Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


RENDIÇÃO / Lisa Kleypas
RENDIÇÃO / Lisa Kleypas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Dezembro de 1875, Boston.
– Vamos, entre – disse Hale, abrindo a porta com um floreio. Fez um gesto a Jason para que entrasse primeiro.
Jason o seguiu até o vestíbulo de entrada, apreciando o interior esplendidamente escuro da casa e o ambiente sobriamente luxuoso. Levantou as sobrancelhas e assobiou em silêncio.
– Estou contente de ver que está apropriadamente impressionado – assinalou Hale com um sorriso. Um mordomo de rosto sério se aproximou, e Hale o saudou casualmente. – Olá, Higgins. Trouxe um amigo da universidade para que fique conosco durante as festas. Jason Moram, um bom moço. Higgins pegue os casacos e me diga onde está minha irmã Laura, não, não te incomode, escuto-a cantar na sala. Vamos, Moram. – Hale passou junto à escada para uma sala que dava ao corredor. Jason o seguiu atentamente, ouvindo uma fina voz de moça cantando "Deck the Halls".
Uma enorme árvore de Natal carregada de enfeites e pequenas velas de cera oscilava no centro da sala. Uma adolescente magra, com um vestido de veludo azul estava subindo em uma cadeira, que estava a ponto de cair. Segurava um anjo com asas de cristal em sua pequena mão, ficando nas pontas dos pés em um esforço para colocá-lo em cima da árvore. Jason começou a avançar, mas Hale já estava ali, pegando à moça pela cintura e de um giro tirando-a da cadeira.
– Aqui está minha menina!
– Hale! – exclamou ela, lhe jogando os braços em volta do pescoço e salpicando suas bochechas com beijos entusiasmados. – Hale, está em casa por fim!
– O que estava fazendo parada encima dessa cadeira?
– Pondo o anjo na árvore.
Hale sustentava o frágil corpo de Laura no alto como se fosse uma marionete de trapo e examinando-a a fundo.
– Está mais bonita que o anjo. Acredito que vamos te pôr ali em seu lugar.
Ela riu e lhe deu o anjo.
– Aqui, ponha-o. E não quebre suas asas.
Em lugar de baixar Laura ao chão. Hale a passou a Jason, que a pegou com uma reação de sobressalto, mas automática. Temerosa de cair ofegou surpreendida e jogou os braços em volta de seu pescoço. Por um momento olharam um ao outro, enquanto Hale saltava sobre a cadeira.
Jason se encontrou olhando um par de suaves olhos verdes rodeados de negras pestanas. Poderia haver-se afogado nesses olhos. Infelizmente viu que era muito velho para ela. Acabava de fazer vinte anos, enquanto que ela não poderia ter mais de quatorze ou quinze anos. Seu corpo era tão leve como um pássaro, os seios e os quadris ainda não tinham se desenvolvido. Mas ela era uma criatura esquisitamente feminina com o cabelo castanho caindo em cachos pelas costas, e a pele que parecia tão suave como pétalas de rosa.
– Quem é você? -perguntou, e Jason a baixou com supremo cuidado. Estava estranhamente reticente a desprender-se dela.
– Ah, sim, – disse Hale para baixo, em meio da fixação do anjo em um Espinhoso ramo de abeto, – As apresentações. Senhorita Laura Prescott, apresento ao senhor Jason Moram.
Jason tomou sua mão, sustentando-a como se tivesse medo de que pudesse quebrar-se.
– Estou encantado em conhecê-la, senhorita Prescott.
Laura sorriu ao homem alto e bonito. Estava fazendo um evidente esforço para falar com cuidado, mas não pôde ocultar o toque de um cadencioso acento em sua voz, desses que empregadas, vendedores ambulantes e limpadores de chaminés tinham. Sua roupa era agradável, e seu cabelo negro era grosso e desordenado. Era grande e magro e com aspecto saudável, e seus olhos negros transpassavam vivacidade.
– É de Harvard? – perguntou ela.
– Sim, estou na classe de seu irmão, – dando-se conta de que ainda estava sustentando sua mão, Jason a deixou cair imediatamente.
– Moram é um nome irlandês, não? – enquanto Laura esperava uma resposta, deu-se conta de sua repentina desconfiança.
– Sim, – respondeu Hale por ele em um sussurro alto. – Ele é irlandês até a medula.
Laura sorriu a seu irmão.
– Mamãe sabe? – devolveu o sussurro.
– Não, pensei em deixar que o descobrisse por si mesma.
Antecipando-se à expressão de sua mãe, de mente estreita, quando visse seu hóspede irlandês, Laura riu em voz baixa e olhou para Jason. Viu que seus olhos negros se tornaram frios e insondáveis. Desconcertada, porque ela não tinha a intenção de ofendê-lo, apressou-se a tranquilizá-lo.
– Senhor Moram, – disse, – perdoe nossas brincadeiras, – ela sorriu, timidamente colocando sua mão sobre seu braço. – Sempre brincamos com nossos amigos.
Para ela foi um gesto valente, tocar a um homem, inclusive de uma forma tão impessoal. Jason não podia saber até que ponto era impróprio. Quão único sabia era que ela era a criatura mais bonita que ele já tinha visto. Inclusive em seus sonhos ambiciosos de ser rico e ter uma boa casa e uma mulher bem educada, não tinha sido capaz de imaginar algo como ela.
Ela era uma aristocrata por nascimento, enquanto que ele nunca chegaria a mais que um camponês na estimativa dos Prescotts. Para alguém como ele era a mais alta honra lhe permitir sentar-se em sua mesa. Sem importar o rico ou importante que chegasse a ser, nunca teria a oportunidade de casar-se com uma Brahmin{1} de Boston. Mas ele tinha superado situações impossíveis muitas vezes antes. Em silêncio, prometeu-se que o voltaria a fazer. Quando chegasse o momento de casar-se, Laura Prescott era exatamente o que queria.
Levaria tempo e um planejamento cuidadoso. Jason nunca confiava na sorte, que sempre tinha sido escassa na família Moram. Ao diabo com a sorte, tudo o que sempre tinha necessitado tinham sido seus próprios recursos. Não devolveu o sorriso de Laura. De maneira nenhuma ia trair a ideia que havia se impresso a fogo em seu cérebro... Que algum dia ela ia ser dele.

 


 


Capítulo 01

Novembro de 1880.

Boston.

Quão último esperava Jason Moram quando abriu a porta de sua biblioteca era a visão de sua esposa sendo beijada por outro homem. Talvez a esposa de alguém mais recorresse a encontros clandestinos, mas não a dele. Não havia segredos em Laura... Ou ao menos isso tinha pensado ele. Seus olhos negros se entrecerraram enquanto a sensação desconhecida dos ciúmes lhe congelava a boca do estômago.

O casal se separou de um salto logo que se abriu a porta. A leve música de Strauss se escutava flutuando da festa, dissipando qualquer ilusão de privacidade que os dois pudessem ter tido. Laura levou as mãos às bochechas pela surpresa, mas que não ocultou o fato de que tinha estado chorando.

Jason rompeu o silêncio com uma voz zombadora.

– Não é uma anfitriã atenta, querida. Alguns dos convidados estiveram perguntando por ti.

Laura alisou o cabelo castanho e se recompôs com uma velocidade milagrosa, assumindo sua habitual máscara inexpressiva.

– Não pareça tão ansioso, Perry, – disse ao outro homem, que tinha avermelhado a um tom escarlate. – Jason entende um beijo entre amigos, – seus olhos verdes piscaram em direção a seu marido. – Não é assim, Jason?

– Oh, entendo tudo a respeito dos... Amigos, – respondeu Jason, apoiando o ombro contra a porta. Nunca o tinha visto tão perigoso como nesse momento, seus olhos negros tão duros e brilhantes como diamantes. – Talvez seu amigo possa ser o suficientemente amável para nos permitir um pouco de privacidade, Laura.

Isso foi todo o impulso que Perry Whitton necessitou para escapar. Murmurando alguma desculpa, deslizou-se pela porta, puxando a gola alta e engomada de sua camisa, para facilitar o fluxo de sangue a seu rosto.

– Whitton, – meditou Jason, fechando a porta atrás da figura em retirada. – Não é a opção mais óbvia para um enlace romântico, não?

Perry Whitton era um solteiro tímido, de meia idade, amigo de algumas das mulheres mais influentes na sociedade de Boston. Tinha inumeráveis amizades femininas, mas nunca mostrou um interesse romântico por nenhuma delas. A aparência de Whitton era agradável, mas não ameaçadora, suas maneiras interessantes, mas não coquetes. Qualquer marido se sentiria completamente seguro em deixar a sua esposa em companhia de Whitton.

– Sabe que não se trata disso, – disse Laura em voz baixa.

Perry tinha sido um conhecido dos Prescott durante anos, o beijo tinha sido um gesto de simpatia, não de paixão. Quando Laura lhe deu a boas-vindas à festa, Perry tinha visto a tensão em seu rosto e a infelicidade sob suas cortesias sociais.

– Está tão bonita como sempre, – disse Perry amavelmente, – mas me atreveria a dizer que há algo que lhe preocupa.

Assim era em efeito. Laura não tinha intenção de lhe confiar seus problemas com Jason, mas para seu horror, deu-se conta que estava a ponto de chorar. Teria preferido morrer antes de fazer uma cena emotiva. Entendendo seu dilema, Perry a tinha levado a um lugar privado. E antes que pudesse dizer uma palavra, ele a tinha beijado.

– Jason, certamente não pode pensar que há sentimentos românticos entre Perry e eu, – disse em um tom cauteloso.

Estremeceu de inquietação quando seu marido se aproximou dela e lhe agarrou os braços.

– Você me pertence, – disse com voz rouca. – Cada centímetro teu – seus olhos percorreram o traje de noite de cetim que usava. – Seu rosto, seu corpo, cada pensamento. O fato de que eu não queira participar de seus favores não quer dizer que te permitirei que os conceda a qualquer outro homem. É minha e só minha.

Os assombrados olhos verdes de Laura se encontraram com os seus.

– Está me machucando. Jason, sabe que esse beijo não significava nada.

– Não, não sei, – ele baixou o olhar para seu corpo dessa maneira insultante mais uma vez, seu olhar cruel parecia lhe tirar a roupa. – É uma mulher bonita, o bastante bela para fazer com que inclusive Perry Whitton te deseje. É possível que tenha cometido o engano de pensar que podia encontrar um pouco de calor nesse pequeno corpo magro. Talvez não seja consciente de que é tão bonita e fria como uma estátua de mármore.

Laura estremeceu e virou a cara. Jason podia ver uma mancha úmida em sua bochecha, onde as lágrimas não se secaram ainda. Nunca a tinha visto chorar, não em todo o tempo em que se conheciam.

– Por que estava chorando? – Perguntou. Sua voz tão áspera como a folha de uma serra.

Laura ficou em silêncio, olhando-o sem compreender. Em sua família nunca tinha havido manifestações de ira ou de violência. As travessuras de Hale quando criança tinham proporcionado à única emoção no mundo plácido dos Prescotts. Durante os últimos anos, quando seu irmão tinha estado longe na universidade, sua vida tinha sido tão tranquila como a de uma monja. Enquanto Jason a fulminava com o olhar, exigindo que ela se explicasse, estava muito afligida para falar.

Amaldiçoando grosseiramente, Jason a atraiu contra ele. Seu ritmo cardíaco se acelerou golpeando contra o seu, e suas saias fluíram a seus pés. Sua escura cabeça se inclinou, e sua boca esmagou a dela. Laura gemeu e tratou de jogar a cabeça para trás, mas lhe agarrou a mandíbula com os dedos e a manteve imóvel. Seus lábios eram duros e exigentes, o beijo impregnado de raiva primitiva. Ela soltou uma exclamação e ficou rígida, suportando o embate brutal.

Jason a soltou com tanta rapidez que cambaleou para trás alguns passos.

– Posso sentir como meu contato te dá asco, – burlou-se. – Deve ser humilhante para a filha de Cyril Prescott ser acariciada pelo filho de um lojista. Tinha a intenção de te casar com um Brahmin de Boston, mas em troca te converteu na esposa de um operário, de um mísero Mick{2}. Comprei-te, paguei por ti com dinheiro tão novo que a tinta mal estava seca. Sei como seus amigos lhe compadecem. Deus sabe que tem razão para te compadecer de ti mesmo.

O rosto de Laura ficou branco, as marcas de seus dedos mostrando-se em sua mandíbula. Olharam-se um ao outro em um frágil silêncio. Quando ficou evidente que ele não ia dizer mais nada, deu meia volta e fugiu da sala como se o diabo lhe pisasse nos calcanhares.

Jason baixou sua escura cabeça e esfregou a parte de trás do pescoço com cansaço. Estava cheio de ódio de si mesmo. Prometeu-se que nunca lhe faria mal, e uma vez mais tinha quebrado essa promessa. Tinha passado toda sua vida tratando de aumentar sua herança e esconder suas asperezas. Principalmente tinha se dedicado a fazer dinheiro, porque tinha se dado conta em sua juventude que sendo rico era a única maneira de compensar a falta de um nome apropriado e uma linhagem.

Nos últimos dois meses de matrimônio, Laura tinha organizado sua vida e assegurado suas comodidades, com uma eficiência que nunca subestimaria. Administrar o lar, entreter a seus amigos e convidados, e acompanhá-lo aos eventos sociais eram coisas que ela fazia com facilidade. Seu gosto era perfeito, e ele não questionava suas opiniões, inclusive quando se tratava de sua própria roupa. Sutilmente o influía em questões de estilo e de bom gosto, e ele valorava seus conselhos.

Jason sabia como os outros homens o invejavam por sua esposa, e ele se orgulhava de seus lucros. Laura patrocinava eventos beneficentes em benefício dos pobres e era membro da Associação Cristã de Damas. Suas atividades de ócio eram corretas e respeitáveis: assistir a conferências, ir ao teatro, e o fomento das artes em

Boston. Todos estavam de acordo que era uma mulher tranquila, mas com encanto, um modelo de autocontrole. Nem por um minuto fez com que Jason lamentasse haver-se casado com ela. Mas isso não fazia seu desprezo por ele mais fácil de suportar.

Recordou o dia em que se aproximou de Cyril Prescott para pedir a mão de Laura em matrimônio. Apesar de seu distinto nome, a fortuna dos Prescotts estava diminuindo. Essas "primeiras famílias" às vezes encontravam necessário sacrificar a uma de suas filhas ante a vulgar e nova classe enriquecida. Casar-se com Laura não tinha sido tão difícil como Jason tinha esperado. Tudo tinha se reduzido a uma questão de dinheiro, e ele tinha sido capaz de cumprir facilmente o preço que Cyril Prescott estava pedindo.

– Não consentiria isto, – havia dito Cyril, parecendo ao mesmo tempo indignado e envergonhado, – se pensasse que você resultaria ser um marido indigno para minha filha. Mas você parece tê-la em alta estima. E obviamente não há dúvida que a manterá bem.

– Terá tudo o que ela deseje, – respondeu Jason com suavidade, ocultando seu triunfo ao obter finalmente a mulher que tinha desejado durante tantos anos. Depois tinha feito sua proposta a Laura de uma maneira prática, lhe informando da decisão que já tinham tomado seu pai e ele. Nunca tiveram um noivado, Jason havia sentido que não seria prudente lhe dar uma oportunidade de desprezá-lo, o qual ela sem dúvida teria feito. Em troca, tinha manobrado a situação para que ela não tivesse mais remedeio que aceitá-lo como seu marido. Sabia que de nenhuma outra maneira poderia havê-la tido. Ela era desejada por todos os homens elegíveis de Boston. Se não tivesse sido por ele, teria se convertido na esposa de um cavalheiro de sangue tão azul como o seu.

Com o tempo, tinha pensado Jason, ela aprenderia a aceitá-lo... E logo talvez pudesse começar a revelar seus sentimentos por ela. Por desgraça, não tinha antecipado quanto lhe repugnaria seu contato. Fazia tão evidente seu asco por seu marido socialmente inferior que, Deus o ajudasse, ele que sempre tinha sido tão fleumático, aparentemente não podia deixar de perder o controle estando com ela.

 

Mantendo a cabeça baixa, Laura caminhou rapidamente pelo corredor, seu único pensamento era escapar. A pouca distância estava a grande sala de música, que também fazia ás vezes de salão de baile. A multidão de pessoas conversava ou dançava a valsa flutuante que tocava a orquestra. Alheia à música e à risada, Laura abriu caminho até o vestíbulo de entrada da porta e saiu ao exterior. O ar de novembro era úmido, e atravessou seu vestido de cetim brocado. Estremeceu de amargura e rodeou com seus braços a cintura, olhando para a rua pouco iluminada, onde carruagens de quatro portas e condutores de libré esperavam os convidados para partirem.

Arrastando-se até as sombras da varanda da moderna casa de seis pisos da Beacon Street, Laura se perguntava o que ia fazer. Era óbvio que Jason a odiava. Não poderia olhá-lo à cara nunca mais. Era um fracasso como esposa, como mulher. As lágrimas brotaram de seus olhos, e se propôs não chorar. Meu Deus, e se alguém a visse aqui, chorando nas escadas de sua própria casa?

De repente ouviu um assobio alegre na rua. Ansiosamente olhou na escuridão.

– Hale! – exclamou. – Hale, é você?

A suave risada de seu irmão chegou até ela.

– Hmmm... Sim, acredito que sim. Terei cruzado a linha entre o que se usa chegar tarde e muito, muito tarde?

Laura lhe deu um sorriso aquoso.

– Como sempre.

– Ah, perdoe-me, – disse Hale, e saltou às escadas com seu vigor habitual. Estive esperando por mim? Maldição! Está aqui, só com esse vestido! Quanto tempo...? – interrompeu-se quando tomou sua cara entre suas mãos enluvadas e a inclinou para cima.

As lágrimas se derramaram dos olhos de Laura, e ela se agarrou a seus pulsos com força.

– Me alegro de que esteja aqui, Hale, – disse com voz afogada.

– Laura, carinho, – alarmado, Hale apoiou a cabeça dela contra seu grosso casaco de lã. – Meu Deus, o que te passa?

– Não posso te contar.

– Oh, pode e o fará. Mas não aqui, – alvoroçou o cabelo, descuidadamente desarrumando seu coque em espiral. – Vamos entrar e ter uma conversa.

Laura negou com a cabeça.

– As pessoas... As pessoas verão...

– Daremos a volta na casa e entraremos pela cozinha, – Hale tirou o casaco e o pendurou em seus ombros estreitos. – Tem algo a ver com o Jason, não?

Sua garganta se fechou com dor, e ela assentiu. Sem uma palavra mais, Hale lhe passou o braço pela cintura e a guiou pela escada, defendendo-a da vista dos condutores e transeuntes. No momento em que chegaram à cozinha, que dava ao pátio traseiro, Laura estava tremendo violentamente. O calor e a luz da cozinha a envolveram, mas não lhe tiraram o intumescimento.

– Vá, senhora Moram, – ouviu exclamar à ama de chaves.

Hale ofereceu à mulher mais velha um sorriso atrativo. Converteu-se em um homem bonito e solidamente forjado, de olhos verdes, um rico cabelo castanho e uma barra grosa como bigode. Suas maneiras francas encantavam a todas as mulheres.

– Senhora Ramsey, temo-me que minha irmã esteja com sufocos – disse. Poderia encontrar uma maneira de informar ao senhor Moran? Discretamente, é obvio que ela se retirou por esta noite?

– Certamente, senhor Prescott.

Sufocos pensou Laura com ironia. Bom, ia funcionar. A desculpa era aceita sempre com silenciosa compreensão. Devido aos apertados espartilhos e as pesadas crinolinas{3} de tecido de cavalo, que se usavam debaixo dos vestidos, as mulheres frequentemente experimentavam enjoos e desmaios. De fato, estes episódios eram considerados a prova do refinamento de uma dama.

– Oh – acrescentou Hale, enquanto guiava Laura para fora da cozinha em direção ás escadas, – e levaria dois ponches à sala de estar de cima, senhora Ramsey?

– Sim, senhor Prescott.

Laura entregou o casaco a Hale, e começaram a subir os três pisos de escadas até a sala de estar.

– Provavelmente nem sequer saiba o que são sufocos, – disse ela sorvendo pelo nariz.

Ele se pôs a rir.

– Não, e realmente não tenho vontade de saber.

Chegaram à sala de estar. Era o lugar privado de Laura. Ninguém a invadia, nem sequer Jason, a menos que ela fizesse o convite. Como as demais salas da casa, era confortável e elegante, com um tapete persa florido, cortinas de veludo, cadeiras de felpa, pequenas mesas polidas cobertas de rendas e enfeites e uma chaminé de mármore. Laura tinha escolhido cuidadosamente estilos matizados de móveis para toda a casa, todas as questões de gosto deixando-se a sua discrição. Jason o preferia assim.

– Agora, – disse Hale, agachando-se diante da chaminé, – me conte tudo enquanto eu avivo o fogo.

Laura recolheu a cauda com franjas de seu vestido de noite e se sentou em uma cadeira próxima. Mal-humorada, tirou os sapatos de cetim úmidos, com seus saltos de cinco centímetros e diminutas fivelas de diamantes. Jason gostava que sua esposa se vestisse com a mais fina elegância.

– Não sei o que te dizer, – disse. – Jason ficaria furioso se soubesse...

– Conte-me tudo, – repetiu Hale pacientemente, olhando-a por cima do ombro.

–Recorde que eu era o melhor amigo de Jason até que se casou.

– Sim, recordo-o, – A mente de Laura se voltou para todas as festas que Jason tinha passado com sua família. Embora ele e Hale estivessem na mesma classe em Harvard, Jason era dois anos mais velho. Nunca tinha falado nada sobre sua educação. Seu pai tinha sido um lojista, e sua mãe tinha uma carroça de pescado, uma vendedora ambulante.

Era muito estranho que alguém com as origens humildes de Jason subisse tão alto como ele o fez. Mas Jason era inteligente, trabalhador e impiedosamente encantador quando queria sê-lo. Algo em sua voz e na forma como se movia, proclamava que era um homem que sabia exatamente o que queria e o que queria, conseguia-o. E quando sorria, era o homem mais bonito do mundo.

– Laura, o que está errado? – perguntou Hale.

– Tudo. Foi um erro desde o começo, – ela tirou as luvas e secou os olhos que lhe ardiam. – Jason não tem ideia de quão entristecedor é. Não sei como agradá-lo, e quando o tento fracasso miseravelmente. E-eu acredito que algo está errado comigo. Sempre que tentamos ter intimidade..., não faço o que seja que ele espera que faça e...

– Laura, espere, – Hale esclareceu à garganta, incômodo, as maçãs do rosto manchadas de vermelho. – Se estiver te referindo à classe de coisas que acontece no dormitório, acredito que é melhor que o discuta com uma mulher.

Laura pensou em sua mãe dissimulada e em suas irmãs conservadoras.

– A quem sugere? – perguntou ela.

Hale gemeu e agarrou a cabeça entre as mãos, olhando o tapete florido.

– Está bem, – disse com voz afogada. – Me conte. Mas tenha em conta que um homem não gosta de ouvir falar de sua irmã e... Isso.

Ela meneou a cabeça.

– Não há nada que contar, – depois de uma breve pausa, repetiu de maneira significativa. – Nada.

Os assombrados olhos verdes de Hale encontraram os seus.

– Está me dizendo... Meu Deus... Que Jason e você nunca... Nunca...?

– Não, – disse Laura, envergonhada, mas aliviada de forma estranha de estar dizendo a alguém.

Hale abriu e fechou a boca várias vezes antes que pudesse formar outra palavra.

– Por que não? – finalmente conseguiu perguntar.

Ela segurou a cabeça entre as mãos assim como ele fez uns momentos antes, enquanto suas palavras se precipitavam em uma rápida corrente.

– Jason se aproximou de mim algumas vezes, mas eu-eu o faço zangar-se tanto. A última vez que discutimos me acusou de ser fria, e-e suponho que devo sê-lo, mas me parece que não posso me ajudar sozinha! Acreditava que com o tempo poderíamos chegar a algum tipo de entendimento, mas as coisas só pioraram. Passa seus dias nos escritórios de seus negócios, e come em seu clube, e cada vez que está em casa evitamos nos encontrar na mesma sala! Não há a mínima confiança e cordialidade entre nós. O melhor que fomos capazes de dirigir é a cortesia, mas inclusive agora até isso parece estar além de nós.

– Já vejo, – disse Hale, soando estranho. Acariciou o bigode e meneou a cabeça.

– E esta noite, – continuou Laura, – eu estava na biblioteca com Perry Whitton, que me beijou...

– O que? –Hale lhe dirigiu um olhar de desaprovação.

– Perry e eu somos amigos, nada mais.

– De todos os modos, Laura, não deveria havê-lo permitido.

– Tudo aconteceu muito rápido para dizer ou fazer algo! E, é obvio, Jason entrou e interpretou mal a situação, e disse que eu devia estar envergonhada de ser a esposa de um mísero Mick... E eu nem sequer sei o que é isso!

– Assim é como chamam um irlandês, um de uma família de camponeses tão pobres, que até as mulheres têm que trabalhar, – Hale suspirou profundamente. – Um Mick, um jogador profissional, um simplório. A alguns dos bolsistas em Harvard lhes importava um cominho que fosse irlandês, mas à maioria deles sim. Jason foi excluído e sutilmente insultado em quase todos os cantos. Depois de tudo, sua educação era a mesma que a de seus serventes. Já sabe como podem ser, – fez uma careta. – Francamente, não posso culpar ao Jason por estar irritado se te viu com o Perry Whitton. Ele é o epítome de tudo o que Jason não poderá ser, um cavalheiro com o nome correto, a família correta, a educação correta.

Laura fez um gesto de compreensão. A sociedade de Boston era exigente com cada entrada na genealogia de uma família. A mudança era vista com desconfiança, e tudo dependia de quem seria o avô de quem. Considerava-se vulgar trabalhar duro ou fazer muito dinheiro. O homem ideal de Boston era gentil, digno, e intelectual. Alguém como Jason, ambicioso e motivado, um homem feito por si mesmo, era um choque para os bostonianos mais refinados, como os Whittons.

– Hale, – disse com ardor, – se eu tivesse querido um homem da estirpe de Perry, não teria me casado com o Jason. Como posso lhe fazer entender isso?

– Não sei, – seu irmão parecia culpado. – Não será fácil convencê-lo. Toda sua família desaprova seu patrimônio. Todos sabem que papai só aceitou o compromisso, devido à extraordinária quantidade de dinheiro que Jason ofereceu. E eu... Bom, disse a Jason ao princípio que eu era contra o matrimônio porque era irlandês.

– Você-você como pôde! -exclamou Laura horrorizada. – Hale, realmente não pensa dessa maneira!

– Oh, sim, – assentiu com a cabeça obstinadamente. – Expliquei ao Jason que o valorava como amigo, mas não podia aprovar seu matrimônio com uma de minhas irmãs. Especialmente, não contigo. Sabia o difícil que seria para ti, nunca pertencendo totalmente a um mundo ou a outro. Já sabia há muito tempo que Jason queria casar-se com alguém com um nome, alguém que pudesse ganhar a entrada a nossos círculos. E maldição vou ser franco, ele tem umas origens ásperas, Laura.

– Isso não me importa, – disse Laura, e esclareceu a garganta sem jeito. – Nunca me importou que Jason fosse irlandês.

A criada bateu na porta e trouxe seus ponches em uma bandeja de prata. Laura tomou a bandeja e a despediu com um lânguido sorriso de agradecimento. Deu a Hale sua taça e bebeu lentamente a dela, agradecendo seus efeitos revigorantes.

– Bom, – disse Hale, – abordemos este assunto desta “tua frieza”. Com certeza que isto se deve à influência de mamãe.

– Hale, não posso culpá-la...

– Não a defenda, carinho. Criou a suas três filhas as fazendo acreditar que é natural que um marido e sua esposa vivam como estranhos. Durante anos sabia das coisas ridículas que dizia a ti a Ana e a Sophia, mas não era meu papel contradizê-la, – suspirou e a olhou com simpatia. – Estes assuntos não são complicados, Laura. É muito simples. Tudo o que tem que fazer é mostrar ao Jason que está disposta a aceitar suas carícias, e ele se encarregará do resto. É um homem experiente. Só lhe permita... -deteve-se e começou a brincar com dificuldade com as franjas de seda da cadeira de brocado. – Ele não vai ser cruel contigo, Laura, não dessa maneira.

Ela juntou as mãos, as apertando com força.

– Eu gostaria de acreditar nisso. Mas já não sei o que pensar dele. Pergunto-me por que me casei com ele.

– Bom, por que o fez? – exigiu Hale.

– Papai queria que o fizesse, e era uma ajuda para a família.

– Papai e a família não importavam! Sabe que ele não teria te obrigado a te casar com o Jason. A cerimônia nunca teria sido realizada se tivesse pronunciado uma palavra de protesto.

Laura mordeu o lábio e assentiu, envergonhada.

– Sim, tem razão. Eu... A verdade é que estava mais que disposta. Eu queria ser a esposa de Jason, – moveu suas pernas e as colocou debaixo dela. – Jason pensa que não necessita nada de ninguém. Mas eu sabia desde o primeiro momento em que o conheci que ele necessitava a alguém como eu, para ajudá-lo e consolá-lo, para trazer um pouco de calor a sua vida. Estava tão segura de que podia suavizá-lo, e descobrir outro lado dele, – ela riu com voz trêmula. – E em vez disso, ele parece estar me transformando em algo que eu nunca quis ser.

 

Três horas depois, Hale desceu as escadas, e descobriu que o último dos convidados tinha partido. Deslizando as mãos nos bolsos, perambulou pelo salão de baile, onde os músicos estavam empacotando seus instrumentos.

– Foi um êxito? – perguntou Hale ao jovem violinista de cabelo murcho.

– Muito animado para seu tipo de público, – foi a alegre resposta.

Hale sorriu e caminhou mais à frente, até chegar junto a um par de criadas irlandesas que levavam bandejas de copos vazios.

– Perdão senhoritas, – perguntou a uma delas, – onde poderia estar o senhor Moram? Já se recolheu a suas acomodações? Não? Ah, bebendo na biblioteca. Não me surpreende. O senhor Moram tem um gosto pelo uísque, não?

Jason estava sentado em uma cadeira diante do fogo, sustentando frouxamente em sua mão uma garrafa de licor. Tinha as pernas esticadas, a cabeça apoiada contra o estofo de brocado. Seu negro casaco de noite tinha sido descartado, enquanto que as mangas de sua branca camisa engomada estavam enroladas até os cotovelos. Tinha os olhos entrecerrados enquanto olhava as chamas, com a luz do fogo brincando com seu cabelo azeviche. Não se moveu quando Hale entrou na sala e fechou a porta.

– Usquebaugh, – disse Hale, usando uma palavra gaélica que Jason uma vez lhe tinha ensinado. Fez um gesto casual para o uísque. –Vocês os micks, chamam a água da vida, não?

– Vá para o inferno.

– É muito provável, – Hale arrastou uma pesada cadeira com o pé e se derrubou nela. – Primeiro, entretanto, vou ter uma conversa contigo.

– É um imbecil se pensa que vou escutar...

– Acredito que começarei com algumas observações, – Os olhos verdes encontraram os negros, e trocaram um longo olhar, o olhar de adversários que conheciam os segredos um do outro. – até agora tudo saiu segundo seu plano, não? Disse Hale – Recorda que me falou de seu plano anos atrás? Recorda o que disse?

Jason arqueou uma sobrancelha negra.

 – Disse que quando fizesse vinte e cinco anos me graduaria em Harvard com honras.

– E te estabeleceria na comunidade de negócios de Boston. – Sim.

– E te casaria com uma moça cujo nome te permitiria entrar nos círculos sociais mais elitistas.

– Sim.

Hale sorriu ironicamente.

– Nesse momento, embora eu admirasse sua ambição, não acreditei que pudesse fazê-lo. Mas obtiveste tudo isso. Casou-te com minha própria irmã. Em Boston, referem-se a ti como "esse maldito magnata irlandês", e no momento em que cumpra trinta, terá multiplicado sua fortuna várias vezes, – inclinou-se para frente, perdendo um pouco de sua petulância enquanto demandava, – Então, qual é a causa desta amargura? Por que está te comportando como um bastardo com Laura, quando tem tudo o que sempre quis na vida?

Jason agitou o uísque na garrafa e olhou os redemoinhos de seu conteúdo.

Teve a tentação de confiar em Hale, mas não podia deixar de lado o rancor entre eles.

– Não responda, então, – disse Hale. – Já sei por que.

Os olhos de Jason brilharam perigosamente.

– Sempre soubeste todas as respostas, não? Uma prerrogativa dos Prescott.

Hale encolheu os ombros.

Jason lhe estendeu a garrafa de uísque com o cenho franzido, e Hale tomou um gole sem duvidá-lo.

– Estiveste falando com Laura, – disse Jason.

– Sim, e me confessou algumas coisas que estive suspeitando há algum tempo.

– É um jogo perigoso, intrometer-se em assuntos que não têm nada a ver contigo.

– Nada a ver comigo? – exclamou Hale, despertando seu mau gênio. – Laura é minha irmã, minha irmã favorita, e você a está fazendo sofrer! De todas as garotas de Boston com as quais poderia haver te casado e feito miserável, por que tinha que ser com ela?

Jason apoiou os antebraços nos joelhos, um arbusto de cabelo negro caindo sobre a testa. Respondeu lentamente, olhando o fogo com um inquietante olhar.

– Não havia muitas moças para escolher. Tinha que ser alguém com um nome, e alguém com as qualidades que eu queria em uma mulher. E sobre tudo tinha que ser alguém cuja família estivesse em dificuldades financeiras e tivesse a necessidade de um genro endinheirado.

– Assim quando chegou o momento de te casar, jogou um olhar ao redor e ali estava minha irmã mais nova...

– Decidi me casar com Laura no primeiro Natal que passei com sua família.

Hale franziu o cenho, os extremos de seu bigode curvados para baixo.

– Faz tanto tempo assim?

– Sim. Laura tinha só quinze anos. Quando a família se sentou para jantar quase dei uma desculpa para partir. Preferia enfrentar a uma linha de fogo do que enfrentar essa fila interminável de colheres e garfos em cada prato. Não sabia qual escolher primeiro, ou como comer os malditos aspargos. E ali estava sua mãe, observando cada movimento que fazia como um falcão. Mas Laura era mais lenta e mais cuidadosa que os outros, e fui capaz de imitar tudo o que fazia. Na metade da refeição me dei conta que ela sabia que eu a estava imitando. Estava sendo lenta e precisa com o fim de fazê-lo mais fácil para mim.

– Demônios nunca me incomodei em usar as malditas filas de garfos de mãe.

– Não tinha que fazê-lo, – disse Jason rotundamente. – Não tinha que provar nada.

– E então decidiu te casar com Laura porque te ajudou a usar os talheres?

– Porque sabia que era a classe de mulher que necessitava.

Laura havia dito o mesmo. Hale depositou as garrafas de uísque e ficou de pé, olhando para seu antigo amigo.

– Ah. Uma ama de chaves. Uma acompanhante social. Uma professora de etiqueta. Um bonito enfeite para impressionar a plebe. Havia outras garotas com as quais poderia haver te casado se isso era tudo o que queria. Laura tem mais para dar que isso, e ela merece algo mais que passar o resto de sua vida tratando de te converter em um cavalheiro.

Jason sorriu desagradavelmente.

– Acha que é muito boa para um irlandês?

– Não, absolutamente. Acredito que é muito boa para ti.

Recuperando a garrafa de uísque, Jason fez um gesto para a porta.

– Entendido. Agora saia daqui.

Hale passeou pela sala em sinal de frustração.

– Nunca vi Laura tão nervosa e inquieta como esta noite. Está esmagando todo seu fogo e espírito.

Jason ficou de pé para enfrentá-lo.

– Fogo e espírito, – repetiu com ironia, pensando em sua pálida e serena esposa, – Não são palavras que se aplicam a sua irmã, Hale.

– Sim? Agora estou começando a entender o pouco que realmente a conhece. Ela é a moça mais aventureira, de espírito livre que conheci... Bem, uma vez se atreveu a entrar no quarto de papai e lhe cortou a metade de seu bigode, enquanto dormia. Adora a natação a patinação e a equitação. É uma excelente atiradora, uma pianista de primeira categoria, uma excelente bailarina. Sempre sonhou ir ao Egito e ver as pirâmides, e viajar pelo Nilo em um dahabeah...

– Um o quê?

– Dahabeah. Um desses navios compridos.

Jason ficou olhando-o com os olhos entreabertos.

– Hale, não sei de quem demônios está falando, mas não é de minha esposa.

– Maldição, é-o! E há outra coisa tem que ouvir...

– Já ouvi o suficiente.

– Esteja em desacordo ou não, deveria ter falado contigo de Laura antes da cerimônia. Esta ideia que ambos parecem ter... Supostamente esta frieza dela...

– Fora – disse Jason laconicamente, empurrando-o para a porta.

Hale falou rapidamente.

– Maldição, Jason, obviamente não te deste conta de quão protegida ela esteve. Minhas outras duas irmãs tomaram um endiabrado tempo para ajustar-se ao matrimônio depois da forma como tinham sido criadas. Se mamãe fosse católica, consideraria o convento muito permissivo para suas filhas. A maioria das moças têm a oportunidade de paquerar e tomar as mãos dos homens, desfrutar de um beijo roubado ou dois. Minhas irmãs não tiveram nada disso. Como sabe Jason, tenho um grande respeito por minha mãe, mas não se pode negar que ela é uma mulher amargurada. Meu pai lhe foi infiel, não uma, a não ser muitas vezes. O matrimônio de meus pais acabou muito antes que Laura nascesse. Laura foi criada com algumas ideias equivocadas a respeito dos homens e mulheres, e Por Deus, provavelmente tenha confirmado até a última delas! Tudo porque parece esperar que salte a seus braços como uma taberneira!

– Terminou o sermão, – vociferou Jason, abrindo a porta com o lado de seu pé.

– Escute maldito seja! Antes que se casasse contigo, Laura nunca tinha estado a sós com um homem antes, nem por um minuto. Não é fria, é uma inocente, uma completa inocente que nem sequer sabe como beijar. Sempre foi tímida com os homens, especialmente aqueles com uma tendência a ser dominantes. E tudo o que faz, tudo o que tem feito é assustá-la e acusá-la! Como se supunha que tinha que ser receptiva contigo?

As mãos de Jason caíram de lado, e seus olhos negros se fixaram no rosto agitado de Hale.

– Se a tratar só com um pouco de paciência ou amabilidade poderia ser capaz de fazê-la feliz, – disse Hale com voz cortante. –Te vi com as mulheres. Te vi seduzir às mais insensíveis em um quarto de hora. Mas por alguma razão, todo seu renomado encanto parece desvanecer-se quando se trata de Laura, – puxou suas próprias mangas para baixo, e alisou as lapelas de seu casaco. – estiveste casado durante dois meses, e até agora tudo o que construíste é uma montanha de maus entendidos. Você e eu já não poderemos ser amigos, Jason, mas pelo bem de Laura e pelo teu próprio, espero que reflita sobre o que disse, – virando-se, Hale se dirigiu ao vestíbulo, recolheu seu casaco e se foi sem olhar para trás.

Jason ficou olhando-o, com as sobrancelhas juntas e o semblante carrancudo. Lentamente, foi para as escadas e se sentou, passando as mãos pelo cabelo revolto. Pensou em sua esposa, deitada em sua cama, vestida com uma de suas recatadas batas brancas, seu longo cabelo castanho solto, sua pele avermelhada pelo sono. Tinha ido ali inumeráveis noites para observá-la enquanto dormia, tomando cuidado para não despertá-la. A visão dela nunca deixava de excitá-lo de uma maneira insuportável.

Quando Laura estava acordada, entretanto, seus olhos verdes pareciam dizer o que todos diziam, que Jason era indigno dela, que a filha de Cyril Prescott nunca deveria haver-se casado com alguém inferior a ela. Mas... E se essa expressão em seus olhos não fosse desdém? E se fosse algo completamente diferente? Era possível que ele tivesse feito com que sua própria esposa tivesse medo dele?

Amaldiçoando, Jason pensou nas últimas semanas e contou o escasso número de vezes que tinha sido amável com Laura. Deus, não, tinha estado muito ocupado mortificando-se com o ressentimento dela para ele. Por muito que Jason odiasse ter que admiti-lo, Hale tinha tido razão em algo. Havia mal-entendidos que tinham que ser esclarecidos, pelo bem de ambos.

 

A xícara de Laura tremeu em seu pires quando os largos ombros de Jason encheram a porta da sala do café da manhã. Rapidamente baixou o pires e baixou o olhar para a toalha de linho. O silêncio era angustiante. Devia dizer algo? Algo acusador, algo apaziguador. Palavras de perdão?... De recriminação? Talvez...

– Laura.

Sua voz era séria e tranquila. Sem compreender, ergueu o olhar para ele. Os olhos dela com olheiras por uma noite de insônia.

Jason se surpreendeu de quão jovem parecia, sua silhueta recortada contra as cortinas de renda branca da janela. Seu cabelo castanho estava preso em uma trança enrolada na nuca e amarrada com fitas de veludo. O apertado espartilho de seu vestido castanho chocolate estava abotoado até o pescoço, as mangas longas e bufantes na parte superior. Apesar da tensão evidente em suas feições delicadas, estava tão bonita como sempre.

Jason não pôde evitar que seu olhar revoasse para a curva de seus seios moldados por debaixo do sutiã ajustado, e o brilho da garganta branca sobre a pequena gola de renda. Rapidamente olhou para o outro lado antes que pudesse ler seu desejo entristecedor. Desejava-a desesperadamente. Teria sido um assunto simples encontrar a liberação em outra mulher, mas Laura era a única que desejava. Talvez, pensou cinicamente, era um justo castigo por seus pecados passados, estar casado com uma mulher a quem lhe repugnava seu contato.

– Jason, – disse Laura, reunindo coragem. – depois de ontem à noite, eu...

– Não, – interrompeu ele. – me deixe falar primeiro.

Ela ficou em silêncio, confusa. Havia uma expressão no rosto de Jason que nunca tinha visto antes, séria e incômoda. A forma como seus olhos procuraram os dela fez com que uma onda de calor se expandisse desde seu pescoço até seu rosto.

– Sinto pelo que disse, e fiz, ontem à noite, – disse Jason em voz baixa. – Estava zangado. Queria te ferir.

Inconscientemente, ela levou os dedos a sua garganta.

– E conseguiu, – respondeu suavemente.

– Não voltará a acontecer.

Laura nunca tinha estado tão surpreendida, nem sequer no dia em que tinha se declarado. Ouviu-se murmurar algo, mas a voz não parecia lhe pertencer.

– Esta é a primeira vez que me pede desculpas.

Jason sorriu, os olhos acesos com burla para si mesmo.

– Pode ser a primeira vez que peço desculpas a alguém. Sempre pensei nisso como um sinal de debilidade que não podia me permitir.

Laura não sabia se estava mais aliviada ou surpreendida por sua atitude estranhamente agradável.

– Vais querer algo para o café da manhã? – perguntou, tratando de ocultar seu nervosismo.

– Não – Jason se aventurou a entrar na sala, esbelto e bonito, com seu casaco negro feito a medida, calças cinzas e um colete sobriamente estampado. Ao chegar perto dela, Laura se levantou de sua cadeira e retrocedeu um passo ou dois. Pareceu não dar-se conta de seu movimento involuntário. – Tenho uma grande quantidade de assuntos que atender esta manhã, – disse. – E vou chegar tarde em casa esta noite, seguiu um breve momento de dúvida antes de acrescentar, – Pensei que amanhã pela manhã poderíamos ir passar o resto da semana na casa de sua irmã em Brookline.

– Brookline? Mas seu trabalho...

– O mundo não chegará ao seu fim se eu parar de trabalhar por uns dias.

Laura ficou atônita. Durante todo o tempo que o conhecia, Jason era obcecado por seu trabalho.

– Nunca antes aceitamos os convites de Sophia, – disse. – Por que quer passar um tempo com minha família quando deixaste claro...?

– Sim, já sei o que deixei claro... E o que não, – deu outro passo para ela, e ela retrocedeu mais uma vez. – Laura, – disse com suavidade, pegando seu pulso com cuidado. Tomou sua mão tão delicadamente que poderia haver-se soltado com pouco esforço. – Se não desejar ir a Brookline...

– Oh, não, eu-eu acredito que seria uma boa ideia.

Seu polegar se deslizou em sua mão e ficou no oco suave, e ela sentiu a sensação de suas carícias até em seus joelhos.

– Bom, – murmurou.

Estavam o suficientemente perto para que ela detectasse o aroma de sua colônia. Sentiu-o olhando-a, e em vão esperou que liberasse sua mão. Mas ele esperava pacientemente também, sem fazer nenhum movimento para deixá-la ir.

Depois que passaram lentamente longos segundos, ela levantou a cabeça.

– Não disse que me perdoa, – disse ele.

– Sim te perdoo.

Seu polegar ainda brincava ociosamente em sua palma, e ela sabia que ele não podia deixar de dar-se conta de sua agitação. Lentamente, com cuidado, deslizou seu braço ao redor dela. Laura suportou a proximidade uns segundos antes que um reflexo natural a levasse a liberar-se dele com um som de protesto. Horrorizada, retirou-se a um lado da sala, segura de que se burlaria dela. Esperou por uma recriminação que nunca chegou. Em seu lugar, fez-se o silêncio.

Jason se aproximou com a suavidade de uma pantera, sem deter-se até que ela ficou esmagada contra a parede e estiveram a uns centímetros de distância. Ele apoiou um braço sobre sua cabeça, seu corpo esticado ameaçador sobre ela. Por um instante recordou como se sentiu ao estar esmagada contra esse corpo duro.

– Laura... -sua voz era rouca. Sua mão se deslizou para a parte de trás de seu pescoço e inclinou seu rosto para ele. – Nos últimos dois meses me guiaste em muitas coisas. E apesar de minha cena de ontem à noite, arrumaste tempo inclusive para me ensinar boas maneiras. Mas agora... – Antes que ela pudesse mover-se, ele roçou seus lábios contra sua testa. – Agora há algumas coisas que eu gostaria de te ensinar.

Nervosos calafrios percorreram a coluna de Laura. Não se podia negar. O dever de uma esposa era submeter-se ao abraço de seu marido, sem importar quanto temesse a perspectiva.

– Como queira – disse sem emoção, seus nervos retorcendo-se de agitação.

Um sorriso apareceu nos cantos de seus lábios ante sua total resposta.

– O que desejaria é um beijo de minha esposa.

Laura procurou a brincadeira em seus olhos de meia-noite, e encontrou um estranho brilho desafiante. Ele esperava que ela se negasse, pensou. Demonstraria que não lhe tinha medo. Só um beijo... Não era um pedido tão terrível.

Conteve o fôlego e reuniu toda sua coragem, ficou nas pontas dos pés para diminuir a diferença em suas alturas. Com cautela, pressionou seus lábios contra os dele, as palmas de suas mãos caindo sobre seus ombros para manter o equilíbrio. Para sua surpresa, a proximidade não era desagradável. Sua boca era cálida contra a sua, seus ombros duros e firmes sob suas mãos. Não a estreitou com força entre seus braços ou a assustou como o tinha feito tantas vezes antes.

Com a cara vermelha e tremendo, terminou o beijo e baixou seus calcanhares, começou a respirar de novo. Mas aparentemente, Jason não tinha terminado com ela. Sua cabeça escura se inclinou, e seus lábios deslizaram sobre sua têmpora, a curva de sua bochecha, o pequeno oco detrás de sua orelha. As mãos de Laura se fecharam em punhos sobre seus ombros.

Ele deslizou as mãos por seu cabelo sedoso, empurrando sua cabeça para trás. Passou um momento com ela, notando que, embora não estivesse lhe respondendo, tampouco lhe rechaçava. Suavemente roçou seus lábios contra os seus. Ela beijava como uma menina, com a boca fechada inocentemente. Jason se deu conta de que o desejo sexual tão familiar para ele, mal estava despertando nela.

A ponta da língua dele riscou seu lábio inferior, detendo-se no centro. Laura se afastou com surpresa, tocando com os dedos a superfície úmida. Por que tinha feito isso? Era errado que ela o permitisse?

Os olhos de Jason a apanharam em uma escura prisão de veludo. Com cuidado, voltou a atraí-la contra seu corpo.

– Tudo bem, – murmurou ele, seu fôlego mesclando-se com o dela. – Está tudo bem, Laura... Assustei-te?

– Não, – disse ela com voz débil.

Ele alisou seu cabelo e a beijou na têmpora, tomando cuidado de manter todos os seus movimentos lentos e suaves.

– Poderia pôr seus braços ao redor de meu pescoço?

Vacilou e logo obedeceu, seus seios pressionando seu torso. O calor de suas mãos abrangendo suas mandíbulas, mantendo quieta sua cabeça, e seus lábios provocando os dela com um toque fugaz.

– Me beije de novo, – sussurrou.

Laura se sentiu estranha, seu medo dissolvendo-se em uma onda de curiosidade lenta e sensual. Relaxou em seus braços, seus lábios já não tão firmemente fechados, aceitando a boca gentilmente brincalhona que se movia sobre a dela. A ponta da língua se aventurou mais e mais, sondando até que abriu a boca com um ofego. Ela sentiu a sua língua iniciar uma busca lânguida pela dela, acariciando-a fundo de uma maneira que nunca tinha sonhado.

Finalmente ele afastou sua boca, e se deu conta, aturdida, que não queria que o beijo terminasse. Ela apoiou a cabeça em seu ombro, aliviada pelos longos e repetidos movimentos de sua mão pelas suas costas. As palmas de suas mãos pressionaram suas nádegas e quadris para frente até que não houvesse um centímetro de espaço entre seus corpos. Estavam separados por grossas capas de saias e anáguas, mas mesmo assim pôde sentir a parte dura entre sua virilha.

Jason a estreitou entre suas coxas, lhe permitindo acostumar-se à sensação do corpo de um homem. Seus lábios passearam por sua testa úmida, enquanto a respiração ofegante contra seu pescoço faziam com que seu desejo crescesse ainda mais descaradamente. Sentiu que ela tremia enquanto acariciava a parte de trás de seu suave pescoço.

– Com medo? – perguntou.

– Eu... Não sei.

– Não há nada que temer, – esfregou os lábios sobre os dela em uma carícia apenas provocadora. Quando ela não respondeu, levantou a cabeça e a olhou inquisitivamente.

Seus olhos eram luminosos e de um verde turquesa, enquanto que seus lábios avermelhados pelo beijo estavam mais suaves e mais cheios que de costume. Surpreendentemente, ela levantou a mão para lhe acariciar o cabelo que lhe caía sobre a testa.

De repente, foram interrompidos pela abertura da porta da cozinha. Era Phoebe, uma criada que tinha estado ao serviço dos Prescotts durante quase dez anos. O rosto redondo de Phoebe se voltou da cor das framboesas, e sua boca se abriu ante a vista de marido e mulher abraçados na sala do café da manhã.

– Oh, Meu Deus. P-perdão, – exclamou com horror, e desapareceu pela porta.

Laura tratou de alisar o cabelo e o vestido, enquanto sua pele ardia de vergonha.

– Estamos casados, – recordou Jason com secura, apertando seus braços ao redor de suas costas.

– Deve me soltar...

– Ainda não. É tão desagradável que te abrace?

– Eu não gostaria que ninguém mais n-nos interrompesse outra vez, – fechou seus olhos e o sentiu acariciar sua orelha.

– Se preferir um pouco de privacidade, – disse em uma voz baixa que arrepiou todos os cabelos da parte de trás de seu pescoço, – poderíamos ir para cima.

Tratou de afastar-se dele.

– Eu... Eu tenho muitas coisas que fazer hoje se quisermos partir para Brookline tão cedo. Acredito que deveria me deixar partir...

– Então vá, se está tão malditamente ansiosa por fugir de meus braços, – soltou-a com uma ligeira careta. Mas seu tom foi muito mais suave que de costume, e ela sentiu seu olhar acariciando-a quando deu a volta. – Laura.

Deteve-se sem olhá-lo.

– Sim?

– Não vou te obrigar a fazer nada, – disse em voz baixa. – Desejei-te por muito tempo, e ainda não te forcei.

Ele era mais irresistível em sua doçura do que já tinha sido em sua ira. Laura se surpreendeu pelos sentimentos que se apoderaram dela: o desejo de voltar para ele e pressionar-se contra seu corpo, para deslizar seus dedos por seu cabelo negro como o carvão, para sentir sua boca sobre a dela outra vez. Saiu da sala rapidamente, seu coração pulsando com força ante o conhecimento de que em só uns poucos minutos, seu marido havia virado todo seu mundo do avesso.


Capítulo 02

Uma neve recente havia coberto o chão, dando a casa reconstruída um aspecto pitoresco. Quando o condutor abriu a porta da carruagem de quatro portas, uma rajada de ar gelado acabou com a agradável letargia de Laura. O trajeto de Boston com Jason tinha sido surpreendentemente agradável. Respondendo a suas perguntas, tinha-lhe falado de sua empresa de construção em Back Bay, um edifício de apartamentos de vinte e cinco pisos com elevadores e calefação a vapor.

– Eu gostaria de vê-lo, – tinha comentado Laura, e ele a olhou com um sorriso cético.

– A levarei quando retornarmos.

Laura inclinou a cabeça em sinal de assentimento, enquanto que em seu interior se estremeceu de alegria. Jason nunca tinha sido tão amável com ela. Começou a pensar que os próximos dias poderiam não ser tão terríveis como tinha temido. Desde seu matrimônio, nunca tinha passado mais de uma tarde com sua família. Quando algum dos Prescotts estava perto, Jason era silencioso e brusco, suas maneiras desafiantes. Os Prescotts, por sua parte, eram rígidos e corteses. Laura sempre se sentia presa entre duas forças opostas, e se sentia miserável, quando estavam todos juntos. Mas se todos fizessem um esforço para serem agradáveis, poderiam aplainar o caminho para futuras reuniões.

Jason saiu da carruagem e estendeu as mãos, tomando-a pela cintura. Laura tirou as mãos de seu pequeno manguito de pele e agarrou seus ombros. Ele a girou sem deixar que seus pés tocassem as escadas portáteis.

– Obrigado, – disse com uma risada sem fôlego.

Seus olhos escuros estudaram os seus, e ele sorriu com tristeza.

– Uma casa cheia dos Prescotts, – disse, com as mãos em sua cintura. – Sinto como se estivesse a ponto de entrar na cova do leão.

– Levava-te bastante bem com eles antes de nos casar, – assinalou Laura.

De repente ele sorriu.

– Sim, até que te fiz uma Moram, – ainda segurando-a, olhou por cima de sua cabeça a grande casa, rodeada de campos e bosques. Bem à distância estava a silhueta da cúpula da Casa de Boston, e os edifícios altos perto dele.

Os Prescotts frequentemente se reuniam na casa de Sophia em Brookline durante o inverno. A primogênita dos filhos de Cyril Prescott, Sophia, era uma mulher simples, mas sociável. Tinha talento para o entretenimento, e existia um acordo unânime que era uma das anfitriãs mais disputada de Boston. Seu marido, o juiz Horace T. Marsh, era um sangue azul bastante formal, mas a influência de Sophia o tinha suavizado durante os últimos anos.

Sophia era uma classe estranha de mulher bostoniana, a que gostava de prescindir da formalidade desnecessária. Em sua casa, aos mais jovens lhes permitia o livre uso do primeiro nome, um costume que irritava as gerações mais velhas. Não permitia que ninguém permanecesse alheio às reuniões dos Marsh. Enrolava a todos para unir-se às rondas constantes de whist e gamão, aos passeios de trenós e aos bailes.

Sophia apareceu no patamar da escada, com os lábios curvados em um sorriso de boas-vindas. Estava vestida com um vestido invernal de caxemira cinza e veludo vermelho.

– Meus queridos, que maravilhoso lhes ter aqui, por fim, – disse ela, apertando a mão de Jason entre as suas e em seguida abraçando a Laura. – Entrem imediatamente. Temos um esplêndido fogo, e chá quente para as damas, e algo mais forte para os cavalheiros. Anne e Howard estão aqui, e também os Warren. Oh, e Jason, gostará de saber que Hale chegou faz menos de uma hora. – Sophia inclinou a cabeça para eles de forma confidencial. – Acredito que Hale está pensando seriamente em cortejar a filha dos Warren, Prudence. Disse que vocês dois não poderiam se negar a acompanhá-los em um passeio de trenó esta tarde.

Laura e Jason trocaram um olhar inquisitivo, e Jason respondeu enquanto sustentava o olhar de sua esposa.

– É obvio que acompanharei Hale, – disse, – Será algo muito agradável. – Laura reprimiu uma risada, sentindo lástima por seu irmão.

Jason a guiou para dentro da casa com o braço em suas costas, atraindo-a para um lado quando os serventes passaram junto a eles para levar seus baús ao piso de cima. Lentamente, Jason desatou os cordões de sua capa debruada de veludo. Era incapaz de olhá-lo enquanto sentia seus dedos em sua garganta.

Jason entregou o objeto aos braços de uma donzela, e olhou por cima da cabeça de Laura a sua cunhada.

– Não me importaria um copo desse "Algo mais forte" que mencionou, Sophia.

– Sugiro-te que te reúna com Hale e aos outros homens na sala, – respondeu Sophia. – reuniram-se em torno de uma tigela de ponche quente para discutir o que for que os homens discutem entre si, – ela deslizou um braço sobre os ombros de Laura e sorriu. – As irmãs irão consultar à cozinheira pelos preparativos do jantar.

Os olhos negros de Jason brilharam de diversão.

– É obvio, – disse, e embora sua voz fosse suave, era óbvio que sabia que estavam planejando fofocar.

Juntas Sophia e Laura observaram sua figura de largos ombros quando saía, depois andaram em direção à cozinha.

– Agora, diga-me de uma vez, – disse Sophia – Como conseguiu arrastar Jason até aqui?

– Foi sua decisão, – respondeu Laura. – Ninguém está mais surpreso do que eu.

– Hale me confiou que tinha tido uma conversa com o Jason, mas não quis revelar o que disseram entre eles.

Laura franziu o cenho sombriamente.

– Não quero que Hale interfira em meu matrimônio, não importa o bem intencionado que seja. Vou falar com ele sobre isso.

– Oh, não te zangue com ele! Sabe como Hale te adora. Não pode suportar verte infeliz. – Sophia olhou para sua irmã menor. – É feliz? Jason não está sendo cruel contigo, verdade?

– Não, absolutamente, – Laura cruzou os braços em um gesto obstinado.

– Hmmm. Os dois parecem bastante bem. E Jason está tão perversamente bonito como sempre. Se não fosse por seus lamentáveis antecedentes, teria sido o grande partido de Boston, – com estudada casualidade, Sophia adicionou, – Mas é obvio, sempre existirão os que dizem que deve ser digna de lástima por haver te casado com um irlandês nascido na miséria. Ninguém te culparia por te sentir envergonhada.

– Por que eu deveria me envergonhar de um homem que saiu da pobreza para obter a prosperidade? Jason teve que lutar por tudo o que teve. Nada lhe foi dado. Nada foi fácil para ele. É um homem com inteligência e força. Não me envergonho dele, mas por alguma razão Jason considera isso tão difícil de acreditar como todos os outros!

Houve um brilho de satisfação nos olhos de Sophia.

– Então, deve insistir até convencê-lo. É o dever de uma mulher tirar o melhor de sua sorte Laura. E há certas coisas que uma esposa deve a seu marido.

Laura ficou vermelha até a raiz do cabelo ante a delicada ênfase de Sophia em "certas coisas".

– Hale lhe disse isso tudo, não? – perguntou, sentindo-se traída.

– Não vou negá-lo.

– Deveria ter sabido que não podia confiar nele para guardar minha confidência.

– Hale sentiu que te beneficiaria com o assessoramento de uma irmã mais velha, – disse Sophia implacavelmente. – A ti a Anne e a mim não nos deram uma educação adequada a respeito de como ser boas esposas. Aprendemos todas as coisas práticas e nenhuma das coisas verdadeiramente necessárias. Nunca aprendemos a respeito da confiança e afeto, e sobre tudo a lealdade. As aventuras amorosas de nosso pai amarguraram a nossa mãe. Ela nunca quis que suas filhas corressem o perigo de amar a um homem que talvez as ferisse.

Laura a olhou especulativamente.

– Não esperava tanta franqueza de sua parte, Sophia.

– Tenho descoberto muitas coisas nos últimos anos. Aprendi a amar ao meu Horace, e não a me retrair com ele, – arqueou as sobrancelhas levemente. – Suspeitava que Jason não fosse o exemplo de um marido devoto. Mas uma boa esposa poderia convertê-lo em um bom marido. Se for tão inteligente como afirma. E a melhor vingança, querida, contra os que se burlam ou sentem lástima de ti por seu marido comum de sangue vermelho, é simplesmente ser feliz.

 

Parecia haver ao menos uma dúzia de meninos correndo e fazendo cambalhotas ao redor dos quatro trenós alinhados frente à casa. Alguns deles eram filhos de Sophia, outros eram dos Warren, e o resto eram primos longínquos dos Prescotts. Laura se deteve no alto da escada circular com Prudence Warren, uma moça vivaz e amável com a qual se encontrou antes uma ou duas vezes.

– Que belos trenós! – exclamou Prudence, e Laura concordou.

Cada veículo, com seus patins negros e brilhantes, eram puxados por dois cavalos com borlas de festa e sinos fixados em seus arnês. Um condutor, com uma cartola, estava sentado à frente de cada trenó. Rindo, jovens, tanto homens como mulheres, subiam nos trenós e cobrindo-se com mantas de lã e de pele, enquanto que outros ajudavam os meninos a subir a bordo.

– Agora posso acreditar que o Natal está á só três semanas, – disse Prudence.

Laura a olhou com um leve sorriso.

– Você e meu irmão estão planejando trocar presentes? – não pôde resistir à pergunta.

– Isso depende de Hale, – disse Prudence alegremente. – Se ele me der de presente algo apropriado e aceitável, caramelos ou um livro são tudo o que mamãe permitiria, então eu lhe darei de presente algo também.

As duas observaram como Hale avançava pisando com força para o último trenó com dois meninos rindo sob o braço, pedindo em voz alta que alguém lhe aliviasse a carga. Jason caminhou para ele, estendeu as mãos para os meninos, um de cada vez, e os instalou no veículo. Um garotinho alcançou as pontas do bigode de Hale e se negava a soltá-los, provocando a risada de Jason. A cena recordou há Laura os dias quando seu marido e seu irmão tinham sido amigos próximos, e sorriu com nostalgia. Era bom vê-los comportar-se civilizadamente entre eles. Não podia deixar de esperar que algum dia pudessem recuperar essa proximidade.

– Seu marido é muito encantador, – disse Prudence, seguindo seu olhar. – E bom com os meninos.

Era-o, viu Laura com um toque de surpresa. Com habilidade, Jason separou a um par de irmãos briguentos, resgatou a uma menina que andava perto dos cascos dos cavalos, e transportou um menino em suas costas de um trenó a outro. Enquanto Jason organizava o grupo e se reunia com os condutores, Hale subiu os degraus circulares até chegar onde Laura e Prudence.

– Laura, carinho, – disse amavelmente, agarrando suas pequenas mãos enluvadas.

Recordando a forma como tinha confiado seus assuntos privados a sua irmã, Laura retirou suas mãos e lhe dirigiu um olhar gelado.

– Tive uma conversa reveladora com Sophia, – disse.

Pareceu envergonhado, mas não se incomodou em fingir que não entendia.

– Sinto muito.

– Não te dei permissão para que contasse a ninguém sobre o Jason e eu.

– Sophia tinha algumas malditas hipóteses, deixou-as no ar e não pude lhe mentir.

– Poderia não lhe ter dito nada, – disse Laura com frieza.

– Mas isso com Sophia é o mesmo que admitir tudo! Carinho, não te zangue tanto, há uma...

– Tenho direito a estar zangada, traidor, – Laura cruzou os braços sobre o peito e se voltou.

Jurando em voz baixa, Hale a olhou com ar de culpabilidade e em seguida ofereceu o braço a Prudence.

– Hale, o que seja... – começou Prudence, mas ele a interrompeu com o cenho franzido.

– Não pergunte Pru. Com três irmãs, um homem sempre está nervoso de um modo ou outro, – desceu com Prudence as escadas, enquanto Jason passava junto a eles ao subir.

Jason ergueu uma sobrancelha enquanto olhava de Hale a Laura. Sorriu ao ver sua mulher vestida com um elegante traje de cetim negro e brocado, e uma capa debruada com pele de lince. Uma pequena touca negra, enfeitada com fitas vermelhas e plumas de avestruz, colocada em sua cabeça. Cada fio de cabelo em seu lugar, cada fita e dobra perfeitamente arrumada. Jason queria tomá-la e beijá-la ali mesmo, nos degraus.

O resplendor de Laura se desvaneceu imediatamente quando o viu. Ele estava especialmente bonito o dia de hoje, seu cabelo negro suavemente escovado, o casaco de lã feito à medida em seus ombros largos.

– Vim te buscar, – disse ele, deslizando suas mãos sobre suas costelas, seus polegares descansando justo debaixo de seus seios.

Ela ficou em seus braços, seus olhos verdes timidamente encontrando os dele.

– É um grande grupo para os trenós, – disse.

– Sim, e somos o único casal casado. Espero que possamos manter tudo em ordem.

– Não tenho nenhuma dúvida disso, – utilizou sua mão enluvada para sacudir a neve grudada em seu ombro. – Uma horda de Prescotts não deveria te dar nenhuma dificuldade.

Jason inclinou a cabeça e a olhou com um lento e zombador sorriso, que fez com que seu coração desse um tombo.

– Vamos ver se sua fé é justificada, – manteve seu braço ao redor dela enquanto a ajudava a descer os degraus. – Subiremos no último trenó para ter todos à vista.

Ergueu-a para colocá-la no trenó e caminhou para frente da linha de veículos, onde o primeiro condutor esperava o sinal para partir. Pouco a pouco, os trenós começaram a mover-se. Laura se sentou frente a Hale e Prudence, enquanto os quatro filhos de Sophia se amontoavam entre eles. A menor, uma menina de sete anos chamada Millicent, deslizou-se no colo de Laura e se aconchegou sob a capa de lã.

Jason se uniu a eles, subindo até o espaço vazio ao lado de Laura. Juntos arrumaram as mantas, os meninos, e suas pernas enredadas, até que Laura pôs-se a rir. Finalmente, escondeu-se de forma segura ao lado de Jason, sua perna encaixada contra sua musculosa coxa, a cabeça perto de seu ombro. Ignorando as olhadas interessadas de Hale e Prudence, apoiou-se nele.

Millicent se sentou no colo de Laura, fazendo perguntas sobre os cavalos, as árvores, e tudo o que ocorria a sua imaginação. Jason lhe respondeu com paciência, estendendo a mão para afastar um dos longos cachos castanhos da pequena. O profundo murmúrio de sua voz era ao mesmo tempo relaxante e excitante para Laura, temperado com o toque de um acento que nunca desapareceria totalmente. Escutava lhe e observava a brilhante paisagem que os rodeava: Lagos congelados, abedules carregados de neve e pinheiros rodeando o caminho dos trenós.

O grupo do trenó dianteiro começou a cantar, e gradualmente a melodia contagiou toda a linha de veículos. Laura se uniu aos outros, sorrindo ante a entrega entusiasmada de Hale.


Pelo rio e através do bosque,

Vamos onde avô? A sua casa;

O cavalo sabe o modo de levar o trenó, Através do montão de neve branca...


Observando Hale e Prudence juntos, Laura decidiu que seu irmão estava verdadeiramente apaixonado por ela. Lançou um olhar a Jason para ver se tinha notado o comportamento incomum de Hale. Jason leu com exatidão seus pensamentos. Inclinou a cabeça e lhe sussurrou:

– Espero que seu pai aprove uma aliança entre os Prescotts e os Warrens.

– Não totalmente, – sussurrou ela também. – Os Warrens são ricos em respeitabilidade, mas pobres em sentido comum. Sua fortuna familiar se reduziu a quase nada. E papai sempre desejou que Hale se casasse com uma garota com um dote impressionante.

– Hale poderia tentar trabalhar, – ambos eram conscientes de que a posição de Hale em um banco de Boston era pouco mais que aparência, desenhado para proteger os interesses dos Prescotts. A ocupação era comum entre os homens jovens da posição de Hale na sociedade. Seria um tanto vulgar para ele, que o vissem trabalhando ativamente para acumular riqueza, como se fosse um dos novos imigrantes.

– Um Prescott? – perguntou dúbia.

Jason sorriu.

– Não é fácil de imaginar, admito-o.

Hale os interrompeu indignado.

– Vamos, sobre o que estão sussurrando vocês dois? Sinto meus ouvidos em chamas!

Antes que Laura pudesse responder, a linha de trenós se deteve. Jason se levantou um pouco do assento, e olhou muito ao longe, utilizando uma mão enluvada para proteger os olhos do resplendor da neve.

– Parece que o ramo de uma árvore está bloqueando o caminho, – disse, saltando do veículo. – Volto em um momento.

– Lhe darei uma mão, – disse Hale, e saltou atrás dele.

Laura e Prudence ficaram com os meninos curiosos e excitados. Wilfred, o pequeno filho de Sophia, com óculos, de dez anos, olhou os convidativos amontoados de neve.

– Tia Laura posso sair? Só por um minuto?

– Não acredito que isso seja uma boa ideia, – disse com cautela. – Estou segura de que estaremos a caminho a qualquer momento.

– Só por um minuto, – insistiu Wilfred, e Millicent se uniu ao rogo.

– Tia Laura, posso ir com ele? Por favor, tia Laura...

– Não acredito... – começou Laura, e Wilfred a interrompeu.

– Os outros estão todos saindo! – disse o menino com veemência. – E estão... Olha, estão atirando neve...

Prudence chiou quando um pequeno punhado de neve passou perto de sua orelha. De repente, o ar se encheu de gritos felizes e de uma chuva de bolas de neve. Wilfred saltou do trenó e correu para uma árvore próxima, recolhendo um punhado de neve esponjosa do caminho.

Laura colocou Millicent ao seu lado e caminhou com cuidado atrás do menino.

– Wilfred! Meninos, todos vocês, comportem-se! Não há... – agachou-se com um ofego quando uma bola de neve passou voando caindo no chão atrás dela. – Quem atirou isso? – perguntou, tratando de parecer autoritária. A cena era um caos, os homens e mulheres agachando-se e atirando, meninos gritando de alegria.

Laura começou a rir, correndo o mais rápido que pôde ao amparo de sua própria árvore. Apoiada nela, arrancou suas luvas e começou a armar sua própria bola de neve. Sentia-se como uma menina outra vez, livre e sem inibições.

Jason caminhou de retorno ao último trenó, mantendo a cabeça baixa. O veículo estava vazio. Olhou ao seu redor rapidamente, perguntando-se aonde diabos teria ido a sua esposa. Era certo que ela não estava participando desta batalha campal. Provavelmente estaria escondida em algum lugar até que tudo tivesse terminado.

– Olhe, Moram! – a voz de Hale lhe chegou de longe, e Jason se voltou o suficientemente rápido para fugir de uma bola de neve. Jason respondeu o fogo, golpeando totalmente a Hale no peito. Hale agarrou a mancha branca de neve de seu casaco e burlonamente o desabou, fazendo com que um grande número de meninos gritassem felizes e caíssem em cima dele.

Jason riu entre dentes e começou a avançar para a pilha retorcida de jovens. De repente sentiu um golpe sólido entre as omoplatas. Girando surpreso, viu a lapela de uma capa negra atrás de uma árvore. Suas sobrancelhas se uniram. Laura? Não, sua mulher tímida, dócil, não teria se atrevido. Outra bola de neve se precipitou para ele, e a evitou com destreza, entrecerrando os olhos com curiosidade. Viu um par de luvas atiradas no chão.

– Laura? – disse, perplexo.

Sua esposa apareceu de trás da árvore, a pluma de seu chapéu dançando. Seus olhos brilhavam de alegria, mas também havia uma certa cautela em sua expressão. Estava claro que não tinha ideia de se ia zangar-se ou não.

Com esforço, Jason limpou o assombro de sua cara. Sentiu um sorriso contraindo sua boca.

– Então quer brincar...– agachou-se para recolher um punhado de neve e começou a persegui-la.

Compreendendo o que se propunha, Laura gritou e fugiu, ofegando de risada.

– Não, Jason! Lembre, sou sua esposa!

Suas saias faziam mais lenta sua fuga, mas se precipitou entre as árvores, aventurando-se no mais profundo do bosque. Rapidamente lançou punhados de neve para trás dela. Sentiu um pequeno golpe em suas costas. A pontaria de Jason era mortal.

– Rendo-me! – gritou, sua voz tremendo de risada – Jason, rendo-me incondicionalmente!

Mas Jason não estava à vista.

– Onde está? – gritou, girando em círculos. – Admito a derrota! – juntou uma bola de neve o mais rapidamente possível, em caso de que se negasse a ser um vencedor misericordioso. – Jason? – houve um rangido do gelo a suas costas. Girando, viu o Jason justo antes que se equilibrasse sobre ela. Ela emitiu um breve grito e tentou golpeá-lo com a neve, só para fazer com que ambos caíssem sobre a felpa branca que cobria o chão.

Jason girou para amortecer a queda com seu próprio corpo, e logo se deu a volta, pressionando Laura contra a neve. Sua risada rouca se mesclou com suas próprias risadinhas, e ele se ergueu sobre os cotovelos para olhá-la à cara.

– Uma rendição incondicional, – disse, – significa baixar as armas.

– Não tinha uma bandeira branca para erguer.

– Sua pontaria é boa, – disse.

– Foi um alvo enorme.

Ele sorriu e agarrou um grande punhado de neve, brandindo ameaçadoramente.

– Já me rendi! – chiou, tampando a cara com as mãos molhadas.

Ele deixou cair à neve e afastou as mãos dela, segurando-as pelo pulso.

Seu sorriso se desvaneceu quando olhou a cara escura e sentiu seu peso entre suas coxas. Ele deixou de sorrir no mesmo instante, seu olhar caiu sobre seus lábios. Ela recordou a forma como a tinha beijado na sala de café da manhã, o interior quente e úmido de sua boca, a dureza urgente de seu corpo. Ia beijá-la outra vez...

– Encarregaram-se da árvore caída? – perguntou ela.

– Sim. Deveríamos ir logo, – Jason se deliciou com a visão de suas bochechas rosadas, seus olhos entreabertos, as rajadas brancas cristalinas de seu fôlego no ar. Queria tomá-la aqui mesmo, no frio e na neve, queria afundar-se em seu corpo magro e delicioso, e sentir sua boca aberta e doce debaixo da sua.

Afrouxou os dedos de suas luvas e as tirou. Com a ponta de um dedo acariciou um cacho de cabelo úmido em sua testa.

– Tem frio? – murmurou.

Ela negou cegamente com a cabeça. A capa a mantinha isolada da umidade da neve, e a longitude de seu corpo colado ao dele, a fazia sentir como se estivesse brilhando de calor. Seus dedos se moveram sobre os lados de seu rosto como pontos de fogo, riscando sua mandíbula e a inclinação de seu queixo. Seu fôlego era como vapor sobre sua pele.

Ela levantou os dedos molhados de gelo até sua cara, explorando timidamente a linha de suas maçãs do rosto, a ponta das sobrancelhas oblíquas. Sua cabeça se inclinou sobre a sua, e seus lábios tocaram os seus em um beijo suave como o veludo. Com um pequeno som de prazer, deslizou os braços ao redor de seu pescoço e, a seguir o brilhante mundo branco que os rodeava pareceu desvanecer-se. Ele roçou outro beijo delicioso sobre sua boca, e logo outro, até que seus próprios lábios se entreabriram e ela inconscientemente, puxou seu pescoço para atrair sua boca com mais força contra a sua.

Ele o deu com tanta força como ela queria, permitindo que a fome de Jason ditasse os movimentos de seus lábios, de sua língua. Seus dedos magros acariciaram o cabelo negro meia-noite e amassaram a parte de trás de seu pescoço. Deliberadamente, ele apertou os joelhos entre suas coxas, e ela arqueou seu corpo com um ardor surpreendente. O fato de que, por fim, estivesse lhe respondendo, o pôs tão trêmulo como um moço com sua primeira mulher. A terrível verdade era que ele a necessitava como nunca tinha necessitado a ninguém. Ela era dele, e só ela podia arrasar com a solidão e a fome sem nome que havia sentido desde que podia recordar.

Era dele, e ele queria que ela o reconhecesse com seu corpo e seu coração.

– Laura, – disse, afundando a boca em seu pescoço. – Laura...

A voz lenta de Hale foi uma surpresa para os dois.

– Vocês dois são o casal mais vergonhoso de acompanhantes que já vi.

Laura se sobressaltou ante a intrusão. Seus olhos se abriram de repente e tratou de lutar violentamente para poder sentar-se. As saias e anáguas estavam enredadas ao redor de suas pernas, lhe carregando um peso extra.

– Tranquila... É só Hale, – disse Jason, enchendo seus pulmões com uma baforada de ar frio.

– Não deixe que se burle, – sussurrou, agarrando a parte dianteira de seu casaco. – Não a respeito disto.

– Não, – disse Jason em tom tranquilizador. – Matarei-o se o tenta, – ficou de pé e se inclinou para ela. Tomou as mãos e lhe permitiu ficar em pé. Então ficou totalmente tranquila. Desviou sua cara rosada quando ele chegou ao seu lado para limpar a neve de sua capa.

Hale olhou aos dois com um sorriso de satisfação. Seu bigode tremeu como os bigodes de um gato.

– Um agradável matrimônio respeitável, – acrescentou com malícia, – deveria estar fazendo todo o possível por preservar a ordem e o decoro, e em troca, vos encontro aqui rodando na neve como uns...

– Basta, Hale, – disse Jason secamente.

Ele pareceu surpreso.

– Laura, não estará envergonhada, verdade? Sou seu irmão, e, além disso...

– Hale, – disse Jason, com um tom de advertência, e inclusive Laura sentiu um formigamento por sua coluna ante esse som.

Hale ficou sério imediatamente.

– Os outros estão subindo aos trenós. Vim para lhes encontrar antes que todos notassem sua ausência.

Jason o olhou com sarcasmo.

– Obrigado.

– De nada, – disse Hale, e fez um gesto de acompanhá-los. – Voltarei com vocês.

– Não, – Jason meneou a cabeça, aproximando Laura mais a ele. – Vá à frente. Estaremos ali logo.

– Não demorem muito, – Hale olhou para Jason por sobre a cabeça de Laura, lhe dirigindo um sorriso radiante, e levantou a mão no gesto de um boxeador vitorioso.

Jason franziu o cenho e assinalou ameaçadoramente para o trenó. Hale se foi apressadamente.

Laura, que tinha perdido a troca de olhares, encaixou seus braços contra o peito de Jason para não estar muito perto dele. Não podia pensar quando estava perto dele. Seu marido endireitou seu chapéu e tirou a pluma vermelha quebrada, entregando a modo de desculpa. Ela aceitou a pluma desalinhada e olhou para Jason com consternação.

– Nunca vi um rubor assim, – disse com voz rouca, e a abraçou.

Os braços dela se moveram lentamente ao redor de suas costas.

– Não deveria me ruborizar? – perguntou com voz afogada contra a parte dianteira de seu casaco.

– Não comigo, – beijou sua testa, e ela estremeceu ante o toque masculino de sua mandíbula.

Laura não podia compreender a razão de sua repentina ternura. Talvez tivesse decidido jogar uma espécie de jogo com ela.

– Jason, – disse com valentia, – as coisas não podem mudar entre nós, não no curso de poucos dias.

– Sim podem, – seu polegar acariciou o seu pescoço, atrasando-se em seu pulso. – Durante os últimos dois meses deixei que meu orgulho se interpusesse no caminho do que realmente queria. Isso vai mudar. Sabemos tão pouco um do outro como no dia de nosso casamento. Mas... – beijou-a em sua garganta, – maldição, vai mudar.

Laura ficou em silêncio e preocupada, com vontade de chorar de repente. Tudo acontecia muito rápido. Como ia entregar-se a ele quando sabia muito bem que se poderia voltar cruel a qualquer momento?

Jason leu sua expressão e experimentou o sabor do amargo pesar. Ela era tão jovem, e a tinha ferido de uma maneira que não tinha entendido até agora.

– Não vou te machucar, Laura, – disse em voz baixa. – Não vou. E vou ganhar sua confiança, não importa o que custe.

 

A noite foi cheia de jogos, histórias divertidas, e a música no piano. Depois do jantar, os convidados se reuniram na sala, que originalmente tinham sido duas salas menores que Sophia tinha convertido em uma só. Laura se sentou com Sophia e um grupo de mulheres casadas, enquanto riam e discutiam os últimos acontecimentos de Boston. As garotas solteiras tinham formado seu próprio grupo a curta distância, enquanto os homens se congregavam ao redor da chaminé ou fumando charutos na sala de fumar do Juiz Marsh ao final do corredor.

Laura não podia afastar os olhos de seu marido. Como de costume, Jason estava dominando o grupo com sua própria maneira carismática. O que lhe faltava em sofisticação, compensava-o com a faísca de irreverência, que era intrínseca em um irlandês. Jason nunca parecia estar aborrecido, exceto quando enfrentava um particularmente engomado bostoniano, e então era capaz de dizer ou fazer algo só o suficientemente escandaloso para fazer rir a todos. Porque ele não fazia nenhum segredo sobre seus antecedentes; ninguém adivinhava sua sensibilidade a respeito. Era plenamente consciente de que havia muitos que desfrutavam da aparente amizade com ele, mas poucos os que teriam tolerado a ideia de que se casasse com um membro de suas famílias.

Por volta do final da tarde, Laura se deu conta que Jason se tornou mais silencioso que de costume; seu olhar se desviava para ela com frequência. Podia senti-lo olhando-a, e quando lhe devolvia o olhar, havia um brilho resolvido em seus olhos que a punha nervosa. Negou-se com inquietação quando Sophia a animou a tocar o piano, mas sua irmã mais velha insistiu.

– Toque algo para nós, Laura. Algo animado.

– Não posso. Estou infelizmente fora de prática, – disse Laura.

– Mas por quê? Estava acostumada a tocar todo o tempo antes de... – Sophia se deteve, mas Laura sabia que tinha estado a ponto de dizer que antes de casar-se com Jason.

Laura ficou rígida quando sentiu a mão de Jason em suas costas.

– Toque algo, – disse em voz baixa.

Sentiu uma faísca de indignação ante o que lhe soou muito parecido a uma ordem. Sabia que Jason gostava de exibir sua esposa. Ele queria que tocasse pela mesma razão que a vestia com roupas finas e joias. Bom, se ele estava decidido a pô-la em exibição, poderia compartilhar ser o centro de atenção!

Voltou à cabeça para olhá-lo desafiante.

– Se virar as páginas para mim.

Seu olhar escuro não vacilou ante a dela.

– Está bem.

– Esplêndido! – exclamou Sophia, remexendo as peças de música para encontrar o que queria. – É uma lástima que não possa tocar, Jason, do contrário escolheria algo que pudessem fazer juntos. Suspeito que nunca teve paciência para as lições, hmmm?

Sorriu. Ele não assinalou que os pianos e as classes de música não tinham sido uma grande preocupação para uma família que tinha arranhado com garras, cada centavo.

– Virar as páginas é um de meus talentos mais menosprezados, – disse, guiando a sua esposa à banqueta do piano e ajudando-a a sentar-se. Arrumou a peça de música frente a ela. – Agora, Laura, – disse sedosamente, e ela soube que ele estava desfrutando de sua irritação, – quando for o momento de virar as páginas, só move a cabeça.

Ela o olhou discretamente.

– Preferiria te chutar a perna.

Um dos cantos de sua boca se curvou em um meio sorriso.

– Está cheias de surpresas hoje, – disse. – Estou começando a me perguntar se meu temperamento irlandês não te contagiou.

Ela começava a desfrutar do ser impertinente com ele.

– Meu temperamento é inteiramente meu.

– Não sabia que havia bostonianos com temperamentos.

– Têm-no, – disse secamente. – Do tipo de combustão lenta.

– É melhor deixar sair sua irritação de uma vez e acabar para sempre com ele.

– Duvido que você goste de ter uma esposa que dê rédea solta a suas explosões de mau gênio quando queira.

– Está equivocada, – disse Jason, apoiando seu peso sobre uma perna e colocando o antebraço sobre o piano. Uma mecha de cabelo negro lhe caiu sobre a testa quando baixou o olhar para ela. – Eu gostaria muito de tê-la.

As bochechas de Laura se voltaram do vermelho maçã. Pousou os dedos sobre as teclas e tratou desesperadamente de recordar como tocar. Não havia possibilidade de que tocasse a peça sem cometer inumeráveis erros. Não quando ele estava perto. Não quando estava na mesma sala que ela.

Mas de algum jeito suas mãos se moveram, recordando a vivaz melodia com facilidade, e não fraquejou. Os dedos magros de Jason passaram as páginas justo no ritmo adequado. E todo o tempo esteve tão terrivelmente consciente de sua presença. Quando ele se inclinou tão perto que seu ombro roçou o seu, sentiu uma dor desconhecida em seus peitos.

Terminou a peça com um breve suspiro de alívio e graciosamente aceitou os elogios de Sophia e dos outros. Jason a ajudou a levantar-se, uma mão forte em seu cotovelo, e outra pessoa tomou seu lugar ao piano.

– Muito bom, – disse.

– Obrigado. – Laura desejou que tirasse a mão de seu braço. Não podia deixar de recordar o que tinha acontecido o dia de hoje, o peso de seu corpo pressionando o dela na neve, sua exigente boca lhe ensinando coisas que ela desconhecia.

– Por que não toca para mim em casa? – perguntou.

– Porque não quero, – disse sem rodeios.

Ele franziu o cenho, atraindo-a para um lado, longe da vista dos outros.

– Por que diabos não?

– Jason, sua linguagem...

– Me diga por que não.

Imprudentemente, jogou de lado seu medo e sua irritação e lhe disse:

– Porque eu não gostaria de ter que atuar a sua disposição, quando desejasse te entreter, ou quando tivermos convidados e queira que toque para eles como uma... Espécie de macaco amestrado!

– Maldição, Laura – disse em voz baixa. – Não me culparão por te privar de algo que você gosta. Se não tiver vontade de tocar quando eu queira que o faça, só me diga que vá ao inferno.

Apesar de seus tons sussurrantes, a tensão entre eles era absolutamente evidente. Laura sentiu os olhares dirigindo-se em sua direção, e endireitou as costas até que se assemelhou a um atiçador.

– Não serei arrastada a uma discussão pública contigo, – sussurrou bruscamente. – Isso se pode fazer de onde vem, mas não se faz na sociedade de Boston!

– Se faz todo o tempo em North End, – disse Jason, relaxando um pouco, deslizando suas mãos nos bolsos. – E a meus avós dava energias para seguir em frente no condado de Wexford. Talvez devêssemos experimentar de vez em quando. Ela pareceu escandalizada.

– Jason, a ideia...

– Comprarei-te uma frigideira de ferro para que me ameace. Isso nos dará um toque de autenticidade.

Em meio de sua ira, Laura sentiu um sorriso em seus lábios.

– Não quero uma frigideira. E não quero tocar para ti.

Jason a olhou com esses inquietantes olhos negros, e embora estivessem na sala cheia de gente, ela sentiu como se estivessem sozinhos.

À medida que avançava a hora, os convidados iam cansando-se. Começaram a retirar-se, as damas deslizando-se a suas acomodações, onde as esperavam as criadas para as ajudar com a remoção das crinolinas, anáguas e espartilhos, e o escovado de intrincados penteados. Laura subiu as escadas com Sophia, enquanto Jason ficava com os homens, que se atrasaram com mais charutos, aguardentes, e conversas sem terminar.

– As coisas parecem ir bastante bem, – comentou Sophia enquanto se aproximavam do dormitório de Laura.

– Refere-se aos convidados? – perguntou Laura com cautela.

– Dois em particular, – foi à misteriosa resposta. Sophia se deteve e pressionou sua bochecha contra a de Laura. – boa noite, querida.

– Boa noite, – respondeu Laura com tristeza, e se foi ao seu quarto, onde um pequeno e alegre fogo ardia na chaminé. O quarto estava decorado com brilhantes desenhos florais de cretone, corais e verdes, as janelas cobertas com cortinas de rendas cor creme. Um dossel de malha se suspendia sobre a cama com postes altos. Mas o que mais lhe chamou a atenção foi o baú masculino no canto do quarto, aberto para revelar as posses de seu marido.

Jason e ela iriam compartilhar o mesmo quarto. Laura ficou quieta, enquanto que dentro dela surgia uma onda de pânico. Estupidamente não tinha considerado a possibilidade até este momento. É obvio, esperariam que compartilhassem a cama... Havia tantos convidados, e Sophia mal tinha suficientes quartos para todos eles.

– Senhora Moram? – a tranquila voz da criada interrompeu seus pensamentos dispersos. – Gostaria que a ajudasse a vestir-se agora, O...?

– Sim, claro, – disse Laura, sem deixar de olhar o baú. Mal sentiu os puxões dos broches difíceis de alcançar das costas de seu vestido.

Jason gostaria de passar a noite com ela. Pela forma como esteve se comportando ultimamente, não tinha nenhuma dúvida disso. Mas ele tinha afirmado que não a forçaria. Se lhe suplicava que mantivesse distância, o que faria? Sem dúvida, zangaria-se, mas ela não pensava que fosse lhe fazer mal.

Mas ia lhe pedir que se fosse? Uma mescla de medo e excitação quase a enjoou. E deixaria que acontecesse? O que Hale lhe havia dito... Esses assuntos eram muito simples... Só teria que demonstrar a Jason que estava disposta a aceitar suas carícias.

"Estou disposta a fazê-lo?" perguntou para si mesma. Não pôde encontrar uma resposta clara. Dependia de Jason. Se lhe aproximava de uma maneira amável, se ela só se permitia acreditar que ele não se burlaria ou a machucaria, estaria disposta.

Vestiu uma camisola branca embelezada com centenas de diminutos botões e dobras, as mangas longas e o sutiã enfeitado com uma frondosa renda. A bata branca de cambraia que usava sobre a camisola era ainda mais elaborada, rodeado de três longos volantes de renda na prega e mais rendas nos pulsos até os cotovelos.

Decidindo arrumar seu cabelo sem ajuda, Laura despediu a criada com um sorriso de agradecimento. Sentou-se ante a penteadeira chapeada de nogueira e ficou olhando o pequeno espelho inclinado. Uma por uma, tirou as forquilhas do cabelo até que as emaranhadas ondas castanhas caíram por suas costas. Escovar tomaria um comprido tempo, e a tarefa era tranquilizadora em sua monotonia.

Laura estava quase terminando com seu cabelo quando ouviu um golpe na porta, e seu marido entrou sem pedir permissão. Seus olhos se encontraram no espelho, os dele, muito escuros, os dela, grandes e verdes. Pouco a pouco, baixou a escova. Sem deixar de olhá-la, Jason tirou o colete estampado em cor verde e negro, a estreita gravata negra, e os jogou sobre uma cadeira.

O silêncio era pesado entre eles, à tensão aprofundando-se até que Laura não o pôde suportar. Com um murmúrio incoerente, afastou a cadeira e se dirigiu rapidamente à porta. Ela não sabia onde se dirigia, só sabia que não podia ficar ali só com ele outro momento.

Jason a apanhou com facilidade, envolvendo seu braço ao redor de sua cintura. Atraiu seu corpo trêmulo contra o seu.

– Não, não, – sussurrou ao ouvido, sua mão deslizando-se sob seu cabelo.

Sua palma acariciava de acima abaixo suas estreitas costas.

– Agora não. Por favor, não esta noite, – conseguiu dizer.

– Tudo começou com essa maldita noite de núpcias, – murmurou, acariciando a parte de trás de seu pescoço. – Foi tudo minha culpa.

– Não, – engoliu em seco, tentando afastar-se, mas Jason aumentou a força de seu abraço. – Comportei-me como uma menina, – aventurou ela. – Eu-eu te rechacei.

– Não entendia por que, não nesse momento.

– Eu estava... Você foi...– ela se ruborizou, afligida pela lembrança...

 

O dia de seu casamento tinha sido comprido, árduo e fatigante, e no momento em que se retiraram para passar a noite, Laura estava esgotada. Jason esteve frio e indiferente durante toda a cerimônia e recepção, e ela se perguntou se sequer sentiria algo por ela. Depois de lhe deixar tempo para vestir sua camisola, ele apareceu em seu quarto com os ombros caídos como se fosse um dever desagradável. Já que isso era precisamente o que sua mãe lhe tinha informado que logo seguiria: um desagradável dever. Laura contemplou seu marido com uma mescla de rechaço e alarme.

Jason nunca tinha parecido tão alto e esmagadoramente grande como nesse momento. Com o fim de ocultar seu medo, guardou silêncio e olhou para o outro lado, seu coração pulsou com violência quando ouviu o som de sua respiração. Ele deslizou uma mão atrás de sua cabeça e outra, por suas rígidas costas. Sua boca quente e dura pressionou a dela durante muito tempo, e ela fechou os olhos com força, seu corpo congelado pela confusão. Sabia que algo andava mal, sentia que ele queria algo dela que não era capaz de dar. Sua mão se moveu sobre suas costas e logo contra seu peito. Foi quando ele a tocou ali, que ela o rechaçou com um movimento rápido e nervoso.

– Não, – disse sem pensar.

Ele entrecerrou os olhos com ira, como se tivesse estado esperando o rechaço.

– Vai ter que te acostumar à ideia de ser minha esposa, – disse, e tentou de novo.

Esta vez, sua boca a machucava, e sua mão percorria seu corpo com uma ousadia insultante. Ela o tolerou durante tanto quanto pôde antes de empurrá-lo com uma súplica chorosa.

– Não me toque, não posso suportá-lo!

Pareceu como se tivesse lhe esbofeteado. Cobriu-se a cara com as mãos, todo seu corpo tremendo. Foi com alívio e horror, que lhe tinha ouvido abandonar o quarto e bater à porta...

O episódio se repetiu várias vezes após, até que Jason não tinha se aproximado mais. Até esta noite.

 

– Foi tão forte, – sussurrou Laura, – e desejava tanto. Coisas que não entendo... Coisas que ainda não entendo. Agora sei que não tinha a intenção de me assustar, mas o fez. Havia um olhar em seus olhos... – deu um trêmulo suspiro.

Foi uma sorte que não levantasse a vista, a mesma expressão estava nos olhos de Jason justo nesse momento, um resplendor quente de fome.

– Não me dava conta de quão inocente era, – disse, erguendo a mão a sua cabeça, lhe acariciando o cabelo solto. – O erro foi meu. Estava muito malditamente impaciente por ti. Quando te esticou e te afastou de mim, pensei que era repugnância o que sentia, não medo.

– Repugnância? – repetiu ela com desconcerto.

– Porque sabia que estava muito abaixo de ti. Porque tinha te visto obrigada a te casar com alguém cujos antepassados não eram mais que camponeses do país mais pobre da Europa. Sabia o que todos tinham estado te dizendo, que eu não era adequado para tocar...

– Não! – impulsivamente lhe cobriu a boca com os dedos. – Não me obrigaram a me casar contigo, – disse ela com assombro. – Acreditava que não tinha outra opção? Seu olhar em branco foi sua resposta.

– Oh, Jason, meu pai me deu todas as oportunidades para rechaçar sua proposta. Não sabia? – sorriu trêmula ao ver a comoção em seu rosto. Acostumou-se tanto aos preconceitos dos outros que os tinha esperado de sua própria esposa? Não me surpreende que fizesse essas observações sobre comprar! Mas estava mais que disposta a me casar contigo. Tomei a decisão.

Jason tirou a mão de Laura de seus lábios.

– Não tem que dizer isso.

– Não estou mentindo, Jason. É a verdade.

Sacudiu a cabeça com teima.

– Fiz o trato com seu pai antes de lhe propor casamento.

– E pensou que ele teria feito um trato assim sem meu consentimento? Pensou que não era mais que um peão sem voz no assunto?

Ele franziu o cenho.

– Sim.

– Equivocou-te, – disse com um toque de impaciência. – Eu queria me casar contigo. Pelo amor de Deus, quis ser sua esposa desde que tinha quinze anos!

De repente, Laura se deu conta o que havia dito, e tampou a boca com a mão. A audaz declaração pareceu ecoar no pequeno quarto. "Não lhe deixe perguntar por que", pensou freneticamente, "por favor, não lhe deixe perguntar por que".

Graças a Deus, não o fez.

Mas ele a olhou estranhamente, seus olhos negros pareceram ler seus pensamentos mais íntimos. Cegamente, baixou a cabeça, e se enfrentou com seu amplo e extenso peito, coberto por uma camisa. Ele falou em voz baixa, sua boca contra seu cabelo.

– Quero deixar de lado o passado, Laura. Quero compartilhar contigo uma cama esta noite, – a ponta de seu dedo riscou o lóbulo delicado de seu ouvido, o que a fez tremer. – Mais que tudo, quero que confie em que vou ser gentil contigo.

Imaginou e temeu este momento durante muito tempo. Jason nunca tinha sido assim com ela antes, tão terno e cuidadoso. A escolha de render-se fez de repente fácil. Os olhos se encheram de lágrimas.

– Não sei o que fazer, -balbuciou.

– Mostrarei-te.


Capítulo 03

Habilmente seus dedos se moveram entre os botões e os laços da bata de Laura até que o objeto se deslizou de seus ombros. Jason empurrou a cambraia branca por seus braços e sobre seus pulsos. Ficou de pé ante ela em sua camisola, seu corpo suave sem a restrição do espartilho e das rendas. Ele colocou suas mãos sobre a curva natural de sua cintura, seus sentidos cativados pelo aroma e a proximidade dela.

Lentamente afundou suas mãos em seu cabelo solto até tocar seu couro cabeludo. Ele inclinou a cabeça e lhe tampou a boca com a sua. Laura estremeceu ante o masculino sabor de brandy dele. A ponta de sua língua convenceu seus lábios a entreabrir-se, e ele a beijou como se nunca fosse tê-la o suficiente. Com cuidado, suas mãos inclinaram sua cabeça para trás. Balançando-se vertiginosamente, ela alcançou a cintura de Jason para impedir que lhe dobrassem os joelhos. Rodeou-a com seus braços até que seus seios se esmagaram contra seu torso e fez com que ela apoiasse suas coxas contra as suas. A boca dela se retorcia grosseiramente, sua língua procurando a sua, seu corpo magro se moldava a ele como uma segunda pele.

Romperam o beijo ao mesmo tempo, ofegando com força. Laura aproveitou que seu abraço se afrouxou um pouco para dar um passo atrás, juntando as mãos no centro de seu peito. Seu coração trovejava de uma maneira que ela pensou que ele devia ser capaz de ouvi-lo. Olhou da cara avermelhada de Jason ao contorno proeminente na parte dianteira de sua calça. Rapidamente afastou o olhar, mas não antes que ele a tivesse visto.

– Curiosa? Aqui, te aproxime, – atraiu-a mais, terno e predador. – Não tenha medo.

– Não, Jason, eu não... – tropeçou com ele, e ele tomou uma de suas mãos, levando-a a sua virilha.

O calor irradiava através do tecido da calça, parecendo queimar sua mão. Ela se ruborizou e tratou de afastar-se. Ele cobriu sua mão com a sua e a manteve apertada contra sua carne rígida.

– Alguma vez viu um homem nu? – murmurou entre as mechas de cabelo de sua têmpora.

Ela virou sua cara quente para seu ombro, sacudindo a cabeça.

– Nunca espiou Hale e seus amigos tomando um banho, O...

– Não, nunca, – ela soltou uma gargalhada afogada, ainda escondendo seu rosto.

Uma nota zombadora entrou em sua voz.

– Fui uma jovem correta, – lentamente soltou sua mão. Seus dedos se mantiveram em contato por um escasso segundo, logo a retirou levando-a ao território mais seguro de sua cintura.

– Minha mãe se assegurou de que todas as suas filhas fossem corretas.

– Ela queria lhes manter protegidas dos homens, – disse sem perguntar.

– Bom, ela... Nunca teve uma boa opinião deles.

– Devido a seu pai.

– Sim. – Laura o olhou com curiosidade. – Hale deve haver te contado a respeito.

– Por que não me disse isso?

– Meu pai é um homem bom, amável. Mas... Sempre houve outras mulheres. Às vezes suas relações não são mais que paqueras. Às vezes são mais que isso, encolheu os ombros com impotência. – Sempre foi discreto, mas mãe sabe há anos. Ela diz que é de esperar que um homem seja fiel a uma mulher por só um tempo. Diz que a maioria dos maridos se extraviarão por que... – de repente Laura ficou em silêncio. – Continue.

– Não acho...

– Me conte.

Obedeceu a contra gosto.

– Porque são criaturas de natureza bestial, – seus olhos verdes encontraram os seus. – Mamãe também disse que você é provavelmente mais bestial que a maioria.

Jason sorriu, sabendo que de todas as pessoas que tinham rechaçado seu matrimônio, Wilhemina era a que mais havia se oposto.

– Sua opinião de meu caráter nunca foi um segredo, – ele ficou sério, lhe levantando o queixo com os dedos. – Acredita no que disse a respeito dos maridos infiéis?

Laura afastou seu olhar do seu.

– Não sei.

A voz dele foi muito tranquila.

– Acredita que te fui infiel?

Surpreendida, ela levantou a vista para ele. Sua boca se secou.

– As coisas não estiveram bem entre nós, – conseguiu sussurrar. – tiveste motivo para sê-lo.

Houve um brilho de algo vivo, talvez ira, em seus olhos. Mas sua mão era ainda suave em seu queixo.

– A estas alturas já deveria me conhecer o suficientemente bem para estar segura de algumas coisas, – disse, seu olhar perfurando o seu. – Não minto nunca.

Quando faço uma promessa, mantenho-a. – Laura queria voltar-se afastar-se, mas estava fascinada por sua intensidade. –Te tomei como minha esposa porque desejava a ti e ninguém mais. Fiz uma promessa de renunciar as outras. Foi um inferno ir dormir sozinho, sabendo que estava a só umas poucas portas de distância. Mais de uma vez pensei em ir contigo e tomar o que já era meu.

– Por que não o fez? – sussurrou com voz débil.

– Orgulho. Isso e o desejo de que me recebesse em seus braços voluntariamente, – seu sorriso tinha um tom de auto-ironia que a inquietava. – E assim esperei. E desde o dia em que nos casamos estive planejando minha vingança por todas as vezes que não pude te ter.

Laura ficou pálida ante seu tom tranquilo.

– O que... Que tipo de vingança?

Aproximou-se, com o rosto duro e sério, sua boca quase tocando a sua.

– Vou te dar tanto prazer que chorará por todas e cada uma das noites que poderíamos ter tido juntos, – tomou-a em seus braços e a levou para cama.

A luz do fogo difundia seu resplendor vacilante em todo o quarto enquanto Jason depositava Laura sobre o colchão e jogava para trás as cobertas. Ferozmente tirou a camisa e se inclinou sobre ela, com as mãos emoldurando sua cara enquanto a beijava. Instintivamente, ela ajustou a boca à sua, respondendo o movimento de sua língua com uns toques delicados de sua própria língua.

Com curiosidade, tocou o pelo do peito, passando seus dedos através da massa espessa e amaciada. Encontrou uma linha fina de pelos sedosos que chegava até a cintura de suas calças, e esfregou o dorso de seus nódulos através dela em um toque interrogatório. Para sua surpresa, sentiu que a respiração de Jason se voltou trabalhosa.

Ele grunhiu baixo e procurou o topo de seu seio através do sutiã de sua camisola. Encontrando a ponta endurecida com a boca, mordiscou delicadamente. Laura deu um grito de espanto e se retorceu afastando-se dele, levando uma mão para cobrir seu seio.

– Machuquei-te? – perguntou com voz rouca.

Com suas bochechas rosadas, ela sacudiu a cabeça.

Ele tirou a mão protetora, substituindo-a pela sua, o polegar rodeando o mamilo pulsante. Enquanto a acariciava, olhava-a nos olhos, observando que as profundidades verdes se suavizavam com o prazer.

– É tão bonita, Laura... Quero ver o resto de ti.

Ela não emitiu um som enquanto ele desatava o sutiã e agarrava a prega para subi-la por suas pernas. Com modéstia, juntou com força os joelhos, sentindo o ar frio estender-se sobre suas pernas... Quadris... Cintura... Peito. Jogando o objeto de lado, Jason juntou seu magro corpo contra o seu. Quando jogou a cabeça para trás para olhá-la, havia uma expressão absorta em seu rosto que nunca lhe tinha visto antes. Para ele, também, o tempo estava suspenso, e o mundo exterior tinha desaparecido. Seu beijo foi implacável, com sabor de desespero, ao tratar de lhe fazer compreender o muito que a desejava. Laura estreitou seus braços ao redor de seu pescoço e afundou seus dedos em seu cabelo negro.

Com um gemido afogado, Jason a soltou só o tempo suficiente para despojar-se da última peça de sua roupa. Atraiu-a para o colchão com ele e deslizou as mãos sobre seu corpo com uma suavidade incrível. Seu olhar passeou por ele, e por um momento ela não pôde respirar quando viu seu corpo nu, totalmente excitado, primitivo e dourado à luz do fogo. Fixando-a entre seus braços musculosos, ele baixou a cabeça a seus seios. Cobriu a ponta de seu mamilo, sua língua deslizando-se humidamente através do bico dolorido.

– Você gosta quando te beijo aqui? -murmurou.

– Sim... Oh, sim...

Sua boca percorria seus seios, e utilizava só o mais leve toque de seus dentes e de sua língua. Surpreendentemente, ele acariciou a longitude de seu pescoço, o oco vulnerável entre seus peitos, a suavidade de seu ventre suave. Laura explorou seu corpo com a mesma ligeireza sensível, timidamente tocando o pelo debaixo dos braços, as linhas de suas costelas, a superfície magra de seus flancos.

A palma dele se aventurou sobre seus joelhos, seus dedos riscando a linha entre suas coxas. Suas pernas seguiam bem fechadas, resistindo quando ele insinuava a mão entre eles.

– Laura, – murmurou, e ela compreendeu o que queria. Sentiu o poder e a urgência contida em seu corpo, a turgente longitude dele ardendo contra seu quadril. Laura, te abra para mim.

Fechou os olhos com força e separou os joelhos o suficiente para permitir a pressão deslizante de sua mão. Jason lhe beijou os seios, o pescoço, sussurrando que ela estava a salvo, que ele cuidaria dela. Seus lábios roçaram os seus, persuadindo-os a separar-se, e sua língua procurou a sua em uma hábil sedução que enviou todo rastro de temor para fora de seu alcance.

As pontas de seus dedos percorreram seu ventre e se inundaram no oco de seu umbigo. Deteve-se no triângulo de suave pelos castanhos na parte superior de suas coxas, tocando suavemente através dos fios frisados. Ela começou a respirar agitadamente quando seus dedos se deslizaram mais profundamente entre suas pernas, acariciando e retirando-se. Mordendo os lábios, tentou reprimir um gemido.

Apesar do desejo que fazia estragos em seu interior, Jason sorriu triunfalmente ante o aturdido, quase involuntário prazer no rosto de Laura. Ele havia trazido esse olhar a seus olhos. Era o único homem que a conheceria intimamente. Olhando-a de perto, deslizou seus dedos provocadores dentro dela. Ela gemeu de prazer, suas mãos subindo por suas costas.

Apesar de suas carícias serem inexperientes, agitaram Jason até uma violenta disposição. Desejando-a muito para esperar mais, empurrou suas coxas, abrindo-as mais e baixou seu corpo entre elas. Sentiu-a esticar-se, e tomou a cabeça entre as mãos, os lábios roçando os seus.

– Doce... Te acalme agora, mo stoir. Doerá, mas só por esta noite, – posicionou-se e pressionou para frente, apertando os dentes ante o esforço de ser cuidadoso.

Laura se agarrou a ele, gemendo seu nome quando ele mesmo se embainhou em seu interior. Houve dor, uma sensação de ardor que fez com que as lágrimas surgissem de seus olhos. Ela se retorceu e tratou de empurrá-lo, mas ele conteve seus movimentos com facilidade. Seus lábios percorreram os rastros das lágrimas em seu rosto.

– Tranquila, – sussurrou. – Gradh mo chroidhe... Você me pertence agora.

Ela começou a relaxar-se enquanto a embalava em seus braços, essa força dura dele enterrada em seu interior. Sua boca se moveu a seus seios, sugando suavemente seus mamilos doloridos. O ritmo cardíaco de Laura rugia em seus ouvidos, e seus lábios se separaram ao respirar seu nome. Ele se deslizou mais profundo dentro dela, suas mãos começando uma lenta exploração sobre seu corpo. O impulso constante de seus quadris lhe causou dor, mas sentia o impulso de levantar-se contra ele, e a sensação era intensamente doce.

Seu corpo entrou no dela, retrocedeu até que quase se retirou por completo, e logo se lançou para diante de novo. Laura ficou sem fôlego ao sentir que a pressão interna aumentava. Seus músculos se crisparam e se agarrou a seus braços duros até que seus dedos se intumesceram. Meio assustada pelas sensações desconhecidas, tentou voltar atrás, mas já era muito tarde. Uma explosão de prazer encheu seu corpo, provocando que se esticasse contra ele com um soluço incoerente. Jason afogou seus gritos com a boca e pressionou profundamente dentro dela até que deixou de tremer e esteve saciada e tranquila debaixo dele. Só então ele liberou seu próprio desejo, empurrando uma última vez e gemendo com violenta satisfação.

Laura estava muito cansada para mover-se ou falar. Jason rodou de lado e a levou com ele. Ela, com o último de suas forças, levantou seu braço para rodear a cintura de seu marido. Durante muito tempo jazeram com seus corpos enredados e seus fôlegos mesclados.

Jason foi o primeiro a falar.

– Nunca ocupará uma cama sem mim de novo, Laura Moram, – disse com preguiça. Seus dedos afastaram as mechas de cabelo coladas em sua testa e em suas bochechas.

Um tímido sorriso apareceu em seu rosto.

– Jason, – perguntou ela, tremendo quando ele segurou seu seio com sua mão cálida.

– Mmmm?

– O que significavam essas palavras?

– Que palavras?

– As palavras gaélicas que disse... Antes. Soava algo assim como...-fez uma pausa e franziu o cenho, pensativa. – Masthore.

Jason tinha o cenho franzido.

– Eu disse isso?

– Sim, – olhou em expectativa. – O que significa? – para sua surpresa, viu que aparecia uma mancha vermelha nas maçãs de seu rosto e na ponta de seu nariz. Jason?

– Não significam nada, – murmurou. – Simplesmente... Palavras de afeto.

– Mas qual exatamente...?

Beijou-a, e como tinha previsto, a pergunta voou de sua mente.

– É a mulher mais bonita que conheci, – disse contra seus lábios, enquanto suas mãos foram de seus seios até suas coxas. – Vou te dar tudo com o que alguma vez sonhaste.

Ela riu de um modo instável porque Jason nunca lhe havia dito nada como isso antes. De repente, ele parecia mais jovem, a dureza habitual de seu rosto suavizando-se na escuridão, seu sorriso quase infantil.

– Não há nada que queira, – disse ela.

– Uma carruagem de ouro, puxada por cavalos com bridas de diamantes, – refletiu, rodando sobre suas costas, virando-a e colocando-a em cima dele.

Laura cruzou os braços com modéstia sobre seus peitos. Sua longa cabeleira flutuava como uma cortina ao seu redor.

– Isso não é necessário.

– Anéis de rubi para seus dedos... Um castelo com torres de prata, um navio com as velas à luz da lua para te levar ao outro lado do mar...

– Sim, – disse ela. – Tomarei o navio.

– Aonde quer ir?

– A todas as partes.

Jason entrelaçou os dedos atrás do pescoço dela.

– Seriam velas correntes? Viajaremos a qualquer lugar que deseje, talvez passemos uns meses na Europa. Ou no Oriente, – levantou as sobrancelhas sugestivamente. – Ou no Mediterrâneo.

Laura o olhou com assombro.

– Jason, não está brincando, verdade?

– Estou falando a sério. Nunca tivemos uma viagem de lua de mel.

– Disse que não podia te permitir o luxo de deixar seu trabalho.

– Posso me permitir isso, – disse com secura. – Aonde quer ir?

– Cairo, – disse com crescente entusiasmo. – Sempre quis ver as pirâmides.

– E fazer uma excursão pelo Nilo?

Piscou surpreendida.

– Como...? – franziu o cenho com desconfiança. – Hale te disse algo?

Jason riu entre dentes.

– Sim. Mas essa é a última intromissão de seu irmão. E tem minha promessa de uma viagem na primavera.

Um doce sorriso curvou seus lábios.

– Obrigado, Jason.

Olhou-a encantado.

– Pode me agradecer de outra maneira.

– Como?

Ele agarrou seus pulsos e os afastou de seu corpo, seu olhar atrasando-se com admiração em seus redondos seios antes de desviá-lo ao seu rosto.

– Me beije.

Obedeceu sem vacilar, espalmando as mãos sobre seus ombros, roçando seus lábios com os seus. Debaixo dela sentiu que o corpo respondia, o desejo fluindo quente de sua virilha. Seus olhos se abriram, e tratou de afastar-se. Ele rodou colocando-a debaixo e deslizando uma coxa entre as suas.

– Outra vez? – perguntou sem fôlego.

– Outra vez, – seus lábios percorreram seu pescoço em um atalho úmido e abrasador. Murmurou doces delícias ao ouvido, provocando e acariciando até que ela esteve ofegando e apertando-se contra ele com avidez. Rindo suavemente ante sua impaciência, Jason desacelerou o ritmo ainda mais, tocando-a como se fosse tão frágil como uma orquídea, como se o mais leve toque de seus dedos pudesse feri-la. Levou-a além da ansiedade, além de toda razão, até que a única coisa que pôde fazer foi esperar impotente que ele a liberasse dessa prisão de seda. Por fim, deslizou-se em seu interior, e ela ronronou de delicioso alívio, seus olhos verdes entreabrindo-se.

Jason estremeceu ao senti-la fechar seus braços ao redor de suas costas, angulando os quadris para embalar os dele. Nunca tinha esperado encontrar tal satisfação. Toda a amargura, todos os desejos implícitos que o tinham obcecado durante tanto tempo, saciavam-se na doçura de seu corpo.

O ritmo urgente de seus quadris o empurrou a uma deliciosa onda de prazer, e lutou para manter seus movimentos lentos e calmos. Laura amorteceu seus gemidos de êxtase em seu ombro, e Jason sentiu também que o enchiam as devastadoras sensações. Afundou a cara no rio de seu cabelo, envolvendo-a no refúgio de seus braços, abraçou-a com força nos momentos de escuridão e de felicidade.

 

– Laura, querida. Laura! – a voz de Sophia a chamou do sono.

Gemeu, com a cara meio enterrada no travesseiro de plumas de ganso. Olhou a sua irmã mais velha, que estava parada ao lado da cama. Sophia usava um traje de veludo com um elegante cachecol até o joelho, uma faixa amarrada ao redor da longitude inferior da saia e recolhida nos joelhos. As cortinas das janelas estavam atadas, deixando entrar a branca luz do sol do inverno.

– Que horas são? – perguntou Laura com voz sonolenta e rouca.

– Oito horas querida. Pensei que o melhor era despertá-la e não lhe permitir dormir até uma hora escandalosa e te converter em objeto de embaraçosa especulação.

Laura começou a incorporar-se, então agarrou o lençol para cobrir seus seios com um grito de assombro, ao dar-se conta de que estava nua. Ela se ruborizou, dando um olhar cauteloso a sua irmã. Sophia parecia imperturbável.

– Jason já desceu? – perguntou Laura com acanhamento.

– Sim, os homens tomaram o café da manhã cedo e foram caçar aves, – disse Sophia.

– Foram caçar? – Laura franziu o cenho, confundida.

– O encanto da caça me escapa. Duvido que encontrem uma só coisa em que disparar. Mas depois de observar os hábitos de Horace durante anos, cheguei à conclusão de que os homens simplesmente gostam de levar suas armas pelo bosque, bebendo cigarreiras de caça e contando histórias obscenas.

Laura tentou sorrir, mas em seguida franziu o cenho ansiosa.

– Como estava Jason no café da manhã? – perguntou ela.

– Nada diferente do habitual, suponho, – os olhos castanhos claros de Sophia a olharam sem hesitar. – Como deveria estar?

– Não sei, – murmurou Laura, sentando-se na cama. Fez uma careta, sentindo-se machucada e dolorida em cada parte de seu corpo.

– Direi à criada que prepare um banho quente para ti, – disse Sophia com consideração. – E te enviarei um pouco de chá de cambraia.

– Obrigado. – Laura seguia segurando o lençol com força, seus punhos fazendo um novelo e retorcendo o linho suave. Sophia se foi, e Laura ficou olhando a porta fechada, lutando com uma mescla de emoções. – Oh, Jason, – sussurrou, angustiada ante a perspectiva de vê-lo esta manhã. À luz do dia, a lembrança de seu comportamento era mortificante, tinha sido descarada, tola, e provavelmente ele estivesse rindo dela em segredo. Não, não podia olhá-lo à cara agora, nem para salvar sua própria vida!

Mas não havia nenhuma possibilidade de evitá-lo. Suspirando miseravelmente, arrastou-se da cama. Refrescou-se com um banho quente que acalmou suas dores e incômodos. Depois de muita indecisão, decidiu usar um brilhante vestido de faya verde oliva que fazia iluminar seus olhos como esmeraldas. A criada veio ajudá-la com os cordões de seu espartilho, e passou muito tempo fixando as diminutas laçadas e botões da parte de trás de seu vestido. Pela frente, a saia se esticava sobre sua figura e por trás se unia a modesta crinolina coroado por um coque enorme. Cuidadosamente, Laura torceu e retorceu seu cabelo em um perfeito coque em espiral e ancorou a massa castanha com um pente de prender cabelo dourado.

Finalmente não teve nada que fazer. Ergueu as costas e se dirigiu ao piso de baixo. Sentiu-se aliviada ao descobrir que os homens não tinham retornado ainda. Algumas mulheres conversavam na sala, enquanto que outras ficaram na sala de café da manhã. A comida se mantinha em aquecedores com escudos de prata e Laura inspecionou a série com um sorriso.

Sophia sabia como servir o adequado café da manhã bostoniano, do tipo pesado, à antiga. Os aparadores gemiam bastante sob o peso de frutas, aveia, conservas e mel, waffles, bolachas, torradas, ovos, queijo e nata. Havia uma variedade de carnes, como frango com molho de nata, presunto e pescado defumado. Um prato vazio conservava umas migalhas do que tinha sido um bolo de maçã. Para os da Nova Inglaterra, nunca havia um momento inapropriado do dia para servir-se bolo de maçã.

– Tudo se acabou muito rápido, – disse Sophia. – Vamos, pegue algo para comer.

Empurrou um prato a suas mãos, e Laura sorriu, tomando um bocado aqui e lá. Mas estava muito nervosa para comer, e apesar das súplicas de sua irmã, mal tocou a comida.

– Mais chá? – perguntou Sophia, revoando ao seu redor com preocupação maternal. – Chocolate?

– Não, obrigado, – respondeu Laura ausente. Ficou de pé. – Acredito que procurarei algo para ler. Ou talvez prove minha mão no piano de novo. Senti falta de tocar. Tinha esquecido quão relaxante é. Fecharei a porta para não incomodar a ninguém.

– Sim, faça o que queira, – disse Sophia, contemplando-a com um ar de preocupação. – Laura, não parece completamente você mesma esta manhã.

– Não? – sentiu que suas bochechas se coloriam de rosa. – Estou perfeitamente bem.

Sophia baixou a voz até um sussurro.

– Só tem que aliviar meus temores e não te perguntarei nada mais. Jason te tratou com amabilidade, não?

– Sim, foi amável, – sussurrou Laura também. Inclinou-se como se fosse dizer um segredo muito pessoal, e Sophia inclinou a cabeça amavelmente. – Vou ao piano agora.

Sorrindo ironicamente, Sophia se despediu com um gesto.

Com um suspiro, Laura se sentou frente ao pequeno piano de pau-rosa, seus dedos correndo sobre as teclas de marfim, como esperando que lhes chegasse a inspiração. Então se colocaram em um padrão que recordava há muito tempo, uma melodia que era melancólica e doce. Adaptava-se perfeitamente ao seu estado de ânimo. Tentou-o torpemente um par de vezes, seu toque inseguro pela falta de prática. Enquanto tocava, concentrando-se na música, sentiu abri a porta do salão. Seus dedos se desaceleraram, logo ficaram quietos. Quão único podia ouvir eram passos amortecidos pelo tapete, mas sabia quem era o intruso.

Um par de mãos fortes se deslizaram sobre seus ombros, subiram pelos lados de seu pescoço, logo voltaram a baixar. As palmas estavam quentes, as pontas dos dedos frios. Uma voz baixa e vibrante enviou um calafrio que lhe percorreu as costas.

– Não pare.

Tirou as mãos das teclas e se voltou para Jason quando se sentou no banquinho ao seu lado. Nunca tinha parecido tão fresco e vital, com o cabelo atrativamente alvoroçado e a pele avermelhada pela brisa gelada do exterior.

Por um momento se olharam um ao outro, medindo-se, fazendo perguntas em silêncio. Laura baixou seu olhar, e resultou que caiu na coxa musculosa pressionada contra a sua. Recordou que essa coxa se encaixou entre as suas, e se sentiu cheia de vergonha.

– Deixou-me esta manhã, – ouviu-se dizer.

Jason inclinou a cabeça sobre a cabeça encurvada dela, sendo incapaz de resistir a acariciar sua nuca.

– Não queria te despertar. Dormia tão profundamente.

Ela estremeceu ante o calor de seu fôlego e tentou levantar-se, só para que a agarrasse firmemente pela cintura e voltasse a baixá-la. Automaticamente escorou seus braços contra seu peito.

– Me olhe, – disse ele em voz baixa, – e me diga por que está tão assustadiça hoje.

Os dedos de Laura puxaram com nervosismo seu colete de brocado negro e marrom.

– Sabe por que.

– Sim, já sei por que.

Ouviu o rastro de diversão em seu tom. Seus olhos verdes voaram para encontrarem com esses olhos negros, e viu que as profundidades de meia noite estavam cálidas pela risada. Imediatamente ficou espantada. Oh, ele ria dela, ele se burlava pela maneira como se comportou a noite anterior, sua casta esposa, que tinha gemido e se agarrado a ele tão lascivamente.

– Deixe-me ir, – disse, empurrando-o a sério. – Sei o que pensa, e eu não...

– Sabe? – apertou seu abraço até que ficou apanhada contra seu peito, e sorriu à pequena cara escarlate. – Penso que é adorável, – beijou-a na testa enquanto ela lutava em vão. – Penso que necessita que lhe recorde de algumas coisas, – sua boca se uniu a dela, incitando seus lábios a abrir-se. Ela não pôde deixar de responder, como não podia deixar de pulsar seu coração. Enquanto seus lábios se aferravam aos dele, ela permitiu que suas mãos se deslizassem livres por fim, e seus braços rodearam seu pescoço. Suas línguas se tocaram, rodearam-se, deslizaram-se juntas languidamente. Lentamente, Jason liberou sua boca, e ela deu um gemido de protesto.

– Penso, – disse com voz rouca, – que necessita que lhe levem de volta à cama.

Os olhos de Laura se abriram com alarme.

– Não me envergonhe diante dos outros dessa maneira.

Beijou-a com avidez.

– Entenderão.

– Não o farão! São bostonianos.

– Penso que te levarei para cima. Agora mesmo, – fez um movimento para levantá-la, e ela se agarrou a seus ombros.

– Jason, não, não pode... -sua voz foi se apagando ao ver que só estava burlando-se dela. Seu cenho de preocupação se dissolveu em uma careta.

– Laura, – murmurou com um sorriso, – necessita uma prova do muito que te desejo? -levou a mão a sua virilha, e ela conteve o fôlego ao senti-lo, duro e premente, mais que preparado para tomá-la. – Nunca pensei que fosse possível desejar tanto a uma mulher, – disse ao ouvido. – E se não fosse por sua bendita modéstia, te possuiria lá encima... Ou aqui mesmo... Em qualquer parte... – procurou seus lábios, sua boca suave e persuasiva, lançando fogo a todos os seus nervos.

– Jason, – sussurrou, apoiando-se nele, – diria-me se te desgostei a noite anterior, verdade?

– Me desgostar... – repetiu com assombro. – Laura, ninguém me agradou mais. De onde tirou uma ideia tão estúpida? – de repente seus olhos escuros eram severos. – Se for por isso que está inquieta, parece-me que vamos lá para cima.

Esta vez foi evidente que não brincava. Alarmada, Laura tratou de apaziguá-lo.

– Não. Acredito em você, Jason, eu...

– Me convença, – desafiou, e afogou suas palavras com um beijo sensual. Ela se retorceu para tê-lo mais perto, seus dedos deslizando-se entre seu colete e a camisa. Os batimentos de seu coração tão selvagens como os seus. Ela se perdeu em uma onda de doce loucura, sem lhe importar o que aconteceria depois, vagamente consciente de que não se oporia se Jason a empurrasse ao chão e a tomasse ali mesmo.

Foram interrompidos pelo forte estrondo de um tambor de lata e um toque estridente e metálico. Os sons pareceram perfurar os tímpanos de Laura e sacudiu seu corpo. Jason a soltou com uma maldição afogada, quase caindo da banqueta do piano. Juntos olharam os intrusos.

Um par de diabinhos, rindo travessamente, estavam parados ante eles. Eram os filhos de Sophia, Wilfred e Millicent, sustentando os instrumentos de lata e golpeando-os fortemente.

– Uns meninos encantadores, – comentou Jason gratamente, esfregando com uma mão a parte de trás de seu pescoço, onde todos seus pelos estavam arrepiados.

– Estava beijando à tia Laura! – gritou Millicent com alegria.

– Estava-o, – concordou Jason.

Wilfred empurrou os óculos para cima e entreabriu os olhos para eles.

– Tio Hale disse que viéssemos tocar para vocês.

Jason olhou para Laura com um sorriso pesaroso.

 – Desculpa. Tenho dois pequenos elfos que apanhar.

– O que vai fazer quando os apanhar? – perguntou com fingida preocupação.

Ele sorriu sombriamente.

– Enterrá-los no monte de neve mais próximo.

Wilfred e Millicent gritaram com delicioso terror e fugiram da sala quando Jason os perseguiu.

– Não se esqueça de Hale, – disse Laura atrás dele e riu.


Nos dias que seguiram, Laura não pôde deixar de lado a sensação de que estava em um sonho delicioso que terminaria com cruel rapidez. Cada manhã despertava com uma sensação de preocupação, que se dissolvia quando via o sorriso de Jason. Era um milagre para ela que o marido que tinha chegado a temer, agora fosse a pessoa com a qual queria estar a cada minuto.

Agora que já não tinha medo que seu sarcasmo se voltasse para ela, falava livremente com ele. Era um companheiro entretido, às vezes reflexivo e tranquilo, às vezes quase travesso. Era um amante atento, sempre sensível ao seu prazer, mas com um toque carnal que ela encontrava excitante.

Para surpresa de Laura, Jason parecia desfrutar do descobrimento de que ela não era a criatura delicada e reservada que tinha pensado. Uma manhã, ele a arrastou longe dos outros e a levou a um passeio pelo bosque, provocando e paquerando como se fosse uma donzela a qual estava empenhado em seduzir. Descaradamente, baixou a cabeça afastando-se quando ele quis beijá-la.

– Não, – disse, recolhendo suas saias e caminhando para o tronco de uma árvore caída. – Sei o que quer, e não te aproveitará de mim na neve.

Seguiu-a de boa vontade.

– Poderia fazer se esquecer do frio.

– Não acredito – afetadamente passou por cima do tronco da árvore, e deu um gritinho quando ele fez um intento de agarrá-la.

– Nunca cedo ante um desafio, – disse.

Ela rapidamente recolheu um pau comprido de abedule e se voltou para ele, tocando-o em seu peito como se fosse uma espada.

– Então esta é a razão pela qual me trouxe aqui, – acusou-o. – Para pular indecorosamente no meio do bosque.

– Exatamente, – com deliberada lentidão, ele tomou o pau e o partiu pela metade, jogando-o de lado. – E vou fazer o que quiser contigo.

Retrocedendo passo a passo, Laura considerou a possibilidade de um acordo. – Um beijo, – ofereceu.

Continuou espreitando-a.

– Terá que fazer melhor que isso.

Seus olhos escuros brilhavam de risada, e estendeu os braços para mantê-lo a distância.

– Não negociarei contigo, Jason.

Olharam-se fixamente, medindo-se, esperando cada um que o outro fizesse o primeiro movimento. De repente, Laura se precipitou para um lado, e se encontrou apanhada em um par de braços fortes. Ela riu profusamente, enquanto ele a levantava pela cintura como se não pesasse nada. Lentamente a deixou deslizar-se para baixo até que seus rostos estiveram ao mesmo nível, com seus pés pendurando ainda por cima do chão. Sem pensá-lo, rodeou o pescoço com seus braços e colocou sua boca à sua em um beijo tão direto e natural que Jason cambaleou um pouco, seus sentidos eletrificados. Ele teve que deixá-la no chão antes que fizesse com que ambos caíssem enredados em uma pilha de membros. Enfeitiçado, olhou à mulher em seus braços e pensou no estúpido e arrogante que tinha sido. Tinha assumido que a conhecia tão bem quando não a conhecia absolutamente.

– Jason, – perguntou com nostalgia, – realmente temos que voltar para casa amanhã?

– Não podemos ficar aqui para sempre.

Ela suspirou e assentiu com a cabeça, perguntando-se quanto tempo duraria a trégua entre eles quando estivessem de retorno a um território muito familiar.

 

Foi com reticência que por fim deixaram a casa dos Marsh em Brookline ao dia seguinte e retornaram a sua própria casa em Beacon Street. Sophia tinha sido capaz de adivinhar as restantes preocupações de Laura e lhe deu um abraço inusualmente longo de despedida.

– Tudo ficará bem, – sussurrou Sophia, lhe dando tapinhas nas costas. – depois de ver o Jason contigo nos últimos dias, cheguei a compreender que não há nenhuma dificuldade entre vocês que o tempo não possa resolver.

Laura sorriu e assentiu com a cabeça, mas sabia que nesta matéria Sophia não tinha razão. O tempo significava muito pouco. Dois meses completos de matrimônio não tinham obtido para ela e Jason o que os últimos quatro dias. E ainda havia problemas que enfrentar, problemas que não podiam resolver sem importar quanto tempo transcorresse. Tinha que encontrar algum modo de escavar na mais profunda reserva de Jason, a barreira que lhes impedia de chegar a uma intimidade mais à frente do prazer físico que compartilhavam.

Como tinha prometido, Jason a levou a lugar de sua construção mais recente. Era a primeira vez que via um de seus projetos em construção. Até agora tinha cuidado de mostrar muito interesse nas preocupações de seu negócio. Agora o enchia com perguntas.

– Que classe de gente vai alugar os apartamentos? – perguntou. – Famílias pequenas? Homens jovens?

– E mulheres jovens, sobre uma base cooperativa.

– Mulheres jovens sem acompanhantes?

Ele riu de seu tom suavemente reprovatório.

– Sim, mulheres independentes com suas próprias carreiras, compartilham um apartamento juntas. É essa uma proposta muito radical para que um Prescott aprove?

– Sim, – disse ela. – Mas suponho que os Prescotts não podem deter o progresso.

Ele sorriu e a puxou pelo braço para colocá-la muito junto a ele.

– Te faremos uma liberal.

À medida que Jason a acompanhava pela propriedade, Laura ficou impressionada, inclusive um pouco assombrada pelo tamanho da empresa. O ar estava carregado com o ruído da pá escavadora a vapor, o grupo de homens estendendo cascalho e dizendo maldições, o pó por toda parte. Parte da propriedade incluía um antigo esgoto de lixo, que estava coberto de cascalho limpo.

A leve cauda da saia de Laura se arrastava pelas manchas do chão lamacento, e ela fazia uma pausa de vez em quando para puxá-la com impaciência. Usava a roupa mais prática que possuía, um simples vestido de lã, de uma cor ameixa profundo, uma capa combinando, e botas de pele de foca, com revestimento duplo. Os pesados drapeados e a saia muito ajustada lhe impediam de mover-se com a facilidade de Jason, e ele se viu obrigado a diminuir seus passos para emparelhá-los com os seus.

Jason desacelerou seu passo ainda mais quando foram abordados na rua por uma figura magra e esfarrapada. Os olhos de Laura se escureceram com lástima enquanto olhava o ancião, que vestia farrapos que dificilmente eram um adequado amparo contra o frio. Sua barba cinza era espaçada e amarelada, sua pele manchada, cheirava a gim. Falou com um pesado acento irlandês que Laura mal pôde decifrar.

– Senhor, tem uma monea que o sobre pra' um velho como eu? O vento está forte e helao hoje.

Laura olhou para Jason, cuja expressão era inescrutável.

– Realmente o está, – disse. Colocou a mão no bolso e tirou umas moedas, as colocando sobre a mão estendida.

O velho o olhou com olhos chorosos, que de repente se iluminaram com interesse.

– Claro, usté vem da velha terra.

O leve acento de Jason se fez mais pronunciado que o habitual.

– Meu avô deixou o condado de Wexford a princípios da podridão da batata.

– Sim, usté tem o aspecto de Wexford, o' olho' e o cabelo negro como o carvão. Eu mesmo venho de Cork, – o homem assentiu com a cabeça em agradecimento, fazendo um gesto com as moedas as apertando em seu punho ossudo. – Deu' benzalhe, senhor, e a sua bonita esposa.

Laura olhou para trás enquanto eles prosseguiam seu caminho. O homem estava correndo furtivamente através da rua, com as mãos colocadas debaixo de seus braços.

– Pobre homem, – disse. – Espero que compre algo para comer.

– Vai gastar tudo em bebida, – disse Jason rotundamente.

– Como pode estar tão seguro?

Por um momento pensou que ele não fosse responder.

– Conseguir uísque é mais barato que pão, – disse finalmente.

– Então, por que lhe deu dinheiro se sabia...? – Laura franziu o cenho olhando o chão, sentindo a tensão no braço dele, sabendo que algo havia tocado um nervo sensível.

Jason sentiu um forte desejo de lhe contar o que pensava, mas seu costume de manter em privado tudo relacionado a seu passado advertiu contra dizer algo. Abriu e fechou a boca várias vezes, sentindo o calor subindo por seu pescoço enquanto travava uma batalha interna. Não havia nenhuma razão para confessar nada a ela, não havia necessidade de que ela soubesse. E se Laura entendia realmente como tinha sido sua infância, desprezaria-o. Daria o mesmo asco que ele sentia cada vez que o recordava. Deus sabia por que agora, de todos os momentos, sentia-se impulsionado a lhe contar a respeito do que uma vez se prometeu jamais voltar a falar.

Jason se deteve e voltou o olhar para a pá escavadora quando mordeu o chão duro.

– O que foi? – perguntou com suavidade. – O que ele te recordou?

Ele falou como se estivesse arrancando as palavras.

– Conheci homens assim quando era jovem. Homens afastados de seu lar pela pobreza e a enfermidade, e sobre tudo, pela fome. Não lhes importava aonde se fossem, contanto que escapassem da Irlanda. Frequentemente, chegavam a Boston sem dinheiro, sem trabalho, sem familiares. Eles... – deteve-se e respirou fundo antes de continuar, – estavam acostumados a pedir um lugar quente na sala de minha família durante a noite, quando o inverno era amargo.

– A sala de sua família? Não quer dizer sua casa?

Não a olhou.

– Vivíamos em uma sala de um porão. Sem água ou janelas. Não havia luz, exceto quando a porta da calçada de cima se abria. A sujeira continuamente se esvaziava da rua. Era pouco mais que uma boca de lobo.

Laura ficou em silêncio, assombrada. Isso não podia ser certo, pensou. Não podia ter vindo desse tipo de pobreza. Tinha sabido que os Moram não tinham sido uma família de grandes meios, mas Jason estava falando como se tivessem sido os habitantes de um tugúrio!

– Mas seu pai era um lojista, não? – perguntou. – Teve dinheiro suficiente para te enviar à universidade.

– Isso foi depois, quando seu negócio começou a ter êxito. Inclusive então teve que negociar sua alma por dinheiro. Conseguiu convencer a alguns comerciantes e políticos locais que eu ia ser um bom investimento, – a boca de Jason se torceu. – Nos primeiros anos, meu pai tinha sua loja de comestíveis em nosso porão. Até que tive nove ou dez anos, lembro-me de comer nada mais que restos e comidas estragadas, o pior do que ele não podia vender.

– Mas sua educação... Como...?

– Meu pai foi um dos poucos que pressionou seus filhos para que fossem às escolas públicas e gratuitas. Ele não sabia ler. Queria que ao menos um de nós soubesse.

– Você queria ir?

– Ao princípio, não me importava. Era um bruto ignorante que não queria nada com exceção de comida e o pouco de comodidade que pudesse encontrar. Há uma atitude em North End, que faz com que um homem não queira mudar a vida em que nasceu. Os irlandeses são fatalistas nestas coisas. Pensei que a única maneira de obter o que eu queria era roubando, – Jason sorriu. – Quando não podia encontrar carvão ou madeira no lixo, a família tinha que ficar na cama todo o dia para manter o calor.

Deus sabe que não viam nenhum uso em aprender a ler.

– O que te decidiu tentá-lo?

Ele respondeu, distante, como se fosse só pouco consciente da presença de Laura. As lembranças nunca estavam longe de sua mente, eram o que o motivavam, mas até agora nunca se permitiu falar deles.

– Vi homens trabalhando nas docas até que suas costas se arruinaram. E os moços de quadras e peões dos estábulos que viviam em piores condições que os cavalos que cuidavam. A todos os trabalhadores e domésticos irlandeses que trabalham por um salário lhes chama "mãos verdes". Não havia nada que não tivesse feito para escapar disso, – Jason a olhou então, seus olhos negros desconcertantemente intensos. – Trabalhei todo o tempo. Nas docas, nos salões, em qualquer lugar que me pagassem uma moeda. Na escola estudava muito, tive as mais altas qualificações. Nunca perdi nada: beisebol, corridas a pé, debates públicos. Cada homem com meios com o qual me cruzava, convertia-se em um mentor. Entretanto, a admissão à Escola Latina de Boston foi tudo menos um milagre. Deverei favores por isso a partir de agora até pelos séculos dos séculos. Foi então quando tudo mudou, quando por fim soube o que realmente desejava.

Laura não lhe perguntou o que era isso, porque teve medo da resposta. Ela suspeitava que o que realmente queria Jason era o que nunca poderia ter: assumir um lugar nos círculos mais altos da sociedade de Boston, que nunca permitiriam a um irlandês. Essas posições se decidiram há gerações, e não se admitia a nenhum intruso nos círculos sagrados. Sem importar quanto dinheiro ou poder adquirisse Jason, sempre lhe consideraria um forasteiro.

– E logo a Latina de Boston o levou a universidade, – disse ela em voz baixa.

– Quando chegou o momento para isso, alguns comerciantes irlandeses ajudaram a pagar a fatura. Finalmente reembolsei seus investimentos com acréscimo.

– Sua família deve estar muito orgulhosa de ti, – disse, e se surpreendeu quando ele não respondeu.

Enquanto ela ainda estava tentando absorver tudo o que lhe havia dito, Jason a tomou pelos ombros, seu olhar procurando lástima ou repugnância. Ela não sentia nada disso, só o desejo de consolá-lo. Pensou no que devia ter sido para ele sendo um menino, faminto e muito pobre para ter esperança ou inclusive para sonhar.

– Oh, Jason, – disse suavemente. – Não suspeitava que tivesse tido uma vida tão sofrida. Deveria haver me dito isso antes.

Laura viu que o que seja que tinha esperado dela, não tinha sido isso. Seu rosto estava totalmente quieto. Tocou sua magra bochecha com sua mão enluvada.

– Deveria te repugnar saber de onde venho, – murmurou.

Ela negou com a cabeça.

– Admiro-te por isso. Admiro-te pelo que fez de ti mesmo.

Ele não respondeu, olhando-a de uma forma quase calculadora, como se quisesse lhe acreditar, mas não pudesse. Deixando sua mão cair de lado, lhe dirigiu um sorriso incerto.

Foram interrompidos pela aproximação do capataz da construção, que os tinha visto a distância. Com impaciência os saudou, e consultou com Jason alguns detalhes do projeto. Laura os via, surpreendida por quão rápido a amargura e as lembranças no rosto de Jason tinham desaparecido, substituídos por sua tranquila autoridade habitual. Consternou ver com que facilidade escondia seus sentimentos. Tinha medo de que nunca o entendesse totalmente.

Depois de se despedir do capataz, aproximaram-se da calesa e Jason murmurou ao condutor que fossem para casa. Laura entrou na carruagem forrada de veludo, ajeitando a aglomeração de crinolinas, anáguas, e pesadas saias drapeadas para sentar-se comodamente. Jason se sentou junto a ela, fechou a porta, e puxou as persianas de tafilete para cobrir a janela fechada. Amavelmente, inclinou-se para ajudar a tirar uma dobra da saia de debaixo dela. O veículo começou a mover-se com uma pequena sacudida.

– Jason, – disse em voz baixa.

– Sim?

– Espero que não te arrependa de me falar de seu passado, – vacilante estendeu a mão para lhe acariciar o peito. – Sei que há muito mais que não me disse. Algum dia espero que confie em mim o suficiente para me contar o resto.

Sua mão se fechou em um punho sobre a dela. Surpreendida, rapidamente o olhou, perguntando-se se de algum jeito o tinha feito se zangar. Havia chamas em seus olhos escuros, mas não eram de cólera. Ele envolveu sua outra mão ao redor da parte de trás de seu pescoço. Suas pestanas negras e grossas baixaram, e ele a olhou com um olhar entreaberto.

– Laura, por que te casou comigo? – perguntou com brutalidade.

Ela se sobressaltou e se voltou de um ou dois tons mais pálida. Torpemente, tratou de evitar a pergunta.

– Acredito que isto se chama procurar um elogio, senhor Moram, – sorriu, mas ele não respondeu. Seu silêncio a obrigou a continuar. – por que quis me casar contigo... Bom, há muitas razões, suponho. Eu... Eu sabia que seria um bom companheiro, e foi amigo de Hale, e durante esses quatro anos que passou o Natal conosco, cheguei a te conhecer, e... – seu olhar se afastou. Tentou liberasse, mas estava bem segura contra noventa quilos de homem obstinado, e ambos sabiam que não estaria livre até que lhe desse o que ele queria.

– A verdade, – murmurou ele.

– Não posso te dizer algo que não sei.

– Prova.

Impotente, ela puxou a mão apanhada.

– Por que é necessário?

– Porque pensei que lhe tinham obrigado a te casar comigo. Faz uns dias me disse que te casou comigo por sua própria vontade. Tenho que saber por que.

– Não sei por que, – Laura ofegou quando ele se virou e a arrastou sobre suas pernas. Estava presa em um casulo de saias e espartilho, sua cabeça obrigatoriamente levantada pela pressão de seu braço. – Jason, por favor, não sei o que quer...

– Ao diabo com que não sabe.

– Deixe-me ir, valentão!

Ele ignorou sua demanda.

– Então tomaremos outro rumo. Se tinha escolha, então me diga por que não te casou com alguém de sua própria fila social. Havia homens jovens com bons nomes e os meios adequados, poderia ter tido a algum deles.

– Oh, uma seleção de primeira, – admitiu, olhando-o. – Hordas de esnobes de sangue azul criados para não fazer outra coisa que preservar o dinheiro que seus avós fizeram. Poderia haver me casado com algum digno brahmin que insistiria em comer aveia todos os dias de sua vida, e levar um guarda-chuva sob o braço, inclusive quando não chovesse, e queixando-se até que ele fosse um ancião por não ser aceito no clube Porcellian de Harvard!

– Por que não o fez?

– Jason, pare! – ela se retorceu até que suas forças se esgotaram.

– Disse-me que queria te casar comigo desde que tinha quinze anos, – disse sem piedade. – Por quê?

Ela tremia de angústia, seus olhos brilhantes de repentinas lágrimas.

– Não, não chore, – disse, sua voz gentil. – Laura, disse coisas que nunca confessei a ninguém. Não pode ser mais difícil para ti do que foi para mim.

Seu rosto bonito estava tão perto dele e havia algo pagão no negrume de seus olhos. Laura passou a ponta de sua língua por seus lábios secos e tragou. Seu sangue corria tão rápido que sentia que ia desmaiar.

– A primeira vez que te conheci, – conseguiu dizer, – Hale havia te trazido para casa para as férias de Natal. Você ficou me olhando durante esse jantar horrível...

Recorda?

Ele assentiu ligeiramente com a cabeça.

– Via-te como um lobo em uma jaula, – disse. – O quarto era muito pequeno para ti. Não pertencia ali, mas pude ver o muito que queria pertencer, quão decidido estava. E sabia que podia te ajudar.

– Maldição, não te casou comigo para ser útil!

Inutilmente ela tentou liberar seus braços.

– Vamos chegar em casa logo...

– Não vou te deixar ir até que tenha a resposta. É que você gostava da ideia de te casar com alguém socialmente inferior? Assim sempre podia ter a frigideira na mão?

– Não, – ofegou ela.

– Por dinheiro? Queria ser a esposa de um homem rico, sem importar o vulgar de sua linhagem.

– Jason, você... Pare! – lutou com fúria. Se tivesse podido lhe dar uma bofetada, o teria feito.

– Por que te casou comigo?

– Porque era uma parva, e pensei que me necessitava, e eu... – estava tão irritada que estava tremendo, e se assustou ao dar-se conta de que esteve a ponto de lhe haver dito impulsivamente a verdade.

– Por que te casou comigo? – foi a incessante pergunta.

Arderam bruscamente os olhos.

– Jason, não me faça...

– Por quê?

– Porque te amo, – disse ela, afogada, finalmente dando-se por vencida. – Amei-te desde o primeiro momento em que te vi. Essa foi a única razão... A única.


Capítulo 04

Um tremor percorreu o corpo de Jason, e pressionou os lábios contra sua testa. Nunca antes tinha desejado que ninguém o amasse. Nunca tinha havido espaço em sua vida para algo ou alguém que o distraíra de sua ambição. Até seu compromisso, tinha tido aventuras, mas sempre com o mútuo entendimento de que eram temporários. Laura era a única mulher que sempre tinha desejado.

– É cruel, – soluçou, perguntando-se o que acabava de fazer. Tinha cometido o maior erro de sua vida ao admitir seus sentimentos tão cedo. Deveria ter esperado, deveria haver-se mantido firme. – É um valentão, e egoísta, -...

– Sim, e um patife, – murmurou, tocando suas lágrimas. Beijou as pálpebras úmidas. – Não chore, mo stoir, não chore.

Desesperado para acalmá-la, beijou-a com toda a doçura de que era capaz. Inclinou-se e pôs os braços dela ao redor de seu pescoço, enquanto sua língua revoava sobre sua boca suave. Seu musculoso braço era duro contra suas costas. Pouco a pouco, suas lágrimas cessaram, e seus trementes dedos se deslizaram entre seu cabelo.

Ante este sinal de sua resposta, Jason terminou o beijo com uma carícia imensamente suave de sua língua e retirou sua boca da dela. Tinha que parar agora, do contrário não seria capaz de controlar-se. Mas seu corpo magro se moldava ao dele, e seus seios se moviam contra seu torso. Tentou afastar-se de seu colo.

– Estaremos em casa logo, – disse com brutalidade, mais para si mesmo que para ela. – Estaremos em casa e então...

Seus lábios vermelhos pressionaram os seus, lhe arrancando docemente a prudência. Avidamente, Jason inclinou sua boca sobre a sua, sua língua empurrando grosseiramente. Ela se retorceu em resposta entre suas pernas e lhe devolveu a paixão com a mesma força. Ele procurou freneticamente através da massa das saias, por suas pernas, por suas coxas, sem poder chegar a alguma parte dela através dos objetos muito ajustados.

A carruagem se deteve, e Jason se esticou com uma maldição afogada. Laura ofegou, seus dedos agarrando-se ao seu casaco. Passaram vários segundos antes que ela entendesse que estavam em casa. Olhou para Jason, seus olhos desfocados. Seu cabelo caía sobre seus ombros, as forquilhas soltas, o chapéu deslocado, e sua roupa desalinhada.

Torpemente levou as mãos a seu cabelo, ruborizada de vergonha. Pensou na forma como as criadas ririam com a história da fria, serena senhora Moram entrando com sua roupa torcida e o cabelo parecendo um ninho de pássaros.

O condutor começou a abrir a portinhola da carruagem, e Jason a apanhou facilmente. Com umas breves palavras ao condutor, ele fechou a porta. Voltando-se para Laura, observou seus punhados ondulados de cabelo e as forquilhas de seu coque.

– Posso te ajudar?

– Ajudaste o bastante, – disse com agitação. – Como você gosta disto! Quando quer algo deve o ter sem importar a hora ou o lugar, e todas as demais considerações lhe importam um nada.

– Quando se trata de ti, – disse ele, – sim.

Olhou então, e encontrou uma doce calidez em seus olhos que fez com que suas mãos tremessem. Cuidadosamente, voltou a arrumar sua roupa, reacomodou seu chapéu, e lhe deu uma inclinação de cabeça quando esteve pronta para deixar a carruagem.

Depois que ele a acompanhou até a escada e ao vestíbulo de entrada, Laura se deteve no meio do brilhante piso de parquet. Rapidamente, a ama de chaves chegou para tomar sua capa e o casaco de Jason.

– Senhora Ramsey, – murmurou Laura à ama de chaves, – baixarei logo para discutir os planos para o jantar. Primeiro tenho que trocar de vestido.

– Sim, senhora Moram. Enviarei uma das criadas para lhe ajudar...

– Isso não será necessário, – Jason a interrompeu com tom casual, tomando o cotovelo de Laura.

No rosto da ama de chaves apareceu uma mescla de especulação e de horror encantado. Claramente, perguntava-se o que poderia acontecer lá em cima. Ainda estavam a plena luz do dia, um momento impensável para que um marido se deitasse com sua esposa.

– Sim, senhor, – disse ela, e se dirigiu à cozinha.

Laura tentou tirar o cotovelo do dele.

– Jason, não sei o que tenta, mas...

– Não? – guiou-a pela escada sem a menor pressa.

– Isto pode esperar até a noite, – sussurrou. – Sei que deve ter muitas coisas que atender...

– Sim, coisas importantes.

Mal chegaram ao seu quarto, ele a empurrou ao interior e fechou a porta com o pé. Sua boca cobriu a dela com impaciência, seu fôlego, uma rajada ardente contra sua macia bochecha. Tirou o chapéu e se ocupou de seu cabelo, esparramando as forquilhas até que a longa cabeleira castanha lhe caíram até a cintura.

– Jason, necessito tempo para pensar em tudo o que aconteceu...

– Pode pensar em tudo o que deseje seu coração. Mais tarde, – suas mãos se moviam sem cessar de seus seios até os quadris. – Queria dizer o que disse na carruagem?

– A respeito de que é um valentão? – ela jogou a cabeça para trás enquanto seus lábios encontravam o oco sensível debaixo de seu ouvido. – Sim, quis dizer cada palavra.

– A respeito de me amar.

Seria inútil negá-lo agora. Laura engoliu em seco e se obrigou a enfrentar seus olhos escuros. Jason parecia quase severo, sua boca inflexível com uma firmeza que lhe dava vontade de cobri-la com tentadores beijos.

– Sim, – disse com voz rouca, – quis dizer isso também.

Sem pronunciar uma palavra, a fez girar e desatou a parte traseira de seu vestido. Em sua pressa, seus dedos eram menos ágeis que o habitual. O pesado vestido caiu junto com o montão de anáguas. Laura deixou escapar um suspiro de alívio quando lhe desatou os cordões de seu espartilho e o artefato junto com a seda foram jogados no outro lado do quarto. Ouviu o som de tecido que se rasgava e sentiu que suas calcinhas de cambraia rosa se deslizavam ao chão.

Tremendo, recostou-se contra ele, sua cabeça caída sobre seu ombro. Sua palma calosa esfregava em círculos seu abdômen.

– Diga-me isso outra vez, – disse contra a suavidade perfumada de seu pescoço.

– Amo-te... Jason...

Voltou-a em seus braços e procurou com avidez sua boca com a sua, enquanto ele puxava sua regata até sua cintura. Laura respondeu amorosamente, e seus lábios se entreabriram, arqueando seu corpo ao dele. Mas ao sentir a pressão exigente de sua excitação contra o interior de sua coxa, ela se afastou.

– Não, não podemos, – disse. – Tenho que me vestir e descer. A senhora Ramsey espera...

– Ao diabo com a senhora Ramsey. Tire a regata.

– Não deveria, – disse com voz débil.

– Não quer? – aproximou-se lentamente, e ela retrocedeu até que seus ombros se chocaram contra a parede. Estava fascinada pela escuridão de seus olhos. Quando ele a olhava assim, ela não podia lhe negar nada. Vacilante, agarrou a barra da regata e a tirou pela cabeça.

Jason chegou até ela, suas mãos deslizando-se sobre suas costas e suas nádegas. Ela envolveu seus braços ao redor de seu pescoço, todos os nervos acendendo-se pela intensa paixão que ele despertava. Murmurando com voz rouca, levantou-a contra a parede, os músculos de seus braços avultados. Seus olhos se abriram, e ficou sem fôlego, surpreendida ao senti-lo entrar nela com um golpe duro e profundo. Obedecendo suas ordens sussurradas, envolveu as pernas cobertas de meias de seda ao redor de seus quadris.

– É tão bonita, – ofegou ele, lhe beijando o queixo, as bochechas, os lábios entreabertos. – Tão doce... Laura...

Ritmicamente, ele se retirava e investia em seu corpo quente, olhando sua cara avermelhada. Laura gemeu e apertou as pernas, cravando os calcanhares em suas musculosas nádegas. Agarrou-se a ele, com as mãos agarrando desesperadamente seus ombros escorregadios de suor. De repente, a tensão deliciosa se enroscou em seu interior, endurecendo-se dolorosamente. Ofegando, enterrou o rosto em seu pescoço e se sentiu arder pouco a pouco, lentamente, seu corpo consumido em uma labareda de prazer. Jason apertou os dentes enquanto se esforçava por prolongar o momento, mas logo foi superado por sua própria liberação.

Depois de muito tempo, Laura se deu conta de que seus pés tocavam o chão. Estava envolta em seus braços. Vagamente pensou que nunca havia se sentido tão segura, tão protegida. Apertou os lábios no ombro dele.

– Sempre te amei, – sussurrou, acariciando o cabelo escuro de sua nuca. – Inclusive quando foi cruel comigo, inclusive quando me olhava como se me odiasse. – Quis te odiar.

– E conseguiu?

– Quase, – admitiu ele com brutalidade. – Quando te vi com Perry Whitton. Não podia suportar a visão das mãos de outro homem sobre ti, – sorriu com tristeza. – Nunca tinha sentido ciúmes antes, e de repente se retorciam em minhas vísceras. Quis te estrangular só um pouco menos que a Whitton.

– Não havia necessidade de sentir ciúmes, – murmurou ela, ainda acariciando seu cabelo. – Nunca desejei a ninguém mais que a ti.

 

Laura cantarolava canções de natal enquanto pendurava cascas de ovo douradas na árvore de Natal, que era bastante pequena para que pudesse alcançar todos os ramos, salvo os mais altos. Era a semana anterior ao Natal, e tinha estado ocupada durante vários dias com os preparativos das festividades e decorando a casa. O aroma de árvores de folha perene enchia a sala, evocando muitas lembranças infantis. Como não tinha tido tempo de fazer mais que alguns enfeites simples, sua mãe e Sophia lhe tinham dado cada uma, alguns para começar sua própria coleção, incluindo o anjo com asas de cristal que tinha amado desde sua infância. Cuidadosamente, ela e uma das criadas tinham pendurado arándanos para encher os espaços vazios, e seus dedos estavam avermelhados e doloridos depois de horas de trabalho. O resto da sala estava decorada com grinaldas de acebo, coroas de folhas de limão douradas, cachos de abacaxi, e fitas de veludo douradas.

Laura se perguntou ociosamente como passaria o Natal a família de Jason. Provavelmente se reuniriam familiares e amigos em sua casa, compartilhando lembranças, falando e comendo e bebendo vinho. Laura desejava atrever-se a perguntar ao Jason sobre os Morans, e por que não tinham enviado convites ou cartões. Só havia visto um de seus sogros uma vez. Devido a que o pai de Jason, Charles, havia falecido uns anos antes, sua mãe Kate tinha assistido à cerimônia com alguns de seus filhos, duas de suas filhas e um de seus filhos pequenos. Não tinham comparecido a recepção. Os Morans tinham sido agradáveis, vestidos simplesmente, e tinham parecido estar discretamente atemorizados por seu entorno.

– Esses acentos irlandeses poderiam te cortar com uma faca, – havia dito sua mãe com desprezo.

No último ano, Laura tinha trocado umas breves cartas com Kate, a mãe de Jason, mas a isso se limitou sua interação. Sabia por essas notas que Jason visitava sua família com pouca frequência, sempre durante sua jornada trabalhista. Ele nunca convidava Laura ou lhe mencionava essas visitas depois. Era como se sua família não existisse, como se ela e eles ocupassem mundos separados que só Jason podia atravessar.

Sumida em seus pensamentos, Laura golpeou o dedo indicador contra seus lábios. Desejava poder fazer uma visita a Kate Moram. Tinha muitas perguntas a respeito de Jason que Kate poderia responder se quisesse. Laura queria saber mais a respeito de seu marido, mais a respeito desse passado, do qual ele encontrava tão difícil de falar. É obvio, se pedia permissão ao Jason para visitar os Morans, ele não lhe permitiria. E se ia sem seu conhecimento, existia a possibilidade de que ele se inteirasse.

– Não me importa, – murmurou. – Tenho todo o direito a vê-los, – ergueu a pequena mandíbula. – vou vê-los, – cheia de uma mescla de determinação e de culpa, porque não gostava da ideia de fazer algo a costas do Jason, – considerou o melhor momento para fazê-lo. Amanhã pela manhã, decidiu, depois que Jason saísse para trabalhar.

 

A casa dos Morans se encontrava em uma região de classe média em Charlestown. As casas para famílias de dois e três membros que uma vez as tinham habitado os enriquecidos, agora estavam ocupadas pelos imigrantes do bairro contiguo. A rua estava bem conservada, totalmente diferente das cadeias de pisos abarrotados de gente amontoada e espaços cheios de lixo dos bairros baixos de South End.

Laura saiu da carruagem e, com interesse, observou a rua empedrada de cima abaixo. Era um dia seco e fresco. Linhas de roupa de trabalho, de cor azul, cinza e marrom, agitavam-se na brisa. O ar estava cheio com o aroma do guisado de carne e de verduras. Um jovem casal caminhava próximo a ela, seus braços entrelaçados, com as cabeças envoltas em gorros e cachecóis. Jogaram umas poucas olhadas discretas, mas não frearam seu passo. Uns poucos meninos interromperam seus jogos de stickball{4}, detendo-se para olhá-la e a elegante carruagem.

Depois de dizer ao condutor que esperasse frente à casa, Laura se dirigiu sozinha à porta. Não havia aldrava de bronze. Vacilou, logo levantou sua mão para golpear a arranhada madeira de painéis.

A voz de um moço veio detrás dela.

– Usté está batendo em minha casa!

Laura se voltou e se encontrou com um menino de oito ou nove anos. Um sorriso se desenhou em seus lábios. Era um Moram, sem dúvida. Tinha o cabelo negro e olhos escuros, pele branca, bochechas rosadas, que ainda não tinham perdido sua redondez infantil. O queixo altivo e o nariz arrogante apontavam para ela.

– Donal? – supôs, sabendo que esse era o nome de um dos dois irmãos de Jason.

– Robbie, – corrigiu o moço indignado. – E quem e' usté?

– Sou Laura Moram, – quando isso não provocou nenhum sinal de reconhecimento, adicionou, – A esposa de seu irmão Jason.

– Ooohhh, – Robbie a contemplou com prudência. – Má diz que usté é uma senhora elegante. O que quer?

– Eu gostaria de ver sua mãe.

Ele agarrou o cabo da porta com ambas as mãos, empurrou para abri-la, e a sustentou para ela.

– Má! – Gritou para o interior da casa, e indicou a Laura que entrasse. – Má, e' a esposa do Jason!

Insistiu para que Laura o acompanhasse por um corredor comprido e estreito cheio de objetos que penduravam de uns ganchos. A sala deu lugar à cozinha, onde pôde ver o lado de uma estufa de ferro fundido. Havia uma panela de granito em cima da estufa e o ar cheirava a compota de maçãs.

– Hã... Robbie, possivelmente não deveria entrar sem ser anunciada, – disse. Ficou desconcertado com a estranha palavra.

– Anun...

– Possivelmente deveria lhe dizer a sua mãe que estou aqui.

– Claro, vou lhe dizer, – interrompeu-se, e gritou com voz aguda para a cozinha. – Má, e' a esposa do Jason!

– Quem? – disse a voz de uma mulher, e Robbie agarrou o braço de Laura, arrastando-a triunfalmente além da estufa, até a mesa de madeira no centro da cozinha.

Kate Moram, uma mulher robusta, de rosto agradável, na metade de seus quarenta anos, contemplou Laura com seus redondos olhos azuis. Um pau de macarrão de madeira caiu de suas mãos sobre a massa quebrada frente a ela.

– Deus não' livre! – exclamou. – A esposa do Jason!

– Peço desculpas pela intrusão inesperada, – começou Laura, mas sua voz se perdeu no alvoroço que de repente encheu a cozinha. As irmãs de Jason, umas bonitas adolescentes, apressaram-se para ver a visitante.

– E' Jason? – perguntou Kate com ansiedade, suas mãos cobertas de farinha pressionaram seu grande busto. – Algo lhe há pasao a meu'jo maio', meu precioso moço...

– Não, não, – disse Laura. – Jason está muito bem. Perfeitamente bem. Simplesmente vim... – fez uma pausa, consciente dos muitos olhares curiosos sobre ela. – Simplesmente vim de visita, – disse sem convicção. – Mas posso ver que está ocupada. Talvez em outro momento fosse melhor?

Houve um momento de quietude. Kate se recuperou rapidamente, sua preocupação substituída pela curiosidade.

– Estamo' contente' de que usté esteja aqui. Ao mejó uma taça de chá... Maggie, vão procurai a bule, e Polly, lhe mostre à senhora a sala...

– Não me importaria de ficar na cozinha, – atreveu-se a dizer Laura. Foi consciente dos olhares assombrados da família quando ela mesma se instalou em uma das cadeiras de madeira na mesa. A cozinha era cálida e alegre, e preferia um ambiente informal.

Kate encolheu os ombros com impotência.

– Aqui ficará, entonce', – espantou os meninos da cozinha e dirigiu a Lauraum olhar avaliador. – E agora me diga do que se trata, queri'A. Sem dúvida, Jason não sabe na' de sua visita.

– Não, não sabe, – admitiu Laura, inconscientemente, apoiando os cotovelos sobre o oleado polvilhado de farinha que cobria a mesa. Vacilou antes de acrescentar, – vim para falar com você com a esperança de que pudesse me explicar algumas coisas sobre seu passado. Jason não é um homem fácil de entender.

Kate se pôs-se a rir.

– Não, não e' na' fácil, ao contrário, esse moço orgulhoso, nem seus grande' ideia'. Um cabeça dura como seu pá.

Laura mal era consciente do tempo que passava enquanto estava sentava na cozinha com a mãe do Jason. O chá se esfriou em suas xícaras, enquanto a conversa se prolongava. O estado de ânimo de Kate relaxou de uma cuidada cortesia à amabilidade. Era evidente que ela gostava de falar, e em Laura encontrou uma ouvinte ávida. Tirou uma velha fotografia de Charlie Moram para que Laura pudesse ver o parecido entre pai e filho.

– Tirou o' dia que Charlie abriu o armazém na Rampa, – disse Kate, sorrindo com orgulho.

– Era muito bonito, – respondeu Laura, impressionada com a similitude com seu marido, exceto o rosto de Charlie Moram envelhecido e endurecido pelos anos de pobreza e trabalho extenuante. Havia um sinal de um sorriso em seus olhos, entretanto, e uma qualidade vulnerável que era muito diferente do escuro e cínico olhar de Jason.

– Nunca mostrei isto ao Jason, – comentou Kate.

– Por que não? Acredito que gostaria de vê-lo.

– Não, não tra' a forma em que se separaram.

– Houve uma discussão?

Kate assentiu com a cabeça vigorosamente.

– Começou com essa escola de luxo, que ensinou a fala' engreí'ou e toda' essa' palavra' ascensão' de tom. Oh, o' mesmo' moço' faziam-no pra' burlar-se. E seu pa' disse que não falasse tão elegante.

Laura pensou em quão isolado devia haver-se sentido Jason, apanhado entre dois mundos.

– Mas seu pai deve ter ficado orgulhoso dele, – disse. – Era notável para um menino irlandês assistir à Latina de Boston, e logo a universidade...

– Sim, Charlie estava perto de revenda' seu' negócio', – Kate fez uma pausa. – Mas também estava preocupado, estava-o.

– Por quê?

– Charlie disse que era como muito, muito estudo. E ele tinha razão, isso me afastou do Jason pra' sempre.

– Ele se afastou?

– Sim, era claro como o dia. Jason não tinha na' que ver com as garota' do bairro, por má' bonita' que fossem. Ele não queria na' com o armazém de seu pá, e na' com sua família. Os moço' locale' pressionavam-no pra' que tomasse um posto no Piloto, um jornal irlandês, queri'A. Ele poderia haver juntao seguidore' que o teriam levado a legislatura estatal. Mas Jason disse que não queria na', a não ser ocupar-se de seus próprio' assunto', – Kate negou com a cabeça. – Se envergonhava de ser irlandé', de ser o filho de Charlie Moram.De'sou estavam discutindo o dia ante' que meu pobre Charlie morrera. Dou' demônio' obstinao'.

– Morreu durante o primeiro ano de Jason na escola, não? – perguntou Laura.

Kate assentiu com a cabeça.

– Quando Jason fez seu dinheiro, pensou em comprar uma casa grande e envia' a seu irmão' e irmã' à escola. Disse que não deixaria minha casa. Donal se ocupa do armazém, e a' dou' menina' esperam casar-se com bom' moço' irlandese'. Ao resto de minha prole lhe importa um cominho o' estudo'. São cortados de um pano diferente ao de Jason.

– Mas ele necessita a sua família, – disse Laura. – Necessita-a, embora não se dê conta do quanto.

Kate estava a ponto de responder quando a voz aguda de Robbie gritou pelo corredor:

– Má! E' Jason!

Laura ficou imóvel, olhando com surpresa a porta da cozinha quando a figura de largos ombros de seu marido apareceu. Seu coração retumbou desagradavelmente ao ver o brilho sinistro em seus olhos.

– Jason, – disse com voz fraca. Ficou de pé e tentou um sorriso apaziguadora – Como soube que...?

Sua voz foi fria.

– Cheguei em casa cedo. A senhora Ramsey me disse onde estava.

Kate olhou a seu filho placidamente.

– Hemo' estão compartilhando uma agradável visita, sua Laura e eu.

Sua expressão não mudou, mas se inclinou e beijou a testa de Kate.

– Olá, má.

Laura fez uma careta quando Jason se apoderou de seu braço em um apertão que foi um pouco menos que doloroso.

– É hora de ir para casa, – disse ele suavemente, e ela se deu conta, com o coração encolhido, que estava mais zangado do que tinha temido.

Depois de lhe permitir o tempo apenas o suficiente para despedir-se dos Morans, Jason retornou com ela a carruagem. O tenso silêncio entre eles serrou os nervos de Laura até que pareceram farrapos.

– Queria te dizer, Jason, – disse hesitante, – mas sabia que não teria me permitido vir.

Riu brevemente.

– Espero que tenha achado os Morans entretidos.

– Não fui para que me entretivessem.

– Não me importa por que diabos foi. Mas vai ser a última e maldita vez que põe os pés em Charlestown.

– Pelo amor de Deus, não faz mal a ninguém se venho ver sua família! Não entendo por que está tão zangado desta forma.

– Não tem que entender, embora poderia se te atrevesse a olhar além da ponta de seu nariz. E tire essa expressão ferida de sua cara, ou eu... ? Ele apertou os dentes, mordendo-se suas seguintes palavras. Seu rosto estava escuro, furioso.

– Por que não me deixa ter nada a ver com sua família? Por que não podemos incluí-los em nossas vidas?

– Maldição! – explodiu. – Minha vida contigo não tem nada a ver com eles! Não quero lembranças, Por Deus, não te terei remexendo em meu passado para sua própria diversão! Você não pertence a minha família mais do que eu pertenço à tua. De agora em diante, permanecerá longe deles, – seus lábios se curvaram em uma careta desagradável. – E se te ocorre me desafiar nisto, farei que o lamente de formas que sua romântica e pouca imaginação não pode começar a conceber.

Laura se voltou para trás por seu tom rancoroso, seus olhos verdes alarmados.

– Jason, não me ameace...

– Entende o que acabo de te dizer?

– Jason, por favor...

– Entende?

– Sim, – disse ela, ferida e intimidada. – Farei o que diga.

 

Era estranho que Jason bebesse em excesso, mas essa noite se trancou na biblioteca com seu uísque e ficou até muito depois que Laura se retirou à cama. Ele não veio a seu quarto, ela se sacudiu e se virou sem descanso, sentindo falta de seu calor e de seu corpo grande e forte contra o qual se aconchegar. À manhã seguinte, despertou com círculos escuros sob os olhos e uma sensação de injustiça. Estava tratando de castigá-la, pensou chateada. Demonstraria que não estava nem um pouco afetada por seu afastamento.

Sentada frente a ele na mesa de café da manhã, viu com satisfação que ele sofria de uma forte dor de cabeça e tinha os olhos injetados em sangue. Seu temperamento era asqueroso, mas estava tranquilo, e parecia ter dificuldades para olhá-la. Lentamente, deu-se conta de que sua irritação não era nem pequena nem temporária, e que tinha pouco a ver com ela que com a dor de velhas feridas. Pensou em expor o assunto de sua discussão... não, talvez seria melhor ficar em silêncio.

Passaram uns dias, e já era o momento de que assistissem a grande festa de Véspera de natal que Sophia e o juiz Marsh iam dar. Laura não estava com vontade de rir e de fingir que estava alegre, mas estava decidida a não dar a seus amigos e familiares algum motivo para pensar que estava tendo problemas com seu marido. Tomou três horas e a ajuda de duas criadas, vestir-se e arrumar seu cabelo.

Seu vestido era de cetim rosa profundo, tão ajustado a seu corpo que não havia um quarto de centímetro de espaço restante. Era bordado do sutiã de decote quadrado até a borda, com milhares de contas vermelhas costuradas como um desenho de flores. Uma cauda de cetim com volantes cobria a parte baixa da cintura até o chão, fluindo suavemente de seu corpo ao caminhar. As mangas eram apertadas e os punhos largos, em bandas e enfeitados com mais conta. Pentes de prender cabelos cor rubi cintilavam na massa de tranças e os cachos brilhantes se uniam na parte de trás de sua cabeça.

Jason estava esperando embaixo, com o rosto inexpressivo. Estava vestido perfeitamente em branco e negro, luzindo impecável e assombrosamente bonito. Algo brilhou em seus olhos quando a olhou, e quando seu olhar se pousou em seu rosto, ela foi consciente da feminina agitação de seus sentidos.

Uma fila interminável de carruagens bloqueava a rua onde o lar dos Marsh brilhava iluminado. As mulheres com capas e peles de veludo eram escoltadas até a entrada por homens com casacos e cartolas. Grupos cantando canções de natal passeavam de casa em casa, enchendo a noite de música. O quente ponche de rum enfeitado com passas de uva e rodelas de fruta dava ao ar seu aroma picante, igual às coroas de pinheiro e velas de murta em cada sala.

Hale os acossou do momento em que entraram na casa, beijando alegremente Laura e insistindo com Jason a unir-se a ele para tomar uma taça com alguns dos amigos com os quais tinham ido à universidade. Obedientemente, Laura saudou sua mãe, que parecia tão rigidamente desgostada, como de costume. Wilhemina Prescott olhou a sua filha mais nova de forma escrutinadora.

– E como está a situação entre você e... esse homem?

– Está se referindo a meu marido, mãe? – perguntou Laura, forçando um brilhante sorriso. – Esplendidamente.

– Me informaram o contrário. Você e ele participaram de algum tipo de briga na festa que sua irmã deu o mês passado.

– Resolveu-se, mãe.

Wilhemina franziu o cenho.

– É terrivelmente mal educado ventilar os problemas de um em público, Laura. Espero que não esteja assumindo os hábitos grosseiros e vulgares que a classe de pessoas como seu marido desfruta de...

– Laura! – a alegre voz de Sophia a interrompeu. – Querida, tem que vir e ver como os meninos decoraram a árvore... absolutamente encantador... perdoe, mamãe.

– Obrigado, – disse Laura, agradecida, seguindo a sua irmã.

– Ela está em boa forma esta noite, – murmurou Sophia. – Papai não está com ela. Ela afirma que está indisposto. Minha conjetura é que tiveram uma briga sobre seu mais recente capricho.

Laura ficou ao lado de Sophia durante grande parte da festa, enquanto a multidão se animava com o baile, a música, e o ponche. Seu olhar passeou pelo mar de caras conhecidas. Conseguiu ver seu marido falando com as pessoas reunidas ao seu redor. Não foi difícil identificar Jason entre a multidão. Sua escura, e vívida aparência fazia com que todos ao seu redor parecessem cinzas em comparação. Sua atitude era mais viva e mais intensa que a fria secura da gente que o rodeava.

Laura sorriu levemente. Não lhe importava se alguma vez a elite de Boston aceitava ou não ao Jason verdadeiramente. Alegrava-se das diferenças entre ele e o resto deles, contente por sua terrena vitalidade, e inclusive por seu exasperante orgulho. Maliciosamente, decidiu ir até ele e encontrar alguma forma de atraí-lo a um lugar privado. Certamente não lhe importaria um beijo roubado ou dois.

Avançou através do vestíbulo de entrada, engenhosamente recolhendo as dobras da cauda de seu vestido para que não fosse pisoteada por pés rebeldes. Hale e um de seus amigos passaram ao seu lado até a porta principal, sustentando um terceiro jovem pelos ombros. O homem era, obviamente, o mais bêbado e o levavam a exterior para pô-lo sóbrio com o ar frio. Tais situações se dirigiam sempre com zelo, antes que as damas pudessem sentir-se ofendidas pela visão de um cavalheiro com taças demais.

– Boa noite, senhora Moram, – disse Hale ironicamente, sorrindo. – Dê espaço a Samuel Pierce Lindon, pobre vítima do quente ponche de rum.

 – Trago café da cozinha? – perguntou com simpatia.

Hale abriu a boca para responder, mas foi interrompido por Samuel, cuja cabeça cambaleou em direção a Laura.

– Moram? – disse arrastando as palavras. – Você eressss a irmã... quessse casssó com um m-m– Mick.

– Sim, eu sou, – disse Laura com secura, sabendo que o moço nunca teria sonhado em dizer tal coisa se estivesse sóbrio.

Bêbado, Samuel se sacudiu do abraço de Hale e imobilizou a Laura contra a porta principal.

– Esstáss parada sob o Visco.

– Temo-me que está equivocado, -murmurou Laura, empurrando com seus cotovelos com força contra seu estômago. Ele colocou com força seus braços ao redor dela e se negou a deixá-la ir.

– Basta! -grunhiu Hale irritado, tentando fazer uma alavanca para afastar Samuel. – Deixa minha irmã ir, idiota. Sinto muito, Laura... está muito ébrio para saber o que está fazendo...

– Preferiríass um cavalheiro em sua cama que um Mick, não? – perguntou Samuel, seu fôlego a licor picante flutuando sobre o rosto de Laura. – Eu lhe mossstrarei o que perdess... Um beijo é tudo... o que ass esspossass doss in-nmigrantess não importa compartilhar ssuss fav...

De repente, Samuel se levantou e girou como um tornado. Laura caiu contra a porta, horrorizada quando viu uma refrega entre Samuel e seu marido. O rosto de Jason estava branco de raiva, seus olhos negros em chamas. Fracamente, Lindon golpeou e falhou. Uma mulher gritou enquanto que outras caíram como todas as damas, desmaiadas. Jason jogou para trás o punho e o deixou cair sobre o jovem com um duro golpe. Teria-o moído a golpes se Hale não equilibrasse sobre ele e o abraçado pelas costas. A multidão irrompeu no vestíbulo de entrada, conversando com entusiasmo.

– Te acalme, Moram, – vaiou Hale, lutando para manter o afeto de Jason. – Não há necessidade de limpar o piso com ele. Não fez mal a Laura... eu estava aqui.

Jason ficou imóvel, tentando controlar seu temperamento. Liberou-se da restrição dos braços de Hale com um encolhimento de ombros e se dirigiu a sua esposa, agarrando-a pelos ombros. Observou-a com preocupação.

– Laura...

– Jason, estou bem, – disse com voz trêmula. – Não havia necessidade de fazer uma cena. É só um menino bêbado. Não queria...

A voz gelada de sua mãe cortou através do bulício.

– Como se atreve? – exclamou Wilhemina, olhando para Jason. – Como se atreve a converter uma reunião de sociedade em uma briga de rua! Pode ser comum entre os irlandeses comportar-se dessa maneira, mas não é o modo da gente decente! – seu corpo alto e magro, ficou rígido imperiosamente. – Sua roupa cara e pretendidas maneiras não podem ocultar o que é, um camponês mal educado...!

Laura a interrompeu, incapaz de aguentar mais.

– Cale-se, mamãe.

Wilhemina ficou boquiaberta de assombro. Nenhum de seus filhos se atreveu a lhe falar com tanta rudeza.

Hale riu, dando um olhar a Laura de surpreendida aprovação.

Sophia se aproximou e sacudiu seu dedo ante o Samuel, que tinha conseguido incorporar-se e sustentava a cabeça, com perplexidade.

– Jovem, não aprecio que acossem a meus convidados em minha própria casa, – voltou-se para seu irmão. – Por favor, leve seu amigo para fora, Hale.

– Sim, senhora, – respondeu ele obedientemente.

– Sophia, – disse Laura em voz baixa, deslizando seu braço no do Jason, – acredito que iremos para casa agora.

Sophia passeou seu olhar da expressão pétrea de Jason à angustiada de Laura.

– Entendo, querida.

Hale os deteve antes de chegar à porta, dando palmadas nas costas de Jason.

– Eu... Hã, queria pedir desculpas pelo Lindon. Estará desgraçadamente arrependido por tudo isto quando se recuperar, – estendeu uma mão e Jason a estreitou brevemente, ambos trocando tristes olhares.

Na carruagem, Laura permaneceu em silencio durante a viagem para casa, desejando que os temperamentos de ambos se acalmassem. Estava zangada e irritada pelo comportamento de Jason. Não era necessário que ele fizesse uma cena como essa!

Samuel tinha sido desagradável, mas não perigoso. O problema poderia haver-se resolvido com uma intervenção muito breve, e Jason sabia. Sabia também que se dois cavalheiros encontravam necessário chegar às mãos, nunca se levava a cabo na presença das damas.

Mal Jason acompanhou Laura à casa, a senhora Ramsey apareceu para lhes dar as boas-vindas. Laura fez um gesto de despedida à ama de chaves, e a senhora Ramsey desapareceu rapidamente, depois de ler em seus rostos que nem tudo ia bem. Jason se voltou e começou a dirigir-se para as escadas.

– Jason, espere, – disse Laura, segurando-o pelo braço. – Temos que falar do que aconteceu.

Ele sacudiu a mão.

– Não há nada do que falar.

– Não há? Deve admitir que reagiu exageradamente.

– Eu não chamo uma reação exagerada parar algum parvo bêbado de tocar a minha esposa.

– Não havia necessidade de tratá-lo com tanta dureza. Não era consciente do que estava fazendo.

– Ao inferno que não o estava! Acha que teria te insultado se fosse a esposa de outro? A esposa de um Brahmin de Boston? – fez uma careta depreciativa ante sua falta de resposta. – Não. Porque ele e seus pares estão acostumados a dar às criadas irlandesas uma palmada e umas cócegas, ou visitar os barracos em North End em busca de prostitutas, e a seus olhos o fato de que está casada com um irlandês te faz...

– Jason, não, – exclamou, lhe jogando os braços ao redor do pescoço e abraçando-se a seu corpo rígido. – Tem que culpar tudo ao fato de que é irlandês? – deu um beijo suplicante ao lado de seu pescoço. – Falemos disto com sensatez, – deu outro beijo, esta vez debaixo da orelha. – Vem e sente-se comigo junto ao fogo.

Por um momento pensou que ia negar-se, mas então aceitou com uma maldição afogada e a seguiu à sala. Enquanto Laura se aproximava de uma macia turca e se sentava, Jason agitava as brasas da chaminé. Jogou um punhado de nós de pinheiro e um tronco de abedule, sacudiu as mãos e se sentou no chão, apoiado em um joelho.

O resplendor da luz do fogo brincava com seu desordenado cabelo negro e com seu rosto duro afiado, deixando sua pele acobreada.

Laura respirou fundo e procurou as palavras adequadas para dizer.

– Jason... os comentários do moço Lindon não me incomodaram tanto como sua reação, – ela olhou o fogo, recolhendo agitada seu vestido bordado. – Temo-me que pode ter mais em comum com minha mãe e seus preconceitos do que acredite, – disse. Ele lhe dirigiu um olhar sério, mas ela continuou tenazmente. – No fundo parece acreditar no que ela diz, que um Brahmin não deveria haver-se casado com um irlandês. Acredita que os dois mundos devem manter-se separados. Mas nunca pode apagar seu passado... sua família... seu patrimônio. Não pode dar as costas e fazer de conta que não existem.

Jason ficou em silêncio, imóvel. Laura suspirou com frustração, pensando que ela muito bem poderia estar falando com uma parede de tijolos.

– Oh, por que tem que ser tão teimoso? – depois de estudá-lo por um momento, levantou-se e se dirigiu à árvore de Natal no canto mais afastado. – Tenho algo para ti, – disse, agarrando um pequeno pacote envolto em um papel colorido. – prefiro lhe dar isso agora que esperar até manhã.

– Laura, não estou de humor para isso.

– Por favor, – rogou ela, lhe levando o presente. – Por favor, quero que o abra, – ignorando seu elegante vestido, ajoelhou-se no chão junto a ele e deixou cair o pacote em seu colo.

Ele o olhou friamente.

– Suponho que isto tem algo a ver com a conversa.

– Sim, acredito que sim.

Lentamente, Jason rasgou um lado do papel e tirou uma pequena fotografia emoldurada. Ele ficou imóvel, a cabeça inclinada sobre a impressão à albumina, em tons sépia. Laura tinha escolhido um simples marco de prata enfeitado com uma granada em cada canto.

A foto era de Charlie Moram na porta de seu armazém. Foi uma comoção para Jason, que não tinha visto o rosto de seu pai desde o dia anterior a morte de Charlie.

Sentia como se tivesse recebido um duro golpe no peito.

– De onde tirou isto? – perguntou ao fim de um tempo.

– Sua mãe me mostrou isso. Perguntei se podia me dar isso. Disse que nunca a tinha visto.

– Não, -ele olhou a cara curtida da fotografia, agitado pelas lembranças que provocou.

Laura lhe olhava com uma ternura quase maternal enquanto estudava a imagem descolorida.

– Um irlandês grande, bebedor, fanfarrão e irascível, é o que ele era, – disse Jason. – Nunca pudemos falar sem discutir. A última vez que o vi foi a pior. Estivemos a ponto de chegar aos murros.

– Por quê?

– Acusou-me de estar envergonhado dele e da família. Disse que tinha razão. Eu...– Jason afastou a vista da imagem, sua mandíbula tensa, -... disse coisas que nunca deveria haver dito. Não queria saber nada de seus planos para mim. Deus sabe que nunca tive a intenção de defender as causas da Irlanda, ou de entrar na política do bairro, ou me encarregar de seu armazém... – interrompeu-se bruscamente.

– Não importa agora.

– Morreu ao dia seguinte, não? – perguntou Laura.

Jason sorriu com amargura.

– Essa noite, em realidade. Foi rápido, inesperado. Má mandou me chamar, mas tinha morrido antes de chegar em casa.

– Deve ter ficado devastado.

– Estava zangado por tudo o que lhe havia dito, – Jason estava muito envolto na lembrança para medir suas palavras. – Porque tinha partido antes que eu pudesse me retratar de algo.

– O que lhe disse? – sussurrou ela.

– Eu...-tragou e entreabriu os olhos contra o repentino brilho das lágrimas. Maldição, – bruscamente esfregou o rosto com sua manga, aborrecido por sua falta de controle. – Infernos, não sei.

– Jason, deve te perdoar a ti mesmo, – disse ela suavemente. – Ninguém tem a culpa. Não foi sua culpa que quisesse uma vida diferente à sua. Não foi sua culpa que ele morreu.

– Eu nunca... – Jason estava surpreso por como a lembrança podia doer depois de todos estes anos. – Eu nunca fiz as pazes com ele. Morreu pensando que o odiava.

Finalmente ela compreendeu a carga da culpa que tinha levado durante tanto tempo. Não pôde evitar aproximar-se. Ela curvou o braço ao redor de seu pescoço e colocou a palma de sua mão contra sua bochecha úmida.

– Não, Jason, – sussurrou. – Isso não é certo. Ele sabia que o amava. E estava orgulhoso de ti. Pergunte a Kate e ela te dirá o quanto, – viu seus dedos apertando o marco de prata, e pôs suas mãos sobre a dele.

Jason ficou olhando a fotografia, enquanto a dor e a culpa que pesava sobre ele há anos começavam a ceder. Precisaria de tempo para deixá-la ir por completo, mas sabia que Laura estava certa. A culpa não era dele, ninguém tinha a culpa.

Laura estudou a foto junto com ele.

– Quero que ponhamos isto no suporte da chaminé, – murmurou, – para que todos a vejam. Quero-a para que recorde seu passado, e te recordar que não tem que te envergonhar do que foi e do que é.

– Talvez não, segundo seu parecer, – admitiu ele com brutalidade, – mas...

– Não importa o que as pessoas de mente estreita pensem. Apaixonei-me por ti pelo homem que é. E quando tivermos filhos, tenho a intenção de que conheçam sua família, assim como à minha. Estarão orgulhosos de sua herança irlandesa, – sorriu hesitante. – E se acha que não posso igualar sua teima, Jason Moram, então tem uma ou duas coisas que aprender.

Ficou calado, seu olhar meditabundo cravado na fotografia, e então a pôs de lado.

– Então, ponhamos esta maldita coisa onde queira, – murmurou. – Pendura-a na porta principal, se quiser.

Um sorriso de pura alegria estampou-se em sua cara, e ela soube então que tudo estaria bem.

– Talvez o faça.

Jason atraiu Laura a seus braços, esmagando-a contra seu peito até que ela quase não pôde respirar.

– Amo-te, – disse com voz rouca, enterrando a cara em seu cabelo. – Sempre te amei.

– Tem uma boa maneira de demonstrá-lo, -murmurou, acariciando-o debaixo de sua mandíbula. – Impaciente, sarcástico...

– Diabinha descarada, – deixou escapar um longo suspiro. – Pensei que se soubesse como me sentia jogaria isso na minha cara. Era mais seguro te deixar acreditar e a todos os outros, que te queria simplesmente como um enfeite, um troféu...

– Enquanto eu fingia que me casava contigo por um sentido de dever para com minha família, – ela riu. – Deveríamos ter sido honestos entre nós desde o começo.

Ele esfregou a bochecha contra seu cabelo, sustentando-a como se nunca fosse deixá-la ir. Nunca havia sentido tanta paz. Toda sua vida tinha sido dirigida para este momento, a esta mulher.

Só interrompia o silêncio o crepitar do fogo. Sua luz dourada se refletia nos enfeites da árvore de Natal, nas asas do anjo de cristal, nas contas do vestido de cetim de Laura.

Laura estava impregnada de um halo de felicidade. Sempre lhe tinha encantado o Natal, mas agora mais que nunca, porque era nesta noite que seu matrimônio realmente começava, e não havia melhor presente que pudesse ter recebido.

Quantas festas ele tinha passado com os Prescotts, sempre como um estranho. Mas Jason e ela passariam toda uma vida juntos e teriam sua própria família. E fariam cada Natal tão mágico como este. Ela o abraçou com força.

– Mo stoir, – sussurrou ele, e arrastou sua boca do queixo até o vale entre seus seios.

Laura reconheceu as palavras que lhe havia dito antes.

– Me diga o que significa, – disse ela, os olhos meio fechados, enquanto a mão dele se deslizava dentro de seu sutiã.

– Meu tesouro.

Acariciou a parte de trás de seu pescoço.

– E o outro como me chamou...

– Gradh mo chroidhe... o amor de meu coração.

Ela sorriu de prazer.

– Isso é o que sou?

– Sempre o foste, – disse ele, e baixou sua boca à sua.

 


{1} Famílias da Nova Inglaterra que afirmavam descender dos ingleses protestantes que fundaram a cidade de Boston, Massachusetts, possuíam grande riqueza e influência política. Além disso, era reconhecida sua hostilidade com irlandeses e outros imigrantes.
{2} Término para referir-se desdenhosamente aos irlandeses.
{3} As Crinolinas no século XIX se confecionavam com um tecido feito de crinas de cavalo.
{4} Stickball Jogo parecido ao beisebol.

 

 

                                                                  Lisa Kleypas

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

 

 

      

 

 

O melhor da literatura para todos os gostos e idades