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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


REFÉM DO AMOR / Emma Darcy
REFÉM DO AMOR / Emma Darcy

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

REFÉM DO AMOR

 

- Com licença, Sra. Chappel, há um rapaz à porta...

- Você sabe que não posso receber visitas hoje, Sra. Keith - ela falou, balançando na cadeira, com o olhar fixo nos motivos de Walt Disney colados na parede, e sorriu para Branca de Neve. Ela certamente comeu uma maçã envenenada ao se casar com Gary Chappel. E não havia ninguém para salvá-la. Ninguém.

- Ele insistiu muito. Um senhor Ric Donato... O coração de Lara entrou em choque.

- Quem? - perguntou, sem aceitar o que ouviu.

- Disse que se chamava Ric Donato. Ele me pediu para entregar-lhe isso. - Marian Keith entrou no quarto e mostrou o envelope para Lara. - Está esperando à porta. Disse que a senhora gostaria de conversar sobre o conteúdo com ele, Sra. Chappel...

 

 

Primeiro dia em Gundamurra

O avião pousava em uma pista vermelha empoeirada. Além das construções que demarcavam o rancho de criação de ovelhas de Gundamurra, não era possível ver qualquer outra habitação até a linha do horizonte, apenas uma imensa paisagem vazia, pontuada pela vegetação de cerrado. Ric queria que ainda tivesse a câmera que roubara. Poderia tirar umas fotos inacreditáveis ali.

- O meio do nada - murmurou Mitch Tyler. - Começo a achar que fiz a escolha errada.

- Não - Johnny Ellis se opôs. - Qualquer coisa é melhor do que ficar confinado. Pelo menos aqui podemos respirar.

- O quê? Poeira? - caçoou Mitch.

O avião aterrissou, levantando uma nuvem de pó.

- Bem-vindo ao grande deserto australiano - falou o policial que os acompanhava, ironicamente. - E lembrem-se... se os três espertinhos da cidade quiserem sobreviver, não há para onde escapar.

Os três o ignoraram. Tinham 16 anos. Independentemente do que a vida aprontasse para eles, sobreviveriam. E Johnny estava certo, pensou Ric. Seis meses trabalhando no rancho de criação de ovelhas seriam melhores do que um ano em um reformatório. Ric não suportava excesso de autoridade. Esperava que o homem que gerenciava aquele lugar não fosse do tipo tirano, que se aproveitasse para fazer deles três escravos.

O que o juiz determinou na sentença? Algo sobre resgatar valores. Um programa que os ensinaria o que era a vida real. Em outras palavras, você trabalha para viver, e não para tirar das outras pessoas. Fácil para ele dizer isso, sentado atrás de sua bancada, com seus cabelos fofos, seguro em sua roupa oficial.

Não havia segurança no mundo de Ric.

Nunca houve.

O roubo era a única forma de conseguir as coisas. E Ric queria muitas coisas. Mas roubar o Porsche para impressionar Lara Seymour foi estupidez. Agora a perdera. Isso era certo. Uma menina de vida privilegiada sequer consideraria um criminoso como namorado.

Um homem esperava ao lado de um Cherokee quatro por quatro. Um homem grande, de ombros largos, peito estufado, rosto fechado, cabelos ruivos. Devia ter uns cinqüenta anos, mas ainda parecia forte. Não era alguém possível de desafiar, concluiu Ric, apesar de o tamanho não significar muito para ele. Se o cara encostasse a mão nele...

- Um verdadeiro caubói - murmurou Mitch, em seu tom sarcástico habitual. Mitch era extremamente rabugento. Morar perto dele poderia ser realmente cansativo.

- Não há cavalos - ressaltou Johnny, sorrindo.

Seria bem mais fácil lidar com ele, pensou Ric.

Johnny Ellis provavelmente usava a afabilidade como instrumento para se proteger, apesar de ser grande e forte o bastante para brigar com qualquer um. Tinha olhos castanho-claros amigáveis, um sorriso largo de presta-bilidade e cabelos castanhos queimados de sol que caíam sobre sua testa. Foi pego vendendo maconha, apesar de jurar que era somente para uns músicos, que compraram de outras pessoas.

Mitch Tyler estava em situação bem mais difícil, culpado de um ataque sério a um rapaz que, segundo ele, namorou e violentou sua irmã. Mas ele não levou esse argumento adiante no tribunal. Não queria arruinar a irmã também. Era magro, de estatura mediana, tinha cabelos pretos, olhos azuis, e Ric sentia que ele exalava violência o tempo todo.

Ric era mais moreno. Herança tipicamente italiana. Cabelos negros encaracolados, olhos quase negros, pele bronzeada, o tipo de boa aparência latina que atrai as mulheres. Qualquer uma que quisesse. Até mesmo Lara. Mas a aparência não foi o suficiente em sua vida. Precisava de dinheiro. E tudo que o dinheiro pudesse comprar. Seria a única forma de mudar de classe social.

O avião parou.

O policial mandou que eles pegassem suas bolsas. Alguns minutos depois, ele os conduzia para um tipo de vida bem diferente do que conheciam.

A apresentação deixou Ric nervoso.

- Aqui estão seus rapazes, Sr. Maguire. Diretamente das ruas da cidade para serem colocados em forma.

O senhor grande - ele era realmente grande - olhou duramente para o policial.

- Não é assim que fazemos as coisas aqui. - As palavras foram ditas com suavidade, mas carregavam uma autoridade que desprezava qualquer necessidade de abuso físico.

Ele balançou a cabeça para eles, oferecendo um certo respeito.

- Sou Patrick Maguire. Bem-vindos a Gundamurra. Na linguagem aborígine, isso quer dizer "Bom dia". Espero que todos vocês sintam que o dia em que pisaram aqui tenha sido um bom dia.

Ric se pegou desejando apostar nisso. Brigar contra a situação não traria benefícios.

- E você é... - Patrick Maguire estendeu uma grande mão para Mitch, que olhou desconfiado para ela, como se fosse quebrar seus ossos.

- Mitch Tyler - respondeu, estendendo a mão de forma desafiadora.

- Muito prazer, Mitch.

O aperto de mão foi normal, sem tentativas de dominação.

Johnny estendeu a mão sem hesitação.

- Johnny Ellis. Muito prazer, Sr. Maguire. - Ele sorriu para o senhor, demonstrando seu charme. Johnny estava se soltando rapidamente.

Uma expressão de indagação no olhar sombrio e duro como aço, acrescido de um toque divertido. Ninguém é tolo assim, pensou Ric. Ele mesmo já foi alvo de olhares recriminadores que ultrapassaram todas as fachadas criadas.

- Ric Donato - disse ele, aceitando a mão estendida, sentindo a força dela e um calor que acabou com um certo senso de alienação que havia em Ric.

- Prontos para ir? - perguntou o senhor.

- Sim. Estou pronto. - Ric foi mais agressivo do que esperava.

Pronto para voltar para o maldito mundo um dia.

E por cima.

Talvez até com Lara.

Ainda não conseguia tirá-la da cabeça. Provavelmente não conseguiria. Classe... era o que ela tinha. Inatingível para Ric no momento, mas ele chegaria lá. De uma forma ou de outra, chegaria onde queria.

 

Dezoito anos depois...

Ric Donato sentou-se com sua assistente, Kathryn Ledger, no escritório de Sidnei, para ver fotografias que mostravam as celebridades do Prêmio da Indústria Cinematográfica Australiana. Aquele foi o grande evento da semana. Fotógrafos autônomos - alguns com reputação, outros paparazzi - enviaram-nas para a agência pela Internet. Sua equipe as analisava para escolher as que seriam vendidas para as revistas de todo o mundo.

Sempre com classe, Ric pensava com considerável ironia. Era isso o que sua rede de agências vendia na Austrália, em Los Angeles, Nova York, Londres. Havia uma legião de contatos ávida por tirar proveito da fama que ele tinha.

As realidades implacáveis que ele fotografara como jornalista de guerra fizeram com que ganhasse prêmios e respeito em alguns locais, mas o apelo dessas fotografias era muito limitado. Ele aprendeu da forma mais dura que eram as fotos belas as mais vendidas. As pessoas queriam ver categoria. Elas se divertem com isso. Dão as costas ao sofrimento.

O enfoque nessas fotos compensava para os dois lados do mercado. Os ricos e famosos gostavam da garantia que ele dava de que nada negativo seria vendido de sua agência. Eles chegavam a alertar a equipe de Ric sobre oportunidades de fotografias, felizes em fornecer as demandas da mídia, desde que as fotos fossem publicidade positiva. E as revistas se fartavam do que ele podia fornecer, pagando muitos dólares pelas exclusivas.

Todos ficavam contentes.

A fórmula mágica do sucesso.

Classe...

Era a senha para o paraíso, pelo menos em termos de riqueza e aceitação na alta sociedade. Instintivamente, sabia disso aos 16 anos, mas se esqueceu quando tinha vinte e poucos e foi em busca de outras conquistas. Contudo, reaprendeu a tempo de construir o que virará um negócio multimilionário.

Kathryn baixou mais uma foto tirada no aeroporto - mais estrelas de Hollywood de partida, pensou Ric, observando preguiçosamente, quando um dos rostos chamou sua atenção.

Lara?

A cabeça dela estava abaixada. Usava óculos de sol. Aquela cor ao lado de sua bochecha seria parte de um olho roxo? Sua boca estava inchada, como se tivesse apanhado.

Ele desviou o olhar para o homem que a acompanhava. Era Gary Chappel, o rapaz com o qual se casou, herdeiro e atual CEO do império Nursing Home, construído pelo pai. Nasceu em berço de ouro e era do tipo bonitão, com bons antecedentes que poderiam tê-lo tornado um modelo de sucesso, se ele quisesse.

Mas ele não parecia tão atraente nesta foto: a boca estava cerrada em uma linha implacável, os olhos ocultos emanavam uma perversa ameaça. Uma de suas mãos apertava com força os ombros de Lara. A outra agarrava o braço, que estava preso entre eles dois.

- Uau! Isso é munição para as páginas de fofoca - observou Kathryn.

Gary e Lara Chappel, definitivamente um casal no topo da alta sociedade australiana, geralmente fotografado como duas pessoas lindas. Ric já vira várias fotos deles antes, mas jamais dessa forma.

- Apago? - perguntou Kathryn.

- Não! - ele deixou escapar. Kathryn olhou para ele, surpresa.

- Não é uma foto feliz, Ric.

- Imprima para mim e compre os direitos autorais.

- Mas...

- Se não comprarmos, alguém comprará. Como você disse, é munição para páginas de fofoca, e não quero que seja publicada - ele falou com seu estilo inflexível, forte demais para ser ignorado.

- Não faz parte do nosso negócio protegê-los, Ric - lembrou Kathryn, tentando entender a razão.

Ele a treinara para lidar com todo o negócio do escritório de Sidnei. Ela gerenciava quando ele estava fora. Confiava nela. Mas aquilo era pessoal. Profundamente pessoal. E não podia deixar passar.

Estranho não ter tido contato com Lara Seymour em todos esses anos, desde que fora para Gundamurra... mas o fato de vê-la como se tivesse sido vítima de violência física pelo marido afetou Ric.

E ali estava Kathryn, olhando para ele e perguntando se perdera o bom senso. Olhos verdes, cabelos avermelhados cortados em um estilo chique, rosto lindo, sempre bem arrumada em seu terninho, tudo em um pacote atraente que ainda tinha um cérebro que invariavelmente demonstrava uma inteligência sagaz. Gostava dela, desejava que fosse feliz no casamento que estava planejando com o namorado, um negociador astuto de um banco.

Na realidade, ele gostava muito de Kathryn e não tinha certeza se seu noivo era bom o bastante para ela. Mas jamais desejou Kathryn, não como queria Lara Seymour.

Para ele, Lara representava a perfeição da feminilidade: esbelta, proporcional, com maravilhosos cabelos louros esvoaçantes e brilhantes, um rosto de traços de delicada distinção, olhos do azul mais intenso, um sorriso lindo que era ao mesmo tempo tímido e convidativo, uma pele macia e perfeita que brilhava com uma luz que ele ansiava por tocar, por afagar. E andava como uma bailarina, muito graciosa.

Ele se concentrava com prazer em todos os detalhes dela, apesar de ela também apresentar o mistério do inatingível, forçando-o a... mas isso foi há muito tempo.

- Lara e eu nos conhecemos há muito tempo, Kathryn - ele falou, calmamente. - Ela detestaria ver isso exposto.

- Você... e Lara Chappel? - Kathryn estava atônita.

- Lara Seymour...

- Lara foi a razão... - Ela sentiu as faces corarem de constrangimento e rapidamente voltou o olhar para o computador. - Vou imprimir - murmurou.

- Razão de quê? - Ric insistiu, curioso. Ela olhou de relance.

- Não é da minha conta, Ric.

- Mas fale mesmo assim.

- As pessoas falam de você. Vamos encarar... você é um dos solteiros mais cobiçados do mundo. Podia ter um monte de mulheres, mas...

- Mas?

Ela finalmente olhou diretamente para ele.

- Nunca pareceu ter relacionamentos sérios. Ele sorriu.

- Tenho uma vida ocupada, Kathryn.

- Claro. - Ela balançou a cabeça e tratou de imprimir a fotografia.

Ric ponderou o que ela falou.

Sim, seria fácil namorar mulheres que achava atraentes. De alguma forma, a atração não durava muito. Sempre terminava achando tudo falso, consciente de que as mulheres se interessavam pelo que ele podia fornecer. Elas não o conheciam. Só queriam a parte dele que emanava o poder do grande sucesso e de muito dinheiro.

Certamente fizera de sua ambição a coisa mais importante. O mundo era mais ou menos sua ostra. Tinha apartamentos em Londres, Nova York e Sidnei, com uma divina vista do porto. Também tinha carrões em cada cidade: um Jaguar em Londres, um Lambourghine em Nova York, uma Ferrari aqui.

Ele lembrou rapidamente do Porsche que roubara para impressionar Lara. Podia comprar um. Mas não quis. Por que se lembrar de uma frustração, de uma derrota? Apesar de ele não ser mais aquele menino... será?

Será que alguém realmente foge do passado?

Ele olhou para a fotografia que Kathryn imprimiu, sentindo-se levar para um tempo em que ficar com Lara Seymour parecia mais importante do que qualquer outra coisa. De alguma forma, ela tinha sido o preenchimento de tudo o que ele sonhara.

- Tem um envelope? - ele perguntou, sabendo que tomaria uma atitude.

Kathryn pegou um envelope no armário e entregou a ele.

- Imprima mais cinco cópias... - Seus instintos insistiam em precaução. - Coloque-as no cofre. E depois apague.

Ela franziu a testa diante das ordens não usuais.

- Quanto devo pagar pelos direitos autorais?

- Não me interessa. - Ric colocou as fotos dentro do envelope e o lacrou. - Negocie o melhor preço que conseguir. - Ele se encaminhou para a porta com determinação. - O importante é que pago o quanto for preciso. Faça isso.

- Certo!- ela respondeu, aceitando a tarefa sem fazer mais perguntas, apesar de estar visivelmente confusa.

Ric não se importava. Se aquilo fosse uma indulgência consigo mesmo, poderia pagar. Mas parecia que Lara passava por uma situação ruim com Gary Chappel. A foto foi tirada no aeroporto. Será que ela estava tentando fugir do marido?

Abuso doméstico pode ocorrer em qualquer local, e com freqüência é escondido, por vergonha e medo. Sua própria mãe fora vítima de abuso, morrendo de ruptura nos rins. Ric, criança ainda, tentou protegê-la e foi agredido. Pelo menos, seu pai foi preso por isso, mas Ric nunca esqueceu o medo de testemunhar contra ele no tribunal.

Se Lara estivesse vivendo este tipo de medo...

Não era da conta dele. Não tinha o direito de se meter. Entretanto, não podia ignorar o fato. Seu coração queimava ante a necessidade de agir. E sentia uma enorme e desenfreada exultação em ter poder para isso: o poder de fazer o que quisesse.

Não era mais um menino de rua.

Era um rapaz rico.

E tinha classe.

E dinheiro para torrar da forma que quisesse.

Quanto a isso, podia mais do que se igualar a Gary Chappel.

Estava satisfeito por ter vestido seu terno Armani naquela manhã, escolhido mais porque ia encontrar Mitch Tyler na hora do almoço, na cidade, do que para trabalhar propriamente. Advogados sempre usavam terno, e Mitch era um advogado de primeira. Ele fez o que teve vontade de fazer. Johnny Ellis também obteve sucesso com várias de suas músicas country. Mesmo depois de todos aqueles anos desde que voltaram de Gundamurra, os três ainda se comunicavam quando estavam no mesmo local.

Nenhum dos três se casou.

Enquanto Ric entrava em sua Ferrari, imaginava se Mitch e Johnny tinham o mesmo problema com as mulheres que namoravam, sem capacidade de envolvimento depois de um certo tempo. Os três provavelmente compreendiam um ao outro mais do que qualquer mulher poderia. Na realidade, talvez precisasse de Mitch para derrotar Gary Chappel, se essa fosse a vontade de Lara.

Dirigiu do estacionamento do escritório, em Circular Quay, até o subúrbio. O envelope contendo a fotografia estava no banco ao seu lado; uma arma importante em uma guerra que poderia travar, se Lara quisesse ser libertada.

Ric sabia onde ela morava. Não que a estivesse seguindo. Houve muita publicidade quando Gary Chappel comprou a mansão de 15 milhões de dólares na orla do porto em Vaucluse, com fotos de Lara mostrando as reformas que fizeram.

A dona de casa perfeita para a posição que tinha, pensou Ric na ocasião. Não imaginou nem por um momento que a vida particular de Lara pudesse ser péssima. Ela parecia ter sido abençoada... e ainda inatingível. Não havia por que armar um encontro com ela. Que o passado ficasse para trás, ele dizia a si mesmo. Nada de bom aconteceria... só mais frustração e derrotas.

Então, por que estava abrindo uma exceção agora?

Porque a imagem que sempre tivera da vida encantadora de Lara estava mudando.

O que pretendia conseguir se intrometendo? Quem pensava que fosse? Um super-herói?

Bem, podia parecer piada, mas Ric sabia que não conseguiria descansar até descobrir a verdade por trás daquela fotografia.

Foi para Vaucluse movido por sua determinação. E foi a determinação que fez com que tocasse a campainha da porta da mansão e que agüentasse a espera diante da porta, que não foi aberta por Lara, mas por uma mulher de meia-idade. Os cabelos grisalhos com permanente e o vestido do uniforme de botões azul-royal fizeram com que Ric imediatamente a associasse a um membro da equipe de empregados. Provavelmente a governanta.

- Meu nome é Ric Donato. Vim visitar a Sra. Chappel - ele declarou, ainda mais determinado.

- Desculpe, Sr. Donato, mas a Sra. Chappel não está recebendo visitas hoje - ela falou, revelando que Lara estava em casa.

- Ela me verá - ele respondeu sorrindo, com o envelope na mão. - Por favor, entregue este envelope para a Sra. Chappel e diga que Ric Donato veio discutir o conteúdo com ela. Esperarei a resposta.

- Está certo, senhor.

Ela pegou o envelope e fechou a porta.

Ele aguardou.

De uma certa forma, era chantagem. Lara saberia que aquela não era a única cópia da fotografia. Poderia ter medo da forma como seria usada. Esse medo abriria as portas para ele. E então entraria em sua vida novamente.

Por quanto tempo, ele não sabia.

Pensava nisso como... algo de que não podia fugir.

 

Lara estava sentada na cadeira de balanço do quarto de bebê, enquanto pensava que nada faria com que saísse daquela depressão de viver presa com Gary. Tinha que fugir. Precisava. Mas como?

Olhava para o berço vazio, a cômoda vazia e todo o resto da mobília que comprara para o bebê que não teve. Natimorto. Desejava ter morrido com ele. A última escapatória. Provavelmente, a única. Gary a vigiava muito para deixá-la fugir. Tinha olheiros em todos os locais.

Além disso, tinha que fugir antes que ele a engravidasse novamente. Desejava desesperadamente que isso não tivesse acontecido na noite anterior. Seria insuportável. Conseguiu comprar uma caixa de pílulas anticoncepcionais na farmácia em King Cross, mentindo ao dizer que deixara a receita em casa e prometendo levá-la no dia seguinte. Mas estava tomando há apenas duas semanas e não sabia se funcionariam.

Uma criança a prenderia naquele casamento para sempre. Seria impossível escapar. Gary colocaria a justiça atrás dela, obtendo a custódia. Sentia-se mal só de pensar em deixar uma criança com ele. Isso não poderia acontecer.

Marian Keith surgiu na porta com um grande envelope branco na mão. Foi Gary quem a contratou, e ela era muito grata pelo salário que recebia. Todos os funcionários eram contratados por Gary, e se reportavam a ele. No entanto, algumas vezes Lara sentia o olhar de simpatia e preocupação da governanta. Mais de uma vez, Marian Keith viu o que acontecia na casa. Não que tivesse presenciado muito. Gary era cuidadoso para manter sua tirania em privacidade.

- Com licença, Sra. Chappel, há um rapaz na porta...

- Você sabe que não posso receber visitas hoje, Sra. Keith - ela falou, balançando na cadeira, com o olhar fixo nos motivos de Walt Disney colados na parede. Branca de Neve. Fez uma careta. Certamente comera uma maçã envenenada ao se casar com Gary Chappel. E não havia ninguém para salvá-la. Ninguém.

- Ele insistiu muito. Um senhor Ric Donato... Foi um choque no coração de Lara.

- Quem? - perguntou, sem aceitar o que ouviu.

- Ele disse que seu nome era Ric Donato. Inacreditável, depois de tantos anos! Ela voltou ao passado. Quantas vezes o procurou, desejando estar com ele novamente, sem se importar quem era ou o que tinha feito. Ric Donato. Ricardo...

Um sonho perdido.

Um sonho que enterrou com o passar dos anos sem sinal dele, sem contato. Agora era tarde. Impossível deixar que a visse daquele jeito.

- Ele me pediu para lhe entregar isso. - Marian Keith entrou no quarto e mostrou o envelope para Lara. - Está esperando na porta. Disse que a senhora gostaria de conversar sobre o conteúdo com ele, Sra. Chappel.

Lara balançou a cabeça, mas pegou o envelope e o abriu, curiosa para ver o que tinha dentro. Mal retirou o papel e se viu novamente chocada diante do que tinha lá dentro.

Instintivamente, colocou a foto novamente no envelope para escondê-la. Por alguns minutos, ficou paralisada de pavor com as conseqüências da publicação daquela fotografia.

- O que devo dizer a ele, Sra. Chappel?

Ele... Ric Donato esperando... preparado para discutir sobre o conteúdo do envelope.

Ela não tinha alternativa.

Era permitir que ele entrasse ou...

O coração palpitou. O peito estava apertado. Respirou fundo e tomou a única decisão que poderia salvá-la da fúria de Gary.

- Leve o Sr. Donato ao pátio. Eu o encontrarei lá. Hesitação. Preocupação.

- Tem certeza, Sra. Chappel?

Gary descobriria que ela recebeu visita. Não tinha como fugir disso. Teria que confessar a razão. Deus! Não tinha como escapar. Mas era melhor evitar que aquilo fosse a público e ser punida por ter causado a cena que foi capturada por algum fotógrafo.

- Tenho certeza, Sra. Keith - ela falou, mais confiante do que realmente estava.

- Está bem. - Ela balançou a cabeça em aquiescência e se retirou.

Lara não conseguia se mexer. O envelope que segurava parecia dinamite acesa, e nada impediria que explodisse estrondosamente. Mesmo que fosse capaz de impedir a publicação da foto, Gary detestaria que alguém soubesse daquilo, e Ric Donato sabia. Esquivou-se de enfrentar o reconhecimento nos olhos dele - olhos escuros como veludo marrom, que um dia a acariciou, fazendo com que se sentisse...

Estremeceu, imediatamente tentando afastar tais pensamentos da memória. Tinha apenas 15 anos, e Ric, 16. Tinha sido uma fixação totalmente romântica... um sonho louco... Romeu e Julieta... que terminou porque jamais teria chance de sobreviver no mundo real.

E Lara pensou que tudo aquilo era uma questão de sobrevivência.

Levantou-se, conscientizando-se de que o encontro com Ric Donato era inevitável. Correu até o banheiro para verificar a aparência. A maquiagem quase escondia o descoloramento ao redor dos olhos. O batom passado cuidadosamente minimizava o inchaço de seus lábios. Os cabelos louros compridos, como sempre, estavam macios, caindo brilhantes sobre os ombros. Mesmo em casa, Gary exigia que ela mantivesse a aparência impecável.

Vestia calça jeans clara e camisa de manga comprida listrada de marrom e branco. O punho escondia o machucado no pulso. Nada era mostrado, exceto... ela colocou óculos escuros, perfeitamente razoável para um encontro no pátio, considerando o reflexo que vinha da piscina.

Provavelmente, aquilo era um orgulho estúpido, debochou de si mesma. Ric Donato não seria enganado. Não veio para ser iludido, mas então por que veio...? Lara respirou fundo em uma tentativa desesperada de acalmar sua agitação interior. Tinha que encará-lo, independentemente da motivação que o levara ali.

Ela levou o envelope com a fotografia para o pátio, tentando conter o medo que causava dor em seu estômago. Eleja estava lá, olhando para as águas do Porto de Sidney.

Ficou surpresa de vê-lo vestindo terno. O corte e o modelo faziam com que ela se lembrasse de quem Ric Donato era agora: um homem que podia comprar quantos ternos de grife quisesse, um homem com poder de transmitir segredos para um mundo ávido por fofocas. Ao longo dos anos, leu alguns artigos sobre ele; de repórter fotográfico premiado a dono de uma rede de agências de fotografia em todo o mundo.

Mas se pegou olhando para os cabelos encaracolados negros que ele ainda usava longos o bastante para cair sobre o colarinho, lembrando um Ric Donato bem mais jovem; lembrando de seus dedos emaranhado nesses cachos...

Um beijo.

Foi tudo o que houve entre eles.

Apenas um beijo...

Ele se virou abruptamente, como se de repente sentisse sua presença. Ela não podia fitá-lo nos olhos, olhos que deviam saber onde ela estava no momento. Sentiu-se envergonhada, totalmente oprimida. Como sua vida se transformara em uma prisão de medo? Era como um caminho sem volta.

- Olá, Lara.

A voz macia e suave fez com que a pulsação dela acelerasse. E ainda assim não conseguia encará-lo. Olhou para a boca de Ric: um lábio inferior carnudo e um lábio superior enfaticamente curvado. Sexy e sensual. Um contraste marcante ao queixo pronunciado e ao nariz romano, muito masculino.

Ela se lembrou de como ele a beijou... lentamente, e de forma tão sedutora, cortejando sua alma romântica na época. Se ao menos pudesse voltar ao passado, fazer escolhas diferentes, seguir caminhos diferentes...

- Ric... - ela se forçou a falar o nome dele. Ele apontou para o envelope em sua mão.

- Foi tirada no aeroporto e enviada para minha agência de Sidnei hoje de manhã. À venda para quem se interessar em comprar.

- Você ainda não vendeu? - ela se entregou, corando e incapaz de conter o pânico.

- Não. E não venderei, Lara - ele garantiu. - Na realidade, acabei de ligar para minha assistente, que me falou que estamos com os direitos autorais.

- Pago o que for preciso.

Ele balançou a cabeça.

- Isso é irrelevante. Lara gesticulou, incrédula.

- Não entendo. Por que você veio se não para...

- Fazer um bom investimento? - A boca dele se curvou em um sorriso irônico. - Estranhamente, vim por sua causa.

- Por mim? - Ela quase gritou. Sentia-se quase engasgada por uma emoção caótica. Ela o encarou. O que os olhos dele demonstravam? Brilhavam com um objetivo indefinível, certamente ligado a ela, fazendo com que se sentisse estranhamente tímida.

- Tire os óculos, Lara. Você não precisa esconder de mim.

- Não estou... - Ela interrompeu a mentira, mas mostrar o rosto... seria muita humilhação. - Deixe-me manter o mínimo de orgulho, Ric.

- Não se trata de orgulho. Trata-se de verdade. Somente entre nós dois - ele declarou calmamente, transmitindo-lhe a confiança de que ela tanto precisava.

Além disso, ele tinha aquela foto. Que deixou de publicar. Isso não provava que estava mantendo a situação encoberta?

Com um ligeiro suspiro derrotado de resignação, retirou os óculos, revelando o machucado que reduzia um de seus olhos a uma fenda estreita e roxa.

- Verdade nua e crua - ela falou, lutando para conter as lágrimas.

Ele balançou a cabeça.

- Nunca contei que minha mãe era uma esposa violentada.

Lara se esquivou diante do rótulo de violentada.

- Ela morreu em decorrência das agressões cometidas pelo meu pai quando eu tinha oito anos - ele continuou, persistindo sobre o que poderia ocorrer. - Não consegui salvá-la em nenhuma das vezes que tentei interferir para conter a violência dele.

- Sinto muito... - Ela balançou a cabeça, engolindo em seco para segurar as lágrimas. - Não, você nunca me contou - ela respondeu, tentando desesperada-mente manter alguma dignidade.

- Mas posso salvar você, Lara. Se quiser.

- Oh, Deus! - Não conseguia mais se controlar. Caminhou até a cadeira mais próxima, desabou nela e escondeu o rosto com as mãos, apoiando os cotovelos na mesa, enquanto chorava diante da impossibilidade de ser salva de um marido que não a deixaria partir.

Estava consciente de que Ric Donato a estava observando, esperando. Pelo menos não tentou tocá-la ou falar palavras confortantes, o que teria sido insuportável. Ele ficou do outro lado da mesa, parado feito uma estátua, mudo, sem fazer nada, apenas dando a ela o tempo necessário para se recompor. O que aconteceu eventualmente, quando ela não tinha mais nenhum orgulho. Mas como Ric falou, não era uma questão de orgulho.

- Obrigada. Mas você não pode fazer nada. - Ela levantou a cabeça, deixando que ele visse a verdade em seus olhos. - Exceto o que já fez... com a fotografia. Fico muito agradecida... por ter impedido a publicação, Ric.

Ele ainda tinha aquele olhar sombrio.

- No aeroporto... você estava fugindo dele?

- Não consegui - ela admitiu. - Todos aqui... se reportam a ele. Não posso ir a lugar algum... sem que ele saiba.

- Não tem apoio da família, Lara? - ele perguntou, preocupado diante de sua falta de ajuda.

- Meu pai enfartou. - Os olhos dela refletiam a ironia da situação. - Está em uma das clínicas de Chappel. Minha mãe não quer ouvir nada contra Gary. É muito... ameaçador...

Ela não continuou. Ric sabia que era filha única. Não tinha irmãos a quem recorrer. E era Gary quem escolhia seus amigos. Ela perdeu contato com as amigas que tinha na época em que era modelo.

- Mas você quer deixá-lo - ele pressionou.

- Oh, sim. - Ela lançou um olhar irônico para ele. - Não sou masoquista, Ric.

- Será, Lara? - ele desafiou. - Até onde você iria para tirar Gary Chappel da sua vida?

Ela balançou a cabeça, na defensiva.

- Isso não é possível.

- Sim, é - ele falou com uma confiança tão arrogante que fez com que ela retrucasse com enorme frustração.

- Você acha que não testei o que posso e não posso fazer?

- Você passaria um ano em um rancho de criação de ovelhas no deserto, longe de tudo o que conhece?

O deserto? Ela jamais pensou nisso como uma rota de fuga. Nunca esteve lá. Não conhecia ninguém. Não tinha idéia de como as pessoas viviam lá. Mas elas viviam. E ela se livraria do medo, o medo que conhecia tão intimamente.

- Sim - ela falou, se opondo a qualquer outro julgamento que ele pudesse fazer sobre a vida rica e privilegiada que sempre vivera. O desespero pedia medidas desesperadas.

- Está preparada para sair comigo agora? Sem bagagem. Só você, vindo comigo e deixando tudo isso para trás...

- Com... você?

Ficou confusa com essa surpresa. Ric Donato não estava sendo teórico. Estava realmente perguntando a ela... e ela não conhecia o homem que era no momento. Como podia concordar com uma ação drástica quando sua única experiência pessoal com ele era uma lembrança romântica da adolescência? Isso foi... há dezoito anos!

- Sou seu porto seguro, Lara - ele falou, sem hesitar. - Posso deixá-la em Gundamurra, onde você ficará protegida de qualquer possível perseguição de seu marido. Você terá um refúgio seguro durante o tempo que leva o divórcio.

Gundamurra... parecia o fim do mundo... primitivo...

- Seria melhor você decidir rapidamente - ele aconselhou. - Se o que você diz é verdade e todos se reportam ao seu marido, ele já pode estar ciente da minha visita e suspeitar dela.

- Como posso confiar que você fará o que está afirmando? - ela perguntou, paralisada diante do medo das conseqüências de tomar aquela decisão.

- Estou aqui, oferecendo. O que você tem a perder se confiar em mim?

- Se você falhar, será muito pior.

- Não falharei.

- Gary disse que haveria um homem me vigiando, vigiando a casa, os meus passos.

- Meu carro está estacionado na frente da sua casa. Tenho os recursos necessários para fugir de qualquer um que nos siga.

Ele falava calmamente, com uma segurança tão indo-lente que acalmava o pânico que tomava conta dela. No lugar do medo, surgiu uma grande esperança. Ele podia fazer isso? Será? Levá-la para um lugar seguro em que Gary não pudesse encontrá-la?

Um rancho de criação de ovelhas no deserto.

Por que não?

Devia ser mais civilizado do que viver assim.

- E a sua chance, Lara. Será uma vida diferente, mas pelo menos você ficará mais tranqüila.

Ela respirou fundo.

- Esse Gundamurra... pertence a você?

- Não. Mas morei lá. E você seria bem-vinda. É um bom lugar para espairecer... se você quiser.

Ela só conseguia pensar em liberdade, mas liberdade também tinha um preço.

- Se fizermos isso... e conseguirmos chegar lá... Vou ficar devendo um grande favor a você, Ric.

Ele sorriu levemente.

- Não se trata de dinheiro.

Dinheiro? Ela sequer pensou em dinheiro. Olhando para o homem que ele se tornou, poderoso o bastante para desafiar Gary, imaginava o que ele queria dela.

Estaria ajudando somente por compaixão pela situação? E se ele fosse como Gary, que não se importava com as suas aspirações? Não, não podia ser assim, ou não teria falado da mãe. Estava deixando o medo tomar conta de seus instintos.

- Você poderá me pagar o que acha que me deve depois de se divorciar - ele falou, quebrando o silêncio.

- Como vou providenciar o divórcio se estarei...?

- Conheço a pessoa que pode fazer isso. Não se preocupe, Lara. Mitch vai encostar Gary Chappel na parede de forma que ele não poderá tentar se reaproximar.

Ela balançou a cabeça, incrédula. Tudo estava acontecendo tão rápido, queria se agarrar a todas aquelas promessas.

- Tem certeza?

- Absoluta. - Os olhos escuros dele brilharam com mais determinação ainda quando se aproximou e pegou o envelope que ela deixou sobre a mesa. - Esta foto será usada para obtermos uma compensação justa pelo que você sofreu nas mãos de Gary Chappel.

Ela olhou para ele e notou a mesma força incontrolável que notava no Ric Donato adolescente. Mas ele foi controlado... pela polícia, por causa do roubo do carro.

Agora não havia necessidade de roubar. Ele tinha dinheiro e poder para manter-se incontrolável em qualquer projeto a que se dedicasse. Ao reconhecer isso, Lara se encheu de esperança. Certa ou erradamente, confiou nele. Independentemente dos riscos, valia a pena aceitar a proposta. Pelo menos devia tentar.

Ela afastou a cadeira e se levantou, sentindo adrenalina em todo o corpo.

- Eu vou, estou pronta. Decisão tomada.

Ele balançou a cabeça, aprovando a atitude dela.

- Não precisa trazer nada além de uma bolsa comum, Lara. Com carteira de motorista e tudo o que você levaria normalmente para sair, certo?

Ela estava totalmente ciente da precisão da instrução: nada que sugerisse uma partida.

- Levarei apenas alguns minutos, Ric. Você me espera aqui?

- Sim. Pode colocar os óculos escuros novamente. Ela o fez e se flagrou sorrindo para ele, de cabeça erguida diante da promessa de ser livre.

- Obrigada, Ric. Ele retribuiu o sorriso.

- Sempre quis ser um cavaleiro a salvar uma donzela em perigo. É muito bom poder ajudá-la, Lara. É o bastante para mim.

Era a reafirmação de que ela estava a salvo com ele.

Ele não queria nada em troca.

Talvez contos de fada pudessem se tornar realidade, pensou Lara, correndo para pegar a bolsa.

Se Ric pudesse salvá-la de Gary, ele seria um verdadeiro príncipe.

 

Os minutos corriam e cada segundo parecia crucial para Ric. Ele caminhava pelo pátio, desejando que Lara não tivesse mudado de idéia ou entrado em pânico diante da decisão. Ele olhava para o relógio. Tempo era fundamental. Se alguém tivesse contado a Gary Chappel sobre sua visita... se ele viesse para casa... um confronto antes da partida deles podia arruinar tudo.

Barulho de passos...

Ele se movimentou para ir ao encontro dos passos, com todo o corpo tomado de tensão.

Lara... trazendo uma bolsa e um chapéu.

- Estou pronta - ela declarou, com determinação na voz e uma certa empolgação.

- Vamos - ele falou, sem notar nenhuma hesitação em Lara, para seu alívio.

A governanta estava no saguão. Olhou ansiosamente para os dois.

- Sra. Chappel...?

- Vou sair um minuto - respondeu Lara, se dirigindo à porta. - Não vamos demorar, Sra. Keith.

A governanta a acompanhou até a porta.

- Sra. Chappel. - Era um pedido para Lara reconsiderar.

Sabia o que estava acontecendo ali, pensou Ric, que não gostou do que viu. Ele apoiou a mão em um dos ombros da governanta, fitando-a.

- Não se preocupe. Cuidarei dela.

Ela balançou a cabeça ligeiramente e se afastou, deixando que os dois saíssem, sem protestar.

- Este carro chama atenção, Ric - exclamou Lara com medo.

- Não ficaremos nele por muito tempo - ele garantiu.

Era bom estar atrás do volante e ligar o carro. Tinha Lara sob sua custódia agora, e nada o impediria de pegar um avião para Gundamurra. A tentação de correr em alta velocidade era grande, mas o mais inteligente seria dirigir normalmente.

Mal ele saiu da mansão dos Chappel, e um carro cinza, modelo sedan, que estava estacionado no acostamento, começou a segui-lo, ficando na cola da Ferrari. O motorista que o dirigia que usava óculos escuros e um boné.

Ric não tinha intenção de enfrentá-lo. Era melhor fazer isso quando menos esperasse. No primeiro sinal fechado, usou o telefone do carro para entrar em contato com o escritório da Circular Quay. Kathryn não demorou a atender. Falou com ela enquanto dirigia.

- Kathryn, estou indo para o escritório. Lara Chappel está comigo e preciso de sua ajuda. Limpe sua mesa para as próximas duas horas, pegue sua bolsa e as chaves de seu carro e me espere no estacionamento do subsolo. Chegaremos em dez minutos. Certo?

- Estarei esperando, Ric.

- Fale para a secretária que você vai ter uma reunião de negócios com o editor de uma revista e só volta à tarde.

- Certo.

- Obrigada.

- Quem é Kathryn? - perguntou Lara na mesma hora, claramente apreensiva por outra pessoa saber o que eles fariam.

- Kathryn Ledger. Minha assistente executiva no escritório de Sidnei. Confio nela cegamente.

- Foi ela que comprou a foto?

- Sim.

Lara respirou fundo.

- Presumo que vamos ter que trocar de carros.

- É preciso. Não vire para olhar, mas estamos sendo seguidos por um cara num carro cinza.

Ela apertou as mãos no banco.

Ric imaginou quantas vezes ela foi impedida de fugir. E foi punida. Irrelevante, disse a si mesmo. Aquilo era passado. Tinha que assegurar o futuro de Lara.

No próximo sinal vermelho, ligaria para o aeroporto de Bankstown para entrar em contato com o responsável pelo avião de Johnny.

- Aqui é Ric Donato. Vou pegar o avião de Johnny para ir para Bourke. Por favor, envie-o para a pista com um plano de vôo o quanto antes. Devo chegar em uma hora.

- Farei o possível, Sr. Donato. Deseja bebidas a bordo?

- Sim, para duas pessoas.

- Sem problemas.

Ouviu Lara respirar fundo novamente.

- Um avião particular? - perguntou. Ele balançou a cabeça.

- Pertence a um amigo meu. Tenho autorização para usar sempre que precisar. Johnny está nos Estados Unidos, e não precisará dele.

- Você sabe pilotar? - a voz dela parecia surpresa. Ele sorriu.

- Não se preocupe. Tenho licença para pilotar e tenho milhares de horas de vôo.

- Bourke...?

- Primeira parada. Vamos comprar algumas roupas para você antes de irmos.

- Não trouxe muito dinheiro. Mas tenho os cartões de crédito. Se Gary não...

- Não. Nada de cartões de crédito. Você pode ser rastreada quando usá-los. Eu tenho dinheiro. Considere um empréstimo.

Ela não se opôs.

Ric estava contente por ela ter presença de espírito e não encrencar com o plano que ele ainda arquitetava.

Aquilo tudo fazia com que se lembrasse dos anos em que ação e planejamento rápidos eram cruciais para sobreviver. Naquela época, muita adrenalina corria em seu sangue. Agora era uma batalha diferente, mas não deixava de ser uma batalha. A vida de Lara corria perigo.

Quanto a isso não havia dúvidas. E a evidência do rapaz os seguindo selou a verdade do que Lara contara a ele. A mansão Vaucluse era uma prisão, e Gary Chappel merecia perder a esposa.

Somente o tempo diria se o mal que o desgraçado fez a Lara era irreparável. Ric tinha a intenção de dar esse tempo a ela. Estranho, depois de todos esses anos ele ainda se sentia fortemente ligado a ela. Seu primeiro amor. Seu único amor, se é que se podia considerar assim. Mais uma fantasia, dizia a si mesmo, e Gary Chappel se encaixou de certa forma na fantasia. Só que a verdade sobre o casamento deles era muito diferente do que ele imaginava, e Ric sentia uma enorme fúria contra o homem que deixou Lara tão arrasada.

Olhou para as mãos dela e viu que ela retirou os anéis. Um ato de bravura, considerando que estava amedrontada. E também uma enorme prova de que ela confiava no que ele prometia. Isso demonstrava que ela também se sentia emocionalmente ligada a ele. Talvez uma ressaca do passado, lembrando a relação inocente que tiveram.

Não importa... ela veio com ele e Ric não trairia sua confiança. Primeiramente, e mais importante, ela tinha que ficar a salvo. Depois, ela deveria pedir o divórcio. E isso o fez lembrar do encontro na hora do almoço.

Ele ligou para o escritório de Mitch e deixou um recado cancelando o almoço e dizendo que ligaria para ele à noite.

- Este é o advogado de quem falei - ele explicou para Lara. - Mitch saberá como conduzir seu divórcio.

- Um advogado... - ela olhou curiosamente para ele. - Seus amigos podem ser muito úteis, Ric.

Tinha muitos amigos, mas só podia contar com alguns deles em uma situação como aquela.

- Johnny e Mitch estiveram comigo em Gundamurra - ele falou. - E o dono do rancho, Patrick Maguire, foi como um pai para nós em um momento importante de nossas vidas. Todos estes homens fariam tudo o que pudessem para protegê-la, Lara.

- Atendendo a um pedido seu? Ele balançou a cabeça.

- Porque não gostam que as pessoas sejam feridas, e nenhum deles se intimidaria pelo que seu marido é capaz de fazer.

Ela suspirou.

- Esse é um pedido e tanto. Ele sorriu para ela.

- Todos eles são homens de verdade. Ela sorriu.

- Você também é. - E depois se preocupou. - Não quero que Gary o arruíne, Ric. Ele faz as coisas à maneira dele. Haverá... repercussões... por você me ajudar.

Era impressionante que estivesse preocupada com Gary e seus amigos quando sua própria vida estava em jogo.

- Há momentos em que certas coisas devem ser interrompidas, Lara - ele falou, calmamente. - E seríamos pessoas mesquinhas se não o fizéssemos.

Havia tantas injustiças no mundo. Por anos, ele as demonstrou com sua câmera, mas as fotos que tirou não fizeram tanta diferença. Elas eram simplesmente um registro do quanto o homem podia ser desumano com seus semelhantes. Talvez aquilo o impulsionasse no momento: a necessidade de fazer a diferença, ainda que fosse somente com relação à vida de Lara.

Ele dirigiu até o estacionamento e usou o cartão para entrar.

- O segurança de Gary não pode nos seguir aqui de carro. Temos tempo de fazer a troca. Teremos que nos abaixar no carro de Kathryn para que ele não nos veja saindo. Tudo bem?

- Sim.

A fuga ocorreu normalmente. Não houve obstáculos. No meio da tarde eles estavam em Bourke. Ric abriu uma conta em um banco local, colocou Lara como dependente, depositou alguns milhares de dólares, deu dinheiro a ela e a mandou fazer compras. Também deu as chaves do carro que alugou no aeroporto.

- Do que precisarei, Ric? - ela perguntou, ansiosamente. - Este é um território totalmente novo para mim. Quero estar de acordo.

Uma boa e positiva atitude.

Ric estava contente por ela ter aceitado o desafio de passar um ano no deserto, demonstrando que não era a rica e mimada que brigava contra a vida. Ele imaginava como ela lidaria com o isolamento, se gostaria ou detestaria. Somente o tempo diria.

- Shorts, calças jeans, sapatos confortáveis, sandálias - ele falou. - Você precisará de um casaco. E de alguns suéteres. Pode esfriar à noite. Compre coisas casuais. Nada muito clássico. Olhe ao redor. Veja o que as pessoas vestem.

Não que ela fosse ver qualquer pessoa nos próximos meses. Era fim de fevereiro, estação das chuvas, e a estrada para Gundamurra estaria intransitável. A única forma de chegar seria de avião. Mesmo que Gary Chappel descobrisse seu paradeiro, seria impossível chegar até ela. Patrick Maguire ficaria atento a isso.

- Você deve correr, Lara - ele advertiu. - Temos que sair daqui cerca de cinco horas para podermos aterrissar em Gundamurra antes do pôr-do-sol.

- Serei rápida - ela prometeu, sorrindo. - Ninguém vai se importar com a minha aparência, vai?

Foi sua primeira expressão de despreocupação. Ric sentiu o próprio coração se encher de prazer.

- Ninguém ligará. No deserto, você não é julgado por suas roupas. É a pessoa que conta, Lara.

- A pessoa... - Ela sorriu. - Eu perdi a menina que você conheceu, Ric.

Ele balançou a cabeça. Impossível voltar. Os dois cresceram, não eram mais aqueles dois adolescentes.

- Esta é a chance de descobrir quem você é agora- ele falou. - Encontro você no carro às cinco.

Observou-a caminhando pela rua e viu que ela aproveitava o primeiro gosto da liberdade. Era bom vê-la sem medo, ver a diferença. Era uma recompensa e tanto para o que fizera.

A próxima etapa seria avisar Patrick sobre a chegada deles. Foi ao correio para usar um telefone público, com medo de que seu telefone celular fosse rastreado. Felizmente, Patrick estava em casa e não no pasto.

- É o Ric - ele falou. - Estou em Bourke. Vou aterrissar em Gundamurra antes do sol se pôr.

- Ótimo! Encontrarei você na pista. - Ele tinha prazer em sua voz.

- Patrick, estou levando uma pessoa comigo e prometi que ela poderia ser sua hóspede por um ano.

- Um ano? - ele ficou impressionado com o tempo. Ric explicou rápida-mente a situação. Patrick ouviu e não fez nenhum comentário até ele terminar.

- Esta é sua Lara, Ric? - ele perguntou. - A menina por quem você roubou o carro?

Sua Lara. Ela nunca fora dele, e não era agora. Ainda...

- Tive que salvá-la, Patrick. Você a manterá segura para mim? Precisa de tempo para acabar com o casamento.

- As coisas podem não acontecer como você imagina, filho - ele advertiu, seriamente. - Não é bom ela sair de uma prisão para outra, se ela se sentir assim em Gundamurra. Mas será bem-vinda aqui por quanto tempo quiser ficar.

- É tudo que peço. - A escolha era de Lara. Ele não podia - não queria - que ela agisse contra a própria vontade.

- É justo.

- Obrigado, Patrick.

- Não vejo a hora de conhecê-la.

As coisas podem não acontecer como você imagina... Ric ponderou essas palavras enquanto esperava Lara tomando um café no Gecko Café.

O que ele queria dizer com isso?

Sabia o que não queria: que Lara fosse uma esposa violentada.

Todavia, além de libertá-la de Gary Chappel... ele queria ver felicidade em seus olhos... reencontrar alguma coisa da menina que um dia fez cada momento passado ao seu lado incrivelmente especial.

Mágico.

Ou esse seria um sonho de juventude, a tentativa de tocar as estrelas?

Balançou a cabeça, aceitando o que Patrick dissera. Mas isso não matava a esperança que tinha no coração.

 

Ric estava encostado no carro em uma postura de relaxamento. Deixara o paletó no avião e tinha as mangas arregaçadas e o colarinho aberto.

Lara parou ao caminhar para o carro. Ao olhar para ele assim, à distância, notou que era mais bonito do que Gary. Seus braços eram muito musculosos, e os ombros, largos.

Ela jamais imaginou que um repórter fotográfico tivesse que se exercitar, mas é claro que devia haver uma área de lazer nas zonas de guerra. E se Ric trabalhou no rancho de ovelhas do deserto...

Mas como ele foi parar em Gundamurra pela primeira vez?

Uma escolha estranha para um garoto da cidade.

Podia ser muito rico agora, mas certamente era muito diferente dos homens que conhecia. Nesse ponto, Ric Donato não mudou. Era diferente e ela gostava da diferença. Nunca teve medo disso. Era atraente, excitante. Contudo, mais do que isso, ela sabia instintivamente que ele jamais a machucaria.

Será que era pelo fato de ter visto sua mãe agredida?

Mesmo quando eram adolescentes, ele a tratava com cuidado, como se ela fosse um bibelô. Como uma princesa...

Bem, agora ela era pouco mais do que uma mendiga, mas não queria mais ser vista como uma princesa novamente. Estava caminhando contente com as novas roupas que comprou. Não havia enfeites nelas. Não havia elegância. Agora que estava livre de Gary, seria uma pessoa, e não um cavalo de raça a ser exibido como possessão masculina.

Ric a viu e acenou, pronto para partir. Um homem de ação, ela pensou, quase tonta de felicidade, ainda impressionada com a forma com que ele se envolveu com sua fuga, chegando até a pilotar um avião particular. Mas era bom lembrar que ainda não tinha chegado ao destino final. Ainda assim, não se importava onde era ou o que era. Ric disse que seria seguro, e acreditava nele.

Acreditou ainda mais quando se aproximaram da pista de pouso de Gundamurra. Viu a imensa e vasta paisagem, uma planície sem fim, longe da civilização.

- Qual o tamanho de Gundamurra? - ela perguntou.

- Cento e sessenta mil hectares - respondeu de cabeça. - Patrick cria 40 mil ovelhas aqui.

Lara fez as contas.

- Você quer dizer que cada ovelha tem quatro hectares?

Ele sacudiu a cabeça.

- Pode ser muito difícil conseguir comida aqui.

- Como Patrick toca uma propriedade tão grande?

- Avião, caminhão, cavalo, moto. Depende do que deve ser feito.

- As construções... parece uma pequena vila lá embaixo.

- Casas, casa do gerente, residência dos peões, a casa do cozinheiro e o refeitório, a tosquia, o estoque, o escritório do rancho, a escola. Normalmente, são 12 pessoas trabalhando. Com as famílias, cerca de trinta pessoas moram no rancho. Você terá companhia, apesar de não ser o que está acostumada. E é isolado. A correspondência chega uma vez por semana. Por avião.

Como uma ilha, suficiente por si só, pensou Lara. Só que era cercada de terra, e não de água.

- Como você veio para Gundamurra, Ric? Como você ouviu falar daqui?

Ele encolheu os ombros.

- Quando fui condenado por roubar o Porsche, o juiz me deu uma alternativa: cumprir pena num reformatório juvenil ou trabalhar num rancho no deserto.

Então foi isso que aconteceu com ele!

- O Patrick criou o programa como alternativa para jovens que merecessem uma segunda chance - prosseguiu Ric. - Em nosso primeiro encontro, ele disse que Gundamurra significava "Bom dia" no idioma aborígine, e sempre queria que aquele dia fosse lembrado como um bom dia em nossas vidas.

- E foi?

- Muito.

Ela suspirou diante da lembrança dolorosa do dia em que a polícia o pegou no Porsche. Ric a livrou de qualquer cumplicidade, e o pai dela...

- Meus pais me mandaram direto para um internato e passaram a me vigiar de perto depois que fomos pegos.

Ele olhou ironicamente para ela.

- Para acabar com as ligações indesejáveis?

- Ninguém que não tivesse as ligações apropriadas - ela zombou de volta. - Em todas as férias eu era mandada para um resort, longe de qualquer chance de encontrar você. Ou alguém como você.

- Escrevi para você de Gundamurra. Várias cartas. A voz dele era serena, mas ela sentia o profundo desapontamento por não ter obtido resposta.

- Não as recebi, Ric.

- Não. Creio que não.

- Sinto muito. Meus pais devem ter destruído todas elas.

- Você tinha apenas 15 anos, Lara. Eu não era bom para você.

- Sim, era. - As palavras saíram com tanta ênfase que ele a fitou rapidamente. - Não com relação ao carro - ela explicou. - Eu realmente gostava de ficar com você, Ric.

Sua boca se suavizou em um sorriso. Seu olhar ficou mais suave também...

- Eu gostava de ficar com você também - ele murmurou, olhando de volta para a pista onde devia aterrissar.

Ela ficou em silêncio, balançada pela força do sentimento que de repente a acometeu. Como podia desejar outro homem depois da experiência com Gary? Ric era uma passagem segura para fora de seu casamento destrutivo. Era grata a ele, apreciava a fantástica eficácia com que agia... Mas desejá-lo...!

Não. Estava emocionalmente desequilibrada. Muito provavelmente queria ser envolvida pela força protetora dele. O desejo dominador de se sentir segura estava ligado a ele. Mas tinha que desfazer essa ligação. Estavam aterrissando em Gundamurra. Este lugar, sim, seria sua salvação, e não Ric Donato. Precisava ao menos recuperar a noção de quem era, antes de considerar a possibilidade de um relacionamento.

O charme superficial de Gary a levou ao casamento. A aprovação de seus pais também influenciou. A grande riqueza prometia segurança e todas as coisas boas da vida. Mas todas essas promessas de felicidade eram falsas e ela as engoliu. O que isso dizia sobre ela?

Tempo de pensar.

Aquele local certamente oferecia esta oportunidade.

Concentre-se em Patrick Maguire, dizia a si mesma. Ele seria a constante ao redor da qual sua vida em Gundamurra ocorreria. Uma figura paterna para Ric. Talvez uma figura paterna benevolente para ela também. Podia lidar com benevolência.

Ele os aguardava. Era um homem grande - enorme, na realidade -, parado em frente ao Land Rover com tração nas quatro rodas, enquanto Ric taxiava o avião.

- Ele sabe que venho? - Lara de repente lembrou de perguntar.

- Sim. Enquanto você fazia compras, eu o avisei. - Ele sorriu para ela. - Está tudo bem, Lara. Você é bem-vinda.

Respirou fundo, aliviada. Ric cuidou disso, assim como de tudo mais. Ela notou que, de Vaucluse a Bourke, sua mente estava confusa, mal acreditava no que estava acontecendo. Se deixou levar, permitindo que as coisas acontecessem, desde que isso significasse se afastar de Gary.

Agora tinha que pensar, andar com as próprias pernas, para causar uma boa impressão no homem que lhe abria as portas de casa até que pudesse se libertar legalmente de seu casamento desastroso. Segundo Ric, um homem com o qual podia contar, mesmo não o conhecendo. Estava recebendo um presente, e talvez pudesse fazer alguma coisa de útil para retribuir.

Estava novamente se sentindo ansiosa, quando desceu do avião com Ric carregando sacolas de compras. Será que passava a impressão de ter comprado muito? Havia sido muito exagerada? Tinha consciência de que vestia uma roupa muito elegante, e desejava trocá-la por uma das mais casuais que comprara.

Patrick Maguire abriu a mala do Land Rover para guardarem as compras.

- Lara saiu de casa sem nada. Compramos isso em Bourke - explicou Ric.

Patrick balançou a cabeça, sem fazer comentários. Aparentava uns sessenta ou setenta anos. O rosto revelava linhas profundas, especialmente ao lado dos olhos. Os ossos eram fortes, muito bem delineados. Não havia nada de fraco naquele homem do campo. Os olhos eram cinza e fizeram Lara se retrair diante de sua observação paciente.

Ric fechou a mala do carro e fez as apresentações formais.

- Lara, este é Patrick Maguire. Patrick, Lara Chap-pel.

- Seja muito bem-vinda, Lara - ele falou, estendendo a mão.

- Obrigada... por me receber.

Ele franziu o cenho e ela notou que seus óculos escuros dificultavam o contato ocular. Receosa de ele a considerar grosseira, retirou os óculos.

- Desculpe, não queria... - Ela sentiu-se constrangida e envergonhada quando ele apertou os olhos para ver o machucado que os óculos escondiam. - Estou horrível. Por favor, me perdoe pelos óculos. - Ela os colocou novamente.

Apertou gentilmente a mão dela, transmitindo uma cordialidade reconfortante.

- Não se preocupe com isso, Lara. Você se restabelecerá - simplesmente afirmou.

- Não quero ser um peso morto, Patrick - ela falou. - Farei o que for necessário para me manter aqui.

Ele balançou a cabeça como se concordasse, apesar de sua resposta ter sido comedida.

- Você pode fazer isso quando se sentir bem. Não há razão para ficar ansiosa.

- Só acho... que poderia ser bom me ocupar com alguma coisa.

Novamente ele concordou com a cabeça.

- Conversaremos sobre isso quando você se instalar, certo?

- Sim - ela concordou rapidamente, não querendo mostrar-se exigente. Aquele território era tão estranho que não sabia como se comportar.

Patrick soltou a mão dela, mas não se moveu para conduzi-la ao carro. Ele olhou para os dois com um ar de desafio.

- Vocês dois têm consciência de que deve estar havendo uma movimentação intensa para que sejam encontrados.

Lara ficou tensa. Podia sentir-se pálida; suava na testa enquanto o medo tomava conta de seu coração.

- Como você sabe? - perguntou Ric.

- Mitch ligou mais cedo, perguntando se eu tinha ouvido falar de você. Como ainda não havíamos nos falado, respondi que não.

- Mitch... - Lara tentou se acalmar. - O advogado que Ric conhece?

Patrick sacudiu a cabeça.

- Por que ligaria para cá? - perguntou Ric.

- Queria entrar em contato com você e achou que pudesse estar vindo para Gundamurra. Em seguida, não falou mais nada. Depois que você ligou de Bourke, percebi que havia um problema - talvez no escritório de Sidnei -, então entrei em contato com Mitch e conversei com ele sobre a situação.

- Oh, Deus! - Lara gritou, olhando angustiada para o homem que a colocou em risco. - Eu falei, Ric. Gary não vai deixar barato. Ele... ele é...

- Sei o que ele é. - Ric olhou para Patrick. - Qual é o problema?

- Não, você não sabe - ela gritou, segurando no braço dele com aflição. - Você não morou com ele. Eu não te contei. Isso não vai parar, Ric. Ele vai perseguir você, caso não consiga me encontrar. Não devia ter deixado você fazer isso. Não devia... - ela sacudiu a cabeça, notando que deixou de pensar nas conseqüências que Ric podia sofrer por ajudá-la a fugir. - Preciso voltar.

- Não!

Foi uma negativa violenta, e ela realmente desejava se apoiar nele o quanto pudesse, mas não era justo.

- Não quero que sofra por minha causa - ela retrucou quase tão violentamente. - Foi minha culpa ter... sido uma tola para me casar com Gary.

- Não deixarei que você seja vítima dele novamente, Lara.

- Você não entende. Você e seus amigos passaram a ser vítimas. Se ele já tiver ido ao seu escritório...

- Kathryn deve ter procurado Mitch. - Ele olhou novamente para Patrick. - Como ele lidou com isso?

- Kathryn manteve a situação sob controle. Isso deve durar até amanhã. Mas para que Lara fique a salvo aqui, Ric, deixe um rastro em outro local e vire você o alvo da perseguição.

- Não... não - protestou Lara, incomodada pelo problema que causava para ele.

Patrick continuou falando, desdobrando o problema.

- Assim Kathryn terá uma linha de ação legítima para seguir, caso seja importunada novamente no escritório. Mitch vai ligar hoje à noite. Quer conversar com vocês dois. Estou falando isso agora para prepará-los para o que está por vir.

- Não está certo - ele falou para Patrick, desejando que ele enxergasse o quanto aquilo não era correto. - Eu me meti nisso.

- Lara... - os olhos cinza pararam diante dos dela e, embora visse compaixão, para sua angústia, também enxergava a mesma determinação de Ric. - Não há como voltar atrás. Ric escolheu o caminho. E concordo com ele.

- Mas... não era minha intenção...

Ele sorriu para ela em aprovação, dando as boas-vindas ao seu mundo.

- Você é uma mulher que se importa com os outros, o que é certo e bom. Mas compreenda que há vezes em que os homens agem de acordo com o que pensam ser correto. No fim, todos temos que conviver conosco mesmos.

Ela conseguiu acalmar a confusão de sua mente para reconhecer a verdade que ele falou.

Era um argumento indiscutível.

A decisão estava tomada.

Independentemente do que estava por vir, não havia como recuar.

 

Ric levou Lara a um dos quartos de hóspedes da sede da fazenda - havia quatro deles, enormes, na imensa casa, construídos para abrigar a família Maguire e receber seus visitantes - para que se acomodasse e tomasse um banho antes do jantar.

Patrick a deixou à vontade para usar qualquer roupa dos quartos de suas filhas, caso precisasse de algo. Elas não se importariam. As três estavam fora por conta de suas carreiras, e vinham para casa de vez em quando visitar o pai. A mãe morrera de câncer há alguns anos.

Todas essas informações foram transmitidas de forma afável no caminho da pista de pouso para a fazenda, assim como um histórico de Gundamurra. O objetivo principal era atenuar qualquer medo que Lara tivesse sobre aceitar a hospitalidade de um estranho. Mas ela tinha outros medos e Ric foi direto ao assunto quando se juntou a Patrick na sala de estar.

- Você estava testando Lara.

Era uma declaração direta, não uma pergunta, e Ric procurou nos olhos do amigo as razões para ter revelado tudo na pista de pouso, em vez de ter esperado uma conversa de homem para homem entre os dois.

- Foi há dezoito anos. Uma fixação da juventude pode ter prejudicado seu juízo. Queria saber se ela vale o que vai custar a você por trazê-la aqui.

- Não é uma questão de preço para mim.

- Sei disso, Ric. Mas agora você não é o único envolvido, e eu precisava ter certeza de tudo.

- E tem?

- Sim. Havia a possibilidade de ela estar apenas usando você por interesse próprio. Lembro que suas cartas nunca foram respondidas.

- Ela nunca as recebeu. Os pais dela... - Ric gesticulou para que ignorassem este assunto. Estava preocupado com o presente e o futuro. - Quero saber os detalhes do que Mitch falou.

- Parece que Gary Chappel entrou enfurecido em seu escritório na hora do almoço querendo saber onde você estava. Ninguém sabia. Ele esperou que Kathryn voltasse da reunião. Ela falou que você tinha um almoço com um amigo e que não sabia a que horas retornaria para o escritório. Chappel falou que seu carro estava na garagem do subsolo. Kathryn afirmou que você provavelmente tinha ido a pé para o restaurante. Ele insistiu em obter o nome do restaurante e ela falou que não havia razão para fornecê-lo. Isso foi o suficiente para que se livrasse dele e ligasse para Mitch para obter instruções.

Ric balançou a cabeça.

- Foi o que aconselhei que fizesse se Gary Chappel aparecesse.

- Mitch recebeu o recado durante um recesso de um julgamento. Ligou para ela, ficou a par do que estava acontecendo e imediatamente mandou duas pessoas acompanharem Kathryn até onde ele estava. Da última vez que liguei, estava no escritório e Kathryn estava com ele.

- Melhor eu ligar para eles agora.

- Use meu escritório.

Ric se preocupava por Mitch ter que tomar medidas de proteção para Kathryn. Achava que o ideal seria ela continuar indo ao trabalho, na maior inocência, como se nada tivesse acontecido. Ric não morava em Sidnei. Ele ia e vinha. Passava a maior parte do tempo em Londres. Tirar Kathryn do escritório significava que ela sabia mais do que admitia. Isso a colocava sob uma ameaça constante, o que Ric não queria.

Quando ele ouviu a voz de Mitch no telefone, expressou sua preocupação.

- Mitch, Kathryn ainda está com você?

- Sim, ela está aqui.

- Por quê? Pensei que eu a tivesse deixado protegida. Este excesso de zelo não vai colocá-la na mira?

Fez-se uma pausa. Ric estava tenso.

- Sinto que Gary Chappel a colocará na mira, Ric - ele respondeu, com ponderação. - Não estamos lidando com uma pessoa racional. Vi a fotografia. Você fez bem em retirar Lara de cena. Estou totalmente do seu lado.

- Fico contente com sua aprovação. Mas Kathryn não devia correr perigo. Essa luta não é dela.

- De qualquer forma, ela é um vínculo com você. Ele sentiu o estômago queimar.

- Você pode protegê-la?

- É o que estou fazendo. Mas preciso de sua cooperação, Ric. E de Lara. Especialmente de Lara. Acredito que ela queira o divórcio.

- Sim.

- Preciso conversar com ela. Dar entrada nos papéis o quanto antes. Mas, primeiro, é melhor você sair da área, Ric.

- O Patrick já me repassou este conselho.

- Bom! Vá para Brisbane ou Cairns amanhã. Não volte para Sidnei.

Teria que preparar o avião de Johnny para voar de volta ao aeroporto de Baknstown, pois não poderia fazer tudo aquilo sozinho. Não seria problema.

- Pegue o primeiro vôo disponível - prosseguiu Mitch. - No último momento, avise ao escritório para onde está indo, para que a informação possa ser repassada a quem perguntar. Isso desviará a atenção de Kathryn, que ficará em casa amanhã por motivo de doença.

- Mas quando descobrirem que estou viajando sozinho...

- Isso me dará tempo para agir, Ric. Confie em mim. Vou conseguir dar um fim nisso.

Ric respirou fundo para aliviar a tensão.

- Duvido que o divórcio oficial o detenha, Mitch.

- Mas vai deter a acusação de seqüestro. Ele não poderá ter a lei ao seu lado.

- Mas não acabará com as ameaças.

- Assim que falar com Lara, pretendo enviar uma cópia da foto para o pai de Gary com uma mensagem para que entre em contato comigo.

Ric ficou momentaneamente confuso com a tática.

- Chantagem?

- Uma manobra - Mitch o corrigiu. - Ele virá com seu advogado. Conversaremos. Victor Chappel tem as rédeas da família sob controle. Se há alguém que possa segurar Gary, ele é o homem.

- Ameaças. - A situação poderia ficar equilibrada novamente, pensou Ric, esperançoso.

- Acredito que Victor Chappel vá querer dar um fim nisso.

- E funcionará?

- Até certo ponto. Presumo que dessa forma Gary agirá às escondidas. Ficará furioso, e não é do tipo que desiste, Ric. Você terá que se proteger. Tirou a mulher dele.

Ric enrugou a testa. Certamente aquilo um dia chegaria ao fim. Por quanto tempo a fúria podia durar? Aceitava ficar exilado, longe de Lara, aceitava que podia ficar em perigo por um certo tempo e tomaria medidas para se precaver, mas uma briga eterna? Só o tempo diria, ele pensou. Enquanto isso...

- E quanto a Kathryn?

- Acho que ficará segura. Vou ser muito duro com Victor Chappel, dizendo que qualquer ameaça à equipe de seu escritório terá conseqüências públicas.

Ric suspirou aliviado.

- Amanhã a essa hora as coisas já devem estar sendo encaminhadas - garantiu Mitch.

- Obrigado. Não tenho palavras para agradecer. Outra pausa. Mitch limpou a garganta, mas sua voz saiu completamente rouca quando ele falou.

- Patrick falou... que era sua Lara... a de antigamente.

Ric fechou os olhos, lembrando de como falava sobre isso à noite, na hora de dormir, no alojamento. Uma fantasia de menino. Até a dura realidade de não obter respostas para suas cartas o obrigar a enfrentar a realidade de que nunca seria aceito como era.

Seria aceito agora? Como mais do que um cavaleiro que veio salvá-la?

Ele balançou a cabeça. Não era hora para pensar nisso.

- Sim. Mas isso foi há muito tempo, Mitch - ele respondeu.

Um suspiro profundo.

- Se eu soubesse que ela ia se casar com ele, teria contado a você sobre Gary Chappel.

- Contado o quê?

- Um homem como este não muda de atitude com as mulheres. Isso não é conhecido, mas ele tem histórico de abuso. Acobertado, certamente.

Ric sentiu-se mal. O poder da riqueza podia ocultar uma série de pecados. Mas nenhum poder na Terra colocaria Lara nas mãos de Gary Chappel novamente. Só sobre o meu cadáver, pensou Ric, com uma raiva que enrijecia cada músculo de seu corpo.

- Farei o que puder para contê-lo legalmente. Pode contar com isso. Apenas sinto que você tenha reencontrado Lara nessas circunstâncias.

- Pelo menos ela está segura aqui.

- Sim. E Kathryn ficará comigo hoje à noite.

- E o noivo dela?

- Está em Melbourne a trabalho.

- Gostaria de falar com ela rapidamente, Mitch. Mitch passou o telefone para ela.

- Está tudo bem, Ric - Kathryn garantiu. - Não posso deixar de dizer que não culpo Lara Chappel por fugir. O marido dela é assustador.

- Prometa que fará tudo o que Mitch disser, Kathryn.

- Farei.

- Bom. E obrigado novamente por ajudar. Entrarei em contato quando chegar em Los Angeles.

- Cuide-se.

- Você também.

Ela passou o telefone de volta para Mitch, que perguntou:

- Lara vai falar comigo agora?

- Preciso de quinze minutos. Eu ligo de volta. Será que Lara estava calma o bastante para passar as informações de que Mitch precisava? Eles corriam contra o tempo. Esperando que ela tivesse presença de espírito para cooperar falando para Mitch o que fosse necessário, Ric foi até o quarto de hóspedes, detestando a idéia de ter que fazê-la passar por isso.

Já sofrerá muito com o marido. O medo de Chappel e do que ele podia fazer eram certamente baseados na experiência que tivera, e que Ric só podia imaginar. Um histórico de abuso... Só Deus sabia o que isso abrangia. A palidez, provocada pelo medo, logo após o que Patrick falara na pista de pouso, foi muito chocante. Será que ela conseguiria pensar diante da conjuntura?

Bateu na porta dela, a contragosto, sabendo que não seria fácil convencê-la a falar. Desejava desesperada-mente que tivesse conseguido livrá-la daquela tormenta sozinho, sem envolver outras pessoas, apenas os dois, mas era tolice sonhar que tudo fosse diferente. Não era. Nunca seria.

Ela abriu a porta e ele ficou parado, olhando para ela, incapaz de dizer uma palavra, mudo por uma torrente caótica de emoções intensas. Sua Lara...

Vestia calça jeans e uma camisa xadrez azul e branca. Apesar do olho inchado e machucado e dos anos que passaram, ela ainda parecia ter 15 anos. Jovem, muito vulnerável. Ele desejava pegá-la em seus braços e prometer que a vida seria boa para ela. Que estava segura com ele. Que a amaria como devia ser amada. Que não havia nada a temer.

Entretanto, ela não tinha 15 anos, e os anos que os separaram carregavam um peso que não podia ser apagado. Ainda não. Talvez jamais. Um passo de cada vez, dizia a si mesmo.

- Mitch precisa falar com você agora, Lara - ele falou, incapaz de ser delicado nesta etapa. Concentrar-se na ação era a única forma de manter os sentimentos de lado.

Ela ergueu o queixo.

- Estou pronta - falou, claramente determinada a fazer o que fosse necessário para consertar uma situação que agora envolvia outras pessoas.

Ficou intensamente aliviado por ela ter superado a idéia de voltar para o marido. Lara saiu do quarto e o seguiu.

- Você falou com Mitch, Ric? - Sua voz era tensa.

- Sim.

- Kathryn está bem?

- Sim. Está com ele.

Embora tentasse, não conseguia esconder o nervosismo. Tentou sorrir.

- Gostei dela. Ela é... especial para você?

- Admiro muito Kathryn como funcionária e como pessoa, mas nunca tivemos um envolvimento mais íntimo. Ela é noiva, está para casar. - De repente, pareceu importante acrescentar: - Não tenho nenhum laço amoroso com ninguém.

- Oh! Eu apenas... - Ela balançou a cabeça, escondendo o rubor de suas faces com os cabelos compridos. - Você parecia ter um bom relacionamento com ela.

- Eu a treinei para ocupar a posição que tem no escritório. Ela sabe exatamente o que quero.

Lara balançou a cabeça.

- Tem certeza de que ela está bem?

A ameaça de Gary pesava na cabeça dela. Ric a colocou a par do que Mitch fizera e de suas intenções.

- Victor não quer saber - ela comentou. - Gary é filho único.

- Acredite em mim, Lara. Mitch não deixará Victor fazer vista grossa para o que o filho representa.

- Implorei para que me ajudasse. Ele não me ouviu. Ele se esquivou de tudo, dizendo que cabia a mim e Gary lidar com... nossas diferenças. - A última palavra foi carregada de frustração e desolação.

- Fale para Mitch - aconselhou Ric. - Será bem mais eficiente em um contexto jurídico.

Ela começou a esfregar as mãos uma na outra.

- Contarei para ele, mas... - Ela olhou para Ric, angustiada. - Prefiro conversar com ele a sós.

- Esperarei do lado de fora. Pode me chamar se Mitch precisar falar comigo novamente.

Ela respirou, aliviada.

- Obrigada.

Vergonha. Sabia o quanto Lara sofrerá e nada do que dissesse apagaria aquilo. No momento, ela não podia suportar que ele ouvisse o pior. Ric sabia que não faria qualquer diferença no que sentia, mas ela ainda não acreditava nisso. Entretanto, tinha que compreender e apreciar a necessidade de honestidade.

Foram para o escritório. Ric a acomodou em uma cadeira ao lado do telefone. Antes de ele pegar o aparelho, enfatizou a gravidade da situação.

- Lara, sei que você detestará isso, mas precisa fornecer a Mitch toda a informação necessária para ele começar a batalha. A foto é boa, mas se você puder falar mais...

Ela balançou a cabeça, ainda sentindo as faces ardendo com o calor da humilhação.

- Não vou esconder nada, Ric. Eu devo isso... a todos vocês.

- Não. - Ele franziu a testa diante da responsabilidade que ela colocava nos próprios ombros. - Você deve isso a si mesma - ele falou, enfaticamente. - A verdade vai libertá-la, Lara. E essa é a melhor arma que Mitch pode usar a seu favor.

Ela o fitou com os olhos cheios de coragem.

- Não vou me poupar, pois há muita coisa em jogo, em risco, por minha causa. Ligue para ele, Ric, estou pronta.

Ligou novamente para Mitch e deixou Lara falar com ele.

Fora do escritório, caminhou pela varanda para gastar um pouco da energia violenta que sentia ao pensar no que ela sofrerá nas mãos de Gary Chappel. Apertava as próprias mãos. Era ótimo saber que Mitch estava conduzindo as coisas em Sidnei, pois não conseguiria agir racionalmente se estivesse perto dos Chappels.

Era melhor sair do caminho, e não somente para se separar de Lara e desviar a atenção de onde ela estava.

Ela precisava de um tempo longe dele, também.

Patrick seria uma companhia melhor. Uma referência paterna. Alguém que não quereria nada além do bem-estar dela. Lara recuperaria a confiança ao lado de Patrick, não se sentiria envergonhada. Seria capaz de ser ela mesma. Não havia sentido ficar avaliando uma lembrança do que era antes de Gary Chappel.

Sim. Estava convencido de que devia partir, apesar de sentir-se muito mal por ter que deixá-la. Tentava se convencer de que ela não precisava dele. Na realidade, ele podia ser prejudicial ao processo de cura. Não havia alternativa. Tinha que partir.

A porta do escritório abriu-se. Não tinha idéia de quanto tempo passara. Lara acenou para ele.

- Mitch quer falar com você, Ric.

Estava pálida, chateada, mas não havia sinais de lágrimas. Ele pegou o telefone.

- Você obteve o que precisava? - ele perguntou, desejando que este tormento terminasse para Lara.

- Tudo, menos um fax com a assinatura de Lara me designando como seu representante legal.

- Faremos isso agora. Obrigado por tudo, Mitch.

- Deixe comigo, Ric. Cuide-se.

- Você também.

Foi ao computador e olhou para Lara.

- Quase terminado. Digitarei uma autorização para Mitch ser seu representante e você assina, certo?

Ela concordou.

Levou apenas alguns minutos. Ela assinou com uma firmeza surpreendente e observou enquanto ele enviava o fax. Antes que Ric tomasse consciência do que estava acontecendo, seu braço estava ao redor dos ombros dela em um abraço confortante. Ela não se esquivou do toque dele. Na verdade, se deitou no braço dele, para alívio de Ric... e um certo prazer oculto.

- Está acabado para você, por ora - ele garantiu. Ela estremeceu e deitou a cabeça no ombro dele.

- É o começo de outra coisa, Ric - ela falou, tristemente. - Estou preocupada por você e por todos que estão envolvidos.

Ele roçou a face nos cabelos dela, incapaz de resistir ao contato tão próximo. Uma onda de ternura continha o desejo de uma ligação ainda mais íntima com ela.

- Não se preocupe comigo. Sou um sobrevivente. - Antes de ser tomado pela tentação, acrescentou rapidamente: - É melhor nos unirmos a Patrick. Sem dúvida, ele nos espera para jantar.

- Sim - ela concordou, levantando a cabeça com um sorriso inseguro. - Você não existe, Ric Donato. Sabia disso?

Queria que o comentário expressasse algo mais do que provavelmente expressava. Ele a salvara. Isso o tornava especial aos olhos dela. Controlou-se para retribuir o sorriso.

- Você verá que Patrick também não existe. Será bom para você, Lara. Fique à vontade com ele.

- É pena que eu não tenha vindo com vocês para cá há anos. Uma vida diferente...

- Não olhe para trás. Olhe para a frente. Certo?

- Tentarei - ela prometeu.

Conduziu-a até a porta, tirando casualmente o braço do ombro dela. Dar conforto era uma coisa. Pressioná-la era outra. Apesar disso, quando caminharam até a sede, pegou a mão dela e a segurou, como faziam anos atrás.

Os dedos dela se agitaram por um momento, depois se acomodaram, contentes por aceitar a sensação de companheirismo e amizade. Ela ficara muito tempo sozinha, pensou Ric. Tinha que se ligar a alguém que se importasse com ela.

Ele se importava.

 

Lara não conseguia dormir. Sua cabeça ficava revirando os acontecimentos do dia. Sabia que o que acontecesse agora estava fora de seu controle. Não que o tivesse tido alguma vez antes, mas isso afetava somente a ela. Preocupava-se com Ric, com o que Gary podia fazer para prejudicá-lo e ao seu negócio.

A riqueza quase ilimitada deu à família Chappel um poder insidioso. Um poder corrupto. Por isso, não acreditava que o pai de Gary pudesse impedir que o único filho fizesse uso de tal poder. Victor não tinha Gary sob sua vista o tempo todo. Podia pensar que uma advertência vinda dele - ou mesmo uma ordem - seria respeitada, mas Lara sabia mais. Gary concordaria diante de Victor, mas faria tudo ao contrário pelas costas.

Se não fosse possível atingi-la, Ric certamente seria o alvo de sua ira. Ric, que não pensou nas conseqüências quando resolveu salvá-la. Ric, que segurara sua mão esta noite, mas que iria embora no dia seguinte, tornando-se um alvo móvel para Gary. Se algo de ruim acontecesse com ele, como suportaria? Ele foi tão bom para ela.

Mais do que isso, ela sentia... se Ric saísse de sua vida novamente, um terrível buraco negro se formaria, e nada seria capaz de preenchê-lo novamente. Havia uma ligação entre eles. Sentia que esta ligação crescia a cada dia, se fortalecia, se aprofundava em sua alma. Não era porque dependia tanto das iniciativas dele. Era o próprio Ric. Seu jeito de ser. Seu jeito de agir com ela, sabendo intuitivamente do que precisava, dando apoio, se importando em um nível mais profundo do que ela jamais conhecera.

Seu casamento foi totalmente desprovido desse cuidado, como um deserto de pesadelos emocionais, sem oásis. Ela deveria sentir-se em paz ali, mas como poderia, se Ric ia se arriscar por sua causa?

Ao sentar-se com ele à noite para jantar, observando-o, ouvindo a conversa com Patrick, se flagrou vendo o menino que conheceu transformado em homem. Ficou maravilhada com o quanto ele crescera naquele período, embora alguns aspectos tenham permanecido: as expressões do rosto, a forma com que movia as mãos, a cadência da voz, a maneira respeitosa de se dirigir a ela. Ric Donato...

Certamente não se desapontava com as lembranças que tinha dele. Longe disso. Se ao menos...

Não. Era estupidez, futilidade pensar em se ao menos. Estava ali em Gundamurra, onde Ric encontrou o caminho para a vida adulta. Era um local encantador, nada parecido com o estilo de vida primitivo que imaginara. Havia até uma equipe para limpar a casa e cozinhar.

A casa da sede era grande, construída em quatro alas que abraçavam um quintal com uma inacreditável fonte no meio do gramado, sem contar com as jardineiras floridas e pimenteiras para dar sombra.

Uma varanda percorria os quatro lados da casa, e os quartos eram muito arrumados. As salas tinham antiguidades bem conservadas e os quartos de hóspedes apresentavam mobília bem polida. A colcha de patchwork da cama tamanho queen era um trabalho de considerável valor artístico.

Tudo aquilo conferia uma sensação de sólidos valores antigos que durariam mais do que qualquer coisa que um mundo mais sofisticado declarasse como fundamental. A decoração da mansão Vaucluse foi um exercício para criar a imagem correta: tudo à mostra, nada que fizesse com que a casa parecesse um lar.

Quartos frios. Quase perfeitos esteticamente, mas sem personalidade. Como podiam ser diferentes se eram a projeção do interior dos decoradores que nunca moraram ali? E, claro, Gary era a pessoa consultada, e não ela, que aprendeu muito rapidamente a não mudar nada, a não se intrometer. Melhor sorrir e concordar com tudo.

Mas aquilo estava encerrado agora. Olhar para a frente, e não para trás, como Ric falou. Mas olhar para a frente abrangia a partida de Ric no dia seguinte, e ela estava assustada com as conseqüências disso. Se estava segura ali, por que ele também não podia ficar? Por que tinha que se arriscar? Ou ela estava sendo apenas egoísta ao desejá-lo a seu lado?

Sua vida poderia ficar em espera em Gundamurra, mas Ric tinha um negócio internacional para dirigir, outras pessoas dependiam dele. Seria totalmente injusto se lhe pedisse para ficar. Já fizera mais do que o suficiente por ela. Mas se o perdesse novamente...

Ouviu passos na varanda, do lado de fora do quarto. Devia ser Ric. Ele também estava dormindo naquela ala. Depois do jantar, Patrick sugeriu que ela se recolhesse, pois percebeu o quanto estava cansada. Era verdade, mas suspeitou que os dois queriam conversar a sós e então os deixou. No entanto, preferia a companhia deles do que a própria.

Sentia-se exausta fisicamente. Mental e emocional-mente também. Mas não conseguia desligar o pensamento. Talvez fosse possível em algum momento, à noite... e se ainda estivesse acordada quando Ric saísse de manhã...

Ric está indo agora...

Levantou correndo da cama e saiu pela porta de frente para a varanda com o coração saltando com uma urgência que não podia ser negada. Quando olhou, só conseguiu ouvir os passos dele se afastando, uma figura sombria na escuridão. Sombria demais, quando ela queria algo mais real.

- Ric!

Ele parou. O tempo que demorou para se virar pareceu uma eternidade, fazendo com que ela pensasse que o confundira com alguém. Em dúvida, recostou-se no portal, ciente de que não vestira o robe que comprara.

Apesar de o pijama de algodão não ser indecente, não era roupa para encontrar um homem no meio da noite.

Sentiu-se mais calma quando viu a silhueta do homem. Era Ric, que olhou de volta para ela, virou e manteve a distância, mas pelo menos sabia que o chamara.

- Precisa de alguma coisa, Lara? - ele perguntou, calmamente.

Você. Preciso de você.

As palavras ecoavam em sua cabeça.

Não podia pronunciá-las.

Elas pediam muita coisa.

Simplesmente ficou parada, olhando para ele, quase incapaz de conter a força turbulenta que a pressionava a correr até ele, abraçá-lo e jamais deixá-lo partir. Talvez essa força o tenha movimentado. Depois de uma pausa que demandava respostas, ele caminhou lentamente até ela, aproximando-se e olhando para Lara com o que parecia uma forte concentração de energia.

- Não está conseguindo dormir? Gostaria que eu...?

- Não, quer dizer, sim...não consigo dormir - ela gaguejou.

- Duvido que Patrick tenha remédios para dormir. Talvez se você tomar um chocolate quente...

- Não... não... eu só... - Ela respirou fundo, tentando se recompor e ser razoável.

- Está com medo, Lara? - ele perguntou.

As palavras escaparam sem que ela pudesse interrompê-las.

- Você me abraça? Só por essa noite, Ric. Me abraça?

O pedido era a prova de que ela tinha medo - medo de jamais conseguir outra coisa dele além disso, medo de que Gary pudesse tomar Ric dela, assim como tudo que tomara, medo de que sua vida fosse dominada pela perda do que deveria ter sido.

Viu o peito de Ric se expandir quando ele respirou fundo. Sentiu uma força aumentando, mas estava muito carente para discernir se isso significava doação ou rejeição. Só podia esperar, com todos os nervos de seu corpo tensos pelo desespero que ansiavam pelo carinho que ele mostrara por ela.

- Lara... - Será que a voz dele também estava demonstrando carência? Mas ele não se movia. Não a tocava.

- Por favor... - ela pediu, lutando contra a rejeição que captava nele. Arriscou com um argumento forte, tocando-o em um apelo emocionado. - Pode não ser sensível. Pode ser loucura. Mas você vai partir amanhã e eu...

Ric não conseguiu se controlar. Seus pés responderam antes que o cérebro pudesse sequer tentar impedi-los, caminhando para a frente por conta própria. E seus braços a envolveram em um abraço, impedindo qualquer outra ação. O corpo macio e esbelto dela se arqueou contra o dele e ela levantou os braços para envolver seu pescoço, prendendo-o no abraço.

Era estranho como estar em território alienígena, ele dizia a si mesmo, sentindo-se só e assustado com o que o futuro reservava para ela, precisava de conforto e segurança. Ele era a única pessoa da família a lhe dar apoio. Mas não tinha o direito de tomá-la como sua. Não tinha direito...

Lara aninhou o rosto no pescoço dele. Ric esperava que ela pudesse ouvir as batidas frenéticas de seu coração. Os seios dela estavam pressionados contra seu peito. Tinha que segurar a tentação de descer os braços e apertá-la ainda mais, unindo a barriga e as pernas dela às dele para sentir toda a sua feminilidade, a essência do que sempre a fizera desejável.

Sentiu o próprio corpo excitado e falou rapidamente, para distrair-se do desejo sexual que ela podia rejeitar.

- Você ficará segura, Lara. Prometo - comentou, enfaticamente.

- Queria que ficasse comigo.

O murmúrio ansioso despertou nele sensações que ameaçavam qualquer senso comum. O calor da boca de Lara se movendo contra a pele dele enviou uma onda de excitação por todo o seu corpo.

- Eu voltarei - ele garantiu, com a voz trêmula por ter que controlar a excitação extrema. - E apenas uma questão de tempo.

- Tempo... - Ela soltou um suspiro que devastou as boas intenções dele. - Tanto tempo já passou, Ric. Anos... anos de saudade - ela sussurrou.

Ele respirou fundo, desesperado por um pouco de oxigênio para acalmar a forte agitação gerada pelas palavras dela. Não estava querendo dizer isso. Certamente teve uma vida boa antes de se casar com Gary Chappel... uma modelo bem-sucedida, requisitada e admirada...

- Não quero perdê-lo novamente - ela continuou, com a voz tremendo de paixão, estimulando o desejo que deveria ser contido.

- Você não precisa se preocupar. Tudo vai dar certo - ele garantiu. Ric resolveu agir, movimentando-a para o seu lado, com a intenção de conduzi-la para dentro do quarto. - Venha. Quando você acordar amanhã, se sentirá uma mulher livre.

Levou-a para dentro com a intenção de colocá-la na cama, sentar um pouco, mas ela o interrompeu antes de chegarem na cama, falando atropeladamente.

- E se ele levar você também? Já me tirou tanta coisa. Se ele me tirar você, Ric... você acha que me sentirei livre algum dia?

Será que era simplesmente o medo do que poderia acontecer com Ric que gerava aquela emoção violenta? Ele colocou as mãos sobre os ombros dela, apertando gentilmente os músculos.

- Lara... é melhor que eu vá.

Viu as lágrimas iluminarem os olhos dela.

- Não posso suportar isso - ela gritou e atirou-se em cima dele, envolvendo-o pela cintura com os braços.

Estava tão próxima que parecia que seu coração batia contra o dele. Ric não conseguia pensar, não queria pensar. As mãos dele traçaram a curva da espinha dela, a cavidade de suas costas, tocando tudo que se permitia tocar. Enterrou o rosto nos cabelos sedosos dela, roçando, beijando, respirando.

Era Lara... não era parte de sua imaginação, mas carne e osso de verdade, excitando-o pelo que sentira falta por todos esses anos. Ela preencheu todos os seus sentidos, fazendo com que remoesse suas lembranças, implorasse por mais, apesar de ter medo de obter mais do que poderia naquele momento e naquele local.

Não havia como esconder a ereção que expressava o desejo que tentava ocultar. Esperava que ela se afastasse, esperava um rompante de constrangimento mútuo que o faria agir com certa sutileza, atribuindo a excitação a algo que nem conseguia imaginar.

Mas ela o apertava tão forte, parecia que se abrigaria dentro dele, se pudesse, como se seu calor e sua força fossem o elixir da vida . Tinha que saber que ele estava reagindo a ela, como homem, não como o cavaleiro cujo único desejo era ajudar. Ele era um homem, ardendo de vontade de possuí-la como mulher.

Ela levantou a cabeça.

Ele não queria olhar em seus olhos, não queria ver...

- Me beije, Ric.

Fitou-a com descrença e um forte desejo brigando em seu corpo. Será que ouviu bem o sussurro suave que ecoou dentro dele?

- Por favor - ela pressionou, com o rosto inclinado para ele em um convite. - Me beije como fazia quando não conhecíamos nada mais. Apague todo o resto. Por favor.

A lembrança veio com força total, apagando qualquer resistência que pudesse ter. Abaixou a cabeça na direção do rosto dela, direcionando o beijo pela compulsão de recapturar o que se perdera, roçando suavemente o lábio contra o dela, provando aos poucos o que parecia uma estranha mistura de doçura com amargura, pois ele estava intensamente ciente da vulnerabilidade dela, do dano que sofrerá.

A inocência se fora para sempre. Não podia trazê-la de volta, apesar de obter sua resposta trêmula, de ela corresponder às iniciativas dele, a alusão de avidez para explorar mais... dezoito anos se passaram e o amor que ele queria mostrar aos 16 anos explodiu em seu beijo.

Não queria que o beijo virasse outra coisa. Ela o estava estimulando? Ou eram apenas os anos de experiência sexual que o pressionavam a levá-la para uma viagem mais profunda, onde a paixão incendiava e ansiava por mais e mais satisfação? Um beijo não era o bastante. Um beijo incitava um ardor excitante por mais. E mais.

Ela estava viajando com ele, o corpo inteiro dizia que era o que queria fazer. A boca mal deixava que ele respirasse, se doando intensamente. As mãos alisavam as costas dele, puxando-o para perto. Sua barriga roçava a ereção dele como se brincasse com ela, alimentando o desejo dele, se deleitando com isso.

A cabeça dele borbulhava com uma vitória louca. Lara era dele. Estava se dando a ele. O poder puro da necessidade mútua de um pelo outro tornava isso certo... não tornava? Tinha que tornar. Seu corpo ansiava pela satisfação final de se unir intimamente a ela. Ele os conduziu até a cama, suas mãos deslizaram pelo elástico da cintura da calça dela, prontas para...

Ele foi acometido por uma onda de sanidade, parando abruptamente.

- Não pare, Ric. Por favor.

O pedido caloroso seduziu toda a razão por um momento... mas ele queria mantê-la segura, e se continuasse sem...

- Lara... - Estava angustiado. - Não tenho nenhum preservativo. Precisamos parar.

 

Preservativo?

Lara sentiu ondas de histeria percorrerem seu cérebro. Não possuía nenhuma proteção contra as investidas sem amor de Gary e Ric se preocupava em interromper tudo porque tinha medo de engravidá-la? Se tivesse que acontecer, teria acontecido na noite anterior, então qual seria a diferença?

A única - e enorme - diferença era que ela desejava fazer isso com Ric... desejava com todas as forças. Era como devia ser... era o que sentia por ele... e se não tivesse agora...

- Está tudo bem. Estou tomando pílula - ela falou, sem considerar se poderia estar efetivamente protegida ou não. Por que faria com que Ric se preocupasse com isso se Gary...?

Não, não se permitira pensar sobre aquela última noite.

Precisava viver a noite de hoje.

E queria preencher sua mente com Ric e as incríveis sensações de ser amada, ao invés de brutalmente usada. Queria sentir as mãos dele se movendo em seu corpo novamente, mãos carinhosas, mãos que provocavam excitação, que sabiam como acarinhar, não machucar. E sua boca beijando-a com o calor da verdadeira paixão - paixão na qual podia se glorificar com felicidade, pois era muito bom.

- Não quero feri-la - ele falou, com a voz distorcida. - Desculpe. Estava pensando...

- Você não vai me ferir. - Ela acreditava nisso. Não era ele quem machucava.

Ele balançou a cabeça, ainda mais preocupado.

- Se você tiver outro machucado, Lara...

- Não. Parei de lutar - ela falou, desesperada para que ele entendesse. - Era melhor não brigar. Oh, Deus. - Ela levantou as mãos, desesperada. - Não me faça lembrar. Não deixe que ele fique entre nós. Não entre nós. Ele sempre vence.

Mas não agora. Uma forte determinação substituiu o medo. Tinha que interromper o recolhimento de Ric. Gary não venceria naquela noite. Não naquela noite.

As mãos tremiam quando tentava abrir os botões da camisa de Ric, com a nítida intenção de retomar o que devia ser terminado. Seus dedos se moviam desajeitados, mas ela agia com pressa e obstinadamente. O peito musculoso dele se encheu quando ela o revelou, e ficou parada diante do que desnudara, mal acreditando que tinha sido tão atrevida.

Ele não era magro como Gary. Um ninho de cabelos pretos rodeavam seus mamilos e desciam até sua cintura. De alguma forma o tornavam bastante masculino - muito diferente -, e não polido e sofisticado. Um homem de verdade. Um homem verdadeiro. O tipo de homem que protegia sua mulher.

Só que ela não queria proteger-se de conhecer totalmente Ric Donato. Ele podia entender agora? Atônita diante do que acabara de fazer, Lara estava meio paralisada, ainda segurando as bordas da camisa de Ric. Sentiu-se totalmente aliviada quando as mãos dele cobriram as suas, levando-as para o lado do corpo dela.

Isso significava que ele estava prestes a se afastar?

A deixá-la?

Ela olhou para ele em protesto. O rosto dele parecia retesado, esticado, e seus olhos brilhavam como se cintilasse um fogo interno.

- Tem certeza disso, Lara?

A voz tinha um comando firme. Totalmente controlada.

Ele estava lhe dando a alternativa, insistindo que escolhesse. Não era como Gary. Nem um pouco como Gary. Ela sentiu um forte peso sair do coração. A ansiedade que apertava seu peito diminuiu. Não era rejeição, mas um presente que ele oferecia. Uma onda de alívio intenso abrandou a preocupação que teve de que ele visse algo de errado nela... muito errado para que se envolvesse mais profundamente.

- Tenho certeza - ela falou. Não havia pausa para reconsiderar. - Quero você, Ric. Preciso de você.

Ainda sentia uma certa dúvida, mas negá-la naquele momento seria impossível. Necessidade, desejo, seja o que fosse para ela... ele só podia esperar que estivesse certo em continuar, que isso não teria péssimas conseqüências.

Levantou as mãos dela, pressionou as palmas contra seu peito, sentindo o coração martelando como se quisesse se libertar da gaiola e ser tomado por ela. Policiou-se para ir devagar, dando a ela a chance de pedir para parar. A violência da própria necessidade tinha que ser contida, canalizada para dar a Lara o máximo de prazer, para que esquecesse o que quer que tenha sofrido nas mãos do marido.

Tinha que deixar uma boa lembrança para ela, para que tivesse esperança no futuro, para que aprendesse que os homens não são todos iguais ao maldito marido dela. Ela pedia isso para ele naquela noite, e não outro dia. Ric tinha plena consciência do risco de ser simplesmente um ponto de virada para ela, apesar de que se fosse mais... se ela sentiu saudade dele todos esses anos... Podia ser o certo. Ele queria que fosse o certo. Precisava que fosse o certo.

Sem pressa, desabotoou a camisa do pijama dela e o retirou lentamente pelos ombros, até que descesse pelos braços. Ela deslizou as mãos no peito dele e esticou os braços para deixar a blusa cair no chão. Ficou absolutamente imóvel, tensa por antecipação - ou seria medo? - e esperando para ver como ele a tocaria.

Ric tirou a própria camisa, os dois ficaram em igual condição, compartilhando a seminudez, a mesma vulnerabilidade. Pegou as mãos dela novamente, seus dedos se entrelaçaram suavemente aos dela. Sentiu que ela relaxou, olhando para ele com confiança.

Estava tudo bem.

Ela não tinha medo dele.

Acariciou os braços de Lara com um toque leve, amando a maciez sedosa de sua pele. Ela brilhava como pérola reluzente na escuridão, que não parecia mais tão escura. Podia vê-la muito claramente, o declive feminino de seus ombros, o pescoço longo e gracioso, a rigidez dos seios.

Traçou as curvas desses seios, conhecendo a forma, se deleitando com a liberdade para fazer isso, preenchendo as mãos com a linda maciez, roçando os polegares em seus mamilos, despertando uma excitação sedutora.

Ela sentiu a respiração acelerar, mas não o interrompeu. Na realidade, aproximou-se, tocando-o, surpreendendo-o com um pedido.

- Quero vê-lo também, Ric. Quero conhecê-lo por completo.

Ele ficou contente em obedecer, retirando o resto de sua roupa e, em seguida, a calça do pijama dela, passando os dedos nas suas panturrilhas, por trás de seus joelhos, até suas coxas, sentindo-a estremecer diante de seus toques, sem se esquivar deles. Apalpou as curvas mais voluptuosas de suas nádegas e os dois tiveram um contato corporal completo.

Ela se aproximou com vontade, envolvendo o pescoço dele com os braços mais uma vez, levantando o rosto para ser beijada, e enquanto ele beijava suavemente a testa, as faces, o nariz, a boca, ela se mexia contra ele de uma forma tímida, experimental, ainda não totalmente sensual, mas incrivelmente tentadora, atiçando o desejo que ele lutava para conter.

A paixão dele por ela se incendiou novamente, transformando-se em urgência. Era difícil pensar além da necessidade que surgia em seu corpo. Mas precisava saber se ela já estava pronta também, e não somente em fase exploratória como se sentia. Ele os conduziu para a cama, deitando-se ao lado dela para evitar o contato mais tentador.

Beijou seus seios e deslizou a mão até o vértice de suas coxas, tocando para ver se ela se abriria para ele. Nenhuma resistência. Nenhuma relutância. Ela deu boas-vindas ao toque dele com um calor úmido que aumentou ainda mais sua excitação.

Lara enroscou os dedos nos cabelos dele, puxando, pressionando, e ele se moveu em ritmo errático, colocando seus mamilos na boca, sugando, soltando. Ela arqueou o corpo na direção dele. A respiração era rápida e entrecortada.

Ele mudou a posição do corpo, salpicando beijos na barriga dela. Posicionou-se entre suas pernas, movendo a boca para o centro de sua sexualidade, pois desejava provocar o máximo de prazer, usando toda a experiência sexual que adquirira com o passar dos anos. Precisava mostrar a ela como devia se sentir, pressionando-a gentilmente para o pináculo do prazer final.

Ela gemia, se arqueava mais, com os músculos internos se retesando contra o carinho dos dedos dele. Ric fazia o que considerava uma mágica bem-aventurada, atraindo-a com pequenas ondas extasiantes de sensação, apoderando-se de cada pedaço de percepção, levando ao único fim possível: o clímax que um homem e uma mulher poderiam sentir juntos.

- Chega... chega... por favor... Quero você, Ric.

Ela enterrou as mãos nos ombros dele, precisando puxá-lo para tê-lo dentro de seu corpo. Ele não precisava mais pensar, não tinha que recuar. Prosseguiu, mergulhando dentro dela e cobrindo seu corpo ferozmente arqueado, exultante pelo gemido de satisfação ao sentir o pleno poder dele se aprofundar, responder à doce ânsia, liberando a tensão.

Ao atingir a parte mais íntima, cobriu-lhe a boca de beijos, num movimento suave, fazendo a pergunta, pois precisava que ela respondesse positivamente, já que não tinha como voltar atrás. A língua dela se enroscou na dele em uma dança maravilhosa, quase como se reverenciasse a ligação entre eles.

Foi o bastante.

Mais do que o suficiente.

Era incrivelmente excitante sentir o corpo dela se mover para corresponder ao ritmo do seu, as pernas o incitarem a ir mais rápido, rendendo-se inteiramente à intensidade da união. Para Ric, era o ato de amor mais poderoso de sua vida; unir-se tão intimamente a Lara, senti-la receptiva a ele, desejando viver aquele momento com toda sua vontade, assim como ele.

Ciente de que ela tinha chegado ao orgasmo, Ric ainda se controlou o quanto pôde, escondendo-se na sensação de Lara entregue a ele com uma totalidade que preenchia cada sonho que sempre tivera com ela. Quando a tensão finalmente foi transformada em alívio, Ric tomou as rédeas de sua vida, e quando tudo terminou e ele abraçou Lara, mantendo-a perto de seu coração, sentiu o que era a felicidade.

Ter aquela mulher.

Abraçá-la.

Amá-la.

E sentir que ela o amava.

 

Um forte som penetrou no sono de Lara e a acordou.

O avião!

Ric... saiu do lado dela...!

Levantou-se da cama, percebeu que estava nua, pegou o robe na cadeira em frente à penteadeira, enfiou os braços nas mangas o mais rápido que pôde e o envolveu na cintura, enquanto corria para a varanda.

Tarde demais para dizer adeus. O avião já estava no céu. Mas ela queria vê-lo, nem que fosse apenas para sentir que Ric estava seguro e o vôo tranqüilo. Só conseguiu dar uma olhadela. Naquele momento, o avião sobrevoava o telhado da sede e ela só conseguiu ouvir o ruído, que logo desapareceu também.

- Tenha uma viagem segura, Ric - ela murmurou, desejando que ele se mantivesse longe de Gary o máximo possível para manter-se a salvo.

Uma triste sensação de vazio a acometeu quando entrou no quarto. Era impossível projetar quanto tempo levaria para ver Ric novamente. Se o visse novamente. Seu coração diminuiu a batida diante dessa possibilidade. Ele disse que voltaria. Tinha que acreditar que voltaria, pois estava em posição desfavorável para mudar qualquer coisa para ele ou qualquer outra pessoa. Tudo o que se relacionava a Gary estava fora de suas mãos.

Mãos mais fortes do que a sua estavam lidando com isso agora, dizia a si mesma, mas ainda tinha medo por Ric, apesar de todas as suas garantias. Ele foi tão bom para ela, de todas as formas. Estava extremamente feliz por ter a lembrança do quanto foi bom com ele; fazer amor com um homem que sabia como agir, inspirar uma mulher a se sentir linda e preciosa, intensamente acarinhada e protegida.

Olhou para as marcas que a cabeça dele deixou no travesseiro. Enterrou o rosto ali, desejando respirar todo o cheiro que ele deixara para trás. Fechou os olhos e se concentrou na lembrança do prazer que ele propiciara, do toque mais leve à crescente e incrível sensação que tomou conta dela, em um mar de êxtase.

Por quanto tempo ficara flutuando naquele contentamento enquanto Ric simplesmente a abraçava? Era como se o próprio tempo tivesse parado e eles estivessem em um mundo paralelo, completo. Lembrou-se da batida do coração dele, da forma reverenciai com que lhe tocava o corpo, desejando que ele visse que a fazia sentir-se incrivelmente especial, assim como ele era. Queria ter falado isso para ele. De alguma forma, na noite anterior, a sensação de compartilhar algo tão surpreendente foi tão forte, tão profunda, que as palavras pareceram triviais, sem utilidade para expressar o que foi além da possibilidade de descrição. A comunicação silenciosa, física, parecia mais correta. Simplesmente ficaram juntos. Será que Ric entendeu?

Deveria ter dito algo?

Obrigada foi a única coisa que falou. E ele sorriu. Não respondeu mais nada. E não foi necessário. Ele dera o que ela pedira. Ele estava contente e ela, satisfeita. Não precisava ouvir que o prazer foi mútuo.

Então foi tudo bom.

Sem arrependimentos dos dois lados.

Ela suspirou e rolou na cama, ciente de que teria que enfrentar aquele dia - sem Ric - e tomar algumas medidas para ter uma vida diferente.

Não vou esquecê-lo, Ric - ela prometeu, silenciosamente. - Aconteça o que acontecer, vou me tornar uma pessoa mais forte e melhor pelo que você fez por mim.

Com essa resolução, Lara se levantou e foi para o banheiro de seu quarto. Um começo limpo, pensou. O mais limpo possível. Sem olhar para trás.

Meia hora depois, tinha tomado banho, se vestido, penteado os cabelos, colocado uma leve maquiagem para disfarçar o machucado no olho, que estava bem melhor, arrumado o quarto e feito a cama. Caminhou pela varanda para a ala principal da casa e achou a cozinha, um cômodo enorme onde três mulheres se ocupavam em abrir uma massa em uma pia de mármore, e o cheiro de pão feito na hora despertou instantaneamente seu apetite.

As mulheres - todas mestiças de origem aborígine - pararam de conversar quando a viram. Lara sorriu e as cumprimentou, mas elas só ficaram olhando quando Evelyn, a governanta que conhecera na noite anterior, se encarregou das apresentações.

- Parece bem melhor esta manhã, Sita. Lara - ela falou. - Estas são minhas ajudantes, Brenda e Gail.

- Estamos fazendo torta para os homens - disse Brenda, uma jovem moça de cabelos encaracolados, provavelmente de vinte anos, com olhos castanhos alegres.

- Cordeiro e batatas - acrescentou Gail. Ela devia ter a mesma idade, era mais morena, tinha os cabelos tingidos de vermelho e um sorriso que demonstrava uma atitude de achar graça em tudo. - Falei para o Sr. Ric que ele perderia, pois partiu muito cedo.

- Ele tomou um bom café antes de partir - afirmou Evelyn, como se Lara precisasse ter garantias disso. - E quanto à senhorita? Ainda temos massa de panqueca, ou posso fazer ovos. O que gostaria de comer?

- Temos vários ovos frescos - acrescentou Brenda, vendo a hesitação de Lara.

As três olhavam para ela, ávidas por agradá-la. Lara sentiu-se realmente bem-vinda e relaxou, entregando-se à atmosfera aconchegante da cozinha.

- O que quero na verdade são duas fatias desse pão fresco. O cheiro é divino.

Elas riram, convidando-a a sentar-se à grande mesa da cozinha, enquanto trabalhavam ao seu redor. Duas fatias grossas de pão foram cortadas. Um pote de manteiga e potes de mel e geléia de frutas foram postos à disposição dela. Um bule de chá - o de sua preferência - foi feito rapidamente.

Lara aproveitou o café da manhã e a conversa, que se baseou nas respostas às suas dúvidas sobre Gundamurra. Ninguém perguntou nada sobre sua vida. Sua presença parecia ser simplesmente aceita e as mulheres ficaram contentes em introduzi-la na comunidade.

Seus maridos trabalhavam no rancho, cuidando da manutenção e deslocando as ovelhas de pasto para pasto. Seus filhos iam para a escola ali. As lições eram supervisionadas pela esposa do inspetor e transmitidas por rádio, pela Escola do Ar. Apesar de o rio Paroo passar dentro da propriedade, grande parte da água utilizada vinha de poços. Também produziam gado bovino e ovino de corte, embora a atividade principal fosse a venda de machos de ovelhas, seguida da produção de lã de primeira.

- Onde está o Sr. Maguire esta manhã? - ela perguntou, ansiosa para encontrar seu anfitrião novamente.

- No escritório - respondeu Evelyn. - Antes de levá-la até lá, vou mostrar a sede da fazenda. Assim você aprende onde ficam as coisas.

- Obrigada. - Ela sorriu. - Preciso dizer que todos os quartos em que estive são muito bem cuidados, Evelyn.

A governanta irradiou prazer.

- A Sra. Maguire me treinou - falou com orgulho - e eu treino as meninas da mesma forma que aprendi.

- Bem, você faz um trabalho excelente. - Lara quase se ofereceu para ajudar, mas achou melhor conversar com Patrick primeiro. Não queria se meter sem ser chamada.

O passeio pela sede deu a ela uma noção de como era a vida ali. Havia um quarto anexo à lavanderia com várias capas de chuva, chapéus e botas, claramente a primeira e a última parada para os que trabalhavam externamente. Um banheiro completava as instalações, com a finalidade de os empregados se limparem antes de entrarem em casa.

- Vocês tiveram muita chuva? - perguntou Lara.

- Há muitas tempestades nessa época do ano. Isso é bom. Precisamos de chuva. É difícil manter as coisas funcionando em tempos de seca.

Lara vira na televisão a cobertura sobre a devastação decorrente de longos períodos de seca no campo australiano. Sentiu tristeza e simpatia, mas aquelas lembranças foram apagadas de sua vida, tudo foi apenas momentâneo. Certamente teriam mais impacto sobre ela agora que entrara em um mundo diferente.

Mas era um mundo com várias facilidades também. A sala de jogos também era uma biblioteca e sala de música, aberta a todos da comunidade. Paredes de prateleiras continham uma impressionante seleção de livros de ficção e não-ficção, vídeos e CDs. Um gerador fornecia eletricidade, e uma antena parabólica, internet e televisão.

- O Sr. Johnny deu o sistema de som - informou Evelyn, sorrindo, antes de acrescentar: - Assim podemos ouvir suas músicas.

- Que Johnny? O amigo de Ric, dono do avião?

Evelyn parecia surpresa.

- Você não o conhece? Johnny Ellis? Ele é um cantor country muito famoso. E chamado de Johnny Charm. E ele é charmoso!

- Ah, sim. Nunca o conheci, mas já ouvi falar.

Na realidade, Johnny Ellis era muito famoso no campo e na região oeste do país, e também nos Estados Unidos. Era realmente um rapaz muito sensual, com um charme muito característico das pessoas do campo.

- Há muito tempo, ele e o Sr. Ric estiveram em Gundamurra juntos - falou Evelyn. - Dois dos meninos do Sr. Patrick. Agora os dois são famosos. O Sr. Johnny vem muito aqui. Diz que somos sua inspiração.

Por isso o avião, pensou Lara. Provavelmente, Johnny Ellis também cometera algum crime quando era adolescente e recebera a mesma chance que Ric. Dois dos meninos do Sr. Patrick. Lara imaginou quantos meninos estiveram ali ao longo dos anos, quantos, se regeneraram depois da estada naquele lugar. Também vou me regenerar, prometeu para si mesma.

Outro local fascinante era a sala de costura.

- A Sra. Maguire fazia tudo aqui - explicou Evelyn. - As cortinas e colchas de patchwork. As toalhas de mesa e os guardanapos. Vestidos para as meninas. Ela adorava criar modelos novos.

Havia vários tecidos empilhados, inúmeras caixas contendo amostras de materiais. A sala toda foi criada de forma muito profissional, com uma mesa central para corte, boa iluminação, prateleiras de carretéis de algodão de todas as cores, várias tesouras.

- Alguma das filhas dela costura? - perguntou Lara.

- Não muito. Somente para consertar coisas. A mais velha, a Srta. Jessie, acabou de se formar em medicina. Quer trabalhar no Serviço de Medicina Real. A Srta. Emily é piloto de helicóptero e fica mais no norte. Sempre gostou de voar. A mais nova, Srta. Megan, está na faculdade de agronomia. Creio que ela vá dar continuidade aos negócios de Gundamurra para o Sr. Patrick.

Uma mulher... administrando um rancho tão grande?

Por que não?

Lara se traía pela limitação do próprio pensamento. As filhas de Patrick eram claramente determinadas. Ela mesma nunca nutrira nenhuma ambição. A profissão de modelo aconteceu por acaso. Aos 17 anos, foi abordada em um show por um agente de uma agência de modelos que rapidamente a colocou no cenário internacional, mais para deleite de sua mãe, que incentivara a carreira com muito orgulho e entusiasmo, do que por seu próprio entusiasmo.

Quando conheceu Gary, estava cansada de tudo, das viagens constantes, das exaustivas sessões de foto, da sensação de estar sempre à mostra, das roupas que mais pareciam peças bizarras de exibição do que peças possíveis de serem usadas na vida real. Tudo era representação e ela queria sentir seus pés mais no chão.

Casar-se e ter uma família parecia o passo ideal. Talvez o fato de ter trabalhado em uma fábrica de sonhos a tenha impedido de enxergar bem as coisas. O marido de sonhos começou a frustrar suas ilusões muito rapidamente e, ao se tornar parte da família dele, viu que ter filhos não era a resposta para nada.

Precisava de algo produtivo na própria vida, não somente o reflexo ou o aprimoramento do que os outros queriam para eles mesmos. Até agora, fora um cavalo de raça em exibição. Ric dera a ela tempo e espaço para se recompor enquanto estivesse ali, e este objetivo ficou muito claro em sua mente quando Evelyn a levou ao escritório de Patrick.

Aquele homem, que criou três filhas que agora seguiam o próprio caminho, que foi figura paterna de rapazes que saíram dos trilhos, fazendo com que caminhassem com as próprias pernas com confiança em suas habilidades para fazer algo positivo em suas vidas, recebeu Lara com um sorriso benevolente e convidou-a a se sentar. Ela via gentileza em seus olhos, mas sabia que havia muito mais que isso naquele homem. Ele devia ter um conhecimento muito profundo da natureza humana e de sua melhor forma de funcionar.

- Você parece melhor esta manhã - ele falou. Menos machucada, ela pensou, determinada a se erguer das cinzas do casamento com Gary Chappel.

- Não vou desapontar Ric - ela falou, firmemente. Patrick franziu o cenho.

- Compreendo que tenha gratidão por Ric, mas Lara... não ligue o que fará aqui a ele. Ric não gostaria que você medisse esse tempo pelo que ele ou outra pessoa espere de você. Esse tempo é seu. Tome-o como seu e faça o que quer porque você quer.

As palavras sérias faladas lentamente fizeram com que ela percebesse que passara os últimos anos agradando aos outros, primeiro por um forte desejo de aprovação, e depois porque se ela não agradasse, isso seria sinônimo de ser ferida.

Claramente, Patrick Maguire era muito diferente de seu próprio pai, que nunca a ouvira. Ela suspeita que ele aprovara a carreira e o casamento porque, de acordo com seu ponto de vista, mulheres foram feitas para serem belas e se casar. Ponto final. Não eram feitas para pensar ou discutir com os homens que cuidavam delas.

Mesmo paralisado por um infarto e sob os cuidados de uma enfermeira em casa, sua mãe ainda era subserviente a ele. Sempre que Lara falava alguma coisa, ela respondia "Seu pai não gostaria que..."

Sempre seu pai... seu pai...

As reclamações de Lara nunca foram ouvidas.

Observando Patrick curiosamente, ela perguntou:

- É isso que você diz aos rapazes que vêm para cá? Para esquecerem as influências que os colocaram em perigo?

- Esse é um grande salto - ele falou, demonstrando gratidão. - O que Ric contou a você sobre o tempo que passou aqui?

- Não muito. Explicou o programa que você administra como uma pena alternativa do centro de detenção. E falou com enorme respeito e confiança de você.

Ele balançou a cabeça, esboçando um sorriso que "suavizava a expressão facial.

- Alguns rapazes respondem ao desafio. Outros simplesmente cumprem seu tempo. Ric, Johnny e Mitch eram como os Três Mosqueteiros, determinados a lutar e a mudar de vida.

- Mitch também? - Lara estava surpresa e confusa. - Não pensei que alguém com passagem na polícia pudesse atuar como advogado.

- Mitch foi um caso especial. Ele não se defendia naquela época. Algumas circunstâncias excepcionais foram apresentadas ao juiz.

- Por meio de suas ligações?

- Sim e não. - Ele franziu o cenho: - Devido ao programa que tenho aqui, fui ouvido, mas muita coisa dependia do que Mitch teria a dizer.

Não era um jogo de poder escondido. Lara sentia alívio ao ouvir aquilo. Não queria pensar que Patrick Maguire fazia os tipos de acordo que Victor e Gary fechavam, usando todos os meios para conseguir o que queriam. Precisava saber se Mitch Tyler era correto também, que não dependia da influência dos outros.

- Não se preocupe com Mitch, Lara. A justiça é uma paixão para ele. Sempre foi. De uma forma ou de outra, ele vai vencer Gary Chappel.

Lara se perguntou se seus pensamentos estavam transparentes. Não que isso fosse importante. Obteve a resposta.

- Alguma... notícia... esta manhã? Ele sacudiu a cabeça.

- Talvez à noite.

Lara esperava que Kathryn estivesse segura. Patrick olhou para ela com curiosidade.

- Sempre pergunto a todos os rapazes que vêm para Gundamurra... o que eles gostariam de ter para tornar sua vida mais prazerosa aqui. - Ele fez uma pausa e perguntou. - E quanto a você, Lara?

Há muito tempo que não pensava em seu próprio prazer. Mesmo na noite anterior com Ric... tudo se concentrou no que ele poderia oferecer a ela, e não no que ela poderia oferecer a si mesma. Excetuando o fato de ter desabotoado a camisa dele, foi mais passiva do que ativa... deixando que tudo acontecesse para ela. Essa parecia ter sido a história de sua vida.

- O que Ric escolheu? - ela perguntou.

- Uma câmera. -Johnny?

- Um violão.

- Mitch?

- Um tabuleiro de xadrez.

Eles sabiam o que queriam. Por que ela não? Seria sempre guiada pelos outros, sem ter a própria direção?

- Não precisa responder agora, Lara - falou Patrick gentilmente. - Pense sobre isso. Me fale quando...

- Tem algo que quero experimentar - ela interrompeu, gostando da idéia que se introduziu em seus pensamentos. - Evelyn me mostrou o quarto de costura. Ela disse que ninguém o usa mais... todos os tecidos e algodões diferentes. Talvez pudesse criar e fazer coisas... se você não se importar. - Ela corou, quando notou que podia estar pisando em terreno particular.

- Minha esposa adoraria compartilhar o hobby dela com outra mulher - ele falou, encorajando-a. - Sinta-se à vontade para usar o que quiser.

- Obrigada.

- De nada. - Ele se levantou da cadeira, erguendo-se à sua formidável altura. - Agora vamos caminhar no rancho. Você precisa conhecer as outras mulheres...

Sim, pensou Lara, precisava ter tudo muito claras em sua mente, não apenas para o novo ambiente, mas também para a própria vida. Essa era uma boa chance para retomar sua vida. Dependia dela fazer o melhor.

 

Por três longos meses, Ric movimentou-se a trabalho entre Los Angeles, Nova York, Londres, sempre alerta para qualquer problema. Até onde sabia, não havia problemas, nem mesmo no escritório de Sidnei, que Kathryn continuava gerenciando perfeitamente. Ele achava que Mitch obtivera êxito ao reprimir qualquer tentativa de Gary Chappel de importunar Lara ou qualquer pessoa ligada a ela.

Sentia-se seguro para voltar para casa.

Tomaria todas as precauções para não ser seguido até Gundamurra. Tinha certeza de que poderia fazer isso sem colocar Lara em perigo. O desejo - a necessidade - de ficar com ela novamente, de garantir a si mesmo que tudo estava bem entre eles, chegou a tal ponto que mal conseguia se concentrar em outras coisas.

Nas últimas semanas, sentia que algo estava errado. Quando configurou um site particular na Internet para que pudessem conversar em segurança absoluta, as mensagens de Lara eram como um diário. Nada profundamente pessoal, mas contendo as atividades dela e escritas com muito entusiasmo. Estava satisfeito por ela não reclamar da vida e se comunicar tão abertamente.

Mais recentemente, as mensagens foram reduzidas a pequenos relatórios. Talvez tenha sido simplesmente porque as novidades da vida no rancho do deserto tenham perdido o encanto. Não era mais surpreendente, aventuroso ou empolgante. Detectava uma tristeza que o preocupava, fazendo com que agisse.

Gundamurra talvez não fosse o local ideal para ela. Poderia levá-la para Londres, tomar conta dela. Havia dúzias de alternativas. Só precisava de sua aquiescência para levá-la para qualquer outro local.

A primeira etapa era encontrá-la, e isso significava pegar um avião para casa. Escrevera sobre a intenção de visitar Gundamurra na noite anterior. Ela responderia hoje pela manhã. Não queria deixar seu apartamento antes de obter a resposta. Era impossível se concentrar no trabalho no escritório de Londres naquele dia.

Tomou o café da manhã meio a contragosto e verificou seu computador novamente.

Sim... uma mensagem.

Ric olhou para a tela, sentindo o coração apertado de dor enquanto lia e relia a mensagem de Lara, tentando desesperadamente interpretar de forma diferente o que ela escrevera.

É melhor para mim que não venha, Ric.

Sem explicações.

Apenas uma linha.

Teve a sensação de que isso ocorria porque fizeram sexo e ela não queria se lembrar disso. Não queria que ele pensasse que pudesse acontecer novamente. Não queria ter que se confrontar com isso.

Erro.

 

Grande erro.

E ele não podia desfazê-lo.

Então, qual seria a próxima etapa?

Ric se afastou do computador, recusando-se a acreditar que não havia futuro com Lara. A conexão entre eles foi real demais, forte demais. Devia haver uma forma de ultrapassar esta barreira.

Caminhou pelo apartamento, afastando a energia negativa que o pressionava, o velho derrotismo que o manteve longe dela no passado. Ele era bom para ela. Ela quis fazer amor com ele. E agora não podia pensar que ia experiência tenha sido ruim. Foi excelente para os dois. Não podia se equivocar quanto a isso.

Talvez ela agora estivesse com vergonha de ter tido aquele desejo naquele momento. Ligando-o a Gary. Com meses de liberdade para pensar, ela podia ter desenvolvido um desejo de ficar livre de qualquer ligação com outro homem. Uma vida mais fácil, sem relacionamentos complicados. Os breves relatórios deviam significar que ela estava se despindo de qualquer possibilidade de dependência dele, sutilmente deixando que compreendesse que tais relatórios tinham importância cada vez menor.

Uma fase de rejeição seria razoável nessas circunstâncias. Significava que devia ser mais paciente e esperar. Por outro lado, certamente ela sabia que ele não faria nada para feri-la. Então, por que eliminá-lo? Melhor para mim se você não vier.

Ela se sentia mais segura longe dele? O medo de Gary ainda predominava em sua mente? Acontecera algo que ele não sabia?

Ric ligou para Mitch na Austrália, que atendeu prontamente, para seu alívio.

- Existe alguma razão para eu não voltar para casa no momento? - ele falou sem pensar.

Mitch pesou a pergunta por alguns minutos e, em seguida, respondeu:

- Não que eu saiba, desde que você tenha cuidado.

- Não houve nenhuma ameaça de Chappel? Algo que esteja preocupando Lara?

- Tudo calmo lá. Certamente Victor Chappel aceita que haverá um divórcio. Não confio em Gary a ponto de dizer que não há chances de ele tentar interromper isso, então eu enfatizo... não o leve até Lara.

- Posso usar o avião de Johnny novamente para voar até Gundamurra.

- Essa seria a melhor alternativa, se você precisar ir, Ric.

- Você acha que não devo? Outra longa pausa.

- Não sou eu quem devo julgar. Nunca vi vocês dois juntos...

- Mas...? - Ric pressionava.

- Lara passou por muita coisa. Mais do que você sabe, Ric, e não tenho liberdade para contar.

- Está dizendo que minha presença pode ser uma pressão pouco bem-vinda?

- Não sei. Só sei que pelo que vejo com outras mulheres nessa situação... isso não se esquece em três meses. É uma longa batalha para vencer.

Tempo...

Por mais que Ric quisesse passar por cima disso, não tinha como ignorar o conselho de Mitch e as palavras de Lara. Resignou-se a ter mais paciência, desligou o telefone e voltou para o computador. Seus dedos digitaram a mensagem: Como quiser, Lara.

Como quiser...

Os olhos de Lara se encheram de lágrima quando leu as palavras que Ric escreveu em resposta... palavras de incentivo... tão típicas quanto tudo o que ele dera a ela... dera...

Se bem que o carinho que ele tinha pelas necessidades dela só pioravam seu tormento. Pedira muito a ele e agora estava pagando por isso.

Três meses de gravidez...

Lara enterrou o rosto entre as mãos, apoiadas sobre a mesa do computador.

Do lado de fora, chovia copiosamente. A chuva batia no telhado da casa da sede, abafando o som de sua aflição. Não que alguém fosse ouvir. Patrick reservara aquele horário para que ela usasse o escritório. Sempre ficava sozinha para escrever para Ric.

Mas como poderia continuar essa ligação com ele?

Se o bebê fosse de Gary... não haveria como escapar da família Chappel, mesmo com um divórcio. Pensou muito na idéia de fazer um aborto, mas não podia entrar por esse caminho, não depois de ter tido um filho natimorto. Era seu bebê também. Toda vida inocente é preciosa.

Podia ser filho de Ric... uma esperança desesperada que pelo menos a salvaria da ligação com Gary de novo, apesar de ser extremamente injusta com Ric, pois o prenderia à paternidade, sem que tivesse escolhas.

Sentia muita culpa. Como Ric poderia acreditar em sua palavra novamente? Fez com que acreditasse que as pílulas que tomava a protegeriam da gravidez, pressionando-o de forma imprudente a fazer amor. Ele não teria ido adiante, caso não houvesse essa garantia. Ela o usou para tirar Gary de sua cabeça, sem se preocupar com nada além de suas necessidades egoístas.

A desonestidade disso a machucava. Certamente o magoaria também. Sequer podia encará-lo diante da possibilidade de o filho ser dele. A culpa era muito grande.

Não... tinha que assumir que era de Gary... viver com as conseqüências... terminar a ligação com Ric agora. Era a única coisa justa a fazer. Esse problema não era dele. Era dela, só dela.

Não se forçaria a escrever pequenas mensagens carinhosas para ele. Isso era desonesto também. Ela se recompôs, leu a mensagem Como quiser, Lara e desligou o computador.

Não era o que queria.

No entanto, não tinha como voltar no tempo.

Saiu do escritório e ficou na varanda observando a chuva cair, praticamente cortinas de chuva. Os últimos dias foram de tempestades como aquela, que enchiam o rio e criavam o risco de enchentes. Todos os homens trabalhavam duro, levando o rebanho para pastos mais seguros. Isso tinha que ser feito a cavalo, pois o chão ficara enlameado demais para o uso de veículos.

Conhecia tudo sobre a vida ali, agora. Tinha uma harmonia natural de que gostava. E as pessoas do rancho não eram pretensiosas. As coisas eram claras. Não havia falsidades.

Ela era a única pessoa que escondia uma coisa.

Até então, conseguira manter a gravidez em sigilo. As camisetas largas que comprara disfarçavam a barriguinha, e assim como ocorreu com a gravidez anterior, não sentiu enjôos. Não vomitou. Sentia náusea quando comia algumas coisas. Como passava as tardes no quarto de costura, era fácil dar uma cochilada ali sem que ninguém notasse o cansaço que às vezes a acometia.

Talvez conseguisse mais um mês antes de a verdade ficar óbvia para continuar oculta. E então? Mais cedo ou mais tarde, teria que contar a Patrick. Será que ele a deixaria ficar lá? Ter o bebê lá?

Teria que contar a Mitch Tyler também?

Um bebê não podia ser mantido em segredo para sempre.

Ric inevitavelmente saberia a verdade, de uma forma ou de outra... e se sentiria traído.

Ela não era boa para ele.

Nunca fora boa para ele.

E não havia chance de redenção agora.

Não havia bonança depois da tempestade.

Foi para a cama com sua tristeza e ouviu a batida constante da chuva no telhado, desejando que ela levasse todos seus pensamentos. Mas continuou ouvindo...

Como quiser... como quiser... como quiser...

Em Sidnei, Gary Chappel conseguia o que queria... enganar Ric Donato, deixando que achasse que ele libertara sua esposa fugitiva. Pagou um preço exorbitante por isso, mas o detetive particular que contratou finalmente conseguiu recuperar as informações que obteve com um grampo ilegal no telefone de Mitch Tyler.

Gundamurra.

 

O ruído de um avião chegando acordou Lara do descanso da tarde. Ric, ela pensou apreensiva, com o coração em tumulto. Será que mudou de idéia e veio vê-la, afinal de contas? Mas ele certamente contaria a Patrick sobre suas intenções. E não poderia chegar tão rápido... poderia?

Ele estava em Londres três noites atrás.

E escreveu "Como quiser".

A razão brigava contra a preocupação frenética. De qualquer forma, ninguém poderia aterrissar. A pista de pouso não estava em boas condições, depois de toda a chuva. Somente um helicóptero poderia aterrissar com segurança, e aquele ruído não era de helicóptero. Mas o piloto voava muito baixo.

Será que alguém estava em perigo?

Ela acordou e correu.

As pessoas gritavam "Está descendo".

Fora da casa, parecia que todos estavam correndo, como se soubessem que poderia ser preciso ajudar. Todos viam o que estava acontecendo e não podiam fazer nada para impedir. O trem de pouso desceu no chão enlameado. O nariz do avião desceu. A cauda estremeceu.

O susto causado pelo desastre interrompeu a caminhada de Lara, que sentiu ondas de náusea. Com medo de desmaiar, conseguiu sentar-se em um dos bancos sob as pimenteiras e baixou a cabeça entre os joelhos. Evelyn a encontrou lá e a levou para a cozinha.

- Não era o avião de Johnny, era? - perguntou Lara.

- Não. Nem de nenhum de nossos vizinhos. Parecia um avião fretado - respondeu Evelyn bruscamente. - Provavelmente alguém perdido, sem sequer ter tido o bom senso de se comunicar pelo rádio para saber as condições da pista.

- Talvez não pudessem. Ou estivessem com pouco combustível para ir para outro local.

- Não se preocupe com isso, isso é trabalho para os homens. - Evelyn lançou um olhar sábio para ela. - Precisa se cuidar, Srta. Lara. Já vi muitas grávidas não reconhecerem os sinais.

Outro choque.

- Se quiser guardar para você, tudo bem, mas é preciso que saiba que não está me enganando. Agora beba este chá e vá para a cama. Esta queda do avião não é problema seu.

Lara sentiu-se fraca para discutir. Fez o que Evelyn falou, agradecida por poder se deitar e não ter que se envolver com o horror da pista de pouso.

Mas, no fundo, era assunto dela.

Patrick entrou no quarto dela, puxou uma cadeira para o lado da cama e olhou para ela com uma severidade que a deixou com os nervos à flor da pele. Será que Evelyn contou sobre a gravidez? Deveria confessar agora? Ou ele tinha más notícias sobre a queda da aeronave?

Não podia ser Ric... podia? Por que fretaria um avião se podia usar o de Johnny? Sua cabeça girava enquanto ela esperava Patrick falar.

- Lara... Seu marido estava no avião.

- Gary?

O choque da notícia deixou-a sem fala. Seu estômago queimou de medo. Gary foi atrás dela. Ele encontrou Gundamurra, alugou um avião e... ela sentia todo o corpo tremer diante da possibilidade de se confrontar com ele. Mas agora não tinha mais onde se esconder. Ele sabia...

- Ele não estava usando cinto - Patrick prosseguiu. - Não pudemos fazer nada para salvá-lo.

O que queria dizer... com não puderam fazer nada para salvá-lo? Era Gary que tinha o poder, que faria tudo o que estivesse a seu alcance para ter as coisas do seu jeito.

- Ele morreu, Lara.

Morreu?

Gary... morreu?

Sem poder... para fazer nada?

- Morreu antes de conseguirmos chegar até ele. O impacto da aeronave...

Morreu... Partiu...

Jamais poderia tocar nela novamente... nunca mais seria parte de sua vida diretamente... de seu bebê... era como se Deus tivesse misericórdia dela, levando-o embora.

Serei uma boa mãe, prometeu silenciosamente, levando a mão à barriga por instinto. Se não conseguisse nada com essa segunda chance de se libertar do medo, podia assegurar que seu filho só conheceria o amor, independentemente de quem fosse o pai.

- O piloto e um outro homem, um detetive, estão muito machucados - falou Patrick, para que ela soubesse que Gary viera com reforços.

Não havia dúvidas de que se as condições estivessem favoráveis, seria forçada a voltar para Sidnei, seria internada em uma das clínicas dos Chappel, considerada mentalmente incapaz a ponto de precisar da atenção de um psiquiatra e quando soubessem que estava grávida... mas aquilo não podia acontecer agora.

- Um helicóptero de resgate chegará logo para levá-los a Bourke para atendimento. O corpo de Gary também será levado. Preciso perguntar... - Patrick suspirou e acrescentou calmamente - ...você quer vê-lo, Lara?

Ela sacudiu a cabeça.

- Pensei... que você pudesse querer se assegurar. Ela engoliu em seco e perguntou com certa dificuldade:

- Existe alguma dúvida?

- Ele estava com a identidade, e o detetive confirmou. Não há por que duvidar. A polícia de Bourke pode contatar o pai dele.

- Então não preciso... vê-lo.

- Somente se você quiser.

- Não. - Curta e grossa. Melhor pensar que ele tinha partido para sempre do que ter uma imagem horrenda dele em sua cabeça.

Patrick balançou a cabeça e se levantou.

- Vou trazer Evelyn para cá. Se precisar de algo, peça a ela.

- Obrigada.

Ela fechou os olhos.

A caçada terminou.

Ric não estava mais em perigo.

Estava livre.

Ela também tinha que liberá-lo.

Levantar a possibilidade da paternidade não seria justo. Mesmo se a criança fosse dele, a responsabilidade era toda dela. Seria terrivelmente errado ter um compromisso para a vida inteira com ele, quando a escolha dele teria sido outra. Ele fizera tanta coisa para deixá-la livre. Agora não queria se apoiar nele ainda mais... tirar sua liberdade...

Se esse bebê era o resultado de uma mentira...

Era melhor que Ric não soubesse.

Mentira era a pior base para uma relação duradoura.

E ela queria que seu filho conhecesse apenas o amor.

 

Ric foi para o escritório de Sidnei, porque não conseguia agüentar sua própria companhia. Fazia quatro meses desde que vira Lara e a única comunicação que recebeu dela ocorreu por meio de Mitch: um pedido para ele manter-se afastado. Inevitavelmente, houve um furor da mídia acerca da morte de Gary Chappel, e ela não queria que Ric fosse taxado como um jogador em sua vida.

Sem escândalos para as páginas de fofocas.

Ela estava legalmente separada do marido, faltava apenas o divórcio. Diferenças irreconciliáveis. Nenhum outro homem envolvido.

Em resumo, Ric tinha sido efetivamente colocado de lado, sem possibilidades de volta. A viúva respeitável caminhava sozinha. Não precisava ou não queria seu apoio. Mitch indicou um bom advogado para lidar com o testamento de Gary, e Lara conseguiu chegar a um consenso com Victor Chappel, evitando brigas. Ric suspeitava de um acordo: o silêncio dela sobre a natureza de seu casamento, nenhuma declaração sobre o temperamento do filho dele e ela seria uma mulher rica para o resto da vida.

Sentia-se cada vez mais irritado com a hipocrisia de tudo aquilo.

Principalmente por ter sido deixado de fora da vida de Lara.

Ela não devia nada a ele, que repetiu isso inúmeras vezes. Era o que realmente sentia. Mas a intimidade que compartilhara... não podia aceitar que isso tenha sido jogado fora como se fosse irrelevante. Não tinha como esquecer a noite que passaram juntos... como parecia a coisa certa... e as palavras dela sobre a saudade que sentiu dele todos esses anos...

Chegou ao ponto de pensar se Lara tinha mentido para levá-lo a fazer o que ela queria: apagar Gary de sua cabeça. Mas, no momento, acreditou que era mais do que aquilo. Um amor mútuo que fora tão profundo que ele não conseguia esquecer, não podia jogar fora e seguir adiante como se não fizesse qualquer diferença em sua vida.

Fazia.

- Ric...

O tom insistente de Kathryn despertou-o de seus pensamentos. Olhou para ela com todo o ressentimento que sentia pela situação com Lara. Ela estava sentada ao outro lado de sua mesa. Ele notou seu olhar sobressaltado, percebeu no que se transformara e mudou a expressão.

- Desculpe, o que você dizia? Ela zombou.

- Você ouviu alguma coisa que falei, Ric?

- Não - ele admitiu, dando de ombros para sua falta de concentração. - Deixe seu relatório comigo, Kathryn. Lerei mais tarde. Não estou concentrado para discutir negócios agora.

- Certo. - Ela se levantou e entregou a ele as páginas grampeadas que estava usando como referência. - Estarei em meu escritório. Ligue para mim se tiver dúvidas.

Tinha milhares de dúvidas, mas nenhuma sobre negócios.

- Lara Chappel ligou para você? - ele perguntou.

Ela se ajeitou, com as mãos unidas em frente ao corpo, como se precisasse se guardar de um ataque. Seu olhar era cauteloso, e ela respondeu de forma lenta, medindo as palavras.

- Sem contato pessoal, Ric. Entretanto, ela me enviou um lindo buquê de flores quando voltou para Sidnei, com um bilhete agradecendo pela minha ajuda.

Flores para Kathryn.

Pelo menos o envolvimento dela com o resgate e suas conseqüências não foram esquecidos.

Mas saber disso foi como levar um tapa na cara. Não recebeu flores. Não recebeu nada.

A tensão de Ric começou a atingir Kathryn. Ric estava prestes a se despedir, quando notou algo.

- Você não está usando a aliança de noivado.

- Eu a devolvi a Jeremy - ela falou lentamente. Isso momentaneamente o distraiu de Lara. Ele franziu o cenho, preocupado. Ser rejeitado era horrível.

- Sua decisão ou dele, Kathryn?

- Minha. - Ela sorriu levemente. - Ele não era o homem que pensei.

- Sinto muito. - O rapaz deve tê-la magoado seriamente.

- Não se preocupe. Foi um erro. Melhor descobrir antes do casamento.

- Sim - Ric concordou. - Os erros podem custar caro.

Como fazer amor com Lara.

- Na realidade, tenho saído com Mitch Tyler - Kathryn falou rapidamente.

- Você... e Mitch? - Estava surpreso.

Ela corou e ele notou seu constrangimento por ter contado a ele, apesar de haver uma simpatia em seus olhos que fizeram com que se contorcesse por dentro. Kathryn e Mitch... conversando sobre Lara e ele.

- Boa sorte para vocês - ele falou bruscamente, gesticulando para que ela se retirasse.

Assim que ela fechou a porta, começou a caminhar, incapaz de conter a energia violenta que o acometia. Não se afastaria sem fazer nada, droga! Precisava agir. Queria respostas. O silêncio de Lara estava acabando com ele. Ligou para a mansão Vaucluse.

Entender como Lara podia voltar para lá era outra pergunta que o massacrava.

Mas ela voltou. Três dias depois da morte de Gary Chappel, ela foi embora de Gundamurra, levada por um helicóptero pago por Victor Chappel. Um retorno muito rápido para a vida que deixara para trás em Sidnei. Rapidamente ela limpou a poeira do deserto dos sapatos. Não esperou Ric Donato para acompanhá-la a lugar algum. Não o queria com ela, nem por amor nem por dinheiro. Por falar em amor...

- Residência dos Chappel.

Não era a voz dela. Será que tinha mantido a governanta que Gary contratou? Toda a equipe composta de vigilantes que a deduravam? Ric não podia mais compreender quem era Lara.

- Aqui é Ric Donato - ele respondeu. - Gostaria de falar com Lara Chappel.

Uma pausa.

- Por favor, aguarde, Sr. Donato. Ele esperou.

E esperou.

Estava ficando cansado de esperar.

- Alô, Ric. A voz dela.

Mal podia acreditar no que ouvia, pois estava convencido de que não atenderia. Ficou com a boca totalmente seca e teve que salivar um pouco antes de responder.

- Lara... - Sentiu um branco em sua mente. As palavras não saíam.

Ela quebrou o silêncio.

- É bom ouvir sua voz. Bom?

- Fico contente que sinta isso. - O comentário saiu com um sarcasmo que ele logo se arrependeu. Talvez ela tenha tido razões convincentes para não contatá-lo pessoalmente. Se estava aceitando sua ligação agora... - Já faz tempo - ele rapidamente acrescentou.

- Sim. Faz tempo.

Sem desculpas. Nenhuma desculpa por seu silêncio.

- Estava pensando se poderíamos nos encontrar - testou Ric. - Jantar hoje à noite.

Uma longa pausa, então ela respondeu:

- Que tal um almoço? Amanhã, se for conveniente para você.

Sem jantares. Não queria se arriscar a passar uma noite com ele. Não queria uma noite com ele.

- Almoço. Amanhã - ele repetiu, levado por uma forte determinação. - Está bem. Onde gostaria que eu a levasse?

- Não. - Fortemente decidida. - Isso é por minha conta, Ric. Vou reservar uma mesa no restaurante Osíris. Fica no hotel Radisson, perto da Circular Quay, que não é longe de seu escritório. Vamos nos encontrar lá meio-dia e meia.

- Meio-dia e meia - ele repetia, detestando as limitações óbvias que ela colocava ao encontro. - Mal posso esperar - ele acrescentou, pensando se era um masoquista estúpido, implorando por mais dor.

- Até amanhã, então - ela falou, bruscamente, encerrando a ligação.

Ele ouviu o barulho do telefone. Parecia um tiro no coração. Mas iria ao almoço. Precisava se despedir cara a cara!

Mal Lara desligou, caiu em prantos, com lágrimas caindo dos olhos e rolando pelas bochechas. Tentou enxugá-las com as mãos enquanto ia para o seu quarto, pensando no tormento que seria encontrar Ric no dia seguinte.

Mas como podia negar isso?

Ele parecia ferido... magoado... e ela se sentia profundamente culpada pela covardia de evitar um contato com ele, fugindo de um confronto que seria muito doloroso. Não podia contar a verdade a ele e não queria ficar em posição de mentir ainda mais. Mas um fora pelo telefone... não foi capaz de cortá-lo dessa forma. Era indecente, depois de tudo o que fizera por ela.

Chegou ao quarto, fechou a porta e se apoiou nela, abraçando forte, em uma tentativa desesperada de reduzir a dor da perda que sentira só de falar com ele. Como conseguiria no almoço... sentar perto dele... com as lembranças de como foi bom com ele trazidas à tona por sua presença física?

Ele se importava com ela.

Realmente se importava.

Será que continuaria se importando se ela contasse a verdade?

Mesmo se o bebê não fosse dele?

Sentiu um enorme desejo por Ric novamente. Mas foi precisamente essa a razão por ter entrado nesse dilema... seu egoísmo. Egoísmo cego e tolo. Importou-se apenas com o que queria.

Então, o que diria no dia seguinte?

Oh, por falar nisso, Ric, estou grávida. Não sei se o bebê é seu ou de Gary. Desculpe por tê-lo feito pensar que estava protegida. Estava louca por você naquele momento. Mas agora esse é o resultado, que tal ficarmos juntos para o resto de nossas vidas? Me ame, ame meu filho, independentemente de quem seja o pai.

Uma grande recompensa por tudo o que ele fez!

Ela fez isso.

Era errado sequer pensar na possibilidade de pedir a Ric para compartilhar isso com ela, assumir o fardo de uma paternidade quando ele achava que não havia chance de isso acontecer.

Não.

De alguma forma tinha que fazê-lo acreditar que queria uma vida independente. Que tinha planos que não o incluíam. Tinha que lhe agradecer por libertá-la para que atingisse os próprios objetivos, e interromper qualquer ligação futura com ele.

Mas não seria um final doloroso.

Tinha esperança de que ele compreendesse.

Apesar de seu coração sangrar por todas as coisas que permaneceriam escondidas.

Passou a mão na barriga. O desastre do avião e a morte de Gary a preocuparam. Voltou para Sidnei assim que sentiu-se bem para viajar, ansiosa para ir ao médico e ver se o bebê estava bem. Até agora, tudo estava bem.

Precisava desse bebê para viver.

Algo bom em que se apoiar.

Amanhã diria adeus a Ric.

E o deixaria.

 

Ric chegou ao Radisson Hotel ao meio-dia e quinze. A entrada do restaurante Osíris era no fundo de uma área do saguão. Sentou-se em uma poltrona, de onde via toda, a movimentação de quem entrava e saía.

Táxis paravam na porta deixando e levando passageiros. Nenhum deles era Lara. Ficava tenso todas as vezes que via um carro com motorista, ao mesmo tempo desapontava-se ao ver o estranho que saía. O tempo passava... meio-dia e meia, meio-dia e trinta e cinco, meio-dia e quarenta...

Não recebeu nenhuma mensagem explicando o atraso. Depois de quatro meses, o mínimo que ela podia fazer era ser pontual, ou pelo menos explicar a razão do atraso. Todo mundo tem celular nos dias de hoje. Não havia desculpa para deixá-lo esperando.

Teria sido deliberado?

Uma mensagem subentendida, como você não é importante para mim.

Ric pensou em algo ainda mais horrível. Entrou no restaurante para saber se havia reserva no nome deles. Caso contrário, teria sido dispensado por uma das formas mais desprezíveis. Esperava uma certa civilidade de Lara e nem isso ela foi capaz de conceder.

- Uma mesa reservada para Chappel? - perguntou Ric para o maitre.

- Sr. Donato? - perguntou o rapaz, como se tivesse uma mensagem para entregar.

Ric fervilhou de pensar que Lara pudesse ter pago pelo almoço dele sem ter aparecido.

- Sim - ele retrucou.

- Por aqui, senhor.

Ele não deixou alternativas a Ric, senão segui-lo. Caminharam para o fundo do restaurante. Ric olhou para as mesas dispostas de forma espaçosa, sem reconhecer nenhuma das pessoas. Apertou as mandíbulas ao olhar para uma mesa vazia atrás de uma pilastra que ficava ao lado de uma janela. Não permaneceria ali para comer sozinho.

Mas a mesa não estava vazia.

Lara estava sentada em uma cadeira escondida da visão geral pela pilastra, olhando pela janela para a vista da cidade. Ric mal teve tempo de se recompor do choque de vê-la quando o maitre anunciou sua chegada, chamando a atenção dela.

Vira várias fotos de Lara desde que voltara para Sidnei, mas nenhuma a tinha mostrado tão linda, sem o rosto machucado. Os olhos estavam assombrosamente azuis. A pele brilhava. Os cabelos reluzentes, presos em um coque sofisticado, acentuavam de alguma forma a perfeição delicada de seus traços e a graça de seu pescoço.

- Ric... - Ela sorriu para ele, se levantou e estendeu a mão.

Não se movimentou para dar um beijo, deu somente um sorriso cortês, mais nervoso do que caloroso, e a mão que ele apertou enquanto se forçava a falar o nome dela.

- Lara...

Ele não conseguiu sorrir. Nunca sentiu nada parecido na vida. Ela estava de preto. A viúva de luto? Um terno preto, indubitavelmente de alta costura, com o paletó marcando bem os seios, caía até a cintura e flutuava ao redor de seus quadris.

Soltou a mão dela depois de um leve aperto e ela prontamente retomou seu lugar. O maitre puxou a cadeira oposta e Ric sentou-se também, enquanto observava as três pérolas que Lara usava no pescoço, perfeitamente polidas. Provavelmente valiam uma fortuna. Herança de Gary.

Bem, o que ele esperava? Ric zombava ferozmente de si mesmo. Ela não iria naquele restaurante sofisticado usando jeans e camiseta. E ele estava tão sofisticado quanto ela, até mesmo usando sapatos Gucci. Só não gostava de vê-la vestindo o que comprara com o dinheiro de Gary, pois mantinha a imagem de um casamento de alto nível quando os dois sabiam o que de fato isso escondia.

- Estava esperando no saguão - ele falou, olhando nos olhos dela, ainda ressentido pela futilidade que ela demonstrava.

- Desculpe. Eu combinei no restaurante, Ric. Cheguei mais cedo e entrei direto.

- Muito cedo - ele não conseguiu deixar de comentar. Ela devia estar ali há uns quarenta e cinco minutos.

Ela enrubesceu e tentou não dar importância ao fato.

- Não quis me atrasar. Do jeito que o trânsito anda...

- Erro meu - ele cedeu rapidamente, tentando relaxar enquanto o garçom oferecia o menu e carta de vinhos. - Já viu? - ele perguntou a Lara.

Ela balançou a cabeça. Ric escolheu rapidamente, sem se importar com o que comeria ou beberia, apenas desejando que o garçom saísse e os deixasse a sós. Lara acrescentou seu pedido e a seleção dos pratos estava concluída. Ele tentou entender a situação. Ela chegou ainda mais cedo do que ele. O que isso significava? Ansiedade para não perder nenhum minuto com ele ou chegar antes para se estabelecer antes de confrontá-lo?

Ela parecia calma, composta, apesar de ter um toque de rubor nas faces, mas seus olhos o fitavam, captando cada detalhe de sua aparência, como se quisesse fazer uma correspondência com a lembrança que tinha dele. Uma lembrança de uma noite que ela não fez questão de retomar antes de ele tomar a iniciativa. Então, no que pensava?

- Você parece bem, Lara - ele falou, o que era verdade.

- Venho cuidando de mim - ela respondeu, demonstrando uma certa independência. Não precisava mais dele.

- Bom! - ele falou em tom de aprovação, e então perguntou abruptamente: - Você não se incomoda em morar na mansão Vaucluse? As memórias ruins não voltam à tona?

Novamente ela corou, desviando o olhar para os talheres na mesa. Ela os movimentou de forma agitada, pegando um copo de água.

- A casa é grande - falou. - E todas as coisas de Gary foram retiradas. Moro apenas em uma parte da casa.

Ela olhou para Ric com determinação.

- Vou colocá-la à venda logo. Até que seja vendida, precisa ser mantida.

- Claro - ele murmurou, apesar de saber que isso podia ser feito por terceiros. Não era necessário morar no local. Seus apartamentos sempre eram mantidos limpos enquanto ele ficava fora.

Ela bebeu a água.

- Mesma governanta? -- ele perguntou.

- Sim. - Ela olhou para ele de forma desafiadora. - Consegui contratá-la novamente. Pediu demissão no dia seguinte à minha partida. Eu disse a Mitch Tyler que ela poderia testemunhar contra Gary e ela o fez. E uma boa pessoa e precisa do emprego.

Mas também lembra o passado, pensou Ric. Era isso que Lara queria que as pessoas compreendessem de seu casamento? Por quê?

- Você já sabe para onde vai quando a casa for vendida?

- Ainda não tive tempo de procurar.

- Mas você já pensou sobre isso? - ele perguntou.

- Sim. - Ela suspirou. - Algum lugar menor. - Uma tentativa de sorriso. - Um local que possa considerar meu.

Uma outra indicação de independência.

- Em Sidnei?

Ela balançou a cabeça e bebeu mais água.

- Algum lugar específico?

- Quero ficar razoavelmente perto da minha mãe.

Da mãe? Que nunca ouvira seus problemas? Que ficou do lado de Gary?

Ric sentiu os dentes cerrarem e foi necessária muita força de vontade para desfazer isso. Lara estava optando por ficar perto das pessoas que não levantaram um dedo para ajudá-la, enquanto ele foi mantido fora do perímetro, mal notado por ela. Isso não fazia sentido.

A menos que ele fosse a lembrança mais forte de tudo o que vivera. A pessoa mais próxima a isso devido a uma intimidade implorada por ela.

Mas e quanto aos sentimentos que afloraram naquela noite?

Será que agora estava constrangida por eles?

Desejando não ter se entregado tanto a ele?

- Está tudo bem com você, Ric? - ela perguntou, assumindo uma expressão de grande interesse.

- Com relação aos negócios, sim. Já no nível pessoal... - Ele a fitava interrogativo, questionador - ... sinto sua falta, Lara.

As palavras que escolheu foram deliberadas, e ela se esquivou, desviando o olhar para o copo e rodando-o sem parar. Ele não sentia a menor simpatia pela sua tensão. Se mentira para ele sobre saudades em todos esses anos, merecia ser sufocada por sua mentira.

- Mitch Tyler me garantiu que Gary não prejudicou você, nem pessoal nem profissionalmente - ela falou.

- Não. Creio que você pode dizer que eu o prejudiquei.

Ela ficou confusa e levantou o olhar.

- Como?

- Tirei você dele - ele lembrou, voltando com a ironia.

- Fui de bom grado. Já tinha tentado...

- Sim, eu sei. Mas depois fui eu também que acabei fazendo com que ele fosse para Gundamurra, o que foi fatal para ele.

- Você? Não entendo.

Ele deu de ombros.

- Creio que Mitch não tenha contado a você que o detetive de Gary grampeou o telefone dele.

Ela balançou a cabeça.

- Depois que você me enviou a mensagem pedindo para eu não ir, liguei para Mitch para perguntar se ele sabia a razão para eu não ir a Gundamurra, e foi assim que seu marido descobriu onde você estava, Lara.

- Oh!

- Apesar de eu ousar dizer que tudo acabou terminando bem - zombou Ric. - Você não apenas está totalmente livre dele agora, como também virou uma viúva rica.

Ela se ofendeu.

- Só aceitarei o que for preciso para... para... Ric fez um gesto de rejeição.

- Você tem direito, Lara. Deus sabe o que você passou como mulher dele.

- Não se trata de dinheiro - ela declarou com o orgulho ferido.

- Não - ele concordou. - Você já deixou claro que se trata de independência.

- E de definir as coisas corretamente - ela acrescentou rapidamente.

- Oh? - Ele ergueu as sobrancelhas. - É para isso que estamos almoçando? Para você definir as coisas comigo?

Ela olhou para ele, através dele, e os olhos perderam o foco. Finalmente, ela abaixou o olhar, balançou a cabeça e murmurou:

- Não sei como fazer isso, Ric.

O garçom chegou com a garrafa do vinho Chadornnay que Ric escolhera. Cumpriu o ritual de mostrar o rótulo, retirar a rolha e servir uma prova. Quando o garçom foi servir Lara, ela cobriu a taça com a mão.

- Para mim, não, obrigada. Vou beber somente água.

Quer manter a cabeça no lugar, pensou Ric, enquanto eu perco a minha.

O garçom encheu o copo de Ric e saiu.

Ric não tocou no vinho. Fez o pedido automaticamente - um acompanhamento perfeito para os frutos do mar que escolheram. Se soubesse que beberia sozinho, nem teria lido a carta de vinhos. A desfeita de Lara soou como outro ponto de separação. Menos uma coisa compartilhada.

Será que ele estava exagerando... interpretando isso tudo erradamente?

Se ele tentasse ser charmoso, em vez de desafiador, faria diferença?

Ela veio ao almoço.

Ele tentou deixar a raiva e a frustração de lado e passou a agir com a cabeça dela.

- Desculpe. - Ele esboçou um sorriso. - Não estou tornando as coisas fáceis, não é?

Ela suspirou. Seus olhos demonstravam um cansaço que não deixava esperança para ele.

- Não seria fácil, Ric.

Indubitavelmente essa foi a razão para ela ter se esquivado - adiado - de qualquer contato pessoal com ele. Ric decidiu ser direto.

- Por quê, Lara? Foi por causa daquela noite? Novamente ela enrubesceu e não conseguiu fitá-lo, olhando para baixo.

- Para mim, a lembrança é boa - ele afirmou. Ela fechou os olhos.

Não respondeu.

A lembrança estava muito viva em sua mente. Ele agiu exatamente da forma que ela queria e desejava. E no fim... a sensação de amar e ser amada. Sem arrependimentos. Sem pensar em culpas. Ela se aninhou em seus braços e adormeceu.

- Pensei que tinha sido bom para você também - ele murmurou.

Ela balançou a cabeça.

- Foi errado - ela retrucou. - Eu não devia ter pedido. Não devia ter pressionado.

O tom dela era de dor, cheio de arrependimento.

Culpa... vergonha... humilhação... todos esses sentimentos negativos estariam ligados a ele agora, dificultando o fato de olhar em seus olhos?

- Para mim, não pareceu errado, Lara - ele garantiu suavemente. - Não desconsidera você pelo que quis. É natural usar o sexo como uma afirmação da vida.

- Por favor... - ela ergueu os olhos angustiados. - Prefiro que você não toque nesse assunto, Ric.

Lara acuava-o, deixava-o sem espaço para se movimentar. Ele franziu o cenho, certo de que aquele era o principal problema que havia entre os dois.

- Quer que eu me sente aqui e finja que nada aconteceu?

- Também não posso fazer isso - ela falou, jogando para o alto a compostura com a qual o cumprimentara. - Desculpe. Você foi muito bom para mim, mas... - os olhos dela imploravam. - Quero fechar essa porta, Ric.

Acabar.

Ele fizera amor com ela porque ela queria apagar Gary.

Agora não precisava mais dele. Gary estava morto.

Mas Ric Donato ainda estava vivo e empolgado... empolgado contra o desejo dela de limpá-lo de sua vida. Em vão... se tivesse feito sua cabeça.

- Acho que você deve ser mais clara comigo, Lara. Você quer fechar a porta somente do que compartilhamos no passado? Ou também quer fechar a porta para qualquer futuro que possamos ter?

Ela respirou fundo. Parecia estar passando mal, mas falou:

- Não há futuro para nós, Ric.

Foi uma negação curta e inequívoca da ligação que ele sentia com ela, uma ligação que durou dezoito anos para ele e provavelmente o assombraria pelo resto da vida.

Ele não pôde deixar de perguntar.

- Tem certeza?

- Sim, tenho certeza.

Sem hesitação. Não havia espaço para dúvidas.

Ele devia se mover. Partir. Mas não conseguiu. Era como se toda a energia de seu corpo tivesse sido sugada. Olhou para o copo de vinho. Um copo de veneno, pensou.

- Desculpe - ela murmurou. - Devo tanto a você e não tenho como pagar...

Ele a fitou de forma ríspida.

- Não há dívidas. Tudo o que fiz... foi o que eu quis fazer.

Ela sentia as faces queimarem.

- Tenho todos os recibos das roupas que você comprou para mim. Fiz um cheque para você. Pelo menos deixe-me pagar isso, Ric.

Lara fez menção de pegar a bolsa. Ele explodiu.

- Não!

Ela desistiu. Ric olhou de forma ameaçadora para o rosto constrangido dela.

- Não se trata de dinheiro - ele se irritou, tentando conter a emoção que emergia de dentro dele. - Nunca foi. Apesar de eu ter tentado estreitar os laços que existiam entre nós roubando o Porsche. Aquele era um rapaz cego achando que não era bom o bastante para você. Não sei qual é sua medida, Lara, mas não aceitarei nenhum pagamento.

Ele tinha a implacável satisfação de vê-la arruinada.

- Aproveite sua liberdade - ele falou. E saiu.

 

Ric não voltou para o escritório. Não estava com humor para encontrar Kathryn nem mais ninguém. Foi para seu apartamento em Woolloomooloo, onde ninguém o importunaria. A vista de sua janela fez com que lembrasse da vista que Lara tinha da mansão Vaucluse. Ele entrou na vida dela sem pedir licença naquela manhã e sem ser convidado, pedindo a verdade. Nada foi escondido.

Essa era a razão para ela não morar com ele agora?

Mais fácil de esconder?

Ric ainda não conseguia entender. Dizia a si mesmo que isso tudo era em vão. Ela falou categoricamente que não havia futuro para os dois. Não havia alternativa, a não ser deixá-la partir. E aquele insulto final, desejando pagá-lo... não havia por que querer entendê-la se ela não o compreendia.

A ligação que sentiu devia ser fantasia.

Hora de fechar a porta.

Ir embora de Sidnei, se afastar de Lara.

Nova York. As coisas sempre aconteciam em Nova York. Uma cidade em que qualquer coisa pode acontecer. Seria fácil voltar à vida social lá, talvez até conhecer uma mulher para esquecer Lara.

O telefone tocou e ele atendeu automaticamente, esquecendo que não queria falar com ninguém. Tarde de-1 mais. A voz de Johnny Ellis ecoou em seu ouvido.

- Oi, cara. Que bom encontrá-lo em algum lugar. Estou no centro de Sidnei com uma noite livre antes de ir para Gundamurra. Alguma chance de você vir jantar comigo e Mitch?

Ric hesitou, pois detestava a idéia de falar de Lara, assunto que inevitavelmente viria à tona na conversa. Ele pediu o avião de Johnny emprestado. Mitch conhecia todo o caso, apesar de ser confidencial. Mas Ric não era parte disso.

Por outro lado, não abandonaria os amigos antigos por causa dela! Mitch e Johnny provaram ser verdadeiros com o passar dos anos. Sempre pôde contar com eles. E os três não se encontravam com muita freqüência. Seria estupidez desperdiçar essa chance, deixando que Lara atrapalhasse. Mitch e Johnny ainda seriam parte de seu futuro.

- Claro, Johnny - ele respondeu firmemente. - Seria ótimo. Você já tem reserva em algum restaurante?

- Naquele italiano que você gosta, perto do seu apartamento, o Otto. Oito horas?

- Certo!

Os rapazes de Gundamurra...

Para Johnny ele estava em casa, o único local do qual realmente se sentia parte. Como Ric, ele não tinha família, e os dois sempre iam para Gundamurra no Natal, sendo que Johnny ia mais vezes durante o ano. Eles se sentiam parte da família Maguire, eram bem-vindos sempre que quisessem voltar.

Ric desejava que não tivesse levado Lara para lá, apesar de Gundamurra parecer ter sido o local correto na hora exata. Na realidade, o único local em que sua segurança estaria garantida. Mesmo se o avião de Gary não tivesse caído, Patrick não permitiria que levassem Lara. Mas agora tudo isso era teoria. O problema era que Ric sabia que jamais conseguiria voltar lá sem pensar nela.

Supere isso, ele se ordenava.

Fizera a coisa certa ao salvá-la do marido violento. O que aconteceu depois... bem, só não correu como ele esperava. Patrick o avisou sobre isso, desde o começo. Então, deixe o passado para trás. Você é um sobrevivente, lembra?

Quando encontrou Johnny e Mitch no Otto à noite, Ric conseguiu colocar Lara em um compartimento fechado de sua cabeça. Terminou tendo que falar nela, como esperado, mas conseguiu conter a emoção. Deu um apanhado geral da situação, declarando-a terminada. Lara podia retomar sua vida. Ele podia retomar a dele. Na realidade, iria para Nova York no fim de semana.

Mitch provou ser um verdadeiro companheiro ao pedir que Johnny contasse para eles histórias do mundo da música. O resto da noite foi preenchido por novidades de sua mais recente viagem aos Estados Unidos. Johnny tinha a capacidade de fazer piada de tudo. Ric até se pegou rindo. Sem dúvida, as várias garrafas de vinho ajudaram a relaxar. Além disso, a companhia era ótima.

No dia seguinte, ele trabalhou com Kathryn, resolvendo assuntos administrativos do escritório de Sidnei. Iria para Nova York no dia seguinte à tarde, e ficaria lá por alguns meses. Pensou em como andaria a relação de Mitch com Kathryn, mas não perguntou. Assunto pessoal era assunto pessoal. Particularmente, desejava o melhor para os dois. Eram boas pessoas.

Mal ele abriu a porta do apartamento, o telefone começou a tocar. Preocupado com quem poderia ser - ao olhar para o relógio, viu que eram seis e quinze -, fechou a porta e correu até o telefone da cozinha.

- Ric Donato - ele atendeu, imaginando que Kathryn esquecera de alguma coisa, mais assuntos a serem resolvidos de manhã, antes da partida.

- Aqui é Johnny, Ric. Ele estava surpreso.

- Você não ia para Gundamurra hoje?

- Sim, eu vim à tarde. Sentei para conversar com Evelyn enquanto ela me servia bolo de cenoura fresco com sorvete.

Ric sorriu, imaginando a cena.

- Certamente você apreciou muito as boas-vindas.

- Comi três grandes fatias. Mas o assunto da ligação não é esse, Ric.

- O que aconteceu? Algum problema em Gundamurra? Patrick não está bem?

- Bem, eu posso estar pisando em terreno duvidoso, mas nem você nem Mitch mencionaram isso, e Patrick falou que não sabia...

- Sabia o quê? - Ric cortou impacientemente, tenso com a possibilidade de ser algo sobre Lara.

- Desculpe se estou sendo invasivo...

- Vá direto ao ponto, Johnny. Ele respirou fundo.

- O ponto é... Eu lembro que Lara Seymour significava muito para você, Ric, e imagino que com tudo o que fez para ela, salvando-a do casamento, trazendo-a aqui... bem, acho que você deve saber que pode haver uma boa razão para ela não tê-lo procurado para vir buscá-la depois que o rapaz morreu.

- Uma razão... - Ric repetia, lutando contra uma falsa esperança.

- Não fazia sentido para mim o fato de ela lhe dar um fora - ele observou. - Mas eu estava conversando com Evelyn...

Ric cerrou os dentes. Claro, eles conversavam sobre Ric e Lara, o grande drama do rancho no ano. Podia vê-los na cozinha, comendo bolo de cenoura, fofocando entre as mordidas...

- Você sabe que Evelyn não perde nada, Ric - prosseguiu Johnny. - E ela me falou com todas as letras que Lara estava grávida.

Grávida!

- Deve ter acontecido logo que você a tirou da casa do marido, pois Evelyn falou que ela não estava de muito tempo. Sequer aparecia, pelo menos não nitidamente, quando ela partiu de Gundamurra.

Três meses... quatro meses agora... sentada no restaurante, sem querer que ele a visse chegar... o paletó largo... sem beber vinho...

- Evelyn falou que o desastre do avião deixou Lara muito mal. Parecia que ia desmaiar. Teve que ir para a cama. Evelyn estava preocupada com o bebê, assim como Lara, pois o último bebê dela morreu logo ao nascer.

Último bebê?

A cabeça de Ric girava. Não sabia que Lara tinha dado à luz um bebê natimorto. Mas quando eles tiveram a chance de conversar? No curto tempo que passaram juntos, ela não quis falar sobre o casamento. Os e-mails subseqüentes continham apenas notícias do que fazia em Gundamurra. E a carinhosa troca de e-mails dos dois começou a diminuir...

Quando?

A constatação o atingiu como um soco.

Quando ela notou que podia estar grávida!

- Ric... você está aí? - Johnny estava preocupado.

- Sim, ainda estou aqui, Johnny.

- Isso é novidade para você?

- Sim.

- Certo. Evelyn acha que Lara foi para Sidnei o quanto antes, pois queria uma avaliação do bebê. O que faz sentido para mim.

E para Ric.

Um sentido devastador.

- Ela pode estar livre do cara - prosseguiu Johnny. - Mas está carregando o bebê dele, Ric. Isso a coloca em um dilema, não?

- É o que você está dizendo - respondeu Ric implacavelmente.

Será que o bebê era de Gary? Ela sabia com certeza?

- Pensei que você devesse saber de tudo. Mitch disse... bem, não importa.

Eles dois dividiram um táxi na noite anterior. Certamente compartilharam mais do que uma carona.

- Espero não ter pisado onde não devia - acrescentou Johnny, em tom de desculpa. - Mas se fosse comigo... gostaria de saber tudo a respeito.

Ric não escondia nada dos amigos. Eles se importavam com ele. Pensou que não tinha demonstrado o quanto estava ferido, mas...

- Tudo bem, Johnny. Você tem razão. É melhor saber. Obrigado.

- Foi difícil ligar para você. Se cuide, Ric.

- Pode deixar - ele respondeu automaticamente.

Mas as palavras dele agora tinham um ângulo diferente. Ric sabia que não iria para Nova York no dia seguinte.

Lara estava grávida. Ele não usou proteção naquela noite. Ela podia ter mentido quanto ao uso de pílulas. O filho podia ser tanto de Gary quanto dele. De qualquer forma, Ric não iria a lugar algum sem resolver isso antes.

 

Lara transformou a ala das babás, perto do quarto da criança, em uma sala de costura. Na mesa de corte estavam os tecidos que escolheu para fazer o trabalho em patchwork, peças belas e em cores variadas. Uma necessidade desesperadora de espantar Ric Donato de sua mente a estimulou a passar o dia todo organizando e reorganizando os retalhos, tentando ver qual combinação traria o resultado mais bonito. Lara queria que a colcha de seu bebê ficasse perfeita.

A ultra-sonografia mostrou que a gravidez estava indo bem. Era maravilhoso ver o bebê na tela, ser capaz de verificar que ele crescia bem. Lara não quis saber se era menino ou menina. Se algo desse errado, como da última vez, sabia que a certeza de ser um filho ou uma filha tornaria as coisas piores. Melhor esperar. Seria uma surpresa.

Encontrar Ric novamente fomentou um desejo de que o filho fosse dele. Foi tão difícil sentar em frente a ele no restaurante e não contar, sentindo a força da raiva dele e de sua dor, tendo que observá-lo sair de sua vida.

Ficou arruinada por dentro, agonizando sem saber se tinha tomado a decisão correta. De qualquer forma, ele se sentiu traído. Mas pelo menos dessa maneira o envolvimento que tinha com ela era algo que poderia superar, livre da responsabilidade pelo que ela fizera.

Ao mesmo tempo, ela esperava que o bebê parecesse com ele, para que tivesse certeza. Mas se não parecesse... bem, era seu filho da mesma forma. E teria que seguir sua vida... sem Ric.

Ao olhar para o tecido na mesa naquela manhã, Lara decidiu que não podia melhorá-lo. A borda vermelha era adequada também. Tudo muito bonito. Pegou a primeira linha de retalhos e se acomodou em frente à máquina de costura, comprada quando voltou para Sidnei. Durante o tempo em que passou em Gundamurra, sentiu um enorme prazer em criar modelos e costurar. Queria continuar com isso, talvez abrir um negócio futuramente.

O barulho da máquina bloqueou os sons vindos do resto da casa. Aquele quarto era como um pequeno mundo particular, o qual levaria com ela para onde fosse após a venda da casa. Ric fez mal juízo por ela ter ficado ali, mas o bebê era a principal preocupação. Seria melhor se movimentar lentamente, sem se meter em um monte de decisões que repercutiriam muito na família Chappel.

Gary partira. Ele não podia feri-la mais. Por mais estranho que parecesse, lamentava por Victor, que perdeu o filho que preparou para assumir seus negócios. Ele estabeleceu um acordo com ela para que não arranhasse a imagem pública de Gary. Sem desejar fornecer detalhes de seu casamento para a imprensa, Lara aceitou o plano de Victor sem problemas, contra os argumentos de seu advogado, que insistiu em seu direito por uma fatia maior da herança.

O dinheiro a mais não era importante.

A liberdade sem volta era.

Depois que tudo ficasse legalmente estabelecido, ela se sentiria livre para caminhar sozinha, financeiramente independente, se fosse cuidadosa, para o resto da vida. Ric podia ser contra o fato de ela aceitar o dinheiro, mas o aceitou pelo filho. Uma segurança, caso não obtivesse sucesso em seus negócios. Além disso, se Gary fosse o pai, ela certamente tinha este direito.

Depois de terminar de costurar a primeira linha de retalhos, voltou à mesa para pegar a linha seguinte. Sua atenção foi distraída pela voz alta da Sra. Keith, claramente falando com alguém no corredor que passou para aquela parte da casa.

- Garanto que isso é completamente desnecessário. - Ela parecia irritada.

Lara se preocupou, desejando saber quem estava fazendo a governanta sair da linha. Seria o corretor que venderia a casa, insistindo em verificar alguma coisa?

A voz determinada que respondeu soou como uma chicotada na espinha de Lara e acelerou sua pulsação.

- Não vou ficar em um quarto isolado enquanto Lara foge por uma porta dos fundos.

Ric!

- A Sra. Chappel é uma dama.

- Uma dama mentirosa - ele completou. - E se a senhora estiver me levando para o local errado, Sra. Keith...

 

- Não me ameace, Sr. Donato! Ou à Sra. Chappel. Ligarei para a polícia. Só não liguei até agora porque o senhor a ajudou antes.

- Oh, não creio que Lara vá querer um escândalo. Na verdade, tenho certeza disso.

- Bem, veremos o que a Sra. Chappel tem a dizer. A batida na porta tirou Lara do estado de imobilização. O coração batia rápido. Respirou fundo. De repente, entendeu que Ric pensava que estava mentindo para ele.

Sobre o quê?

Essa era a grande questão!

Não teve tempo de dizer "Entre".

A porta foi aberta repentinamente.

- Sr. Donato...

O grito chocado da Sra. Keith foi totalmente ignorado por Ric. Ele entrou no quarto, olhando ferozmente para Lara, que estava do outro lado da mesa. O quarto parecia inundado pela raiva dele, mas logo Ric manteve o controle. Ela podia ver seu esforço para isso, no rosto retesado, nos olhos brilhando, inegáveis evidências de sua força de vontade.

Ele não bateria nela.

Ric, não.

Nunca.

Mas Lara sabia que ele estava muito ferido, e ela foi a causa. Apesar de não ter sido sua intenção. E de alguma forma tinha que melhorar as coisas para ele.

- Tudo bem, Sra. Keith - ela garantiu para a governanta, tentando ao máximo demonstrar confiança em sua voz. - Pode deixar o Sr. Donato aqui.

- Ele não esperaria, Sra. Chappel. Lara balançou a cabeça para ela.

- Não se preocupe com isso. Por favor, deixe-nos a sós agora.

Com um suspiro de desgosto, a governanta fechou a porta e saiu. Ric ficou em frente à porta, impedindo deliberadamente a passagem. Seus olhos percorriam a roupa que ela vestia, uma mudança dramática com relação à escolha que fizera para ir ao encontro no restaurante.

Lara ficou nervosa quando ele parou o olhar em sua barriga. A calça jeans para gestantes estava confortável em sua cintura e a camisa larga de flanela escondia a barriga, ainda pequena, certamente sem mostrar uma gravidez visível. Ele não podia ver. Não tinha como saber, ela garantiu a si mesma.

Provavelmente ele estava pensando que aquele era o tipo de roupa que ela vestia em Gundamurra. Não havia qualquer necessidade de manter uma imagem de sofisticação no rancho do deserto e Lara não sentiu qualquer necessidade de mudar isso agora. Não ia voltar à vida de socialite. A roupa que comprara para o encontro no restaurante era como uma armadura, escondendo o quanto se sentia vulnerável por dentro. Seria melhor Ric pensar que não precisava dele para nada. Apesar de que fosse uma mentira.

Mas como ele sabia que ela mentia para ele? O olhar dele encontrou o dela, ainda com um forte brilho de deboche.

- Você contou a Victor Chappel que está carregando o neto dele?

As palavras a atingiram como tiros, deixando-a sem defesa. Ela não respondeu. Não podia. O choque foi muito grande. Ficou olhando para ele atordoada, tentando absorver o fato de que sua tentativa de esconder a verdade de Ric agora era causa perdida. Ele sabia. Não agiria assim se fosse somente uma suspeita.

- É por isso que ainda mora aqui, Lara... fazendo o papel de viúva consternada... firmando acordos com seu sogro... mantendo-o contente para que seu filho herde tudo?

- Não! - ela gritou, estarrecida por ele pensar que ela pudesse ser tão calculista e mercenária.

- Então por que esconder a gravidez de mim?

Ela podia ver o quanto seus olhos a condenavam. Mas o resto não era verdade.

- Não contei a Victor. Não contei a ninguém. Somente a meu médico, que tem um consultório particular e não é ligado às clínicas Chappel.

- Então... você está preocupada que a criança pareça comigo - ele replicou. - Isso ofenderia o clã, certo?

Lara sentiu-se definhar diante da explosão dele. Teve que engolir em seco.

- Não ia solicitar a paternidade de Gary - ela declarou com a voz trêmula, e Ric se precipitou.

- Só deixaria que as pessoas concluíssem isso... se não houver qualquer fofoca a meu respeito.

Ela levantou as mãos em protesto.

- Gary pode ser o pai, Ric. Na noite anterior ao dia em que você veio me salvar... - Ela parou, corando de vergonha e culpa, vendo nos olhos de Ric a constatação de que ela o usara para apagar Gary de sua mente.

- Você não queria que Gary vencesse - ele falou, ao lembrar e repetir as palavras dela, condenando-a ainda mais.

Mas aquele tempo com Ric transformou-se em algo muito maior. Ela precisava dizer isso a ele desesperada-mente, fazer com que acreditasse nela. Mas as palavras ficaram presas na garganta, reprimidas por suas ações.

- Então qual era o plano, Lara? - ele perguntou, em tom de deboche. - Confundir o fato de você ter engravidado de Gary antes de se entregar a mim? Dizer que o bebê era meu, e não dele? - Ele gesticulava, desgostoso, e movia-se para a extremidade da mesa, pressionando as mãos sobre ela enquanto se inclinava desafiador. - Você realmente pensou que poderia sair dessa sem fazer um teste de DNA para provar a paternidade?

- Eu não tinha um plano - ela gritou. - Estava apenas... reagindo.

- Mentindo para mim sobre o uso de preservativo - ele cutucou.

- Não queria que você parasse.

- E você não se importou com os meus direitos, se importou? Estava ali só para ser usado.

- Não!

- E agora que Gary morreu, ele não pode usar o bebê para ficar na sua vida; por isso, não faz diferença para você saber quem é o pai. - Ele olhava para ela furiosamente. - Faz, Lara? Você pode fazer o que quiser com a criança, sem qualquer interferência.

Ela fechou os olhos, incapaz de suportar a dor terrível que provocara nele com sua mentira.

- A responsabilidade é minha, Ric - foi tudo que ela conseguiu responder para se defender.

- Oh, não estou disputando isso, Lara. Olhe para mim, droga! Não pense que pode me excluir agora!

Ela abriu os olhos, sentindo-se incapaz de corrigir o que estava feito. Para ele, tudo era ofensivo.

- Não sei como fazer as coisas corretamente - ela falou, sem esperanças.

- O procedimento é muito simples - ele falou. - Vamos a um médico que eu escolher, Lara, porque não confio mais em você.

Ela se encolheu. Mesmo sabendo que perdera a confiança dele, doía ser objeto de tanta desconfiança.

- Eu não planejei fazer amor com você - ela protestou, precisando brigar ao menos contra a acusação.

Ele se ajeitou, um homem alto e poderoso, intensamente formidável em seu orgulho ferido.

- Você me chamou na varanda, Lara. Eu já tinha passado do seu quarto.

- Estava com medo de dormir e não ver você partir de manhã. Eu queria...

- Queria que eu mentisse com você. - Os olhos dele debochavam de qualquer inocência que ela tentasse demonstrar.

Ela sacudiu a cabeça.

- Tudo aconteceu com base no que sinto por você - falou em resposta.

- O que quer que você tenha sentido por mim, Lara, não foi suficiente para considerar a possibilidade de compartilhar sua vida comigo.

Ela levantou o queixo, defendendo-se deste julgamento.

- Prenderia você a uma criança... depois de ter garantido que estava protegida? Você gostaria dessa situação, Ric?

- Você tomou todas as decisões - ele retrucou. - A rainha... desconsiderando o peão... como se eu não fosse parte do jogo. E acredite em mim... Vou desaparecer para sempre se este bebê for de Gary. Mas se for meu...

Ele cerrou os dentes. Seus olhos brilhavam intensamente, com uma cruel determinação.

- ...não pense por um segundo sequer que serei privado de conviver com meu filho. Vou brigar com todas as minhas forças para ter o direito a visitas.

Direito a visitas. Claro.

Ele não quereria ficar com ela depois disso. Sua opinião sobre ela era tão baixa, que era um milagre ele não estar ameaçando pedir a custódia da criança.

Se fosse dele.

- Marque o teste do DNA - ela falou vagamente.

- Me avise que estarei lá.

- Tenho sua palavra quanto a isso? - ele perguntou.

- Sim. - Ela mesma debochou. - Se minha palavra significar alguma coisa.

Ele franziu o cenho, demonstrando descrédito.

- Vou marcar uma consulta. No dia, venho buscá-la - falou, decisivamente.

- Não há necessidade de você sofrer em minha companhia mais do que o necessário, Ric. Eu vou fazer o teste. Quero saber também. - Ela tentou sorrir. - Eu não podia pedir isso a você antes. Mas agora... - ela suspirou - ...você deixou sua posição clara. Não posso mais deixá-lo fora disso.

- Não, não pode - ele retrucou.

Todo o tormento por que passara para tomar aquela decisão foi em vão. Ric a detestava e desprezava pela sua escolha, e este era o pior resultado.

- Acho que nós dois devemos esperar que essa criança seja de Gary - ela falou, tristemente. - Então você não terá mais nenhuma necessidade de se envolver comigo.

- Você quer que o bebê seja de Gary?

A entonação dele implicava que tal desejo significava a excomunhão. Desejar um filho de um homem que abusava dela. Mas era a única chance de ele se libertar de um compromisso de vida inteira com uma criança que não optou por ter.

- Você não quer, Ric?

Os olhos dele cintilavam, tomados por uma emoção violenta. Falou com uma ponta de amargura que arrasou tudo o que ela fizera de errado.

- Quer saber, Lara? Você nunca me perguntou o que eu queria. Foi sempre do jeito que você quis... o que tentei dar a você. Mas não vou mais dar. Farei o que for o certo para mim. E espero que você tenha a decência de saber o que é certo.

Ela abaixou a cabeça, completamente envergonhada por ter tirado tanta coisa dele e não ter dado nada em retribuição. Mas Deus sabia que não era sua intenção... trocar a liberdade dele pela dela. Mas ele nunca veria dessa forma.

- Ligarei para falar da consulta - ele falou, bruscamente.

E saiu.

Lara ficou olhando por um longo tempo para a porta fechada. Desejava que ela pudesse ser aberta novamente, que as coisas fossem feitas de forma diferente. Ric Donato voltara para sua vida, o homem que pode ter sido sua alma gêmea, e ela arruinou a chance de ficarem juntos em uma relação feliz e apaixonada.

Ela se pegou desejando fortemente que o filho fosse de Ric. Neste caso, ele não se afastaria. Solicitaria o direito a visitas e, talvez, no futuro que seriam obrigados a compartilhar, ela poderia fazê-lo mudar de opinião a seu respeito.

Tudo dependia do teste de DNA.

Uma batida na porta a despertou. Primeiro, pensou que pudesse ser Ric novamente, e logo respondeu "sim", sem se importar se ele a repreenderia com algum outro problema. Qualquer chance de corrigir aquele ponto de vista totalmente negativo que ele tinha dela era bem-vinda, independentemente do quanto fosse doloroso.

Era a governanta, voltando para ver como ela estava

- Está tudo bem, Sra. Chappel?

- Sim. - Ela esboçou um sorriso. - Desculpe pela confusão, Sra. Keith.

A governanta franziu o cenho, insatisfeita com ocorrido.

- Esse Sr. Donato... entrou e saiu como um raio, não me deixou levá-lo até a porta.

- Não acontecerá novamente, Sra. Keith - garantiu Lara, voltando a atenção para a costura, para mostrar que tudo tinha voltado ao normal.

Surpreendeu-se por ter mentido novamente, escondido a verdade. Gary ensinou isso a ela; manter a imagem de que nada estava errado ou as conseqüências seriam desastrosas para ela. Mas ela não tinha razão para esconder mais nada.

- Estou grávida - ela desabafou.

- Que ótimo!

O choque da governanta foi a confirmação do quanto Lara escondeu bem a situação. Pelo menos com relação à gravidez. Não foi capaz de esconder completamente a forma que Gary conduzia o casamento.

- O Sr. Donato estava chateado porque não contei a ele... e ele tem razões para acreditar que este filho pode ser dele.

- Oh, querida. - O choque virou simpatia. - Você sabe... se é de seu marido?

Lara sorriu.

- Pode ser, Sra. Keith. É por isso... - Ela suspirou, demonstrando o peso de seu dilema. - De qualquer forma, concordei em fazer o teste de DNA para resolver a questão.

A governanta balançou a cabeça.

- Deve ser difícil para você - falou tristemente. - Posso trazer algo? Chá e bolo?

Chá e bolo... Lara lembrou de... Evelyn!

Ela não perguntou a Ric como ele ficou sabendo da gravidez. Foi irrelevante, pois suas palavras exprimiram um certo conhecimento. Apesar de ela nunca ter admitido para Evelyn, de nunca ter discutido a questão, não havia outra possibilidade de Ric saber disso.

Gundamurra...

Lara sentou-se em frente à máquina de costura e olhou para os retalhos de tecido que estavam em sua mão. Peças de um padrão. Pelo menos tinha o controle do padrão do patchwork. Não tinha certeza se teria novamente o controle do padrão de sua vida.

Em Gundamurra, decidiu que assumiria a responsabilidade pelo que fizera, construiria o próprio caminho. Mas aquela decisão foi arruinada pela fraude que teve de manter para Ric.

Mentiras não eram coisas boas. Mesmo com a melhor das intenções, não eram boas. Na próxima vez em que encontrasse Ric... só haveria mais uma vez, se o bebê não fosse dele. Ela cruzou as mãos sobre a barriga, fechou os olhos e rezou...

Por favor, que seja dele... que seja...

 

Lara já estava esperando na sala do obstetra quando Ric chegou. Desviou os olhos da revista que estava lendo e fitou diretamente os olhos dele, numa tentativa de afirmar que tinha palavra. Ela apareceu. Pontualmente também. Faltavam apenas dez minutos para a consulta.

Ric balançou brevemente a cabeça em aprovação, sentindo-se mais calmo de alguma forma ao se assegurar de que ela estava ali. Ao confirmar seu nome na lista de espera, sentou-se ao lado de Lara sem pressioná-la, mas perto o bastante para poderem conversar particularmente.

Não que tivesse algo a dizer. Sentar-se ao lado dela era mais um ato de cortesia, uma vez que entrariam juntos no consultório. Ao mesmo tempo, era um erro, pois ele sentiu a presença dela de uma forma que precisava esquecer. Podia até sentir o perfume que usava, uma fragrância floral penetrante, que lhe recordava a doce sensualidade de beijar seus cabelos, suas orelhas...

- Olá.

A simples palavra de saudação dela, como se fossem adolescentes novamente, fez com que ele cerrasse os dentes. Ela fechou a revista. Seus olhos estavam colados nos dele, olhos azuis como o céu. Ele a detestava...

Mas ela ainda o tocava, provocava um desejo de compartilharem o que tiveram antes... antes de ele notar o quanto ela o usara... e descartara.

- Você pensou na possibilidade de um aborto? - ele disparou.

Ela se encolheu, mas se recuperou rapidamente, com o queixo erguido de forma desafiadora.

- Não, não pensei.

- Se Gary não tivesse morrido, você teria problemas - ele lembrou.

Ela tinha dor nos olhos.

- Eu tive um bebê... apenas três meses antes de você me levar para Gundamurra. Ele morreu logo depois de nascer. Não podia tirar a vida deste bebê, Ric. Independentemente do que ocorresse.

- É justo - ele observou, pegando uma revista na mesinha. Precisava de distração, pois ela o estava afetando.

Fazia quinze dias desde que entrara na casa dela, forçando-a a admitir o que ele sabia. Remoeu tanto a rejeição que ela sentiu por ele, até mesmo como pai de seu filho, que mal tinha conhecimento de outras coisas. Hoje seria diferente. Ela se submeteu a um desejo dele. E estava tão surpreendentemente linda, que doía.

Folheou as páginas da revista, mas não conseguiu se concentrar na leitura. Lembrava-se de como as mensagens dela se transformaram em relatos curtos sobre a vida em Gundamurra, depois que soube que estava grávida. Sem dúvida, devia estar muito confusa. Na semana que passou, estava muito chateado, a ponto de pensar que ela podia querer manter o bebê porque poderia ser dele, mas não tinha nada a ver com isso. Era obviamente uma necessidade maternal.

- Perder um bebê é algo terrível, Ric - ela falou, calmamente.

Ele não queria sentir simpatia por ela.

- Certo! - ele falou, olhando severamente para ela. - Então você entende que não vou querer perder nenhum filho que seja meu.

Ela balançou a cabeça.

Ele viu que a garganta dela se movia convulsiva-mente.

Com voz rouca e olhos preenchidos por uma súplica eloqüente, ela desabafou:

- Sinto muito por não ter contado.

Será que sentia? Ric olhou para ela, procurando algum resquício de mentira.

- Não era porque não queria você na minha vida - ela continuou. - Era porque... não seria justo prendê-lo a um compromisso de uma vida inteira quando você optou por não arriscar isso.

Ela parecia sincera.

Ric franziu o cenho e voltou o olhar para as páginas da revista. Não tinha resposta pronta para o que ela disse. É claro que se preocupou com proteção. Um rapaz decente não podia simplesmente transar com uma mulher sem medir as conseqüências da intimidade sexual. Lara não devia ter mentido sobre isso. Mas... com toda honestidade... ele não queria parar. E considerando o momento novamente... se a verdade não tivesse sido falada e ela ainda o quisesse desesperadamente...

- Eu tinha começado a tomar pílulas anticoncepcionais - ela acrescentou, com a voz ansiosa. - Secretamente, pois Gary estava determinado a tentar ter outro filho e eu não queria que acontecesse, mas só estava tomando há duas semanas, então... Acho que foi cedo demais para que funcionassem. Seria outra mentira?

Certamente fazia sentido ela não querer engravidar de Gary novamente, pois seria um laço eterno com ele, com a possibilidade de a criança sofrer também. Se estava tomando pílulas... mesmo que por pouco tempo... ele podia entender que ela desejasse que fizessem efeito. O que significaria que ela não mentira deliberada-mente sobre estar protegida. Era mais uma esperança desesperada.

E a esperança morreu em seis semanas em Gundamurra.

Talvez estivesse mal a respeito disso, não podia pensar direito... eliminando-o porque a criança podia ser de Gary, o que significaria que não haveria escapatória. Um medo sem fim. E a sensação de que não tinha o direito de arrastar Ric para o inferno.

Ele podia aceitar esse tipo de argumento. Mas depois que Gary morreu... não, não podia perdoá-la por tê-lo excluído daquela forma. Descartando-o...

- Você devia ter solicitado o teste de DNA, de qualquer maneira - ele falou friamente. - Se o bebê fosse de outro homem, Gary não poderia forçar que a relação de vocês continuasse.

- Então ele saberia que fiquei com você - ela respondeu rapidamente, demonstrando que pensou nisso várias vezes. - Ele poderia matá-lo... ou mandar matá-lo - ela acrescentou. - Gary era muito possessivo.

- Mas ele acabou morrendo, Lara - ele replicou. - E você continuou a me manter longe de você.

Os olhos dela demonstravam angústia. Suas faces estavam coradas. Ele desviou o olhar dela diretamente para a revista.

- Essa conversa não faz sentido - ele declarou, quase automaticamente, brigando contra o impulso louco de abraçá-la e prometer que estava tudo bem agora.

Não estava.

- Se os resultados do teste provarem que sou o pai, teremos assunto para conversar - ele acrescentou, limitando o foco de qualquer discussão futura com ela.

O silêncio que se seguiu provou que ele foi eficaz.

Mas Ric não conseguia deixar de remoer o pensamento sobre as tentativas de Lara de esclarecer várias questões pertinentes. O pensamento dele insistia no argumento de não querer prendê-lo em um compromisso depois que ele optara por não arriscar ter um bebê com ela.

O golpe da barriga.

Com exceção de que ele jamais consideraria isso um golpe.

E ela devia ter falado com ele.

Talvez porque ela não quisesse ficar presa a outro homem. O que não dizia muito quanto a qualquer sentimento positivo com relação a ele. Mas... como ela pôde responder tão positivamente quando fizeram amor, se não tivesse bons sentimentos por ele, se não demonstrasse tanto contentamento no final?

A recepcionista chamou os dois.

Ric deixou a revista de lado e se levantou. Moveu-se instintivamente para ajudar Lara, apesar de ela não sentir incômodos com a gravidez. Na realidade, as roupas que vestia - uma saia naval com uma jaqueta sobreposta a uma camisa também naval - disfarçavam a gravidez. Ela se levantou com a mesma graça que ele sempre admirara.

Ainda assim, as mãos dele ficaram coladas no cotovelo dela durante o encontro com o obstetra. Um certo senso de possessão latente segurava as emoções dele, desejando que ela fosse sua Lara, a mãe de seu filho. Era impossível eliminar a sensação de que eles compartilharam uma conexão e que de alguma forma a criança era resultado disso.

Havia duas cadeiras em frente à mesa do médico. A separação forçada ajudou Ric a se concentrar no objetivo de estarem ali. O teste de paternidade foi explicado, Ric optou por fornecer uma pequena amostra de sangue. Lara fez a mesma opção, mas também teria que sofrer um procedimento chamado amniocentese, em que uma agulha seria inserida na parede abdominal para extrair líquido amniótico. Isso era necessário para fazer a análise citogênica. Em geral, os resultados dos testes demoravam cinco dias para sair, e podiam ser enviados por correio para ambas as partes.

Depois que a amostra do sangue de Ric foi coletada, ele esperou do lado de fora a conclusão do procedimento em Lara, esperando que ela não ficasse chateada com isso. Uma agulha era apenas uma agulha. Não havia razão para se preocupar. Mas ela podia estar mais sensível com tudo o que se relacionasse ao bebê, depois que teve o natimorto. Não gostava da idéia de vê-la preocupada com o atual, o que fez com que ele mesmo se preocupasse.

Será que ela estava se cuidado adequadamente?

Não deveria parecer maior com quatro meses e meio de gravidez?

Estaria se alimentando adequadamente?

Ric ruminava essas idéias quando Lara saiu do consultório.

- Eu levo você para casa - ele disse, pegando seu braço novamente e conduzindo-a pela sala de espera.

- O pagamento... - Ela fez um gesto na direção da recepcionista.

- Já paguei. - Ele olhou para ela de forma inquiridora. - Está tudo bem?

- Claro. Não foi nada, somente uma agulhada.

- Algumas pessoas têm problemas com agulhas. Cuidarei para que chegue seguramente em casa, Lara.

Ela não protestou.

Esperou até que ela se acomodasse no carro antes de ligar o motor, parando para pensar aonde gostaria de levar Lara. Detestava ter que levá-la para a casa que Chappel comprara, mas ela optou por ficar lá até a venda. Achava ligeiramente irônico o fato de ela ter confiado nele para se livrar daquele cretino, na última vez que andou naquele carro. Ali estava ele, devolvendo-a par a prisão dourada, possivelmente grávida de seu marido.

Apesar de o filho poder ser dele.

Queria que fosse dele.

Não dava para negar, independentemente do aborrecimento que teria.

- Presumo que você tenha acompanhamento medico para a gravidez - ele falou, mantendo os olhos firmes na rua.

- Sim. Fiz uma ultra-sonografia. Não há nenhuma., anormalidade.

- Então está tudo bem?

- É o que o médico diz.

- Você sabe o sexo?

- Não quis saber. Se algo desse errado... - Ela respirou fundo. - Da última vez, eu sabia que era uma filha. Tinha até um nome. Já era uma pessoa para mim...

Ric apertou a mão no volante. A tristeza na voz dela... a necessidade de se proteger de mais desgosto, ela passara por muita coisa... ele se sentiu mal por não haver conduzido a questão com mais consideração e tê-la julgado e condenado por excluí-lo. Um animal acuado se isola, tratando amigos e inimigos da mesma forma, somente para evitar a dor.

- Você não tem do que ter medo, de minha parte, Lara - ele falou calmamente. - Se o bebê for meu, farei meu papel. Não quero que haja nenhum conflito entre nós.

Ela não respondeu.

Um olhar de relance pegou as mãos delas apertadas sobre as pernas, demonstrando sua tensão interior.

- Lara? - ele pressionou, precisando saber se ela continuaria considerando-o um tirano que só queria exigir coisas dela. Ele não era assim. Seria razoável, tentaria se adequar ao máximo ao que ela quisesse. Desde que fosse razoável também. De forma alguma seria excluído da vida do filho. Ele também tivera um pai ruim. Mas seria um bom pai, presente quando necessário, disposto a dar muito amor em vez de abuso.

Um suspiro pesado assinalou uma sombra no coração de Lara.

- Se o bebê for seu - ela repetiu em um tom desafiador uniforme. - Sim, espero que cumpra seu papel, Ric, já que será o pai. E não, não tenho medo de você.

Ele podia ouvir a lógica nas entrelinhas do que ela falou. Não daria suporte se o filho fosse de Gary. Tinha a intenção que ele saísse de sua vida tão rapidamente quanto entrou. Não havia futuro juntos.

As ações anteriores de Lara provaram que essa era a decisão: tirá-lo de sua vida. Mas agora ele sentia que não era o que queria. Ou ele estava sendo um tolo?

 

Não era culpa dela carregar um bebê de Gary. Sem dúvida, aquilo foi forçado. Não teve escolha. Mas ela o escolheu para apagar as lembranças de seu marido. Quanto isso significava?

- Você não vai se importar se eu tiver direitos de visita? - ele perguntou.

Outro suspiro.

- Não, não me importarei. Sei que você será um bom pai, Ric.

Mas será que ele era bom o bastante para ser pai do filho de outro homem? Um homem que desprezava?

De qualquer forma, o bebê era de Lara. Ela o queria, de qualquer maneira. A questão crítica era... ela desejava Ric, deixando tudo de lado? Sua rejeição inicial provava que não. Ou que toda a situação era difícil demais para ela encarar. Seria mais fácil voltar atrás e seguir sozinha. O que também significava que Ric não era importante o bastante para que lutasse por ele. Ou talvez seu casamento tenha sido tão doloroso que não quisesse tentar novamente.

Ric se atormentava com esse pensamento ao se aproximar da mansão Vaucluse. Lara se inclinou para a frente, pegou a bolsa, abriu-a e apanhou as chaves que o trancariam fora de sua vida novamente. Todos os músculos do corpo dele se retesaram. Freou mais abruptamente do que deveria, espalhando poeira pelo ar.

Ela esperou que ele a ajudasse a sair do carro. Ric o fez com relutância, observando a mecha de cabelo sedoso cair sobre a testa quando ela inclinou a cabeça, ao sair do carro. Sentia um nó no estômago. A urgência por lutar pelo amor daquela mulher era como uma loucura em sua mente, apesar de um vestígio de sanidade ter insistido para que não forçasse. O amor existia ou não.

Fechou a porta do carro e a acompanhou até as escadas. Ela não falou nada. Ele não falou nada. Pararam em frente à porta. Lara olhou para as chaves em sua mão.

- Obrigada por me trazer, Ric - ela murmurou. - Acho... acho que aqui dizemos adeus... a menos que o teste de DNA prove que você é o pai.

Seu tom hesitante parecia trazer uma tristeza que demandava um final diferente. Foi o encorajamento de que Ric precisava para aproveitar o momento e perguntar:

- Você quer que seja adeus, Lara?

Lentamente, muito lentamente, os cílios dela se ergueram e o sentimento comovente que seus lindos olhos azuis refletiam arrasou o coração dele.

- Eu não suportaria, Ric, se você não gostasse de meu bebê.

Era isso.

Ela balançou a cabeça, desviou o olhar, colocou a chave no cadeado, abriu a porta, entrou, excluindo-o. Ele apostou tudo para que o bebê fosse dele. E não foi o suficiente.

 

Era o sexto dia.

O obstetra falou que o resultava demorava cerca de cinco dias.

Então hoje ela o receberia em casa.

Como em todas as manhãs, Lara foi para o quarto de costura, determinada a se manter ocupada, fazendo o que estaria fazendo se Ric nunca tivesse sabido da gravidez. Mas terminou a colcha no dia anterior, e não tinha forças para começar outra coisa, não enquanto não recebesse o resultado do exame.

Sentou-se para escolher tecidos que pudessem ficar bons para as almofadas, um exercício em vão. Não conseguia se concentrar em nada além da notícia que esperava, a notícia que podia trazer Ric Donato de volta à sua vida ou afastá-lo para sempre.

Ele se importava com ela mais do que Lara pudesse imaginar, e seu coração sangrava diante da possibilidade de perder o cuidado de Ric. Acabou com tudo tentando deixá-lo livre, e tomou decisões como se a questão não fosse importante para ela mesma. Como se ele não fosse importante para ela. Esta foi a maior das mentiras. Saiu do quarto de costura e caminhou até o do bebê; parou diante da nova colcha que agora estava sobre o berço, pronta para o filho tão esperado. O desejo de que ele fosse de Ric era desesperador agora. Sabia que ele faria de tudo para ser um bom pai, e talvez... talvez no futuro, o carinho pela criança poderia se estender a ela, que sentiria novamente... a sensação de ser sua mulher, tão importante para ele, a ponto de fazer qualquer coisa por ela. E fez.

Seus olhos se encheram de lágrimas. Não havia chances de um futuro ao lado de Ric, caso não fosse o pai. Ele deixou tudo tão claro. E ela não podia culpar ninguém, a não ser a si mesma, que escondeu a verdade, por estar muito envergonhada para contar. Tarde demais quando o fez. Ele jamais aceitaria o bebê, se não fosse o pai.

Tinha que se concentrar nesse pensamento.

Era sua única chance de não se despedaçar totalmente. Tinha que manter-se forte pelo bebê, deixar Ric partir, caso fosse necessário.

- Sra. Chappel...? - chamou a governanta sem encontrá-la no quarto de costura.

- Estou aqui, Sra. Keith. Admirando meu trabalho - acrescentou, adicionando uma explicação.

A porta do quarto do bebê estava aberta. Lara piscou várias vezes para limpar os olhos e virou o rosto para a governanta, que levou apenas alguns segundos para caminhar pelo corredor. Ela apareceu pela porta, carregando um envelope que parecia oficial, e Lara sentiu o coração disparar instantaneamente.

- Acabou de chegar, Sra. Chappel. Tive que assinar. Assinar... devia ser...

Lara não conseguiu se mover para pegar o envelope, saber o conteúdo que decidiria seu futuro. A Sra. Keith teve que entrar no quarto e entregar a ela, quase forçando a aceitação do envelope. Lara segurou-o, apenas um pedaço de papel, apesar do peso que trazia. Ficou olhando para a impressão no canto do envelope: Centro de Diagnósticos de DNA.

- Devo trazer o chá da manhã aqui, Sra. Chappel? Ela mal ouviu a voz.

- Não. - Até mesmo sua voz parecia distante. - Vou tomar chá no pátio, perto da piscina, Sra. Keith. Sentada sob o sol. - Apesar de ser pouco provável que conseguisse se aquecer. O frio de sua espinha era profundo.

A governanta se retirou, deixando Lara sozinha. Porque ela precisava saber o que havia no envelope. Chá e simpatia, pensou Lara, apesar de nada ser dito. A Sra. Keith aguardaria até ela saber o que esperar do futuro: um pai que visitaria o bebê... ou nada.

A pergunta podia ser respondida agora. Tudo o que Lara tinha a fazer era abrir o envelope, ler o resultado do teste de DNA. Faça isso, ela repetia para si mesma, mas seus dedos não obedeciam ao pedido. Pareciam entorpecidos, sem obedecer aos comandos de seu cérebro. Ou havia uma grande resistência em sua mente, apagando o pedido.

Desceu as escadas e foi para o pátio, carregando o envelope ainda fechado. O céu estava azul. Sem nenhuma nuvem. Se não fosse o frio, podia ser um dia de verão.

Mas era inverno para sua alma, e o pôr-do-sol não faria nada para dispersá-lo.

Pôs o envelope na mesa onde sentou e contou a verdade sobre seu casamento para Ric. Ele teve que forçá-la a contar a verdade o tempo todo. Mesmo agora, ela não queria enfrentar a realidade: o teste de DNA. Depois que a Sra. Keith servisse o chá, falou para si mesma. Então ficaria sozinha com o envelope, mais pronta para enfrentar o que fosse necessário.

A lembrança de Ric naquela primeira manhã a levou a olhar para o local em que ele ficou parado, observando. Será que ele realmente olhou para ela, ou viu apenas as lembranças que tinha dela, lembranças de um tempo bem mais inocente, quando parecia que tinham nascido um para o outro?

Até mesmo naquela época ela escondeu a verdade, evitando contar aos pais sobre Ric, sabendo que desaprovariam um relacionamento com ele e fariam de tudo para cortá-lo de sua vida. E isso, na realidade, serviu para Ric acreditar que não era bom o bastante para ela, roubando o Porsche...

Ela que não era boa o bastante para ele.

Ele se transformou em um homem que qualquer mulher no mundo teria orgulho de ter ao lado, e não somente porque era lindo e rico. Era tão mais do que isso... tão mais. E ela não teve a perspicácia de ver além da fachada charmosa de Gary Chappel, onde havia um coração cruel e calculista.

Ela não merecia Ric, não merecia o carinho dele. Foi o bastante, mais que o bastante, ele tê-la livrado de Gary, para que pudesse fazer algo positivo de sua vida.

E levá-la a Gundamurra. Isso foi bom para ela também. Tinha muito a agradecer. Apesar de nada disso aliviar a dor que sentia. Abraçou-se, tentando fazer a dor passar. O bebê faria passar a sensação de perda. Seu bebê...

Passos no pátio atrás dela... a governanta trazendo a bandeja com o chá... o envelope fechado ainda estava na mesa. Quais foram as palavras infames de Maria Antonieta antes de ser condenada à guilhotina? Deixem-nos comer bolo.

- Apenas deixe aqui, Sra. Keith - instruiu Lara sem olhar para trás. - Vou me servir quando estiver com vontade.

Não obteve resposta.

Não ouviu o som da bandeja sendo colocada sobre a mesa.

Não ouviu passos se afastando.

Silêncio total.

Será que a governanta estava olhando para o envelope fechado?

Bem, pelo menos ele transmitia a mensagem de que, por enquanto, Lara não tinha do que falar. Sendo absolutamente discreta, ela seguiria as instruções e se retiraria. A qualquer momento. Então Lara pensou em encarar o que devia ser encarado. Sem fugir mais.

- Você ainda não sabe.

O timbre daquela voz - a voz de Ric! - vibrou em cada célula do corpo de Lara. Ric... aqui! Meu Deus, o que isso queria dizer...?

Seu coração pulou de felicidade. Sentiu uma grande esperança em sua mente. Virou-se, atordoada com a idéia de ver Ric em sua vida de forma contínua. Devia ser o pai do bebê. Não teria ido, caso contrário.

Mas o rosto inflexível dele fez com que reavaliasse o prazer de vê-lo. Os olhos negros queimavam como carvão, e ela sentia o fogo chamuscar sua alma.

- Ainda não sei também - ele falou, pegando no paletó um envelope igual ao dela. Ele colocou em cima da mesa. Não tinha sido aberto.

Lara ficou parada, em choque, diante da confusão. Não entendia aquilo. Ele queria a prova da paternidade, de qualquer forma. Ela que se danasse. Não fazia sentido ir na casa dela sem ver o resultado antes.

- Por que, Ric? - perguntou, simplesmente.

- Porque você é mais importante, Lara - veio a resposta surpreendente. - Eu aceitaria... e amaria... qualquer filho que você tivesse... porque é parte de você.

Amaria... a mente confusa dela se prendeu a essa única palavra. Não conseguia se ater ao resto, mas achava que significava que ele ainda tinha carinho por ela, que ela era especial para ele.

- A pergunta é... - ele prosseguiu, lentamente, sondando - ...estou me iludindo sobre o que você sente por mim?

Ela não conseguia falar. Uma enorme emoção bloqueava sua garganta. Ele se moveu em sua direção. Não passou pela cabeça dela caminhar na direção dele. Todos os átomos de sua energia estavam concentrados em observá-lo, tentando sentir o que ele sentia. O anseio dentro dela era tão grande que não tinha certeza se interpretara mal a mesma necessidade nele... a necessidade de ter e abraçar, pois apesar de todas as diferenças entre eles - do passado e do presente -, despertaram algo um no outro que riscou o resto do mundo.

As mãos dela estavam unidas em frente ao seu corpo, protegendo instintivamente o bebê que carregava no ventre. Ele as pegou gentilmente e colocou sobre seus ombros. O coração dela galopou. Tudo dentro dela estremecia com a força do desejo que ele despertava.

- Quando fizemos amor... - ele murmurou, com o olhar mais suave agora, fazendo com que ela se derretesse, aquecendo o sangue de suas veias, que corriam a uma velocidade caótica - ... era a mim que você desejava, certo, Lara? Não era só porque eu estava ali... e podia atender à sua necessidade?

De alguma forma, ela conseguiu falar.

- Só você poderia ter feito aquilo, Ric - ela respondeu, e a verdade sobre aquela noite, que manteve muito bem guardada, veio à tona. - E a necessidade... a necessidade era de ter você. Pelo menos uma vez na vida. Porque eu podia perdê-lo novamente. E não poderia suportar... não ter tido você em toda minha vida, quando aquilo ainda era possível.

Ele respirou fundo, expandindo o peito. Lara podia sentir a tensão nos músculos rígidos dos ombros dele, sabia que o que falou o atingiu em cheio. Mas era a verdade e queria muito que ele acreditasse.

- Não era para... apagar o que Gary tinha feito?

- Isso também - ela admitiu. - Mas eu não teria dito nada para fazer você me dar... o que você me deu, Ric. Desculpe por tudo ter ficado tão complicado... com a gravidez.

- Não tem importância - ele falou.

- Não seria justo...

Ele colocou um dedo nos lábios dela.

- Não há nada de justo no amor e na guerra, Lara. Apenas temos que sobreviver aos problemas. E acreditar no que estamos fazendo.

O dedo se moveu e chegou ao rosto dela, traçando seus contornos antes de encontrar os cabelos, que caíam por trás da orelha. Lara ficou paralisada pelo toque, sentindo a pele viva sob o carinho dele. Sempre foi assim com Ric. Davam-se as mãos quando eram adolescentes... compartilhavam aquele beijo... a experiência de intimidade total com ele...

- Não podia suportar o fato de você ser uma esposa violentada - ele falou suavemente. - Não a minha Lara...

Dele? Ele ainda a considerava dela?

- Você era como um sonho inatingível para mim, até que vi aquela foto - ele prosseguiu, com a voz cheia de emoção. - Mas o que sinto por você agora é muito real. E se o que você sente por mim for real...

A necessidade nos olhos dele aumentou a onda de desejo que a atingia. Acariciou o rosto dela enquanto se aproximou mais e mais. Quando os lábios dele cobriram os dela... os cobriram... se moveram... o doce contentamento de se conectar com ele novamente disparou uma resposta surpreendente. Ela o beijou com toda alma, coração e mente, que dançavam de felicidade... Ric a desejava, seja como fosse.

Amava aquele homem. Amava o que ele era. Abraçou a cabeça dele, unindo-o a ela. Sua boca expressava toda a paixão que sentia por ele. Seu corpo se contorcia contra o dele, revelando uma proximidade que não teria fim. Ele ficaria com ela... a amaria... amaria o bebê.

E entre os beijos, os olhos dele brilhavam ao fitar os dela, vendo, acreditando. Era real... o sentimento que os dois tinham. Abraçou-a, as mãos se moveram sobre ela de maneira possessiva, carinhosa, apaixonada, e o brilho daquele toque entrou nos ossos dela, um calor incandescente que afastou qualquer inverno.

- Venha morar comigo, Lara - ele murmurou. - Preciso de você comigo.

Não ali, com as sombras de um casamento fracassado, mas num local em que pudessem iniciar uma vida juntos.

- Sim - ela concordou, transbordando de contentamento.

Ele sorriu, afastou-se e pegou a mão dela. Lara olhou para ele diante dessa forma simples de se unirem, que evocava lembranças, sensações novamente... o laço que parecia juntar as vidas em um local mágico que pertencia somente aos dois.

- Costumávamos caminhar assim - ela falou, sorrindo de volta para ele.

- Eu lembro.

- Não é fantasia, Ric.

- Não, não é. - Ele roçou o polegar no quarto dedo dela. - Você usará minha aliança de casamento, Lara?

Ela ficou sem ar momentaneamente. Uma incredulidade extasiante atingiu seu pensamento. Tanta coisa... tão rápido? Mas a proposta determinada que o levou ali ainda brilhava em seus olhos, que agora incandesciam, e foi falada sem equívocos.

- Me sentiria muito honrada de usá-la, Ric - ela falou, num tom moderado.

- Então acho que devemos nos casar o quanto antes. Antes do nascimento do bebê.

- O bebê... - Ela olhou para os envelopes sobre a mesa. Sua mão apertou a dele convulsivamente, indicando uma grande ansiedade. - Ric, você tem que saber.

- Não. Deixe para lá. Prometo que não fará diferença.

- Mas faz. Não falei para Victor Chappel sobre minha gravidez, mas se eu tiver um bebê que se pareça com Gary ou alguém da família... - Ela sacudiu a cabeça, preocupada. - Ele não vai deixar passar, Ric. E se você se casar comigo, entrará na briga também.

- Lara... sua briga é minha briga. Não vou deixá-la sozinha novamente com esse Victor Chappel - ele falou calmamente.

- Ele não vai desistir. Isso persistirá... - O medo tomou conta de sua radiante felicidade e começou a arrasá-la. - Ele conseguirá algum mandado judicial que me impeça de deixar o país com a criança. O que não seria problema se eu estivesse sozinha. Mas sua empresa o leva para todos os lugares, Ric, e eu não poderia acompanhá-lo. Não irei e deixarei...

- A empresa pode ser gerenciada por outras pessoa - ele retrucou. - Posso começar outra coisa.

A confiança que ele tinha para resolver todos os problemas a acalmou um pouco. Contudo, não podia deixar de sentir que isso seria pedir demais a ele, que não tinha vivido com os Chappel como ela. Olhou novamente para os envelopes, levada por uma sensação horrorosa de inevitabilidade de que traria problemas para Ric.

- De qualquer forma, Victor insistirá em um exame de DNA - ela murmurou. - Preciso saber onde estou pisando. Não vou esconder isso. Não vou. - Ela ergueu os olhos na direção dele. - Se quiser que eu prossiga com você, precisa ser com a verdade. Nós dois saberemos com o que lidaremos. É justo, não é?

Ele pesou o argumento dela e respondeu lentamente:

- Desde que você compreenda que não vou desistir de me casar com você, Lara. Seja o que for que precisemos fazer para ficar juntos... sou seu homem.

O homem dela. Sim, era.

Em todos os sentidos.

Seja qual fosse o futuro, nunca deixaria de valorizar o sentimento dele por ela, ou o dela por ele.

- Obrigada - ela falou, reconhecendo o presente extraordinário que era o amor dele. - Obrigada por voltar para a minha vida. Obrigada por me resgatar e me fazer sentir uma pessoa que vale a pena. Obrigada por me deixar ficar ao seu lado. Prometo que nunca vou desmerecer isso, Ric. Seja como for.

Ele respirou fundo e apontou para a mesa.

- Então vamos encarar a verdade.

Ela olhou para os envelopes lacrados. Disse a si mesma que não os magoariam. Ela e Ric tinham superado o problema. Determinada a provar isso, caminhou até a mesa, pegou o envelope mais próximo, abriu, retirou o conteúdo e leu o resultado do teste.

E foi como se o mundo tivesse mudado. Todos os conflitos dos quais tinha medo simplesmente... desapareceram. Ela olhou para Ric, vendo-o como a força que movia tudo que era correto para ela. Até mesmo isso. Especialmente isso.

- É você. Você é o pai do meu bebê..

- Nosso bebê - ele corrigiu.

Ela riu. E então chorou. Mas eram lágrimas de felicidade, e não lágrimas a serem escondidas. Ric as beijou , e os dois sorriram.

- Venha para a minha casa agora? - ele pediu.

- Estou em casa com você, Ric. É assim que sinto.

- Sim. É assim que sinto também.

 

Natal em Gundamurra...

Ric mal podia esperar por isso.

- Preciso mostrar você a Patrick - ele falou ao bebê que embalava nos braços, de olhos fechados mas nem tanto, e que batia os espessos cílios negros.

O movimento da cadeirinha de balanço sempre garantia o truque: interrompia o choro e colocava o bebê para dormir. Ric automaticamente usava o pé para manter o balanço, enquanto olhava para a vista diante dele. Para ele, o deck do lado de fora da sala principal era um dos melhores locais da casa que comprara para Lara. Era direcionado para o norte, pegando sol em todo o inverno, e tinha uma vista da baía Balmoral com os pinheiros de Norfolk na orla e a marina cheia de iates que chegavam e partiam, o que fazia estar ali um constante prazer.

Lara adorava tudo na casa. Ainda em tempo de arrumação da mobília, aproveitava para escolher tudo o que pensava que tinha sido feito para eles. Ric ficava contente só de vê-la contente. Balmoral era bem perto do píer de Circular Quay, o suficiente para ele ir ao escritório quando precisasse. Mas estava tirando uma folga, para aproveitar a licença paternidade que dera a si mesmo.

Agora, era seu dever dar atenção ao bebê enquanto Lara e a Sra. Keith faziam as malas para a viagem para Gundamurra.

- Sou o melhor balanço, bebê - ele falou, num auto-reconhecimento de sua atuação.

O elogio a si mesmo o fez lembrar de Johnny, o rei da música country. Ric sorriu quando lembrou de Johnny correndo até o hospital para ver o novo Donato. Levou o violão, cantou a balada sobre o menino, escrita em Gundamurra... "Seu espírito não descansaria... enquanto não trouxesse aquela mulher para casa".

Havia vários outros versos, mas esse era o refrão, repetido várias vezes. Toda a enfermaria do hospital ficou do lado de fora do quarto de Lara para ouvir Johnny cantar e se unir a ele nessas duas linhas. Totalmente constrangedor. Mas Lara adorou. E Mitch encorajou Johnny a gravar a música e dar a todos eles uma cópia no Natal. Sem dúvida, Evelyn também adoraria, tocaria inúmeras vezes, especialmente por Gundamurra estar na letra.

Patrick sorriria.

Patrick... o único pai verdadeiro que os três tiveram. Sempre lá para eles, se precisassem de alguma coisa. Sempre os ajudando, quando eles pediam.

- Serei como ele - prometeu Ric para o filho. - Pode contar comigo para ajudá-lo a construir sua base, para que possa seguir seu caminho por conta própria, da forma certa. Sempre estarei aqui para dar suporte, estender a mão amiga...

Estava contente por ter levado Lara a Gundamurra, por ela ter passado aqueles meses com Patrick. Apesar de ter desenvolvido uma relação melhor com a mãe, e mesmo agora que Ric era aceito por Andréa Seymour, não havia discussões sobre o destino deles no Natal. O rancho de ovelhas no deserto agora era um local especial para os dois.

Seria ótimo esse ano. Mitch iria também, levando Kathryn Ledger com ele, o que certamente representava um sinal de que a relação deles estava ficando séria. Apesar de Mitch ser bem circunspecto. Não se doava muito. Podia estar simplesmente levando Kathryn para Gundamurra para ver como reagiria. Um teste. Mitch tinha um hábito de examinar tudo. Era um advogado por natureza, bem como por profissão.

Se fosse um teste, Ric esperava que Kathryn passasse. Ele gostava dela. Lara também. Apesar de amor ser diferente, ele sabia bem. Se Johnny e Mitch um dia se casassem, gostaria que encontrassem o mesmo tipo de amor que encontrou com Lara. Fazia uma diferença enorme em sua vida.

- A Sra. Donato está pronta para o bebê agora - avisou a Sra. Keith.

- Certo. Estamos indo - respondeu Ric, pausando o movimento da cadeira lentamente.

A governanta estava mantendo a porta aberta para que ele entrasse. Ela sorriu para os dois, e ele retribuiu o sorriso.

- Dormiu rápido - ele tripudiou, olhando para o bebê. - Está vendo o que o toque de um pai pode fazer?

Ela arqueou a sobrancelha, demonstrando satisfação.

- Certamente o movimento da cadeira não ajudou, Sr. Donato.

- Ela está aprendendo o ritmo certo, Sra. Keith.

- Um conhecimento instintivo - ela concordou, piscando o olho.

Definitivamente era uma boa mulher para ter próxima à família, pensou Ric. Lara tinha razão quanto a isso. Uma presença muito útil e agradável na casa. Ajudava Lara com o bebê também, pois tinha muita experiência com os próprios filhos.

Caminhou até o quarto do bebê, onde sabia que Lara estaria pronta para alimentá-lo. Ela estava colocando roupa limpa na cômoda quando ele entrou. Virou-se para ele e sorriu, enquanto desabotoou rapidamente a blusa e o sutiã para a amamentação.

- As malas estão prontas e nós também estamos prontos para partir. Assim que terminar de amamentar, podemos ir.

- Sem pressa - ele falou. - Johnny esperará por nós.

Os lindos olhos azuis dela brilharam de empolgação.

- Ainda bem que viajaremos no avião particular dele. Tenho tantos presentes de Natal para levar.

- Este é o melhor de todos - Ric falou, sorrindo para o filho deles... Patrick Alexander Donato.

- E é tão legal que ele vá passar o primeiro Natal em Gundamurra - declarou Lara em contentamento.

- Ele não vai se lembrar.

- Mas nós lembraremos. Você está levando a câmera, não está?

- Claro.

- Tenho certeza de que você vai registrar tudo de forma brilhante, Ric.

Ela pegou o filho, que acordou instantaneamente com a troca de contato, cheirando ao redor para sentir o odor do leite. Mal tinha um mês de idade e se atirava nos seios de Lara no momento em que ela o desnudava. Esse é meu garoto, pensou Ric com orgulho ilusório, observando Lara acomodada na cadeira de balanço em que o amamentava.

Meu filho... minha esposa... nossa casa... e Gundamurra no Natal.

A vida não podia ser melhor.

Exceto... porque esperava que eles tivessem uma filha na próxima vez, para recobrar a menina que Lara perdera. E ele daria a ela o prazer de dar o nome à filha deles.

Ela insistiu para que o nome do filho fosse Patrick, o homem que salvou suas vidas, Alexander, pois o mundo devia ser conquistado de uma forma bastante pessoal. Ele ensinaria ao filho que os obstáculos estavam apenas na cabeça dele.

Ele e Lara podiam ter ficado juntos há muito tempo, se ele não tivesse colocado a barreira inatingível em sua cabeça. Pouparia muito sofrimento também. Mas não podia reconstruir o passado, apenas fazer o melhor no presente e no futuro... o resto das vidas deles.

Lara olhou para ele com os olhos brilhando suavemente.

- Amo a vida com você, Ric. Obrigada por fazer isso acontecer.

- Só podia acontecer com você. Amo você, Lara. Sempre amarei.

- Eu digo o mesmo. Você sabe disso, não sabe? Não havia dúvida sobre o amor nos olhos dela.

- Sim, sei. Sua Lara... Sempre foi... Sempre será.

 

                                                                                Emma Darcy  

 

                      

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