceu tão surpreso quanto Laura com a pergunta. Era como se a tivesse feito sem querer, como se tivesse pensado alto. A chama do desafio brilhou em seu olhar.
Quanto a Laura, ficou um pouco aliviada. Claro que, se Adrian tivesse lhe contado sobre seu envolvimento com ela, James não faria tal pergunta.
— Não, não vivo sozinha — foi a resposta seca.
Laura não tinha a menor intenção de prolongar o assunto. Já que Adrian não dissera nada sobre ela, não precisava explicar como ou com quem morava. Não era da conta de ninguém. Além do mais, o contrato não fazia nenhuma referência aos ocupantes do apartamento.
— Sei. — O ar do desaprovação com que James pegou a carta para lê-la mais uma vez era patente. — Houve algum problema com relação a pagamento de aluguel?
— E evidente que não!
Os olhos de Laura brilharam de novo de indignação.
Ele deu do ombros, atirando a folha em cima de uma pilha de papéis que se amontoavam ordenadamente na escrivaninha.
— Então provavelmente nosso departamento jurídico cometeu um erro — tornou James, pensativo. — Não creio que tenhamos algum plano para nossas propriedades de Cooper Mews, a não ser mantê-las alugadas.
Laura estava certa disso, como também tinha certeza de que Adrian se encontrava por trás daquilo tudo, para obrigá-la a privar-se da loja e do lar. Havia um dito popular que recomendava tomar-se cuidado com mulheres rejeitadas, mas agora ela via que o mesmo preceito se aplicava aos homens. Pelo menos a um: Adrian.
James Ballantine notou a mudança na fisionomia de Laura com olhos atentos.
— Se quiser que eu resolva este problema...
— Sempre cuidei desse tipo de coisa com o sr. Mayhew.
Na verdade, conhecera Adrian por causa de um defeito no teto da propriedade, que o departamento jurídico do escritório se negara a atender. Depois disso, ele começou a aparecer na loja, segundo explicava, "para ver se tudo corria bem". Então, há algumas semanas o objetivo dessas visitas tornou-se mais claro...
— Asseguro-lhe, srta. Jones, que posso cuidar disto aqui — declarou James num tom gelado, afastando-a das recordações. — Se a senhorita permitir, darei uma resposta assim que for possível.
Laura percebeu-lhe a irritação com sua insistência em levar o caso até Adrian. Afinal, sua loja não passava de uma entre as centenas que a firma Ballantine & Mayhew possuía.
— Quando acha que essa resposta... ahn... será possível? — ela perguntou, decidindo-se, por fim.
James deu um longo suspiro, como se não estivesse acostumado a esse tipo de indagação. Ou a nenhum questionamento. Era como se suas ações nunca fossem contestadas, e sim acatadas. Mas Laura não tinha nada a ver com isso. Estava ali para defender seus interesses, e não ia deixar que seu problema caísse no esquecimento, fosse posto de lado.
Nos dois anos que se passaram desde que abrira a loja Vida e Saúde, ela formara uma clientela grande e fiel, à qual se juntavam com freqüência novos fregueses. Felizmente, mais e mais pessoas conscientizavam-se de que uma comida saudável era essencial para uma vida saudável.
A loja transformara-se numa espécie de tábua de salvação, ocupando seus pensamentos e seu tempo completamente, sem deixar espaço para mais nada. E ela não pretendia perdê-la só porque um homem, que um dia considerara charmoso, não conseguia controlar nem a libido, nem o sentimento de rejeição.
Lembrou-se de que as flores começaram a chegar algumas semanas depois das visitas "casuais" de Adrian. Vinham todos os dias. Religiosamente. Até Laura transgredir todas as suas normas e concordar em jantar com ele. Coisa que jurara a si mesma nunca mais fazer com homem algum.
Aquele primeiro encontro foi seguido de outro, e mais outro, até ela se dar conta de que estava vendo Adrian duas vezes por semana, no mínimo. Ele mostrara-se uma companhia agradável, uma pessoa atraente, e, embora seus beijos de boa-noite às vezes fossem um tanto atrevidos, a coisa não passava disso. Nem mesmo fazia força para ser convidado a entrar. Havia só uma semana Laura descobrira que tudo não passara de um plano muito bem arquitetado.
A desconfiança de Laura começou com as sugestivas rosas vermelhas que ele mandara no dia de seu aniversário, e aumentou ainda mais com o bracelete que recebera à noite, como presente. A recusa em aceitar a jóia de uma pessoa que considerava simplesmente um bom amigo acabou provocando em Adrian uma reação inesperada e a proposta de que deixassem de ser amigos para se tornarem amantes. E depressa.
Laura voltou para casa de táxi, culpando-se por não ter percebido antes as intenções dele, por ter-se deixado levar por um falso interesse, que só servia para encobrir um golpe descaradamente sujo.
A vingança de Adrian chegara na forma daquela maldita carta. Laura estava certa de que, se concordasse em ir para a cama com ele, o contrato seria automaticamente renovado.
Bem, talvez fosse melhor que Adrian não estivesse no escritório, afinal de contas, e que ela se visse obrigada a falar com James Ballantine, o envolvimento dele na questão talvez pudesse se transformar em sua única salvação. Tinha certeza de que, mesmo que o sócio procurasse saber do comportamento de Adrian, ficaria a seu lado. E, no momento, precisava de toda a ajuda de que pudesse dispor.
— Srta. Jones — ele começou, devagar —, compreendo seu receio. Sei que não me conhece, mas acho que, durante o tempo em que tem sido nossa locatária, nada fiz para merecer sua desconfiança. Creio estar capacitado para verificar os termos desta carta junto a nosso departamento jurídico.
Laura corou violentamente diante de tanto sarcasmo. Talvez estivesse sendo indelicada com James Ballantine, porém depois do que Adrian fizera, quem poderia culpá-la?
— Desculpe-me — murmurou, sem jeito. — Acho que estou... um pouco ansiosa.
O semblante dele serenou um pouco.
— Posso entender. Não se preocupe. Volto a procurá-la tão logo seja possível.
Era uma forma sutil e educada de pôr um fim na conversa. Ela olhou para ele com as faces ainda coradas e um sorriso pálido nos lábios bem-feitos.
— Peço desculpa mais uma vez. É que para o senhor aquela propriedade representa só mais um aluguel, enquanto para mim...
— Sei disso, srta. Jones... Com licença, um minuto — disse, apertando o botão do interfone, que tocava. — Sim, Moira?
— Não se esqueça do almoço de negócios — avisou a voz da secretária.
— Claro. Estarei livre em alguns minutos. — Dirigiu-se a Laura: — Bem, tenho de ir. — Tirou os óculos e os guardou no bolso do paletó.
— O senhor vai se lembrar de meu problema depois... do almoço?
No olhar de James brilhou primeiro raiva, depois incredulidade e finalmente divertimento.
— Srta. Jones... — Olhou para a carta que estava sobre a escrivaninha e corrigiu-se: — Laura, você é sem dúvida a mulher mais desconfiada que já conheci.
Ela levou um susto com aquele tratamento informal.
— Sou?
— Sim, é — ele confirmou, sorrindo. — Estou saindo para um almoço de negócios, não para um encontro amoroso, como sua pergunta sugeriu.
Laura enrubesceu de novo.
— Não foi minha intenção ofendê-lo.
— Talvez, mas foi assim que me senti.
Ela não conseguiu atinar por quê. Afinal, nada mais comum num homem atraente e maduro do que casos e romances.
— Eu só quis dizer que...
— Não tenho nenhum encontro. Laura — ele a interrompeu suavemente. — Ou uma namorada. Ou uma amante casual.
O rosto dela denotou surpresa imediatamente. Por que aquele homem lhe dizia aquilo?
— Sua vida não me diz respeito, sr. Ballantine. — Frisou bem a palavra senhor. — Só seus negócios.
James deixou escapar um suspiro, massageando as têmporas com os dedos longos e bonitos.
— É, parece que hoje o dia começou bem...
— Sinto muito se o arruinei, porém o meu também não foi melhor.
— Não se preocupe. Sei que a única coisa que podia fazer, nas atuais circunstâncias, era vir até aqui para tentar resolver seu problema. E não estou aborrecido com isso. Intrigado talvez, mais nada.
Ela se levantou. O que menos desejaria no momento era algum tipo de complicação com aquele homem.
— Bem, acho que já o fiz perder muito tempo. — E se dirigiu, decidida, para a porta.
Mas James se adiantou e chegou lá antes. A proximidade daquele corpo forte, seu calor, fizeram com que um arrepio percorresse a espinha de Laura.
— Você não pediu nada que eu não tivesse condições de dar — ele falou com voz mansa.
A surpresa dela aumentou.
— Bem, tenho de ir — insistiu.
— Entrarei em contato.
Laura não sabia se ficava perplexa ou irritada, enquanto caminhava pela calçada em direção a seu carro. A última coisa de que precisava era que o sócio de Adrian se interessasse por ela!
A não ser que os dois já tivessem se cansado de conversar a seu respeito. Nada lhe garantia que Adrian não tivesse falado a James sobre a mulher obstinada com quem andava se encontrando, e esse talvez fosse um desafio irresistível.
No entanto, essa hipótese era bastante remota. Esse comportamento era próprio de Adrian, e não de alguém como James. Ela não podia deixar que a insegurança atrapalhasse sua capacidade de julgamento.
Contudo, fossem quais fossem as conclusões a que chegasse sobre James Ballantine, isso não alterava o fato de Adrian tentar se vingar dela através do contrato com a loja. E possivelmente, ao voltar para o escritório, ele trataria de convencer o sócio a agir conforme sua vontade.
O dia se revelou para Laura pior do que o esperado. A todo momento imaginava ver Adrian entrando furioso na loja, ou ouvir o telefone tocar com alguma notícia de James Ballantine.
Mas nenhuma das duas coisas aconteceu. Todas as pessoas que estiveram ali eram clientes, e os dois telefonemas que recebeu diziam respeito a encomendas. Às cinco e meia, Laura e Jeanne, a velha senhora que a ajudava, fecharam as portas. Ela se sentia a ponto de ter uma crise nervosa.
— Você está bem? — quis saber Jeanne, pronta para voltar para casa, onde a esperavam um marido inválido e três adolescentes famintos. — Parece tão nervosa...
Laura suspirou.
— Estou só cansada — respondeu. Jeanne já tinha problemas suficientes para se preocupar com mais um. — Amanhã estarei melhor.
Pelo menos esperava. Se James Ballantine não ligasse na manhã seguinte, ela o procuraria. Não podia passar outro dia horrível como aquele.
A ajudante saiu e Laura observou atentamente a loja, com orgulho e prazer. Era clara e arejada, com prateleiras arrumadas e cheias dos mais variados produtos. E lhe pertencia. Não a perderia por causa dos caprichos de um mau-caráter.
Essa certeza cresceu quando ela subiu para o apartamento e encontrou a mãe, sempre atenciosa e simpática, esperando na sala.
— Olá, mamãe!
A velha senhora tirou os olhos da televisão, onde via um desenho animado, e os pousou na filha.
— Nossa, querida, como o tempo voou!
— É o que parece — Laura respondeu, dando-lhe um beijo. — Já pôs o gato para fora?
— Ainda não.
— Então, eu farei isso. O jantar estará pronto daqui a pouco.
— Deixe que eu cuido disso. — A mãe respondeu, mas sua atenção voltou-se de novo para a telinha.
Laura sorriu, enquanto rumava para a cozinha. Toda noite era a mesma coisa: a mãe se oferecia para preparar a refeição e acabava se esquecendo por causa da programação da televisão.
Aos quarenta e cinco anos, a sra. Jones atingira o estágio invejável de não se incomodar com absolutamente nada. Via o lado bom de todas as coisas, porque enxergar o outro significava viver a realidade e ela se negava a isso. Tinha sido assim desde que o pai de Laura morrera.
A sra. Jones nunca fora uma pessoa muito forte, e a morte do homem que amava acabara com a sua resistência, levando-a a um mundo onde não havia responsabilidades nem deveres. Quando não estava assistindo a puros e inocentes programas infantis, simplesmente ficava sentada sonhando, e pela expressão de tranqüilidade parecia transportada a um universo onde tudo era bom e belo.
Os médicos haviam já diagnosticado: choque. E garantiram que isso passaria num curto espaço de tempo, que era uma reação comum a quem passava por uma grande tragédia. Ledo engano. A despeito do tratamento e das opiniões dos especialistas, a sra. Jones parecia ter optado por viver num mundo de sonhos e, embora aceitasse a morte do marido, preferia achar que ele a deixara apenas temporariamente.
Laura também sentia muito a falta do pai. E às vezes o sentimento era tão desesperador, que falar sobre o assunto com a mãe se tornava uma necessidade. Mas isso não era possível. A sra. Jones não trocaria aquela dimensão onde a dor não existia por uma realidade dura e cruel.
Como seria sua reação a uma provável mudança? Aquele apartamento agora fazia parte de sua vida, era sua segurança.
Enquanto punha a mesa e chamava a sra. Jones para jantar, ela se lembrou de que a mãe sempre fora de boa paz e nunca discutia nem fazia valer seus pontos de vista. Aliás, mal se sabia quais eram estes, já que nunca vinham à tona. Jamais, no entanto, fora uma mulher infeliz, e o estado em que se encontrava agora, de total apatia, comovia a filha.
O fato de Adrian tê-la tratado com carinho tocara o coração de Laura. Contudo, agora ela sabia que essa gentileza também fora falsa, parte do plano para conquistá-la, seduzi-la.
Pensar nisso fez com que perdesse o apetite e recusasse a ajuda da mãe para lavar a louça e arrumar a cozinha. Queria ficar só e ocupar-se com alguma coisa, para descobrir o que fazer, caso James Ballantine não reconsiderasse a renovação do contrato. Teria de procurar outro lugar para viver se isso acontecesse, e o tempo que gastaria nessa tarefa seria valioso.
A voz da mãe a tirou desses pensamentos e trouxe mais uma preocupação: será que ela agora dera de falar sozinha?
Laura suspirou, enxugou as mãos e entrou na sala a tempo de ver a sra. Jones convidando James Ballantine para entrar.
— Cheguei em hora errada? — ele indagou, vendo o olhar espantado de Laura.
Qualquer hora seria errada. Por acaso aquele homem não percebia isso?
Laura prendeu a respiração e tratou de se acalmar enquanto a mãe diminuía o volume da televisão. Tinha de ser pelo menos educada. Mas a sra. Jones se adiantou:
— Chegou na hora certa, sr. Ballantine. — Deu um sorriso.
— Laura acabou de lavar a louça do jantar, e eu...
— Mamãe! — ela interrompeu, enquanto a sra. Jones pegava um livro de cima do sofá.
— Como ia dizendo — tornou a outra, imperturbável —, estou me recolhendo. Boa noite.
James Ballantine a observou afastar-se, e parecia haver ternura em seu olhar.
— Ela é adorável — comentou.
— Concordo — respondeu Laura, já recomposta do susto, notando como ele ficava bem mais bonito com a roupa informal e a jaqueta de couro que vestia no lugar do terno escuro que usava pela manhã. — Quanto a sua vinda aqui, seria para me dizer que...
— Ela parece não fazer parte deste mundo, não é? — ele quis saber, ignorando a pergunta que Laura estava preste a fazer.
— Tem razão. Agora, por favor, poderia me falar...
— Mas é muito bonita.
— Sr. Ballantine!
— James — ele corrigiu, cruzando a sala com duas passadas. — Não espere que eu seja coerente, depois de ver como você ficará daqui a uns vinte anos... Laura.
E, antes que ela tomasse conhecimento do que estava acontecendo, James tomou-a nos braços e a beijou sensual e apaixonadamente, segurando-a pelas costas e pela cintura, despertando dentro de Laura uma estranha emoção que a levara a mergulhar os dedos no espesso cabelo negro e a acariciá-lo, como se essa fosse a coisa mais natural do mundo.
Mas, quando James lentamente a soltou, trazendo-a de volta à realidade, ela o fitou com certo espanto, perguntando-se como pudera achar aquele homem frio e controlado... O desejo que havia em seus olhos desmentia essa idéia de forma categórica. Laura recuou, ofegante.
— Você não devia ter feito isso!
Ela queria que a voz tivesse saído firme, e não incerta e rouca.
— Talvez, porém posso repetir o gesto a qualquer momento. Antes disso, contudo, temos negócios a tratar. Porque, depois, duvido que qualquer um de nós esteja em condições de discutir o quer que seja.
— Ouça, o que acabou de acontecer entre nós...
— ...foi algo que quis fazer desde que a vi pela primeira vez. — ele completou mansamente, os olhos verdes fixos nos lábios entreabertos e vermelhos de Laura. — Eu quero você.
Laura ficou sem fala. Os homens costumavam dizer coisas como aquela, mas isso não impedia que corasse. De raiva ou de vergonha, não sabia definir.
— O... senhor disse que veio tratar de negócios.
— Está bem — ele concordou, tirando um envelope do bolso interno da jaqueta e estendendo-o a Laura. — Seu contrato. Só precisa de sua assinatura e de duas testemunhas, claro.
Laura o encarou, duvidando que estivesse ouvindo direito. Rapidamente, abriu o envelope e verificou o documento. Sim, era um contrato de locação, válido por cinco anos.
Sua primeira reação foi sorrir de alegria. No entanto, o sorriso logo desapareceu. Olhou para James, desconfiada.
— Qual é o preço?
Ele franziu a testa, intrigado.
— Está aí, no papel.
— Quero saber qual é o seu preço. — E o encarou com ar de desafio.
James pareceu tornar-se outro homem. Seus olhos gelaram, a boca se comprimiu e o semblante endureceu. Então, Laura se conscientizava de que não conseguia compreender por que motivo aquele homem resolvera ajudá-la.
— Desculpe-me. Eu só... queria saber... o que fez você e seu sócio mudarem de idéia.
— Não mudamos — ele corrigiu. — Eu não me neguei a renovar o contrato, e Adrian na certa cometeu o erro na pressa de deixar o trabalho e tirar férias. Sinto muito se isso a deixa magoada, porém é a única explicação que posso dar.
Ela percebeu que o insultara e que James não se esqueceria disso tão cedo. Mas o que podia pensar? Estava tão acostumada a lidar com homens como Adrian!
— Eu realmente sinto tê-lo tratado dessa maneira... James. E ter pensado...
— Esqueça. Está desculpada... por ter me chamado de James. Laura pôde ver que ele mentia, que ainda estava magoado, porém que se esforçava para esquecer o incidente.
— Se seu sócio está fora e não pode assinar este documento, ainda assim ele é válido?
James sorriu.
— Pode ter certeza que sim.
— Mas...
— Quer saber de uma coisa? Um dia desses você vai ter de me contar por que é tão desconfiada. Contudo, não agora. — Fez uma pausa e, como ela não retrucasse, continuou: — Acho que devo lhe explicar que, quando um dos sócios se encontra fora da firma, o outro tem poderes para decidir tudo. Se eu fosse esperar por Adrian toda vez que ele viaja com a mulher, estaria perdido!
Laura sentiu-se empalidecer. Mulher? Então, Adrian era casado? Deus do céu, que destino era o seu, de viver a mesma história duas vezes! Não era possível!
Lentamente ela baixou o olhar e disfarçou um soluço silencioso.
— Adrian sempre viaja com Sally — continuou James, sem notar a surpresa de Laura.
Ela soltou um suspiro profundo. Casado! Por que não pensara nisso? O que poderia ter acontecido se aceitasse a proposta de Adrian e o relacionamento tivesse seqüência?
— Meu sócio — prosseguia James Ballantine — e... bem, como eu poderia dizer., não é exatamente fiel à esposa. Quando seu último romance terminou, levou Sally para umas férias fantásticas e gastou muito dinheiro. Acho que seu complexo de culpa é que o faz agir assim.
Ultimo romance? Deus do céu, seria ela? Provavelmente. A não ser, claro, que Adrian tivesse encontrado alguém na semana anterior. Laura sentiu-se mal ao pensar nisso. Em que mãos poderia ter caído!
— A mulher dele não percebe que é enganada?
— Bem... eu pelo menos nunca lhe disse uma palavra.
— Talvez ela não se importe, não é mesmo? Algumas são assim.
— Realmente não sei Sally nunca conversou comigo sobre seu casamento. Mas depois desses dez anos...
— O quê?! Ele tem sido infiel durante todo esse tempo?
— Acho que nem o próprio Adrian conseguiria responder a essa pergunta. No entanto, é preciso pensar em Robert.
Laura estremeceu, com medo de indagar o que intuitivamente já sabia.
— Robert?
— O filho deles. — James acabara de confirmar sua suspeita. — Tem nove anos e fica na escola a maior parte do tempo. Tenho certeza de que meu sócio é mais discreto nos seus casos quando o menino está em casa.
Então, também havia uma criança envolvida na história! Tudo parecia um pesadelo. Adrian nunca agira como um homem que possuía mulher e filho. Jamais se incomodara com horários, e ia vê-la com freqüência. Claro que sua mulher percebia que algo errado estava acontecendo. Talvez considerasse as férias como uma espécie de recompensa. Muitas faziam isso.
De qualquer modo, Laura teve vontade de sumir. E se algum conhecido os tivesse visto. Não, não seria capaz de sobreviver a um escândalo.
Voltou o olhar para James e começou:
— Não quero prendê-lo por muito tempo. Obrigada por ter trazido o contrato e...
— Laura, quando eu lhe disse hoje que não tinha nenhum encontro, namorada ou amante, incluí uma esposa nessa lista. — Abraçou-a. — Não sou casado.
Era um alívio saber disso, mas não mudava nada. Se ele descobrisse que ela talvez tivesse sido o "último caso" do sócio... Nem era bom pensar.
— Acho melhor você ir — Laura pediu, tentando desvencilhar-se.
— Discordo.
— Estou lhe pedindo para sair.
Ele recuou um passo e a encarou intensamente.
— Ouça, nós não nos conhecemos muito bem e...
— Não sabemos nada um do outro, você quer dizer — ela corrigiu, certa de que, no que lhe dizia respeito, as coisas continuariam assim.
James deu um sorriso irresistível.
— Podemos dar um jeito nisso.
— Não quero conhecer você!
— Tenho trinta e quatro anos — ele começou, ignorando-lhe o protesto —, filho único de pais já falecidos. Gosto de crianças, de animais. E de você. Quer jantar comigo um dia densa?
Laura teve vontade de rir da cantada direta. Nunca conhecera um homem tão obstinado... e atraente.
— Não.
— Existe alguém em sua vida? Alguém especial?
Será que, se recebesse um "sim" como resposta, ele iria embora de uma vez per todas? Com certeza, não. James parecia homem de aceitar desafios, e vencê-los.
— Não está acostumado a ouvir um "não" de uma mulher, sr. Ballantine?
— Só das que me beijam como você fez.
Ela ficou corada na hora. Ele não estava flertando. A palavra certa para sua atitude era sedução. O pior de tudo era que James tinha absoluta certeza de seus sentimentos e da vitória. Melhor dispensá-lo enquanto era tempo.
— Sr. Ballantine, não posso sair para jantar, porque tenho um negócio para cuidar, minha mãe para tomar conta...
— Ei, e como faz para se divertir?
— Às vezes jogo um pouco de tênis, outras saio para caminhar por aí.
— Então, está combinado: no domingo à tarde, venho buscá-la para uma partida.
— Nada disso.
— Domingo — ele repetiu, insistindo. — Às duas horas. Até lá. — Deu-lhe um beijo leve nos lábios e partiu.
Durante alguns segundos Laura foi incapaz de sair do lugar e de acreditar que tinha um encontro marcado com James Ballantine. Sem dúvida, esse era o homem de maior poder de persuasão que conhecera em toda a sua vida!
Tinha a impressão de que, quando James queria alguma coisa, jamais aceitava uma negativa. Seria como Adrian? Não, certamente não. Parecia ser dessas pessoas que nunca ferem as outras.
— O sr. Ballantine já foi, querida? — a sra. Jones perguntou num tom desapontado, entrando na sala.
— Já.
— Um moço muito bonito, educado. Será que vamos vê-lo de novo?
— Não. Quer dizer, sim. Não! Não acho que voltemos a encontrá-lo.
— Que pena, não? — A mãe suspirou. — Ele tem olhos puros.
Laura olhou para ela, que não via maldade em nada ou ninguém, com uma ponta de inveja. Se também agisse daquele modo, teria evitado muito sofrimento, muita desilusão. Contudo, o que estava feito não podia ser mudado. Agora, era tocar a vida. E não se envolver com mais ninguém. Principalmente com James Ballantine.
— Você sumiu todos esse dias de propósito, para que eu não pudesse encontrá-lo, não é? — Laura acusou James, que dirigia seu carro possante e sofisticado com a maior tranqüilidade.
Era domingo, e às duas em ponto, conforme o combinado, ele apareceu em sua casa. Tratou a sra. Jones com muito charme e carinho, convencendo-a mesmo a ajudá-lo na tarefa de fazer com que Laura parasse de dizer que não tinha tempo de jogar tênis e concordasse em ir de uma vez. Chegou ate a convidá-la a acompanhá-los, e se mostrou sinceramente desapontado quando ela, polidamente, recusou.
— Não fiz nada disso — ele negou, com o ar mais inocente do mundo.
— Ora, não seja cínico! Telefonei para o escritório umas vinte vezes nos dois últimos dias e cansei de ouvir sua secretária dar todo tipo de desculpas!
— Desculpas? Então, não acreditou nela?
— Não é possível que você saia tanto e faça tantas reuniões!
— Sou um homem muito ocupado, querida.
— Não a esse ponto!
— Está bem, eu me rendo. Orientei Moira para que não me passasse nenhuma ligação sua. Tinha certeza de que você ia querer desmarcar nosso encontro.
— Seu encontro! Não me lembro de ter concordado com ele. E não gostei de você ter mentido, mandando dizer ao telefone que não estava na firma.
— Foi a primeira e última vez. — Cobriu as mãos dela com as suas, roçando de leve na coxa que o minúsculo short revelava por inteiro. — Nunca mais vou mentir para você. Quero que se lembre disso.
O toque macio em sua pele a desarmou completamente, mas não a impediu de se perguntar pela milésima vez o que estava fazendo ao lado de James Ballantine. Pretendia despachá-lo assim que chegasse a sua casa e, em ver disso, via-se metida num conjunto de short e top rumo a uma partida de tênis.
Talvez fosse o jeito descontraído e irresistível dele, que aparecera também de short e camiseta, o responsável por tudo. Laura o estudara atentamente, parado à soleira da porta, observando as pernas bronzeadas e musculosas, o peito e os braços fortes, poderosos, e não teve coragem de lhe negar nada. "O que há de errado num simples jogo de tênis?", pensara então. Mas agora, olhando bem para James, descobria o que havia de errado: a virilidade, o magnetismo dele eram extremamente perigosos. Poderiam arruiná-la.
— Laura?
— Sim?
— Por que você não pediu a Moira que me desse o recado que não queria sair comigo?
Ela arregalou os olhos, antes de desviar a vista para a paisagem que se descortinava lá fora. Poderia ter feito aquilo, claro! Por que não tivera essa idéia? Afinal, passar uma tarde com ele seria loucura, faria com que se sentisse atraída e...
E o quê? Por que se enganava daquela forma? Por que não reconhecia de uma vez por todas que a loucura já estava feita e que se sentia totalmente atraída por James Ballantine?
— Eu... eu não pensei nisso.
Ele pareceu desapontado por não ter da parte de Laura a mesma honestidade com que a tratava.
— Você sabia que quando mente um monte de sardas aparece em seu nariz?
As mãos de Laura, num gesto automático e instintivo, subiram para cobrir o nariz.
— James...
— Eu gostaria que sua mãe tivesse concordado em vir — ele interrompeu, mudando de assunto. — Ela está pálida e um pouco de ar puro iria fazer-lhe bem.
— Ela não costuma sair muito.
— O que é que sua mãe tem?
— Ficou traumatizada com a morte de meu pai.
— Sinto muito. Deve ter sido deveras difícil para vocês duas.
— Foi sim. — Fez uma pausa antes de dizer abruptamente: — Ela gosta de você.
Assim que terminou de falar, perguntou-se por que o fizera. A ultima coisa de que aquele homem precisava era mais autoconfiança. Essa ele já possuía em excesso. Por isso, Laura decidiu provocá-lo:
— Não creio, porém que minha mãe seja uma boa juíza.
Ele sorriu.
— Claro que é. Diga-me, o que pode ser feito para ajudá-la?
— Nada, a não ser trazer meu pai de volta á vida. — Não pôde evitar um tom de amargura na voz. — Já estamos chegando?
— Querida, nós já chegamos — ele respondeu, manobrando o carro e entrando na estradinha que levava às quadras, mais à frente.
Cinco minutos depois, Laura desconfiou que ele nunca segurara uma raquete em toda a sua vida. Mas conseguia acertar a bola e, quando o fazia, errava o alvo. Conclusão: ela ganhou todos os pontos.
— Sabe que jamais consegui ganhar um set antes de jogar com você? — Laura comentou, rindo e dirigindo-se para o meio da quadra, para encontrá-lo.
James a conduziu ao banco de madeira que ficava na lateral do campo de jogo e observou-a a limpar o suor do rosto.
— Acho que meu talento ficou todo concentrado em outro tipo de habilidade.
— Como é que você e seu sócio conseguem se dar bem quando têm tão pouca coisa em comum? — ela quis saber, ajeitando a banda colorida que lhe prendia o cabelo.
Ele deu de ombros.
— No inicio o pai de Adrian era meu sócio. Mas ele morreu e acabei tendo de herdar seu filho.
Laura riu, e só então se inteirou de que fora um erro introduzir o nome de Adrian na conversa. Pensar nele fazia-a lembrar-se de como fora tola, ingênua.
— Quer jogar outro set ou podemos ir tomar sorvete? — ela interrogou.
— O sorvete pode esperar. — James levantou-se, decidido. — O mínimo que posso fazer é deixar esta quadra com um pouco de dignidade, não acha? Então, vamos lá?
Ele perdeu de novo, e Laura, mesmo satisfeita por haver vencido um homem aparentemente invencível em tudo, como parecia, ficou com pena e deixou-o ganhar um set.
— Acredito que já fui humilhado demais para um só dia — ele comentou, rindo e pondo de lado a raquete. — Prefiro ginástica e jogging. São mais fáceis, garanto.
Bem que ela desconfiara que o corpo atlético não fora conseguido atrás de uma escrivaninha. Agradava-lhe que James gostasse de esportes, da vida ao ar livre... Mas era melhor não começar a tecer fantasias.
— Venha! Conheço um lugar onde fazem sorvetes deliciosos. São caseiros e não contêm os corantes químicos e aditivos que as indústrias costumam colocar.
A sorveteria estava cheia de amigos de Laura, que sorria para todas enquanto os cumprimentava com simpatia.
— Você é mesmo apreciadora da comida saudável e natural, hein?
— E como! Sabe, tenho uma amiga cujo filho se transformou numa criança problemática por ingerir em excesso alimentos industrializados. Era viciado em hambúrgueres, pão branco, bolos, sopas em potinhos, balas... A mãe, Helen, só lhe fornecia o indispensável, ou seja, frutas e legumes. O menino era agressivo, não dormia direito, um horror. O caso chegou a tal ponto, que Helen quase sofreu um esgotamento. Foi então que insistiu em que o pediatra lhe indicasse um psiquiatra para o filho.
— E então, o que aconteceu?
— Além do fato de o menino ser hiperativo, não constava mais nada de errado, segundo o médico. Só que Jonathan se mostrava cada vez mais intratável. Então um dia Helen leu um artigo sobre o mal que corantes e aditivos em geral faziam ao ser humano. Mudou completamente a dieta do filho. Claro que foi difícil, pois ele rejeitava tudo no começo... era obrigado a tomar suco de frutas sem o açúcar branco, no lugar da mistura perigosa e colorida a que estava acostumado. Mas Helen não se deixou abater, e foi em frente Em dez dias o garoto já era outro. Mais feliz, amável até. Parecia um milagre. Enfim, para resumir, já faz dois anos e meio que Jonathan é um menino tranqüilo, alegre, brilhante na escola.
— E onde é que você entra na história?
— Bem, na época as pessoas ainda não acreditavam no poder maléfico dessas substâncias, e Helen tinha tremenda dificuldade de encontrar para Jonathan a comida que não o fizesse sentir-se diferente dos amiguinhos, porque aí outro problema seria criado. Aconteceu de eu estar procurando trabalho...
— ...e então abriu a loja.
Ela concordou com um gesto de cabeça.
— Se corantes e aditivos fazem mal para as crianças, também fazem mal para os adultos, e de uma maneira tão sutil que eles nem percebem. Por isso, eu ao trabalho com produtos naturais. Acredito que, para ter saúde, é preciso uma alimentação saudável. — Fez uma pausa. — Desculpe. Pareci uma pregadora? — perguntou, conscientizando-se de que se alongara demais.
— Não. Pareceu exatamente o que e: uma mulher decidida, que acredita em alguma coisa e luta por seus ideais.
— Ou uma mulher que resolveu tomar conta de Jonathan por uma semana... antes da dieta... para dar a Helen um pouco de sossego e quase enlouqueceu. Foi então que vi com meus próprios olhos o mal que uma alimentação inadequada faz. Mas agora está tudo bem. Jonathan adora passar uns tempos comigo e com mamãe, e nós três nos damos perfeitamente. Ele aceita "tia Meg" tal como é. Estou me referindo a mamãe, claro.
— Se sua comida natural for como esse sorvete, então deve ser simplesmente divina! — disse James, terminando o doce e jogando o copinho no cesto de lixo.
Laura percebeu que um nadinha de sorvete pendia do lábio superior de James e se perguntou como ele reagiria se ela resolvesse limpá-lo... se ousasse beijá-lo.
— Vá em frente, Laura! — James encorajou, como se tivesse lido seu pensamento.
Ela prendeu a respiração e o fitou, surpresa, as faces colorindo-se de vermelho. Percebeu que suas intenções não passavam despercebidas a James, e isso era perigoso... principalmente se essas intenções continuassem a ser eróticas.
— Acho melhor irmos embora.
— Ainda não. — Segurou-a pêlos ombros, acariciando-os calma e sensualmente. — Limpe meus lábios, Laura. Ou melhor, dê-me um beijo.
— O quê?! — Ela ficou estupefata. Havia uma mutua atração, uma sintonia incrível entre eles. Desde que se viram pela primeira vez, sentiam uma necessidade incontrolável de se tocarem.
— Por favor, Laura... — prosseguiu ele.
Lentamente ela se ergueu na ponta dos pés e colou a boca na de James.
O beijo foi longo, profundo, e Laura sentiu-se perdida num mar de emoções que desconhecia e que não podia conter.
De olhos fechados, totalmente entregue às sensações, Laura ousou ir além deslizando os lábios entreabertos pelo queixo de James, pelo pescoço, descendo até a abertura da camiseta.
Mãos firmes seguraram-na gentilmente pelo cabelo, obrigando-a a levantar a cabeça. O beijo que se seguiu foi mais intenso do que o primeiro, extravasando o desejo que os consumia.
— Os jovens de hoje não têm um pingo de vergonha! — soou uma irritada voz masculina, que parecia vir de muito longe. — No nosso tempo não costumávamos fazer certas coisas em público!
Alguns segundos se passaram antes que essas palavras conseguisse romper o véu de sensualidade que envolvia Laura e James. E, quando eles compreenderam-lhes o sentido, abriram os olhos, tão-só para ver o parque deserto e um casal de velhos passeando com o cachorro. Laura riu ao pensar na expressão escandalizada com que deviam tê-los surpreendido.
— De minha parte — anunciou James, tentando manter um fingido ar sério —, fico muito contente por ter sido chamado de jovem.
— Acho que eu também — comentou Laura, enquanto caminhavam lado a lado rumo ao carro. — Mulheres com mais de vinte e um anos costumavam ser consideradas velhas.
— Nesse caso, sou um ancião, embora o fato de estar com você me faça sentir muito, mas muito longe disso. — Abriu a porta do carro para ela. — Adorei nossa tarde, querida — disse mansamente, enquanto se acomodava no banco do motorista, sem se mostrar disposto a dar a partida.
— Eu também — ela confessou.
— Podemos repetir o programa?
— Se você gosta de perder tanto assim no tênis...
A brincadeira não foi em frente, porque Laura se viu tensa, as mãos suando frias. Como não haveria de ver de novo alguém com quem adorava estar, que a faria rir, que se mostrava sinceramente interessado em ouvi-la, que a fatia sentir-se viva e preocupava-se com o que pudesse vir a lhe acontecer? Mas, se a emoção dizia "sim", a razão dizia "não".
— Acho melhor não nos encontrarmos mais. Não julgo uma boa idéia misturarmos negócios e... prazer.
— Quer dizer então que você admite gostar da minha companhia?
— Claro! Quem não gosta de ganhar tantas partidas? — ela rebateu, fingindo-se de desentendida.
— Nós dois podemos vencer, Laura. Isto é, se você permitir.
— Desculpe, porém tenho mesmo de voltar para casa agora — ela disse, fugindo do assunto mais uma vez. — Não gosto de deixar minha mãe sozinha por tanto tempo.
— Primeiro, responda se posso vê-la novamente.
Laura o fitou e percebeu que não lhe podia negar coisa alguma.
— Sim, pode.
— Ótimo. — Ligou o motor do carro. — Não quero perdê-la, agora que a encontrei.
Por que essas palavras soavam como uma promessa, não como uma ameaça?
No dia seguinte, James foi até a loja para comprar os alimentos necessários para uma dieta natural e saudável. Na tarde do outro dia apareceu para contar como estava se sentindo bem e para mandar algumas revistas, as quais, imaginava, a sra. Jones iria gostar. Na terceira tarde surgiu com um artigo sobre os malefícios dos aditivos e corantes nos alimentos que, achava, interessaria muito a Laura.
Essa maneira de abordá-la, ao mesmo tempo insistente e amável, foi ganhando a simpatia dela. James nunca demorava muito, permanecia só o suficiente para vê-la e conversar um pouco. Era seu jeito de abrir um espaço na vida de Laura, onde pudesse entrar e se estabelecer, sem contudo pressioná-la. E estava obtendo sucesso, uma vez que ela, a despeito de todas as precauções, começara a esperar com certa ansiedade as visitas diárias.
— Será que James vem esta noite, querida? — a sra. Jones perguntou, depois do jantar.
Laura esperara por ele o dia todo. Tinha a firme intenção de dizer-lhe que as visitas deveriam ser suspensas. Que não poderiam mais ver-se. O jogo se tornava cada ver mais perigoso, e ela notara isso ao ficar extremamente desapontada com o fato de James não ter aparecido na loja.
— Não sei, mamãe — respondeu Laura, irritada por se sentir tão ligada àquele homem. — No entanto, se vier, não vai me encontrar!
A sra. Jones estranhou tamanha veemência.
— Ele fez alguma coisa que a desagradou?
Sim: transformara-se em parte de minha vida. Querida e necessária. E ela não devia, não podia aceitar isso. James podia não ser casado, porém representava um risco ainda pior exatamente por isso. Não ficaria satisfeito com um envolvimento superficial por muito tempo. E ai Laura estaria perdida, apaixonada, e a separação doeria mais.
Mas não diria nada disso à mãe, claro. Por isso, limitou-se a uma resposta não comprometedora:
— Ele não fez nada, mamãe. Acontece que fiquei de ir até a casa de Helen. Simon viajou a negócios e vou fazer-lhe companhia.
— Que bom, minha filha! Sempre achei que você sai muito pouco, principalmente agora que Adrian...
— Mamãe, vou pedir-lhe um favor: aconteça o que acontecer, nunca toque no nome de Adrian na frente de James, está bem?
— Se quer assim querida... James parece mesmo ser um homem possessivo. Duvido que gostasse de saber dos homens que você namorou antes de conhecê-lo.
Laura franziu a testa, preocupada.
— Mamãe, acho que você está vendo nas visitas de James mais do que deveria.
A sra. Jones deu-lhe um de seus sorrisos serenos.
— Claro que não, querida.
Então, por que falava nele com tanta segurança, como se fizesse parte da família? Talvez porque lhe tivesse devotado simpatia desde que o conhecera. Além do mais, James a tratava com tanta atenção e carinho... Deus do céu! O relacionamento entre ele e sua mãe já a tinha envolvido numa situação desastrosa, que lhe fugia completamente ao controle. Como livrar-se daquela presença perturbadora, sem magoar uma criatura indefesa e inocente?
Pensando nisso, Laura se dirigiu à cozinha, para lavar a louça do jantar.
— Deixe que eu faço isso, querida.
Ela estava prestes a recusar, certa de que os pratos estariam no mesmo lugar quando voltasse da casa de Helen, quando se lembrou das recomendações do médico no sentido de dar à mãe a responsabilidade que lhe fosse solicitada. Sim, talvez os pratos continuassem ali mais tarde, mas... e dai? Pelo menos, teria a certeza de que a sra. Jones teria tentado.
— Obrigada, mamãe. — Deu-lhe um beijo no rosto. — Quero ver se chego à casa de Helen antes que Jonathan e Annie tenham ido para a cama.
— Mande um beijo meu para aqueles anjinhos.
Laura sorriu e foi para o quarto, arrumar-se. Quando voltou, quase caiu de susto: a mesa da sala de jantar estava vazia e, pelo barulho que vinha da cozinha, pôde compreender que a mãe estava mesmo lavando os pratos.
Num repente, ela se deu conta de que aquilo se devia à influência de James. Meg Jones não se mostrava assim animada desde que o marido falecera e, embora Laura soubesse que não havia nada de romântico no que sua mãe sentia por James, tinha de ser obrigada a admitir que as atenções que lhe eram dedicadas surtiam bons resultados. Só que isso significava que não poderia mais pedir a James que saísse de suas vidas.
Meg Jones guardava a louça, quando a filha foi se reunir a ela na cozinha, os olhos ainda úmidos das lágrimas que haviam corrido pela emoção de sentir que a vida voltava ao normal.
— Oh, olá querida! — disse a sra. Jones, sorrindo. — Tem certeza de que vai sair só para visitar Helen?
Laura corou quando percebeu que estava bem-vestida demais para ir à casa da amiga, levando também em consideração que teria de brincar com duas crianças bastante travessas. Mas fizera questão de estar daquele jeito, porque, caso James aparecesse, não queria que ele a visse com uma aparência descuidada.
— Sim, mamãe, tenho certeza. Não voltarei tarde.
Não conseguiu assegurar-se disso, porém quando saiu teve a impressão de ouvir a mãe dizer:
— Não se preocupe. Estou certa de que nós dois conseguiremos nos divertir bastante.
Será que ela sabia que James apareceria ainda naquela noite?
— Ei, para onde é que você vai? — perguntou Helen, com um sorriso, ao abrir a porta para Laura e vê-la toda arrumada.
— Muito engraçado! — foi a resposta um tanto mal-humorada.
Laura seguiu a amiga sala adentro, observando o caos absoluto que reina em uma casa onde moram duas crianças saudáveis. Havia brinquedos espalhados por toda a parte, e bem no meio do aposento os dois diabretes morenos discutiam sobre quem brincaria com o urso, que parecia não agüentar sobreviver ate o fim da disputa.
Mas os gritos de "tia Laura, tia Laura!", puseram fim à discussão, e o urso ficou esquecido no carpete, enquanto os dois atravessavam a sala para se jogarem nos braços da recém-chegada, cheirando a talco e sabonete e vestindo pijamas.
— Vocês têm sido bonzinhos com a mamãe, enquanto papai está viajando?
— Estamos — respondeu Jonathan, prontamente.
— Claro que sim — ajuntou a pequena Annie, fitando-a com seus imensos olhos azuis.
— Então, peguem isto aqui. — Deu-lhes dois chocolates naturais. — Contudo lembrem-se de que é para amanhã, certo? E só quando a mamãe autorizar.
— Muito bem, vocês dois — disse Helen, entre divertida e autoritária. — Agora que já viram tia Laura, já para a cama!
— Ah, mamãe!...
— Vou ajudar a pôr vocês para dormir — prometeu Laura, recebendo um abraço grato e apertado de Jonathan, que em seguida escorregou para o chão.
A hora de dormir daquelas crianças sempre era um momento agradável para Laura, que se deixou ficar no quarto de Jonathan lendo uma história, enquanto, no dormitório ao lado, a respiração suave e regular de Annie enchia o ar e lhe chegava aos ouvidos.
— Muito bem — afirmou Helen, depois que as crianças adormeceram e que a sala voltou ao normal —, o que anda acontecendo com você?
Laura deu de ombros.
— Estou com muito trabalho na loja e...
— Não me referi à loja, e sim a você — cortou Helen, que conhecia a amiga bem demais para deixar-se enganar. A amizade delas vinha desde a infância. — Liguei para sua casa no domingo e sua mãe me disse que você tinha saído com James.
— Oh!... — Laura suspirou e espichou-se no sofá — Bem, mas não o estou vendo mais.
— Por quê?
— Você sabe por quê! — A resposta soou impaciente. — Não quero me envolver com homem algum, principalmente os que são como James. O relacionamento com Adrian veio confirmar minha crença de que tipos assim não servem. James é um homem de negócios bem-sucedido e respeitado, e provavelmente com muito dinheiro...
— Isso não significa que conheça os Sutcliffes.
Adrian, por exemplo, não mantinha relações com eles. Laura suspirou de novo, profundamente.
— Mas também não significa que não conheça, e o fato de ser rico aumenta essa possibilidade. Posso até ver a cena: saímos para jantar e um dos amigos dele nos vê, se aproxima e então me reconhece. De qualquer modo. James é tão devastadoramente bonito como bom e honesto. — Honesto demais, ela lembrou. — Ele não compreenderia.
— Então, diga-lhe a verdade!
Os olhos de Laura se arregalaram, medindo surpresa e risco.
— Você acha que... que...
— ...que você deve contar-lhe a verdade, antes que ele ouça alguma versão sem sentido da história.
— No entanto, eu não posso! — Laura balançou a cabeça, dando ênfase à negativa. — Eu... quer dizer, ele... não é assim importante para mim.
— Não, mesmo? — Helen a examinou detidamente. — Então, por que você está com essa cara de quem não dormiu direito e se põe na defensiva à simples menção do nome James?
—- Eu... Ora, e eu que pensava que você fosse ajudar a levantar meu ânimo! Em vez disso, fica querendo descobrir coisas sobre um homem que acabei de conhecer!
—- Não estou querendo descobrir nada. Só não gosto de vê-la jogando fora tanta juventude.
— Quem está jogando a juventude fora? Eu, não. Gosto da vida assim como ela é.
— Tem certeza?
— Claro que tenho!
Helen soltou um suspiro impaciente.
— Sabe, Simon às vezes parece um demônio, porém não posso viver sem ele.
Laura sentiu uma dor no peito ao pensar no amor que existia entre a amiga e o marido, e por um breve momento sonhou que talvez um dia aquilo pudesse lhe acontecer também. Quem sabe com alguém como James...
Bem, mas claro que aquilo era apenas um sonho.
— Quem que parece um demônio, às vezes? — perguntou uma voz grave, e Helen deu um pulo, surpresa e feliz por ver o marido em casa. Correu até ele e atirou-se em seus braços.
— Você disse que só voltaria amanhã! — exclamou, entre beijos sem conta.
— Pensei que você fosse gostar da surpresa — respondeu Simon, abraçando-a e virando-se para Laura. — E por acaso este belo comitê de recepção é para mim? .
— Simon Collister, deixe de ser convencido!
Ele riu.
— Assim é a vida! Duas lindas mulheres esperando minha chegada!
— Uma — corrigiu Laura, levantando-se e beijando-o no rosto. — Vou deixar vocês dois sozinhos para as boas-vindas.
Simon franziu um pouco a testa, como quem não aprovava a idéia.
— Não é preciso, querida.
— É sim — insistiu Laura. — Sei que se eu...
— Continue — encorajou-a Helen, quando a viu interromper-se abruptamente, vermelha.
— Se eu tivesse um marido tão atraente quanto Simon, não veria a hora de ficar a sós com ele depois de três dias de separação.
Como seria ter um homem como James voltando para casa todas as noites? O pensamento a assustou. Será que ambos conseguiriam, perguntou-se enquanto voltava para casa, manter um amor ardente e intenso como o de Helen e Simon? Não tinha dúvida de que James seria um marido excelente, que, uma vez comprometido com uma mulher, se dedicaria só a ela pelo resto da vida. O único problema era que Laura não seria essa mulher.
Foi pensando nisso que ela chegou em casa e deparou com James na sala, muito à vontade, num jogo bastante animado com sua mãe.
Sentados no sofá, os dois estudavam o tabuleiro colocado sobre a mesinha de centro. Duas xícaras vazias de café e uma longa anotação de resultados mostravam que ele se encontrava ali havia algum tempo.
Levantou os olhos para Laura, quando a viu aparecer na soleira da porta, observando-a intensamente.
Foi o suficiente para desarmá-la e fazê-la esquecer tudo, inclusive a intenção de não se deixar envolver. Qualquer relacionamento com James seria perigoso, e superava o desejo físico, com ele as coisas teriam de ser completas, totais!
— Está gostando do jogo? — perguntou suavemente, entrando na sala.
— Deus do céu! — exclamou a sra. Jones. — Já é tão tarde? — E fez menção de se levantar.
— Ainda é cedo, mamãe. Fique e entretenha seu convidado. Quanto a mim, tive um dia difícil e cansativo. Vou para a cama.
— Querida, James é seu convidado. Teve a gentileza de jogar comigo, enquanto a esperava.
Ergueu-se, disse boa-noite e foi para o quarto, sob o olhar espantado de Laura
Ela se virou e encarou James, que guardava os óculos no bolso interno do paletó.
— Pensei ter dito que não queria vê-lo mais.
— E respondi que continuaria a encontrá-la, lembra? Você também me quer e sabe disso melhor do que eu.
— E se acha tão irresistível a ponto de me conquistar? Costuma fazer isso com toda mulher que deseja?
— Para dizer a verdade, desejei muito poucas.
— Francamente! Pensa que vou acreditar numa coisa dessas? Você tem trinta e quatro anos, é solteiro, atraente e bem-sucedido, claro que teve suas... ahn... namoradas.
— Acertou: tive. No momento, estou tentando convencer alguém a ocupar o posto.
— Ora, pare com isso!
— Ouça, eu me recuso a aceitar seus argumentos.
A expressão dele era tão séria e a voz tão decidida, que Laura chegou a corar.
— E eu me recuso a ser mais uma em sua vida.
— Droga, quando é que vai entender? Quando vai tomar conhecimento de que você é diferente das outras?
— Todas somos diferentes. Aliás, variar faz parte da vida, não é?
A resposta não veio em palavras, e sim na forma de um beijo que nada tinha de apaixonado. Mais parecia um castigo, uma punição, e chegou a machucar-lhe os lábios.
— Pare! — ela gritou, desvencilhando-se. — Não quero e não vou ser usada!
— Não quero usar você, Laura. Quero amá-la.
— Até conhecer outra mulher, não é mesmo? Vocês são todos iguais!
— Alguém já a feriu muito, não foi? Mas ouça: isso não lhe dá o direito de achar que foi a única a sofrer uma desilusão. Se quer saber, descobri que minha noiva me enganava quando faltava apenas uma semana para o casamento. É claro que depois houve mulheres em minha vida. Contudo nenhuma esperava nada do relacionamento que mantínhamos. Exatamente como eu.
Laura ficou chocada ao saber que James já amara tanto uma mulher, a ponto de querer casar-se com ela. Por que essa descoberta lhe causava aquela dor tão profunda?
— Você... ainda a ama?
— Não sei o que sentia na época, eu tinha a sua idade e a via com os olhos inocentes do primeiro amor... até perceber que a tratava com tanto respeito, que ela foi buscar em outro a emoção que não percebia em mim. Depois disso, nunca mais respeitei mulher alguma a esse ponto.
Laura respirou fundo ao se conscientizar de que a ela James oferecia o respeito que negara às outras... e recebia, em troca, apenas desconfiança e ressentimento.
— Sinto muito. — Ajeitou o cabelo, sem graça. — Estou me sentindo horrível. Sei que feri você. Desculpe.
— Está agindo assim, porque me atrevi a chegar perto demais de você.
— Não. Porque você não vai embora e não me deixa em paz. É essa a razão.
— Se não sente nada por mim, não devia se importar se estou longe ou perto, não acha?
— A questão não é o que sinto ou deixo de sentir. É que não quero me envolver com você. Gosto de minha vida assim como ela é.
— Prefere fugir do amor, porque acha que assim não será magoada, não é? Gosta mesmo de viver isolada, sem emoções, sem nada que possa comovê-la?
As lágrimas, contidas ate então por Laura começaram a rolar. James conhecia o que significava a solidão, a dor da solidão, a vontade de fugir dela e o medo a impedir que isso acontecesse.
— As coisas não precisam ser assim, Laura — ele falou com ternura, abraçando o corpo trêmulo. — Ouça, tudo o que estou lhe pedindo é que tente, querida. Um pouco por vez. Não vou exigir mais do que pode dar.
Não exigiria, mas conquistaria. Um espaço maior do que aquele que Laura era capaz de suportar.
— Não tenho nada para lhe dar, James.
— Ah, tem sim! A mulher ardente e maravilhosa que se esconde dentro de você. A mulher que cuida da mãe e da saúde de um monte de gente. Com todo o carinho do mundo.
— É que minha mãe é apenas diferente. Não é.... louca, como quiseram me fazer crer.
— Sei disso. E quero a mulher que se dedica a um amor assim tão grande. A mulher que se importa com os amigos, a ponto de ajudá-los efetivamente, ate mesmo ficando uma semana inteira com Jonathan, quando ele era considerado um problema, só para que Helen pudesse descansar um pouco.
— Ela é uma amiga muito especial e... — Calou-se, assustada, quando notou que quase revelara seu segredo.
— Continue, por favor.
— Bem, Helen esteve ao meu lado numa época em que precisei desesperadamente de… uma amiga. — Não era mentira, e sim apenas parte da verdade. — Tudo o que eu lhe fizer será pouco, depois do que recebi dela.
— Você é o tipo de mulher que quero, não compreende?
— Por que logo eu? Existem muitas por aí com as mesmas qualidades...
— …Mas que não se chamam Laura Jones.
— James…
— Ah, querida! Tem de ser você, entende? — ele disse com calma, antes de cobrir os lábios dela com os seus.
Laura soltou um gemido, desejando ter forças para livrar-se daqueles braços, para sair de perto do homem que a hipnotizava com seu charme e sua ternura. Mas como fazer isso se precisava desesperadamente dele, da intimidade tão perfeita e maravilhosa que compartilhavam quando estavam juntos?
— Laura! Por Deus, como eu te amo!
Apertava-a contra o corpo, deliciando-se com a doçura dos lábios femininos e levando-a, e a si mesmo, quase à loucura.
Laura sentiu as mãos de James vencer a barreira de sua blusa e encontrar a pele das costas, movendo-se nelas de maneira sensual, irresistível.
Ele fechou os olhos com força, quando seus dedos apertaram um dos seios redondos, e depois os abriu, fitando-a e deixando transparecer as emoções intensas que tomavam conta de seu ser.
— Olhe bem para mim! — exclamou quando Laura baixou a cabeça. — Veja o estado em que fico só por tocá-la...
A blusa dela já estava desabotoada, a combinação levantada e os seios descobertos.
— Sinta — ele disse, enquanto os lábios envolviam docemente um dos seios e a língua passeava em círculos no bico sensível.
Laura via-se mergulhar mais e mais num mar de erotismo e emoções, que a fazia apertar a cabeça morena contra o peito, desejando tudo o que aquele homem podia lhe dar.
— Toque-me, Laura!... — James solicitou, ofegante.
Ela o desejava. Muito. Loucamente. E tocava cada parte do corpo viril que encostava sensualmente no seu, movimentando-se, levando-a a um mundo onde nada mais havia senão sensações e desejo.
Laura sentia que ia ceder à paixão a qualquer momento. Deus, como o queria!
Então, James começou a afastar-se lentamente, não cedendo nem mesmo ao vê-la prendendo-o com força entre os braços, sem vontade de soltá-lo. A dor da rejeição anuviou os olhos do Laura.
— Querida, se eu fizer amor agora, e Deus sabe como quero isso!, você nunca me perdoaria. Um pouco de cada vez, lembra? Mais tarde, seremos capazes de nos entregar completamente.
Delicadamente abaixou a combinação e abotoou a blusa de Laura, ajeitando depois o cabelo desalinhado.
Ela não sabia o que pensar. James poderia, se quisesse, ter feito amor, roubando-lhe a única coisa em que todos os homens pareciam interessados. Mas dissera não. Negara-se a agir assim. Não perdera o controle.
Ele era bom demais, gentil demais para que lhe negasse qualquer coisa.
E isso a assustava.
— James, eu...
— Ei, o que é isso? — ele indagou de repente, virando-se e apurando o ouvido.
Laura franziu a testa, intrigada.
— Isso o quê? Não ouvi nada!
Ele cruzou a sala e abriu a porta.
— Oh, não! — Ajoelhou-se, a cabeça baixada. — Fique onde está, Laura!
Ela não lhe deu ouvidos. Aproximou-se da porta e viu, aos pés de James, um animalzinho numa poça de sangue.
— Meu Deus! É Marmaduke, o gato de mamãe!
— Não tire o bichinho do lugar — avisou James. — Não sabemos a gravidade do caso, e é bom não mexer nele.
Laura tinha os olhos fixos no gato, que criara desde pequenino.
— Será que ainda está vivo? — perguntou.
— Sim, por incrível que pareça. Mas acho que gastou o pouco que lhe restava de força para se arrastar até aqui. Pelo jeito, foi atropelado. Onde está o telefone do veterinário?
— Na agenda, ao lado do telefone. Na letra V. — Olhou para James, desconsolada. — Não acho que eu vá machucá-lo mais. Preciso dar um pouco de conforto a ele.
James pareceu indeciso por um momento, antes de concordar.
Marmaduke deu um miado fraco, quando Laura o pegou no colo, delicadamente, deixando-o descansar. Chorando, começou a acariciar o pêlo manchado de sangue, tomando cuidado para não provocar mais dor do que ele já devia estar sentindo.
— O veterinário está vindo para cá — anunciou James, aproximando-se. — Como está Marmaduke?
— Mal...
— Ei, anime-se! Os gatos têm sete vidas, lembra?
— Alguma coisa errada, minha filha? — perguntou a sra. Jones. — Ouvi a porta ser aberta e vozes. Por acaso você... — Parou, chocada. — Marmaduke! — exclamou, atravessando a sala na direção do bichano ferido.
— Ouça mamãe... — ela começou, ao notar a expressão de dor e angústia de Meg Jones, porém foi interrompida.
— Ele está... está... — Não conseguia continuar, pálida e trêmula. — Oh, não, meu Deus!
— Não, mamãe, ele...
Antes que Laura pudesse terminar a frase, Meg Jones caiu ao chão, desmaiada.
Laura fechou os olhos. O mundo parecia ruir em sua cabeça , quando os abriu, viu que James carregava sua mãe até o sofá e a acomodava com delicadeza.
— Ela ganhou Marmaduke de papai — explicou, com voz fraca.
— Entendo.
Laura percebeu sincero pesar na voz dele.
— Se alguma coisa acontecer ao gato...
— Acha que sua mãe vai agüentar o choque?
— Não, infelizmente.
— Bem, então temos de fazer Marmaduke sobreviver.
Dito isso, James se aproximou do bichinho e começou a pedir com voz mansa, muitas vezes, que não morresse, que era preciso ver, porque havia gente que o amava demais e não podia ficar sem ele. Em seguida, foi cuidar da sra. Jones, que voltava a si.
Quando o médico chegou, James lhe pediu que não poupasse esforços para salvar o gatinho e se prontificou a arcar com toda a despesa. Depois, assegurando-se de que Meg Jones estava refeita do primeiro impacto, levou-a para o quarto e a pôs na cama como se faz com uma criança, garantindo-lhe que levaria notícias sobre o estado do animal assim que pudesse.
O exame médico revelou diversos cortes sérios e muita perda de sangue. Felizmente não houvera mais nada além disso. Marmaduke podia ser tratado em casa mesmo.
Laura o colocou no cesto, onde ele dormiu imediatamente por causa do efeito dos remédios e do anestésico, e rumou para o quarto da mãe.
— Minha filha, ele... ele...
— ...está dormindo — Laura completou, sorrindo. — O veterinário disse que tem grande chance de sobreviver.
— James ainda está aqui?
— Sim, mas...
— Ah, então tudo correrá bem — afirmou a ara. Jones, sorrindo com a calma de sempre, como se os instantes de horror nem tivessem existido.
— Ora, mamãe, James não é nenhum Deus! É apenas humano!
— Eu sei, porém com ele as coisas sempre andam direito. É um homem positivo, de ação, de iniciativa. — Saiu da cama. — Vou ficar um pouco com Marmaduke.
Laura franziu a testa, enquanto seguia a mãe. Preocupava-a esse endeusamento que a simpática senhora fazia de James.
— Ela está bem? — ele perguntou a Laura, com a voz terna, quando viu a sra. Jones sentar-se no chão, ao lado do bichano.
Ela ainda se mostrava preocupada.
— Mamãe acha que você tem algum poder mágico.
— E tenho. Já é hora de você perceber isso e começar a dividir suas responsabilidades comigo.
— Oh, você não compreende! O estado de Marmaduke ainda é grave. lembra-se do que o veterinário disse? Que há chances, não certeza, de sobrevivência. E mamãe espera um milagre.
— Todos nós, às vezes, esperamos milagres. — Sua fisionomia serenou quando os olhos pousaram na sra. Jones. — Se é verdade que o amor cura qualquer mal, logo, logo este gato vai estar andando por aí de novo.
— E se ele não sarar?
— Tenha um pouco de fé, querida! — Acariciou-lhe o rosto. — Às veres faz bem
As vinte e quatro horas seguintes, cruciais segundo o veterinário, foram duras ao extremo. Marmaduke acordou com tanta dor, que o médico teve de ser chamado outra vez. A sra Jones ficou o tempo todo ao lado do bichano, recusando-se a sair dali, mesmo para mudar de roupa. Laura encarregou-se de levar-lhe as peças.
James insistiu no sentido de que ela abrisse a loja, assegurando que passaria rapidamente em seu apartamento para tomar um banho e se trocar, antes de passar o dia ao lado da sra. Jones.
— Ele é muito simpático — comentou Jeanne, quando James levou café para as duas.
— Muito — respondeu Laura, pensando que, depois de tudo o que acontecera, seria impossível pedir-lhe para sair de sua vida, deixá-la em pás.
Ele era único! Que outro homem em sua posição, dono de um negócio importante, tiraria o dia para ajudar duas mulheres às voltas com um gato? Até seu pai, que ela adorava, falhava em situações como aquela. James era dotado de uma força e de uma determinação insuperáveis.
"Com tantos cuidados, Marmaduke sobreviveria à fase crítica e começaria a recuperar-se", pensou Laura, enquanto se sentava ao lado da mãe vendo, aliviada, o gato levantar-se e sair do cesto, do qual não saíra no ultimo dia, nem para comer.
Ela deixou a mãe olhando o animalzinho, que comia peixe num prato, e foi para a sala contar a novidade a James. Encontrou-o sentado no sofá, de olhos fechados, e pôs-se a pensar que poderia amar esse homem, sua generosidade, sua ternura. Tudo nele a encantava.
Ficou até pálida quando se deu conta de como vinha sendo tola. Amava James. Sabia que era loucura envolver-se daquele jeito, mas não podia evitar. E agora? O que fazer?
Ele abriu os olhos e expressou preocupação ao perceber no rosto dela, molhado de lágrimas, uma palidez mortal.
— Sinto muito! — exclamou, correndo em sua direção, pensando que Laura estivesse assim por causa de Marmaduke, imaginando que o pior tivesse acontecido ao bichano.
— Não há por quê. Ele está ótimo — ela respondeu, dando um passo para trás. — Está até comendo. Eu... acho que agora é melhor você voltar para casa e descansar um pouco. Parece exausto.
— Pois enganou-se — James retrucou, observando-a, intrigado, andar sem rumo pela sala. — Não me vai dizer qual é o problema?
Laura suspirou. Aquele homem também a conhecia o suficiente para descobrir quando estava preocupada.
— Não há problema algum. É que... Bem, Marmaduke já está fora de perigo e acho que você deveria ir dormir um pouco.
— Está me pedindo para ir embora?
Isso soava ingrato demais depois de tudo o que ele fizera, e Laura sentiu remorso. Mas James não podia simplesmente chegar e destruir a vida que ela construíra com tanto sacrifício.
— Não. Estou sugerindo que vá descansar — ela corrigiu, cautelosa.
— E que não volte nunca mais, não é assim? Laura, o que fiz de errado agora? Não gostou do jantar que preparei?
Depois de tantos anos tomando conta da mãe, Laura acostumara-se a cuidar de si sozinha. Assim não atinava com a idéia de chegar em casa depois de um dia inteiro de serviço e encontrar James cozinhando, e a mesa posta... para três!
Naquele momento ficara até zangada, imaginando que James não estava apenas preenchendo um espaço em sua vida, na verdade parecia ocupá-la completamente. E então ele se virara e lhe sorrira, pegando-a nos braços e beijando-a.
Não, James não fizera nada de errado. A questão era que ela chegou à conclusão de que estava apaixonada.
— Por favor, James, mamãe e eu podemos nos arrumar sozinhas agora. Vá dormir, recuperar as forças.
— Já sei. Não sou mais necessário aqui, não é? Sabe o que tenho vontade de fazer? De acertar um soco no nariz dele.
Laura, espantada, o encarou.
— Dele quem?!
— Do homem que a abandonou, quando você mais precisava de apoio, e a fez decidir nunca mais ter ninguém!
Laura sentiu o coração doer. Como James podia conhecê-la tanto, a ponto de quase adivinhar-lhe o pensamento?
— Ouça, não pretendo quebrar a promessa — ela disse suavemente, certa de que, se James não fosse embora logo, acabaria perdendo o controle e atirando-se em seus braços.
— Uma coisa por vez, querida.
Ela fez que não com a cabeça, desolada.
— Você pede muito.
Nos olhos de James havia dor e tristeza.
— Você também. Eu simplesmente não posso deixá-la.
— Seja realista. Você nunca me teve.
— Ah, tive sim! — Parou bem em frente a ela, afagando-lhe o rosto. — Por um breve momento, você foi minha. — O polegar deslizou pêlos lábios bem-feitos. — Não me mande embora, por favor!
— Não vê que não tenho opção? — ela interrogou, os olhos cheios de lágrimas.
— Sua única alternativa neste momento é me beijar. Faz horas que sonho com isso.
A voz soou tão sincera, bem-humorada, que Laura não pôde resistir. O apartamento ficaria tão vazio sem ele...
— Eu estava pensando se... Oh, desculpem! — disse a sra. Jones, corando.
Laura ficou mais vermelha do que a mãe, quando se virou para encará-la. Meg Jones sorria.
— Bem, apenas pensei que poderia levar Marmaduke para meu quarto, a fim de que nós dois dormíssemos um pouco. Por favor, fiquem à vontade. Façam de conta que não os interrompi — falou à pressas, carregando o cesto e o gato para o dormitório.
Laura voltou-se para James e ficou mais embaraçada ainda quando lhe notou o ar de divertimento e um ligeiro sorriso. Tentou manter a calma.
— Sabe de uma coisa? Sempre pensei que os pais servissem para atrapalhar, e não para encorajar as cenas de amor dos filhos...
— Janta comigo amanhã?
— Sim. Não, não posso.
Balançou a cabeça, desconcertada pelo convite inesperado.
— Vamos, querida, eu apenas a convidei para jantar!
Ela deu um meio sorriso.
— Você é sempre assim, tão persistente?
James, por seu turno, sorriu abertamente.
— Só com as mulheres que me tiram do sério.
— Desculpe, porém não posso mesmo.
— Tem alguma coisa contra ser vista em público a meu lado?
Ela não sabia como dizer, nem se devia fazê-lo, mas a única pessoa que ficaria malvista em público seria ele, se estivesse ao seu lado.
— Bem, se for assim — James continuou, já que ela continuava em silêncio —, podemos jantar em meu apartamento.
A proposta era tentadora, poder ficar com ele sem o risco de ser reconhecida. Só que Laura sabia que havia outras coisas igualmente tentadoras no convite.
— Leve sua mãe, se preferir — ele prosseguiu, quase desesperadamente, ao notar que não havia resposta.
Laura então sorriu.
— Mamãe não sairia sem Marmaduke, e por isso acho melhor deixá-la jantar aqui mesmo.
— Providenciarei o vinho.
— Não. Deixe isso comigo. Contudo terá de ser no sábado. Amanhã a loja fica aberta até mais tarde. Comprarei o vinho no sábado à tardinha.
— Hum, que mulherzinha independente!
— Tenho certeza de que você não pensava assim há alguns dias — ela respondeu aliviada, agora que resolvera o dilema de voltar a vê-lo ou não .
— Lembrou-me de uma jovem furiosa e decidida que visitou meu escritório faz exatamente uma semana.
— E ficou morrendo de medo, não é? — Laura zombou, certa de que James não se atemorizava com nada.
— Um pouco — ele afirmou num tom sério, roçando-lhe os lábios num beijo rápido. — Você acha tão impossível assim aceitar que um homem se interesse por sua vida?
Laura respirou fundo. Ao confessar que sentira medo, James tentava pôr a nu a própria vulnerabilidade, mostrar que era igual a ela. Talvez os dois fossem mesmo parecidos, talvez ambos tivessem sido feridos demais no passado, para não temer quanto ao futuro.
— James, eu acho que... bem, nós quase não nos conhecemos.
— No sábado repararemos essa falha — foi a promessa suave. — Você poderá me contar sua história, se quiser.
— Só que não quero — ela respondeu, afastando-se. — Se é essa a condição para que jantemos juntos, então...
— Não há condição alguma. Por Deus, Laura, por que parece estar o tempo todo pisando em ovos?! Só tem de me contar o que bem entender! Não vou ficar tomando nota para depois checar a veracidade do que você me disser. Não estou interessado em saber com quem esteve envolvida antes de me conhecer, a não ser que você ache isso importante.
Sua mãe estava certa: James era um homem possessivo. O homem que ela amava. Como poderia não se apaixonar por alguém assim tão irresistível?
— A que horas devo ir a seu apartamento? Para jantar, quero dizer.
— Às oito horas, seria perfeito. Agora vou para casa, antes que você mude de idéia.
— Se isso acontecer, telefono.
— Pois não a atenderei. Exatamente como fiz da última vez.
— Então deixarei recado.
E despediram-se, rindo.
No dia seguinte, Laura ficou o tempo todo matutando se devia ou não pegar o telefone e desmarcar o encontro. Mas não teve coragem. E se fosse essa a última oportunidade de estarem juntos?
Estava tão nervosa, que trocou de vestido três vezes antes de escolher um lilás, sofisticado o suficiente para um último encontro com James Ballantine. Sua única saída era pôr fim àquele breve mas profundo relacionamento.
Depois de arrumar-se, encontrou a mãe vendo televisão.
— Você tem certeza de que estará bem com Marmaduke? Senão, basta dizer e eu...
— Minha filha, nós dois estaremos ótimos.
— Deixei o número de James ao lado do telefone. E...
— Querida, quer fazer o favor de ir embora e tratar de se divertir?
Laura não teve dúvida de que a mãe estava mesmo ótima. A única pessoa nervosa era ela. Ir ao apartamento de James, ficar a sós com ele, não era a coisa mais sensata a fazer, e mais uma vez a idéia de pegar o telefone e desmarcar o compromisso lhe passou pela cabeça.
O som agudo da campainha a assustou tanto que ela deixou a bolsa cair no chão. O conteúdo esparramou-se no carpete. Será que James lhe adivinhara a covardia e se antecipara, indo buscá-la?
— Deixe que eu atendo, querida — disse a sra. Jones, enquanto Laura se abaixava para apanhar os objetos espalhados pela sala.
Maldito James! E depois ainda dizia que lhe pedia pouco!
— Veja só quem está aqui, minha filha!
Se James esperava que ela fosse acompanhá-lo depois daquela prova de desconfiança, estava muito enganado.
— Laura? — a sra. Jones insistiu.
Ela pegou o batom que rolara para baixo do sofá, guardou-o na bolsa e se ergueu, empalidecendo ao ver que ali, na porta, estava nada mais, nada menos do que Adrian.
A palavra atraente não era adequada para descrever Adrian Mayhew. Ele era o tipo de homem que possuía o charme, a beleza e o carisma dos grandes astros. Parecia-se com Robert Redford em começo de carreira, com o cabelo loiro brilhando pelo sol tomado durante as férias e os irresistíveis olhos azuis. Laura ficou gelada. Paralisada.
— Oi! — ele cumprimentou com alegria, o olhar avaliador analisando detalhadamente a beleza feminina.
O que estava fazendo ali? Será que conversara com James? Sabia que o sócio e Laura andavam se vendo? E, mais do que isso, James saberia dela e Adrian?
— Vou levar Marmaduke para a cozinha — disse a sra. Jones, saindo da sala.
Laura fitava Adrian com perplexidade. O que ele queria, afinal?
— O que há com o gato?
— Sofreu um acidente.
Ele deu de ombros.
— Quanto a você, parece ótima.
Laura não pode deixar de notar como a roupa clara, de linhas modernas, que ele usava, combinava com a pele bronzeada.
— Você também — ela respondeu, aliviada ao perceber que a voz saía num tom natural.
Adrian sorriu.
— Bem, em Antígua não há muito mais para se fazer, além de tomar sol.
— Coitadinho! — A palavra estava impregnada de sarcasmo. — Tanto sol e mar azul devem ter sido horríveis, não?
A expressão dele denunciou irritação.
— Você não se perguntou para onde eu tinha ido?
— Não. — Calma e controlada, Laura foi até o sofá e o encarou.
— Não ficou com saudade?
Ela deu uma gargalhada.
— É óbvio que não!
— Mas...
— Adrian, acredito que deixei bem claro, na última vez em que nos encontramos, o que sentia a seu respeito.
— Agora, porém, é diferente!
— É mesmo? — O tom era irônico.
— Laura, pare de fingir e admita que ficou desesperada, louca para me encontrar!
— Sabe que não? Nem um pouco, aliás. Tanta coisa aconteceu nessa última semana, que esqueci completamente o "probleminha" do contrato. É a isso que está se referindo, não é?
— Esse não é um "probleminha"! — Ele estava furioso. — Como foi que você pôde esquecer a questão?
— Tive outros... ahn... problemas.
Levantou a cabeça, num gesto de desafio. Realmente, tanta coisa ocorrera desde que Adrian se fora, que ela já nem se lembrava mais do motivo pelo qual acabara conhecendo James. E não imaginara, em momento algum, uma confrontação com Adrian, nem lhe passara pela cabeça que ele iria vê-la assim que voltasse de viagem. Daquele homem não esperava senão vingança, nunca desculpa ou satisfação.
— Veio aqui para tratar de negócios, Adrian?
— De certa forma, sim.
— Correto. E o que tem para propor?
— Você sabe muito bem que posso dar-lhe a prorrogação do contrato... em troca do relacionamento que sugeri, e com o qual não concordou.
— Sei, sei. Tramou tudo sozinho ou alguém o ajudou?
Ele contraiu os olhos, ameaçadoramente.
— Se não parar de brincar comigo, vou esquecer seu contrato... apesar do que você poderia ter para me oferecer.
— Diga-me, sua esposa também gostou da viagem?
A postura arrogante pareceu abandoná-lo.
— Então, você já sabe...
— E seu filho, foi junto ou ficou na escola?
— Ei, o que é isso? Um interrogatório? Muito bem, sou casado e tenho um filho. O que isso tem que ver conosco?
— Nada. — Ela deu de ombros. — Eu só queria saber se Sally e Robert — São esses os nomes, não são? — tinham gostado da viagem.
— Sally adorou. Como sempre, aliás. Quanto a meu filho, ficou na escola. Satisfeita? Podemos agora falar sobre o contrato?
Ela arqueou as sobrancelhas com um ar indagador.
— O que quer conversar a esse respeito?
Ele soltou um gemido de impaciência.
— Você recebeu a carta do advogado?
— Sim, recebi. E quando depois falei com seu sócio, percebi que ele não sabia o que fazer para reparar o equívoco.
Adrian arregalou os olhas.
— James? Você discutiu o assunto com ele?
Ela fez que sim com um gesto de cabeça.
— Não só discuti, como também acertamos tudo.
A surpresa e o choque refletiram-se no rosto do rapaz.
— Fizeram um novo contrato?
— Isso mesmo. Sinto muito pela distração e pela impossibilidade de localizá-lo e atrapalhar suas férias no Caribe, mas resolvi agir sozinha. Meu contrato foi renovado.
— James não devia... não podia... — Deu-lhe um olhar gelado. — Contou a ele sobre nós?
— Nós? — Sorriu com cinismo. — Nunca houve nenhum nós. Agora, sr. Mayhew, se me der licença, preciso sair. Tenho um compromisso e já estou atrasada.
Ele aproximou-se e agarrou-a pelo braço.
— Eu quero você, Laura!
Libertando-se, ela o enfrentou com uma fisionomia que denunciava toda a raiva que sentia.
— Não toque em mim!
— Por que não? O que vai fazer?
— Eu lhe pedi para ir embora. Se não fizer isso imagine quem de nós vai ficar mais sem jeito, quando eu chamar a polícia para tirá-lo daqui?!
Adrian deu um passo atrás.
— Você vai se arrepender duplamente: do que está fazendo agora e da conversa que teve com meu sócio!
Deste último item ela já se arrependera amargamente. Fora por causa daquela conversa que se apaixonara por James.
No entanto, naquele momento, só uma coisa a preocupava: a calma de Adrian. Parecia tranqüilo demais diante do próprio fracasso, e não era homem de agir assim.
— Adeus, Adrian.
— Não seja tão definitiva, querida. Este não é um adeus — disse, dando-lhe um sorriso irônico antes de sair.
Laura recostou-se relaxadamente no sofá, mais tocada por aquele maldito encontro do que gostaria de admitir.
Não era assim que tinha imaginado as coisas. Pensara que, voltando de viagem, Adrian fosse até o escritório e apenas então tomasse conhecimento de que o plano falhara e que não teria mais como chantageá-la.
Só que tudo aconteceu de maneira diferente. Adrian estava louco da vida, e se descobrisse que ela e James andavam se encontrando... Bem, as conseqüências seriam imprevisíveis.
Sim, Adrian era um homem muito perigoso.
Ela jamais desejou ter conhecido Adrian. Ou James. Sua vida teria continuado vazia, mas segura.
— Vai acabar chegando atrasada, querida.
Laura deu uma olhadela para a mãe antes de voltar a atenção para o relógio, soltando um gemido quando viu que já passava das oito horas. James deveria estar se perguntando o que havia sucedido.
E ela não podia encará-lo agora. Estava muito nervosa por causa do encontro com Adrian.
— Não vou mais, mamãe. — Balançou a cabeça, para dar ênfase às palavras. — Eu... não estou me sentindo bem.
A sra. Jones se mostrou preocupada.
— O que sente, minha filha?
— Uma... dor de cabeça. Uma terrível dor de cabeça.
— Por causa de Adrian? Foi ele o culpado?
— Não, claro que não. Contudo confesso que foi um tanto... chocante vê-lo de novo dessa maneira.
— Era o que eu pensava. Quer que telefone para James?
— Para quê?
— Para dizer-lhe que você está com dor de cabeça, é óbvio. E também para que ele não fique preocupado, achando que algo grave aconteceu.
Laura fez que não com tanta veemência, que a sra. Jones ficou surpresa.
— Pode deixar, mamãe. Eu mesma telefono.
James atendeu no segundo toque, como se já estivesse esperando a chamada.
— Marmaduke teve uma recaída. Sua mãe não está se sentindo bem. A loja pegou fogo — ele foi dizendo, divertido, assim que Laura se identificou.
Ela suspirou. Como era covarde! Não em relação à vida, mas em tudo o que dizia respeito a James.
— Vou chegar um pouco atrasada. Calculo que estarei aí dentro de uns vinte minutos.
Por um momento achou que ele não fosse responder, porém então ouviu um suspiro de alívio vindo do outro lado do fio.
— Esperarei por você.
Laura ficou olhando para o aparelho durante muito tempo, depois de desligá-lo. Não precisava que uma vozinha interior lhe dissesse a todo momento que estava cometendo um erro. Bastava ouvir a voz do coração, para saber que desejava aquele último encontro com James desesperadamente.
Levantou-se decidida, rumando para a cozinha, a fim de falar com a mãe.
— Bem, resolvi ir. Minha... dor de cabeça passou.
— Ainda bem, querida. Divirta-se.
Seria mera imaginação ou havia mesmo um ar de alegria nos olhos sempre parados de Meg Jones?
Algo ao mesmo tempo estranho e maravilhoso estava acontecendo com ela, uma espécie de lento e eficaz retorno ao interesse pelo mundo que a cercava. Os sinais disso eram pequenos e podiam parecer insignificantes, mas ao que tudo indicava, podiam ser também o começo do milagre que Laura tanto esperava.
Meditando sobre a mãe, perdida em pensamentos, ela nem se conscientizou do caminho que fazia, e quando deu por si já estava à porta do apartamento de James, o coração batendo em disparada.
Estava tão nervosa que se esquecera do vinho. E seu atraso era de quarenta minutos.
— Esqueci... — A desculpa morreu na garganta, quando James abriu a porta. Sua presença marcante, viril, a fez prender a respiração.
Ele usava roupa sob medida, que realçava o poder de sedução do corpo atlético. A camisa, com os primeiros botões abertos, deixava à vista os pêlos pretos que cresciam em abundância no peito largo. Laura teve vontade de tocá-los.
— O que foi que você esqueceu?
— O vinho. Eu já estava muito atrasada e...
— Calma, querida! — Gentilmente fez com que entrasse, abraçando-a e, em seguida, dando-lhe um beijo. — O vinho foi idéia sua. Eu só quero você.
Ela ainda não conseguia respirar. Aliás, era difícil até mesmo ficar em pé ao lado dele.
— Promessa é dívida — insistiu, com voz fraca.
— Você não prometeu. Ofereceu. E isso é muito diferente. — Sorriu. — Pensei que não viesse.
— Isso significa que não há jantar algum?
James sorriu.
— Se fosse necessário, eu a arrastaria até aqui pelo cabelo.
Um sorriso pairou nos lábios de Laura também.
— Essa prática não fica melhor nos homens das cavernas? — brincou, a respiração finalmente voltando ao normal.
— Está vendo o tipo de sentimento que você desperta em mim? Além disso, não gosto de ser passado para trás, depois de ter tido o trabalho de preparar uma refeição. É falta de educação. E odeio gente mal-educada.
Com a sensibilidade peculiar, James lhe dava tempo de recompor-se, e Laura sentiu-se extremamente grata por isso.
De repente, ele se mostrou preocupado.
— Sabe, o jantar vai ficar intragável, se o deixarmos esfriar.
— Se julgar conveniente, James, posso voltar outro dia — soou uma voz vinda do corredor.
— Adrian!
Laura sentiu a cor fugir do rosto e virou-se, a tempo de ver Adrian observá-la, muito à vontade.
Por que ele se encontrava ali àquela hora? Será que ficara preocupado com o encontro que ela tivera com o sócio, a ponto de não esperar a segunda-feira para esclarecer tudo?
A fisionomia cínica, até então surpresa, mostrava um ódio mortal. Ele lançava o olhar de um para outro, obviamente tirando suas próprias e enganosas conclusões a respeito do que via. Pela forma que os estudava, parecia pensar que Laura usara o corpo para persuadir James a renovar o contrato.
— Não fique tão surpreendido, Adrian! — exclamou James, interpretando erroneamente o silêncio do sócio. — Já são quase nove horas da noite de sábado, o trabalho terminou há pelo menos um dia.
— É mesmo? — fez Adrian, dando um olhar desconfiado para Laura. — Claro que sim. Desculpe-me, fiquei um pouco atordoado com a beleza de sua namorada.
Laura respirava com dificuldade, as mãos trêmulas.
— Acho que vocês dois já se conhecem — disse James.
Nervosa, ela ouviu Adrian perguntar, levantando as sobrancelhas:
— Tem certeza?
— Laura... srta. Jones, este é um de nossos advogados — continuou James.
O suspiro de alívio que ela deu foi encoberto pelo comentário de Adrian, de que seu nome lhe soava familiar.
— Claro que soa. Você quase a fez perder a casa e o negocio, na semana passada.
— Ora... eu fiz isso?
— Podemos conversar sobre o assunto na segunda-feira. Porque, neste momento, Laura e eu temos um jantar pela frente. E Sally deve estar esperando por você.
— Claro, Sally. — Adrian olhou para Laura como quem entendera a forma pela qual ela conseguira as informações sobre seu estado civil. — Foi passar o fim de semana em Kent, com Robert. No entanto, tenho certeza de que adoraria conhecer a srta. Jones... Isto é, se vocês dois não tiverem outros planos para uma noite qualquer da próxima semana.
James dirigiu a Laura um olhar preocupado.
— Não sei...
— Talvez seja melhor ser franca e dizer-lhe, sr. Mayhew, que ando muito ocupada ultimamente.
— Mas não à noite, espero.
Por que Adrian agia daquela forma? Não podia estar falando sério sobre o conhecimento de sua mulher por Laura.
— À noite, inclusive — ela declarou.
— Que tipo de trabalho é o seu, srta. Jones?
— Adrian — interveio James —, fico feliz em ver que aproveitou bem suas férias. E vou achar ótimo conversar com você na segunda-feira. Agora, porém, tenho outros planos.
— Bem, sendo também uma mulher de negócios, a srta. Jones pode entender que, depois de dez dias ausente, estou ansioso para saber as novidades do escritório.
A noite estava se tornando não apenas desagradável, mas um completo desastre. Era óbvio que Adrian não ia contar a James que a conhecia, porém a desafiava sem parar a fim de verificar até que ponto ela agüentaria. Naquela situação ele estava em vantagem, e sabia disso. Se desconfiasse do que Laura sentia por James, certamente transformaria sua vida num inferno. Como agora.
— Por que não me telefona amanha? — sugeriu James.
— Não quero... interrompê-lo... de novo. — Olhou para Laura, enquanto falava.
— Não, você não vai interromper nada. — Nesse momento, a campainha do fogão soou. — Volto num minuto — James prometeu, dirigindo-se à cozinha.
— Muito bem — começou Adrian, assim que se viram a sós. — Eu não fazia idéia de que você estava assim protegida, querida.
— Não me julgue como se eu fosse uma de suas... namoradinhas!
— Está querendo me dizer que gosta de James de verdade?
— Claro que gosto dele!
— Pelo menos o bastante para fazê-lo renovar seu contrato, não é?
— Ora, seu...
— Calma. Acho que devo avisá-la de que James odeia ser enganado.
— Não estou enganando ninguém.
— Não mesmo, srta. Jones?
— Foi você que agiu como se não me conhecesse.
— Não se sentiu aliviada?
— A verdade seria tão embaraçosa para mim como para você!
— Não penso assim. — Segurou-a pela mão e, com o polegar, começou a afagar-lhe o pulso. — Um homem se permite algumas... ahn... indiscrições. Isso, longe de abalar, melhora sua
reputação.
Laura ficou pálida. Sabia muito bem como a reputação de uma mulher podia ser arruinada.
— Tenho a impressão de que suas "indiscrições" foram longe demais!
— Isso só fará seu envolvimento comigo ficar pior, aos olhos de James.
Ela sabia disso. E como! Imaginara contar tudo a James naquela noite e depois não o ver mais, certa de que, como ele não era o tipo de homem que costumava falar de sua vida aos quatro ventos, Adrian nunca viesse a saber daquele breve mas intenso relacionamento. Só que a situação mudara. Como sair dela?
— Você já deve ter notado que James dá muito valor à fidelidade, querida.
Laura notara. James teria confiança plena na mulher que elegesse para sua companheira. Deus do céu, por que não o conhecera três anos atrás?! Por que o encontrara tarde demais?
— Sei disso — ela respondeu.
— Mesmo? — Adrian não pôde esconder a surpresa. — Está querendo me dizer que ele… lhe contou?
— Caso se refira ao rompimento do noivado, sim, ele me contou.
— Rompimento? — ele zombou. — Só isso? Pois foi muito pior! A noiva o traía com outro homem!
— E você fala no assunto como se fosse uma brincadeira? — Laura se indignou. — Isso só vem provar como vocês dois são diferentes! James é um homem de verdade, honesto, digno!
— Por isso mesmo não merece alguém como você.
Os olhos dela faiscaram de ódio.
— Pare de me acusar! Eu não sabia que o homem com quem saía era casado e tinha um filho!
— Falaremos sobre isso outra hora — ele murmurou, como se estivesse com medo de que o sócio o ouvisse, da cozinha.
— Não!
— Eu telefono.
Ela esperou não parecer tão desesperada como se sentia, quando viu James voltar. Rezou para que ele acreditasse no sorriso que lhe dirigia.
— Bem, já vou indo — ouviu, aliviada, Adrian dizer. — Deixarei os dois aproveitarem bem o jantar! Deu meia-volta e fez menção de partir.
— Venha, sente-se... — convidou-a James suavemente. — Vou acompanhar Adrian até o elevador.
— Não é necessário.
— Faço questão.
— Então está bem. Até logo, srta. Jones. Foi um prazer conhecê-la.
Laura deixou-se cair no sofá, enquanto escutava as vozes dos dois transformar-se em murmúrio. Perguntou-se onde o carro de Adrian estaria estacionado. Não o vira lá fora. Tinha quase certeza de que a presença dele ali não era apenas uma coincidência.
Que sina! Sua vida transformara-se completamente nas duas últimas semanas, a tal ponto que parecia impossível voltar a dominá-la, tê-la sob controle. Laura não fazia a menor idéia do fim de tudo aquilo. Também não estava mais certa de que terminar com James seria à melhor solução naquele momento.
— Ele a aborreceu?
Laura fitou James, que entrava na sala, e sentiu-se corar.
— O que quer dizer?
— Que você parecia tão estranha quando voltei da cozinha... Sabe, Adrian tem o hábito de flertar com toda mulher que vê, e por isso me perguntei se a havia contrariado.
— Não, ele não fez isso.
— Ainda bem. Seria ótimo se meu sócio tivesse um pouco mais de juízo.
— Esqueça. Como é, vamos comer? Estou faminta!
Era mentira. Laura estava em dúvida de que a comida passaria por sua garganta.
— Está tudo pronto — ele disse, ainda parecendo preocupado. — Você não me disse se Adrian, de alguma forma, a aborreceu.
Ela não conseguiu encará-lo.
— Claro que não. — Olhou em volta e aproveitou para mudar de assunto. — Gostei muito de sua sala.
— Fico feliz com isso. Ouça, se Adrian tentar entrar em contato com você...
— Acha que ele faria tal coisa? — Laura mal podia respirar.
— Sempre há uma possibilidade. Se ele telefonar, avise-me.
Ela franziu a testa, intrigada.
— Por que vocês dois continuam sendo sócios, se é mais do que óbvio que não se dão bem?
Ele deu de ombros e se virou.
— E por que não continuar? Concordamos no principal, e basta. Agora, madame, o jantar está servido!
Laura notou que James evitara falar no assunto. Por quê? E o que sentira ao descobrir que a noiva esperava um filho de outro homem?
— Você vai poder voltar tarde? — A voz de James a trouxe de volta à realidade. Ele começava a servir o camarão.
— Não muito. Ei, como adivinhou que adoro camarão?
— Perguntei a sua mãe. E ela me disse que esse era seu prato favorito. — Sorriu. — Sabe, pensei que você fosse mudar de idéia quanto a vir aqui hoje à noite. Saí o dia todo, para evitar receber algum telefonema seu. Quando o aparelho tocou...
— Não, James. — Laura tomou-lhe as mãos, notando o ar de vulnerabilidade que o rosto dele denunciava. — Por favor, não se preocupe demais comigo.
Ele sorriu.
— Não acha que é um pouco tarde para isso?
— James...
— Eu me preocupo sim.
— Ouça, eu...
— Já sei. Você vai dizer que ainda não está preparada para um relacionamento mais profundo. Mas conheço algo que não a assusta.
Laura o olhou atemorizada, a respiração entrecortada. Ele a conhecia tão bem... Será que sabia como o amava?
— Que é esse "algo"?
Ele se levantou e o olhar de Laura o seguiu. Aproximou-se dela e inclinou a cabeça, tocando-lhe os lábios.
— Uma coisa de cada vez, lembra-se? Pois acho que você já está pronta para o próximo passo.
E a beijou apaixonadamente, afastando-se quando percebeu que, se continuasse, acabariam trocando o jantar pelo quarto.
Laura sentia vontade de chorar toda vez que ouvia as músicas românticas de John Denver! Eram, ao mesmo tempo, tristes e belas. Por isso, não ficou surpresa ao notar que James tinha os discos do talentoso cantor e compositor.
Naquela noite, especialmente, as canções lhe falavam tão fundo no coração, que ela mal pôde conter as lágrimas. Sentada no sofá, com a cabeça recostada no peito do homem que amava, quase não suportava tanta emoção.
Lembrou-se de que, depois que o jantar terminara, as horas pareceram voar, como sempre acontece quando alguém deseja prolongar um momento feliz. Os dois conversaram sobre a infância e a adolescência. E James lhe narrou que fora um privilegiado, por ter tido pais que o adoravam e que infelizmente morreram num trágico acidente quando ele contava vinte e um anos. Laura, por sua ver, revelou que fora criada no campo por pais que adoravam tanto um ao outro, que se esqueceram de dar amor suficiente à criança que também o amor gerara.
Ela evitou falar sobre a solidão que a acompanhou durante toda a vida, mas James era inteligente o bastante para perceber as coisas que não tinham sido ditas.
Pensando nisso tudo, ela levantou o olhar cheio de lágrimas para o homem de sua vida, notando-lhe o semblante preocupado.
Aquela seria a última noite. Laura não teria mais nada além das horas que lhe restavam ao lado de James.
Idéias conflitantes cruzavam-lhe a mente, ora pedindo-lhe cautela, ora mandando-a seguir apenas a sensibilidade e as emoções. Ela, no entanto, só queria uma única coisa: ficar com James.
Uma noite seria suficiente? Laura se perguntava se seria capaz de dizer adeus...
— Laura? — chamou ele, com uma fisionomia amorosa.
Não, uma noite não seria suficiente. Talvez uma vida inteira também não fosse.
— James, eu...
— Não. — Segurou-a delicadamente e a fez deitar-se no sofá.
— Não diga nada, por favor! Deixe apenas que eu a beije. Que a ame, como quero fazer há muito tempo.
Colou nos dela os lábios sedentos e entregou-se a caricias, tão ternas quanto sedutoras.
Laura hesitou um pouco antes de descontrair-se, de deslizar a mão pela camisa aberta e alcançar os ombros firmes, até atingir os pêlos escuros do peito e perder-se neles. Depois, com a boca, tocou a pele morena e acetinada que se arrepiava a cada toque.
Como era bom senti-lo, experimentar o gosto salgado, a textura macia, o cheiro agreste que vinha dele!
Laura o queria. Mais do que tudo na vida. Precisava daquele corpo. Daqueles carinhos. Daquele amor.
Um amor que naquela noite mostrava sua face selvagem, urgente. As gentilezas de sempre foram substituídas por um ardor intenso, uma chama que os consumia pouco a pouco e os jogava num mundo novo, fantástico, fascinante.
A boca morna e úmida de James passeava pêlos seios de Laura, arrancando gemidos, movimentos repentinos, excitando. Dedos hábeis e experientes não demoraram a tirar-lhe o vestido, depositando-o no chão.
Um rubor assomou-lhe à face quando ele a examinou detidamente com olhos brilhantes e ávidos, antes de sentar-se e tocar-lhe o recanto mais intimo.
Ela fechou os olhos, e um grito rouco e abafado estrugiu, quando a língua traçou o caminho entre o ventre e os seios, demorando-se nos bicos rosados.
Laura precisava tocá-lo, conhecê-lo todinho. Então, fazendo força para que se deitasse, correu os dedos pelo peito até alcançar a cintura, sentindo nas palmas o calor da pele e a maciez dos pêlos.
Nu, despido de roupa e preconceito, James era muito bonito. Os músculos firmes convidavam a carinhos, à experiência, à paixão.
— Não quero machucá-la, querida.
Laura o fitou, apaixonada. Tudo o que desejava era tê-lo dentro de si, senti-lo como parte do próprio ser, proporcionando-lhe prazer.
James, no entanto, afastou-se e sentou-se num canto do sofá, de costas para ela.
Laura sentiu-se perdida.
— James...?
— Não toque em mim!
O que acontecera? O que ela fizera de errado? James virou-se e gemeu baixinho, de remorso, ao ver a expressão de dor nos olhos de Isaura.
— Desculpe, querida! A culpa não foi sua! — Afagou-lhe o cabelo loiro e arrumou as mechas rebeldes. — Eu quase cometi uma loucura, da qual nós dois iríamos nos arrepender mais tarde.
— Não fale assim...
— Ouça, eu jamais fiz amor com uma mulher, só para evitar que ela me deixasse. E você não é nenhuma exceção.
Laura compreendeu que o mesmo desespero que a dominara momentos antes também tomava conta dele. Odiaria ferir James, que já sofrera tanto, porém não tinha direito de privá-lo da felicidade que podiam ter juntos, mesmo que fosse breve, passageira.
— Eu praticamente a estava obrigando a assumir um compromisso, para o qual ainda não se sente preparada.
— James — ela começou, ajoelhando-se e aproximando-se — se você me aceitar como sou, se compreender que podemos ser felizes mesmo que não seja para sempre, eu... — Interrompeu-se, lembrando-se do olhar ameaçador de Adrian. — Sabe, no passado fiz coisas das quais não me orgulho. Se você achar que isso não nos atingirá, eu... gostaria de vê-lo outra vez.
E prendeu a respiração, ciente de que estava pedindo muito.
— Amanhã, por exemplo? — ele indagou.
— Você entendeu o que eu disse sobre... o passado? Nada do que ouvir sobre mim vai afetar o que sentimos um pelo outro?
Ele sorriu.
— Por acaso foi uma assassina, uma criminosa?
— James, falo sério! Você tem de me dizer que aceita essa condição. Do contrário, não poderei vê-lo de novo.
Um abraço apertado a fez suspirar.
— Será que não percebe que sou capaz de fazer qualquer coisa, prometer tudo, só para tê-la a meu lado?
— Então poderemos viver o aqui e agora...
— ...e o amanhã.
— Sim, e o amanhã. Esquecendo passado e futuro, certos?
— Correto. Mas quero que você saiba que, se quiser me contar seus segredos, estarei sempre pronto a ouvir.
— Infelizmente, não fui a única envolvida. Existem coisas que devem ficar como estão.
— Bem, agora que entramos num acordo, é melhor pegarmos nossas roupas e nos vestirmos.
Laura corou ao ver-se completamente nua. A conversa com James foi tão séria, que ela não se deu conta disso antes. Pôs as peças uma a uma, sob o olhar apreciador dele, pensando que felizmente agora os dois tinham tempo de sobra um para o outro, caso as ameaças de Adrian não se concretizassem, claro.
Sentaram-se para tomar café e Laura percebeu que nunca estiveram tão próximos. Talvez James fosse sua cara-metade, e quem sabe, com o passar dos dias, teria coragem de abordar com ele o escândalo que abalara sua vida dois anos atrás.
— Talvez eu seja um homem conservador — disse ele, ao abraçá-la à porta do apartamento —, mas acho que não é uma atitude de cavalheiro acompanhar uma mulher até a saída do prédio e deixá-la ir dirigindo sozinha para casa.
Laura deu-lhe um sorriso.
— Você é um homem conservador... E eu adoro isso!
— E quanto a você? Importa-se com o fato de essas gentilezas não existirem mais?
Ela fez que não com um gesto de cabeça, divertida.
— Prefiro um homem que me abra a porta a um que bata a porta em minha cara.
Ele também sorriu.
— Acho que a maioria das mulheres o prefere.
— Venha almoçar conosco amanhã. Mamãe iria achar ótimo.
— Só sua mãe?
— Bem... você poderia me ajudar a cozinhar — ela zombou.
A alegria de Laura durou enquanto James a acompanhou até a calçada e viu o carro desaparecer na distância. Então, um sentimento de culpa a dominou. Talvez tivesse sido melhor terminar aquele relacionamento, para que James não viesse a sofrer depois. Que direito tinha ela de adiar uma situação que fatalmente traria a infelicidade aos dois? Por outro lado, como dizer ao homem que amava sua intenção de não o ver nunca mais? Não teria coragem para tanto. Já perdera muita coisa ao longo dos anos.
Concluiu que, se Adrian contasse alguma coisa ao sócio, perderia a chance de tentar chantageá-la. Portanto, não diria nada. Quanto a seu passado, poderia ser mantido no mais absoluto segredo. Nenhum homem jamais o conheceria.
— Estou muito feliz, querida — comentou a sra. Jones, enquanto terminavam de arrumar a mesa para esperar por James. — Faz tempo que nós três não nos sentamos juntos para o almoço de domingo — continuou ela, sem notar o silêncio preocupado da filha. — É quase como pertencer de novo a uma família normal.
— Nunca fomos uma família "normal", mamãe! — Laura exclamou antes que pudesse sofrear a língua, e arrependeu-se em seguida, notando o olhar tristonho de Meg Jones. — Oh, desculpe!
A boa senhora pareceu preocupada.
— Será que seu pai e eu a fizemos pensar assim? A sentir-se posta de lado?
Laura prendeu a respiração. Era a primara vez que a mãe se referia ao marido no passado, como se finalmente tivesse se conscientizado de que ele não voltaria mais.
— Sabe, mamãe, vocês se amavam demais, e por isso não conseguiam perceber tudo o que se passava ao redor.
Será que finalmente conseguiria ter uma conversa séria com a mãe? Encheu-se de esperanças, e ao mesmo tempo de um temor profundo Meg Jones vinha fazendo coisas que antes não realizava, dando mostras de que saía do estado de choque que a abatia há algum tempo, mas... Bem, nunca se sabia.
As esperanças de Laura acabaram-se quando a mãe lhe virou as costas, não sem antes dar-lhe a perceber que seu olhar voltava a ter aquele ar vago, indefinido.
— Vou pôr comida para Marmaduke — avisou a sra. Jones, e saiu sem ao menos terminar de arrumar a mesa.
Laura suspirou, desalentada. Por um momento, um breve momento, acreditara que o pesadelo chegara ao fim.
Agora, começava a duvidar de que um dia isso fosse acontecer.
James parecia observá-la atentamente, enquanto comiam. Laura pensou que talvez estivesse externando suas preocupações através do tom de voz, um tanto agudo, e da risada invariavelmente forçada. No fundo, sentia-se numa encruzilhada, em dúvida quanto ao rumo a tomar. Tudo o que sabia era que adiava o inevitável.
— Quando vocês dois forem até a casa de Helen, podem por favor levar os casaquinhos que tricotei para as crianças? — pediu a sra. Jones ao vê-los sair da cozinha, onde lavaram a louça.
— Mamãe, nós não pretendemos...
— Helen é a mãe de Jonathan, não é? — interrompeu James.
— Sim, mas...
— Desculpem. Esqueci de avisar que Helen ligou ontem à noite e convidou Laura para ir até lá — informou Meg Jones.
— Eu gostaria muito de ir junto... caso sua amiga não se importe, claro.
— Oh, Helen não se importará! — antecipou-se com calma a sra. Jones. — Conhece Laura desde que eram menininhas.
James sorriu.
— Será que ela me aprovará como namorado de Laura?
— Aprovará, sim — retrucou a boa senhora. — Quem não aprovaria?
Foi então que ele se voltou para a principal personagem da história:
— O que acha, Laura?
— Tudo bem — foi a resposta curta e irritada.
— Novamente peço desculpas por não o ter avisado do telefonema, minha filha! No entanto, você chegou tão tarde ontem à noite, que não quis aborrecê-la. E hoje, quando me falou que James vinha almoçar, fiquei tão feliz, que esqueci do recado.
O rosto de Laura ficou vermelho ao pensar na noite anterior.
— Não faz mal, mamãe. Podemos chegar lá em poucos minutos.
— Você vai junto, não é Meg? — encorajou-a James.
— Oh, não! — Levantou-se. — Com licença. Vou buscar os casaquinhos. — E foi para o quarto.
Laura sentiu-se pouco à vontade ante o olhar indagador de James. Sabia que ele estava surpreso com seus modos poucos educados.
— Se achar melhor que eu não vá... — ele começou.
— Está tudo bem — ela respondeu, tentando ser mais amável. — Você poderá conversar com Simon, o marido de Helen.
— Quero muito conhecer seus amigos.
— Tenho certeza de que eles vão gostar de você.
— Laura...
— Aqui estão os casaquinhos — atalhou Meg Jones, entrando na sala. — Não demorei, não foi?
Laura pegou as peças de lá, feitas com capricho e ternura, certa de que as crianças iriam adorá-las.
— Pergunte a Helen se não pode trazer os meninos para me ver o mais breve possível. Estou com saudade.
— Direi. — E deu na mãe um abraço apertado.
— Ela nunca sai, não é mesmo?
Laura deu a James um olhar intrigado.
— Ela quem?
— Meg — ele replicou, fazendo uma curva e pegando a avenida principal. — Jamais deixa o apartamento, imagino.
— Claro que... não — Laura admitiu, vendo-lhe o ar de censura.
— Nunca?
— Não. Os médicos dizem que é uma forma de fechar-se mais em seu mundo, porque não suportaria a vida sem meu pai. Se saísse, teria de enfrentar a realidade, a morte dele. Tem sido assim desde que nos mudamos para o apartamento, deixamos a casa onde vivíamos, porque ela não agüentava tantas lembranças. — Estremeceu quando James lhe pegou uma das mãos. — Os médicos acham que seria bom se ela saísse um pouco.
— Espero poder ajudá-la de alguma forma.
— A mim? — A voz demonstrava surpresa. — Desculpa. Acho que não tenho sido educada com você hoje...
Ele entrelaçou-lhe os dedos nos seus e sorriu.
— Está se sentindo melhor?
— Muito.
— Fale-me sobre Helen e Simon, sobre as crianças.
Laura compreendeu que essa era uma forma de distraí-la, tirar de sua mente os problemas que a afligiam. De qualquer modo, o plano funcionou.
Na casa de Helen, James não teve dificuldade alguma de se adaptar. O casal pareceu gostar muito dele, e as crianças simplesmente não o deixavam em paz, felizes com sua presença.
Quando Helen sugeriu chá, Laura levantou-se para ajudá-la.
— Melhor levarmos as crianças para o jardim, James — afirmou Simon. — Quando essas duas começam a conversar, perdem a noção do tempo.
James ergueu-se, com Annie ao colo. Quanto a Jonathan, já pegava a bola.
— Ei, vocês aí! — gritou Helen, já perto da cozinha, para James e Simon. — As crianças não vão deixar vocês em paz.
— Qual é a alternativa? — indagou Simon, bem-humorado.
Laura então olhou bem dentro dos olhos da amiga.
— O que tem a me dizer sobre James?
— Você andou escondendo o jogo, hein? Na semana passada, falou-me que era honesto, bom... porém esqueceu-se de contar como é atraente e interessante.
— Está bem: ele é atraente e interessante. Satisfeita agora?
— Ainda está pensando em não o ver mais?
— Por enquanto, não. Contudo, a idéia não esta fora de cogitação.
— Mas...
— Helen, ele é sócio de Adrian!
A amiga arregalou os olhos.
— Não diga! Bem, acho que isso não faz muita diferença. Adrian não foi o único a tentar comprá-la com jóias...
— É casado e tem um filho, sabia?
— Mas que mau-caráter! De qualquer modo, não acho que isso afete o relacionamento que você e James estão construindo. Você desconhecia o fato de Adrian ser casado.
— E quem vai acreditar nisso, depois do escândalo de dois anos atrás?
— James acreditará.
— Ele pode até tentar, admito, mas... Ouça, James já sofreu muito e por isso achará difícil acreditar na minha versão da história, embora queira confiar em mim.
— Contudo, a culpa não foi sua!
— Se eu achasse que ele me ama, talvez lhe contasse tudo. Mas nós nos conhecemos há apenas dez dias!
— Ele parece se importar com você.
— Não creio que isso seja suficiente para que me compreenda. Ele merece alguém que possa amá-lo sem reservas, sem traumas.
— James quer você.
Laura suspirou.
— Aprendi muito cedo que não podemos ter tudo o que queremos...
— Querida...
— Vamos lá, aprontemos este chá e provemos aos homens que não somos duas comadres conversadeiras.
Alguns minutos depois estavam no jardim, com a bandeja arrumada. Simon sorriu.
— Não acredito no que vejo!
— Ora, meu bem, pare de brincadeiras e venha tomar seu chá! — declarou Helen, enquanto James olhava fixamente para Laura.
Ela evitou encará-lo e só relaxou quando se viu envolvida, como os outros, na brincadeira das crianças.
A tarde passou voando. Quando voltaram para casa. James permaneceu praticamente calado, e Laura percebeu que a culpa fora sua. Mas não podia mudar sua maneira de ser de uma hora para outra, só por causa dele! Além do mais, a combinação tinha sido "uma coisa de cada vez", não tinha?
— Gostei muito de seus amigos — ele comentou, por fim.
— Eles gostaram de você.
— Por que você se recusou a aceitar de imediato o que fizeram para jantar?
Ela corou.
— Achei melhor conversarmos sobre isso primeiro.
— Eu adoraria ir.
— Então basta avisá-los.
— O que há, querida? Eles estão apenas querendo ser gentis. Conhecer seus amigos não significa que eu vá forçá-la a fazer o que não quer.
— É que... Bem, nós não nos conhecemos o suficiente para conviver com outros casais, como se fossemos um deles.
James assumiu um ar distante ao falar:
— De acordo. De qualquer modo, adorei passar o dia a seu lado. Posso vê-la esta semana? À noite?
— Por favor, tente compreender...
— Estou tentando. Podemos sair para jantar na terça-feira?
— Está bem. Na terça.
Ele parou o carro em frente à casa dela, e deixou o motor ligado.
— Não vou subir. Tenho de ler alguns papéis, antes de ir para o escritório amanhã.
Deu-lhe um beijo longo, apaixonado, que, no entanto, não fez desaparecer de seus olhos a dor, a tristeza.
— Telefonarei, Laura.
Dez dias. Ela o conhecia há apenas dez dias e já era obrigada a admitir que James fazia parte de sua vida.
Ele não telefonou no dia seguinte. Tampouco Adrian apareceu, e ela ficou satisfeita por isso. Só não conseguia deixar de preocupar-se com a falta de notícias de James. Será que o magoara muito no domingo? Não falar com ele parecia um fato novo e estranho. Era como se uma parte dela, essencial, se perdesse.
Terça, à tarde, Laura estava tão furiosa consigo mesma e com o mundo, que se trancou no depósito, longe de tudo e de todos.
Nesse estado de nervos, passou a contar inúmeras vezes os mesmos artigos, num balanço que fizera na loja.
— Alguém quer vê-la, Laura — Jeanne avisou, do pé da escada.
O coração de Laura disparou. James, finalmente! Resolvera falar pessoalmente sobre o jantar, em vez de ligar!
Desceu ansiosa, mas quem a esperava na loja era uma mulher alta e elegante, com o cabelo preto preso num coque no alto da cabeça, o belo rosto bronzeado fazendo sobressair os olhos azuis.
Laura não precisou mais do que um segundo para entender que estava frente a frente com Sally Mayhew.
Laura jamais saberia explicar como descobrira a identidade da visitante. Perguntava-se apenas o que estaria fazendo ali, e se sua presença devia-se a Adrian. Finalmente, esperava estar enganada, talvez aquela não fosse Sally.
As dúvidas se dissiparam quando a mulher ergueu a mão para arrumar uma mecha de cabelo, deixando à mostra o bracelete de diamantes que Adrian oferecera a ela, Laura, como presente de aniversário. Que tipo de homem era aquele, que dava à própria esposa algo recusado pela namorada?
— Posso ajudá-la?
A mulher virou-se para olhá-la, e Laura pôde ver como era bonita. A pele acetinada, cílios compridos e curvos, nariz pequeno e reto, lábios bem-feitos rosados por causa do batom, formavam um conjunto harmonioso e combinavam com o traje cor de creme elegantíssimo. Como Adrian tinha coragem de procurar outras mulheres se era casado com uma beldade?
— Srta. Jones?
Até a voz era fascinante, suave e rouquinha. Do tipo que faz os homens vibrar.
— Sim, sou eu.
— Sou Sally Mayhew — ela apresentou-se, estendendo a mão.
— Como vai, sra. Mayhew? — cumprimentou Laura, retribuindo o gesto.
— Por favor, chame-me de Sally. Creio que temos interesses comuns.
Pouco à vontade, Laura olhou para Jeanne. Se Sally fosse começar a fazer acusações, ela não iria querer audiência.
— Com licença, vou até o depósito — disse a ajudante, e saiu.
Sally sorriu com simpatia para Jeanne, e Laura perguntou-se quanto sabia ela a seu respeito.
— Interesses comuns?
— Isso mesmo. Refiro-me a James.
Laura quase não pôde acreditar no que ouviu. O que James tinha que ver com aquilo? Sally sorriu asperamente.
— E quem mais poderia ser?
Laura percebeu que a pergunta fora sincera e inocente, o que significava, aparentemente, que a outra não fazia a mínima idéia de seu envolvimento com Adrian.
— Sally Mayhew — afirmou dando ênfase ao sobrenome. — Não é a mulher do sócio de James?
— Ela mesma. Conheci Adrian?
E quanto!
— Ele esteve no apartamento de James no sábado, e eu me encontrava lá.
— Meu marido esteve com James, então — Franziu a testa, intrigada. — Bem, devia querer tratar de negocias. Pobrezinho, fica perdido quando estou fora!
Laura ficou ainda mais revoltada com o comportamento de Adrian. Não era justo enganar a mulher daquele jeito!
— Acredito que tenha sido isso.
— Espero que ele não tenha atrapalhado sua noite. Quando se trata de negócios, ele perde a noção de tudo, principalmente do tempo.
Será que ela acreditava realmente que o marido trabalhava até altas horas da noite? Sua expressão inocente dizia que sim!
— Seu marido saiu cedo.
— Bem fico satisfeita de que se tenham conhecido. Torna mais fácil o que tenho para lhe dizer.
— Como assim?
— Veja, no próximo sábado vamos comemorar o décimo aniversário de casamento...
— Meus parabéns.
— Obrigada. — Sally deu um sorriso. — Daremos uma festa para alguns amigos, e queremos que James esteja presente.
— Claro...
— Assim, agora pode entender meu problema.
— Desculpe, porém não entendi.
— Talvez eu não tenha me explicado direito. Bem, James me telefonou ontem à noite e disse que, como você não gostava de festas, ele não iria à nossa.
Laura lembrou-se de que afirmara a ele que ainda não se conheciam o suficiente para ter uma vida social com outros casais, e compreendeu o porquê da reação de James.
— Sra. Mayhew... Sally... não ficamos de nos encontrar sábado à noite.
— De qualquer forma, James se recusa a ir a nossa festa sem você.
— Acho melhor você conversar com ele. Eu sequer sabia que James havia sido convidado para uma festa sábado.
— Oh, querida, desculpe! Espero não a ter aborrecido ao vir até aqui.
— Claro que não. Mas, como eu ia dizendo, não sabia do compromisso de James sábado à noite. Talvez ele tenha seus motivos para recusar o convite.
Sally pareceu magoada com isso.
— Ele me disse que a namorada não gostava de festas...
— Como já falei, James nem me convidou.
— Quer dizer que, se ele o fizer, você irá a nossa reunião?
— Eu não quis dizer isso.
— Ouça, será uma comemoração íntima, com pouca gente... Só para os amigos mais chegados.
— Como James.
— Sim. Não posso nem imaginar um aniversário de casamento sem a presença dele. Foi por isso que decidi vir convidá-la pessoalmente, explicar-lhe por que queremos que James vá. À parte o fato de ser amigo de Adrian, os dois são sócios, e os outros estranhariam se não o vissem em nossa casa.
Ao que tudo indicava, naquele mundo milionário as aparências estavam acima de tudo. Mas não parecia ser assim com James, que recusara o convite por causa de Laura.
— Você não precisa ficar muito tempo, se não quiser.
— Eu não...
— Por favor, aceite! Tenho certeza de que vai divertir-se.
Seria horrível ter de encarar Adrian, embora ele certamente não fosse promover escândalo no próprio aniversário de casamento. Mesmo assim, Laura não queria se arriscar.
— Sinto muito mesmo, sra. Mayhew, porém como eu disse, James nem ao menos me convidou.
— Então, vou dar um jeito nisso. — Levantou a mão e acenou. — Espero, de todo o coração, que possamos nos ver de novo sábado.
Laura teve pena da outra. Como uma mulher tão adorável podia ser casada com um mau-caráter como Adrian?
Nesse momento, Jeanne aproximou-se. Trazia no rosto uma fisionomia de surpresa.
— Aquela era a mulher de Adrian?
— Exatamente. — respondeu Laura, suspirando.
— E você nem desconfiava da existência dela, certo?
— Ah, Jeanne!... Eu gostaria que todos tivessem em mim a confiança que você tem.
— E o que ela veio fazer aqui?
— Convidar-me para a festa de aniversário de seu casamento.
— Isso foi o que ela disse...
— O que está insinuando?
— Se eu fosse você, manteria distância de Sally Mayhew. Ela me lembra aquelas plantas que devoram insetos. Parecem belas e inocentes de longe, mas se você chegar perto estará assinando a própria sentença de morte.
— Jeanne!
— Acredite em mim. Nenhuma mulher aceita as escapadelas do marido sem se vingar.
— No entanto, Sally não sabe nada sobre meu caso com Adrian.
— Tem certeza?
— Claro. Bem, ela não me convidaria para a festa te soubesse.
— Ainda penso que você deve manter distância dessa gente.
— Você anda lendo muitos romances ultimamente. Eles devem estar influindo em sua capacidade de julgamento.
— Tomara que você tenha razão! — exclamou Jeanne, sem se convencer disso.
Laura concluiu que era impossível acusar Sally Mayhew do que quer que fosse. Ela se mostrara simpática e amigável, sem nenhum sinal de desconfiança ou ressentimento. Jeanne certamente estava enganada a seu respeito.
Nesse instante, o telefone tocou.
— Laura?
Era James! Os dedos dela apertaram o fone.
— Eu mesma.
— Nosso jantar de hoje à noite ainda está de pé?
— Sim, a não ser que você queira desmarcar.
— Claro que não quero. Ouça, podemos comer fora ou você ainda prefere não ser vista comigo em público?
— James, por favor, entenda...
— Vou fazer as reservas.
— Ouça, eu... Está bem, faça.
— As oito.
James ainda parecia zangado, e tinha todo o direito de estar assim. Será que pensava realmente que ela sentia vergonha de ser vista em sua companhia? Pois saberia o quanto estava enganado se alguém a reconhecesse!
— Tenho a impressão de que vocês dois andaram brigando — comentou a sra. Jones, dando um suspiro de alívio quando a filha lhe contou que jantaria com James.
— Mamãe, eu gostaria que a senhora entendesse que James e eu somos apenas amigos. Não nos conhecemos suficientemente bem para brigar.
— Certo, querida, não precisa ficar nervosa.
Laura imaginou ou viu mesmo um brilho de divertimento nos olhos da mãe?
Observou-a ir para a cozinha com Marmaduke no colo, O gato, aliás, acostumara-se com tantos mimos durante a última semana, que agora não queria mais comer as refeições do dia-a-dia, só aceitando pratos especiais, e ficava miando de forma insuportável até ser atendido. Fazia-se de doente para continuar recebendo privilégios. Danado...
Era loucura sentir ciúme de um gato, porém Laura queria que a mãe lhe desse a atenção que dispensava a Marmaduke. Gostaria muito de conversar com ela a respeito do que estava acontecendo, de sua paixão por James. Desejava ter com quem dividir responsabilidades, em vez de carregá-las nas costas o tempo todo.
Mas não havia ninguém que a ajudasse.
O homem com quem ela se encontrou à noite parecia o mesmo que conhecera havia vários dias no escritório, sentado atrás da escrivaninha: frio e impessoal.
— Recebi uma visita inesperada hoje — disse Laura, quebrando o silêncio que se instalara entre ambos, no restaurante luxuoso e sofisticado.
— É mesmo? — Ele não parecia nem um pouco interessado.
— Sally Mayhew esteve na loja.
James ficou surpreso e passou a dar-lhe toda atenção. Finalmente!
— Sally?
— Isso mesmo. Foi me convidar para a festa de sábado.
Ele tomou um gole de vinho cuidadosamente escolhido.
— James, você ouviu o que eu disse?
— Sim, ouvi.
— E não quer saber por que Sally fez isso?
— Conheço Sally o bastante para saber que sempre consegue o que quer.
— E o que ela quer dessa vez?
— Que eu vá a essa festa. Recusei o convite, porque sei que você não estaria interessada, e assim Sally decidiu convencê-la. E então? Iremos?
— Você pode muito bem ir sem mim.
— Ou não.
— Ouça, eles são seus amigos. Compete a você resolver se quer ir ou não.
— Sem você, eu não vou.
— Por acaso, pediu a Sally que fosse ver-me?
— Claro que não! Eu estava até aliviado, por ter uma desculpa para não ir à festa!
— Sally parecia muito aborrecida com isso.
— Ouça, compareci às nove comemorações anteriores. Sinto muito se não gostou da visita de Sally, mas...
— Não tem nada a ver com gostar ou não gostar. Fiquei surpresa, só isso Diga-me, não será um pouco estranha sua ausência?
Ele suspirou. Parecia cansado.
— Para dizer a verdade, não dou a mínima. — Fitou-a, e em seus olhos havia a sombra da dor. — Tem idéia do inferno em que vivi desde que nos separamos, no domingo?
Laura prendeu a respiração.
— James...
— Vamos sair daqui? Eu não estou com fome, e ao que tudo indica você também não.
— Tem razão.
Ele pagou a conta e os dois se apressaram em direção ao carro, onde se entregaram a um abraço apertado, a beijos apaixonados, a caricias.
— Senti tanto sua falta! — A cabeça de James descansou no peito de Laura.
— Também senti a sua.
Ele tomou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-a devagar, profundamente. Depois afastou-se para olhá-la, e ela sorriu.
— Parecemos dois adolescentes, namorando no carro.
— Não me sinto um adolescente. Nem você.
— Bem, então não podemos ficar aqui a noite toda!
— De pleno acordo! — Deu-lhe vários beijos no cabelo. — Só que não pretendo voltar a meu apartamento e enfrentar outra noite de solidão e dúvida. Preciso de pelo menos uma certeza. Por isso... posso ir até sua casa amanhã? Afinal, prometi a sua mãe uma revanche no jogo...
— Bem, se é por causa do jogo, fique à vontade. Posso sair para visitar uma amiga...
— Você foge de jogo, só porque não joga bem? — ele zombou, abraçando-a.
Os olhos de Laura brilhavam de felicidade, por ver que o clima de camaradagem voltara a prevalecer entre eles.
— Espere até amanhã e veja.
James ligou o carro e, no caminho de volta, ficou o tempo todo segurando as mãos de Laura, perdido em pensamentos. O silêncio reinante então não era nem de longe parecido com o do restaurante. Agora significava paz.
— Não vou entrar. Já é tarde — ele disse ao acompanhá-la até a porta. — Pense se quer ir à festa de sábado, está bem?
— Ora! Achei que você não tivesse a mínima vontade de participar dela!
— E não tenho. Infelizmente, não me resta escolher. Eu gostaria que fosse comigo.
— Penso que não...
— Laura, julgo que devemos confiar mais um no outro. Sabe, odeio esse tipo de festa, acho uma hipocrisia, mas, se eu não for, as pessoas começarão a falar, a especular.
— Só porque Adrian é seu sócio?
— Não. Na verdade, existe mais um motivo...
— Qual?
— A maioria dos convidados sabe que esta celebração devia ser do casamento de Sally... comigo.
Laura ficou pálida, trêmula.
— Quer dizer que...
— Sally é a mulher com quem eu ia me casar, há dez anos.
Laura ficou chocada com a revelação. Isso significava que Adrian era o homem que traíra James, que lhe engravidara a noiva.
Ela sabia que era bem capaz de uma coisa dessas. E talvez Jeanne estivesse certa em sua suspeita sobre Sally. Que tipo mulher trocaria um homem fantástico como James por um mau-caráter?
— Ela era quatro anos mais nova do que eu — ele continuou a falar. — E tinha muito em comum com Adrian. Só fui perceber isso tarde demais. Sally desmaiou uma noite, chamei o médico e então fiquei sabendo da gravidez. O filho não era meu... Nunca fizemos amor.
— James... — Laura pôs os braços em torno, dele, descansando a cabeça em seu peito. — Como você conseguiu suportar esse choque?
— Não tive opção. O pai de Adrian, Peter, quase o matou, quando soube.
— Como pôde aceitá-lo como sócio por todos esses anos?
— Se não o fizesse, todo mundo pensaria que eu continuava apaixonado por Sally, o que não era verdade. Já lhe disse, não sei direito o que sentia por ela. Meus pais morreram quando tinha vinte e um anos e me sentia sozinho, queria constituir família... Encontrei Sally, uma mulher bonita, simpática. Fiz o pedido, ela aceitou. Tudo parecia correr bem, até que eu soube do bebê.
Adrian e Sally tiveram a coragem de trair alguém como James! Era inconcebível! E ano após ano ele tivera que comparecer ao aniversario de casamento dos dois! Que esperavam? Que James se sentisse bem, feliz com a situação?
Se Laura já não gostava de Adrian, a partir do que James contou desprezou-o até o fundo de sua alma. E quanto a Sally Mayhew? Conhecendo-a como o fazia agora, duvidava que sua visita à loja fosse tão inocente assim. Talvez ela apenas quisesse se certificar de como era a mulher com quem James estava envolvido.
— Vou à festa de sábado com você — decidiu Laura.
O semblante de James desanuviou.
— Por que tem vontade ou só para me dar apoio moral? Se for pelo último motivo, não é preciso dar-se ao trabalho de ir. Faz tempo que aceitei o fato. E não acho que o casamento tenha tornado nenhum dos dois feliz.
Laura convenceu-se de que até a conduta amigável de Sally na loja não passara de encenação, e odiava ter de passar de novo por tola. Adrian já a enganara uma vez, a mulher dele não conseguiria fazer o mesmo.
— Resolvi ir com você porque quero — respondeu com firmeza. — Não suporto que pensem que sou uma boba!
James sorriu.
— Eu sei que não é, embora pareça ter ficado impressionada com o poder de persuasão de Sally. Nos dez últimos anos vi muito bem do que me livrei. Ela manipula as pessoas e consegue o que quer, não importa os meios.
Sem dúvida, Sally queria Laura em sua festa para ver como se comportava com James, certa de que ele não lhe falaria sobre o passado. Pois aprenderia uma boa lição, ao ver que Laura não cairá em sua conversa cheia de sorrisos falsos!
Quanto a Adrian, sem dúvida não faria objeção no tocante a sua presença na festa. Talvez até achasse bom, pois assim poderia contar aos amigas como tentara levá-la para a cama.
Sim, ela iria a essa comemoração e ficaria ao lado de James, orgulhosa, sem permitir que ninguém contestasse seu direito de ficar com aquele homem.
— Você está louca?
Adrian olhava atentamente para Laura, na loja. Era hora de almoço e Jeanne não se encontrava lá.
Na verdade, Laura já esperava aquela visita.
— Não, não estou.
Ele bateu a porta, o rosto contraído de raiva.
— Você não deve ir a essa festa.
Laura deu de ombros.
— Como poderia recusar, se sua esposa veio fazer o convite pessoalmente?
Ele arregalou os olhos de espanto.
— O quê? Sally esteve com você?
— Exatamente.
— Mas que diabo ela está planejando agora?
— Como é que vou saber? Ela é sua esposa, pergunte a ela.
— Pensei que você não quisesse que James soubesse sobre nós...
Laura o encarou com firmeza.
— Vai contar a ele?
— Não. Deus do céu! — Suspirou, passando a mão no cabelo. — Por que havia de se envolver com James?
— E por que você resolveu ter um caso com a noiva dele?
Adrian lançou-lhe um olhar desafiador. Tinha o rosto sombrio.
— James lhe contou, então?
— Sim. Confiamos um no outro, algo que você e Sally jamais souberam fazer.
Ele suspirou.
— Você estará cometendo um erro se for a essa festa
— Tenho certeza de que será uma reunião interessante
— Sem dúvida. Minha esposa é famosa pelas festas que promove. E não cansa de me dizer como James é melhor do que eu.
Laura não conteve a surpresa.
— Mas ela se casou com você!
— E que escolha lhe restava? Era comigo ou com ninguém, James não a quis depois de saber que o filho era meu.
Adrian amava a esposa! E, por mais inacreditável que isso parecesse, ele vivia procurando outras mulheres! Seria porque seu casamento era um desastre? Ou porque Sally apenas se casara com ele, por ter sido tola o suficiente para engravidar? Que tipo de mulher era ela afinal?
— Eu diria que James é um homem de sorte — Laura comentou, decidida.
Adrian deu um sorriso amarelo.
— Não foi isso o que você disse, quando lhe contei sobre a gravidez da noiva dele, lembra-se?
— Eu sei. Bem, espero que pelo menos o filho de vocês não sofra por causa da irresponsabilidade dos pais.
— Se quer saber, Robert é a única coisa que nós dois amamos.
— Bem, já é alguma coisa!
— Não vai mudar de idéia quanto à festa de sábado?
Laura fez que não com um gesto decidido de cabeça.
— Eu disse a James que o acompanharia.
Adrian deu de ombros.
— Então, depois não diga que não avisei, certo?
Ele fazia a comemoração parecer algo perigoso, terrível. Mas, e daí? Adrian não era mais problema seu; nem mesmo as ameaças que fizera a amedrontavam mais. Laura agora tinha certeza de que era a segunda mulher que James amara na vida.
Dezenas de carros estavam estacionados ao longo da casa dos Mayhew, e Laura concluiu que, mesmo que houvesse uma pessoa por automóvel, os convidados seriam no mínimo cinqüenta. Era essa a "reunião íntima" de que Sally falara?
Laura virou-se para James, que estacionava atrás de um Porsche último tipo. Estava tremendo.
— Essas festas são sempre assim? — Suas mãos suavam.
Não pensara enfrentar tanta gente.
— Sim, são.
Deus do céu! Durante nove anos James fora obrigado a encarar aquele pessoal de frente, conversar, mostrar-se educado, gentil e feliz!
Bem, mas essa fase acabara. Pelo menos naquela noite, ela o acompanharia, nem que tivesse de se obrigar a entrar ali com a maior naturalidade possível.
O sol de junho no poente brilhava fracamente, tingindo de dourado o horizonte e jogando reflexos de luz no vestido novo de Laura, um modelo caro e sofisticado. Ela respirou fundo, certa de que sua aparência era impecável. Por dentro, no entanto, estava com os nervos à flor da pele.
Gentilmente, James a levou pelo braço.
— Quando se cansar disso aí, basta me dizer, e iremos embora, combinado?
Ela já estava cansada! Só esperava que os Mayhews não fossem amigos dos Sutcliffes, e que portanto não os tivessem convidado.
Em caso positivo, sua única chance era que eles já houvessem se esquecido de Laura Jones.
— James! — Sally cumprimentou-o efusivamente, as sandálias de salto alto fazendo-a quase da mesma altura dele. Beijou-o na boca, o cabelo solto sobre os ombros nus, o vestido branco caindo-lhe muito bem.
Laura olhou-a com ar crítico. Aquela era a mulher que humilhara James duramente, dez anos atrás.
— Querida, estou tão feliz com sua presença! — exclamou ela, tomando as mãos de Laura.
Um sorriso frio foi a resposta.
— Como vai, sra. Mayhew?
Sally deu uma gargalhada.
— Tenho certeza de que já lhe pedi que me chamasse pelo primeiro nome.
— Como vai, Sally? — Laura repetiu, corrigindo-se.
Sally deu o braço a James, dizendo:
— Somos todos amigos aqui, não somos, querido?
— Sim — foi a confirmação seca.
Os olhos dela buscaram a rival.
— Laura parece um pouco nervosa. Por que será, querido?
— Dessa vez você se enganou — ele respondeu, o braço novamente no de Laura. — Com certeza, ela está querendo saber onde puseram o champanhe.
— Ah, claro! — Sally sorriu, chamando um dos garçons que circulavam continuamente pela casa. — Um drinque sempre ajuda, não é?
Laura não gostou da insinuação. A expressão de Sally parecia absolutamente inocente, mas mesmo assim havia nela um ar estranho.
Como se isso não bastasse, um olhar na direto de James fez Laura perceber que ele estava se controlando para não perder a calma.
As taças foram servidas.
— Será que um drinque realmente ajuda? — indagou Laura, irônica o suficiente para irritar Sally.
— Usei uma metáfora, é óbvio — ela respondeu, corando.
— Claro — declarou Laura, ainda irônica.
James seguia atentamente o diálogo tenso.
— Sally...
— Agora não, querido. Tenho de receber outros convidados.
Ele deu uma olhada em todas as pessoas que lotavam o salão.
— Quer dizer que vem mais gente?
Sally sorriu, de novo controlada.
— Faltam alguns poucos amigos. Há umas vinte pessoas no jardim. Afinal, a noite está muito bonita e há quem prefira aproveitá-la, não é?
Dito isso, acenou na direção da porta.
O olhar de Laura pousou no bracelete de diamantes que a outra usava.
— É uma jóia bonita, não acha? — perguntou Sally, seguindo a direção do olhar de Laura. — Ganhei pêlos dez anos de casamento. Sabe, notei que gostou dela quando fui a sua loja.
Gostar? Não era bem o termo. Laura esperava não ver nunca mais aquele bracelete! E ele só poderia estar mesmo com Sally. O que mais um homem como Adrian poderia fazer com uma jóia cara recusada por uma mulher, a não ser oferecê-la a outra?
— A propósito — atalhou James —, onde está Adrian?
— Provavelmente, com um de seus companheiros de golfe, conversando sobre o jogo. — A voz dela soou aborrecida. — Siga meu conselho, Laura querida: nunca deixe James se interessar pelo golfe. Os homens se tornam escravos disso!
Como se Laura pudesse dizer a James o que fazer de sua vida!...
— Não acho que James tenha tempo de se tornar um fanático por jogos, não é... querido? — ela perguntou, chegando mais perto dele e sorrindo ao ver-lhe o olhar divertido.
— Pelo menos, por enquanto — foi a resposta, seguido do movimento do braço forte até a cintura dela.
Os olhos de Sally relampejaram de raiva, a muito custo controlada.
— Você não deve ser tão possessiva com um homem, queridinha! Assim, eles se sentem sufocados.
— Pois Laura pode fazer o que quiser comigo — ele disse.
Sally não conseguiu evitar a perturbação que a resposta lhe causou. No entanto, antes que pudesse falar qualquer coisa, Adrian apareceu, reunindo-se a eles.
Estava muito atraente em seu temo de festa, e fitou Laura com ar desafiador.
— Como vai, srta. Jones?
— Já dispensamos essas formalidades, amor — avisou-o Sally acidamente. — Além do mais, não acha que Laura é um nome bonito?
— Sim. Muito.
Ele e Sally formavam um casal estranho. Aparentemente pareciam felizes, feitos um para o outro, porém a verdade era bem outra. E as reações de Sally para com James revelavam um ciúme doentio.
O olhar de Adrian continuou medindo Laura por alguns momentos, antes de pousar na esposa.
— Jean e Derek acabaram de chegar, meu bem.
— Ah, sim? Bem, queiram nos desculpar, mas teremos de deixá-los — disse Sally, seguindo o marido na direção da porta.
James deixou escapar um suspiro de alívio.
— Nunca entendi por que eles continuam juntos.
Porque, como Adrian dissera, Sally não tivera escolha. Era bastante claro, bastante óbvio, que ela ainda amava James, que preferia ignorar o fato. E ela, evidentemente, tinha medo de ser rejeitada uma segunda vez.
Laura sentia-se aliviada por James não ter cometido o erro de casar-se com aquela mulher, que jamais seria capaz de fazê-lo feliz.
Era até difícil acreditar que ele um dia chegara a amá-la. Sério e forte, tinha uma personalidade que não combinava com uma mulher excessivamente dominadora.
— Vamos até o jardim? — James sugeriu. — Este salão está muito cheio. Prefiro o ar fresco.
Lá fora, a situação não era muito diferente. As pessoas lotavam o lugar. Mesmo assim, James encontrou um cantinho sossegado. Só que se mostrava calado demais.
— Tem certeza de que não a ama mais? — arriscou Laura.
— Tenho. — A voz soou firme, decidida. — É que... nada disso é fácil para mim. Refiro-me ao comportamento de Sally, à curiosidade dos outros convidados... Odeio essas malditas festas.
Laura notara mesmo o olhar curioso que lhes lançavam quando conversavam com Sally, e odiara isso.
— Assim que pudermos, vamos embora — ela o tranqüilizou. — Como você sabe, também não suporto esse tipo de reunião.
Ele a abraçou.
— Só veio por minha causa, não é querida?
Quando estava assim, nos braços de James, não podia negar nada.
A última semana fora um suplicio. Ele se mantivera distante e Laura passara noites e noites acordada até tarde, rolando na cama, perguntando-se o motivo daquela mudança de comportamento. Sim, James ia a sua casa todas as noites, jogava com sua mãe, porém se despedia com um beijo frio que a deixava ansiando por mais e mais...
Aquela era a primeira vez em cinco dias que ficavam a sós!
E aquele era o primeiro beijo de verdade que trocavam nesse espaço de tempo!
— Talvez seja melhor entrarmos, senão vamos dar o que falar — ele propôs.
Laura preferia ficar ali fora com o homem que amava até que fosse hora de partir, mas, como todos parecessem interessados no comportamento de Sally, Adrian e James logo notariam a ausência dos dois. Era melhor mesmo entrar.
De mais a mais, não tinha nenhum receio de ser vista ao lado de quem um dia fora traído por pessoas nas quais confiava.
Voltaram para a sala, e Laura ria baixinho de algo que James lhe dissera, quando seus olhos deram com nada mais, nada menos do que Paula Sutcliffe!
Laura só encontrara Paula uma vez na vida, porem fora suficiente. Jamais esqueceria o encontro... e duvidava de que a outra o tivesse apagado da memória.
Será que Giles Sutcliffe também se encontrava ali? Laura percorreu com a vista o salão e não o achou. No entanto, isso não queria dizer que ele tivesse deixado de comparecer à festa.
Num primeiro impulso, pensou em sumir dali. Se Paula a visse, estaria perdida. Contudo, que tipo de desculpa daria a James? Tinham chegado fazia menos de meia hora!
Olhou de novo para Paula. Não havia mudado nada nos dois últimos anos, ao contrário, ficava mais bonita à medida que se distanciava dos trinta anos, o cabelo loiro e o vestido preto, colante fazendo-a parecer saída das capas de revistas de moda famosas. Foi só quando ela se virou de frente que Laura reparou na barriga crescida. Então, Paula estava grávida!
— Algum problema?
A voz de James pareceu vir de algum lugar muito remoto, distante.
— Eu... não estou me sentindo muito bem.
— O que há?
— Está muito quente aqui dentro e...
— Você está com uma aparência nada boa. — Abraçou-a firmemente. — Vou levá-la para casa.
— Você não pode ir embora. O que os outros irão pensar?
Ele deu um sorriso.
— Que eu não via a hora de voltar para casa e levá-la para a cama! Quer saber? Não dou a mínima para o que pensem essas pessoas. Você precisa de descanso e...
— Tudo bem com vocês? — Era a voz fria de Sally.
— Não, nada está bem. — ele respondeu, irritado. — Laura não se sente bem. Vou levá-la para casa.
Sally franziu a testa, fingindo-se preocupada.
— O que há de errado, querida?
— Nada. Eu... Uma enxaqueca! — mentiu. — Elas vêm tão de repente, não é mesmo?
E levou as mãos às têmporas, certificando-se de que ainda não fora notada por Paula, que outra vez estava de costas. Dessa vez, contudo, se ela se virasse novamente...
— Vá deitar-se um pouco numa das salas — Sally sugeriu. — A enxaqueca passara em poucos minutos.
— Não, eu... É que minhas enxaquecas costumam durar horas, e às vezes dias. É melhor que eu vá para casa.
— Mas...
— Vou levá-la, Sally — interveio James, com determinação. — Divirta-se com sua festa.
Enlaçou Laura pela cintura e conduziu-a rumo à saída.
Ela mantinha a cabeça abaixada, mas, ao aproximar-se de Paula Sutcliffe, alteou instintivamente o olhar.
Se não fosse isso, os olhos verdes não a teriam visto, nem a exclamação de surpresa teria saído dos lábios de Paula. Fora reconhecida!
As duas mulheres encararam-se pelo que pareceu demorar uma eternidade, mas que na verdade não durara senão alguns segundos, pois James continuou conduzindo-a para a porta.
Sim, Paula a reconhecera, lembrava-se direitinho dela! E por que não? Para aquela mulher, Laura fora a responsável pela destruição de sua família!
Respirando fundo e devagar para acalmar-se, ela sentiu-se um pouco aliviada por já estar fora. No entanto, tinha agora um problema concreto a enfrentar: seu pior pesadelo tornara-se realidade. Encontrara um membro dos Sutcliffes e vira que eles ainda a odiavam.
Contudo, se tivesse olhado para trás e visto a expressão maldosa de Sally, teria percebido que o incidente havia sido apenas o início do pesadelo.
— Desculpe-me por tê-la colocado nesta situação — disse James em voz baixa, no caminho da casa das duas Jones.
O pânico a abandonara um pouco, deixando em seu lugar o desespero. Durante dois anos ela evitara festas e lugares como os que Sally freqüentava, e na primeira vez que fugia à regra, na primeira vez que se sentia corajosa o suficiente para enfrentar a alta-roda, deparava com um Sutcliffe! Será que James conhecia Paula?
— Não foi culpa sua. Compareci àquela festa por livre e espontânea vontade. Além disso, tenho vivido sob uma tensão permanente.
— Será que não tenho culpa pelo menos nisso! Afinal, venho pressionando-a demais para tentar deixar as coisas claras entre nos.
Laura ficou em silêncio por um longo tempo. Depois, sem coragem de fitar James, perguntou, a queima-roupa:
— Se eu lhe pedisse que fizesse amor comigo, você... faria?
Ele pensou por um momento, respirou profundamente e respondeu decidido:
— Não.
— Por que não?
— Porque você está doente.
— E se não estivesse?
Ele suspirou.
— Não há nada nesse mundo que eu queira mais do que fazer amor com você, mas... ainda não nos conhecemos o bastante.
— E isso é necessário para fazer amor?
— Para alguns homens, não. No entanto, para mim é.
Laura sentiu uma onda de ternura invadi-la. Apaixonara-se por um homem digno, cheio de princípios, não podia esperar que fosse mudar. Sorriu debilmente.
— Desculpe-me por ter feito a pergunta.
— Você não faria amor comigo, estou certo. Apenas quis saber o que aconteceria se me pedisse algo assim.
Ela quase chegou às lágrimas ao ver que James tentava salvar-lhe o orgulho, porque na verdade tinha feito o pedido... e fora rejeitada com muita sensibilidade, muita gentileza. De resto James tinha razão: aquela não era a noite certa para uma entrega total.
— Sabe, eu desejava tê-lo conhecido há muito mais tempo.
Há anos!
Ele sorriu.
— Eu também queria tê-la encontrado antes.
James estacionou junto à calçada e ajudou-a a descer do carro. Meg Jones já tinha ido para a cama, e foi tremendo que Laura se dirigiu para a cozinha, disposta a preparar um pouco de chá.
— Eu me encarrego disso — ofereceu-se James, mais do que depressa. — Você vai direto para a cama, está bem?
— Não acho justo.
Ele sorriu.
— Não se preocupe. No dia em que me conhecer bem, vai ver que não sou tão bonzinho assim.
Laura também sorriu. Conhecia-o o bastante para não tentar discutir com ele, e assim tratou de ir embora para o quarto.
Dez minutos depois já bebera o chá, lavara o rosto e trocara de roupa.
— Agora durma direitinho — recomendou James, afastando as mechas que caiam no rosto dela. — Telefono amanha.
— Está bem.
Ele ajeitou as cobertas e lançou-lhe um olhar intenso antes de sorrir, descontraindo a fisionomia.
— Sabe de uma coisa? Acho que vou me arrepender amargamente de ter respondido que não faria amor com você.
Laura sorriu-lhe, sedutoramente.
— Ainda é tempo de mudar de idéia...
James sentou-se na cama.
— Quando eu fizer amor com você... note que eu disse quando e não se... sua mãe não haverá de estar no quarto ao lado, e teremos mais do que uma noite para dar um ao outro.
Ela moveu as sobrancelhas, antes de lembrar:
— Uma coisa por vez. E uma noite por vez.
James fez que discordava com um gesto de cabeça.
— Não quando existe uma vida toda pela frente.
— Ouça, eu...
— Muito embora você não acredite muito nisso — ele continuou, interrompendo-a. — Sei que se cansou de me dizer, das mais diversas maneiras, que não me envolvesse. Mas não pude evitar. Parece que estamos juntos há anos. Pense nisso, está bem? — Deu-lhe um beijo na ponta do nariz. — Peça a sua mãe que me telefone amanha, caso não estiver se sentindo bem. Juro que vou adorar ser seu enfermeiro.
Contudo, Laura não conseguiu pensar em outra coisa, quando ele se foi, a não ser em Paula. Tinha certeza de que a mulher fizera de tudo para tentar esquecê-la, e a surpresa por tê-la visto mostrava isso. Um simples olhar a transportara de volta a um tempo de muita dor, que Laura provocara.
Não fora a única culpada, evidentemente, mas a ela acabara sendo dirigido todo o ódio dos Sutcliffes. O mesmo ódio que levara suas fotos para as páginas dos piores jornais.
E Laura ficara de mãos atadas, sem poder se defender contra todas as acusações. Aquela era sua única alternativa. Deus do céu, que ilusão, acreditar na possibilidade de enterrar o passado e tocar a vida para a frente, esquecendo os maus momentos!
No dia seguinte, olheiras da noite mal-dormida marcavam-lhe o rosto. Por isso, foi com satisfação que ela ouviu a mãe mandá-la de volta para a cama e insistir em preparar-lhe um almoço leve. Dava-lhe imenso prazer ser tratada novamente com dedicação pela própria mãe.
James chegou logo de manha.
— Olá! Estive ajudando sua mãe. — Aproximou-se da cama, sorrindo. — Não sei se vai gostar do almoço, porém demos o máximo que pudemos.
Laura estava vermelha, corada, os olhos brilhantes.
— Mamãe parece estar levando suas responsabilidades a sério.
— E a enxaqueca? Passou?
Ela negou com a cabeça.
— Na verdade, não estou muito bem. Quase não dormi. — corou mais ainda ante aquele olhar indagador. — Quando mamãe me sugeriu que ficasse na cama, aceitei correndo. Mas vou me levantar num minuto.
— Não se preocupe com minha presença. Fique onde está até eu chamá-la. Programei um piquenique e já convidei sua mãe.
— E ela recusou — afirmou Laura, sorrindo.
— Não — foi a resposta orgulhosa. — Ainda está pensando se aceita ou não.
— Verdade?
— Verdade.
— Contudo, mamãe não sai desde...
— Quietinha... Não vamos dar-lhe nenhuma chance de se lembrar de que não costuma sair, não é?
Laura mal podia acreditar que a mãe estava mesmo pensando em deixar um pouco a clausura. Ao ver-se sozinha, vestiu-se rapidamente.
— A cesta já está no carro — ele disse, assim que Laura apareceu. — O vinho para as senhoras inclusive. E cerveja para mim.
Laura olhou para a mãe, ansiosa, acreditando que ela se negaria a ir.
James levantou-se.
— A carruagem as espera, belas damas.
Laura continuou de olhos pregados na mãe, esperando por um gesto, qualquer que fosse ele. Prendeu a respiração quando a viu dar um sorriso tímido para James, antes de acompanhá-lo para fora, rumo ao carro.
Lágrimas rolaram de seus olhos, ao surpreender James ajudando Meg Jones a se acomodar no banco da frente, junto ao motorista, e certificando-se se ela estava à vontade e em segurança. Os olhares de ambos se encontraram no espelho retrovisor e um sorriso de gratidão e amizade foi trocado.
James iniciou uma conversa leve, que não requeria nem mesmo respostas, para que as duas, cada qual assustada a seu modo, não se sentissem embaraçadas pelo silêncio.
Meg Jones observava a paisagem com curiosidade.
— Nunca pensei que houvesse uma lagoa no parque, filha! — ela exclamou, quando passaram pelo lugar. — Um dia desses vou até lá, para ver os patos — continuou, com um entusiasmo quase infantil.
— Boa idéia, mamãe! Sempre temos sobra de pão. Leve para eles.
— Será tão bom!
Laura duvidava que a mãe levasse a cabo essa intenção, saindo de casa como se nunca tivesse deixado de fazer isso, abandonando assim a segurança do mundinho que construíra para si própria.
Em James estava a causa de tudo. Ele operava um verdadeiro milagre na vida das duas. Trouxera liberdade para Meg e amor para Laura.
Mas, quando soubesse de seu envolvimento com os Sutcliffes, iria odiá-la. A não ser que ela contasse sua triste história antes que outra pessoa o fizesse, como Helen aconselhara. Afinal, se estava mesmo apaixonado, iria compreender. E, se Laura não pudesse confiar no homem que amava, em quem mais poderia confiar?
Naquele dia, no entanto, não teve nenhuma chance de ficar a sós com ele e narrar-lhe o acontecido. Passaram a tarde no parque e à noite acabaram jogando os três. James foi para casa antes mesmo que Meg resolvesse recolher-se. Laura pensou em pedir-lhe para ficar mais um pouco a fim de relatar sua história, mas ficou com medo de perdê-lo para sempre e se calou. Sally já o havia magoado, envolver-se com Laura significava expor-se ao sofrimento outra vez. Então, ela prometeu a si mesma que teriam uma conversa franca durante o jantar de segunda-feira.
O importante, naquele dia, fora ver que Meg Jones dera um grande passo em direção à liberdade, interessara-se pelo mundo que a cercava e não mostrara a indiferença a que Laura já estava acostumada.
Mas uma súbita melhora já fora prevista pêlos médicos, que avisaram até mesmo dos perigos de uma recaída. Agora restava pensar que o pior não acontecesse.
— David está atrasado com as verduras — Laura comentou com Jeanne no dia seguinte.
— Quer que eu telefone para ele?
— Pode deixar, eu mesma faço isso. Gosto muito de falar com David.
O homem que fazia a entrega das verduras era divertido e bem-humorado.
Laura tinha apenas terminado de discar, quando ouviu a campainha da loja tocar e a voz de Jeanne conversando com alguém. Alguém que ela conhecia perfeitamente!
Esqueceu-se do telefonema e correu para encontrar Sally Mayhew.
— Olá, Laura! — ela cumprimentou com um sorriso amigável. — Você parece ótima!
As duas olharam para o vestido que Laura usava, cuja tonalidade verde ajudava a encobrir a palidez, antes de se concentrar no rosto, que não dispensara um pouco de maquiagem.
— Obrigada.
Sally estava bonita como sempre, com um vestido claro que lhe deixava as costas à mostra, realçando o bronzeado da pele.
— Vim agradecer o magnífico aparelho de jantar que você e James nos deram sábado. Desculpe-me não tê-lo feito antes, mas, sabe como é, com tantos convidados...
— No entanto, você me agradeceu! — emendou Laura, perguntando-se por que motivo a mulher a procurava uma segunda vez. — Embora o presente tenha sido dado por James, claro.
— De qualquer forma, o aparelho é lindo. Lembrarei de ambos toda vez que for usá-lo.
Lembrar o que sobre ela e James? Laura duvidava muito que a outra sentisse algum prazer em pensar nos dois juntos!
— Na verdade, querida, eu queria falar com você sobre um outro assunto.
— Vocês me dão licença — disse Jeanne, aproximando-se. — Tenho uma ligação a fazer.
— Pode deixar — pediu Laura. — Eu telefono depois que a sra. Mayhew sair. — Tinha a impressão de que Sally preferia conversar em particular. — Vamos até lá em cima?
A sala, pequena demais para as grandes quantidades de estoque, estava completamente lotada. Só sobrara espaço para uma escrivaninha sob a janela, onde só duas pessoas podiam sentar-se uma de frente para a outra.
— Em que posso ajudá-la, Sally? — Laura perguntou, assim que fechou a porta.
— Você não se sente sufocada neste lugar? É tão pequenininho...
Laura deu de ombros.
— Passo muito pouco tempo aqui, para me incomodar com isso. — Pegou a cadeira atrás da escrivaninha e colocou-a no centro da sala. — Sente-se, por favor.
Acomodou-se no tampo da mesa, entrelaçando os dedos, para que a outra não pudesse notar que eles tremiam.
Sally sentou-se muito reta na beirada da cadeira, mostrando absoluto controle de todas as emoções. Os olhos azuis brilhavam.
— Espero que a enxaqueca tenha sarado... — Laura balançou a cabeça, afirmativamente. — Por completo.
E contraiu os olhos castanhos.
— Espero que nenhum de meus convidados tenha provocado esse seu... mal-estar.
Ela respirou fundo, procurando se acalmar.
— Não me lembro de ter conversado com nenhum deles.
— Engraçado... você parecia muito bem quando entrou na sala, vinda do jardim.
— Acho que foi o perfume das flores que provocou enjôo. É bastante forte.
— Que coisa mais estranha! Nunca ouvi dizer que flores causassem enxaqueca...
— Então, talvez a razão tenha sido outra. De qualquer maneira, agora estou me sentindo bem.
— Você não foi a única convidada a sair cedo por problemas de saúde.
Laura ficou tensa.
— É mesmo?
— Sim — a outra confirmou, com um suspiro. — Uma amiga teve de ir embora logo depois que você se foi, sentindo náuseas.
O coração de Laura disparou.
— Que pena, não é? — lamentou. Sabia a quem Sally se referia.
— Não sei se você a conhece... Chama-se Paula Dalby. Era a única grávida da festa.
— Não a conheço.
— Não?
— Não.
— Estranho... Ela pareceu reconhecê-la. Ficou muito pálida ao fitá-la.
Laura suspirou. Devia saber que Sally não perdia nenhum fato que se relacionasse a James e aos que o cercavam. Observara-os sair do jardim, entrar na sala; percebera também sua reação ao ver Paula Sutcliffe... agora também Dalby.
Tensa, esperou o que Sally tinha ainda para lhe dizer.
A outra levantou-se, as sobrancelhas alteadas num ar de falsa surpresa, e fitou Laura.
— Sabe, moça, achei muito difícil a situação de Paula. Não é possível manter a calma, quando se depara com a mulher que teve um caso com um parente... Principalmente quando se trata do próprio pai!
Bem que Jeanne alertara Laura de que Sally Mayhew poderia ser perigosa! Vê-la sábado com James despertara a fera que existia nessa mulher.
— Você me pareceu familiar desde o primeiro encontro — continuou Sally —, mas pensei que fosse porque Adrian sempre fica impressionado com loirinhas...
— Você também... sabe sobre isso?
— Adrian nunca foi sutil, Laura. Acha que, se eu souber de seus casos, vou ficar com ciúme. Só que nunca fico.
Laura respirou fundo e conteve-se a custo.
— Ele lhe disse que... andou me vendo algumas vezes?
— Meu marido nunca age às claras comigo. Pendura contas de floriculturas e joalherias, de modo que eu as encontre "acidentalmente".
Sim, ele lhe enviara flores! E tentara lhe dar o bracelete! Deus, o bracelete!... Laura ficou olhando para a jóia como se estivesse hipnotizada.
— É, queridinha, eu sei que ele comprou isto aqui — apontou os diamantes em seu pulso — para você. Bonito, não? Por que recusou? Se não gostou, poderia vendê-lo. Sempre achei que mulheres como você nunca cobrassem menos do que alguns milhares de libras.
— Uma mulher como eu?
Laura ficou perplexa. Que tipo de pessoa Sally acreditava que ela era?
— Adrian e eu sempre íamos jantar fora. Como podia imaginar que ele tinha mulher e filho?
— Isso faria alguma diferença?
— Claro que sim! Não sei o que ouviu a meu respeito, mas não sou nenhuma destruidora de lares!
— Nigel Sutcliffe morreu em sua cama, queridinha. E era casado, pai de dois filhos. O que acha que devo pensar de você?
Laura sentiu-se desfalecer. Fechou os olhos e tudo pareceu rodar a sua volta. Como podia se defender? Sally dissera a verdade!
— Que escândalo! — retomou a fala a mulher de Adrian. — Os Sutcliffes são uma das famílias mais respeitadas do país. E o patriarca dessa família morreu em sua cama. — Sorriu. — levei algum tempo para montar este quebra-cabeça, sua enxaqueca e a reação de Paula. Ela não me disse nada, porém não sou tola.
Os olhos de Laura cintilaram.
— Você sabia que podia levantar alguma coisa assim de meu passado!
— Queridinha, não se altere. A verdade sempre dói.
— Por que está me dizendo tudo isso? O que quer de mim?
— Acho que você sabe a resposta.
Claro! Ela a queria fora da vida de James! Tão longe quanto possível! Porque Sally não se importava com o marido, e sim com o homem que um dia fora seu noivo! E jamais aceitaria vê-lo apaixonado por outra!
— Sabe, queridinha, se James souber o que houve entre você e Adrian, vai ficar muito chocado, não acreditando que de sua parte a coisa foi inocente, que não aconteceu nada realmente importante.
— E não aconteceu mesmo.
— Acha que eu me importo? — Deu uma gargalhada. — Claro que não! Faz tempo que as aventurazinhas de meu marido deixaram de me incomodar. Como também não incomodam James. O difícil será explicar como foi que seu amante morreu em sua cama. Lembro-me de que os jornais noticiaram o fato durante um bom tempo. Afinal, um homem de cinqüenta e dois anos que não agüenta o ritmo de uma garotinha de vinte e dois é um prato e tanto para a imprensa.
— Não seja cruel!
— Não serei a única a agir assim, queridinha.
Os lábios de Laura tremiam.
— Se acha que James se interessará pela história, por que não lhe conta logo?
Sally lhe deu um sorriso malicioso.
— Pensei em deixar a tarefa para você.
Laura engoliu em seco.
— Então, espera que eu... eu...
— Que diga a James que não quer vê-lo. Nunca mais. Será o suficiente. Ele não precisa ficar sabendo do resto.
Laura arregalou os olhos, chocada.
— Pensei que você ficaria contente em lhe contar sobre meu passado!
— James é muito orgulhoso. Dificilmente viria me pedir ajuda, se fosse eu a portadora da terrível notícia. — O tom era frio, calculista.
— Principalmente depois do que você lhe fez há dez anos! O que a faz pensar que James lhe pediria ajuda?
— Ele sempre se preocupou comigo, se quer mesmo saber. Foi só o orgulho que o impediu de se casar comigo.
Mentira. Laura tinha certeza absoluta de que, se dissesse a verdade a James, ele jamais recorreria àquela mulher sem escrúpulos.
Sally observava com satisfação quase sádica seu ar de desespero.
— Veja, queridinha, não pretendo chegar a este ponto, mas se necessário contarei tudo a James. Pessoalmente.
— Pode deixar. Eu mesma o faço. Contudo, se fosse você, não começaria a tecer planos sobre um futuro ao lado dele. Não existe essa possibilidade.
Sally deu uma risada escarnecedora.
— Você não espera que ele a aceite depois que souber de seu passado, espera?
— O que eu não espero é que James recorra a você ou queira passar a vida em sua companhia.
— Pois se esquece de que quase nos casamos. Duvido que ele estivesse interessado em dar-lhe mais do que umas horas na cama!
— Eu lhe garanto que ele queria mais do que isso!
— Veremos quem ri por último, queridinha. Veremos isso amanhã.
— Ah, quer dizer que tenho vinte e quatro horas para falar com James? Tal coisa significa que não preciso me apressar. Poderemos conversar amanhã pela manhã — Laura falou devagar, desejando que Sally Mayhew se fosse, que pudesse tomar algo que a fizesse esquecer de todos os problemas do mundo.
— Você falará com ele hoje à noite. Se não o fizer, pode estar certa de que irei visitá-lo amanhã cedo sem falta.
Laura tremia tanto quando Sally partiu, que não conseguiu sair do lugar durante um bom tempo.
Então Sally sabia de tudo! Sobre Adrian, sobre a morte de Nigel Sutcliffe, que a fizera abandonar tudo que lhe era familiar, escondendo-se anonimamente na grande cidade...
Será que precisaria fugir mais uma vez? Para onde iria? Em que lugar do planeta estaria livre do passado?
Sabia que Paula Dalby ficara chocada quando descobrira o modo pelo qual o pai havia morrido. Ainda bem que seu irmão Giles não estava na festa de sábado, fora ele o responsável pelas mais ácidas declarações à imprensa sobre o fato de o pai ter dado o último suspiro na cama de uma loirinha.
Se ele se encontrasse na casa dos Mayhews, com certeza contaria aos presentes, em alto e bom som, tudo o que pensava.
Laura entendia a dor dos dois, sabia quanto tinham amado e respeitado o pai. Podia compreender também a amargura da viúva. Mas ninguém parecia entender que ela também amava Nigel...
— Você está bem? — Jeanne perguntou, estudando-a com ar preocupado.
Ela se recompôs e forçou um sorriso.
— Andei sonhando um pouco, só isso. Voltando ao passado.
Jeanne suspirou.
— Achei que a sra. Mayhew parecia muito contente, quando saiu daqui. Você... — Interrompeu-se quando o telefone tocou. — Talvez seja David explicando por que ainda não apareceu com as verduras.
Laura ficou aliviada ao se ver de novo em contato com o dia-a-dia, com os problemas corriqueiros e mundanos. No entanto, quase deixou cair o aparelho quando atendeu e a voz que ouviu do outro lado identificou-se como de Paula Dalby.
— Srta. Jones? — ela insistiu, ao notar que nenhuma resposta lhe era dada. — Laura?
As mãos de Laura estavam tão molhadas de suor, que mal seguravam o fone.
— Desculpe-me — ela disse, recuperando-se do choque. — Não há ninguém aqui com este nome.
— Laura, quero conversar com você.
Para quê? Para fazer-lhe mais acusações? Não, obrigada! Ela já recebera a cota correspondente a um dia!
— Já lhe disse que não há ninguém aqui com esse nome — ela repetiu, escondendo-se do olhar perspicaz de Jeanne. — Você deve ter discado número errado.
— Não, eu...
— Sinto muito — Laura reagiu, antes de desligar e ficar quieta, imóvel, olhando para o telefone como se não o visse. O aparelho voltou a tilintar em seguida, insistentemente. — Jeanne, eu... Bem, há alguém do outro lado da linha com quem não desejo falar. Pode fazer o favor de dizer que não existe nenhuma Laura Jones aqui?
— Claro. — Jeanne não fez perguntas, limitou-se a pegar o fone. — Compreendo, sra. Dalby, mas não há nenhuma srta. Jones aqui. Não, não foi comigo que a senhora falou há um minuto. Não, também não era a srta. Jones. Sinto, sra. Dalby, porém acho que discou errado — ela disse com firmeza, antes de desligar. — Não creio que essa moça torne a ligar, Laura.
Os Sutcliffes não poderiam simplesmente deixá-la em paz? Já não a tinham feito sofrer o suficiente?
— Jeanne, vou ficar fora o resto do dia. Você se arranja bem sozinha?
— Claro que sim. Acha que vai estar bem?
— Provavelmente, não. Quero ficar sozinha por algum tempo. Tenho problemas para resolver.
— O que faço se o sr. Ballantine telefonar?
— Ele não deve ligar. — Balançou a cabeça, desnorteada. — Vamos nos encontrar à noite. Em todo caso, se ele telefonar... diga-lhe que o vejo mais tarde.
Entrou no carro e rumou para seu recanto predileto; o esconderijo de criança, para onde ia toda vez que queria ficar sozinha, sonhar, pensar ou simplesmente admirar a beleza dos arredores de Londres, vistos de cima de uma colina.
A cidadezinha de Stadford ficava logo atrás dela, e à frente montanhas rochosas e campos coloridos estendiam-se a perder de vista. Gado mugia nos prados, pássaros voavam e cantavam nas árvores.
Fora ali que passara a infância, de modo simples, cada aventura vivida de forma nova e excitante. Naquela época, e mesmo depois, a vida parecia cheia de possibilidades... Não como ela sonhara, claro, mas repleta de desafios a serem vencidos Até a noite em que Nigel Sutcliffe morreu em seus braços.
Pesadelo era pouco para definir aquela noite, a dor da perda, a publicidade barata e suja que a rodeou, quando a imprensa soube onde o rico industrial falecera. Ela então fugira, escondendo-se dos acusadores, porém agora tinha de enfrentá-los de novo. Via-se, assim, obrigada a narrar para o homem que amava o horror daquela noite distante.
Iria dizer-lhe tudo, e esperar que ele a amasse o suficiente para compreender. Não havia opção.
Cansada mas resignada, ela voltou para a loja, quando a tarde chegava ao fim. Passara o dia sentada no topo da colina, a beleza da vista dando-lhe coragem para enfrentar James.
Jeanne, que já tinha encerrado o trabalho do dia e se debruçava sobre os livros, olhou-a atentamente. A expressão do rosto de Laura deixou-a preocupada.
— O sr. Ballantine telefonou. Para lembrá-la de que vem pegá-la às oito.
— Obrigada.
Jeanne suspirou.
— Aquela tal sra. Dalby ligou mais três vetes, e dei sempre a mesma resposta. Na última chamada pediu-me que lhe desse o número do telefone dela. Está anotado ali. — Indicou o aparelho com um gesto de cabeça.
Laura nem olhou naquela direção.
— Obrigada, Jeanne. Agora vá para casa e descanse.
Trancou a loja assim que a ajudante saiu, apagou as luzes e subiu a escada em direção a seu apartamento, sem sequer ter a curiosidade de ver o número anotado.
Meg Jones, conforme o costume estava em frente à televisão, vendo um programa infantil, como se nada estivesse acontecendo no mundo e como se o dia anterior nem tivesse existido. E talvez, para ela, não tivesse mesmo. Um piquenique apenas não a faria voltar ao normal.
Preparou o jantar, serviu a mãe, limpou tudo. Deu comida para Marmaduke. Então foi para o quarto, arrumar-se antes da chegada de James.
Não fazia a menor idéia de como contar que um homem morrera em sua cama. De que maneira começaria o assunto, puxaria a conversa?
— Você está muito quieta. — James comentou, assim que saíram.
— Foi um dia difícil — ela respondeu, perguntando-se por que motivo ele não ligava o motor do carro.
— Onde você estava quando telefonei?
— Tinha saído um pouco. Ouça... Você se importaria se não fôssemos jantar fora hoje?
— Outra enxaqueca?
Ela suspirou. Sabia muito bem que ele estava achando aquilo uma desculpa.
— Não, é que... preciso falar com você. Acho melhor irmos até seu apartamento.
— Se é isso o que quer, tudo bem. Você me parece perturbada. — Ligou o carro e o pôs em movimento. — Não está querendo me dizer que não pretende me ver mais, certo?
Não havia provocação no tom de sua voz.
— Digamos que existem coisas sobre as quais quero conversar.
— Isso soa esquisito.
Pois para ela soava como uma sentença de morte!
Será que James iria entender a respeito de Adrian, de Nigel? Será que algum homem entenderia?
No apartamento, ele serviu os drinques, como se soubesse que ambos iriam precisar de um aperitivo.
— Agora fale — encorajou, estudando-a enquanto ela se acomodava no sofá.
Laura tomou um gole de brandy e sentiu uma onda de calor no mesmo instante. Não estava acostumada com bebidas alcoólicas.
— Naquele primeiro dia, quando o vi no escritório — ela começou num tom firme —, eu lhe disse que conhecia Adrian, lembra-se?
James encostou-se na lareira, o copo na mão.
— Sim.
— Nós... tínhamos nos conhecido fazia algumas semanas. — Pousou o olhar no copo, sem coragem de fitar James. — Saímos juntos várias vezes. — Nessa altura, levantou os olhos, vendo-lhe a fisionomia indagadora. — Você ouviu? Sai com Adrian em diversas ocasiões!
— E dai?
— Como assim "e daí"? Saí com seu sócio, um homem casado!
Ele deu de ombros.
— Você não sabia qual era o estado civil dele.
— Oh, James, como consegue manter essa calma toda?!
— Porque eu já sabia disso.
Ela prendeu a respiração, surpresa.
— Você não podia... não devia se encontrar com uma mulher que saía com um homem casado! Principalmente com Adrian!
— Tem razão. Eu não devia. Mas você não teve um envolvimento com ele.
— Como sabe?
— Naquele primeiro dia, quando vi seu contrato de locação, percebi que não havia erro algum no caso. E mais: que Adrian deixara instruções para que não fosse renovado... pelo menos até que voltasse das férias. Não precisei ser um gênio para concluir que ele tentara, sem sucesso, seduzi-la. E à noite tive a confirmação, quando lhe disse que meu sócio tinha viajado com a esposa; você ficou pálida, e por um momento pensei que fosse desmaiar. Ora, Laura, não costumo falar com estranhos sobre a vida pessoal de meu sócio! Contei-lhe a verdade, só para deixá-la ciente do mau-caráter que ele é.
James então sabia! Sempre soubera da verdade a respeito de Adrian!
— Esperei que me dissesse isso, Laura. Deixei várias vezes o caminho aberto para você. No fim, acabei achando que o incidente tinha lhe causado muita dor e que por isso não queria falar sobre ele. Que foi um choque para você saber que Adrian era casado e tinha um filho.
— Tem razão. Fiquei chocada, sim.
— Você não tem culpa da infidelidade de meu sócio. Ele mentiu e a enganou exatamente como vem fazendo em toda a sua vida.
Laura o fitou como se fosse a primeira vez que o visse.
— Você realmente não me culpa?
— Não. Você estava muito furiosa aquele dia, no escritório, para que o caso fosse apenas um contrato de locação. Havia algo mais. Não posso dizer que me surpreendi, ao descobrir que Adrian era o responsável por tudo.
— Você ficou... desapontado?
— Com sua conduta? Não, claro. Você também tinha caído na conversa de Adrian. Além do mais, eu já estava meio apaixonado...
No rosto viril e atraente ela reconheceu o amor, um amor que era só seu, que aquele homem lhe entregava com confiança. Será que esse sentimento permaneceria, quando lhe contasse toda a verdade?
— Sabe, agüentei o que pude de Adrian. Agora, não dá mais. Estou dissolvendo a sociedade.
— Por minha causa?
— Não só por isso. Durante todo esse tempo aturei meu sócio por causa do pai dele, Peter, e porque, se agisse de outro modo, as pessoas iriam chegar a conclusões erradas. Mas, depois de notar o que Adrian tentou fazer com você, intimidando-a, chantageando-a, resolvi mudar. Não posso aceitar a desonestidade. Meus advogados já estão tratando dos detalhes da dissolução.
— James, ouça... Existia uma boa razão para que eu… me afastasse de um homem que tentava me comprar.
— Você se refere ao homem que a magoou no passado?
— Sim. Houve outro em minha vida, que também era casado e tinha filhos.
James permaneceu impassível, embora o ar se carregasse de tensão.
— Você o amou?
— Amei.
— E ele amou-a?
— Muito.
— Tentou comprá-la?
— Era um homem muito rico.
— Tentou comprá-la ou não?
— Ele… me dava presentes. Uma infinidade deles.
— O que aconteceu a esse homem?
Ela fechou os olhos, e tremia violentamente quando tornou a abri-los.
— Morreu.
— Se isso não tivesse acontecido, vocês... ainda estariam juntos?
— Sim.
— Eu a amo. Sabe disso, não?
— James, eu... só queria ficar com você um pouco e... continuar amando-o assim, desse jeito intenso...
Ele se aproximou e gentilmente começou a secar-lhe as lágrimas.
— Não pode fazer isso?
— Não.
— Por quê?
— Por causa de Sally.
O semblante dele se alterou. Ficou sério, sombrio, e seus olhos faiscaram de raiva.
— Ela especulou sobre seu passado e a ameaçou? Foi isso?
Laura deixou escapar um suspiro amargurado.
— Ela ainda o ama. E tem medo de perdê-lo para mim.
— Tarde demais, não acha? Quer saber de uma coisa? Ela e Adrian são farinha do mesmo saco. Mas não se preocupe, querida, nós nos amamos e...
— Não lhe contei a história toda, James. Há muito mais a ser dito. Foi um escândalo. Nunca poderemos ter nada sério.
— Quer se explicar, por favor?
— Ele... Nigel... morreu em meu apartamento! Em minha cama!
A dor que os olhos dele expressaram foi imensa. Laura quase não conseguia suportar esse transe.
— Então, ele morreu em sua cama...
— E seu sobrenome era Sutcliffe. Nigel Sutcliffe.
James arregalou os olhos, chocado.
— Mas ele era...
— Um dos homens de negócios mais conhecidos da Inglaterra. Possivelmente o mais famoso. Sua família herdou milhões de libras.
James se endireitou, fitando-a com incredulidade, balançando a cabeça, desnorteado.
— Eu me lembro do escândalo, do noticiário. Não li muito sobre isso, porque odeio esse tipo de sensacionalismo.
— Se você tivesse lido, saberia que Nigel sempre ia a meu apartamento, e que sofreu um ataque cardíaco lá. A imprensa me cercou, queria nossa história a qualquer preço.
Ele não respondeu, perdido em pensamentos. O que faria, que tipo de decisão tomaria?
— Sei que você não é pessoa de se envolver com alguém que esteve num escândalo como esse. Sally me lembrou esse fato.
— E por isso tentou evitar que nos encontrássemos, certo?
— Certo. Porque eu o amo.
— Eu também a amo, esperei por você a vida inteira. E não vou perdê-la agora. Podemos enfrentar tudo isso juntos, querida — disse, mergulhando a cabeça no cabelo loiro e sedoso de Laura.
— Não posso fazer tal coisa com você! Não quero vê-lo mais, entendeu? Nunca mais!
James olhou para ela e sorriu.
— Querida, você não pode proibir meu amor. E, se não quiser mesmo me ver, acamparei na sua porta.
— Não entende? Um homem casado morreu em meu apartamento! Não sou mulher para você!
— Quem decide a esse respeito sou eu. E você é a única mulher que quero. Além disso, como posso culpá-la? Nigel Sutcliffe não era seu amante. Era seu pai.
Laura respirou fundo, olhando para James como se não pudesse acreditar no que acabara de ouvir.
Como ele soubera da verdade? Como descobrira que Nigel fora amante de Meg Jones, sua mãe?
— E então, não vai confirmar o que eu disse? — ele perguntou, com voz suave.
Se James não se importava com o escândalo que seria provocado se viesse a se envolver definitivamente com ela, então Laura teria de se afastar. E mentir. E negar. Porque contar a verdade estava completamente fora de cogitação.
— Ainda há pouco, quando você pronunciou o nome de Nigel, supôs que eu fosse ficar surpreso. Pois não fiquei, nem ficaria. Quase comentei que ele era velho o suficiente para ser seu pai. — Balançou a cabeça. — Conheço-a o bastante para afirmar com certeza que você jamais se envolveria com um homem casado. Havia outra explicação para o fato de ele se encontrar em seu apartamento naquela noite. Tinha ido visitá-la porque... era seu pai!
Laura se afastou dele abruptamente.
— Se você acha que não sou capaz de ter um caso com um homem casado, como pode pensar assim a respeito de minha mãe?
— O que sei é que sua mãe estava irremediavelmente apaixonada por um homem que não podia abandonar a mulher.
— Não podia?
— Elizabeth Sutcliffe está presa a uma cadeira de rodas desde o nascimento do segundo filho, quando sofreu um acidente. Nessas circunstâncias, Nigel jamais teria coragem de lhe pedir divórcio.
— Ele...
— Laura, foi muito simples descobrir quem era seu pai.
Ela tremia tanto, que teve de sentar-se. Sentia-se fraca. James tinha razão: era fácil comprovar a identidade de seu pai. Estava no registro de nascimento dela: Nigel Sutcliffe.
— Ele não se divorciou, porque a mulher é uma inválida. Amava minha mãe o suficiente para suportar o escândalo que a separação de Elizabeth causaria. No entanto, não quis envolver minha mãe nesse caso, pois Elizabeth ameaçou acabar com ela se Nigel tentasse o divórcio. — Olhou para James, com lágrimas escorrendo por seu rosto. — Sinto muito pela cadeira de rodas, mas eu a odeio. Papai e mamãe se amavam demais e Elizabeth não permitiu que fossem felizes.
Ele a fez levantar-se, sentou-se e acomodou-a no colo.
— Fale-me a respeito disso.
Não era fácil relembrar a infância, na qual o pai apenas passava o fim de semana com ela. De segunda a sexta era o chefe "da outra família", como lhe diziam. Meg Jones poderia ter mentido no tocante a esse assunto, inventando que Nigel trabalhava longe nos cinco dias úteis em que ficavam afastados, porém preferiu, como pessoa honesta que era, contar-lhe a verdade.
Quanto a Nigel, já não dormia no quarto da esposa três anos antes de conhecer Meg, que trabalhou como sua secretária em regime temporário. Terminado o tempo de serviço, eles descobriram estar apaixonados, mas, lutando contra o sentimento, ficaram separados por seis meses.
Nigel tentara o divórcio, certo de que ele e Elizabeth podiam ser felizes se reconstruíssem suas vidas separadamente. Contudo, ela negou-lhe o pedido, ameaçando expor Meg ao ridículo, tachando-a de destruidora de lares e acabando com sua reputação e com sua carreira.
Os dois amantes ainda tentaram ficar distantes um do outro por mais algum tempo, porém amavam-se tão profundamente, que não conseguiram levar adiante a tentativa. Nessa época, Meg já estava grávida, e Elizabeth continuava com a ameaça de procurar a imprensa e sujar para sempre o nome da rival. Nigel foi obrigado a recuar, mesmo porque havia uma criança em jogo: Laura, que seria considerada ilegítima e ficaria estigmatizada pelo resto da vida
— Eles se amavam muito, James...
— E você mentiu, quando Nigel morreu, para proteger sua mãe.
— Não menti. Nigel morreu mesmo em minha cama. No entanto, ninguém se lembrou de perguntar se ele era mesmo meu amante. Simplesmente, decidiram que sim. Mamãe se encontrava com papai naquela noite. Tinham voltado de um jantar. Quando ele perdeu os sentidos, nós o colocamos em minha cama. Mamãe ficou ao lado dele, enquanto fui chamar o médico. Quando voltei, percebi que era tarde demais, que nós... já o havíamos perdido. — As lágrimas continuavam escorrendo, fartas, sentidas. — Desde essa época, mamãe ficou em estado de choque. Eu não podia deixar que as pessoas lhe fizessem perguntas, pois não seriam respondidas. Então, a história e o escândalo foram criados. — Fez uma pausa, respirou fundo e prosseguiu: — Elizabeth fez da vida dos dois um inferno. Amar não é assinar um documento. É estar junto.
— Como estaremos para o resto da vida...
Laura o fitou com olhos lacrimejantes.
— Decidi não lhe contar a verdade, porque era mais fácil deixá-lo acreditar que Nigel era meu amante. Não sei como você descobriu tudo, mas não faz diferença.
— Não faz mesmo. Se Nigel tivesse sido seu amante, isso em nada alteraria meu amor por você.
— Será que você não prestou atenção no que eu disse? Não podemos continuar juntos!
— Amar-me não significa estar comigo?
— Não posso expor você a tudo o que a imprensa vai publicar, se descobrir que nos amamos.
— Não dou a mínima para isso. Contudo, se preferir, poderemos nos casar sem nenhum tipo de publicidade...
— Casar? Não vou me casar com você!
— Claro que vai.
— Não!
— Insisto em ser seu marido, e não seu amante.
— Mas não temos... Quero dizer, não somos...
— Ainda não. No entanto, estamos prestes a ser.
As faces de Laura arderam quando James a carregou para o quarto, acomodando-a gentilmente na cama.
— Deixe-me ir...
— Não. Não pretendo deixá-la, enquanto não concordar em se casar comigo. — Tirou o paletó e começou a desabotoar a camisa.
Laura poderia ter corrido para a porta, e fugido antes que fosse tarde, mas não conseguiu. Ficou deitada, observando cada movimento de James, maravilhada com a beleza de seu corpo.
Em seguida ela teve as roupas tiradas com carinho e cuidado, e, quando as peles nuas se tocaram, o mundo se transformou em pura magia.
Finalmente, ao se consumar a relação, ela compreendeu que jamais experimentaria tanta felicidade. Sentia-se completa, como se tivesse encontrado sua outra metade, e deixou que a chama do prazer a abrasasse e a levasse pêlos deliciosos caminhos da paixão.
Depois, James ficou abraçado a ela, afagando-lhe o cabelo, recuperando-se ambos das violentas emoções de que foram possuídos.
Laura encostou o rosto afogueado no peito largo.
— Eu o amo, James, mas...
— Sem "mas". Vamos nos casar o mais breve possível. Então, vou cuidar de você e de sua mãe para o resto da vida.
— Você também a ama, não é?
— Como um filho. Há algo em Meg que desperta nos homens, o instinto de proteção, posso entender como Nigel se sentia. Seja como for, daqui para frente vou tomar conta de vocês duas.
— Não quero magoá-la.
— Se me deixar vai me magoar. Eu não sobreviveria à dor de perdê-la.
— E quanto a Sally? Não vai nos deixar em paz.
— Ouça, você nunca mais vai se esconder de ninguém. Vamos nos casar, e ponto final. Deixe Sally comigo. — Fez uma pausa para beijá-la. — Você me ama muito?
— Sim, mas...
— Já lhe disse, sem "mas". Nós nos amamos, e isso é o suficiente.
Laura não ficou certa disso, quando voltaram para a casa encontraram Paula Dalby sentada no sofá, ao lado de Meg Jones.
Empalidecendo, ela fitou a mãe, como sempre com aquela expressão tranqüila, imutável. Encarou Paula de modo acusador.
James, ao notar a situação malparada, virou-se para Meg.
— Posso prepara um chá para vocês?
A boa senhora levantou-se.
— A senhora Dalby disse que precisava muito conversar com você, minha filha, espero que não se importe com o fato de ela ter esperado.
— Está tudo bem, mamãe. A sra. Dalby e eu temos... negócios a discutir. — Aguardou que James levasse sua mãe até a cozinha, para virar-se para Paula. — Ficou louca? Por que veio aqui?
— Eu queria conhecer a mulher que meu pai amou.
— Não acha que, se não atendi a seus telefonemas era porque não pretendia vê-la?
Paula não se perturbou.
— Eu também desejava conhecer minha irmã.
Laura ficou chocada. Sentiu-se tremer, suar, e só a custo se controlou.
— O que foi que disse?
— Que sei que você é minha irmã, e que meu pai amou muito sua mãe.
— Como... como foi que soube?
— Mamãe não ficou muito triste por causa da morte de papai Ela não o amava mais, e fazia já muitos anos. Ficou devoras satisfeita com a forma pela qual ele morreu, com o escândalo em torno de seu nome. Giles a principio a ajudou, mas, depois que se acalmou, também compreendeu tudo. Além do mais, você é muito parecida com vovô.
— Sou?
— É. Então Giles começou a fazer umas pesquisas. Ficou louco da vida quando soube da verdade.
— Posso compreender...
— Não, não pode. Ele ficou furioso com mamãe, por ela ter ameaçado papai do não ver mais os filhou, se levasse adiante o projeto do divorcio.
— Ela... fez isso?
Paula assentiu com um movimento da cabeça.
— Até onde sabemos, mamãe fez todas as ameaças possíveis para manter as aparências de um casamento que estava morto havia anos. Giles quis convocar os jornalistas e revelar a verdade, porém vovó não permitiu, argumentando que você e sua mãe já tinham sofrido bastante. — lançou um olhar na direção da cozinha. — Ela está assim desde que papai morreu?
— Sim. Desligou-se deste mundo, porque lhe é muito difícil aceitar a morte dele. Papai morreu em seus braços.
— Consola-me saber que ele tinha a sua volta, nessa hora, pessoas que o amavam muito. — Deu um sorriso trêmulo. — Mamãe está muito doente, e não acredito que consiga manter-se viva para ver seu primeiro neto...
— Sinto muito.
— Ela não teve uma vida feliz. E por sua própria escolha. Sabe, quero... que meu filho conheça a tia. — Fitou Laura intensamente. — Sua avó e seu irmão também desejam muito conversar com você. Eu quase lhe falei outro dia, na festa, mas fiquei tão surpresa ao vê-la que quando me recobrei, era tarde demais. Você já tinha ido embora.
— Com o homem com quem pretendo me casar.
Mais uma vez, Paula olhou na direção da cozinha.
— Ele me pareceu muito simpático.
— E é. E sabe tudo sobre minha mãe e seu pai.
— Nosso pai — corrigiu Paula.
Laura suspirou.
— Se esse reconhecimento tivesse vindo mais cedo... Minha mãe sempre se preocupou com isso.
Os olhos de Paula se encheram de lágrimas.
— Havia muito tempo que Giles e eu queríamos falar-lhe. Vovó também...
— Você contou-lhes que me viu naquele sábado?
— Contei. Não acha que muita gente já sofreu, apenas porque duas pessoas se amaram demais?
— Só que uma delas era um homem casado...
— ...cuja grande vontade era se divorciar.
— Há um problema, porém. Não posso me reconciliar com vocês. Não posso arriscar a frágil estabilidade que mamãe conseguiu.
— Ela é uma mulher muito bonita. Laura, você… pode nos perdoar?
— Todos nós não passamos de vítimas, Paula.
— Engano seu. Não precisávamos ter tornado piores as coisas, depois da morte de papai.
— Isso agora não tem mais importância. Fiquei feliz por você ter vindo, sabe? Nunca poderia imaginar que vinha em missão de paz, desarmada...
— Certamente pensou que eu desejava feri-la ainda mais — declarou Paula com ar triste, levantando-se. — Entrarei em contato com você para informar-lhe que ganhou um sobrinho ou uma sobrinha, está bem?
— Claro! Não se atreva a não me avisar!
As duas sorriram e se abraçaram, porém no coração de Laura havia uma sombra de tristeza. Tinha dois irmãos que queriam conviver com ela, além de uma avó com quem se parecia, mas... não podia considerá-los como parentes!
Depois de tantos anos rejeitada pelos Sutcliffes, era difícil acreditar numa reconciliação. Contudo, acontecera. Pena que tarde demais.
Laura estava com os nervos à flor da pele. Acordada desde as seis da manha, não conseguia recobrar o sono, e o casamento só aconteceria às três da tarde.
O ultimo mês passara voando, com James insistindo numa cerimônia religiosa, apesar de os convidados não ultrapassarem o número de doze.
Duas semanas antes, ela recebera a noticia da morte de Elizabeth Sutcliffe e manifestou-se solidária com a tristeza dos irmãos, apesar do mal que aquela mulher causara a todos eles.
James não aprovara sua decisão de não conviver com Paula e Giles, pois achava que o reatamento não iria prejudicar Meg Jones. Mesmo assim, Laura mandou apenas uma nota de condolências à família, evitando aparecer. Recebera depois uma carta de Paula, agradecendo-lhe a solidariedade naquele transe. Foi o único contato entre as duas irmãs, durante os últimos trinta dias.
A sociedade entre James e Adrian estava em fase final de dissolução; quando voltassem da lua-de-mel, segundo os advogados, tudo estaria acertado.
Quanto a Sally Mayhew Laura não sabia que tipo de providência James tomara, o fato era que a mulher nunca mais os aborrecera.
— Tem certeza de que quer Jonathan como pajem na cerimônia da igreja? — Helen perguntou, enquanto tentava dar o laço na gravata fina do filho.
— Tenho. — Laura sorriu. — E Annie está linda com esse vestido novo. — Olhou com carinho para a pequena dama de honra.
Helen balançou a cabeça, entre divertida e preocupada.
— Precisamos cuidar de que eles não inventem de brigar a meio caminho do altar.
Laura sorriu de novo. Naquele dia, tudo lhe parecia lindo. Era o momento mais feliz de sua vida; iria se casar com James.
Na igreja, os poucos convidados limitavam-se a Helen e Simon, Jeanne e o marido, e alguns casais amigos de James, de quem Laura gostava muito, apesar de conhecer há pouco.
Uma cerimônia cheia de gente e luxo não a interessava. A única coisa que importava a ela era que, no final, sairia do templo como mulher de James Ballantine, a quem amava mais do que tudo, o homem mais maravilhoso que já conhecera. Seriam muito felizes, ela estava certa.
Foi com essa certeza que Laura caminhou até o altar, conduzida pelo braço firme e amigo de Simon. Quando James a alcançou, nos poucos degraus, ela sentiu-se a mais feliz das mulheres, e mal pôde prestar atenção às palavras do padre. Tanto que, num momento em que foi solicitada por ele, continuou calada, sonhando. Foi então que alguém se aproximou e a cutucou de leve.
Laura se virou e, com surpresa indizível, notou a presença de Paula... e Giles!
Ele lhe apertou a mão e voltou a seu lugar. O toque ficaria gravado para sempre na mente de Laura. Quente, gentil, solidário... Um gesto de irmão!
Nos fundos do templo, sorrindo, estava uma mulher de cabelo branco, clara, que aparentava uns setenta anos e era extremamente parecida com Laura. Ela não teve de pensar muito para saber que se tratava da avó Sutcliffe, e enxugou uma lágrima emocionada.
Olhou para James, que a encorajava com um sorriso. Ele tinha razão: aquela era sua família e tinha todo o direito de estar ali, compartilhando seu glorioso momento de felicidade.
Terminada a cerimônia, os noivos caminharam para fora da igreja com orgulho e satisfação. Foi quando Laura ficou pálida e assustada. Não esperava os flashes das máquinas fotográficas, nem os repórteres que não paravam de fazer perguntas.
— Parece que enfim se recuperou da morte de seu amante, srta. Jones. Há quanto tempo o conhecia? Sr. Ballantine, sabia que sua mulher fora amante de Nigel Sutcliffe?
Laura tapou os ouvidos para não ouvir essas indagações maldosas, sentindo que, a seu lado, James estava tenso. Aquilo fora obra de Sally sem dúvida.
— O senhor sabia que Nigel Sutcliffe ia sempre ao apartamento de sua mulher sr. Ballantine?
— Ele sabia. E achou muito natural. Por que um pai não teria o direito de visitar a própria filha?
Laura ficou surpresa e emocionada, porque a resposta não viera de Paula, nem de Giles, nem de Helen ou Simon, nem mesmo da sra. Sutcliffe. Viera de sua mãe!
— Meg...
— Estou bem, James — ela assegurou com voz firme, finalmente recuperada do choque. Então voltou-se para os repórteres: — Ouviram bem o que eu disse? Agora, se não se importam, minha filha gostaria de ter boas lembranças do dia de seu casamento.
— Mas quem...?
— O quê...?
— Onde...?
— Vocês ouviram a sra. Jones — acudiu Giles, tomando o braço de Meg. — Agora, por favor, retirem-se.
— O senhor não é...
— Ei, ele é Giles Sutcliffe! — reconheceu uma repórter.
— Sou. E a senhorita é uma intrusa numa cerimônia familiar privada — ele retrucou, levando Meg para seu carro e protegendo-a dos curiosos.
Paula e a avó os seguiram.
Minutos depois, Laura estava no carro de James,
— Querido, você viu... ouviu...
— Sim. Vi e ouvi.
— Mas...
— Amor, acho que finalmente sua mãe aceitou a morte da seu pai como fato consumado.
Ela quase não podia acreditar. E chorou. De felicidade. O Jaguar e a limusine chegaram, ao apartamento um depois do outro Meg parecia meio zonza no meio dos Sutcliffes.
— Meg? — James chamou, preocupado.
— Estou bem — ela respondeu com um sorriso, virando-se então para a filha: — Querida, sinto tanto pelo que eu e seu pai a fizemos passar! — Lagrimas rolavam pelas faces pálidas. Eu fui a pior mulher do mundo, refugiando-me no meu mundinho e deixando que acusações maldosas caíssem sobre você!
— Nenhuma das duas devia ter sofrido — interveio Giles. — Ninguém deveria sofrer por amor.
— Vamos deixar Laura e Meg sozinhas por um momento? — sugeriu James, obtendo de imediato a aprovação dos demais.
— Nós vamos até o quarto — avisou Meg. E, voltando-se para os Sutcliffes: — Fiquem para a festa, por favor.
— Obrigada — respondeu a velha sra. Sutcliffe. — Estamos honrados com o convite.
Abraçadas, entre lágrimas, mãe e filha trancaram-se no quarto.
— Descobri quem a "sra. Dalby" era, tão logo a vi. Nigel tinha muito orgulho dos filhos e levava fotos de todos na carteira.
— Mamãe, a senhora...
— Estou. Há algum tempo já venho voltando à realidade. Tudo começou por ocasião do atropelamento de Marmaduke. E hoje, quando Giles se aproximou de você e apertou-lhe a mão, senti que não precisava mais ter a fantasia como refúgio. Nigel se foi, e preciso tocar a vida sem ele. Tenho você para cuidar. E... meus netinhos, que não devem demorar.
Laura corou.
— E os Sutcliffes?
— São a família que temos, querida. E querem que estejamos sempre juntos.
— Ela não é uma gracinha? — perguntou Laura, sorrindo para James.
— Claro que é! Afinal, é igualzinha à mãe...
Os dois apertaram-se as mãos e olharam embevecidos para a menininha que dormia profundamente no berço, com o cabelinho loiro encaracolado dando-lhe ares de anjinho barroco. Stephanie nascera fazia já três meses e já cativara a todos: vovó Sutcliffe, vovó Meg, tia Paula e tio David e a priminha Rebeca, tio Giles...
— Será que a mãe e o pai de Stephanie terão pelo menos uma oportunidade de ficarem a sós hoje, no balizado da primeira filha?
James lançou-lhe um olhar cheio de desejo e amor.
— Acho que podemos dar um jeito nisso.
— Quando?
— Agora!
Laura finalmente descobrira como era bom ter alguém que voltava para casa todas as noites, dividir a vida e responsabilidades com ele, amá-lo. Era maravilhoso ter James!
O futuro parecia-lhe radiante e ela sabia que, mesmo que encontrassem dificuldades, juntos seriam capazes de superá-las. Não havia limites para a força daquele amor, que agora se concretizava entre abraços e beijos e com promessas de eternidade.
Carole Mortimer
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