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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


REINO DA PAIXÃO / Sandra Marton
REINO DA PAIXÃO / Sandra Marton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

Ele foi forçado a se casar...

Apesar de fortemente atraído por Megan O'Connell, o sheik Qasim bem que tentou não levá-la para seu reino próspero, onde, por tradição, as mulheres não têm qualquer status. Como somente Megan possui o conhecimento financeiro de que ele precisa, Qasim não teve escolha. Em Suliyam, entretanto, a vida de Megan é ameaçada por líderes tribais que acreditam ser ela uma mulher de moral duvidosa. Para Qasim, a única forma de salvá-la sem comprometer sua reputação é um casamento!

 

 

 

 

                         CAPÍTULO UM

Ele era um sheik, o rei de Suliyam, uma pequena nação situada num incrível depósito de petróleo na extremidade da península Bezerian.

Além disso, ele era alto, moreno, com olhos acinzentados e maravilhosos.

Segundo os tabloides e os programas sobre celebridades na televisão, esse era o tipo preferido da maioria das mulheres.

Mas Megan O'Connell não era como a maioria das mulheres. Ademais, homens altos, morenos, bonitos e ricos geralmente eram egoístas e arrogantes.

Megan deu um gole em seu café. Para que o mundo precisava de ditadores que pensavam ser presentes de Deus para o sexo feminino?

Ela nunca trocara uma palavra com o homem, mas não precisava disso para saber como ele era. Seu chefe — outro imbecil egoísta, embora não bonito — tinha lhe transmitido a mensagem do sheik naquela manhã. Uma mensagem clara como cristal: Ela era mulher, e isso a tornava uma cidadã de segunda categoria aos olhos dele, que, além de ser homem, é claro, era membro da realeza.

Realeza. Megan curvou os lábios com desdém. Ele era machista. Como ela parecia ser a única a notar isso? Vinha observando-o jogar charme para um pequeno grupo do outro lado da sala de reuniões por quase uma hora, inclinando a cabeça quando alguém lhe falava, como se realmente estivesse interessado no que a pessoa estava dizendo.

Se elas soubessem como ele podia ser cruel...

Megan tinha de admitir que ele era bom no que fazia. Prender a atenção de sócios e gerentes de uma empresa financeira prestigiosa não era fácil, mas, como havia sido dito no The Times, ele estava lutando para levar modernidade e desenvolvimento à sua nação.

Mas isso apenas se o The Times tivesse razão. Parecia mais lógico acreditar nas colunas de fofocas. De acordo com elas, ele era um playboy. Um destruidor de corações em três continentes.

Isso, pensou Megan, estava, sem dúvida, mais perto da verdade.

A única certeza que tinha era de que ele era Qasim al Daud al Rashid, rei de Suliyam desde a morte do pai, e o reinante absoluto de seu povo.

Aquele era um título adequado para algumas gerações anteriores. Uma pena que o sheik não percebesse que essa bobagem era uma piada agora... Embora não parecesse piada para a mídia, ou para a empresa Tremont, Burnside e Macomb — Conselheiros e Consultores Financeiros, ali em Los Angeles.

Uma pena que ela aceitara a transferência de Boston, onde ninguém teria dado importância a esse tipo de anacronismo ambulante.

— Oh, Sua Alteza — disse uma mulher, as palavras acompanhadas por um suspiro.

Sua Alteza, realmente. Este era o modo adequado de se dirigir ao rei, segundo os bajuladores no cortejo dele. Megan bebeu o resto de seu café. Não iria chamá-lo assim, se tivesse a infelicidade de falar com o homem... O que certamente não teria, depois do que acontecera naquela manhã. Vossa Onipotência parecia um título mais apropriado. De que outra maneira você chamaria um ditador do século XXI vivendo sob as regras do século XVI? Alguém que, sozinho, fizera a carreira de Megan retroceder cinco anos?

O imbecil.

E pensar que ela realizara a pesquisa e a proposta que o ganhara como cliente. Pensar que havia passado dias, noites e fins de semana trabalhando naquilo. Que sonhara em ganhar a conta prestigiosa que a faria subir em sua carreira e ser nomeada como sócia.

Todos os seus sonhos tinham sido destruídos naquela manhã, quando Simpson a informara que daria a conta Suliyam para Frank Fisher, em vez de dar para ela.

Megan começou a encher a xícara com mais café, então pensou melhor... já consumira muita cafeína... e serviu-se de Mimosa... um drinque feito com champanhe e suco de laranja que o sheik supostamente gostava, graças à influência, alguns diziam, de sua mãe californiana.

Ele nunca saberia que estaria tomando aquele drinque em função da pesquisa de Megan.

Ela deveria ter encomendado estricnina, em vez disso.

Deus, precisava parar de pensar assim, antes que fizesse alguma tolice que poderia lhe custar o seu emprego.

Como se isso já não tivesse acontecido.

Não. Por que pensar como derrotista? Não perderia seu emprego. Ela dedicara muito tempo e esforço em Tremont, Burnside e Macomb para permitir que isso acontecesse.

Não deixaria que a decisão tomada pelo rei prepotente arruinasse sua carreira. Haveria outras contas, outros clientes importantes.

Se pelo menos seu chefe não tivesse esperado tanto para lhe dar a notícia...

Megan havia chegado mais cedo naquele dia, às 8h, a fim de preparar tudo para a reunião com o sheik, recebendo a entrega dos sanduíches e canapés que encomendara, do café preferido do sheik, o drinque com champanhe e suco de laranja.

Por volta das 8h15, Jerry Simpson, o gerente da filial de Los Angeles da Tremont, Burnside e Macomb entrou na sala dela, com um sorriso no rosto rechonchudo e um copo descartável de café na mão estendida,

— Para você — disse ele.

Ela quase recusou, dizendo que já tinha bebido café demais, porém, por que rejeitar um gesto amigável? Jerry nunca chegava cedo. Nunca lhe levava café. Raramente sorria. Também nunca se sentava ao lado de sua mesa, do jeito como fez quando Megan aceitou o café.

Megan deveria ter percebido os sinais estranhos. Mas, tola como era, achou simplesmente que Jerry chegara mais cedo a fim de discutirem os aspectos importantes da reunião.

— Como foi seu fim de semana?—perguntou Jerry.

Ela o passara na ilha Nantucket, no casamento de seu irmão, então foi fácil sorrir e dizer "ótimo", porque realmente havia sido. Ele sorriu de volta, elogiou-a por sua aparência naquela manhã, então lhe contou que daria a conta Suliyam para Frank Fisher.

Megan piscou. Devia ter entendido errado. Como ele poderia dar seu cliente para outra pessoa? Talvez ela tivesse bebido muito champanhe no casamento de Cullen, dormido muito pouco...

Simpson não podia ter dito aquilo, então Megan riu.

— Por um minuto, Jerry, pensei que você tivesse falado...

— Eu falei — replicou Simpson, e, quando ela olhou para ele, viu que era verdade.

— Mas isso é impossível. Suliyam contratou um estudo...

— O sheik contratou o estudo.

— Tanto faz. A questão é...

— Este é um detalhe importante, Megan — interrompeu Simpson. — Sua Alteza fala pelo país dele.

— Não entendo o que isso...

— Para todos os fins e intenções, ele é Suliyam.

—A questão é — disse Megan impacientemente — que eu fiz todo o trabalho deste caso. Fiz porque você disse que o rei seria meu cliente, se ele assinasse...

— Nunca falei isso. Apenas pedi que você preparasse a proposta.

Megan estreitou os olhos.

— É prática padrão nesta empresa que a pessoa que trabalha com os dados do cliente fique com o cliente.

— Você não é sócia, Megan.

— Uma formalidade, Jerry. Você sabe disso.

— Sua Alteza quer alguém com autoridade.

— Bem, isso é facilmente resolvido. Torne-me sócia agora, em vez de esperar até julho.

— Megan. — Simpson se levantou com um sorriso fingido nos lábios. — Lamento muito pelo que aconteceu, mas...

— Não aconteceu ainda. Tudo que os sócios precisam fazer é votar em mim e dizer ao sheik que sou mais capaz de...

— Você é mulher.

— Perdão? — Simpson suspirou.

— Não é nada pessoal. É apenas que...

— Fale, Jerry. O que o fato de eu ser mulher tem a ver com isso tudo?

— Na verdade — murmurou seu chefe, fugindo da pergunta —, foi melhor assim. Você precisa lidar com um novo cliente. Rod Barry, um grande diretor de Hollywood.

— O sheik de Suliyam é o cliente que quero. — Megan se levantou e plantou as mãos nos quadris. — Ele é o cliente que você me prometeu.

— Barry é um cliente difícil. Habilidades especiais são necessárias para lidar com ele. Faça seu ótimo trabalho de sempre e será nomeada sócia no ano que vem. — Simpson estendeu a mão. — Meus parabéns.

Se Megan não tivesse 28 anos, dois diplomas, um em economia e um em contabilidade, um mestrado em finanças e um pedaço de papel que a declarava contadora perita autorizada, talvez tivesse caído naquilo. Mas não era ingênua, nem facilmente comprada.

E havia a observação sobre o fato de ser mulher.

Seu chefe estava tentando suborná-la para aceitar seu destino. Por quê? Ele tinha autoridade para despedi-la. Por que estaria tentando comprá-la? Devia haver uma razão para isso.

— Você disse que o fato de eu ser mulher era um problema.

— Eu não falei exatamente isso...

— Qual é o problema? — Simpson comprimiu os lábios.

— Suliyam é um reinado.

— Estou ciente disso. Há uma descrição da estrutura de Suliyam em minha proposta.

— Não há constituição, nem representantes eleitos...

— Ora, Jerry. É disso que se trata um reinado! Passei três meses pesquisando o assunto.

— Então também sabe que esse povo vive segundo tradições que podem parecer antiquadas para nós.

— Pode ser direto, por favor?

Simpson desistiu de tentar fugir do assunto.

— Se você não quer a nova conta, então o máximo que posso fazer é designá-la como assistente de Frank Fisher. Ele vai para Suliyam, você fica aqui e executa as ordens que ele enviar.

— Não vou desempenhar um papel secundário para Fisher!

—A discussão está acabada, Megan. O sheik quer dessa forma, e assim será.

— O sheik é um idiota — disse Megan friamente. Simpson empalideceu. Olhou para porta, como se esperasse ver o sheik parado ali com uma espada na mão.

— Viu? — apontou ele. — Mais uma razão pela qual você não é adequada para esta tarefa.

— Eu nunca diria uma coisa dessas para ele.

— Você nunca teria a chance. — Simpson meneou a cabeça. — Ou não notou, em sua pesquisa, que as mulheres lá não têm os mesmos privilégios que têm aqui? Elas não possuem posições no mundo do sheik. Não da maneira que entendemos, pelo menos.

— O que as mulheres têm aqui não são privilégios, mas sim direitos — retrucou Megan. — Quanto ao sheik... ele passa tanto tempo no ocidente quanto em seu próprio país. Lida com embaixadoras nas Nações Unidas...

— Nosso representante terá de trabalhar ao lado dele. Lidar com o povo de Suliyam. Acha realmente que aqueles homens aceitariam críticas e sugestões de uma mulher?

— O que acho é que está na hora de eles se integrarem ao século XXI.

— Conseguir isso não é função de Tremont, Burnside e Macomb.

— Também acho — continuou Megan numa voz perigosamente suave — que você devia viver neste século. Tenho certeza de que já ouviu falar de leis contra discriminação.

Simpson se mostrou pronto para a ameaça.

— Leis contra discriminação são válidas apenas dentro dos Estados Unidos. Há lugares nos quais até mesmo nossos soldados femininos se adaptam aos costumes locais.

— O que os militares fazem não tem nada a ver com o plano do sheik de levantar capital para desenvolver os recursos de Suliyam — protestou Megan.

— Tem tudo a ver com isso.

— Duvido que um juiz concordaria.

Simpson bateu as mãos sobre a mesa e inclinou-se na direção dela.

— Se está ameaçando nos processar, srta. O'Connell, vá em frente. Nossos advogados vão fazer picadinho de seu caso. As leis de Suliyam têm prioridade sobre as americanas quando nossos empregados vivem e trabalham lá.

Aquilo era verdade? Megan não tinha certeza.

— E, conhecendo o resultado, se você ainda assim fosse tola o bastante para nos processar, o que colocaria no seu currículo? — acrescentou ele, confiante. — Que processou seus empregadores em vez de aceitar os desejos deles? Quantos empregos acha que isso lhe traria?

Nenhum, mas Megan não iria admitir aquilo.

— Isso é chantagem.

— É a verdade. Você estaria envenenada para qualquer empresa de assessoria financeira.

Ela tremeu por dentro. Ele tinha razão. Legalmente, ela poderia abrir um processo contra discriminação. Na prática, as coisas não eram tão simples.

Simpson deu um sorriso dissimulado.

— Ademais, nós nunca tivemos esta conversa. Só passei aqui para agradecê-la por seu bom trabalho na proposta e dizer-lhe que, infelizmente, você não tem a experiência necessária para assumir esta conta. Tenho certeza de que vai ganhar muita experiência ficando aqui nos Estados Unidos como assistente de Fisher. — Seu chefe ergueu a cabeça. — Nada errado com isso, srta. O'Connell. Absolutamente nada.

Megan o olhou. Ele era um patife, mas estava certo. Ela provavelmente não tinha fundamentos para processar a empresa. Mesmo se tivesse, fazer isso arruinaria sua carreira.

Estava encurralada, sem opções válidas.

A atitude lógica a tomar seria engolir sua raiva, pôr um sorriso no rosto e agradecer a Simpson porque seria nomeada sócia, e dizer-lhe que estava radiante com o novo cliente de Hollywood.

Mas não podia. Sempre acreditara em jogar conforme as regras, mas Jerry Simpson estava lhe dizendo que regras não significavam nada. Ele sorria agora, certo de que a derrotara.

Mas não era verdade.

— Está errado sobre mim, Jerry — disse ela calmamente. — Não vou deixar que você e o príncipe das trevas me ponham de lado.

O sorriso de Simpson desapareceu.

— Não seja estúpida, Megan. Acabei de lhe dizer que não pode vencer um processo contra nós.

— Talvez não, mas pense na publicidade negativa! Será ruim para você, e pior ainda para o sheik. Suliyam está nadando em petróleo e minerais, mas, assim que os investidores souberem que o pequeno país está sendo processado por violar os direitos humanos, aposto que vão mudar de direção.

A expressão de Simpson era furiosa agora. Ótimo, pensou Megan, e continuou:

— Tire o meu emprego e farei com que a roupa suja de Suliyam seja pendurada para que o mundo veja. — Ela passou por seu chefe; então, virou-se para encará-lo uma última vez. — Avise isso ao sheik todo-poderoso, sr. Simpson.

Aquela tinha parecido a frase final perfeita, e ela saiu, percebendo, tarde demais, que abandonara seu próprio escritório, não o de Simpson; mas de maneira alguma iria voltar.

Quanto à ameaça... não retiraria também, mesmo que fosse sem sentido.

Sua carreira significava tudo para Megan. Não era como sua mãe, que, alegremente, vivia à custa de um homem. Não era como sua irmã, Fallon, cuja beleza havia sido um ingresso para a independência. E também não era como sua irmã, Bree, que parecia contente em ser levada pela corrente.

Não, Megan escolhera um caminho diferente, ela pensou, enquanto abria a porta do toalete feminino. Dois diplomas. Trabalho árduo. Uma escalada ao topo.

Iria jogar tudo isso fora para provar um ponto feminista?

De jeito nenhum.

Não iria processar ninguém, ou reclamar para ninguém. Quando sua fúria passasse, engoliria seu orgulho e diria a Jerry que tinha pensado melhor e...

Deus, desculpar-se seria dolorido! Mas faria isso. Ninguém nunca dissera que a vida seria fácil.

Então Megan ficou no toalete feminino até se acalmar um pouco. Depois, voltou à sua sala, preparou um pote de café e passou a próxima hora consumindo cafeína enquanto pensava em maneiras de se livrar do mundo dos homens.

Um pouco antes das 1Oh, sua secretária, acompanhada de três analistas, entrou na sala.

— Ele chegou.

Não era necessário perguntar quem. Somente um visitante era esperado naquela manhã. Ademais, Sally tinha aquela expressão que as adolescentes assumiam na presença de um astro de rock.

— Estou feliz por você — replicou Megan.

— O sr. Simpson disse... que gostaria que você permanecesse onde está.

— Eu gostaria que o sr. Simpson estivesse no caminho de um trem em velocidade — disse Megan —, mas nem sempre temos o que queremos.

— Megan — começou Sally preocupada —, você está agitada. Todo esse café... e comeu metade daquela caixa de chocolates. Sabe o que acontece quando você ingere muita cafeína!

Ela sabia. Ficada nervosa, irritadiça. Falava demais. Felizmente, tinha consciência disso; do contrário, entraria na sala de reuniões mesmo que Simpson não gostasse.

— Diga ao sr. Simpson que ficarei aqui. — Sally a estudou.

— Você está bem?

— Sim.

Mentira. Ela não estava bem. Mais cafeína, mais chocolate, e tentaria não pensar sobre o fato de estar sentada em seu escritório, enquanto Jerry Simpson e o sheik presunçoso provavelmente riam à sua custa.

E por que, perguntou-se, deveria deixar isso acontecer? Poderia aparecer apenas para mostrar que, apesar de tudo, não estava derrotada.

Então, penteou os cabelos, ajeitou a saia e o blazer azul-marinho e dirigiu-se à sala de reuniões.

No momento em que entrou, os cumprimentos formais já haviam acabado. Jerry Simpson a viu e empalideceu, mas o que poderia fazer sem causar uma cena? O sheik nem notou, cercado por seus fãs e seus patéticos servos.

Megan sorriu para Jerry antes de se dirigir à mesa de bufê, onde bebeu mais café antes de trocar para Mimosa.

O drinque não continha cafeína.

Tudo que precisava fazer era permanecer ali tempo o bastante para irritar Simpson. Depois que o sheik partisse, Megan começaria o trabalho humilhante de se desculpar.

Bem, sem pressa para isso. O sheik não iria a lugar algum por um tempo. Todos estavam se divertindo. Ela podia ouvir a voz de Jerry, e uma voz mais rouca e mais profunda, que presumiu ser a do sheik. Escutava risadinhas femininas, também. Como agora, por exemplo. Uma risadinha, seguida do comentário:

— Isso é tão inteligente, Sua Alteza!

Megan virou-se e se deparou com Geraldine McBride. Geraldine dando risadinhas infantis? Com seus cem quilos e jeito masculino?

Megan bufou.

Não pretendia fazer isso, mas não conseguiu evitar. Não enquanto imaginava o sheik em um garanhão árabe, com Geraldine montada na mesma sela na frente dele.

Bufou de novo. Infelizmente, o segundo som aconteceu durante uma pausa nas risadas. Cabeças se viraram na sua direção. Jerry a olhou como se quisesse matá-la. O sheik a fitou...

Hmm. Ele era espetacular. Os tabloides estavam certos. O homem era maravilhoso. Os olhos não eram somente acinzentados, mas de um tom que lembrava carvão. Ou ardósia.

Ou nuvens de tempestade. Era esta a aparência dos olhos que se fixaram em Megan.

Não havia engano naquela expressão. Ele não gostava dela. Nem um pouco. Jerry devia ter dito a ele que Megan criaria problemas.

Também não gosto de você, pensou ela friamente, e não pôde resistir erguer o copo numa saudação antes de virar-se.

Por que se importar com o que o sheik pensava? Com o que Jerry pensava? Com o que qualquer pessoa pensava? Tinha sua própria vida para levar, sua independência para apreciar...

— Srta. O'Connell — uma voz profunda falou.

Megan virou-se. O sheik estava se aproximando, o andar deliberado e masculino fazendo seu coração disparar, o que era uma tolice. Não havia nada a temer, exceto perder seu emprego, e isso não aconteceria se usasse a cabeça.

Ele chegou ao seu lado. Oh, sim, a visão era agradável aos olhos. Alto, forte, o corpo levemente musculoso sob aquele terno caro.

Ele lhe deu o que parecia ser um sorriso. Mas não era. A expressão dos olhos acinzentados era tão fria que fez os cabelos da nuca de Megan se arrepiarem. Como um homem tão lindo podia ser tão cretino?

Megan ergueu o queixo.

— Vossa Onipotência.

Ele a olhou fixamente. Então, ergueu uma das mãos. Isso foi o bastante para que alguém falasse alguma coisa — Simpson talvez, ou algum dos homens do sheik —, e as pessoas se dirigissem para a porta.

Segundos depois, a sala estava vazia.

Megan sorriu docemente.

— Deve ser bom ser imperador do universo.

— Deve ser igualmente bom não se importar com o que as pessoas pensam de você.

— Perdão?

Os olhos percorreram desde seus cabelos até os dedos dos pés, então subiram novamente.

— Você está bêbada.

— Não estou.

— Largue o copo.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— O quê?

— Eu disse, largue o copo.

— Você não pode me dizer o que fazer.

— Alguém deveria ter lhe dito o que fazer muito tempo atrás — murmurou ele num tom raivoso. — Então você seria sábia o bastante para não tentar me ameaçar.

—Ameaçar você? Está louco? Eu não fiz isso...

— Pela última vez, srta. O'Connell, largue o copo. — Megan ergueu mais o queixo.

— Pela última vez, rei poderoso, pare de tentar me dar ord...

Suas palavras acabaram num grito assustado quando sheik Qasim al Daud al Rashid, rei de Suliyam e reinante absoluto de seu povo, a ergueu do chão, jogou-a sobre seu ombro e marchou para fora da sala.

 

                             CAPÍTULO DOIS

Caz, apelido carinhoso de Qasim, não pretendia jogar a mulher O'Connell sobre o ombro como um saco de areia.

Não pretendia lidar com ela de maneira alguma. Oh, certo, queria isso. Simpson lhe contara que tinha dado uma simples tarefa à mulher, e que ela tentara convencê-lo de que ele lhe prometera uma coisa diferente...

E como havia ameaçado manchar seu nome e o de Suliyam se não conseguisse o emprego que queria.

Como ousava chantageá-lo?

Ele se sentira consumido pela raiva. Seus ancestrais teriam sabido lidar com ela.

Ora, ele também sabia.

Desta vez, foi Caz quem bufou, enquanto seguia o corredor, passando por rostos perplexos, a mulher O'Connell batendo-lhe nos ombros com os punhos fechados e gritando obscenidades que uma mulher decente não deveria nem pensar.

Não havia necessidade de retornar a uma geração anterior. Noventa por cento dos homens de Suliyam saberiam como lidar com ela, e este era justamente o problema. Depois de sua conversa com Simpson, Caz soubera que, se demonstrasse sua raiva, o mundo poderia pensar que ele e sua nação ainda viviam na idade da pedra.

Então, decidira ignorá-la. Não havia razão para que se envolvesse. Afinal, Simpson já deixara claro que ela não receberia o trabalho.

— Cuidei de tudo, Sua Alteza — ele falara. — Ela é apenas uma dessas feministas teimosas. Você conhece o tipo.

Caz conhecia. O mundo ocidental estava repleto delas. Não eram mulheres de fala macia nem acolhedoras, que ajudavam um homem a relaxar depois de um dia envolvido com política e finanças. Eram agressivas, sem atrativos e nem um pouco femininas.

Caz não gostava da companhia delas. Certamente não as entendia. Por que uma mulher iria querer se comportar como um homem? Mas aprendera a não subestimar as habilidades de tais mulheres nos negócios, contanto que seguissem as regras.

Ameaçar um processo sem nenhuma garantia, fingir que algo lhe fora prometido quando isso não tinha acontecido, eram coisas que uma mulher faria.

Não um homem.

Megan O'Connell lhe deu um soco forte no ombro. Caz gemeu, entrou na sala de Simpson e colocou-a sobre o sofá. Então, deu um passo atrás, cruzou os braços e a fitou.

Ela o encarou de volta. Não sentia nenhuma vergonha ou culpa? Ninguém o encarava. Ninguém! Ela não sabia quem ele era?

É claro que sabia. Apenas não se importava. Caz tinha de lhe admirar a coragem.

Tinha de admirar a aparência dela, também. Megan O'Connell era feminina, mesmo naquele conjunto azul sem forma. E era atraente, apesar da blusa abotoada até o pescoço e dos cabelos presos para trás, o que realçava as maçãs do rosto esculpidas. Os sapatos combinariam mais, com as pernas de um jogador de futebol do que com aquelas pernas longas, tão bem formadas... Megan se levantou.

— Quem você pensa que é?

— Sente-se, srta. O'Connell.

— Não vou me sentar. Não vou tolerar esse tipo de tratamento. — Ela voltou seus olhos brilhantes de raiva em direção à porta. — E não ficarei nesta sala com você por mais um...

Caz manteve os olhos nela enquanto estendia o braço e fechava a porta.

— Eu disse, sente-se.

— Você não tem autoridade aqui, senhor! Tudo que preciso fazer é gritar por socorro e...

— E? — Ele sorriu com ironia. — O que vai acontecer, srta. O'Connell? Realmente espera que seu chefe venha ajudá-la depois das ameaças que fez?

— Que ameaças? — Megan cruzou os braços e ergueu o queixo. — Não sei sobre o que você está falando.

Caz estreitou os olhos. Oh, sim, ela era durona. Também era linda, mas isso não mudava nada. Estava preparada para arruinar seus planos por motivos egoístas, e ele não toleraria isso.

— Talvez você queira me contar que ameaças eu fiz.

— Não desperdice meu tempo, srta. O'Connell. O gerente de seu escritório me contou tudo.

— Verdade? — Ela bateu um daqueles sapatos feios no chão. — E o que ele lhe contou exatamente?

Caz suspirou. Simpson tinha lhe contado o bastante para informá-lo de que aquela mulher estava pronta para mentir e para trair, a fim de obter o que queria; e o que queria era a conta Suliyam. Faria o que fosse necessário para conseguir isso, inclusive processá-los por estar sendo descriminada por seu sexo.

— Simpson disse que você não permite que uma mulher trabalhe ao seu lado, Sua Alteza.

Caz nunca dissera aquilo. Não exatamente. Apenas havia explicado que a posição profissional das mulheres era um assunto em desenvolvimento no seu país.

Simpson o assegurara que entendia. Obviamente não entendera. E agora Megan O'Connell falava sobre contratar um advogado.

Caz não se importava com isso. Seus advogados tirariam a queixa sem problemas. Ninguém poderia lhe dizer o que fazer. Nem Megan O'Connell nem todos os advogados e juízes do mundo.

Ademais, o fato de ela ser do sexo feminino era secundário.

A mulher estava exigindo uma posição para a qual não era qualificada. O homem que criara a proposta — alguém chamado Fisher — era certo para o trabalho. A proposta tinha sido excelente, motivo pelo qual Caz assinara o contrato com Tremont, Burnside e Macomb.

Megan O'Connell não possuía qualificações para o cargo, e sabia disso. Não admitira o fato para Simpson? Quando Simpson apontara que ela não tinha chance de ganhar um processo, Megan O'Connell respondera que não se importava em vencer.

Manchar o nome de Suliyam na imprensa, e, pior ainda, nos círculos financeiros, bastaria para ela.

Caz não podia permitir que isso acontecesse. Passara os últimos cinco anos preparando seu povo para sair do passado, mas alguns deles ainda tentavam deter o progresso.

Havia muitas facções contra ele. Um escândalo, uma manchete de jornal...

— Você é surdo, sheik Qasim? Ou decidiu que cometeu um engano, conversando com uma simples mulher?

Então, Megan ficou totalmente enfurecida agora. O rosto estava vermelho, os olhos arregalados, os cabelos soltando do penteado e caindo em cachos selvagens ao redor das faces. Exceto pelas roupas feias, parecia uma mulher que acabara de sair da cama.

Da sua cama.

O pensamento foi perturbador. Ela era linda, sim, mas não tinha o coração de uma mulher. Pretendia usar chantagem, e ele era o alvo.

— Foi o sr. Simpson quem cometeu o engano, srta. O'Connell, deixando as coisas irem longe demais.

Megan piscou.

— Que coisas?

— Não adianta fingir-se de inocente. — Caz cruzou os braços. — Já lhe disse, sei sobre as ameaças. Seu senhor Simpson...

— Ele não é nada meu

— É seu chefe.

— Ele é um tolo. E daí?

— Ele fez o possível para manter a paz.

— Perdão?

— Ele foi tolo em tentar. Assim que você começou a exigir crédito pelo pequeno trabalho que fez, ajudando a redigir a proposta...

— Ajudando? — Megan deu uma risada fraca. — Eu escrevi aquela proposta.

— Não, você não fez isso.

— Droga! — Megan podia sentir a carga de adrenalina bombeando em seu sangue. Jerry Simpson era muito pior do que ela pensara. — Sabe de uma coisa? Basta para mim. — Resoluta, começou a ir em direção à porta. — Saia do meu caminho.

Caz sorriu.

— Ou?

— Ou vou atravessar você.

Ele riu! Oh, como ela queria esbofetear aquele rosto perfeito e arrogante.

Infelizmente, não podia culpá-lo. Aquela era uma ameaça vazia. Atravessá-lo seria o mesmo que atravessar uma parede de tijolos.

O sheik, de infinitos nomes, era grande. Aproximadamente 1,90m. Os ombros eram largos o bastante para preencher a entrada da porta. Possuía músculos que deviam ser magníficos sob aquele terno caro.

Magníficos? Megan sacudiu-se mentalmente. Quem se importava se os músculos dele eram magníficos? O sheik era machista ao extremo, e ela não ficaria ali ouvindo seus abusos verbais por mais nem um segundo.

— Talvez seja o costume deter mulheres à força em seu país — ironizou Megan.

Aquilo provocou uma resposta! Manchas vermelhas coloriram as faces esculpidas. Ele não gostava de ouvir a verdade. Ótimo. Ela poderia usar isso a seu favor.

— Ou talvez essa seja a única forma que você consegue a atenção das mulheres. Pegando-as nos braços, carregando-as, trancando-as...

— Você está esgotando a minha paciência, srta. O'Connell.

— E você está esgotando a minha.

— Prometo-lhe que não vou agüentar muito mais.

— E eu lhe prometo...

Megan não conseguiu terminar. Ele fechou as mãos sobre seus braços e a ergueu nas pontas dos pés. Dedos fortes pressionavam sua pele, e os olhos irados encontraram os seus. Ele estava enfurecido. Megan podia ver isso, sentir, até mesmo inalar a fúria no aroma almiscarado que emanava dele.

Nunca havia visto ou sentido tanta paixão em um homem antes.

Como ele seria na cama?

O pensamento a chocou. Não pensava em homens daquela maneira. Oh, podia brincar com suas irmãs, sentar-se num bar com elas e comentar sobre os homens presentes, mas nunca olhara para um homem e realmente imaginara como seria dormir com ele.

Exatamente o que estava fazendo naquele exato momento.

E se o sheik transformasse toda aquela raiva em desejo? Se estivesse deitado por cima dela, segurando-a daquela mesma maneira, e Megan não quisesse sair dali, de modo que pudesse sentir o calor do corpo másculo contra o seu?

Ela sentiu o coração bater apressadamente.

— Vamos — disse Megan, e agradeceu a Deus por sua voz não ter tremido.

Ele não se moveu. Continuou fitando-a, mas alguma coisa mudara nos olhos acinzentados, e ela soube que ele também estava pensando em termos sexuais.

— Eu disse, vamos! — repetiu ela, e desvencilhou-se das mãos fortes.

Houve um silêncio.

— Isso não está nos levando a lugar algum — disse ele, mudando a expressão, como se nada tivesse acontecido.

Megan assentiu.

— Concordo.

— Cinqüenta mil dólares. — Ela piscou.

— O quê?

— Cinqüenta mil, srta. O'Connell. Certamente este é um bom pagamento pelo tempo que você me diz que colocou neste projeto.

Ela o fitou com incredulidade.

— Está me oferecendo um suborno?

— Estou lhe oferecendo pagamento pelo trabalho que você alega ter feito.

— Meu Deus, você está! Acha que pode comprar meu silêncio!

Os olhos dele escureceram.

— Não vamos fazer um melodrama disso. Você ameaçou sabotar um projeto que é de grande importância para mim. Estou apenas sugerindo que não há necessidade de fazer isso. — O sheik sorriu. — Não tenho um talão de cheques comigo, é claro...

— É claro.

— Mas mandarei alguém lhe entregar um cheque dentro de...

— Não!

— Ah. Você prefere que mantenhamos a transação privada. — Ele pegou um bloquinho de couro e uma caneta do bolso do paletó. — Se me der o endereço de sua casa...

— Não estou à venda, sheik Qasim!

Caz olhou para cima. O rosto de Megan estava pálido. Seria mais difícil lidar com ela do que ele antecipara.

— Quanto?

— Eu já lhe disse, não estou...

— Cem mil dólares.

— Você é surdo? Já falei...

— Estou cansado deste jogo, srta. O'Connell, e de sua representação. Diga seu preço.

Ela riu. Riu dele! E foi para a porta, ainda rindo, como se ele fosse um lunático.

—Adeus, Sua Onipotência. Foi interessan...

Megan arfou quando ele lhe agarrou os ombros e a virou.

— Como ousa rir de mim?

— Tire suas mãos de mim.

— Você é uma tola, srta. O'Connell. Pensou realmente que poderia me ameaçar e se safar com isso?

Megan estudou os olhos repletos de hostilidade. Sabia que aquela era a hora de dizer ao sheik que sua ameaça tinha sido feita no momento da raiva, que não haveria processo, porque Simpson, mesmo sendo um patife, estava certo. A única coisa que ela ganharia com um processo seria a reputação de encrenqueira, e isso marcaria o fim de sua carreira.

Esta seria a coisa lógica a fazer. Todavia, não tinha nada a ver com o que sentia no momento.

O sheik obviamente pensava reinar no universo. Bem, por que não pensaria? Durante sua pesquisa, Megan descobrira que as mulheres eram tratadas como objetos em Suliyam. Ela era americana e não tinha de se rebaixar diante dele.

— Eu lhe fiz uma pergunta. Você acha...

— O que acho — começou Megan, enunciando cada palavra com precisão — é que você é um tirano. Está tão acostumado com pessoas o tratando como um Deus, e a tratá-las como se elas fossem sua propriedade...

— Pare com isso! Como ousa?

— O que você quer dizer é: como uma mulher ousa lhe falar dessa maneira? Não é isso, sheik Qasim? Eu sou mulher. Uma criatura sem valor. E você acha que as mulheres só são boas para uma coisa.

Caz podia sentir a raiva se instalando em seu corpo. Controle, disse a si mesmo... mas aquela mulher precisava de uma lição.

— É hora de alguém lhe mostrar quem são as mulheres verdadeiramente — disse Megan, e aquelas palavras o fizeram perder o pouco de controle que lhe restava.

— Pelo menos nós concordamos em alguma coisa — respondeu ele, e, antes que ela pudesse virar a cabeça, cobriu-lhe a boca com a sua.

O beijo foi ardente. Dominador. Ele era um homem determinado a provar sua força e a fraqueza dela.

Megan lutou contra. Arduamente. Quando ele tentou abrir-lhe a boca com a sua, ela lhe mordiscou o lábio inferior. Ele gemeu, virou-se e pressionou-a contra a parede. Ela empurrou-lhe o peito, liberou as mãos, socou-lhe os ombros.

E então, num átimo de segundo, tudo mudou.

Mais tarde, Megan se lembraria da súbita imobilidade ao redor da sala, como se o universo estivesse prendendo a respiração. Agora, tudo que conhecia era a sensação da boca do sheik sobre a sua, a gentileza das mãos que deslizavam pelos seus ombros, seu pescoço, seus cabelos.

Ela gemeu, entreabriu os lábios, permitindo a possessão de sua boca. De seus sentidos.

Ele falou alguma coisa num idioma que Megan não entendeu, mas não importava. Entendia todo o resto. O que ele queria o que ela queria. E, quando sheik Qasim aprofundou o beijo, Megan sentiu o mundo girar, ergueu os braços e rodeou-lhe o pescoço. Ele desceu uma das mãos por suas costas, segurou-lhe o traseiro, levantou-a contra a excitação masculina...

Alguém bateu à porta. O som foi como um trovão explodindo na sala silenciosa.

Caz abaixou as mãos e deu um passo atrás. Megan abriu os olhos. Eles se entreolharam, ambos ofegantes, como parceiros que tinham perdido o pé numa dança intrincada.

Houve outra batida à porta. Uma voz chamou. Caz pareceu levar segundos infinitos para perceber que era Hakim, chamando seu nome.

— Sire, perdoe-me por perturbá-lo...

Caz olhou para O'Connell. O que tinha acabado de acontecer? Uma alucinação compartilhada? Sua expressão tornou-se rígida. Pessoas de seu país diriam que ela não era somente mentirosa e traiçoeira, mas também feiticeira. Mas ele sabia que ela era apenas uma mulher. Uma mulher sedutora.

Talvez pensasse que seduzi-lo para conseguir o trabalho que queria fosse melhor do que chantageá-lo. Ou que poderia usar os últimos minutos contra ele numa Corte, ou de maneiras ainda mais perigosas.

Caz quase podia ver as manchetes do Wall Street Journal. Seus inimigos não adorariam se ela o denunciasse à imprensa?

— Sire?

Ela ainda o fitava, os olhos verdes enormes e aparentemente confusos. Ainda que não fosse nada mais, O'Connell era uma excelente atriz.

Caz forçou um sorriso.

— Obrigado pela amostra de sua mercadoria, mas você está perdendo tempo. Não estou interessado.

— Seu arrogante desgraçado! — Pálida, ela levantou uma das mãos fechadas e tentou socar-lhe o maxilar, mas Caz segurou-lhe o pulso e a puxou contra si.

— Cuidado — murmurou suavemente —, ou, antes que perceba, estará em águas tão fundas que cobrirão sua cabeça.

— Nunca, nunca mais me toque! — Um sorriso frio curvou a boca dele.

— Esta é a primeira coisa que você diz que me agrada. — Caz a soltou, respirou fundo para se recompor e abriu a porta. Hakim estava parado lá, a expressão inescrutável como sempre.

— O que foi, Hakim?

— Perdoe-me por perturbá-lo, meu lorde, mas me pediu para relembrá-lo do compromisso na hora do almoço.

Caz assentiu. Não pedira isso a Hakim, mas seu assistente pessoal tinha servido ao seu pai primeiro, e agora a ele. O homem possuía um sexto sentido para detectar problemas, e a coragem de tomar iniciativas quando julgava necessário.

Às vezes isso era irritante, mas agora Caz estava satisfeito com a atitude dele.

— Sim. Obrigado. — Ele olhou para Megan O'Connell. Ela estava parada junto à janela, as mãos nos bolsos da saia, olhando para a rua como se nada tivesse acontecido. Mas nada acontecera mesmo.

Aquilo havia sido um lapso momentâneo. Nunca mais se repetiria. Na verdade, ele nunca mais a veria.

— Um mensageiro irá entregar o item que discutimos em sua casa esta noite, srta. O'Connell.

A voz do sheik era ríspida e profissional. Megan apertou as mãos. Atravessar a sala e bater no rosto arrogante não lhe serviria de nada. Além disso, ele não permitiria que isso acontecesse. Era muito mais forte do que ela. Não acabara de provar isso, dominando-a? Porque ele a dominara. Forçara aquele beijo, forçara-a a corresponder...

— Vai me dar seu endereço? Ou devo pedir que meu assistente pegue com Simpson?

Megan não respondeu. Não confiava em si mesma para responder. Ele que enviasse o cheque para seu apartamento. Ela faria o mensageiro esperar enquanto o rasgasse e dissesse precisamente o que o sheik deveria fazer com os pedacinhos de papel.

Pelo menos, teria a satisfação de saber que Sua Onipotência passaria noites em claro se preocupando com um processo legal.

— Srta. O'Connell? — Megan virou-se.

— Desapareça da minha frente.

Caz enrijeceu. Viu Hakim dar um passo à frente.

— Não — Caz falou, pondo uma mão no ombro de seu assistente.

— Mas, meu lorde...

— Ela é americana — disse Caz, porque isso explicava tudo.

— Graças a Deus, sou — retrucou Megan. — E você é um bruto.

Ele forçou um sorriso nos lábios, como se ela tivesse lhe feito um elogio.

— Adeus, srta. O'Connell. Você verá meu mensageiro esta noite. — Caz se aproximou, e ficou satisfeito ao ver o pânico nos olhos verdes. — Mas, para sua segurança — acrescentou baixinho para que Hakim não ouvisse —, reze para que nunca mais me veja.

O sheik virou-se e saiu da sala. O assistente deu a Megan um último olhar ameaçador, então o seguiu.

Com um suspiro trêmulo, Megan sentou-se numa cadeira. O príncipe do deserto partira. Estava fora de sua vida, para sempre.

 

                                 CAPÍTULO TRÊS

Megan saiu do trabalho às 6h30, quase uma hora depois que o usual.

Para sua surpresa, Simpson não a demitira. Ou tinha acreditado que ela o processaria ou...

Ou o quê?

Sentia-se satisfeita por ainda ter seu emprego, mas não entendia o motivo.

Megan suspirou quando saiu do elevador; a chuva batia contra as portas de vidro do saguão.

Ameaçar um processo parecia uma boa idéia, pensou Megan, indo para a rua. Dizer ao sheik o que pensava dele lhe dera uma ótima sensação. Exceto que, com isso, havia cometido um suicídio profissional. As probabilidades eram de que estaria procurando emprego na próxima semana.

Uma rajada de vento jogou chuva no seu rosto. Pena que a chuva não acontecera algumas horas mais cedo. Ela poderia ter jogado um pouco da água fria em cima deles.

Tremont, Burnside e Macomb era uma empresa de prestígio. E daí se seu chefe era um cretino? Isso não mudava os fatos. Megan se comportara tolamente, primeiro com seu chefe, depois com seu cliente.

Exceto que o sheik não era seu cliente, o que provavelmente era bom, porque ela jamais poderia trabalhar com um homem tão detestável e rude. Tão dominador e arrogante.

Como poderia trabalhar com um homem que a beijava e transformava seus joelhos em geleia?

Megan chegou ao estacionamento, abriu seu carro e jogou a pasta e a bolsa no banco de passageiro. Acomodando-se atrás do volante, ligou o motor e o ar quente. Estava molhada e seus dentes batiam pelo frio.

Não fazia sentido mentir para si mesma. Qasim a beijara e ela correspondera ao beijo. Tinha sido somente um beijo, mas a deixara sem fôlego. Quem sabe o que teria acontecido se o assistente dele não os tivesse interrompido?

Megan ligou o limpador de pára-brisa. Os outros carros pareciam manchas coloridas.

Era como havia se sentido durante aquele beijo. Como se o mundo tivesse desaparecido e somente cores restassem.

Com um suspiro exasperado, começou a dirigir.

Fizera tudo errado, do começo ao fim. Muita cafeína. Certo, muita cafeína e nenhum bom-senso. Não deveria ter perdido o controle e se colocado numa situação perigosa.

E não deveria ter sido um alvo tão fácil para um homem que, sem dúvida, pensava que as mulheres só serviam para uma coisa.

Megan percebeu que o trânsito estava pior que o normal. Bem, por que não? Gastar uma hora extra para chegar em casa seria o fim perfeito para um dia perfeito.

Parou em mais um farol fechado. Certo, aquilo lhe dava tempo para tentar entender por que Simpson não a demitira.

Poderia realmente ter acreditado na ameaça do processo?

Não. Ele não era estúpido. Saberia que a ameaça era vazia, e que Megan também não iria à mídia. Qualquer ação contra a empresa e contra o sheik a prejudicaria.

Adeus, carreira. Adeus, todos os anos escalando a rota do sucesso.

Simpson tinha de saber que ela se acalmaria e recuperaria seu bom-senso.

Mas o sheik não podia saber disso. Obviamente acreditara em cada palavra sua. Por isso fizera a oferta abominável para comprá-la.

Teria procurado Simpson depois? Dizendo-lhe para não se preocupar porque tinha tudo sob controle? Era por isso que Simpson não a despedira, e nem a abordara para o balanço do dia?

Talvez.

Bem, ambos teriam uma grande surpresa. Vossa Onipotência que lhe mandasse um cheque. Que pensasse que poderia comprá-la...

— Pare — disse Megan com firmeza. De que adiantava ficar pensando naquilo? Já decidira o que fazer com o cheque, se o sheik mandasse um. Quanto a Simpson... não se venderia para ele também. Esqueceria o cliente de Hollywood. Esqueceria a sociedade. Redigiria seu currículo, ligaria para um caçador de talentos, encontraria um emprego novo...

E perderia a chance de ser nomeada sócia. Simpson via isso como um suborno, mas Megan merecia mais. Era uma trabalhadora árdua. Uma excelente analista financeira. Iria realmente deixar que Simpson e o insuportável Qasim a fizessem perder tudo que conquistara?

Não.

Se pudesse entender o motivo do silêncio de Simpson...

Seu celular tocou. Megan o ignorou. Detestava atender ligações enquanto dirigia, especialmente com chuva. A pessoa ligaria mais tarde. Ou deixaria um recado. Ou...

Ou seria persistente como uma formiga num piquenique. O telefone continuou tocando. E tocando. Irritada, Megan manteve os olhos na estrada e tirou o celular da bolsa.

— É melhor ser importante, porque estou dirigindo no trânsito e na chuva...

— Megan?

— Sun? — Era uma voz masculina familiar, mas ela não reconheceu.

— Graças a Deus. — Houve um suspiro de alívio. — Aqui é Frank.

— Quem?

— Frank Fisher. Do escritório.

— Frank? — Questões surgiram na mente de Megan. Por que ele estava lhe telefonando? E por que parecia tão... em pânico?

— Ouça, detesto incomodá-la, mas... suponho que o sr. Simpson tenha lhe falado sobre... sobre as coisas.

Sr. Simpson? Ela estreitou os olhos.

— Se quer saber se ele me contou que você está roubando meu trabalho e alegando que é seu, então a resposta é sim.

— Ei, eu não roubei nada. Esta idéia foi do sr. Simpson, não minha.

Oh, certo, Frank não tinha culpa. Poderia ter se recusado a aceitar o crédito por algo que não fizera, mas Frank era fraco. Todos no escritório sabiam disso. Inteligente, mas sem personalidade. Simpson o escolhera sabiamente.

— Esqueça isso — disse Megan.

— Esperei que você dissesse isso.

Uma buzina soou atrás de seu carro. Ela olhou pelo retrovisor, viu um carro esporte pequeno e absurdamente caro. Tipicamente de Los Angeles e, sem dúvida, dirigido por um típico cidadão de Los Angeles, que pensava que o carro o tornava mais importante do que era. Ela não conseguiu ver o motorista, graças à chuva, mas não precisava. Conhecia o tipo.

— Bem, Frank, foi bom que você ligou. O pedido de desculpa não muda nada, mas...

— Pedido de desculpa? — Frank pigarreou. — Certo, fico feliz que você entenda, mas na verdade... liguei para lhe pedir uma coisa.

Megan franziu a testa.

— O quê?

— Bem, veja... eu estava dando uma olhada... na sua proposta...

— Vá direto ao ponto, Frank. O que você quer?

— Há algumas coisas que não entendo bem...

Frank começou a tagarelar. Alguns minutos depois, estava claro que ele não entendia muitas coisas. Como, por exemplo, o propósito das sugestões de Megan para os investimentos que o sheik estava procurando.

— Ele é rico, certo?

—Absurdamente rico — concordou Megan.

— E eles já têm petróleo saindo das torneiras em Suminan, correto?

— Suliyam. Sim, o petróleo está sendo extraído. Porém, há mais para ser encontrado, e existem minerais nas montanhas...

E o que ela estava fazendo, dando a Frank um ensinamento básico sobre sua pesquisa? Frank era um tolo. Por que o ajudaria? A pessoa atrás de seu carro estava buzinando novamente.

— O quê? — exclamou Megan, dando um olhar zangado para o espelho. O sr. Impaciente esperava que ela voasse sobre os carros à sua frente?

— Eu preciso de respostas, Megan.

— Eu não estava falando com você, Frank.

— Sim, mas preciso de respostas. E logo. Vou encontrar com o sheik... com o cliente em menos de uma hora e, como falei, dei apenas uma olhada rápida na proposta e...

— E você está perdido — disse Megan docemente, e encerrou a ligação.

O celular tocou um segundo depois. Ela o ignorou. Tocou de novo, Megan pegou o aparelho e desligou-o, jogando-o sobre o ombro no banco de trás.

Era por isso que Simpson não a despedira.

Precisava dela. Toda aquela conversa de Megan permanecer em Los Angeles, como assistente de Fisher, se tratava disso. Patife. Ela daria tudo de bandeja para seu substituto, para que ele ficasse com o crédito.

— Esqueça!

Não iria aceitar aquele tipo de tratamento. O que havia com os homens, de qualquer forma? Três deles tentaram pisar sobre ela num único dia. Simpson. Fisher. E o sheik.

— Não se esqueça do sheik, Megan — murmurou em voz alta, mas como poderia esquecer um homem tão desprezível?

Ele a beijara. E daí? Apenas um beijo, nada demais. Certo, Qasim era bom naquilo. Maravilhoso, mas por que não seria, quando já estivera com um milhão de mulheres? Fazia amor com mulheres, dava ordens a lacaios e passava o resto do tempo sentado, contando seu dinheiro, calculando maneiras de fazê-lo crescer.

O que mais um príncipe do deserto muito rico e muito bonito faria da vida?

E pensar que um homem como aquele acreditara que poderia comprá-la...

O idiota atrás de Megan buzinou de novo. Desta vez, o som foi infinitamente longo.

Megan olhou no espelho.

— Vá— gritou. — Passe-me se puder, seu idiota!

A buzina foi tocada novamente. Megan praguejou, abriu a janela para que pudesse pôr a língua para fora, e a mão, fazendo o desagradável sinal universal. Nunca tinha feito isso na vida, mas oh, a sensação era boa!

O motorista acelerou, tocando a buzina em resposta ao seu gesto, enquanto a cortava e, entrando e saindo dos menores espaços possíveis do trânsito, desapareceu de sua visão.

— Você está com toda essa pressa de chegar ao inferno? — gritou ela.

Então, fechou a janela e desejou o pior possível para Simpson, para o sheik, para Frank Fisher e para o motorista idiota do Lamborguini.

Motoristas californianos não eram somente tolos, eram audazes.

No humor em que se encontrava, Caz tivera vontade de forçar o Volkswagen para o acostamento, abrir a porta do motorista e dizer ao cretino atrás do volante que fazer um gesto rude para um estranho não era uma boa idéia.

Felizmente para o cretino, ele estava com pressa.

O trânsito estivera terrível. Quando finalmente tinha melhorado, ele esperara que o motorista da frente começasse a se mover, o que não acontecera. Talvez fosse uma mulher de meia-idade, espiando sobre o volante com trepidação, nervosa por causa da chuva.

Mas é verdade que uma mulher de cabelos grisalhos não faria um gesto como aquele. Também não falaria ao celular enquanto dirigisse. Pelo menos, ele tivera a impressão de que o motorista segurava um celular na orelha. Era difícil ver muita coisa, por causa da chuva. E quem havia dito que nunca chovia no sul da Califórnia?

Droga.

Precisava se acalmar.

Dirigir em velocidade ajudaria. Sempre ajudava. Era o que sempre fazia depois de reuniões estressantes com conselheiros em seu país: pegava uma estrada e dirigia.

Para nenhum lugar em particular, sua mãe costumava dizer.

Caz sempre pensava na mãe quando estava na Califórnia. Ela havia deixado o pai dele e ido para lá, onde nascera, quando ele tinha 10 anos. Falecera quando Caz estava com 12 anos, e ele apenas passara férias com ela por dois anos.

— Você não vai para casa comigo, mama? — perguntava no fim de cada verão. E sua mãe o abraçava apertado, dizendo que logo iria...

Mas nunca fora.

Caz a detestara por um pequeno período, quando tinha 14 anos, e Hakim deixara escapar que ela abandonara o marido porque não gostava de viver em Suliyam. Ele não soubera disso. Seu pai lhe dissera que sua mãe tinha voltado para sua amada Califórnia para umas férias, ficado doente, e permanecido lá para um tratamento médico adequado.

No final, apenas parte disso era verdade. Ela havia ficado doente e morrido na Califórnia, mas não saído de férias. Abandonara tudo. O marido, seu país adotado.

Seu filho.

Caz franziu o cenho, viu uma brecha na faixa ao lado e entrou nela.

Tudo aquilo acontecera há mais de vinte anos atrás. Muita coisa mudara desde então.

Tinha coisas mais importantes para pensar agora.

Ele suspirou. Estava nervoso sobre o jantar daquela noite. Precisava relaxar. Megan O'Connell era culpada de seu mau humor. Que mulher agressiva! Feminista até a alma!

As mulheres de seu país se tornariam assim quando ele implementasse seus planos? Ele começava a temer que sim, mas não podia liderar uma nação do século XXI sem garantir direitos e privilégios para todos os cidadãos.

Inclusive para as mulheres.

Não, certamente não se tornariam como...

Não. Não iria pensar sobre Megan O'Connell. Já havia perdido muito tempo com ela. No geral, o dia fora terrível.

Primeiro, aquela reunião matinal abominável, em que todos na sala o haviam observado. Caz ficara tentado a virar-se e sair, mas era emissário de sua nação. Boas maneiras significavam tudo.

Todavia, esquecera as boas maneiras com O'Connell. Mas ela merecera. Aquele temperamento... Aquelas ameaças...

Aqueles olhos, aquela boca, a certeza de que o corpo sob a roupa horrível era feito para o prazer...

— Pare! — exclamou Caz, e pisou mais fundo no acelerador.

Negócios. Era nisso que precisava se concentrar esta noite.

Era no que quisera se concentrar naquela manhã, mas Simpson estragara tudo. Em vez da discussão com o homem que escrevera a excelente proposta, Caz tivera de agüentar todas aquelas pessoas o rodeando.

Já era ruim o bastante que seu povo o tratasse como o Elvis ressuscitado. Isso, pelo menos, era compreensível, uma vez que era uma tradição de séculos, algo que Caz também pretendia mudar com os seus planos. Seus conselheiros ficariam perplexos com sua determinação de criar uma infraestrutura moderna em Suliyam, abrindo a nação para investidores estrangeiros.

Eles protestariam. Aquilo era tradição.

E, segundo a tradição também, ele não poderia levar uma mulher para Suliyam como sua conselheira financeira.

Tivera de explicar tudo isso para Simpson. Sabia que havia mulheres brilhantes no ocidente. Sua mãe não tinha sido uma delas? Mas Suliyam não estava pronto para tais coisas. Talvez esta fosse uma das razões pelas quais o casamento de seus pais acabara.

Caz não contara isso a Simpson, é claro, mas havia deixado claro que teria de trabalhar com um homem.

— Sem problemas, Sua Alteza — Simpson dissera.

— Não gosto de ser chamado por este título. Por favor, dirija-se a mim apenas como sheik Qasim.

Hakim lhe dera um olhar de desaprovação, mas Caz o ignorara. Hakim era devotado e leal, mas acreditava em tradições que estavam chegando ao fim.

— Vou designar meu melhor homem para escrever a proposta, majestade.

Caz desistira de corrigir o homem. Que diferença fazia o modo como Simpson o chamava, contanto que encontrasse a pessoa certa para fazer o trabalho?

Ele encontrara. A proposta era tudo que Caz esperara e mais. Requisitara uma proposta de investimento e modernização de Suliyam para três grandes empresas.

Três meses depois, com os resultados nas mãos, tinha sido fácil tomar uma decisão. Tremont, Burnside e Macomb havia superado suas expectativas, e Caz soubera que encontrara seu homem.

Simpson não era ninguém, mas Frank Fisher, cujo nome estava na proposta, era brilhante. Era a pessoa certa para o trabalho: lógico, metódico, pragmático.

Tudo que Megan O'Connell não era.

A mulher possuía um temperamento forte. O encontro deles provara que ela não poderia ter escrito o documento em questão.

Ela aceitaria o dinheiro enviado e ficaria grata por isso.

Caz consultou o relógio. Quase 7h. Iria jantar com Fisher, que não estivera presente na reunião matinal. Fisher voaria com ele para Suliyam no dia seguinte, mas Caz queria conhecê-lo antes da viagem. Sempre havia uma pequena chance de que eles não se dessem bem. Se Fisher fosse como Simpson, por exemplo. Se Caz o intimidasse apenas com sua presença, eles nunca seriam capazes de trabalhar juntos.

Aquilo o fez pensar em Megan O'Connell. Certamente ele não a intimidava. Ela o tratara como se ele fosse um homem, não um príncipe. Beijara-o como...

Bastava.

Precisava clarear a cabeça para o encontro iminente. Tinha combinado tudo pouco tempo atrás, pelo telefone com Simpson.

— Eu gostaria de jantar com o sr. Fisher esta noite — Caz dissera.

Simpson respondera que aquilo poderia ser difícil. Fisher não estava no escritório. Talvez não conseguisse estar presente num encontro marcado de última hora.

— Espero que ele me encontre às 7h — replicara Caz, não aceitando desculpas.

Um homem mais desconfiado pensaria que Simpson estava tentando evitar o encontro de Caz com Frank Fisher até que fosse tarde demais, mas isso era ridículo. Provavelmente Simpson preferia que o primeiro encontro dos dois não fosse após um dia de trabalho cansativo para Fisher.

Por que outro motivo parecera nervoso? Certamente não porque achava que Fisher não era capaz de esclarecer pontos da própria proposta.

Megan O'Connell não era capaz de um trabalho tão complexo. Simpson tinha rido da mera idéia. E Caz chegara à mesma conclusão. Ela era uma ruiva esquentada, cujos talentos tendiam para uma direção diferente do que o de finanças.

E ele a beijara.

O gosto de Megan ainda estava em seus lábios, o aroma em suas narinas. Quase podia sentir os seios suaves contra seu peito, a pélvis delicada pressionando seu sexo.

Estava ficando excitado somente por pensar naquele beijo.

Por quê? Por que a beijara? Não gostava dela. Que homem gostaria de uma mulher que ameaçava seus planos?

Claro, alguns homens não precisavam gostar de uma mulher para levá-la para cama, mas Caz não era um deles. A imprensa o retratava como mulherengo. Ele desistira dos protestos há muito tempo, porque protestos acrescentavam lenha à fogueira.

Mas, na verdade, nunca dormia com uma mulher a menos que a considerasse interessante e inteligente.

Megan O'Connell era interessante e inteligente, mas também mentirosa. Ele não queria dormir com ela.

Caz suspirou. O restaurante onde encontraria Fisher estava à sua frente. Já estivera lá antes. Era um pequeno lugar, com boa comida, onde ninguém o reconhecia ou o incomodava.

Perfeito para aquela noite. Uma refeição agradável com o homem que escrevera a excelente proposta. Estava ansioso pelo encontro.

Caz entrou no estacionamento do restaurante, parou o Lamborguini e disse a si mesmo que não havia razão para pensar mais em Megan O'Connell.

 

                               CAPÍTULO QUATRO

Megan viu a luz de sua secretária eletrônica piscando quando entrou em seu apartamento, mas ignorou.

Não queria ouvir outra voz humana, não naquela noite. Tudo que queria agora era apagar aquele terrível dia da memória.

Ela tirou os sapatos, jogou a capa de chuva sobre uma cadeira e removeu o resto das roupas. Então soltou os cabelos, encheu a banheira, despejou sais de banho com aroma de limão e entrou na água quente e fragrante.

Pura bênção. Pela primeira vez no dia, começou a se sentir humana.

Meia hora depois, vestida num conjunto de moletom da época da faculdade, e com pantufas mais velhas ainda, entrou na cozinha e acendeu a luz.

A secretária eletrônica ainda estava piscando. De acordo com o mostrador, quatro mensagens a esperavam agora. E daí? Não faria nada que não fosse absolutamente necessário naquela noite, e isso incluía secar seus cabelos com uma escova até deixá-los lisos.

Que ficassem encaracolados. O dia seguinte era sábado. Não tinha de se preocupar em acordar às 6h para se transformar em Megan O'Connell, a brilhante mulher das finanças.

Não precisaria se vestir para o sucesso ou preparar-se para outro encontro com Jerry Simpson. Para quê? Seus dias de luta pelo sucesso haviam acabado. Na segunda-feira, seria despedida ou receberia um novo cliente importante.

Teria de esperar para ver o que aconteceria, embora tivesse uma idéia, depois de desligar o celular na cara de Frank.

Megan abriu a geladeira, pegou uma cenoura e mordeu-a.

E era tudo culpa do sheik.

— O imbecil — disse ela, e jogou metade da cenoura não comida no lixo.

Era hora de parar de pensar no sheik. Hora de jogá-lo no lixo junto com a cenoura. Hora de esquecer aquele dia terrível. Esquecer Simpson, Frank Fisher. Esquecer Qasim e o fato de que lhe permitira beijá-la.

Pessoas sob estresse faziam coisas estranhas, e Deus sabia que ela estava sob estresse.

Megan decidiu se concentrar no jantar. Estava faminta. Graças ao sheik, não tinha tomado café da manhã ou almoçado, preparando tudo para o visitante importante...

Abriu a geladeira novamente. Pensou em tomar um iogurte light, comer uma fatia de queijo branco. Mas nada a apetecia. Não queria nada sensato naquela noite. Queria o arroz doce fantástico de sua mãe, ou um grande prato de macarronada com queijo, qualquer coisa bastante calórica para suavizar sua alma.

Com um suspiro, fechou a geladeira e encostou-se contra ela. Não tinha macarrão na dispensa, e sua mãe estava em Las Vegas, a quilômetros de distância. O que era bom, porque como explicaria à sua mãe que precisava de arroz doce por ter se permitido ser beijada por um homem que desprezava?

Qasim não somente a excitara, mas virará seu mundo de ponta-cabeça.

Mas não deixaria que isso arruinasse seu fim de semana.

Esqueceria o queixo branco, o iogurte e o sheik. Pediria comida tailandesa de um pequeno restaurante na esquina, que abrira algumas semanas atrás.

Ela procurou o panfleto que eles tinham colocado em sua caixa de correio e grudou-o na porta da geladeira com um imã. Então estudou o cardápio. Sopa de leite de coco. Pad Thai com frango. Arroz com peito de peru e abacaxi. Não era o arroz doce de sua mãe ou sua própria macarronada, mas parecia maravilhoso.

Esta noite, ela mimaria a si mesma. Sorrindo, pegou o telefone...

Alguém tocou a campainha.

Megan franziu a testa. Quem iria lá àquela hora, numa noite tão fria e úmida?

O mensageiro do sheik, é claro. Provavelmente Hakim. Seu sorriso desapareceu enquanto punha o telefone no gancho.

Certo, então Qasim não tinha acreditado que ela não iria aceitar o dinheiro. Quantas vezes uma mulher precisava dizer "não"?

O príncipe todo-poderoso precisava de uma lição. E haveria melhor lição do que ver seu cheque picado em centenas de pedacinhos?

A campainha tocou de novo. Hakim estava impaciente, pensou ela, irritada.

Pegando uma tesoura de uma gaveta da cozinha, apressou-se para a porta.

— Obedecendo às ordens de seu mestre, sr. Hakim? Tudo bem. É hora de eu mostrar a ele o que pode fazer com... com...

Megan arregalou os olhos. Não era Hakim na pequena varanda.

— Que cumprimento caloroso — disse o sheik, olhando para a tesoura na mão dela. Um sorriso curvou-lhe a boca. — Você sempre recebe visitantes com uma tesoura na mão?

— O que você está fazendo aqui?

— No momento, estou parado na chuva.

— Como conseguiu meu endereço?

— Ficarei feliz em responder suas perguntas, srta. O'Connell, mas não enquanto estou afogando.

Ela quase riu da visão do sheik parado debaixo da chuva forte.

— Considere isso um bônus por ter aparecido sem avisar — murmurou ela docemente. — Qual é o problema? Não confia em seu servo em relação a dinheiro?

— Você está errada quanto a Hakim.

— E você está errado em pensar que mudei de idéia sobre aceitar seu suborno.

Ótimo. Aquilo enviou um pouco de cor ao rosto dele.

— Não vim aqui para lhe oferecer dinheiro, srta. O'Connell.

— E não vou deixá-lo entrar. Então, adeus, Sua Alteza...

— Temos assuntos a discutir.

— Engano seu. Está tarde, e você não tem nada a dizer que me interesse.

— Está tarde, sim. Quanto ao que quero dizer, talvez você mude de idéia. — Caz respirou fundo. — Que tal se eu admitir que estava errado?

— Ouça, Sua Alteza... O que você falou?

Caz pigarreou. Pouco tempo atrás, pensara que nada podia ser pior que o gosto amargo da refeição que compartilhara com Frank Fisher. Estivera errado. Humilhação tinha um gosto muito pior.

— Errado sobre o quê?

— Posso ter julgado você erroneamente. — Escolha errada de palavras. Ele viu a reação nos olhos dela. — Tudo bem, eu a julguei mal — concedeu. — Agora, acha que pode me deixar entrar em sua sala?

Ele sorriu, mas não era um sorriso sincero. Havia raiva nos olhos acinzentados. O que tinha acontecido? Por que ele estava lá?

Só havia uma maneira de descobrir. Megan deu um passo atrás e gesticulou para que ele entrasse.

— Você tem cinco minutos.

— Obrigado. Será que você pode largar essa tesoura?

— Por quê? — Megan sorriu. — Ela o deixa nervoso?

— Talvez possamos nos sentar, como pessoas civilizadas?

— Eu aos seus pés?

— Srta. O'Connell, entendo que esteja zangada...

— Eu? — Megan bateu a porta, passou por Qasim e jogou a tesoura sobre uma mesa. — Não seja tolo. Que possível razão eu teria para ficar zangada?

— Suponho que eu deveria ter telefonado antes.

— Sim, deveria. Você teria poupado sua viagem. — Ela cruzou os braços. Seu coração estava bombeando violentamente. Bem, por que não estaria? Certamente não tinha nada a ver com a aparência magnífica dele... alto e incrivelmente bonito, com pingos de chuva brilhando como pequenos diamantes nos cabelos escuros. — Qual é o problema, Sua Alteza? Por que pensaria que me julgou mal? — Megan deu um sorriso tenso. — Da última vez que vi você e seu servo, ambos pensavam o pior de mim.

— Hakim não é servo de ninguém. Ele é um velho amigo confiável.

— Amigos não fazem reverência.

— Hakim também não faz. — Caz cerrou os dentes. Por que estava permitindo que ela desviasse do assunto? Já era ruim o bastante que tivesse implorado para sair da chuva, que tivesse de lhe suplicar perdão. Teria de aceitar insultos, também?

Sim, pensou irritado, teria. Estava, como diziam os americanos, entre a cruz e a espada. Megan O'Connell tinha um problema de atitude. Graças à fraude de Simpson, ele teria de lidar com isso.

Forçou um sorriso nos lábios.

— Não vim falar sobre Hakim.

— Não?

— Não. Como falei, vim dizer-lhe que a julguei erroneamente.

Os olhos dela brilharam.

— Pare de fazer rodeios, Sua Alteza. Fale de uma vez.

— Jantei com Frank Fisher.

— É? Qual é o problema? Frank come ervilhas com colher?

Ele deu um passo à frente. Megan tremeu por dentro, mas manteve-se firme.

— Aviso-lhe que não estou de bom humor — disse Qasim.

— Ótimo. Nem eu. Suponho que seu jantar não tenha sido bom.

— Estava tudo bem, até que comecei a discutir a proposta. —Os olhos de Caz se estreitaram. — O sr. Fisher tentou mudar de assunto.

Megan cruzou os braços.

— Aposto que sim.

— Eu fui persistente, até o ponto que ele pediu licença para ir ao toalete. — Caz sorriu friamente. — Ele foi ao banheiro algumas vezes durante o jantar.

— Bem, talvez a comida que vocês pediram não caiu bem para ele.

— A conversa não caiu bem para ele. Da última vez que Fisher saiu da mesa, eu o segui. Ele não foi ao toalete, srta. O'Connell, e sim dar um telefonema. Na verdade, tenho certeza de que deu diversos telefonemas. — Caz olhou para a secretária eletrônica de Megan, cuja luz piscava. — Mas a pessoa com quem tentava falar não estava em casa... ou não queria atender suas ligações.

— Por que não poupa o nosso tempo, sheik Qasim? Você queria conversar sobre a proposta para Suliyam. Frank não queria. Ou melhor, não foi capaz, porque não sabe absolutamente nada sobre a proposta.

— Correto. E, após um questionamento insistente, ele me contou tudo. Que você escreveu a proposta. Que Simpson tinha prometido que você ficaria nos Estados Unidos, alimentando-o com todas as informações de que ele precisaria.

— Mas isso não ia acontecer, porque eu não aceitaria.

— Sim.

— Então Frank abriu o jogo, e você percebeu que tinha um problema. Tem um plano complexo com o qual lidar, e ninguém que o entende.

— Em resumo, é isso.

— Bem, Frank aprende rápido. — Megan sorriu friamente. — Ele não deve levar mais do que... dois ou três anos para entender a proposta.

— Tenho certeza de que você acha isso engraçado, mas vou retomar ao meu país amanhã. Não há tempo para que Fisher entenda as coisas... mesmo que ele fosse capaz, o que duvido.

— E você quer salvar sua pele.

Caz cerrou os dentes. Ainda bem que ela dissera aquilo, porque ele duvidava que conseguiria.

— Sim. — Megan sorriu.

— Não.

— Como assim, não? Sua empresa escreveu a proposta. Nós temos um contrato...

— E você tem Frank Fisher. — Ela olhou em direção à porta. — Boa noite, sheik Qasim. Eu gostaria de dizer que lamento, mas...

Caz a segurou e virou-a para si.

— Basta para mim.

— Para mim também. — A voz de Megan tremeu de raiva. — Se você acha que vou entrar nesse seu jogo com Simpson, e ficar sentada perto de um telefone, aqui em Los Angeles, dando informações a Frank Fisher...

— Fisher está fora de cena — declarou Caz.

— Tente dizer isso a Jerry Simpson.

— Eu já disse. Foi como consegui seu endereço.

— Eu vou repetir, você está perdendo tempo. Não permitirei que Frank use meu trabalho, minhas idéias...

— Pode calar-se e me deixar falar? Estou lhe oferecendo o trabalho!

Aquilo funcionou. Pela primeira vez desde que ele a conhecera, Megan O'Connell estava sem fala. Apenas fitando-o, os cabelos encaracolados soltos, o rosto limpo de maquiagem.

Ele se lembrou do que tinha tentado esquecer. Aquele beijo. O gosto. A sensação de tê-la nos braços...

— O trabalho? — Caz pigarreou.

— O trabalho que deveria ser seu, como minha assessora financeira. Você aceita?

Ela aceitaria? Sua carreira acabara de dar um giro de 180 graus e ele estava perguntando se ela aceitaria?

— Você continuaria trabalhando para Tremont, Burnside e Macomb com seu salário regular, mas eu acrescentaria um bônus.

— Verdade? — murmurou ela, esperando soar casual. Caz nomeou uma quantia que quase a fez arfar.

— Isso é satisfatório, srta. O'Connell?

Era muito mais do que satisfatório, mas Megan não demonstraria isso.

— Você me ofereceu mais quando pensou que pudesse me comprar.

Ele assentiu.

— Muito bem. Cem mil dólares. Que tal?

— Tudo bem — concordou ela, como se aquela quantidade de dinheiro caísse no seu colo todo dia.

— Ótimo. — Ele hesitou. — Só há um problema.

— Que problema?

— A posição das mulheres na cultura tradicional de meu país.

— Você quer dizer, a posição delas aos seus olhos.

— Não foi isso que eu falei.

— Você é Suliyam, Sua Alteza. Deixou isso claro esta manhã. Tudo que precisa fazer é balançar seu cetro e mudar a posição delas.

— Não é tão simples assim. Eu...

Ele parou. Como podia explicar a cultura de seus antepassados para uma americana ruiva exaltada? Ela nunca entenderia, mesmo se Caz tivesse tempo, o que não tinha. Era esperado em casa no dia seguinte.

— Se quer a minha ajuda, você terá de aceitar o fato de que sou mulher.

Aceitar? Caz arqueou as sobrancelhas. Estava dolorosamente ciente disso, mais ainda agora, que podia inalar a leve fragrância de limão, que o fazia lembrar-se dos jardins de Khaliar no verão.

— Aceito isso — disse ele cautelosamente. — Todavia, apesar do meu ponto de vista, srta. O'Connell, não posso mudar séculos de tradição no meu país da noite para o dia.

— Então, por que está me oferecendo o emprego? — Ela não iria gostar daquilo.

— Só há uma solução. Eu a reconhecerei abertamente como minha assessora financeira em Tremont, Burnside e Macomb. Nos círculos financeiros em geral, se você desejar. — Caz pigarreou. — Mas vamos aderir ao plano de Simpson. Fisher voa para Suliyam comigo, você fica aqui e...

— Não.

— Eu dobro seu bônus.

— Eu disse, não.

— Srta. O'Connell...

Megan cruzou os braços e o encarou.

— Você realmente tem um problema com essa palavra. Deve ser uma coisa cultural. Nos Estados Unidos, "não" significa...

— Sei o que significa — interrompeu Caz, tentando ser gentil —, mas estas são circunstâncias especiais.

— Tem razão. Você quer que eu o ajude a perpetuar uma mentira.

— Quão mais claro posso ser? Terei de levar a proposta para meu povo. Precisarei de Fisher ao meu lado.

— Que ajuda Frank lhe dará se tiver de ir ao banheiro cada vez que alguém lhe fizer uma pergunta?

Aquele era um ponto excelente, que Caz vinha tentando ignorar.

— Nenhum bem — continuou Megan, sem esperar resposta. — A escolha é sua, Alteza. Eu ou ninguém.

Aquilo não era uma escolha. Caz soubera disso desde que desmascarara Fisher.

— Então? Eu vou para Suliyam ou não?

— Você é persistente.

— Isso é um sim?

— Supondo que seja, você terá de agüentar coisas que não vai gostar.

Megan queria saltar de alegria. Em vez disso, sorriu educadamente.

— Eu agüentei o dia de hoje, não agüentei?

— Por exemplo, você não poderá andar ao meu lado em público.

Ela queria rir daquilo.

— Sem problemas.

— Não poderá falar comigo quando estivermos acompanhados. Fará seus comentários diretamente para Hakim, que, então, repetirá tudo para mim.

— Posso fazer isso. — Ele hesitou.

— E há uma última coisa... — Megan arqueou as sobrancelhas.

— Sim?

— Mas este é um problema estritamente meu, não seu.

— E o que é?

Caz moveu-se rapidamente, como fizera de manhã. Ela sabia o que ia acontecer, soube pelo súbito disparo de seu coração quando ele lhe segurou os ombros e ergueu-a na ponta dos pés.

— Terei de encontrar um jeito de manter as mãos longe de você — murmurou com a voz rouca, e cobriu-lhe a boca com a sua.

 

                               CAPÍTULO CINCO

A boca de Megan era quente como o sol e doce como as flores que cresciam nos jardins de seu palácio.

E receptiva.

Tão receptiva...

Caz viu quando os olhos verdes se arregalaram em choque, mas, no instante em que seus lábios roçaram os dela, Megan suspirou, inclinou-se contra ele e entregou-se ao beijo.

Ela o queria tanto quanto ele a queria.

Não havia como fingir, não quando Caz a abraçava tão apertado que mal podia dizer onde seu corpo terminava e o dela começava. Megan O'Connell rodeou-lhe o pescoço com os braços, pressionou os seios contra seu peito, as pernas delgadas contra as suas.

A sala, o mundo, tudo, exceto a mulher em seus braços, pareceu girar. Caz sussurrou o nome dela, entrelaçou as mãos nos cachos gloriosos e, então, inclinou-lhe a cabeça para trás, expondo a longa linha do pescoço delicado aos seus beijos.

Ela gemeu, movendo os quadris de forma sensual, de modo que a pélvis pressionasse sua excitação.

Ofegante, Caz encaixou um joelho entre os dela e segurou-lhe as nádegas. Megan emitiu um pequeno som primitivo que enviou uma onda poderosa de prazer para o corpo dele.

Poderia tê-la agora, e jogar a cautela ao vento.

— Por favor — sussurrou ela contra sua boca. — Por favor...

Caz deslizou as mãos por baixo do moletom e finalmente sentiu a pele nua contra suas palmas. Sentiu a suavidade dos seios, os mamilos delicados. Traçou a ponta dos dedos na pele macia e ela gemeu.

Havia um zumbido insistente em seus ouvidos. Até que percebeu que era o toque incessante de seu telefone.

Eles se separaram e se entreolharam, os olhos de Megan arregalados, a respiração dele ofegante. E, então, o celular tocou novamente e Caz praguejou, enquanto o tirava do bolso e o colocava na orelha.

— O quê? — disse ele.

Era Hakim, ligando sobre as ordens que Caz lhe dera para a partida deles na manhã seguinte.

As palavras não significaram nada. Tudo que ele podia pensar era no que acabara de acontecer, no que teria acontecido se não fosse o telefonema. Teria feito amor com uma mulher que mal conhecia e não confiava?

Podia ler a mesma percepção chocada no rosto de Megan, que estava pálido, exceto pela boca rosada e levemente inchada por seus beijos. Ele queria falar alguma coisa, mas o que um homem dizia a uma mulher que quase violentara?

Caz gostava de mulheres, dos prazeres da sedução mútua. Das conversas provocativas, do roçar das mãos. Dos olhares que diziam mais do que palavras, tudo aquilo levando a uma inevitável culminação.

O que acabara de compartilhar com Megan não era nada daquilo. Eles se uniram sem nenhum dos preliminares de sedução. Tudo que importara fora a onda fervorosa de paixão, a necessidade primitiva de provar, de tocar, de possuir.

Viu a garganta de Megan se contrair quando ela engoliu em seco. Então, ela se virou de costas e passou os braços ao redor de si mesma.

Estava tremendo?

Hakim continuava falando, discursando sobre pequenos detalhes da agenda do dia seguinte. Caz tinha pedido por aquelas informações, mas agora não dava a mínima.

Sua mente estava focada no que acontecera. No que teria acontecido se tivesse seguido com seu plano de levar Megan consigo. Ela era uma distração muito grande... mas, mesmo agora, com o aroma feminino inundando-lhe os sentidos, ele conseguiu pensar em todas as razões pelas quais não podia deixá-la para trás, também. Não se quisesse ter sucesso nos planos que traçara para seu país.

Só havia uma solução, pensou, e interrompeu seu assistente:

— Houve uma mudança de planos, Hakim. O sr. Fisher não irá conosco amanhã. Envie um carro para srta. O'Connell, em vez disso.

— Você vai levar uma mulher, sheik Qasim? — O tom na voz de Hakim era desaprovador.

— Vou.

— Mas uma mulher...

— Apanhe-a às 7h.

— Meu lorde. Certamente não pretende...

— Hakim. Certamente você não pretende me questionar — Caz falou duramente. Ninguém questionava suas ordens. Isso era mais do que tradição... era lei. Mudaria um dia, quando Suliyam aceitasse os tempos modernos, mas a reação de seu assistente ao saber sobre a ida de Megan era apenas uma pequena amostra do que viria à frente. Aquilo tinha de parar, e rapidamente. — Eu lhe dei uma ordem, e você obedece.

Um silêncio. Então:

— Sim, meu lorde.

— Há coisas que você precisa fazer ainda hoje. — Caz as enumerou.

— Cuidarei de tudo.

— Tenho certeza de que...

— Diga-lhe que não se incomode.

Caz virou-se. Megan o fitava com olhos brilhando de raiva.

— Cale-se — disse ele.

— Ouvi você dizer ao seu lacaio para providenciar as coisas que precisarei para a viagem, e...

Caz segurou-lhe o pulso.

— Silêncio!

— Você não pode falar assim comigo! Não sou uma de suas criadas. Não aceito ordens suas...

A mão dele cobriu-lhe a boca. Megan arfou, lutou, mordeu-lhe a pele. Caz recuou com a dor, mas manteve a voz firme, enquanto dava as últimas instruções a Hakim antes de desligar o celular.

Então, liberou-a.

Um erro, pensou quando Megan tentou atacá-lo com os punhos cerrados. Ele lhe prendeu os pulsos novamente e colocou-os atrás das costas dela.

— Seu prepotente insuportável!

— Eu estava no meio de uma conversa. E, quando isso acontece, você não deve interromper.

— Você estava dando ordens, não conversando — replicou Megan, o rosto lívido de fúria. — E vou interromper quando bem entender!

— Não a mim — disse ele entre dentes. — Entendeu?

— O que entendo é que seu homem não precisa comprar as coisas que você lhe disse para comprar.

Caz arqueou as sobrancelhas.

— Você não vai precisar de um laptop?

— Não mais do que precisarei de uma impressora e de um fax, ou dos arquivos do meu escritório. Não vou com você.

— Vai.

— Não vou. Prefiro ir para selva com Tarzan a ir para um país retrógrado com você.

Caz se aproximou mais.

— Não fale assim do meu país.

— Falo como quiser, e, se você me agarrar novamente, vou gritar!

Ela gritaria. Ele acreditava. Era tudo que precisava... outra ameaça de manchete no jornal.

— Ouça-me, Megan. Se você me tratar com desrespeito, irá arruinar o que estou tentando fazer.

— E o que está tentando? Ser ainda mais detestável do que já é?

— E vai se colocar em risco. Meu povo não tolera tal comportamento em relação a mim de ninguém, muito menos de uma mulher.

— Então, é ótimo que nunca conhecerei seu povo. — Caz suspirou.

— Chegamos a um acordo. Você vai comigo para Suliyam. Meu carro virá apanhá-la às 7h.

O sorriso de Megan foi mortalmente doce.

— Seu carro vai ficar parado no meio-fio e enferrujar antes que eu ponha os pés nele.

— Temos um contrato.

— Dane-se seu contrato! Por que alguma mulher seria tão tola em fazer o que você diz?

— É quem você é agora? Uma mulher?

Megan inclinou a cabeça e o fitou com olhos estreitos.

— O que isso significa?

— Só quero saber com quem estou lidando. Acabou de dizer que uma mulher seria tola em fazer o que digo.

— É verdade.

— Pouco tempo atrás, você deixou claro que não era mulher...

— Não seja ridículo! Eu nunca disse...

— Você alega ser profissional. Uma pessoa cuja identidade é revelada por iniciais depois do nome. B.A M.B.A C.P.A...

— Você esqueceu C.P.F — acrescentou Megan friamente. — Certificado de Planejamento Financeiro. E, se está tentando provar um ponto, não entendi qual é.

— Meu ponto é que você se refugia na identidade que melhor lhe serve em determinado momento.

— Isso não é verdade!

— Não? — Caz cruzou os braços. — Quando eu a encontrei esta manhã, você insistiu em ser julgada por suas habilidades, não por seu sexo.

— Algo que você parece incapaz de fazer.

— Está sugerindo que o que aconteceu agora a pouco não foi mútuo?

Megan sentiu-se enrubescer, mas manteve os olhos nos dele.

— Não vou com você, sheik Qasim. Ponto final.

— Está fazendo um drama por nada. O que aconteceu foi um erro.

— Com certeza, foi. E nunca, jamais, nem em um milhão de anos, poderia acontecer novamente.

— Outro ponto de concordância entre nós. Motivo pelo qual você vai comigo amanhã.

— Eu preferia...

— Balançar nas árvores com Tarzan, eu sei. Mas você não tem um contrato com Tarzan.

— Não tenho um com você também — replicou Megan, mas, mesmo em sua raiva, sabia onde ele ia chegar.

— Sim, tem. Um contrato verbal, executável em qualquer corte judicial. — Ele deu aquele sorriso brilhante que a fez querer esbofeteá-lo. — Estou certo de que você tem ciência disso, srta. O'Connell, considerando sua familiaridade com o que constitui as bases para um processo.

— Você não me processaria. Não iria querer a publicidade.

— Há uma diferença entre publicidade negativa e publicidade positiva. Percorri quilômetros para contratar uma mulher, apenas para descobrir que esta mulher não está disposta a assumir a responsabilidade de uma tarefa difícil.

— Seu povo não vai gostar de saber que você contratou uma mulher.

— Meu povo acreditará no que eu lhe disser, e direi a todos que a impressa mente.

— Telefonarei para todos os jornais, contarei o que realmente aconteceu...

— Neste caso, eu também. Não acho que seria muito bom para sua imagem se eu descrevesse o que aconteceu nesta sala em mínimos detalhes, você acha?

Ele sorriu novamente. Deus, ela detestava aquele sorriso! Era tão presunçoso!

— Eu realmente, realmente o desprezo, sheik Qasim.

— Uma pena, srta. O'Connell. Esperava que você quisesse entrar para meu fã-clube. — O sorriso desapareceu do rosto dele. — Seu chefe me encostou contra a parede, Megan. Goste ou não, o emprego é seu.

Ela o olhou. Ele sustentou seu olhar. Sheik Qasim a tinha presa numa armadilha e sabia disso.

— Quanto tempo esta tarefa vai levar?

Caz considerou dizer-lhe a verdade, então mudou de idéia. Ela não iria querer ouvir que poderia ser expulsa de Suliyam em um dia, se as coisas não dessem certo, ou que talvez ainda estivesse lá dali a três meses, se tudo desse certo.

— Não sei. — O que não deixava de ser verdade.

— Uma semana.

Caz deu de ombros, como se estivesse considerando a possibilidade.

— Duas semanas é o máximo que vou ficar. Concorda?

— Certamente. Duas semanas é o máximo que você deseja ficar. — Aquilo era verdade também. De quem era a culpa se ela entendesse sua resposta erroneamente? Pelo menos, Megan não estava mais lutando contra ele.

— Devo voar amanhã? Isso não me dá muito tempo.

— Para quê? — Caz sentiu um aperto no peito. — Se acha que vou adiar meus planos para que você possa se despedir de um namorado...

— Eu tenho família — disse Megan friamente. — Quero que saibam para onde estou indo.

— Você pode ligar para eles do meu avião. — Ele tentou não reconhecer a sensação de alívio que o percorreu. Não que se importasse com a vida pessoal dela. Megan podia ter uma dúzia de namorados se quisesse, contanto que isso não a impedisse de trabalhar para ele.

— Suponho que seja tolice da minha parte pensar que Hakim não pode comprar computadores e mover arquivos no meio da noite.

— Sim, seria. — O sorriso de Caz foi doce. — Há alguns benefícios em ser um rei. — Ele consultou o relógio. — Mais alguma pergunta?

Megan quase riu. Tinha mais perguntas do que podia contar, começando por se questionar por que quisera tanto aquele trabalho, mas era tarde demais para isso.

— Não, obrigada — respondeu educadamente. — Não no momento.

— Uma última coisa. Sobre o tipo de roupas que você precisa levar...

— Sou uma garota crescida, sheik Qasim. Não preciso que você me diga o que fazer.

Caz tinha de admirá-la. Ela era linda, teimosa, desafiadora... e definitivamente não se impressionava pelos títulos ou riqueza dele.

Não era de admirar que ele a achasse desejável.

Megan era completamente diferente das mulheres com as quais Caz se envolvera. Suas amantes eram sempre lindas e inteligentes... apesar do que os americanos pensavam a seu respeito. Caz jamais gostara de mulheres pouco inteligentes.

Mas nenhuma nunca havia discordado dele, muito menos lhe falado com tanta ousadia. Independentemente de suas nacionalidades, estavam sempre ansiosas para agradar.

Não Megan O'Connell.

E, é claro, esse era o motivo de tanta atração. Saber disso não mudava as coisas, mas o capacitaria a resistir melhor. Caz sentiu um peso saindo de seus ombros.

— Eu ia somente apontar que o deserto pode ser tão frio à noite quanto é quente durante o dia, mas não vamos discutir por causa disso — murmurou ele, e estendeu a mão. Ela a olhou por um longo momento, então aceitou o cumprimento. Calor, quase a ponto de queimar a palma de Caz, pareceu se transferir daquele ponto de contato inocente diretamente para seu sexo. Tinha certeza de que Megan sentira alguma coisa, também, porque ela arfou baixinho, mas ele forçou um sorriso.

—A uma parceria de sucesso, srta. O'Connell.

—A uma que termine rapidamente, sheik Qasim.

A expressão dela era desafiadora. Caz pensou em puxá-la para seus braços e trocar aquele olhar insolente por um de paixão, mas a sanidade prevaleceu.

— Boa noite, Megan.

— Boa noite, Qasim.

Ele arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada. Entretanto, quando saiu na noite úmida, sorriu. Ela era incrível, única. Chamara-o pelo primeiro nome, provavelmente para deixar claro que não estava impressionada pelo seu título.

Caz entrou no carro e ligou o motor.

As semanas seguintes seriam interessantes, mas não durariam para sempre. Algum dia, eles se encontrariam em circunstâncias diferentes... ele como homem, ela como mulher. Quando isso acontecesse, Caz colocaria um fim naquela bobagem. Levaria Megan para cama e a manteria lá até que ela suplicasse por misericórdia, até que ambos saciassem sua sede e se cansassem um do outro.

Ele pôs o carro em movimento, os faróis iluminando a noite californiana.

Algum dia, teria tudo que quisesse de Megan O'Connell. Mas não ainda.

 

                                 CAPÍTULO SEIS

Que tipo de roupas você levaria para um lugar que ainda era um mistério para o mundo?

Megan telefonou para Briana. Sua irmã não estava, então ela deixou um recado na caixa postal:

Oi, Bree. Estou indo amanhã para um lugar chamado Suliyam. Detalhes quando eu voltar. Mas, oh, como eu queria que você estivesse aqui. Talvez pudesse me ajudar a escolher o que levar. Bem, espero que você esteja se divertindo. Nós nos falamos em uma ou duas semanas.

Suspirando, ela foi para o quarto, abriu as portas do armário e olhou para dentro. Bree tinha mais selos em seu passaporte do que qualquer um da família, exceto, talvez, Sean. Mas talvez nem mesmo Bree pudesse aconselhá-la sobre o que era certo para aquela viagem.

Talvez devesse ter ouvido o conselho de Qasim, mas estivera tão furiosa com ele que não conseguira ouvir nada.

Não torne seu problema maior do que é, sua mãe teria dito, como dissera quando Megan tinha 14 anos e reclamara que ninguém a convidara para o baile da escola. Fallon, deslumbrante aos 16 anos, com garotos fazendo fila para agradá-la, tinha lhe oferecido um deles como uma escolta.

— Tommy diz que adoraria levá-la, Meg.

— Ele quer ganhar pontos com você.

— Talvez — respondera Fallon alegremente. — Mas ele é bonito, gentil, e você vai se divertir.

— Não. Diga-lhe que esqueça isso.

Megan passou a noite do baile em casa, parecendo triste e esperando que sua mãe sentisse pena dela. No entanto, em vez disso, Mary lhe disse que parasse de reclamar, seguindo com o conselho de que recusar alguma coisa que você queria apenas para provar um ponto era tolice.

Megan suspirou e sentou-se na beira da cama.

Bom conselho na época, ótimo conselho agora. Pena que não estivesse pronta para admitir isso uma hora atrás.

Ela sabia um pouco sobre a cultura Suliyam, muito sobre suas finanças e reservas naturais, graças à sua pesquisa, mas isso era tudo. E quanto ao tempo naquela época do ano? Como era a capital da cidade, e era para lá que eles iriam? Em que tipo de hotel ela ficaria?

E quanto àquele comentário que Qasim fizera, de que ela não poderia falar com ele quando eles estivessem em público? Não que importasse. Megan pretendia mudar isso. Apenas não havia lhe pedido para que não discutissem ainda mais. Brigar era tudo que eles faziam desde que tinham se conhecido.

Bem, não. Haviam feito mais do que isso... excitado um ao outro com toques.

O último beijo fora o bastante para virá-la do avesso. O que não fazia sentido. Qasim não era seu tipo.

Megan fez uma careta.

Aquela era a declaração do ano. Ele era rei. Um sheik. Um homem ligado a um passado que ela mal podia imaginar.

Era por isso que eles sentiam atração mútua? A coisa dos "opostos se atraírem"? Qasim obviamente estava acostumado com mulheres que não pensavam por si mesmas. Megan saía com homens que a tratavam como igual. Ele agia como se pudesse conseguir tudo que queria.

Tal atitude era irritante.

E excitante.

Logo estaria sozinha com ele num país estrangeiro, sem nenhum impedimento de conseguirem o que queriam, e, sim, era isso que ela queria também. Qasim na sua cama, acariciando-a, amando-a...

Megan se levantou.

Eles não ficariam a sós. Trabalhariam. Uma assessora financeira e seu cliente. Não haveria tempo para assuntos homem-mulher. Por que estava parada ali, pensando em bobagens? Tinha de fazer a mala, e por que se importava com o que levar?

Usaria suas roupas sensatas de sempre. Por que deveria mudar algum aspecto de si mesma para trabalhar com o sheik?

Megan pegou a mala da prateleira e começou a arrumá-la.

Sabia quem era.

Logo, o sheik também saberia.

 

Três dias depois, sentada em seus aposentos no palácio de Qasim, questionou-se sobre a inocência daquela avaliação.

Quem era ela? Uma mulher num harém. Certo, não um harém. Estava nos aposentos das mulheres, mas era a mesma coisa.

Não havia hotel na capital de Suliyam. Qasim explicara isso quando eles tinham saído do aeroporto e ido para o palácio.

O palácio era magnífico, brilhando sob o sol quente como algo tirado de um conto de fadas. Seus aposentos eram grandes, arejados e elegantes, com piso frio e janelas dos mouros, e a vista para um lago tranqüilo num jardim de tirar o fôlego.

Era tudo perfeito, exceto pelo fato de que ela fora colocada na ala das mulheres.

— O quê? — perguntara Megan no primeiro dia, enquanto Qasim a conduzia por uma série de corredores com enormes portas duplas.

— A ala das mulheres, e fale baixo. Já é ruim o bastante que eu esteja permitindo que você ande ao meu lado, onde outros podem ver.

A observação arrogante a irritara. De que "outros" ele estava falando? Dos servos que o tinham cumprimentado com reverências nos degraus da frente? Dos guardas sérios e posicionados como estátuas?

Megan parou.

— Não dou a mínima para os outros, e não vou ser alojada no purgatório somente para que você mantenha seu status quo.

— Você entendeu as regras quando veio para cá.

—Você também. Sou sua assessora financeira, não parte do seu harém.

Qasim deu um suspiro exasperado.

— Só estou assegurando que meu povo lhe dê o respeito necessário.

— E isso significa que tenho de viver num harém? Daqui a pouco vai dizer que preciso de um eunuco por perto, para se certificar de que eu me comporte.

— Desculpe, mas despedi o último eunuco alguns meses atrás — zombou ele, e lhe segurou o cotovelo. — Meu avô foi o último a manter um harém. Agora pare de discutir e continue andando.

— Você não pode me dar ordens!

A mão forte dele apertou o seu braço.

— Use este tom comigo novamente, e vai descobrir o que o purgatório realmente é.

— Eu já sei. É aqui, com você.

— Diz isso para me aborrecer, Megan? Não me aborrece. Não me importo com o que você pensa de mim ou deste lugar, contanto que faça seu trabalho. — Ele abriu as portas para onde eram seus aposentos, e risadinhas femininas a rodearam. — Suas empregadas — disse Qasim secamente. Enquanto as moças em questão sorriam e tocavam seu conjunto azul de lã com mãos exploratórias, ele se inclinou para sussurrar no ouvido de Megan: — Quer saber a verdade, kalila? Acho que o que a deixa zangada é saber que ficará longe de mim.

Megan ia retrucar, mas enquanto tentava afastar as mulheres que começavam a tirar seu casaco, Qasim fechou a porta e saiu.

Agora era o terceiro dia de sua prisão. Percorrera toda aquela distancia para fazer seu trabalho, e não fizera nada, exceto andar pelos seus cômodos e no jardim do lado de fora.

E bastava.

Megan se levantou, foi para o jardim, abriu o portão e marchou para o mar. As mulheres correram atrás dela, gritando como loucas. Aparentemente, ela não deveria deixar sua gaiola.

Megan as ignorou.

Pelo menos, podia respirar ali. Por que tolerara tal tratamento? Ter viajado até lá para ser tratada como prisioneira?

Um pássaro cantou acima de sua cabeça, mas seu canto não oferecia respostas.

A situação era intolerável.

Ela se virou e voltou para o jardim, em direção aos seus aposentos, passando pelos guardas atônitos, enquanto as mulheres se agitavam ao seu redor.

E parou de súbito diante do grande hall, que ela se lembrava da noite de sua chegada.

O grande hall e Qasim.

Qasim e uma mulher.

Uma mulher linda, pequena e delicada, com cabelos pretos que iam até a cintura. Estava parada perto de Qasim, os corpos dos dois quase se tocando, as mãos dela nos ombros dele, o rosto levemente erguido.

Ele iria beijá-la, pensou Megan.

Pela primeira vez na vida, entendeu sobre o que as pessoas diziam da sensação de ter o coração cortado por uma faca.

Devia ter emitido algum som, porque Qasim virou-se e a viu. Ela esperou, imóvel. Ele diria alguma coisa, faria alguma coisa. Reconheceria sua presença, explicaria que aquilo não era o que parecia.

Em vez disso, Qasim virou-se para a mulher, beijou-lhe as mãos, circulou-a pela cintura e conduziu-a escadaria acima. Levando-a para cama dele? Para onde mais um homem levaria uma mulher que o fitava com estrelas nos olhos?

As criadas de Megan a cercaram, puxando-lhe as mãos em gestos frenéticos. Ela se permitiu ser levada de volta para seus aposentos, mas, quando as portas foram fechadas, livrou-se das moças, amaldiçoando Qasim e sua própria estupidez por chatear-se com algo que nunca deveria chateá-la, exclamando palavras que teriam chocado até seus irmãos.

As mulheres a observavam, com olhos arregalados e cochichando entre si, o que a irritou ainda mais. Finalmente, Megan pegou um vaso de porcelana e o atirou contra a parede.

Aquilo fez a platéia se mover em agitação.

Megan não se importou. Qasim a vinha ignorando por três longos dias, de modo que pudesse brincar com outras mulheres.

Bastava. Ela fora lá para fazer um trabalho. Se não iria fazê-lo, então voltaria para casa.

Então, andou em direção às portas e as abriu.

— Quero ver o rei — disse para os guardas atônitos. — Ora, não me olhem como se fossem surdos. Certamente algum de vocês entende o que estou falando. Quero ver seu sheik precioso, Qasim. Estão me ouvindo?

— Boa tarde, srta. O'Connell.

Os guardas abriram espaço para revelar Hakim. Suas criadas se abaixaram, dobrando-se em reverências exageradas.

— Levantam-se — exclamou Megan. — Vocês não devem se ajoelhar para nenhum homem!

As mulheres não se moveram. Elas não entendiam o que Megan estava dizendo, mas Hakim entendia. Ele ergueu as mãos num comando, fazendo com que as mulheres desaparecerem em segundos.

— Não é sábio interferir em assuntos que você não compreende, srta. O'Connell.

— Leve-me ao seu rei.

— Foi por isso que vim aqui. Sua Alteza quer vê-la.

— Ainda bem. Onde ele está?

— Esperando que eu a leve até ele.

Deus, o homem era quase tão arrogante quanto Qasim, e ela pensou que o sheik provavelmente não o empregaria se fosse diferente. Eles começaram a andar em direção ao grande hall. Na metade do caminho, Megan passou na frente do criado; andar atrás dele a enfurecia.

Mal podia esperar para confrontar Qasim. Diria o que pensava dele, de seu harém, de seus criados e de seu país. Depois, daria a ele uma escolha. Ou começaria a trabalhar logo ou voltaria para casa. Não passaria mais um dia sentindo-se inútil, enquanto ele... levava uma mulher de cabelos pretos e longos para cama.

Eles chegaram, então, ao grande hall. Megan se dirigiu para a escada e Hakim parou à sua frente.

— Meu lorde a espera do lado de fora.

— Seu lorde — imitou Megan friamente.

Os olhos de Hakim brilharam de raiva quando ela passou por ele. Os guardas abriram as portas largas. Megan saiu para a luz do sol, começou a descer os degraus... e parou.

Havia um Hummer no pátio, o motor ligado, a porta de trás aberta. Qasim estava parado ao lado do carro, vestido todo de branco, as mangas da camisa enroladas, o sol batendo nos cabelos escuros... Tão lindo que ela tremeu interiormente.

Um sorriso curvou os lábios dele ao avistá-la, fazendo-a lembrar-se da sensação daqueles lábios contra os seus, das mãos contra seus seios da última vez em que eles haviam estado juntos.

— Megan — disse Qasim, e ela subitamente entendeu a verdade: parte de sua raiva era pelo conhecimento de que ele não a procurara naqueles dias porque tinha outra mulher.

Como podia ter escondido a verdade de si mesma? Como podia querer um homem como ele?

Seu coração endureceu. Nunca fora uma tola com um homem, e não começaria agora.

Megan respirou profundamente. Então, sorrindo, desceu o resto da escadaria. Quando o alcançou, tocou-lhe o braço. Qasim começou a erguer-lhe a mão para os lábios, mas ela se lembrou da mesma cena com a outra mulher, poucos minutos atrás; então, puxou a mão e apertou a dele vigorosamente.

— Sheik Qasim — disse de modo educado. — Que bom vê-lo. Comecei a pensar que tivesse mudado de idéia sobre trabalhar comigo.

Uma sobrancelha escura se arqueou.

— Certamente não. Na verdade — ele gesticulou para a porta aberta do Hummer —, estamos a caminho de nossa primeira reunião esta manhã.

— Ótimo, mas você poderia ter feito a cortesia de me avisar com antecedência.

— Peço desculpas — murmurou ele, subindo no carro depois dela. Fechou a porta, deu um leve tapinha na divisória de vidro que os separava do motorista e o veículo seguiu em frente. — Estive ocupado.

— Sim, eu notei. — Qasim a olhou.

— Perdão?

— Nada. — Ela olhou para baixo e ajeitou sua saia sobre os joelhos. — Quero falar sobre os aposentos que você me deu.

— Não são de seu gosto?

— Não, não são. Eles são muito bonitos, mas não gosto de ser mantida prisioneira.

Qasim riu.

— Os aposentos das mulheres dificilmente podem ser descritos como uma prisão.

— Para mim, são. Vim aqui para trabalhar, não para ficar sem fazer nada numa ala isolada do palácio.

— Lamento sobre isso. Tive de lidar com algumas coisas que surgiram.

— Sim, eu notei.

Ela queria morder a língua, mas era tarde demais.

— Está querendo me dizer alguma coisa, Megan?

— Somente que eu gostaria de me ocupar com nosso projeto.

— É claro. E, já que hoje parece ser o dia para eu pedir desculpas, deixei-me lhe pedir mais uma. Eu deveria ter lhe explicado por que a coloquei nos aposentos das mulheres. Foi para sua própria segurança. Quero que meu povo entenda nosso relacionamento. Você é solteira, entende? E estrangeira.

— E?

— E é importante evitar qualquer dica de comportamento impróprio.

— Ah. Então concluo que a mulher que vi com você agora pouco é tanto casada quanto de Suliyam, ou não se importa com o que é impróprio em relação a ela?

Qasim pareceu surpreso. Deus, Megan também estava. Tinha realmente dito algo tão tolo? Ele a olhou longamente, e ela se sentiu enrubescer.

— Só estou perguntando por curiosidade — murmurou Megan. — Você vive falando sobre todos esses costumes e tradições...

— Alayna é uma de nós, sim.

Uma de nós. A quem ele estava enganando? A moça era mais do que isso.

— Mas ela não é casada.

— Em outras palavras, você pode ser visto com outra mulher solteira, contanto que não seja eu?

Qasim a olhou por infinitos segundos. Então, deu um sorriso sexy.

— Está com ciúme, kalila!

— É claro que não. Eu lhe disse, estou apenas...

— Curiosa. — Ele suspirou, então seu sorriso desapareceu. — Alayna é minha prima.

Prima. Aquela criatura deslumbrante era prima dele. Por que Megan sentiu tanto alívio? Qasim podia ter tantas mulheres lindas quanto quisesse.

— Eu teria apresentado vocês, mas Alayna está com problemas pessoais no momento. Por isso me procurou. Para discuti-los.

— Você não precisa explicar.

Qasim pegou-lhe a mão. Seria ridículo puxá-la, então Megan tentou fingir que o toque não enviava calor por todo seu corpo.

— Eu não deveria ter negligenciado você nestes últimos dias, Megan. Mas tive muitos assuntos para resolver.

Assuntos como assegurar Alayna que encontraria um meio de impedir que ela se casasse com um homem que não tinha escolhido, e, em vez disso, se casasse com o homem que amava. Somente isso ocupara dois dias de Qasim. E, depois, os planos que traçara para a primeira reunião que ele e Megan participariam haviam começado a dar errado.

Seria uma reunião muito difícil porque envolvia Ahmet, um dos tradicionalistas mais poderosos de Suliyam. Caz combinara de encontrar Ahmet e seus homens no palácio, de modo a não avisar sobre a presença de Megan de antemão.

Mas Ahmet havia telefonado no dia anterior para dizer que adoecera e não poderia viajar, pedindo que Qasim fosse até seu palácio nas montanhas.

— Seria generosidade sua, meu lorde — Ahmet dissera numa voz ofegante.

O ofego pareceu exagerado para Caz, que suspeitou que a sugestão tivesse menos a ver com doença e mais a ver com um jogo de poder, mas aceitar o pedido seria um gesto de respeito de sua parte.

A mudança significou ter de contar a Ahmet que levaria uma mulher consigo.

Ahmet respondera com tom ultrajado:

— Como pode ser isso?

Caz mentira. A mulher era secretária, tendo sido enviada pela empresa para organizar os registros. Era, adicionara, costume das empresas do ocidente empregar mulheres em cargos sem importância, os quais não poderiam ser preenchidos por homens.

— Ah. — Ahmet rira. — Agora entendo. Ela é uma criatura insignificante.

— Totalmente. — Qasim concordara, embora quisesse rir. Megan O'Connell insignificante? Ela não adoraria ouvir isso? Mas não ouviria; ele não era estúpido.

Caz, então, olhou para ela, sentada ao seu lado no Hummer, vestida naquele ridículo conjunto de lã, e quase gemeu.

Se ela achava que os arranjos no palácio eram restritos, imagine a reação que teria diante da vida no território reinado por Ahmet.

Sentia-se um pouco tenso, levando-a naquela viagem, mas, se Megan se comportasse bem, tudo daria certo. E Caz a faria se comportar bem, gostasse ela ou não.

Não estava ansioso para lidar com o que o aguardava. Sempre se considerara destemido. Afinal, a morte chegava para todos um dia. Por que tremer se um leão queria atacá-lo, o que lhe acontecera num safári na África do Sul? Por que correr quando um assassino saía da escuridão, como um deles tinha feito nos dias incertos após a morte de seu pai?

Todavia, lidar com leões e assassinos era mais fácil do que lidar com a mulher temperamental ao seu lado. Até agora, a única maneira que descobrira para lidar com a raiva dela era envolvendo-a em seus braços, e isso estava se provando mais perigoso do que tudo que já fizera até então.

— Vai me contar para onde estamos indo, ou este é mais um de seus segredos?

Megan tinha meio sorriso nos lábios. Aparentemente, decidira perdoá-lo. Pena que seu sorriso não fosse durar.

— Estamos indo para meu helicóptero.

— O quê? — O tom era de incredulidade.

— Levaria dias para fazer a viagem por terra. São só algumas horas pelo ar. — Ele hesitou. — Megan. Este lugar para o qual estamos indo... você terá de fazer algumas concessões.

Ela deu um pequeno suspiro, mas não estava zangada. Ainda não.

— O que é agora? Andar atrás de você não é o bastante?

— Vamos para uma cidade antiga. Tradições...

— Não me fale. — Ela sorriu novamente. — Se espera que eu me curve em reverências...

— Isso não seria uma má idéia. — O olhar que Megan lhe deu o fez rir. — Estou brincando. Mas... você não pode entrar nas terras de Ahmet vestida assim.

— Ahmet é especializado em moda?

— Você deve usar o que ele considera apropriado para uma mulher de respeito.

O sorriso desapareceu. Caz suspirou. Já esperava por isso.

— E o que gostaria que eu usasse, sheik Qasim? Uma roupa preta feita de saco?

— As mulheres nesse vilarejo se vestem tradicionalmente.

— Aí está a mesma palavra de novo.

— Túnicas longas, com fendas nas laterais. Sandálias.

— Algemas também?

— Nunca ouviu o ditado... "quando você está na Roma..."?

— As romanas têm mais posição do que as mulheres daqui.

— Isso está mudando. — Megan cruzou os braços.

— Não que eu possa ver!

Um músculo saltou no maxilar de Caz.

— Precisa brigar comigo por tudo? Você insistiu que era a pessoa certa para o trabalho. Será que é?

Ela começou a contestar, então a expressão no rosto de Qasim a deteve. Além disso, ele estava certo. Por que erguer uma bandeira vermelha diante de tudo? E daí se trocasse suas roupas ocidentais por uma túnica? Ainda seria a mesma mulher.

— Megan? — Relutantemente, ela assentiu.

— Tudo bem. Se tenho de fazer isso...

— Ótimo. Pedi que meu motorista parasse antes de chegarmos ao heliporto. Ele vai armar uma pequena tenda. Você pode usá-la como um vestiário. — Caz hesitou. — Há mais uma coisa.

— O quê?

— Eu disse que você era secretária. — Ela arregalou os olhos.

— Está louco? Não serei passada por... — Megan arfou quando ele a segurou pelos ombros.

— No mundo deles, só existe uma razão para um homem levar uma mulher numa viagem como esta.

— Tenho três diplomas — disse ela, sabendo que não poderia permitir que Qasim a rebaixasse ao cargo de secretária.— Não vou...

— Você vai fazer como quero. Ou...

— Pare de me ameaçar! Você não pode me mandar de volta para casa. — Olhos brilhantes o desafiaram. — Precisa de mim, Qasim, e sabe disso.

— Tem razão — concordou ele. — Preciso de você aqui, mas há outra solução. — Um calor o percorreu quando a puxou para seus braços. — Simplesmente vou dizer a eles que você me pertence.

Qasim clamou-lhe pela boca. Megan lutou, mas apenas por um instante. Então, emitiu um gemido baixinho de rendição e arqueou-se contra ele, correspondendo ao beijo, gemendo mais quando uma mão quente foi para baixo de sua blusa e segurou-lhe o seio.

Qasim a liberou tão abruptamente que ela caiu contra o encosto do assento. Tivera de fazer isso; caso contrário, sabia que a teria possuído ali mesmo...

Megan o fitou, os olhos inundados de lágrimas de raiva.

— Desprezo você — sussurrou ela, e Caz decidiu que aquilo fazia sentido, porque, no momento, também se desprezava.

 

                                     CAPÍTULO SETE

O helicóptero voava sobre um lindo terreno rústico.

Ondulações de areia dourada. Grande extensão de verde exuberante, lagos de água azul-safira. Cavalos galopando lá embaixo.

Megan tinha questões sobre o terreno, sobre os animais que viviam ali, sobre o vilarejo para o qual estavam indo, mas não havia ninguém para perguntar. Qasim estava sentado à sua frente, lendo jornais e não lhe dava nenhuma abertura.

Bem, sem problemas. Megan tinha suas próprias anotações para fazer, e suas questões sobre o lugar para o qual se dirigiam logo seriam respondidas. Por um tempo, perdeu-se em fatos e números, mas logo fechou seu notebook.

Não conseguia se concentrar. Estava nervosa, embora jamais fosse admitir isso.

Como seria estar num lugar onde costumes antigos prevaleciam? Onde teria de fingir ser uma criatura dócil sem opiniões próprias?

Aceitara um papel. Gostasse ou não, já o estava representando. Olhou para o vestido que usava. Qasim não mencionara que seria de um algodão delicioso, ou que teria pequenas flores azuis nos punhos e na bainha. A saia era aberta até o joelho dos dois lados; o decote possuía um capuz embutido que poderia ser puxado quando o frio noturno das montanhas chegasse. As sandálias eram de couro macio.

Quando tinha trocado de roupa e saído da tenda, perguntara para Qasim:

— Estou vestida apropriadamente, senhor do universo?

— Você está bem — respondera ele, e a voz era tão rouca que a fizera querer segurar-lhe o rosto nas mãos e perguntar se ele realmente gostava da forma como o algodão fino se aderia aos seus seios, aos seus quadris...

Megan pegou suas anotações e voltou ao trabalho.

 

O palácio montanhoso de Ahmet não era um vilarejo.

Era uma fortaleza medieval.

Saindo do helicóptero, vendo homens cavalgando para os portões de ferro, agitando lanças com ponta de aço, Megan tremeu quando eles emitiram um grito horrível.

Qasim segurou-lhe a mão.

— Eles estão me honrando — sussurrou ele. — Não tenha medo.

Então, afastou-se de Megan e riu quando os cavaleiros se aproximaram e o cercaram. Um dos homens puxava um lindo garanhão preto, e parou diante deles. Qasim saltou sobre a sela.

Mais um grito selvagem e os cavaleiros galoparam em direção aos portões da cidade.

O coração de Megan disparou. Sentia como se tivesse voltado no tempo. Queria virar-se e correr, mas para onde iria sem Qasim?

Viu um grupo de mulheres se aproximando, materializando-se como fantasmas da poeira deixada no ar pelos cavalos. Seus rostos eram sérios e desconfiados. Uma delas, talvez a mais velha, estendeu a mão, tocou os cabelos de Megan e falou alguma coisa que fez as outras rirem.

O tipo de risada que enviou um calafrio pela coluna de Megan. Ela afastou a cabeça e olhou fixamente para mulher.

— Meu nome é Megan, e estou com sheik Qasim.

Sentiu que aquelas palavras talvez fossem sua única proteção.

 

Dois dias depois, Megan achou que enlouqueceria.

Detestava aquele lugar, detestava todos que moravam ali, detestava Qasim por tê-la levado lá...

Detestava a si mesma por permitir que ele a conduzisse para um pesadelo.

Passava os dias em reuniões, representando o papel de uma escrava obediente, e passava as noites no quarto, andando de um lado para o outro como um animal engaiolado. O quarto era enorme, do tamanho do seu apartamento inteiro. E era lindo.

Mas uma gaiola, de qualquer forma.

Comparado àquilo, o harém no palácio de Qasim tinha sido um paraíso, com seu jardim, piscina e a brisa suave vindo do mar.

Ali, só havia quatro paredes ao seu redor. No fim do dia, Hakim a conduzia até a porta, deixando-a aos cuidados de mulheres mal-humoradas que levavam seu jantar... uma massa de algo indefinido num prato que parecia nunca ter sido lavado, um líquido que tinha gosto de cerveja quente e um pedaço de pão puro. As mulheres jamais respondiam às tentativas de Megan de comunicação.

Hakim não era melhor. Quando ela reclamara do tratamento e exigira falar com Caz, ele lhe dissera que seu mestre estava ciente da situação, mas que não poderia encontrá-la.

Seria verdade? Qasim sabia o que estava acontecendo? Megan não tinha idéia. Ele agia como se ela fosse invisível.

Quando ela entrara na sala de reuniões no primeiro dia, apenas vê-lo a alegrara.

— Qasim — Megan havia murmurado suavemente, mas ele a ignorara. Certamente podia pelo menos fazer contato visual? Não queria saber como ela estava sendo tratada?

Hakim tinha apontado um banco baixo atrás de seu mestre. Megan quase protestara. Mas a sala estava repleta de homens, todos a observando, e, de repente, o banco atrás de Qasim parecera uma boa idéia. Ela se sentara, dizendo a si mesma que as reuniões e estadia deles naquele lugar não durariam mais do que um dia.

Errado.

Dois dias depois, ainda estava lá.

Algumas coisas, contudo, tinham melhorado.

Qasim continuava ignorando-a. Mas as mulheres que a serviam agora ofereciam sorrisos ocasionais. Megan insistira com Hakim que precisava tomar ar fresco, e, na noite anterior, as mulheres a haviam levado para uma caminhada que, após muitas curvas e viradas, acabara no muro da cidade.

Algumas coisas tinham piorado.

Ahmet a estudava. Todos os outros homens a tratavam como Qasim, como se ela fosse invisível.

Não Ahmet.

Qasim comentara que Ahmet estava muito doente para viajar, mas ele não parecia doente. Parecia... diabólico.

Diabólico, gordo e sujo. E, sim, estava sempre lhe roubando olhares. Tinha olhos que pareciam besouros pretos, rastejando sobre a pele dela.

Como naquele momento.

Megan tremeu. Esqueça Ahmet, disse a si mesma. Concentre-se nos números e palavras em seu colo, e nas questões de Qasim.

Como aquele procedimento era ridículo!

Qasim fazia seus comentários para Hakim em seu próprio idioma, depois em inglês, provavelmente para que ela tivesse mais tempo para encontrar a informação. Então, Megan tinha de dar a resposta para Hakim, que a repetia para Qasim.

Uma perda de tempo que não fazia o menor sentido. Qasim temera que a presença dela ofendesse os homens de seu país, mas como poderia ofendê-los se eles a ignoravam?

Exceto por Ahmet.

Ele a observava naquele exato momento. Ela podia sentir. Ergueu os olhos e o encarou, sabendo que aquilo era proibido, mas bastava.

Megan estreitou os olhos numa expressão que dizia: "Não se meta comigo", mas não conseguiu intimidá-lo. Os olhos dele revelaram ainda mais interesse, enquanto umedecia os lábios gordos com a língua.

Assustada, Megan abaixou os olhos para os papéis em seu colo. Não seria possível lidar com aquele homem sozinha. Talvez Qasim não quisesse lhe falar, mas ela precisava lhe contar...

— Ai!

Megan virou-se. Alguém a chutara? Ela esfregou o quadril e olhou para o homem mais próximo. Ele a olhou de volta, murmurou algumas palavras guturais e chutou-a novamente. Não era bem um chute, era mais um cutucão com a ponta da bota, mas aquilo fora a gota d’água.

— O que pensa que está fazendo? — questionou Megan, levantando-se.

A sala tornou-se silenciosa. Todos os olhos estavam nela agora, inclusive os de Qasim.

— Sente-se — disse ele baixinho.

— Não vou me sentar! Este... este idiota acabou de me chutar.

Os olhos de Qasim escureceram.

— Eu lido com ele mais tarde. Por agora, sente-se.

— Este é um lugar horrível. — A voz de Megan tremeu quando a raiva deu lugar ao medo. — Quero ir embora. Quero...

— Sente-se! — gritou Qasim.

Ela se sentou no banco, tremendo. Então, ele falou alguma coisa e todos riram.

Megan nunca se sentira tão sozinha na vida. Qasim a havia transformado numa mulher que ela não conhecia, levando-a para um lugar onde a civilização não existia, abandonando-a à mercê de homens cruéis...

— Srta. O'Connell!

Ela olhou para cima. O rosto de Hakim era como pedra.

— Meu lorde lhe fez uma pergunta.

— Que pergunta?

— Vou pedir-lhe que repita.

— Apenas me diga o que era.

— Há um procedimento a seguir — replicou Hakim friamente. — Você deve segui-lo.

Ele se virou para recomeçar todo o processo. Agora, ela deveria permanecer em silêncio, enquanto Hakim fazia uma pergunta a Qasim, então esperar que Qasim respondesse em inglês, e, depois, em sua própria língua. Depois, Hakim repetiria as palavras que ela já entendera. Somente então Megan tinha permissão para falar.

Bastava disso.

Assim que Qasim fez a pergunta em inglês, Megan respondeu.

Por um segundo, um silêncio horrível se seguiu. Olhares condenatórios voltaram-se na sua direção.

Ahmet a fitou diretamente, o significado na expressão tão claro que a fez tremer de medo.

Ela desviou os olhos e lutou por calma. Certo, cometera um erro. Dois, numa manhã. Seria mais cautelosa. Certamente poderia agüentar aquilo por mais...

Uma mão se fechou no seu pulso. Ela olhou para cima, vendo o rosto feio de Ahmet. Ele sorriu, revelando dentes podres e seu mau hálito.

— Megan.

— Sim? — disse ela, tentando não inalar. Ahmet a colocou em pé.

— Venha.

— Não, obrigada, sr. Ahmet, mas...

— Você vem agora.

— Realmente, eu não acho que...

Qasim se levantou. Com um sorriso, disse alguma coisa para Ahmet, que sorriu também, enquanto apertava mais a mão ao redor de seu pulso.

— Megan — murmurou Qasim suavemente, encarando o outro homem —, não faça ou fale nada.

— Mas...

— Droga, ouça-me! Não fale nada. Não faça nada. Entendeu?

— Sim, mas...

Ahmet circulou a cintura dela com um dos braços. Riu, o hálito ruim soprando no rosto de Megan. Qasim disse alguma coisa, o tom duro e de comando. Ahmet respondeu e Qasim falou de novo. Ahmet riu. Os dedos começaram a se mover na cintura dela. Subindo, subindo...

Megan virou-se de frente para ele e deu-lhe um soco no estômago.

A sala explodiu em ação.

Gritos enlouquecidos. O barulho de cadeiras sendo viradas. E mãos puxando seu vestido, seus cabelos.

Qasim a envolveu em seus braços.

— Qasim. — Megan soluçou. — Oh, Qasim.

— Fique quieta — ordenou ele. — Ou o que resta de seu corpo será alimento para cães selvagens!

Então, ele a jogou sobre o ombro, passou pela confusão e saiu porta afora.

 

Horas se passaram.

Talvez apenas minutos.

Megan apenas sabia que estava rouca de tanto se desculpar. Entretanto, enquanto Qasim andava na sua frente, ela falou mais uma vez:

— Sinto muito, Qasim. Eu não pretendia...

— Fique quieta!

Ela assentiu e sentou-se na beirada da cadeira. O que tinha provocado na reunião não era nada bom. Podia ouvir vozes zangadas do lado de fora de sua porta... uma porta que Qasim passara uma tranca. As mulheres que a serviam estavam agachadas num canto, seus rostos pálidos. Hakim arranhara a janela um tempo atrás, e Qasim a abrira para deixá-lo entrar, juntamente com o piloto do helicóptero e dois guardas que haviam voado com eles.

Ninguém falava nada, mas Megan podia ler a raiva nos olhos deles. Tinha se comportado tolamente, e agora estavam correndo perigo.

— Qasim. — Ela engoliu com dificuldade. — Ele ia tocar meu seio, eu sei que ia. E...

— Ele não ia tocar seu seio. Eu e Ahmet estávamos fazendo um jogo de poder. Para ver se você obedecia às minhas ordens.

— É fácil para você falar. Aquelas mãos nojentas não estavam no seu corpo!

— Se você tivesse obedecido às minhas ordens e não atraído atenção para si...

— Ele vem me olhando por dois dias!

Qasim sentiu um músculo saltar em seu maxilar. Megan estava certa. Ele havia visto o patife observando-a, mas dissera a si mesmo que aquilo era somente uma tentativa de provocá-lo. Por que Ahmet, um dos líderes tribais mais tradicionais, estaria interessado numa estrangeira?

Ele fora o último a jurar lealdade a Qasim após a morte de seu pai. Desde então, eles faziam jogos de poder.

Que estúpido tinha sido ao pensar que aquele era outro jogo.

— Por que você não o deteve quando ele pôs o braço ao meu redor?

— O que acha que eu estava fazendo? Ouviu-me falando com ele. Não lhe ocorreu que eu estava dizendo a Ahmet para tirar as mãos de você?

— Você podia ter feito mais do que lhe dizer.

— Era um duelo de poder. Ele entendeu que, se a tocasse intimamente, eu o teria matado.

— Tudo isso em uma pequena cena? — Megan suspirou. — Acho que você tem uma idéia exagerada de seu poder, sheik Qasim.

— Se assim fosse, os homens de Ahmet teriam quebrado esta porta vinte minutos atrás. Eu estaria morto e você apodreceria no deserto.

Megan tremeu com a convicção das palavras.

— Então... o que fazemos agora?

Qasim a olhou. Ela estava tão pálida que pequenas sardas que ele nunca vira antes alinhavam seu nariz delicado. Os cachos emaranhados emolduravam-lhe o rosto. Durante a terrível briga na sala de reuniões, alguém lhe rasgara uma das mangas, expondo a curva esbelta do braço.

Alguma coisa pareceu se expandir dentro do coração dele.

Como ela era linda. Como era corajosa. E como sua Megan tinha sido boa. Qasim podia imaginar o sacrifício para ela representar uma mulher tímida, sentada naquele banquinho tolo, sem falar, sem levantar a cabeça, retornando para aquele quarto em isolamento todas as noites e acordando todas as manhãs, sabendo que tinha de fingir que era insignificante.

Ele tivera orgulho dela... mas sabia que aquilo não duraria.

E, quando Megan reagira ao canalha que a cutucara com a bota, Qasim ficara dividido entre ordenar que ela se comportasse e puxá-la para seus braços e beijá-la.

Sentira vontade de dizer: É assim que uma mulher deveria ser. Linda, inteligente, sem medo de falar o que pensa.

Não dissera, é claro. Tinha de pensar em sua nação. Precisava do apoio de Ahmet para seus planos. Havia minerais naquelas montanhas, e uma pequena operação antiquada que os explorava. Ele tinha planos já esboçados de uma estrada, um aeroporto e um novo fundidor. Nada disso destruiria as montanhas selvagens, mas traria prosperidade para uma parte de Suliyam que ainda vivia na pobreza.

E então Ahmet a tocara. Segurara-lhe o pulso.

Deus, Qasim quisera matá-lo!

Somente se contivera por saber que as ações de Ahmet eram parte de um plano. Ahmet queria Megan, sim, porém queria mais ainda um confronto com Qasim.

Aquele era um teste, então. Mais um jogo de poder. Ele não podia deixar Ahmet vencer, não com tantos riscos. Uma luta ali, onde Ahmet reinava, e Qasim estaria morto. E Megan seria um brinquedo para o homem.

Então, tinha tentado agir com calma quando o imbecil pusera sua mão gorda ao redor da cintura de Megan.

Não a toque, avisara. Não seria sábio.

Eu acho que seria, Ahmed havia respondido com um sorriso perverso.

Não seria. Vim aqui com espírito de amizade. Repudiaria esta amizade, lorde Ahmet? Se assim for, deve estar preparado para as conseqüências.

E então Megan tinha resolvido agir por conta própria, e quase matara a ambos.

E ele, apesar de tudo, sentira o peito inchar de orgulho pela coragem de Megan.

Como aquela garota teimosa se tornara tão importante para ele em tão pouco tempo?

Ele se virou para ela. E viu lágrimas no rosto bonito.

— Qasim — sussurrou Megan. — O que fazemos agora?

Qasim fechou a distância entre os dois e a envolveu nos braços. Ouviu Hakim arfando, sabia que seus homens os olhavam, mas não se importou.

Pela primeira vez desde que subira ao trono, era um homem, não um rei.

— Megan — murmurou ele, e, quando ela ergueu o rosto para o seu, Qasim a beijou com todo seu coração. Ela correspondeu, derretendo-se em seus braços.

— Fique aqui — disse contra os lábios dela. — Mantenha a tranca na porta até que eu volte.

— Não! Qasim...

Ele a silenciou com outro beijo.

— Eu volto para você, kalila. Juro.

Megan sorriu. Ele lhe beijou as mãos. Então, gritou comandos para Hakim, para o piloto, para os dois guardas, tirou a trava da porta e saiu da sala.

 

                             CAPÍTULO OITO

Deus, o que ela havia feito?

Megan estava parada diante de uma das janelas altas, olhando para as montanhas cobertas por uma névoa acinzentada.

Onde está você, Qasim?

Horas tinham se passado desde que ele saíra da sala, e até aquele momento ela não havia recebido nenhuma notícia.

Ela se sentia impotente, inútil. O pior é que era tudo culpa sua.

Qasim a avisara que aquele trabalho não seria fácil. E Megan aceitara e prometera cumprir as regras exigentes do país dele.

Havia mentido. Para si mesma e para Qasim.

O que realmente pretendera era ensinar o povo dele sobre o papel de uma mulher numa sociedade civilizada.

Então, eles haviam chegado àquele lugar horroroso e Qasim lhe explicara sobre as regras absurdas que baseavam o reinado de Ahmet. E Megan fizera o possível para cumprir sua promessa. Mantendo a boca fechada. Comportando-se.

Se apenas não tivesse sido forcada a se sentar naquele banco. Se apenas Ahmet não a tivesse notado...

Por que estava tentando arranjar desculpas? Poderia ter lidado com a situação, especialmente porque Qasim a avisara. Certo, entendia que ele não tinha escolha quando estava com os outros, mas podia ter encontrado um minuto para ir até o quarto dela. Para conversar, segurar-lhe a mão, dizer que tudo daria certo...

Megan fechou os olhos.

Dizer que a queria, tanto quanto ela o queria.

Ela se virou da janela. Aqueles eram pensamentos loucos, mas não diziam que estresse causava efeitos estranhos nas pessoas? Hakim, por exemplo, estava parado como uma estátua no mesmo lugar desde que Qasim saíra.

Megan não entendia o comportamento de Hakim. Por que ele não tinha ido com seu mestre para ajudá-lo em qualquer que fosse a missão? E por que abandonara Qasim?

Hakim virou-se para ela com os olhos repletos de raiva.

— Eu nunca abandonaria meu lorde — declarou ele, e Megan percebeu que tinha falado em voz alta.

— Mas você o abandonou. Deixou-o sair sozinho para enfrentar aqueles bárbaros.

— O sheik ordenou que eu ficasse aqui. Não posso desobedecer a uma ordem.

— Nem mesmo se isso pudesse salvar a vida dele?

— Obediência a ele não é uma questão de escolha. Você não entende nossa cultura, srta. O'Connell, ou não questionaria minhas ações.

— Você não entende o que pode estar acontecendo atrás desta porta, e dane-se sua obediência!

— Lorde Qasim me pediu para cuidar de você — replicou Hakim. — E lhe asseguro que, se eu tivesse poder, não teria escolhido isso.

— Certamente não. Por que você me despreza, Hakim? Eu não lhe fiz nada.

— Enfeitiçou o sheik. Ele não vê isso, mas eu vejo. Você nublou os pensamentos dele.

— Isso é ridículo!

— Ele se esquece de que seu dever é com Suliyam. — Hakim se aproximou, a postura rígida. — Seu feitiço começou quando você escreveu palavras num documento que o fez querer mudar nosso modo de vida.

Megan meneou a cabeça.

— Você não sabe o que está falando. Eu faço projeções, estimativa de custos. Qualquer idéia de mudança neste pedaço de terra esquecido por Deus veio de Qasim, não de mim.

— E você lhe mostra desrespeito. Refere-se a ele pelo nome, como se fosse seu igual.

— Eu sou sua igual — retrucou Megan. — Não nos abaixamos para fazer reverência para ninguém em meu mundo.

— Este é o problema, srta. O'Connell. Você acha que seu mundo é o padrão pelo qual outros devem viver, assim como acha que conhece meu lorde. Mas não conhece. Logo seu feitiço vai perder o efeito. Você é apenas uma mulher. No final, a força dele será maior que seus encantos...

— Não vou ouvir mais uma... — Hakim agarrou-lhe o braço.

— Você é uma diversão temporária na vida do sheik. Talvez vá para cama com ele, mas prometo que nunca irá conquistar-lhe o coração.

— Toque-me novamente — disse Megan, desvencilhando-se do aperto dele —, e farei uma de minhas magias com você, seu miserável...

Houve uma batida à porta. Megan esqueceu-se de Hakim, esqueceu-se de tudo ao ouvir a voz de Qasim:

— Abra!

Hakim começou a andar em direção às batidas, mas ela passou por ele, soltou a tranca e abriu a porta.

— Qasim. Oh, graças a Deus. Tive medo que...

— Não há nada a temer — disse Qasim, e balançou o corpo. — Nada...

Ele praticamente caiu em cima dela. Megan envolveu os braços ao seu redor, mas Qasim era muito pesado. O melhor que ela conseguiu foi deslizar para o chão com ele ainda em seus braços.

— O que eles fizeram com você, Qasim?

— Caz. Você pode me chamar de Caz — murmurou ele com os olhos fechados e um sorriso no rosto. A voz estava estranha.

Megan inclinou-se sobre o homem em seu colo, inalou...

— Ele está bêbado — disse ela, olhando para Hakim com incredulidade.

Hakim suspirou.

— Isso é bom.

— Bom? — Era bom que Qasim tivesse bebido com seus companheiros, enquanto ela quase enlouquecera de preocupação? Enquanto estivera apavorada porque nunca mais o veria, ouviria sua voz, sentiria seus beijos maravilhosos?

O fato de tais coisas importarem a irritou ainda mais. Ela abaixou a cabeça dele no chão e se levantou.

— Cuidado — disse Hakim, colocando uma almofada debaixo da cabeça do sheik.

— Se isso é bom, então você tem razão. Realmente não entendo este país.

— Não é complicado.

— Oh, acho que é. Seu sheik sai para lutar e, em vez disso...

— Ninguém luta com os inimigos aqui — explicou Hakim. — Nem mesmo sheik Ahmet. — Ele gesticulou para cama, enquanto abria os primeiros botões da camisa de Qasim. — Pegue aquele cobertor.

Mesmo furiosa, Megan fez o que ele pediu. E pensar que ela havia imaginado que Qasim a estivesse defendendo ou mesmo preocupado com ela.

Hakim chamou os outros homens enquanto se levantava.

— Vamos deixá-la agora, srta. O'Connell.

— Tudo bem. Contanto que levem seu sheik também.

— Sua Alteza provavelmente vai dormir por horas. Mande me chamar quando ele acordar.

— Espere um minuto! Entendeu errado, amigo. Você pode me chamar quando ele acordar, e somente para que eu possa dizer ao seu líder o que penso dele.

— Sheik Qasim bebeu com sheik Ahmet. — Megan cruzou os braços e deu um sorriso irônico.

— Uma dedução brilhante.

— O que significa que a negociação entre os dois foi bem-sucedida. Eles beberam porque resolveram suas diferenças. É assim que funciona nos velhos tempos. E beber menos do que o homem que era seu inimigo é um insulto a ele.

— Em outras palavras, o que vemos aqui é um exemplo de boas maneiras.

Hakim assentiu.

— Isso mesmo.

— Boas maneiras — repetiu Megan com uma careta. Algum dia entenderia aquilo? Todavia, a ameaça à segurança deles acabara. Podia, supôs, deixar Qasim dormindo no chão. Era só que sentia raiva cada vez que o olhava. As negociações não poderiam ter sido tão difíceis, não se tinham acabado em festa.

— Srta. O'Connell? Vai me chamar quando meu lorde acordar?

— Com prazer.

Ela escolheu uma cadeira perto da janela e sentou-se de costas para Qasim. Ouviu a porta fechar e, após um minuto, apesar de Hakim ter garantido que estavam seguros, passou a tranca na porta.

Qasim continuava dormindo. Caz. Ele lhe pedira para chamá-lo de Caz.

Megan o olhou novamente, os cílios longos descansando na pele bronzeada. Ele parecia pacífico, contente, não se importando com o quanto ela se preocupara...

Toda a angústia que sofrerá, imaginando-o ferido ou morto.

Megan se levantou. Ajoelhando-se ao lado de Qasim, tocou-lhe o rosto.

— Estou feliz que você esteja seguro — sussurrou. — Muito, muito feliz.

Gentilmente, roçou-lhe os lábios com os seus.

Então, sentou-se perto da janela, perguntando-se o que estava lhe acontecendo, porque alguma coisa que não entendia, que nunca quisera, estava definitivamente lhe acontecendo.

Quando a escuridão veio, recostou a cabeça e dormiu.

 

Caz acordou de repente, o coração disparado, lutando para sair de um pesadelo que envolvia Ahmet e uma sala fedendo a álcool.

Forçou-se a abrir os olhos e gemeu. Estava deitado no chão. O que...

Então, lembrou-se. Ahmet. A exigência inacreditável dele. Sua resposta. As horas infindáveis para encontrar uma saída de uma situação que poderia se tornar desastrosa... e então a solução, e copo após copo de um liquido que cheirava a batatas podres.

Sua cabeça parecia que ia explodir. Devagar, sentou-se e olhou ao redor. Havia um único lampião sobre uma mesa baixa. Aquele não era seu quarto, era o de Megan. Sim, ele a via, dormindo numa poltrona perto da janela.

Seu coração entristeceu ao pensar no que tinha de lhe dizer. Como ela lidaria com aquilo? Megan era a mulher mais corajosa que eleja conhecera. E era inteligente. Com sorte, entenderia que ele não tivera escolha. E aceitaria fazer o que devia ser feito.

Talvez até o abraçasse, sussurrando que aquele não era um destino tão cruel, que o que eles precisavam fazer poderia...

— Tolo — murmurou Caz, e desviou os olhos dela.

Megan não lhe diria nada, exceto o que ele merecia. Diria que ele fora um tolo arrogante em colocá-la naquela confusão, mas concordaria com os termos estabelecidos.

Afinal, nenhum dos dois tinha escolha.

Caz respirou fundo e se levantou. Sua cabeça latejava. Precisava de alguma coisa antes de dizer a Megan que eles...

Café. Havia um pote de cerâmica sobre a mesa. Estava frio e provavelmente horrível, mas precisava de cafeína. De açúcar também. Caz encheu uma caneca de café, adicionou muito açúcar, mexeu e bebeu. O gosto era péssimo, mas forçou-se a beber tudo.

Melhor. Muito melhor. Deus, daria tudo por um banho.

Olhou para a bacia de água em outra mesa de canto. Megan ainda dormia. Caz despiu-se rapidamente, testou a temperatura da água na mão. Estava fria. Então, encheu uma caneca que estava ao lado e jogou a água sobre sua cabeça.

Deus!

Seus dentes estavam batendo, tremia dos pés à cabeça, mas café, açúcar e água gelada combinados produziram o efeito desejado. Estava sóbrio... e a dor de cabeça era quase suportável.

Vestiu-se rapidamente, e passou as mãos pelos cabelos molhados. Era hora de acordar Megan e explicar a barganha que fizera.

Caz atravessou o quarto, parou ao lado da poltrona e olhou-a, admirando-a.

Sim, ela era linda, inteligente e corajosa, mas como tinha mexido tanto com ele em tão pouco tempo? Caz namorara diversas mulheres, mas nenhuma abalara suas emoções dessa forma. Com a mesma freqüência que queria colocá-la sobre seu joelho e ensinar-lhe bons modos, queria envolvê-la em seus braços e amá-la.

E, às vezes, era o bastante saber que Megan estava no mesmo cômodo que ele, que ele podia ver-lhe o rosto, saber que ela era parte de sua vida...

Um calafrio percorreu-lhe a coluna.

Era incrível os efeitos que o estresse podia provocar num homem, pensou, e abaixou-se ao lado da poltrona.

— Megan. — Ela não se moveu. — Megan, acorde.

Os cílios longos piscaram, as pálpebras se ergueram. Ela o olhou por um instante, então esboçou um sorriso.

— Caz —sussurrou, e ele parou de tentar entender o que estava lhe acontecendo, murmurou o nome dela, inclinou a cabeça e beijou-a.

Megan gemeu com o beijo e rodeou-lhe o pescoço com os braços, correspondendo com paixão. Após alguns momentos, Caz a afastou e fitou-lhe os olhos.

— Olá, kalila.

— Você acordou. — Ele riu suavemente.

— Sim.

Megan tocou-lhe os cabelos. Estavam molhados.

— Você esteve lá fora? Está chovendo? — Ele lhe pegou a mão e levou-a aos lábios.

— Tomei um banho. Bem, o que se entende como um banho por aqui. Lamento, mas usei toda a água.

Uma imagem surgiu na mente dela Qasim, alto, forte, nu.

— Aqui?

— Você estava dormindo.

— Da última vez que o vi, você estava desmaiado no chão.

O sorriso de Caz diminuiu.

— Tenho certeza que sim.

— Você estava bêbado.

— Eu sei, kalila. Sinto muito, mas...

— E me pediu que o chamasse de Caz.

— Pedi? — Megan assentiu.

— É um apelido?

— Meu colega de quarto na faculdade me apelidou de Caz em Yale, e o nome parecia muito mais americano do que Qasim, e desde então é assim que chamo a mim mesmo.

Megan traçou o dedo ao longo da boca dele. Sabia que deveria estar zangada por Qasim tê-la abandonado e se embriagado, mas, no momento, só podia pensar como era bom estar nos braços dele.

Ela sorriu.

— Então você não se importou de ser um pouco americano na época.

— Nunca me importei. Minha mãe era americana. — A expressão tornou-se mais triste. — Gosto mais do país de minha mãe do que ela gostou do meu.

— O que aconteceu com ela?

— Não conseguiu se adaptar à vida de Suliyam e voltou para casa.

— Sem você?

— Sem mim. Não pareça tão melancólica, kalila. Tive uma infância feliz.

— Então, por que sua expressão foi tão triste quando a mencionou?

— Foi? — Caz levou a mão de Megan à boca novamente. — Deve ser efeito da luz — disse e mudou de assunto: — Podemos falar sobre isso outra hora, Megan. Agora, temos outros assuntos para discutir.

— É claro.

O tom de voz dela mudara. Bem, ele não a culpava por estar zangada, e lhe disse isso.

— Eu não a culpo por estar aborrecida.

— Aborrecida? — Megan se levantou. — Não fiquei aborrecida — mentiu. — Apenas achei que você deveria ter encontrado um meio de me avisar que não estava sendo assassinado.

— Desculpe, kalila, mas não houve tempo.

— Imaginei as coisas mais horríveis, Caz.

— Querida. — Caz levantou-se e pegou-lhe a mão. — Perdoe-me por colocá-la nesta situação.

Megan refletiu sobre seu papel naquilo tudo, e sua raiva desapareceu.

— É culpa minha — murmurou suavemente. — Estraguei tudo.

— Não! — Caz envolveu-a nos braços. — Eu nunca deveria ter trazido você para estas montanhas. Devia ter percebido as mentiras de Ahmet. Ele não estava doente, apenas queria que eu cedesse ao seu desejo. E, como um tolo, fiz isso. — Caz pausou. — Mas você está certa. Coisas terríveis poderiam ter acontecido. Mas não vão acontecer.

Megan pôs as mãos no peito de Caz, sentindo as batidas fortes do coração sob suas palmas.

— Pensei no que ele poderia fazer com você. Caz, pensei...

—Ahmet comporta-se como um animal quando isso lhe convém, mas não é tolo. Ele não me machucaria. Sabe que minha morte seria vingada sem misericórdia.

Ela riu.

— E fiquei aqui pensando que você serviria de alimento para lobos famintos.

— Você o impressionou, Megan — Caz falou abruptamente.

— Aposto que sim — disse ela com uma risada. — Ele provavelmente quer me jogar do topo da montanha.

— Pelo contrário. Ele a acha interessante.

— Tenho certeza de que há uma palavra menos educada para descrever isso.

— Diz que jamais conheceu uma mulher como você. E está certo.

Caz estava olhando para sua boca. Ela sentiu os lábios formigarem em antecipação ao beijo, mas ele não a beijou. Em vez disso, circulou-lhe os pulsos e afastou-se.

— Nós temos um problema.

Num instante, a atmosfera no quarto escurecido mudara. Megan estudou-o, e a expressão no rosto de Caz lhe causou um calafrio de medo.

— Um problema?

— Ahmet quer... alguma coisa.

— O quê?

— Ele quer você.

— O quê? — Ela forçou uma risada. Aquilo só podia ser uma brincadeira, mas Caz não estava rindo. Megan sentiu a cor drenando de seu rosto. — Como assim, ele quer...

— Ele quer se casar com você.

— Bem, isso... isso... — O estômago de Megan se contraiu. — Você disse a ele, é claro, que eu nunca... jamais...

Ela gritou quando Caz segurou-a pelos ombros e a ergueu na ponta dos pés.

— Ouça, Megan. Da maneira que Ahmet vê isso, está lhe oferecendo uma grande honra. — A voz de Caz suavizou. — Não fique tão assustada, kalila. Acha que eu deixaria isso acontecer? Ele não terá você.

Megan relaxou contra ele.

— Por um minuto, pensei... Mas Hakim disse que as coisas tinham ido bem. Que por isso você tinha bebido tanto. Que...

— Ele provavelmente explicou que isso era tradição. Uma palavra que você passou a desprezar... e, neste instante, eu também. — Caz deu de ombros. — Eu preferia celebrar com um aperto de mão a celebrar com copos de urina de cavalo. Mas valeu a pena. Encontrei um motivo para Ahmet não poder ter você.

Megan sorriu.

—Aposto que foi um motivo criativo.

— Foi. — Caz pausou. — Eu disse que você não podia se casar com ele porque já estava prometida para mim.

 

                                 CAPÍTULO NOVE

Silêncio. O que uma mulher poderia dizer a um homem depois de ouvir... depois de ouvir... Talvez tivesse entendido errado.

— Você disse a Ahmet que não posso me casar com ele porque...

— Porque você vai se casar comigo.

Ela esperou que Caz adicionasse alguma coisa. Quando ele não o fez, Megan assentiu, como se aquilo fizesse sentido.

— Oh.

— Isso é tudo que você tem a dizer, kalila?

Ela não respondeu. A sala saiu de foco. Caz apertou mais os seus pulsos.

— Megan? Você está bem?

— Sim. — Ela pigarreou. — Na verdade, estou surpresa.

O sorriso dele foi rápido.

— Não duvido disso.

— Por você ter inventado essa mentira, quero dizer. É o reinante aqui. Ahmet é seu subalterno. Certamente pode dizer-lhe simplesmente que o que ele quer está fora de cogitação.

— Fiz isso.

— Bem, então...

— Ahmet riu.

— Não estou entendendo, Caz. Você disse a Ahmet que não podia se casar comigo e ele riu?

Caz a liberou. Enfiou as mãos nos bolsos e começou a andar pela sala. Sabia que aquilo não seria fácil. Como um homem podia explicar costumes antigos para uma ocidental do século XXI? Ahmet e seus seguidores tinham os pés firmemente plantados no passado. Mudá-los seria uma tarefa árdua. Seu pai tentara promover mudanças em seu reinado, e obtivera batalhas sangrentas.

Caz tinha ido desarmado àquelas montanhas, para mostrar boas intenções, mas agora seu plano estava prestes a fracassar.

Levar Megan para lá fora outro erro. Imaginara que teria alguns problemas. O que não antecipara era que Megan seria uma tentação para um homem como Ahmet.

Agora, o destino de Megan estava em suas mãos. O destino dela, e o destino daquela missão de paz. Um passo em falso e Ahmet decidiria obter o que queria, ignorando as conseqüências.

Se isso acontecesse, o futuro de Megan e o de Suliyam poderiam ser perdidos.

— Responda — exigiu Megan. — Como Ahmet acha que pode se safar de uma coisa como essa? Tudo que você precisa dizer é "não"!

Caz virou-se para estudá-la. A postura dela era ereta, o queixo erguido, os olhos desafiadores... entretanto, ele podia ver alguma coisa além de tudo isso.

Medo.

Atravessou a sala e envolveu-a em seus braços.

— Eu disse não a ele. E lhe dei um motivo para que ele aceitasse minha decisão. — Caz ergueu-lhe o rosto para que ela lhe fitasse os olhos. — Dizer a Ahmet que não poderia tê-la não garantiria sua segurança. A situação é complexa, mas você tem de confiar em mim, kalila. Agora que falei que você será minha esposa, está segura.

— E não tenho nada a dizer sobre isso?

— Não — respondeu Caz enfaticamente. — A menos que goste da idéia de se casar com Ahmet.

— Não seja ridículo. Eu jamais...

— Então pare de discutir. Por que fazer tanto drama?

Era verdade. Por quê?, pensou Megan. Caz mentira sobre o relacionamento deles. E daí? Por que sentia aquele vazio interior? Algum dia, aquilo daria uma grande história. Uma vez eu estava num pequeno país no meio do nada, diria, e o reinante do local fingiu que queria se casar comigo...

— Tem razão — disse ela, forçando um sorriso. — O que você fez foi criativo. Brilhante. Ahmet é um bárbaro, mas nem assim seria tolo o bastante para roubar a noiva de um rei.

Caz suspirou. Parte dois, pensou.

— Infelizmente, ele ainda pode fazer isso.

— Mas você acabou de falar...

— Isso não é o bastante. — Megan meneou a cabeça.

— Não entendo, Caz. Não acabou de dizer que estou segura? Que agora que Ahmet sabe que estamos noivos, tem de aceitar o fracasso?

— Estarmos noivos não é o mesmo que estarmos casados.

Palavras tão formais faladas tão calmamente. Ele poderia estar discutindo o tempo. Ela era a única que achava a idéia do noivado falso perturbadora?

— Por que não? Ele nunca saberá se realmente vamos...

— É claro que saberá. Sei que você acha que entrou no túnel do tempo, mas as notícias se espalham aqui como se espalham no seu país.

— Eu não disse que entrei num túnel do tempo. Tenho certeza de que nem todos são como Ahmet.

Caz assentiu.

— Desculpe, kalila. Estou um pouco nervoso.

— Eu também. Não é todo dia que fico noiva, especialmente de um sheik.

Megan sorriu para mostrar que estava brincando, mas ele não retornou o sorriso.

— Talvez você deva se preparar para outro choque.

— Que choque? — O coração dela disparou ao ver a expressão mortalmente séria dele. — Por que está me olhando assim, Caz?

— Ahmet pode ser bruto, mas não é estúpido. Acha que vai abrir mão de você somente porque anunciei nosso noivado? — Ele se aproximou, prendendo-lhe os olhos. — Ele quer nos dar um presente.

— Que tipo de...

— Um casamento — respondeu Caz. — Ele ofereceu para que façamos nosso casamento aqui. Hoje.

— E você disse... — A voz de Megan falhou, e ela teve de recomeçar. — Você disse, obrigado, mas...

— Falei que ficaríamos encantados em realizar a cerimônia aqui, nestas montanhas magníficas.

Megan o olhou com total perplexidade, esperando que Caz sorrisse e dissesse que era tudo brincadeira, mas o olhar firme a informava do contrário.

— Não!

— Você não pode dizer "não", Megan. Pensei que eu tivesse deixado isso claro.

— Posso dizer o que quiser, e minha resposta é... — Caz a segurou pelos ombros.

— Não estou pedindo-a em casamento — interrompeu bruscamente. — Estou dizendo que você vai se casar comigo.

— Você enlouqueceu. Não pode me...

— Sim, posso. Sou o reinante deste país. Minha palavra é lei.

Lá estava a verdadeira natureza do sheik de Suliyam. Ele era um ditador, e ela tolamente fizera todo o possível para não reconhecer aquela verdade.

— Não no meu mundo. Você não pode me forçar... — Megan gritou quando as mãos dele enterraram em sua pele.

— Seu mundo não tem significado aqui. Prefere ver os homens que eu trouxe comigo sendo assassinados? A vida de meus homens vale mais do que seu orgulho tolo.

— E eu? — questionou ela num sussurro. — Que valor tenho para você?

Caz suspirou. O que acabara de lhe contar era verdade, mas não era tudo. Seus homens estavam preparados para dar a vida por ele, e Caz tinha sido criado para dar sua vida por seu povo.

Mas, quando Ahmet alegara querer Megan, Caz não pensara em seus homens, em seu povo ou em sua responsabilidade com o trono.

Pensava em Megan, deitada sob o corpo asqueroso de Ahmet. Nas lágrimas dela, no terror, e chegara muito perto da insanidade. Tivera uma vontade quase incontrolável de atacar o homem bárbaro, mas então o destino de Megan estaria selado.

Deveria lhe contar isso? Dizer-lhe que teria dado a própria vida pela dela, se achasse que isso poderia salvá-la? Não. Não podia. Tal pensamento era irracional, e ele não tinha condições de ser irracional.

Era o rei.

— Você é muito importante para mim — falou cuidadosamente. — Sou responsável por seu bem-estar. — O que mais poderia lhe dizer? — É claro que o casamento não seria de verdade.

Megan ergueu a cabeça para olhá-lo.

— Não seria?

— A cerimônia só terá significado em Suliyam, não nos Estados Unidos. Cuidarei de anular do meu lado. Você não precisa fazer nada do seu.

— Oh. Pensei...

— Retornaremos ao palácio amanhã. Eu a ponho num avião e a envio para casa. — As mãos dele e a voz se tornaram mais gentis. — Então, você pode esquecer tudo que aconteceu.

Esquecer. Ela trocaria votos e esqueceria tudo?

— Megan. Não vê como isso é simples?

Ela o fitou novamente. A expressão de Caz era calma, como a de um homem sugerindo o menu de um jantar em vez de um casamento, exceto que um músculo saltava no maxilar bonito.

—A cerimônia não terá um significado verdadeiro.

— Não. Entendi isso agora.

— Tudo que você precisa fazer é continuar representando a moça obediente por mais um tempo. Obediente e ansiosa.

— Perdão?

— Ahmet questionou por que eu ainda não me casei com você, e respondi que quis esperar até que pudesse planejar uma celebração extravagante, mas que convivermos nos últimos dias estava sendo difícil para nós. — Caz deslizou uma das mãos pelo pescoço dela, sentindo a pulsação acelerada sob seus dedos. — Um homem não dorme com a mulher que pretende se casar.

Megan assentiu. Tudo fazia perfeito sentido. Sua mente lhe dizia isso. Era seu coração que lhe causava problemas. Nunca pensara em se casar, mas, certamente, se aceitasse um pedido de casamento, isso deveria ter algum significado.

Você não deveria olhar para o homem com quem ia se casar e sentir-se tonta de felicidade? Não deveria querer os beijos dele? Querer estar com ele o tempo todo, conversar, discutir, rir... e sentir tudo que ela sentia por Qasim?

A sala girou. Caz a apertou mais junto ao seu corpo.

— Kalila. Não tenha medo. Não deixarei que nenhum mal lhe aconteça.

Alguma coisa já estava acontecendo, mas como ela poderia lhe contar aquilo?

— Além disso — acrescentou ele —, não temos escolha.

O olhar de Caz foi para sua boca. Mais tarde, Megan se perguntaria quem tomara a iniciativa. Não que isso importasse. O beijo a consumiu, apagando o pouco de razão que lhe restava.

Abalada, ela deu um passo atrás.

— Nenhuma escolha — disse ele, e saiu da sala.

 

O tempo pareceu se arrastar.

Caz não tinha voltado. Ela não esperava por isso. Não havia uma tradição que dizia que o noivo não podia ver a noiva no dia do casamento deles?

E aquilo não era irônico?, pensou Megan enquanto andava de um lado para o outro. Eles não eram noivos. Eram duas pessoas pegas numa armadilha traiçoeira, e quanto antes terminassem as coisas lá, melhor.

No meio da manhã, as criadas apareceram com pratos de comida e refrescos. Suas expressões mal-humoradas haviam desaparecido. Agora, elas a fitavam com olhos de aprovação.

Megan recusou comida e bebida. Uma garfada de qualquer coisa e seu estômago se revolveria. Farsa ou não, não era todo dia que se parava diante do altar e dizia "aceito".

As mulheres se sentaram e a observaram. Riam e cochichavam.

A mais nova respirou fundo. Para reunir coragem, obviamente, porque, segundos depois, falou:

— O sheik é muito bonito. — Megan arqueou as sobrancelhas.

— Você fala inglês?

— O sheik é muito bonito.

Megan agachou-se na frente da garota.

— Conte-me, por favor, como será o casamento?

— O sheik é muito...

— Bonito — complementou Megan e se levantou.

Não adiantava querer descobrir o que lhe esperava. Tinha de continuar andando de um lado para o outro, dizendo a si mesma que, logo, tudo aquilo acabaria.

Não era assim que uma noiva devia se sentir.

Não que algum dia quisesse ter sido noiva. Por que qualquer mulher desejaria desistir de sua vida?

Porque era isso que faziam, mesmo que não admitissem. Mesmo sua irmã mais independente havia se casado. Fallon devia ter esquecido a grande lição da infância delas. Megan não esquecera. Tinha crescido vendo sua mãe abrir mão de suas próprias necessidades para agradar ao marido. Mary se estabelecia num lar, fazia alguns amigos no novo lugar, então Pop aparecia uma noite, cheio de entusiasmo por algum novo esquema de enriquecer, e anunciava que eles se mudariam.

Por que os homens sempre queriam ter a última palavra? Megan não aceitava isso.

Não era bom que o casamento iminente fosse uma farsa?

Ela olhou pela janela, vendo a névoa cobrir as montanhas como na noite anterior.

Vinte e quatro horas depois, e nada tinha mudado.

Vinte e quatro horas depois, e tudo tinha mudado.

Real ou não, nada seria o mesmo depois daquela noite. Podia sentir isso.

E se o casamento fosse real? Que mal havia em imaginar isso? Se Caz dissesse: Não pense. Não faça perguntas. Não peça por lógica, porque não existe nenhuma. Só sei que eu a quero mais do que a vida. Case-se comigo, Megan. Fique comigo para sempre.

Qual seria sua resposta?

Não, é claro.

Ou teria ido para os braços dele, esquecido tudo que sabia sobre casamento, esquecido que o conhecia somente há poucos dias?

Com um nó na garganta, Megan virou-se e olhou para as mulheres silenciosas.

— Não posso fazer isso — disse ela. — Não posso...

A porta se abriu. Mais duas criadas entraram no quarto, os braços com sedas e jóias.

Megan virou-se para a garota que falara meia dúzia de palavras em inglês.

— Ajude-me — suplicou. — Por favor, me tire daqui! Não posso me casar com o sheik...

As mulheres a cercaram com movimentos frenéticos. Megan gritou, lutou, mas eram oito contra uma. Elas a despiram, a colocaram numa banheira de madeira que aparecera como se por mágica, lavaram seu corpo, seus cabelos, a secaram e a perfumaram.

— Parem com isso — ela continuava dizendo. — Tirem as mãos de mim!

Talvez elas achassem que aquilo era um jogo. Talvez a tradição dissesse que a noiva deveria lutar. Ninguém a ouvia, ninguém lhe falava, enquanto ela era vestida e adornada com jóias.

Então, as duas mulheres mais velhas a conduziram para um espelho que tinha aparecido ao mesmo tempo em que a banheira.

— Olhe — a mulher mais jovem, que fingira não falar inglês, murmurou.

Megan olhou. E perdeu o fôlego.

Uma estranha a olhava de volta. Uma criatura sedutora adornada com jóias antigas e maravilhosas, os cabelos enfeitados com flores, o corpo envolto em seda azul royal.

— Está vendo? — perguntou a garota jovem.

Sim, ela estava vendo. Elas a tinham mudado. Megan O'Connell desaparecera. Em seu lugar estava...

— A noiva do sheik — sussurrou a garota.

Menos de uma hora depois, foi em quem Megan se transformou.

 

A cerimônia foi longa e, provavelmente, linda.

Se ela estivesse assistindo num vídeo, era assim que descreveria. Uma sala enorme iluminada por velas. Um caminho traçado por pétalas de rosas. Um altar. Um dossel feito de seda azul, adornado de ouro.

E Caz, esperando por ela. Caz, em camisa de seda branca, calça preta e botas longas. Caz, o rosto sério, os olhos prendendo os seus. Palavras faladas por Ahmet, que conseguia parecer humano para a ocasião. As respostas roucas de Caz, seu próprio "sim" trêmulo no momento certo. E então os homens de Ahmet gritaram, e Caz a abraçou apertado e a beijou, enquanto os gritos aumentavam de volume ao redor deles.

— Você é minha esposa — murmurou ele suavemente, e Megan disse a si mesma que era tudo uma farsa, mesmo enquanto ele lhe rodeava o pescoço e puxava-lhe a cabeça para outro beijo profundo.

Mãos a alcançaram. Mãos femininas. Rindo, elas a levaram dali, cercando-a, enquanto os homens faziam o mesmo com Caz. As mulheres a conduziram para outra sala, a sentaram numa cadeira intrincada, que estava sobre uma plataforma alta. Os homens sentaram Caz ao seu lado. Música alta e alegre preencheu o espaço.

As mulheres dançavam. Os homens pavoneavam-se. Havia pratos de comida e copos preenchidos com um líquido incolor.

— Nem mesmo dê um gole — disse Caz, inclinando-se sobre ela.

Megan o olhou. Meu marido, pensou.

— Veneno?

— Quase. Foi o que me deixou tão mal ontem à noite.

Eles se entreolharam e sorriram.

— Levante-se, querida.

— Por quê?

— É hora de irmos embora.

Ir embora. Ficar sozinha com o homem que acabara de se casar. Seu coração disparou.

— Isso não seria rude? Ahmet pode pensar...

— Está com medo de ficar sozinha comigo?

Estava com medo de seus sentimentos, mas como poderia lhe dizer isso?

— É claro que não. Eu apenas...

Caz levantou-se e a pegou no colo. A multidão celebrou aos gritos. Ela sentiu um calor ao longo da pele, rodeou-lhe o pescoço e enterrou o rosto ali enquanto ele saia do salão.

Caz começou a subir uma escada em espiral que parecia infinita.

Hakim chamou.

— Meu lorde! Lorde Qasim!

— Deixe-nos — respondeu Caz.

— Mas, meu lorde...

Megan levantou a cabeça. Hakim estava ao pé da escada. O ódio que ela viu nos olhos dele a fez prender a respiração.

Havia uma enorme porta de madeira à frente. Caz abriu-a com o ombro e fechou-a com o pé.

Eles estavam sozinhos.

Ela sabia disso mesmo antes que ele deslizasse seu corpo até o chão. Tudo que podia ouvir eram as batidas de seu próprio coração e o fogo crepitando numa grande lareira de pedra.

Lentamente, olhou ao redor. Estavam num quarto adornado com seda e iluminado por centenas de velas brancas. O único móvel era uma cama com lençóis brancos, travesseiros e cobertores à cabeceira.

— Megan.

Caz ergueu-lhe o queixo gentilmente.

— Está tudo feito agora, querida. Ninguém está nos observando. Você pode relaxar.

Relaxar? Ela quase riu. Ou chorou. Não sabia qual era a melhor escolha.

— Megan? Você está bem?

— Bem — murmurou ela. — Foi... um dia difícil, sabe?

Ele sabia. Ela começara o dia como uma Rapunzel moderna trancada num castelo de um mágico malvado, e acabara como esposa de um sheik.

Sua esposa.

Sua esposa de mentira. Precisava lembrar-se disso. A cerimônia tinha sido verdadeira o bastante para o povo de Ahmet. Verdadeira o bastante para ele, se pudesse escolher, mas isso não significava que eles estavam unidos em casamento.

As palavras que haviam trocado não tinham sido no idioma de sua esposa. A cerimônia não era parte da cultura de sua esposa.

Ele não era o homem que sua esposa teria escolhido como marido.

E, ora, Megan não era sua esposa.

Por que insistia em se esquecer disso?

Porque a queria desde o primeiro instante em que a vira. E, agora, ela era sua.

O que um homem devia fazer para se lembrar de que não podia tocar a noiva na noite do seu casamento? A lua estava subindo no céu, enviando seu brilho tímido através da janela. O fogo estava tão quente quanto seu sangue, a cama era um convite. Imaginou como seria despi-la à luz de todas aquelas velas, observar as sombras da pele sedosa se que expunha aos seus olhos.

Caz se virou com um suspiro. Era um homem disciplinado. Um sheik que, há muito tempo, aprendera a ignorar suas próprias necessidades quando necessário. Certamente conseguiria manter as mãos longe de sua esposa por uma noite.

Sua esposa, pensou novamente, enfiando as mãos nos bolsos e andando para o outro canto do quarto, deliberadamente colocando a maior distância possível entre os dois.

— Certo — murmurou. — Vou pegar alguns destes cobertores e travesseiros e fazer minha cama no chão.

— Não precisa fazer isso. Confio em você. Pode dormir...

— Não — interrompeu Caz. — Isso não era parte de nosso acordo. Vou dormir no chão. Você dorme na cama. E, assim que amanhecer, eu a tirarei daqui. Tudo isso estará acabado, Megan. Não precisaremos mais fingir que é assim que queremos as coisas.

Ele quase falou que, se deitasse naquela cama ao seu lado, nada o impediria de tê-la.

Mas aquilo era uma farsa. Ela não era sua, e nunca seria.

Então Caz jogou cobertores e travesseiros no chão. Foi, de vela em vela, apagando todas, exceto algumas perto da cama, para que Megan não tropeçasse no escuro. Depois, deitou-se e virou-se de costas para ela.

— Durma — murmurou com a voz rouca. — Você vai precisar.

Ela não respondeu, e Caz não esperava por isso. Megan provavelmente estava apavorada. A cerimônia estranha, as danças loucas, os gritos. Uma cena que deveria ter parecido bárbara aos olhos dela.

Caz ouviu o sussurro de seda, o ranger do colchão, e fechou os olhos para as imagens que dançavam em sua mente.

Sua noiva estava na cama, ele no chão. Naquele momento, amaldiçoou Ahmet, as tradições, os costumes, o mundo.

Quão bom era um reinado quando a única coisa que um homem queria era... sua esposa?

 

                                         CAPÍTULO DEZ

Ele não pensou que conseguiria dormir, mas devia ter dormido, porque, quando abriu os olhos novamente, as poucas velas ainda brilhavam, a luz do luar preenchia o quarto...

E sua esposa estava junto à janela, chorando.

Caz levantou-se num salto.

— Querida?

Megan permaneceu de costas, meneou a cabeça. Ele lhe tocou os ombros gentilmente e virou-a para si.

— Kalila, o que foi?

Megan olhou para cima. A luz da lua iluminava o rosto de Caz. Ela se viu refletida nas pupilas dele... uma mulher patética chorando, como se estivesse com o coração partido, e por quê? Ele tinha feito exatamente o que prometera... se casado com ela para salvá-la de Ahmet, fingindo que era aquilo que queria, carregando-a nos braços na vista de centenas de bárbaros e levando-a para aquele quarto lindo...

Para o que deveria ser a noite de núpcias.

O homem com quem se casara era um homem de palavra... e o coração de Megan estava partido. Até aquele momento, ela não tivera coragem de encarar a realidade. Agora, na noite escura, quando a verdade era tudo que importava, entendeu seu desespero.

Não quisera que Caz a levasse para lá e a tratasse com respeito. Quisera que ele a tomasse em seus braços e lhe dissesse que a faria sua esposa.

— Megan.

Ela o fitou. Caz podia ler seus pensamentos? O que podia ser mais humilhante do que demonstrar que o queria?

— Megan — repetiu ele num sussurro aveludado, e baixou a boca para sua.

O beijo foi suave, quase amigável.

Megan continuou chorando.

—Não chore, kalila. Não permitirei que nada machuque você.

Ele não permitiria, nem que precisasse dar a própria vida para defendê-la. Megan estava segura agora, mas ele sabia o que isso custara a ela. Caz a levara para uma toca de bárbaros, forçando-a ao casamento.

O quão diferente era de Ahmet?

Mas Megan aceitara seu beijo, até mesmo se aninhara mais a ele, absorvendo conforto de sua força.

Caz fechou os olhos, enterrou o rosto nos cabelos gloriosos e inalou o aroma delicioso. Como era maravilhoso abraçá-la!

E como a queria.

Tanto que iria acabar se entregando, se Megan continuasse inclinada contra ele por muito mais tempo.

Cuidadosamente, tocou-lhe os ombros e tentou colocar algum espaço entre os dois. Megan meneou a cabeça e se aconchegou mais.

— Está tudo bem — murmurou ele. — Você está segura. Eu sempre a manterei segura.

Ela suspirou. Caz engoliu em seco e lembrou a si mesmo de que Megan só estava buscando conforto.

— Quer um copo de água? Café? Posso descer...

— Café é a última coisa que preciso agora — respondeu ela com uma risadinha. — Por favor, apenas... fique comigo.

Megan passou os braços ao redor da cintura de Caz. Pressionou o rosto contra o seu. Deus, o que estava fazendo com ele?

— Caz?

— O quê?

— Desculpe.

Ele a afastou apenas o bastante para ver-lhe o rosto.

— Pelo quê?

— Por tudo. Eu estraguei sua reunião. — Ele sorriu.

— Você a alegrou, quer dizer?

— Coloquei-o em divergência com Ahmet.

— Sempre estive em divergência com Ahmet

— Sim, mas agora... ele está zangado? Porque você e eu somos... porque ele pensa que você e eu somos...

— Pelo contrário. Ele passou a me respeitar mais. Eu consegui a mulher que queria.

Aquilo pôs um sorriso no rosto de Megan.

— Melhor? — perguntou ele suavemente. Ela assentiu.

— Chega de lágrimas, então. — Caz pegou um lenço de seda sobre o espaldar de uma cadeira e enxugou-lhe os olhos. — Uma mulher não deve chorar na noite de seu casamento.

— Na verdade... era por isso que eu estava chorando.

— Eu entendo. Quando você concordou em vir para Suliyam, nunca imaginou que seria forçada a se casar com um estranho.

— Você não é um estranho — disse Megan rapidamente. — De certa forma, sinto que o conheço desde sempre. Eu estava chorando porque me lembrei de algumas semanas atrás. Um de meus irmãos se casou, e a cerimônia foi muito emocionante.

— Ah, entendo. Nossa cerimônia foi estranha...

Ela o silenciou com um dedo na boca dele.

— Foi uma cerimônia maravilhosa. — Caz arqueou as sobrancelhas.

— Verdade? — Megan sorriu.

— Sim. As palavras pareciam tão solenes, os sinos, as danças... e, no final, todas aquelas pessoas gritando...

— Elas estavam felizes por nós.

— Eu sei. — O sorriso desapareceu. — E por isso eu estava chorando, entende? Pensei em como todos estavam felizes no casamento do meu irmão, e no quanto estavam felizes com o nosso... com o casamento de hoje, e me senti culpada, porque o que aconteceu não era real e...

— Você é uma mulher boa e generosa, Megan O'Connell.

— Sou uma mulher que complicou a sua vida. — Caz ergueu-lhe o rosto para o seu.

— Você enriqueceu a minha vida — declarou. — E me honrou enormemente tornando-se minha noiva.

— Eu sou, não sou? — sussurrou Megan, o coração disparado. — Sua noiva, Caz. Sua noiva por esta noite.

Eles se entreolharam. Os sons da noite, o sussurro do vento... tudo desapareceu. Não havia nada no mundo, exceto aquele quarto. Aquele momento.

— Caz? — foi falado num sussurro rouco. — Você me quer?

— Se eu a quero? — Ele riu. — Kalila, você é tudo que penso. Você preenche minha mente, minha alma, meu coração.

— Então, faça amor comigo, Caz. Tome-me sua esposa esta noite.

Ele a fitou e pensou numa dúzia de razões para sair dali e para a noite fria nas montanhas. Era um rei. Um homem de honra.

Mas jamais quisera uma mulher como a queria. E, somente naquela noite, seria um homem, não um rei.

Um homem que faria amor com sua noiva.

Caz a envolveu nos braços e beijou-a ardentemente. Ela gemeu seu nome e o abraçou pelo pescoço.

— Quero provar você, kalila. Cada pedacinho seu.

Oh, sim, era isso que ela queria, também. As discussões.

A batalha de palavras e força. Teria sido tudo pretexto para esconder a verdade? Megan suspirou quando Caz beijou-lhe a boca, o pescoço, roçou os lábios sobre a seda que cobria seus seios.

— Vire-se de costas para mim — sussurrou ele.

Ela fez isso, e ele lhe afastou os cabelos de lado para pressionar um beijo em sua nuca. Megan inclinou a cabeça para trás quando sentiu dedos quentes nos botões que iam do alto das costas até sua cintura. Caz abriu um por um, pausando para beijar cada parte de pele que se revelava.

Quando acabou, ela estava tremendo.

Começou a virar-se de frente, mas ele a deteve, escorregando o vestido pelos seus braços, e baixando a cabeça para beijar-lhe os ombros.

Ofegante, Megan levou os braços para trás, pegou-lhe as mãos e colocou-as sobre seus seios.

Caz gemeu ao sentir o peso dos seios em suas palmas. Lentamente, provocou os mamilos, sentiu-os se arrepiar ao seu toque, ouviu-a arfar de prazer. Depois, desceu as mãos para o ponto suave entre as pernas dela, pressionando-a contra sua masculinidade.

— Megan — sussurrou com a voz rouca. — Megan...

Ela se virou em seus braços e terminou de tirar o vestido, deixando-o cair aos seus pés. O que usava por baixo não era de Suliyam... era um conjunto sedutor de lingerie cor de marfim.

— Deus — murmurou Caz. — Você é maravilhosa.

Prendendo-lhe os olhos, Megan pôs as mãos para trás e abriu o sutiã. Deixou-o cair aos seus pés.

Todos os músculos do corpo de Caz enrijeceram de desejo. Maravilhosa? Não. O adjetivo não descrevia o bastante. Sua noiva era como um sonho. O rosto. Os olhos. A boca.

Os seios.

Eram pequenos. Altos e firmes. Os mamilos tinham a cor de rosas de verão, já florescendo em antecipação ao seu beijo. Um beijo que ele deu de forma sedenta, inclinando-se sobre ela, segurando-lhe os seios e os levando aos lábios, de modo que pudesse sentir sua doçura na língua.

Megan sussurrou o nome dele quando Caz a pegou nos braços, a carregou para cama e deitou-a ali.

— Agora — disse ela. — Caz, quero você agora.

Megan tentou alcançar-lhe o cinto, mas ele lhe segurou ambas as mãos em uma das suas, erguendo-as acima da cabeça dela.

— Ainda não — disse ele, e observou o rosto de Megan quando tocou o pedaço de renda entre as coxas delgadas.

O grito de Megan cortou a noite, e, quando ele deslizou os dedos para baixo da calcinha e encontrou o centro da feminilidade úmido, ela explodiu contra ele.

Lágrimas escorriam pelo rosto dela, mas agora Caz sabia que eram lágrimas de alegria. Eram para ele, para o que estava acontecendo entre os dois. A percepção o levou para um lugar mais alto que as montanhas, que a lua, que as estrelas. Removeu o pedaço de renda, livrou-se das próprias roupas e ajoelhou-se entre as coxas dela.

— Megan. Olhe para mim. — Ela abriu os olhos.

— A quem você pertence? — Caz mal podia reconhecer a própria voz... um sussurro rouco. — A quem? — exigiu saber, e ela ergueu os braços para ele.

— A você. Somente a você, Caz.

Ele lhe apartou as pernas, tocou a ponta de sua virilidade no portal suave que guardava a entrada para o corpo, para o coração, para a alma de Megan. Com um gemido, ela arqueou-se num convite e Caz a penetrou.

Deus, oh, Deus.

Ela era maravilhosa. E tão estreita...

Ele cerrou os dentes, forçando-se à imobilidade. Não queria machucá-la.

Megan sussurrou seu nome.

— Qasim. Qasim, meu marido. — E ele estava perdido.

Gemendo, preencheu-a. Posicionou as mãos atrás das nádegas arredondadas e ergueu-a para si.

Então, investiu até que estivesse profundamente em seu interior. Continuou os movimentos frenéticos, e, quando o corpo de Megan se convulsionou ao seu redor, quando ela gritou e mordeu-lhe o ombro, Caz tremeu com um prazer tão intenso que pensou que poderia morrer.

Mas morte seria um preço pequeno a pagar pelo que sentiu quando caiu do topo no universo com Megan, sua esposa, nos braços.

 

A lua baixava atrás das montanhas, e eles ainda estavam entrelaçados um nos braços do outro, isolados da realidade em seu casulo de seda.

Finalmente, Megan se mexeu. Caz deu-lhe um beijo longo e carinhoso e rolou de lado da cama. Ela emitiu um gemido de protesto, então deitou a cabeça no peito largo e pôs uma das mãos sobre o estômago dele.

— Pensei que você fosse levantar — murmurou Megan.

— Não vou a lugar algum.

— Hmm. — Ele sorriu.

— Isso é tudo que tem a dizer? — perguntou, afastando-lhe uma mecha de cabelos do pescoço e deixando um beijo no lugar.

Sentiu os lábios dela se curvarem contra sua pele úmida.

— Estava esperando aplausos, Sua Alteza? — Caz riu baixinho.

— Bem, se está perguntando sobre as tradições da noite de núpcias...

Megan mordiscou-lhe o ombro.

— Não abuse da sua sorte. Terá de se contentar com "hmm". — Ela suspirou, acariciou-lhe a pele. — Foi...

— Maravilhoso.

— Sim.

— Incrível.

— Isso também.

Caz apoiou a cabeça na mão e estudou-lhe o rosto, seu sorriso desaparecendo.

— Você está bem? Quero dizer...

— Sei o que você quer dizer. Estou bem.

— Você é tão estreita... tive medo de machucá-la.

— Não. — Ela beijou o dedo longo que circulava seus lábios. — Não estive com ninguém há muito tempo.

Por que aquilo o fazia tão feliz?

— Os homens da Califórnia são cegos? — Megan riu.

— O problema sou eu. Estive tão focada na minha carreira. Faculdade, especialização, lutando pela escalada ao sucesso profissional...

— Aposto que não achou fácil competir com os homens. Acha que não sei que é difícil ser mulher no mundo dos homens?

— Você sabe, realmente? Pensei... bem, pelas coisas que falou aquele dia no meu escritório...

— O que falei era verdade. A maioria dos homens não está preparada para ver as mulheres como iguais. Não aqueles que moram longe das capitais urbanas, pelo menos.

— E você quer mudar isso.

— Com certeza. Eu já mudei, pelo menos um pouco, na cidade de Suliyam.

— Mas não no seu palácio.

— Lá também.

— De jeito nenhum. — Megan sentou-se e puxou as cobertas até o queixo. — Você me colocou no harém, lembra? Não há nenhuma igualdade nisso.

— Aquilo era tradição.

— E é uma maneira inteligente de falar uma coisa e fazer outra.

— Ei. — Caz estendeu o braço e a puxou para seu lado. — Nós vamos brigar?

Ela o olhou e a pequena raiva que ganhara vida morreu. Como poderia brigar com Caz agora? Estava em seus braços fortes novamente, fitando-o, vendo seu reflexo nos olhos dele...

E sentindo uma emoção tão poderosa que a apavorava.

— Não — respondeu com um sorriso, afastando-lhe os cabelos da testa. — Não vamos brigar.

Caz sorriu.

— Ótimo. Porque não há motivo para briga, kalila. A tradição a que me refiro tem a ver com o rei levar uma mulher solteira para viver debaixo de seu teto.

— Isso não é bom, certo?

— Não se este mesmo rei está prestes a trabalhar duramente para um povo difícil.

Megan assentiu.

— Estradas. Escolas. Hospitais. Tudo muito necessário, e tudo requerendo uma infusão de capital.

— Capital estrangeiro, e até mesmo o pensamento de estrangeiros investindo em Suliyam faz alguns dos velhos chefes tribais tremerem.

— Então, como você vai conseguir?

— Vou mostrar-lhes fatos e números. Eles são difíceis, mas sensatos.

— Diferente de Ahmet.

— Muito diferente de Ahmet. — Caz sorriu. — Incrível.

— O quê?

— Que durante todos os anos que trabalhei com pessoas... assessoras financeiras, contadoras e auditoras... nunca terminei na cama com nenhuma delas.

Ela riu.

— Não é incrível, considerando que todas estas pessoas tinham 60 anos ou mais.

Caz tentou parecer chocado.

— Você me investigou?

— É claro. Acha que Tremont, Bumside e Macomb aceita um cliente sem saber nada sobre ele, exceto o que lê nas colunas de fofoca?

Caz virou-se de braços, inclinou-se sobre ela e beijou-lhe a boca.

— Metade do que estas colunas imprimem é mentira, e a outra metade é exagero.

— Ah. Não há mulheres o perseguindo.

— Não! — Ele riu. — Bem, talvez algumas.

— Você não esbanja dinheiro? Não tem uma vida fácil?

— Esbanjei um pouco — admitiu Caz.

— Porque tinha condições para isso.

— Porque cresci ouvindo que um dia eu seria rei, e a descrição do trabalho não me parecia nada agradável.

O humor desaparecera da voz de Caz. Ele se deitou de costas e cruzou os braços atrás da cabeça.

— Ei — disse Megan suavemente, inclinando-se e descansando os braços dobrados no peito dele. — Eu estava brincando.

— Eu sei. — Ele sorriu. — Você ficaria chocada se eu dissesse que ser imperador do universo não é tão bom quanto dizem?

Ela o chamara de imperador do universo. A lembrança a fez corar, especialmente agora que o vira em ação por seu povo.

— Eu nunca ficaria chocada com nada que você dissesse — murmurou Megan e roçou-lhe os lábios num beijinho.

Caz a abraçou.

— Não?

— Não.

Ele lhe segurou a nuca, trouxe a boca de Megan para seu ouvido e sussurrou algumas palavras. Ela arfou e afastou-se.

— Viu? Eu a choquei.

Megan sorriu e posicionou-se em cima dele, de modo que cada parte dos corpos de ambos se tocasse.

— Pelo contrário, meu lorde. Você não me chocou, me fascinou. Só não imagino... como duas pessoas podem fazer isso.

Caz sentiu seu corpo tremer.

— Por que não descobrimos?

Ele a rolou para baixo de si. Megan circulou-lhe o pescoço com os braços. E, quando eles tinham encontrado a resposta, o quarto estava tingido com o brilho rosado da manhã.

 

Eles dormiram, ainda com os corpos aninhados, e foram acordados por uma batida à porta.

— Meu lorde. Sou eu. Hakim. — Caz sentou-se e bocejou.

— O que você quer?

— Você disse que queria acordar cedo. São quase seis. — Caz não respondeu. Em vez disso, inclinou-se para beijar Megan brevemente.

Ela sorriu. Na noite anterior, sentira como se o mundo tivesse acabado, e agora...

Agora estava tão feliz que isso a assustava.

— Meu lorde? Eu trouxe café. — A porta rangeu e Megan se enfiou embaixo das cobertas. — Devo...

— Não! — Caz saiu da cama, não achou sua calça e se contentou com um lençol de seda em volta da cintura. — Deixe no corredor.

— Mas, Alteza...

— Deixe — ordenou Caz veementemente.

— Como desejar, senhor. — Hakim pausou. — Eu disse ao seu piloto que você estaria pronto em uma hora.

— Sim, sim. — Caz olhou para cama e abriu a porta o suficiente para pegar a bandeja. — Obrigado, Hakim. Isso é tudo.

Hakim seguiu o olhar de Caz.

— Creio que seus planos não mudaram, sheik Qasim. Que iremos realmente partir esta manhã, e não ficar para mais... festividades?

— Cuidado com o que diz — avisou Caz.

— Só penso no seu bem, meu lorde. — Caz fechou a porta com o cotovelo.

— Mentira — murmurou enquanto punha a bandeja sobre uma mesa perto da cama. Após um minuto, suspirou.

— Querida? Ele se foi.

Megan se sentou. A expressão nos olhos dela o fez sentir raiva de novo.

— Kalila, sinto muito.

Ela meneou a cabeça, afastando-se quando ele tentou abraçá-la. Mas Caz era persistente, e a necessidade de senti-lo perto de si venceu. Suspirando, ela o abraçou pelas costas e descansou a cabeça contra o peito sólido.

— Hakim me odeia.

— Não é você. É o que você representa. O que ele me vê fazendo. Todas as mudanças que fiz, as mudanças que pretendo fazer. — Caz segurou-lhe os ombros e a fitou. — Hakim serviu a meu pai.

— E agora serve a você.

— Este é o problema, querida. Ele quer que eu seja igual ao meu pai, mas não sou. E acho que nunca me perdoou pelo sangue estrangeiro que corre nas minhas veias.

— Estrangeiro? Oh, sua mãe.

— Sim. — Um sorriso curvou os lábios dele. — Você teria gostado dela.

— Mas ela abandonou você.

— Ela abandonou Suliyam.

— Por quê? Se o marido e o filho estavam aqui... — Como explicar para sua esposa americana que sua mãe americana não suportava o calor? O deserto? As limitações estabelecidas por séculos de tradição?

Poucas palavras teriam feito isso, mas, por alguma razão que não podia compreender, Caz não queria que Megan analisasse toda aquela realidade de Suliyam. O que, sabia, era tolice. Megan não era sua esposa, iria voltar para seu próprio país, deixando Suliyam.

Deixando-o.

A percepção foi como um corte profundo em seu coração.

— Venha aqui — disse ele, envolvendo-a nos braços. — Por que perder tempo falando de outras pessoas? — Roçou-lhe os lábios com os seus. — Por enquanto, há apenas você e eu.

— Mas Hakim falou...

— Esqueça Hakim. — Caz baixou Megan contra os travesseiros. — Pense somente em mim. Nisso. — Ele a beijou profundamente. Quando se afastou, sabia que não podia manter a promessa que fizera de mandá-la para casa. Queria-a ali, em seus braços, em sua cama. Queria discutir, rir com ela, passar dias e noites ao seu lado até que o destino permitisse. — Megan, sei que falei que a mandaria para casa assim que retornássemos ao meu palácio, mas...

— Mas?

— Mas tenho pensado — murmurou ele, recusando-se a reconhecer a verdade de seus sentimentos. —Ainda temos trabalho a fazer.

— Trabalho. — O sorriso dela desapareceu. Por que imaginara que ele poderia estar falando de outra coisa? — Sim, é claro.

— Tem sido difícil fingir que você não tem participação em seu trabalho.

— Sim. — Megan tocou-lhe o rosto. — Mas entendo, Caz. É assim que as coisas são.

— Mas tudo isso mudaria se eu a apresentasse como minha esposa.

O coração de Megan disparou.

— O que você está dizendo?

— Eu sei que é pedir demais, kalila. Mas, se você estiver disposta a representar este papel por mais um tempo...

Ela o estudou, pensando em todas as razões para negar, para dizer que aquilo era impossível...

— Kalila. — A voz de Caz era rouca de desejo. — Não me deixe. Ainda não.

Eles se entreolharam. Então, Megan trouxe-lhe a boca para a sua e respondeu o pedido com um beijo.

 

                                 CAPÍTULO ONZE

Ao meio-dia, eles saíram da fortaleza de Ahmet.

Cavalgaram. Caz no garanhão preto que montara no dia da chegada deles. Megan estava na mesma sela na frente dele, segura entre seus braços fortes. Ahmet e seus homens os escoltaram, gritando e balançando suas lanças no ar.

— Tradição — sussurrou Caz quando Megan olhou para trás e lhe deu um olhar interrogativo. — Ahmet nos honra. Sei que parece estranho, mas...

— É maravilhoso. — Ela sorriu. — A fortaleza, os cavalos, os cavaleiros... é perfeito.

Caz relaxou um pouco. Aquilo tudo era desconhecido para sua esposa. Ela se arrependeria por ter se casado com um homem de uma cultura tão diferente? Era apenas temporário, claro; entretanto, ele queria que Megan fosse feliz e não julgasse seu povo e seu país tão duramente.

— Você realmente gosta?

— Oh, sim! As cores, os sons... É magnífico. — Megan riu. — Até mesmo Ahmet.

Caz fez uma careta.

— Vou contar a ele que você disse isso.

— Não ouse!

— O que oferece pelo meu silêncio? — O sorriso de Megan foi travesso.

— O que você gostaria?

Ele abaixou a cabeça para sussurrar no ouvido dela. Um calor inundou o corpo de Megan.

— Você negocia sem piedade, meu lorde, mas o que posso fazer senão aceitar?

Deus, sua esposa era maravilhosa. Caz a aninhou mais junto ao seu corpo.

— Combinado, então. — Eles cavalgaram em silêncio por alguns minutos. Então, ele pigarreou. — Temi que você achasse tudo isso... bárbaro.

— Eu teria achado, não muito tempo atrás — disse Megan com a honestidade que ele passara a esperar dela. — Mas agora...

— Agora?

— Agora vejo as coisas de modo diferente.

Caz beijou-lhe a nuca.

— Por que, kalila?

As respostas estavam na ponta de sua língua. Porque agora ele não era mais um estranho. Porque agora era seu marido. Porque ele, e tudo que ele representava, eram parte dela.

Porque Qasim tinha se tornado sua vida.

— Kalila. — Caz rodeou um dos braços abaixo dos seios dela. — Diga-me o que mudou desde que viemos para cá.

Os gritos dos cavaleiros soaram enquanto formavam um círculo em volta deles. Caz praguejou e puxou as rédeas do garanhão. Eles tinham chegado ao helicóptero. Ahmet se aproximou em seu cavalo, sinalizou por silêncio e começou a falar.

Caz abaixou a cabeça e traduziu baixinho para Megan.

— Ahmet diz que chegou na hora errada. — Ela riu.

— Ele disse isso, é?

— Não, mas deveria. — Seus braços se apertaram ao redor de Megan. — Na verdade, ele diz que sou um homem de sorte por ter ganhado o coração de uma mulher mais linda que a lua.

Megan riu de novo.

— Ahmet também diz que não é tarde demais para eu mudar de idéia. Oferece-me cem cavalos por você.

— Isso é bom?

— É ótimo — replicou Caz. — Um homem pode comprar vinte esposas excelentes por cem cavalos. Não cutuque minhas costelas, kalila. É a verdade. Vamos, sorria para nosso amigo. Deixe-o pensar que você está lisonjeada.

Megan sorriu brilhantemente, enquanto Caz murmurava uma resposta.

— O que você disse a ele?

— Falei que ele nos honrou e que foi a oferta mais tentadora que já recebi... ai!

— Tentadora?

— Um homem não recebe uma oferta de cem cavalos todo dia. — Caz a aninhou mais contra si. — E eu disse a ele que você valia mil vezes mais que cem cavalos, kalila. Sou um homem de muita sorte.

O coração de Megan disparou. Tinha sorte também. Caz mudara sua vida. Uma semana atrás, ela estava trabalhando num escritório, levando uma vida tranqüila. Agora, era esposa de um homem que realizava todas as fantasias que já tivera, e algumas que nunca ousara imaginar.

Mas tinha de se lembrar de que nada daquilo era real. Ele deixara muito claro, e sem problemas, certo? Era assim que ela queria, não era?

— Kalila? O que houve?

Tudo. Estava tudo errado...

— Querida, qual é o problema?

— Nada — respondeu Megan. — Estou apenas... um pouco cansada.

— Sou um tolo! É claro que você está cansada. Eu lhe dei dias difíceis. — Caz a deslizou para o chão, então desmontou e a pegou nos braços. A multidão gritou, mas nenhum deles ouviu. — Vamos sair daqui.

Hakim deu um passo à frente, mas o sheik o ignorou e carregou Megan para o helicóptero, acomodando-a num assento ao seu lado.

Inclinando-se sobre Megan, sussurrou:

— Logo estaremos em nosso lar.

Ela assentiu e fechou os olhos, temendo que ele pudesse ler a verdade neles.

Lar não era um palácio perto do mar. Não era um apartamento em Los Angeles.

Lar era bem ali, ao lado do homem que amava.

 

Dias antes, quando eles tinham chegado ao palácio, ninguém notara a presença de Megan.

Era diferente agora.

No mínimo cinqüenta homens esperavam por eles, todos alinhados. Fizeram reverências para Caz, mas seus olhos estavam focados em Megan.

Eles sabiam, pensou ela.

O que Caz lhes dissera? Havia explicado que se casara para salvá-la de Ahmet? O instinto lhe dizia que eles não entenderiam um gesto tão nobre.

Mas ele certamente contara que era um casamento de conveniência.

Então, por que a maioria dos olhares era hostil?

Caz os cumprimentou alegremente. Falou em seu idioma e usou o nome dela. Os homens a olharam novamente, então cochicharam entre si. Finalmente, um deles se aproximou e começou a falar, claramente dirigindo seus comentários para Megan.

— Ele está lhe dando as boas-vindas — disse Caz. Boas-vindas? Ela duvidava. Mas manteve a cabeça erguida e sorriu.

— Diga-lhe que agradeço.

— Ele diz que qualquer coisa que você precisar, estará às suas ordens.

— Agradeça-lhe por isso também. E não mencione que acho que ele gostaria de me untar de mel e me amarrar a um formigueiro.

Caz sorriu.

— Eu gostaria de untá-la de mel, mas substituiria as formigas pela minha boca.

Ela enrubesceu.

— Tem certeza de que ninguém aqui fala inglês?

— Absoluta. E se falarem? — Ele a aninhou contra si. — Um homem pode apreciar a própria esposa.

— Tradição?

— E uma que não pretendo mudar. Vamos, querida. Diga a Ari que está grata por toda a cortesia.

— Sim, é claro. — Megan olhou para os homens, sorriu para o que havia falado em nome de todos, e viu as expressões deles se tornarem prazerosas quando ela agradeceu no idioma do país. Caz sorriu-lhe enquanto a conduzia em direção a diversos veículos alinhados.

— Você aprendeu um pouco da nossa língua. Estou impressionado... embora nada ao seu respeito devesse me surpreender mais.

— Caz? Como eles sabiam sobre... nós?

— Mandei avisar — disse ele, ajudando-a a entrar no Hummer. — Alguns destes homens são meus conselheiros. Era importante que soubessem de nosso casamento.

— Eles acham que estamos realmente...

— Sim — respondeu ele. — Isso não é um problema, é?

Um problema? Megan queria gritar de alegria. Aquilo significava que ele não pretendia tratar o casamento deles como um arranjo temporário? Também tinha se apaixonado por ela? Queria que eles morassem juntos, tivessem filhos e envelhecessem juntos?

— Não — respondeu Megan. — É claro que não. Na verdade...

— Na verdade, o quê? — incentivou Caz, tentando não soar como se sua vida dependesse daquela resposta.

Megan queria chorar. O tom dele era educado, porém nada mais. Educado, como se o que estavam discutindo não tivesse significado.

Caz se casara com ela porque não tivera escolha, e Megan não podia ser tão tola em pensar que uma noite que passara em seus braços o fizera se apaixonar.

— Na verdade, você lidou muito bem com isso — replicou ela.

Desapontado, Caz observou sua esposa olhar pela janela quando o carro entrou em movimento. Aparentemente, a vista era mais importante que ele ou que o casamento deles.

O calor que o envolvera desde que a tornara sua esposa foi drenado de seu coração. Eles pertenciam a mundos diferentes. O que haviam compartilhado nas montanhas era uma fantasia.

O que devia a Megan agora era restabelecer-lhe a confiança.

— Não há nada com o que se preocupar — disse baixinho.

— Eu não estou...

— Você está. E isso não é necessário. Nós temos um acordo. Pretendo honrar os termos. Por que eu faria diferente?

Por que, realmente? Os olhos de Megan se inundaram de lágrimas.

— Megan? — Caz tocou-lhe o ombro. — Prometo que honrarei.

Ela assentiu. Ele faria o que prometera. Era um homem honrado.

Não era culpa de Caz que ela se apaixonara por ele.

 

Uma semana se passou, preenchida de reuniões com conselheiros e chefes tribais. E repleta de cautela e regulamentos, mesmo quando Caz queria bater a mão na mesa e dizer: Vocês não podem ver que precisamos destas coisas se quisermos sobreviver como uma nação?

Mas não fez nada disso. Ouvia as perguntas, dava respostas, virava-se para a mulher ao seu lado, que sempre, sempre tinha uma resposta pronta, um parágrafo circulado, uma lista de números para ajudá-lo a provar seu ponto.

Graças a Megan, as reuniões que ele temera, tinham ido bem. E foram concluídas semanas antes do esperado, obtendo a aprovação que queria para suas propostas.

Mesmo seus homens estavam impressionados com Megan. Naquele dia, um de seus conselheiros fizera uma pergunta diretamente a ela.

Caz imaginou se Megan tinha idéia do quão grande era aquele passo, não somente para ela, mas para as mulheres do país. No fim daquela tarde, um dos conselheiros mais tradicionais dissera a Caz que talvez a instrução das mulheres pudesse ser considerada.

— Não grandes instruções — acrescentara o conselheiro idoso. —Apenas o bastante para que elas sejam úteis como sua esposa, lorde Qasim. Ela é um gênio.

Andando pela praia enquanto ia para casa, Caz chutou uma pedra no caminho.

Imaginou como seria mostrar a Megan as ruas estreitas da cidade, os lugares escondidos que descobrira quando menino. Pensou em como seria passar seus dias explorando seu mundo, suas noites fazendo amor na enorme cama, que possuía cinco séculos de tradição real.

Caz abaixou-se, pegou uma concha e jogou-a no mar.

Em vez disso, sua esposa e ele eram estranhos. Educados um com o outro. Conversavam antes das reuniões, e depois cada um seguia seu caminho pelo resto do dia.

E à noite...

À noite, ele se deitava no sofá da sala de estar, olhava para o teto e tentava não pensar em Megan sozinha na sua cama.

Ela só estava naquela cama porque ele exigira.

— Fico nos aposentos das mulheres — dissera Megan no dia em que eles tinham retornado ao palácio.

— A esposa do rei não dorme nos aposentos das mulheres. Isso geraria comentários, e não seria...

— Tradição — complementara ela com um sorriso tenso.

Que Megan pensasse assim. Na verdade, até que seu pai se casasse com sua mãe, gerações de esposas haviam dormido nos aposentos das mulheres, uma vez que um rei tinha três, quatro ou mais esposas, mas Caz não lhe contaria isso.

Não lhe contaria que precisava saber que ela estava lá, com os cabelos espalhados sobre os travesseiros, mesmo que a imagem fosse uma tortura.

— Sire?

Caz virou-se. Hakim vinha na sua direção, ofegando com o esforço de andar ao longo da areia branca.

— O que houve, Hakim? Não estou no humor de...

— É importante, meu lorde. Sua prima deseja vê-lo.

— Minha prima?

— Alayna. Ela está esperando um encontro com você há dias.

— Mais tarde, Hakim.

— Mas, lorde Qasim...

— Mais tarde, falei. Diga à minha prima que eu a encontrarei, mas não hoje.

Hakim assentiu.

— Muito bem, senhor. Neste caso, há outra coisa. Um pequeno problema...

— Fale logo. Já disse que não quero ser perturbado.

— Trata-se da partida da mulher.

— Que mulher? Que partida? — Caz olhou para seu assistente. — Do que você está falando?

— Seu piloto não vai concordar com o vôo sem sua permissão direta. Expliquei-lhe que não há necessidade de incomodá-lo, mas ele insiste...

— Que vôo?

— O vôo da srta. O'Connell, meu lorde.

— Para onde?

— Para os Estados Unidos. — Alguma coisa estava errada ali.

— Por que a srta. O'Connell acha que vai voar para os Estados Unidos?

— Porque o acordo dela com você acabou, senhor.

— O quê?

— Ela disse...

— E você não achou necessário me informar?

— Eu não queria incomodá-lo, meu lorde. A mulher...

Caz deu um passo à frente, os punhos cerrados nas laterais do corpo.

— A mulher — começou ele, a voz ameaçadora —, é minha esposa. Refira-se a ela pelo título. Isso está claro?

— Mas, meu lorde...

— Está claro?

— Sim, meu lorde. Perdoe-me.

Mas Caz não estava ouvindo. Já estava correndo em direção ao palácio.

 

Megan tinha quase acabado de arrumar a mala quando a porta se abriu.

— O que você pensa que está fazendo?

Ele estava furioso, mas ela esperava por isso. Esperava confrontá-lo também. Hakim fizera o possível para não envolver Caz na partida dela, mas Megan suspeitara que isso não seria possível.

Durante toda a semana, Megan o sentira formal, educado, distante... o comportamento mascarado por uma raiva crescente. E que motivo ele tinha para sentir raiva? Ela era a mesma mulher que sempre fora. Caz havia mudado. Num minuto, fora um amante apaixonado, no minuto seguinte...

De qualquer forma, vendo a raiva nos olhos dele agora, pensou que preferia lidar com isso a lidar com o desinteresse de Caz. Melhor brigar com ele do que ficar chorando na cama sozinha todas as noites.

— Você me ouviu? Perguntei...

— Eu ouvi. O que pareço estar fazendo? — Megan dobrou uma blusa. Suas mãos tremiam. — Estou fazendo a mala, que é o primeiro passo antes de uma pessoa viajar.

— Talvez você tenha se esquecido de que trabalha para mim.

— Talvez você tenha esquecido que meu trabalho aqui terminou.

— Termina quando eu assim determinar.

— Termina quando acabam as reuniões. Bem, elas acabaram.

— Há também a pequena questão do nosso casamento. — Ela olhou para cima. A expressão nos olhos de Caz era perigosa, músculos saltavam do maxilar rígido.

— Não existe casamento. Não um de verdade.

— Você diria isso se tivéssemos nos casado em Los Angeles?

— Nós não nos casamos em Los Angeles. E você deixou perfeitamente claro que...

— Está sugerindo que casamentos aqui não são legais?

— Estou apenas relembrando-o do que você me falou. Este casamento não é compulsório.

Caz cruzou os braços e suspirou. Ela estava certa. Ele lhe dissera aquilo. Por que estava tão zangado agora?

E por que a declaração sobre o casamento deles soava tão diferente, vindo de Megan?

Porque era o rei. Se alguém acabasse aquela união, seria ele.

Caz lhe disse isso e, quando ela gargalhou, ele sentiu um calor subir ao rosto.

— Ouça a si mesmo, Qasim. Você é inacreditavelmente...

— Sou seu marido — interrompeu ele. — E, em Suliyam, uma esposa não pode abandonar o marido sem permissão.

— Quer que eu me humilhe? Bem, não farei isso. Você falou que eu ficaria livre para partir, que nossos votos não tinham significado, que...

Caz segurou-a pelos ombros e ergueu-a na ponta dos pés.

— Falei que o casamento não teria significado, que eu o anularia, que você não precisaria fazer nada depois que estivesse nos Estados Unidos... mas ainda está no meu país. Até que eu escolha libertá-la, você me pertence.

Estava realmente aplicando uma das tradições que queria destruir?, pensou Caz com desgosto. Mas o que poderia fazer? Permitir-se ser feito de tolo por uma mulher?

Deixar sua mulher roubar-lhe o coração e desaparecer de sua vida?

Megan não sentia nada por ele? Tinha de sentir. Lembrou-se da noite que tinham passado juntos. Como ela suspirara contente, sussurrara seu nome, e, de repente, nada mais importava, exceto encarar a verdade.

— Megan — murmurou ele com voz rouca, então a beijou.

Ela lutou contra. Tentou se afastar. Caz não tinha as palavras para demonstrar seus sentimentos, mas poderia mostrar-lhe. Poderia beijá-la até que Megan respondesse como havia respondido no casamento deles.

E então, quando quase perdera a esperança, os lábios dela se suavizaram, se entregaram. Megan emitiu um som que falava tanto de desespero quanto de rendição. O coração de Caz quase se partiu no momento em que sentiu o sal de lágrimas nos lábios sensuais.

— Kalila, não chore. — Ela meneou a cabeça.

— Caz, solte-me, eu imploro.

— Não quero que você me deixe.

— Sim, você quer. Qualquer coisa que houvesse entre nós, morreu quando chegamos aqui. Aqueles momentos nas montanhas foram ilusão.

— Foram reais. — Ele lhe segurou o rosto nas mãos, forçou-a a encontrar-lhe os olhos. — Eu amo você.

As palavras eram verdadeiras. Ele soube disso assim que saíram de sua boca.

— Eu lhe suplico, kalila. Não me deixe. Fique comigo. Seja minha esposa. Deite nos meus braços durante as noites, passe seus dias comigo. Eu a amo, Megan. Amo...

Megan soluçou o nome dele, trouxe-lhe a boca para sua, e deu ao marido a resposta que ele procurava.

 

                                     CAPÍTULO DOZE

Megan acordou aninhada contra seu marido, a cabeça descansando sobre o peito dele.

Podia ouvir o barulho pacífico das ondas batendo na praia a poucos metros de distância.

Olhou para Caz, ainda dormindo, os pelos despontando no queixo firme.

Como o amava! Como adorava acordar assim todas as manhãs, sentindo o glorioso peso do braço dele ao seu redor.

Duas semanas atrás, descreveria o jeito que ele a segurava como possessivo. Agora, pensava nisso como um gesto protetor.

Incrível como sua perspectiva mudara em 14 dias.

Às vezes, deitada nos braços fortes, imaginava se algum casal era tão feliz. Não parecia possível. Sentir o coração pleno de felicidade no início de cada dia, e terminá-lo agradecendo a Deus pelo milagre que levara tanto amor para sua vida.

Ninguém mais podia se sentir assim. Nem mesmo seus irmãos. Ou sua irmã. Os olhos de Keir e Cullen podiam brilhar de amor quando fitavam as esposas; o sorriso de Fallon podia se tomar sonhador quando Stefano entrava na sala, mas algum deles poderia realmente conhecer aquela bênção?

Impossível.

Com certeza, ela era a única mulher do mundo que amava o marido tão profundamente. E que era tão amada em retorno. Caz era...

— Linda — murmurou Caz numa voz sonolenta. Megan sorriu quando seu marido a rolou de costas na cama.

— Bom dia.

Ele sorriu também, e roçou-lhe os lábios com os seus.

— Bom dia, kalila. Quando foi a última vez que falei que amo você?

— Bem, vamos ver. — Megan uniu as mãos atrás do pescoço dele. — Talvez quando viemos para cama? Ou mais tarde, quando decidimos ir à praia e contar as estrelas?

— Hmm. — Caz beijou-lhe o pescoço. — Você se esqueceu de hoje cedinho. Acordei de madrugada, lembra?

Sim, ela lembrava. Sua pele formigou com a memória.

— Acordou? Não me lembro disso, meu lorde. Talvez você precise reavivar minha memória...

Ela parou quando ele lhe beijou um dos seios, provocou o mamilo com a língua e os dentes.

— Oh, sim, lembrei que você fez isso.

Caz escorregou pelo seu corpo, beijou-lhe a barriga, apartou-lhe as coxas, enterrou o rosto em seu calor, absorvendo a essência da mulher que mudara sua vida.

— Lembra-se disso, também? — sussurrou ele, abaixando a cabeça para saboreá-la, deleitar-se nos gemidos suaves que o enlouqueciam.

— Caz. Caz...

— Fale — incentivou ele. — Fale as palavras, kalila. Preciso ouvi-las.

— Eu amo você — sussurrou Megan. — Amo muito, muito, muito...

Eles gritaram ao mesmo tempo no momento em que alcançaram o topo do universo infinito.

 

— Megan?

— Hmm.

Caz apoiou-se sobre um cotovelo, sorriu enquanto traçava os lábios que tanto amava.

— Acorde, kalila. Tenho algo importante para discutir com você.

— O que isso significa?

— Significa que quero que preste atenção.

— Não. — Ela se virou de bruços, empurrou-o contra os travesseiros e dobrou os braços sobre o peito dele. — Kalila, o que significa?

— Você não sabe?

— Não. Pensei em perguntar um milhão de vezes.

— Significa meu amor. — Megan sorriu.

— Tem um som adorável.

— Que bom que você gosta.

Eles permaneceram em silêncio por alguns momentos. Então, subitamente, Caz perguntou:

— Você sente muita falta da América?

— Um pouco — respondeu ela com a honestidade que ele adorava. — Mas tenho você, e isso significa mais para mim do que qualquer outra coisa.

Caz beijou-lhe os cabelos.

— Prometo que iremos voltar para uma visita em breve.

— E eu apresentarei você para minha família. — O sorriso de Megan desapareceu. — Não estou ansiosa por isso, uma vez que eles ficarão chateados que nem mesmo contei que ia me casar.

— Bem, explicaremos que você não sabia até que aconteceu... a menos que não queira que eles saibam desta parte.

— Que você se casou comigo para me salvar do lobo mau? — Ela riu. — É claro que quero que eles saibam. Vão adorar. Meus irmãos irão logo incluí-lo no clã O'Connell por você ser "macho", e minhas irmãs ficarão encantadas. Atualmente, não é comum uma mulher encontrar seu cavaleiro numa armadura brilhante. — Megan brincou com os pelos no peito dele. — Suponho que eles ficarão chateados por não terem participado do nosso casamento. Mas vou explicar que isso não seria possível.

— Não — concordou Caz. — Não com Ahmet substituindo o padrinho.

— E a madrinha. — Megan riu. — Pode imaginar Ahmet num vestido de casamento?

— O que posso imaginar — disse Caz se levantando e puxando-a para seus braços — é você num vestido branco, eu num smoking, suas irmãs... quantas são?

— Duas — replicou ela, intrigada. — Mas...

— Duas irmãs em cor-de-rosa ou amarelo, e meus cunhados de terno. — Ele sorriu enquanto a conduzia para o banheiro e para a banheira. — Se eu tenho de usar um terno, então eles também.

— Sobre o que você está falando?

— Nosso casamento, kalila. O que mais faria um homem usar um smoking?

— Já somos casados.

Caz abriu as torneiras, pegou-a no colo e entrou na enorme banheira.

— Você merece o tipo de casamento que toda garota sonha.

Megan inclinou-se nos braços dele.

— O que você sabe sobre sonhos de casamento, lorde Qasim?

— Já estive em muitos casamentos para saber que não são os noivos que querem os smokings, os convites gravados a ouro, o quinquagésimo micro-ondas que você finge que é o primeiro que recebeu...

— Parece que você esteve nas festas erradas. Meus parentes vão nos dar um ingresso para passar o dia saltando de pára-quedas.

Caz arqueou as sobrancelhas.

— Não me diga! Minha esposa salta de pára-quedas?

— Sim — replicou Megan orgulhosamente. — E eu nunca descobri algo de que gostasse mais.

— Não?

Um sorriso curvou os lábios de Megan.

— Bem, não até agora. — Ela o beijou, então suspirou. — Pobre homem. Todos aqueles casamentos, e aposto que você nunca imaginou que um dia teria o seu.

Alguma coisa mudou na expressão dele.

— Caz. O que houve?

— Nada.

— Conte-me. Você parece...

— Pareço um homem contemplando uma incrível realidade, querida. — Ele lhe acariciou os cabelos. — Eu a amo com todo meu coração.

— Isso é ótimo, porque também amo você.

— Quero fazê-la minha esposa novamente, desta vez num vestido branco, com toda sua família presente. Sua mãe, seu pai.

— Meu padrasto. — Megan o beijou. — Incrível como ainda há coisas que não sabemos um sobre o outro.

— Há muito tempo para descobrirmos.

— Sim. Uma vida inteira. — Ela sorriu. — Onde será esse casamento?

— Aqui. No palácio. A menos que você prefira...

— Adoro a idéia. Minhas irmãs e cunhadas também vão adorar. — Um sorriso travesso iluminou-lhe o rosto. — E meus irmãos, meu cunhado e um bando de bebês lindos. Os O'Connell são um grande clã, sheik Qasim, e estão crescendo.

— Espero que sim — disse Caz e tocou-lhe a barriga. — Quero filhos, kalila. Menininhas com seus olhos lindos.

— Meninos com seu sorriso maravilhoso. — A voz de Megan era emocionada. — Caz, estou tão feliz.

— Eu sei — sussurrou ele. — Eu sei, kalila.

A banheira encheu e Caz abaixou-se com Megan nos braços. Logo, os únicos sons do cômodo eram os espirros suaves da água, sussurros e suspiros.

 

Megan consultou o relógio, tentou descobrir a hora correspondente em Nova York, Boston, Sicilia, Connecticut e Las Vegas, e desistiu.

E daí se acordasse todo mundo? A notícia que precisava lhes dar... que levaria seu marido para conhecê-los, e que depois eles iriam ao seu casamento em Suliyam... não podia esperar.

Ligou para Bree primeiro e foi atendida pela secretária eletrônica.

— Você nunca está em casa? — reclamou ela. — Honestamente, Briana, como posso lhe contar novidades se nunca está aí?

Keir e Cassie foram os próximos. Olá, no momento não podemos atender...

— Pelo amor de Deus — queixou-se Megan e desligou.

Fallon e Stefano também não estavam em casa. O celular de Sean não atendia, e ela não conseguiu contatar Cullen e Marissa.

Ótimo. Tinha as notícias mais maravilhosas do mundo e ninguém com quem compartilhar.

Bem, sua mãe provavelmente poderia ser alcançada em Las Vegas, mas ela queria contar para os outros antes. Sua mãe começaria a fazer planos, e Megan preferia os planos que fizera com Caz.

E isso não era tolice?

Sua mãe ficaria radiante. Quando vai encontrar um homem e apaixonar-se, Megan?, Mary dizia com freqüência.

Megan sorriu e pegou o telefone.

— Srta. O'Connell?

Era Hakim. Com um suspiro, Megan pôs o telefone no gancho.

— Sim, Hakim. O que foi?

— Pode me acompanhar, por favor?

Ele deveria dirigir-se a ela como "minha lady". Era como todos os outros a chamavam, embora Megan não se importasse com isso. Mas não tinha contado a Caz que Hakim não usava o título quando o sheik não estava presente, assim como não lhe contara o quanto Hakim a fazia sentir-se desconfortável.

— Acompanhá-lo para onde? Meu marido mandou me buscar?

— Seu marido está ocupado, srta. O'Connell. Por isso vim chamá-la.

Megan assentiu. Caz a avisara que tinha alguma reunião naquela tarde.

— Você vai precisar de mim? — perguntara Megan, e ele respondera que não naquele dia.

Bem, aparentemente alguma coisa havia mudado, pensou ela enquanto seguia Hakim por um largo corredor que levava aos salões formais de reuniões do palácio. Talvez devesse ter pegado sua pasta, suas anotações.

— Hakim. Espere. Com quem meu marido está reunido? Eu gostaria de voltar para pegar meus papéis.

Hakim virou à direita abruptamente. Eles entraram num corredor estreito, um que Megan nunca vira antes.

— Hakim, eu disse...

Ele virou à direita novamente. Havia uma porta de treliça à frente.

— Não vai precisar de seus papéis, srta. O'Connell.

A voz dele baixara para um sussurro que fez a nuca de Megan se arrepiar.

— O que é isso? Onde está meu marido?

— Ali, atrás daquela porta.

Hakim encostou-se na parede e gesticulou para a porta.

Sem sair do lugar, Megan espiou através da treliça.

Viu seu marido, parado no centro da pequena sala. Uma mulher estava com ele.

Seu coração se encheu de terror. Não olhe, uma voz interior sussurrou. Megan, não olhe...

Seus pés se moveram à frente, como se por vontade própria.

Ela olhou através da treliça e reconheceu imediatamente. Aquela era a mulher que ela havia visto com Caz semanas atrás, a morena deslumbrante.

Uma prima, Caz tinha lhe contado. Que quisera agradecê-lo por não forçá-lo a se casar com o homem que não amava.

Ela agora estava envolvida nos braços dele, os olhos fechados, o rosto pressionado no peito de Caz... que também mantinha os olhos fechados, o queixo descansando na cabeça dela.

As têmporas de Megan começaram a pulsar. Ela se virou, passou por Hakim e correu pelo corredor.

— Srta. O'Connell! Espere!

— Não vou espionar meu marido. — Hakim a alcançou na curva do corredor.

— Você é esposa do lorde. Há coisas que precisa saber. — Megan virou-se.

— Eu sei. Acha que pode me deixar com ciúme? Meu marido me contou sobre esta mulher. É prima dele.

— Sim, isso é correto.

— Ela ia se casar com um homem que não ama.

— Correto também.

— Ela ama outro homem. Meu marido arranjou para que ela ficasse com esse homem.

— Verdade.

— E... e o que acabamos de ver... foi ela agradecendo-o novamente.

— Você está certa, srta. O'Connell. Tudo isso é verdade.

— Então, por que você me trouxe aqui? Por que queria que eu visse isso?

— Você não é uma de nós.

— Bem, que revelação incrível!

— Não sabe nada sobre nossas tradições.

— Oh, pelo amor de Deus...

Ela começou a se virar. Hakim segurou-lhe o braço. Megan sabia que aquele era um delito capital em Suliyam. Não era apenas uma mulher, era a esposa do rei.

Seu coração disparou. Estava sozinha num lugar que parecia ser secreto, com um homem que a odiava com toda sua alma.

— Tire sua mão de mim — ordenou ela com firmeza —, ou meu marido irá saber disso.

— Você o enfeitiçou — disse Hakim com desprezo.

— Não me ouviu? Solte-me!

— Ele acha que ama você.

— Ele me ama. E eu o amo. Agora, tire sua mão de mim.

—Amor. — Hakim falou em tom de zombaria. — O que isso significa?

— Tudo, mas você não entenderia.

— Amor é uma fantasia ocidental. O que acreditamos aqui é em...

—Tradição? Como, por exemplo, casar a prima do sheik com um homem que ela não ama? A única coisa que pode resultar desta tradição é a dor de um coração partido.

Hakim aproximou-se mais. Megan tremeu. Nunca tinha visto tanto ódio no rosto de uma pessoa.

— A mulher se chama Alayna. Estava noiva.

— Sim, de um homem que não amava. Isso é fascinante, mas não tem nada a ver comigo.

— No começo, quando ela foi ao lorde Qasim suplicar-lhe misericórdia, ele negou. Entendia o significado de tradição.

— Mas ele mudou. É por isso que você me odeia, Hakim? Porque acha que sou responsável por essa mudança?

— Ele mudou de idéia depois que você chegou ao palácio.

— Perturba-o saber que o rei tem um coração?

— Você está interferindo no nosso modo de vida.

— Isso não é verdade.

— Casou-se com lorde Qasim.

— Sim. E me casarei de novo com ele. Você é tão cego que não pode ver que o mundo está mudando? Só porque sou estrangeira...

— Nosso rei já é noivo. — Megan o olhou.

— O quê?

— De Alayna. Eles foram prometidos um para o outro assim que nasceram.

O que ela havia dito para Caz naquela manhã? Há coisas que não sabemos um sobre o outro... E ele sorrira, falando que tinham a vida inteira para descobrir aquelas coisas...

— Noivado não é casamento — replicou Megan, mas sua voz tremeu. — Obviamente meu marido mudou de idéia. Casou-se comigo, não com Alayna.

— Ele disse que se divorciaria. Mas não fez isso. Você o enfeitiçou.

— Não vou ouvir mais...

— A família de Alayna não vai tolerar tamanho insulto. Não permitirá que ela seja desgraçada.

— Você não entende? Alayna não queria este casamento. Ela ficará radiante! A família vai entender.

— Você é uma tola, srta. O'Connell — disse Hakim. — Alayna não será capaz de manter a cabeça erguida. A família terá de tomar alguma atitude em relação ao que sheik Qasim fez, ou ela jamais encontrará outro marido.

— Mesmo se for verdade, não sou responsável por isso. Você mesmo falou que meu marido já prometeu ajudar Alayna.

— Somente depois de conhecer você, casar-se e se recusar a se divorciar.

— Ouça, meu marido não quer o divórcio. Ele quer...

— Você. Sim. E, para isso, vai desonrar uma garota diante de uma família importante, do povo inteiro.

Megan deu uma risada trêmula.

— Você fala como se eu fosse derrubar o trono!

— Talvez faça isso — concordou Hakim. — Mas, no mínimo, impossibilitará lorde Qasim de implementar as mudanças que lutou tanto para conseguir.

— Você está errado — respondeu Megan, desesperada. — Estive em todas aquelas reuniões. As idéias do sheik foram bem recebidas.

— Sim, mas agora ele vai perder o respeito de todos. Está quebrando tradições de séculos que governam com quem deve se casar, quem deve sentar-se ao seu lado como rainha, quem lhe dará os herdeiros ao trono.

— Mentiras! O pai de Qasim se casou com uma estrangeira também.

— Somente depois da morte da primeira esposa. — Hakim inclinou-se para mais perto. — Você colocou o sheik em grande perigo.

— Perigo? — Megan sentiu os joelhos fraquejarem. — Como... ele pode estar em perigo?

— Somos pessoas de tradições antigas. A única maneira de suavizar a mancha da desonra é com sangue.

— Não. — Ela meneou a cabeça. — Não acredito nisso. Qasim mudou as coisas aqui.

— Tradições não mudam tão facilmente quanto planos para estradas e hospitais.

— Vou falar com ele. Perguntar se...

— Acha que ele vai lhe contar o que está arriscando por você? — Hakim a encarou com fúria. — Você alega amar o sheik. Talvez ame. Então, eu lhe pergunto: ama-o o bastante para desistir dele, ou vai esperar até que ele perca o trono, o reinado... a vida?

 

Horas depois, uma eternidade depois, Megan estava deitada na cama ao lado de Caz.

A noite estava escura e silenciosa, as ondas do mar batendo na praia.

Ela sabia o que tinha de fazer, e que já deveria ter feito, mas queria mais uma noite, mais uma lembrança para aquecê-la durante os anos solitários que viriam.

Eles fizeram amor. Pela última vez, seu coração continuava dizendo.

Cada beijo, cada carícia, fora preenchida com a dor do que sabia que tinha de fazer. E estava na hora. Antes que perdesse a coragem.

Mas antes... um último beijo...

Megan roçou os lábios sobre a boca sonolenta de seu marido. Ele aprofundou o beijo, e ela quase se perdeu.

Quase.

Saiu dos braços dele, pegou o roupão aos pés da cama, vestiu-o e se levantou.

— Caz?

Caz suspirou e deitou-se de bruços.

— Caz, acorde. Preciso falar com você.

— Hmm. — Ele se virou e olhou-a com um sorriso. — O que está fazendo, kalila? — Volte aqui — disse, estendendo uma das mãos. — É madrugada.

— Precisamos conversar.

— Você não consegue dormir? Aposto que sei uma maneira de relaxá-la. — O sorriso tornou-se sexy.

As pernas de Megan estavam tremendo. Queria se sentar, mas sentar-se perto dele acabaria com sua determinação.

— Telefonei para minha familia, Caz. Contei a eles sobre nós.

Ele a olhou.

— E?

— E... e...

— E eles não aprovam.

Ele viu a surpresa no rosto dela, mas tinha esperado pela preocupação da família de Megan. Se tivesse uma filha e ela anunciasse que havia se casado com um desconhecido, rei de um país no fim do mundo, ele também não aprovaria.

— Não. Eles não aprovam.

Caz se sentou contra os travesseiros, as cobertas abaixo do umbigo.

— Megan. Ouça-me...

— Eles... levantaram diversas questões válidas.

— Questões válidas?

— Sim. Perguntaram como eu me sentiria em viver aqui em vez de na América. Viver... com pessoas tão diferentes de mim.

— Quem são eles? — O tom de Caz era neutro. — Você discutiu Suliyam e eu com sua família inteira?

— Não. Na verdade, só falei com Sean — disse ela, citando o nome de seu irmão. — Mas ele me deu um conselho que todos me dariam, tenho certeza.

— E que conselho foi este?

— Que eu vá para casa. Reflita melhor.

Caz permaneceu em silêncio por um longo momento. Então, afastou as cobertas, pegou sua calça e vestiu-a.

— Vamos ser mais diretos. Você vai para casa e não volta mais. Estou certo?

Lágrimas queimavam os olhos de Megan, mas ela não podia derramá-las.

— Megan? Estou certo? Você está me deixando?

Oh, não. Como posso deixá-lo, meu amor? Como posso viver sem você...

— Sim, estou.

Ela não soubera bem que reação esperar, mas não tinha sido aquela. A expressão fria. Os olhos vazios. A terrível imobilidade.

— Eu gostaria... que pudesse ser diferente, mas...

— Eu não gostaria.

Megan enrijeceu.

— Não?

— Não. — Caz rodeou a cama e foi para o closet. — Na verdade, é um alívio — acrescentou, voltando ao quarto enquanto vestia uma blusa de moletom. — Perdi a noção das coisas quando sugeri casamento. Você tem razão. Não teria dado certo. Não temos nada em comum, exceto na cama.

Aquilo doeu. Ele estava se defendendo da humilhação ou dizendo a verdade? Não importava. Era assim que tinha de acabar.

— Quero que você saiba... que apreciei nosso tempo juntos — murmurou ela com a voz trêmula. — Foi... foi...

— Sim — interrompeu ele friamente. — Foi.

Caz pegou o telefone e apertou um botão.

— Hakim? Mande aprontar meu avião. Sim, agora. A srta. O'Connell vai voar para os Estados Unidos. Mande alguém vir buscá-la. — Ele desligou e voltou-se para Megan. — Acho que é melhor você partir imediatamente, Megan. Seu irmão irá querê-la entre as pessoas civilizadas o mais breve possível.

Ele começou a ir para a porta. Megan deu um passo.

— Caz? Por favor, não vá embora. Eu quero...

— O que você quer? — Caz virou-se, e agora Megan podia ver a raiva nos olhos dele. — Uma rodada final entre os lençóis? Outro lembrete de como é estar nos braços de um bárbaro?

— Isso é cruel! Eu nunca...

Ele se aproximou, a expressão irada.

— Mencionei que nosso casamento pode ser dissolvido num estalar de dedos? Essa é uma das vantagens de ser homem em meu país. Se um marido não quer uma esposa, basta dizer isso a ela. Eu não a quero mais como esposa, Megan O'Connell. Vou me divorciar de você.

— Quer dizer que durante todo tempo, a qualquer momento, você poderia...

— Sim, a qualquer momento — confirmou ele.

Por que aquilo deveria chocá-la? Entretanto, chocava. As palavras faladas com facilidade, a percepção de que não passara de um brinquedinho, a preencheram de fúria.

— Cretino — exclamou Megan e deu-lhe um tapa no rosto.

Caz segurou-lhe o pulso, girou-o até fazê-la arfar.

— Volte para o lugar ao qual pertence, Megan O'Connell. Para onde a vida é segura e onde nada pode machucá-la. — Caz a puxou para frente, tomou-lhe a boca na sua. Megan sentiu o gosto dele, o gosto de sal, o gosto de sangue...

E então ele partiu e ela estava sozinha, e uma vida inteira que experimentara em poucas semanas não passava de um sonho.

 

                                   CAPÍTULO TREZE

Briana O’Connell estava inclinada contra a geladeira de sua irmã, inspecionando as prateleiras e reclamando.

— Honestamente, Meg, não há nada para comer aqui! — Megan, sentada no sofá da sala de estar, circulava anúncios de emprego nos classificados de Sunday Times.

— A menos que você pense que ricota é comestível. Ou iogurte.

Megan virou a página, circulou outro anúncio.

— E o que é esta coisa verde? Eca!

Restava somente uma coluna de anúncios, e nenhuma proposta decente até aquele momento.

— Megan. — Bree fechou a porta da geladeira. — Amo muito você, querida, mas seu gosto por comidas deixa a desejar. Está me ouvindo?

— Fale baixo, Los Angeles inteira está te ouvindo — replicou Megan. — Peça uma pizza.

— Boa idéia. — Bree pegou o menu da pizzaria que estava preso à geladeira por um ímã, e foi para sala. — Que tal pizza de alho, azeitonas, bacon, anchovas, lingüiça...

Megan olhou para cima. Bree sorriu.

— Eu sabia que isso chamaria sua atenção — disse ela. — Largue este jornal, e vamos sair para comer.

— Não estou...

— Com fome, eu sei. — Bree sentou-se numa poltrona oposta ao sofá. — Bem, quem estaria, considerando a escolha de delícias em sua geladeira?

Megan suspirou.

— Você quer anchovas e bacon. Vá em frente, peça.

— Nem eu mesma sou tão louca. — Briana recostou-se. — Então, como vai sua procura de empregos? Alguma coisa boa, hoje?

Megan largou a caneta e olhou para sua irmã.

— Não.

— Ninguém quer assessores financeiros em Los Angeles?

— Eles querem assessores financeiros que aceitem o salário de contadores.

— Significando?

— Significando que sou qualificada demais. — Megan se levantou. — Que tal se eu pedir a pizza?

— Tudo bem. Só não peça bacon e anchovas. Nem...

— Lingüiça. — Megan sorriu. — Não se preocupe. Não sou louca também.

Briana sorriu de volta. Então, também se levantou, deixou a porta aberta para o entregador de pizza e seguiu Megan para cozinha.

— E quanto ao seu diploma em economia? — perguntou ela, depois que Megan telefonou e fez o pedido. — Por que não procura um emprego neste campo?

— Eu já lhe disse a razão.

— Não disse. — Bree abriu a geladeira e pegou uma caixa de suco de laranja. — Falou que Tremont, Burnside e Macomb não lhe dariam uma referência decente.

— Então? Esse é o motivo.

— Mas não explicou por que eles não dariam uma referência decente. Sempre pensei que você fosse boa no seu trabalho.

— Eu sou.

— Mas? — Megan hesitou.

— Mas desisti de um trabalho no meio.

— Isso não se parece com você. — Bree cheirou o suco. — Este suco está velho.

Megan pegou a caixa, jogou o conteúdo na pia.

— Você devia ter me avisado que vinha, Bree. Não tive tempo de fazer compras.

— Eu não sabia que viria, lembra? Não podia imaginar que o avião iria aterrissar aqui por causa do mau tempo no Colorado. — Briana mordiscou o lábio. — Se você quiser, vou para um hotel...

— Não! — Megan abraçou sua irmã. — É claro que não quero isso. Só estou... um pouco nervosa.

— Sim, eu notei — concordou Bree, afastando-se e cruzando os braços. — Então, por que você desistiu?

— Oh, bem... simplesmente desisti.

— Tente de novo.

— Eu não estava me dando bem com o cliente. E... decidi que seria melhor para todos se eu...

— Lembra-se de quando éramos crianças? E usei uma das saias de Fallon, enquanto ela vivia me dizendo para não tocar nas roupas dela?

— Bree, o que está tentando dizer...

— Queimei a saia, fazendo um furo no tecido. Donny fez isso, tentando se exibir com um cigarro... Certo, vou chegar ao ponto. Eu estava apavorada que Fallon descobrisse o que eu tinha feito, e você ficou com pena de mim e tentou assumir a culpa, o que não deu certo, porque Fallon deu uma olhada para seu rosto...

— Oh, pelo amor de Deus! Por que está falando tudo isso?

— Só estou dizendo que você não sabe mentir. O que houve entre você e seu cliente é muito mais do que está me contando.

Megan olhou para sua irmã.

— Não precisa ligar para empresa aérea de hora em hora?

— Liguei vinte minutos atrás.

— Certo. Bem, acabei de me lembrar, tenho uma hora com um caçador de talentos que contatei...

— No domingo? — Bree sorriu docemente. — Acho que não.

— Ouça, Briana...

— Ouça você, Megan Nicole O'Connell! Quando vai me contar o que está acontecendo? Um mês atrás, você deixou um recado misterioso na minha secretária eletrônica...

— Não havia nada de misterioso sobre o recado.

Bree arqueou as sobrancelhas e deu sua versão da mensagem na secretária:

— Oi, aqui é Megan. Estou indo para um lugar que você nunca ouviu falar, e só Deus sabe quando voltarei, e vou trabalhar com um homem que é absolutamente maravilhoso...

— Eu nunca disse isso! — Briana deu um sorriso triunfal.

— Não precisou. Foi para Suliyam, e seu cliente era o sheik Qasim. E, oh, se ele não é maravilhoso, ninguém mais é.

Megan plantou as mãos nos quadris.

— Como você sabe de tudo isso?

— Li, numa daquelas revistas de executivos, um artigo sobre ele trabalhando com uma assessora financeira de Tremont, Burnside e Macomb. E, antes que você pergunte por que li esse tipo de revista, eu estava na sala de espera do consultório dentário, e não havia Cosmos e Elles lá.

— Agora, quem é a mentirosa?

— Não tente mudar de assunto. Ele é?

Megan suspirou. Ele é o quê?, seria a resposta certa. Mas sabia que só estava adiando o assunto. Sua irmã era irritantemente persistente.

— Sim. Ele é absolutamente maravilhoso.

— Eu sabia!

— E dai? Ser maravilhoso não é tudo.

— Oh.

O "oh" era repleto de significado. Megan recusou-se a morder a isca. Em vez disso, abriu o armário e pegou dois pratos.

— Aqui. Arrume a mesa para que possamos comer assim que a pizza chegar.

— Alguma coisa aconteceu — afirmou Bree. — Entre você e o sheik.

— Eu lhe disse o que aconteceu. Nós não nos demos bem. Você vai ficar parada aí, Bree? Pegue os guardanapos, pegue...

— Você teve um caso com ele. — Megan olhou para sua irmã.

— Desista.

— Estou certa. Ele era bom?

— Não vou discutir Caz com você.

— Caz, é?

— Está perdendo seu tempo.

— Estou?

— Sim. O que aconteceu em Suliyam não significou nada. Parei de pensar sobre isso e não quero falar no assunto. — A voz de Megan tremeu. — Está me ouvindo, Briana? Não vou falar sobre isso — disse ela e caiu em prantos.

— Oh, querida! — Briana correu para o lado da irmã e passou um braço ao redor de seus ombros. — Sinto muito. Eu só estava provocando. Não esperava...

— Não. Nem eu.

Megan enterrou o rosto nas mãos e chorou. Não tinha chorado nenhuma vez desde que deixara Caz. No dia seguinte que chegara, havia ido trabalhar e dito calmamente a Simpson que sentia muito, mas teria de cancelar seu contrato com Suliyam.

Simpson, como ela antecipara, ficara radiante.

— Neste caso, você está despedida. — Megan tinha antecipado isso também.

A única coisa que não antecipara era o vazio em seu coração, as questões que lhe atormentavam a mente. Era verdade? Caz teria planejado tirá-la de sua vida, ou só dissera aquelas coisas terríveis porque ela o ferira? Disse a si mesma que não importava... o que contava era que tinha saído de Suliyam, que ele estaria seguro. Mas importava.

Caz não a amara? Ela não fora seu mundo, a luas e as estrelas, como ele fora o dela?

Megan podia manter aqueles pensamentos adormecidos durante o dia. Entrevistas, reuniões, telefonemas para ex-colegas da faculdade e pessoas com quem havia trabalhado a mantinham ocupada. As noites eram cruéis.

Permanecia acordada, lembrando-se de Caz com seu corpo, coração e mente. A sensação de estar nos braços dele, o gosto único. O jeito que Caz a abraçava e conversava sobre os planos que tinha para seu povo.

Sonhava com ele, ansiava por ele, sentia dor por ele. Mas não havia chorado, até aquele momento.

Bree a conduziu para o sofá, sentou-se ao seu lado e manteve um braço ao seu redor até que não houvesse mais lágrimas. Então, Megan enxugou os olhos com um dos guardanapos que ainda estava dobrando.

— Desculpe. Não sei o que aconteceu agora. — Bree pegou-lhe a mão.

— Você está bem? — Megan assentiu.

— Agora me conte o que o imbecil fez com você.

— Não é culpa dele. Eu... nós... eu pensei que tivesse me apaixonado por Caz e... — Megan suspirou. — Eu me apaixonei. E foi um erro.

— Porque ele não a amava?

— Não é tão simples assim. Ele se casou comigo e...

— O quê?

— Ele fez isso para me salvar. É uma longa história e não importa, porque o casamento não era real. Era para mostrar aos outros, entende?

— Não — disse Bree. — Não entendo.

— Eu lhe disse, não era real. Ou talvez tenha sido, mas só por um tempo, até que ele dissolveu isso.

— O homem é maravilhoso, mas desprezível.

— Não é. Você não sabe nada sobre ele.

— Sei que ele a forçou a um casamento só para que...

— Não foi assim.

Megan e Briana se levantaram.

— Sean? — murmurou Bree.

Megan não disse nada. Como poderia? Não foi a visão de seu irmão parado à porta aberta que a deixou sem fala.

O que a deixou totalmente imóvel foi o homem atrás dele.

Era Qasim. Maravilhoso. E zangado também.

— Qasim? — sussurrou ela.

— Sim. — Ele tentou entrar, mas Sean não permitiu.

— Você está no meu caminho, O'Connell — disse Caz com frieza.

— Deliberadamente — replicou Sean no mesmo tom frio. — E ficarei, até que minha irmã peça que eu me mova.

— Ela não precisará fazer isso. Eu mesmo movo você.

— Venha. — Sean virou-se e ergueu os punhos. — Adoraria que você tentasse.

— Ouça, seu idiota...

— Parem! — Os homens olharam para Megan, que deu um passo à frente. — Parem com isso, os dois. E o que estão fazendo aqui?

— Por que você não deixa sua porta trancada?

— Não responda minha pergunta com outra! O que vocês estão fazendo aqui?

Sean cruzou os braços.

— Este tolo apareceu na minha porta ontem. Eu estava no meu apartamento em Nova York, e...

— E eu lhe fiz algumas perguntas — complementou Caz.

— Não entendo. O que você poderia querer com meu irmão? Como o encontrou?

Caz cruzou os braços também.

— Tenho meios.

— Meios! — zombou Sean. — Ele olhou na lista telefônica, Meg. Foi assim que me encontrou.

— Mas... para quê? — Ela olhou para Caz. — Por que você foi ver o meu irmão?

— Já disse, eu tinha perguntas. E ele não foi capaz de respondê-las.

Megan meneou a cabeça.

— Não sei do que você está falando.

— Sim, sabe. — Caz a encarou. — Perguntei ao seu irmão exatamente o que você tinha dito a ele na noite em que lhe telefonou.

— Oh. — Megan sentiu-se enrubescer. — Bem... eu... não vejo por que isso lhe interessa.

— Não vê? Vou explicar, Megan. Você disse que me deixou por causa do que ele lhe falou. — A boca de Caz se estreitou. — Do que ele supostamente lhe falou.

Megan engoliu em seco.

— E daí?

— Por que uma mentira tão elaborada? Tudo que você precisava fazer era dizer que queria terminar nosso casamento.

— Casamento? — A voz de Sean soou aguda. — Que casamento? Ouça, Qasim ou Caz, ou qualquer que seja seu nome, você nunca mencionou nada sobre...

— Que diferença faz? — perguntou Megan, os olhos fixos em Caz. — Nosso casamento acabou. Você se certificou disso. Divorciou-se de mim, lembra?

— Estão todos loucos? Bree, sobre o que ela está falando? Nossa Megan estava casada?

— Sua Megan está casada — respondeu Caz.

— Não estou. Você dissolveu nosso casamento.

— Não é verdade.

— Mas você disse...

— Eu menti. — Megan piscou.

— Mentiu?

— Isso mesmo. — Caz suspirou. — Admito, nem mesmo em Suliyam o divórcio é tão simples assim. Precisa haver testemunhas para a declaração, papéis assinados...

Ela o fitou.

— Então nós não estamos...

— Não estamos. Você ainda é minha esposa.

— Foi por isso que veio aqui? Para me dizer que ainda estamos casados, e que quer um divórcio de verdade?

— Sabe, kalila, para uma mulher inteligente, você pode ser terrivelmente tola.

— Ei! Não fale assim de minha irmã...

— Ela é minha esposa — replicou Caz. Olhou para Megan e sua voz suavizou: — E você vai continuar sendo minha esposa, porque não permitirei que me abandone.

— Eu já o abandonei. — Megan tentou controlar as batidas frenéticas de seu coração. E daí que Caz a queria de volta? E daí se, por algum milagre, a amasse? Ela o amava demais para arriscar-lhe a vida, o trono, tudo pelo que Caz lutara para conseguir para seu povo. — E por que você demorou quatro semanas para me falar isso? Por que procurou meu irmão em vez de me procurar?

— Demorei tanto tempo porque deixei meu orgulho interferir. E procurei seu irmão porque pensei que ele a tivesse convencido a me deixar. — Caz sorriu. — Decidi que tinha duas escolhas, kalila. Fazê-lo mudar de idéia... ou destruí-lo com uma surra.

Sean começou a falar, mas Caz o ignorou.

— Lembra-se da última vez que fizemos amor? — Os olhos dele escureceram. — Como permanecemos abraçados depois? A maneira que você me beijou?

— Oh, não — murmurou Sean. — Não quero ouvir isso.

— Então não ouça — disse Bree, e deu um beijo no rosto de Megan. — Sean e eu estamos indo embora.

— Não estamos — negou Sean. — Não vou embora até...

— Eu amo você, Megan — declarou Caz, interrompendo a voz de Sean. — E você me ama.

— Eu não posso. Hakim falou...

— Hakim mentiu.

— Não. Ele contou a verdade. — Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto dela. — Eles vão se vingar... a família de Alayna.

— Ninguém quer vingança, querida. Os tempos antigos acabaram. Hakim não pode aceitar isso — explicou Caz. — Quando eu disse ao pai de Alayna que não ia haver casamento, ele ficou aliviado. Ama a filha. Teria renegado o acordo muito tempo atrás, mas temeu me desacatar.

— Oh,Caz.

Caz olhou para Sean.

— Você precisa sair do meu caminho — murmurou educadamente. — Bater num cunhado que conheci oito horas atrás não é um bom começo, mas serei obrigado a fazer isso se você me mantiver longe da minha esposa por mais um momento.

Sean abriu a boca, então a fechou. Estudou Megan, cujos olhos brilhavam com lágrimas, mas cujo sorriso falava de uma imensa felicidade.

— É melhor cuidar bem da minha irmã, amigo, ou terá de lidar comigo e mais dois irmãos que a amam tanto quanto começo a pensar que você a ama.

Caz sorriu e estendeu a mão.

— Combinado.

— Combinado? — Megan tentou parecer indignada. — Agem como dois machões, depois apertam as mãos e dizem que estão combinados, e ninguém pensa em me perguntar o que quero?

Caz passou por Sean e se aproximou dela.

— Vou lhe perguntar agora, esposa. O que você quer?

Megan fitou os olhos do marido.

— Você — sussurrou. — Oh, Caz, eu quero você. Para sempre, com todo meu coração.

Sean gesticulou a cabeça em direção à porta. Bree enxugou os olhos e assentiu. Eles saíram e fecharam a porta, e Megan correu para os braços de seu marido.

 

Mary O'Connell Coyle queria realizar o casamento no hotel Desert Song, em Las Vegas.

— Mamãe — começou Megan cuidadosamente —, Caz e eu pensamos...

— Se é isso que sua mãe quer, kalila, tudo bem — murmurou Caz. Piscou-lhe e tirou algumas fotografias do bolso. — Quer dar uma olhada nisso, Mary?

Mary olhou as fotos do palácio perto do mar. Então, sorriu para seu novo genro e disse que uma das maiores vantagens de ser mulher era que se podia mudar de idéia a qualquer minuto que quisesse.

Foi, é claro, um casamento de conto de fadas. As ondas do mar batendo suavemente na praia. O palácio branco brilhando contra o céu muito azul. As paredes de mármore, os tapetes de seda...

— Não é maravilhoso, Dan? — Mary sussurrou para seu marido, logo antes que ele levasse a enteada ao longo do corredor. — Minhas meninas parecem princesas.

Ele concordou, elas pareciam.

Briana e Fallon eram madrinhas de Megan. Fallon estava grávida, exibindo sua linda barriga.

Cassie e Marissa, as cunhadas de Megan, também estavam presentes, assim como Cullen, Keir, Sean e Stefano. Depois de se certificarem que Qasim a amava, o clã O'Connell inteiro tinha recebido Caz de braços abertos.

Tudo transcorreu com tranqüilidade. Até mesmo os bebês O'Connell ficaram quietinhos e observaram Megan alcançar o altar no braço de seu padrasto. Ele a beijou, entregou-a para Qasim, e o olhar de Qasim ao sorrir para a noiva fez Mary chorar.

Ela pegou a mão de Dan quando ele se sentou ao seu lado.

— Minha filha querida está tão linda — sussurrou entre lágrimas.

Dan sorriu.

— Sim, está.

Dan tirou um lenço do bolso e entregou para esposa.

— Aqui está, condessa.

— Eu amo você, Dan Coyle — sussurrou Mary sorrindo. — E hoje não é um dia perfeito?

 

Um dia perfeito, pensou Sean, observando as festividades. Bem, claro, se você gostasse daquele tipo de coisa, mas por que um homem desistiria de sua liberdade? Mulheres eram criaturas maravilhosas, e era fantástico que duas de suas irmãs tivessem encontrado homens que as adoravam, que seus irmãos tivessem encontrado mulheres que os adoravam.

Eles estavam felizes. Sean estava feliz por eles.

Mas esse tipo de felicidade não era para ele.

Desistir da vida que amava? Da liberdade de ir e vir sem dar satisfações a ninguém? Permanecer dentro das mesmas paredes todas as noites? Um emprego regular das nove às cinco?

Acima de tudo, abrir mão da excitação de ver lindas mulheres, da sensação ardente de encontrar-lhe os olhos e saber que logo estariam na cama com você?

A conquista era tudo.

Para ele, pelo menos. E isso nunca mudaria.

Sean voltou a atenção para sua irmã. Megan olhava para Caz como se ele fosse o centro de seu universo. Caz a olhava da mesma maneira. Sean sentiu-se como um antropologista numa cerimônia tribal, assistindo a um ritual dos nativos que não podia compreender.

O juiz de paz sorriu para os noivos.

— É com prazer que eu os declaro marido e mulher.

Todos aplaudiram, inclusive Sean.

Estava aplaudindo a felicidade de sua irmã, é claro.

E, se estava também aplaudindo sua própria independência, isso não era problema de ninguém, mas somente seu. 

 

                                                                  Sandra Marton

 

 

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