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Series & Trilogias Literarias
Estávamos de pé em cima da torre central no novo forte da cidade de Esperas, em Vintro, havia chegado ali trazida por Lórien que depois de ter me deixado no topo da torre, a pedido meu foi buscar minha mãe dentro da fortaleza. Dalí de cima fiquei observando a cidade que foi erguida em menos de um mês por um grupo de magos e dali Lupine, a sacerdotisa dos ventos, controlaria o progresso e o crescimento das cidades e das populações de várias raças que foram levadas para viver em Vintro depois dele ter sido “descoberto”.
Parecia que os céus estavam angustiados com o que estava acontecendo, o dia ficara escuro como a noite e as nuvens pesadas pairavam sobre mim, tão baixas que se eu me erguesse na ponta dos pés, talvez conseguiria tocá-las. Minha mãe chegou trazida por Lórien, a princípio não entendia o porquê de eu não ter ido até ela, mas ao me ver ela mudou sua expressão de surpresa para angústia.
Fiquei imóvel, olhando para frente sem saber ao certo como reagir às palavras que minha mãe disse para mim naquele momento. Não estava triste, mas também não conseguia ver nenhuma alegria, nenhuma esperança, muito menos felicidade naquela notícia. Meu sangue congelou nas veias e senti como se todo o mundo tivesse desabado nas minhas costas. O medo tomou conta de mim, dessa vez não senti medo por mim, mas por outras pessoas que sofreriam com a minha imprudência.
Ewren apareceu no beiral da torre, ele estava pasmo, parecia tão sem reação quanto eu, queria andar até ele e o abraçar, mas meu corpo não respondia aos meus comandos. O que eu vou fazer agora?
1
Novo lar
O calor dos sóis passava suavemente através da cortina fina de renda branca, a luz veio até mim e o calor dos sóis parecia acariciar meu rosto, porém era como se estivessem mirando em meus olhos para me acordar. Espreguicei-me sobre a cama macia, empurrando feroz que estava deitado todo largado aos meus pés, ele bufou e pulou da cama para a poltrona perto da janela espreguiçando-se nela e cravando as garras no estofado macio de veludo cinza, parecia que dividíamos da mesma disposição essa manhã, ou seja, nenhuma. Mesmo com toda minha preguiça, levantei-me feliz pois faltava menos de duas semanas para meu aniversário e quando esse dia chegasse estaria livre de meu castigo e poderia estar com ele, finalmente.
Meu pai, Aeban planejava uma enorme festa para comemorar a data pois seria meu primeiro aniversário ao seu lado, ele havia enviado convites para tanta gente que não haveria espaço em Lótus Vale para todas aquelas pessoas. Minha mãe estava quase sempre radiante aqui em Amantia, sorria o tempo todo, brincava o tempo todo, só fechava a cara quando Ewren se aproximava de mim. Ela não conseguia aceitar nossa relação, havia ficado muito zangada por Ewren ter se casado secretamente comigo sem que eles soubessem, por mais que meu pai a pedisse para que tivesse um pouco de paciência ela ainda tinha dificuldades em nos ver juntos, mesmo que Ewren se comportasse na frente dela, minha mãe ainda ficava nervosa ao vê-lo comigo.
Ewren passava dias longe de Lótus Vale, só para não irritá-la ainda mais, não conseguia entender a implicância dela com ele então para não arrumar confusão, ele não ficava mais comigo dentro da fortaleza, vinha de vez em quando de manhã para tomar café comigo, depois passávamos algumas horas juntos, ele me ensinava preparar antídotos e a criar poções de todos os tipos, mas era muito difícil prestar atenção nas aulas com um professor como ele.
Minha mãe havia nos visto em atitude ligeiramente suspeita na biblioteca e pediu para que ele se retirasse e ela continuaria a aula. Desde aquele dia não havia o visto mais.
Troquei de roupa para ir tomar café com meus pais, amarrei os cabelos num rabo de cavalo bem apertado, hoje teria treino de esgrima com meu pai. Desci as escadas correndo e entrei na sala dele, Aeban e minha mãe estavam sentados na mesa da varanda me esperando.
– Bom dia! – disse sentando-me à mesa com eles.
– Bom dia minha querida! – respondeu meu pai dando-me um beijo na testa.
Minha mãe aparentemente estava irritada esta manhã, ela estava séria e com olhar distante.
– Mãe? Tudo bem? – perguntei enquanto servia-me de um bolinho de chocolate e uma xicara de café.
– Tudo bem! – sua expressão gritava que não estava tudo bem.
– Ewren está no jardim principal, ele vai treinar conosco hoje. – disse Aeban para mim. Senti meu rosto se iluminar, minha mãe endureceu imediatamente.
– Aeban... – ela começou a ficar vermelha.
– Mãe, para com isso! Ewren não fez nada de mal! – pude sentir sua energia me alcançar.
– Fora as vezes que ele te colocou em risco... Às vezes que quase te matou... – ela ia começar a falar a longa lista novamente, revirei os olhos brincando com uma faca.
– Lupine! – meu pai falou alto o nome dela, ela ficou em silêncio encarando-o. – já disse, eu lido com eles, você já fez sua parte! – ficamos em silêncio nos olhando por um tempo ates de sair da mesa, o clima aqui era tão pesado que a gravidade trabalhava de forma diferente quando o assunto era Ewren. Sai com meu pai a caminho do jardim.
– Pai, por que ela odeia tanto o Ewren? Ele não é filho da melhor amiga dela? – perguntei cuidadosamente enquanto caminhávamos pelos largos corredores da fortaleza.
– Não é que sua mãe não goste dele Leona, ela não gosta dele com você! – disse sorrindo gentilmente para mim, revirei os olhos, era a mesma coisa que não gostar dele.
– Por que? – perguntei irritada.
– Por que ela sabe o tipo de pessoa que ele foi, antes quando nós éramos jovens, a fama ruim dele sempre chegava a nós, Ewren nunca foi a melhor pessoa do mundo, mesmo antes de ir para o exército e ter aquele...Imprevisto ele já arrumava problemas para Arin.
– E por que você não implica com ele também?
– Porque eu não estive presente enquanto você crescia, não posso chegar agora e querer impor à você minhas regras e porque eu acho que todos merecem uma chance de se redimir, afinal todos cometem erros e todos precisam de uma nova oportunidade para provar suas intenções. – ele me encarou com aqueles seus olhos verdes, era muito difícil de acreditar de alguém com uma aparência tão jovem e bela poderia ser realmente meu pai – E como já lhe falei, tenho a habilidade de ver as memórias das pessoas apenas tocando nelas. Sei que ele não tem más intenções!
– Queria que ela pudesse ver a mente dele também! – resmunguei.
– Na verdade ela pode, até você pode! – disse ele sorrindo.
– Como? – perguntei olhando-o espantada.
– Da mesma forma que Lórien lhe passou suas habilidades. – ele tocou na marca em minha testa com o dedo – O terceiro olho místico que os magos possuem, por ele pode transferir memórias, habilidades e até enxergar a mente de outras pessoas.
– E por que ela não faz isso? – quis saber, já que havia uma maneira de melhorar o relacionamento deles.
– Ela não confia, acha que ele pode lhe mostrar memórias ou pensamentos alterados. – disse ele inspirando profundamente.
– E como o senhor confia nele sabendo que ele pode fazer isso? – Ele me encarou e estreitou os olhos.
– Minha habilidade é diferente, eu posso tomar memórias perdidas, assim como fiz com Emma. – Suas palavras fizeram-me arrepiar não sei porque.
Chegamos ao jardim principal, o clima estava agradável naquela manhã, os sois faziam as cores das flores ficarem mais vivas, as árvores que circulavam os canteiros de ervas medicinais estavam carregadas de flores e pequenas frutas e liberavam um doce perfume no ar. Ewren estava sentado próximo a uma pequena árvore cheia de flores azuis, estava tão lindo, seus cabelos negros estavam trançados, caindo para o lado, ele estava olhando em minha direção com um sorriso no rosto. Tive que me segurar para não correr até ele, meu pai se afastou para ir buscar as espadas, Ewren me puxou pela cintura, me dando um longo beijo como se tentasse compensar o tempo que não nos víamos.
– Por que demorou tanto a aparecer? – perguntei ainda me segurando nele.
– Prefiro evitar os conflitos até que chegue a hora.
– E quando vai ser essa hora? – perguntei bufando.
– Daqui a duas semanas, a meia noite. – disse ele me beijando de novo e parando para sussurrar em minha orelha – eu vou te dar um presente de aniversário muito especial e inesquecível, mas antes disso, não vou tocar mais em você! – ele saiu de perto de mim e pegou sua espada, pisquei perplexa e fiquei olhando-o incrédula. Aeban chegou trazendo minha espada e a dele.
– Hoje vamos tentar alguma coisa diferente, você vai ter que conseguir lutar com nós dois ao mesmo tempo! – senti um frio passar por minha espinha. Ewren estava com aquele sorriso assustador, sabia que ele não iria me dar nenhuma chance hoje (em todos os sentidos da palavra, hoje eu não teria nenhuma chance)
No começo era quase impossível desviar dos ataques deles, depois de algumas tentativas, percebi que os dois tinham um padrão próprio de ataque, Ewren depois de oito ataques fazia uma pequena pausa para mudar a espada de posição e Aeban rodava as espadas no punho por um instante, eram suas brechas. Aeban havia feito eu perder todas as habilidades que Lórien passou para mim, pois cada guerreiro tinha que ter sua própria identidade em batalha e eu não poderia ter as habilidades iguais as dela.
Quase duas horas de treino para eu finalmente começar a defender os ataques deles sem eles terem que parar as espadas com medo de me acertar. Quando meu pai saiu de perto para ir atender um mensageiro do exército de Górtia que estava esperando por ele do outro lado do jardim, Ewren aproveitou a oportunidade para me testar.
– Quero ver se sem ele aqui para me impedir de usar força, se você vai conseguir se virar! – dizendo isso, sem mais nem menos ele brandiu sua espada contra mim em uma velocidade surpreendente, fazendo o ar se deslocar em volta de nós quando as espadas se chocaram, fiquei de joelhos com a força que ele usou para me acertar.
– O q... – ele puxou a espada, fazendo a minha quase cair da mão e girou rapidamente parando-a a milímetros de meu quadril.
– Você precisa aprender rápido! – ele começou a atacar várias vezes seguidas até que eu pegasse o jeito novamente para defender e conseguir atacar ao mesmo tempo, ao que parecia, eu não tinha nenhuma habilidade com espadas, talvez devesse mudar de arma.
– Ewren! – meu pai gritou quando voltou, vendo a velocidade dos ataques dele contra mim.
– Quer tentar também, sogro? – provocou ele girando a espada na mão encarando Aeban, que sacou sua espada e o atacou também, Aeban era habilidoso, mas não tinha a velocidade de Ewren.
Ewren o atacava com a mesma velocidade e força que estava contra mim. Aeban não o deixou acertar nenhuma vez, porém quando eles finalmente pararam, ele estava bufando enquanto Ewren e eu nem havíamos cansado. Para mim, parecia que ele estava fingindo cansaço.
– Por hoje acho que é o suficiente! Estou começando a ficar velho demais para isso! – disse bufando – Preciso ir resolver alguns problemas... – disse ele por fim depois de algum tempo retomando o fôlego. – não demore aqui fora, Leona, se não sua mãe vai vir atrás de vocês como um cão perdigueiro, você sabe! – ele esticou as costas e se afastou em direção ao castelo, nos deixando a sós novamente.
Ewren me seguiu até um pequeno lago artificial no canto esquerdo do jardim, sentou-se encostado na árvore então sentei-me ao seu lado, encostando minha cabeça em seu ombro e suspirei, estava cansada e com calor.
– Estou partindo para Vintro com Aeban e o exército de Górtia hoje. – disse Ewren sem rodeios.
– O que? Como assim? – meu coração saltou enquanto tentava entender o que ele estava dizendo.
– Vou ajudar a treinar o exército da guarda que vai monitorar Vintro, e antes que você pense em reclamar ou dizer alguma bobagem, você não vai, vai ficar comportada aqui até nós voltarmos!
– Por que você vai? O que é isso agora? – fiquei nervosa, não queria ficar sozinha em Lótus Vale.
– Existem muitas desvantagens de ser casado com a filha do general de um exército no qual servi séculos atrás... – ele sorriu – faço parte do exército de Lótus Vale agora, tenho a obrigação de cumprir com meus deveres, ainda mais agora que preciso provar que estou andando na linha... – ele bufou.
– Não quero que você vá!
– Sinto muito, mas eu preciso ir. – disse ele beijando minha testa.
– Mas você vai estar aqui no meu aniversário? – ele assentiu com a cabeça, sentei em seu colo de frente para ele e o beijei. Ele riu e gentilmente me tirou de cima dele.
– Se sua mãe ver isso, você nunca mais vai me ver! – disse ele olhando em direção ao castelo. Respirei fundo e joguei os cabelos para trás.
– Ela nem vai ver! – disse enquanto tentava me aproximar. Ewren sem aviso se levantou torceu meu braço para trás de forma que não me machucasse mas me impedisse de mover e me segurou no chão, imóvel.
– Só mais duas semanas, você não sabe se controlar? – sussurrou para mim provocando-me. – até mais tarde! – despediu-se tirando-me do chão e levantando voo, saiu por cima do muro. Minha mãe vinha andando pelo corredor a passos largos.
– Precisamos conversar. – disse ela sentando-se perto de mim no chão e esticando os braços apoiando-os no tronco da árvore.
– Tudo bem, pode falar! – imaginava que ela fosse reclamar de Ewren novamente.
– Fui encarregada de ser a governante de Vintro, Eirien pediu para que eu ficasse de olho em tudo por lá, para que nada dê errado! Hoje à noite estaremos partindo para lá, Seu pai, Ewren Andros e eu.
– E eu? – perguntei fazendo minha melhor cara de inocente, talvez ela deixasse eu ir se pensasse que eu ficaria triste sozinha.
–Você vai ficar aqui com Lórien, Não sei quanto tempo ficaremos lá, só até as cidades serem completamente erguidas, os magos que foram chamados para esse serviço são rápidos, ai você poderá ir para Vintro também! – ela estava séria, falava grosseiramente comigo nem parecia aquela mulher doce e feliz que chegou em Amantia algum tempo atrás, pelo menos comigo estava sendo assim, com meu pai ela era um doce.
– E por que não posso ir agora também?
– Ainda é muito perigoso por lá...
–AH! – esbravejei jogando os braços para o alto – já não provei para vocês o quanto eu sou forte? Ninguém vai fazer nada contra mim lá!
–Não estou falando desse tipo de perigo Leona! – ela respondeu rispidamente – não posso deixar vocês tão perto um do outro!
–Mãe, você confiava em mim! O que está acontecendo agora? - Ela me encarou por um momento e virou seu rosto para o lado, olhando o nada por alguns instantes antes de me responder.
– Aqui é tudo diferente, você não costumava ser desobediente, não era teimosa, depois que o encontrou você ficou assim! – ia responder mas ela ergueu a mão para que eu ficasse em silêncio – Seu pai pode ler a mente das pessoas, se ele não tivesse certeza das intenções de Ewren e do quanto ele te ama e quer cuidar de você, acha que ele ainda estaria vivo?
– Então por que a senhora é tão contra ele?
– Por que esse amor pode ser perigoso demais para todos nós, eu já te disse o porquê, mas parece que você não quer entender...
–Senhora Lupine! Preciso da senhora aqui, urgente! – gritou uma jovem da janela da enfermaria. – Estou com problemas! – ela fechou a janela, pude ver ela derrubar vários instrumentos de cima da mesinha antes de cair sobre eles também. Minha mãe revirou os olhos e respirou fundo.
– Quem é aquela?
– Suriay, é uma aprendiz – ela me deu um beijo na bochecha e se levantou saindo em passos rápidos – depois conversamos mais!
Entrei no castelo arrastando os pés desanimada novamente, ficaria no castelo da fortaleza sem nada de bom para fazer, entediada enquanto eles estavam em Vintro, a única coisa boa é que meu pai havia me dado permissão para ler todos os livros que quisesse da biblioteca, e também que Lórien estaria comigo dessa vez então não seria tão tedioso assim, a loucura dela alegrava qualquer ambiente em qualquer situação. Porém ainda estava irritada e não conseguia entender a implicância com Ewren, eu não havia mudado em nada, só estava menos dependente dela e sabia me proteger, não faria nada de errado!
Feroz veio correndo ao meu encontro, estava em sua forma grande, quando chegou perto de mim ele se deitou no chão como se esperasse que eu montasse.
– Onde vamos? – perguntei a ele enquanto montava. Ele sacudiu as orelhas e disparou pelos portões laterais, pulou da cidade para a floresta abaixo de nós. – Ficou louco? – gritei agarrando em seu pelo e prendendo as pernas ao redor de seu tronco, a floresta nos engoliu rapidamente, passamos pelas copas das árvores arrancando uma boa quantidade de folhas. Antes de tocarmos no chão fiz um movimento rápido com as mãos e desaceleramos tocando suavemente o solo. Estávamos sobre uma grande quantidade de folhas, que acabaram formando um tapete verde embaixo de nós.
– Me avise quando for fazer isso feroz! – meu coração se jogava contra minhas costelas desesperado. Feroz corria e saltava entre as árvores até eu começar a escutar o som de água correndo, descemos uma pequena ladeira cercada por grandes rochas até chegarmos à uma trilha que reconheci imediatamente, o chão de pedrinhas brancas que levava até a piscina da cachoeira onde Ewren casou-se comigo em segredo. Feroz me derrubou de cima dele e sumiu entre as árvores novamente, caminhei até a beirada da piscina natural, onde Ewren estava dentro da água, seus cabelos negros estavam colados no seu peito e os olhos azul-prateado estavam iluminados com os sóis acima de nós.
– Está muito fria? – perguntei sentando-me numa pedra perto da margem. Ele me olhou e sorriu, veio nadando para perto de mim, rapidamente o segurei e o beijei antes que ele pudesse dizer um “não” ou tentar se esquivar de mim. Para minha surpresa, ao invés de me afastar ele me correspondeu, tirando-me do chão e caminhando por cima das pedras até ficar bem próximo ao meio da piscina.
–Você precisa aprender a esperar, sabia? – disse-me gentilmente, depois me jogou dentro da água. Todos os meus ossos doeram, a água estava terrivelmente gelada! Consegui subir a superfície, estava batendo os dentes.
– Ficou doido? – perguntei tentando falar normalmente, mas não consegui.
– Você está com muito fogo esses dias, precisava esfriar a cabeça um pouquinho! – respondeu rindo e sentando na pedra. – disse que não ia tocar em você antes de seu aniversário, lembra?
– Você é cruel! – disse nadando de volta a margem. Saí da água, torci meus cabelos e comecei a andar na direção do castelo.
– Aonde você vai? – perguntou ele olhando-me com curiosidade.
– De volta ao castelo, já que você não me quer aqui, nem sei por que mandou Feroz me buscar! – disse rispidamente olhando-o de cara feia.
–Não disse que não queria você aqui, te chamei para conversar, mas não achei que você não conseguisse ficar perto de mim sem querer me atacar! – falou sorrindo daquele jeito malicioso como fazia nas primeiras vezes logo que o conheci.
– Fale então! – bufei e sentei onde batia mais luz dos sóis para tentar me secar e me aquecer. Ewren sentou-se ao meu lado e esticou a mão para tocar meu rosto com o polegar.
– Não quero que você fique chateada comigo... Mas não quero que você saia de Lótus Vale enquanto estivermos fora! – o olhei incrédula.
– Por que você acha que eu tenho que ficar em Lótus Vale?
– Arcadius ainda está vivo, Demétrius também, e mesmo que o seu sangue não lhes sirva mais da mesma maneira, eles podem querer se vingar de nós usando você... – enquanto falava, Ewren traçava minha boca com os dedos.
– Reforço Positivo? – perguntei, ele me observava com curiosidade e surpresa no olhar. – Fazendo isso para tentar me convencer a ficar dentro do castelo... – falei sentindo meu coração acelerar.
–Talvez... – ele estreitou os olhos e mordeu os lábios como se tentasse evitar um sorriso.
– Não se preocupe com isso, não tenho a intenção de sair! – suspirei.
– Me prometa! – ele me encarava sério.
– Não confia em mim? Você é meu marido agora, não é? Eu não tenho que respeitar suas decisões?
– Não disse que não confiava... e não tem que respeitar minhas decisões, temos que tomá-las juntos e respeitá-las! Não sou seu pai, não posso mandar em você por mais que seja tentador fazer você me obedecer as vezes... – sentia um “mas” embutido na frase – O problema é que você é teimosa, como Lórien ou até pior!
– Não vou sair de Lótus Vale.
– Me prometa!
– Só se você prometer voltar para me ver sempre que puder! – pedi.
– Prometo! – ele me respondeu, beijando minhas mãos.
– Vou ficar dentro de Lótus Vale, prometo! – ele segurava minhas mãos para ter certeza que não cruzaria os dedos, tão desconfiado...
– Se você quebrar a promessa, eu vou te castigar! – seu tom de voz não era de quem estava brincando, por um instante percebi algo diferente em seu olhar, ele falava sério.
– Já entendi! – um frio percorreu minha espinha.
– Vamos voltar, nós iremos partir para Vintro ao Anoitecer.
– Vamos ficar só mais um pouquinho! Por favor, me deve uma! Vai sair e essa pode ser a última vez em muito tempo que ficarei do lado de fora! – pedi segurando seu braço com força – ele sorriu novamente e assentiu.
– Tudo bem, mas não me tente! – ele se levantou e entrou novamente na piscina.
Passamos algumas horas ali, conversando e nos divertindo na água gelada. Era quase como se ele fosse outra pessoa, ainda era bruto as vezes e um pouco malvado, mas tinha um outro coração agora.
Voltamos ao castelo antes dos sóis se porem por completo. Ewren me deixou na sacada de meu quarto, despediu-se de mim dando-me um beijo, segurei seus cabelos e o apertei o máximo que pude, sabia que seria por pouco tempo mas era tão ruim me afastar dele.
– Eu volto pro seu aniversário, prometo! – ele segurou minhas mãos e beijou a marca dourada em minha mão esquerda e a orquídea em minha testa.
– Ewren! – minha mãe chamou ele, ela estava parada na porta do quarto de braços cruzados. Senti Ewren ficar tenso, sua mandíbula trancou, foi a primeira vez que o senti frustrado por conta da implicância dela, como se ela tivesse passado dos limites. Quando ia me afastar para ele passar, ele me puxou pelo braço e me beijou de novo, foi totalmente diferente, um beijo completamente apaixonado, meu corpo todo ferveu, senti seu sorriso contra meus lábios. “Ele fez de propósito para provoca-la!” pensei queria rir também mas isso me colocaria em sérios problemas com ela. Já que teria que ouvir reclamação, pelo menos teria valido a pena! Ewren saiu de perto de mim seguindo-a pelo corredor.
Lórien estava deitada em minha cama de boca aberta, estava tão entretida com Ewren que não a notei ali.
– Está tudo muito tenso por aqui em? – disse ela olhando de canto de olho Ewren e minha mãe desaparecendo na curva da escadaria em espiral. Por um instante pude ver um brilho avermelhado em seu olhar.
– Como foi a Lua de Mel? – perguntei tentando desviar o assunto. Lórien desviou o olhar e apoiou o rosto nos braços.
– Igual a qualquer uma! – disse ficando corada. – Mas esqueça isso, como você está?
– Chateada, Frustrada... Não queria que ele fosse também, é tão ruim ficar longe dele! – suspirei. – Vamos, pode dizer que pareço uma adolescente apaixonada e desesperada! – Lórien começou a rir.
– Deixe de ser boba Leona! Não é por que você está apaixonada que está se sentindo assim, bom, em parte é! Mas a maior parte se deve ao fato de Ewren ser seu Guardião, um Guardião nunca deve se afastar de seu mestre! É por isso que você se sente assim, ele também sente isso! E no caso dele é pior, pois o laço que tem com você o deixa mais fraco se estiver longe... – Ela me explicou apertando minhas bochechas.
– Não consigo entender a implicância que ela tem com ele Lórien! Chega a ser irracional, ele não vai fazer nada de errado! Por que é que ela ainda age assim? – me joguei na cama ao lado dela, ela ficou brincando com uma mecha de meu cabelo.
– Por que você não descobre? – ela me encarou com um olhar divertido e malicioso, Era muito parecida com Ewren, não tinha como negar que eram irmãos. – está na hora de você aprender uma técnica espiã! – ela se levantou e foi até a cômoda perto da janela, que estava abarrotada com os bichinhos de pelúcia que Aeban havia me dado, um para cada aniversário que ele não esteve presente. Não quis lhe dizer que não gostava mais de bichinhos de pelúcia, pois ele parecia muito feliz os entregando a mim.
– Normalmente usamos uma pulseira como essa - Lórien sacudiu uma pulseira cheia de pingentes estranhos, haviam presas, garras, penas e pequenos tufos de pelos nela. – É uma pulseira de sumons! – Lórien segurou uma presa das que estavam na pulseira, uma névoa branca a circulou, depois tomou a forma de um lobo branco pequeno, os olhos dele eram negros, vazios.
– O que é isso? – perguntei espantada.
– Um corpo vazio! – ela o acariciou, ele não teve reação nenhuma ao seu toque. – Essa presa é o dente de leite de um lobo filhote que livrei de uma armadilha alguns anos atrás! Ele perdeu um dente de leite no acidente, esse corpo aqui é um clone do verdadeiro, sua essência ficou agarrada nessa presa! – disse ela tirando o filhote do chão.
– É assustador! – respondi olhando o bichinho de olhos negros e vazios.
– Preste atenção! – ela segurou a cabeça do lobinho e o pressionou contra sua testa. Sua marca brilhou ligeiramente depois o brilho se dividiu, fazendo os olhos do lobinho ficarem como os dela. Lórien caiu deitada na cama enquanto o lobinho se desvencilhava de seus braços e pulava diante de mim.
– Viu? Simples, você só precisa transferir parcialmente sua mente para o clone! – disse o lobinho me encarando com os olhos de Lórien.
– Fascinante! Mas e seu corpo, não fica vulnerável?
– Bom, por isso que eu não transfiro totalmente minha mente para ele, assim se meu corpo sentir algo estranho, o lobo ou o animal que você estiver usando, se desfaz e sua mente retorna.
– Entendi, deixa eu tentar? – perguntei mexendo em sua pulseira.
– Claro! Fiz essa pulseira para você! – disse ela tirando uma pequena pulseira de seu bolso. – evite usar as penas pois você não tem asas, ficaria difícil para você controlar um pássaro e voar de primeira!
– Entendi! – coloquei a pulseira no braço, haviam algumas presas, garras pequenas e pelos diferentes da pulseira dela.
– Com o tempo você vai juntando seus próprios Sumons!
– Esse aqui, do que é? – perguntei segurando um pequeno tufo de pelos castanhos.
– Pelos de um gato doméstico, esse é mais para rodar por aqui pois um gato não é um animal que possa levantar suspeitas, pois tem gatos em todos os lugares.
– Verdade! – apertei o tufinho de pelos e esperei pela névoa. Ela apareceu me circulando, depois um gato listrado de pelos castanhos apareceu em meus pés.
– Agora transfira sua mente! – Lórien ergueu o gato para mim. Peguei o bicho nas mãos, parecia um gato normal, estava de olhos fechados.
Toquei em sua pequena cabeça e me transformei. Quando abri os olhos senti como se meu corpo encolhesse, fiquei muito mais leve e meu corpo estava quente. Andei até o espelho do quarto sobre pequenas pantufas macias, olhei no espelho, meus olhos estavam lilás e brilhantes.
–Não é difícil, não é? – Lórien perguntou me empurrando com o focinho do lobo que usava. O lobo começou a se tornar uma pequena nuvem branca e desapareceu, Lórien se levantou na cama e colocou meu corpo deitado de forma correta.
– Se alguém aparecer, você está cochilando! – ela piscou para mim – vá dar uma volta, e se você quiser voltar ao seu corpo, é só dizer “animalium discutiunt”!
– dissipar animal?
– Isso! – ela me fez um carinho na cabeça, eu ronronei alto, depois ri.
– Isso é muito entranho! – Ela riu também, abriu a porta do quarto para que eu pudesse sair.
– Não se esqueça de agir como um gato e cuidado para não falar!
Andei rapidamente pelos corredores com minhas patinhas batendo suavemente sobre o tapete longo que cobria os corredores, as fibras do tapete faziam cosquinhas entre os espaços de minhas patas. Andei discretamente pelos corredores do castelo, parecia que tinha dobrado de tamanho, os corredores eram mais longos do que imaginava, só então percebi que era por causa do tamanho do gato que o via assim e ri internamente.
A porta da sala de meu pai estava entreaberta, entrei sorrateiramente como um gato que não quer nada, apenas achar um novo lugar para tirar uma soneca. Ewren estava sentando em um sofá pequeno estava com os olhos avermelhados. Andei até o sofá e me esfreguei nele como um gato teria feito ao encontrar um bom lugar, senti minhas patas traseiras contraírem estendendo-se logo em seguida e saltei, atirando-me para o alto e aterrissando suavemente em cima do sofá, rodei em cima da almofada e me deitei. Ninguém notou nada demais em mim. Minha mãe estava com as mãos sobre a testa, meu pai não estava na sala.
– Você e Leona parecem não entender o que está acontecendo! – disse ela finalmente depois de alguns instantes de silêncio.
–Entendo perfeitamente o que você quer dizer, só acho que não deveria se preocupar tanto com isso, eu sei o que estou fazendo!
– Não, não sabe Ewren, você só acha que sabe! – ela gritou batendo na mesa – Você é o filho de minha melhor amiga, nada me faria mais feliz de minha filha estar com você, mas você não entende a situação em que estamos! – ela começou a caminhar pela sala. Ewren me pegou no colo e ficou afagando minha cabeça. Ronronei alto ao sentir seu calor, ficar pertinho dele novamente, ele pareceu não perceber que era eu no corpo de gato.
– Ewren, a maldição dela não está quebrada, só está esperando ser passada para frente! E se vocês tiverem uma filha agora? Não vai ser uma só, você sabe que por causa da maldição são sempre gêmeas, vai estar colocando mais vidas em perigo, a dela e a de suas filhas e de todos nós, pois a maldição é bem clara! Ela nunca desaparece, apenas é passada para frente! Pare um momento e pense nisso, você quer filhas amaldiçoadas, quer ter alguém atrás delas? Por que Arcádius não conseguiu o sangue de Leona, então vai querer o próximo, com certeza ele já sabe sobre vocês e é isso que ele espera que faça, isso se ele mesmo não o fizer... – disse ela estremecendo e desviando o olhar. Ewren ficou tenso também, o senti prender a respiração.
– Precisamos achar Arcádius e acabar com ele! – as palavras de Ewren soaram quase como um rosnado. Meu coração acelerou de tal forma que achei que fosse me denunciar.
– Não é só com ele que temos que nos preocupar! A maldição atrai qualquer um, ele só é atualmente o mais perigoso buscando esse poder! Temos que encontrar Veruza e fazê-la quebrar a maldição depois que acabarmos com ele!
– Vou evitar ficar com Leona de novo... – disse ele, meu coração bateu mais forte e dolorosamente dessa vez.
– Vai sim, até acharmos Veruza, não importa quanto tempo isso leve! – ela cruzou os braços e olhou pela janela.
– E o que a senhora já está fazendo para poder encontrá-la? – perguntou ele sem disfarçar o sarcasmo na voz.
– Mandei equipes para os outros onze mundos atrás de notícias dela.
– Ótimo! – disse ele secamente levantando-se e saindo da sala e me carregando junto para fora, pude ver por cima de seu ombro a expressão de alívio de minha mãe e um leve sorriso em seu rosto, isso me deixou bastante irritada. Ewren caminhou até o jardim e me colocou em cima de uma árvore, as flores azuis da árvore brilhavam suavemente, parecendo enfeites de neon.
– Ela acha que sou idiota, sei que ela não gosta de mim pelo meu passado, ela nunca esqueceu o que fiz, ela queria casar a Leona com aquele silfo fraco, sobrinho de Aeban! – ele bateu com o punho na árvore e quase me derrubou. – desculpe, você não é um gato muito habilidoso, sabia? – ele percebeu a dificuldade que eu tinha para me manter de pé na árvore e me tirou dela, sentou-se no chão comigo no colo e coçou minha cabeça depois colocou-me no chão.
– Sei que o que ela falou sobre a maldição é verdade, mas tenho certeza que ela vai demorar o máximo que puder para encontrar Veruza, para tentar convencer Leona a não ficar mais comigo!
“Nunca escolherei outro que não seja você” pensei, mas sabia que isso não o consolaria, queria dizer as palavras para ele, mas se dissesse ele saberia que eu estava escutando. Aeban se aproximou de nós sem fazer nenhum barulho.
– Eu já te dei minha permissão, não precisa ter a dela para ficar com minha filha, não quis dizer isso a ela, mas ela não tem nenhum direito sobre a menina, pois ela a tirou de Amantia sem minha permissão!
– Não entendi! – respondeu Ewren a ele parecendo confuso.
– A lei é bem clara, nenhum dos pais pode tirar uma criança desse mundo sem o consentimento do outro, o que ela fez foi contra as leis. Ela perdeu qualquer direito sobre Leona no momento em que saiu de Amantia.
– Não sabia disso... – seu olhar era triunfante, senti pena de minha mãe, creio que ela sabia disso, por isso estava evitando ficar contra meu pai
– Está sabendo agora, então não se preocupe com ela, eu conheço seu coração, vi sua mente e você se preocupou mais com ela fazendo o que fez do que Lupine a levando para longe e a colocando em mais riscos! Na Terra se ela fosse perseguida por alguém, ela teria perdido a menina pois não tinha nenhuma proteção lá e seus poderes estavam reduzidos, só não discuti sobre isso quando ela voltou pois não quis perder a oportunidade de ficar com ela!
– Entendo, fique tranquilo, eu vou protegê-la com a minha vida! – disse ele encarando meu pai seriamente.
–Eu sei que vai pois se não o fizer, acabo com você com minhas próprias mãos! – Aeban havia mudado sua aparência, meu pelo se eriçou completamente e tive que me conter para não fugir. Nunca havia visto ele assim, nem na batalha em Vintro. Sua pele ficou cinza e seus cabelos ficaram brancos, mas diferente de Ewren, marcas negras riscavam seu rosto e desciam pelo seu pescoço, suas mãos também tinham aquelas marcas, como aros negros, seus olhos eram vermelhos como sangue e suas presas estavam a mostra. – Acabo com você se a tirar de mim também! Me entendeu? – disse ele à Ewren que deu um sorriso assustador.
– Entendi, mas acho difícil você conseguir me vencer! – respondeu ele, estava tão confiante que podia sentir sua energia vibrar.
– Bebi o sangue de Lupine antes de lhe dar Leona! – Ele sorria agora, Ewren não parecia intimidado.
– Para mim, seria um combate justo então! – E para mim, as palavras de Nena quando cheguei a esse mundo fizeram muito mais sentido agora “Tudo aqui é perigoso, e tudo pode te matar”.
Ewren não recuou como eu teria feito, só continuou o encarando.
Saltei por cima dos dois e corri em direção ao muro, com certeza os deixei confusos, o escalei o muro com minhas garras e saltei para fora da cidade flutuante: “animalium discutiunt” Senti uma brisa e um frio na barriga, o chão estava se aproximando quando meus olhos fecharam e senti-me evaporar no ar.
Voltei ao meu corpo, tentei me levantar rapidamente, mas senti um choque e Lórien me impediu de levantar.
– Louca! Você não pode ficar mais de dez minutos na primeira vez que transfere sua mente a um corpo orgânico! É perigoso!
– Podia ter dito isso antes... – estava quase colocando os pulmões para fora. – Lórien... Aeban tomou o sangue de minha mãe enquanto ela ainda era virgem! – Lórien ajudou-me a sentar.
– Já imaginava isso, quer dizer, depois que eu soube como a maldição funcionava...
– Como assim?
– Ele é o General mais forte que o exército dos silfos já teve, depois de um tempo, ele passou a ser o mais forte e mais temido de toda Amantia...
– Mas ele é tão gentil... – Lórien riu debochando de mim.
– Ele é gentil com você e com sua mãe! Com os outros ele é duro, é respeitável, todos confiam nele, mas ele é assustador! – havia percebido isso alguns instantes atrás. – como lhe disse, depois de um tempo ele passou a ser Imbatível, quando Lupine se foi ai mesmo que ele ficou diferente... – Lórien se calou e disfarçou fazendo carinho em Feroz que estava em meu colo agora. Quando ia perguntar o que havia acontecido para ela se calar tão abruptamente, senti uma presença e olhei pela janela aberta. Ewren estava parado na Sacada, fui até onde ele estava, sem mais nem menos ele me puxou para seus braços e me abraçou apertado.
– Vim me despedir, de novo. – disse abaixando-se e colocando seu rosto perto de meu pescoço.
– Eu sei... – acariciei seu rosto e dei-lhe um beijo no queixo, ele sorriu.
– Aprendendo a se comportar? – disse segurando meus cabelos e me beijando de verdade, mordendo de leve meu lábio inferior.
– Vou sentir sua falta – disse tentando me afastar.
– No seu aniversário estarei aqui!
– Promete?
– Prometo! – ele entrelaçou nossos dedos, as marcas douradas brilharam mais fortes juntas. Ele abriu as asas e voou. Andros estava sentado de pernas cruzadas no parapeito olhando para mim, seus olhos prateados brilhavam de um jeito estranho contra a luz da Lua.
– Oh! Andros sinto muito não te vi ai!
– Vim me despedir de Lórien! – disse ele descendo e ficando de pé na minha frente. Não sei por que, mas tive a impressão que não estava tudo bem entre eles.
– Tudo bem, vou chamá-la! – entrei no quarto, Lórien já sabia que ele estava ali, andou até a sacada enquanto eu saia do quarto para ir me despedir de meus pais. Os corredores estavam desertos e escuros. Cheguei em frente a sala e escutei ele falando algo com minha mãe bem baixinho, coloquei o rosto discretamente no buraco da fechadura, minha mãe estava sentada em seu colo, de frente para ele o beijando. Senti meu rosto esquentar e sai de fininho, eles não tinham notado minha presença, então fui até a praça central onde sabia que eles estariam para partir em pouco tempo, iria esperar ali para me despedir deles quando finalmente fossem partir. Ewren e Andros devem ter ido na frente, pois não os vi entre os soldados do grupo que estava se aprontando para sair.
– Boa noite, jovem dama! – Um silfo estava ao meu lado ele era um pouco mais alto que Ewren, eu batia quase no peito dele, ele tinha uma trança loira na altura dos ombros e olhos cor de mel, ele estendeu sua mão para mim, eu lhe dei minha mão e ele a beijou, fiquei corada e a puxei com um pouco de grosseria, mais do que seria necessário. Ele pareceu surpreso com a minha reação.
–Desculpe. Meu nome é Guinn, Major Guinnevere ao seu dispor! – ele colocou a mão sobre o peito e fez uma reverência.
– Hm, prazer me chamo Leona. – respondi por pura educação.
– Ah sim! A filha do General, não é? É um enorme prazer finalmente conhece-la! – ele sorriu amigavelmente para mim. – Sou o sobrinho dele!
– Vai para Vintro também? – perguntei.
– Não ia, mas na última hora o General de Exército decidiu que eu deveria ir também! – ele sorriu tristemente – vim de tão longe para um passeio e acabei convocado para ir até Vintro ajudar a manter a ordem enquanto estão dividindo os territórios e levando algumas populações de locais superpopulosos para lá! – ele parecia um pouco frustrado, mas sorriu mesmo assim.
– Nunca vi nenhum local superpopuloso por aqui... – Falei.
– Então não conhece as maiores cidades de Edro e Mantum! – respondeu-me com olhos semicerrados.
– Entendi... Realmente não conheço as maiores, apenas algumas que conheci durante uma viagem que fiz por Amantia, mas não conheço nada deste mundo. – falei envergonhada, eu mal conhecia esse mundo para afirmar que não haviam locais muito populosos por aqui.
– Fique tranquila, vai conhecer tudo, Amantia é maravilhosa! – disse ele piscando para mim. Um vento forte fez meu cabelo voar e ficar too bagunçado, Ewren havia pousado atrás de mim, quando virei para o olhar, ele me puxou mela cintura e me segurou contra ele, arrumando meu cabelo e o prendendo para trás em um coque.
– Você já terminou suas tarefas para partirmos, Guinn? – Ewren o olhou com desdém.
– Não senhor! Com licença General, senhorita! – ele abaixou a cabeça, seu rosto estava vermelho.
– Senhora! – disse Ewren pressionando minha mão e fazendo minhas marcas acenderem.
–Sinto muito, não sabia. – respondeu Guinn virando-se em uma reverência e saindo de perto de nós olhando-me de canto de olho.
–General? – perguntei erguendo as sobrancelhas para ele. Ewren ainda olhava Guinn se afastar.
–Não, eu sou General de Exército, ele é General do Exército, ele comanda todos os exércitos de Edro, eu apenas o exército de Lótus Vale. – Ewren estava com ciúme! Estava me apertando com tanta força que comecei a ficar tonta.
–Ewren, vai deixar minha cintura roxa! – disse bufando, tentando respirar normalmente. Ele revirou os olhos ele afrouxou o aperto, senti o ar votar para mim.
–Afinal, o que está fazendo aqui fora? – perguntou ele franzindo o cenho para mim.
–Fui me despedir dos meus pais, mas eu não quis atrapalhar a “conversa” não verbal deles... – disse sentindo meu rosto esquentar.
–Ah, sim! Entendo! – ele riu – Isso não é justo, já que nós não podemos nos despedir adequadamente e eles continuarão juntos lá!
–Desde quando você é General? – perguntei mudando o foco da conversa, já que haviam muitas pessoas nos olhando ali e talvez escutando também.
– Faz um tempinho já, desde a batalha de Vintro. – Olhei em volta discretamente, Guinn nos olhava de longe seu olhar era quase feroz para Ewren. –Tome cuidado, ok? – pedi a ele.
– Fique tranquila, sou um dos mais fortes de Amantia agora!
– Um dos mais fortes?
– Não se sabe se mais alguém teve acesso ao sangue de suas parentes, não é? – disse ele desviando o olhar, pelo menos sabia que meu pai estava nessa lista e Demétrius também. Meus pais apareceram antes que Ewren pudesse falar mais alguma coisa. Eles me abraçaram.
– Comportem-se! Por favor, não saiam de Lótus Vale! – disse Ewren para mim e para Lórien, meus pais concordaram com ele.
Todos começaram a levantar voo, meu pai porém me afastou um pouco dos outros para falar comigo.
– Estamos deixando a fortaleza nas mãos da Princesa Arin, por favor cuidem bem de tudo por aqui, prometemos estar de volta o quanto antes! Cuide de tudo por aqui e qualquer problema só nos avisar! – eu o abracei, não parecia aquela criatura sombria que tinha visto mais cedo no jardim.
Eles partiram, fiquei os observando voar até que sumissem do alcance de minha vista.
– É hora da bagunça! – gritou Lórien aparecendo atrás de mim dando-me um susto.
2
A Guardiã
Amaterasu
– O que pretende fazer? Não podemos sair da fortaleza!
– Não, não podemos, mas aqui também tem coisas boas! – ela agarrou minha mão e me arrastou castelo a dentro. Atravessamos o salão principal em direção as escadas, corremos pelos corredores sob o olhar de curiosidade dos serviçais e entramos na sala de Aeban.
– O que está fazendo? – perguntei sentindo-me culpada por invadir a sala sem ninguém por aqui.
– Você já vai ver! – ela começou a revirar alguns livros, até achar um no alto da estante de capa desgastada.
– Sei que ler é muito legal Lórien, amor ler, mas não acredito que seja esse tipo de diversão que você tenha em mente! – resmunguei. Ela olhou para mim e revirou os olhos, quando ela puxou o livro a estante recuou, deixando as vistas uma pequena passagem secreta.
– Conheço essa fortaleza desde a época que meu tio avô Nalrevi, o irmão de Eirien administrava Lótus Vale! – disse ela dando-me aquele olhar malicioso. – Ele tinha muitos segredinhos!
Entramos pela passagem que se fechou silenciosamente atrás de nós. Descemos uma escadaria estreita em espiral, parecia que o lugar era visitado com frequência, pois não havia poeira nem teias de aranha na escada, lá embaixo tinha uma luz fraca. Ao fim das escadas percebi o que Lórien havia dito, uma enorme piscina termal estava escondida aqui. Em volta dela haviam vários cristais de purificação.
– Eu até imagino o porquê de ter essa piscina aqui! – disse lembrando-me da aparência de meu pai.
– Isso antes era um laboratório de alquimia! Mas Aeban é um silfo negro, quem diria não é? – olhei para ela espantada. – que foi? É isso mesmo! Achei que você tivesse notado!
– Não é muita coincidência? – perguntei, Lórien tirou a roupa e pulou apenas de lingerie na piscina jogando água quente para todos os lados. – ficou louca? – gritei virando o rosto para o lado.
– Ah, para com isso! Não tem nada aqui que você não tenha visto em você mesma! – respondeu – E sim é muita coincidência, a sua história com meu irmão é quase igual a de seus pais, talvez seja mais alguma coisa absurda sobre essa maldição! Tire a roupa e entre também!
Tirei a roupa me encolhendo, depois entrei devagar na água, estava muito quente, meu corpo parecia que ia começar a cozinhar, descansei a cabeça num apoio na beirada da piscina enquanto Lórien cantava baixinho, uma canção doce, de melodia calmante.
– Lórien, o que há de errado com você e com Andros? – Ela suspirou e saiu da banheira por um instante pegou uma garrafa de vinho que estava numa prateleira e a abriu.
– Não há nada de errado, Leona! Andros é apenas sério demais, acabo que as vezes preciso ser um pouco menos brincalhona quando estou perto dele. Um brinde? – disse ela retirando a rolha com os dentes.
– É melhor deixar isso ai! – respondi.
– Para de bobagem, menina! Ninguém vai notar a falta de uma garrafa ou duas! – ela deu um gole depois passou para mim. – com medo, Leona? – ela estava rindo, respirei fundo e dei uma golada também, não era muito forte aquele vinho, era bem doce e tinha um sabor diferente, na verdade, dei mais uma golada e devolvi a garrafa para Lórien, ela começou a rir.
– Às vezes temos que mudar nosso jeito de ser para nos encaixar em certos padrões... – disse ela pensativa.
– Saia daqui e traga a verdadeira Lórien de volta! – falei rindo – Se ele gosta de você de verdade, não deveria esperar que você fosse diferente do que é! Eu gosto mais de você brincalhona! Amantia já tem pessoas sérias demais, não quero que você mude nada Lórien! – disse indo até ela, lhe abraçando e dando um beijo na bochecha, ela corou e sorriu.
– Obrigada! – disse ela dando uma gargalhada alegre, bebendo novamente e me passando a garrafa. Não entendi o porquê do sorriso dela afinal não tinha dito nada de engaçado! Só achei estranho minha vista começar a embaçar, talvez por causa do vapor...
Acordei no colo de Lórien, deitada em minha cama no quarto da torre. Ela estava vestida, eu apenas enrolada em uma toalha. Lórien tentava esconder um sorriso.
– Leona, você é muito fraquinha! – disse dando uma gargalhada. Minha cabeça doeu como se tivessem tocado um sino dentro dela.
–Eu vou te matar Lóri! O que você fez comigo? – perguntei a ela, mas mal consegui manter os olhos abertos e acabei adormecendo novamente.
–Vamos bela adormecida! Acorde! – Lórien estava pulando em cima de mim na cama. Minha cabeça parecia que ia explodir, ela havia trazido café no quarto para nós duas. Levantei-me tonta e sentei à mesa com ela para tomar o café. Ainda estava só enrolada com a toalha, a transformei em um vestido pois estava com muita dor de cabeça para andar até o armário e procurar por alguma roupa.
– Aquilo não era um vinho qualquer, era misturado com essência de Sinos, uma flor que não pode ser consumida por humanos, desculpe havia me esquecido disso! – disse Lórien sorrindo e me mostrando a língua.
–Você é louca! – murmurei tomando uma xícara de café, a claridade que vinha da janela estava me deixando tão irritada que achei ter me transformado num vampiro durante a noite.
Lórien, ignorando totalmente minha terrível dor de cabeça, me levou até o lado de fora para treinar após o café.
– Preciso deixar você como uma mestra! – disse ela girando suas espadas nas mãos.
– Não podemos deixai isso para amanhã? – perguntei enjoada.
– Não mesmo! Tem que aprender a lutar em qualquer situação, não é porque você está com dor de cabeça que o inimigo vai deixar a luta para depois! – disse ela vindo com tudo para cima de mim.
Treinamos a maior parte da manhã, estava fraca e com os reflexos lentos, mas estava melhorando muito em comparação aos treinos com meu pai, Lórien não tinha a mesma paciência com meus erros, talvez por isso ela fosse uma professora melhor, ela exigia mais de mim, forçava-me além dos meus limites para que eu aprendesse, Ewren também não me dava muitas chances, mas ele tinha receio de me ferir, então ainda evitava me dar golpes mais fortes e não explicava nada, com ele era somente na prática.
Só paramos os treinos quando Lórien resolveu pegar mais pesado e começar a inovar, abrindo um corte na minha perna direita.
–Ah, Lórien! – resmunguei mordendo a boca para não gritar, ela largou as espadas e me curou rapidamente.
– Você não defendeu! Finge que não aconteceu, está bem? – ela ficou pálida e assustada. – meu irmão me mata se ver isso! – ela me curou rapidamente, mas uma fina linha rosada havia ficado ali.
–Não vou dizer que foi você, prometo. – ela respirou fundo aliviada, me pegou pelo braço e saímos do pátio para ir almoçar com Arin, que nos esperava na sala de meu pai. Ela estava linda, seus longos cabelos estavam dourados, amarrados num coque e usava um vestido longo verde claro, que destacava seus olhos âmbar e as marcas douradas em seu braço pareciam mais vivas aqui, Parecia uma verdadeira rainha.
– Bom dia... – disse ela nos olhando com curiosidade.
– Ótimo dia! – respondi sentindo o cheiro maravilhoso do almoço, que fez meu humor melhorar em cem por cento e minha dor de cabeça sumir.
– Bom dia... – Lórien estava nervosa de mais, talvez ainda nervosa por ter me machucado no treino, eu acotovelei e sorri para mostrar que estava tudo bem, ela pareceu relaxar um pouco. Quando o almoço nos foi servido Arin começou a falar.
–Então, como está sendo viver aqui?
–Maravilhoso! Me sinto mais viva aqui do que na Terra! – Fui sincera.
–Que ótimo! isso é bom, quer dizer que você está se adaptando bem! – ela sorria alegremente. – Aliás, parabéns pelo seu casamento, só fiquei sabendo quando cheguei ontem, fiquei muito surpresa quando Lupine me contou. Não esperava que Ewren fizesse algo assim, embora isso seja bem a cara dele, fazer as coisas escondido!
–Acredite, a senhora deve ter ficado tão surpresa quanto eu! – ela riu.
–Ewren é sempre cheio de surpresas. Uma pena sua mãe não concordar muito com a união de vocês... – ela pareceu frustrada – quando éramos jovens, ates de saber sobre a maldição, Lupine sonhava em ter um filho menino e eu com uma menina, ai nós combinamos que nossos filhos se casariam e seríamos uma família.
–Mas você teve um menino. – respondi.
–Sim, ai falei que ela poderia ter uma menina e nossos planos ainda seriam válidos, mas a essa altura ela já sabia da maldição e estava triste demais... Quando Ewren me contou que atravessou vocês no portal, que te segurou no colo quando você era um bebê, eu disse “Aquela que você mandou embora era sua noiva”
–O que ele disse? – estava curiosa.
– “Nem pensar que eu ficaria com uma futura Sacerdotisa! Elas são muito chatas e ocupadas demais!” – ela riu enquanto olhava minha expressão sentida - e olha agora! – disse ela passando a mão em meu cabelo.
–É muito estranho não é... – falei soltado um suspiro.
–Como se tudo tivesse sido encaminhado para chegar onde chegou agora. – disse Lórien olhando para o nada.
–Então, o que vai ter de bom para seu aniversário? – perguntou Lórien enfiando a sobremesa goela abaixo (como um animal de rua desesperado de fome)
–sinceramente não sei, meu pai não me deixou participar de nada, estou com medo de unicórnios e balões cor de rosa?
–Unicórnios? – Lórien riu – É mais fácil fazer um gigante ficar dócil do que pegar um unicórnio!
–Ah! Não quis dizer literalmente Lórien, nós falamos de unicórnios na terra como algo que parece infantil ou para menininhas! – e do modo que Aeban agia comigo as vezes, esperava por isso.
–Estou ajudando eles com os acertos finais, não se preocupe com isso, não vai ter nada infantil! – Arin Acariciou minha cabeça, não me senti melhor com aquelas palavras.
Lórien e Eu voltamos ao jardim, dessa vez apenas para descansar.
Estava entediada, queria sair por Amantia novamente, passear, me divertir mas havia prometido que ficaria aqui.
A maldição me impedia de sair da fortaleza, embora não conseguisse acreditar que algo poderia dar de errado, meu sangue não poderia mais dar poder a ninguém, não tinha mais motivo para eu ficar trancada aqui, era só eu evitar passar a maldição para frente, o que parecia ser mais fácil ainda, pois Ewren me evitava ao máximo e não acreditava que Arcádius se arriscaria a aparecer para me sequestrar, ele provavelmente esperaria eu passar a maldição adiante para agir e isso não ia acontecer!
Deitei no colo de Lórien, ela parecia tão entediada quanto eu, cochilei ali, embaixo da árvore torcendo para algo de bom acontecer, pois estava chato de mais ficar ali à toa, só treinando e estudando.
Uma semana se passou com aquela mesma rotina enfadonha, do treino para o quarto, do quarto para aulas sobre Amantia e de volta para a cama. Meu aniversário seria no Próximo sábado e eu estava completamente desanimada, nunca fui muito chegada a festas de aniversário, não porque não gostasse de festas, muito pelo contrário, amava comidas de aniversário e casamentos, mas odiava a falsidade das pessoas que mal me conheciam ou quase nunca estavam presentes desejando-me felicidades e depois passando o resto do ano sem aparecer.
–O que vamos fazer? – perguntei a Lórien numa terça depois do almoço, não aguentava mais ficar do lado de dentro daqueles muros.
–Não sei, estou tão entediada... Queria sair daqui um pouco! – De repente olhar de Lórien se iluminou. - Eles não falaram que não poderíamos sair da Fortaleza, falaram que não podíamos sair de Lótus Vale!
–Mas Lótus Vale não é a Fortaleza? – Ela revirou os olhos e deu um tapa na testa.
–Lótus vale é maior que Alamoutim! – Lórien me arrastou pelo jardim até o outro pátio, subimos por uma escada estreita de pedras dentro de uma das torres de vigia. Era incrível olhar pela torre de vigia, parecia que estava olhando para um tabuleiro de jogo, as trilhas que cortavam as florestas lembravam o caminho a ser percorrido pelas peças.
–Está vendo aquelas torres brancas lá, em volta de toda a floresta azul? – ela apontava para oito torres grandes colocadas em pontos distantes, circulando toda a floresta. – Aquela são as torres de cristal, elas purificam essa floresta e criam uma barreira que mantém algumas criaturas fora dessa região.
–Então podemos sair? – senti lágrimas se acumulando em meus olhos de tanta alegria.
–Podemos! – Lórien deu um sorrisinho, senti que era algo errado e que tínhamos achado uma brecha na ordem que tínhamos recebido deles para não sair, mas acabei concordando com Lórien.
–O que estamos esperando? – virei para sair da torre, mas Lórien me puxou pelo braço e pulou da janela da torre em direção a floresta. – LÓRIEN VOCÊ É LOUCA! – gritei enquanto caíamos em direção às arvores. Ela dava gargalhadas que seriam assustadoras se não fossem tão divertidas.
Pouco antes de tocar a copa das arvores, um redemoinho de água subiu ao nosso encontro amortecendo nossa queda. Ficamos sentadas por um minuto no chão da floresta, ri muito depois do susto ter passado.
–Por que não voou? – perguntei enquanto me secava.
–Ah! Perdi uma aposta para Andros – disse ela tristemente – Apostei com ele que conseguiria passar uma semana sem usar meus poderes para nada, então tirei meus poderes...
–E o que isso tem a ver com você não ter voado até aqui em baixo?
–Você não deixou eu terminar de falar! Quando perdi meus poderes a minha tatuagem de asas desapareceu e não reapareceu quando eles voltaram!
–Ah, e agora? Vai ficar sem asas?
–Nem pensar! Depois irei até as montanhas das Cinzas procurar por uma fênix branca e conseguir uma pena para fazer outra poção de asas.
–Posso ir também? – pedi fazendo cara de cachorrinho pidão.
–Se Ewren deixar, tudo bem! – Se Ewren deixar? Não sabia que agora precisaria da permissão dele para fazer as coisas, mas decidi não discutir com Lórien sobre isso.
–Bom, o que vamos fazer agora? – perguntei.
–Tem uma cachoeira não muito longe daqui, podemos ir para lá!
–por mim tudo bem! Qualquer coisa para não ficar trancada na Fortaleza!
Era muito agradável caminhar aqui fora livremente, estava morno, com uma brisa agradável e refrescante.
Chegamos à cachoeira quando os sóis começavam a descer, era a cachoeira que estive com Ewren pouco tempo atrás. Ficamos ali nos divertindo e saltando das quedas d’água até o final da tarde esquecendo completamente do tempo.
Estávamos saindo da cachoeira quando os sóis quase não podiam mais serem vistos dali, quando senti um arrepio nas costas.
–Lóri, tem algo errado! – disse olhando em volta, porém sem encontrar nada.
–Senti algo estranho também! – ela estava alerta, seus olhos vermelhos brilhavam fortemente. Começamos a caminhar rapidamente de volta à base da Fortaleza, parecia que a distância havia aumentado consideravelmente, por mais que andássemos parecia que nunca chegaríamos.
O céu que estava manchado de púrpura e azul marinho agora começava a ficar escuro e as primeiras estrelas apareciam, um vento gelado soprava contra nós como se quisesse nos atrapalhar a chegar ao nosso destino. Aquela estranha sensação aumentava, sentia um medo irracional mesmo estando com Lórien, ela parecia ter a mesma sensação, pois estava agarrada em meu braço e tinha lágrimas nos olhos.
Tive a estranha sensação de estar sendo seguida, parei subitamente e me virei para trás. O que vi, teria feito-me morrer de medo se estivesse sozinha, meu coração parou de bater e minha pele ficou gelada. Lórien estava parada de olhos fechados e tremendo.
–Lóri... o que é aquilo – minha voz saiu tremida e chorosa.
–um Nukelavee... – ela soluçou ao dizer o nome da criatura. – ele é... imune a magia... e extremamente forte... – a voz dela mal saia. – desculpe Leona, Não estou conseguindo reagir... – ela tremia toda, eu também e além de tremer chorava e suava frio.
A criatura era horrível, parecia um homem montado em um cavalo, porém o homem se unia ao torso do animal, sua cabeça era estranhamente grande e tinha apenas um olho vermelho e flamejante, não tinha pele, seus nervos, músculos estravam a vista e seus braços longos se estendiam até o chão. Podia ver seu sangue negro correndo pelas grossas veias aparentes, meu próprio sangue estava congelado, nunca tivera tanto medo em toda minha vida. A criatura Abriu a boca mostrando suas presas escuras, e uma névoa esverdeada saiu daquela boca fazendo as plantas que estavam em volta dele murcharem imediatamente.
Juntei o pouco de coragem que havia me restado, agarrei Lórien pelo braço, tentei correr, mas a criatura sumiu e apareceu novamente poucos centímetros atrás de nós.
–Lórien... – Ela havia caído de joelhos no chão e estava com os olhos cinzentos e apagados. A criatura tirou de sua boca uma longa espada afiada, manchada de sangue velho e deu mais um passo em nossa direção. Parecia que ele só via Lórien, seu único olho vermelho estava fixo nela.
Fechei os olhos e rezei para algo acontecer, não importava o que fosse, e se fosse minha hora, que acontecesse bem rápido.
Senti o chão vibrar sob meus joelhos e escutei um uivo sinistro vindo da floresta, a criatura e eu viramos as cabeças na mesma direção ao mesmo tempo, Mal pude ver o que derrubou aquele monstro com apenas um golpe. Era o Waheela Gigante que havia crescido com meu sangue! Ele segurava a criatura com os dentes e a sacudia como um brinquedo, fazendo voar sangue negro e pedaços do Nukelavee para todos os lados. Na pata direita do Waheela havia uma marca prateada brilhando, como a marca de correntes de Ewren.
Lórien havia voltado ao normal e parecia não acreditar no que estava vendo. O Waheela terminou de comer a outra criatura e veio em nossa direção.
–Ahh – gemeu Lórien olhando o animal se aproximando de nós – não morremos para um Nukelavee para morrer para um Waheela gigante...
–Olhe a pata dele! – disse enquanto ele se aproximava de nós lentamente. Ele parou de frente para mim, abaixou-se como se fosse deitar sobre as patas dianteiras e encostou sua cabeça em mim. Ele era tão grande, que sua cabeça ainda era maior que a metade de meu corpo. Ele se esfregou em mim, esperando algo em troca, o acariciei com a mão ainda trêmula, se pelo azulado estava coberto de sangue nego da criatura que ele havia acabado de destroçar diante de nós.
–Vem Lóri... – a puxei delicadamente, ela estava em choque, a levantei para andarmos de volta a fortaleza, o Waheela se mexeu em nossa direção fazendo Lórien se encolher de novo.
–Acho que ele quer que montemos nele. – disse subindo em seu torso. Lórien ainda relutante me deu a mão e subiu atrás de mim. Quando o Waheela se levantou, agarrei-me ao seu pelo, ele era tão grande que ficamos a quase dois metros do chão quando ele ficou de pé. O animal começou a trotar devagar como se esperasse que pudéssemos cair dele, de repente deu um pulo e pousou no ar, como se estivesse parado em uma plataforma invisível, ele saltava cada vez mais alto até vermos o muro de Lótus Vale. O Waheela pulou por cima do muro e pousou na praça central. Escorreguei de cima de suas costas rapidamente, caindo sentada no chão, só nessa hora comecei a chorar. Lórien também estava caída ao meu lado chorando e me abraçava com força.
–Você não disse que as torres evitavam que esse tipo de criaturas entrasse nessa região? – perguntei tentando recuperar minha voz.
–Eu menti! – respondeu ela entre soluços – Inventei aquilo porque fiquei com medo de você desistir, mas elas não servem pra nada só para demarcar a área de Lótus vale mesmo, são apenas torres de observação... Achei que se falasse que estaríamos desprotegidas lá embaixo você se recusaria a sair!
–Lórien, eu vou te matar! – disse esticando minhas mãos para apertar seu pescoço. (Não de verdade, só para fazer um pouco de drama mesmo) – Sorte que ele apareceu! – afaguei novamente a cabeça do Lobo-urso que estava em minha frente e me observava com os grandes olhos laranja, iguais ao sol Sirius.
–Entra na fila, depois dessa vou ter que me dividir várias para Ewren, seus pais e minha mãe poderem me matar também! – ela caiu para trás e ficou deitada no pátio.
–Vou te dar o nome de Amaterasu! – disse ao Waheela, ele bufou depois correu pelo pátio, era tão dócil quanto um gatinho doméstico.
–Por que Amaterasu? – Lórien quis saber.
–Amaterasu é a deusa do sol na cultura oriental da Terra e os olhos do Waheela são da cor do Sol Sirius. Achei que ia combinar e o Waheela é Fêmea.
–Ficou legal mesmo...
Arin apareceu nas escadarias que levavam ao interior da fortaleza, trazia um pedaço de papel na mão.
–O que aconteceu? – ela esbravejou conosco, podia ver faíscas douradas saindo de suas mãos.
–Saímos da fortaleza e quase fomos comidas por um Nukelavee... – Lórien falou com tanta tranquilidade que tive certeza de ela ainda estar em choque por estar viva agora.
–O que? – Arin ficou vermelha. – Um Nukelavee nessa região, impossível!
–Olhe as manchas de sangue no pelo de Amaterasu... – respondeu Lórien apontando para o Waheela. Arin ficou pasma ao ver Amaterasu correndo pela praça e deu um passo para perto de nós.
–É aquele Waheela que usei para te mostrar o poder do seu sangue, não é?
–É sim! Ele nos salvou bem na hora.
–Ele sentiu que seu mestre estava em perigo.
–Mestre?
–Sim – Arin apertou o pedaço de papel que trazia em sua mão. – Ewren também sentiu que havia algo errado e me enviou essa mensagem. – peguei o pedaço de papel de sua mão e li “Ache Leona, ela está em perigo! Chegarei ai o mais rápido que puder!”. Meu estomago afundou, Ewren com certeza brigaria comigo, Lórien ficou tão pálida que podia facilmente ser confundida com uma alma carregadora.
–Lórien... Será que se andarmos lá fora de novo, encontramos outro bicho daquele? – Ewren iria nos matar de forma bem mais dolorosa do que ser comidas por um Nukelavee.
–Pouco provável... Mas podemos pedir ao Amaterasu para fazer com nós duas o ele fez com o monstro lá fora, vai doer menos, te garanto! – Arin revirou os olhos para nosso drama e nos mandou entrar.
–Vou providenciar um local para esse seu bichinho ficar, e comida para ele. – disse ela observando Amaterasu, que agora estava rolando pelo chão do pátio de boca aberta e língua para fora. Fui tomar banho para tirar todo o sangue daquele monstro de mim, outra coisa que estava ficando comum aqui em Amantia, era eu ficar suja com o sangue de alguma criatura. Onde o sangue dele respingou em meu corpo ficaram pequenas manchas avermelhadas como queimaduras e ardiam. Deitei em minha cama enrolada pela toalha com os joelhos dobrados e cobri o rosto com um travesseiro. Estava com mais medo da reação de Ewren ao saber do que fizemos, do que da reação de meus pais, eles com certeza só iriam chamar minha atenção e reclamar da minha falta de cuidado, mas podia escutar os berros que Ewren daria ao chegar aqui, afinal tinha dado minha palavra que não sairia daqui. Acabei cochilando enquanto pensava em uma boa desculpa e já imaginava todo o diálogo em minha mente.
Acordei sentindo alguém agarrar minhas pernas e puxá-las depois morder a parte interior da minha coxa. Estiquei a mão para o lado pegando minha espada de prata e levantei-me fazendo uma bola de fogo cruzar o quarto e sair pela janela percorrendo todo o céu até desaparecer em meio as montanhas, meu coração estava a mil, Ewren havia desviado por pouco da bola de fogo. Estava com as sobrancelhas erguidas e uma expressão de surpresa no rosto, ele estava tão bonito, seu cabelo estava amarrado e usava um uniforme negro com botões prateados e uma insígnia de duas espadas cruzadas sobre o peito.
–Pelo menos eu sei que se fosse outra pessoa aqui, você não a deixaria tocar em você e sair impune! – disse ele suspirando - Mas ainda está distraída de mais, deveria ter notado minha presença.
–Ficou louco? Eu podia ter matado você! E estava dormindo, não tem como me concentrar em volta enquanto durmo! – Gritei me esforçando para fazer minha pulsação voltar ao normal. Ele subiu na cama, sentando sobre minhas pernas e prendendo meus braços acima de minha cabeça, piorando meu estado de nervos.
–Eu vou perguntar uma vez só... – ele sempre fazia isso, olhar dentro de minha alma quando queria a verdade – O que vocês foram fazer lá fora?
–Estava entediada, quis passear um pouco...- falei tentando parecer inocente.
–Entendo... – Ele suspirou fechando os olhos - Um modo muito legal de acabar com o tédio é morrer devorada por um demônio sanguinário! – Ewren sabia ser sarcástico.
–Sinto muito, fomos descuidadas...
–Descuidadas? – gritou ele me interrompendo - Vocês têm merda na cabeça! Só pode! – Ele estava furioso, mais do que aparentava. – eu devia te castigar agora mesmo... – disse Ewren mudando sua aparência e mostrando um sorriso que deu arrepios em minha espinha, seus dentes ficavam muito mais afiados nessa forma, ele deslizou a mão de meu braço até meu pescoço e se debruçou sobre mim, mordendo de leve meu ombro, mas o suficiente para doer. – Se sair daqui novamente e sem nenhum segurança, eu vou ter que te punir de verdade... – disse ele se levantando e saindo de perto da cama, olhando o pátio pela janela.
–Vocês disseram que não podíamos sair de Lótus Vale, não falaram nada sobre não sair da fortaleza! – tentei me justificar. Seus olhos passaram de prateados a vermelhos.
–Então eu vou falar novamente, de forma correta... – disse cada palavra lentamente – se sair da fortaleza sozinha novamente, eu não vou ser bonzinho com você! – tinha horas em que ele me dava mais medo que o monstro fora da fortaleza...
–Não estava sozinha, estava com Lórien! – ele me deu um olhar debochado.
–Sair com Lórien? É mais seguro sair sozinha! – retrucou Ewren esfregando o rosto irritado.
–Mas ela foi incrível naquela vez em Vintro... – o lembrei dela lutando na batalha de Vintro.
–Ela estava focada, hoje ela só estava querendo se divertir, são duas Lóriens diferentes, ela tem meio que um transtorno de personalidade múltipla, você não percebeu isso?
–Não, achei que ela tivesse apenas mudanças de humor repentinas...
–Pois não são mudanças de humor repentinas, você que tem que cuidar dela quando saírem juntas! – ele me repreendeu.
–Desculpe, não faço mais...
–Me prometa que não vai sair da fortaleza sem uma escolta.
–Prometo. – depois de hoje, talvez não quisesse sair da fortaleza nem com todo o exército junto.
–Sorte que você tinha um amigo como eu... – disse ele me levando até a sacada e apontando para o estábulo. Amaterasu estava deitada no chão, comendo o que parecia sem um Pisuri bem gordo.
–Ela é uma guardiã também?
–Você deu seu sangue a ele também?
–Sim...
–Então é um guardião!
–Ela, Amaterasu! – sorri olhando a Waheela lá embaixo, ela havia ganhado um banho, seu pelo brilhava com a luz da lua, parecia até bem fofinha agora.
–Tanto faz! - Ewren se posicionou para saltar da varanda da torre, eu o segurei.
–Já vai voltar? – meu coração apertou.
–Vou ficar até seu aniversário, Aeban permitiu que eu viesse e ficasse aqui com vocês até lá para ter certeza que não fariam mais nada de errado! – ele havia contando para eles!
–Então por que está saindo?
–Para não cair em tentação... – olhei para aqueles olhos prateados que me hipnotizavam e sorri.
–Vou me comportar, só fique aqui mais um pouquinho... – acariciei seu rosto com as pontas de meus dedos.
–Então faça o favor de tirar essa toalha e vestir uma roupa, se não vai ficar difícil me concentrar aqui! – fiquei corada, não havia notado que ainda estava de toalha. Peguei um vestido preto que Lórien havia me dado e o vesti, deitei na cama e fiquei o observando andar lentamente até mim.
–Ao contrário de você, eu não mordo, pode chegar perto! – provoquei batendo com a mão na cama.
Ele riu e se sentou encostado na cabeceira da cama. Deitei sobre seu colo e fiquei o encarando.
– que marcas são essas? – perguntou ele olhando as queimaduras estranhas em meu braço.
–Acho que são do sangue do Nukelavee. – Ewren ergueu meu braço e assoprou onde as marcas estavam, senti a pele ficar gelada e em seguida as manchas sumiram. – O que foi isso?
–Um truque que aprendi com Arin. – Agarrei seu cabelo e o puxei para meus lábios, dando lhe, um beijo e mordendo de leve seu lábio inferior. Ele se afastou e fez menção de levantar da cama o segurei antes que pudesse sair.
–O que está fazendo? - perguntei enquanto ele me tirava de seu colo e se levantava.
–Você disse que iria se comportar! - Ewren me encarou frustrado - não está fazendo isso, então estou saindo. Você ainda está de castigo!
–Ei! Calma! Estava brincando! – falei tentando fazê-lo ficar, mas ele simplesmente se afastou e saiu pela sacada. Não acreditei que ele sairia de verdade, fiquei ali sentada na cama por um bom tempo olhando para fora, achando ele fosse voltar dizendo que era brincadeira, mas foi sério, ele saiu mesmo, isso me deixou bastante irritada!
Desci para jantar, estava um pouco chateada ainda, mas mesmo assim fui comer, afinal a fome é meu maior inimigo, estava sempre com fome, mesmo quando não estava com fome, queria comer.
Escutei Ewren brigando com Lórien dentro da sala de meu pai.
–Você sabe que não dá para saírem assim, ainda mais com você sem as asas!
–Já pedi desculpas, vai continuar gritando?
–Vou, até entrar na sua cabeça que é perigoso! Você parece uma criança Lórien!
– e você é um velho, no corpo de um jovem! – mentalmente discordei dessa parte, ele não tinha nada de velho a não ser os quatro dígitos de sua idade, suspirei e entrei na sala. Lórien veio até mim e segurou meu braço.
–para de brigar com ela Ewren! – falei fazendo cara feia.
–Vocês têm que criar juízo! – respondeu ele bufando, dando-se por vencido.
–Até criaria, mas não sei o que esse bicho come! – disse Lórien com uma risadinha.
–Lóri, assim fica difícil te defender! – falei levando-a em direção a mesa de jantar. Arin estava séria, quieta e olhava pensativamente pela janela. O jantar foi servido, pela primeira vez estávamos todos em silêncio, não havia conversa nem brincadeiras a mesa como houve nos outros dias, apenas rápidas trocas de palavras pedindo para passar uma travessa ou algo assim, mais nada. Ewren conseguiu assustar e deixar todos de mal humor, ele sabia ser um chato.
Voltei para a torre silenciosamente com Lórien andando atrás de mim também em silêncio.
–Ele reclamou muito? – perguntei depois de algum tempo m silêncio deitada em minha cama.
–Sim...
–Está chateada comigo?
–Pelo meu irmão ser um chato? Não, você não tem culpa, e fui eu que decidi sair...
–Mas eu concordei! Então não se sinta tão culpada.
–Era a última coisa que eu esperava encontrar em Lótus Vale... Não tem como um Nukelavee estar tão longe assim do mar!
–Não estamos tão longe assim do Porto da Besta Santa.
–Mas mesmo assim, eles nunca se afastam de cidades costeiras!
–A não ser que ele tenha sido mandado pra cá... O que você acha? – me virei para observá-la melhor. Seus olhos estavam arregalados.
–Eles não obedecem a ninguém vivo! Isso é impossível, tem que ter sido apenas uma coincidência.
Ewren apareceu na sacada assustando-nos, ele entrou no quarto e veio direto para minha cama, já havia mudado de roupa, ele se deitou ao meu lado e me puxou para perto dele.
–Acho melhor eu sair... – Lórien ia saindo de mansinho de sua cama.
–Não, fique ai mesmo. – Ewren olhou por cima de meu ombro, fazendo cara feia para Lórien, ela então virou-se de lado para dormir e apagou a luz do quarto.
–Você não disse que não ia mais ficar aqui comigo?
–Não disse nada disso, agora fique quieta ai e vá dormir, antes que eu mude de ideia e saia daqui. – Respirei fundo, Ewren sabia como ser irritante, senti uma enorme vontade de falar, “Saia então se é o que você quer” mas preferia ficar em silêncio e dormir em cima de seu braço pois sabia que se eu dissesse, ele sairia sem pensar duas vezes.
–Você é um chato Ewren!
–Não te desculpei ainda, vai mesmo começar a me provocar? – ele puxou meu queixo para cima, tocando de leve seus lábios nos meus.
Me virei de costas para ele, fingindo o ignorar, pude sentir ele sorrindo atrás de mim, ele então apertou minha cintura e acariciou meu pescoço, meu corpo todo se arrepiou.
–Ewren, pensando melhor, eu quero que você saia daqui! – meu coração estava disparado.
–O que? – perguntou incrédulo sua voz chegou a ficar diferente.
– Se você não vai fazer nada, então não me provoque, se é para ficar então se comporte! – ele ficou em silêncio, parado como uma estátua. – decida logo! – resmunguei.
Ewren se ajeitou atrás de mim, passando seu braço sobre os meus e ficou em silêncio. Queria rir, ele deve ter ficado chateado comigo, pois ficou em silêncio e dormiu quase na mesma hora.
Retirei seu braço de cima de mim e fui até a sacada do quarto, estava muito agradável, a brisa suave da noite trazia um perfume parecido com de Jasmins e romã, a lua crescente parecia sorrir para mim. Queria tanto que fosse apenas essa tranquilidade sem temer sair da torre, mas Amantia era um mundo completamente selvagem... Voltei para a cama, Ewren dormia tranquilamente era como se um anjo estivesse ali dormindo em minha cama. Deitei novamente ao seu lado e entrei no mundo dos sonhos novamente...
3
Aniversário
O Sábado havia finalmente chegado, de manhã quando fomos tomar café, meus pais já estavam lá.
– Olá! – sorri o máximo que pude e fui abraçá-los. Minha mãe estava mais alegre que da última vez que a vi e Aeban estava olhando pela janela, Arin olhava também. Discretamente, olhei para ver o que eles tanto olhavam, era Amaterasu, ela estava brincando com Ewren e Lórien lá embaixo, quando ela corria, sentia o chão vibrar levemente.
–Não sei se eu quero saber por que tem um Waheela com o dobro do tamanho de um Waheela adulto correndo e brincando no meu pátio como se fosse um cãozinho adestrado.
– Pergunte a sua filha! – respondeu Arin olhando para mim. Agora sei porque Ewren e Lórien não estavam aqui, no meu aniversário ia sobrar bronca para mim. Pelo visto Ewren não disse a eles tudo o que realmente aconteceu.
Lhes contei toda a história do que havia acontecido, quando acabei, minha mãe estava vermelha como um tomate, Aeban estava com os dentes serrados olhando novamente para fora.
–Fugi desse mundo com você para te proteger, para você chegar e ficar se pondo em risco toda hora? – minha mãe ficou desapontada comigo, Aeban também, mas ele preferiu não falar nada. Eu havia perdido completamente o apetite. – Vou ter que trancar você para você entender que por enquanto não é seguro? – minha mãe se levantou para vir em minha direção mas Aeban a impediu.
–Quero falar com ela a sós, podem se retirar por favor? – Arin e minha mãe saíram, sem nem olhar para trás.
Sentei-me no sofá perto da janela e fiquei seguindo Aeban com os olhos.
Ele saiu da sacada e veio em minha direção e se ajoelhou em minha frente, isso me fez sentir totalmente desconfortável senti algo estranho nele, diferente talvez por tê-lo visto transformado, e isso havia me assustado muito, o mais estranho eram as marcas negras em seu corpo, ele cortou meus pensamentos com sua voz macia e terna.
–Sei que não fez por mal, é um tédio ficar preso aqui, eu sei disso mais que qualquer um! – ele me pegou de surpresa com suas palavras, achei que ele fosse reclamar também – Mas você precisa se colocar no lugar das pessoas que estão se sacrificando para tentar te manter segura, como nós nos sentimos quando estamos fazendo de tudo para proteger você e você simplesmente faz as coisas como se não se importasse com nada!
–Eu me importo! Só estávamos entediadas, é muito chato ficar aqui!
–Então, quando for fazer algo assim de novo, leve um guarda com vocês!
–Não vai nos proibir de sair de novo? – perguntei pasma.
–Não, sei que não ia adiantar nada, só espero que se forem fazer isso de novo, levem um guerreiro com vocês. – disse ele segurando meu rosto com as mãos, me senti estranhamente mal com seu toque, algo que não era comum pois sempre me sentia segura e confortável perto dele.
Ele pegou um pequeno saquinho de veludo dentro do bolso e entregou para mim.
–Que isso?
–Seu presente de aniversário. – Ele sorriu para mim, abri o saquinho e o virei na mão, era um bracelete, era lindo trançado e cheio de flores azuis. – É um bracelete de platina, foi feito na cidade de cristal.
–É lindo, muito obrigada pai! – Ele o pegou de minha mão e colocou em meu braço. Depois segurou meu rosto e me deu um beijo na testa.
–Finge que eu briguei com você! Se não sua mãe vai reclamar mais ainda quando descobrir que não disse nada! – eu ri enquanto admirava o bracelete.
–Tudo bem! - Ewren entrou na sala.
–Aeban, Eirien está aqui. – meu coração acelerou de repente. Aeban se levantou e saiu da sala, nos deixando sozinhos.
–Feliz aniversário... – disse ele para mim, dando me um beijo na mão.
–Obrigada.
–Mais tarde te levo para ver seu presente.
–O que é? – estava me roendo de curiosidade.
–Surpresa... – respondeu ele tirando meu cabelo do rosto e o colocando atrás de minha orelha. – Quer conhecer a rainha de Amantia? – quando ele disse essas palavras meu estômago embolou, fiquei nervosa e comecei a suar frio.
–A-Acho que mais tarde... – ele riu ao perceber meu nervosismo.
–Vamos! – ele me pegou pelo braço e saiu pela sala me arrastando, nem parecia que eu estava realmente resistindo pela facilidade com que ele me arrastava. – Ela está no Jardim, não gosta de lugares fechados.
Cada passo pelo corredor até o jardim só aumentava meu nervosismo. Quando chegamos à entrada do jardim, Ewren passou a minha frente. Havia uma Elfa sentada no banco próximo à arvore de flores azuis. Ela era linda, parecida com Arin, só que um pouco mais velha. Atrás dela, um pouco mais afastadas, haviam duas mulheres fazendo sua guarda, eram altas e carregavam longas espadas brilhantes de aparência perigosa.
–Vovó? – Ewren chamou, parecia uma ofensa chamar tal criatura de “avó” ela era jovem demais para ser avó de alguém como ele, aliás, ela parecia ser jovem demais para ser avó de qualquer pessoa. Quando ela o viu deu um sorriso maravilhoso, se levantou e veio até nós. Ela abraçou Ewren apertado por um longo tempo e afagou suas costas.
–Meu neto favorito! Quanto tempo não o vejo! – A única diferença dela para Arin eram os olhos, Eirien tinha os olhos castanhos e expressivos.
–Vovó, essa é minha esposa, Leona, a filha da sacerdotisa dos Ventos. – tive que segurar o fôlego quando ela me encarou, senti como se ela tivesse segurado minha alma nas mãos, como se tivesse visto cada minuto de minha vida com aquele olhar, depois de um breve momento de silêncio enquanto ela me encarava, finalmente ela sorriu e veio me abraçar.
–É um prazer conhecê-la Leona! – disse ela afagando meus braços carinhosamente.
–Se não se importam, estou ajudando Arin e Aeban a organizar o salão... – Ewren beijou as mãos dela – Te vejo mais tarde! – ele saiu tão rápido que nem pude lhe dizer um “até depois”, fiquei tensa novamente.
–Venha Leona, vamos nos sentar! – Eirien andou até o banco e sentou, ela sorriu e fez um gesto para que me sentasse ao lado dela. Fui até lá e me sentei também. – Então, Leona, é muito bom saber que uma pessoa maravilhosa como você está cuidando bem de meu neto...
–Na verdade não sou tão maravilhosa assim, e é ele que cuida mais de mim... – respondi o mais cordialmente que pude.
–Eu vi cada minuto de sua vida, você pode não ser uma pessoa perfeita, mas é ideal para ele, pois você viu seu lado bom e escolheu ficar ao invés de desistir, já que ele não é muito fácil de lidar.
–Nunca desistiria dele! – fui sincera, ela sorriu.
–Eu sei, infelizmente não posso lhe pedir bisnetos agora, mas creio que estamos bem perto de acabar com Veruza. – eu a olhei espantada, o mais estranho foi que ela não citou o nome de Arcádius.
–A senhora está ajudando a procurá-los? – ela sorriu.
–Tenho tanta gente atrás deles quanto o número de estrelas no céu, Leona, mas o nível do poder deles dificulta encontrá-los.
–Por que a senhora faria isso?
–Ele é meu favorito, se ele aceitasse, o colocaria à frente de todos os meus descendentes para assumir o trono na Cidade de Cristal, mas ele nunca se interessou por isso, ele tem o espirito aventureiro como o do pai... – seu rosto corou levemente – E também por que criei Lupine, Arin e Nellena no meu palácio. Então você também é como uma neta para mim!
–Entendo... – Eirien parecia ser uma pessoa maravilhosa, sua voz era tão agradável e seu sorriso era encantador. – Nellena, Arin e minha mãe foram criadas no seu castelo? – perguntei surpresa só dando-me conta depois do que ela havia dito.
–Sim, Arin já tinha dez anos de idade quando Lupine chegou em nosso castelo, ela tinha uns cinco anos, aprendeu tudo com Arin mesmo com a diferença de idade, Arin se tornou melhor amiga de Lupine, elas viviam agarradas. – Eirien sorria com as lembranças.
–E Nellena? – perguntei curiosa.
–Ah, Arin e Lupine foram passear um dia escoltadas por um grupo de soldados em treinamento, quando acharam uma vila de caçadores que estava sendo atacada por Lobisomens. Elas ajudaram os soldados a espantar os lobisomens, quando estavam verificando e ajudando os feridos, acharam Nellena ferida gravemente em uma das casas, ela tinha quase a mesma idade de sua mãe naquela época, por volta de uns quinze anos. Elas a trouxeram para o palácio, infelizmente ela perdeu o olho esquerdo naquele dia, mas quando acordou, jurou fidelidade e pediu para ser treinada pelos caçadores. Então ela conviveu um pouco com as duas! – ela riu. – Elas eram terríveis! Aprontavam demais! Lupine era tão teimosa que pelo menos três vezes por semana eu a castigava! Elas se tornaram inseparáveis mesmo quando não estavam juntas. Usavam espelhos encantados para conversar. – ela contou a história rindo.
– Como nós descobrimos as coisas, não é? Minha mãe sempre pareceu tão séria! – falei surpresa.
–Leona, sua mãe quer que você suba para provar seu vestido! – Meu pai apareceu na entrada do Jardim. Ele falou comigo e logo depois desapareceu de novo. Não entendi por que saiu tão rápido sem ao menos cumprimentar Eirien. Quando olhei para Eirien para pedir licença, seus olhos castanhos estavam vermelhos como o sangue.
–hm, a senhora está bem? – perguntei um pouco assustada.
–É uma pena você ser filha dele ... – ela olhava o lugar onde meu pai esteve com desconfiança. – Não confio nele, se coubesse a mim a decisão de tirá-lo do controle do exército, mas eu arrumaria muitos inimigos se fizesse isso agora. – acho que ela apenas pensou alto, pois olhou-me assustada.
– Por que não confia nele? – perguntei.
–Você confia? – a pergunta dela me pegou de surpresa, afinal ele era meu pai.
–Confio... – seu olhar me fez parar de falar.
– Não deveria confiar tanto assim em alguém como ele... Bom, talvez seja apenas uma impressão minha. – disse ela suspirando.
–Não estou entendendo... – olhei para a escadaria onde ele estivera a pouco.
–Posso ver tudo sobre alguém apenas a olhando nos olhos, uma habilidade que tomei de meu irmão antes dele falecer, Aeban nunca me encarou, nunca me deixou olhar em seus olhos! – as palavras dela me fizeram sentir algo estranho no peito.
–Eirien, preciso ir, não posso deixar minha mãe esperando ela já está zangada comigo por causa de Ewren, agora que sei que a senhora a conhece bem, pode imaginar, não é? – ela riu quando fiz uma careta de medo olhando para a torre.
–Vá, nos vemos mais tarde! – disse ela me dando um abraço apertado. – Ah! Mas antes... – ela tirou um pequeno embrulho de seda de dentro de uma bolsa e me entregou – seu presente, e bem vinda à minha família! – ela sorriu e piscou para mim. Ela era menos formal do que esperava que fosse.
–Obrigada! – abri, ela uma linda presilha de ouro, uma flor de lis cravejada de pequenas pedras amarelas. – É muito bonita! Agradeço por merecer tal presente! Agora tenho mesmo que ir, muito obrigada Eirien! – disse me afastando, ela acenou para mim e suas guardas se aproximaram dela.
Corri para dentro do Castelo e fui até meu quarto, Onde Lórien dava alguns gritinhos histéricos e minha mãe ria, provavelmente dela.
–Cheguei... – entrei devagar no quarto para ver do que elas estavam rindo. Em cima de minha cama havia um monte azul de tecidos e um espartilho de cor creme com babadinhos brancos em cetim.
–Mãe, por favor, me diz que isso é uma cortina!
–Deixa de ser boba, vai ficar lindo em você! – gemi olhando ela levantar aquele vestido.
–Quando foi que voltamos à idade média?
–É um vestido adaptado da renascença, e não da idade média! Em que você estava prestando atenção nas aulas de história?
–Por favor, deixe eu vestir qualquer outra coisa mãe! Isso é horrível! – ela pareceu ofendida, Lórien caiu na gargalhada.
–Eu sabia que ela ia odiar, Lupine! Eu te disse que ele era muito feio! Não vai combinar com ela! – Lórien foi até o armário e pegou outro vestido, um lindo, lilás e de um tecido fino, com movimento e caimento perfeito.
–Mãe, deixa eu usar aquele? – ela pareceu decepcionada.
–Mandei fazer esse com todo carinho para você, mas tudo bem. – ela pegou o vestido e saiu do quarto.
–Mãe! Não faz assim! A senhora me conhece a dezoito anos, como pode fazer algo assim e achar que eu ia gostar?
–Desculpe... – ela saiu mesmo assim.
–Ela não era chata assim na terra! – disse olhando para Lórien.
–Ela está só tentando te agradar, acho que só piorei a situação rindo... – Lórien deixou o vestido na cama e foi atrás de minha mãe, eu o peguei e vesti, ficou tão lindo! Não tinha como querer usar aquele sino azul.
–Ele ficou lindo em você! – Ewren estava sentado na cama me observando.
–Como chegou ai? – ele deu um sorriso alegre.
–Sou um mestre da Furtividade! – Ele veio até mim e arrumou a alça de flores de meu vestido e abotoou a carreira de botões de pérola nas costas, virou-me para olhar como havia ficado, fiquei corada e virei o rosto para o lado, tentando evitar sorrir, mas ele puxou meu rosto e mordeu meu queixo e ergueu uma sobrancelha sorrindo para mim.
–Isso dói! – reclamei esfregando o queixo, ele mordeu os lábios de forma tão sexy que me derreti. – Você tem um problema com mordidas não é?
–Eu gosto de morder, é bem divertido.
–Percebi isso... – disse virando-me de volta ao espelho.
–Lindo esse vestido! Adorei ficou tão perfeito! – disse girando para ver por completo como estava vestida. Ewren riu.
–Fui eu que o escolhi... – olhei incrédula para ele – Viu, acertei perfeitamente no tamanho, não é? – Então foi por isso que minha mãe ficou chateada.
–Quer ajuda para tirar? – ele mexeu nas minhas costas tocando os botões novamente. Lórien voltou ao quarto e vinha sendo seguida por minha mãe que deve ter concordado em voltar. Lórien tapou os olhos dela antes que ela chegasse à porta e fez um gesto com a cabeça.
Ewren saiu de fininho pela sacada, “mude de aparência” Lórien apenas moveu os lábios, acendi minhas marcas e fiquei olhando para o espelho.
–Olha como ficou o vestido, Lupine! – disse ela puxando minha mãe para dentro do quarto e tirando a mão dos olhos dela.
– Tem razão, Lórien! Ficou muito bonito mesmo! – disse ela andando em volta de mim para ver o vestido melhor – quem fechou os botões? – ela parecia desconfiada.
–Eu mesma, usei meus poderes! Qual a graça de ser maga e precisar de ajuda para fazer tudo? – estava aprendendo a mentir com Lórien, que me deu uma piscadinha.
–Bom, preciso ir lá para baixo fazer sala para vovó Eirien, ela vai ficar irritada se for deixada sozinha! – Lórien se retirou num piscar de olhos.
–Filha, preciso falar com você! – suspirei, conhecia aquele tom de voz.
–Pode falar mãe. – Ela veio até mim e me abraçou forte.
–Eu te amo, por favor, não me abandone nunca, tá certo? – senti um aperto no coração e lágrimas vieram aos meus olhos. – Feliz aniversário minha criança.
–Também te amo, mãe! Não vou te abandonar nunca, não se preocupe com isso! – Senti pena dela, ela saiu daqui com medo de me perder, e agora a qualquer instante algo podia acontecer, mas eu mantinha pensamento positivo e coragem.
Ao final da tarde, Lórien estava no quarto comigo, fazendo um penteado em meu cabelo, ela às vezes até parecia a adulta que era. Lórien trançou meu cabelo desde o alto, depois abriu os gomos da trança colocando pequenas pregadeiras douradas de Flor de Lis, depois me maquiou quando olhei no espelho quase não me reconheci.
–Lórien você é fantástica! – falei observando cada detalhe de meu cabelo trabalhado.
–Às vezes! – ela riu – É sua vez!
–O que? – suei frio, não sabia fazer nada, meu estilo era cabelo solto e de preferência bem selvagem e bagunçado.
–Isso mesmo, faça algo legal por mim! – disse ela sentando-se na cadeira em frente ao espelho.
–Lóri... Não sei fazer nada de bonito assim como você fez!
–Use seus poderes ué, só não de deixe careca, por favor!
Fechei os olhos e tentei lembrar de algum penteado legal, mas tudo que consegui pensar foi em um coque solto. Movi minhas mãos e fiz o coque que imaginei, ficou bonito, mas ainda faltava alguma coisa, então fiz uma coroa de flores amarelas e pequenas aparecerem, combinou perfeitamente com o vestido dela.
–Ficou muito bom! – disse ela olhando no espelho. Ela me guiou para fora do quarto, quando chegamos à porta do salão meu estomago começou a embrulhar.
–Lórien, estou com medo. – ela parou e se virou para mim surpresa.
–Medo de que? – ela me olhou com estranheza.
–Um monte de gente que eu não conheço, falando comigo me dando parabéns sem nem me conhecer...
–E se você tivesse casado com Ewren como Andros e eu? Ia desmaiar de vergonha quando chegasse ao altar?
–Acho que sim! – achei que ela tivesse compreendido, pois ela segurou meus braços carinhosamente.
–Leona... – ela me olhou nos olhos então abriu a porta do salão e me puxou para dentro rapidamente – A Aniversariante chegou pessoal! – berrou ela me segurando onde todos pudessem me ver, senti meu rosto corar, todos estavam me olhando e batendo palmas, comecei a me sentir tonta e sem ar. Ewren apareceu no meio daquelas pessoas e segurou minha mão, eu o apertei tão forte que se ele fosse uma pessoa normal, teria quebrado seus dedos facilmente. Ele beijou o topo de minha cabeça.
–Venha por aqui! – andei com ele em meio aquele mundo de “gente”, todos estendiam as mãos para apertar a minha e me dar parabéns, não importa o mundo que eu vivesse, aniversários eram iguais em todos.
Minha mãe estava parada bem próxima a um grupo de mulheres que estavam viradas de costas para mim.
–Depois nos falamos! – Ewren me deixou ir até elas e foi ficar com Lórien, Andros e Eirien.
–Leona! – ela chamou sorrindo – Essa é Mayra, minha mãe! – Uma mulher de um passo à frente para me abraçar.
–Nem acredito que só agora descobri que tinha uma neta! – ela era tão parecida com minha mãe, que chegava a ser estranho, parecia mais como uma irmã do que com minha mãe, na verdade, todas as mulheres que estavam ali se pareciam muito, a diferença que mais se sobressaia eram as cores dos cabelos.
–Muito bom te conhecer, vovó! – respondi.
–Essas são Pytia, minha irmã e Belve, sua filha! – Pytia se aproximou e me abraçou também.
–Feliz aniversário!
Belve apenas acenou para mim e foi para a sacada em forma de lua do salão, Ela tinha Longos cabelos dourados e olhos cor de mel, era tão linda que me senti mal em sua presença.
–Peço desculpas por ela, ela está muito estranha ultimamente! – disse Pytia para mim, sorri ignorando a grosseria dela, talvez não gostasse de festas tanto quanto eu.
Fiquei ali ouvindo a conversa, elas falavam sobre o passado, sobre seus maridos e sobre as parentas que já haviam falecido, Ouvi o nome de Emma e dei graças por Ewren não estar perto para ouvir isso.
Meu nervosismo era tão grande que nem quis chegar perto do bufê, que parecia maravilhoso, na parte de comidas humanas, claro.
Pouco depois Aeban apareceu no Salão seguido por duas silfas que traziam em um carrinho, um bolo gigante de cinco andares. Desejei de todo o meu coração que eles não começassem a cantar “Parabéns para você” mas foi exatamente o que fizeram.
Eles já entraram cantando parabéns, o que me deixou mais constrangida ainda, ficaram olhando para mim enquanto eu me aproximava do bolo. Quando acabou a música, eu cortei o primeiro pedaço do bolo e ofereci o primeiro pedaço a Eirien, que sorriu com o meu gesto.
As silfas que trouxeram o bolo começaram a cortá-lo e distribuí-lo, Aeban saiu do salão em direção à sacada e foi seguido por Belve, achei aquilo um pouco estranho então resolvi ir até eles para observar.
Devagar, saí pela porta da sacada e olhei em volta, ela era longa e em formato de meia lua e as pequenas colunas que sustentavam o parapeito eram feitas de um metal brilhante e azulado com o formato de flores de Lis, andei até o beiral e discretamente olhei para os lados, eles estavam conversando do lado direito, senti um frio na barriga quando os vi. Aeban estava segurando Belve pela cintura e sussurrava ao seu ouvido. Disfarcei, fiquei apoiada na sacada comendo meu bolo fingindo que não havia visto nada. Eles perceberam minha presença e se afastaram, Belve voltou ao salão olhando-me com os olhos semicerrados, quando ele se aproximou de mim Ewren apareceu também e colocou seus braços em volta de mim.
–Gostando da festa, querida? – Meu pai me perguntou olhando-me desconfiado.
–Sim! Amei! – respondi dando o maior e mais alegre sorriso que consegui, a desconfiança deixou seu rosto – Que bom que gostou! – Ele sorriu e voltou ao salão.
–O que houve? – Ewren perguntou quando Aeban se afastou.
–Como sabe que tem algo errado? – perguntei encarando-o.
–Você pode enganar a qualquer um, menos a mim. – sussurrou bem próximo de meu pescoço. – Vamos, fale o que houve!
–Aeban estava em um contato muito intimo com minha prima aqui fora.
–Como assim? – A voz de Ewren deixou transparecer sua confusão.
–Ele estava abraçado com Belve e estava sussurrando algo para ela.
–Quem é essa Belve?
–Minha prima, aquela. – olhei para o outro lado da sacada, Belve estava lá com Pytia. Apontei na direção delas discretamente com o queixo. Ewren olhou na direção delas e ficou pálido e tenso, foi como se estivesse sendo abraçada por uma rocha.
–Ewren? – olhei para seu rosto, ele estava com os olhos arregalados e expressão confusa.
–Fique aqui está bem? Eu já volto... – ele se afastou de mim em direção a elas. Não pude acreditar que ele havia me deixado aqui para ir até elas, aquilo me deixou com ciúme e magoada.
–Aproveitando a festa? – uma voz masculina falou ao meu lado, assustando-me.
–Oh, olá! – respondi – Sim, a festa está muito boa... – menti. Virei-me na direção da voz e fiquei perplexa, era Guinn, ele estava muito bonito, bem arrumado e sorria para mim.
–Você está odiando, não está? – ele riu.
–Ah não! Está tão aparente assim? – falei tocando meu rosto como se isso fizesse minha expressão melhorar.
–Por que não gosta de festas? – perguntou ele olhando para as pessoas dançando dentro do salão.
–Não é que eu não goste de festas, adoro festas, menos as que dizem respeito a mim!
–Entendo, gostaria de ir dançar? – perguntou ele me estendendo a mão.
–Bom, não sei se é uma boa ideia. – disse olhando na direção de Ewren, ele estava conversando com Pytia e Belve, Pytia estava com lágrimas nos olhos e tapando a boca e Belve me encarava, seu olhar era frio.
–Ele parece meio ocupado no momento. – Guinn seguiu meu olhar até eles. – Ou você não sabe dançar?
–Fiz anos de Balé e dança de salão. – respondi com orgulho, se tem algo que eu sabia fazer bem era dançar.
–Então qual o problema? A aniversariante tem que estar à disposição dos convidados, não aqui fora! – ele pegou minha mão e me puxou para dentro do salão contra minha vontade. Estava tocando uma valsa suave, ele me girou e segurou minha cintura, senti um frio na barriga de nervoso.
Ele dançava com perfeição, tinha movimentos suaves e suas mãos eram leves sobre mim, fiquei com o rosto quente e tentei disfarçar meu constrangimento.
–Você dança muito bem! – ele elogiou, mas falou muito perto do meu ouvido, me afastei ligeiramente, mas ele me puxou de volta com um movimento rápido fora do ritmo da dança.
–Só não me entenda errado, Guinn! Estou apenas fazendo uma gentileza. – respondi.
–Eu sei. – ele sorriu – só isso já basta para mim. – antes de acabar a música Ewren apareceu e educadamente com um gesto fez Guinn se afastar e tomou seu lugar, sua atitude foi calma, mas seu olhar era feroz para Guinn, se pudesse lhe arrancar a cabeça com um pensamento, ele teria feito. Ele se afastou e saiu do salão sorrindo.
–Se ele voltar a se aproximar de você, eu quebro o pescoço dele. – disse Ewren num rosnado.
–A culpa foi sua dele ter se aproximado, você me deixou sozinha para ir falar com minha prima. – respondi grosseiramente.
–É a irmã de Emma, por que não me contou que eram primas? – ele estava chateado comigo por ter escondido isso dele?
–Faria alguma diferença você saber disso? – falei com desdém, começando a ficar irritada.
–Não... – ele estava me apertando com força.
–O que foi falar com elas? – não consegui segurar minha curiosidade.
– Elas são ruins... – disse ele olhando novamente em direção a elas – seus corações são escuros...
–Por que acha isso? – olhei-as também, pareciam normais para mim.
–Não acho, tenho certeza – ele ainda olhava discretamente em direção a elas. – ela é quase idêntica a Emma! – ele não tirava os olhos de Belve
–Foi por isso que foi até lá? Para ter certeza de que não era Emma que estava ali? – perguntei grosseiramente tentando me soltar dele e sair de perto, ele me puxou de volta como se fosse um movimento da dança para que ninguém notasse. A música acabou e ficamos nos encarando no meio do salão, Ewren me puxou delicadamente para fora, fomos novamente para a sacada.
–Eu a vi morrer Leona, nem aqui, nem em nenhum dos outros onze mundos as pessoas voltam à vida, pelo menos não costuma acontecer isso e se voltarem algum dia, estarão vazias! você disse que Aeban estava com uma atitude suspeita com ela eu fui checar, pois achei estranho ele estar assim justamente com ela. – ele estava me encarando, seu olho azul estava bem mais claro que de costume e o prateado brilhava.
–Está bem. Desculpe! – suspirei, sentei-me no parapeito de braços cruzados e fiquei admirando o céu.
–Vamos lá para dentro, ou as pessoas vão começar a questionar o porquê a aniversariante não está à disposição delas. – disse ele olhando-me de canto de olho.
Muita gente estava solicitando minha atenção, conheci todos os tipos de “pessoas”, Políticos e pessoas influentes de todas as raças. Fiquei com uma pulga atrás da orelha, não havia necessidade de tantas pessoas politicamente influentes numa festa de aniversário, só os parentes desconhecidos já seriam suficientes. Algumas pessoas me cobraram um casamento formal, com a festa, fiquei envergonhada, mas falei que iria pensar sobre o assunto.
Foi incrível conhecer minha avó, ela foi a primeira a ir embora, mas pediu que eu a visitasse no vale das Orquídeas, que era a cidade Natal da família Arbarus.
Devia ser quase duas da manhã quando as pessoas começaram a se retirar, tive que ficar na porta para agradecer a presença de cada um e me despedir formalmente, depois de catalogar a biblioteca do antiquário de minha mãe na terra, essa foi à coisa mais chata que tive que fazer.
Joguei-me na cama com vestido e tudo depois que todos foram embora, Feroz estava deitado todo largado na cama e esticou as patas para cima de mim, havia uma enorme pilha de presentes no meio do quarto, do qual só tive interesse imediato de abrir o de vovó, que era uma caixinha bem pequena embrulhada em papel de veludo roxo e com um laço pequeno dourado em cima. Abri delicadamente com pena de estragar o papel. Dentro tinha uma caixinha de madeira, entalhada a mão cheia de desenhos de flores.
Era um anel, era tão lindo, o aro era delicado, feito de platina trabalhada como se várias folhas em miniatura se juntassem formando o anel, em cima havia um círculo de pequenos diamantes e no meio deles uma pequena orquídea lapidada em uma ametista. Ele coube perfeitamente no meu dedo médio da mão direita. Dentro da caixa tinha um pequeno bilhete: “Um presente único para uma jovem única, que essa joia de sua bisavó a proteja de todos os males”.
–Obrigada! – disse baixinho admirando o anel.
A porta da sacada se abriu violentamente fazendo uma ventania bagunçar tudo dentro do quarto, levantei rapidamente para fechar a porta, o vento havia cessado, fui até o lado de fora para ver o que havia acontecido, não havia nada demais, virei-me para voltar para o quarto e levei um susto, Ewren estava parado na porta de asas abertas impedindo minha passagem.
–Você gosta de me dar sustos não é?
–Um pouco! – ele arrumou o cabelo e estendeu a mão para mim – quer ir até o seu presente? – falou.
–Não sei, meu aniversário foi ontem... – disse me fazendo de difícil.
–Então tá, já que não quer. – ele subiu no para peito da sacada, revirei os olhos, nada que eu conhecia funcionava com Ewren.
–Espera! Estou brincando, seu chato! – reclamei fazendo bico.
–Eu sei! – ele tirou um lenço grande do bolso da calça – não quero que você veja até chegar lá! – fiquei nervosa, porém deixei-o amarrar o lenço, não consegui enxergar mais nada ele me pegou no colo e pulou da sacada.
A sensação foi à mesma de descer um morro rapidamente com um carro, um frio no alto da barriga, era muito divertido voar de olhos fechados.
–Alguma dica? – perguntei.
–Não, você é curiosa de mais sabia? A curiosidade pode ser muito perigosa se não controlada!
–Sou sim, sempre fui! Curiosidade é o meu segundo maior defeito, depois da fome, só faço bobagem quando estou curiosa sobre algo.
–Já percebi isso. – ele respondeu bufando. Senti-o inclinar levemente e depois virar, se não me engano, estávamos indo para a Montanha nublada, percebi na hora pelo movimento que ele fez, mas resolvi fingir surpresa.
Quando ele pousou não me colocou no chão de imediato, me levou no colo para dentro da casa, pelo cheiro, sabia que estava certa, pois a primeira vez que vinha aqui a casa tinha cheiro de chá e hortelã pimenta. Não consegui conter um sorriso, apenas mordi o lábio para ele não perceber que eu já sabia. Ewren me pôs no chão.
–Vou tirar a venda... – sussurrou baixinho para mim, meu coração acelerou e fiquei nervosa. Quando ele tirou a venda, tive uma surpresa o quarto de sua casa havia sido transformado, as paredes haviam sido pintadas com uma perspectiva como se uma floresta inteira tivesse sido colocada no quarto, à pintura parecia tão real que tive que tocar para ter certeza de que não tinha mesmo uma floresta aí. Alguns móveis foram trocados, no lugar da cômoda agora havia uma penteadeira em madeira rústica com um espelho oval sobre ela e uma luz em formato de flor.
A cama ele não tinha trocado.
–Você disse que gostou dela, então não mandei trocar.
–Ficou muito bom! – disse ainda olhando em volta para ter certeza de que era real.
Ewren me abraçou por trás e beijou meu pescoço.
–Feliz Aniversário, Bem vinda à sua nova casa...
Fiquei tão feliz que não tinha como descrever para ele o que estava sentindo, virei-me para ele e o beijei. Ele começou a desabotoar o vestido, e deslizava os dedos sobre minha pele cada vez que abria um botão, fazendo isso bem lentamente, depois que desabotoou tudo sai de perto tentando lhe provocar.
–Daqui a pouco eu volto... – disse andando de costas até o banheiro.
Liguei a água e entrei na banheira, estava me sentindo mais nervosa do que de costume perto dele, então resolvi ficar alguns minutos dentro da água para me acalmar.
Ouvi a porta de correr do quarto se abrir, Ele deve ter ido para a varanda.
Fiquei mais algum tempo imersa na água, até o calor da água começar a fazer minha pele ficar vermelha.
Sai do banho me enrolei na toalha e fui para a varanda também, Ewren estava apoiado no parapeito olhando para baixo.
– O que está vendo? – perguntei procurando algo na escuridão das florestas abaixo de nós, ele segurou meu rosto e virou na direção certa.
–O lago dos olhos. – disse ele, ao longe o lago brilhava na escuridão, milhares de bolas douradas flutuavam em cima dele.
– É muito bonito daqui... – Ewren me pegou e me colocou sentada em cima do beiral da varanda, agarrei seus braços com tanta força que minhas unhas perfuraram sua pele.
– Calma, não vou te deixar cair! – ele ficou em minha frente, prendi minhas pernas ao redor de seu quadril com medo de cair. Ele riu e me abraçou.
– Adorei meu presente de aniversário! – falei tentando manter minha respiração normal.
– Não te dei seu presente ainda. – ele soltou as mãos de mim e tirou uma caixinha do bolso e a abriu, era um conjunto de ouro com o símbolo da família dele, brinco com uma pequena flor de lis cercada por pequenos cristais azuis e um colar com pingente dourado também uma flor de lis, mas dentro de um medalhão de cristal.
– minha avó me deu para que eu entregasse para a pessoa que conseguisse me trazer de volta para a família. – ele sorriu. – Na verdade isso estava guardado, achei que nunca o entregaria para alguém! – fiquei feliz ao ouvir isso, significava para mim que nem Emma foi tão importante para ele.
– É muito bonito! Obrigada! – ele os colocou em mim e me abraçou. Fiquei agarrada a ele por um minuto, gravando o máximo que eu podia de cada momento. Ewren afastou meu cabelo para poder me olhar, ele percebeu o quanto estava com medo de cair então me pegou nos braços e me levou de volta para o quarto. Ele me colocou na cama e foi em direção a porta do quarto. Fiquei confusa observando-o sair.
– Volto já... – piscou um olho para mim e passou pela porta, fechando-a atrás dele.
Fiquei ali deitada esperando ele voltar, alguns minutos se passaram e ele não apareceu, o sono estava forte quando saímos da fortaleza e agora estava quase me vencendo, mal conseguia lutar contra a ardência em meus olhos. Fui até a cozinha pegar um pouco de água, a cozinha era bem dividida bonita, era interessante como eles usavam energia eólica aqui, em todos os lugares haviam pequenos cata-ventos que geravam energia. Voltei para o quarto e deitei na cama, meus olhos estavam tão pesados, então os fechei apenas para descansá-los enquanto Ewren não retornava.
Ewren:
Voei rapidamente por cima das florestas até chegar a floresta de Kiralum, procurando uma coisa que podia impedir a maldição de ser passada para frente, a erva dos sete sóis nascia muito bem nessa região mais úmida. Minha visão me permitia enxergar uma semente de sarsis branca em qualquer lugar no chão sem dificuldade alguma, ela era a menor flor em toda a Amantia. Andei mais um pouco com cuidado, para não pisar na erva se a encontrasse, com apenas algumas folhas pequenas poderia fazer uma grande quantidade da poção, o bom dela é que não teria nenhum efeito colateral a longo prazo, era só interromper a ingestão e tudo voltaria a ao normal, senti-me culpado por fazer isso sem o consentimento dela, mas ela entenderia que era para o seu próprio bem.
A poção da erva dos nove sóis era bem simples de ser preparada, foi uma das últimas coisas que Noliah, meu padrasto me ensinou antes de deixar Amantia, o seu efeito contraceptivo fazia efeito algumas horas depois de ser ingerido era rapidamente absorvido pelo corpo e seu efeito durava por dias.
Procurei mais um pouco pela erva de folhas verde ou púrpura sulcadas por sulcos rasos e verdes, pronunciadamente aromáticas e amargas. Um pouco mais para frente, perto da beira do lago encontrei alguns exemplares e os colhi. Seria o suficiente por um bom tempo, afinal, só precisaria tomar quando Eu estivesse com ela.
Talvez misturasse com chá de anis e mel, ai o gosto ruim sumiria por completo.
Levantei voo quando o céu já estava clareando, mas o ar gélido da noite ainda se fazia presente, a sensação de voar sempre foi uma das minhas favoritas desde que ganhei as asas.
Passei bem próximo da Fortaleza de Lótus Vale para conferir se estava tudo bem por lá, de relance vi Aeban sentando em sua mesa, as janelas de sua sala estavam abertas, tenho certeza de que ele não me viu, pois sua cabeça estava baixa sobre os papéis em sua mesa.
Ultimamente ele vinha com um comportamento estranho, ele não tinha tanta paciência quanto tinha há um tempo atrás, estava o tempo todo correndo, como se esperasse algo acontecer, só mudava quando estava próximo a Leona, eu o observava de longe, não a tocava como um pai toca em sua filha, com carinho e ternura, ela era muito inocente para perceber as sutis mudanças do comportamento dele, ele a tocava como se estivesse tentando conquista-la, ganhar sua confiança, e isso me deixava profundamente irritado e desconfiado de suas intenções, mas fingia não notar, para ver exatamente o que ele planejava, para que ele também confiasse em mim assim eu poderia o vigiar bem de perto. Lupine havia percebido algo também, e agora parecia mais arrependida do que nunca de ter voltado com Leona, de não ter saído novamente quando chegou a Amantia, ou talvez fosse só coisas de minha cabeça e ela estivesse apenas preocupada com Arcádius, por mais que eu tentasse acreditar nisso, era algo que não entrava em minha cabeça.
Não podia arriscar, precisava ficar bem perto dele para manter Leona segura, precisava entender seus planos, e saber deles antes que ele soubesse de mim.
4
Jardim
Suspenso
Os sóis já se erguiam no céu quando cheguei novamente à nossa casa, entrei silenciosamente, coloquei as ervas no balcão da cozinha e fui até o quarto, Leona estava deitada na cama, dormia profundamente, enrolada ainda na toalha e com frio. Ri por dentro, Peguei um edredom e a cobri, tirando a toalha úmida devagar, para que não acordasse.
Ela se virou na cama, empurrou o travesseiro para longe e apoiou sua cabeça em seus braços, os usando de travesseiro, por um instante achei que fosse acordar, mas ela apenas sorriu e continuou dormindo, fiquei curioso sobre o que ela estava rindo enquanto dormia, queria descobrir o que ela estava sonhando, mas fiquei com medo de tocá-la e ela acordar. Ela enrolou os dedos em seus selvagens cabelos castanhos, estava ainda com os lábios rosados repuxados num pequeno sorriso.
Era difícil acreditar que era minha, somente minha, parecia tão inocente dormindo diferente da garota irritante, teimosa e grosseira que era quando estava acordada. Leona era diferente de tudo que já havia visto, era como uma tempestade depois de um dia muito quente.
Fui para a cozinha preparar a poção, separei os utensílios que usaria sem fazer barulho, enquanto o chá da erva fervia, preparava os outros ingredientes em um recipiente de porcelana, no qual as propriedades do chá não seriam perdidas se fosse tapado de forma correta.
Lembrei-me da primeira vez que a vi logo que chegou a Amantia, quando ela me encarou a primeira vez na hospedaria em Alamourtim. Não quis admitir para mim mesmo, mas foi como olhar uma lua cheia após ter vivido a vida inteira observando o céu apenas com as estrelas, pois a lua cheia iluminava as noites mais escuras e inspirava as pessoas, sua alegria parecia contagiar as pessoas à sua volta assim como Lórien fazia só aquela maldição que a atrapalhava nisso, trazendo apenas pessoas ruins à sua volta.
Eu era uma daquelas pessoas ruins, porém que havia recebido mais uma chance de me concertar, talvez nem a merecesse, mas iria aproveitar a oportunidade. Leona era completamente diferente de Emma, que era doce e gentil, nunca levantava a voz e era boa sempre, frágil e delicada de mais, não tinha coragem para ferir uma mosca e seu olhar por vezes era vazio, como se lhe faltasse algo, já Leona era viva! Seu olhar tinha um poder sobre mim que não podia explicar, era forte, corajosa e teimosa, mas também sabia ser delicada, feminina e por vezes uma mulher ardente, que não tinha medo de enfrentar nada nem ninguém. Admirava isso nela, porém era o que me dava mais medo, ela não media suas lutas, queria enfrentar coisas maiores do que podia. Era muito poderosa, mas não sabia usar seu potencial ainda.
Quando a poção ficou pronta, preparei o café para levar a ela na cama, com certeza havia ficado chateada comigo por tê-la deixado sozinha, mas ela era imprevisível para saber ao certo. Misturei a poção em seu chá de anis, ainda com um pouco de remorso de não contar a ela o que estava lhe servindo “é para seu bem” pensei, tentando me convencer. Mesmo que não fosse apenas para o bem dela, precisava manter minha cabeça no lugar para investigar Aeban bem de perto e lembro-me de como Emma sofria na gravidez, passava noites sem dormir com febre e com dores, agora sabia que era por causa do efeito da maldição. Seria a hora em que ela ficaria vulnerável, que a maldição perdia um de seus estranhos efeitos, a avó de Leona, Mayra, havia me dito que a partir do momento em que o corpo detectava a gestação, a maldição perdia o efeito que as deixaram imortais.
Ela tentou se matar quando era jovem por medo de passar a maldição adiante, mas não conseguiu, pois as Arbarus só podiam morrer depois de terem passado a maldição adiante, ela havia descoberto isso quando a sua sobrinha, Katherine, filha de Ervie adoeceu no começo da gestação e morreu algumas semanas depois. Mayra não teve coragem para tirar a própria vida quando descobriu que estava esperando Lupine e Pytia. Enquanto ela me contava isso, agradeci silenciosamente por ela ter sido forte ou covarde o suficiente para não optar pela morte, pois não teria sua neta para comigo se ela o tivesse feito.
A ideia de perder Leona também me dava calafrios. Preparei uma bandeja com o café dela e fui até o quarto, ela ainda dormia tranquilamente, havia girado na cama, deixando as costas parcialmente expostas, a pele branca e macia brilhava suavemente com a claridade dos sóis que entravam pela porta aberta da varanda, ela estava rindo seu rosto estava avermelhado. Ainda não conseguia acreditar que alguém como eu tive a chance estar ao lado de alguém como ela, ela conseguiu mudar tudo dentro de mim, a vontade de fazer as coisas de forma correta, os sentimentos que eu não conseguia ter por ninguém, via tudo de forma diferente agora. Aquela cor em seu rosto era o que mais me tentava outrora, quando estávamos indo até a Torre das Nuvens.
– Leona? – coloquei a bandeja em cima da mesa de cabeceira e peguei sua mão, a esfreguei chamando novamente – acorde! – ela se virou, mas não acordou, quando se tratava de sono, era mais fácil despertar um urso hibernando do que ela. Mordi sua mão, ela deu um pulo na cama, seus olhos assustados me ficaram por um momento, depois ela sorriu.
– Aonde você foi? – ela esfregou os olhos, se enrolou no Edredom e sentou-se encostada na cabeceira da cama.
–Tive que ir procurar por uma erva na floresta de Kiralum – Eu queria ser o mais sincero possível, ela nem questionou, simplesmente assentiu com a cabeça. Entreguei-lhe a bandeja com o café ela sorriu ao pegá-la.
–Obrigada! – pegou a cabeça e tomou o chá tranquilamente, sem desconfiar de nada, não importa o que eu dissesse a mim mesmo, isso ainda parecia de alguma forma errado.
–Preciso voltar para a fortaleza hoje? – ela me encarou com aqueles olhos verdes e brilhantes, seu olhar era quase triste para mim.
–Não, tenho permissão para ficar uma semana aqui, só preciso ir até a fortaleza pegar algumas coisas. – menti, iria até lá mais tarde para dizer que ficaria aqui alguns dias com ela antes de voltar para Vintro.
–Tudo bem! – ela se iluminou. Abaixei a cabeça rindo, era tão fácil enganá-la.
–O que foi? Do que está rindo?
–De você, você é muito pervertida, sabia? – ela ficou tão vermelha que pude sentir o calor de seu rosto só de estar perto dela.
–N-não sou não! De onde tirou isso? – ela desviou o olhar.
–De você querer ficar aqui comigo só para ter-me todo para você! – respondi, ela mordeu os lábios tentando não sorrir.
– Se você diz... – Ela me lançou um olhar cheio de malicia, depois virou o rosto para o lado, mal conseguia me encarar era tímida e ao mesmo tempo não era.
Ela terminou te tomar café, fui levar as coisas na cozinha, logo em seguida ela estava atrás de mim, enrolada em um lençol.
–O que está fazendo? – perguntei olhando-a tentar prender o lençol embaixo dos braços.
–Não trouxe roupa nenhuma, esqueceu? – tive que respirar fundo para não ser grosseiro, Leona simplesmente não conseguia usar seus poderes para coisas simples.
–Então fique sem! – respondi sabendo que ela ficaria sem graça, e ficou. – Você é uma maga, lembra? Pode fazer qualquer coisa!
–Eu me esqueço disso! – ela virou as costas e voltou para o quarto, escutei a porta do banheiro se fechar. Não pude conter um sorriso, muitos sonham com o poder que ela tem e não usa, ela tinha um nível de magia tão alto quanto de Lupine ou até maior e não a usava e às vezes isso me preocupava, pois ela precisava saber usar seus poderes. Iria pedir que Lórien a ensinasse a usá-los enquanto eu estivesse em Vintro, ela não se negaria a ensinar Leona a usar os poderes, pois ela amava Leona tanto quanto eu, elas tinham uma espécie de ligação estranha que eu não podia entender.
Leona voltou do banheiro usando um vestido branco na altura dos joelhos, e seu cabelo estava preso no alto em uma trança embutida e com um adorno com o símbolo da família Ascardian.
–Quem te deu essa presilha? – perguntei passando a mão sobre seus cabelos macios. Ela virou-se para mim e sorriu.
–Eirien, ela o deu de presente ontem quando estávamos no Jardim! – eu a puxei para meus braços e beijei seu pescoço, sussurrei para ela – É uma prova de que você é da minha família agora. Essa presilha ela fez para minha mãe, quando era criança, mas minha mãe lhe devolveu quando se casou. – ela tremeu ao meu toque, era difícil manter o controle quando estava perto dela, seu cheio era inebriante, era adocicado, como flores de plumeria recém colhidas. Prendi meus dedos em sua trança, queria beijá-la e ter seu corpo novamente, mas fazia pouco tempo que havia lhe dado àquela poção, ainda não havia dado o tempo de fazer efeito. Dei-lhe apenas um beijo, seus lábios macios e quentes, se moldavam perfeitamente aos meus, seu hálito doce, sua língua hábil, era muito para meu frágil controle sobre mim quando estava perto dela. Afastei-me com dificuldade.
–Faz um favor para mim? – Ela pediu quando me afastei.
–Depende do que vai pedir...
–Quando for fazer isso de novo me avisa! – ela respirava com dificuldade, pelo visto, eu também tinha algum poder sobre ela.
–Isso o que? – antes que ela pudesse me responder a agarrei de novo, colando nossos corpos e a beijando com mais intensidade, Leona entrelaçou os dedos em meu cabelo e acariciou meu pescoço com a outra mão, minha pele se arrepiou com seu toque.
–Estão ai? – ouvi Lórien chamando na varanda – não estão fazendo nada constrangedor ai não, né? – Não sei se fiquei contente ou zangado com a intromissão dela, talvez mais contente do que zangado, pois teria feito algo do que poderia me arrepender depois.
–Não estamos fazendo nada de mais Lórien! – Leona gritou para ela revirando os olhos com o rosto corado.
Lórien entrou nos olhando desconfiada depois sorriu.
–Ouvi uns sons estranhos e muito suspeitos ali de fora! Achei que vocês estivessem... – segurei sua boca antes que ela falasse alguma coisa a mais.
–Lórien, não estávamos fazendo nada! – Leona respondeu envergonhada, abaixando a cabeça.
–Se estivesse, ia ficar muito feio você chegar sem avisar que viria, Lóri! – falei tentando manter a voz calma, Lórien se ofendia à toa e chorava caso se sentisse indesejada.
–Tudo bem, só queria confirmar se estavam aqui, Lupine quase teve um infarto essa manhã quando entrou no quarto e não viu Leona, ela ficou falando “Ai meu deus eu sou jovem demais para ser avó”.
–Sim, claro, muito novinha para ser avó! – respondi com deboche, Lórien riu, mas Leona pareceu não entender. – Sua mãe é mais velha que eu Leona!
–Isso eu sei! Mas não acredito que essa seria a maior preocupação dela! Poderiam acontecer coisas muito piores! – Meus braços se arrepiaram ao ouvir ela dizer isso.
– Ela iria se preocupar com mais o quê? Você está com um guardião!
– Mil possibilidades de dar algo errado, Lórien! Quando vivia na terra, uma amiga me lembrava constantemente de uma citação todas as vezes que planejávamos fazer algo potencialmente perigoso...
–Que citação? – Lórien ergueu suas sobrancelhas.
– Nenhuma situação é tão ruim que não possa piorar! – Leona e Lórien riram, revirei os olhos e cobri a boca.
– Deviam pensar nisso vocês duas, antes de saírem por ai! – falei - Fique aqui com ela Lórien, quero ir rapidamente a fortaleza pegar umas coisas para Leona... – iria avisar Aeban que ficaria alguns dias a mais. Se o que eu desconfiava fosse verdade, seria bem provável que ele apoiasse minha ideia.
– Esperaremos aqui! – Lórien não era a pessoa mais confiável para deixar cuidando de Leona, mas minha casa era protegida o suficiente. Dei um beijo em Leona e saí, saltei da torre em queda livre, quando faltava pouco para o chão abri as asas e virei em direção ao vale. Enquanto sobrevoava as florestas, vi um grupo de bruxas caminhando, elas carregavam os ossos de alguém sobre uma pedra, como se fosse um cortejo fúnebre. Os ossos pareciam estar queimados, não pelo fogo, era como se tivessem sido queimados com sal ácido do mar das tormentas.
Desci até elas, por ser um guardião, elas não poderiam usar seus feitiços contra mim. Elas se assustaram e quiseram correr.
–Não precisam correr, só quero saber a quem pertenciam esses ossos! – falei grosseiramente, as velhas se encolheram, entreolharam-se então a mais velha delas respondeu encolhendo-se.
–São os ossos de Black Jango... – Lembrei-me de Leona com o sabre na mão, de joelhos em frente ao corpo dele. Talvez essa fosse uma das memórias que eu nunca mais fosse esquecer, ela era muito corajosa para uma menina da sua idade, imprudente, mas corajosa, isso eu não podia negar.
–Para onde estão o levando?
–Não lhe interessa para onde estamos o levando! – gritou uma das bruxas, acho que a mais jovem delas. Ela veio até mim batendo os pés e com lágrimas nos olhos. – Você o matou não é? Já teve sua vingança! Já é o suficiente! – ela gritava – se não pode respeitá-lo nem na sua morte, pelo menos respeite minha dor! Ninguém foi até você tomar os ossos de Emma! – ela estava com os punhos cerrados, outras bruxas a seguraram.
–Acalme-se Fuuta! – ordenou a bruxa anciã que comandava o cortejo.
–Ele era meu! – gritou a bruxa chamada Fuuta, caindo de joelhos ao chão, Uma menininha pequena, de cabelos e olhos escuros, muito parecida com Black se aproximou da mulher e a abraçou.
–Se você fosse boa para ele, talvez ele não fizesse as coisas que fazia! – respondi ignorando as duas.
–Você não tem o direito de falar sobre os crimes dele Ewren Ascardian Lomérius! – ela me olhava com ódio, pude vê-lo escorrer em cada lágrima que escorria naquele rosto contorcido em dor. – Você cometeu crimes piores!
–Eu tive a chance de voltar aquele passado, mas foi me dada uma chance de escolher, e eu escolhi certo dessa vez. – disse me afastando para deixar que seguissem seu caminho. – E não fui eu quem o matei, ele morreu por acidente, enquanto lutava com a filha da Sacerdotisa dos Ventos, ele caiu sobre sua espada de prata, se olhar bem os ossos de suas costelas, vai perceber que a espada não penetrou profundamente! – abri as asas para partir. – Agradeça por eu não o ter feito senão você não teria nem os ossos para enterrar agora! – Não sei por que a confortei, nem sei se isso serviu realmente como um conforto.
–Eu agradeço a ela... – disse uma das bruxas mais velhas. – Meu filho voltou para casa sem a maldição de Licantropia, dizendo que uma sacerdotisa jovem purificou mais de cem lobisomens com seu poder de cura... – ela me olhava nos olhos, como se me agradecesse também pelas palavras. Fiz um gesto para ela.
–Direi a ela que seu gesto de não querer destruir os lobisomens mas sim purifica-los não foi em vão! – falei saindo de perto delas.
Voei novamente, por mais estranho que parecesse, senti empatia por elas, mesmo sendo bruxas pude entender o sentimento delas, a dor da perda era igual para qualquer um, independente do que eles fossem perder alguém amado, sendo ruim ou não, seria doloroso da mesma forma.
Cheguei a Lótus Vale rapidamente, pousei na sacada do quarto de Leona, pouco tempo que ela estava ali já havia criando um ambiente que lembrava tudo dela, o seu jeito de arrumar as coisas de forma organizada e ao mesmo tempo desajeitada, mostrava sua personalidade.
Peguei algumas roupas no armário, embora ela tenha utilizado de forma certa seus poderes para criar uma roupa, era mais simples só pegar e vestir. Deixei a sacola de pano com alguns itens pessoais na sacada da torre, depois peguei um livro na estante e desci até a sala de Aeban. Ouvi seus passos dentro da sala, Lupine falava sobre a proteção da fortaleza de Vintro com ele, caminhei silenciosamente pelo corredor até estar a pouco mais de um metro da porta e fiquei escutando. Aeban depois de alguns instantes de uma conversa que não me acrescentava em nada em minhas investigações pediu para Lupine ir até a cidade de Cristal falar com Eirien. “Por que ele estava querendo que ela saísse de Lótus Vale?”. Posicionei – me contra a parede, ela saiu em direção oposta a mim, nem sequer me viu ali. Peguei o livro e o abri em uma página qualquer e me dirigi até a sala andando fazendo um pouco de barulho agora. Olhei para dentro da sala, Aeban estava atrás de sua mesa, seus olhos estavam pousados sobre um documento, quando reparei bem, seus olhos estavam amarelos o que era estranho pois os olhos de Aeban eram castanhos, e apenas metamorfos tinham olhos amarelos. Baixei os olhos para o livro um milésimo de segundo antes dele olhar para mim.
–Leitura interessante? – perguntou ele inocentemente, levantei os olhos para ele, fingindo surpresa.
–Sim! – fechei o livro fingindo surpresa, seus olhos estavam castanhos novamente - estava tentando entender por que Leona gosta tanto deste livro. – falei inocentemente movendo o livro nas mãos.
–é sobre o que? – perguntou ele fingindo interesse.
– É um romance, mas parece ser bem chato, a meu ver, é sobre o amor de uma jovem por um colega de escola.
–ah! Parece ser chato mesmo. – ele sorriu para mim, podia estar desconfiando ainda, mas sabia disfarçar muito bem.
–Sem rodeios, vim lhe pedir permissão para ficar alguns dias a mais aqui em Edro, quero ficar uns dias com Leona na casa da Montanha! – Pude ver um brilho diferente em seus olhos.
–Fique à vontade, só não passe de uma semana, irei deixar Guinn em seu lugar no treinamento dos soldados da guarda, por enquanto! – acho que o que Eirien desconfiava estava certo, vovó tinha um motivo real para não gostar dele, ele estava mentindo em alguma coisa e eu iria descobrir.
–Obrigada pela compreensão, deixei de estar com ela depois de nos casarmos por respeito à Lupine. – falei.
–Aproveite o tempo então, nunca sabemos quando o que mais queremos pode ser tirado de nós! Acredite em mim, experiência própria! – ele me deu um olhar significativo, pude sentir a ameaça nas entrelinhas daquele “conselho”.
Estava voltando para o quarto de Leona quando encontrei Lupine sentada na escada segurando uma manta de cor creme em suas mãos, seus olhos castanhos e profundos estavam marejados e cheios de tristeza. –Lupine? Você está bem? – seu olhar estava parado, ela olhava para o nada apertando fortemente a manta.
–Essa é a manta que sai daqui carregando Leona para a terra... – ela levantou os olhos para mim – Ewren, tem algo errado por aqui! – sua voz saiu rouca e triste. - Não o deixe perceber, feche a sua mente para ele, eu sei que você sabe como fazer isso! – disse ela agarrando meu braço. – Proteja ela, por favor! – ela implorou.
–Vai ficar tudo bem! – respondi. – recomponha-se antes que Aeban te veja, e vá logo para a cidade de Cristal, conte a Eirien suas desconfianças, ela vai te ajudar! – ela entendeu bem minhas palavras e se sentiu alivia por eu a compreender e não achar que ela estava louca. Lupine levantou e se transformou, sua forma de maga era incrível, não tinha como negar. Ela bateu as palmas das mãos e uma coluna de luz a envolveu e ela desapareceu. Lupine sabia como ser incrível, mas fazia questão de ser simples, talvez por ter sido criada com a vovó ela acabou aprendendo a ser humilde, pois das mulheres de sua família, ela era uma das poucas que era assim e não considerava-se superior aos outros por causa de seus poderes, tirando Jocelinne que foi muito boa também e Emma, agora sabia que era uma Arbarus, mas nunca havia a visto usar nenhum tipo de poder. Voltei até o quarto da torre, peguei a sacola de roupas de Leona e saí dali. Agora tinha certeza de que estava tudo errado mesmo, eu iria descobrir o que ele estava tramando não importa o que poderia acontecer.
Enquanto voava de volta observei uma estranha movimentação ao pé da montanha, As árvores estavam quebradas e algumas manchas de sangue formavam um rastro. Desci para ver do que se tratava, mal pousei e quase fui atingido por uma flecha banhada em prata que passou a milímetros de meu rosto.
–Ewren! Me desculpe! Não achei que fosse encontrar você por aqui, céus quase te matei! – Nellena veio até mim e tirou a flecha que havia cravado na árvore pouco atrás de mim.
–Nena, o que faz por aqui? – perguntei olhando-a carregar a besta novamente, era sua arma favorita, era simples, a coronha de madeira trabalhada a mão com pequenos detalhes em aço e arco feito metal reforçado.
–Estou caçando! Três Trolls que fugiram de um cerco. Eles libertaram o dragão de Veddar, ele está furioso e me ofereceu uma boa recompensa se achar seu dragão e levar as cabeças dos três para ele colocar na parede! Um está ferido, devo achá-lo em breve! – ela sorriu arrumando seu tapa-olho. Seu olho direito era de um verde amarelado e parecia mais um olho de gato. Ela estava usando uma roupa de caça, mas era de caçar Aswang, um tipo de espartilho feito com couro de dragão que neutralizava o veneno deles, ela parecia estar escondendo algo.
–Quer ajuda para encontrá-los? – perguntei. Ela sorriu e amarrou seus longos cabelos negros e lisos num rabo de cavalo e voltou à trilha.
– Não se preocupe comigo! Já caçava esses nojentos antes mesmo de você nascer! Ainda não estou velha para precisar de sua ajuda! – ela acenou com a mão e desapareceu na trilha.
Quando cheguei a minha casa na torre, ouvi risadinhas de Leona e Lórien, respirei fundo com medo do que poderia encontrar ali, entrei em casa silenciosamente, fui até a cozinha e elas não estavam lá, depois até o quarto, a sala e nada delas, fui até a varanda onde as duas estavam sentadas no parapeito com as pernas para fora rindo baixinho. Tentei me aproximar para ver do que estavam rindo. Olhei em volta, nada. Olhei para baixo, nada também, quando ia perguntar a elas o que tanto riam, notei que seus rostos estavam vermelhos e que Lórien segurava nas mãos uma flor de Macenira parcialmente comida.
–Vocês comeram essa flor? – Elas se assustaram tive que as segurar para que não caíssem. Macenira era uma flor que podia embriagar uma pessoa apenas tocando nela com a língua. Leona virou para mim e mordeu os lábios.
–Já chegou meu doce? – sua voz estava totalmente alterada. Lórien deu gargalhadas como se tivesse escutado a melhor piada do mundo e se agarrou à Leona.
–Desculpe irmão, mas ela ficou tão fofinha assim! – disse ela acariciando a cabeça de Leona que desequilibrou e caiu para trás, se eu não a seguro ia bater com as costas no chão.
–Lóri, juro que vou proibir você de ficar perto dela! Menos de duas horas e você faz isso! – comecei a ficar nervoso com ela. – Sei que você é louca, mas mantenha suas maluquices sob controle! – Leona tapou minha boca com a mão.
–Não seja tão chato! Nós só estávamos brincando! – ela puxou meu rosto e me beijou.
–Lórien, a faça voltar ao normal, por favor! – pedi com toda a calma. Lórien amarrou a cara e estalou os dedos, fazendo uma neblina com cheiro de limão cobrir Leona.
–E agora? – perguntei arrumando sua trança que havia ficado toda bagunçada.
–Agora o que? – perguntou ela normalmente. – Por que estou no chão? – ela ficou confusa por um instante. Lórien deu gargalhadas de novo.
–Até mais! Estou indo até Górtia, na quinta estarei de volta! – ela pulou da sacada pousando sobre uma águia de papel que invocou e desapareceu em direção ao Leste.
–tenho sérias dúvidas sobre a idade mental dela. – falei baixinho, Leona me escutou e riu.
–Ela gosta de deixar as pessoas felizes, não importa a situação.
–Eu sei, mas às vezes ela passa dos limites! – Leona se deitou no chão apoiando a cabeça sobre o braço e ergueu o joelho, fazendo o vestido escorregar e deixar sua coxa a mostra, ficou de olhos fechados, por um momento achei que ela fosse cochilar, passei as pontas dos dedos em sua perna, fazendo-a se arrepiar.
–Tive uma ideia! – disse ela num pulo, assustando-me.
–Que foi isso agora? – perguntei encarando-a, ela sorria alegremente.
–Vamos lá na cachoeira? Está ficando calor aqui! – ela sorriu puxando minha mão. – O clima aqui é completamente descontrolado, não é? – perguntou ela olhando para o céu.
–Por que você acha isso?
–Pois quando eu vim na primeira vez, estava calor e era dezembro aqui, agora estamos em junho e continua calor!
–Hum, estamos na primavera, aqui é primavera em maio, junho e julho, verão em agosto, setembro e outubro, outono em novembro, dezembro e janeiro e inverno em fevereiro, março e abril. – expliquei.
–Aqui em Edro, certo?
–Sim, na verdade em Edro e Mantum as estações são mais regulares, já em Vintro é mais quente, pois recebe mais luz de Sirius, Lastar é congelado, pois recebe mais luz de Áries.
–Entendi. – ela ficou deitada pensando.
–Se quer ir, me ajude a preparar um lanche para podermos levar e comer lá. – Ela se levantou e foi para cozinha, tinha horas que parecia uma criança alegre, outras uma adulta, tinha horas que achava que era irmã de Lórien, as duas as vezes se pareciam muito. Mas eu gostava das duas versões dela. Ela chegou à cozinha e olhou para a mesa depois movimentou suas mãos fazendo surgir uma cesta em cima dela. Olhei dentro da cesta, estava cheia de coisas.
–Já consegue fazer coisas surgirem seu usar uma base e ainda sem o cajado? – perguntei surpreso.
–praticando na fortaleza! – Ela pegou a cesta e foi até a varanda, segui-a até lá, abri as asas e peguei-a no colo, voei em espiral ao redor da torre.
–Queria ter asas também! – disse ela depois de alguns minutos voando.
–Não gosta de ir comigo? – fiquei confuso pelo seu tom de voz irritado.
–Se eu tivesse asas no dia no Nukelavee, teria pegado Lórien e fugido para cima.
–E por que ela não fez isso? – perguntei.
–Ela está semas asas, perdeu elas numa aposta com Andros. – tinha que ser coisa dela mesmo.
– Ele impede que você use suas habilidades mágicas contra ele, mas não a impede de usar a própria magia, vocês poderiam ter voado com uma de papel mesmo. – percebi que elas não pensavam muito bem quando estavam com medo.
–Mas Lórien ficou estranha, os olhos dela meio que apagaram, e ela caiu de joelhos no chão... – quando ela me disse isso, senti um estranho calafrio.
–Ela ficou como se estivesse hipnotizada? – perguntei.
–Isso! – respirei fundo, Aquele Nukelavee foi enviado para executar Lórien, talvez já soubessem que era ela que estava tomando conta de Leona, e isso me deixava cada vez mais desconfiado, ainda mais por que elas estavam em Lotus Vale e não tinha como saber quando elas sairiam, um Nukelavee não costuma ficar muito tempo longe de seu antro, alguém o avisou que elas tinham saído de dentro da fortaleza e que estariam nas redondezas, tinha um informante em Lótus Vale, precisava descobrir quem era antes que algo de mais grave acontecesse.
Quando chegamos à cachoeira, Leona mal colocou a cesta no chão e transformou-se, por mais que eu a visse fazer isso várias vezes, ainda era lindo, era como ver lua cheia surgir no céu escuro e iluminá-lo. Ela soltou os cabelos fazendo-o cair em ondas prateadas sobre os ombros, moveu as mãos e fez o vestido mudar para uma roupa de banho.
– Não vai entrar? – Perguntou ela olhando-me sentado nas pedras.
–já estou indo. – ela caminhou cuidadosamente sobre as pedras da margem até a pedra que ficava no centro da cachoeira, depois pulou na água. Fiquei a observando nadar, mal sabia que os problemas ainda nem haviam começado, preferia manter-me em silêncio, a deixar ficar tranquila por enquanto, pois sabia que o que estava por vir poderia ser difícil demais para ela, ou talvez não, ela era imprevisível!
–Entra logo! – gritou jogando água em minha direção.
–Por quê? O que você quer comigo ai? – a poção demorava em média seis horas para fazer efeito, não podia deixar ela me seduzir com seu modo sutil de agir.
–Não quer entrar, não venha então! Nunca vi homem ter medo de água fria! – ri de sua provocação infantil e entrei na água também, tendo cuidado para não ficar muito próximo a ela.
Passamos o resto do dia ali, parecia que a qualquer momento ela poderia voar e desaparecer de meus braços, ela era quase como um espírito livre. O vento estava ficando cada vez mais gelado, a noite trazia os ventos das montanhas, chamei Leona para irmos embora, ela aceitou imediatamente, deveria estar quase congelando. Voei de volta para casa antes que escurecesse por completo e ficasse ainda mais frio.
– Vou tomar um banho ok? – disse Leona que estava com os lábios azulados de frio quando a coloquei no chão.
– Já disse o quanto você fica adorável congelando, não é? – brinquei.
–Disse sim, quando eu estava morrendo depois do Vale em Mantum. – ela saiu da cozinha e foi até o banheiro. Achava quase um absurdo ela ser uma maga tão poderosa e não usar seus poderes nem para se secar.
–Por que você quase não usa seus poderes? Poderia ter ficado seca e feito um casaco aparecer assim que saiu da água, por que não o fez então? – perguntei.
–Dezessete anos sem saber que tinha poderes, eu ainda esqueço-me deles às vezes! – gritou ela em resposta.
–Quer ajuda ai? – perguntei caminhando em direção à porta do quarto.
–Adoraria! – fiquei sem saber se ela falou sério ou não, pois ouvi um estranho barulho no telhado e saí para verificar, em cima do telhado havia uma bolha de sabão flutuando, uma das magias de Lórien. Aproximei-me e toquei sua superfície, ela estourou deixando a voz de Lórien sair: “Cheguei a Górtia, ficarei de olho daqui, logo estarei de volta”. Havia pedido para ela observar o movimento do exército por lá, pois muitos dos que foram mandados para Vintro não precisavam de treinamento, pois eram da guarda das cidades grandes ou eram caçadores treinados na Academia de Ciartes. Parecia que me queriam lá só para me manter afastado de Leona, talvez uma ideia de Lupine e que agora ela devia estar profundamente arrependida. Sentei no telhado e fiquei um bom tempo ali pensando no que faria a seguir, eu queria ir investigar, mas não iria aceitar se me afastasse dela agora, esperaria uma semana antes de partir novamente.
Estava ventando muito, o vento não me incomodava, mas sabia que a qualquer momento ela poderia subir para me procurar, então desci para encontrar Leona, que estava adormecida no sofá da sala, sentei com cuidado ao seu lado, puxando-a para meu colo ela acordou e franziu o cenho.
–Por que está me evitando? – ela sentou e me encarou.
–Não estou evitando você! – respondi.
–Está sim! No dia em que chegamos aqui você também saiu e só voltou no outro dia... - Segurei seu rosto em minhas mãos e acariciei sua bochecha com o polegar fazendo-a se calar, ficar corada e sorrir, a beijei, seus lábios sempre tão gentis contra os meus, seu corpo tão suave sob minhas mãos. Tirei suas roupas prendendo-a com meus braços, beijei seu, pescoço, seus ombros, seus seios, sua barriga. Seu cheiro era tão convidativo.
–por que você tem esse poder sobre mim? – ela perguntou num baixo gemido e passou a língua sobre meus lábios, ela sentou em meu colo, puxei-a para baixo com cuidado, para não machucá-la, ela gemeu com meu movimento e se moveu em resposta, apertei seu corpo contra o meu e a beijei novamente, fazendo minha língua explorar sua boca, seu corpo tremia por completo, cada vez que a possuía era algo novo, ela era como o ar que eu precisava para viver.
–Eu te amo. – disse ela por fim ao meu ouvido, enrolando os dedos em meus cabelos, seu corpo ainda tremia coberto de suor quando ela adormeceu em meus braços...
Leona:
Estava em seus braços, meu corpo estava quente, mais que o normal e tremia muito, meu coração batia irregular fazendo minha respiração ficar de forma errada. Não me sentia mais envergonhada de estar com ele, era tão bom tê-lo em meus braços que não fazia diferença para mim se alguém ia se incomodar ou não. Beijei seu pescoço, seu maxilar e sua boca, seu gosto era tão bom, agora tinha a certeza de que nasci para ser dele, adormeci em seus braços depois de lhe dizer o quanto lhe amava.
Levantei-me na cama ainda zonza de sono, Ewren não estava deitado, parecia que tinha o sono de uma ovelha, dormia menos de quatro horas. Vesti uma das roupas que ele havia trazido para mim de Lótus Vale e fui procurá-lo. Ele não estava em lugar nenhum da casa, nem no telhado. Do lado de fora os sóis ainda não haviam nascido, mas estava muito claro, andei do lado de fora reparando em algo diferente ali, parecia que um enorme jardim tinha coberto toda a gigante plataforma redonda que estávamos em cima, haviam flores, arbustos e plantas e um pouco mais para frente, perto da beirada da plataforma havia uma árvore com seu tronco liso quase branco de folhas alaranjadas.
–É um plátano... – Ewren estava atrás de mim.
–De onde saiu tudo isso? – perguntei espantada.
–Você fez! – ele parecia surpreso com a minha pergunta - Não se lembra?
–Não! Quando fiz isso? – toquei no tronco da árvore para ver se era real.
–Então estava mesmo dormindo... – disse ele olhando desconfiado para mim depois olhando para o imenso jardim que havia se formado na plataforma.
–Como assim dormindo? – estava ficando aflita com todo aquele seu mistério.
–Você se levantou da cama e veio até aqui fora e tocou as mãos no chão e disse assim “Só falta um jardim como o do castelo de Cristal para ficar perfeito” ai um brilho verde saiu de você e cresceu tudo isso aqui!
–Sério? – já havia tido algumas experiências de sonambulismo na terra, mas aqui e ainda usando os poderes foi surpresa. – E que luz é essa? – perguntei procurando a fonte de claridade, já que ainda não havia amanhecido.
–É a Lua das Fadas, ela acontece uma vez a cada mês, no segundo dia de lua cheia e aumenta o poder de todas as fadas e sacerdotisas de Amantia. – olhei para o céu e fiquei sem fôlego, a lua estava tão grande, que parecia que poderia tocá-la se esticasse a mão, cobria a maior parte do céu e seu brilho era tão intenso que parecia mesmo ser um sol.
–É tão lindo... – suspirei – Ewren, eu amo esse lugar, queria tanto ter crescido aqui! – ele me olhou entristecido.
–As coisas acontecem da forma que precisam acontecer pra tudo se chegar ao seu lugar. – sorri para ele e dei-lhe um beijo no queixo, pois era só onde eu alcançava quando estava na ponta dos pés perto dele.
No dia seguinte Ewren me chamou bem cedo para treinar e não deixou que eu ficasse na cama. Implorei para dormir um pouco mais, mas ele se recusou a me deixar dormir novamente. Treinamos boa parte do dia, Ewren não era nada cavalheiro, ele atacava sem dó, já havia conquistado minhas próprias habilidades em combate, mas gostava das de Lórien. Passamos o dia inteiro juntos, ele cozinhou para mim o que me deixou muito feliz, era fácil me comprar com comida e ele fazia isso perfeitamente. A tarde ele tentou me explicar como usar os summons de animais com asas para que eu aprendesse a voar, trouxe uma pena de um pássaro pequeno para que eu me acostumasse, então transferi minha mente e fiquei tentando voar. Já estava anoitecendo quando finalmente peguei o jeito.
No terceiro dia que estávamos em casa, Ewren recebeu uma mensagem de meu pai, pedindo que fosse a Lótus Vale para partirem para Vintro.
–Ele não deixou você ficar aqui uma semana? – perguntei sentada no sofá de cara feia.
–Deve estar acontecendo algo em Vintro... – ele notou meu olhar de preocupação – Não deve ser nada demais, apenas estão precisando de minhas habilidades! – ele piscou para mim. – Não se preocupe! – disse ele passando seus dedos sobre meus lábios.
–Não é justo! Ele disse que poderia ficar mais! – resmunguei. Não acho que precisariam tanto assim de Ewren por lá.
–Eu sei, mas logo teremos mais tempo, não se preocupe com isso agora! – Ewren beijou minha testa e me pegou para voltarmos à Lotus Vale.
Voamos rapidamente até a fortaleza, senti-me mal ao chegar lá, uma aura estranha envolvia o castelo.
–Sentiu isso? – perguntei apertando-me a Ewren.
–Não, o que? – ele parecia relaxado e calmo, devia ser só coisa da minha imaginação, porém aquela estranha energia continuava lá.
Ewren não entrou pela minha sacada como sempre fazia, fez questão de entrar pela porta da frente, onde um grupo do exército estava se preparando para partir. Guinn estava bem à frente, perto das portas principais, ele olhou-me quando passamos por ele, tenho certeza de que o vi sorrir discretamente para mim, olhei para Ewren, porém ele não parecia ter notado, estava começando a ficar irritada com o modo que ele tentava se aproximar de mim. Chegamos à sala de meu pai, ele estava conversando com minha mãe e com Arin, pareciam tranquilos e divertidos.
–Minha filha! – disse ele sorridente para mim e me abraçando forte, ele me deu um beijo na testa e afagou meus braços. – Sinto muito por ter que tirar seu marido novamente, mas temos uns assuntos a resolver em Vintro, prometo que lhe devolvo ele a salvo em breve!
–eu entendo! – respondi timidamente. Arin olhava fixamente para a expressão serena de Ewren e minha mãe mal nos olhava.
Ela se levantou para partir, me abraçou forte e me beijou.
–Fique direito dessa vez, não se ponham em perigo novamente, OUVIU LÓRIEN! – gritou ela para cima “OUVI”! Gritou ela de onde quer que esteja.
Todos foram saindo da sala em direção ao pátio, meu pai me impediu de passar pela porta.
–Se forem aprontar de novo, me faça o favor de levar um guarda de confiança, que possa lutar contra qualquer criatura que repele magia! – ele sorriu e me abraçou novamente.
–Vou fazer isso! – respondi bem baixinho para não ter nenhuma possibilidade de Ewren ter escutado.
Acompanhei-os até a frente do castelo, chegando lá Guinn se aproximou para falar alguma coisa, porém antes que ele chegasse, Ewren me puxou pela cintura e me beijou, segurando meu cabelo e traçando minhas costas com seus dedos, sua língua traçou toda minha boca e acabou com uma leve mordida em meus lábios e os assoprando de leve, depois beijou minha mão com a marca dourada.
–Você é minha, não se esqueça! – disse mudando de aparência e encarando Guinn com um olhar feroz. Guinn sorriu virando-se para o outro lado. Feroz correu até Ewren e pulou em seu colo.
–Ele vai comigo dessa vez, agora você tem Amaterasu! – disse ele levantando voo com os outros e sumindo por cima dos muros.
Senti uma imensa tristeza quando eles partiram. Mesmo que fosse para ficar com Arin e Lórien ainda me sentia mal em ser deixada para trás, era como se eu não pudesse fazer nada para ajudar. Fiquei um bom tempo no pátio brincando com Amaterasu antes de entrar para fazer um lanche. Mais tarde fui até a biblioteca do castelo para tentar achar algo interessante para ler.
Andei pelos corredores da biblioteca até encontrar uma porta com uma plaquinha e nela estava escrito “Área Restrita” nela. Olhei a fechadura, já havia visto uma chave que talvez coubesse ali pendurada na sala de meu pai. Corri até lá, entrei na sala devagar, Arin não estava ali então rodeei a mesa e peguei a chave dourada que estava pendurada por uma cordinha de couro na parede. Voltei para a biblioteca e fui até a porta, coloquei a chave na fechadura que respondeu com um sonoro “click” e se abriu. Entrei devagar, estava claro lá dentro, havia luzes acesas por toda aquela área, era como se fosse uma pequena biblioteca particular. Os títulos dos livros estavam todos em élfico, como precisava praticar a língua, procurei algum livro que parecesse interessante, pelo que notei a maioria eram livros de medicina, remédios, raças de criaturas existentes nesse mundo entre outros. Em alguns dos livros haviam cálculos complicados, outros se pareciam com receitas, e todos escritos à mão pela mesma letra. Depois de procurar bastante encontrei um livro em de capa preta com uma orquídea roxa desenhada na capa, por mais estranho que possa parecer, eram anotações sobre a maldição de minha família.
Sentei numa poltrona e abri o livro, logo no começo havia um desenho de uma árvore genealógica com os nomes de algumas das mulheres de minha família, desde Jocelinne até dois quadradinhos vazios embaixo de meu nome e embaixo do nome de Belve também haviam dois nomes, ao lado do nome de Belve estava escrito “Nieve” e marcado com um “X”, do outro lado estava o nome de Emma e Evelyn, também riscados com um “X” em vermelho, aquilo fez meu corpo todo gelar. Do lado do nome de Jocelinne havia um título: “Maga do conselho” e uma o número de uma página do livro, fui até página onde havia uma lista de feitos embaixo de seu nome “Sac. Fogo. Mandala de proteção ao redor de Amantia, Redução da força dos Elfos negros longe dos cristais, Quebra dos portais instáveis...”. Haviam muitos e também havia um estranho sinal ao lado de seu nome, algo como um visto.
Então foi ela a maga poderosa que criou a mandala! Na outra folha havia o nome de Mayra, minha avó, embaixo do seu nome havia uma lista “Sac. Terra. Identificação e Marcação de Raças com habilidades mágicas, Elevação da cidade das plumas e isolamento dos Vampiros nas Ilhas Monarcas” e mais o símbolo de um visto, a lista dela era bem curta. Em outra folha o nome de minha mãe e uma lista de feitos também: “Sac. Vento. Purificação da Cidade de Cristal após a batalha sangrenta, Criação da vila Safira, criação da aura de vento...” fiquei com preguiça de ler todos, mas havia o mesmo símbolo de visto no final da página. Quando passei a página tive uma surpresa, havia uma página com meu nome, e na lista dos feitos tinha “Purificação de mais de cem lobisomens de uma única vez” e no final da página não havia o símbolo, só um E.A.L.? Ainda haviam muitas anotações sobre as outras parentes, muita coisa para ler porém não queria continuar ali.
Queria tirar o livro dali para mostrar a Lórien, porém fiquei com medo de tirá-lo, então continuei folheando para ver se encontrava mais alguma coisa. Algumas páginas para frente encontrei algo sobre a maldição: “As que carregam a maldição estão fadadas a passá-la adiante até o fim da idade da lua cheia, não importando a raça do progenitor, as crianças sempre nascem meninas, gêmeas idênticas ou não, imortais da maturidade, aproximadamente aos dezessete anos, até transmitirem a maldição, com uma pequena falha na linhagem secundária, tendo essas o poder do sangue reduzido. Outro problema observado, elas tornam-se mortais ao iniciar a gestação, porém sobrevivendo a esse período seu próprio poder e agressividade é dobrado.”
Imortais? Eu era uma imortal? Meu coração saltava desesperadamente, isso explicava eu não ter morrido ao pular do prédio no porto da Besta Santa. Mas por que Aeban faria essas anotações? Será que o amor dele por minha mãe era tão grande que ele queria saber de tudo para ajudá-la? Talvez! Mas ainda parecia suspeito ou estranho demais.
Coloquei o livro cuidadosamente no lugar, exatamente onde estava, olhei para ver se não havia marcado o sofá quando sentei e saí da sala, trancando a porta quando sai. Voltei até a sala de meu pai e coloquei a chave de volta no lugar, tendo certeza de que estava na mesma posição de quando a tirei de lá.
Lórien e Arin estavam no Jardim dos fundos, sentadas conversando baixinho.
–Está tudo bem? – perguntei me aproximando, notando que elas estavam um pouco mais sérias do que de costume.
–Está sim! – disse Arin – Lórien apenas estava me passando um plano dela e pedindo minha opinião, como sempre uma bobagem! – disse ela revirando os olhos.
–Entendo, gostaria de falar algo com vocês, pode parecer estranho, mas quero que vocês prometam não contar nada para ninguém!
–Por mim, minha boca é um túmulo! – Lórien fingiu passar um zíper na boca e Arin levantou uma sobrancelha.
–Pode ficar tranquila, não sou de fazer fofocas! – Arin respondeu.
–Vocês já entraram na biblioteca do Castelo, certo? – perguntei, elas assentiram com a cabeça. – Então, lá tem uma porta fechada, eu entrei lá e achei algumas coisas estranhas...
–Você entrou naquela Área restrita? – Arin ficou espantada.
–Sim, peguei a chave na sala de meu pai e fui.
–Aquela sala tem um bloqueio de sangue, só Aeban pode entrar lá! – disse Lórien.
–Bom, ela é filha dele, talvez isso explique! – Arin falou.
–Eu encontrei vários livros lá, todos escritos por Aeban, e tinha um só sobre a minha família! – elas se entreolharam – Falava sobre cada uma delas e tinha algo sobre a maldição também!
–O que mais? – Arin ficou nervosa.
–Tinha uma árvore genealógica também e dois espaços em branco embaixo do meu nome, até o nome de Emma estava lá...
–Muito estranho isso! – Lórien olhou para Arin – O que acha?
–Acho que Aeban está fazendo de tudo para ajudar sua mãe a encontrar uma maneira para acabar com a maldição! – disse ela encarando-me. Senti-me aliviada, talvez não fosse realmente algo estranho e sim de uma pessoa preocupada.
– Foi isso que pensei também, só achei estranho estar trancado.
– Não é estranho estar trancado Leona! Quase ninguém em Amantia sabe sobre essa maldição! E é para continuar assim, sem ninguém saber! – Arin se levantou, e acariciou minha cabeça. – Agora se me dão licença, tenho um monte de serviços chatos a fazer! – Ela entrou no Castelo em passos rápidos.
– Vamos comer alguma coisa? – Lórien chamou indo em direção à cozinha, beliscamos algumas coisas boas e fomos para o quarto. Passamos a maior parte do dia no quarto testando a transferência de mente para os summons que Lórien havia conseguido para mim, o que eu mais gostei de ficar foi no corpo do lobo, era ágil e rápido, muito leve para andar e correr e saltava perfeitamente, podia sentir todos os cheiros e achar qualquer coisa em qualquer lugar.
– Leona, vou partir para a Montanha das Cinzas amanhã cedo procurar penas de Fênix para poder fazer a poção e repor minhas asas! – meu estômago afundou.
– Lórien me leva com você! Por favor! Não quero ficar aqui sozinha de novo! – implorei.
– Você tem que pedir autorização a Ewren! – disse ela.
– Por quê? – fiquei irritada com suas palavras.
– Ele é seu guardião Leona! Você precisa conversar com ele e falar o que você quer fazer, está perigoso pra você ai fora, ele não gostaria que você saísse sem ao menos avisá-lo!
–Entendi! – disse suspirando, era certo de que ele não permitiria eu sair dali com Lórien. - E como faço para falar com ele agora?
–Vai até lá! – disse ela esfregando uma pena nos dedos. Peguei a pena em sua mão, era a pena de uma Águia. A ave se materializou na minha frente de pé no chão. Transferi minha mente para ela, quando abri os olhos no corpo de águia foi tão estranho, era estranho estar em pé sobre aquelas pernas curtas, olhei para Lórien, ela estava ajeitando meu corpo sobre a cama.
–Vá logo, vou manter a cura em seu corpo para você não voltar com dores depois! – disse ela. Andei até a sacada e abri as asas, foi como se tivesse aberto meus braços, senti a brisa passar por minhas penas e via tudo, as cores mais fortes os detalhes mais distantes... Bati as asas e voei. Foi uma das melhores sensações que tive em minha vida! Era tão incrível, voava tão rápido quanto Ewren e Lórien, passei perto de casa, voei por cima de várias vilas pequenas, rios e florestas, podia ver em detalhes as pessoas lá embaixo, haviam Silfas tomando banho em um rio e se aquecendo aos sóis, pude ver detalhes da cor dos olhos delas...
Em poucos minutos havia chegado ao porto da Besta Santa e ao mar, voava bem próxima às águas tentando pegar ao máximo tudo daquela experiência, algumas gotas de água do mar trazidas pelo vento faziam minas asas ficarem fresquinhas, era uma sensação muito agradável e única. Bem mais pra frente, depois de mais ou menos uma meia hora de voo, vi bem abaixo nas águas uma cidade submersa colorida, muito cheia de vida e de cores, deveria ser a cidade da Água doce, onde viviam Lirien e Ami.
Cheguei à costa de Vintro em menos de uma hora de voo. Até onde eu sabia eles usaram a antiga fortaleza de Vintro como base para uma nova fortaleza. Estava tudo totalmente diferente por aqui, já haviam cidades sendo construídas e algumas vilas já povoadas por Salamandras, bruxos e metamorfos. Voei por cima daquele imenso campo de flores, Talvez essa fosse uma área protegida agora, uma vila das fadas, pois elas voavam felizes por todas as partes. Passei sobre a floresta que havíamos lutado com Demétrius e onde quase perdi Ewren, passei por ali até avistar o campo enorme que rodeava a fortaleza. Estava muito movimentado ali, haviam soldados por todas as partes, alguns treinando, outros auxiliando os novos habitantes sobre as regiões que seriam habitadas e muitos ajudando a demarcar as áreas.
Circulei a fortaleza voando, observando tudo para ver se encontrava Ewren do lado de fora, com a visão da águia seria algo fácil. Avistei-o próximo a uma árvore conversando com alguém que estava escondido sob a sombra a das árvores. Fiz uma curva e desci em espiral até uma árvore bem próxima a ele e pousei em seus galhos. Quando vi quem estava com ele senti uma pontada no coração, era Belve, estava sentada bem perto dele conversando.
––... Mas mesmo assim, ela é muito jovem para você, nem deve saber o que você gosta ainda! Eu tenho certeza que posso te satisfazer por completo! – disse ela se insinuando para ele, ah! Se esse corpo suportasse, juro que teria furado os olhos dela com minhas garras.
Ewren estava treinando sozinho, a parte de cima de seu uniforme estava sobre o tronco que ela estava sentada, seu cabelo estava amarrado em um rabo de cavalo alto e sua pele brilhava levemente com o suor.
– Já disse que não me interessa. – disse ele sem olhar para ela, cravando a espada no chão e esfregando o rosto com as mãos como fazia sempre que estava irritado, feroz dormia tranquilamente embaixo da sombra de uma árvore, queria que ele mordesse ela, por que raios ele veio com Ewren se não era para me ajudar?! – meu corpo de águia começou a tremer.
– Eu sou bem parecida com ela, com minha irmã Emma, posso ser ela para você, se você me quiser! – disse ela se levantando e ficando mais perto dele, tocando eu seu ombro com as mãos. Tive que usar toda minha força para me manter em cima do galho, minhas garras começaram a rasgar a casca da árvore que estava pousada.
– Eu não vivo de passado, Belve, Emma morreu e os vermes já devem ter devorado até o que restou de seus ossos. – ele a encarou, sua expressão era dura, e seus olhos mostravam sua frustração. – Por que está aqui afinal? Só para me provocar? Já disse que isso funciona comigo! – disse ele por fim.
– Eu sei como você era, e eu sempre consigo o que eu quero! – disse ela segurando-o e o beijando. Só vi quando ele ergueu as mãos para ela, não sabia se era para afastá-la ou para puxá-la para perto. Então a águia desmanchou.
Abri os olhos, estava tudo embaçado e meu corpo doía muito.
– LEONA! – Lórien gritava em cima de mim sacudindo-me. Ela estava sentada cobre minhas pernas e gritava.
– Oh, o que foi! – disse levantando e limpando os olhos.
– O que houve, por que você estava chorando? Achei que você estivesse morrendo, pois seu coração acelerou de uma forma absurda!
– Está tudo bem. – respondi.
– Não parece estar tudo bem!
– Digamos que ele não vai se importar de eu ir com você... – falei esfregando os olhos novamente. Se ele não estava interessado, por que a deixou beijá-lo? Ele conseguiu desviar de uma bola de fogo que joguei contra ele e não conseguiria desviar de um beijo? Ele nem tentou.
– Diga logo o que está acontecendo Leona!
– Ewren estava com Belve lá em Vintro! – gritei, a dor que estava tentando segurar explodiu em mim como uma bomba, fiquei sentada chorando.
– Deve ter sido um mal entendido Leona, só pode! – ela ficou confusa – Ewren não faria isso! Ele não é desse tipo de pessoa!
– Deixa isso pra lá Lórien, vamos arrumar as coisas para viajar! – disse pegando uma mochila e começando a catar minhas coisas. – VAMOS LÓRIEN! – gritei, ela se assustou e começou a arrumar suas coisas também.
Dormi pesadamente aquela noite, me sentia mal, triste e traída, não conseguia acreditar que pudesse ser um mal entendido.
Acordei de manhã e fui até a cozinha, comi alguma coisa, escovei meus dentes e fui para o pátio, os sóis ainda nem haviam se levantado. Estava me sentindo desanimada e rabugenta essa manhã, queria partir logo.
Lórien apareceu saltando atrás de mim, ela sorria e esfregava as mãos.
– O que foi, sua louca? – perguntei olhando-a estranhamente.
–Vamos partir agora! – disse ela assoviando, Amaterasu apareceu correndo. Ela estava linda com o pelo tratado e escovado e agora as correntes mágicas em sua pata direita estavam em torno do pescoço também.
– O que é isso? – perguntei esfregando seu pelo macio.
– Significa que ela foi totalmente domesticada e treinada e está pronta para o combate! – Lórien esfregou o focinho dela, ela respondeu abaixando as orelhas e uivando baixinho.
– Pra que isso tudo? – perguntei olhando a quantidade de coisas que ela estava encolhendo com a lupa de Andir.
– A viajem vai ser longa, vamos para o fim do mundo! Quase no fim de Mantum! – ela estava tão alegre por viajar que isso transparecia por cada parte dela.
–Vamos buscar as tais penas de Fênix lá? – perguntei começando a sentir-me empolgada também.
– Sim! – gritou ela dando um pulinho. – Medras! – chamou ela olhando em volta como se procurasse alguém. Um Elfo quase do mesmo tamanho de Ewren se aproximou de nós e fez uma reverência.
– Senhoras? – ele também era muito bonito, tinha cabelos castanhos até o ombro e olhos vivos, cor de caramelo.
– Deixa de ser tão chato e formal! Leona, esse é Medras, um amigo de infância, ele é um mestre lanceiro, vai nos guardar em toda nossa viajem! – ela ficou nas pontas dos pés e bagunçou o cabelo dele, ele respirou fundo e passou a mão nervosamente no cabelo.
–Medras, essa é a filha da sacerdotisa, Leona! – ele estendeu a mão para mim, eu a apertei e sorri meio sem graça. “A viajem não ia ser tão divertida se alguém fosse conosco”
– Seu pai mandou a senhora levar um guarda por segurança, mas não fui eu que ele escolheu, foi o guarda Lexis.
– Nem pensar! Ele mandou levar Lexis, mas você é mais habilidoso, você treinou junto com Ewren não foi? – Lórien estava de cara feia fazendo charme para que Medras aceitasse vir conosco, fiquei azeda ao ouvir o nome de Ewren, não conseguia parar de pensar em Belve se insinuando para ele. Resolvi não pensar mais nisso pelo resto da viajem e aproveitar cada minuto fora daquela fortaleza. Lórien ainda tentava convencer Medras a ir conosco. Ao longe vi um guarda vir em nossa direção, ele estava com um arco preso nas costas e arrumando uma pequena bolsa a tira colo.
– Senhoras, estão prontas para partir? – perguntou ele. Era um silfo e de aparência um tanto fraca comparada aos outros guardas, mas algo em seu olhar me fez perceber o quanto ele era perigoso.
– Sim Lexis, estamos prontas para partir, mas não o levaremos, Medras vai conosco! – Lórien disse as palavras entre os dentes e seu olhar para Lexis foi assustador, seus olhos vermelhos brilhavam de forma estranha ao encará-lo.
– Desculpe discordar senhora, mas o General...
– O General! – ela o interrompeu abruptamente - Me disse para sair apenas acompanhada de um guarda, não qual guarda, se ele tratou algo com você então reporte isso a ele! Eu escolhi Medras e estou apenas aguardando sua resposta positiva! – ela virou para encarar Medras com um olhar expressivo, como se estivesse implorando para ele dizer “Sim”.
– Tudo bem, eu vou então! – disse Medras por fim acabando com a discussão.
– Ótimo, Lexis, está dispensado! – disse Lórien para ele. Lexis estreitou os olhos e se afastou de nós lentamente.
5
A Sacerdotisa
das Águas.
Lórien virou a lupa na direção de Amaterasu, encolhendo-a até ficar do tamanho de um filhote de lobo, ela ficou tão fofinha que não pude resistir e a apertei no colo, ela lambeu meu rosto alegremente.
– Vamos então? – perguntei carregando Amaterasu pela cidade, ao chegar aos portais da cidade olhei para trás dando um “até logo” silencioso para o castelo, saltamos pelos portões da fortaleza, Amaterasu abriu a boca enquanto caíamos fazendo voar baba canina para todos os lados.
– Ah! Amaterasu! Não faça isso! – falei segurando seu focinho. Pousamos bem perto do rio ao lado de uma plantação.
– Por que não vamos voando com as águias de papel? – perguntei para Lórien enquanto andávamos pela trilha do bosque cheio de árvores com folhas coloridas.
– Está com pressa? Doida para voltar e fazer as tarefas superinteressantes da fortaleza? – ela falou em um tom de deboche.
– Claro que não! E andar faz bem para o coração! – disse brincando, Medras nos seguia calmamente, ele nem nos olhava, apenas seguia de cara amarrada atrás de nós.
– Então, Medras, que idade você tem? – ele encarou-me surpreso por eu estar puxando assunto com ele.
– Mil e seiscentos. – ele ficou olhando para mim, esperando que eu fizesse mais alguma pergunta. Não fazia ideia de como puxar assunto com ele, até ver que ele carregava uma lança presa em suas costas, ela era quase de seu tamanho e tinha duas lâminas nas pontas, uma maior, longa e curvada, e outra menor, como se fosse à ponta de uma adaga.
– É muito difícil usar uma lança? – perguntei, talvez usar algo que ele gostasse poderia o fazer falar com mais facilidade.
– Mais fácil do que usar uma espada, mais movimentos e golpes mais fatais. – ele tirou a lança das costas e me entregou, não era tão pesada quanto eu imaginava, mas também não era leve.
– Poderia me ensinar? – perguntei entregando-a a ele.
– Claro! Seria um prazer! – seu rosto se iluminou. – quando pararmos para descansar iniciaremos com o seu treino!
– Desculpe por Lórien! – falei baixinho quando ela se afastou – ela é teimosa demais! – ri olhando com os olhos semicerrados para ela. Medras riu.
– Não me incomoda em nada, apenas Aeban não aprovaria que eu fosse o Guarda escolhido por vocês para essa tarefa.
– Por que não? – perguntei olhando de lado para ele, não parecia ter nada de errado com ele. Medras parou de andar e mudou sua aparência, assustei-me e dei um passo para o lado quando vi seus olhos ficarem prateados, sua pele acinzentada e cabelos brancos.
– Estava com Ewren quando fomos capturados pelos Trolls. – disse ele voltando ao normal. – Para Aeban, não sou uma pessoa muito confiável, ainda.
– Como eu já havia dito antes, todos merecem uma outra chance para provar que podem mudar. – falei afagando a cabeça de Amaterasu que dormia tranquilamente em meus braços.
Caminhamos pela floresta até chegar a um largo rio, fazia bastante calor então, enquanto Lórien “preparava” o almoço, tomei banho nele acompanhada de Amaterasu que nadava ao redor de mim com a língua de fora, ela parecia se divertir muito na água.
Lórien havia preparado um almoço maravilhoso, pegou vários ingredientes da cozinha antes de sairmos, então não teve que caçar por enquanto. O almoço foi delicioso, comi bastante mas tendo o cuidado de não comer demais e acabar com meu novo treinamento.
Enquanto descansávamos depois do almoço, decidíamos por qual caminho iríamos. Medras me ofereceu outra lança que ele carregava para eu tentar usá-la.
– Não precisa! – disse, ele pareceu confuso, peguei meu pingente do cajado no pescoço e o mudei para que ficasse como uma lança.
– Ficou muito boa! – disse ele pegando a lança para olhar. – Para usar uma lança tem que ter mais agilidade do que força, pois a velocidade é que faz com que seus ataques sejam desferidos mortalmente ou não! – ele Pegou a própria lança e a girou na mão, fazendo um rápido movimento, partiu ao meio uma árvore que estava bem perto de nós. Peguei a minha lança e tentei movimentá-la, era muito mais fácil do que usar as espadas! Girei-a na mão com tanta facilidade que quase acreditei ter nascido com uma lança na mão.
– Tente me atacar com ela! – disse ele segurando sua lança em um modo defensivo. Girei a lança e a manejei em sua direção, ele desviou a ponta de minha lança com a ponta maior da sua própria e girou a parte menor colocando-a centímetros da minha garganta. – Imagine que são duas espadas presas e que refletem o movimento uma da outra, você tem que fazer com que uma ponta complete o movimento da outra, com um lado você defende e com o outro você ataca! – Girei a lança novamente mudando-a de posição, ele desviou para o lado no primeiro golpe, mas puxei a ponta da qual ele havia se defendido, fazendo um efeito alavanca e o acertando com a outra ponta da lança por sorte ele também parou meu ataque com um uma espada que carregava.
– Desculpe! – disse colocando a lança de volta na posição inicial.
– Você é muito boa! – disse ele sorrindo.
Em meia hora de treino eu consegui defender quase todos os seus ataques e furar seu bloqueio duas vezes.
– Ela é melhor com uma lança do que com uma espada. – Lórien se levantou e começou a arrumar as coisas para voltarmos a andar.
– Sim, o tempo que levaremos para ir, ela vai chegar à Montanha das Cinzas quase no meu nível, se não chegar a ele! – Madras guardou sua lança e sorriu – É gratificante ensinar para pessoas que gostam de aprender, e mais ainda ensinar a pessoas habilidosas, Lórien até agora foi minha melhor aluna, mas você está superando ela.
– Obrigada! – agradeci sorrindo. – Lórien foi sua aluna também?
– Lança foi a primeira arma que aprendi a usar, mas prefiro usar duas espadas. – disse ela tocando seus grampos de cabelo.
Passamos o resto da tarde caminhando, passamos por um pequeno vale cheio de flores vermelhas que Lórien me explicou serem alucinógenas e que poderiam causar muitas dores a quem as tocasse, então fiz questão de passar bem longe, esquivando-me o máximo possível delas, Amaterasu parecia saber que as flores eram perigosas, ela parou de trotar para andar lentamente atrás de nós. Era muito melhor viajar com Medras do que pensei, ele não nos incomodava, passava a maior parte do tempo em silêncio e de vez em quando fazia algum comentário sobre algum assunto que conversávamos mas não ficava se metendo ou prestando atenção quando cochichávamos bobagens.
Quando começou a anoitecer e a lua foi tomando o céu, paramos para acampar na beirada de uma floresta um pouco sombria demais para meu gosto.
– A Floresta das almas. – Medras falou quando estávamos montando a barraca, minha espinha se arrepiou ao ouvir o nome.
– O nome das cidades, florestas e mares daqui foram escolhidos aleatoriamente? – perguntei.
– Não, alguns apenas foram nomes aleatórios, outros, como essa floresta, ganharam seus nomes por acontecimentos nas regiões – quando Medras explicou isso, meus olhos se encheram de lágrimas.
– Por favor, me diz que não tem fantasmas ai! – gemi baixinho olhando de olhos arregalados para as árvores escuras e de sombras perturbadoras ele arregalou os olhos para mim.
– Leona, você já encarou um Nukelavee, um Lobisomen, um híbrido de Abissal com um Íncubo e está com medo de fantasmas! – disse Lórien me encarando.
– Tantas coisas terríveis por Edro, e você tem medo logo dos fantasmas? – ele riu – fantasmas são os que menos podem te fazer mal por aqui.
Para piorar a situação, Amaterasu que havia ficado quietinha e dormindo a viajem inteira, começou a rosnar alto. Lórien usou a lupa para devolver o tamanho a ela.
– Lórien, quem eu enfrentei que era híbrido de Abissal e Íncubo? – perguntei tentando manter minha mente ocupada.
–Demétrius é claro! Que pergunta! – ela notou meu olhar confuso. – É por isso que ele conseguiu te enfeitiçar tão facilmente e por isso Ewren tem tanto ódio dele! – disse Lórien entrando na barraca e arrumando as camas. – Um Íncubo para você que não sabe é um demônio que...
– EU SEI! – gritei para que ela não terminasse a frase, meu rosto ficou quente. – Sei o que é um Íncubo, Lórien, minha mãe tinha um antiquário na terra, eu lia os livros estranhos que chegavam lá, muitos contavam a história desses demônios. Só não fazia ideia que eles podiam reproduzir... – minha voz foi sumindo enquanto falava. – Você sabe algo mais sobre Demétrius? – perguntei.
– Até onde eu sei, ele é filho de um Sereiano importante da Cidade das Tormentas, é mais velho que Ewren, acho que é só o que sei sobre ele! – ela saiu da barraca e bufou. Ouvimos um estranho ruído na floresta.
– A partir de agora é bom que ela fique em seu tamanho normal. – disse Medras apontando para Amaterasu e olhando para dentro da floresta. Lórien abriu os braços fazendo aquela bolha de proteção em volta da barraca.
– Leona, pode ir ali ao rio pegar água pra gente? – perguntou ela me entregando um caldeirão, Madras estava acendendo uma fogueira.
– Amaterasu? Vem comigo? – ela espirrou e andou na minha frente me guiando, minha pele ficou toda arrepiada ao entrar na floresta, o medo era tanto que mal podia caminhar. Amaterasu parou e virou em minha direção, de repente em seu pelo começaram a aparecer pequenos traços brancos brilhantes como luzes, e começaram a ficar mais fortes clareando tudo ao nosso redor, eram marcas como as de meu braço, mas em formato de círculos e raios e cobriam quase todo o seu corpo.
– Lindinha! – falei sentindo-me aliviada já que a escuridão havia sido varrida dali. Enchi o caldeirão na beira do rio, quando estava saindo, vi uma criatura do outro lado do rio, com olhos vermelhos e brilhantes. Ele ergueu a cabeça e mostrou os dentes para nós, Amaterasu eriçou o pelo e rosnou para ele, que se encolheu e começou a se afastar de frente para nós, mas ela não ficou satisfeita, saltou por cima do rio e abocanhou a criatura, sacudindo-a como se fosse um boneco de trapos e fazendo-a em pedaços, trazendo a cabeça da criatura para mim.
– Hum, obrigada, acho... – Voltamos ao acampamento, Amaterasu carregava a cabeça do vampiro que tinha acabado de destroçar.
– O que é isso? – perguntou Lórien olhando para Amaterasu.
– não sei, ela começou a brilhar assim quando entramos na floresta! – respondi acariciando seu pelo.
– Não isso menina! – Madras apontou a cabeça em sua boca – O brilho foi uma habilidade que ela ganhou quando bebeu o seu sangue, estamos querendo saber da cabeça de vampiro! – disse ele espantado.
– Ele estava do outro lado do rio, ela foi lá e fez ele de boneco de pano! – respondi – mas como assim ela adquiriu essa habilidade bebendo meu sangue? – Como ele sabia sobre meu sangue?
– Quando alguém toma o sangue de uma Arbarus pura, dado por ela, se torna seu guardião e recebe dela alguma habilidade aleatória. No caso de Amaterasu, suas marcas com adaptação de forma.
– Qual deve ter sido a habilidade que Ewren recebeu de mim?
– Não faço ideia! – respondeu Lórien – do jeito que ele é reservado, talvez nunca saibamos.
– E se a pessoa tomar o sangue a força ou sem consentimento, se torna seu inimigo, reduzindo o poder adquirido através do sangue, porém aumentando a própria resistência, a pessoa acaba ficando com marcas negras pelo corpo. – Medras falava enquanto afiava sua lança. Senti uma forte vertigem e me agarrei a Amaterasu para Não cair. Medras segurou meu braço impedindo de eu cair no chão.
– Leona o que houve? – perguntou ele me encarando estranhamente.
– Lórien, tem alguma coisa errada! – respondi – Quando eu estava no gato, aquele dia na fortaleza, meu pai falou para Ewren que ele bebeu o sangue de minha mãe antes de... você sabe! – falei ficando envergonhada – ele se transformou e ficou muito parecido com a transformação de Ewren, mas ele tinha marcas negras por todo o corpo! – Lórien olhou para Medras depois de volta para mim.
– Vai ver ela estava inconsciente! – disse ela. – tem que ser, não consigo acreditar que ele faria algo assim por maldade! Aeban é uma pessoa incrível! – disse ela olhando novamente para Medras.
– Também não acredito que ele faria algo por maldade. – disse ele segurando-me e colocando-me ao lado de Lórien num tronco. Não sei se poderia mesmo ter sido isso, eu podia sentir algo errado.
– Você está ficando paranoica Leona! – disse ela para mim. – acho que você ficou assustada pela aparência dele e o está julgado por ela. – Lórien me olhou pelo canto dos olhos.
– Se fosse assim, se tivesse medo da transformação não teria me apaixonado pelo seu irmão. Na primeira vez que o vi transformado, fiquei com mais medo dele do que do vampiro que me atacou! – respondi grosseiramente.
– Mesmo assim, acho que é paranoia sua, sossegue! – disse ela Colocando pedaços de carne para assar. Depois do jantar entramos na barraca para dormir, estava com tanto sono que nem queria conversar e com medo de mais para dormir por causa dos fantasmas da floresta, ainda estava chateada com Ewren também, porém não queria deixar isso transparecer. Lórien veio deitar-se ao meu lado, deixando Medras do outro lado da barraca colocando uma divisória.
No outro dia nos levantamos bem cedo para partir, Lórien arrumou as coisas apenas estalando os dedos. Amaterasu estava farejando em volta de onde dormimos, verificando se estava tudo bem e Medras havia ido a frente verificar o caminho.
–Vamos passar pelo deserto em Mantum? – queria saber se teria que enfrentar aquele calor terrível novamente para poder me preparar psicologicamente para atravessá-lo.
–Não, nós vamos pegar um Navio no Porto da Besta santa até o Porto das Ondinas, bem longe do porto da Âncora.
– Ondinas não são parecidas com sereias?
– Ondinas também assumem a forma de sereias, mas são as elementais da água. – Medras nos assustou, nós o vimos bem à frente no outro minuto estava atrás de nós.
–Em qualquer lugar que tiver água, você pode achar Ondinas! – disse Lórien pegando seu cantil – feche as mãos como uma concha... – fiz a concha com as mãos e Lórien entornou água nela. – “Pequeno espírito guardião da fonte de vida, venha nos cumprimentar” – ela chamou bem perto de minhas mãos cheias de água. A água começou a tremular até um ser minúsculo aparecer sentado na concha das minhas mãos e se lavar com a água que estava lá. Olhei bem de perto, ela como se fosse uma mulher em miniatura feita de água!
– Olá? – disse baixinho
– Oh! Olá pequena Sacerdotisa das águas! – disse ela ficando de pé em minha mão e tocando meu rosto.
– Sacerdotisa das águas? – perguntei confusa, Medras e Lórien também pareciam confusos.
– Sim, sacerdotisa das águas! Aquela que nasceu com o dom de mudar os corações das pessoas foi a escolhida para ser a sacerdotisa das águas! – ela fez um gesto com as mãos fazendo com que a água que estava em minhas mãos flutuasse e formasse uma pulseira cheia de pingentes azuis como gotas d’água. – que bom que vocês me chamaram, estava realmente procurando por vocês! – a pulseira se encaixou em meu braço formando um lacre.
– Acho que você se confundiu... – disse a ela.
– Você não é a filha de Lupine, a Sacerdotisa dos ventos? Neta da Sacerdotisa da Terra e bisneta da Sacerdotisa do Fogo! – disse ela apontando um dedo minúsculo para mim. – A rainha Eirien me mandou lhe encontrar em Lótus Vale e lhe dar a benção das águas. – ela apontou a pulseira.
– Mais isso agora? – olhei para Lórien, ela moveu os ombros como se não tivesse entendido também. – Perdão...
– Sarya! É um prazer conhece-la Leona! – disse ela sorrindo para mim. Ela pulou de minha mão tomando forma de uma mulher adulta, com cabelos e olhos azuis escuros como o céu noturno.
– Sarya! Por que eu sou a sacerdotisa das águas?
– Por que quem escolhe é a Rainha, e todas as mulheres de sua família fizeram grandes feitos por Amantia! Se ela te escolheu algo maravilhoso você deve ter feito!
– Tipo o quê? – perguntei sem acreditar que ela acharia algo para dizer.
– Acabar com a maldição da Licantropia de mais de cem pessoas que foram transformadas sem querer, por exemplo – ela pegou minha mão e a apertou - você um dia vai tomar o lugar de sua mãe na cidade de Cristal. Mas por enquanto fique tranquila, é só um título e apenas a rainha, eu e agora vocês o conhecem e sabem disso.
– Já é muita gente com essa informação! – suspirei, meu coração estava lutando para voltar a bater normalmente, era uma surpresa atrás da outra desde o dia que pisei em Amantia a primeira vez.
– Fique tranquila! Tudo sempre se concerta e chega ao seu lugar! – ela sorriu e desapareceu em uma nuvem de vapor.
– Pra isso que você invocou ela? – perguntei olhando feio para Lórien.
– Ei! Eu não sabia de nada! – ela suspirou – bom, agora já sabe que vai ter muito mais para estudar! – ela deu uma gargalhada e correu em nossa frente. Encolhi os ombros. Medras esfregou minhas costas, sua mão era tão pesada que desequilibrei para frente.
– Você não precisa se preocupar, a Rainha Eirien sempre sabe o que faz, e se ela resolveu lhe passar isso agora, é porque ela planeja fazer algo grande e vai precisar de você.
– Entendi – ele sorriu e me entregou minha lança.
Enquanto andávamos, íamos correndo na frente de Lórien para praticar. Medras era um excelente professor, ele explicava com clareza e demonstrava como era para eu executar os golpes e defesas sempre me dizendo para usar o elemento surpresa e o improviso sempre que fosse necessário. Lórien parecia contente nos observando treinar, eu estava achando muito divertido treinar com Medras, ele era muito forte mas não usava sua força para me atacar, apenas o peso de sua lança e isso fazia seus golpes mais velozes.
Pouco antes do meio dia chegamos ao Porto da Besta Santa. Estávamos morrendo de fome e cansados, a fome era tanta que não sabia se aguentaria esperar a comida chegar. Lórien encolheu Amaterasu para entrarmos em um restaurante. O lugar estava lotado, conseguimos uma mesa apenas por que Lórien estava usando o brasão real num pingente que carregava no pescoço. Depois de comermos bastante, fomos ao cais procurar um navio para nos levar ao Porto das Ondinas, o sol estava de rachar, apenas algumas nuvens claras amenizavam o calor, nem parecia que Áries estava lá com Sirius no céu.
Uma cena me chamou muito atenção enquanto caminhávamos pelo porto atrás de um navio, uma mendiga ruiva estava sentada no chão, pedindo esmolas aos que passavam por ela, suas roupas esfarrapadas e pele maltratada me deixaram com pena, quando ela se virou em nossa direção, com a mão esticada pude ver seu rosto, era Banshee! Ela havia sobrevivido ao ataque do monstro de estimação de Lirien. Não tinha como ela ter sobrevivido aquele ataque! Passamos bem perto dela, Lórien moveu as sobrancelhas como se debochasse dela, por um momento senti pena dela, uma capitã rica de um navio famoso no Porto da Besta Santa agora uma mendiga. Quando ela me viu, pude ver o Ódio em seus olhos.
– Você... – ela rosnou através dos dentes, sua raiva era tanta que seu rosto corou e ela mostrou os dentes para mim, quando virei o rosto, Banshee deu um pulo em minha direção, foi tudo tão rápido que mal pude perceber o que tinha acontecido. Senti uma pontada na barriga segundos antes de Amaterasu voltar ao seu tamanho normal sozinha e fazer com Banshee o mesmo que tinha feito ao vampiro na noite anterior, cobri os olhos quando Amaterasu a abocanhou, um grito abafado foi a única coisa que ouvimos dela antes de se despedaçar e espalhar sangue por todos os lados, as pessoas que passavam se afastaram de nós assustadas. E começaram a se esconder. Amaterasu comeu todas as partes que haviam se soltado, deixando-me tonta e enjoada.
– Leona! – Lórien ficou em minha frente e colocou a mão em algo que estava preso ao meu corpo.
–Eu não quero nem olhar! –disse quando senti tudo ficando gelado, uma sensação terrível se apossou de mim.
– Medras, segure-a! – Medras segurou-me como se fosse uma camisa de força e Lórien puxou o punhal que Banshee tinha cravado em mim. - Graças aos céus que você é imortal! – disse ela jogando o punhal no chão. Se Medras não estivesse me segurando, eu teria caído ao chão com a dor, só não gritei, pois não consegui encontrar minha voz para isso. A rua havia ficado deserta, todas as pessoas sumiram, TODAS! Não havia uma alma viva na rua. Medras me deitou no chão, tive que segurar a respiração para não desmaiar com a dor quando ele me moveu então Lórien começou a me curar.
– Bem que meu irmão disse que você só atrai problemas! – disse ela assustada.
– Dessa vez a culpa foi dele – consegui dizer entre os dentes. E havia sido mesmo, a raiva de Banshee por mim havia começado por causa dele, se não fosse por ela ter ficado com ele, eu não teria tido um louco desejo de enforcá-la com aqueles cabelos ruivos. Quando Lórien acabou, eles me levantaram, pude sentir apenas um leve incômodo onde a espada havia me perfurado, ia ficar uma leve cicatriz ali.
– Por que todos sumiram? – perguntei olhando em volta novamente esfregando a barriga.
– O sangue de vocês no chão! – disse Medras. O sangue de Banshee havia escorrido para a água. Lórien arregalou os olhos e rapidamente usou seus poderes para tudo ficar limpo, mas já era tarde demais. As águas do mar começaram a borbulhar e um monte de cabeças surgiram delas com olhos vermelhos e brilhantes.
– Sereias! – Lórien olhou para Medras e o prendeu ao chão com correntes de prata. A melodia era assustadora, Medras abaixou a cabeça tentando ignorar, mas pouco depois começou a tentar soltar-se das correntes.
– Leona, me dê a mão e pegue seu cajado! – disse ela transformando sua espada em um cetro, fiz o mesmo com a lança. – se concentre! Vamos batê-los um no outro no três!
– Certo! – elas vinham rapidamente em direção a costa.
– Um... Dois... Três! – Batemos as armas, um forte brilho saiu deles cegando temporariamente as sereias, elas se debatiam e gritavam, o grito ensurdecedor nos fez encolher no chão tapando os ouvidos, logo após elas desapareceram nas águas.
–Nós só fazemos besteira, não é? – Lórien riu.
–Só fazem besteira mesmo! Quase me deixaram cego! – gritou alguém de dentro da Água.
– Lirien? – me debrucei sobre a proteção de madeira e o vi dentro da água esfregando os olhos. Amijad apareceu atrás dele e sentou-se no ancoradouro, sua cauda azulada era tão longa que poderia enrolar uma pessoa por completo. Ela a sacudiu e a transformou em pernas, ficando em sua forma humana, completamente nua.
– Pode me ajudar? – disse ela se cobrindo com as mãos. Movi o cajado fazendo aparecerem roupas nela e para Lirien. – Obrigada! Ela sorriu girando com o vestido.
– O que houve aqui? – perguntou ele saindo da água também.
– Banshee estava viva e tentou me matar! – expliquei.
– O quê? E onde ela está? – perguntou ele olhando em volta.
– Minha Guardiã já a comeu. – respondi esfregando os pelos de Amaterasu. Lirien quando a viu perdeu a cor do rosto e desmaiou, caindo por cima da proteção de volta para dentro da água. Ami revirou os olhos e bateu com a mão na testa.
– Ele treinou por meses para perder o medo de animais terrestres, mas esse seu Waheela gigante não estava nos padrões de animais que podíamos encontrar! –ela o puxou para fora d’água e lhe encheu o rosto de tapas para acordá-lo.
– VAMOS ACORDE SEU COVARDE! – gritou ela sacudindo-o. Ele foi recobrando a consciência aos poucos. – enfim, sentimos um cheiro de sangue, e as outras sereias começaram a vir até a superfície então viemos com elas, afinal achamos que teria um banquete também! – Ami piscou para nós.
– Estamos indo até o porto das Ondinas. – Lórien disse a ela.
– São quatro dias de Navio naquela direção – apontou ela – que estranho vocês irem para lá, há alguns dias a Nellena também foi para lá, encontramos ela no porto da Âncora!
– Sério? – sorri, queria encontrar com ela novamente.
– Precisamos de um navio, mas agora não tem mais ninguém aqui para alugarmos um. – disse Medras, sacudindo as correntes para que o soltássemos.
– Ah, desculpe Medras. – Lórien o soltou se desculpando maus umas cem vezes.
– É verdade, precisamos de um navio – falei olhando em volta.
– Ah! Por favor, não acredito que vocês estão falando isso! – Lórien bateu as mãos e um navio apareceu diante de nós. – Põe na sua cabeça que você é uma MAGA! Você consegue fazer qualquer coisa! – ela agarrou meus ombros e me sacudiu.
– Já entendi! – disse soltando suas mãos.
Subimos a bordo. Lirien e Ami entraram também. Olhei confusa para eles.
– Já que estamos aqui, queremos dar uma voltinha! – Ami riu olhando para o mar.
– Nunca viajou de Navio? – perguntei olhando a reação deles.
– Não, nós não precisamos, podemos nadar mais rápido que um navio como esse. – Lirien estava analisando tudo no navio, reparando tudo. Lórien havia pensado em todos os detalhes.
– Sabe, pensei em uma coisa que Nellena me disse e que eu não entendi até agora! - Falei.
– O quê? – Ami olhou-me com seriedade.
– Por que elfos brancos são vegetarianos e elfos negros são carnívoros? – se ela não estivesse se segurando no beiral, teria caído no chão.
– É sério que você pensou nisso só agora? – ela revirou os olhos – quando eles mudam, seus corpos sofrem transformações drásticas, se adaptando a uma nova realidade. Seus poderes também mudam, e ficam mais fortes fisicamente também, o que faz com que eles precisem mudar a dieta, a alimentação deles tem que suprir as necessidades dos novos poderes. – Amy poderia ter sido uma professora.
– Ah, entendi! Obrigada por explicar.
– Então, quer dizer que estávamos perto da filha da Sacerdotisa dos Ventos e nem sabíamos! – Lirien piscou para mim.
– Pois é, eu também não sabia, na verdade também não ligo muito para isso, para o fato de ser uma maga.
– Por que não? Deve ser maravilhoso poder fazer quase tudo que sua imaginação permitir! – Ami se perdeu em sua imaginação por alguns instantes.
– Ainda não consegui me acostumar a isso, é realmente incrível ter poderes, mas eu nunca o desejei, nunca sonhei em ter poder! Mas não o rejeito também, quero me tornar mais forte, estou treinando meus poderes e minhas habilidades com armas para poder proteger as pessoas que amo! – sorri.
– Posso te ajudar nisso! – Lirien sacou suas espadas curtas. – vamos treinar agora? – disse Medras que se aproximava, sentou para observar Lirien lutando comigo.
– Tem certeza disso? – perguntei transformando meu cajado novamente em lança. Lirien mudou totalmente a sua postura, de um idiota medroso, ficou como um guerreiro de verdade, seu olhar mudou, ficou com um olhar bravio, pareceu até atraente. Agora sei o que Ami viu nele, senti meu rosto corar e me posicionei com a lança. Lirien se moveu em minha direção tão rápido que mal pude vê-lo, quando o percebi já estava atrás de mim, segurando meu braço esquerdo levantando-o e com a espada em meu pescoço.
– Agora é a hora que você aprende a misturar suas habilidades físicas com suas habilidades mágicas... – disse ele baixinho ao meu ouvido, estava perto de mais, sua respiração fez cócegas em meu pescoço, senti um frio na espinha quando ele moveu a espada novamente e me empurrou para longe, derrubando-me no chão. Ami estava com um sorriso de orgulho no rosto.
–... Agora você pode dar mais valor ao que você tem! – disse ele fazendo um gesto para que me levantasse. Meu coração estava acelerado. Quando foi que ele ficou tão atraente assim?
– Não estou entendendo...
– O mar já está me dando vantagem, sou um sereiano, lembra? – humanos são atraídos pela beleza deles! Achei que só acontecesse com homens, estava sendo atraída pelo encanto que sua raça possuía sobre os humanos. – Use seus poderes em conjunto e você será imbatível! Vamos quero ver o que você pode fazer em sua forma verdadeira Leona! – segurei a lança novamente e me transformei. Usar meus poderes em conjunto? Fechei os olhos e me concentrei, um poder que permite tudo que minha imaginação desejar? E se desejasse... Abri os olhos e ataquei Lirien, que bloqueou meu ataque com as espadas, girei a lança em alta velocidade, mas ele também defendeu com o braço, a lâmina não fez nem uma marca em seu braço, quando ele veio em minha direção o impedi fazendo uma barreira, abaixei e girei uma das pernas derrubando-o e gravando a lança milímetros de seu peito.
– Usou seus poderes para aumentar a própria velocidade e sua visão? – perguntou ele levantando num movimento rápido.
– Sim! – ele me atacou de novo sem aviso, usei a ponta da frente da lança como uma vara e me lancei para frente, para trás de Lirien ele girou rapidamente puxando a lança, mas caí de pé e lancei contra ele uma bola de fogo com a mão disponível, ela se apagou antes que pudesse tocá-lo com uma onda que saiu do mar e deu um banho em todos nós que estávamos no convés.
– Manipulação das águas do mar também é uma habilidade de sereias. – disse Ami sorrindo ela observava Lirien, seus olhos brilhavam enquanto o seguia com os olhos.
– Muito bem, em poucos minutos transformamos ela num mostro! – riu Lirien esfregando minha cabeça. – agora é só você saber usar isso sempre ao seu favor e não esquecer que é uma maga! – ele segurou meu queixo com a mão, suas garras compridas quase perfuravam minha pele. – Você tem o poder que muitos desejam, não se esqueça, numa guerra você tem que usar todas as suas armas. Não é errado misturar suas habilidades e ser considerada uma trapaceira, errado é lutar dentro das regras e perder a vida! Lembre-se Leona, não existe luta com honra se você morrer no final! – disse Lirien baixinho só para que eu ouvisse.
– Eu disse que ela era muito habilidosa, deve estar no sangue, filha de um dos maiores guerreiros de Amantia e esposa de outro! – Medras parecia satisfeito com seu trabalho comigo.
– Esposa? – Ami ficou surpresa, ela olhou para minha mão, a marca dourada em minha mão. Você se casou com o Príncipe Bargon? – perguntou ela apertando a marca em meu dedo anelar.
– Não, por quê? – perguntei olhando para minha mão.
– O símbolo da família Ascardian... – disse ela apontando para a flor dourada e brilhante.
– Ela se casou com o filho da Princesa Arin. – Medras parecia estar fazendo um suspense em dizer o nome de Ewren, notei isso e prendi o sorriso, então fiquei observando o que ele estava tramando.
– Arin tem um filho homem? Achei que fosse só uma filha mulher, uma maga também, até onde eu sei, uma maga hibrida... – disse ela coçando a cabeça. – magos híbridos não costumam ser muito poderosos.
– Sim, ela se casou com meu irmão, Ewren! – Lórien se aproximou de nós, ela estava ouvindo Amy falar dela e pareceu bastante incomodada.
– Você é a filha de Arin? – ela estava de boca aberta olhando para Lórien, seu rosto corou levemente – e você se casou com aquele elfo mal humorado e grosseiro? – ela olhou para mim mais espantada ainda. – E aquele elfo é da família real? Aquele bicho do mato mal criado é da família real? – ela parecia não acreditar.
– Achei que fosse só um mercenário ignorante. – Lirien olhou para mim desconfiado. – Se casaram e nem nos chamaram, obrigado pela consideração! – ele ficou magoado virando de costas para mim.
– Nem eu sabia que estava me casando, para falar a verdade! – respondi lembrando-me de como nos “casamos” e fiquei com o rosto quente novamente.
– Isso seria mais a cara dele! – Ami piscou para mim mostrando seus dentes de agulhas.
Ficamos brincando, nos divertindo no convés, contei como havia voltado para casa e depois para Amantia novamente enquanto as ondas nos faziam subir e descer o balançando suavemente o navio.
Seguimos viagem em direção ao Porto das Ondinas, chegaríamos lá em quatro dias se corresse tudo bem.
A viagem seguiu tranquila, durante o dia treinava o tempo todo com Lirien e Medras, e durante a noite ficava conversando com Ami e Lórien. Sentia muita falta de Ewren, mas ainda estava com raiva dele a respeito de Belve.
No final do quarto dia avistamos o porto ao longe, dormiríamos mais aquela noite no navio, e atracaríamos de manhã. Lórien pegou um mapa traçar uma rota segura até a montanha das cinzas.
– Assim que atracarmos no posto amanhã, iremos em direção a Floresta Azul, e passaremos pela cidade de Guisar, uma cidade de duendes, pelo Vale da Neblina e pela floresta de Górtia, que fica bem próxima a Montanha das cinzas. – ela traçou uma linha no mapa, seguindo as estradas e trilhas que usaríamos.
– Quanto tempo para chegarmos lá? – perguntei ficando preocupada com o tempo que estávamos longe.
– Uns quatro dias, no máximo! – respondeu ela contando os espaços no mapa.
Quando amanheceu, atracamos o navio de Lórien no Ancoradouro e fomos andar pela cidade. Antes de partirmos para floresta Azul, Lórien chamou Medras.
– Preciso que você vá até o Desfiladeiro do esqueleto para mim e recolha Sal de flores para mim!
–Minha função é guardar vocês até o fim da viagem! – disse ele franzindo o cenho para ela.
– É, uma viagem que vai ser muito mais longa se você não for lá e encontrar com a gente aqui em cinco dias! – ela falou fazendo um pouco de drama para ele concordar. – Lirien e Ami, podem conseguir escamas de Bardo azul para mim? – ela sorriu gentilmente para eles – a recompensa vai ser generosa!
– Em cinco dias estaremos aqui! Até mais! – disse Lirien arrastando Ami para a água e desaparecendo. Medras suspirou e se despediu de nós.
– Por favor, tomem cuidado! – disse Medras se afastado lentamente. Amaterasu chamou nossa atenção, puxando-nos pela roupa para que saíssemos depressa da cidade.
– Vamos pelas saídas laterais! – Montamos em Amaterasu para sair dali, ela correu pelas ruas da cidade até sair por um grande portão no muro branco que ficava a esquerda da cidade.
O caminho era largo, cheio de pequenas pedras coloridas que podia perder de vista, nos levaria até uma floresta que podia ser vista ao longe. Amaterasu corria suavemente, quase não sentia o impacto de suas patas no chão, ela também não parecia se cansar com facilidade.
O lugar era lindo, o mar ainda podia ser visto de onde estávamos, no meio do caminho, vários tipos de aves coloridas voavam em torno de nós, os únicos seres que passavam por aquela estrada no momento.
Ao meio dia paramos para comer, Lórien lançou sua flecha caçadora e ficamos sentadas à sombra de uma arvore pequena, não havíamos chegado perto da floresta, então a vegetação ainda era um pouco escassa.
– Lórien, por que estou tão cansada? - me estiquei toda no chão enquanto esperava pela comida.
– Amaterasu está usando sua energia para correr sem se cansar! – disse ela esfregando o focinho dela – ela é esperta! – Lórien ficou rindo olhando para mim.
– E se eu precisar da energia mais tarde, e se um dragão aparecer para nos comer? Não sei se minha imortalidade pode funcionar enquanto sou digerida! – estava azeda por causa da fome.
– Calma Leona! – disse ela me mostrando alguns vidrinhos daquela poção revigorante.
– Lórien, agora que estamos sozinhas de novo.... – respirei fundo – Por que acha que Ewren deixou Belve o beijar? Quer dizer, ele desviou de uma bola de fogo que joguei contra ele, como não iria conseguir desviar de uma garota, ainda mais uma mais fraca que eu? – estava muito magoada ainda por causa disso.
– Não quero falar sobre isso, senão você vai ficar com raiva de mim achando que eu o estou defendendo.
– Agora fale! – ela queria que eu perguntasse e me responsabilizasse se não gostasse de sua resposta, Lucy vivia fazendo isso comigo.
– Tudo bem, Leona, ele deve ter se distraído com ela por causa de você! – eu a olhei feio. – É sério! Ele é seu guardião, pode sentir sua presença! Se você chegou perto demais deles ele com certeza sentiu você e se distraiu dela tentando saber de onde sua presença vinha!
– Lórien! Por favor! – suspirei – No dia em que entrei naquele corpo de gato, ele não percebeu! – ele não havia notado se não teria me dito.
– Claro que notou!
– Impossível! – respondi, ela realmente estava defendendo ele.
– Leona, Ewren detesta gatos! Ele nunca pegaria um gato no colo! Ele não falou nada e te deixou ficar lá por que sabia que era algo que você precisava ouvir de sua própria mãe, para não achar que ele estava evitando-a por outro motivo!
– E feroz? Ele gosta de feroz! – tentei achar algum argumento válido.
– Feroz não é nem de longe um gato, é um tigre celestial olhe o tamanho dele! – ela fez um movimento com as mãos desenhando feroz no ar para me mostrar a diferença dos gatos domésticos para tigres.
– Não achei que ele pudesse sentir minha presença... – Lórien conseguiu me fazer sentir culpada por não ter falado com ele. Agora eu estava com mais raiva ainda de Belve e com medo de quando voltássemos para Lótus Vale, Ewren ficaria furioso comigo.
Quando a flecha voltou trazendo nosso almoço, Amaterasu o abocanhou antes de chegar até nós engolindo a ave em duas mordidas.
– AMATERASU! – gritamos juntas, ela nos olhou e botou a língua para fora, uma única pena estava presa em sua língua, ela a puxou com a pata e entregou para nós.
– O que você espera que façamos com essa pena? – perguntei olhando a pena rosada e toda babada em minhas mãos. Amaterasu bufou e se deitou de barriga para cima, pondo a cabeça em meu colo. Lórien revirou os olhos e disparou a flecha novamente. Agora sim, conseguimos almoçar e descansar, cochilei à sombra da árvore deixando meus pensamentos vagarem até Ewren.
6
Escamas
de dragão
Pouco tempo depois quando voltamos a andar uma coluna de fumaça negra me chamou a atenção no meio da floresta.
– Amaterasu? Pode ir mais rápido? – falei mudando de aparência e lhe passando mais do meu poder, ela aumentou consideravelmente a velocidade, disparando em direção à floresta Azul.
Ao chegarmos mais perto notei algo estranho, uma sombra negra se movia em volta do local que pegava fogo, era uma plantação e haviam vários círculos de fogo nela, Uma mulher desesperada correu em nossa direção.
– Por favor, me ajudem! Ele vai destruir toda minha plantação! – era humana, estava suja de carvão e molhada, na certa deve ter tentado apagar o fogo, descemos de Amaterasu para falar com ela.
– Quem ateou fogo à sua plantação? – perguntei.
– Foi ele! – ela apontou em direção à sombra negra que cobria parte do campo. Fomos naquela direção seguindo a mulher, um par de asas gigantes como asas de morcego cobriram quase toda a parte da plantação que estava queimando. Minhas pernas ficaram moles ao ver o Dragão circular no ar e pousar a poucos metros de nós, só sua cabeça era quase do tamanho de Amaterasu, que mesmo em desvantagem rosnou para o dragão negro em nossa frente.
– Quieta! – disse para ela baixinho, nem sei se minha própria voz saiu de tanto que eu tremia.
– Para de ser medrosa Leona! – Lórien andou até o dragão e levantou seu cetro, ele virou sua enorme cabeça na direção dela.
– Ei! Não pode queimar isso aqui! – gritou ela mostrando o campo ao redor. Ele a encarou por um instante, depois fez um movimento como se estivesse inspirando e cuspiu um jato de fogo em direção de Lórien, que saiu correndo desesperada sacudindo o cetro e tentando fazer uma barreira para o fogo do dragão.
– Sua amiga tem problemas, não tem? – perguntou a dona da plantação observando Lórien correr como louca fugindo do dragão.
– Tem sim, muitos e muito graves! – respondi coçando a cabeça.
– LEONA! FAZ ALGUMA COISA! – berrou ela virando-se para correr em minha direção.
–TIPO O QUE? – gritei de volta. Amaterasu parecia estar rindo de Lórien.
–Dragões são vulneráveis a eletricidade. – disse a mulher para mim. Peguei meu cajado e o ergui para o céu, fazendo as nuvens se unirem numa imensa nuvem negra e fazendo chover sobre os campos que ainda pegavam fogo. O dragão virou-se em minha direção, quando vi que ele estava vindo para mim, invoquei um raio que o atingiu, fazendo-o ficar desorientado. Ele ficou ainda mais furioso e começou a cuspir fogo para todos os lados.
– Acho que não adiantou muito! – me afastei um pouco mais esperando que Lórien me ajudasse. Ele se ergueu no céu, fazendo uma ventania tão forte que o que não havia pegado fogo, foi arrancado do chão pelo vento. A mulher caiu de joelhos olhando a plantação destruída, o dragão virou-se novamente em nossa direção se preparando para outra rajada de fogo, quando um forte apito o fez cair do céu, seu peso era tão grande que quase nos derrubou com o tremor que causou ao bater no chão, Amaterasu também se jogou ao chão com aquele terrível som e tentou cobrir as orelhas com as patas, Lórien e eu cobríamos os ouvidos.
Uma figura vinha ao longe, montada sobre um cavalo e correndo em nossa direção.
– Nena? – era ela mesma! Fiquei surpresa ao vê-la ali com um tipo de apito feito de bambu na mão. Ela estava linda como na primeira vez que a vi, seus cabelos longos negros e lisos voavam em volta de seus ombros fortes e largos. Ela usava uma espécie de espartilho marrom com detalhes em couro e metal, por cima um colete e pequenas bolsinhas penduradas nele. Sua calça também era grossa e de couro escuro.
– Está caçando Dragões? – Berrou Lórien de longe, provavelmente por causa da roupa que Nellena usava, parecia uma espécie de proteção, armadura. – Tem um bem grande ali ó! – disse ela apontando para o dragão, como se fosse um animalzinho pequeno que Nena não pudesse vê-lo.
– Quem foi que invocou aquele raio? – perguntou ela olhando feio de mim para Lórien e arrumando seu tapa-olho, Lórien se aproximava lentamente arrastando os pés.
– Hum, fui eu? – fiquei com medo da cara que ela fez.
– Um raio? sério Leona! Você não estudou nada sobre os Animais daqui? Isso só serve para irritá-los mais! – ela se aproximou do dragão, ele girou seu corpo para se levantar, mas Nena lhe deu dois tapas na ponta da cauda. Ele se ergueu do chão sacudindo a cabeça, abriu as asas soltando um urro alto e voou para longe, seu bater de asas era tão magnífico e forte que fez as nuvens se dissiparem e o céu clareou novamente. Nellena guardou o apito e veio em nossa direção.
– O que estão fazendo aqui e por que não estão em Lótus Vale? – perguntou ela olhando para mim.
– Nós estamos indo até a montanha das cinzas buscar penas de fênix. – respondi.
– Ewren sabe? E Lupine? Você avisou a eles? – ela me encarou com desconfiança.
– Eles sabem de tudo que precisam saber! – respondi desviando de seu olhar.
– Ou seja, você não avisou a eles, certo? – ela cruzou os braços e franziu o cenho para Lórien.
– Com licença, mas quem vai reparar a bagunça que esse dragão deixou na minha plantação? – perguntou a mulher apontando para os campos queimados. Suspirei, como era filha da sacerdotisa dos ventos não poderia sair e deixar aquela mulher com todo aquele prejuízo, fiquei com pena de ver sua expressão de tristeza ao olhar os campos destruídos.
– Eu vou dar um jeito! – falei, caminhei até o centro do campo e me ajoelhei. “Repare o que foi destruído” pedi colocando minhas mãos no chão, se fiz um jardim do zero, poderia refazer uma plantação!
As plantas queimadas ao meu redor começaram a brilhar fracamente, fazendo as cinzas subirem aos céus e se transformarem em água que caiu em uma fina chuva sobre todo o campo. Enquanto a agua caia ela restaurava a plantação que voltou ao normal, o trigo estava verde e vivo novamente.
– Muito obrigada! Esperem aqui por favor! – disse ela abraçando-me e correndo para dentro de casa. Quando ia voltar para onde estavam Lórien e Nellena, pisei em algo duro no chão. Abaixei para pegar aquelas pedras negras e brilhantes.
– O que é isso? - Perguntei a Nena.
– Escamas do dragão. – peguei as duas escamas e as limpei com um pano que estava em minha mochila.
– Não o achei tão terrível assim! – falei girando as escamas enormes em minhas mãos.
– Se tivesse achado aquele dragão terrível, ia mandar você de volta pra terra! Aquele é domesticado, é de um gigante, Veddar, ele deixou o dragão sair da gaiola por algumas horas e ele não voltou mais, vim até aqui para encontrá-lo, passei a manhã inteira procurando por ele! – fiquei imaginando o tamanho da gaiola para prender um animal daquele tamanho, mas pelo olhar de Nellena, parecia estar mentindo para nós.
– Aqui! – gritou a mulher dos campos de trigo vindo em nossa direção. Ela trazia na mão uma cesta coberta por uma toalhinha. Ela abriu a cesta nos mostrando vários pães doces cobertos de algo que tinha um cheiro doce delicioso. – Desculpe só poder fazer isso por vocês, obrigada por se livrarem do dragão para mim!
– Nós que agradecemos! – guardei a cesta de pães para mais tarde. Nellena guardou a espada, vi de relance três marcas na lâmina. – Que marcas são essas na espada? – perguntei, ela puxou a espada e me entregou.
– Essas? – ela apontou as três marcas na espada, eram três símbolos diferentes, um lobo cinza uma raposa dourada e um gato lilás. – São as marcas que a amizade deixa! – disse ela sorrindo e guardando a espada novamente. – Arin e Lupine tem espadas com as mesmas marcas! Nós as ganhamos de Farahdox quando saímos do Palácio – vi um brilho no seu olhar, a saudade era visível nela.
– É maravilhoso ter amigos assim! – falei passando um braço ao redor de Lórien ela sorriu ficando corada.
– Meninas, vou indo pois tenho pressa, preciso ir atrás daquele dragão para ver se ele vai chegar em casa para receber meu pagamento! – disse Nellena se afastando de nós montada em Pupo. – E se apressem a chegar à montanha das cinzas, é época de chuvas aqui! Logo não haverá mais ninhos de fênix ocupados! – acenamos para ela. – Tomem cuidado e se apressem para voltar para casa! As estradas aqui são tão perigosas quanto as de Edro, se não forem mais! – Nena desapareceu entre as árvores do outro lado do campo. Lórien, Amaterasu e eu continuamos nosso caminho encurtando-o passando pelo campo.
– Uma das coisas que notei, desde que pisei em Amantia pela primeira vez, nunca vi chover aqui! – Lórien caminhava distraída, mexendo na cabeça de Amaterasu.
– É muito difícil chover naturalmente em Edro, os magos da torre das nuvens controlam o tempo para que chova mais vezes lá... – disse ela olhando o céu que à medida que caminhávamos, ficava mais avermelhado.
– Queria ver uma chuva, sinto falta de dias de chuva, nublados! – os dias de chuva me faziam lembrar de Lucy, ela amava correr na chuva! Queria poder trazê-la para cá, ela ia amar viver aqui e eu ia amar ter minha melhor amiga comigo novamente.
– Aqui em Mantum e em Vintro chove bastante! Devemos pegar chuva na volta, se não nos apressarmos vamos pegar chuva na ida, ai já era a possibilidade de acharmos qualquer pena de fênix! – continuamos caminhando até as pernas doerem.
Paramos no meio da Floresta para acampar antes que escurecesse totalmente, Armamos a barraca e fizemos só por garantia duas barreiras de proteção. Amaterasu saiu para caçar enquanto Lórien e eu comíamos os pães doces que aquela senhora havia dado para nós.
– Nem perguntamos o nome dela! – disse dando uma mordida no pãozinho com recheio de creme de chocolate.
– Você quando viu os pães doces esqueceu até de Nellena! – riu Lórien observando-me comer avidamente os pães.
– Amo doces! – suspirei dando outra mordida e acabando com mais um pão. - No seu casamento, comi um pedaço na festa, voltei comendo outro pedaço para a carruagem e comi o pedaço que Ewren estava guardando para mim.
– Depois eu que sou a doida! – rimos juntas. Era muito divertido ficar com Lórien mesmo que ela me colocasse em todos os tipos de situações difíceis. No meio da noite acordamos com os uivos e rosnados de Amaterasu do lado de fora da barraca.
– Ah céus! Por que tudo acontece de noite? – Lórien levantou bufando pegando suas espadas, peguei meu cajado transformando-o em lança e sai ainda tonta da barraca. Amaterasu rosnava olhando em direção à floresta, uma nevoa sinistra cobria todo o chão da floresta, ela era gelada e fazia meus dedos formigarem.
– Lórien? – chamei, ela estava olhando para o outro lado em silêncio.
– Shiii! – ela segurou minha boca para que eu ficasse em silêncio e apontou para onde estava olhando – elas não podem nos ver! – um grupo de fantasmas flutuava baixinho não muito longe de nós, minha pele se arrepiou toda e meus olhos encheram-se de lágrimas. Eles seguiam algo, olhei mais para frente de onde vinha a estranha fonte de luz que eles seguiam.
– Um unicórnio? – sussurrei para ela.
– Sim... Ele é o espírito da pureza, está guiando as almas dos que faleceram sem cumprir seus papéis para o local que eles irão renascer... – ela me puxou de volta para dentro da barraca. – Isso é algo que quase ninguém vivo teve a chance de presenciar! – disse ela com lágrimas nos olhos.
– Como assim, eles renascem de que forma?
– Esse unicórnio espiritual tem a missão de achar as almas que partiram com pendências e as levar para uma nova vida. Quando uma mãe está para dar à luz a uma criança que viria a morrer, ele coloca o espírito que precisava reencarnar na criança pouco antes dela nascer sem vida, e faz com que ela perca todas as memórias da vida anterior.
– Entendo, mas não é sempre que isso acontece, não é?
– Não, são poucas na verdade, a maioria das vezes ele não chega a tempo e as almas acabam desaparecendo para sempre. Isso é muito triste, partir sem completar sua missão... – ela parecia tão triste naquele momento.
Fiquei imaginando quantas histórias se acabavam sem serem concluídas, quantos amores deixados para trás, quantos sorrisos apagados para sempre, que nunca mais seriam vistos pelas pessoas que os provocavam.
Acordamos com o vento soprando bem forte de manhã. Assim que arrumamos o acampamento, montamos em Amaterasu para correr até a cidade de Guisar antes do meio dia. Não parecia que ia chover, mas o tempo estava muito feio. Os sóis mal podiam ser vistos através das grossas nuvens que os escondiam. Fiquei transferindo energia para que Amaterasu corresse rápido o suficiente.
– Mudança de planos, vamos ter que usar teleporte para chegar à montanha das cinzas antes de amanhã, vai vir uma tempestade muito feia por ai! – Não pude olhar para ela enquanto corríamos, mas ela deve ter interpretado meu silencio como um Sim.
A cidade era bem pequena em comparação as outras que conheci enquanto viajava por Amantia com Ewren, As casas eram bonitas, simples, na verdade e também eram pequenas! As pessoas que circulavam nela eram muito pequenas, suas peles esverdeadas eram estranhamente enrugadas e com pequenas protuberâncias nela.
– Nunca ofenda um deles, pode ser um pedido para ter azar pro resto da vida! – Lórien cochichou baixinho para mim.
– Feroz comeu dois desses quando o conheci – falei tão baixinho quanto pude, Amaterasu parecia ter a mesma ideia, pois seus olhos acompanhavam cada passo daquelas pessoas. Paramos em um pequeno (literalmente) restaurante para comer, não entendia nada do que estava escrito no cardápio, então deixei Lórien escolher.
Quando a comida esquisita chegou, comemos rapidamente para poder sair, o gosto era realmente tão ruim quanto à aparência, parecia uma sopa de quiabo com jiló! Ao saímos do estabelecimento, esbarrei num homem alto, parecia ser um humano, ele me pediu desculpas e entrou. Lórien o seguiu com os olhos e depois fez um sinal para que montássemos em Amaterasu.
– É um bandido procurado! – disse ela baixinho para mim enquanto saiamos da cidade.
– Não íamos teleportar? – perguntei.
– Precisamos sair da cidade para ele nos seguir.
– Lórien, ficou doida?
– Não, estou fazendo uma coisa certa! – Amaterasu andava devagar como se estivesse ajudando Lórien a colocar o plano em prática. – Ele é um bandido, um assassino que rouba os viajantes, os mata e depois desaparece! – Lórien parecia muito zangada, ela olhou para trás discretamente vigiando, aguardando o momento que ele sairia atrás de nós.
– Como sabe que ele vai vir? – perguntei.
– Paguei a conta com moedas da cidade de Cristal! Ouro puro trabalhado a mão! – ela piscou para mim. Pouco depois o homem saiu pelos portões atrás de nós e vinha em nossa direção montado em um cavalo, ele trazia uma espada em sua mão. Quando se aproximou de nós, ergueu a espada.
– Desçam do Waheela agora! – disse ele colocando sua espada a centímetros de nós. Lórien fingiu-se de indefesa e desmontou de Amaterasu, imitei seu movimento. – Agora me passem as sacolas e o lobo! – ele sorriu ao ver o tamanho da bolsa que Lórien carregava.
– Leona? Que tal por seu treinamento a prova? – perguntou ela apontando para o pingente com o queixo. O homem pareceu confuso.
– Fiquem quietas! Ou em mato as duas agora! – ele apontou a espada para Lórien.
– Você ainda ousa apontar esse pedaço de aço inútil para mim? Leona, vamos! Mostre que seu treinamento valeu a pena! Ele é só um humano inútil! – ela cuspiu as palavras. Olhei para ela novamente, ela assentiu com a cabeça, então peguei o cajado e me transformei, transformando-o em lança. O homem pareceu ainda mais confuso, mas não se mostrou intimidado.
– Fica mais divertido matar pessoas que podem se defender assim o peso na consciência não é tão grande! – disse ele girando a espada e dando um passo em minha direção.
– Que peso na consciência? – perguntei girando a lança e ficando em posição. Ele me atacou com a espada, era forte, porém sem nenhuma habilidade! Ele manejava a espada de qualquer jeito, dando golpes sem sentido que eu defendia com toda facilidade.
– Você só pode estar brincando Lórien! Não tem como esse idiota ser um bandido perigoso! Eu sou mais perigosa do que ele! – reclamei quando ele bateu com a espada na ponta de minha laça e eu o desarmei, puxando-a com a outra ponta da lança. Ele deu uma risada, puxou outra espada das costas, maior e mais pesada. Dessa vez ele dava golpes mais fortes e mais precisos, mas mesmo assim tive facilidade para defendê-los. Num movimento rápido e sem querer, a ponta da lança rasgou o peito dele.
Assustei-me e deixei a lança cair, não gostava de ferir as pessoas, não importa o que elas fossem, lembrei-me de Black Jango morrendo, de que ele só queria voltar a sua forma totalmente humana e me afastei.
– Ah! Lórien não consigo fazer isso! – disse pegando a lança e me afastando do homem ferido. Quando virei de costas para sair de perto, vi um borrão negro ao meu lado, só tive tempo de erguer a lança para impedir de a espada acertar em cheio meu pescoço. O homem havia se erguido do chão, estava com seus olhos vermelhos e desfocados, parecia mais um monstro do que um homem agora. O impacto da espada contra minha lança foi tão forte que fez meu cajado se despedaçar e fui atirada ao chão.
– Regra um! – disse Lórien sacando as próprias armas e atacando-o. Ele se defendeu com uma força surpreendente. – Nunca vire as costas para um adversário, a não ser que ele já esteja morto! – Ele atacava com cada vez mais violência e Lórien tinha cada vez mais dificuldade de defender os ataques dele. Num movimento súbito ele quase acertou Lórien, ela desviou por pouco então saltou por cima dele e cravou sua espada no alto de sua cabeça, fazendo-a sair no pescoço daquele homem monstro que caiu no chão de olhos abertos, escorria sangue de seus olhos e narinas e fazia um som estranho, como se estivesse sufocando. Agora ele estava morto, virei o rosto para o lado. Lórien veio até mim e segurou meu rosto.
– Leona, nunca, NUNCA vire as costas para alguém que estiver te atacando! enquanto ele ainda estiver vivo, fique atenta e de olhos bem abertos para ele! – Amaterasu o cheirou enquanto Lórien retirava a espada da cabeça dele e a limpava. Amaterasu cavou um buraco no chão e empurrou o homem para dentro dele, logo depois começou a cobri-lo com terra e folhas.
Lórien fez uma pequena bolha com a mão e soprou algumas palavras dentro dela. A bolha subiu no ar e desapareceu.
– O que era aquilo?
– Uma mensagem, avisando que Fecios está morto, assim o nome dele é retirado das listas de procurado! – Fecios, era esse o nome daquele homem que agora estava enterrado num buraco fundo a poucos metros de uma pequena cidade de duendes. Peguei os pedaços de meu cajado e os uni, usei o máximo de concentração para refazê-lo. Ele ficou como novo, apenas com algumas marcas coloridas onde os pedaços haviam se unido.
O tempo começou a limpar pouco a pouco conforme caminhávamos. Estava tudo calmo, até tranquilo demais. Saímos da Floresta pouco depois do Almoço, entrando num campo verde e florido com pequenas flores amareladas e alaranjadas. Era tão agradável a vista que parecia uma pintura!
– Onde estamos?
– Chegando ao Vale da Neblina. – Lórien estava estranha, séria demais, ela nunca ficava assim.
– Lórien, está tudo bem? – perguntei cautelosamente, falando o mais manso possível.
– Estou com um pressentimento ruim! – ela olhou em direção as montanhas. Temos que fazer isso bem rápido e voltar! – Amaterasu corria como o vento para que chegássemos ao meio do vale ao anoitecer. As montanhas começaram a estreitar nosso caminho, fazendo-nos atravessar um desfiladeiro, me sentia tão claustrofóbica naquele lugar, a passagem mal dava para duas pessoas caminharem juntas, tivemos que encolher Amaterasu e carregá-la no colo, eu seguia Lórien, que por muito tempo não mudou aquela expressão azeda do rosto.
No meio da Noite, muito cansadas para continuar andando, paramos em um lugar menos estreito do desfiladeiro e arrumamos as camas ao ar livre, pois não tinha como montar a barraca, era estreito demais para ela. Lórien fez uma proteção em volta de nós, no caso de chover durante a noite, estaríamos seguras. Quando ia fazer algo aparecer para nós comermos, Lórien me impediu.
–Evite usar seus poderes aqui dentro! – disse ela pegando uma bolsa térmica que estava encolhida dentro de sua bolsa, cheia de carne congelada.
–Por quê? – olhei em volta. Além dos paredões não havia mais nada em volta.
–Por que estamos no Vale da Neblina, não tem esse nome por causa de neblina, mas sim por causa das almas carregadoras que enchem esse vale e o deixam todo branco.
–Mas as almas carregadoras não são negras? – perguntei lembrando-me das sombras que nos arrastaram de volta para o espelho.
–Aquelas são sombras carregadoras, são espíritos de bruxas que saem de seus corpos, almas carregadoras são espíritos de animais selvagens que dominavam essa região antes dos humanos chegarem aqui devastando tudo.
– Lórien, por que está assim? – perguntei acariciando seus cabelos.
– Estou normal! – ela me encarou, seus olhos estavam avermelhados, mais do que de costume.
– Não está não! Você é sempre tão alegre! Agora está com uma cara de quem vai destruir e dominar o mundo!
– Estou bem! – ela se levantou e foi mexer na fogueira quando ela se virou de costas para mim, pude reparar em algo preso nas suas costas.
– O que é isso? – me aproximei para olhar, era como um bichinho, um inseto de cor azul agarrado bem perto de seu ombro, tentei puxá-lo, mas ele estava agarrado a sua pele.
– O que é? – ela tentava olhar por cima do ombro para vem o que estava acontecendo. Quando ela viu o inseto começou a gritar como uma louca.
– O que houve! – perguntei, ela começou a pular e se sacudir para tentar soltar o inseto dela. – LÓRIEN CALMA! – gritei, ela parou para me olhar.
– Tira isso! É uma pulga de dragão! – Lórien se debatia tentando alcançar o bicho em suas costas, foi como ver um gato com um pregador preso no rabo.
– Ele não sai! – falei tentando puxá-lo novamente com um pano.
– Ela só se solta com o frio! RAPIDO LEONA ESSE BIXO SUGA OS PODERES! – Fiquei nervosa sem saber o que fazer, Lórien parecia desesperada demais para me dar uma ideia do que fazer, então sacudi as mãos em sua direção e fiz um amontoado de neve cair sobre ela. Só escutei o barulho como de um saco de batatas despencando de um lugar alto “Ploft”. Fiquei alguns segundos esperando ela reagir, mas não houve nem sequer um movimento embaixo da neve. Cheguei perto bem devagar e comecei a cavar a neve, não estava dando certo, então fiz a neve derreter usando meus poderes mesmo. Lórien estava caída toda torta no chão, com o cabelo todo bagunçando e toda molhada, seus olhos estavam abertos e seus cílios colados e molhados, ela olhava fixamente para mim. Quando pensei que ela ia falar alguma coisa, ela simplesmente abriu a boca para cuspir um monte de água e começou a tossir.
– Ele se soltou... – falei pegando o bicho com a mão, ele estava mortinho e congelado.
– Leona, não teria sido mais fácil ter colocado apenas uma bolsa de gelo em cima dele? – ela perguntou se levantando e pegando uma toalha para se secar.
– Você gritou comigo! Fiquei desesperada! – respondi, ela esfregou o rosto com as mãos como Ewren fazia, dando-me uma estranha sensação de culpa.
– Agora temos que sair do Vale antes das três da manhã! – Ela pegou duas folhas secas no chão e as transformou em duas águias grandes o suficiente para nos carregar. As aves de folha não conseguiriam sair do vale voando, não tinha espaço para elas abrirem as asas.
– Tive uma ideia! – fiz as águias de folhas do tamanho de dois pardais, coloquei-as em meus ombros para que se segurassem em mim. Do mesmo jeito que Amaterasu havia nos feito voltar para Lótus Vale no dia em que nos salvou do Nukelavee, fiz aparecer uma escada até o meio de uma das montanhas onde havia uma parte grande que nos serviria de base para voarmos.
A subida até lá demorou quase dez minutos, quando finalmente chegamos, olhei para baixo e o vale estava lotado de almas, de cima parecia mesmo um nevoeiro, senti um frio na espinha. Fiz as águias voltarem ao tamanho grande para montarmos sobre elas. Levantamos voo, Lórien deu instrução para onde elas deveriam ir, eu mal podia manter os olhos abertos e acabei pegando no sono enquanto voávamos sobre o vale.
Tive outro daqueles sonhos loucos, sonhei que Leonard estava comigo em Amantia e que ele disputava com feroz e Amaterasu uma pilha de Pisuri’s assados, e que eles os comiam e ficavam cada vez mais gordos até não conseguirem mais se mover, então tinham que rolar para sair do lugar.
– Leona! – Lórien gritou para mim, abri os olhos e me espreguicei, o vento estava agradável e os sóis faziam cócegas em minha pele com o calor da manhã. – Estamos quase em Górtia! – ela apontou para uma floresta abaixo de nós. Olhei cuidadosamente, no meio da floresta, haviam casas construídas entre as árvores e em suas copas, era tudo tão verde, tão natural, era muito bonito! Fiquei ansiosa para descer e olhar a cidade mais de perto, porém descemos um pouco antes de chegar à cidade bem perto de um rio, entramos nele para tomar banho, meu cabelo havia se transformado em um nó quase impossível de desfazer, Lórien tentou desembaraçar seu usar magia, mas não importa o quanto ela tentasse ele não desenrolava.
Ela desistiu e acabei usando meus poderes para fazê-los ficarem arrumados, era muito fácil fazer as coisas usando os poderes, não necessitava de nenhum esforço de minha parte, eu detestava essa facilidade para fazer as coisas acontecerem, quando ficava no sítio de meu avô (que não era meu avô de verdade, mas eu ainda amava como se fosse) Aprendi a fazer de tudo e do modo mais difícil, era a única coisa que me incomodava em meus poderes, tinha medo de perder minhas habilidades se os usasse demais, ou pior, ficar preguiçosa e me acomodar a usá-los para tudo. Amaterasu pulava e rolava dentro do rio, estava amando a água fresquinha. Depois que nos lavamos, nos arrumamos e fomos em direção à cidade.
Não havia nenhum muro, nenhuma divisa, só as árvores que haviam crescido perfeitamente alinhadas, formando uma cidade perfeita, com ruas largas e cobertas por folhas secas. As casas das copas das arvores eram as mais bonitas, tudo era muito verde, não haviam portas, apenas cortinas de tecidos finos que se moviam suavemente com a brisa. Os elfos que viviam aqui estavam tão em sintonia com a natureza e com eles mesmos que me sentia em outro mundo, como se tivesse saído de Amantia, como se não houvesse nada de ruim acontecendo em parte alguma.
– É lindo não é? – Lórien parecia tão encantada quanto eu. – Não importa quantas vezes eu entre aqui, para mim esse vai ser sempre o lugar mais perfeito de Amantia! – disse ela sorrindo. No meio da cidade havia um castelo, ele foi formado com centenas de árvores, que se juntaram e se moldaram até formar um castelo. Era incrível! Um elfo veio nos receber na entrada, ele tinha uma leve semelhança com Ewren, só que possuía os dois olhos azuis e seus cabelos eram de um castanho claro quase mel, tinha um sorriso encantador.
– Lórien! – ele fez uma reverência, ela o imitou.
– Bargon, como vai! – ela lhe deu um abraço – Leona, esse é Bargon, meu primo!
– É um prazer conhecê-lo! – disse imitando a reverência que Lórien havia feito.
– Leona, é um prazer finalmente conhecê-la! – disse ele sorrindo. – queria cumprimentá-la em seu aniversário, porém acabei saindo da festa um pouco antes do que planejava! Vamos, entrem! – ele fez um gesto para que o seguíssemos, não sei por que, mas senti algo ruim dele.
O castelo por dentro era tão lindo quanto por fora, parecia que havia entrado em um jardim e não em um castelo, tudo era vivo e verde e havia um agradável aroma de grama cortada e canela por todos os lados. Bargon nos guiou até uma sala onde outro elfo estava sentado.
– Tio! – ele ficou surpreso ao nos ver, se levantou da cadeira e veio nos cumprimentar.
– Lórien! A que devo o prazer de sua visita?
– Ruthar, essa é Leona, filha da sacerdotisa dos Ventos. – disse Bargon para ele. Ruthar empalideceu, seu rosto perfeito ficou sem expressão por quase um minuto enquanto ele me observava.
– É filha de Aeban, não é? – disse ele tentando sorrir, mas pareceu mais uma careta do que um sorriso.
– Sou sim... – respondi encolhendo-me atrás de Lórien.
– Agora ela é esposa de Ewren, tio! – Lórien percebeu a estranha mudança nele. Ruthar pareceu relaxar na hora que ela disse que eu estava casada com Ewren.
– É bom saber! – ele sorriu mais relaxado agora. – O que as trazem a Floresta de Górtia?
– Só estamos de passagem, estamos indo até a montanha das cinzas!
– O que vai fazer lá? Se é que posso perguntar? – Bargon tirou a pergunta da boca de seu pai.
– Vamos buscar penas de fênix! – ela abriu a parte de trás do vestido e mostrou suas costas perfeitas a Bargon.
– Como você perdeu as asas? – perguntou ele rindo.
– Perdi numa aposta! – respondeu ela suspirando.
– Se querem encontrar penas de fênix na montanha das cinzas ainda este ano, sugiro chegarem lá antes do entardecer, pois hoje a noite vem tempestade ai! – Ruthar andou até uma janela e nos mostrou a nuvem negra que se aproximava.
– Estamos indo então, na volta tentaremos passar aqui se for possível! – Lórien apertou a mão dos dois, também me despedi, Bargon nos acompanhou até a saída.
– Se forem seguindo o rio, poderão encontrar bem lá no alto um ninho de fênix. Alguns dias atrás vi uma fênix bem velha lá, ela estava retirando suas próprias penas para poder incendiar-se.
– Obrigada! – Lórien lhe deu um beijo na testa, ela se afastou quando ia segui-la Bargon segurou meu braço.
– Cuidado com seus caminhos, Jamais se deixe levar pela emoção! Pense em casa coisa que vai fazer para que não se arrependa depois! – disse ele para mim e me deu um beijo na testa. Não havia entendido o que ele quis dizer, mas assenti com a cabeça e corri atrás de Lórien com Amaterasu ao meu encalço.
– O que ele queria com você? – perguntou ela enquanto saíamos da floresta em direção à montanha das cinzas.
– Nada demais, só me alertar dos perigos das montanhas! – menti.
Aos poucos a floresta foi ficando para trás e a vegetação foi sumindo, dando lugar a uma terra árida. Chegamos ao pé da montanha ao meio dia.
– Nesse ritmo não vamos chegar lá antes do entardecer. – Lórien reclamou assim que sentamos para comer.
– Por que não vamos voando até o topo? – perguntei.
– Isso assustaria as fênix, fazendo elas se incendiarem antes do tempo e nos deixando sem penas. E nem pense em me perguntar sobre algum jeito mágico, pois vai dar errado também, Fênix são muito sensíveis, temos que chegar perto delas bem devagar!
– Ah, entendi! – fizemos um lanche muito rápido para começar a subir a montanha rapidamente, antes dos sóis começarem a se por, a nuvem negra estava cada vez mais próxima, podia ver os relâmpagos ao longe.
Estava quase escurecendo quando alcançamos um pouco mais da metade da montanha, sentei numa pedra na beirada e olhei para baixo. A floresta de Górtia parecia um prato d brócolis daqui de cima.
– Acho que não vai dar tempo! – falei para Lórien.
– Tem que dar! Não nos tirei de Lótus Vale à toa! Sei que Ewren vai surtas e não quero que a bronca seja em vão! – disse ela voltando a escalar. Suspirei, quando fui me levantar para segui-la, escutei um som baixinho, como se fossem piados em uma pequena caverna atrás de mim.
– Lórien, volte aqui, olhe! – falei baixinho, tentando não fazer nenhum movimento brusco.
Ela voltou devagar até o local que eu estava parada como uma estátua e se agachou do meu lado olhando para a fenda em nossa frente.
– Um ninho de fênix! – sussurrou para mim. Entramos silenciosamente pela tenda estreita, só não estava tão escuro pelo brilho avermelhado que saía de dentro do ninho. Uma Fênix estava dentro do ninho, ela tinha quase meu tamanho, suas penas vermelhas e laranjas possuíam um fraco brilho, ela nos observava com os olhos vermelhos bem vivos. Lórien se aproximou e fez uma reverência, imitei seu movimento enquanto a ave magnífica nos observava.
– Viemos de muito longe para lhe pedir algumas penas! Sou descendente de Eirien, luto por Amantia! – disse Lórien para a Fênix. Por um momento achei que ela estivesse ficando louca, mas a ave curvou a cabeça também, seu pescoço estava com falhas nas penas, parecia ser uma ave muito velha, ela abriu as grandes asas, eram tão grandes quanto às asas de Ewren. Ela as sacudiu em nossa direção, fazendo passar por nós uma rajada de vento. Algumas penas se soltaram dela e caíram bem perto de nós, Lórien as recolheu e sorriu em meio delas havia uma pena roxa, a peguei para mim antes que Lórien a visse, ela recolheu as outras penas e as colocou na bolsa.
– Muito obrigada, que sua próxima vida seja maravilhosa e repleta de alegrias! – a ave curvou a cabeça. Não resisti, estiquei a mão e a toquei. A Fênix ergueu a cabeça surpresa com meu toque e beliscou carinhosamente minha mão com o bico, nesse momento uma forte chama roxa se acendeu embaixo dela, a fênix incendiou-se completamente, virando um monte de cinzas.
– O que houve? – perguntei com a mão ainda erguida onde a pouco estivera a cabeça dela.
– Ela está renascendo, venha, vamos sair daqui! O renascimento delas requer um ambiente tranquilo! – saímos da caverna bem devagar. No lado de fora o tempo estava escuro, a nuvem negra já estava quase acima de nós.
– Temos que sair logo daqui! – fiquei observando a frequência dos raios, era estranho, pois nunca havia visto raios com uma frequência daquela, eram três raios a cada cinco segundos e caíam no mesmo lugar.
– Tem algo errado aqui... – Lórien encolheu sua bolsa que carregava as outras bagagens já diminuídas e a colocou no bolso interno de seu sobretudo.
Começamos a descer a montanha com cuidado, precisávamos nos afastar bem do ninho antes de usar as águias para voar até o Porto das Ondinas.
– Não vamos passar por dentro da Floresta de novo? – perguntei quando Lórien começou a andar para o outro lado da montanha.
– Não, a chuva vai atingir aquela floresta antes dos outros lugares, ai vai ficar muito difícil para sair de lá! – estava tão escuro que mal podia enxergar Lórien em minha frente.
– Lórien, o que está acontecendo? – não houve resposta. – Lórien? – gritei novamente.
Fiquei parada por um momento, nada acontecia, só escutava os barulhos dos trovões, mas nem o brilho dos relâmpagos eu podia ver mais.
Não podia suportar aquela angústia, aquele silêncio, levantei meu cajado e fiz sua ponta brilhar intensamente. Varri ao meu redor com os olhos, quando eles finalmente pousaram em duas figuras estranhas em minha frente segurando Lórien.
As duas figuras seguravam Lórien, uma imobilizava, enquanto a outra estava com as presas cravadas em seu pescoço.
– Lórien! – gritei transformando o cajado em lança e atacando os homens que a seguravam. O vampiro que lhe sugava o sangue a segurou pela cintura e saltou ficando longe do meu alcance. O outro deu uma gargalhada debochada.
–Quando foi que aprendeu a usar essa arma? E como ousa achar que pode me enfrentar? – A escuridão não permitia que eu o visse, porém sua voz não me era estranha.
– Solte ela! – gritei fazendo minhas marcas brilharem e meus cabelos mudarem de cor.
– Ah... É tão linda nessa forma! – senti uma mão passar em meu ombro, girei para trás fazendo a lança zunir, porém não o acertei.
Escutei um bater de palmas, uma pequena bola de luz surgiu alguns metros acima de nós. O vampiro havia largado Lórien no chão e estava de pé ao seu lado com uma espada na mão, observando-me.
– O que vocês querem? – o outro homem pulou na minha frente, era Guinn, ele tinha um sorriso de deboche no rosto e uma longa espada negra em sua mão.
– Eu estou em uma importante missão, na qual eu preciso pegar duas coisas muito preciosas, já que a joia que eu mais precisava já foi tomada por outro.
– Ficou louco? Do que está falando? Solte a Lórien! – queria ir até ela, mas ele me impediu ficando em minha frente. – Me deixe em paz! Preciso cuidar dela! – falei tentando driblá-lo mas ele espelhou meu movimento.
– Se eu ordenar ao meu amigo ali... – disse ele apontando com a espada para o vampiro – ... ele arrancaria a cabeça da pequena princesinha e beberia todo o resto de seu sangue!
– Não sei o que você quer comigo, mas se não me deixar passar, eu abrirei caminho pela força! – girei a lança na mão atingindo-o com menos força do que eu esperava. Ele riu novamente parando minha lança com a mão e a puxou, desequilibrei para frente e ele me segurou pela cintura.
– Sabia que existe uma restrição nos nossos poderes? Ela nos impede de atacar familiares, quando atacamos pessoas com o mesmo sangue que o nosso, nossos poderes e força são reduzidos drasticamente isso evita que parentes se matem por bobagens como o poder ou heranças! – ele passou a ponta dos dedos pelo meu rosto, meu coração parecia que ia parar de bater a qualquer momento, senti vontade de lhe arrancar aquela mão com os dentes.
– Do que está falando! – perguntei com a voz trêmula, não de medo, mas de raiva.
– Estou falando... – disse ele lentamente - que você não pode me atacar com sua magia, pois eu sou seu parente consanguíneo, e meus poderes são fracos contra você também, infelizmente, mas se você mesmo assim tentar usá-los contra mim, seus poderes são liberados, e você pode até me machucar, mas corre o risco de perder parte de seus poderes ou ficar sem eles definitivamente! Isso seria um terrível desperdício! – Meu estomago afundou. Tentei me soltar, Guinn era forte demais, seus braços ao meu redor impediam-me de me mover.
– Me solte, agora! – lutei contra ele, dando-lhe uma cotovelada e me soltando. Ele me encarou.
– Não tem como você fugir de mim agora! O elfo está longe daqui para poder te ajudar! Sem seus poderes você não tem tanta força assim! – meu coração saltou dolorosamente contra as costelas, sem meus poderes não poderia aumentar minha força para atacá-lo, recuei um passo.
– Diga logo o que quer! – gritei tentando pensar num jeito de fugir com Lórien enquanto o enrolava com minhas perguntas, ela estava caída no chão e seus olhos estavam fechados, não via movimento nenhum nela. Guinn se aproximou novamente, levantei a lança na defensiva, quando percebeu que eu não iria me entregar sem lutar apontou um dedo na direção de Lórien, o vampiro a segurou erguendo-a do chão. Entendi o que isso significava, soltei a lança imediatamente, sem pensar duas vezes.
– Boa menina! – Não via Amaterasu em lugar algum, desde que começamos a escalar a montanha ela havia desaparecido, era a única com que eu podia contar agora e ela havia desaparecido. – Você sabe o que eu vim fazer aqui, não sabe? – senti um frio na espinha.
– Não... Você disse que somos parentes, as Arbarus não têm filhos homens! – falei tentando fazer minha voz sair firme e clara.
– Sabe sim! – ele deslizou sua mão pelos meus cabelos - Não importa de quem sejam as crianças, qual raça que seja o pai, só importa que se eu as fizer, suas filhas nascerão amaldiçoadas da mesma maneira! E o sangue delas servirá aos meus propósitos! E se você cooperar, se me ajudar a conquistar esse poder, eu posso te dar qualquer coisa em troca! – ele passou a mão em meu pescoço. Não conseguia me mover, estava paralisada de medo.
– Você é Arcádius? Você não vai ter nada de mim! – Ele deu uma gargalhada. Peguei o cajado no chão rapidamente e desviei dele atirando uma bola de fogo contra o vampiro que ainda segurava Lórien, ele tentou pular para desviar, mas controlei a bola de fogo fazendo-a segui-lo e o acertar em cheio, transformando-o em uma tocha gigante e reduzi-lo a uma pilha de cinzas que foram varridas pelo vento. Segurei o braço de Lórien, ela estava gelada e mole, eu tinha que ser muito rápida agora. Peguei um dos cristais dentro da bolsa, iria usar o teletransporte, porém Guinn se aproximou rápido demais e puxou meu cabelo, tirando-me de cima de Lórien.
– Você não vai escapar desta vez! Já disse isso! Será que não conseguiu entender ainda? – ele forçou seus lábios contra os meus, prendendo-me ao chão. – Eu vou te levar pra longe e vou conseguir o que quero, nem que tenha que quebrar cada osso do seu corpo e te deixar imóvel para isso! - comecei a chorar. – chore mais! – gritou apertando minha cintura com força. – Não tem ninguém aqui para te ajudar agora! De todas vocês, Leona você está me dando trabalho demais! Está dificultando muito minha vida!
Estava desesperada, não tinha força suficiente para lutar contra ele sem meus poderes. Não consegui nem ajudar Lórien, não deveria ter saído sem avisar Ewren, talvez nem devesse ter saído de Lotus Vale.
Guinn me tirou do chão, ele mudou sua aparência, seus cabelos ficaram negros e sua pele ficou cinzenta, marcas negras como as de meu pai cobriam quase todo o seu corpo e os olhos vermelhos como o sangue prendiam meu olhar, seu sorriso era tenebroso. Um círculo de fogo apareceu em nosso redor, ele iria nos transportar para outro lugar, chorava tentando soltar suas mãos de mim sem sucesso, ele era muito forte. Quando a torre de luz começou a nos cobrir, percebi que não teria jeito, não tinha como escapar dali sabia o que iria acontecer comigo e o que iria acontecer com todos em Amantia se Arcádius pusesse as mãos nas crianças que seria forçada a ter. O ar escapou de meus pulmões enquanto gritava com todas as forças que ainda possuía. Guinn riu novamente, seu olhar era de satisfação, como se tivesse certeza de que saíra vitorioso.
Fechei os olhos entregando-me, desistindo, soltei os braços e parei de lutar. Senti Guinn dar um solavanco perto de mim e ser atirado para trás. Uma flecha havia atravessado seu peito e o derrubado ao chão.
Ewren apareceu voando com Amaterasu o acompanhando, saltando em plataformas invisíveis e com Feroz agarrado ao seu ombro, quando ele pousou no chão, Amaterasu correu até mim abaixando a cabeça e aumentando seu tamanho para que eu subisse nela e Feroz correu até Lórien, fui até eles e a coloquei em cima dele, prendendo-a a feroz, assim que terminei de prendê-la ele correu para longe.
Ewren sacou as espadas e atacou Guinn, que tentou se defender usando um escudo que fez com seu poder, mas Ewren o despedaçou facilmente com um único golpe da espada, em sua testa tinha uma marca dourada de uma flor de Lis brilhando.
– Ela é minha! – Rosnou ele para Guinn. Que deu uma gargalhada de deboche e puxou a flecha do peito, soltando-se das mãos de Ewren e pegando a própria espada. Ewren mal o deixou se levantar, atacou Guinn com tanta força que despedaçou sua espada e lhe cortou o peito. Guinn Urrou de dor e pulou para longe de nós.
– Eu vou conseguir o que quero! Nem que tenha que derramar cada gota de sangue dos Doze Mundos! – Guinn ergueu a cabeça e se desmanchou em milhares de mariposas que se espalharam pelos céus. Ewren girou a espada no ar fazendo uma coluna de fogo queimar parte das mariposas, ele estava furioso, estava bufando, seus olhos vermelhos me encararam.
– O que você tem na cabeça! – berrou comigo pegando-me pelos ombros e me sacudindo, mal conseguia segurar as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.
– Lórien... – consegui fazer minha voz sair mesmo tremida. Ele me deu um puxão, tirando-me do chão e voando. Amaterasu nos acompanhava pelo solo, corria rapidamente sob a sombra das asas de Ewren. Nem vi quando a tempestade havia sumido, dando lugar a uma lua minguante amarelada sobre nós.
Feroz estava perto de nosso navio no Porto das Ondinhas com Lórien sobre ele. Ewren desceu e me colocou no chão perto de Lórien, eu a peguei no colo e tentei acordá-la.
– Ela não vai acordar agora! – disse ele pegando sua espada e segurando em sua lâmina, a espada se transformou em um cajado negro com uma opala na ponta. Ewren olhou para mim. Ele estava com muita raiva, seus olhos ainda estavam vermelhos e haviam marcas douradas em seu braço direito.
– Ewren... – ele ergueu a mão para que eu ficasse em silêncio depois pegou aquele cajado e o bateu no chão. Senti uma forte pontada na barriga quando fomos puxados. Caí no chão do quarto na torre de Lótus vale, estava tonta, levantei-me com dificuldade e vi Ewren carregando Lórien nos braços e colocando-a na cama. Sentei na cama ao lado dela, Ewren ergueu as mãos sobre ela, um brilho esverdeado saiu delas fazendo Lórien voltar a sua cor normal e a marca da mordida desaparecer de seu pescoço.
Ela começou a se mover, virou de lado na cama como se fosse dormir. Ewren suspirou aliviado e se virou em minha direção.
– Por que você saiu sem me avisar, Leona! POR QUE VOCÊ SAIU DA FORTALEZA! – gritou ele para mim puxando-me pelo braço e me empurrando contra a parede. – VOCÊ PROMETEU PARA MIM QUE NÃO SAIRIA! VOCÊ NÃO TEM PALAVRA? – suas palavras quase partiram meu coração ao meio.
– Eu fui até você! Fui falar com você que iríamos até lá, mas você estava ocupado demais com a minha prima! Não quis te atrapalhar! – ele ficou ainda mais bravo com as minhas palavras e me apertou com mais força.
– Ela só conseguiu me beijar por que me distraí procurando por você! – disse ele, exatamente como Lórien havia dito. – O que ele disse para você! – perguntou ele começando a gritar novamente.
Fiquei em silêncio olhando para ele e tentando me lembras das palavras de Guinn. – Vamos fale! – perguntou sacudindo-me novamente.
– Você está me machucando Ewren! – chorei.
– Deixe ela Ewren... – Lórien estava se levantando da cama – Fui eu que insisti para irmos! Pare de sacudir a garota, ela ainda está em choque! – gritou ela vindo em nossa direção, Ewren tocou sua testa na minha, senti como se todas as minhas memórias estivessem sendo arrancadas de mim. Via tudo que aconteceu com Guinn, Ewren se afastou de mim ainda encarando-me nervoso, ele foi ficando num tom de vermelho depois roxo.
– Você... – ele respirou fundo colocando as mãos na cabeça como se fosse explodir. – Você percebeu o que estava prestes a acontecer? Você alguma vez para pra pensar nas coisas antes de fazer merda? – ele saiu do quarto erguendo as mãos, uma grade apareceu na sacada, nas janelas e na porta. Escorreguei pela parede caindo sentada de joelhos no chão e os abraçando, as lágrimas ainda escorriam pelo meu rosto olhei pela janela, era como se uma gaiola gigante tivesse aparecido em volta do quarto. Arin apareceu na porta, seu rosto estava assustado.
– Ewren o que está acontecendo? – perguntou ela nervosa.
– VOCÊ SABIA QUE ELAS FORAM PARA O OUTRO LADO DE AMANTIA E NÃO ME DISSE NADA? – gritou ele com Arin.
– Ewren, não pode prendê-las ali! – disse ela apontando para nós.
– EU POSSO FAZER O QUE EU QUISER! VAI TENTAR ME IMPEDIR? VOCÊ NÃO TEM PODER PARA ISSO! – Ewren esbravejou batendo na parede e fazendo-a vibrar, Arin ficou magoada e nos encarou como se fosse nossa culpa seu filho brigar com ela.
– Ewren... – Arin tentou falar novamente.
– Ela está sob minha proteção agora, e se ela não consegue nem ao menos obedecer e se manter segura eu vou fazer isso do jeito difícil! – Ewren desapareceu pelo corredor entrando em outro cômodo e batendo a porta. Arin nos olhou entristecida e foi atrás de Ewren. Lórien me levantou, levou-me até a cama e colocou minha cabeça em seu colo.
– Você está bem? – Sua voz estava tremida e fraca. Assenti com a cabeça, não queria dizer que não estava, afinal a única culpada era eu.
– E você? - perguntei virando seu rosto e olhando onde o vampiro havia mordido, só haviam duas marquinhas bem claras em sua pele.
– Vou ficar melhor, o poder de cura dele é muito mais forte que o meu... – ela passava a mão sobre meus cabelos.
– Lórien... desde quando Ewren é um mago? – ergui a cabeça para olhar seu lindo rosto entristecido.
– Antes de meu pai ir para o Mundo dos Sons ele chamou Ewren para ir até a cidade de Cristal com ele. Algum tempo depois quando Ewren voltou fui perguntar o que havia acontecido, ele disse para mim que meu pai havia lhe passado todos os seus poderes por que um dia ele iria precisar... E esse dia chegou mesmo. – ela encolheu os ombros.
– Por que nunca me falou nada? – O que mais ele escondia de mim?
– Ele não usa os poderes, acha que só pessoas fracas precisam de poderes, ele só confia na sua espada e ninguém tinha conseguido até agora tirar isso da cabeça dele.
– Então ele usou mesmo os poderes contra Guinn... Que na verdade era Arcádius! – Lórien olhou-me surpresa.
– Guinnevere? O Major do exército de Lótus Vale? Não tem como ele ser Arcádius!
–Ele também disse que éramos parentes...
–Até onde eu sei, Guinn é sobrinho de Aeban! – disse Lórien pensativa. – Era com ele que sua mãe queria que você se casasse...
– Ele disse que eu iria ter as filhas dele e que as usaria para controlar Amantia! – Lórien ficou séria.
– Acho que as coisas estão ficando estranhas demais... – Lórien se levantou e foi em direção à porta, quando ela tocou a grade, deu um gritinho e se afastou. – Eu vou matar ele! – disse ela bufando.
– O que houve? – perguntei observando Lórien esfregar as mãos.
– Ele nos trancou aqui com uma gaiola espiritual, ela lacra nossos poderes! – reclamou voltando para a cama.
– Estamos presas aqui e sem poder usar nossos poderes, é isso?
– Basicamente... Eu nunca o vi ficar tão zangado a ponto de usar seus poderes, é a primeira vez que ele os usa! – ela estava chocada. – Você conseguiu transformar meu irmão totalmente! E ainda conseguiu tirá-lo do sério de um jeito que tentei toda minha vida e não consegui! – ela fez uma reverência debochada para mim.
– Não sei se isso é uma coisa de que eu possa me orgulhar. – falei baixinho deitando-me de bruços na cama. Lórien foi para a cama dela e deitou também.
– Acho que teremos que esperar seu ataque de fúria passar para conseguir falar direito com ele! – Lórien abraçou feroz que estava em sua cama e suspirou alto.
Meu coração ainda doía, quebrei minha palavra com ele e quase fui sequestrada por Guinn, o qual eu tinha certeza que era Arcádius disfarçado, talvez ele estivesse usando o corpo de Guinn, talvez esse Guinn fosse um clone como os clones dos animais que Lórien havia me ensinado a usar.
Não sei como consegui adormecer com meus pensamentos a mil, foi um sono pesado, sem sonhos sem muito descanso, pois minha mente não parava e fazia-me sentir a pior pessoa do mundo.
7
O dia
do caçador
Acordei no meio da madrugada com uma forte luz no meio do quarto. Levantei-me esfregando os olhos, a claridade era tão intensa que fazia meus olhos arderem mesmo fechados.
– Lórien? – chamei, a bola de luz flutuava a dois metros do chão, e parecia pulsar. – Lórien! Ewren? – chamei novamente andando com cuidado até a cama de Lórien e a sacudi.
– O que foi? – resmungou ela com a voz arrastada e sonolenta, virei sua cabeça em direção à bola de luz ela sugou o ar e levantou rapidamente, cambaleou até a bola de luz e a tocou. Quando seus dedos tocaram a superfície tremulante da bola de luz, ela ondulou e desapareceu no ar deixando apenas uma voz para trás. “A Cidade de Cristal está sob ataque, traga o guardião e a Sacerdotisa das águas com você Lórien!”. O rosto de Lórien ficou pálido enquanto ela absorvia o recado que a bola de luz havia trazido. Ela foi até a porta e começou a gritar.
– Ewren! EWREN! MÃE! – ela estava tocando as grades sem se importas com os choques que elas causavam. Ewren veio rapidamente seguido por Arin.
– O que foi? – ele estava com o cenho franzido e olhou para mim, na certa achou que havia acontecido algo comigo.
– A cidade de Cristal está sendo atacada! – Lórien quase gritou as palavras. Ewren mudou para uma expressão de nervosismo também e desfez a grade para deixar Lórien sair.
– Vamos! – disse ele para Lórien.
– Nicole, a guarda que nos avisou sobre o que está acontecendo me mandou levar Leona! – disse ela quando viu que Ewren ia fazer a grade de novo. Lórien puxou seu rosto e tocou suas testas. Ewren me olhou e bufou.
– Vamos depressa! – ele estendeu a mão para mim. Corremos pelas escadas até o pátio central, Amaterasu veio até nós, seguida de Feroz, que provavelmente havia ido buscá-la.
– Nos leve até lá! – Ewren falou tão seco que senti como se cada célula do meu corpo fosse desmanchar de tanta tristeza, porém estávamos com pressa peguei o cajado e fechei os olhos concentrando o máximo de energia que podia então o bati no chão, sentindo aquele estranho desconforto ao teleportar.
Ouvi a gritaria abafada se tornar alta e desesperada em volta de nós, ao abrir os olhos vi que havia uma nuvem negra pairando sobre o castelo de Cristal, os raios rasgavam os céus fazendo o som de explosões. A parte leste do castelo havia desmoronado e várias pessoas corriam para todos os lados fugindo de perto do castelo. Muitos guardas ainda lutavam com sereianos armados com aquelas espadas curtas e tortas, os guardas pareciam estar em vantagem, então Ewren não se importou em ajuda-los, ele estava preocupado com sua avó.
Ele correu para dentro do castelo seguido de Lórien, quando ia segui-los algo chamou minha atenção, vi um brilho prateado perto dos portões laterais do castelo, corri até lá para ver o que estava acontecendo chegando a tempo de ver Eirien com a espada erguida para matar Demétrius, que estava caído de joelhos aos seus pés e de cabeça baixa. Eirien estava com um olhar triunfal sem nenhum arranhão no corpo, seus cabelos soltos estavam completamente dourados e seus olhos também, as marcas dela cobriam todo o seu corpo, dava para ver o brilho através do tecido do vestido que usava. Olhei para Demétrius aos seus pés estava todo ferido de olhos fechados, pois sabia o que aconteceria a seguir, o vi cerrar os dentes e uma única lágrima solitária correu por seu rosto.
– Eirien! Não faça isso! – corri até ela segurando seu braço, impedindo-a de desferir o golpe fatal. Demétrius ergueu a cabeça assustado e ao mesmo tempo surpreso com minha reação. Eirien olhou para mim espantada.
– Por que não devo matá-lo? – perguntou ela baixando sua espada.
– Ele sabe onde Arcádius está! – olhei para ele, seu olhar era um misto de alivio e dor.
Eirien me encarou por um instante depois se virou para Demétrius. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa Ewren apareceu e com um único movimento de sua espada arrancou a cabeça de Demétrius.
– NÃO! – gritamos Eirien e eu juntas. Cai de joelhos, era a maneira mais rápida de encontrar Arcádius e também tive que admitir, senti pena dele ao ver suas lágrimas, lembrei-me de Black Jango morrendo.
– Ele merecia morrer! – disse Ewren limpando sua espada.
– Ele sabia ode Arcádius estava escondido – Eirien falou tirando-me do chão. Ewren ficou encarando-a sem nenhuma expressão no rosto.
– Agora... A chance se foi. - Olhei o corpo decapitado de Demétrius se desmanchar em vapor diante de meus olhos. Ewren não quis me olhar nos olhos, parecia indiferente a mim, ficou em silêncio.
– Vovó, a senhora está bem?
– Precisa de mais que um abissal com poder aumentado para me derrotar! – disse ela com um ar altivo. Eirien agora me parecia um Leão, forte e dominador e sem medo dos outros animais da savana.
– Afinal, foi só ele que atacou a cidade? – perguntei.
– Não, ele trouxe um grupo de feiticeiros de Grisath e sereianos do mar das Tormentas com ele. Acabamos com todos, porém eles conseguiram fazer um grande estrago em meu castelo.
– Senhora! – gritou uma das guardas que vieram correndo em nossa direção – A senhora está bem?
– Está tudo bem agora Nicole! – disse ela para a guarda loira que estava quase caindo no chão, com dificuldade de respirar.
– A tempestade! – Lórien apontou para o topo do castelo. Ela parecia não querer dissipar, Corremos para o portão principal novamente, minha mãe e vovó Mayra estavam lá de braços erguidos falando coisas incompreensíveis em direção à tempestade, que parecia não ceder por nada, os raios caiam com tanta violência sobre o castelo que tiravam pedaços toda vez que o acertavam.
– Nada está dando certo para fazer essa tempestade ceder, pelo jeito ela vai destruir o palácio completamente! – Eirien olhava com tristeza o palácio desmoronando aos poucos.
– Ewren, me leve até ali! – apontei para uma torre no castelo que não estava sendo atingida pelos raios.
– É muito perigoso, é uma tempestade invocada! – disse ainda sem me olhar nos olhos. Respirei fundo, bati meu cajado no chão fazendo uma pequena pedra que estava sob meu pé se transformar em um pássaro gigante e me levando para cima imediatamente. Pulei de cima dele quando ele circulou a torre, cai de pé sobre o pequeno telhado, que quase cedeu sob meus pés. Soltei o cajado no chão e juntei minhas mãos fazendo uma pequena bolinha de luz entre minhas palmas unidas. “A luz pode dissipar as trevas, não importa de onde elas venham, não importa a forma que elas tenham” pensei. Fiz a bola de luz crescer em minhas mãos até ficar do tamanho de um carro e a joguei para o alto, para o centro da tempestade. Quando ela sumiu entre as nuvens negras bati as mãos concentrada na bola de luz, como se a tivesse estourando com aquele bater de palmas.
A bola explodiu no céu, fazendo uma grande onda de luz varrer as nuvens até que só restasse um fraco brilho no céu e a gigante lua como um sorriso no céu. Senti meu corpo pesado, meu cabelo mudou de cor voltando ao normal sem eu ter mudado de forma. Fechei os olhos sentando-me sobre o telhado da pequena torre de vigia. Caí deitada para trás e fiquei olhando aquela lua maravilhosa no céu. Às vezes parecia que nenhum problema podia me alcançar quando estava sob aquele céu... O sono bateu de uma forma tão estranha, mas não queria dormir ainda. Levantei-me rapidamente, ficando tonta com a velocidade que levantei, mas mesmo assim saltei da torre.
Ewren me segurou antes que chegasse perto do chão levando-me até onde todos estavam, ele estava de cara feia para mim, ótimo! Mais problemas com ele. Eirien, minha mãe e minha avó me olhavam espantadas e Lórien continha uma risadinha.
– Agora só temos que restaurar o castelo! – disse Lórien batendo as mãos tirando o olhar delas de cima de mim. Várias pessoas começaram a aparecer e se juntaram a nós, circulando o castelo por completo, como se o estivessem abraçando. Eles ergueram as mãos fazendo com que todos os pedaços do castelo que foram destruídos se juntassem a construção fazendo-o voltar ao normal.
– Incrível! – disse sorrindo olhando o castelo novo em folha como se nunca tivesse sido destruído.
– Você acha isso incrível? – Eirien sorria para mim – para mim, incrível é dissipar uma tempestade de destruição conjurada e ainda continuar de pé! - minha avó olhava-me espantada ainda.
– Leona? – Lórien veio até mim sorrindo – me faça um favor?
– Faço todos os favores, Lórien! – disse abraçando-a.
– Mude de aparência? – ela tinha um sorriso maldoso no rosto. Estranhei seu pedido, na certa ela teria notado algo diferente em mim.
– Tudo bem! – falei mudando rapidamente de aparência, senti como se o ar tivesse sido sugado de meus pulmões. A última coisa de que me lembro depois disso foi de ser carregada para dentro do castelo.
– Se sentindo melhor? – perguntou Eirien para mim quando abri os olhos. Estava deitada com a cabeça em seu colo numa enorme cama macia.
– Onde estamos? – minha voz saiu tão baixinha que mal pude escutar.
– Está em um dos quartos de hóspedes de meu castelo! – ela me olhava com ternura enquanto acariciava minha cabeça.
–Onde estão minha mãe e minha avó? – minha voz saiu mais firme e mais alta desta vez.
– Elas voltaram para Vintro, ficaram algumas horas aqui com você e depois partiram com a minha promessa de que cuidaria bem de você aqui no castelo! – disse ela.
– por que partiram tão rápido? – fiquei triste ao saber que nem esperaram que eu acordasse para se despedir.
– Lupine foi até Vintro passar um relatório do que aconteceu aqui, Mayra tinha que voltar para casa, ela é a anciã da vila das Orquídeas, não pode ficar muito tempo longe de suas obrigações.
– Entendi – suspirei e olhei em volta, a janela estava aberta e um vento suave soprava as cortinas, deixando uma luz alaranjada entrar.
– Desde que horas estou aqui? – levantei-me indo até a janela.
– Desde a madrugada de ontem! – ela respondeu levantando-se da cama. – vou pedir para trazerem algo para você comer e voltar as minhas obrigações! Mais tarde nos veremos novamente. – ela saiu pela porta. Olhei pela janela, os sóis já estavam baixos no horizonte A visão de Lótus Vale era bonita, mas não se comparava a visão dos Vales que circulavam a Cidade de Cristal. O castelo ficava na beira da cidade flutuante, desse lado dava para ver uma enorme cachoeira caía para o vale abaixo de nós. Podia ficar aqui observando esse cenário e escutando o som da cachoeira por toda minha vida sem enjoar.
Lórien entrou pela porta saltitando alegremente.
– Eu sei por que ela te escolheu como a Sacerdotisa da Água! – disse ela enrolando os dedos em meus cabelos, seus olhos brilhavam de um modo fora do comum contra aquele pôr do sol avermelhado.
– Então diga!
– A água é o mais forte dos quatro elementos, ela tem o poder de mover a terra, apagar o fogo e mudar a direção dos ventos! – ela me deu um beijo na bochecha. – você é de longe a mais poderosa das últimas quatro gerações da sua família!
– Só por que dissipei aquela tempestade? Até você faria isso! – falei.
– Quando chegamos, era isso que sua mãe e sua avó estavam tentando fazer, dissipar aquela tempestade! Aquilo era uma tempestade de destruição, ela foi conjurada por alguém muito poderoso, uma tempestade daquela magnitude só se dissipa quando conclui seus objetivos! No caso daquela, era derrubar o castelo.
– Ewren voltou para Vintro também? – estava com medo da resposta.
– Não, ele ficou o tempo todo aqui com você, só saiu a pouco para ir dormir.
– Ele ainda está muito zangado comigo? – sabia a resposta. Se fosse eu, estaria furiosa.
– Depois do que você fez ontem? Subindo até o meio da tempestade? O que você acha? Até Lupine e Mayra ouviram dele!
– Ah meu deus! O que ele falou para elas? – perguntei ficando nervosa.
– Elas estavam aqui planejando te levar para a casa de Ervie no sexto mundo do círculo! Quando Ewren... Ah é melhor você ver isso, não foi nada bonito! - Lórien puxou meu rosto unindo nossas testas.
Pude ver as memórias que ela me permitiu ver, estava no canto da parede no corpo de Lórien, afinal estava vendo o ocorrido através de seus olhos. Minha mãe e minha avó estavam sentadas em ambos os lados da cama, eu estava deitada no meio.
– Nós deveríamos levá-la daqui, filha! – disse vovó para minha mãe que não tirava os olhos de mim.
– Talvez para Evenox, para casa de minha tia Ervie, até isso tudo acabar! – minha mãe parecia muito nervosa.
– Se ela já tem esse poder, as próximas trarão a maldição com um poder devastador! – vovó acariciava minhas mãos com os olhos cheios de tristeza. – Talvez até a mais nova tenha o poder que Jocelinne teve quando foi amaldiçoada.
Ewren se levantou batendo com a mão na parede com tanta força que o quarto inteiro vibrou.
–Ninguém vai leva-la daqui! Essa decisão me pertence agora! Vocês não podem simplesmente chegar à minha frente e falar que vão levar ela daqui achar que eu vou permitir isso! – gritou ele mudando de aparência e cerrando os punhos.
– É para o bem dela e de todos em Amantia, Ewren! – minha mãe tentava argumentar, mas ele estava decidido, Ewren era teimoso.
–Eu estou cuidando dela! Não voltarei mais para Vintro, pode ir e avisar Aeban que ficarei aqui! - ele virou as costas e foi para a janela.
– Ewren... Ela é minha filha e eu sei o que é melhor para ela! – minha mãe bateu o pé.
– Você não tem mais direito sobre ela, ela é minha agora! Você perdeu o direito sobre ela quando eu me casei com ela e você sabe disso! – Ewren havia ficado ainda mais furioso, seus olhos prateados estavam em um vermelho vivo. As duas se olharam e saíram do quarto. Vovó beijou minha testa antes de sair.
– Espero que os regentes possam te proteger do que está por vir minha criança! – sussurrou ela para mim...
– Ewren, espero que saiba o que está fazendo, pois tenha certeza de que se você errar, estará colocando em risco a vida não só de Leona mas de cada ser vivo nos doze mundos! – disse minha mãe saindo pela porta. Depois disso a memória se transformou nos olhos de Lórien que eu encarava assustada.
– Meu irmão não sabe se conter, quando fica com raiva de algo ele fica com raiva de verdade! – disse ela me abraçando.
– Percebi isso... – murmurei.
A comida que Eirien havia mandado preparar para mim chegou. Fazendo-me esquecer da pergunta que faria à Lórien. Acabei dividindo a comida com ela, pois tinham mandando comida suficiente para alimentar Amaterasu. Queria sair para passear pelo castelo com Lórien e talvez encontrar Eirien para conversar, mas fiquei com medo de encontrar Ewren no meio do caminho e ele brigar comigo.
Lórien só saiu do quarto no meio da noite, deixando-me sozinha. Tinha um banheiro no quanto, abri a água e deixei a banheira encher, entrei na água quentinha para ficar de molho ali um pouquinho para tentar me acalmar, coisa que não conseguia fazer desde a hora que vi as memórias de Lórien. Saí da água apenas quando percebi que a água já estava quase fria e minha pele estava tão enrugada quanto uma ameixa em conserva.
Como não havia trazido nenhuma roupa e aqui estava fazendo bastante calor, fiz aparecer uma camisola fina de seda, que ficaria geladinha conforme eu rolava pela cama. Trancei meu cabelo e me joguei na cama, mesmo tento dormido bastante tempo ainda sentia um pouco de sono, queria procurar por Ewren e tentar pedir desculpas, ficar junto com ele só um pouquinho, porém não sabia em que lugar do castelo ele poderia estar. Fiquei deitada rolando para os lados até pegar no sono.
Senti um calor diferente de madrugada, uma mão deslizava suavemente em minhas costas fazendo minha pele se arrepiar. Virei-me erguendo a mão para tocar seu rosto, sabia que era Ewren, conhecia seu cheiro, seu toque, ele ainda estava sério, com os olhos como duas luzes no escuro. Tracei sua boca com as pontas de meus dedos. Ele segurou minha mão e a mordeu, fazendo-me gemer baixinho.
– Você sabe que isso dói, não sabe? – resmunguei esfregando minha mão. Seus dentes haviam deixado uma marca nela.
– Foi para doer mesmo, ainda não te perdoei e estou pensando em algum castigo adequado... – ele puxou minha perna para cima, deixando meu joelho dobrado e deslizando sua mão desde meu tornozelo até a parte interior de minhas coxas.
– Não parece estar com tanta raiva assim... – brinquei, não sei por que tive a ideia de falar isso, Ele me encarou, se levantou da cama puxando-me pela cintura e me apertando com força contra a parede e me beijando, esse beijo me tirou o ar completamente, pude sentir a intensidade de seus sentimentos quando me beijou beliscando os meus lábios com os seus, rasgou minha roupa com suas garras a mostra, fazendo-me perder o controle, pude ver no espelho do quarto o brilho prateado de meus cabelos trançados, eu o agarrei e o empurrei contra a cama novamente subindo em cima dele e o beijando, passando minha língua em seus lábios e mordendo-os de leve passando minhas unhas pelo seu peito forte, Ewren me puxou mais para cima segurando-me pelos quadris e girando-me ficando por cima de mim na cama e prendendo meus braços nas costas.
Ri por dentro, se ele achava que isso pudesse ser algum tipo de castigo não estava me sentindo punida de forma alguma. Senti sua boca por cada centímetro de minhas costas, minha pele se arrepiou ao sentir sua língua tão quente, tão suave contra minha pele, ele sempre sabia o que fazer, sempre sabia como me tirar o folego.
Nos unimos novamente, parecia que nossos corpos haviam sido desenhados juntos e depois recortados perfeitamente para podermos nos encaixar de uma forma única. Meu corpo inteiro tremia com seu toque enquanto ele me puxava para seus braços e me beijava novamente, seus beijos eram tudo que eu mais queria, sua língua enrolando na minha, seu corpo vibrava em resposta ao meu toque, fazendo-me esquecer de todo o mundo ao meu redor, por fim só consegui ficar deitada sobre seu peito ofegante e mordendo os lábios para que ele não pudesse ver o meu sorriso.
– Não estava nem tentando me castigar, se isso for um castigo, vou fazer mais coisas erradas!
– Não se atreva! – disse ele segurando meu queixo e me beijando de novo. – não te castiguei só porque você fez algo bom, mas nunca vou admitir que você se entregue! – ele prendia meu olhar, sabia que ele estava falando do momento em que cedi na montanha das Cinzas. – Por favor, não quebre sua palavra comigo novamente, não faça nada sem me avisar primeiro! Não estou te falando para pedir permissão, você é livre para fazer o que desejar, só quero saber para poder te ajudar quando for necessário!
– Entendi, sinto muito mesmo... – estava arrependida, porém o ciúme que senti ao vê-lo com Belve ainda estava lá.
– Descobri uma coisa estranha... Belve não sai de perto de Aeban, quando estávamos em Vintro, ela nunca saía de perto dele! – disse ele após um longo silêncio.
– Por que será que ela fica tão agarrada com ele e agora quer ficar perto de você também? – fiquei aborrecida, talvez por isso minha mãe parecia estar tão frustrada, ela deve ter reparado algo incomum no comportamento dos dois. – Será que minha mãe descobriu algo sobre eles dois e por isso parece tão chateada?
– Acho que tem algo muito errado com ele, desde o incêndio do Templo do fogo, bem antes de sua mãe partir de Amantia ele vem agindo de um jeito diferente, misterioso.
– Templo de Fogo?
– Sim, o Templo da Sacerdotisa do Fogo, bem depois da Torre das Nuvens na costa norte de Edro. – Ewren ficou pensando, seu cenho estava franzido e havia parado de passar seus dedos nas minhas costas. – Quando o Templo de Fogo queimou ele estava lá, até ai estava normal, depois disso tinha algo diferente em seu olhar, foi aí que sua bisavó Jocelinne desapareceu, nunca mais foi vista em Amantia.
– Não sabia que ela estava desaparecida, para mim, Jocelinne já era falecida! – fiquei surpresa, pelas minhas contas, minha bisavó teria por volta de três mil anos de idade.
– Ela não deixou Amantia, isso todos temos certeza, mas onde ela estaria, procuraram em todos os lugares e nunca a encontraram!
– Quero ir nesse templo! – falei subindo em cima de Ewren e o encarando, ele revirou os olhos e suspirou.
– Você só quer fazer coisas perigosas! – reclamou ele me jogando para o lado e me encarando novamente – O templo de Fogo está em ruínas e fica à beira de um penhasco sob cidade abandonada de Rompita, perto do mar Azul.
– Não parece tão perigoso assim!
– Não, não parece descrevendo, mas se você chegar bem perto vai ver o porquê estou falando que é perigoso.
– Vamos! Por favor? – tentei fazer um charme piscando os olhos e beijando seus braços.
– Assim fica difícil te dizer não! – disse ele me beijando meu pescoço e me tomando novamente.
Abri os olhos de manhã, a claridade dos sóis fazia o quarto parecer uma caixinha de vidro espelhado. Estava deitada ainda sobre o peito de Ewren, levantei o rosto para ver se ele ainda estava dormindo. Ele estava sério, e me encarava de um jeito estranho.
– Hm, o que foi? – perguntei virando de lado para ter melhor visão de seu rosto.
– O que é isso? – perguntou passando os dedos em uma marca branca em minha perna.
–Ah, foi o treino com Lórien! – a marca do corte não havia desaparecido totalmente. Ele franziu ainda mais o cenho.
– E essa marca aqui? – apontou um outro corte em meu braço.
– Isso, foi o treinamento com Lirien!
– Quando você encontrou Lirien?
– Quando estávamos indo para o porto das Ondinas! – ele continuava me encarando de cara feia.
– E isso? – ele me virou de barriga para cima e mostrou a marca de onde Banshee havia atravessado sua adaga.
– Banshee tentou me matar no Porto da Besta Santa... Ela atravessou uma adaga em mim assim que me viu!
– O quê? E onde ela está agora? – ele estava se levantando furioso.
– Na barriga de Amaterasu. Foi uma coisa muito feia de se ver! – Ewren deitou novamente e passou um braço ao meu redor.
– Fico fora por alguns dias e você consegue se machucar tanto assim!
– Por que estava reparando nessas cicatrizes?
– Elas me mostram a quantidade de vezes que você precisou de mim e eu não estava perto para te livrar de recebê-las – ele suspirou. – Vamos, temos que ir tomar café com Eirien, se não ela pode ficar chateada.
– Tudo bem! – levantei da cama fazendo um vestido aparecer em mim e arrumei meu cabelo, até que usar os meus poderes para algumas bobagens não era tão ruim assim. Ewren levantou-se da cama e se vestiu. Cheguei perto dele e penteei seu cabelo, era tão macio e liso que mal precisei passar a escova para ele ficar arrumado.
O castelo era tão bonito por dentro quanto por fora, parecia mesmo feito de cristal, tudo tinha um brilho fora do comum aqui dentro, passamos por um corredor largo, cheio de pinturas de pessoas das quais só reconheci Arin, Eirien e Lórien.
– Por que seu retrato não está aqui? – perguntei olhando os dois lados do corredor procurando por seu retrato. Ewren riu ficando com o rosto levemente corado.
– Está no quarto de Eirien! – ele me olhou levantando uma sobrancelha para mim.
– Ela não estava brincando quando disse que você é o favorito dela, não é?
– Não, não estava mesmo! – entramos em uma sala apenas para sair por uma porta que estava escondida no cantinho da sala. Saímos em um jardim maravilhoso coberto com todos os tipos de flores e árvores ornamentais. Eirien estava sentada embaixo de uma cerejeira com Andros e Lórien, ela abriu um enorme sorriso quando nos viu.
– Ewren, Leona! – andou em nossa direção e nos abraçou. – Estava esperando vocês para podermos tomar café! – Lórien aproveitou que Eirien virou de costas para pegar alguns doces na mesa antes que o café fosse servido.
A mesa foi servida, haviam tantos tipos de pães e bolos que mal podia escolher os que queria comer.
– Falei que ela tinha uma paixão incomum por doces! – Lórien riu quando me viu pegando um bolinho recheado, passei um para ela também.
– Quem não gosta de doces? – Eirien também pegou um bolinho e o cobriu com algo que parecia ser uma calda de chocolate.
– Vovó, a senhora não deveria comer essas bobagens! – Ewren cobriu o rosto quando ela o ignorou dando uma mordida no doce.
Ficamos ali juntos, nos divertindo como se nada pudesse nos alcançar, era tão divertido que poderia acontecer mais vezes.
Continuamos no Jardim mesmo depois do café. Medras apareceu no jardim, fez uma reverência ao nos ver e se aproximou de Lórien, entregando para ela as ervas e o sal de flores e mais as escamas de bardo azul.
– Ah! Medras Obrigada! Você é um amor! – ela lhe deu um beijo na bochecha e saiu do jardim correndo. Pude ver Medras segurar um sorriso, mas não conseguiu evitar que seu rosto corasse quando ela se afastou e Andros ficar vermelho de raiva olhando para ele, Andros levantou-se pediu licença e saiu atrás de Lórien.
– Medras! – Ewren apertou sua mão – quanto tempo!
– Muito tempo! – respondeu ele sorrindo. – Leona! Soube que mataram Fecios, é verdade?
– Hm, sim, encontramos ele na saída da cidade dos Duendes... – falei.
–Você o enfrentou? – Ewren olhou para mim com a cara mais feia do mundo.
– Dei aulas para elas enquanto íamos para Vintro! – Medras falou para Ewren.
– Por que não testa ela Ewren? – Eirien falou sorrindo sentada tranquilamente em um banco à sombra de uma cerejeira. – Aproveite e experimente sua nova arma Leona! – fiquei confusa, mas ela se levantou e tirou do pescoço um pingente dourado em formato de um pequeno cetro com uma pedra azul na ponta.
– Ah! Não precisava! – falei enquanto ela me entregava o novo cajado em miniatura.
– Precisava sim, esse seu já foi quebrado! Ele para de conduzir a energia de forma correta. – ela pegou meu cajado e o destruiu com os dedos.
Testei o novo fazendo-o mudar de tamanho, este era maior que o antigo e bem mais pesado também! Mudei-o para uma lança que também ficou diferente com as pontas maiores e muito mais afiadas.
–Por que não testa ela Ewren? – Medras deu um sorriso divertido, Ewren olhou para mim e suspirou.
– Não é uma boa ideia! – disse ele olhando para mim de canto de olho.
– Está com medo? – perguntei provocando-o e girando a lança perigosamente sobre minha cabeça.
– Já que ele não vai, eu vou! – Eirien tirou a presilha de seu cabelo que na mesma hora mudou para aquela longa espada afiada que utilizou para derrotar Demétrius.
– Tudo bem! – Ewren ficou pálido ao vê-la com a espada na mão, pela reação dele conclui que ou Eirien era muito boa, e disso eu tinha certeza, ou ela não iria perdoar, ia atacar para valer.
Ewren deu um suspiro e sacou a espada.
– Se você ficar com medo de me machucar, eu vou te machucar! – girei a lança com tanta facilidade quanto a outra mais leve que passou a centímetros de Ewren. Ele me olhou surpreso e sorriu mudando seu olhar. Seus ataques eram tão rápidos quanto os de Lirien, porém a lança mais pesada era mais fácil de manusear do que a outra, os movimentos saiam mais precisos e a defesa era melhor, pude esquivar e defender cada ataque dele chegando a quase feri-lo duas vezes, evitando o acidente apenas puxando a lança para trás para que ela desviasse dele, por fim o desarmei jogando sua espada para o alto e parando a lança bem perto de seu rosto. Amarrei a cara e mudei a lança de volta para um pingente.
– Por que me deixou vencer? – perguntei frustrada. Eirien e Medras estavam sorrindo discretamente olhando para Ewren que parecia chocado.
– Não deixei! – ele pegou a espada bufando e a colocou de volta na bainha.
– Ele sempre perdeu para mim, Leona! Por isso que você ganhou dele, pois aprendeu comigo e ainda usou a técnica que Lirien te ensinou! – Medras mostrava um sorriso perfeito para nós.
– É mais difícil lutar com alguém utilizando uma lança do que com uma espada! – Ewren resmungou observando-me ir sentar do lado de Eirien.
– Então estamos empatados, eu não te ganho com uma espada e você não me ganha com uma lança! – Ewren apertou a mão de Medras que se afastou indo em direção a porta do jardim.
– Eirien, posso te fazer uma pergunta, pode parecer meio boba, mas notei uma coisa enquanto estava fora com Lórien! – perguntei observando Eirien, ela ficava perfeita com os raios de sol que passavam pelas folhas da árvore e iluminavam seu rosto.
– Pode perguntar! Ficarei feliz em responder se souber! – era difícil acreditar que ela não sabia de algo.
– Bom, notei que todos em Amantia falam a mesma língua, existem tantas raças aqui, por que elas falam a mesma língua, logo que eu cheguei todos falavam línguas diferentes e eu não entendia nada! – Eirien começou a rir e esfregou minha cabeça.
– Leona, em todos os doze mundos, se você os visitar, vai perceber que todos falam a mesma língua! Não exatamente a mesma língua, porém você desenvolveu seus poderes e eles a fizeram aprender e entender todas elas! Assim você nunca vai perceber que está falando uma língua diferente da sua! – agora tudo fazia bastante sentido para mim.
– Como são os outros doze mundos? – perguntei.
– Pergunte para Aristes, ele já foi a todos, eu só fui em Evenox, na Terra, Dartaris e Ciartes.
– Perguntarei a ele quando vê-lo de novo! – sorri.
No instante em que íamos sair também, Arin e Nellena apareceram no Jardim rodeadas por uma imensa coluna de luz.
– Nellena? Arin! – fui até elas, Nellena estava com uma expressão tristonha mas sorriu docemente quando me viu.
– Olá menina! – disse ela sorrindo e dando um beijo em meu rosto.
– Está tudo bem? – sabia que não estava, seu coração estava acelerado e seus olhos marejados.
– Está sim, só estou muito cansada. – Arin estava com um olhar estranho e segurava ela pela cintura, encarou Ewren de uma forma estranha, ele foi até elas e pegou Nellena no colo. Ela estava fraca e estranha. Eirien veio até nós e nos guiou rapidamente para dentro de um quarto escondido em sua sala. Ewren a colocou em uma cama, ela estava ficando pálida e com olheiras nos olhos.
– Nena? Você está bem? – perguntei segurando suas mãos geladas.
– Vou ficar melhor! – disse ela acariciando minha cabeça.
– Ewren, venha aqui por favor! – Arin o chamou para fora da sala e fechou a porta quando saíram, Eirien trouxe um copo de água para ela.
– Nena o que está acontecendo? – comecei a ficar preocupada.
Ela abaixou lentamente a parte de cima do vestido, deixando o ombro a mostra, uma marca escura havia se formado ali em volta de uma mordida. – O que é isso Nena! – A marca dos dentes era idêntica à que Lórien tinha quando o vampiro a atacou na montanha das Cinzas.
– Tive um pequeno acidente quando estava indo para Vintro encontrar sua mãe... – sua voz estava fraca. Ela fechou os olhos como se estivesse dormindo.
– Nena! – sacudi seu braço.
– Não a agite, Leona! Ela precisa descansar! Ewren já vai vir com uma poção para curá-la, se a mordida foi a menos de três dias dá para evitar o pior...
– Ela vai se transformar em um vampiro? – perguntei.
– É possível...
– Mas dá para reverter isso? – peguei um paninho e enxuguei o suor no rosto de Nena, mal a conhecia, mas para mim ela era quase como da família.
– Talvez podemos salvá-la e sem ter nenhum efeito... – Arin entrou na sala trazendo um copo com um líquido estranho azulado e de cheiro doce, enjoativo.
– Aqui está! – ela levantou a cabeça de Nena e lhe deu o líquido.
– Obrigada Arin! – ela sorriu e deitou novamente.
– Lupine já está vindo para cá Nellena, ela deve chegar em poucos minutos. – Arin sentou ao lado dela e fez um gesto para que eu saísse.
Ewren estava do lado de fora com os braços cruzados.
– O que aconteceu? – perguntei olhando sua expressão preocupada.
– Nellena disse para minha mãe que tinha algo muito importante para dizer a Lupine, algo sobre Arcádius, mas foi impedida por esse Vampiro.
– Ela vai ficar bem? – ele me encarou, pude ver nos seus olhos a resposta.
– Não... ou ela vai se transformar ou não vai aguentar a mudança e vai morrer! – disse ele cerrando os punhos.
– Não tem nada que possamos fazer? – perguntei.
– O que eu podia fazer já fiz que foi cortar a dor. Agora temos que esperar. – ele suspirou – As três eram quase inseparáveis, elas são amigas desde a infância, vai ser um golpe muito duro para Arin e Lupine, elas cresceram juntas nesse castelo. – Ewren falou suspirando.
– Mas tem a chance de Nena sobreviver não é? Quer dizer ela pode se transformar... – algo em seu olhar me fez ficar em silencio.
– Se ela se transformar, a primeira coisa que vai pedir é para que Arin ou Lupine a mate e se nenhuma delas o fizer ela vai pedir para Eirien, para mim ou até para você! Nellena é uma caçadora, ela nunca vai aceitar se transformar num dos monstros que ela lutou contra e os caçou a vida toda! Não aceitaria se tornar um monstro só para continuar a viver! Ela é durona! – respirei fundo para evitar chorar. Minha mãe apareceu pouco depois, mal nos olhou e foi direto para o quarto. Eirien saiu quando ela entrou.
– Vamos deixa-las sozinhas por um tempo. – disse ela nos levando novamente para fora.
– Ela foi a primeira pessoa que conheci em Amantia. Ela me salvou e me disse como voltar para casa! – falei quando sentamos embaixo da cerejeira.
–Amantia nunca teve paz, eu admito, mas nunca foi assim! Essa violência está passando dos limites e está na hora de acabarmos com isso de uma vez por todas! – os olhos de Eirien brilhavam dourados.
– Temos que achar a fonte, o que está causando todos esses problemas e acabar com ele, se não todo o esforço de Jocelinne para colocar a barreira terá sido em vão! – Ewren chamou por Lórien, Andros e Medras baixinho. Os três apareceram logo em seguida e estavam muito sérios também.
– Preciso de vocês em uma missão! – Eirien falou ficando de pé.
– Pode mandar vovó! – Lórien piscou para ela se apoiando em Medras, fazendo Andros ficar vermelho novamente, será que ela fazia aquilo de propósito?
– Andros, Preciso que você volte à Vintro e monitore os passos dos comandantes bem de perto e me passe um relatório diário! – ele acenou com a cabeça, puxou Lórien de perto de Medras e lhe deu um beijo, depois desapareceu numa coluna de ar.
– Medras, Leona, Ewren e Lórien, vão até as Ruinas do templo de fogo e encontrem qualquer pista sobre Jocelinne, precisamos descobrir onde ela está, ou o que realmente aconteceu com ela, ela é a melhor pessoa para nos dizer tudo sobre Veruza e o marido dela, embora eu tenha esbarrado com os dois algumas vezes no conselho, ela convivia com eles, principalmente com Arcádius e seu irmão! – Ela disse exatamente o que Ewren precisava ouvir para me levar até lá. Lórien sorriu.
– Vamos chegar bem rápido dessa vez! – ela tirou do bolso de seu colete quatro pequenos frasquinhos com um liquido avermelhado.
– O que é isso? – quis saber pegando o vidrinho que ela estendeu para mim.
– Phoenix alas! – disse ela abrindo o vidrinho e bebendo o líquido. Um ela deu para Medras.
– É a poção de asas de fênix. – Ewren olhou o frasco e me devolveu.
– Deixem para partir amanhã, hoje elas precisarão de vocês aqui! – Eirien entrou para dentro de sua sala indo ver como Nellena estava. Olhei para o vidrinho em minha mão, Medras havia tomando um também. Respirei fundo e virei o tudo de uma vez na boca, o gosto era horrível, menos que sangue de Aswang, porém tão ruim quanto. Ewren riu da minha cara enquanto segurava a boca para não vomitar.
– Ah! Não seja fresca Leona! Não é tão ruim assim! – Lórien tirou o colete, ela estava usando uma calça justa e uma blusa que deixava a maior parte de suas costas à mostra. Uma tatuagem vermelha começou a aparecer, era uma fênix vermelha muito bonita. Lórien moveu os ombros como se estivesse se adaptando aquela forma então abriu as asas das cores do pôr do sol! Eram tão lindas as de Medras ficaram negras como as de Ewren.
– Misturei pó de celim azul em um dos frascos, parece que você pegou esse! – ela brincou com as asas de Medras que ficou corado e as fechou.
– E você Leona? – perguntou Medras olhando para mim.
– Acho que não teve efeito algum! – disse Ewren puxando a alça de meu vestido para olhar.
–Será que não funciona em humanos? – Lórien olhou também – Não apareceu a tatuagem! – fiquei frustrada, estava louca para ter asas iguais as dela.
– Acho que não teve efeito nenhum mesmo... – suspirei. Lórien olhou-me com pena.
– Vamos Medras, vou te ensinar a voar! – disse ela batendo as asas e levando Medras para o alto e sumindo das nossas vistas com Medras aos berros. Ri e por um momento agradeci por não ter dado certo com medo de não conseguir usar as asas.
– Pra ser sincero, ela deve ser muito tapada ou faz isso de pura maldade! – disse Ewren depois de um silêncio perturbador.
– Faz o quê?
– Você não percebeu? Medras é apaixonado por ela desde que a viu pela primeira vez, quando ela foi atrás de mim a muitas décadas atrás para tentar me purificar.
– Ah, por isso que ele fica assim perto dela? – não sabia se sentia pena dele ou se ficava feliz por ele poder estar perto dela.
–Sim, é uma pena que Andros tenha sobrevivido... Eu sinceramente preferia Medras, Andros não é muito confiável!
– Não diga essas coisas! – dei uma cotovelada nele. – se ela gosta dele é com ele que ela tem que estar, não acha?
– Ela não gosta de Andros! – Ewren olhou para mim com curiosidade – você não percebeu isso? Foi um casamento arranjado, só que Lórien respeita todas as vontades de Arin, ela arrumou o casamento de Lórien com Andros para que pudéssemos fazer uma aliança com os Silfos caso um dia precisássemos deles.
– Que bobagem! Ela ter que ser infeliz por uma aliança política!
– Ela só está tentando porque Andros gosta muito dela, aos poucos ela está se apegando a ele, mas ela tem muitos anos de amizade com Medras, e Andros fica brigando com ela por causa dele, ai ela o provoca ficando agarrada a Medras. – Ewren olhava para o céu, onde os dois haviam sumido.
– Mas ela sabe que Medras gosta dela? – perguntei.
– Nem faz ideia! – eu ri, se eu que estava de fora não havia percebido, ela não perceberia nunca! Ewren segurou meu rosto com as mãos e me beijou, me abraçou forte e forçou minha boca a abrir passando a língua suavemente sobre a minha. Me afastei rindo.
– Não é hora pra isso! – ajeitei meu cabelo tentando disfarçar o vermelho de meu rosto.
– É sempre a hora certa para mostrar o quanto te amo. – meu coração deu um salto, batia tão forte contra minhas costelas que mal pude respirar, fiquei o encarando sem conseguir falar, esperava acordar a qualquer momento e ver que nada disso era real, era maravilhoso demais para ser real... Puxei-o para perto novamente o abraçando o mais apertado que pude com medo de soltá-lo e ele desaparecer.
Um grito dentro do palácio nos fez sair daquele pequeno mundo de alegria e correr para dentro. Eirien estava sentada num pequeno sofá em sua sala com lágrimas nos olhos, passamos correndo por ela e vimos Arin segurando Nellena no colo, seus braços estavam flácidos e caídos e sua boca parcialmente aberta, minha mãe estava de joelhos ao lado delas segurando a cabeça de Nellena e chorava também. Não consegui segurar as lágrimas ao ver a mulher que me salvou assim que cheguei a Amantia sem vida naquele pequeno quarto. Arin a apertava com força e chorava de soluçar.
–Nós vamos vingar você querida amiga, eu prometo, eu vou fazer tudo para você ser vingada... – minha mãe beijou sua testa e ajeitou seus cabelos.
Ewren foi até Arin e soltou Nellena dos seus braços, fiz o mesmo com minha mãe, Eirien entrou para tirá-las da sala.
– Cuidem dela por favor, vou avisar a família dela... – Eirien chorava baixinho. Quando ela fechou a porta eu tirei o cajado do pescoço e fiz aparecer em Nellena um vestido dourado, trancei seus longos cabelos e a coloquei direito na cama. Ewren beijou sua mão e fechou seu olho cuidadosamente.
– Você entregou em minhas mãos o que eu tenho de mais precioso no mundo e nunca poderei te agradecer por isso agora... – disse ele para ela.
Ficamos no quarto com ela até os sois começarem a baixar e o céu ficar alaranjado, o pôr do sol estava diferente de ontem, parecia que estava sofrendo também.
– Nós a vimos a poucos dias, estava tão forte, tão saudável, jamais pensaria que ela morreria assim. – falei baixinho, peguei sua espada do lado da cama, o lobo cinza e brilhante desenhado na lamina de aço havia se apagado.
Ewren se levantou da cadeira, pegou o corpo e carregou para fora da sala, andamos silenciosamente até o pátio principal onde uma enorme pedra estava cercada por lenha e flores vermelhas. Ewren colocou Nellena cuidadosamente sobre a pedra e a arrumou lá. Pouco tempo depois várias pessoas começaram a aparecer, chorando e trazendo todos os tipos de flores.
– Nellena era muito queria em toda Amantia... – Ewren estava abatido.
– Tenho certeza disso, ela era incrível... – disse limpando os olhos.
Eirien veio acompanhada de um jovem adulto e um elfo alto que segurava uma menininha nos braços, ela deveria ter pouco menos de cinco anos e chorava baixinho encostada no ombro do pai. Quando ele viu o corpo de Nellena sobre a pedra entregou a criança para Eirien e andou até a pedra, caindo de joelhos no chão perto dela e segurando suas mãos, o jovem virou o rosto, seu olhar encontrou o meu por um instante, ele tinha os mesmos olhos verdes amarelados de Nellena, ele saiu pelos portões do pátio central. Eirien veio até mim e me entregou a menina.
– Ewren, Leona, levem ela até o terraço, já vai escurecer! Mostrem as estrelas para Sally! – disse ela tentando parecer tranquila por causa da criança.
A menininha prendeu seus pequenos dedos em meus cabelos. Ewren então nos levantou no colo e abriu as asas voando até a torre que ficava de frente para onde a pira seria acesa. Ao chegarmos lá em cima, sentei em um banco de pedra e a coloquei em meu colo.
– Minha mãe vai ficar com frio lá embaixo! – disse ela para mim. – ela está sem o manto! – tive que segurar as lágrimas novamente, não fazia ideia de como confortar uma criança. Ewren a pegou de mim e acariciou sua cabeça.
– Você já viu o Unicórnio do trovão de noite? – perguntou ele para ela.
– Já! – ela limpou o rosto para olhar para ele.
– Como ele é? – Ewren estava tão tranquilo com ela no colo, segurando suas pequenas mãos e sorrindo para ela.
– Ele é brilhante... – ela não sabia como descrevê-lo
– Então, o Unicórnio do trovão veio buscar sua mãe para ela cumprir uma missão bem longe daqui, e talvez ela demore muito para voltar.
–Mas ela me prometeu que voltaria rápido... – seus olhos se encheram de lágrimas de novo. – ela disse que não ia deixar o papai sozinho!
– Ele não está sozinho! Você vai cuidar dele não é? – ele passou a mão no cabelo loiro lisinho dela, ela assentiu secando as lágrimas novamente. – Então quando o vir, dê um grande sorriso para ele e lhe de um abraço apertado e um beijo, ele vai precisar! – ela sacudiu a cabeça. Fiquei surpresa de como ele tratou aquela criança que nem conhecia.
Lá embaixo a pira foi acesa, sabia que o cheiro de carne queimada nos alcançaria em breve, então fiz uma pequena bolha com as mãos e nos envolvi com ela, fazendo um suave perfume de flores silvestres circular perto de nós. Sabia que Sally teria essa memória para sempre, então o mínimo que podia fazer era amenizá-la. Ficamos olhando o fogo alto aqui de cima, o Marido de Nellena estava junto com Arin e com minha mãe, os três pareciam inconsoláveis.
Quando o fogo começou a diminuir, uma poeira brilhante saiu do meio das chamas rodopiando no ar e se transformando em um lobo brilhante no ar, um lobo de luz que uivou e se transformou em poeira novamente e desapareceu diante da lua gigante que mesmo parcialmente escurecida, cobria uma grande parte do céu.
Descemos até o pátio novamente quando o fogo se apagou, não havia mais nada, a pedra estava lisa e limpa. Arin veio até nós e colocou um colar em Sally, um pingente em formato de uma meia lua. Sally olhou para o pingente, Ewren a colocou no chão, Sally caminhou até onde seu pai ainda olhava para a pedra que antes queimava o corpo de Nellena. Ele virou-se ao sentir a pequena puxar sua roupa, ele a pegou no colo, e como Ewren havia dito a ela, ela sorriu, deu-lhe um beijo e o abraçou fazendo com que ele chorasse ainda mais, mas com um pequeno sorriso no canto do rosto. Minha mãe veio até mim, acompanhei-a para dentro do castelo, fomos até o quarto que Eirien havia me instalado, ela se deitou na cama, ainda estava com os olhos marejados.
– Sempre achei que Nena fosse indestrutível, quando era mais jovem queria ser como ela, tão forte quanto ela e ter a mesma coragem, e no final ela não resistiu ao veneno de um vampiro... – eu sentei ao seu lado, ela deitou a cabeça em meu colo.
– Ela me salvou quando cheguei em Amantia a primeira vez, cai em um lago perto da casa dela.
– Prometa para mim que não vai partir antes de mim Leona! – ela se virou para me encarar.
– Prometo! – dei um beijo em sua testa e fiquei acariciando seus cabelos.
– Sabe do que me arrependo?
– Do que, mãe? – perguntei alisando seus cabelos.
– De ter deixado Leonard na Terra, sinto tanta a falta dele. – ela apertou minha perna com a mão.
– Também sinto muito a falta dele, gostaria de ir busca-lo quando tudo isso passar! – falei.
– Quando tudo isso passar, vamos até lá busca-lo? – ela perguntou repetindo minhas palavras, ainda estava muito atordoada, senti uma pontada de dor em sua voz.
– Vamos! – parei um instante para pensar e um calafrio passou por minha espinha. – Mãe, se as Arbarus só têm filhas mulheres, como a senhora teve Leonard? – ela virou para mim novamente.
– Você não se lembra de quando ele chegou lá em casa? – ela parecia surpresa.
– Como assim? – minha voz saiu alta e tremida.
– Leonard foi deixado em nossa porta, você já tinha cinco anos! Achei que você soubesse que ele não é seu irmão de verdade!
– Mas... – foi um choque para mim, não conseguia lembrar-me disso.
– Modifiquei as memórias de Nagel para que ele achasse que Leonard era nosso filho... – ela limpou as lágrimas dos olhos – Queria vê-lo de novo.
– Então vamos nos esforçar e acabar com tudo isso de uma vez, para poder trazê-lo para cá! – disse acariciando sua cabeça, sem que ela percebesse usei meus poderes para fazê-la dormir tranquila. Sai de meu quarto e a deixei dormir, andei pelo palácio, cada passo meu parecia uma explosão de tão silencioso que estava, tirei os sapatos e os fiz desaparecer.
Como não sabia onde era o quarto de Ewren ou o de Lórien resolvi subir até o telhado. Subi as escadarias devagar, a única claridade naquela parte do castelo era da luz da Lua que aparecia na escada em espaços falhados por causa da trama de pedras que formava as pequenas janelas da torre.
Não me cansava de ficar do lado de fora a noite, o frescor da noite e o doce aroma de flores silvestres faziam uma combinação perfeita. Sentei no parapeito e fiquei observando o céu pensando em tudo que estava acontecendo, muitas coisas não se encaixavam queria ir logo até as ruínas para tentar descobrir algo que nos fosse ajudar ou dar alguma pista do paradeiro de Veruza.
Medras desceu voando perto de mim, tomei um susto tão grande que desequilibrei para fora da sacada, se não fosse ele segurar meu braço, provavelmente teria caído.
– Você é muito assustada sabia? – disse ele rindo.
– Vim de um lugar onde ninguém aparece voando atrás de você! Ainda não me acostumei com isso! – às vezes era grossa sem querer – desculpe!
– Tudo bem, Ewren já me alertou sobre seus rompantes de grosseria! – Medras sentou ao meu lado para observar o céu também.
– Aprendeu a voar com facilidade? – perguntei tentando fazer aquele silêncio constrangedor desaparecer.
– Tive uma boa professora! – ele me encarou por um instante e suspirou olhando em volta distraído. – Qual a chance que tenho de conseguir tomar ela de Andros? – ele me pegou de surpresa com aquela pergunta, nunca achei que Medras falaria comigo sobre sentimentos.
– Ah, talvez devesse amarrá-la e levá-la embora! – ri, ele acabou sorrindo também. Não podia lhe dar uma resposta para isso, não sabia como funcionava o “Casamento Político” deles.
– Ela é incrível demais para ser colocada numa gaiola por ele. – Medras estava com os punhos cerrados.
– Como assim? – perguntei.
– Não percebe como ela fica diferente perto dele? Contida? Tenho certeza de que ela fica triste perto dele.
– Nunca tinha reparado essa diferença... – para mim não tinha diferença nenhuma, ou talvez fosse perceptível apenas por ele, pois quando a gente ama qualquer mudança por menor que seja é percebida por nós. Ewren pousou perto de nós, fechou as asas e sentou-se no parapeito.
– Como está Arin? – Medras perguntou.
– Melhor do que Lupine, ela é muito forte, mas ainda assim está muito triste. – respondeu ele bufando.
– Imaginei isso, bom se não se importam, amanhã teremos que partir cedo para o templo de fogo. – Medras saltou da torre abrindo as asas e desapareceu.
– Sem sono? – Ewren chegou perto de mim e me abraçou.
– Um pouco triste, Nellena foi a primeira pessoa que conheci em Amantia.
– Ela que entregou você para mim... – Ewren levantou meu rosto e me deu um beijo na testa passando seu polegar pelos meus lábios. – Nem tive a chance de agradecer! - sorri, se não fosse ela eu também não conheceria Ewren, talvez nem estivesse viva hoje.
– Nenhum de nós agradeceu a ela apropriadamente. – Senti pena de Sally que agora teria que crescer sem a mãe e por mais que soubesse que não tinha culpa, não conseguia deixar de me sentir responsável, pois foi no momento em que eu aceitei ajudar uma velhinha numa garagem suja que mudei o destino de muitas pessoas que nem conhecia e algumas que nunca chegaria a conhecer. Ewren pareceu notar minha aflição e pegou minha mão, traçando as marcas douradas com as pontas dos dedos.
– Nós nunca sabemos o que pode acontecer amanhã, então é sempre bom aproveitar todo o tempo que temos. – Ewren me beijou novamente, puxando-me para dentro de suas asas abertas e nos fechando lá como num ninho.
8
Gelo
e fogo
Ewren:
Sabia o quanto ela se sentia culpada pelo que estava acontecendo e por mais que tentasse disfarçar, sua preocupação e sentimento de culpa transpareciam em seu rosto. Tinha que tirá-la daqueles pensamentos antes que ideias erradas surgissem em sua mente. Tomei-a em meus braços e a beijei, não era como se estivesse fazendo isso só para afastar seus pensamentos, eu tinha necessidade de tocá-la, a sensação de tocar sua pele era única, o sabor de sua boca e o jeito que ela se arrepiava quando eu a tocava. Nunca poderia imaginar que um dia aquela menina mal educada que me incumbiram de levar para casa estaria em meus braços agora, nunca pensei que pudesse me preocupar com alguém a ponto de não querer me afastar, jamais imaginei que teria medo de perder alguém como tinha medo de perdê-la.
Abri as asas e a puxei para dentro delas nos fechando juntos. Abaixei lentamente as alças de seu vestido e subi a parte de baixo até a altura de seu quadril. Podia ouvir sua respiração acelerar, seu coração batia tão forte que podia senti-lo bater contra minha pele. Leona estava sentada sobre o parapeito da torre quando fechei as asas sobre nós, desci de sua boca pelo seu queixo, seu pescoço, seus ombros, ela gemeu entrelaçando os dedos em meu cabelo e passou as unhas em minhas costas deixando-me ainda mais fora de controle. Era quase impossível ficar perto dela e manter o controle sobre mim, ela me tirava do sério de todas as formas. Passei a mão em suas pernas, abrindo-as Leona me segurou tentando impedir que eu chegasse mais perto, eu sorri.
– Quer medir força comigo agora? – ela respirava rápido e tremia.
– Aqui não! – sua voz saiu tão falha que nem sei exatamente o que ela disse – Ewren alguém pode aparecer...
– Só se for um fantasma! – respondi brincando, movendo meus dedos entre suas coxas. Ela mordeu os lábios pensando por um instante então afrouxou seu aperto, deixando o caminho livre. Tomei-a ali mesmo, sem me importar se alguém poderia aparecer, afinal tudo que veriam seria um ninho de penas negras se movendo em um ritmo perfeito. Leona pareceu não se importar também, ela gritou puxando me contra seu corpo e mordendo meu pescoço com um pouco mais de força do que seria necessário, mas que fez minha vontade por ela aumentar ainda mais. O vento começou a soprar mais forte trazendo um frio fora do comum para essa época do ano então ajeitei seu vestido, suas pernas ainda tremiam e ela me encarava com o cenho franzido.
– O que foi? – perguntei confuso vendo aqueles olhos lilás brilhando no escuro.
– Você não tem vergonha? – sua voz estava tremida.
– Nem um pouco! – respondi beliscando seu rosto – você tem menos que eu! – ri vendo-a ficar completamente vermelha e virar o rosto. – Muito escandalosa! Acho que todos no castelo te ouviram! – provoquei-a fazendo ele gemer e esconder o rosto.
– Você que me deixou assim! Era inocente quando vim pra cá! – disse dando-me um empurrão. Peguei-a no colo e pulei da torre, ela se agarrou a mim, senti suas unhas finas quase arrancarem um pedaço de minha pele.
– Você acha que eu te deixaria cair? – perguntei girando e aterrissando na sacada de meu quarto.
– Você adora me assustar! – entramos no quarto, já havia sentido uma presença lá, ascendi a luz, Leona deu um pulo para o lado assustada ao ver Eirien sentada numa poltrona perto da janela acariciando a cabeça de Amaterasu que estava deitada no chão com a cabeça em seu colo.
– Ewren – ela suspirou e me mostrou um saquinho de ervas que estava em cima da mesa, meu estômago afundou quando entendi o que ela estava me mostrando, a erva dos sete sóis que estava em cima da mesa já preparada e seca.
– Está tudo bem? – Leona me perguntou virando sua cabeça de lado para me observar, seus olhos verdes brilhavam intensamente, ela nem pensava no erro que acabara de cometer. Tudo que pude pensar agora era que nada havia acontecido, está tudo bem!
– Tudo bem sim! – dei um beijo no topo de sua cabeça, ela sentou ao lado de minha avó e afagou a cabeça de Amaterasu também. Vovó me encarava séria, conhecia aquele olhar de reprovação, pude escutar em minha cabeça a palavra que estava embutida naquele seu olhar “irresponsável”.
– Vocês deveriam dormir, precisam acordar cedo para fazer o que pedi! – ela saiu devagar pela porta. La de fora pude ouvi-la falar. “É dormir, Ewren”! Foi algo constrangedor para mim, sorte que Leona não havia entendido ou ela nunca mais conseguiria encarar Eirien.
–Não entendi, o que aconteceu aqui? – ela se esticou na cama, Amaterasu a seguiu e deitou a cabeça sobre seu colo de forma estranha, protetora demais.
– Nada, Eirien é meio parecida com Lórien às vezes! – Olhei Amaterasu de perto, ela não parecia estar se sentindo mal, mas não queria sair de perto de Leona, achei aquele comportamento estranho como se algo de ruim fosse acontecer, fiz um esforço para tirar esse pensamento negativo da cabeça mas meu coração estava me traindo, batendo rápido demais.
– Não vai vir dormir? – ela sorriu timidamente e bateu com a mão no travesseiro ao seu lado, se eu deitasse ela perceberia.
– Já volto! – sai do quarto deixando a porta apenas encostada, caso Amaterasu precisasse ir atrás de mim. A escuridão dos corredores não me incomodava, conseguia enxergar tranquilamente no escuro, o que me incomodava é o que podia se esconder nas sombras que pareciam mais densas e frias essa noite.
Algo não parecia certo, podia sentir uma presença maligna no castelo e não tinha nada a ver com a morte de Nellena. Dobrei a esquerda no corredor ao norte do castelo e caminhei em passos mais suaves, a luz falhada das janelas faziam as paredes brilharem levemente. Ao chegar perto do quarto em que Leona estava na noite anterior, escutei um gemido de dor seguido de um choro fraco.
Lupine! Odiava ter que usar meus poderes, mas precisava saber o que estava acontecendo, fiz cair sobre mim uma névoa que me fez ficar invisível e indetectável por outra criatura mágica. Agradeci imensamente a Noliah pelos poderes que havia me cedido em seus últimos instantes em Amantia. A porta do quarto estava entreaberta em um vão suficientemente grande para que pudesse passar sem esbarrar na porta, entrei rapidamente e olhei em direção a cama, Um homem que não reconheci estava segurando Lupine em cima da cama, ele havia prendido seus cabelos com a mão direita, inclinando sua cabeça para trás e tapando sua boca com a outra mão enquanto suas presas estavam em seu pescoço.
Ela dobrou os joelhos para tentar pegar impulso e se soltar, as marcas em seu corpo ficaram de um lilás para um rosa claro e depois se apagaram, ela mal tinha forças para se mover. As marcas no homem se ascenderam num brilho vinho escuro então a soltou inspirando como se estivesse satisfeito com o poder que havia absorvido. Sem pensar duas vezes saquei a espada e o ataquei saindo de minha Furtividade. Ele deu um salto para trás evitando que o fio cortasse sua garganta e sacudiu a cabeça erguendo um dedo para mim como se estivesse debochando.
– Quem é você! – perguntei mudando a posição e aumentando o tamanho da espada, o próximo golpe eu não erraria. Algo muito familiar em seu olhar psicótico me chamou a atenção. Eu o conhecia! Mas não sabia de onde, não esperei uma resposta e o ataquei novamente, minha espada partiria sua cabeça ao meio. Ele parou a lamina com os dentes e a quebrou, ele me encarou antes de desaparecer numa névoa negra. A escuridão no castelo chegou a diminuir quando ele desapareceu.
– Lupine?! – ela estava pálida, porém abriu os olhos e segurou minha mão para se levantar. Usei meus poderes novamente para curá-la. – Quem era aquele? – perguntei observando a marca em seu pescoço desaparecendo aos poucos.
– Acho que era o Fairin... – disse ela com a voz trêmula. – só o vi uma vez num retrato do conselho que ficava na sala de reuniões de Nalrevi, achei que ele já estivesse morto! – O nome não me era estranho, já havia escutado ele há muito tempo, na época que Orion ainda vivia no castelo de Cristal.
– Quem é esse? – perguntei tentando entender melhor.
– Era marido de Veruza, pelo que Arin me contou ele foi um professor da vovó Jocelinne! Ele desapareceu no mesmo dia do incêndio do templo... – ela se sentou e se encolheu na cama.
– Não era ele de verdade. Talvez fosse um mago metamorfo que escolheu essa forma para lhe assustar... – disse tentando acalmá-la, ela me encarou por um segundo antes de baixar seus olhos e deitar novamente. – Não seria mais seguro se Voltasse para Vintro e ficasse com Aeban? – sabia que não era tão seguro quanto aqui, mas se ela foi atacada dentro da cidade de Cristal sob a proteção de Eirien, então talvez fosse mais seguro ficar ao lado de alguém que era temido por seu poder.
– Sim, irei voltar para Vintro logo... – ela segurou o pescoço e se encolheu mais, Leona era mais forte que a própria mãe! Não posso dizer ao certo o que ela viveu, apenas me lembrava de uma única vez que a vi enfrentar alguém e ela foi firme, mas tinha certeza que Leona era mais forte e mais corajosa que ela.
– Afinal, por que ele queria seu sangue, a maldição já não foi passada de você para Leona? – fiquei esperando ela me responder, quando ela me encarou algo no seu olhar entristecido fez meu sangue congelar.
– A maldição só acaba quando nós morremos! Ela perde muito a força quando é passada para frente, não pode dar o mesmo poder de antes, mas ainda assim pode fazer com que uma pessoa se torne mais forte ou até mesmo ser curada de um ferimento fatal não mágico, mas pode dar o que muitos querem, um pouco mais de poder... – ela suspirou – Ninguém conhece essa parte da maldição, falamos que ela desaparece, mas na verdade ela só fica mais fraca, não conte a Leona! Ela pode ficar brava por eu não ter dito isso antes, nem diga nada do que aconteceu aqui! – ela parecia confusa e tonta.
– Eu sei! – me levantei rapidamente para voltar ao quarto, fiquei preocupado com Leona, mesmo com Amaterasu perto dela não senti segurança enquanto não a visse bem.
– Cuide bem dela Ewren... – Lupine fechou seus olhos e bateu suas mãos, uma coluna de luz a fez desaparecer, deve ter voltado imediatamente para Vintro, não consegui sentir sua energia quando partiu, na certa levaria dias para recuperar parte da energia que foi tomada dela naquela hora. Ainda podia sentir algo estranho no castelo, então voltei rapidamente ao meu quarto.
Ao chegar no corredor escutei Amaterasu Rosnando e um urro medonho que fez o cabelo na minha nuca se arrepiar. Entrei no quarto a tempo de ver a neblina negra desaparecendo e Leona ajoelhada no chão apoiada em sua lança, uma poça de sangue com uma cor fora do comum manchava o carpete do quarto. Leona virou a cabeça em minha direção, ela estava bufando e segurando o pescoço com a mão seus olhos não estavam lilás como eram para estar com sua transformação, mas estavam vermelhos quase vinho e isso não podia acontecer, não com ela! Tirei-a rapidamente do chão, ela estava com a mesma marca de mordida no pescoço e sua lança estava suja daquele sangue escuro de cheiro ruim.
– Não consegui te chamar, fiquei sem voz! – disse ela baixinho. Curei a mordida em seu pescoço, estava tremendo de ódio, iria encontrar aquela criatura não importa onde ela se escondesse.
– Você vai ficar bem, não foi nada sério! – não sabia se estava tranquilizando-a ou a mim.
– O que era aquilo? Por que tinha a sua aparência? – perguntou ela, isso fez minha dúvida desaparecer, era realmente um metamorfo.
– Como soube que não era eu? – perguntei encarando-a.
– Humm, só tive um pressentimento, quando ele chegou perto de mim e eu já puxei a lança, consegui acertar ele de raspão! – Sorri, ela era corajosa demais para alguém que viveu toda a vida na terra, não tinha medo.
– Por que você não tem medo? – minha curiosidade foi muito grande, tive que perguntar.
– Eu morro de medo! É por isso que eu luto, li no meu livro favorito da terra que nós só vencemos o medo o enfrentando! – a encarei surpreso, eu havia acertado, era ela que eu queria para o resto de minha vida. – agora me diz o que era aquilo? – perguntou ela olhando assustada para a mancha.
– Era um metamorfo. – não achei que seria bom falar sobre esse tal de Fairin agora, era melhor esperar chegarmos no templo para confirmar, lá com certeza teria alguma pista sobre a morte desse Fairin, afinal o templo de fogo era a casa de Jocelinne.
– Por que ele me mordeu? – era difícil cortar um assunto, Leona perguntava demais! Amaterasu pulou em cima de Leona e começou a lamber seu rosto enchendo-a de baba. – Ah! AMATERASU QUE NOJO! POR QUE FEZ ISSO? – ela levantou correndo e foi para o banheiro. Amaterasu olhou para mim e baixou as orelhas, tive a certeza que ela o fez para tentar me ajudar, agradeci silenciosamente afagando suas orelhas. Leona demorou para sair do banheiro, talvez tempo suficiente para esquecer de perguntar sobre o metamorfo. Não conseguia parar de pensar que já o conhecia. Não importava quem fosse eu iria reduzi-lo a pó. Leona voltou, seu rosto estava avermelhado. Ela se jogou na cama e encarou Amaterasu.
– Não pode babar os outros! Que coisa feia! – disse ela movendo um dedo como se brigasse com uma criança. – tive que tomar banho de novo só para tirar o cheiro de cachorro e baba de mim. – ela deitou e ficou de olhos fechados ainda emburrada. Antes que pudesse perguntar se ela estava bem, ela já estava dormindo em sono profundo. Uma das coisas mais estranhas sobre ela, ela não ligava para o que acontecia, simplesmente se passou, estava tudo tranquilo para ela. Talvez sua confiança em mim fosse maior do que eu podia imaginar, ela parecia sentir-se segura ao meu lado e isso dava mais motivação para ser alguém que poderia realmente protegê-la.
Acordei quando os sóis ainda se erguiam, Leona não estava mais na cama, nem Amaterasu estava no quarto. Levantei rapidamente e me vesti para procurar por ela. Leona, Lórien e Eirien estavam no Jardim tomando café, Leona e Lórien pareciam estar em uma disputa feroz de quem conseguia comer mais bolinhos recheados. Revirei os olhos para aquela estranha cena logo de manhã, vovó parecia estar se divertido com a palhaçada delas, pelo menos estava distraída e menos triste por Nellena.
– Vocês vão passar mal com todo esse açúcar! – falei alto fazendo Leona engasgar com um bolinho e rir.
– Ewren! – vovó chamou sorrindo fazendo um gesto para que me sentasse ao seu lado, ela beijou meu rosto quando sentei e me serviu uma xícara de chá.
– Onde está Medras? – perguntei. Lórien engasgou com um bolinho quando perguntei dele.
– Acho que está dormindo ainda... – respondeu ela virando o rosto disfarçadamente. Estreitei os olhos para ela, Leona ficou olhando de mim para ela com curiosidade.
– O que eu perdi? – perguntou ela continuando a nos observar, vovó pigarreou e chamou por Medras, que apareceu alguns minutos depois.
– Onde estava? – perguntou ela.
– Conversando com a guarda Nicole, ela disse ter sentido uma presença estranha no castelo ontem. – Medras sentou-se à mesa ao meu lado, para que só eu visse o gesto que ele fez.
– Acho que todos sentiram aquela presença ontem, parecia algo terrível... – Lórien agora estava séria. Não teria jeito, todos já haviam percebido eu teria que contar a verdade.
– Um metamorfo entrou no castelo durante a noite e atacou Lupine e Leona enquanto dormiam. – Eirien não pareceu surpresa.
– Leona já sabe que o sangue dela continua amaldiçoado? – perguntou ela fazendo com que meu sangue congelasse nas veias novamente.
– Vovó! – protestei.
– Você não pode proteger uma pessoa de algo que ela não sabe que precisa ser protegida! – ela ficou zangada comigo, havia me ensinado a ser sempre honesto, mas eu não havia dito nada para não assustá-la. Leona pareceu não se importar.
– Eu já sei disso! – disse ela tranquilamente encarando-me.
– Como você soube? – perguntei ainda mais surpreso.
– Entrei no quarto de minha mãe ontem para ver se ela estava bem, usei uma das garras da pulseira que Lórien me deu, era de um morcego, quando ouvi o que ela disse sobre o sangue voltei rapidamente para meu corpo, tive a certeza de que aquela criatura iria até mim também, só não consegui voltar tão rápido! – ela falou tão calmamente que cheguei a pensar que ela estava louca, não ligando para nada.
– E isso não te perturbou nem um pouco? – Lórien também a encarava surpresa.
– Nós vamos encontrar Veruza e acabar com a maldição não é? Ficar escondida com medo de mais alguém vir atrás do meu sangue não vai ajudar em nada! Além do mais, eu tenho vocês para me ajudar não é? – Lórien piscou ainda confusa depois abraçou Leona.
– Eu amo essa menina! - disse Lórien sorrindo e lhe esfregando as bochechas.
– Acho que ela está absorvendo a sua loucura, Lórien! Talvez seja bom afastá-las! – murmurei.
Nos preparamos para partir, queria teleportar a todos nós para Rompita, mas a cidade tinha uma proteção contra certos tipos de magia, pois era uma cidade sagrada que mesmo abandonada ainda mantinha sua proteção. Eirien se despediu nos abraçando.
– Tomem muito cuidado! E qualquer coisa que descobrirem quero que voltem imediatamente para me informar! – Vovó me deu um abraço aperado e sussurrou algo para que só eu escutasse. – Fique de olho em tudo, qualquer mudança no comportamento de Leona, volte imediatamente! – suas palavras lançaram um calafrio em mim.
– Só queria entender por que a poção não me deu asas também! – Leona reclamou enquanto abríamos as asas para partir, a levaria colo como de costume. Ela segurava Amaterasu em tamanho reduzido no colo enquanto Medras Carregava Feroz.
– Prefiro assim! É mais seguro. – respondi um pouco mais seco do que gostaria, Leona revirou os olhos e deixou que eu a pegasse no colo. Levantamos voo imediatamente partindo da Cidade de Cristal em direção à Edro.
– Quanto tempo para chegarmos em Rompita Ewren? – Lórien estava um pouco atrás de mim voando mais lentamente para acompanhar Medras que ainda não havia se acostumado totalmente com as asas.
– Em três dias voando um pouco mais rápido! – novamente havia sido mais grosseiro do que precisava, estava com raiva ainda por causa da noite anterior. Queria encontrar aquele metamorfo. Afinal, de onde conhecia aqueles olhos? Eram familiares demais.
– Está zangado comigo? – Leona me fez voltar de meus pensamentos, nem havia percebido que estava apertando-a, afrouxei o aperto, ela me fitava preocupada, seus olhos brilhavam com a claridade dos sois, fazendo os tons de verde deles ficarem ainda mais vívidos.
– Não, porque estaria? – ela suspirou.
– Por causa de ontem, por que aquele homem conseguiu se aproximar de mim por que estava vigiando minha mãe enquanto dormia. – Então ela estava lá antes mesmo de eu chegar?
– Se você estava vigiando ela porque não foi me chamar quando aquele metamorfo apareceu? – agora estava ficando zangado.
– Eu não consegui me desfazer para voltar ao corpo, foi como se eu tivesse ficado congelada! Ele me viu, parecia que ele queria que eu visse o que ia fazer... – sua expressão era de preocupação – E os olhos dele, eram quase iguais aos olhos de meu pai! – quando ela falou isso foi como se uma lâmpada se ascendesse em minha mente. Aeban era realmente um metamorfo, talvez nem fosse Aeban! Os olhos não eram iguais aos dele, eram os olhos dele! Tive certeza disso, afinal só ele conhecia mais sobre a maldição do que as próprias Arbarus. A questão é, Por que ele assumiria forma de um professor falecido Jocelinne para tomar o sangue de Lupine? Se ele pedisse, elas lhe dariam! E por que ele havia mudado para minha aparência para tomar o sangue de Leona! Precisava descobrir dele o que estava acontecendo antes de falar para Leona minhas desconfianças, não podia simplesmente dizer que achava que o pai dela estava ajudando Arcádius, afinal, Aeban tinha muito interesse que eu ficasse mais tempo com Leona, ele devia ter certeza que uma hora ela passaria a maldição adiante e sendo pai dela, poderia lhe roubar as crianças. Precisava de uma prova disso e era isso que pretendia conseguir agora. Parei no ar fazendo com que Medras e Lórien diminuíssem a velocidade e viessem até perto de mim.
– O que foi Ewren? – perguntou Lórien já esticando os braços para tirar Leona dos meus.
– Preciso ir até Vintro com urgência, vão indo na frente que encontro com vocês no porto de Jade ao anoitecer! – Passei Leona para o colo de Lórien, ela me deu um beijo no rosto.
– Até mais tarde? – ela segurou minha mão com força.
– Já volto! – lhe garanti, o poder que havia recebido de Noliah era tão forte que não precisava de um cetro ou cajado para canalizar a energia. Fiz a coluna de luz aparecer em volta de mim, através dela vi o sorriso de Leona para mim.
Parei a poucos metros da fortaleza de Vintro, os sois já estavam altos no céu. Desci sobre a torre Norte que ficava mais próxima do escritório que Aeban costumava ficar. Desci as escadas rapidamente, queria encontrá-lo o mais rápido possível. Quando fui chegando perto de sua sala pude escutá-lo conversando com Lupine, aparentemente falavam sobre assuntos de Vintro, nada que me interessasse, bati na porta e entrei.
– Com licença! – falei entrando. Aeban olhou-me surpreso.
– Ewren, achei que fosse ficar em Mantum cuidando da segurança de Leona! – Lupine me observava preocupada.
– Aconteceu alguma coisa com ela? – perguntou se levantando e vindo até mim.
– Não, não aconteceu nada, apenas precisava tratar de um assunto urgente com Aeban, Leona está em segurança, deixei Medras e Lórien cuidando dela. – fiz questão de dizer quem a estava protegendo.
– Tudo bem! Preciso ir, Suriay está me esperando para sua aula. – Lupine saiu da sala olhando discretamente para trás. Depois que ela passou pela porta e a fechou, Aeban apontou para cadeira, para que eu me sentasse.
– Então, qual assunto urgente o fez deixar Leona sozinha na Cidade de Cristal depois do que aconteceu ontem? – ele me encarou, seus olhos estavam diferentes da noite anterior, porém tinha a certeza que era ele.
– É sobre isso mesmo que vim falar com você! – não iria fazer rodeios – Queria saber por que foi até lá e as atacou! – ele me olhou espantado, seu rosto havia perdido a cor, porém ele se recompôs e passou a mão em sua cabeça.
– Eu estive aqui com Belve e Andros a noite inteira. – respondeu ele.
– Reconheci você pelos olhos. – iria pressioná-lo e estaria pronto para lutar se ele assim quisesse.
– Ewren, vou te falar uma coisa que talvez você não saiba... – ele respirou fundo e me encarou -... eu tinha uma rixa com Arcádius e seus irmãos, eles eram magos do conselho do rei Nalrevi e não gostaram nada de minha aliança com o rei. Arcadius é quem está atrás delas, e quem precisa do poder do sangue delas.
– Como sabe que ele foi até lá tomar o sangue delas se você não estava lá? – ele deu um sorriso.
– Não teria outro motivo para ele se arriscar ser pego indo até lá. Eu sei tudo sobre a maldição por que roubei suas anotações. Nós nunca nos demos muito bem, então ele deve ter usado de minha aparência para atacar Leona e Lupine para poder me colocar como culpado e tirar a atenção de cima dele um pouco. – ele bufou e passou a mão no rosto frustrado.
– Não estava com sua aparência, mas com a de um conhecido falecido de Lupine e depois assumiu a minha aparência. – Aeban não se alterava para falar, não sabia se era verdade ou não, para mim ainda havia algo muito errado com ele.
– Eu não sou metamorfo, sou um silfo, não poderia mudar de aparência mesmo que quisesse e você sabe disso, Nós tínhamos muitos problemas por causa da aliança que Nalrevi formou comigo assim que vim de Saldazaris e como você cometi muitos erros, embora meu passado não seja tão escuro quanto o seu, não tenho intenção de voltar a ele agora que consegui Lupine de volta. – Ele não estava me encarando mais, olhava para um pequeno pedaço de papel sobre sua mesa, acho que Lupine havia voltado para Vintro para ficar de olho nele.
– Entendi, era só isso que precisava saber! – levantei-me, sua explicação não foi suficiente para me convencer.
– Ewren, Arcádius é muito perigoso, preciso que você fique perto de Leona, você é o guardião dela agora! – ele se levantou e circulou a mesa chegando bem perto de mim. – Se algo acontecer a ela sob sua proteção...
– Não vai acontecer nada! – o interrompi antes que ele pudesse dizer algo que me deixasse ainda mais irritado. – Sabe onde posso encontrar Andros? – perguntei me afastando.
– O vi hoje cedo cuidando dos cavalos. – Saí rapidamente da sala antes que ele me estendesse à mão para cumprimentá-lo, ele podia descobrir o que eu estava pensando sobre ele agora, pude ver um sorriso no canto de seu rosto ao sair.
Passei pelo gramado central em direção aos estábulos. No meio do caminho encontrei Belve voltando de lá.
– Você ainda não foi embora? – perguntei quando ela se aproximou sorrindo.
– Não pretendo ir tão cedo, normalmente eu consigo o que quero antes de partir! – ela esticou a mão para tocar em meu rosto. Eu segurei seu braço girando-a e a bati contra a parede segurando-me para não apertar seu pescoço com força suficiente para matá-la.
– Eu sei que tipo de pessoa você é! Eu tenho nojo de gente como você! É como uma Naga que anda por ai soltando veneno, pronta para dar o bote! Eu sei que você está tentando fazer isso para me prejudicar por causa de sua irmã, mas eu não tive culpa da morte dela! – ela estava com os lábios arroxeados e uma expressão de pânico estampada no rosto, mesmo assim ela sorriu debochando de mim.
– Por que não mostra esse monstro para sua Leona? Porque não a deixa ver essa criatura que torturava e matava as pessoas sem se importar com elas? Deixa ela te ver assim e veremos se ela vai continuar com você ou vai fugir também! – sua voz era fraca e baixa mas escutei cada palavra afiada que saiu dela.
– Ela já viu, ela já conhece o monstro, pois esse monstro a atacou à um tempo atrás e quase a matou, ela não teve medo, não fugiu de mim, muito pelo contrário! Ela me estendeu a mão mesmo assim sem se importar com o que eu fui! – ela continuava me encarando como se estivesse me desafiando – Ou você aprende que eu nunca vou fazer o que você quer ou eu te mato agora e acabo com essa sua raça ruim! – apertei o pescoço dela com mais um pouco de força, ela tremeu sob meu aperto segurando meu braço com as mãos, enchendo seus olhos de lágrimas, sequer parecia que tinham o mesmo sangue. Seria tão fácil matá-la, ela era frágil, já havia feito isso tantas vezes, esmagá-la seria como matar um inseto, sua pele ia ceder aos poucos e rasgar e sua cabeça rolaria de cima de seus ombros, porém sujar as mãos com seu sangue seria uma ofensa contra Leona que lutava pelo meu lado bom.
Soltei-a ela caiu de joelhos esfregando o pescoço. Ela me encarou com os olhos cheios de ódio e correu para dentro do castelo. Andros vinha de longe batendo palmas.
– Você fez a mesma coisa que eu queria fazer agora a pouco, porém não consigo bater em mulheres. E se fizesse, talvez não teria força para soltá-la, ia até o final!
– Não ia bater nela! – Andros levantou uma sobrancelha surpreso. – ia apenas quebrar seu pescoço...
– Ela provavelmente quer que façamos algo errado para contar para Leona ou Lórien. – Andros era muito ingênuo.
– Eu sei, imaginei que fosse isso. – Preferi não dizer que ela queria apenas que mostrássemos as garras para ter provas de que não éramos confiáveis e assim atrair Leona ou Lórien para que confiassem nela, porém duvido muito que qualquer uma das duas acreditassem nas “boas intenções” de Belve. Andros segurou meu braço.
– Ewren, não deixe Medras se aproximar muito de Lórien, volte logo para perto deles, por favor! – ele gostava mais dela do que imaginava, ou tinha muito medo de perder o status que havia obtido com esse casamento.
– Ficarei de olho! – menti.
Minha conversa com Aeban foi mais fácil e mais rápida do que imaginei, fácil até demais. Andei até o estábulo onde Espiral estava deitado descansando. Ele já estava muito velho, o mantinha forte e saudável com uma poção que preparava todos os meses e lhe dava.
– Está muito difícil ficar perto de você amigo! – acariciei seu focinho enquanto lhe dava uma bola de açúcar de batatas. Meu apego por ele havia diminuído muito desde que encontrei Leona, parecia que aos poucos eu havia sido curado da dor de perder Emma, a única coisa que ficara dela para mim era ele. – Preciso ir velho amigo! – Sai de perto dele para não assustá-lo com a luz do teleporte. Apareci na estrada perto do Porto de Jade. Fui até o Porto procurar uma estalagem e esperar pelo anoitecer, talvez eles desceriam na Vila das pedras e caminhariam até aqui, chegando só ao anoitecer. Pensei em encontrar com eles, mas eles podiam tomar outra rota e nos desencontraríamos.
A Cidade portuária estava muito mais movimentada do que de costume, mercadores estavam renovando os produtos e a praia também estava cheia, haviam muitas crianças salamandras brincando na água. Sentei na varanda de uma pequena pensão e pedi um chá. Fiquei observando o movimento, estava tudo tão calmo, as pessoas mal sabiam o que estava acontecendo, que havia alguém querendo destruir sua paz.
Comecei a ficar ansioso pela hora que eles chegariam aqui, então resolvi entrar e dormir um pouco, pois passei a madrugada toda acordado vigiando Leona. Entrei na pensão e pedi um quarto à senhora que estava atrás do balcão, ela me olhou e depois se virou para pegar uma chave num claviculário de madeira atrás dela. Subi as escadas, o quarto tinha uma pequena varanda de frente para a praia, uma espreguiçadeira estava posicionada estrategicamente para ficar de frente para a praia. Deitei para tirar um cochilo e me estiquei sentindo todas as juntas do meu corpo estalarem, a brisa suave e a maresia davam uma sensação de paz, tranquilidade que dormi quase que imediatamente.
“Foi a primeira vez em muito tempo que tive um sonho, sabia que era um sonho, pois sempre que sonhava, estava de noite nos sonhos. Estava diante de uma casa estranha num lugar que eu desconhecia, a casa ficava sobre um ancoradouro, em volta dela haviam várias outras casas sobre ancoradouros, eram até bonitas, simples e de cores claras, as águas tranquilas ondulavam suavemente em volta da pequena vila flutuante. Escutei a voz de Leona e de Lórien dentro da casa e entrei, Leona estava deitada no colo de Lórien no sofá, coberta por um cobertor pesado, suas marcas estavam apagadas quase no mesmo tom da pele, ela respirava com dificuldade e estava com a pele avermelhada, fui até elas e tirei-a do colo de Lórien, ela estava queimando em febre. Quando fui perguntar o que estava acontecendo as duas desapareceram deixando-me só numa sala coberta por sangue. “
Acordei inquieto olhando em volta, os sóis estavam quase desaparecendo, já não havia quase ninguém na praia apenas um casal que caminhavam juntos ao longo da praia seguindo dois meninos pequenos que corriam e se divertiam na areia. Fui até a torre de vigia no centro da cidade para observar e ver se Medras Lórien e Leona já estavam chegando. Fiquei vigiando os céus até o anoitecer, a lua e as estrelas surgiram e nada deles chegarem, ia dar mais um pouco de tempo antes de ir atrás deles.
Os vi chegando pouco depois vinham voando em direção à cidade, calculei que chegariam um pouco mais cedo mesmo com a parada para almoçar era para eles terem chegado quando os sóis estavam desaparecendo. Não quis esperar, voei até eles queria saber o que havia acontecido para terem demorado.
– O que houve? Por que demoraram tanto? – perguntei frustrado ao vê-los brincando e sorrindo.
– Ah, não seja chato Ewren, tivemos um problema com Leona! – disse Lórien passando-a de volta para mim. Leona olhou feio para Lórien.
– Ela começou a passar mal quando Medras pescou um Barbião no Mar para podermos almoçar! – franzi o cenho.
– Lórien! – Leona reclamou. – Não foi nada demais! Só fiquei um pouco enjoada por causa do cheiro de peixe! Toda vez que minha mãe ia fazer peixe eu tinha que sair de casa, não gosto do cheiro! – disse ela corando e virando o rosto, coisa que fazia sempre que mentia.
– Quando você chegou em Amantia eu fazia muito peixe e você não reclamava do cheiro! – respondi.
– Peixe de água doce não fede igual peixe de água salgada! Fora que me lembrei de Lirien e Amy ai deu mais nervoso ainda! – ela bufou escondendo o rosto em meu pescoço.
– Tudo bem, vamos logo! – mudei de direção, ao invés de voltar à cidade fomos em direção à floresta carmim.
– Não vamos parar na cidade? – Perguntou Medras que voava ao meu lado.
– Prefiro ir para a floresta e acampar lá se não foi ruim para vocês! – não queria voltar para o porto.
– Por mim tudo bem! – Leona estava sorrindo. Voamos até o centro da floresta onde havia um lago com uma pequena ilha no meio. Acamparíamos na ilha até o dia seguinte e partiríamos para Rompita. Lórien fez o jantar enquanto Medras e eu montávamos as barracas. Amaterasu estava de vigia circulando a ilha e feroz fazia companhia para Leona.
– Correu tudo bem durante a vinda de vocês? – perguntei baixo o suficiente para apenas Medras ouvir.
– Sim, foi tranquilo, mas Leona dormiu o tempo todo.
– Ela dorme como uma pedra mesmo. – respondi. Ela estava dentro do lago nadando com Feroz tranquilamente.
– Se aparecer um Kappa e te arrastar pro fundo, nós nunca mais vamos te ver! – gritei para ela, ela nadou desesperada de volta para a ilha e sentou perto do fogo com os olhos arregalados para o lago, ri de seu medo irracional dos Kappas. Depois de jantarmos fomos descansar. Medras ficaria com Amaterasu de guarda no primeiro turno.
– Está se sentindo bem? – perguntei para Leona quando me deitei ao seu lado. Ela estava distraída brincando com Feroz.
– Estou sim! Por que a pergunta? – ela me encarou franzindo o cenho. Passei a mão de leve sobre sua testa, ela riu afastando-a. – faz cosquinha!
– Por nada. – fiquei observando-a até que ela adormecesse.
Antes dos sóis aparecerem no céu já estávamos de pé nos preparando para sair. Lórien e Leona prepararam o café, porém antes mesmo de tocar no café, Leona montou em Amaterasu que saltou para o outro lado do lago sumindo na floresta.
– O que houve? – Lórien ficou tão surpresa quanto eu, abri as asas e fui atrás dela. Elas estavam escondidas perto de um arbusto Leona estava ajoelhada no chão e tapava a boca com as mãos.
– O que foi? – perguntei me aproximando.
– Nada! – ela virou o rosto para Amaterasu que tocou com o focinho em sua testa. Peguei sua mão para levantá-la, suas mãos estavam geladas.
– Leona o que está acontecendo!
– Quando estava na terra com Lucy, nós fazíamos muitas competições de comer doces, e sempre passávamos mal do fígado depois... Acho que não foi boa ideia competir com Lórien, ela é durona! – respirei fundo.
– Eu avisei! – Medras e Lórien vinham seguidos por Feroz na trilha atrás de nós.
– Está tudo bem? – perguntou Lórien se aproximando de nós.
–Vai ficar, só parar de disputarem bolinhos cheios de açúcar.
Já que estávamos nessa trilha, seguimos por ela mesmo. O dia estava muito agradável, não estava muito quente, perfeito para uma caminhada, Feroz e Amaterasu iam na frente vasculhando as trilhas e brincando. Medras e Lórien iam um pouco atrás de nós, de vez em quando escutava Lórien rindo, brincando com Medras.
– Ewren, sabe uma coisa que sempre achei estranho? – Leona estava olhando distraída em volta.
– O quê? – achei que ela fosse falar algo sobre Medras, Lórien e Andros.
– Por que não vemos mais ninguém nessas estradas? Quer dizer, desde a primeira vez que atravessamos Amantia, nunca via ninguém nas estradas, mercadores, viajantes, ninguém! Por que?
– Por que nunca pegamos uma estrada! – ela me encarou confusa. – Nós sempre viajamos por trilhas de Animais e de caçadores, as trilhas sempre começam perto das estradas mas se separam dela logo em seguida. As estradas são mais perigosas, por isso quando temos que viajar a pé sempre pego as trilhas.
– Então nas estradas o movimento é grande? – ela era sempre muito curiosa.
– Sim, muitas carruagens e carroças de mercadorias, cavaleiros, viajantes e principalmente bandidos. – ela sorriu.
– Parece um conto medieval... – ela ergueu a mão e passou os dedos em meu cabelo.
– Que foi isso? – perguntei olhando seu rosto corar.
– É uma das coisas que me chamou atenção em você quando te conheci.
– Meu cabelo? – ri – Emma odiava, vivia pedindo para que eu cortasse.
– É lindo... – Ela parou abruptamente olhando para frente. Amaterasu e Feroz estavam rosnando, Medras se aproximou de nós já com a aparência alterada segurando sua lança. Leona tirou o pingente do pescoço fazendo-o virar uma lança. Olhei para onde os animais apontavam e rosnavam. A princípio o que parecia ser um amontoado de pedras que passava da copa das arvores era na verdade um gigante que estava sentado no chão.
– O que... é isso! – Leona arregalou os olhos.
– Se desviarmos para o lado podemos escapar dele sem sermos percebidos! – disse Lórien virando-se de lado para dar a volta.
– Não adianta – respondeu Medras – ele já nos percebeu, PRO CHÃO! – gritou ele, nós nos jogamos ao chão, escutando um barulho de galhos quebrando. Uma lâmina enferrujada passou pouco acima de nossas cabeças arrancando quase todas as árvores ao nosso redor, espalhando farpas e terra para todos os lados.
– AH! Eirien podia estar aqui agora! – Disse Medras se levantando e dando um salto para trás.
–Leona, Lórien! Tentem prendê-lo ao chão! – Lórien mudou suas espadas para um cetro e fez sair do chão correntes gigantes que se enrolaram nos braços do gigante. Leona fez o mesmo ajudando-a.
O Gigante gritou fazendo todo o chão vibrar com sua voz, só haviam duas maneiras de matá-lo, uma era arrancando sua cabeça, o que seria difícil sem uma espada especial como a de Eirien, outra era com fogo de dragão mas não tínhamos nem a espada nem o dragão.
– Ewren! Pensa rápido! – Lórien gritou fazendo força e para manter as correntes que ele puxava com força tentando arrancá-las do chão. Leona apontou o cajado para Amaterasu, fazendo-a crescer até o tamanho do gigante, ela saltou em cima dele, derrubando-o no chão e fazendo um pequeno terremoto. Elas apertaram mais as correntes em volta dele, porém ele urrou arrebentando as correntes e ficando de pé, batendo em Amaterasu e a jogando longe, ela caiu ganindo e diminuiu de tamanho.
– Ewren! – gritaram Leona e Lórien.
– Precisamos de um Dragão, droga! Ou uma espada feita de ossos de dragão igual a de Eirien! – gritei em resposta. Leona soltou o cajado e correu até sua mochila que estava caída um pouco atrás de nós.
– Lórien? Pode controlar um dragão? – perguntou ela trazendo um colar com uma escama negra como pingente. Lórien sorriu assustadoramente pegando o colar, uma névoa negra cobriu uma imensa área fazendo um dragão de olhos cinzentos aparecer deitado no chão. Lórien chegou bem perto do dragão.
– Medras me ajuda aqui! – gritou ela abraçando a imensa cabeça do dragão e tocando sua testa nele fazendo seu corpo cair para trás, Medras a pegou nos braços enquanto o dragão abria seus olhos vermelhos flamejantes. Ele era o dobro do tamanho do Gigante, se ergueu do chão pesadamente e abriu suas asas que fizeram uma sombra cobrir boa parte da floresta. Só tinha visto um dragão tão de perto uma única vez. Lórien o fez voar, o gigante tentou segurar sua cauda mas ela o derrubou no chão fazendo tudo tremer novamente.
Quando ela batia as asas o vento fazia as folhas das arvores se soltarem e formarem uma onda de folhas sobre nós.
– Fogo nele Lóri! – Gritou Medras. Ela estufou o peito e um gás saiu de sua boca seguido de uma pequena centelha que ateou fogo no gás transformando-o numa chama verde que fez o gigante se debater, sua pele não queimava, ela derretia do corpo e escorria por seus músculos, que em seguida começaram a arrebentar e queimar. Em poucos minutos não passava de uma pilha de ossos.
Lórien virou a cabeça do dragão em nossa direção e a abaixou.
– Acho que ela está nos mandando subir! – disse Leona tocando seu focinho. Lórien piscou. Medras me entregou Lórien e correu para onde o gigante havia atirado Amaterasu. Subimos em Lórien enquanto o esperávamos. Ele veio trazendo Amaterasu nas costas, ela estava ferida, mas não gravemente. Subiu em Lórien também, ela bateu as asas e começou a voar em direção a costa.
Curei Amaterasu enquanto Leona transferia seu poder para Lórien, para que ela mantivesse o corpo de dragão voando. Depois que a curei, ela levantou o focinho para mim e uivou baixinho.
– Tudo bem menina, está tudo certo agora! – ela deitou a cabeça em meu colo. Feroz estava sentando em cima da cabeça de Lórien pegando um vento de boca aberta, parecia estar se divertindo muito. Lórien com o dragão voava em uma velocidade surpreendente para um animal tão grande, chegaríamos em Rompita até o entardecer, se Leona e Lórien tiverem energia suficiente para mantê-lo voando.
– O que procuraremos ao chegar lá? – perguntou Medras, ele segurava o corpo de Lórien no colo, o observei traçar seu rosto com as pontas dos dedos, acho que ele o fez sem perceber.
– Qualquer coisa que nos ajuda a descobrir o paradeiro de Veruza ou o que aconteceu com Jocelinne, pois Eirien tem certeza que o incêndio foi criminoso, para poderem sumir com Jocelinne sem ninguém vê-la.
– Certo. Vamos apenas torcer para todos os habitantes terem sumido de lá!
– Como assim “todos” os habitantes? – perguntou Leona olhando de canto de olho para Medras, eu torcia para ela não fazer essa pergunta.
– Lich’s! – Medras respondeu dando um sorriso sem graça.
– O que são essas criaturas? Andros disse algo sobre isso mas esqueci de perguntar!
– Lich é um mago morto-vivo, desencarnado, normalmente aparece como uma caveira, porém mantém seu poder que tinha em vida. Eles são muito poderosos, e antigamente nas proximidades do templo de fogo existiam muitos deles. – Leona baixou a cabeça com os olhos marejados.
– São tipo zumbis? – perguntou ela.
– Quase isso, só que com poderes! – respondeu medras. Leona ficou tão branca que se passássemos por uma nuvem ela desapareceria.
– Ah! Para! Não precisa ter medo! É só enfrentar magia com magia! – Medras era terrível tentando encorajar alguém.
– Em falar nisso, onde conseguiu essas escamas de dragão? – perguntei tocando seu colar que também tinha uma escama de dragão.
– Quando fomos para a montanha das cinzas, tinha um dragão destruindo uma colheita, essas escamas caíram dele. Quando estávamos na cidade de Cristal eu fiz esses colares já que as escamas eram grandes demais para colocar nas pulseiras! – ela revirou a escama e sorriu – valeu a pena tê-las recolhido, mas só as transformei em colares pois elas são uma lembrança de Nellena, ela apareceu para levar o dragão embora... – seu sorriso foi triste.
Voamos por quase toda a tarde, quando os sóis começaram a descer o corpo de Lórien estremeceu, Leona tirou as mãos dela, estava exausta também.
– Lórien! Já chega, vamos parar para acampar por aqui, amanhã cedo chegaremos ao templo! – ela acenou com a cabeça, alguns segundos depois o Dragão virou uma fumaça embaixo de nós, fiz as folhas das árvores se juntarem embaixo de nós e formarem um tapete. Pousamos no chão ao lado de um rio estreito, Leona nem se mexeu fechou os olhos e caiu para cima de feroz usando-o como travesseiro e dormindo ali mesmo. Lórien havia voltado para seu corpo, estava tremendo, devia estar com muitas dores por transferir sua mente por muitas horas. Dei a poção revigorante para ela.
– Medras, pode me ajudar? – ela o puxou pelo braço e foi até o rio. Provavelmente ia dormir dentro da água para tirar a dor do corpo, mas estava fraca demais para usar sua energia para não ser levada pela correnteza. Medras a segurou nos braços enquanto ela pegava no sono dentro do rio. Medras sorria discretamente observando-a dormir. Lórien não fazia ideia do que estava acontecendo na cabeça dele. Eu tinha uma noção, pois passei a mesma coisa quando estava levando Leona para a torre das Nuvens e não podia tocá-la. Montei a barraca e a levei para dentro. Ela não acordou, apenas virou para o lado, a deixei dormir e fui para fora fazer a primeira vigia já que Amaterasu ainda estava meio abatida por causa do gigante, ela entrou para dentro da barraca e deitou do lado de Leona aquecendo-a com seu pelo macio.
9
Templo
em Ruínas
Leona:
Acordei na barraca morrendo de calor e sem saber como fui parar lá dentro, estava toda enrolada por Feroz e Amaterasu que se embrulharam em volta de mim como dois cobertores vivos. Levantei-me com dificuldade, estava suada e toda colada de pelos deles dois. Do lado de fora da barraca o céu estava em tons de cinza e avermelhado, devia estar amanhecendo. Sai da barraca e olhei em volta, estávamos bem perto do rio. Bem perto da barraca havia os restos de uma fogueira e Lórien dormia tranquilamente no colo de Medras, que também dormia profundamente encostado em um tronco. Não vi Ewren em lugar nenhum, então peguei minha mochila e fui até o rio para tomar banho e tirar o cheiro de gato e cachorro e os pelos que me cobriam. Fui um pouco mais para cima do rio, longe o suficiente onde Medras Lórien não pudessem me ver se acordassem.
Tirei a roupa e pulei dentro do rio, a água estava tão gelada que cada osso do meu corpo doeu, peguei o sabonete e uma esponja e me esfreguei até ter certeza de que não havia mais nenhum sinal de cheiro do cheiro de meus bichinhos em mim. Quando ia sair da água notei que Ewren estava sentado em uma pedra à beira do rio me observando. Mergulhei de volta na água me escondendo.
– O que é? Eu já vi tudo que está ai! – disse ele entrando na água e me abraçando, ele estava tão quente que não sabia se era o calor dele ou eu que estava muito gelada por causa da água.
– Você deveria sair da água! – disse ele passando a mão suavemente pelas minhas costas.
– Pare! Lórien e Medras podem ver! – disse tentando me soltar, porém ele me apertou mais forte e beijou meu pescoço. – É sério Ewren! – ele bufou e me tirou da água enrolando-me na toalha.
– Vamos, quero chegar no templo antes do meio dia! – coloquei a roupa limpa. Lórien havia acordado e estava usando seus poderes para desmontar o acampamento, Medras preparava chá para nós e tinha uma cesta com pães em cima de um tronco perto do fogo. Enquanto tomávamos café senti uma forte náusea novamente, porém respirei fundo algumas vezes até sentir passar e comi devagar para ver se o café ficava no estômago, fiquei irritada por não ter trazido um punhado de boldo junto comigo depois de ter comido tantos doces. Ewren e Lórien pareciam não ter notado, apenas Medras me observava de canto de olho. Assim que começamos a caminhar eles dois foram na frente conversando, não podia escutar o que diziam, mas Lórien parecia desconfiada.
– O que foi? – perguntei observando-a, Lórien estava muito séria, coisa que não era normal.
–Está muito tranquilo não acha? – perguntou ela olhando em volta. – nenhum pássaro, nenhum movimento, nem bandidos...
– Mas estamos fora da estrada, não era pra ser menos perigoso? – fiquei confusa.
– Sim, mas está quieto demais para Edro, até em Mantum tem mais movimento nas trilhas do que aqui.
Observei Ewren e Medras, eles andavam rápido, porém com cautela e atrás de nós vinham Feroz e Amaterasu com os pelos eriçados.
Andamos pela floresta até ela começar a se abrir e aparecer um campo verde com pequenas flores vermelhas subindo em caules finos que balançavam delicadamente com a brisa, era tão lindo que me deu vontade de deitar naquela grama e ficar ali até escurecer.
– Aqui é o campo de fogo. A grama fica vermelha ao entardecer, é muito bonito quando está em Lua cheia também – Lórien sorriu abrindo os braços, a brisa trazia um cheiro adocicado das flores e ao mesmo tempo a maresia.
– Estamos bem próximos agora! – disse Medras apontando para o lado leste do campo. Montei em Amaterasu e corri com ela na direção que ele havia apontado. Havia um penhasco ali, as ondas batiam violentamente contra a encosta fazendo água gelada nos alcançar e salpicar meu rosto. Amaterasu pareceu gostar lambendo o focinho e esfregando as patas nas orelhas quase me derrubando de cima dela para frente. Caminhamos por mais meia hora até avistar na beira do penhasco um castelo em ruinas, era incrível, magnifico, se eu pudesse escolheria esse lugar para viver, era só refazer o castelo! Ao chegar mais perto pude ver que ele ficava em uma parte separada, o castelo estava numa pequena ilha que flutuava bem perto do penhasco, uma ponte de pedra ligava a ilha flutuante à terra.
– Vamos? – Ewren me deu a mão para atravessarmos a ponte. Ela era feita de várias pedras talhadas e unidas perfeitamente para que se encaixassem e formassem algo parecido com um quebra-cabeça gigante. Passamos por um arco também de pedras e uma fonte seca que ficava em frente à entrada principal do castelo.
Subi as escadas evitando as partes que já haviam desmoronado, Ewren abriu as portas com cuidado, mesmo assim uma delas desabou quando ele empurrou fazendo um som terrível ecoar pelo castelo vazio e uma nuvem de poeira se erguer.
O interior estava claro, por todas as partes haviam buracos e todas as janelas estavam quebradas. Uma parte do teto do salão principal havia cedido e desabado, fazendo uma pilha de pedras que chegava ao segundo andar do castelo, seria fácil subir por ali, talvez até mais seguro do que subir pelas escadas. – Vamos nos dividir, quem achar algo primeiro chama os outros. – disse Lórien. Nós concordamos, porém levei Amaterasu e Feroz comigo. Subi por aquela pilha de pedras, iria começar pelos quartos, talvez fosse mais fácil achar algo lá.
Tive que andar com cuidado, em todas as partes o piso estava cedendo e poderia desabar a qualquer momento, Amaterasu sentou-se na pilha de pedras no começo do corredor recusando-se a me seguir, seu peso era demais para o chão fragilizado pelo tempo.
As marcas do fogo que havia destruído aquele lugar estavam por todas as partes, quadros destruídos e cortinas parcialmente queimadas dependuradas por apenas alguns fios nas janelas, agora eram moradia de aranhas marrons que haviam tecido teias grandes demais para meu gosto, não que eu tivesse medo de aranhas, mas tive particularmente medo dessas. Entrei na primeira porta que vi, não achei nada demais nele a mobília estava como o resto do castelo, voltei ao corredor e caminhei um pouco mais, indo até uma porta vermelha no final do corredor.
O piso cedeu sob meus pés, por pouco não caio no buraco, se não fosse feroz puxar minha blusa teria caído. Empurrei a porta do quarto evitando o buraco e com cuidado para que ela não desabasse sobre mim, dentro dele uma cama com dossel estava completamente destruída, a mobília toda queimada e escura do quarto me fez pensar em um filme de terror, rodei pelo quarto e como os outros, não havia nada demais, porém algo me chamou a atenção no canto do quarto quando estava saindo, um lençol branco sem nenhuma marca de incêndio cobria algo alto e oval. Peguei minha lança e puxei o lençol rapidamente pronta para atacar se algo saísse dali, porém era apenas um espelho antigo, ele era todo trabalhado em ouro e rubis e tinha inscrições em sua moldura também. Com a minha experiência com espelhos encantados, evitei ler o que estava ali.
Vi meu reflexo havia algo errado nele, eu estava numa posição estranha com os braços pro alto, como se tivessem sido amarrados, e os cabelos eram negros como os de Ewren, minha aparência era um pouco mais velha também, mais madura porém suas feições eram mais delicadas do que as minhas, os ombros mais estreitos e parecia um pouco mais alta também.
O espelho estava estranhamente limpo, polido sem nenhuma poeira, ergui a mão involuntariamente para tocá-lo, então reflexo começou a se mexer e abriu os olhos, suas pupilas diminuíram deixando-me ver o verde brilhante de seus olhos. Minhas pernas tremeram e eu gritei alto. Num minuto Ewren e Medras apareceram segurando as armas atrás de mim. Quando Ewren viu o espelho seu rosto ficou sem cor.
– Jocelinne! – disse ele tocando a superfície do espelho, quando ele o tocou o vidro brilhou e se desfez transformando-se numa poeira brilhante, a mulher caiu de dentro dele para cima de nós, Ewren a segurou e a deitou no chão.
– Essa é Jocelinne? – perguntei.
– Sim, sua bisavó! – prendi a respiração, ela era tão parecida comigo que fiquei sem reação. Ela estava adormecida. Ewren fez a palma de sua mão brilhar e tocou em sua testa, como uma descarga de energia as marcas dela se acenderam, deixando seus cabelos negros ficarem dourados. Ela respirou fundo e abriu os olhos.
– Onde estou? – sua voz era suave e doce – O que aconteceu aqui? – disse ela sentando-se e olhando assustada em volta.
Lórien apareceu na porta e prendeu a respiração ao ver Jocelinne no chão.
– Oh meu deus! – ela se jogou no chão ao nosso lado segurando as mãos de Jocelinne – não acredito que é a senhora mesmo!
– Desculpe, não sei quem são vocês! – disse ela encolhendo-se.
– Essa é Leona, sua bisneta, filha de Lupine. – ela me encarou assustada. Por um bom tempo ficou apenas me olhando, achei que ela estivesse em choque pois ela mal se movia, apenas os movimentos leves de seus ombros enquanto respirava.
– Impossível! – disse ela finalmente quebrando o silêncio e nos dando um susto - Vi Lupine ontem de manhã, ela ainda é uma criança de colo! – Ewren olhou para nós preocupado.
– Jocelinne, a senhora está desaparecida a quase dois mil anos! – disse Ewren para ela.
–Não pode ser, você está enganado... – disse ela olhando para nós. – Ewren segurou seu rosto e tocou suas testas, devia estar passando todas as suas memórias para ela. Depois de um longo tempo ela abriu os olhos se afastando dele.
– Eu... me lembrei de tudo! – seus olhos estavam marejados. – Eu descobri a verdade sobre Fairin, o vi se transformar em Domini, era ele que estava com Mayra o tempo todo, eu estava entrando no quarto quando o vi mudar de aparência então ele me prendeu aqui... Ele era pior do que eu pensava que fosse! – as lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto ela o escondia com suas mãos pequenas - Ele me enganou, usou da aparência de seu irmão, mentiu sobre tudo o tempo todo apenas para ter o meu poder e o de Mayra! Ele disse que iria tomar a todas nós... – ela cobriu a boca depois deu um suspiro e desmaiou.
– O que houve? – perguntei segurando-a.
– Ela está fraca, esse espelho é um lacre, ele absorveu seu poder durante todos esses anos, a mantendo viva para pegar sua energia. – Lórien falou passando os dedos em seus cabelos. – Tem algo mais que vocês precisam ver! – Ewren pegou Jocelinne no colo, saímos com dificuldade do quarto e descemos as escadas acompanhando Lórien, descemos muitos degraus escorregadios e cobertos de limo até um porão úmido e parcialmente inundado. Lórien ergueu suas mãos e fez uma luz brilhar no teto do porão. Uma ossada estava diante de nós ainda vestindo uma parte de uma armadura.
– Olhe aquilo Ewren! – disse ela apontando um brasão na armadura. Ewren novamente ficou sem cor, ele entregou Jocelinne para medras e se aproximou da ossada. O símbolo sobre o peito da armadura era uma folha de plátano em auto relevo.
– Sabe o que significa isso, não é? – disse Lórien assustada. Mas Ewren agora olhava para outro lugar, uma massa verde brilhante no canto da parede.
– Ah! Inferno! – gritou ele voltando para as escadas correndo.
– O que houve? – perguntamos seguindo-o.
– Feitiço do tempo, a hora aqui dentro está correndo mais lentamente que lá fora! – corremos desviando dos destroços, quando chegamos ao salão principal que olhei pela porta levei um susto, estava escurecendo, o céu estava avermelhado no horizonte e ficando azul escuro acima de nós, saímos para o pátio e pude ver os campos vermelhos, não achei lindo como imaginava que seria, na verdade parecia que estava tudo coberto por sangue.
–Alguém estava nos esperando aqui! – disse Ewren olhando em volta e procurando por algum sinal de que houvesse alguém por ali. Medras colocou Jocelinne em cima de Feroz e Ewren a fechou uma bolha de proteção. O silêncio só era quebrado pelos assovios do vento dentro do castelo fazendo um som assustador como uivos e lamentos, aquele som fez minha pele arrepiar e as lágrimas começaram a empoçar nos cantos de meus olhos. O medo me consumia mesmo estando ao lado de Ewren, era a primeira vez que sentia medo ao lado dele. Ficamos observando tudo ao nosso redor, vi um brilho esverdeado vindo da floresta.
– Ewren... – ele olhou na direção que meus olhos estavam travados.
– Não creio! – disse Medras pegando mais uma lança e rodando as duas nas mãos – impossível haver um grupo tão grande deles nessa região, achei que tivessem abandonado Edro! – Ewren também puxou as espadas e Lórien transformou suas próprias espadas num cajado e prendeu na ponta um dos cristais da montanha de Vintro, fiz o mesmo e saquei também a espada de prata que Ewren havia me dado.
À frente de um enorme grupo de Lich’s vinha uma mulher, ela tinha os cabelos longos de um vermelho vivo. Ela parou com o exército do outro lado da ponte e sorriu.
– Fuuta, vá embora! – disse Ewren para ela, ele a conhecia?
– Eu vim tomar o que é meu por direito! – disse ela apontando um dedo para mim. Ewren ergueu as espadas mudando sua aparência, estava especialmente assustador hoje em contraste com os campos, seus cabelos prateados ondulavam selvagens em volta dos ombros e seus olhos não estavam prateados como de costume, mas vermelhos, talvez por causa do campo a nossa frente.
– Você não vai tocar em um fio de cabelo dela! – rosnou ele encarando-a. A mulher chamada Fuuta puxou uma corrente do chão, a terra se rasgou por toda a extensão onde a corrente surgiu e na outra ponta um monstro de olhos amarelos apareceu, sua pele era coberta por escamas azuladas e tinha duas cabeças, cada uma olhando para uma direção diferente, uma imensa cauda também com duas pontas e chifres vermelhos brotando desde a ponta da cauda até o alto das cabeças, segurando uma longa espada de fogo.
– Veremos! – disse ela sacudindo a corrente que acertou as cabeças do monstro, ele urrou e se ergueu do chão, ele tinha o dobro do tamanho de Amaterasu. Saltou por cima da ponte caindo atrás de nós e brandindo sua espada sobre nossas cabeças.
– Leona, saia de perto da cauda dele! – gritou Lórien para mim. Corri para o outro lado observando Ewren e Medras lutarem com o monstro e Lórien sozinha lançando ondas de magia sobre os lich fazendo-os virar poeira, Amaterasu abriu a boca e um raio saiu dela, destruindo mais alguns deles. Senti alguém se aproximando de mim, rapidamente peguei a lança e a girei para trás, fazendo-a passar de raspão em Fuuta que riu e me atacou com uma espada estranha, torta e cheia de agulhas cumpridas na lamina. Ela dava golpes cada vez mais fortes e mais difíceis de defender, estava tentando me matar.
– O que foi que eu te fiz? – perguntei enquanto erguia minha mão e lançava contra ela uma bola de fogo fazendo-a se afastar um pouco de mim.
– Você tirou meu marido, o matou! – gritou ela enterrando a espada no chão e fazendo estacas de madeira brotarem e voarem em minha direção, tive que me jogar para o lado para desviar do ataque dela. – Black Jango só queria voltar a ser humano para viver comigo e você o matou! – ela gritava, queria lhe dizer que foi um acidente e que poderia tê-lo transformado em humano novamente mas ela não deixava. Quando me ergui para defender seu golpe senti uma forte vertigem e um choque em meu corpo, senti um gosto metálico em minha boca, minha respiração se alterou e por fim minha lança voltou a ser um pingente, meus cabelos também perderam a cor prateada voltando ao castanho normal. As marcas em meu corpo se apagaram ficando apenas como marcas de nascença, um pouco mais claras que a cor normal de minha pele.
A única coisa que consegui fazer foi puxar o sabre de prata para evitar seu ataque, ela me acertou com tanta força que o sabre se partiu, apenas mudei a trajetória de sua espada, ela cravou a poucos milímetros de minha cabeça.
– Foi com isso que você o matou não foi! – gritou ela erguendo as mãos fazendo raízes saírem do chão e me prenderem, arrancou da minha mão o pedaço do sabre que ainda estava preso a empunhadura. – Eu vou arrancar o seu coração usando isso! Mas antes vou fazer você perder todo esse sangue amaldiçoado! – gritou ela sentando em cima de minhas pernas, senti um frio no estômago e fez choque passar por todo meu corpo. Não conseguia usar meus poderes não importa o que eu fizesse.
– Amaterasu! – gritei quando Fuuta ergueu o pedaço da lâmina para me acertar, Amaterasu estava do outro lado evitando que os Lich’s se aproximassem de onde estava Jocelinne. Encontrei o olhar de Ewren por um segundo, estavam gravados nele um misto de desespero e ódio. Algo que não esperava aconteceu quando Fuuta tocou minha pele com a lâmina quebrada. Uma explosão veio de onde Jocelinne estava fazendo todos os Lich’s se desmancharem. Jocelinne no mesmo instante estava ao nosso lado, ela tirou Fuuta de cima de mim puxando-a pelos cabelos e jogando-a aos pés de Ewren.
– É toda sua! – disse ela – Ninguém mais vai fazer mal à minha família por causa de minha maldição! - ela se apoiou em Feroz novamente fechando os olhos e respirando fundo.
Fiquei observando Ewren, ele a levantou pelo pescoço e ergueu a espada. Fechei os olhos e virei para o lado, não queria nem ver o que ele ia fazer, meu coração se apertou enquanto sentia lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não sabia por que estava chorando, apenas queria sair logo dali. Não queria que ele a matasse, não queria que sujasse suas mãos com ela, Fuuta nem havia escutado o que tinha a dizer sobre Black, talvez isso a fizesse mudar de ideia, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, Lórien me soltou do chão e me abraçou.
–Vá embora e nunca mais volte! Suma desse mundo se for melhor, mas nunca mais apareça na minha frente! – disse Ewren jogando-a no chão novamente, ela parecia tão incrédula quanto eu. – VÁ! OU VOU ACABAR ME ARREPENDENDO! – Fuuta assobiou alto, uma coruja gigante sobrevoou o castelo e pousou ao lado dela, ela montou encarando-me espantada uma última vez e levantou voo, desaparecendo no céu escuro. Ewren veio rapidamente até mim. Fuuta só havia feito um pequeno corte no meu ombro.
– Por que você não reagiu? Porque não a transformou em pó ou algo assim? Por que Não usou seus poderes Leona! – perguntou ele me sacudindo – Você tem poderes pra isso! Para se defender! – ele estava gritando, podia sentir seu coração disparado nas palmas de suas mãos.
– Eu não consegui! – gritei antes que ele recomeçasse a gritar – Não estou conseguindo usar meus poderes! – disse pegando o pingente no chão e o colocando na mão esquerda e o apertando, nada aconteceu o que deixou todos perplexos.
– Será que o templo está a impedindo de usar os poderes? – perguntou Lórien.
– Não, ela usou os poderes assim que saímos do castelo para transformar o cajado. – respondeu ele me pondo de pé. – Temos que levar Jocelinne para a Cidade de Cristal imediatamente! – Jocelinne estava apoiada em Feroz respirando com dificuldade. Lórien pegou a escama de dragão.
– Vamos até a praia de Jade com ele e de lá nós teleportamos até a Cidade de Cristal! – ela caiu nos braços de Medras enquanto dava vida ao enorme dragão negro. Subimos devagar, o vento gelado espantou o forte enjoo que estava sentindo. Não era normal eu estar assim, Ewren se sentou atrás de mim com as pernas cruzadas e me fechou em suas asas. Não tinha forças para discutir ou falar alguma coisa, apenas me encostei em seu peito e adormeci escutando as batidas do seu coração.
Acordei no meio da madrugada, Ewren me colocou no chão sentada, olhei em volta ainda tonta, Lórien estava montada em feroz também caindo de sono e Medras segurava Jocelinne, Feroz sentou perto de mim para que me apoiasse nele. Cocei suas orelhas enquanto Ewren fazia aquela coluna de luz nos circular e nos puxar para baixo, fechei os olhos, a sensação de tontura era menor assim. Quando abri os olhos novamente estávamos no pátio do castelo de Cristal. Entramos pelo portão principal indo direto para a sala de Eirien, estava muito tarde mas Ewren tinha certeza de que ela estaria lá. Ao chegar na sala, ele entrou sem bater, Eirien ficou surpresa ao nos ver entrar.
– Ewren! Que bom que voltaram... – sua voz morreu no minuto que viu Jocelinne nos braços de Medras. – Como... – ela não sabia como reagir. Ewren saiu da sala sem dar explicações. Medras colocou Jocelinne sobre o sofá da sala, pediu licença e se retirou da sala também levando Lórien ainda tonta com ele.
– Leona, o que aconteceu? – perguntou Eirien sentando-se ao meu lado.
– Eu a encontrei dentro de um espelho num quarto do Templo de fogo.
– Dentro do Templo de fogo? – perguntou ela olhando vidrada para Jocelinne.
– Sim... Ewren a tirou de dentro do espelho. – Ewren entrou na sala trazendo duas xícaras, ele levantou Jocelinne e deu o chá para ela, ela reagiu imediatamente segurando a xícara e tomando-o todo de uma vez.
– O que é isso? – perguntei, ele me deu uma caneca também.
– É quase a mesma coisa que aquela poção revigorante de Lórien. – tomei um gole, o gosto não era ruim e deu um pouco de ânimo mesmo. Jocelinne sentou-se direito no sofá e esfregou os olhos, quando ela viu Eirien, deu um pulo para frente apertando-a num longo abraço.
– Parece que nossas famílias são ligadas há muitas gerações não é? – falei, Ewren me deu um sorriso de lado.
– Não sabe como você fez falta no conselho! – disse Eirien para ela, ela parecia muito contente com o retorno de Jocelinne. – Assumi o trono alguns anos após o seu desaparecimento! – Jocelinne a encarou.
– Eirien! Fairin Jack e Arcádius estão vivos? – perguntou ela.
– Fairin não sei lhe dizer, ele desapareceu no mesmo dia que você! Mas Arcádius sei está escondido em algum lugar embora não tenha o visto mais...– Eirien respondeu afagando suas costas.
– Eirien, acho que Arcádius estava ajudando Fairin! Fairin assumiu a forma de Arcádius para me enganar sabendo que eu o amava, era ele o tempo todo... As minhas filhas... – a voz dela morreu quando ela cobriu a boca e ficava com o olhar perdido. – Vi ele se transformar em Domini diante de meus olhos, ele me colocou dentro daquele lacre, não pude fazer nada para impedir... Minha consciência vagava pelo templo as vezes, cheguei a ver ele jogar alguém no porão... – ela ainda parecia atordoada.
– Jocelinne, o que você sabe de Veruza?
– Não posso afirmar nada sobre ela, Eirien. Se eles dois estavam se ajudando para conseguir o poder do sangue por causa da maldição dela, é provável que ela esteja sob proteção deles!
– Foi algo que nunca quis acreditar, que Arcádius realmente estivesse envolvido nisso, mas acho que estava enganada! – disse ela séria. – Mande chamar Ruthar, Nicole! – disse ela para a guarda.
– Vovó! Preciso levar Leona para Vintro com urgência! – disse ele pegando minha mão e tocando minha palma, as minhas marcas não ascenderam, a única que continuava a brilhar era a dourada em minha mão esquerda. Eirien empalideceu e me olhou nervosa, parecia que sabia o que estava acontecendo comigo mas não quis dizer.
– Vá, mas tome cuidado lá! Não tire os olhos dessa menina nem um minuto! – disse ela para Ewren. Ele me arrastou para fora da sala.
– Ewren! Eu quero saber do que se trata! – tentei pará-lo para que me dissesse o que estava acontecendo mas não tinha forças para isso, me sentia estranhamente fraca.
– Tem algo mais importante que isso e que preciso esclarecer primeiro, vamos! – disse ele com um uma expressão angustiada no rosto. Lórien apareceu ao lado dele.
– Vou junto com vocês, Andros está lá e preciso falar com ele urgente também! – disse ela me segurando e dando uma piscadinha para mim. Ewren fez aquela coluna de luz aparecer novamente, dessa vez quando teleportamos, senti uma forte tontura abracei Lórien para não cair.
Estávamos em cima da Torre central do Forte de Esperas à frente do vulcão de Lava azul. O céu estava cinzento e as nuvens pairavam pesadamente sobre nós, uma fina chuva caía, porém pela forma que o vento soprava ela ainda ia engrossar. Ewren olhou por coma da muralha e resmungou algo baixinho, uma massa cinzenta estava causando muitos estragos lá embaixo, destruía tudo o que via pela frente.
– O que está acontecendo lá? – perguntei olhando os soldados correndo de um lado para o outro atrás daquela massa cinzenta.
– É um gigante! – disse Lórien olhando aquele tumulto. – Ewren! Andros deve estar lá tentando ajudar a contê-lo! Ajuda eles por favor! – pediu ela.
– Fique aqui com ela, eu já volto... –ele bufou, abriu suas asas voou até onde os outros estavam tomando uma surra tentando conter o gigante. Podia ouvir os urros e grunhidos dele daqui de cima, senti aquele enjoo novamente e me encostei na pedra fria do parapeito.
– Lórien... Por favor, chame minha mãe! – disse segurando-me ao parapeito com mais força e respirando fundo.
–Mas Ewren mandou que eu ficasse aqui com você! – respondeu passando a mão em minha testa molhada pela chuva.
– Lórien! Por favor! – implorei, minha voz saiu tão dramática quanto planejei, ela olhou na direção que Ewren havia ido e depois correu para as escadas. Fiquei ali sozinha olhando para aquele céu escuro, as nuvens rolavam lentamente mas não formavam desenhos como eu esperava, ou minha imaginação estava tensa demais para me ajudar e me distrair um pouco agora. Os pingos estavam engrossando e começavam a marcar o chão com as gotas pesadas que caíam, a água gelada fazia cocegas em minha pele, mas era uma sensação boa e refrescante, o vento ajudava bastante levando aquele enjoo embora.
Pouco depois minha mãe apareceu com Lórien no topo da escada, ela fez algumas luzes se acenderem em volta da torre, meus olhos quase cegaram com a claridade repentina.
Quando minha mãe pousou seus olhos sobre mim apoiada no parapeito ela deu um sorriso, que desapareceu assim que viu minhas marcas apagadas e apenas a dourada acesa em minha mão.
– Ah, não Leona! Não acredito nisso! – ela segurou os cabelos com força e respirou fundo. – Onde está Ewren, eu vou matá-lo! – disse ela olhando em volta.
– Mãe! O que está acontecendo? – perguntei.
– Você não sabe? Ela não sabe Lórien? – ela a encarou com raiva, Lórien se encolheu.
– Nem eu sei... – disse timidamente me olhando.
– Ela está grávida! Por isso perdeu os poderes, está mortal agora! – gritou minha mãe. – Leona! O que você fez! – disse ela chorando.
Estava toda dormente, senti um zunido na minha cabeça e tudo a minha volta ficou mais escuro. Dei um passo para trás sentando-me no parapeito.
– Não, não pode ser... Deve ser um engano! Eu devo ter passado meus poderes para Lórien... algo em seu olhar me fez ficar em silêncio.
–Você está grávida, Leona! Por isso seus poderes sumiram! – disse ela se ajoelhando no chão e abaixando a cabeça cobrindo o rosto com as mãos. Olhei para o lado, Ewren estava parado em pé no telhado olhando para mim de olhos arregalados. Queria ir até ele, mas meu corpo não respondia. Ele parecia tão assustando quanto eu, ele se aproximou de minha mãe e a levantou do chão. Ela estava furiosa, parecia que estava abaixada apenas para conter seu ataque de fúria.
– Cansei de avisar você Ewren! Mas você não me ouviu, nunca me deu razão! – esbravejou ela erguendo os punhos cerrados para ele. Não conseguia falar nada, apenas fiquei observando Ewren encarando minha mãe. Ele não estava assustado, não era medo que tinha em seus olhos, era algo diferente. Remorso.
– Mãe... – tentei falar, minha voz saiu tão baixa que mal pude me ouvir.
Um relâmpago riscou o céu caindo bem próximo ao local que estávamos. Quando ia sugerir que saíssemos do telhado, senti um movimento ao meu lado, me virei para ver o que era e meu coração congelou, um par de olhos amarelos me encarava debaixo de um manto negro. Vi Ewren e Lórien moverem-se rapidamente em minha direção com as espadas em punho e minha mãe erguer suas mãos brilhando em minha direção. Mas o homem tirou-me do chão rapidamente erguendo seu cajado, uma nuvem negra nos envolveu, senti meus pés saírem do chão e um forte vento soprou fazendo as nuvens se erguerem do chão, estávamos voando em uma velocidade assustadora levados pelo vento que aquele homem havia acabado de invocar.
– Me solta! – gritei.
– Se eu te soltar, você vai cair e morrer e de nada vai me adiantar se estiver morta! – disse a voz grossa do Metamorfo que me segurava apertado conta seu corpo.
Comecei a sentir muito frio, parecia que nunca iríamos parar, para onde ele estava me levando? Meu coração ainda nem havia se recuperado de um susto e agora isso. O voo foi longo, tão longo que não pude mais sentir minha pele depois de um tempo, ela formigou de frio até ficar dormente. Ele finalmente começou a descer, mas não me colocou no chão, não conseguia olhar em volta, estava coberta por sua capa e não enxergava nada.
– Por favor me solte! – pedi. Ele nem sequer ouviu minha voz abafada pelo manto, o frio estava tão intenso que senti as pontas de meus dedos ficarem mais dormentes, como se isso fosse possível. Pouco depois o vento gelado parou, ouvi o som de uma porta se abrindo depois fechando, e finalmente fui colocada no chão, quando ele tirou a manta de cima de mim, estava em um quarto pequeno, fechado e sem janelas, parecia um esconderijo no subsolo.
– Quem é você! – olhei para aquela figura alta em minha frente. Ele tirou o manto e me encarou com aqueles olhos amarelos. Tinha os cabelos longos e cinzentos até a cintura amarrados em uma trança grossa, era moreno, um pouco mais escuro que Ewren. Ele era muito bonito na verdade, a barba rala cobria parcialmente seu rosto.
– Eu sou Arcádius. – disse ele pegando meu rosto e fazendo-me olhar em seus olhos. – O tempo está se acabando e eu preciso te dizer a verdade, Preciso que você saiba antes que algo pior aconteça! – o pânico tomou conta de mim enquanto me levantava tentaria fugir sem nem saber ao certo como fazer isso.
10
Cidade
coberta de neve
Tentei me levantar e fugir do quarto, mas a porta estava fechada e ele bloqueava o caminho.
–Você não vai a lugar nenhum! – disse ele observando-me tentar sair.
–Eu vou sair daqui! – ele me segurou pelos braços e me empurrou de volta para a cama e fechou os olhos.
–Você precisa me escutar Leona! Por favor! – disse ele calmamente.
– Não quero escutar nenhuma mentira! Você só quer o meu poder não é? Mas eu não tenho mais! – gritei mostrando-lhe minhas marcas apagadas. Ele respirou fundo, parecia tranquilo demais, não sabia se isso me assustava ou se me deixava ainda mais nervosa.
– Você passou a maldição adiante. – ele virou minha mão apertando a marca dourada em meu dedo anelar. – Foi isso que te salvou, sabia?
– Não estou entendendo, se quer falar algo, fale logo! – meu coração não parava de se chocar contra minhas costelas.
– Foi por você estar casada que meu irmão não conseguiu seguir com seus planos, ele teve que improvisar e agora que você está grávida, deu a chance que ele precisava, ele vai vir atrás de você para tomá-las de vocês! – eu não estava conseguindo entender o que ele dizia.
– Seja claro por favor! – pedi. Ele suspirou.
– É uma longa história. – disse ele.
– Gosto de histórias longas e detalhadas! – falei cruzando as pernas e tentando ser mais sarcástica que pude. Precisava ganhar tempo até alguém me encontrar aqui, não fazia ideia de onde estava mas sei que Ewren me acharia.
– Eu sou o irmão mais velho de seu pai! – disse ele.
– Aeban não tem irmãos! – retruquei.
– Aeban morreu antes mesmo de você ser feita! Você é minha sobrinha, filha de Fairin Jack.
– Impossível! – falei – minha mãe só gostava de Aeban! Ela não teria ficado com outra pessoa! Vi como ela ficou quando voltamos a Amantia!
– Escute para que você possa entender! – Arcádius respondeu alto fazendo-me ficar em silêncio. – Sou irmão gêmeo de Aristes. – o olhei incrédula, como uma pessoa boa como Aristes podia ter um irmão assim? – Fairin é meu irmão mais novo, ele é um hibrido, metamorfo e humano, eu e Aristes somos apenas metamorfos, ele é filho de uma mãe humana. Fairin sempre sonhou com poder, desde criança ele se achava superior por ser um Híbrido, mas seus poderes não se comparavam ao de Aristes, ele queria nos superar em tudo. Então ele estudou e se tornou o melhor mago de Amantia, conquistou um lugar no conselho do rei e se casou com uma bruxa chamada Veruza que era uma nobre, ela o amava mais que tudo no mundo, se é que posso chamar aquela obsessão de amor e tinha um ciúme doentio por ele. – ele parecia perdido em suas lembranças, olhei novamente em volta tentando imaginar um modo de escapar – Então um dia uma Maga muito poderosa e muito bonita, amiga da filha do rei apareceu no castelo, ela foi levada até lá por uma magia que havia lançado sobre os céus de Amantia, uma forte proteção que evitava que os portais naturais ficassem se abrindo e trazendo criaturas de outros mundos para cá. – Arcádius parou de caminhar pelo quarto e sentou-se em uma cadeira perto da porta.
– Quem era essa maga? – perguntei tentando fazê-lo distrair-se novamente.
– Jocelinne. – quando ele disse o nome dela, não conseguiu conter um sorriso e dar um suspiro.
– Minha mãe disse que Fairin era professor de Jocelinne e tinha se apaixonado por ela! Não disse nada sobre Jocelinne ser conselheira no castelo de Cristal! Inclusive me disse que eles ficaram juntos! – falei lembrando-me da história que minha mãe contou no navio, embora tinha acabado de ouvir algo diferente de Eirien.
– Sua mãe não conhece a história verdadeira, deve ter escutado uma das versões falsas de Fairin. Mas continuando, Jocelinne, ela era a mulher mais linda que eu já havia visto em todos doze mundos. Eu fazia parte da guarda real naquela época, ela sorriu para mim ao passar pelos portões, me apaixonei na hora. – ele coçou a barba distraído. – ela foi colocada acima de Fairin no conselho, ele ficou muito zangado por ter uma humana acima dele e começou a arrumar problemas para ela, achando que ela não conseguiria resolvê-los e desistiria do conselho, mas ela só o surpreendia conseguindo soluções para tudo que ele fazia, o Rei descobriu que ele estava fazendo coisas erradas para tentar atrapalhar ao trabalho de Jocelinne e então afastou Fairin e Veruza do conselho. Fairin não gostava de perder, então largou Veruza para tentar conquistar Jocelinne e tomar de volta seu lugar no conselho, como marido dela ele teria esse direito, era o modo mais fácil de voltar ao poder. – Ele bufou como se a lembrança ainda lhe trouxesse incômodo – Porém Jocelinne já estava comprometida comigo, ele tentou de tudo para conquistá-la, mas ela não se importava com ele. Veruza, furiosa e se sentindo desprezada por causa de Jocelinne a amaldiçoou. Jocelinne teria seu sangue amaldiçoado e toda sua descendência também, elas sempre teriam mais de uma filha mulher por vez que herdariam o sangue amaldiçoado porém seria mais forte na linhagem principal, nas primeiras nascidas. Era para essa maldição desaparecer quando fosse passada adiante, ou seja, quando tivesse suas filhas, mas o poder não some, apenas deixa de chamar atenção e diminui a porcentagem de poder que passa a quem o consome. – ele parou de falar e ficou sentado pensando.
– Continue! – pedi.
– Jocelinne entrou em desespero, ela queria se matar por medo de passar a maldição adiante. Porém Veruza também a deixou imortal, para que ela não pudesse acabar com a maldição até que a passasse adiante. Mesmo assim Veruza não conseguiu fazer Fairin desistir de Jocelinne, isso apenas aumentou o desejo que ele tinha, então para conquistar Fairin de volta, Veruza prometeu ajudá-lo a se tornar o mais poderoso dos doze mundos, mais forte até do que Sirius. Ela falou para ele que se ele conseguisse tomar o sangue da mais velha de quatro gerações, ele seria tão poderoso que poderia dominar todos os mundos do círculo.
– O que aconteceu com Jocelinne? – perguntei vendo-o mudar de tristeza para raiva.
– Fairin me prendeu com um lacre nessa fortaleza dizendo que havia a capturado para me atrair até aqui e assumiu minha forma, ele fez o que bem entendeu usando minha aparência e fingindo ser eu para usar seu sangue, tomando de mim tudo que eu tinha.
– Então por que ele não te matou? – perguntei desconfiada.
– Um parente consanguíneo não pode usar magia contra outro.
– Mas ele poderia te matar usando uma espada, não é? – perguntei. Ele sorriu, um sorriso sinistro que fez minha alma congelar.
– Eu sou o mestre do mestre que Ewren teve no exército da guarda real, fui aprendiz de Áries, eu era o mais forte guerreiro de Amantia depois dela, Fairin era apenas um mago, nunca poderia me vencer em um combate físico, agora está quase tão bom com espadas quanto eu. – disse suspirando – e eu tão bom em magia quanto ele, mas naquela época ele não poderia me tocar... Mesmo assim ele não poderia me matar, em Amantia você não pode matar um parente consanguíneo, pois se tentar matá-lo, você tem seu poder drasticamente reduzido, se for um irmão, você morre. Funciona como uma pena de morte...
– Entendi. – olhei novamente em volta, sem prestar muita atenção nele, procurando por alguma brecha, por algo que poderia facilitar minha saída daqui. Não queria acreditar nele, ele poderia estar fazendo isso para que eu confiasse nele e não tivesse medo, havia acabado de escutar de Jocelinne que ele poderia estar ajudando Fairin a conseguir poder. – Então me diga exatamente como sou filha desse seu irmão mais novo, já que pelo que entendi, até agora ele só havia enganado vovó Jocelinne!
– Ele esperou Mayra, filha mais velha de Jocelinne completasse a idade certa, assumiu a forma do namorado dela, Domini, um mago humano, e matou ele, Mayra já tinha Lupine e Pytia quando Jocelinne descobriu a verdade, então ele a matou e incendiou o templo de fogo para que parecesse um acidente. Fez com Mayra o mesmo que fez com Jocelinne e por fim com sua mãe o mesmo que fez com as duas.
– Então... – queria que ele continuasse, agora não para passar o tempo, mas por curiosidade.
– Então ele usou Black Jango para descobrir de quem Lupine gostava, já que ela passava a maior parte do tempo presa no templo do castelo de cristal por causa da maldição, o verdadeiro Aeban era muito famoso no exército dos silfos e vivia indo ao castelo para tratar de assuntos sobre os reinos, sua mãe era apaixonada por ele, mas ele era noivo de uma silfa de outra família influente e não ligava para Lupine. Black Jango descobriu isso quando se infiltrou no castelo e passou a informação para Fairin. Ele levou Aeban para as Ruinas do templo de fogo e prendeu lá dentro para que morresse de fome e frio. Fairin assumiu a forma dele e armou uma emboscada com Black Jango para forçar um encontro entre os dois. Então fingiu ficar interessado em Lupine e a enganou também. – Então a armadura com os ossos que estavam lá no porão inundado do templo era do verdadeiro Aeban! Não parecia que Arcádius estava mentindo, não depois de lembrar disso.
– Ele tomou a forma de Aeban? Então quem está lá com minha mãe agora é Fairin? E se ele enganou todas elas... – não consegui nem completar o pensamento de tão absurdo que me pareceu.
– Você é filha e irmã de sua mãe, e irmã de sua avó Mayra.
– Então também sou irmã de Emma? – perguntei.
– Não, ela era filha de Pytia, filha mais nova de Mayra, ele não tinha interesse no poder da linhagem inferior. – minha cabeça parecia que ia explodir. – Você só se livrou porque Ewren começou a desconfiar do comportamento de Aeban e se casou com você, se ele o matasse para tomar o lugar de Ewren e fazer a mesma coisa com você, você perceberia por causa da marca de casamento, ela iria sumir se Ewren morresse.
– Como sabe de tudo isso? – perguntei.
– Tenho pessoas lá fora que eram meus olhos e ouvidos, fora o que o Próprio Fairin me contava para poder me torturar. – seu olhar tinha um ódio profundo quando dizia o nome de Fairin.
– E quanto a Emma? E Moan?
– Emma era tão má que tive que mantê-la presa aqui numa sala com o tempo alterado igual à que sua mãe estava, ela tinha ódio de todas as Arbarus da linhagem principal, sua mãe era mais forte que ela e tinha mais poder que ela. Emma decidiu que iria matar Lupine no momento que ela perdesse a imortalidade quando ficasse gravida, mas não sabia quando ela sairia do templo de Dimesya, quando ela fugiu daqui, ela passou por uma barreira que a fez perder as memórias. – ele parou para pensar novamente e começou a rir. – Foi o único ato bondoso que Fairin teve em toda sua vida, ele a encontrou, ficou com pena e a deixou em uma vila de humanos.
– E quanto a Moan? O que ela fez em Vintro com os bebês?
– Até onde eu sei, Moan é filha de Veruza e Fairin, eles ficaram com raiva dela quando ela soube da maldição e tentou ajudar me dizendo como a maldição podia ser quebrada, Fairin considerou isso traição e com raiva dela criou um Summon de Moan, ele fez isso para que os habitantes tomassem raiva dela e a matassem quando a encontrassem, assim ela não tentaria se aproximar de Vintro para espioná-los.
– Mas foi Moan que me entregou o espelho, não foi?
– Sim, eu mandei que ela lhe entregasse o espelho, você tinha atingido a idade que seu sangue serviria para Fairin e ele começou a procurá-la novamente, para tentar te proteger pedi que a trouxesse para cá! Mas você acabou caindo no lugar errado e indo parar nas mãos de Nellena, que de certa forma foi um alívio também.
– Por que ele não foi nos procurar antes então?
– Talvez ele quisesse deixar o tempo passar para que esquecessem dele, ou nesse caso, de mim.
– Então por pouco ele não conseguiu meu sangue também... – disse baixinho, acho que Arcádius nem me escutou. - E por que passou todo esse tempo e você não fez nada para impedi-lo? – estava confusa ainda.
– Porque ninguém acredita em mim, tentei me passar por todos os tipos de pessoas para tentar contar a verdade, mas ele usa minha aparência para me transformar no vilão e não posso fazer nada contra ele enquanto ele mantiver a aparência de Aeban, todos teriam a certeza de que eu estou tentando destruí-lo por vingança, O verdadeiro Aeban não tinha um relacionamento muito bom com os conselheiros, então tive que separá-los numa briga uma vez, ele acabou tomando raiva de mim também . – disse ele bufando e batendo com força numa mesinha fazendo-a partir-se ao meio.
– E Demétrius? – perguntei assustada com seu ataque de fúria.
– Esse é completamente louco, Mas Moan é apaixonada por ele e ele cuida bem dela, Fairin prometeu algo a ele, mas ele não quis nos contar o quê, tentamos convencê-lo a mudar para o nosso lado e não conseguimos, porém não acredito que ele seja realmente mal, acho que estava apenas escondendo algo ou tentando fazer algo sem que Moan e eu percebêssemos.
– Então você não estava em Vintro quando Ewren foi capturado?
– Não, foram Guinn e Veruza que o capturaram para te atrair. Mas eles não imaginavam que você conseguiria destruir o lacre de memórias que colocaram em Ewren.
– Você sabe como a maldição pode ser quebrada? – perguntei.
– Claro que sei! para quebrar a maldição é muito simples, é só matar Veruza que a maldição vai ser desfeita. O problema é que Fairin a protege o tempo inteiro e vai ser quase impossível conseguir vencê-lo, ele já tem o poder de três Arbarus.
– Por que se ela morrer a maldição se desfaz? – quis saber.
– Por causa da diferença entre um Mago e um Bruxo, um feitiço lançado por um mago dura para sempre mesmo após a sua morte, já um feitiço lançado por um bruxo dura apenas enquanto ele viver. Depois de sua morte ele se desfaz! – explicou Arcádius calmamente.
– Então um Mago não poderia lançar um feitiço para desfazer a maldição, um contra feitiço por exemplo.
– Não tem como desfazer uma maldição, nem cobri-la. – explicou ele.
– Então para matar Veruza, temos que derrotar Fairin primeiro, é isso? – meu estomago embrulhou.
–Sim, é a única forma, e agora não temos ninguém em Amantia capaz de enfrentá-lo de igual para igual.
Não fazia ideia de como poderia descobrir se ele estava falando a verdade. Meu coração estava a mil, minha mãe estava sendo enganada, e talvez fosse por isso que ela estivesse sempre triste de uns tempos para cá, talvez tivesse notado a diferença em Aeban.
– Me prove que está falando a verdade! – pedi encarando-o. Ele me olhou com aqueles olhos amarelos, tirou a manta e a blusa que estava vestindo, deixando aparecer à parte de cima de seu corpo, era muito forte, no seu braço esquerdo tinham marcas que iam desde o pulso até o ombro, estavam apagadas como as minhas, eram marcas como raios, ele respirou fundo e deu um passo para perto de mim fazendo-me encolher sobre a cama. Ele ergueu a cabeça e mudou sua aparência, era como se um sol tivesse iluminado todo o quarto, as marcas ficaram brancas e brilhantes e seu cabelo ficou dourado.
– Já viu Aeban transformado, não é? – perguntou ele se aproximando de mim e pegando minha mão, suas mãos estavam quentes, ao contrário das mãos sempre geladas de Aeban. Lembrei-me dele com as marcas negras cobrindo parcialmente o corpo. – Aquelas marcas negras são as marcas do selo sombrio, ele é um mago negro! Quando ele conseguir o sangue de uma quarta Arbarus, aquelas marcas cobrirão todo seu corpo e ele se tornará indestrutível. Quando essa hora chegar, nós não teremos mais nenhuma chance de destruir ele ou Veruza. Infelizmente os regentes não podem se envolver em nossas batalhas! – Aquilo foi bem convincente para mim, mesmo assim ele segurou meu rosto e me mostrou suas memórias, desde a primeira vez que viu Jocelinne até ser preso num lacre mágico por Fairin. Ele recolocou a blusa voltando a sua aparência normal.
– E mesmo assim, não poderia ser eu a destruí-lo certo? Ele é meu pai...
– Poderia, mas você nunca conseguiria, teria que ser outra pessoa. Se Jocelinne ainda vivesse, ela poderia matá-lo, ela foi a segunda Maga mais forte que Amantia já teve. – disse ele num suspiro.
– Você sabe onde está Veruza? – perguntei enchendo-me de esperança.
– Ela nunca o solta, está sempre onde Fairin está, ela deve estar no corpo de outra pessoa atualmente, ela tira a alma das pessoas e põe sua própria no corpo para nunca saberem quem ela realmente é! Pode ser qualquer um que está com Fairin... – já era o suficiente para mim, agora só descobrir no corpo de quem Veruza estava e isso não poderia ser difícil!
– Mas alguém forte o bastante pode matar ele usando uma espada não é? Ewren, por exemplo... – perguntei. Arcádius sorriu tristemente.
– Ele não conseguiria chegar perto o suficiente para feri-lo mortalmente com o poder que ele possui agora, e para que Fairin morresse, precisaríamos lacrar seu poder... – ele bufou.
– Então era isso que Jocelinne disse no templo sobre ter descoberto a verdade sobre Fairin... – Arcádius me olhou confuso. – Nós salvamos Jocelinne. – falei, ele ergueu as sobrancelhas espantado.
– Do que você está falando?
– Nós a achamos dentro de um espelho mágico nas Ruínas do templo. Ewren a tirou de lá e nesse momento ela está com Eirien no Castelo de Cristal. – falei. Arcádius caiu aos meus pés.
– Não acredito... – ele sorriu – Ela pode derrotar Fairin! Ela não tem o sangue dele e seu poder não ficaria restrito e nem seria reduzido caso ela o derrotasse! Só precisa se fortalecer com o poder dos regentes!
– Arcádius... Como vai ser agora? Você foi até lá e me capturou na frente deles, se eles tinham alguma dúvida sobre suas intenções, agora vão ter certeza de que você é o culpado! - ele suspirou.
– Sim, agi precipitadamente, mas não podia deixar você lá! Se Fairin tivesse colocado as mãos em você, estaríamos condenados agora, tenho espiões na fortaleza de Vintro e ele estava planejando agir ainda hoje. Seria muito perigoso, ainda mais agora que você está grávida! Por sorte ele não sabe disso e você pode usar isso como um trunfo! Só precisa saber o que fazer! – minha mente voltou ao lugar, levei automaticamente as mãos à barriga lembrando-me das palavras que minha mãe tinha dito na torre a pouco.
– O que vou fazer? – perguntei.
– Vai precisar sair de Amantia e ter suas filhas longe daqui! – disse ele. – Vai ter que levar algumas pessoas com você para garantir sua segurança e delas, sugiro ir para Evenox, para a casa de sua tia Ervie.
– Ela está mesmo em outro mundo?
– Está no sexto mundo. – disse ele pegando um mapa enorme e me mostrando, nele haviam doze mundos desenhados perfeitamente em traços leves. – esse! – ele apontou um dos mundos, um dos mais distantes de Amantia.
– Entendi! Mas Arcádius, se eles te acharem aqui? Eles vão chegar atacando e não vão querer escutar o que você tem para dizer! – falei.
– Eu só preciso que você saiba, que você passe a mensagem para eles. Mas você tem que sair de Amantia o mais rápido possível, vá até a torre das nuvens e peça a Aristes para abrir um portal, tem que ser antes de Fairin descobrir sobre sua gravidez. – Ele me estendeu a mão para me levantar, ele me puxou para um abraço. – Você é muito parecida com ela, espero ter a chance de rever Jocelinne e me desculpar por não ter conseguido protegê-la dele. Sou seu tio, mesmo que por circunstâncias ruins, então conte sempre comigo! Enquanto eu viver vou fazer de tudo para ajudar vocês! – disse ele afagando minha cabeça.
– Obrigada, tio, e ela vai te perdoar, com certeza! – disse sorrindo. Estava me sentindo mal, confusa com medo, mas me senti segura perto dele, parecia estranho isso, mas no momento em que ele me tirou da torre, apesar do medo, não sentia como se algo ruim fosse acontecer. Ele me guiou por aquele abrigo até uma escadaria.
– Vou te mandar para Aristes e quando chegar lá peça para que ele chame Ewren, Jocelinne e Lórien para que te acompanhem até Evenox. – disse ele.
– E os outros? – perguntei.
– Você é quem corre mais perigo no momento, ele não vai ter motivos para fazer nada contra os outros, não pode perder a pose dele se não corre o risco de ser descoberto! Mas você precisa levar Jocelinne, ela é a única que pode lutar de igual para igual com Fairin.
– E Eirien? – perguntei lembrando-me de Eirien com sua postura altiva diante de Demétrius.
– Eirien é uma guerreira incrível, mas não é uma maga, ela estaria em desvantagem contra Fairin... – passamos por uma sala e uma biblioteca até chegar a duas portas enormes. Quando saímos por ela, vi um mundo branco do lado de fora, a neve estava por todos os lados, Arcádius moveu suas mãos e apareceram roupas quentes em mim. Caminhamos pela neve, logo à frente pude ver um grupo de pessoas se aproximando.
– Nos encontraram mais rápido do que eu imaginei. – disse ele olhando para mim como se procurasse algo. Ele tocou o pingente do colar que Eirien havia me dado. – Um pingente real? É um localizador, sem dúvida, Eirien é muito inteligente! – disse ele sorrindo, ergueu seu cajado fazendo uma barreira vermelha e brilhante em volta de nós.
– Por que fez isso? – perguntei. – Assim eles vão ter a certeza de que você está fazendo algo errado! – olhei para frente a tempo de ver uma bola de fogo explodir em cima da barreira. – Eles não estão me vendo aqui? – perguntei assustada.
– Eles acham que não é você, é uma cópia, porque você está muito tranquila ao meu lado. – toquei a barreira e acenei para eles tentando mostrar que era eu. – Não adianta. Eles não vão acreditar, vieram aqui para me matar! – disse ele tranquilamente.
– E você diz isso com essa calma? – olhei novamente para o grupo que se aproximavam, eles vinham liderados por minha mãe, Arin e Eirien, Logo atrás vinham Ewren, Lórien, Andros, Medras, Jocelinne e um grupo de soldados de Vintro. Arcádius se iluminou ao ver Jocelinne. Ewren estava com a aparência de um elfo negro e seus olhos brilhavam prateados, ele vinha com suas espadas nas mãos.
Minha mãe fez um gesto para que os outros parassem ergueu suas mãos para o céu, fazendo uma coluna de luz vermelha sair de seu corpo.
– Arcádius o que é isso? – perguntei me referindo a torre de luz vermelha. Quando percebi que Arcádius não me respondeu, olhei para seu rosto. Ele estava pálido e com os olhos arregalados. – Arcádius? – chamei.
– Leona! Você precisa impedi-la! – disse ele pegando-me pelos ombros. – Aquilo é uma maldição de lacre! Ela vai tentar lacras meus poderes para me tornar humano e mortal! Se ela tentar usar aquilo contra mim, ela vai morrer!
– O quê? – disse olhando dele para minha mãe, a coluna vermelha começou a circular e girar, formando um redemoinho de luz em volta dela.
– Se ela completar aquele lacre e o soltar contra mim, vai usar toda sua energia e vai morrer! Eu sou parente dela também! Nós não podemos usar magia contra familiares! Ela vai se desfazer se o fizer, ela ainda não sabe sobre Fairin! – Arcádius abriu uma brecha na barreira para que eu pudesse sair. – Impeça-a! – disse ele. Corri imediatamente na direção dela, Ela me olhou, mas não me reconhecia, realmente achava que não era eu, ergueu uma barreira em volta dela e de Arin, Ewren ficou na frente dela para defender a barreira como se eu pudesse destruí-la, ele também não parecia acreditar que era eu. Parecia que estava a quilômetros de distância deles, a neve fazia meus passos ficarem pesados e sem meus poderes não conseguia facilitar minha corrida. Quando cheguei perto o suficiente, Ewren ergueu a espada para mim para que não me aproximasse mais.
– Ewren! Temos que impedi-la ela vai morrer! – gritei. Ele nem sequer se moveu.
– Onde está a verdadeira Leona! – perguntou se aproximando de mim e colocando a espada no meu pescoço. – a Verdadeira não ficaria tentando defender um criminoso! – senti o aço gelado da espada em minha pele, não tinha tempo para lhe explicar. Tirei a luva de minha mão esquerda com dificuldade e lhe mostrei a marca dourada na mão, ele ficou confuso. Parecia ainda não acreditar.
– Oh deus! Ewren sou eu acredite em mim! – eu o puxei mesmo com o fio da espada ainda em meu pescoço e o beijei. Ele me soltou olhando para Arcádius.
– O que está acontecendo afinal! – perguntou.
– Não tenho tempo para explicar agora, temos que tirá-la dali agora! – disse batendo as mãos na barreira e levando um choque muito forte.
– É uma barreira espiritual, não pode tocá-la. – disse ele. Minha mãe não nos enxergava mais, seus olhos estavam completamente vermelhos e lágrimas de sangue escorriam em seus olhos.
– MÃE! POR FAVOR, PARE! ESCUTE-ME! MÃE! – gritei ignorando os choques e batendo com força na barreira. Eu estava completamente humana, não conseguia nem sequer derrubar sua barreira. Arin estava de mãos dadas com minha mãe e seus olhos estavam desfocados também.
– Ela está passando sua Energia para Lupine! – disse Ewren pegando a espada e transformando-a num cetro. A flor de lis apareceu brilhando dourada em sua testa, ele juntou as mãos fazendo uma corrente elétrica circular a barreira tentando quebrá-la, mas foi em vão, uma onda saiu da barreira nos jogando para longe, o brilho da coluna de luz ficou mais intenso e começaram a sair raios dela. Tentei me levantar e correr até elas, mas Ewren me impediu.
– É tarde demais, a maldição de lacre está completa! – disse ele erguendo uma proteção em volta de nós.
– Não! NÃO MÃE! – senti as lágrimas escorrendo quentes contra meu rosto gelado. Lórien parecia ter percebido o que estava acontecendo e se afastou também. Ela ergueu uma barreira para defender o grupo que estava com eles. Foi quando vi algo como uma serpente vermelha de luz sair de onde minha mãe e Arin estavam e ir à direção de Arcádius, mas antes que o tocasse ela se desfez numa explosão tão forte que levantou uma onda de neve nos impedindo de ver o que havia acontecido. Houve um momento de total silêncio. Meu coração estava na mão, torcia para que elas estivessem bem, quando a neve baixou pude ver o que aquela serpente causou. A explosão foi tão forte que varreu toda a neve da área que estávamos e quebrou todas as árvores até onde a vista alcançava. Arcádius estava de joelhos no chão, ainda dentro da barreira, pelo visto nada tinha acontecido a ele. Onde deveria estar minha mãe e Arin, o chão fumegava e elas estavam lá, de joelhos também, ainda de mãos dadas. Ewren desfez a proteção então corri até elas. Quando cheguei perto pude ver seu rosto manchado de sangue. Ela olhava fixamente para Arcádius incrédula.
– Mãe? – me ajoelhei ao seu lado, tocando de leve sua mão que estava apertada no chão. Ela olhou para mim e ergueu a mão bem perto da boca, soprou uma pequena bolha brilhante que se solidificou virando um globo de vidro, Arin fez o mesmo. Elas me entregaram as bolhas e sorriram ao mesmo tempo, se olhando e apertando as mãos. Aos poucos a pele de minha mãe começou a brilhar levemente e foi soltando uma poeira fina e brilhante, como luzes minúsculas, da onde a poeira soltava sua pele começava a falhar e desaparecer.
– Mãe? O que está havendo? Mãe! – toquei seu rosto com a mão. Onde eu toquei seu rosto soltou mais poeira desmanchando. Senti o ar sumir de meus pulmões, uma dor forte no peito não permitia nem que eu gritasse. A última coisa que ficou gravada em minha mente foi o movimento de seus lábios dizendo um “Eu te amo” silencioso antes de elas se desmancharem bem diante de meus olhos. A poeira brilhante se ergueu aos céus formando um grande gato e uma raposa brilhantes, eles nos circularam e depois desapareceram no ar em direção ao céu. Gritei desesperada enquanto segurava aquelas pequenas bolhas de vidro nas mãos, Jocelinne veio até mim e me abraçou. Estava dormente, não conseguia sentir nada, apenas o ódio que sentia de Fairin e a dor de perdê-las.
– Se acalme Leona! – disse ela segurando-me com força. Eirien e Lórien foram em direção à Arcadius correndo com as espadas erguidas.
– JÁ CHEGA! – gritei fazendo-as parar e olhar assustadas para mim. – Se elas tivessem me escutado, não teriam morrido! Agora vão fazer o mesmo? – estava furiosa. Levantei-me e fui até Arcádius, minhas pernas tremiam e mal podia me manter de pé. Ele me apoiou e me abraçou forte. Chorava tanto sem saber se um dia essa dor desapareceria. – Ele não é culpado de nada! – falei entre soluços.
Arcádius olhou para o céu. Uma nuvem negra vinha cobrindo o céu onde estávamos.
–Ewren! – gritou ele, Ewren ainda estava olhando para o lugar onde Arin e minha mãe haviam desaparecido. – Você tem que tirá-la daqui agora! Fairin está chegando! – Arcádius olhou para Jocelinne. – Ela vai lhes explicar tudo, agora eu tenho que sair daqui, ou não irei poder lhes ajudar na hora certa! – ele girou o cajado e o bateu no chão desaparecendo.
– Depressa Ewren! – gritei. Ele olhou para mim voltando à realidade.
– Vamos! Juntem-se aqui! – chamou ele reagindo finalmente. Feroz e Amaterasu foram os primeiros a chegar até ele. Jocelinne, Eirien, Medras e Lórien se juntaram a nós.
– Para onde... – a voz de Ewren estava arrasada.
– Torre das nuvens! – falei. Novamente vi o brilho do teleporte nos tirando do chão. Quando a luz se apagou, consegui olhar em volta finalmente. Estávamos dentro do laboratório de Aristes.
– Leona... – escutei a voz de Medras, mas ela estava tão distante que mal podia escutá-la.
– Temos que ir para Evenox... – consegui fazer as palavras saírem. Meu corpo e minha mente estavam enevoados, dormentes, não conseguia sentir nada, era como se uma forte tempestade estivesse me rodeando, prestes a me engolir.
– Não estou entendendo nada! Nós fomos até lá para matar Arcádius e ele fugiu? Ainda matou Arin e Lupine! – gritou Andros colocando sua espada sobre a mesa e batendo com as mãos na parede de vidro da torre. Queria lhes dar uma explicação, porém minha cabeça não respondia, a única coisa que via era a cena de minha mãe e Arin se desmanchando em minhas mãos. A dor era tão forte que eu mal podia respirar, as lágrimas escorriam silenciosas pelo meu rosto. Eirien se afastou e começou a mexer pelo laboratório, ligando algumas máquinas, Jocelinne a ajudava enquanto Lórien estava sentada no chão e abraçava Ewren, ela também chorava baixinho. Amaterasu encostou sua cabeça em mim, tentando me consolar. Afaguei seu focinho automaticamente, sem sentir o toque, Feroz encolheu e subiu no meu colo, como se tentasse aquecer o gelo que havia se formado em meu coração.
Aristes apareceu e nos olhou espantado tentando entender o que estava acontecendo, Eirien e Jocelinne já haviam ligado a máquina que ele usara para me mandar para casa e agora lhe falavam o que havia acontecido. Ele começou a mexer na máquina também, ela estava funcionando e as quatro bolas metálicas emitiam fortes descargas elétricas agora.
–Não percam tempo! – gritou Aristes apontando para a Máquina. – Fairin vai chegar aqui a qualquer momento! – Ewren me segurou pelo braço e me levou para dentro do cilindro gigante de vidro, todos nos esprememos naquele pequeno lugar apertado. Andros saiu do Cilindro para pegar sua espada em cima da mesa de Aristes. Nesse momento uma névoa negra surgiu atrás dele, antes que ele pudesse se virar uma longa espada atravessou seu coração saindo quase na altura de seu pescoço. Ele caiu no chão já sem vida. Aeban, que agora sabia que era Fairin estava com Belve, ela puxou a espada que usou para atravessar o peito Andros e a limpou com a língua, os olhos azuis como o céu nos encararam ela deu um sorriso desdenhoso para Lórien. Escutei Lórien gritando, porém ela foi impedida de sair da máquina por Jocelinne e Eirien. A vi mudar de forma, parecia ainda mais furiosa que antes, Jocelinne fechava uma proteção em volta da máquina para evitar que eles se aproximassem. Aristes apenas teve tempo de jogar um saco de pano que escorregou no chão parando aos meus pés antes que a barreira se fechasse por completo e os raios que saíram da máquina nos deixasse temporariamente cegos.
O céu apareceu embaixo de nossos pés e fomos sugados para baixo. A última coisa de Amantia que vi, foi Fairin gritando furioso tentando quebrar a barreira e passar pelo portal.
11
Evenox:
O mundo das Águas
Estávamos em queda livre, o vento forte contra meu rosto parecia querer levar as tristezas para longe de mim. Senti as mãos de Ewren me segurando e abrindo as asas. Lórien fez o Dragão aparecer e transferiu sua mente, fazendo com que suas asas gigantes evitassem nossa queda, formando um escorregador. Para todos os lados que olhava, só havia água, mais nada. As águas eram calmas, tão cristalinas que podia se ver os peixes coloridos e pequenas plantas aquáticas. Apenas quando o vento soprava que apareciam pequenas ondulações na água.
Voamos por um bom tempo em silêncio absoluto, quebrado apenas pelo bater das asas de Lórien. Voamos por tanto tempo que já havia perdido a noção do tempo, olhei para o céu, diferente de Amantia, aqui só havia um sol no céu. Depois de muito tempo voando que comecei a ver mudanças no cenário, as águas nunca desapareciam, mas começaram a aparecer árvores imensas que ficavam cobertas até a copa por água, nos locais onde as arvores se juntavam suas raízes saiam das águas formando plataformas trançadas. Elas eram lindas, de cores fortes, ora rosas, ora azuis e verdes de cores vibrantes. As frutas que estavam penduradas em seus galhos pareciam apetitosas e muito saborosas. Pássaros coloridos também voavam e pousavam nas árvores, fazendo-as parecer enfeitadas para o natal.
Mesmo com tanta beleza a minha volta, meu coração estava silencioso, adormecido. Havia visto a mulher que me criou dar a vida por mim achando que estava fazendo a coisa certa e o que mais doía era que havia se sacrificado em vão, que ela havia gastado toda sua energia para tentar destruir o inimigo errado. Pensei em Aristes, que havia aberto o portal para nos salvar e ficou lá só, a mercê de Belve e Fairin.
Ewren sentou ao meu lado, puxando-me para seus braços e me apertando de leve. Foi a sensação mais estranha que senti na vida, meu coração se desembolou e fez um nó subir até minha garganta. Recomecei a chorar mesmo lutando contra as lágrimas. Além de perder minha mãe, Ewren também havia perdido a dele. Limpei o rosto e o puxei para meus braços colocando sua cabeça em meu ombro.
– Vai ficar tudo bem! – foi mais uma pergunta do que uma afirmação. Ele me abraçou com mais força, talvez sua dor fosse maior que a minha, afinal Arin era uma guerreia, não esperava ver uma guerreira tão forte morrer assim. Jocelinne se aproximou devagar e se ajoelhou diante de nós, estava com semblante abatido, ela respirou fundo.
– O som de um trovão você vai escutar, o vento nas árvores irá soprar, a canção de dois corações agora partidos. A cada fechar de olhos ao anoitecer, seus corações irão se restaurar até a dor sumir e apenas a saudade restar... – ela cantou baixinho, um brilho verde cobriu suas mãos quando ela as passou em nossas cabeças. Adormeci com seu toque suave, sentindo meu coração se acalmar.
Abri os olhos devagar, a luz do sol estava passando ela fina cortina aquecendo meu rosto, virei-me de lado na cama, estava em um quarto estranho, as paredes eram feitas de bambu gigante envernizado, com detalhes metálicos nas amarrações. A cama que estava deitada também era feita de bambu e o colchão de algo tão macio que desconfiei serem nuvens cobrindo o estrado. Sai da cama e andei até uma porta que estava entreaberta. Escutei vozes conversando do lado de fora. Sai de mansinho pisando nas pontas dos pés. Medras estava num sofá, segurando Lórien adormecida em seu colo, Eirien e Jocelinne conversavam com uma mulher desconhecida para mim mas que era bem parecida a vovó Mayra, elas estavam sentadas em uma mesa no meio da sala. A casa era toda feita em bambu gigante, nas paredes da sala haviam várias janelas pequenas, provavelmente para aproveitar bem a luz do dia, fui até a mesa e me sentei em uma cadeira. Elas pararam de conversar para me olhar.
– Leona? – Eirien pegou minhas mãos – Está melhor? – perguntou ela tirando uma mecha de cabelo do meu rosto e colocando atrás de minha orelha, assenti com a cabeça, me sentia estranhamente fraca, meu corpo estava mole. A mulher igual a vovó Mayra levantou-se.
– Vou fazer algo para você comer! – disse se afastando.
– Aquela é Ervie, é minha filha. – disse Jocelinne vendo minha confusão.
– Onde estamos? – perguntei. Minha voz saiu fraca e baixa.
– Em Evenox, o sexto mundo. – Eirien me olhava com ternura.
– Onde está Ewren? – perguntei passando os olhos por todos os lados procurando por ele.
– Deve estar lá fora na água. As águas daqui tem propriedades curativas e calmantes – Eirien parecia feliz e triste ao mesmo tempo. Só notei o quanto estava com fome quando Ervie voltou com uma tigela de um caldo cheio de pedaços de peixe, cheirava tão bem que fez meu estomago roncar alto.
Depois de comer três tigelas de sopa, finalmente fiquei satisfeita. Feroz subiu no meu colo de mansinho e deitou apertando sua cabeça contra mim.
– Está se sentindo bem? – perguntou Ervie sorrindo.
– Um pouco melhor, muito obrigada. – dei um sorriso tímido, não sabia se conseguiria sorrir, mas não me sai mal.
– Ah, que bom! Você dormiu um bocado! Achei que não fosse acordar mais! – disse ela passando a mão gelada em minha testa.
– Desde que horas estou dormindo?
– Desde que dia seria a pergunta certa. - disse Lórien se levantando no sofá e vindo sentar perto de mim. – você dormiu três dias inteiros. – disse ela esfregando meu rosto. Estava mais desanimada do que de costume, mas ainda era a Lórien.
– Não se preocupe, grávidas dormem muito mesmo. – Ervie falou fazendo meu estomago afundar. Havia me esquecido completamente disso.
– Leona, pode nos contar o que aconteceu com Arcádius afinal? – perguntou Jocelinne ela me encarava com um olhar estranho que não sabia descrever. Respirei fundo, seria difícil resumir os fatos então decidi contar tudo desde o começo. A cada coisa que contava elas ficavam mais surpresas e chocadas menos Eirien, ela sempre acreditou na inocência dele, então sua reação era apenas ficar em silêncio. Quando terminei de contar, Jocelinne chorou cobrindo o rosto.
– Não acredito nisso! – falou finalmente enquanto limpava as lágrimas. – Então eu estava certa! Era Fairin que estava comigo! E eu só descobri isso pouco antes de ser presa, pois o vi se transformar! Mas tinha certeza de que Arcádius o ajudou... – disse ela entristecida. – No fim das contas ele foi apenas mais uma vítima do próprio irmão.
– E agora, o que faremos? – perguntei.
– Teremos que esperar! Sabia que Fairin traria problemas no dia em que ele pisou no castelo pela primeira vez, mas meu pai nunca me ouviu! – Eirien estava furiosa. – Precisamos esperar suas filhas nascerem para você recuperar seus poderes, enquanto isso ficaremos em segurança aqui! – disse ela. Ervie concordou com a cabeça.
– Mesmo se eu recuperar meus poderes, eu não poderei lutar com Fairin... – respondi – Arcádius disse que Jocelinne é a única que pode derrotar Fairin, se tiver o poder dos regentes... – Eirien olhou para mim surpresa.
– Como faremos para conseguir o poder dos regentes? – perguntou coçando a cabeça.
– Quem são os regentes? – perguntei
– Sirius e Áries – Respondeu Ervie. – São eles que controlam, que tem o poder sobre os Doze mundos.
– Então por que não o protegem de pessoas como Fairin? E porque não podemos ver os dois sóis nem da terra e nem daqui? – seria impossível Sirius ser o mesmo sol que era visto da terra.
– Eles não podem intervir na vida dos mundos, Áries e Sirius só aparecem nessa forma que vemos para o mundo de número um, Amantia. Para alguns dos outros mundos eles ficam invisíveis, Sirius e Áries são as barreiras que impedem que eles se unam em um só plano, e que por algumas lendas, impedem que uma força maligna tente destruir os doze, São os guardiões dos Doze mundos. Separados os regentes não são tão poderosos, pois Áries é uma guerreira e Sirius um mago, mas juntos o poder deles podem destruir ou criar qualquer coisa que se possa imaginar. – Explicou Medras que agora estava também ao nosso lado. – Diz uma lenda antiga, que Sirius e Áries são um casal de duas raças muito poderosas, que por seus poderes foram levados ao mundo espiritual e lá foram encarregados de cuidar do círculo dos doze, tomaram a forma dos dois sóis para iluminar alguns mundos e também proteger os doze. Eles substituíram Antares quando ele morreu nos céus. Mas isso é só uma lenda, impossível que eles fossem realmente dois magos.
– É verdade... – falei encarando-o. – Já encontrei-me com Áries na montanha em Vintro.
– Sim! Eu também a vi! Ela é linda, parece uma boneca! – disse Lórien.
– Vocês estão ficando loucas, só pode! – respondeu Medras rindo.
– É verdade Medras, meu avô me contava uma história sobre dois seres muito poderosos que protegeram Amantia muitos séculos atrás! Um Salamandra e uma mulher fria. – disse Eirien.
– Mas mesmo assim, como conseguiríamos o poder deles? – perguntei num sussurro quase inaudível, aparentemente ninguém ali sabia como conseguir o poder deles, ou mesmo como falar com os regentes. Todos continuaram conversando, planejando o que poderia ser feito e discutindo como poderiam destruir Fairin e Veruza eu simplesmente não prestei mais atenção em nada do que diziam.
– Com licença. – pedi me levantando da mesa e saindo pela porta. A casa ficava em cima de um ancoradouro. A água estava centímetros abaixo de meus pés. Olhei em volta, haviam algumas outras casas pequenas flutuando bem próximas, ao que parece era uma pequena vila humana. A floresta parcialmente submersa estava a alguns metros das casas, pareciam tão bonitas que tive vontade de ir até elas. Sentei-me no chão mergulhando as pernas na água, estava morna e muito agradável. Acabei entrando na água de vez e nadando tranquilamente em volta do ancoradouro. Ao me afastar da casa e chegar perto das árvores, apoiei as pernas em um galho e fiquei boiando, quase cochilando.
– Você nem sabe o que tem nessas águas e já saiu entrando? – Ewren estava em cima da árvore que havia me apoiado, com o susto sem querer afundei um pouco enchendo os ouvidos de água.
– Ah! Obrigada! – Reclamei tirando as pernas do galho, Ewren riu, estendeu a mão para mim puxando-me da água para cima da árvore e me colocando sentada no galho tão largo que parecia ser mais um sofá de madeira.
– O que está fazendo aqui fora você também? – perguntei.
– Estava muito cheio lá dentro, e aqui fora é bem mais agradável! - Ewren ergueu nas mãos as bolhas de vidro que Arin e minha mãe me entregaram em seus últimos momentos. Meu coração apertou ao vê-las. - Preparada para ouvir? – perguntou ele. – tem que prestar bastante atenção, a voz vai desaparecer para sempre depois... – Não sabia se estava pronta para ouvir a voz delas de novo, não agora, mas sabia que era preciso.
– Tudo bem... – respirei fundo e prendi o fôlego.
Ewren apertou a primeira bolha até que ela estourou e virou poeira brilhante em suas mãos.
“Ewren, peço que me perdoe por deixá-lo agora, sinto muito mesmo não estar ai para ver suas filhas virem ao mundo e sinto muito por abandonar a luta agora, quero que saiba que fiz isso apenas com o desejo de lhes dar uma chance de um futuro melhor sem medos e que meu maior desejo antes de morrer já foi realizado, que foi te ver sorrir feliz novamente.
Espero que esse sorriso jamais saia novamente do seu rosto. Te amarei e não importa para qual mundo eu vá agora, estarei sempre protegendo vocês” – era a voz de Arin, aquilo trouxe um nó de volta a minha garganta. A poeira da bolha se juntou formando uma pequena pulseira dourada com um pingente de uma raposinha. Ele sorriu olhando a pulseirinha em sua mão e me entregou a outra bolha. Respirei fundo, não tinha forças na mão para estourá-la. Ewren envolveu minhas mãos com a sua e apertou. Senti a pressão que meus dedos fizeram na bolha e do vapor morno que saiu dela quando ela estourou cobrindo minha mão com a poeira brilhante.
“Léo, minha pequena flor, desde que pisamos em Amantia novamente, quase não estivemos juntas, sei que não fui a melhor mãe e que muitas vezes te privei de fazer as coisas do seu jeito, mas sempre foi para o seu bem. Sempre fui feliz por ter você perto de mim, meu único e mais triste arrependimento foi de não ter trazido Leonard para Amantia quando tive a chance de ir buscá-lo, te peço como uma última vontade quando tudo isso passar busque seu irmão na terra! Ele se lembrará de você e de tudo assim que pisar em Amantia. Infelizmente deixarei essa luta com você, prometi que iriamos achar Veruza juntas e quebrar a maldição, mas vou me despedir de você, pois sei que é forte e pode vencer essa batalha por todas nós. Agradeço por cumprir sua promessa de nunca me deixar, você estava do meu lado aqui no fim de tudo, espero que você e sua família sejam muito felizes e quero que prometa para você mesma, depois disso nunca mais chorar por mim, guarde apenas nossas lembranças e sorria sempre! Te amo minha doce menina” – Não consegui evitar que as lágrimas rolassem novamente. “Prometo mãe, é a última vez” – prometi a mim mesma. A poeira em minhas mãos também se transformou, mas em uma pulseira pequena e prateada com um gato em miniatura pendurado. Ewren me abraçou apertado, deitando-me sobre ele. Usou seus poderes para me secar.
– Hmhmm, o que vou fazer com você agora? – perguntou ele acariciando meu rosto com a palma da mão.
– O que quer dizer? – perguntei estranhando a maneira que ele falou.
– Você está frágil como um gato! Completamente humana sem seus poderes. – disse pegando meu rosto para que eu o encarasse. – vou ter que ficar de olho em você agora.
– Ainda sei cuidar de mim! Não preciso de você cuidando de mim o tempo todo, não sou um cachorrinho!
– Claro que sabe, percebi isso todas as vezes que me afastei um pouco de você. – respondeu ele sendo sarcástico.
– Não me machuquei em nenhuma das vezes, quase todas eu consegui me virar! – resmunguei em resposta.
– Sei, sendo salva por mim e por Amaterasu!
– Eu enfrentei um dragão! – tentei argumentar.
– Domesticado?
– Me livrei de Demétrius antes de você aparecer e tentar... – baixei a voz.
– Antes de eu aparecer e tentar te matar também! – ele respirou fundo.
– Desculpe. – falei.
– Não precisa se desculpar, eu que deveria me desculpar, só arrumo problemas para você também.
– Aqui parece ser bem seguro. – respondi olhando em volta e ignorando seu comentário. Era tudo muito calmo e pacífico por aqui.
– Nenhum lugar vai ser seguro enquanto não acabarmos com Fairin e Veruza. – ele não deve ter percebido, mas estava me apertando com força suficiente para me tirar o fôlego. Dei um tapa em sua mão, ele percebeu que estava me apertando e soltou. – Desculpe. Esqueço que você está sem sua resistência.
– Tudo bem... – ele me ajeitou em cima do colo dele para que pudesse colocar o rosto na curva do meu pescoço. Com a outra mão acariciou minha barriga, fazendo com que um frio passasse pela minha espinha.
– É assustador e ao mesmo tempo maravilhoso – disse ele sorrindo.
– pra mim é só assustador por enquanto. – ele me encarou surpreso.
– Com medo? Enfrenta Lobisomens, dragões, gigantes e bruxas, mas está com medo de ter suas filhas? – fiquei corada.
– Talvez... – o nervosismo tomou conta de mim, na terra, havia visto a irmã de Nagel ter um bebê em casa, ela gritou e sofreu por horas até a criança nascer, quando a criança finalmente nasceu ela desmaiou de cansaço.
– Vai ficar tudo bem! – ele tentou me acalmar, aninhando-me em seus braços. Acabei cochilando em seu colo, mesmo tendo dormido por muito tempo. Quando acordei já estava no finalzinho da tarde, quase anoitecendo.
– Vamos voltar? Deve estar com fome. – Estava nos braços dele ainda, me estiquei estalando as costas e os braços.
– Podemos ficar só mais um pouquinho? – pedi olhando o céu ficar avermelhado e as águas começarem a brilhar com a luz avermelhada do céu. Ele sorriu.
– Claro! – Ewren me deu um beijo na testa e arrumou meus cabelos. – Então, sei que é muito cedo para lhe perguntar, mas que tal pensar em nomes para elas? – Ewren fazia as borboletas no meu estômago se agitarem.
– Posso pensar nisso depois? Ainda estou tentando aceitar isso... – meu coração estava agitado demais. Ainda estava triste por Arin e por minha mãe, mas o feitiço de Jocelinne estava fazendo efeito, aos poucos a dor de perdê-las ia diminuindo e isso era tão estranho pois não fazia muito tempo, bem devagar iria me concertar. Talvez estivesse pronta para pensar em nomes quando visse algo diferente em mim. Por enquanto elas eram surreais demais para eu aceitar, eram um pedacinho de Ewren que eu tinha só para mim agora. Agradeci silenciosamente por Guinn não ter conseguido me levar aquele dia na montanha das cinzas.
Conforme foi anoitecendo, o céu ficou cheio de estrelas, eram enormes e muito claras, o céu estava todo riscado, como se alguém tivesse pego um pincel sujo de tinta brilhante e o sacudido contra o céu, haviam tantas estrelas que era difícil achar um espaço escuro.
– Lindas não são? – disse ele olhando para cima também.
– Sim... – ele pegou meu rosto e virou para o outro lado de onde vinha à luz mais forte. Fiquei maravilhada ao ver o que ele estava me mostrando. Haviam três luas no céu de tamanhos diferentes, uma pequena, uma média que estava parcialmente destruída, seus destroços se espalhavam em volta dela. E uma lua grande. A pequena ainda era maior que a Lua que podia ser vista da terra e a grande ocupava mais da metade do céu.
– Posso ficar aqui olhando para elas até o dia amanhecer? – perguntei olhando hipnotizada para as luas.
– Eu fico assim quando estou olhando para você! – disse ele beijando meu pescoço e me pegando no colo. – vamos voltar, antes que fiquem preocupados demais.
– Ewren, você escutou o que contei sobre Arcádius para eles? – perguntei.
– Não, por quê?
– Hum, nada... Achei que tivesse escutado pois você não perguntou nada sobre ele.
– Eu vi suas memórias daquele dia, ouvi cada palavra que ele disse através de sua mente. – foi a minha vez de ficar surpresa.
– Quando você viu isso?
– Ontem, enquanto você dormia, não estava aguentando de curiosidade para saber o que havia acontecido. Na verdade eu não conseguia entender como você estava tão tranquila ao lado de Arcádius aquele dia, queria saber o que ele havia dito para você. Só não gostei dele te comparando com Jocelinne – disse ele abrindo as asas para voltarmos à casa de Ervie.
– Mas nós somos parecidas mesmo! Cheguei a me confundir na frente do espelh... Oh espere! Você ficou com ciúme? – vi seu rosto corar levemente. – Ficou com ciúme Ewren! – falei sorrindo.
– Eu sabia que Jocelinne foi o primeiro amor de Arcádius e você é mesmo muito parecida com ela... – Ewren tentou disfarçar o quando ficou sem graça com minha afirmação.
– Eu sou parecida com Jocelinne... – parei para pensar um instante - E se você ficasse a sós com ela? – ele me encarou.
– O que está querendo dizer? – Ele me encarou sério.
– O que você faria com ela? – perguntei.
– Eu não faria nada, ela não é você apesar da similaridade entre vocês!
– Então! Arcádius pensaria o mesmo, certo?
– Está esquecendo-se de seu pai, não é? – ele franziu o cenho.
– Ele é outro caso, não sabe o que é amor de verdade, pessoas que tem amor não fazem isso com as outras! – ele não podia ser colocado em um exemplo de um caso normal. Fairin não era nada mais que um monstro que deveria ser destruído, por mais que todos merecessem outra chance, não conseguia me imaginar dando outra chance a ele. Ewren me pegou de surpresa, beijando-me como na primeira vez que me beijou, senti meu corpo todo tremer. Infelizmente meu estômago me delatou roncando. Fiquei com vergonha e revirei os olhos. Ewren riu. Quando chegamos a casa de Ervie, para minha surpresa só havia Medras, Lórien e os animais lá.
– Onde estão todas? – Olhei para Lórien e Medras que estavam sentados juntos no sofá jogando xadrez.
– Foram até uma cidade um pouco distante daqui procurar uma casa maior para acomodar a todos nós enquanto estivermos por aqui. – respondeu Medras concentrado em sua jogada.
– Ervie deixou o jantar pronto, como vocês não estavam, nós já comemos. – Lórien apontou com o queixo para a cozinha, mas sem desviar os olhos do tabuleiro.
Feroz e Amaterasu dormiam tranquilamente no chão da sala, a casa era pequena, mas era aconchegante, simples, mas muito bonita. Jantamos e ficamos na varanda aproveitando a visão noturna de Evenox. Na varanda de Ervie tinha um pufe grande na varanda sentei lá com Ewren. Sem aviso ele deitou no meu colo e dormiu imediatamente, dando-me um susto.
– Ewren? – mexi em seu rosto passando a mão em sua testa. Ele abriu os olhos e piscou para mim.
– Eu não dormi enquanto você não acordou... – disse ele dando um suspiro e fechando os olhos. Ele ficou com a cabeça em meu colo, fiquei acariciando-o, ele sorriu enquanto dormia. Queria tanto saber com o que ele estava sonhando. Acabei me encostando no pufe e dormindo também.
Sonhei com minha mãe, que ela segurava duas menininhas no colo e sorria para mim enquanto brincava com elas, Arin também estava lá com um Homem que não reconheci, mas que se parecia muito com Ewren. Estávamos todos juntos no castelo de Cristal.
Acordei no meio da madrugada, na cama do quarto com Ewren ao meu lado. Minha garganta estava apertada por causa do sonho. Ewren deve ter me trazido para o quarto depois que adormeci também. Levantei-me silenciosamente e fui até a cozinha para beber um copo de água, Lórien estava dormindo no chão da sala entre Feroz e Amaterasu. Medras não estava em lugar nenhum da casa, pelo menos não às minhas vistas. Fui até a pia feita de várias pedras polidas e encaixadas, com encanamento também de bambu e peguei um pouco d’água. Quando estava voltando para o quarto, uma luz alaranjada chamou minha atenção do lado de fora. Fui até ela como a mariposa voa até o fogo. Sai da casa, a luz estava entre as árvores um pouco distantes da casa, pensei em chamar Ewren, mas ele havia dito que ficou muito tempo sem dormir. Peguei o barco que estava amarrado ao ancoradouro e fui remando devagar até as árvores. A água tinha uma fluorescência natural e um brilho azulado, as plantas do fundo das águas também brilhavam, porém muito mais forte, parecia um aquário com enfeites em led. Ao chegar no meio das árvores notei que as raízes estavam expostas e trançavam-se umas nas outras formando uma plataforma circular acima da água. Fiquei de pé no barco e com um pouco de dificuldade subi na plataforma amarrando o barco na beirada.
Acima de mim, em um galho da árvore aquele brilho laranja era tão intenso que fez meus olhos arderem, tive que cobri-los.
– Leona! Por que demorou tanto? – perguntou uma voz masculina perto de mim. Virei-me assustada procurando o dono daquela voz maravilhosa e musical. Ele diminuiu seu brilho até que eu pudesse vê-lo sem cobrir o rosto. Fiquei sem fôlego quando o vi, era tão lindo que fez meus olhos lacrimejarem. Ele tinha os olhos brancos, um cabelo longo de um ruivo quase vermelho que ia até sua cintura presos numa trança grossa, era muito forte e alto também, vestia um manto cinzento e sua pele era levemente avermelhada. Ele carregava um cajado vermelho cheio de pedras negras e uma longa espada cheia de dentes perigosamente afiados. Pela aparência era um mago salamandra.
– Quem é você? – perguntei afastando-me cuidadosamente. Ele me encarou sério e bufou.
– Meu nome é Sirius, sou marido de Áries. – senti meu estômago afundar quando ouvi essas palavras. – Aristes pediu para Áries falar com você novamente, porém ela está indisposta agora, então eu vim. – disse ele com sua voz perfeita. – Agora diga o que deseja saber? – perguntou ele esticando a mão e dando um peteleco em minha testa. Não sabia o que dizer, lembrei-me que Aristes poderia ter falado com Arcádius sobre o poder dos regentes.
– Hum, meu tio me falou algo sobre o poder dos regentes...– falei observando-o, ele estreitou os olhos para mim.
– Por que isso te interessa?
– Preciso saber como obter esse poder! – respondi. Ele me segurou pelo pescoço batendo meu corpo contra o troco de uma das arvores que circulavam a plataforma.
– Já chega de pessoas querendo usar esse tipo de poder para causar destruição! – disse ele encarando-me.
–Não quero causar destruição... – falei com dificuldade. Ele afrouxou a mão sem me soltar, apenas para que eu falasse mais, sua mão direita estava sobre o punho da espada, ele não estava nem um pouco afim de conversa. – Preciso do poder dos regentes para salvar Amantia e os outros onze mundos! – respondi.
– Como posso ter certeza disto? – ele se soltou no chão dando alguns passos para trás.
– Pode ver minhas memórias também? – perguntei. Ele riu debochando de mim.
– Como posso saber se você não as alterou agora para que eu visse o que você quer que eu veja? – seu olhar era devastador.
– Não sei como se faz isso! Além do mais estou grávida, não tenho mais meus poderes, não poderia alterar nenhuma memória nem se quisesse. – ele me encarou novamente, respirou fundo e veio até mim, tocando minha testa com a sua. O calor do seu corpo só de estar perto do meu me fez querer entrar na água e não sair de lá, queimava minha pele. Com Sirius foi diferente do que com qualquer um que tivesse visto minhas memórias até agora até mesmo diferente de Eirien. Ele viu tudo, cada segundo da minha vida, cada vez que fui ao salão cortar o cabelo enquanto estive na terra, cada machucado, cada injeção, cada briga com Leonard, até as partes que preferia que ficassem somente para mim, os dias que estive com Ewren. Tudo até o momento em que o encontrei ali. Meu coração disparou, mas ele queria ver tudo para ter certeza de que não estava mentindo.
– Você teve o poder dos regentes ao seu lado a vida toda, até o momento em que você foi para Amantia. – fiquei confusa com suas palavras.
– Como assim, o que é esse poder afinal? – perguntei.
– Você vai conseguir o nosso poder da mesma forma que você aumentou os poderes de Ewren e o curou. – entendi apenas que tinha algo haver com sangue, só isso.
– Desculpe, mas não sei se compreendi. E não sou eu que preciso desse poder... – ele sentou em um dos galhos da árvore novamente.
– Há muitos anos que estou esperando alguém que possa destruir aquele mago se manifestar e livrar meu mundo natal deles! – disse ele suspirando – Nós não podemos intervir em nada diretamente, apenas observar, muito mal descer até os mundos às vezes, mas não podemos nos meter nos assuntos dos Doze, somos guardiões, temos o poder para destruir tudo, mas não podemos interferir na vida deles. Mas acabei me cansando de Fairin e dos absurdos que ele estava fazendo para obter poder para tentar controlar os mundos, então Áries e eu decidimos fazer alguma coisa, indiretamente é claro! – disse ele dando um sorriso maldoso.
– O que fizeram? – perguntei.
– Tivemos um filho! – ele sorriu, quando o fez seu brilho aumentou subitamente fazendo-me fechar os olhos – desculpe! Nós tivemos um filho, e eu dei a ele uma benção, parecida com a maldição que Veruza lançou em Jocelinne, porém sem a parte de passá-la para frente, assim nosso filho poderia um dia dar seu sangue a alguém que o merecesse e pudesse derrotar Fairin. Nós o treinamos como o melhor guerreiro e como um mago poderoso também, quando ele estava pronto para aceitar sua missão foi lhe dada à forma de um bebê e ele teve suas memórias lacradas, para que só voltasse a sua forma e recuperasse as memórias quando ele fosse para Amantia.
– Ah, por favor, não me diga que seu filho é... – ele sacudiu a cabeça afirmativamente.
– Sim, Leonard, na verdade é Hasan, meu filho que foi deixado aos cuidados da sacerdotisa dos ventos.
– Ela sabia? Vocês não sentiram a falta dele? – perguntei.
– Uma vez por mês cada um de nós descia até a terra para passar o dia com ele, disfarçados, é claro! Mas Lupine nunca soube de nada, não era seguro e ela teria o tratado de forma diferente se soubesse.
– Então essa é a razão do dia de Áries e Sirius? Por que um de vocês saia do céu para ficar com ele?
– Sim...
– Entendi. Então eu tenho que ir até lá buscar Leo... Hasan e trazê-lo para cá para que ele dê o sangue para Jocelinne derrotar Fairin? – me encostei nas árvores tentando absorver toda essa informação.
– Basicamente isso! – disse ele – quando Lupine voltou para Amantia ela apagou a memória dele novamente, então tivemos que parar de ir vê-lo para não abrir brechas. O poder no sangue dele é mais forte do que o poder que Jocelinne tinha. Tivemos que nos afastar dele para que ninguém sentisse nosso poder lá, Lupine que mantinha a Terra neutra, ela havia deixado uma barreira por lá para evitar que alguém sentisse a presença de seus poderes.
– Mas não tem como eu ir até lá agora, ou tem? – perguntei.
– Você precisa esperar elas nascerem – disse apontando para minha barriga – Logo após isso, você deve ir para a Terra buscar ele e sua irmã mais nova também... – senti meu coração saltar e fiquei tonta, Sirius me segurou antes que eu caísse no chão e fez aparecer uma poltrona, sentei nela tentando respirar normalmente.
– Como assim minha irmã mais nova, Sirius? – consegui falar finalmente.
– Serena, ela vive com Dimesya, a antiga sacerdotisa do templo da cidade de Cristalis. – eu o encarei. – Foi ela que sua mãe achou que perdeu, Dymesia a tirou de sua mãe antes que ela despertasse depois de ter tido vocês e fugiu para a terra.
– Então ela não morreu? – minha voz estava distante. Sirius revirou os olhos cobrindo o rosto.
– Não, ela está na terra, lhe direi o nome dela se quiser e você poderá encontrá-la. – disse cada palavra pausadamente.
– Eu quero! – disse sem pensar duas vezes. Ele me encarou por um momento, tentando descobrir o que estava se passando em minha mente.
– Ana Lucy, sua amiga da escola, ela é sua irmã. – quando ele disse o nome senti-me tonta e tive que apoiar o rosto nas mãos e os cotovelos nas pernas para não desmaiar.
– Ela esteve comigo o tempo todo também? Minha melhor amiga... Meu irmão, estávamos todos unidos.
– Vocês se atraíram por causa da maldição e acabaram se encontrando. Tudo nos doze mundos são unidos, como fios em uma tapeçaria, todos se unindo para formar uma trama perfeita.
– Minha mãe morreu sem saber que a minha irmã estava viva... – disse num suspiro – e pensar na quantidade de vezes que ela foi à minha casa, que dormimos juntas, que minha mãe nos levou para o shopping, nós estávamos sempre juntas e ela nunca desconfiou de Lucy.
– Quando Dymesia roubou Serena, na verdade ela achou que estivesse levando você, as curandeiras que ajudaram sua mãe no parto deram a criança errada a ela, com o respeito e admiração que tinham por sua mãe, não quiseram ajudar Dymesia. – explicou ele deixando-me ainda mais confusa.
– Não estou entendendo! O que ela queria comigo?
– Ela iria te entregar para Fairin quando chegasse a hora, ela estava ao lado dele o tempo todo. – respondeu ele. – Ele tinha um trato com Dymesia, mas ela não apareceu quando a hora chegou e ele começou a procurá-la. Foi por isso que Moan foi até você!
– Então Lucy, quer dizer, Serena corre algum risco lá! – falei.
– Ele não sabe que são duas, acha mesmo que Serena morreu ao nascer. Dymesia só ia lhe entregar a menina quando ela completasse dezoito anos na terra, assim ela conseguiria algum crédito com Fairin quando ele tivesse o poder total. Por enquanto sua única presa é você.
– Então eu deveria ir par a Terra agora buscá-los, não acha? Ele pode querer ir até lá me procurar, afinal ele não sabe pra qual mundo fomos! O Mais óbvio seria nos procurar na terra! – estava ficando nervosa.
– Não! Fique calma, o tempo na terra passa muito lentamente e Dymesia ainda não contou a Fairin que está com Serena, estou monitorando ela a um bom tempo! Não há por que se apressar agora, ainda mais por que quando Dymesia foi para a terra ela teve sua memória alterada por uma das curandeiras, ela conseguiu fazer Dymesia esquecer a aparência de Lupine para dificultar seus planos, ela era uma maga Metamorfa, deve ter mudado a aparência quando foi para a terra para evitar alguma das curandeiras a traísse e mandasse caçadores atrás fosse atrás dela para tomar a menina! Então se acalme e faça tudo no tempo certo! – ele se levantou para partir.
– Sirius espere! – levantei segurando seu braço queimando de leve minha palma. – Sabe quem é a Veruza, com aparência de quem ela está?
– Eu não sei de tudo, Leona! – ele deve ter visto a decepção nos meus olhos quando disse isso – Tá, tudo bem! Se quer mesmo saber, ela está com o corpo de Belve. – meu sangue esquentou, ferveu nas veias, estive tão perto dela e a deixei escapar. – Ele abriu a mão e fez uma pequena bola de fogo aparecer, depois a prensou com as duas mãos, transformando-a num pingente, parecia um sol em miniatura, o pingente brilhava intensamente, quando ele o colocou em mim, o brilho diminuiu até dar para ver sua forma real.
– Quando for à terra e voltar com Hassan, coloque esse colar nele, vai fazer seu poder e suas memórias voltarem. – ele bagunçou meu cabelo com a mão e desapareceu numa explosão de luz vermelha. Continuei sentada na poltrona observando o pequeno pingente em formato de um sol. Um vento forte sacudiu as folhas das arvores e algo bateu na plataforma pesadamente atrás de mim, virei-me assustada para olhar o que foi aquilo. Ewren estava parado atrás de mim com um olhar assustador.
– Ficou louco? Não me assuste assim! – reclamei inspirando profundamente com a mão no peito, seus olhos varreram o local num segundo.
– Já disse para não sair sem me chamar! Pelo amor de deus Leona! Por que você não entende isso! É SO CHAMAR! – ele me pegou jogando-me no ombro e me carregando de volta para a casa de Ervie.
– Ei! Não te chamei porque você disse que estava com sono!
– Mesmo assim. Não saia por ai sem me avisar! Está se aproveitando que não quero brigar com você? Pode crer que vou dar um jeito para te castigar até você aprender a falar! – retrucou ele bufando.
Ao chegarmos à casa de Ervie ele passou de fininho na sala para ninguém nos escutar e me jogou na cama.
– O que estava fazendo lá? – perguntou ele baixinho cruzando os braços e me olhando feio.
– Eu vi um brilho vermelho no meio da floresta e fui lá ver o que era, só isso! – respondi inocentemente.
– Só isso?! – ele esfregou o rosto, estava ficando alterado. – Só isso Leona! O que você é? Uma criança presa num corpo de gente grande? Podia ser algo perigoso! Você está sem seus poderes! Está completamente humana! – fiz um gesto com a mão para que ele abaixasse o tom de voz. Ele respirou fundo tentando se acalmar.
– Sinto muito... – falei baixinho acariciando seu rosto com as pontas dos dedos tentando acalmá-lo.
– O que tinha lá afinal? – perguntou ele dando um suspiro e parecendo mais calmo agora.
– Sirius... – respondi observando-o me encarar levantando uma sobrancelha.
– Aham, Sirius o sol? – disse ele debochando de mim com um sorriso crescente no rosto. – ele desceu até o meio da floresta inundada para tomar chá com biscoitos e observar o luar junto com você? – tive uma leve vontade de lhe dar um soco, mas sabia que não iria nem machucá-lo.
– Esse mesmo. Ele veio falar comigo. – respondi ignorando seu sarcasmo. Ewren faltou rolar no chão de tanto rir.
–Não imaginei que você pudesse começar a ter alucinações! Estava sonhando isso sim, ai teve uma crise de sonambulismo e foi até a floresta inundada achando que ia falar com o sol! – ele veio até a cama e me deu um beijo no topo da cabeça. Empurrei seu rosto com raiva.
– Acha que eu estou mentindo? – perguntei indignada.
– Não, mentindo não, sonhando talvez! – ele riu novamente movendo a cabeça para os lados. Tirei o pingente de sol do meu pescoço e mostrei para ele. Ewren tirou o sorriso do rosto e encostou sua testa na minha observando minhas memórias, isso era muito irritante, a falta de confiança que ele tinha em mim. Quando se afastou ele estava de boca aberta.
– Não é possível. – disse ele depois de um longo tempo me encarando em silêncio.
– Ewren, você tem que começar a acreditar em mim e parar de vasculhar minha mente atrás das coisas! – falei, estava irritada com ele e ainda estava digerindo mais essas informações. – Uma amiga que na verdade era minha irmã e um irmão que na verdade é o filho de dois sóis! – Ewren sacudiu a cabeça concordando comigo.
– Então nós teremos que achar esse Hasan o mais rápido o possível.
– Eu já sei onde ele está! – respondi – Na fazenda do vovô Enzo, é pra lá que íamos todos os fins de ano, foi o vovô que me ensinou quase tudo sobre sobrevivência. – sorri com as memórias de vovô nos ensinando a montar barracas com folhas e bambus.
– Será que ele vai estar lá quando pudermos ir?
– Se não estiver lá, vai estar em casa, minha mãe só havia apagado as memórias com relação a nós duas de sua mente. Ewren deitou na cama de frente para mim e segurou o pingente em sua mão.
– Fico aliviado com isso... – disse ele suspirando e fechando os olhos.
– Com o quê?
– Com o fato de que você não vai ter que lutar com Fairin, será Jocelinne a enfrentá-lo! – deitei sobre seu braço e fechei os olhos.
– Ainda assim, eu quero Veruza! – falei baixinho. – É pessoal com ela! – ele deu um sorriso.
– Não vou te impedir se for isso que você quiser fazer. – ele me apertou em seus braços, era aconchegante, quente e confortável. Ewren adormeceu pouco antes de eu me entregar ao mundo dos sonhos e adormecer também.
No dia seguinte Ervie nos pediu ajuda para empacotar as coisas para levar para sua nova casa, nossa nova casa temporária. Ervie e Jocelinne passaram a madrugada toda usando seus poderes para construir uma nova casa não muito longe dali, Eirien ajudou fazendo a guarda para que ninguém se aproximasse o suficiente para ver o que faziam. Pelo que entendi das explicações de Ervie, Evenox não era um mundo como Amantia, as horas eram mais longas e consequentemente os dias também, sem falar que esse mundo até onde eu conhecia, era habitado sereianos semelhantes aos de Amantia, porém sem as mesmas habilidades mágicas. Tínhamos que ter todo um cuidado ao usar magia aqui para que não fossemos vistos por eles, eram um povo pacífico, porém tinham a mente fechada para pessoas como nós, com habilidades diferentes, então teríamos que nos mudar a luz do dia e sem auxílio de magia. Eirien pediu para evitar as cidades que boiavam sobre as águas, os humanos que viviam por aqui eram quase selvagens, poderíamos ter problemas se ficássemos perto deles. Feroz e Amaterasu ajudaram muito, eles iam à frente dos pequenos barcos carregados, nadando e puxando-os até a nova casa. A construção seguia o mesmo padrão, bambus amarrados, um ancoradouro um pouco maior e uma varanda coberta que circulava toda a casa. Foram necessárias três viagens para levar tudo de uma casa para outra.
Eirien nos levou até nosso quarto que ficava no segundo andar da casa com uma pequena varandinha também. Já estava mobiliado, no canto perto da cama havia um berço grande e em cima dele, dependurado um enfeite de borboletas de cristal rosa.
– Obrigada Eirien! – disse dando-lhe um abraço.
– Vai servir até podermos estar em casa novamente! – disse ela nos apertando.
– É o que mais quero! Poder voltar pra Amantia e viver em paz! – falei.
12
Transformação
Ewren:
Os dias em Evenox eram mais longos que os dias de Amantia, porém eu via o tempo correr de forma assustadora, parecia que num piscar de olhos o dia começava e terminava sem nos dar chance de aproveitar bem o pouco de tranquilidade que estávamos tendo.
Leona havia feito amizades com algumas mulheres da raça de sereianos que habitavam aqui em Evenox e com algumas humanas das vilas flutuantes de Serígal, a cidade central. Às vezes passava o dia todo com elas, as que já tinham filhos pequenos a ensinaram truques de como cuidas das crianças, embora o modo de vida deles fosse completamente diferente, era muito interessante aprender mais sobre o modo de vida deles. Leona parecia se dar bem com elas, especialmente com uma Sereiana chamada Veine que ficava com ela o tempo todo, porém elas não gostavam de mim nem de Lórien, quando nos aproximávamos elas saiam de fininho, desconfiadas, para mim era um comportamento um tanto suspeito, para Lórien elas percebiam nossos poderes e se afastavam com medo.
Todos os dias, tínhamos uma rotina para garantir que nada sairia errado, não tirava os olhos de Leona, pois não importava a quantidade de vezes que pedíssemos para ela não andar sozinha, ela desaparecia às vezes nos deixando loucos. Eirien a treinava mesmo assim, dizia que ela estando sem poderes poderia aprimorar mais suas habilidades, pois dependeria apenas da força física e não poderia trapacear usando seus poderes para ajudá-la. Leona era bem resistente, mas eu via o quanto era difícil para ela usar uma espada dessa forma as vezes ela parava fingindo que ia tomar água e ficava encostada na parede tentando retomar o fôlego.
– Deixe-a! – disse vovó. – Se você a ajudar em tudo ela vai ficar dependente de mais de você e na hora que mais precisar ela não vai saber se virar sozinha!
– Eu sou o guardião dela, preciso que ela dependa de mim.
– Mas não em tudo Ewren! Estamos aqui com você, também estamos cuidando dela, não vai acontecer o mesmo que aconteceu com Emma! – ela gritou por fim entregando-me a espada e indo ao encontro de Jocelinne. Torci para Leona não ter escutado. Era difícil saber que a mulher que amei um dia queria a morte de quem trouxe a alegria de volta para mim, mesmo assim não conseguia odiar Emma, torcia apenas para que ela tivesse encontrado paz.
Eirien havia coroado Bargon como Rei de Amantia logo depois que saí com Leona para ir a Vintro ver a mãe dela, havia desistido de reinar para poder me ajudar com o que estava por vir, seu amor por mim era tão grande quanto de minha mãe, fiquei grato por ela estar aqui agora, seria muito mais difícil sem o apoio de Eirien. Medras estava finalmente tentando algo com Lórien, eles passavam bastante tempo juntos também, quando Lórien não estava cuidando de Leona. Dava para perceber a diferença em Medras de Longe, acho que era assim que as pessoas me viam depois que Leona chegou a Amantia.
Não importa o quanto chamasse atenção de Leona e brigasse com ela, ela sempre saía, não sei se era por gosto pelo perigo ou se ela fazia só para provocar, mas não conseguia tirar dela a ideia de sair todas as tardes escondida e voltar só ao anoitecer. Hoje ela não quis treinar com Eirien, ela deixou a espada no chão assim que a pegou desistindo de treinar, entrou no barco e saiu remando devagar para a floresta, resolvi segui-la desta vez, ver o que ela estava indo fazer.
Ela foi até uma das florestas submersas e subiu nas plataformas flutuantes para dormir protegida e vigiada por Feroz e Amaterasu. Leona já estava com a barriga bem grande a essa altura, afinal, amanhã ia fazer oito meses que estávamos aqui, então estava quase no final na gestação, ela respirava com dificuldade e dormia mal nos últimos meses, porém fingia estar tudo bem, ela nunca mostrava quando se sentia mal. Fiquei observando-a dormir, o suor brilhava em sua testa, os ombros se moviam conforme sua respiração mudava com uma certa frequência, ela estava deitada apoiada em feroz com o tronco inclinado para cima, parecia estar sentindo muita dor, eu queria ir até ela e coloca-la na água fresca um pouco, mas ela finalmente estava dormindo então preferi não ir acordá-la. Amaterasu estava deitada bem perto dela e de vez em quando apertava seu focinho contra o rosto dela para ver se Leona estava bem.
– Ela se esconde para dormir por que não quer que você se preocupe. – Explicou Medras se aproximando e sentando ao meu lado - Ela acha que você se sente culpado pelo que está acontecendo e tenta amenizar sua preocupação se afastando. Ela é muito forte, não é?
– Normalmente as humanas ficam fracas e passam mal durante toda a gravidez se o pai é de outra raça. Ela é mesmo muito resistente. – Me sentia culpado sim, nossas mães se sacrificaram por ela ter perdido seus poderes, se ela tivesse os poderes, poderia ter provado que era ela assim que apareceu com Arcádius na frente do castelo e teria evitado que Lupine e Arin usassem toda sua energia para tentar lacrar os poderes de Arcádius, que não era o verdadeiro culpado.
–Não se sinta culpado meu amigo, Lórien me falou da maldição e mesmo com o que você estava fazendo para evitar que isso acontecesse, fazia parte da maldição, ia acontecer de qualquer maneira, querendo ou não até o fim da idade da lua cheia Leona ia ficar assim! – Medras estava tentando me animar, mas eu não estava realmente triste, apenas preocupado com o que poderia acontecer a seguir.
A hora de partir estava se aproximando, em breve teríamos que ir até a terra buscar o filho de Sirius e Áries. A batalha contra Fairin também me preocupava e essa era a parte que realmente me assustava, não queria que Leona se colocasse em perigo, sabia que se pedisse para ela ficar em Evenox ela não iria aceitar, ela iria partir de qualquer jeito, ela podia até nunca ter dito nada, mas eu via em seus olhos quando treinava com Eirien, o desejo de vingança, queria destruir Fairin de qualquer maneira. Tinha medo da hora em que seus poderes retornassem, pois pelo que me explicou Jocelinne, depois que ela teve suas filhas seus poderes voltaram com o dobro de força, foi por isso que ela saiu do conselho para ser Sacerdotisa.
– E se eu não tivesse aceitado levá-la para a torre das Nuvens? Será que ela precisaria ser salva, eu a coloquei em risco até no primeiro dia que estive com ela assustando-a, será que estaria diferente agora? – perguntei. Medras começou a rir. – Qual é a graça!
– Não foi você que a salvou, ela que salvou você, meu amigo! – respondeu ele batendo em minhas costas. – Você já estava condenado quando ela apareceu, estava no fundo do poço, ela apenas te estendeu a mão. Ao invés de se senti culpado, devia apenas agradecer a tudo que ela está fazendo, não só por você, mas o que vai fazer por todos nós! – Ele estava certo. - Vamos voltar? – perguntou Medras observando as luas começando a aparecer no céu. – Queremos fazer algo especial hoje!
Peguei Leona no colo para levá-la de volta para casa, Medras a tirou do meu colo.
– O que foi? – perguntei colocando a mão sobre minha espada imaginando que algo estava se aproximando.
– Pode usar uma bolha daquela que Lórien usa para não sermos vistos? – perguntou ele. Suspirei pelo jeito Lórien estava planejando algo. Leona não acordou enquanto voávamos estávamos indo em direção às montanhas, onde as pessoas que viviam aqui não podiam chegar, eles não iam a terra nunca, então se não quiséssemos ser vistos sem ter que nos esconder era só ir para algum lugar bem alto. Ao chegar perto da montanha notei luzes bem perto do topo, estávamos altos demais para sermos vistos das águas.
– O que ela está aprontando? – Medras apena sorriu alegremente.
Elas haviam preparado uma festa! Parecia ser uma festa de casamento.
– Sério? - perguntei encarando-o, Medras sorriu mais ainda.
– Nem eu estou acreditando! – Fiquei feliz por ele, por Lórien também já que seu casamento anterior havia sido arranjado, dava para saber que ela estava infeliz e que estava fazendo apenas o seu dever. Lórien estava muito bonita com um vestido azul claro, elas haviam arrumado tudo e deixado tudo pronto.
Eirien ia realizar o casamento deles. Pequei Leona de Medras quando desfiz a barreira de proteção que nos envolvia. Ele foi até onde estava Lórien e Eirien.
– Leona... – a acordei devagar para que não se assustasse.
– Oh, o que houve? – disse ela olhando em volta e vendo terra, estava tão acostumada com as águas que havia se esquecido de como era pisar na grama, que era um pouco azulada nesse mundo mas ainda tinha a mesma textura e cheiro da grama de Amantia.
– Lórien e Medras vão se casar. – respondi apontando com o queixo para eles. Leona sorriu e desceu de meu colo.
– Até que enfim! Se demorasse mais ela ia ter damas de honra. – Leona riu enquanto sua barriga se movia, como se estivessem alegres também.
Ficamos observando Eirien dar início a cerimônia, em nenhum momento vi medras tirar o sorriso do rosto.
– Ele parece muito feliz não é?
– Ele está, gosta de Lórien desde que me lembro, quando ele a viu a primeira vez, ele falou para mim que um dia ia casar com ela, quando falei que ela já estava prometida a alguém ele respondeu que não importava e que ela ia ser dele. – ele estava certo.
Ouvimos seus votos, Medras disse cada palavra lentamente como se estivesse tentando acreditar no que estava acontecendo. Quando eles juntaram as mãos, marcas azuis apareceram em suas mãos um pequeno dragão azul se formou em volta de seus dedos. As marcas de Mago de Lórien também mudaram para um tom de azul Royal.
– Como ela fez isso? – perguntou Leona olhando o brilho azul que saia do braço de Lórien.
– Ela adotou a cor da família dele, então suas marcas também mudam de cor.
– Então se eu fizesse isso...
– Suas marcas iam brilhar de cor dourada! – ela me encarou e sussurrou em minha orelha.
– Quando tiver meus poderes de volta vou fazer isso. – Segurei seu rosto e a beijei, senti seu rosto muito quente e seu coração estava batendo rápido demais.
– Você está bem? – perguntei.
– Estou melhor agora. – ela passou os dedos em meus cabelos e sorriu docemente, parecia especialmente frágil hoje.
Sentamo-nos em uma mesa cheia de coisas maravilhosas que Ervie e Jocelinne haviam preparado. Estavam todos muito contentes comendo e se divertindo deixando um pouco de lado a ansiedade.
Após a comemoração Lórien e Medras resolveram ficar um pouco mais dizendo que depois iriam. Voltamos silenciosamente até a casa para ter certeza que não havia ninguém nos vigiando, o povo daqui era muito desconfiado. Tinha horas que achava mais seguro sair deste mundo e ir para outro, porém pelo que Ervie falou, esse era o mais pacífico, talvez a terra poderia ter sido uma boa escolha também, mas Moan e Arcádius haviam achado Leona lá, por isso descartei a possibilidade desde o começo.
Ao chegar em casa notei uma presença diferente, Ervie e Jocelinne também perceberam. Entramos devagar, estava com a espada na mão. Na sala uma figura estranha estava de pé coberta por um manto que lhe cobria o rosto.
– Arcádius? – tive certeza de que era ele pela espada e o cajado que carregava, eram os mesmos de quando foi buscar Leona em Vintro.
– Olá! – disse ele tirando o capuz e deixando seu rosto a mostra.
– Prove-nos que é você! – a voz de Jocelinne saiu tão tremida que mesmo sem ver seu rosto sabia que estava chorando. Ele tirou a capa e ergueu a manga da blusa, mudando sua aparência acendendo suas marcas brancas, quase azuis. Jocelinne passou por mim e se atirou nos braços dele sem pensar duas vezes. Arcádius apertou os braços em volta dela e sorriu.
– Achei que nunca fosse poder te abraçar de novo. – disse para ela. Jocelinne chorava como uma criança desconsolada.
– O que houve Arcádius? – perguntou Eirien percebendo algo de errado nele.
– Amantia está um caos. – falou sentando-se no sofá. Nos sentamos também esperando ele contar os acontecimentos. – Fairin tomou a Cidade de Cristal com um exército de gigantes. Sinto muito Eirien, mas ele matou Ruthar e Turiel também. – Vovó encolheu os ombros e fechou os olhos, suas lágrimas correram silenciosas pelo rosto. Acariciei suas costas ela passou o braço em volta de mim apertando-me.
–O que aconteceu com Bargon? – perguntei.
–Ele se juntou à Fairin. Está ajudando ele, controlando Edro de Lótus Vale. – respondeu Arcádius. Vovó parou de chorar e o encarou, seu olhar estava feroz e assustador, se Bargon vivesse para nos ver voltar, não seria por muito tempo, vovó não aceitava traição, ela com certeza o mataria com suas próprias mãos. Fiz tudo errado durante muitos anos de minha vida, mas nunca a traí. Talvez só por isso eu tenha sua confiança e seu amor hoje.
– O que mais está acontecendo por lá? Como está minha filha Mayra? – Jocelinne o soltou para ficar de frente para ele. Arcádius respirou fundo e prendeu uma mecha de cabelo dela atrás de sua orelha.
– Mayra e Pytia estão em Monte Azul em segurança, Porém Belve está com Fairin também.
– Sabemos disso! – Leona falou bufando. – Ela matou Andros quando estávamos vindo para cá! – Ela ainda não havia dito a eles que Belve já não existia mais, era Veruza no corpo dela.
– Ele reuniu alguns dos exércitos de Amantia, ainda fingindo ser Aeban, dizendo que se algo acontecesse aos seus parentes ele tomaria seu Lugar enquanto você não retornasse, então fez com que Ruthar e Turiel morressem e ofereceu poder a Bargon para que o apoiasse, Fairin acha que vocês ficarão escondidos até ele os encontrar. Ele está espalhando em Amantia que vocês fugiram pois mataram a Princesa Arin e a Sacerdotisa dos Ventos, que Eirien os encobriu para colocar Leona em seu Lugar já que ela é casada com o protegido de Eirien, ele está usando o que sabre sobre Ewren para colocar o máximo de pessoas contra vocês. Fairin está colocando na cabeça de todos que vocês são traidores e que estavam planejando dominar Amantia com o poder de Leona! Agora que a fama dela como uma das Magas mais poderosas de Amantia se espalhou, devido ao incidente com os Lobisomens em Vintro... Bom vocês entenderam! Ele está os colocando como vilões! São poucos os que ainda não acreditam nele! – Leona soltou algo parecido com um rosnado ao meu lado e olhava para fora com um olhar assustador.
– Não Acredito que ele convenceu as pessoas a acreditarem nele, Como ele pode virar o jogo assim! – Respondi, estava ficando com raiva.
– Ele é um mago muito poderoso Ewren, ainda mais tendo o poder de três gerações amaldiçoadas. Os que não acreditaram nele estão com medo e não se opõem a ele! – Arcádius estava furioso, abraçou Jocelinne como se ela fosse uma espécie de amuleto que pudesse acalmá-lo.
– Quais exércitos não estão do lado dele? – perguntou Leona depois de um longo silêncio.
– Ele não está agindo com violência ainda, apenas oferece proteção e poder para ser mais convincente que não está agindo por interesse em poder, mas até agora os Sereianos, os elfos, os Lobisomens, Metamorfos, Vampiros e as Fadas não aceitaram se juntar a eles, pois eles depositam sua Lealdade apenas à Eirien ou a Sacerdotisa das Águas, que até agora não sabem que está aqui em Evenox, todos pensam que vocês partiram para a terra, esses que citei são os maiores exércitos, porem ele conseguiu muitos dos menores. E o dos Gigantes já dá para ser considerado um exército grande... – Não sei se ele tentou fazer uma piadinha para melhorar o clima ou se só foi infeliz no comentário.
– Mas como ele conseguiu isso tão rápido? Quer dizer amanhã faz oito meses que estamos aqui! Como ele poderia ter conseguido isso tão depressa! – ela não sabia ainda da diferença do tempo daqui para Amantia.
– Na verdade, Leona, vocês estão aqui há três anos e dois meses, um pouco mais que isso, pois cada dia em Evenox equivale há quase cinco dias em Amantia. – Leona empalideceu quando ele disse isso.
– Então tem mais de dois meses na terra? – perguntou ela olhando-me.
– Isso mesmo.
– Já recomeçaram as aulas na terra, Leonard deve estar de volta em casa com Nagel.
– Isso é bom ou ruim? – perguntei tentando decifrar a sua expressão, ela estava muito pálida e respirando com dificuldade. – Está tudo bem? – ela fechou os olhos franziu o cenho mordendo a boca, apertou meu braço com tanta força que por um instante achei que seus poderes haviam voltado. Jocelinne e Ervie vieram até ela, soltei seus dedos de meu braço. Ela me encarou por um instante antes de gritar se encolhendo de dor.
– Ewren, Leve ela lá pra cima! – Jocelinne falou. Porém Vovó me afastou, entrou em minha frente pegando-a do sofá e a levou para cima. Fiquei em choque olhando elas subirem as escadas e desaparecerem.
– Não é muito cedo ainda? – perguntei, minha voz saiu baixa, porém Arcádius conseguiu me escutar.
– Os dias em Evenox têm quatro horas a mais, se ela está com oito meses agora, tecnicamente está de nove meses. Não se lembra de como fazer as contas? Sem falar que quando saíram de Amantia ela já estava grávida! – ele estava mesmo tentando descontrair, mas não conseguiu. Escutei Leona gritar, levantei para ir até onde ela estava e Arcádius puxou meu braço.
– Você não pode ajudar em nada lá dentro, se quer fazer algo para ajudar fique esperando em silencio!
– No que isso vai ajudar? – perguntei irritado.
– Em não atrapalhar! – puxei meu braço de seu aperto olhando-o com raiva.
– Eu não vou atrapalhar ninguém! – disse indo em direção as escadas, antes que pudesse alcançá-las uma grossa corrente prateada se enrolou em mim fazendo-me cair todo torto no sofá.
– Ewren! Olhe-se! – gritou ele – Você está mais nervoso que Leona que está lá em cima gritando de dor! Você vai deixá-la mais nervosa se for lá. – ele me soltou. E saiu para a varanda. Respirei fundo, tentando não ir até lá.
Virei às costas e fui para a varanda também, não ajudou muito pois ainda podia ouvir os gritos da varanda, cada um deles fazia minha alma doer, não tinha como não sentir culpa agora. Ela estava sofrendo e eu não estava lá. Subi rapidamente pelo telhado da casa até a sacada do quarto, a janela estava aberta, o cheiro forte de sangue havia tomado o quarto, Leona estava sentada sobre as pernas de Ervie, completamente suja de sangue, Jocelinne amarrou os cabelos dela e parou ao seu lado com outra toalha nas mãos. Não aguentei ficar ali olhando, mas não sabia se poderia ajudar. Virei de costas e sai dando de cara com Lórien que estava assustada.
– Vai lá para baixo Ewren! - disse ela me empurrado para o lado e indo para onde estava Leona. Desci até a Varanda onde Medras e Arcádius esperavam também.
– Ela já estava se sentindo mal hoje cedo. – Medras estava de braços cruzados do outro lado da varanda. – Lórien percebeu que ela não estava bem durante o casamento e resolveu voltar. – Não estava aguentando ouvi-la gritar sem fazer nada para ajudar. Não me importei muito se alguém me visse, na verdade ia adorar arrumar briga com alguém agora só para socar alguma coisa. Abri as asas e saí voando de perto da casa e fui até onde não pudesse ouvi-la gritar. Fiquei sentado no topo de uma arvore de uma floresta bem distante da casa.
As horas estavam se arrastando, As três luas de Evenox estavam sincronizadas na fase de lua nova, então estava mais escuro do que de costume, parecia que o sol nunca iria nascer novamente. Pouco antes do amanhecer, a madrugada se tornou cinzenta e nuvens escuras cobriram completamente, uma tempestade estava prestes a começar.
Voltei para casa antes que a chuva ficasse mais forte, Medras dormia numa rede na varanda. Entrei silenciosamente, Ervie estava na cozinha preparando o café, Eirien estava cochilando no colo de Jocelinne. Subi as escadas até o quarto, segurei a maçaneta respirei fundo, embora todos estivessem tranquilos e descansando, fiquei nervoso com o que encontraria dentro do quarto, entrei com cuidado e em silêncio. O quarto estava limpo, não havia mais nenhum vestígio de sangue em lugar algum, apenas um cheiro de Álcool e pinho. Lórien estava em pé na frente do berço, um chorinho fino e baixinho saia dele. Lórien olhou para mim sorrindo e fez um movimento para que me aproximasse, senti meu coração bater rapidamente e o nervosismo me tomando. Aproximei-me do berço olhando para dentro, não pude deixar de sorrir e ao mesmo tempo ficar ainda mais nervoso. Lórien pegou uma das três bebês e me entregou, a segurei com dificuldade, era muito molinha e pequena sobre minhas mãos. Lórien segurava a outra menininha e a terceira continuava a dormir no berço.
–E ai papai, três! É o primeiro caso de trigêmeos na família real, não é? – perguntou Lórien baixinho sorrindo para mim. A bebê adormeceu em meus braços em poucos minutos, não conseguia parar de olhar para elas.
– Sim, acho que nunca aconteceu isso antes! Qual delas nasceu primeiro Lórien? – perguntei.
– A que você está segurando! – respondeu Lórien mostrando a pulseira que a bolha com voz de Arin havia se transformado. A outra estava no bracinho da bebê que Lórien segurava. – Coloquei essa pulseira nela por que Arin era mais velha que Lupine. – Lórien parecia triste – Aquela pulseirinha de cristal eu fiz e coloquei nela, foi a última a nascer e não teve um presente das avós! – disse ela sorrindo ternamente, trocando a que estava em seu colo pela que estava no berço e ficou brincando com as mãozinhas fechadas dela – Gostaria que ela estivesse aqui para ver isso.
– Eu também, Lórien. – Lórien as colocou no berço, as três dormiam profundamente, cansadas também.
– Não acorde a Leona! Ela teve uma madrugada difícil, seus poderes voltaram logo após a terceira bebê nascer, ela está se restaurando rapidamente, ao meio dia já deve estar nova em folha... Agora me dê licença, vou dormir também! – disse ela bocejando e indo em direção a porta.
– Obrigada, Lórien. – ela fechou a porta devagar evitando fazer barulho. Continuei de pé com as mãos no berço sem acreditar que estava diante das minhas filhas. Eram tão pequenas, estavam enroladas e aquecidas dentro das mantas que Ervie havia feito com lã de Yeti. Em suas testas havia uma pequena marca verde, a flor de lis brilhava fracamente em suas peles rosadas, na mais velha a marca que brilhava era uma pequena orquídea verde. Leona estava deitada dormindo, suas marcas de mago estavam acesas novamente, brilhavam como nunca, ela estava com uma com uma expressão tranquila no rosto. Deitei ao seu lado e passei os dedos em seu rosto. Ela abriu os olhos e sorriu para mim.
– Não quis te acordar! – sussurrei. Ela riu.
– Se não quisesse me acordar não tinha deitado perto de mim e começado a mexer comigo. – disse ela mostrando a língua.
– Você está muito abusada, sabia?
– Viu suas filhas? – ela ergueu a cabeça para olhar o berço atrás de mim.
– São lindas iguais a mãe delas! – Mesmo agora ela não havia perdido a habilidade de corar quando lhe deixava constrangida.
– Quer escolher os nomes? – perguntou levantando uma mão e traçando meu rosto.
– Você teve todo o trabalho, nada mais justo que você escolher. – ela suspirou encarando-me e estreitando os olhos.
– São três, então vou escolher dois e você um. – disse ela por fim.
– Tudo bem, se quer assim... – levantei da cama e fui até o berço, peguei as três, uma por uma e as enfileirei na cama. – Essa que está perto de você é a que nasceu primeiro. – falei mostrando-lhe a pulseirinha da que estava mais perto dela. – Escolha o nome dela.
– pensei em colocar Karin nela, já que foi a primeira a nascer, queria fazer uma homenagem à Arin. – disse ela sorrindo e acariciando a bebê com a marca da orquídea verde.
– Ela é a maior e é diferente das outras duas! – falei ajeitando a manta que a cobria.
– A segunda quero colocar Nyumun, pois ela nasceu durante a madrugada quando as luas novas estavam escondida no céu.
– Então elas têm que combinar, já que são idênticas. – falei pegando a bebê que estava no meio.
– São? – Leona esticou o pescoço para olhar a bebê em meus braços.
– Não percebeu? As mais novas são gêmeas idênticas. – respondi, acho que só eu havia percebido isso, a mais velha, Karin é maior que elas duas. Peguei a última no colo – Vai se chamar Asahi, já que nasceu quando o sol estava nascendo mesmo atrás das nuvens.
– Nyumun, Asahi e Karin! – disse Leona - Diferentes! Mas perfeitos.
– Não podia ter escolhido nenhum nome melhor para elas! Logo poderemos levá-las para casa. Mas antes precisaremos limpar a infestação que se instalou por lá! – falei através dos dentes. – mas não pense nisso agora! – disse colocando as três de volta no berço para que Leona pudesse descansar.
– Ewren, o que vamos fazer? – perguntou ela apertando minha mão quando voltei para a cama. – Como iremos para a terra buscar Hassan e Serena? – ela mantinha os olhos fixos no berço. Sabia o que estava pensando, era a mesma sensação que eu tinha agora e sabia que seria difícil convencê-la a deixar as pequenas para trás por alguns dias, mas era preciso e cedo ou tarde teríamos que fazê-lo ou poderíamos colorar mais pessoas em risco, quando Fairin soubesse de Serena e fosse atrás dela, quando percebesse que ela não lhe daria o poder ele voltaria seus olhos novamente para Leona. A abracei tentando evitar pensar nisso agora, talvez fosse a coisa mais dolorosa que teria que fazer, mas seria para garantir o futuro seguro delas. Precisava fazer isso antes de voltar à Amantia, tínhamos que ir logo até a terra.
Leona:
Ainda estava muito cansada, meu corpo todo doía embora meus poderes tivessem voltado e estivesse começando a me sentir melhor. Ewren cochilou ao meu lado, Nyumun, Asahi e Karin estavam dormindo também, só me restava fazer o mesmo. Fechei os olhos deixando as dores e a ansiedade para trás, deitei sobre o braço de Ewren e adormeci.
Acordei com um estranho silêncio no quarto, a essa hora esperava acordar com o choramingo de crianças famintas. Ewren não estava no quarto nem as crianças estavam no berço. Levantei-me devagar sentido uma corrente elétrica atravessar todo meu corpo e desaparecer nas pontas de meus pés. Estiquei-me cuidadosamente sentindo cada pedaço meu estalar e esticar, olhei-me no espelho, parecia que havia acabado de passar por dentro de um furacão, entrei no banheiro do quarto e tomei um banho rápido para me refrescar, a chuva tinha deixado o tempo mais quente e abafado. Aproveitei que meus poderes estavam de volta para me arrumar com eles. Ah! Que saudade que senti! Embora não os usasse com tanta frequência antes, agora eles vieram bem a calhar. Desci as escadas até a sala, Eirien, Jocelinne e Lórien seguravam as crianças e lhes davam mamadeiras.
–Leona! Amei os nomes! – disse Eirien sorrindo e beijando a testa de Nyumun.
– Ewren ajudou a escolher. – disse timidamente me aproximando delas, Lórien me entregou Asahi, a segurei com cuidado, nunca tive jeito com crianças, mas parecia que tinha jeito com as minhas, como se algo automaticamente começasse a funcionar.
– São tão fofinhas! – disse Ervie aparecendo de fininho do lado de Eirien. Jocelinne estava sentada no sofá brincando com Karin.
– Por que elas estão tomando essas mamadeiras? – perguntei. Lórien e Eirien trocaram um olhar estranho. – O que foi? – perguntei ficando irritada.
– Calma, Leona! Vai ser difícil amamentar três de uma vez, não acha? Só estamos ajudando! – disse Jocelinne que estava em silêncio até agora no sofá. – seus poderes sofreram alterações quando voltaram, você está um pouco mais forte agora, então tente não se zangar ou ficar alterada, por favor! – explicou ela olhando-me com cautela. Não sentia nada de diferente, acho que estava exagerando um pouco.
– Isso não responde minha pergunta vovó! – senti meu tom de voz tão áspero que me fez encolher.
– Ewren achou que fosse melhor assim, que elas se acostumassem com as mamadeiras. – respondeu Eirien de olhos baixos, vigiando Nyumun em seu colo. – Quando voltarmos para Amantia elas não terão toda a sua atenção por um tempo, precisamos de planos alternativos... – disse ela.
– Não entendi, por que ele acha isso? – Lórien me encarou e respirou fundo.
– Ewren! Se vira! – Lórien falou um pouco mais alto que o tom que estava usando na sala, ouvi um barulho na varanda, a porta se abriu e Ewren entrou, parecia não querer encontrar meu olhar.
– Entregue Asahi para Lórien e venha comigo um pouco, Leona! – seu tom de voz frio me fez ter um calafrio na espinha. Olhei para Asahi em meu colo, ela estava de olhinhos abertos para mim, duas bolinhas verdes e brilhantes olhando meu rosto. Beijei sua testa e entreguei-a para Lórien, acariciei a cabecinha de Nyumun e Karin com os dedos e saí para a varanda atrás de Ewren. Ele estava segurando um saco de tecido bege nas mãos.
– Você está se sentindo bem? – perguntou ele segurando minha mão e entrelaçando seus dedos nos meus.
– Muito bem, por quê? – fiquei com medo, seus olhos estavam sérios demais, iguais aos do Ewren que conheci quando desci as escadas do hotel em Alamourtim.
– Sabe o que é isso? – perguntou ele abrindo o saco e me mostrando um aro de metal brilhante com quatro bolinhas metálicas presas a ele, eram como pulseiras.
– Não faço ideia.
– Um teleportador igual aquele da torre de Aristes. – explicou ele abrindo o aro e o prendendo a meu braço. – Só que esse é portátil, Aristes os criou para uma situação como essa. – Em seu braço também tinha um. – Eles servem para que nós possamos abrir portais entre os mundos e levar pessoas para onde quisermos!
– Ewren... o que vai fazer? – perguntei encarando-o ainda confusa.
– Sinto muito fazer isso agora, sem mais nem menos, mas quanto mais tempo esperarmos, mais perigoso vai ficar para elas e para você! – disse ele apontando com o queixo para a janela. – Eirien, Lórien! Eu deixo tudo em suas mãos aqui!
– Voltem em segurança, por favor! – disse Eirien lá de dentro, meu coração deu um salto.
– Ewren o qu... – ele puxou-me para um abraço forte, seus cabelos ficaram prateados de repente e uma forte luz nos cobriu, senti o vento embaixo dos meus pés e uma forte tontura.
Antes que pudesse me dar conta do que estava acontecendo me vi caindo em um céu azul escuro. A lua brilhava e parecia estar a poucos metros de nós. Embaixo de nós a escuridão do mar me fez ficar mais nervosa. Uma bolha translúcida nos cobriu, Ewren abriu as asas rapidamente parando-nos no ar. Ele voou até a praia, não estávamos muito longe dela, quando ele me colocou na calçada, mudou sua aparência rapidamente e a minha também, colocando-me em um jeans e uma camiseta bem comum, e ficando também de jeans e uma camisa polo preta.
Olhei em volta assustada, estávamos numa área menos movimentada do calçadão na praia de Icaraí em Niterói, tive toda a certeza disso olhando para o lado e vendo o museu a poucos metros de nós. Meu coração começou a bater violentamente contra as costelas e comecei a sentir-me mal.
– Ewren o que você fez! – minha voz saiu falhada, o nó na garganta não me deixava falar com clareza, queria bater nele, serrei meus punhos para não o fazer.
– Escuta, Leona, temos que ser rápidos, o tempo aqui passa diferente do tempo em Evenox, não se esqueça disso! – as lágrimas vieram aos meus olhos e mal pude conter o choro, ele segurava meus braços com força.
– Por que você fez isso! – falei baixinho.
– Nós não temos mais tempo! Eu preciso ter a certeza que elas ficarão seguras, nem que eu precise revirar os doze mundos! – respondeu ele apertando-me contra uma árvore. Minha respiração ficou difícil e tive que levantar a cabeça para não desmaiar. – Foco Leona! Onde está seu irmão? Onde está o filho dos sóis! Precisamos pegá-lo e sair logo daqui! – disse ele me sacudindo – Anda, temos que ser rápidos aqui! Arcádius falou que Fairin havia sumido de Amantia algumas horas antes dele ir até Evenox...
– Eu morava no interior, Ewren! São quase quatro horas de carro daqui! – respondi – temos que ir voando para ser mais rápidos.
– Não podemos, se usar nossos poderes agora Fairin nos encontra. Ele está aqui na terra. – o encarei sem acreditar no que estava acontecendo, acabara de ganhar minhas filhas, mal passei uma hora acordada ao lado delas e ele havia feito isso sem ao menos pensar que podíamos parar em um lugar mais perto, e para completar Fairin também estava na terra, meu desespero foi enorme.
– Temos que ir rápido então. – ele assentiu com a cabeça e puxou uma chave de dentro do bolso. – O que está fazendo? – perguntei.
– Você disse que são quatro horas de carro, são onze horas da noite aqui, se formos agora chegaremos lá por volta de três da manhã certo? – perguntou ele.
– Sim, mas... – ele me puxou pelo braço até um Jeep Wrangler preto que estava estacionado perto do museu.
– Ewren! Me explica isso por favor? – perguntei olhando dele para o carro.
– Morei por pouco tempo na terra com um grupo de caçadores, viemos para cá procurando algumas criaturas que fugiram de Amantia por um portal instável que se manteve aberto por alguns dias em Edro, acabei aprendendo algumas coisas e fazendo umas amizades! – disse ele piscando para mim e abrindo a porta do carro.
– Cheio de surpresas não é! Espero que não seja amizade com alguma coroa ricaça... – bufei entrando no carro.
– O quê? Desculpe não te ouvi direito! – perguntou ele mordendo os lábios para não rir. Ele entrou batendo a porta e ligando o carro, o motor roncou suavemente enquanto ele dava a ré e saia do estacionamento. O guarda nem fez menção de nos incomodar quando nos viu entrar no carro e sair rapidamente para a rua. Fiquei vigiando os relógios de rua para saber a data, no relógio marcava onze e vinte da noite do dia vinte e sete de fevereiro de dois mil e quinze. Ativei o GPS para nos guiar mais rapidamente.
– Onde você morava? – perguntou Ewren olhando eu digitar o nome da cidade na pequena tela do GPS.
– Ah, num fim de mundo, Campos dos Goytacases, agora sei porque minha mãe morava lá, é bem longe e bem escondido, ninguém pensaria em nos encontrar lá! – disse marcando a cidade no aparelho. Havia uma rota mais curta que demoraria apenas três horas. Quando a voz no GPS nos disse a rota, Ewren arrancou com o carro fazendo meu estômago afundar.
– Ewren, quero viver o suficiente para ver minhas filhas crescerem, não estou mais imortal se você não se lembra então... – minhas mãos estavam travadas na porta e no painel do carro. Ewren deu um sorriso maligno e ergueu uma sobrancelha.
– Só ficar quietinha ai! – disse ele piscando para mim.
Passamos pelo shopping no centro da cidade, estava tudo um pouco menos movimentado do que de costume para uma quinta à noite.
– Você disse que morou aqui na terra, onde morou e quanto tempo faz? – perguntei tentando me distrair enquanto olhava as luzes passando na janela.
– Morei em São Paulo, depois em Tóquio. – disse ele sorrindo, fiquei encarando-o de boca aberta.
– Um dos lugares na terra que eu gostaria de ter conhecido. – falei.
– Ainda tem chance de conhecer! – ele olhou para mim, virei seu rosto em direção ao para-brisa, ele parecia não estar levando a sério a possibilidade de um acidente de carro.
– Não se distraia, por favor! Motoristas que circulam a essa hora geralmente não estão sóbrios... – falei olhando em volta, mas o movimento era pequeno – Agora, quero levar as três para conhecer Amantia, não quero sair de lá por um bom tempo quando voltar! – meu coração se apertou de novo, queria usar o teleporte e voltar para casa e pegar minhas filhas, não queria ficar longe delas por nada. Fairin estava aqui e isso já me deixava com medo dele encontrá-las.
Elas estão com Medras, Lórien, Eirien, Ervie e Arcadius, estão bem protegidas! Pensei tentando me acalmar, mas nada faria me sentir melhor enquanto nas as tivesse em meus braços novamente. Ewren percebendo minha angustia ligou o rádio e colocou nele um pen drive que estava no porta-luvas, após alguns segundos começou a tocar OneRepublic.
– Secrets? – perguntei, ele bufou e passou a música deixando tocar em seu lugar MindFlow, Breakthrough uma das minhas músicas favoritas que escutava com Lucy quando íamos viajar.
– Agora sim! – disse ele sorrindo.
– Acho que te amo mais agora! Nada melhor do que alguém com um bom gosto musical! – falei sorrindo e beijando seu rosto.
13
Serena
e Hassan
Ewren não tirava os olhos da estrada, escutava as instruções do GPS enquanto cortávamos rapidamente a Br 101. A estrada estava movimentada, muitos carros iam em direção à região dos Lagos por causa das férias que haviam acabado hoje, mesmo sendo sexta feira amanhã, as aulas iniciariam normalmente. Havia duas possibilidades de encontrar Leonard, uma era em casa, dar um jeito de desacordar Nagel e apagar sua memória, a outra era pegá-lo na escola. Quando chegamos perto de Itaboraí o trânsito parou de vez, meu coração começou a bater irregular com o nervosismo.
– Leona, fique calma! Se desesperar não vai ajudar! – disse ele soltando minhas unhas do estofado macio do banco, ele puxou minha mão e a beijou. – Me desculpe, por favor, mas você é a única que poderia vir comigo. Queria muito ter te deixado lá e trazido Lórien ou Medras...
– Eu te entendo Ewren, não precisa se explicar, sei por que fez isso e te dou razão. Nós somos os únicos que podemos fazer alguma coisa por elas, na verdade por todos em Amantia e nos outros onze mundos, se tivesse escutado minha mãe, talvez não tivesse colocado tantas pessoas em risco agora. – falei num suspiro entristecido pensando no que seria de nós se Fairin as descobrisse.
Já havíamos perdido quase uma hora no trânsito e ele quase não se movia. Ewren acabou se irritando e jogando o carro para uma estada de chão ao lado da pista. Cortamos por dentro da cidade, até saímos do outro lado perto do viaduto. O trânsito ali fluía melhor já que a maioria dos carros seguia em direção a Magé, aquela estrada sempre dava algum transtorno nesse horário. Ainda assim pegamos mais meia hora de engarrafamento pouco mais a frente, cada meia hora perdida me fazia tremer, se Fairin já estava aqui não só Serena corria algum risco, mas Leonard também, Fairin poderia sentir seu poder e se ele usasse o seu sangue? Não havia pensado nessa possibilidade, acho que nem Áries e Sirius haviam pensado nisso. Chegamos a Campos pouco antes das cinco da manhã.
–Para onde? – perguntou Ewren quando chegamos ao centro da cidade, sempre me perdia quando chegava aqui.
–Bairro Imperial, era lá que eu morava. – digitei o bairro no GPS e ele nos mostrou uma rota mais curta do que a que eu costumava pegar de ônibus quando saía com Lucy. A cidade ficava muito silenciosa antes de amanhecer. Em menos de vinte minutos chegamos ao bairro, estava tudo quieto e silencioso como sempre. Ao olhar as ruas, as casas e a pracinha, tive uma estranha sensação de pânico, tive medo de que tudo fosse só coisa da minha cabeça que Amantia não existia, tive medo de não conseguir voltar para lá e ficar presa na Terra, agarrei o braço de Ewren e não o soltei, não soltaria enquanto estivesse aqui fora, ele notou meu nervosismo e beijou meu rosto dizendo “Vai ficar tudo bem”. Dobramos a equina na terceira rua após entrar no bairro, a quinta casa a direita era a minha. A casa estava toda apagada, mas o carro de Nagel na garagem confirmava que eles já estavam em casa.
– Acho melhor pegarmos ele enquanto está dormindo! – falei.
– Não podemos, acho que devemos esperar e pegá-lo na escola.
– Por quê? – perguntei, queria fazer tudo rápido e sair daqui,
– Só poderemos usar nossos poderes para teleportar, Fairin está bem perto daqui... – disse ele franzindo o cenho.
– Lucy! – falei baixinho – Ewren, vamos por ali! – mostrei-lhe o caminho até o Jardim das Acácias, bairro onde Lucy morava. Ao entrar esquina de sua casa, avistei Lucy ainda de pijama levando Loki, seu Poodle para passear, ela estava parada ao lado de uma árvore um pouco longe de sua casa.
– Ewren, é ela! Pare o carro! – ele freou, parando o carro próximo ao meio fio. Desci rapidamente e andei cuidadosamente até ela, até onde eu sabia, ela não me reconheceria, pois minha mãe havia apagado suas memórias. Ela não estava muito diferente de como a vi alguns meses atrás. Os cabelos na altura dos ombros cacheados e castanhos estavam bagunçados, ela percebeu que me aproximava e me encarou com aqueles olhos amendoados grandes, ela não me reconheceu mesmo, me encarou com os olhos cheios de curiosidade.
– Olá, posso lhe ajudar? – disse ela, ela era muito inocente, não desconfiava das pessoas e sempre queria ajudar.
– Olá, bom dia! Me chamo Leona, tudo bem com você?
Não sabia como ela reagiria, mas ela olhou para o carro, viu Ewren lá e ficou desconfiada, dando um passo para trás.
– Lucy... – Acabei falando seu nome sem querer ela ficou assustada.
– O que você quer comigo, como sabe meu nome? – perguntou ela. Olhei em direção a sua casa e meu coração acelerou, Fairin estava na varanda com Dymesia, enquanto fingia ser mãe de Lucy era se chamava Caroline. Me escondi atrás da árvore, o que foi uma atitude suspeita demais, Lucy se encolheu olhando-me desconfiada.
– Preciso ir... Meus pais estão me esperando. – disse ela se afastando.
– Não, espere! Pode me mostrar onde fica o hospital? Não estou bem... – não sabia como fingir ou disfarçar ela deu um passo para trás e olhou para sua casa. Ewren saiu rapidamente do carro e veio em nossa direção, Serena o observou se aproximar e soltou a corrente de Loki. Por sorte Fairin e Dymesia entraram para dentro de casa um pouco antes fechando a porta atrás deles. Lucy ficou apavorada e começou a gritar.
– MÃE, PAI SOCORRO! POR FAVOR ME AJUDEM! – berrou a plenos pulmões. – Ewren a pegou no colo para coloca-la dentro do carro cobrindo-lhe a boca. Corremos para o carro, ele a atirou no banco de trás e sentou no banco do motorista, pulei no banco de trás cobrindo a boca de Lucy que não parava de gritar por socorro, pouco antes do carro virar a esquina Dymesia apareceu na porta procurando de onde vinham os gritos de Lucy.
– Ela não nos viu! – disse Ewren olhando-me através do retrovisor. Ewren correu pela cidade e parou o carro dentro do estacionamento de um mercado. – Leona passe suas memórias para ela assim ela vai se lembrar e parar de gritar! – Lucy se debatia freneticamente enquanto eu a segurava.
– Lucy isso vai te explicar tudo! – disse puxando seu rosto e tocando nossas testas, passando para ela todas as nossas memórias de infância, as memórias sobre Amantia, sobre minha mãe. Na verdade passei cada segundo de memória que tinha para ela, para lhe provar que não tinha nada a esconder.
Quando soltei seu rosto ela respirou fundo e cobriu a boca com as mãos e começou a chorar.
– Não acredito! – disse ela com a voz trêmula. – Leona, você é minha irmã? E Lupine, minha mãe, ela se foi! – ela começou a chorar mais ainda.
– Ela está aceitando bem! – disse Ewren. – achei que mesmo com as memórias ela poderia desconfiar e recomeçar a gritar.
– Não tem como eu desconfiar tendo uma marca para provar! – disse ela erguendo a manga do pijama e mostrando a uma cicatriz em seu braço, que eu deixei com uma mordida assim que me mudei de volta para cá quando vim da casa do campo.
– Te mordi assim que me mudei para cá, nós brigamos por causa de uma boneca que estava caída na calçada, nós duas a pegamos, mas acabei te mordendo para você largar. – falei.
– Sim, ai meu pai me levou até sua casa para que você se desculpasse, você me deu um chocolate e ficamos amigas desde aquele dia.
– Então as duas podem ser compradas com comida! São irmãs mesmo! – disse Ewren revirando os olhos. – Leona, é feio sair por ai mordendo as pessoas sabia? - disse ele rindo tentando melhorar o clima.
– Olha quem fala! – respondi sacudindo a cabeça.
– Me chame de Serena a partir de agora! – disse Lucy sorrindo, limpando as lágrimas dos olhos – uma última homenagem a Lupine, usar o nome que ela havia escolhido para mim. – Serena me abraçou apertado, senti as tristezas sendo varridas de mim, como sempre foi a presença dela sempre me acalmava, me divertia, dessa vez não foi diferente, ainda mais agora que sabia que tínhamos algo muito mais forte, um laço eterno. Serena olhou para Ewren.
– Nem acredito que você é real! – disse ela puxando uma mecha do cabelo de Ewren e sorrindo.
– Sou bem real! – disse ele encarando-a, ele estava sério olhando os outros carros ao nosso redor como se esperasse alguém aparecer. – Já sabemos como Leonard deve reagir também! – disse ele olhando para mim. Assenti com a cabeça, estava preparada para isso.
Ewren saiu devagar do estacionamento olhando para os lados, para ter certeza que não havíamos sido vistos, dirigiu até a escola para não chamar a atenção de ninguém.
Ficamos parados do outro lado da rua em frente à escola que Leonard estudava até o sol nascer e o movimento na rua começar a aumentar. Vi os professores chegarem e o servente abrir a escola e ficar no portão com as chaves e um copo de café aguardando a chegada dos alunos, ele olhou desconfiado para o carro, mas nos ignorou.
Faltavam dez minutos para as sete da manhã quando os alunos começaram a chegar, fiquei de olho nos ônibus que passavam em frente à escola, Leonard costumava chegar atrasado ainda mais no primeiro dia de aula. Desci do carro e fiquei perto do ponto de ônibus, iria sequestrá-lo e arrastá-lo a força para dentro do carro como fazia quando estávamos brigando pelo local de passeio nos fins de semana, ele sempre se recusava a ir quando eu escolhia. Ewren ficou do lado de fora do carro com a porta traseira aberta, só aguardando meu sinal não adiantaria tentar conversar, eu teria que ser rápida.
Alguns minutos depois Leonard desceu do ônibus bem a minha frente no meio de outros alunos, ele olhou para mim sem me reconhecer e virou de costas, caminhando em direção ao portão da escola, Leonard estava magrinho, dei graças por ele não ter comido como um porco se preparando para o abate na casa da vovó como ele costumava fazer. Ele andava de cabeça baixa e olhos nos pés. Meu coração se apertou ao vê-lo assim, costumava ser muito alegre e divertido e agora parecia amuado e infeliz. Ewren fez um sinal para que eu andasse logo. Sem pensar duas vezes andei até Leonard, ele se virou assustado quando toquei seu ombro.
– Leonard, venha comigo? – perguntei, ele tentou puxar o braço e correr, mas o agarrei jogando-o em cima do ombro e correndo até o carro, ele começou a se debater e gritar, por sorte não havia nenhum segurança no local, apenas o servente da escola que pegou um telefone do bolso. Tinha certeza que estava ligando para a polícia. Joguei Leonard no banco de trás ao lado de Serena, ela o abraçou enquanto eu fechava a porta rapidamente e circulava o carro.
– Vamos Ewren! – ele saiu em alta velocidade para evitar que o servente anotasse a placa do carro.
–Será que ele não viu a placa? – perguntou Serena assustada olhando para trás.
– Eu tampei as placas. – respondeu Ewren sorrindo.
– ME SOLTEM! EU VOU CHAMAR A POLICIA! SOCORRO! – Leonard começou a gritar. – LUCY POR QUE ESTÁ COM ELES! ELES VÃO LEVAR A GENTE EMBORA! - ela segurou os braços dele, pelo visto havia esquecido de mim mas ainda sabia quem era Serena.
– Fique calmo Leonard, está tudo bem! – disse ela tentando acalmá-lo. Ele não parava de se debater, não adiantava eu passar minhas memórias para ele, Sirius já havia preparado algo que o faria recuperar as próprias lembranças, como ele não sossegava Serena então teve uma brilhante ideia para acalmá-lo, deu-lhe um beijo na boca.
– Serena! – gritei ficando vermelha e cobrindo a boca. – Ele é uma criança! – ela riu.
– Mas funcionou, não é? – disse ela sorrindo. Leonard estava quieto de boca aberta olhando para ela seus olhos brilhavam e os cantos de seus lábios estavam erguidos como num sorriso torto.
Seguimos com o carro até uma plantação, já eram sete e meia da manhã. Meu coração estava a mil, Ewren fechou o carro com a chave dentro e entrou no meio da plantação de cana fazendo-nos segui-lo. Leonard estava apavorado enquanto eu e Serena o arrastávamos atrás de Ewren.
– O que vão fazer comigo? – perguntou ele quando paramos em um local que a cana já estava tombada e cortada pronta para ser transportada.
– Te levar de volta para casa. – disse Ewren pegando duas pulseiras que estavam na bolsa e colocando no braço de Serena e outra em Leonard.
– Minha casa é aqui! – gritou ele. Ewren sorriu, seu sorriso brilhante iluminado pelo sol fez meu rosto corar. – Se fosse aqui não estaríamos aqui para buscá-lo, Hasan, filho dos sóis de Amantia!
O telefone de Serena começou a tocar.
– É minha mã... quero dizer, Dymesia! – disse ela mostrando-me o telefone. Eu o peguei e atirei bem longe no canavial.
– Não vão demorar a ir atrás de nós em Amantia! – disse Ewren.
Nos aproximamos dele, Ewren mudou sua aparência e abriu os braços inspirando profundamente. Um círculo dourado apareceu no chão em volta de nós e a coluna de luz subiu novamente nos cobrindo completamente, Leonard estava assustado olhando para cima e Serena olhava maravilhada.
Fechei os olhos e senti aquela maravilhosa sensação de estar em queda livre em Evenox. Olhei para baixo, Ewren noz fez diminuir a velocidade e cair na água. Estava fresca como sempre, haviam alguns sereianos à uma certa distância de nós, por isso Ewren nos deixou cair na água.
Não caímos muito longe da casa, Leonard havia desmaiado com o susto, Ewren revirou os olhos e o puxou enquanto Serena dava gargalhadas alegremente.
– Incrível! Vamos de novo? – pediu ela olhando para mim.
– Quero chegar em casa logo! – falei movendo as mãos debaixo d’água e fazendo uma densa neblina subir das águas, assim que ficamos completamente cobertos por ela, fiz um barco aparecer, subimos nele e fomos rapidamente em direção à casa de dois andares feita de bambus. Ewren desceu no ancoradouro e puxou o barco até ele para que pudéssemos descer, pegou Leonard e foi em direção à porta da frente.
– Será que vão gostar de mim? – perguntou Serena se referindo aos outros que estavam na casa.
– Claro que sim, você é filha da Sacerdotisa dos ventos, todos gostavam dela e vão gostar de você também! – estava mais ansiosa para ver minhas filhas, havia mostrado as memórias de mim e de Ewren, porém não havia lhe mostrado sobre as menininhas, ela ficaria chocada. Passei pela porta com o braço de Serena preso entre meus dedos. Lórien estava deitada em um sofá dormindo sobre o colo de Medras, ela dormia profundamente. Ewren havia colocado Leonard no outro sofá e subido as escadas, fui atrás dele também, Serena me seguia desorientada.
Entrei pela porta entreaberta do quarto, no tempo em que estivemos fora eles mudaram algumas coisas no quarto para facilitar cuidar das crianças. Haviam três grandes poltronas macias e reclináveis perto umas das outras, em uma Jocelinne segurava Nyumun, na outra Eirien segurava Karin e na terceira Arcádius segurava Asahi. Estavam todos dormindo com as crianças no colo, para meu alívio, ainda estavam iguais à quando saímos, isso me deixou menos nervosa.
– Quanto tempo se passou Ewren? – perguntei espantada pegando Nyumun de Jocelinne com todo cuidado para que não acordasse. Apertei-a delicadamente em meus braços, sentindo o cheirinho de bebê e a suavidade de sua pele macia.
– Aqui, mais ou menos três dias e meio, se fosse em Amantia teriam se passado dezessete dias. – Ele pegou Karin de Eirien que acordou sacando a espada. – Calma vovó! Somos nós, voltamos! – Eirien encarou Ewren desconfiada depois relaxou.
– Quem é essa? – perguntou ela encarando Serena. Depois de alguns segundos olhando em seus olhos ela sorriu. – Leona, ela acha que está sonhando! – disse Eirien acariciando o alto da cabeça de Serena.
– Serena? – chamei ela olhou de Eirien para mim.
– Não tem como isso ser verdade! Te vi a menos de três meses! Não podem ser suas filhas!
– O tempo aqui passa mais rápido do que na Terra! – explicou Ewren, aparentemente Serena ainda não havia absorvido todas as informações e memória que eu havia passado para ela. Arcádius e Jocelinne acabaram acordando e se apresentaram para Serena, que sorria alegremente ainda sem acreditar no que estava acontecendo.
– Pode me chamar de tio se quiser. – disse Arcádius colocando Asahi no berço, ela se mexeu mas continuou adormecida. Ewren também colocou Karin no berço, eu continuei com Nyumun nos braços.
– Tive a mesma reação tantas vezes! – disse baixinho para ela enquanto ela observava Medras conversando com Ewren. – Sempre que estou com ele, o meu maior medo é acordar e ver que foi um sonho. – suspirei.
– Tem certeza de que não estou sonhando? – perguntou Serena com os olhos marejados.
– Absoluta. – falei abraçando-a com meu braço disponível. Era o sonho dela sumir da terra, não se acostumava com as coisas comuns de lá.
–Leona, temos que despertar Hasan. – Ewren veio até mim e tirou o colar de meu pescoço e colocando-o em Leonard.
Quando o pingente tocou sua pele ele vibrou e começou a brilhar fazendo com que uma forte luz saísse de Leonard impedindo que o olhássemos. Quando o brilho desapareceu ouvi Serena dar um gemido ao meu lado, olhei para ela, ela estava de boca aberta e com as mãos inclinadas de leve como se fosse tocar em alguém. Olhei para Leonard e fiquei de boca aberta também, meu irmãozinho não estava mais lá. Um homem estava sentado no sofá, ele tinha cabelos ruivos selvagens até a altura dos ombros, olhos negros e a pele avermelhada, era muito forte e parecia muito com um salamandra, com certeza era o Filho de Áries e Sirius.
– Agora eu tenho certeza de que estou sonhando... – disse Serena suspirando.
– Hasan? – chamei, ele me encarou por um instante depois sorriu.
– Minha irmãzinha! – ele se levantou e me abraçou tomando cuidado com Nyu em meus braços. Tinha herdado o calor de Sirius também, o que fez eu me afastar sorrindo.
– Como? Você lembra de mim? – perguntei.
– Lembro de cada minuto desde o dia que fui deixado na porta de Lupine! Onde ela está? Gostaria muito de agradecer a ela por cuidar tão bem de mim! – Quando ele perguntou por minha mãe meus olhos se encheram de lágrimas, sabia o quanto ela queria ir buscá-lo na terra e levá-lo para Amantia.
– Ela não está mais entre nós. – disse Lórien se aproximando e tirando Nyumun dos meus braços. Hasan ficou entristecido mas logo sorriu de novo.
– Agora eu tenho três sobrinhas. Você ainda vai continuar sendo minha irmã, agora mais nova, claro! – disse ele para mim.
– E eu? – perguntou Serena olhando para ele de canto de olho.
– Você não, não fui criando com você! Pra mim você é a amiga meio doida de Leona! – Serena revirou os olhos. – Mas eu não esqueci do que você fez no carro não, tá! – Serena ficou vermelha e tentou disfarçar brincando com o cabelo de Lórien que estranhou e me olhou como quem perguntava “Quem é essa doida que não conheço?”.
– Você sabe seu papel aqui? – perguntou Arcádius se aproximando de nós, Jocelinne vinha atrás dele escondida.
– Sei sim, lembro-me perfeitamente. – Hasan mudou de aparência fazendo seus cabelos ficarem dourados e aparecerem nele as marcas vermelhas de mago, em sua testa a marca era de um sol e as do braço direito eram os raios desse sol.
– Isso pode ficar pra depois, precisamos saber se Serena está com seus poderes. – Jocelinne se aproximou dela segurando seu rosto e tocando com sua palma na testa de Serena. As marcas dela apareceram em seu braço direito e no alto de sua testa, porém eram diferentes das minhas, era uma flor de lótus verde. Serena viu seu reflexo num espelho no canto da Sala e soltou um gritinho.
– Flor de Lótus? – perguntei.
– É a marca da família Apollis – Disse Arcádius apontando para a marca de uma flor de lótus branco-azulada em sua testa.
– Está tudo em ordem pelo menos, Fairin não conseguiu pôr as mãos nela, chegamos a tempo! – disse Ewren deixando Arcádius surpreso.
– Ele estava lá?
– Sim, na casa de Serena com Dymesia. – respondi franzindo o cenho. – Sirius disse que ela roubou Serena achando que ela fosse a mais velha.
– Acho que na hora que Dymesia perceber que Serena sumiu, vai voltar para Amantia! – Eirien parecia mais frustrada que antes. – Se ela voltar com Fairin, todos em Amantia vão pensar que ele está certo e mais pessoas vão apoiá-lo! Temos que voltar pra lá o mais rápido possível! – disse ela correndo os dedos pela lâmina de sua espada sem ao menos se dar conta que estava fazendo isso.
– Serena começou a gritar antes que saíssemos, Dymesia percebeu que ela sumiu, acho que já estão indo para Amantia! – Falou Ewren lembrando de Dymesia aparecendo na porta e do telefonema.
– O que faremos então? – meu coração se apertou novamente, sabia que teria que ir com eles e que as bebês teriam que ficar longe de mim novamente.
– Vou cumprir minha missão aqui, e irei a Luta contra Fairin com vocês! – disse Hasan passando uma unha em sua mão, cortando a pele, fazendo com que uma linha escarlate aparecesse e formasse uma pequena poça em sua mão. Arcádius fez um movimento com a cabeça para que Jocelinne se aproximasse, ela se aproximou de Hasan segurando sua mão, respirou fundo como se tomasse coragem então seus lábios tocaram a mão dele, sorvendo o sangue. Quando ela o soltou, caiu de joelhos no chão, sendo aparada por Arcádius ela segurava o pescoço como se estivesse sem ar, o clima ficou tenso, acho que todos começaram a desconfiar de Hasan.
Depois de um longo momento de silêncio, Jocelinne se levantou apoiando-se em Arcádius. Ela acendeu suas marcas fazendo todos recuarem, elas estavam de cor vinho e brilhavam muito mais fortes que antes, seus olhos estavam da mesma cor.
– Agora você tem um pouco mais de poder que Fairin. – Hasan abaixou sua mão suja se sangue, Serena lhe deu um lenço para que ele a limpasse, porém feroz foi mais rápido e lambeu sua mão.
– Feroz! – gritei. Nyumun acordou com meu grito e chorou. Feroz encolheu as orelhas e começou a ganir baixinho. Fui até ele e segurei seu focinho. – Feroz? – assoprei seu nariz mas ele continuou de cabeça baixa chorando. – O que está acontecendo? – perguntei assustada para Hasan sem tirar os olhos de feroz.
– Ele vai mudar também! – respondeu ele limpando sua mão. Feroz começou a se encolher e contrair as patinhas, seu pelo que era branquinho como a neve ficou negro quase azulado e seus olhos grandes e amarelos ficaram azuis bem escuros.
– O quê? – afastei a mão de perto dele, porém ele encostou o focinho em mim e espirrou.
– Ficou mais assustador, agora as pessoas vão pensar duas vezes antes de tocar nele! – Lórien afagou seu focinho também. Feroz continuava o mesmo, para meu alivio.
– Só temos outro problema. – disse Hasan.
– Qual? – Medras se aproximou de nós dando-nos um susto.
– Serena! – todos olhamos para ela.
– Como assim? Por que eu seria um problema? – ela se encolheu e agarrou meu braço.
– Fairin acha que ela é a mais velha agora que sabe sobre ela, se aparecermos e Amantia com ela assim, com certeza ele vai vir atrás dela. Se ele tomar seu sangue vai ficar mais forte que Jocelinne, mesmo tendo o sangue mais fraco que o de Leona ela ainda é uma maga pura. – disse ele apontando as marcas verdes em seu rosto. Serena corou e apertou meu braço com mais força.
– Por outro lado ela pode ser útil! – Ewren se aproximou de nós duas e apertou a mão de Serena. – Fairin vai tentar se aproximar de nós de qualquer jeito e assim pode ser mais fácil pegá-lo e acabar com ele!
– Ou pode conseguir tirar ela de nós! – protestei – não vamos deixar Serena de Isca! É só ela ficar aqui com Ervie até a guerra acabar!
– Fairin não sabe que você saiu de Amantia por que estava grávida Leona, ele só acha que fugiu por causa de sua mãe, se deixarmos Serena aqui é bem provável que ele mantenha seu foco em encontrá-la e vai mandar pessoas para os doze mundos atrás dela! – Arcádius estava pensativo – Se a deixarmos e ele a encontrar aqui vai perceber que o poder de Karin é maior que o dela! Ela é um bebê não consegue disfarçar ou reduzir seu poder! Só conseguimos escondê-la por causa da minha proteção em volta da casa. – explicou ele.
– Então se a Levarmos para Amantia poderemos proteger as quatro, pois Fairin vai saber que ela está lá e não vai se preocupar em sair por ai procurando. – Ewren concluiu o pensamento de Arcádius. – Agora é só treiná-la para que ela saiba se defender quando chegarmos lá! – disse ele.
– Não temos tempo, logo ele deve perceber que o poder dela não está em parta alguma em Amantia e começará a procura-la. E Garanto que ele não vai começar por Mogyin! – disse Hasan por fim. Ele aproximou-se de Serena e segurou seu rosto. – Eu fui treinado por Sirius e Áries, com as artes da magia e da força. Vou dividir meus conhecimentos e habilidades com você está bem? – ele perguntou, acho que ela nem entendeu o que ele quis dizer, só sacudiu a cabeça afirmativamente.
Hasan encostou sua testa na dela, serena respirou rapidamente com os olhos fechados e os punhos cerrados. Chamei Ewren discretamente, pegando Nyumun de Lórien e subindo para o quarto. Ewren fechou a porta cuidadosamente atrás dele e foi até o berço, ficou olhando as menininhas que dormiam tranquilamente.
– Me desculpem por colocar você nessa situação. – ele suspirou e acariciou Asahi com as pontas dos dedos. Ela moveu a mãozinha e apertou o dedo dele, coloquei Nyumun com as outras e segurei o rosto dele.
– Não é culpa sua, nem minha, nem de ninguém aqui Ewren!
– Mas se eu não tivesse... – tapei sua boca e o olhei feio.
– Fora o fato de termos que destruir meu pai maluco e psicopata para podermos voltar pra casa e vivermos felizes e em paz, pra mim está tudo indo muito bem! – disse beijando-o, ele correspondeu entrelaçando os dedos em meus cabelos e puxando-me mais para perto pela cintura. Karin começou a chorar e acordou Asahi e Nyu. Comecei a rir.
– Acho que elas estão com ciúme de você! – falei soltando Ewren e pegando-a no colo. Eirien bateu na porta e entrou trazendo as mamadeiras.
–Enquanto elas esfriam precisamos dar banho nelas! – disse Eirien sorrindo feliz, colocando as mamadeiras numa bacia de vidro com água. Ela parecia mais uma avó coruja, nem Jocelinne me dava a mesma atenção que ela dava a Ewren e as bebês. Ewren fez aparecer uma banheira grande e rasa em cima da mesa, demos banho nas três juntas. Ewren parecia estar se divertindo muito, com todo cuidado ele as vestiu então cada um pegou uma para alimentar. Nyu foi a primeira a acabar, logo após arrotar ela dormiu novamente.
– Elas se parecem com você! Só comem e dormem! – disse ele.
– Ah! Eu não faço isso! – respondi.
– Faz sim, desde que te conheci você dorme direto! Em qualquer lugar e em qualquer situação! Parece até um bicho preguiça! – Acho que Ewren nunca ia perder uma oportunidade de implicar comigo.
– Você ainda é um chato! – respondi. – Não tenho culpa por gostar de dormir!
Eirien acabou cochilando com Asahi no colo, tirei-a dela e a coloquei no berço com as outras, elas realmente dormiam muito. Fui até a varanda do quarto com Ewren, estava entardecendo o sol já estava descendo no horizonte. Ficamos na varanda observando Serena e Hasan lutando, ele estava testando as habilidades que passou para ela.
– Sabe, as vezes acredito que vou acordar e perceber que foi tudo um sonho. – falei. – Tenho medo que isso aconteça mesmo. – Ewren apertou minha mão.
– Se tudo isso for um sonho e depender de mim, vou te manter dormindo para sempre só para ter você nos meus braços por toda a eternidade. – respondeu ele abraçando-me.
– Como vamos fazer agora? – perguntei ainda observando Hasan e Serena.
– Partiremos ao amanhecer, Lórien, Medras, Ervie e Feroz vão ficar para cuidar delas. – respondeu ele beijando minha cabeça. – Mas se você quiser, pode ficar aqui...
– Eu vou Ewren! Não vou deixar você ir sem mim, preciso ficar de olho em vocês lá! – falei segurando seu rosto e o encarando. – EU também quero muito pegar Veruza e varrer o chão do castelo de Cristal com a cara dela! – falei dando um sorriso maldoso. Ewren começou a rir.
– É por isso que te amo! Mas não vou permitir que você chegue lá e faça alguma bobagem que te coloque em risco! Você é minha e delas! Lembre-se disso, se esforce para viver! Seja mais forte que sua mãe foi! Não vou aceitar dessa vez que você se entregue como fez aquele dia na montanha! – ele segurava meus ombros com força.
– Eu pretendo voltar para buscá-las Ewren! Estou indo para vencer e não para ser derrotada, eu sou uma péssima perdedora! – respondi.
– É bom mesmo! – disse pegando-me no colo e pulando para o ancoradouro onde Hasan e Medras testavam Serena.
– É minha vez! – disse puxando o colar do pescoço e fazendo meu cajado se tornar uma lança, respirei fundo, senti muita falta de segurá-lo em minhas mãos. Serena começou a rir.
– Eu sempre te vencia nas brigas Léo! – disse ela girando nos punhos as espadas que Hasan havia feito para ela.
– Vamos ver se ainda ganha! – falei girando a lança sobre minha cabeça e ficando em posição. Serena me atacou, consegui defender seus golpes facilmente girando a lança.
– Serena, pare de brincar com ela! – disse Hasan – Ela não vai te perdoar se você não a levar a sério!
– Hasan, ela tem suas habilidades mas não tem sua força! – falei atacando-a de verdade, Serena começou a lutar para valer também. Ela ficou séria, um brilho diferente em seu olhar me chamou a atenção, aqueles olhos cor de avelã que eu havia encarado tantas vezes, que haviam me observado durante tantos anos enquanto brincávamos juntas, agora estava aqui para lutar ao meu lado pelo nosso verdadeiro lar.
Serena brandiu suas espadas contra mim, rodei o corpo para a esquerda enquanto erguia a lança para defender o golpe. O metal tiniu fazendo um som alto quando batemos lâminas com lâminas, Serena sorriu girando a espada e arrancando a lança de minhas mãos. Fiquei de queixo caído enquanto Hasan pegava minha lança e me devolvia.
– Ela tem as minhas habilidades, não se esqueça disso! – disse ele dando-me um beijo na testa e sorrindo. Ewren me abraçou e olhou de canto de olho Hasan se afastar.
– Assim que me senti quando perdi para você no Jardim do castelo! – disse ele tentando disfarçar.
– Não me diga que está com ciúmes dele também! – disse notando o brilho avermelhado dos olhos dele.
– Ele te conhece desde a infância e não é seu irmão de verdade... – disse ele apertando-me.
– Ah! Para com isso Ewren! Acho que Serena está apaixonada por ele! – disse apontando-a com o queixo, Serena nem piscava enquanto olhava para ele. Ewren me beijou, senti o calor de seu corpo e a suavidade de seus lábios contra os meus, mordeu de leve minha boca depois passou a língua levemente. Meu coração acelerou deixando-me com calor.
– EWREN! – gritou Eirien da varanda. Ele me soltou revirando os olhos.
– O que foi? – perguntou ele olhando para ela. Ela moveu o dedo indicador nos chamando para dentro.
Eirien juntou todos nós na sala, fiquei com Karin no colo enquanto Ewren segurava Nyu e Serena segurava Asahi.
– Ao amanhecer – começou Eirien – Partiremos de volta para Amantia. A primeira coisa a fazer é descobrir tudo que Arcádius plantou por lá, quem se uniu a ele e quem temos para trazer para o nosso lado, precisaremos encontrar todos os exércitos que ele não conquistou. – disse ela. – Amanhã vamos começar a escrever o nosso futuro com a tinta vermelha do sangue de Fairin e de Veruza e acabar com isso de uma vez, levar Amantia de volta para os tempos de paz para que possamos viver tranquilamente! Quero livrar o meu mundo daqueles insetos, quero poder levar minhas netas para o meu castelo e vê-las crescer onde criei Arin e Lupine! Vamos tomar Amantia de volta e evitar que Fairin domine os doze mundos! É por nosso lar que lutaremos, pelas pessoas que vivem lá e principalmente por todos que amamos! – Eirien falava com paixão, seus olhos brilhavam, ela a verdadeira rainha de Amantia era merecedora de seu trono e lutaria para vê-la de volta ao Castelo de Cristal. Ela queria nos motivar para que quando chegasse a hora nós lutássemos com toda as nossas forças. Eirien merecia seu trono, não havia ninguém melhor para governar Amantia que ela!
14
Despedida
Ervie e Lórien fizeram um jantar incrível para nossa despedida nos juntamos para comer, nos divertindo e brincando, estavam todos alegres, não por estarmos partindo, mas por que seria o primeiro passo para nossa paz. Era só um até logo, mas sentia como se fosse um adeus, não deixei isso transparecer já que estavam todos se esforçando para mostrar alegria e esperança.
Eirien entrou no meu quarto no meio da noite e ficou observando as meninas no berço. Ewren já estava dormindo, ele quis ficar a sós comigo e com as crianças para cuidar delas sozinho, isso me fazia sentir pior, como se fosse a última vez que o faria.
– São tão lindas não é? – disse Eirien acariciando Karin.
– São perfeitas... – falei me aproximando do berço e as olhando também.
– Não se preocupe, vamos voltar para buscá-las! Antes mesmo que você perceba estaremos de volta!
– Ainda bem que o tempo aqui passa um pouco mais lentamente que em relação à Amantia. – falei pegando as mãozinhas de Nyu e Asahi.
– Tenho uma coisa para você. – disse ela se afastando do berço e pegando um embrulho de couro no canto do quarto.
Ela me entregou, eu o abri cuidadosamente, o brilho do aço refletiu a luz das luas em meus olhos, pude ver meu reflexo em sua lâmina.
– A espada de Nellena? – perguntei segurando-a, seu punho era trabalhado em escamas negras de dragão.
– Ela pediu que eu lhe desse um pouco antes de morrer. – Eirien sorriu tristemente. – A de Arin ficou para Lórien e entreguei a de sua mãe para Serena! Foi Farahdox que as fez! – era justo, fiquei com a última lembrança de Nellena e Serena ficou com um pedacinho de nossa mãe já que ela não teve seu convívio como eu e as espadas foram forjadas pelo pai de Ewren.
– É estranho não é? Estarmos todos conectados por algo assim! – falei, Eirien me olhou e suspirou. - Obrigada por tudo Eirien! Se não fosse você, não sei o que seria de nós!
– Não tem de que, agora descanse! Partiremos antes do sol nascer! – ela me deu um beijo na testa e saiu do quarto. Fiquei olhando para a espada em minhas mãos por um longo tempo, pensando em todos os sacrifícios que elas fizeram por nós, a loba, a raposa e a gata. Queria tanto saber o porquê desses símbolos, porém era coisa de amigas, talvez só elas sabiam, eu ficaria para sempre sem saber o real significado deles. Havia algo que eu queria fazer, uma garantia, a certeza de que ficaria tudo bem.
Sai da casa no meio da madrugada em silêncio para ter certeza de que ninguém acordaria e me seguiria. Apenas Amaterasu notou que estava saindo escondida, então a levei comigo para não correr o risco dela acordar os outros. Fui em direção a montanha que Lórien havia realizado seu casamento com Medras.
Não havia ninguém por perto, certifiquei-me de ficar imperceptível, diminui Amaterasu e subi a montanha voando com uma ave feita de grama. Fui até o mais alto que pude, ficando bem perto do topo da montanha, o céu estava incrível como em todas as noites, as estrelas enormes pareciam desenhadas a mão e as três luas estavam em fases diferentes dessa vez, mas ainda assim brilhavam como nunca. Peguei a bolsinha de veludo que carregava comigo para todos os lados e tirei dela um dos cristais azuis da montanha de Vintro, girei o cristal nos dedos antes de estourá-lo com as mãos, fazendo uma fina poeira me circular, ela brilhava como purpurina no sol.
– Áries! – gritei. – Por favor, preciso de você! – falei bem alto olhando para o céu. Fiquei esperando ansiosa que ela me respondesse. Alguns minutos se passaram e nada dela aparecer. Respirei fundo, juntando todo o ar que pude nos pulmões. – ÁRIES! – berrei. Escutei um sonoro resmungo atrás de mim, virei-me rapidamente dando de cara com Áries sentada em uma pedra.
– Já havia escutado da primeira vez, não precisa gritar! – disse ela se levantando e vindo em minha direção.
– Desculpe, você ficou em silêncio, não percebi que já estava ai! – falei.
– O que você quer comigo, Sacerdotisa das Águas. – perguntou ela olhando-me com curiosidade, respirei fundo.
– Quero fazer um acordo com você. – falei a encarando seriamente.
– Que tipo de acordo? – perguntou ela desconfiada.
– Você é mais forte que Fairin, não é? – perguntei.
– Claro que sou! Com quem você pensa que está falando! – ela pareceu ofendida. – Mas não adianta me pedir para derrotá-lo, sou só a guardiã, regente dos doze mundos, não posso intervir nem fazer nada contra ele, por mais que queira. – disse ela.
– O que acontece se você intervir na vida nos mundos? – perguntei para planejar melhor minha oferta.
– Eu perderei minha forma humana, sendo condenada à ser um sol para sempre e nunca mais poderei usar meus poderes! – ela parecia mais desconfiada ainda. – Se eu matar alguém em qualquer um dos doze mundos eu morreria imediatamente, por causa de minha posição...
– Não era isso que ia te pedir, mas eu preciso de uma garantia... – falei.
– Como assim uma garantia? Seja direta Leona! – Áries era muito menos gentil que Sirius, ela era fria, literalmente!
– Quero lhe pedir para me ajudar a criar lacre, se as coisas fugirem do controle... – respirei fundo, pedir isso estava sendo mais doloroso do que imaginava que seria. – se perdermos para Fairin, quero quebrar o círculo dos doze, separar os mundos para que seja impossível transitar entre eles! E lacrar Amantia para que ele não possa sair de lá jamais! – Áries me olhou incrédula.
– Ficou louca? – perguntou ela.
– Não, você é a guardiã dos doze mundos não é? Você não pode intervir diretamente, mas sim indiretamente! – falei. – Se Fairin nos derrotar, ele vai descobrir de um jeito ou de outro sobre minhas filhas, e vai vir atrás delas! Quando ele conseguir o sangue delas você sabe o que vai acontecer! – falei segurando seus ombros pequenos com mais força do que precisava.
– Então você quer uma garantia que ele nunca as ache, é isso? – perguntou ela.
– Quero garantir que minhas filhas e que os doze mundos, pelo menos onze deles, estejam a salvo de Fairin! – meus olhos se encheram de lágrimas.
– Os mundos serão fechados, você nunca mais poderá vê-las se fizer isso! – advertiu-me Áries olhando-me com aqueles olhos negros e profundos.
– Eu sei... – fechei os olhos tentando ignorar o pavor que crescia em mim.
– O que eu ganho com isso? – perguntou ela.
– Sirius deu uma Bênção a seu próprio filho para que ele usasse seu sangue para destruir Fairin, mas você estaria disposta a deixa-lo morrer nas mãos dele para salvar os mundos? – perguntei. Ela ficou com uma expressão assustada.
– Nunca! – respondeu ela dando um suspiro. – Eu iria intervir...
– Se ele quiser atacar Hasan também, ele fará! E se você intervir e tentar salvar seu filho, nunca mais poderá estar com ele não é? – ela mudou para uma expressão angustiada. – Ele está apaixonado por Serena, ele vai com ela, conosco para Amantia mesmo se você pedir para ele não ir... – ela olhou para longe, para direção da casa, seus olhos se tornaram prateados e brilhantes, depois de alguns instantes ela se virou para mim novamente.
– O que você pretende fazer com ele se isso acontecer? – perguntou ela.
– Vou teleportar todos eles de volta para Evenox e quebrar o círculo dos doze! – falei.
– Se você o fizer, vai ficar presa à Amantia para sempre, o Lacre do círculo só pode ser quebrado do mundo de número Um ou no mundo de número doze, e você não poderia entrar no mundo espiritual a menos que já estivesse morta. – disse ela olhando-me bem no fundo da alma
– Eu já sabia... – falei engolindo as lágrimas.
– Vai abrir mão delas pela segurança de todos? – ela parecia não acreditar em mim.
– Não... mas vou abrir mão da minha vida por eles e para a segurança delas! – sorri. – Minha mãe me passou a missão de Acabar com a maldição, se eu não conseguir isso, pelo menos vou impedir Fairin de tomar o poder delas e conseguir conquistar os doze mundos e ficando presa em Amantia com eles, cedo ou tarde matarei Veruza! Assim nem o seu sacrifício, nem o de minha mãe e de Arin terá sido em vão! – disse-lhe erguendo a espada de Nellena.
Áries me encarou por um instante, segurou meu rosto e beijou de leve meus lábios, como se estivesse puxando algo de dentro de mim. Uma bola de luz saiu de dentro de mim. Ela soprou seu próprio poder na bola de luz, fazendo-a ficar tão grande que me fez desviar o olhar.
–Segure-a! – disse ela apertando a bola com as mãos até que encolhesse e ficasse com o tamanho de uma bolinha de gude. Segurei-a entre os dedos, era fria, mas havia uma forte energia dentro dela.
– O que é isso? – perguntei.
– Misturei nossos poderes ai, se der algo errado, você precisa estourar essa bolinha com todo seu poder assim que os teleportar para cá. Isso vai fazer com que a energia que une os doze mundos se desestabilize e seja rompida. Assim que o fizer, os vivos nunca mais poderão passar de um mundo para outro. – disse ela para mim.
– Entendi... – não consegui suportar a angústia que senti ao segurar aquilo nas mãos.
– Estou indo agora, não se esqueça de Hasan! – disse ela.
– Espere Áries! Tem mais uma coisa que preciso lhe pedir! – falei segurando sua mão.
– Pode falar. – ela se virou para mim.
– Quero que você deixe minha mente inacessível, para o caso de eu ser pega por Fairin, para que ele não saiba sobre elas! – falei me referindo as crianças – ele não sabe que as tenho!
– Se eu fizer isso, ninguém mais vai poder ter acesso a suas memórias, tudo bem? – disse ela.
– Entendi! – ela fechou as mãos como uma concha e murmurou palavras dentro dela. Quando abriu, haviam várias bolinhas pequenas azuis.
– Isso vai blindar a mente de qualquer um que as tomar, certifique-se de que todos que vão para Amantia amanhã as tome! – disse ela me entregando as bolinhas e dando-me um beijo na testa e desaparecendo.
Voltei para casa em silêncio, entrei no quarto seguida por Amaterasu que foi se deitar ao lado do berço. Peguei a bolinha com os nossos poderes e a coloquei dentro do punho da espada num recipiente que servia para colocar antídotos e fechando-o com cuidado para que não se abrisse. Fui até a cama, Ewren estava dormindo tranquilamente. Peguei uma das bolinhas e coloquei com cuidado em sua boca. Ela mal tocou em seus lábios e dissolveu, fazendo com que um brilho azul percorresse todo seu corpo e desaparecesse embaixo de sua marca apagada na testa. Tentei tocar sua testa e ver suas lembranças, nada, era como tentar ver por uma janela fechada. Andei pela casa silenciosamente e fiz o mesmo com Jocelinne
Serena, Hasan, Arcádius e Eirien, sobraram três uma era para mim, mas Medras e Lórien não iriam conosco. Amaterasu apareceu e ficou em pé nas patas traseiras e tocou minha testa com sua enorme cabeça. Vi em imagens bastante escuras Arin abaixando minha mão até ela e dando-lhe meu sangue.
– Ah! Amaterasu! Não sabia que podia ver as suas também! – falei sorrindo e lhe dando uma das bolinhas, a outra dei para feroz e a última eu tomei. Senti um pequeno incômodo, como se minha cabeça queimasse, mas passou rapidamente.
Voltei para o quarto e sentei na frente do berço, estiquei a mão por entre as grades e fiquei acariciando as bebês até o dia amanhecer, até a hora que Eirien começou a nos chamar.
–Você ficou ai a noite toda? – perguntou Ewren levantando da cama e beijando meu rosto, sacudi a cabeça afirmativamente. Nyu foi a primeira a acordar e chorar com fome, seu chorinho acordou as outras duas, preparei a mamadeira delas, Ewren me ajudou a dar as mamadeiras, dar banho e as vesti-las. Desci as escadas com Karin nos braços e Ewren com Nyu e Asahi.
Ainda estava escuro do lado de fora, me lembrei dos dias que minha mãe nos levava para o campo, sempre saíamos em dias assim.
Na varanda Lórien, Medras e Ervie estavam sentados no banco de madeira, Arcádius e Jocelinne estavam de mãos dadas na beirada do ancoradouro, Hasan brincava com suas espadas, Serena estava perto dele sorrindo para mim e Eirien nos olhava sorrindo também. Beijei as crianças, Ewren também.
– Eu amo vocês, por favor, não se esqueçam disso jamais! – falei baixinho para só elas e Ewren escutarem. As entregamos para eles.
– Queria estar ao seu lado nessa batalha, meu irmão! – disse ela abraçando Ewren.
– Eu sei! – disse ele sorrindo – Mas prefiro você aqui cuidando delas!
– Vou cuidar! – ela respondeu beijando Karin em seus braços.
– Nos todos vamos cuidar bem delas, meus amigos! – disse Medras nos dando um abraço apertado.
– Tomem cuidado! – Ervie veio até nós e nos abraçou também, como sempre ela estava fria, suas mãos geladas enviaram um choque através de mim. – Voltem logo porque pretendo voltar a Amantia com vocês! – disse ela sorrindo.
– Obrigada por tudo, tia! – agradeci.
– Lembre-se, não é um adeus! É um até Logo! – disse Lórien chorando. Assenti me afastando deles. Feroz nos acompanhou, quando o vi atrás de mim abaixei e peguei sua cabeça afagando seu focinho.
– Meu amiguinho peludo! – falei brincando com ele, tentando ao máximo não chorar. – Pode ficar aqui e cuidar delas para mim? – falei, ele deu um choro baixinho e lambeu minha mão, dando um passo para trás, depois virou-se de costas e voltou até a varanda onde os outros nos observavam em silêncio.
– Vamos? – perguntou Arcádius segurando seu cajado. Meu coração se apertou mas afirmei com a cabeça. Ewren segurou meu rosto e me beijou. O abracei com força, virei em direção a varanda e olhei uma última vez para aqueles rostinhos pequenos nos braços deles e fechei os olhos mais uma vez enquanto a imensa coluna de luz de Arcádius nos cobria e um forte vento fazia-nos voar para longe de Evenox.
Emilly Amite
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