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RENDIÇÃO DE SUZANA / Nora Roberts
RENDIÇÃO DE SUZANA / Nora Roberts

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

RENDIÇÃO DE SUZANA  

 

                   Bar Harbor, 1965

Assim que a vi minha vida mudou. Passaram mais de cinqüenta anos desde aquele momento, e já sou um homem velho de cabelo branco e corpo frágil. Entretanto, minhas lembranças transbordam cor e força.

Desde que sofri o ataque ao coração, tenho que descansar todos os dias. Por isso fiquei aqui, na sua ilha, onde tudo começou para mim. Mudou, igual a mim. O grande incêndio do quarenta e sete destruiu muito. Chegaram edifícios novos e também pessoas novas. Os carros lotam as ruas sem o encanto do atraio das carruagens. Mas sou afortunado de poder vê-la como foi e como é.

Meu filho agora é um homem, um bom homem que escolheu ganhar a vida no mar. Jamais nos entendemos, mas mesmo sim nos levamos bem. Tem uma mulher boa e um filho. O jovem Holt me produz um júbilo especial. Possivelmente é porque se parece comigo com grande claridade. A impaciência, o fogo, as paixões que uma vez foram minhas. Possivelmente o também sinta e deseje muito. Mas não posso lamentá-lo. Se pudesse lhe dizer uma só coisa, insistiria em que se aferrasse à vida e tomasse o que esta lhe oferecesse.

Minha vida foi plena e dou obrigado pelos anos que tive com a Margaret. Eu já não era jovem quando se casou comigo. O que compartilhamos não foi um resplendor, a não ser o calor sereno de um fogo controlado. Brindou-me com carinho e eu espero lhe haver dado felicidade. Se foi a quase dez anos, e as lembranças que tenho dela são doces.

Entretanto, é a lembrança de outra mulher o que me persegue. É uma lembrança dolorosamente clara, completa. O tempo não pode consumi-la. Os anos não mitigaram a imagem que tenho dela nem alteraram um ápice o amor desesperado que senti. Sim, que ainda sinto...que sempre sentirei. Embora esteja perdida para mim.

Possivelmente agora que estive tão perto da morte possa me abrir outra vez a ele, me permitir recordar o que nunca fui capaz de esquecer. No passado foi muito doloroso, e afoguei a dor em uma garrafa. Quando ali não encontrei consolo, enterrei minha vida no trabalho. Voltei a pintar e viajei. Mas sempre, sempre retornava aqui, onde uma vez tinha começado a viver. Onde sei que algum dia morrerei.

Um homem ama dessa maneira só uma vez, e unicamente se for afortunado. Para mim, foi Bianca. Sempre foi Bianca.

Era junho, o verão de mil novecentos e doze, antes de que a Grande Guerra rasgasse o mundo. O verão da paz e a beleza, da arte e a poesia, quando o povo de Bar Harbor se abriu aos ricos e lhe brindou refúgio aos artistas.

Ela apareceu nos penhascos onde eu trabalhava, segurando a mão de um menino. Com o pincel ainda entre os dedos, afastei a vista da tela, imbuído ainda do estado de ânimo do mar e do quadro. Aí estava, esbelta e bela, com o cabelo banhado pelo crepúsculo. O vento o agitava junto com a saia do vestido de cor azul pálida que levava. Tinha os olhos da cor do mar que com tanta fúria eu tentava passar para o tecido. Observaram-me, curiosos, precavidos. Sua pele exibia a palidez e luminosidade dos irlandeses.

Assim que a vi, soube que devia pintá-la. E acredito que soube, enquanto nos erguíamos ao vento, que deveria amá-la.

Desculpou-se por interromper meu trabalho. Sua voz suave e cortês tinha a leve deixe musical da Irlanda. O menino que já tinha passado a seus braços era seu filho, chamava-se Bianca Calhoun e era a mulher de outro homem. Sua casa do verão se achava acima. As Torres, o magnífico castelo que Fergus Calhoun tinha construído. Embora eu levava pouco tempo no Mount Desert Island, tinha ouvido falar do Calhoun e de seu lar. Certamente, tinha admirado suas linhas arrogantes e chamativas, as torres e os parapeitos.

Um lugar assim fazia honra à mulher que tinha diante. Possuía uma beleza atemporal, uma firmeza serena, uma graça que jamais se poderia adquirir pelo ensino, e paixões contidas que ferviam em seus olhos verdes e grandes. E, já estava apaixonado, mas então só era pela sua beleza. Sendo um artista, queria interpretar essa beleza a minha própria maneira, ao óleo ou ao lápis-carvão. Possivelmente a assustei ao olhá-la tão fixamente. Mas o menino, cujo nome era Ethan, mostrava-se intrépido e amigável. Ela parecia tão jovem, tão imaculada, que me custou acreditar que era dele, e que além disso tinha outros dois filhos.

Aquele dia não ficou muito tempo, mas sim se levou a seu filho e se foi a sua casa junto a seu marido. Observei-a caminhar entre as rosas silvestres, com o sol em seu cabelo.

Aquele dia foi impossível pintar o mar. Seu rosto já tinha começado a me perseguir.

 

Não o desejava, mas sabia que terei que fazê-lo. Suzanna arrastou até a caminhonete uma bolsa de húmus de vinte e cinco quilogramas e a subiu até a parte de trás. Essa pequena tarefa física não representava o problema. De fato, agradava-lhe fazer aquela entrega, fora sua segunda parada a caminho de casa.

Era a primeira parada a que preferia ter evitado. Mas para a Suzanna Calhoun Dumont, o dever jamais se podia esquivar.

Tinha prometido a sua família que falaria com o Holt Bradford, e era uma mulher que mantinha suas promessas. "Ou tentava", pensou enquanto passava o braço sobre a testa suada. Maldição, estava cansada. Tinha trabalhado todo o dia no Southwest Harbor, trabalhando em um jardim de uma casa nova, e no dia seguinte tinha uma agenda completa. Sem contar que sua irmã Amanda se casava em pouco mais de uma semana, nem que As Torres era um caos pelos preparativos do casamento e a restauração da ala oeste. Nem sequer tinha que ver com o fato de que a esperavam dois filhos cheios de vitalidade que essa noite quereriam, e mereceriam, o tempo e a atenção de sua mãe. Nem com a papelada que se amontoava em seu escritório...nem com o fato que um de seus empregados tinha ido aquela manhã.

"Bom, queria meu negócio", recordou-se. E o tinha conseguido. Girou a cabeça para observar sua loja, fechada para a noite com a cristaleira de flores do verão, com o estufa bem atrás do local principal. Cada crisântemo, begônia e petunia eram dela, "e do banco", pensou com um leve sorriso. Tinha demonstrado que não era a perdedora incompetente que uma e outra vez seu ex-marido a tinha acusado de ser.

Tinha dois filhos maravilhosos, uma família que a amava e um negócio de paisagismo de jardins que seguia adiante. Nem sequer acreditava que nesse momento pudesse sustentar a afirmação do Bax de que era uma mulher aborrecida. Não quando se achava em uma aventura que tinha começado oitenta anos atrás.

Certamente, não era algo corriqueiro a busca de um colar de esmeraldas de valor incalculável, ou que seguissem os passos da busca alguns ladrões internacionais de jóias que não se deteriam ante nada para se apoderarem do legado de sua bisavó Bianca.

"Embora até o momento não tenha desempenhado mais que um papel secundário", refletiu enquanto subia à caminhonete. Tudo tinha se iniciado com sua irmã C.C., ao apaixonar-se pelo Trenton St.James III, dos Hotéis St. James. Ele tinha tido a idéia de transformar parte do lar familiar pressionada pelos credores em um retiro de luxo. Ao fazê-lo, a antiga lenda das esmeraldas Calhoun se filtrou numa imprensa ansiosa, provocando uma reação em cadeia, cujo curso tinha passado do absurdo ao perigoso.

Tinha sido Amanda quem estivera a ponto de morrer quando o desesperado e obcecado ladrão chamado William Livingston tinha roubado alguns papéis familiares com a esperança de que o conduziriam até as esmeraldas perdidas. E tinha sido a vida de sua irmã Lilah que tinha sido ameaçada durante a última tentativa.

Na semana transcorrida desde aquela noite, a polícia não tinha encontrado rastro algum de Livingston, ou do último nome pelo qual era conhecido, Ellis Caufield.

"É estranho como Las Torres e as Esmeraldas tinha afeitado toda sua família", pensou ao somar-se à corrente de tráfico. As Torres tinham unido C.C. e ao Trent. Logo tinha chegado Sloan O'Riley para desenhar o refúgio e apaixonar-se pela Amanda. O tímido professor de história, Max Quatermain, tinha perdido o coração pela independente irmã de Suzanna, Lilah, e ambos tinham estado a ponto de morrer. E mais uma vez o motivo era as esmeraldas.

Havia ocasiões nas que Suzanna desejava que todos pudessem esquecer o colar que outrora tinha pertencido a sua bisavó. Mas sabia, igual aos outros, que o destino do colar que Bianca tinha escondido antes de morrer era ser encontrado.

Por isso continuavam detrás de todas as pistas, explorando cada caminho poeirento. E nesse momento era seu turno. Durante a investigação levada a cabo pelo Max, este tinha descoberto o nome do artista ao qual Bianca tinha amado.

Era uma história que jamais deixava de despertar a nostalgia em Suzanna, mas devido a sua má sorte a conexão com o artista conduzia ao neto deste.

Holt Bradford. Suspirou enquanto conduzia pelas ruas lotadas do povoado. Não podia afirmar que o conhecia bem...não estava segura de que ninguém pudesse afirmá-lo. Mas o recordava de adolescente. Áspero, mal-humorado e distante. Certamente, às garotas tinha encantado sua atitude de "vá ao inferno". Atração que sem dúvida potencializava seu cabelo escuro e seus irados olhos cinzas.

Pareceu-lhe estranho ser capaz de recordar a cor de seus olhos. Embora a única vez que os tinha visto de perto ele virtualmente a tinha queimado viva com o olhar.

Disse-se que o mais provável era que tivesse esquecido a briga. Isso esperava. As brigas a agitavam e a deixavam nervosa, e já se fartara delas em seu matrimônio. Holt não guardaria nenhum rancor...tinham passado mais de dez anos. Depois de tudo, não tinha se machucado muito quando voou da moto. "Além disso, foi sua culpa", pensou erguendo o queixo. Ela tinha estado na preferêncial.

De qualquer modo, tinha prometido a Lilah que falaria com ele. Terei que seguir qualquer conexão com as esmeraldas perdidas da Bianca. Por ser o neto do Christian Bradford, possivelmente escutara alguma história.

Desde de sua volta a Bar Harbor há alguns meses atrás, tinha residido na mesma cabana em que morava seu avô durante o romance mantido com a Bianca. Suzanna era irlandesa o bastante para acreditar no destino. Havia um Bradford na cabana e vários Calhoun em Las Torres. Sem dúvida entre eles poderiam encontrar as respostas do mistério que tinha perseguido as duas famílias durante gerações.

A cabana dava à água, protegida por dois grandiosos salgueiros. A singela estrutura de madeira recordou uma casa de bonecas, e lhe deu pena que ninguém se importara com ela o suficiente para plantar flores. A grama estava recém podada, mas seu olho profissional notou que havia partes que precisavam ser replantados e que não iria mal um fertilizante em todo o lugar.

Dirigia-se para a porta quando o latido de um cão e a voz de um homem fiozeram que seu olhar se desviar-se.

Uma cais se estendia por cima da água tranqüila e escura. Amarrado se via um iate pequeno de uma resplandecente cor branca. Ele se sentava na popa e com paciência lhe tirava brilho ao latão. Não levava camisa e sua pele bronzeada se via tensa sobre os músculos brilhantes pelo suor. O cabelo negro estava ondulado por onde a gola da camisa cobriria. Pelo que podia ver não lhe parecia necessário cobrir-se com algo mais que uns jeans curtos e gastos. Notou suas mãos, esguias, de dedos largos, e se perguntou se as tinha herdado de seu avô artista.

A água batia com calma contra a embarcação. Fixou no rosto o que considerou um sorriso educado e caminhou em sua direção.

—Perdão.

Quando Holt levantou a cabeça, Suzanna engoliu em seco. Experimentou a rápida, mas vívida impressão de que se ele tivesse tido uma arma, estaria lhe apontando com ela. Em um instante tinha passado de relaxamento total a uma tensão de máxima alerta, com um tipo de violência nervosa na postura do corpo que lhe ressecou a boca.

Enquanto lutava para frear o coração que batia loucamente, notou que tinha mudado. O menino áspero nesse momento era um homem perigoso. Não lhe ocorreu outra palavra para descrevê-lo. O rosto tinha madurado e estava bem definido. A sombra de uma barba de dois dias potencializava seu aspecto duro.

Mas foram seus olhos os que voltaram a lhe ressecar a garganta. Um homem com olhos tão intensos e poderosos não precisava de nenhuma arma.

Observou-a com olhos entrecerrados, sem levantar-se nem pensar. Teve que brincar um momento para adaptar-se. Se tivesse uma arma, sabia que já a teria sacado. Esse era um dos motivos pelos que se achava ali, e pelo que agora era um civil.

Poderia haver-se obrigado a relaxar-se, sabia como fazê-lo, mas recordava o rosto dela. Um homem não esquecia esse rosto. Deus sabia que ele não o tinha feito. Em uma de suas fantasias juvenis a tinha imaginado como uma princesa, perdida e bela com um traje de seda. E ele um cavalheiro que teria matado a cem dragões para tê-la.

A lembrança lhe fez franzir o cenho.

Pensou que virtualmente não tinha mudado. A pele ainda era da palidez das rosas e o leite irlândes, o rosto de uma forma clássica. A boca tinha permanecido cheia e romanticamente suave, e os olhos desse profundo, profundo e sonhador azul, com pestanas esculpidas e exuberantes. Nesse momento o observavam com uma espécie de alarme desconcertado enquanto ele a estudava.

Levava o cabelo preso em um rabo de cavalo, mas Holt recordava como era lindo solto e loiro sobre os ombros.

Era alta, uma característica de todas as mulheres Calhoun, mas muito magra. Tinha ouvido falar que se casou e divorciado, e que ambas tinham sido experiências difíceis. Tinha dois filhos, um menino e uma menina. Custava acreditar que essa mulher tão esbelta vestida em uns jeans e uma camiseta velha tivesse dado a luz alguma vez.

Sem deixar de olhá-la, seguiu lhe tirando brilho ao metal.

—Quer algo?

Ela soltou o ar que não se deu conta de que continha.

—Lamento me apresentar desta maneira. Sou Suzanna Dumont. Suzanna Calhoun.

—Sei quem é.

—OH, bom... —pigarreou—. Compreendo que está ocupado, mas eu gostaria de falar com você alguns minutos. Se este for um bom momento...

—Sobre o que?

"Já que se mostra tão educado", pensou irritada, "vou logo ao assunto".

—Sobre seu avô. Era Christian Bradford, verdade? O artista?

—Sim, e daí?

— É uma história longa. Posso me sentar —ao ver que ele só se encolhia de ombros, dirigiu-se ao iate, que rangeu e se balançou sob seus pés—. Na realidade, começou lá por mil novecentos e doze ou treze, com minha bisavó Bianca.

—Já conheço o conto de fadas —nesse momento podia cheirá-la, flores e suor, e sentiu um nó no estômago—. Era uma mulher infeliz com um marido rico e difícil. Compensou-o com um amante. Em algum ponto, ao que parece escondeu seu colar de esmeraldas. Como um seguro se por acaso tinha pressa de partir. Mas em vez de partir para o crepúsculo com seu amante, atirou-se pela janela da torre, e as esmeraldas jamais foram encontradas.

—Não foi precisamente...

—Agora sua família decidiu começar uma busca do tesouro —continuou como se ela não tivesse falado—. Teve muita repercussão da imprensa e mais problemas do que queriam.Pelo que estou sabendo há algumas semanas tiveram certa diversão.

—Se chama diversão quase matarem minha irmã com um faca —o fogo tinha chegado até seus olhos. Não sempre era boa defendendo-se a si mesmo, mas quando se tratava de sua família, não se arredava ante ninguém—. O homem que trabalhava com o Livingston, ou como se chama agora esse canalha, esteve a ponto de matar a Lilah e a seu noivo.

—Quando se têm esmeraldas de um valor incalculável unidas a uma lenda, os ratos fazem ato de presença —conhecia Livingston. Holt tinha sido polícia dez anos, e embora tinha passado quase todo o tempo em entorpecentes, tinha lido o informe sobre o ladrão de jóias escorregadio e freqüentemente violento.

—A lenda e as esmeraldas são assunto de minha família.

—Então, para que vem ver-me? Entreguei meu distintivo. Retirei-me.

—Não vim em busca de ajuda profissional. É algo pessoal —respirou fundo, querendo ser clara e concisa—. O noivo de Lilah era professor de história no Cornell. Faz um par de meses, Livingston, sob o nome de Ellis Caufield, contratou-o para analisar os papéis familiares que nos tinha roubado.

—Não parece que Lilah tenha desenvolvido muito o gosto —seguiu lustrando o metal.

—Max não sabia que os papéis eram roubados —explicou Suzanna com os dentes apertados—. Quando o averiguou, Caufield esteve a ponto de matá-lo. Em qualquer caso, Max se apresentou em Las Torres e prosseguiu com a busca para nós. Documentamos a existência das esmeraldas e entrevistamos uma criada que trabalhou em Las Torres o ano em que Bianca morreu.

—Estiveram ocupados —Holt trocou de postura e continuou trabalhando.

—Sim. Sabemos a história de que o colar oculto e que Bianca estava apaixonada e planejava deixar seu marido. O homem de que estava apaixonada era um artista —aguardou um momento—. Se chamava Christian Bradford.

Algo titilou nos olhos dele, mas desapareceu imediatamente. Com lentidão deliberada deixou o trapo. Tirou um cigarro da caixinha, acendeu-o e logo soltou uma baforada de fumaça.

—Espera que eu acredite nessa pequena fantasia?

Suzanna tinha contado com a surpresa, inclusive o assombro. Mas tinha recebido aborrecimento.

—É verdade. Estava acostumado a reunir-se com ele nos penhascos perto de Las Torres.

—Viu-os, não? —sorriu-lhe com uma expressão próxima ao desdém—. Sim , eu também ouvi falar dos fantasmas —deu outro trago e com gesto preguiçoso soltou a fumaça—. O espírito melancólico de Bianca Calhoun, que vaga por sua casa de verão. Os Calhoun estão cheios de...histórias.

Os olhos dela se obscureceram, mas a voz permaneceu muito controlada.

—Bianca Calhoun e Christian Bradford estavam apaixonados. O verão que ela morreu, viram-se freqüentemente nestes penhascos bem debaixo Das Torres.

Isso tocou algo em seu interior, mas encolheu os ombros.

—E o que?

—Há uma conexão. Minha família não pode passar por cima nenhuma conexão, em especial uma tão vital como esta. É muito possível que lhe contasse onde tinha guardado as esmeraldas.

—Não vejo que tem que ver com as esmeraldas um flerte, um flerte sem importância, entre duas pessoas há uns oitenta anos.

—Se pudesse deixar de lado esta birra que parece ter em relação a minha família, poderíamos chegar a deduzi-lo.

—Não me interessa nenhuma das duas coisas —abriu a tampa de uma geladeira pequena—. Quer uma cerveja?

—Não.

—Bom, pois fiquei sem champanha —sem deixar de olhá-la, abriu a garrafa, atirou o anel em um cubo de plástico e deu um bom gole—. Sabe?, se pensar bem, verá que é dificil acreditar na relação de uma senhora da mansão, de educação criteriosa e rica, com o artista pobre. Não encaixa, baby. Será melhor que esqueça o assunto e se concentre em plantar suas flores. Não é isso o que faz na atualidade?

Podia enfurecê-la, mas não ia dissuadi-la de seu objetivo.

—A vida minhas irmãs se viram ameaçadas, entraram a força em meu lar. Há idiotas que entram em meu jardim e arrancam minhas roseiras —se ergueu, alta, esbelta e furiosa—. Não tenho nenhuma intenção de me esquecer do assunto.

—É seu assunto —atirou longe o cigarro antes de saltar sem esforço no barco. Oscilou sob seu peso—. Mas não espere me arrastar para ele.

—Muito bem, então. Deixarei de desperdiçar meu tempo e o seu.

Aguardou até que ela saiu do embarcadero.

—Suzanna —gostava de como soava. Suave, feminino e antigo—. Chegou a aprender a conduzir?

Com expressão tormentosa, ela retrocedeu um passo.

—Isso é o que o move? —quis saber—. Continua zangado porque caiu daquela estúpida moto e golpeou seu inchado ego masculino?

—Ele não foi o único que foi golpeado...ou arranhado ou rasgado —se lembrava de seu aspecto naquela época. Não podia superar os dezesseis anos. Tinha descido correndo do carro, com o cabelo ao vento, o rosto pálida, os olhos cheios de preocupação.

E ele tinha estado estendido no caminho, com o orgulho de vinte anos tão esfolado como a pele que o asfalto tinha arrancado.

—Não acredito —dizia ela—. Continua furioso, depois de... quanto, doze anos?, por algo que claramente foi sua culpa.

—Minha culpa? —inclinou a garrafa em sua direção—. Foi você quem me atropelou.

—Nunca atropelei ninguém. Caiu.

—Se não tivesse jogada a moto no chão, teria me atropelado. Não olhava por onde ia.

—Tinha prioridade de passagem. E você estava muito rápido.

—Tolice —começava a se sentir bem—. Ficou olhando seu belo rosto no retorvisor.

—Sob nenhum conceito. Em nenhum momento afastei a vista do caminho.

—Se tivesse tido os olhos aonde conduzia, não teria chocado comigo.

—Eu não... —calou e soltou uma maldição—. Não vou ficar aqui discutindo por algo que aconteceu a doze anos!

—Veio para para me envolver em algo que ocorreu há oitenta anos.

—Foi um engano óbvio.- teriam sido suas últimas palavras, mas um cão muito grande e muito molhado atravessou a grama dando saltos. Com dois latidos felizes o animal saltou e plantou as duas patas sujas sobre seu ombro, fazendo-a balançar.

—Sadie, desce! —enquanto emitia a ordem seca sustentou Suzanna antes de que caisse no chão. A cadela se sentou movendo o rabo—. Você está bem? —tinha-a rodeada com os braços, junto a seu peito.

—Sim, estou bem —ele tinha músculos rígidos. Era impossível não notar. Assim como era impossível não notar seu hálito ao longo da têmpora. Fazia muito tempo que um homem não a tinha nos braços.

A fez girar devagar. Por um momento, um momento muito longo, teve-a face a face, apanhada no círculo de seus braços. Baixou o olhar para os lábios dela. Uma gaivota grasnou no alto e sulcou o ar em cima da água. Sentiu o coração dela palpitar contra o seu. Uma, duas, três vezes.

—Sinto —disse ao soltá-la—. Sadie ainda se considera uma cachorrinha. Sujou sua blusa.

—Trabalho com terra —necessitando de tempo para recuperar-se, agachou-se para acariciar a cabeça do animal—. Olá, Sadie.

Holt, colocou as mãos nos bolsos enquanto Suzanna conhecia sua cadela. A garrafa seguia onde a tinha atirado, com o conteúdo vertendo-se sobre a grama. Desejou que ela não estivesse tão bonita, que a risada que soltava enquanto o cão lhe lambia o rosto não acalmasse tanto seus nervos.

Naquele momento que a teve em braços, tinha encaixado tão bem como uma vez tinha imaginado que aconteceria. Fechou as mãos nos bolsos porque desejava tocá-la. Não, isso nem sequer servia para explicar o que sentia. Queria levá-la para a cabana, atirá-la sobre a cama e lhe fazer coisas incríveis.

—Possivelmente o homem que tem um cão tão agradável não é tão mau —olhou por cima do ombro e o sorriso precavido morreu em seus lábios. O modo como a olhava, com olhos intensos e ferozes, o rosto tenso, fez que contivesse o fôlego. Ao redor dele vibrava a violência. Já tinha provado a violência de um homem e a lembrança daquilo lhe enfraquecia as pernas.

Devagar, Holt relaxou os ombros, os braços, as mãos.

—Possivelmente não —comentou com jovialidade—. Mas neste ponto é ela minha proprietária.

Suzanna se sentiu mais cômoda encarando a cadela do que seu amo.

—Temos um cachorrinho. Embora não pare de crescer e logo será tão grande como Sadie. De fato, parece muito com ela. Teve alguma ninhada faz alguns meses?

—Não.

—Mmm... Tem a mesma pelagem, a mesma forma de cara. Meu cunhado o encontrou meio morto de fome. Tinham-no abandonado.

—Eu não abandono cachorrinhos necessitados.

—Não pretendia dar a entender... —calou porque uma nova idéia tinha entrado em sua cabeça. Não era mais descabelada que procurar esmeraldas perdidas—. Seu avô tinha um cão?

—Sempre teve, estava acostumado a levá-lo aonde fosse. Sadie é uma de seus descendentes.

—Teve um cão chamado Fred? —com cuidado voltou a levantar-se..

Holt já sabia com claridade que não gostava do rumo que começava a tomar a conversação.

—O primeiro cão que teve se chamava Fred. Foi antes da Primeira guerra mundial. Pintou-o em um quadro. E quando Fred se dedicou a inseminar parte da vizinhança canina, meu avô ficou com um casal de cachorrinhos.

Suzanna esfregou umas mãos súbitamente úmidas nos jeans. Necessitou de todo seu controle para manter a voz baixa e firme.

—O dia antes de que Bianca morresse, levou um cachorrinho para casa, para seus filhos. Um pequeno animal negro ao que batizou Fred —viu que a expressão dos olhos dele mudava e que dispunha de sua atenção—. O tinha encontrado nos penhascos...os mesmos aos que ia reunir-se com o Christian —umedeceu os lábios—. Meu bisavô não deixou que o cão ficasse. Discutiram por isso, uma discussão bastante séria. Pudemos encontrar a uma criada que tinha trabalhado para eles e presenciado essa discussão. Ninguém estava certo do que tinha acontecido a esse cão. Ate agora.

—Embora fosse verdade —comentou Holt devagar—, não muda a realidade. Não há nada que eu possa fazer por você.

—Pode pensar nisso, tratar de lembrar se ele disse algo alguma vez, se te deixou algo que pudesse ajudar.

—Já tenho suficiente no que pensar —afastou alguns passos. Não queria ver-se envolto em nada que o pusesse uma e outra vez em contato com ela.

Suzanna não o questionou. Tinha o olhar cravada na cicatriz que ia do ombro até quase a cintura. Holt se voltou, topou-se com o olhar horrorizado e ficou rígido.

—Sinto muito, se soubesse que viria teria vestido uma camisa.

—Que...? —teve que engolir o nó de emoção que fechava sua garganta—. O que lhe aconteceu?

—Fui polícia uma noite a mais que devia —não desviou os olhos de seu rosto—. Não posso ajudá-la, Suzanna.

Ela conteve a compaixão que sem dúvida ele odiaria.

—Não quer fazê-lo.

—O que preferir. Se quisesse escavar os problemas dos outros, ainda estatria no corpo de polícia.

—Só te peço que pense um pouco, que nos comunique se recordar algo que possa nos ser de ajuda.

Começava a impacientar-se. Holt considerava que já lhe tinha dado mais do que lhe correspondia por um dia.

—Era um menino quando ele morreu. Acredita mesmo que ele teria contado suas aventuras com uma mulher casada?

—Você faz parecer sórdido.

—Algumas pessoas não consideram romântico o adultério —encolheu os ombros. Seja como for, para ele não representava nada.

—Não me interessa seu ponto de vista sobre a moralidade. Só suas lembranças. E já ocupei muito seu tempo.

Ele não soube o que havia dito para lhe provocar essa expressão triste e magoada. Mas não podia deixá-la ir e se atormentar com essa lembrança.

—Acredito que está dando batendo contra um muro, mas se me lembrar dealgo comunicarei-lhe isso. Pelos antepassados do Sadie.

—Agradeceria.

—Mas não espere nada.

—Acredite, não o farei —riu e se voltou para dirigir-se para a caminhonete. Surpreendeu-a ao atravessar a grama com ela.

—Fiquei sabendo que montou seu próprio negóicio.

—Assim é —olhou em torno—. Poderia usar meus serviços.

—Não sou um apaixonado pelas rosas —manifestou com desdém.

—A cabana sim —impassível, tirou as chaves do bolso—. Não precisaria de muito para lhe dar um ar acolhedor.

—Não procuro botões no mercado. Deixo o trabalho com as roseiras para você.

Suzanna pensou em seus musculos doloridos quando chefava em casa a noite.

—Nós mulheres adoramos trabalhar no jardim. A propósito, Holt, sua grama precisa de fertilizante.Eu tenho certeza que você tem de sobra ara espalhar por ai.

Arrancou, pôs marcha ré e saiu.

 

Os meninos saíram da casa correndo, seguidos de um enorme cão negro. O menino e a menina desceram pelos desgastados degraus de pedra com o equilíbrio ágil e a graciosidade da juventude. O cão tropeçou com suas próprias patas e deu um salto mortal. "Pobre Fred", pensou Suzanna ao descer da caminhonete. Dava a impressão de que nunca superaria sua estupidez de cachorrinho.

—Mama! —cada menino se agarrou a uma das pernas da Suzanna.

Com seis anos, Alex já era alto para sua idade, e com o cabelo moreno como o de um cigano. Suas pernas bronzeadas tinham feridas cicatrizadas à altura dos joelhos e arranhões à altura dos cotovelos magros. Suzanna sabia que não se devia à estupidez, a não sim por seu espírito travesso. Jenny, um ano menor e loira como uma princesa de conto de fadas, exibia as mesmas marcas de honra. Assim que se agachou para beijá-los, Suzanna esqueceu sua irritação e fadiga.

—O que estiveram fazendo?

—Construímos um forte —informou Alex.

—Sloan disse que no domingo poderia nos ajudar em sua construção.

—Você poderá? —perguntou Jenny.

—Depois de trabalhar —se inclinou para acariciar o Fred, que tentava abrir espaço entre os meninos para obter sua parte de afeto—. Olá, moço. Acredito que hoje conheci um de seus parentes.

—Fred tem parentes? —quis saber Jenny.

—É o que parece —avançou com os meninos para sentar-se nos degraus. Era um luxo poder cheirar o mar e as flores, ter a um filho sob cada braço—. Acredito que conheci sua prima Sadie.

—Onde? Podemos visita-la? É bonita?

—No povoado—respondeu às perguntas a queima roupa—. Não sei, e sim, é muito bonita. Grande, como vai ser Fred quando terminar de crescer. Que mais fizeram hoje?

—Loren e Lisa vieram aqui—informou Jenny—. Matamos milhares de invasores.

—Bom, esta noite poderemos dormir tranqüilos.

—E Max nos contou uma história sobre a invasão da Normania.

—Acredito que era Normandia —rindo baixinho, beijou a parte superior da cabeça de Jenny.

—Lisa e Jenny também brincaram com as bonecas —Alex lançou a sua irmã uma careta típica.

—Ela queria. Em seu aniversário lhe deram de presente uma Barbie nova e um carro.

—Era um Ferrari —explicou Alex com ares de importância, mas não quis reconhecer que Loren e ele tinham brincado com o carro quando as garotas saíram do quarto. Aproximou-se mais para olhar para sua mãe—. A semana que vem Loren e Lisa vão para Disney World.

Suzanna conteve um suspiro. Sabia que seus filhos sonhavam em ir a este reino encantado que havia no centro geográfico da Florida.

—Um dia iremos.

—Logo? —insistiu Alex.

Quis prometer-lhe mas não pôde.

—Um dia —repetiu. O cansaço tinha retornado quando se levantou para tomar a cada um da mão—. Corram e digam à tia Cody que estou em casa. Preciso tomar uma ducha e trocar de roupa. Certo?

—Podemos te acompanhar ao trabalho amanhã?

Apertou a mão do Jenny.

—Carolanne amanhã está na loja. Eu tenho que ir a uma casa —sentiu a decepção de sua filha com tanta intensidade como a sua própria—. Na semana que vem. Vão agora —insistiu ao abrir a sólida porta dianteira—. Olharei seu forte depois do jantar.

Satisfeitos, correram vestíbulo abaixo com o cão atrás.

"Não pedem muito", pensou Suzanna ao subir pela escada ao primeiro andar. E queria lhes dar muito mais. Sabia que eram felizes e que se achavam a salvo e seguros. Tinham uma família enorme que os adorava. Com uma de suas irmãs casada e as outras duas comprometidas, seus filhos tinham homens em sua vida. Possivelmente os tios não substituíam um pai, mas era o melhor que podia fazer.

Há meses não sabiam nada de Baxter Dumont. Alex nem sequer tinha recebido uma postal em seu aniversário. A pensão de manutenção dos meninos voltava a atrasar-se...como todos os meses. Bax era muito bom advogado para descuidar por completo dos pagamentos, mas se assegurava que chegassem semanas mais tarde que sua data. Sabia que o fazia para pô-la a prova. Para ver se chegaria a suplicar. Agradecia a Deus não ter necessitado fazê-lo até o momento.

Fazia um ano e meio que lhes tinham concedido o divórcio, mas ele seguia manifestando seus sentimentos por ela ante os meninos...a única coisa realmente valiosa que tinham feito juntos.

Possivelmente essa era a causa pela qual ainda tinha que superar a persistente desilusão, a sensação de traição e perda. Já não amava seu ex-marido. Esse amor tinha morrido antes de que Jenny nascesse. Mas a dor...moveu a cabeça. Estava trabalhando nisso.

Entrou em seu quarto. Como a maioria das quartas de Las Torres, o dormitório de Suzanna era enorme. Seu bisavô tinha construído a casa no começo do século. Tinha sido uma peça de exposição, um testamento a sua vaidade, a seu gosto pelo opulento e a sua necessidade de aparecer. Tinha chamativas torres, parapeitos e terraços escalonadas. O interior tinha tetos altos, madeira nobre e labirintos de corredores. Parte castelo, parte mansão, primeiro tinha sido uma casa de verão, logo uma residência permanente.

Ao longo dos anos e dos reversos financeiros, a casa tinha visto tempos duros. O dormitório dela, como todas as habitações, mostrava rachaduras na parede. O teto estava marcado pelas filtrações . Os Calhoun adoravam sua casa familiar. Nesse momento que restauravam a ala oeste, esperavam que logo começasse a ser independente e cobrisse seus gastos.

Foi ao armário em busca de um robe e pensou que tinha tido sorte. Tinha podido ficar com seus filhos, um lar verdadeiro, quando o seu próprio se desmoronou. Não tinha tido que entrevistar adesconhecidos para que cuidassem deles enquanto trabalhava. A irmã de seu pai, que tinha criado a suas irmãs e a ela depois da morte de seus pais, nesse momento também se ocupava de seus filhos. Embora consciente de que Alex e Jenny tinham muita energia, sabia que não havia ninguém melhor preparado para a tarefa que a tia Cody.

E um dia encontrariam as esmeraldas da Bianca e tudo voltaria ao normal na casa Calhoun.

—Suze —Lilah bateu na porta e apareceu a cabeça—. O viu?

—Sim.

—Estupendo —Lilah, cujo cabelo vermelho caía em ondas até sua cintura, entrou. Estendeu-se em posição diagonal sobre a cama e apoiou o travesseiro contra a cabeceira. Não lhe custou nada adotar sua postura favorita: a horizontal—. Bom, me conte.

—Não mudou grande coisa.

—OH, OH.

—Mostrou-se brusco e grosseiro —tirou a camiseta—. Acredito que até pensou em atirar por entrar sem permissão em sua propriedade. Quando tentei de lhe explicar o que acontecia, foi desdenhoso —recordou a expressão ao mesmo tempo que baixava a calça jeans—. Basicamente, foi desagradável, arrogante e grosseiro.

—Mmm. Parece um príncipe.

—Acredita que nos inventamos isso tudo para conseguir publicidade para As Torres quando abrir no próximo ano.

—Que imbecil —isso agitou Lilah o suficiente para sentar-se—. Max esteve a ponto de morrer. Acha que somos loucas?

—Exato —assentiu e colocou o robe—. Não sei por que, mas parece ter algo contra todos os Calhoun em geral.

—Segue magoado porque o atirou de sua moto —Lilah sorriu com gesto sonolento.

—Eu não o... —esta bem—. Esquece; a questão é que não acredito que recebamos ajuda dele —depois de tirar o laço que segurava seu cabelo, se sentou—. Embora depois do tropeço com o cão, disse que pensaria.

—Que cão?

—A prima do Fred —respondeu por cima do ombro ao dirigir-se banheiro para abrir a ducha.

Lilah se plantou na soleira no momento em que Suzanna fechava a cortina.

—Fred tem uma prima?

Por cima do barulho da água, Suzanna lhe falou de Sadie e de seus antepassados.

—Isso é fabuloso. Um elo mais na cadeia. Tenho que informar a Max.

Com os olhos fechados, Suzanna tirou a cabeça de debaixo da água.

—Lhe diga que siga sozinho. O neto do Christian não está interessado.

 

 

Não queria está. Holt se achava sentado na varanda de trás, com o cão aos pés, observando como a água adquiria uma tonalidade índigo no crepúsculo. Havia música, a sinfonia dos insetos na erva, o vento entre as folhas, a melodia da água contra a madeira. Do outro lado da baía, Bar Island começava a nublar-se e a fundir-se com a penumbra. Perto, na rádio soava um solitário saxo alto que não desafinava com seu estado de ânimo.

Isso era o que queria. Tranqüilidade, solidão, ausência de responsabilidades. "Ganhei isso, não?", pensou enquanto bebia um gole de cerveja. Tinha entregue dez anos de sua vida aos problemas, as tragédias e as misérias de outros.

Sentia-se queimado, ressecado e cansado como mil demônios.

Nem sequer sabia se tinha sido um bom policial. Tinham-lhe entregue menções e medalhas que confirmavam que o tinha sido. Mas também tinha uma cicatriz de trinta centímetros nas costas que lhe recordava que tinha faltado pouco para ser um policial morto.

Nesse momento só queria desfrutar de seu retiro, reparar uns poucos motores, recolher alguns ignorantes e possivelmente navegar um pouco. Sempre levara jeito com coisas manuais e sabia que podia ganhar vida de forma decente reparando navios. Dirigir seu próprio negócio, a seu próprio ritmo e estilo. Sem informe que redigir, sem pistas que seguir, sem becos escuros que investigar.

Sem bandidos com facas na mão que saltavam das sombras para te rachar e te deixar sangrando no cimento.

Fechou os olhos e bebeu outro gole de cerveja. Tinha tomado uma decisão durante a larga e dolorosa estadia no hospital. Em sua vida não haveria mais compromissos, já não tentaria salvar o mundo. A partir desse momento ia começar a cuidar de si mesmo. Só dele.

Tinha recolhido o dinheiro herdado e tinha voltado para casa, para fazer o menos possível com o resto de sua vida. Sol e mar no verão, fogo e o uivo do vento no inverno. Não era muito a pedir.

Tinha começado a assentar-se, a sentir-se bem. Até que ela apareceu.

Como se não tivesse sido suficientemente mau olhá-la e sentir...Deus, igualmente como tinha se sentido com vinte anos. Ardente e faminto.

A formosa e inalcançável Suzanna Calhoun, dos Calhoun de Bar Harbor. A princesa na torre. Ela tinha vivido em seu castelo no alto dos penhascos. E ele em uma cabana nos subúrbios do povoado. Seu pai tinha sido pescador de frutos do mar, e Holt freqüentemente tinha levado pescado à porta de serviço dos Calhoun...sem passar nunca além da cozinha. Mas às vezes tinha ouvido vozes, risadas ou música. E isso tinha despertado sua curiosidade e desejo.

E nesse momento ela tinha ido buscá-lo. Mas Holt já não era um adolescente embevecido. Era um realista. Suzanna estava fora de sua vida, como sempre o tinha estado. E embora tivesse sido diferente, não lhe interessava uma mulher que tinha escrito na testa que era pura “lar”.

E no referente às esmeraldas, não havia nada que pudesse fazer para ajudá-la. Nada que queria fazer.

Certamente, tinha ouvido falar das jóias. Essa historia em particular tinha chegado até a imprensa nacional. Mas o que lhe resultava fascinante era a idéia de que seu avô tivesse estado envolto, que tivesse sido amado por uma Calhoun a que também tivesse sido amado.

Inclusive com a coincidência dos cães, não estava de todo seguro de acreditá-lo. Holt não tinha conhecido sua avó, mas seu avô tinha sido uma figura intrépida e misteriosa que tinha viajado pelo estrangeiro e retornado com histórias fabulosas. Tinha sido o homem capaz de realizar magia com um tecido e um pincel.

De menino recordava subir as escadas até o estudio para ver trabalhar o homem alto com o cabelo branco como a neve. Entretanto, parecia mais um combate que um trabalho. Um duelo elegante e apaixonado entre seu avô e o tecido.

O jovem e o ancião tinham dado longos passeios pela praia e as rochas. Pelos penhascos. Com um suspiro, reclinou-se. Muito freqüentemente tinham chegado até debaixo Das Torres. Em uma ocasião se sentaram sobre as rochas e seu avô lhe tinha contado uma história sobre o castelo no alto dos penhascos e a princesa que tinha vivido ali.

Perguntou-se se teria estado falando sobre As Torres e Bianca.

Inquieto, levantou-se para entrar. Sadie ergueu a vista, e ao fechar a porta mosqueteira voltou a acomodar a cabeça sobre as patas dianteiras.

A cabana se adaptava a ele muito mais que o lar no que tinha crescido. Este tinha sido um lugar sem alma, de linóleo gasto e paredes de frisos escuros. Tinha-o vendido à morte de sua mãe, três anos atrás. Fazia pouco tinha empregado os benefícios para realizar algumas reparações e modernização da cabana, embora preferia mantê-la quase tal como tinha estado em época de seu avô.

Era uma casa quadrada, com paredes de estuque e chãos de madeira. Tinha limpado a chaminé de pedra original, e estava ansioso para que chegasse a primeira noite fria para que pudesse experimentá-la.

O dormitório era diminuto, quase uma idéia tardia que se sobressaía da estrutura principal. Tinha reforçado a escada que conduzia ao estudio de seu avô, igualmente ao corrimão que bordeaba o terraço aberto. Subiu nesse momento para contemplar o amplo espaço iluminado somente pela luz do crepúsculo.

De vez em quando pensava em pôr clarabóias no teto, mas em nenhum momento pensou em voltar a polir o chão. A velha e escura madeira estava salpicada com pintura que tinha jorrado da paleta ou o pincel. Havia nervuras de carmesim e turquesa, gotas de verde esmeralda e amarelo canário. Seu avô tinha preferido o vivido, apaixonado-o, inclusive o violento em sua obra.

Contra a parede se empilhavam óleos, o legado de um homem que em seus últimos anos tinha começado a encontrar êxito financeiro e da crítica. Sabia que lhe reportariam uma boa soma. Mas assim como nunca tinha pensado em eliminar a pintura do chão, tampouco lhe tinha passado pela cabeça desprender-se dessa parte de sua herança.

Ficou no estúdio para inspecionar os quadros. Conhecia-os todos, tinha-os estudado em inumeráveis vezes, perguntando-se como podia descender de um homem com semelhante visão e talento. Girou o retrato, sabendo bem que esse era o motivo pelo que tinha subido.

A mulher era tão linda como um sonho...com o rosto ovalado de feições delicadas, a pele de alabastro. O cabelo vermelho dourado estava preso para exibir um pescoço gracioso. Os lábios cheios e suaves estavam curvados em um sorriso leve. Mas foram os olhos os que o atraíram, como sempre. Eram verdes como um mar brumoso. Hipnotizava-o a emoção que a habilidade de seu avô tinha capturado ali.

Semelhante tristeza serena e dor interior. Era quase doloroso de contemplar, pois se demorava um pouco na contemplação podia quase sentir. Nesse mesmo dia tinha visto a mesma expressão nos olhos da Suzanna.

Perguntou-se se a mulher do quadro seria Bianca. Tinham parecido na forma do rosto, na curva da boca. A cor do cabelo não se assemelhava em nada e as similitudes eram leves. Salvo os olhos. Quando os olhava, pensava em Suzanna.

Levantou-se, mas não girou o quadro para que ficasse para a parede. Permaneceu ali de pé, contemplando-o um longo momento, perguntando-se se seu avô tinha amado à mulher que tinha pintado.

 

 

Suzanna pensou que ia ser outro dia de calor. Embora faltasse pouco para as sete, o ar estava pegajoso. Precisavam de chuva, mas a umidade flutuava no ar e com obstinação se negava a cair.

No interior de sua loja, conferiu os botões refrigerados e deixou uma nota para Carolanne para que vendesse o estoque de cravos colocando-os em oferta.

Às sete e meia conferia os botões na estufa, feliz de que o inventário estivesse diminuindo. Às oito teria carregada a caminhonete e ia de caminho ao Seal Harbor. Ali a esperava um dia completo de trabalho em uma casa de recente construção. Os compradores eram de Boston, e queriam que sua casa de verão tivesse um quintal estruturado, completo com arbustos, árvores e flores.

Sabia que seria um trabalho caloroso e suarento. Mas também estaria tranqüila. Os Anderson se encontravam em Boston essa semana, assim disporia do pátio para ela apenas. Adorava trabalhar com terra e coisas vivas, cuidando de algo que ela mesma tinha plantado.

"Igual a meus filhos", pensou com um sorriso. Seus pequenos. Cada vez que os agasalhava de noite ou os via correr sob o sol, sabia que nada do que lhe tivesse passado com antes, nada do que fosse passar no futuro, apagaria o resplendor de júbilo de saber que eram deles.

O fracasso de seu matrimônio tinha sacudido seus alicerces, e havia ocasiões em que até experimentava dúvidas terríveis sobre si mesma, como mulher. Mas não como mãe. Seus filhos tinham o melhor que ela podia lhes dar. O vínculo sustentava a ambas as partes.

Nos últimos dois anos tinha começado a acreditar que poderia ter êxito no negócio. Sua habilidade com a jardinagem tinha sido sua salvação nos últimos meses de seu fracassado matrimônio. Desesperada, tinha vendido as jóias e pedido um empréstimo para lançar-se a Jardins da Ilha.

Tinha-lhe feito bem poder utilizar seu nome de solteira. O primeiro ano do negócio tinha sido duro, em especial porque não tinha deixado de investir cada centavo em pagar faturas legais do julgamento pela custódia dos meninos.

Pensar que poderia havê-los perdido ainda lhe gelava o sangue.

Bax não os tinha querido, mas tinha desejado lhe dificultar as coisas. Uma vez que tudo terminou, Suzanna tinha perdido sete quilos, inumeráveis horas de sono e ficado endividada até o pescoço. Mas tinha seus filhos. Tinha ganho a feia batalha e o preço não significava nada.

Pouco a pouco ia se recuperando. Tinha recuperado alguns quilos, algumas horas de sono e de forma meticulosa e lenta pagava suas dívidas. Nos dois anos transcorridos desde que abriu o negócio, ganhou uma reputação de mulher confiável, razoável e imaginativa. Dois dos hotéis de temporada tinham provado seus serviços e parecia que queriam negociar contratos a longo prazo.

Isso significaria comprar outra caminhonete e contratar pessoal a jornada completa. E possivelmente, poder realizar aquela viajem ao Disney World.

Subiu pela entrada de veículos da bonita casa de Cape Cod. Recordou-se que era hora de trabalhar.

O terreno abrangia aproximadamente meio acre. Tinha mantido três reuniões minuciosas com os donos para determinar o plano a seguir. A senhora Anderson queria muitas árvores com flores e arbustos, e o fator de intimidade a longo prazo que proporcionavam as flores de folha perenes. Desejava desfrutar de um pátio que requeresse poucos cuidados e estivesse cheio de cor. Não queria passar os verões cuidando das flores, em especial na parte lateral, que teria uma inclinação mais pronunciada.

Ao meio dia, já tinha marcada cada zona com estacas e cordas. Tinha plantado as robustas azáleas. O atalho de pedra estava flanqueado por duas roseiras que já tinham começado a adoçar o ar. Como a senhora Anderson tinha manifestado sua predileção pelas lilás, colocou um trio de flores compactas perto da janela do dormitório principal, onde a brisa da próxima primavera introduziria os aromas no interior.

O pátio começava a ganhar vida. Ajudou-a a relaxar os músculos doloridos dos braços enquanto regava as flores novas. Os pássaros cantavam e em alguma parte na distância próxima soava uma gaivota.

Algum dia passaria por ali e saberia que tinha sido parte de tanto cor. Era importante, mas do que podia lhe reconhecer a ninguém, que deixasse um rastro. Precisava recordar-se que não era a mulher fraca e inútil que com indiferença tinham colocado de lado.

Suada, recolheu a garrafa de água e a pá e se dirigiu à parte dianteira da casa. Tinha plantado a primeira amendoeira em flor e cavava o buraco para o segundo quando um carro estacionou detrás de sua caminhonete. Apoiou-se na pá e observou Holt descer do veículo.

Soltou o ar, aborrecida porque tinha invadido sua solidão, e voltou a cavar.

—Saiu para dar um passeio? —perguntou quando a sombra dele a cobriu.

—Não, a garota na loja me disse onde te encontrar. Que demônios está fazendo?

—Trabalhando —tirou mais terra—. Que quer?

—Largue essa pá antes que se machuque. Não deveria estar escavando.

—É meu trabalho...mais ou menos. Repito, Que quer?

Observou-a cavar outros dez segundos antes de lhe arrebatar a pá.

—Me dê essa maldita coisa e sente-se.

A paciência sempre tinha sido uma das características de Suzanna, embora nesse momento lhe custasse encontrá-la, ajustou-se a viseira do boné.

—Sigo um plano bem esboçado, faltam seis árvores, duas roseiras e uns setenta metros quadrados de terreno que plantar. Se tiver algo que dizer, bem. Fala enquanto trabalho.

Holt pôs a pá fora de seu alcance.

—Que profundidade quer? —ela arqueou uma sobrancelha—. Me refiro ao buraco.

Olhou-o de acima a abaixo.

—Diria que pouco mais de um metro oitenta bastaria para te enterrar nele —a surpreendeu com um sorriso.

—E pensar que estava acostumado a ser tão doce —começou a escavar—. Simplesmente me diga quando parar.

Pelo geral ela devolvia amabilidade com amabilidade. Mas ia fazer uma exceção.

—Pode parar agora mesmo, não preciso de ajuda. E não quero a companhia.

—Não sabia que era teimosa —ergueu a vista enquanto tirava terra—notou que ela estava acalorada e tinha sombras de fadiga sob os olhos. Irritou-o muito—. Acreditava que vendia flores.

—Vendo-as. E também as planto.

—Até eu sei que essa coisa é uma árvore.

—Também as planto —rendendo-se, tirou um lenço e começou a secar o pescoço—. O buraco tem que ser mais largo, não mais profundo.

Moveu-se um pouco para agradá-la. Considerou que possivelmente devia reavaliá-la.

—Como é que não há ninguém que faça o trabalho duro por você?

—Porque eu posso fazê-lo.

"Sim, havia teimosia no tom, e um leve deixa desagradável". Gostou mais.

—Me dá a impressão de que é um trabalho para duas pessoas.

—É-mas a outra pessoa se foi ontem para ser uma estrela de rock. Seu grupo tinha uma atuação em Brighton Beach. Mmm. Está bom —indicou, e se voltou para levantar pelas raízes uma árvore de um metro. Enquanto Holt a observava carrancudo, elevou-a e cuidando o introduziu no buraco.

—Suponho que agora terá que preenchê-lo.

—Você tem a pá —assinalou. Enquanto ele trabalhava, Suzanna aproximou com uma bolsa de turfa que começou a mesclar com a terra.

Enquanto ela colocava os dedos na terra, Holt notou que suas unhas eram curtas e arredondadas. Não levava nenhum anel de matrimônio. De fato, não levava nenhuma jóia, embora fossem mãos feitas para ostentar coisas belas.

Suzanna trabalhou com paciência e a cabeça encurvada, oculta sob a boné. Ele pôde lhe ver a nuca e se perguntou o que sentiria ao apoiar os lábios ali. Nesse momento teria a pele ardente, além de úmida. Então ela se levamtou e ligou a mangueira do jardim para limpar terra.

—Faz isto diariamente?

—Tento estar um ou dois dias na loja. Ali posso ter os meninos comigo —firmou a terra. Quando a árvore ficou segua, com movimentos experientes estendeu uma camada grosa de adubo—. Na primavera próxima isto se achará cheio de flores —passou o dorso da mão pela fronte. O pequeno colã que usava exibia uma linha de suor nas partes dianteira e traseira que só realçava sua frágil compleição—. Eu tenho uma tarefa a seguir de verdade, Holt. Tenho que plantar alguns álamos e pinheiros brancos na parte de trás, de modo que se tiver que falar comigo, deverá me acompanhar.

—Fez isto hoje? —olhou ao redor do pátio.

—Sim. Que te parece?

—Acredito que vai sofrer uma insolação.

—Agradeço a avaliação médica —apoiou uma mão na pá, mas ele não a soltou—. Preciso dela.

—Eu a levarei.

—Bem —carregou as bolsas de turfa e adubo em um carrinho de mão.

Ele soltou um palavrão, jogou a pá em cima das bolsas e a fez chegar para um lado para levantar o carrinho de mão e empreender a marcha.

—Em que parte de trás?

—Junto às estacas que há perto das cercas —o seguiu carrancuda.

Holt começou então a escavar sem consultá-la, de modo que ela se dedicou a esvaziar o carrinho de mão e logo foi à caminhonete. Quando ele ergueu a vista, viu-a tirar outras duas árvores. Plantaram o primeiro juntos e em silêncio.

Holt não tinha imaginado que colocar uma árvore na terra pudesse ser um trabalho que relaxasse. Mas quando se ergueu sob o sol deslumbrante, sentia-se apaziguado.

—Pensava no que disse ontem —começou quando punham a segunda árvore em seu oco.

—E?

Quis soltar uma maldição. Havia tanta paciência nessa única palavra, como se em todo momento ela tivesse sabido que ia chegar ao tema.

—E ainda acredito que não há nada que eu possa, ou queira, fazer, mas possivelmente tenha razão a respeito da conexão.

—Sei que tenho razão —se limpou a turfa das mãos nos jeans—. Se tiver vindo até aqui para me dizer isso, desperdiçou uma viagem —levou o carrinho de mão vazio até a caminhonete. Estava a ponto de baixar as seguintes duas árvores quando ele subiu ao veículo para ficar ao seu lado.

—Eu descerei as malditas árvores —balbuciando, encheu o carrinho de mão e a levou outra vez até a parte de trás do pátio—.Vovô jamais o mencionou. Possivelmente a conhecesse, possivelmente tivessem uma aventura, embora não vejo no que possa te ajudar isso.

—Amava-a —comentou Suzanna enquanto recolhia a pá para escavar—. Isso significa que ele sabia como sentia e pensava ela. Talvez tivesse uma idéia de onde teria escondido as esmeraldas.

—Está morto.

—Sei —permaneceu um momento em silêncio enquanto trabalhava—. Bianca tinha um diário...ao menos estamos quase seguros que tinha, e de que o escondeu com o colar. Possivelmente Christian também tivesse um.

—Jamais o vi —irritado, agarrou outra vez a pá.

Ela conteve o impulso de lhe responder. Sem importar o muito que pudesse irritá-la, possivelmente Holt fosse um elo.

—Imagino que quase toda as pessoas guarda um diario particular em um lugar privado. Ou possivelmente tenha guardado algumas cartas dela. Encontramos uma que Bianca lhe escreveu e que jamais pôde lhe enviar.

—Persegue moinhos de vento, Suzanna.

—Isto é importante para minha família —introduziu com cuidado um pinheiro branco no buraco—. Não é pelo valor monetário das esmeraldas. É pelo que significavam para ela.

Ele a observou trabalhar, as mãos competentes e delicadas, os ombros assombrosamente fortes. A suave curva do pescoço.

—Como pode saber o que significaram para ela?

—Não conseguiria explicar-lhe o de nenhum modo que pudesse entender ou aceitar —respondeu sem erguer a vista.

—Tente.

—Ao parecer todas temos uma espécie de vínculo com ela...em especial Lilah —não levantou os olhos quando o ouviu cavar o seguinte buraco—. Nunca vimos as esmeraldas, nem sequer em fotografia. Depois de que Bianca morrera, Fergus, meu bisavô, destruiu todas as fotos dela. Mas Lilah...uma noite fez um desenho das pedras. Foi depois de que realizamos uma sessão espírita —levantou a cabeça e captou sua expressão de divertida incredulidade—. Sei como soa —manifestou com voz rígida e à defensiva—. Mas minha tia acredita nesse tipo de coisas. E depois daquela noite, acredito que com razão. Minha irmã menor, C.C., teve uma...experiência durante a sessão. Viu as esmeraldas. Foi nesse momento quando Lilah riscou o esboço. Semanas mais tarde, o noivo do Lilah encontrou uma foto das esmeraldas em um livro na biblioteca. Eram exatamente como Lilah as tinha desenhado, iguais que como as tinha visto C.C.

Enquanto colocava em seu lugar a seguinte árvore, ele não disse nada.

—Não me interessa muito o misticismo. Possivelmente uma de suas irmãs tenha visto a foto antes e se esqueceu.

—Se alguma de nós tivesse visto uma foto, não o teríamos esquecido. Não obstante, a questão é que todas nós consideramos que é importante encontrar as esmeraldas.

—Pode ser que foram vendidas, faz oitenta anos.

—Não. Não encontramos nenhum registro disso. Fergus era um maníaco na ordem de suas finanças —inconscientemente arqueou as costas e girou os ombros para aliviar a dor—.Acredite, repassamos cada fragmento de papel que encontramos.

Holt o deixou acontecer e ruminou a questão enquanto plantavam o última das árvores.

—Conhece o ditado “encontrar uma agulha em um palheiro”? —perguntou enquanto a ajudava a espalhar o adubo—. Geralmente a gente não encontra a agulha.

—Encontrariam-na se continuassem procurando —curiosa, apoiou-se nos talões e o estudou—. Não acredita na esperança?

Estava o bastante perto para tocá-la, para lhe tirar a terra da bochecha ou lhe acariciar. Não fez nada disso.

—Não, só acredito no que é.

—Então o sinto por você —se levantaram juntos e seus corpos quase se roçaram. Suzanna sentiu algo pela pele, algo que correu por seu sangue, e automaticamente retrocedeu—. Se não acredita no que poderia ser, não tem nenhum sentido plantar árvores, ter filhos ou inclusive ver o por do sol.

Ele também o havia sentido. E lamentou e temeu tanto como ela.

—Se não manter um olho sobre o que é real, o que está agora, termina passando toda a vida em um sonho. Eu não acredito no colar, Suzanna, nem em fantasmas, tampouco no amor eterno. Mas se alguma vez tenho a certeza de que meu avô esteve relacionado com a Bianca Calhoun, farei o que possa para te ajudar.

—Não acredita na esperança ou no amor, e ao           que parece me nada mais —emitiu uma risada seca—. Por que aceitaria nos ajudar?

—Porque se ele a amou, teria querido que o fizesse —se inclinou para recolher a pá e entregar - Tenho coisas que fazer.

 

Suzanna se sentiu feliz de ver lotado o estacionamento da loja. Algumas pessoas olhavam as flores anuais enquanto um casal jovem deliberava sobre as rosas. Uma mulher com um embaraço enorme dava voltas com algumas vasos de barro mistos. O pequeno que ia a seu lado sustentava um gerânio como se fora uma bandeira.

Carolanne fechava uma venda e paquerava um jovem que sustentava uma urna de cerâmica com umas begônias rosas.

—A sua mãe vão adorar —comentou enquanto agitava suas pestanas largas—. Não há nada como as flores para um aniversário. Ou qualquer ocasião. Temos os cravos em oferta —sorriu e se afastou o cabelo castanho da face—. Se por acaso tem namorada.

—Bom, não... —pigarreou—. Na realidade ..no momento não.

—OH —o sorriso subiu vários graus de calidez—. É uma pena —lhe entregou a compra—. Venha quando quiser. Geralmente me encontrará aqui.

—Claro. Obrigado —olhou por cima do ombro, virou-se e esteve de se chocar com a Suzanna—. OH, sinto muito.

—Não foi nada. Espero que sua mãe goste —rindo, reuniu-se com sua coquete empregada no caixa—. É assombrosa.

—Não era um tesouro? Eu adoro quando se ruborizam. Bom —sorriu para Suzanna—. Voltou cedo.

—Não demorei tanto como tinha pensado —não considerou necessário acrescentar que tinha recebido uma ajuda inesperada e não desejada. Carolanne era uma trabalhadora estupenda, uma hábil vendedora e uma consumada fofoqueira—. Como vai tudo por aqui?

—Em andamento. Todo este sol deve estar inspirando às pessoas a renovar o jardim. OH, voltou a senhora Russ. Gostou tanto dos narcisistas, que fez que seu marido lhe abrisse outra janela para poder comprar mais. Como estava predisposta, vendi-lhe dois hibiscos... e dois desses vasos de barro de terracota para plantá-los.

—A senhora Russ te adora e o senhor Russ vai aprender a te odiar. —Carolanne riu e ela olhou através dos vidros—. Irei ver se posso ajudar aquelas pessoas a decidir que rosas querem.

—São o senhor e a senhora Halley. Acabam de casar-se, os dois são garçons em Capitão Jack e acabam de comprar uma casinha. Ele estuda para ser engenheiro e em setembro ela vai começar a ensinar na escola primária.

—Como falei, é assombrosa —riu Suzanna, movendo a cabeça.

—Não, só curiosa —Carolanne sorriu—. Além disso, as pessoas compram mais quando a gente conversa. E sabe que eu adoro falar.

—Do contrário, teria que fechar a loja.

—Trabalharia o dobro, se isso fosse possível —agitou uma mão sem deixar que Suzanna protestasse—. Antes de que vá, estive perguntando por aí para ver se alguém necessitava um trabalho a tempo parcial. Ainda não houve sorte.

Suzanna pensou que não tinha sentido queixar-se.

—A temporada está muito em cima e todo mundo já está trabalhando.

—Se Tommy o louco Parotti não tivesse abandonado a nave...

—Querida, teve a oportunidade de fazer algo que sempre havia querido. Não podemos culpá-lo por isso.

—Você não —murmurou Carolanne—. Suzanna, não pode continuar fazendo todo o trabalho de campo. É muito duro.

—Vamos arrumando —respondeu distraída, pensando na ajuda que tinha tido aquele dia—. Escuta, Carolanne, depois de nos ocupar destes clientes, tenho que realizar outra entrega. Poderá se encarregar de tudo até o fechamento?

—Claro —suspirou—. Eu tenho um banco e um ventilador, é você a que dirige a cavulcadeira e a pá.

Uma hora mais tarde, detinha-se ante a cabana do Holt. "Não é só um impulso", disse-se. E tampouco porque queria pressioná-lo. E sob nenhum conceito porque desejasse sua companhia. Mas era uma Calhoun, e os Calhoun sempre pagavam suas dívidas.

Dirigiu-se aos degraus que davam ao alpendre, e de novo pensou que era um lugar precioso. Faltavam-lhe uns pequenos toques... uma trepadeira pelo corrimão, uns leitos de aquilinas e begonias, com um pouco de petunias e lavandas.

Poderia ser como uma cabana de contos de fadas... mas o homem que vivia nela não acreditava nos contos de fadas.

Bateu na porta, notou que o carro estava ali. Igual a antes, rodeou a casa, mas nesta ocasião Holt não estava no navio. Encolheu os ombros e decidiu que faria aquilo para o que tinha ido.

Já tinha escolhido o lugar, entre a água e a casa, onde poderia ver os arbusto e desfrutar da vista no que ela achava ser a janela da cozinha. Não era muito, mas acrescentaria um pouco de cor ao vazio pátio de trás. Desceu o que necessitava e começou a cavar na terra.

Dentro de seu abrigo de trabalho, Holt desmontou o motor do navio. Reconstrui-lo requereria concentração e tempo. Justo o que ele necessitava. Não desejava pensar nos Calhoun, em relações amorosas trágicas ou em responsabilidades.

Nem sequer ergueu a vista quando Sadie se levantou de sua cesta sobre o fresco cimento para trotar para fora. A cadela e ele tinham um pacto. Ela fazia o que gostava e ele a alimentava.

Mesmo ouvindo-a latir continuou trabalhando. Como cão de guarda, Sadie era um fiasco. Ladrava para os esquilos, o vento na grama, e também em sonhos. Um ano antes tinham tentado roubar sua casa em Portland. Holt tinha impedido que o ladrão levasse sua equipamento de música enquanto Sadie dormia tranqüila no tapete do salão.

Mas levantou a cabeça e deixou de trabalhar quando ouviu a risada feminina e rouca. Percorreu-lhe a pele, ligeira e cálida. Ao afastar do banco de trabalho, já sentia um nó no estômago. Ao plantar-se na porta e olhá-la, o nó se esticou.

"Por que não quer me deixar em paz?", perguntou-se, colocando as mãos nos bolsos. "Acaso não lhe disse o que pensava?". Não tinha nada que fazer ali.

Nem sequer combinavam. Fosse o que fosse o que Suzanna lhe provocava fisicamente, era seu próprio problema, e até o momento tinha conseguido manter as mãos longe dela.

Mas ali estava, de pé em seu pátio, falando com seu cão. E escavando um buraco.

—Que diabos faz? —perguntou carrancudo ao cruzar a soleira.

Ela levantou a cabeça. Holt viu seus olhos, grandes, azuis e alarmados. A face, acalorada pela temperatura e o esforço, ficou muito pálida. Ele já tinha visto essa expressão... o medo rápido e instintivo de uma vítima encurralada. Desapareceu com tanta rapidez que quase se convenceu de que tinha imaginado. A cor retornou às bochechas dela quando conseguiu sorrir.

—Pensei que não estava.

—Assim decidiu abrir um buraco em meu pátio —perguntou sem deixar de franzir o cenho.

—Suponho que se poderia dizer isso —irritada consigo mesma pelo sobressalto instintivo, voltou a aprofundar o buraco com a pá—. Lhe trouxe umas mudas.

Nessa ocasião não pensava lhe tirar a pá das mãos para escavar ele mesmo o buraco. Mas sim andou até situar-se a seu lado.

—Por que?

—Gostaria de agradecer a ajuda que você me deu hoje. Economizou-me mais de uma hora.

—E decidiu agradecer cavando mais um buraco.

—Mmm. A brisa sopra da água — ela elevou o rosto—. É agradável.

Olha-lá provocava suor nas Palmas das mãos, baixou a vista ao arbusto cheio de flores amarelas.

—Não sei como cuidar de uma planta. Se a puser aí, vai condenar a morte.

—Não tem que fazer grande coisa —riu—. Esta é bastante robusta, inclusive quando está seca, e florescerá para você na primavera. Posso usar sua mangueira?

—O que?

—Sua mangueira?

—Sim. Não tinha nem idéia de como se supunha que devia reagir. Certamente, era a primeira vez que alguém lhe dava flores de presente... a menos que contasse o buque que lhe levaram os companheiros da delegacia de polícia quando esteve internado no hospital—. Claro.

Relaxada com sua tarefa, ela continuou falando enquanto ele ia até aparde de fora e pegava o mangueira.

—É ue arbusto que não alcançara mais que um metro de altura —acariciou a cabeça do Sadie, que dava voltas em torno da planta—. Se preferir alguma outra coisa...

—Não me importa —não ia se comover por uma planta idiota ou a gratidão desconjurada dela—. Não saberia reconhecer um arbusto de outro.

—Bom, este é um hypericum kalmianum.

—Isso me explica muito —moveu os lábios no que poderia ter sido um sorriso.

—É uma planta de sol —riu baixinho enquanto a colocava em seu lugar. Sem deixar de sorrir, inclinou a cabeça para olhá-lo. Pelo jeito que ele estava, parecia estar morto de calor.—. Pensei que te faria bem um pouco de cor. Por que não me ajuda a plantá-la? Dessa maneira significará mais para você.

—Está segura de que não se trata de um suborno? —havia dito que não se deixaria comover e pensava cumpri-lo—. Para que te ajude?

—Pergunto-me o que faz que uma pessoa seja tão cínica e pouco amigável —suspirou e se apoiou sobre os joelhos—. Estou segura de que tem seus motivos, mas aqui estão fora de lugar. Hoje me fez um favor e eu lhe devolvo isso. Assim simples. Se não quer o arbusto, diga-me , eu o darei a outra pessoa.

—É assim que mantém a raia a seus filhos? —arqueou uma sobrancelha ante o tom empregado por ela.

—Quando é necessário. Bom, o que vai ser?

Possivelmente fosse muito duro com ela. Fazia um gesto e o rechaçava. Se ela podia mostrar-se amigável, ele também podia.

—O buraco já esta bom —se ajoelhou junto à Suzanna. O cão se tombou ao sol para observar—. Bem podemos pôr algo dentro.

—Perfeito —imaginou que esse era o que Holt considerava um agradecimento.

—Quantos anos têm seus filhos? —disse-se que se não era importante. Só perguntava para começar uma conversação amigável.

—Cinco e seis. Alex é o maior, logo vem Jenny —seus olhos se suavizaram ao pensar neles—. Crescem tão depressa que logo não conseguirei seguir o ritmo deles.

—O que a fez voltar aqui depois do divórcio?

As mãos dela se esticaram na terra, logo voltaram a trabalhar. Foi um gesto leve e rapidamente oculto, mas Holt tinha olhos muito penetrantes.

—Porque aqui está meu lar.

Ele compreendeu que se tratava de um ponto delicado.

—Ouvi que vão transformar As Torres em um hotel.

—Só a ala oeste. É o negócio do marido de C.C.

—Acho difícil imaginar C.C. casada. A última vez que a vi devia ter doze anos.

—Já cresceu, e é uma mulher bonita.

—Parece que é de família.

Ela ergueu a vista surpreendida, para voltar a baixá-la.

—Acredito que acaba de dizer algo agradável.

—Constato um fato. As irmãs Calhoun sempre mereceram uma segunda olhada . Sempre que os meninos se reuniam, as quatro terminavam sendo tema de conversação.

—Estou segura de que nos haveríamos sentido lisonjeadas —riu um pouco e pensou em quão fácil tinha sido a vida então.

—Estava acostumado a olhá-la —expôs Holt devagar—. Muito.

—De verdade? —precavida, levantou a cabeça —. Nunca percebi.

—É normal —deixou cair a mão—. As princesas não prestam atenção nos plebeus.

—Isso é ridículo —franziu o cenho, não só pelas palavras, mas sim pelo tom seco dele.

—Era mais simples pensar em você dessa maneira... a princesa no castelo.

—Um castelo há anos vêem desabando —afirmou—. E se não me falhe a memória, estava muito ocupado paquerando as garotas para se haver olhado para mim.

—OH, entre paqueras —teve que sorrir—, olhava para você.

Algo nos olhos de Holt ativou um pequeno alarme. Fazia tempo que não ouvia esse som em particular, mas o reconhecia e dava atenção a ele. Voltou a baixar a vista para aplanar a terra ao redor do arbusto.

—Foi a muito tempo. Imagino que tenhamos mudado bastante.

—Não posso discutir isso —empurrou terra.

—Não, não empurre, aperte... com firmeza e suavidade —se aproximou e colocou as mãos sobre as dele para lhe ensinar—. Só falta... —calou quando Holt girou as mãos para agarrar as suas.

Achavam-se próximos; os joelhos se roçavam e os torsos se buscavam. Ele notou que as mãos de Suzanna eram duras, com calos, um contraste direto e fascinante com os olhos suaves e a pele de porcelana. Havia uma força em seus dedos que o teria surpreendido a não ser tivesse visto por si mesmo quão duro trabalhava. Por motivos que não conseguiu entender, isso lhe era incrivelmente erótico.

—Tem mãos fortes, Suzanna.

—Mãos de jardineira —comentou, tratando de manter seco o tom de voz—. E as necessito para terminar de plantar o arbusto.

Apertou mais quando ela tentou soltar-se.

—Já nos ocuparemos disso. Sabe? Levo quinze anos pensando em beijá-la —viu como o sorriso dela se desvanecia e uma expressão de alarme se apoderava de seus olhos. Não lhe importou. Poderia ser melhor para ambos se perdesse medo—. É muito tempo para pensar em algo —lhe soltou uma mão, mas antes de que ela pudesse suspirar aliviada, tinha-lhe tomado a nuca com dedos firmes e decididos.

Ela não dispôs de tempo para rechaçá-lo. Holt foi rápido. antes de que pudesse negar-se ou protestar, sentiu sua boca nos lábios, cobrindo-lhe e conquistando. Não tinha nada de suave. A boca, as mãos, o corpo quando a segurou contra ele, tudo era duro e exigente. Tentou interpor uma mão entre os dois, mas foi como querer mover uma rocha.

Mas então o medo se transformou em desejo. Fechou a mão e se obrigou a lutar contra si mesmo, não contra Holt.

Estava tensa como um cabo. Ele pôde sentir os nervos dela crepitar e romper-se ao pressioná-la a seu corpo. Sabia que era maldade, que era injusto, inclusive desprezível, mas precisava rancar essa febre que não parava de arder nele. Precisava convencer-se de que não era nada mais que uma mulher, que as fantasias que tinha sobre ela não eram outra coisa que os restos dos sonhos tolos de um jovem.

Então ela experimentou um calafrio, seguido de um som suave de entrega. E entreabriu os lábios sob os de Holt, em convite irresistível e ávido. Amaldiçoando, lhe jogou a cabeça atrás e mergulhou em suas profundezas, para poder tomar mais do que Suzanna oferecia sem esforço.

A boca dela era um banquete, e ele estava muito faminto para conter a cobiça. Cheirava seu cabelo, fresco como a água de chuva, sua pele, acesa pelo trabalho, e a rica e primitiva fragrância da terra arada.

Suzanna não podia respirar, nem pensar. Todas as preocupações sérias se desvaneceram. Em seu lugar surgiram umas sensações inomeáveis. Os músculos tensos de Holt sob seus dedos, o sabor quente e desesperado da boca dele, o trovão de seus próprios batimentos do coração que corriam a uma velocidade vertiginosa. Nesse momento o rodeava com seus braços, cravava-lhe os dedos e sua boca era tão urgente e impaciente quanto a dele.

Fazia tanto tempo que não a tocavam. Tanto tempo que não provava o desejo de um homem em seus lábios. Tanto desde que tinha desejado um homem... Mas nesse instante queria sentir as mãos dele, ásperas e exigentes, cobrindo-lhe o corpo sobre a grama suave e ensolarada. Ser selvagem e luxuriosa até mitigar esse desejo que a consumia.

Sentiu que o poder desse desejo a percorria e saía de seus lábios em um gemido úmido.

Os dedos dele se achavam fechados sobre a camiseta de Suzanna, quase a tinha quebrado antes de conter-se e amaldiçoar-se. E soltá-la. A respiração entrecortada dela era ao mesmo tempo uma condenação e uma sedução. Os olhos de Suzanna tinham adquirido uma tonalidade cobalto e estavam muito abertos pela comoção.

"Não sente saudades", pensou cheio de desprezo para si mesmo. Tinha-a esmagado contra a terra e a ponto tinha estado de possui-la a plena luz.

—Espero que agora se sinta melhor —ela baixou as pestanas antes que ele pudesse ver a vergonha.

—Não —tinha as mãos tão inseguras que as fechou—. Não é assim.

Ela não o olhou, não foi capaz. Tampouco pôde permitir o luxo de pensar no que tinha feito. Para consolar-se, começou a estender turfa ao redor do arbusto recém plantado.

—Se ficar seco, terá que regá-lo com regularidade até que se assente.

Pela segunda vez, tomou as mãos. Nessa ocasião ela se sobressaltou.

—Não vai me bater?

Ela se obrigou a relaxar e levantou o olhar. Em seus olhos havia algo escuro e apaixonado, mas sua voz soou muito serena.

—Não teria muito sentido. Estou segura de que é da opinião de que uma mulher como eu estaria... necessitada.

—Não pensava em suas necessidades quando a beijei. Foi um ato puramente egoísta, Suzanna. O egoismo cai bem em mim.

—Tenho certeza que sim —como a segurava com suavidade, conseguiu soltar-se. passou-se as palmas das mãos pelos jeans antes de levantar-se. Quão único tinha na cabeça era correr, mas se obrigou a carregar o carrinho de mão com calma. Até que lhe agarrou o braço e a obrigou a virar-se.

—Que diabos é isto? —em sua voz bulia a tormenta e era tão áspera como suas mãos. Queria que lhe gritasse... necessitava-o para aplacar a consciência—. Virtualmente te possuí na terra, sem me importar se você gostasse ou não, e agora pensa em carregar seu carrinho de mão e ir ?

Suzanna temia muito ter gostado de tudo aquilo. Por isso era imperativo que mantiversse a calma e o controle.

—Se quer ter uma briga ou uma amante casual, Holt, recorreu à pessoa equivocada. Meus filhos me esperam em casa, e já estou cansada de ser arranca-rabo.

"Sua voz estava serena", pensou ele, "inclusive firme, mas o braço tremia um pouco". Compreendeu que ali havia algo, alguns segredos que guardava atrás desses olhos tristes e belos. A mesma teimosia que o tinha impulsionado a atravessar seu escudo dourado fazia que fosse essencial que os descobrisse.

—Arranca-rabo em geral ou só por mim?

—É você quem me está agarrando —começava a esgotar-se a paciência—. Eu não gosto.

—É uma pena, porque tenho a impressão de que o voltarei a fazer antes de que tenhamos acabado.

—Possivelmente não me expliquei. Acabamos —se soltou e pegou o carrinho de mão.

—Agora começa a ficar furiosa —sorriu devagar e paralisou o carrinho de mão pondo todo seu peso sobre ela. Não estava seguro se Suzanna compreendia que acabava de lançar um desafio irresistível.

—Sim. Sente-se melhor?

—. Prefiro que tente arrancar meus olhos do que vê-la fugir como um pássaro ferido.

—Não fujo —soltou com os dentes apertados—. Vou para minha casa.

—Esquece a pá —comentou, ainda sorrindo. Ela a tirou e a jogou no carrinho de mão. Holt esperou até que avançou uns dez passos—. Suzanna.

—O que? —soltou por cima do ombro, sem deter-se.

—Lamento-o.

—Me deixe - encolheu os ombros e o mau humor se tornou menos denso.

—Não —colocou as mãos nos bolsos—. Lamento não tê-la beijado assim há quinze anos.

Com uma praga contida, ela acelerou o passo. Quando a perdeu de vista, Holt observou a planta. Voltou a pensar que lamentava, mas estava decidido a recuperar o tempo perdido.

 

Necessitava um pouco de tempo para si mesma. Não era algo do que pudesse desfrutar com freqüência em uma casa tão cheia de gente como As Torres. Mas nesse momento, com a lua alta e os meninos na cama, dispunha de uns alguns momentos.

Era uma noite limpa, e o calor do dia tinha sido substituído por uma suave brisa impregnada com os aromas do mar e das rosas. Do seu terraço podia ver a sombra escura dos penhascos que sempre a atraíam. O murmúrio distante da água era como uma canção de ninar, tão doce como a chamada de um ave noturna do jardim.

Entretanto, essa noite não a ajudavam a dormir. Sem importar quão cansado tinha o corpo, sua mente se achava muito agitada. Suspirou e se obrigou a relaxar as mãos. Se Holt não a tivesse zangado tanto. Desprezava perder os nervos, e aquele dia tinha estado perigosamente perto de fazê-lo. E sabia que a culpa só era dela.

Necessidades. Não queria necessitar de ninguém apenas de sua família... essa família que podia amar, com a que podia contar e da que se preocupava. Já tinha aprendido uma lição dolorosa sobre necessitar de um homem, um só homem. Não tinha intenção de repeti-la.

Recordou-se que a tinha beijado por um impulso. Para ele não tinha sido mais que uma espécie de desafio. No ato não tinha existido afeto, nem suavidade nem romance. O fato de que a tivesse agitado era uma questão química. Levava mais de dois anos isolada dos homens. E o último ano de seu matrimônio... bom, tampouco tinha existido afeto, suavidade ou romance. Tinha aprendido a prescindir dessas coisas no referente aos homens. Poderia seguir fazendo-o.

Se ao menos não tivesse respondido a seu contato de maneira tão... descarada. Apesar da brutalidade mostrada pelo Holt, ela tinha se agarrado ao momento e respondido aos lábios duros com um ardor que jamais tinha sido capaz de mostrar a seu próprio marido.

E com isso unicamente tinha conseguido humilhar-se a si mesmo e divertir Holt. E apesar disso ainda podia senti-lo. Embora possivelmente não teria que ser tão dura consigo mesma. Apesar do muito que a envergonhava o momento, tinha provado algo. Continuava viva. Não estava morta como Bax dizia. Podia sentir e desejar.

Fechou os olhos e levou uma mão ao estômago. Ao parecer desejava muito. Era como a fome, e o beijo, como um pedaço de pão depois de um comprido jejum, tinha revolto todos os sucos. Podia sentir-se satisfeita de ser capaz de sentir algo outra vez, além do remorso e a desilusão. E ao senti-lo podia controlá-lo. O orgulho lhe impediria de esquivar ao Holt. Assim como a salvaria de qualquer nova humilhação.

Recordou-se que era uma Calhoun. As mulheres Calhoun brigavam. Se tinha que voltar a tratar com ele com o fim de ampliar o rastro das esmeraldas, poderia fazê-lo. Nunca, jamais, permitiria que um homem voltasse a despreza-la e destrui-la.

—Suzanna, está ai?.

—Tia Cody —se voltou para ver sua tia atravessar as portas do terraço.

—Sinto muito, querida, mas me cansei de chamar. Como a luz estava acesa, apareci.

—Está bem —passou um braço pela cintura robusta de Cody. Era uma mulher a que tinha amado por quase toda sua vida. Uma mulher que tinha sido mãe e pai durante mais de quinze anos—. Suponho que eu estivesse perdida na noite. É tão bonita.

Cody concordou com um murmúrio e não disse nada de momento. De todas as garotas, a que mais a preocupava era Suzanna. Tinha-a visto ir-se de casa, uma noiva jovem, radiante de esperança. Tinha estado presente quando quatro anos mais tarde retornou, uma mulher pálida e devastada com dois meninos pequenos. Nos anos transcorridos após, havia-se sentido orgulhosa de ver como voltava a levantar-se, dedicando-se à tarefa difícil de ser uma mãe só e trabalhar com afinco para estabelecer seu negócio.

E tinha esperado, com dor, que a expressão triste e perdida que nublava os olhos de sua sobrinha se desvanecesse para sempre.

—Não conseguia dormir? —perguntou-lhe Suzanna.

—Ainda nem me tinha passado pela cabeça —Cody suspirou—. Essa mulher está me pondo louca.

Suzanna obteve não sorrir. Sabia que essa mulher era sua tia avó Colleen, a mais velha dos filhos de Bianca e irmã do pai de Cody. A mulher rabugenta, exigente e caprichosa havia chegado a uma semana. Cody estava convencida que o único objetivo que tinha era fazer maldade.

—Ouviu-a no jantar? —alta e majestosa com sua túnica, Cody ficou a ir de um lado a outro. Suas queixas soaram em um sussurro indignado. Colleen podia superar os oitenta anos e seu dormitório estar situado a muitos metros, mas tinha ouvidos de gato—. "O molho está muito forte e os aspargos muito suaves". Se atrevou a me dizer como preparar o meu frango ao vinho... me deu vontade de lhe sentar com a bengala na cabeça...

—O jantar estava magnífico, como sempre —apaziguou Suzanna—. Tinha que queixar-se de algo, tia Cody, do contrário seu dia não teria sido completo. E se bem me recordo, não deixou nenhuma gota no prato.

—É verdade —respirou fundo e soltou o ar devagar—. Sei que não deveria deixar que essa mulher me crispe os nervos. A verdade é que sempre me assustou muito. E ela sabe. Se não fosse pelo ioga e a meditação, estou segura de que já teria perdido a prudência. Enquanto vivia em um desses cruzeiros, a única coisa que tinha que fazer era lhe enviar uma carta de vez em quando. Mas viver sob o mesmo teto... —não pôde evistar   experimentar um calafrio.

—Não demorará para cansar-se de nós e partir de novo pelo Nilo, o Amazonas ou o que seja.

—Desejo que chegue esse dia. Temo-me que decidiu ficar até que encontremos as esmeraldas. O que me recorda o motivo de minha presença —se acalmou o suficiente para voltar a apoiar-se contra a parede—. Usava minha bola de cristal para meditar e tinha começado a deixar ir quando uns pensamentos e imagens de Bianca encheram minha cabeça.

—Não me surpreende —interveio Suzanna—. Está na mente de todos.

—Mas isto foi muito forte, querida. Muito nítido. Havia tanta melancolia. Fez-me chorar —tirou um lenço do bolso da túnica—. E de repente me pus a pensar em você, com igual precisão e nitidez. A conexão entre a Bianca e você era inconfundível. Compreendi que devia haver um motivo e ao refletir acredito que tem que ver com o Holt Bradford —os olhos brilhavam de entusiasmo—. Acho que ao falar com ele fechou a distância que separava Bianca e Christian.

—Não acredito que possa considerar minha conversação com o Holt uma ponte.

—Não, ele é a chave, Suzanna. Duvido que possa compreender a informação que possivelmente tenha, mas sem ele não podemos dar o seguinte passo. Estou convencida.

Com gesto inquieto, Suzanna se apoiou na parede.

—Seja o que for o que ele entenda, não está interessado.

—Então deverá convencê-lo do contrário —tomou a mão de sua sobrinha e a apertou—. Precisamos dele. Até que encontremos as esmeraldas, nenhum de nós se sentirá completamente a salvo. A polícia não foi capaz de encontrar aquele ladrão miserável, e desconhecemos o que poderá tentar a próxima vez. Holt é nosso único vínculo com o homem ao que Bianca amou.

—Sei.

—Então voltará a vê-lo. Falará com ele.

Suzanna olhou em direção aos penhascos, para as sombras.

—Sim, voltarei a vê-lo.

 

Sabia que voltaria. Sem importar o imprudente ou equivocado que pudesse ter sido isso, busquei-a cada tarde. Os dias que ela não aparecia nos penhascos, encontrava-me erguendo a vista às Torres, desejando a de um modo que não teria direito a desejar a esposa de outro homem. Os dias que caminhava comigo, com seu cabelo como fogo fundido, com um sorriso leve e tímido nos lábios, me fazia conhecer um júbilo inimaginável.

Ao princípio nossas conversações eram corteses e distantes. O clima, rumores sem importância do povo, arte e literatura. Com o passado do tempo, começou a sentir-se mais a gosto comigo. Falava-me de seus filhos, aos que cheguei a conhecer através dela. A pequena Colleen, apaixonada pelos vestidos bonitos e que desejava ter um ponêi. O jovem Ethan, que só desejava correr e encontrar aventuras. E o pequeno Seam, que estava aprendendo a engatinhar.

Não precisava ser muito perceptivo para dar-se conta de que seus filhos eram sua vida. Estranha vez falava das festas, os musicais aos que assistia, as reuniões sociais às que eu sabia que assistia quase cada noite. Jamais falava do homem com que se casou.

Reconheço que ele despertava minha curiosidade. Certamente, era do conhecimento geral que Fergus Calhoun era um homem ambicioso e rico, que no transcurso de sua vida tinha convertido uns poucos dólares em um império. No mundo dos negócios despertava respeito e medo. Mas isso não me importava nada.

Quem me obcecava era o homem privado. O homem que tinha direito a chamá-la esposa. O homem que se deitava junto a ela de noite, que a tocava. O homem que conhecia a textura de sua pele, o sabor de sua boca. O homem que sabia a sensação que provocava quando ela se movia embaixo dele na escuridão.

Já estava apaixonado por ela. Possivelmente o tinha estado no instante em que a vi caminhar com o menino entre as rosas silvestres.

Teria sido melhor para minha prudência se tivesse eleito outro lugar no que pintar. Não pude. Sabendo já que não teria mais dela, que não poderia ter mais que umas horas de conversação, retornei. Uma e outra vez.

Ela aceitou deixar que a pintasse. Comecei a ver, tal como um artista tem que ver, à mulher que levava no interior. além de sua beleza, de sua serenidade e educação, havia uma mulher desesperadamente infeliz. Quis tomá-la em meus braços, exigir que me contasse o que lhe tinha provocado essa expressão triste nos olhos. Mas só a pintei. Não tinha direito a mais.

Nunca fui um homem paciente ou nobre. Mas com ela descobri que podia ser ambas as coisas. Sem me tocar nunca, ela me mudou. Nada seria igual para mim depois daquele verão muito breve...aquele verão em que aparecia para sentar-se nas rochas e contemplar o mar.

Inclusive agora, uma vida mais tarde, posso ir a esses penhascos e vê-la. Posso cheirar o mar que nunca muda e perceber seu perfume. Só tenho que recolher uma rosa silvestre para recordar as luzes acesas de seu cabelo. Ao fechar os olhos, ouço o murmúrio da água sobre as rochas abaixo e sua voz volta tão clara e doce como ontem.

Recorda-me a última tarde daquele primeiro verão, quando se ergueu a meu lado, o bastante perto para tocá-la, tão distante como a lua.

—Partimo-nos pela manhã —disse sem me olhar—. Os meninos lamentam ir-se.

—E você?

Um leve sorriso apareceu a seus lábios, mas não em seus olhos.

—Às vezes me pergunto se tiver tido uma vida anterior. Se meu lar foi uma ilha como esta. A primeira vez que vim aqui, foi como se tivesse estado esperando para voltar a vê-la. Sentirei falta do mar.

Quando ela me olhou, possivelmente foram minhas próprias necessidades as que me fizeram pensar que também sentiria falta de mim. Logo apartou a vista e suspirou.

—Nova Iorque é tão diferente, tão cheio de ruído e pressas. De pé aqui me custa acreditar que existe um lugar assim. ficará a passar o inverno na ilha?

Pensei no frio e nos meses duros que me esperavam e amaldiçoei ao destino por me provocar com o que jamais poderia ter.

—Meus planos mudam com meu estado de ânimo —respondi com ligeireza, me esforçando por manter a amargura fora de minha voz.

—Invejo-lhe sua liberdade —então retornou até o retrato quase acabado no cavalete —. E seu talento. Plasmou-me de forma superior ao que sou.

—Inferior —Tive que apertar com força as mãos para evitar tocá-la—. Algumas virtudes jamais se podem capturar em um tecido.

—Como o chamará?

—Bianca. Seu nome é suficiente.

Você perceber meus sentimentos, embora tratei desesperadamente de contê-los dentro de mim. Algo se refletiu em seus olhos ao me olhar, e manteve o contato visual mais do recomendável. Logo retrocedeu com cautela, como uma mulher que se aproximou muito ao bordo de um penhasco.

—Um dia será famoso, e a gente suplicará por ter sua obra.

—Não pinto pela fama —me era impossível lhe tirar os olhos de cima, sabendo que podia ser a última vez que a via.

—Não, e por isso a conseguirá. Quando chegar esse momento, recordarei este verão. Adeus, Christian.

Afastou-se de mim, no que considerei que era a última vez que a via, afastou-se das rochas e atravessou a erva e as flores silvestres que se agitavam em busca do sol.

 

Cody Calhoun McPike não acreditava em deixar as coisas ao azar...em particular quando seu horóscopo do dia aconselhava que tomasse uma parte mais ativa no assunto familiar e que visitasse um antigo conhecido. Considerava que podia cumprir ambas as coisas se o fazia uma visita informal ao Holt Bradford.

Recordava-o como um jovem de cabelo escuro e olhos acesos que tinha repartido lagostas e dado voltas pelo povo, à espera de que houvesse problemas. Também recordava que uma vez a ajudou a trocar a roda do carro enquanto ela tratava de decifrar que lado do macaco teria que pôr debaixo do pára-lama. Ficou ofendido quando eu lhe paguei, subiu em sua moto e eu não pude nem agradecer.

"Orgulhoso, arrogante, rebelde", pensou enquanto colocava o carro na entrada da casa do Holt. Entretanto, de um modo bem arisco, cavalheiresco. Possivelmente era inteligente, e Cody acreditava sê-lo, poderia manipular todos esses traços para conseguir o que queria.

"Assim que esta era a cabana do Christian Bradford", refletiu. Já a tinha visto antes, mas não desde que conhecia a conexão existente entre as duas famílias. Deteve-se um instante. Com os olhos fechados tentou sentir algo, sem dúvida devia haver algum resto de energia, algo que o tempo e o vento não se levou.

Cody gostava de se considerar uma mística. Já fora uma avaliação real ou uma constatação de que tinha uma imaginação viva, estava segura de que sentia um vestígio de paixão no ar. Agradada consigo mesma, dirigiu-se para a casa.

Vestiu-se com supremo cuidado. Queria estar atrativa, é obvio. Sua vaidade não permitiria outra coisa. Mas também tinha querido parecer distinta e com um leve ar maternal. Considerava que o velho e clássico traje Chanel de cor azul era perfeita.

Chamou e exibiu na cara o que acreditou que era um sorriso sábio e tranqüilizador. Os latidos fortes e a corrente de pragas procedentes do interior fizeram que se levasse uma mão ao peito.

Recém saído da ducha, com o cabelo jorrando e de mau humor, Holt abriu a porta de repente. Sadie saltou. Cody chiou. Uns bons reflexos impulsionaram Holt a reter o carinhoso animal pela coleira antes de que pudesse enviar a Cody além do corrimão da varanda.

—Santo Deus —Cody olhou do cão ao homem, enquanto fazia malabarismos com a bandeja de pão-doces de chocolate que sustentava—. Santo Deus. Que cão imenso. Sem dúvida se parece com nosso Fred, tinha esperança que não cresceçesse tanto. Pode até montar em cima dele, verdade? —sorriu para Holt—. Sinto muito. Interrompi-o?

Ele continuou lutando com o cão, que tinha percebido o aroma dos pão-doces e queria sua parte. Naquele momento.

—Perdoe?

—Interrompi-o —repetiu Cody—. Sei que é cedo, mas em dias como este não posso ficar na cama. Tanto sol e o canto dos pássaros. Acredito que gostará de um? —sem esperar uma resposta, Cody tirou um dos pão-doces—. E agora sente-se e se comporte —com o que sem dúvida era um sorriso, Sadie deixou de lutar, sentou-se e olhou a Cody com olhos de adoração—. Bom cão —Sadie aceitou o carinho com educação, pegou o doce e logo trotou para interior da casa para desfrutá-lo—. Bem —agradada com a situação, sorriu ao Holt—. Provavelmente não lembra de mim. Céus, passaram anos.

—Senhora McPike —a recordava, certamente, embora a última vez que a tinha visto, o cabelo dela tinha sido de um loiro escuro. Tinham passado dez anos, mas a via mais jovem. Ou tinha recebido um magnífico retoque estético ou tinha descoberto a fonte da eterna juventude.

—Sim. Adula-me que um homem atraente se lembre de mim. Embora a última vez que nos vimos não era mais que um menino. Bem-vindo a casa —ofereceu a bandeja de pão-doces.

E não lhe deixou mais alternativa que aceitá-la e convidá-la a entrar.

—Obrigado —entre flores e pão-doces, as Calhoun começavam a ter o costume de lhe levar presentes—. Posso fazer algo por você?

—Para ser sincera, estava morrendo de vontade de ver a casa. Pensar que aqui é onde vivia Christian Bradford, e trabalhava —suspirou—. E sonhava com a Bianca.

—Bom, em todo caso viveu e trabalhou aqui.

—Suzanna me contou que não está convencido de que se amassem. Posso compreender sua relutância a aceitá-lo imediatamente, mas faz parte da história de minha família. E da sua. OH, que quadro glorioso! —cruzou o aposento para uma nebulosa paisagem marinha que estava pendurava em cima da chaminé. Inclusive através da névoa as cores eram intensas e vívidas, como se a vitalidade e a paixão estivessem lutando por liberar da minguante tela de fundo cinza. Ondas brancas e turbulentas, o rebordo negro e irregular da rocha, as sombras das ilhas estavam imóveis em um mar frio e escuro—. É frio —murmurou—. E solitário. Ele pintou, não é?

—Sim.

—Se quisesse contemplar esta vista —suspirou com tom trêmulo—, só teria que passear pelos penhascos abaixo Das Torres. Suzanna o fazia, às vezes com os meninos, às vezes sozinha. Muito freqüentemente sozinha —girou, desterrando o estado de ânimo sombrio—. Minha sobrinha parece perceber que você não se encontra especialmente interessado em confirmar a relação de Bianca e Christian, e em ajudar a encontrar as esmeraldas. Não posso acreditar.

—Não deveria ser assim, senhora McPike —deixou a bandeja de lado—. Mas o que disse a sua sobrinha foi que se eu me convencer que havia alguma conexão relevante, faria o que pudesse para ajudar. O que, segundo meu parecer, é pouco.

—Você foi oficial de polícia, não?

—Sim —enganchou os dedos polegares nos bolsos, sem confiar muito na mudança de tema.

—Tenho que reconhecer que me surpreendi quando soube que escolheu essa profissão, mas estou certa de que se encontrava bem preparado para o trabalho.

—Estava acostumado com ele - a cicatriz nas costas pareceu latejar.

—E suponho que terá solucionado casos.

—Alguns —curvou um pouco os lábios.

—De modo que procurou pistas e as seguiu até conseguir as respostas adequadas —sorriu—. Sempre adimirei os políciais na televisão que solucinam os mistérios e atam os fios soltos para achar a resposta.

—A vida não é assim tão organizada.

—Não, sob nenhum conceito, mas é indubitável que seria ótimo ter alguém de sua experiência —retornou a seu lado; já não sorria—. Serei sincera.Se soubesse dos problemas que passaríamos teria deixado a lenda das esmeraldas morresse comigo. Quando meu irmão e sua mulher morreram, e deixaram a suas filhas a meu cuidado, também assumi a responsabilidade de lhes transmitir a história das esmeraldas Calhoun... quando fosse o momento propício. Ao cumprir com o que considerava meu dever, pus a minha família em perigo. Farei tudo o que esteja a meu alcance, e empregarei a ajuda de quem for preciso, para evitar que lhes façam mal. Até que se encontrem essas esmeraldas, não posso estar segura de que minha família se encontre a salvo.

—Procurou a policia? —começou.

—Fiz o que pude. Não é suficiente —estendeu o braço e apoiou a mão na de Holt—. Os agentes não estão envoltos pessoalmente, e é impossível que o entendam. Você sim pode.

—Superestima minha capacidade —a fé e a lógica obstinada dela o punham incômodo.

—Não acredito —sustentou a mão dele mais um momento, logo a apertou com delicadeza antes de soltá-la—. Mas não é minha intenção pressioná-lo. Só vim para poder somar minha energia a da Suzanna. Custa-lhe tanto insistir para obter o que quer...

—Não o faz tão mal.

—Bom, alegra-me ouvir isso. Mas com seu trabalho e o casamento de Mandy, somado a tudo o que esteve passando, sei que não teve tempo para falar com você estes dias. Nossas vidas se viraram ao avesso esses últimos meses. Primeiras o casamento de C.C., e as obras da casa, agora Amanda e Sloan... com Lilah a ponto de fixar uma data para casar-se com o Max —calou e esperou parecer melancólica—. Se pudesse encontrar um homem agradável para a Suzanna, teria todas as garotas assentadas.

Ao Holt não lhe passou por cima o olhar especulativo.

—Estou seguro de que ela mesma se ocupará disso quando estiver preparada.

— Se ela se permitir um momento para que isso ocorra. E depois do que aquele homem lhe fez—se calou. Sabia que se começasse a falar de Baxter Dumont, custaria a parar. E não era um tema adequado de conversação—. Bom, de qualquer jeito, os filhos e o negócio a maném muito ocupada, assim eu gosto de ter um olho atento a ela. Você não está casado, verdade?

Divertido, Holt pensou que ao menos ninguém poderia acusá-la de ser sutil.

—Sim. Tenho mulher e seis filhos no Portland.

Cody piscou, logo riu.

—Foi uma pergunta grosseira —reconheceu—. E antes de que lhe faça outra, deixarei-o tranqüilo —se dirigiu para a porta, feliz por ele ter educação sufuciente para lhe acompanhar e abri-la. A propósito, o casamento de Amanda é na sábado, às seis. Celebraremos a recepção no salão de baile de Las Torres. Eu gostaria que assistisse.

—Não acredito que seja apropriado —a mudança inesperada o desconcertou.

—Certamente que sim —corrigiu ela—. Nossas famílias se conhecem a muito tempo tempo, Holt. Nós adoraríamos sua presença —foi para o carro, mas se deteve e voltou-se—. E Suzanna não tem acompanhante. É uma pena.

 

O ladrão chamava-se a si mesmo por muitos nomes. A primeira vez que se apresentou em Bar Harbor em busca das esmeraldas, tinha empregado o nome do Livingston, fazendo-se passar por um homem de negócios britânico. Não tinha conseguido um êxito completo e tinha retornado sob a guisa do Ellis Caufield, um rico excêntrico. Devido à má sorte e à estupidez de seu sócio, tinha tido que abandonar esse disfarce.

Seu sócio estava morto, o que representava um pequeno inconveniente. O ladrão nesse momento respondia no nome do Robert Marshall e começava a desenvolver certo carinho por seu alter ego.

Marshall era magro, estava bronzeado e tinha um ligeiro acento de Boston. Levava o cabelo escuro quase até os ombros e exibia bigode. Graças a lentes de contato, seus olhos eram castanhos. Tinha os dentes um pouco torcidos. O aparelho bocal o incomodara bastante, mas também tinha mudado a forma de sua mandíbula.

Encontrava-se muito a vontade como Marshall, e adorava que o tivessem contratado como operário na restauração de Las Torres. Tinha falsificado as referências, o que tinha incrementado seus gastos. Mas as esmeraldas valiam a pena. Pretendia consegui-las, sem importar o preço.

Nos últimos meses tinham deixado de ser um trabalho para converter-se em uma obsessão. Não só as queria. Necessitava-as. O risco de trabalhar tão perto das Calhoun acrescentava mais vida ao jogo. De fato, tinha passado a um metro de Amanda quando se apresentou na ala oeste para falar com o Sloan O'Riley. Nenhum dos dois, que o tinham conhecido como Livingston, prestaram muita atenção a ele.

Fazia bem seu trabalho de dirigir maquinaria e recolher escombros. E nunca se queixava. Mostrava-se amigável com seus companheiros e inclusive de vez em quando ia tomar uma cerveja com eles ao final da jornada.

Logo retornava a sua casa alugada frente à baía e rascunhava planos.

A segurança de Las Torres não mostrava problema... não quando seria tão fácil para ele desconectá-la do interior. Ao trabalhar para as Calhoun podia estar perto e sem dúvida inteirar-se de qualquer novidade na busca do colar. E com cuidado e destreza poderia realizar alguma busca pessoal.

Os papéis que lhes tinha roubado ainda não lhe tinham dado nenhuma pista. A menos que a proporcionasse a carta que tinha descoberto. Ia escrita para a Bianca e assinada unicamente por "Christian". "Uma carta de amor", pensou enquanto empilhava madeiras. Era algo que devia inspecionar.

— Bob. Tem um minuto?

Marshall ergueu a vista e ofereceu um sorriso afável ao seu capataz.

—Claro.

—Precisam mudar algumas mesas ao salão de baile para o casamento de amanhã. Rick e você dêem uma mão às senhoras.

—Feito.

Partiu, contendo uma excitação trêmula por dispor de liberdade para andar pela casa. Recebeu instruções de uma acalorada Cody, logo ergueu o extremo de uma pesada mesa de caça que deviam mudar dali para o andar de cima.

—Acredita que virá? —perguntava-lhe C.C. a Suzanna ao terminar de limpar a parede de espelho.

—Duvido.

—Não vejo por que não —C.C. afastou o cabelo negro ao tornar-se para trás em busca de alguma marca—. E possivelmente que se insistirmos todos, termine por ceder e unir-se a nós.

—Não é desses —Suzanna olhou ao redor e viu os dois homens com a mesa—. OH, pode deixar contra essa parede. Obrigado.

—De nada —conseguiu responder Rick com os dentes apertados.

Marshall simplesmente sorriu e não disse nada.

—Possivelmente se ver a foto de Bianca e escutar a entrevista que Max e Lilah tiveram com a criada que estava acostumado a trabalhar aqui então, aceite-o. É o único familiar vivo do Christian.

—É!—Rick conteve um juramento quando ao Marshall lhe inclinou a mesa.

—Não me parece que lhe importe muito a família —indicou Suzanna—. Uma coisa que não mudou no Holt Bradford é que se trata de um solitário.

Holt Bradford. Marshall fixou o nome em sua memória antes de dizer:

—Há algo mais que possamos fazer por vocês, senhoras?

—Não, agora não —respondeu Suzanna por cima do ombro com gesto distraído—. Muito obrigado.

—Não tem de que—Marshall sorriu.

—Que bonitas, não acha? —murmurou Rick ao partir.

—OH, sim —mas Marshall pensava nas esmeraldas.

—Direi-te uma coisa, amigo, eu gostaria... —Rick se interrompeu quando outras duas mulheres com um menino pequeno chegaram até o alto das escadas. Dedicou a ambas um sorriso de grandes dentes. Lilah lhe devolveu um sorriso e seguiu andando—. Ai ai... —Rick se levou uma mão ao coração—. Este lugar está cheio de crianças.

—Desculpe —indicou Lilah com voz suave—. Quase todos são inofensivos.

A loira esbelta esboçou um sorriso fraco. Dois operários lascivos nesse momento eram a última de suas preocupações.

—De verdade que não quero ser um aborrecimento —começou com seu delicado acento do sudoeste—. Sei o que disse Sloan, mas de verdade acredito que seria melhor se Kevin e eu passássemos a noite em um hotel.

—Com a temporada tão avançada, não conseguiriam passar a noite nem em uma loja de campanha. E a queremos aqui. Todos nós. A família do Sloan agora é nossa família —Lilah lhe sorriu ao pequeno de cabelo escuro que olhava boquiaberto tudo o que aparecia à vista—. É um lugar peculiar, verdade? Seu tio está encarregando de não faze-lo cair sobre nossas cabeças—entrou no salão de baile.

Suzanna se achava em uma escada, tirando brilho a um cristal, enquanto C.C., sentada no chão, ocupava-se da superfície inferior.

Suzanna girou a cabeça. Esperava-os já a algumas semanas. Mas vê-los ali, sabendo quem eram, deixou-a tensa.

A mulher não só era a irmã de Sloan, nem o pequeno só seu sobrinho. A pouco tempo Suzanna tinha se inteirado que Megan O'Riley tinha sido amante de seu marido, e o pequeno filho daquele. A mulher que a olhava nesse momento, com a mão do menino na sua, logo que tinha dezessete anos quando Baxter a seduziu com juramentos de amor eterno e promessas de matrimônio para levar-lhe à cama. Mas estava planejando casar-se com a Suzanna.

"Qual de nós foi a outra?", perguntou-se Suzanna. Enquanto pensavapercebu que já não era importante. Não quando podia ver com toda claridade a ansiedade nos olhos de Megan Ou'Riley, a tensão em seu corpo e seu orgulho no ângulo do queixo.

Lilah realizou as apresentações com tanta suavidade que alguém de fora teria acreditado que reinava uma atmosfera prazerosa no salão. Quando Suzanna lhe ofereceu a mão, Megan só pôde pensar em que se excedeu na forma de vestir-se. Sentiu-se rígida e tola com seu traje sóbrio de cor bronze, enquanto Suzanna parecia tão relaxada e bonita com seu jeans velhos.

Essa era a mulher a que durante anos tinha odiado por lhe tirar o homem ao que tinha amado e lhe roubar o pai de seu filho. Inclusive depois que Sloan lhe tivesse explicado a inocência de Suzanna, inclusive ao saber que o ódio tinha sido em balde, Megan não era capaz de relaxar-se.

—Fico feliz em conhece-la —Suzanna tomou a mão rígida do Megan entre as suas.

—Obrigado —incômoda, Megan retirou a mão—. Estou aniosa para assistir ao casamento.

—Como todas nós —depois de um momento de incerteza, Suzanna se permitiu baixar o olhar ao Kevin, o meio-irmão de seus filhos. O coração se derreteu um pouco. Era mais alto que seu filho e um ano mais velho. Mas os dois tinham herdado a atrativa pele morena de seu pai. Inconscientemente, estendeu a mão para lhe afastar uma mecha de cabelo da frente, igual ao de Alex. Megan rodeou os ombros do pequeno em um gesto instintivo de defesa. Suzanna baixou a mão—. É um prazer te conhecer, Kevin. Alex e Jenny quase não puderam dormir ontem à noite ao saber que viria hoje.

Kevin lhe ofereceu um sorriso fugaz, logo olhou a sua mãe. Havia-lhe dito que ia conhecer seus meio-irmãos e não sabia muito bem se isso o alegrava. Acreditava que a sua mãe acontecia o mesmo.

—Por que não descemos para buscá-los? —C.C. apoiou uma mão no ombro de Suzanna.

Megan notou que Lilah já passara para o lado da irmã. Não as culpou por apoiar-se contra uma estranha.

—Possivelmente seria melhor se...

Nunca chegou a terminar a frase. Alex e Jenny entraram correndo no salão, ofegantes e acalorados.

—Está aqui? —quis saber Alex—. A tia Cody há dito que sim, e queremos ver... —interrompeu-se ao deixar de patinar sobre o chão recém lustrado.

Os dois meninos se observaram, interessados e precavidos, como dois sabujos. Alex não soube se gostava que seu novo irmão fosse maior que ele, mas já tinha decidido que estaria bem ter algo mais que uma irmã.

—Sou Alex, e esta é Jenny —disse, ocupando-se das apresentações—. Só tem cinco anos.

—Cinco e meio —corrigiu Jenny e se aproximou do Kevin—. E posso te vencer se tiver que fazê-lo.

—Jenny, não acredito que isso seja necessário —Suzanna falou com suavidade, mas suas sobrancelhas arqueadas o diziam tudo.

—Bom, mas poderia —murmurou Jenny, sem deixar de avaliá-lo—. Mas mamãe diz que temos que ser agradáveis porque somos família.

—Conhece algum índio? —inquiriu Alex.

—Sim —Kevin já não se agarrava à mão de sua mãe

—Quer ver nosso forte? —perguntou Alex.

—Sim —olhou a sua mãe com expressão de súplica—. Posso?

—Bom, eu...

—Lilah e eu levaremos eles —C.C. apertou por última vez o ombro da Suzanna.

—Estarão bem —assegurou Suzanna a Megan quando suas irmãs levaram os meninos—. Sloan desenhou o forte, então é robusto —voltou a recolher o trapo para limpá-las mãos—. Sabe Kevin?

—Sim —Megan não deixou de lhe dar voltas à bolsa—. Não queria que conhecesse seus filhos sem entendê-lo —respirou fundo e se preparou para lançar-se ao discurso que tinha preparado—. Senhora Dumont...

—Suzanna. Isto é difícil para você.

—Não imagino que seja fácil ou cômodo para nenhuma de nós. Não teria vindo se não fosse tão importante para o Sloan —continuou—. Amo meu irmão e não faria nada para estragar seu casamento, mas tem que compreender que se trata de uma situação impossível.

—Vejo que é doloroso para você. Sinto —ergueu as mãos, logo as deixou cair—. Talvez se eu tivesse sabido antes... sobre você, sobre o Kevin. É improvável que tivesse podido mudar algo referente ao Bax, —baixou o olhar para o tecidoo que sustentava com mãos tensas, depois o deixou de lado—. Megan, compreendo que enquanto você dava a luz ao Kevin, sozinha, eu me encontrava na Europa, de lua de mel com o pai do Kevin. Tem direito de me odiar por isso.

Megan só pôde mover a cabeça e olhá-la fixamente.

—Não é nada do que tinha esperado. supunha-se que tinha que ser indiferente, distante e estar ofendida.

—Seria-me impossível guardar rancor de uma jovem de dezessete anos a que decidiu criar sozinha seu filho apesar das dificuldades. Eu não era muito mais velha quando me casei com Bax. Sei como é atraente e convincente . E também cruel.

—Pensei que depois viveríamos felizes para sempre —Megan suspirou—. Bom, não demorei para amadurecer e aprender —olhou para Suzanna—. Odiei-a por ter tudo o que eu queria. Inclusive quando deixei de amá-, lhe odiar me ajudou a seguir adiante. E temia conhece-la.

—Outra coisa que temos em comum.

—Não acredito que esteja aqui, te falando desta maneira —para aliviar seus nervos, deu voltas pelo salão—. A imaginei tantas vezes no passado. Enfrentaria a você, exigiria meus direitos —riu em voz baixa—. Inclusive hoje tinha um discurso pensado. Era muito sofisticado, amadurecido... possivelmente um pouco cruel. Não queria acreditar que não tinha sabido nada do Kevin, que você também tinha sido uma vítima. Porque era muito mais fácil me considerar a única a que tinham traído. Mas então apareceram seus filhos —fechou os olhos—. Como supera a dor, Suzanna?

—Lhe deixarei a par quando descobrir.

Com um leve sorriso, Megan olhou pela janela.

—A eles não os afetou. Olhe.

Suzanna se aproximou. No pátio pôde ver seus filhos e ao filho de Megan subir ao forte de madeira.

 

Holt pensou muito. Até o momento em que tirou o traje do armário tinha tido a certeza de que não ia aceitar o convite. Que diabos se supunha que ia fazer em um casamento? Não gostava dos atos sociais, nem as conversações intrascendentes nem comer esses canapés diminutos. Nunca se sabia do que eram.

Não gostava de estrangular-se com uma gravata ou ter que engomar uma camisa.

Perguntou-se por que o faria.

Afrouxou-se o odiado nó da gravata e carrancudo se observou no espelho que havia em cima da mesa. Porque era um idiota e queria ver Suzanna outra vez .

Tinha passado mais de uma semana desde que plantaram o arbusto amarelo. Uma semana desde que a tinha beijado. E uma semana desde que tinha reconhecido que esse beijo, sem importar quão turbulento tinha sido, não ia ser suficiente.

Queria compreendê-la e pensava que o melhor modo para consegui-lo era observá-la em meio a família que parecia amar tanto. Não estava muito seguro que era a princesa indiferente e remota de sua juventude, a mulher ardente que tinha tido nos braços ou a mulher vulnerável cujos olhos os perseguiam em seus sonhos.

Holt era um homem que gostava de saber exatamente o que enfrentava, fora um suspeito, um motor quebrado ou uma mulher. Assim que analisasse Suzanna, moveria-se a seu próprio ritmo.

Não queria admitir que o tinha comovido com sua ardente crença de que existia uma conexão entre seus antepassados. Mais ainda, odiava reconhecer que a visita de Cody McPike o tinha feito sentir culpado e responsável.

Recordou-se que não ia ao casamento para ajudar a ninguém. Não ia estabelecer compromisso algum. Ia satisfazer-se a si mesmo. Nessa ocasião não ia ter que deter-se na porta da cozinha.

Não era um trajeto muito longo, mas se tomou seu tempo. A primeira olhada de Las Torres o devolveu doze anos ao passado. Era, como sempre tinha sido, um lugar chamativo, um labirinto de contrastes. Estava construído com pedras escuras, mas flanqueado por torres românticas. De um ângulo parecia formidável, de outro gracioso. Nesse momento havia um andaime no lado oeste, mas em vez de enfear a construção, parecia algo produtivo.

O jardim em pendente era de um verde esmeralda, protegido por árvores nodosas e dignas e salpicadas com flores fragrantes e frágeis. Já havia muitos carros, e Holt se sentiu idiota entregando as chaves de seu velho Chevy ao manobrista uniformizado.

O casamento ia ser celebrado no terraço. Como estava a ponto de começar, manteve-se na parte de trás da multidão. Soou uma música de órgão. ouviram-se uns poucos comentários murmurados e suspiros quando as damas de honra avançaram pelo largo tapete branco que cobria a erva.

Quase não foi capaz de reconhecer a C.C. como a deslumbrante deusa embainhada no vestido rosa com sua larga cauda. "Não restava dúvida de que as meninas Calhoun sempre foram atraentes", pensou, cravando a vista na mulher que ia atrás dela. O vestido que levava era da cor da espuma de mar, mas apenas o notou. Era o rosto... o rostro do retrato que havia no apartamento de cobertura de seu avô. Holt soltou o ar contido. Lilah Calhoun era uma cópia de sua bisavó. E Holt já não ia ser capaz de negar a ligação.

Colocou as mãos nos bolsos e desejou não ter assistido.

Então viu a Suzanna.

Essa era a princesa de sua imaginação juvenil. O cabelo de um ouro pálido caía em suaves cachos até seus ombros sob um véu de um azul tênue. O vestido da mesma cor fluía a seu redor movimentado com a brisa. Nas mãos levava flores; havia mais espalhadas por seu cabelo. Quando passou a seu lado, com olhos tão suaves e sonhadores como o vestido, ele sentiu um desejo tão profundo, tão intenso, que quase pronuncia seu nome.

Não recordou nada da cerimônia breve e bonita exceto a expressão do rosto de Suzanna quando a primeira lágrima caiu por sua face.

Tal como tinha acontecido tantos anos atrás, o salão de baile estava cheio de luz, música e flores. Quanto à comida, Cody se tinha superado. Os convidados foram tratados com atenção com croquetes de lagosta, ameixas ao vapor e mousse de salmão, tudo acompanhado com champanha. Dúzias de cadeiras se acomodaram nas esquinas e ao longo das paredes de espelhos; as portas da terraço se aberto para permitir que os convidados saíssem para o exterior.

Holt se manteve afastado, bebendo champanha frio e dedicando-se a observar. Como sua primeira visita às Torres, decidiu que era um espetáculo. Os espelhos devolviam o reflexo de mulheres de pé, sentadas ou dançando. A música e a fragrância a gardênias enchiam o ar.

A noiva estava arrebatadora, alta e imponente em encaixe branco, o rosto luminoso enquanto dançava com o homem alto e de cabelo bronze que nesse momento era seu marido. "Fazem um bonito casal", pensou Holt. "Como se supõe que acontece quando está apaixonado". Viu Cody dançar com um homem alto e loiro que parecia ter nascido com o smoking.

Então voltou a contemplar a Suzanna. Nesse momento se inclinava para dizer algo a um menino de cabelo escuro. Perguntou-se se seria seu filho. Era evidente que o pequeno se achava perto de uma espécie de rebelião. Movia os pés impaciente. Ganhou a simpatia do Holt. Não podia haver nada pior para um menino que estar vestido com um mini smoking em uma noite do verão e ficar com adultos. Suzanna lhe sussurrou algo ao ouvido, e logo puxou a sua orelha. A expressão amotinada do pequeno ficou dominada por um sorriso.

—Vejo que segue ruminando nas esquinas.

Voltou-se e uma vez mas ficou assombrado com a semelhança que Lilah Calhoun tinha com a mulher que seu avô tinha pintado.

—Só observo o espetáculo.

—Vale o preço da entrada. Max —Lilah apoiou uma mão no braço do homem alto e magro que a acompanhava—. Apresento ao Holt Bradford, de quem estive loucamente apaixonada durante vinte e quatro horas faz uns quinze anos.

—Nunca me contou isso — Holt arqueou uma sobrancelha.

—Claro que não. Ao terminar o dia decidi que não queria estar apaixonada por alguém áspero e perigoso. Apresento ao Max Quartermain, o homem que vou amar pelo resto de minha vida.

—Felicidades —Holt aceitou a mão estendida de Max. Um aperto forte e olhos firmes e um sorriso ligeiramente amigável—. É o professor, não?

—Era. E você é o neto do Christian Bradford.

—Sim —respondeu com voz mais distante.

—Não se preocupe, não vamos persegui-lo enquanto for um convidado —Lilah o estudou—.Deixaremos para mais tarde. Pedirei a Max que lhe mostre a cicatriz que ganhou enquanto realizávamos nossa montagem publicitária.

—Lilah —a voz do Max soou suave com uma ordem subjacente.

Esta se encolheu os ombros e bebeu champanha.

—Lembra-se de C.C.? —indicou quando sua irmã se reuniu com eles.

—Lembraava-me de uma garota desajeitada com graxa na cara —relaxou o suficiente para sorrir—. Parace que melhorou.

—Obrigado. Meu marido, Trent. Holt Bradford.

Enquanto os dois homens realizavam um comentário cortês durante a apresentação, Holt viu que se tratava do companheiro de baile de Cody.

—Aos noivos —anunciou Lilah, brindando pelo casal antes de voltar a beber.

—Olá Holt —embora ainda resplandecessem, os olhos de Amanda irradiavam firmeza e cautela—. Me alegro que tenha podido vir.

Enquanto apresentava ao Sloan, Holt compreendeu que o tinham rodeado. Não o pressionaram. Em nenhum momento foi mencionada as esmeraldas. "Mas uniram forças", pensou; tinham formado uma sólida parede de determinação que teve que admirar, mesmo que lhe desagradasse.

—O que é isto, uma reunião familiar? —inquiriu Suzanna ao chegar a seu lado—. Acho que devemos nos misturar com os convidados, não nos juntar em uma rodinha. OH. Holt —o sorriso vacilou um pouco—. Não sabia que estava aqui.

—Sua tia me convidou.

—Sei, sei mas... —calou e recompôs seu sorriso de anfitriã—. Me alegro que tenha podido vir.

"Falsa", pensou ele ao levantar a taça.

—Foi... interessante até agora.

Ante um sinal mudo, a família se dispersou, deixando-os sozinhos no canto da sala junto a algumas gardênias.

—Espero que não lhe tenham incomodado.

—Claro que não.

—É possível, mas não quero que lhe importunem durante o casamento de minha irmã.

—Mas não te incomoda se for em outra parte.

Antes de que pudesse replicar, umas mãos pequenas e impaciente atiravam de seu vestido.

—Mamãe, quando podemos comer o bolo?

—Quando Amanda e Sloan estejam preparados para cortá-lo —baixou um dedo pelo nariz do Alex.

—Mas estamos com fome.

—Então vá à mesa do buffet e comam alguma coisa.

O pequeno emitiu uma risada, mas não retrocedeu em seu empenho.

—O bolo...

—É para mais tarde. Alex, apresento-lhe ao senhor Bradford.

Não muito interessado em conhecer outro adulto que lhe daria um tapinha na cabeça e lhe diria quão grande era, olhou-o com uma careta. Quando lhe ofereceu um apertão de mãos de homem, aprumou-se um pouco.

—É você um policial?

—Fui.

—Recebeu alguma vez um tiro na cabeça?

—Não, sinto—viu que perdia a imagem diante do garoto—. Mas uma vez me deram na perna.

—Sério? —Alex se animou—. Sangrou muito?

—Muito —teve que sorrir.

—Ah. Disparou em muitos homens maus?

—A dúzias.

—Nossa! Espere um momento —saiu correndo.

—Sinto —começou Suzanna—. Está passando por uma fase de assassinato e mutilação.

—Oh, não é nada —riu—, compensou-o ao lhe dizer que lhe tinha disparado a um montão de sujeitos maus —se perguntou se teria contado a verdade, embora não o manifestou em voz alta.

—Suzanna, queria...?

Alex freou ao seu lado seguido de outros dois meninos—. Os bandidos lhe deram um tiro na perna.

—Doeu? —quis saber Jenny.

—Um pouco.

—Não parou de sangrar —comentou Alex com entusiasmo. Esta é Jenny, minha irmã. E este é meu irmão Kevin.

Suzanna quis beijá-lo. Quis levantá-lo em braços e encher de beijos por aceitar com tanta facilidade o que os adultos tinham complicado tanto. Passou-lhe a mão pelo cabelo.

Os três bombardearam Holt de perguntas até que Suzanna pôs fim à situação.

—Acredito que no momento houve muita sangue.

—Mas, mamãe...

—Mas, Alex —imitou ela—. Por que não vai beber um pouco de ponche?

Como lhes pareceu uma boa idéia, partiram.

—Que turma —murmuro Holt, e olhou a Suzanna—. Acreditava que tinha dois filhos.

—E assim é.

—Me deu a impressão de ver três.

—Kevin é o filho de meu ex-marido —respondeu com frieza—. E agora, se me desculpar...

Freou-a com uma mão no braço. "Outro segredo", pensou, e decidiu que já procuraria essa resposta. Não nesse instante. Nesse momento ia fazer algo no que tinha pensado desde que a viu caminhar pelo tapete de cetim embainhada em seu etéreo vestido azul.

—Quer dançar?

 

Não conseguia relaxar em seus braços. disse-se que era uma tolice, que o baile não era mais que um gesto social casual. Mas seu corpo estava próximo, firme, a mão que tinha nas costas era possessiva. Recordava-se com muita claridade o momento em que a tinha tido em seus braços para fazê-la voar com um beijo.

—É uma casa magnifica —disse ele, e se deu o prazer de sentir o cabelo dela contra sua face—. Sempre me perguntei como seria por dentro.

—Algum dia o levarei fazer um percurso.

—Surpreende-me que não tenha retornado para insistir.

Os olhos da Suzanna mostraram irritação ao jogar a cabeça atrás para responder.

—Não tenho intenção de insistir.

—Bem —passou o polegar por cima dos nós de suas mãos e a sentiu tremer—. Mas voltará.

—Só porque prometi à tia Cody.

—Não —aumentou a pressão sobre as costas dela e a aproximou alguns centímetros mais—. Não só por isso. Pergunta-me como seria,do mesmo jeito que me perguntei a metade da minha vida.

—Este não é o lugar —os dedos dele pelas costas foram deixando uma pequena linha de pânico.

—Eu escolho meu próprio terreno —baixou os lábios até deixá-los a uns centímetros dos dela. Observou como seus olhos se obscureciam e nublavam—. Te desejo, Suzanna.

—Supõe-se que tenho que me sentir lisonjeada? —perguntou com voz rouca pelo nó que tinha na garganta.

—Não. É mais inteligente de sua parte se estivesse assustada. Não farei que as coisas sejam fáceis para você.

—Não sinto nenhum interesse —comentou com mais controle.

—Poderia beijá-la agora e demonstrar que esta enganada —sorriu.

—Não tolerarei uma cena no casamento de minha irmã.

—Bem, então venha a minha casa amanhã.

—Não.

—De acordo —baixou a cabeça. Ela girou a sua, de modo que lhe roçou a têmpora com os lábios, para logo lhe mordiscar o lóbulo da orelha.

—Para. Meus filhos...

—Não deveriam surpreender-se de que um homem beije sua mãe —mas parou, porque seus joelhos estavam vascilantes—. Amanhã, Suzanna. Há algo que preciso te mostrar. Algo de meu avô.

—Se se tratar de algum tipo de jogo, não quero participar.

—Não é nenhum jogo. Desejo-a, e no meomnbto certo a terei. Mas há algo de meu avô que tem direito a ver. A menos que tenha medo de ficar a sós comigo.

—Estarei lá —respondeu com o corpo rígido.

Na manhã seguinte, Suzanna se achava no terraço com Megan. Contemplavam a seus filhos correr pelo jardim com o Fred.

—Que bom seria se pudessem ficar mais tempo.

Megan moveu a cabeça com uma expressão jovial na cara.

—Surpreende-me dizer que também eu gostaria. Amanhã tenho que voltar para trabalho.

—Kevin e você são bem-vindos aquia qualquer momento. Quero que saiba.

—Sei —a olhou. No rosto de Suzanna viu uma tristeza que entendia, embora raramente se permitia senti-la—. Se você e os meninos decidirem visitar Oklahoma, têm um lar conosco. Não quero que percamos o contato. Kevin precisa conhecer este ramo de sua família.

—Não o perderemos —se agachou para recolher uma pétala de rosa que tinha caido ali na terraço—. foi um casamento lindo. Sloan E Mandy vão ser felizes... e todos teremos sobrinhos em comum.

—Deus, o mundo é um lugar estranho —tomou a mão de Suzanna—. Eu gostaria de pensar que podemos ser amigas, não só pelo bem de nossos filhos ou por Sloan e Amanda.

—Acredito que já somos —sorriu.

—Suzanna! —chamou Cody da porta da cozinha—. Uma chamada para você —Cody mordia o lábio quando Suzanna chegou a seu lado—. É Baxter.

—OH —sentiu que o singelo prazer da manhã se evaporava—. Atenderei na biblioteca.

Preparou-se para tudo enquanto partia pelo vestíbulo. Recordou-se que já não podia feri-la. Nem física nem emocionalmente. Entrou na biblioteca, respirou fundo e atendeu ao telefone.

—Olá, Bax.

—Suponho que te terá parecido divertido me fazer esperar no telefone.

Ali estava o tom cortante e crítico que no passado tinha lhe provocado calafrios. Nesse momento simplesmente suspirou.

—Sinto muito. Estava lá fora.

—Suponho que escavando o jardim. Ainda finge que pode ganhar a vida recortando roseiras?

—Estou convencida de que não me ligou para saber como anda meu negócio.

—Seu negócio, segundo o chama você, não é mais que uma ocupação tola. Que minha ex-mulher venda flores na esquina da rua...

—Mancha sua imagem, sei —passou a mão pelo cabelo—. Não vamos voltar a mesam conversa, vamos?

—Vejo que se tornou uma caipira —o ouviu murmurar algo com outra pessoa e logo rir—. Não, não liguei para dizer que está se tranformando em uma tola. Quero os meninos.

—O que? — seu sangue gelou .

O sussurro trêmulo de Suzanna o satisfez enormemente.

—Acredito que no acordo de custódia fica estipulado com claridade que tenho direito a ter duas semanas durante o verão. Buscarei-os na sexta-feira.

—Mas... se nunca houve...

—Não gagueje, Suzanna. É um de seus defeitos mais chatos. Se não o compreendeu, repetirei-lhe isso. Exerço meus direitos de pai. Pegarei os meninos na sexta-feira, ao meio dia.

—Não os viu em quase um ano. Não pode vir e leva-los e ..

—Certamente que sim. Se decidir não respeitar o acordo, simplesmente voltarei a te levar ante os tribunais. Não é legal nem inteligente que tente manter aos meninos longe de mim.

—Nunca tentei que fazer isso. Você não se incomodaste em vê-los.

—Não tenho intenção de mudar minha agenda para agradar a você. Yvette e eu vamos passar duas semanas ao Martha's Vineyard e decidi levar os meninos. É hora de que vejam algo do mundo além do pequeno canto que se esconde.

Tremiam-lhe as mãos. Agarrou o telefone com mais força.

—Nem sequer enviou uma postal a Alex por seu aniversário.

—Acredito que no acordo não se estipula nada sobre postais de aniversário —espetou—. Mas é muito específico sobre os direitos de visita. Se quer consulta-o com seu advogado, Suzanna.

—E se eles não quiserem ir?

—A escolha não é deles... nem sua. Eu não tentaria predispô-los contra mim.

—Não preciso —murmurou.

—Que tenham tudo preparado. Ah, Suzanna, ultimamente estive lendo muito sobre sua família. Não te parece estranho que não se mencionasse nenhum colar de esmeraldas em nosso acordo de divórcio?

—Não sabia que existia.

—Pergunto-me se os tribunais acreditarão.

Sentiu que os olhos lhe enchiam com lágrimas de frustração e ira.

—Pelo amor de Deus, você já não levou o suficiente?

—Nunca é suficiente, Suzanna, quando temos em conta o muito que me decepcionou. Na sexta-feira —repetiu—. Ao meio dia —desligou.

Tremia. Embora sentasse com cuidado em uma cadeira, não podia parar. Era como se a houvessem devolvido cinco anos ao passado, a aquela terrível impotência. Não podia detê-lo. Tinha lido o acordo de custódia palavra por palavra antes de assiná-lo, e ele tinha direito. Tecnicamente podia ter exigido mais tempo de aviso, mas isso unicamente adiaria o inevitável. Se Bax tinha tomado uma decisão, não conseguiria que a mudasse. quanto mais se opor, quanto mais discutisse, mais sentiria prazer ele em retorcer a faca.

E mais o pagaria com os meninos.

Seus pequenos. Tampou o rsoto com as mãos. Só seria por um tempo curto... poderia sobreviver. Mas, como as crianças iriam reagir a isso?

Deveria fazer que parecesse uma aventura. Com um tom de voz adequado e as palavras precisas os convenceria de que era algo que queriam fazer. Ficou de pé com os lábios apertados. Mas não ainda. Se falava com eles nesse momento não seria capaz de convencer os de nada salvo de sua própria agitação.

—Este maldito lugar é como a Estação Central —o som familiar de uma bengala fez com que Suzanna voltasse a sentar-se—. Gente indo e vindo, o telefone soando. É como se nunca ninguém tivesse se casado —Colleen, a tia avó da Suzanna, com o magnífico cabelo branco recolhido para trás e diamantes brilhando em suas orelhas, deteve-se na soleira—. Quero te comunicar que seus pequenos monstros encheram a escada de terra.

—Sinto muito.

Colleen só bufou. Gostava de queixar-se dos meninos porque se afeiçoou muito a deles.

—Vândalos. O único dia da semana em que não se ouvem martelos nem serras e em troca os meninos gritam pela casa. Por que demônios não estão no colégio?

—Porque estamos em julho, tia Colleen.

—Não vejo que diferença há —acentuou o cenho ao estudar a Suzanna—. O que houve com você, jovem?

—Nada. Encontro-me um pouco cansada.

—Cansada nada —reconhecia a expressão de desespero e impotência. Já a tinha visto antes nos olhos de sua própria mãe—. Com quem falava por telefone?

—Isso, tia Colleen —respondeu com o queixo elevado—, não é seu assunto.

—Vá, vejo que te tornaste a subir a seu cavalo arrogante —o qual gostava. Preferia que sua sobrinha neta mordesse antes que aceitasse um golpe. Além disso, aporrinharia a Cody até inteirar-se do que estava passando.

—Tenho um compromisso —indicou Suzanna com a serenidade que pôde aprovisionar—. Se importaria lhe dizer à tia Cody que saí?

—Assim agora sou a garota dos recados. Direi, direi —murmurou, agitando a bengala—. Já é hora de que me prepare um chá.

—Obrigado. Não demorarei.

—Saia e limpe a cabeça —disse Colleen quando Suzanna passou a seu lado—. Não há nada que um Calhoun não possa dirigir.

—Espero que tenha razão —suspirou e deu um beijo na bochecha enxuta.

Não se permitiu pensar. Saiu da casa e subiu à caminhonete, dizendo-se que faria o que fora necessário... mas que primeiro precisava acalmar-se.

Precisava ser muito hábil no manejo de suas emoções. Uma mulher não podia sentar-se em um tribunal com o futuro de seus filhos em jogo e não aprender a controlar-se.

Era possível sentir pânico, ira ou tristeza e funcionar de forma normal. Quando estivesse segura de que podia fazê-lo, falaria com seus filhos.

Devia manter um compromisso. Seja o que for o que Holt tivesse que lhe mostrar, poderia distrai-la-o suficiente para ajudá-la a manter controladas suas emoções até que se normalizassem.

Pensou que estava tranqüila quando se deteve ante a casa dele. Ao sair da caminhonete, passou-se uma mão pelo cabelo revolto pelo vento. Guardou-se as chaves nos bolsos e bateu na porta.

O cão ladrou como poseído. Holt reteve o Sadie pela coleira ao abrir.

—Chegou. Pensei que teria que ir buscá-la.

—Disse que viria —entrou—. Que tem que me mostrar?

Quando teve a segurança de que Sadie não faria mais que ganir e gemer em busca de atenção, soltou-a.

—Sua tia mostrou muito mais interesse na cabana.

—Vou com o tempo justo —depois de acariciar ao cão com gesto distraído, meteu-se as mãos nos bolsos das calças amplas—. É muito bonita —olhou ao redor—. Deve estar cômodo aqui.

—Estou —conveio devagar, sem afastar os olhos penetrantes de sua cara. Não havia nem rastro de cor em suas bochechas. Tinha os olhos muito escuros. Tinha querido que fora consciente dele, possivelmente com certo desconforto, mas não que o medo a dominasse ante a idéia de vê-lo outra vez—. Pode relaxar, Suzanna —indicou com voz seca—. Não vou atirar me em cima de você.

—Podemos acabar logo com isso? —respondeu a ponto de perder o controle.

—Sim, podemos, assim que deixe de estar aí de pé como se estivesse presa. Ainda não fiz nada para que me olhe dessa maneira.

—Não lhe olho de maneira nenhuma.

—Mentira. Maldita seja, tremem-lhe as mãos —furioso, as segurou—. Pare com isso—exigiu—. Não vou lhe fazer mal.

—Não tem nada que ver contigo —se soltou, odiando não ser capaz de evitar que continuassem tremendo—. Por que acredita que algo que sinta ou a expressão que tenho dependem de você? Tenho minha própria vida, meus sentimentos. Não sou uma mulher débil e aterrada que se vem abaixo assim que um homem eleva a voz. Acha mesmoq ue tenho medo de você? De verdade acredita que poderia me fazer mal depois... ? —calou, consternada. Tinha estado gritando e as lágrimas furiosas ainda lhe queimavam os olhos. Tinha um nó tão tenso no estômago que mal podia respirar. Holt a observava com olhos analíticos—. Tenho que ir —conseguiu dizer ao tempo que corria à porta. A mão dele a fechou—. Deixe-me ir —quando lhe quebrou a voz, mordeu-se o lábio. Girou e o olhou com olhos cintilantes—. Disse que me deixasse ir.

—Adiante —disse com assombrosa calma—, me bata. Mas não vai a nenhuma parte enquanto estiver assim tão agitada.

—Se estou agitada, é meu assunto. Você não tem nada a ver com isso.

—De acordo, assim não irá me bater. Provemos com outra válvula de escapamento —apoiou as mãos a cada lado de seu rosto e lhe cobriu a boca.

Não era um beijo para apaziguar ou consolar. Transmitiu a mesma emoção descarnada e turbulenta que os sentimentos da Suzanna.

Os braços dela se achavam apanhados entre os dois, com as mãos ainda fechadas; a pele lhe acendeu. Ao primeiro brilho de resposta, Holt se mergulhou no beijo duro e desesperado até que esteve seguro de que quão único ficava na mente da Suzanna era ele.

Logo se atrasou um pouco mais para satisfazer-se a si mesmo. Ela era um vulcão à espera da erupção, uma tormenta pronta para cair. Sua paixão contida tinha mais pega que suas mãos, e Holt pretendia estar presente quando explorasse.

No momento de soltá-la, Suzanna se apoiou na porta com os olhos fechados e a respiração entrecortada. Ao observá-la, deu-se conta de que nunca tinha visto ninguém lutar tanto para manter o controle.

—Sente-se —disse. Ela moveu a cabeça—. De acordo, fique de pé —se encolheu de ombros e se afastou para acender um cigarro—. De qualquer modo vai me contar o que a deixou assim

—Não quero falar com você.

Holt se sentou no braço de uma poltrona e exalou uma baforada de fumaça.

—Muita gente não quis falar comigo. Mas geralmente averiguo o que quero saber.

Ela abriu os olhos, que nesse momento estavam secos, algo que aliviou grandemente ao Holt.

—É um interrogatório?

—Pode ser —voltou a encolher-se de ombros e deu outro trago ao cigarro. Não a ajudaria nada que lhe oferecesse palavras suaves. Nem sequer sabia se as tinha.

Suzanna pensou em abrir a porta e partir. Mas ele simplesmente a deteria. Tinha aprendido à força que em algumas batalhas uma mulher não podia ganhar.

—Não vale a pena —repôs com voz cansada—. Não devia ter vindo enquanto me encontrava agitada, mas considerei que estava sob controle.

—Agitada por que?

—Não é importante.

—Então não tem problema se me contar..

—Bax me ligou. Meu ex-marido —para consolar-se, ficou a caminhar pela habitação.

Holt estudou a ponta do cigarro e se recordou que o ciúmes naquele momento não seria adequado.

—Ao que parece, ainda pode perturbá-la.

—Uma chamada de telefone. Uma. E sigo sob seu domínio —Holt não tinha esperado captar essa amargura em sua voz. Guardou silêncio—. Não há nada que possa fazer. Nada. Ele vai levar os meninos duas semanas. Não posso detê-lo.

—Pelo amor de Deus, a isso se deve toda esta histeria? —suspirou com gesto impaciente—. Assim que os meninos se vão com papai um par de semanas —aborrecido, apagou o cigarro. E pensar que se preocupara por ela—. Me economize esse cilindro de esposa vingativa, encanto. Ele tem direitos.

—OH, sim, tem direitos —a voz lhe tremeu com uma emoção tão profunda que Holt voltou a prestar atenção—. Porque diz em um pedaço de papel. E esteve presente quando foram concebidos, de modo que isso o converte em seu pai. É obvio, não significa que tenha que ama-los, ou preocupar-se com eles ou lutar para educá-los com bondade. Não significa que tenha que recordar o Natal ou os aniversários. É como Bax me disse por telefone. Não há nada no acordo de custódia que o obrigue a enviar postais de felicitação. Mas sim me obriga a lhe entregar os meninos quando ele quer —as lágrimas voltavam a ameaçar fazendo ato de presença, mas as negou. Chorar diante de um homem alguma vez contribuía outra coisa que não fora humilhação—. Acredita ainda que ele tem algum direito? Ele já não pode me fazer mal. Mas meus filhos não merecem ser utilizados para que possa vingar-se de mim.

Holt sentiu algo ardente e letal estender-se por suas vísceras.

—Fez um bom trabalho contigo, verdade?

—Essa não é a questão. A questão é Alex e Jenny. De algum modo devo convencer-los de que o pai, que não se incomodou em ficar em contato com eles durante meses, que não era capaz de tolerá-los quando vivian sob o mesmo teto, vai levar-los a umas férias maravilhosas de duas semanas —cansada de repente, acariciou o cabelo—. Não vim aqui a falar disto.

—Sim veio para falar disto —mais acalmado, acendeu outro cigarro. Se não fazia algo com as mãos, ia voltar a tocá-la, e não estava seguro de que nenhum dos dois pudesse controlar-se—. Não sou família, assim supõe que pode descarregar comigo sem que perca o sono.

—Tem razão —sorriu um pouco—.Sinto.

—Não pedi uma desculpa. Que sentem por ele os meninos?

—É um desconhecido.

—Então o mais provável é que não tenham nenhuma expectativa. Dá-me a impressão de que podem considerar tudo como uma aventura... e que deixa que ele seja quem aperta seus botões. Se o está usando para te provocar, deu certo.

—Eu já tinha chegado a essas conclusões. Precisava soltar um excesso de frustração —tentou sorrir outra vez—. Geralmente ranco toneladas de ervas daninhas.

—Acredito que me beijar funcionou melhor.

—Ao menos foi diferente.

Ele apagou o cigarro e ficou de pé. Ao demônio com o que pudessem controlar.

—Essa é a melhor descrição que te ocorre?

—Holt —começou quando a rodeou com os braços.

—Sim? —mordiscou-lhe o queixo, logo a boca.

—Não quero ser abraçada —mas queria, e muito.

—É uma pena —apertou os braços e a aproximou ainda mais.

—Pediu-me que viesse para... —emitiu um leve som de angústia quando lhe mordiscou o lóbulo da orelha—. Para poder me mostrar algo de seu avô.

—Assim é —a pele dela cheirava ao ar dos penhascos... a mar, flores silvestres e ao ardente sol do verão—. Também para poder voltar tocá-la. Iremos uma coisa por vez.

—Não quero um compromisso —mas inclusive ao dizê-lo aproximava a boca para encontrar-se com a sua.

—Eu tampouco —mudou o ângulo e sugou o lábio inferior dela.

—Isto não é mais que... OH... química —fechou os dedos em seu cabelo.

—Pode apostar —introduziu as palmas ásperas sob a blusa dela para explorar.

—Não pode chegar a nenhuma parte.

—Já chegou.

Também nisso tinha razão. Durante um breve instante ela se permitiu cair no beijo, no calor. Necessitava de algo, de alguém. Se não podia conseguir carinho ou compaixão, conformaria-se com o desejo. Mas quanto mais tomava, mais seu corpo desejava algo que se achava fora de seu alcance. Algo que não podia permitir o luxo de querer ou necessitar outra vez.

—Isto está indo muito depressa —murmurou sem ar, afastando—. Sinto muito, compreendo que deve estar confusa.

Ele observou seus olhos, só seus olhos, enquanto o corpo lhe palpitava.

—Scredita que posso parar?.

—Não quero iniciar algo que não seja capaz de terminar —umedeceu os lábios ainda quentes do contato com os do Holt—. E agora mesmo tenho muitas responsabilidades, muito do que me preocupar para pensar sequer em...

—Uma aventura? —concluiu ele—. vai ter que pensar nisso —sem deixar de olhá-la aos olhos, agarrou um punhado de seu cabelo—. Certo, tome uns dias. Posso ser paciente se sei que irei conseguir o que quero. E quero você.

—Por achá-lo fisicamente atraente, não quer dizer que pularei na sua cama—respondeu nervosa.

—Não me importo o jeito que chegaremos lá. Se você vai pulando ou se arrastando. Mais adiante poderemos decidir o método a empregar —antes de que ela pudesse insultá-lo, sorriu, beijou-a e retrocedeu—. Uma vez acertado isso, mostrarei o retrato a você.

—Se acredita que está tudo certo porque... que retrato?

—De uma olhada e depois me diga.

Conduziu-a até o apartamento de cobertura. Dividida entre a curiosidade e a fúria, Suzanna o seguiu. Só sabia que nesse momento que tinha tornado a ver Holt Bradford, suas emoções tinham viajado em uma montanha russa. E ela sempre desejara da vida era uma viagem suave e tranqüila.

—Ele trabalhava aqui acima.

—Conheceu-o bem? —perguntou com interesse.

—Não acredito que ninguém o conhecesse bem —foi abrir uma clarabóia—. Ia e vinha conforme gostava. Voltava aqui por uns dias, ou uns meses. Às vezes eu me sentava a vê-lo trabalhar. Quando se cansava de minha companhia, dizia-me para levar o cão passear lá fora no povoado e comprar sorvete.

—Ainda há pintura no chão —incapaz de resistir, agachou-se para tocá-la. Ergueu a vista, encontrou-se com os olhos de Holt e o entendeu.

-Você gostava muito de seu avô. Aquelas manchas de pintura, mais que a própria cabana, eram lembranças. Estendeu a mão para tomar a sua, e levantou-se quando os dedos se uniram. Então viu o retrato.

O tecido se achava apoiado contra a parede, em um marco antigo e trabalhado. A mulher lhe devolveu o escrutínio, com olhos cheios de secretos, tristeza e amor.

—Bianca —sussurrou, e deixou que as lágrimas caíssem com liberdade—. Sabia que devia tê-la pintado. Tinha que havê-lo feito.

—Não estava certo até que ontem vi Lilah.

—Nunca o vendeu —murmurou Suzanna—. O guardou, pois era a única coisa que ficara dela.

—Talvez —Não se sentia cômodo pelo fato de ter lhe ocorrido omesmo pensamento—. Tenho que concluir que havia algo entre eles. Não sei como isso pode deixá-las mais pertos das esmeraldas.

—Mas você nos ajudará?

—Sim.

—Obrigado —se voltou para olhá-lo. "Sim, ajudará-nos", pensou. Não romperia sua palavra, sem importar o muito que o irritasse respeitá-la- Primeira coisa que tenho que te pedir é se pode levar o retrato às Torres para que a minha família veja. Significará muito para eles.

Por insistência de Suzanna, também levaram o Sadie. Ela foi na parte de trás da caminhonete, sorrindo ao vento. Quando chegaram às Torres, descobriram Lilah e ao Max sentados no jardim. Fred, ao ver o veículo, empreendeu uma carreira e se deteve aturdido quando com agilidade Sadie saltou de trás.

Com o corpo agitado, aproximou-se dela. Os cães se dedicaram a cheirar-se com minuciosidade. Com o rabo oscilando, Sadie partiu pelo pátio. Por cima do ombro lançou um olhar de convite a Fred, quem imediatamente pôs-se a segui-la.

—Parece que o velho Fred teve um caso de amor a primeira vista —comentou Lilah enquanto se aproximavada caminhonete com Max—. Nos perguntávamos aonde tinha ido —passou uma mão pelo braço de Suzanna, deixando que soubesse sem palavras que estava à sabendo do telefonema de Bax.

—Os meninos estão por ai?

—Não, foram-se ao povo com o Megan e os pais dela para ajudar Kevin a escolher umas lembranças antes de partir.

Suzanna assentiu e tomou a mão de sua irmã.

—Há algo que tem que ver —retrocedeu e assinalou. Através da porta aberta da caminhonete, Lilah viu o quadro. Seus dedos se tensionaram nos de sua irmã.

—OH, Suze.

—Sei.

—Max, vê-o?

—Sim —com delicadeza lhe beijou o rosto e contemplou o retrato de uma mulher que era a cópia exata da que ele amava—. Era linda. É um Bradford —olhou ao Holt e encolheu o ombros—. Estive estudando a obra de seu avô nas últimas duas semanas.

—O teve o tempo todo—começou Lilah.

Holt não deixou que a acusação prosseguisse.

—Não soube que era Bianca até que te vi ontem.

Ela estudou seu rosto e cedeu.

—Não é tão desagradável como você gosta que pense a pessoas. Sua aura é muito clara.

—Deixa o aura do Holt em paz, Lilah —riu Suzanna—. Quero que a tia Cody o veja. OH, como eu gostaria que Sloan e Mandy não estivessem em lua de mel.

—Só estarão ausentes duas semanas —lhe lembrou a irmã.

Duas semanas. Suzanna se esforçou em manter o sorriso em seu lugar enquanto Holt levava o retrato dentro.

Assim que o viu, Cody chorou. Mas isso não era novidade para ninguém. Holt o tinha apoiado em um sofá no salão, e Cody estava sentada na poltrona, molhando o lenço.

—Depois de todo este tempo. Uma parte dela voltou a esta casa.

—Uma parte dela sempre esteve aqui —Lilah tocou o ombro de sua tia.

—OH, sei, mas poder olhá-la-se secou os olhos—. E olhar você.

—Devia amá-la muito —com os olhos úmidos, C.C. apoiou a cabeça no ombro de Trent—. É tal como imaginei, tal como sabia que seria aquela noite em que a senti.

Holt manteve as mãos nos bolsos.

—Olhem, sentimentos e sessões espíritas à parte, o que precisam são as esmeraldas. Se quiserem minha ajuda, então preciso estar à par de tudo.

—Uma sessão —Cody se secou os olhos—. Deveriam celebrar outra. Penduraremos o retrato no restaurante. Com isso como centro, teremos êxito. Tenho que verificar as cartas astrológicas —ficou de pé e saiu da estadia.

—Sem lhe subtrair mérito a Cody —disse Trent—, possivelmente seja melhor que ponha ao Holt à parte de um modo mais convencional.

—Prepararei café —Suzanna jogou uma última olhada ao retrato antes de ir à cozinha.

Enquanto moía grãos de café pensou que não havia muito que Trent pudesse lhe dizer. Holt já conhecia a lenda, a investigação que tinham realizado, o perigo ao que se haviam visto expostas suas irmãs. Era possível que graças a seu treinamento pudesse espremer mais que eles dita informação. Mas não sabia se lhe importaria tanto como a sua família.

Sabia que a motivação emocional podia trocar as vistas. E que sem ela não se podia conseguir nada importante.

Ele tinha paixão. Mas, essas paixões iriam além da necessidade física? "Não comigo", assegurou-se, medindo o café. Tinha falado a sério quando lhe disse que não queria relacionar-se. Não podia permitir-se voltar a estar apaixonada.

Temia que ele tivesse razão no referente a uma aventura. Se não era o bastante forte para resisti-lo, esperava dispor da força necessária para manter separados seu coração e seu corpo. Não podia ser tão ruim precisar ser tocada e desejada. Possivelmente ao entregar-se a ele de um modo físico, poderia demonstrar-se que não era um fracasso como mulher.

Deus, queria voltar a sentir-se como mulher, a experimentar essa corrente de prazer e liberação. Tinha quase trinta anos, e o único homem com o que tinha mantido intimidade tinha censurado seu desejo. Durante quanto tempo poderia continuar perguntando-se se tinha tido razão?

Sobressaltou-se ao sentir mãso em seus ombros.

Devagar, consciente da facilidade com a que tinha empalidecido, Holt a fez girar para que o olhasse.

—Onde estava?

—OH, até o pescoço arrancando ervasdaninhas.

—É uma boa mentira se pusesse mais vida nela —mas não a pressionou—. Vou falar com o tenente Koogar. Deixaremos o café para outra vez.

—De acordo, levarei-o.

—Vou com o Max e com o Trent.

—Ah sim, só homens —arqueou as sobrancelhas.

—Às vezes funciona melhor dessa maneira —passou o polegar pelo cenho em um gesto tenro que os surpreendeu aos dois. Contendo-se, deixou cair a mão—. Se preocupa muito. Chamarei-a.

—Obrigado. Não esquecerei o que faz por nós.

—Esqueça- aproximou e a beijou até deixar todas as suas extremidades frouxas—. Preferiria que lembrasse disto.

Partiu e Suzanna se sentou em uma cadeira. E ficou a recordá-lo.

 

Holt se disse que não gostava de ser um bom samaritano. Depois de ter uns dados mais claros da situação, fazia o que considerava melhor. Alguém tinha que vigiá-la até que apanhassem ao Livingston. O melhor modo de não perder a de vista era manter-se perto dela.

Entrou no estacionamento e se situou ao lado da caminhonete. Viu que Suzanna se achava no exterior com uns clientes, assim foi dar uma volta.

Já tinha passado por diante de Jardins da Ilha, mas nunca se deteve. Não tinha tido motivo para isso. Havia muitas flores sobre mesas de madeira ou em vasos de barro chamativos. Embora não saberia as distinguir, se podia reconhecer seu atrativo. Ou possivelmente se devia ao feito de que o ar cheirava a Suzanna.

Chegou à conclusão de que era evidente que ela sabia o que tinha ali. Reinava uma grande ordem, potencializado por uma informalidade que convidava aos curiosos a dar uma olhada, ao tempo que os tentava a comprar.

Olhava uma bandeja de rosas quando ouviu o rangido de folhas no arbusto de atrás. Ficou tenso, e os dedos procuraram a arma que já não levava. Suspirou e se amaldiçoou. Tinha que superar essa reação. Já não era policial e não era provável que alguém lhe saltasse pelas costas para lhe cravar uma faca de dezesseis centímetros.

Girou um pouco a cabeça e viu o jovem detrás de um expositor de petunias. Alex sorriu e ficou de pé.

—Peguei você! —dançou alegre ao redor das flores—. Era um pigmeu e o acertei com um dardo envenenado.

—Sou afortunado de ser imune ao veneno dos pigmeus. Se tivesse sido veneno dos ubangi, estaria morto. E sua irmã?

—No estufa. Mamãe nos deu sementes e essas coisas, mas me aborrecia. Posso vim para cá—se apressou a explicar, sabendo a rapidez com a que os adultos podiam complicar uma situação—. Mas não posso me aproximar da rua e nem atirar em ninguém.

—Matou   a muitos clientes hoje? —não queria atrapalhar a diversão.

—Tudo vai muito lento. Segundo mamãe, porque é segunda-feira. Por isso podemos vir trabalhar com ela e Carolanne ter o dia livre.

—Você gosta de vir aqui?

Holt não soube como tinha acontecido, mas o menino e ele caminhavam por entre as flores e tinha a mão do Alex na sua.

—Claro, gosto muito. Plantamos coisas e as regamos. Às vezes levamos as compras dos clientes até os carros e recebemos moedas .

—Parece um bom trato.

—E mamãe fecha ao meio dia. Passeamos até a pizzaria e jogamos nas video locadoras. Vamos todas as segundas-feiras. Exceto... —calou e chutou o cascalho.

—Exceto o que?

—Que a próxima semana estaremos de férias e mamãe não irá.

Holt observou a cabeça inclinada do menino e se perguntou que diabos fazer.

—Ah... suponho que está muito ocupada aqui.

— Carolanne poderia trabalhar ou outra pessoa e ela vir. Mas não o fará.

—Não acredita que lhes acompanharia se pudesse?

—Suponho —voltou a dar um chute nos cascalhos e quando Holt não o repreendeu, fez-o uma terceira vez—. Temos que ir a um lugar chamado Martha's Vineyard, com meu pai e sua nova esposa. Mamãe diz que será divertido, que iremos à praia e tomaremos sorvetes.

—Parece divertido.

—Eu não quero ir. Não sei por que tenho que ir. Eu quero ir ao Disney World com mamãe.

Quando ao pequeno soluçou, Holt suspirou e ficou com pena.

—É difícil fazer coisas que não queremos. Suponho que terá que cuidar de Jenny enquanto estejam fora.

—Suponho —Alex encolheu os ombros e aspirou o ar—. Ela tem medo de ir. Mas só tem cinco anos.

—Com você estará bem. Direi-te o que faremos; durante sua ausência, eu cuidarei de sua mãe.

—Valeu —sentindo-se melhor, Alex limpou o nariz com o dorso da mão—. Posso ver onde lhe atiraram na perna?

—Claro —Holt assinalou uma cicatriz de uns dez centímetros na perna esquerda, justo em cima do joelho.

—Ceus —como Holt não parecia lhe importar, passou um dedo por cima—. Suponho que por ter sido policial, cuidará bem de mamãe.

—Certamente que o farei.

Suzanna não teve certeza do que sentiu ao ver o Holt. Mas soube que algo quente se agitou em seu interior quando Holt acariciou o cabelo de Alex.

—Olá, e o que é isto?

Os dois varões intercambiaram um olhar rápido e particular antes de que Holt se soerguesse.

—Um bate-papo de homens —disse, e apertou a mão de Alex.

—Sim —o pequeno disse—. Um bate-papo de homens.

—Compreendo. Bom, odeio interrompê-los, mas se quiser pizza, será melhor que lavar suas mãos.

—Ele pode vir? —perguntou Alex.

—Seu nome é senhor Bradford —indicou Suzanna.

—Seu nome é Holt —Holt lhe piscou os olhos um olho para o pequeno e recebeu um sorriso em troca.

—Pode?

—Vamos ver.

—Isso diz muito —confiou Alex, e logo saiu correndo em busca de sua irmã.

—Suponho que é verdade —Suzanna suspirou e se voltou para o Holt—. Que posso fazer por você?

Usava o cabelo solto, com uma boina azul que lhe dava aspecto de ter dezesseis anos. De repente Holt se sentiu tolo e incômodo como um adolescente ao solicitar seu primeiro encontro.

—Continua necessitando ajuda de meio período?

—Sim —começou a cortar begônias—. Todos os meninos do instituto têm trabalho para o verão.

—Eu posso te dar umas quatro horas ao dia.

—O que?

—Possivelmente cinco —continuou enquanto ela o olhava—. Tenho que realizar alguns trabalhos de reparação, mas posso estipular meu próprio horário.

—Quer trabalhar para mim?

—Sempre e quando só tenha que carregar e plantar coisas. Não penso vender flores.

—Não pode falar a sério.

—Claro que sim. Não as venderei.

—Não, refiro-me em relação a trabalhar para mim. Já tem seu próprio negócio, e eu não posso me permitir o luxo de pagar mais que o salário mínimo.

—Não quero seu dinheiro.

—Agora sim que não sei o que pensar — afastou o cabelo dos olhos.

—Olhe, pensei que poderíamos fazer uma troca. Eu a ajudarei com o trabalho mais pesado, e você pode arrumar um pouco meu jardim.

—Quer que arrume seu jardim? —sorriu.

—Não precisa exagerar com as plantas nem nada parecido —as mulheres sempre complicavam as coisas—. Alguns arbustos mais, isso é tudo. E bem, quer que fechemos um trato ou não?

O sorriso dela se transformou em uma gargalhada.

—Um dos vizinhos dos Anderson admirou nosso trabalho em equipe. Começo amanhã com eles —estendeu a mão—. Vem as seis.

—Da manhã? —perguntou com uma careta.

—Exato. E agora, o que te parece se comer conosco?

—Perfeito —lhe estreitou a mão—. Então vamos.

 

"Santo Deus, a mulher trabalha como um elefante. Não, como dois elefantes", corrigiu Holt enquanto o suor lhe escorria0 pelas costas. Via-se com um pico ou uma pá na mão tão freqüentemente, que dava a impressão de achar-se em uma equipe de trabalhos forçados.

Nos três dias que estava com ela, tinha abandonado a idéia de tentar não deixá-la fazer nenhum dos trabalhos pesados. Suzanna não lhe dava atenção e fazia o que queris e pronto. Quando retornava para casa no meio da tarde, com cada músculo docorpo dolorido, perguntava-se como diabos ela era capaz de manter esse ritmo.

Ele não podia lhe dar mais de quatro ou cinco horas entre suas próprias tarefas. Mas sabia que Suzanna fazia de oito a dez todos todos os dias. Não custava ver que se enfiava no trabalho para não pensar no fato de que os meninos partiriam no dia seguinte.

Baixou o picareta e encontrou rocha. A vibração lhe percorreu os braços. Ouvindo uma corrente de maldições, Suzanna ergueu a vista de onde estava.

—Por que não descansa um pouco? Eu posso acabar isso.

—Trouxe a dinamite?

Ela sorriu um instante.

—Não, de verdade. vá pegar um refresco da geladeira. Já estamos quase preparados para plantar.

—Perfeito —odiava reconhecer que tudo isso começava a acabar com ele. Tinha calos em cima de calos e sentia os músculos como se tivesse passado dez assaltos com um campeão... e perdido. Secou-se o rosto e o pescoço e se dirigiu à geladeira pequena que tinham deixado à sombra de um arvore. Ao tirar uma tonica, ouviu o pico golpear contra o chão rochoso—. É uma lunática, Suzanna. Este é o tipo de trabalho que dão aos presidiários. Que diabos acredita que vai crescer nessa rocha?

—Surpreenderia-te —se secou o suor que jorrava aos olhos—. Vê os lírios? —grunhiu ao remover uma pedra—. Os plantei faz dois anos.

Ele observou a profusão de flores altas e coloridas com relutante admiração. Tinha que reconhecer que melhoravam o terreno rochoso e agreste, embora não sabia se valia a pena.

—Os Snyder me deram meu primeiro trabalho de verdade —elevou uma rocha e a jogou no carrinho de mão. Estirou as costas—. Foi um trabalho nascido da simpatia, já que eram amigos da família e viram que a pobre Suzanna necessitava uma oportunidade. Surpreendi-os ao lhes demonstrar que sabia o que fazia, e após volto a trabalhar aqui de vez em quando.

—Estupendo. Quer deixar essa maldita coisa durante um minuto?

—Quase terminei.

—Não terminará até que a derrube. Quem vai ver umas poucas flores aqui acima?

—Os Snyder as verão, seus convidados as verão —moveu a cabeça para limpar do calor—. O fotógrafo de Jardins de Nova a Inglaterra as verá —levou uma mão à cabeça e a passou por cima dos olhos—. Em setembro plantaremos alguns bulbos. Lírios anões, flores silvestres. Alguns nardos e ... —começou a sentir um enjôo.

Holt se lançou da sombra ao sol quando viu que o pico escorria de suas mãos. Ao sustentá-la, deu a impressão de que se derretia em seus braços.

Amaldiçoa-la ajudou-o a desterrar o medo enquanto a levava a sombra da árvore. Ao depositá-la sobre a erva fresca o corpo dela era como cera quente.

—Acabou-se —colocou a mão na geladeira e passou agua gelada no seu rosto—. Terminou, ouviu? Se te voltar a ver com uma picareta na mão, te mato.

—Estou bem —disse com voz fraca, mas claramente irritada—. Peguei um pouco mais de sol —a água na cara lhe pareceu celestial, embora as mãos do Holt fossem um pouco ásperas. Tirou a tampa da tonica e bebeu com cuidado.

—Muito sol, muito trabalho —se queixava ele—. E pelo que vejo, pouca comida ou descanso. É um desastre, Suzanna, e já cansei.

—Muito obrigado —lhe afastou as mãos e se apoiou contra a árvore. Reconhecia que necessitava um minuto, mas não um discurso—. Eu sei, mas tenho coisas na cabeça.

—Não me importa o que tenha na cabeça —"Deus, está branca como um papel". Quis abraçá-la até que suas bochechas recuperavam a cor, lhe acariciar o cabelo até que estivesse outra vez forte e descansada. Mas manifestou a preocupação em forma de fúria—. Te vou levar a casa e vai ficar na cama.

—Acredito que esquece quem trabalha para quem —mais firme, deixou o refresco no chão.

—Quando adoece, fico no comando.

—Não estou doente —cortou crispada—. Tive uma vertigem. E ninguém tomará mandará mim, nem agora nem nunca. Deixa de me passar água pela cara, vai em afogar.

—É teimosa e obviamente estúpida.

—Perfeito. Se tiver terminado de gritar, vou fazer um intervalo para almoçar —sabia que tinha que comer. Não lhe importava ser teimosa, mas não era estúpida. "O que fui", reconheceu ao tirar um sanduiche da geladeira, "ao pular o café da manhã".

—Ainda não terminei de falar.

Suzanna se encolheu de ombros enquanto lhe tirava o plástico do sanduiche.

—Então pode falar enquanto como. Ou pode deixar de perder tempo e almoçar.

Pensou em arrastá-la até a caminhonete. A idéia era boa, mas os benefícios só seriam a curto prazo. Como não podia prende-la em um quarto, não poderia impedir que se matasse a trabalhar.

"Mas ao menos está comendo", refletiu. E suas bochechas tinham recuperado a cor. Com gesto casual tirou um sanduiche.

—Estive pensando nas esmeraldas.

—OH? —a mudança de tema e de atitude a surpreendeu.

—Li a transcrição que fez Max da entrevista com a senhora Tobías, a donzela. E escutei a fita.

—O que pensa?

—Que tem uma boa memória e que Bianca a impressionou. Desde seu ponto de vista, a conclusão é que Bianca era infeliz em seu matrimônio, estava entregue a seus filhos e apaixonada por meu avô. Fergus e ela já se achavam em terreno pantanoso quando brigaram pelo cão. Suporemos que essa foi a gota que encheu o copo. Ela decidiu deixá-lo, mas não partiu aquela noite. Por que?

—Embora ao fim tivesse tomado a decisão —respondeu Suzanna devagar—, teria que ter arrumado muitas coisas. Ela teria que ter pensado em seus filhos —isso o entendia muito bem—. Aonde poderia levá-los, como ter a certeza de poder mantê-los. Embora o matrimônio fora um desastre, teria que planejar com cuidado como lhes dizer que os ia afastar de seu pai.

—De modo que quando Fergus partiu para Boston depois da Briga ela ficou e planejou. Temos que supor que foi ver meu avô, porque ele terminou ficando com o cão.

—Amava-o —murmurou Suzanna—. Seria a primeira pessoa a que teria recorrido. E ele a amava, de maneira que teria querido ir com ela e os meninos.

—Se aceitarmos isso, temos que dar o seguinte passo nessa direção. Ela retornou às Torres a fazer as malas, a reunir os meninos. Mas em vez de reunir-se com meu avô e cavalgar juntos para o crepúsculo, atirou-se pela janela da torre. Por que?

—Achava-se emocionada —com os olhos entreabridos, Suzanna cravou a vista nos raios de sol—. Estava a ponto de dar um passo que poria fim a seu matrimônio e separaria aos meninos de seu pai. Romperia seus votos. É tão difícil, tão aterrador. É como morrer. Possivelmente pensou que era um fracasso como mulher, e quando seu marido voltou para casa e teve que enfrentar-se a ele e a si mesmo, não foi capaz.

—Foi assim para você? —acariciou-lhe o cabelo.

—Falamos da Bianca —seus ombros enrijeceram—. E não vejo o que tem que ver com as esmeraldas o motivo pelo qual se suicidou.

—Primeiro descobrimos por que as escondeu —apartou a mão do cabelo dela—, logo nos ocupamos de onde.

Devagar, ela voltou a relaxar-se.

—Fergus as deu de presente quando nasceu seu primeiro filho varão. Não sua primeira filha. Uma garota não alcançava o nível que ele queria —bebeu outro gole de tonica para eliminar parte de sua própria amargura—. Suponho que a ela isso terá doído. Receber uma recompensa, como se fora uma égua puro sangue, por lhe dar um herdeiro. Mas, eram delas porque o menino era seu —fechou as pálpebras—. Bax me deu de presente diamantes quando nasceu Alex. Não me senti culpada de vendê-los para montar meu negócio. Porque eram meus. Possivelmente ela sentisse o mesmo. As esmeraldas lhe teriam proporcionado uma nova vida, tanto para ela como para os meninos.

—Por que as escondeu?

—Para certificar-se de que ele não as encontrasse e a impedisse de ir. Assim Bianca saberia que tinha algo dele.

—Escondeu você os diamantes, Suzanna?

—Coloquei na bolsa dos fraldas da Jenny. O último lugar onde Baxter olharia —riu e arrancou umas fibras de erva—. Soa tão melodramático. Mas notou o que ele não sorria.

—Me parece muito inteligente. Bianca passava muito tempo na torre, certo?

—Já olhamos ali.

—Voltaremos a fazê-lo, e desmontaremos seu dormitório.

—Lilah adorará —voltou a fechar os olhos. O sanduiche e a sombra lhe começavam a dar sonho—. Agora é seu dormitório. E também olhamos ali.

—Eu não.

—Não —decidiu que não lhe faria nenhum dano estirar-se enquanto terminavam de analisar a situação. A grama estava fresca e branda—. Se encontrássemos seu diario, saberíamos as respostas. Mandy repassou todos os livros da biblioteca, se por acaso se tivesse misturado igual à carta roubada.

—daremos outra olhada —começou a lhe acariciar outra vez o cabelo.

—A Mandy nada passa despercebido. É muito organizada.

—Prefiro verificar terreno velho antes que depender de uma sessão espírita.

Ela emitiu um som pela metade entre uma risada e um suspiro.

—A tia Cody o convencerá —comentou com fadiga, devemos plantar as rosas.

—De acordo —com delicadeza lhe massageou os ombros

Ela murmurou algo sobre as rochas e adormeceu.

Holt a deixou ali à sombra e retornou ao sol.

A grama o fazia cócegas na bochecha quando despertou. pôs-se de barriga para baixo e dormido como um tronco. Aturdida, abriu os olhos. Viu o Holt sentado com as costas contra o tronco, com as pernas cruzadas à altura dos tornozelos. Observava-a enquanto se levava um cigarro aos lábios.

—Devo ter adormecido.

—Poderia-se dizer que sim.

—Sinto muito —se apoiou em um cotovelo—. Falávamos das esmeraldas.

—Já falamos muito no momento —atirou o cigarro. Com um movimento veloz enganchou as mãos sob os braços dela e a aproximou.

Antes de que Suzanna estivesse plenamente acordada, encontrou-se no colo de Holt com a boca dele sobre os lábios.

Desarmada e desorientada, afastou o rosto. O sangue tinha passado de lento e frio a rápido e aceso. O corpo, reparado pelo sono, lhe esticou como um arco. Respirou fundo. Quão único podia ver era a cara dele, os olhos escuros e perigosos, a boca dura e faminta. Logo tudo se tornou impreciso quando Holt voltou a beijá-la.

Deixou-o tomar o que parecia precisar tomar com desespero. Sob a sombra da arvore se pegou a ele, respondendo a cada exigência. Quando voltou a experimentar o enjôo, regozijou-se. Não era uma debilidade contra a que tivesse que lutar. Com um juramento, ele enterrou a cara no pescoço da Suzanna, onde o pulso lhe pulsava com força. Nada nem ninguém o tinha feito sentir jamais dessa maneira. Frenético e tremente. Cada vez que sua boca retornava a beijá-la, era com um novo matiz de desespero, cada um mais agudo que o anterior. Atravessaram-no dúzias de sensações, todas agudas e mortíferas. Quis afastá-la, afastar-se antes de que o fragmentassem. Quis rodar com ela sobre a erva suave e fresca e desterrar todos os desejos e necessidades.

Mas ela o rodeava com os braços e lhe revolvia o cabelo enquanto seu corpo tremia. Logo lhe acariciou a cara com a bochecha, em um gesto que foi quase insuportavelmente doce.

—O que vamos fazer? —murmurou Suzanna. Apoiou os lábios na pele dele e suspirou.

—Acredito que os dois conhecemos a resposta.

Ela fechou os olhos. Era tão singelo para ele. Durante um momento escutou o zumbido das abelhas nas flores.

—Preciso de tempo.

Holt apoiou as mãos nos ombros dela e a retirou até que ficaram cara a cara.

—Pode que não seja capaz de lhe dar isso Já não somos meninos e me cansei que me perguntar como seria.

Ela soltou ar com gesto trêmulo. Compreendeu que a agitação não bulia unicamente em se interior. Também a sentia nele.

—Se pedir mais do que posso dar, os dois ficaremos decepcionados. Desejo-te —conteve um ofego quando os dedos dele apertaram com mais força—. Mas não posso cometer outro engano.

—Quer promessas? —perguntou com os olhos entreabertos.

—Não —respondeu ela com sinceridade—. Não. Mas tenho que manter as que fiz a mim mesma. Se me entregar a você, tenho que me certificar de que não é sozinho algo que desejo, a não ser algo com o que poderei viver —elevou uma mão para apoiá-la em sua bochecha—. Uma coisa se posso te prometer, e é que se chegarmos a ser amantes, não o lamentarei.

—Quando o formos —corrigiu sem poder discutir com ela, não quando o olhava dessa forma.

—Quando o formos —conveio, ficando de pé, sentia-se mais forte. "Quando o formos", repetiu-se para si mesmo. Já tinha aceito que era uma simples questão de tempo—. Mas, por agora, temos que tomar as coisas conforme vêm. Devemos terminar um trabalho.

—Está terminado —se levantou quando ela se deu a volta.

As flores estavam em seu lugar, o estou acostumado a aplainado e talher de turfa. Onde antes só havia rochas e chão fino e sedento, nesse momento se viam umas flores jovens e folhas tenras e verdes.

—Como? —perguntou, correndo para inspecionar o trabalho.

—Dormiu por três horas.

—Três... —olhou-o consternada—. Porque não me acordou?

—Não o fiz. E agora tenho que ir, já é tarde.

—Mas não teria que...

—Parece —sentiu impaciência—. Quer arrancar as malditas coisas e as plantar você?

—Não —o estudou e compreendeu que não só se sentia zangado, a não ser envergonhado. Fazia algo doce e considerado ao dedicar três horas plantando algo do que até então fazia piada. Com as mãos nos bolsos, parecia dizer que, se o agradecesse, grunhiria.

Foi nesse momento, olhando-o sobre o pendente pedregoso, quando se deu conta do que tinha negado para admiti-lo em seus braços, ao insistir em que só era paixão e necessidade. Amava-o. Não só pelos beijos ardentes e as mãos exigentes, mas sim pelo homem que havia debaixo. O homem que passaria uma mão pelo cabelo de seu filho ou responderia às perguntas incessantes de sua pequena. O homem que deixaria manchas de pintura no chão em memória de seu avô.

O mesmo que plantaria flores por ela enquanto dormia.

Holt se moveu incômodo sob seu olhar.

—Escuta, se voltar a desmaiar, deixarei-a onde caia. Não tenho tempo para ficar de babá.

O rosto dela esboçou um sorriso lento e formoso, confundindo-o. Também o amava por isso... pela impaciência que ocultava a compaixão. É obvio, ia necessitar tempo para pensar. Para adaptar-se. Mas no momento, esse momento, podia experimentar essa corrente de sentimentos e estar satisfeita.

—Fez um bom trabalho.

Ele olhou as flores, convencido de que preferiria que lhe arrancassem a língua antes que reconhecer que tinha gostado do trabalho.

—Só terá que as colocar nos buracos e cobrir as raízes com terra —o descartou com um movimento de ombros—. guardei as ferramentas na caminhonete. Tenho que ir.

—Entregarei o trabalho para os Bryce até na segunda-feira. Amanhã... amanhã tenho que estar em casa.

—De acordo. Veremo-nos logo.

Enquanto ele se dirigia a seu carro, Suzanna se ajoelhou para acariciar os casulos frágeis e novos.

 

Na cabana perto da água, o homem que se chamava a si mesmo Marshall completou uma busca minuciosa. Encontrou algumas coisas de interesse menor. O ex-polícia gostava de ler e não cozinhava. Guardava suas medalhas em uma caixa metida no fundo de uma gaveta, e 32 carregada na mesinha de cabeceira.

Depois de inspecionar um escritório, Marshall descobriu que o neto do Christian fazia algumas investimentos ardilosos. Resultou-lhe divertido ver que um ex-policial de antivicio tivesse tido o suficiente sentido comum para criar uma rede de amparo. Também era interessante que o treinamento tivesse impulsionado ao Holt a escrever um relatório detalhado de tudo o que sabia sobre as esmeraldas Calhoun.

Esteve a ponto de perder a compostura ao ler a respeito da entrevista com a antiga criada, essa que tinha localizado Maxwell Quertermain. Este teria que ter estado trabalhando para ele. Ou morto. Marshall experimentou a tentação de destroçar o lugar, de derrubar móveis, romper abajures. De ceder a uma orgia de destruição.

Mas se obrigou a manter a calma. Não queria revelar sua presença. Ainda não. Possivelmente não tivesse encontrado nada importante, mas sabia tanto como os Calhoun.

Com muito cuidado, colocou os papéis de volta em seu lugar e fechou as gavetas. O cão começava a ladrar no pátio. Detestava os cães. Com uma careta, esfregou-se a cicatriz da perna onde o pequeno vira-lata dos Calhoun o tinha mordido. Teriam que pagar por isso. Todos iriam pagar.

"E o vão", pensou. Quando tivesse as esmeraldas.

Abandonou a cabana tal como a tinha encontrado.

 

Não escreverei do inverno. Não é uma lembrança que deseje reviver. Mas não fui a ilha. Não pude fazê-lo. Nesses meses ela jamais esteve fora de meus pensamentos. Na primavera, ficou comigo. Em meus sonhos.

E então chegou o verão.

É impossível escrever como me senti quando a vi correr para mim. Poderia pintá-lo, mas nunca conseguiria encontrar as palavras. Vaguei por esses penhascos, esperando-a. Foi tão fácil me convencer de que simplesmente bastaria vendo-a, voltando a falar com ela se descesse pelo pendente, através das flores silvestres e sentasse nas rochas a meu lado.

E de repente me chamava por meu nome e corria, com os olhos cheios de júbilo. Estava em meus braços, sua boca na minha. E soube que tinha sofrido tanto como eu. Que amava como eu amava.

Os dois sabíamos que era uma loucura. Talvez eu poderia ter sido mais forte, poderia havê-la convencido de que se fora e me deixasse. Mas algo tinha mudado nela durante o inverno. Já não se sentia satisfeita só vazio que me tinha informado que representava seu matrimônio. Seus filhos, tão queridos, não podiam forjar um vínculo entre ela e o marido que unicamente queria obediência e dever completo. Entretanto, não podia lhe permitir que se entregasse para mim, que desse o passo que lhe produziria culpa, vergonha ou arrependimento.

De modo que nos vimos um dia atrás de outro nos penhascos, com toda inocência. Para falar e rir, para fingir que o verão era interminável. Às vezes trazia os meninos e quase formavamos uma família. Era uma temeridade, mas de algum modo não acreditávamos que nada pudesse nos tocar enquanto estivéssemos ali, entre o céu e o mar, com as cúpulas da casa longe a nossas costas.

Fomos felizes com o que tínhamos. Nem antes nem depois houve dias mais felizes em minha vida. Um amor assim carece de princípio ou fim. Não está mau nem bem. Naqueles brilhantes dias do verão, ela não era a mulher de outro homem. Era minha.

Uma vida depois, estou aqui sentado neste corpo velho e contemplo a água. Seu rosto, sua voz, surgem com tanta claridade...

Bianca sorriu.

—Estava acostumado a sonhar que estava apaixonada.

Tinha-lhe tirado os alfinetes do cabelo para que minhas mãos pudessem soltar-lhe Um prazer ínfimo e precioso.

—Segue sonhando-o?

—Já não me faz falta —se inclinou para mim para me roçar os lábios com os seus—. Nunca mais terei que sonhar. Somente desejar.

Tomei a mão para beijá-la e observamos o vôo majestoso de uma águia.

—Esta noite há um baile. Desejaria que estivesse ali comigo, para dançar —continuou.

Pus-me de pé, ajudei-a a incorporar-se e comecei a dançar com ela entre as flores silvestres.

—Me diga que te porá, para que possa verte.

Rindo, elevou sua cara para me olhar.

—Porei-me seda de tom marfim com um sutiã baixo que mostrará meus ombros e uma parte inferior com lentejoulas para capturar a luz. E minhas esmeraldas.

—Uma mulher não deveria parecer triste ao falar de esmeraldas.

—Não —sorriu . Estas vez são muito especiais. Tenho-as desde que nasceu Ethan, e me ponho isso para não esquecer.

—O que?

—Que aconteça o que acontecer, os meninos são minhas verdadeiras jóias —quando uma nuvem tampou o sol, apoiou a cabeça sobre meu ombro—. me abrace mais, Christian.

Nenhum dos dois falou do verão que com tanta claridade chegava a seu fim, mas sei que ambos pensamos naquele momento em que meus braços a sustentavam perto e nossos corações pulsavam juntos no baile. Invadiu-me a fúria do que logo voltaria a perder.

 

—Daria-te esmeraldas, diamantes, safiras —lhe esmaguei os lábios com minha boca—. Tudo isso e mais, Bianca, se pudesse.

—Não —elevou as mãos a minha cara e vi que as lágrimas cintilavam em seus olhos—. Só me ame —pediu.

Só me ame.

 

Holt estava em casa menos de três minutos quando soube que alguém tinha entrado. Podia ter entregue o distintivo, mas seguia tendo olhos de polícia. Não havia nada evidentemente fora do lugar... mas um cinzeiro se achava mais perto do bordo da mesa, uma cadeira ocupava um ângulo levemente diferente em relação à chaminé, a ponta de um tapete estava levantada.

Alerta, passou do salão ao dormitório. Ali também encontrou sinais. Notou a ínfima mudança nos travesseiros, os livros movidos das prateleiras, enquanto cruzava a habitação para tirar a arma da gaveta. depois de comprovar o carregador, empunhou-a para continuar a inspeção.

Trinta minutos mais tarde, guardou a pistola. Tinha o rosto inexpressivo, os olhos duros. Tinham movido as telas de seu avô, não muito, mas o suficiente para lhe revelar que alguém os, tinha estudado. E essa era uma violação que não podia tolerar.

Quem quer que o tivesse feito, era um profissional. E estava seguro de quem tinha sido. Isso significava que Livingston se achava perto, sem dúvida sob outra identidade. O bastante perto para ter descoberto a relação do Bradford com os Calhoun. E as esmeraldas.

Enquanto acariciava a cabeça de Sadie, que gemia a seus pés, decidiu que já era algo pessoal.

Saiu pela porta da cozinha para sentar-se no alpendre a contemplar a água com seu cão e uma cerveja na mão. Deixaria que seu temperamento se serenasse e que sua mente vagasse, analisando todas as peças do quebra-cabeças, as colocando uma e outra vez até que começasse a formar um quadro.

A chave era Bianca. Devia recorrer à mente, as emoções e as motivações dela. Acendeu um cigarro e apoiou os tornozelos cruzados no corrimão do alpendre enquanto a luz começava a suavizar-se e a converter-se em crepúsculo.

Uma mulher formosa, com um matrimônio infeliz. Se lhe serviam como referência as mulheres Calhoun que ele conhecia, Bianca também teria tido uma vontade forte e teria sido apaixonada e leal. "E vulnerável", acrescentou. Isso se notava com força nos olhos do retrato, semelhante aos olhos da Suzanna.

Também tinha pertencido aos degraus mais altos da escala social, tinha sido uma das privilegiadas. Uma jovem irlandesa de boa família que tinha celebrado um matrimônio extremamente bom.

Uma vez mais se parecia com a Suzanna.

Deu uma imersão ao cigarro e com ar distraído acariciou as orelhas de Sadie quando ela acomodou a cabeça sobre seu colo. Seu olhar se viu atraída para o pequeno arbusto amarelo, a porção de sol que Suzanna lhe tinha dado. Segundo a entrevista com a antiga donzela, a Bianca também gostava das flores.

Tinha tido filhos e em todos os conceitos tinha sido uma mãe bondosa e entregue, enquanto que Fergus tinha sido um pai estrito e desinteressado. Então tinha aparecido Christian Bradford.

Se Bianca realmente o tinha tomado como amante, também tinha assumido um enorme risco social. Como a esposa do César, de uma mulher em sua posição se esperava que fora irrepreensível. Bastaria a leve insinuação de uma aventura, em particular com um homem por debaixo dela em fila social, e sua reputação teria ficado feita pedacinhos.

Entretanto, envolveu-se.

Perguntou-se se tudo tinha terminado sendo muito para ela. Se tinha sido devorada pela culpa e o pânico, se teria escondido as esmeraldas como uma espécie de última exibição de desafio, para ficar sumida no desespero ao pensar na vergonha e o escândalo do divórcio. Incapaz de enfrentar-se a sua vida, tinha escolhido a morte.

Não gostava. Moveu a cabeça e soltou uma baforada de fumaça. Não gostava do ritmo das coisas. Possivelmente estivesse perdendo objetividade, mas não podia ver a Suzanna rendendo-se e atirando-se pelos penhascos. E havia muitas similitudes entre a Bianca e sua bisneta.

Possivelmente devesse tentar meter-se na cabeça da Suzanna. Se a compreendesse, talvez pudesse chegar a compreender a sua desafortunada antepassada. "Possivelmente", reconheceu ao beber outro gole de cerveja, "possa me entender a mim mesmo". Os sentimentos que lhe inspirava pareciam sofrer mudanças radicais diariamente, até que já não sabia com exatidão o que sentia.

Certamente, estava o desejo. Mas não era tão simples. E sempre tinha contado com que fosse simples.

O que importava a Suzanna Calhoun? "Seus filhos", pensou imediatamente. Ninguém se aproximava disso, embora o resto de sua família os seguia de perto. Seu negócio. deixaria-se a pele para fazer que funcionasse. Mas Holt suspeitava que seu afã de êxito girava em torno de seus filhos e sua família.

Inquieto, levantou-se e ficou a caminhar pelo alpendre. Sabia que também isso era algo que queria. A singela quietude da solidão. Mas ali de pé com a vista cravada na noite, pensou na Suzanna. Não só no que tinha sentido ao tê-la em seus braços, em como o fazia ferver o sangue, a não ser em como seria tê-la nesse momento a seu lado, enquanto esperavam que saísse a lua.

Precisava meter-se em sua cabeça, conseguir que confiasse nele para que lhe contasse o que sentia, como pensava. Se conseguia estabelecer esse vínculo com ela, estaria um passo mais perto de obtê-lo com a Bianca.

Mas temia haver se envolvido muito. Seus próprios pensamentos e sentimentos nublariam seu julgamento. Queria ser amante dela mais do que tudo na vida. Afundar-se nela, ver como lhe obscureciam os olhos pela paixão até que essa expressão triste e ferida desaparecesse completamente. Fazer que se entregasse a ele como jamais se entregara a ninguém... nem sequer ao homem com o que se casou.

Apertou as mãos sobre o corrimão e se inclinou para a crescente escuridão. Sozinho, envolto sob o manto da noite, reconheceu que seguia o mesmo caminho que seu avô.

Estava apaixonando-se por uma Calhoun.

Era tarde quando entrou na casa. Mais tarde ainda quando conseguiu dormir.

 

Suzanna não tinha dormido nada. Toda a noite tinha permanecido acordada tratando de não pensar nas duas malas pequenas que tinha preparado. Quando ao fim conseguiu não pensar nisso, tinha pensado em Holt. Os pensamentos sobre ele a tinham agitado ainda mais.

Levantou-se o amanhecer para acrescentar umas poucas coisas e certificar-se de que tinha incluído alguns dos brinquedos favoritos de seus filhos para que não sentissem muitas saudades de casa.

Durante o café da manhã se mostrou alegre, e agradecida à presença de sua família para lhe dar apóio e ânimo. Os dois pequenos tinham estado zangados e tristes, mas ao meio dia já tinha conseguido tirar deles este estado de ânimo.

À uma, tinha os nervos a flor de pele e os meninos tinha tornado a ficar caprichosos. Às duas temeu que Bax tivesse esquecido tudo, e se viu sumida entre a fúria e a esperança.

Às três tinha chegado o carro, um Lincoln negro e brilhante. Quinze horríveis minutos mas tarde, seus filhos se foram.

Não podia ficar em casa. Cody tinha se mostrado muito amável e Suzanna tinha temido que as duas se dissolvessem em um atoleiro de lágrimas. Tanto pelo bem de sua tia como pelo seu próprio, decidiu ir trabalhar.

Jurou que se manteria ocupada. Tanto que quando os meninos retornassem, nem teria notado sua ausencia.

Passou pela loja, mas a simpatia e a curiosidade de Carolanne estiveram a ponto de voltá-la louca.

—Não pretendo lhe aborrecer —se desculpou Carolanne quando as respostas da Suzanna foram secas—. Só me preocupo com você.

—Estou bem —escolhia flores quase com um cuidado obsessivo—. E lamento estar crispada contigo, mas hoje não é um de meus melhores dias.

—E eu sou muito curiosa —sempre de bom humor, Carolanne encolheu os ombros—. Eu gosto as de tom salmão —comentou enquanto Suzanna escolhia entre um grupo de flores de Nova Guinea—. Escuta, se quer te desafogar um pouco, me chame. Podemos fazer um programa de garotas..

—Agradeço-lhe.

—Quando quiser —insistiu Carolanne—. É um conjunto precioso de flores —acrescentou quando Suzanna ficou a carregar a seleção na caminhonete—. Tem outro trabalho?

—É para pagar uma dívida —subiu ao veículo, saudou com a mão e se foi.

De caminho à casa do Holt, ocupou a mente distribuindo uma e outra vez o quadro de flores. Já tinha eleito o ponto, próximo ao alpendre dianteiro, para que ele pudesse desfrutá-lo sempre que entrasse ou saísse da cabana. Gostasse ou não.

O trabalho lhe ocuparia o resto do dia, logo se relaxaria dando um passeio pelos penhascos. O dia seguinte estaria na loja, logo dedicaria as últimas horas da tarde aos jardins de Las Torres.

Um a um, os dias iriam passando.

Depois de estacionar não se incomodou em anunciar-se, mas sim ficou a trabalhar imediatamente. O resultado não foi o que tinha esperado. Enquanto cavava e trabalhava a terra, não obteve nenhuma relaxamento. Sua mente não se esvaziou de preocupações nem se encheu com o prazer de plantar. Em seu lugar, uma dor de cabeça começou a cravá-la detrás dos olhos. Levou um composto de terra no carrinho de mão e o verteu sobre o solo. Enquanto o alisava com o rastelo Holt saiu.

Estava a quase dez minutos observando-a detrás da janela, odiando o fato de que os ombros fortes estivessem encurvados e os olhos apagados pela tristeza.

—Pensei que fosse tomar te o dia livre.

—Mudei de idéia —sem levantar a vista, levou o carrinho de mão de volta à caminhonete e a carregou com terra.

—Que diabos é isso?

—Seu pagamento. Este é nosso trato.

Carrancudo, baixou um par de degraus.

—Eu disse que poderia plantar um par de arbustos.

—Estou plantando flores —calcou a terra—. Qualquer com um mínimo de imaginação pode ver que este lugar pede flores a gritos.

"Então quer brigar", notou, apoiando-se nos calcanhares. "Bom, posso agradá-la".

—Teria sido melhor que me consultasse antes de transformar o pátio em uma sarjeta.

—Por que? Teria posto uma expressão desdenhosa e feito algum comentário machista.

—É meu jardim, encanto —baixou outro degrau.

—E eu estou plantando flores nele. Encanto —elevou a cabeça.

"Se, estiver o bastante furiosa, para soltar pregos pela boca", pensou Holt. "E também se sente desventurada".

—Se não querer se incomodar em regar ou cuidar —continuou Suzanna—, eu o farei. Por que não volta lá dentro e deixa que eu me ocupe de tudo?

Sem aguardar uma resposta, retornou ao trabalho. Holt se sentou enquanto ela acrescentava lavandas e consueldas, dálias e rosas. Fumou com despreocupação, notando que as mãos dela mostravam a segurança e graciosidade de sempre.

—Plantar flores não parece ajudá-la a melhorar seu estado de ânimo.

—Meu estado de ânimo esta bem. De fato é perfeito —arrancou um ramo e amaldiçoou—. Por que não ia ser só por ter tido que ver a Jenny subir a esse maldito carro com lágrimas nos olhos? Só por ter tido que me afastar e lhe sorrir ao Alex quando olhou com boca tremente e expressão que me suplicava que não o deixasse ir? —quando os olhos lhe encheram de lágrimas, as afastou—. E por ter tido que suportar que Bax me acusasse de ser uma mãe superprotetora e castradora que estava convertendo a seus filhos, seus filhos, em seres fracos?

Colocou a pá na terra.

—Não são tímidos nem fracos —continuou com veemência—. Só são meninos. Por que não iriam ter medo de ir com ele, quando não os conhecem? E com sua mulher, que estava ali com seu traje italiano e sapatos de salto alto com aspecto angustiado e necessitado. Não saberá o que fazer se Jenny softer rer um pesadelo ou ao Alex ter dor estômago. E eu os deixei ir. Fiquei quieta e deixei que subissem naquele maldito carro com dois desconhecidos. Assim me sinto bem. Fantasticamente bem.

Levantou-se para levar o carrinho de mão à caminhonete. Quando retornou para estender a turfa, ele se tinha ido. Obrigou-se a realizar a tarefa com cuidado, recordando-se que ao menos ali tinha o controle.

Holt voltou com uma mangueira conectada ao outro lado da casa e duas cervejas na mão.

—Eu as regarei. Bebe uma cerveja.

Secou-se a frente com a mão e franziu o cenho.

—Não bebo cerveja.

—É o único que tenho —lhe pôs uma lata na mão, logo apertou o gatilho da mangueira—. Acredito que já sei como levar a cabo esta parte —comentou com tom seco—. Por que não se senta?

Suzanna foi aos degraus e se sentou. Devido a que estava sedenta, bebeu um gole comprido, logo apoiou o queixo na mão e o observou. Tinha aprendido a não afogar as flores nem às amassar com um jorro forte. Suspirou e voltou a beber um gole.

"Nenhuma palavra de simpatia", pensou "Nenhuma palmada de fôlego nem a afirmação de compreender como me sinto". Tinha-lhe dado exatamente o que necessitava, uma parede silenciosa, contra a que arrojar sua desdita e fúria. "Saberá que me ajudou?". Não estava segura, mas sim sabia que tinha ido ve-lo não só para plantar flores, não só para escapar de sua casa, mas sim porque o amava.

Desde que o sentimento se abriu e floresceu em seu interior, não se tinha dado tempo para refletir sobre isso. Tampouco se tinha dado a oportunidade de perguntar-se o que significaria para qualquer dos dois.

Não era algo que ela quisesse. Jamais queria voltar a amar, não queria arriscar-se a ver-se submetida à dor e à humilhação provocados por um homem. Mas tinha acontecido.

Não o tinha procurado. Unicamente tinha desejado paz mental, segurança para seus filhos, uma simples satisfação para si mesmo. Entretanto, tinha-o encontrado.

Não sabia qual poderia ser a reação dele se o dizia. "Satisfará seu ego? Surpreenderá-o, espantará ou divertirá?". Enquanto passava um braço ao redor do cão que tinha ido reunir se com ela, disse-se que não importava. No momento, possivelmente para sempre, o amor era dele. Já não esperava que as emoções se compartilhassem.

Holt fechou a água. O quadro colorido acrescentava encanto à singela cabana de madeira. Inclusive lhe agradava reconhecer alguns dos casulos por seu nome. Não ia perguntar lhe a ela por aqueles que desconhecia. Já os buscaria.

—Elas vão se dar bem neste lugar.

—Quase todas são flores perenes —indicou Suzanna com o mesmo tom de voz casual—. Pensei que você gostaria de vê-las renascer um ano atrás de outro.

Era possível, mas também sabia que recordaria com claridade como parecia magoada e infeliz ao plantar. Não quis deter-se muito no muito que o incomodava imaginar ao Alex e a Jenny subindo com lágrimas nos olhos a um carro que os levava longe.

—Cheiram muito bem.

—São as lavandas —respirou fundo antes de levantar-se—. Irei fechar a torneira da mangueira —quase tinha girado pela esquina quando ele pronunciou seu nome.

—Suzanna. Ficarão bem.

Sem confiar em sua voz, ela assentiu e continuou. Achava-se agachada, com a cara do cão perto, quando Holt chegou a seu lado.

—Sabe?, se pusesse alguns lírios e algumas sempre vivas nesse quadro, resolveria quase todos os problemas de erosão.

Colocou uma mão sob o cotovelo dela para ajudá-la a erguer-se.

—Trabalhar é quão único afasta sua mente dos problemas?

—Quase sempre.

—Tenho uma idéia melhor.

—De verdade que não... —o coração quase saiu do peito.

—Vamos dar um passeio.

—Um passeio? —piscou.

—No barco. Dispomos de um par de horas antes que anoiteça.

—Um passeio no barco —repetiu, alheia a que o tinha divertido com seu prolongado suspiro de alívio—. Sim, eu gostaria.

—Bem —a pegou pela mão e a levou até o embarcadero—. Solte as amarras.

Quando o cão saltou ao lado dele, Suzanna compreendeu que se tratava de um velho costume. Para um homem que queria dar a impressão de não ter sentimentos, era revelador que se levasse a um cão de companhia quando entrava no mar.

O motor ganhou vida. Holt aguardou até que Suzanna subiu a bordo antes de pôr rumo.

O vento lhe esbofeteou o rosto. Rindo, sujeitou-se a boina com uma mão para evitar perdê-la no ar. Depois de encasquetar-lhe reuniu-se com ele ante o leme.

—Faz meses que não navego —gritou por cima do ruído do motor.

—Que sentido tem viver em uma ilha se não sair alguma vez à água?

—Eu gosto de contemplá-la.

Sadie ladrou às gaivotas e logo se acomodou sobre as almofadas do navio com a cabeça no flanco, para que o vento pudesse lhe agitar as orelhas.

—Tem que levá-la outra vez a casa —comentou ela—. Fred não tornou a ser o mesmo desde que a conheceu.

—Algumas mulheres fazem o mesmo a um homem —a brisa salgada lhe levava o aroma de Suzanna, envolvendo-o em torno de seus sentidos. Tinha-a perto. A expressão de seus olhos seguia sendo distante e afligida, e soube que não pensava nele.

Avançou com destreza entre o tráfico da baía. A estribor, o navio de três mastros da ilha entrava no porto com sua multidão de turistas.

A baía deu passo ao mar e a água se tornou menos serena. Os penhascos se elevavam no ar. As Torres, arrogantes e desafiantes, erguiam-se em sua colina, olhando fazia o povo e o mar. Sua sombria pedra cinza refletia a tonalidade das nuvens de chuva que havia ao oeste. Como uma miragem, o jardim da Suzanna representava umas nervuras de cores.

—Às vezes quando ia capturar lagostas com meu pai, elevava a vista para contemplá-lo —"e pensar em você"—. O castelo Calhoun —murmurou Holt—. Assim o chamava.

Suzanna sorriu e se protegeu os olhos enquanto estudava a imponente casa nos penhascos.

—Para mim é minha casa. Sempre foi isso. Quando a olho, penso na tia Cody preparando alguma receita nova na cozinha e em Lilah dormindo no salão. Nos meninos que brincam no jardim ou correm pelas escadas. Em Amanda sentada em seu escritório, enquanto se abre passo de maneira meticulosa pelas montanhas de faturas que são necessárias para manter firme um lar. Em C.C. ao se esparramar sob o capô de uma velha caminhonete para ver se consegue operar um milagre e tirar um ano mais de vida do motor. Às vezes vejo meus pais rindo à mesa da cozinha, tão jovens... tão vivos, cheios de planos —girou para manter a casa à vista—. Tantas coisas mudaram e mudarão. Mas a casa está aí. Isso me consola. Você deve entender, ou não teria eleito viver na cabana do Christian, com tudas suas lembranças.

Ele o entendia muito bem e isso o incomodava.

—Possivelmente só eu gosto de ter uma casa junto à água.

Suzanna contemplou como desaparecia a torre de Bianca antes de voltar-se para olhá-lo.

—Os sentimentos não lhe debilitam, Holt.

—Jamais pude estar perto de meu pai —afirmou, olhando carrancudo a água—. Não tinhamos os mesmos planos. A meu avô jamais tive que lhe explicar ou lhe justificar nada do que sentia ou queria. Ele simplesmente o aceitava. Imagino que supus que havia um motivo para que me legasse a casa quando morreu, mesmo que eu fosse apenas um menino.

Que compartilhasse isso com ela a comoveu.

—Assim voltou a viver em sua cabana. Sempre retornamos ao que amamos.

Quis lhe perguntar mais, como tinha sido sua vida durante os anos de sua ausência, por que tinha dado as costas ao trabalho de polícia para dedicar-se a reparar motores, se tinha estado apaixonado e lhe tinham quebrado o coração. Mas deu mais potencializa ao motor e fez que a embarcação sulcasse as águas.

Holt não tinha saído ao mar para ter pensamentos profundos, para se preocupar ou questionar as coisas. Tinha saído para dar a Suzanna, e a si mesmo, uma hora de prazer, um descanso da realidade. O vento e a velocidade sortiam esse milagre especial nele. Quando a ouviu rir, quando a viu elevar o rosto ao sol sol, soube que tinha eleito bem.

—Vêem, toma o leme.

Era um desafio. Pôde ouvi-lo em sua voz, em seus olhos quando lhe sorriu. Suzanna não vacilou.

As mãos dela eram firmes e competentes ante o leme. A expressão melancólica de seus olhos ficou substituída por um intenso júbilo que lhe acelerou o sangue. Tinha o rosto vermelho pela excitação, úmido pelas gotas de fluxo. Nesse momento não parecia uma princesa, e sim uma rainha que conhecia seu próprio poder e estava disposta a empregá-lo.

Deixou-a correr na direção que quis, sabendo que terminaria onde Holt a tinha querido quase toda a vida. Não esperaria outro dia. Nem sequer uma hora mais.

Suzanna ofegava e ria quando lhe devolveu o mando do leme.

—Tinha esquecido como era. Faz cinco anos que não levo uma embarcação.

—O fez muito bem —manteve alta a velocidade ao virar em um amplo círculo.

—Deus, faz frio —sem deixar de rir, esfregou os braços.

Ele a olhou e sentiu um golpe nas vísceras. Suzanna resplandecia... seus olhos eram tão azuis como o céu mas mais vitais, as finas calças e a blusa de algodão estavam grudadas a seu corpo esbelto, o cabelo caía por debaixo da boina.

Quando sentiu as palmas das mãos úmidas sobre o volante, apartou a vista e compreendeu que se apaixonou.

—Há uma jaqueta no camarote.

—Não, é maravilhoso —fechou os olhos e deixou que as sensações a sacudissem. O vento selvagem, o rugido do motor e os pingos da água. Poderiam ter estado completamente sozinhos, sem nada mais que a excitação e a velocidade, livres para avançar naquela fabulosa solidão.

Não queria retornar. Aspirou profundamente o ar penetrante e pensou em quão liberador seria correr e correr sem seguir nenhuma direção, indo para onde a corrente a levasse.

Mas o ar já começava a esquentar-se. Tinham deixado de estar sozinhos. Ouviu a prolongada buzina de um navio turístico enquanto Holt reduzia a velocidade e se deslizava para o porto.

"É muito lindo", pensou. "Voltar para casa. Conhecer seu lugar, convencida da bem-vinda". Suspirou pela familiaridade de tudo. A água azul do Frenchman Bay obscurecendo-se com o dia, os edifícios lotados de gente, o som das bóias. Era mais tranqüilizador depois de uma correria para nenhuma parte.

Navegaram em silencio pela baía e foram devagar até o cais de Holt. Mas Suzanna estava relaxada quando saltou no embarcadouro para amarrar os cabos e acariciou ao cão apoiado contra suas pernas, suplicando atenção.

Holt saltou com agilidade e se plantou com as pernas abertas.

—Esta vindo uma tempestade.

Suzanna elevou a vista e viu que as nuvens se aproximavam devagar mas inexoráveis para terra.

—É verdade. Não nos viria mal um pouco de chuva "é uma tolice", pensou. "me sentir incômoda e ficar falando do tempo"—. Obrigado pelo passeio. Desfrutei-o.

—Bem —o embarcadouro oscilou quando avançou.

Suzanna retrocedeu dois passos e se sentiu melhor quando seus pés tocaram terra firme.

—Se tiver a oportunidade, este fim de semana talvez possa levar Sadie para que visite o Fred. Sentirá-se sozinho sem os meninos.

—De acordo.

Ela tinha atravessado meio jardim e Holt seguia meio metro de distância. Se não fosse algo paranóico ela poderia dizer que a seguia.

—O arbusto estápassando bem —o tocou com os dedos ao passar a seu lado—. Mas é necessário que ague este jardim. Poderia te recomendar um equipamento simples e barato.

—Faz-o —sorriu um pouco, embora sem desviar o olhar.

—Bom, eu... já é tarde. A tia Cody...

—Sabe que já é maiorzinha —tomou pelo braço—. Esta noite não irá a nenhuma parte, Suzanna.

Possivelmente se fosse mais inteligente ou experiente, teria avaliado seu estado de ânimo antes que fosse tarde demais. Já não havia maneira de confundi-lo, não quando os dedos a marcavam com tensa posse, não quando as necessidades do Holt, e sua intenção das satisfazer, estavam tão claras em seus profundos olhos cinzas.

Desejou poder ter estado tão segura de seu próprio estado de ânimo e de suas necessidades.

—Holt, disse que necessitava tempo.

—O tempo acabou —repôs com simplicidade.

—Não pretendo encarar isso como algo casual.

O calor ardeu nos olhos dele. A quilômetros na distância lhes chegou o violento rugido do trovão.

—Não há nada casual nisso. Os dois sabemos.

Ela sabia, e esse conhecimento resultava aterrador.

—Acredito...

—Pensa demais —ele resmungou e a pegou no colo.

Assim que passou a surpresa, Suzanna se debateu. Por isso ela não esperava, ele a tinha levado até varanda traseiro.

—Holt, não quero ser pressionada —a mosquiteira se fechou a suas costas. Será que ele não sabia que tinha medo? Temia que a achasse aborrecida e a abandonasse, destroçada—. Não posso me permitir precipitações.

—Se deixar você decidir, necessitaríamos quinze anos mais —com o pé empurrou a porta do dormitório e a soltou sobre a cama. Não era o que tinha planejado, mas se achava muito tenso pelo medo e o desejo para pensar em palavras suaves.

Imediatamente ela se incorporou e se plantou junto à cama, esbelta e reta como um arco. A kuminosidade de fim de tarde entrava pela janela a suas costas.

—Se pensa que pode me trazer aqui como se fosse um fardo para me atirar sobre a cama...

—É exatamente o que fiz —não deixou de olhá-la enquanto tirava a camisa—. Estou cansado de esperar, Suzanna, e estou cansado de desejá-la. Vamos fazer a minha maneira.

Ela já sabia o que era isso. Seu coração afundou. Só quem tinha lhe dito para se meter na cama tinha sido Bax, despindo-se antes de ficar em cima dela para exigir seus direitos maritais, com rapidez, dureza e sem afeto. E depois, o única coisa que tinha lhe oferecido era desdém e desgosto.

—Sua maneira não é nada nova —disparou com voz tensa—. E não me interessa. Não sou obrigada a ir à cama com você, Holt. A deixar que exija, tome e me diga que não sou o bastante boa para lhe satisfazer. Não penso em deixar que ninguém mais volte a me utilizar.

Ele a a agarrou pelos braços antes de que pudesse sair do quarto, pressimou-a contra ele enquanto Suzanna se debatia e amaldiçoava e lhe tampou a boca com seus lábios ardentes. A força do beijo a deixou tonta. Haveria desmaiado se os braços dele não a tivessem sustentado com força.

Por cima do medo e da cólera, surgiram suas necessidades. Queria gritar por provocar-lhe por deixá-la descarnada, nua e indefesa. Mas unicamente pôde agarrar-se a ele.

Com respiração já ofegante e entrecortada, Holt a manteve à distância dos braços. Os olhos dela continham tantos segredos quanto a meia-noite. prometeu-se que os ia descobrir. Um a um os averiguaria todos. E começaria essa noite.

—Aqui ninguém vai ser utilizado, e só penso em tomra oque me der —flexionou os dedos tensos sobre os braços dela—. Olhe-me, Suzanna. me olhe e me diga que não me deseja, e a deixarei ir.

Ela entreabriu os lábios. Amava-o e já não era uma menina que podia guardar esse amor para si mesmo. Se não era tão forte como acreditava e capaz de manter separados o coração e o corpo, então não tinha mais alternativa que uni-los. Se o coração lhe rompia, sobreviveria.

Acaso não lhes tinha prometido a ambos que não haveria lamentações?

Com gentileza ergueu uma mão para a do Holt, embora não esperava gentileza em troca. Era um risco que assumia com liberdade.

—Não posso lhe dizer que não te desejo. Não precisa continuar esperando.

 

Se seus nervos não tivessem estado emaranhados, se sua necessidade não tivesse sido tão aguda, possivelmente tivesse podido lhe mostrar ternura. Se o sangue não lhe tivesse fervendo, se o desejo não tivesse sido tão ambicioso, teria tratado de lhe oferecer romantismo. Mas estava seguro de que se não a possuía nesse momento, se não possuía com rapidez, fragmentaria-se em centenas de partes de desespero.

De modo que sua boca se viu dominada pela febre da impaciência, as mãos mostraram sua urgência. Nada mais era importante do que provar o potente sabor da Suzanna. Mas não bastava. Possivelmente nunca pudesse ser suficiente.

Ela não tremeu nem titubeou. A vulnerabilidade ficou guardada em uma generosidade que impulsionava ao Holt a saciar-se. Enquanto lhe acariciava as costas, ele apenas percebeu seu desejo, nada de suas dúvidas.

Tirou-lhe a chapéu, logo a cinta que lhe prendia o cabelo para sustentar entre os dedos aquelas mechas sedosas. E as mãos que o seguravam se mostravam inseguras enquanto com a boca ele a devorava sem piedade.

Suzanna se abriu para ele e soltou um gemido suave e rouco de prazer enquanto a língua de Holt penetrava para começar um duelo com a sua. O vibrante desejo dele não demorou para excitá-la. pôs-se nas pontas dos pés e o corpo lhe tremia com paixões por muito tempo contidas.

E experimentava o medo de não saber o que seria dela se perdia esse último cabo sobre seu controle. Devia lhe mostrar que podia oferecer prazer, fazê-lo desfrutar e que seguisse desejando-a. Se falhava nesse momento, se não conseguia demonstrar que era uma mulher, corria o risco de que Holt pensasse que não estava à altura de sua fantasia.

Entretanto, jamais a tinham desejado desse modo. Não com essa violência de desejo que vibrava no ar e fazia que cada respiração fora uma tentação. pegou-se a ele, com a esperança de que o que tinha que dar bastasse enquanto se deixava levar pela entristecedora maré de sensações.

Lhe encheu a cara de beijos, e logo baixou o pescoço e a mordiscou. E as mãos... Deus, as mãos eram velozes e letais.

Suzanna devia manter a prudência, mas os joelhos vascilaram e a mente se embaralhou ante aquele ataque a seus sentidos. Desesperada, cravou as unhas nas costas do Holt enquanto lutava por retornar do precipício e tentava se recordar o que um homem gostaria .

Tremia como um arco tenso, tão tenso que acreditou que ia quebrar se nas mãos dele. Continha-se. Saber que podia fazê-lo quando Holt estava meio enlouquecido provocou uma espécie de fúria violenta. Lhe arrancou a blusa ao atirá-la à cama.

—Maldita seja, quero você inteira —ofegando, rodeou-lhe as mãos e lhe subiu os braços por cima da cabeça—. Te terei inteira —baixou a boca para capturar a dela.

O corpo do Holt era como um forno, e sua pele ardente e úmida se fundia com a de Suzanna de uma forma que a fazia tremer cheia de maravilha. Os dedos férreos a sujeitavam enquanto a mão livre a percorria em um assalto implacável. Ela podia sentir a fúria, provar o desejo frustrado e irado. Desesperada, tratou de respirar e lhe suplicar que esperasse, que lhe desse um momento, mas só conseguiu emitir uns gemidos entrecortados.

Uma vez mais o trovão retumbou, nessa ocasião mais perto, advertindo de seu poder.

Quando a boca do Holt encontrou seu seio, soltou um grunhido de prazer.

Ela era tão suave como uma brisa estival e tão potente como o uísque. Enquanto se retorcia debaixo dele, umedeceu e mordiscou do mamilo tenso, perdendo-se no sabor e a textura enquanto em sua boca sentia os batimentos do coração da Suzanna.

E ela desejava tanto como ele. Podia sentir como a excitação urgente a atravessava com fúria, ouvia-a em sua respiração rápida. Os quadris de Suzanna se arquearam e se ergueram contra ele até deixá-lo sem sentido. Holt desceu mais e com os dentes lhe mordiscou o torso enquanto a língua deixava um rastro úmido sobre o ventre.

Ela aproveitou as mãos livres para agarrá-lo pelo cabelo. Não podia respirar. Precisava dizer-lhe Tinha o corpo dolorido e calorento. Precisava...

 

Alguém gritou. Suzanna ouviu o som veloz e desesperado, sentiu que saía esmigalhado de sua garganta enquanto arqueava o corpo. Mundos inteiros estalaram dentro dela com um rugido maior que o trovão que bramava sobre suas cabeças. Aturdida, jazeu tremente enquanto ele levantava a cabeça para olhá-la.

Os olhos da Suzanna estavam escuros e o rosto acalorado. O corpo seguia tremendo enquanto suas mãos caíam frouxas outra vez sobre a cama desfeita. Não tinha pensado o que lhe faria ver essa classe de prazer exposto no rosto dela.

Mas sim, sabia que queria mais.

Holt voltava a excitá-la antes de que pudesse recuperar-se. Só era capaz de abraçar-se à velocidade e ao entusiasmo do perigo. Quando a chuva começou a cair, Suzanna rodou com ele, muito entregue para assombrar-se de sua própria cobiça. Suas mãos estavam tão predispostas como as do Holt, sua boca era igualmente violenta. Quando lhe tirou as calças, o som que emitiu foi de triunfo. Com dedos tão impacientes como os dele, despiu-o para percorrer a pele ardente.

Queria tocá-lo com tanta urgência como precisava ser tocada. Possuir ao mesmo tempo que era possuída. Desejava a loucura, a turbulenta ânsia que não tinha acreditado que poderia sentir, e esse desejo tempestuoso que se erguia como um lobo selvagem disposto a consumir.

Os dois tinham esquecido todo pensamento de controle. Quando Holt a elevou mais e mais alto, Suzanna sobrevoou cada topo com o desejo de mais. Mais era o que ele queria lhe dar e o que queria tomar. Enquanto o sangue sulcava suas veias como rios de fogo, penetrou-a, reclamando a posse em um frenesi de velocidade e calor. Ela não ficou atrás.

Voltavam a estar sozinhos, mas nessa ocasião o mar se agitava com violência e o ar ardia. Ao fim tinham chegado até o poder e a liberdade. A velocidade era temerária, a viagem um risco glorioso. Sentiu-o tremer, enterrar o face em seu cabelo ao chegar ao fim do trajeto. Suzanna, ligada a ele, seguiu-o.

Durante quinze anos se perguntou como seria. Desde adolescente até hoje tinha sonhado com ela, tinha-a imaginado e desejado. Nenhuma de suas fantasias se aproximou da realidade. Ela tinha sido como um vulcão, primeiro tremente e ardente, para logo explodir em todo seu calor. Nesse momento jazia frouxa debaixo dele, o corpo brando pelas paixões saciadas. O cabelo cheirava a sol e a mar. Holt pensou que poderia ficar assim uma eternidade, pego a ela com a chuva martilleando sobre o teto e o vento agitando as cortinas.

Mas queria vê-la.

Ao mover-se, ela emitiu um som leve de protesto e estendeu a mão. Ele não disse nada, simplesmente a beijou até que voltou a relaxar-se. Logo acendeu o abajur da mesinha.

Estava linda com o cabelo espalhado sobre o travesseiro, a pele brilhante, a boca suave e cheia. Suzanna ficou tensa, mas disfarçou seu desconforto enquanto realizava um estudo minucioso do resto.

Ela não sabia o que dizer nem como se supunha que devia atuar. Sabia que Holt a tinha levado a um lugar novo, um lugar extraordinário, mas não tinha nem idéia se ele tinha experimentado a mesma viagem fantástica. Quando o viu franzir o cenho sentiu um nó no estômago. Com os olhos entrecerrados, lhe passou um dedo pelo pescoço, pelas elevações dos seios.

—Devia ter me barbeado —indicou ele com brutalidade, odiando o fato de que lhe ter arranhado e avermelhado a pele—. Poderia ter dito que estava machucando-a.

—Suponho que não o notei.

—Sinto muito —lhe beijou o pescoço com suavidade. A expressão de aturdida surpresa fez que se sentisse como um idiota. Quando se afastou, ela foi em busca de sua mão.

—Não me machucou —murmurou Suzanna—. Foi maravilhoso —aguardou, com a esperança de que ele dissesse o mesmo.

—Tenho que deixar a cadela entrar —sua voz soou áspera, mas lhe apertou os dedos antes de sair do quarto.

Nesse momento ouviu os gemidos e as patas contra a mosquiteira. Disse-se que não era nada demais. Só significava que ele podia passar da paixão ao pragmatismo com mais rapidez que ela. Tinham compartilhado algo vital. Podia agarrar-se a isso. Sentou-se, mais que um pouco assombrada ao ver o estado da cama. O edredom se achava no chão, os lençóis amontoados ao pé, a roupa, ou o que ficava dela, espalhada entre a do Holt.

Ficou de pé e, nua, vestiu a camisa dele antes de recolher a sua. Sobrava um único botão do cinco que tinha. Rindo, pegou-a e se agachou para procurar os botões. Maravilhou-se de ter sido desejada dessa maneira. Nunca esqueceria.

—O que faz?

Levantou a vista para ver o de pé na porta. Com um sobressalto, pensou que era evidente que ficar nu não o incomodava. Parecia zangado. Suzanna desejou entender o que havia ou não tinha feito para lhe provocar esse cenho.

—Minha blusa —repôs—. encontrei os botões —os sustentou em uma mão enquanto na outra sujeitava o objeto de algodão—. Tem fio e agulha?

—Não —ficou alucianado vendo-a parada ali sem camisa. Queria me por de joelhos para que suplicasse?

—OH —tragou saliva e tentou sorrir—. Bom, costurarei-os em casa. Se me emprestar sua camisa, será melhor que eu vá.

Ele fechou a porta a suas costas.

—Não —repetiu, e cruzou o quarto para tomá-la.

A chuva cessou ao amanhecer, deixando o ar limpo. Suzanna despertou com a preguiçosa música da água que gotejava do telhado. Antes de que sua mente se adaptasse a sua volta, sua boca foi tomada em um beijo faminto e ardente. Em um salto ofegante seu corpo se viu tragado do sono ao desejo.

Tinha despertado desejando-a. Essa necessidade ardente não queria mitigar-se, sem importar o muito que tomasse, quão disposta ela estava a dar. Não havia palavras, ao menos nenhuma que ele conhecesse, que pudesse expressar o que Suzanna tinha chegado a significar para ele. Tinha passado de ser a fantasia do jovem à salvação do homem.

Cobriu-a. Encheu-a. Ao observar seu rosto sob a aquosa luz da manhã, soube que jamais ficaria satisfeito até que ela estivesse com ele.

—É minha —soltou as palavras como uma maldição enquanto o corpo de Suzanna tremia sob o seu—. Diga—enterrou a cabeça em seu pescoço—. Maldita seja, Suzanna, diga.

Não foi capaz de pronunciar nada salvo o nome dele enquanto a arrastava até o abismo.

Quando as mãos dela caíram frouxas de suas costas. Holt rodou até deixá-la em cima. Estava satisfeito com a cabeça da Suzanna apoiada em seu coração. disse-se que já a tinha sacudido o bastante. Mas tinha desejado ouvir as palavras.

Ela tinha o corpo dolorido e se sentia na glória. Sorriu para ouvir o batimento do coração do Holt e a beleza líquida da canção de um pássaro matinal.

Abriu os olhos e levantou a cabeça.

—É de manhã —disse.

—É o que por regra geral acontece quando sai o sol.

—Não, eu... devo ter dormido.

—Sim —lhe acariciou as costas—. Acabou dormindo antes de que pudesse faze-al se interessar em outro assalto —ela se ruborizou mas quando tentou incorporar-se, manteve-a firmemente em seu lugar—. Vai a alguma parte?

—Tenho que voltar para casa. A tia Cody deve estar frenética.

—Sabe onde está —como era mais fácil mantê-la quieta da outra maneira, investiu as posições e começou a lhe mordiscar o pescoço—. E o mais provável é que tenha uma idéia bastante certeira do que esteve fazendo.

—Não lhe disse aonde ia —sem muitas esperanças de poder movê-lo, empurrou-o.

—Liguei para ela ontem à noite quando deixei Sadie passar . Quer me coçar as costas? Aqui perto dos ombros.

Obedeceu de forma automática, mesmo que a cabeça estivesse dando voltas.

—Você... você contou a minha tia...

—Disse-lhe que estava comigo. Supus que saberia deduzir o resto. Está ótimo. Obrigado.

Suzanna suspirou. Sabia muito bem que à tia Cody não demoraria em somar dois mais dois. E não havia nenhum motivo para sentir-se incômoda ou envergonhada. Mas experimentava ambas as coisas. E não só por sua tia, mas também por ter o corpo nu de um homem sobre o seu.

Uma coisa tinha sido estar com ele de noite. Mas encará-lo a plena luz da manhã...

—O que acontece? —ele levantou a cabeça para estudá-la.

—Nada —quando Holt arqueou uma sobrancelha, encolheu os ombros—. É que já não estou segura do que devo fazer. Nunca antes passei por esta situação.

—Como teve dois filhos? —sorriu-lhe.

—Não queria dizer que nunca... quero dizer que jamais...

—Bom, pois vai se acostumando —o sorriso se tornou mais amplo.

—Quero que deixe de brincar de mim.

—Bem, imagino que agora você deve me dizer como fui incrível..

—Eu? —franziu o cenho.

—Isso, e outros superlativos que lhe possam ocorrer. Logo se supõe que deve me preparar o café da manhã, para me mostrar a variabilidade de seu talento.

—Não sabe quão agradecida que estou por me pôr à parte do procedimento adequado.

—Não é nada. E depois que tiver preparado o café da manhã, deveria me seduzir para me convencer de voltar para a cama.

Ela riu e apoiou a face contra a sua em um movimento que desarmou e encantou Holt.

—Terei que praticar, embora pudesse arranjar com alguns ovos mexidos.

—Me comunique se encontrar algum.

—Tem uma camisa?

—Para que?

—Esquece—ficou de pé e instintivamente lhe deu as costas enquanto media no chão em busca da camisa dele—. E o que você faz enquanto eu preparo o café da manhã?

—Fico olhando.

E desfrutou vendo como se movia por sua cozinha, com a camisa lhe cobrindo as coxas ao tempo que o aroma do café impregnava a atmosfera.

Ocupada em tarefas familiares, Suzanna se sentia mais relaxada. O arbusto que tinham plantado era uma ilha de luz além da janela e a brisa ainda cheirava a chuva.

—Sabe? —indicou ela enquanto acrescentava queijo aos ovos—, seria bom se você tivesse algo mais que uma torradeira, uma chaleira e uma frigideira.

—Por que? —sentou-se e deu um trago ao cigarro.

—Bom, algumas pessoas utilizam este local para preparar comidas completas.

—Unicamente se desconhecem que podem pedir por telefone —viu que o café já estava pronto e se levantou para servir duas xícaras—. Com o que o quer?

—Puro. Necessito de toda a vitalidade que possa me dar.

—Se quer saber, o que precisa é dormir mais.

—Tenho que estar trabalhando dentro de uma hora —com o prato com ovos na mão, olhou pela janela.

—Não —ele reconheceu a expressão e lhe apertou o ombro.

—Sinto—se voltou para verter os ovos batidos na frigideira—. Não posso evitar me perguntar o que estão fazendo, se passam bem. Nunca antes tinham estado longe de mim.

—Seu pai nunca os levou um fim de semana?

—Não, só um par de tardes que não tiveram muito êxito —tentou desterrar esse estado de ânimo enquanto mexia os ovos—. Bom, só faltam treze dias.

—Dessa maneira não ajudará nem você nem os meninos nem —o dominou a impotência enquanto lutava por massagear a tensão dos ombros da Suzanna.

—Estou bem. Estarei bem —corrigiu—. Tenho mais que suficiente para me manter ocupada nas próximas duas semanas. E com os meninos fora, poderei dedicar mais tempo a encontrar as esmeraldas.

—Isso me deixa preocupado .

—É um trabalho de equipe, Holt —o olhou por cima do ombro—. Sempre ofoi.

—Já me envolvi e vou ajudar.

Tirou os ovos da frigideira com o mesmo cuidado com o que escolheu as palavras.

—Agradeço a ajuda. Todos nós agradecemos. Mas as conhece como as esmeraldas Calhoun por um motivo. Devido a elas duas de minhas irmãs se viram ameaçadas.

—Exato. E Livingston está lá fora emalgum lugar, Suzanna. É inteligente e brutal. Não lhes pedirá com amabilidade que saiam de seu caminho.

Ela se voltou e lhe entregou um prato.

—Estou acostumada a homens inteligentes e brutais, e já passei bastante tempo de minha vida tendo medo.

—E isso que se supõe que isso significa?

—Simplesmente o que disse - ergueu seu prato e sua xícara de café—. Não deixarei que um ladrão me intimide ou faça que tenha medo de realizar o que é melhor para mim ou minha família.

Mas Holt movia a cabeça. Essa não era a resposta que queria.

—Tem medo de Dumont? Refiro-me fisicamente.

O olhar dela vacilou, logo adquiriu uma expressão de firmeza.

—Falamos das esmeraldas —tentou passar por ao lado dele, mas Holt lhe bloqueou o passo.

—Bateu-a? —perguntou com voz muito suave.

—O que? —inquiriu com o rosto pálido.

—Quero saber se Dumont alguma vez bateu e, você.

Ela sentiu um nó na garganta. Sem importar a equanimidade na voz dele, em seus olhos havia um terrível brilho de violência.

—Os ovos estão esfriaando, Holt, e tenho fome.

Ele conteve o impulso de atirar o prato contra a parede. Sentou-se e esperou que ela ocupasse o assento que tinha em frente. Suzanna parecia muito frágil e serena sob a corrente de luz do sol.

—Quero uma resposta, Suzanna —bebeu um gole de café enquanto ela brincava com a comida. Sabia esperar e como pressionar.

—Não —repôs com voz plaina enquanto se levava um bocado à boca—. Jamais me bateu.

—Só a sacudiu um pouco?

—Há muitas maneiras de intimidar e desmoralizar, Holt. depois disso, a humilhação é fácil —tomou uma torrada e com cuidado a lambuzou com manteiga—. Está a ponto de ficar sem pão.

—O que te fez?

—Esqueça.

—O que te fez? —repetiu devagar.

—Fez que enfrentasse aos fatos.

—Como quais?

—Que era infelizmente inadequada como esposa de um advogado corporativo com ambições sociais e políticas.

—Por que?

—É assim que interroga a seus suspeitos? —soltou a faca.

"Fúria", pensou ele. "Isso é melhor"

—É uma simples pergunta.

—E quer uma resposta simples? Perfeito. casou-se comigo por meu sobrenome. Pensou que havia muito mas dinheiro, assim como prestígio, unido a ele, mas o sobrenome Calhoun era mais que adequado. Por desgraça, não demorou para dar-se conta de que eu não era a bonança social que tinha imaginado. Minha conversação nas festas era normal, no melhor dos casos. Podia me vestir para parecer a esposa importante de um advogado politicamente ambicioso, mas jamais chegava a fazer o tipo. Era, como muito freqüentemente me dizia, uma enorme decepção que eu não entrasse de cabeça no que era esperado de mim. Que era aborrecida, no salão, no restaurante e no quarto —levantou para jogar o resto de sua comida na tigela do Sadie—. Respondi sua pergunta?

—Não —apartou o prato e tirou um cigarro—. Eu gostaria de saber como a convenceu de que era sua culpa.

Ela se ergueu lhe dando as costas.

—Porque o amava. Ou amava ao homem que acreditei haver me casado, e queria, com todas minhas forças, ser a mulher que o deixaria orgulhoso. Mas quanto mais eu tentava, maior era meu fracasso. Logo tive ao Alex e pareceu... que tinha feito algo incrível. Havia trazido para esse mundo um lindo bebê . E era tão fácil e natural ser mãe. Estava tão feliz, tão centrada no menino e na família que tínhamos começado, que não me dei conta de que Bax se dedicava com discrição a encontrar companhia mais estimulante. Não até que me inteirei de que ia ter Jenny.

—Assim que a enganou —comentou com voz enganosamente suave—. O que fez a respeito?

Não se voltou, mas abriu o torneira da pia para lavar os pratos.

—Não pode entender o que é ser traida desta maneira. Levar em seu interior o bebê de um homem e averiguar que já a substituiu.

—Não, não posso. Mas tenho a impressão de que me incomodaria.

—Se me zanguei? —quase riu—. Sim, zanguei-me, mas também estava... magoada. Não quero recordar quaão fácil foi me destroçar. Alex tinha alguns poucos meses de vida e Jenny não tinha sido planejada. Mas me sentia muito feliz de estar grávida. Ele não a queria. Nada do que me tinha feito antes me tinha doído ou incomodado tanto como sua reação quando lhe comuniquei que estava novamente grávida.

Decidiu omitir outra risada pela metade e colocar as mãos na água .

—Já tinha um filho —continuou—, de modo que o sobrenome Dumont continuaria. Não era sua intenção entorpecer sua vida com meninos, e sob nenhum conceito queria me arrastar pela roda social uma segunda vez enquanto estivesse gorda, cansada e feia. A solução mais prática era terminar o gravidez. Discutimos de forma horrível por isso. Foi a primeira vez que tive coragem de bater em sua cara... o qual o piorou. Bax estava acostumado a mandar e eu obdecer. Como não podia me obrigar a fazer o que ele queria, devolveu-me isso com soma habilidade.

Mais calma já, pôs a secar o prato e começou a lavar a frigideira.

—Publicamente seguia sendo discreto com suas aventuras, mas se encarregou de que me inteirasse delas e de quão mau eu ficava ao me comparar com as mulheres com as que se deitava. Retirou meu nome de todas as contas bancárias, de modo que tivesse que recorrer a ele cada vez que precisasse de dinheiro. Essa foi uma das humilhações mais sutis. A noite que Jenny nasceu, estava com outra mulher. Certificou-se de que eu soubesse quando chegou ao hospital para que a imprensa pudesse lhe tirar uma foto enquanto desempenhava o papel de pai orgulhoso.

—Por que ficou com ele? —Holt não se moveu. Não confiava em si mesma?

—Ao princípio, porque não deixava de esperar que despertaria junto ao homem do que me tinha apaixonado. Logo, quando comecei a considerar que meu matrimônio era um fracasso, tinha um bebê e esperava outro —recolheu um pano e começou a secar os pratos—. E fiquei porque durante muito, muito tempo estive convencida de que ele não se equivocava comigo. Eu não era inteligente nem engenhosa. Não era sexy nem sedutora. De maneira que o mínimo que podia ser era leal. Ao compreender que nem sequer poderia ser isso, tive que pensar no efeito que teria sobre os meninos. Não teria podido suportar que a dissolução de meu matrimônio com o Bax lhes fizesse mal. Um dia, de repente entendi que tudo era por nada, que não só desperdiçava minha vida, mas sim fazia mais mal ao Alex e a Jenny ao fingir que existia um matrimônio. Bax apenas prestava atenção a seu filho e nenhuma a sua filha. Passava muito mais tempo com sua amante que com sua família —suspirou e deixou os pratos. Assim escondi meus diamantes na bolsa de fraldas de Jenny e pedi o divórcio —ao voltar-se, seu rosto estava outra vez cansado.

— Responde isso a sua pergunta?

Muito devagar, sem deixar de olhá-la, Holt ficou de pé.

—Te ocorreu alguma vez pensar que o inadequado era ele, que o fracassado era ele? Que era um canalha malcriado e egoísta?

Suzanna esboçou um leve sorriso.

—Bom, agora sim. Também me ocorre que minha história é unilateral. Suponho que o ponto de vista que tem Bax de nossa relação diferirá do meu, e não sem certa razão.

—Você esta se menosprezando —disse com furia. Você acredita que qualquer um poderia educar a dois meninos e levar um negócio.—avançou um passo em direção a ela. - Não me recordo de ficar tão aborrecido com alguém, embora claro a maioria dos homens se aborrece com mulheres com cérebro e garra, em particular quando têm um coração generoso e são teimosas. Deve ser maravilhoso ter uma uma mulher sua todo dia para assegurar-se de que seus filhos vão receber o que necessitam. Deus sabe como é sexy. Ontem à noite você não respondeu o que lhe perguntei.

Tinha-a apanhado-a contra a parede com o corpo e com uma fúria tão manifesta que Suzanna virtualmente podia prová-la.

—Perguntou e eu respondi. Não sei que quer que diga agora.

—Quero que me diga que ele não importa mais —tomou pelos ombros e se aproximou de seu rosto—. Quero que me diga o que te pedi que me dissesse quando estava dentro de você, quando me achava tão cheio de você que não podia respirar. É minha, Suzanna. Nada do que aconteceu antes conta, porque agora é minha. Isso é o que quero ouvir.

Agarrou-lhe as mãos. Inclusive no momento em que ela abria a boca para falar, Holt viu a rápida careta de dor. Amaldiçoando, baixou a vista e observou os hematomas que já lhe tinha provocado. Retrocedeu como se ela o tivesse esbofeteado.

—Holt...

Ergueu uma mão para silenciá-la e girou até que pôde limpar a bruma vermelha de fúria de sua mente. Tinha-lhe causado marcas na pele. Tinha sido durante um momento de paixão e sem intenção, mas isso não as apagava. Ao as provocar, não era melhor que o homem que tinha machucado a alma da Suzanna. Colocou as mãos nos bolsos antes de voltar-se.

—Tenho coisas que fazer.

—Mas...

—Desviamo-nos, Suzanna. É por minha culpa. Sei que tem que voltar para o trabalho, igual a mim.

"De modo que isso é tudo", pensou ela. Tinha-lhe despido a alma e ele a deixava plantada.

—De acordo. Verei-o na segunda-feira.

Com um gesto de assentimento, ele se dirigiu à porta de trás, para deter-se com a mão na mosquiteira e soltar uma maldição.

—Ontem à noite significou algo para mim. Entende?

—Não —murmurou Suzanna.

—É importante para mim, tê-la aqui, desta maneira, é... Necessito-a. É o suficientemente claro?

Estudou-o: o punho sobre a porta, a impaciência nos olhos, o corpo rígido com paixões que ela ainda não conseguia compreender. Compreendeu que sim era suficiente. No momento era mais que suficiente.

—Sim, acredito que está claro.

—Não quero que termine aí —girou a cabeça e em seus olhos voltava a arder um fogo intenso—. Não vai terminar aí.

—Está-me pedindo que volte?

—Sabe muito bem... —calou e fechou os olhos—. Sim, estou lhe pedindo que volte. E estou pedindo que pense em passar tempo comigo que não seja no trabalho ou na cama. Você entende...

—Quer jantar comigo?

—O que? —olhou-a desconcertado.

—Gostaria de jantar esta noite? Possivelmente logo possamos dar um passeio.

—Sim —mexeu no cabelo, sem saber se se sentia aliviado ou incômodo por ter sido tão fácil—. Será estupendo.

"Sim, será estupendo", pensou ela e sorriu.

—Então o verei as sete. Se quiser, traga Sadie.

 

Suzanna pensou que não havia luz de velas nem de lua, mas sim que era um romance. Não tinha acreditado que pudesse voltar a encontrá-lo ou querê-lo. Sorriu enquanto retornava às Torres.

Certamente, uma relação com o Holt Bradford tinha muitas arestas, embora também seus momentos mais suaves. Tinha desfrutado descobrindo-os durante os últimos dias. E noites.

Seguia sendo um homem exigente, freqüentemente brusco, mas jamais a fazia sentir menos que o que ela queria ser. Quando a amava, o fazia com uma urgência e ferocidade que não deixavam dúvidas sobre seu desejo.

Ao estacionar a caminhonete atrás do carro do Holt, repetiu-se que não tinha procurado um romance. Mas se sentia terrivelmente contente de havê-lo encontrado esperando —soltou Lilah assim que sua irmã abriu a porta.

—Isso vejo —arqueou uma sobrancelha. Lilah seguia com seu uniforme do parque. Conhecendo seu horário, estava segura de que levava em casa quase uma hora.—. O que aconteceu?

—Pode fazer algo com o galã áspero com o que te enredaste?

—Se referir ao Holt, não muito —tirou o chapéu para soltar o cabelo—. por que?

—Agora mesmo está desmontando meu quarto centímetro por centímetro. Nem sequer pude trocar de roupa —olhou em direção à escada—. Disse que já tínhamos procurado ali, e que se tivesse estado dormindo todos estes anos no mesmo quarto que as esmeraldas, saberia.

—E ele não te ouviu?

—Não só isso, mas sim me expulsou de meu proprio quarto. E Max —vaiou e se sentou no degrau—. Max sorriu e disse que era uma idéia estupenda.

—Quer que nos unamos contra eles?

Nos olhos do Lilah cintilou um brilho perverso.

—Sim —se levantou e passou um braço pelos ombros de Suzanna enquanto subiam—. Esta ficando sério com ele, verdade?

—Vou passo a passo.

—Às vezes, quando se ama aalguém, é melhor avançar de repente —bocejou e amaldiçoou—. Perdi meu cochilo. Eu gostaria de poder dizer que me desagradou sua atitude, mas não posso. Há algo muito sólido e firme sob suas maneiras horrentas.

—Tornou a olhar sua aura.

Lilah riu e se deteve no alto da escada.

—É um bom sujeito, apesar da vontade que tenho agora de açoitá-lo. Eu gosto de vê-la feliz outra vez, Suze.

—Não fui infeliz.

—Não, simplesmente não foi feliz. Há uma diferença.

—Suponho que sim. Falando de ser feliz. Como vão os planos para o casamento?

—Agora mesmo a tia Cody e a parente vinda do inferno estão na cozinha discutindo sobre isso —a olhou com olhos risonhos—. A tia avó Colleen finge que só quer certificar-se de que o acontecimento estará à altura da reputação dos Calhoun, mas a verdade é que adora fazer a lista de convidados e questionar os menus da tia Cody.

Suzanna se deteve ante a porta de Lilah. Holt se achava concentrado em seu trabalho. Nunca tinha sido um quarto muito ordenado, mas dava a impressão de que alguém tivesse largados todos os móveis ao azar. Nesse momento, Holt tinha a cabeça metida na chaminé e Max ia engatinhando pelo chão.

—Estão se divertindo, meninos? —perguntou Lilah com ironia

Max levantou a vista e sorriu. Chegou à conclusão que estava furiosa. Tinha aprendido a desfrutar de seu temperamento.

—Encontrei a outra sandália que procurava. Estava debaixo da almofada da cadeira.

—Uma boa notícia —arqueou uma sobrancelha e notou que Holt estava sentado na chaminé, olhando Suzanna e que esta também o olhava—. Necessita um descanso, Max.

—Não, estou bem.

—É evidente que precisa de um descanso —se aproximou para tomar a mão e ajudá-lo a levantar-se—. Logo pode voltar a dar uma mão ao Holt na invasão de minha intimidade.

—Disse que ela não ia gostar—comentou Suzanna quando Lilah levou Max do quarto.

—É uma pena.

—Encontrou algo? —com as mãos nos quadris, inspecionou os danos.

—Não a menos que conte os dois brincos de pares distintos e uma dessas coisas de ligas que encontramos atrás da cômoda —inclinou a cabeça—.Você tem laguma roupa intima com ligas?

—Não —baixou a vista a camiseta que levava—. Até faz uns dias, não pensei que fora a necessitá-la.

—Esta muito bem com esta roupa, querida —ficou de pé e como ela não se moveu, aproximou-se dela—. e... —baixou as mãos pelas costas da Suzanna—... me deixa louco de vontade de lhe tirar isso- a beijou com ardor, do modo profundo e urgente que ela tinha começado a esperar, logo lhe mordiscou o lábio e sorriu—. Mas quando quiser pedir emprestado de Lilah uma dessas coisas...

—Você pode se surpreender —riu e o abraçou com carinho—. Quanto tempo vai ficar por aqui?

—Um momento —moveu a cabeça e voltou a dedicar-se a procurar na chaminé.

— Não quer que o recompense? —inquiriu ela.

—Certamente —Holt perdeu interesse em procurar se havia algum tijolo frouxo.

—Irei uma trazer uma cerveja.

—Preferiria ter...

—Sei —riu ao sair—. Mas terá que te conformar com uma cerveja. No momento.

Pensou que era agradável poder brincar dessa maneira. Sem sentir-se envergonhada ou nervosa. Não havia necessidade de sentir outra coisa que não fora satisfação ao saber que ele se preocupava com ela. Com o tempo, possivelmente pudessem ter algo mais profundo.

Cheia de energia e esperança, baixou o último degrau e entrou no vestíbulo. No ato reinou o caos. Primeiro ouviu os cães, Fred e Sadie, ladrar como mil demônios, logo o ruído de pés no alpendre e dois gritos.

—Mamãe! —gritaram Jenny e Alex ao irromper na casa.

Sentiu uma felicidade instantânea ao agachar-se para elevá-los em braços. Rindo, encheu-os de beijos enquanto os cães davam voltas ao redor deles.

—OH, como senti falta de vocês. Deixem que lhes olhe —quando os manteve à distância dos braços, esteve a ponto de perder o sorriso. Ambos se achavam a beira das lágrimas—. Pequena?

—Queríamos voltar para casa —a voz do Jenny tremeu ao enterrar o rosto no ombro de sua mãe—. Odiamos as férias.

—Sss… —acariciou o cabelo de sua filha enquanto Alex se esfregava um punho debaixo do olho.

—Fomos rebeldes e maus —murmurou com voz trêmula—. E tampouco nos importamos.

—A atitude que cheguei a esperar —disse Bax ao atravessar a porta aberta.

Os braços do Jenny se esticaram ao redor do pescoço da Suzanna, mas Alex se voltou e adiantou seu queixo Calhoun.

—Nós não gostamos da estúpida festa, e tampouco nós gostamos de você.

—Alex! —apoiou uma mão em seu ombro—. Já é suficiente. Se desculpe.

Tremeram-lhe os lábios, mas o brilho obstinado permaneceu nos olhos do menino.

—Lamentamos que nós não gostemos de você.

—Leve sua irmã para cima —espetou Bax—. Quero falar com sua mãe em particular.

—Vá à cozinha com a Jenny —acariciou a bochecha de Alex—. Ali está a tia Cody.

Bax lançou um chute indiferente em direção ao Fred.

—E leve contigo a estes malditos vira-latas.

—Chéri? —disse a esbelta morena que se deteve na soleira.

—Yvette —sem tirar os braços dos ombros dos meninos, Suzanna ficou de pé—. Sinto muito, não a vi.

A mulher francesa moveu as mãos com gesto distraído.

—Peço desculpas, já que vejo que está em emio a uma confusão. Perguntava-me... Bax, as malas dos meninos?

—Diga ao condutor que as traga —soltou—. Não vê que estou ocupado?

Suzanna ofereceu à mulher esgotada um olhar de simpatia.

—Deixe-as no vestíbulo. Se quiserem passar ao salão... e ver tia Cody —disse aos meninos—. Se sentirá muito feliz de lhes ter de volta.

Os pequenos partiram com mãos dadas, os cães pisando em seus calcanhares.

—Se puder me dar um momento de seu tempo —começou Bax, olhando de cima abaixo suas roupas de trabalho—, de seu sem dúvida fascinante dia.

—No salão —repetiu e se deu a volta. Sabia que era essencial manter a calma. Não duvidava de que lhe soltaria sobre a cabeça o que fosse que o tivesse impulsionado a mudar de planos e devolver a seus filhos a casa uma semana antes. Isso podia agüentá-lo. Mas era diferente o fato de que os meninos tivessem estado angustiados—. Yvette... —indicou-lhe uma poltrona—... posso lhe oferecer algo?

—Um brandy, se for tão amável.

—Certamente. Bax?

—Um uísque dublo.

Foi ao armário de bebidas e enquanto servia agradeceu que suas mãos estivessem firmes. Ao entregar a taça ao Yvette, pareceu-lhe perceber uma expressão de desculpa e enfado.

—Bom, Bax, quer me contar o que aconteceu?

—O que aconteceu começou faz anos quando teve a equivocada idéia que podia ser mãe.

—Bax —começou Yvette.

—Saia para o terraço. Prefiro falar isto em particular.

"De modo que isso não mudou", pensou Suzanna. Juntou as mãos enquanto Yvette cruzava a sala e atravessava as portas de cristal.

—Ao menos este pequeno experimento terá feito que se esqueça da idéia de ter um filho.

—Experimento? —repetiu ela—. A visita dos meninos foi um experimento?

Bebeu um gole de uísque e a observou. Seguia sendo um homem arrebatador com um rosto juvenil encantador e cabelo loiro. Mas seu caráter danificava seu atrativo físico.

—Os motivos que me moveram a levar aos meninos são meu assunto. Seu imperdoável comportamento é seu. Carecem de idéia de como conduzir-se em público e em particular. Possuem os maneiras, a disposição e o ínfimo controle de uns pagãos. Fez um pobre trabalho, Suzanna, a menos que tivesse a intenção de criar a dois mucosos insuportáveis.

—Não crê que pode ficar aí falando deles dessa maneira em minha casa —com os olhos brilhantes, aproximou-se dele—. Me importa um nada se encaixarem ou não em seus patrões. Quero saber por que os trouxe de volta desta forma.

—Então escuta —sugeriu e a empurrou a uma poltrona. - Seus preciosos meninos não têm nem idéia do que se espera de um Dumont. Nos restaurantes se mostraram retumbantes e rebeldes, queixosos e suscetíveis no carro. Quando os corrigia, ficavam desafiantes ou ásperos. No hotel, entre vários de meus conhecidos, sua conduta foi uma fonte de vergonha.

Muito irritada para sentir medo, Suzanna se levantou.

—Em outras palavras, foram meninos. Lamento que seus planos foram por água abaixo, Baxter, mas é difícil esperar que meninos de cinco e seis anos se apresentem como pessoas socialmente corretas em todas as ocasiões. É inclusive mais difícil quando se vêem metidos em uma situação que eles não provocaram. Não lhe conhecem.

Ele fez tintilar o uísque e bebeu outro gole.

—São perfeitamente conscientes de que sou seu pai, mas você se encarregou que não mostrem respeito por essa relação.

—Não, você o fez.

—Acredita que não sei o que fez? —com lentidão deixou a taça de lado—. Doce e inofensiva Suzanna —ela retrocedeu de forma automática, agradando-o.

—Não os contei nada sobre você —soltou, furiosa consigo mesma por dar marcha atrás.

—Oh, não? Então, não lhes mencionou o fato de que têm um irmão bastardo no Oklahoma?

—O irmão do Megan Ou'Riley se casou com minha irmã. Não houve maneira de manter a situação em segredo, embora tivesse querido.

—E não pôde esperar a difamar meu nome —a empurrou outra vez e a fez cair para trás.

—O menino é seu meio-irmão. Aceitam isso, e são muito jovens para entender o ato desprezível que cometeu.

—Meus assuntos são meus. Não esqueça —tomou pelos ombros e a empurrou contra uma parede—. Não tenho intenção de deixar que saia com seus em seus lamentáveis ardis de vingança.

—Tire as mãos de cima de mim —se retorceu, mas ele não lhe permitiu escapar.

—Quando tiver terminado. Deixa que lhe advirta disso, Suzanna. Não vou permitir que espalhe meus assuntos particulares. Se correr inclusive um simples rumor, saberei onde começou, e você saberá quem pagará por isso.

—Já não pode me fazer mal —se manteve rígida, com os olhos firmes.

—Não esteja tão segura. Ocupe-se de fazer seus filhos guardarem este assunto do meio-irmão para eles mesmos. Se voltar a mencionar... —apertou as mãos e a elevou-a até pô-la nas pontas dos pés—... uma só vez, lamentará-o muito.

—Recolhe suas ameaças e saia de minha casa.

—Sua? —fechou uma mão em torno da garganta dela—. Recorda que só é Sua porque não me interessava este ruinoso anacronismo. Me provoque, e a levarei aos tribunais em um abrir e fechar de olhos. E desta vez ficarei com tudo. A esses meninos passarão bem em um bom internato suíço, que é exatamente onde terminarão se não ter cuidado por onde vai.

Viu que os olhos dela mudaram, embora não apareceu o medo que tinha esperado. Era fúria. Suzanna ergueu uma mão, mas antes de que pudesse golpeá-lo, Bax foi jogado ao chão. Viu o Holt levantá-lo outra vez pelo pescoço para lançá-lo contra uma mesa Luis XV.

Nunca tinha visto morte nos olhos de um homem, mas o reconheceu nos do Holt quando embutiu o punho na cara do Baxter.

—Holt, não... —deu um passo à frente, mas sentiu que a continham pelo braço com surpreendente força.

—Deixa-o em paz —disse Colleen com expressão sombria.

Queria matá-lo, e possivelmente o tivesse feito, se o homem se defendesse. Mas Bax simplesmente ficou frouxo sob suas mãos, com o nariz e a boca jorrando sangue.

—Me escute, canalha —o plantou contra a parede—. Volte a tocá-la alguma vez, e é homem morto.

Aturdido e dolorido, Bax procurou um lenço.

—Posso fazer que lhe prendam por agressão —se levou o lenço ao nariz e olhou ao redor para ver sua mulher de pé junto às portas da terraço—. Tenho uma testemunha. Atacou-me e ameaçou minha vida —era sua primeira humilhação e o detestava. Desviou a vista para Suzanna—. Lamentará isto.

—Não, não o lamentará —interveio Colleen antes que Holt pudesse ceder à satisfação de esmagar essa boca zombadora—. Mas você sim, porco miserável, covarde e tremente —se dirigiu para ele apoiada na bengala—. Se alguma vez voltar a tocar alguém de minha família, lamentará pelo resto de sua vida imprestável. Sem importar o que acredite que pode nos fazer, eu lhe posso devolver isso com mais facilidade. Se dúvidas de mim, meu nome é Colleen Theresa Calhoun, e posso comprar e te vender quantas vezes eu desejar—estudou, um homem patético com um traje enrugado e sangrando sobre um lenço de seda—. Me pergunto o que terá que dizer o governador de seu estado, que dá a casualidade de que é meu afilhado, se eu mencionar esta cena —assentiu com satisfação ao ver que a entendia—. E agora tira sua miserável presença de minha casa. Jovem... —inclinou a cabeça para o Holt—... seja amavel e ensine a saída para nosso convidado.

—Será um prazer —Holt o arrastou até o vestíbulo.

A ultima coisa que Suzanna viu antes de sair correndo foi as mãos gesticulantes de Yvette.

—Aonde foi? —quis saber Holt quando encontrou ao Colleen a sós no salão.

—Lamber suas feridas, suponho. Me sirva um brandy. Maldição, sobreviverá um minuto —murmurou ao vê-lo titubear. sentou-se em uma poltrona e esperou até que o coração lhe serenou—. Sabia que tinha tido um matrimônio difícil, mas desconhecia quanto. Desde que se divorciou, fiz que investigassem esse Dumont —aceitou o brandy e deu um bom gole—. É uma lamentável sombra de um homem. Mas seguia sem ser consciente de que abusava dela. Devia imaginar quando vi a expressão nos olhos da Suzanna. Minha mãe tinha a mesma —fechou os olhos e se recostou—. Bom, se não quiser ver como se evaporam suas ambições políticas, a deixara em paz —devagar abriu os olhos e observou ao Holt com olhar certeiro—. Se comportou bem... admiro a um homem que usa seus punhos. Só lamento não ter empregado minha bengala sobre ele.

—Acredito que fez algo muito melhor. Eu simplesmente lhe quebrei o nariz, você o assustou até...

—Certamente que sim —sorriu e bebeu outro gole—. E me sinto bem —notou que Holt olhava em direção às portas abertas da terraço, com as mãos ainda fechadas—. Minha mãe estava acostumada ir para os penhascos —bebeu o resto do brandy—. É possível que a encontre ali. lhe diga que seus filhos estão comendo doces e acabando com seu jantar.

Tinha ido aos penhascos. prometeu-se que só necessitaria uns momentos a sós., sentou-se sobre uma rocha, tampou o rostocom as mãos e chorou toda a amargura e vergonha que a embargavam.

Encontrou-a dessa maneira, sozinha e soluçando, com o som de sua dor transportada pelo vento enquanto o mar rompia abaixo. Holt não sabia por onde começar. Sua mãe sempre tinha sido uma mulher forte, e as lágrimas que tivesse podido derramar tinham sido derramadas em privado.

Pior, ainda podia ver a Suzanna pressionada contra a parede, com a mão do Dumont ao pescoço. Tinha parecido tão frágil e valente.

Aproximou-se e apoiou uma mão insegura em seu cabelo.

—Suzanna.

Ela se levantou como empulsinada por uma mola e se secou as lágrimas.

—Tenho que voltar. Os meninos...

—Estão na cozinha abarrotando-se de bolachas. Sente-se.

—Não, eu...

—Por favor —se sentou—. Não venho aqui há muito tempo. Meu avô estava acostumado a me trazer. Gostava de sentar-se aqui mesmo a contemplar o mar. Uma vez me contou uma história sobre uma princesa no castelo que havia no alto. Devia estar falando da Bianca, mas mais adiante, quando recordei a história, sempre pensei em você.

—Holt, sinto tanto.

—Se você se desculpar, só vai conseguir me enfurecer.

Ela se tragou as lágrimas.

—Não posso suportar que tenha visto aaquilo, que todos tenha visto.

—O que vi foi como enfrentava um valentão —girou o rosto para que o olhasse—. Nunca mais voltará a lhe fazer danifico.

—Era sua reputação. Os meninos falaram de Kevin.

—Vai me contar sobre isso?

Fez-o com a máxima claridade que pôde.

—Quando Sloan me disse —concluiu isso—, soube que era importante que os meninos entendessem que tinham um irmão. O que Bax não compreende é que nunca pensei nele, nunca me importou. Eram os meninos quão únicos importavam, os tres meninos. A família.

—Não, ele não poderia entender isso. Nem a você —levou sua mão aos lábios para beijá-la com delicadeza. A expressão assombrada que mostrou Suzanna fez que olhasse por volta do mar com o cenho franzido—. Eu tampouco fui o rei da sensibilidade.

—Você foi maravilhoso.

—Nesse caso, não teria uma expressão de quem acaba de receber uma paulada só por que lhe beijei a mão.

—É que não é seu estilo.

—Não — encolheu os ombros e tirou um cigarro—. Suponho que não —mas mudou de idéia e em seu lugar lhe rodeou os ombros com um braço—. Bonita vista.

—É maravilhosa. Sempre venho aqui, a este mesmo lugar. Às vezes...

—Continua.

—Rirá-te de mim, mas às vezes é como se pudesse ver a Bianca. Sinto-a e sei que está aqui, esperando —apoiou a cabeça em seu ombro e fechou os olhos—. Igual a agora. É tão quente e real. Na torre, em sua torre, é agridoce, mais de saudade. Mas aqui há espera. Esperança. Sei que pensa que estou louca.

—Não —quando ela foi mover se, aproximou-a mais—. Não poderia. Não quando eu também o sinto.

Da torre oeste, o homem que se chamava a si mesmo Marshall os observou com as lentes. Não o preocupava que pudessem incomodá-lo. A família já não subia além do primeiro andar na ala oeste, e os operários tinham partido a trinta minutos. Tinha esperado aproveitar o tempo que Sloan Ou'Riley estivesse de lua de mel para mover-se com mais liberdade pela casa. Os Calhoun estavam tão acostumados a ver homens com ferramentas que estranha vez lhe emprestavam atenção.

Além disso, interessava-lhe muito Holt Bradford, fascinava-o que se visse atraído para essa geração de mulheres Calhoun. Satisfazia-o poder continuar seu trabalho sob os próprios narizes de um ex-polícia. Essa ironia alimentava sua vaidade.

Seguiria-o vigiando enquanto o outro completava a busca. E ali estaria ele para apoderar-se do que era dele assim que encontrassem o tesouro. Eliminaria a quem quer que se interpor.

Suzanna passou toda a noite com seus filhos, tranqüilizando-os e tentando transformar uma experiência desventurada em uma tola aventura. Quando os agasalhou na cama, Jenny já não precisava pegar-se a ela e Alex estava feliz.

—Tivemos que viajar no carro horas e mais horas —saltava na cama de sua irmã enquanto Suzanna alisava os lençóis de Jenny—. E todo o tempo tinham música estúpida na rádio.

—E nós tínhamos que guardar silêncio para escutá-la e apreciá-la —interveio a pequena.

Suzanna se conteve e apertou o nariz de sua filha.

—Bom, puderam apreciar que era horrível, não?

Isso provocou uma risada no Jenny, que elevou os braços para receber outro beijo.

—Yvette disse que podíamos brincar de palavras, mas ele disse que lhe dava dor de cabeça, assim que ela foi se dormir.

—É o mesmo que deveriam fazer agora.

—Eu gostei do hotel —continuou Alex com a esperança de adiar o inevitável—. Quando ninguém olhava, saltávamos nas camas.

—Quer dizer como faz em seu quarto? —ele sorriu.

—Tinham pastilhas pequenas de sabão no banheiro, e nas noites lhe punham chocolate no travesseiro.

—Já pode esquecer essa idéia, carinha de rã —Suzanna inclinou a cabeça.

Depois de que Jenny estivesse agasalhada, com a luz do abajur de noite aceso e o exército de bonecos de pelucia em torno dela, Suzanna levou Alex a seu próprio quarto. Já não deixava que o levasse nos braços e o agasalhasse muito freqüentemente, mas essa noite parecia necessitá-lo tanto como ela mesma.

Lutou com ele até deixá-lo sem fôlego, logo ele saiu de um salto da cama.

—Alex...

—Esqueçi...

—Esta noite já superou o limite. À cama ou te farei assar a fogo lento.

Tirou algo dos jeans que levava postos ao chegar a casa.

—Guardei-o para você.

Suzanna aceitou o chocolate esmagado e rito envolto em papel dourado. Estava mais que um pouco derretido, era impossível de comer e para ela era mais precioso que diamantes.

—Oh, Alex.

—Jenny também tinha um, mas o perdeu.

—Não é nada —lhe deu um abraço forte—. Obrigado. Amo-o, tanto.

—Eu também te amo —não se envergonhou de dizê-lo, como lhe acontecia às vezes, e a abraçou mais tempo do habitual. Assim que sua mãe o agasalhou, não se queixou quando lhe acariciou o cabelo—. boa noite —se despediu, preparado para dormir.

—Boa noite —o deixou sozinho e chorou sobre o chocolate esmagado. Em seu quarto, abriu o estojo que em uma ocasião tinha contido seus diamantes e guardou dentro o presente de seu filho.

Despiu-se e colocou uma camisola branca. Esperava-a papelada no escritório que tinha em um canto, mas sabia que tanto sua mente como seus nervos se encontravam muito agitados. Para relaxar-se, abriu as portas do terraço e, com a escova na mão, saiu para sentir a noite.

Um lobo uivava, os grilos cantavam e também se ouvia o fluxo sereno do mar. Essa noite a luz da lua era clara como o cristal. Com um sorriso, elevou a cara e devagar se escovou o cabelo.

Holt jamais tinha visto nada mais formoso que Suzanna penteando-se à luz da lua. Sabia que era um Romeo pobre e temia ficar como um tolo tentando sê-lo, mas devia lhe oferecer algo, lhe mostrar de algum modo o que significava tê-la em sua vida.

Saiu do jardim e começou a subir os degraus de pedra, moveu-se em silêncio, e ela sonhava acordada. Não soube que estava a seu lado até que pronunciou seu nome.

—Suzanna.

Abriu os olhos e o viu de pé a menos de um metro, com o cabelo revolto pela brisa, os olhos escuros a lhe titilem luz.

—Pensava em você. O que faz aqui?

—Fui para casa, mas... Voltei —queria que continuasse escovando o cabelo, mas estava seguro de que a petição soaria ridícula—. Se encontra bem?

—Estou bem, de verdade.

—Os meninos?

—Também. Dormem. Não tive nem tempo de lhe agredecer. Pode que seja uma mesquinharia, mas agora que me tranqüilizei, posso reconhecer que eu gostei de ver que ao Bax sangrava o nariz.

—Quando você queira —afirmou Holt.

—Não acredito que volte a ser necessário, mas lhe agradeço —estendeu então o braço para lhe tocar a mão e se cravou um dedo com um espinho—. Ai.

—Bom começo —murmurou, estendendo a rosa para ela—. Te trouxe isto.

—Sim? —absurdamente comovida, aproximou as pétalas à bochecha.

—Roubei-a de seu jardim —colocou as mãos nos bolsos e desejou ter um cigarro—. Suponho que não conta.

—Certamente que sim —pensou que essa noite já tinha dois presentes, dos dois homens que amava—. Obrigado.

Ele encolheu os ombros e se perguntou o que fazer a seguir.

—Está bonita.

Suzanna sorriu e baixou a vista ao singela camisola branca.

—Bom, não uso ligas.

— Fiquei vendo-a escovar os cabelos —por vontade própria a mão saiu do bolso para tocá-la—. Fiquei aí de pé, na beira do jardim, e a observei. Quase não pude respirar. É tão linda, Suzanna.

Foi o turno dela de não poder respirar. Jamais a tinha tratado dessa maneira. A voz do Holt nunca tinha divulgado mais baixa. Havia reverencia nela, igual a na mão que lhe acariciava o cabelo.

—Não volte a me olhar desse modo —esticou os dedos no cabelo da Suzanna e teve que obrigar-se a relaxar —.Sei que fui bruto com você.

—Não, não foi.

—Maldita seja, sim —lutou contra a crescente impaciência enquanto a contemplava—. A sacusi e rasguei sua blusa.

Ela esboçou um sorriso.

—Quando voltei a costurar os botões, recordei aquela noite e a sensação de ser necessitada daquela forma —mais que um pouco desconcertada, moveu a cabeça—. Não sou frágil, Holt.

É Será que ela não via como estava errada?Não sabia que aspecto tinha nesse momento, com o cabelo resplandecente à luz da lua e a fina camisola branca agitada pela brisa?

—Quero estar contigo esta noite —baixou a mão para lhe tocar uma face—. Deixa que te ame esta noite.

Não poderia lhe haver negado nada. Quando ele pegou ela no colo para levá-la para dentro, Suzanna beijou o pescoço do Holt. Mas ele não procurou seus lábios. Depositou-a com cuidado, tirou-lhe a escova e colocou sobre a cômoda. Logo apagou as luzes.

Quando a fim seus lábios se juntaram, fizeram-no em um beijo suave como um sussurro. As mãos dele não se precipitaram para excitá-la, mas sim se moveram com deliciosa paciência para seduzi-la.

Holt sentiu a confusão que a dominava, ouviu-a no inseguro murmúrio de seu nome, mas só lhe roçou os lábios e os seguiu com a língua. As mãos fortes se moveram com a graça das de um artista sobre o tenso pendente dos ombros dela.

—Confia em mim —com a boca iniciou um lento percurso—. Deixe ir e confia em mim Suzanna. Há mais que um caminho —lhe beijou a mandíbula, o pescoço, retornou aos lábios trementes e sussurrou—:Deveria haver lhe demonstrado isso antes.

—Não posso... —logo seu beijo a afundou ainda mais em uma espessa bruma aveludada. Não foi capaz de erguer-se. Não quis fazê-lo. Sem dúvida esse túnel interminável cheio de ecos era o paraíso.

Tocou-a quase sem tocá-la e a deixou débil. Ouviu-o lhe sussurrar promessas incríveis, palavras suaves e adoráveis.

Acariciou-a através do tênue algodão, deleitando-se no movimento líquido do corpo de Suzanna sob suas mãos. Podia observar a cara dela à luz do abajur e saber que estava entregue ao que lhe oferecia.

Despiu-a devagar, baixando a camisola centimêtro a centimêtro. Fascinado com cada tremor que lhe produzia, atrasou-se. Logo a levou com gentileza além da primeira crista.

Cada movimento, cada suspiro, eram insuportavelmente doces. Inexplicavelmente tenros. Cada contato, cada murmúrio. Tinha-a aprisionado em um mundo de seda. Nunca tinha sido ela mais consciente de seu corpo que nesse momento, sob a minuciosa e paciente exploração do Holt.

Ao final sentiu a pele dele contra a sua, o corpo quente e duro que tinha chegado a desejar. Abriu os olhos e olhou. Elevou umas extremidades pesadas e tocou.

Holt não tinha imaginado que uma necessidade pudesse ser tão poderosa e ao mesmo tempo tão serena. Ela o envolveu. Ele se deslizou a seu interior. Para ambos foi como chegar ao lar.

 

Não teria podido prever que seria meu último dia com ela. Em caso contrário, teria observado com mais atenção, abraçado com mais força? O amor não teria podido ser maior, mas, teria podido entesourar o de forma mais completa?

Não há resposta.

Encontramos o cachorrinho, aterrozizado e quase morto de fome nas rochas de nossos penhascos. Bianca ficou encantada com ele. Suponho que era uma tolice, mas acredito que ambos consideramos que era algo que podíamos compartilhar, já que o tínhamos achado juntos.

Batizamo-lo com o nome de Fred, e tenho que reconhecer que quando chegou o momento de que ela retornasse às Torres entristeceu ver que o levava. Era lógico, já que com seus filhos o cachorrinho órfão teria uma família. Fui a casa sozinho, para pensar nela, para tratar de trabalhar.

Quando veio a meu lado, surpreendeu-me que corresse semelhante risco. Só uma vez com antecedência tinha estado na cabana, e não tínhamos querido nos arriscar a repeti-lo. Estava nervosa e tensa. Sob a capa levava o cachorrinho. Como a via pálida como um fantasma, pedi-lhe que se sentasse e lhe ofereci um brandy.

Contou-me os acontecimentos que tinham tido lugar desde que nos separamos.

Os meninos se apaixonaram pelo cão. Houve risadas e corações contentes até que Fergus retornou. negou-se a ter ao animal, um vira-lata sem raça, em seu lar. Possivelmente teria podido perdoá-lo por isso, e havê-lo considerado unicamente um idiota rígido. Bianca me contou que tinha ordenado que matassem ao cão, sem perder um ápice de sua firmeza nem sequer ante as lágrimas e súplicas de seus filhos.

Tinha mostrado sua máxima dureza com a jovem Colleen. Temendo uma represália mais dura e possivelmente física, Bianca tinha mandado aos meninos e ao cão acima junto à babá.

A discussão que teve lugar a seguir foi amarga. Não me contou tudo, mas seus tremores e os brilhos de medo em seus olhos foram eloqüentes. Furioso, ele a tinha ameaçado. Foi nesse momento quando à luz de meu abajur vi as marcas que tinham deixado os dedos dele em seu pescoço.

Nesse instante me teria ido matá-lo. Mas o terror dela me freou. Nunca antes nem depois hei sentido uma fúria como essa. Amar como amava, saber que a tinha machucado e assustado... Há ocasiões em que desejo com todas minhas forças ter ido, havê-lo matado. Possivelmente assim as coisas tivessem sido distintas. Mas jamais saberei.

Não a deixei, mas sim fiquei enquanto chorava e me informava que ele se partiu a Boston, e que quando retornasse pensava contratar a um ama para os meninos. Tinha-a acusado de ser uma má mãe, e lhe havia dito que lhe tiraria o controle e o cuidado dos meninos.

Se a tivesse ameaçado lhe arrancando o coração, não teria podido lhe causar mais danos. Ela não pensava tolerar que seus filhos fossem criados por uma criada paga, fiscalizados por um pai frio e ambicioso. Por quem mais temia era por sua filha, e sabia que se não se fazia algo, algum dia Colleen seria entregue em matrimônio... tal como tinham feito com sua mãe.

Foi esse grande temor o que forçou sua decisão de abandoná-lo.

Conhecia os riscos, o escândalo, a posição que deixaria. Nada poderia dissuadi-la. Levaria-se a seus filhos a um lugar onde soubesse que estariam a salvo. Seu desejo era que a acompanhasse, mas não suplicou nem recorreu a meu amor.

Não lhe fez falta.

Eu realizaria os preparativos para o dia seguinte e ela teria preparados aos meninos. Logo me pediu que a fizesse minha.

Tinha-a desejado tanto tempo. Entretanto, tinha-me prometido que não tomaria. Aquela noite rompi uma promessa e fiz outra. Amaria-a eternamente.

Ainda recordo que aspecto tinha, com o cabelo solto, os olhos escuros. antes de tocar sabia o que ia sentir. antes de depositá-la em minha cama, sabia como estaria. Agora só é um sonho, a lembrança mais doce de minha vida. O som da água e dos grilos, o aroma das flores silvestres.

Naquela hora atemporal, tive tudo o que poderia desejar um homem. Ela representava a beleza, o amor e a promessa. Sedutora e inocente, tímida e luxuriosa. Inclusive agora posso provar sua boca, cheirar sua pele. E desejá-la.

Logo partiu. O que tinha pensado que era um começo foi um final.

Tomei todo o dinheiro que tinha, vendi pinturas e tecidos e comprei quatro bilhetes para o trem da noite. Ela não veio. Formava-se uma tormenta. Disse-me que era o tempo o que me tinha esfriado tanto o sangue. Mas que Deus me ajude, acredito que sabia. Sentia uma dor aguda e aterradora, um medo irracional. Consumia-me.

Por primeira e última vez, fui às Torres. A chuva começou a me açoitar quando bati na porta. A mulher que respondeu se achava histérica. A teria feito a um lado, teria deslocado pela casa chamando a Bianca, mas nesse momento chegou a polícia.

Atirou-se da torre, atirou-se pela janela para as rochas. Isto não está claro agora, como não o esteve então. Lembrança que corri, chamando-a gritos por cima do uivo do vento. As luzes da casa eram cegadoras e fendiam a escuridão. Já havia homens movendo-se por toda parte com lanternas. Plantei-me no bordo e a observei lá abaixo. Meu amor. Tinha-me sido arrebatada. Não por sua própria mão. Jamais poderia aceitar isso. Mas se tinha ido. Estava perdida.

Eu mesmo me teria atirado por aquele penhasco. Mas ela me deteve. Juro que foi sua voz a que me deteve. Sentei-me no chão, empapado pela chuva que não cessava.

Não podia me reunir com ela então. De algum modo ia ter que viver minha vida sem ela. Assim o tenho feito e possivelmente saiu algum bem do tempo que passei aqui. O menino, meu neto. Como o teria querido Bianca. Há ocasiões em que me levo isso aos penhascos e estou seguro que ela nos acompanha.

Ainda há Calhoun em Las Torres. Bianca teria querido isso. Os filhos de seus filhos, e os filhos destes. Talvez algum dia outra moça passeará por esses penhascos. Espero que seu destino seja mais amável.

No fundo de meu coração sei que ainda não finalizou. Ela me espera. Quando ao fim chegue minha hora, voltarei a falar com a Bianca. Amarei-a como uma vez prometi. Eternamente.

 

Holt esperava ao Trent no caramanchão que havia no quebra-mar. Acendeu um cigarro e contemplou o jardim de Las Torres. Uns andaimes emolduravam a ala oeste e o chiado de uma serra cortava o ar. Um caminhão elevador estava estacionado sob a terraço e seu mecanismo gemia enquanto subia equipe a um trio de homens com o torso nu. Uma rádio emitia rock duro.

As janelas do quarto onde tinha passado quase toda a noite com a Suzanna lhe piscaram os olhos seus olhos. Recordava a cada segundo dessas horas, cada suspiro, cada movimento. Também recordava havê-la deixado confusa. Estava claro que a ternura não era seu estilo, embora tinha sido fácil manifestá-la com ela.

Suzanna não lhe tinha pedido suavidade. Não lhe tinha pedido nada. Por isso se sentia impulsionado a dar? Sem tentá-lo, ela tinha chegado a algo em seu interior que Holt não sabia que existia... e com o que ainda se sentia mais que um pouco incômodo. Descobri-lo e senti-lo-o deixava tão vulnerável como ela.

Ela merecia a música, as velas, as flores. Merecia as palavras poéticas. Ia tentar dar-lhe sem importar que o fizessem sentir-se como um tolo.

Enquanto isso, tinha um trabalho que cumprir, ia encontrar essas malditas esmeraldas para ela. E ia pôr ao Livingston entre grades.

Atirou o cigarro ao ver o Trent sair da casa. No caramanchão foram desfrutar de uma relativa privacidade. O que dissessem ali ninguém poderia escutá-lo. Qualquer que olhasse da casa, veriam dois homens que compartilhavam uma cerveja pela tarde, longe das mulheres.

Trent subiu e lhe ofereceu uma garrafa.

—Obrigado —se apoiou com indiferença em um poste e elevou a cerveja—. conseguiste a lista?

—Sim —Trent se sentou em um dos bancos de pedra para poder observar a casa enquanto bebia—. Sozinho contratamos a quatro homens novos no último mês.

—Referências?

—Certamente —a leve irritação em seu tom de voz foi instintiva—. Sloan e eu somos bem conscientes da segurança.

Holt simplesmente encolheu os ombros.

—Um homem como Livingston não teria nenhum problema em conseguir referências. Custaria-lhe dinheiro —bebeu um bom gole—. Mas as conseguiria.

—Você sabe mais que eu dessas coisas —entrecerróu os olhos ao ver dois homens trocar um lustre no teto da ala oeste—. Mas me custa acreditar que pudesse estar aqui, trabalhando ante nossos próprios narizes.

—Oh, está aqui —tirou outro cigarro, acendeu-o e deu um trago pensativo—. Quem quer que seja que tenha invadido minha casa, inteirou-se da conexão quase ao mesmo tempo que vocês. Como não vão por aí falando da situação nas festas, terá ouvido algo aqui, na casa. Não formava parte da equipe ao começar as obras, porque se achava ocupado em outra parte. Mas as últimas semanas... —calou enquanto os meninos saíam à carreira em direção ao forte seguidos dos cães—. Não ia ficar sentado a esperar, não enquanto existisse a possibilidade de que derrubassem uma parede e aparecessem as esmeraldas. E que melhor lugar para vigiá-lo do que aqui de dentro?

—Encaixa —reconheceu Trent—. Mas eu não gosto da idéia de que minha mulher, ou qualquer de outros, esteja tão perto —pensou em C.C., no bebê que esperava e seu semblante se endureceu—. Se houver uma possibilidade de que tenha razão, quero inspecioná-la.

—Me dê a lista e a comprovarei. Ainda tenho alguns contatos —não afastou o olhar dos meninos—. Não vai machucar ninguém. Garanto-lhe isso.

Trent assentiu. Era um homem de negócios e nunca tinha praticado algo mais que um pouco de boxe na universidade. Mas faria o que fora necessário para proteger a sua mulher e a seu filho que ainda nem nascera.

—Contei a Max, e Sloan e Amanda decidiram interromper a lua de mel. Devem chegar em algumas horas.

"Isso está bem", pensou Holt. Era melhor ter a toda a família em um só lugar.

—Que lhe contou Sloan?

—Que havia um problema no trabalho —mais cômodo uma vez que as engrenagens se puseram em marcha, Trent sorriu um pouco—. Se Amanda averiguar que a está enganando, o fará pagar.

—Quanto menos saibam as mulheres, melhor.

Nessa ocasião Trent riu.

—Se alguma delas o ouvor dizer isso, perderia três capas de pele. São duras.

—Acreditam que o são —pensou em Suzanna.

—Não, são-o. Demorei bastante em aceitá-lo. Individualmente são fortes, de aço recoberto de veludo. Por não mencionar teimosas, impulsivas e febrilmente leais. Juntas... —sorriu—. Bom, reconheço que preferiria me enfrentar a um par de lutadores de supremo antes que às mulheres Calhoun.

—Quando tudo estiver acabado, que se enfureçam quanto queiram.

—Enquanto estejam a salvo —concluiu Trent, notando que Holt observava os meninos—. Uns meninos estupendos —comentou.

—Sim. Estão bem.

—Têm uma mãe extraordinária —bebeu um sorvo de cerveja—. É uma pena que não tenham um verdadeiro pai.

—O que sabe dele? —até pensar no Baxter Dumont o fazia ferver o sangue.

—Mais do que eu gosto. Sei que fez Suzanna passar por um inferno. Esteve a ponto de quebrá-la com o julgamento pela custódia.

—Quis ficar com os meninos? —olhou-o aturdido.

—Foi por ela —corrigiu Trent—. E que melhor maneira que essa? Ela não fala do tema. C.C. contou-me a história. Ao parecer o incomodou que solicitasse o divórcio. Não era bom para sua imagem, menos quando tem em alvo uma poltrona do senado. Fez-a passar por uma longa e feia luta nos tribunais, tratando de demonstrar que era uma mulher instável e não apta para educar aos meninos.

—Canalha —afogou a ira e se voltou para atirar o cigarro às rochas.

—Não os queria. A idéia que tinha era colocá-los em um internato. Ou essa era a ameaça. Retirou a demanda quando Suzanna aceitou o acordo.

—Que acordo? —agarrava com força o corrimão de pedra.

—Ela cedeu virtualmente tudo. Ele retirou os cargos para que o negociação pudesse ser feita em particular. Conseguiu a casa e toda a propriedade, junto com uma boa parte da herança de Suzanna. Poderia ter lutado, mas os meninos e ela já se encontravam em um caos emocional. Não quis correr nenhum risco com eles nem submetê-los a mais tensão.

—Não, não o faria —bebeu em um intento inútil de eliminar a amargura de sua garganta—. Ele já não voltará a machucar a nenhum dos três. Ocuparei-me disso.

—Imaginava —satisfeito, ficou de pé. Tirou uma lista do bolso e a trocou pela garrafa vazia do Holt—. Me faça saber o que averiguar.

—Sim.

—A sessão espírita é esta noite —viu a careta do Holt e riu—. Pode se surpreender.

—O único que me surpreende é que Cody me convencesse de assistir.

—Se pensa ficar por aqui, terá que te acostumar a que lhe convençam para todo tipo de coisas.

"Penso ficar, sim", conveio mentalmente enquanto Trent se afastava. Só precisava encontrar a maneira adequada de contar-lhe a Suzanna. depois de ler os nomes da lista, a guardou. Faria algumas chamadas para ver o que achava.

Enquanto atravessava o jardim, os cães correram para ele, com Fred pego ao flanco de Sadie. Quando deixaram de dar saltos, acariciou-os.

—Recordem o Alamo! —gritou Alex. achava-se com as pernas abertas no teto de seu forte, com uma espada de plástico na mão—. Jamais tomarão com vida.

—Ah sim? —incapaz de resistir, Holt se aproximou—. E o que te faz pensar que lhes busco, pequenino?

—Que nós somos os patriotas e vós os invasores perversos.

Jenny apareceu a cabeça por uma abertura que servia como janela. Antes de que Holt pudesse esquivá-lo, recebeu no meio do peito um jorro de água de sua pistola. Alex soltou um grito triunfal enquanto Holt observava carrancudo a camisa molhada.

—Suponho que sabem que isto significa a guerra —expôs devagar.

Enquanto Jenny gritava, tirou-a pela janela. Para deleite da pequena, manteve-a de barriga para baixo de modo que as mexas loiras roçassem na grama.

—Tomou um refém! —gritou Alex—. Até a morte —entrou no forte para logo sair pela porta brandindo sua espada. Holt logo se dispôs de tempo de endireitar Jenny antes de que o pequeno míssil o alcançasse—. Lhe corte a cabeça —entoou Alex, seguido de sua irmã.

Holt afrouxou o corpo e levou aos dois consigo ao chão.

Houve gritos e risadas enquanto lutava com eles. Não resultou tão fácil como tinha imaginado. Os dois eram ágeis e escorregadios, e conseguiram soltar-se para atacá-lo. encontrou-se em desvantagem quando Alex se sentou em seu peito enquanto Jenny localizava um ponto para lhe fazer cócegas.

—Vou ter que ser duro com vocês—lhes advertiu. Amaldiçoou ao receber um jorro de água na cara, provocando risadas de ambos. Com um movimento veloz lhes arrebatou a pistola e passou a empapá-los aos dois. Com grititos e risadinhas, ambos se lançaram sobre ele.

Foi uma batalha molhada, e quando ao fim conseguiu imobilizá-los, todos estavam sem fôlego.

—Aniquilei-lhes —conseguiu dizer Holt—. Digam água —Jenny lhe cravou um dedo nas costelas. Para defender-se, baixou a bochecha ao pescoço da pequena e esfregou a barba de um dia sobre sua pele.

—Tio, tio, tio! —gritou ela, morrendo de rir.

Satisfeito, empregou a mesma estratagema com o Alex até que, vitorioso, deu a volta e ficou de barriga para baixo sobre a grama.

—Nos matou—reconheceu Alex, absolutamente zangado—. Mas está moralmente ferido.

—Sim, mas acredito que quer dizer mortalmente.

—Vai tirar uma soneca? —Jenny subiu a suas costas para dar saltos—. Às vezes Lilah dorme na grama.

—Lilah dorme em qualquer parte —murmurou Holt.

—Se quiser, pode tirar uma soneca em minha cama —convidou ela, logo apoiou um dedo curioso na cicatriz que via sob a camiseta levantada—. Tem uma ferida nas costas.

—Mmm.

—Posso ver? —perguntou Alex, que já tinha começado a subir.

Holt ficou tenso de forma automática, logo se obrigou a relaxar-se.

—Claro.

Enquanto Alex levantava a camiseta, os olhos de ambos os meninos se aumentaram muito. Não se parecia com a cicatriz limpa e pequena que tinham admirado na perna dele. Essa era larga e irregular, e ia da cintura até um ponto das costas que não conseguiam ver devido a que já não podiam lhe levantar mais a camiseta.

—Céus —foi o único que ocorreu ao Alex. Tragou saliva e logo, com valentia, aproximou um dedo à cicatriz—. Meteu em uma briga grande?

—Não exatamente —recordou a dor, o incrível resplendor de calor branco—. Me atacou um dos maus —respondeu, com a esperança de que isso bastasse. Ao sentir que a boquinha de Jenny se posava em suas costas, ficou muito quieto.

—Sente-se melhor agora? —perguntou ela.

—Sim —teve que suspirar para controlar a voz—. Obrigado —se voltou e se sentou para lhe acariciar o cabelo.

Suzanna se achava a uns metros e os observava com o coração em um punho. Tinha visto a batalha da porta da cozinha. Tinha-a comovido ver a facilidade com a que Holt se uniu ao jogo com seus filhos. Sorria enquanto ia se reunir a eles... mas se deteve o ver o Jenny e Alex examinar a ferida das costas do Holt, e o beijo do Jenny para que se sentisse melhor. Tinha percebido a expressão de emoção descarnada no rosto dele ao voltar-se para acariciar o cabelo da pequena.

Nesse momento os três se achavam na grama, com o Jenny acurrucada no colo do Holt, e o braço do Alex com gesto afetuoso sobre seu ombro. Tomou um momento para certificar-se de que tinha os olhos secos antes de seguir avançando.

—Terminou a guerra? —perguntou.

—Ganhou ele —informou Alex.

—Não parece ter sido uma vitória fácil —tomou a Jenny em braços quando a pequena elevou as mãos—. Estão todos molhados.

—Aniquilou-nos... mas eu lhe dei o primeiro golpe.

—Essa é minha garota.

—E tem cócegas —revelou Jenny—. Cócegas de verdade.

—Sim? —deu de presente um sorriso ao Holt—. Lembrarei disso. E agora parte. Dei-me conta de que ninguém guardou o jogo com o que lhes entretinham.

—Mas, mamãe... —Alex tinha lista sua desculpa, mas freou ante a expressão de sua mãe.

—Se não o recolherem, farei-o eu —indicou ela com suavidade—. Mas então eu comerei seu bolo de framboesa de esta noite.

Alex refletiu um momento, logo cedeu.

—Farei-o eu. Logo ficarei com a parte de Jenny.

—Não —esta correu para a casa perseguida por seu irmão.

—Muito hábil, mamãe —comentou Holt ao incorporar-se.

—Conheço seus pontos fracos —o rodeou com os braços, surpreendendo-o. Era estranho que ela desse o primeiro passo—. Você também está todo molhado.

—Fogo de franco-atirador, mas os derrubei como moscas —a aproximou e apoiou a bochecha em seu cabelo—. São meninos estupendos, Suzanna. Eu, mmm... —não sabia como lhe dizer que se apaixonou por eles, não mais que lhe revelar que também se apaixonou por sua mãe—. A estou molhando —incômodo, afastou--se.

—Quer dar um passeio? —com um sorriso, acariciou-lhe a bochecha.

Ele pensou na lista que tinha no bolso. Tomando a mão, chegou à conclusão de que podia esperar uma hora.

Sabia que ela poria rumo aos penhascos. Parecia apropriado que caminhassem por ali à medida que as sombras se alargavam e o ar refrescava. Ela falou um pouco do trabalho que tinha terminado esse dia e ele do casco que tinha reparado. Mas nenhum dos dois tinha a mente no trabalho.

—Holt —olhou por volta do mar—. Quer me contar por que deixou o corpo de polícia? —sentiu que os dedos dele ficavam rígidos, mas não girou a cara.

—Parece —expôs sem rodeios—. Não há nada que contar.

—A cicatriz de suas costas...

Já disse tudo—se soltou e tirou um cigarro.

—Compreendo Seu passado e seus sentimentos pessoais não são assunto meu.

—Não disse isso —deu uma tragada impaciente.

—Certamente que sim. Você tem direito de saber tudo que puder de mim. Supõe-se que devo confiar em você, sem questionar nada. Mas pelo jeito não tenho que me interessar por suas coisas.

—O que é isto, uma espécie de prova? —olhou-a com olhos irados.

—Chama-o como queira —replicou—. Tinha esperado que já confiasse em mim, que te importava para me deixar entrar em sua vida.

—Importa-me, maldita seja. Não sabe que ainda me doi recordá-lo? Foram dez anos de minha vida, Suzanna. Dez anos —se voltou para jogar o cigarro ao abismo.

—Sinto —instintivamente apoiou as mãos em seus ombros para acalmá-lo—. Se houver alguém que saiba quão doloroso é tirar velhas feridas, sou eu. Por que não voltamos? Verei se te posso encontrar uma camisa limpa.

—Não —tinha a mandíbula apertada, o corpo tenso como uma mola—. Quer sabê-lo, tem direito. Deixei-o porque não pude agüentá-lo. Dediquei dez anos a me dizer que podia fazer uma diferença, que nada da merda pela que tinha que me envolver me afetaria. Podia tratar com traficantes, fanfarrões e vítimas todo o dia sem perder um minuto de sono de noite. Se tinha que matar a alguém, o fazia no cumprimento do dever. Não era algo no que queria refletir muito, a não ser algo com o que tinha que viver. Vi alguns policiais que se queimaram pelo caminho, mas me disse que isso não ia acontecer me a mim.

Ela guardou silêncio e seguiu lhe esfregando os músculos tensos dos ombros enquanto esperava que continuasse.

—A seção de anti etorpecentes a leva aos abismos, Suzanna. Dessa maneira termina por compreender às pessoas que trata de eliminar. Pensa como eles. Tem que fazê-lo quando entra de incógnito, ou não volta a sair. Há coisas que jamais penso te contar, porque me importa. Coisas feias que eu... —fechou os olhos e colocou as mãos nos bolsos—. Que não queria voltar a ver. Já tinha começado a pensar em retornar aqui —cansado, esfregou-se os olhos—. Estava cansado, Suzanna, e queria viver outra vez como uma pessoa normal, sem ter que pôr uma pistola na cintura todos os dias nem fazer acordos com lixo em lugares miseráveis.

"Levávamos uma investigação rotineira em busca de um traficante pequeno ao que acreditávamos que poderíamos lhe surrupiar informação. Recebemos um dica sobre onde encontrá-lo, e quando o abandonamos em um pequeno antro, acontece que o imbecil levava uns vinte mil dólares em coca sob a roupa e mais de que isso no cérebro. Entrou-lhe o pânico. Arrastou a uma mulher meio pendurada com ele e fugiu —começavam a lhe suar as mãos, que secou em seu jeans—. Meu companheiro e eu nos separamos para lhe cortar a saída. Entrou com a mulher no beco. Conosco em cada extremo, não tinha esperança alguma de escapar. Eu tinha desencapado. Estava escuro. O lixo se verteu no chão.

Ainda podia cheirá-la, rançosa e fétida, enquanto o suor lhe descia pelas costas.

—Escutava a meu companheiro avançar do outro extremo e o pranto da mulher. Tinha-lhe feito uns cortes e se achava acurrucada no cimento. Não sabia quão gravemente ferida estava. Lembrança que pensei que o miserável ia ser encerrado com cargos superiores a distribuição de droga. Então saltou sobre mim. Tinha-me parecido a faca antes de que pudesse realizar nenhum disparo —ainda sentia como o aço lhe rasgava o corpo, ainda cheirava seu próprio sangue—. Soube que estava morto e não deixei de pensar que não poderia ir a casa. Que ia morrer nesse maldito beco com o fedor daquele lixo. Matei-o enquanto caía. Isso é o que me contaram. Não o recordo. O que sim recordo é que logo despertava no hospital sentindo como se me tivessem talhado em dois para logo me costurar. Disse-me que se o conseguia, ia retornar aqui. Porque sabia que se tinha que voltar a caminhar por outro beco, não voltaria a sair dele.

Suzanna o abraçou com força e apoiou a bochecha em suas costas.

—Acredita que por ter retornado a casa em vez de entrar em outro beco fracassou?

—Não sei.

—Durante muito tempo, isso pensei eu. Ninguém me tinha posto uma faca nas costas, mas cheguei a me dar conta de que se ficava com o Bax, se tivesse mantido aquele voto, uma parte de mim teria morrido. Escolhi sobreviver, acredita que deveria me envergonhar disso?

—Não —se voltou—. Não.

Ela elevou as mãos para lhe emoldurar o rosto. Em seus olhos havia compreensão e a simpatia que Holt não teria aceito nem sequer uma semana antes.

—Eu tampouco acredito. Odeio o que te passou, mas me alegro de que te trouxesse aqui —lhe deu um beijo nos lábios para lhe oferecer consolo. Devagar, com uma doçura insuportavelmente comovedora, sentiu que ele se deixava ir.

O corpo do Holt se relaxou ao tempo que a aproximava dele. A boca lhe suavizou e ardeu. Ao fim alcançavam o seguinte nível. Não só havia paixão e ternura, a não ser confiança. Enquanto o vento sussurrava entre a erva e as brilhantes floresça silvestres, Suzanna pensou que ouvia outra coisa, um pouco tão sereno e formoso que lhe provocou lágrimas nos olhos. Quando viu a expressão dele, soube que também Holt o tinha ouvido. Sorriu.

—Não estamos sozinhos aqui —murmurou—. Deveram estar neste mesmo lugar, abraçando-se como o fazemos nós. Desejando-se da mesma maneira —enche com o momento, levou-se a mão dele aos lábios—. Acredita que o tempo e o destino podem ser circulares?

—Começo a acreditá-lo.

—Ainda vêm aqui, a esperar. Pergunto-me se alguma vez se encontram. Penso que o farão, se formos capazes de solucionar as coisas —o beijou outra vez e logo lhe aconteceu um braço pela cintura—. Vamos a casa. Tenho a sensação de que vai ser uma noite interessante.

—Suzanna —começou enquanto empreendiam a volta—, depois da sessão... —calou com expressão incômoda, o que provocou a risada dela.

—Não se preocupe, em Las Torres só têm fantasmas amigos.

—Se. Mas não espere que lhe dê muita credibilidade aos cânticos e os transes, embora de todos os modos me perguntava se depois... olhe, sei que você não gosta de deixar aos meninos, mas pensei que poderia ir a minha casa um momento. Há algumas coisas que quero te falar.

—Que coisas?

—Simplesmente... coisas —repetiu com docilidade. Se ia pedir lhe que se casasse com ele, queria fazê-lo bem—. Agradeceria que pudesse sair uma ou duas horas.

—De acordo, se for importante. É sobre as esmeraldas?

—Não. É... Preferiria esperar, de acordo? Escuta, tenho que fazer um par de coisas antes de que comecemos a chamar os espíritos.

—Não vaisficar para jantar?

—Não posso. Voltarei —para chegar ao pendente e passar ante a parede de pedra, pegou-a a ele para lhe dar um beijo breve e intenso—. Nos vemos logo.

Observou-o partir com o cenho franzido e possivelmente o tivesse seguido, mas a chamavam do terraço do primeiro andar, protegeu-se os olhos e viu sua irmã.

—Amanda! —rindo, correu pelo jardim até os degraus de pedra—. O que a traz de volta? —abraçou com força a recém casada—. Esta maravilhosa, embora se supunha que não voltavam até dentro de uma semana. Aconteceu algo?

—Não, nada —beijou as duas bochechas da Suzanna—. Vamos, porei-te ao dia.

—Aonde vamos?

—À torre de Bianca. Reunião familiar.

Subiram e logo subiram pela estreita escada circular que conduzia à torre.

—E a tia Cody? —perguntou Suzanna.

—Comunicaremo-lhe o que consiguimos—repôs Amanda—. Mas pareceria muito suspeito se agora a trouxéssemos aqui.

—Só reunião de mulheres? —Suzanna assentiu e se sentou no chão aos pés do Lilah.

—É o que merecem —disse C.C., cruzando os braços—. Levam dias escapando para suas reuniões de clube de meninos. É hora de equilibrar as coisas.

—Max traz algo entre mãos, isso seguro —interveio Lilah —. Atua com muita inocência. E nos últimos dias se manteve perto dos operários.

—Suponho que não esteja aprender a fazer um telhado —murmurou Suzanna.

—Se fosse assim, já teria comprado vinte livros sobre o tema —Lilah se recostou—. E esta tarde quando cheguei a casa do trabalho, vi Trent e Holt conversando no caramanchão. Alguém que não os conhecesse teria podido pensar que só tomavam uma cerveja, mas planejavam algo.

—De modo que conhecem algo que não nos estão dizendo —pensativa, Suzanna bateu os dedos sobre os joelhos. Tinha tido a sensação de que passava algo, mas Holt a tinha distraído tão bem, que não atuou segundo seu instinto.

—Faz dois dias Sloan manteve uma longa e sigilosa conversação com o Trent por telefone. Justificou-a dizendo que havia uns problemas materiais que devia fiscalizar em pessoa —Amanda agitou o cabelo fazendo uma careta—. E pensou que era o bastante estúpida para acreditar nisso Queria voltar de lua de mel porque tramam algo... e pretendem manter às mulherzinhas fora do caminho.

—Que enm sonhem —murmurou C.C.—. Eu voto para que baixemos agora mesmo e lhes exijamos que nos contem o que sabem. Se Trent acreditar que vou ficar sentada sem fazer nada enquanto ele leva um assunto das Calhoun, já verá quão equivocado está.

—Tortura com agulhas de bambu —murmurou Lilah, não muito incômoda com a imagem. - Estão em jogo os egos masculinos, senhoras. Terá que vestirem escudos e os coletes antibalas.

Suzanna riu e lhe acariciou a perna.

—Repassemos o que sabemos. Chama Sloan de volta, de modo que devem acreditar que estão perto. Não me parece que se mostrassem tão sigilosos se pensassem que tinham dado com as esmeraldas.

—Eu tampouco —como refletia melhor de pé, Amanda ficou a caminhar—. Recorda quão obstinados foram quando decidimos procurar o navio do que tinha saltado Max? Sloan ameaçou com... como era? me atar a uma estaca de barriga para cima como tratasse de encontrar ao Livingston —repôs com veemência.

—Trent nem sequer trata o tema do Livingston comigo —acrescentou C.C., logo franziu o nariz—. Diz que não é bom que esteja inquieta em minha condição delicada.

—Eu gostaria que um homem passasse por um parto, ele nunca ia chamar uma mulher de delicada —comentou Lilah do assento do mirante.

—Holt diz que Livingston está fora de nossa liga. Da nossa —explicou Suzanna, fazendo um movimento circular com o dedo—. Não da sua.

—Idiota —C.C. deixou-se cair no assento ao lado de Lilah—. Estamos de acordo? Têm uma pista sobre o Livingston e a estão reservando.

O voto foi unânime.

—E agora precisamos averiguar o que é o que sabem —Amanda deixou de caminhar para mover o pé acima e abaixo—. Alguma sugestão?

—Bom... —Suzanna contemplou suas unhas e sorriu—. Eu estou a favor de dividir e conquistar. As quatro deveríamos ser capazes de obter informação deles... cada uma a sua própria maneira. E amanhã à mesma hora reuniremos aqui para armar o quebra-cabeças.

—Eu gosto de —Lilah se levantou para apoiar uma mão no ombro da Suzanna—. Os pobres não têm nenhuma só chance.

Suzanna elevou a mão para apoiá-la sobre a de Lilah; Amanda e C.C., acrescentaram as suas.

—E quando tudo tenha terminado —disse—, possivelmente se dêem conta de que as mulheres Calhoun sabem cuidar de seus assuntos.

 

Holt nunca se havia sentido mais ridículo na vida, ia tomar parte de uma sessão espírita. E se isso não era bastante mau, antes de que acabasse a noite ia pedir a mão de Suzanna , que nesse momento ria dele.

—Não é um pelotão de fuzilamento —rindo, Suzanna lhe tocou a bochecha—.Relaxe.

—É uma absoluta estupidez, isso é o que é —de um extremo da mesa, Colleen observou carrancuda a todos—. A idéia de falar com espíritos... bobagens. E você... —apontou a Cody com um dedo—. Não é que alguma vez tivesse um pouco de sentido comum nessa sua cabeça, mas teria pensado que até você saberia que não era lógico despertar às garotas por semelhante insensatez.

—Não é uma insensatez —como sempre, o olhar azedo a fez tremer, mas se sentia bastante a salvo com a extensão da mesa as separando—. Já o verá uma vez que comecemos.

—O que vejo é uma mesa de endoidecidos —embora seu rosto se manteve severo, lhe derreteu o coração ao levantar a vista para o retrato de sua mãe, que tinham pendurado sobre a chaminé—. Lhe ofereço dez mil por ele.

—Não está em venda.

—Se acredita que vai me enrolar, jovem, equivoca-se. reconhecer-se um fraude.

Sorriu-lhe. Teria dado até o último centavo aostando de que ela mesma tinha organizado mais de um.

—Não o vendo.

—Além disso, vale muito mais —interveio Lilah, incapaz de seguir em silêncio—. Não é verdade, professor?

—Bom, na realidade, sim —Max se esclareceu garganta—. A primeira época do Christian Bradford está subindo de valor. Faz dois anos no Sotheby's, uma de suas paisagens marinhas alcançou os trinta e cinco mil dólares.

—E você o que é? —espetou Colleen—. Seu agente?

—Não, senhora —Max conteve um sorriso.

—Então, cale-se. Quinze mil, e nem um centavo mais.

—Não estou interessado —Holt se passou a língua pelos dentes.

—Talvez se nos ocupássemos do assunto que nos reuniu —Cody conteve o fôlego, à espera da cólera de sua tia. Quando Colleen só balbuciou um pouco apagado e franziu o cenho, relaxou-se—. Amanda, querida, acenda as velas. Agora todos devemos tratar de esvaziar nossas mentes de preocupações, de dúvidas. nos concentremos na Bianca —quando as velas arderam e a luz se apagou, jogou uma última olhada ao redor da mesa—. Juntem as mãos.

Holt grunhiu em voz baixa, mas tomou a mão da Suzanna na direita e a do Lilah na esquerda.

—Concentrem-se no quadro —sussurrou Cody, fechando os olhos para levá-lo a sua mente, já que o tinha na parede a suas costas—. Está perto de nós, muito perto. Quer ajudar.

Holt deixou que sua mente vagasse porque isso o ajudava a esquecer o que fazia. Tratou de imaginar como seria quando Suzanna e ele se achassem a sós na cabana. Tinha comprado velas com aroma de jasmim.

Na geladeira se esfriava champanha. Inclusive nesse momento o estojo queimava um buraco no bolso.

"Esta noite darei o passo", pensou. As palavras sairiam exatamente como as tinha planejado. Soaria música. Ela abriria o estojo, olharia dentro...

As mãos da Suzanna estavam cobertas de esmeraldas. Franziu o cenho e se sacudiu mentalmente. Isso não estava bem. Não lhe tinha comprado esmeraldas, Mas a imagem era muito nítida.. Suzanna de joelhos sustentando umas esmeraldas. Três fileiras resplandecentes flanqueadas por uns diamantes gelados em cujo centro refulgia uma pedra com forma de lágrima de um verde sonhador.

O colar Calhoun. Sentiu frio no pescoço e não prestou atenção. Tinha visto a foto que Max tinha encontrado no velho livro da biblioteca. Sabia que aspecto tinham as esmeraldas. Era a atmosfera, o silêncio vibrante e as velas que titilavam o que fazia que pensasse nelas. Isso tinha feito que as visse.

Não acreditava em visões. Mas quando fechou os olhos para limpar sua mente, essa visão parecia estar gravada ali. Suzanna de joelhos no chão com esmeraldas que penduravam de seus dedos.

Sentiu uma mão no ombro e girou a cabeça. Não havia ninguém, só um jogo de sombras e luz provocado pelas velas. Mas a sensação persistiu, com uma urgência que lhe arrepiou o pêlo da nuca.

"É uma loucura", disse-se. E já era hora de pôr fim a tanta insensatez.

—Escutem —começou. E o retrato de Bianca desabou ao chão.

Cody soltou um chiado e se levantou de um salto da cadeira.

—Santo céu. Santo céu —murmurou, dando-se tapinhas sobre o acelerado coração.

Amanda foi primeira a fazer algum movimento.

—OH, espero que não se danificou.

—Não acredito —Lilah soltou a mão de Holt—. E você?

O olhar claro e firme o pôs incômodo. Sem lhe emprestar atenção, voltou-se para a Suzanna. Sentia sua mão gelada.

—Do que se trata? O que passou?

—Nada —mas teve um veloz calafrio—. Acredito que será melhor que verifique o retrato.

Incorporou-se para aproximar-se de outros que se encontravam em volta. Ao agachar-se, Suzanna olhou em direção a sua tia avó, no outro extremo da mesa. A pele branca do Colleen tinha empalidecido como o cristal. Tinha os olhos úmidos. Sem dizer uma palavra, Suzanna se levantou e lhe serviu um brandy.

—Não foi nada —sussurrou, apoiando uma mão no ombro magro.

—A moldura rachou —Sloan passou um dedo pela greta antes de ficar de pé—. É curioso que tenha caído dessa maneira. Esses pregos são robustos.

Holt ia descartar o comentário, mas ao inclinar-se para ver onde se separou o marco da madeira, ficou muito quieto.

—Há algo entre o tecido e a parte de atrás —ergueu o retrato e o depositou para baixo sobre a mesa—. Preciso de uma faca.

Sloan tirou sua navalha de bolso e a ofereceu. Holt realizou um corte fino e comprido justo debaixo da greta do marco e extraiu várias folhas de papel.

—O que é? —perguntou Cody com voz amortecida pelas mãos que levou a boca.

—É a caligrafia de meu avô —o embargou a emoção—. Parece uma espécie de jornal. É de mil novecentos e sessenta e cinco.

—Sente-se, querido —Cody apoiou uma mão em seu ombro—. Trent, quer servir o brandy? Eu prepararei chá para C.C.

Não precisava sentar-se e esperava que a taça lhe desse firmeza. No momento, só podia contemplar fixamente os papéis e ver seu avô. Sentado no alpendre de atrás da cabana com a vista cravada na água. De pé no apartamento de cobertura enquanto pintava. Passeando pelos penhascos, lhe contando histórias a um jovem.

Quando Suzanna retornou para apoiar uma mão na sua, girou a palma e tomou os dedos.

—Esteve aqui todo este tempo e eu não soube.

—Não tinha que sabê-lo —murmurou ela—. Até esta noite —quando a olhou, apertou-lhe a mão—. Algumas coisas temos que as aceitar com fé.

—Algo aconteceu esta noite. Algo o inquietou.

—Contarei-lhe isso. Mas ainda não.

Composta, Cody levou o chá e logo se sentou.

—Holt, seja o que for o que escreveu seu avô, pertence a você. Ninguém aqui te pedirá que o compartilhe. Se depois de lê-o sente que lhe prefere guardar isso para você, nós vamos compreender.

Ele voltou a contemplar os papéis, logo elevou a primeira folha.

—Leremos juntos —respirou fundo sem soltar a mão da Suzanna—. "Assim que a vi, minha vida mudou"

Ninguém falou enquanto Holt lia as memórias de seu avô. Mas ao redor da mesa as mãos voltaram a unir-se. Não havia mais som que o da voz dele e o vento entre as árvores além das janelas. Quando terminou, na habitação imperou o silêncio.

Lilah falou primeiro, com a voz espessa pelas lágrimas.

—Nunca deixou de amá-la. Amou-a sempre, apesar de continuar com sua vida.

—O que deve ter sentido ao vir aqui aquela noite e descobrir que já não estava —Amanda apoiou a cabeça no ombro do Sloan.

—Mas ele tinha razão —Suzanna viu que uma de suas lágrimas caía no dorso da mão do Holt—. Ela não se suicidou. Não pôde havê-lo feito. Não só o amava muito, e teria tolerado qualquer coisa para proteger a seus filhos.

—Não, não saltou —sussurrou Colleen. Elevou a taça com mão tremente, e logo voltou a baixá-la—. Jamais falei que aquela noite... com ninguém. Com os anos às vezes pensei que o que vi foi um sonho. Um pesadelo terrível, terrível —decidida, esclareceu-se visão imprecisa e fortaleceu a voz—. Seu Christian a entendia. Não teria podido escrever sobre ela dessa maneira sem conhecer seu coração. Era formosa, mas também era amável e generosa. Jamais amei como amei minha mãe. E nunca odiei como odiei a meu pai.

Ergueu os ombros. A carga já se mitigou.

—Eu era muito jovem para entender sua infelicidade ou desespero. Naqueles dias um homem governava em sua casa e em sua família conforme gostava. Ninguém ousava questionar a meu pai. Mas lembro o dia em que minha mãe trouxe o cachorrinho a casa, o pequeno animal que meu pai não aceitou em seu lar. Ela nos disse que fôssemos acima, mas eu me escondi no alto das escadas e escutei. Nunca antes a tinha ouvido elevar a voz a ele. Foi valente. E ele cruel. Não entendi os nomes com os que a chamou. Então.

Fez uma pausa para beber outra vez, já que tinha a garganta seca e a lembrança era amarga.

—Defendeu-me contra ele, sabendo como inclusive eu sabia que por ser mulher apenas me tolerava. Quando partiu de casa depois da discussão, alegrei-me. Aquela noite rezei para que não voltasse nunca. Ao dia seguinte minha mãe me disse que íamos fazer uma viagem. Ainda não o tinha contado a meus irmãos, mas eu era a maior. Queria que compreendesse que ela ia cuidar de nós, que nada mau ia acontecer.

"Então ele voltou. Soube que minha mãe estava inquieta, inclusive assustada. Disse-me que ficasse em minha habitação até que fosse para me buscar. Mas não apareceu. fez-se tarde, e havia uma tormenta. Queria a minha mãe —juntou os lábios—. Não estava em sua habitação, assim subi à torre, onde freqüentemente passava tempo comigo. Ao subir com sigilo os ouvi. A porta estava aberta. Tinha lugar uma discussão terrível. Ele estava louco de fúria. Lhe disse que já não pensava viver a seu lado, que não queria nada dele, salvo a seus filhos e sua liberdade.

Como Colleen tremia, Cody se levantou e foi tomar lhe a mão.

—Golpeou-a. Ouvi a bofetada e corri à porta. Mas tinha medo, muito para entrar. Ela se tinha levado uma mão à face e seus olhos cintilavam. Não de medo, mas sim de fúria. Sempre recordarei que ao final não albergou nenhum temor. Ele a ameaçou com o escândalo. Gritou-lhe que se deixava a casa nunca mais voltaria a ver seus filhos. Que jamais ia deixar que arruinasse sua reputação. Que nunca representaria um obstáculo no caminho de suas ambições.

Embora lhe tremiam os lábios, elevou o queixo.

—Ela não suplicou. Não chorou. Golpeou-o com as palavras —se levou uma mão à boca para controlar suas lágrimas—. Esteve magnífica. Nunca deixaria seus filhos e a merda com o escândalo. E o que importava o que as pessoas achassem dela? E que o que imporatab o isolamento da sociedade e o poder dele? Levaria-se a seus filhos e refariam sua vida ali onde pudessem ser queridos. Acredito que foi isso o que o pôs louco. A idéia de que escolhesse outro homem por cima dele. Dele, Fergus Calhoun. Que lhe atirasse à cara seu dinheiro, posição e poder, em vez de inclinar-se ante seus desejos. Agarrou-a e a ergueu no ar, sacudindo-a e gritou enquanto seu rosto expressava fúria. Acredito que então eu gritei, e para me ouvir ela começou a lutar. Ao golpeá-lo, ele a atirou a um lado. Ouvi o ruído do cristal. Ele correu para ela, gritando, mas mamãe já tinha caido. Não sei quanto tempo estive ali enquanto o vento o açoitava e a chuva entrava na torre. Passou ao meu lado sem arrependimentos. Aproximei-me da janela quebrada e olhei abaixo até que veio a babá e me tirou dali.

Cody beijou o cabelo branco, que acariciou com suavidade.

—Vêem comigo, querida. Levarei-a pra cima. Lilah lhe trará uma taça de chá.

—Sim, em seguida o preparo —Lilah se secou as bochechas—. Max?

—Acompanharei-te —lhe rodeou a cintura com o braço enquanto Cody conduzia à filha da Bianca para fora da estadia.

 

—Pobrezinha —murmurou Suzanna e apoiou a cabeça no ombro do Holt enquanto se afastavam de Las Torres—. Ter presenciado algo tão horrível, ter tido que viver com isso toda sua vida. Penso em Jenny...

—Não o faça —apoiou uma mão firme sobre a seu—. Você escapou. Bianca não —aguardou um momento—. Sabia, verdade? antes de que Colleen contasse a história.

—Sabia que não se havia suicidado. Não sei te explicar como, mas soube esta noite. Foi como se a tivesse sentido atras de mim.

Holt pensou na sensação de ter uma mão no ombro.

—Possivelmente tivesse. Depois de uma noite como esta, fica difícil me convencer de que a queda do quadro foi uma coincidência.

—Foi tão lindo o que seu avô escreveu sobre ela —Suzanna fechou os olhos—. Se nunca encontrarmos as esmeraldas, temos isso... saberemos que ela teve isso. Custa acreditar que amar assim seja possível —suspirou—. Não quero pensar na tragédia ou na tristeza, a não ser no tempo que dispuseram juntos. Neles dançando entre as flores silvestres.

Holt pensou em que nunca tinha dançado com ela à luz do sol. Em que não lhe tinha lido poesia nem lhe tinha prometido amor eterno.

Ao chegar à cabana, Holt se inclinou por diante dela.

—Que faz? —perguntou Suzanna surpreendida.

—Abro-lhe a porta —a empurrou—. Se tivesse baixado para fazê-lo, não teria esperado.

—Obrigado —divertida, desceu.

—De nada —depois de introduzir a chave na porta dianteira, manteve-a aberta para ela.

Com expressão séria, Suzanna inclinou a cabeça ao passar diante.

—Obrigado —Holt deixou que a mosquiteira se fechar. Com as sobrancelhas arqueadas, ela estudou a habitação—. Fez algo diferente.

—Limpei-a —murmurou.

—Oh. Vê-se muito bem. Sabe, Holt?, queria lhe perguntar se acredita que Livingston continua na ilha.

—Por que? Aconteceu algo?

—Não —respondeu movendo-se pela habitação ante a resposta muito brusca dele—. Me perguntava onde estaria, qual poderia ser seu seguinte movimento —passou um dedo por uma das velas que Holt tinha comprado—. Tem alguma idéia?

—Não?

—Você é o perito no tema.

—E disse que deixasse ao Livingston para mim.

—E eu que não podia fazê-lo. Possivelmente comece a fazer indagações por minha conta.

—Tenta-o, e a algemarei e a encerrarei em um armário.

—A contrapartida urbana de atar a uma estaca —murmurou—. Não teria que tentá-lo se me contasse o que sabe. Ou o que pensa.

—De onde veio esse tema?

—Como dispomos de um pouco de tempo —moveu um ombro—, pensei que poderíamos falar disso.

—Por que não se senta? —tirou o isqueiro.

—O que faz?

—Estou ascddendo as velas —sentia que os nervos se tensionavam—. O que parece que estou fazendo?

Ela se sentou e juntou as mãos.

—Como o vejo tão nervoso, tenho que assumir que sim conhece algo.

—Não tem que assumir nada salvo que me está irritando —se dirigiu à equipamento de música.

—Está muito perto? —perguntou quando um saxo encheu a atmosfera.

—Não estou em nenhuma parte —como era uma mentira, decidiu moderá-la com parte da verdade—. Acredito que anda pela região porque faz umas semanas entrou aqui e mexeu em minhas coisas.

—O que? —levantou-se de um salto—. Faz algumas semanas e não me contou isso?

—O que iria fazer a respeito? —replicou— Tirar uma lupa e por um chapúe de caça?

—Tinha direito de saber.

—Já sabe. Sente-se, sim? Volto em um minuto.

Quando ele saiu, ficou a caminhar pelo salão. Holt sabia mais que o que revelava, mas ao menos lhe tinha surrupiado algo. Livingston andava perto, o bastante perto para saber que possivelmente Holt conhecesse um pouco de interesse. O fato de que naquele momento Holt estivesse tenso como um arame esticado lhe indicava que lhe preocupava algo mais.

Com um sorriso, notou que as velas eram aromáticas. Não imaginava que tivesse comprado velas de jasmim de propósito. Pensou que possivelmente ajudá-la com as flores começava a pô-lo nervoso.

Quando ele voltou, o sorriso da Suzanna adquiriu uma expressão desconcertada.

—Isso é champanha?

—Sim —estava profundamente aborrecido. Tinha imaginado que ela se mostraria encantada. Mas não deixava de questioná-lo tudo—. Quer um pouco ou não?

—Claro —o convite seco era tão típico dele, que não se ofendeu. Uma vez encheu as taças, e blindou com gesto distraído contra a do Holt—. Se estiver seguro de que foi Livingston quem entrou aqui, acredito que...

—Uma palavra mais —cortou com calma perigosa—, uma palavra mais sobre o Livingston e jogarei o resto da garrafa sobre a cabeça.

Ela bebeu convencida de que teria que ir com cuidado se não queria desperdiçar uma garrafa de champanha e terminar com o cabelo pegajoso.

—Só tento fazer uma idéia completa do quadro.

Ele soltou algo próximo a um rugido de frustração e deu a volta. O champanha se agitou em sua taça enquanto ele ia de um lado a outro.

—Ela quer uma idéia completa do quadro, e é cega como um morcego, tirei dois meses de pó desta casa., comprei velas e flores, tive que escutar um idiota me ensinar coisas sobre o champanha. Esse é o quadro, maldita seja.

Suzanna tinha querido lhe tirar informação, não enfurecê-lo.

—Holt...

—Sente-se e se cale. Teria que ter imaginado que isso não daria certo. Deus sabe por que tentei fazer dessa forma.

Uma luz se acendeu em seu interior e sorriu. Tinha estado muito centrada em seu próprio plano, sem notar que ele tinha preparado o cenário.

—Holt, é muito doce por haver tomado tantas providencias. Lamento ter dado a impressão de não apreciá-lo. Se queria que viesse esta noite para que fizéssemos amor...

—Não quero fazer o amor com você —amaldiçoou com ferocidade—. Claro que quero fazer o amor com você, mas não é isso. Estou tentando pedi-la em casamento, então quer fazer o favor de sentar e ficar quieta?

Como as pernas dela se derretessem, deslizou para a cadeira.

—Isto é perfeito —ele bebeu o resto do champanha e novamente começou caminhar—. Simplesmente perfeito. Tento lhe dizer que estou louco por você, que não acredito que possa viver sem você, e a única que sabe fazer você é me interrogar sobre minhas ações e um obsessivo ladrão de jóias.

—Sinto—com cautela, levou-se a taça aos lábios.

—E deveria sentir —conveio com amargura—. Estava preparado para ficar como um tolo por você, e nem sequer me permite isso. Estive apaixonado por você quase a metade de minha vida. Inclusive quando parti, não fui capaz de tirá-la de minha mente. Você estragou o resto das mulheres para mim. Quando começava a me aproximar de alguém... você aparecia e começava a comparar, e isso por que nunca consegui passar além de sua porta de serviço.

Apaixonado. Essa palavra dava voltas na cabeça da Suzanna. Apaixonado.

—Pensei que nem sequer gostasse de mim.

—Não podia lhe suportar —passou a mão livre pelo cabelo—. Cada vez que a olhava, desejava-a tanto que não podia respirar. Minha boca ressecava e sentia um nó no estômago, e você simplesmente sorria e seguia andando. Queria estrangula-la. Choca-se comigo, atira-me da moto e eu estou acostumado a sangrar e fico .. humilhado. Você está inclinada sobre mim, cheira ao paraíso e me percorre o corpo com as mãos para ver se tenho algo quebrado. Um minuto mais e a teria atirado sobre o asfalto comigo —passou a mão pelo rosto—. Deus, só tinha dezesseis anos.

—E me encheu de desaforos.

A expressão dele era um quadro de ira e desgosto.

—É obvio que a enchi de desaforos. Melhor isso que o que queria fazer —começava a acalmar-se, pouco a pouco—. Me convenci mesmo de que unicamente se tratava de uma fantasia de adolescente. Até que entrou em meu pátio. Olhei-a e minha boca voltou a ressecar-se e outra vez senti um nó no estômago. Já tínhamos deixado de ser adolescentes —deixou a taça ao mesmo tempo que notava que ela agarrava a suas com as duas mãos. Seus enormes olhos estavam cravados nele—. Suzanna, isto não me dá bem. Pensei que poderia conseguir. Já sabe, preparar a atmosfera. E depois de que tivesse bebido suficiente champanha, convenceria-a de que poderia faze-la feliz.

—Não necessito champanha e luz de velas, Holt —quis relaxar as mãos mas não pôde.

—Querida, nasceu para isso —sorriu um pouco—. Poderia metir e dizer que lhe darei isso todas as noites mas iria mentir.

Suzanna baixou a vista à taça e se perguntou se estava preparada para correr outra vez esse tipo de risco. Uma coisa era amá-lo, e que ele a amasse resultava incrível. Mas o matrimônio...

—Por que não me conta a verdade, então?

aproximou-se para sentar-se no braço do sofá e olhá-la.

—Amo-te. Não senti por ninguém o que sinto por você. Aconteça o que acontecer, nunca voltarei a sentir isto por ninguém. Não há forma de eliminar o que passou a ambos nos últimos anos, mas possivelmente possamos melhorar as coisas para nós. Para os meninos.

—Pode ser que não seja fácil. Bax sempre será seu pai legal.

—Mas não será ele quem os amará —quando os olhos da Suzanna se umedeceram, Holt moveu a cabeça—. Não vou usá-los para chegar até você. Sei que poderia, mas primeiro tem que ser entre você e eu. Eu me afeiçoei a eles e se quiser... penso que me poderia me dar muito bem como pai deles, mas não desejo que se case comigo por eles.

—Nunca quis voltar a amar —suspirou—. E sob nenhum conceito queria voltar a me casar. Até que apareceu você —deixou a taça a um lado e tomou a mão—. Não posso afirmar have-lo amado tanto tempo, mas você não poderia me amar como eu amo você.

Ele não se conformou com sua mão e a abraçou. Quando ao fim conseguiu separar a boca de seus lábios, enterrou a cara em seu cabelo.

—Não me diga que precisa pensar , Suzanna.

—Não preciso pensar —não recordava a última vez que seu coração e sua mente tivessem estado tão serenos—. Me casarei contigo —antes de que as palavras tivessem terminado de sair de sua boca, caiu com o Holt no sofá. Ria enquanto se tiravam a roupa, e seguia rindo quando os movimentos febris os fizeram cair ao chão—. Sabia —lhe mordiscou o ombro—. Me trouxeste para fazer amor.

—É minha culpa se for incapaz de manter suas mãos longe de mim? —beijou-lhe o pescoço.

Ela sorriu e inclinou a cabeça para lhe dar fácil acesso.

—Holt, de verdade pensou em me atirar ao chão quando caiu da moto?

—Quando me atropelou —corrigiu—. Sim. Deixa que te mostre o que tinha em mente.

Mais tarde se achavam no chão como bonecos de trapo, um matagal de extremidades. Quando pôde, Suzanna levantou a cabeça do peito do Holt.

—Foi melhor que não tenha feito isso há doze anos.

Com preguiça. ele abriu os olhos. Lhe sorria e a luz das velas brilhava em seus olhos.

—Muito melhor. Minhas costas se esfolariam.

—Sempre me assustou um pouco —se moveu para olhar para o rosto do Holt—. Parecia tão sombrio e perigoso. As garotas estavam acostumadas a falar de você...

—Sim? O que diziam?

—Voute dizer isso quando tiver sessenta anos —a beliscou, mas ela somente riu e apoiou a face na sua—. Quando tiver sessenta anos, seremos um casal velho com netos.

—E você continuará sem poder ficar com as mãos longe de mim.

—E o lembrarei da noite em que me pediu que me casasse com você, quando me deu de presente flores e luz de velas, para logo se enfurecer e gritar comigo, conseguindo que o amasse ainda mais.

 

—Suzanna —a aproximou mais, começou a ajustá-la sob seu corpo e então soltou um praga—. É por sua culpa —disse ao afastá-la.

—O que?

—Imaginei que fosse ficar sentada, aturdida por minha destreza romântica —lutou para desembaraçar os jeans e tirar o estojo do bolso—. Depois eu iria ficar de joelhos.

Com os olhos muito abertos, contemplou o estojo e em seguida o encarou.

—Não...!

—Sim. Ia me sentir como um idiota, mas ia faze-lo. Só você é a culpada pelo fato de estarmos tombados no chão, nus.

—Me trouxe um anel —sussurrou.

Impaciente com ela, Holt levantou a tampa.

—Não queria lhe dar de presente diamantes —encolheu os ombros ao receber silêncio. Suzanna continuava com a vista cravada no estojo—. Imaginei que já os tinha. Pensei em esmeraldas, mas as terá. E isto se parece mais com seus olhos.

Com visão imprecisa viu que havia diamantes, pequeninos e preciosos em forma de coração ao redor de uma safira intensa e brilhante. Não eram frios como os diamantes que tinha vendido, e sim davam calor ao intenso fogo azul que circundavam.

Holt observou a primeira lágrima cair com bastante desconforto.

—Se você não gostar, podemos trocá-lo. Pode escolher o que goste.

—É perfeito —afastou uma lágrima com o dorso da mão—. Sinto muito. Odeio chorar. Acontece que é tão lindo me dar de presente isto por que me ama. E quando colocar isso em mim... —olhou-o com olhos alagados—... serei sua.

Ficou de frente com Suzanna. Essas eram as palavras que tinha querido ouvir. As que precisava. Tirou o anel do estojo e o pôs.

—É minha —lhe beijou os dedos, logo os lábios—. Sou teu —voltou a aproximá-la e recordou as palavras de seu avô—. Eternamente.

 

Pela manhã Suzanna levou os meninos à loja. Não podia contar a notícia ao resto da família antes de verificar os sentimentos de Alex e Jenny. Era um dia brilhante e ensolarado. Ao chegar, dirigiu-se à estufa para verificar algumas flores.

Deixou-os discutir um momento sobre que flores seriam as maiores ou as melhores.

—Gostam de Holt? —perguntou de forma casual, com os nervos tensos.

—É legal —Alex se sentiu tentado a desviar o pulverizador sobre sua irmã, mas a última vez que o fez se colocou em problemas.

—Às vezes brinca conosco —interveio Jenny, que esperava impaciente seu turno— Eu gosto quando me atira para cima.

—Também gosto—Suzanna se relaxou um pouco.

—Ele a atira para o alto? —quis saber Jenny.

—Não —riu e lhe revolveu o cabelo.

—Poderia. Tem músculos grandes —a contra gosto, entregou o pulverizador a sua irmã—. Deixou tocar – Fez uma careta e tensionou os seus.

Para agradá-lo, Suzanna tocou os diminutos bíceps.

—Ora. Estão duros.

—É o que ele disse.

—Perguntava-me... —secou umas mãos nervosas sobre os jeans—. O que vocês achariam de tê-lo conosco o tempo todo?

—Seria estupendo —decidiu Jenny—. Brinca conosco inclusive quando não pedimos.

—Alex? —dirigiu-se a seu filho.

—Vai se casar, como C.C. e Amanda? —com o cenho franzido, o pequeno moveu os pés.

"Acabou a sutileza", pensou ela ao agachar-se.

—Estava pensando nisso. O que acham?

—Terei que voltar a pôr aquele horrível smoking?

—Provavelmente —sorriu e lhe acariciou a bochecha.

—Vai ser nosso tio, como Treny, Sloan e Max? —perguntou Jenny.

Suzanna se levantou para desligar o pulverizador antes de responder a sua filha.

—Não. Seria seu padrasto.

Os irmãos trocaram um olhar.

—E ele continuara gostande de nós?

—Claro que sim, Jenny.

—Teremos que ir morar em outra lugar?

—Não —suspirou e passou os dedos pelo cabelo de Alex—. Ou ele viveria conosco em Las Torres, ou iríamos viver em sua cabana. Seríamos uma família.

Alex meditou.

—Também seria padrasto do Kevin?

—Não —teve que beijá-lo, a mãe de Kevin é Megan, e possivelmente algum dia ela se apaixone e se case. Então Kevin terá um pai.

—Apaixonou-se pelo Holt? —inquiriu Jenny.

—Sim —sentiu que Alex se movia incômodo e sorriu—. Eu gostaria de me casar com ele para que todos pudéssemos viver juntos. Mas tanto Holt como eu queríamos saber o que vocês pensavam.

—Eu gosto dele —anunciou Jenny—. Me deixa montar sobre seus ombros.

Alex encolheu os ombros, um pouco mais precavido.

—Acho que está tudo bem.

Preocupada, Suzanna levantou.

—Podemos falar disso um pouco mais. Vamos arrumar a loja.

Saíram da estufa enquanto Holt se metia no estacionamento de cascalho. Sabia que havia dito a Suzanna que esperaria até o meio-dia, mas não tinha sido capaz. Despertou sentindo que preferiria entrar em outro beco antes que enfrentar-se a aqueles dois meninos que com tanta facilidade podiam rechaçá-lo. Colocou as mãos nos bolsos e tratou de aparentar indiferença.

—Olá.

—Olá —Suzanna quis abraçá-lo, mas seus filhos retinham suas mãos.

—Pensei em dar uma volta por aqui e ... como vai tudo?

Jenny lhe ofereceu um sorriso tímido e se agarrou mais a sua mãe.

—Mamãe diz que vão se casar, que será nosso padrasto e viverá conosco.

Holt teve que conter a vontade de mover os pés.

—Esse é o plano.

Alex apertou os dedos de Suzanna enquanto olhava para Holt.

—Vai gritar com a gente?

Depois de olhar um instante para Suzanna, Holt se agachou até ficar à altura do pequeno.

—Talvez. Se precisarem.

Alex confiou na veracidade da resposta mais do que teria feito uma negativa absoluta.

—Bater? —recordou os socos que tinha recebido durante as férias. Tinham-no insultado mais que doído, mas ainda o incomodavam.

Holt pôs a mão sob o queixo do pequeno e a manteve com firmeza.

—Não —respondeu, e a expressão dos olhos fez que Alex acreditasse—. Mas é possível que lhes pendure pelos polegares ou que lhes meta em azeite fervendo. Se me enfurecer de verdade, porei-lhes sobre um formigueiro.

Alex teve vontade de sorrir, mas ainda não tinha terminado com o interrogatório.

—Vai fazer mamãe chorar como ele?

—Alex —começou Suzanna, mas Holt a interrompeu.

—Talvez em alguma ocasião, se for um estúpido. Mas não de propósito. A amo muito, assim quero fazê-la feliz. Às vezes talvez o magoe.

Alex franziu o cenho e pensou.

—Tambem vão se beijar a toda hora? Desde que Trent, Sloan e Max chegaram, sempre se vêem beijos.

—Sim —Holt relaxou e sorriu—. vou beijar sim.

—Mas você não gostará de faze-lo, né?—aventurou Alex com esperança—. O fará somente porque a mamãe gosta.

—Sinto muito, mas eu gosto também.

—Céus —murmurou o pequeno, derrotado.

—Então beijem agora —Jenny dançou e riu entre dentes—. Beijem agora para que possa ver.

Desejoso de agradá-la, ergueu-se e se aproximou de Suzanna. Quando separou os lábios dos dela, Alex estava ruborizado e Jenny aplaudia.

—Odeio lhe dizer isso - comentou Holt sério—, mas um dia você também vai gostar.

—Mmm. Antes prefiro comer terra.

Rindo, Holt o levantou nos braços e se sentiu aliviado e encantado quando Alex lhe passou um braço ao redor do pescoço.

—Diga-me isso em dez anos.

—Eu gosto—insistiu Jenny, agarrando sua calça—. Eu gosto agora. Me beije —ele a elevou com seu outro braço e beijou seus lábios diminutos . Ela sorriu com expressão jubilosa em seus enormes olhos azuis—. Você beijou mamãe de maneira diferente.

—Isso se deve ao fato dela ser a mamãe e você a pequena.

Jenny gostava do modo que ele cheirava , como a sustentava em seu braço. Quando lhe acariciou a face, sentiu-se um pouco decepcionada de que esse dia estivesse suave.

—Posso chamá-lo papai? —perguntou, fazendo que o coração de Holt quase saltasse do peito.

—Eu... ãh... claro. Se você quiser.

—Papai é para bebês —comentou Alex aborrecido—. Mas pode ser pai.

—De acordo —olhou para Suzanna—. De acordo.

Holt desejou ter podido passar o dia com eles, mas havia coisas que fazer. Nesse momento tinha uma família, algo que ainda o assustava, e pretendia protegê-la. Já tinha chamado a seus contatos de Portland e aguardava a verificação dos quatro nomes da lista do Trent. Enquanto esperava, chamou o Departamento de Tráfico, e o escritório de crédito e da Fazenda, fazendo um pouco de pressão ao dar seu antigo número de registro .

Entre informação e instinto, reduziu a dois os quatro nomes. Enquanto esperava que lhe devolvessem uma chamada, leu outra vez o diario de seu avô.

Entendia os sentimentos que havia sob as palavras, a saudade, a devoção. Entendia a ira que havia sentido seu avô ao inteirar-se de que a mulher a que amava tinha sofrido abuso nas mãos do homem com o que se casou. Perguntou-se se era coincidência ou destino que sua relação com a Suzanna tivesse tantas similitudes com a de seus antepassados. Ao menos nessa ocasião a história teria um final feliz.

"Os diamantes de Suzanna", pensou, batendo os dedos sobre as folhas. "As esmeraldas de Bianca". Suzanna tinha escondido suas jóias, o único objeto material que acreditava que lhe correspondia pelo matrimônio, como segurança para seus filhos. Tinha que acreditar que Bianca fazia o mesmo.

"Então, onde Bianca as escondeu?", perguntou-se.

Quando soou o telefone, respondeu ao primeiro toque. Antes de desligar, já não albergou dúvidas de que tinha descoberto a seu homem. Entrou no dormitório e verificou sua arma. A ajustou à pantorrilha.

Quinze minutos mais tarde, caminhava por entre o caos da ala oeste. Encontrou Sloan no que era uma suíte de dois níveis quase acabada. Com um cinturão para ferramentas e jeans, fiscalizava a construção de uma nova escada.

—Não sabia que os arquitetos brandiam martelos —comentou Holt.

—Tenho um interesse pessoal —Sloan sorriu.

—Quem é Marshall? —perguntou, olhando ao grupo de operários.

Alertado, Sloan se desabotoou o cinturão.

—Está no andar superior.

—Eu gostaria de manter um bate-papo com ele.

—Acompanharei-o —esperou até que ficaram fora do alcance auditivo dos homens—. Acredita que é ele?

—Robert Marshall não solicitou um carteira de conduzir de Maine até seis meses atrás. Jamais pagou impostos com o nome e o número da segurança social que está usando. Não está acostumado a verificar o Departamento de Tráfico ou da Fazenda quando se contrata a alguém.

Sloan amaldiçoou e flexionou os dedos. Ainda podia ver Amanda correr pela terraço perseguida por um homem armado.

—Serei o primeiro.

—Compreendo o sentimento, mas terá que contê-lo.

Sloan fez um sinal para o capataz.

—Marshall? —perguntou com brevidade.

—Bob? —o capataz tirou um lenço para secar o pescoço—. Acaba de sair. Disse para levar Rick ao pronto socorro. Ele cortou o polegar e precisava de pontos.

—Há quanto que se foi?

—Uns vinte minutos, suponho. Disse-lhes que tomassem o resto do dia livre, já que pararemos às quatro— voltou a guardar o lenço—. Algum problema?

—Não —Sloan conteve seu mau humor—. Me faça saber como se encontra Rick.

—Claro —gritou a um dos carpinteiros e partiu.

—Preciso um carro—disse Holt.

—Trent se encarrega dos papéis —partiram dali—. Vai entrega-lo ao tenente Koogar?

—Não —repôs simplesmente.

—Bem.

Deram com o Trent no escritório que tinha montado na planta baixa, tinha umas pastas perto e falava por telefone. Observou-os aos dois.

—Voltarei a chamar —disse ao telefone antes de desligar—. Quem é?

—Usa o nome do Robert Marshall —Holt tirou um cigarro—. O capataz o deixou sair mais cedo. Quero um carro.

Sem dizer nada, Trent se dirigiu a um arquivo para tirar uma pasta.

—Max está lá em cima. Ele também participa disto.

—Então vá buscá-lo —Holt repassou a pasta do Marshall—. O faremos juntos.

O apartamento que Marshall tinha alugado era no suburbio. Uma mulher encurvada abriu a porta ao terceiro golpe ensurdecedor do Holt.

—O que? O que? —demandou—. Não quero nenhuma enciclopédia nem aspirador.

—Procuramos o Robert Marshall —explicou Holt.

—Quem? Quem? —esquadrinhou-o através dos cristais grossos de seus óculos.

—Robert Marshall —repetiu.

—Não conheço nenhum Marshall —grunhiu—. Há um McNeilly na porta do lado e um Mitchell abaixo, mas nenhum Marshall. Tampouco me interessa comprar nenhum seguro.

—Não vendemos nada —indicou Trent com sua voz mais paciente—. Procuramos um homem chamado Robert Marshall que vive nesta direção.

—Já lhes disse que não há nenhum Marshall. Eu moro aqui há quinze anos, desde que esse homem inútil com o que me casei faleceu e me deixou sozinha com dívidas. O conheço —disse de repente, apontando para Sloan com um dedo magro—. Vi sua foto no jornal —desviou a mão para uma mesa que havia junto à porta e agarrou um suporte de livros de ferro—. Roubou um banco.

—Não, senhora. Casei-me com a Amanda Calhoun.

A mulher sustentou o suporte de livros enquanto refletia.

—Uma das garotas Calhoun. É mesmo. A mais jovem... não, essa não, a seguinte —satisfeita, deixou o suporte de livros na mesa—. Bom, o que querem?

—Ao Robert Marshall —repetiu Holt—. Deu este edifício e este apartamento como seu endereço.

—Então é um mentiroso ou um idiota, pois vivo aqui desde que o inútil de meu marido pegou pneumonia e morreu. Hoje aqui, e amanhã não —estalou os dedos—. Pouco perdi.

Pensando que era um beco sem saída, Holt olhou ao Sloan.

—Lhe dê uma descrição.

—Tem uns trinta anos, um metro oitenta de altura, magro, cabelo negro até os ombros, bigode cheio.

—Não o conheço.

—Deixe comigo —interveio Max e descreveu ao homem ao que tinha conhecido como Ellis Caufield.

—Parece meu sobrinho. Vive no Rochester com sua segunda mulher. Vende carros usados.

—Obrigado — Holt não surpreendeu que o ladrão tivesse dado um endereço falso, mas estava irritado. Ao sair do edifício, tirou uma moeda de 25 centavos.

—Suponho que teremos que sperar até manhã —dizia Max—. Não sabe que o buscamos, assim aparecerá pelo trabalho.

—Já estou farto de esperar —se dirigiu a uma cabine Telefônica. Depois de colocar a moeda, discou um número—. Sou o detetive Bradford, do departamento de polícia do Portland, distintivo número 7375. Necessito de uma verificação —deu o telefone que aparecia na pasta do Marshall. Logo esperou com a paciência de um policial enquanto a operadora punha em marcha seu computador—. Obrigado —desligou e se voltou por volta dos três homens—. Bar Island —informou—. Iremos em meu barco.

Enquanto seus homens se preparavam para cruzar a bahia, as mulheres Calhoun se reuniam na torre de Bianca.

—E bem —começou Amanda, com bloco de papel de notas e lápis—. O que é o que sabemos?

—Trent esteve verificando as pastas pessoais —contribuiu com C.C.—. Afirmou que havia algum problema com a retenção de impostos, mas é mentira.

—Interessante —murmurou Lilah—. Esta manhã Max me impediu de ir à ala oeste. Minha intenção era ver como estavam as coisas, ele me deu todo tipo de desculpas brandas como o fato de não querer distrair os homens enquanto trabalhavam.

—E Sloan guardou algumas pastas em uma gaveta, e não me deixou ver —Amanda bateu o bloco de papel com o lápis—. Se estão verificando aos operários, o que será que estão nos escondendo?

—Acredito que tenho uma idéia —comentou Suzanna. Pensei nisso o dia todo—. Ontem à noite me inteirei de que tinham entrado na cabana do Holt para espionar—as três a metralharam de perguntas—. Esperem —elevou uma mão—. Holt estava irritado comigo, razão pela que saiu o tema. O qual o irritou ainda mais. Mas me contou, porque queria me assustar para que me inteirasse, que tinha sido Livingston.

—O que significa —concluiu Amanda— que nosso velho amigo sabe que Holt está relacionado com o assunto. Quem mais sabe além de nós? —a sua maneira organizada, começou a apontar nomes.

—Oh, esquece isso —indicou Lilah com um movimento displicente da mão—. Ninguém sabe salvo a família. Nenhum de nós mencionou a ninguém mais.

—Possivelmente o averiguou da mesma maneira que Max fez—sugeriu C.C.—. Pela biblioteca.

—É possível —Amanda o apontou—. Mas tem os papéis há semanas. Quando entrou na cabana do Holt?

—Faz um algumas semanas, mas não acredito que tenha realizado a conexão dessa maneira. Acredito que a obteve de nós.

Produziu-se uma discussão instantânea. Suzanna ficou de pé e ergueu ambas as mãos para cortá-la.

—Escutem, já acordamos que ninguém falou que sobre isso fora da casa. E conviemos que os homens tentam evitar que nos inteiremos de que estão investigando os operários. O que significa...

—O que significa —interrompeu Amanda e fechou os olhos—, que o canalha trabalha para nós. É como uma mosca na parede, que pode conseguir pequenas peças de informação, dar uma olhada pela casa. Estamos tão acostumados a ver operários, que não lhe daríamos uma segunda olhada.

—Acredito que Holt já chegou a essa conclusão —Suzanna voltou a levantar as mãos—. A questão é, o que fazemos a respeito?

—Amanhã vamos verificar os operarios e visitar a obra —Lilah se ergueu no mirante—. não sei que aspecto terá adotado desta vez, mas o conhecerei se me aproximar o suficiente —resolvido esse tema, voltou a recostar-se—. E agora, Suzanna, por que não nos contas quando o menino mau Bradford a pediu em casamento?

—Como sabia? —Suzanna sorriu.

—Mesmo sendo um ex-polícial, tem bom gosto nas jóias —tomou a mão de sua irmã para exibi-la ante as outras mulheres.

—Ontem à noite —respondeu enquanto a abraçavam e beijavam—. Esta manhã dissemos aos meninos.

—A tia Cody vai subir pelas paredes —C—C. apertou o ombro da Suzanna—. As quatro casadas em questão de meses. Estará no céu das celestinas.

—A única coisa que precisamos agora é colocar esse doente detrás das grades e encontrar as esmeraldas —Amanda secou uma lágrima—. Oh, não! Dão conta do que significa isto?

—Que terá que organizar outro casamento—respondeu Suzanna.

—Não só isso. Significa que vamos ter que ficar com a tia Colleen até que acabem os casamentos.

Holt retornou às Torres de mau humor. Tinham dado com a casa vazia. Não tiveram dúvidas de que Livingston vivia ali. Tinha entrado com sigilo para inspecionar o lugar com meticulosidade. Tinham encontrado os papéis Calhoun roubados, as listas que tinha feito o ladrão e uma cópia dos plantas originais de Las Torres.

Também tinham localizado uma cópia datilografada da agenda semanal de cada uma das mulheres, junto com comentários manuscritos que não deixavam dúvidas sobre o fato de que Livingston tinha seguido e observado cada uma delas. Havia um inventario dos cômodos que tinha inspecionado e dos artigos que considerava valiosos o bastante para roubar.

Tinham esperado uma hora por sua volta, logo, incômodos por ter deixado às mulheres sozinhas, transmitiram a informação a Koogar. Enquanto a polícia submetia a vigilância a casa alugada de Bar Island, Holt e seus companheiros retornaram às Torres.

Agora só tinham que esperar. Era algo que tinha aprendido a fazer bem durante seus anos no departamento de polícia. Mas nesse momento não se tratava de um trabalho, e cada momento o crispava mais.

—Oh, meu querido rapaz —Cody voou para ele ao entrar na casa.

A sustentou pelos robustos quadris enquanto ela o enchia de beijos.

—Ah... —foi a única coisa que pôde dizer enquanto a mulher chorava sobre seu ombro. Notou que seu cabelo já não era negro, mas sim de um vermelho fogo—. O que fez ao seu cabelo?

—OH, era hora de mudar —recurou a fim de limpar o nariz com o lenço que levava na mão, para logo voltar a cair em seus braços.

Impotente, Holt lhe acariciou as costas e olhou para os homens sorridentes que o rodeavam em busca de ajuda.

—Ficou bonito seu cabelo —assegurou, perguntando-se se chorava por isso—. De verdade.

—Você gosta? —voltou a afastar-se e o olhou—. Pensei que precisava de um toque divertido, e o vermelho é tão charmoso —enterrou a cara no lenço empapado—. Sou tão feliz —soluçou—. Tão feliz. Verdade, já tinha esperado por isso. E as folhas de chá indicavam que funcionaria, embora não pudesse evitar a preocupação. Ela sofreu tanto, e também seus doces e pequenos filhos. Agora tudo vai sair bem. Pensei que poderia ser Trent, mas C.C. e ele formavam um casal tão perfeito. Logo Sloan e Amanda. Depois, quase antes de que pudesse piscar, nosso queridos Max e Lilah. É estranho que me sinta afligida?

—Suponho que não.

—E pensar que faz tantos anos você trazia lagostas à entrada de serviço. E naquela ocasião em que trocou para mim uma roda de meu carro e foi muito orgulhoso para deixar que lhe desse uma comepnsação. E agora, agora, vai se casar com minha pequena.

—Felicidades —Trent sorriu e bateu nas costas do Holt enquanto Max tirava um lenço seco para Cody.

—Bem-vindo à família —Sloan ofereceu uma mão—. Imagino que sabe no que te está entrando.

—Começo a compreendê-lo —repôs Holt enquanto estudava à chorosa Cody.

—Deixem de dar tantos miados —Colleen desceu pela escada—. Podia ouvir suas choramingações até em meu quarto. Pelo amor do céu, leve esse arbusto de cabelo vermelho à cozinha —indicou com a bengala—.Dêem chá até que recupere a prudência. Fora, todos vocês —acrescentou—. Quero falar com este moço.

"São como ratos abandonando um navio que se afunda", pensou Holt enquanto o deixavam sozinho. Colleen lhe indicou que o seguisse e se dirigiu ao salão.

—Então acha que vai se casar com minha sobrinha neta.

—Não. Vou casar me com ela.

—Vou lhe dizer uma coisa, se não se comportar melhor que esse lixo com a que se casou a primeira vez, responderá ante mim —se sentou, contente com a reação do jovem—. Quais são seus planos?

—Meus o que?

—Planos —repetiu com impaciência—. Nem sonhe que vai herdar meu dinheiro quando se casar com ela.

Ele entrecerrou os olhos, o que a satisfez ainda mais.

—Pode pegar seu dinheiro e ...

—Muito bem —assentiu com aprovação—. Como pensa mantê-la?

—Ela não precisa que a mantenham. E não necessita que você nem ninguém mais se meta em suas assuntos. Tem se saído muito bem por sua conta, melhor que bem. Saiu do inferno e conseguiu recompor sua vida, cuidar de seus filhos e iniciar um negócio. A única que vai mudar é que vai deixar de matar-se de trabalhar, e os meninos terão alguém que quer ser seu pai. Pode ser que eu não seja capaz de lhe dar diamantes nem levá-la a festas sofisticadas, mas a farei feliz.

Colleen bateu os dedos sobre o punho da bengala.

—Fará-o. Se seu avô se parecia um pouco com você, compreendo porque minha mãe o amava. Então... —foi levantar se, mas nesse momento viu o retrato sobre o suporte. Onde tinha estado a cara severa de seu pai se via a beleza de sua mãe—. O que faz isso aí?

Holt colocou as mãos nos bolsos.

—Pareceu-me que esse era seu lugar natural. É onde meu avô teria querido que estivesse.

—Obrigado —deixou-se cair outra vez na poltrona. Tinha a voz abafada, mas seu olhar permanecia intenso—. E agora saia. Quero ficar sozinha.

Deixou-a, surpreso de ver que começava a afeiçoar-se a ela. Embora não desejasse participar de outra cena, foi à cozinha perguntar a Cody onde podia encontrar Suzanna.

Mas ele mesmo a encontrou seguindo a música que chegava até o saguão. Estava sentada ao piano e tocava uma melodia cativante que Holt não reconheceu. Embora a música fosse triste, Suzanna sorria. Quando ela ergueu o olhar, seus dedos ficaram quietos, mas não perdeu o sorriso.

—Não sabia que tocava o piano.

—Todas recebemos aulas. Eu fui a única que continuou estudando—tomou a mão de Holt—. Esperava que tivéssemos um momento a sós, para que pudesse lhe dizer como foi maravilhoso esta manhã com os meninos.

Sem lhe soltar os dedos, estudou o anel que tinha lhe dado.

—Estava nervoso —riu um pouco—. Não sabia como iam reagir. Quando Jenny me perguntou se podia me chamar papai... é maravilhosa a rapidez que se pode apaixonar. Acredito que agora compreendo o que sentiria um pai e o que faria para garantir que seus filhos estivessem a salvo. Eu gostaria de ter mais. Sei que precisará pensar, e não quero que pense que Jenny e Alex vão importar menos para mim.

—Não tenho que pensar - beijou sua face —. Sempre quis ter uma família grande.

Abraçou-a e Suzanna apoiou a cabeça em seu ombro.

—Suzanna, sabe onde era o quarto dos meninos quando Bianca vivia aqui?

—No segundo andar desta ala. Agora usamos como armazém —se ergueu—. Acredita que escondeu o colar ali?

—Acredito que o escondeu em algum lugar onde Fergus não olharia. E não imagino passando muito tempo no quarto dos meninos.

—Não, mas o lógico é que alguém o tivesse encontrado. Não sei por que digo isso —corrigiu—. O lugar está cheia de caixas e móveis velhos.

Era pior do que ele tinha imaginado. Era um desastre, inclusive passando por cima das teias de aranha e o pó. Caixas, tapetes enrolados, mesas rotas, abajures sem telas, isso e mais cobria cada centímetro de espaço. Mudo, voltou-se para a Suzanna, que lhe sorriu com acanhamento.

—Acumulam-se muitas coisas em oitenta anos —o informou—. Quase tudo que era valioso já vou tirado, e muito se vendeu quando estávamos... bom, quando as coisas eram difíceis. Esta janela permaneceu fechada muito tempo, já que não podíamos nos permitir o luxo de ter calefação aqui.

—Será melhor que comecemos.

Trabalharam durante duas fatigantes e poeirentas horas. Encontraram um guarda-sol quebrado, uma assombrosa coleção de objetos eróticos do século dezenove, um baú cheio de roupa mofada dos anos vinte e uma caixa cheia de brinquedos, uma locomotiva em miniatura e uma boneca de trapo triste e descolorida. Entre essas coisas havia uns bonitos contos de fadas que Suzanna separou.

—Não acredito que Fergus tinha a casa muito organizada depois da morte da Bianca. Algumas destas coisas pertenciam a seus filhos, a baba deve ter arrumado tudo. Ele não se importava.

—Sim —lhe tirou uma teia de aranha do cabelo—. Por que não descansa um pouco?

—Estou bem.

Era inútil lhe recordar que estava trabalhando durante todo o dia, de modo que empregou outra tática.

—Eu gostaria de beber algo. Acredita que Cody terá algo frio na geladeira... e possivelmente um sanduiche para acompanhá-lo?

—Claro. irei ver.

Sabia que sua tia insistiria em preparar o lanche, por isso Suzanna disporia desse momento para sentar-se e não fazer nada.

—Que sejam dois —acrescentou, lhe dando um beijo.

—Bem —se levantou e se estirou—. É triste pensar nesses três meninos, deitados aqui sabendo que sua mãe nunca mais voltaria a agasalhá-los. Falando nisso, será melhor que vá agasalhar os meus antes de voltar aqui.

—Lev o tempo que quiser —já tinha começado a abrir outra caixa.

Saiu sentindo-se melancólica pelos filhos de Bianca. O pequeno Seam, que logo que engatinharia então; Ethan, que cresceria para ser pai de seu pai, e Colleen, que nesse momento se achava abaixo sem dúvida questionando algo que tinha feito Cody. Não sabia como alguma vez tinha sido uma pequena doce...

"Uma pequena". pensou, detendo-se no patamar do primeiro andar. A filha maior teria tido cinco ou seis anos quando sua mãe morreu. Trocou de direção e bateu na porta de sua tia avó.

—Entre, maldição. Não penso em me levantar.

—Tia Colleen —entrou, divertida ao ver que a anciã se achava enrodilhada lendo uma novela romântica—. Lamento te incomodar.

—Por que? Ninguém mais o lamenta.

Suzanna se mordeu a língua.

—Queria saber se o verão... aquele último verão, ficava no quarto dos meninos com seus irmãos?

—Não era um bebê; podia ter meu proprio quarto.

—Era perto do quarto de seus irmãos? —insistiu, tentando conter o entusiasmo.

—Na outra extremidade desta ala. Estava o quarto dos meninos, a da babá, o quarto de banho dos meninos, e os três dormitórios que se reservavam para filhos de convidados. Meu quarto era no alto da escada —observou o livro carrancuda—. O verão seguinte passei para um dos quartos de convidados. Não queria dormir no quarto que minha mãe tinha decorado para mim, sabendo que jamais voltaria a entrar para ver-me.

—Sinto muito. Quando Bianca te contou que iam, o fez em seu quarto?

—Sim. Deixou que escolhesse algum de meus vestidos favoritos, logo foi ela quem os guardou na mala.

—Suponho que depois... voltariam a tirá-los.

—Nunca mais usei aqueles vestidos. Não quis fazê-lo. Coloquei-os no baú sob minha cama.

—Compreendo —havia esperança—. Obrigado.

—Estarão devorados pelas traças —grunho Colleen quando Suzanna partia. Pensou em seu vestido favorito de musselina branca com bandagem de cetim azul e com um suspiro saiu a caminhar pelo terraço.

Suzanna subiu as escadas à carreira. Os sanduichees teriam que esperar. Empurrou a porta do velho dormitório de Colleen. Também tinha sido escolhido para armazenar coisas, por ser menor que o quarto dos meninos, achava-se menos cheio.

Não se incomodou com as caixas. Procurava um baú de viagem, adequado para uma menina pequena. "Que melhor lugar que esse?", pensou enquanto afastava uma caixa com a etiqueta de "Cortinas de Inverno". Fergus não tinha se importado com sua filha, em particular quando o dito baú tinha sido guardado por uma menina traumatizada.

Sabia que podia estar em qualquer parte. Mas o melhor lugar para começar para buscá-lo era sua fonte original.

O coração palpitou com força quando deu com um baú velho com correias de couro. Abriu-o e encontrou cilindros de tecido envoltos em papel fino. Mas nenhum vestido de menina. Nem esmeraldas.

Como a luz ia minguando, levantou-se e se dirigiu para a porta. antes de continuar chamaria Holt e procuraria uma lanterna. Na penumbra, bateu a perna com tudo em algo duro.Amaldiçoando, abaixou o olhar e viu o baú.

No passado tinha sido de um branco resplandecente, mas nesse instante se via apagado pelo pó e tempo. Umas caixas empilhadas em cima quase o ocultavam. ajoelhou-se à luz tênue e o limpou. Dobrou os dedos trementes e o abriu.

Invadiu-a o aroma a lavanda, selada no interior possivelmente décadas. Elevou o primeiro vestido, um objeto de musselina branca com volantes, com uma descolorida bandagem azul à cintura. Depositou-o com cuidado a um lado e tirou outro. Havia meias-calças e cintas, laços bonitos e uma camisola com laços. E ali no fundo, junto a um ursinho de pelúcia, um estojo e uma caixa.

Levou-se uma mão trêmula aos lábios e devagar a baixou para levantar o livro.

"Seu diario", pensou enquanto as lágrimas lhe nublavam os olhos. O diário da Bianca. Quase sem respirar, passou a primeira página.

 

Bar Harbor, Maine. 12 de junho de 1912

Vi-o sobre os penhascos que davam ao Frenchman Bay

 

Soltou o ar e apoiou o livro no colo. Não era algo que devesse ler sozinha. Esperaria até que toda a família estivesse reunida. Com o coração saltando no peito, introduziu a mão para erguer o estojo. Com olhos úmidos o abriu e descobriu as esmeraldas de Bianca.

Pulsavam como gotas de águas verdes, cheias de paixão e vida. Levantou o colar, suas três fileiras gloriosas e sentiu o calor nas mãos. Oculto durante oitenta anos, com esperança e desespero, nesse momento era livre. A penumbra da habitação não era rival para suas pedras.

Ao ajoelhar-se com o colar pendurando sobre os dedos, colocou a mão no estojo e tirou os brincos . Virtualmente os tinha esquecido. Eram lindos, perfeitos, mas o colar dominava.

Aturdida, contemplou o poder que havia em suas mãos. Compreendeu que não era somente jóias. Distavam muito de ser unicamente pedras bonitas. Representavam a paixão, a esperança e os sonhos de Bianca. Do momento que guardou o estojo até nesse instante, quando as tinha encontrado uma de seus descendentes, tinham aguardado até voltar a ver a luz.

—Oh, Bianca.

—Que visão maravilhosa.

Ergueu a cabeça com brutalidade para ouvir a voz. Achava-se na soleira, pouco mais que uma sombra. Quando entrou no quarto, viu o brilho da pistola que sustentava na mão.

—A paciência dá seus frutos —disse Livingston—. Vi você e o policial entrando no quarto do outro lado do corredor. Perdi muitas horas de sonho para investigar estes quartos de noite.

Olhou-o fixamente enquanto se aproximava. Não se parecia com o homem que Suzanna recordava. A cor de cabelo não era a mesma, tampouco a forma do rosto. Levantou-se muito devagar, segurando o diario e os brincos em uma mão e o colar na outra.

—Não me reconhece. Mas eu te conheço. Conheço todos vocês. É Suzanna, uma das mulheres Calhoun que tanto me devem.

—Não sei do que está falando.

—Três meses de meu tempo, e mais alguns problemas. Depois está a perda do Hawkins, certamente. Não era um grande sócio, mas era meu. Igual a elas são minhas —baixou a vista às esmeraldas e sentiu-se salivar

Deslumbraram-no. Eram mais que o que tinha sonhado e imaginado. Eram tudo o que queria. Os dedos que empunhavam a arma tremeram um pouco ao estemder a mão. Suzanna se afastou. O homem arqueou uma sobrancelha—. De verdade acredita que vai poder me negar isso? Seu destino é ser minhas. E quando assim for, tudo o que são e representam será meu —se aproximou mais e, enquanto ela procurava a melhor maneira de fugir, a agarrou-a pelo cabelo—. Algumas pedras têm poder —lhe explicou com suavidade—. A tragédia entra nelas e as fortalece. A morte e a dor as aviva. Hawkins não compreendeu isso, mas se tratava de um homem simples.

—O colar pertence aos Calhoun —afirmou ela, dando-se conta de que enfrentava a um louco—. Sempre foi assim e sempre o será.

Ele a sacudiu com força. Suzanna teria gritado, mas nesse instante ele lhe cravou o canhão da arma no pescoço.

—Pertencem-me . Porque fui bastante inteligente e paciente para aguardar que caísse em minhas mãos. Assim que li sobre o colar soube. E esta noite em fim é minha.

Suzanna não sabia que teria feito, se lhe entregaria ou tentaria raciocinar. Mas nesse momento sua pequena apareceu na porta.

—Mami —a voz tremia enquanto esfregava os olhos —. Há trovões e chove. Quando tem trovões você vem para meu quarto.

Aconteceu depressa. Ele se voltou com a arma. Com todas suas forças, Suzanna o empurrou para lhe bloquear a visão.

—Corre! —gritou para Jenny—. Va procurar Holt —o empurrou e correu atras de sua filha. Teve que tomar uma decisão ao chegar a porta. Assim que viu que Jenny girava à direita e, isso esperava, à segurança, ela se lançou na direção oposta.

Disse-se que o outro a seguiria a ela, não a sua filha. Porque ainda tinha o colar. A seguinte decisão teve que tomá-la ao chegar à escada. Baixar para ir de encontro a sua família e submetê-la ao mesmo risco em que se encontrava ela ou subir, e estar sozinha.

Achava-se a metade de caminho da ascensão quando o ouviu persegui-la. sobressaltou-se quando uma bala impactou no estuque a centimêtros de seu ombro.

Sem ar, continuou subindo, e nesse instante ouviu os trovões que tinham assustado Jenny. Seu único pensamento era pôr tanta distância como fosse possível entre esse louco e sua filha. Suas pegadas ressonaram nos degraus metálicos da escada que conduzia à torre da Bianca.

Ao sentir os dedos dele no tornozelo, soltou um grito de terror e fúria e deu uma patada para liberar-se, logo concluiu a subida para encontrar que a porta estava fechada. Esteve a ponto de chorar ao lançar o peso de seu corpo contra a grosa madeira. Cedeu com dolorosa lentidão, logo lhe permitiu cair em seu interior. Mas antes de poder fechá-la, ele conseguiu transpo-la.

Suzanna se preparou para o pior, convencida de que em segundos sentiria a bala. O outro ofegava, suava e tinha os olhos frágeis. Um tic lhe movia a comissura dos lábios.

—De-me isso - a arma tremia ao aproximar-se. O resplendor de um relâmpago fez que olhasse com expressão selvagem em torno da habitação em penumbra—. Me de isso agora.

Ela compreendeu que o ladrão tinha medo. Desse quarto.

— Já esteve aqui antes.

Assim era, e tinha fugido apavorado. Havia algo naquele lugar, algo que odiava. Rastejava como gelo por sua pele.

—Me dê o colar e os pendentes ou a matarei.

—Esta era seu quarto —murmurou Suzanna, sem tirar os olhos de cima dele —. O quarto de Bianca. Morreu quando seu marido a atirou por essa janela —incapaz de resistir, ele olhou para o vidro, logo afastou a vista—. Segue vindo aqui, para esperar e contemplar os penhascos —ouviu, tal como tinha sabido que aconteceria, os passos do Holt subindo a toda carreira—. Agora mesmo está aqui. Tome —estendeu as esmeraldas—. Mas não vai deixar que parta com elas.

O rosto do ladrão estava branco como os ossos e o banhava uma camada de suor quando estendeu a mão para as jóias. Tomou o colar, mas em vez do calor que tinha sentido Suzanna, só experimentou frio. E terror.

—Agora são minhas —estremeu.

—Suzanna —murmurou Holt da porta—. Afaste-se dele —sustentava sua arma com ambas as mãos—. Afaste-se —repetiu—. Devagar.

Ela retrocedeu um passo, logo dois, mas Livingston não prestou atenção. Passava a mão que empunhava a arma pelos lábios ressecados.

—Acabou—disse Holt—. Solte a arma e afaste-a de você com o pé —mas Livingston seguia contemplando o colar com respiração entrecortada—. Solte-o —Holt se aproximou—. Saia daqui, Suzanna.

—Não, não penso em deixá-lo.

Não tinha tempo para amaldiçoar. Embora estivesse preparado para matar, viu que o homem não se preocupava com a arma que o apontava nem com a idéia de fugir. Só observava as esmeraldas e tremia.

Holt estendeu a mão para agarrar a mão do outro que sustentava a arma.

—Acabou—repetiu.

—São meus —selvagem pela ira e o medo, Livingston deu um salto.

Disparou uma vez para o teto antes que Holt o desarmasse. Inclusive então se debateu, mas a luta foi breve. Ao soar o seguinte trovão, emitiu um uivo no momento em que outros entravam no quarto. Desorientado ou apavorado, aturdido pelo murro que Holt lhe havia dado no queixo ou fora de sua consciência, virou-se e correu.

Ouviu-se o estrépito do vidro quebrando-se. Logo um som que Suzanna jamais esqueceria. O grito de um homem assustado. Quando Holt saltou atrás dele com a intenção de salvá-lo, Livingston atravessou a janela quebrada e caiu sobre as rochas banhadas pela chuva.

—Deus meu —Suzanna pressionou as costas à parede, com as mãos sobre a boca para evitar seus próprios gritos. Havia braços a seu redor e vozes misturadas. Sua família entrou no quarto. Agachou-se junto a seus filhos e lhes encheu a cara de beijos—. Não foi nada —os tranqüilizou—. Já terminou tudo. Não há nada que temer —ergueu os olhos para o Holt. Olhava-a com o espaço negro a suas costas, o resplendor das esmeraldas a seus pés—. Tudo está bem. Levarei-os lá para baixo.

—Levaremo-los abaixo —Holt embainhou a pistola.

Uma hora mais tarde, quando os meninos dormiam outra vez tranqüilos, tirou-a do abraço e a levou ao terraço. Todo o medo e a fúria que havia sentido desde que Jenny tinha aparecido correndo e gritando pelo corredor se manifestaram nesse momento.

—Que diabos acreditava que fazia?

—Tinha que mantê-lo longe de Jenny —pensou que estava calma, mas as mãos começaram a tremer—. De repente tive uma idéia sobre as esmeraldas. Foi muito simples. E as encontrei. E então apareceu ele... e Jenny. Tinha uma arma e, Deus, Deus, pensei que ia matar a minha pequena.

—Certo, certo —murmurou Holt. Ela se agarrou a ele com o rosto banhado pelas lágrimas que não quis conter—. Os meninos estão bem, Suzanna. Ninguém vai fazer lhes fazer mal. Nem a você.

—Não sabia o que outra coisa fazer. Não tentava ser valente ou estúpida.

—Foi ambas as coisas. Amo-a —lhe emoldurou a cara entre as mãos e a beijou—. Ele te fez mal?

—Não —se secou os olhos—. Me perseguiu até a torre e então... quebrou-se. Já viu como se encontrava quando entrou.

—Sim —ao meio metro dela, com uma pistola na mão. Holt fechou os dedos sobre os ombros da Suzanna—. Não volte a me assustar desta maneira.

—Trato feito —esfregou o rosto dele contra o seu—. Acabou mesmo?

Deu-lhe um beijo no rosto.

—Agora nós vamos começar.

 

Era tarde quando a família se reuniu no salão. A polícia ao fim tinha concluído e os tinha deixado tranqüilos. Formavam um frente sólido e unido sob o retrato de Bianca.

Colleen estava sentada, com um cão aos pés e as esmeraldas no colo. Não tinha derramado nenhuma lágrima quando Suzanna lhe tinha explicado como e onde as tinham encontrado, mas a consolava dispor dessa pequena e prezado lembrança de sua mãe.

Não se falou de morte.

Holt manteve Suzanna próxima. A tormenta tinha passado e tinha saído a lua. O salão estava banhado de luz. O único som era a voz baixa e clara da Suzanna enquanto lia o diario da Bianca.

Passou a última página e pronunciou os pensamentos de Bianca enquanto se preparava para ocultar as esmeraldas.

"Ao as tirar e as sustentar nas mãos para observar seu brilho à luz do abajur, não pensei em seu valor monetário. Seriam um legado para meus filhos, e para seus filhos, um símbolo de liberdade e de esperança. E com o Christian, de amor.

Ao amanhecer, decidi as guardar, junto com este diario, em um lugar seguro até que volte a me encontrar com Christian."

Devagar, Suzanna fechou o diario.

—Acredito que agora se reuniu com ele. Acredito que já estão juntos.

Sorriu quando Holt tomou a mão. Olhou ao redor da estadia, viu suas irmãs, aos homens que estas amavam, a sua tia sorrir através das lágrimas, e à filha da Bianca, contemplando o retrato que tinha sido pintado com um amor imortal.

—Mais que as esmeraldas, foi Bianca quem nos reuniu. Eu gostaria de pensar que ao encontrar as esmeraldas, ajudamos a que eles voltem a se encontrar.

Fora da casa, a lua brilhava sobre os penhascos, muito por cima de onde o mar liberava seu constante batalha com as rochas. O vento sussurrava entre as flores silvestres e dava calor aos amantes que ali passeavam.

 

                                                                                Nora Roberts  

 

                      

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