Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ROMANCE A ITALIANA / Cathy Williams
ROMANCE A ITALIANA / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ROMANCE A ITALIANA

 

Bruno Gianella é um magnata deslumbrante, orgulhoso e bem-sucedido. Katy não acredita quando este italiano sexy exige que ela se torne sua assistente pessoal!

O que ela não sabe é que Bruno deseja descobrir a verdadeira mulher por trás da aparência tímida e tranqüila de Katy. E quando o faz, ela se entrega de corpo e alma à paixão que ele consegue despertar nela...

 

Bruno estava vindo de Nova York e Katy sabia que não poderia agir como de costume, desaparecendo no instante em que ele chegasse.

Bruno Gianella simplesmente a apavorava. Ela o conhecera dezoito meses antes, quando a submeteu a uma entrevista em que logo desmentiu as próprias palavras: que queria apenas saber um pouco a respeito dela, tendo em vista o papel que teria na vida de seu padrinho. A isso se seguiu a hora e meia mais exaustiva que Katy já enfrentara, o que deixou bem claro que a única maneira de se dar bem com aquele homem seria ter o mínimo possível de contato com ele.

Desde então, Katy conseguira transformar a evasão numa arte. As visitas dele ao padrinho eram rápidas, pouco freqüentes e planejadas com antecedência. Bruno Gianella, como há muito ela concluíra, não gostava de ser espontâneo. Não havia muito espaço para impulsos em uma vida que parecia programada até o último minuto. Isso era algo a que seria eternamente grata, pois assim ela podia fazer suas saídas coincidirem com as visitas, numa sincronia perfeita, sem sequer encontrá-lo ou somente vendo-o de passagem.

Agora, porém, não tinha como evitá-lo com tamanha facilidade.

Joseph, o padrinho, fora levado as pressas para o hospital na tarde anterior, com suspeita de ataque cardíaco. Tudo fora um tremendo choque e, logo que as coisas se acalmaram um pouco, Katy telefonou ao afilhado para relatar o que acontecera. Ela precisou telefonar para uma infinidade de números antes de finalmente conseguir contatá-lo no escritório de Nova York e ouvir uma insinuação mal dissimulada de que tinha demorado a avisá-lo. Mal começara a explicar as dificuldades que tivera para descobrir seu paradeiro e Bruno a informou que voltaria à Inglaterra imediatamente, e que esperava encontrá-la em casa ao chegar, no dia seguinte. O som do telefone desligado no meio de uma frase serviu para lembrá-la do motivo pelo qual detestava tanto aquele homem.

Não que valesse a pena ruminar o inevitável, Katy pensava agora, os olhos fixos no caminho com todo o nervosismo de alguém que aguarda o momento de ir para a forca. Ela se acomodara na poltrona desbotada cor de ferrugem havia uma hora e não se movera de seu posto de observação desde então. Calculou que, se tivesse tempo para se acostumar à visão de Bruno antes que ele surgisse pela porta da frente, talvez tivesse uma chance de se poupar daquele desagradável impacto.

De qualquer forma, o plano não funcionou, pois no minuto em que o táxi subiu o caminho, qualquer resquício de calma evaporou e seu estômago embrulhou.

Em seus pouquíssimos contatos com Bruno Gíanella, Katy sempre considerava injusto que poder, riqueza e inteligência pudessem caminhar juntos com boa aparência. Ele merecia ter sido pouco favorecido pela beleza. Ou ao menos ser normal. Em vez disso, tinha um olhar sombrio que enlouquecia as mulheres. Cabelos escuros brilhosos, da mesma cor dos olhos, boca carnuda, sensual e um porte que parecia ter sido esculpido por mãos amorosas com perfeição.

Para Katy, contudo, seu belo rosto estava sempre estampado com frieza, os olhos eram distantes e indiferentes, e a boca era ameaçadora.

Quando, pouco depois de ter começado a trabalhar para Joseph, este lhe disse com muito orgulho que o afilhado fazia muito sucesso com o sexo oposto, Katy permaneceu calada e se perguntou se seria a única a estar imune ao seu charme legendário.

Ela observou Bruno pagar ao taxista, pegar a mala com poucas roupas e a pasta de grife e, a seguir, olhar com expressão carregada para a casa. De uma certa distância, Katy quase podia enganar-se, acreditando tratar-se de um homem de carne e osso. Ele se movia, falava, ganhava rios de dinheiro e aparentemente era um empregador respeitado. E, é claro, amava o padri­nho. Essa emoção ela já captara em seus olhos, em uma ou duas ocasiões em que estivera com ele na casa. Não podia ser mau de todo.

O toque insistente da campainha desfez a ilusão e Katy correu para abrir a porta. Assim que pôs os olhos em Bruno soube como se sentiria: desajeitada, estra­nha, simplória e deselegante.

De fato, quando abriu a porta, seus olhos se desviaram da imponente figura masculina à sua frente, e ela pigarreou nervosa.

— Entre, Bruno. É... bom vê-lo. — Recuou para ele passar, e Bruno mal se deu ao trabalho de olhar em sua direção. — Como foi a viagem? Tudo bem? — Fechou a porta e recostou-se nela em busca de um pouco de apoio.

Bruno entrou no hall a passos largos, levou algum tempo para absorver a atmosfera da casa — que era “A Antiga Escola", tendo em vista que o padrinho fora professor —, antes de se virar rapidamente e se defron­tar com a pessoa encostada na porta.

Se existia alguma coisa que irritava Bruno era ver alguém intimidado diante dele, e Katy West estava intimidada. Os cabelos castanhos ondulados de Katy escondiam seu rosto voltado para baixo, e suas mãos estavam apertadas atrás dela, como se estivessem preparadas para, a qualquer momento, abrir a porta e sair em disparada.

— Precisamos conversar — disse Bruno secamente, com a despreocupação de quem está habituado a dar ordens, dizer o que pensa e ser obedecido. — E não pretendo ter essa conversa aqui, portanto, por que não desgruda da porta e vai buscar chá para nós dois?

Joseph a colocava nas alturas e Bruno simplesmente não conseguia entender o porquê. A garota mal balbuciava uma palavra. Se possuía uma personalidade radiante, inteligente, era muito bem guardada quando ele estava por perto. Quase estalou a língua de irritação quando ela deslizou por trás dele em direção à cozinha.

— Bem — disse Bruno assim que chegaram à cozinha — conte-me o que aconteceu. E não se esqueça de nada. — Sentou-se em uma das cadeiras e observou Katy colocar a água para ferver e tirar duas canecas do armário.

Estar ali sem o padrinho era peculiar. Bruno não gostou da sensação. Com um estilo de vida de quem está sempre viajando, dono de apartamentos em Paris, Londres e Nova York, aquela casa representava a única coisa constante em sua vida e o padrinho era parte inte­gral disso. Pensar que ele poderia estar mais doente do que imaginara, que poderia vir a falecer, lhe dava cala­frios.

Mas isso não o predispôs a ser mais gentil com a garota que preparava o chá.

— Quando exatamente... aconteceu?

— Eu lhe disse ao telefone. Ontem. — Katy não precisava olhá-lo para sentir que seus olhos a analisa­vam.

— Será que pode olhar para mim quando falo com você? É impossível conversar com uma pessoa que in­siste em falar para uma caneca de chá!

Katy olhou-o imediatamente e logo se sentiu zonza.

— Ele tomou o chá...

— O quê?

— Eu disse que Joseph tinha acabado de...

— Não, não, não — Bruno a interrompeu, impacien­te. — Eu quis dizer o quê ele comeu junto com o chá.

Alguma coisa que pudesse ter provocado esse... ata­que? Eles têm certeza de que não foi outra coisa? Co­mida envenenada?

— É claro que têm! Eles são médicos!

— O que não significa que sejam deuses. Não são infalíveis. — Bruno sorveu um pouco de chá e em se­guida, agitado, afrouxou a gravata e abriu dois botões da camisa.

Katy o observava com o fascínio mórbido de quem olha algo perigoso e imprevisível. Como uma cobra.

— Não foi envenenamento — afirmou, lembrando-se do que ele havia dito sobre falar olhando para a ca­neca e determinada a fazer um esforço para não dar margem a mais críticas. — Ele comeu um pouco de pão que eu e Maggie fizemos e tomou um bule de chá. Es­tava bem enquanto comia, e depois disse que estava se sentindo estranho, que precisava se deitar um pouco. — Katy sentiu os olhos começando a se encher de lá­grimas com a lembrança de Joseph, já que a sensação estranha se revelara algo bem mais sinistro. A forma como ele cambaleara e apertara o peito, mal conseguin­do pronunciar as palavras.

— Pelo amor de Deus, não chore! Já basta ter de lidar com o que aconteceu sem você choramingando!

— Desculpe — murmurou. — É que fiquei tão as­sustada quando... tudo aconteceu. Foi tão inesperado... Sei que Joseph tem quase setenta anos, mas isso não é ser muito idoso, é? Não hoje em dia. — Desistira do chá, e mexia as mãos nervosamente no colo. Pelo menos ele não veria isso e não a criticaria por ser emotiva. — Ele não deu nenhum sinal... No dia anterior fizemos uma caminhada pelo jardim, até a estufa. Joseph tem imenso orgulho de suas orquídeas. Ele as examina to­dos os dias. Às vezes conversa com elas.

— Eu sei — disse Bruno, antipático. Joseph escrevia para ele uma vez por semana sempre para o endereço de Londres, de onde as cartas eram encaminhadas para qualquer parte do mundo em que Bruno se encontrasse no momento. Ele se esforçara ao máximo para atualizar o padrinho com os computadores, demonstrara as inú­meras vantagens do uso de e-mail, mas, embora o pa­drinho assentisse e se mostrasse maravilhado com o que os computadores eram capazes de fazer, insistia em utilizar a comunicação à moda antiga. Bruno era capaz de apostar que o computador de última geração que havia comprado para o padrinho permanecia no gabi­nete, sem uso e acumulando poeira.

Ele sabia tudo sobre as orquídeas de Joseph e todos os problemas por que tinham passado ao longo do tem­po. Sabia tudo o que se passava na cidade. Sabia tudo sobre Katy West e como havia sido inestimável nos dezoito meses em que trabalhou para Joseph.

— Ele deve ter dado sinais... — insistiu, empurrando a caneca para o lado e intimidando ainda mais Katy ao inclinar-se para a frente com os braços apoiados na mesa.

— Nenhum. Eu lhe contaria se houvesse surgido algo que pudesse servir como um aviso...

— Contaria? — A preocupação com o padrinho deu à sua voz uma aspereza cínica. Bruno Gianella não es­tava acostumado ao pavor incômodo que se espalhava por seu organismo naquele momento. As circunstân­cias de sua vida o ensinaram logo cedo que o controle é um dos passos mais importantes para o sucesso. Con­trolar a própria vida, pensava intimamente, é tê-la na palma da mão.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que — disse ele, levantando-se e zanzando pela cozinha como um tigre que acabara de ser libertado do cativeiro — não recebi muitas informa­ções de você sobre o estado de meu padrinho. Na ver­dade... — fez uma pausa e inclinou a cabeça para o lado, pensativo — nunca recebi uma única informação a respeito de Joseph! Muito embora tenha deixado cla­ro, quando foi contratada, que me manter informado sobre o bem-estar de meu padrinho era uma de suas funções!

— Isso não é justo! — Um súbito acesso de raiva a fez enrubescer com a acusação. — Trabalho para Jo­seph e não... ache que seja correto eu falar dele pelas costas.

Katy esperava que ele fosse continuar a repreendê-la, porém, em vez disso, Bruno resmungou e recome­çou a zanzar pela cozinha. Mais um pouco e Katy pen­sou que ela não demoraria a se juntar a Joseph no hos­pital em decorrência de um ataque de nervos.

— E como é o hospital? — indagou Bruno de repente, arrancando-a dos devaneios acerca de problemas no seu sistema nervoso.

— É muito bom, Bruno. Estive lá esta manhã e ainda não me deixaram vê-lo, mas me disseram que o estado dele é estável.

— Bem, isso já é alguma coisa, eu imagino. Fica a quanto tempo daqui?

— Uns quarenta minutos de carro. Depende do trân­sito para o centro da cidade. Disseram-me que poderia visitá-lo mais tarde.

— Nesse caso, sairemos às 16:30.

Katy aquiesceu e ponderou se aquele seria o mo­mento certo para fazer a pergunta que a rondava des­de o instante em que ele dissera, naquele seu jeito arrogante, que estava indo para lá. Ou seja: quanto tem­po ficaria.

Ele já se dirigia para a porta quando ela ordenou os pensamentos e correu ao seu encontro, diminuindo a velocidade apenas ao chegar ao corredor.

— Bem... — disse, mantendo distância enquanto ele se abaixava para apanhar a mala. O fato de a mala ser pequena a tranqüilizou.

— Pois não?

As sobrancelhas escuras se arquearam quando Bru­no percebeu sua presença.

— Ficará... no quarto de sempre. Você sabe. No topo da escada, vire à esquerda, no final do corredor. Eu... coloquei uma toalha para você. — Ela deu um passo à frente, hesitante. — Acontece que...

— Fale logo, Katy.

— É que... Quero dizer, Maggie e eu estávamos pen­sando... quanto tempo pretende ficar? Isto é, — ela se apressou à medida que a curiosidade no rosto dele se transformou numa expressão de crescente desaprova­ção — ajudaria Maggie em termos de comprar comida e coisas do gênero. — Katy sentia o rosto ficar cada vez mais ruborizado enquanto ele ouvia o que dizia em si­lêncio absoluto.

— Não precisam se incomodar por minha causa — declarou Bruno, virando-se e subindo a escada, en­quanto Katy o observava, percebendo que ele tinha dei­xado de dar a resposta pela qual ansiava desesperadamente.

Num rasgo incomum de coragem, avançou pela es­cada atrás dele e chegou ofegante à porta do quarto, bem a tempo de vê-lo colocar a mala na cama e tirar a gravata, que jogou em cima da mala.

— Pois não? — Com um suspiro de impaciência, voltou-se para ela e começou a desabotoar a camisa.

Katy fixou os olhos no rosto dele e longe do bron­zeado torso nu parcialmente revelado.

— É só que... — ela pigarreou e olhou para baixo — se pretende ficar, ajudaria se dissesse o que quer de mim. — Durante o silêncio sombrio que se seguiu, Katy ficou horrorizada ao perceber as possíveis cono­tações de suas palavras e uma onda de aflição a inva­diu. — Digo, no sentido de cozinhar para você — emendou. — Joseph e eu estamos acostumados a fazer o desjejum e a almoçar juntos. Eu...

— Por que faz isso?

— Como? — ela o olhou e ficou aflita ao ver que retirara a camisa, e que evitar a visão por inteiro do peito musculoso de Bruno estava fora de cogitação.

— Por que teima em bancar a ajudante? Fica cabis­baixa como se seu maior desejo fosse que o chão se abrisse e a engolisse.

— Eu sou a ajudante — retrucou Katy, cruzando os braços e esforçando-se para não se deixar intimidar pela presença sufocante dele.

— No sentido mais estrito da palavra — ele retrucou prontamente — mas é também a companheira de Jo­seph e, aparentemente, uma pessoa importante na vida dele. Apesar de meus... receios iniciais... você superou minhas expectativas. — Parecia surpreso com a própria declaração. — Dessa forma, você não se enquadra exatamente na categoria de criada, portanto pare de se comportar como uma. Não há necessidade de se preo­cupar em preparar refeições para mim enquanto eu es­tiver aqui — prosseguiu, com uma voz que a fez ter vontade de bater continência. — Sou capaz de cuidar das minhas coisas.

— Joseph ficaria aborrecido se soubesse que... você teve de se afastar do trabalho por causa dele — comen­tou Katy, com sinceridade. Não acrescentou, todavia, que o padrinho se orgulhava do homem talentoso e carismático que criara desde a adolescência.

— Ficaria igualmente aborrecido se pensasse que não dediquei meu tempo a ele quando precisou. Mais alguma coisa?

Para alguém que tinha de ser bastante perspicaz — caso contrário, como teria alcançado as altas esferas do poder? —, Katy achava impressionante que Bruno, por um lado, a criticasse por se comportar como uma criada e, por outro, a tratasse como uma.

— Não — ela murmurou, corando de raiva ao perce­ber a mão de Bruno movendo-se para o cinto. Ele não vai tirá-lo, vai? Até onde ia se despir antes de se sentir constrangido pela presença dela?

Os conhecimentos de Katy sobre os homens eram muito limitados. Em seus vinte e três anos, tivera dois namorados, rapazes gentis pelos quais nutria grande afeição. Prova de sua amizade era o fato de ainda man­ter contato com ambos.

Não conseguia imaginar nenhum dos dois se despin­do descontraidamente na frente de uma mulher que mal conhecessem.

— Certo — o tom de Bruno era de dispensa. — Nes­se caso, eu a encontrarei lá em baixo às 16:3O em pon­to. — Virou as costas para Katy, que parecia encolher, e só notou que ela tinha ido embora ao ouvir a porta se fechando suavemente atrás dela.

Em meio aos resmungos irritantes e angustiados, a garota havia levantado uma questão importante sobre a qual Bruno refletira na viagem.

O seu trabalho. Estava fora de cogitação fazer uma visita rápida ao padrinho. Joseph era o único ser huma­no no mundo que significava alguma coisa para ele. Doia-lhe pensar que o vira muito pouco no último ano.

Podia contar em uma das mãos as visitas apressadas quando conseguia escapar da tirania de sua vida profis­sional. Se desaparecesse agora e o padrinho viesse a falecer, Bruno sabia que jamais se perdoaria.

Poderia usar o apartamento de Londres e trabalhar nos escritórios da cidade, imaginou, mas ainda não fi­caria próximo o suficiente.

Remoeu o problema durante o banho. Apesar de ter viajado durante a melhor parte do dia, a idéia de recu­perar o sono antes de saírem não o animou. Dormir sempre lhe parecia uma obrigação e uma perda de tem­po. O único atrativo que costumava ver numa cama normalmente envolvia uma mulher deitada nela, muito embora, por mais que o ato sexual fosse satisfatório, nunca era suficiente para mantê-lo sob as cobertas, en­tregue a conversas depois do sexo.

O tempo de se vestir e verificar seus e-mails foi sufi­ciente para encontrar a solução para o problema. Não é o ideal, pensou ao contemplar a ansiosa criatura que o esperava no hall quando saiu do quarto, uma hora e meia depois, mas terá de servir.

— Jimbo tirou o Land Rover da garagem — apres­sou-se Katy, enquanto Bruno vestia a jaqueta. Estavam no mês de maio. Ensolarado, mas com um ar frio que prometia deixar arrepiado quem se arriscasse a andar de mangas curtas. Katy pensou que Bruno estava bem vestido. Calça caqui, camisa quadriculada e uma jaque­ta de camurça trabalhada para parecer gasta, na moda e escandalosamente cara. Como conseguia isso? Parecer desalinhado e sofisticado ao mesmo tempo?

Ela teve a sensação familiar de acanhamento ao per­ceber sua forma de vestir, que consistia em uma saia cinza abaixo do joelho, uma suéter bege bem folgada e uma jaqueta simples de veludo cotelê cinza. O ano in­teiro sentia-se confortável usando essas roupas. Eram práticas, resistentes e ideais para esconder o corpo do qual se envergonhava e do qual ele a fazia se lembrar sempre que estava em sua presença.

— Jimbo? — indagou Bruno, franzindo o cenho, e Katy assentiu.

— Jim Parks, o jardineiro, que também faz outros serviços na casa. Você o conheceu.

— Se você diz. — Se o conhecera, havia esquecido.

— De qualquer forma, o carro está lá fora. Se quiser, posso dirigir. — Para desgosto de Katy, ele concordou.

Katy dirigia bem e estava habituada a dirigir o carro de Joseph. Ia à cidade uma vez por semana em sua tarde de folga para fazer compras, e conduzia Joseph para onde ele desejasse. Nunca era para muito longe, mas estava acostumada à velha caixa de câmbio. Já usara o carro, inclusive, para dirigir até Cornwall e passar o final de semana com os pais.

Nada disso diminuiu seu nervosismo ao ligar o mo­tor e seguir pelo caminho com os intensos olhos negros de Bruno observando cada movimento seu. Era como fazer exame de direção de novo, só que pior. Seu exa­minador fora um senhor gentil de cinqüenta e poucos anos que a deixara à vontade, e não um meio-italiano arrogante que não hesitaria em criticar sua competência se por acaso mudasse as marchas de modo um pou­co mais brusco.

Mal conseguia se concentrar na conversa razoavel­mente educada que Bruno iniciara, perguntando-lhe sobre o trânsito no centro da cidade e sobre o que fazia para se divertir quando estava de folga. Estava preocu­pada demais com a presença dele.

Katy soltava um longo suspiro de alívio ao avistar o hospital, quando ele lançou uma bomba.

— Andei pensando a respeito do que disse sobre me afastar do trabalho, e concordo que Joseph ficaria triste se achasse que está me obrigando a ficar aqui, sem nada para fazer, por sentir pena dele.

Ela lançou-lhe um olhar furtivo e logo voltou a olhar para a estrada congestionada antes de virar em direção à entrada do hospital. O mero fato de Bruno ter refletido sobre algo que ela dissera já era surpreendente, e ainda era acrescido do fato de ter concordado com al­guma coisa.

— É, ficaria mesmo. — Suspirou de alívio ao prever o que ele anunciaria em seguida. Sua partida iminente. Mas antes queria que ela o ajudasse a suavizar sua cul­pa. — Ele é muito orgulhoso. Detestaria pensar que você sente tanta pena dele a ponto de deixar seu... Bem, sua vida profissional de lado.

Ela franziu o cenho e tentou imaginar como seria uma vida em que tudo e todos ficavam em segundo plano em relação ao trabalho.

— Tem um apartamento em Londres, não é?

— É claro que tenho — respondeu, irritado. — Veja o estado deste estacionamento. Ficaremos horas aqui tentando encontrar uma vaga. Devia ter me contado que o estacionamento era precário. Eu teria chamado um táxi para nos trazer.

— Vamos encontrar uma vaga — murmurou Katy, enquadrinhando a confusão de carros à procura de uma vaga livre que confirmasse sua declaração otimista. — É só ter paciência.

Bruno estalou a língua, amarrou a expressão e olhou pela janela.

— Paciência, uma virtude superestimada. Espere demais por alguma coisa e é certo que desaparecerá antes que consiga colocar as mãos nela. Se eu aguardasse pacientemente que os contratos viessem até mim, estaria lutando para pôr comida na mesa.

— Mas não se trata de contratos, Bruno. Trata-se de encontrar uma vaga desocupada no estacionamento.

Os olhos de Katy brilharam ao avistar alguém dando marcha à ré devagar, saindo de uma vaga na pista paralela àquela em que se encontrava e, com cuidado, avançou lentamente com o carro de modo a estacionar com facilidade.

— Pronto — disse, satisfeita. — Não falei que conseguiríamos?

— Eu falava sobre meu dilema em relação ao trabalho — respondeu Bruno, desprezando a pequena vitória de Katy, que se sentiu murchar.

— Ah, sim. Podemos conversar sobre isso depois de visitar seu padrinho?

Katy já estava animada com a idéia de ver Joseph. Não foi nenhuma surpresa para ela que tivesse se tornado tão importante em sua vida no espaço de apenas um ano e meio. Por ser filha única, tinha o dom de lidar com pessoas mais velhas, e Joseph era especial. Sua combinação de timidez, inteligência e delicadeza a encantou no instante em que o conheceu, e nunca teve motivos para mudar de opinião. Sentia-se à vontade quando discutiam acaloradamente algum assunto que chamasse a atenção dele no noticiário, ou quando se sentavam em silêncio, à noite, antes de ele se retirar para dormir.

Esperava que ele pudesse recebê-los agora e talvez até conversar um pouco, e teria muito mais prazer nessa expectativa se pudesse ficar tranqüila e em silêncio, em vez de ser forçada a falar com o homem que andava a seu lado.

— Vamos conversar agora — informou Bruno asperamente. Abriu a porta de vidro e deixou-a passar. — Quero me concentrar em Joseph quando o vir, sabendo que resolvi essa questão do trabalho de forma satisfatória. Na verdade — olhou em volta, — deve haver algum tipo de lanchonete por aqui. Exponho o que tenho a dizer em quinze minutos, e depois veremos Joseph.

Katy conteve-se para não bater continência. Preferiu não expressar seu ponto de vista e sugeriu a cantina no térreo. O café era péssimo, mas poderiam se sentar, e faria o que tinha de fazer: aquiescer quando ele dissesse que viajaria para Londres a fim de continuar trabalhando, e concordar que essa era a única solução viável.

Pelo menos ela também sentiria que tiraram um peso de suas costas após terem resolvido o assunto.

— O que vai pedir? — indagou Bruno, sem olhá-la, enquanto ocupava seu lugar na pequena fila, com a mão apoiada no topo de uma das bandejas de cor marrom.

Perguntas diretas vindas de Bruno sempre a faziam gaguejar, o que não acontecia com nenhuma outra pessoa. Evidentemente, quando ela pensava sobre o assunto conseguia entender o porquê. Até quando ele se comportava de maneira normal, se é que isso existia em relação a Bruno, havia sempre uma agressividade latente que trazia à tona o pior nela.

— Ei! — ela o ouviu dizer, finalmente olhando-a. Por um momento, seus olhares se cruzaram e Katy sentiu um calor alastrando-se por dentro. — Tem alguém aí? Ou decidiu ficar no mundo da lua para sempre?

— Desculpe-me — respondeu Katy, piscando e olhando para outro lado. — Quero um café.

— Alguma coisa para comer?

— Não, muito obrigada. Obrigada.

Os olhos negros semicerrados a mapearam de cima abaixo, pousando por fim em seu rosto ruborizado.

— Você se alimenta bem? Joseph cuida da sua alimentação? Ele é um pouco distraído quando se trata de certas coisas essenciais da vida.

Bruno estava em frente à máquina de café, apertando botões para obter duas xícaras, enquanto Katy constatava perplexa a mudança de assunto.

— É claro que me alimento.

— Parece um monte de ossos debaixo dessa roupa.

Com um único golpe, Bruno conseguira deixá-la constrangida e chateada com os defeitos de seu corpo. Desde os catorze anos, quando presenciara o desenvolvimento dos seios e quadris das amigas, Katy cultivara a sensação de que sua magreza, os seios pequenos e as formas de menino deviam ser escondidos a todo custo. Roupas largas que cobrissem o corpo eram seu jeito preferido de se vestir, apesar de os pais teimarem em repetir que ela era bonita. Não podia acreditar neles, pois a adoravam. Diriam que era bonita ainda que tivesse três cabeças e um rabo.

Sabia que devia rechaçar aquele comentário indesejado de forma mordaz, colocando Bruno em seu lugar, porém nada lhe ocorreu e após um breve silêncio ele continuou demonstrando indiferença pelos seus sentimentos.

— Você precisa criar músculos.

— Criar músculos para quê? Para virar uma lutadora? — retrucou Katy energicamente, e Bruno desta vez a olhou com algo que se aproximava do interesse, as sobrancelhas escuras erguidas num aparente fascínio pelo tom de voz subitamente impetuoso.

— Não sei ao certo, uma vez que seu corpo fica completamente oculto por trás dessas roupas que qualquer vovó adoraria usar — respondeu Bruno calmamente. O sarcasmo de Katy chamou sua atenção e de repente seus planos de trabalho não lhe pareceram tão deprimentes.

— Agora vamos tomar nosso café e vou lhe contar o que decidi a respeito do trabalho. Por que não procura uma mesa, limpa de preferência, e eu irei assim que pagar a conta?

Observou Katy apressar-se em direção a uma das mesas ao fundo, porém seus pensamentos já estavam longe. Não lhe parecia que Katy pudesse se opor de alguma forma ao que tinha em mente, e a verdade era que ela não teria escolha.

Contudo, seus problemas não se resumiam a trabalho. Isobel Hutton Smith, a mulher com quem tinha um relacionamento no momento, podia ser um modelo de compreensão quando o assunto eram suas freqüentes viagens ao exterior, mas dificilmente seria tão condescendente se ele se estabelecesse no campo, a mais de uma hora e meia de distância dela, embora no mesmo país.

Isobel andara jogando indiretas no sentido de que ele devia se fixar em um lugar, fazendo comentários acerca da natureza dos relacionamentos e da rapidez com que o tempo passa.

Bruno sabia que devia ter sido mais firme em repelir a tagarelice sobre compromisso e relógios biológicos, mas nunca chegou a abordar o assunto, permitindo que a situação lhe escapasse ao controle. Talvez, pensava agora, a doença de Joseph fosse o destino avisando que chegara a hora de sossegar. Enquanto pagava à moça da caixa os cafés e o bolo com aspecto de passado que comprou, perguntava-se se Isobel não seria a esposa que procurava: glamurosa, bem-relacionada e tolerante com seu trabalho.

Fitou o local onde Katy agora parecia limpar migalhas do tampo da mesa com as mãos e decidiu lidar com uma coisa de cada vez.

Primeiro o trabalho, depois a namorada, e ambos atrás da necessidade premente de garantir que o padrinho ficasse bem.

 

— Muito bem.

Bruno se sentou e seus faiscantes olhos negros percorreram a mesa suja com uma desaprovação tão mal disfarçada que Katy foi obrigada a lembrá-lo de que a cantina de um hospital não era um restaurante cinco estrelas.

— Tentei limpar a maior parte das migalhas — completou Katy para se desculpar, recebendo em troca uma careta.

— Por que está se desculpando pelo estado deste lugar? — questionou Bruno com impaciência. — Ninguém, muito menos eu, espera que a cantina de um hospital seja um restaurante cinco estrelas, mas esta mesa parece acumular meses de sujeira.

Katy se perguntou como os funcionários de Bruno conseguiam estar à altura de seus padrões, impossíveis de atingir. Será que despeja esse sarcasmo frio e sem trégua sobre qualquer um que cometa o menor deslize? Estremeceu e tomou um gole de café.

Ficava intrigada ao constatar que a delicadeza e a sensibilidade do padrinho não o haviam influenciado. Era tão diferente de Joseph como a água do vinho, mas ela sabia que o histórico familiar de Bruno não era muito normal. O pai falecera quando tinha três anos, e a mãe, dez anos depois, período que passara em um colégio interno, quando ainda era uma criança sem idade suficiente para atravessar a rua, quanto mais para ser afastado do único lar que conhecia. Ficara aos cuidados de dois padrastos, nenhum deles, segundo ela conseguiu averiguar, muito interessado no menino de inteligência precoce, mas rebelde.

Quando chegou a Joseph, aos treze anos, sua personalidade já estava formada. Era um órfão, rico graças à herança da mãe, incrivelmente inteligente e, de acordo com o padrinho, achava que o mundo estava sob seu comando.

Lendo nas entrelinhas, Katy podia imaginar um adolescente de beleza tentadora, mais inteligente que a maioria dos professores, autoconfiante e, no entanto, receoso das relações humanas.

Ela frequentemente tentava alimentar a autoconfiança na presença dele, vendo-o como um solitário por baixo de todo o sucesso e poder financeiro.

Mas a tentativa falhara mais uma vez.

— Você ia falar sobre... o que decidiu fazer? Sobre seu trabalho? — adiantou Katy.

— Bem, não vou voltar para Nova York, ao menos até Joseph ficar bem. A solução óbvia, a meu ver, seria me concentrar no escritório de Londres e ficar no apartamento de Chelsea, mas isso envolveria muitas idas e vindas se eu quisesse vê-lo, por isso decidi que a única solução é montar um escritório na casa e trabalhar lá por tempo indeterminado.

— Na casa? Que casa? — Ela se perguntava se teria perdido alguma informação vital dentre o que ele dissera.

— Que casa você acha que é? — O tom de Bruno era muito paciente. Fixou os olhos na face espantada de Katy e observou o entendimento chegar aos poucos.

— Vai trabalhar na casa de Joseph! — disparou Katy.

Seu estômago parecia sapatear. Felizmente estava sentada, caso contrário poderia ter desmaiado.

— Correto. Agora beba, não podemos passar o dia todo aqui na cantina.

Fitava-o com os olhos arregalados. Previra que ele estaria ali por alguns dias, uma semana no máximo, e já decidira que, se fosse necessário, poderia evitá-lo. A casa era grande e, com um pouco de planejamento, nunca encontraria com ele. Nas poucas ocasiões em que não houvesse como se esquivar, respiraria fundo e lidaria com o desconforto temporário.

Mas ficar por tempo indeterminado?

— Além disso — Bruno virou o pulso para ver as horas no relógio —, você trabalhará para mim. Eu preferiria alguém com um pouco mais de experiência no mundo dos negócios, mas você está disponível e servirá. Não posso pedir à minha secretária que saia de sua cidade e se mude para cá. Ela é casada e tem dois filhos.

Isso significava que, não fosse pelas raízes emocionais, ele não hesitaria em fazê-la sair de sua cidade.

— Não precisa ficar tão assustada, Katy. Eu não mordo.

Bruno levantou-se e Katy percebeu que, para ele, a conversa estava encerrada. Não que houvesse sido uma conversa. Ele a informara o que tencionava fazer e sua obrigação era calar-se e obedecer.

Enquanto seguia Bruno pelo corredor do hospital, só conseguia pensar no pesadelo que representava o que ele acabara de propor.

O prazer de ver Joseph foi mitigado pela faca que, metaforicamente, sentia encostada ao seu pescoço.

Após alguns minutos, durante os quais ela segurou a mão de Joseph, Bruno resolveu tocar no assunto da nova função de Katy.

— Não acho que este seja o momento... — começou a dizer em protesto, mas Bruno a subjugou com um olhar.

— Estou apenas tranqüilizando meu padrinho quanto a contar com minha presença por um bom tempo.

— Não deve prejudicar seu trabalho — objetou Joseph, como era de se prever e, para desgosto de Katy, continuou — embora, é claro, seja muito bom saber que você estará na casa, cuidando dela e de minha querida Katy...

Katy tentou não falar de forma abobalhada.

— Não preciso que cuidem de mim, Joseph — conseguiu dizer, com uma dose considerável de autocontrole, desviando os olhos do olhar desconcertante de Bruno. — Tenho quase vinte e quatro anos! Sou capaz de cuidar de mim mesma e de garantir que a casa não desmorone à minha volta! Além do mais — disse em tom de encorajamento, apertando levemente a mão de Joseph —, você estará em casa mais rápido do que imagina.

— Foi isso que o médico disse?

— Bem, não exatamente, mas ainda não falamos com os médicos...

— Como sempre, não há um médico por perto quando se precisa deles — interrompeu Bruno, com expressão de desagrado. — Pelo visto não aparecerá em menos de uma hora e dei instruções específicas à enfermeira para que ele viesse me ver antes de iniciar as visitas.

Os olhares de Joseph e Katy se cruzaram num entendimento mútuo. Bruno partia do princípio de que seus desejos tinham de ser obedecidos.

Katy começou a sonhar acordada, imaginando Bruno sendo forçado a esperar no final de uma longa fila, ao passo que, no começo da fila, um médico tão prepotente quanto ele agia sem nenhuma pressa e ele tentava atrair sua atenção lá do fundo. Percebeu que estava sorrindo quando a voz de Bruno a trouxe de volta à realidade.

— Está aqui conosco? — inquiriu ele, esquecendo a boa educação, como de costume, e Katy se endireitou na cadeira.

— Estava só pensando...

— É melhor irmos andando. Joseph precisa descansar. — Ambos miraram o velho senhor, cujos olhos haviam se fechado.

— Ele parece tão frágil — sussurrou Katy com súbita angústia. Num impulso, olhou para Bruno e se deparou com a frieza dos olhos negros.

— O que você esperava? — Levantou-se e foi para a porta, impaciente. — Ele sofreu um ataque cardíaco. Achou que o encontraria dando cambalhotas?

— Não, mas...

— E não acho que seja bom — continuou Bruno, adiantando-se pela porta e depois deixando que ela o ultrapassasse no corredor — deixar ele perceber que existe dúvida sobre sua plena recuperação.

— Não fiz isso! — protestou Katy, num sussurro contrariado. — Joseph não ouviu o que eu disse e... não estava olhando para mim. Na verdade, ele tinha apagado! Claro que não quero que ele pense que... que...

— Onde está esse médico? — Bruno examinou o corredor. Katy notava a agitação das enfermeiras que o olhavam com interesse enquanto ele inspecionava o local.

— Acho que ainda não passou uma hora — afirmou Katy, de forma dúbia. — Talvez seja melhor sentar e esperar.

Bruno olhou-a como se a idéia de sentar e esperar por algo ou por alguém fosse um conceito estranho a ele.

— Ficar aqui de pé não vai fazer o médico aparecer mais depressa — observou ela. — E nós estamos atrapalhando.

Antes que Bruno tivesse tempo de fazer um de seus comentários, Katy se afastou e foi pedir a uma enfermeira atrás do balcão que os avisasse da chegada do médico.

— O afilhado dele está muito preocupado — disse em voz baixa; enquanto Bruno se aproximou de modo embaraçoso.

— O afilhado tem razão de estar ansioso para obter algumas respostas — comentou Bruno, demonstrando educação, e Katy pôs-se a pensar como conseguia soar tão ameaçador quando, na visão dele, estava fazendo uma afirmação inofensiva. Nem precisava olhá-lo; podia imaginar sua expressão sisuda. A enfermeira deve ter captado os mesmos sinais, pois sua expressão quase autoritária foi substituída por um nervoso meneio de cabeça.

— Se eu deixasse as pessoas esperando o dia inteiro — foi a primeira coisa que resmungou assim que se sentaram nas cadeiras do corredor — já teria falido.

Katy segurou a língua, pois não queria criar polêmica, uma vez que ainda teria de levantar a questão que a perturbava.

— E deixe que eu fale quando esse médico resolver aparecer — rosnou. — Ficar cheio de dedos não vai me dar as respostas de que necessito!

Katy fitou-o discretamente e soube com certeza absoluta que Bruno estava desesperado, e a única maneira de lidar com isso era ficar ainda mais agressivo e enfático que o normal. Katy se comoveu e, num impulso, pousou a mão pequena no pulso dele, que reagiu com um olhar de tamanha reprovação que ela a retirou imediatamente.

— Poupe-me da compaixão, Katy.

— Nunca baixa a guarda, Bruno? — ouviu-se dizer, percebendo no mesmo instante que tinha passado dos limites. Um homem como esse não gosta de perguntas pessoais. Até Joseph evitava matar a curiosidade acerca da vida do afilhado.

— Desculpe-me — disse imediatamente. — Não é da minha conta. Ambos estamos preocupados.

Ela o esperou falar, o que não aconteceu, e suspirou. Achou que ele tinha ignorado seu comentário e se surpreendeu ao ouvi-lo dizer em voz baixa:

— Joseph nunca ficou doente. Pelo menos, nunca teve nada de grave. É estranho, pois nunca imaginamos que as pessoas que amamos são vulneráveis; somos tolos em acreditar que viverão para sempre.

Katy deu por si sentada na beirada da cadeira e prendendo a respiração. Sentiu-se solidária com o inesperado desabafo, mas achou melhor não dizer nada. O momento de fraqueza de Bruno passaria, e ele teria raiva dela por tê-lo testemunhado.

— Estive pensando — arriscou, vacilante — se poderíamos conversar sobre essa questão do trabalho, Bruno...

Ele inclinou o corpo ligeiramente para olhá-la, os olhos semicerrados. Foi preciso ela reunir toda a sua força de vontade para não desviar o olhar, o que o deixaria irritado. Ele já havia rosnado que era impossível conversar com alguém que não o olhava nos olhos. Mal sabia ele que bastava lhe lançar um olhar para que ela entrasse em pânico.

— Sobre o que precisamos conversar? — indagou, com voz moderada.

— Eu... não tenho as qualificações necessárias para trabalhar com você — gaguejou. — Nunca trabalhei como secretária profissional ou coisa assim...

Bruno franziu o cenho.

— Está ajudando Joseph em suas memórias, não está?

— Sim, mas...

— Corrija-me se eu estiver errado, mas isso deve envolver no mínimo algumas coisas básicas, como a capacidade de digitar.

— Bem, sim, eu sei digitar, mas...

— Achei que tinha feito um curso...

—- Um curso bem rápido — apressou-se a enfatizar. — Fui babá por quatro anos e quando os Harrisons decidiram se mudar para o exterior eles me ajudaram, enviando-me para um curso de três meses para que eu pudesse auxiliar Joseph com serviços de digitação. — Passou a língua nos lábios nervosamente e descobriu que, em vez de desejar desviar o olhar, estava fascinada ao contemplar de perto o rosto forte e magro e o modo como os fracos raios de sol realçavam os cabelos negros.

— Por que fizeram isso? — perguntou, franzindo a testa.

— Ah, eles gostavam de mim. Ainda mantemos contato.

— E como prova de afeição resolveram enviá-la para um curso de secretariado? Não estou entendendo, Katy.

— Bem, eu mencionei que queria deixar de ser babá. Não que eu não tenha gostado de cada minuto. Eu gostei! Cuidava de duas crianças adoráveis e não poderia almejar uma maneira melhor de começar a vida em Londres. Os Harrisons eram patrões perfeitos. Joseph também é, sinceramente. Tive muita sorte...

— Katy — ele balançou a cabeça, confuso —, aonde quer chegar? Não pedi um histórico de sua vida profissional. Apenas quero saber por que não quer trabalhar para mim.

— Certo. Sim, o que eu estava dizendo é que trabalhar nas memórias de Joseph não é o mesmo que ser uma secretária de verdade. — Logo ele diria que não estava entendendo novamente. Dava para ver no seu rosto. Queria que fosse direto ao ponto e não que se desviasse do assunto. — Sei digitar, mas não muito bem. Normalmente, anoto tudo bem devagar e, quando Joseph tira um cochilo, eu digito. Bem devagar. — Sentiu-se obrigada a expor a realidade dos fatos. — Ele não trabalha num ritmo acelerado, Bruno.

Bruno sorriu, divertindo-se com aquilo, e ela ficou ainda mais hipnotizada por aquele sorriso.

— Não conseguirei acompanhar seu ritmo — afirmou abruptamente. — E não acho que você seja paciente com erros. Eu cometo muitos erros. E passo horas corrigindo-os. — Para o caso de Bruno não ter entendido a mensagem, Katy decidiu acabar com qualquer sombra de dúvida quanto à sua inadequação. — Para ser sincera, levo mais tempo corrigindo os erros do que digitando. Não sou muito boa com computadores e Joseph não se importa porque ele também é um caso perdido com eles.

— Devia ter um pouco mais de autoconfiança — Bruno incentivou. — E a familiaridade com computadores é uma questão de prática.

— Tenho bastante autoconfiança — replicou Katy. — A não ser quando se trata de tecnologia. Podia contratar alguém temporariamente através de uma agência da cidade. Alguém que tivesse a experiência que mencionou.

— E o que você faria o dia todo? — inquiriu Bruno, com os olhos semicerrados. — Afinai de contas, está sendo paga e com Joseph hospitalizado não teria nada para fazer, não é? Em vez de concluir que nunca seria capaz de trabalhar para mim, devia encarar isso como um desafio para preencher as longas horas numa casa vazia.

Um desafio? Desafio não é algo que a pessoa deseja fazer? Quem encara uma coisa que lhe causa horror como um desafio?

Entretanto, antes que Katy tivesse a chance de refletir e responder algo apropriado, o médico chegou e ela apenas ouviu enquanto Bruno tomava as rédeas da conversa. Ele perguntou coisas nas quais ela jamais pensara, com uma rudeza que a constrangeu, mas que o médico parecia apreciar, a julgar por suas respostas profundas e completas.

A conclusão era que não havia razão para Joseph não se recuperar completamente. Ele devia, inclusive, se exercitar um pouco, e estaria de volta em casa dentro de duas semanas. Bruno o impressionara de tal forma que ele chegou a lhe fornecer seu telefone residencial em um pedaço de papel, e disse a ambos que poderiam contatá-lo a qualquer hora se tivessem outras dúvidas ou estivessem apreensivos com alguma coisa.

— Exercitar-se — murmurou Bruno, enquanto se encaminhavam para o carro. — O único exercício de Joseph são as leves caminhadas no jardim, certo?

— Ele não é nenhum garoto, Bruno — disse Katy e, não resistindo à ironia, acrescentou, séria: — O que esperava que ele fizesse? Que desse cambalhotas em volta dos canteiros de flores?

Ficou espantada e satisfeita pela risada repentina em reação ao comentário sarcástico e somente quando estavam no carro, saindo da cidade, lembrou-se da conversa inacabada sobre trabalho. Ou melhor, inacabada do seu ponto de vista. Bruno obviamente tinha decidido que o assunto estava encerrado e agora meditava sobre os desafios apresentados pelo médico e os exercícios leves que fariam bem ao padrinho.

Katy respirou fundo e a seguir disparou:

— Mas como vai comandar um império de uma casa? Você não precisa estar lá, à disposição, caso... — A voz foi diminuindo enquanto ela tentava visualizar a dinâmica de um grande negócio. — ...aconteça alguma coisa?

— Alguma coisa como o quê? — indagou ele, curioso.

— Não sei ao certo... — disse em tom vago, franzindo o cenho. —- Uma catástrofe ou coisa do gênero.

— O edifício desmoronar, por exemplo?

Katy interpretou o tom divertido como um ataque subversivo à sua óbvia ignorância acerca das finanças corporativas e dos negócios, que nunca lhe despertaram interesse.

— Quero dizer — enfatizou, corajosa —, não precisa estar de fato num escritório no seu edifício para que, no caso de terem problemas, as pessoas possam... falar com você? Cara a cara?

— Ah, não — Bruno respondeu pausadamente. — A tecnologia hoje está bastante sofisticada...

— Não é culpa minha não ter estudado sobre computadores — defendeu-se. — Claro que tivemos aulas de Tecnologia da Informação na escola, mas nunca me interessei. Sempre achei os computadores muito impessoais. — Olhou pela janela, pensativa, e recordou a época de escola. Fora muito feliz, porém nem mesmo nos momentos mais otimistas se descreveria como uma dessas pessoas confiantes e bem-sucedidas, que parecem destinadas às carreiras mais brilhantes.

Não enxergava um meio de não trabalhar para Bruno, ainda mais depois de ele ter mencionado o fato de que estava recebendo uma remuneração e devia estar a serviço dele se o padrinho não estivesse presente. No entanto, ao se imaginar apressada, ágil, atendendo telefonemas e correndo no ritmo alucinante de Bruno, sua mente parecia se desligar e uma sensação de enjôo surgia no estômago. Talvez, se não se sentisse tão estranha e simplória na presença dele, pudesse tê-lo convencido de sua competência, mas a realidade era que se atrapalharia com tudo e acabaria enfurecendo-o.

Será que ele não via isso? Por que ia querer se expor a uma irritação sem fim por ela não ser capaz de acompanhar seu passo? Katy divagou para um cenário angustiante em que cada erro seria ridicularizado até que Bruno decidisse substituí-la.

— Podem ser impessoais, mas também são inestimáveis.

— Hã?

Ela o sentiu respirar fundo, impaciente.

— Os computadores — ele a fez lembrar em tom severo. — Falávamos sobre computadores. Aliás, você falava. Dizia que nunca se interessou por eles na escola.

— Ah, sim. Desculpe-me.

— Você tem o hábito infeliz de se desculpar por tudo — comentou Bruno no mesmo tom severo. — Terá de perder esse hábito quando trabalhar para mim. É irritante.

— E quando eu cometer erros? — perguntou, preocupada.

— Lá vai você de novo. Pensando na pior hipótese antes mesmo de começar. O que estou fazendo? isso é totalmente irrelevante!

— Mas não acha que acontece? — ela não conseguiu segurar a pergunta. Pensando bem, sempre fazia isso!

Mal Joseph começava a ditar e uma torrente de perguntas inundava sua mente, sem que ela conseguisse segurá-las. Mas como podemos conhecer melhor as pessoas se fizermos somente as perguntas relevantes?

— Computadores? Eles me permitem trabalhar de qualquer lugar. Minha secretária me envia a correspondência por e-mail e posso acessar todos os arquivos de que preciso pressionando um botão. Como imagina que controlo a filial de Londres quando estou em Nova York e vice-versa?

— Não imagino — declarou, com sinceridade. — A verdade é que nem sequer imagino o que você faz. Deve ser muito estressante.

— Eu trabalho bem sob pressão.

— Ah — murmurou Katy, de forma dúbia.

— De qualquer forma, o que estou dizendo é que o escritório de Joseph servirá a curto prazo. Passarei um ou dois dias em Londres — fez uma pausa —, caso precise solucionar uma das catástrofes misteriosas que mencionou, mas passarei o resto da semana aqui. Já estou com meu laptop, portanto não deve haver qualquer dificuldade em transmitir os arquivos para o computador de Joseph, e as roupas que tenho aqui servirão por enquanto.

Com seu último argumento caído por terra, Kary afundou no assento e contemplou desanimada a vida que teria nas duas semanas seguintes. Ele já iniciara a lista de características de sua personalidade que teria de mudar para que pudesse aturá-la, e ela não tinha dúvidas de que a lista aumentaria até chegarem a um resultado próximo das exigências dele.

Emergiu de seus pensamentos ouvindo-o falar e viu que Bruno estava de volta ao tema dos exercícios leves e, quando mencionou a natação, Katy olhou rapidamente na direção dele. A mera visão daquele perfil sério fez um calafrio percorrer seu corpo. Mais uma coisa com que lidar, percebeu, melancólica. Aquele rosto bronzeado e belo despertava-lhe algo como mulher que não era comum sentir, embora não gostasse dele. Torcia, sem muita esperança, para que os contatos mais próximos eliminassem essa reação indesejada.

— Joseph não gosta de nadar — informou. — Uma vez me disse que, se os seres humanos fossem feitos para chacoalhar na água, nasceriam com guelras. Ele não considera a natação um exercício relaxante.

— Não estou sugerindo que atravesse o canal — disse Bruno. — Mas nadar é um exercício leve e você ouviu o que o médico disse.

— Sim, mas a piscina está num estado deplorável.

— Porque nunca é usada.

— Fico surpresa por você não usá-la quando vem visitar Joseph — ponderou Katy, pensando que, a julgar pelo corpo em forma, Bruno devia se atirar em qualquer exercício sempre que tivesse um raro momento de lazer. E também em como devia ficar lindo em uma sunga. Corpo bronzeado, nada fora do lugar... Afastou a imagem que se tornava cada vez mais nítida e sentiu uma pontada de culpa.

— Aquela piscina está em péssimo estado. Precisa urgentemente de reformas. Estava bem decrépita quando Joseph veio para cá, anos atrás, e só piorou. — Fez uma pausa, — Certamente lhe faria bem uma renovação. Pensando bem, possui todos os requisitos necessários. Fica em local coberto, ainda que seja preciso sair da casa para ir até lá, e com uma pequena obra ficaria boa. Posso instalar aquecimento, fazer uns dois vestiários, contratar alguém para consertar as rachaduras...

— Precisa de mais do que uma simples renovação — destacou Katy. — Bruno, tem ervas daninhas nas rachaduras no fundo! Na verdade, na última vez que Joseph a viu, sugeriu que, com um pequeno acréscimo de terra, poderíamos transformá-la em uma estufa!

— Ele disse isso?

Katy aquiesceu, olhou-o e viu seu sorriso genuíno. Por alguns segundos, seu coração pareceu parar, e então retomou a atenção no trânsito, sentindo-se atordoada. É claro que ele não estava sorrindo para ela, disse a si mesma. Lembrou-se da impaciência daqueles frios olhos negros, porém... era como ver um repentino e maravilhoso raio de sol irrompendo de nuvens carregadas.

Logo Bruno estava de volta ao seu jeito de ser, aquele ao qual estava acostumada. Voltou a ser o homem que dava ordens sem se preocupar em acrescentar um por favor ao final, ou em demonstrar um mínimo sinal de agradecimento.

— Bom, trataremos de fazê-lo mudar de opinião e essa pode ser a sua primeira tarefa pela manhã. Passarei o dia no escritório em Londres, e você terá o dia livre para contratar as pessoas necessárias para colocar aquele buraco de concreto em funcionamento.

— Em funcionamento? Quanto tempo acha que levará para isso acontecer?

— Pague o que pedirem e levará o tempo que eu desejar — garantiu Bruno. — Mas precisa estar pronto antes de Joseph voltar para casa. A última coisa de que precisa é de operários perturbando o sossego de sua recuperação.

— Não tenho certeza se...

— Lição número um no mundo dos negócios: ter sempre certeza. Número dois: fazer com que trabalhem sob o seu comando. Se você se recusar a tolerar atrasos e cancelamentos, verá que as pessoas trabalharão dentro do cronograma que você estipular!

Katy quase repetiu que não tinha certeza sobre nada daquilo, mas engoliu as palavras no último minuto. E disse, insegura:

— Nunca tive ninguém trabalhando sob o meu comando...

— Então aí está outro desafio! E quanto à piscina, acho que também deve ter alguns móveis.

— Que tipo de móveis?

— Poltronas. Confortáveis. Poltronas nas quais Joseph possa relaxar depois de fazer exercício. Você escolhe. E não diga nada a ele. Será uma surpresa.

— Acha que o coração dele vai agüentar?

— Está falando sério?

— Não — admitiu. —. Mas quando ele vir a piscina, acho que devemos deixá-lo se acostumar aos poucos com a idéia de usá-la.

Estavam finalmente perto da casa e, corno sempre, o coração de Katy se reanimou. Isso também reavivou o pensamento de que ela dirigira até o centro da cidade e depois de volta para casa, sem dar vexame. O mínimo que ele podia ter feito era agradecer por tê-lo levado, mas é claro que isso seria pedir demais.

Bruno entrou na casa a passos largos, acendendo as luzes e relatando suas expectativas. Começaria a trabalhar na casa dentro de dois dias, anunciou, e ela deveria estar a postos o mais tardar às 8:30. Ele estaria de pé e em franca atividade às 7 horas, mas, naturalmente, não esperava que ela se ajustasse de maneira tão rígida aos seus horários. Ele se viraria com o café da manhã e ela deveria cuidar de seu próprio almoço, mas esperava que não parasse para comer quando o volume de trabalho fosse grande. Maggie providenciaria o jantar de ambos. A jornada de trabalho se encerraria às 17:30.

Katy quase gargalhou quando Bruno terminou de falar e perguntou educadamente se ela tinha dúvidas, pois ele não parecia disposto a esclarecer nenhuma delas. Na realidade, encontrava-se de pé ao lado do corrimão, inquieto.

Katy assentiu perplexa e ele fez um breve meneio com a cabeça.

— Ótimo. Nesse caso, estarei no escritório ajeitando as coisas. Não me espere para jantar. Belisco alguma coisa no meio do caminho, pois ainda tenho muito em que pensar.

Ela assentiu novamente, sem fala, e sentiu muita pena da pobre secretária de Bruno.

Graças a Deus, Joseph logo estará bem. e a vida voltará ao normal

 

Bruno observou Katy através da extensa janela na sala de estar, de onde podia vê-la de pé no anexo convertido em uma piscina coberta pelos proprietários originais da casa. Ele a via de costas, com as mãos apoiadas na cintura, supervisionando os trabalhadores. As mangas da suéter larga estavam arregaçadas até os cotovelos e embaixo da saia podia-se ver um par de resistentes galochas verdes.

Passava das 17 horas e Bruno acabara de visitar o padrinho, que se recuperava bem.

— A comida é horrível — reclamara Joseph. — Sem gosto. — E então olhara um tanto tímido para Bruno. — Essa história de trabalho. Não vai impor sua ridícula rotina de trabalho a Katy, vai?

— Ridícula?

— Bom, você sabe que é viciado em trabalho... Havia um leve toque de reprovação na voz, o que aborreceu Bruno.

— Não posso ter sucesso na direção de um negócio se passar meu tempo jogando golfe e tirando férias, Joseph. — Jamais jogara golfe em toda a sua existência, e quanto a férias... Bem, era algo que esporadicamente encaixava em sua vida frenética. Sempre gostara disso. A última vez que o convenceram a tirar uma semana de folga fora seis meses antes, quando ele e Isobel, por insistência dela, viajaram para as Ilhas Seychelles. Após dois dias, ficara ansioso para voltar ao ritmo normal. Isso fazia dele um viciado em trabalho? Pelo visto, sim.

Joseph forçou um pigarro e em seguida indagou, estreitando os olhos:

— Você não vai maltratá-la, não é?

Ele faz com que ela pareça um coelho assustado. Bruno pensava agora, observando-a gesticular para alguém que não estava ao alcance de sua vista. Os cabelos castanhos ondulados estavam presos em um rabo de cavalo. De onde ele estava, vestida com suas roupas fora de moda, Katy mais parecia um pardal que um coelho.

Retirou-se da sala de estar com passos vigorosos, atravessou a cozinha e seguiu para o anexo, onde se surpreendeu ao ouvi-la falar com os operários cheia de autoconfiança, e até rir. Quando, porém, tossiu educadamente atrás de Katy, ela retomou a costumeira expressão tensa, como se fosse uma máscara.

— Você voltou.

— E você parece feliz — disse Bruno, posicionando-se próximo a ela a fim de verificar como estavam as coisas. — Tão feliz quanto alguém que perdeu uma nota de dez e achou cinco centavos. Quero que me coloque a par do que está acontecendo. — Afastou-se de Katy com impaciência e ela, após alguns segundos de indecisão, seguiu-o e começou a apontar as áreas em que já haviam feito progresso. Não obedecera as ordens de estabelecer regras e fazer exigências. Na verdade, tinha sido bastante tímida e hesitante ao visitar a imensa loja nos arredores da cidade e receber um grande número de negativas quando explicou o nível de deterioração da piscina. Explicara que dinheiro não seria problema desde que conseguissem terminar o trabalho antes de Joseph estar de volta.

Gastara tempo demais falando sobre o patrão, sobre o ataque cardíaco repentino e a necessidade de que a piscina estivesse pronta para que ele iniciasse a rotina de exercícios moderados. Seus olhos se encheram d'água, e o gentil senhor de meia-idade apanhou uma caixa de lenços de papel sob o balcão.

Bruno teria uma síncope se fosse uma mosca na parede durante a conversa. Katy ficou aliviada por ele estar bem longe, em Londres.

Os cinco operários, cujas idades variavam de vinte e poucos a cinqüenta e muitos, pararam o que estavam fazendo e explicaram as tecnicidades de sua tarefa. Enquanto falavam, Bruno inspecionava a área em silêncio, fazendo o mínimo de perguntas, porém deixando claro que era um especialista no assunto e que, portanto, não poderiam enganá-lo.

Katy admirava isso. De longe, toda aquela autoconfiança era impressionante. Ao se aproximar, no entanto, era possível ver o quanto isso podia ser assustador.

Bruno fez suas averiguações na área da piscina e instruiu os homens a continuarem, ressaltando que contava que se empenhassem ao máximo tendo em vista o prazo escasso para a obra.

— Bem — disse quando retomaram à cozinha, tudo parece satisfatório. — Retirou a jaqueta, atirando-a em uma cadeira, e olhou para Katy, cujo cabelo tornara-se um emaranhado. Ela se livrara das galochas na porta da cozinha, trocando-as por confortáveis mocassins. Felizmente, esse serviço de secretária se restringiria à casa, pois em hipótese alguma toleraria que um membro de sua equipe no escritório aparecesse para trabalhar totalmente desarrumado e desleixado como ela estava. Aliás, como sempre estava.

— Obrigada. Eu... não tinha certeza se a obra poderia ser feita a tempo... mas...

— Não falei que vale a pena ser rigoroso? — disse, satisfeito.

— Disse — concordou Katy, recordando sua abordagem nada rigorosa ao tratar com o Sr. Hawkins, proprietário da empresa de construção. — Aceita um café? Chá? — Passava das 6 da tarde. Talvez quisesse algo mais forte. — Alguma outra coisa? — perguntou, prestativa. — Acho que tem bebida alcoólica na despensa e vinho na geladeira.

— Um café está bom.

— Maggie fez uma torta — ofereceu, ocupando-se de preparar o café. —- De frango. Posso esquentar, se quiser. Tem legumes também. Ela se ofereceu para ficar e lavar a louça, mas eu disse que podia ir embora. Tudo bem? — Fitou Bruno, que se sentara em uma das cadeiras em um ângulo de onde pudesse acompanhar os movimentos de Katy.

— Não costumo comer às 18h30 — informou, sarcástico. — Normalmente, ainda estou no trabalho a essa hora.

— Claro — Katy deu uma risada nervosa. — Joseph e eu temos o hábito de comer cedo. E, antes disso, eu jantava com as crianças. — Passou-lhe a caneca de café e sentou-se do outro lado da mesa. — Meu relógio biológico não segue um ritmo muito sofisticado, suponho. Bruno sentiu-se dividido entre ir direto ao que interessava, ou seja, Joseph e a rotina que ela imaginava para ele quando saísse do hospital, ou rebater o comentário sobre o horário da refeição. Com o rosto de menina e o cabelo desalinhado, mais parecia uma adolescente que uma adulta, mas já tinha quase vinte e quatro anos! Quantas mulheres dessa idade se contentariam em ficar trancafiadas em uma casa tomando conta de um idoso, por mais encantador que ele fosse?

— Nunca a incomodou? — Irritou-se ao se ouvir dizer.

— Como? — Katy ergueu a cabeça, pois estivera contemplando o redemoinho na superfície do café, e olhou-o perplexa.

— Com isto. — Fez um gesto com a mão para indicar que se referia à casa. — Ficar aqui com Joseph. Jantar às 18:30, levar uma vida pacata. — Ele sorveu um gole de café e recostou-se na cadeira, com as longas pernas estendidas.

Katy enrubesceu ao perceber a crítica implícita na voz de Bruno e não sabia o que fazer.

— Por que deveria? — acabou por responder. Cruzou o olhar com os penetrantes olhos negros e estremeceu levemente. — Não sou uma pessoa de festas, embora — acrescentou depressa — eu saia de vez em quando, é lógico. Na minha folga, encontro alguns amigos que conheci na cidade. São professores. Eu os conheci na biblioteca.

Os ouvidos de Bruno se aguçaram e ele considerou a possibilidade de o pequeno pardal levar uma vida dupla.

— Amigos do sexo masculino? Katy ficou vermelha.

— Na verdade, não acho que isso seja da sua conta — murmurou, aflita ao perceber que o rosto sombrio e tenso relaxara, adquirindo uma expressão de diversão.

— Tem razão. Não é — completou, sem o menor traço de arrependimento na voz. — Fui visitar Joseph antes de vir para cá. — Mudara de assunto, mas continuava a observá-la, fascinado com a transparência de seu rosto. Que vivera recolhida a vida inteira ficava óbvio até para um idiota, só de olhar para ela. Todo o universo da malícia feminina lhe tinha passado ao largo. Pensou em Isobel e sua beleza sofisticada e glamurosa, e se perguntou o que uma pensaria da outra.

— Joseph está bem, não está? — inquiriu ansiosa, com empolgação estampada no rosto ao recordar a visita que ela própria lhe fizera aquela tarde. — Os médicos e as enfermeiras estão animados com a evolução dele.

— Parece não estar tão animado com a comida.

— É um danado — disse, rindo; um riso doce e suave que envolveu todo o rosto. — Espero que não estivesse tentando comovê-lo, pois ele sabe que comida temperada está proibida. Já deixei isso bem claro.

Bruno deu um risinho e mostrou-lhe um sorriso travesso.

— Acho que é exatamente o que ele tentou fazer. Comida sem gosto, saudável e uma piscina. Posso ver Joseph adotando essa nova filosofia de vida com todo prazer. — Seus olhos se encontraram num momento de diversão mútua, e Katy piscou e desviou o olhar, sentindo-se repentina e inexplicavelmente confusa.

Bruno era, pensava, trêmula, um homem muito bonito, com um quê de perigo que atiçaria qualquer mulher. Procurou imaginá-lo como uma fruta tentadora que esconde um veneno mortal. Não era tão difícil. Não agora, que o momento em que se divertiram juntos passara, nem no dia seguinte quando, às 8:3O em ponto, ela chegou ao escritório e o encontrou com as mangas arregaçadas, sentado em frente ao laptop.

Bruno lançou-lhe um rápido olhar e disse-lhe com impaciência que entrasse e fechasse a porta.

Era o arquétipo do pior patrão que poderia imaginar. Após dar a ela dez minutos para se acomodar diante do computador de Joseph, passou a despejar instruções.

O relatório número um consistia de uma carta extensa sobre um contrato multimilionário, que incluía palavras que Katy nunca tinha ouvido, e muito menos digitado.

Quando Katy por fim suspirou de puro desespero, Bruno encaminhou-se para onde estava e debruçou-se sobre ela para ver a carta, que estava coalhada de erros. — Achei que tinha dito que sabia digitar — declarou, censurando-a, e a seguir sentou-se na beirada da mesa e encarou-a com a fisionomia carregada.

— Eu disse que não seria uma boa idéia — murmurou, sentindo o rosto queimar. — Estou me esforçando, mas você dita muito rápido. Como posso acompanhá-lo?

— Isso está cheio de erros.

— Eu sei! — reconheceu com tristeza. — Nunca ouvi metade dessas palavras! É tudo linguagem jurídica! Sua secretária deve ser mestra em digitar esse jargão porque está acostumada, mas eu não! Joseph não ditava documentos de negócios, ditava coisas normais. — Percebeu uma oscilação na própria voz e sentiu um desejo incomum de jogar o laptop na cabeça dele.

— Vai ter de corrigir. E, se ajudar, pode usar um dos dicionários jurídicos da prateleira. — Saiu de cima da mesa, dando a ela tempo de se acalmar e pegar o dicionário na prateleira, ciente de que estava sendo observada com ar de reprovação.

Contudo, pela meia hora que se seguiu, ele não ficou colado no seu pescoço. Relaxou na cadeira de couro, .que acomodava Joseph tão bem e na qual ele parecia fazer encolher com o corpo grande e forte, e começou a dar uma série de telefonemas, enquanto Katy corrigia o odioso documento.

Se fosse uma funcionária contratada temporariamente, não tinha dúvidas de que ao final do dia o ouviria dizer: "Seus serviços não serão mais necessários."

Ao terminar as correções, deu-se conta de que Bruno continuava ao telefone e constatou, surpresa, que se tratava de um telefonema diferente dos outros. Ele arrastara a cadeira para longe e falava em voz baixa e rouca. Uma voz muito íntima.

Katy fixou o olhar na nuca de Bruno e continuava a mirá-lo quando ele girou a cadeira para pousar o forte.

— Terminou? — perguntou, amável, e Katy assentiu e desviou o olhar.

— Se quiser privacidade para fazer ligações pessoais, não me importo de sair — deixou escapar, corando com a gafe.

— O que a faz pensar que eu estava numa ligação pessoal?

— Não é da minha conta — murmurou, incapaz de afastar o olhar.

Bruno nada disse. Pareceu apenas refletir sobre a pergunta e, em seguida, encolheu os ombros como se tivesse tomado uma decisão.

— Talvez fosse. —Ele se levantou, foi até a janela e recostou-se na borda para observá-la melhor. — Você tinha razão. Eu estava numa ligação pessoal. Nada que requeira privacidade, posso lhe assegurar.

— Está bem. — Aquilo era estranho. Se ela estivesse numa ligação pessoal com um homem, e ela imaginava que se tratava de uma mulher do outro lado da linha, desejaria o máximo de privacidade possível. Quem ia querer que suas palavras de carinho fossem ouvidas por qualquer um? Acontece que Bruno não era um homem normal. Talvez nunca dissesse palavras de carinho.

— Joseph costuma falar sobre minha vida particular?

— Não exatamente — respondeu, evasiva. Seu corpo, com o sol brilhando por trás e iluminando sua silhueta, parecia esbelto, e os ombros, largos e musculosos.

— O que quer dizer com "não exatamente"? Sim ou não?

— Ele mencionou uma ou duas vezes que você... é muito popular com as mulheres.

A colocação pareceu agradá-lo e ele ergueu as sobrancelhas de forma expressiva.

— E ele acha que saio com todas?

— Não foi o que ele disse!

— Não, mas é o que pensa. E desaprova. Mas... — Bruno manteve o suspense até Katy estar prestes a pedir que completasse logo a frase — ele pode ter uma grata surpresa ao retornar. Nunca trouxe nenhuma das mulheres com quem saí para conhecer Joseph.

— Eu sei — disse, sem querer, e depois se deteve.

— Embora eu saiba que há muito Joseph deseja que eu tenha um relacionamento sério o bastante para trazer uma mulher aqui. — Bruno pensou nas inúmeras vezes em que o padrinho lhe fizera perguntas sobre sua vida amorosa, dando todas as pistas de que queria que o afilhado sossegasse.

— E acho — declarou, pensativo — que talvez tenha chegado a hora de trazer uma mulher para conhecê-lo.

— Alguma em particular? — ela não conseguiu evitar a ironia, pois não havia romantismo em seu modo de falar.

Bruno fitou-a sem achar graça.

— Estou saindo com uma pessoa há alguns meses e acho que talvez tenha chegado a hora de me estabilizar.

— Apenas porque Joseph sofreu um ataque cardíaco e quer deixá-lo feliz agora que está se recuperando?

— Porque estou envelhecendo e o tempo não nos espera. — Vindo de alguém que se orgulhava da destreza verbal, era um tanto irritante ouvir um clichê vindo de sua boca. — De qualquer forma, Isobel será uma esposa perfeita. Ele vai ficar impressionado.

— Tenho certeza que sim — concordou Katy. E se surpreendeu com sua curiosidade. — Como ela é?

— Alta, loura. Na verdade, já foi modelo. O pai é dono de uma das maiores empresas de informática do país. Por que essa expressão no seu rosto? — questionou, irritado.

— Ela parece ser... a esposa ideal — pronunciou Katy, na falta de algo melhor para dizer. — Quando a convidará para conhecer Joseph?

— Assim que ele sair do hospital. É claro que inicialmente não lhe contarei minhas intenções. Vou dar tempo para que a conheça bem. Surpresas demais podem enviá-lo de volta para o hospital de vez. Agora que isso está decidido, podemos prosseguir?

Assim, sem mais nem menos. Em um momento falava de algo que deveria ser o maior acontecimento de sua vida e, no momento seguinte, com a mesma indiferença, de volta ao trabalho, como se as duas coisas estivessem interligadas.

Por alguma razão, Katy achou ainda mais difícil se concentrar no restante do dia. Seus pensamentos se dirigiam para a modelo loura e alta que surgira do nada e que estava prestes a se tomar mulher de Bruno e nora de Joseph. Seria calada? Extrovertida? Autoconfiante, decidiu Katy. Bruno não se interessaria por uma mulher insegura. Autoconfiante, chique e bem arrumada. Joseph ia adorá-la.

Sentira-se tentada a deixar escapar algo durante as visitas ao hospital que se seguiram, mas felizmente havia assunto suficiente sem que falassem sobre a vida particular de Bruno.

Em certo momento, tivera vontade de confidenciar-lhe os repetidos desastres com o computador e com a metralhadora de palavras de Bruno ao ditar. Entretanto, após uma semana, descobriu que estava se adaptando ao estilo dele.

Não se apavorava mais quando Bruno se aproximava para inspecionar o que escrevera e estava aprendendo a discernir suas mudanças de humor.

Se bem que, oito dias depois de ter começado a trabalhar para Bruno, não se considerava mais uma infeliz, pensou ao sair do hospital.

Na verdade, sentia-se culpada por reconhecer que jantar com ele tornara-se um dos pontos altos de sua vida. Bruno lhe falava de contratos, levando em conta suas idéias como se ela fosse uma pessoa, e não alguém que a tivesse contratado por falta de opção melhor. Quando perguntava sobre sua família, Katy não tinha mais vontade de desaparecer.

Pelo menos, não se sentia mais intimidada. E encara­va Bruno quando ele falava, em vez de desviar o olhar. Ele a curara de vez quatro dias antes, quando delicada­mente encostou um dedo no seu queixo e ergueu sua cabeça até que seus olhos se encontrassem, dizendo que ela tinha de perder a mania irritante de falar olhan­do para objetos inanimados.

A piscina estava ficando pronta, o que enchia Katy de satisfação, já que tudo ficara por sua conta. Bruno apenas comentava o andamento ao fim do dia.

Katy acompanhava uma música no rádio ao estacio­nar na frente da casa, e se deparou com um carro esporte baixo estacionado em um canto do pátio. Parou o Range Rover com uma profusão de perguntas na cabeça.

Foram todas respondidas no instante em que abriu a porta da frente e ouviu duas vozes vindas da sala de estar. Reconheceu uma delas e não teve dificuldades em identificar a outra, pois era de mulher e o carro lá fora irradiava glamour e dinheiro. Isobel, a mulher misteriosa que em breve se tornaria esposa de Bruno. Sentiu o estômago embrulhar ao se encaminhar lenta­mente para o local de onde vinham as vozes.

A porta para a sala de estar estava escancarada, e Katy teve alguns segundos para observar a cena. Bruno estava recostado na janela, com uma das mãos apoiada no vidro, e sorria, olhando para baixo, para a mulher sentada no sofá e de costas para Katy. Seus corpos pa­reciam se tocar e Bruno foi o primeiro a se afastar logo que deu pela presença de alguém que os observava da porta.

— Você voltou. Esteve no hospital? Katy entrou na sala.

— Joseph queria que eu lhe levasse alguns livros. Ele tem reclamado do tédio.

— Katy, esta é Isobel.

— Eu... vi o carro esporte lá fora... — Katy sorriu timidamente e avançou de modo a poder ver melhor a loura de pernas longas no sofá. O cabelo tinha uma mistura de tons de louro e um movimento em volta do rosto, na altura do queixo, que atraía a atenção.

— Meu pequeno quebra-galho. — A voz era fria e entediada. — Fabuloso para estacionar em Londres e veloz para longas distâncias. Então você é a secretária que está trabalhando para Bruno. — Os olhos azuis fi­zeram um rápido inventário e ficaram satisfeitos com o que viram. — Ele me falou tudo sobre você.

— Ah, falou? — Katy concluiu que, não importando o que Bruno tivesse dito sobre o tema secretária, não poderia ter sido muito elogioso.

— Aparentemente, Joseph adora você, querida. Por que não se senta perto de mim para termos uma conver­sa de garotas? Bruno, querido, por que não serve a Kate...?

— Katy.

— Claro. Por que não serve a Katy algo para beber? Trouxemos algumas bebidas conosco. Bruno disse que o bar estava deserto. Não sei como agüentam viver sem uma ou duas taças de vinho à noite!

Katy sentou-se no sofá próximo à loura. Sentiu-se atirada em uma espécie de filme bizarro no qual era forçada a se comunicar com um extraterrestre, e a sensação perdurou pelo restante do que se revelou uma noite bem desagradável.

Ao menos para ela. Isobel estava bem à vontade e era possessiva com Bruno. Muitos toques casuais nos braços, nas coxas, olhares secretos e piadas com a intenção de demonstrar que formavam um belo casal. Bruno, taciturno como não era do seu feitio, parecia ver tal comportamento com um misto de avaliação e prazer, o que enervava Katy.

Maggie preparara um jantar maravilhoso para os três, e Katy estava agitada, pondo a mesa da sala, enquanto sua mente não parava. Ela se perguntava o que os dois estariam fazendo na sala de estar. Depois riu de si mesma por se dar ao trabalho de perder tempo com isso. Analisou os temas de que tinham tratado e chegou à conclusão de que, ao lado de Isobel, ela ficava ainda mais desajeitada e simplória que o habitual. Uma pe­quena mariposa marrom perto de uma borboleta mag­nífica. Suas roupas confortáveis pareciam as de uma solteirona em comparação ao ousado e provocante ves­tido de Isobel.

No fim da noite, estava cabisbaixa por começar a entender por que Bruno se mostrara tão chocado com o estilo de vida que ela escolhera. Em comparação a Iso­bel, ele deve tê-la visto como alguém vindo do meio do mato.

A única coisa que a surpreendeu foi a insistência de Bruno para que Isobel voltasse para Londres. Fora uma benção para Katy, que não conseguia imaginar acordar no dia seguinte e ter de suportar sentir-se inadequada diante da beldade.

Trabalho, alegara ele, dizendo que não conseguiria se concentrar, pois seria uma tentação tê-la por perto.

Katy imaginou, pela primeira vez na vida, como se sentiria se fosse descrita por um homem como uma ten­tação. Havia algo de frívolo e sexy nessa palavra, so­bretudo na boca de Bruno.

Katy colocava a última peça do faqueiro na máquina de lavar louças quando ele adentrou a cozinha, e ela o olhou desconcertada.

— Não precisa fazer isso — disse, franzindo o ce­nho. — Maggie o faria pela manhã, — Bruno caminhou pela cozinha, sentou-se na cadeira e relaxou.

— Ah, não faz mal — retrucou, ligando a máquina e erguendo-se. — É bobagem deixar tudo sujo a noite toda. Fica mais difícil de lavar no dia seguinte.

Sentiu o rosto corar imaginando o que ele estaria vendo ao olhá-la agora.

— Você não é paga para lavar — declarou, irritado.

— Não é uma empregada doméstica.

— Se há serviço a fazer, eu o faço. — Levando-se em conta que acabara de passar um bom tempo com a mulher com quem se casaria, estava de péssimo humor.

— Ainda vai... precisar de mim? Estou bem cansada...

— Ainda não são nem 9 horas da noite! Como pode estar cansada?

— Não é preciso se exaltar — respondeu Katy, com a raiva tomando conta dela. — Se está chateado porque Isobel voltou para Londres, não é culpa minha! Ela po­dia ter passado a noite aqui. Joseph nem está aqui para se ofender. Aliás, tenho certeza de que ele não se ofen­deria, de qualquer forma.

— Não seja ridícula. É claro que não estou chateado porque Isobel voltou para Londres. Caso tenha esque­cido, fui eu que sugeri que ela partisse! Amanhã terei um dia cheio. Não havia por que mantê-Ia aqui, para ficar entediada.

A perplexidade de Katy deve ter transparecido por­que Bruno fechou a fisionomia.

— Você parece estar lutando contra alguma coisa. O que é? Ponha para fora em vez de ficar ai boquiaberta.

— Bem... isso que você disse não é muito simpático, não acha? Sobre a mulher que ama e com quem preten­de se casar? — Ela se perguntava se a inexperiência a fazia romântica demais e sem noção do que se passa no mundo real. — Não devia querer passar tempo com sua noiva? Tenho certeza de que poderia tirar um dia de folga...

— Ela não é minha noiva.

— Mas você disse...

— Eu disse que talvez estivesse na hora de me esta­bilizar e me casar. Tenho trinta e quatro anos e sair com várias pessoas não cai bem a partir de certa idade. Iso­bel daria uma esposa perfeita, o que não significa que eu tenha conversado com ela a respeito.

— Ah.

Naquele exato momento, a expressividade do rosto de Katy o irritou profundamente, pois podia ver o que estava pensando e não gostava nada. Qual o problema em ser prático em relação ao casamento? Já passara pelos casamentos precipitados da mãe com os dois pa­drastos, ambos terminados em lágrimas. Uma união para a vida toda devia ser muito bem pensada. Isobel era adequada, isso era certo. Preenchia todos os requi­sitos necessários e ele explicava essa lógica quando Katy o interrompeu com voz de pena:

— Mas e o amor? O romance? A magia?

— Não estamos falando de alguém que mal conhe­ço, pelo amor de Deus! Talvez tenha esse ponto de vis­ta porque não gostou dela...

A observação a pegou de surpresa e ela enrubesceu.

— Isso não é verdade! — O silêncio que se seguiu estendeu-se até que Katy gaguejou: — Ela parece mui­to... muito...

— Sim? Mal posso esperar para ouvir o que vem a seguir...

— Muito elegante — disse com ênfase. — Muito sofisticada. E, é claro, muito bonita e muito, muito fina.

— Elegante, sofisticada, bonita, fina — Bruno enu­merou as qualidades contando-as nos dedos. — Mas não possui as qualidades certas para uma esposa?

— Eu nunca disse isso e, de qualquer modo, não importa o que eu penso.

Ele se levantou e olhou o relógio. A conversa acaba­ra porque a opinião dela não tinha importância. Katy via isso na expressão que ele trazia no rosto.

— Tenho uma conferência importante amanhã, às 9 horas. Vou precisar que digite várias cartas e vai ter de acelerar o passo um pouco se quisermos acabar todas até às 17 horas. Talvez seja necessário voltarmos ao traba­lho depois de visitar Joseph. Tinha algo planejado? Respondeu, embora desejasse poder dizer que sim. Mal podia esperar para que Joseph voltasse para casa e Bruno fosse embora.

 

— Nada mal. — Bruno afastou-se da mesa e olhou para Katy, surpreso. — Nenhum erro de ortografia. Não disse que você era capaz?

— São quase 19:45. — Katy tentou não bocejar e nem se mover. Seu corpo parecia colado à cadeira. Qualquer movimento brusco poderia resultar em inten­sa dor. — Tive bastante tempo para corrigir meus erros de digitação.

— Não devia pensar assim. Está melhorando. Não se deprecie; você aprende rápido.

Katy engoliu a resposta que estava na ponta da lín­gua. Eles haviam trabalhado até depois das 19:30 nos últimos quatro dias, parando apenas para visitar Jo­seph. Os dias tranqüilos em que ela e Joseph faziam caminhadas e mergulhavam nas memórias dele agora pareciam uma lembrança distante. O aconchegante ga­binete, que fora um alegre refúgio, com livros e poltro­nas confortáveis, era agora um escritório com equipa­mentos de alta tecnologia, em que um momento de ócio numa das poltronas estava fora de cogitação. Até mes­mo ir ao banheiro era visto como uma interrupção in­conveniente da rotina absurdamente rígida de Bruno.

— Terminamos por hoje? — Katy olhou ávida para a janela atrás de Bruno, em que podia ver uma réstia de sol e um pouco do verde do jardim.

Bruno recebeu a pergunta com o semblante carre­gado.

— Não está cansada, está? — indagou, com os olhos semicerrados, reprimindo qualquer possibilidade de re­clamação. — Este contrato é muito importante e esta­mos um pouco atrasados porque fui para Londres on­tem de manhã. Talvez devesse ir comigo na próxima vez. Estaria presente na reunião e tomaria notas, e eu não teria de repassar tudo para você depois.

— Não! Não, não, não — Katy estava sobressaltada. — Não sou sua secretária...

— Está aqui trabalhando comigo, coletando infor­mações, ouvindo-me ditar, atendendo telefonemas e di­gitando meus documentos... Não são tarefas de uma secretária?

— Falsa secretária — ela enfatizou — auxiliando-o temporariamente. E devido a circunstâncias extraordi­nárias. Eu jamais poderia ir a Londres com você e estar numa reunião, e não vou fazer isso!

Bruno se divertia ao ver o semblante tímido se con­trair em função de uma teimosia. Mas não se surpreen­deu, como teria acontecido duas semanas antes, pois ao trabalhar com Katy uma coisa ficara bem clara: a garo­ta irritantemente intimidada que antes o tirava do sério não se intimidava como ele imaginava. Por trás daque­le rosto que deixava transparecer as emoções existia uma obstinação impossível de ser contrariada. Como agora. Ele ergueu as mãos brincando, como em sinal de rendição, e sorriu.

— Calma! Foi só uma idéia...

— Uma péssima idéia. — A mente de Katy estava tomada pela terrível visão de estar sentada com Bruno nas reuniões. Estremeceu de pavor. Bruno podia estar um pouco mais flexível no pequeno ambiente do gabi­nete de Joseph, onde ficava fechado com ela, porém duvidava que tivesse o mínimo de compreensão quan­do estivesse em seu próprio território. Katy aprendera a lidar com a presença dele sem ficar à beira de um ata­que de nervos, mas não era boba. Ele continuava a ser um sujeito aterrorizante.

— Você disse a mesma coisa duas semanas atrás, ante a perspectiva de trabalhar comigo. E foi também o que pensou quando deixei por sua conta a reforma da área da piscina. — Os olhos escuros de Bruno pousa­ram nela, e ele tinha um leve sorriso nos lábios. — De qualquer forma — levantou-se, passou os dedos pelo cabelo, foi até a janela, sentou-se no peitoril e pôs-se a olhar para Katy — chega por hoje. Está tarde. Acho que podemos parar.

— Posso terminar aquelas cartas que restaram, se quiser — disse, culpada, ciente de que ele ainda pode­ria continuar trabalhando por horas e via-se forçado a interromper seu ritmo porque ela estava cansada, com fome e com os olhos ardendo de tanto olhar para a tela do computador.

— Não. Sou um patrão justo!

Katy mirou-o com descrença, o que o ofendeu e ele reagiu de maneira exagerada.

— Pense bem, após fizermos um intervalo de duas ho­ras para visitar Joseph, portanto não trabalhou mais que o normal. Além disso, eu a poupei do tédio de ficar nesta casa sem nada para fazer.

— Na verdade, eu tenho coisas para fazer.

— O quê?

A expressão de teimosia de Katy estava de volta e ela baixou os olhos e deu de ombros. Este, Bruno des­cobrira, era um de seus hábitos mais irritantes. Sempre que lhe fazia uma pergunta, geralmente de natureza pessoal, à qual ela não queria responder, dava de om­bros e olhava para o vazio com expressão distante. Isso despertava a curiosidade de Bruno e lhe dava nos nervos. Desta vez, ele ignorou a atitude.

— Está com fome? Deve estar. Seu estômago tem feito sons de "Me dê comida" na última meia hora.

Katy, angustiada, olhou para ele e pressionou com uma das mãos o estômago que roncava.

— Isso... não é coisa que um cavalheiro diga!

— É a verdade. Vá se arrumar. Vou levá-la para jan­tar fora.

— Como disse ?

— Você ouviu. Jantar. Fora. Eu. Você. Agora vá, depressa. Certamente vai querer tomar banho e se arru­mar toda.

— Não podemos sair! Maggie preparou o jantar.

— É só guardar. Joseph estará de volta depois de amanhã e precisamos conversar sobre como ficarão as coisas.

— Conversar? — Katy estava a meio caminho de se levantar da cadeira e seus olhos se arregalaram ao olhar para aquele homem lindo que também a olhava, disfar­çando a impaciência.

Sim, acostumara-se a trabalhar com ele. De certa forma. Sim, acostumara-se à ida diária ao centro da cidade para visitar Joseph. Podia lidar com as duas coi­sas sem que seu sistema nervoso entrasse em parafuso. Ali, no escritório, abaixava a cabeça, cumpria ordens e debatia assuntos relacionados a trabalho. No caminho para o hospital, sempre falavam de Joseph. Mas jantar fora! Em um restaurante? Tentou encontrar uma desculpa para não ir.

— Exatamente. Vou terminar aqui e a encontro lá embaixo... às 20:15? É suficiente para se aprontar? — foi até a mesa e começou a examinar alguns documen­tos, e Katy virou-se de costas para a porta, pigarreando para chamar a atenção.

— Sim? — Os olhos negros focaram o rosto de Katy. — Algo mais?

— Não. Oh, não. É que achei que poderíamos comer aqui e conversar...

Bruno franziu o cenho e lhe deu toda a atenção.

— Está recusando meu convite para jantar? — per­guntou, sem rodeios.

— Claro que não! Só não quero que se sinta... obri­gado...

— Por que me sentiria assim?

— Como um gesto de gratidão... porque trabalhei para você...

— Está abusando da minha paciência, Katy. O que há de errado num gesto de gratidão? As coisas funcionaram bem melhor do que eu tinha previsto e, acredite se quiser, faz parte da minha natureza recompensar um serviço bem feito.

—- Certo! Tudo... bem. Só queria ter certeza. — Abriu um sorriso. — Às 20:15?

— Se empurrar a porta com mais força, vai atravessá-la.

A imagem do sorriso irônico de Bruno a acompanhou ao tomar banho e se vestir. Observou desanimada seu reflexo no espelho, enrolada na toalha, e olhou com desânimo ainda maior as roupas penduradas no armá­rio. Cada vez que pensava naquele sorriso diante de seu jeito atrapalhado, sentia uma vontade irresistível de fa­zer uma loucura para acabar com ele. Poderia vestir uma roupa ousada, mas bastou uma passada de olhos nas roupas para perceber que essa tática não seria possível.

E, de toda forma, refletiu, se sentiria mais segura com o vestido solto, abaixo do joelho, e o cardigã azul, que seria suficiente para o frio daquela noite. Roupas curtas e chamativas podiam ficar bem quando as imagi­nava, mas nunca se adaptaria a esse visual.

Nas poucas vezes em que vestira roupas curtas sentira-se extremamente desconfortável, e seu último na­morado a avisara para manter distância de roupas pro­vocantes. Tinha um rosto angelical, ele dissera, e não havia motivo para estragar isso vestindo-se como uma mulher da rua. Katy gostara da parte de ter um rosto angelical, contudo, ficara um pouco incomodada com a insinuação de que coisas sensuais não combinavam com ela. Desde quando anjos eram interessantes? A imagem de Isobel lhe veio à cabeça e ela quase tropeçou ao descer a escada.

Bruno estava no anexo, fazendo uma pequena inspeção. Mal a olhou quando ela tossiu para mostrar que estava pronta, e quando se virou, não fez nenhum elo­gio, nem por pura educação.

Mas ele se trocara e, por algumas frações de segun­do, Katy ficou sem ar. Bruno estava de preto. Calça jeans preta, suéter preta e uma jaqueta da mesma cor pendurada sobre um dos ombros. Parecia um bandido sofisticado, e quando caminhou em sua direção achou que o coração ia explodir.

O que estava acontecendo com ela? Chocada com a regressão à adolescência, desatou a falar, e a piscina era o tema mais à mão. Demorou cerca de vinte minutos para se recompor, muito embora, no carro, não ou­sasse olhar para o homem ao volante.

— O que gostaria de comer? — perguntou ele, quan­do o outro assunto se esgotou.

— Qualquer coisa. Não sou fresca.

— Não é comum encontrar uma mulher que não seja fresca quando se trata de comida. — Bruno sorriu. — Olhei o guia de restaurantes de Joseph e vi que há um bom italiano a alguns quarteirões do hospital. Pode ser?

— Humm... Adoro comida italiana.

— Talvez você já tenha estado lá — comentou, e Katy o fitou.

— O que o faz pensar que estive? — Ela não se lembrava de ter falado sobre os restaurantes que freqüentava.

— Bem, você disse que sai para jantar de vez em quando e não há muitas opções na cidade...

— Ah, só estive em pizzarias. É onde se come mais rápido quando se vai ao cinema. Minha nossa, este é o restaurante? Não fazia idéia que existia um lugar como este por aqui. — Tinham estacionado em frente a uma casa coberta de hera. Katy logo se sentiu constrangida pelo modo como estava vestida e conferiu seu vestido florido, preocupada.

— O traje é casual — tranquilizou-a Bruno, com delicadeza, e ela enrubesceu. — Não estou vestido para matar, estou?

— Eu sei, mas você está magnífico — deixou esca­par, desejando em seguida que o chão do carro se abris­se. — Eu quis dizer impressionante — emendou, sem muito sucesso, e ainda completou — É a sua cor. Acho que pode vestir qualquer coisa e ficar... bem...

— Magnífico? — ele riu baixinho, fazendo o sangue de Katy esquentar, e seus olhos se encontraram. Ele, então, abriu a porta e saiu, deixando-a com o constran­gimento de ter dito o que pensava sem levar em conta as conseqüências.

O restaurante era pequeno, íntimo e estava lotado. Pediram que aguardassem uma mesa em um pequeno espaço afastado das mesas, onde se tomava café e, de­pois de se sentar, Katy foi submetida a um daqueles olhares contemplativos de Bruno.

— O que foi? — perguntou, ruborizada. — O que foi? Por que está me olhando assim? É indelicado.

— É indelicado um homem olhar uma mulher? Inte­ressante a sua visão das coisas. Por que indelicado?

— Porque... — Katy se desconcertou.

— Já devem ter olhado assim para você antes. Seus namorados? Sentindo-se seduzidos?

Ela buscou refúgio no cardápio à sua frente e suspi­rou aliviada ao ver que o assunto desagradável morrera e que ele começara a falar sobre a reforma da piscina.

A piscina estava pronta, exceto por um ou dois reto­ques. Não estava em estado tão calamitoso como se imaginara inicialmente. Agora, reluzia em um azul turquesa convidativo, pronta para a primeira incursão de Joseph na rotina de exercícios.

— Acho que devemos revelar a ele como uma mara­vilhosa surpresa, sem dar nenhuma pista de que acha­mos que talvez não receba tão bem a idéia de usar aque­la coisa como pretendemos que faça. Terá de entrar na piscina com ele. Não podemos esperar que nade sozi­nho. Você tem maiô, não tem?

— É lógico que não tenho maiô, Bruno! Não aqui. Para que teria?

— Terá de comprar um logo.

Katy ficou em silêncio e contemplou a perspectiva de se divertir em uma piscina. Nunca fora uma exímia nadadora, pois nadar significava se expor, usando maiôs que sempre a faziam parecer mais magricela do que já era.

Voltou à realidade e percebeu que Bruno falava so­bre um assunto completamente diferente: Isobel.

— Como? — disse, interrompendo-o no meio de uma frase. — Pode repetir o que disse? Eu não estava escutando. — Sorriu para se desculpar. — Estava so­nhando acordada — confessou, envergonhada. — Sempre tive esse problema. Levava os professores à loucura. Eles falavam alguma coisa e eu me desligava, perdida em pensamentos e...

Bruno ergueu uma das mãos e lançou-lhe um olhar resignado.

— Não precisa descrever os detalhes. Você não esta­va ouvindo. Isso basta. É engraçado, nunca tive esse efeito sobre as mulheres.

— Que efeito?

— Fazê-las dormir.

— Eu não estava dormindo! — protestou. — Já disse, estava...

— Tudo bem, tudo bem. Já entendi. Bem, recapitulando... — deu bastante ênfase à palavra. — Eu falava de Isobel. Joseph voltará no sábado e acho que seria boa idéia ele conhecê-la no domingo. Posso convidá-la para passar o dia, dar-lhes a oportunidade de se conhe­cerem. Por que — suspirou — está franzindo a testa?

— Estou? Oh, minha nossa! Não. Quero dizer, sim. ótima idéia. — Katy tentou visualizar a reação de Jo­seph diante da loura fria e intimidante, mas não conse­guiu. E ficou perturbada ao notar que ela própria não gostava muito da idéia de Isobel aparecer de novo, o que era uma bobagem.

— Ah, sim. Posso ver "ótima idéia" estampado no seu rosto. Fale logo, Katy. Qual é o problema? Pode não ter gostado de Isobel, mas garanto que meu padrinho vai ficar nas nuvens ao saber que o afilhado finalmente vai se casar.

— Tenho certeza... É só que, bem... Joseph é um romântico à moda antiga. É estranho, se pensarmos que ele nunca se casou.

— Talvez seja romântico justamente porque nunca se casou.

Katy se questionou como uma pessoa tão cética em relação ao casamento podia fazer planos de se casar. Percebeu que, para ele, o conceito de casamento era diferente do das outras pessoas. Certamente, diferente do de seu padrinho que, nas incursões pelas suas me­mórias, demonstrara ter fé no poder do amor.

— A questão é que... — sentiu necessidade de escla­recer, com voz ansiosa — terá de se comportar de modo um pouco diferente com Isobel quando ela vier, senão Joseph pode pensar que está se metendo nisso apenas para agradá-lo.

— Não entendi. O que está dizendo? Não, pressinto uma explicação longa e complexa, portanto, vamos conversar depois de pedirmos, está bem?

Katy o observou consultar o cardápio com uma ex­pressão que já falava por si. Nunca notara antes, quan­do ele visitava Joseph e ela o evitava, o quanto o rosto dele era expressivo. Julgara-o apenas pela aparência, que a impressionava, e pela arrogância insensível, que a aterrorizava.

Agora, depois de conviver com ele por algum tempo, era capaz de ver que Bruno podia ser atencioso, paciente e engraçado. Continuava não sendo um ho­mem com quem ficava à vontade, mas...

Retomou à realidade e pediu o item mais farto do cardápio, ciente de que Bruno a fitava com as sobrancelhas arqueadas.

— Eu disse que como muito — informou, aborrecida, sem precisar olhá-lo para saber o que pensava.

— O que me intriga é saber onde tudo isso vai parar. Tem os braços mais finos que já vi. — Por um instante, Bruno pensou como seria o restante do corpo por baixo daquelas roupas largas e quase riu de sua própria curio­sidade. — Então... por que acha que devo me compor­tar de modo diferente com Isobel para que Joseph não pense que o estou enganando quanto a me casar com ela...?

— Você não parece um homem apaixonado — disse Katy, abruptamente.

— Meu Deus, isso de novo não! Ela respirou fundo e prosseguiu.

— Quando está com ela, age da mesma forma que... bem... como se...

— O que acha que eu deveria fazer? — interrompeu Bruno, inclinando-se para a frente, e ela teve de se con­trolar para não recuar. Algumas semanas antes, teria se encolhido de medo sob o impacto que ele lhe causava. — Fazer amor com ela na sala de jantar?

— Não seja bobo. Lógico que não. — Katy ficou ruborizada e sentiu a respiração acelerar. — Mas Joseph vai observá-lo e vai se perguntar por que você vai se casar com uma mulher pela qual não parece apaixo­nado. Depois vai tirar suas conclusões...

— O que você sugere? — perguntou, bastante inte­ressado.

Ela deu de ombros. Ele completou o copo de Katy com mais vinho.

— Dar de ombros não servirá como resposta. Diga, como acha que deveria agir um homem apaixonado?

— Não sei — respondeu, em tom vago.

— Será porque nenhum homem esteve apaixonado por você?

— Você não prestou atenção em cada palavra dela quando esteve lá...

— Como estou prestando atenção em você agora?

— Muito engraçadinho — murmurou. — Você não foi muito... solícito.

— Mas não estou perdidamente apaixonado por ela.

— Meu Deus! Não pode contar isso a Joseph. Vai partir seu coração. — O coração de Katy palpitou. Ele estava preparado para se casar com uma mulher que não amava. Que canalha! No entanto, sentiu uma pecu­liar satisfação ao constatar que a deslumbrante Isobel não conquistara o coração de Bruno. Não que isso ti­vesse alguma importância para ela.

— E não íamos querer que isso acontecesse, não é? — disse Bruno, pensativo. — Talvez... — ele serviu mais vinho a Katy, gostando de ver como estava corada e com os olhos brilhantes. — Talvez você devesse me ensinar a me comportar na companhia de Isobel. Mostre-me onde errei... Quero dizer, o que um homem perdidamente apaixonado faria neste exato momento, sen­tado diante de sua amada? — Só por diversão, pensou, só para ver como ela reage. Ele pousou a mão sobre a de Katy, depois virou-a e acariciou a palma com o polegar.

Durante alguns segundos, Katy ficou em estado de choque, paralisada, e logo a seguir veio um calor tão intenso que fez sua cabeça flutuar e o pulso disparar, despertando sensações prazerosas nos seios e entre as pernas. Sentiu-se fraca, zonza e...

Puxou a mão, terrivelmente confusa.

— Agi mal? — sentiu o frio do vazio onde antes estava a mão de Katy. Recostou-se e lançou-lhe seu olhar mais debochado. — Deveria ter acariciado a bo­checha, e não a mão? — Vamos tentar isso?, pensou em perguntar. Depois, se questionou o que diabos aca­bara de acontecer. Era melhor mesmo que Isobel vies­se. Talvez a convidasse para ficar mais do que um dia. Era óbvio que estava com muita energia sexual acumu­lada.

— Pare! — disse Katy, com uma aspereza incomum na voz. — Isto não é um jogo, Bruno.

— Não, não é — disse, em tom grosseiro. — Perdoe-me se violei o seu irrepreensível código moral, mas não há necessidade de entrar em pânico por causa de uma provocação boba, embora inconveniente.

— Não estou em pânico! — gritou, e em seguida baixou a voz, dando-se conta de que não estavam sozi­nhos, embora se sentisse como se as outras pessoas não existissem. — Mas — ela não queria dizer, porém aca­bou dizendo — sou uma pessoa. Tenho sentimentos, sabia? Pode achar engraçado praticar comigo como de­veria tratar sua noiva, mas eu não acho graça nenhuma. Ninguém jamais falara com ele daquela maneira. Não conseguia se lembrar de uma única mulher que conhecesse que não se divertiria com a brincadeira. Muitas adorariam que fosse adiante! Mas o rosto de Katy era o retrato do constrangimento e ele ficou atordoado. Olhou para o vazio, porém não por muito tempo. Sentiu-se subitamente à mercê da mulher diante dele, que o fitava com hostilidade.

— Está bem. Tem razão... Eu... sinto muito.

Fez um esforço tão grande para se desculpar por seu comportamento que Katy relaxou. O corpo de Katy voltava aos poucos ao normal, o que era bom, pois o que sentira quando Bruno a tocou, embora para ele fos­se um toque insignificante, deixara-a balançada e as­sustada porque nunca tivera uma sensação tão intensa, como se cada terminação nervosa do corpo recebesse uma descarga elétrica.

Sentiu-se aliviada quando a comida chegou. Fala­ram de Joseph e, evitando qualquer tema que corresse o risco de ser polêmico, Bruno falou um pouco sobre si mesmo, sua infância e sua vida no colégio interno, confidenciando, apenas quando já estavam no café, que ela fora a única mulher que ele entediara contando histórias da juventude.

— Não foi entediante — disse Katy, surpresa por ele sequer ter pensado isso. Não entendia por quê, mas nada que tivesse a ver com ele a aborrecia. — Como se pode conhecer alguém de verdade sem saber do seu passado? É a nossa história que nos faz quem somos hoje, não acha? Nossa, isso é profundo, não é? — Ela gargalhou e tomou um gole de café, que estava ótimo, assim como a refeição. Comera tudo o que estava no prato, para espanto de Bruno, e rira da expressão no rosto dele quando pousou o garfo e a faca.

— Agora, o meu passado... — Apoiou os cotovelos na mesa e segurou o pote de creme com ambas as mãos, fazendo comentários mentais sobre o lindo rosto de Bruno, seus traços, seus cílios longos. — Garanto que dormiria sobre o café se eu lhe contasse.

— A felicidade nunca é entediante — afirmou Bruno. — Você teve uma infância feliz, pais que a amaram. É por isso que é assim... — Ele a fitou de forma estranha e depois se fixou no café, desviando-se apenas para pedir a conta.

— Assim como...? — Menos de três taças de vinho e Katy sentia-se completamente lânguida. — Não, não diga. Acho que prefiro não saber.

— Por que não? — Bruno abriu um sorriso de prazer.

— Porque certamente será uma crítica. Eu sei — continuou, com rancor — que não acha isso, mas você é uma pessoa muito crítica.

— E você é... — fez uma pausa e olhou-a por entre os cílios — ... assustadoramente franca.

— Era isso que ia dizer? — Ela suspirou aliviada.

— Franca, sincera e nada cínica.

— E seria cínica para quê? — perguntou, confusa com a interpretação que Bruno fizera de sua personalidade. Achava que eram características bem comuns e não tinham nada de especial. Mas talvez a sinceridade fosse uma coisa rara no ambiente dele. Era um homem muito rico e poderoso, e ela sabia que homens assim eram paquerados, bajulados e viviam cercados de gente que concordaria com qualquer coisa que dissesse. E seus concorrentes deviam rondá-lo como tubarões, aguardando o momento de atacar.

— Tem razão. Para quê ser cínica? — concordou, levantando-se e acompanhando-a até a porta, onde o gerente do restaurante agradeceu a presença deles e pediu que voltassem em breve.

— Pobre Bruno, tenho pena de você! — deixou escapar em um impulso, arrependendo-se imediatamente ao vê-lo franzir o semblante. Quando aprenderia a ficar de boca fechada na presença dele? Em um momento ia bem, e logo depois dizia algo idiota. Como agora. — Desculpe-me — apressou-se em dizer, afastando-se um pouco enquanto caminhavam até o carro. — Que coisa idiota de se dizer.

— Por que tem pena de mim?

Na escuridão, não conseguia ver o rosto de Bruno. Parecia realmente curioso, mas com Bruno nunca dava para saber. Mas ele perguntou...

— Detestaria viver rodeada de pessoas cínicas, de nariz empinado — admitiu, fazendo uma pausa enquanto ele abria a porta do carro para ela entrar. — Como sabe se alguém gosta de você de verdade ou não?

Deve estar sempre tomando cuidado com o que diz e faz... — Nesse momento, Katy lembrou-se de Isobel. Foi bom pensar nela; funcionou como um lembrete de que aquilo não era um encontro entre um homem e uma mulher que estavam se conhecendo. Era apenas um jantar de "agradecimento pelos serviços prestados".

— Não é o máximo poder contar com Isobel? Alguém com quem pode ser você mesmo? — concluiu, incentivando-o.

Bruno fez um resmungo, que Katy interpretou como sinal de concordância, embora esperasse que o assunto se prolongasse um pouco mais, e ele então caiu num silêncio tão profundo que ela se sentiu forçada a continuar.

— Acho que devo pedir desculpas... — começou.

— De novo? Pelo quê, desta vez?

Enquanto avaliava a reação exagerada que tivera com a brincadeira dele no restaurante, Katy sabia que o tom de voz de Bruno estava um tanto antipático, mas não se deteve nisso. Pensava em seu jeito atrapalhado quando ele a tocara, no sermão sobre não ser o tipo de garota que aceita brincadeiras como essa. Ele devia ter achado que ela era muito infantil. Além de afetada e moralista. Pensou em Isobel e isso lhe trouxe de volta uma sensação desagradável.

— Pela forma boba como reagi quando brincou comigo. Lembra? Quando segurou minha mão e me pediu para mostrar como um homem apaixonado deveria se comportar? Bom, acho que exagerei um pouco. Muito, aliás. Foi pretensioso da minha parte dizer como deveria agir!

— Então — murmurou Bruno suavemente, fitando-a —, está me dizendo que ainda quer me ensinar? — É claro que ele sabia a resposta, mas só de imaginar sentiu uma excitação, e antes que pudesse evitar tais pensamentos, a imaginação voou solta, enchendo sua mente de todo tipo de imagens.

— É lógico que não! — Ele está brincando de novo, pensou Katy. Desta vez, no entanto, não reagiria da mesma forma. Apenas riria, como ele esperava que fizesse.

Que pena, Bruno pensou. Logo se lembrou de Isobel. Ligaria pela manhã e a convidaria para vir no domingo. Mas pediria que trouxesse roupas para passar a noite. Uma mulher acolhedora e ansiosa para cair em seus braços era tudo de que precisava agora.

 

— Está... esplêndida.

Joseph saíra do hospital animado. As enfermeiras o achavam irresistível e ele se sentia feliz ao ver Bruno e Katy atrás dele.

A alegria de Joseph, contudo, pareceu esfriar quando se deparou com a piscina.

— Venha se sentar numa das poltronas — sugeriu Katy, encaminhando-o para a poltrona de vime antes que pudesse fugir para dentro da casa.

— Agora, minha querida? Eu não deveria estar lá dentro, descansando?

— Pensamos em almoçar aqui — disse Bruno. — Maggie preparou algo bem leve.

— Bem leve? Imagino que — disse Joseph, melancólico, deixando que o conduzissem para a poltrona — tenham entregado a você a prescrição de uma dieta severa. Um homem de idade como eu não deveria ficar restrito a comidas sem sal, sem tempero e sem gosto pelo resto de seus dias.

— Está confortável? — perguntou Katy, animada, sentando-se ao lado de Joseph e vendo Bruno se sentar na outra poltrona.

— Nada mal — admitiu Joseph. — Toda essa água, porém, não é muito convidativa. Estão esperando que eu entre nela em algum momento? Não sou bom nadador. Nunca fui. Poderia me afogar facilmente.

— É aquecida — valorizou Katy, olhando para Bruno, que se espalhara na poltrona, estendendo as pernas e deixando a cabeça pender para trás, com os olhos quase fechados.

— Katy ficará bastante decepcionada se você se re­cusar a entrar na água — disse Bruno. — Ela trabalhou como uma formiguinha para que o anexo estivesse pronto antes do seu retorno. Não foi? — Os olhos ne­gros viraram-se na direção de Katy.

— Foi mesmo, querida? — A voz de Joseph adquiri­ra ânimo novo. — Não devia ter feito isso!

— Eu gostei. E você vai dar um mergulho, não vai, Joseph? O médico disse que exercícios moderados lhe farão muito bem. Não estou sugerindo que corra para vestir um short agora, mas amanhã talvez...?

— Amanhã? Como posso nadar amanhã se vou co­nhecer a... — inclinou-se para Katy e olhou Bruno de soslaio. — ...bem, não sei do que devo chamá-la, mas o relacionamento deve ser sério, visto que é a primeira mulher que jamais ousou trazer à minha casa...

Bruno parecia sem saída. Tinham mencionado Isobel casualmente, quando voltavam do hospital. Bruno não quisera alongar o assunto e mostrara-se reticente, o que não impedira Joseph de fazer um verdadeiro questionário durante a maior parte do caminho. Quanto mais detalhadas eram as perguntas, mais monossilábicas eram as respostas, a ponto de Katy, assim que Joseph fora levado para a cozinha para ver Maggie, ver-se obrigada a lembrá-lo de que estava apresentando ao padrinho a mulher que seria sua nora.

— Eu sei — informara Bruno, irritado. — Mas Joseph não precisa saber que o relacionamento é tão sério.

— Por que complica tanto as coisas? Por que não conta logo que vai se casar com Isobel?

— Deixe que eu cuido da minha vida pessoal, Katy — foi tudo o que ele disse, e havia tanta frieza na voz que ficou claro que não toleraria mais questionamentos.

Agora, Joseph estava perguntando se precisava se arrumar para receber Isobel ou se ela era o tipo de mulher que o aceitaria como era.

Katy esforçou-se para não rir da nítida investigação de Joseph e do modo como Bruno recebeu a pergunta, levantando os óculos escuros. Quase pôde ver os ombros de Bruno relaxarem de alívio quando Maggie surgiu para perguntar se queriam almoçar. Pulou da poltrona e deixou Katy conversando com Joseph enquanto ele ajudava a trazer as travessas. Durante o almoço, desviou-se de qualquer conversa sobre Isobel.

— Vou precisar que volte ao escritório para fazer um serviço para mim — disse a Katy ao fim do almoço, depois que Joseph fora levado para o seu quarto.

— Mas hoje é sábado — reclamou Katy, amarrando a fisionomia, — Sei que ainda não voltei à antiga rotina com Joseph, mas...

— Mas, no que lhe diz respeito, considera-se liberada de suas funções como minha secretária, certo? Ainda que haja coisas inacabadas.

— Não, é lógico que não — respondeu, enrubescendo. — É que pensei...

— Encontre-me no escritório em meia hora e não se preocupe, pois não a prenderei lá pelas próximas oito horas. Quero apenas que aqueles e-mails de ontem sejam enviados e preciso que escreva uma carta.

Dito isso, Bruno saiu para o escritório, deixando Katy intrigada sobre o motivo pelo qual estava com esse humor agressivo agora que Joseph voltara, recu­perado e bem disposto, e sua namorada estava para chegar.

— Ele não parece muito empolgado com essa Isobel

— Joseph comentou com Katy em sua suíte. — Não estou bem certo se vou gostar dela.

— Não diga isso, Joseph. Ainda nem a conheceu. — Katy decidiu que era melhor dar uma despistada no fato de Bruno ficar tão reticente, antes que suas próprias opiniões influenciassem Joseph. Posicionou a poltrona favorita dele de frente para a janela, de modo que pu­desse avistar o jardim.

— Por que ele não quer falar dela? Deve estar louco para trazê-la aqui, e seria de se esperar que eu tivesse de fazê-lo parar de tagarelar!

— Você conhece o Bruno. Ele não é de "tagarelar".

— Katy não o encarara ao dizer isso. Abriu a janela e não reparou a mudança de expressão no rosto de Joseph. Quando ele voltou a falar, a voz estava branda e pensativa.

— E muito contido, sim — concordou Joseph, afundando na poltrona com um suspiro de prazer. — Autêntico, porém, essa é a questão. Fico feliz que tenham se dado bem. Agora, vai ler para mim, querida?

— Não posso. Bem, eu poderia, mas Bruno quer que eu termine um trabalho que iniciei ontem...

— Nesse caso, vá e não deixe que ele a explore.

— Ah, já aprendi a impor limites. — Riu suavemente e deslocou uma pequena mesa para que ele tivesse onde apoiar os óculos e o copo d'água.

Bruno a esperava de costas para a porta quando ela entrou no escritório.

Katy dirigiu-se diretamente para o computador, sentou-se e esperou que Bruno disparasse a habitual lista de instruções. Ele não o fez. Sequer se virou na direção dela, que acabou por dizer:

— Vamos trabalhar, Bruno? Se nos apressarmos, talvez eu ainda consiga levar Joseph para um passeio no jardim antes do jantar. Sei que ele está doido para ver como estão suas plantas. Não acreditou quando eu disse que foram bem cuidadas.

— Num minuto. — Bruno virou-se para olhá-la e enfiou as mãos nos bolsos. — Precisamos ter uma conversa sobre trabalho.

— Está bem. Fiz alguma coisa errada? — Katy franziu a testa e tentou se lembrar qual teria sido o desastre de digitação. Torcia para não ter feito nada muito catastrófico, como apagar arquivos. Fugia dessa tecla como o diabo da cruz, mas...

— Não precisa ficar preocupada — disse Bruno, afastando-se da janela e afundando na cadeira. — Tem se mostrado uma secretária bem eficiente.

— Então, o que foi?

— Pensei, inicialmente, que quando Joseph retornasse eu voltaria para Londres, mas começo a pensar que não posso ir agora.

Katy ainda não tinha imaginado a partida de Bruno e ficou confusa por não se animar ante essa perspectiva, como pensara.

— Por que não?

— Terei de ficar até me assegurar de que tudo está bem por aqui. E devo dizer que você terá de continuar a trabalhar para mim por algum tempo.

— Mas eu deveria dedicar meu tempo e minha atenção a Joseph...

— Tenho certeza de que ele vai entender e, além disso, vai levar algum tempo até que volte totalmente ao normal, não é? Ele não vai sair andando por aí de uma hora para outra. Teremos de planejar uma maneira de você passar algum tempo no escritório...

— E será que isso vai ser suficiente? — estranhou. — Como conseguirá dar conta das coisas sem alguém trabalhando em tempo integral?

— Deixe que eu resolvo isso.

— E haverá um... horário?

— Pense que será uma nova situação, Katy. —- Ele se levantou e começou a zanzar pela sala, impaciente. — Não haverá horário. — Parou para observá-la. — Terá de estar preparada para dançar conforme a música.

— Dançar conforme a musica?

— Isso mesmo.

— Tem certeza que isso vai dar certo? — Achava difícil imaginar como ele mudaria o ritmo frenético de trabalho para um esquema em que iam "dançar conforme a música". — Se vai ficar aqui e Joseph está de volta, não seria melhor contratar alguém em horário integral? E Isobel? Talvez ela pudesse fazê-lo. Ela, bem... Ela daria conta do recado?

— Isobel nunca trabalhou um dia sequer na vida. Trabalho, para ela, pode ser resumido ao esforço de pegar um táxi para fazer compras quando o motorista da família está ocupado. Trabalho, para Isobel, é deci­dir de que cor vai pintar as unhas.

— Por que pensa em se casar com ela se desaprova seu estilo de vida?

— Por acaso dei a entender que desaprovo seu estilo de vida? — Bruno começava a se perguntar o que o tinha levado a pensar que Isobel seria o par perfeito para ele. Acontece que ela estava a caminho e Joseph já estava animado com a idéia.

Bruno se lembrou de que ela tinha muitas qualida­des, era linda e seria uma pessoa adequada para estar com ele em público.

Infelizmente, ao mirar os belos olhos azuis de Katy, podia ver que ela o acusava de algo, o que o enervou.

— Ela não é tão diferente — viu-se forçado a declarar.

— Talvez não seja.

— Só espero que Joseph simpatize com ela. — Lan­çou um olhar breve e inseguro para Katy e corou. — Ele comentou alguma coisa...?

— Não. — Katy baixou os olhos para o teclado. Não achava que Joseph ia morrer de amores pela mulher em questão, mas jamais verbalizaria sua opinião. Era óbvio que Bruno a considerava a mulher ideal.

Na manhã seguinte, Katy reviu sua opinião ao ser cumprimentada por Joseph, numa alegria só, e o ajudou a se arrumar com sua melhor roupa de domingo.

— Está bem arrumado até para tomar chá com a rai­nha — brincou Katy durante o café da manhã. Não havia nem sinal de Bruno, e ela sentiu uma pontada de amargura ao imaginá-lo indo receber a convidada. Ele não se abalara muito da outra vez em que Isobel estive­ra ali, mas agora era diferente. Desta vez, ela vinha para conhecer a família.

Com o passar da manhã, Katy sentia-se cada vez mais posta de lado, e a sensação ficou completa quando, às 10:30, Bruno juntou-se a eles no jardim. À luz clara do início do verão, ele estava lindo de morrer, usando uma camisa pólo creme e uma calça bege. O cabelo refletia a luz do sol e ela fixou os olhos naquele rosto clássico e másculo como se o visse pela primeira vez.

Não devia estar ali. Era um assunto de família e ela ficou em silêncio enquanto Bruno e o padrinho conversavam. Perguntou-se como faria para desaparecer quando ninguém estivesse olhando.

Quando o carro finalmente chegou, Katy viajava em seus pensamentos, que envolviam sua fuga dali, mal sabendo que Bruno lançava olhares preocupados em sua direção, ou que os olhos atentos de Joseph se alternavam entre os dois.

— Espero que fale um pouco mais, quando entrarmos — murmurou Bruno no ouvido de Katy. Ela piscou e o fitou.

— Por quê?

— Porque criaria um ambiente mais agradável. Porque Joseph ficaria mais relaxado se não visse esse seu olhar fulminante.

— Meu olhar não é fulminante — resmungou Katy. — Nem sei o que isso significa.

— Por que está de mau humor?

— Não estou de mau humor. Só estou pensando que seria melhor eu ir embora. Assim vocês três poderiam se conhecer melhor sem eu estar por perto.

— Pare de sentir pena de si mesma. É um defeito irritante. Achei que tinha superado isso.

Bruno a deixou com esse pensamento e foi abrir a porta da frente. Isobel entrou com uma mala de couro em uma das mãos, usando a outra para envolver o rosto de Bruno, e plantou um beijo demorado em sua boca. Pelo canto do olho, Katy verificou que Joseph olhava um tanto espantado para a loura de um metro e oitenta que puxava conversa com ele, aproximando-se com ar de dona do pedaço. Katy se perguntava se Bruno já a teria pedido em casamento. Isobel sem dúvida parecia representar o papel de aspirante a noiva.

A performance, no entanto, não se aplicava a Katy, que foi relegada à margem e ficou satisfeita ao assumir essa posição e observar do canto.

Isobel a deixava nervosa, não sabia ao certo a razão. Talvez por ser tão exagerada. Suas roupas eram vistosas e ousadas, a voz chegava a qualquer canto de qualquer cômodo em que se encontrassem; nunca lhe faltava assunto. Era difícil prever como Joseph reagiria a toda essa atenção. Como sempre, estava sendo gentil e educado, cavalheiro que era, ouvindo e mostrando interesse.

Depois do almoço, Katy notou um certo cansaço nos olhos de Joseph, e sugeriu que talvez estivesse na hora de subir e descansar um pouco.

— Minha nossa! — exclamou Isobel, dando as costas a Maggie, que estava vermelha, pois fora coberta de elogios pelo esplêndido salmão que preparara. — Querida, mal percebi que você estava aí! Que menina quietinha, não?

— Serena. — Joseph apoiou a mão na porta e olhou para Isobel. — Sossegada. Qualidades que caem muito bem numa mulher. — Foi quase uma crítica à convidada e fez Katy morrer de vergonha. Ela, que havia se recolhido a um canto para observar em silêncio, atraíra um olhar ressentido de Isobel, e os olhos semicerrados e imperscrutáveis de Bruno.

Isobel recuperou-se rapidamente.

— Oh, com certeza! — concordou efusivamente, aninhando-se em Bruno. — É uma pena que uma mulher quieta fique quase invisível em Londres, não é, querido? E isso não se encaixaria no estilo de vida que nós levamos. — Seu sorriso deixou claro que demarcava território e colocava-se na categoria de esposa ideal para o homem ao seu lado. Por sobre a cabeça de Isobel, o olhar de Bruno se cruzou com o de Katy, que desviou os olhos imediatamente. Mas seu coração disparou, e ela enrubesceu diante da crítica implícita.

— É tudo muito tumultuado em Londres, Joseph — declarou Katy, indo para o lado dele. — É preciso ser agressivo. — Seu sorriso pareceu forçado. — E agora, já para a cama tirar uma soneca. Quer que eu leia para você? — Olhou na direção de Bruno e Isobel e verificou que ele se afastara e se servia de vinho, deixando a noiva plantada no meio da sala. — Joseph me fez a promessa de que mais tarde talvez até entre na piscina...

— E você vai... aonde...? — indagou Bruno.

— Como?

— Presumo que esteja prestes a desaparecer. Quan­do Joseph estiver acomodado, por que não desce e se junta a nós na piscina? — Bruno a fitava por sobre a armação dos óculos. Os olhos não desgrudavam dela. Katy sentiu a força da personalidade de Bruno impactá-la como uma rajada de vento e chegou a recuar, confusa.

— Eu... agradeço, mas acho que vou...

— Você comprou um maiô, não comprou? Deixada de lado, Isobel não gostou do teor da conversa e foi até Bruno, que nem notou sua presença.

— É lógico que comprei! — disparou Katy e depois desviou o olhar. Ele tinha de tratá-la feito criança? Já era ruim o suficiente quando estavam sozinhos, porém na presença da namorada era imperdoável.

— Não perturbe a pobre criatura — repreendeu Iso­bel. — Não faz mal — disse para Katy, com olhar frio — se não comprou um maiô. Não é o fim do mundo. Eu trouxe alguns e poderia emprestar um, mas... — os olhos deslizaram pela magra figura de Katy, envolta em um vestido largo — acho que não serviria em você. Somos de tamanhos bem diferentes.

Katy tinha plena consciência de que nada poderia dizer para refutar a constatação óbvia. Isobel era uma beldade loura e de seios fartos, que fazia os homens se virarem para olhá-la. Ela, por sua vez, era uma garota tímida, sem seios, e não faria nenhum homem torcer o pescoço para olhá-la, nem que dançasse nua em cima da mesa em uma sala lotada. Antes que Joseph, cheio de boas intenções, fosse em sua defesa com um elogio forçado, ela se retirou da sala com o resto de dignidade que conseguiu manter.

— Que mulher detestável — declarou Joseph, assim que estavam onde não podiam ser ouvidos.

— Mas é bonita — acrescentou Katy, melancólica. — Não que eu esteja concordando que ela seja detestável. Mas, com a beleza dela, bem... deve ser fácil esnobar as pessoas. — Pessoas comuns e simplórias, pen­sou, suspirando, como eu. — Preciso parar de me depreciar — afirmou, mais para si mesma do que para Joseph. — De acordo com Bruno, vivo fazendo isso.

— Não sei o que ele vê nela — rosnou Joseph, subindo lentamente os degraus. — O problema das pessoas bonitas é que são sempre cheias de si.

— Bruno é bonito — observou.

— Você acha?

— Quero dizer — enfatizou —, de um ponto de vista puramente objetivo. Ambos são bonitos. Formam um casal muito atraente.

— O relacionamento é sério? Ele lhe contou? Comentou alguma coisa...?

— Se está interessado, devia perguntar a ele — sugeriu, esquivando-se.

— É o que vou fazer. Não precisa perder tempo lendo para mim. Preciso dormir um pouco e me recompor se quiser fazer alguma coisa naquela piscina mais tarde.

— Pode se sentar na borda, Joseph. Ninguém está pedindo para mergulhar e sair nadando.

— Você vai comigo, não vai? Você comprou um maiô, não comprou? — lançou-lhe um olhar maroto, que a fez rir.

— Sim, eu comprei!

— Vamos esperar até bem mais tarde. Iremos quan­do a víbora tiver saído da piscina.

— Isso foi muito indelicado, Joseph — disse Katy, contendo-se para não rir da descrição, que era absolutamente precisa. Pensou, por alguns segundos, se a proximidade com a água não transformaria a glamourosa Isobel em um réptil, e depois censurou-se.

Mas Joseph tinha razão. Isobel não devia ser muito afeita a nadar. Provavelmente descansaria à beira da piscina usando um biquíni minúsculo e, quando enjoasse, voltaria para dentro e tomaria uns drinques antes do jantar. E Bruno certamente a acompanharia. Nesse ín­terim, Joseph e ela poderiam relaxar por meia hora na piscina.

Aguardou um bom tempo, o bastante para que Bruno e Isobel se trocassem e fossem para a piscina, e reco­lheu-se a um canto com um livro. Em circunstâncias normais, passaria as duas horas seguintes desligada do mundo. Depois de meia hora, percebeu, surpresa, que lera apenas uma página e meia, e em seguida se deu conta de que passara a maior parte do tempo com a cabeça em Bruno e Isobel, imaginado o que estariam fazendo. Nadando? Brincando na água? Fazendo ou­tras coisas! Claro que não! Katy fechou o livro e recos­tou-se na poltrona de olhos fechados, com a imagina­ção voando solta.

Ao ouvir vozes e passos se aproximando, pulou da poltrona e apanhou o livro. Antes de poder se recom­por, lá estavam eles, o casal de capa de revista. Volta­vam da piscina. Bruno vestia uma camisa que expunha o torso bronzeado e musculoso, e Isobel estava pratica­mente nua, com um biquíni rosa e uma peça leve enro­lada no quadril.

— Eu estava lendo! — disse sem pensar. — Como estava a piscina? Deram um bom mergulho?

— Devia ter vindo conosco. — Bruno adentrou a sala devagar e se acomodou em uma das poltronas. — Foi uma pena estrear a piscina sem você, que foi a res­ponsável pela reforma. — Deixou os óculos escuros penderem de uma das mãos e olhou para Isobel. — Por que não vai se trocar? Já são... quase cinco da tarde. Podemos tomar uns drinques na sala de estar por volta das sete. Preciso trabalhar um pouco.

Isobel ficou irritada.

— Num domingo, Bruno?

— A máquina de fazer dinheiro nunca dorme, Iso­bel. E não tira folga nos finais de semana. — Bruno suspirou. — Tentarei ser rápido. — E a seguir veio o sorriso que poderia derreter gelo. — Por que não sobe e espera por mim, hein? Subo assim que puder...

Sem saber para onde olhar, Katy recolheu-se a um silêncio envergonhado, fixando os olhos no chão, segu­rando seu livro e esperando que ele saísse. Ocorre que Bruno não saiu e ela acabou se arriscando a olhá-lo, descobrindo que a fitava.

— Está fazendo aquilo de novo — disse Bruno, ru­demente. — E antes que pergunte fazendo o quê, está olhando feito um coelho surpreendido por uma lanter­na. Por que não se senta?

— Achei que ia trabalhar.

— Tenho de enviar um e-mail. Não vai demorar mais que alguns minutos.

Katy sentou-se, tremendamente acuada pela presen­ça dele, e abriu o livro em uma página diferente daque­la em que parara, porém continuou olhando para ela.

— Você vai ter?

— Como?

— Não é para você ficar aí lendo enquanto eu estiver aqui — informou Bruno com tanta arrogância que Katy quase engasgou, assustada.

— Devo ir lá para cima?

— Ele não gosta dela.

Evitou rodeios e foi direto ao assunto. Katy fechou o livro, e seu olhar encontrou os cintilantes olhos negros de Bruno.

— Ele não gosta dela e, além do mais, foi uma péssi­ma idéia trazê-la aqui. O que ele lhe disse? Nem tente me enganar, Katy.

Encurralada, Katy pigarreou e disse, insegura:

— Acho que ele a achou um pouco... exagerada...

— Não deu a entender a ele que casamento está nos meus planos, não é?

— Lógico que não! — protestou. — Você me pediu para não contar e eu não contei. — Por quê?, estava desesperada para perguntar. Quer voltar atrás? E en­tão, em um lampejo, percebeu que era o que ela queria. Queria que fosse tudo por água abaixo, pois começara a fazer o impensável, que era vê-lo como um homem muito atraente, e não apenas como um patrão temporário cujo coração era uma pedra de gelo.

Agora, tudo parecia se encaixar. O modo como ele a fazia se sentir estranha, nervosa, empolgada quando estava por perto, como se ele tivesse apertado um botão dentro dela e a feito despertar para a vida. Ela o seguia com os olhos e percebia sua presença até mesmo quan­do não estava em seu raio de visão! Todos os pensa­mentos condenáveis sobre Isobel eram fundados no bom e velho ciúme.

Será que achava que Bruno largaria uma mulher tão ideal quanto Isobel só porque Joseph não gostava dela? Antes que ele lhe pedisse para iniciar uma campanha para convencer o padrinho a gostar de Isobel, ela se levantou, decidida.

— Aonde vai?

— Vou deixá-lo trabalhar e, além disso... — fingiu consultar o relógio — está na hora de Joseph começar a se preparar para ir à piscina. — Ela podia sentir o silên­cio fulminante de Bruno, que continuava a olhá-la. — Acho que ele tem mais vontade de entrar na água do que demonstra — inventou, desesperada para sair dali. — Ele fez uma encenação dizendo que detestava nadar, mas... — gaguejou, nervosa — acho que é só da boca para fora, não acha? — Por alguns segundos, permane­ceu onde estava, e a seguir fez as pernas se moverem em direção à porta, temerosa, pois se começasse a investigar seus pensamentos, só Deus sabe o que viria à tona.

Katy subiu os degraus praticamente correndo, ape­nas se detendo a caminho de seu quarto para informar a Joseph que podiam descer para a piscina.

— O caminho está limpo? — ele sussurrou, em tom de conspiração. — Posso estar velho, mas não quero me expor...

Conheço a sensação, pensou Katy quinze minutos depois de fechar a porta do anexo da piscina atrás de si. Por sorte, a casa estava em silêncio quando desceram a escada. Ela tirou o roupão que vestira por cima do comportado maiô preto com um bonito cordão na frente, que amarrou bem apertado em cima.

Não foi isso que Bruno viu ao entrar discretamente no lugar meia hora depois. O padrinho, que já fizera sua incursão na piscina, estava sentado em uma das poltronas, de olhos fechados, com um livro no colo. E lá estava ela, emergindo da água, com a cabeça abaixada para espremer a água do cabelo. Um dos pés na borda e o outro ainda na água.

Bruno não sabia por que viera. Isobel provavelmente o esperava no quarto, porém seus atrativos não foram suficientes para que ele fosse ao seu encontro.

Deu por si prendendo o fôlego, olhando para Katy, para o corpo que sempre escondera. Pernas longas e esguias, a magreza que a fazia parecer uma moleca, seios que forçavam a lycra preta de maneira provocante, o laço quase desfeito. Não conseguia desgrudar os olhos e poderia ter continuado assim indefinidamente se ela não tivesse erguido os olhos e detectado sua presença.

 

Uma onda de calor espalhou-se aos poucos pelo corpo de Katy quando seus olhos encontraram os de Bruno. Ele a olhava fixamente, mas desta vez não tinha o semblante carregado. Desceu os olhos lentamente, partindo do rosto de Katy, percorrendo seu corpo enregelado com uma intimidade chocante, começando pelos om­bros e descendo até os dedos dos pés, e então subiu os olhos, demorando-se na cintura estreita e nos pequenos seios redondos. Começou a andar e isso fez Katy despertar do transe. Imediatamente, ela cruzou os braços sobre os seios, tentando esconder o corpo que sempre julgou sem graça por parecer o de um menino.

O coração de Katy batia como se houvesse um mar­telo dentro dela, e quase deu um grito de susto quando Bruno foi em sua direção e disse bruscamente:

— Não faça isso.

— Na-não faça o quê...?— gaguejou. Estava bastan­te discreta com o maiô inteiriço, porém se sentia como se estivesse completamente nua diante dele. O pior era o modo como seu corpo reagia. Os seios latejavam e sentia-se derreter por entre as pernas.

Em vez de responder, ele puxou com cuidado os braços de Katy, contraídos com força, e os deslizou para o lado do corpo.

— Não cubra seu corpo assim — ele disse baixinho, com voz rouca.

Katy enrubesceu, sentindo-se confusa, e olhou de­sesperada por cima do ombro.

— Ele apagou — disse Bruno, acompanhando o olhar de Katy e lendo seus pensamentos. — O pouco exercício que fez deve tê-lo deixado exausto. — Os olhos reluzentes voltaram a se concentrar em Katy.

— É, bom... ele foi muito bem, na verdade...

— Por que usa aquelas roupas largas, para se escon­der? — Como se não pudesse resistir, seu olhar se diri­giu para o decote de Katy e para a hipnotizante visão da pele revelada pelo laço frouxo. — Eu nunca imaginaria que tinha um corpo assim...

— Assim como? — balbuciou Katy, e depois se apercebeu, um pouco tarde, que não deveriam ter esse tipo de conversa, embora fosse muito excitante. Tentou retomar o controle sobre si mesma. Se ao menos os longos dedos de Bruno não estivessem queimando sua pele e fazendo seu sistema nervoso entrar em curto-circuito!

— Esguia. Macia como seda. Mas com curvas nos lugares certos.

— Não. Não, não, não. — Katy sacudiu a cabeça para bloquear a sensualidade da voz de Bruno. — Ouça, estou ficando com frio. Preciso pegar minha toalha. E Joseph... Ele precisa acordar agora ou ficará de mau humor quando despertar...

— Está com frio — sussurrou Bruno. — É por isso que seus mamilos estão enrijecidos?

Mesmo conhecendo Bruno melhor agora, Katy ain­da não estava preparada para uma pergunta tão direta.

Ficou boquiaberta, em estado de choque — e ele não parecia nem um pouco arrependido.

— Não devia falar comigo desse jeito — ralhou, trêmula. — Você... tem uma noiva...

— Isso é algo que estou reconsiderando, na verdade. Ainda não respondeu a minha pergunta. Seu corpo está reagindo ao frio ou a mim? — Para um homem que sempre se orgulhara de ter um formidável autocontrole, Bruno agora se sentia desorientado. Sem parar um se­gundo para avaliar as conseqüências, roçou o dedo suavemente em um dos seios de Katy, e quando sentiu o mamilo intumescer levemente, ele quase gemeu em voz alta. Nem parecia o homem que era normalmente, que sempre tinha o controle da situação quando se tratava de mulheres e de seduzi-las. Ele a ouviu inspirar fundo, ofegante, o que o encheu de contentamento. O rosto perplexo de Katy dizia uma coisa, mas seu corpo dizia outra. E o que seu corpo dizia era muito erótico.

— Reconsiderando? — Katy decidira ignorar por completo a segunda pergunta. Também decidira parar de olhar para Bruno, pois seus olhos brilhantes, negros como a noite, a atordoavam cada vez mais. Concentrou-se no peito dele, o que dava no mesmo.

Bruno encolheu os ombros de leve, com elegância.

— Decidi que não há por que me apressar em me casar. E talvez Isobel não seja o par perfeito que eu tinha imaginado.

— Mas pensei... — começou Katy, louca para explo­rar a novidade e mais louca ainda para se desviar dos comentários sobre seu corpo desobediente. — Pensei que ela tivesse todos os requisitos necessários para se tornar a esposa ideal.

Bruno a soltou, fazendo-a perceber que agora sentia falta da corrente elétrica que vinha da palma das mãos dele e passava por todo o seu corpo.

— Nem todos — disse Bruno, com ar de mistério. Enfiou as mãos nos bolsos, olhou por sobre os ombros dela, viu Joseph adormecido, e voltou a fitar o rosto perplexo de Katy.

— Ah, está bem. — Intrigada, Katy tentou imaginar o que faltaria a Isobel e deduziu que, se lhe faltava alguma coisa, então Bruno estava à procura do impossível, porque, à exceção de amor, ela possuía todas as qualidades teoricamente necessárias. Só podia pensar que a reação de Joseph afetara o afilhado. Não havia dúvidas de que, se existia algum amor em Bruno, era destinado a uma única pessoa, o padrinho.

— Não vai me perguntar o que falta a ela?

— Está bem — foi forçada a dizer — o que falta a Isobel?

— Isto.

No espaço de um segundo, Katy soube o que ele ia fazer e foi como se o calor da excitação dentro dela houvesse espalhado sua chama ardente sobre material inflamável, elevando a temperatura às alturas. Katy pensou ter soltado um gemido, porém não tinha certeza, pois o tempo parecia ter parado e, junto com ele, a consciência do que acontecia à sua volta. Havia somente os dois naquela intensidade, e à medida que ele apro­ximava a cabeça, os lábios de Katy se abriram sem pensar. Seu corpo entrara em um estado de condescendência sôfrega, e ela perdeu a noção das coisas ao sentir o toque morno da boca de Bruno contra a sua, cobrindo-a e depois passando de um beijo delicado a algo mais forte, irresistível, incontrolável. Ele colocou uma das mãos na nuca de Katy e com a outra circundou sua cintura, puxando-a para junto dele, de forma que Katy pôde sentir a rigidez e a pulsação de sua excitação. Arfante, ela se rendeu. Ergueu os braços e passou os dedos pelo cabelo de Bruno.

Com a língua curiosa de Bruno explorando sua boca, Katy se esqueceu de tudo. Esqueceu-se de onde estava; esqueceu Joseph adormecido na poltrona a poucos metros dali; esqueceu que Bruno era um homem com o qual nenhuma mulher ajuizada deveria se envolver, a não ser que tivesse instintos suicidas.

Katy não percebeu a porta sendo aberta e só voltou à razão quando, com os olhos fechados de prazer, sentiu Bruno se afastar abruptamente e olhou para a mesma direção que ele. Isobel, petrificada, era a fúria em pessoa.

Antes que Isobel pudesse abrir a boca, Bruno saiu ao seu encontro. Nessa altura, a realidade, que Katy relegara a um canto longínquo da mente, veio à tona, e ela olhou ao seu redor desesperada, para ver se Joseph permanecia de olhos fechados.

Katy não entendia como ele podia continuar a dormir com tudo o que acontecera. É verdade que não gritaram nem fizeram barulho, porém não sabia como toda aquela descarga elétrica na atmosfera não tinha chegado até ele e o acordado.

Indecisa, permaneceu onde estava, observando Bruno segurar Isobel e levá-la para fora do anexo. Apanhou rapidamente o roupão e cobriu-se.

Não podia deixar Joseph sozinho. Se acordasse e não a visse, poderia entrar em pânico, ficar desorientado. Ela o imaginou caindo na piscina atordoado e o sacudiu de leve.

— Hora de irmos, Joseph. — Será que sua voz soara normal? Arriscou um sorriso e se perguntou se fora convincente. Sua mente estava confusa em função de tudo o que acontecera. Bruno a beijara e ela se sentira em órbita. Nem tentara resistir. Simplesmente sucumbira.

— Você está bem, minha querida? Parece um pouco... espantada. — Achou difícil não sorrir ou dizer a Katy algum clichê sobre os jovens acharem que os idosos não servem para nada, a não ser tirar sonecas à beira de piscinas enquanto eles não conseguem tirar as mãos um do outro. Fora surpreendente abrir os olhos e se deparar com aquela cena. Esteve prestes a pular da cadeira para interromper. Mas não o fez. Podia ser um velho, mas sabia reconhecer a atração física quando a presenciava. Pensando nisso, vira pistas nesse sentido desde que estava no hospital e eles iam visitá-lo. Achou melhor não criticá-los. E, além do mais, criticar para quê? Bruno e Katy eram as pessoas que mais adorava na vida, e seria ótimo vê-los juntos. Bruno não combinava com Isobel.

— Espantada? — Katy sorriu, sem graça. — Com o quê?

Joseph despistou com um resmungo e aceitou ajuda para voltar para dentro de casa, percebendo como ela o guiava para longe da sala de estar, onde torcia para que o afilhado estivesse recuperando o juízo e despachando a víbora.

— Onde está Bruno e... e... Oh, querida, acho que esqueci o nome da moça... E a idade, você sabe...

Katy o olhou com as sobrancelhas arqueadas. Sentia-se mais calma com Joseph ao seu lado. Mas algo na tranqüilidade dele a deixou desconfiada.

— O nome dela é Isobel, Joseph, você sabe. Eles estão por aí... — fez um gesto e apontou para a parte da casa onde não estavam.

— Talvez devêssemos ir falar com eles, por educação.

— Ah, não — reagiu, preocupada. — Devem... estar ocupados. Nós os veremos daqui a pouco. — Imaginou Joseph deparando-se com uma discussão acalorada e estremeceu. A expressão de Isobel não prometia uma reação calma. Katy nunca se imaginara como protago­nista de uma situação como essa e sentia-se culpada. Permitira que Bruno a beijasse e deixara-se envolver pelo beijo com ardor, em vez de enxotá-lo.

A culpa de Katy aumentava a cada passo e, quando finalmente acomodou Joseph na estufa, decidiu ajudar Bruno a resolver a situação com Isobel. Seria preciso reunir toda a coragem que tivesse, mas sentiu-se moralmente obrigada a esclarecer ao menos uma coisa. Que o beijo não significara nada, que acontecera por acaso e nunca se repetiria. O que ela faria com essa informação era problema dela.

— Para onde está indo? — indagou Joseph quando Katy seguiu em direção à porta. — Parece inquieta!

— Ah. Vou... me trocar. Tomar banho... Ainda estou de maiô. — Joseph usara o vestiário da piscina e já estava vestindo roupas limpas. — Pensei em ver se Bruno e Isobel querem beber alguma coisa. Um chá, talvez.

— Chá? A maioria das pessoas normais toma algo um pouco mais forte a esta hora.

— Então, algo mais forte. Vinho.

Ele deu um suspiro prolongado, aquiesceu, e Katy saiu e atravessou o corredor, em direção à sala de estar. Resistiu à vontade de dar meia-volta. Precisava tomar banho e se trocar antes de confrontá-los, porém eram grandes as chances de desistir.

Ouviu as vozes de Bruno e Isobel antes de bater à porta, mas não estavam gritando. Não havia o som de objetos sendo atirados dentro da sala. Talvez tivessem se beijado e feito as pazes.

Se fosse isso, o problema estava resolvido, Katy disse a si mesma. Não teria de explicar nada e poderia voltar a ser a empregada cujo corpo, por cinco minutos, despertara a curiosidade de Bruno. Respirou fundo, bateu à porta e a empurrou ao mesmo tempo.

Dois pares de olhos se voltaram em sua direção. Bruno parecia incrivelmente calmo. Estava indiferente, de pé, próximo à janela, com um copo na mão. Tinha uma expressão impenetrável. Katy ficou impressionada com o fato de que, embora não estivessem gritando, Isobel estava com muita, muita raiva. Os olhos pareciam feitos de gelo e a boca estava contraída de raiva.

— Mas o que você está fazendo aqui? — rosnou Isobel, dando dois passos era direção à porta. Katy apertou a maçaneta até os nós dos dedos ficarem brancos.

— Queria explicar...

— Não é preciso — interrompeu Bruno sem nenhuma alteração na voz. — Isto não tem nada a ver com você.

Katy recebeu a afirmação como um tapa na cara, mas manteve-se firme, embora sua determinação tivesse fraquejado. Era uma mera coadjuvante naquele drama. O beijo não significara nada para Bruno. Certamente não afetara seus sentimentos por Isobel, ou a ausência deles.

— Não tem nada a ver com ela ? — disparou Isobel e olhou com os olhos semicerrados para a figura tranqüila perto da janela. — Você me convida para vir aqui conhecer o seu padrinho, e eu o encontro babando pela criadagem!

Bruno olhou-a com frieza.

— Acabou, Isobel. Sinceramente, acho que não há mais nada a ser dito.

O fora tinha sido tão brusco e desmoralizador que Katy sentiu uma leve compaixão por Isobel. Podia não ser a Madre Teresa, mas sofria a humilhação de ter encontrado seu homem nos braços de outra mulher. Katy entrou na sala, insegura, envolvendo o corpo com o roupão, e pigarreou.

— Só queria dizer, Isobel, que o que você viu, bem, não significou nada...

— Quer que eu acredite nisso? — Afastara-se de Bruno, e Katy dava-lhe toda a razão. Ele tinha a expressão fria e assustadora.

— É a verdade!

— Ficaram trancados nesta casa durante semanas, supostamente trabalhando, e querem que eu acredite que justamente no dia em que venho aqui vocês caem nos braços um do outro, agarrando-se feito dois adolescentes? — Terminou com um soluço abafado.

— Bem, sim!

— Não acredito. — Os olhos furiosos de Isobel miraram Bruno. — Não posso acreditar que tenha sido tão canalha! Não acredito que tenha me enrolado durante meses para depois cair nos braços de outra, da empregada.

— Deixe Katy fora disso — foi tudo o que ele disse, falando bem baixo.

— Como poderia? — arrancou sua bolsa da cadeira e parou de repente. — Não pense que isso vai ficar assim! Não sou uma qualquer, Bruno Gianella. Pode ter se safado com outras mulheres no passado, mas desta vez mexeu com a mulher errada!

Katy comprimiu-se contra a parede, horrorizada. Sentia-se realmente responsável por aquilo, com sua paixão infantil e falta de autocontrole. Talvez ele tivesse concluído que cometera um erro, porém, se não tivessem sido pegos em flagrante, o tom desse rompimento seria diferente. Isobel não teria feito ameaças.

— É mesmo? — Ele demonstrou certo interesse. — E o que pretende fazer?

Isobel calou-se, encolerizada.

— Contratar um matador para me assassinar e salvar o restante da população feminina das minhas canalhices? Invadir meu apartamento e cortar as mangas de todas as minhas camisas? — Baixou os olhos maravilhosos por breves segundos. — Denunciar meu comportamento deplorável para a imprensa?

Katy, espantada, tentou imaginar todas essas possibilidades. Foi interrompida pelo som de Isobel deslocando-se em sua direção e observou-a passar pela porta com um sorriso no canto da boca.

— Veremos — vociferou Isobel, com voz ácida. Parou a apenas alguns centímetros de Katy para olhar Bruno — Você é idiota o bastante para subestimar uma mulher desprezada. E quanto a você, — fitou Katy —-boa sorte. Ele pode ser um garanhão na cama, mas não espere nada além de um pouco de bom sexo.

Katy tremia quando Isobel saiu correndo da sala. Ao ficar sozinha com Bruno, sentiu-se constrangida pela forma como estava vestida, mas não podia subir para o quarto sob pena de encontrar Isobel. Encarou Bruno muda e acabou por sussurrar:

— Sinto muito.

— Sente? Que interessante. Pelo quê?

— Por...

— Como eu disse, você não teve nada a ver com o término do relacionamento, por isso não precisa se culpar. — Afastou-se da janela e sentou-se em uma cadeira. — Onde está Joseph?

— Na estufa. Você foi muito rude com Isobel, Bruno. Bruno olhou-a sem acreditar.

— Eu? Rude? Do que está falando? E por que não se senta? Antes que despenque.

Katy sentou-se, preocupada.

— E se ela realmente fizer alguma coisa... Se tentar se vingar, digamos assim...?

— Do que estamos falando? Das ameaças ou da minha rudeza?

— Das duas coisas, na verdade. Só acho que a tratou com desprezo. — Katy franziu o cenho, séria, e mordeu o lábio. — Ficou lá, parado, deixando-a se descontrolar sem tentar acalmá-la... Deve ter sido horrível para ela...

— Se tivesse chegado um pouco antes, teria visto meu esforço para acalmá-la. Isobel não estava disposta a ouvir minha explicação para o rompimento. Não queria ouvir que a culpa podia ser dela. Queria um bode espiatório. O fato é que cheguei à conclusão de que o que havia entre Isobel e eu não era bom o suficiente para durar a vida inteira.

— Então, você se enganou.

— Mas fui nobre o bastante para admitir. — Bruno sorriu lentamente, de um jeito maroto, que a fez sentir aquele arrepio traiçoeiro novamente.

— Certo. — Levantou-se e evitou os olhos dele. -— É melhor eu me trocar e começar a tratar do jantar. Imagino que Isobel vai voltar para Londres...

— Duvido que ela apareça para se despedir.

— Como pode ficar tão calmol — perguntou Katy, abismada. Os dois relacionamentos sérios que tivera foram terminados de comum acordo, e ainda assim ela sofrera. Não podia se esquecer, no entanto, que Bruno não era um ser humano normal.

— Fiz um favor a nós dois. — Bruno encolheu os ombros. — O que Isobel precisa é de um homem subserviente, com muito dinheiro de família e uma vontade exagerada de agradar. A longo prazo, eu a levaria à loucura. Deu certo porque nunca passamos muito tempo juntos e nunca fizemos as coisas banais que os casais fazem.

— E você não fica nem um pouco apreensivo com as ameaças dela?

— Ela não tem a chave do meu apartamento —- disse, esticando as longas pernas para a frente — portanto, não poderá invadi-lo para destruir minhas roupas, e duvido que tenha coragem de contratar um matador para acabar comigo. — Parecia se divertir ao falar isso.

— E quanto a denunciar você para a imprensa...? — Antes de se livrar da culpa, Katy precisava ter certeza de que as ameaças eram falsas, pois não queria que Bruno fosse prejudicado por sua causa. Mesmo assim...

— Sou uma figura pública, acho eu... — Apoiou a cabeça no encosto da cadeira e semicerrou os olhos. — Mas muito discreto. Não precisa se preocupar. Isobel reagiu no calor do momento. Quando chegar a Londres, já terá se acalmado e, na semana que vem, vai dar graças a Deus e contar para todo mundo como foi bom se livrar de mim...

Joseph não escondeu o fato de achar ótimo o afilhado ter se livrado da loura espalhafatosa. Sentira-se à vontade para revelar a Katy sua preocupação quanto a qualquer tipo de relacionamento entre Bruno e Isobel. Contudo, durante o jantar, adotara uma postura mais reservada, comentando apenas que ela não parecia ser o tipo certo para o afilhado. Ao ser pressionado por Bruno a definir o que considerava ser o tipo certo, Joseph fora reticente, o que não era um comportamento habitual.

Katy não se envolvera na conversa. Não poderia dar nenhuma contribuição, visto que não sabia nada sobre homens como Bruno. Não houve qualquer menção ao beijo na piscina. Depois que Isobel saiu da sala furiosa, ela nutrira uma expectativa de que Bruno dissesse algo sobre o que se passara entre os dois, mas não houve nem uma palavra, e o silêncio dele sobre o tema deixara tudo bem claro para Katy. Apoiou o queixo nas mãos e as vozes masculinas foram sumindo, enquanto se permitia reviver aquela sensação maravilhosa das bocas se encontrando. Sua mente lhe dizia que era patética por pensar sobre isso, mas o coração queria repetir a cena. Quando percebeu que Bruno e Joseph estavam em silêncio, corou e levantou-se para retirar os pratos.

— Deixe-os aí — ordenou Bruno. — Vamos para a sala de estar tomar um drinque. Acho que preciso de um.

Katy mirou a garrafa de vinho quase vazia que Bruno bebera praticamente sozinho.

— Um drinque decente — emendou, lendo a mente de Katy.

— Vão indo na frente — disse Katy. — Você vai beber apenas suco, Joseph...

— É possível — resmungou Joseph. — Embora esteja certo que não é bom para a minha digestão. Muito suco de fruta não faz bem, sabia?

Katy teve o impulso de ir até ele e deu-lhe um beijo carinhoso na testa.

— Não sabia que era formado em Medicina. Joseph segurou a mão de Katy e a apertou ligeiramente.

— Ela não é adorável? — declarou. — Vou me limitar ao suco se você não subir sem me dar boa-noite!

Katy se refugiou de Bruno na cozinha, e demorou muito tempo retirando a mesa, lavando a louça e arrumando tudo, embora pudesse ter colocado a louça na máquina.

No momento em que estava pronta para ir para a sala de estar, convencera-se de duas coisas muito importantes. A primeira era que Bruno não se sentia fisicamente atraído por ela, apenas curioso, e a segunda era que o que sentira por Bruno fora o bom e velho desejo, e o motivo por que ficara tão impressionada era porque nunca sentira aquilo antes. A sensação surgira do nada. Não havia motivos para ficar preocupada porque seu corpo se comportava de modo estranho. O desejo era algo que podia controlar!

Andava com outro ânimo quando finalmente chegou à sala de estar, quase duas horas depois, e descobriu que Bruno estava lá sozinho.

— Ele estava cansado. Coloquei-o para dormir. — Bruno não acendera o lustre, e a sala estava banhada de sombras.

— Devia ter me chamado.

— Acho que sou capaz de levar meu próprio padrinho, Katy. Além disso, você estava dando uma de mártir fazendo uma faxina na casa.

— Não estava dando uma de mártir! — Ele dissera que queria um drinque, e pelo que via, bebera vários. Soava sóbrio, porém havia uma garrafa de uísque pela metade perto dele, e seu corpo estava estirado no sofá em estado de completo relaxamento.

Está sentindo falta de Isobel, decidiu Katy, mas não tem coragem de admitir. Bebeu demais e agora vai começar com o deboche. Bruno estava despenteado e tinha um ar de menino vulnerável. Katy queria ajeitar o cabelo de Bruno e dizer algo que lhe tirasse aquela expressão tristonha do rosto.

Também queria escapar do redemoinho sufocante que sentia por dentro. Não se moveu para a frente e nem foi embora. Permaneceu onde estava, num estado de agitação suspensa, enquanto Bruno continuava a fitá-la com as pálpebras quase se fechando.

— Está bem, — consentiu Bruno — não deu uma de mártir. Talvez estivesse apenas me evitando. Humm, sim. Estava me evitando. Acho que é essa a explicação. — Procurou pelo copo na mesa e sorveu o que restava de bebida nele, encarando-a por sobre a borda. — E por que estava me evitando? É um enigma, concorda? A não ser, é claro... — deixou as palavras saírem aos poucos e abriu um sorriso safado, daqueles de fazer o coração disparar — ...que seja porque eu a toquei... É esse o motivo, Katy?

Katy quis desmaiar. O coração batia acelerado, as pernas bambas, falta de ar.

— Venha se sentar perto de mim e conversaremos sobre isso.

— Nem pensei mais nisso — mentiu — e você devia parar de beber.

— Não tomo nem mais um gole se vier se sentar perto de mim. — Bruno ergueu os braços, cruzou-os atrás da cabeça e pôs-se a observar Katy.

Ela deu alguns passos para a frente, hesitante. Quanto mais se aproximava de Bruno, maior era o impulso que sentia de continuar, até que ficou em pé na frente dele.

Bruno desviou-se um pouco para a direita, abrindo espaço para Katy, e depois deu tapinhas no lugar vago.

— Sente-se. Aqui. É um lugar quentinho. Katy acomodou-se no lugar.

— Sinto muito por Isobel — ela começou, achando que uma dor oculta o levara a beber.

— Por quê? Você não gostava dela.

— Não é que não gostasse dela. Só que ela era muito diferente de mim. Ela me dava um pouco de medo, na verdade. Especialmente por ser tão alta. — Katy sentia-se uma anã perto dela.

— Certo. Ela dava medo. Então por que sente muito por ela? Esqueceu que ela tentou me ameaçar? De qualquer forma, não tive opção. Você devia se sentir aliviada.

— É, sim, eu acho... — Katy o fitou, maravilhada com os longos cílios de Bruno. — Mas é sempre triste quando um relacionamento termina, não é? Claro que você não deve sentir o mesmo que a maioria das pessoas normais — declarou, pensativa — já que deve ter tido milhões de relacionamentos que chegaram ao fim.

— Muitíssimo obrigado — retorquiu Bruno, aborrecido. — Uma das coisas mais encantadoras em você é a sua capacidade de dizer sempre a verdade, somente a verdade, nada além da verdade. Um homem que teve milhões de relacionamentos pode se considerar muito bem-sucedido, não é?

— Sinto muito.

— É? Sente? — Os olhos negros tristes percorreram o rosto de Katy detendo-se em cada detalhe. Ela o viu sorrir manhoso para ela. — Sente o quanto?

— Sinto pelo que aconteceu e por ter falado, bem, dessa maneira... — Havia algo excitante na forma como ele a encarava. Talvez aquele brilho nos olhos de Bruno fosse por causa da bebida. Katy não tinha muita experiência em se comunicar com pessoas sob a influência do álcool. Os pais abriam uma eventual garrafa de vinho quando tinham visitas, mas fora muito protegida, levara uma vida em que não havia espaço para uísque.

— Está perdoada. — Ele riu suavemente, estendeu o braço e tocou no pulso de Katy.

Katy sentiu o toque delicado do dedo de Bruno, sentindo-se subitamente excitada, e culpada ao perceber que tinha desejado que ele a tocasse. O tal desejo novamente. Abriu os lábios com um suspiro involuntário, e seu corpo relaxou, como se cordas invisíveis a amarrassem e agora fossem desatadas.

— É melhor eu ir embora — disparou, e Bruno inclinou-se em sua direção. O sofá afundou e ela deslizou ao encontro dele, um corpo encontrando o outro.

— Ir? — Bruno sussurrou no ouvido de Katy. — Não era o que eu tinha em mente... Ah, não. O que eu tinha em mente era recomeçar de onde paramos...

 

— Recomeçar de onde paramos? — O coração de Katy disparou ao cogitar as possibilidades do que Bruno dissera.

— Nada de voltar a usar esses vestidos largos — disse Bruno, em tom de brincadeira. — Tarde demais para tentar esconder esse seu corpo. — E como que para enfatizar o que queria dizer, passou a mão pela cintura de Katy, depois pelas costas, subindo até a nuca, e puxou-a ao seu encontro.

Katy encostou-se em Bruno e sentiu a firmeza de seu torso. Ele tinha razão sobre suas roupas. Ela as vestia para se proteger, para evitar olhares mais atentos.

— Não estava... Bruno, não... Espere...

— Pare de falar e me beije.

Observando-a, Bruno ficava impressionado por não ter reparado antes na perfeição dos lábios de Katy. Sua boca era macia e carnuda, de um cor-de-rosa delicado. Ele a puxou para perto e reprimiu um gemido de prazer ao separar seus lábios, e ao senti-la se derreter sob seu corpo. A língua de Katy ficara hesitante no começo, mas não por muito tempo. Ela devolveu o beijo, rendendo-se, e seu corpo uniu-se ao dele. Um encaixe perfeito.

Katy só recuou para dizer, com a fisionomia fechada:

— Estou me aproveitando de você.

Isso quase fez Bruno gargalhar, mas ele manteve o ar sério.

— Já sou crescidinho, Katy. Não deixaria que se aproveitasse de mim se não quisesse isso. Desesperadamente.

Desesperadamente? Katy achou que não tinha ouvido direito.

— Você bebeu demais... Não sabe o que está fazendo...

— Sei muito bem o que estou fazendo. Na verdade, acho que nunca soube tão bem o que fazer em toda a minha vida. — Bruno contornou a boca de Katy com a língua e a sentiu tremer. — Bebi apenas um copo de uísque — confessou Bruno. — A garrafa estava quase vazia quando a peguei. — Beijou o queixo de Katy, depois inclinou sua cabeça para trás para fazer o mesmo com o pescoço longo. — Não estava afogando as mágoas na bebida. — murmurou. — Ainda está com pena de mim?

— Não, não estou! — ela respondeu com firmeza.

— Ótimo. Eu detestaria que uma mulher fizesse amor comigo por pena. — As palavras de Bruno provocaram uma onda de calor e excitação que correu pelas veias de Katy.

— Fizesse amor...?

— Mas não aqui. — Acariciou o rosto de Katy com os dedos, depois passou-os pelo pescoço, enfiando-os pela parte de cima do vestido, que era tão comportado que não permitia que os dedos chegassem aos seios.

— Não aqui? — suspirou Katy, lânguida.

— Por mais que este sofá seja confortável, ainda prefiro fazer amor na minha cama king-size. Pode me chamar de antiquado.

— Oh, minha nossa! Mas Joseph está lá em cima!

— Felizmente, trancado em seu próprio quarto. Devo carregá-la escada acima?

— Não seja bobo! — Katy levantou-se e viu que Bruno fez o mesmo. Estava desarrumado, com a camisa saindo da calça e os pés descalços. Desarrumado, porém ainda incrivelmente lindo.

Enquanto subiam a escada, Bruno segurou a mão de Katy. A casa estava em silêncio. Não se ouvia nenhum som vindo do quarto de Joseph. Percorreram o corredor escuro com cuidado para não fazer barulho e entraram no quarto, que Katy já conhecia.

A diferença é que nunca tinha estado ali junto com Bruno.

Ali, naquele momento, com ele ao seu lado, fechando a porta com cuidado, Katy quase engasgou diante da enormidade do passo que estava dando. O rosto queimava como fogo e as mãos tremiam.

Bruno ajustou a luz para o mínimo, criando uma iluminação suave. Começou a desabotoar a camisa, observando Katy, e ela assistia extasiada. A excitação crescia e sua respiração tornou-se pesada.

— Ouça — Katy começou a dizer com uma voz que mal reconhecia — preciso falar uma coisa...

Bruno parou.  

— O que foi?

Katy o fitou muda por alguns segundos.

— Imagino que pense que eu... É... Sei que no meio em que vive...

— Ah, não. Não vai embarcar numa daquelas explicações sem fim, vai?

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer — disse Bruno, tentando se controlar — que você precisa parar de fazer rodeios e ir direto ao ponto.

A frustração o atingiu como um jato de água gelada. Sabia o que estava por vir. Katy daria uma desculpa e sairia. Ele se perguntou o que fazer e percebeu que teria de resistir à tentação de implorar. Jamais implorara a uma mulher em sua vida.

— O que estou dizendo... — Katy queria que o chão se abrisse e a fizesse desaparecer, carregando junto a sua vergonha. Nervosa, passou a língua pelos lábios e tentou focar o rosto de Bruno, embora seu corpo magnífico atraísse o olhar como um imã. — O que estou dizendo é que não sou como essas mulheres...

— Que mulheres? — Deu alguns passos na direção de Katy, e ela tonteou.

— As outras mulheres com quem já dormiu! — disse, de um só fôlego. — Mulheres como Isobel, sofisticadas e experientes! Sei que vai achar ridículo, mas eu sou virgem!

Bruno olhou-a sem conseguir falar. Katy pensava que aquela seria a primeira e a última vez que veria Bruno Gianella estupefato a ponto de não conseguir dizer uma palavra.

— Estranho, não é? — disse Katy, para quebrar o silêncio insuportável. Sabia por que ele não dizia nada. Bruno, um homem do mundo, que tinha a mulher que quisesse, um garanhão na cama, segundo a ex-namorada, não se animaria com a idéia de levar para a cama uma virgem. Provavelmente queria alguém que soubesse como fazer amor.

— Não sei — respondeu Bruno, com voz inconstante — se estranho é a palavra que eu usaria. — Deu mais alguns passos na direção de Katy, ficando a apenas centímetros de distância. Katy respirou fundo e sentiu o perfume sexy e másculo de Bruno.

— Como diria? — murmurou. — Triste? Patético? Inacreditável? Não precisa fingir que isso não muda nada, Bruno. Sei que muda.

— Explique.

— Bom, um homem como você...

Katy baixou os olhos e Bruno levantou-lhe o queixo com carinho para olhar nos olhos dela. Achava que não devia dizer a Katy que sua revelação o fizera ter vontade de gritar de alegria.

— Você imagina coisas demais — foi só o que disse. — Não precisa ter medo. Serei muito, muito carinhoso com você...

— Pode apagar a luz?

— De jeito nenhum. — O vestido de Katy era realmente virginal, com botões de pérolas abotoados até o pescoço. Começou pelo botão de cima, sem tirar os olhos do rosto de Katy, desabotoando o vestido até a cintura.

Beijou-a até sentir que o nervosismo se dissipara. As mãos de Katy envolveram seu pescoço. Se ela precisava de uma prova de que se sentia atraído por ela, bastava que o sentisse através da calça. Bruno a puxou para junto de si e ouviu o pequeno suspiro de Katy ao sentir contra o corpo a excitação dele, firme, pulsante, premente.

Bruno livrou Katy do vestido, que lhe caiu sobre os pés. Seus olhos se deliciaram com o corpo de Katy. O mesmo corpo que o enlouquecia desde que ela o revelara no comportado maiô. Deu-se conta de que já prestava atenção nela bem antes, observando seus movimentos no escritório quando trabalhavam juntos.

A roupa íntima de Katy era simples, eroticamente simples, de algodão branco liso. Sutiã e calcinha de laterais largas, quase até a altura do umbigo. Bruno baixou as alças do sutiã e deslizou as mãos pelas costas de Katy para soltá-lo. Imaginou que talvez ela baixasse os olhos, mas Katy não o fez.

Não teve vontade de se encolher ao ter o corpo exposto. Ao contrário, Katy sentiu-se sensual e provocante quando os pequenos seios foram libertados do sutiã, projetando-se para fora, os mamilos intumescidos. Os olhos de Bruno percorreram seu corpo e, como se não pudesse se conter, ele tocou um dos mamilos com olhar de fascínio.

— Você tem — balbuciou, com a voz ligeiramente trêmula — seios fabulosos. Mamilos fabulosos. — Levantou a outra mão para poder acariciar ambos, sentindo seu peso nas mãos, provocando-os com os polegares.

Katy fechou os olhos e pendeu a cabeça para trás, se deliciando com o incrível prazer de ser tocada por Bruno. Quando a boca de Bruno circundou um dos mamilos já sensíveis, ela gemeu, se contorceu e suspirou, e ele a suspendeu e a colocou na cama.

Ao vê-lo retirar o restante da roupa, teve uma sensação ainda mais intensa entre as pernas e teve de conter a vontade de se tocar. Sua respiração acelerou quando Bruno tirou a calça e a cueca tipo boxer, revelando a impressionante excitação.

Bruno juntou-se a Katy na cama, pousou o corpo sobre o dela e começou a descer a partir dos lábios.

Disse a Katy que não havia um centímetro de seu corpo que não tivesse vontade de tocar, embora as palavras mal tenham sido percebidas por ela. Ouviu-as como um zunido baixo e rouco que fez sua pulsação disparar. Bruno a fez sentir lânguida, sexy e sem vergonha do corpo, e Katy aproveitou cada sensação.

Acariciou a cabeça de Bruno enquanto ele se ocupava de seus seios, atiçando-os, sugando-os, e descia devagar, dando beijos molhados em sua barriga. Quando ele baixou a calcinha, Katy ansiou para que entrasse, tendo se livrado do medo, mas ele não o fez. Em vez disso, surpreendeu-a explorando a feminilidade de Katy com a língua, deslizando-a pelas dobras úmidas. Afastou um pouco as coxas para se deleitar na doce umidade.

O corpo de Katy estremeceu em imediata reação e ela se arqueou, contorcendo-se ao encontro da boca voraz de Bruno.

Abriu ligeiramente os olhos e viu a cabeça de Bruno sobre sua intimidade, as mãos pousadas na parte interna das coxas, e ficou tão tomada de paixão que achou que ia desmaiar. Sentiu a paixão aumentar enquanto ele lambia a parte mais íntima de sua anatomia.

Quando ela achou que não conseguiria esperar mais, Bruno afastou-se um pouco para tomar precauções. Foram meros segundos, e ele cobriu o corpo de Katy com o seu, guiando-se para dentro dela bem devagar e com muito carinho.

— Shh — sussurrou, como se ela tivesse dito alguma coisa. Cobriu a boca de Katy com a sua e começou a dar um ritmo constante a suas investidas.

O corpo de Katy abriu-se como uma flor para recebê-lo e ela se moveu junto com ele, acompanhando seu ritmo até que se tornassem um só.

O corpo de Bruno estremeceu ao atingir o auge e ela também atingiu o clímax, que a fez flutuar, perdendo a noção do tempo e do espaço. Quando finalmente aterrissou e abriu os olhos, viu Bruno fitando-a com tanta ternura que sentiu um aperto no coração.

— Foi bom para você? — arriscou Katy, com sua habitual franqueza. Bruno sorriu e afastou uma mecha de cabelo do rosto dela.

— A terra tremeu. — Não sabia explicar a razão, mas Katy o transportara de um modo como nunca acontecera antes.

— Está sendo sarcástico?

Bruno saiu de cima de Katy e colocou o braço sob a cabeça dela, puxando-a para perto e aninhando-a em seu pescoço.

Era tão confortável que Katy logo se curvou e esticou o braço sobre o peito dele.

— Eu poderia dormir agora — confessou. A verdade é que flutuava em ondas de contentamento e paz.

— Tente se controlar — disse Bruno, secamente.

— Eu sei. Tenho de voltar para o meu quarto. Se Joseph soubesse o que acabou de acontecer, morreria mil vezes.

— O que aconteceu aqui, Katy? — perguntou, com voz rouca.

— Sabe tão bem quanto eu. Fizemos amor. — Espantou-se por ele fazer uma pergunta tão óbvia, depois percebeu que queria saber o que significara o fato de fazerem amor. Deus do céu, será que ele tinha medo de que, por ter perdido a virgindade com ele, pudesse alimentar ilusões de um relacionamento?

— Quero dizer — completou, apressada, retirando o braço, que Bruno puxou de volta — apenas cedemos a... bem, a essa coisa de desejo...

— Essa coisa de desejo.

— Isso — disse, ansiosa. — Quando você me toca, eu derreto. Não consigo evitar. Não precisa se preocupar pensando que vou fazer alguma coisa idiota, Bruno, como pensar em um relacionamento ou coisa parecida, porque não vou.

Bruno ficou sem dizer nada por tanto tempo que ela se apoiou no cotovelo para olhá-lo.

— Acho melhor voltar para o meu quarto.

— Precisamos esclarecer isso melhor.

— Por quê? — Será que Bruno pensava que devia ser mais explícito avisando-a para não se envolver com ele?

— Por que eu? — Cruzou os braços atrás da cabeça e passou a fitá-la com aquele irritante olhar de interrogador. — Por que nunca tinha dormido com um homem antes?

Katy previa onde isso ia dar, e era exatamente o que temia. Ele pensava ser especial para ela e queria que confessasse. Teve vontade de sair disparada do quarto, pondo fim ao interrogatório, mas sentia-se tão bem deitada junto dele que não queria sair dali. Não antes de esclareceras coisas, pensou.

— Eu não sei — respondeu com sinceridade. — Só tive dois relacionamentos sérios, e nenhum foi tão longe.

Bruno deu uma gargalhada debochada e desagradável.

— Devem ter sido ardentes, se você nunca chegou a essa coisa de desejo.

Katy reagiu ao sarcasmo sentando-se e encarando-o.

— Foram relacionamentos muito bons. — defendeu-se.

— Tão bons que você nunca chegou a ir para a cama. — Deu um sorriso safado e recebeu um olhar gélido em troca. — É difícil me concentrar com os seus seios expostos — informou. Katy cruzou os braços para escondê-los, e ele os baixou. — Tarde demais para ser recatada, meu bem. — Tocou a ponta de um dos mamilos com o dedo e viu-o enrijecer.

— Isso não é justo — protestou Katy.

— Conte-me o que deu errado com esses trouxas.

— Eles não eram trouxas. Neil era estudante, e terminamos porque só nos víamos quando ele voltava da faculdade.

— Deviam ficar loucos para estar nos braços um do outro.

— Nós conversávamos.

Conversavam, conversavam e conversavam, recordou Katy. Sempre sobre a vida na faculdade, as boates que freqüentava, as pessoas com quem andava. Ela deixou de ser namorada para ser confidente.

— De qualquer maneira, foi esfriando, e conheci Paul...

— E vocês conversavam bastante... — Por alguma razão, aquilo era música para os ouvidos dele. Segurou um dos seios com a mão e ergueu-se para sugar o mamilo, que estava pedindo um pouco de atenção.

— Está me ouvindo? Bruno fitou-a.

— Não ligue para mim. — Voltou a fazer o que estava lhe dando imenso prazer, começando a sugar o outro mamilo. O que havia naquela mulher que o fazia se sentir como um adolescente? Seu corpo era macio feito seda e perfeito. Sentiu-se enrijecer, desejando tocar todo o corpo de Katy novamente.

— Conheci Paul quando vim para Londres... Bruno, não estou conseguindo me concentrar...

— Ótimo. Não precisa se concentrar em ninguém a não ser em mim.

Dessa vez, fizeram amor devagar, sensualmente, e Katy não queria que aquilo acabasse nunca. Ele a guiou para si e depois para cima dele, saboreando o prazer de vê-la assumir o controle. Possuía uma flexibilidade e uma agilidade que o faziam desejá-la ainda mais. Movimentava-se com a graciosidade de uma bailarina. Ao final, exausta, deitou-se sobre ele, que acariciou seu cabelo, seu pescoço, suas costas.

— Preciso ir para o meu quarto — murmurou Katy sonolenta. — Devia ter me avisado que fazer amor consome muita energia.

— Ainda não viu nada, meu bem — prometeu Bruno. — E não pode ir ainda. Estava me contando sobre o trouxa número dois quando me desconcentrou.

— Eu desconcentrei você! — Rolou para o lado, determinada a não desejar o impossível: adormecer ao lado dele, acordar ali, e...

Desanimada, Katy viu que sua imaginação estava indo muito longe e que as coisas que gostaria de viver com aquele homem iam muito além de um único encontro. Viu que estava adentrando o território perigoso do relacionamento, que negara desejar.

— Paul não estava satisfeito com o pouco tempo que eu passava com ele. — Encolheu os ombros e completou. — Eu era au pair na época e tinha apenas algumas horas de folga durante a semana. Olhe, não estou dizendo que isto foi um erro nem nada...

— Está mudando de assunto...

— Quero que você saiba que isto... o que fizemos... — Katy jogou as pernas para fora da cama e se levantou. Se tinha de recuperar a razão, o primeiro passo era sair de perto de Bruno. Vestir-se também ajudaria. Não olhou para ele ao colocar a roupa, mas sabia que ele a observava.

— Nós dois cedemos a...

— A essa coisa de desejo. Eu sei. Você já disse isso. E olhe para mim quando estiver falando com você!

Katy fitou-o.

— Não vou pular na cama com você de novo, Bruno. Acredite se quiser, mas não sou o tipo de mulher que faz isso...

— Deu para perceber.

— Sei que pensa que só porque sinto atração por você sou uma presa fácil...

— Nunca insinue que eu saio atrás de mulheres só para me divertir, Katy. — Mas era o que fazia no passado, não era? Aproveitava o prazer fugaz e depois partia?

— É claro que você faz isso — ela retrucou e percebeu que o atingira em cheio. —- Não adianta negar, Bruno. Suas escapadas estão sempre nas colunas de fofocas dos jornais! Você não quer compromisso. Só prazer. Tudo bem, mas isso não serve para mim. — Os olhos de Bruno se estreitavam de raiva enquanto ela falava, mas Katy precisava dizer o que sentia, pois caso contrário ele partiria do princípio de que podia assediá-la enquanto tivesse vontade. Moravam na mesma casa e, sem Isobel por perto para descarregar sua energia sexual, o que seria mais fácil do que recorrer à garota ingênua do interior que já declarara ter uma queda por ele?

— E o que serve para você? — Bruno viu-a afastar-se apressada e não gostou. Pulou da cama, vestiu a cueca e ficou de costas para a porta, impedindo que Katy saísse.

— Você está na frente da porta e eu quero sair — exclamou Katy.

— É ridículo fugir apavorada agora. Fizemos amor. Por que nos enganarmos fingindo que não vai acontecer de novo? Nós nos desejamos e não há nada de errado nisso.

— Está tentando me enrolar.

— Estou tentando fazê-la enxergar a lógica. — Bruno teve vontade de sacudi-la. Eram adultos cujos corpos viravam música quando estavam juntos. Detectou a teimosia se apoderando de Katy e, contrariado, teve certeza de que nada poderia demovê-la.

— Está tentando me fazer enxergar a sua lógica! Não quero ser seu brinquedinho enquanto estiver aqui, Bruno. Para ser posta de lado quando você voltar a Londres, onde dispõe de brinquedos mais interessantes e atraentes para se divertir!

— Alguém aqui falou em colocar alguém de lado?

— Nem precisava! — gritou Katy, tomada de emoção. — Seu passado já diz tudo! — Suspirou e olhou para os pés, tentando não chorar. Fez um grande esforço, olhou para cima e disse, com voz calma e controlada: — Não pode ficar aí bloqueando a passagem eternamente. Está na hora de eu voltar para o meu quarto, e não há mais nada a ser dito.

— Está vivendo na época errada — disparou Bruno, bruscamente. — Amor, casamento... Esperando o príncipe encantado chegar... Essas coisas não acontecem, Katy.

Katy deu de ombros, e ele teve vontade de gritar que odiava quando ela fugia da briga com esse gesto.

— Não me importa o estilo de vida que escolheu, Bruno. Por mim pode sair com a população feminina inteira, mas não vou ficar me entregando por diversão! — Acabara de dizer que não ligava? Se ele prestasse um pouquinho mais de atenção nas mulheres, veria que aquilo não era verdade. Ela ligava, sim. E como.

Bruno afastou-se devagar, encostou-se na parede e cruzou os braços, como um Lúcifer sombrio aguardando para seduzi-la novamente com seus poderes.

Quando Katy estava exatamente do seu lado, Bruno disse baixinho:

— Vivemos e morremos de acordo com as nossas escolhas, Katy. Lembre-se disso. Pode se achar virtuosa e santa negando-se um pouco de diversão na sua busca pelo príncipe encantado que vai colocar uma aliança no seu dedo, mas tome cuidado para não jogar sua vida fora numa busca longa e inútil.

A mente de Katy ficou repleta de imagens de si mesma, mais velha, ainda à espera do príncipe encantado, desejando ter sido mais esperta e aceitado a proposta de Bruno. Teve de lutar contra a tentação de aceitar a promessa de realização sexual que ele lhe fazia.

— Quer que eu trabalhe para você amanhã? — sussurrou com tristeza.

Bruno amarrou a fisionomia e não parava de passar os dedos pelo cabelo.

— Talvez à tarde — resmungou, sério. — Vou sair pela manhã.

Sair?, pensou Katy. Sair para onde?

— Se puder me dizer a que horas...

— Eu não sei a que horas! — explodiu Bruno. Encaminhou-se para a poltrona próxima à janela e se sentou. Cada fibra de seu corpo dava sinais de frustração, impotência e raiva. Katy não conseguia acreditar que aqueles duros olhos negros a tinham fitado com uma ternura irresistível pouco tempo antes.

Para onde foi aquele olhar?, pensou, desconsolada. Saiu do quarto com a triste sensação de ter vencido a batalha, mas não a guerra. E no dia seguinte isso só piorou, pois Bruno não estava em lugar nenhum.

— Negócios em Londres — contou Joseph quando, às 16 horas, ela mencionou casualmente a ausência de Bruno.

— Por quê?

— Por nada! — Os dois caminhavam no jardim. O dia estava lindo, repleto dos aromas do início do verão. Katy tentou apreciar o perfume, mas estava atormentada imaginando o que Bruno estaria fazendo em Londres.

— Ele devia ter voltado para o almoço, mas me telefonou para dizer que estava atrasado. Reuniões, eu imagino.

— Imagino que sim. Ficou bastante tempo por aqui. Provavelmente está de volta aos prazeres da cidade. — Marcando encontros com mulheres lindas, pensou, com amargura, já que a desmancha-prazeres aqui lhe acendeu o sinal vermelho.

— E provável — concordou Joseph. — Imagino que você sentirá falta dele quando se for de vez.

— Ah, não! Eu e você poderemos voltar à nossa vida normal. Continuar com as suas memórias. Não vamos à biblioteca há séculos. Talvez possamos ir no final da semana. — Katy temia voltar à vida normal que antes adorava. Bruno entrara em sua vida como um furacão, abalando sua paz, e ela achava que nunca mais a recuperaria.

Se tivesse sido apenas uma questão de desejo, essa dor dentro dela desapareceria gradualmente e a vida voltaria ao que era antes. Mas não se tratava somente de desejo. Era amor, necessidade e todas as outras palavras ridículas que Katy jamais ousaria dizer a Bruno. Cometera o erro fatal de se apaixonar por ele, e era bem-feito para ela, por não ter reconhecido o que sentia logo no início e tomado as devidas precauções.

— Teremos de reunir as memórias — disse animada para Joseph a caminho da estufa. — Estou digitando bem melhor.

Katy falou sobre diversos assuntos, mas acabou voltando ao tema inicial sobre o qual haviam falado rapidamente e comentou que a demora de Bruno em Londres era o prenúncio de sua partida definitiva.

— Devia estar sentindo falta da agitação da cidade grande — continuou, imaginando-o circulando com uma série de deslumbrantes clones de Isobel. — Esta vida no campo deve deixá-lo entediado. Não há grandes emoções no escritório, telefones tocando sem parar... — Não há boates, continuou mentalmente, nem vida noturna agitada, restaurantes caros freqüentados por gente bonita e famosa...

— Ele parece gostar mais da vida daqui. — afirmou Joseph, e Katy reagiu com uma risada esquisita. — O campo tem seus encantos — acrescentou. — A tranqüilidade e a paz interior que se tem quando se está cercado de natureza não têm preço.

Era por isso que gostava tanto de Joseph, pensou Katy. Como poderia desiludi-lo com sua versão da realidade? Que não havia motivo para o afilhado permanecer ali quando a razão que o levara estava prestes a deixar de existir. Joseph fortalecia-se a cada dia. Tranqüilidade e paz interior eram palavras que não faziam parte do vocabulário de Bruno.

Katy agüentou o restante do dia passar, mal sabendo o quanto sua vida poderia mudar em questão de horas...

 

Dave Harrington, amigo de Joseph, ia buscá-lo às 8:3O. Tinha feito planos para toda a manhã, que incluíam levar Joseph ao hospital para exames de rotina, seguidos de rodadas de bridge em um clube nos arredores da cidade. Depois, uma pausa para o almoço.

— Pode dormir até tarde, querida — foram as últimas palavras de Joseph ao se retirar para dormir na noite anterior. — Você merece, depois de todo o trabalho que teve de fazer para o Bruno.

Katy ficou feliz em ceder sem que ele insistisse muito. Estava exausta com a agitação em sua cabeça. Estava apaixonada por Bruno e não sabia o que fazer em relação a isso. Deveria ir embora? Demitir-se? Se ficasse, encontraria com ele sempre que viesse visitar o padrinho. Nunca teria tempo suficiente para esquecê-lo.

Quando pensava em partir, no entanto, visualizava uma existência infeliz, uma vida inteira sentindo saudade de Bruno, e essa opção também não parecia boa.

Talvez devesse ceder e ter um caso com ele, aproveitar o que lhe oferecia e adiar a dor o máximo possível. Mas isso não seria pior? Bruno se cansaria dela e a dispensaria e aí, além de tudo, se sentiria uma fracassada.

Passava da meia-noite quando finalmente adormeceu, um sono agitado pontuado de sonhos desagradáveis.

Demorou alguns minutos para perceber que a batida na porta não era a continuação de um pesadelo.

Era Joseph, e ele parecia animado demais, embora Katy tenha levado alguns segundos para perceber, zonza de sono, com o cabelo caído na frente do rosto.

— Que horas são? — perguntou Katy, piscando os olhos.

— Oito!

— Algum problema com o Dave? — O cérebro de Katy começou a funcionar com um pouco mais de eficiência, e ela notou que Joseph já estava arrumado. — Precisa que eu o leve? Vou me trocar. Só preciso de alguns minutos.

— Sua diabinha!

— O quê...?

— É claro que eu já sabia. Posso estar velho, mas não sou bobo! — Estava tão radiante que ela sentiu um frio percorrer a espinha.

Do que ele estava falando?

— Importa-se se eu entrar, Katy? Não vou demorar. Dave chegará a qualquer momento. — Ele riu e entrou no quarto. Acomodou-se confortavelmente na poltrona de leitura. — Toda aquela conversa sobre Bruno partir, me preparando. Devia ter jogado limpo comigo! Ficou preocupada com a forma como eu receberia a notícia, mas não era preciso, minha querida! Não imagina como estou feliz!

Katy não tinha a mais vaga idéia a respeito do que Joseph estava dizendo. Vestiu o robe e sentou-se na beirada da cama.

— Você está exultante! — Mas por que motivo?, questionava, sem chegar a nenhuma conclusão.

— É claro que vou sentir muito a sua falta. Talvez tenha de deixar este lugar... Não consigo imaginar uma substituta no seu lugar, querida. Não seria a mesma coisa.

— Substituta? — Agora Katy sentia-se jogada numa montanha-russa. — Não estou pensando em ir embora, Joseph. — Na verdade, chegara a pensar em partir, mas como Joseph chegara ao ponto de ler sua mente? Teria dito algo sem perceber? Franziu o cenho tentando se lembrar, imaginando se teria deixado escapar o que sentia.

— Naturalmente, ainda não. — Joseph conferiu o relógio. — Meu Deus, a hora! Tenho de ir, minha querida, mas queria que soubesse que fez um velho homem muito feliz!

— Por pretender ir embora? — perguntou Katy, magoada.

Joseph levantou-se, tomou suas mãos nas dele e as apertou com carinho.

— Você é sensível, eu sei. Mas vai dar certo. Eu pressinto! Você e Bruno foram feitos um para o outro! Estou tão feliz que tenham decidido se casar!

Joseph saiu, deixando Katy com os olhos arregalados, em estado de choque.

Casar-me com Bruno? De onde ele tirara essa idéia?

Vestiu-se rapidamente, mal parando para pentear o cabelo. Dez minutos depois, descia a escada, indo direto à cozinha, onde Bruno estava sentado com diversos jornais à sua frente, uma xícara de café e um copo de suco.

Katy ficou paralisada e não conseguiu pensar enquanto digeria o fato de vê-lo ali. Bruno tinha as mangas da camisa enroladas e os dedos cruzados sobre o colo. Estava tão irresistivelmente sexy que ela chegou a ouvir seu próprio suspiro sobressaltado.

— Café? — perguntou, apontando para a jarra de vidro atrás dela. — Fiz um pouco.

— Quando voltou? — Perguntava-se se Bruno estaria ciente dos delírios surrealistas do padrinho. Se não estivesse, ela teria de esperar por Joseph na porta da frente e dizer a ele, com muito jeito, que tirara conclusões erradas por alguma razão.

Sentiu-se um pouco mais calma, pois Bruno não parecia perturbado como estaria se tivesse ouvido o que Joseph dissera a ela dez minutos antes.

— Cheguei de manhã cedo.

— Pelo jeito não... encontrou o seu padrinho? Ele saiu com Dave Harrington. — Katy virou-lhe as costas e serviu-se de café, prendendo o fôlego à espera da resposta de Bruno.

— Ah, eu o vi, sim.

O silêncio se prolongou por bastante tempo, até que Katy finalmente se virou e viu Bruno com os olhos fixos nela.

— Acho que devia dar uma olhada nesses jornais — disse e, sem tirar os olhos do rosto de Katy, girou um dos tablóides de modo que ficasse voltado para ela.

Ela caminhou hesitante em direção à mesa. Havia mais jornais do que imaginara. Uma quantidade fora do normal, na realidade.

Olhou a primeira página do jornal, leu a manchete e pousou a xícara na mesa.

— Ah, não! Ah, não! — Seu rosto empalideceu ao ler a notícia. Em tom de fofoca, anunciava o casamento de uma tal de Katy West com Bruno Gianella, descrito como o solteiro mais cobiçado de Londres. O artigo se solidarizava com todas as mulheres que estariam privadas daquele homem bonito, rico e inteligente.

— É o meu nome — Katy mal conseguiu dizer, sentando-se e vasculhando todos os outros jornais, em que havia a mesma notícia.

— E Joseph...?

— Achei melhor mostrar para ele e poupá-lo de descobrir por um de seus amigos.

— Bruno, isto não está acontecendo

— As provas estão aí, bem na sua frente.

— Como pode estar tão calmo? — exclamou, beirando a histeria.

— Tive um pouco mais de tempo para me acostumar à idéia do que você. — Bruno virou-se para encarar Katy. — Isobel telefonou ontem à noite para me informar que deveria dar uma olhada nos jornais pela manhã. Nessa altura, já era tarde para que eu fizesse alguma coisa a respeito. A primeira coisa que fiz foi vir para cá.

— Meus pais... — Katy ficou ainda mais pálida. — Eu... preciso ligar... para eles e dizer que tudo não passa de um engano... — Mirou o telefone e ficou desanimada. Seus pais exigiriam uma explicação sobre como um boato desses teria surgido. Fariam perguntas que ela não saberia responder. Insistiriam em ir até lá para verificar se estava bem.

— O que vamos fazer? — indagou, exaltada. — Você disse que ela não...

— Parece que ela é mais maldosa do que eu pensava.

— Precisa resolver isso! — gritou, em pânico. — É tudo culpa sua!

— Eu não diria que a culpa é só minha.

— E o mínimo que podia fazer era ficar mais preocupado. — Katy não conseguia se sentar, tinha de se mexer. Levantou-se, sentiu as pernas fraquejarem e sentou de novo. — Tem de fazer uma declaração — prosseguiu, respirando ofegante. — Entre em contato com seus amigos... nos jornais. Diga que cometeram um erro. Explique sobre Isobel...

Bruno estava calmo demais, pensou Katy. Graças a Deus, pois se os dois ficassem histéricos seria pior. Por um momento sentiu-se solidária a ele. Devia estar tão nervoso quanto ela, porém, por possuir um impressionante autocontrole, não o demonstrava. Neste momento, devia odiá-la por causar tamanha perturbação em sua cabeça.

— Sinto muito, Bruno — sussurrou. As lágrimas escorriam, e ela pegou o lenço que lhe foi estendido. — Não devia ter culpado você. Se não fosse por minha causa, nada disso teria acontecido... — Katy esfregou os olhos com o lenço e fitou-o, impressionada ao constatar que permanecia sob controle. Bruno era um homem disciplinado. Não explodiria em lágrimas. Provavelmente já pensara em uma solução.

— Imagino que já tenha pensado em alguma coisa...? — indagou, esperançosa.

— É muito complicado para ter uma solução simples — disse Bruno, destruindo qualquer esperança.

— Complicado? Terá de dizer a eles a verdade...

— Primeiro, tem o Joseph. — Os olhos negros cintilantes focaram os de Katy, e ela começou a tontear. — Ele está nas nuvens com a notícia. Deu-lhe um novo ânimo. Temos de levar em consideração que ele está se recuperando de algo que poderia ter sido bem mais grave. Se contarmos que o que está nos jornais é mentira, bem...

— Você acha que... ele poderia ter outro ataque cardíaco?

— Quem sabe? Não podemos arriscar. Depois, há os seus pais. Se ainda não leram a notícia, terão lido até o fim do dia. Não os conheço, mas parecem dedicados e carinhosos, e ficarão profundamente feridos se pensarem que a filha única foi...

Katy, atenta a cada palavra que saía da boca de Bruno, não teve dificuldades para imaginar como seus pais reagiriam. Sufocou um soluço.

— E ainda há a questão da minha vida profissional...

— Sua vida profissional? — repetiu Katy.

— Tenho uma reputação na cidade e, acredite se quiser, reputações, são baseadas em bem mais que a capacidade de fazer dinheiro. Se eu passar a ser visto como um mulherengo que seduz uma mulher, pede-a em casamento e depois tenta fugir do compromisso, que tipo de homem pensarão que sou?

— Mas você i um mulherengo. É lógico que já sabem disso.

Bruno engoliu a seco.

— Tenho aproveitado a vida de solteiro — disse, entre dentes. — É bem diferente de ter um caso com uma menina inocente, propor-lhe casamento e depois cair fora.

— Eles não sabem que sou jovem e inocente — sussurrou.

— Mas vão saber. Não demorará muito até que cheguem aqui para tirar fotos do casal feliz. Sempre acompanham minha vida social.

Katy não sabia em qual opção se concentrar. Joseph, os pais, os riscos para a carreira e a reputação de Bruno, ou a imprensa em busca de fotos.

— Isso é péssimo — murmurou. — O que vamos fazer?

— Só consigo pensar numa coisa — falou em voz baixa, pensativo. Estendeu o braço e segurou a mão de Katy. — Vamos fingir que o casamento é para valer, que somos um casal feliz... e os jornais não se deterão muito na notícia.

— E quanto a Joseph? E os meus pais?

— Essa é a parte mais difícil. Não poderemos fingir por uns poucos dias e depois jogar a bomba de que tudo não passou de um engano.

— Acho que não — disse Katy, confusa.

— Ligue para os seus pais. Se for preciso, vou conhecê-los; não quero que pensem mal de mim. Já ficarão mal impressionados por eu não ter pedido a sua mão.

— Você está sendo muito legal, Bruno. — Tomou consciência da pressão da mão dele sobre a sua e apressou-se a retirá-la. — Vou ligar para os meus pais.

Foi uma declaração, e não uma pergunta, que a fez ficar dura como pedra ao explicar a situação para a mãe. Quinze minutos depois, olhou Bruno com ar de derrota.

— Ela achou muito romântico — disse, suspirando. — Disse que ela e papai ficaram noivos duas semanas depois de se conhecerem. — Tornou a suspirar. — Eles chegam amanhã. Não tive como impedi-los. Estão loucos para conhecer você.

— É compreensível.

— Podem ficar no hotel da cidade.

— Eu e Joseph jamais concordaríamos com isso. Há muito espaço aqui.

— Mas... — Como poderia explicar que ter os pais ali seria demais para ela? Que era levar a farsa longe demais? Umas duas horas de conversa educada em território neutro e, quando avisasse que o noivado tinha sido rompido, eles aceitariam com mais facilidade.

Explicou de maneira abobalhada o que pensava e esperou até que ele meneou a cabeça.

— Ia parecer falta de hospitalidade. Joseph ficaria arrasado. Ele é a hospitalidade em pessoa.

Era o que Katy temia.

— Não podemos esquecer que ainda está se recuperando de um problema de saúde sério. Acho que ele ficaria mais feliz se o encontro fosse aqui.

— Você deve estar furioso comigo — disse, com tristeza.

— Não se preocupe comigo. Sei me cuidar.

— Falou com Isobel?

— De que adiantaria? Já está feito. Agora temos de encontrar uma maneira de resolver isso da melhor maneira possível.

— E quanto tempo você acha que...?

— Acho que o quê?

— Bem, por quanto tempo teremos de levar esta farsa adiante? — A boca de Bruno se contraiu e Katy viu o quanto aquilo seria horrível para ele. — E o seu trabalho? — Bruno relaxou um pouco a expressão, e ela prosseguiu: — Ah, já entendi o que vai fazer. Vai voltar para Londres e viajar para cá nos finais de semana. Assim, poderemos dizer que as coisas não deram certo por causa dos seus compromissos profissionais... — Essa hipótese tinha inúmeras vantagens, e a mais importante era que Bruno não estaria por perto, dando a Katy tempo de fazer o coração sossegar.

— É uma opção — murmurou Bruno, sem se comprometer com a idéia. Recostou-se e observou o rosto ruborizado de Katy.

Contemplando a situação em que não teria de sofrer a agonia de estar com Bruno todos os dias, Katy meneava a cabeça.

— Sim, é isso. Talvez você pudesse até ir para outro país por muito, muito mais tempo do que imaginara. Dias. Semanas! Eu ficaria deprimida e começaria a questionar o casamento. A essa altura, Joseph e meus pais estariam preparados para isso...

— Nesse meio tempo — disse Bruno, com uma objetividade deprimente, arrastando-a de volta à realidade — temos de arranjar um anel.

— Um anel?

— Um anel de noivado. Joseph espera que você esteja usando um quando voltar do passeio. Se sairmos agora... — Bruno conferiu o relógio e parecia fazer cálculos —...podemos estar na cidade em meia hora.

Katy teve tempo apenas para pegar a jaqueta, ignorando os roncos de seu estômago, pois não tomara o café da manhã.

Uma hora e meia depois, após passarem por duas joalherias que não tinham nada que Bruno considerasse bom o suficiente, entraram na terceira joalheria. Para Katy, qualquer anel serviria. Se era um noivado de mentirinha, que importância tinha o anel?

Quando lhe mostraram uma bandeja com anéis de diamante, Katy pigarreou e disse:

— Não são caros demais? Para o que estávamos pensando?

— Para você, só o melhor — murmurou Bruno, massageando com carinho a nuca de Katy e fazendo-a enrubescer.

Meia hora mais tarde, Katy usava um delicado anel de ouro com dois pequenos diamantes em cima. Apaixonara-se por ele.

Não parava de olhar para o dedo e perguntava-se como seria se a farsa fosse realidade e Bruno realmente a amasse.

— Qual o motivo do suspiro profundo? — indagou Bruno.

— Eu suspirei?

Olhou-o e seus olhos se cruzaram. Estava pensativa quando ele continuou:

— Ainda não lhe agradeci. — Bruno abriu a porta de uma cafeteria, e Katy percebeu que tinham andado em direção ao centro da cidade.

— Você me fez um favor — falou Bruno, pedindo um café puro para ele e um café com leite para ela. Katy preferia café com leite. Lembrava-se de ter dito a Bruno, séculos atrás, e estava surpresa ao ver que não se esquecera.

Bruno encostou-se na cadeira e aguardou a xícara ser colocada à sua frente.

— Não precisava ter concordado com o noivado. A pressão era toda dirigida a mim.

— Bem, eu me sinto culpada de ter colocado você nessa confusão — disse Katy. — Não poderia simplesmente lhe dar as costas. E precisava pensar em Joseph e nos meus pais. De qualquer maneira, é só por um tempo, não é?

— Infelizmente, pode ser um pouco mais problemático do que imaginamos...

— Como assim?

— Não fomos muito realistas ao pensar que essa informação se restringiria aos amigos próximos e à família. Achamos que poderíamos escapar da realidade pelo fato de Joseph morar no campo. Já recebi vários e-mails de pessoas me parabenizando e convites para comparecermos a diversos eventos.

Katy empalideceu visivelmente.

— Amanhã à noite temos o convite de um cliente para o Royal Albert Hall.

— Mas... isso é ridículo — reagiu Katy.

— Prepare-se para as câmeras.

Katy tomou vários goles de café com leite e sentiu-se mal por estar presa em uma teia que crescia de forma monstruosa e fora de controle.

— Terá de dar uma desculpa—disse, em desespero.

— Por exemplo?

— Não sei! Use a imaginação! Sei que estamos envolvidos nessa confusão, mas...

— Restringirei os compromissos sociais. Por enquanto, seria bom você ampliar o seu guarda-roupa para atender às situações mais imediatas. — Bruno terminou o café, encostou-se na cadeira e cruzou os braços.

Katy quis socá-lo. Era tão arrogante, tão seguro de poder controlar os acontecimentos.

— E se eu não quiser ampliar meu guarda-roupa? Bruno deu de ombros.

— Você é quem sabe. O Royal Albert Hall é um ambiente muito formal. Se não vai se sentir constrangida usando o que veste aqui, a decisão é sua.

—- Você é tão grosseiro e detesto o modo como acha que pode manipular as pessoas — sussurrou, trêmula.

— É o que pensa?

— Não sei por que não podemos fazer esse joguinho por algum tempo até as coisas esfriarem. Sem que eu tenha de ir para Londres com você. Sem aparições públicas.

— Apenas os repórteres escondendo-se atrás dos arbustos para obter fotos escondidas. Não há nada que desperte mais a curiosidade de um repórter que o cheiro de algo escondido. Entenderão sua recusa em aparecer ao meu lado como sinal de que algo está errado. Por outro lado, se lhes der algumas fotos eles logo desaparecerão.

— Não devíamos ter começado isto — declarou Katy, atordoada.

— Quer dizer que não devíamos ter nos beijado na piscina? Ou que o erro foi sermos pegos por uma ex-namorada vingativa?

—- Devíamos ter dito a verdade quando podíamos, em vez de...

— Não adianta ficar com essa história de devíamos. É uma perda de tempo. — Bruno se levantou, deixou dinheiro em cima da mesa e esperou Katy se levantar.

Katy estava distraída enquanto andavam em direção ao centro e não prestou atenção à loja até que se viu dentro dela, quando piscou os olhos e arriscou um sorriso para Bruno.

Ele iniciara uma conversa com a dona da butique. Katy estava certa de que aquela mulher não teria lhe dado a menor atenção se tivesse entrado sozinha, mas Bruno irradiava dinheiro. A morena alta parecia torcer o nariz ao conversar com Bruno, mostrando a nova coleção, e ao lançar para ela um único e breve olhar especulativo que falou por si.

Quando Bruno insinuou que faria uma grande compra, Katy respirou fundo e disse com voz firme:

— Uma roupa. Um evento social, uma roupa.

Para sua surpresa, ele sorriu e se encaminhou para onde estava, plantada junto à porta.

— E eu que pensava que as mulheres adoravam que comprássemos coisas para elas — murmurou.

— Não fique tão perto de mim — disse, num sussurro.

— Estamos noivos. Lembra? Noivos costumam ficar perto um do outro. Terá de se acostumar. Seus pais e Joseph podem ficar preocupados se passarmos a noite em lados opostos da sala.

— Não estou vendo meus pais nem Joseph aqui.

— Se é para fazer um serviço, que seja bem feito —-ele respondeu.

Agora ela era reduzida a um serviço que tinha de ser feito. Não devia se surpreender, mas sentia-se mal por saber o quanto era descartável. E desejava que ele se afastasse. O corpo de Katy tinha memória e desejo próprios, e a proximidade de Bruno a fazia arder com uma sensação que não era de aversão.

Bruno sentou-se em uma cadeira posicionada próximo à parede, a fim de ter uma visão geral das roupas.

— Muito bem — disse Bruno —, algumas peças descontraídas, sem muitos enfeites, e um vestido de noite digno de circular em meio à realeza.

Katy chegou perto de Bruno e fixou os olhos nele.

— Sei que não passo de um serviço a ser feito —, reclamou em voz baixa — mas isto não está indo longe demais? Tem idéia de quanto custam essas roupas? Não posso usá-las e depois devolvê-las. Quando o serviço estiver terminado e eu lhe devolver as roupas, vai ter jogado muito dinheiro fora.

Bruno olhou-a com frieza.

— Esse comentário é de um extremo mau gosto — ele disse, e Katy sentiu a satisfação de ter conseguido ultrapassar a barreira da indiferença, provocando uma reação. Não seria justo ela ficar tão consternada por aquela situação horrível, com as emoções tão abaladas, e ele permanecer inabalável, controlado e irritantemente tranqüilo.

— Mas é a verdade — insistiu, com inocência. — Quando o serviço estiver terminado, tudo isso será dinheiro desperdiçado.

— Pode ficar com as roupas — disse rudemente — e com o anel, se quer saber. Esqueça o dinheiro.

— Nem em sonho eu ficaria com nenhum deles, principalmente com o anel. — Ela mexeu o anel no dedo delgado. — Um anel de noivado deve significar algo, e este não significa nada. Quando eu usar um anel de noivado de verdade, será em função de um relacionamento que valha a pena e não... uma história como esta.

Bruno fechou a expressão e a encarou com frieza. — Acho que a vendedora está ficando impaciente. E esta discussão não vai levar a lugar nenhum. Se não quiser ficar com as roupas, serão entregues para caridade. — Desviou o olhar, cruzou as pernas e fez um sinal quase imperceptível para a vendedora.

Lógico que ela não ficaria com as roupas. Não tinham nada a ver com o seu estilo.

Ouviu uma voz sussurrar em seu ouvido que talvez pudesse mostrar a ele que não era a caipira de camisolões, que podia ser sexy se desejasse.

Katy, que nunca fizera aquilo antes, ficou surpresa ao constatar que o processo era bem mais fácil e divertido do que imaginara.

Bruno, irritantemente, não fazia nenhum elogio. Katy tentava disfarçar sua frustração, pois Bruno se limitava a dizer o essencial e, quando ela já tinha experimentado todas as roupas, simplesmente se levantou e deu ordens à vendedora para que fossem entregues em casa à tarde, e pagou a conta.

Ao saírem da butique, Katy comentou:

— Mudei de idéia.

— Sobre o quê? — perguntou, sem demonstrar grande interesse.

— Sobre as roupas. Vou devolver o anel, mas ficarei com as roupas... — Mirou-o pelo canto do olho, odiando-se por desejar tanto que lhe fizesse um elogio. — Afinal de contas — mencionou, em tom casual —, quando tudo isso acabar, podem ser úteis para sair e conhecer rapazes. Você tinha razão. Não posso continuar me enterrando aqui. É lógico que vou continuar trabalhando para Joseph, mas... bem... existe um mundo lá fora à minha espera, não é...?

 

Katy deitou-se na cama, olhos fixos no teto. Passava da meia-noite e ela nem se preocupara em acender a luz.

Mal conseguia saber o que fora aquela noite: um sucesso estrondoso ou um desastre sem tamanho.

Seus pais tinham chegado na hora do chá e se surpreenderam com o tamanho da casa e dos jardins. Katy ficara radiante ao vê-los. Ela lhes telefonava com freqüência, porém só conseguia ir em casa a intervalos irregulares; tinha sido ótimo estar com eles ali, no seu ambiente. Mostrou-lhes a casa e passeou pelos jardins. Já estavam relaxados quando Joseph apareceu, desculpando-se por não estar presente até então para cumprimentá-los.

— Mas um velho de coração cansado precisa descansar metade do dia — confidenciou-lhes, com um brilho malicioso no olhar que quebrou todo o gelo.

Houve um intervalo durante o qual nenhuma pergunta foi feita, e Bruno, ocupado com uma teleconferência de três horas com os Estados Unidos, ainda não aparecera.

Tomaram o chá do lado de fora; a mãe de Katy conversou animadamente sobre as orquídeas de Joseph. Naturalmente, isso não podia ter durado muito. Quando Bruno apareceu, a mãe já a tinha encostado na parede e começado o interrogatório. Depois foi a vez de seu pai, que pediu desculpas pela abordagem incisiva da mãe, mas disse que queria ter certeza de que sua menininha não estava cometendo o maior erro da sua vida.

Quem era esse tal de Bruno? Por que tanta pressa? Tiveram tempo de se conhecer? Era o tipo de homem de ter família? Quando estavam planejando se casar?

Quando Bruno saiu do escritório, Katy estava se sentindo exausta.

Queria que a tivesse apoiado ante todas as perguntas que tivera de enfrentar, mas ele estivera de péssimo humor.

Ninguém mais percebeu isso. Bruno tinha charme suficiente para encantar qualquer pessoa, e seus pais não foram exceção. Fizera o papel do perfeito cavalheiro. Agradável, fez inúmeras perguntas a respeito deles, conversou sobre tópicos em que seu pai tinha interesse e foi extremamente solícito ao se dirigir a ela.

Olhares de intimidade, a mão à volta de sua cintura, um beijo suave na nuca. Katy sentia cada toque, e seu corpo respondia com entusiasmo, principalmente por causa do ar estranho dele. Como ele podia fingir tão bem quando estava a ponto de explodir por alguma coisa? Talvez a teleconferência?

Aquela situação a fez ver o quanto tinha ido com muita sede ao pote. Duas horas depois, caiu num sono nada reparador e se levantou com o sol banhando o quarto.

Decisão era o que importava, Katy disse a si mesma, colocando uma de suas novas e maravilhosas roupas, um top bege que marcava o corpo e uma saia solta no meio da perna, como estava acostumada a usar, porém justa nos quadris, revelando uma barriga firme e o umbigo.

Não podia deixar os pais irem embora com a falsa esperança de que a data do casamento estaria marcada na próxima vez em que se falassem.

Preparada para tudo, Katy desceu e descobriu que chegara na hora certa. Todos estavam presentes. Maggie servira o café da manhã e, depois de algumas observações simpáticas, Katy sentou-se e se preparou para dar início à fase um de seu plano.

— Estou surpresa de você ainda não ter ido trabalhar, querido. — Ela disse, olhando na direção de Bruno.

Embora não lhe tenha feito sequer um elogio quando estavam na loja de roupas, Bruno conseguira dizer que estava charmosa quando ela apareceu na sala, soando sincero. Seus pais e Joseph olharam-se com satisfação. Katy, por outro lado, vira o fato mais como uma representação.

— Dia de folga — disse Bruno, olhando para ela e fazendo-a corar.

— Humm — suspirou Katy, rindo suavemente. — Isso não é comum. Bruno trabalha tanto. Não é mesmo?

— Trabalha como o diabo — Joseph interrompeu em boa hora. — Sempre trabalhou. Nem sei quantos países ele visita em um ano.

— Centenas, imagino! — Katy retomou a palavra antes que Bruno começasse a contar piadas sobre os lugares que visitara.

— Nem tanto. — Bruno juntou os talheres e olhou para Katy, preocupado.

— Onde você esteve? — perguntou a mãe de Katy. — Algum lugar emocionante? — Ao ouvir a pergunta, Bruno descrevera alguns dos lugares que visitara, os costumes com que se deparara, as comidas estranhas que tivera de provar. O tempo todo Katy sentia seu interesse dirigido a ela e, com certeza, no minuto em que a reunião terminasse, ele a encostaria na parede.

— Que história é essa?

— Que história?

— Você sabe do que estou falando, Katy. A repentina fascinação com as centenas de países aos quais viajei em um ano.

Katy franziu a testa.

— Pensei que deveríamos começar a construir o cenário para nossa incompatibilidade. Na velocidade em que estamos, todos vão começar a nos perguntar sobre a data do casamento. Melhor plantar algumas sementes de dúvida.

O rosto de Bruno começou a se crispar, mas Katy não desistiria.

— Mamãe e papai provavelmente tomarão um chá antes que eu os deixe na estação, e acho que você devia deixar claro como achou inconveniente ficar aqui semanas seguidas. Talvez você pudesse dizer que seu trabalho foi prejudicado por não poder viajar.

— Em outras palavras, contando mais mentiras.

— Mas é uma mentira necessária! — Conversavam na sala de estar. Katy podia ouvir o barulho distante de Maggie retirando a louça do café. Em um minuto, seus pais chegariam, assim como Joseph. Precisava inventar alguma coisa antes que entrassem. — Conheço minha mãe — Katy insistiu. — Não sei como você fez, mas conseguiu convencê-la de que é o genro perfeito. Não, retiro minhas palavras. Eu sei. Você é um mentiroso contumaz que não tem padrões morais, não é?

— Entramos nessa juntos. Não adianta tentar jogar a culpa em mim.

— Tudo bem, eu errei. Mas posso começar a consertar isso agora, não encorajando meus pais a pensarem que isso vai dar em algum lugar. Só preciso da sua cooperação!

— Por que essa pressa toda, Katy? — Bruno perguntou com frieza. — Ninguém mencionou nenhuma data de casamento.

— Não é essa a questão. Ninguém mencionou por enquanto, Eles vieram aqui para conhecer você e, agora que passou na inspeção, não vai demorar muito até que comecem a me dar sugestões sobre convites de casamento, igrejas e vestidos de noiva. — Katy franziu a testa pensando na possibilidade de essa farsa durar tanto tempo, e que teria de continuar a ver Bruno, estar com ele, sair com ele, deixá-lo tocá-la quando a situação exigisse uma demonstração de afeto, sabendo que o toque nada significava para ele, embora significasse tudo para ela. Cada segundo em sua presença fazia com que o amor de Katy crescesse e a enredava cada vez mais na teia que se formava à sua volta.

Podia sentir o hálito morno de Bruno em seu rosto, a proximidade dele como uma terrível febre contra a qual seu sistema inumológico não tinha defesa. Sentia um perigoso excitamento causado por sua poderosa presença masculina.

— Meus pais são pessoas antiquadas — continuou, desesperada. — Não vão entender a finalidade de um noivado, a não ser que se marque uma data para o grande evento! E Joseph também não. Sei que ele está se recuperando bem, mas ainda se sente vulnerável. Deve pensar que não tem mais muito tempo e que o afilhado deveria se casar logo. Já pensou nisso?

— Na verdade, estou pensando em várias coisas. Havia frieza na voz dele, o que fez um calafrio descer pela espinha de Katy.

— Uma dessas coisas seria isso que eu estava falando? — ela perguntou, nervosa. A ameaçadora proximidade de seu rosto fazia seu coração bater como um pássaro aprisionado dentro dela.

— Estou fazendo uma ligação entre o que você disse ontem e o que está me dizendo agora.

— O quê? O que foi que eu disse ontem? — Katy franziu a testa e tentou se lembrar, porém, como não sabia do que se tratava, era impossível imaginar quaisquer trechos de conversa que lhe dessem uma pista quanto ao que ele queria dizer.

— As roupas. As roupas com que resolveu ficar porque de repente percebeu que vieram em boa hora. A garota tímida e de voz hesitante, com vestidos largos de estampa floral, sentiu-se confiante e viu que um guarda-roupa de classe pode ajudar a agarrar um homem. Não foi você mesma quem disse isso? E por que esperar para colocar isso à prova? Posso ver por que esse noivado de mentira começa a deixar você nervosa de repente...

— Pode pegar suas roupas de volta!

— Como é passar de jovem inocente a uma mulher à espreita, Katy? — Bruno olhou sua face ruborizada. A idéia de ela sair pela cidade, balançando os quadris e olhando os homens com aquele ar sexy de inocência provocante, fez com que fosse tomado pela raiva inesperada de um ciúme que jamais sentira e com o qual não sabia lidar.

— Sua atuação como a jovem com medo de perder a virgindade foi muito convincente. Penso nisso agora e me pergunto se você estava mesmo com medo. Talvez tivesse seus planos... É isso, Katy? Você tem planos de me usar? Tem de admitir que sou uma ótima presa...

— Planos de usar você? Para quê? Bruno a interrompeu, de forma agressiva.

— Você tem vinte e três anos. Talvez tenha decidido que era a hora certa para perder a virgindade. E quem melhor do que um solteiro cheio de dinheiro? — Olhando para a espantada Katy, que tinha os olhos esbugalhados, Bruno sabia que estava sendo completamente implausível. Estava perdendo o controle, e isso o estava deixando louco. Não conseguia esquecer a imagem de Katy rindo com um outro homem, a quem mostraria os olhares tímidos que dera a ele, tirando a roupa, indo para a cama...

Ele se afastou de Katy e lutou para se recompor.

— Não sei do que está falando — disse Katy, contorcendo os dedos sem parar e se dirigindo para um dos sofás, onde ele se afundara. — Não quero nada de você — ela disse, desconsolada. — Não entendo como pode tirar essas conclusões. Acontece que estamos numa situação peculiar. Quero dizer, se não fosse por Isobel e a necessidade de ela se vingar, nós sequer estaríamos aqui! — Ele estaria na cama de outra mulher, pensou, e ela estaria se recuperando da decepção que ele lhe causara.

— Não, claro que não estaríamos — disse Bruno, de forma ríspida.

— Não admito que diga que sou uma oportunista. — Katy sentiu a necessidade de esclarecer a situação. — Não planejei perder... bem, fazer amor com você... apenas aconteceu, e não me importa quanto dinheiro você tem. Estou chocada. Eu nunca entraria num relacionamento por causa de dinheiro. Essa é uma acusação injusta. — Katy podia sentir as lágrimas que teimavam em encher seus olhos e lutou para não chorar. Cair no choro deixaria Bruno furioso.

— Tudo bem, peço desculpas — disse Bruno, ficando vermelho.

O pedido de desculpas apenas aumentou sua vontade de chorar. Katy engoliu as lágrimas, sensibilizada, e Bruno, com um suspiro de frustração, se inclinou e a puxou para junto dele. Suas mãos acariciaram os cabelos de Katy e encostou sua boca na dela, abrindo seus lábios com furor.

Podia sentir a maciez dos seios pequenos contra seu peito e, com um sussurro, colocou as mãos sob a blusa de Katy e abriu o fecho do sutiã, libertando os seios.

— O... que... está fazendo? — Katy murmurou, trêmula. As grandes mãos de Bruno cobriam-lhe os seios e ela tremeu de intenso prazer quando os polegares dele acariciaram seus mamilos, fazendo-a querer gritar de desejo.

— O que nós estamos fazendo, você quer dizer...

— Não devia estar me tocando assim... Não faz parte, do trato...

— Então por que está correspondendo? — Ele levantou a blusa para ver o que estava fazendo, e sua respiração acelerou quando percebeu a excitação de Katy. Os mamilos estavam avolumados e escuros, os bicos pedindo que não parasse. — Quero sugá-los — murmurou gentilmente. — Você quer?

— Quero... — Ela sabia o que queria. Ou, pelo menos, pensou que sabia. Queria que Bruno impusesse distância entre eles, queria se afastar dos sentimentos que a estavam controlando. Katy olhou fundo nos olhos de Bruno, negros e brilhantes, e o protesto morreu em sua garganta. Em vez de se afastar e proibi-lo de tocá-la, ela se curvou levemente para cima, encostando um seio contra a boca de Bruno.

O toque da língua molhada contra seu mamilo intumescido era quase impossível de suportar, tamanha a excitação. Ele passou a língua sobre o bico de forma delicada e, quando não agüentava mais, passou a sugar o seio, ficando loucamente excitado pelas reações dela.

Ouviram o som de passos e vozes que se aproximavam, e Katy afastou Bruno, agitada. Conseguiu estar arrumada quando seus pais entraram na sala com as malas prontas. Joseph oferecera o motorista para levá-los à estação, e a mãe achou que era uma boa idéia, especialmente porque Katy e Bruno sairiam mais tarde.

Parecia uma ótima idéia para Katy também. Normalmente, gostaria de ir à estação, mas, desta vez, sabia bem o que significava estar junto a seus pais.

Assim, não houve menção à data do casamento. Ainda. Mas sua mãe lhe lançara um olhar significativo quando entrou na sala, por pouco não os pegando em flagrante.

Katy, Bruno e Joseph se despediram na entrada da casa. Bruno, fiel ao acordo, circundava a cintura de Katy com o braço. Logo que o Range Rover desapareceu e Joseph entrou na casa, Katy se liberou do abraço.

Ela não conseguia olhar para Bruno, embora sentisse sua presença bem perto, sem dizer uma palavra, as mãos enfiadas nos bolsos.

Parecia hipócrita começar um discurso sobre ater-se ao acordo e só fazer o que era necessário, pelo tempo necessário, quando pouco antes estivera nos braços dele.

— A que horas temos de sair hoje à tarde? — perguntou numa voz desinteressada, mantendo-se distante e ainda sem olhar para Bruno. Em vez de lhe dirigir o olhar, brincava com as pedrinhas no chão, chutando-as com a ponta do sapato.

— O carro chega às 17:3O. Fale logo.

Katy olhou para Bruno e corou.

— Esta noite será um completo fiasco se você ficar em silêncio, então sugiro que me diga o que está pensando e seja totalmente sincera. Abra o jogo.

— Você sabe o que estou pensando. — Katy ficou imaginando se o que ele chamava de "completo fiasco" era ela não se mostrar preparada para uma atuação digna de um Oscar como uma mulher apaixonada ante o grande público.

— Está se martirizando porque nos tocamos, não é? Katy concordou com a cabeça e cruzou os braços.

— Bem, não vou perder meu tempo tentando falar do seu gigantesco complexo de culpa — disse Bruno com a fala arrastada e olhando-a com uma expressão imperscrutável. — Então vamos colocar toda a culpa nos meus ombros. Se bem me lembro, eu a puxei sobre mim e comecei a beijá-la. Isso não vai acontecer novamente.

— Não vai? — Por alguma razão, essa afirmativa de Bruno a deixara desapontada, mas Katy conseguiu disfarçar de uma forma que esperava parecer um grande alívio.

— Não vai.

— Isso significa que não me quer mais?

Bruno sorriu de forma safada, porém manteve uma distância respeitosa.

— Eu nunca disse isso. Mas não vou lhe encostar um dedo se for para você ficar angustiada. Isso não quer dizer que não vou agarrá-la se você decidir dar o primeiro passo.

O desapontamento deu lugar a um entusiasmo bobo, mas Katy se lembrou das mil e uma desvantagens da oferta que ele lhe fazia.

— Bem, eu não darei — Katy disse. — Seria uma idiotice, uma imprudência. — Pensava em dormir com ele muitas e muitas vezes sem se enredar em nós emocionais. Pensava em não se preocupar e apenas aproveitar o momento. Imaginava como seria se quebrasse as próprias regras.

Antes que pudesse começar a pensar essas coisas em voz alta, Katy voltou para a casa, sabendo que ele estava bem atrás.

— Nós nos encontramos no hall? Às 17:30? — ela sugeriu.

— Está se sentindo melhor depois da nossa conversa?

Katy deu de ombros.

— Vou me sentir melhor quando a noite tiver terminado. — De repente, ela perguntou: — Quando vai voltar para Londres, Bruno? Não consigo imaginar você preso aqui, mesmo com um noivado falso.

Os olhos de Bruno se apertaram e ele olhou para ela, pensativo.

— Vou pensar numa solução. Tenho de ir à cidade, então não estarei aqui para almoçar.

— Aonde você vai? — Katy disse de repente, sem pensar, enrubescendo.

— Tenho um encontro secreto com uma loura fogosa — ele disse pausadamente.

Katy ficou boquiaberta, confusa. Levou alguns segundos para entender que Bruno estava implicando com ela e lançou-lhe um olhar feroz.

— Muito engraçado.

— Ficou com ciúmes?

— Lógico que não! Você é livre para.fazer o que quiser.

— Mesmo que estejamos noivos? — Bruno balançou a cabeça com pesar. — Você acha que realmente não tenho princípios?

— Não estamos noivos e tenho certeza de que você não tem qualquer princípio.

Aos poucos, os olhos de Bruno ficaram mais endurecidos.

— Isso poderia levar a uma conversa séria, para a qual não tenho tempo agora. A loura fogosa, na verdade, é uma advogada cinqüentona, que tem escritório na cidade e está cuidando de um caso para mim aqui.

—Tudo bem. — Katy percebeu que fora boba, acusando-o de não ter princípios. Queria se desculpar, mas não sabia bem como e, além do mais, podia ver que Bruno estava com pressa. Já olhara o relógio duas vezes.

Quando se tocavam, ele se tornava uma pessoa diferente. Quase podia acreditar que Bruno sentia alguma coisa por ela. Mas em ocasiões como aquela, em que ele tinha outros assuntos na cabeça, era como se o outro lado dele fosse apenas uma ilusão.

Por isso, Katy sabia que jamais poderia sucumbir e entrar num relacionamento que ele parecia desejar, sem amor, embora de satisfação sexual. Os momentos rápidos e apaixonados na cama nunca compensariam a solidão que sentia quando ele se afastava.

Esta noite, ela pensou mais tarde, quando se vestia para uma festa a que não queria ir... Esta noite falaria com ele seriamente sobre o que deviam fazer para lidar com essa estranha situação. Não podia agüentar aquilo. Não podia suportar a idéia de que ele a desejava e que estaria disposto a ter, por um certo tempo, um caso meramente sexual; nem podia ficar ao seu lado fingindo, sem saber quando ele terminaria tudo.

Bruno teria de pensar em soluções práticas, ela decidiu enquanto se demorava com a maquiagem, pois tinha medo de parecer uma exagerada atriz de filme B. Caso contrário, ela poria um fim na história. Joseph ficaria decepcionado, assim como seus pais, mas a decepção passaria com o tempo.

Às 17:15, Katy estava pronta e se levantou para se olhar no espelho.

O que viu refletido era nada menos que uma total transformação.

Ganhara mais de sete centímetros de altura graças a delicadas sandálias creme. Sua magreza agora não parecia falta de feminilidade, e sim elegância, com o vestido abaixo do joelho, na moda, justo na cintura e no busto, revelando ombros delicados e um pouco do colo realçado pelo sutiã. Prendeu o cabelo, coisa que raramente fazia, porque dava muito trabalho mantê-lo com grampos, deixando cachos à volta do rosto. Seus olhos pareciam enormes.

Com um brilho travesso nos olhos, Joseph inflou o ego de Katy com generosos elogios, dizendo que esperava que conseguissem chegar a Londres, já que Bruno iria achá-la muito tentadora e interromperia a viagem.

— Isso é improvável — Katy replicou — com um motorista no banco da frente. O que Bruno faria com ele? Ia prendê-lo na cabine? — Ficou preocupada com a reação de Joseph quando descobrisse que não estavam mais noivos.

Katy ainda estava imersa em sonhos quando despertou, às 17:30, e a primeira coisa que viu de Bruno foram os sapatos. Feitos à mão, de couro preto de boa qualidade. Os olhos de Katy subiram, olhando seu smoking, todo preto, que fazia conjunto com a camisa imaculadamente branca, traje completado por uma gravata borboleta preta.

— Uau — ela suspirou, boquiaberta, e ele ergueu as sobrancelhas, satisfeito.

— Idem.

Bruno estava fabuloso. Sempre estava. Agora, entretanto, naquele traje formal, deixava Katy de boca seca.

— Sim, você irá ao baile — ele disse, com a voz arrastada, oferecendo-lhe o braço.

— E quando der meia-noite? — Katy perguntou suavemente, pensando na fria realidade que esperava por eles logo ali na esquina.

— Esteja certa de deixar a sandália para trás, para que eu possa seguir a pista.

Não estava preparada para a confusão que foi a chegada no Royal Albert Hall. A viagem até Londres tinha se passado em relativa harmonia. Tinham evitado assuntos delicados. Ela, por estar economizando seu desconfortável discurso para mais tarde, e ele, Katy pressupôs, porque qualquer coisa que o irritasse possivelmente arruinaria o que ele antevia como um quadro público de sua união.

Katy convencera-se de que seria possível escapulir até a entrada sem ser vista por muitas pessoas.

Não pensara em fotógrafos esperando os passageiros dos carros que chegavam. Saiu do carro com motorista e deparou-se com o clarão das câmeras pipocando e os jornalistas se acotovelando para conseguir a melhor foto por detrás do cordão de isolamento.

Instintivamente, procurou a mão de Bruno, acalmando-se quando ele respondeu com um suave aperto que era o gesto exato para deixá-la mais à vontade, fazendo-a ter vontade de deixar sua mão ali, mesmo depois de terem ultrapassado a passarela e entrado no impressionante prédio.

Começou a perceber que Bruno Gianella era muito mais importante do que ela jamais imaginara. Era reconhecido por um enorme número de pessoas que o cumprimentavam e falavam com ele com deferência. Logo percebeu que ele era alguém que muitos se preocupavam em agradar. E uma vez que ela viera como parte do pacote, também eram educados com ela. Katy duvidava que qualquer uma dessas pessoas sequer a olhasse em outra circunstância. Não se espantava que ele fosse tão hábil em manter aparências, em não ser visto como grosseiro sob qualquer aspecto.

— Nunca imaginei que você fosse tão... importante... — ela murmurou, quando finalmente sentaram.

Bruno, com o braço no apoio entre eles, inclinou-se em direção a ela.

— Você teria se comportado de maneira diferente? — perguntou com algum interesse, virando-se para olhá-la.

— Lógico que sim! Teria tentado evitá-lo ainda mais quando viesse visitar Joseph! — Sua respiração parou na garganta ao ver o sorriso de pura diversão que iluminou o rosto dele.

— Fico pensando por que acredito em cada uma dessas palavras... — ele murmurou, olhando em direção às luzes que diminuíram quando a orquestra começou a tocar.

Tudo naquela noite foi mágico e impressionante. A multidão estava repleta de rostos famosos. A apresentação foi maravilhosa. Isso tudo se somou, criando um espetáculo que Katy sabia que devia guardar na memória, pois nunca mais se repetiria.

Quase se sentiu uma traidora, confidenciou a Bruno quando a noite finalmente terminou e todos foram aguardar seus carros de luxo, dirigidos por motoristas.

— Por que acho que você vai fazer uma observação tola quanto a não ser boa o suficiente para estar aqui?

— Bem... — Katy olhou à volta, para as pessoas bonitas em suas roupas perfeitas de grife — ... talvez porque seja verdade.

—- Você é muito melhor que a maioria das pessoas aqui — ele afirmou numa voz convincente. — O que está vendo são enfeites caros. — Deu de ombros e olhou à volta com ar de desdém. — No fundo, não valem nada.

— Sei que está dizendo isso apenas para eu me sentir melhor —- disse Katy, tão apaixonada que chegava a doer — mas obrigada de qualquer forma. — Sorriu para ele, mal sentindo a friagem da noite nos braços e sem se dar conta dos fotógrafos que ainda estavam por ali à espera de possíveis fotos de última hora.

Certamente não se apercebeu da mulher alta e loura que vinha em direção a eles, com um homem também louro grudado a seu lado.

Na verdade, Katy só percebeu a presença de Isobel quando a voz familiar e cortante quebrou o momento de felicidade para cumprimentar o feliz casal.

Katy piscou e viu Isobel olhando-a fixamente, com um olhar duro e satisfeito, mas, antes que tivesse tempo de abrir a boca, Bruno estava respondendo, com uma frieza letal e calma, aceitando os cumprimentos como se fossem sinceros, rindo no momento em que disse à loura que romper com ela fora a melhor coisa que já tinha feito.

Um ar de pura raiva cruzou o rosto de Isobel e ela moveu o ombro, tirando dali a mão de seu acompanhante.

— É mesmo? Conheço você o suficiente para saber que esse noivado lhe foi imposto. — Ela riu. — Não poderia ser visto como um mulherengo sem consciência com uma idiota saída do nada, não é? Um homem na sua posição?

Katy sentiu a raiva crescer em Bruno, embora, ao falar, a voz estivesse totalmente sob controle.

— Não pode estar mais enganada, minha cara. Este noivado é de verdade...

— Então não vai se importar de marcar a data?

— De forma alguma. — Fez um sinal com a cabeça a um dos fotógrafos aglomerados e então, enquanto Katy o olhava boquiaberta, disse com total segurança e numa voz para ser ouvida por qualquer pessoa interessada que estivesse por perto: — Gostaria de informar que serão cordialmente convidados a cobrir o meu casamento com... — ele ergueu a mão de Katy e a beijou — ...esta maravilhosa criatura no mês que vem. Acertaremos os detalhes antes do final da semana.

Muitos outros fotógrafos se aproximaram para ouvir o anúncio.

A última visão que Katy teve deles foi de quando tiraram fotos dela rapidamente, antes de Bruno se inclinar e beijá-la de forma apaixonada.

 

Katy ficou em estado de choque pelos dez minutos seguintes. Vinham-lhe imagens à mente de repórteres aproveitando o anúncio inesperado e enchendo-os de perguntas, que Bruno driblou com seu charme usual, de Isobel desaparecendo ao fundo, e do rosto lindo de Bruno encarando-a antes de conduzi-la até o carro que os esperava.

Só percebeu que estava tremendo quando bateram a porta do carro, que começou a andar. Virou-se lentamente para Bruno, que a observava com olhar cuidadoso.

— Acho que acabo de ter um pesadelo — foi tudo o que conseguiu dizer.

— Não estava sonhando. — O carro era equipado com uma divisória que garantia a confidencialidade das conversas no banco de trás. — Continue dirigindo, Harry, até eu mandar parar.

— Para onde, senhor?

— Para onde quiser. Até Brighton e depois de volta, sei lá. — Fechou a divisória de vidro e puxou a cortina para que pudessem ter total privacidade.

— Por favor, diga que o que acaba de acontecer não aconteceu de verdade — implorou Katy, retirando as sandálias de salto altíssimo e colocando um dos pés sob o corpo ao girar, ficando de frente para Bruno.

— Não posso fazer isso.

— Tem idéia do que acaba de fazer? — Bruno baixou os olhos tão calmo que ela quis socá-lo. — Como pôde fazer isso? Como pôde?

Bruno a fitou e parecia contemplar algo. Naquele momento, Katy não estava nem um pouco curiosa para saber o quê. Sabia apenas que o homem sentado ao seu lado, tão perto que podia tocá-lo, os envolvera numa seqüência de acontecimentos da qual seria praticamente impossível escaparem.

— Não fique histérica — ordenou, sereno, o que piorou a situação.

— Não fique histérica? Como espera que eu fique, Bruno? Meu Deus do céu! — Apoiou a cabeça nas palmas das mãos e apertou os olhos durante alguns segundos. — Como vamos sair dessa agora? Já era difícil o bastante com um noivado, mas ao menos era uma coisa que podíamos cancelar. Mas casamento! Não, ainda não estamos casados. Não teremos de passar pela situação de termos de nos livrar de um casamento. Teremos de torcer para que as pessoas esqueçam o que você disse. É, isso mesmo. Daqui a um mês, ninguém vai se lembrar dessa história de marcar a data do casamento.

Katy voltou a pensar em toda a atenção que haviam dado a Bruno, na enorme quantidade de pessoas que ele parecia conhecer, no interesse dos repórteres nele apesar de haver dezenas de outras pessoas famosas chegando para o evento. Sentiu o coração apertar. No dia seguinte, os tablóides anunciariam com alarde a ridícula declaração sobre o casamento dali a um mês, e seus pais e Joseph seriam os primeiros a telefonar para dar os parabéns. Os pais ficariam chateados por ela não lhes ter contado antes sobre a data, mas esqueceriam diante da alegria de ver sua menininha se casando.

Soltou um suspiro profundo diante da aparente inevitabilidade da situação.

— Como pôde deixar aquela mulher levá-lo a dizer aquilo, Bruno? Como pôde?

— Ninguém me leva a dizer coisa alguma — disse Bruno tranquilamente, com o rosto corando, mas Katy estava a quilômetros de distância, sentindo a teia imaginária envolvendo-a cada vez mais.

— Hoje de manhã mesmo, estávamos planejando como faríamos para preparar Joseph e meus pais, e agora...

A enormidade do que esse "agora" abrangia era tão atordoante que, por alguns instantes, Katy não conseguia encontrar as palavras. Seus olhos se perderam no vazio, sem enxergar Bruno, e ela viajou para um futuro não muito distante em que Joseph, de coração partido, e também seus pais, arrasados, eram os protagonistas.

— Imagino que esteja esperando um pedido de desculpas — comentou Bruno com voz entrecortada, trazendo Katy de volta. Ela o olhou, incrédula.

— Desculpas? Por que eu ia querer desculpas? Prefiro uma explicação! Agora mesmo é que estamos fritos, Bruno!

— Estamos?

— Você sabe que sim! — Ela o observou se afastar e cruzar as mãos atrás da cabeça, com aqueles olhos divinos fixos na divisória à sua frente.

— Por quê? — indagou, numa voz quase inaudível, e Katy inclinou-se na direção dele, se perguntando se ouvira direito.

— O que quer dizer? — perguntou, intrigada. Se não tivesse estado o tempo todo com ele, seria capaz de suspeitar que Bruno bebera demais e estava dizendo coisas desconexas.

Seguiu-se um pesado silêncio, cujo significado ela não era capaz de decifrar.

— Estamos noivos. Então, por que não devemos nos casar?

A sugestão era tão estapafúrdia que ela engoliu o ar como se estivesse sufocando.

— Quero dizer — prosseguiu Bruno, sem olhar para Katy — que não se pode negar que nos damos bem e que nos sentimos atraídos um pelo outro. O sexo é um aspecto fundamental de um casamento bem-sucedido, você sabe. Sexo bom e uma boa convivência. E você tem de admitir que Joseph e os seus pais ficariam muito felizes.

Levou alguns minutos até que Katy entendesse o que estava acontecendo. Sem envolvimento emocional, Bruno podia considerar o casamento com ela como um desfecho aceitável para a farsa idiota que haviam criado. Afinal, ele mesmo dissera que estava na hora de se casar. Isobel fora cogitada para a posição, mas não tinha dado certo. Agora, ali estavam eles, na situação perfeita para passarem de um noivado fajuto para um casamento sem amor, mas muito conveniente, que preenchia os requisitos essenciais para agradar ao padrinho. Como ele dissera, sentia atração por ela e gostava dela o suficiente. O amor não entrava nessa equação, pois, para ele, simplesmente não existia.

As bochechas de Katy ficaram rubras, e ela sentiu uma raiva brutal invadi-la.

— Você costumava dizer que eu o irritava quando não olhava para você quando falava comigo — disparou, num comportamento do qual nunca imaginou que seria capaz. — Eu agradeceria se olhasse para mim agora!

Bruno obedeceu e se virou, e uma curva fez com que ficassem perigosamente mais próximos um do outro.

— Já passou pela sua cabeça em algum momento que posso não partilhar das suas... idéias super-românticas em relação ao casamento ideal? — Katy cerrou os punhos. — Pode não acreditar, mas não quero entrar na igreja e dizer "Aceito" a um homem que só gosta um pouquinho de mim e que, neste momento, se sente fisicamente atraído por mim! Sem falar que a atração pode acabar a qualquer momento! Não quero me casar porque você acha conveniente e porque vários parentes iam gostar se nos casássemos! Como pode ser tão arrogante e convencido a ponto de imaginar que eu concordaria com seus planos? Não sou a Isobel, fique sabendo!

— Eu sei — ele disse com doçura, o que foi suficiente para confundi-la por um instante, mas não por muito tempo, pois logo voltou a pensar sobre o assunto. — Não se parece em nada com Isobel — continuou Bruno com a mesma voz desconcertante. — E não se parece com nenhuma das mulheres com quem saí em toda a minha vida. Você é única. Não sabia o quanto até que comecei a passar mais tempo com você e me acostumei com seu modo de pensar, falar e sorrir.

— Não vai me convencer a levar adiante seu plano idiota. — sussurrou Katy, mas as palavras de Bruno sem dúvida estavam tendo um efeito delicioso sobre seu sistema nervoso.

— Não estou tentando convencê-la. Estou apenas dizendo a verdade. — Passou as costas da mão no rosto ruborizado de Katy, e ela teve de controlar a vontade de se jogar sobre ele. — Passei toda a minha vida adulta saindo com mulheres que sabiam as palavras certas e a roupa certa para qualquer ocasião. Quando Joseph ficou doente e tive de vir para o campo, achei que ficar perto de uma pessoa nervosa como você ia me deixar maluco. Eu estava enganado. Comecei a me sentir transportado por uma estrada mágica e misteriosa e gostei da sensação.

Katy tentou não ceder à sensação que as doces palavras de Bruno lhe causavam.

— Acabei imaginando como você era...

— Como eu era?

— Por baixo das suas roupas de camuflagem — completou, fazendo-a corar ainda mais.

— Um dos motivos pelos quais convidei Isobel para ir até lá era para tentar me livrar das fantasias que começava a ter com você. De certa forma, foi a melhor coisa que fiz, porque vê-la ao seu lado me convenceu de que ela não era a pessoa certa para mim.

Katy deu um suspiro profundo, estremecendo. .

— O que não significa que eu seja — disse ela. — Certo, você gosta de mim. Não sou a idiota completa que tinha imaginado. — Franziu a testa e distraiu-se com a constatação do fato de que era bem estranha em comparação a todas as mulheres com quem ele saíra no passado. Pelo menos, não a achava uma idiota, o que já era um consolo. — Mas, para mim, casamento envolve mais do que gostar de alguém. Envolve amor. Não entende? O que está descrevendo é um casamento que não seria desastroso, mas que também não teria... paixão. Seria sem graça.

Embora nunca pudesse ser sem graça para ela, que lhe dedicaria todo o seu amor, o que tornaria tudo ainda mais difícil de suportar, não é?

Bruno desviou o olhar e balançou a cabeça, como se tentasse esvaziá-la ou se convencer de algo.

— Isso já não seria um começo? — perguntou, aflito. — Quero dizer... Você poderia aprender a... me amar, não poderia?

A hesitação na voz de Bruno causou-lhe uma súbita confusão.

— Aonde está querendo chegar?

— Estou tentando lhe dizer que... para mim, não é um casamento de conveniência. Não seria. Pelo menos, não para mim.

— Não estou entendendo o que quer dizer.

— Vocês mulheres não são intuitivas? — perguntou Bruno numa voz quase suplicante. Lançou-lhe um olhar de frustração por entre os longos cílios e a fez sorrir.

— Não era de se esperar que Bruno Gianella fosse destemido? — perguntou Katy.

— Supostamente — respondeu, com um sorriso relutante. — A não ser pelo fato de que estou com medo porque a amo e quero me casar com você, e quero convencê-la a fazê-lo mesmo que não me ame. Pode vir a me amar. É só dar tempo ao tempo.

Katy ouviu o canto de anjos. Bruno a amava. Sua boca se abriu num sorriso largo, e ela ria feito boba.

— Você acabou de dizer que me ama.

— É verdade. Eu amo você. Adoro você. Chame do que quiser.

— Mas quando? — Ela prestava atenção a cada palavra e queria prolongar a confissão que a levou até a lua.

—- Foi crescendo dentro de mim — admitiu Bruno.

— Num momento, eu me perguntava se você seria capaz de desempenhar as tarefas mais simples ao computador, e no outro, só tinha olhos para você e fazia de tudo para passar o máximo de tempo em sua companhia.

Aquilo era música para os ouvidos. Katy suspirava extasiada.

— Esse tempo todo — murmurou — eu amava você e pensava que nunca sentiria o mesmo por mim..,

Bruno acalmou-se e sorriu.

— Ia desistir da nossa relação mesmo me amando?

— Acariciou o rosto de Katy e a puxou com carinho para perto dele, de modo a poder tocar os lábios ligeiramente abertos de Katy com os seus.

— Nunca pensei que pudesse amar alguém como eu — ela desabafou. Agora tinha vontade de chorar.

— Meu lenço está a postos — disse Bruno, lendo o rosto dela e sorrindo com tanta ternura que as lágrimas secaram.

— Fico imaginando o que teria acontecido se Isobel não tivesse feito aquilo, se não tivesse corrido para a imprensa e inventado uma história a nosso respeito, se não tivéssemos fingido o noivado. — Era um pensamento sombrio.

— Sim, o destino age de forma misteriosa. — Bruno recostou-se na porta e a puxou ao seu encontro, o que não era fácil, tendo em vista o vestido comprido de Katy.

— Eu devia ter raiva de Isobel — disse Katy, erguendo o rosto. Estava meio deitada, com as costas coladas ao torso de Bruno. Gemeu baixinho quando ele deslizou a mão por baixo do vestido, subiu pelas pernas e a pousou entre elas. — Mas não tenho, porque amo muito você, Bruno. — Ele acariciou o local onde estava sua mão, e ela se sentiu umedecer com o toque dos dedos sobre a calcinha.

— Meu amor.

— Talvez devêssemos... voltar para o hotel? — Katy sabia que ele fizera uma reserva em algum lugar em Londres. Era incrível pensar que isso nem chegou a preocupá-la, pois calculara que, ao fim da noite, a história entre os dois teria chegado a fim.

— Humm... Acho que não consigo esperar tanto tempo. — Bruno deslizou a mão para dentro da calcinha de algodão. Katy fechou os olhos e contorceu-se enquanto ele a tocava. — Não precisa se preocupar com o Harry — sussurrou. — Ele não pode ouvir nada. Pode fazer o barulho que quiser...

Katy cedeu à voz de veludo, impressionada com a intensidade de seu desejo de fazer amor com Bruno ali, naquele momento. As janelas não permitiam a visão pelo lado de fora, garantindo privacidade total, embora não houvesse necessidade, já que a noite estava um breu. Não estavam mais na cidade, apesar de não ter idéia de onde estavam. Talvez Harry tivesse seguido a sugestão do patrão e os conduzia até Brighton.

Felizmente, o carro era grande. O paletó e a calça de Bruno se juntaram ao vestido no piso, e quando seus corpos nus finalmente se tocaram, foi uma explosão de paixão.

Desta vez, não havia as incertezas que a torturavam, e eles fizeram amor com voracidade, apesar do espaço limitado. Bruno se sentou e ela se sentou sobre ele, adorando a visão de sua boca sugando seu mamilo, e ela controlou seus movimentos até que ele estivesse tão ansioso pelo clímax quanto ela.

Chegaram ao auge juntos, os corpos suados, e Katy repousou o corpo sobre o dele, com um leve suspiro de satisfação.

— Você ainda não respondeu — provocou Bruno. — Quer se casar comigo e fazer de mim o homem mais feliz na face da Terra?

— Como uma garota poderia recusar uma proposta dessas? — murmurou Katy.

— Você vai ser uma esposa perfeita — sussurrou em seu ouvido — e uma mãe perfeita...

Subitamente, Katy se deu conta de que não tinham usado proteção. Sentou-se e olhou para Bruno, aflita.

— Bruno! Posso estar grávida!

—Espero que sim, meu amor. — Sorriu para ela com ar de insaciável. — E se não estiver, bem... "amanhã é outro dia".

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor