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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


RECOMEÇAR / Penny Jordan
RECOMEÇAR / Penny Jordan

 

 

                                                                                                                                   

 

 

 

 

 

 

Olívia almejava amor, felicidade e estabilidade familiar. E imaginara ter encontrado tudo isso no marido, Caspar. Mas incapaz de superar a infância problemática, ela renunciou à única coisa que mais valorizava: o casamento

Agora, separada e com a difícil tarefa de criar duas filhas sozinha, Olívia estava desesperada à procura de apoio. A oferta de ajuda, quando surgiu, veio de uma fonte inesperada e muito pouco desejada – seu pai, David Crighton. Mas será que ela poderia se dar ao luxo de rejeitar ajuda? Não seria a hora de Olívia reconciliar-se com o passado para poder, finalmente, criar um novo começo com Caspar?

 

 

 

 

                                           CAPITULO I

Sabe há quanto tempo não faze­mos sexo? — Caspar notou que havia se expressado de forma errônea tão logo tes­temunhou a reação de Olívia. Porém, precisava dizer o que sentia.

— Sexo! Sexo! Só consegue pensar nisso? — ela perguntou, furiosa.

— Somos casados. Devíamos fazer sexo com certa freqüência — Caspar argumentou, sentindo a raiva crescer na mesma intensidade que sua loucura.

— Devíamos fazer uma série de coisas — Olívia pontuou. — Ontem, por exemplo, você devia ter le­vado as meninas ao parque, mas preferiu jogar golfe com seu irmão.

— Já entendi. É disso que se trata? — Caspar a desafiou. — Não haverá sexo porque saí com meu irmão.

— Seu meio-irmão, na verdade — Olívia o corri­giu, iria.

Ela se sentia zonza, com falta de ar, sufocada pelas próprias emoções e pelo esforço desmedido de contro­lá-las. Seu coração batia, frenético, como se fosse pu­lar do peito.

A qualquer minuto ela começaria a suar e depois... depois... Não se permitiria tamanha fraqueza, do con­trário, estaria muito próxima da sombra da própria mãe e da neurose que a assolava. O perpétuo ciclo de exorbitâncias e, em seguida, a redenção, que do­minavam sua vida e a dos outros que a rodeavam.

Olívia e o marido haviam decidido ir aos Estados Unidos para, a princípio, comparecer ao casamento de um dos irmãos de Caspar, e também para que ele pudesse passar mais tempo com a extensa famí­lia e apresentar-lhes a esposa inglesa e as filhas.

Para completar a cadeia de desgostos, Olívia não queria ir ao casamento, encontrava-se tão atarefada no trabalho que algumas semanas de folga causa­vam-lhe um alto grau de ansiedade. Ela e Caspar haviam brigado muito por causa disso.

O fato de ter mudado de idéia no último minuto não se devia ao desejo de agradar ao marido, mas sim à recusa de se juntar à família para receber seu pai, David, que voltara à cidade. O boicote explícito à comemoração familiar, incluindo o casamento re­cente do pai com Honor, originou uma rusga entre ela e Caspar que agora transformava-se em ressen­timento e hostilidade.

Por que se deixara iludir ao imaginar que Caspar seria diferente?, Olívia perguntou-se. Por que pen­sou que ele a teria como prioridade? Caspar era tal qual as outras pessoas em sua vida. Oh!, todos fin­giam amá-la, mas a verdade era...

Ela fechou os olhos, trêmula apesar do aquecimen­to do quarto do hotel. A dor de cabeça parecia au­mentar sobremaneira cada vez que se lembrava da expressão de seu tio Jon quando referiu-se ao irmão

Recomeçar...

Gêmeo... o pai de Olívia.,. Como Jon podia amar o irmão depois de tudo que ele tinha aprontado?

Dias antes, Jon lhe telefonara para pedir que vol­tasse logo a fim de ir à festa em Fitzburgh Place para brindar o casamento de David com a prima de lorde Astlegh, Honor, mas Olívia declinara o convite.

Não conseguia explicar a si mesma, tampouco po­dia conter a complexa turbulência de emoções que desencadeavam rompantes de pânico. Parecia existir dentro de si um temor cortante, dilacerador. Trata­va-se de uma horrível sensação de deslocamento que a distanciava da raça humana.

Caspar agora levantava-se da cama com o rosto contorcido de raiva. Havia certa vez acreditado que o amava? Parecia impossível. Sentia-se anestesiada cada vez que tentava lembrar-se dos sentimentos que outrora nutrira por ele.

— Danny nos convidou para passar o fim de se­mana com ele e a família em seu chalé no Colorado. Podemos esquiar e...

— Não — Olívia o interrompeu, de forma abrupta.

Enquanto observava o marido, sentia apenas de­sespero e total falta de esperança. O amor que os unira e criara as duas filhas havia desaparecido. Eram tão estranhos que Caspar não conseguia enxergar a carga que Olívia teria de enfrentar tão logo voltas­sem para casa.

A pressão em sua cabeça intensificava-se. Durante toda sua vida Olívia tivera de lutar contra o avô a fim de seguir a tradição familiar e qualificar-se como advogada. Como ele adoraria tripudiar sobre a neta, caso ela falhasse.

— Tenho de voltar para casa. Meu trabalho...

— Seu trabalho! E quanto a nosso casamento? O casamento. Olívia o fitou, distante.

— Não há mais casamento, Caspar. — A sensação de alívio que a invadiu parecia tão intoxicante quan­to champanhe. Podia sentir a tensão se dissipar.

— De que está falando? — Caspar perguntou, aturdido.

— Acho que devemos nos separar — Olívia escu­tou-se dizendo.

— Separação...?

De repente, ela descobriu que prendia a respira­ção, como se esperasse... o quê?

— Sim — Olívia confirmou. — Agiremos da forma mais adequada em termos legais, é claro. _

— Sem dúvida, esse é o fator mais relevante para você já que é uma Crighton - Caspar atacou-a.

Olívia desviou o olhar.

— Você sempre se ressentiu por isso, não?

— O que me deixa ressentido, Livvy, é o fato de que nosso casamento nunca conteve somente nós dois.

— Você também queria ter filhos — Olívia rebateu ante a acusação injusta.

— Não me refiro às meninas. Estou falando de sua família. Você ainda é aquela menininha, Livvy, que vive do passado.

— Não é verdade. — Ela ficou pálida. — Quem provê nossas necessidades e...

— Estou cansado de carregar os pecados que os outros cometeram contra você, Livvy. Cansei de ser o responsável por tudo só porque sou como seu pai, seu avô e Max. Não agüento suportar o peso emo­cionai que você sempre distribui ao bancar a vítima.

— Como ousa dizer isso?

— Ouso porque é verdade — Caspar enfrentou-a. — Mas como já estou farto de substituir seu avô, pai e primo, acho que vou escrever aquele livro que sem­pre me prometi, comprar uma Harley e viajar pelo país para aproveitar a vida.

Olívia o encarava como se o marido fosse um total estranho. Não era o Caspar que ela imaginava co­nhecer; aquele homem insensível, repleto de fanta­sias adolescentes, não tinha noção das necessidades das filhas ou da esposa.

— Não sei por que me apaixonei por você, Caspar. Ou por que nos casamos — completou, imaginando que ele podia ouvir os estilhaços do amor e dos so­nhos caindo ao chão.

— Não? Nesse caso, você tem uma péssima me­mória, Livvy. Casou-se comigo para fugir de sua in­fância — Caspar concluiu.

Sua infância. Quando ele saiu do quarto, Olívia fechou os olhos e sentiu a tensão espalhar-se pelo corpo.

Havia um gosto amargo na boca. Ela nem sequer tivera uma infância. As vezes, pressentia que já nas­cera sabendo não ser o filho que o pai e o avô queriam.

Por causa deles, Olívia crescera determinada a pro­var a si mesma o próprio valor. Por causa deles, pas­sara os últimos meses pressionando-se ao extremo para atingir objetivos a fim de se sobressair como advogada. Qualquer deslize poderia ter causado sua ruína, mas tinha de fazê-lo. Não somente por si, mas • também pelas filhas. Não permitiria que elas sofres­sem por serem netas desse avô. Desde que David desaparecera e a verdade veio à tona, Olívia viveu assombrada, envergonhada e atormentada pelos er­ros do pai.

E agora que ele estava de volta, ao invés de ser rejeitado, o homem era recebido com honras e gló­rias, enquanto ela...

A dor de cabeça agravou-se juntamente com o pâ­nico e o desespero.

Ficaria melhor assim que voltasse para casa, pro­meteu a si mesma. Quando retomasse o trabalho, tudo estaria sob controle.

 

                                               CAPÍTULO II

Haslewich.

Sara Lanyon ainda não sabia o que estava fazendo ali. Ela, sem dúvida, não tencionara passar por aquela região ao retornar de Brighton, onde visitara as velhas amigas da facul­dade. Portanto, algum poder desconhecido a impelia a estar lá.

Haslewich... a terra da família Crighton...

Os lábios delicados se curvaram em um sorriso sutil. Sara ouvira falar dos Crighton através da se­gunda esposa de seu avô, a pobre Tânia.

A mulher parecia tão ferida e frágil quando seu avô a socorrera e, gentilmente, devolvera-lhe a con­fiança e a vida.

— Há sempre duas versões em situações como es­sa, Sara — seu pai lhe dissera quando, certa vez, ela explodira de raiva devido ao que os Crighton ha­viam feito a Tânia.

— Mas, pai, ela é tão vulnerável, tão sensível... Não pode haver desculpas para o jeito que a aban­donaram. Foi desumano e cruel.

Os olhos verdes de Sara tornaram-se marejados e seu pai meneara a cabeça, resignado.

Na época, ela tinha dezoito anos e talvez julgasse as situações com certo radicalismo exagerado. Agora estava mais madura e capaz de rebater os argumen­tos de Richard Lanyon, mas, no fundo, ainda relu­tava em eliminar a antipatia que sentia pelos Crighton. Por mais passional que fosse, ela tinha certeza de que haviam sido brutalmente insensíveis, moti­vados apenas pelo interesse em preservar o clã.

— Os Crighton são Haslewich — Tânia lhe con­tara com aquela voz doce. — Todos os admiram, mas... — Ela se calara um tanto pálida. — Eles me inti­midavam e agiam como seu eu fosse indesejada. Até meus filhos...

Então, lágrimas rolaram pelo rosto de Tânia, tal qual acontecia a Sara naquele instante, enquanto atravessava a rua principal de Haslewich.

Era hora do almoço e ela estava faminta. Olhou ao redor e decidiu investigar uma estreita passagem.

Uma placa na esquina indicava a direção do rio.

O rio. Sara adorava água. Seu pai era um exce­lente navegador e ela o acompanhava em aventuras marítimas desde menina.

Já havia percorrido metade da rua quando avistou um restaurante. Olhou para dentro, notando a mo­vimentação dos clientes e o aroma delicioso que vi­nha da cozinha.

Mudando de idéia, Sara entrou no restaurante e logo foi interpelada por uma mulher de meia-idade.

— Sara?

— Sim — Ela respondeu por impulso, imaginando como aquela mulher poderia conhecê-la.

— Oh!, graças a Deus — a senhora exclamou. — A agência falhou tantas vezes, mas me prometeram que dessa vez... É por aqui. — Ela guiou Sara por entre as mesas.

Embora achasse tudo muito bizarro, Sara a seguiu em silêncio.

Tão logo atingiram os fundos do restaurante, a mulher abriu uma porta e a convidou para entrar.

— Desculpe-me a bagunça — disse a senhora. — Estamos tão atrapalhados com o movimento. Tentei atualizar a papelada e não consegui. Mas agora que você está aqui... Oh!, o computador está funcionando novamente, graças a Deus. A novidade é que entra­mos como uma das opções do Michelin e, é claro, as reservas não param de chegar. O que seria maravi­lhoso, se não estivéssemos lotados nos próximos três finais de semana. — Quando ela parou para respi­rar, Sara vistoriou os arredores.

O escritório possuía janelas francesas que davam para um pequeno jardim. Ao vê-la observando o lo­cal, a mulher sorriu.

— Nós acabamos de compor o jardim. Era origi­nalmente um Café e compramos a casa ao lado. Co­mo o escritório ficava na varanda dos fundos, resol­vemos mudá-lo para cá.

— É muito lindo. — Sara sorriu.

— Sim. E se tudo correr bem, no próximo verão poderemos usá-lo. A propósito, sou Frances Sorter — ela se apresentou. —Acredito que a agência tenha lhe dito que eu e meu marido somos donos do res­taurante. Nosso cozinheiro é tão exigente que meu marido resolveu criar uma horta. Não sei se a agên­cia discutiu os termos com você.

— Para dizer a verdade, não — Sara replicou. Agora era o momento de dizer a Francês Sorter

que houvera um engano. No entanto, Sara escutava atentamente enquanto Francês relatava os termos generosos de seu "cargo".

— Será apenas por alguns meses — Francês disse, um tanto ansiosa. — Você sabe disso, não? Mary, nossa gerente, está de licença maternidade e logo estará de volta, mas...

Alguns meses... Sara havia decidido sair da escola onde trabalhara como professora substituta no final daquele ano letivo. Tinha várias opções a considerar, incluindo um emprego na universidade em que seu pai lecionava.

Ora, não havia motivos para ficar e trabalhar na cidade dos Crighton. Na verdade, existiam várias ra­zões para declinar a possibilidade. Então, por que assentia e concordava com o salário que Francês Sor­ter lhe oferecia?

Sempre fora impulsiva, um traço que lhe causara uma série de encrencas na adolescência. Porém, mes­mo assim, ficou surpresa ao aceitar o trabalho.

— Há somente um problema — Sara avisou, — Ainda não me instalei na cidade e...

— Oh!, isso não é um problema — Francês garan­tiu. — Temos um apartamento no andar superior, o qual você poderá usar sem pagar o aluguel. Aliás, se concordar, estará solucionando mais um de nossos problemas. A companhia de seguros insiste em man­ter o lugar habitado. Aparentemente, eles acreditam que uma propriedade vazia é uma tentação para la­drões e vândalos. O apartamento é pequeno, mas os reformaram. Deixe-me mos­trá-lo a você.

Bem, Sara refletiu meio hora mais tarde ao se des­pedir de Francês. Naquela manhã, quando saiu da casa da amiga, nem sequer pensara em passar por Haslewich, quanto mais aceitar um emprego na ci­dade. E lá estava ela.

A bem da verdade, Sara acreditava em destino e aproveitava as oportunidades que apareciam. A vida era uma aventura... ou ao menos deveria ser.

Seus olhos brilhavam de expectativa. Quem sabe ela poderia marcar um ponto em favor da gentil es­posa de seu avô, colocando alguns dos Crighton em seus devidos lugares. Esse representava um desafio que ela teria prazer em aceitar!

Nick Crighton suspirou. Seu irmão, Saul, e a es­posa, Tullah, foram gentis em oferecer-lhe hospeda­gem, enquanto se recuperava dos ferimentos que ele havia adquirido ao visitar um de seus clientes em uma cadeia da Tailândia.

Um dos presos havia atacado o cliente de Nick e quando este tentara ajudá-lo, acabou sendo esfaqueado.

Felizmente a faca não havia atingido os órgãos internos. Porém, sua recuperação prolongava-se so­bremaneira devido a uma infecção que se desenvol­veu no ferimento. Estava fora de perigo agora, mas o médico lhe prescrevera repouso absoluto até que o ferimento estivesse completamente cicatrizado.

Sim, Saul e Tullah foram amáveis ao insistir que Nick ficasse com eles, mas começava a entediar-se ante a intensidade de cuidados que recebia.

Afinal, era um homem maduro, acostumado a viver ao ar livre, fazendo o que adorava: escalar, ve­lejar, esquiar... enfim, qualquer esporte que envol­vesse altas taxas de adrenalina.

Quando realizou sua última consulta médica, ele tentou convencer o médico de que estava recuperado e pronto para voltar ao trabalho. Afinal de contas, como advogado, Nick nem sempre tinha oportunida­des de correr riscos.

— Entendo — o médico dissera. — Permanecer sen­tado em seu escritório ou no tribunal não causará ne­nhum dano uma vez que a ferida está cicatrizando.

— Ótimo! Posso voltar a trabalhar? — Nick lhe perguntara, animado.

— Não seja ridículo, Nick — o médico foi direto. — Pode ser advogado, mas sei que seu trabalho é braçal. Você administra um negócio que envolve to­dos os tipos de riscos, aos quais nenhum homem em sã consciência se submeteria.

Nick calou-se, sem argumentos. Ele trabalhava pa­ra pessoas que eram pegas pelo sistema legal em outros países, portanto colocava-se com freqüência em situações de extremo perigo ao negociar os direi­tos dos clientes. Em certas ocasiões era necessário negociar com governos corruptos para "comprar" a liberdade de seu cliente e, por conseqüência, articu­lar fugas rápidas pela fronteira para não ser morto.

Tão logo se formou como advogado altamente qua­lificado, ele se oferecera para libertar a irmã de um velho amigo de faculdade, que se encontrava presa no Oriente por porte de drogas.

Após ter ganho o processo, Nick fora requisitado por outras famílias a fim de trabalhar em causas semelhantes.

Mesmo agora, quando a maioria dos viajantes in­cautos estava ciente dos perigos, era comum teste­munhar o uso de jovens inocentes para a distribuição de drogas.

Ele também realizava os tramites burocráticos, cla­ro, o que lhe permitia tempo para viajar. Para Nick, o trabalho era uma maneira de obter um fim, e não o fim em si.

— Reservei uma mesa no novo restaurante dos Sorter — Tullah anunciara naquela manhã, após o café. — Eles entraram no Michelin e estou ansiosa para experimentar suas novas iguarias. Você vai amar, Nick.

Sim, ele iria amar, mas... mas o que almejava na­quele momento era algo bem mais aventureiro que um jantar na companhia do irmão e da cunhada.

O clima era aconchegante, contudo não servia pa­ra Nick. O instinto de formar uma família parecia ter afetado todos os homens Crighton. Nick não era contra o casamento, só não queria comprometer-se nem agora nem nunca! Valorizava demais sua ne­cessidade de liberdade.

— Acha que ele vai gostar? — David perguntou à esposa, enquanto ambos admiravam a suíte do loft, localizado acima do velho celeiro, a qual tinham aca­bado de arrumar.

— Ele vai adorar — Honor garantiu, sorridente e ávida por um beijo caloroso do marido.

— Vocês dois! — a filha mais velha do primeiro casamento de Honor queixara-se na última visita. — Nunca conheci um casal tão apaixonado quanto vocês.

— Está apaixonada por mim? — David pergunta­ra-lhe depois que Abigail voltara a Londres.

— Claro que não — Honor negara antes de acres­centar: — Estou loucamente apaixonada por você!

Estavam casados há poucas semanas e se conhe­ciam fazia menos de um ano, mas Honor nunca ti­vera dúvidas quanto à decisão que tomara. Sabia do passado de David com suas sombras e vergonhas, e admirava a gloriosa ressurreição que o fizera renas­cer para a vida. Agora sentia-se ansiosa para receber o homem que ajudara naquele renascimento, padre Ignatius, um missionário irlandês que se encontrava na Irlanda. David e Honor ficaram radiantes ao con­vencê-lo a sair da Jamaica e morar permanentemen­te com eles.

— Quando ele irá chegar?

— Seu vôo sairá de Dublin amanhã — David res­pondeu. — Eu queria encontrá-lo no aeroporto, mas ele não me deixou. Disse que tinha uns assuntos

para resolver.

— Eu sei — Honor assentiu, paciente.

— Ele também disse que queria vir sozinho para não me obrigar a dirigir até Dublin para buscá-lo.

Honor sorriu outra vez.

— Espero que ele seja feliz conosco.

— Ele será — ela assegurou ao marido, abraçando-o. — E por você que ele está vindo, David.

Honor conhecera o padre na Jamaica, quando ela e David se casaram. Em pouco tempo descobrira que o religioso era tudo que o marido havia descrito e muito mais. Compartilhavam compreensão, uma cren­ça na dignidade humana e respeito pelo mundo.

— Está certo. — David riu. — Estou fazendo uma tempestade em um copo d'água.

Houve dias em que ele precisou se beliscar para ter certeza de que não estava sonhando. Por mais feliz que estivesse, não se sentia merecedor de ta­manha bênção. Confessara tal sentimento a Jon, mas seu irmão discordara, veemente.

David recebera dádivas preciosas nesta qüinquagésima década de sua vida. A amizade com o padre, o amor de Honor e a aceitação da família.

Contudo, havia um membro da família que não o aceitava: Olívia, sua filha. Ela tinha motivos legíti­mos para rejeitá-lo. David entendia isso. Não fora um bom pai e Olívia se vira forçada em tenra idade a responsabilizar-se pelo irmão mais novo e pela mãe. David a negligenciara, enquanto o filho de Jon, Max, era aclamado por todos. Por isso, Olívia agira de for­ma tão hostil em relação ao pai que falhara com ela.

Mas o sofrimento que a filha vivia preocupava-o. Havia se transformado em um David muito distinto daquele que virara as costas para a família por não ter sido capaz de arcar com as conseqüências das próprias atitudes. Agora entendia o poder emocional negativo que havia magoado seus entes queridos. E Olívia estava sofrendo muito.

— Dê-lhe tempo — Jon aconselhara.

E também havia o filho de David, mas Jack tivera o benefício de ser criado por Jon e Jenny, já que David e a ex-esposa, Tânia, não puderam fazê-lo. Ao contrário de Olívia, Jack era seguro de si, feliz con­sigo mesmo. Ele fitava o pai com certa estranheza, mas não manifestava a fúria ou o medo que Olívia demonstrava.

A recusa em vê-lo ou falar com ele era compreen­sível. O retorno de David fora um choque para Olí­via. Afinal, jamais lhe dera razões para ser amado ou respeitado. Mas esperava que a filha cedesse um pouco e comparecesse à festa de casamento que ele e Honor haviam organizado em Fitzburgh Place. Es­tava desesperado para fazer algum tipo de repara­ção, conversar com ela, explicar, desculpar-se...

Ele não tinha o direito de esperar amor da parte de Olívia. No entanto, era a amargura da filha que o fazia sofrer. A dor e a própria culpa o dilaceravam.

Cada vez que olhava para Max e via em que o filho de Jon se havia transformado, David reconhe­cia que o sobrinho tivera uma infância saudável. Olí­via, por sua vez, passara maus bocados quando crian­ça e a responsabilidade se devia somente ao egoísmo de David.

Quando Honor notou a tristeza no olhar do mari­do, deduziu que ele pensava em Olívia. Não podia imaginar-se sendo rejeitada por uma de suas filhas a ponto de elas não desejarem a mãe em suas vidas. A possibilidade a fazia estremecer.

Honor era uma boa ouvinte e havia escutado mui­to acerca de Olívia através dos outros membros da família. Mas ninguém a criticava ou fazia fofocas. Não, os Crighton eram leais entre si. O que Honor ouvira era quão preocupados todos os parentes es­tavam com Olívia.

— Ela estava tão feliz quando se casou com Caspar — Jenny dissera. — E quando as meninas nasceram... E, de repente, a felicidade desapareceu.

— Ela trabalha demais — alguém comentara. Dentre tudo o que escutara, Honor chegara a uma interpretação significativa: a vida de Olívia torna­ra-se sombria e infeliz.

— Às vezes, ela parece ter medo de relaxar e se divertir... — Tullah, a esposa de Saul, havia decla­rado com os lindos olhos repletos de tristeza.

Houvera, Honor supunha, danos suficientes na in­fância de Olívia para ela desenvolver a necessidade de controle e de impor-se metas quase impossíveis. E, acima de tudo, ter adquirido uma frágil auto-estima.

Aproximando-se do marido, Honor sussurrou:

— Vamos para a cama.

— O quê? — David fingiu espanto. — Estamos no meio da tarde!

— Está na hora da sesta. — Honor sorriu, sedutora. De mãos dadas, eles caminharam pelo gramado que separava a casa do celeiro.

Animada com a chegada do velho amigo e mentor de David, Honor parou para acariciar o arbusto de lavanda e inspirar seu perfume.

Ela planejava cultivar uma larga variedade de ervas no jardim para assim fabricar suas poções naturais.

Olívia lembrava o aroma de lavanda... resisten­te, mas tão sensível que um mero toque poderia danificá-la.

 

                                           CAPÍTULO III

Bobbie, a mulher de Luke Crighton, foi o primeiro membro da família a saber, por acaso, da separação de Olívia. Ela resolveu vi­sitá-la tão logo soubera que Olívia, Caspar e as me­ninas haviam chegado dos Estados Unidos. Estava ávida por ouvir histórias da viagem e oferecer-se pa­ra fazer compras, caso Olívia necessitasse de alguma coisa.

— Mamãe está lá em cima — Amélia informou a Bobbie ao abrir a porta.

— É, ela está fazendo as malas do papai — Alex acrescentou, inocentemente.

— Papai ficou na Fila... na América — Amélia emendou, e as duas irmãs a fitaram com olhar de tristeza. Bobbie sentiu o coração se apertar.

— Olívia — ela chamou ao pé da escada. — Sou eu, Bobbie. Posso subir?

Ao vê-la no topo da escada, Bobbie chocou-se com a aparência de Olívia. Ela havia perdido peso e es­tava pálida, sem o brilho vivaz nos olhos. Pareceu-lhe, na verdade, que, além das filhas, Olívia preci­sava de consolo.

— As meninas lhe contaram? — Olívia deduziu.

— Elas disseram que Caspar permaneceu na Fi­ladélfia — Bobbie confirmou, pesarosa.

— Pode subir, Bobbie — convidou-a. — Caspar e eu estamos nos separando — ela informou quando Bobbie adentrou o quarto. — É o melhor para todos nós. O casamento já não ia bem há algum tempo e... ele não é mais o homem com o qual me casei, Bobbie. E eu... — A voz de Olívia falhou e seus olhos torna­ram-se marejados.

Quando Bobbie fez menção de abraçá-la, Olívia recuou.

— Não. Não lamente. Tenho consciência do que fiz. Na realidade, estou aliviada. Nosso casamento não estava dando certo. Creio que, passado o impacto inicial, Caspar também ficará aliviado.

Ao escutar o timbre de dor na própria voz, Olívia ficou espantada. Por que deveria sofrer? Não mais amava Caspar. Era uma tranqüilidade não tê-lo so­bre os ombros, queixando-se devido ao tempo abusivo que ela despendia no trabalho, ao invés de aproveitar a companhia do marido e das filhas. E agora que seu pai voltara, as pessoas a observariam com mais aten­ção, à espera de alguma falha... ou fracasso.

— Sei que alguns casais passam por fases difíceis que parecem sem solução e...

— Fases difíceis? — Olívia a interrompeu, rindo com ironia. — Não se trata disso, Bobbie. A última vez em que Caspar e eu fizemos sexo foi há meses...

Se o problema era apenas a vida sexual dos dois, então haveria de existir uma solução. Porém, quando Olívia continuou a se explicar, Bobbie percebeu que se enganara.

— Eu não conseguia... Caspar pensava que era somente provocação de minha parte, uma espécie de punição. Mas a distância foi aumentando — Olívia desabafou. Suas mãos tremiam visivelmente. — Tí­nhamos brigas terríveis por causa disso. O clima era destrutivo demais para as meninas. Tentei, mas Caspar...

— Vocês chegaram a consultar um terapeuta de casais? — Bobbie perguntou, carinhosa.

O desespero de Olívia parecia palpável, tal qual uma terceira presença naquele quarto. Em geral, era uma pessoa calma, controlada, tão contida que Bob­bie assustou-se diante de tamanha mudança.

— Terapia! — Olívia exclamou. — Como minha mãe que passou a vida inteira se tratando? Descul­pe-me. — Fitou Bobbie, infeliz. — Eu sei que... — Ela levou as mãos aos lábios, como se pretendesse silenciar a si mesma. — É tarde demais para isso. O casamento acabou.

— O que Caspar vai fazer? — Bobbie indagou.

— Ele está de licença na universidade para fazer pesquisa. Diz que vai viajar pela América em uma Harley-Davidson. É um sonho que ele tem desde a adolescência.

Para própria surpresa, Olívia descobriu que esta­va chorando sem ao menos saber por quê.

— Oh! Livvy — Bobbie comoveu-se. Mas quando se aproximou para abraçá-la, mais uma vez Olívia esquivou-se.

Havia tanto a fazer, tantas decisões deveriam ser tomadas. Ela queria estar no escritório segunda-feira, antes das oito, quando recomeçaria a trabalhar. Assim, teria uma hora a mais para estudar o pro­cesso que a esperava... e se o levasse para casa após o expediente, poderia adiantá-lo durante a noite, de­pois que as meninas fossem dormir. Pelo menos ago­ra Caspar não estaria presente para criticá-la por causa de excesso de trabalho.

— Há algo errado — Bobbie disse a Luke naquela noite, após relatar a conversa com Olívia.

— Claro que há — Luke concordou. — Ela deixou Gaspar.

— Não, além disso... Há algo errado com Livvy — Bobbie insistiu. — Ela me pareceu diferente...

— Está triste. É uma reação natural.

Bobbie suspirou. Por mais que amasse o marido, havia momentos em que pareciam estar em sinto­nias distintas. Outra mulher teria entendido ime­diatamente o que ela quisera dizer.

— Será que Jenny já sabe? — Bobbie perguntou. — Deve saber. Ela e Olívia sempre foram muito íntimas.

Jenny era a esposa de Jon e também fora a mãe substituta para Olívia durante a penosa infância que ela tivera. Olívia agora era sócia da firma de advo­cacia que pertencia a Jon.

Aflita, Bobbie pegou o telefone e ligou para Jenny.

— O que houve? — Jon perguntou a Jenny, quan­do está entrou no estúdio, preocupada..

— Bobbie acabou de telefonar. Ela foi à casa de Livvy hoje à tarde. Eu devia ter ido, mas tinha uma reunião no comitê Mães e Bebes. Livvy e Caspar se separaram. Ela voltou sem ele.

— O quê?!

A reação de Jon espelhava o choque de Jenny. Ele meneou a cabeça.

— Pensei que eram felizes juntos.

— E eram — Jenny afirmou. — Até David apare­cer. — Embora se esforçasse, ela não conseguia es­conder o tom acusatório.

Ficou evidente, através da expressão de Jon, que tais palavras o magoaram. Jenny sabia que eram injustas, mas não podia mais retirá-las.

Jon havia mudado desde o retorno do irmão. Pa­recia viver, respirar e pensar apenas em David na­queles dias. A dedicação era tanta que Jenny sen­tia-se excluída da vida do marido, um sentimento ridículo, claro. Estavam casados havia trinta anos e os últimos anos de casamento os aproximaram mui­to, trazendo uma nova profundidade à relação, ao amor. Em suma, foram anos dourados, sem a pre­sença de David.

Mas agora David estava de volta e Jon não vivia somente para ela. Era meu irmão isso, meu irmão aquilo. Jenny conseguia ver o amor que Jon sentia por David através do olhar e da voz cada vez que ele pronunciava o nome do irmão.

— David não é responsável pelo fim do casamento de Livvy. Seria impossível — Jon objetou,

— Talvez não seja — Jenny concedeu. — Mas é responsável pelo que Livvy é, Jon. Você afirmou tal fato inúmeras vezes.

— Livvy não teve uma infância feliz — Jon con­cordou. — Mas não se deve apenas a David...

Jenny soltou um suspiro impaciente.

— Antes de David retornar, você me disse que estava muito preocupado com Livvy porque ela tra­balha demais.                                              

— Sim, é verdade.

Perturbou-o descobrir, enquanto Olívia encontra­va-se na América, a quantidade de trabalho extra que ela realizava quase desnecessariamente. Se hou­vesse dito que precisava de ajuda, Jon teria provi­denciado assistência à sobrinha. Mas Olívia alegara não precisar de nada e mostrara-se ofendida ante a sugestão. Por isso, o casamento estava desgastado. O.advogado que Jon havia contratado para cobrir a ausência de Olívia não fora capaz de cumprir todos os compromissos, obrigando Jon a encarregar-se de alguns processos e dividir o resto entre Tullah, que trabalhava meio período, e sua filha Katie, que tam­bém seguia a tradição da família.

Quando Jenny se retirou sem se incomodar em beijá-lo como sempre fazia, ele hesitou. Queria per­guntar-lhe o que a aborrecia, porém ela já havia desaparecido.

Desde que David voltara, Jon encontrava-se tão envolvido com o irmão que parecia ignorar a exis­tência dela, Jenny refletiu ao sair do estúdio sem esperar pelo abraço carinhoso que partilhavam com freqüência.

Sabia quanto ele amava o irmão gêmeo. Poderia Jon sentir inveja de David? Comparava o próprio casamento confortável com o relacionamento passional que David e Honor vivam? Honor era, sem dú­vida, mais glamourosa e sensual que Jenny.

— Pare com isso — resmungou consigo mesma a caminho da cozinha. Anos atrás, sentira-se inferior à primeira mulher de David, cujo apelido era Tiggy, a exuberante modelo, mas não havia meios de repe­tir a história.

A enorme cozinha parecia muito vazia agora que as crianças haviam crescido.

Dos quatro filhos apenas Joss, o caçula, ainda mo­rava com os pais, mas logo seguiria os passos de Jack rumo à universidade.

Claro que Maddy e os filhos, seus netos, sempre a visitavam. Era raro não vê-los, mas...

Devia ser a síndrome do ninho vazio, como costu­mavam chamar, quando a mulher começava a sentir saudade dos filhos já crescidos.

Resoluta, Jenny lembrou-se de quão afortunada era em comparação à sobrinha.

Pobre Livy. O coração de Jenny sofria por ela.

— Maddy, você está bem? — Max ficou ansioso ao vê-la ofegante e protegendo o ventre com as mãos.

— Não é nada — Maddy assegurou-o. — Senti um pouco de náusea.

— Sente-se — Max a instruiu, apesar dos protes­tos dela.

A quarta gravidez, que ambos receberam com tan­ta felicidade, consumia a energia de Maddy mais que as três anteriores, um fato que o fazia recriminar-se por ter permitido outro filho quando ela já cuidava de três crianças e de seu avô.

Ele precisava conversar com a mãe e pedir-lhe que observasse Maddy para garantir que ela não exage­rasse nos afazeres.

— Livy voltou hoje — Maddy comentou. O mal-estar havia sumido, graças a Deus. Não queria ver Max preocupado. — Sei que ficaram fora por apenas algumas semanas, mas tantas coisas aconteceram que o tempo pareceu se prolongar — ela continuou.

— Sei.

— Pergunto-me como ela irá lidar com a volta do pai. Honor me disse que David está desesperado pa­ra reatar com a filha, mas sente que não deve pres­sionar Livy.

— Dê tempo ao tempo — Max aconselhou-a. — A volta de David chocou a todos nós, em especial Olívia.

A preocupação de Maddy não se limitava somente à relação entre Olívia, a prima de Max, e David. Estava também perturbada devido às mágoas que Caspar certa vez lhe confessara sentir. Mas, quando fez menção de falar, foi dominada por outra onda de náusea.

Não havia de ser nada, disse a si mesma. Devia marcar outra consulta pré-natal, já que havia faltado à última porque Ben passara mal naquele dia. Os tor­nozelos inchados e o fato de que ela vivia cansada não eram motivos de alarde. Por que deveriam ser? Não tivera problemas com as três gestações anteriores.

— Você fez o quê? — O pai de Sara riu quando ela contou-lhe por telefone o que havia acontecido.

— Você nunca vai adivinhar — Sara prosseguiu. — Alguns membros do clã Crighton reservaram uma mesa para hoje à noite. Portanto, irei conhecer os "inimigos" de camarote.

— Eu já lhe disse que você ouviu apenas um lado da história, Sara.

— Não me importo. Se metade do que vovó Tânia me disse for verdade, então eles a trataram muito mal.

Do outro lado da linha, Richard Lanyon suprimiu um suspiro. Sua filha tinha a tendência de defender causas perdidas e cachorros sarnentos. Só esperava que a vida não lhe roubasse tantos ideais e ilusões. Em segredo, ele considerava a segunda esposa do pai um tanto infantil e totalmente egoísta. O avô de Sara adorava a mulher e a protegia, mas às vezes achava-a irritante e insuportável.

— Eu sugiro que não comece derrotando tantos dragões — ele aconselhou.

— Serei cautelosa, pai. Mas é hora de alguém en­sinar uma lição aos Crighton. Aproveite o feriado — Sara completou, afetuosa.

Richard era arquiteto, e ele e a mulher possuíam uma casa em um luxuoso condomínio no Caribe, o qual ajudara a projetar. Sara podia estar com eles e aproveitar o feriado prolongado, no entanto, era orgulhosa e independente demais. Havia escolhido a carreira de professora porque almejava ajudar as pessoas e, para ela, a educação significava uma das dádivas mais preciosas a oferecer. Mas a realidade do mundo moderno corroia seus ideais e sonhos.

Atualmente, começava a reconsiderar a escolha pro­fissional. O curto período em que estaria trabalhan­do em Haslewich lhe daria tempo para ponderar co­mo também alfinetar aqueles que fizeram mal à vovó Tânia.

Sara não negava que os Crighton haviam maltratado Tânia a despeito do que o pai dizia.

Após arrumar seus pertences no adorável aparta­mento que Francês Sorter lhe oferecera, Sara retor­nou ao restaurante, onde a proprietária a saldou com um sorriso afetivo.

— Não esperamos que comece a trabalhar logo hoje, mas se estiver disposta gostaria de lhe mostrar o que é preciso ser feito.

— Não me importo de começar agora — Sara-res­pondeu, sincera, antes de escutar o som constrange­dor de seu estômago.

— Meu Deus, deve estar faminta! — Francês ex­clamou. — Normalmente, os funcionários realizam as refeições quando terminamos de servir os clientes, mas posso providenciar algo nutritivo para você co­mer no escritório.

— Um sanduíche é o suficiente — Sara pediu-lhe, modesta.

— Um sanduíche! — Francês ficou horrorizada. — Este restaurante recebeu vários prêmios. :— Ela sorriu, matreira. — Que tal salmão grelhado com legumes?

— Oh! vou adorar — Sara aceitou, sorridente. Iria gostar de trabalhar ali. Francês possuía senso de humor mesmo parecendo estar cansada naquele momento.

Uma hora depois, Sara tirou os olhos do compu­tador para ingerir a última garfada da deliciosa re­feição. Mantivera-se tão entretida no trabalho que o salmão acabou esfriando. Na verdade, Francês en­viou-lhe uma porção tão farta que poderia alimentar duas pessoas.

Franziu a testa quando o computador recusou-se a dar a informação de que ela necessitava para com­pletar a tarefa. Precisaria conversar com Francês a respeito disso.

Abriu a porta do escritório e percorreu o curto cor­redor que dava acesso ao restaurante. Hesitante, ela avançou alguns passos.

Francês lhe dissera que estaria circulando pelo lo­cal, mas Sara não conseguia vê-la em lugar nenhum. O restaurante estava repleto de clientes e em plena atividade.

— Bobbie me ligou hoje — Tullah disse a Saul, enquanto o garçom lhes servia vinho. — Livvy vol­tou, mas Caspar não veio com ela. Ele ficou na Amé­rica e, de acordo com Livy, o casamento acabou.

Tullah permaneceu pensativa. Em certa ocasião, Saul e Livy foram muito próximos, e Saul admitira que, na época, sentira-se atraído pela prima em se­gundo grau. Mas o sentimento agora pertencia ao passado. Tullah era esposa de Saul.

— Lamento pelas meninas — ela continuou.

— E difícil para as crianças quando os pais se separam.

Saul tinha três filhos do primeiro casamento, e Tullah ainda se lembrava de quão frágeis os quatro pareciam quando ela os conheceu.

A primeira mulher de Saul abandonara o marido e as crianças, alegando que não existia lugar para. o filho e as filhas no segundo casamento com um homem que não tinha apego à família.

Não fora fácil para eles quando Tullah e Saul se apaixonaram e casaram-se, mesmo embora as crian­ças a aceitassem totalmente. Um filho de ambos ha­via completado a família, porém Tullah sentia um amor protetor pelos rebentos de Saul, em especial por Meg, e doía-lhe o coração só de pensar em Amélia e Alex.

— Se querem saber, acho que os homens e as mu­lheres deveriam permanecer separados, exceto em momentos puramente recreativos — Nick argumentou, divertindo-se com a expressão indignada de Tullah. Como todos os Crighton, Nick era charmoso e bem apessoado, mas tinha um certo ar de perigo e uma masculinidade desafiadora que, às vezes, surpreen­dia Tullah.

— Você é incorrigível, Nick.

— Não, querida cunhada. Estou apenas determi­nado a nunca cair na armadilha de permitir que as emoções estraguem minha vida — Nick afirmou, convicto.

Saul nada disse. Conhecia bem a antipatia do ir­mão caçula em relação a casamento e compromisso. — Um dia, você vai mudar de opinião — Tullah avisou-o. — Conhecerá uma mulher e se apaixonará por ela... O que foi? — ela perguntou, ao ver Nick contorcer o semblante.

Uma garota encontrava-se ao lado da cadeira dele, completamente ruborizada. Era óbvio que ela havia esbarrado em Nick por acidente quando cruzava o estreito espaço entre as mesas.

Tratava-se de uma jovem muito bonita, Tullah no­tou, divertindo-se ao ver que Nick recebia o pedido de desculpas um tanto admirado. Ele podia ser con­tra casamento e compromisso, mas o cunhado não era avesso à companhia feminina. Longe disso. Até onde Tullah sabia, os "relacionamentos" de Nick li­mitavam-se a mulheres que também faziam questão de preservar a liberdade.

Morta de vergonha, Sara pediu desculpas ao ho­mem no qual trombara sem querer. Entretanto, o constrangimento foi substituído por indignação quando ele resmungou algo incompreensível ao invés de aceitar as desculpas.

Ela ainda tentava encontrar Francês e quando a avistou do outro lado da sala, precipitou-se por entre as mesas, atenta à proprietária e não ao que estava a sua frente.

Seria sua culpa?, perguntou-se ao enfrentar o olhar enfurecido do homem. Ele estava sentado à mesa, mas sua cadeira encontrava-se quase no meio da pas­sagem dos garçons.

— Você parece pálida. Está tudo bem? — Francês indagou quando Sara conseguiu alcançá-la.

— Tive um entrevero com um dos clientes — Sara admitiu. — Esbarrei nele, mas ao tentar me desculpar...

— Qual deles? — Francês a interrompeu.

— Ele está naquela mesa. — Sara mostrou o ho­mem a Francês.

— Oh!, é-a mesa de Tullah e Saul Crighton. Os Crighton!

No mesmo instante, Sara encarou o trio. Por sorte, Tullah e Saul estavam sentados de costas para ela. No entanto, o homem em quem esbarrou...

A respiração de Sara tornou-se sôfrega quando ele ergueu o rosto e a fitou.

— Pobre Nick — Francês dizia. — Ele não anda bem ultimamente.

— Refere-se ao mau humor que ele expressa, suponho — Sara replicou, ainda irritada.

— Querida, ele a aborreceu mesmo, não? — Fran­cês olhou-a, curiosa. — Na verdade, Nick envolveu-se em um acidente infeliz. Tal qual a maioria dos Crighton, ele é advogado, mas realiza um trabalho es­pecializado e frequentemente perigoso. — Em poucas palavras, Francês explicou-lhe como Nick ficara fe­rido. Porém, Sara recusava-se a ficar impressionada.

— Talvez ajude se ele carregar uma placa aler­tando as pessoas para se manterem a distância — ela sugeriu, irônica.

Francês não teceu nenhum comentário. Sara era uma jovem linda e Nick, um belo rapaz solteiro. Por­tanto, parecia lógico a Francês que ambos se sentis­sem atraídos. Como mãe de jovens adultos, ela re­conhecia os sinais da atração mútua disfarçada de hostilidade.

— São nove horas. Você trabalhou a noite toda. — Francês sorriu para Sara. — Por que não encerra o expediente?

— Ainda não — Sara recusou a sugestão. Munida da informação que Francês lhe fornecera, tinha cer­teza de que podia resolver o problema com o recal­citrante computador.

Francês observou Sara retirar-se e passar bem lon­ge da mesa dos Crighton. Havia gostado da jovem desde o primeiro instante, pressentindo a corajosa determinação aliada a um fabuloso senso de humor. Era evidente que a boa aparência causaria um furor!

— Nick — Tullah chamou-o, enquanto observava a forma sinistra com que o cunhado encarava a mu­lher determinada a evitar a mesa deles.

— Querida cunhada — ele brincou sem desviar a atenção da mulher. — Você reparou no olhar que ela lançou para mim?

— Vi o jeito que você olhou para ela — Tullah rebateu.

— Exato — Saul concordou. — Você não foi nada gentil com ela, Nick. Aliás, é uma linda garota — acrescentou e riu quando Tullah o beliscou.

— Linda mesmo — Nick murmurou. Contudo, não sabia por que reagira tão negativamente a ela. O senso comum lhe dizia que a dor que sentira no ins­tante em que ela colidiu em seu ferimento ainda por cicatrizar fora um mero acidente. Logo, além de acei­tar as desculpas da moça, deveria ter se esforçado para causar uma boa impressão a fim de deixá-la à vontade.

Por que não o fizera?

Com certeza, não foi por causa da onda sensual que sentiu, tampouco devido ao frisson que o domi­nou quando ambos os corpos colidiram. Afinal, já experimentara desejo físico por várias mulheres.

Desejo físico, sim, mas não a repentina sensação de perigo, a súbita consciência instintiva...

— Tem razão — ele anunciou, embora Tullah e Saul nada houvessem dito.— Comportei-me muito mal. Portanto, devo me redimir. Pergunto-me aonde ela foi.

— Francês deve saber — Tullah arriscou. — Ela conversava com a moça.

Por ser um cavalheiro, Nick levantou-se.

— Sara? — Francês respondeu à pergunta de Nick. — Ela está no escritório. Eu a contratei para subs­tituir nossa gerente.

Pensativa, Francês observou-o caminhar entre as mesas, em direção ao escritório.

Sara exclamou de satisfação quando, enfim, o com­putador obedeceu-lhe. Nick a escutou ao abrir a por­ta do escritório. Ela fitava o monitor com os olhos cintilantes de triunfo. Era mais que bonita, Nick no­tou, sentindo o coração bater acelerado.

Pressentindo a presença de alguém, Sara virou-se e prendeu a respiração quando percebeu quem era o intruso.

— Francês me disse que eu a encontraria aqui — Nick explicou. Reparou que o corpo tornou-se tenso e a expressão, hostil.

Imediatamente, seu corpo e emoções reagiram.

— Devo-lhe desculpas — ele começou.

— E verdade. Mas você é um Crighton e, como tal, nunca pede desculpas, principalmente às mulheres...

Atônito, Nick a encarou. A reação foi tão inespe­rada e extraordinária que o pegou de surpresa.

— O que... — Para incrementar sua fúria, notou que Sara o ignorava, concentrando-se na tela do com­putador como se Nick não existisse.

As mulheres nunca ousavam ignorá-lo. Jamais! En­quanto uma parte dele assimilava o choque, a outra enfurecia-se ante tamanho atrevimento.

— Escute aqui — ele esbravejou. — Não tem o direito de fazer esse tipo de declaração sem maiores explicações. A medida que falava, Nick se aproxima­va da mesa. Quando ele chegou bem perto, Sara pôde sentir o calor da ira que exalava do corpo másculo. De fato, o homem transmitia somente virilidade. Al­to, musculoso, de olhos tão escuros que podiam ser negros, e não azuis como na realidade eram.

Excitação e medo a envolviam. A cautela lhe dizia que havia ido longe demais. Mas Sara não estava disposta a ouvir a voz da razão. Não, já escutava o canto traiçoeiro da sereia ordenando que desse a Nick o que ele merecia.

Mais uma vez, Sara o ignorou e continuou a tra­balhar.

Era o suficiente. Irritado, Nick precipitou-se a ela a fim de segurar-lhe as mãos para que Sara parasse de manusear o teclado. Porém, no instante em que os dedos se tocaram, um poder sensual percorreu-lhe as veias, eliminando as sensações que o primeiro contato causara.

— Solte-me — Sara vociferou, tão pálida quanto no momento em que esbarrou nele no restaurante. No entanto, os olhos mostravam a intensidade do sentimento.

E o que ela estava sentindo era... Por instinto, Nick sabia que Sara percebera a química sexual que fluía entre ambos.

Para um homem acostumado a controlar as emo­ções, o que ele experimentava era totalmente in­compreensível.

— Vim até aqui para me desculpar — Nick repetiu. Colérica, Sara empinou o nariz e o encarou. Mas

a réplica sarcástica que pretendia dar morreu em seus lábios quando, por uma razão inconcebível, ela se viu mergulhar naqueles olhos azulados.

Ao mesmo tempo em que observava os próprios atos, Nick estava ciente das ações e de sua incapacidade de detê-las. Pareceu-lhe uma eternidade, embora sou­besse o contrário, ultrapassar a diminuta distância que os separava e cobrir os lábios de Sara com os dele.

A boca macia era quente e doce. Conforme a ex­plorava, Nick aumentava a intensidade do beijo.

Os sentidos de Sara tornaram-se mais afinados. Aquele beijo representava a realização de um sonho adolescente. Era o tipo de homem... o tipo de imediatismo sensual que não podia ser controlado ou contido. Por instinto, ela se entregou.

De repente, escutaram uma risada no corredor.

A realidade os interrompeu, quebrando o encanto. No mesmo momento em que ela o empurrou, Nick a soltou. Confusos, ambos se entreolharam. Eram dois pares de olhos que refletiam ressentimento e desejo ardente.

— Agora está tudo bem? — Tullah perguntou a Nick, quando ele retornou à mesa. Como Saul hou­vesse saído para pagar a conta, somente ela teste­munhou a expressão de assombro do cunhado.

— E claro — Nick mentiu, enquanto conduzia Tul­lah até a porta, onde Saul os esperava.

Os Crighton! As emoções de Sara eram um turbi­lhão caótico, e seu corpo encontrava-se em estado se­melhante. Tânia tinha razão a respeito deles.

 

                                           CAPITULO IV

Bom Deus, não sabia que era tão tarde! — Frederick de Voysey exclamou ao verificar o relógio. — Não fazia idéia. Nem me lembro de quando usufrui de um jantar tão excelente como este — ele agradou Honor.

— Vou levá-lo até Fitzburgh Place — David se ofereceu. De propósito, evitara ingerir bebida alcoó­lica com o intuito de transportar o primo de Honor.

A princípio, tivera certo receio de convidar Freddy para jantar no mesmo dia em que o padre estava chegando. Mas, como sempre, a intuição de Honor provou ser aguçada já que os dois homens, ambos com setenta anos, deram-se muito bem. Na verdade, a empatia foi tamanha que lorde Astlegh convidara o padre para um jogo de xadrez na semana seguinte.

— Em termos de religião, eles pertencem a pólos opostos — Honor comentara quando David confessou seu receio. — Mas, em se tratando de ajudar ao pró­ximo, são muito semelhantes e certamente isso é o mais importante.

E assim aconteceu. Pelo tom da conversa de Fred­dy, David suspeitava de que não tardaria ao padre envolver-se em outra "missão". Contudo, agora era visível o cansaço do bom homem. Afinal, ele tinha chegado da Irlanda havia poucas horas.

— Creio que seja hora de me recolher — padre Ignatius anunciou.

A porta da frente, Honor beijou o primo com ex­trema afeição.

— Tenho planos para melhorar o pomar — ele avisou-a. — Quando puder, vá me visitar.

— Farei isso — Honor garantiu.

Após fechar a porta, ela sorriu ao padre.

— Gostaria de esperar David voltar ou prefere ir direto para cama?

— Direto para cama, se não se importar — Igna­tius confirmou.

Fora uma longa jornada desde a Irlanda, mas o cansaço transmitia uma certa paz. Ele havia ido àquele país com o objetivo de retornar ao local onde sua trajetória religiosa começara. Agora podia esta­belecer-se na região de Cheshire. Padre Ignatius en­contrava-se no lugar onde seria seu último lar na Terra.

Permitiu que Honor o acompanhasse até o apar­tamento que tinham preparado para ele. Os cômodos possuíam o teto rebaixado, um detalhe que ele sabia ser proposital. Teria sido idéia de Honor ou de Da­vid? Não importava. Sentia-se confortável ali. E fora gentil da parte de ambos ter a sensibilidade de pro­porcionar tal conforto a ele.

Os livros organizados em uma estante simples fo­ram idéia de David, e Ignatius o teria deduzido mes­mo que Honor não lhe tivesse confidenciado que o marido passara dias percorrendo antiquários para escolher os volumes.

Tratava-se de livros sobre a Jamaica. Ele selecionou um, acariciou a capa de couro e o abriu, inspi­rando o odor familiar das páginas. Havia edições como aquela no colégio jesuíta onde se educara. Quanto tem­po se havia passado desde então...

— Acha que padre Ignatius está bem acomodado? — David perguntou a Honor, uma hora depois.

Ambos estavam deitados na cama. Enquanto aguar­dava a resposta, ele acariciava a curva do pescoço da esposa com os lábios. Existia algo de adorável e quase juvenil naquele gesto. Fechando os olhos, Da­vid inspirou o perfume de Honor. Tinha sorte e fora, sem merecer, abençoado.

— Ele só está cansado — Honor assegurou-o. — Com certeza, divertiu-se na companhia de Freddy.

— Certo, eu admito. Você tinha razão quando dis­se que eles se dariam bem. — David riu.

— Olívia e Caspar voltariam hoje, não? — Honor indagou.

— Sim — David respondeu, solene.

No mesmo instante, Honor se virou e o encarou.

— Dê tempo a ela, David. Sei que está ansioso para mostrar quão importante Olívia é para você, mas...

— Minha filha me odeia, Honor — David interveio com tristeza. — Posso senti-lo.

— Não é você que ela odeia — Honor afirmou sa­biamente. — É a si mesma. Pobre Olívia.

— Sou o responsável por tanto sofrimento.

— Em parte, é.

— Fui um péssimo pai — ele reconheceu.

— Sim. Você foi um péssimo pai, David.

— Quero corrigir meus erros, porém Olívia não me deixará chegar perto dela.

— Dê tempo a ela — Honor repetiu.

Ela podia enxergar a dor e frustração nos olhos do marido.

— De alguma maneira, é mais fácil com Jack — David prosseguiu. — Ele é...

— Homem? — Honor completou.

— Não — David negou de pronto.

— Mas é isso que Olívia irá pensar, David. A res­ponsabilidade não recai somente sobre você. Seu pai... — Ela se deteve.

— Olívia é minha filha. Eu devia tê-la protegido dos preconceitos de meu pai. — David fechou os olhos, angustiado. — Ora, você não precisa escutar tudo isso.

— Claro que preciso — Honor o contradisse. — Faz parte do amor compartilhar tristezas e felicidades.

Sorrindo, ela o segurou pelo rosto e, docemente, começou a beijá-lo.

— Mais... — David murmurou, e tomou-a nos braços.

Jenny verificou a lista de compras. Parecia breve, mas agora, afinal, necessitava de mantimentos ape­nas para duas pessoas. Joss havia viajado para a América a fim de visitar a tia de Jon, Ruth, que lá morava com o marido americano. Seria a última opor­tunidade do rapaz de viajar antes que os exames escolares começassem.

Joss e Ruth eram muito amigos. Jenny sorriu ao lembrar-se do filho e da tia do marido juntos. Possuíam um temperamento especial, serenidade e sabedoria que afetavam qualquer um que os conhecesse. 0 telefone tocou e ela foi atendê-lo.

— Jen, sou eu — Jon disse. — Não me espere para jantar. David pediu-me para ir a Fitzburgh Place a fim de visitar lorde Freddy. Ele quer discutir negó­cios comigo.

— David irá com você? — Jenny não conseguiu evitar o tom amargo.

— David? — Jon parecia confuso. — Não sei. Tal­vez. Por quê?

— Por nada. — Jenny podia imaginar como Jon reagiria, caso ela se queixasse, tal qual uma criança, da ausência do marido. Naquela tarde, por exemplo, Jon havia saído para jogar golfe e ela o esperava em uma hora ou mais.

Na volta das compras, Jenny decidiu, passaria na casa de Olívia para ver se poderia ajudar a sobrinha.

— Mamãe... mamãe... Acorde. Estou com fome. Olívia abriu os olhos ao ouvir a voz de Alex. O

coração disparou tão logo verificou o relógio. Eram dez horas. Sempre levantava às seis. Podia sentir o familiar arrepio gélido, enquanto o medo fluía pelas veias. A pele tornou-se fria.

Mais que tudo, ela desejava permanecer onde es­tava, na cama, cobrir-se com o edredom e esquecer os problemas. Mas não podia. Tinha responsabilidades, deveres, duas filhas e um trabalho.

Mentalmente, começou a listar as tarefas do dia. Havia roupas para lavar, o uniforme das meninas, as notas referentes ao caso que advogava... supri­mentos para comprar... comida a preparar... a casa necessitava de uma faxina. O coração batia ainda mais disparado agora que sua ansiedade aumentava.

— Mamãe — Alex persistia. — Estou morrendo de fome!

Olívia pressentia o grito que se formava em sua garganta, mas não podia proferi-lo. Não era culpa de Alex o fato de ela sentir-se assim. Aliás não tinha o direito de estar daquele jeito. Era uma mulher, mãe, esposa... Agora não mais.

Caspar... De súbito, seu corpo inteiro começou a tremer.

— Mãe! — Alex já estava chorando e Olívia per­cebeu o medo da filha.

Mais que todos, as crianças precisavam de segu­rança e amor. E Olívia sabia disso muito bem.

— Estou acordada, querida — disse à filha. — Vou me levantar agora. Vã para baixo e espere por mim.

Caspar... Caspar... Por que ele não havia enten­dido? Por que não á ajudara? Por que não a amava? Ninguém jamais a amara...

Ao entrar no banheiro, ergueu a mão trêmula e enxugou as lágrimas.

Lágrimas! Mas Olívia nunca chorava...

Eram cinco horas da manhã e o céu continuava escuro. Caspar ergueu a cabeça. A seu lado jazia um brinquedo para Alex. Ele o encontrara depois que a filha partiu. Gentilmente, tocou o objeto com os de­dos. Doía-lhe o peito de tanta saudade que sentia das filhas — e da esposa? Olívia ainda era sua mu­lher, mas não mais representava a pessoa com quem havia se casado, aquela pela qual se apaixonara e que também o amara.

Teriam de sentar e conversar. Caspar não preten­dia bancar o pai somente nos finais de semana, mas agora...

Naquele exato momento, trancada na garagem da casa de seu meio-irmão, onde passava a noite, estava a brilhante motocicleta Harley-Davidson que ele com­prara no dia anterior. Tão logo amanhecesse, preten­dia iniciar a jornada que havia prometido a si mesmo realizar: atravessar a América de costa à costa.

— Vai fazer o quê? — seu pai perguntara, incré­dulo. — Caspar, um homem de sua idade não pode pilotar uma moto dessas. E para garotos.

Moveu-se desconfortável na cama que parecia ain­da maior e vazia sem a presença de Olívia a seu lado.

Muito tempo havia se passado desde a última vez em que partilharam alguma intimidade.

Fechou os olhos e tentou lembrar-se de quando fora essa última vez, certamente antes de Alex nas­cer. Ela fora um bebê irritadiço, obrigando Olívia a levantar-se várias vezes durante a noite a ponto de fazê-la dormir no quarto da criança. Ambos concor­daram que seria injusto com Amélia se levassem o berço de Alex para a suíte deles. E depois disso?

Depois disso, Olívia dedicou-se tanto ao trabalho que quando se deitava, exausta, era apenas para dormir.

Foi naquela época que o sexo deixou de ser um prazer para os dois, transformando-se em uma troca relutante para Olívia a qual Caspar precisava bar­ganhar?

Amar uma pessoa não incluía somente sexo. Mas Olívia não queria o amor dele, tampouco seu corpo. Desolado, Caspar fechou os olhos.

— Jon!

Jon sorriu ao ver o irmão gêmeo recebê-lo quando saiu do carro em Fitzburgh Place.

— Vim pegar algumas plantas da estufa para Ho­nor e resolvi ficar para esperá-lo — David explicou depois que se abraçaram. — Olívia e Caspar devem ter voltado ontem, certo? — A pergunta de David deixou Jon compadecido. — Imagino que ela tenha passado em sua casa para visitar Jenny e contar da viagem.

Jon respirou fundo.

— Não, ela não passou em casa. — Não havia uma maneira fácil de contar ao irmão o que acontecera.

— Livy voltou, David, mas Caspar ficou na Améri­ca. Eles se separaram.

— O quê?

Jon pôde ver a expressão de choque no rosto de David.

— E sério — reforçou. — Mas não sei de maiores detalhes.

— Preciso vê-la — David decidiu. — É minha fi­lha... sou... — Ele se calou, mergulhado em tristeza.

— Pretendia dizer que sou o pai dela, mas é claro que não mereço esse papel.

— Sei como deve estar se sentindo — Jon o con­solou. — Por que não espera até Jenny conversar com Livy?

— Você sabe se minhas netas vieram com ela?

— Sim, vieram — Jon confirmou.

David soltou um suspiro profundo. Estava ansioso para se aproximar das meninas, ser para elas tudo que não pôde ser para a filha. Só de observar Jon com os filhos de Max e Maddy sentia uma necessi­dade doída de abraçar as netas. Naquele momento, sofria da mesma urgência em relação a Olívia, em­bora fosse adulta.

— A propósito, devo avisá-lo de que papai não está contente por ter convidado padre Ignatius para mo­rar com você — Jon informou, contrariado.

— Eu sei, ele me disse. — Mas não acrescentou que Ben o subornara, alegando que, se David e Ho­nor fossem morar com ele em Queensmead, Ben pas­saria a propriedade para o nome de ambos.

— Queensmead! Você prometeu a propriedade a Max — David lembrara seu pai. — Maddy despen­deu uma fortuna de tempo e esforço para manter o lugar e...

— Tolice dela. Nunca pedi nada — Ben retrucara, rabugento.

Honor havia ficado indignada quando David lhe contara o que o pai dissera.

— Quando penso no jeito amoroso com que Maddy cuida de Ben — ela desabafara —, percebo quão egoís­ta e chauvinista ele é.

— Isso e muito mais — David concordara, conten­do a fúria. — O que foi? — questionara Honor ao notar o semblante sério da esposa.

— Embora seja relativamente saudável, Ben tem problemas de coração. Ele me disse isso e confirmei o fato com Maddy.

— E muito grave? — David perguntara.

— Não tenho certeza. Mas não é recomendável que se exceda tanto física quanto emocionalmente. Ben já passou dos oitenta anos, David — Honor ha­via acrescentado, cuidadosa.

— Entendo. Mas o fato de ter problemas cardíacos não lhe dá o direito de magoar os outros, em especial alguém como Maddy.

— Ben não pode magoar Maddy — ela afirmara, veemente. — Está protegida pelo amor de Max.

Não, Ben não podia ferir Maddy, mas havia ma­goado Olívia, que deveria ter tido o amor do próprio pai como proteção.

— Não vou entrar na casa com você, se não se importar — David disse a Jon, de repente.

No mesmo instante, Jon deduziu que o irmão pre­tendia confabular com Honor acerca do que acabara de saber a respeito de Olívia.

David encontrou Honor na cozinha com padre Ig­natius, que descascava batatas para o jantar.

— Fui à missa esta manhã — o padre lhe contou. — Gosto de sua igreja.

Paciente, David esperou que o amigo terminasse para se dirigir a Honor.

— Vi Jon em Fitzburgh Place. Olívia e Caspar se separaram.

— Oh! David! — Honor exclamou e o abraçou.

— Quero vê-la, Honor, conversar com ela, ajudá-la...

— Não creio que...

— Ela não quer me ver. Jon já me disse isso — David adiantou-se.

— Talvez eu pudesse ir falar com ela — padre Ignatius se ofereceu.

David riu e meneou a cabeça.

— Olívia se mostrará tão relutante para recebê-lo quanto o faria comigo. Você está marcado por ser meu amigo. Sinto muito — ele se desculpou com os dois. — Sei que estou exagerando.

Honor teve vontade de aconselhá-lo a esperar um pouco mais, porém, sendo intuitiva, pressentia que Olívia não tinha tanto tempo. Compadecia-se com a mulher que agora era sua enteada e almejava poder ajudar Olívia e, por conseqüência, David.

Tal qual o padre, ela também possuía uma missão: curar e reparar os danos que a vida infligia a seus entes queridos. Contudo, suspeitava de que Olívia estava prestes a se fechar para qualquer ajuda.

 

                                                 CAPITULO V

Mas não posso ficar no hospi­tal. Tenho família, três filhos, um marido e minha casa... — O desabafo de Maddy perdeu-se no silêncio do consultório médico.

— Creio que não exista outra opção. Não no está­gio em que se encontra — o obstetra explicou-lhe. — Sua pressão sanguínea está alta e há proteína nos testes que fizemos.

O médico e a enfermeira trocaram olhares.

— Pena você não ter podido vir à última consul­ta. Teríamos descoberto o problema antes que se agravasse.

Maddy mal acreditava no que estava ouvindo. Era evidente que engordara mais nesta gravidez que nas anteriores e ainda sofria a valer com tornozelos e pernas inchados. Entretanto, saber que começava a mostrar sinais de pré-eclampsia e que, para sua so­brevivência e a do bebê, teria de permanecer no hos­pital a fim de monitorar a pressão sanguínea a dei­xou em estado de choque.

— Por que não telefona para seu marido? — a enfermeira sugeriu, cuidadosa.

Max achava-se no meio de uma reunião com a pro­curadora de um cliente quando o celular tocou.

Enquanto Maddy tentava relatar o acontecido, Max pôde perceber o medo e a dor na voz da esposa. Ela estava muito doente... sua Maddy, e também assustada.

— Lamento — ele disse à advogada. — Mas tenho de encerrar a reunião. Minha mulher não se sente bem.

A procuradora, uma mulher sofisticada e de altís­sima reputação, cerrou os lábios. Havia pego o pri­meiro avião de Londres para comparecer àquele en­contro e não estava acostumada a lidar com colegas que priorizavam as esposas.

Por outro lado, havia algo mais que irritação pro­fissional. Max era um homem atraente e bonito. Ela não costumava envolver-se com charmosos associa­dos, mas pensara em sugerir a Max um jantar após a reunião. Até considerara comprar um vestido que vira em uma butique elegante a caminho do escri­tório de Max. No entanto, agora não precisaria de nenhum traje sedutor para vestir naquela noite.

Max levou vinte minutos para chegar ao hospital. Encontrou Maddy sentada no leito em um quarto particular.

Ele se aproximou e, quando a tomou nos braços/ Maddy caiu em prantos.

— O que aconteceu? O que é? — Max indagou, ansioso, tirando os cabelos do rosto que tanto amava sentindo o coração bater em disparada.

Maddy era tão preciosa para ele, representava o alicerce sobre o qual sua vida fora construída.

A medida que ela lhe explicava a situação, Max tentou imaginar como conseguiria viver caso a per­desse. Todos os pecados que cometera no passado vieram à tona, tratava-se de seu mais profundo te­mor, o medo de que o mesmo destino que lhe dera tanto e perdoara muito preferisse, maldosamente, puni-lo através do que ele mais amava.

E, em sua vida, não havia ninguém que mais amasse além de Maddy.

De modo racional, sabia que tais temores eram infundados e ilógicos, mas a mesma força que lhe mostrara os erros e abrira a porta de seu coração para o amor, também fizera surgir nele o pavor de perder aqueles que amava.

Ele escutava Maddy dizendo-lhe algo.

Para além das batidas frenéticas de seu coração, Max ouvia a voz de Maddy. Determinado, concen­trou-se no que ela dizia.

O obstetra informara que Maddy estava sofrendo de pré-eclampsia, uma condição que, caso não fosse tratada, ameaçaria a vida dela e a do bebe. O tra­tamento ideal, portanto, seria mantê-la no hospital, onde o progresso poderia ser monitorado. Sendo as­sim, ela não teria permissão de voltar para casa até que o médico estivesse certo de que haveria melhora.

Uma enfermeira apareceu no quarto e avisou Mad­dy que precisava manter-se calma.

— Posso ver o Dr. Lewis? — Max perguntou à mulher.

— Ele está com outra paciente no momento e não sei quando estará disponível.

— Vou esperar — ele informou em um tom que não admitia protestos.

— Oh! Max, estou tão apavorada — Maddy con­fessou. — E sinto-me culpada. Se eu não houvesse faltado à última consulta pré-natal, o médico teria descoberto o problema a tempo de poder reverter o quadro. Mas Ben estava mal e...

Seu avô! Max fechou os olhos a fim de controlar a raiva.

— Você vai ficar bem — tentou tranqüilizar Mad­dy. — Você e o bebê.

Dez minutos mais tarde, depois de pedir-lhe para não se preocupar e prometer ligar para Jenny, pegar as crianças na escola e trazer uma maleta de roupas ao hospital, Max beijou a esposa e seguiu a enfer­meira que o levaria até o obstetra.

— Não há nada que possa fazer?

— No sentido de fazer com que tal condição desa­pareça, não — o médico respondeu. — Mas manter o quadro sob controle, sim. Nosso prioridade é baixar a pressão sanguínea de Maddy e, para tanto, temos de interná-la no hospital. Tão logo a pressão esteja controlada, ela poderá voltar para casa. Porém, não deverá cometer excessos de nenhum tipo.

— E se você não conseguir baixar a pressão? — Max arriscou.

O médico levantou-se e caminhou até a janela do pequeno consultório, ficando de costas para Max.

— Isso é inconcebível.

— Mas e se acontecer? — Max persistiu. Houve uma longa pausa antes de o Dr. Lewis res­ponder.

— Se a condição seguir seu curso até o final do terceiro mês de gravidez, a placenta irá se deteriorar e, obviamente, afetará o bebê. Na maioria dos casos — ele encarou Max —, quando isso acontece, a mãe sofre convulsões, as quais, na pior das hipóteses, da­nificam o cérebro da mãe e do bebê levando à morte de ambos.

Pálido, Max fitou o médico sem nada dizer.

— Hoje em dia, o risco de isso acontecer é mínimo — prosseguiu o obstetra. — Como lhe expliquei, ago­ra que detectamos o problema, poderíamos levar a pressão sanguínea de sua mulher ao normal e man­tê-la estável.

— Você disse poderíamos — Max interveio. — E se não puder? — perguntou, temendo a resposta.

Novamente, houve um profundo silêncio antes de o médico manifestar-se.

— Se existir qualquer tipo de ameaça à vida de sua esposa, então teremos de discutir a possibilidade de interromper a gravidez.

— Maddy está sabendo disso tudo?

— Não. A essa altura, não acredito que seja ne­cessário ou construtivo incrementar a ansiedade de Maddy. E devo enfatizar que me refiro à pior das hipóteses.

— Não admitirei, de forma alguma, colocar em risco a vida de Maddy — Max anunciou ao obstetra.

— Mesmo que isso signifique... sacrificar o bebê. O médico o fitou, solidário.

— Aconselharemos você e sua esposa quanto ao melhor curso das ações referentes ao desenvolvimen­to da gravidez.

Desesperado, Max fechou os olhos. Sabia como Mad­dy reagiria. Era o tipo de pessoa que sempre colocava a necessidade alheia em primeiro lugar, ainda mais em se tratando do próprio filho.

Em pensamento, Max amaldiçoou a si mesmo pelo fato de ela estar grávida. Já haviam formado uma família de três filhos. Viu-se, de repente, desejando que a quarta criança nunca fosse concebida dado o perigo que a gravidez representava para Maddy. Odiou-se ainda mais por viver tal sentimento. Sem dúvida, o melhor que poderia acontecer seria inter­romper aquela gravidez.

Não seria uma atitude natural, visando o bem-estar de Maddy, eliminar o perigo que a ameaçava?

A culpa queimou-lhe a alma ao dar-se conta de um pensamento tão cruel. A morte do próprio filho que nem sequer havia nascido.

— Se a vida de Maddy estiver em risco, vocês po­dem agir — ele argumentou, mas o médico negou, veemente.

— Só recomendaríamos o término da gravidez se a vida de sua mulher estivesse gravemente ameaça­da, mas teríamos de consultá-la primeiro — disse o Dr. Lewis.

Ele lamentava por Max, porém a vida de seus pa­cientes representava sua primeira preocupação. E, nesse caso, os pacientes eram Maddy e o bebê ainda em formação. E havia outro problema que ele preci­sava revelar a Max.

— Sua esposa está com dezoito semanas de ges­tação — o médico começou de forma brusca. — Vinte semanas é o prazo máximo para efetivar o término da gravidez. Depois disso...

— Depois disso, o quê? — Max podia sentir o gosto amargo do medo em sua boca. — Nesse caso, restam apenas duas semanas para baixar a pressão sanguí­nea de Maddy.

— Estou ciente disso — o obstetra concedeu. — Foi uma infelicidade Maddy ter faltado à consulta pré-natal. Do contrário, poderíamos ter detectado o problema e alterado o quadro. — Dr. Lewis respirou fundo antes de continuar. — Imagino como deve es­tar se sentindo, mas tenho bebês prematuros sob meus cuidados que sobreviveram ao nascimento com vinte e três semanas. Abortar... — Ele se calou ao divisar as turbulentas emoções que Max tentava controlar.

— Maddy nunca concordará em sacrificar o bebê

— Max desabafou. — Preferirá sacrificar a si mes­ma. — Como o médico nada dissesse, ele protestou:

— Pelo amor de Deus, sou eu quem deve tomar a decisão e arcar com a responsabilidade. Ela é minha mulher. Já temos três filhos.

Max podia sentir o calor das próprias emoções quei­marem-lhe os olhos. Seria então o destino que o pu­nia? Ao celebrar a união, reafirmando as juras de amor, ele quase que literalmente semeou a morte de Maddy?

— Estamos falando de uma situação que talvez não chegue a ocorrer — Dr. Lewis lembrou-o. — Se Maddy responder bem e rapidamente ao tratamento, ela e o bebê estarão fora de perigo. E necessário, claro, que ela não seja submetida a nenhum tipo de aborrecimento ou pressão. — Ele encarou Max. — Espero ter sido claro.

Max assentiu. Sabia que o médico o alertava para não discutir a situação com Maddy, muito menos expressar o próprio sofrimento.

— Entendi. Preciso buscar as crianças na escola, mas quero sua permissão para trazê-las aqui a fim de verem a mãe.

— Sim, você tem minha permissão — Dr. Lewis concordou, após uma pausa.

— E quero passar a noite aqui com ela — Max prosseguiu.

Com um suspiro profundo, o médico assentiu.

— Mas se eu vir qualquer sinal de aborrecimento ou tensão em sua esposa, serei obrigado a pedir que você e seus filhos se retirem.

Atormentado, Max baixou o rosto.

O celular de Jenny tocou no momento em que ela saía do supermercado com a intenção de visitar Olívia. Ao atender, escutou a voz de Max.

— Mãe...

— O que houve, Max? — Ela pressentiu a tensão no filho.

— Estou no hospital.

— Hospital? — Jenny apertou o telefone. — O que aconteceu... Ben?

— Não, é Maddy. Ela está sofrendo de pré-eclampsia. Ainda não sei o que vai acontecer — ele conti­nuava, ignorando as perguntas ansiosas de Jenny. — Mas o médico quer mantê-la aqui. Esse é um dos motivos pelos quais estou ligando para você. Poderia ir a Queensmead e verificar Ben? E, mãe, precisa­remos de sua ajuda com as crianças também.

— Não se preocupe — Jenny assegurou-o. — Sabe que o ajudarei em que precisar.

— Estou indo buscá-las na escola. Pretendo trazê-las até o hospital para ver Maddy. Se puder vir pegá-las, passarei a noite aqui com Maddy.

— É claro — Jenny concordou de pronto. — Vou até Queensmead agora para ver Ben.

Ela sentiu o alívio na voz de Max quando este lhe agradeceu. Ao ligar o motor do carro, Jenny notou que as mãos tremiam. Todos eles adoravam Maddy, sua natureza suave, a calma gentil, a habilidade de encontrar lugar em seu generoso coração até para pessoas intolerantes e difíceis como Ben.

Com esmero e paciência, Maddy havia transfor­mado o casarão frio e sem vida de Queensmead, o centro nevrálgico da família Crighton que ninguém gostara de visitar, em um lar caloroso. O trabalho que realizava para a instituição Mães e Bebês era de valor incalculável. Ela surpreendera a todos, in­clusive a si mesma, não só com seu talento adminis­trativo, como também angariando fundos. Por mais ocupada que estivesse, Maddy sempre achava tempo para os necessitados.

Max a amava profundamente e se algo aconteces­se a ela... Jenny sabia quão séria era a condição da nora e estava ciente do perigo que ela corria.

Segurou com força a direção do carro. A primeira coisa que fez ao chegar em Queensmead foi telefonar para Jon, mas o celular do marido caía somente na caixa postal. Agastada, Jenny jogou o telefone na bolsa sem deixar uma mensagem.

Ben dormia em sua poltrona quando ela entrou na biblioteca. Acordou-o devagar.

— Onde está Maddy? — ele indagou, irritado. — Estou com fome. Deve estar passeando com Max, suponho. Ela tinha de ficar aqui cuidando de mim, agindo como se esta casa fosse dela. Preciso tomar providências.

Reprimindo a indignação, Jenny explicou ao sogro o que havia acontecido. A família inteira fazia concessões para o sempre irascível Ben, que jamais acei­tou a morte do irmão gêmeo. E, para piorar, ele vi­nha fazendo comentários maldosos e irônicos a res­peito de Maddy e Max e do futuro daquela casa,

— David prometeu que, se papai deixar Queensmead para ele, imediatamente passará a escritura da propriedade para seu nome — Jon tentara asse­gurar Max.

No entanto, Jenny sabia que Max sentia-se bas­tante preocupado a ponto de comprar um terreno do outro lado da cidade, no qual esperava construir uma casa para si, caso Ben levasse adiante suas ameaças e o deserdasse.

Quando Jenny entrou no hospital, encontrou o fi­lho e os netos na sala de espera. Ele correu para abraçá-la.

— Posso vê-la? — Jenny perguntou, após beijar as crianças.

— Ela está dormindo agora — Max avisou-a. — É tudo minha culpa — acrescentou, emotivo.

O sofrimento estampado nos olhos do filho cortou o coração de Jenny. Em silêncio, ela o abraçou na tentativa de consolá-lo, mas estava tão assustada quanto ele.

— A medicina está tão avançada hoje em dia — Jenny comentou, esperançosa.

— Eu devia ter presumido... Sabia que ela não andava se sentindo bem. — O voz soava rouca. — Onde está papai? — ele indagou, de repente. — Pen­sei que ele viesse com você.

— Seu pai está em Fitzburgh Place. Pelo jeito, David ligou para ele enquanto jogava golfe e disse-lhe que lorde Astlegh queria vê-lo.

Jenny forçou um sorriso. Diante da agonia que o filho estava vivendo, a última coisa que queria era mostrar-lhe quão enciumada se sentia.

— Vou levar as crianças para casa e não se preo­cupe com mais nada. Ficarei em Queensmead com elas e as levarei à escola amanhã de manhã.

Da janela da pequena sala que usava como escri­tório, Olívia podia ver Amélia e Alex brincando no jardim. Por enquanto, pareciam felizes em aceitar que Caspar ficara na América, mas em breve senti­riam falta do pai e fariam perguntas.

Ficariam tristes, claro. Elas adoravam Caspar. No entanto, estariam melhor vivendo somente com a mãe em uma atmosfera saudável a suportar o tipo de sofrimento que Olívia conhecera quando criança sa­bendo que os pais eram infelizes juntos.

A agitação aumentou e o coração disparou com aquela familiar intensidade. Olívia odiava o medo que ameaçava cindi-la, detestava a sensação de per­da de controle que ele trazia.

Puxou os cabelos para trás e esfregou a nuca com o intuito de aliviar a dor de cabeça. Passara a última hora lendo as anotações que fizera antes de viajar. Porém, em vez de acalmá-la, diminuir a ansiedade, o trabalho apenas aumentara o incomodo.

Pensou em Jenny e olhou, aflita, o telefone. A tia não ligara para ter notícias. Mas por que o faria? Olívia era somente a sobrinha. Jenny tinha filhos e filhas que eram mais importantes que Olívia. E ha­via também os netos... os quais a tia amava mais que a Amélia e Alex.

Teimosa, Olívia engoliu a dor que a raiva causa­va-lhe na garganta.

Tânia, sua mãe, jamais vira as netas.

— Querida, eu adoraria ver o bebê — ela anun­ciara ao telefone após o nascimento de Amélia. — Mas não há meios de eu voltar a Haslewich... — Olívia lembrava-se de ter imaginado o tremor do frá­gil corpo da mãe ao proferir tal palavra. — E mesmo que eu pudesse, sei que meu adorado Tom não per­mitiria. Ele não acredita quão cruel seu pai foi co­migo. E receio que não possamos convidá-la para vir até aqui. Não temos espaço...

E era óbvio que sua mãe não queria criar espaço. Olívia soubera disso na época, mas para amenizar o sofrimento havia Jenny, pronta para recebê-la de braços abertos e tornar-se a adorável avó substituta para as meninas.

Então,-um após o outro, os filhos de Jenny se ca­saram e produziram netos para ela, e Olívia teve de se distanciar um pouco devido ao instinto maternal de proteger as filhas do abandono que ela própria havia sofrido.

A toda parte, Olívia parecia não ser tão valorizada quanto as outras pessoas. Nem mesmo os próprios pais a tinham amado de verdade. E Ben, seu avô, elegera Max o seu preferido só para espezinhá-la.

No trabalho, ela tentara provar que podia dar du­ro como qualquer homem. Até Gaspar, que ela pen­sava amar, escolhera estar com a própria família e não com a esposa.

Do lado de fora o sol brilhava, radiante. Mas tudo que Olívia podia ver era o futuro cinzento que se estendia a sua frente.

Jon achou estranho encontrar a casa vazia. Onde estaria Jenny? Sabia que ela havia planejado visitar Olívia, mas imaginara que voltaria cedo.

O aroma familiar do jantar de domingo não inva­dia a imensa cozinha, também deserta como o resto da casa onde não reverberavam os ruídos das crian­ças e dos amigos. Com remorso, lembrou-se de quan­tas vezes, quando os filhos eram adolescentes, dese­jara momentos de quietude. Instantes em que ele e Jenny pudessem ficar a sós. E agora que tinham tempo... Preocupado, Jon franziu o cenho.

Se o início do casamento fora difícil, os últimos anos revelaram-se mais que compensadores devido à felicidade e ao amor que havia recebido. A desco­berta de que Jenny, com quem se casara acreditando que ela jamais o amaria, investira tanta dedicação ao casamento trouxera uma nova vida à relação tam­bém em termos sexuais.

Agora, no entanto, Jenny parecia não desejá-lo mais. Jon gostava de vê-la entretida com tarefas im­portantes. Apesar de ter vendido sua parte no anti­quário para o sócio Guy Cooke, ela agora desempe­nhava um papel fundamental da instituição Mães e Bebes que sua tia Ruth havia fundado. Encontrava-se envolvida com a comunidade local tanto quanto dedicava-se aos filhos e aos netos.

Ainda intrigado, Jon discou o número do celular de Jenny. Em se tratando da esposa era incomum chegar em casa sem um bilhete informando onde es­tava ou a que horas iria voltar.

— Jenny?

Ao atender o celular, ela esquadrinhou a cozinha de Queensmead a fim de ter certeza de que as crian­ças comiam o jantar que havia preparado.

— Onde você está? — Jon perguntou.

— Em Queensmead.

— Sei... e a que horas vai voltar? Rapidamente, ela lhe explicou o que acontecera.

— Preciso permanecer aqui até que Maddy esteja recuperada.

Jon ficou perplexo com a notícia.

— Irei até aí — ele disse, e acrescentou: — Por que diabos não me telefonou imediatamente?

— Tentei — Jenny retrucou —, mas você não aten­deu. Creio que o encontro de negócios que David mar­cou entre você e lorde Astlegh era tão importante que não permitia interrupções.

Ao escutar o comentário afiado, Jon suspirou. Odia­va qualquer sinal de desarmonia entre eles e ma­goava-lhe saber que Jenny, a quem amava profun­damente; não estava tão contente com o retorno de David como ele.

— Sim, desculpe-me, acho que deixei o celular no carro — Jon contou. — Freddy abomina esses apa­relhos, de acordo com David.

Jenny ficou tensa. Mesmo agora, diante do pro­blema de Maddy, Jon insistia em priorizar David.

— Tenho de desligar — ela avisou e interrompeu a ligação antes que Jon pudesse objetar.

— Mamãe, este não é o caminho da escola — Amé­lia protestou.

— Sei que não é, querida. — Olívia avaliou o trá­fego. — Quero ver tia Jenny antes de levar vocês duas à escola.

Na verdade, precisava pedir a Jenny que fosse bus­car as meninas na saída da escola e, se possível, permanecer com elas até que Olívia voltasse do tra­balho. Sem dúvida, teria de contratar alguém para ficar com as filhas, mas isso levaria tempo e, por enquanto, necessitava desesperadamente da ajuda de Jenny.

Frenética, tentou listar as tarefas que deveria cum­prir. A escola precisava saber que Jenny pegaria as crianças, claro. A instituição administrava uma cre­che no período da tarde na qual Olívia podia matri­cular as meninas, se necessário. E, até encontrar uma babá satisfatória, Jon talvez permitisse que ela levasse trabalho para casa.

Tais encaminhamentos requeriam uma mudança em sua agenda. Alguns de seus clientes só tinham disponibilidade para vê-la após o expediente de tra­balho, por isso ela chegava tarde em casa tantas vezes.

Olívia suspeitava de que Jon já sabia da separação entre ela e Caspar. Podia imaginar como seria rece­bida por certos membros da família. Para aumentar sua angústia, Ben certamente a compararia a Max. Era evidente que Max possuía o casamento perfeito, tal qual era perfeito em tudo mais.

— Mamãe! — Amélia gritou a tempo de Olívia divisar o ciclista e desviar dele e não o atropelar.

— Esperem no carro — ela instruiu as meninas quando estacionou diante da casa de Jon e Jenny.

Depois de atravessar o gramado o mais rápido que podia, uma tarefa complicada já que usava salto alto e saia, ela abriu a porta da cozinha.

— Jenny! Sou eu, Olívia.

— Livvy!

Olívia estranhou ao ver Jon atarefado na cozinha e não Jenny.

— Eu estava a caminho do escritório —justificou-se na defensiva. — Queria saber se Jenny poderia pegar as crianças na escola hoje à tarde.

— Que pena, querida. Ela está em Queensmead — Jon contou-lhe.

Queensmead. O coração de Olívia disparou. Leva­ria mais de dez minutos para dirigir até o casarão. Mas tinha de ver Jenny. Sem deixar que Jon dissesse mais nada, ela correu até o carro.

Jon suspirou quando Olívia saiu. Não teve chance de explicar-lhe o que ocorrera. Já estava atrasado para encontrar um cliente àquela manhã. Não havia dormindo bem pois sentira falta de Jenny na cama.

Aflita, Olívia acelerou o carro. Iria chegar atrasa­da no escritório, um fato que Jon já devia ter notado. Era um grande começo para sua nova vida de sol­teira, pensou, irritada.

A consciência da própria vulnerabilidade incremen­tava a raiva defensiva. Após ter feito malabarismos para livrar-se do trânsito intenso e chegar a Queens­mead, ela se viu em um estado de furiosa ansiedade.

Parou o carro, apressou-se até os fundos do casa­rão e abriu a porta.

Na cozinha de Maddy, Jenny tentava responder ao interrogatório dos netos a respeito da ausência da mãe deles.

— Livvy! — ela exclamou ao ver Olívia entrar. A culpa a invadiu ao perceber que não tivera tempo de ligar para a sobrinha devido à preocupação com Maddy.

Ao olhos de Livvy, a cena na cozinha de Maddy, onde a avó preparava o café da manhã para os netos, representava a real diferença entre aquelas crianças e as de Olívia.

— Lamento não ter telefonado para você, querida — Jenny desculpou-se. — Mas, como pode ver... — Ela parou quando escutou o neto caçula chorar no andar superior, pedindo a mãe.

A sensação de que era indesejada parecia-lhe pal­pável. Acuada, sem ter com quem contar e ávida por amor maternal para as próprias filhas, Olívia per­deu o controle e explodiu.

— Sim, posso ver como está ocupada, tia Jenny... . tão ocupada que não teve tempo para mim!

A intensidade dos sentimentos a fazia tremer.

— Desculpe-me tê-la incomodado. Claro que per­cebi que você tem coisas mais importantes para fazer que me ajudar. — Sem dar a oportunidade à tia de explicar-se, Olívia precipitou-se para fora, batendo a porta ao sair.

Impotente, Jenny ficou observando-a, dividida entre a vontade de ir atrás da sobrinha e atender ao enlou­quecido choro no andar superior. Mas Olívia já havia manobrado o carro e agora seguia em disparada.

Ao acelerar o automóvel, Olívia tremia de raiva e amargura. Nutria uma forte ligação com Jenny, não só pela ajuda prática, como também por ela ser uma aliada, alguém em quem podia confiar seus segredos. Porém, Jenny não tinha tempo para ouvi-la.

As emoções ameaçavam sufocá-la, mas tinha de levar as filhas à escola e precisava trabalhar. O que esperava que Jenny fizesse, tomasse-a nos braços e lhe dissesse que tudo iria acabar bem?

Uma lágrima rolou sobre a face pálida. Revoltada, ela a enxugou. Nada dava certo em sua vida e nunca daria!

Na escola, enquanto as meninas se juntavam aos colegas, Olívia procurou a professora para tentar ma­tricular as filhas na creche.

Eram quase nove horas e, em geral, ela costuma­va estar sentada a sua mesa mais cedo. Agora a conhecida sensação de ansiedade enrijecia-lhe o cor­po inteiro.

— Livvy, minha querida...

Jon espantou-se quando Olívia afastou-se dele.

— Lamento o atraso. Tive de deixar as meninas na escola.

— Santo Deus, Livy, eu nem sequer esperava vê-la hoje. Ficamos sabendo da separação. Sinto muito.

— Por quê? — ela o questionou, feroz. — O ca­samento não estava dando certo. Foi uma decisão mútua.

Jon ficou ainda mais preocupado. Ela estava visi­velmente mais magra e o rosto, pálido. Contudo, foi a atitude hostil que o deixou alarmado. Imaginava en­contrá-la aborrecida... sabia quanto ela lutava para manter perfeito cada aspecto de sua vida e quão sen­sível era. Mas aquela agressividade explícita não se parecia em nada com a doce Olívia que ele conhecia.

Dez minutos depois, quando Olívia entrou em sua sala, o telefone já estava tocando. Ela o atendeu de pronto. Um de seus clientes queria marcar uma reu­nião com urgência. Tensa, pegou a agenda.

Meneando a cabeça, Jon caminhou em direção à própria sala. Em circunstâncias normais, sua pri­meira atitude seria ligar para Jenny a fim de discu­tir o assunto e, com ela, encontrar um meio de ajudar a sobrinha. Mas Jenny estava em Queensmead e ele não queria preocupar ainda mais a esposa.

Não obstante, o olhar hostil de Olívia o assustou. Ela agira como se Jon fosse um inimigo. Devia estar imaginando coisas, disse a si mesmo. Era natural que a sobrinha se comportasse de forma incomum. O fim do casamento corroborava a angústia que ela vinha sentindo devido à volta de David.

Era triste vê-la tão antagônica em relação ao pai. Jon entendia, é claro, o ponto de vista de Olívia, mas a situação agora era diferente. David havia mudado e almejava reparar os erros que cometera no passa­do. Infelizmente, Olívia parecia ter construído uma potente barreira entre ela e o pai.

O telefone tocou assim que a secretária lhe trouxe a correspondência e uma xícara de café.

— David! — ele exclamou, feliz em escutar a voz do irmão gêmeo.

— Acabamos de saber que Maddy encontra-se no hospital — David disse. — Como ela está, Jon?

— Não sabemos ainda, mas o médico quer mantê-la em observação até que o quadro sofra alguma alteração. Jenny está em Queensmead com as crian­ças e Ben.

— Isso responde à minha próxima pergunta. Ho­nor se dispôs a ajudar no que for preciso.

— Bem, se ela puder criar uma poção mágica para manter papai na linha, seria ótimo — Jon brincou.

Houve uma breve pausa, antes de David indagar, hesitante:

— E Livvy... como vai ela?

Jon não podia mentir para o irmão.

— Livvy está passando por um momento muito difícil, David, e, obviamente, tudo parece afetá-la — foi apenas isso que Jon conseguiu dizer.

Somente na hora do almoço, Jon voltou a cruzar com Olívia na recepção da firma.

— Livvy, esqueci de lhe dizer hoje de manhã. É evidente que vai passar mais tempo em casa durante esse período. Vou conversar com Mark, seu substi­tuto, para pedir-lhe que fique mais algumas sema­nas. Assim, você terá mais tranqüilidade. Se tiver de ver algum cliente, é melhor marcar o compromis­so pela manhã, quando as meninas estiverem na es­cola. Dessa forma poderá chegar mais tarde no es­critório e sair no meio da tarde.

Olívia ficou paralisada. Não importava o fato de que a sugestão de Jon condizia com o que ela havia pro­gramado. Pressentia certa cautela da parte dele. Seu tio estaria duvidando de sua competência como advo­gada? Onde fora parar a proximidade entre ambos?

— Não será necessário — ela anunciou, fria. — Já me programei em relação às meninas.

Não era inteiramente verdade, mas com tantas agências especializadas não seria difícil encontrar a pessoa certa para cuidar das filhas enquanto Olívia estivesse ocupada.

— O tribunal entrará em recesso — Jon lembrou-a. — E se tiver algum caso em processo, você poderia ir a Chester...

— Chester é do outro lado do universo — Livvy retrucou.

Abismado, Jon observou-a retirar-se a passos duros. Não gostava de vê-la tão defendida. Sempre fora uma garota adorável, embora tímida e decidida a mostrar o próprio valor. Este era o resultado da pressão que Ben e os pais dela haviam imposto, sem dúvida.

Mas, após a adolescência, tão logo saíra do casulo, Olívia mostrara-se alegre. E Jenny, Jon tinha cer­teza, possuía um lugar especial para a sobrinha em seu coração.

— Livy, como vai?

Pelo tom de voz de Tullah, Olívia deduziu que ela já sabia da separação. A bem da verdade, Olívia gos­tava de conversar com Tullah, mas naquele momen­to só conseguia pensar em quão afortunada ela era por ter um marido como Saul, que a amava, valori­zava e respeitava.

— Estou bem — Livvy respondeu, distante e sem vontade. Quando fez menção de se afastar, Tullah a interpelou novamente.

— Conversou com Jenny hoje?

— Muito rapidamente — Livvy respondeu, mais uma vez tentando sair da recepção e refugiar-se em sua sala.

— Ela comentou algo sobre Maddy? Ou por quanto tempo o médico irá mantê-la no hospital? Max está enlouquecendo...

— Maddy está internada? — Olívia, dessa vez, não conseguiu esconder a emoção.

— Está, sim. Não sabia? — Tullah parecia confu­sa. — Quando ela foi ao hospital para uma consulta de rotina, disseram que ela tinha de ser internada porque está sofrendo de pré-eclampsia. Saul telefo­nou para Max, por acaso, e foi assim que ficamos sabendo. Tentei ligar para Jenny, mas não consegui.

Olívia não mais se concentrava nas palavras de Tullah. Atarantada, lidava apenas com o choque e a culpa que a invadiam. Jenny cuidava dos netos porque Maddy encontrava-se doente no hospital, e ela havia dito...

A lancinante sensação, somada à ansiedade des­medida, agora travava-lhe a garganta e a fazia es­quecer-se do próprio desespero e infelicidade.

— Não sabia — Olívia murmurou. — O que o mé­dico disse? Quanto tempo...

— Não estou a par dos detalhes — Tullah a in­terrompeu, e ambas trocaram olhares cúmplices como mulheres e como mães, partilhando os senti­mentos por Maddy, a amiga e parente que tanto amavam.

— Tentei falar com Jon antes de ele sair — Tullah confessou. — Mas não consegui pois estava ocupada com um processo. E, como supus que você houvesse estado com Jenny, imaginei que teria notícias de Maddy.

— Foi uma visita rápida... hoje de manhã, quando eu vinha para cá — Olívia justificou-se, constrangida.

Ela parecia tão angustiada que Tullah arrepen­deu-se de ter tocado no assunto.

Durante a tarde, enquanto devia estar concentra­da no trabalho, Olívia ponderava acerca da atitude que tomaria a fim de remediar a situação. Sabia o que queria fazer. Desejava ir diretamente a Queensmead e implorar o perdão de Jenny, suplicar para que a tia a compreendesse.

Mas e se Jenny a rejeitasse? E se estivesse tão indignada, tão desgostosa por causa do comporta­mento egoísta de Olívia, a ponto de negar-lhe o pe­dido de desculpas e a explicação? Ela teria todo o direito de agir assim... Livvy estava ciente de que fora egocêntrica e rude.

Sentiu-se estonteada de culpa ao relembrar as pa­lavras acusatórias que havia proferido contra a tia.

E quanto a Maddy? Como ela devia estar se sen­tindo? Olívia fitou o telefone sobre a mesa.

Antes de mudar de idéia, pegou o aparelho. Em menos de dois minutos, entrou em contato com o hospital.

— Não temos autorização de passar a ligação para o quarto da Sra. Madaleine Crighton — a voz inós­pita da telefonista informou educadamente. — A se­nhora é parente próximo da enferma?

— Na verdade, não — Olívia respondeu. — Sou sua prima por casamento. Ela... — Quando a ansie­dade começou a oprimi-la, a voz falhou.

— Ela está descansando no momento — a mulher disse com calma. — Se quiser deixar um recado, nós o daremos a ela.

— Diga-lhe que estou pensando nela, por favor — Olívia pediu, após fornecer o próprio nome.

Ajudaria a Maddy saber que Olívia pensava nela ou isso só incrementaria seu sofrimento?

Ao desligar o telefone, Olívia estava trêmula de vontade de falar com Jenny. Respirou fundo e discou o número de Queensmead.

— Jenny está hospedada em Queensmead para cuidar das crianças — Tullah havia dito.

Como somente a secretária eletrônica respondes­se, Olívia desistiu.

Por piores que fossem seus problemas, nem sequer se comparavam aos de Maddy e ao que os mais pró­ximos a ela estavam passando.

Nick suspirava enquanto dirigia por Haslewich. Por mais que apreciasse a companhia e a hospitali­dade de Saul e Tullah, não via a hora de retomar sua vida e voltar para casa.

— Nem pensar, irmão — Saul negara, veemente, quando Nick aventara a hipótese. — Eu o conheço. Com mamãe e papai longe, no instante em que você chegar àquela sua residência remota, voltará ao tra­balho. E Deus sabe que tipo de riscos estaria corren­do sozinho naquele lugar...

— Está certo — Nick rendera-se.

A pequena fazenda galesa localizava-se em um lo­cal ermo, a quatro quilômetros de uma estreita es­trada sem nenhum vizinho. Saul tinha razão, em alguns dias estaria de volta à ativa.

Antes do acidente, Nick estivera prestes a assumir um caso fascinante. Uma jovem ameaçava processar os próprios pais por a terem livrado de um culto .si­nistro no qual começava a se engajar. Um amigo da família havia procurado Nick para pedir conselhos.

Porém não era no trabalho que a mente de Nick se detinha naquele momento. Era em Sara!

Tinha total consciência de que seu comportamento no restaurante — para ser mais específico, no escritório — não representara um exemplo de cavalhei­rismo. Não importava o fato de ter sido provocado. Precisava readquirir controle sobre a situação. E ou­tro pedido de desculpas significava ordem e educa­ção. Ou, ao menos, era assim que ele pensava.

Naquele início de tarde, Francês fechava a conta de alguns clientes que terminavam de almoçar quan­do ele entrou no restaurante.

— Eu poderia conversar alguns minutos com Sa­ra? — Nick pediu, após cumprimentar Francês.

— Oh!? lamento, ela não se encontra no momento. Está em horário de almoço. Insisti para que ela saís­se a fim de aproveitar esse raro dia ensolarado. Quer que eu lhe transmita algum recado?

Declinando a gentileza, Nick saiu do restaurante. Era verdade que o clima estava quente e agradável. De longe, divisou o brilho dourado da superfície do rio. Nick amava água. Em sua fazenda havia uma colina de onde se podia ver o mar da costa de Pembrokeshire.

Não possuía um barco, mas, às vezes, navegava com um amigo que comprara um pequeno veleiro. Por impulso, começou, a caminhar em direção ao rio.

Sara parou para observar a atividade de alguns pa­tos que mergulhavam com o intuito de se alimentar. A distância, na margem, avistou cisnes que flutua­vam, elegantes na superfície. Tal qual um navio, os animais cortavam a água sem nenhum esforço. Ela era a única presença humana no rio e, graças à insis­tência de Francês, podia usufruir daquele instante.

— Não acredito que já tenha feito tudo isso — Frances comentara ao ver o trabalho de Sara. — É maravilhosa, Sara. Sou tão grata a você.

Naquele mesmo dia, Sara havia recebido um te­lefonema da agência. Constrangidos, eles explicaram que a mulher a qual pretendiam enviar tinha desis­tido do emprego. Não importava, Sara lhes dissera, pois o cargo já fora preenchido. Por que decidira fi­car? Ela gostava de Francês, mas...

De súbito, a imagem de Nick Crighton surgiu-lhe à mente. Não estava em Haslewich por causa dele!, ralhou consigo mesma. Ele era arrogante, mal-humorado, competitivo e... pior! Furiosa, respirou de­vagar a fim de recobrar o fôlego.

Nick avistou Sara antes que fosse visto. Ela ria da movimentação dos patos que observava, enquanto os cabelos sedosos e brilhantes, devido aos raios de sol, voavam com a brisa. Sara usava uma blusa de malha justa que realçava a suave curva dos seios. Nick logo sentiu a imediata reação primitiva de seu corpo ante tamanha feminilidade.

Quando ela o viu, a expressão tornou-se hostil.

Nick fez menção de aproximar-se, mas Sara re­cuou, deixando, de propósito, alguns metros de dis­tância entre ambos antes de iniciar o trajeto de volta.

— Sara...

Ao escutar Nick chamá-la, ficou tensa. Não era idiota o suficiente para fingir que ficara impressio­nada com o beijo, e tampouco faria alarde a respeito disso. No entanto, tinha consciência de como ele a afetava e de quão estrondosa fora a experiência de beijá-lo.

Deduzira através dos comentários de Francês que, para os padrões dos Crighton, Nick representava a ovelha negra da família. Sara nada dissera quando Francês lhe contara que ele valorizava a própria li­berdade e evitava qualquer tipo de envolvimento per­manente. Contudo, ao se apaixonar, tudo mudaria.

— Os Crighton são homens de uma mulher só — ela informara a Sara, sorrindo ante a incredulidade da jovem. — Desde que encontrem a mulher certa.

— Mas gostam de experimentar várias antes de encontrar a ideal — Sara sugerira, crítica.

Para uma mulher de sua idade e origem, Sara acreditava ter uma experiência sexual razoável, mas admitia que o beijo de Nick havia superado seu co­nhecimento no assunto. Portanto, ela precisava es­tar alerta para que tal rompante não se repetisse.

Nick significava problemas, um homem que ela não queria em sua vida. Sara aproveitava a liberda­de e adorava saber que possibilidades ilimitadas en­contravam-se a sua frente. Não pretendia envolver-se com ninguém, muitos menos com um dos Crighton.

— Sara, espere! — Nick gritou. Desconfiada, ela esperou.

— Sinto que lhe devo desculpas.

— Outra vez?

No mesmo instante, Sara notou que cometera um engano. O rubor nas faces de Nick não era constran­gimento, era raiva.

— Pelo amor de Deus! — ele exclamou. — Isso é ridículo. Não vamos perder tempo com picuinhas. Somos adultos e ambos sabemos o que houve. Mas, neste exato momento, não estou disponível para um relacionamento.

Sara o encarou. A declaração a espantou e, por um minuto, ficou tentada a fingir que não havia en­tendido. Mas estava ocupada demais tentando igno­rar a sensação de desapontamento que tais palavras causaram.

— Que ótimo, porque também não estou em posi­ção de iniciar um relacionamento — ela mentiu. — Aliás... — Olhou o dedo da mão esquerda, embora parte de si desaprovasse o que pretendia fazer. Ig­norou o aviso, já que o perigo e a excitação percorriam suas veias, incitando uma desconhecida rebelião.

— Você é casada — Nick concluiu, chocado.

— Ainda não — Sara admitiu.

O que diabos ela estava fazendo? Porém, era tarde demais para retroceder.

— Há alguém em sua vida? — Nick insistiu.

— Sim — Sara confirmou, cruzando os dedos sem que ele percebesse.

— Entendo. — Nick tentou controlar os sentimen­tos. A raiva, a aguda sensação de posse e o desejo de remover qualquer homem que estivesse na vida dela à força, se necessário, surgiram de uma só vez. As emoções eram totalmente ridículas e irracionais, pensou, irritado.

De repente, lembrou-se de algo.

— Diga-me, o que quis dizer com aquele comen­tário sobre os Crighton nunca se desculparem?

Sara deteve-se. Não havia motivos para mentir ou amenizar a verdade. Por que o faria?

— Meu avô é casado com a ex-mulher de David Crighton.

— O quê? — Nick pareceu aturdido por um ins­tante. — Refere-se à mãe de Olívia e Jack... Tiggy...

Tânia... — ele gaguejou, na tentativa de recordar o nome.

— Tânia. Isso mesmo — Sara confirmou.

— Mas Tânia... — Nick começou, lembrando-se dos boatos que escutara na família.

— Ela o quê? — Sara perguntou, beligerante. Nick meneou a cabeça. Não havia meios de des­cobrir o que Sara sabia acerca do passado de Tânia.

Quando percebeu que ele não diria nada, Sara co­meçou a afastar-se. Após alguns passos, escutou-o perguntar:

— Como ele se chama?

— Quem? — ela indagou, virando-se.

— O homem.

— O homem? — Aflita, Sara procurou pensar em um nome bem másculo, enquanto Nick a observava.

Essa foi a dica de que ele precisava.

— Não existe esse homem, certo? — ele a desafiou. Sara o fitava, sem fala. Podia sentir as faces co­rando.

— Por que mentiu, Sara?

Tamanha perspicácia a enervou sobremaneira.

— Não sei.

— Sabe, sim — Nick a corrigiu. — Foi por causa disso, não?

Antes que ela pudesse impedi-lo, viu-se envolvida pelos braços de Nick e por um beijo ainda mais passional que o primeiro.

Lutou para não reagir a ele, mas cada tecido de seu corpo reverberava a intensidade do gesto sen­sual. Podia sentir a excitação de Nick e sabia que sua própria carne almejava a dele. Era como se Nick exercesse uma poderosa fascinação a qual ela não conseguia controlar ou resistir.

Sentia o corpo queimar de desejo e uma onda sel­vagem de urgência, completamente desconhecida e louca, a invadia. Sem o controle da mente, Sara tinha certeza de que o próprio corpo se entregaria a Nick, caso ele a deitasse sobre a relva e completasse o que havia começado da forma mais íntima e intensa.

Sentiu uma dor aguda no ventre, quase tão cho­cante quanto o beijo de Nick, De olhos fechados, as imagens dos corpos nus a atormentavam. Podia ima­ginar como ele seria, como o acariciaria, como iria saboreá-lo. Oh! sim... ela queria tudo isso... ela o de­sejava muito.

As palavras ainda ecoavam em sua mente, quando Nick interrompeu o beijo. Ambos estavam ofegantes, ela notou. E também reparou, envergonhada, que sua atenção dirigia-se à cintura de Nick.

— Isso não vai acontecer — Sara afirmou.

O rosto de Nick parecia pálido, apesar da pele morena.

— Já aconteceu — ele murmurou. — E que Deus nos ajude — Sara escutou-o dizer, antes de vê-lo virar-se e partir.

De certa forma, sentiu-se consolada ao ver que Nick ficara tão perturbado quanto ela. Medo e excitação — onde um começava e o outro terminava? Ciente da pesada sensação do desejo e dos seios túrgidos, Sara caminhou devagar em direção ao restaurante.

Luxúria! Nunca se imaginara experimentando tal sentimento, mas agora estava definitivamente atraí­da por Nick Crighton. Desejava-o, queria entregar-se a ele, almejava-o para si.

Sara gemeu, atormentada pelos pensamentos que a assolavam.

Jenny olhou o relógio da cozinha de Queensmead. Eram quase três e meia. Em breve, Max chegaria com as crianças. Ele havia telefonado para avisar que pe­garia os filhos na escola quando saísse do hospital.

Do relógio Jenny olhou para o telefone. Devia ten­tar falar com Livy agora?

Passara o dia pensando na sobrinha, preocupada com ela e Maddy. Sentia culpa devido ao que acon­tecera naquela manhã. Sabia quão sensível Livvy era, quantas vezes ela tendia a repetir as dores mar­cantes da infância.

Jon pensava em Livy e Jack, agora que se dedi­cava a David?, Jenny refletiu.

Precisava conversar com Olívia e resolver aquela pendência. Ninguém além de Jenny sabia quanto o fim do casamento devia estar magoando Livvy. Mas queria fazê-lo frente a frente e onde pudesse oferecer o tempo e a atenção de que Olívia necessitava.

Entristecida, lembrou-se de quão feliz e animada a sobrinha estava quando se casou. Ela e Caspar formavam um belo casal, eram perfeitos um para o outro. Jenny os visitara no início do casamento, o lar de ambos parecia repleto de alegria e amor, em especial quando Olívia ficara grávida de Amélia.

Em que época tudo começou a dar errado e por que Olívia não lhe confidenciara os problemas con­jugais? Teria ela tentado? Estaria Jenny tão envol­vida com outras pessoas a ponto de não notar?

Os últimos anos haviam sido turbulentos para todos, mas não podia deixar Olívia pensar que não se importava com ela.

A porta da cozinha se abriu e Max e as crianças entraram.

— Como está Maddy? — Jenny indagou, ansiosa, enquanto retirava as mochilas de Leo e Emma e pe­gava Jason dos braços do filho.

— Os médicos ainda estão lutando para abaixar a pressão sanguínea. Porém, ainda não houve ne­nhuma melhora na condição de Maddy.

Consciente da necessidade de manter a segurança da rotina das crianças, Jenny as abraçou e disse-lhes que serviria leite e biscoitos tão logo elas tirassem os uniformes da escola e lavassem as mãos.

— Não estou com fome — Leo declinou. Os lábios do menino tremiam e havia medo em seus olhos. Jenny sentiu o coração se apertar. Ele sempre fora uma criança sensível, mais apegado à mãe que ao pai nos primeiros anos de vida, embora ele Max ago­ra tivessem um estreito laço de amizade.

— Quando mamãe vai voltar? — Leo perguntou ao pai.

— Assim que ela estiver melhor — Max respondeu.

— Quero que ela volte agora — ele teimou, choroso.

— Eu também, filho. — Max tomou o menino nos braços, abraçou-o com força e o beijou.

— Mamãe vai morrer, pai?.— Leo murmurou.

— Claro que não, querido — Jenny adiantou-se ao perceber que Max estava dominado demais pelas emoções para conseguir responder.

Doía-lhe a alma de mãe testemunhar aquele ho­mem, o filho formidável e forte que lhe era tão caro, tão vulnerável e à mercê dos próprios sentimentos.

— Desculpe-me — Max disse a Jenny, cinco mi­nutos depois de ela acalmar Leo com o exímio talento maternal e pedir às crianças que subissem para se trocar.

— Não sei como lidar com a situação — ele con­tinuou, desabafando. — Oh! Deus, se algo acontecer a Maddy...

Max estava angustiado ao extremo. Jenny aproxi­mou-se, comovida.

— Sei quão preocupado está, filho. Mas Maddy encontra-se em boas mãos.

Max desviou o olhar. Havia conversado com Dr. Lewis naquele dia, quando fora visitar Maddy.

— Não. Sinto dizer-lhe que ainda não houve ne­nhuma mudança significativa — o médico responde­ra à pergunta ansiosa de Max.

Cada dia que passava aproximava-os do prazo de vinte semanas e do perigo que a vida de Maddy corria.

Após falar com o médico, Max dirigira-se ao quarto de Maddy e a escutara dizer quão culpada se sentia por estar tão ociosa naquele leito. Contra a vontade, ele fitou o ventre da esposa, cuja pequena protube­rância escondia-se sob os lençóis do hospital.

Naquele corpo jazia uma nova vida pela qual ele era responsável. O coração do bebê em formação já batia, revelando a existência ameaçadora. Se ocor­resse um fim espontâneo para a gravidez de Mad­dy... Ela, sem dúvida, iria sofrer, Max concluiu. No entanto, com o tempo, Maddy aceitaria o fato como obra da natureza, e não uma violenta intervenção do homem.

Por favor, Deus, faça com que a pressão abaixe,

Max havia orado ao segurar a mão da esposa, em­bora ainda fitasse o ventre.

— Não acha que temos muita sorte? — Maddy sussurrara, levando a mão do marido ao ventre. — Todos os dias digo ao bebe que nós o amamos demais.

— Ela sorriu, meiga. — Dizem que é impossível para o bebê ter consciência das emoções nesta fase, mas discordo. Creio que nosso filho já sente que o ama­mos e o desejamos.

Cada palavra parecera aumentar a culpa e o medo de Max. Mesmo que desconhecesse a reação de Mad­dy ante a sugestão de finalizar a gravidez, só de es­cutá-la naquele momento ele saberia.

Max sentia a tensão percorrer seu corpo. Não era amor que sentia pelo bebê, era...

Maddy o observava com explícita curiosidade quan­do ele afastou a mão.

— Max? — Jenny o chamou.

— A pressão de Maddy ainda não se alterou. Caso o quadro continue assim... — Max sentia a garganta se apertar, dificultando-lhe a fala. — Se ela não me­lhorar, o único jeito de garantir sua segurança será provocar um aborto.

Jenny entrou em pânico.

— Maddy sabe disso? — ela perguntou.

— Não. Dr. Lewis acha que a pressão pode piorar,' caso ela fique sabendo das conseqüências. Que sen­tido há em deixar uma mulher como Maddy morrer

— Max esbravejou, angustiado. — Vou voltar ao hos­pital — disse a Jenny, ao se controlar. — Provavel­mente passarei a noite lá. Só Deus sabe o que nos teria acontecido sem sua ajuda, mãe.

Jenny pensara em sugerir a Max que passasse aquela noite com os filhos para que ela pudesse vi­sitar Olívia, mas, vendo a aflição de Max, mudou de idéia. Precisava pedir a Jon que viesse ajudá-la, de­cidiu, quando as crianças entraram na cozinha.

Enquanto Max beijava cada filho, o coração de Jen­ny chorava por ele. Maddy era a mulher mais ma­ternal que ela conhecia. Preferiria morrer a destruir a vida do próprio bebê. Um arrepio gélido percorreu a espinha de Jenny.

Por favor, Deus, ajude Maddy a melhorar. Poupe-nos desse sofrimento!, Jenny rezou em silêncio quan­do Max saiu.

Pela milionésima vez, Annalise Cooke tirou a car­ta de Jack da mochila e voltou a lê-la. Não precisava, pois havia decorado cada palavra, mas ainda assim tinha necessidade de ler os dizeres, tocar o papel só para se assegurar e confortar.

As aulas haviam terminado naquele dia e ela es­tava a caminho da estação para esperar Jack.

"Vou para casa. Assim poderemos conversar me­lhor", ele escrevera em resposta à carta que Annalise lhe enviara. "Chegarei no trem das quatro e meia. Tente me encontrar na estação."

Jamais sonhara que o final de semana maravilho­so que haviam passado juntos resultaria em algo se­melhante. Jack fora tão cauteloso! Annalise sentira-se tão exultante quando viajara ao norte para estar com ele.

Ficaram no dormitório universitário que Jack ocu­pava, e ela se achara tão adulta pelo fato de janta­rem fora e depois retornarem ao ninho de amor. O pai de Annalise ignorava as atividades da filha. Ele e os filhos haviam viajado para pescar, e Annalise telefonara a Jack para lhe dizer que, enfim, ficariam juntos.

Jack alegara precisar esperar mais tempo antes de fazerem amor, mas aquela oportunidade se apre­sentara e fora a experiência mais encantadora do mundo. Perfeita em todos os sentidos, tudo que ela havia imaginado e mais.

Terno, Jack fizera amor com ela como se Annalise fosse a garota mais preciosa e amada do universo, e não doera nada. Ela rira de nervoso quando o obser­vou colocar o preservativo que Jack insistira em usar. Depois, ao retornar ao mundo real, Annalise ques­tionara a eficácia do anticoncepcional.

Para provar a segurança do preservativo, Jack a tomara nos braços novamente e, por duas vezes na­quela noite, ela imaginara estar no paraíso.

Annalise não gostava de enganar o pai, especial­mente quando Jack confessara que queria contar tu­do ao Sr. Cooke e dizer-lhe que planejava casar-se com ela. Mas Annalise conhecia bem o pai, e sabia que ele jamais aceitaria que a filha de dezessete anos perdesse a virgindade.

E, mesmo após aquele fim de semana, a felicidade não a abandonou. A cada noite, quando se deitava, imaginava que Jack estava com ela, revivia tudo que ele fizera, os beijos, as carícias, as promessas de amor sussurradas e o compromisso. Porém, os sentimentos se transformaram em ansiedade, e esta em medo quando, semanas depois, ela não menstruara.

Estava com duas semanas de atraso. O coração batia acelerado. Quisera telefonar a Jack, mas tinha tanto receio de que alguém a escutasse que preferiu escrever, implorando a ele que respondesse por car­ta. E assim Jack o fez, avisando que voltaria para casa. E agora Annalise estava na estação de trem para encontrá-lo.

Não sabia o que iriam fazer. O mundo tornara-se um lugar aterrorizante. Sentira-se tão nauseada na escola... Na verdade, sentia náuseas todos os dias!

 

                                              CAPITULO VI

O trem já se aproxima de Haslewich. Por favor, permaneçam longe das portas.

Depois de pegar a mala no compartimento de ba­gagens, Jack caminhou até o fim do vagão. Estaria Annalise a sua espera? Ela devia ter recebido a carta.

As letras borradas pelas lágrimas haviam tocado o coração de Jack, tornando-o ainda mais protetor em relação a ela — e temeroso por si mesmo.

Annalise não podia estar grávida. Ele tivera o cui­dado de usar preservativos com o intuito de ser res­ponsável pelo que faziam e preservar o amor de ambos.

Um dia ele e Annalise formariam uma família, mas Jack acreditava nos valores tradicionais de seu tio Jon. Antes de ele e Annalise se tornarem pais, Jack gostaria de proporcionar segurança ao relacio­namento. Queria casar-se ao estabelecer uma condi­ção financeira razoável para cuidar da esposa e dos filhos.

Naquele momento, ainda era um estudante em seu primeiro ano da faculdade de direito, e parecia-lhe impensável que ele e Annalise, que cursava o cole­gial, pudessem se tornar pais. Mas algo saíra errado e o impensável talvez houvesse acontecido.

Gotas de suor, devido ao nervosismo, escorriam so­bre sua testa. Jack havia mentido a seu monitor a respeito das razões de voltar para casa e, embora ele não tivesse feito nenhum discurso, o homem pareceu não acreditar. Mas Jack precisava ver Annalise. Não podia deixá-la sozinha dadas as circunstâncias.

Por sorte havia guardado as cinqüenta libras que David, seu pai, dera-lhe antes de partir para a uni­versidade.

A princípio, sentira-se pouco à vontade em relação ao dinheiro, mas lhe parecera mais simples aceitá-lo a criar um clima embaraçoso e ofender o pai, caso recusasse.

Agora, na maturidade de seus dezenove anos, não mais um colegial, mas sim um homem adulto e apai­xonado, Jack percebia quão imaturo havia sido ao sair de casa, anos atrás, para ir em busca do pai desaparecido.

No entanto, David retornara à família e Jack, na­quele momento, era capaz de julgá-lo de homem para homem. Descobrira que o pai não era nem o vilão detestável que sua irmã, Olívia, pintara e nem o he­rói que ele, Jack, secretamente desejara encontrar. David era simplesmente outro ser humano. A cau­telosa tentativa de um novo relacionamento entre pai e filho havia sido estabelecida, contudo não se comparava aos laços afetivos que Jack formara com Jon e Jenny. Eles, seus tios, criaram Jack como filho, mostraram-lhe o verdadeiro valor da família e era o casamento deles que Jack adquirira como referencial para si.

Não obstante, ele gostava do pai, e de Honor, sua madrasta. Ficou feliz com a volta dele e ainda mais contente em ver o afeto explícito entre Jon e David. Gostaria que Olívia fosse mais flexível diante de to­da a situação.

Mas Jack agora tinha preocupações mais impor­tantes que a teimosia de Olívia em manter o pai de ambos a distância.

Se Annalise estivesse certa... Ele sentiu um arre­pio na espinha. Não eram somente Annalise e ele próprio que o preocupavam. Havia Jon e Jenny, que ficariam decepcionados com o sobrinho — e o pai de Annalise que era muito, mas muito restrito em re­lação à filha.

Jack teria de largar a universidade a fim de pro­curar um emprego, algo que provesse o suficiente para ele, Annalise e o bebê. Mas o que exatamente, ele não fazia idéia. Precisariam se casar, é claro.

Infeliz, piscou algumas lágrimas que lhe ofusca­vam a visão. Mentalmente, visualizou a expressão de tia Jenny e ouviu a tristeza silenciosa em sua voz ao falar das jovens adolescentes que tentava ajudar na instituição de caridade de Ruth Crighton.

— Elas amam seus bebes, mas algumas são tão novas que não compreendem que o amor por si só não é suficiente.

O coração de Jack batia acelerado. Não queria que Annalise se tornasse uma dessas jovens.

Oh! Deus, por que ele não fora mais cuidadoso? Era fácil questionar-se agora quando, durante o ato amoroso, seu corpo inteiro regozijara-se com a inten­sidade e a imensidão do que ele e Annalise partilha­vam, a maravilha do amor, a docilidade daquela que se tornara mulher nos braços dele.

O trem havia parado. Jack saltou do vagão e, no mesmo instante, começou a vasculhar a plataforma à procura de Annalise.

De súbito, ele a avistou, uma figura pequena e desolada, em pé a poucos metros de distância.

Houvera um momento, um segundo, em que Jack desejara rejeitar a possibilidade de ser pai quando lera a carta pela primeira vez. O pânico fora tão dominador que ele preferira fingir que nada tinha acontecido. Naquele segundo, esquecera-se de que era um adulto responsável por Annalise e pelo bebê... quisera desesperadamente entregar o fardo a outra pessoa.

Ao vê-la olhando em sua direção, Jack chamou-a.

Tão logo se aproximou, colocou a mala no chão e a abraçou. Annalise começou a chorar ao sentir a segurança do abraço de Jack. Somente agora podia admitir a si mesma o receio de ele não aparecer.

— Aqui não — ela sussurrou. — Alguém pode nos ver.

Mas Annalise continuava colada a ele, e Jack po­dia sentir o tremor no corpo delicado.

— Não aconteceu nada? — perguntou. — Você não...?

Vendo-a menear a cabeça, Jack tentou ignorar a esperança de que, por algum milagre, ela não esti­vesse grávida.

— Não — Annalise respondeu. — Oh! Jack, o que vamos fazer?

Em silêncio, ambos continuaram abraçados, en­quanto Jack acariciava os cabelos sedosos da namo­rada. Ela era tão vulnerável, tão dependente dele. O medo o dominou.

— Não sei — Jack admitiu.

Annalise voltou a chorar.

— Por favor, Lise, não — Jack murmurou, deses­perado. — Vamos caminhar à beira do rio. Lá pode­remos conversar.

— Não quero que ninguém nos veja — Annalise alegou, ansiosa, — Seus tios sabem que você está aqui?

— Ainda não. Eu queria falar com você primeiro. Já fez alguma coisa? Foi ao médico... ou...?

O rosto de Annalise empalideceu quando começa­ram a caminhar em direção ao rio.

— Não consegui. Pensei em telefonar para você, mas não ousei. Queria lhe pedir que comprasse um teste de gravidez e o trouxesse para mim. Não tive coragem de ir a uma farmácia da cidade.

Irritado, Jack condenou-se por não ter pensado nisso.

— Podemos ir a Chester para comprar um teste — ele sugeriu.

— Não posso. Só no próximo final de semana. Quando chegaram ao rio, Annalise o encarou, sé­ria e, de repente, madura demais para sua idade.

— Andei pensando em um daqueles lugares... você sabe, onde poderei...

— Não! — Jack exclamou, chocado com a possi­bilidade.

— Mas o que mais podemos fazer? — Annalise indagou. — Não conseguiremos criar um bebê, Jack, e meu pai vai me matar se descobrir.

— Sou o único culpado — Jack assumiu, orgulho­so. — Eu nunca... — ele se deteve. — Farei tudo da     ; forma correta, Lise, prometo. Vamos nos casar. Deixarei a universidade. Encontraremos um lugar para morar. Vou procurar um emprego e...

O olhar de Annalise traduzia o peso da responsa­bilidade e, ao mesmo tempo, revelava a angústia e o medo de uma criança.

— Não me olhe assim — ele implorou.

— Não podemos fazer tudo isso — Annalise disse, infeliz. — Somos jovens demais. Não vão nos dei­xar... Sua família vai me odiar, se largar a univer­sidade. E você acabará me odiando também e nosso filho...

— Não — Jack negou imediatamente. — Nunca. Por favor, não diga isso, Lise.

Não havia ninguém mais à beira do rio e, por im­pulso, Jack tomou-a nos braços. Mergulhou o rosto nos cabelos macios da namorada e jurou amá-la para sempre.

Annalise chorava baixinho. De antemão já sabia que o amor de Jack não seria o bastante para pro­tegê-la do que estava por vir. Com um esforço imen­so, ela conseguiu controlar as lágrimas. Não era mais uma menina ingênua... agora tornara-se uma mulher.

— Você contou a alguém que estava voltando para casa? — perguntou-lhe.

Jack meneou a cabeça.

— Não. Queria vê-la primeiro — ele repetiu. — Precisamos planejar nosso futuro, Lise — avisou-a da forma mais gentil possível. — Tenho de falar com seu pai...

— Não! Prometa-me que não dirá nada a ninguém. Ainda não. Prometa-me, Jack — Annalise implorou.

Ela estava tão desesperada que Jack não teve op­ção a não ser concordar.

De súbito, Annalise transformou-se novamente em uma menina assustada, temendo a ira dos pais, e, tremula, aconchegou-se no corpo de Jack.

— Eles não vão deixar que nos vejamos — Anna­lise deduziu, desconsolada.

— Não podem fazer isso. Ninguém pode nos obri­gar a fazer algo que não desejamos, Lise.

— Eu não queria que fosse assim — Annalise mur­murou, infeliz, desviando o olhar. —Nunca quis isso.

Os olhos repletos de lágrimas dilaceravam o cora­ção de Jack.

— Tenho de ir — ela informou, de repente. — Meu pai vai voltar logo. Gostaria que tudo isso fosse um sonho ruim e que, quando eu abrisse os olhos, a vida voltasse ao normal. — Ela chorava de novo, soluçan­do tal qual uma criança.

No fundo, Jack sentia a dor, a angústia e a culpa. Ele próprio a fazia sofrer daquele jeito.

— Jure que vai parar de se preocupar — ele su­plicou. — Estamos juntos nisso. — Mas Annalise o fitava com total desesperança. Não era o mesmo pa­ra ele. Como poderia ser?

Enquanto a observava se afastar, o coração de Jack voltou a disparar. Ela parecia tão pequena e. frágil. Gostaria de saber mais acerca do que iria acontecer a Annalise. Olívia havia tido duas filhas, mas Jack não prestara muita atenção ao percurso das gesta­ções. Tremia só de pensar em contar a novidade a Jon e. Jenny.

No entanto, sua tia certamente entenderia. Ela estivera grávida quando se casou com tio Jon. Não era segredo. O bebe havia falecido logo depois de nascer, Jack sabia disso.

Esfregou os olhos. Esperava que, tão logo se for­masse advogado, pudesse trabalhar com a família em Haslewich. Mas agora não seria possível.

À medida que caminhava à casa de Jon e Jenny, tentava pensar em um meio de ganhar a vida. O futuro parecia-lhe ameaçador, mas Annalise e o bebê eram sua prioridade.

Saul ainda não sabia por que havia desviado o caminho para sua casa, e agora rumava à residência de Livy. A secreta paixão que nutrira por ela não era o motivo. Tais sentimentos tinham desaparecido quando se apaixonou por Tullah.

Mas se importava com Olívia. Ainda a tinha como a querida Livy e queria vê-la, oferecer-lhe um om­bro amigo, caso ela precisasse. Saul sabia que era orgulhosa e independente demais para pedir ajuda.

Quando a casa de Olívia despontou a sua frente, Saul escutou sua voz interior adverti-lo quanto a dis­cutir seus sentimentos com Tullah antes de agir. Po­rém, era tarde demais.

A noção de que recebia uma visita surgiu quando Ally, a cachorra que Olívia deixara no canil enquan­to estavam viajando, começou a latir. As meninas encontravam-se no andar superior, fazendo o dever de casa e Olívia tentava, em vão, empacotar os per­tences de Caspar.

Aliviada por postergar a tarefa, ela correu para abrir a porta.

— Saul...

O sentimento que a invadiu, ao ver o primo alto e charmoso caminhando em direção a ela, foi o mais próximo ao que Olívia, anos atrás, chamaria de fe­licidade.

Por um instante, ficou sem voz quando ele se aproximou. Para o próprio desespero e a preocupa­ção de Saul, ela caiu em prantos. Saul a abraçou, consternado.

— Ora, o que é isso — ele murmurou, acarician­do-lhe as costas.

— Vamos entrar — Olívia convidou-o.

Ainda abraçando-a pelos ombros, Saul cumprimen­tou Ally e fechou a porta. Em seguida, guiou-a à cozinha e insistiu para que Livy se sentasse, en­quanto ele preparava um chá.

— Fiquei sabendo sobre você e Caspar — Saul contou-lhe.

— Você e toda a população de Haslewich — Olívia retrucou um tanto áspera, o que fez Saul fitá-la com certa reprovação.

— Sou eu, Livy — ele a lembrou. — Não precisa manter suas defesas. Em que diabos Caspar estava pensando? — Saul perguntou, ofendido. — Foi um tolo por deixá-la.

— Eu não lhe dei muita alternativa — Olívia ad­mitiu. — Nossa relação estava péssima, Saul. Vivía­mos brigando por tudo, e pelo bem das meninas... — Ela se deteve a fim de respirar fundo.

Saul tinha razão. Não precisava erguer grandes defesas na frente dele. Embora fossem primos de se­gundo grau, eram amigos íntimos e, certa vez, po­deriam ter se tornado algo mais. Saul a desejara e ela...

Era evidente que Saul continuava lindo e sensual, o tipo de homem que qualquer mulher desejaria sem culpa. Possuía uma virilidade especial e, naquele mo­mento, Olívia almejava ter um homem como Saul para consolá-la, animá-la e protegê-la.

Contudo, Saul estava casado com Tullah, lembrou-se. Ele amava a esposa e esta também o adorava. Portanto, Olívia não tinha o direito de fantasiar, por mais pena de si mesma que sentisse.

— O que há? — Saul indagou. — E não me diga que não há nada. Se está reconsiderando a separação...

— Não é isso — Olívia o interrompeu. Respirou fundo novamente. A necessidade de desabafar era imensa. — Saul, fiz algo terrível.

Por um momento, imaginou que ele teceria algum comentário zombeteiro. Mas Saul lançou-lhe um olhar penetrante e incentivou-a.

— Conte-me.

Embora insegura, Olívia contou-lhe.

— E agora não sei o que fazer — confessou. — Nem sequer imagino o que Jenny possa estar pen­sando de mim. Meu comportamento foi tão grosseiro e infantil — A voz tornou-se embargada. — Estou tão envergonhada, Saul.

— Quer que eu converse com Jenny? — Saul se ofereceu.

— Não. Eu mesma quero falar com ela. Preciso me explicar. Não posso me esconder atrás dos outros. Nem de você.

— Tenho certeza de que Jenny irá entender — Saul consolou-a. — Ela conhece você, Livy. Jenny a ama e sabe como deve estar se sentindo.

— Se é assim, por que ela não me telefona? —

Olívia perguntou-se em voz alta, antes de sacudir a cabeça. — Oh! Saul, sinto tanta pena de mim mes­ma. Acho-me tão egoísta. Jenny deve estar aflita por causa de Maddy. Você teve notícias dela?

— Não. Pelo que sei ela ainda está hospitalizada. Tente não se preocupar — aconselhou-a. — Ligue para Jenny amanhã de manhã. Ela, sem dúvida, te­rá novidades a respeito de Maddy e você, então, ex­plicará tudo a ela. — Saul verificou o relógio. — É melhor eu ir. Tullah deve estar apreensiva com mi­nha demora.

Quando Olívia olhou o relógio da cozinha, ficou impressionada ao notar que havia passado mais de uma hora desde a chegada de Saul.

— Obrigada — agradeceu-lhe enquanto o acom­panhava até a porta.

— Pelo quê?

— Por ser você. E por me entender.

Depressa, ela o beijou nos lábios e afastou-se. Sen­tia-se assim porque estava sozinha e vulnerável, Olí­via justificou-se em pensamento, observando Saul en­trar no carro.

— Sr. Crighton?

Max ficou tenso quando a enfermeira entrou na sala, onde ele aguardava para ver Maddy. No ins­tante em que colocou os pés no hospital fora infor­mado de que o médico havia proibido qualquer visita.

— Dr. Lewis gostaria de falar com o senhor. Por favor, acompanhe-me.

Lutando para controlar os sentimentos, Max se­guiu a enfermeira pelo extenso corredor branco até a porta do consultório que se transformara na mo­rada de seus medos e dores.

— Sente-se, Max — o médico o instruiu.

— Por que não me deixaram ver minha mulher? — Max exigiu saber.

— A situação de sua mulher, como sabe, é muito grave e é vitalmente importante que ela não sofra nenhum estresse ou se aborreça. —> O obstetra fran­ziu o cenho, preocupado. — Tenho de ser honesto com você, Max. Ela não está respondendo ao trata­mento tão bem quanto esperávamos.

— O que quer dizer? — Max sentiu a garganta apertar-se. O gosto ácido do medo invadiu-lhe a boca.

O médico levantou-se. Caminhou até a janela da sala e lá permaneceu, de costas para Max.

— Quando conversamos pela primeira vez, você considerou a opção de finalizar a gravidez...

Angustiado, Max sentiu como se um peso estivesse amarrado a seu coração.

— Você disse que se tratava de uma opção a qual não precisaríamos considerar — ele repetiu as pala­vras do médico.

— Àquela altura, não — Dr. Lewis concordou e virou-se para Max. — Não há uma maneira fácil de dizer isso. Sua esposa está seriamente doente e tam­bém muito próxima ao limite em que aconselho um aborto. Entendo o que estou dizendo, Max? Maddy está completando as vinte semanas de gravidez.

— Claro que entendo — Max exclamou. — O que acontecerá, se você não fizer nada e a pré-eclampsia não for controlada?

O obstetra o fitou, penalizado, e explicou-lhe mais uma vez o risco das convulsões que privariam tanto a mãe quanto o bebe de oxigênio.

— Se isso acontecer...

— Sim. Compreendo — Max o interrompeu, rude.

— Caso consigamos, nos dias subseqüentes, abaixar a pressão sanguínea de sua esposa a um nível aceitá­vel e a mantivermos como tal, poderemos nas últimas semanas de gravidez optar por uma cesariana.

— E se não conseguirem regularizar a pressão? — Max perguntou.

O médico evitou olhá-lo.

— Se o término da gravidez for a única opção, devemos realizá-lo em breve.

— Então, está dizendo que se Maddy não mostrar sinais de melhora em menos de uma semana...

Dr. Lewis suspirou.

— Três dias, Max. É o prazo que daremos a ela. O término da gravidez deve ser ministrado antes da vigésima semana — ele repetiu, como se falasse a uma criança.

Três dias.

Impotente, Max esfregou as têmporas. Sentia os olhos queimarem e a cabeça latejando.

— Já conversou com Maddy sobre isso?

— Ainda não — o médico respondeu. Pela primeira vez, ele fitou Max nos olhos.

— Entretanto, se em três dias não houver melhora nenhuma... Escute, por que não vai para casa des­cansar? — Dr. Lewis sugeriu. — Não há motivos para permanecer aqui. Não o deixaremos ver sua esposa. Ela pode pressentir seu nervosismo e é fundamental que ela fique calma.

Max baixou a cabeça, resignado.

O bebê já estava dormindo e Jenny terminava de ler uma história para Leo e Emma quando Max te­lefonou.

— Estou indo para casa.

— Como está Maddy? — Jenny perguntou.

— Agora não, mãe — Max retrucou, exausto. — Conversaremos quando eu chegar. Estou saindo do hospital e não devo demorar.

— Vou esquentar seu jantar — Jenny sugeriu. No entanto, a simples idéia de ingerir qualquer

comida causava náuseas em Max. Alimentar-se para sustentar a própria vida parecia uma forma de blasfêmia depois do que havia escutado do médico.

Jack preparava algo para comer quando o telefone tocou. A casa tornava-se fria e sombria sem a pre­sença calorosa de sua tia. Ele imaginava que Jenny estivesse em uma reunião do comitê e Jon, ainda trabalhando.

Atento à panela no fogo, Jack atendeu o telefone. Do outro lado da linha, Jenny estranhou ao escutar a voz do sobrinho. O que ele fazia em casa? Devia estar na universidade.

— Jack? — ela o questionou, desconfiada.

— Tia Jenny. — Havia culpa no tom de voz.

— Você está bem?

— Estou, tia. — A resposta de Jack pareceu-lhe tão insegura que Jenny começou a ficar ansiosa. Se estava tudo bem, por que ele voltara para casa?

— Seu tio Jon está?

— Não. Quer que eu dê algum recado a ele, caso chegue antes de você?

— Sim, por favor — Jenny confirmou. — Diga-lhe que Maddy ainda está no hospital, e que Max ficará com as crianças hoje à noite. Tão logo ele chegue, voltarei para casa.

Jenny não revelou a Jack que pretendia visitar Olívia, porque não sabia quem a preocupava mais, Livvy e seu comportamento bizarro daquela manhã ou a perturbadora descoberta de que o sobrinho não estava na universidade.

Um pensamento repentino a alertou.

— Jack, sua visita súbita tem algo a ver com Annalise? — Ela tentou manter a voz suave e serena.

O breve silêncio que se seguiu à pergunta deixou-a ainda mais desconfiada.

— Não... por quê? Como consegui uma folga entre uma aula e outra, resolvi passar um tempo em casa. Tia, tenho de desligar porque minha comida está queimando.

Ao colocar o telefone no gancho, Jenny fechou os olhos. Estava óbvio que Jack mentia para ela e que o motivo era Annalise.

Ambos eram jovens demais para a intensidade do relacionamento que se desenvolvia. Jon e Jenny con­cordavam com isso, mas também conheciam muito bem as conseqüências de uma forte decepção na ado­lescência e não queriam que Jack sofresse.

A despeito de ele tentar disfarçar, Jenny havia percebido o tom de desapontamento na voz de Jack. A última coisa que queria era vê-lo arruinar a vida por desistir dos estudos só para estar com Annalise.

Jenny gostava da garota, mas se afligia por ambos serem muito novos. E Jack tinha de entender e acei­tar que não podia correr para casa cada vez que ele e Annalise se desentendessem.

O que acontecia a todos eles, Jenny questionou-se infeliz, enquanto esperava Max. De repente, as vidas de seus entes queridos haviam mergulhado no perigo e nas trevas.

Desde a volta de David... Jenny retesou o corpo. Sabia estar sendo ilógica e sentia-se confusa devido aos sentimentos ambivalentes pelo cunhado, que outrora fora seu namorado.

Não mais sentia-se atraída por David. Jon era o homem que amava, mas o reaparecimento inespera­do de David marcara uma aguçada mudança na vida de todos, e não para melhor.

Ilógico ou não, ela não conseguia evitar responsa­bilizá-lo e desejar que nunca tivesse voltado.

— Você chegou tarde — Tullah comentou, quando Saul arrancou a rolha do vinho tinto que tomariam durante o jantar.

— É verdade — ele concordou, displicente. Pre­tendia contar a ela que havia visitado Olívia tão logo estivessem a sós. Porém, ele o faria sem comprome­ter a confidência de Livy a respeito do mal-entendido com Jenny. Como mulher, Tullah provavelmen­te teria uma visão mais sensível em relação à situa­ção de Livy.

— Posso tomar um copo de vinho hoje à noite? — Jemima perguntou a Tullah, esperançosa.

Ela era a filha mais velha do primeiro casamento de Saul, e estava evidente a velocidade com que Je­mima crescia. Durante o verão, ela e Tullah haviam feito um passeio "secreto" às lojas, o que resultara em um misto de vergonha e orgulho por começar a usar seu primeiro sutiã.

— Não — Tullah respondeu. — Você tem aula ama­nhã. Talvez possamos pensar no assunto no próximo final de semana.

Jemima torceu o nariz, mas aceitou a decisão de Tullah.

— Jem, pode, por favor, dizer a seus irmãos que o jantar está pronto? — Tullah pediu-lhe.

Quando Jemima retirou-se da cozinha, Nick en­trou e logo sorriu ao ver a garrafa de vinho que seu irmão abrira.

— Boa pedida — ele aprovou. — Livvy está bem? Vi seu carro parado em frente à casa dela quando me dirigia para cá.

Imediatamente, Saul pôde sentir tensão em Tul­lah, embora ela não se movesse.

— Você foi visitar Olívia? — ela perguntou. — Não comentou nada comigo.

— Não. Foi um impulso de última hora. Saul notou que Nick observava a ambos.

— Eu me meti onde não devia? — indagou, arre­pendido.

— Não.

— Claro que não.

Os dois retrucaram ao mesmo tempo, mas Saul sabia que o rubor nas faces de Tullah não fora cau­sado pelo calor do prato que ela retirava do forno.

Aflito, ele correu para ajudá-la.

— Lamento não ter dito nada — Saul desculpou-se. — Explicarei tudo mais tarde.

Tullah forçou um sorriso. Saul suspirou, resignado.

— O que houve no hospital? — Jenny perguntou a Max ao lhe servir uma xícara de café.

— Maddy ainda não responde ao tratamento — ele relatou, breve.

Por toda sua vida, Max possuiu uma aura de força pessoal que parecia inabalável. Mas agora, pela pri­meira vez, Jenny conscientizou-se da nuvem de der­rota que o envolvia.

Como qualquer mãe o faria, ela tentou ajudá-lo e confortá-lo.

— Deve ter havido alguma melhora — insistiu. — Do contrário, o médico não permitiria que você voltasse para casa.

Max suspirou.

— O motivo de eu estar em casa não se deve à melhora na condição de Maddy, mãe. O médico pre­feriu me deixar fora do caminho para que eu não a fizesse piorar. — Ele parou um instante e então de­sabafou: — Você acha que estaria aqui, se não tives­sem me mandado embora? Meu Deus, mãe, se eu a perder...

O tormento que o filho vivia trouxe lágrimas aos olhos de Jenny. Podia ver quão perto ele estava de perder o controle e entendia também por que o mé­dico o mandara para casa.

— Esses tratamentos requerem tempo — Jenny ponderou.

— Maddy não tem tempo — Max ralhou. — Tam­pouco o bebê.

Antes de Max cobrir o rosto com as mãos, Jenny percebeu as lágrimas.

— Tenha fé, Max — ela aconselhou. — Escute. Eu pretendia ir para casa. — Mas Jenny não lhe contou a razão. Não precisava dizer que a súbita aparição de Jack a preocupava. — Se quiser que eu fique aqui...

Max meneou a cabeça.

— Não. Vá para casa. Papai deve estar me amal­diçoando por mantê-la aqui.

Jenny hesitou.

— Vá para casa, mãe — Max repetiu. — Ficarei bem.

— Prometa-me que vai me telefonar, caso precise de alguma coisa.

— Prometo — ele confirmou.

— Voltarei amanhã de manhã — Jenny avisou. — Assim, você poderá ir ao hospital, enquanto eu levo as crianças para a escola.

Por mais que odiasse deixar o filho, Jenny preci­sava aproveitar a oportunidade de conversar com Jack a fim de descobrir o que estava acontecendo.

Depois de abraçar Max, ela caminhou até o carro, sabendo que seria quase impossível passar na casa de Olívia para vê-la.

— Jenny! Você está em casa!

Em outros tempos, o alívio e o prazer contidos na voz de Jon estimulariam um sorriso amoroso nos lá­bios de Jenny. Contudo, naquele momento, ela se irritou tremendamente.

— Jack está aqui — Jon contou-lhe.

— Eu sei. Ele lhe disse por quê?

— Disse apenas que teve uma brecha em seu cronograma.

— Acho que ele está aqui por causa de Annalise — Jenny o corrigiu. — Aqueles dois devem ter brigado.

Jon pareceu perturbado.

— Ora, Jack não abandonaria os estudos por cau­sa disso.

— Estão apaixonados, Jon — Jenny lembrou o ma­rido, sem a menor paciência. — Onde ele está agora?

— Em seu quarto. Como vai Maddy?

— Não houve mudanças.

Jon aproximou-se e abraçou a esposa.

— Você parece exausta. Venha sentar-se. Vou pre­parar uma bebida para nós dois.

— Não posso. Tenho de conversar com Jack e des­cobrir o que está acontecendo — ela recusou, firme. — Você também precisa falar com ele. Faça-o enten­der a importância de permanecer na universidade, Jon.

— Jenny, são quase dez horas da noite. Não a vejo há dias. Jack não vai a lugar nenhum. Poderá con­versar com ele amanhã.

Ansioso, Jon estava prestes a confessar a saudade que sentira dela, mas Jenny o empurrou e afastou-se.

— Você começa a se mostrar tão irresponsável quanto David.

Quando ela se precipitou à cozinha, seus olhos es­tavam marejados de lágrimas. Detestava aquele cli­ma de desunião entre ambos, mas não sabia o que fazer para alterar a situação.

Jenny bateu à porta do quarto de Jack. Quando ele a abriu, notou que em um curto espaço de tempo o sobrinho havia crescido. No entanto, o abraço que ele lhe deu assemelhava-se ainda ao afeto de um garoto, embora fisicamente parecesse um homem.

— Desculpe-me — Jack disse, consternado. — Sei que não deveria ter voltado, mas eu precisava vir.

A angústia do jovem incrementou a preocupação de Jenny.

— Sei que Annalise significa muito para você, Jack

— ela começou, cuidadosa. Sentia-se física e emocionalmente exaurida. As últimas semanas, com a volta de David e a doença de Maddy, sugaram-lhe as for­ças. Precisava manter em mente a importância dos sentimentos de Jack e tratá-los com seriedade, tal qual fizera quando o sobrinho tinha onze anos de idade.

— Ela significa tudo para mim — Jack respondeu.

— Eu a amo, tia Jenny, e ela me ama... sei disso. Jenny fechou os olhos. Percebia o desespero na voz de Jack, mas, pela primeira vez, sua intuição não lhe dizia a causa disso. Portanto, interpretou a angústia como sendo o medo de perder Annalise.

Era o tipo de engano que qualquer um poderia cometer, o tipo de peça que o destino poderia pregar.

Jack agonizava ante a necessidade de confiden­ciar tudo à tia, mas havia dado sua palavra a An­nalise. A determinação e a confiança que demons­trara diante da namorada agora foram substituídas pela emoção natural de medo. Ele precisava do con­forto e da segurança que Jenny, com certeza, lhe daria, caso confessasse os temores. Porém, não po­dia trair Annalise.

Por outro lado, uma parte de si esperava que Jen­ny adivinhasse o ocorrido e lhe afirmasse que tudo acabaria bem.

— Por mais que ame Annalise — Jenny lhe dizia —, você não pode simplesmente largar os estudos e voltar para vê-la, Jack. Vocês já conversaram?

— Hoje à tarde — Jack confirmou. Tia Jenny tinha motivos para estar zangada. Corajoso, tentou expli­car a situação. — Não menti quando disse que houve uma brecha na universidade — ele insistiu. — Tenho mesmo alguns dias de folga.

Jenny enxergou em seus olhos que o sobrinho dizia a verdade. Se não fossem os problemas de Maddy, ela colocaria Jack no carro pela manhã e o levaria de volta à universidade. Mas não tinha tempo para empreender tal viagem.

— Prometo que irei voltar quando for necessário

— Jack comprometeu-se. — Só preciso de alguns dias com Annalise... para resolver certas pendências.

A impaciência e cansaço de Jenny aumentavam.

— Jack, Annalise tem de entender que você é um universitário agora. Isso significa que é obrigado a ficar na universidade.

Jack desviou o olhar. Podia perceber quão aborre­cida e zangada ela estava. O que tia Jenny sentiria, caso Jack lhe contasse que ele e Annalise iriam se tornar pais?

Jenny viu o olhar tristonho do sobrinho e esmo­receu.

— Jack, eu entendo. Sei que é difícil para você. — Ela suspirou. — Vocês são jovens e sei que não vai acreditar em mim, mas... — Jenny se deteve. Jack não acreditaria nela, e não tinha certeza de que acre­ditava em si mesma no concernente à dor juvenil que se tornava insignificante com a idade e a expe­riência. Muito tempo havia se passado até ela e Jon superarem os traumas da adolescência.

— Reconheço que certas situações podem nos ma­goar profundamente — ela argumentou, carinhosa.

— Mas, Jack, você tem de priorizar seus estudos nessa fase de sua vida. — Jenny segurou as mãos fortes do sobrinho. — Vamos descer e jantar. Conti­nuaremos a conversar amanhã, depois de uma boa noite de sono.

Jack hesitou por um instante. O que Jenny diria, se ele lhe contasse que não queria dormir devido à possibilidade de Annalise estar grávida? Não, não podia revelar a verdade. Pelo bem de Annalise, pre­cisava omiti-la.

Saul soltou um suspiro de irritação quando Tuliah saiu do banheiro da suíte, recusando-se a olhar para ele, de propósito. Ela o tratara com frieza premedi­tada a noite inteira, e Saul começava a enervar-se.

— Tuliah, você está exagerando — ele alegou.

— Estou? Você resolveu ver uma mulher, pela qual esteve perdidamente atraído, sem sequer me contar sobre esta visita e agora tem coragem de me dizer que estou exagerando.

— Fui visitar Olívia, minha prima — Saul a corri­giu. — E resolvi vê-la porque pensei... porque senti...

— Sim? — Tuliah o desafiou. — Você sentiu...

— Por Deus, Tuliah! — Saul explodiu. — Você está transformando um fato simples em um dramalhão.

Depois de tomar banho e barbear-se, Saul encon­trava-se pronto para dormir. Entretanto, Tullah, que nunca usara nada que escondesse seu corpo na in­timidade do quarto, estava enrolada do pescoço aos pés em uma toalha felpuda.

Para sua agonia, notava que havia um quê de se­dução em sua bela esposa que causava um efeito avassalador sobre ele.

— Está certo, eu me rendo. Devia ter ligado e contado para você... ou melhor, discutido com você — ele se corrigiu ao ver a expressão severa de Tullah — o que planejava fazer. Agi por impulso, mas foi só isso, Tullah, e não por algum desejo latente de ressuscitar um relacionamento com Olívia, o qual nunca existiu. Pensei que ela precisaria de alguém para conversar, de um ombro amigo. Fiquei preocu­pado com ela. Gosto de Livy... — Saul calou-se.

— Então, por que não me disse que a tinha visitado quando chegou? — Tullah perguntou, ponderada.

— Porque eu queria esperar que estivéssemos a sós por causa de um evento... — Rapidamente, Saul relatou o que Livy dissera a respeito de Jenny.

— Livy fez o quê? — Tullah ficou surpresa. — Por isso, ela mostrou-se tão relutante em ligar para Jenny.

Ao ver a expressão de Saul,' a ira de Tullah atenuou.

— Certo — concedeu. — Fui injusta. Livy está passando por uma fase péssima. Vi como ela ficou chocada quando lhe contei sobre Maddy.

Tullah caminhava pelo quarto, enquanto Saul ob­servava, famélico, a toalha de banho. A crise conju­gal havia terminado.

— Amigos? — ele perguntou.

Sorrindo, Tullah aproximou-se e, com a ponta dos dedos, traçou os músculos do tórax do marido.

— Talvez...

— Não pode ter ciúme de Livy — Saul murmurou e, devagar, tirou a toalha.

— Devia se sentir lisonjeado por eu ainda sentir essa paixão absurda por você — Tullah brincou.

A toalha felpuda tombou no tapete. Saul prendeu a respiração.

— Sente uma paixão absurda por mim? — A voz tornou-se rouca e o corpo, excitado.

— As vezes.

— Por acaso, agora seria uma dessas vezes? Saul agia como um garoto que experimentava a

intensidade da paixão pela primeira vez. Provocati­va, Tullah continuava a acariciá-lo sutilmente.

— Poderia ser — ela murmurou.

— Como vou saber... — Saul sussurrou, quando ela o beijou de leve nos lábios.

De repente, Tullah incrementou as carícias, des­lizando a boca sobre o corpo de Saul. Os mamilos túrgidos roçavam a pele morena, causando-lhe ondas de prazer. Saul fechou os olhos e gemeu quando sen­tiu o que a esposa fazia.

— Oh! você vai saber — ela respondeu, voltando a beijá-lo, mas sem cessar as carícias.

Inebriado, Saul decidiu interromper o clima de se­dução e, tomando-a nos braços, carregou-a até a cama.

— Não se esqueça de que Nick está aqui — Tullah avisou-o ao ver o brilho sensual nos olhos do marido.

— A três quartos de distância.

Uma das primeiras estratégias que ambos aprenderam ao se tornarem amantes era fazer amor sem acordar as crianças.

— Então, você não se sente atraído por Livy? — Tullah indagou, sedutora, quando Saul deitou-se so­bre ela.

— Quem é Livy? — ele murmurou, antes de cap­turar um dos mamilos com os lábios a fim de au­mentar o desejo de Tullah. Mas, lentamente, ela segurou-lhe a mão e mostrou-lhe quão excitada já estava.

— Nunca quis ninguém do jeito que a desejo e amo, Tullah — ele confessou ao penetrá-la.

— Acho bom — Tullah sussurrou antes de sentir os primeiros tremores do orgasmo.

Max estava sonhando.

Ele corria, ou melhor, tentava correr ao longo de uma vasta praia, mas seus pés eram sugados pela areia branca, impedindo-o de continuar. Atrás de si, podia sentir a sombra maléfica que o perseguia. Via sobre a areia o vulto desconhecido do perseguidor e a faca que este segurava em uma das mãos.

Frenético, Max tentava evitar os golpes da faca, girando o corpo para enganar o atacante. Contudo, ao se virar, viu que Maddy estava atrás dele e que a lâmina afiada dirigia-se a ela.

Enquanto dormia, ele gritava, sentia a garganta arranhar a cada berro. Era incapaz de proteger Mad­dy da faca que mirava o ventre desprotegido.

Max despertou de repente e acendeu o abajur. Seu corpo estava molhado de suor e ele tremia como se estivesse dominado pela febre. O refugio privativo do quarto que Maddy havia criado para ambos parecia impregnado pelo odor acre do pavor agonizante.

Ele olhou o relógio. Duas horas da manhã. Sentia o próprio corpo gelar, apesar do suor. Não precisava perguntar-se de onde viera o horror daquele pesa­delo. A cena era idêntica ao que havia vivido na Ja­maica, onde estivera para procurar David, Mas, ao invés dele, eram Maddy e o bebê as vítimas do ata­que brutal.

Max mergulhou o rosto nas mãos. Agora conseguia entender os sentimentos que levavam certas pessoas a acreditar que podiam barganhar com o destino.

Não havia meios de voltar a dormir. Levantou-se e vestiu o roupão. Mas, ao aproximar-se da porta, deu-se conta de que as violentas imagens do pesa­delo iriam assombrá-lo pelo resto da vida.

Tocou a maçaneta da porta, fechou os olhos e rezou com fervor para que Maddy ficasse boa.

 

                                         CAPITULO VII

Depressa, meninas. Temos de sair em cinco minutos para chegarmos a tempo à escola — Olívia advertiu as filhas. — Onde está Ally? — perguntou, ao notar que a cachorra não se encontrava na cozinha.

Sem aguardar resposta, Olívia saiu pela porta dos fundos, chamando a cadela. Qual não foi seu desa­pontamento ao ver Ally coberta de terra e exalando um odor desagradável. Ela no mínimo andara ca­vando buracos e rolando no pasto.

Tão logo viu a expressão da dona, Ally abaixou o rabo e dirigiu-se à torneira do quintal.

— Oh! Ally. — Olívia aproximou-se do animal e abriu a torneira.

Cinco minutos depois, a cachorra encharcada en­contrava-se no meio da lavanderia, enquanto Olívia procurava toalhas para secá-la. Quando conseguiu encontrar uma toalha velha, reparou na cesta de pesca de Caspar. A capa que ele usava para passear com Ally também encontrava-se na lavanderia. Um sen­timento de intensa tristeza e solidão a invadiu.

Devagar, Olívia tocou a capa. Uni misto de emo­ções ofuscou-lhe os olhos. Haviam comprado aquela capa juntos em uma das últimas lojas tradicionais de Haslewich... Gaspar protestara, alegando que a guarnição era inglesa demais para ele, e Olívia in­sistira em comprá-la.

Nas raras ocasiões em que podiam passar o dia juntos, eles permaneciam até mais tarde na cama. Caspar, certa vez, acordara Olívia acariciando a pele macia com uma minúscula pena que soltara do acol­choado. Ela tentara impedi-lo e, como de hábito, após uma disputa rápida, eles acabaram fazendo amor.

Depois, Caspar descera à cozinha a fim de prepa­rar chá com torradas para eles e em seguida... As lágrimas começaram a surgir quando Olívia lembrou-se da suave doçura que permeara o ato amoroso que se seguiu ao primeiro. Estavam tão apaixonados na época, ávida de ambos achava-se tão completa. Para onde fora o amor? Quando terminara?

— Mamãe, vamos chegar atrasadas à escola — Amélia avisou-a.

Zangada consigo mesma, Olívia baniu as tolas lem­branças, afagou as orelhas de Ally e alertou-a quanto a uma nova aventura no pasto. Desolada e arrepen­dida, a cachorra lambeu a mão de Olívia.

— Não adianta me adular, Ally. — Contudo, ela esfregou os pêlo molhado da cadela e voltou à cozi­nha onde as filhas a esperavam.

Agora não haveria tempo de visitar Jenny, Olívia concluiu, enquanto apressava as meninas para en­trarem no carro. Porém, no fundo, estava aliviada por adiar o compromisso que se impusera.

Saul jamais saberia quão tentada estivera para pedir-lhe que intercedesse a seu favor, conversando com Jenny.

Á medida que se dirigia à escola, Olívia perguntou-se como estaria Maddy e orou pela recuperação da prima.

Jack estranhou ao ver a tia atarantada pela cozi­nha. Tio Jon já havia saído para trabalhar e Jenny explicou-lhe que iria a Queensmead e não sabia a que horas retornaria.

— Tia Jenny, está tudo bem entre você e tio Jon?

— Jack indagou, inseguro.

Jenny, que procurava a chave do carro, encarou o sobrinho.

— É claro que está. Por que me fez esta pergunta?

— Mas, em seu coração, ela já sabia a resposta. No entanto, o que a surpreendeu e perturbou foi o fato de Jack ter percebido a tensão que pairava entre ela e Jon.

— Por nada. — Ele deu de ombros, constrangido. Sua tia, em geral, mostrava-se tão preocupada com o bem-estar do marido, tão feliz por amá-lo, que Jack logo notou o clima de discórdia entre ambos.

— Não aconteceu nada — Jenny inteirou com mais firmeza. — Estamos nervosos por causa da situação de Maddy — acrescentou.

A crescente sensação de raiva e ressentimento em relação a Jon era para ela inexplicável. Sempre que tentava entender as emoções, sentia-se ainda mais culpada e furiosa. Mas agora não tinha tempo para refletir acerca dos sentimentos. Parte do problema era o relacionamento de Jon com o irmão, óbvio. A nova proximidade que crescia entre os dois deixava Jenny vulnerável e temerosa.

Porém, eram sentimentos que não queria explorar, tampouco possuía tempo para tal, defendeu-se em pensamento ao encontrar a chave.

Por direito, um deles deveria sentar-se com Jack e descobrir mais a respeito da briga que ele a An­nalise tiveram. Por direito, Jenny deveria ver Olívia agora... Por obrigação, Jon tinha de desempenhar um papel mais ativo na família, ao invés de fugir para passar seu tempo com David.

Depois que a tia saiu, Jack pegou o jornal e, an­sioso, virou as páginas até encontrar os classificados de emprego. Pretendera, em vão, pedir o carro de Jenny emprestado para levar Annalise a um lugar onde pudessem conversar com maior privacidade. Ela estava apavorada ante a possibilidade de contar a verdade ao pai, mas cedo ou tarde teriam de revelar o acontecido a todos.

Aflito, Jack imaginava se poderiam viver com sua bolsa de estudos, caso arranjasse um emprego de meio período. O casal e um bebê? Impossível, pen­sou, fechando os punhos, desesperado.

— Pode ver sua esposa agora, Sr. Crighton. Pálido, Max precipitou-se à porta do quarto de Maddy. Mal pôde acreditar quando chegou ao hospital e soube que a condição de Maddy havia mostrado uma pequena melhora.

— Uma melhora realmente pequena — o médico o avisara, expressando um sorriso inesperado. — Sua esposa é uma mulher extraordinária. Disse-me que se for preciso, ficará deitada sem mover um músculo até o final da gravidez para salvar o bebê. Mas talvez isso não seja necessário. Caso a pressão sanguínea continue a baixar, poderei deixá-la ir para casa des­de que permaneça de repouso.

Max nada dissera. O sofrimento originado pelo pe­sadelo ainda o atormentava.

Maddy encontrava-se deitada no leito e, embora o rosto estivesse abatido, os olhos iluminaram-se de amor e compreensão quando avistaram Max.

Ele forçou um sorriso ao segurar as mãos da es­posa. Os poucos dias em que Maddy permanecera no hospital pareceram ter fragilizado ainda mais a delicada estrutura. Max tocou o pulso fino, onde as veias azuladas resplandeciam sob a pele alva. Quase trêmulo, Max beijou-lhe o pulso e logo soltou-o.

Como ele nunca se mostrasse tão abalado, Maddy percebeu quão desnorteado o marido andava. Sentiu o coração bater mais rápido. Se Max estava preocu­pado, algo sério acontecia. Mas o médico lhe assegu­rara que a pressão sanguínea estava baixando.

— Como estão as coisas em casa? — Maddy per­guntou-lhe.

— Tudo bem — Max respondeu, sincero. — As crianças sentem saudade, claro.

— O Dr. Lewis disse-me que se minha pressão con­tinuar a baixar, poderei vê-las mais tarde. — Maddy sorriu, esperançosa. — Tente não se preocupar — pediu-lhe. — Sinto-me tão culpada.

Max não conseguia encará-la. Era o único a sus­tentar o peso da culpa.

— Pobre bebê. — Maddy acariciou o próprio ven­tre. — Ele ou ela não está se divertindo.

A culpa de Max aumentou. Não se permitia olhar para o ventre de Maddy. Pelo bem dela, vinha se preparando para sancionar o término da nova vida que Maddy gerava, mas sabia que ela nunca aceita­ria tal escolha radical.

— É melhor eu sair antes que as enfermeiras me expulsem — Max disse, brincalhão. — O médico me deixou ficar apenas alguns minutos com você.

Maddy franziu o cenho quando ele beijou-lhe a pal­ma da mão. Pressentia que o marido escondia algo, como se ele se distanciasse sutilmente. Mas a angús­tia e o amor estampados nos olhos de Max quando se virou para sair eram reais.

Caminhando até a porta, Max precisou lutar para não confessar o pavor que tinha de perdê-la e como se sentia assombrado pelos sentimentos em relação ao bebê ainda por nascer. Parecia-lhe que sua culpa jamais o abandonaria.

— Perdão — Sara desculpou-se quando puxou a porta da livraria, notando tardiamente que alguém entrava. Porém sua expressão transformou ao per­ceber que se tratava de Nick.

No mesmo instante, começou a se virar, registran­do tanto o choque quanto a determinação de ficar longe dele.

Ela não o via desde o encontro à beira do rio. Não que desejasse vê-lo. Sara nem sequer queria pensar nele, tampouco duelar com as sensações que Nick suscitava nela. Contudo, seu corpo a tiranizava atra­vés de lembranças físicas.

— Sara.

Qualquer observador que escutasse o tom passional da voz de Nick, sem dúvida, faria uma interpre­tação errônea da situação, Sara decidiu, tentando controlar as reações. Atrás dela, alguém pediu passagem e os dois tiveram de se afastar da porta. Mas nem Sara nem Nick pareciam conscientes dos pró­prios movimentos.

Ela possuía a pele mais linda que Nick já vira. Al­mejava tocá-la. Os cabelos, finos e vibrantes, caíam sobre os ombros. Sara usava um sobretudo de casimi­ra, ele suspeitava, sobre calça e blusa pretas. O per­fume sutil e delicado parecia tentá-lo a aproximar-se.

— Venha tomar um café comigo.

O convite súbito espantou ambos. Nick reparou através do olhar brilhante a vontade de declinar. O que diabos ele tinha? Sabia não haver lugar em sua vida para o que Sara representava.

— Eu... — Sara se deteve, incapaz de pronunciar a recusa. Uma brisa fria a fez estremecer.

— Vamos — Nick insistiu, segurando-a pelo braço. — Está muito frio para ficarmos discutindo aqui na porta. Meu carro está parado em frente ao café.

Por alguma razão desconhecida, Sara se deixou guiar. O que estava fazendo? Ela o desprezava, odia­va-o e não queria tomar um café com ele.

Mas era exatamente isso o que estava para fazer, concluiu ao sentir o.aroma agradável de torta quan­do entrou no estabelecimento vazio, exceto por um casal de namorados sentado em um canto do café.

— Não sei por que estou fazendo isso — Sara pro­testou, enquanto a garçonete os levava à mesa.

— Talvez sejamos mais parecidos do que você imagina — Nick opinou quando se sentaram e acrescentou: — Acho que nós dois gostamos de viver perigosamente.

Viver perigosamente! Sara sentiu um arrepio repentino. O que fazia naquele momento era perigoso, ponderou. Perigoso e arriscado.

Após vasculhar o cardápio, Sara pediu chocolate quente, enfrentando o olhar descontente da garço­nete quando esta indagou:

— Com ou sem marshmallow?

— Com, por favor — Sara respondeu, beligerante. Sorrindo, Nick pediu um expresso.

— Chocolate quente e marshmallow.,. Pensei que você fosse do tipo café com leite.

— Verdade? Lamento desapontá-lo — Sara rebateu.

— Quem disse que fiquei desapontado? — Nick contra-atacou.

Sara moveu-se incomodada na cadeira. Em sua linha de visão, o casal de namorados aproximou-se. Curioso, Nick olhou para trás.

— Pobres almas. Devem estar loucos por um local mais íntimo, e nós sabemos como se sentem. Certo, Sara?

— Você é completamente maluco — ela o criticou quando a garçonete trouxe o pedido.

— Não — Nick a corrigiu tão logo a jovem afas­tou-se. — Sou honesto. Você me deseja tanto quanto a quero, Sara. Não, não cometa perjúrio consigo mes­ma. Não há motivos.

— Perjúrio comigo mesma? Não estamos em um tribunal. Não estou sendo julgada. Oh! isso é ridí­culo. Eu...

— Você sabe o que podemos fazer, não é? — Nick a interrompeu.

— Sei. Temos de nos mudar para países longín­quos, ou melhor, para universos distantes — Sara respondeu, irritada.

— Na verdade, pensei em algo mais radical.

Sara o encarou. Gostaria de não ter pedido cho­colate. A bebida estava tão doce que ardia em sua garganta.

— A melhor maneira de resolvermos a questão é experimentarmos um sexo curto e casual que nos es­gote o suficiente para nos livrarmos destas sensações.

— Deve estar brincando. — Sara o fitou, atônita. — É a cantada mais velha que já ouvi. E se pensa que vou cair nessa...

— Calma. Não foi uma proposta séria — Nick a assegurou. — Entenda que esta situação é nova para mim também.

— Quer dizer que existem mulheres que caem nes­sa ladainha — Sara zombou.

— Não. Quero dizer que nunca experimentei o que estou vivendo agora... também não gosto do que está acontecendo, Sara.

— Nada está acontecendo — ela negou, de pronto.

— Prove — Nick a desafiou. — Podemos ir a sua casa agora e nos beijarmos para que me mostre que "nada" está acontecendo entre nós.

— De jeito nenhum!

Uma curta e rápida relação baseada em sexo. Tra­tava-se de um acordo bizarro, contrário a tudo em que ela acreditava. No entanto, as imagens que Nick instigara compunham um tormento tentador, corpos suados em meio ao sexo ardente brincavam na men­te de Sara, causando um efeito físico devastador.

Dividida entre a vergonha e o desejo, ela tentou controlar os pensamentos fantasiosos. Se Nick sou­besse ler mentes, estaria perdida!

— Tenho de ir. — Ela se levantou e correu porta a fora para que Nick não tivesse chance de alcançá-la depois de pagar a conta.

Arrependido, Nick observou-a fugir. O comentário acerca do sexo casual significara um desafio a seus próprios sentimentos, e não uma proposta real. Mas a expressão de Sara, a breve traição que ele vira naqueles olhos cintilantes, adicionara petróleo ao fo­go que ele mesmo havia começado.

A conflagração resultante ainda prevalecia em seu corpo. Os sentimentos eram tão intensos que certa­mente entrariam em combustão. Aborrecido, Nick ca­minhou em direção ao carro após pagar a conta.

Se não fosse a orientação ridícula que o médico lhe prescrevera, ele poderia voltar para casa, encon­trar algum alívio ao estabelecer uma distância se­gura de Sara, e, finalmente, mergulhar no caso mais complexo que pudesse arrumar.

Entretanto, com Saul vigiando cada movimento, Nick não conseguiria ir a lugar nenhum até que o médico lhe desse alta.

Olívia fitou a metade do sanduíche sobre a mesa. Não se lembrava de tê-lo comprado, muito menos de tê-lo ingerido. O que iria fazer a respeito de Jenny? Queria tanto desabafar com alguém, mas quem?

O celular tocou. Apressada, ela o tirou da bolsa e atendeu. Ficou lívida ao escutar a voz da coordena­dora da escola.

— Sra. Johnson, é Briony Howard. A senhora de­veria buscar suas filhas às seis. Este é o horário em que a creche fecha. São seis e quinze.

Balbuciando uma desculpa, Olívia garantiu à coordenadora que estaria na escola em quinze minutos no máximo.

Como pôde deixar isso acontecer? Que tipo de mãe era ela, perguntou-se, enquanto guardava o celular na bolsa e recolhia os documentos que estivera analisando.

Já passava das seis e meia quando ela estacionou diante da escola. Os rostos assustados de Amélia e Alex revelavam tudo. Olívia desculpou-se com a coordenadora.

— As vagas da creche são limitadas — Briony Ho­ward advertiu-a. — E quando os pais abusam do horário, somos obrigados a lhes pedir que se organi­zem de outra maneira. Hoje estou sendo condescen­dente, mas no futuro...

Ruborizada, Olívia teve de aceitar o sermão da mulher.

Tão logo entrou no carro, notou que as filhas es­tavam à beira do choro como ela. A lembrança da própria infância surgiu-lhe à mente.

Anos atrás, quando criança, Olívia havia planeja­do dormir na casa de uma amiga da escola, mas sua mãe passara o dia fazendo compras e voltara cansa­da demais para levá-la. Quando Tânia queixara-se com o marido, David dissera não poder pajear a filha pois tinha um compromisso.

Eles então começaram a brigar, e Olívia lembra­va-se ainda da tristeza que sentira. Porém, quando seu pai bateu a porta da frente, Tânia caíra em pran­tos e, de alguma forma, Olívia tivera de consolar a mãe, em vez de ser consolada.

Mais tarde, David retornara, irritado, colocara a filha no carro sem dizer uma palavra e levou-a à casa da amiga. Ao se despedir, ele dera um daqueles abraços apertados em Olívia e saíra.

Se fechasse os olhos, Olívia ainda podia sentir o calor, o sentimento seguro de ser amada através da­quele gesto simples. Mas tais momentos haviam sido raros e estava convencida de que o pai nunca a ama­ra de verdade.

Não permitiria que uma das filhas se sentisse assim!

— Desculpem-me — disse às duas quando fechou a porta do carro.

— Tudo bem, mamãe — Amélia concedeu. — Dis­semos à Sra., Howard que você devia estar ocupada com o trabalho.

Ocupada com o trabalho! Ocupada demais para lembrar que as filhas a esperavam. Que tipo de pes­soa ela era? Que mãe em sã consciência faria isso?

Talvez Caspar, uma vez que o divórcio estivesse con­cretizado, pudesse casar-se novamente e prover às fi­lhas uma mãe mais devotada e digna de confiança.

Rancorosa, Olívia sacudiu a cabeça e voltou a pen­sar no pai. Por que David voltara? Ela o odiava por estar em Haslewich.. odiava-o... odiava-o... odiava-o...

— Estou com fome — Alex reclamou quando che­garam em casa.

Olívia verificou o relógio. Eram mais de sete ho­ras. Normalmente, Caspar servia um lanche às me­ninas por volta das cinco.

Caspar...

Olívia fechou os olhos. Não queria pensar no ma­rido agora. Então por que o fazia? Por que continua­va sentada no carro, relutante em abrir a porta e entrar na casa que permanecia fria e vazia?

Fria... mesmo com o sistema de aquecimento in­terno em pleno funcionamento? E quanto ao vazio? Enquanto acompanhava as filhas à casa, Olívia lem­brou-se de que fora ela quem decidira separar-se, e tratava-se de uma decisão acertada!

Tão logo contratasse uma pessoa para ficar com as crianças, ela se sentiria melhor. Naquele instan­te, porém, a culpa que a expressão das meninas lhe causara parecia consumi-la.

— Lamento ter me atrasado — ela se desculpou outra vez.

— Não faz mal, mãe — Amélia voltou a responder. Amélia ainda era uma criança, no entanto o tom de voz e o olhar revelavam o comportamento de um adulto.

Orgulhosa, Olívia recusou-se a chorar diante delas.

— Gostaria que papai estivesse aqui — Alex mur­murou. — Ele teria ido à escola buscar a gente.

Alex exclamou indignada quando Amélia a beliscou.

— Você me machucou — ela queixou-se e, com os lábios trêmulos, lágrimas surgiram em seus olhos.

Olívia sentia as têmporas latejando, anunciando uma dor de cabeça.

— Meninas, por favor, não briguem — implorou. — Vou preparar um jantar especial para nós. O que gostariam de comer?

— Hambúrguer! — Alex saltitou, empolgada, es­quecendo-se do choro.

Hambúrguer? A tensão de Olívia aumentou. Isso significava ter de ir ao supermercado. E Caspar, que fora criado aos trancos e barrancos por padrasto e madrasta devido à complicada relação dos pais, sem­pre fizera questão de garantir uma alimentação adequada às filhas, permitindo extravagâncias somente uma vez por mês.

Entretanto, antes que Olívia tecesse qualquer co­mentário, Amélia dizia à irmã:

— Sabe que papai nunca nos deixa comer ham­búrguer durante a semana.

— Tem razão, filha — Olívia concordou, tentando ignorar o olhar vitorioso de Amélia e as reclamações de Alex.

Na maioria das famílias, era a mãe quem lidava com aspectos referentes à disciplina, mas porque o trabalho de Caspar como conferencista lhe permitia passar mais tempo em casa, era ele que desempe­nhava esse papel.

Contudo, Olívia estava sozinha agora e tinha de aprender a assumir outras tarefas, concluiu, sentin­do a exaustão aumentar.

— Até logo, vovô. — Sara sorriu ao celular. Seu avô lhe telefonara, após saber onde a neta estava.

— Haslewich — ele comentara, duvidoso. — Tem certeza de que é uma boa idéia, Sara? Sei que seu pai me acha superprotetor — ele prosseguiu, enquan­to Sara permanecera em silêncio.

Embora, aparentemente, o genro e o sogro se des­sem bem, Sara sabia, de acordo com o que a mãe lhe contara, que o avô fora protetor demais com a filha e houvera discussões sérias quando ela conhecera Richard Lanyon.

— Por isso, uma pessoa como Tânia é a mulher ideal para ele — a mãe lhe.confidenciara. — Meu pai precisa de alguém para paparicar e mimar, al­guém que não se sinta sufocado pelo amor excessivo que ele oferece. Certa vez eu o acusei de querer me manter como uma criança, o que foi injusto, mas minha mãe, sua avó, era muito semelhante a Tânia.

Após essa conversa, Sara ficou mais grata ao pai pela criação vigorosa, a qual envolvia encorajamento e, mais importante, independência.

Mesmo assim, ela tinha uma afeição especial pelo avô, que lhe provera mimos e um ombro amigo para chorar quando Sara precisava.

Talvez houvesse herdado dele esse instinto prote­tor porque Sara também se sentia impelida a papa­ricar Tânia.

— Já contou a Tânia onde vim parar? — ela per­guntara ao avô.

— Não, e tampouco pretendo fazê-lo. Isso só a dei­xaria aborrecida, e lhe traria péssimas lembranças.

— Tânia tem um filho e uma filha em Haslewich

— seu pai lhe dissera durante um dos telefonemas.

— Se os conhecer, estará em uma posição difícil, Sa­ra. Nenhum filho gosta de ser descartado pelos país.

— Tânia não os descartou — Sara a defendera. — Você sabe disso, pai. Ela queria vê-los, mas a família do ex-marido dificultou as coisas. E ela achou injusto causar algum tipo de conflito de lealdade nos filhos.

— Sei... — Fora o único comentário reticente de Richard.

Os Crighton. Ela havia jurado a si mesma que, caso os conhecesse, seria impossível gostar deles. Mas agora...

Agora o quê? Gostava de Nick Crighton. Sara fez uma careta ao passar diante do espelho. Gostar era, na verdade, uma palavra infeliz para descrever as turbulentas emoções que Nick originava nela.

Havia outras, não? Desejo... luxúria... amor...

Amor! De jeito nenhum! Admitir o desejo incontrolável já era bastante ruim.

Sexo rápido e casual. Uma indulgência doce, ar­dente e louca. A realização de fantasias selvagens ligadas ao homem ideal da adolescência. Era impen­sável, impossível, mas bastava fechar os olhos e vi­sualizar Nick em sua mente: braços musculosos, om­bros largos, torso viril — e ele ficaria ainda melhor sem roupas, Sara suspeitava.

Um gemido suave escapou-lhe dos lábios. Enver­gonhada, olhou para os lados e riu de si mesma. Es­tava sozinha no apartamento, e Nick Crighton, ape­sar dos incríveis talentos, não tinha o poder de se materializar diante dela.

Não em pessoa, mas exercia uma forte influência sobre os sentidos de Sara e certamente possuía o poder de materializar-se em sua imaginação, cau­sando um efeito devastador.

Sexo casual! Devia estar louca por contemplar a possibilidade. Não contemplava nada. Não mesmo, embora acreditasse que as mulheres fossem impeli­das pela natureza sexual como qualquer homem. Mas Sara jamais se permitiu tamanha liberdade.

Contudo, conhecia garotas que o haviam feito. Ga­rotas que alegavam abertamente ter dormido com homens só pela atração física. E, pelo que Sara pôde observar, elas emergiam da experiência sem danos emocionais e realizadas em termos de prazer sexual.

Mas havia também aquelas que juravam fazer se­xo somente com amor e sofriam traumas por investir muitas esperanças no relacionamento, pois desco­briam que o parceiro não partilhava das mesmas expectativas. Portanto, a experiência se tornava hu­milhante e arrasadora.

Ao menos o sexo casual parecia inofensivo e pode­ria terminar com um "muito obrigado e até outro dia".

E Sara iria adorar dizer adeus a Nick Crighton após esgotar o desejo que sentia por ele. Mas claro que isso não aconteceria. Ela não tencionara en­volver-se com Nick Crighton mais do que já estava. Certo?

 

                                                CAPITULO VIII

Você me parece muito preocupa­da — David comentou, amoro­so, ao servir o chá de ervas a Honor. — Há algo errado?

— Não exatamente — ela respondeu devagar.

Intrigado, esqueceu-se da xícara, colocando-a so­bre a mesa. Honor andava estranha havia várias semanas e ele não sabia por quê.

— Mas algo a está perturbando. O que é, Hon? Não está gostando de ter padre Ignatius morando conosco?

— Não é isso. — Honor sorriu. — E um prazer recebê-lo em nossa casa. Outro dia, ele me contava uma história fascinante a respeito das ervas medi­cinais que as pessoas utilizam na Jamaica. E quanto ao fato de ele morar aqui... Bem, padre Ignatius tem passado mais tempo em Fitzburgh Place que em ca­sa. Ele e Freddy parecem se adorar. — Honor lançou um olhar matreiro ao marido. — É óbvio que ambos têm muito em comum.

— Um agnóstico e um jesuíta. Suponho que sim — David concordou. — Pare de mudar de assunto. O que há com você?

— Não vai gostar do que irei dizer — ela o avisou.

— Nada que venha de você me desagrada — David confessou, sincero. — Tem me dado tanto, Honor. Em primeiro lugar, é maravilhoso conviver com sua doce e maravilhosa personalidade. Segundo, devol­veu-me o auto-respeito ao me aceitar é amar. E me ajudou a amadurecer, a me transformar em uma pes­soa melhor. Por sua causa, comecei a construir pon­tes entre mim e minha família. E, por fim, você me deu duas enteadas lindas.

— Ah! — Honor interveio, um tanto insegura. — Não apenas duas enteadas, David.

Ele a fitou, confuso.

— Acho que estou grávida — Honor anunciou de pronto. — Tenho certeza, na verdade — acrescentou, ansiosa. — Os sintomas são idênticos aos que tive quando fiquei grávida de Abigail e Ellen. E fiz o tes­te. Sei que deve estar chocado. Eu também me as­sustei e...

— Não estou chocado — David negou e a tomou nos braços, comovido.

Honor, por sua vez, não sabia quem tremia mais, ela ou David.

— Está brava comigo? — ele perguntou. — Tem todo o direito de estar. Eu devia ter sido mais cui­dadoso.

— Brava?! — Honor exclamou. — Preocupo-me com o fato de outro filho desagradar-lhe.

— É claro que não- Somente uma coisa poderia me deixar tão feliz quanto estou agora.

Enquanto o fitava, Honor sabia que David se re­feria a Olívia, mas antes que pudesse se manifestar, o marido voltou a apertá-la entre os braços.

— Ter um filho com você é muito mais do que eu poderia merecer. Não planejamos esse bebê — ele dizia, acariciando o rosto delicado —, mas lhe asse­guro que ele ou ela será muito amado. Oh! Honor... — Os olhos de David encheram-se de lágrimas. — Presentear-me com uma criança quando você já me deu tanto.

— Ainda não assimilei a novidade — ela admitiu, também emocionada. — Pensei que fosse velha de­mais e sei que minhas filhas também pensam assim. Teremos de fazer uma declaração oficial, suponho. Talvez seja melhor convidar toda a família... eu gos­taria que... — Honor se calou para não aborrecer David. Queria dizer-lhe que a rejeição de Olívia não permitiria que ela soubesse da novidade por eles. Por direito, sendo filha de David, Livy devia ser a primeira a saber, Honor concluiu.

De súbito, David começou a beijá-la com ternura.

— Eu a amo tanto — ele sussurrou. Mas os olhos, que outrora brilhavam de felicidade, agora nublavam.

— Será difícil para Olívia, não? — Honor deduziu o que o marido pensava.

— Detesto saber que ela está sofrendo e que não posso fazer nada para ajudá-la. — David meneou a cabeça. — Não tenho o direito de recriminá-la, mas gostaria de falar com ela. A alegria de desejar nosso bebê me remete à época em que Olívia nasceu. Eu e Tiggy não a queríamos. Sua concepção foi um aci­dente e, de alguma maneira, acreditei que seria um menino. Meu pai queria um neto, claro, e...

David fez uma pausa, perdido em lembranças do passado.

— Lembro-me de tê-la levado à casa de meu pai uma vez. Livy não se sentia bem. Chorava muito e estava agitada. Devia ter uns dez meses na ocasião. Tiggy e eu brigávamos para decidir quem iria cuidar dela, quando Jon a carregou e a entregou a Jenny. Assim que Jenny a aninhou nos braços, Livy parou de chorar. Nunca me esqueci do olhar de reprovação que Jon me lançou. Eu o mereci, sem dúvida. Pobre Livy.

— Sim — Honor concordou. Não esperava engra­vidar e o momento não era propício para tal. Con­tudo, via no rosto de David que, como ela, ele já amava aquela criança que ambos criariam, apesar de a felicidade ser assombrada pela dor de Olívia.

— Não ouse se mexer — Max advertiu Maddy quando estacionou o carro em frente ao casarão de Queensmead.

No hospital, antes de dar alta a Maddy, o Dr. Lewis comentara em tom sarcástico que Max parecia mais traumatizado com a experiência que a esposa.

— Você lembra o que o médico disse? — ele per­guntou ao abrir a porta do carro para ajudá-la a sair. — Repouso total e absoluto.

— Isso não significa que eu não possa andar — Maddy protestou, rindo quando Max insistiu em car­regá-la até a casa.

Ela nunca o vira tão abalado emocionalmente, nem < nas fases mais tortuosas do casamento quando ha­viam pensado em separação. Aquecia-lhe a alma sa­ber quanto Max a amava.

As crianças e Jenny a receberam com carinho e Maddy comoveu-se ao ver sua sala de estar toda ar­rumada para que ela pudesse repousar confortavelmente naquele espaço.

— A partir de agora, até o bebê nascer, pretendo trabalhar em casa sempre que for possível — Max informou, tão logo Jenny levou as crianças para a cozinha. — Minha mãe estará de prontidão para qual­quer eventualidade. Eu e ela nos revezaremos a fim de levar as crianças à escola e tudo mais. Sua única função é seguir os ordens do médico e descansar!

Paciente, Maddy esperou que ele terminasse para se manifestar.

— Max, não sou tão frágil assim, sabe. Portanto, se me beijar, não vou desmontar.

Emocionalmente, Maddy sabia que ele a amava, mas em termos físicos Max vinha impondo certa dis­tância e, ela também notou, evitava olhar ou até mes­mo tocar o ventre que abrigava o novo filho.

Queria conversar com ele a respeito, porém a pe­quena jornada até sua casa a cansara mais do que podia admitir. Em favor do bem-estar do bebê, Mad­dy precisava seguir à risca as instruções do médico.

Enquanto a observava e escutava, Max sabia que a vida conjugal nunca mais seria a mesma. O fardo da culpa que sentia pesava em sua consciência. Mad­dy o odiaria caso descobrisse o que ele havia pensado e desejado quando atinou para o fato de que corria o risco de perdê-la.

Ansiosa, Maddy o estudava. Jamais o vira tão alheio e introvertido. Mesmo no início do casamento, quan­do imaginara que ele a odiava, as reações de Max ainda assim demonstravam paixão. Estaria ele zan­gado por causa dos transtornos que sua condição cau­sava? A vida de Max tornara-se complicada após a volta de David. Poderia ele, secretamente, desejar que a criança em gestação não tivesse sido concebida?

— Max — Maddy murmurou.

— Fique aqui e descanse — ele ordenou, ignorando a súplica da esposa. — Vou ajudar minha mãe a colocar as crianças na cama.

Jack tentava se concentrar nas palavras do tio. Ambos jantavam sozinhos porque tia Jenny ainda encontrava-se em Queensmead, e Jack sentia-se frus­trado devido ao ínfimo progresso que fizera durante o dia.

Annalise insistira em ir à escola. Ele a encontrara após as aulas na beira do rio, já que ela não queria ser vista com Jack.

— Annalise, não poderemos manter segredo por muito tempo — ele alegara, gentil, e repreendeu-se quando Lise começou a chorar. Parecia inacreditável que se tornariam pais.

Resignado, Jon observava Jack. Era evidente que o rapaz tinha outros pensamentos em mente. A pai­xão adolescente podia ser traumática e dolorosa, es­pecialmente quando esta envolvia rompimento.

A dor era tão insuportável que Annalise despertou do sono profundo. Estava exausta, seus olhos ardiam na escuridão do quarto. Ainda sonolenta, permane­ceu deitada, sofrendo ondas de desconforto em seu ventre. Quando a necessidade de dormir desapare­ceu, ela se deu conta do que acontecia.

Sem poder acreditar no que seu corpo lhe dizia, Annalise correu ao banheiro. A prova de que estava certa e de que seu ciclo menstrual se iniciara cau­saram-lhe um alívio eufórico. Não havia engravida­do... não iria ter um filho.

Automaticamente, tomou as devidas providências, enquanto sentia q coração explodir de alegria. Ao se acomodar outra vez sob as cobertas, não queria pe­gar no sono. Abraçando o próprio corpo, saboreou as dores da cólica.

Havia rezado tanto para que isso acontecesse e ago­ra... Agora que tudo voltara ao normal nunca mais iria fazer sexo novamente, prometeu a si mesma com fervor. Não correria riscos, se não estivesse cem por cento protegida de qualquer possibilidade de gravidez.

Um arrepio gélido percorreu-lhe a espinha ao conscientizar-se das conseqüências, caso estivesse grávida de verdade. Jack dissera que deveriam se casar e que tudo ficaria bem, mas Annalise sabia que a vida de ambos não seria nada fácil.

Jack.., Precisava telefonar para ele no dia seguin­te, tão logo acordasse, a fim de transmitir-lhe as boas novas, decidiu. Aos poucos a cólica começou a atenuar e ela mergulhou mais uma vez em sono profundo.

Jack havia acabado de acordar quando o celular tocou. Com o coração em disparada, atendeu o cha­mado de Annalise.

— O que aconteceu? — perguntou, ansioso.

— Nada — Annalise respondeu, sem conter o rompante de felicidade. — Na verdade, aconteceu algo fabuloso. Não estou grávida, Jack. Estamos salvos!

Foram necessários alguns segundos para ele assi­milar a notícia.

— O quê? Quando? Como?

Rapidamente, Annalise explicou-lhe o que ocorrera.

— Tenho de desligar agora, Jack.

— Vou encontrá-la na saída da escola — ele avi­sou. — Assim, poderemos conversar.

— Tenho de ir — ela repetiu. — Jack, por favor, não conte a ninguém o que houve, está bem? — An­nalise implorou. — Não agüentaria, caso alguém fi­casse sabendo.

Jack estranhou. Além da sensação de alívio, o pri­meiro pensamento que lhe veio à mente ao escutar a novidade foi enfim explicar aos tios os motivos que o obrigaram a aparecer tão subitamente em casa.

— Prometa-me, Jack — Annalise insistia.

Jack percebeu a tensão e a ansiedade no tom de voz. Embora relutante, concedeu.

— Prometo.

A mão de Annalise tremia quando desligou o ce­lular. Tudo que queria agora era esquecer quão apa­vorada estivera e retomar a vida normal.

No instante em que Jenny olhou para o rosto de Jack, quando este entrou na cozinha, percebeu como o sobrinho estava contente. Sabia que ele havia visto Annalise no dia anterior e supunha que tinham feito as pazes. Mesmo assim...

— Você parece muito feliz esta manhã — comen­tou ela.

— E estou — Jack confirmou, e dirigiu-se à tia para abraçá-la. — Desculpe-me, tia Jenny, mas tive de vir para ver Annalise. Não se preocupe mais. Ago­ra está tudo bem e voltarei à universidade amanhã.

— Está tudo bem agora — Jenny repetiu. — Mas o que acontecerá na próxima briga, Jack? Você não pode faltar às aulas com tanta freqüência.

Jack a soltou, infeliz. Queria contar à tia que não se tratava de uma simples briga de namorados, mas havia dado sua palavra a Annalise e não podia traí-la.

— Não farei isso, tia.

Contudo, Jenny não tinha tanta certeza.

— Como está Maddy? — Jack indagou.

— Melhorando.

Max lhe dissera que naquele dia poderia se arran­jar sem a mãe. Portanto, Jenny pretendia cuidar das tarefas domésticas, como arrumar as camas e lavar roupa, e, em seguida, ir ao supermercado para abas­tecer sua despensa e a de Queensmead.

— David! — Jon exclamou, ao ver o irmão entrar no escritório. — Não esperava vê-lo hoje.

— Não. Estive em Fitzburgh Place esta manhã e Frederick me pediu para passar por aqui e deixar alguns papéis com você.

— Tem tempo para um café? — Jon perguntou, depois de guardar os documentos.

— Sim, tenho.

— Você me parece distraído. Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu — David respondeu, e respirou fun­do antes de acrescentar: — O fato é que — ele sorriu tal qual um garoto traquinas — Honor está grávida.

A porta da sala de Jon encontrava-se aberta. Logo, Tullah, que pretendia perguntar-lhe algo, deteve-se ao lado da soleira.

— Grávida... Quer dizer que vão ter um filho? — Jon balbuciou, surpreso.

— Exato — David confirmou. — Não havíamos planejado — admitiu —, mas devo confessar que este acidente me deixou nas nuvens. Vamos organizar uma reunião familiar para oficializar a novidade.

Um novo amor, uma segunda família, outra opor­tunidade e uma proposta de vida. Jon estava extre­mamente feliz pelo irmão gêmeo, cuja felicidade pa­recia contagiosa.

— Parabéns, David — Jon o cumprimentou. — Suponho que Livvy e Jack ainda não saibam da novidade.

— Não. Deus, Jon, espero que dessa vez eu seja um pai melhor. Tentei conversar com Jack, explicar-lhe tudo. Ele me escutou como um adulto, mas não me pareceu convencido. Por que ele e Livvy se im­portariam com minhas culpas? Do ponto de vista de­les, nunca fui um pai afetuoso.

Do lado de fora da sala de Jon, Tullah de repente se deu conta de que estava bisbilhotando. Envergo­nhada, foi embora. Sentia-se tão chocada quanto Jon com a novidade de David.

— Como vai Livy? — David indagou a Jon. —. Gostaria de fazer alguma coisa para ajudá-la.

— Bem, obviamente ela está infeliz. Aliás, com a doença de Maddy e a aparição repentina de Jack, não houve oportunidade de conversar mais profun­damente com Livvy.

— Jack está aqui? — David espantou-se.

— Está, e voltará para a universidade amanhã — Jon garantiu. — Ele e Annalise tiveram um desen­tendimento, mas já fizeram as pazes.

Enquanto David o escutava, seu sentimento de cul­pa aumentava. Sua filha lidava sozinha com o casa­mento fracassado. Seu filho tivera uma briga tão sé­ria com a namorada que o obrigara a largar os estudos para vê-la, e nenhum dos dois fizera o menor movimento para procurar o pai a fim de pedir ajuda ou consolo.

Não obstante, quando David dera sinais de querer ajudá-los ou tivera tempo para escutar os problemas dos filhos? Em que momento mostrara a eles que se importava... que os amava?

Pesaroso, ponderou acerca da extensão das pró­prias falhas. Queria mesmo reparar os erros, cons­truir um relacionamento com Jack e Olívia, e ser o avô das filhas de Olívia e dos filhos de Jack, quando este os tivesse. Mas não podia culpar a ambos por mantê-lo a distância.

David havia mudado muito desde sua fuga covar­de de Haslewich, amadurecera tremendamente, e, no entanto, provar a própria integridade não era suficiente no que dizia respeito a seus filhos. Eles pre­cisavam, em especial Olívia, de provas explícitas.

Mas como?, questionou-se, frustrado. Quando Olí­via permitiria que ele se aproximasse?

— E Maddy? Como vai ela? — perguntou a Jon, deixando de lado, por enquanto, o problema de Olívia.

— Melhorando... devagar. — A notícia de que Ho­nor e David estavam esperando um bebê levantou um problema que precisava ser discutido. — Papai está dando trabalho, como sempre — Jon confiden­ciou. — Todos nós estamos aflitos com a recuperação de Maddy. Ela voltou para casa, mas o médico or­denou repouso absoluto. O fato de papai estar amea­çando deixar Queensmead para outra pessoa não aju­da em nada.

— Para mim, você quer dizer — David completou.

— Eu já lhe disse, Jon, não sinto que tenha direitos sobre a propriedade, nem sequer a quero.

— Eu sei, mas papai...

— Quer que eu fale com ele? — David sugeriu.

— Pode tentar. Porém, quando souber que você e Honor vão ter um filho, ele vai ficar pior. Jenny está furiosa. Ninguém jamais cuidou tão bem dele quanto Maddy.

— Não. Honor acha que ele tem sorte por estar na posição em que se encontra — David concordou.

Olívia fitava a baguete que tinha acabado de com­prar. Não sentia fome, embora não houvesse feito o desjejum. Para completar, o jardim silencioso atrás da igreja de Haslewich não era o lugar mais ade­quado para se sentar e comer naquela época do ano. Depois de abotoar o casaco, desembrulhou o sanduí­che. Podia retornar ao escritório e lá almoçar, mas necessitava de ar fresco — e, sobretudo, de fugir da distração que as imagens de Caspar representaram naquela manhã.

Sem dúvida, fora a cesta de pescar que desenca­deara as lembranças do casal feliz que haviam sido nos primeiros anos de relacionamento.

Jenny atravessou o pequeno jardim da igreja após visitar o túmulo de seu primeiro filho. A profunda tristeza que surgira à morte do bebê não mais existia e lhe era reconfortante sentar-se e conversar com ele, atualizando-o com notícias da família, enquanto arrumava flores sobre a sepultura. De súbito, avis­tou Olívia sentada em um dos bancos e, aparente­mente, perdida em pensamentos.

Precipitou-se então em direção à sobrinha.

— Jenny! — Olívia não escondeu o choque ao sen­tir a mão da tia sobre seu ombro. — Eu não a vi chegar.

— Não. Você parecia estar a quilômetros de dis­tância.

Olívia mordeu o lábio quando Jenny sentou-se a seu lado.

— Sinto-me péssima por causa do jeito que me com­portei... e pelo que eu disse — Livy confessou. — Não sabia que Maddy estava doente, mas isso não justifi­ca... — Ela se deteve tão logo as lágrimas surgiram.

— Livvy, está tudo bem — Jenny assegurou-lhe. — Posso imaginar como deve estar se sentindo. Era eu quem tinha de me explicar.

— Eu pensei...

— Eu queria...

Ambas começaram a falar ao mesmo tempo e pararam.

— Eu pretendia telefonar — Olívia continuou. — Mas tive medo... Não a recriminaria, caso não acei­tasse minhas desculpas. Meu comportamento foi im­perdoável.

— Livy, Livvy, eu nunca faria isso — Jenny protestou, mobilizada pelas palavras da sobrinha, cuja tensão começava a diminuir. — Acho que to­dos nós reconhecemos a fase difícil pela qual você está passando. O rompimento de qualquer relação é traumático.

Escutando o tom compassivo da voz de Jenny, Olí­via sentiu-se vulnerável.

— Oh! tia Jenny...

Ao notar o tremor no corpo da sobrinha, Jenny agiu por instinto e a abraçou.

— Chore quanto quiser, querida. — Ela a acari­nhava, como se Livvy ainda fosse aquela garotinha que sempre recorria à tia quando estava com pro­blemas. Sabiamente, Jenny acolheu o pranto, saben­do que Olívia precisava desabafar.

— Está arrependida de ter pedido a separação? — ela perguntou, assim que Livy acalmou-se.

— Agora é tarde — Olívia respondeu. Nem para Jenny ela tinha coragem de admitir o tormento caótico de seus sentimentos ou a dor que ameaçava sufocá-la.

Mas de onde vinha aquela dor? Não podia ser do território hostil em que seu casamento havia se tor­nado. Não, a dor emergia da relação que outrora exis­tira e do amor que eles haviam partilhado e não mais vigorava.

— Livy, eu gostaria de poder ajudá-la com as meninas, mas neste momento...

— Não se preocupe. Eu entendo — Olívia garan­tiu, sincera. — Eu as matriculei na creche tempora­riamente. Acha que vale a pena pedir a Chrissie Cooke que indique alguém? O marido dela é parente de quase metade de Haslewich.

— Vou conversar com ela — Jenny se ofereceu. Contudo, por mais que nutrisse certa birra por Da­vid, sua consciência a obrigava a arriscar. — Chegou a pensar em David e Honor, Livy? Não tenciono lhe passar um sermão, mas David é o avô das meninas e sei, pelo que Jon me disse, que ele está ansioso para conhecê-las.

— Meu pai... — O rosto de Olívia se transformou.

— Acredita mesmo que eu faria isso por mais deses­perada que estivesse? — Ela sorriu, amarga.

Jenny havia previsto aquela reação, porém sen­tia-se no dever de sugerir.

— Ah, tia. — Olívia cobriu o rosto com as mãos.

— Por que ele tinha de voltar? Por que não ficou onde estava? O fato de saber que está em Haslewich me faz... — Desviou o olhar, envergonhada. Como explicaria os sentimentos de alienação e raiva que passou a possuir desde que o pai voltara? Nem ela própria conseguia se entender.

— Sinto muito, querida. Tenho de ir — Jenny la­mentou. — Preciso passar no supermercado e quero arrumar os pertences de Jack antes de ele partir para a universidade.

— Jack está aqui?

— Trata-se de uma visita extra-oficial. — Jenny contou brevemente o que ocorrera.

— Bem, não adianta esperar que meu pai converse com Jack a respeito de valores morais e obrigações

— Olívia ironizou. — Desculpe-me — disse a Jenny.

— Não consegui evitar.

— Manterei contato — Jenny prometeu quando ambas se levantaram. — E falarei com Chrissie para ver se ela conhece alguém adequado para tomar con­ta das meninas.

— Você é a melhor tia do mundo. Não sabe como me odiei por...

— Já foi esquecido — Jenny a interrompeu. — E, Livy, nunca pense que não é importante ou que Jon e eu não gostamos de você. É e sempre será uma pessoa muito especial para nós.

Quando as duas seguiram caminhos opostos, o co­ração de Olívia parecia infinitamente mais leve.

Antes de chegar ao supermercado, Jenny ligou pa­ra Chrissie e explicou a dificuldade de Olívia de en­contrar alguém para cuidar das filhas.

— Não conheço ninguém, mas vou pesquisar — a esposa de Guy comprometeu-se.

Conversaram por mais alguns minutos, pois Chrissie estava aflita para ter notícias de Maddy. Prometeu a Jenny que rezaria pela boa recuperação da nora.

Sara e Francês estavam almoçando quando Chris­sie apareceu. Ela beijou a cunhada e aceitou acom­panhá-las na refeição.

— Estou controlando meu peso — Chrissie con­fessou. — Guy quer nos levar a Tuscany no próximo verão e decidi que vou usar um daqueles biquínis escandalosos!

— Tenho certeza de que irá arrasar — Francês brincou.

— Escute, Francês, sei que é um tiro no escuro — Chrissie prosseguiu. — Mas Jenny Crighton me te­lefonou hoje e disse que Olívia está desesperada para encontrar alguém que tome conta das filhas agora que ela e Caspar se separaram. Perguntou-me se nós conhecíamos uma pessoa.

— Conheço várias babás em potencial, mas não me lembro de ninguém que seja experiente o bas­tante para se responsabilizar pelas crianças — Fran­cês alegou.

— Foi o que Jenny pensou. Ela se sente culpada por não poder ajudar a sobrinha.

— Pobre Livy. Sinto pena dela — Francês sus­pirou. — Eu ficaria agoniada se não pudesse auxiliar meus filhos. Sei que Jenny tem sido ótima para Olí­via, mas era a mãe verdadeira de Livy quem deve­ria se oferecer para ajudá-la.

— Tem razão — Chrissie concordou. — No entan­to, pelo que eu soube, Tânia nunca bancou a mãe para Jack e Olívia, e tampouco mostrou algum in­teresse de conhecer as netas.

Sara sentiu-se incomodada com aquela conversa. Ardia de vontade de defender vovó Tânia, de expor seu lado da história, mas como poderia? O que acon­teceria caso revelasse um relacionamento que jamais mencionara antes? Francês mostrava-se mais que gentil, e Sara sabia que a boa senhora teria todo o direito de decepcionar-se por ela não ter citado o pa­rentesco com Tânia.

Não que Sara pretendesse esconder o fato de pro­pósito, mas... Mas agora se via em uma posição de­licada que a deixava culpada e desconfortável.

— Talvez a mãe de Olívia não saiba que a filha precisa dela — Sara ousou comentar.

— Mas Tânia sabe que é avó de duas meninas lindas — Chrissie rebateu. — E, a despeito das ten­tativas de Olívia, Tânia sempre encontrava uma des­culpa para não ver as netas.

Sara ficou atônita. Não fora assim que a avó lhe descrevera. Todavia, lembrava-se de seu pai ter sido acerbo em relação a Tânia nunca visitar os filhos e as netas. Talvez, afinal, houvesse alguma verdade nos comentários dele.

— Lamento por Olívia — Chrissie dizia. — Ela sofreu tanto quando criança e agora o casamento foi por água abaixo.

— E verdade. Ela não tem uma vida fácil — Fran­cês concordou.

Annalise caminhava a passos largos no estaciona­mento do supermercado. Iria chegar atrasada ao en­contro com Jack. Estava empolgada com a expecta­tiva de vê-lo e comemorar a alegria de não estar grávida. Porém, ao mesmo tempo, sem saber por que, não queria vê-lo.

Jenny tinha acabado de guardar as compras no carro quando avistou a adolescente.

— Annalise! — chamou-a e estranhou a reação tensa da garota quando esta escutou o próprio nome.

Depois que as filhas e Olívia tinham crescido, Jen­ny havia se esquecido de quão vulneráveis as ado­lescentes eram.

Annalise deteve-se ao ouvir alguém chamando-a e virou-se devagar.

A tia de Jack! O sentimento de culpa e apreensão paralisou-a. A atávica sensação feminina de respon­sabilidade invadiu Annalise com tamanha profundi­dade que ela não foi capaz de entender ou analisar a experiência. Só sabia que, entre sua família e a de Jack, seria a única a ser recriminada, caso estivesse grávida.

Jack tentara convencê-la de que a tia poderia en­tender a situação e estaria disposta a ajudá-los, mas Annalise não acreditara.

Annalise estava radiante, Jenny percebeu quando se aproximou da adolescente.

— Tem tempo para conversar comigo? — per­guntou-lhe.

Antes que Annalise pudesse recusar, Jenny já a segurava pelo braço. Embora relutante, ela se ren­deu. Ainda sentia um pouco de cólica e náuseas.

A garota a olhava como se esperasse uma bronca, Jenny notou, curiosa. Ora, ela havia ficado zangada, era verdade, com Annalise e Jack. Mas agora lem­brava-se de como era ter a idade de Annalise e estar apaixonada.

Jenny também reparou através da expressão da adolescente como a briga de namorados a aborrece­ra. Não pretendia reavivar a querela, contudo já que o destino lhe dera a oportunidade de falar franca­mente com Annalise, Jenny resolveu aproveitá-la, e não somente pelo bem de Jack.

— Jack me contou o que aconteceu — começou ela, gentil. Mas franziu a testa ao divisar a palidez nó rosto da garota. — O que foi?

— Ele me prometeu que não contaria a ninguém!

— Annalise exclamou.

Não acreditava que Jack seria capaz de mentir, ainda mais em se tratando de algo tão importante. Fechou os punhos, enfurecida.

— Era particular... Ele não tinha o direito... — Annalise calou-se, lutando contra as lágrimas. Havia passado aquele dia com as emoções à flor da pele, sentindo-se eufórica e aliviada em um minuto, e no outro temerosa ante a possibilidade de ter podido estar grávida.

— Annalise, sou tia dele — Jenny argumentou.

— Jon e eu somos os guardiões legais de Jack. Ele pode ter dezenove anos, mas ainda nos sentimos responsáveis por ele. Sei que se consideram crescidos, portanto você há de convir que abandonar os estudos no meio do semestre hão é uma atitude madura.

— Não pedi nada — Annalise protestou, sentindo que Jenny a culpava.

Sem dúvida, a família Crighton teria preferido que ela ficasse calada, que mantivesse a vergonha e o bebê indesejado longe da vida tão bem planejada de Jack.

— Quando isso acontece, há sempre várias manei­ras de resolver o problema — Jenny continuava. — Mas não pode acontecer outra vez, Annalise, e nós dissemos isso a Jack também.

— Outra vez... — Annalise encarou Jenny, an­gustiada.

O olhar, repleto de dor e tristeza, tocou o coração de Jenny. No entanto, precisava ser firme.

— Você e Jack estão apaixonados, mas são muito jovens e odiaríamos ver a vida dos dois arrumada. E de vital importância que Jack se forme, Annalise. Eleja lhe disse, eu sei, que almeja ser um advogado.

Annalise sabia o que Jenny Crighton dizia na ver­dade. A família de Jack não queria vê-lo estragar o próprio futuro por causa de uma gravidez inespera­da. Jenny podia fingir estar preocupada também com ela, Annalise, mas não estava. E como poderia? Não significava nada para os Crighton. E provavelmente não representava muito para Jack, já que ele havia quebrado a promessa.

Corada de vergonha, Annalise imaginou o que a tia dele devia estar pensando. O pai de Annalise era tradicionalista e alimentava visões também tradicionais a respeito de garotas que engravidavam sem se casar — visões que ele fizera questão de expor à filha.

Annalise não suportava mais. Virou-se e correu pelo estacionamento, ignorando o chamado de Jenny.

— Ora, você acaba de criar a maior confusão — Jenny repreendeu-se, enquanto observava a garota fugir.

Não queria magoá-la, somente fazê-la entender a importância de Jack não repetir o comportamento de deslocar-se para casa cada vez que tivessem uma briga.

Suspirando, Jenny deu a partida no carro.

 

                                         CAPITULO IX

Como assim... acabou? — Jack 'indagou, completamente per­plexo. Ele a havia esperado por mais de meia hora e quando enfim apareceu, além de evitar o abraço caloroso, Annalise dissera-lhe que tudo estava ter­minado entre eles.

— Acabou, Jack — ela reforçou. — Nosso namoro termina aqui.

— Annalise, escute. Sei que a suposta gravidez a perturbou, mas... — Jack tentou tocá-la, porém ela recuou um passo, mantendo o semblante frio.

No fundo, ela queria cobrar-lhe a revoltante que­bra de promessa, mas temia cair em prantos antes de conseguir pronunciar uma só palavra.

— Não entendo o que aconteceu — Jack murmu­rou. — Eu te amo.

Como Annalise poderia acreditar nele? Como con­fiaria em qualquer coisa que ele dissesse?

— Pensei que você me amasse — Jack acusou-a. Sua garganta se apertava, enquanto seu coração se esfacelava. Não compreendia aquela atitude tão fora de propósito, tampouco sabia o motivo.

Annalise desviou o rosto, recusando-se a explicar-se. Estava brava com ele, Jack percebeu. Mas por quê? Porque não fora cauteloso? Não podia condená-lo mais do que ele o fazia a si mesmo.

— Por favor, Lise — implorou.

— Não quero mais falar neste assunto. Não há o que discutir. Não vamos nos ver nunca mais, Jack... Deixe-me em paz, por favor.

Não suportava encará-lo. Se o fizesse, perderia o controle e verteria lágrimas eternas. Não sabia que a vida podia ser tão penosa. Sentia-se furiosa, aban­donada, assustada, dividida entre a raiva e a von­tade de jogar-se nos braços dele à procura de carinho.

Nada voltaria a ser como antes. Jack mentira, que­brara a promessa — e, mesmo que não o tivesse feito, Annalise não agüentaria passar novamente pela mes­ma experiência traumática. Ele havia jurado que tudo terminaria bem, mas agora tudo parecia desmoronar.

Jack sofria por remorso e amor. As emoções quei­mavam seus olhos, mas o orgulho masculino o im­pedia de chorar.

— Annalise... não... — ele suplicou outra vez.

Ignorando o namorado, Annalise começou a se afastar.

Queria ir atrás dela e rogar-lhe uma segunda chan­ce. No entanto, um casal caminhava à beira do rio em direção a ele. Aquele parque era público demais para que Jack pudesse clamar o que sentia. A frus­tração por não possuir a privacidade de que neces­sitava, por ser visto como imaturo pelos outros, o atormentava.

Amava Annalise e sempre a amaria. Não era jo­vem demais para saber disso.

Porém ela não o queria. Havia dito tais palavras em alto e bom som. Culpava-o pela terrível experiência de poder estar grávida e o responsabilizava por não ter sido capaz de protegê-la. Jack tinha certeza disso porque se sentia da mesma maneira.

Também se culpava. Ao amá-la sem certificar-se de que estava protegida, ele fora egoísta e agora pa­gava caro por tamanho egoísmo. Annalise deixara de amá-lo.

Esfregou os olhos marejados de lágrimas. A última coisa que desejava era voltar à universidade, embora não tivesse escolha. Havia decepcionado Annalise, mas não incrementaria sua falha decepcionando os tios.

Com os olhos repletos de lágrimas, Annalise corria pela trilha entre as árvores. Estava terminado, e sen­tia-se satisfeita... satisfeita... disse a si própria. Por que Jack ousara contar à tia o doloroso segredo que deveria permanecer somente entre eles? E como con­seguiria amá-lo depois do que ele tinha feito?

— Você está muito pensativa — Saul comentou com Tullah. Ao chegar do trabalho, encontrou-a so­zinha na sala de estar, perdida em devaneios. — Algo errado?

— Não exatamente. — Tullah então relatou ao marido o que escutara por acaso. — Havia um recado de Honor na secretária eletrônica quando cheguei. Convidou-nos para ir à casa dela neste fim de sema­na. — Tullah respirou fundo. — Estou pensando em Olívia.

— Sim — Saul concordou, preocupado.

— Tive a impressão de que David queria contar a ela antes da festa, mas receava que Olívia se re­cusasse a vê-lo.

— Estou certo de que ela o faria.

— O que devemos fazer, Saul?   ,

— O que você acha que devemos fazer? — retor­quiu ele.

— Bem, se eu estivesse no lugar dela, gostaria de saber da notícia antes que se tornasse pública. Não posso falar com Olívia. Nós nos damos bem, mas não somos íntimas. Não como...

— Está tentando dizer que eu deveria conversar com ela? — Saul deduziu.

— Sim. E logo, Saul. Hoje à noite, se possível.

Olívia notou que havia uma mensagem na secre­tária eletrônica tão logo entrou em casa. Por um ins­tante, imaginou que fosse de Caspar. Contudo, ao escutar a voz de seu pai, sentiu-se dominada pela raiva e pelo desapontamento.

— "Olívia, preciso falar com você" — dizia a gra­vação. — "Há algo..."

Ela apagou o recado sem ouvir o resto.

Teria Jon sugerido a ele que estava na hora de contatá-la? Justamente quando se encontrava fraca e vulnerável? Olívia fora sincera ao dizer a Jenny que jamais pediria ajuda ao pai.

Após colocar as filhas na cama e apagar a luz do quarto, Saul tocou a campainha. O prazer de revê-lo incitou um brilho diferente nos olhos de Olívia. Não era tola a ponto de imaginar que ele desejava res­suscitar a atração do passado, mas era uma mulher e sentia-se carente o bastante para apreciar a aten­ção de um homem sexy.

— Entre.— convidou-o. — Eu pretendia fazer um café.

Saul estava agoniado. A conversa com Livy seria difícil e a alegria que ela demonstrava só piorava a situação.

Esperou que o café estivesse pronto para abordar o assunto.

— Livy, não existe uma maneira fácil de fazer isso — começou, hesitante.

O coração de Olívia disparou.

— O que aconteceu? Caspar... — Ao se dar conta de quanto revelou acerca das emoções, ela se calou.

— Não tem nada a ver com Caspar — Saul tranquilizou-a, surpreso. — E sobre David, seu pai...

Por um momento, o mundo pareceu parar. O choque e a dor que a assolaram eram confusos e inesperados.

— Ele teve outro ataque do coração — Olívia ten­tou adivinhar.

— Não. — Saul irritou-se consigo mesmo. Estava fazendo a maior confusão.

Colocando a xícara de café sobre a mesa, ele se­gurou as mãos de Olívia. O toque era quente e afetuoso. Reconfortante... De fato, o gesto de um amigo e não de um admirador, ela reconheceu, pesarosa.

— Ele e Honor estão esperando um filho.

— O quê?

A palidez que dominou o rosto de Livy significava apenas o primeiro sinal do que Saul havia previsto.

— Honor está grávida... Não acredito... — Olívia protestou. Afastando-se de Saul, ela levantou-se e começou a caminhar pela cozinha, furiosa. — Não creio que Honor tenha sido tão estúpida a ponto de ter um filho com ele, mesmo sabendo como aquele homem tratou a mim e a Jack.

— As pessoas mudam, Livvy — Saul ponderou, embora lhe afligisse testemunhar o sofrimento da prima.

— As pessoas mudam. — O olhar de Olívia o preo­cupou. — Quer dizer que meu pai está feliz com esse filho... É isso?

Saul desejava estar em qualquer lugar, menos ali.

— Pelo que Tullah pôde ouvir, sim, ele está muito feliz — forçou-se a admitir.

— Ele não conseguiria se importar comigo e com Jack. Não liga a mínima para nós. Não significamos nada para ele. Nada! — Olívia esbravejou.

Por isso, David quisera falar com ela. O objetivo não era tentar participar da vida da filha e das ne­tas,, mas sim dizer-lhe que não precisava mais delas agora que teria outro filho, uma criança desejada, uma criança que ele amaria.

— Honor planeja anunciar a gravidez à família neste final de semana. Ela convidou todos os paren­tes. Tullah, sem querer, escutou David conversando com Jon no escritório e sentiu... nós sentimos...

Saul entristecia-se por Olívia. O que ela sentia acrescentava mais sofrimento à fase que estava vi­vendo. E ele sabia não haver meios de consolá-la.

— Se agimos errado... — Saul começou a se des­culpar.

— Não. Estou grata por Tullah ter pedido para você me contar, Saul. Nunca pensei... Quando eu era criança, queria tanto que ele me amasse — Olívia confessou, sem emoção. — Queria tanto, tanto... Re­zava para que ele e minha mãe fossem felizes juntos, que fossem pais normais como Jenny e Jon. Eu me sentia culpada, de certa forma, porque eles brigavam o tempo todo. Achava que era por minha causa...

— Livvy — Saul compadeceu-se.

— Desculpe-me — Olívia sussurrou. — Você não quer ouvir minhas lamúrias.

— Pode conversar comigo a qualquer hora, mas tenho de ir embora agora — ele lamentou. — Vai ficar bem?

O frágil esboço de um sorriso que ela manifestou apertou o coração de Saul.

— Vou, sim.

Quando ele fez menção de abraçá-la, Olívia recuou. Saul hesitou por um instante e, então, caminhou até a porta.

Olívia esperou que ele saísse para liberar as emo­ções. Seu corpo inteiro tremia de angústia.

Honor esperava um filho de seu pai. David iria ser o pai de outra pessoa. Ao menos, rezava para que não fosse uma menina, Olívia refletiu, amarga.

Tão logo o bebê nascesse, Honor veria a verdadeira personalidade do marido, assim como os demais pa­rentes. Seu pai não tinha o direito de sujeitar outra criança ao sofrimento e à falta de amor que ela e Jack haviam vivido.

Mas e se dessa vez tudo fosse diferente? E se seu pai, como tantos outros de meia-idade, adorasse a experiência de gerar um filho aos cinqüenta anos?

Um arrepio gélido percorreu o corpo de Olívia. Qual era o problema com ela? Por que se importava com o comportamento do pai? David não significava na­da. Nada!

Pânico. Dor. Medo. Aversão às próprias emoções e uma raiva furiosa contra o pai a consumiam, im­pedindo-a de concentrar-se em qualquer outra coisa. Se Caspar estivesse ali... Caspar... Por que diabos pensava nele?

Aflito, Caspar atendeu o celular. Por um segundo, esperou e imaginou que talvez fosse Olívia. Havia perdido a conta do número de vezes que se sentira tentado a ligar para ela. Almejava escutar a voz das filhas... e a de Olívia.

Triste, lembrou-se de todos os motivos que leva­ram o casamento a fracassar, e o mais destrutivo deles era o fato de que Olívia encontrava-se total­mente encarcerada pelas lembranças da infância e recusava-se a libertar-se ou conscientizar-se de quão prejudiciais eram.

Claro, entendia as dificuldades pelas quais ela ha­via passado. Caspar também não tivera uma infân­cia feliz, mas eram adultos agora e ressentia-se por Olívia apontar cada erro e compará-lo ao comporta­mento do pai como se, de alguma forma, eles fossem iguais.

— Com licença, o senhor vai se demorar nesta vaga? Ela é reservada à equipe médica do centro e tenho clientes a minha espera. — A voz feminina de tom severo alertou Caspar da transgressão que cometia.

— Lamento — desculpou-se. — Não percebi que havia parado em local proibido. Aliás, só parei por­que meu celular tocou.

Quando se voltou para olhar a mulher, cuja cami­nhonete bloqueava sua saída, Caspar ficou fascina­do. Ela representava o sonho de qualquer americano com sangue nas veias e muito mais. Alta, esguia e repleta de curvas na medida certa. Cabelos casta­nhos, olhos azuis e lábios voluptuosos.

Vestida casualmente de jeans e camiseta, ela pa­recia ter uns dezoito anos, mas Caspar supunha, da­da a atitude impositiva, que era bem mais velha.

— Irei embora assim que você afastar seu carro para que eu possa sair — disse a ela.

— Certo. Vejo que, pelo seu sotaque, é estrangeiro e deduzo que certas placas de sinalização não lhe sejam familiares. Entretanto, isso não o exime da responsabilidade — ela discursou. — O sinal indica claramente que esta área é reservada.

Constrangido, Caspar notou que a mulher tinha razão.

— Lamento muito — desculpou-se outra vez. Ela não usava roupas brancas, logo, perguntou-se

que profissão a mulher teria?

— Você trabalha aqui?

— Trabalho — ela respondeu, seca. — Mas não converso com estrangeiros, mesmo que estejam diri­gindo uma Harley-Davidson.

Caspar sorriu, sentindo o humor renovar-se.

— Ora, se trabalha aqui, você é capaz de medicar estrangeiros e cuidar deles — brincou.

— Sou psicóloga, não médica — ela retrucou. — E, se quiser um conselho, este tipo de cantada não funciona com as mulheres de hoje.

— Não? O que funciona então? — Caspar não se lembrava de quando fora a última vez em que se sentira vivo, sedutor e tão masculino em relação a uma mulher que não fosse Olívia. Interessado, ele observava o movimento dos quadris, enquanto a psicóloga caminhava em direção à caminhonete, deter­minada a não responder.

O que ele esperava? A mulher tinha o direito de ignorá-lo. O mundo estava repleto de más intenções e cabia a ela ser cautelosa.

A psicóloga estava agora em seu carro, tentando dar a partida. Caspar franziu o cenho ao reconhecer, através do som da ignição, que não haveria meios de ligar a caminhonete sem a ajuda de um mecânico especializado.

A porta do automóvel se abriu e ela desceu. Foi difícil reprimir o sorriso triunfante quando a mulher se aproximou e disse:

— Não funciona. Tenho de telefonar à oficina me­cânica para pedir auxílio.

— Quanto tempo isso vai levar? — Caspar per­guntou, tentando parecer sério. — Só estou aqui de passagem. Preciso procurar um hotel para passar a noite e me alimentar.

— Não é minha culpa — a mulher retorquiu, ao recuperar a pose. — Como lhe disse, foi o senhor que parou em local proibido.

Ela o fitou por alguns instantes.

— Aonde pretende ir? — perguntou, expondo um súbito interesse por Caspar.

— Aonde a estrada me levar. Na verdade/estou realizando uma velha ambição adolescente de viajar pelo país.

— Em uma Harley-Davidson?

— Exato. — Ele expressou um sorriso maquiavélico. — É pena que não seja médica, do contrário eu lhe pediria que examinasse uma determinada parte de meu corpo que agora, aos quarenta, não parece estar em boa forma.

— Sua esposa não quis acompanhá-lo? Sei que é casado porque usa aliança. — Ela apontou a mão de Caspar.

— Acabou. Nós... Ela voltou para a Europa com nossas filhas. E advogada e me informou que toma­ria as providências "legais" por conta própria. Foi assim que nos conhecemos, através da lei. — Caspar meneou a cabeça, desolado. — Desculpe-me. Acho que é normal incomodar desconhecidos com sua his­tória de vida quando se viaja sozinho.

— Sou psicóloga. Não me incomodo em ouvir — ela o assegurou. — Terei de esperar o socorro mecânico aqui, mas depois, se quiser, poderei lhe mostrar um ótimo restaurante italiano da cidade. Eles tam­bém possuem quartos para alugar.

Caspar respirou fundo. Seus instintos o avisavam que poderia estar nadando em águas profundas. Mas por que não? Era um homem livre agora, certo? Olívia não o queria.

— Parece ótimo — respondeu. — A propósito, sou Caspar Johnson.

— Molly Reilly.

Reilly, o sobrenome explicava os lindos olhos cel­tas, a pele lisa, embora os dentes perfeitos fossem americanos, Caspar refletiu ao apertar a mão de Molly.

Uma das discussões mais complicadas que ele e Olívia haviam tido fora acerca dos dentes das meni­nas. Na ocasião, Caspar queria submetê-las a um tratamento odontológico e Olívia ficara horrorizada.

— Por quê? — ele perguntara, indignado. — Todas as crianças americanas usam aparelhos nos dentes.

— Amélia e Alex não são americanas, Caspar. E não quero que elas cresçam com a aparência tão perfeita a ponto de se assemelharem a... estrelas de cinema.

Caspar não entendera a reação explosiva, muito menos o argumento.

— É o mesmo que macular o caráter natural das meninas — Olívia havia protestado. — Restaurá-las, Caspar, fará com que se sintam na obrigação de se­rem perfeitas a fim de angariar o amor alheio. Não quero isso para nossas filhas.

— Por Deus, Livy, só estamos falando de arrumar os dentes delas! — Caspar exclamara, exasperado.

— Você disse que havia terminado.

O comentário de Molly pegou-o de surpresa.

— Como sabia que...? — ele se deteve, ruborizado.

— Tenho trinta e quatro anos — Molly respondeu. — E creio que já vivi o bastante para reconhecer o momento em que um homem está pensando na es­posa.

— Na verdade, eu pensava em minhas filhas — Cas­par a corrigiu. — Quanto ao restaurante italiano...

— Acha que ela virá? — David questionou Honor, ansioso. E não havia necessidade de perguntar-lhe a quem se referia.

— Não alimente expectativas — ela aconselhou.

— Oh! Honor, eu queria... Gostaria de contar a ela antes que outra pessoa o faça, para que o momento seja tão especial quanto foi com Abigail e Ellen.

Honor sorria, entristecida. A ligação que possuía com as filhas estava a quilômetros de distância da relação que ele tinha com Olívia. Mesmo assim, fora um choque para suas filhas e, no caso de Ellen, a notícia resultara em certa hostilidade ao saber que Honor estava grávida.

— Tem noção dos riscos que você e o bebê podem correr? — Ellen indagara, como sempre, prática. — Na sua idade...

— Não se esqueça de que mamãe sabe mais a res­peito de bebês do que a gente — Abigail interrom­pera a irmã. — Afinal, ela teve nós duas,

— Sim, mas isso foi há mais de vinte anos — Ellen pontuara, firme.

Depois de passado o impacto inicial, ela se descul­para com a mãe.

Se suas filhas, que tinham certeza de que Honor as amava, haviam estremecido ante a novidade, co­mo Olívia poderia reagir?

Magoava Honor saber que seu bebê iria nascer naquele ambiente conflitante, e tal dádiva deveria ser motivo de alegria e esperança, não de infelicida­de e sofrimento.

Havia discutido o problema com padre Ignatius enquanto trabalhavam na estufa. Honor adorava pas­sar horas a fio cuidando das ervas com as quais pre­parava remédios de fundo medieval e aprimorando suas habilidades.

— Seria bom caso existisse uma erva especial que pudesse ajudar Olívia — ela comentara com o padre.

— A resposta ao distúrbio de Olívia está dentro dela -— Ignatius respondera. Quando Honor o fitara, confusa, ele explicou: — O amor do pai está lá para ela, assim como a dor e o ressentimento pelo passa­do. Mas David não pode forçar os sentimentos, so­mente oferecê-los.

— E se Olívia continuar a rejeitá-lo? — Honor lhe perguntara.

Padre Ignatius soltou um suspiro.

— Se ela insistir em alimentar as mágoas, receio que tanto Olívia quanto David continuarão a sofrer.

E agora Honor inseria mais agonia ao problema de Olívia com o bebê que gerava.

Por instinto, alisou o ventre ainda liso. A gravidez podia ser inesperada, mas a nova vida que se for­mava já era motivo de felicidade para ela.

Olívia não apareceria. David sabia disso.

— Não podemos nos demorar — Jon dizia. — Jenny cuidará dos netos hoje à noite.

Netos. Ele também era avô tal qual Jon, porém du­vidava de que as netas soubessem de sua existência.

Enquanto tomava um gole de sua bebida, David observava o movimento. O padre conversava com Ben e Freddy. Honor ria de algo que Jon lhe falava. O número de convidados era pequeno, somente os pa­rentes mais próximos.

— Jenny! — David exclamou, contente, quando avistou a cunhada na cozinha. — Fico feliz que tenha vindo. Significa muito para Honor. Sei que anda ocu­pada no momento. Só lamento Livy não ter aparecido.

— Livy não pode ir a lugar nenhum — Jenny informou. — Ela tem duas filhas para cuidar, está trabalhando tempo integral e não há um marido pa­ra ajudá-la.

— É verdade que Livy não pode sair? — David perguntou a Jenny.

— Você devia estar a par dos problemas que ela enfrenta — Jenny insistiu. — Pois acredito que seu irmão tenha relatado os pormenores também. Quan­do posso, eu a ajudo. É claro que Jon a liberou do trabalho, mas Livy, sendo orgulhosa demais, decli­nou a oferta. Está tentando, a duras penas, encontrar uma babá. Ora, por que estou lhe dizendo tudo isso, David? Você é o pai dela. Mas não se importa, certo? Interessa-se mais pela nova vida que construiu.

— Jenny!

O horror na voz de Jon a fez calar-se. Não tinha visto o marido entrar na cozinha. No entanto, repa­rou no olhar repressor que ele lançou antes de en­carar David e se desculpar pela esposa.

— Não se apoquente, Jon — David argumentou. — Jenny só não tem razão em um ponto. Eu me importo com Jack e Olívia, e muito.

O desabafo da cunhada o perturbara, mas foram as informações a respeito de Olívia que o mobiliza­ram de verdade. Não tinha idéia de que a situação estava tão periclitante. E as palavras de Jenny pin­taram o quadro de alguém totalmente solitário e iso­lado, um fato que estimulou a necessidade de prote­ger a filha.

Sua filha... sangue de seu sangue... David fechou os olhos, agoniado. Precisava e tinha de fazer algu­ma coisa.

— Jenny, como pôde falar daquele jeito com Da­vid? — Jon inquiriu a esposa, depois de deixar Ben em Queensmead.

— De que jeito? Eu simplesmente disse a verdade

— Jenny se defendeu. — Ele está celebrando a con­cepção de outro filho, enquanto a pobre Livvy se des­cabela para superar as vicissitudes da vida.

Jon permaneceu em silêncio. Se não a conhecesse, podia apostar que Jenny estava com inveja de Ho­nor, David e do bebê que esperavam.

— Honor, estive pensando a respeito da dificulda­de de Livy em encontrar alguém para ajudá-la com as crianças. Tenho tempo de sobra e elas são minhas netas. Já que Jenny está ocupada com os próprios netos, eu... — David ficou calado quando viu o modo como Honor o fitava. — Não acha uma boa idéia — deduziu, frustrado.

— Acho uma excelente idéia — Honor o contra­disse. — Mas duvido que Olívia aceite.

— Vale a pena visitá-la e oferecer-me — David concluiu, animado. — Esta pode ser a maneira que procurava, Honor, de mostrar a Livvy quão arrepen­dido estou. E, de qualquer forma, quero vê-la — acres­centou, decidido. — Devo isso a Livvy e a nosso bebê.

— Ele tocou o ventre da esposa. — Quero que minha filha saiba por mim que vai ter um irmão... ou irmã.

Honor continuou em silêncio.

— Você desaprova minha decisão? — David inda­gou, preocupado.

— Não quero vê-lo magoado — Honor confessou.

— Sei como é importante para você recuperar a con­fiança e o afeto de Olívia. E tenho certeza de que ela necessita dessa reparação, mesmo que ignore que perdoá-lo e se perdoar poderá curá-la. — Ela parou e suspirou. — Mas não sinto que Livy esteja pronta.

— É uma mulher maravilhosa. Já lhe disse isso? — David a beijou. — Entendo seu ponto de vista, Honor. Mas ainda assim vou tentar. Na prática, Liv­vy precisa de ajuda e sou seu pai. Irei vê-la amanhã. É domingo, portanto ela estará em casa. Você deve me xingar às vezes por eu lhe trazer tantos proble­mas familiares.

— Sua família não é mais problemática que a minha.

Na ponta dos pés, Honor beijou a testa do marido.

— Será que podemos...? — ele sussurrou, acari­ciando o ventre de Honor.

— Claro que sim. — Fazer amor com David não causaria mal ao bebê. Porém, à certa altura da gra­videz, teria de realizar alguns exames. Na sua idade, era imprescindível acompanhar o desenvolvimento do bebê.

Mas não queria pensar nisso. Naquele momento, desejava apenas aproveitar o instante presente.

— Que gostoso — murmurou quando David aca­riciou um dos seios. — Faça outra vez...

 

                                     CAPÍTULO X

Satisfeita, Sara sorria consigo mesma. 'Era seu dia de folga e estava a caminho do exclusivo complexo de saúde e estética, próximo a Chester, do qual Francês e seus familiares eram associados, para usufruir do luxo e das vantagens do spa.

— É o mínimo que podemos fazer para retribuir o trabalho fantástico que você realizou com a pape­lada do restaurante — argumentara Francês.

Sendo assim, Sara anotou as coordenadas que Fran­cês lhe dera a fim de se movimentar pelas cercanias de Chester.

Além dos comentários nada lisonjeiros acerca da família Crighton, Tânia nunca se mostrara entusias­mada com a cidade. Na verdade, condenara a vida pacata de Haslewich. Sara por sua vez, discordava da avó, principalmente no que dizia respeito ao pas­sado histórico da cidade.

Tão logo fosse possível, prometeu a si mesma, ex­ploraria os arredores da região, percorrendo as tri­lhas das muralhas antigas, visitando o museu da mina de sal e o castelo. Mas naquele dia dirigia, contente, em direção a seu destino.

Frances havia comentado sobre os tratamentos de beleza do clube, enquanto o marido, o Sr. Sorter, em­polgara-se com o campo de golfe.

— Vai adorar a piscina! E o restaurante do clube também é muito bom.

— Mas não tão bom quanto o de vocês, é claro — Sara emendara, sorrindo.

— Evidente que não. — Francês rira.

E agora ela passava pelos portões de Camden Park e percorria a alameda rodeada de grama verde.

Rindo consigo, ela estacionou seu carro ao lado dos melhores automóveis do momento, tipo Merce­des e Jaguar. Ninguém em Chester possuía veículos compactos como o dela?

A recepcionista do spa, porém, não podia ser mais gentil ao lhe oferecer uma gama de opções disponí­veis para os diversos tratamentos de beleza.

Após fazer sua escolha, uma prolongada massa­gem facial e corpórea, Sara decidiu aproveitar o tem­po que antecedia a sessão para um saudável e revigorante mergulho na piscina.

O deque era tão luxuoso quanto Francês lhe havia descrito. Os azulejos da piscina eram pintados com afrescos italianos. Uma longa arcada indicava o ca­minho para a banheira Jacuzzi e a sauna. Os sócios do clube acrescentavam à área o mesmo estilo de elegância e refinamento, Sara ponderou, observando as mulheres muito bem vestidas, acompanhadas de homens...

De repente, ela enrijeceu. Do outro lado da pisci­na, entretido em uma conversa com uma bela mu­lher, estava Nick Crighton.

Em um aspecto Sara acertara: o corpo de Nick era tão viril e musculoso quanto ela imaginara.

A pele bronzeada ainda encontrava-se molhada. Nick sacudiu a cabeça para livrar-se do excesso de água nos cabelos, e disse algo à linda mulher, que a fez soltar uma risada suave e sensual.

Invejosa, Sara discretamente observou-a. Era al­ta, possuía cintura fina e curvas perfeitas, emoldu­radas pelo maio. Os cabelos estavam presos, mas Sara suponha que eram compridos, e parecia óbvio que ela e Nick se conheciam muito bem.

Quando a mulher ergueu a mão delicada e tocou o braço de Nick, ele se aproximou. Uma onde de ciú­me ruborizou o rosto de Sara, chocando-a com a ex­plícita mensagem que o sintoma trazia. Queria ser ela a tocar Nick. Queria...

Nick afastou-se da mulher e mergulhou na pisci­na. Fascinada, Sara observou-o nadar. O vigoroso nado livre o fazia deslizar na superfície da piscina olímpica. Cada braçada continha poder e masculini­dade. Uma cicatriz já antiga traçava uma linha no antebraço. Sara estremeceu ao divisar o ferimento. Como teria acontecido?

De súbito, uma sensação de calor suave a invadiu tal qual um narcótico efetivo. Queria mergulhar com ele, tocá-lo, abraçá-lo e ser acariciada por ele. Dese­java sugar as gotas de água daquele corpo com os próprios lábios e perder-se no clima.

Impotente, fechou os olhos, zombando da própria fraqueza.

— É somente um homem e nada mais — murmu­rou para si.

Contra sua vontade, voltou a fitá-lo. Nick empreendia o nado de costas agora, novamente com podero­sas braçadas. As imagens criadas por aqueles movi­mentos sensuais e controlados causavam-lhe um tur­bilhão de emoções. Podia imaginá-lo, ou melhor, sen­ti-lo a cada...

Nervosa, umedeceu os lábios já ressecados. O co­ração batia em disparada, a pulsação acelerava e...

O ciúme a dominava. Quem era aquela mulher e que direito ele tinha de estar com outra após o que dissera a ela?

Tais pensamentos a espantaram. Qual era seu pro­blema? Não reconhecia a si mesma. Parecia viver apenas em função daquela tortura sensual e do ciú­me desenfreado.

Nick saiu da piscina e, ao fazê-lo, Sara notou pela primeira vez a enorme cicatriz no torso musculoso.

Assustada, soltou um suspiro de exclamação ante o choque que sentiu.

Embora estivesse longe para escutá-la, Nick, por alguma razão, olhou na direção de Sara. Imediata­mente, ela recuou e se virou. Escutou Nick chamá-la, mas não lhe daria o gosto de saber que ela o estava observando... e desejando.

Ao chegar ao vestiário feminino, Sara respirou aliviada. Seu corpo tremia. Receava que Nick a al­cançasse antes que ela conseguisse entrar naquele santuário.

Do outro lado da piscina, Nick bufou. Reconhecen­do aquele olhar transfigurado, Bobbie Crighton sor­riu. Ela e Nick haviam se encontrado no clube por acaso.

Luke encontrava-se jogando golfe com alguns amigos, enquanto Bobbie tencionava nadar um pouco an­tes de comparecer ao salão de beleza para fazer as unhas, já que seus filhos estavam passando o dia com os avós. Bobbie caminhava em direção ao centro de beleza no andar superior à piscina quando esbarrou com Nick, que lhe relatara a insistência de Saul para que ele aproveitasse os benefícios do clube a fim de exercitar os músculos danificados pelo acidente.

— Você a conhece? — ela perguntou, seguindo o olhar de Nick.

— E Sara Lanyon. Ela trabalha para Francês Sorter. Também é parente por casamento da ex-mulher de David, com a qual ela pegou uma certa antipatia pelos Crighton, em particular pelos homens da fa­mília. Para ser mais exato, por mim!

— Oh! Deus — Bobbie compadeceu-se, embora seus olhos dissessem o contrário. Afinal, ela também, anos atrás, não chegara a Haslewich com a mesma pre­disposição?

Era curioso saber que outra mulher partilhava de tal antagonismo. Poderia ela estar aberta a mudan­ças como acontecera a Bobbie? Sorriu ao se lembrar de papel fundamental que Luke Crighton desempe­nhara na radical mudança de atitude.

— Como vai Olívia? — Bobbie resolveu mudar de assunto. — Se não tivéssemos programado a viagem, das crianças para os Estados Unidos durante o Na­tal, eu me ofereceria para ajudá-la.

Bobbie, de fato, havia auxiliado Olívia quando as meninas eram ainda bebês e, por conseqüência, am­bas tinham se tornado amigas. No entanto, devido ao excesso de trabalho, Olívia começou a se afastar cada vez mais, até que Bobbie passou a vê-la em raras ocasiões.

— De acordo com Saul, Livy nunca se adaptará à volta de David, mas ele e Tullah não conversam muito sobre o assunto. Afinal, houve um tempo em que Saul e Livy eram íntimos.

— Sim, antes de Saul conhecer Tullah — Bobbie apontou.

— Mas vocês, mulheres, podem ser extremamente possessivas quando se trata de homens — Nick co­mentou, de propósito.

— Nós, as mulheres. — Bobbie riu. — O ciúme feminino não é nada comparado à reação dos homens quando se sentem ameaçados — ela refletiu. — Es­pere e verá! É melhor eu me apressar ou chegarei atrasada.

— Nós nos veremos na hora do almoço — Nick lembrou-a.

Ele havia programado uma série de exercícios na academia de ginástica para trabalhar seus múscu­los, mas agora só conseguia pensar em Sara.

Naquela manhã, Nick recebera um malote envia­do por Fion Davies, a esposa de um dos moradores de Pembrokeshire, onde ele morava. Fion trabalha­va como sua assistente e possuía uma cópia da chave de seu chalé. No envelope havia um bilhete dela que dizia: Isso parece urgente e interessante!

Tratava-se da carta de um homem que, recusan­do-se a identificar-se, dizia-se ser apenas um diplo­mata. Ele fornecia um número de endereçamento pos­tal para que Nick pudesse lhe responder, e solicitava ajuda para libertar sua filha que se tornara refém de um grupo religioso no leste da Europa.

O pedido desviava-se um pouco das operações nor­mais de Nick, mas a área em questão requeria mais habilidades de negociação e conhecimentos políticos que experiência advocatícia. O governo daquele país já deixara claro que não pretendia negociar com re­beldes, portanto o diplomata temia pela segurança da filha. Nick não o condenava, houvera vários incidentes envolvendo mortes de reféns em tais situações.

Aliás, existiam outras agências melhor equipadas para lidar com esse tipo de conflito, mas... Mas era o desafio de que ele necessitava agora. E o trabalho o afastaria de Haslewich e de Sara, se conseguisse se concentrar na tarefa em mãos.

Sara suspirava de prazer, enquanto as mãos ha­bilidosas da massagista percorriam seu corpo. So­nhava que estava em uma praia tropical, vendo Nick nadar em sua direção nas águas cristalinas do mar.

Do outro lado do pequeno compartimento que a separava do salão de beleza, ela escutou uma risada familiar. Era a mulher que acompanhava Nick!

De súbito, o sonho se transformou. Outra mulher surgiu na praia entre ela e Nick. Era alta e repleta de curvas, e Nick agora nadava em direção à intrusa.

— Pronto — disse a massagista. — Terminou.

Depois de agradecer-lhe, Sara desceu da maca. De­via estar se sentindo totalmente relaxada, mas, graças a Nick e à amiga sensual, estava tensa novamente.

Quem era ela? Seria amante de Nick? A mulher realmente mostrava exuberância e atitude. A inten­sidade do ciúme perturbava Sara. Contudo, por mais que tentasse, não conseguia se livrar do sentimento nem analisá-lo.

Enfim, desesperada, convenceu a si mesma que era ridículo sentir-se dessa maneira. Só porque pas­sara quase uma semana lutando contra o desejo que as fantasias incitavam nela, não havia motivo para alimentar sentimentos de posse em relação a Nick.

Não, não precisava ter ciúme, Sara concluiu. Co­mo também não precisava sentir aquela necessidade urgente ou tamanha fome...

— Dê o nome correto ao que você sente -7- Sara resmungou diante do espelho, enquanto escoava os cabelos. — É luxúria!

Jamais se considerou uma mulher atraente, tam­pouco imaginava-se tão ciumenta!

Olhou o relógio. Estava na hora de almoçar.

Luxúria. A palavra soava perigosa e emanava ima­gens lascivas à mente.

Sara queria eliminar, subjugar e destruir os pró­prios pensamentos. Mas como? A melhor maneira de lutar contra o fogo era, supostamente, enfrentá-lo também com fogo.

Nick teria razão? Para se livrar daquela necessi­dade que a consumia seria preciso viver o desejo até esgotá-lo?

O restaurante, onde ela reservara uma mesa, en­contrava-se repleto de famílias, casais e outros sócios bem-dispostos após ó exercício da manhã. Sara acompanhava a garçonete quando os avistou. Nick e a amiga entravam no restaurante, de braços dados e sorrindo com aparente intimidade.

Dessa vez, o ciúme a atacou, implacável. Instan­tâneo, pesado e doloroso. Tão doloroso que ela teve falta de ar.

— Não é garota que vimos esta manhã? — Bobbie perguntou a Nick, tão logo divisou Sara.

Nick, que já a tinha visto e decidira ignorá-la para garantir a própria sanidade, respondeu:

— É.

— Pelo jeito, está sozinha, Vamos nos juntar a ela.

— Bobbie sugeriu, fingindo inocência quando Nick hesitou.

— Não creio... — ele tentou, mas Bobbie não o deixou terminar. Estava curiosa para conhecer Sara depois do que Nick lhe contara, e ainda mais intri­gada com a reação dele. — Seria uma enorme gros­seria, se não a cumprimentássemos — argumentou.

— Afinal, ela é praticamente da família.

Nick suspirou, resignado, ao notar que não conse­guiria dissuadir Bobbie.

Quando notou que Nick e a companheira dirigiam-se a sua mesa, Sara ficou ultrajada. Como podia de­sejar um homem tão descarado, tão atrevido?

A mulher, Sara reparou, usava uma linda aliança de casamento.

— Sara — Nick começou ao aproximar-se da mesa —, quero lhe apresentar Bobbie...

— Podemos nos sentar com você? — Bobbie apres­sou-se, acomodando-se à mesa antes que Sara pu­desse objetar.

Sara a encarava, atônita. De perto, a mulher era ainda mais bonita. O que fazia com Nick? Era casa­da, afinal de contas. Como ele tinha coragem? Que ousadia! Nick a amava?

Perdida em pensamentos, Sara não viu Nick sen­tar-se a seu lado até que o braço musculoso tocou o dela. Pulou na cadeira, como se houvesse queimado a pele. Tremia da cabeça aos pés, sentiu as faces corarem, enquanto o corpo reagia ao toque.

Pôde notar através do olhar de Nick que ele estava espantado com aquela reação. E Sara, sem racioci­nar, escutou-se dizendo:

— Quanto àquela proposta que você sugeriu outro dia, mudei de idéia.

Nick a encarou, estupefato. Sabia exatamente a que "proposta" Sara se referia. Ela falava daquele comentário idiota sobre experimentarem um sexo rá­pido e casual.

Foram necessários vários segundos para acreditar no que havia escutado. Sara queria fazer sexo com ele... assim, de repente, sem nenhuma introdução.

— Tenho de ir. — Ela se levantou, aflita.

Não acreditava no que tinha feito. Sara parecia dominada por alguma forma alienígena que coman­dava seu comportamento como lhe aprouvesse.

Divertindo-se, Bobbie observava a cena em silên­cio. Reconhecia a tensão sensual que pairava sobre os dois.

— Sara — Nick protestou, mas já era tarde. Ela precipitava-se pelo restaurante.

— Vai satisfazer minha curiosidade? — Bobbie o provocou. — Não quer me colocar a par da situação?

— Não há nada para dizer — Nick resmungou. Bobbie riu.

— Não? E quanto a uma certa proposta?

— É apenas uma bobagem sem importância — Nick retrucou.

— Como quiser — Bobbie aceitou, mas continuava a sorrir.

Sara concordara com o sexo casual... Mas por que Nick não se sentia triunfante? Por que o espanto e aquela sensação estranha na boca do estômago?

Porque ela havia interpretado mal o comentário, por isso. Sim, Nick queria levá-la para a cama, mas era um homem convencional. Preferia o jogo da con­quista a oferecer-se de forma tão explícita. Tão vul­gar! Seria esse o motivo de tamanha desilusão?

Então enganara-se ao pensar que Sara era parti­dária da combinação de sexo somente com amor? Por que a possibilidade de possuí-la originava tantos sen­timentos negativos?

Sara tremia sem parar quando entrou no carro. Não podia permanecer no clube. Não entendia o que a impelira a agir daquela maneira, mas seu orgulho jamais a obrigaria a retirar as palavras.

O que iria acontecer agora?, perguntou-se. Pelo menos, Nick teria de se explicar à companheira que, na verdade, parecia divertir-se com o desafio de Sa­ra, ao invés de ficar revoltada.

E, sem dúvida, Sara não demonstrara o antago­nismo que o agonizante ciúme desencadeava. Teria sido isso que a motivara, a impelira e invadira sua personalidade para submetê-la a tremendo vexame?

David escutou o choro tão logo estacionou em fren­te à casa de Olívia. Uma criança estava chorando, berrando, na verdade.

Por instinto, ele correu em direção ao choro e en­controu as netas. A mais velha abraçava a irmã ca­çula, que segurava os joelhos cobertos de sangue.

Quando David abaixou-se ao lado delas, Amélia relatou:

— Alex se machucou.

— Sim, estou vendo. Por que não vai chamar sua mãe, enquanto eu fico aqui tomando conta de Alex?

— ele sugeriu.

Obediente, Amélia levantou-se e correu até a casa. Cauteloso, David sorriu para Alex.

— Posso ver seu machucado?

— Está doendo — Alex choramingou.

— Eu sei. — Ao avistar um caco de vidro com gotas de sangue na calçada, David ficou assustado. Alex havia se cortado, mas quão profundamente?

Muito gentil, sentou-se ao lado da neta e a per­suadiu a deixá-lo ver o machucado no joelho. Quando certificou-se de que o corte não era grave, respirou aliviado.

— Você! O que faz aqui?

David ficou tenso ao escutar a voz de Olívia. Mas Livy não olhava para ele. O rosto empalideceu quando correu em direção à filha.

— Oh! Alex...

— Está tudo bem — David garantiu. — Parece pior do que é na realidade. Foi um corte pequeno...

— E você se acha um especialista — Olívia ironizou.

— Não — David respondeu com certa dignidade.

— Mas sei o suficiente para reconhecer um ferimento leve quando vejo um. Porém, é preciso limpar o ma­chucado. Posso carregá-la até sua casa?

— Não! — Olívia negou imediatamente. Mas, para seu desespero, Alex recusou-se a ir com a mãe.

— Quero que ele me leve, mamãe.

Furiosa, Olívia rendeu-se e acompanhou David, que carregava Alex nos braços, até a casa.

Enquanto David tratava do machucado de Alex, Amélia o fitava com total adoração. Olívia, que ob­servava o cenário, remeteu-se ao passado quando, certa vez, acabara nos braços do pai pela mesma razão.

Devia ter a idade de Alex, na época, talvez um pouco mais velha. Ela brincava com Max no jardim de Queensmead, longe da vista dos adultos. Eles ha­viam discutido a respeito de alguma coisa e Max a empurrara. Olívia lembrava-se de que lutara para não chorar quando Max começou a zombar dela, di­zendo que a prima era uma chorona.

Fora Jenny quem os encontrou e assustara-se ao ver os joelhos ensangüentados de Olívia, Ela, então, carregou a sobrinha até o casarão.

— Tânia, Livvy caiu e machucou os joelhos — Jen­ny relatou à cunhada.

Mas quando Jenny aproximou-se de Tânia, Olívia pôde ver o olhar de irritação e desgosto da mãe.

— Oh! não. Não vou segurá-la, Jenny. Minhas rou­pas ficarão cobertas de sangue e este vestido é novo. Leve-a para David. Ele saberá o que fazer. David! — Tânia chamou-o.

Olívia notou que o par que conversava com Jon e Ben, virou-se com certa impaciência.

— Olívia machucou os joelhos. Você tem de fazer um curativo — Tânia ordenou.

E seu avô, como sempre, zangara-se.

— Criança impertinente! Deixe que uma das mu­lheres cuide dela, David.

Olívia encolheu-se no colo do pai quando este a carregou e levou-a até o banheiro, onde limpou o machucado.

— Como foi que isso aconteceu? — David pergun­tou, enquanto ela chorava por causa do anti-séptico que havia passado nos arranhões.

Temendo que David não acreditasse que Max a tinha empurrado, Olívia não respondera.

— Tente não ser tão desastrada no futuro — ele ralhou. Então, impaciente, tomou-a nos braços, en­quanto Olívia ainda lutava contra as lágrimas.

Mais uma vez, fora Jenny quem a consolara e preo­cupara-se com seus sentimentos. No entanto, Olívia sofrera muito por querer que o pai a abraçasse.

E agora ele cuidava da neta com completa ternura e atenção, tal qual Livy havia desejado quando crian­ça. Ele comportava-se como um avô amoroso, mas Olí­via recusava-se a acreditar naquela encenação.

Por que o faria? David jamais fora um pai amoroso para ela. E, no entanto, agora preparava-se para ser pai novamente. Dessa vez, a criança seria criada com a dedicação que ele nunca fora capaz de proporcionar à filha.

A intensidade das emoções a assustava. Era adul­ta, mãe de duas meninas, e devia superar os trau­mas da infância.

Protecionista, ela tirou Alex dele.

— Não! — a menina exclamou, estendendo os bra­ços a David.

— Deixe-me levá-la para cima — David pediu, gentil.

Olívia parecia tão apavorada, tão pálida, que ele sentiu o coração se apertar. Queria abraçar a filha e as netas de uma só vez. Podia ver que Livvy estava magoada e zangada, através do orgulho e da dor que cintilavam em seus olhos. E, sobretudo, reconhecia que havia falhado com ela.

Em vez de digladiar-se com Alex, Olívia concedeu, já que não tinha alternativa. Assentindo, guiou David até o quarto das meninas.

Após meia hora, as netas liberaram o avô. Ele teve de ver o computador e o dever de casa, antes que Olívia tirasse David do quarto.

Ela caminhou até a porta da frente com o intuito de dispensá-lo.

— Olívia, por que não retornou meu telefonema? — ele perguntou, de repente.

Olívia continuou de costas para o pai.

— Por que eu o faria? Por acaso tinha algo a dizer que eu quisesse ouvir, pai?

O tom de voz amargo o feriu. Livvy já sabia o que David tinha a dizer. Ele deduziu o fato através da resposta provocativa e do comportamento arrogante.

— Talvez não quisesse ouvir o que eu tinha a di­zer, Olívia, mas... — Ele tentou outra vez. — Escute, sei que não fui um bom pai para você e Jack, e en­tendo como se sente...

Então, Olívia se virou, furiosa.

— Não entende nada. Como entenderia, se seu pai o amou? Ele praticamente o idolatrava, e ainda ido­latra. Você sempre me tratou como se eu fosse um estorvo!

— Olívia. — David não se conteve e aproximou-se para abraçá-la.

No mesmo instante, Olívia recuou. Não podia acre­ditar que aquele homem ousara ir à casa dela.

— Livvy — David suplicou. — Não sabe como me sinto culpado... quanto eu gostaria...

— Culpado? Que absurdo! Tem medo de que eu conte a Honor a espécie de pessoa que você é? Sim, fiquei sabendo que sua mulher está grávida — ela afirmou em tom acusatório.

— Honor já sabe dos pecados e falhas que cometi no passado — David a interrompeu com tamanha ternura que Olívia sentiu a raiva dissipar-se por um momento.

Na infância, testemunhara o pai passar por todos os tipos de humor: euforia quando algo dava certo, introspecção quando se frustrava, exigência para com os outros, insensível e frio ao lidar com as emoções alheias. Enfim, um homem que ela julgara ser vilão, egoísta e fraco.

Contudo, a pessoa que agora a fitava não possuía nada disso. Confusa, Olívia sentia a silenciosa re­signação por ele não poder aproximar-se.

Angustiado, David queria começar a construir um relacionamento com a filha, o qual poderia auxiliar a ambos a superar o sofrimento da infância de Olívia.

— Honor e eu estamos esperando um bebe — ele prosseguiu. — Será seu meio-irmão, Olívia. Ou meia-irmã.

A inesperada dor que as palavras causaram reno­vou as mágoas.

— Não quero saber. E se veio aqui só para me dizer isso...

— Contar-lhe sobre o bebê não é o único objetivo de minha visita — David informou.

Ele respirou fundo, angariando coragem.

— Quando mencionei a Jenny que Honor e eu es­távamos desapontados porque você não pôde compa­recer à festa que organizamos, ela me falou que está tendo dificuldades de encontrar uma babá para as meninas. Honor e eu podemos ajudá-la, Olívia. Posso pegar as crianças na escola todos os dias. Pensei.:. De tão irada, Olívia apertou a maçaneta da porta até os dedos tornarem-se brancos.

— Pensou o quê? Acredita mesmo que eu deixaria minhas filhas perto de você?

Descontrolada, Olívia reparou que estava gritan­do, mas não conseguia evitar.

— Precisa de ajuda, Olívia — David argumentou com toda a calma que pôde obter.

— Preciso, mas não quero nada de você. Por acaso, resolveu praticar sua paternidade com minhas filhas para estar perfeito quando seu filho nascer?

Ela riu, sarcástica.

— Meu Deus, que pretensão! Como tem coragem de trazer outra vida ao mundo? Não bastaram os erros que cometeu comigo e com Jack?

— Livy. — Havia sofrimento e um certo tom de protesto na voz de David. Sabia... na verdade, espe­rava que ela recusasse sua sugestão, mas a agoni­zante hostilidade e a fúria, que Olívia expressava, arrasavam seu coração de pai.

Ele próprio havia causado tudo aquilo.

— Livy, sei como deve estar se sentindo.

— O quê? — Olívia o encarou, incrédula. — Pare com isso! Como pode saber o que é ser rejeitada pelos pais... ser desprezada e humilhada por causa de seu sexo? A criança indesejada. Meu avô sempre dizia que Max deveria ter sido seu filho e eu podia ver em seus olhos que você também o queria.

— Não é verdade, Livy — ele negou. — Eu era fraco e imaturo demais para discordar de meu pai quando ele disse que Max deveria ter sido meu filho. Sim, Max se parecia mais comigo do que com Jon. Não pretendo usar esse argumento como desculpa, mas estou tentando explicar. Nunca a odiei, filha. Jamais!

— Odiou, sim — ela o contradisse. — Não que me importe. Quem gostaria dê ter como pai um ladrão mentiroso? — Olívia o atacou. — Você não desejou que Max fosse seu filho mais do que desejei que Jon e Jenny fossem meus pais.

Se tencionava magoá-lo, ela conseguiu. Não somen­te pelas palavras duras, mas também pela criança fe­rida e sem defesas que havia dado seu amor aos tios porque sentira que os próprios pais a tinham rejeitado. David sofria por Olívia.

— Livy, escute-me — ele implorou. — Todos sabe­mos que mãe maravilhosa você é. Mas também sabe­mos que sem Caspar e trabalhando o dia inteiro...

— Você andou falando de mim pelas costas — Olí­via esbravejou. — Oh! posso imaginar os comentá­rios. "Pobre Olívia, os pais não a quiseram e agora o marido a dispensou". Para sua informação, fui eu quem decidiu acabar com o casamento. — Ela em­pinou o nariz, orgulhosa. — Dizem que a criança tem como modelo o relacionamento dos pais por mais danoso e destrutivo que tenha sido. Se essa teoria for verdadeira, não é de se espantar que meu casa­mento tenha terminado.

— Livy, por favor — David protestou, chocado.

— Não me chame de Livy. — O tom de voz de Olívia continuava a aumentar, conforme a revolta crescia. — Não tem esse direito. Aliás, você não pos­sui direito nenhum sobre mim. Como ousa vir até aqui para me bajular, fingir preocupação com meu bem-estar e tentar redimir-se às custas de minhas filhas? Não pense que já não percebi seu jogo. O novo David Crighton convenceu a todos e resolveu fazer o que é certo. O filho perfeito. O irmão perfeito. O marido perfeito e agora o pai perfeito. Talvez o seja para o filho de Honor, mas certamente nunca o foi para mim e Jack.

Só de imaginar que o pai teria outro filho, reco­meçaria uma nova vida e uma nova família, Olívia sentia a emoção selvagem e obscura dominá-la a ponto de afogá-la em um oceano de sofrimento.

David a escutava, quieto, com o intuito de permitir que ela extravasasse toda a raiva, antes de tentar consolá-la. Entretanto, Olívia não lhe deu chance pa­ra nada mais.

— Quero que vá embora. Agora. Esta é minha ca­sa. E aquelas crianças são minhas filhas.

— E minhas netas — David completou. Porém, ele percebeu que cometera um erro ao ver

a expressão colérica de Olívia.

— Por favor, deixe-me fazer alguma coisa para ajudá-la, Livy.

— A única coisa que pode fazer é ficar fora de minha vida! — Olívia exclamou. — Odeio você!

Fatigado, David massageava as têmporas enquan­to dirigia. Havia falhado em vários aspectos de sua vida, mas nenhum deles se comparava com o que fizera a Olívia.

Mais do que nunca, estava ciente do sofrimento da filha. Sentia-se só e abandonada. E David suspeitava de que ela ainda nutria sentimentos fortes por Caspar.

E não era somente a situação de Livy que o im­pelia a tomá-la nos braços e expressar todo o amor paterno que não dera a ela quando criança. Havia as netas, em especial Amélia, que herdara os olhos e a ansiedade da mãe. Não culpava Olívia por não ver que a filha mais velha assumia um papel que ela mesma achara extremamente oneroso, o de pro­teger um adulto.

Mas David culparia a si mesmo, caso não fosse capaz de proteger Amélia... ou ousasse virar as cos­tas para a neta, tal qual fizera com Livy.

 

                                         CAPITULO XI

Aflita, Olívia notou que as filhas brincavam com a comida. Mostravam-se desanimadas desde o momento em que David fora embora, e era evidente que sentiam a atmosfera ten­sa que pairava na cozinha.

— Papai vai voltar para o Natal? — Alex pergun­tou, de repente, em voz alta, ignorando o olhar se­vero de Amélia.

Olívia respirou fundo. Já havia explicado às me­ninas que ela e Caspar iriam viver separados e ga­rantiu-lhes que, tão logo ele encontrasse um lugar permanente para morar, elas o veriam. A despeito dos sentimentos, Olívia incentivava a relação das filhas com Caspar.

— Querida, já conversamos sobre o fato de papai morar em outra casa.

— Não quero que ele more longe da gente, quero que fique conosco.

A atitude de Alex era quase agressiva quando en­carou a mãe, beligerante.

De olhos fechados, Olívia contou até dez em pen­samento.

Enfim, conseguiu convencer as meninas de que veriam Caspar novamente, e também explicou-lhes por que não poderiam passar o Natal todos juntos. Assim que terminou um capítulo do livro de histó­rias, ela ajeitou as cobertas das filhas.

— Mamãe...

Olívia voltou a ficar tensa.

— Sim, Alex? — Deus, estava tão cansada e ainda havia tanto a fazer antes de se deitar. Porém, infe­lizmente, restava-lhe um pouco de energia para pen­sar na inesperada visita de seu pai. Como ele se atre­via a invadir a vida delas? E quanto à pseudo-oferta de amor que havia sugerido?

— Aquele homem que veio aqui hoje se parece com tio Jon. É verdade que ele é nosso avô?

Olívia gelou. Como elas descobriram? O ódio a in­vadiu. Teria seu pai ousado contar-lhes?

Na outra cama, Amélia emitia sons estranhos. Olí­via fitou a filha.

— Alex, já lhe disse para não falar nisso — Amélia ralhou com a irmã caçula.

Olívia sentou-se na cama de Amélia. Tremia vio­lentamente, mas tentou suprimir a reação para que as filhas não vissem.

— Por que pergunta, querida? — ela questionou Alex.

— Leo disse que é nosso avô — Alex confessou. — Ele o chama de tio David, e quando falei que não temos nenhum tio David, Leo disse que é tio dele, mas também é nosso avô.

— Entendo.

Desesperada, Olívia não sabia como agir. Jamais discutira sobre o pai ou a própria infância com as filhas. Por um lado, eram muito crianças para en­tender as complicações do relacionamento de Olívia com os pais, e, por outro, ela nunca via a mãe e tampouco acreditara que David tivesse coragem de voltar a Haslewich.

— É verdade? — Alex persistiu.

A garganta de Olívia ficou seca. Queria negar, mas como poderia fazê-lo sem mentir?

— Eu... sim, é verdade, filha — cedeu, por fim.

Percebeu o olhar atormentado de Amélia. Subita­mente, lembrou-se de quando tinha a idade de Amé­lia e observava a mãe correr ao toalete, vítima de um de seus ataques de bulimia.

Por um momento, fechou os olhos. Se Caspar es­tivesse lá, saberia o que fazer, o que dizer.

Lágrimas ameaçavam surgir. Ele ficara tão furio­so quando descobrira que Olívia não lhe contara que David havia voltado. Pensamentos desconexos inva­diam-lhe a mente. Por que lamentava a separação? Caspar era o único culpado, não ela.

— Mas como ele pode ser nosso avô? — Alex con­tinuava, insistente.

— Ele é nosso avô porque é irmão de tio Jon, sua boba — Amélia explicou, evitando olhar para Olívia.

Alex encarou a irmã.

— Se ele é nosso avô, por que a gente nunca o viu? Leo disse que vê tio Jon e tia Jenny todos os dias.

Só de ouvi-las falar de David, comparar a ausência de relação com o avô ao amor que existia entre Jon, Jenny e os netos, Olívia sentia náuseas. Tentara com­pensar as privações, prover às filhas avós substitutos, tal qual Jenny e Jon haviam sido para Olívia no papel de pais amorosos.

No entanto, recentemente, ela vinha observando os tios, temendo vê-los preferir os netos verdadeiros a Alex e Amélia.

— Mas quero saber por que ele é nosso avô, se nunca o vimos? — Alex teimava.

— Chega! — Olívia exclamou, e Alex, assustada, encolheu-se sob as cobertas. — Não quero ouvir mais uma palavra sobre esse assunto — ela continuou, amenizando o tom de voz.

Depois de beijá-las, Olívia dirigiu-se à porta. An­tes de fechá-la, escutou Alex sussurrar para Amélia:

— Não ligo para o que você diz. Gosto dele.

— Nick, está se sentindo bem?

Nick parou à porta do quarto do irmão.

— Estou, por quê?

— Nos últimos dez minutos você parecia estar em outro mundo. Não foi à academia de ginástica e...

— Quer parar de se preocupar comigo como se eu fosse uma criança? — Nick esbravejou.

— Nesse caso — Saul perguntou —, o que está absorvendo sua atenção a ponto de tirá-lo do mundo real?

Nick recusou-se a responder. A verdade era que vinha pensando em Sara e naquela inacreditável pro­posta. O motivo seria o fato de querer fazer sexo sem compromisso? Ou talvez porque ela aceitara empre­ender um jogo perigoso?

Irritado, Nick perguntou-se por que era tão difícil acreditar que Sara queria apenas sexo e não um re­lacionamento real. A maioria dos homens ficaria exultante com a chance de levá-la para a cama. Afinal, sexo sem emoção ou compromisso fazia parte da fan­tasia dos solteirões convictos. E Nick pretendia per­manecer solteiro! Do contrário, seria impossível con­tinuar o trabalho que tanto amava.

Oh! a princípio, imaginara uma mulher que acei­taria os momentos em que ele simplesmente faria as malas e sumiria por tempo indeterminado. Po­rém, aos poucos, tudo mudaria. Sem dúvida, a com­panheira almejaria filhos e, se o relacionamento in­cluísse crianças, haveria muita pressão para ele de­sistir desse tipo de trabalho a fim de priorizar a fa­mília, já que Nick corria o risco de não retornar das aventuras perigosas em que se metia.

Um dia, talvez, estaria disposto a trocar seu tra­balho atual por um escritório de advocacia. Mas esse dia ainda estava longe, e Sara cobraria uma atitude, uma vez que era o tipo de mulher que exigia de seu companheiro.

Lá estava ele, outra vez somando as emoções à equação.

Talvez devesse manobrar Sara e blefar, no sentin­do de levar a cabo o sexo casual e ver por quanto tempo ela sustentaria a posição.

Quantos homens ficariam radiantes com a pers­pectiva de possuir a mulher que os fazia arder de desejo?, Nick perguntou-se, infeliz. A necessidade de ter Sara era tão grandiosa que chegava a doer.

—Mas ao longo dos anos tudo mudou. Livy mudou,.. — É natural que isso aconteça — Molly disse a Caspar. — Chama-se amadurecer.

— Desculpe-me. Eu a estou aborrecendo — Caspar murmurou, envergonhado.

A única noite que pretendera passar em Williamsville transformou-se em quatro. O almoço no restau­rante italiano, que Molly recomendara, fora extre­mamente agradável. E, para completar, a velha ca­minhonete provara ser tão difícil de consertar que Caspar oferecera-se para pegar Molly em casa e levá-la ao trabalho, como forma de agradecimento pela indicação do restaurante, e porque ela admitira que Caspar não era o único a nutrir o sonho de pilotar uma Harley-Davidson.

Agora, após poucos dias, Caspar tinha a nítida sensação de que a conhecia há anos. Molly era o tipo de garota que costumava namorar no colégio. Espi­rituosa, confiante, orgulhosa de si e determinada a revelar a forte personalidade de maneira suave, tal qual as jovens com quem ele saíra na adolescência.

— Não está me aborrecendo — ela o corrigiu. O sorriso firme indicava sua recusa em jogar e a ofensa que o comentário lhe causara. — Eu pontuava que mudanças fazem parte da condição humana. Res­sentir-se de um processo natural naqueles que ama­mos me sugere...

— Você está me analisando — Caspar queixou-se.

— É meu trabalho — Molly argumentou.

— É assim que me vê? Como um paciente em potencial?

Ela levou alguns segundos para responder, uma hesitante característica de quem expunha certa vul­nerabilidade. Tal percepção alertou os instintos de Caspar.

Enquanto Molly brincava com a xícara de café, ele esperava. Estaria mentindo a si mesmo, se tentasse fingir que ela não o atraía. Corpo e mente encontra­vam-se empolgados com a psicóloga.

Mas Caspar também mentiria para si, caso igno­rasse que admitir os sentimentos lhe causava uma certa parcela de culpa, embora não houvesse razão para tal. Ele e Livvy estavam separados, sendo que a decisão havia partido dela. Portanto, via-se livre para... o quê? Usufruir da companhia de outra mu­lher, paquerá-la, desejá-la... dormir com ela... viver um novo relacionamento?

Enfim, Molly interrompeu-lhe os pensamentos.

— Eu o vejo como um homem que ainda tenta elaborar os problemas de relacionamento com outra mulher, no caso sua esposa. Mas o casamento não tem nada a ver com isso. Olívia continua a ocupar sua mente noventa e nove por cento do tempo.

— Porque não entendo o que aconteceu a ela — Caspar explodiu.

— Você chegou a perguntar-lhe? — Molly sugeriu, calma, e acrescentou: — Ou apenas assumiu que sa­bia e disse-lhe como ela devia agir? Ficaria surpreso em saber que a maioria de meus clientes se queixa desse mesmo problema. Eles não se sentem valori­zados e suas tentativas de se fazerem ouvir acabam perdendo-se em discussões desgastantes.

— Claro que eu a ouvia — Caspar se defendeu. — Sou advogado. Faz parte de meu trabalho escutar os outros,

— E isso que os advogados fazem? — Molly o desafiou.

Caspar riu.

— Bem, em certas ocasiões fazem outras coisas, como dirigir uma Harley-Davidson e aproveitar uma boa comida italiana com uma mulher linda e inteligente.

— Linda e inteligente. O que mais pensa de mim, Caspar? Talvez me veja como uma pessoa que possa preencher o vazio em sua cama, o qual já começou a incomodá-lo.

Caspar hesitou. Para aquela mulher nada além da verdade seria válido. Ela não aceitaria menos, e Caspar a estaria insultando, caso tentasse dissimu­lar. E, para ser franco, ele não tencionava magoá-la de forma alguma.

— Eu a vejo como alguém único e especial — Cas­par revelou, sincero. — Sim, quero fazer amor com você. Que homem não gostaria? Mas desfrutar de sua companhia já vale a pena, Molly. Gosto de es­cutar sua voz, admirar seu sorriso, observá-la. Adoro sua mente fervorosa e seu suéter que emoldura esses seios deliciosos. Gosto do brilho em seus olhos quan­do você fala das pessoas que quer ajudar, e gosto de sua postura incisiva quando afirma sua opinião. Gosto de vê-la dirigir aquela lata velha quando po­deria ter um automóvel mais luxuoso. Gosto de saber que resolveu seguir carreira neste cidade, ao invés de expor sua marcante habilidade em uma metró­pole como Washington, por exemplo. A propósito, o que a mantém aqui?

Molly desviou o olhar e permaneceu calada duran­te algum tempo. Quando voltou a fitá-lo, Caspar no­tou um brilho emotivo naqueles olhos azulados que lhe cortou o coração.

— Cresci aqui. Mas quando me encontrava na fa­culdade, houve um acidente na indústria química local. Eles fabricavam pesticidas e coisas do gênero para fazendeiros. A explosão formou uma nuvem de gás sobre a cidade.

Ela fez uma pausa antes de prosseguir.

— Minha irmã caçula estava na escola naquele dia. Ela tinha quatro anos, uma têmpora na família, e todos nós a amávamos. Ela e várias outras crianças respiraram o gás venenoso e, por conseqüência, so­freram sérios danos cerebrais. Os donos da fábrica compensaram as vítimas, é claro, mas que dinheiro paga a perda da alegria de viver? — Molly sorriu, irônica. — Naquela época eu pretendia estudar di­reito. Havia planejado uma carreira brilhante na Casa Branca. Mas quando vi o jeito que os advogados da indústria química lidavam com o acidente, eu...

Molly cruzou os braços.

— Acho que não tive coragem de me tornar uma fria advogada e também, como tal — ela respirou fundo —, eu não conseguiria cuidar de minha irmã. Ela mora em uma clínica especializada. Visito-a toda a semana, mas não me reconhece mais. — Seus olhos ficaram marejados.

— Meus pais morreram faz algum tempo... dizem que não suportaram ver minha irmã daquele jeito. Em minha linha de trabalho, vejo todo o tipo de so­frimento humano, mas para mim não há nada pior do que os pais verem a filha destruída e não poderem fazer nada a respeito.

Desolado, Caspar meneou a cabeça. O que podia dizer? Qualquer palavra de consolo parecia inade­quada ou grosseira. Por impulso, ele segurou a mão de Molly.

— Obrigada. — Ela retirou a mão, constrangida.

— Creio que me tornei um tanto cínica ao longo dos anos, Tendo a avaliar quanto devo revelar acerca de minha vida pessoal e que grau de acesso posso per­mitir à pessoa que me escuta.

— Que nota você me deu? — Caspar perguntou-lhe, zombeteiro.-

— Você não faz parte disso — Molly retrucou, mas não disse em que parte de sua vida Caspar se encaixava.

— Falar que estou morrendo de saudade de mi­nhas filhas parece-me egoísmo — ele confessou, após alguns segundos em silêncio. — Mas penso nelas mais e mais a cada dia.

— Está em contato com elas?

— Não. Nós, ou melhor, Olívia, decidiu esperar os trâmites legais para eu entrar em contato com elas. Sabem que estou viajando pelos Estados Unidos, mas com a proximidade do Natal... Um de meus irmãos tem um chalé em Aspen. Eu adoraria levar as me­ninas para lá durante os feriados, embora não saiba que conseqüência a separação teve sobre elas.

Molly o escutava com atenção. Notou que ele usa­va a expressão inglesa "as meninas", ao invés de uti­lizar o estilo americano de referir-se às filhas como "as garotas".

Caspar a intrigava, deliciava-a e a alertava quan­to ao perigo de envolver-se com um homem recém-separado.

Havia passado dos trinta, portanto não era ingênua em se tratando de homens. Após um breve ca­samento, Molly decidira que o único compromisso que teria seria consigo mesma. E, a despeito dos protestos de Caspar, ele mostrava quanto ainda estava comprometido com Olívia e as filhas.

— É melhor irmos. — Molly verificou o relógio. — O mecânico prometeu que entregaria o carro ainda hoje.

O conserto da velha caminhonete havia se tornado uma brincadeira especial entre ambos. Porém, não formavam um casal especial e a falta que o automó­vel lhe fazia representava tudo, menos uma brinca­deira. Molly podia substituí-lo, mas o veículo perten­cera a seus pais e era a última ligação tangível entre a mulher de agora e a da infância.. Por isso, ela tendia a tratar e valorizar a caminhonete como se esta fosse um animal de estimação.

— Em seu lugar, eu me livraria daquela coisa e compraria uma Harley — Caspar brincou quando saíram à rua.

— De jeito nenhum! Essas motos são para advo­gados solitários — Molly zombou. A velocidade com que estabeleceram tamanha intimidade a perturba­va, nos momentos em que se dava ao luxo de exa­minar a relação.

Mas por que se preocupar com um problema que logo desapareceria? Caspar não pretendia permane­cer muito tempo na cidade e ela certamente não o encorajaria a ficar. E, para reforçar o fato, enquanto caminhavam até a motocicleta, Molly perguntou:

— A que horas pretende partir amanhã?

— Logo após o desjejum. — Caspar havia pensado em prolongar a jornada e talvez passar o Natal no México. Declinara vários convites de sua família, por­que temia lembrar-se das filhas durante a confra­ternização. Aquela hora do dia, ele em geral pegava as meninas na escola e as levava para casa. Tão logo decidisse o que fazer da vida e se estabelecesse, iria passar um bom tempo com elas.

Ainda podia visualizar o olhar das duas quando as vira pela última vez.

Quando aproximaram-se da moto, Molly parou pa­ra atender o celular.

— O quê? Sim. Sim, estou indo. — O rosto de Molly tornou-se pálido. Depois de desligar o celular, ela o encarou, aflita. — Era da clínica. Minha irmã... Ela não está bem... Preciso vê-la. Sinto muito. Foi ótimo estar com você, mas tenho de ir. Adeus, Caspar.

Ansiosa, Olívia destrancou a porta do carro, Pre­vendo que não haveria engarrafamento, seria fácil chegar à escola a tempo de evitar outro sermão da diretora.

Com os nervos à flor da pele, ela acelerou o carro como qualquer motorista impaciente. Sentia seu in­terior ferver. Assim que entrara no escritório naque­la manhã, Jon a chamara. Presumindo que ele que­ria discutir assuntos de trabalho, Olívia seguira o tio a sua sala. Mas descobrira tarde demais que Jon, na verdade, desejava persuadi-la a deixar David aju­dá-la.

— Seu pai quer apoiá-la, Livy, reparar os erros do passado. Por que não lhe dá outra chance?

— Já lhe dei diversas chances enquanto eu estava crescendo — Olívia havia retrucado, amarga.

O celular começou a tocar quando ela se aproxi­mou da escola. Por um instante, pensou em não aten­dê-lo. Mas e se fosse importante? E se fosse Caspar?

Parou o carro e pegou o telefone que indicava o número da casa de Jenny.

— Livvy! — Jenny exclamou, ansiosa.

— Sim, sou eu. Estou a caminho da escola para pegar as meninas e não posso me atrasar...

— Livvy, as meninas estão aqui.

— O quê? E impossível. Elas deviam estar na cre­che. Como chegaram até você?

Houve uma breve pausa, antes de Jenny responder.

— Escute, é melhor conversarmos quando você chegar.

— Quando eu chegar... Jenny, aconteceu alguma coisa? As meninas...

— Elas estão ótimas — Jenny assegurou. — Mas há um problema... Espero você aqui, Livvy.

As meninas estavam na casa de Jenny e Jon... Ao desviar o trajeto em direção à residência dos tios, os pensamentos de Livvy misturavam-se à preocupação maternal e à ansiedade.

Como as meninas chegaram à casa de Jenny? Os tios moravam a quilômetros de distância da escola.

O tráfego intenso a obrigou a se atrasar e, vinte minutos depois, ela estacionava o carro em frente à garagem de Jenny. Largando a porta aberta, Olívia correu até a casa.

Jenny estava de prontidão, pois recebeu a sobri­nha sem que esta precisasse tocar a campainha.

— Quero falar com você antes que veja as meninas — Jenny dizia, levando Olívia para a sala de estar.

— O que houve? Por quê..,?

— Não se aflija. Elas estão bem — Jenny reforçou, firme.

Recomeçar...

— Mas o que fazem aqui? Como vieram parar aqui?

— Elas vieram andando — informou-lhe a tia, pesarosa.

Livy sentiu o pavor gélido percorrer-lhe o corpo ao imaginar a longa jornada da escola à casa de Jon e Jenny. Era uma região extensa, rodeada de pastos e às vezes ocupada por carros em alta velocidade ou deserta em outras ocasiões, representando todo o ti­po de perigo a crianças indefesas.

Olívia começou a sentir náuseas.

— Elas andaram sozinhas. — Ficou horrorizada ante tamanha negligência como mãe. Como não pres­sentira o perigo que as filhas corriam?

— Aparentemente, elas saíram tão logo as aulas terminaram e conseguiram enganar a professora — Jenny contou. — Tenho de admitir que foram muito espertas.

— Mas Amélia sabe que não deve sair da escola sem a escolta de um adulto... ela sabe, Jenny.

— Entendo, Livvy. Não foi Amélia quem liderou a empreitada — Jenny esclareceu. Pasma, Olívia a encarou.

— Alex... — Ela calou-se. Das duas, Alex era a mais aventureira, a mais teimosa. — Mas por quê?

Jenny respirou fundo. Esta era a parte mais difícil que sê preparava para enfrentar desde que as me­ninas haviam chegado, exaustas e imundas.

Como elas conseguiram empreender uma caminha­da tão longa sem serem vistas por alguém que re­portasse o fato à polícia, Jenny não sabia. No entan­to, tinha certeza de que o anjo da guarda das meni­nas as vigiara e as protegera.

— Sei que elas sentem saudade de você e tio Jon — Olívia dizia, trêmula. — Mas tentei explicar-lhes que vocês estão ocupados com...

— Elas não vieram até aqui para me visitar, Olí­via. — Jenny não conseguia encarar a sobrinha. — As meninas queriam saber do avô delas.

— Do avô? — Olívia não conseguia organizar as emoções turbulentas. — O que disse a elas?

— Disse que tinham de conversar com você — Jen­ny respondeu, amorosa.

— Ele foi me visitar ontem. Meu pai ofereceu-se para me ajudar com as meninas. Eu recusei. Disse-lhe que não quero minhas filhas perto dele, e falei sério. Leo contou-lhes que David é avô delas.

Olívia prosseguia em voz baixa:

— As meninas o viram... meu pai... Alex caiu no jardim e ele a socorreu. Elas deduziram sozinhas quem era ele. Fizeram tantas perguntas... — Olívia fechou os olhos. — O que disseram a você?

— Perguntaram-me se o homem que conheceram era avô delas e irmão de Jon. Elas querem saber por que nunca o viram antes.

— E o que você respondeu? — Olívia perguntou, angustiada.

— Não cabe a mim explicar-lhes a situação, Livvy. Elas são muito novas. Só falei que David estava morando em outro país e que se mudou para cá novamente.

Olívia suspirou. Podia entender quão impossível fora para Jenny tentar explicar a verdade para as meninas.

— Acho que vou levá-las para casa. Obrigada por cuidar delas, Jenny.

Ela parecia tão infeliz que Jenny a abraçou em silenciosa comiseração.

— Mamãe...

Amélia a viu primeiro.

Sem preâmbulos, Olívia' anunciou.que as levaria para casa, e pediu-lhes que agradecessem a Jenny por ter cuidado delas.

O carro não era o lugar adequado para questioná-las. Ao final do rápido percurso, Alex bocejava de cansaço e precisou ser carregada à casa. Ela meneou a cabeça em negativa quando Livvy ofereceu-lhe um lanche.

— Tia Jenny fez sanduíches para nós enquanto esperávamos você chegar, mamãe — Amélia contou.

Olívia prometera a si mesma que não assustaria as filhas expondo a raiva, mas o medo do que poderia ter acontecido às meninas a dilacerava. Devia agra­decer a Deus o fato de estarem sãs e salvas. Por que então ainda sentia aquele ímpeto de gritar e esbra­vejar por terem fugido da escola quando sabiam que era expressamente proibido?

Contudo, para aumentar seu desespero, os olhos de Amélia traduziam o pavor de ser açoitada pela fúria da mãe. Rendida, Olívia ajoelhou-se diante das filhas e as abraçou.

— Papai e eu sempre dissemos a vocês que só po­deriam sair da escola conosco ou sabendo que outro adulto iria buscá-las. Não é verdade? — ela pergun­tou com toda a calma.

Alex, ainda um bebê, tremia de vontade de chorar.

— Quando meu pai vai voltar? — sussurrou, ar­rasada. — Quero que ele venha para casa.

— Oh! querida. — O peso da culpa esmagava Olívia.

— Papai não gosta mais da gente — Alex conti­nuou, chorosa.

— Meu amor, ele ama vocês — Olívia respondeu de pronto, sabendo ser verdade.

— Então por que ele não está aqui? — Alex indagou.

— Você sabe por quê, querida.

— Papai e mamãe não vão mais morar juntos — Amélia informou à irmã, mas quando olhou para Olí­via ficou claro que ela sofria mais que Alex.

Previra aquele momento e devia estar preparada para ele, mas, no fundo, Olívia esperava... convence­ra-se de que as meninas haviam aceitado a separação.

— Já que não podemos ter um pai, quero ter um avô — Alex anunciou. — Todas as crianças da escola têm avôs e avós.

— Oh! Alex — Olívia protestou, percebendo com pesar que o pequeno corpo da filha resistia às ten­tativas de amor e conforto maternos.

— Amélia... — Olívia virou-se para a outra filha. Amava-as tanto que nunca lhe ocorrera que pode­riam rejeitá-la ou culpá-la por terem perdido Caspar. — Você é mais velha que Alex. Sabe que não podem sair sozinhas da escola e andar pelas ruas.

— Tive de fazer isso, mãe — Amélia explicou-se, ansiosa. — Alex disse que iria sem mim, se eu não fosse.

O olhar que ela lançou à irmã, e depois à mãe, foi definitivo. Olívia lembrava-se perfeitamente da sen­sação de ser responsável pelo bem-estar e segurança de um irmão mais novo; a ansiedade, o medo, a raiva e o ressentimento contra o mundo que a obrigavam a um fardo tão pesado, combinados à estóica determinação de assumir tal tarefa, representaram um grande sofrimento para ela.   ,

Amélia... O que fazia às filhas?, perguntou-se, di­lacerada. Que danos estava causando ao coração das duas?

— Eu queria saber do vovô — Alex exigiu. — Você não nos contou nada, então fui perguntar ao tio Jon.

Cada palavra acrescentava mais combustível à cul­pa de Olívia. Como conseguiria voltar a trabalhar agora? Não suportaria perdê-las de vista nem por um segundo!

Era inevitável concluir que nada disso teria acon­tecido, se Caspar estivesse ali.

Caspar...

Olívia sonhara com ele na noite anterior — outra vez. Despertara durante a madrugada, com o rosto repleto de lágrimas e os braços esticados sobre o es­paço vazio da cama.

Porém, sonhara com o Caspar pelo qual se apai­xonara, e não com o marido que ele havia se tornado, Olívia findou, obstinada.

— Amélia e Alex, têm de me prometer que nunca mais sairão da escola sozinhas. Aquelas ruas são mui­to perigosas e vocês... — Ela queria dizer que ambas eram preciosas e vulneráveis demais, mas sentiu que também eram muito crianças para entender.

Agora enfrentava o dilema que tantas mães soli­tárias deviam encarar. Precisava trabalhar para sus­tentar as filhas, oferecer-lhes o estilo de vida a que se acostumaram. A casa estava financiada e Caspar cumpria sua parte, mas era Olívia quem represen­tava a principal fonte de renda.

Ora, podiam fazer economias. Ela venderia a casa, compraria outra menor, talvez em Haslewich, e es­tava preparada para, sacrifícios.

No entanto, ainda teria de trabalhar para viver. Portanto, precisava de uma retaguarda que garan­tisse o bem-estar e a segurança das filhas enquanto estivesse no trabalho.

Recebera outro recado da agência de empregos, dizendo que não conseguiam encontrar ninguém que correspondesse às necessidades de Olívia. Jenny, na­quele momento, não podia ajudá-la. Todas as mu­lheres da família possuíam as próprias responsabilidades e deveres... e, além do mais, não permitiria que suas filhas se sentissem à margem da vida de outras pessoas, sempre em segundo plano, sempre de lado observando crianças receberem o amor de pais e avós.

Olívia fechou os olhos. Não havia outra saída. Pelo bem das filhas tinha de engolir o orgulho e o rancor.

Vira o olhar de David quando este cuidara dos joelhos de Alex. As lágrimas ofuscaram-lhe a visão. Por amor às filhas restava-lhe somente uma escolha.

Sara verificou o relógio. Eram mais de oito horas da noite e sua escrivaninha estava vazia. Já podia ter ido para casa assistir a seu programa favorito, deitada no confortável sofá. Então, o que fazia no escritório?

Estava trabalhando, disse a si mesma, ignorando o fato de que já havia terminado fazia quinze minu­tos. O que esperava, afinal? Só porque indicara a Nick que tinha mudado de idéia, embora o ultimato fosse a fonte de sua aflição, esperava que ele largasse tudo e viesse correndo para buscá-la?

Claro que não.

Mentirosa, repreendeu-se em pensamento. Era exatamente isso que almejava. Estaria ele tentando ator­mentá-la, humilhá-la ou seria o tipo de homem que perdia interesse uma vez que sua presa se rendesse?

Incapaz de refletir com lógica para organizar os pensamentos caóticos, Sara levantou-se e começou a caminhar pelo escritório.

Se ele não a queria, tudo bem. Afinal, fora Nick quem a abordara, e não o contrário. Sara havia no­tado quão competitivo ele era, mas...

Ficou tensa quando o telefone tocou. Não havia te­lefone no apartamento, por isso permanecera no es­critório, procurando trabalho para fazer no caso de...

Agarrou o aparelho e irritou-se quando descobriu que a pessoa havia discado o número errado e que, na verdade, desejava reservar uma mesa no restaurante.

Educada, pediu-lhe que esperasse enquanto ia ao restaurante pegar o livro de reservas.

Após encontrar o livro, ela já estava a caminho do escritório quando o avistou. Nick tinha acabado de entrar. Era uma noite chuvosa e, enquanto o obser­vava com explícita avidez, viu-o sacudir as gotas, de chuva das roupas.

Como ele não a tivesse visto ainda, Sara pôde apre­ciar a cena, completamente paralisada pela força das sensações que a assolavam.

Nick não tencionava ir ao restaurante ou facilitar qualquer contato com Sara. Queria... Não,precisava de tempo para assimilar o que ela lhe dissera. Então, de repente, descobriu que necessitava de dinheiro e o único caixa vinte quatro horas localizava-se a pou­cos minutos do restaurante. Portanto...

Ao entrar no estabelecimento, ele a viu. Sara o encarava. Uma avalanche de sentimentos chocantes o soterrou. Queria seqüestrá-la e levá-la a um local onde pudesse estar total e completamente a sós com ela. Assim, veriam quão facilmente ela separaria o sexo da emoção.

Tão logo Nick se aproximou, Sara se viu impelida a declarar:

— Deus, imaginei que havia desistido. Pensei que fosse um daqueles homens que só falam e não agem!

Agastada, perguntou-se por que dissera algo tão tolo. Mas era tarde demais para retirar o desafio. O brilho colérico nos olhos de Nick indicava sua boa audição.

— Desistir? Nunca. E quanto ao resto de seu co­mentário... — A voz tornou-se suave, mas Sara re­parou no tom ácido que permeava as palavras. — Será um prazer lhe provar o contrário.

Prazer! Sara sentiu uma pontada de medo e inse­gurança. Ela arregalou os olhos, demonstrando uma inesperada vulnerabilidade que o pegou de surpresa.

Que tipo de jogo Sara empreendia? Primeiro, re­velava ser uma mulher experiente e sofisticada, em seguida assemelhava-se a uma noviça recatada que tremia ante a simples menção da palavra sexo.

Contudo, após aquele comentário provocativo, era impossível considerá-la pudica!

Impotente, Sara perguntou-se como tinha podido ser tão idiota. Nenhum homem gostava de ter a se­xualidade questionada, sabia disso.

— Tenho de voltar para minha casa por alguns dias.

— Casa? — Sara repetiu, confusa. O que ele ten­tava dizer? Que, afinal, havia mudado de idéia? Que precisava de mais tempo?

— Sim. Moro em Pembrokeshire — Nick contou-lhe. — Quero que venha comigo.

Ir com ele?

Sara não sabia se aquela fraqueza repentina que sentia era causada por choque ou alívio.

— Teremos privacidade em minha casa. — Nick a encarava, sem piscar. — Não creio que estejamos dispostos a expor nosso acordo aos olhos de Francês e de meu irmão.

— Não — Sara concordou. — Mas Pembrokeshire... A bem da verdade, ela não pensara onde poderiam esgotar o torturante desejo eu os atormentava, mas havia pressuposto que iriam a algum motel. Tam­bém não queria que ninguém soubesse o que estava acontecendo entre ambos. Afinal de contas, não pre­tendiam iniciar um relacionamento ou tornar-se um "casal". Contudo, ficar a sós com ele em sua casa...

— Se não se sente segura a ponto de ir a minha casa é porque não confia em mim. E, se não confia em mim, então não terá tranqüilidade suficiente pa­ra que me deixe penetrar em seu corpo — Nick ar­gumentou com tanta liberdade sexual que Sara co­rou na hora.

— Eu... Quando... Há Francês e meu trabalho.. Te­nho de pedir-lhe uns dias de folga — ela balbuciou.

— No final de semana seguinte ao próximo — Nick informou-lhe imediatamente. — E vai precisar de roupas quentes. O chalé é em local remoto.

Roupas quentes! Sara lançou-lhe um olhar assus­tado e arrependeu-se disso no mesmo instante.

— O que foi? — Nick sussurrou. — Garanto-lhe que irá adorar e prometo que serão momentos de enorme prazer. Mas não ficaremos o fim de semana inteiro na cama. Pembroke possui uma das mais fa­mosas e belas paisagens costeiras do país. Se o clima estiver bom, poderemos até velejar. Embora o mar daquela região seja um tanto bravio.

Sara começava a ter a impressão de ele tentava intimidá-la.

— Meu pai é um excelente navegador e, sempre que posso, velejo com ele. — Sara acrescentou, seca: — Quando fiz quatorze anos, nós participamos do campeonato de vela Round Britain no barco de um dos clientes de meu pai.

— Vocês venceram? — Nick perguntou, fingindo inocência.

Sara o encarou, furiosa.

— Não. Ficamos em décimo lugar — replicou, cal­ma. — Mas tivemos o melhor tempo para uma tri­pulação de amadores.

— Passei alguns verões velejando em Cape Cod quando eu estava na universidade — Nick contou-lhe em tom casual.

Contudo, não se deu por vencida. Se ele queria brincar de competir, não havia problema. Sara cer­tamente não se renderia.

Quatorze anos de idade em uma perigosa corrida de Round Britain?, Nick ponderou após deixá-la. O pai dela devia ser um louco por permitir tamanho desatino. Sara no mínimo era uma adolescente magricela na época. Podia muito bem ter caído do barco. Só de imaginar o perigo que ela correra, Nick sentiu tensão no corpo inteiro.

O que diabos aconteceu comigo?, Sara pensou quan­do Nick foi embora. Tentou buscar consolo no fato de que poderia desistir e recusar a proposta, mas sabia que seu orgulho não a deixaria fugir do desafio.

Claro, havia a possibilidade de Francês não libe­rá-la no final de semana. No entanto, quando mais tarde Sara mencionou a idéia, Francês concordou imediatamente.

Sara agradeceu-lhe. Agora nada a impediria de ir a Pembrokeshire com Nick.

— Muito obrigada! — resmungou consigo mesma.

— Vai voltar para sua casa? — Saul espantou-se. — Escute, Nick...

— Será apenas durante o final de semana — Nick o interrompeu. — Preciso verificar o estado da casa e coisas do gênero.

— Se decidiu ir, suponho que eu não possa impe­di-lo — Saul ponderou,

— Não pode mesmo.

— Não, Nick — Saul prosseguiu com a autoridade de irmão mais velho —, mas posso e devo lembrá-lo de quão tolo será, se prejudicar sua recuperação com alguma atitude estúpida ou perigosa.

Atitude estúpida e perigosa... isso poderia ser o resultado de sua estada em Pembrokeshire, Nick con­cluiu, referindo-se ao aspecto emocional contido em seus planos para o fim de semana. O perigo jazia nos sentimentos que não conseguiria conter e corria o risco estúpido de deixá-los sobrepujar a segurança física.

Porém, sempre havia a chance de Sara desistir. Uma mulher que na adolescência participou de uma das corridas mais arriscadas do país iria abrir mão de um desafio? A quem ele estava enganando?

Honor fitou o telefone silencioso. Teve um estra­nho pressentimento. Vivendo tão próxima e harmônica à natureza, anos atrás, havia parado de ques­tionar ou duvidar dos rompantes intuitivos que pos­suía.

Ela e padre Ignatius tinham discutido o fenômeno com afinco sem que chegassem a uma explicação ra­cional, embora houvesse, segundo o religioso, vários escritos históricos e bíblicos que provavam a exis­tência de tal dádiva.

Pensativa, rondou o telefone. Dias atrás, David inserira o número de Olívia na memória do aparelho.

Quando fez menção de tocar no telefone, ouviu o som estridente ecoar pela casa. Após verificar o nú­mero que o visor do aparelho indicava, ela gritou:

— David, venha rápido! E para você!

Ao escutar aquela voz familiar no telefone, Olívia prendeu a respiração. Era a atitude mais difícil e humilhante que tivera de tomar.

— Alô? Sou eu, Olívia — anunciou, abrupta.

Do outro lado da linha, David rezou para que a voz não falhasse ou revelasse a forte emoção que sentia. Também pediu a Deus que a fizesse aceitar o amor que estava disposto a oferecer.

Em menos de cinco minutos tudo ficou acertado. Olívia deixaria as meninas todas as manhãs na casa de David e Honor antes de ir ao trabalho. Ele então as levaria à escola e as buscaria à tarde. Livy, por sua vez, pegaria as filhas quando saísse do escritório ao final de expediente,

Naquela noite, encolhida na cama em posição fe­tal, ela se permitiu liberar os sentimentos. Estaria destinada a viver sozinha e, para sempre, ser priva­da de experiência de receber o puro e verdadeiro amor?

— Molly, espere!

Aflita e impaciente, Molly encarou Caspar.

— Tenho de ir — repetiu.

— Eu sei. Mas e se seu carro não estiver pronto? Por que não me deixa levá-la? — ele sugeriu de pronto.

— Você? — Molly ficou na defensiva.

O flerte inofensivo que vinham praticando era bem diferente do que Caspar agora insinuava.

Não era hora de alimentar as carências emocio­nais, em especial com um homem como Caspar. Mas ele já se encarregava da situação e Molly, uma tola, permitia que ele tirasse de seus ombros o peso da responsabilidade. Era um alívio não precisar pensar em praticidades.

Por mais que evitasse, Caspar comparava o com­portamento de Molly ao de Olívia. Não se lembrava da última vez em que Livy o deixara assumir seu papel masculino na relação. Ela parecia desafiar cada decisão que ele tomava, desdenhando-o e minando aos poucos sua essência masculina.

A aceitação de Molly o fazia sentir-se mais pode­roso e capaz de socorrê-la em quaisquer situações.

Quando a fitou e reparou que os olhos azulados estavam cheios de lágrimas, as quais ela tentava su­primir, Caspar teve vontade de tomá-la nos braços e confortá-la.

Passaram-se horas antes que Olívia pudesse con­ciliar o sono. Novamente sonhou com Caspar, que a envolvia entre os braços e sussurrava palavras do­ces, dizendo-lhe que a compreendia e aceitava o que ela estava sentindo. No sonho, Olívia confessava ser o marido a única pessoa a lhe proporcionar seguran­ça e afeto, a única pessoa a quem podia admitir os medos e as falhas.

Caspar!

Enquanto sentia o toque suave dos lábios dele, lá­grimas rolavam sob os olhos fechados de Olívia.

 

                                               CAPITULO XII

Por ser teimosa demais, Sara não per­mitiu que Nick a levasse até Pembrokeshire, alegando que deveriam realizar a jornada em carros separados. Mas agora, enquanto seguia a poderosa caminhonete tracionada de Nick em seu veículo compacto, todos as dúvidas e temores, que ela escondera atrás do próprio orgulho, vinham à tona.

Encontravam-se em Gales, atravessando Aberystwyth ao longo da costa. O dia estava úmido e uma pesada neblina pairava sobre o oceano. O som hip­nótico do limpador de pára-brisa não amenizava o nervosismo de Sara. Pelo contrário. O ruído a per­turbava ainda mais.

Como Nick havia instruído, ela separara roupas quentes e confortáveis. Quando se encontraram na­quela manhã, Nick descera do carro e caminhara até ela. Mesmo de jeans e camiseta, ele ainda assim ti­nha o poder de bambear os joelhos de Sara e fazê-la entender por que vinha agindo de forma tão estra­nha ultimamente.

— Pensei em pararmos para almoçar nas cerca­nias de Aberystwyth — ele lhe dissera. — Conheço um restaurante especializado em frutos do mar. Acho que vai gostar.

Tão logo chegaram àquela região, Nick estacio­nou a caminhonete em frente a um pequeno centro comercial.

Quase anestesiada, Sara parou ao lado do veículo, na vaga que ele lhe deixara. Mesmo nas proximida­des do cais, o mar parecia revolto. Os poucos barcos ancorados balançavam ferozmente conforme os mo­vimentos das ondas.

Sara ficou grata por estar usando o pesado sobre­tudo quando, ao sair do carro, enfrentou o ar gélido. Decidida, ignorou de propósito a mão que Nick lhe estendia.

Nunca se sentira tão ansiosa e aflita, nem em sua primeira vez. Perder a virgindade não significara na­da, se comparado ao que contemplava naquele mo­mento. O mero rito de passagem com um rapaz, do qual se lembrava vagamente e que parecera tão ner­voso e inseguro em relação ao ato em si quanto ela, havia acontecido quando tinha dezoito anos. Apenas uma menina.

Mas e agora? Considerava-se uma mulher madura o suficiente para enfrentar Nick Crighton?

Ela estremeceu, nervosa.

— Não vou mordê-la, Sara — Nick queixou-se,- in­terpretando mal a reação. Em seguida, baixou o tom de voz. — Não em público. Pode ter certeza.

O restaurante localizava-se em uma rua estreita, entre o cais e o centro comercial. Ao longo do cami­nho até o restaurante, tiveram de passar por char­mosas casas antigas.

Para sua surpresa, o estabelecimento estava repleto de clientes. Nick explicou-lhe que a cidade era o retiro favorito da classe média, o que justificava a alta incidência de casais, Sara concluiu.

Quando o garçom guiou-os à mesa, ela começou a tirar o casaco.

— Permita-me — Nick ofereceu-se.

Sara já havia retirado uma das mangas do sobre­tudo e, quando Nick tocou-lhe o braço para ajudá-la, seu corpo reagiu imediatamente. Um arrepio percor­reu-lhe a pele, enquanto ondas de calor a invadiam. Por um momento, ambos permaneceram estáticos, entre olhando-se em total sintonia. A fome nua que ela divisou nos olhos de Nick tanto a chocava como excitava.

— Pelo amor de Deus, não me olhe assim — ele murmurou entre os lábios cerrados.

— Como? Eu não... — Sara apressou-se em negar.

— Oh! sim — Nick interveio. — Sei que está ado­rando tudo isso, Sara, mas não sou à prova de fogo como você obviamente é. E se não parar agora, ficará evidente a todos aqui que a única coisa que quero comer — ele enfatizou a frase com sensualidade ex­plícita — é você.

Discreto, o garçom afastou-se a fim de indicar uma mesa a outros clientes. Sara sentia o corpo inteiro ferver e, dessa vez, de vergonha. Também percebia que, se Nick a levasse até a recepção do restaurante e subisse a escadaria que dava acesso à hospedaria que a casa oferecia, ela não iria impedi-lo.

Porém, ao invés disso, Nick a conduziu pelo res­taurante, segurando-a pelo braço, enquanto ela ten­tava manter o máximo de distância. Mas foi impos­sível, já que o espaço entre as mesas era estreito demais. Cada vez que sentia o calor do corpo viril, Sara reagia de forma tão explosiva que estremecia. Ambos pediram lagosta e, aproveitando a espera, ela resolveu observar o movimento. As pessoas pre­sentes gozavam da plácida calmaria do ambiente que, no entanto, parecia enfatizar sua tensão sexual.

— Você vem sempre aqui? — perguntou a Nick, na tentativa de abrandar o clima.

— Paro aqui sempre que estou voltando de Cheshire. E uma viagem que faço com freqüência.

— Para ver sua amiga... casada? — Sara o ques­tionou.

— Minha o quê? — Nick, de repente, deduziu de quem se tratava. — Oh!, refere-se a Bobbie. — Ele sorriu ao notar o ciúme de Sara.

O almoço foi servido e Nick esperou que o garçom se afastasse para inclinar-se, sedutor, em direção a Sara.

— Bobbie é casada com Luke Crighton, e está mui­to feliz com ele, devo acrescentar.

— Mas vocês estavam juntos em Camden Place — Sara argumentou.

— Nós nos encontramos por acaso. Bobbie foi ao clube com Luke, que estava jogando golfe.

Sara sentiu-se empalidecer.

— Quer dizer que você não... Ela não...

— Não — Nick confirmou. — Asseguro-lhe de que, se estivesse envolvido naquele tipo de relacionamen­to, eu não...

— Você não o quê? — ela o desafiou. Ainda tentava assimilar o choque de saber que o ciúme, o mesmo que a levara àquela situação, era infundado. — Você não me desejaria?

— Achou mesmo que eu estivesse tendo um caso com Bobbie? — Nick ficou encantado. — Para sua informação... — Ele parou, surpreso consigo. Estava prestes a admitir que Sara era a primeira mulher a ser convidada a sua casa, e a primeira mulher capaz de despertar tanto desejo que chegava ao cúmulo de querer tirá-la dali naquele instante só para ficar a sós com ela.

— Para minha informação o quê? — ela indagou. Talvez devesse ser sincero com ela, Nick refletiu.

— E a primeira vez que. levo uma mulher a meu chalé. Como está sua lagosta? — perguntou com o intuito de mudar de assunto.

Uma hora depois, quando saíram do restaurante, estava quase nevando. O ar achava-se bem mais ge­lado e a nebulosidade transformara-se em chuva.

Sara tremia dentro do casaco. De repente, per­deu o equilíbrio enquanto caminhava pela rua ago­ra deserta.

No mesmo momento, Nick a segurou. O toque a fez arrepiar-se novamente. Começava a sentir medo, reconheceu, assustada. Não de Nick, mas do modo como se sentia e da inabilidade de controlar as fortes reações.

A descoberta de que ele não estava tendo um caso com Bobbie, ou com qualquer outra mulher, parecia tê-la projetado em uma dimensão de ampla lascívia, sem o peso da responsabilidade, e fazendo-a desejá-lo com uma intensidade que a enervava.

De súbito, o pânico a dominou.

— Mudei de idéia — proferiu com a voz trêmula. — Eu...

— Você o quê? — Nick a agarrou e cobriu-a com o próprio corpo a fim de protegê-la do vento. — Não jogue comigo, Sara, porque neste exato momento...

Ela tremia sem parar, completamente hipnotizada pelo olhar de Nick. Seu coração batia, descompassado.

— Sara...

Nick respirou fundo e soltou o ar bem devagar. Então, sem tirar os olhos dela, baixou o rosto. Sara sentia-se impotente, incapaz de fugir daquele beijo inevitável.

A distância, escutou o grito das gaivotas e o som das ondas colidindo no cais, misturados à ferocidade do prazer que explodia dentro dela.

Percebia que estava tremendo, que precisava apoiar-se em Nick devido à fraqueza que o beijo ar­dente causava. Seus lábios, famélicos, pareciam de­voraras dele, e vice-versa.

Entregue, ela aprofundou o beijo, convidando-o, implorando por intimidade. Nick correspondia de tal maneira que Sara sentiu os ossos se dissolverem, enquanto um leve gemido surgia em sua garganta.

Beijavam-se como adolescentes, tão ávidos que se encontravam alheios a tudo o mais. Como e quando o abraçara pelo pescoço e colara o próprio corpo ao dele, era impossível saber. Estavam tão próximos que Sara notou o efeito devastador que tinha sobre Nick.

— Ainda temos de percorrer alguns quilômetros para chegar ao chalé — murmurou, ainda beijando-a. — E não sei se conseguirei suportar mais trinta segundos sem...

Ele a ergueu e, por um delicioso instante, Sara pensou que Nick a tocaria com mais intimidade. Seus seios estavam túrgidos e almejavam carícias mais incisivas. Ela queria...

O barulho de pessoas emergindo de um pub do outro lado da rua a alertou para o que fazia e sentia.

— Você está bem? — Nick perguntou, quando re­solveram retomar a viagem.

— É claro que estou. Por que não estaria? — ela o rejeitou na hora.

— Quer mesmo que eu responda? — Nick retru­cou, observando-a abrir a porta do carro.

Certamente que não, Sara admitiu enquanto aguar­dava que ele manobrasse a caminhonete. Nada a im­pedia de virar na direção oposta e voltar para Haslewich. Nick não podia obrigá-la a ir com ele. Não podia mesmo, decidiu.

Mas...

Mas se não fosse, passaria o resto da vida lamen­tando, imaginando... E sabia que uma parte dela vi­veria em função do que podia ter acontecido entre ambos.

Era apenas sexo, lembrou-se. Só isso.

Revoltada, perguntou-se por que ousava colocar as palavras apenas e sexo juntas e no mesmo con­texto.

Sua mala jazia no banco de passageiro e sentiu-se corar ao fitá-la. Na bagagem havia preservativos que lhe tinham custado toda a coragem que pôde anga­riar para comprar. Onde estavam os traquejos so­ciais para assuntos do gênero? Não fazia idéia, mas tinha certeza de que cuidaria da saúde e evitaria a concepção inesperada de uma criança.

A revelação de Nick sobre ela ser a primeira mu­lher a entrar no chalé a pegara de surpresa e derrubara várias barreiras emocionais. Era verdade ou seria somente uma artimanha cínica para atraí-la?

O tempo piorava... nuvens densas cobriam o hori­zonte e reduziam a visibilidade. Sara pressentia o misticismo inerente àquela região. Era uma terra legendária e de sabedoria anciã, onde tudo podia acontecer.

Por que contava essa história a si mesma? O que desejava secretamente que acontecesse?

Na pequena cidade de Aberaeron, envolta nos bra­ços de Nick e correspondendo aos beijos pungentes com ávido fervor, Sara tivera certeza de que o dese­java com todo seu ser. E também descobrira que a atração não era apenas física. O súbito aparecimento de uma forte neblina a fez agarrar a direção e lem­brar-se de que precisava se concentrar na estrada.

A sua frente, Nick avaliou a repentina alteração do tempo, e praguejou consigo mesmo por não ter obrigado Sara a viajar com ele. Tinha mais familia­ridade com aquela estrada que ela e, a despeito de parecer machista, não escondia a necessidade de pro­tegê-la de qualquer mal.

A experiência de descontrole que tiveram em Aberaeron mostrara como ele era incapaz de resistir à tentação de beijá-la. E, por fim, Nick reconheceu que uma mera atração, por mais potente que fosse, não podia ser responsável pela intensidade do que sentia.

No restaurante, quando Sara havia revelado ter ciúme da suposta relação com Bobbie, somado à ne­cessidade de Nick de assegurar-lhe o contrário, tra­duzia quanto os dois estavam realmente envolvidos naquela aventura, que agora transformava-se em outra emoção, a qual ele não sabia definir.

Aproximavam-se de Fishguard, a pequena cidade circundada por uma manta de névoa marinha. Do outro lado do vilarejo, encontrava-se a estrada para St. David's, e, mais além, o chalé. Fitou a jaqueta que jazia no banco de passageiros. Dentro dela es­tava sua carteira, e nesta...

Na verdade, sentira-se um adolescente quando fo­ra ao supermercado comprar os preservativos que agora achavam-se confinados na carteira. Claro, pelo bem de Sara e dele, fazia sentido tomar tais precau­ções. No entanto, tinha de admitir que havia um certo tom clínico e intencional no ato em si. Riu de sua natureza romântica que abominava tamanha praticidade.

Sim, era romântico e, por conseqüência, incomo­dava-o saber que Sara exercia seu direito de mulher moderna de fazer sexo com ele pelo simples fato de almejar sexo. O que queria dela, de fato? Uma de­claração de amor?

Quando o nevoeiro aumentou, Nick voltou a atenção à estrada, deixando de lado os próprios pensamentos.

Honor escutava Ben queixar-se de Max e Maddy.

— Acho que está sendo injusto — ela protestou, re­primindo a vontade de dizer mais. Precisava lembrar-se de que a saúde de Ben estava se deteriorando.

Enquanto o ouvia, ela o comparava a seu primo, Freddy. O querido Freddy era uns anos mais moço que Ben, mas transmitia respeito e amor a outros se­res humanos, uma atitude que seu sogro não possuía.

Pensar em Freddy a deixou preocupada.

Dois dias antes, ele convidara Honor e David para jantar porque queria discutir um assunto importan­te com eles. Freddy, na realidade, desejava deixar Fitzburgh Place para ambos. Honor não soubera quem ficara mais chocado, ela ou David.

— Mas a propriedade está vinculada — ela pro­testara.

— O título irá para o próximo homem da linhagem — Freddy havia concordado. — Mas não há clausu­las legais que me impeçam de indicar o herdeiro. Pensei em deixá-la para uma instituição de caridade, mas a maioria possui grandes propriedades que one­ram o orçamento por serem difíceis de manter. En­tão, depois que você e David se mudaram para cá...

Freddy fizera uma pausa e olhou para padre Ignatius, que ele fizera questão que estivesse presente.

— Sei que a casa estará bem cuidada em suas mãos Honor — Freddy completara, sem mais rodeios.

Em seguida, Honor fitara David, que lhe segurou a mão, sabendo exatamente o que a esposa queria que respondesse.

— E uma decisão muito importante, Freddy — David apontara. — E é muito generoso de sua parte.

— Não se trata de generosidade — Freddy objetara. — A casa custa uma fortuna para ser adminis­trada. Mas, vejam, vocês não terão de se sacrificar. Possuo investimentos rentáveis e a propriedade, ho­je, sustenta-se sozinha. Tão logo cheguemos a um acordo, você poderá plantar quantas ervas quiser em Fitzburgh Place, Honor.

O jantar prosseguira, permeado de assuntos tri­viais. Mas, ao se despedir do casal, Freddy retomara o tema.

— Não estão interessados — ele reclamara.

— Claro que estamos — Honor confirmara. — Mas precisamos de tempo para tomar uma decisão defi­nitiva — ela argumentara, sorrindo.

— Acha que sou um velho senil que não sabe o que está fazendo? — ele resmungara.

— Você? De jeito nenhum! — David rira. — Mas há de convir que se trata de uma decisão importante.

— Minha decisão já está tomada. Não consigo pen­sar em ninguém que possa cuidar desta casa melhor que vocês, e também não quero estranhos rondando meu lar depois que me for. Sei que irão fazer o que é certo pela propriedade e por mim.

— Oh! Freddy — Honor sussurrara, antes de abra­çar o primo tão amado.

Mais tarde, naquela noite, depois de discutirem a proposta de Freddy, Honor admitira a David quão surpresa e tocada havia ficado com a gentileza do primo.

— Freddy não demonstra, mas ama aquela casa. Só de pensar que ele a confiará a nós dois...

— Entendo o que quer dizer — David concorda­ra, emocionado. Na escuridão do quarto, ambos se abraçaram.

— Não será fácil — Honor concluíra. — Adminis­trar um lugar como esse, pagar as contas...

— Mas a perspectiva a deixou animada — David brincara com ela. — Não se esqueça de que as pes­soas mudam de opinião o tempo todo. Freddy ainda viverá muitos anos em Fitzburgh Place e poderá op­tar por outras escolhas.

— Como seu pai em relação a Queensmead? — Honor deduzira. — Não. Freddy não faria isso.

Mesmo assim, ambos haviam concordado em man­ter a oferta de Freddy em segredo.

— Não. Não.

Em seu pesadelo, Max gritava a plenos pulmões, enquanto, em sonho, a lâmina da faca incidia sobre Maddy e o bebê.

— Max! O que houve? — Maddy acordou, assus­tada, e acendeu o abajur.

Agora desperto, Max notou o suor que encharcava seu corpo nu.

— Lamento. Eu a acordei? — perguntou, ainda estonteado. — Acho que estava sonhando.

Maddy morria de preocupação. Havia algo errado, mas não sabia o quê. Quando o médico lhe dera alta e prescrevera repouso absoluto, ficara confiante em relação à gravidez. Se tudo prosseguisse como o es­perado, ela e o bebê estariam fora de perigo. A prin­cípio, imaginara que Max mostraria alívio, mas pa­recia cada dia mais angustiado e distante.

Tentara conversar com ele a fim de descobrir o problema, porém ele insistira em dizer que estava tudo bem.

— Max, sei que algo o incomoda — Maddy tentou mais uma vez.

— Foi somente um pesadelo — ele retrucou, na defensiva. — Volte a dormir, Maddy — pediu-lhe agora em tom gentil.

Max apagou o abajur e deitou-se de costas para Maddy.

Em silenciosa apreensão, ela estudava os cabelos sedosos do marido. Algo estava muito errado. Sabia disso. Queria que Max a tomasse nos braços, mas desde o retorno do hospital, ele a tratava como se fosse uma peça frágil de porcelana.

Hesitante, Maddy acariciou os ombros largos.

Ao sentir o toque suave de Maddy, Max enrijeceu. No fundo, almejava confessar-lhe os sentimentos, mas como poderia? Se assim o fizesse, ela jamais o perdoaria.

O pesadelo daquela noite não fora o primeiro e nem seria o último. Previa que a vida de ambos fi­caria pior quando o bebê nascesse. Como Max con­seguiria encarar o novo filho sem sentir o fardo da culpa?

Por mais que tentasse analisar os sentimentos, a fim de expurgá-los, ele nunca escaparia da evi­dência de que sua necessidade egoísta por Maddy teria implicado a possível morte daquela criança em gestação.

Maddy nunca mais seria a mesma, caso soubesse disso. E Max, por sua vez, receava não ser capaz de perdoar a si mesmo.

Como Max não mostrasse nenhuma reação ao to­que, Maddy recolheu-se.

Estaria zangado por causa da quebra de rotina que a gravidez estava causando? Ele escolhera tra­balhar em casa até o nascimento do bebê. Maddy não lhe pedira nada, mas tinha consciência de que a presença do marido facilitava as tarefas do dia-a-dia. Aliás, Max não demonstrava irritação ou ner­vosismo ante tantas exigências. Contudo, Maddy não encontrava outra explicação para aquela tensão constante.

— Pare de se preocupar — ele aconselhava, toda vez que Maddy tentava conversar.

Mas como conseguiria ficar tranqüila quando es­tava claro que havia um problema muito sério entre ambos?

 

                                       CAPITULO XIII

A despeito do ar quente no interior do carro, Olívia tremia violentamente quando parou em frente à casa de David e Honor. Estivera à mercê daquele mal-estar o dia todo, osci­lando entre sensações de calor e frio, a garganta doía e uma persistente dor de cabeça a perturbava. Havia uma epidemia de gripe rondando a cidade e rezava para não ter contraído o vírus.

Do lugar onde havia estacionado o veículo, ela po­dia divisar a sala de estar. Seu pai estava sentado em uma poltrona, Amélia aninhava-se a ele e Alex acomodava-se sobre os joelhos do avô. David lia uma história para as netas, sendo que os três encontra­vam-se tão absorvidos na leitura que nem sequer notaram a chegada de Olívia.

Enquanto assistia e testemunhava a intimidade entre eles, sentiu o coração se apertar. Nunca, du­rante sua infância, seu pai lera para ela, tampouco incomodara-se em exibir o afeto profundo que agora mostrava às netas.

De repente, Alex soltou uma risada e, quando Da­vid abaixou o rosto para sussurrar algo, Amélia o abraçou, sorridente.

Uma angústia súbita a atingiu. Era um misto de ressentimento e alegria. Ressentimento por si mes­ma e alegria pelas filhas que obviamente adoravam a companhia do avô e recebiam seu amor.

Ninguém sabia quão custoso fora para ela permi­tir que as crianças ficassem com David e quanto ha­via odiado ter de recorrer a ele, mas não podia negar que as meninas estavam exultantes com a nova si­tuação. A cada dia chegavam em casa contando o que tinham feito com o avô. Todas as manhãs, fica­vam ansiosas para ir à casa dele.

Honor já havia se tornado "vovó" para elas, os ros­tos angelicais se iluminavam quando relatavam os momentos que viviam com o casal.

Alex, em particular, estava fascinada pelo padre, que parecia possuir um repertório de histórias para contar, e as'conversas, em geral, giravam em tomo das ervas da vovó e da loja do vovô.

A noite em que entraram no carro, orgulhosas por terem feito um bolo para a mãe, comovera Olívia profundamente.

Amélia e Alex agora brigavam para ver quem sen­taria nos joelhos de David e, quando ele resolveu o problema abraçando ambas as netas, Olívia desviou o olhar.

Jamais o vira tão amoroso e gentil. Seria porque nunca fora uma criança que merecesse ser amada?

Arrasada, tentou apagar o pensamento. Não era o momento de se deixar atormentar por espectros vingativos.

— Por Deus, Livy! — Caspar esbravejara em uma das brigas. — Esqueça o passado e comece a viver o presente.

Esquecer o passado! Como se fosse fácil... Agora sentia-se novamente uma menininha, uma criança carente que observava com inveja a cena doméstica e feliz da qual era excluída.

Quando convenceu-se, dilacerada, de que o cenário apenas incrementava seu sofrimento, alguém bateu à janela do carro.

Sobressaltada, Olívia divisou Honor na calçada, sorrindo para ela.

Como se houvesse sido pega em flagrante, ela abriu a porta do automóvel, aflita.

— Eu estava a caminho de casa quando a vi. Es­tive trabalhando em minha estufa para ter certeza de que as plantas estão protegidas da geada — Ho­nor explicou. — Por que não entra comigo?

Olívia pensou em recusar, mas, por alguma razão, viu-se saindo do carro sem pensar.

A gravidez de Honor começava a aparecer. Era difícil para Olívia assimilar o fato de que o bebê que Honor esperava seria seu meio-irmão ou meia-irmã.

Caspar adoraria ter mais filho, no entanto, ela re­jeitara a idéia. Como poderia criar outra criança se trabalhava o dia todo?

Quando atingiram os fundos da casa, Honor con­vidou-a a entrar rapidamente, pois a temperatura começava a baixar. Diferente da cozinha de sua in­fância, a de Honor inspirava aconchego e calor hu­mano. A sensação causou-lhe certa culpa. Olívia pro­metera a si mesma que as filhas teriam a infância e o estilo de vida que lhe foram negados. Jurou ser uma mãe extremosa e dedicada, uma mãe que cozi­nhasse para elas, em vez de pedir-lhes que tirassem um prato do freezer.

Claro, sabia cozinhar, mas sempre o fazia atenta ao relógio, com os pensamentos voltados ao trabalho, sem a menor disponibilidade para aproveitar o momento.

Honor, ela imaginava, devia adorar cada instante das simples tarefas domésticas, exalando alegria de viver.

— Fui visitar seu avô hoje — Honor contou-lhe, após tirar o casaco. — Ele não está nada bem.

Olívia ficou tensa. Se Honor pretendia passar um sermão a respeito de Ben, ela não queria escutar.

— Ele se tornou inimigo de si mesmo, claro — Honor continuou. — Eu gostaria de poder ajudar Maddy, mas... — Ela parou e fitou Olívia.

Honor havia prometido que não interferiria no re­lacionamento entre David e a filha, contudo tinha algo importante a dizer.

— Infelizmente, David ainda é visto pela família como alguém que não merece confiança. É uma pena porque...

— Há motivos legítimos para ele ser tratado dessa maneira — Olívia rebateu, amarga. — Meu avô ve­nerava meu pai. E ninguém além de Max importava para os dois.

— Sei como se ressente, Olívia — Honor concedeu. — Porém...

Ela calou-se quando a porta da cozinha se abriu, e Amélia entrou, excitada.

— Vovó, tirei A em gramática hoje e... — Amélia calou-se ao ver Olívia e, incerta, olhou para o rosto afetuoso de Honor.

No âmago de seu ser, na parte mais vulnerável, Olívia sentiu que algo se rompia. A dor parecia re­verberar pelo corpo ao constatar que Amélia, sua preciosa e amada filha, encarava a mãe com o mes­mo olhar de hesitação e medo que Olívia, certa vez, havia lançado a Tânia. Vira aquele olhar na filha em outra ocasião, mas não a magoara como agora. Antes que pudesse dizer alguma coisa, Alex e Da­vid entraram na cozinha. Como fosse criança demais para pressentir a tensão entre os adultos, Alex cor­reu para os braços de Olívia.

— Vovô vai pedir a Papai Noel para me trazer um pônei — ela contou à mãe, empolgada.

— Eu disse que tínhamos de perguntar à mamãe primeiro — David explicou-se, depressa.

Um pônei. Olívia fechou os olhos. Lembrava-se de quanto ansiara por um, mas Tânia ficara horrorizada.

— Um cavalo! Oh! não, querida, suas pernas fica­rão tortas. De jeito nenhum.

Enquanto fitava o pai, Livvy divisou remorso e preocupação nos olhos dele, e, de súbito, sentiu um espasmo estremecer-lhe o corpo.

— Você está bem? — Honor perguntou.

— Estou. — A fim de evitar mais perguntas, Olívia virou-se às filhas.:— Peguem suas coisas para irmos embora, meninas.

— Mamãe?

Olívia tremeu ao escutar a voz de Alex. Tinha aca­bado de virar em sua rua e seu corpo inteiro alme­java o calor e o conforto de um longo banho.

— Mamãe, eu queria que papai voltasse para casa. O coração de Olívia se apertou.

— Alex, nós já falamos sobre isso.

— Eu sei. Mas eu e Amélia queremos que ele volte para casa.

Através do espelho retrovisor, Olívia fitou a filha mais velha. Por que tudo mostrava-se mais difícil do que havia planejado? Ela tinha acreditado piamente que a separação poria um fim em seus problemas e removeria a fonte de sua aflição. No entanto...

Sentia-se mais sozinha, mais deprimida e mais as­sustada. Jamais imaginara que o sofrimento pudes­se aumentar daquela maneira.

— Vovô disse... — Alex começou, mas logo calou-se quando Amélia lançou-lhe um olhar severo.

Amélia já havia alertado Alex no sentido de evitar aborrecer a mãe mencionando a conversa que ha­viam tido com o avô.

— Por que não escrevem para o pai de vocês? — ele sugerira às netas, mas Amélia meneou a cabeça.

— Não podemos. Mamãe não vai gostar — ela lhe dissera.-— Além do mais, não sabemos onde ele está.

Entretanto, Amélia havia anotado o número do celular do pai e escondera o papel em sua velha casa de bonecas. Sempre que sentia saudade dele, ela pe­gava o pedaço de papel, desdobrava-o, lia os números e o guardava novamente no mesmo esconderijo.

— Vovô disse o quê? — Olívia indagou.

— Disse que vovó vai ao hospital semana que vem para ver o bebe na barriga — Amélia respondeu, apressada.

Pensativa, Olívia calculou o tempo. Devia ser um exame de rotina para verificar o desenvolvimento do feto. Em idade avançada, a gestação de Honor corria mais riscos que a de uma mulher jovem.

Olívia também se submetera a exames semelhan­tes. Embora fossem normais para o hospital, ela se sentira mais segura por ter Caspar a seu lado nessas ocasiões. E se Olívia vivera ansiedades ainda moça e saudável, Honor devia estar muito nervosa.

Pela primeira vez, colocou-se no lugar da madras­ta. Era óbvio que Honor amava David e acreditava nele. Olívia só esperava que o pai não decepcionasse a esposa, tal qual fizera a todos os familiares.

Com exceção de suas filhas! Um leopardo nunca muda sua essência, lembrou-se enquanto entrava em casa com as meninas. Entretanto, não podia cegar-se para o amor que vira nos olhos do pai quando este fitara as netas.

— Como ela está? — Caspar perguntou, quando, enfim, Molly surgiu na sala de espera do hospital.

Exausta, ela passou a mão nos cabelos, um gesto pessoal que usava sempre que se sentia cansada ou nervosa, como Caspar descobrira. Só de testemunhar o simples movimento queria abraçá-la e consolá-la.

— Está estável. Pelo menos — Molly sacudiu a cabeça — a crise já passou, mas Ginna ainda está no oxigênio e os médicos não sabem o que poderá acontecer a partir de agora. — Impotente, ela des­viou o rosto. — Podem mantê-la viva, mas que qua­lidade de vida minha irmã terá, Caspar?

Caspar permaneceu calado. Para ele era impossí­vel responder à pergunta.

— Eles só terão um prognóstico mais preciso de­pois de realizarem alguns exames a fim de detectar quão profundamente a crise a afetou. Ginna teve uma espécie de parada cerebral. Não sabem por que, tam­pouco podem prever se haverá outra.

Molly respirou fundo.

— Não pretendo sair daqui até saber o que vai acontecer a ela, e a espera pode levar dois ou três dias. Obrigada por me trazer. Obrigada por tudo — ela acrescentou. — Acho melhor nos despedirmos. Vou me hospedar em algum hotel da região.

— Não vou deixá-la sozinha.

Molly o encarou. A atmosfera da sala parecia re­pleta de dor — e amor.

— Não precisa fazer isso — ela sussurrou, conten­do a vontade de chorar.

— Preciso, sim — Caspar a contradisse. — Se qui­ser, vá ficar mais um pouco com Ginna. Vou procurar um hotel e reservar dois quartos para nós.

Dois quartos... Dez minutos depois, Caspar ligou para o número que a recepcionista do hospital lhe dera, contendo a tentação de solicitar somente um quarto.

O hotel ficava a uma pequena distância do hospi­tal. O lugar era relativamente limpo e sossegado àque­la hora da noite. O recepcionista registrou ambos e, em seguida, entregou-lhes as chaves dos quartos.

Desesperado para fazer algo por ela, mesmo que fosse pouco, Caspar oferecera-se para carregar a va­lise de Molly. Contudo, ela declinara, veemente.

Os quartos localizavam-se em lados opostos do cor­redor. Caspar esperou que Molly entrasse no cômodo, antes de se recolher ao dele. Resistia à vontade de atravessar o diminuto espaço que os separava. Seu corpo doía devido à viagem e a ansiedade cau­sava-lhe outro tipo de tensão, muito mais auspiciosa que o cansaço.

Houve um tempo em que Olívia o fizera desejar... Olívia... Irritado, tentou apagar a lembrança. Não havia lugar para ela na nova vida que o forçara a ter.

O olhar de Molly, quando lhe desejara boa-noite, parecia-se com a expressão das filhas nos momentos em que estas se sentiam assustadas. Apesar de ela nada dizer, sabia que Molly temia perder a irmã e apavorava-se ante as perspectivas de sobrevivência da mesma.

A despeito da fadiga, ele não conseguiria dormir. Após despir-se, entrou no banho. Depois de vestir a calça e enxugar os cabelos, escutou uma leve batida à porta.

— Molly!

Pálida e trêmula, ela achava-se parada à soleira da porta, usando um roupão de seda. Muito carinho­samente, Caspar convidou-a a entrar. Molly o fitava como se não soubesse como, ou onde estava, ou por quê.

— O que foi? — ele a encorajou. — O hospital telefonou?

— Não. Eu estava... Eu só queria ficar com você — confessou, e um suave rubor coloriu-lhe as faces.

Quando ela começou a tirar o roupão, Caspar, por um instante, ficou transfigurado demais para se mo­ver. A pele era cremosa, os seios fartos emolduravam mamilos rosados e perfeitos. Então, o roupão tombou no tapete, emitindo um ruído seco.

— Meu celular está no bolso do roupão — ela ex­plicou, seguindo o olhar de Caspar. — Para o caso de o hospital me ligar.

De repente, os lindos lábios começaram a tremer.

— Eu não devia fazer isso. E contra todas as minhas regras e princípios — Molly admitiu. — E tão errado.

— Não é — Caspar corrigiu-a, e avançou um passo para abraçá-la. —Aliás, não consigo pensar em nada mais correto. Tem noção de quanto eu a queria como está agora? — sussurrou, antes de beijá-la.

O desejo manifestou-se em toda sua potência. Des­lizando as mãos pela curva da cintura, Caspar en­laçou a ridícula lingerie de seda que cobria as deli­ciosas nádegas. Então, puxou-a para si, gemendo ao sentir a feminilidade sensual atingi-lo. Explorou os lábios carnudos, como se tencionasse devorá-los. A boca era doce e quente, tal qual imaginava que aque­le corpo seria.

Enquanto se misturavam entre beijos e carícias, Caspar exultou de desejo quando Molly mordiscou-lhe o pescoço, uma fonte inesgotável de prazer para ele. Acariciou a curva dos quadris, da cintura e ateve-se aos seios já intumescidos. Olívia adorava ser acariciada dessa maneira...

Olívia.

Imediatamente, Caspar ficou estático. Choque e desgosto o invadiram. Pôde sentir a própria ereção fenecer, o calor do desejo dissipou-se ante o que ago­ra acontecia. A distância, escutava um barulho. Mol­ly afastava-se dele para pegar o roupão.

Não podia condená-la. Tinha todo o direito de es­tar furiosa com ele e muito mais.

— Meu celular está tocando! — ele a ouviu ex­clamar.

O celular! Então, ela não...

As mãos de Molly tremiam quando levou o telefone ao ouvido. Mais alerta, Caspar ajudou-a a vestir o roupão.

— Era do hospital — ela informou, após finalizar a ligação. — Ginna recobrou a consciência. Preciso ir vê-la, Caspar. Desculpe-me. Eu não..., — Molly o encarou, constrangida.

— Não tem de pedir desculpas — tranquilizou-a, enquanto a acompanhava à porta. O que havia de errado com ele? Como pôde pensar em Olívia quando desejava apenas Molly?

Mas, graças a Deus, Molly não percebera nada.

— Vou com você — Caspar avisou, vestindo a camisa.

Dessa vez, ela não hesitou ou protestou.

— Obrigada.

 

                                                   CAPITULO XIV

Presumo que você não simpatize com a tecnologia moderna? — Sara comentou, zombeteira, quando Nick abriu a por­ta do chalé e viu a pilha de correspondência no chão.

A bem da verdade, o comentário jocoso significava uma tentativa desesperada de se agarrar a algo, qual­quer coisa que camuflasse seu nervosismo e arre­pendimento por repetir a falsa ladainha que a levara até ali. Desejava Nick, no entanto, percebeu que se munira de uma máscara enganosa e reprimira os sentimentos que agora se rebelavam.

Tinha a nítida sensação de que os sentimentos eram coniventes com o conceito de sexo sem envolvimento, e, para piorar, estavam determinados a ver Nick Crighton como tudo que almejavam e não admiti­riam menos. Em suma, as emoções pareciam ter von­tade própria e subjugavam Sara.

— Errado — Nick a contradisse depois de fechar a porta. — Tenho uma assistente que, com freqüência, vem ao chalé para verificar a correspondência. Mas, pelo jeito, faz alguns dias que ela não aparece. Eu não conseguiria trabalhar sem tecnologia. E, nas últimas semanas, meu irmão, Saul, manteve-se tão atento a meus movimentos que seria capaz de me trancar e jogar a chave fora para que eu não rece­besse qualquer fax ou e-mail. Claro que ele o fez para meu próprio bem!

Nick sorriu ao ver a expressão de Sara.

— Não foi tão ruim assim. Como disse Saul, até meu médico me dar alta, correr o risco de eu ser preso em algum país estrangeiro seria uma tremen­da idiotice.

— Isso é comum acontecer? — Sara perguntou.

— Felizmente, não. Contudo, há muita probabi­lidade. As pessoas que contratam meus serviços que­rem que eu livre o cliente de situações extremas. — Ele riu, mostrando a Sara que não exagerava, tam­pouco tencionava impressioná-la. — Em certos paí­ses, há momentos em que a negociação não surte efeito e é preciso criar uma estratégia física de agir para resolver o problema.

O caso da refém, no qual Nick fora solicitado para trabalhar, havia sido resolvido por si só quando a jovem foi libertada.

— Houve situações, felizmente poucas, em que a saúde de meu cliente foi tão prejudicada pelo cárcere que a lentidão das negociações poderia significar sua morte.

Pensativo, ele fitou o espaço.

— Tive um cliente, um rapaz de dezenove anos, que viajou para o Oriente com um colega de facul­dade. Ele não sabia, mas o companheiro carregava uma boa quantidade de drogas para ser entregue a um traficante local, como forma de pagamento de uma dívida. Os dois foram pegos e aprisionados. Am­bos haviam caído em uma armadilha para que o traficante pudesse se safar. O país no qual foram presos condena portadores de drogas à pena de morte. Ele notou que Sara respirava ofegante.

— Os pais de meu cliente estavam desesperados e recorreram a mim como última esperança.

Através do brilho sombrio nos olhos de Nick, Sara pôde deduzir que a história não tivera um final feliz.

— Você não conseguiu ajudá-lo?

— Consegui. Eu o libertei e o traficante foi preso. Mas infelizmente meu cliente foi picado por algum inseto enquanto estava na prisão. A ferida não foi tratada e, como resultado, ele teve uma gangrena séria e sua perna precisou ser amputada.

Quando viu o semblante entristecido de Sara, Nick praguejou.

— Que grosseria a minha. Não queria aborrecê-la. Saul vive me dizendo que estou ficando velho demais para esse tipo de trabalho. Ou melhor, o trabalho está se tornando perigoso para mim. Ele acha que eu deveria optar por algo mais mundano.

— Mas você não quer — Sara supôs ao recuperar o equilíbrio.

— Não. Diferente de Saul, sou do tipo que está sempre à procura de aventuras. Ainda há tanto a fazer no mundo...

Nick a alertava para não se envolver com ele, Sara reconheceu. Queria avisá-la de que não existia futu­ro para ambos. No entanto, ela já sabia disso. Ou não?

— Vou levar sua bagagem para cima — Nick di­zia-lhe. — Se quiser subir comigo, eu lhe mostrarei o chalé.

Com o coração em disparada, Sara o seguiu pela estreita escada que dava acesso a um atraente hall quadrangular. No meio da escada, havia uma enor­me janela para admirar a paisagem.

— Quando o céu está limpo, é possível ver o mar

— ele comentou, ao notar que Sara fitava o cenário através da janela. — Em um dia como hoje, você nem sequer vê a estrada.

— Você mora aqui o ano todo? — ela indagou, curiosa.

— Mais ou menos. Não vivo tão isolado quanto parece. Meus pais moram a uma hora de carro daqui e a propriedade à qual este chalé pertence está logo atrás das colinas. Durante um tempo, pensei em com­prar um apartamento em Chester. Mas tenho tantos parentes vivendo lá que sempre consigo um lugar para me hospedar na região.

No hall, existiam quatro portas fechadas. Nick abriu uma delas, e, cautelosa, Sara entrou no cômodo.

— Este é o quarto de hóspedes — ele informou.

— Aquela porta é do banheiro da suíte. Fique à von­tade. Vou descer e preparar algo para bebermos. Pre­fere chá ou café?

— Café, por favor — Sara respondeu automati­camente.

Depois de colocar a bagagem no chão, Nick repa­rou que ela se espantara com o comentário.

— O que você esperava? — ele riu. — Imaginou que eu a jogaria na cama para me satisfazer o mais rápido possível?

— Não seja ridículo — Sara ralhou, embora sou­besse que estava corada. Rezava para que seu corpo não revelasse o que sentia e queria realmente.

— Temos o final de semana inteiro — Nick continuou, sorrido. — A menos que você queira começar agora...

Recusando-se a responder, Sara virou de costas para ele, mas o escutou gargalhar quando saiu do quarto.

Nick desceu a escada, pensativo. Fora tolo por su­gerir o que havia sugerido. Agora, quanto a concre­tizar a sugestão, trazendo Sara a sua casa...

O motivo pelo qual nunca convidara uma mulher para ir ao chalé não seria o fato de saber que o en­contro acabaria sendo um desastre total? Ah, sim. Entretanto, Nick temia que, ao proporcionar tama­nha intimidade com a mulher em questão, o evento resultasse em tédio e aborrecimentos.

Mas, com Sara...

Com Sara havia fascínio, uma louca curiosidade e o desejo de encontrar alguma falha nela que o fi­zesse fugir para bem longe. Ao invés disso... Mesmo a inesperada timidez e a doce reserva que ela mos­trara no quarto o tinham encantado. E aguçado sua fome?

Na cozinha, ele colocou água para ferver. O ter­mostato indicava que o chalé estava devidamente aquecido. As vezes, Nick preferia a temperatura am­biente, mas, dado o frio que fazia lá fora, não estava disposto a se privar dos confortos da civilização.

No quarto de hóspedes, Sara esquadrinhou o ba­nheiro. Sentia-se empoeirada devido à viagem e ado­raria tomar um banho. Após uma rápida vistoria, descobriu que a porta do banheiro possuía uma cha­ve que garantiria sua privacidade.

Era inexperiente em se tratando de finais de se­mana que visavam apenas sexo, mas tinha de convir que era estranho o homem oferecer à parceira um quarto separado.

Ou seria uma artimanha sutil de Nick, um aviso deliberado para que houvesse somente sexo e nenhu­ma intimidade entre ambos? Mas e quanto às deli­ciosas preliminares?

— Olá! — Nick exclamou, meia hora depois, quan­do Sara adentrou a cozinha. — Creio que o café es­friou. Vou fazer outro.

— Decidi tomar um banho — ela contou-lhe e, en­tão, corou.

Poderia Nick interpretar aquela fala como sendo uma dica do que Sara queria?

Para seu alívio, ele não atinou para o comentário, muito menos tentou transformá-lo em uma insinua­ção sexual.

— Há um ótimo restaurante em St. David's. Eu poderia reservar uma mesa para nós, se você quiser. Ou podemos jantar aqui. Trouxe algum suprimento.

— Para mim, tanto faz — Sara disse, insegura.

— É mesmo? Nesse caso, jantaremos aqui. Um cliente me presenteou com uma caixa de um bom vinho que ainda não experimentei. Filé está bom pa­ra você? Não sou um cozinheiro de mão cheia...

— Filé está ótimo — Sara confirmou.

Nick aproximou-se dela, segurando uma xícara de café.

— Você se tornou muito dócil, de repente — co­mentou ao colocar a xícara na mesa ao lado dela. — Se não a conhecesse, pensaria que está nervosa.

— Nervosa... Claro que não — Sara negou, aflita. Se havia alguma ligação com o banho que tinha acabado de tomar, ela não sabia. Mas a verdade era que, de súbito, sentiu-se quente e muito estimulada pela essência de Nick, pelo poder másculo do corpo e pela sensualidade que começava a mostrar a fas­cinação de ser possuída. Enquanto observava a mão forte segurar a xícara, imaginava como seria senti-la deslizar sobre a própria pele.

— Sara...

Assustada, ela o encarou e arrependeu-se de tê-lo feito ao notar quão próximo ele estava. O coração parecia saltitar em seu peito. Por uma razão desco­nhecida, Sara começou a tremer.

— Você está tão perfumada.

Como Nick conseguiu abraçá-la sem que ela o vis­se se mexer? Apertou-a com tanta força que Sara não teve escolha a não ser colar-se a ele, permitindo que o corpo másculo a envolvesse.

— Tomei banho — murmurou, incoerente.

— Você já me disse — Nick ratificou. — Mas é uma pena. Imaginei que me esperaria para tomar­mos banho juntos.

O coração de Sara agora palpitava tal qual o de uma noviça.

— Não posso... Eu não... — A voz falhou quando ' Nick passou a beijá-la pelo rosto, quase aproximan­do-se dos lábios. Por fim, foi ela quem o capturou e beijou-lhe a boca, ávida.

Seria ele o homem capaz de estimular tamanho prazer em uma mulher, como se o mundo, a vida e o amor pertencessem a um único beijo? A intimidade era tão doce, tão intensa, que o gesto em si parecia conter o corpo e a alma de Sara.

Ao sentir que Nick começava a soltá-la, desespe­rou-se. Sem dizer palavra, ele a guiou para fora da cozinha, em direção à escada.

Após subirem alguns degraus, pararam diante da janela, e Sara o fitou. Sentia:se mergulhar na pro­fundidade do olhar sensual de Nick. Então, sem es­perar, espantou-se quando aqueles mesmos olhos se iluminaram ao encará-la.

— Você tem consciência de que isso é uma total loucura, não?

A voz soava calma, controlada e completamente contraditória à forma com que ele a olhava. Sara ficou confusa demais para articular alguma respos­ta. E, em seguida, não houve mais oportunidade de se manifestar porque eleja a estava beijando. Dessa vez, não precisou segurar-lhe o rosto. Dessa vez, Nick a envolvia de tal forma que impedia qualquer rota de fuga.

Não que ela pretendesse fugir. De jeito nenhum! Que­ria que ele a abraçasse daquela maneira para sempre, que a beijasse com aquele ardor pela eternidade.

Continuaram colados um ao outro, beijando-se em ampla selvageria. Novamente, sem avisar, Nick in­terrompeu o beijo.

— Agora é o momento de me fazer desistir, se qui­ser — ele declarou, solene.

Sara arregalou os olhos. Ele a deixaria retroceder, mesmo estando totalmente excitado?

A sensação de suavidade, causada pela intensa do­çura de saber que ele abriria mão do próprio desejo, derreteu o coração de Sara.

— Não. Não quero desistir, Nick.

Sob os dedos, ele sentiu as faces delicadas corarem. Havia certa inibição, certa sensibilidade a res­peito de Sara que o fazia desejá-la ainda mais.

O profundo silêncio de Nick aumentava o nervo­sismo de Sara. Para escondê-lo, ela virou o rosto, esquecendo-se de que este encontrava-se preso às mãos másculas. O movimento brusco a fez roçar os lábios na pele morena.

Como o simples toque dos dedos de um homem podia fazê-la estremecer daquele jeito?

— Sara...

O modo como ele pronunciou seu nome incitou um leve gemido. Então, Nick cobriu os lábios carnudos com os dele, revelando a intrínseca avidez.

Sara tremia tanto que precisou apoiar-se no corpo viril, enquanto Nick abria a porta do quarto, não o de hóspedes, mas o dele.

Confusa, teve a impressão de divisar uma enorme cama, uma lareira repleta de lenha, uma escrivani­nha sob a janela, uma cadeira e várias cômodas.

Pesadas cortinas pendiam na janela, o tapete sob seus pés parecia ser persa, e sobre a cama jaziam lençóis de linho e um cobertor de lã. O quarto quase inspirava um ar medieval, um misto de erudição e sensualidade. O ambiente parecia tocar sua sensibi­lidade de tal forma que Sara sentiu-se em casa, como se aquele lugar sempre a esperasse.

O abajur ao lado da cama iluminava o cômodo, formando certa penumbra. Em um quarto como aque­le seria possível desvencilhar-se do resto do mundo e da realidade, Sara pressentiu.

Seu corpo voltou a estremecer, reagindo às sensa­ções iminentes.

— Se estiver com frio, posso acender a lareira — Nick ofereceu. — Trabalho aqui às vezes. Por isso, sempre mantenho lenhas 'na lareira.

Sem esperar pela resposta, ele a soltou e ajoelhou-se para acender o fogo. Enquanto o observava, Sara absorvia cada detalhe visual. Após aquela noite, nun­ca mais seria a mesma. Após aquela noite...

Nick se levantava.

— Se fosse num filme ou livro, nossas roupas iriam desaparecer como por encanto. No entanto, já que não é... Você acharia muito antiquado de minha parte, se eu lhe confessasse que desejo despi-la e quero que você faça o mesmo comigo? Sei que segun­do os trâmites modernos cada um tira as próprias roupas.

O som que Sara emitiu foi pouco mais que um murmúrio, mas Nick teve dificuldades de traduzir o significado. Zonza, amparou-se nos ombros largos, enquanto ele, à medida que a despia, beijava cada centímetro da pele exposta. Após desabotoar a blusa, puxou-a devagar, beijou a curva do pescoço e percor­reu o braço delicado, saboreando a pele macia.

Sara ofegava, como se houvesse corrido a marato­na, o corpo fraquejava com um misto de excitação e prazer.

Ao fazer as malas, passara horas refletindo a res­peito de que lingerie deveria levar para a ocasião. Jamais se preocupara com tais futilidades, mas ha­via se rebelado contra o prático sutiã de cor neutra, optando por novos desenhos que modelavam as rou­pas e as curvas do corpo. Enfim, escolhera um lindo conjunto de renda, o qual estimulava seu lado femi­nino, como se ela tentasse ser alguém que não era.

Ironicamente, por causa da atitude de Nick ao che­garem, depois do banho ela excluíra o sutiã. Seus seios eram firmes o suficiente para dispensar o acessório, e, assumindo que o sexo só aconteceria tarde da noite, Sara não se importara com a lingerie rendada.

Entretanto, agora que Nick fitava os seios nus, Sara sentiu-se a mulher mais sedutora, desejável e sensual da face da Terra.

— É evidente que não é fã de topless — ele mur­murou, traçando as linhas pálidas dos seios.

— Eu... — Sara quase desfaleceu quando Nick in­clinou-se e, bem devagar, começou a acariciar um dos mamilos com os lábios.

Desejo... Ondas quentes de desejo iniciaram sua jornada ao longo do corpo de Sara, uma após a outra, revertendo a sanidade e incrementando a urgência. Agarrada aos ombros de Nick, ela arqueou o torso.

No espelho sobre a cômoda, Nick divisou o reflexo de ambos. A cabeça de Sara estava inclinada para trás, o corpo nu, da cintura para cima, cintilava atra­vés das chamas da lareira e ele se ajoelhava diante de sua musa. A pose era tão elementar, tão pagã que parecia agitar a atávica necessidade de um homem.

Nunca, em tempo algum, ele se sentira t^o más­culo, tão dividido entre o desejo de possuir e sua vontade de mostrar ternura para ser vitorioso e tam­bém protetor.

— Não se esqueceu de nada? — perguntou a Sara, de forma brusca, agora afagando os seios com as mãos. — Você devia me despir, lembra-se?

Despi-lo... Sara fechou os olhos.

— Você me distraiu demais — murmurou, na ten­tativa de ser sofisticada e natural como ele.

— Nesse caso, talvez seja melhor eu permanecer parado. O que acha? — Nick sugeriu.

Ela o encarou, um tanto incerta.

— Vamos, Sara. Só o que tem a fazer é abrir al­guns botões. Assim...

Nick segurou as mãos dela, levou-as à camisa e começou a desabotoá-la. Saberia ele que efeito avas­salador tinha sobre Sara?, perguntou-se, completa-mente enfraquecida pela força do desejo.

— Viu como foi fácil? — Nick sussurrou, depois de livrar-se da camisa, e a beijou. — Embora uma certa parte de minha anatomia talvez dificulte as coisas — acrescentou em tom jocoso. — E, se acari­ciar seus seios foi uma distração tão eficiente, acho melhor terminarmos de nos despir, antes de eu lhe mostrar quanto ainda desejo distraí-la.

O corpo de Nick era tudo que Sara havia imagi­nado e muito mais. Oh! muito, mas muito mais. Con­forme o tocava com dedos hesitantes, seus olhos es­cureciam, mostrando quão cativada estava pelo cli­ma sensual.

Ser tocada, beijada e excitada por Nick a ponto de ela gemer devido à intensidade do desejo, imaginá-lo dentro de si depois de ser carregada para a cama, compunham uma experiência tão distinta às fanta­sias mais selvagens que Sara mal podia compreen­der o que sentia..

— Calma... Só vai demorar mais um minuto — Nick murmurou quando se deitou sobre ela na cama e beijou-a novamente.

— Eu o quero desse jeito, Nick... Eu o quero agora.

Incapaz de se conter, Nick correspondeu ao apelo.

— É assim que você quer?

O doce calor da penetração á surpreendeu no iní­cio. Sara prendeu a respiração quando, instantes de­pois, sentiu o próprio corpo suavizar-se para recebê-lo. Fazia anos que não tinha relações.

— Você parece urna virgem — Nick percebeu, ine­briado. — Tão gentil e calorosa...

— Faz algum tempo — Sara sussurrou, tremula. — E além disso...

Ele começou a se mover de modo mais incisivo, fazendo-a chocar-se de prazer.

— Você parece... — Sara se deteve. Que utilidade haveria em compará-lo a seu primeiro e único amor? Aquela magia e a intimidade eram unicamente de­les, ou melhor, dele.

— Pareço o quê? — Nick perguntou, enquanto se regozijava ante a perfeição com a qual seus corpos se encaixavam.

Mas Sara estava longe de conseguir formular qual­quer resposta lúcida. Presa ao início de seu primeiro orgasmo penetrativo, ela apenas o agarrou pelas cos­tas e gritou, estonteada de prazer.

— O médico avisou-me para não alimentar expec­tativas, mas pelo menos ela saiu do coma -— Molly relatou a Caspar, quando adentraram o café abar­rotado de pessoas. — Lamento por ontem à noite — ela se desculpou, gentil.

Caspar fechou os olhos. Era ele quem deveria se desculpar. O que diabos havia acontecido? Primeiro, desejara Molly com tamanha intensidade que senti­ra o corpo doer, em seguida...

Molly parou e, constrangida, brincou com o botão do casaco após sentarem-se à mesa.

— Caspar, não quero pressioná-lo ou tirar conclu­sões precipitadas, mas temos de conversar a respeito de... seu casamento. Você ainda é casado — ela o lembrou —, e envolver-me com um homem casado, mesmo alguém tão atencioso e especial quanto você, não é algo que eu queira fazer.

— Atencioso! — Caspar resmungou.

— Muito atencioso — Molly reforçou e tocou-lhe o braço. — Nem todos os homens teriam sua paciên­cia e compreensão em relação a Ginna. E, mesmo que não soubesse por experiência própria que alguns homens não suportam doenças, só de ouvir meus clien­tes eu já saberia. Oh! não estou dizendo que os ho­mens não ligam para a família. Mas, para vários deles, a realidade de uma moléstia grave é tão apa­vorante que eles fogem do problema ou se recusam a aceitá-lo.

Molly respirou fundo antes de prosseguir.

— Com freqüência, reagem de forma radical por­que temem perder a pessoa que amam, já que a doença tornou-se mais importante que eles. As vezes, sofrem porque acham que deviam proteger a pessoa amada, um instinto masculino muito arraigado, devo dizer. Sei que soa ilógico, mas... — Ela deu de ombros quando Caspar baixou o rosto, em silêncio,

De repente, Caspar lembrou-se da época em que Olívia ficara sabendo que a mãe sofria de uma doen­ça alimentar. Seu rosto se contorcera de dor e choque quando o acusara de não entender. Ele ainda recor­dava a raiva que sentira e o medo de perder Livvy para a família, que ela, por sua vez, dizia não significar nada. No entanto, Caspar fora orgulhoso de­mais para admitir o ciúme e a insegurança.

Não obstante, também agira com extremo orgulho quando, recentemente, sentira ciúme do fato de Olívia preterir as filhas e o marido, priorizando o trabalho.

— Você está fazendo isso para me punir, e não porque deseja ir ao casamento de seu irmão — Livvy esbravejara depois de Caspar anunciar que iria à Filadélfia com ou sem ela. — Sabe que não posso me ausentar no trabalho.

— Estou fazendo isso porque meu irmão vai se casar — Caspar alegara, determinado.

— Volte, Caspar — Molly chamou-o. Ele a fitou, envergonhado.

Sem ver nada, Nick olhou para além das colinas. O vento cortante e gélido arranhava-lhe o rosto, mas ele mal registrava o fato.

Estava claro, a neblina do dia anterior havia se dissipado, revelando um céu limpo, colorido pelo sol. No entanto, Nick não se atinha nem ao sol nem ao frio.

Deixara Sara adormecida na cama que haviam par­tilhado na noite anterior... sua cama. A certa altura, ela murmurara a vontade de retornar ao quarto de hóspedes, mas Nick recusara-se a deixá-la ir, afir­mando que Sara deveria ficar onde estava, em sua cama, em seus braços.

Nick estremeceu quando uma persistente emoção reverberou dentro dele. O que acontecera a ambos na noite anterior fora muito mais denso que o mero sexo casual. O que iria fazer agora? Não havia lugar em sua vida para o tipo de compromisso, o tipo de complicações que Sara lhe traria. Não, ela não se encaixava em seu estilo de vida atual e, ironicamen­te, Nick não poderia viver sem ela. Mas, de alguma maneira, teria de aprender.

Ora, Sara havia deixado claro que a última coisa que queria era um relacionamento permanente com ele.

— Você é um Crighton — ela sussurrara com os olhos marejados, após o primeiro interlúdio amoroso. Nick a abraçara e pedira-lhe que explicasse o porquê daquela implicância.

— Em qual julgamento você confia mais? — ele perguntara, irritado. — No de Tânia, uma mulher que, segundo me contaram, age como se tivesse dois anos de idade, ou no seu?

Obviamente, Nick percebera o erro que havia co­metido antes de ver o brilho furioso nos olhos de Sara.

— Quem disse que discordo da opinião de Tânia? — ela indagara.

— Quer mesmo que eu responda, Sara? E não ouse dizer que o que acabamos de viver juntos é uma ex­periência que você teve com dúzias de homens — ele argumentara. — Nunca vivi nada semelhante em minha vida.

— E por causa disso você deduz que eu também nunca tenha vivido essa experiência? — esbravejara Sara.

Porém, no final, ela não somente admitira que o ato amoroso fora inédito, como também que sua "vas­ta" experiência se resumia a um simples rito de pas­sagem na adolescência.

— Nosso encontro tinha como objetivo livrar-nos dessa ridícula atração que nos enlouquece. — Ela olhara para Nick, ele a fitara e então...

Se a revolta pelo modo como se desejavam era mú­tua, eles, em contrapartida, não conseguiam conter tais desejos. Mas para Nick a união havia ido além da atração física. E quanto a Sara?

Desolado, ele retornou ao chalé.

Pálida de angústia e tristeza, Sara vestiu as rou­pas com as mãos tremulas.

Não precisava se enganar. O que havia vivido na noite anterior e nas primeiras horas daque­la manhã não podia ser descrito como sexo casual. E, acima de tudo, não revelaria a ninguém a verdade sobre os sentimentos que nutria por Nick — e quanto o amava.

Ele deixara claro que não abriria mão da vida de solteiro, o tipo de compromisso que ela almejava não fazia parte de seus planos. E Sara estaria se iludindo caso acreditasse que poderia passar mais tempo com ele sem o risco de confessar o que sentia a cada gesto.

Não. Ela não tinha escolha. Se ficasse no chalé com Nick o final de semana inteiro, poderia chegar ao cú­mulo de perder o autocontrole e o respeito próprio. E, quando se reduzisse a uma patética confusão de emo­ções, suplicaria para que ele encontrasse um lugar pa­ra ela em sua vida. O único jeito de impedir tal insa­nidade seria partir enquanto ainda tinha forças.

Talvez Nick já estivesse preparado para isso, pen­sou, temerosa. A medida que o medo aumentava, Sara apegava-se à decisão de ir embora.

Havia terminado de arrumar a mala quando Nick subiu a escada. Ele trazia uma caneca de chá e tam­bém estava vestido.

— O que está fazendo? — perguntou ao oferecer chá para Sara.

— Preparando-me para partir — ela replicou o mais calmamente possível, aliviada por ter a descul­pa de colocar a caneca sobre a mesa a fim de manter-se de costas para ele.

— Agora? Nós só vamos embora amanhã...

— Correção — Sara o interrompeu. —Eu vou em­bora hoje... Aliás, neste exato minuto. -— Ela respi­rou fundo antes de enfrentar Nick. — Nós consegui­mos realizar o que havíamos combinado.

Nick a fitou, abismado.

— O que quer dizer?

— Viemos aqui para fazer sexo — Sara o lem­brou. — Para esgotar o desejo incontrolável que nos atormentava.

Embora sentisse as faces ruborizadas, ela se man­teve firme na decisão. Não se atreveria a retroceder.

Nick sentiu-se tal qual um náufrago engolido por uma onda gigantesca que lhe causava uma inimagi­nável dor.

Queria acusá-la de estar mentindo e confessar o que ambos sentiam um pelo outro. A desorientada sensação de choque e descrença o invadiu, rouban­do-lhe a capacidade de falar. Tornou-se inseguro, ti­nha medo de extravasar a angústia selvagem diante dela, como alguém mortalmente ferido, coberto de sangue e sofrimento. O que ele vivia era agonia, de­sespero, destruição, descontrole, incontinência...

Notou que Sara pegava a bagagem e se dirigia à escada.

Confusa, Sara, à certa altura, imaginou que Nick a acusaria de mentir. Por um instante fugidio, pen­sou que ele traria à tona os sentimentos. Mas, na realidade, devia estar aliviado por ela poupá-lo da necessidade de lembrá-la dos fatos concretos. Evitou para ambos o constrangimento de ela declarar seu amor e clamar por piedade.

Na noite anterior, Nick fizera questão de dormir abraçado com ela, porém Sara não se iludira. Tra­tara-se apenas de uma típica mania masculina e não significara nada.

Não iria chorar, não agora. Haveria muito tempo para verter lágrimas.

E, no entanto, até entrar no carro e atingir a es­trada, parte dela esperava que Nick fizesse algo para impedi-la de partir, para dissuadi-la a ficar, mesmo que por algumas preciosas horas.

Sara havia partido. Nick olhava, atônito, o chalé vazio. Por que diabos não a impedira? Mas como? Usando a força física? De que forma faria isso? Ainda não conseguia assimilar o que ela dissera.

Tivera tanta certeza... Estava tão convencido de que Sara sentia as mesmas emoções. O que havia de errado com ele? Devia estar radiante, aliviado, na verdade. Agora não existia nada nem ninguém para atrapalhar sua vida. Agora estava livre para fazer o que bem entendesse!

 

                                                   CAPÍTULO XV

E você, vovô? David logo reconheceu a voz de Amélia ao atender o telefone. Eram nove e meia da manhã, e ele e Honor haviam terminado o desjejum quando a neta ligou.

— Sim, querida, sou eu.

— Acho que a mamãe não está boa — Amélia con­tou-lhe com a voz chorosa. — Eu e Alex não conse­guimos acordá-la. Ela não abre os olhos e fica cha­mando papai o tempo todo.

— Não se preocupe, Amélia — David tentou acal­má-la, sem revelar o próprio nervosismo. — Você e Alex já se aprontaram?

— Não — ela respondeu, incerta.

— Então, por que não trocam o pijama e escovam os dentes? Quando terminarem, eu já estarei com vocês.

— O que houve? — Honor perguntou depois que David desligou o telefone.

— Olívia não está bem. — Rapidamente, ele con­tou à esposa o que Amélia havia dito.

— Talvez ela tenha pego o vírus da gripe que anda rondando a cidade — Honor concluiu. — Um dos sintomas é febre alta.

— Disse a Amélia que estaria indo para lá — Da­vid acrescentou.

— Vou com você — Honor prontificou-se. — On­tem mesmo preparei um composto que é ótimo para baixar a febre.

— Acha mesmo que deve ir? — David objetou. — Não quero que pegue esta gripe. Não seria bom nem para você nem para o bebê.

Honor estava prestes a pontuar que o marido cor­ria o mesmo risco de contrair o vírus e, por conseqüência, transmiti-lo a ela, mas se deteve. Talvez aquela fosse a oportunidade ideal para que David e Olívia se reconhecessem como pai e filha.

— Bem, eu prometi a Freddy que o ajudaria a escolher os móveis para sua estufa. Enfim, ele obteve a permissão de celebrar casamentos em Fitzburgh Place, e resolveu decorar aquela estufa imensa para oferecer recepções. Tive várias idéias para transfor­mar o local.

De repente, Honor parou de falar e encarou o marido.

— David, este vírus é particularmente tenaz. Tal­vez você precise chamar um médico para Olívia. Ouvi dizer que muitas pessoas precisaram ser hospitali­zadas por causa dessa gripe.

— Prefere que eu não vá, Honor?

— Certamente que não. Olívia é sua filha. Sei co­mo eu me sentiria se uma de minhas filhas ficasse doente e você tentasse me impedir de vê-la. Não. Você tem de ir, mas não quero que se sinta desleal a minhas "poções", caso seja necessário chamar um médico.

Meia hora depois, quando Amélia abriu a porta para David, ele pôde perceber que ela e Alex haviam chorado.

Ele as abraçou com carinho.

— Agora quero que fiquem aqui em baixo, enquan­to vou ver sua mãe. Assim, se o telefone tocar, uma de vocês poderá atendê-lo — ele improvisou, ao notar que Amélia fez menção de protestar.

As cortinas do quarto de Olívia ainda estavam fe­chadas. O coração de David disparou quando reco­nheceu imediatamente que a filha encontrava-se de­lirante e semiconsciente. Quando tocou-lhe a face sen­tiu-a arder sob a mão, o travesseiro achava-se mo­lhado, e o corpo tremia à medida que ela se mexia sob as cobertas.

Honor tivera razão ao avisá-lo de que talvez pre­cisasse chamar um médico.

A secretária que atendeu ao telefonema de David disse-lhe que levaria horas para o médico chegar à casa de Olívia.

— Há algo que eu possa fazer nesse ínterim? — ele perguntou. — Ela está ardendo em febre. Não pára de delirar e...

— O senhor pode umedecer a pele dela com água fria para fazer a temperatura baixar — a mulher o aconselhou. — E certifique-se de que ela tome bas­tante líquido.

— Dê a ela quatro gotas da poção que lhe dei di­luídas em um copo de água a cada meia hora — Honor o havia orientado, quando David telefonou-lhe para explicar a situação. — A mistura ajudará a diminuir a febre. Enquanto eu escutava o rádio, soube que os hospitais estão atendendo tantos casos de gripe que tiveram de cancelar outros atendimen­tos, menos as cirurgias urgentes.

Mentalmente abençoando Honor por ter insistido que ele levasse a nova fita de vídeo da Disney que ela comprara para dar de Natal às meninas, David certi­ficou-se de que as netas estavam tranqüilas na sala de televisão, antes de voltar ao quarto de Olívia. Am­bas assistiam ao desenho, completamente entretidas.

No cômodo, Olívia achava-se ainda deitada, mas de olhos arregalados.

— Pai — ela murmurou, irritada, quando o viu.

— O que faz aqui?

— As meninas estavam preocupadas com você — ele respondeu, sincero. — E me telefonaram.

— Preocupadas comigo... — Ela começou a tremer e levou a mão ao pescoço. Sua garganta ardia de­mais, a cabeça parecia explodir e, nos instantes em que achava que iria queimar de tanto calor, de re­pente sentia tanto frio que o ar parecia fugir de seus pulmões.

— Está com dor de garganta? — David deduziu.

— Vou preparar-lhe uma bebida quente. Você sem­pre sofria de dores de garganta quando criança. Sua mãe queria tirar suas amídalas, mas...

— Mas você não deixou — Olívia terminou a frase.

— Porque eu teria de faltar na escola por três se­manas e você queria participar de um torneio de gol­fe na mesma época. Sim, eu me lembro.

— Não! — David negou, chocado. — De onde diabos tirou essa idéia? Não quis que você se sujeitasse à operação porque eu a tinha feito e sabia quão penosa era. Pensei que a dor nunca fosse passar e a ausência das amídalas não eliminou as dores de garganta. Eu não admitiria submetê-la a tanto sofrimento. Olívia o encarou, confusa.

— Não é verdade! — exclamou, furiosa. — Mamãe me disse... — Ela se ..calou quando lhe faltou ar.

David correu para despejar no copo um pouco de água da jarra que havia colocado ao lado da cama.

— Que gosto ruim. — Olívia fez uma careta ao beber o líquido, — É tão amargo.

— É uma das poções de Honor — David confessou. — Ela vai ajudar a baixar a febre.

— Febre? Peguei um simples resfriado. Não é na­da de mais — Olívia teimou.

— É uma gripe muito forte, Olívia — David a cor­rigiu, firme. — Já liguei para a clínica e o médico passará aqui mais tarde.

— Você fez o quê? Não tinha o direito. Não o quero aqui... — A voz de Olívia começou a falhar quando a febre retornou.

Sentia-se tão doente que lhe era impossível conti­nuar a falar, quanto mais pensar. Até a réstia de luz que penetrava em seu quarto ardia-lhe os olhos e seu corpo parecia fragmentar-se. Não se lembrava de ter ficado tão mal.

— As meninas... — murmurou, enfraquecida.

— Estão ótimas — David assegurou.

Embora lutasse, Olívia aos poucos perdia a cons­ciência. A respiração tornou-se difícil e arquejante quando ela finalmente entregou-se ao cansaço.

Ela assemelhava-se mais a uma criança desprote­gida que a uma mulher, David concluiu ao observá-la. Comovia-o vê-la tão frágil e vulnerável.

Tão logo certificou-se de que a filha dormia, desceu para ver as netas e preparar algo para comerem.

Quando entrou na sala para chamá-las, Amélia o encarou, séria.

— Vovô, a vovó saber fazer feitiços mágicos como Harry Potter?

David sorriu. Ele lia o livro para as meninas todas as tardes, depois da escola.

— Vovó mexe com plantas medicinais — tentou explicar.

— É o mesmo que ser uma bruxa? — Alex e Amélia perguntaram juntas.

— Quero que ela seja uma bruxa — Alex prosse­guiu, animada. — Porque, se vovó for uma bruxa, ela poderá...

— Fique quieta — Amélia ordenou, mas Alex re­cusou-se a obedecer.

Pensativo, David observou o olhar ansioso de Amé­lia e a atitude beligerante de Alex.

— Ela poderá o quê? — ele encorajou-as.

Ignorando a agitação da irmã, Alex prontificou-se a responder.

— Ela poderá fazer uma mágica poderosa para nosso pai voltar.

David não sabia se ria ou se chorava. Por fim, concluiu que lágrimas não resolveriam a questão.

— Vocês sentem muita falta dele, não? — indagou, sentando-se com as netas.

Ambas o fitaram com olhar triste e assentiram.

De qualquer forma, não havia necessidade de te­rem respondido à pergunta. Era visível que as duas morriam de saudade do pai. Não conhecia Caspar, seu genro, mas, de acordo com que escutara, David supunha que Caspar era considerado pela família um pai bom e amoroso.

— Ele e Olívia estavam tão apaixonados — Jon lhe dissera, meneando a cabeça, inconformado. — Nunca imaginei que poderiam se separar.

O médico chegou no final daquela tarde, parecen­do exausto e preocupado.

— Sim, ela contraiu o vírus — o especialista con­firmou.

— Olívia também está com muita dor de garganta — David informou-lhe.

— Terei de prescrever uma medicação para isso — o médico avisou. — Ela precisará permanecer na cama por três ou quatro dias. Se fosse uma mulher mais idosa, eu sugeriria interná-la no hospital, em­bora não haja vaga atualmente. Mas é jovem e po­derá se recuperar com o tratamento adequado. Esse vírus se espalhou feito uma praga. Parece não haver uma residência na cidade que não abrigue um en­fermo. Se alguém estiver disponível para cuidar de­la... o marido, talvez.

— Sou o pai dela. Ficarei aqui até que ela se re­cupere — David prontificou-se.

Por fim, o regime que o médico prescrevera era muito semelhante ao que Honor havia recomenda­do. David, então, ligou para ela e relatou as últimas novidades.

— Preciso ficar aqui esta noite. Não posso deixá-la sozinha.

— Claro, David — Honor aceitou na hora. — Aliás, eu ficaria muito brava com você se não o fizesse.

— O médico disse que a gripe pode demorar uns três ou quatro dias para sanar — David acrescentou. — E sua consulta pré-natal está próxima.

Honor respirou fundo. Não havia confessado ao marido que temia o exame de ultra-som, caso este revelasse alguma anormalidade no desenvolvimento do bebê que ela gerava. Por mais que tentasse se convencer de que o feto era saudável, sua idade e os riscos que corria a apavoravam.

Era evidente que queria David a seu lado na hora da consulta, apesar de saber que a presença do ma­rido não faria a menor diferença durante o procedi­mento e que os resultados levariam alguns dias para chegar. Mas Livvy também era filha de David e ago­ra precisava do pai.

Quando teve certeza de que as emoções e a voz estavam completamente controladas, ela voltou a fa­lar o mais confiante possível.

— Não se preocupe com isso. Concentre-se em Liv­vy. É ela quem precisa de você, David.

— Tem certeza, Honor? Devo confessar que não me sentirei tranqüilo, caso precise deixá-la.

— Tenho certeza absoluta — Honor replicou, odi­ando-se por mentir. — Fique o tempo que for neces­sário com Livvy.

— Sara, minha querida. Que surpresa agradável!

Ela sorriu para o avô. Francês não ficara espan­tada quando Sara lhe dissera que teria de partir, tampouco mostrara indignação ou revolta ao saber quem era Sara e o que a levara a aceitar o emprego.

— Eu devia ter contado tudo para você desde o início — Sara admitira. — Mas foi muito difícil.

— Eu entendo perfeitamente — Francês a confortara. — Conflitos de lealdade sempre existirão. Mas lamentamos perdê-la, Sara.

— Preciso ir — Foi tudo que Sara pôde dizer.

Tânia reclamava porque a visita inesperada de Sa­ra os atrasava para o jantar que haviam marcado com amigos. Enquanto testemunhava as tentativas do avô de aplacar a esposa, Sara, pela primeira vez, percebeu por que seu pai não era fã da segunda mu­lher do sogro.

— Está tudo bem. Não pretendo ficar. — Sara for­çou um sorriso a Tânia. — É uma visita rápida. Vou me encontrar com papai e mamãe no Caribe.

— Oh! você é uma garota de sorte — Tânia ex­clamou, invejosa. — Eu gostaria de ter sua idade, Sara querida. Seu pai é tão privilegiado por ter ad­quirido um apartamento em um local tão abastado. Todos aqueles homens milionários... Se jogar direi­to, estou certa de que você acabará fazendo um ótimo casamento.

Sara fechou os olhos para conter o mal-estar que o comentário de Tânia havia suscitado. Só de pensar em qualquer homem que não fosse Nick ocupando sua cama, sentia-se arrepiar de horror. Seu coração sofria de tal forma que quase a obrigava a gritar para o mundo que nunca se casaria com outro.

Sabia que seus pais eram contra sua vontade de trabalhar para uma instituição de auxílio aos neces­sitados.

— Irá arruinar seu espírito — o pai alegara, vee­mente. — Acredite-me, Sara, você é sensível demais. Mesmo que consiga suportar algum tipo de moléstia terminal, ainda assim estará sujeita ao trauma emo­cional que essa carreira pode proporcionar.

No entanto, ela tinha de fazer alguma coisa para esquecer a dor que a dilacerava, e a única saída que podia encontrar era engajar-se no pior e mais insa­lubre trabalho que poderia existir.

O motivo de estar voando para o Caribe não era simplesmente persuadir os pais a aceitar seus pla­nos. Se permanecesse em casa, no mínimo, sucum­biria à tentação de contatar Nick. Imploraria, supli­caria de joelhos para que ele a tomasse nos braços e a levasse de volta a sua cama...

— Jenny, é você?

— Caspar. — Jenny, por um instante, perdeu a fala ao escutar a voz do marido de Olívia. Por que telefonava para ela?

— Estou ligando para saber como vão as meninas e Livy —"Caspar explicou-se, antes de Jenny per­guntar.

— Estão bem, pelo que sei — Jenny respondeu, cautelosa, e acrescentou: — Por que não telefona pa­ra Olívia, Caspar?

— Não — ele rebateu de pronto. — E, Jenny, não conte a Livy que telefonei, por favor. Não quero que ela pense que estou...

— Preocupado com ela? — Jenny completou, gentil.

— Interferindo em sua vida — Caspar a corrigiu." — Tenho de desligar agora — ele apressou-se e in­terrompeu a ligação antes que Jenny dissesse algo mais.

— Quem era? — Jon perguntou, ao entrar na co­zinha quando Jenny recolocava o telefone no gancho.

— Caspar. Ele ligou para saber se Livy e as me­ninas estão bem.

— E mesmo? Fico triste só de pensar naqueles dois. — Jon meneou a cabeça, inconformado, e apro­ximou-se da esposa. — Temos tanta sorte em nosso casamento, Jenny. Ou melhor, eu tenho sorte por estar com você. Detesto imaginar o que seria de mi­nha vida, caso não fôssemos casados.

De súbito, Jenny começou a chorar.

— O que foi, querida?

— Não sei — ela admitiu. — Tudo pareceu des­moronar nos últimos dias que passei a ter medo de... — Ela calou-se.

— Passou a ter medo de quê, Jenny?

— Desde que David voltou sinto que você prefere estar com ele a ficar comigo.

Enfim, Jenny confessava o medo que tanto a atormentara.

— Como pôde pensar nisso? — Jon indagou, in­crédulo.

— Ora, David é seu irmão gêmeo — Jenny ar­gumentou.

— E você é minha mulher, meu amor, minha me­lhor amiga, minha alma gêmea — Jon listou, emo­cionado. — Sim, eu amo David. Estou feliz que ele tenha voltado e aprecio que estejamos redescobrindo nossa relação tão estreita. Porém, o que sinto por meu irmão não chega aos pés do que sinto por você. Nosso amor e nossa vida juntos significam muito pa­ra mim, Jenny. E minha esposa e sem você...

Ele se deteve, indignado.

— Sabia que havia algo errado, mas pensei que estivesse preocupada com Maddy.

— E estava — Jenny admitiu. — Senti-me tão idiota por ter ciúme a essa altura de minha vida,

Jon. Comecei a pensar que talvez você tivesse inveja de David. Ele se casou novamente e agora terá outro filho.

Em outras circunstâncias, o semblante perplexo de Jon a faria rir.

— Inveja de David? Eu? Que absurdo, Jenny. Na verdade, às vezes sinto pena de meu irmão. Sei que ele ama Honor, vejo como estão felizes juntos e estou radiante porque vão ter outro filho, mas eu e você realizamos tudo isso, partilhamos essas experiências.

Jon soltou um suspiro profundo.

— Agradeço a Deus por nunca termos passado pe­la culpa que a relação entre David e Olívia está cau­sando a ele. Sei que não vou sofrer como meu irmão está sofrendo. Você é a dádiva mais preciosa que um homem pode receber, Jenny... Você e nossos filhos.

Uma declaração tão comovente, vinda de um ho­mem que, em geral, mostrava-se reticente quanto a revelar os sentimentos, transmitiu a Jenny a vera­cidade das palavras.

— Fui tão ridícula — ela murmurou, arrependida.

— Não. Eu fui o ridículo dessa história por não perceber o que você sentia. Mas agora que sei, pre­tendo apagar todas a dúvidas que a atormentaram.

— Jon — Jenny protestou, ofegante, quando ele a tomou nos braços e beijou ardentemente. Mas o pro­testo foi ínfimo diante da impossibilidade de ignorar o que o marido demonstrava.

David acordou, sobressaltado, e, em um gesto au­tomático, virou-se para abraçar Honor. Contudo, ela não estava lá, fato que o fez lembrar-se de que se encontrava na casa de Olívia, dormindo no quarto de hóspedes.

Sonolento, verificou o relógio. Era quatro horas da manhã. Achou estranho escutar um ruído repentino na casa silenciosa. Alguém estava chorando.

Jogando as cobertas de lado, ele se levantou e cor­reu à porta. O choro vinha do quarto de Olívia. Afli­to, atravessou o corredor e entrou no cômodo escuro.

O sono de Olívia estava agitado, ela murmurava enquanto se mexia e virava na cama. Ansioso, David debruçou-se sobre ela. Mesmo antes de tocá-la, pôde perceber que a filha ardia em febre. Livy, então, começou a tossir, um som tão rouco que ele sentiu o peito se apertar de preocupação.

Os olhos de David queimavam devido às lágrimas que não havia derramado durante o crescimento da filha, quando estivera ausente e alheio às necessi­dades de Olívia.

Uma das mãos de Livy jazia sobre as cobertas. Muito delicadamente David envolveu-a entre as suas. A despeito da febre, a mãe estava fria. Carinhoso, começou a massageá-la. Como conseguira ser tão fa­lho como pai? Como cegara-se para a singularidade dos filhos, sem conscientizar-se de quão especial eram e tampouco notar a magnitude do amor de uma crian­ça pelos pais? Um filho era, quase literalmente, uma dádiva de amor.

E Olívia era sua filha, assim como Jack... e como seu filho que ainda iria nascer seria. Cada um pos­suía a própria unicidade e era amado por ele também de forma única. Havia causado tanto sofrimento a Olívia, tantas mágoas...

Seriam os danos irreparáveis? David rezava para que não fossem.

Olívia passou a relaxar quando o pesadelo come­çou a fenecer e dar lugar a um sonho muito mais alegre. Estava com Caspar. Eles caminhavam de mãos dadas, e só de estar ao lado dele sentia-se plena de amor e felicidade.

— Caspar...

David franziu o cenho ao escutar Olívia dizer o nome do marido. Ela sorria e sua agitação tinha pas­sado. Ele até pensou que a temperatura houvesse baixado.

— Caspar.

Notou que ela apertava sua mão sempre que re­petia o nome do marido em um tom terno, um suave suspiro que revelava a David como a filha se sentia. De súbito, Olívia abriu os olhos, fitou o pai e, ao perceber que não era Caspar, a expressão tornou-se sombria.

— É você — disse, desapontada, e tentou remover a mão, virando o rosto.

Olívia sentia o calor das lágrimas que furiosamen­te tentava suprimir. O significativo contraste entre o sonho e a realidade era doído demais para conse­guir suportá-lo. O que aquele sonho quisera lhe mos­trar? Que Caspar era mais importante para ela do que se permitia admitir?

Irritada, moveu a cabeça no travesseiro.

Mas o casamento tinha terminado, não haveria volta. Ambos sabiam disso.

— A última vez em que fiquei à cabeceira de sua cama, você tinha seis anos e estava com catapora — David comentou, emocionado. Olívia ficou tensa.

— Sim, tive catapora com seis anos. Mas você não estava comigo.

— Estava, sim, Olívia — David retificou, calmo.

— Você viajou com vovô para não sei onde — ela insistiu.

— Mas voltei. Jon me telefonou e disse... — Ele calou-se.

— Tio Jon lhe disse o quê?

— Disse que você chorava muito e me chamava.

— Eu chamava você? — As faces de Olívia torna­ram-se vermelhas de raiva. — Mesmo aos seis anos, eu já era esperta. No que lhe dizia respeito, eu era barulhenta e não possuía o sexo certo... Você nunca me amou, jamais me quis.

David ficou agoniado. Muito do que ela afirmava era verdade. Se ao menos pudesse encontrar um jeito de se aproximar dela...

Sobre a mesa de cabeceira, ele divisou a foto de Caspar carregando Alex, um bebe lindo, com Amélia sentada em seu colo.

— Ainda me lembro da noite em que você nasceu — David contou à filha. — Sua mãe... — Seus olhos ficaram anuviados.

Tiggy ficara furiosa porque haviam se mudado pa­ra Cheshire e, por um motivo nada lógico, respon­sabilizara o bebê que carregava. No dia do parto, ela recusara-se a aceitar que a dor que vinha sentindo era Olívia que estava prestes a nascer. Naquela noi­te, porém, tinham planejado jantar com outro casal, um rico financeiro e sua esposa, que pertencia à alta sociedade de Cheshire. Tiggy alegara a importância de comparecer ao evento.

No final, precisaram faltar ao jantar. A bolsa rom­pera e ela fora forçada a admitir que seria impossível sentar-se à mesa do restaurante, como se nada hou­vesse acontecido.

— Droga de bebê! — Tiggy perdera a paciência.

— É tudo culpa sua, David Crighton.

Ela havia proibido o marido de permanecer na sala de parto, e David ainda se recordava da longa espera até, enfim, ser informado de que Olívia nascera.

— Ela está um pouco sem cor — o obstetra dissera a David. — Mamãe parecia relutante em dar à luz.

— Ele rira como se o fato fosse motivo de piada, mas David chocara-se ao ver o rostinho pálido de Olívia.

Quisera acalentá-la, no entanto a enfermeira do berçário o impedira, fazendo-o sentir-se uma presen­ça intrusiva.

— Tiggy o quê? — A voz de Olívia interrompeu-lhe o devaneio. — Tiggy também não me queria? Sei que fui um acidente de percurso. Surpreende-me o fato de você não ter sugerido um aborto.

Ao ver o brilho indignado nos olhos de David, Olí­via enrijeceu.

— O que foi? — ela o desafiou. — Chegou a pensar em aborto?

— Não — David negou, triste por escutar aquela acusação, por ter noção de como ela se sentira a vida toda. — Nenhum de nós considerou essa possibili­dade, Olívia. Nunca.

— Mas quando nasci você não me quis, não me amava!

Era uma afirmação, não uma pergunta.

Incapaz de explicar o que sentira, David meneou a cabeça.

— Não fui um bom pai para você, Livy, e por isso... — David respirou fundo. — Por isso, jamais aliviarei minha culpa. Mas é minha filha e sempre foi muito preciosa para mim.

Enquanto ela o encarava, David prendeu a respi­ração. Olívia não sabia o que pensar. De alguma ma­neira, conversar com ele havia modificado o foco de seus sentimentos. Não podia dizer que o perdoava ou que o entendia. Contudo, o amargor e a sensação de dor haviam diminuído, desatando as amarras das emoções. Percebia que era capaz de olhar o passado de forma mais gentil e leve.

— O amor nem sempre se manifesta do jeito que esperamos — David argumentava, devagar. — As meninas sentem saudade do pai — revelou quase abruptamente. — Você ainda o ama, Livy?

Livy. Pela primeira vez, desde que se tornara adul­ta, Olívia não se afogou naquela familiar onda de ressentimento quando o pai a chamava pelo apelido de infância.

— Não... Não sei... Sim — ela balbuciou e as lá­grimas voltaram a brotar. — Mas não estava dando certo. Caspar não me entendia. Sempre me acusava de estar mais ligada ao passado, a você e ao vovô. Dizia que eu não me importava com ele e as meni­nas. Não é verdade.

Por um instante, Olívia fechou os olhos, cansada.

— Eu queria que ele entendesse, que me ajudasse e não me criticasse. — Livy desviou o olhar, mas, lentamente, descobriu que estava desabafando, re­velando ao pai os problemas do casamento, seus temores, sua dor, e tudo isso lhe pareceu a atitude mais natural do mundo.

Um pouco antes da aurora, ela adormeceu, exau­rida. David inclinou-se e beijou o rosto da filha.

O amor que sentia por ela acelerava-lhe o coração. E, como pai, tinha necessidade de consertar o mundo para ela.

Caspar encontrava-se a um telefonema de distân­cia. Sem sombra de dúvida, como marido, tinha o direito de saber que ela estava doente, que as filhas precisavam dele. E quanto ao fato de Olívia ainda o querer?

Essa, David ponderou, era uma decisão que pode­ria tomar tão logo falasse com o genro.

Sempre metódica, Olívia anotara o número do ce­lular de Caspar na agenda telefônica. David certifi­cou-se de que ela dormia profundamente antes de fazer a ligação.

Caspar assustou-se quando o celular começou a tocar. Já era tarde da noite, e Molly dormia no pró­prio quarto.

Ao ver o número de sua casa piscando no visor do celular, o sentimento foi tão intenso e agudo que o pegou de surpresa. Porém, quando escutou a voz desconhecida de um homem, a sensação emotiva evaporou.

— É Caspar?

— Sim — ele respondeu com certa hostilidade.

— Sou David Crighton, o pai de Olívia.

O pai de Olívia! Caspar sentiu-se relaxar um pou­co, mas voltou a ficar tenso quando David continuou.

— Achei melhor entrar em contato com você para lhe dizer que Olívia não está muito bem.

O pavor de escutar a notícia tão cedo, após ter conversado com Jenny, deixou Caspar ansioso.

— O que houve com ela? — perguntou e, por um momento, o impensável o apavorou. — Foi um aci­dente? Livvy...

— Não foi nada disso — David apressou-se em dizer. — Ela contraiu uma gripe virótica e o médico decretou que Livvy deve ficar de cama por alguns dias.

— Ficar de cama... Olívia! — A voz de Caspar transmitia certo espanto e cinismo, já que alguém conseguira obrigar Olívia a deixar o trabalho.

David sorriu.

— Bem, ela não gostou da idéia. Mas, para ser sincero, não foi difícil forçá-la a repousar. Olívia fica a maior parte do tempo inconsciente, embora a pior fase da febre já tenha passado.

Enquanto ouvia o relato de David, Caspar viu-se mergulhado em emoções conflitantes. O fato de Olí­via estar doente o bastante para permanecer de ca­ma o aborrecia mais do que podia imaginar. Para não examinar de perto o sentimento, ele perguntou ao sogro:

— E as meninas?

Nem o nascimento das filhas mantivera Livy na cama por mais de vinte e quatro horas.

— Suponho que estejam com Jenny e Jon — Cas­par respondeu à própria pergunta.

— Na verdade, elas estão em casa comigo. E não param de perguntar de você, Caspar. Sentem sua falta — David contou-lhe, antes de prosseguir: — Eu me mudei para cá a fim de cuidar de Olívia.

— Livy deixou você se instalar em casa? — Mais uma vez, Caspar revelou o espanto.

— Bem, ela não teve alternativa — David confes­sou. — Não havia ninguém mais — ele acrescentou, aproveitando o ensejo. — Maddy passou muito mal e precisou do auxílio de Jenny. Portanto, Livy não tinha a quem recorrer.

David sabia que estava sendo injusto e percebeu, através do silêncio que se seguiu, que havia atingido o alvo.

— Como ela está? — Caspar perguntou, de repente.

O cenário que David lhe descrevia era tão antagônico a Olívia que ele sentia a ansiedade aumentar a cada palavra.

— Se os leitos do hospital não estivessem cheios... — David explicava.

— Hospital! — A doença de Olívia era tão grave a ponto de requerer internação? — Por que esperou tanto tempo para me telefonar? — Caspar explodiu.

— Talvez porque eu precisasse ter certeza de que Livy o queria — David respondeu.

Caspar fitou a parede do quarto, incrédulo.

— Livy pediu para você me telefonar?

— E o marido dela, Caspar, o pai das meninas. É tão surpreendente assim saber que ela precisa de você? — David pontuou.

Em geral, a inteligência aguçada de Caspar en­contrava-se subordinada às emoções, logo ele não per­cebeu que David respondera de maneira evasiva.

Livy o queria. Livy precisava dele!

— Estou no meio do nada no momento — Caspar disse a David. — Mas pegarei o primeiro vôo inter­nacional que puder conseguir. E, David...

Era estranho dirigir-se ao sogro pelo primeiro nome, mas David estava aliviado demais para se importar.

— Sim? — Ele, enfim, sentiu a tensão se dissipar. Olívia jamais o perdoaria por ter manipulado o genro e interferido em sua vida. Porém, se não o fizesse, nunca perdoaria a si mesmo. Livy era sua filha e a felicidade desta era de fundamental importância para David. Muito mais importante do que Livy podia imaginar.

— Obrigado — Caspar agradeceu, por fim.

Quando desligou o celular, ele fitou a porta do quar­to. Do outro lado estava Molly. Fazia apenas algu­mas horas que ela manifestara a relevância de con­versarem sobre o casamento e Caspar...

Fechou os olhos e alongou os ombros a fim de eli­minar a tensão. Não podia partir sem explicar-se, e tampouco queria deixá-la sem se despedir.

Quando abriu a porta do quarto após ouvi-lo bater, Molly estava tão linda que Caspar teve de se con­trolar para não tomá-la nos braços. Seria possível um homem amar duas mulheres?

— Posso entrar? Preciso conversar com você. Molly soube na hora que o assunto da conversa envolvia a esposa de Caspar. Para que ele não visse o medo em seus olhos, ela se virou. Conhecia-o tão pouco e sempre estivera ciente de que o casamento ainda vigorava, embora Caspar tentasse negar.

— Olívia está doente — ele começou. — Tenho de voltar para casa... as meninas, minhas filhas, têm perguntado por mim — acrescentou, sem coragem de fitá-la.

Enquanto o ouvia, uma sensação de perda a inva­diu. Mas Molly recusava-se a sucumbir. Afinal, não sabia que aquela despedida estava fadada a aconte­cer? Não percebia que, pelo modo com que pronun­ciava o nome da esposa, ele ainda amava sua Olívia, por mais que insistisse em dizer o contrário?

Recorrendo à coragem e ao profissionalismo, Molly tocou-lhe o braço.

— Está fazendo o que é certo — ela garantiu. — Um casamento tão bom quanto o seu merece uma segunda chance,

— Como sabe? — Caspar perguntou, intrigado. No fundo, sentiu-se aliviado e grato por ela não conde­ná-lo ou dificultar a situação. Mas havia também uma certa tristeza e culpa.

— Apenas sei. — Molly sorriu.

Observando-o partir, ela continuou a sorrir. En­tretanto, em voz baixa, tal qual uma prece, advertia Olívia:

— Dessa vez, vou deixá-lo voltar para você. Mas se cometer a tolice de perdê-lo de novo, não serei tão generosa da próxima vez.

 

                                         CAPITULO XVI

Você parece contente com a vida esta manhã — Maddy disse à sogra, quando Jenny foi visitá-la a fim de saber se a nora precisava de algo.

— É verdade. — Jenny corou ao se lembrar do jeito doce e passional com que Jon demonstrara seu amor por ela. — E você me parece muito disposta — comentou, sorrindo para Maddy.

— Sinto-me ótima. No entanto, Max me preocupa. Ele não anda dormindo bem e está agitado.

— Talvez ele esteja apreensivo em relação às ameaças do avô de modificar o testamento — Jenny sugeriu.

— Não creio que seja essa a razão — Maddy ne­gou. — Temos de viver nesta casa, claro, mas ao final do dia, nós nos comportamos como dois conhe­cidos, não como um casal.

O tom ansioso da voz de Maddy começou a pertur­bar Jenny. O obstetra fora absolutamente claro ao prescrever repouso para ela, e Max organizara a vida de ambos de tal forma que nada e ninguém poderiam causar à esposa o menor grau de preocupação.

— Já perguntou a Max o que o incomoda? — Jenny inquiriu.

— Tentei diversas vezes. E Max insiste em dizer que não há nada de errado. Mas sei que há, Jenny. Ele tem tido pesadelos terríveis noite após noite e parecem estar piorando. Contudo, ele não discute os sonhos comigo. — Maddy deteve-se, incerta quanto a expor mais detalhadamente que Max se distancia­va dela também.

— Ele passou por um período muito estressante — Jenny ponderou. — Nunca o vi tão transtornado como nos dias em que ficou no hospital, Maddy. Foi um alívio saber que sua pressão sanguínea vol­tou ao normal, mas para Max o tempo de espera foi insuportável, especialmente... — Jenny calou-se, arrependida.

— Especialmente o quê, Jenny? — Maddy pres­sionou-a.

Jenny suspirou. Devia ter ficado quieta, porém o filho' mostrava-se alterado demais e ela tinha de ter­minar o que havia começado a dizer.

— Max teve medo de perdê-la, Maddy. O médico explicou-lhe o que poderia acontecer a você e ao bebe na pior das hipóteses, caso não respondesse ao tratamento.

Jenny respirou fundo antes de citar a pior parte do problema.

— Max me disse que não suportaria perdê-la e, se a decisão dependesse dele, teria instruído o mé­dico para interromper a gravidez a fim de salvar sua vida, Maddy.

Ao escutar a exclamação da nora, Jenny aproxi­mou-se, gentil.

— Max a ama profundamente, querida, e estamos nos referindo a uma situação na qual ele temia que, se não respondesse ao tratamento, sua vida e a do bebe estariam correndo um grave risco. No entanto, o médico alegara que você teria de ser consultada antes de qualquer providência. Max, no fundo, que­ria tomar a decisão sozinho para poupá-la.

Quando Jenny viu a expressão angustiada de Mad­dy sentiu-se culpada.

— Lamento, Maddy. Não devia ter dito nada.

— Não, Jenny. Ainda bem que me contou tudo. Eu não sabia de nada. O Dr. Lewis nunca disse...

Nem Max!

Maddy sentiu um arrepio gélido e tocou o ventre em um gesto protetor. A possibilidade de alguém, ou qualquer coisa, ameaçar ferir seu bebê estimulava seu instinto materno com toda a fúria.

Meia hora depois que Jenny saiu com a lista de compras — embora Maddy estivesse recuperada, Max insistira para que não cometesse excessos — ela di­rigiu-se ao estúdio do marido.

Quando ele a viu entrar, os olhos que outrora bri­lhavam de prazer agora pareciam sombrios de cautela.

— Sua mãe acabou de sair — Maddy informou. Caminhando até a janela e permanecendo de cos­tas para Max, ela prosseguiu:

— Eu contei a ela quanto estou preocupada com

você.

— Para quê? Já lhe disse que estou ótimo, Maddy.

Era estranho o que a consciência de algum fato po­dia causar. Agora, sob a superfície irritada da voz do marido, ela pôde ouvir o tom das emoções turbulentas.

— Não está, não, Max. Por que tudo estaria ótimo se... — Maddy o encarou com os olhos cintilantes de raiva e dor. — Jenny me falou o que poderia ter ocorrido a nosso bebê. — Ela jamais conseguiria pro­nunciar a palavra que trazia tanta angústia e sofri­mento a seu coração.

— O quê?!

No mesmo instante, percebeu que Max entendera o que Maddy tentava dizer.

— Ela não tinha o direito — Max esbravejou, ira­do. — Não havia necessidade...

— Não havia necessidade? Você preferia minha vida à do nosso filho e vem me dizer que não havia necessidade de eu saber?

— Maddy, por favor, tente entender — Max su­plicou, desesperado.

Levantou-se e fez menção de se aproximar, mas Maddy recuou, ignorando a mão que ele lhe estendia.

— Eu não agüentaria pensar na possibilidade de perdê-la, mesmo que tivesse... — Agora foi ele quem não suportou encará-la, e virou-se, sufocado pelos sentimentos.

— Mesmo que tivesse o quê, Max? — Maddy exigiu saber.

— Mesmo que eu tivesse de sacrificar nosso filho para salvar sua vida, Maddy — Max confessou. — As crianças que já temos precisam de você e eu... Eu não conseguiria viver sem você.

Max passou a mão entre os cabelos, angustiado.

— Acha que tem sido fácil para mim? — pergun­tou. — Acha que não sofri, que não me amaldiçoei centenas de vezes, que não me odiei? Nos piores mo­mentos, imaginei... — Ele calou-se, incapaz de reve­lar a verdade contida nos pesadelos assombrosos.

Max fechou os olhos. Se já admitira tanto, teria de continuar sem vacilar.

— Para ser franco, Maddy, se eu tivesse de passar por isso de novo, ainda assim faria a mesma escolha. Pensei que eu fosse forte, mas não sou. Sou egoísta e fraco. Você é minha vida, Maddy.

— Não diga mais nada — ela implorou.

Max esperou, lutando contra a possibilidade de ela abandoná-lo, por saber que havia destruído o amor que partilhavam. Mas, para seu espanto, Maddy ca­minhava em sua direção. Quando ergueu a mão para tocar-lhe o rosto, os olhos se iluminaram de emoção.

Atemorizava-a saber que ele havia suportado tan­to sofrimento sem queixar-se uma só vez. Tinha cer­teza de que Max amava a própria família, contudo a crua intensidade das emoções que testemunhou tornaram-se uma revelação para ela.

— Não suporto a idéia de que quis assassinar nos­so filho — ele continuou, emocionado. — Não vou recriminá-la, caso passe a me odiar por isso, Maddy.

— Não odeio você — ela alegou, carinhosa. — E, Max, não era nosso filho que você queria destruir, era a mim que queria salvar!

Enquanto o observava, Maddy reparou que não o tinha convencido ainda.

— Cheguei a pensar... — Max murmurou e cobriu o rosto com as mãos. — Desejei que essa criança nunca tivesse sido concebida. — Ele respirou fundo. — E ago­ra estou atormentado, Maddy, porque nosso filho, quando nascer, irá me odiar por eu tê-lo rejeitado.

— Max! — Maddy exclamou, compadecida. — Não deve pensar assim.

— Era eu quem devia proteger vocês dois, mas não consegui aceitar a probabilidade de perdê-la, Maddy. E agora nem sequer durmo direito só de imaginar que essa criança...

— Pare com isso, Max! — Maddy ordenou, firme. Abraçando-o com toda intensidade de seu amor, ela sussurrou: — Está se torturando sem necessidade. Olhe para mim.

A surpreendente ordem de comando na voz de Mad­dy obrigou-o a obedecer-lhe. As lágrimas haviam su­mido dos olhos que ele tanto amava e agora refletiam calma e serenidade.

— Prometo a você que este bebe, se um dia des­cobrir o que houve, saberá que foi concebido com amor, e será criado com a emoção maravilhosa que nos une.

— Tive tanto medo de que você deixasse de me amar ao saber o que eu sentia... o que eu teria feito... — Max confessou outra vez, sentindo que as pala­vras de Maddy começavam a amenizar a angustia e a curar a ferida de sua alma.

Ela o fitou nos olhos a fim de mostrar-lhe a sin­ceridade de seus sentimentos.

— Não há nada que possa fazer para eliminar o amor que sinto por você.

— Maddy...

Ao erguer o rosto para beijá-lo, ela sentiu o sabor das lágrimas que o marido vertia.

— Estamos salvos, Max. Estamos todos, seguros agora, e esse bebê irá amá-lo de mesmo jeito que eu o amo!

— Ovos mexidos e torradas!

Olívia riu quando o pai, solene, colocou a bandeja sobre a cama.

— Oh! pai — ela protestou, causando imensa satisfação em David por escutá-la pronunciar a deno­minação com tanto afeto. — Agora sei que estou in­válida. Lembra-se de quando servi o café da manhã para você e mamãe na cama? — Seu sorriso estre­meceu e ela desviou o olhar.

Aquela nova relação que estavam explorando a re­metia à fase adolescente, quando a avalanche de in­certezas e dúvidas misturava-se a momentos de eu­foria tão intensos que chegaram a ser mágicos.

— Como posso esquecer? — David riu, saudoso. — Os ovos cozidos estavam tão duros quanto balas de canhão e o chá...

Olívia soltou uma gargalhada.

— Eu confundi o pote de sal com o de açúcar e não sabia que era preciso abrir os envelopes dos sa­quinhos de chá para colocá-los na água quente. Ma­mãe ficou furiosa comigo — ela finalizou, um tanto pesarosa.

David a observava, quieto. Embora Olívia não sou­besse, Tiggy havia se esbaldado em uma de suas farras na noite anterior e passara a maior parte da madrugada expelindo a comida que tinha ingerido.

— Acho melhor dar uma olhada nas meninas — David anunciou. — Do contrário, elas vão se atrasar para a escola. Sua despensa está um pouco desfal­cada. Portanto, passarei no supermercado na volta. E não saia desta cama até eu retornar — ele orde­nou, sorrindo. — Não está forte o suficiente para cometer desatinos.

Olívia não discordou. Ainda sentia-se fraca, o que justificava o fato de deixá-lo assumir o comando sem reclamar. Era evidente que devia estar sem forças, pois, do contrário, nunca aceitaria, como fazia naquele instante, a satisfação de ser mimada e muito bem tratada.

Só de saber que o pai estava presente ela sentia um peso gigantesco sair de seus ombros.

— Preciso ligar para o escritório, pai. Tenho várias reuniões que devem ser canceladas e...

— Quando eu voltar — David a interrompeu, re­soluto, e sorriu com amor.

Ele estava prestes a retirar-se quando Olívia lem­brou-se de um detalhe importantíssimo.

— Pai?

— Sim, filha? — David correu para atendê-la. — Não se sente bem? O que é?

— Estou bem melhor, pai. Mas me lembrei de algo. Não é hoje que você e Honor vão ao hospital para fazer o primeiro ultra-som do bebê?

Através do semblante de David, ela obteve a con­firmação.

— Honor tentou postergar a consulta, mas não conseguiu. Ela não vê problema em ir sozinha e en­tende que não quero deixá-la acamada em casa, sem ninguém para cuidar de você.

Por um momento, Olívia perdeu a fala, enquanto assimilava o que o pai havia declarado. Ela era mais importante que Honor e o bebe... David optara por ficar com ela... priorizara as necessidades dela.

A medida que os pensamentos tomavam forma, a alma da criança que fora emergiu do passado, inci­tando sentimentos mais maduros agora. Olívia tam­bém era mãe. Também conhecia a ansiedade que cada mulher vivia em relação à saúde e segurança do filho em gestação. Sabia que Honor desejaria ter David a seu lado... mesmo que sua idade não fosse um agravante.

Decidida, ela meneou a cabeça e sorriu para o pai.

— Estou me sentindo melhor, pai. E não me per­doaria por impedi-lo de estar com Honor na hora da consulta. Ela precisa de você, apesar de negar. — Livy notou a hesitação de David. — Vá encontrá-la — insistiu. — Por favor, quero que vá.

Conforme argumentava, Olívia tinha a nítida im­pressão de estar cruzando uma trilha obscura/como se estivesse envolta por um antagonismo desconhe­cido e houvesse alcançado a mão poderosa e firme a qual nunca soubera estar ali pára segurá-la. De re­pente, sentiu-se segura, amada, certa de seu lugar no mundo e do amor paterno.

— Muito bem. Mas não abuse de sua saúde — David mais uma vez ordenou e aproximou-se para abraçá-la e beijar-lhe a testa.

Sabia que estava próximo ao choro. Ele e Olívia pos­suíam um longo percurso pela frente e muito proble­mas a resolver, mas agora, pela primeira vez, sentia-se otimista quanto ao desenrolar daquela história.

Ben recolheu a correspondência acumulada em sua porta. Não tinha de fazer aquilo. Era tarefa de Maddy ou de Jenny. Elas não podiam tê-lo deixado à mercê da própria sorte. Ora, ele lhes ensinaria um lição. Iria modificar os termos do testamento e depois...

Ficou intrigado ao divisar uma carta endereçada a ele. O envelope era leve demais. Um tanto insegu­ro, apoiou-se em uma cadeira e abriu a carta.

Antes de levar as crianças à escola, Maddy havia acendido a lareira de seu estúdio. Ela tentara persuadi-lo a adquirir um daqueles modernos aquece­dores a gás, mas Ben preferia o calor real.

Resmungando impropérios, ele começou a ler o con­teúdo da carta e gelou. O aquecimento a gás foi completamente esquecido quando uma imensa onda de fúria engalfinhou seu corpo. Após ler e reler o texto diversas vezes, Ben tremia tanto que mal conseguia permanecer em pé.

Colérico, rasgou a carta e jogou-a no fogo. Seu co­ração disparava em um misto de raiva e pânico. Era tudo mentira, tinha de ser. Ele jamais...

Ben gemeu quando, de súbito, uma dor aguda o atingiu, envolvendo-o em uma intensidade tão mor­tal que nem sequer podia gritar.

A dor parecia cortá-lo ao meio, tal qual punhala­das precisas com total fúria. Ben tentou conter o sofrimento fatal, mas este o dominava. As peças que compunham seu estúdio começaram a escurecer, con­seguia divisar apenas uma luz fortíssima que ardia-lhe os olhos.

Então, de repente, ele apareceu diante de Ben, rin­do, enquanto se aproximava. Os olhos eram de um azul intenso, os dentes, brancos e a postura, ereta. Ben reparou na expressão terna e compassiva, como também em algo mais que não pôde ver.

— Não — Ben protestou, tentando evitar o toque dele.

— Ben, sou eu — o outro dizia, suavemente.

— Max! — Ben exclamou, confuso. — Eu não...

— Não é Max — o outro o corrigiu, paciente. — Você sabe quem sou, Ben. Não há nada a temer. Vim levá-lo para casa.

— Estou em casa — Ben alegou. Porém, ao notar o pesado corpo caído no chão, ele ficou paralisado. — Matthew — sussurrou, tremulo, enquanto seu ir­mão gêmeo esperava e observava.

— Sim — ele confirmou, aguardando que Ben se­gurasse a mão que lhe estendia. Vamos. E hora de irmos embora.

— Matthew — Ben murmurou, perplexo. — Meu irmão...

— Quer conversar a respeito?

Sara enrijeceu, quando seu pai caminhou até a extremidade do deque, onde ela permanecia sentada, admirando o azul do mar.

— Não há nada sobre o que conversar — ela negou.

Richard Lanyon fitou a filha, pensativo. Sara ha­via chegado dias antes, pálida e com os olhos repletos de tristeza.

— É um homem — a mãe havia deduzido quando Sara recusara-se a explicar a súbita decisão de pas­sar o Natal com os pais no Caribe.

— Que homem? — Richard havia perguntado, sem conter a impaciência.

— Um Crighton — a mãe de Sara adivinhara no­vamente.

Sendo racional demais, Richard tinha ignorado a intuição feminina da esposa. Mas agora...

— Nada ou ninguém? — ele desafiou a filha, ob­servando o semblante desta modificar-se como se ela fosse vítima de alguma dor. — Sara — implorou.

— Não adianta, pai — Sara alegou. — Conversar não resolverá nada. Ele não quer...

Sara levantou-se e tirou os grãos de areia das per­nas bronzeadas.

— Eu o amo, mas ele não me ama. Não sou mais uma criança — ela o lembrou, soberba. — E, dessa vez, você não conseguirá fazer a dor ir embora. Gos­taria que pudesse.

Pesaroso, Richard observou-a adentrar a praia. Não era mais sua menina, mas uma mulher.

Após o choque inicial, eles se uniram na dor da perda como qualquer família faria. David preferira um enterro simples, somente com a presença dos pa­rentes mais próximos. No entanto, Jon mantivera-se firme e o dissuadiu.

— Talvez nós queiramos assim, mas não é o que papai teria apreciado — Jon explicara ao irmão gêmeo. — Ben gostava de cerimônias pomposas. Se fi­zermos algo simples demais, tenho a impressão de que ele pensaria que não estamos tristes com sua morte.

— Nada menos que um enterro digno de um chefe de Estado, se puder ser arranjado — Max havia con­cordado e David, enfim, aceitara.

Seu coração enchera-se de orgulho e amor ao testemunhar o modo tranqüilo com que Jon havia se encarregado dos trâmites normais, depois que Jenny encontrara o corpo de Ben estirado no chão de seu estúdio. E David ficara ainda mais que contente em conceder esse direito ao irmão.

Toda a família havia sido convidada, inclusive os parentes de Chester.

— Você sabe como papai sempre foi competitivo em relação a eles — Jon recordara ao mostrar a Da­vid os convites negros que encomendara para o evento fúnebre. — É o que ele teria preferido e nós de­vemos isso a Ben — Jon completara, sempre gentil.

— Quando chegar a minha hora, não se esqueça de que quero uma cerimônia humilde. Na verdade, jogar-me em uma fogueira seria ótimo e mais prático.

Jon rira.

— Claro, David. Se pensa que vou cavar um bu­raco de seu tamanho, está muito enganado.

A agitação de Caspar aumentou sobremaneira quando o táxi adentrou a rua de sua casa. Pedira a David para não dizer a Olívia que ele estava voltan­do. Embora relutante, o sogro concordara.

— Como ela está? — Caspar perguntara a David ao telefonar do aeroporto para avisar que havia desembarcado.

— Muito melhor — o sogro confirmara. Enquanto conversava com ele, Caspar ouvira as vozes das fi­lhas e logo a saudade apertara-lhe o peito.

Olívia havia entendido perfeitamente quando Da­vid dissera que estava voltando para casa. Sentia-se bem melhor, apesar de Jon ter insistido para que ela não se apressasse em retomar o trabalho.

A morte de Ben fora um choque para todos, a des­peito de sua saúde ter estado debilitada nos últimos tempos.

Escutou Ally latir e divisou as luzes de um táxi desaparecerem no fim da rua. Entretanto, nem se­quer presumiu quem seria o visitante ao caminhar até a porta da frente. Por essa razão, levou um susto enorme quando viu Caspar em pé diante dela, logo não teve tempo de disfarçar a emoção.

O longo vôo para Manchester dera-lhe tempo su­ficiente para refletir, não somente acerca do que es­tava fazendo, mas também do que ele e Olívia ti­nham feito, juntos e separados, para o bem e para o mal.

Sentia falta das filhas e de Olívia. Mas foi neces­sário grande esforço a fim de agüentar as batidas frenéticas de seu coração ao ver os sentimentos que Olívia não teve tempo de camuflar por ter sido pega de surpresa. Naquele instante, constatou a força do amor que ainda nutria pela esposa.

— Caspar...

Olívia conseguiu apenas sussurrar o nome do ma­rido. De súbito, Amélia e Alex desceram correndo a escada para se jogarem nos braços do pai. Abraçan­do-as, Caspar não fez o menor esforço para conter as lágrimas. Apertou-as contra si e fitou Olívia.

Várias horas se passaram, antes que ambos pu­dessem finalmente se sentar e conversar.

— As meninas estão dormindo — Caspar avisou ao descer a escada.

— Elas sentiram saudade — Livvy comentou.

— É mesmo? — Caspar a encarou, duvidoso. — Seu pai parece ter realizado um excelente trabalho ao prover-lhes sua presença masculina. Elas não pa­ram de falar do vovô.

— Estão animadas porque ganharam outro avô — Olívia ponderou. — Mas nenhum avô pode ocupar seu lugar na vida delas, Caspar, ou... — ela se calou.

Agora que a surpresa de tê-lo outra vez em casa havia passado, existiam outros detalhes que preci­savam ser esclarecidos antes que Olívia admitisse que ela também não conseguiria substituí-lo.

— Que motivo o fez voltar para casa? — indagou, apesar da insegurança.

— Vários motivos — Caspar respondeu. — Você,-eu, nossas filhas... Por que não me ligou para dizer que estava difícil conciliar as atividades rotineiras, Livy? Por que fiquei sabendo que havia adoecido através de seu pai?

—: Meu pai telefonou para você? — Olívia pensou por alguns segundos. — Por isso voltou? Porque...

— Voltei porque esta é minha casa. Você é meu lar... você e as meninas. O telefonema de David ofe­receu-me a desculpa de que meu orgulho precisava-— Caspar confessou. — Não sabe quantas vezes tive vontade de ligar, quantas vezes desejei...

Arrependido, Caspar aproximou-se dela ao ver lá­grimas nos lindos olhos da esposa.

— Livvy, não, por favor, — Ele chegou a erguer os braços para tocá-la, mas desistiu.

Ainda era cedo para intimidades entre ambos, como Caspar pôde perceber através da expressão defensiva de Olívia. Contudo, não ser capaz de superar a dis­tância que os separava, tomá-la nos braços e mostrar-lhe tudo que queria, parecia duro de suportar.

— Se preferir, irei procurar outro lugar para fi­car — ele sugeriu, mas Olívia sacudiu a cabeça em negativa.

— Não, as meninas ficarão arrasadas. — Sem olhar para Caspar, ela apressou-se em dizer: — Vou pre­parar o quarto de hóspedes para você.

Caspar entendeu o que ela quis insinuar.

— Se é assim que deseja — ele aceitou.

— Acho que nós dois precisamos de tempo, Cas­par. Também temos de conversar.

— Certo. Eu compreendo.

— O que aconteceu conosco, Caspar? — Olívia, enfim, perguntou, incapaz de se conter.

— Não sei. Talvez não valorizássemos o que já tínhamos.

Ele havia mudado, Olívia reconheceu, tornou-se mais calmo, gentil e... Uma nuvem de medo tocou-lhe o coração. Poderia outra mulher ser a responsá­vel pela mudança que via nele?

Caspar tinha voltado para casa, disse a si mesma em pensamento. Para ela e as filhas. E não era o único que havia mudado, descoberto e aprendido. A antiga Olívia teria exigido uma resposta a sua sus­peita, iria desafiar e exumar tudo que podia, movida pelo pavor de perdê-lo e pela insegurança.

No entanto, agora sentia-se mais sábia e fortale­cida. Por enquanto, bastava saber que Caspar estava ali'e que ambos acreditavam valer a pena resgatar o relacionamento.

Conversaram durante boa parte da noite a respei­to dos problemas do casamento e dos sentimentos relacionados ao passado e às esperanças do futuro.

— Já é tarde e você parece cansada — Caspar disse a Olívia. — Esqueci que esteve doente.

— Estou recuperada — ela garantiu. Subiram a escada juntos e se separaram para cada um recolher-se ao próprio quarto, sem que Cas­par realizasse qualquer tentativa de beijá-la, Olívia reparou.

A casa inteira parecia diferente agora que ele es­tava lá. Havia um clima de calor, segurança e completude. Ou seria ela que sentia tudo isso?

A princípio, quando Olívia acordou sozinha na ca­ma que ela e Caspar haviam comprado, não entendia por que se encontrava em um estado de ampla feli­cidade. Então, lembrou-se de que o marido havia vol­tado. Tal qual uma criança que ansiava por abrir um presente, ela saboreou a doçura do que estava para acontecer.

No quarto de hóspedes, Caspar também achava-se acordado. A alegria das meninas ao revê-lo e o olhar de Olívia quando abrira a porta eram imagens a ser guardadas como um tesouro. Estava ciente da tre­menda sensação de proteção para com a mulher e as filhas, um sentimento que se potencializava com o amor que nutria por elas.

Pensou em Olívia dormindo sozinha no quarto. Que­ria ir até ela, mas temia ser uma atitude precipitada.

Olívia olhou o relógio de cabeceira. Eram três ho­ras da manhã e estava desperta o bastante para ter ciência do que queria fazer.

Quando ela abriu a porta do quarto de hóspedes, Caspar a encarou, emocionado. Olívia caminhou até o marido e sentou-se na cama, estendendo-lhe as mãos.

— Talvez eu esteja cometendo um erro e talvez seja cedo demais — Livvy explicou-se. — Mas senti tanta saudade de você.

Ela estremeceu quando Caspar deslizou as mãos sob o penhoar e acariciou a pele nua da cintura. O toque era, ao mesmo tempo, reconfortante e excitante.

— Também senti saudade — Caspar respondeu, absolutamente sincero.

— Talvez seja isso uma parte do problema — Liv­vy sugeriu. — Acho que nós dois sentimos tanta falta um do outro que acabamos nos confundindo. Não quero que nosso casamento termine, Caspar. O que tínhamos era tão especial...

Ele acariciava a pele macia com movimentos tão gentis que Olívia teve vontade de fechar os olhos e ronronar de prazer. Enquanto o fitava nos olhos, ela traçou as linhas do rosto que tanto amava.

Então, Caspar beijou-lhe a ponta dos dedos, cau­sando aquela familiar onda de desejo em Olívia. Um tanto temerosa quanto ao que experimentava e queria, tentou amenizar a força dos sentimentos, provocando-o.

— Meus pés estão gelados.

Imediatamente, Caspar levantou as cobertas, con­vidando-a a juntar-se a ele na cama.

Os pés gelados sempre tinham representado uma brincadeira entre eles, mas Olívia jamais imaginara que um dia precisaria recorrer a algo tão juvenil.

Aceitando o convite, ela tirou o penhoar e acomo­dou-se sob as cobertas. Extasiada, fechou os olhos enquanto Caspar aquecia seus pés.

— Pensei que não fôssemos fazer isso — ele brin­cou, carinhoso, envolveu o corpo convidativo da mu­lher e beijou-a.

— Se não se sente à vontade, podemos esperar mais um pouco — Olívia sussurrou entre beijos.

Caspar sorriu, maravilhado. Nunca esteve tão cer­to de que queria alguém como naquele instante.

— Agora sinto-me em casa de verdade — murmu­rou, puxando-a para si.

Era o mesmo que recapturar a magia dos primei­ros anos de casados, Caspar concluiu, regozijando-se com as respostas de Olívia a cada carícia que empreendia. A necessidade urgente os pegou de surpre­sa, a intensidade da união amorosa chegou a pata­mares que Caspar imaginara tivessem permanecido no passado.

O dia amanhecia quando Olívia finalmente ador­meceu nos braços do marido. Seus lábios se curvaram em um sorriso quando ele declarou, segundos antes de ela conciliar o sono, que a amava profundamente.

— Depressa, meninas, ou chegarão atrasadas à escola.

Ajudando Amélia e Alex, Caspar e Olívia se en­treolharam. Ambos sabiam o motivo de quase terem perdido a hora de levantar.

Ainda havia muitas arestas a aparar, mas duran­te o interlúdio daquela madrugada, juraram que a partir de então a vida conjugal viria em primeiro lugar.

— Eu poderia trabalhar somente no período da manhã — Olívia havia sugerido, hesitante, após o intenso ato amoroso.

— Não tem de fazer isso por mim, Livvy — Caspar protestara.

— Não será por você — Olívia o corrigira. — Será por todos nós... Refiro-me a você, a mim, às meninas e a outros filhos que podemos ter um dia.

— Outros filhos? — Caspar ficara pasmo.

— Claro. Que tal mais dois? — Olívia perguntara, pensativa. — Três me parece um número considerá­vel, se nascerem um após o outro. Seria ótimo ter meninos, mas não me importo.

Os dias de convivência com o pai lhe haviam pro­porcionado tempo para pensar não apenas nos eventos do passado, como também no futuro. Estava con­victa acerca do que queria da vida e, acima de tudo, o que desejava para aqueles que amava, as crianças que já tinha e as que esperava conceber.

— Já pensou em como vamos sustentar uma fa­mília tão grande? — Caspar perguntara, rindo.

Ela o abraçou e beijou.

— Daremos um jeito.

Enquanto acariciava o corpo esguio da esposa, Cas­par pôde jurar que aquela nuvem negra que os as­sombrava começava a se dissipar. Via Olívia como a mulher com a qual havia sonhado, livre das dores do passado, livre para amar.

Agora, à espera de Amélia e Alex, ele sentia-se grato ao destino por ajudá-lo a reencontrar o amor e agarrar a segunda chance que Olívia lhe dava, aber­ta e honestamente, sem segredos. Em silêncio, tam­bém agradeceu a Molly.

Tão logo as meninas surgiram na sala, munidas com suas mochilas e casacos, Olívia também vestiu o dela.

— Vou com vocês — informou a Caspar, sorridente.

— Agora estamos parecidos com uma família de verdade — Alex declarou quando todos saíram.

Uma família de verdade! Ao segurar a mão de Caspar, Olívia degustou o som adorável daquelas palavras.

O cortejo de Ben seguiu lentamente até a igreja. Com a anuência de todos, as crianças da família não precisaram comparecer ao enterro. Olívia sentira-se grata e aliviada quando Jenny lhe pedira para ficar em Queensmead com os mais jovens.

— Obrigada, tia querida — Olívia agradecera a Jenny. — Creio que eu não conseguiria participar da cerimônia. Seria muita hipocrisia de minha parte. Afinal, não estou sofrendo com a morte dele.

Olívia tinha a mais absoluta certeza de que Jenny compreendia seus sentimentos.

Jack, sentado em- um dos carros que acompanha­vam o cortejo, aproximou-se da janela ao passar pe­las ruas de Haslewich. Seria quase impossível ver Annalise. Ela devia estar .na escola, mas, ainda as­sim, sentia esperança. Tentara ligar para ela diver­sas vezes. Porém, Annalise não respondera às liga­ções ou às cartas. Jack agonizava por tê-la perdido e por ainda desejá-la.

Annalise sabia tudo sobre o enterro de Ben. A mor­te dele tornara-se o assunto principal da cidade. In­capaz de se concentrar na aula, ela olhou pelas lar­gas janelas. Jack devia estar em Haslewich. Lágri­mas começaram a despontar. Furiosa, ela enxugou os olhos. Não iria chorar por ele. Não valia a pena. Jack havia mentido e ela nunca mais iria se apai­xonar ou confiar em homem algum. Jamais.

Hugh, o meio-irmão de Ben e pai de Saul e Nick, foi quem leu o testamento. Havia doações para todos os netos e Jon, mentalmente, rezou em agradecimen­to. Ainda lembrava-se com clareza da furiosa briga que tivera com o pai para garantir que Olívia fosse incluída no testamento junto com suas filhas.

Louise e Katie não se importariam, caso não ti­vessem herdado nada. Mas Olívia entenderia o gesto como mais uma rejeição em sua vida, o que, na rea­lidade, seria verdadeiro.

Havia uma doação para Ruth, a irmã de Ben, de algumas peças antigas da família. Ruth lançou um olhar lamentável a Jon e meneou a cabeça, como se o estivesse censurando. Outras partilhas foram dis­tribuídas, no entanto a maior parte do legado ficou para o filho mais velho, David, com exceção de Queensmead, o qual Ben deixara para o neto, Max.

Jon escutou o suspiro de alívio coletivo da assembléia de ouvintes quando o último desejo de Ben foi lido. Contudo, em vez de mostrar-se satisfeito, Max levantou-se com a expressão séria. Ergueu as mãos a fim de pedir silêncio aos presentes.

— Não é segredo para nenhum de vocês que, antes de morrer, Ben mudou de idéia quanto a deixar Queensmead para mim. Eu era, afinal, sua segunda escolha. Na verdade, ele desejava que Queensmead ficasse com meu tio David, e receio que eu o tenho enfurecido de tal maneira no fim da vida que ele decidira passar Queensmead a uma instituição de caridade, qualquer instituição seria melhor que eu. O fato de que Ben tenha falecido antes de realizar as modificações em seu testamento não altera meu ponto de vista. Penso que ele queria mesmo me pri­var da propriedade e me sinto moralmente obrigado a recusar a doação em tais circunstâncias.

Todos pareciam atônitos ante as palavras de Max.

— Entretanto — ele prosseguiu —, minha esposa ama aquele casarão. Portanto, proponho-me a man­dar avaliar Queensmead e, quando possível, compra­rei a propriedade e passarei o dinheiro ao principal herdeiro de Ben.

David levantou-se e caminhou até Max.

— Obrigado, Max. Todos nós agradecemos sua ho­nestidade, mas, em se tratando de obrigações mo­rais, sabemos quanto meu pai devia a Maddy pela devoção incondicional que ela dedicou a ele.

Assim que todos assentiram e murmuraram, Da­vid sorriu.

— O que Max diz a respeito de meu pai querer modificar o testamento é correto. Porém, penso que a ação mais justa a ser feita seja — ele olhou para Max e depois para Jon — transferir a propriedade, a casa e todo o seu conteúdo para o nome de Maddy.

Por um momento, pairou no ar um silêncio pro­fundo. Então, alguém — David não sabia quem — bateu palmas e, em segundos, a sala inteira aplaudia e assobiava. E Max, que se encontrava ao lado do tio, fitou David com os olhos repletos de lágrimas.

— David, foi uma decisão sábia e generosa — Jon o cumprimentou, sem conter o entusiasmo.

Por sua vez, Jack observava o pai cheio de orgulho e afeto.

— Sem dúvida, uma decisão sábia e generosa — Honor concordou, mais tarde, quando David descre­veu a cena para ela.

Satisfeito, ele a abraçou. No dia anterior, haviam recebido o resultado do ultra-som. O bebê estava sau­dável e seguindo seu desenvolvimento normal.

Nick deixou a taça de vinho sobre a mesa, sem ao menos provar a bebida.

Nada na vida tinha sabor para ele... sem Sara. Acordava durante a noite tentando tocá-la almejando estar com ela. E o ferimento, que devia estar cicatrizando, tinha desenvolvido outra infecção, a qual espantara o médico que questionara a eficiência do sistema imunológico de Nick.

A dose cavalar de antibióticos, prescritas para a infecção, não removia o sofrimento que dilacerava sua alma.

— Se ela significa tanto para você, por que diabos não faz alguma coisa?

Nick ficou furioso com a colocação de Saul.

— Você não sabe do que está falando — esbrave­jou, rude.

Saul recusou-se a levar a grosseria como ofensa.

— Acha mesmo? Pois saiba que já passei por isso, Nick — Saul rebateu, impaciente. — Entendo que está doente de amor e é covarde ou tolo demais para tomar uma atitude.

Saul sabia o risco que corria, mas Nick era seu irmão e não podia ficar parado, vendo-o sofrer por causa de um orgulho idiota.

Nick fuzilou o irmão com o olhar. Saul manteve-se firme, mas Nick virou-se e foi embora.

— Teve sorte? — Tullah perguntou ao marido, ho­ras depois.

— Eu não chamaria de sorte — Saul confessou. — Mas tenho certeza de que atingi o alvo.

— Você acha que o palpite de Bobbie é válido? Seria a garota que trabalhava no restaurante?

— Oh! não sou tolo o bastante para perguntar a Nick. — Saul riu. — Ele tem um punho de aço. — Ele esfregou o queixo ao recordar as brigas que haviam tido quando crianças. Tullah suspirou, resignada.

Choveu sem cessar durante todo o trajeto a Bournemouth. Logo, Nick chegou duas horas depois do previsto e, irritado ao extremo, praguejou contra o irmão e a própria idiotice.

Fora Olívia quem lhe dera o nome e o endereço do avô de Sara. A bem da verdade, ela havia estra­nhado o fato de Nick tentar contatar sua mãe e ficara ainda mais intrigada quando ele precisou explicar por quê.

— A neta do marido de Tânia esteve em Haslewich? — Olívia exclamara, franzindo a testa. — Mas...

— Livvy, por favor, não faça mais perguntas — Nick tinha implorado a ela. — E não conte a nin­guém por que estive aqui — pedira, por fim.

Tânia provou ser tão fútil e egoísta quanto Nick havia esperado. Ela oscilara entre o flerte e a sedu­ção enquanto queixava-se dos filhos.

— Livvy passou muito mal — Nick não resistiu à vontade de contar-lhe.

— Verdade? — O avô de Sara parecera preocupa­do. — O que houve exatamente?

— Ela contraiu uma gripe virótica fortíssima — Nick explicara-lhe.

— Gripe? Oh! vivo gripada — Tânia reclamara. — Meus pulmões são tão frágeis. Meu médico avi­sou-me que preciso ser cuidadosa para não me expor a esse tipo de vírus.

Nick sorrira por educação sem tecer nenhum co­mentário. Seus sentimentos por Sara o deixavam en­louquecido de dor, e, por conseqüência, almejava di­zer a Tânia tudo que pensava dela e recriminá-la por ter envenenado Sara contra os Crighton.

De início, o avô de Sara mostrou-se relutante em informar o paradeiro da neta. No final, ele cedeu.

Era época de Natal, portanto cada vôo para o Ca­ribe estava lotado. Mas a determinação de Nick era tamanha que voaria até lá de qualquer maneira, mesmo que tivesse de embarcar em um avião de carga.

Felizmente, não foi preciso chegar a tanto. Um telefonema a um antigo cliente que lhe devia um favor o conduziu ao dispendioso jato particular que pertencia a um amigo de um amigo.

Para sua surpresa, quando desembarcou no aero­porto, havia uni homem a sua espera, portando uma placa com seu nome.

Desconfiado, Nick aproximou-se dele. Era alto, de cabelos grisalhos e olhos hostis. Após recusar-se a apertar a mão de Nick, o homem se apresentou:

— Sou Richard Lanyon, pai de Sara.

Nick gelou na hora. Comparado à formidável aparência do homem em roupas tropicais, Nick sentia-se confuso devido ao fuso horário e em total desvantagem.

— O avô de Sara nos telefonou para avisar que você estava chegando — Richard explicou. — O que quer com minha filha, Crighton?

Por um momento, Nick ficou tentado a não res­ponder. Mas já havia ido longe demais e não podia retroceder agora

— O que um homem quer da mulher que ama? — respondeu com a mesma brutalidade.

— Você a ama? — Richard perguntou, incrédulo. — De acordo com Sara... — Ele se calou.

Recomeçar..,

— De acordo com Sara o quê? — Nick o desafiou.

— Creio que seja melhor você perguntar a ela — o homem aconselhou.

Agora Richard sorria para ele. Segurou-o pelo bra­ço e o conduziu até o estacionamento do aeroporto.

— Sara resolveu passar o dia no iate de uns ami­gos nossos. A mãe dela preparou-lhe um quarto. Es­pero que esteja pronto para o interrogatório que ela pretende fazer. — Richard começou a rir.

Assim, a tensão de Nick evaporou-se aos poucos. Mas não completamente!

No final, a mãe de Sara não lhe perguntou nada. Apenas o recebeu com todas as honras, instalou-o em um quarto arejado e insistiu para que ele ficasse à vontade.

— Ah, sim — ela murmurou, por fim. — Agora eu entendo...

Sara não aceitou a carona que os amigos lhe ha­viam oferecido. Preferia caminhar do ancoradouro à cidade, já que o trajeto era curto e ao longo da praia.

O ar da noite começava a ficar refrescante. Segu­rando as sandálias, deixou que a areia envolvesse seus pés. Estava fisicamente cansada, mas nada po­dia amenizar a constante agonia mental por causa de Nick.

Richard dissera a Nick que Sara voltaria a pé para casa e pela praia. Ele quase havia desistido de pro­curá-la quando a avistou.

Ela caminhava lânguida sobre a areia, com a aten­ção voltada ao oceano. Levantando-se do tronco em que se sentara para esperar, Nick andou até Sara.

Sara sentiu sua presença antes de vê-lo. Tensa, reparou que um homem dirigia-se a ela entre as som­bras. O coração saltitava, enquanto o cérebro recu­sava-se a assimilar o que os olhos lhe diziam.

— Nick? Nick!

Tão logo pronunciou o nome, viu-se envolta por aqueles braços fortes. Ele a beijava, apaixonado, e Sara correspondia a cada beijo emitindo gemidos de prazer.

Beijaram-se com frenético desespero, tal qual amantes que temiam se separar, roçando-se, tocan­do-se, murmurando o contentamento e a descrença sem parar.

— O que faz aqui? Por quê...? — Sara perguntou, quando conseguiu falar coerentemente.

— Não suportei ficar longe de você — Nick admi­tiu, sincero. — Mesmo que não quisesse meu amor, eu tinha de vir.

— Seu amor? Mas foi apenas sexo — sussurrou Sara.

— Por favor, não diga isso — suplicou, passional. — Sara, o que nós vivemos não representou apenas sexo. Acredite-me. Deixe-me mostrar a você, provar-lhe que é verdade. Eu... — Ele se deteve ao senti-la estremecer. — Desculpe-me. Não devia pressioná-la.

— Não. Não pare — Sara protestou. — Oh! Nick, tem idéia de quanto desejei escutar isso? Quantas vezes me odiei por fantasiar que você me fazia de­clarações de amor, como uma adolescente sonhado­ra. Oh! Nick, Nick... — Ela o agarrou, saudosa.

— Seus pais estão nos esperando — ele avisou quando Sara desabotoou a camisa e deslizou as mãos sobre o tórax musculoso. Ela ofegava de excitação à medida que o tocava.

— Não posso esperar. Aliás, já esperei tempo de­mais. Oh! Nick... — O nome soava como um gemido exótico, enquanto Sara colava-se ao corpo viril, sen­tindo a resposta imediata. Haveria problemas à frente que teriam de resolver, em especial empeci­lhos relacionados ao trabalho de Nick. Mas, de al­guma maneira, encontrariam o jeito de permanece­rem juntos.

— Seus pais me convidaram para ficar com eles — Nick contou-lhe. — Mas me arrependo de não ter ido a um hotel.

— Quem precisa de hotel? — Sara o provocou. —

Há um belo barco vazio logo ali.

Olhando sobre o ombro, Nick avistou o barco que ela citara, preso a um deque.

— Não podemos — ele protestou. Contudo, os olhos de Sara brilhavam de malícia e muito, muito mais.

— Que gostoso — Sara murmurou, meia hora de­pois quando, nus nos braços um do outro, aprecia­vam o gentil balanço do barco.

— Tão gostoso quanto isso? — Nick brincou, mo­vendo-se de propósito.

— Não tão gostoso assim — ela retrucou, com a voz rouca de desejo. — Não consigo imaginar o que seria de mim, se você não me encontrasse, Nick.

— Não pense nisso — Nick ordenou. — Não pense em nada que não seja nós dois — ele sussurrou, sen­sual. Quando beijou-lhe os lábios e depois os seios nus, o suspiro de prazer de Sara ecoou pelo ar calmo da noite.

No apartamento, Richard Lanyon verificava o re­lógio a cada minuto.

— Nick já deve ter encontrado Sara a essa hora.

— Claro que sim, querido — sua esposa concordou com um sorriso de falsa ingenuidade que o fez bufar de impaciência.

 

                                           EPÍLOGO

Tem certeza de que é isso que quer? Ainda há tempo de mu­dar de idéia — Max reforçou, fitando .Maddy.

— Tenho certeza — ela confirmou, serena, e sorriu para ele.

Ao entregar o filho de poucos meses ao pai, Maddy observou, encantada, os olhos de Max iluminarem-se. Já existia um laço muito forte entre aqueles dois. Desde o nascimento, o bebê se apegara a Max e ele, em troca, adorava a criança. Era como se o recém-nascido soubesse, de alguma forma, que o pai neces­sitava reassegurar-se de seu amor.

Atrás deles, na congregação, David, orgulhoso, en­contrava-se sentado com sua família. Honor e Olívia trocaram olhares quando David, Amélia e Alex co­meçaram a discutir para ver quem carregaria a filha de dez dias do casal.

Ainda era cedo para Olívia revelar a Honor que esperava anunciar a vinda de mais um membro da família. Mas ao ouvir Caspar dizer às filhas que era a vez do avô carregar o bebê, Livy segurou-lhe a mão. Afetuoso, Caspar sorriu para ela.

Com freqüência, naquelas últimas semanas, ele sentia como se estivesse vivendo com uma nova Olívia, uma mulher que havia superado as sombras da infelicidade. Às vezes, doía-lhe o coração só de pen­sar em como ela tinha sofrido.

Por sugestão dela, haviam decidido passar o verão com a família de Caspar.

— Está certa disso? — Max perguntou novamente a Maddy ao ver o vigário se aproximar.

— Estou. — Ela riu.

Quando o vigário pegou o bebe, Max respirou fun­do a fim de preparar-se para escutar o nome com­pleto do filho.

— Benjamin Matthew Crighton.

Benjamin Matthew! Os olhos de Max se arregala­ram no instante em que Maddy lhe dissera, logo após o nascimento, como gostaria de chamar o bebê.

— O nome de Ben? — ele a questionara, duvidoso. — O de Ben e o de seu irmão gêmeo — Maddy havia confirmado.

E agora que o vigário oficializava o nome do bebê, ela pressentiu a onda de amor e paz que invadiu a velha igreja. Fora Leo quem casualmente lhe conta­ra sobre os dois meninos que ele vira brincando no estúdio do bisavô Ben.

— Eles usavam roupas engraçadas — Leo comen­tara com a mãe. — Como as da fotografia.

Maddy avisara-o apenas que, se os visse de novo, deveria contar-lhe.

Mas, quando mencionara o ocorrido a Honor, esta suspirou, misteriosa.

— Você também os viu? — Maddy perguntara-lhe.

— Não. Mas pensei tê-los escutado enquanto você e eu empacotávamos os pertences de Ben.

Sem dizer nada a Max, Maddy cuidadosamente caminhara pelo casarão, conversando com Ben e as­segurando-lhe que sua memória e sua casa estavam bem guardadas.

— Eles se foram — Honor afirmara, ao visitá-la outra vez.

— Pobre Ben —Maddy suspirara. — Ele estava sempre tão sozinho e tão triste.

— Ele não está mais triste — Honor garantira, convicta.

Maddy sorriu ao receber o filho do vigário. Os no­mes que lhe dera eram um presente a Queensmead por todas as dádivas que ela ali recebera... dádivas de amor e esperança na humanidade.

 

                                                                                Penny Jordan 

 

 

                      

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