Biblio "SEBO"
O sonho dourado de toda mulher é acordar em uma luxuosa suíte de hotel, de aliança e ao lado de um magnífico representante do sexo masculino. Para Amanda, porém, parecia um pesadelo. Ela não conseguia se lembrar do casamento, nem do marido, nem do próprio nome.
Nada daquilo fazia sentido, muito menos o homem com quem Amanda se casara. Brian era gentil e carinhoso, tudo o que uma noiva poderia desejar. Mesmo assim, escondia alguma coisa dela. E o mais intrigante era que Brian lutava conta a arrebatadora paixão que tomava conta de ambos...
CAPÍTULO 1
Ela abriu os olhos e, lentamente, tomou consciência de um rodamoinho. Um enorme e assustador rodamoinho que parecia consumir a tudo e a todos, ameaçando engoli-la inteira e arremessando-a, de ponta-cabeça, nas profundezas de um abismo escuro que não tinha mais fim.
O rodamoinho não estava do lado de fora. Estava do lado de dentro.
Ela era o rodamoinho.
Piscou os olhos, não só na tentativa de clarear sua memória, mas para ligar uma imagem, qualquer que fosse, à sua mente vazia.
Nada.
Não havia nada.
Com movimentos furtivos, olhou em volta, focalizando vários itens naquele quarto espaçoso e banhado de luz, procurando, esperando, com desespero, ver alguma coisa que lhe despertasse uma reação, um pensamento. O pânico apareceu, invadindo-lhe a alma.
Não havia nada de familiar ali em volta. Nem os arranjos de flores que pareciam preencher todos os cantos vagos do quarto, nem o cômodo em si.
E muito menos o homem seminu deitado a seu lado.
A simples constatação de que não estava sozinha fez com que se sentasse rapidamente na cama, o corpo rígido e alerta. O grito que surgiu em sua garganta acabou sendo abafado por uma força de vontade que não parecia ser sua. O instinto, por falta de uma palavra melhor, parecia tomar conta dela. Deixou-o governar todo o seu ser. Era tudo o que tinha.
Com os lábios apertados, olhou para o homem adormecido. Mais uma vez, constatou que sua mente estava vazia. Ele não lhe despertava nenhuma lembrança. Mas como aquilo podia estar acontecendo? Como não se lembrava do homem deitado na cama, a seu lado?
Naquele exato momento, uma terrível constatação invadiu-lhe o ser. Ela não sabia quem era.
Não sabia nem qual era o seu nome. Não havia lembrança alguma. Não havia nada, exceto o rodamoinho. E aquele quarto, onde dormia um homem.
Sentia-se mais surpresa do que amedrontada. O medo de verdade ainda não tinha tido tempo de apossar-se de sua mente. Apenas pairava sobre ela, esperando a hora de apertá-la com seus braços gelados.
Quem era ele? E por que dormia sobre as cobertas e não debaixo delas?
Rapidamente, debruçou-se sobre o estranho e começou a observá-lo, antes que o mesmo acordasse e começasse a fazer-lhe perguntas.
Perguntas que não poderia responder.
Ele usava um jeans desbotado que, mesmo durante o sono, aderia a seu corpo como uma segunda pele. Parecia ser alto. O tórax nu, de músculos bem torneados, revelava o gosto pela ginástica ou por outro esporte. Os cabelos eram escuros, quase pretos, e caíam displicentes sobre sua testa.
Sim. O homem era um completo estranho.
Dando um suspiro resignado, afastou lençol e se levantou. Ele nem se moveu.
Mas o quarto, sim.
O chão pareceu vir ao seu encontro e uma dor aguda nas têmporas fez com que soltasse um grito. Agarrou-se a uma das colunas da cama, tentando evitar uma queda. Foi bem-sucedida. Momentos depois, a tontura desaparecia e ela sentia-se um pouco mais forte.
Com medo de tê-lo acordado, olhou para o homem deitado na cama. Ele ainda dormia. Sentiu um grande alívio. Ainda não estava preparada para lidar com o tal sujeito. Não até que alguma coisa se esclarecesse em sua mente. Não até que se lembrasse de seu próprio nome.
Com muito cuidado, aproximou-se do armário em cuja porta havia um enorme espelho. A mulher ali refletida também era uma completa estranha. Uma estranha de olhos azuis e cabelos loiros compridos e lisos, usando uma camisola rendada que deixava muito pouco à imaginação. A mulher no espelho era muito bonita, quase linda. Ela não se lembrava de jamais ter visto aquele rosto.
Durante alguns momentos, a única coisa que conseguiu fazer foi olhar para o próprio reflexo, tentando adivinhar quem seria aquela mulher. Tentando adivinhar o que fazia ali.
Uma brisa leve vinda da janela semi-aberta começou a soprar, balançando-lhe os cabelos. Sentiu um pouco de frio. Deveria haver um robe em algum lugar. Com as mãos trêmulas, abriu o armário.
Sim. Havia um robe ali dentro. Pendurado bem ao lado de um vestido de noiva. Um vestido chique, sofisticado e elegante, provavelmente assinado por um costureiro famoso. Estendeu o braço e tocou-o com reverência, sentindo-se ainda mais confusa e assustada.
Tirou o robe do cabide e vestiu-o rapidamente, colocando a mão nos dois bolsos a fim de procurar alguma pista que pudesse lhe oferecer qualquer esclarecimento. Seus dedos ávidos encontraram algo no bolso esquerdo.
Segurando a respiração, ela levantou o objeto em questão e examinou-o com muito cuidado.
Era uma fotografia, uma Polaroid, onde ela e o homem adormecido sorriam para a câmera. Exceto que o estranho não vestia jeans e sim, um belo fraque, normalmente utilizado quando os homens se casam com mulheres de vestidos chiques, sofisticados e elegantes, assinados por costureiros famosos. Vestidos exatamente iguais ao que ela usava na foto.
Agora o pânico era realmente desesperador. Se havia mesmo se casado com aquele homem, por que será que não se lembrava de nada? Por que não sabia quem era?
Continuou a olhar para a fotografia, as lágrimas brotando de seus olhos.
— Ei, você já acordou!
Ela levou um susto tão grande, que quase deu um pulo. Mais nervosa do que nunca, virou-se novamente para a cama e olhou para o homem que lhe sorria. Um homem que, apesar da fotografia, ainda lhe era um completo estranho.
E estranhos não mereciam confiança.
— É o que parece, não é?
Brian Russell sentou-se na cama, recostando-se na cabeceira. Seu corpo estava todo dolorido. Havia passado quase a noite inteira acordado, observando-a. Ficara muito preocupado com ela. Também, depois de tudo o que acontecera... Esfregou os olhos, tentando espantar o sono que ainda sentia. E aproveitou para observá-la com cuidado.
Seria sua imaginação ou Amanda parecia estar um pouco estranha? Claro, houvera problemas, mas ele presumia que agora tudo já estivesse bem.
Talvez tivesse sido muito otimista cedo demais.
Voltou a encará-la. A expressão do rosto dela o assustou. Amanda parecia tensa, como se fosse um mergulhador à beira de um trampolim, prestes a dar um salto mortal. Um mergulhador que não tinha certeza se a piscina estava mesmo cheia de água. Ele levantou-se e aproximou-se dela.
— Como está se sentindo?
Dando um passo para trás, encarou-o com firmeza. Os traços marcantes, era um rosto de fácil lembrança, mas que naquele momento não lhe trazia nada a memória.
Respondeu-lhe com outra pergunta. Como eu deveria estar me sentindo?
Brian franziu a testa. Ela estava realmente muito estranha naquela manhã. E não era sua imaginação. O que será que estava havendo por ali?
Deu de ombros.
— Não sei. É você quem deve me dizer.
Não era possível. A conversa entre eles estava se transformando numa espécie de debate. Além disso, era evidente que ela vinha tentando manter uma certa distância dele.
A fim de testar sua própria teoria, ele estendeu a mão e tocou o braço dela. Amanda esquivou-se daquele contato. A expressão de seu rosto dizia que estava com medo de ser atacada. O que estaria acontecendo com ela? Pensou na noite anterior, mas de nada se recordava.
Brian aproximou-se mais um pouco.
— Você fez um galo grande na cabeça ontem à noite. Ainda está doendo?
— Galo?
De que estava falando? Tentou se lembrar de alguma coisa, mas sua mente permaneceu como antes: vazia.
Brian continuou a encará-la. O galo na testa dela estava bem menor, como o médico dissera que iria acontecer. Tudo já deveria estar bem naquela altura dos acontecimentos.
— Sim, um galo. — Ele estudou seu rosto. — Você bateu o lado esquerdo da testa... Ei, Amanda, o que está havendo com você? Não está se sentindo bem?
Amanda. Era aquele o seu nome? Passou as mãos pelos cabelos, num gesto que mostrava nervosismo e insegurança.
— Você me chamou de Amanda? Engraçado, esse nome realmente me parece familiar...
O que estava acontecendo? Do que ela estava falando?
— Ora, é evidente que esse nome lhe parece familiar, Amanda! É o seu nome, será que já se esqueceu?
Ela continuou a encará-lo com uma expressão muito estranha no rosto. Ele não estava gostando nada daquilo. Dando mais um passo à frente, encostou as duas mãos em seus ombros. Ela estava trêmula. O estranho era que não fazia frio no quarto. Olhou bem dentro de seus olhos, em busca de uma resposta, mas só percebeu um brilho de puro pavor. A mulher que conhecera já não existia mais.
Com voz calma e controlada, perguntou:
— O que está acontecendo, Amanda?
Ela não sabia o que responder. Não sabia sequer quem era. Nada por ali parecia fazer sentido.
Encarou o homem à sua frente. Poderia confiar nele? A confiança lhe era algo tremendamente importante. Sabia daquilo. Como sabia também que não tinha outra escolha. Precisava confiar nele. Precisava deixar alguém entrar naquele mundo escuro e solitário no qual se encontrava.
Hesitante, molhou os lábios e anunciou:
— Eu não sei quem sou.
Brian tirou as mãos de seus ombros e deu um passo para trás.
— Não é hora para brincadeiras, Amanda.
Já bastante assustada, a reação de aborrecimento daquele indivíduo deixava-a ainda mais constrangida.
— Eu não estou brincando.
Ele abriu a porta do armário e apanhou uma camiseta pólo azul-clara.
— Bem, agora trate de se apressar. Temos de estar...
Parou de falar subitamente e olhou para ela. Amanda ainda estava ali, no mesmo lugar, parecendo uma estátua.
Jamais a vira daquele jeito antes. Jogou a camiseta em cima da cama.
— Pelo amor de Deus, querida, você está falando sério?
Mordendo os lábios para evitar que tremessem, ela fez que sim com a cabeça. Tentou conter as lágrimas que começavam a aparecer novamente em seus olhos, mas foi impossível.
— Estou.
A resposta dita em voz rouca ecoou pelas quatro paredes daquele quarto de hotel. Além da janela, sete andares abaixo, as pessoas que lotavam Las Vegas à procura de diversão e dinheiro fácil iam e vinham, alheias ao que acontecia àquele estranho casal e seu drama pessoal.
Surpreso e muito, muito confuso, Brian sentou-se na cama, seus olhos verdes firmes no rosto dela. Se Amanda estivesse mentindo, ele iria descobrir. Se aquilo não passasse de uma piada de mau gosto, ele a mataria. Lentamente.
— Você está querendo dizer que não se lembra de nada?
O que ela poderia fazer para convencê-lo da verdade?
— Estou lhe dizendo que não sei quem sou.
Ela não estava brincando. Estava falando sério. E agora, o que é que eu faço? Brian não tinha a mínima idéia.
A moça percebeu que ele ficara arrasado com a revelação. Ainda mais arrasado do que ela própria, se é que aquilo fosse possível.
Guardou a fotografia no bolso do robe com muito cuidado.
— Você é meu marido?
Os pensamentos passavam pelo cérebro dele como se fossem megabytes de informação sendo processados num computador. A pergunta o deixou ainda mais assustado. Então fitou-a em silêncio durante alguns instantes, surpreso com a pergunta.
— O quê?
Ela voltou a tirar a foto do bolso.
— Eu perguntei se você é meu marido.
Pela primeira vez, ela olhou para as mãos. Havia anéis em seus dedos. Anéis enormes e magníficos, os impressionantes brilhantes faiscando sob a luz do candelabro. E uma aliança de ouro na mão esquerda.
Pelo menos um de nós, pensou ela, é muito, muito rico.
Brian passou a mão pelos cabelos. Aquilo complicaria tudo. Por que Amanda não tivera mais cuidado na noite anterior? Ele havia lhe dito para permanecer no hotel, mas ela era uma grande cabeça-dura e o seguira. Então, sofrera a queda.
A risada que saiu de sua garganta soou estranha até para seus próprios ouvidos.
— Eu sou...
Debatendo-se em pensamento, ele tomou uma decisão, torcendo para que não estivesse cometendo um erro. Caso estivesse, o preço a ser pago seria muito alto.
Deu um passo à frente e voltou a colocar as duas mãos em seus ombros. Com ainda um restinho de esperança dentro do coração, olhou bem dentro de seus olhos mais uma vez.
Não. Ela não estava brincando mesmo. Podia ser uma moça alegre e cheia de truques, mas nunca havia ido assim tão longe. Que azar! Por que ele não a trancara no quarto na noite anterior? Bem, mas agora já era muito tarde para responder àquelas perguntas.
Um sorriso forçado apareceu em seus lábios. Com a prática que tinha, conseguiu que esse sorriso chegasse a seus olhos. Um homem tinha de fazer qualquer coisa para sobreviver.
— Sim. Eu sou seu marido.
Ela possuía a fotografia e a aliança como provas concretas, mas, mesmo assim, tal afirmação não encontrava eco nos confins de seu cérebro. Não se lembrava de absolutamente nada. Tentou esconder sua frustração.
— Então você sabe meu nome.
Ele estendeu a mão a fim de acariciar-lhe o rosto.
— É claro que sim! Talvez, se o ouvisse...
— E qual é ele? Você me chamou de Amanda. Amanda do quê?
O negócio prometia ser bem difícil. E longo. O problema era que, agora, não dispunham de muito tempo... Que situação difícil e complicada...
Tentando ser o mais gentil possível, ele a tomou pela mão e fez com que se sentasse na beirada da cama.
— Bradshaw. Seu nome é Amanda Ann Bradshaw. Ele lhe traz alguma lembrança?
Não. Não trazia. Desapontada, ela balançou negativamente a cabeça.
Bem, pensou ele, preciso continuar com meu jogo.
— Na verdade, agora você assina Russell no final do nome. Nós nos casamos há dias numa capela nos arredores de Las Vegas. É onde estamos agora. No Hotel Zanadu, um dos melhores da cidade.
Era engraçado. Ela não tinha a mínima idéia de quem fosse, mas, de um modo ou de outro, algo lhe dizia que não era o tipo de pessoa que quisesse se casar em Las Vegas, um lugar sem tradição, muito menos classe!
E ainda por cima, havia as roupas.
Confusa, apanhou novamente a fotografia e estudou-a com cuidado.
— Esse vestido de noiva não é muito sofisticado para um casamento em Las Vegas?
O sorriso nos lábios dele ainda não tinha desaparecido.
— Você disse que queria uma roupa chique, mesmo que o local não o fosse.
— Mas por que Las Vegas? — ela insistiu. Os anéis de brilhantes eram verdadeiros. Aquilo significava que havia dinheiro de sobra para um lindo casamento em qualquer lugar do mundo. — Por que não Roma ou Paris?
O sorriso dele ficou ainda mais largo.
— Digamos que estávamos com pressa.
Pressa? Mas pressa por quê? Será que... estava grávida? Por Deus, era só o que faltava!
— Havia alguém da minha família no nosso casamento? Meus pais? Irmãos? Irmãs?
Ela tentou se lembrar de algum rosto familiar, mas sua mente permaneceu completamente vazia.
Encarando-a, com firmeza, ele respondeu com voz calma:
— Você não tem ninguém.
— Nem mesmo... um irmão?
Seus lábios pronunciaram bem aquela última palavra. Já a tinha dito antes. Irmão.
— Você tinha um irmão, Amanda. Pelo que me contou, ele morreu há algum tempo.
Morte... Alguém tinha morrido. Um irmão. Seu irmão.
Amanda deu um suspiro. Estava sozinha no mundo. Talvez aquilo explicasse o vazio que sentia na alma. Um vazio estranho, que nem seu recente casamento parecia preencher.
— Então... isso quer dizer que eu só tenho você?
A culpa apareceu para assombrá-lo. Tentou engoli-la. Lançando-lhe um olhar cheio de simpatia, tomou a mão dela nas suas e a apertou.
— Isso mesmo.
Meneou a cabeça demonstrando absorver a informação.
— E como você se chama?
— Brian. Brian Russell.
O nome não lhe dizia nada.
Com muita suavidade, ele afastou os cabelos da testa de Amanda e tocou no galo que tinha se formado na noite anterior. Teve a impressão de que estava bem menor. O raio X tirado no pronto-socorro logo após a queda revelara que não havia nenhum motivo para alarme. Não houvera contusão e o médico lhes assegurara que ela ficaria como nova depois de uma boa noite de repouso.
Como nova. Sim. É claro. Pelo visto, o tal médico obtivera seu diploma numa faculdade de segunda categoria.
Brian levantou-se, as mãos ainda em seus ombros. Quinton costumava acordar tarde. Aquilo lhe daria mais algum tempo para agir.
— Olhe, que tal voltarmos para o hospital?
Ela ficou ainda mais confusa.
— Voltarmos? Como assim?
Aquilo prometia ser complicado. Muito complicado.
— Eu a levei para o pronto-socorro ontem à noite, depois que você bateu a cabeça.
— E como foi que... que isso aconteceu?
Ele já havia pensado na resposta. Resolvera formulá-la na noite anterior, no momento em que voltavam do hospital. No caso de alguém perguntar.
— Você tropeçou na beirada da piscina coberta aqui do hotel. A noite estava tão bonita, que resolvemos dar um mergulho.
Ela tentou se lembrar de algo. Piscina... Mergulho noturno... Nada. Sua mente permanecia vazia como o espaço infinito.
— Eu perdi a consciência?
— Não. Foi por isso que, a princípio, você não quis ir ao hospital. Disse que não havia necessidade, pois estava se sentindo bem.
— Mas mesmo assim, acabei indo.
— Sim. Eu insisti muito. Estava ficando preocupado. Como estou agora. Vamos, vista-se logo. Quero saber o que o bom médico que a atendeu ontem à noite tem a nos dizer.
Antes, porém, que ela pudesse dizer alguma coisa, ouviu-se uma batida forte na porta.
CAPÍTULO 2
Alguém bateu de novo, mais forte do que a primeira vez.
— Serviço de quarto — soou uma voz grave do outro lado da porta.
Muito estranho. Brian não tinha pedido nada.
Olhou para a porta, tentando decidir o que fazer. Não podia despertar nenhuma suspeita. Suspeita que ela poderia vir a ter.
Permaneceu firme onde estava.
— Eu não pedi nada.
— Sei disso, senhor. É uma cortesia de Richard Quinton. Ele deixou ordens para que lhe trouxéssemos o maior café da manhã que nossa cozinha costuma servir.
Brian relaxou ligeiramente. Mas no momento em que Amanda caminhou para a porta, ele a pegou pela cintura. Ela franziu a testa, cada vez mais confusa. Ele balançou a cabeça, colocando-se entre Amanda e a porta.
— Pode deixar que eu abro.
Ela podia não se lembrar de nada, mas era esperta o suficiente para notar um ar de preocupação em seu rosto. Por que será que ele estava agindo de modo tão estranho? Afinal de contas, era somente o café da manhã que estava chegando... Aquilo não fazia o mínimo sentido.
Aliás, nada parecia ter lógica.
Amanda afastou-se para o lado, observando Brian. Ele abriu apenas uma fresta da porta, espiou lá fora, então acabou abrindo o resto.
A atenção dela agora se voltava ao carrinho que o copeiro empurrava para dentro do quarto. Ali em cima, havia tantas travessas cobertas, que não sobrava espaço nem para uma formiguinha.
O copeiro levou o carrinho até a janela e, fazendo uma mesura, começou a tirar as várias tampas, revelando um banquete digno dos deuses: pães de vários tipos, manteiga, potes de geléia de morango, cereja e uva, queijos variados, omeletes, waffles, torradas, bolos, além de bules de café, leite, chá e chocolate. Ao terminar a exposição, o copeiro entregou um bilhete dobrado a Brian.
Abrindo-o, ele leu a única frase em voz baixa:
"Coma bem. Richard Quinton."
Curiosa, Amanda aproximou-se dele e, espiando por trás de seu ombro, também leu a mensagem. Voltou a atenção para o banquete ali adiante.
— Quem é esse tal de Richard Quinton?
Deixando o bilhete de lado, Brian tirou uma nota de cinco dólares do bolso de seu jeans e entregou-a ao copeiro, que agora não tirava os olhos das pernas de Amanda. Brian não podia culpá-lo.
Momentos depois, quando a porta se fechou atrás do rapaz, ele aproximou-se do carrinho e começou a examinar aquelas delícias.
— Richard Quinton é o homem cuja vida eu salvei ontem.
Amanda arregalou os olhos.
— O quê?
Ele apanhou um prato e começou a se servir.
— Estávamos no campo de golfe, nós, Quinton e a mulher que o acompanhava. Se não me engano, seu nome era Sally.
Não. Brian não se enganava. Sabia perfeitamente tudo o que era necessário a respeito do casal, desde o tamanho de suas roupas íntimas, até o nome das escolas que haviam frequentado quando crianças. Só que não havia motivos para fazer comentários sobre aqueles fatos agora. Tal procedimento só iria servir para gerar mais dúvidas e perguntas.
Serviu-se de uma farta porção da comida e, sentando-se na cama, começou a se deliciar com o banquete.
— Richard Quinton e a moça estavam jogando a pouca distância do local onde nós nos encontrávamos. Jogavam muito mal, diga-se de passagem. Então, um carrinho desgovernado surgiu do nada e foi avançando em direção a ele.
Amanda também não resistira ao cheiro dos pratos ali expostos, então se satisfez com uma boa quantidade de quitutes.
— E aí, o que aconteceu?
— Se eu não tivesse dado um jeito de empurrar o coitado, a uma hora dessas ele não estaria mais no mundo dos vivos.
Brian Russell disse aquilo com tanta naturalidade, que era como se estivesse acostumado a salvar vidas diariamente. O que será que ele era? Médico? Bombeiro? Não fazia idéia.
Começou a comer, descobrindo de súbito que estava faminta.
— O dia, ontem, deve ter sido muito difícil. Tão difícil, que eu nem consigo me lembrar.
— Acabará se lembrando, Amanda. Tenho certeza. Pelo menos era o que ele esperava.
Se ela não recuperasse logo a memória, ele estaria em maus lençóis.
Levantou-se e foi servir-se de mais algumas delícias.
— Acho que o pessoal dessa cozinha jamais ouviu falar em colesterol. Meu médico teria um infarto se visse tudo o que estou comendo. E você, também está com fome?
— Sim. Meu estômago estava tão vazio quanto a minha cabeça.
Brian riu. O senso de humor de Amanda permanecia inalterado.
— Você sempre gostou de comer bem. Sorte sua que não tem a mínima tendência para engordar. Pelo visto, tudo o que passa por seus lábios se transforma em energia pura no mesmo instante.
Ela sabia que aquilo era verdade, mesmo que não conseguisse se lembrar de nada específico que pudesse confirmar o fato. Mesmo naquele momento tão difícil de sua vida, sentia a adrenalina correr solta por todo seu organismo. Adrenalina acompanhada por outra coisa: curiosidade.
— Eu sou uma pessoa ativa?
Brian sorriu. Pelo menos no que dissesse respeito àquele assunto, estaria navegando em águas calmas.
— Ativa não é a palavra mais adequada para descrevê-la, Amanda. Você é simplesmente infatigável.
Brian dissera aquilo com um sorriso misterioso nos lábios e ela tentou adivinhar se a palavra infatigável se aplicava a tudo, ou se ele se referia a algo mais específico, por exemplo, no campo sexual.
Tentou se lembrar de como ambos se davam na cama. Não conseguiu. É, devia mesmo estar muito mal. Como podia ter feito amor com aquele homem bonito e cheio de charme... E se esquecer completamente? Bem, de qualquer forma, seria um prazer voltar a amá-lo e redescobri-lo como homem.
Brian limpou os dedos num guardanapo de linho, livrando-se das migalhas. Havia um sorriso matreiro nos lábios de Amanda. No que será que ela estava pensando? Venderia sua alma para descobrir. Ou ao menos, a alugaria.
— Por que está rindo, Amanda?
— Não estou rindo. Estou achando apenas que vai ser divertido descobrir os vários aspectos de minha personalidade.
Ele não achava que o processo fosse oferecer tanta diversão assim, mas não quis discutir o assunto no momento.
— Bem, acho que já comi o suficiente. Vou tomar um banho, depois iremos ao pronto-socorro, está bem?
Amanda observou-o entrar no banheiro e fechar a porta. Terminou de comer, colocou o prato vazio em cima do carrinho e, pelo barulho da água, percebeu que ele havia ligado o chuveiro.
Brian Russell. Seu marido. Um homem e tanto, sem dúvida nenhuma. Forçou a mente, tentando lembrar-se de seu corpo. Não conseguiu. Bem, se o passado estava esquecido, sempre haveria o presente. E o futuro.
Se Amanda hesitou, foi apenas por um segundo. Momentos depois, abria a porta e, com um sorriso maroto nos lábios, entrava no banheiro.
Foi saudada por uma nuvem de fumaça, como se estivesse numa espécie de sauna. Seu marido devia gostar de banhos bem quentes. Apesar da névoa, pôde avistar perfeitamente a silhueta de Brian atrás do vidro do box. Sentiu um friozinho na barriga. Conforme previra, o corpo dele era espetacular.
Mordendo os lábios, empurrou a porta e entrou.
Brian quase soltou um grito de susto. Mas que diabo estaria acontecendo por ali? Onde Amanda estava com a cabeça, para invadir o box daquele jeito? Será que havia ficado maluca? O mesmo sorriso misterioso de momentos atrás reaparecera em seu rosto.
— O que você quer, Amanda?
Ela ficou surpresa com a pergunta. Ora, o que mais uma mulher em plena lua-de-mel iria querer, ao entrar no box onde seu marido tomava banho?
— Eu... só estava querendo olhar para você. Curiosidade, você entende.
Ele ficou vermelho como um pimentão.
— Pode ficar sossegada, todas as minhas partes funcionam perfeitamente.
O embaraço de Brian era tão visível, que não era possível escondê-lo.
— Brian, você está com vergonha de mim?
Era algo difícil de se acreditar. Ele era seu marido. Além disso, tinha um corpo deslumbrante. Então por que ficara vermelho daquele jeito?
Para azar dele, ela não parecia disposta a ir embora. Dando um suspiro resignado, Brian fechou a torneira e, saindo do box, enrolou-se numa toalha.
— Claro que não. É que estou muito preocupado com você. Quero chegar ao pronto-socorro o quanto antes e ver o que os médicos têm a dizer a respeito de sua falta de memória.
Amanda não acreditou naquela desculpa furada. Era evidente que Brian estava morrendo de vergonha e a queria fora daquele banheiro o quanto antes. Muito estranho. Eles eram casados! E há muito tempo tinham dado adeus à adolescência. Ora, aquilo não era jeito de um homem adulto se comportar na lua-de-mel. Abriu a boca para fazer algum comentário a respeito, mas acabou mudando de idéia.
— Está bem. Acho que também vou me vestir.
— Ótimo. — Ele abriu a porta do banheiro para ela. — Estarei com você num minuto.
Ela olhou para a porta aberta.
— Ha... É claro.
Brian não a queria no banheiro, vendo-o enxugar-se e vestir-se. Por quê? Aquilo tudo não fazia sentido!
Voltando ao quarto, abriu o armário e examinou as roupas ali guardadas. Jeans, camisetas e malhas, em sua maioria. Alguns short e biquínis. Pelo visto, ela era uma mulher muito esportiva.
Vestiu-se rapidamente, tentando adivinhar o que seria de sua vida dali em diante. De uma coisa, porém, tinha certeza: até que o negócio todo não estava sendo tão ruim assim.
Muito pior teria sido acordar e... descobrir que tinha se casado com um homem feio e sem graça.
O médico de plantão, o dr. Baldwin Kellerman, um homem grande e forte de uns quarenta e cinco anos, balançou a cabeça depois de ter examinado Amanda por mais de meia hora.
— Meus caros amigos, gostaria que entendessem que a medicina está apenas engatinhando no que se refere ao cérebro humano, principalmente na área da memória. Temos poucas certezas a respeito da amnésia e de suas consequências. Talvez, sra. Randall, acabe se lembrando de tudo amanhã mesmo... ou não.
— O que o senhor quer dizer com esse "ou não"? — perguntou Brian. — Que ela pode passar anos nesse estado?
O dr. Kellerman levantou as duas mãos, num gesto que demonstrava tristeza e impotência.
— Isso é possível, mas, na minha opinião, não provável. Meu palpite é de que a sra. Randall recupere a memória dentro de alguns dias. Quem sabe até de algumas horas. O importante agora é fazê-la descansar bastante e mantê-la afastada de qualquer situação que envolva tensões e nervosismo.
Brian coçou o queixo. Como se aquilo fosse possível... O médico continuava a dizer qualquer coisa.
— Sugiro, sr. Randall, que seja bastante compreensivo com sua mulher e que converse com ela a respeito de coisas que lhe sejam familiares. Fale sobre seus parentes, sobre a cidade onde nasceu, sobre seu trabalho. Infelizmente, não há mais nada a fazer. O jeito é esperar e ver o que acontece.
Brian odiava a espera. Porém, daquela vez, não tinha outra alternativa.
— Certo, doutor. Agora, só mais uma perguntinha. Por que as coisas aconteceram desse modo? Quero dizer, por que Amanda perdeu a memória assim que acordou essa manhã, e não ontem à noite, na hora em que bateu a cabeça?
O dr. Kellerman balançou a cabeça.
— Bem que eu gostaria de saber. Como lhe disse, o cérebro humano ainda é um grande mistério para nós, os médicos. — Ele abriu uma gaveta de sua mesa e apanhou um dos vários cartões que havia ali dentro, entregou-o a Brian. — Aqui está o nome de um bom neurologista aqui da cidade. Vocês podem consultá-lo, mas creio que ele vai dizer a mesma coisa que eu. O negócio é esperar e ver o que acontece.
Brian guardou o cartão no bolso. Olhando para o rosto de Amanda, percebeu que ela não estava disposta a consultar outro médico, seja ele quem fosse. Principalmente se a pessoa em questão não pudesse ajudá-la em nada. Não podia culpá-la. Ele, em seu lugar, estaria agindo da mesma forma.
Levantou-se e estendeu a mão ao médico.
— Muito obrigado por tudo, dr. Kellerman. O senhor foi muito gentil.
— Por favor, me avisem se alguma mudança ocorrer. Gostaria de acompanhar esse caso de perto.
— Nós avisaremos — prometeu Amanda.
Desde que houvesse mesmo alguma mudança. Poderia não haver nenhuma. Só de pensar naquilo, ela sentiu um arrepio de horror.
Deixaram o hospital e, de mãos dadas, caminharam até o estacionamento do outro lado da rua. O céu estava lindo, um azul intenso sem sombra de nuvens.
— Bem, e agora? — perguntou Amanda. — O que vamos fazer?
Brian abriu a porta do carro para que ela entrasse.
— Vamos voltar para o hotel. Não se esqueça do que disse o médico, você precisa de muito descanso.
Amanda não estava com a mínima vontade de descansar. Algo lhe dizia que um passeio agora iria lhe dar novas forças para enfrentar seu problema. Se pensasse bem, veria que as coisas não eram assim tão negativas como pareciam. Tudo bem, perdera a memória. Mas era jovem, bonita, provavelmente muito rica e estava casada com um homem que, de zero a dez, receberia tranquilamente a nota máxima. Nada mal.
Esperou que Brian entrasse no carro e desse a partida, então sugeriu:
— Que tal darmos uma volta por aí? O dia está tão lindo...
Ele não esperava por aquilo.
— Uma volta? Tem alguma preferência?
Amanda deu de ombros.
— Ora, para qualquer lugar. O que eu não quero é ficar trancada naquele quarto de hotel esperando que minha memória volte num passe de mágica. Quero passear, ir a um lugar bem gostoso, conversar com você...
A parada prometia ser muito dura.
— Acho que não vai ser possível, Amanda. Ficamos de nos encontrar com Richard Quinton à uma hora.
Ela olhou para o relógio digital no painel do carro. Passava do meio-dia.
— Richard Quinton... Ah, o homem que nos mandou aquele banquete no café da manhã.
Brian concordou com um gesto de cabeça.
— O próprio.
Amanda mexeu-se no banco.
— Olhe, Brian, eu sei que não tenho muita experiência no assunto, mas os recém-casados não costumam ficar sozinhos?
Brian nunca havia imaginado que, um dia, estaria vivendo aquele pesadelo maluco.
— Não se esqueça de uma coisa, Amanda. Essa não é uma cidade onde as pessoas costumam ficar sozinhas. Estamos em Las Vegas, terra das apostas e das emoções. Além disso, teremos nossa vida inteira para ficarmos a sós. — Ele virou-se para ela. Havia uma expressão esquisita em seu rosto que não soube decifrar. — De qualquer modo, quanto mais pessoas houver à sua volta, mais chances você terá de se lembrar de tudo. Alguém poderá fazer algum comentário qualquer, que acabe desenterrando as lembranças do fundo de sua mente.
— Ah, sim, é claro.
Ela não parecia estar convencida. Brian, porém, não tinha tempo de prolongar a discussão sobre tal assunto. Já que não havia nada que pudesse fazer a respeito da amnésia de Amanda, pretendia manter as coisas do jeito que estavam. E rezar para que sua memória não voltasse na hora errada.
Resolveu mudar de assunto.
— Como está se sentindo?
— Sem contar o fato de que minha mente parece estar cheia de algodão?
Brian sentiu pena dela. Amanda devia estar sofrendo muito.
— Sim. Sem contar esse pequeno detalhe triste do destino.
Ela deu de ombros.
— Bem. Nada está doendo, nem a cabeça. A enxaqueca passou completamente.
— Que bom. Fico contente de saber.
Amanda ficava mais confusa a cada momento que passava. Eles estavam conversando como se fossem dois perfeitos estranhos. Já era hora de passarem a se comunicar como marido e mulher.
— Olhe, Brian, eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas...
Ele deu um suspiro cheio de resignação. A dor de cabeça de Amanda podia ter passado, mas a dele estava só começando.
CAPÍTULO 3
Muitas perguntas se acumulavam desordenadamente na cabeça de Amanda, e ela não se conteve e fez a primeira de uma série, sem se preocupar muito com a ordem das questões.
— Como nós nos conhecemos?
Brian se sentiu no meio do fogo cruzado, que, aliás, tinha sido exatamente a ocasião em que ambos tinham se visto pela primeira vez: durante um tiroteio. Mesmo em meio à dramática situação, não deixara de notar que ela possuía um traseiro sensacional. O resto, como verificara depois, também não o desapontara.
Parou num sinal vermelho e observou três senhoras de idade atravessarem a rua a passos lentos, bem à sua frente. Provavelmente estavam a caminho de algum cassino, a fim de gastarem os dólares guardados em suas finíssimas bolsas.
— Fomos apresentados por amigos comuns.
A resposta era muito vaga. De propósito, é claro. Os amigos comuns em questão eram pessoas das quais não podia falar no momento. Contar a verdade agora só iria piorar a situação.
Amanda estava começando a ficar irritada. Como era difícil obter alguma informação daquele que afirmara ser seu marido! Será que ele sempre fora assim tão quieto e reservado?
— Como eles se chamavam?
Nomes. Ela queria nomes. Olhando para a esquerda, viu um cartaz anunciando uma peça de teatro que iria estrear na semana seguinte. Resolveu arriscar.
— Cassidy. Joe e Desirée Cassidy.
— E como foi nosso primeiro encontro?
A mente de Brian começou a funcionar com uma rapidez incrível.
— Eles deram uma festa no reveillon e nos convidaram. Quando o relógio bateu meia-noite, todos se abraçaram e... eu a beijei.
Aquilo parecia algo muito romântico. Será que Brian era romântico? Se fosse, devia estar escondendo muito bem seu romantismo.
— Há quanto tempo isso aconteceu?
— Nesse ano mesmo. — Ele olhou para a aliança na mão dela. — Foi amor à primeira vista.
Amor à primeira vista... Não podia mesmo ter sido diferente. Pelo menos, no que se referisse a ela. Brian exalava charme e sensualidade por todos os poros. Era difícil não se apaixonar por um homem assim.
Amanda meneou a cabeça.
— Posso compreender perfeitamente.
Ele olhou para ela.
— Por quê?
Não havia motivo para não ser sincera com seu próprio marido.
— Porque você é um homem muito atraente.
Brian Russell teve de fazer um esforço incrível para não cair na risada. Como Amanda iria odiá-lo quando se lembrasse de toda a verdade! Ainda assim, tinha de admitir que estava muito tentado a continuar com aquela história durante mais algum tempo. Tentou expressar inocência nas palavras.
— Você acha mesmo?
Ela passou a mão pelos cabelos dele. Eram macios e sedosos.
— Sem dúvida. Estou muito contente de ter me casado com você porque o acho incrivelmente sensual. — Amanda fez uma pausa, então continuou: — E você, Brian? Também me acha atraente?
Sim, ele achava. Muito atraente, se quisesse ser bem sincero.
Mas aprendera a conviver com o fato. Respondeu sem encará-la.
— Mas é evidente que sim.
Ele disse aquilo como teria feito um homem que estivesse casado havia muitos anos. Entretanto, ambos eram recém-casados e ela queria mais. Tentou fazê-lo entender a questão.
— Por que você não me diz isso de uma maneira mais romântica? — Ela abaixou a voz. — Vamos, Brian querido, estou esperando...
Ele não achava difícil mentir. Aquilo era uma questão de necessidade na vida que escolhera. Era com a verdade que tinha problemas.
— Eu... acho você uma mulher muito atraente, Amanda.
Ela deu um suspiro desanimado. Ele não tinha entendido nada!
— Diga isso de outra maneira, Brian. Por favor.
Ela podia estar sofrendo de amnésia, mas não tinha se esquecido de ser uma cabeça-dura insistente. Brian começou a ficar impaciente.
— Mas de que outra maneira, Amanda?
— Diga que me ama. Eu acho que estou precisando ouvir isso.
Ela não achava. Tinha certeza. Sabia que estava implorando por uma declaração, mas não importava. O orgulho que fosse deixado de lado.
Brian deixou escapar um suspiro de puro desânimo. Por um momento, sentiu-se tentado em contar a verdade, mas depois acabou desistindo. Ela poderia se chocar a tal ponto, que sua mente iria afundar ainda mais. Então, respirando fundo, preparou-se para dizer a frase que jamais alguém ouvira de sua boca. E, se alguém tivesse ouvido, não teria sido ela.
CAPÍTULO 4
— Eu te amo — ele murmurou, sem muita convicção.
Amanda franziu a testa, visivelmente desapontada. Ele havia dito aquilo com a mesma emoção que alguém demonstraria ao pedir uma porção de batatas fritas e uma Coca-cola na lanchonete da esquina.
— Você não me parece sincero. O que está acontecendo?
Como era típico de Amanda dificultar as coisas daquele modo...
— Estou falando a verdade — mentiu ele. — É que sou um homem tímido e, às vezes, expressar meus sentimentos é uma tarefa complicada.
Amanda passou a mão pelos cabelos, um pouco desconfiada. Era estranho, mas a timidez não parecia fazer parte das características do homem com o qual havia se casado.
— Eu... ha... entendo.
Brian percebeu que ela não acreditara em uma só palavra do que ele dissera. Então, porque se tratava de Amanda e realmente se importava com seu bem-estar, acrescentou:
— Acho que estou esquisito desse jeito por causa da preocupação com sua saúde. Nunca pensei que uma coisa dessas pudesse acontecer com você. Peço que me compreenda e me perdoe.
Ele parecia sincero. Amanda virou a cabeça em sua direção e sorriu.
— Sou eu que devo me desculpar, Brian. Não devia ter pressionado você desta forma.
Brian deixou escapar um suspiro de alívio. Ela estava acreditando na história. Graças a Deus. Estendeu o braço e apertou-lhe a mão.
— Nós vamos sair dessa, Amanda. Pode ter certeza.
Ela acreditava. Seus instintos lhe diziam que podia confiar naquele homem.
Pouco depois, Brian parava o carro alugado em frente ao hotel onde estavam hospedados. Um manobrista alto vestido como se fosse um eunuco guardando o harém de um sultão adiantou-se e abriu a porta para Amanda. Ela teve de fazer força para não rir daquele absurdo.
— Roupa bonita, meu rapaz.
O manobrista sorriu, mostrando dentes muito brancos que faziam contraste com sua pele escura.
— Trabalhar aqui tem suas vantagens, madame. Uma delas é que não precisamos gastar dinheiro quando somos convidados para um baile à fantasia.
Brian entregou-lhe as chaves do carro e, colocando o braço no ombro de Amanda, entraram no hotel. Imediatamente, ela sentiu como se uma corrente elétrica atravessasse sua espinha. Bastava um leve esbarrão para seu corpo responder rapidamente.
— Escolhi uma hora horrível para perder a memória — ela cochichou em seu ouvido. — Bem na nossa lua-de-mel. Mas mesmo assim, as coisas ainda não estão totalmente perdidas.
— É verdade — ele concordou, com certa cautela. O que será que ela estaria planejando? — Você tem razão.
— Nós ainda poderemos nos divertir muito.
Brian teve a impressão de que o conceito do termo diversão variava drasticamente de uma cabeça para a outra.
— Sim, é claro.
Era quase uma hora da tarde. Horário em que havia combinado de se encontrar com Quinton e a namorada dele, na piscina. Estavam atrasados.
Mas antes, tinha de tomar certas precauções. Não podia se dar ao luxo de correr riscos. Colocou as duas mãos nos ombros de Amanda, pedindo-lhe sua completa atenção.
— Olhe, Amanda, temos de nos encontrar com Richard Quinton agora. Acho que o melhor que temos a fazer é não falarmos na sua falta de memória.
Ela estranhou aquilo. Por que manter a boca fechada a respeito de sua amnésia? Seria isso um crime? Brian parecia muito preocupado alguns instantes atrás. Agora, era como se estivesse varrendo o problema para debaixo do tapete. Por que essa súbita mudança?
— Por quê, Brian?
Não havia tempo para grandes explicações naquele momento.
— Por favor, Amanda, faça o que estou lhe pedindo. Falar sobre sua amnésia não era exatamente o que pretendia fazer logo após os cumprimentos, mas ainda não conseguia compreender o porquê de não poder nem ao menos mencionar o assunto.
Resolveu insistir:
— Mas por quê, Brian?
Porque aquilo poderia arruinar tudo. Só que não havia jeito de lhe dizer a verdade.
— E que talvez eles se sintam um pouco embaraçados com o fato. Você entende, não é?
Bem, até que aquilo fazia um certo sentido. Entretanto...
— Brian, será que eles não vão achar estranho se começarem a me fazer perguntas as quais não saiba responder? — Ela fez uma careta. — Não sei onde moro e muito menos onde nasci. E se me perguntarem o que faço da vida? O que vou dizer? Nada? Ficar de boca fechada? Eles não acreditarão nas minhas evasivas.
Eles atravessaram o hall do hotel.
— Você nasceu na cidade de Tacoma, Washington. — Aquilo era verdade. O resto, não. — Moramos em Los Angeles, na Oxford Street. Seu hobby favorito é cinema. Você adora qualquer tipo de filme, menos os de terror. A comédia é seu gênero preferido. Ninguém vai achar que é uma idiota, embora eles tenham a impressão de que você seja... bem, como posso dizer... uma moça um pouco fútil.
Brian teve a impressão de que ela não iria ficar muito satisfeita com aquilo. E estava certo.
Amanda parou de andar abruptamente, quase tropeçando num garçom que vinha trazendo uma bandeja cheia de copos coloridos.
Fútil? Não. Sabia que não era assim. Podia ter perdido a memória, mas tinha certeza de que havia muita massa cinzenta em seu cérebro.
— Por que eles poderiam ter essa impressão, Brian?
Porque era o que ele queria que Quinton e a namorada achassem. Porque daquele modo, ninguém prestaria muita atenção nela. Porque era o melhor jeito de despistar.
Brian deu de ombros, como se aquilo tivesse pouca importância.
— É que Quinton parece viver em outro século. Para ele, todas as mulheres bonitas como você são um pouco fúteis.
Amanda passou a mão pelos cabelos, um pouco desconfiada.
— Brian?
— Sim.
— Eu sou fútil?
Ele não queria chegar atrasado. Aquele encontro com Richard Quinton e Sally era muito importante para o que tinha em mente. Apressou o passo. Amanda teve quase de correr para acompanhá-lo.
— Não, claro que não.
Ela sabia que não era. Só queria ver se ele tinha a mesma opinião. Por sorte ele confirmara.
— Brian, esse tal de Quinton está me parecendo uma pessoa muito estranha.
— Vamos dizer que seja mesmo. — Brian fez um sinal com a cabeça. — Olhe, ali estão eles.
Havia uma porção de gente na piscina e outras tantas tomando sol, aboletadas em gostosas e confortáveis espreguiçadeiras. Isso sem contar o pessoal nas mesas perto do bar, comendo sanduíches e tomando cerveja. A probabilidade de Amanda localizar o casal certo era muito remota, principalmente quando não fazia idéia de quem estava procurando.
Olhou em volta.
— Onde?
Brian apontou para a esquerda.
— Ali. O garçom acabou de passar por eles. Quinton possui uma grande semelhança com aquele ator que fez o papel de James Bond. O primeiro. — Brian lhe fez uma pausa. — Você se lembra...
Amanda sabia o que ele ia perguntar.
— Sim. Não sei explicar a razão, mas me lembro perfeitamente de quem você está falando.
Ela olhou para a direção que Brian apontava, avistou o garçom, e em seguida olhou para além dele. Havia um homem sentado a uma mesa grande, ao lado de uma estonteante mulher, de cabelos negros, usando um lindo vestido vermelho.
Brian tinha razão. Quinton se parecia mesmo com Sean Connery. Muito atraente e sofisticado. Usava calças imaculadamente brancas e uma camiseta azul-marinho, de gola pólo.
Ao se aproximarem do par, Amanda sentiu um inconfundível aroma de perfume exclusivo, misturado ao que parecia ser uma loção de bronzear. Certamente era protetor solar, uma vez que sua pele era tão alva que contrastava drasticamente com a cor dos cabelos e parecia ser bastante sensível. Excluindo esse detalhe, era mesmo exuberante. Seria essa a opinião de Brian também? Amanda não sabia se era ciumenta. A julgar pela raiva que estava sentindo no momento, a resposta só podia ser positiva.
Inclinando a cabeça, Brian sussurrou baixinho em seu ouvido:
— Não se esqueça que seus nomes são Richard e Sally.
Sally. Um nome comum demais para aquela mulher cheia de charme e sofisticação.
— O que ela é dele?
Quinton exigia que suas mulheres fossem quentes e ávidas. Sally parecia ser as duas coisas. A gargantilha de rubis que usava agora era a prova indiscutível de que fazia bem o seu serviço.
— Uma amante para ser vista, digamos assim.
Amanda deu de ombros.
— Pra quem gosta desse tipo de coisa, ela deve mesmo cumprir bem sua função.
Brian não pôde deixar de observar uma coisa: ela estava com ciúme. Aquilo não deixava de ser engraçado. Amanda, uma mulher tão forte e segura de si, ciumenta? Bem, mas então, não era mais Amanda que estava ali, a seu lado. Era uma estranha.
— Ele gosta, acredite em mim.
Ela precisava perguntar:
— E você?
Uma coisa era certa. Amanda não perdia tempo. Ia sempre direto ao que interessava. Pensou em dizer que não a recusaria na cama, mas mordeu a língua a tempo. Sob aquelas circunstâncias, o comentário não soaria muito prudente.
Deu-lhe um beijo nos cabelos.
— Eu tenho você, Amanda. Por que me interessaria por outra mulher?
Ela duvidava que qualquer homem nesse mundo pudesse não se interessar por Sally, mas, de qualquer modo, aquilo era uma coisa gostosa de se ouvir. Sentindo-se agradecida pela mentira que lhe fora oferecida, Amanda parou de andar a poucos metros da mesa de Quinton. Tomada pelo impulso, segurou o rosto de Brian com as duas mãos e o beijou. A expressão de surpresa nos olhos dele momentos antes de seus lábios se encontrarem fez com que ela quase risse.
Segundos depois, Brian descobriu uma coisa incrível: Sua cabeça estava tão vazia quanto a de Amanda, todos os pensamentos coerentes e todas as lembranças que tinha haviam sumido como fumaça ao vento.
Tudo se fora, exceto o efeito alucinante que aquele beijo estava exercendo sobre ele. Podia sentir seu sangue fervendo nas veias, o desejo explodindo em seu peito. Excitado, curioso, abraçou-a com força e o beijo se tornou ainda mais profundo e intenso.
Amanda? Será que aquela mulher ávida e incrível era mesmo a Amanda que conhecia? O que a batida na cabeça havia feito nela?
E o que ela estava fazendo com ele?
Brian Russell era um homem experiente. Mas o que sentia agora superava tudo o que jamais vivenciara em seus quarenta anos de existência.
Uau!
Aquela simples palavra não dizia nada. Ela dizia tudo.
Amanda, da mesma forma, estava encantada. Era como se seu corpo inteiro estivesse cantando em homenagem ao prazer que sentia. Se ela ainda tinha alguma dúvida quanto à sabedoria de sua escolha, esta já havia desaparecido completamente.
Reprimindo um suspiro de puro encantamento, aconchegou-se em seu abraço e deixou-se ficar ali, sentindo algo mágico e maravilhoso, compreendendo que tinha encontrado um pedaço de si mesma naquele beijo fantástico. O outro pedaço devia estar à sua espera.
Sentiu vontade de subir imediatamente para seu quarto a fim de encontrá-lo.
Uma risada vinda dali de perto fez com que ambos finalmente se separassem. Era Richard Quinton, que observava a cena toda com muito interesse.
— Eu já estava achando que vocês não vinham mais — comentou o sósia de Sean Connery. — Agora estou compreendendo o porquê de tanto atraso. Ah, como é bom ver dois pombinhos apaixonados! — O homem sorriu de sua própria observação. Então, seu sorriso ficou ainda mais largo.
Apesar de seu pretenso bom humor, Amanda não pôde deixar de sentir uma sensação um tanto estranha. E desagradável. Não sabia explicar o motivo, mas o sujeito a assustava.
— Sabem o que estou com vontade de fazer? Jogar esse balde de gelo em cima de vocês dois para apagar tanto fogo!
Brian afastou-se ligeiramente de Amanda, embora tivesse mantido um braço ao redor de sua cintura. Não devia ter deixado que aquilo acontecesse. Fingir se comportar como um autêntico recém-casado era uma coisa, ficar maluco daquele jeito por causa de um beijo era outra. Sua reação diante de um beijo havia sido completamente fora de propósito, algo tão pouco profissional que ele até se sentia envergonhado. Jamais havia permitido que os sentimentos atrapalhassem seu trabalho. Teria de ser muito cuidadoso dali para diante.
Balançando a cabeça, a fim de clarear a mente, Brian puxou uma cadeira para Amanda.
— Peço desculpas. Acho que deixei-me levar pelas emoções.
Aquilo era verdade. Mas não deveria acontecer mais. Os olhos de Quinton passearam lentamente pelo corpo de Amanda.
— Não posso culpar você, amigo. Se eu tivesse me casado com uma mulher dessas, a manteria trancada no quarto por, pelo menos, uma semana. — Ele piscou para Amanda. — A única coisa que iria me interessar era mantê-la nua e satisfeita o tempo todo!
Embora aquelas palavras tivessem sido ditas como se fossem uma espécie de elogio, Amanda sentiu o estômago completamente revirado. Com relutância, sentou-se na cadeira que Brian lhe oferecia. Que, infelizmente, era ao lado de Quinton. Não estava com a mínima vontade de sentar-se tão próxima àquele homem, mas não havia nada que pudesse fazer, sem chamar atenção.
Decidiu sair em defesa do marido.
— Brian está dando conta do recado maravilhosamente bem.
Ou será que dissera aquilo em defesa própria? Tinha a impressão de que, apesar de ter uma mulher linda e sensual quanto Sally, o tal do Quinton não se contentava com uma relação monogâmica.
Brian deu de ombros, sentando-se entre Amanda e a morena.
— Digamos que um homem tenha de sair de vez em quando do quarto, a fim de tomar um pouco de ar.
Mais discreta do que seu companheiro, talvez porque lhe fosse mais conveniente, Sally deu uma boa olhada para o tórax musculoso de Brian Russell.
— Você não me parece o tipo de homem que tenha necessidade de tomar ar, ainda que de vez em quando...
Dizendo isso, seus lábios tão vermelhos quanto o vestido se abriram num sorriso que pretendia ser exatamente o que foi: sensual.
Amanda sentiu que seus cabelos se arrepiavam. Mas que ousadia! O que será que dera em Brian, para querer andar com aquele tipo de gente?
Queria que Quinton parasse de despi-la com os olhos. E queria mais ainda que Brian começasse a fazer aquilo. O beijo de instantes atrás provara que, por mais tímido que Brian fosse, o que sentia em relação a ela era bem real.
Sentiu um friozinho familiar na barriga. Virou-se em direção a Brian e sorriu, desejando que aquele encontro aborrecido pudesse logo chegar ao fim. Ah, que vontade de subir com ele para o quarto, tirar a roupa, abraçá-lo com força e...
— Muito obrigado pelo café da manhã — soou a voz de Brian, interrompendo-lhe os pensamentos.
Richard Quinton recostou-se na cadeira.
— Ora, era o mínimo que eu podia fazer, depois do que aconteceu. Se não fosse por você, eu não estaria ali a uma hora dessas.
Amanda percebeu que o sujeito havia ficado um pouco tenso ao falar aquilo. Sua percepção estava corretíssima. Quinton não gostara nada do que havia lhe acontecido. Não acreditava em acidentes. Nunca acreditara. Aquele carro não podia ter aparecido do nada. Alguém tentara matá-lo, tinha certeza absoluta daquilo.
Amanda podia compreender perfeitamente estado de nervos do fulano. Resolveu dizer alguma coisa que pudesse confortá-lo.
— A polícia vai descobrir de quem era o carro que quase o atropelou. Aí, o motorista será preso e...
— O quê? — Polícia? — Quinton começou a rir e trocou olhares misteriosos com a namorada Sally. Amanda percebeu imediatamente que tinha dito algo muito engraçado. Ou ainda pior, algo de muito tolo. — Minha cara amiga, por que eu iria me incomodar em chamar a polícia?
O que ele estava pretendendo com aquela pergunta? Pegá-la em alguma armadilha?
— Bem, eles poderiam identificar o motorista através da placa...
A expressão no rosto de Quinton confirmou o que Brian dissera: para o sujeito, ela não passava de uma loira fútil, sem muita coisa na cabeça. Amanda sentiu o sangue ferver em suas veias.
— Não preciso do auxílio da polícia — o sósia de Sean Connery explicou com voz paciente, como se falasse com uma criança pequena. — eu tenho meus próprios e eficazes métodos para verificar esse tipo de coisa.
Encarou-a durante alguns momentos como se fosse dizer alguma coisa a mais, então acabou mudando de idéia. Amanda teve a nítida impressão de que ela chegara à conclusão de que não valia a pena.
Então, ele voltou a atenção ao balde de prata a seu lado, onde descansava uma garrafa esverdeada.
— Bem, vamos parar de falar a respeito de coisas desagradáveis. Que tal tomarmos uma taça de champanhe?
Sem esperar pela resposta, Richard Quinton começou a servir a bebida.
Amanda não estava com a mínima vontade de beber. Muito menos com aquele tipo de gente.
— Mas ainda é muito cedo — ela protestou. — Estamos na hora do almoço!
Quinton deu um sorriso, mostrando dentes muito brancos e regulares.
— É verdade. Mas em algum lugar do mundo, deve ser meia-noite agora. Não é um excelente motivo para uma comemoração?
Amanda deu um sorrisinho amarelo. Aquele homem era ainda mais aborrecido do que parecera a princípio. O almoço prometia ser muito longo.
CAPÍTULO 5
Metódico. Aquela era a palavra correta para descrevê-lo. Richard Quinton era bonito, sofisticado, refinado e conversava bem sobre diversos assuntos. O cavalheiro perfeito. Mesmo assim, havia algo de estranho nele, alguma coisa que Amanda não sabia precisar ao certo, que a deixava pouco à vontade.
Talvez ele fosse gentil demais. Não parecia ser muito sincero. Era como se estivesse representando um papel.
Seu olhar era demasiadamente observador. Amanda tinha certeza daquilo. Fazia com que ela se lembrasse dos olhos de um gato do mato olhando para o arbusto, esperando que sua presa surgisse. Olhos frios. Era o tipo de homem que ela não gostaria de ter entre seus conhecidos. Tentou imaginar por que Brian estava tão ansioso para encontrá-lo.
Estavam sentados àquela mesa, debaixo do guarda-sol branco, havia pelo menos uma hora. Quinton dominara a maior parte da conversa. Sally não abrira a boca, exceto para concordar com alguma coisa dita pelo namorado. Devia ser o tipo de mulher ideal para Quinton: bonita, vazia e provavelmente satisfazia-o entre quatro paredes.
Ficou observando Brian e o sujeito conversarem animadamente. Era estranho, mas tinha a nítida impressão que o sósia de Sean Connery vinha examinando o marido através de um microscópio. O fato a incomodava e despertava-lhe um certo sentimento de proteção.
Brian, por sua vez, parecia mais animado a cada minuto que passava. O diálogo entre eles era tão intenso como se só houvesse os dois à mesa. Ela limitava-se a ouvir a conversa, tentando obter alguma informação.
Seu marido estava começando a tocar em assuntos que lhe despertavam algum interesse, quando um dos garçons se aproximou da mesa e, curvando a cabeça em direção a Brian, anunciou com voz solícita.
— Telefone para o senhor.
Amanda olhou para o tal garçom, um pouco surpresa. Havia quase cem pessoas em volta daquela piscina. Como ele sabia quem era Brian Russell?
Quinton pareceu igualmente impressionado.
— Meu Deus! Como você é conhecido por aqui!
Brian deu de ombros, como se não tivesse ficado nem um pouco surpreso com o ocorrido.
— Acho que isso acontece porque costumo dar boas gorjetas. — Virou-se para o garçom. — Será que você poderia trazer o telefone até a mesa?
O garçom fez uma cara genuinamente desanimada.
— Sinto muito, senhor, mas todos os telefones sem fio estão em uso no momento. Infelizmente, terá de falar da recepção. Ou se preferir, posso anotar o recado.
Brian balançou a cabeça.
— Não. Não seria uma boa idéia. Se eles acham que o assunto é importante demais a ponto de interromper minha lua-de-mel, é melhor atendê-los.
Eles? Quem eram eles?, Amanda tentou imaginar. E por que alguém iria lhe telefonar naquele hotel? Embora já tivesse perguntado dezenas de vezes, ainda não sabia qual era a profissão de Brian. Ele havia sido muito vago na resposta. Como também o fora, quando ela lhe perguntara por que estava tão ansioso por esse encontro com Quinton.
Brian se levantou, uma expressão resignada em seu rosto.
— Com licença. Volto num instante.
Virou-se para Amanda e viu um brilho de pânico em seus olhos. Ela não queria que ele se afastasse dali. Não queria ficar sozinha com aquelas pessoas estranhas, mas a situação era inevitável Tinha de deixá-la por alguns instantes, não importava o quanto aquilo lhe doesse. Adams não teria ido procurá-lo se o negócio não fosse muito importante. Alguma coisa tinha acontecido. Não tinha escolha. Precisava ir o quanto antes.
Tomou a mão dela nas suas e a apertou.
— Está tudo bem — ele sussurrou, tentando confortá-la. Então, voltou a atenção a Quinton e sorriu. — Por favor, cuide bem da minha mulher enquanto eu estiver fora.
O sósia de Sean Connery não poderia ter ficado mais satisfeito.
— Claro. Com o maior prazer.
Tais palavras foram ditas de forma respeitosa e sem maldade. O mesmo, porém, não podia se dizer sobre o modo como ele a encarava. Quinton não desviava seu olhar sobre ela nem um segundo. Amanda tentou imaginar o que ele faria, caso ambos estivessem sozinhos. Certamente iria agarrá-la ali mesmo, na frente de todo mundo.
Observou Brian se afastar, sentindo uma ponta de angústia no coração. E agora? O que faria sozinha, no meio daqueles dois estranhos?
Não. Não podia agir como uma medrosa, uma covarde que precisava de um marido para ficar segurando sua mão o tempo inteiro. Levantou a cabeça e, decidida, tentou mudar a situação a seu favor. Talvez pudesse descobrir alguma coisa de interessante, como por exemplo, por que Brian fazia tanta questão de manter contato com aquela gente tão esquisita. Começou a brincar com sua taça de champanha.
— No que você trabalha, Richard?
Quinton levantou a sobrancelha ao ouvir aquela pergunta feita de maneira tão displicente. O tom amigável de sua voz entrou em conflito direto com a expressão de seus olhos, ao responder:
— Ora, minha cara Amanda, não vamos perder tempo com um assunto tão aborrecido quanto esse. Ah, o trabalho é algo tão entediante...
Ela pensou desesperadamente em algo de inteligente para dizer. E foi aí que reparou num anel enorme que Quinton usava na mão esquerda. Ouro, platina e brilhantes. Era evidente que problemas monetários não faziam parte da vida daquele homem estranho e galante. Sorriu para ele.
— Não deve ser algo tão entediante assim, já que lhe deu condições de comprar um anel como esse.
Quinton olhou para a jóia como se a estivesse vendo pela primeira vez. Ficou observando os raios do sol refletirem nas pedras, depois voltou a atenção a Amanda.
— Ele parece uma bijuteria se for comparado ao que você tem no dedo, minha cara.
Dizendo isso, fez um sinal para o garçom e levantou a garrafa de champanha vazia. A mensagem era mais do que clara. Satisfeito com o fato de ter sido entendido, voltou a colocar a garrafa no balde de gelo. Água gelada espirrava por todos os lados.
Novamente Amanda voltou a ser o centro das atenções.
— Gosta de jóias, minha jovem?
Se ela gostava? Não sabia dizer ao certo. Mas, levando em conta as muitas que usava, a resposta só podia ser uma.
— Sim. Bastante.
Quinton sorriu ironicamente.
— Não conheço uma só mulher nesse mundo que não goste. Veja Sally, por exemplo. Ela não mede esforços para ganhar uma gargantilha ou uma pulseira nova.
O garçom voltou com uma garrafa de champanhe nas mãos, aproximando-se de Quinton pelo lado direito. O sorriso dele congelou-se em seus lábios.
— Seu incompetente! — berrou ele. — Ninguém lhe ensinou que os garçons devem servir o cliente pela esquerda?
Como se tivesse sido atingido pela ponta de uma espada, o pobre funcionário passou para o outro lado.
— Desculpe-me, senhor. Eu sinto muito.
Quinton tomou a garrafa de suas mãos.
— Assim é melhor. Agora pode ir andando que eu mesmo sirvo.
Percebendo a confusão nos olhos de Amanda, Sally apressou-se em explicar:
— É que Richard é um homem muito supersticioso. Detesta quando alguém se aproxima dele pela direita.
Quinton lançou-lhe um olhar reprovador, como se não tivesse gostado do comentário.
— Não é verdade. Sou apenas um homem que aprecia certas regras de etiqueta à mesa. Os garçons ou os copeiros devem servir o cliente pela esquerda e retirar a louça usada pela direita. É assim em qualquer parte do mundo civilizado. — Ele virou-se para Amanda e sorriu. — Bem, mas agora chega de falar sobre isso. Você não sabe o quanto estou feliz de estar aqui hoje, a seu lado. Eu lhe devo minha própria vida. Se não fosse sua abençoada presença no campo de golfe ontem à tarde, e a presença de seu marido também, é claro, sabe Deus onde estaria agora. Isso faz de você meu amuleto da sorte!
Amanda tentou adivinhar se ele estaria brincando.
Teve a estranha sensação de que estava falando sério, apesar do sorriso em seus lábios.
Bem, aquela história toda estava começando a ficar sem graça. Amanda olhou em volta, a fim de ver se Brian já voltava. Ele havia prometido chegar dentro de pouco tempo, mas até aquele momento, nem sinal dele.
Afastou a cadeira e se levantou.
— Acho que vou tentar descobrir por que Brian está demorando tanto. Com licença.
Richard Quinton deixou a garrafa de champanha de lado e fechou os dedos ao redor do pulso fino e delicado de Amanda, que ficou tão espantada pelo gesto quanto Sally.
— Ora, por que ir embora agora? Fique mais um pouco aqui, comigo... —Ele começou a acariciar seu braço. — Sabe que você tem uma pele muito linda e macia? Perfeita para usar jóias finas. Isso me faz lembrar um bracelete que acabei de receber. Brilhantes maravilhosos. Cinco quilates. Um cliente meu estava me devendo muito dinheiro. Como não pôde me pagar, me deu a jóia de mesmo valor. Desde então, venho tentando adivinhar quem ficará com ela.
Amanda olhou disfarçadamente para Sally. A namorada de Quinton parecia soltar fogo pelos olhos, mas permanecia calada.
— Eu... ha... acho que meu marido não iria gostar nem um pouco se eu ficasse com o bracelete — ela o informou com a voz mais delicada que conseguiu. — Talvez você pudesse oferecê-lo a Sally...
— Eu decido quem fica com a jóia, minha cara.
Aquilo já era demais. Livrando-se dele, Amanda deu um passo para trás.
— Olhe, se me der licença, vou ver o que está atrasando Brian. Ele já devia estar de volta.
Richard Quinton deu-lhe um lindo sorriso.
— Você promete voltar logo?
— Sim, claro. — Quando as galinhas criarem dentes, pensou — Até já.
Sem olhar para trás, Amanda seguiu seu caminho em direção à porta do hotel. Uma vez lá dentro, percebeu que estava completamente perdida. Seu sentido de direção tinha evaporado como poeira ao vento. Onde ficava a recepção? Parou o primeiro funcionário que encontrou pela frente e pediu-lhe informações. Seguindo as instruções, chegou finalmente ao local desejado. Seu coração, porém, deu um salto. Brian não estava em lugar algum.
Para onde ele tinha ido?
Sentindo-se desesperada, Amanda aproximou-se de um homem atrás do balcão.
— Por favor, o senhor poderia me dizer para onde foi Brian Russell?
O homem levantou a cabeça, seus dedos ainda no teclado do microcomputador em cima de uma mesinha. O sorriso forçado em seus lábios deixou-a encabulada.
— Quem?
Ela não pôde deixar de sentir um friozinho na barriga. Não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas sua intuição lhe dizia para manter os olhos bem abertos.
— Brian Russell. O hóspede que veio até aqui a fim de atender o telefone.
O funcionário continuou a olhá-la de maneira impessoal.
— Acho que houve um engano, minha senhora. Ninguém veio atender o telefone durante o meu plantão.
Agora ela estava ficando desesperada de verdade. Respirou fundo, tentando se acalmar.
— Não é possível. Estávamos na piscina, quando um copeiro apareceu dizendo que havia uma ligação para meu marido.
O funcionário continuou seu trabalho de digitação.
— Minha senhora, se alguém tivesse ligado para o seu marido, o copeiro teria levado o telefone até a mesa onde ele se encontrava.
Amanda deu um suspiro impaciente.
— O funcionário disse que todos os telefones sem fio estavam em uso naquele momento.
O sujeito parou de digitar. Parecia prestes a ter um ataque de nervos.
— Minha senhora, posso lhe garantir que temos mais aparelhos de telefone nesse hotel do que hóspedes. Agora, se me der licença, estou muito ocupado.
Amanda afastou-se do balcão, sentindo um enorme peso nas costas. Não estava entendendo nada. Por que o copeiro havia dito que não havia telefones disponíveis, quando havia? E onde Brian teria se metido? Por que desaparecera daquele jeito, sem deixar vestígios?
CAPÍTULO 6
Minutos depois, Amanda ainda estava ali, de pé, tentando adivinhar o que tinha acontecido. Brian sumira. Ninguém parecia disposto a ajudá-la. E ela, perdida e sem memória, teria de fazer alguma coisa para reverter aquela estranha situação a seu favor. Sentia-se como se fosse uma concha, sem nada em seu interior.
Talvez fosse melhor voltar à mesa da piscina. Era provável que Brian já estivesse de volta. Esperava tremendamente por aquilo. A idéia de ter de aguentar a companhia aborrecida de Richard Quinton e sua namorada Sally sem a presença reconfortante de seu marido era aterradora.
Voltando pelo mesmo caminho, Amanda passou pelo hall dos elevadores no momento em que o carro do meio abria sua porta e Brian descia, juntamente com vários outros hóspedes.
Era evidente que não a vira, pois já se dirigia à porta dos fundos, onde ficava a piscina.
— Brian! Espere, por favor!
Ele parou de andar abruptamente e virou-se em direção à voz que chamava seu nome. Estava preocupado com o telefonema que acabara de receber. Ah, como queria ter a certeza de estar fazendo a coisa certa...
Arregalou os olhos. Amanda. Mas que azar. O que ela estaria fazendo ali? Por que não ficara na piscina conversando com Quinton e Sally? Por que não parava quieta pelo menos uma vez na vida?
— Olá, Amanda.
— Posso saber o que está fazendo aqui?
— Eu ia lhe fazer a mesma pergunta.
Ela lançou-lhe um olhar acusador.
— Eu vim procurá-lo. Você me disse que ia voltar logo, mas não voltou. O tal do Richard Quinton me deixa nervosa. Não sei como você o suporta!
Brian esperava que ela não tivesse posto tudo a perder.
— É que eu... bem... estou pensando em fazer negócios com ele.
Negócios? Que tipo de negócios? Por que Brian tinha de ser assim tão vago?
— Você poderia me dar mais detalhes a esse respeito?
— A história toda é um pouco comprida, Amanda.
Ela deu um suspiro desanimado. Como era difícil saber alguma coisa de seu marido... Determinada, porém, a obter uma resposta concreta, perguntou, com voz firme:
— De onde você está vindo agora?
Brian percebeu que a situação estava ficando séria. Teria de manter a tranquilidade para não piorar as coisas, pois, aquela era a Amanda abelhuda e insistente de sempre. E naquele momento, aquilo era péssimo.
— Ora, eu fui atender o telefone. Você estava ao meu lado quando o garçom foi me chamar. Não se lembra?
— É claro que me lembro. Acontece que acabei de falar com um funcionário na recepção e ele me garantiu que não houve nenhuma ligação durante o plantão dele.
Brian Russell havia aprendido a pensar depressa muitos anos atrás. Se não o tivesse feito, estaria morto há um tempão. Não tinha a mínima intenção de lhe contar que fora atender a chamada no quarto de Adams.
— Então o tal funcionário não lhe explicou bem o que aconteceu. Deveria ter lhe dito que houve um engano, pois, quando peguei o telefone, a pessoa do outro lado da linha já tinha desligado.
Amanda queria desesperadamente acreditar nele. Mas seu sexto sentido lhe dizia que havia algo de muito errado por ali.
— Então por que não voltou logo para a piscina?
— Eu... eu subi até nosso quarto. É que minha carteira ficou em cima da cama.
Ela franziu a testa. Brian estava mentindo.
— Sua carteira? Mas eu vi quando você a colocou no bolso da calça esta manhã, antes de irmos para o hospital.
Brian balançou a cabeça.
— Não, querida. Você está enganada. A carteira estava exatamente onde eu a deixei, isto é, em cima da cama. Tive de pegá-la. Não quero que Quinton pague a bebida e o almoço sozinho. Ele já fez muito ao mandar aquele farto café da manhã.
Tal informação não fazia sentido nenhum.
— Mas, por que não? Ele deve adorar bancar o grande anfitrião. Casa perfeitamente com a imagem que está tentando projetar.
Sem querer, Amanda tinha acertado em cheio. Ponto para ela.
— Bem... é que eu não gostaria de ficar lhe devendo muitos favores. Prefiro dividir a conta que, com certeza, vai ser muito alta. Uma só daquelas garrafas de champanhe custa uma verdadeira fortuna.
Amanda ainda não estava muito convencida. Na verdade, não estava nada convencida. As coisas não faziam sentido em sua cabeça. Era como se, desde o nefasto instante em que abrira os olhos, o mundo inteiro estivesse de cabeça para baixo.
Levou as mãos às têmporas.
— Eu estou muito confusa, Brian. Tenho a impressão de que todo mundo está me enganando.
Era evidente que ela estava com aquela sensação. Amanda Bradshaw era uma das mulheres mais inteligentes, capazes e astutas que já conhecera na vida. Com ou sem memória, a moça não brincava em serviço.
— Bobagem, minha querida. Você deve estar um pouco cansada, é só isso. O que acha de ir para o quarto e deitar-se?
— Isso é um convite? — ela perguntou, mesmo sabendo que não era. Brian parecia ser uma pessoa diferente quando estava ao lado de Quinton ou quando falava sobre ele. Por quê? Não conseguia entender. Ambos pareciam ter tão pouco em comum...
Brian balançou a cabeça.
— Digamos que uma sugestão.
Amanda deu um suspiro e olhou em volta. O saguão parecia estar ainda mais cheio àquela hora, turistas de camisas coloridas andando por todos os lados.
— A sugestão é para que eu vá para o quarto sozinha, não é?
Se ele cometesse algum deslize, ela não iria perdoá-lo quando recuperasse a memória. Só Deus sabia o quanto tinha vontade de levá-la para a cama e comportar-se como um marido apaixonado. Mas não podia fazer aquilo. Amanda iria estraçalhá-lo.
— Sim. Só desse jeito você poderá descansar de verdade.
— Eu não quero descansar, Brian. Na verdade, estou me sentindo cheia de energia. Se quiser podemos voltar à piscina onde se encontra seu querido amiguinho Richard Quinton.
Brian passou a mão pelos cabelos escuros.
— Olhe, querida, eu gostaria que você fosse simpática com ele. Quinton pode representar nosso futuro, digamos assim.
Amanda não gostou muito daquele pedido. Aliás, não gostou nada. Sentiu o sangue ferver nas veias.
— Até que ponto deve ir minha simpatia, Brian Russell?
Ele não demorou meio segundo para compreender o que Amanda tinha em mente. Que absurdo! O que ela estava pensando? Que tinha se casado com um gigolô de luxo? As coisas estavam começando a fugir de seu controle.
— Pare com isso, Amanda. Eu só quero que você seja agradável e sorria para o homem quando ele olhar para você. Pode deixar o resto comigo.
Amanda não tinha tanta certeza assim.
— A menos que você receba um outro telefonema e desapareça como da primeira vez.
Não havia perigo de que aquilo acontecesse. Já havia feito tudo que era necessário. Agora, era só ficar ao lado de Quinton até que tudo se resolvesse.
— Pode acreditar, não vou mais receber telefonema nenhum, Amanda.
— Acho bom.
— Bem... Vamos voltar à piscina?
Ela respirou fundo.
— Que remédio...
Pouco depois, ambos se aproximaram da mesa onde Richard Quinton e sua namorada Sally esvaziavam mais uma garrafa de champanha. O engraçado era que eles não pareciam estar alterados pela bebida. Do que será que eram feitos? De aço?
Brian sorriu para o conhecido.
— Sinto muito, amigo. Era um telefonema urgente, de negócios, que demorou mais que eu esperava.
Amanda sentou-se e olhou para Brian com uma expressão estranha no rosto. Mas de que seu marido estava falando? Havia poucos minutos, dissera não ter ninguém do outro lado da linha. Por que estaria mentindo?
O brilho nos olhos de Brian lhe dizia para não contrariá-lo. E foi o que ela fez. Limitou-se a dar um sorriso e permaneceu de boca fechada.
Quinton virou-se para Brian.
— Qual é mesmo seu ramo de negócios, Russell? Você já me falou, mas acho que me esqueci.
Não. Ele não tinha dito nada. Um homem não chegava sem mais, nem menos, e declarava estar do lado oposto da lei, a menos, é claro, que fosse um perfeito inocente. E Brian sabia que Quinton não tinha a mínima paciência com pessoas assim.
— O mesmo que o seu, Quinton. — Brian tomou um gole de champanha. Seus olhares se cruzaram. A mensagem fora entendida. Aquilo era ótimo. — Investimentos. Venda de terras e propriedades. Um pouco disso, um pouco daquilo. Seja lá onde houver dinheiro, estarei por perto.
Amanda estava cada vez mais confusa. Seu marido parecia muito vago. E mesmo assim, conseguira lhe dar um anel de brilhantes escandalosamente enorme. Vago ou não, os negócios deveriam ser muito bons. E rentáveis.
Quinton balançou a cabeça. Parecia uma ave observando uma minhoca saindo da terra, esperando para avançar.
— Então por que nunca ouvi qualquer menção ao seu nome?
Brian deu um sorriso maroto.
— Porque as pessoas com as quais costumo lidar não têm o péssimo costume de sair por aí, falando nomes. — Ele fez uma pausa, obviamente para dar mais suspense. — Mas Werner já tinha me falado a seu respeito em várias ocasiões.
O nome devia significar algo para Quinton, já que o mesmo levantou a sobrancelha, claramente surpreso.
— Werner? Hans Werner?
Brian concordou com um gesto de cabeça.
— O próprio. Ele me contou que vocês se conheceram no Rio de Janeiro, no Brasil, há vários anos. — Brian fez mais uma pausa e tomou outro gole de champanha. Parecia estar quase se divertindo com aquela história. — Ele me disse também que você era um homem bem razoável para se ter como companheiro de trabalho. Desde que, é claro, ninguém tentasse enganá-lo.
Richard Quinton observou-o durante um longo instante, antes de perguntar:
— De onde você o conhece?
Brian deu-lhe um sorriso misterioso.
— Como já lhe disse, meu caro Quinton, nós dois fazemos o mesmo tipo de investimentos. Digamos que estamos... no mesmo barco.
Amanda tinha a impressão de estar assistindo a uma partida de xadrez. Os dois homens pareciam movimentar suas peças com muita habilidade, buscando o xeque-mate.
Olhou para Sally. A moça tinha se desligado da conversa e parecia muito entretida em observar um rapaz cheio de músculos que não devia ter mais do que uns vinte anos de idade. Ele andava de um lado para o outro, evidentemente exibindo o belíssimo corpo esculpido em academias de musculação. A minúscula sunga branca que usava deixava muito pouco para a imaginação.
Richard Quinton olhou para ela, o sorriso desaparecendo de seus lábios ao perceber qual era o objeto de admiração da namorada.
— Talvez, meu caro Russell, pudéssemos conversar mais a esse respeito quando estivermos a sós. Tenho certeza de que o assunto em questão iria deixar as senhoras tremendamente entediadas.
Amanda compreendeu o verdadeiro sentido daquelas palavras no mesmo instante. Quinton não as queria por perto. Pela primeira vez, porém, sentiu vontade de ficar.
— Prometo que não vou me aborrecer nem um pouco — ela disse com fervor. Para provar o quanto estava sendo sincera, passou o braço pelo ombro do marido e lhe deu um beijo no rosto. — Quero saber de tudo a respeito do trabalho de Brian.
Quinton estudou-a atentamente, como se estivesse decidindo se ela era ou não digna de confiança.
— Às vezes, minha cara Amanda, muito conhecimento pode trazer sérios problemas.
Ela franziu a testa intrigada. O que será que aquele homem estava querendo dizer com o comentário?
— Eu... eu não estou entendendo, Richard.
Quinton dirigiu-lhe um sorriso misterioso.
— Siga meu conselho, amiga. Fique fora de certos assuntos. Uma mulher linda como você não deveria sobrecarregar-se com detalhes tão aborrecidos. Deixe tudo isso para nós, os homens de negócios.
Ela não estava entendendo nada. Será que Quinton falava a sério? Ou não? Uma só olhada para Brian e percebeu que seu marido achava que o sujeito realmente não estava brincando. O tal de Richard Quinton podia ter uma aparência exterior gentil e delicada, mas, no fundo, não passava de um troglodita recém-saído das cavernas. Amanda podia até imaginá-lo com um pedaço de pau na mão, grunhindo e arrastando uma mulher pelos cabelos.
Quinton mexeu-se na cadeira, até conseguir tirar uma carteira do bolso traseiro. Abriu-a, apanhou um maço de notas de cem dólares e jogou-as sobre a mesa com displicência.
— Sally, por que você não leva a sra. Russell às compras? Compre algo bem bonito para hoje à noite.
— Hoje à noite? — repetiu Amanda. Ela já tinha feito outros planos para o anoitecer. Olhou para Brian, como se estivesse pedindo uma explicação. — Posso saber o que vai haver hoje à noite?
Foi o próprio Quinton quem acabou respondendo.
— Como já tive oportunidade de dizer antes, vocês dois são nossos amuletos da sorte. Vamos ver se continuam a ser diante das roletas do cassino do hotel.
Sally já recolhia as notas e as guardava dentro de sua bolsa Fendi.
— Não entendo por que você não me entrega logo seu cartão de crédito, querido — disse ela. — Seria muito mais fácil.
Quinton riu.
— Talvez, mas acontece que eu adoro sentir o contato do dinheiro nas minhas mãos. — Virou-se para Brian. — Você também não adora, Russell?
Brian não queria que Amanda fosse embora naquela hora, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito sem despertar suspeitas. Sentiu-se forçado a concordar com ele. Que remédio...
— É claro que sim. Os dólares são um grande conforto para o coração e para a alma... — Ele também tirou a carteira do bolso e apanhou um maço igualmente generoso de notas de cem dólares. — Tome isso, Amanda querida. Compre tudo que tiver vontade.
Quinton pareceu gostar do que viu.
— Nós dois tratamos muito bem nossas mulheres, não é? — Então, ele virou-se para Sally. — Bem, o que está esperando? Eu pedi para você ir embora!
Amanda percebeu que a moça pouco estava ligando para o fato de ter sido dispensada daquele jeito, como se fosse um saco de batatas estragadas. Com certeza, a única coisa que lhe interessava era o dinheiro em suas mãos. Uns dois mil dólares, provavelmente.
Ela levantou-se e virou-se para Amanda.
— Vamos indo. Não sei se percebeu, mas estamos sendo mandadas embora.
Não havia mais nada que ela pudesse fazer. Levantou-se também e apanhou sua bolsa. Podia ver que Brian não estava nem um pouco satisfeito com sua partida. Tal fato a deixava menos aflita. Afinal de contas, talvez ainda houvesse uma esperança.
— Não demore muito — ele ainda lhe disse, observando-a se afastar.
Se dependesse dela, não iria demorar mesmo.
CAPÍTULO 7
Sally desfilava pelos corredores do melhor shopping center de Las Vegas como se fosse a rainha de um país que já tinha conquistado. Entrando e saindo de várias lojas, ela gastava dinheiro como se o mesmo tivesse sido impresso apenas para satisfazer suas necessidades. Quanto mais caro fosse o artigo em questão, melhor. Gastar o dinheiro de Richard Quinton era certamente seu melhor passatempo. Amanda, por sua vez, só fez sua primeira compra na quinta loja visitada. Um vestido de tafetá grafite decotado nas costas exposto na vitrina chamou-lhe a atenção e ela decidiu experimentá-lo. Sally, entrando no provador a seu lado, emitiu sua opinião.
— Seu marido vai ficar de joelhos ao vê-la nessa roupa.
Amanda não esperava por um elogio vindo daquela mulher. Passou a mão pelo tecido macio.
— Você acha?
Sally deu um sorriso irônico, olhou para as inúmeras sacolas que carregava e falou:
— Acredite em mim, queridinha. Sou uma verdadeira mestra nesse tipo de coisa.
Amanda não duvidava nem um pouco. Voltou a estudar seu reflexo no espelho do provador. Realmente, o vestido tinha um caimento perfeito, mesmo porque seu corpo era perfeito. Talvez Brian fosse mesmo ajoelhar-se a seus pés.
Satisfeita, virou-se para a vendedora.
— Vou levá-lo.
O tal vestido juntamente com um par de sapatos combinando foram as únicas compras que Amanda fez naquela tarde. Sally, por outro lado, parecia determinada a aquecer as vendas do comércio de roupas do país num único dia. Ambas entraram em outras lojas, até que finalmente ela se declarasse satisfeita. Pelo menos durante algum tempo, é claro!
— Você sempre gasta tanto dinheiro assim? — perguntou Amanda sentada no banco traseiro de uma limusine branca, quando ambas voltavam ao hotel.
— Sim. — Não havia nenhum tom de desculpa em sua voz. — Se Richard quer me ver bem vestida, nada mais justo que pague por isso. Se uma mulher não se cuidar, ninguém vai fazer isso por ela. Meu homem tem dinheiro. Muito dinheiro, na verdade. Então, por que eu deveria economizar?
Apesar do modo seguro como aquelas palavras foram ditas, Amanda percebeu um certo traço de tristeza na voz de Sally. Não a invejava. Porém,era possível que ambas estivessem na mesma situação. No fundo, será que Brian e Quinton pertenciam ao mesmo mundo? Sua primeira reação foi dizer não.
A segunda foi dizer que não sabia.
Chegando ao hotel, ela decidiu esquecer por enquanto as suspeitas que tinha em relação ao marido. Deixaria para pensar naquilo quando tivesse mais elementos nos quais se basear.
As longas e exaustivas horas passadas no shopping center ao lado de Sally começaram a valer a pena no momento em que saiu do banheiro usando o vestido novo que comprara e viu o brilho nos olhos de Brian.
Ele tinha passado a tarde inteira apavorado. E se ela se sentisse mal? E se sua cabeça começasse a doer? Porém, ao vê-la entrar no quarto com as sacolas nas mãos, percebera que se preocupara à toa. Em vez de mostrar-lhe as compras, ela desaparecera no banheiro. E permanecera ali durante longo tempo.
Estivera prestes a bater na porta a fim de apressá-la, quando ela finalmente surgira. Surpreso, dera um passo para trás, deixando-a passar.
O tafetá envolvia seu corpo como se fossem macias pétalas de rosas. Pétalas de rosas muito sensuais, Brian chegou à conclusão, contra a vontade. Seus olhos examinaram-lhes o corpo de cima a baixo. A menos que estivesse muito enganado, ela não usava nada por baixo.
Sentiu algo se contrair no seu estômago. A contração também aconteceu num outro local, um pouco mais abaixo.
— Uau... — sussurrou.
Tal reação a deixou satisfeita. Aproximou-se dele lentamente, sentindo o toque macio do tecido em sua pele. Exatamente como o toque de um amante apaixonado. Tentou adivinhar se Brian iria tratá-la daquele jeito.
Sentiu necessidade de descobrir.
Olhou bem dentro de seus olhos.
— Gostou?
Brian teve de fazer um esforço sobre-humano para olhar para ela.
— Eu teria de estar morto para não ter gostado.
— Que ótimo...
Chegando ainda mais perto dele, Amanda enlaçou-lhe o pescoço. A brisa suave que vinha da janela aberta fazia com que o vestido aderisse à sua pele. Ela viu o desejo brilhando em seus olhos.
Sim! Havia chegado a hora!
Ela balançou a cabeça ligeiramente, uma oferta silenciosa insinuando-se em seus olhos.
— Então que tal você pegar o telefone e dizer a Quinton que estamos um pouco indispostos e não vamos aparecer esta noite?
Brian não precisou fingir relutância. Ele a sentia em cada fibra do seu ser. Ah, como desejava que a situação fosse outra... Mas não era e, naquele momento, ele não tinha liberdade de fazer o que seu corpo estava implorando que fizesse.
Nem nunca teria, se quisesse ser bem sincero consigo mesmo. Era uma pena, mas a verdade tinha de ser encarada. Se Amanda não tivesse perdido a memória, nada daquilo estaria acontecendo. Ela deixara sua posição bem clara desde o princípio.
Com muito cuidado, seus olhos brilhando de desapontamento, Brian retirou os braços dela de seu pescoço.
— Não podemos fazer isso, querida.
Não era possível. Será que aquele homem era feito de pedra? Ou talvez não estivesse sendo suficientemente sedutora. Ele parecia imune a qualquer um de seus esforços.
Bem, quase imune, a julgar por uma determinada parte de seu corpo. Ele estava excitado. Não tinha dúvidas.
Mas mesmo assim, ela estava desapontada. Amargamente desapontada. As coisas não estavam acontecendo como deveriam acontecer. Tinha vontade de abraçá-lo com força, cair naquela cama ao seu lado e mandar o resto do mundo para o meio do inferno.
Queria que ele a fizesse sentir segura naquele novo mundo em que se encontrava. Ele era tudo que ela possuía a fim de apoiar-se.
A camisa dele estava aberta no peito. Amanda correu os dedos com muita suavidade por seus pelos, mal chegando a tocá-los. Viu o desejo brilhando em seus olhos mais uma vez.
Talvez ele só precisasse de um pouco mais de encorajamento.
— Eu pensei que estivéssemos em lua-de-mel, querido.
Brian tomou a mão dela nas suas. Jamais imaginara que sua missão fosse se tornar assim tão difícil.
— E estamos. Mas não há nenhum mal em misturarmos prazer com um pouco de negócios.
Até aquele momento, ela só tinha visto a cor do último. Queria começar logo com o primeiro.
— Eu quero você, Brian. Quero cair nessa cama e fazer amor com meu marido, até não aguentar mais.
Ele também tinha a mesma vontade. Tirar-lhe aquele vestido, beijar-lhe o corpo todo, dar vazão a todos seus instintos. Só que não podia fazer nada daquilo. Mais cedo ou mais tarde, Amanda acabaria recuperando a memória. E iria praguejá-lo pelo resto da vida.
Olhou bem dentro de seus olhos.
— Amanda querida, quando você se lembrar de tudo, vai entender.
Ela pensou no telefonema que ele não atendera e dissera a Quinton que tinha atendido e na carteira que fora apanhar no quarto, quando ambos sabiam perfeitamente que o objeto em questão estava no bolso traseiro de sua calça durante o tempo todo. Não. Amanda não achava que a volta de sua memória pudesse fazê-la entender tais absurdos.
Quem era aquele homem com o qual tinha se casado, afinal de contas? Até então, ele não esboçara nenhuma reação de um marido recém-casado. O que será que estava acontecendo?
Não tinha muitas esperanças a respeito de suas condições físicas, muito embora já tivesse se acostumado à sua amnésia.
— Não sei se algum dia vou acabar recuperando minha memória, Brian.
Aquilo não era típico da Amanda que conhecia havia muito tempo. Ela era muito realista, mas, acima de tudo, não deixava de ser uma tremenda otimista. Tão otimista, que de vez em quando o deixava meio maluco.
— Vamos dar tempo ao tempo, Amanda. Sua amnésia não tem nem vinte e quatro horas.
Dizendo isso, Brian começou a abotoar a camisa. Tarefa um tanto complicada, já que seus dedos estavam trêmulos. Aliás, ele inteiro estava trêmulo. Amanda estava mexendo com seus nervos de uma forma que jamais julgara ser possível. Quando levantou os olhos, percebeu que ela o encarava com uma expressão estranha no rosto. Não demorou a identificá-la. Frustração.
Genuína frustração.
Forçou um sorriso. A pobrezinha devia estar mesmo louca da vida. Ele estaria, se estivesse em seu lugar.
— Como está se sentindo agora?
Ela deu de ombros.
— Acho que bem. Pelo menos, minha cabeça já não dói mais!
Ele estava sentindo uma imensa culpa. Culpa por ter permitido que ela se machucasse. Culpa por não lhe contar a verdade. Culpa pela frustração que havia em seus olhos.
— Você está reagindo muito bem, minha querida. É uma mulher de coragem. — Respirou fundo e acrescentou. — Foi por isso que me casei com você.
— Só por isso?
Brian sabia o que ela estava querendo ouvir no momento. Bem, não custava satisfazer-lhe a vontade.
— Não. Eu me casei com você porque me apaixonei assim que bati os olhos nesse rostinho lindo. Desde então, percebi que minha vida não teria mais sentido sem você do meu lado.
Ah, Amanda, peço perdão pela mentira. Ela sorriu, satisfeita, e observou-o terminar de se arrumar. Brian apanhou um pente e o passou pelos cabelos. Amanda teve de fazer força para controlar a vontade de acariciá-los.
— Pensei que talvez você tivesse se casado comigo porque eu era boa de cama.
O comentário o pegou de surpresa. Seus olhares se encontraram através do espelho.
— A melhor que já conheci.
Foi uma resposta automática, com certeza o que ela queria e precisava ouvir. Não sabia se aquilo era mesmo verdade ou não, mas bem que tinha suas suspeitas.
Aborrecido consigo mesmo, Brian começou a pensar em outras coisas. Não podia deixar que o desejo estragasse sua vida e sua carreira. Amanda iria matá-lo quando recuperasse a memória. Ela havia sido bem clara desde o princípio. Mantenha as mãos longe de mim, Russell. Tente bancar o engraçadinho e vai ver o que lhe acontece.
Amanda considerou aquela nova informação. Eles haviam feito amor antes do casamento. Então por que Brian sentira tanta vergonha quando ela entrara no banheiro e o vira tomando banho naquela manhã? Se, realmente, haviam feito amor, era evidente que também já o vira nu antes... Por mais que pensasse, as coisas não se encaixavam. Amanda não estava entendendo nada.
Brian percebeu que ela o observava. Parecia pensativa. Será que estaria recuperando a memória? Ou estaria apenas pensando em ambos? Se ela se lembrasse de tudo na hora errada... Se desse um escorregão e falasse o que não devia a Quinton...
Sentia-se como se estivesse sobre um saco de pólvora, fumando um cigarro e esperando que uma faísca caísse e mandasse tudo pelos ares.
Amanda aproximou-se dele e encostou a mão em seu braço.
— Deixe-me mostrar como sou boa de cama, querido. Temos muito pouco tempo.
Ele merecia uma medalha quando tudo aquilo estivesse acabado. Uma medalha bem grande, de preferência.
— Não, não temos. — Brian levantou o braço e mostrou seu relógio. — Já estamos atrasados. Além disso, não creio que você deva se excitar agora. Ainda é muito cedo para esse tipo de coisa. Pode não lhe fazer bem...
Excitação. Será que ele não sabia que só de observá-lo ficava com as pernas trêmulas? Ele era realmente um homem sedutor.
Amanda deu um suspiro resignado.
— O que não me fez nada bem foi passar a tarde inteira com Sally, isso sim. Quando ela não estava falando de roupas, jóias e homens, ficava me fazendo uma porção de perguntas. Foi cansativo até dar um basta.
— Que tipo de perguntas ela fazia?
— Sempre a nosso respeito, mais especificamente sobre você. É claro que tive de ser muito vaga, para que ela não desconfiasse de nada. Posso estar enganada, mas tive a impressão de que você a deixou muito impressionada.
— Ora, isso é bobagem.
Talvez não fosse. Brian tivera impressão semelhante. Percebera o modo como Sally olhava pára os homens em volta da piscina. E o modo como olhara para ele. Não invejava Amanda pela tarde que tivera de enfrentar. Ele próprio, porém, não podia se queixar. Estava começando a obter a confiança de Quinton. E aquilo era ótimo.
Observando seu reflexo no espelho, começou a arrumar a gravata preta de seda.
— De que homens vocês falaram?
— Bem, foi ela quem falou o tempo todo. A impressão que eu tinha era a de estar ao lado de uma autêntica ninfomaníaca.
— É melhor que Quinton não saiba disso.
Amanda soltou uma risada.
— Quer saber de uma coisa? Para mim, esses dois se merecem!
Brian ajeitou o nó da gravata, vestiu o paletó e conferiu sua carteira antes de guardá-la no bolso.
— Eis aí uma coisa com a qual concordamos plenamente.
Amanda o alcançou, antes que ele chegasse à porta e tocasse a maçaneta. Sabia que ele a desejava. Era como se ambos estivessem pegando fogo. Não conseguia entender aquela pressa de sair do quarto. Não conseguia entender nada.
— Então, por que está tão ansioso para encontrá-los?
Ela estava dificultando tudo. Só Deus sabia o quanto a queria. Dar vazão às suas vontades agora, porém, seria sua ruína. Passou a mão pelos cabelos sedosos de Amanda. Aquele simples gesto já o deixou excitado. Teria de se policiar muito para não pôr tudo a perder.
— Eu te quero muito, Amanda. Mas não posso fazer o que tenho vontade. Nós não podemos.
Ela leu nas entrelinhas.
— Você está se referindo à minha saúde, não é?
— Sim. É claro que sim. — Ele estendeu-lhe a bolsa que estava em cima de uma cadeira. — Vamos indo. Quinton está à nossa espera.
Amanda nada podia fazer, a não ser resignar-se. Ela esperava que o ato de amor com Brian pudesse fazer com que ela se lembrasse de algo, que alguma coisa abrisse as comportas de seu cérebro. Afinal, o sexo era algo saudável, não era? Era uma pena que seu marido não pensasse assim. Conformada, apanhou a bolsinha preta que lhe era estendida.
Aliviado, Brian lhe deu um beijo na testa.-
— Boa menina. Agora vamos indo.
Se aquilo era um prêmio de consolação, ele teria de caprichar mais. Quando Brian abriu a porta, ela encostou a mão em seu ombro.
— Espere um pouco.
Brian a olhou com certa impaciência.
— O que você quer agora, Amanda?
— Você já vai ver — ela anunciou, antes de beijá-lo.
Os lábios dela eram macios e aveludados, como se fossem pétalas de rosas. Foi um beijo doce e gostoso, uma amostra tentadora do que estava deixando para trás. E do que estava à sua espera, quando voltassem para o quarto mais tarde.
Tomado pelo desejo, Brian a apertou com força.
Ele não tinha tempo para aquilo. Precisava ir logo ao encontro de Quinton.
Era uma batalha perdida. Sentiu que sua força de vontade sumia como fumaça ao vento.
Suas mãos exploravam-lhe as costas e ele a apertava cada vez mais, ficando cada vez mais próximo dela, porém receando que seu segredo fosse descoberto caso cedesse à tentação.
Continuou a acariciá-la até compreender que, se a tocasse uma vez mais, jamais sairia daquele quarto.
Fez um esforço hercúleo para afastar-se dela. Sentia-se fraco. Amanda tinha consumido todas as suas forças.
— Vamos indo, querida.
Ela estava tonta. E de pernas bambas. Aliás, a tontura que sentia agora era maior do que aquela que sentira pela manhã, quando acordara e compreendera que sua memória se fora.
Brian jamais a vira daquele jeito. Ávida, sensual, ardente. Mas, se pensasse bem, aquela não era a Amanda que conhecia tão bem. Precisava compreender aquilo de uma vez por todas. E cuidar bem dela, protegê-la de verdade, até que tudo fosse resolvido.
Mas então, quem iria protegê-lo dela? E dele mesmo?
— Vamos, Amanda. Estamos muito atrasados.
Ambos deixaram o quarto e foram caminhando pelo corredor.
— Eu fico completamente maluca quando estou a seu lado — ela comentou. — Você deve ser um amante e tanto para me deixar desse jeito.
Ele deu um sorriso meio sem graça.
— Já me disseram isso antes.
— Quem? A multidão de namoradas que você teve antes de mim?
Ela estava com ciúme. Amanda Bradshaw, uma mulher ciumenta. Não deixava de ser engraçado.
— Não. Você mesma. Agora, vamos tratar de chamar o elevador.
CAPÍTULO 8
Não havia relógios no cassino propositalmente. Enquanto as pessoas jogavam, rezando para os deuses da sorte, o tempo parecia congelado como na Terra do Nunca. Amanda tinha deixado o relógio no quarto, mas seu próprio relógio interno lhe dizia que estava naquele salão havia um bom tempo. No mínimo havia umas três horas, se não mais.
Fazia uma eternidade, foi sua conclusão ao olhar para Richard Quinton.
No começo, ela até que se divertira, conhecendo uma porção de gente que normalmente não seriam encontradas juntas. Havia de tudo, desde jovens de olhar inocente, até pessoas que pareciam ser muito mais velhas do que realmente eram, porque haviam amarrado seus futuros a sonhos completamente equivocados.
Amanda viu senhoras de cabelos brancos manipulando máquinas como se estas fossem um amante apaixonado, gritando de prazer ao receber algumas poucas moedas.
Haviam pessoas que cheiravam a jogo pesado, ganhando e perdendo fortunas ao sabor dos dados e das roletas.
Quinton parecia se encaixar naquela última categoria. Insistira para que Amanda e Brian ficassem do lado dele durante o tempo todo. Do lado esquerdo, fizera questão de frisar. A princípio, Amanda pensara que aquilo fosse uma simples brincadeira. Porém, ele a informara que jamais brincava quando o assunto era jogo.
Quanto mais ele ganhava, e vinha ganhando bastante, mais achava que estava correto. Aquele casal era mesmo seu amuleto da sorte. Como tal, deveriam permanecer exatamente onde estavam.
A insistência de Quinton já estava dando nos nervos de Amanda, mas não aborrecia Brian. Ao contrário, ele parecia estar muito satisfeito com aquilo.
Bem experiente, Quinton começara a noite nos dados, passando às cartas em pouco tempo, ganhando muito dinheiro até aquele momento. Sem hesitar, sua próxima parada fora nas roletas onde pretendia também ser bem-sucedido.
Amanda estava entediada até o último fio de cabelo. Não aguentava mais ficar ao lado de Quinton, batendo palmas a cada vez que sua carteira era recheada. Queria subir para o quarto e ficar a sós com Brian.
— Se a sorte desse homem continuar — ela sussurrou para o marido —, aposto como Sally estará usando jóias novas amanhã.
Brian sorriu e concordou com a cabeça, mas não deu nenhuma indicação de que desejava ir embora. Ao contrário, observava Quinton com toda atenção, como se o dinheiro apostado tivesse saído de seu próprio bolso.
Após ter ganhado dez mil dólares, Quinton apanhou todas as fichas que tinha e olhou para o croupier.
— Agora é tudo ou nada.
Aquilo significava que, se ganhasse, os dez mil se transformariam em cem mil dólares. Se perdesse, a quantia a ser devolvida era igualmente absurda.
— Tem certeza, senhor? — perguntou o funcionário, estudando o homem à sua frente.
— Certeza absoluta.
A pequena multidão que havia se formado em volta daquela mesa aplaudiu. Amanda percebeu que Brian ficara tenso. Por quê? O dinheiro não lhe pertencia. Se Quinton perdesse, o azar seria só dele.
A roleta começou a girar novamente. Sally, deslumbrante,num dos vestidos que comprara naquela tarde, encostou o braço no ombro do namorado. Os números de Quinton eram o vinte e oito e o vinte e nove.
A bolinha parou no vinte e oito.
— Ganhei! — Quinton abraçou Sally. — Eu ganhei!
Não foi uma exclamação de alegria. Apenas o anúncio do que tinha acontecido. Uma afirmação de sua posição de superioridade.
A multidão em volta da mesa aplaudiu. O croupier estendeu a mão a fim de cumprimentá-lo.
Quinton tinha o ar de um homem que havia apenas começado a jogar. E aquilo não era nada bom. As chances de perder tudo agora eram muitos altas.
— Talvez você devesse parar — sugeriu Brian.
Quinton hesitou. Gostava do desafio. E da vitória.
— Ora, eu ainda sinto energia para jogar durante mais cinco horas.
Brian não duvidava. O problema, porém, era que Quinton estava desafiando a sorte.
— Eu sei. Mas saber parar na hora certa também faz do homem um vencedor. E algo me diz que chegou o momento de irmos embora.
Um garçom passou por eles. Quinton aceitou uma taça de champanha e propôs um brinde.
— Ao casal Russell. A vocês dois, meus eternos amuletos de sorte. — Ele tomou um gole da bebida. — Agora, que tal sairmos para comemorar?
Brian passou o braço pelo ombro de Amanda.
— Muito obrigado, mas estamos um pouco cansados. Acho que Amanda vai preferir descansar um pouco.
Quinton pareceu engolir a desculpa.
— Claro. Por que então não nos encontramos amanhã na piscina, lá pela uma hora? Poderemos almoçar juntos novamente e você aproveita para me falar de sua proposta.
Era exatamente aquilo que Brian estava esperando ouvir.
— Perfeito. Estaremos lá.
Após despedir-se do casal, ele conduziu Amanda em direção aos elevadores.
Ela esperou alguns instantes, então perguntou:
— Que proposta?
Ele balançou a cabeça.
— É uma longa história. Eu explico depois.
Amanda não tinha muita certeza se queria ouvi-la.
E se ouvisse, duvidava que fosse acreditar em uma só palavra.
CAPÍTULO 9
Amanda saiu do banheiro, escovando os cabelos. Estava pensativa. Algo a estava incomodando. O que seria?
A camisola transparente que usava, porém, o deixava mais preocupado ainda. O tecido fino colava ao seu corpo como se fosse uma segunda pele, despertando-lhe desejos secretos.
A camisola em questão havia sido colocada em sua mala para simular uma idéia de lua-de-mel, caso o quarto de ambos fosse vasculhado. Mas um pijama de algodão, do qual não se separava, também havia sido trazido. Por que não o usava?
Porque achava que estavam em lua-de-mel, ora essa. E mulheres recém-casadas costumavam usar lingeries leves e sensuais. O problema maior consistia em que não estavam em lua-de-mel alguma. Estavam no meio do inferno, para dizer a verdade.
Amanda colocou a escova sobre a cômoda e estudou o reflexo de Brian no espelho. Tinha de fazer aquela pergunta que vinha martelando sua cabeça havia várias horas. Se não fizesse, ficaria maluca
— Brian?
— Sim?
— Você reservou este hotel porque sabia que Quinton estaria hospedado aqui?
Se ela havia chegado àquela conclusão, será que Quinton também chegara? Não. Amanda só pensara naquilo porque era uma das mulheres mais inteligentes que já conhecera na vida. Aproximou-se dela com o rosto desprovido de emoções.
— Ora, mas é claro que não. Eu já lhe falei, Amanda. Nós nos conhecemos porque salvei a vida dele. Você estava ao meu lado quando tudo aconteceu.
Amanda balançou a cabeça, refletindo sobre o que ouvira naquela manhã.
— Você o empurrou quando um carro apareceu do nada e invadiu o campo de golfe.
Havia suspeita nos olhos dela. Por alguns instantes Brian considerou a idéia de contar-lhe toda a verdade. Acabou desistindo, porém. Ela não estava em seu estado normal. Ouvir aquele tipo de coisa iria deixá-la ainda mais confusa. Não podia arriscar, não importava o quanto quisesse dizer a verdade.
— Exatamente.
Brian era seu marido, ela pensou. Então, por que iria mentir? Não podia duvidar dele. Mas, de uma forma ou de outra, aquela história estava muito mal contada.
Só sentia que tudo entrava em seus devidos lugares no momento em que ele a abraçava.
— Não fique bravo, mas não consigo entender muitos fatos, por isto estou confusa.
Se Amanda estava confusa, Brian começava a ficar desesperado. A camisola que ela usava era transparente, revelando um corpo belíssimo em toda a sua plenitude.
Sem saber o que fazer, desviou o olhar. Fazendo um enorme esforço, procurou se concentrar na conversa em questão.
— Não estou entendendo onde quer chegar, Amanda.
Ela levantou as duas mãos.
— Quer saber de uma coisa? Nem eu! — Começou a andar de um lado para o outro, a camisola transparente deixando pouco à imaginação. — Também não estou entendendo nada. Cada vez que me dou conta, você está conversando com Quinton. Seu comportamento não faz sentido nenhum para mim. Preciso de respostas, meu querido.
A voz dele era muito suave, ao responder:
— Eu sei. — De qualquer modo, não iria conseguir falar coisa alguma se ela continuasse vestida com aquela camisola tentadora. — Tudo bem. O que é que você quer saber?
Tudo. Quem sou eu, quem é você. Por que tem me evitado quando é evidente que me deseja.
Sabia, porém, que precisava ir com calma. Começar do início. Manter a cabeça no lugar.
A primeira pergunta tinha de ser aquela:
— Por que você faz tanta questão de se tornar amigo íntimo de Quinton, já que a opinião que tem a respeito dele não é das melhores?
— Eu já lhe disse, Amanda. Negócios. Meu interesse por este homem é puramente comercial.
— Que tipo de negócios? Seja claro, por favor.
Brian estava preparado para aquela pergunta. Quinton tinha uma fachada que apresentava para o mundo. Essa fachada incluía uma porção de amigos ricos e poderosos, de preferência que ocupassem altos cargos no governo. Ou que estivessem em locais onde o próprio governo tivesse medo de trocá-los.
— Não há mistério algum aí, minha querida. Richard Quinton é um homem muito rico, envolvido em vários negócios e projetos ao mesmo tempo. Entre suas propriedades, há uma enorme extensão de terra em Bedford Valley, no sul da Califórnia, a melhor região para o cultivo de laranjas do país. — Ele fez uma pausa, tentando ver se Amanda estava engolindo a história. Achou que sim. — Quero entrar nesse negócio com ele, querida. Administrar terras. Estabelecer um acordo com um construtor, que erga uma belíssima sede no meio da propriedade. Aliás, já tenho um em vista. O lucro seria fantástico, tenho certeza. Aquilo fazia sentido.
— É isso que você faz, Brian? Administra terras?
Ele concordou com um gesto de cabeça. Acabara de dizer a Amanda o que dissera ao próprio Richard Quinton durante a tarde na piscina. Outros detalhes haviam sido rapidamente compreendidos, O fato de ter mencionado o nome de Hans Werner ajudara bastante.
— Entre outras coisas.
Ela achava que ainda havia mais a ser dito. Brian parecia estar escondendo algo.
— Que outras coisas?
— Sou administrador de empresas. — Era uma descrição vaga, que cobria uma porção de atividades. Quinton costumava se apresentar com a mesma profissão. — Tenho de ficar de olhos bem abertos, a fim de encontrar as oportunidades seja lá onde elas estejam. Esse negócio com as terras de Quinton promete ser muito lucrativo. — Brian tomou a mão dela nas suas, tendo o cuidado de não olhar para o resto de seu corpo. — Até agora, não me saí mal. Esse anel que está usando é prova concreta disso.
Amanda já estava ficando cansada daquele falatório. Por que ele não a abraçava e a levava para a cama, já que ambos estavam em plena lua-de-mel?
—Brian, vamos parar com essa conversa e deitar um pouco? Acho que estou precisando de descanso.
Se Amanda precisava de descanso, ele estava precisando de outra coisa. Um bom banho frio e um drinque gelado. Ou, na ausência de ambos, uma mulher ávida e ardente.
Mas essa, com certeza, não poderia ser Amanda Bradshaw. Não importava o quanto a quisesse.
— Boa idéia. Você precisa mesmo dormir.
Não era exatamente aquilo que Amanda tinha em mente. Queria ir para a cama, era evidente. Mas não para fechar os olhos e mergulhar no mundo dos sonhos.
— Antes disso, me responda uma outra pergunta, Brian. O que eu faço da vida?
Ele olhou pela janela. Era noite de lua cheia, mas não havia nenhuma estrela no céu. Mesmo assim, formulou um desejo: estar longe dali.
— Como assim?
— Quero saber o que faço da vida, ora essa. Como são meus dias quando não bato a cabeça e perco a memória bem no meio da lua-de-mel?
Ele virou-se para ela. Tentou não olhar para a camisola que aderia ao seu corpo.
— Você é minha mulher. E me ama muito.
Não. Aquilo não estava fazendo sentido algum. Podia estar sofrendo de amnésia, mas sabia que devia ter alguma atividade. Principalmente depois da tarde que passara no shopping center. Se sua vida se resumisse a compras e cabeleireiro, já teria morrido de tédio havia muito tempo.
— Só isso?
Brian teve de fazer força para reprimir um sorriso. Aquela era a Amanda de todos os tempos, que o mutilaria se, em condições normais, soubesse o quanto a desejava.
— Bem, você está nessa posição há muito pouco tempo. Há poucos dias, na verdade.
Não. Havia algo de muito errado por ali.
— Quer dizer que eu não tenho profissão? Eu não trabalho fora?
A resposta já havia sido preparada.
— Você era gerente de uma companhia de seguros. Saiu do emprego porque não aguentava mais o mau humor do seu chefe.
Amanda ouviu o que ele dissera, mas mesmo assim, era como se estivesse escutando a história de vida de uma outra pessoa. Gerente de uma companhia de seguros? Algo por ali não se encaixava direito. Podia ter perdido a memória, mas sentia que a profissão que escolhera deveria ter desafios e emoções. Gerente de uma companhia de seguros? Por que não uma médica, uma advogada, uma jornalista, uma bombeira?
Brian percebeu que havia cometido um erro: Amanda não ia acreditar naquilo. Devia ter inventado outra profissão, algo, é claro, muito mais emocionante. Ela podia ter perdido a memória, mas sua mente agitada continuava exatamente a mesma. Ah, como queria contar-lhe toda a verdade... Mas era algo muito arriscado. Não podia nem pensar em estragar as coisas naquela altura da história.
— Não me imagino sentada a uma mesa durante o dia todo, fazendo corretagem de seguros. Tem certeza de que eu trabalhava mesmo com isso?
Ele sentia pena dela. A pobrezinha parecia estar perdida na floresta, sem que ninguém pudesse salvá-la.
Sabia que sua memória não iria voltar de uma hora para outra, caso uma palavra mágica fosse dita. Aquilo só acontecia em filmes e em romances. Enquanto a mente de Amanda continuasse mergulhada nas trevas, só restava a Brian torcer para que ela não dissesse a coisa errada, e na hora errada, pondo tudo a perder. Ele se sentia preso numa peça macabra, representando dois lados de uma charada. Esperava não misturar suas falas, jogando fora anos de trabalho muito duro.
— É claro que sim. Você deixou o emprego porque seu chefe a irritava. E porque... estava disposta a procurar algo mais emocionante.
Bem, aquilo fazia sentido.
— Entendo. — Só o olhar interrogativo mostrava o vazio em que se encontrava.
Pobre Amanda. Brian sabia que ela devia estar vivendo num completo inferno. Sentiu vontade de tomá-la nos braços e confortá-la. Mas não podia fazê-lo. Se encostasse nela, ambos acabariam na cama. E com certeza não seria para dormir.
— Você está cansada, querida. Não gostaria de se deitar um pouco?
— Brian?
— O que foi?
— Você acha que eu vou recuperar a minha memória?
— Ora, mas é claro que vai! O médico disse que você só precisava ter um pouco de paciência.
— Brian?
— Sim?
— Ele disse uma coisa a mais. Que talvez ela não volte nunca.
Brian balançou a cabeça.
— Isso não vai acontecer, Amanda. Acredite em mim. Um dia, você vai acordar e perceber que se lembra de tudo. Então, nós dois daremos muita risada do que aconteceu. Mas, enquanto isso, você precisa ter muita paciência.
Amanda tinha de acreditar nele. Não havia escolha. A outra alternativa era tétrica. Porém, era preciso ter mais alguma informação.
— Fale alguma coisa a respeito da nossa casa.
— Casa? Que casa?
Por que Brian relutava tanto em lhe contar as coisas de sua vida? Por que não dizia o que precisava saber?
— Nossa casa, ora essa. Nós devemos morar em algum lugar, não é? Quero dizer, você me disse que é um homem rico, que tem muito dinheiro. É natural que tenha uma boa casa, não é?
Então ela havia engolido sua história. Graças a Deus.
— Sim. Nós temos uma casa.
— E como é ela?
Ele lembrou-se daquela onde morara por apenas um ano. Mas então, sua mãe adotiva ficara doente e ele tivera de voltar para o orfanato. Sua vida nunca mais fora a mesma depois daquilo e Brian crescera com uma certeza no coração. As coisas boas duravam pouco.
— Uma casa bonita, de dois andares. Paredes brancas, janelas azuis, um pequeno jardim. Na verdade, ela é toda pequena, mas bastante confortável.
Amanda ficou surpresa. Pelo que Brian lhe contara, havia imaginado que ambos morassem numa mansão, com piscina e quadra de tênis.
— Pequena?
Ele fez que sim com a cabeça.
— Exatamente. Às vezes, as coisas são melhores quando no tamanho ideal. Somos apenas duas pessoas. Não precisamos de uma casa com dez quartos. Não concorda comigo?
— Claro que sim. Casas pequenas dão menos trabalho.
— O único cômodo grande é o nosso quarto — continuou ele, exercendo sua criatividade. — Há uma pequena saleta na entrada, com uma televisão de trinta polegadas, onde assisto a jogos de futebol e basquete. Adoro esporte. — Aquela parte era verdadeira. — Sou um excelente goleiro, modéstia à parte.
Amanda deu um sorriso. Uma casa gostosa e aconchegante... Será que ajudara a decorá-la? Será que haviam ganhado muitos presentes? De súbito, sentiu uma enorme vontade de ir até lá e descobrir tudo.
— Por que não vamos para casa agora mesmo, Brian?
Aquilo o pegou de surpresa.
— Como?
— Por que não encerramos a nossa lua-de-mel por aqui e voltamos para casa? Pode ser que isso até me ajude a recuperar a memória!
Brian teve de pensar depressa.
— Não creio, Amanda. Suas chances são maiores aqui, longe dos problemas do dia-a-dia.
— Então faça amor comigo.
Agora, a surpresa foi ainda maior. Não esperava que ela fosse tocar no assunto de novo. Se pensasse bem, veria que aquilo não tinha nada de surpreendente. Amanda era insistente como jamais conhecera outra igual.
— Ainda é muito cedo, querida.
Acredite em mim, Bradshaw. Se eu a levasse para a cama, você iria acabar com minha carreira. Seria capaz até de levar o caso à polícia.
Brian usava somente a calça do pijama. Ah, como gostaria de ver o que ele guardava lá dentro...
— Talvez o ato do amor me ajudasse a lembrar.
Não. Não ajudaria. Mas seria uma lembrança absolutamente inesquecível. Pelo menos, para ele.
— Acho que não, Amanda. Poderia até lhe ser um pouco traumático. Quero dizer, basicamente, sou um estranho para você. Além disso, sua cabeça ainda está machucada.
Um sorriso malicioso e sensual em seus lábios.
— Prometo que não vou usar a cabeça.
Ele riu. Ela era incrível. Desejava ter conhecido antes aquele seu lado jovial e divertido; então aí, talvez as coisas tivessem sido diferentes.
Talvez, não, teriam sido diferentes mesmo.
Mas o que importava no momento era o presente e Brian estava preso dentro dele. Não podia tirar proveito de uma pessoa doente, não importava o quanto seu corpo implorava para fazê-lo.
— Talvez você não esteja usando sua cabeça, mas eu estou.
De duas, uma. Ou Brian Russell era o homem mais forte e resistente do mundo, ou não tinha o mínimo apetite sexual. Não conseguia acreditar naquela última hipótese. Quem sabe ainda havia uma terceira razão. Será que ele não a achava atraente? Mas então, por que se casara com ela? Talvez houvesse outro motivo que motivara o casamento. Um motivo secreto, do qual não tomara conhecimento...
— Você me deseja Brian?
Ele não poderia dizer que não. Oficialmente, era um homem em lua-de-mel. E mesmo que não fosse, a resposta era uma só.
Olhou bem dentro de seus olhos.
— Amanda, eu te quero tanto, que meu coração chega a se contrair. Pode acreditar. Isso tudo está sendo muito mais penoso para mim do que para você.
Ela acreditava nas palavras de Brian. Só não acreditava na própria falta de sorte. Estava numa das cidades mais excitantes do país, em plena lua-de-mel, usando uma camisola ultra sensual... e sem poder fazer amor com o próprio marido.
— Duvido.
— Mas é verdade. Agora, que tal dormir um pouco?
Ela não podia estar mais desanimada.
— Que remédio...
Ambos entraram debaixo das cobertas e Brian apagou a luz. Sentiu o corpo de Amanda junto ao seu e, para se defender, começou a pensar numa porção de lugares gelados.
Não adiantou.
— Brian?
Sua voz parecia flutuar no escuro. Pequena, perdida, vulnerável. Sentiu um friozinho na barriga.
— Sim?
A escuridão a deixava ainda mais cheia de desejo. A tal ponto, que não conseguia se conter. Sentia que o ato de implorar não fazia parte de sua natureza, mas, naquele momento, isso não parecia importar.
— Ao menos será que você poderia me abraçar?
Brian sentiu uma pontada no coração ao ouvir aquele pedido. Ou melhor, aquela súplica. Os raios prateados da lua cheia entravam pelas frestas da janela, revelando os traços de seu belo rosto.
— Claro.
Movendo-se na cama, Brian passou o braço por seu ombro, e Amanda deitou a cabeça no peito dele.
Por sua brava resistência merecia um prêmio que jamais alguém recebera na face da terra.
Apesar de todas as dúvidas que assombravam-lhe a mente, Amanda sentia-se segura naquele abraço. Ficar ali, tão perto dele, era algo muito agradável e reconfortante.
Poucos minutos depois, um sono gostoso chegava, amolecendo seu corpo e sua mente. Dentro de instantes, estaria sonhando com os anjos.
Brian observou Amanda levantar-se e dirigir-se ao banheiro. Sua memória ainda não tinha voltado. Havia sido a primeira coisa que ele lhe perguntara, assim que tinham acordado instantes atrás.
Sentou-se na cama e começou a pensar nas novidades que aquele novo dia iria trazer. Novidades e aborrecimentos.
Amanda saiu do banheiro. Brian parecia uma águia, preparando-se para o vôo. Uma águia muito elegante, pensou, com um sorriso nos lábios.
— O que foi? — ele perguntou. — Do que está rindo?
Ela sentou-se a seu lado. Graças a Deus não estava nua.
— De nada. Estava apenas pensando na beleza de meu marido. Alguém já lhe disse que é um homem lindo, Brian?
Ambos se conheciam havia um bom tempo, mas Amanda jamais fizera uma só referência à sua aparência física.
— Você me acha mesmo bonito, Amanda?
— Bonito? Você é deslumbrante, isso sim! — Ela começou a acariciar-lhe o ombro nu. — Aliás, gostaria de lhe dizer que o sono dessa noite foi muito agradável e reparador. Estou me sentindo uma nova mulher. Não acha que devíamos comemorar o fato?
O suplício iria recomeçar.
Ele levantou-se de súbito, apanhou um robe e ofereceu-lhe.
— Vista-se Amanda.
Ela ficou desapontada, muito embora estivesse se acostumando àquela rejeição. Um mau sinal, com certeza.
— Eu pensei que você fosse me beijar.
— E ia mesmo. — Para provar que falava a verdade, ele lhe deu um beijo rapidíssimo nos lábios. — Agora, se você não se importar, vou dar um pulo até a academia do hotel. Talvez não se lembre, mas eu faço ginástica e musculação todos os dias.
Dizendo isso, abriu o armário, apanhou um agasalho apropriado e trancou-se no banheiro. A desculpa podia ter sido um tanto furada, mas fora a única que lhe passara pela cabeça. Um segundo a mais ao lado dela e não seria responsável por seus atos. Até os santos tinham seus momentos de fraqueza.
Como agora, quando ele saiu do banheiro e a viu deitada na cama, como se fosse uma ninfa cheirando a pecado.
Amanda o mataria quando recuperasse a memória, se soubesse o que ele tinha em mente. Porém, se não tivesse sofrido a pancada na cabeça, não estaria ali provocando-o daquele jeito.
Amanda percebeu que ele fraquejava.
— Conheço uma maneira excelente de você se exercitar sem sair desse quarto, querido. Quer que lhe mostre?
Ele engoliu em seco. Sua boca formigava.
— Nós já conversamos sobre isso, querida. Olhe, também é difícil para mim ficar longe de você. Mas não quero correr o risco de que alguma coisa lhe aconteça, só porque não consegui me controlar.
Ela se levantou lentamente. Talvez Brian tivesse razão, mas ser obrigada a ficar distante daquele corpo durante toda a lua-de-mel era um verdadeiro martírio. De repente, uma dúvida veio-lhe à cabeça.
— Brian?
— O que foi agora?
— Nós já fomos casados antes?
— Como?
— Quero saber se esse foi o nosso primeiro casamento. Quero dizer, um de nós já era divorciado? Tivemos filhos de outras uniões?
Ele começou a rir.
— Não. Nós dois éramos solteiros.
Ela aproximou-se da cômoda e estudou seu reflexo no espelho grande ali em cima. Quantos anos teria? Não fazia idéia! A imagem ali refletida era a de uma moça bonita, provavelmente na faixa dos vinte anos. Mas vinte e quantos?
— Qual é minha idade, Brian?
Ele riu mais ainda.
— Ah, as mulheres! Sempre preocupadas com essas bobagens!
Amanda virou-se para ele.
— Bobagem coisa nenhuma. Idade é algo muito sério! Agora, fale logo. Quantos anos eu tenho?
— Trinta e três.
Ela não aparentava aquela idade.
— Tudo isso? Tem certeza?
— Claro que sim.
— Pensei que tivesse menos.
— Você aparenta mesmo bem menos do que isso. Ninguém lhe dará mais do que uns vinte e cinco ou vinte e sete anos.
— Brian?
O interrogatório prometia ser longo.
— Sim?
— Nós gostamos de crianças? Queremos ter filhos?
Ó, Deus...
— Sem dúvida. Pelo menos, uma meia dúzia.
— O quê? Seis filhos? — Foi aí que ela percebeu o ar de riso que havia no rosto do marido. — Pare com isso, Brian. Você está brincando comigo.
— Tudo dará certo, querida, você vai ver. Só precisamos ter um pouco de calma.
— Brian...
— Fale, querida.
— Você não vai esperar até a minha memória voltar para fazer amor comigo, vai?
Ela estava louca de vontade de fazer amor com ele. Quem diria...
— Não. É claro que não. Só quero esperar mais uns dias, até que você esteja um pouco mais forte.
Dois dias. Havia sido o prazo que acabara de lhe dar. Se naquelas próximas quarenta e oito horas, Amanda não recuperasse a memória, ele iria lhe contar toda a verdade. E aí então, provavelmente, ela o mataria.
Tinha de sair daquele quarto antes que sucumbisse de novo. Uma hora de musculação, esteira e corrida o ajudariam muito. Talvez duas, corrigiu em silêncio.
— Agora, fique bem quietinha aí que eu já volto.
— Quanto tempo pretende demorar, Brian?
— Uns quarenta e cinco minutos. Uma hora, no máximo.
E foi embora antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa.
Amanda observou-o fechar a porta. Frustrada, entrou no banheiro a fim de tomar um banho. Um banho bem frio.
CAPÍTULO 10
A pequena boate estava lotada, vários casais espremendo-se na estreita pista de dança, movendo-se ao som da banda que tocava mais adiante.
O lugar era barulhento, apertado e parecia envolto numa densa nuvem de fumaça. Brian achava que o local em questão não fazia em nada o gênero de Quinton, mas fora a escolha do homem. Após uma segunda noite no mesmo cassino, onde ganhara mais trinta mil dólares, o sósia de Sean Connery insistira para que os quatro fossem comemorar a vitória em grande estilo.
Localizada no andar térreo do próprio hotel a boate era um lugar ideal para quem quisesse ver e ser visto.
Se é que alguém pudesse enxergar alguma coisa em meio a toda aquela fumaça, pensou Brian, com certo desânimo. Observou um casal passar por sua mesa e dirigir-se à pista de dança. Havia uma expressão estranha no rosto dos dois jovens. Aliás, parecia haver uma expressão estranha no rosto de quase todos os frequentadores do local. Um olhar vago e indefinido, difícil de ser explicado.
Havia muitos clientes ali para o que Quinton tinha a oferecer.
Percebia que o homem tinha o mesmo pensamento em mente. Ele olhava para o chão como se fosse um lobo perseguindo um grande rebanho de ovelhas, pensando na hora do almoço.
Uma garçonete vestida de preto da cabeça aos pés quase tropeçou na mesa deles ao trazer uma segunda rodada de drinques. Murmurando um pedido de desculpas, recolheu os copos usados e serviu os novos. Parecia não importar quem bebia o quê. Sally apanhou um deles e começou a beber em silêncio, enquanto Quinton espalhava dinheiro pela mesa como se aquele brotasse em seus bolsos.
Brian olhou para Amanda. Ela balançava a cabeça concordando com algo que Quinton falava em seu ouvido, um sorriso em seus lábios.
Uma emoção que ele não reconheceu começou a ganhar vida dentro de sua alma. Amanda havia perdido a memória três dias atrás. Três dias vivendo uma vida dupla. Ou tripla.
Não sabia dizer ao certo quanto tempo mais poderia aguentar.
As coisas com Quinton vinham progredindo muito lentamente. Porém, não podia afastar o homem que estava começando a confiar nele de verdade. Tanto quanto Richard Quinton confiaria em alguém, bem entendido.
Quanto a Amanda, não havia motivos para grandes preocupações. Ela se esforçava para ser simpática com o casal. Uma pessoa estranha até diria que aqueles quatro eram amigos de longa data.
Melhor assim.
Dadas as circunstâncias sob as quais vinha trabalhando, até que Brian não podia se queixar.
Era a outra parte que o preocupava. Era o que acontecia quando Quinton e Sally não estavam por perto.
Amanda não parava de provocá-lo. E ele a desejava cada vez mais. Aquilo, porém, era um absurdo que jamais deveria acontecer. Precisava permanecer em guarda, alerta, caso algo saísse errado. O sucesso da missão dependia disso.
Mesmo assim, ali estava ele olhando para Amanda, observando o modo como sua boca se movia e como seus olhos brilhavam. O modo como seus seios se levantavam cada vez que respirava.
Não tinha reparado antes na cascata loira e sedosa que caía pelos seus ombros e chegava até o meio das costas. Nem nos olhos brilhantes, que pareciam irradiar vivacidade. Nem na sua pele de veludo, que era um convite explícito a beijos.
Não, não tinha reparado em nada daquilo.
Ou tinha?
Bem, é claro que tinha. Só que aprendera a se controlar. Com sucesso. Até agora.
Não era possível. Estava se comportando como um adolescente folheando uma revista pornográfica. Afinal, era um profissional competentíssimo! Pelo amor de Deus, o que será que estava acontecendo com ele? Para onde havia ido sua tão famosa competência?
Olhou novamente para Quinton. O homem parecia estudar Amanda como se ela fosse um doce apetitoso. Sentiu vontade de esbofeteá-lo. Estaria com ciúme? Era só aquilo que lhe faltava na vida.
Tudo aquilo fizera parte de um plano muito bem cuidado. O assédio de Quinton seria muito bem-vindo. A Amanda de sempre lidaria bem com ele e tiraria todas as vantagens possíveis.
O problema era que aquela não era a Amanda de sempre.
Na verdade, ela não fazia a mínima idéia do que estava acontecendo. E aquilo era péssimo.
Richard Quinton mexeu-se na cadeira estreita colocando a mão no ombro de Amanda. O gesto fora íntimo demais para o gosto de Brian.
— Será que você se importaria se eu roubasse sua mulher por alguns minutos, Russell?
Sim, ele se importava. Importava-se muito mais do que mandava o bom senso.
Levantou a voz, a fim de se fazer ouvir. Por causa do barulho, a banda tinha começado a tocar mais alto.
— Depende de quais sejam suas intenções.
Quinton limitou-se a rir. A expressão de seu rosto mostrava muito bem o que ele tinha mesmo vontade de fazer com Amanda, caso tivesse uma chance. Levantou-se e ajudou Amanda a fazer o mesmo.
— Será que você não confia em mim, Russell? Como pode tratar desse jeito um futuro sócio?
Três dias e três noites de cassinos, boates, conversas e almoços. Seis meses de trabalho nos bastidores, sem mencionar os dois anos de intenso planejamento. Finalmente, os resultados estavam começando a aparecer. Richard Quinton tinha mordido a isca.
Brian sentiu o gosto da vitória na boca. Porém, esse não foi tão doce quanto tinha esperado.
— Então isso quer dizer...
Quinton inclinou a cabeça de modo ambíguo. Gostava de brincar com as pessoas e Brian não era exceção. Já havia dado alguns telefonemas e fizera algumas investigações. Até o momento, o tal do Brian Russell parecia ser exatamente o que dizia.
Sorriu para si mesmo. Aquela era a vantagem de estar no controle da situação. Podia decidir o que fazer na hora que bem entendesse. Adorava aquela sensação. Não havia nada mais fascinante na vida do que o poder.
— Talvez. — Ele virou-se para Amanda. — Vai depender do modo como sua mulher dança. Está pronta, minha cara?
Não. Ela não estava pronta. Estava louca de vontade de ir embora, isso sim. Mais do que nunca, queria se afastar daquele estranho casal. Por amor a Brian, fizera o possível para mostrar-se simpática, fingindo prestar atenção em tudo que Quinton falava, rindo de suas histórias sem graça.
— Digamos que sim.
Apenas uma música, ela prometeu a si mesma. Depois disso, vou pedir a Brian que me leve embora daqui.
— Ótimo. — Quinton virou-se para Sally. — Quanto a você, sei bem, trate de se comportar na minha ausência. Não dance com ninguém, ouviu?
Sally observou-o se afastar, os olhos brilhando de raiva. Mas que atrevido! Estava cansada de obedecer suas ordens, de fazer tudo o que ele mandava. Tomou um gole da bebida de seu copo quase vazio e voltou a atenção a Brian.
— Não ligo para ele. É claro que eu danço com quem quiser.
Era evidente que estava esperando um convite. Só que ele seria maluco se ousasse confrontar Quinton agora. Não quando ele parecia ter mordido a isca.
— Acho que não vou querer dançar agora — ele limitou-se a responder. — Vou ficar aqui sentado e vigiar minha mulher.
Sally deu de ombros e fez sinal para que o garçom lhe trouxesse outra bebida.
Quinton, aproveitando-se do pouco espaço disponível, apertava Amanda com força. Aquela mulher era mesmo sensacional. Imaginou-a nua, na cama e sentiu-se excitado até não poder mais.
Amanda, por sua vez, sentia outra coisa: vontade de vomitar. Quinton apertava-a com força, usando a boate lotada como desculpa. Os pés dele não se moviam, mas seu corpo, sim... Que homem desagradável.
— Você é muito bonita — ele estava sussurrando em seu ouvido. — Como vai a sua lua-de-mel?
Aquilo não era de sua conta. Foi a resposta que esteve prestes a escapar de seus lábios, mas conteve-se a tempo. Brian não iria ficar satisfeito se contrariasse o homem daquele jeito.
— Muito bem, obrigada — ela acabou respondendo, com voz fria.
Quinton, porém, não acreditava nela. Apesar dos beijos e dos abraços que testemunhara, havia algo de errado entre aqueles dois. Ela estava tensa. Com certeza Russell não era homem suficiente para aquela mulher estonteante. Fato que podia ser solucionado sem o menor problema. Levantou uma sobrancelha, pronto a lhe dar um ombro para chorar. E um corpo quente na cama, ao lado do seu.
— Seu marido está dando conta do recado?
Amanda sentiu vontade de esganá-lo.
— Mas é claro que sim!
Ele duvidava. De qualquer modo, apostava que era bem melhor de cama que Russell.
— Caso queira alguém para comparar, estou à sua inteira disposição. Não se esqueça disso.
Aquele homem era mesmo intragável.
— Agradeço, mas não vai ser preciso.
— Se eu fosse você, minha cara, pensaria duas vezes antes de me dispensar. — Ele deu uma risada rouca, que a deixou assustada. — Lembre-se de que, durante a nossa estadia nesse hotel, minha porta estará sempre aberta para você.
Amanda sentiu vontade de esbofeteá-lo.
— Mesmo que eu quisesse aceitar seu convite, será que Sally não iria ficar aborrecida com isso?
Quinton deu de ombros.
— Sally costuma ficar aborrecida por qualquer motivo, acredite em mim. Se eu desse ouvidos a todas as suas reclamações, ficaria completamente maluco.
Naquele momento, Amanda sentiu uma enorme pena da moça. Não importava o quão atraente fosse o homem. Por baixo daquele ar de sofisticação, Richard Quinton não passava de um monstro.
Olhou para a banda. O baterista estava se levantando.
— Parece que a música já acabou — disse ela, reprimindo um suspiro de alívio.
Quinton, porém, continuou a apertá-la.
— Tenho certeza de que vai continuar.
Será que iria ter de dançar com ele a noite toda, se não quisesse fazer uma cena ali, no meio da boate?
Sentiu uma onda de alívio ao ver Brian se aproximando. Finalmente, a cavalaria tinha chegado para salvá-la.
Brian encostou a mão no ombro de Quinton.
— Agora é minha vez, amigo.
Quinton tirou as mãos de cima de Amanda.
— Não sei se reparou, mas a música acabou, Russell. Você não vai querer dançar apenas ouvindo o som das conversas, vai?
Dizendo aquilo, Quinton voltou para a mesa, esbarrando em pelo menos dez pessoas durante o percurso. Brian encostou a mão no ombro de Amanda. Ele sentira vontade de esganar aquele mau caráter quando o vira esfregar seu corpo contra o dela.
— Você está bem, Amanda? Tenho a impressão de que está um pouco pálida.
Amanda não olhou para ele. Agora que tinha sido resgatada sentia o sangue ferver em suas veias.
— Eu sempre fico pálida quando alguém tenta me forçar a fazer alguma coisa de que não gosto.
Ambos abriram caminho em meio à multidão e chegaram à mesa. Em vez de sentar-se, porém, ela apanhou a bolsa. Precisava desesperadamente de um pouco de ar puro.
— Acho que já vou para o quarto. — Ela disse aquilo sem olhar diretamente para ninguém. Não queria conversa com quem quer que fosse, principalmente com Brian, que a colocara naquela situação degradante e embaraçosa. — Se quiser, pode ficar, Brian, mas eu estou muito cansada.
— Tem certeza? — perguntou Quinton, a voz suave como o veludo. — A noite é uma criança!
— Pode ser para você, mas não é para mim. Com licença.
Sem dizer mais uma palavra, virou as costas e se afastou. A multidão a engoliu segundos depois.
Brian hesitou. Não podia deixar que ela fosse embora daquele jeito. E se não voltasse para o quarto e ficasse andando sem rumo pela cidade? Amanda ainda não sabia quem era. Dividido entre o que queria e o que precisava fazer, não demorou três segundos para escolher.
Tirou a carteira do bolso e jogou algumas notas em cima da mesa.
— Acho melhor terminar a noite por aqui mesmo. O almoço ainda está de pé amanhã?
— É claro que sim — respondeu Quinton, empurrando o dinheiro de volta em direção a Brian. As notas continuaram em cima da mesa. — Ao meio-dia, na nossa suíte. — Ele fez uma pausa. — Bem, o que está esperando? Vá atrás dela! Se eu tivesse uma mulher daquelas, não a deixaria sozinha no quarto nem por um minuto. Mostre-lhe que tem sangue nas veias, homem!
Brian sentiu vontade de dar um soco no cafajeste e apagar aquele sorrisinho cínico de seus lábios. Em breve, pensou ele. Muito em breve.
— Já vou indo, então. Boa noite para vocês dois.
Suas palavras foram absorvidas pela barreira de vozes e de risos que havia no salão.
Empurrando uma porção de pessoas, Brian chegou à porta. Conseguiu alcançar Amanda no momento em que ela entrava no elevador.
Amanda o ignorou completamente. Ele não a culpava.
— Por favor, Amanda, fale comigo. O que aconteceu?
Ela não podia acreditar no que estava ouvindo. Como é que ele tinha a audácia de perguntar? Encarou-o com olhos brilhantes de cólera.
— E você ainda me pergunta? Aqui estou eu, em plena lua-de-mel e meu marido, além de se recusar a me tocar, me entrega de bandeja a um homem, que por sinal é muito nojento, só porque espera que ele seja seu futuro sócio!
A porta do elevador se abriu no nono andar. Uma pessoa fez menção de entrar, mas Brian se adiantou e apertou o botão "fechar".
— Desculpe-me — ele lhe disse. — Elevador lotado.
Ignorando o rosto perplexo do hóspede, ele virou-se para sua esposa novamente.
— Posso saber do que está falando?
— Ora, Brian, não queira bancar o inocente. Você me ofereceu a Quinton em troca de favores. Ele passou o tempo todo se esfregando no meu corpo. — Ela teve um arrepio de horror ao dizer aquilo. — Foi terrível. Esse tal sujeito é repugnante.
O elevador parou no vigésimo andar e ambos desceram rapidamente. Usando o cartão magnético, Brian abriu a porta do quarto.
— Quer saber de uma coisa? Também acho.
Ela não conseguia acreditar naquilo.
— Então por que me ofereceu para ele?
Brian coçou o queixo, sentindo uma enorme frustração dentro do peito. Tudo estava correndo tão bem... Ela não podia ter perdido a memória!
— Eu não ofereci você a ele, Amanda. Acredite em mim, por favor. Sabe por que fui até a pista? Porque não aguentava mais ver aquelas mãos nojentas em cima de você!
A raiva que Amanda sentia começou a desaparecer.
— Foi por isso que você foi até lá? Porque estava com ciúme?
Ele abaixou a cabeça.
— Pode apostar que sim.
— Mas então, por que insistir em manter a amizade com essa gente tão estranha?
Era típico de Amanda dificultar as coisas daquele jeito...
— Porque preciso dele. Porque ele pode ser um bom parceiro de negócios.
Ela ainda não estava convencida.
— Mas Brian, você me disse que é um homem muito rico! Ou será que isso também é mentira?
Ele ficou tenso. Será que Quinton declarara alguma coisa que o contradissera?
— O que você quer dizer com "também", Amanda?
Ela sentou-se na cama.
— Várias coisas não estão se encaixando, Brian. Nós não estamos nos encaixando.
— Como assim, nós?
— É o que você está ouvindo, Brian. Nem desse jeito você compreende. Estamos em lua-de-mel, você não me toca e ainda acha normal.
— Eu te desejo. E sei que o sentimento é recíproco. Há algo de muito forte entre nós. Algo tenso, elétrico. Parece até que damos choque. Mesmo assim, cada vez que me aproximo de você, o que acontece? Você foge! Em público trocamos beijos e abraços. Principalmente na frente de Quinton. Mas quando estamos sós, nada acontece! Você diz as palavras certas, mas suas ações o transformam num grande mentiroso!
Brian colocou as mãos no bolso. Sim, ele estava mentindo. Porque ela perdera a memória. A verdade poderia chocá-la.
— Amanda, eu já lhe disse...
— Pare com isso, Brian. Não acredito mais nessa desculpa esfarrapada. Você me pediu dois dias. Pois bem, o tempo se esgotou. Eu estou em perfeito estado de saúde. Minha memória ainda não voltou, mas ninguém precisa de memória para o que eu tenho em mente. Se você não me deseja, seja honesto e diga de uma vez por todas!
— Não é verdade, minha querida, é claro que eu te quero. Quero tanto que meu corpo chega a doer. — Brian balançou a cabeça. Aquelas palavras tinham saído de sua boca antes que pudesse sufocá-las. Sabia que estava agindo de modo errado, mas não conseguira evitar. — Você está mexendo com minha cabeça, Amanda. Não consigo pensar direito quando estou perto de você.
Ela quase acreditou nele. Quase.
— Posso dizer o mesmo.
Havia angústia nos olhos dele ao encará-la.
— Mas eu não posso... Simplesmente não posso...
Como não podia? Aquilo era tão fora de propósito que não dava para acreditar!
— Por quê? Por que não pode?
Ele sentiu vontade de sacudi-la até que ela voltasse a ser a Amanda de sempre, até que se lembrasse de tudo e parasse de torturá-lo daquele jeito.
— Porque...
Parou de súbito, ao compreender que não tinha o que dizer.
— Por quê...? — sussurrou ela, esperando.
E aí então ele não soube de mais nada, exceto que morreria naquele mesmo instante, se não a tomasse nos braços e a beijasse com paixão.
Foi o que ele fez.
— Eu sempre soube que você era uma mulher maravilhosa, Amanda — ele murmurou, segundos antes de cobrir-lhe os lábios com os seus.
Sempre era uma palavra reconfortante, gostosa de ser ouvida. Amanda sabia que ele continuaria em sua mente por muito tempo, mesmo que outras imagens tivessem se apagado.
Sempre.
Era aquilo mesmo que ela queria. Ficar para sempre ao lado dele. Em seus braços, perdida no perfume e no gosto de seu marido.
Sempre.
O beijo foi longo, provocante, sedutor. A cabeça de Amanda começou a girar, mas não como daquela vez em que acordara e percebera que não se lembrava de nada. Não se sentia mais perdida. Na verdade, tinha acabado de se encontrar. Seja lá o que ficasse sabendo de sua vida no futuro, seria secundário. Seu presente era Brian. Nada mais importava.
Brian Russell sentiu que seu corpo mandava-lhe vários sinais, alertando-o para o fato de que, em poucos segundos, não haveria mais volta. Ignorou todos eles, até que se desintegrassem no calor do fogo que corria em sua veias.
Deslizou as mãos por todo o corpo dela, absorvendo cada curva, cada sensação. Desejando-a mais do que desejava viver.
Aquilo não estava correto. Sabia muito bem do fato. Mas os conceitos de certo e de errado haviam ficado do lado de fora daquele quarto. Tudo o que sabia da vida era que a desejava. Como a quisera desde o princípio.
E tinha sido muito fraco para não ter aceitado o que ela lhe oferecia.
Sim! Amanda sentia que cada fibra de seu corpo vibrava de prazer, que aquele momento mágico estaria gravado em sua mente até o fim de sua vida.
— Eu te quero, Brian — ela ainda teve forças de sussurrar. — Faça com que eu consiga encontrar sentido em minha vida... Não me lembro de nada, então me dê algo que eu possa me lembrar. Seja meu primeiro homem. E será também o último.
Aquelas bonitas palavras tocaram fundo a alma de Brian. Amanda, porém, não iria achar a mínima graça nelas quando, finalmente, se lembrasse de tudo. Só Deus sabia qual seria sua reação. O próprio Brian fazia uma idéia. Amanda ficaria tão furiosa com ele, que não descansaria até vê-lo na sarjeta.
— Amanda, você não sabe o que está dizendo.
— Claro que sei. Eu quero você e, de uma maneira que não consigo explicar, sinto que sempre te quis. Não me faça implorar. Deixe-me ter ainda um pouco de orgulho.
Aquela palavra naquele momento, não queria dizer nada. Era evidente que haveria cobranças no futuro, mas não agora. Agora tudo o que ele via na frente era uma mulher ávida por seus carinhos, alguém que lhe despertava um desejo que o consumia por inteiro.
Com mãos que, por mais incrível que pudesse parecer, estavam firmes, Brian enlaçou-lhe a cintura e apertou-a junto de si.
— Amanda querida, como eu te quero...
O vestido caiu a seus pés quando o zíper foi aberto, ela não usava nada por baixo, a não ser uma minúscula calcinha de rendas. Brian sentiu dificuldade em respirar.
— Meu Deus, como você é linda...
Ele estava sendo sincero. Amanda podia ler isso em seus olhos. Seu marido também a desejava. E isso era o suficiente para encher seu coração de alegria.
Levantou a cabeça e olhou bem dentro de seus olhos.
— Sou sua mulher, Brian. Faça-me sentir como tal.
CAPÍTULO 11
Aquilo não poderia estar acontecendo. Tal pensamento martelava seu cérebro como se fossem os últimos acordes de uma música cujo disco estava riscado. Sempre imaginara que fosse mais forte do que aquilo.
Mas mesmo assim, se tudo aquilo terminasse de repente, se Amanda, por alguma estranha razão, desaparecesse de sua frente, Brian sabia que não iria conseguir suportar.
Ela parecia tão vulnerável, tão macia, tão desprotegida... Completamente diferente da advogada brilhante e independente que era, assustando assistentes e subordinados apenas com um olhar. Jamais pensara nela como uma garotinha delicada. Mas era exatamente isso que via a sua frente. Delicadeza, fragilidade e meiguice em forma de mulher.
Sua mente se debatia entre a verdade e a mentira.
Mas ele não tinha defesa contra aquilo, contra o desejo que via nos olhos dela, contra o desejo que sentia em seu próprio corpo e alma. Portas que havia jurado estarem fechadas para sempre se abriram dentro dele sem o mínimo esforço, que, uma vez abertas, jamais se fechariam novamente.
Abraçou-a com força. Já não tinha mais escolha.
Mas podia dar a Amanda uma última chance. A honestidade tinha de falar mais alto, até mesmo numa situação como aquela. Mesmo que seu coração e sua alma fossem despedaçados.
— Você vai acabar se arrependendo, Amanda. Confie em mim.
Ela respirou fundo, os seios pequenos e firmes deixando Brian atordoado.
— Por quê?
Ele estendeu a mão e acariciou-lhe os cabelos. A vontade de tocar outras partes de seu corpo era enorme, mas ele conseguiu se controlar.
— Infelizmente, não posso falar mais nada.
Como ela poderia se arrepender quando todas as células de seu corpo pareciam gritar por ele? Quando tudo dentro dela movia-se em direção àquele homem, como a inevitável maré procurando abraçar a areia?
E mesmo que se arrependesse, pouco estava se importando. Desejava-o com uma fúria que nem sabia que possuía. Se quisesse resistir, com certeza, não conseguiria. Seria algo completamente impossível.
Brian Russell era o seu destino. Havia sido prometida a ele desde o começo dos tempos.
Podia sentir aquilo, tão forte como sentia agora seu corpo trêmulo e mole, no momento em que a língua de Brian explorava sua boca, levando-a ao paraíso.
Brian Russell era um homem experiente, acostumado a estar sempre no controle de todas as situações. Principalmente quando o assunto era sexo. As coisas, porém, estavam começando a ficar diferentes. Percebia que não controlava mais nada. Era controlado por seus sentimentos, por um desejo mais forte do que qualquer outra coisa que já sentira na vida.
Era prisioneiro daquela mulher. Nunca pensara que fosse aceitar a prisão de bom grado.
Pressionou o corpo dela contra o seu com mais ímpeto. Durante alguns instantes, ficou ali, parado, sentindo o calor que emanava de sua pele.
Beijando-a novamente, compreendeu que era todo dela. Perdeu-se em seus lábios, no perfume que a envolvia como uma nuvem invisível. Jamais se entregara daquela maneira, jamais deixara que seu controle escapasse por seus dedos daquele jeito. Era uma sensação apavorante, humilhante... e simplesmente maravilhosa.
Levantou a cabeça e olhou para o rosto de Amanda. Os lábios dela estavam vermelhos e úmidos. Os dele também deveriam estar.
— Você tem idéia do que está fazendo comigo? — ele perguntou, com voz rouca. — Faz alguma idéia?
Não era nada comparado ao que ele fazia com ela.
— Talvez — ela arriscou. Seus olhos brilhavam de tanto desejo. — Por que você não me mostra? Mostre-me o quanto me quer.
Aquilo o excitou ainda mais.
Brian poderia arrancar-lhe a minúscula calcinha de renda que mal lhe cobria a nudez e possuí-la ali mesmo, mostrando-lhe toda a intensidade do seu desejo. Mas não era aquilo que tinha em mente. Queria que ela também sentisse que aqueles momentos lhe fossem inesquecíveis...
Aquilo significava que precisaria colocar as necessidades de Amanda muito acima das suas.
De algum lugar de sua alma emergiu uma nesga de controle. Agarrou-se a ela como se fosse um náufrago no oceano que vê um pedaço de madeira se aproximar de repente.
Tomou Amanda nos braços e levou-a para a cama e terminou de despi-la.
Naquele momento teve a certeza de que ela lhe pertencia, pois via em seus olhos a luz da paixão, da entrega total.
Amanda sentia-se no paraíso. Sabia que o excitava, que o deixava maluco com os beijos que lhe dava, que o estonteara com sua nudez.
Era pura verdade. Se Brian pensara no passado que era um homem forte, mudara completamente de idéia. Era tão frágil quanto um gatinho, entregando-se, para que fizesse com ele o que bem entendesse.
Amanda lhe deu um sorriso.
— Você não acha que está vestido demais para essa ocasião?
Sem esperar pela resposta, ela começou a desabotoar sua camisa, deixando-o ainda mais excitado.
— Acho que sim. Mas é um fato que pode ser remediado sem problemas.
Roupas voaram por todos os lados e os dois corpos nus se juntaram num longo abraço. Brian sentia-se tonto de tanto prazer. Jamais experimentara nada parecido antes. Era ao mesmo tempo senhor e escravo das mesmas sensações. Da mesma mulher.
Com as mãos sôfregas, ambos se acariciaram, se tocaram, se possuíram. Se quisesse ser bem sincero consigo mesmo, Brian tinha de admitir que sonhara com aquele momento desde o primeiro dia em que a vira. Mas aquilo estava sendo melhor do que qualquer sonho, qualquer fantasia. Pela primeira vez na vida, a realidade tinha excedido suas expectativas.
Amanda sentia coisas que nem sabia que existiam. As sensações, as surpresas vinham chegando sem que pudesse controlá-las.
Era como se ela fosse uma tocha sendo acesa e apagada conforme a vontade dele. Era só Brian tocá-la e ela se sentia conduzida às alturas.
— Eu te amo — ela sussurrou em seu ouvido, antes de beijá-lo mais uma vez.
— Eu também te amo — ele repetiu, sabendo que ela precisava ouvir aquelas palavras e que, ao menos por enquanto, era seguro dizê-las.
Oh, Amanda, eu sinto muito.
Ele a penetrou sentindo como se tivesse mergulhado o corpo quente e suado num lago de águas cristalinas. Todas as suas células clamavam pelo êxtase, mas ele procurou se controlar. Devia isso a Amanda. Queria que ela soubesse o quanto ele se importava com seu prazer.
Começou a se mover lentamente dentro dela, então o ritmo foi aumentando, aumentando, até virar uma dança magnífica que fazia tudo girar à volta deles, até que o mundo parecesse espatifar-se em mil pedaços.
Aquela havia sido a experiência mais fantástica da vida de Brian Russell. Já tinha levado inúmeras mulheres para a cama, considerava-se um homem experiente. Mas agora, percebia que toda sua experiência desaparecia num passe de mágica ao lembrar-se dos momentos vividos por eles. Era difícil entender o que acontecera. Sentia-se no paraíso ao lado de Amanda Bradshaw.
Quem diria...
— Brian?
Aquela voz suave arrancou-lhe de seus devaneios.
— Sim?
— Eu te amo.
Sentindo-se um autêntico canalha, ele foi obrigado a dizer:
— Eu também te amo, Amanda.
CAPÍTULO 12
Amanda acordou com um sorriso nos lábios. Se voltasse a fechar os olhos, ainda podia senti-lo dentro dela. Que sensação maravilhosa...
Virou-se para ele com o mesmo sorriso ainda em seus lábios. Brian dormia. Receara não encontrá-lo na manhã seguinte ao seu lado, como se tudo não tivesse passado de um sonho.
Sentiu vontade de acariciar-lhe os cabelos, mas se conteve a tempo. Não queria acordá-lo ainda. Ele precisava dormir mais um pouco.
Os acontecimentos da noite anterior voltaram-lhe à mente com uma clareza impressionante. Não apenas a paixão e o desejo, mas também o carinho, a gentileza. A expressão nos olhos dele falava mais do que as palavras, que podiam ser facilmente inventadas.
A alegria tomou conta de seu coração.
Apoiando-se no cotovelo, ela começou a observá-lo. Só aquele simples gesto já a deixava satisfeita. Uma onda de ternura invadiu-lhe todo o ser, como se fosse uma música suave.
Incapaz de resistir, ela estendeu a mão a fim de tocar-lhe o peito.
Aquele homem lhe pertencia. De corpo e alma. O que será que fizera na vida para ter tanta sorte? Sentiu vontade de saber algo a respeito do passado dele. E se ainda houvesse antigas namoradas em sua vida? Será que Brian lhe era fiel? Um ciúme horrível começou a corroer-lhe a alma, acabando com toda sua alegria.
Brian acordou assustado, apanhando a mão dela e segurando-a com força antes mesmo de abrir os olhos.
— Mas o que...
Parou de falar, ao perceber que era Amanda. Deu um suspiro de alívio e, largando sua mão, esfregou os olhos.
— Bom dia.
Ela não teve certeza se aquilo tinha sido um cumprimento, uma pergunta ou um protesto. Apenas por alguns poucos instantes, vira nos olhos dele algo que não notara antes. Um brilho de alerta, típico dos homens acostumados a viver situações de perigo.
Não estava entendendo nada. Por que tudo aquilo? Será que havia um lado escuro na vida do homem que levara o Sol à sua vida?
Aos poucos Amanda foi se acalmando. Não poderia ver o mal em todas as atitudes de Brian, e aquela com certeza fora de surpresa.
— Você acordou muito tenso, meu amor. Pensei que depois do que aconteceu na noite passada não haveria um pingo de energia nesse seu corpo maravilhoso.
Brian precisava se ver livre daquela situação, que começava a atormentá-lo novamente. Nada daquilo era verdadeiro, com exceção de seus sentimentos.
Deu de ombros, o rosto desprovido de emoções.
— Acho que é a força do hábito. Costumo dormir com um dos olhos abertos. É sempre bom prevenir.
Por que ele agia daquele modo? Teria alguma desconfiança dela? Ou seria apenas sono leve?
A desculpa parecia esfarrapada até para si própria.
Ela debruçou-se sobre ele e o beijou.
Brian não conseguiu manter-se impassível e correspondeu àquele beijo. Nem um homem feito de pedra teria resistido àqueles lábios de mel. A reconstrução das barreiras prometia ser muito difícil, para não dizer impossível.
Por isso, era melhor levantar-se daquela cama e sair do quarto o mais rápido possível. Antes que tudo começasse novamente e caísse em tentação.
Afastou-se dela e espreguiçou-se.
— Sabe de uma coisa? Quinton nos convidou para almoçar em sua suíte. Ao meio-dia. Não podemos nos atrasar.
Amanda deu-lhe um sorriso sedutor.
— Claro que podemos. Chegar atrasado até que tem seu charme.
Brian olhou em volta procurando suas calças.
— Não creio que Quinton seja o tipo de homem que se impressione com esse tipo de coisa.
Amanda não queria estragar seu bom humor.
— Estou pouco me importando com o que deixa o homem impressionado. — Ela encostou a mão em seu braço implorando em silêncio que ele mudasse de idéia. — Brian, não suporto aquele sujeito. O tal do Quinton me deixa apreensiva. Sei que você precisa dele, mas... será que não poderíamos esquecê-lo apenas por hoje?
Era evidente que não. Se eles não aparecessem para o almoço, Quinton iria se sentir profundamente ofendido. E aí, Brian poderia ir dando adeus a tanto tempo de trabalho árduo.
— Amanda, eu sei que ele é aborrecido ao extremo, mas vou pedir para que aguente um pouco mais. Por favor, faça isso por mim, por nós.
Ela não podia ter ficado mais desapontada.
— Mas Brian...
— Fique do meu lado o tempo todo. Não vou permitir que ele a toque novamente. — Olhou para ela solenemente. — Isso é uma promessa.
Ela ainda hesitou.
— Eu pensei que, depois de tudo o que aconteceu nessa última noite, as coisas seriam diferentes para nós.
— E são. Acredite, Amanda. Elas são, e de um modo que você jamais imaginou que seriam. Mas um dia, vai entender. E que Deus me ajude quando isso acontecer.
Brian estendeu a mão e acariciou-lhe os cabelos. Foi um gesto terno e doce.
— Amanda, nós ainda teremos o resto de nossas vidas para nos amar. — Esperava ser perdoado pela mentira. — Mas agora, realmente, precisamos nos levantar. Já são onze e meia.
— Isso significa que ainda temos meia hora. Ó, Deus...
— Por favor, Amanda, não dificulte mais as coisas. Dentro de pouco tempo, deveremos sair por aquela porta e entrar no elevador!
Aquilo pareceu animá-la.
— Hum... Será divertido fazer amor lá dentro!
Ele não conseguiu disfarçar o riso.
— Amanda Bradshaw, você não tem jeito mesmo!
— Russell — ela corrigiu. — Amanda Bradshaw Russell. Você esqueceu que somos casados?
Aquele havia sido um deslize que não podia ter ocorrido. Aliás, muitas coisas também não podiam ter acontecido dentro das quatro paredes daquele quarto.
Mas tinham acontecido.
— De jeito nenhum. Não me esqueço disso nem por um minuto.
Ela abraçou-o com força.
— Que bom. E já que é o meu marido, mostre-me que se casou comigo porque me ama.
Não era possível. Ela era insaciável! E tudo ficava mais complicado porque ele também era. Ainda tentou argumentar.
— Amanda, querida, nós temos apenas alguns minutos.
Ela olhou bem dentro dos olhos dele.
— Então temos uma eternidade.
Estava começando tudo de novo. O desejo apossou-se de seu corpo, dizendo-lhe que nada no mundo era mais importante do que usufruir daquele momento. Como um homem enlouquecido, ele a beijou uma, duas, três vezes, deixando marcas vermelhas em seus lábios.
Porém, Brian ainda teve forças para se afastar.
— Amanda?
— Humm?
Era importante dizer aquilo.
— Eu quero que se lembre de que foi você quem começou tudo. Nosso futuro depende disso.
Ele parecia tão sério, que ela sentiu vontade de perguntar-lhe o que havia de errado. Mas não o fez. Porque sabia que não teria resposta.
A única coisa que podia fazer era tranquilizá-lo.
— Não se preocupe, Brian. Eu me lembrarei.
Era o que mais desejava, caso contrário, ela o mataria. E com requintes de crueldade...
— Ótimo.
E então não houve mais tempo para conversas, apenas os sentidos.
Brian a levou a lugares já conhecidos, mas através de um novo e fantástico caminho. Daquela vez, o ato de amor foi explosivo, frenético.
Foi como se ambos soubessem que os minutos estavam se passando, que havia pouco tempo disponível.
Brian aceitava o que lhe era oferecido e lhe dava em troca tudo o que tinha dentro da alma!
Talvez Amanda recuperasse a memória e não houvesse uma próxima vez. E aí, teria de se contentar apenas com as lembranças.
Sua boca percorria todo aquele corpo macio e suave, palmo por palmo. Amanda era um banquete para o seu corpo e sua alma.
Um banquete, porém, que não o satisfazia. Quanto mais a tinha, mais a queria.
E então, quando sentiu que não conseguiria mais se controlar, quando percebeu que o tempo havia se esgotado, mergulhou dentro dela e levou-a às nuvens mais uma vez.
Amanda estava maravilhada. Na noite anterior, Brian havia sido um amante gentil e carinhoso. À luz do dia, mais parecia um tigre selvagem. Entretanto, mesmo em meio à sua fúria, havia ternura. Isso a pegou de surpresa e trouxe lágrimas a seus olhos.
Lágrimas de felicidade.
Exausta, aconchegou-se em seu peito. Aquele era o homem de sua vida. O homem que lhe fora destinado desde o princípio dos tempos.
Tinha certeza absoluta daquilo.
Brian Russell, por sua vez, não sabia se ria ou se chorava. Já era quase meio-dia. Se fosse em outros tempos, já estaria pronto para chamar o elevador, descer até o quarto de Quinton e continuar com seu plano.
Porém, tudo mudara. Sua vontade era ficar ali, na cama, ao lado de Amanda, pelo resto da vida.
Russell, meu amigo, você ficou completamente maluco! Não tem juízo nessa sua cabeça oca!
Ele lhe deu um beijo nos cabelos.
— Bem, Amanda querida, acho que chegou a hora de irmos.
Ela estava sonolenta e sem a mínima vontade de sair da cama.
— Será que você não poderia almoçar com Quinton sozinho?
Se Amanda estivesse resfriada, providenciaria uma canja de galinha, um chá e uma aspirina. O problema, porém, e que ela não estava resfriada. Estava sofrendo de amnésia e ficar sozinha não seria seguro naquele momento.
— Não quero que você fique desacompanhada, Amanda. Não se esqueça de que sua memória ainda não voltou.
Ele se preocupava com ela. Como era gostoso ter um marido terno e carinhoso, preocupado com o bem-estar da mulher...
— Ah, pode ser que eu esteja me lembrando de alguma coisa...
Ai, meu Deus...
— Do quê, por exemplo? — ele perguntou, cheio de defesas.
— Da noite passada. Do jeito como nos amamos...
Ele disfarçou um suspiro de alívio.
— Também nunca vou me esquecer, Amanda.
Ela se levantou.
— Bem, se preciso mesmo ir, é melhor me apressar. Dê-me cinco minutos para tomar banho e me vestir.
Sem se preocupar em vestir um robe, Amanda atravessou o quarto completamente nua e entrou no banheiro.
Brian sentiu-se excitado novamente. Mesmo após os arrebatadores momentos de instantes atrás, ele sentia-se louco de desejo outra vez.
Louco de desejo por Amanda Bradshaw. O destino sabia ser muito irônico.
Vestiu as calças rapidamente e tirou o telefone do gancho. Fez uma pausa, a fim de ouvir algum barulho.
E escutou o que queria. O barulho da água correndo pela banheira. Amanda estava tomando banho. Excelente.
Discou um número e esperou.
Alguém atendeu o telefone na terceira chamada. Brian falou rapidamente, antes que a torneira do chuveiro fosse fechada.
— Oi, Sheridan, sou eu. Amanda ainda não se lembra de nada. Até agora, tudo está indo bem. Se tivermos sorte, é provável que Quinton morda a isca hoje mesmo. A namorada dele talvez não seja tão inocente quanto pensamos a princípio. Ela tem bombardeado Amanda com uma porção de perguntas. Esse problema da amnésia ainda pode atrapalhar a operação, mas estou dando um jeito de ficar ao lado dela o tempo todo. Ligo para você mais tarde para lhe dar outras notícias.
Brian recolocou o telefone no gancho. E quase soltou um grito ao vê-la ali, de pé na porta do banheiro, o corpo molhado mal coberto por uma toalha.
O impulso havia feito com que ela saísse do chuveiro, com a clara intenção de convidá-lo para entrar debaixo do jato forte de água quente. Sua alegria, porém, desapareceu completamente ao ouvir aquelas últimas palavras.
Brian falava com alguém sobre ela. E, a julgar pela expressão de espanto no rosto dele, a conversa era secreta.
Sentiu um frio desagradável na barriga e levantou o queixo, num gesto de desafio.
— Quem era?
Pensando rapidamente, Brian procurou se recompor. Tarefa um tanto complicada, dado o seu nervosismo.
— O quê?
Amanda ajeitou melhor a toalha que lhe cobria a nudez. Não sabia explicar bem por quê, mas estava se sentindo violada.
— Não tente disfarçar, Brian. Nem me faça de boba. Você estava falando com alguém a meu respeito, que minha condição poderia atrapalhar a operação. Pois bem, a que tipo de operação você estava se referindo?
Quando estiver sendo atacado, avance, não recue, pensou Brian. Isso costuma confundir o inimigo.
Aquele era um velho truque que aprendera havia muito tempo. Amanda podia não ser uma inimiga, mas o conselho ainda servia.
Não respondeu às perguntas dela. Em vez disso, formulou suas próprias.
— Posso saber o que está fazendo aí, fora do banho?
— Eu ia convidá-lo para entrar no chuveiro comigo. — Aquilo parecia uma bobagem agora. — Mas não mude de assunto. Eu fiz uma pergunta e quero a resposta.
Brian aproximou-se dela e encostou a mão em seus ombros molhados, torcendo para encontrar uma explicação que a convencesse.
— Eu estava falando com seu médico, querida. Como você pretendia submeter-se a uma pequena cirurgia quando voltássemos para casa, achei melhor alertá-lo quanto a sua amnésia e adiar seus planos.
Amanda fez uma careta, como se não estivesse acreditando naquela história.
— Operação? Que operação?
Brian disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
— Uma operação plástica.
Aquilo tudo parecia muito estranho.
— Plástica? Mas plástica do quê?
— Eu não faço a menor idéia. Você se recusou a me contar. Mesmo depois de eu ter dito que não queria que nada fosse mudado em seu corpo.
Bem, Brian podia estar falando a verdade. Como também podia ter inventado aquela história toda. Mas inventado por quê? Ele não tinha nenhum motivo para fazer aquilo.
Ou tinha?
Ela queria acreditar nele, mas não conseguia ignorar uma vozinha que vinha de dentro de seu coração, dizendo-lhe que algo estava sendo escondido.
Olhou-o fixamente por alguns instantes, depois disse:
— Brian, eu quero que você seja sincero comigo.
Agora, era preciso apelar para todo o charme que ele tinha. Deu-lhe seu sorriso mais sedutor, além de um beijo nos cabelos molhados.
— Estou sendo sincero, querida.
Ela sentiu que seu coração disparava de novo.
— Não sei por que, mas tenho a nítida impressão que você está me escondendo algo, por algum motivo misterioso.
Brian tentou bancar o marido preocupado e percebeu que não tinha a mínima dificuldade de fazê-lo. Podia não ser o marido de Amanda, mas estava muito preocupado com ela. De verdade.
— Amanda querida, você entrou em choque. Amnésia não é algo simples como uma dor de cabeça. Uma parte de seu cérebro está bloqueada e não quero estressá-la com muitas informações de uma vez só. Isso poderia lhe acarretar ainda mais danos.
Onde Brian estava querendo chegar? Informações? Ora, aquilo parecia brincadeira. Ele não falava absolutamente nada. Arrancar-lhe algo era uma tarefa inglória.
— Você nunca me dá informação alguma, Brian. Que história é esse de me estressar?
O tempo estava passando. Eles já estavam atrasados. E Quinton era um homem que não gostava de atrasos.
— Amanda, não torne as coisas mais difíceis do que já são. Você bateu a cabeça e perdeu a memória. É natural que esteja confusa. Mas pare de ficar imaginando coisas que não existem. Agora, que tal se vestir logo? Quinton e Sally estão à nossa espera.
Ela precisava perguntar, tinha de saber.
— Brian, pelo amor de Deus, me diga a verdade. Você está me escondendo alguma coisa?
Sim. Estou. Você não é minha mulher. Não somos casados. Estamos representando uma farsa.
Só que era impossível dizer aquelas palavras em voz alta. Amanda não estava em condições de ouvi-las. Principalmente depois de tudo que tinha acontecido entre eles.
— Não — ele ouviu sua própria voz responder. — Eu não estou escondendo nada.
CAPÍTULO 13
A suíte que Richard Quinton e sua namorada Sally ocupavam ficava localizada numa ala separada, no jardim dos fundos do hotel. Era uma espécie de chalé particular, destinado àqueles que exigiam o máximo de conforto e de privacidade.
Em frente à porta havia dois seguranças altos e musculosos. Embora não inspirassem inteligência, as figuras convenciam pelo medo.
Amanda franziu a testa, achando tudo aquilo muito estranho. Quinton era um homem rico, todos sabiam daquilo. Mas nem uma grande fortuna justificaria a presença daqueles dois brutamontes estrategicamente colocados na entrada do chalé.
Quinton era um homem muito esquisito. E vaidoso também. Com certeza queria mostrar ao mundo o quanto era importante e poderoso.
Brian disse seus nomes. Os seguranças verificaram a veracidade da informação. Em seguida, um deles deu uma batida na porta, que foi imediatamente aberta por um mordomo de luvas brancas, impecavelmente uniformizado.
— Entrem, por favor.
E assim o fizeram. Amanda observou em volta, os olhos desmesuradamente arregalados. A sala de estar era muito maior do que tinha esperado. E repleta de objetos de arte, que certamente haviam custado ao hotel uma grande fortuna. Ao centro havia uma fonte, onde Afrodite jogava água continuamente numa enorme concha.
Amanda, surpresa, perdeu a voz.
Ao fundo, uma escada em caracol levava ao andar de cima, onde ficavam provavelmente os quartos.
Ela virou-se para Brian.
— Acho que há cidades no país menores que esse chalé.
— Talvez — concordou ele. — No Estado de Montana. Quinton deve, mesmo, ser um megalomaníaco.
Um barulho vindo de trás fez com que ambos se virassem. Quinton entrava, solene, pela porta da sala.
O sorriso do homem foi largo e cheio de charme, como sempre. Tomou as mãos de Amanda nas suas e apertou-as, como se eles fossem velhos amigos.
— Que bom que vieram me visitar nos meus modestos aposentos. — Virou-se para Brian. — Como vai, Russell?
Era preciso massagear o ego daquele sujeito.
— Que lugar maravilhoso, Quinton! Você está de parabéns.
— Modestos aposentos? — repetiu Amanda, rindo da ironia da palavra. — Modesto em comparação com o quê? Só se for ao Taj Mahal.
Tal comentário o deixou satisfeito. Seu sorriso ficou ainda mais largo e ele fez sinal para que todos se sentassem.
— Esse hotel tem interesse em me manter feliz aqui dentro — Quinton virou-se para o mordomo, que tinha ordens de ficar por perto sempre que houvesse convidados presentes. — Não é verdade, Jeffers?
O copeiro fez uma mesura, como se tivesse trabalhado para a família real inglesa durante toda a vida.
— Tem razão, senhor.
— E o melhor de tudo é que eu não pago nada para ficar hospedado aqui — ele acrescentou, visivelmente orgulhoso. — Quero dizer, não pago nada desde que jogue no cassino e deixe em suas mesas mais do que ganhe. — Quinton fez uma pausa, pensando naquelas três últimas noites e na sorte que aqueles dois tinham lhe trazido na vida. — Entretanto, dessa vez, tenho o ligeiro pressentimento que haverá uma conta bem polpuda me esperando na recepção, quando eu for embora. — Riu de novo, obviamente satisfeito. — Graças, é claro, a vocês dois.
Amanda mal acreditava no que tinha acabado de ouvir. Era um absurdo que um homem adulto achasse realmente que sua sorte dependesse da presença de duas pessoas à sua esquerda, enquanto jogava.
— Eu acho que você está exagerando, Richard.
— Ora, minha cara Amanda, não seja modesta. Vocês dois são mesmo meus amuletos. — Ele apertou os olhos. — A sorte é uma coisa muito séria. Nasce com ela ou será sempre um azarão! E estou convencido de que a presença de ambos fez com que minha estrela brilhasse com mais intensidade. — Ele sorriu. — Estou deixando o hotel amanhã. Mais rico do que quando entrei. E para mostrar a minha gratidão, gostaria de fechar um acordo neste momento. — Ele virou-se para Brian. — Deixo minhas terras sob seus cuidados, Russell. Administre-as do jeito que achar melhor.
Brian teve de fazer um esforço muito grande para reprimir um grito de alegria. A isca havia sido mordida.
— Obrigado, Quinton. Você não vai se arrepender.
— É o que espero. Bem, vamos comemorar. O que vocês tomam? Podem escolher o que quiserem. — Ele apontou para um bar mais adiante, um magnífico móvel do século dezoito, importado do Japão. — Se eu não tiver o desejado, Jeffers irá buscá-lo, nem que seja no fim do mundo. Não é verdade, Jeffers?
O copeiro fez outra mesura.
Amanda pensou que aquilo não era normal. Aquele era um hotel de classe, mas, em compensação, aparecia cada hóspede estranho por ali... Aqueles milionários eram mesmo muito estranhos!
— Perfeitamente, senhor.
Brian preferia tomar um refrigerante, a fim de ficar sóbrio, mas, se o fizesse, Quinton poderia desconfiar de alguma coisa. Ou, mesmo, ficar ofendido.
— Vou tomar uma Black Russian.
Jeffers apanhou imediatamente a garrafa de vodca e começou a preparar o drinque.
— E você, minha cara? — Quinton lançou-lhe um olhar sedutor. — Vai tomar o quê?
Amanda estava começando a ficar irritada com toda aquela opulência.
— Água. Gostaria de tomar um pouco de água, por favor.
Quinton deu uma risada rouca.
— Se é água que quer, é água que terá. — Ele segurou a mão dela e ajudou-a a se levantar. — Com licença, Russell. Vou roubar sua mulher por alguns instantes.
Quinton a conduziu até uma enorme cozinha, onde dois chefs preparavam o almoço. Ambos cumprimentaram Amanda com um aceno de cabeça e voltaram a cuidar de suas obrigações.
O anfitrião abriu uma enorme geladeira. Parecia uma criança mostrando seus brinquedos.
— Escolha a marca que preferir.
Amanda espiou lá dentro. E mal acreditou no que viu. Várias prateleiras exibiam uma infinidade de garrafas, de diferentes tamanhos e cores, criando a ilusão de um belo arco íris.
Aquele homem era ainda mais megalomaníaco do que tinha imaginado a princípio. Amanda deu de ombros.
— Para mim, tanto faz a marca. Eu gosto mesmo é de água de torneira.
A mulher de Russell o desafiara, como ninguém havia feito até então. E ele não gostava nem um pouco daquela atitude. Aquela loira de nariz empinado não perdia por esperar.
— Então deixe-me escolher por você. — Ele estendeu a mão e apanhou uma garrafa de rótulo verde. — Esta, na minha opinião, é a melhor água do mundo. — Virou-se para um dos chefs. — Sirva a senhora, James.
O empregado apressou-se em cumprir a ordem e apresentou uma taça de cristal Baccarat a Amanda como se nela contivesse champanha.
— Veja se você gosta, minha cara.
Amanda deu um sorriso amarelo e levou a taça à boca. Realmente, preferia a água da torneira. O bom senso, porém, dizia para não ir muito longe com a provocação.
— Gostei muito. Você tem bom gosto.
— Eu não disse? — Ele encostou a mão em seu ombro. — Bem, vamos nos juntar aos outros? Ou será que eu poderia ter o prazer de levá-la para uma pequena "excursão" por meus aposentos?
Amanda sabia exatamente onde a tal excursão iria terminar. Não queria ficar nem mais um minuto a sós com aquele homem.
— Por que não fazemos as duas coisas juntas? Começando por sua primeira sugestão, de preferência.
Quinton não conseguia entender como aquela mulher ainda não tinha sucumbido ao seu charme. Nem ao seu dinheiro.
CAPÍTULO 14
Na sala, Sally assediava Brian. De maneira discreta e sutil, mas um homem experiente sabia quando estava sendo flertado. Sob o pretexto de lhe mostrar vários objetos de arte expostos numa prateleira que ocupava toda a extensão de uma das paredes, ela erguera o braço e esbarrara nele duas vezes. Certamente esperando por uma resposta que nunca viria.
Desista, moça. Nem em um milhão de anos. Não quero que ninguém corte nenhuma parte de minha anatomia.
Sentiu um grande alívio ao ver Quinton e Amanda voltando à sala. Deu alguns passos à frente e abraçou a mulher.
— Eu estava começando a achar que você havia se perdido.
Quinton pareceu tomar tal comentário como um elogio. Fez um gesto que englobava a área com o ar de uma pessoa que nascera em meio à riqueza e não conhecia outro tipo de vida.
— Ora, esse lugar não é assim tão grande. Meu quarto, em minha casa de Bel Air, é maior do que o chalé inteiro.
Amanda não duvidava.
— Você costuma entregar mapas e bússolas na porta aos convidados que vão visitá-lo?
Quinton riu, feliz da vida.
— Russell, você está de parabéns pela mulher que tem. Que maravilhoso senso de humor!
Sally, que ouvia a conversa toda de boca fechada, reprimiu um sorriso irônico. Seu namorado era tão vaidoso, que chegava a ser ridículo. Ainda bem que havia algumas compensações. Financeiras, é claro. Na cama ele não era tão bom quanto pensava ser.
O mordomo Jeffers apareceu e fez a mesura de sempre.
— O almoço vai ser servido, senhor.
Quinton ofereceu o braço a Amanda.
— Vamos?
Brian fez o mesmo gesto em direção a Sally, que aceitou a oferta com um lindo sorriso nos lábios.
O almoço foi indescritível.
Em baixelas de prata, foram servidas delícias dignas de uma festa das mil e uma noites. E tudo regado aos melhores vinhos do mundo.
O mais incrível de tudo era que Quinton não estava pagando um centavo por tanto luxo. Nem pelo aluguel da limusine, nem do jatinho colocado pela gerência à sua disposição.
— Esta salada de lagosta está divina — comentou Amanda, verdadeiramente impressionada. Não se lembrava de ter comido algo tão gostoso na vida.
— É que os frutos do mar foram pescados hoje pela manhã no Maine e trazidos para cá de avião. Produtos frescos são sempre mais saborosos, não é? O pessoal desse hotel não sabe o que fazer para me agradar. Também, chego a deixar um milhão de dólares em cima das mesas do cassino em menos de uma hora! Se bem que, para mim, essa quantia é troco. Mas mesmo assim, fico bravo quando perco. Sou um vencedor. Um homem que nasceu para ganhar. O mundo, meus caros, só tem lugar para os espertos, para os homens de visão. — Ele fez uma pausa. — Mas é claro que toda a esperteza do mundo seria inútil, se não fosse uma coisa chamada sorte. Vejam o meu caso, por exemplo. Se você, Russell, não estivesse no campo de golfe quando aquele carro surgiu do nada, do que adiantaria minha fortuna incalculável? A uma hora dessas eu estaria morto. — Quinton deu um sorriso irônico. — E você, Sally querida, estaria chorando como se fosse uma viúva inconsolável. Não é mesmo?
Sally concordou com a cabeça.
— Claro que sim, meu amor.
Na verdade, a moça só estaria chorando se o testamento do namorado fosse aberto e não houvesse ali nenhuma menção a seu nome. E as lágrimas seriam amargas, pois não o amava, nem ao menos gostava dele. Mas apreciava o luxo e o conforto que lhe eram proporcionados. Que mulher diria não àquela vida glamourosa, digna de uma princesa real?
Quando todos acabaram de comer, Quinton se levantou e segurou a mão de Amanda.
— Bem, posso levá-la agora àquele passeio pelo chalé?
Cinco minutos depois, Amanda começou a compreender o motivo da presença de tantos empregados espalhados por ali. Era para evitar que Quinton e Sally se perdessem. Se ela estivesse ali sozinha, seria obrigada a deixar migalhas pelo caminho, a fim de orientar-se.
Aquilo não era um chalé. Um chalé poderia facilmente ser explorado em alguns segundos. As acomodações de Quinton eram bem maiores do que uma casa de luxo. Um minipalácio, conforme descrição da própria gerência. O lugar ideal para gente vaidosa, como o próprio Richard Quinton.
Após tê-lo ouvido discursar a respeito de sua fortuna pelas duas últimas horas, Amanda estava com uma dor de cabeça infernal. Tinha vontade de voltar logo para o próprio quarto e descansar um pouco... Ao lado de Brian, de preferência. Graças a Deus que aquele homem aborrecido iria embora no dia seguinte. Assim, poderia aproveitar sua lua-de-mel em paz.
Richard Quinton era um homem que não perdia nenhum detalhe. Se não fosse observador, já estaria morto havia muito tempo. Havia notado que a mulher de Russell estava um pouco pálida.
— Você me parece um pouco indisposta, meu bem. Será que comeu algo que lhe fez mal?
Amanda balançou a cabeça lentamente. O simples gesto fez com que sentisse náuseas.
— Ah, não, tudo que comi estava delicioso. Acho que estou com um início de enxaqueca, só isso.
— Tenho uma farmácia completa à minha disposição. Seja lá o que você quiser, posso oferecer.
Claro que ele podia. Ou pensava que podia.
— Muito obrigada, mas acho que não é caso para remédio. Basta que eu repouse um pouquinho e estarei em forma novamente.
Quinton apontou-lhe a escada.
— Por que você não usa o meu quarto?
Era só o que lhe faltava. Se ela deitasse na cama daquele homem, ficaria tensa e amedrontada, esperando pelo momento em que ele fosse aparecer por lá e deitasse ao seu lado. Preferia ficar de pé e suportar seu mal-estar.
— Agradeço muito, mas acho melhor voltar ao meu próprio quarto.
Brian entrou na sala onde ambos se encontravam. Ela nunca havia sentido tanta felicidade em ver uma pessoa na vida. Virou-se para ele.
— Brian, eu não estou me sentindo muito bem. Acho melhor voltar ao nosso quarto e descansar um pouco.
— Claro — concordou ele. — Vamos indo.
— Não, querido. Pode ficar. Talvez você e nosso anfitrião tenham negócios a tratar, não é? Não há a mínima necessidade de subir comigo.
Além disso, ela queria mesmo ficar um pouco sozinha e descansar. Coisa que não faria, se Brian estivesse a seu lado. O desejo que sentia por ele era maior do que qualquer dor de cabeça desse mundo.
Quinton franziu a testa, visivelmente aborrecido.
— Tem certeza de que eu não posso mesmo lhe oferecer algo?
Ela fez uma pausa, como se estivesse muito pensativa.
— Sim, há uma coisa que eu quero.
— E o que seria? É só dizer, que eu já providencio.
— Um guia. Para me ajudar a encontrar a porta da frente.
Dispensando Jeffers com um gesto de mão, Quinton ofereceu-lhe o braço.
— Pode deixar que eu a levo até lá.
Brian não estava muito satisfeito com o fato de Amanda voltar ao quarto sozinha. Entretanto, teria uma ótima oportunidade para falar a sós com Quinton a respeito de negócios. Sem Amanda por perto, era provável que Sally fosse dispensada e ambos pudessem conversar em paz.
— Tem certeza de que ficará bem, sozinha no quarto? — perguntou ele, com preocupação.
Ela ficou encantada com a preocupação que seu marido demonstrava. Era provável que ele a amasse de verdade. Tanto quanto ela própria o amava.
— Claro que tenho. Só preciso de um pouco de descanso e estarei nova rapidamente.
— Eu não demoro — prometeu ele, observando-a se afastar.
— Não precisa se apressar.
— Adoro as mulheres compreensivas — comentou Quinton, conduzindo-a até a porta. — Você não quer mesmo que eu chame um médico? Há grandes especialistas à minha inteira disposição, dia e noite.
A última coisa que ela queria no momento era ter um médico fazendo-lhe perguntas.
— Ora, Richard, é só uma dor de cabeça. Estarei como nova com um pouco de descanso.
— Então você poderá ir ao cassino hoje à noite?
Como aquele homem era inconveniente!
— Sem dúvida. Estarei lá.
— Excelente. — Ele fez um sinal para o copeiro. — Jeffers a levará até seu quarto.
— Não há necessidade, muito obrigada. E agradeço também pelo almoço. Acho que nunca comi tão bem e minha vida.
— Sou eu quem deve agradecer pela companhia. — Ele levou a mão dela aos lábios. — Você é uma mulher encantadora, Amanda Russell.
Vinte minutos depois, deitada em sua própria cama, Amanda começou a se arrepender pelo fato de não ter aceitado uma aspirina. A dor aumentava a cada minuto que passava e ela estava ficando desesperada. Quinton devia ter inúmeras marcas de remédio que poderiam lhe trazer algum alívio. Já verificara no armário de seu próprio banheiro e, além de xampus, cremes dentais e sabonetes, não encontrara nada.
Dando um suspiro, resolveu se levantar e vasculhar a mala de Brian. Talvez houvesse uma aspirina por lá.
Mas, para sua grande surpresa, não foi isso que achou.
Ali, embrulhada numa camisa, havia uma arma. Muito pesada e potente.
CAPÍTULO 15
Durante alguns instantes, a única coisa que Amanda conseguiu fazer foi olhar para aquilo. Uma arma escondida numa camisa. Seu cérebro se recusava a aceitar o que seus olhos enxergavam.
Mas ali estava o objeto bem à sua frente, quisesse ou não.
Um revólver. E escondido.
Brian tinha uma arma escondida na mala.
Por quê? Qual seria a utilidade para ele?
Os músculos de seu estômago se contorciam com tal violência que até o ato de respirar lhe era difícil. Com que tipo de homem tinha se casado?
Sua mente começou a concluir várias teorias numa desesperada tentativa de encontrar um jeito de inocentá-lo.
Brian era um homem rico, importante e, como tal, naturalmente visado.
Brian já havia sido assaltado uma vez e não queria correr o risco de que aquilo pudesse acontecer novamente.
Brian era colecionador. Gostava de armas de fogo desde criança e não costumava sair de casa sem ao menos uma delas.
Nenhuma daquelas desculpas, porém, fazia sentido.
Seja realista, Bradshaw. Se ele fosse tão inocente assim, o revólver não estaria embrulhado na camisa.
Respirou fundo, tentando se acalmar. Foi inútil. Suas mãos estavam trêmulas, aliás, ela toda tremia sem parar. Estava muito nervosa.
Mesmo assim, sentindo uma certa curiosidade, passou os dedos pelo aço frio da arma. Imediatamente, um flash de memória passou-lhe pelo cérebro com uma rapidez impressionante.
Já tinha feito aquilo. Já tinha segurado um revólver parecido com aquele nas mãos. Mas, quando? E por quê?
Não conseguia imaginar uma razão pela qual ela devesse estar familiarizada com armas.
Nem Brian.
Ele lhe dissera que ela havia trabalhado numa corretora de seguros. Corretores não costumavam andar armados. Era tudo tão estranho!
A lembrança, como o brilho do raio do sol da manhã entre as folhas de uma árvore, desapareceu tão depressa quanto surgiu. Não conseguia fazê-la voltar à cabeça, por mais que tentasse. Segurar a arma nas mãos de nada adiantava. Ao contrário. Só servia para deixá-la ainda mais desesperada.
Não tinha lugar algum para ir, não tinha ninguém a quem pudesse pedir socorro. Só tinha a si mesma.
O problema, porém, era que não sábia quem era.
Amanda tentou se acalmar. O desespero agora só serviria para piorar as coisas.
Não fazia idéia do que estava acontecendo, mas podia jurar que Brian lhe contara uma porção de mentiras.
Brian, o homem no qual pensara que pudesse confiar.
Quinton recostou-se na escrivaninha do escritório, um lindo móvel do século dezoito que devia valer uma fortuna. Já tinha tomado sua decisão no que se referia a Brian e à sua proposta, zelando para deixar um caminho aberto, caso quisesse desistir. Não custava nada fazer aquilo. Quando as coisas pareciam boas demais, tranquilas demais, geralmente eram mesmo.
Mas nem sempre. Manter um olho aberto era uma atitude das mais inteligentes. Uma atitude digna de um homem do quilate de Richard Quinton.
Endireitando o corpo, ele apanhou uma caixa de charutos e ofereceu-os a Brian.
— São os melhores do mundo — anunciou com orgulho.
Brian odiava qualquer tipo de fumo. Sabia, porém, que Quinton tinha por hábito selar seus acordos exatamente daquela maneira. Então o homem mordera mesmo a isca. A alegria foi tanta, que Brian teria até comido o charuto, se assim lhe tivesse sido sugerido.
Quinton observou Brian cortar a ponta do charuto e acendê-lo. Podia dizer muita coisa a respeito da personalidade de um homem pelo jeito como ele fumava. Ou pelo jeito como recusava ou não as investidas de uma mulher que já tinha dono.
Pensou em Sally e sorriu. Russell passara no teste. Acendeu seu próprio charuto e foi envolto por uma nuvem de fumaça.
—Você me pagará à vista quando receber a mercadoria?
Brian não piscou os olhos, embora a fumaça e o cheiro do charuto o estivessem deixando maluco. Não entendia como alguém podia gostar daquela coisa medonha.
— Claro que sim.
Quinton não gostava de nada que fosse duvidoso. Tinha de tirar a coisa a limpo.
— Mas o dinheiro não está em seu quarto.
Nada parecia ter sido tocado ali dentro, mas Brian não tinha dúvidas de que Quinton já mandara vasculhar sua suíte.
Deu-lhe um sorriso gelado.
— Não, é claro que não. Eu o guardei em outro lugar. Num lugar bem seguro, na verdade.
Quinton balançou a cabeça, impressionado.
— Você me faz lembrar de mim mesmo, quando eu estava começando nesse ramo de negócio.
O anfitrião era um homem muito difícil de ser decifrado. Brian não sabia dizer se ele estava sendo irônico ou simplesmente oferecendo-lhe amizade.
— Não sou um novato, Quinton, se foi isso que quis dizer. Mas tomarei o comentário como um elogio.
— E é para ser tomado mesmo. — Quinton já estava cansado daquela conversa. — Bem, está tudo acertado, então. Vamos fazer a troca um pouco antes de minha partida. Nós nos vemos hoje à noite no cassino, está bem?
Brian compreendeu que estava sendo dispensado. A conversa chegara ao fim.
— Sem dúvida.
— Eu o acompanho até a porta.
— Obrigado.
Antes de girar a maçaneta, porém, Quinton ainda perguntou:
— Sua mulher não sabe de nada, não é?
Era uma constatação, não uma pergunta. Não havia nada no jeito de Amanda que indicasse alguma suspeita. A mulher de Russell parecia ser a inocência em forma de pessoa.
Brian respondeu negativamente com um gesto de cabeça.
— Ela só sabe o que eu lhe conto.
Era exatamente o que Richard Quinton queria ouvir.
— Ótimo. Que tudo continue assim. As mulheres costumam ter a língua solta e não raro acabam pondo tudo a perder.
Brian tentou adivinhar o que Amanda acharia daquela pérola de pensamento filosófico.
— Tem razão. Até mais tarde... sócio.
Brian subiu correndo para sua suíte. Sentira-se tenso e inquieto durante toda a negociação com Quinton e sabia o motivo.
Amanda Bradshaw.
Era ela a fonte de toa sua tensão e inquietude.
Não queria tê-la deixado sozinha por tanto tempo. Será que ela estava melhor? Como estaria sua cabeça?
A operação deveria chegar ao fim dentro de algumas horas. Os momentos mais perigosos se aproximavam rapidamente. Antes de tudo, Brian precisava ter calma. Nenhum detalhe poderia ser esquecido. Apesar de simpatizar com ele, Quinton era o tipo de homem que não hesitaria em eliminar qualquer pessoa que pudesse desagradá-lo seja lá por que razão fosse, real ou imaginária. Ele era um homem temido, e com razão. Richard Quinton tinha o poder à sua disposição. Poder que arruinaria ou mesmo acabaria com várias vidas.
Era um homem que ninguém em sã consciência queria ter como inimigo.
A porta do elevador se abriu e Brian saiu em disparada pelo corredor. Não sabia explicar o motivo exato, mas um sexto sentido lhe dizia que algo de muito estranho estava acontecendo.
Tinha certeza daquilo. Uma certeza que ficava cada vez mais forte na medida em que se aproximava do quarto. Sua nuca começou a coçar. Sinal de alarme. Aquilo lhe acontecia com frequência. Perigos iminentes lhe traziam coceiras desagradáveis. Passou a mão pelos cabelos e olhou em volta, a fim de descobrir se estava sendo observado.
Mas não havia ninguém no corredor. Nenhuma camareira varrendo inocentemente o chão, nenhum copeiro levando chá com biscoitos a uma velhinha hospedada naquele andar.
Também não havia sinal de câmeras escondidas na parede, muito embora Quinton pudesse ter mandado instalar microfones em sua suíte. Tal pensamento só lhe passara pela cabeça naquele momento, fazendo-o dar pulos de raiva. A idéia de ter um estranho xeretando na sua intimidade era simplesmente insuportável. Será que Quinton ouvira os gritos dele e de Amanda no momento em que... Não, não podia ficar pensando naquilo agora. Já tinha preocupações suficientes na vida.
Abriu a porta do quarto bem devagar, tentando adivinhar se encontraria Amanda dormindo. Se estivesse, ele só pretendia acordá-la à noite. Quando fosse hora de ir para o cassino.
Mas Amanda não estava dormindo. Pelo contrário, parecia bem acordada.
E Brian percebeu que tinha pela frente um problema completamente diferente.
Ela estava sentada na cama, o corpo rígido e tenso. Era evidente que esperava por seu retorno.
No colo dela, estava a arma que escondera na mala.
Brian Russell pensou no pior palavrão que conhecia. Como ele havia sido imprudente!
Colocou o cartão magnético no bolso e respirou fundo. Antes de mais nada, era preciso manter a calma.
— O que você tem aí?
A pergunta foi feita em tom casual, como se ele estivesse se referindo a um novo par de sapatos que ela comprara. Brian debruçou-se para beijá-la, mas Amanda afastou o rosto. Parecia furiosa.
— Pare de bancar o inocente, Brian Russell. Esse objeto estava dentro de sua mala, embrulhada numa camisa. A troco de que você anda armado?
Incapaz de pensar numa resposta imediata, ele resolveu atacar para se defender. Aquela velha tática costumava funcionar.
— E a troco de que você foi bisbilhotar minha mala?
Ela, porém, não estava para brincadeiras.
— Pare com isso, Brian. Eu o proíbo de me fazer qualquer pergunta. Limite-se a respondê-las, está bem? Quero a verdade, pelo amor de Deus. Por que você anda armado?
Brian afundou as mãos nos bolsos, a mente em disparada. Vamos, Russell, pense depressa em algo. Ponha a cabeça para funcionar.
— Eu tenho essa arma porque preciso me defender.
Amanda não acreditou naquilo. Queria explicações, respostas concretas.
— Mas do que um administrador de terras precisaria se defender? Dos esquilos que encontrasse pela frente? Ou quem sabe, dos coelhos ou dos passarinhos?
Ela estava à beira de uma crise de nervos. Brian ignorou sua histeria e continuou a falar com voz calma e pausada.
— Eu não lhe disse nada a respeito dessa arma porque não quis aborrecê-la.
Ela deu um sorriso irônico.
— Não queria, mas aborreceu. E muito. É verdade, Brian. Estou louca da vida. Por que trouxe um revólver para a nossa lua-de-mel? Não sabe que andar armado é contra a lei?
Brian balançou a cabeça.
— Eu tenho porte de arma. Acredite, Amanda. Não estou fazendo nada ilegal.
Aquilo não fazia sentido algum.
— Então, se você tem porte de arma, por que ela estava escondida numa camisa?
A voz dele continuava suave.
— Eu já lhe disse. Não queria aborrecê-la de jeito nenhum. Além disso, não sei se reparou, mas não estamos mais no Velho Oeste. As pessoas não saem por aí, exibindo seus revólveres presos ao cinto. — Ele estendeu a mão. — Posso pegá-lo de volta?
Ela deu de ombros.
— Por mim, você poderia jogá-lo fora, isso sim.
Brian apanhou o revólver e guardou-o dentro da mala. Lembrou-se de Quinton e do que ele lhe dissera a respeito de o dinheiro não estar no quarto.
Parecia que seus homens não tinham encontrado a arma. Se tivessem, eles a teriam levado. E Brian estaria em maus lençóis. Talvez Quinton não fosse tão competente quanto tinha imaginado.
Ele sentou-se a seu lado e, tomando a mão dela nas suas, apertou-a com firmeza.
— Quero que me escute com atenção, Amanda. Eu tenho de proteger minha vida... E a sua também. A coisa é muito séria.
Ela ficou confusa.
— Proteger nossas vidas? Mas por quê? — Então, uma idéia lhe veio à cabeça. — Isso tem alguma coisa a ver com Quinton?
Brian sentiu vontade de lhe contar tudo. Aliás, a vontade era tão grande que teve que sufocar na garganta as palavras que ameaçavam se formar em seus lábios. Estava tão próximo de lhe revelar a verdade...
Mas a hora ainda não havia chegado. Então, olhou-a intensamente e mentiu:
— Não. Quinton não tem nada a ver com isso. O problema é Madeline.
Madeline era o nome de sua mãe. Um nome do qual iria sempre se lembrar, muito embora seu rosto houvesse desaparecido nas brumas do passado, o tempo apagando todos os traços de sua memória. Não tinha a mínima idéia de como era, apesar de seus esforços para se lembrar. Não era de se estranhar, porém. Ele só tinha quatro anos de idade quando ela o deixara num orfanato. E jamais voltara para buscá-lo. Nunca mais ouvira falar dela.
Amanda ainda não estava entendendo nada.
— Madeline? Mas quem é Madeline?
— Uma ex-namorada. A mulher que você me ajudou a esquecer.
Com muito carinho, Brian estendeu a mão e tocou seu rosto. Sentia brotar em seu coração muito mais do que a paixão da noite anterior. Era o amor nascendo inesperadamente.
Não havia dúvidas. Ele amava Amanda Bradshaw. E era um amor intenso, profundo, desesperado.
A força divina deveria estar ao seu lado quando Amanda recobrasse a memória, caso contrário, tudo estaria perdido.
Mas naquele instante precisava ser convincente em seus argumentos.
— Madeline jurou se vingar. Ela me perseguiu, Amanda... E nos ameaçou, dizendo que nos mataria se ela nos encontrasse juntos. Cheguei a registrar queixa numa delegacia, mas Madeline não é o tipo de mulher que se impressiona com um sermão de um delegado.
Por que ele não tinha falado sobre aquilo antes? Ou será que tinha? Não. Era pouco provável. Ele agia como se fosse a primeira vez que lhe contava aquela história. Sua raiva começou a desaparecer. Como devia ter sido difícil para Brian manter aquele segredo, apenas porque desejava protegê-la! Mas ela não queria ser protegida. Queria ajudá-lo, isso sim. Seja lá do que fosse.
— Essa mulher ainda está perseguindo você, Brian? Por favor, me fale a verdade.
— Madeline não me atormenta há mais ou menos um mês, mas isso não quer dizer que tenha mudado de idéia. Ela não costuma desistir das coisas com muita facilidade. Saber que conto com a proteção de um revólver me deixa um pouco mais tranquilo.
Amanda olhou para o armário.
— Uma arma não serve para muita coisa ali dentro.
— É só uma precaução. Eu não quero que nada de mau lhe aconteça, Amanda. Nada.
E era verdade. A mais pura verdade. Se Amanda saísse ferida daquela história, ele jamais se perdoaria.
Ele fazia com que ela se sentisse amada e desejada.
— Nada vai me acontecer, Brian. Vamos enfrentar juntos esse problema. Não sei que tipo de mulher eu era antes de perder a memória, talvez uma flor frágil criada numa estufa, mas posso lhe garantir que mudei. Os ataques de ciúme de sua ex-namorada não me assustam.
Brian teve de fazer força para não rir. Amanda Bradshaw, uma flor frágil, criada numa estufa... Realmente, hilariante. Ela era a mulher mais corajosa que já conhecera. Uma verdadeira fortaleza, que já havia posto muitos homens em seu devido lugar.
Ela continuou a falar:
— Não quero mais ser apenas sua mulher, Brian. Quero ser sua companheira, sua cúmplice. Em tudo o que fizer na vida. — Ela olhou-o diretamente nos olhos. — De agora em diante, não vamos ter mais segredos, não é?
Claro que não. Exceto que você não é minha mulher. E que nada por aqui é o que parece ser. Pelo amor de Deus, Amanda, por que está tornando tudo assim tão difícil e complicado?
— Combinado. De agora em diante, nada de segredos.
Brian desejou ter mordido a própria língua.
Com aquele problema resolvido, Amanda começou a ficar curiosa.
— Como era ela?
Ele deu de ombros, a fim de ganhar tempo. Quanto menos detalhes lhe desse, menos coisas teria de se lembrar no futuro. A lista já estava ficando longa demais.
— Uma mulher bonita, sem dúvida. Mas não tão bonita quanto você aliás, não conheço ninguém que seja. Agora, mudando de assunto, como vai sua dor de cabeça? Eu estava muito preocupado.
Dor de cabeça? Ela já havia desaparecido. Aliás, Amanda nem reparara no momento em que deixara de sentir o desconforto.
Deu um sorriso.
— Acho que você a curou.
Talvez Brian pudesse ter um pouco mais de tempo e usufruir do paraíso, antes que ele fosse condenado ao inferno por toda a eternidade. Abraçou-a com força.
— Será que haveria alguma outra coisa em você que eu poderia curar?
Os olhos de Amanda se iluminaram.
— Bem, já que você tocou no assunto...
CAPÍTULO 16
Uma grande sensação de bem-estar e uma profunda exaustão tomaram conta do corpo e da alma de Amanda, após os maravilhosos momentos passados na cama ao lado de Brian. Com certeza era daquele mesmo jeito que um corredor de uma maratona se sentia ao cruzar a linha de chegada e ouvir os aplausos por sua vitória.
Ela mal conseguia se mover.
Um sorriso surgiu em seus lábios e ela olhou para o homem que lhe proporcionara tanto prazer. Brian Russell, aquele que escolhera como marido, e com quem viveria pelo resto de sua vida, cercada de filhos.
Por favor, Brian, aconteça o que acontecer, não me deixe nunca. Eu te amo tanto...
Estendeu a mão a fim de acariciar-lhe os cabelos.
— Sabe de uma coisa, Brian? Eu sinto como se o conhecesse há uma eternidade. Como se fôssemos almas gêmeas, destinados um ao outro desde que o mundo foi criado. — Ela sorriu das próprias palavras. — É algo um pouco estranho, não é? Quero dizer, sentir que nos conhecemos há tanto tempo, quando, na verdade, as coisas não são bem assim. Você disse que nosso namoro foi curto, não foi? Que nos conhecemos no reveillon, numa festa na casa de amigos e que... Aliás, falando nisso, em que mês estamos? A julgar pelos dias quentes, devemos estar em maio ou junho. Acertei?
Brian olhou-a e sorriu, apesar da tristeza que sentia na alma. Amanda era tão bonita, tão cheia de vida, de energia. E ele a amava de todo coração. Porém, quando recuperasse a memória, ela não iria perdoá-lo. E Brian mergulharia num abismo sem fim. A vida jamais teria graça de novo.
— Acertou. Estamos no começo de junho. Hoje é dia quatro.
— Quatro de junho — ela repetiu, como se aquela informação pudesse ajudá-la a se lembrar de mais coisas. — Então nós nos conhecemos há seis meses, não é?
Brian não queria falar a respeito das mentiras que lhe contara. Tudo aquilo lhe era muito doloroso. Quando soubesse da verdade, ela poderia até processá-lo.
— E, é isso mesmo.
— Eu te amo, Brian.
— Eu também te amo, Amanda.
Pelo menos, uma verdade em meio a um mundo de falsidade.
Ela lhe deu um beijo na testa.
— Já está na hora de irmos ao cassino?
Ele não queria se levantar. Não queria se mover. Tudo o que tinha vontade de fazer era ficar ao lado de Amanda para sempre.
— Ainda não.
Aquilo pareceu animá-la.
— Humm... que boa notícia. Quanto tempo ainda nos resta antes de sermos obrigados a tolerar a companhia daquele aborrecido do Richard Quinton?
Brian olhou para o relógio sobre a cabeceira.
— Uma hora e meia.
Amanda molhou os lábios.
— Esta foi a melhor notícia que eu já tive na vida. Como eu consigo me vestir em apenas cinco minutos, ainda teremos mais oitenta e cinco para fazermos exatamente o que tivermos vontade...
Brian sorriu e beijou-lhe os ombros nus.
— Não. Você não se veste em cinco minutos. Já marquei o tempo, você leva pelo menos dez.
— Bem, digamos que você tenha razão. Dez minutos. — Ela roçou o corpo contra o dele, num gesto carregado de sensualidade. — Você tem alguma sugestão de que possamos fazer com os oitenta restantes?
Amanda o deixava maluco. Quem poderia, um dia, imaginar que debaixo daquela fachada de gelo, competência e astúcia, existia uma deusa insaciável? Olhou em volta. Era como se um furacão tivesse passado pelo quarto. Haviam feito amor em cima de todas as superfícies planas que tinham encontrado na suíte. Repetidamente, no chuveiro, na pia, no chão e até mesmo na cama.
Cada vez que acabavam, um deles começava a provocar o outro e a deliciosa aventura tinha início mais uma vez.
Só que, agora, Brian achava que suas forças o tinham abandonado. Sentia-se completamente exausto. Mal estava conseguindo respirar.
— Dormir um pouco, talvez?
Ela começou a rir.
— Ora, Brian, você não vai começar a me decepcionar, vai?
Amanda estava brincando, era evidente. Mesmo assim, tal comentário teve o efeito de uma punhalada em sua consciência, ou seria no coração?
— Não — ele lhe respondeu, com voz suave. — Ainda não.
Amanda sentiu um frio estranho no estômago. Brian tinha um ligeiro sorriso nos lábios, mas ela podia jurar que ele dissera aquilo com um certo peso na alma. Estaria enganada?
— Brian?
— O que foi?
— Você por acaso está me escondendo alguma coisa?
Maldição. Esquecera da astúcia de Amanda. A troco de quê fora dizer aquilo? Balançou a cabeça.
— Não. É claro que não.
Por favor, Amanda, eu lhe peço perdão. Pelas mentiras. Por tudo. A única coisa verdadeira nessa farsa é meu amor por você.
Ela acreditou nele. Porque não queria estragar a beleza daquele momento.
— Então, já que você não pretende me decepcionar, que tal recomeçarmos a brincadeira?
Brian forçou uma risada.
— Eu já lhe disse, querida. Para todos os fins e todos os propósitos, sou um homem morto!
Amanda, porém, adorava um desafio.
— Acontece que eu sou ótima na arte de ressuscitar as pessoas. Posso lhe dar uma pequena demonstração!
Brian não duvidava.
E passou a duvidar muito menos ainda quando sentiu os lábios dela tocando-lhe o pescoço com muita suavidade, despertando-lhe uma nova onda de desejo em sua alma.
Se Brian Russell estivera morto, não estava mais.
Ela continuou a deslizar a boca por seu corpo todo, provocando-o, testando-o, levando-o a alturas incríveis. Brian estava completamente maluco por aquela mulher maravilhosa que lhe proporcionava indescritíveis prazeres.
— Você é uma feiticeira — Ele ainda teve forças para dizer. — Uma feiticeira que tem um poder incrível sobre mim...
Ele jamais havia pensado que pudesse amar alguém. Mas a amava. De todo coração.
E era isso que tornava as coisas tão desesperadoras. Tinha de lhe contar a verdade, enquanto ela estava tão feliz em seus braços, enquanto ainda havia uma chance de compreender seus motivos. Se lhe dissesse tudo durante a fria luz do dia, quando seu coração e seu corpo não estivessem aquecidos, Amanda jamais iria perdoá-lo. E aquilo era algo que não poderia suportar em hipótese alguma.
Brian nunca havia dado muita importância à coragem. Era algo que sempre estivera presente em sua vida, quando necessitava. Exceto agora. Agora, ele se sentia vazio e inseguro como um menino andando de bicicleta pela primeira vez.
— Amanda?
Ela olhou bem dentro de seus olhos, seu corpo clamando pelo dele. E, lentamente, enxergou. Havia algo no rosto de Brian que fez com que ficasse apavorada.
— O que foi, Brian? Aconteceu alguma coisa?
Mas as palavras não saíam por seus lábios. Desejava-a com loucura. E tinha medo de que ela o deixasse, mesmo naquele momento. E ele precisava dela. Não imaginara que fosse fisicamente possível desejar uma mulher com tanta intensidade após tê-la amado durante a tarde inteira, mas ele desejava desesperadamente.
E, se lhe contasse a verdade, Amanda poderia ir embora. Ele sentia vergonha de si próprio, mas era muito covarde para correr o risco. Já arriscara a vida dezenas de vezes. Encarara a morte de frente em duas ocasiões diferentes.
Mas, embora, tivesse passado por tudo aquilo sem medo, não podia suportar a idéia de ficar sem Amanda Bradshaw.
Ela lhe deu um beijo leve, muito rápido, nos lábios.
— O que foi, Brian? Vamos, pode falar!
Mas o medo de perdê-la sobrepunha-se à verdade.
Acariciou-lhe os cabelos, tentando adivinhar se era a última vez que a tocava daquele jeito. Quinton iria partir no dia seguinte. A troca seria feita sem problemas. Então, não haveria mais motivos para prolongar a farsa.
Bem, tudo indicava que ainda teria aquela noite, mas havia muito que aprendera que não podia contar com o incerto. Daquele modo, nunca ficaria desapontado.
Brian Russell percebeu, naquele momento, que não era o homem forte e determinado que pensara ser. Ao contrário, não passava de um menino inseguro, uma criança que precisava de colo e de carinho. Sentiu vontade de chorar.
— Eu acho que oitenta minutos não são suficientes para o que eu gostaria de fazer com você.
Não era aquilo que ele ia dizer. Amanda teve certeza do fato, mas resolveu não insistir. Com medo, talvez, do que fosse ouvir.
Resolveu aderir à brincadeira.
— Mas eu pensei que você estivesse exausto. Morto, até.
— Sim. Estava.
Mas havia ressuscitado. Era como se Amanda fosse adrenalina pura injetada em suas veias.
— Brian...
— Amanda, estou mais vivo do que nunca, inteiramente para você.
Ela riu e o quarto todo pareceu vibrar com aquele som. Um som que estaria para sempre presente em sua mente. Como aquela tarde mágica.
— Bem, se é só esse o tempo que nós temos, por que não começamos a aproveitá-lo agora mesmo?
Brian abraçou-a com força.
— Eu penso exatamente da mesma maneira.
Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, ele cobria seus lábios com os dele. E perdeu-se na fragrância de seu perfume feminino. Desejava apenas senti-la e aproveitar tudo que lhe era oferecido. Pela última vez, talvez. Amanda jamais iria perdoá-lo. Ele a conhecia muito bem.
Amanda estava no paraíso. Sentir as carícias de Brian era uma experiência fantástica, que a levava a lugares completamente desconhecidos, como se tivesse entrado em outra dimensão.
Imaginara que Brian ensinara-lhe tudo a respeito do ato de amor.
Mas estava enganada, pois ainda havia muito a aprender, a experimentar...
Brian fazia com que ela delirasse de tanto prazer. Como um guia que tinha conhecimento de lugares secretos, desconhecidos a um homem comum, ele lhe mostrava partes de seu corpo onde o êxtase pairava, esperando para explodir. Era uma experiência magnífica, que ficaria gravada para sempre em suas lembranças. Brian usava seus lábios, dentes e mãos para deixá-la louca. Amanda subia a alturas incríveis, descia novamente à Terra e começava a subir mais uma vez. O prazer era tanto, que, em determinados momentos, ela achava que não podia mais suportar.
Brian levantou a cabeça e olhou bem dentro de seus olhos. Precisava fazer aquilo. Queria proporcionar-lhe os momentos mais gloriosos de sua vida, para que ela se lembrasse, sim. Quando a verdade fosse contada e tudo se acabasse, Amanda iria se lembrar de tudo aquilo. E, lembrando-se, talvez não o odiasse tanto.
Sentindo que ele a penetrava, Amanda abriu-se num largo sorriso e sussurrou:
— Eu te amo.
— Eu sei. — E era exatamente por isso que Brian se sentia culpado. Amanda não teria feito amor com ele, se soubesse de toda a verdade. — Eu também te amo. Lembre-se sempre disso, por favor.
Era engraçado, mas Brian dizia coisas estranhas em horas mais estranhas ainda. Só que não tinha energia para questioná-lo. Na verdade, precisava economizar suas forças para uma outra tarefa mais urgente.
Estendendo os braços e enlaçando-lhe o pescoço, Amanda acompanhou os movimentos de Brian e ambos partiram em direção a uma montanha muito alta, a mais alta do mundo, e em seguida eles estavam caindo, abraçando-se com força para proteger-se mutuamente do impacto. O chão parecia vir de encontro aos amantes. Mas ele estava forrado com macias folhas de primavera e, quando finalmente aterrizaram, a queda foi suave e tranquila.
Seus corpos exalavam o perfume do amor pelo ambiente. Enlaçados pelos braços e pernas, pareciam um só corpo. Os minutos se passavam como momentos eternos e Brian não queria que aquela experiência mágica chegasse ao fim.
Despedidas não cabiam naquele instante.
— Brian?
— Hummm?
— Que tal se falarmos a Quinton que morremos?
Ele riu e lhe deu um beijo na testa.
— Não creio que ele acreditasse.
— Poderíamos tentar.
— Shhh... — Ele a beijou novamente, desejando poder mudar aquilo que estava prestes a acontecer. — Fique quietinha. Quero sentir seu corpo um pouco mais. Por favor.
Casar não fazia parte dos planos de Brian, um solteiro convicto. Mas ao conhecer a face oculta de Amanda, nada mais desejava no mundo do que viver o resto de sua vida ao lado daquela mulher deslumbrante e entregar-lhe todo o amor que tinha em seu coração.
Ele tinha acabado de lhe dizer palavras maravilhosas. Mas que haviam sido motivadas por alguma outra razão. Algo que ela não tinha a mínima intenção de enfrentar sozinha.
A sensação de euforia que sentia até agora desapareceu, sendo substituída pela preocupação. Olhou para ele. Os olhos de Brian não mentiam.
— Há alguma coisa de errado, não há?
Brian olhou para o teto.
— Não.
Ela não acreditava nele.
— É alguma coisa relacionada com os negócios que está fazendo com Quinton, não é?
Ela podia ter perdido a memória, mas era astuta até não poder mais. Uma das mulheres mais inteligentes que conhecera.
— Não, Amanda. — Forçado pela razão, afastou-se dela. — Mas, falando nele, chegou a hora de começarmos a nos arrumar. Ficamos de nos encontrar com ele às oito e meia. Quer usar o banheiro primeiro?
Ela sentou-se na cama. Havia sim alguma coisa que Brian estava lhe escondendo. Era evidente que ele tentava protegê-la, mas esconder os fatos não a deixava mais segura. Queria ajudá-lo a resolver seja lá o que o estivesse incomodando.
Forçou um sorriso.
— Eu estava pensando em tomar um banho. Será que você poderia me ajudar a massagear minhas costas?
CAPÍTULO 17
Amanda estava sentada numa cadeira de estofamento verde e dourado, que tinha sido afastada ligeiramente da mesa e colocada junto à parede. Mas daquela posição podia observar todos os movimentos do tumultuado salão. Era certo que sua personalidade agitada era um pouco acima da média, porém não conseguia entender como garçons e garçonetes circulavam pelo local de forma mecânica, sem reparar naquele ou noutro detalhe que estava à sua frente. Como ela, por exemplo. Na realidade só tinham olhos para quem ostentasse muita riqueza, como Richard Quinton.
Ali, não havia nem música. O som iria servir para distrair os jogadores, cujas apostas eram estratosféricas. Até o ar parecia se mover vagarosamente por ali, em contraste com a energia que emanava dos poros de todos os presentes.
Como não quisera prejudicar a concentração de quem quer que fosse, Amanda pedira para se afastar.
Suas costas começavam a doer. A cadeira não primava pelo conforto, obviamente desenhada para que as pessoas ali sentadas mantivessem a máxima concentração possível.
Estava naquele cassino havia mais de três horas, observando fortunas trocarem de mãos num piscar de olhos. A bebida que a garçonete tinha lhe trazido já estava completamente diluída na água derivada dos cubos de gelo, modificando sua cor e sabor.
Impaciente, manipulava sem parar a bolsa que carregava nas mãos, chegando a amassá-la. Se estivesse usando seu outro modelo, bordado com pérolas, aquelas serviriam ao menos para distrair seus dedos. Mas Brian pedira para que ela usasse aquela, que combinava mais com seu vestido vermelho.
— Parece que essa é a cor de sorte de Quinton — ele lhe dissera. — Não custa nada deixá-lo satisfeito em sua última noite aqui no hotel.
Pelo menos, Amanda esperava mesmo que aquela fosse a última noite. Com um pouco de sorte, após o dia seguinte, esperava nunca mais voltar a ver Richard Quinton, exceto alguns encontros esporádicos em festas ou coquetéis. Por mais que se esforçasse, não conseguia relaxar em sua companhia. Por trás de todo aquele charme, havia um iceberg. Ela não podia confiar num homem sem coração.
Amanda se mexeu na cadeira, cruzando as pernas, tomando cuidado para não fazer barulho. Sally não tinha aparecido no cassino até o momento. Por um lado, lamentava a ausência da moça. Teria sido mais agradável ter alguém ao lado, nem que fosse para lhe fazer silenciosa companhia.
Quanto tempo mais eles iriam jogar? Duvidava que Brian reparasse se ela se levantasse naquele momento. Desde que, é claro, o fizesse de maneira discreta. De qualquer modo, Quinton iria reparar. E ficaria ensandecido. Ele havia sido muito específico a respeito de sua permanência no local.
— Pode afastar ligeiramente sua cadeira — ele lhe dissera. — Mas não saia dessa sala por nada nesse mundo.
O que lhe restava fazer, depois de um pedido daquele?
Nada. Exceto ficar exatamente onde estava, rezando para que aquele verdadeiro suplício terminasse logo.
Olhou em volta. Tudo por ali parecia exagerado. As paredes cheias de quadros, os candelabros dourados, os tapetes cheios de estampas. Estranho que um lugar destinado à máxima concentração oferecesse tantos elementos para que as pessoas se distraíssem. De qualquer modo, não havia um só objeto naquele salão que não fosse de extremo bom gosto. Lembrava uma sala de um palácio oriental, um lugar onde já estivera.
Tal pensamento não lhe saía da cabeça. Palácio oriental? Então já estivera no oriente? Mas quando? E com quem? Talvez sozinha...
Era provável que sua memória estivesse voltando, em forma de pequenos e insignificantes detalhes. Já não se sentia mais como uma concha vazia como havia poucos dias. Algumas palavras vagavam pela sua mente e coração, cujos sons eram nitidamente da voz de Brian.
Olhou para ele. Como o amava... Embora aqueles últimos dias tivessem sido fantásticos, ela queria mais, Muito mais. Queria sua vida toda de volta, queria sua memória, lembrar-se de sua família, de seus pais, de sua infância. Em que escolas estudara? Fizera alguma faculdade? Qual era sua formação?
Porém, mais do que tudo, queria se lembrar do momento em que vira Brian pela primeira vez. Queria se lembrar da emoção do primeiro abraço, da alegria do primeiro beijo. Do que sentira quando foram para a cama pela primeira vez.
Amanda sorriu para si mesma. De uma maneira ou de outra, já sabia como eram todas aquelas sensações. Por causa de sua falta de memória, quando Brian a beijara, tinha sido como a primeira vez. Quando tudo voltasse à sua memória, teria a lembrança duas vezes. Era, realmente, uma mulher de sorte.
Mas então, um pensamento horrível passou-lhe pela cabeça. E se sua memória não retornasse nunca mais? E se as lembranças, boas e más, fossem enterradas num passado sem volta?
Será que aquilo seria assim tão ruim? Tinha um marido maravilhoso que amava de todo coração, uma vida que parecia ser confortável e cheia de glamour. Olhou para todos ali em volta. Quantas outras mulheres poderiam se dar ao luxo de entrar naquele salão? Muito poucas, com certeza.
Em outras alas do cassino, ficavam os turistas, os jovens, os pequenos apostadores. Pessoas que ficariam eufóricas se ganhassem cem ou duzentos dólares ou que teriam um choque ao saber qual era a aposta mínima valendo naquela mesa onde Richard Quinton e seu marido Brian se encontravam.
Aliás, ela própria receou por Brian quando ele foi convidado a participar dos jogos com Quinton. Os outros homens à mesa haviam concordado e Brian parecera muito feliz em acompanhá-los. Apenas Amanda ficara intrigara e um pouco desconfiada.
Estranhou aquela atitude tendo em vista que, desde o momento que se lembrava, Brian não demonstrara nenhum interesse em cassinos. Na realidade, não notara nenhuma afinidade dele com roletas ou cartas.
Será que ainda havia muitas coisas sobre ele das quais não tinha conhecimento? Só o fato de pensar naquilo a deixava tensa e insegura.
Amanda moveu-se para a beirada da cadeira no momento em que mais uma rodada de apostas teve início. Durante o curso da noite, Brian não perdera nem ganhara grandes fortunas. Mas se perdesse, será que poderia honrar o compromisso?
No começo do jogo, Quinton lhe oferecera uma soma bem considerável, mas ele recusara. Por quê? Seria para impressionar o homem? Ou porque talvez tivesse mesmo dinheiro para jogar fora?
Não se atrevia sequer a pensar nisso...
A dor de cabeça violenta que sentira naquela tarde, no momento em que deixara o quarto de Richard Quinton, voltou com maior intensidade. Era como se a cabeça estivesse sendo esmagada por um imenso trator.
Amanda tentou se concentrar em Brian e não na dor. A ansiedade fazia com que as palmas de suas mãos ficassem úmidas de suor. Não estava gostando de ficar ali. Queria sair daquele cassino, voltar para a tranquilidade e a segurança de seu quarto. O único lugar onde conseguia relaxar de verdade, principalmente se estivesse na cama, ao lado de Brian. Esperava que o momento de voltar para lá não estivesse muito distante.
Aquela sala havia sido especialmente criada para o baccarat, o jogo preferido dos maiores apostadores do mundo. Mas Quinton havia preferido os prazeres mundanos do pôquer. Então, era o que o grupo sentado àquela mesa estava jogando no momento. Um grupo formado por pessoas que tinham dinheiro para jogar fora. Estaria Brian neste grupo?, questionou-se Amanda. Só sabia dizer uma coisa, com certeza absoluta: a tensão que pairava no ar chegava a ser palpável. Dava até para sentir seu cheiro, que parecia emanar dos corpos dos jogadores, muito embora eles nem se mexessem, tamanha era sua concentração. Também, não era para menos. Uma simples rodada daquelas envolvia milhões de dólares, suficientes para alimentar uma população inteira, numa pequena cidade.
Amanda sentiu que seu corpo se contraía, mas não de tensão. De revolta com todo aquele desperdício.
Havia oito homens sentados àquela mesa, somando-se Brian e Quinton. A princípio, a sorte parecera favorecer o mais experiente, Quinton, mas depois o abandonara a fim de flertar com outros dois participantes. Em seguida, retornara para Quinton.
Mas, pelo que Amanda percebia naquele momento, fora um retorno temporário. Um dos homens, ao que tudo indicava era um milionário do Texas, dono de vários campos petrolíferos, parecia muito interessado em vencer o jogo. Aliás, já havia uma pilha enorme de fichas à sua frente.
Entretanto, ao contrário dos outros participantes, o sujeito não vencia de uma forma muito elegante. A cada uma de suas vitórias, ele ria escandalosamente e esfregava as mãos. O anel de rubi que trazia num dos dedos era do tamanho de uma noz. A pedra refletia a luz dos candelabros, criando um efeito todo especial.
O milionário do petróleo tinha um largo sorriso nos lábios, um brilho um tanto diabólico no olhar e parecia sentir um enorme prazer em irritar Richard Quinton. Depois de mais uma vitória, ele caiu na risada e virou-se para Quinton, e comentou com ar de troça:
— Está com azar hoje, amigo. Por que não tenta a sorte naquelas máquinas caça-níqueis ali fora? Talvez elas sejam mais generosas com um amador como você.
Fez-se um momento de profundo silêncio naquela sala. Os três copeiros de pé, perto das paredes, treinados para fazer a segurança dos jogadores bem como para servi-los, mais lembravam peças de decoração, até o momento em que alguém precisasse de seus serviços. Em seus rostos permanecia uma expressão de impassividade, como se não tivessem permissão de ouvir o que era dito por ali. Apenas seus olhos indicavam que estavam bem alertas, prontos para o que fosse.
Amanda segurou a respiração, observando o rosto de Quinton se contrair de raiva com o comentário feito. A tensão no ar triplicou e ela tentou adivinhar se alguma tragédia estava para acontecer. Não duvidava nada que alguém sacasse uma arma e acabasse com a alegria do outro. Torceu as mãos, percebendo que estavam ainda mais molhadas.
Richard Quinton virou-se para o milionário.
— Por que eu deveria tentar a sorte num caça-níqueis, se posso fazê-lo com um rouba-níqueis de carne e osso?
Os olhos do milionário do petróleo brilharam de ódio. A vontade de Amanda era levantar-se e sair dali correndo ao lado de Brian, antes que o tiroteio começasse.
— Por acaso está me desafiando, Quinton?
O sorriso irônico voltou aos lábios dele. Havia conseguido o que queria, ou seja, irritar seu oponente. Uma pequena compensação pela soma que havia perdido.
— Não. Apenas fiz uma observação.
Achando que talvez tivesse de apartar uma briga, um dos copeiros, o que aparentava mais força, deixou seu posto e deu alguns passos à frente. Então, encostou a mão enluvada no ombro de Quinton, como se quisesse tranquilizá-lo. Era como se dissesse "não precisa se preocupar, estou aqui para protegê-lo".
Ouviu-se um grito. Um grito de Richard Quinton... E todos os que olhavam para ele viram o brilho de horror que emanava de seus olhos.
Amanda virou-se e, disfarçadamente, olhou para Brian. Quase que imperceptivelmente, seu marido fez um sinal com a cabeça, indicando que ela deveria ficar de boca fechada.
Quinton balançou os ombros com violência e o copeiro imediatamente retirou sua mão. Havia ódio no rosto do megalomaníaco.
— Chame o gerente dessa espelunca, rapaz. Agora mesmo!
O serviçal ficou branco como um fantasma.
— Imediatamente, senhor.
O jogo foi suspenso e o pálido rapaz deixou a sala, depois de fazer uma mesura como se estivesse na presença da família real inglesa.
Quinton, com o mesmo brilho de raiva nos olhos, fazia força para se controlar. Brian olhou para Amanda e, em seguida, para a bolsa que ela segurava nas mãos. Seria muito melhor se ela não estivesse assim tão longe dele.
Ninguém abriu a boca até o momento em que o gerente do cassino apareceu, minutos depois. A agitação no rosto de Quinton ainda era bem visível. Os outros jogadores, sentados à mesa, pareciam estar se divertindo com o incidente, mas ao mesmo tempo, lançavam olhares de simpatia em direção a Quinton. Afinal de contas, estavam todos no mesmo barco, eram todos homens que tinham seus próprios tabus e superstições. A sorte era algo com a qual não se podia brincar. Quando o assunto eram milhões de dólares, a ordem era não facilitar.
O motivo que dera origem à aproximação do copeiro já tinha sido completamente esquecido. O milionário texano havia se juntado ao grupo de observadores, esperando o desenrolar dos acontecimentos.
O gerente do cassino, Harry Goodman, apareceu rapidamente. Ele nunca se afastava da sala quando um jogo envolvendo gente daquele quilate estivesse sendo realizado. Era pago para que tudo corresse perfeitamente bem por ali e fazer com que o cliente voltasse a se hospedar no hotel sempre que retornasse à cidade.
Pelo rosto pálido do tal gerente, Amanda desconfiou que ele levava seu trabalho muito a sério.
Assim que entrou na sala, Goodman dirigiu-se diretamente a Quinton, um dos clientes mais importantes que aquele hotel costumava receber. Não somente por seu dinheiro, mas também pelo prestígio que tinha de sobra.
Fez uma mesura e perguntou, com a voz cheia de respeito:
— Aconteceu alguma coisa, senhor?
— É claro que aconteceu. — Quinton nem se dignou a olhar para o pobre copeiro, alguns passos atrás do gerente. — Ele me tocou e eu deixei ordens expressas para que ninguém me tocasse durante a partida.
Com expressão aborrecida, Richard levantou-se abruptamente da mesa. As fichas que estava à sua frente caíram e espalharam-se pelo chão. Lançou um olhar acusador a Goodman. Havia perdido mais de um milhão de dólares naquela noite e uma boa parte da quantia ficaria para o próprio cassino.
O fato de perder sempre o deixara de muito mau humor.
— Seu empregado arruinou minha sorte esta noite. O jogo acabou.
Harry Goodman, um homem careca de cinquenta e poucos anos, sabia perfeitamente quando era hora de discutir e quando era hora de ficar calado. Aquele, certamente, não era momento para discussões. O cliente sempre tinha razão. Principalmente clientes muito ricos, como Richard Quinton, que pareciam ter o mundo a seus pés.
De qualquer maneira, aquela situação era muito difícil e o gerente percebeu que começava a suar frio. Amanda também reparou e não pôde deixar de sentir pena dele. E de odiar Quinton dez vezes mais. Mas pelo menos a tortura de ver Brian jogar tinha acabado.
Brian Russell se levantou. Tinha perdido mais do que ganhara, mas a diferença não fora grande. Mesmo que fosse, não teria importância. O dinheiro não era dele. Discretamente, aproximou-se de Quinton. O sujeito nem pareceu notar. Sua atenção estava toda voltada para Harry Goodman e ao copeiro.
O gerente olhou para os outros participantes sentados à mesas, tentando ver se haveria uma chance de convencê-los a continuar jogando. Porém, o clima naquela sala já tinha mudado e todos os presentes estavam pensando em dar a noite por encerrada e voltar a seus respectivos quartos. Talvez pudessem voltar no dia seguinte, quando a sorte estivesse disposta a lhes sorrir. Aquela ala do cassino parecia estar impregnada de azar. E jogadores experientes estavam cansados de saber que era completamente inútil lutar contra ele. O azar era sempre o vencedor.
Harry Goodman fez sinal para que os outros empregados começassem a limpar a sala. No momento, sua tarefa era a de convencer Quinton a continuar prestigiando o hotel com sua presença. Não podia se dar ao luxo de perder um cliente com seu potencial.
Se Goodman não fosse careca, seus cabelos já estariam completamente brancos.
Correu atrás de Quinton, que já deixava o cassino, chegando a tropeçar em Brian que vinha logo atrás. Sequer se deu ao trabalho de pedir desculpas. Aquele último, ele sabia, não era um grande jogador. Nem um jogador mediano. Era alguém que pegava as cartas apenas para se distrair. Goodman estava naquele meio havia muito tempo e conhecia bem a diferença.
— Eu sinto muito, senhor. Isso jamais deveria ter acontecido. Asseguro-lhe que nosso funcionário será severamente punido por sua falha imperdoável.
Richard Quinton parou de súbito e virou-se para o afobado gerente. O brilho de ódio que emanava de seus olhos era tão grande, que Amanda sentiu pena de Sally naquela noite. A coitada teria de aguentar poucas e boas, se o namorado resolvesse descontar o mau humor sobre dela.
— O quê? O que foi que você disse?
Harry Goodman pigarreou e anunciou, com a voz mais solene que conseguiu:
— Eu disse que ele será severamente punido por sua falha, senhor. Foi realmente imperdoável!
— Punido? — berrou Quinton. — Por acaso ficou maluco, homem? Eu quero que o sujeito seja despedido! Ele arruinou minha sorte, minha noite inteira e eu exijo que seja mandado embora agora mesmo. Deu para entender? Não quero que ele receba uma simples reprimenda, nem que seja transferido, nem que pague uma multa. Eu faço questão de que o fulano seja mandado para o olho da rua imediatamente. Será que fui claro?
O gerente Harry Goodman ainda tentou argumentar.
— Senhor, por favor...
Mas Quinton estava irredutível. Nada do que alguém pudesse lhe falar faria com que mudasse de idéia. Queria o homem no olho da rua. Havia perdido muito dinheiro. E ele odiava perder. Não havia nada mais irritante do que aquilo. E tudo por culpa daquele copeiro metido, que não conhecia seu lugar. Tinha cabimento um empregado de cassino tocar em seu ombro, como se ambos fossem velhos amigos? Aquilo era simplesmente ridículo.
— Eu já disse, homem. Será que você é surdo? Quero o copeiro na rua ainda hoje!
— Mas, senhor, ele tem família... Sua mulher acabou de dar a luz a um casal de gêmeos... O coitado precisa do emprego e...
— Pois se você não despedi-lo agora mesmo, vou pedir aos donos dessa espelunca que a gerência seja ocupada por outra pessoa!
O rosto macilento de Harry Goodman ficou mais branco ainda.
— Fique tranquilo, senhor. O rapaz será despedido agora mesmo.
Revoltada com tamanha injustiça e boquiaberta pelo fato de que uma superstição imbecil pudesse custar o emprego de um pai de família, Amanda abriu a boca para protestar. Não tinha a mínima idéia do que iria dizer, mas não importava. O que queria mesmo era que Quinton soubesse o quanto ela o desprezava.
Porém, Brian, percebendo sua intenção, apertou ligeiramente seu braço, fazendo com que as palavras morressem em seus lábios. Por que seu marido não tomava uma atitude frente a um absurdo daqueles? E por que também a proibia de se manifestar? Jamais imaginara ter se casado com um covarde, um fraco... Bem, mas na verdade, nem o conhecia direito... Talvez aquela fosse a personalidade de Brian, que ela desconhecia. Tal pensamento era realmente desesperador.
Quinton dispensou o gerente com um aceno de mão. Harry Goodman se afastou depressa, feliz da vida por ter saído ileso daquela situação.
E para desespero de Amanda, a ira de Quinton se voltara para Brian.
— Então, Russell onde você estava?
Brian fez o possível para mentir com calma.
— Ora, eu estava bem a seu lado, Richard. Não percebeu?
Quinton explodiu de novo.
— Vocês dois deviam ser meus amuletos da sorte! O que aconteceu com ambos? Será que ficaram enferrujados?
Amanda tentou adivinhar se aquilo queria dizer que os dois estavam livres daquela obrigação ridícula. Desejou que sim com todas as forças de sua alma. E, sem conseguir mais se conter, levou as mãos à cintura e sorriu com muita ironia.
— Acho que você está vivendo no mundo da lua, meu amigo. Brian e eu nunca lhe trouxemos sorte, como tampouco aquele pobre copeiro lê trouxe azar no momento em que o tocou. Será que não percebe que tudo isso não passa de fantasia da sua cabeça maluca?
Brian sentiu que o sangue fervia nas veias. Amanda não sabia com quem estava se metendo. Se soubesse, não teria aberto a boca.
— Amanda, por favor...
— Eu tenho mais dinheiro que toda a população de Rhode Island, mocinha. Isso me dá o direito de pensar da forma que bem entender, de acordo? — Respirando fundo, Quinton pareceu se acalmar ligeiramente. Ao menos por um tempo. Franziu a testa e passou os olhos pelo cassino vazio. — Quando a sorte de um homem muda, algo deve ser feito para se reverter a situação.
Era um pensamento filosófico muito primário, mas Brian sabia que Quinton acreditava nele. Começou a sentir aquela estranha coceira no pescoço novamente.
— O quê, por exemplo?
Os olhos de Quinton ficaram nebulosos. Eram olhos que tinham a capacidade de apreciar a beleza de um trabalho de arte e a poesia do pôr-do-sol. Mas também eram olhos que podiam observar um homem se contorcer de dor, implorando por sua vida, até morrer.
Com voz gelada, ele respondeu.
— Mudanças no nosso acordo.
CAPÍTULO 18
Tais palavras ficaram ecoando na mente de Brian Russell durante um longo tempo. Nosso acordo.
Não!
Ele cruzou os braços. Tinha de dar um jeito de fazer com que Quinton voltasse atrás. As coisas não podiam desmoronar agora, na conclusão da operação. Não depois de dois anos de intenso trabalho, esforços e planejamento para tentar agarrá-lo. Capturar Richard Quinton era uma questão de honra.
Perguntou, sentindo a garganta muito seca.
— Você quer cancelá-lo?
— Não. Ao contrário. Quero apressar as coisas. — Ele virou a cabeça e olhou fixa e sinistramente para Amanda. — Quanto mais rápido, melhor. Esta noite.
Amanda não estava entendendo nada. Mas o que estaria acontecendo por ali? Como era possível realizar o acordo naquela noite? Brian não ia administrar as terras produtivas de Quinton? E como alguém poderia administrar o que quer que fosse no meio da madrugada? As coisas não faziam o mínimo sentido!
A mente de Brian começou a funcionar com uma agilidade impressionante. Precisava entrar em contato com o agente Sheridan o quanto antes.
— Acho que não vai ser possível, amigo.
— E por que não?
— Não tenho o dinheiro aqui comigo.
A cabeça de Amanda começava a girar. De que dinheiro estava falando? Será que todo mundo por ali tinha ficado maluco?
Richard Quinton deu um sorriso gelado.
— Eu estou cansado de saber que o dinheiro não está com você. Mas está em outro lugar, não está?
Embora estivesse olhando diretamente para Quinton, Brian percebeu que seus dois seguranças se aproximavam. Os mesmos brutamontes com ar abobalhado que ficavam em frente à porta do chalé. Bem, mas se a inteligência de ambos não fosse muito grande, o mesmo não poderia ser dito a respeito de seus músculos.
— Sim. Claro que sim.
— Certamente num lugar seguro, onde poderá buscar agora mesmo.
Não era uma pergunta. Apenas uma constatação.
Brian sentiu que a sua garganta ficava seca. A história tinha se complicado de uma forma absurda. Precisava tirar Amanda dali o quanto antes.
— Sim.
O sorriso nos lábios de Quinton era diabólico.
— Então eu sugiro que vá buscá-lo imediatamente.
Brian não estava pronto para colocar a operação em prática naquela noite. Tudo estava acertado para o dia seguinte, ao meio-dia em ponto. De uma maneira ou de outra, tinha de dar um jeito de ao menos ganhar tempo. Estendeu o braço a fim de pegar a mão de Amanda.
— Tudo bem. Eu só vou...
Mas a mão de Quinton foi mais rápida. Ele agarrou o pulso dela antes que qualquer atitude de Brian pudesse ter sido tomada.
— Vá buscar o dinheiro — repetiu Quinton. — Enquanto isso, sua linda mulher vai me fazer companhia. Mas não quero que vá sozinho. Taylor irá acompanhá-lo.
O homem que respondia pelo nome de Taylor deu um passo à frente, aguardando novas ordens.
Quinton começou a acariciar o pulso de Amanda e um sorriso suave voltou-lhe aos lábios.
— Não é que eu não confie em você, Russell. Mas um homem da minha posição precisa tomar algumas precauções na vida, você entende. Além disso, talvez minha maré de azar ainda não tenha acabado!
Amanda tentou se livrar dele, mas não conseguiu. Ele a apertava com muita força. Mesmo assim, não sentia medo. Estava era confusa. E preocupada. Brian com certeza se metera numa enrascada. Não sabia dizer exatamente que enrascada era aquela, mas que devia ser algo bem grave, isso devia. Podia ter perdido a memória, mas estava longe de ser boba.
Olhou para Brian. Os olhos dele estavam cheios de culpa e seu coração se contraiu de dor.
— Brian, mas de que diabo este homem está falando?
Confiante no fato de que as coisas estavam voltando a dar certo, Quinton resolveu voltar a ser generoso em suas informações.
— Estou falando de sorte, minha cara. Essa dádiva maravilhosa que tem o poder de transformar um mendigo num rei e um rei num mendigo. E eu não quero ser um mendigo. — Ele fez um sinal para que Taylor desse um passo à frente. — Leve-o onde ele tem de ir e não o perca de vista nem por um segundo sequer. Quero que estejam de volta dentro de uma hora. — Seu tom de voz continuava suave, mas a mensagem contida nas entrelinhas era mortal. — Uma hora. É o tempo que você tem, Russell. Depois disso...
Quinton não precisou completar a frase. O brilho diabólico em seus olhos já dizia tudo.
Brian Russell sempre tivera a maior facilidade de se sair bem de situações difíceis. Raciocinava com uma velocidade impressionante. Fazia parte de seu trabalho. Mas agora, seu bom senso e sua calma pareciam tê-lo abandonado. Tinha colocado a vida de Amanda em perigo. Tudo o que ele menos queria na vida. Como pudera ser tão inocente?
Ainda tentou jogar sua última cartada.
— Mas como eu vou saber se posso ou não confiar em você? Quem me garante que vou mesmo receber a minha encomenda?
Quinton caiu na risada, como se tivesse ouvido um grande absurdo.
— Ora, pensei que estivéssemos cultivando uma sólida amizade. Você tem a minha palavra, Russell. — Ele acariciou o braço de Amanda. — E eu tenho todas as cartas. Agora, que tal ir fazer o que precisa ser feito? O tempo já está correndo!
Brian tentou adivinhar o porquê de tanta pressa. Que diferença alguns poucos minutos fariam a Quinton? Aquilo não tinha o mínimo sentido. Mas então, numa fração de segundo, ele compreendeu.
Richard Quinton se divertia fazendo as pessoas dançarem conforme a sua própria música.
— Mas, e se eu não conseguir apanhar o dinheiro e voltar ao seu hotel dentro do tempo especificado? — desafiou Brian.
Amanda nunca tinha visto um sorriso tão gelado na vida. Aquele homem, além de megalomaníaco, era completamente insano. Só os malucos podiam ser assim tão maus. Finalmente, o pavor apareceu para assombrá-la.
Quinton franziu a testa, como se estivesse prestes a oferecer um sábio conselho.
— Se eu fosse você, meu caro Russell, não faria perguntas desse tipo, a menos que, é claro, tenha estômago suficiente para ouvir as respostas. Quando sinto que a sorte está me abandonando, eu fico muito nervoso. E malvado também. Seria uma pena expor sua adorável esposa à minha maldade. E nesta condição, perco o controle sobre mim.
A vontade de Brian naquele momento era pular no pescoço daquele homem nojento e matá-lo com as próprias mãos. Mas aquilo não iria levar a nada. Nem iria ajudar a tirar Amanda daquela enrascada que ele próprio a tinha metido.
Amanda não estava mais suportando aquela agonia sem fim. Alguém tinha de lhe dar alguma explicação!
— Brian, pelo amor de Deus, o que está acontecendo?
Ele tentou relaxar, fazendo com que a enorme preocupação que sentia não ficasse estampada em seu rosto.
— Está tudo bem, Amanda querida. Confie em mim. Eu juro que tudo vai ficar bem, meu amor. Eu juro.
Brian ainda tentou argumentar com Quinton.
— Olhe, ela não sabe de nada. Deixe-a vir comigo. Seu segurança também poderá nos acompanhar a fim de pegar o dinheiro, mas eu a queria a meu lado o tempo todo.
— Mas que dinheiro? Para que vocês precisam tanto desse dinheiro agora? — gritou Amanda, beirando a histeria. Mas seu grito foi abafado pelo riso de um grupo de turistas de camisas estampadas que acabava de chegar. — Eu pensei que era ele quem fosse pagar você, não o contrário!
Quinton caiu na risada.
— É, eu vejo que ela não sabe de nada mesmo. Parabéns, Russell. Você é um homem que sabe, como ninguém, manter a boca fechada. Mas, mesmo assim, a moça fica comigo. — Então ele apertou o braço de Amanda com mais força. — Pense em sua mulher como uma apólice de seguro. Se tudo correr como o previsto, não há motivo algum para preocupação. Caso contrário... — Ele deu de ombros. — Bem, já falamos muito. Chega de discursos e vamos à ação. Vá buscar o dinheiro, Russell. O trânsito pode estar pesado a essa hora da noite. — Levantou a mão, fazendo sinal para o segundo segurança. — Reese, mande alguém do hotel trazer a limusine.
O segurança com cara de bobo bateu continência.
— Sim, senhor.
A atenção de Quinton voltou-se para Taylor.
— E, pelo amor de Deus, seu imbecil, se o dinheiro que Russell for pegar estiver em outro hotel, mande o motorista calar a boca. O pessoal daqui é possessivo até não poder mais. Se você simplesmente olha para outro hotel, eles ficam achando que perderam o cliente, que podem ir dando adeusinho a milhares de dólares. É dez vezes pior do que ter uma amante ciumenta.
Amanda não conseguia entender por que Brian se envolvia com gente como Richard Quinton. O homem era um verme!
Deu-lhe um sorriso irônico.
— Como a vida lhe deve ser dura, meu caro...
Ele riu da ironia da mulher de Russell. Gostava de pessoas que tinham senso de humor. Reparara que a moça tinha aquela qualidade desde a primeira vez que a vira. Sentiu uma sensação muito agradável dentro do peito, que ultrapassou as barreiras da mente para o físico. Ficara excitado, admirando o caráter e as formas esculturais de Amanda.
Taylor já estava conduzindo Brian pelo braço, dirigindo à saída.
— Vamos indo, caro colega.
— Amanda — ele ainda gritou. — Fique calma. Está tudo bem. Pode confiar em mim!
Será que tudo estava bem mesmo? Ela não fazia a mínima idéia do que se passava por ali! Quinton e Brian haviam falado qualquer coisa a respeito de dinheiro. Mas que dinheiro? E para fazer o quê? Depois de quatro longos dias, Amanda sentia que voltava à estaca zero, completamente confusa a respeito de sua vida e do homem com quem havia se casado.
Apalermada e confusa, Amanda não se lembraria mais tarde como chegara até o chalé de Richard Quinton. Não se sentia capaz de dar um passo sequer.
Quinton conduziu-a à sala de estar, demonstrando extrema simpatia e gentileza. O mordomo Jeffers fechou a porta atrás deles. O segurança que atendia pelo nome de Reese ficou em habitual lugar de guarda.
Amanda olhou em volta. Não parecia haver mais ninguém por ali. Aquilo não deixava de ser muito estranho.
— Onde está Sally?
— Eu a mandei para casa mais cedo. É que havia alguns assuntos por lá que eu queria que ela resolvesse para mim.
Então os dois estavam sozinhos. Amanda ficou mais apavorada ainda, se é que aquilo fosse possível.
— Ah, sei...
Quinton percebeu seu medo. Aquilo o deixou ainda mais excitado. Estava quase desejando que Brian não voltasse com o dinheiro para que pudesse fazer o que vinha desejando já há alguns dias.
Deu uma risada cheia de maldade.
— Não precisa ter medo de mim, boneca. A menos, é claro, que seu marido se esqueça de voltar.
Uma reserva de coragem surgiu nos confins de sua alma, deixando-a um pouco mais forte.
— Ele vai voltar e eu não estou com medo.
— Palavras de uma mulher de fibra. Parabéns, Amanda! — Quinton fez um gesto em direção ao bar. — Posso lhe oferecer uma taça de champanhe? Ou será que prefere um copo de água como da outra vez? Só não vale pedir água da torneira!
Ele estava rindo dela. Porém, pouco ligava para o fato. Só tinha uma preocupação na cabeça, Brian. O homem que amava de todo coração. Não fazia idéia do que estava acontecendo, não sabia em que enrascada ele tinha se metido. Apenas tinha certeza de que ficaria ao seu lado para sempre, acontecesse o que acontecesse. Era uma mulher apaixonada pelo homem com o qual se casara. Nada mais interessava.
— Vou tomar um uísque com soda, obrigada.
Precisava desesperadamente de algo para acalmar seus nervos. Sabia que teria de ficar totalmente sóbria para aguentar o que viesse pela frente, mas talvez um pouco de álcool a ajudasse a suportar a espera.
Quinton riu, agradavelmente surpreso com a escolha.
— Você me surpreende, minha querida. Pensei que um vinho branco bem leve fizesse mais seu gênero.
Amanda percebeu que estivera certa durante o tempo todo. Por baixo daquelas roupas impecáveis, Richard Quinton era um homem sem caráter. Era só arranhar a fina camada de verniz que havia sobre toda a sujeira que o ser desprezível vinha à tona.
Ela levantou a mão.
— Sua ignorância a meu respeito não me impressiona, visto que sou uma desconhecida para você.
Ele levantou um copo, a fim de fazer um brinde.
— Ao contrário, querida. Eu sei tudo o que preciso saber.
A ironia daquilo era que talvez Richard Quinton soubesse mesmo mais de sua vida do que ela própria.
CAPÍTULO 19
Amanda estava sentada no sofá da sala de estar de Quinton, posicionada como se fosse uma flecha prestes a ser atirada num alvo distante.
Fazia força para entender o que estava acontecendo, mas não vinha obtendo muito sucesso em seus esforços.
A verdade era que ela não compreendia coisa alguma. Nada parecia fazer o mínimo sentido. Os fatos acontecidos naqueles últimos dias não passavam de um monte de absurdos inexplicáveis, dos quais já havia desistido de entender. Pior ainda era estar naquele lugar, longe de Brian.
Tensa até o último fio de cabelo, apertou com força a bolsa que segurava nas mãos, até que começassem a doer. Ignorou a dor, ignorou tudo menos o medo gelado que já havia estendido seus tentáculos por todo seu corpo.
Largou a bolsa por alguns instantes, a fim de tomar um gole de seu uísque com soda.
Por favor, meu Deus, faça com que haja alguma explicação para tudo isso que está acontecendo. Tem de haver.
Sua garganta continuou seca, mesmo depois de um gole da bebida. Algo lhe dizia que nem toda a água do mundo seria capaz de livrá-la daquela situação.
Resolveu dizer alguma coisa, nem que fosse para diminuir o nervosismo.
— Aquela história de terras produtivas para Brian administrar não passava de uma grande mentira, não é?
Quinton caiu na risada. Adorava brincar com as pessoas, movê-las como se fossem peças de xadrez em cima de um tabuleiro, ali colocadas para seu simples prazer. Sentiu uma grande sensação de bem-estar na alma.
— Ao contrário, minha cara e doce Amanda. — Ele tomou um gole de seu uísque puro, envelhecido por sessenta anos. — Eu sou proprietário de uma vastíssima extensão de terras, algumas desenvolvidas, outras não. Também tenho negócios espalhados pelos quatro cantos do planeta. Como está cansada de saber, minha cara, sou um homem rico, muito rico. É muito mais do que isso. Além de dinheiro, eu tenho uma coisa muito mais importante. Poder.
A voz de Quinton vinha de detrás dela. Amanda resistiu à tentação de se virar e encará-lo. Era exatamente aquilo que ele queria. Ser o centro das atenções. Podia ser algo insignificante, mas ela fez questão de privá-lo daquele pequeno prazer.
— Em que países você tem negócios?
Ela estava pouco se importando com a resposta, mas, se não falasse alguma coisa, acabaria enlouquecendo de vez.
— Escolha qualquer um. Seja lá o país que disser, seja lá em que continente for, terá acertado. É aquilo que já lhe disse. Eu tenho poder e posso usufruir dele quando bem entender.
Aquele homem era mesmo insuportável! Um megalomaníaco, com a mente voltada para o mal. Amanda tentou adivinhar que tipo de infância teria tido.
Agora, a tensão era mesmo insuportável. Amanda sentia que estava prestes a explodir. Seu corpo todo doía, implorando por um pouco de descanso. Olhou para a fonte no meio da sala e, sem conseguir se conter, perguntou:
— Escute uma coisa, meu caro, será que poderia me contar o que está acontecendo?
Ele soltou uma risada diabólica.
— Você realmente não sabe de nada, não é?
Ela estava se sentindo como um peixe fora d'água. Quinton não parava de rir dela. Como Brian tivera a coragem de colocá-la naquela posição tão difícil? Bem, a situação era irreversível e ela precisaria lidar com o fato da melhor maneira possível. Não havia outro jeito.
A raiva que sentia era tanta, que o sangue parecia ferver em suas veias.
— Você acha que eu estaria me rebaixando desse jeito lhe fazendo essa pergunta, se soubesse de alguma coisa?
Quinton franziu a testa e tomou mais um gole de seu uísque.
— Rebaixando-se? — Ele fez uma pausa, considerando o que tinha acabado de ouvir. — Não, não creio que você tenha se rebaixado até agora seja lá pelo que fosse. — Por mais estranho que pudesse parecer, havia um certo tom de respeito na voz dele. — A única coisa que percebo agora é que Russell realmente costuma guardar seus segredos. Um outro homem, no lugar dele, teria aberto a boca e contado tudo nos momentos mais arrebatadores da paixão...
De pé, posicionando-se exatamente atrás dela, Quinton curvou-se e sussurrou em seu ouvido.
— Você o levou ao paraíso muitas vezes? Posso apostar que sim...
Aquele infeliz e ridículo comentário fez com que Amanda ficasse ainda mais nervosa. Quinton percebeu e deu um sorriso de pura satisfação. Tomou mais um gole de seu uísque e, dando a volta pelo sofá, colocou-se à sua frente.
Como a mulher de Russell era bonita... E ainda mais atraente do que Sally. Na verdade, já estava começando a ficar cansado da namorada. Estava com vontade de arranjar uma nova. Nada como uma pequena mudança para reacender o ânimo de um homem.
Seus olhos brilhavam de tanto desejo e ele continuou a falar, a voz rouca e sensual:
— Você é uma mulher linda, Amanda. E seu corpo, então. É de fazer inveja a muita modelo famosa... Aposto que é uma verdadeira tigresa na cama. — Ele passou a língua pelos lábios. — Será que não gostaria de me dar uma pequena demonstração de suas habilidades? Talvez eu fique tão impressionado, que acabe abrindo a boca e lhe contando alguma coisa...
Amanda permaneceu na posição em que estava, o corpo muito rígido. Sabia que, se relaxasse um pouco, começaria a tremer. E aí, seria difícil de parar. Recusava-se a dar aquele gostinho a Quinton. Não queria que ele percebesse o quanto estava apavorada.
Com os olhos cheios de desprezo, ela respondeu:
— Não estou nem um pouco interessada no que você tem a dizer, guarde seus segredos e faça bom proveito!
Quinton riu, sentindo-se mais surpreso do que ofendido. O fato de saber que podia dispor de Amanda como se ela fosse um lenço de papel descartável, a ser jogado no lixo a qualquer momento, só aumentava o seu prazer.
Continuou com suas brincadeiras.
— Você é uma grande mentirosa, Amanda. Sei que está morrendo de curiosidade. — Ele sentou-se a seu lado, o copo quase vazio nas mãos. Um de seus braços tocou ligeiramente nos seios dela. — Apesar de minha grande perda essa noite, estou me sentindo bastante generoso. Talvez seja a excelente companhia.
Colocando seu copo em cima de uma mesinha com tampo de vidro, ele cobriu a mão dela com a sua, num gesto carregado de sensualidade. Imediatamente, Amanda sentiu arrepios de puro horror.
Os olhos de Quinton percorriam seu corpo todo, como se a estivesse despindo. Aquilo era absolutamente insuportável..
Armando-se de coragem, ela retirou sua mão com violência. Um brilho insano de raiva nos olhos dele, então apareceu. Amanda percebeu que estava diante de um homem maluco, que não hesitava em matar, sem piedade nem remorso. Somente outro maluco teria coragem de desafiá-lo.
Richard Quinton deu um sorriso carregado de ironia.
— O que você diria, minha cara, se eu lhe confidenciasse que seu querido maridinho, o príncipe de sua vida, é traficante de drogas?
A pergunta a atingiu com a força de um soco no estômago. Sentiu-se como se tivesse sido jogada num campo minado e começou a ter dificuldade para respirar.
— Eu diria que não acredito em você.
Ele deu de ombros e voltou a atenção a seu copo vazio.
— Acredite ou não, boneca, é a pura verdade.
Amanda respirou fundo a fim de se acalmar. Não era possível. Quinton estava dizendo aquelas asneiras somente para aborrecê-la e deixá-la mais confusa ainda. O porquê daquilo, não tinha a mínima idéia. Talvez ele sentisse prazer em torturar as pessoas. Richard Quinton era um sádico, um homem mau que não valia o que comia.
— Brian é um administrador. Ele trabalha com terras e jamais se envolveu com drogas na vida!
Realmente, a mulher de Russell não sabia de nada. O homem era, realmente, muito bom na arte de disfarçar suas atividades. Talvez pudesse precisar de seus serviços de vez em quando. Quem sabe até mudasse os planos que tinha para ele. Bem, precisava pensar direito primeiro.
Naquele exato momento, estava se divertindo a valer. Amanda estava se revelando um excelente passatempo. A cabeça da moça devia estar fervendo. Depois de bombardeá-la com informações escabrosas a respeito de seu marido, oferecer-lhe-ia seu ombro amigo para que ela pudesse chorar as suas mágoas. Iria adorar fazer aquilo. Pretendia consolá-la, depois levá-la para a cama, onde faria coisas em seu corpo que jamais alguém teria feito. Muito menos Brian Russell. O sujeito podia ser um bom profissional, mas não parecia um amante de igual competência. Quinton apostava como era cem vezes melhor do que ele. Sabia como tratar uma mulher na hora do amor. E pretendia usar toda sua experiência para fazer Amanda tão feliz na cama, que ela mal conseguiria suportar.
— Sim, minha cara. Seu marido é um administrador. Mas não de terras. Sabe o que ele administra? Mentiras. É isso mesmo. Ele é o tipo de homem que mente, engana e rouba sem o mínimo remorso. O tipo que venderia a própria família, para poder sobreviver... E isso aí, querida. Eu passei fome. Meus irmãos e eu nunca tivemos uma refeição decente na vida, até meus dez anos de idade. Mas aí então, tudo mudou. Passei a fazer pequenos roubos, e depois disso, fui trabalhar para um dos traficantes da cidade. — Ele fez uma pausa para causar maior expectativa. — E consegui chegar onde cheguei. Nada mal, não é?
Era difícil imaginar alguém como Quinton, arrogante e nojento, ter nascido pobre, pedindo esmolas na infância. Mas o que a deixava mais intrigada era o fato de conhecer a cidade natal dele, mencionada brevemente no tenso diálogo. Lembrava-se também de passagens e personagens históricas do local. Como não se lembrava do próprio passado?
Resolveu manter Quinton falando, a fim de distraí-lo até a volta de Brian. Então seu marido iria chegar e tudo seria explicado.
Ou pelo menos, era o que esperava.
— Então você é inglês?
Os lábios de Quinton se contorceram num sorriso estranho que lhe deu uma aparência diabólica.
— Prefiro dizer que sou um cidadão do mundo. Sou um homem bem recebido em qualquer lugar do planeta. E temido, também. Ah, como eu gosto disso... Bem, na minha opinião, o mundo é uma grande arena, onde você mata ou morre. Vi muitos parentes meus morrerem, por causa da miséria e das doenças. E resolvi que, no meu caso, tudo seria diferente. Eu não iria morrer. Iria matar, se fosse preciso. — Ele fez outra pausa. — Sou um homem rico e poderoso, que consegue tudo o que quer, pode acreditar.
E, naquela noite, ele a queria. A mulher de Russell. Sorrindo, acariciou-lhe o braço nu. Ela ficou ainda mais tensa. A moça iria acabar se rendendo a seus encantos. Todas acabavam, mais cedo ou mais tarde. E, mesmo que não se rendesse, ele a possuiria assim mesmo. Não faria a mínima diferença. Estava morrendo de vontade de possuir uma loira naquela noite.
Ele continuou a falar. E a acariciá-la com muita suavidade.
— Como eu já disse, sou hoje um homem muito rico e muito, muito poderoso. Mas não me esqueci das minhas origens. Quando fecho os olhos, me lembro do casebre onde eu morava, da mesa vazia onde nunca havia comida... e me sinto com mais forças para aumentar minha fortuna em mais uns cinquenta ou sessenta milhões de dólares. Coisa que, aliás, eu faço sem o mínimo esforço. E se, para isso, eu tiver de matar alguém, não hesito em cumprir a tarefa.
Amanda acreditava nele. Richard Quinton era completamente louco. Começou a temer seriamente por sua segurança e a de Brian.
— Você me dá náuseas.
Quinton sacudiu os ombros.
— Estou pouco me importando com isso. — Ele olhou para o relógio. — Bem, seu querido maridinho tem mais vinte minutos para chegar aqui. Humm... Será que ele acabou desistindo? Será que deu um jeito de enganar meu segurança e resolveu dar o fora? Aí então, minha cara, eu teria a custódia...
A cabeça de Amanda começou a girar. Brian tinha de voltar para buscá-la. É claro que tinha. Não podia abandoná-la daquele jeito.
Mas, afinal de contas, o que ela sabia a respeito dele? Não muito. Nada, talvez. De qualquer modo, tinha certeza absoluta de que Brian voltaria para buscá-la, seu sexto sentido lhe dizia aquilo.
— Custódia de quem?
A moça era corajosa. Podia ser um pouco cabeça dura, mas era corajosa como poucas.
— De você, ora essa.
Ela já podia sentir as correntes prendendo seus pulsos. Só que não era a hora de fraquejar. Tinha de pensar em alguma coisa, tinha de resistir.
— Não sei se já lhe contaram, mas a escravidão foi abolida no mundo inteiro há mais de cem anos.
Quinton sorriu. Ela era uma pantera, uma gata selvagem que iria lutar com todas as suas forças quando ele a jogasse na cama e arrancasse suas roupas. A brincadeira iria ser muito divertida.
O perfume que ela usava o estava deixando maluco. Misturado ao cheiro do medo que emanava de seus poros, era algo completamente irresistível. Ficava mais excitado a cada minuto que passava. Não havia nada mais estimulante do que se aproximar lentamente de uma presa. Que prometia ser absolutamente deliciosa.
Ele tinha experiência com as mulheres. Uma vasta experiência. Havia levado para a cama uma infinidade delas, desde prostitutas de rua até as mais bonitas personagens do Jet-set internacional. Na hora do amor, porém, todas elas eram mais ou menos iguais. E queriam a mesma coisa. Um homem forte que as dominasse, que as levasse ao paraíso com suas carícias despudoradas. Sim. Ele sabia exatamente como tratá-las.
A mulher de Brian Russell não iria ser diferente.
Mexeu-se no sofá, a fim de chegar ainda mais perto dela.
— Minha querida, há muitas formas de escravidão. Existem aqueles que se escravizam pelo vício, outros por mulheres.
Amanda se levantou, a fim de afastar-se dele. A presença de Richard Quinton a seu lado a deixava enjoada.
— E há os que são escravos da superstição.
Em vez de ficar com raiva e embaraçado, ele riu. Estava de bom humor. Não via a hora de levar Amanda para a cama e arrancar-lhe aquele vestido vermelho. Tentou adivinhar como seria seu corpo. Os seios não deviam ser muito grandes, a cintura era bem fina e as pernas, longas e bonitas. Devia também ter um traseiro sensacional.
Olhou para o relógio.
— Bem, vamos ver o que vai acontecer. Seu querido maridinho ainda tem dezoito minutos para aparecer. Ou melhor, dezessete. Meu Deus, como o tempo está passando depressa... É sempre assim, não é? Ele voa quando estamos nos divertindo... — Ele deu um sorriso malévolo. — Você gosta de se divertir, boneca? Eu adoro. E sei que também vai adorar as coisas que pretendo fazer com você. Coisas que com certeza seu querido Brian nem imagina que existem... Olhe, vou lhe contar um segredo. Só de conversar cinco ou dez minutos com uma mulher, posso adivinhar o que ela gosta ou não gosta de fazer na cama. Inclusive quais são suas posições favoritas. Você, por exemplo. Aposto como você prefere ficar...
— Pare com isso! — ela interrompeu. — Você só sabe falar sobre sexo? Será que não gostaria de me dar informações mais úteis?
Ele riu novamente.
— Que informações, minha querida?
— A respeito de Brian. O que você sabe sobre ele. Por favor, não me esconda nada!
Richard Quinton nunca pensou que fosse se divertir tanto. Fazia tempo que não passava uma hora assim tão agradável. Estava torcendo freneticamente para que Russell não aparecesse, a fim de levar a mulher para o quarto. Estava ficando doido por ela. Se a moça fosse boa de cama, como imaginava mesmo que fosse, poderia convencê-la a ficar no lugar de Sally. Sim, a troca lhe seria muito vantajosa. Amanda tinha mais classe, mais savoir faire. Poderia levá-la a qualquer lugar do mundo, sem vergonha.
— O que eu sei sobre seu marido? — Ele deu de ombros. — Ora, eu sei tudo o que preciso saber. Que se fez por conta própria rapidamente, que tem fama de só trabalhar com cocaína de altíssima qualidade. Foi por isso que nossos caminhos se cruzaram. Também fabrico material de primeira. Aliás, uma das razões do meu enorme sucesso.
Amanda tomou um gole de seu uísque com soda. Sua garganta estava tão seca, que até o ato de falar lhe era penoso.
— Por acaso está tentando me impressionar com essa conversa mole?
— Sim. Estou tentando impressioná-la, pode acreditar nisso. Acontece que não é conversa mole. Estou lhe dizendo a mais pura verdade. Sou um homem de negócios. Tenho plantações de cocaína espalhadas pelo mundo todo. E seu marido vende o que eu fabrico.
Não sei qual a razão de tanto espanto, minha querida boneca. Afinal de contas, você é uma mulher adulta que sabe dos fatos da vida, não uma menina de quinze anos, pura e inocente como um anjo.
Disfarçadamente, Amanda olhou para um bom bonito vaso em cima de uma mesinha, a poucos metros de onde estava.
— Você é um homem mau, Quinton. Leva a morte e a destruição a milhares de famílias no mundo inteiro.
Ele caiu na risada.
— Meu Deus, como você é melodramática... Agora, gostaria de lhe dar um pequeno conselho. Se eu fosse você, desistiria de atirar esse vaso em cima de mim. Meus reflexos são muito melhores do que pensa e, além disso, seria um grande desperdício de arte da melhor qualidade. É um objeto do século dezoito, de valor incalculável.
Era incrível, mas aquele homem parecia até ler pensamentos.
Amanda pensou que fosse desmaiar.
CAPÍTULO 20
Ela não queria acreditar em Richard Quinton. Não podia. Era provável que ele estivesse lhe contando um monte de mentiras. Sim. Era aquilo mesmo. Um monte de mentiras.
Porém, se pensasse bem, veria que o que o sujeito lhe contara fazia muito sentido. Lembrou-se das contradições de Brian. Suas respostas vagas, cada vez que lhe fazia uma pergunta direta. Era o comportamento típico de alguém que tinha algo a esconder.
Amanda apertou os lábios com tanta força, até sentir o gosto de sangue. Olhou para os inúmeros anéis que enfeitavam seus dedos. Anéis comprados com dinheiro sujo. Seus olhos se encheram de lágrimas. Havia se apaixonado e se casado com um homem que vivia da desgraça alheia. Que enchia os bolsos de dólares, enquanto as vidas de milhões de jovens espalhados pelo mundo inteiro despencavam em direção ao abismo que não tinha fim. O dinheiro que comprara seu enorme solitário de brilhantes veio do pranto sentido de uma mãe, ao ver o filho morto por causa de uma overdose de cocaína.
Não! Era sua mente que gritava. Devia haver algum engano naquela história maluca. Brian não era traficante de drogas, tampouco ganhava a vida de maneira suja. Quinton só podia estar mentindo. Devia haver uma boa explicação para tudo aquilo que estava acontecendo.
Será que havia mesmo?
Richard Quinton estava em êxtase. Amanda estava começando a acreditar nele. Tinha certeza daquilo. Podia ver o desespero em seus olhos.
Levantou-se, aproximando-se dela. A moça nem se moveu.
— As coisas estão começando a fazer sentido, não é, minha querida? — A voz dele agora era quase gentil. — Você sabe que eu estou lhe dizendo a verdade. Infelizmente, boneca, você não é a primeira mulher que descobre que seu marido a enganou. Acontece que posso lhe mostrar uma maneira maravilhosa de se vingar. Venha para a cama comigo. Deixe-me tirar a sua roupa e tocar esse seu corpo lindo que está me deixando maluco. Vou fazer com você coisas maravilhosas, coisas que você nunca imaginou que existissem. E tenho certeza de que você vai gostar. Aí, acabará esquecendo que um dia conheceu e se apaixonou por um homem tão insignificante quanto Brian Russell. E passará a ser minha mulher. A mulher de Richard Quinton. Que tal?
Foi aí então, que Amanda percebeu o jogo dele. Era por isso que estava dizendo um monte de mentiras. Para jogá-la contra Brian. Para conseguir levá-la para a cama.
Ele era ainda mais sujo do que havia pensado a princípio.
Quinton retirou o copo de sua mão, foi até o bar e serviu mais uma dose de uísque com soda. Entregou-o de volta com um lindo sorriso nos lábios.
— Vamos, boneca, beba mais um pouquinho. Quero que se solte bastante, para que juntos possamos subir às alturas. Estou morrendo de vontade de sentir seu gosto, de sentir suas carícias em meu corpo. Sei que deixava Russell extasiado com seus beijos e com as coisas que fazia com ele. Faça a mesma coisa comigo, meu amor.
Aquilo era demais. Sem pensar duas vezes, Amanda apanhou o copo de uísque e jogou toda a bebida no rosto dele.
Como uma explosão, a raiva transformou imediatamente a expressão de Richard Quinton. Amanda vislumbrou a fúria em seus olhos no mesmo instante em que sentiu o impacto de sua mão atingindo em cheio o rosto. Cambaleando, tamanha havia sido a força do tapa, ela sentiu o gosto de sangue na boca.
Ele a havia ferido com aquele anel horrível que usava.
E avançava para cima dela novamente.
— Sua vagabunda! Sua vagabunda idiota!
A porta se abriu. Quinton levantou a mão para esbofeteá-la de novo.
— Ei, patrão! Cheguei! E trouxe o homem de volta!
Quinton virou-se, surpreso com aquela súbita interrupção. Estava tão entretido com a mulher de Russell, que tinha se esquecido do próprio Russell.
Brian correu em direção a Amanda, para socorrê-la. A raiva que ela vira no rosto de Quinton nada significava se comparada àquela estampada nos olhos de Brian.
— O que você fez com ela, covarde? Perdeu o juízo? Perdeu o amor pela vida?
A vontade que ele tinha agora era matar aquele sujeito imundo e mandar as consequências para o inferno.
Richard Quinton tentou se recompor. Não podia perder a cabeça por causa de uma simples mulher.
— Apenas lhe dei o troco pelo banho fora de hora que acabei de levar. — Ele tirou um lenço do bolso e enxugou o rosto molhado. — Sua mulher é muito atrevida, Russell. Devia manter as rédeas mais curtas.
Segurando o queixo de Amanda, Brian examinou o corte que havia sido feito de forma tão odiosa. Não tinha palavras para descrever a culpa e a raiva que sentia.
— Você está bem, minha querida?
Amanda não sabia se fugia ou se se jogava nos braços de Brian. Claro que sua vontade era a de apertar seu marido, com força e ficar a seu lado para sempre. Mas era seu coração que lhe dizia isso, não sua cabeça. Talvez, se tivesse pensando com um pouco mais de clareza, teria desaparecido havia muito tempo.
— Eu não sei... — Amanda olhou fixa e firmemente para Brian, como se implorasse que ele lhe dissesse que tudo aquilo que Quinton contara era mentira. — Ai, meu Deus, eu estou tão confusa...
Naquele momento, Brian percebeu que ela já sabia de tudo. Ou pensava que soubesse. Aquele maluco do Quinton devia ter aberto o jogo e lhe contado um monte de absurdos. Devia ter desconfiado que aquilo iria acontecer. Mas agora, já era muito tarde para consertar as coisas.
— Humm... Que coisa mais comovente! Marido e mulher abraçadinhos... Comovente e aborrecida, isso sim. — Quinton estava começando a perder a paciência. Olhou para a pequena valise preta que Brian segurava. Voltou a atenção para o segurança. — Ele trouxe o dinheiro, Taylor?
O brutamontes deu um passo à frente e fez um sinal afirmativo com um gesto de cabeça. Na verdade, Brian Russell não o deixara ver o que havia ali dentro, mas o que mais poderia haver numa valise guardada num cofre bem seguro?
— Trouxe, senhor.
— Excelente.
Quinton voltou a olhar para Brian. Certamente não iria tê-lo como sócio, homem de confiança ou coisa do gênero. Ter um sucessor significava que sempre haveria alguém esperando sua morte ou aposentadoria. E ele não esperava que nenhuma das duas coisas acontecesse tão cedo.
Então, só lhe restava uma alternativa.
Estendeu a mão, o rosto decidido.
— Pode me passar o dinheiro, Russell.
Brian não fez o que lhe foi ordenado. Em vez disso, passou o braço pelo ombro de Amanda. Eles estavam a poucos metros da porta da frente, mas teriam de passar primeiro pelos dois seguranças. A janela ficava um pouco mais distante, mas, àquela altura dos acontecimentos, parecia ser a única opção.
— Onde está a cocaína, Quinton? Antes do dinheiro, quero ver a mercadoria.
Amanda respirou fundo, sentindo um desapontamento e uma frustração indescritíveis. Então tudo aquilo que Quinton dissera era mesmo verdade.
Casara-se com um homem da pior espécie possível.
Brian podia imaginar no que ela estava pensando. Sentiu o coração partir de dor. Ah, que vontade de gritar para que ela não acreditasse em tudo aquilo, que as coisas não eram exatamente o que pareciam... Mas a hora não tinha chegado. Ainda não.
A paciência de Richard Quinton já estava se esgotando. Ele sorriu, mas foi um sorriso cheio de maldade.
— Ah, eu sinto muito, meu caro Russell... Eu acho que me esqueci de lhe dizer... Houve uma pequena mudança de planos. Por causa da minha perda nas mesas do cassino essa noite, decidi ficar com tudo. Minha cocaína e o seu dinheiro. Você me desapontou e eu fiquei muito magoado. — Ele levantou as mãos. — Bem, são coisas que acontecem. Se você e sua querida mulher não me derem trabalho, talvez eu até deixe com que ambos saiam dessa com vida.
Era óbvio que Quinton iria matá-los. Ele não era idiota a ponto de deixá-los livres, para que saíssem correndo dali e fossem denunciá-lo à polícia. Na verdade, Taylor já estava tirando a arma do coldre.
Brian percebeu que havia chegado a hora de agir. Só esperava que Amanda soubesse o que fazer e não lhe desse trabalho.
— Tudo bem — concordou ele. — Sem problemas. Fique com o dinheiro. Não vai me fazer falta.
Dando um passo à frente, fez menção de entregar-lhe a valise. Mas então, atirou-a com força na barriga de Quinton.
Pego de surpresa, o criminoso cambaleou, caindo em cima de Taylor. A arma que o segurança tinha nas mãos disparou contra seu próprio peito. Soltando um grito de terror e de surpresa, o brutamontes caiu no chão, de joelhos. Morto. A mancha vermelha em sua jaqueta foi ficando cada vez maior.
Brian agarrou a mão de Amanda, com força, e gritou:
— Vamos dar o fora daqui!
CAPÍTULO 21
Quando Amanda se deu conta do que estava acontecendo, Brian a empurrava para dentro de um escritório ao lado e trancava a porta.
— Precisamos sair desse chalé — ele lhe dizia. — O filho da mãe vai arrebentar essa porta a qualquer momento.
Louca da vida por ter constatado que seu marido era mesmo um bandido, e que o sonho daqueles últimos dias tinha se desmoronado, Amanda olhou para ele.
— Quinton não estava mentindo. Você é um traficante de drogas. Ganha a vida à custa da desgraça alheia.
Brian achou que aquela não era a melhor hora para uma confissão.
— Olhe, Amanda, falamos sobre isso depois, está bem? Só quero que ponha uma coisa na cabeça. As coisas não são exatamente o que parecem. — Ele pegou uma cadeira e jogou-a contra a janela, espatifando o vidro em mil pedaços. — Vamos, temos de dar o fora daqui.
— Mas...
Não pôde terminar seu protesto, já que Brian a empurrava em direção à janela quebrada e a fazia saltar para fora. No momento seguinte a porta foi arrombada e uma rajada de balas passou sobre suas cabeças.
Caindo no chão, ele arrancou-lhe rapidamente a bolsa que ela segurava junto ao peito.
— Vamos, me dê logo isso.
Completamente zonza, Amanda observou-o abrir sua bolsa e tirar um pequeno revólver de dentro.
Ela não abrira a bolsa durante toda a noite. Durante o tempo todo a arma estivera ali... sem que percebesse absolutamente nada.
Mas Brian sabia.
Sabia que tudo aquilo estava prestes a acontecer... e não lhe dissera nada. Um homem não colocava a mulher que amava numa situação difícil daquelas...
Amanda sentiu que seu coração estava sendo estraçalhado.
Brian olhou para ela. A pobrezinha parecia estar em estado de choque. Sentiu vontade de abraçá-la, mas no momento, tal atitude estava fora de questão.
— Corra, Amanda! — Ele apontou o revólver para Reese, o segundo guarda-costas de Quinton. — Esse homem ainda vai nos matar, se não formos rápidos!
A explosão ecoou em seus ouvidos. No instante seguinte, ela viu Brian caído no chão, segurando o braço, Havia sangue por todos os lados.
O sangue de Brian.
Amanda pensou ter gritado o nome dele, mas não teve certeza. Já não tinha mais certeza de nada. Era como se tivesse sido jogada dentro de um túnel do tempo, onde tudo era uma grande confusão.
Várias imagens formavam-se em sua mente, então desapareciam e apareciam novamente. Sentia-se exausta, como se tivesse corrido uma maratona.
Mas, em vez de correr, porém, ela tirou o revólver das mãos de Brian. Segurando a respiração, puxou o gatilho em direção ao homem que tentava acertá-la. O homem que atirara em seu marido.
Surpreso e muito, muito, confuso Reese olhou para o buraco que se formara bem no meio do seu peito.
Ainda olhava o ferimento, com ar estupefato, quando caiu no chão sem poder sentir mais nada.
Amanda teve uma certeza naquele momento. Não era a primeira vez que empunhava uma arma. Pior ainda era saber que aquele também não era o primeiro tiro.
Reprimiu um grito, então sentiu que tudo ficava escuro à sua volta e que mergulhara no poço escuro da inconsciência.
Voltando a si, momentos depois, abriu os olhos e o que viu fez com que soltasse um grito de pavor.
Richard Quinton estava de pé, bem à sua frente, com uma arma apontada para sua cabeça.
O criminoso sorriu mostrando os dentes muito brancos. Tinha alguns momentos, antes que alguém, atraído pelo barulho dos tiros, pudesse aparecer. Momentos que iriam lhe dar muita satisfação. Pretendia aproveitá-los o máximo. E então, usaria seu dinheiro e seu prestígio para escapar, como fizera tantas vezes no passado. Não estava preocupado apenas frustrado pois seus planos de levar aquela beldade loira para a cama tinham falhado. Maldição! Como ele odiava falhar!
— Você me surpreendeu, cara Amanda. É muito mais corajosa do que jamais pude imaginar. E muito mais inteligente, também. — Ele olhou para a arma em suas mãos. — Eu devia ter mandado revistar sua bolsa.
Taylor, o outro segurança, tinha revistado Russell antes do jogo, por precaução. Jamais lhe ocorrera que a mulher poderia causar algum tipo de problema.
Quinton deu de ombros e continuou a falar:
— Bem, errar é humano. Agora, trate de ir me passando sua arma.
Amanda não se mexeu. Estava tão apavorada que não conseguia fazê-lo. Quinton percebeu que ela estava trêmula. Tal detalhe causou-lhe um imenso prazer. Divertia-se com o medo alheio. Principalmente com o medo de quem ousava desafiá-lo.
Sentindo-se fisicamente doente, Amanda achou que fosse se desintegrar ali mesmo onde se encontrava. Sua mão tremia, mas não era de medo. A raiva por Richard e sua corja, incluindo Brian, transbordava de seu coração.
E sua cabeça doía tanto, que mal conseguia enxergar que a seu lado jaziam dois corpos, o de Brian e o outro, que ela mesma matara.
Com o estômago contraído, ela segurou a arma com mais força ainda. O cano continuou a tremer assim mesmo.
— Não.
— A arma, vagabunda! Não estou brincando!
Ela apertou o gatilho. O impacto foi tão grande, que a empurrou para trás, fazendo com que o revólver caísse no chão, fora de seu alcance.
Ouviu o barulho de sirenes ao longe. Levantou a cabeça e olhou para Quinton. Ele levantava-se com dificuldade, o sangue jorrando de seu ombro, onde a bala se alojara. Amanda levantou-se imediatamente, mas não havia nada que pudesse fazer. O revólver estava fora de seu alcance.
Quinton levantou a própria arma.
— Eu devia ter matado você imediatamente, em vez de ficar esperando. Vá para o inferno, sua vagabunda!
A arma estava apontada diretamente para sua cabeça. Não havia jeito. Ela ia morrer sem saber quem era, sem ter a mínima idéia de como fora sua vida.
Fechou os olhos para não ver o inevitável. Ouviu o barulho do gatilho sendo puxado, misturando-se ao som das balas que saíam.
Amanda não sentiu absolutamente nada.
O ruído seco de um corpo caindo no concreto fez com que abrisse os olhos. Como se fosse em câmera lenta, viu Quinton caído ao chão.
— Acho que esse foi um dia cheio de surpresas...
Aquelas foram as últimas palavras de Richard Quinton, um homem com a mente voltada para o mal.
Surpresa, Amanda olhou em volta. Brian, de joelhos, estava bem atrás dela, o revólver do segurança Reese firme em suas mãos.
Um misto de susto, preocupação e medo fez com que ela corresse em direção do marido. Havia sangue por toda parte. Brian teria perdido muito sangue?
Usando seu ombro como apoio, ajudou Brian a se levantar.
— Você está bem? — ela perguntou, carinhosa.
Ele sentiu uma vontade enorme de abraçá-la, de certificar-se, depois de tudo, que ela estava em segurança.
— Acho que já estive melhor. — Falar era um enorme esforço. — E você?
Amanda respondeu afirmativamente com um gesto de cabeça.
— Eu estou bem. — E então, ela olhou bem dentro de seus olhos. — Brian, acabei de me lembrar. De tudo. Tudo mesmo.
CAPÍTULO 22
Minutos depois, eles estavam cercados por uma porção de pessoas, todos falando ao mesmo tempo.
A princípio, Amanda ficou tensa, depois relaxou ao ver que não era gente de Quinton, mas os companheiros de trabalho dela e Brian, chegando ao local dos acontecimentos.
Um homem moreno que ela reconheceu como sendo o garçom que dissera a Brian na piscina que havia uma ligação para ele foi o primeiro a aparecer.
Seu nome era Adams. Funcionário do Departamento de Justiça. Conhecia-o havia cinco longos anos, mais precisamente, cinco anos e meio.
Então, foram aparecendo outros. Em pouco tempo a área estava cheia de carros da polícia e ambulâncias. Mais adiante, avistou o gerente do hotel conversando com um policial. O careca não parecia estar muito feliz.
Também, não era para menos. Harry Goodman tinha perdido, para sempre, um de seus melhores clientes. Talvez o melhor de todos. E aquilo iria deixá-lo com um prejuízo de mais de um milhão de dólares que não seriam pagos, mais um chalé inteiro, destruído, que teria de ser redecorado, antes que algum outro hóspede quisesse utilizá-lo.
Amanda começou a estudar os rostos na multidão.
Os policiais ali em volta eram estranhos, mas os homens de terno lhe eram bem conhecidos. Todos faziam parte da mesma operação, juntamente com ela e Brian, que levara dois anos para ser planejada e seis meses para ser colocada em prática. Uma operação destinada a capturar um dos maiores produtores e traficante de cocaína da Costa Oeste, talvez de todos os Estados Unidos. Um homem que se valia da posição que conquistara na sociedade e dos amigos influentes em vários escalões do governo para conseguir escapar impune em todas as situações que se encontrasse.
Porém, sua sorte finalmente acabara. Por causa de seus dois amuletos. Quanta ironia...
Tudo lhe voltava à mente agora, com uma clareza impressionante. E de uma forma tão rápida, que sua cabeça começou a latejar.
Bill Sheridan, o homem para quem ela e Brian trabalhavam, ajoelhou-se diante de Quinton. Encostou dois dedos no pescoço do homem e balançou a cabeça. Teria preferido pegar o sujeito vivo, mas até que sua morte trazia alguma vantagem.
— Bem, ao que parece, o contribuinte americano vai economizar algum dinheiro. Nosso homem não vai ser julgado.
Sheridan se levantou e limpou os dois dedos num lenço que tirou do bolso. Apenas o fato de ter encostado no criminoso o enojava. Olhou para os dois funcionários à sua frente. Brian, o braço machucado, ainda estava sendo amparado por Amanda. Fez um sinal para um dos paramédicos que passava mais adiante.
— Ei, você, venha cá! — Virou-se novamente para Brian. — Você teve muita sorte. Adams o viu saindo do hotel ao lado de um dos seguranças de Quinton. Ele me ligou imediatamente e eu pedi auxílio.
Brian concordou com um gesto de cabeça, mal ouvindo a informação. Agora, nada mais interessava.
Apenas Amanda. E o enorme amor que sentia por ela. Um amor que, obviamente, seria rejeitado. Amanda recuperara a memória. E jamais acreditaria nele. Jamais. Bill Sheridan fez outro sinal para o paramédico. Estava impaciente e nervoso, como sempre.
— Ei, você, venha depressa! Um dos meus homens está caído!
— Caído, não — corrigiu Brian, tentando forçar um sorriso. — Apenas um pouco curvado.
Seu ombro parecia estar pegando fogo e doía como o diabo, mas havia um problema muito mais urgente em sua cabeça a ser resolvido.
O que seria de sua vida, agora que a memória de Amanda voltara? Será que ela iria culpá-lo por tudo que tinha acontecido?
Ora, mas era claro que sim. Ele a conhecia bem. Agora, teria de encarar de frente as consequências de seus atos. Amanda Bradshaw destruiria até sua alma e com toda a razão.
Olhou para ela. Seu rosto estava pálido.
— Você... você se lembrou de tudo mesmo? — ele ainda perguntou, tentando sondá-la.
Amanda sentiu as feridas se abrirem dentro dela. Feridas enormes e doloridas. E todas elas tinham a marca de Brian. Confiara nele como jamais confiara em alguém. Como é que pudera ser traída daquele jeito?
Ele a enganara da pior forma possível. Dera um jeito de levá-la para a cama sob falsos pretextos, quando sabia que ela própria estava fora de seu juízo perfeito. Aquilo não era coisa de um homem de bem.
Levantou a cabeça.
— Sim, de tudo.
Bill Sheridan pareceu muito aliviado com a notícia.
— Então quer dizer que sua memória voltou? Graças a Deus! Você realmente me deixou preocupado.
Na verdade, Sheridan era o único que parecia estar contente por ali. Porque Amanda estava péssima. Brian nunca a tinha visto assim tão magoada.
O culpado por tanta mágoa era um só: ele mesmo. Fizera tudo errado. Levara Amanda para cama, apaixonara-se por ela e agora teria de viver o resto da vida suportando o desprezo e raiva da mulher que amava.
Mas era consciente de que aqueles sentimentos negativos eram reflexo de sua atitude infantil diante de Amanda.
Ela mesma não queria falar sobre o assunto. Respondeu com brevidade para o chefe e emudeceu. As lembranças estariam gravadas em sua mente até o fim de sua vida, não importava o que fizesse para esquecê-las. De qualquer modo, esperava que ninguém mais ficasse sabendo de sua estupidez.
Fez um gesto em direção ao corpo de Quinton.
— Nós não conseguimos obter a cocaína. Quinton ficou tão louco da vida por ter perdido nas mesas do cassino, que resolveu ficar com tudo. — Ela franziu a testa, lembrando-se do brilho diabólico nos olhos do criminoso. Aquilo também iria estar para sempre gravado em sua memória. — Ele também queria ficar comigo.
Bill Sheridan balançou a cabeça, ouvindo tudo atentamente.
— Bem, não posso dizer que o culpo por isso. O homem podia ser um criminoso da pior espécie, mas não era burro. Nem cego.
Amanda ignorou o comentário de seu superior. Quanto menos pensasse a respeito daquela nefasta aventura, melhor. Não via a hora de ser designada para outro caso e começar a se ocupar de outra coisa. Continuou a falar, como se Sheridan não tivesse dito nada.
— Bem, pelo visto, conseguimos apenas cortar a cabeça de um dos monstros, mas não atingir seu coração. Eu pensei que através dele, poderíamos chegar a outros nomes, a outros locais. Agora, está tudo perdido.
Ela fez uma pausa, observando os paramédicos levarem o corpo de Quinton embora. Ao menos aquela parte estava terminada.
Voltou os olhos a Bill Sheridan.
— Outra cabeça irá surgir para tomar seu lugar, antes mesmo que possamos chegar a Los Angeles. É isso que me deixa muito triste e desanimada.
Seu chefe, porém, tinha boas notícias para lhe dar.
— Talvez a nova cabeça não apareça assim tão depressa, Bradshaw.
Ela franziu a testa.
— E por que não?
— Conseguimos pegar outra pessoa também.
— Quem?
— Por causa dos microfones espalhados no chalé de Quinton, pudemos localizar a namorada dele. A moça foi pega no momento em que se preparava para tomar o avião com destino a Nova York.
— Que notícia boa!
Sheridan parecia muito satisfeito consigo mesmo.
— Sem dúvida. Depois de uma longa conversa com nossos homens, ela se mostrou disposta a abrir a boca e contar a ópera inteira, em troca de imunidade. — Ele riu, esfregando as mãos. — A tal da Sally é muito mais inteligente do que Quinton jamais sonhou. Duvido que o homem a tivesse mantido a seu lado por tanto tempo, se soubesse o quanto ela estava a par de tudo o que se passava à sua volta. Parece que a moça tem uma lista enorme de nomes e endereços, que vai nos ajudar muito na captura de outros criminosos.
Brian fez que sim com a cabeça.
— Parece que Quinton não era tão esperto quanto dizia ser. Ou imaginava que fosse. Ele vivia dizendo que só andava com mulheres de cabeça vazia e apetites vorazes. Vai ver que o sujeito achava que todas elas não passavam de umas bobocas, sem um mínimo de massa encefálica. — Ele virou-se para Amanda. — O que ele não sabia era que iria encontrar uma mulher astuta e inteligente como você pela frente.
Brian a havia levado para a cama. Havia feito coisas incríveis com ela, transformara-a numa ninfomaníaca insaciável. Porém, tudo fora feito sob falsos pretextos. Ele a tinha enganado. De uma forma suja e covarde. Aquele pensamento era como uma faca sendo enterrada em seu coração. Jamais iria perdoá-lo por aquilo. Jamais.
— Ah, mas não se esqueça de que até mesmo as mulheres inteligentes e astutas podem fazer papel de idiota de vez em quando...
Ela não estava brincando. De jeito nenhum. Havia algo em seu tom de voz, uma distância que nunca tinha sentido antes. Não era a velha e conhecida companheira de trabalho Amanda Bradshaw que estava de volta. Ela havia mandado uma mulher completamente diferente em seu lugar.
Sentiu uma vontade enorme de falar com ela, de dar explicações, de tentar resolver as coisas. Ou pelo menos, consertá-las. Coisa que, agora, era praticamente impossível, a julgar pelo brilho de raiva que via nos olhos dela.
Você é um idiota, Russell. Conseguiu estragar uma amizade de anos e, ainda por cima, vai sair da história com o coração quebrado.
— Amanda, eu gostaria de...
Finalmente, um dos paramédicos aproximou-se dele.
Amanda deu um passo para trás. Não queria ouvir absolutamente nada do que Brian tivesse para lhe falar. Não havia nada que pudesse ser dito.
— Cuide-se, Russell. Você está sangrando muito. — Virou-se para Sheridan. — Quer que eu lhe prepare um relatório completo ainda esta noite?
Bill Sheridan respondeu negativamente. Amanda parecia exausta. Também, não era para menos. Ela passara horas terríveis. Nunca a vira assim tão abatida.
— Não, não precisa. O relatório pode esperar até amanhã. Por que você não vai descansar um pouco agora?
Amanda passou a mão pelos cabelos. Não seria uma má idéia. Poderia tomar um banho, ao menos. A água limparia seu corpo. Mas não lavaria a sujeira que Brian fizera com ela.
— E... É uma boa idéia.
Virou as costas e se afastou, sem ao menos olhar para trás.
O paramédico fazia um curativo no ombro ferido de Brian, impedindo-o de segui-la. Ele tentou livrar seu braço.
— Espere um minuto que eu já volto, amigo.
O homem ainda tentou protestar.
— Mas seu ombro...
Brian o ignorou. O curativo podia esperar. Amanda, de jeito nenhum. Correu atrás dela.
— Ei, Amanda, espere!
Ela queria continuar andando, até desaparecer da vista de todos. Mas o orgulho falava mais alto, não queria dar vexame na frente de todos, então parou e virou-se para ele.
— O que foi, Russell?
Ela havia parado. Bom sinal. Talvez as coisas não estivessem assim tão negras. Segurou seu ombro, cuja dor beirava o insuportável. Em seu coração, porém, havia uma dor ainda mais insuportável do que aquela.
— O que foi, Russell? — ela repetiu. — Você quer falar comigo?
Brian olhou bem dentro de seus olhos. E percebeu que sua situação não era das melhores. Ela parecia fria e ainda mais distante. Amanda nem ao menos lhe dirigia o olhar. O problema era que não conseguia culpá-la. Não podia. A culpa era toda dele. Não passava de um imbecil sem um pingo de juízo na cabeça. Sentiu a garganta completamente ressecada. Por onde poderia começar?
Com a verdade, seu coração respondeu. Se quisesse ter alguma chance, a verdade teria de ser dita. Mesmo que começasse com algo pequeno.
— Amanda, querida, eu não sei o que dizer...
O brilho de raiva nos olhos dela ficou ainda mais intenso. Amanda estava furiosa. Como nunca a vira antes.
— Claro. Você nunca tem idéia do que fala quando abre a boca. Olhe, vou lhe dar um conselho. A menos que queira receber uma medalha póstuma por serviços prestados ao governo americano, sugiro que volte imediatamente ao paramédico. Daqui a pouco não haverá um só pingo de sangue no seu corpo.
Não. Ele não iria morrer. Ao menos, não do ferimento que a bala do revólver de Quinton tinha causado em seu ombro.
— Amanda, por favor, me escute...
Ela não queria escutar nada. Não queria nunca mais ouvir o som de sua voz. Por causa dele, fizera o pior papel de sua vida. Agira como uma perfeita idiota. Sua vontade agora era a de se enfiar num buraco bem fundo e morrer.
— Até mais, Russell.
— Mas Amanda, eu...
Ela, porém, já se afastava rapidamente, o som dos saltos de seus sapatos batendo contra o concreto da calçada fazia eco, o único barulho, naquela noite de fim de primavera.
Para Brian, cada um daqueles passos era como uma punhalada em seu coração.
Sheridan vinha se aproximando dele.
— Bradshaw é uma mulher e tanto, não é? Ninguém diria que escapou da morte por um triz há apenas poucos minutos. Ela é uma das melhores agentes que o Departamento de Justiça já teve. Não concorda comigo?
Brian Russell não estava com a mínima vontade de conversar. A dor que sentia no coração era tão forte que o tiro em seu ombro nada significava.
— Concordo plenamente.
Bill Sheridan era um homem esperto, conhecia seus funcionários como a palma de sua mão. Sabia que Brian estava preocupado com alguma coisa. Ao que parecia, com alguma coisa muito séria.
— Algum problema, Russell?
Brian forçou um sorriso.
— Você percebe tudo, não é?
— Claro que sim, meu amigo. Se alguma coisa me escapasse, já estaria morto há muito tempo. Bem, mas seja qual for o problema que o incomoda, trate de resolvê-lo logo. O mais rápido possível, de preferência. É aquilo que eu sempre digo. Problemas pessoais costumam atrapalhar o trabalho. Ah, e veja se cuida direito desse seu ombro machucado. Não posso me dar ao luxo de perder nenhum dos meus funcionários. O Departamento de Justiça gastou muito tempo, e dinheiro, treinando vocês.
— Certo — murmurou Brian, ainda olhando na direção onde Amanda desaparecera em meio à escuridão.
O que ele iria fazer dali para frente?
CAPÍTULO 23
Brian Russell desceu do elevador e passou os quinze minutos seguintes ali, de pé, parado em frente à porta do quarto.
Seu objetivo era um só: tentar ganhar coragem para entrar e manter com Amanda uma conversa esclarecedora. O mais engraçado nisso tudo, se é que poderia haver alguma graça, é que preferia enfrentar outra bala saída do cano da arma de Richard Quinton, a ver novamente a mágoa nos olhos de Amanda, causada por uma só pessoa: ele próprio.
Pensou em bater, mas mudou de idéia. Isso poderia dar a Amanda a chance de lhe dizer para não entrar. Achou melhor usar seu próprio cartão magnético.
Foi o que fez. Abriu a porta e entrou.
Amanda Bradshaw deu um pulo de susto ao ouvir a porta se abrindo. Porém, recuperou a pose rapidamente. Afinal de contas, ela era ou não uma agente federal de primeira?
Uma de suas malas estava aberta sobre a cama. Amanda arrumava suas coisas. O quarto estava numa desorganização total. Havia roupas espalhadas por todos os cantos. As portas dos armários estavam abertas. Não havia nada ali dentro, com exceção de um objeto.
O vestido de noiva.
Brian Russell sentiu vontade de chorar, olhando para o fatídico vestido. Fazendo força para se conter, ele perguntou, com a voz mais calma e controlada que os seus anos de experiência como detetive particular haviam lhe ensinado a ter.
— O que está fazendo, Amanda?
Ela mal olhou em sua direção e, apanhando um par de jeans e uma camiseta, começou a dobrá-los. Manter o controle estava sendo uma tarefa difícil.
— Pelo visto, Brian Russell, você está perdendo seu poder de observação. O que aconteceu com o agente federal cheio de astúcia que eu conheci um dia? Sheridan não vai ficar nem um pouco satisfeito se souber que está perdendo a prática. Afinal, você sempre foi muito bom em tirar conclusões... Sempre pensou muito rápido...
— Amanda, eu...
Ela guardou as roupas na mala e abaixou-se a fim de apanhar um par de sapatos que estava no chão.
— Caso não tenha percebido, meu caro companheiro, estou fazendo as malas porque pretendo dar o fora daqui amanhã, bem cedo, depois de ter feito meu relatório. O relatório das coisas que consigo me lembrar, é evidente. — Ela recusava-se a olhar para ele. — Ainda não consegui lembrar-me de tudo, infelizmente. Por exemplo, por que fiquei com amnésia.
Brian respirou fundo. Deu um arremedo de sorriso e começou a falar:
— Sheridan me mandou colocar um microfone no chalé de Quinton. Você insistiu em vir comigo. Estávamos quase terminando, quando ouvimos um barulho. Era alguém que vinha entrando. Estávamos no andar de cima. O único jeito de escaparmos era através do terraço. Nós pulamos. Você calculou mal sua queda e bateu a cabeça. Mas, na hora, nada aconteceu. Você me garantiu que estava bem, em perfeitas condições, conforme palavras suas logo depois da queda. O problema da amnésia só veio se manifestar no dia seguinte, quando acordou. — Ele fez uma pausa. — A culpa foi toda minha. Não devia ter deixado que viesse comigo.
Agora, ela se lembrava de tudo. Da entrada no chalé de Quinton. Do barulho. Do pulo mal dado. Da dor que sentira.
Franziu a testa.
— Engraçado, Russell, mas pelo que me lembro, e estou me lembrando muito bem agora, você não decide o que posso ou não fazer. Ocupamos a mesma posição no Departamento e eu não lhe devo satisfações... e muito menos obediência.
Brian observou-a terminar de arrumar a mala. Era agora ou nunca. Se não tivesse coragem de falar naquele momento, talvez nunca mais o fizesse.
— Amanda, precisamos conversar.
Ela levantou a cabeça em direção a Brian. Não chegou a encará-lo diretamente, mas, mesmo assim, doía vê-lo à sua frente e olhar para o rosto do único homem pelo qual finalmente permitira-se sonhar, e se apaixonar de novo, para então acordar e perceber que tinha sido feita de boba. O destino, juntamente com Brian Russell, haviam lhe preparado uma brincadeira de mau gosto. E ela não gostara do desenlace.
— Sim, Russell, precisamos conversar, você tem razão. Assim que voltarmos a Los Angeles, vou pedir a Sheridan que me arranje outro parceiro de trabalho.
A decisão de Amanda o deixou completamente apalermado. Ambos vinham trabalhando juntos havia uma eternidade, desde o longínquo dia em que entrara no Departamento de Justiça. Um sabia de tudo a respeito da vida do outro. Não havia segredos entre eles. Ela era sua melhor amiga, a pessoa em quem mais confiava no mundo. E ele era seu melhor amigo. Como ela tinha coragem de jogar tudo aquilo fora, sem ao menos ouvi-lo? Não era justo!
— Você... o quê?
Amanda fazia força para não chorar. Tomar aquela decisão havia sido a coisa mais difícil que já fizera na vida, mas não tinha outro jeito. Quanto mais longe ficasse de Brian, melhor. Assim, poderia esquecê-lo mais depressa.
Pelo menos, era o que esperava.
— Bem, depois de tudo que aconteceu, acho que não podemos mais trabalhar juntos, não é?
Uma enorme tristeza invadiu o coração de Brian. Ele abaixou a cabeça tentando esconder as lágrimas que brotavam nos olhos. O destino não podia lhe ser tão cruel! Mas Amanda tinha razão. Ele agira como um perfeito idiota e agora teria de aguentar as consequências. Afinal de contas, soubera desde o princípio que o negócio iria terminar daquele jeito. Só não sabia que a dor seria ser tão intensa.
Balançou a cabeça.
— Tudo bem, tudo bem.
E, virando-se, caminhou em direção à porta a passos lentos. Precisava desesperadamente de um drinque. Assim, poderia perder a noção, pelo menos temporariamente, de tudo que estava lhe acontecendo.
Ao girar a maçaneta, virou-se para Amanda e a coragem tomou-conta de seu coração. Não iria sair daquele quarto antes de esclarecer todas as coisas que ainda estavam pendentes entre eles.
— Não, Amanda. Retiro o que disse, nada está bem.
Ela levantou a cabeça e olhou em sua direção.
— O que foi que você disse, Russell?
Ele se aproximou dela, o volume de sua voz aumentando na medida em que chegava mais perto.
— Eu disse que não está tudo bem coisa nenhuma! Não vamos sair desse episódio da mesma maneira como saímos das últimas vezes.
Surpresa, ela franziu a testa.
— Mas do que você está falando, homem?
Quais vezes? Nunca houve absolutamente nada entre nós...
Sim. Era verdade. Além da enorme amizade que os unia, nunca tinha havido nada entre ambos. Exceto, é claro, o que costumava sentir naqueles momentos secretos quando estava deitada ao lado dele, na cama, durante alguma missão. Era uma agente bem treinada, incapaz de deixar que certos sentimentos viessem à tona, a fim de estragar o companheirismo e a amizade de tantos anos. O fato de ser sua amiga já a deixava satisfeita.
Mas agora, nem amigos eles eram.
Brian estava decidido a esclarecer tudo.
— Ora, Amanda. Claro que houve! Não se lembra da época em que nos conhecemos?
Ela balançou a cabeça, seus cabelos loiros indo de um lado para o outro. De repente foi acometida por um súbito ataque de timidez.
— Eu não sei do que você está falando, Russell.
Ele chegou ainda mais perto dela.
— Então talvez sua memória não tenha voltado completamente. Não é possível que não se lembre! Foi tudo tão especial... tão...
Amanda apertou os lábios com força. Deus do céu, o que será que ele estava querendo dizer com tudo aquilo? O que pretendia ganhar? Apanhou uma segunda mala e colocou-a sobre a cama.
— Eu acho que você deve estar delirando. Tem certeza de que foi só um tiro no ombro que recebeu? Não bateu com a cabeça, também? — disparou ela.
Brian sabia que não estava errado na sua teoria.
— Seja sincera, Amanda. Nós dois nos sentimos atraídos um pelo outro. Pelo menos, foi o que aconteceu comigo.
Ela também sentira, era óbvio. Mas, de qualquer maneira, não era idiota de acreditar nele.
— Ah, sim, é claro.
— Estou sendo sincero.
Ele falou aquilo com uma voz tão doce e suave, que Amanda olhou para cima. Queria acreditar nele... ah, como queria... Mas não podia. Errar era humano, mas insistir no erro era outra questão.
— Então por que nunca me disse nada... a respeito dessa atração?
A resposta era simples. Ela não parecera interessada nele.
— Fiquei com medo de que rissem de mim. Ninguém jamais havia rido de Brian Russell.
— Que rissem de você? Quem? O pessoal do Departamento?
Ele balançou a cabeça.
— Não. Você.
Ela não acreditava nele.
— Ora, Russell, pare com isso! Você nunca se interessou por mim. Aliás, é o homem mais mulherengo que já conheci na vida. Quantas namoradas já teve neste ano? — Fez uma pausa, como se estivesse pensando. Só que não tinha o que pensar. Sabia exatamente quantas haviam sido. E morria de ciúme de todas elas. — Cinco, não é?
Sim. Haviam sido cinco. Entretanto nenhuma delas lhe significara nada. Duvidava que alguma mulher nesse mundo jamais fosse significar.
CAPÍTULO 24
Brian cruzou os braços.
— Será que o fato de eu ter tido cinco namoradas não lhe diz nada, Amanda Bradshaw?
Ela continuou a arrumar suas roupas. Não suportava olhar para ele. A dor era muito grande.
— Claro que diz! Que você não passa de um grande conquistador, um colecionador de mulheres! Pensa que eu não me lembro? Você chegava para mim feliz da vida e anunciava que estava apaixonado novamente. Eram sempre garotas bonitas, sensuais, de corpos maravilhosos. Acho que nesse ponto, você chegava a ser pior do que Richard Quinton.
Um bonito sorriso surgiu nos lábios dele.
— Amanda... Você não está querendo dizer que sentia ciúme das minhas namoradas?
Claro que sentia. Morria de raiva só de imaginá-las na cama, ao lado de Brian. Lembrava-se até dos nomes: Bárbara, Roberta, Tessa, Gillian, Helen e Stephe. Essa última havia sido a mais bonita das cinco. Uma linda morena de corpo escultural e de rosto perfeito. Uma noite, os três saíram para jantar. A beldade passara o tempo todo pendurada no pescoço de Brian, contando a Amanda o quanto ele era bom de cama e relatando-lhe as coisas que ambos costumavam fazer na hora do amor. Amanda sentira vontade de esganar a moça.
Mais tarde, ao voltar para casa, percebera que iria passar a noite toda em claro. Era só fechar os olhos que Brian e a moça apareciam, como um filme, em seus pensamentos, fazendo todas as coisas que lhe haviam sido descritas com riqueza de detalhes. Como sentira inveja da beldade morena...
— Eu? Ciúme daquele bando de sirigaitas? Ora, não me faça rir!
Brian segurou fortemente seu braço, forçando-a a olhar para ele.
— Escute aqui, Amanda, eu vou lhe contar de uma vez por todas por que tive tantas namoradas na vida. Porque nunca encontrei a mulher certa. E a razão disso era que nenhuma delas era você!
Durante um breve instante, ela sentiu dificuldade para respirar. Se fosse acreditar naquilo...
Mas não. Ela sabia perfeitamente por que ele estava dizendo aquelas palavras.
— Se você está tentando justificar o que aconteceu dentro dessas quatro paredes...
Ela não podia ser assim tão fria. Talvez estivesse disfarçando alguma coisa.
— Não estou tentando justificar nada. Só quero que você compreenda por que as coisas aconteceram dessa maneira, ora essa!
Amanda sacudiu seu braço, livrando-se dele.
— Eu sei muito bem por que tudo aconteceu, Russell! Simplesmente porque você vislumbrou ai oportunidade perfeita para tirar vantagem da minha situação! — Ela apertou os olhos, recusando-se a derramar uma lágrima sequer. — E sei também que não dificultei as coisas para você. Preciso ser sincera comigo mesma. Quem começou a confusão toda fui eu.
Aquela havia sido a única coisa verdadeira que ela dissera desde o começo da conversa.
— Isso mesmo. Pelo que eu me lembro, você se jogou em cima de mim sem o mínimo pudor. E eu a evitei até onde foi possível.
Ela deu de ombros.
— Sim, eu sei.
Brian levantou-lhe o queixo suavemente com uma das mãos. Havia lágrimas brilhando em seus olhos. Ele teria sentido menos dor se ela tivesse acertado um soco bem no meio do seu estômago.
— Eu juro, Amanda. Não tirei vantagem da situação. Jamais faria uma coisa dessas com quem quer que fosse. Muito menos com você, que é a mulher que mais admiro nesse mundo.
Ela fez força para reprimir as lágrimas que teimavam em querer escorrer por seu rosto.
— Ah, é? Então como você classificaria o que aconteceu?
Ele sorriu.
— Eu classificaria o que aconteceu como o maior golpe de sorte que um homem já teve na vida.
Para seu azar Brian Russell continuava o mesmo gozador de sempre. Devia ter imaginado que não iria mudar tão cedo. Com dedos trêmulos, apanhou uma camisola de seda azul. Havia sido comprada apenas para enganar Richard Quinton, caso seus homens resolvessem vasculhar o quarto. Mas ela acabara usando-a para seduzir Brian. Sentiu que seu rosto ficava vermelho de tanta vergonha.
— Não foi golpe de sorte, Russell. Foi um golpe sujo de sua parte, isso sim.
— Não. Não foi golpe sujo de jeito nenhum. — Ele arrancou a camisola das mãos dela e jogou-a para o lado. — Pelo amor de Deus, Amanda, pare de arrumar essa mala e escute o que eu tenho para dizer.
Ela apanhou novamente a camisola azul, dobrou e guardou-a na mala.
— Eu posso fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
— Bem, se você pode, eu não posso. — Ele segurou seu braço com força. — Amanda, eu gosto de você há muito tempo. Tempo demais...
A voz dele era suave. Estaria sendo sincero?
— Claro que sim. Sei disso. Nós somos amigos, não somos?
Amanda era a mulher mais teimosa que já conhecera na vida. E a mais desejável, também. Brian teve de fazer uma força incrível para controlar a vontade de jogá-la na cama e dar vazão aos seus desejos.
— Claro. Nós somos amigos. E é como amigo que eu gostaria de dizer-lhe que seu companheiro de trabalho está loucamente apaixonado por você.
Ao ouvir essas palavras, ela ficou boquiaberta.
— O quê?
Brian repetiu vagarosamente o que havia dito, para que cada palavra fosse muito bem compreendida.
— Eu estou loucamente apaixonado por você, Amanda Bradshaw.
Amanda balançou a cabeça.
— Não acredito em você. Sei que está mentindo Russell.
Brian a conhecia bem. E havia esperado uma reação daquelas.
— Esse sempre foi um de seus maiores problemas, Amanda. Você vive fugindo das coisas.
Ela levantou as sobrancelhas.
— Você não sabe do que está falando. Eu nunca fugi de nada.
— Você foge sim. E sabe do quê? Dos prazeres, das alegrias da vida. Quando perdeu a memória, transformou-se numa pessoa diferente. Claro, ainda era a mesma Amanda de sempre, mas... Com algumas diferenças. Você ficou mais solta, mais alegre e descontraída... Você se entregou de corpo e alma ao que a vida tem de melhor. Coisa que a outra Amanda nunca fez. — Ele levantou a mão e acariciou-lhe os cabelos. — Afinal, do que você tem medo, querida?
Ela esquivou-se daquele contato.
— Não me chame de querida.
Ah, que vontade de jogá-la na cama e fazer amor com ela até a mais completa exaustão... Exatamente como tinha feito naqueles últimos dias. Certamente os mais felizes de toda a sua vida.
— Tudo bem, como quiser. Mas responda a minha pergunta, por favor. Do que você tem medo?
Ela deu um suspiro e jogou a última peça de roupa dentro da mala.
— Você quer mesmo saber? Então vou lhe contar. Tenho medo de me transformar numa perfeita idiota. E é isso que o amor faz com as pessoas. Transforma-as em grandes imbecis, depois vai embora e as deixa mais imbecis ainda. — Amanda fechou a mala e colocou um pequeno cadeado. — Será que fui bem clara?
Era estranho, mas ela nunca havia lhe falado sobre aquilo. Enquanto ele contava a respeito de todas as mulheres que haviam passado por sua vida, Amanda nunca mencionara nenhum homem, exceto uma vaga referência a alguém que conhecera no passado.
— Meu Deus, você deve ter tido alguma péssima experiência na vida, para ter esse tipo de raciocínio.
— Talvez.
Sim. Ela tivera. E aquilo lhe servira de lição. Quando conhecera Brian, fizera de tudo para lutar contra a atração que sentira por ele. Gostava de sua companhia, respeitava-o tremendamente e se recusava a correr o risco de perdê-lo, mesmo vivendo um amor não correspondido. Só lhe restava reprimir tudo o que sentia e Brian continuaria em sua vida, nem que fosse como amigo. Era melhor tê-lo daquele jeito, do que simplesmente não tê-lo.
Ou pelo menos, era o que ela dizia a si mesma.
— Amanda, eu entendo que você tenha esse modo de pensar, mas, quando estava sem memória, agia como se realmente me amasse. E era uma coisa tão gostosa...
Claro. Era uma coisa gostosa... porque era verdadeira. Ela o amava mesmo. Mas não estava com a mínima vontade de confessar.
— Eu agia como se te amasse porque pensava que era sua mulher, ora essa.
Brian não acreditava naquilo.
— Isso não é desculpa.
— Brian, seja razoável...
— É verdade, Amanda. Você acabou de dar uma desculpa completamente inócua. Existem milhares de mulheres que não se apaixonam automaticamente por seus maridos. E, além disso, você não tinha nada no que se apoiar. Nenhuma lembrança ou coisa parecida. Eu até insisti para que não fizéssemos amor, mas parece que você não me deu ouvidos. Ao contrário, comportou-se como uma autêntica ninfomaníaca e me deixou completamente esgotado. Tão esgotado, que às vezes era até difícil andar!
Amanda ficou ainda mais vermelha e desviou o olhar.
— Mais uma razão para procurarmos outros companheiros de trabalho.
— Ora, mas por quê? Vamos, quero uma explicação. Uma explicação bem convincente, por favor. Não vou aceitar argumentos sem fundamento.
Amanda deixou escapar um suspiro de puro desespero. Ele estava tornando tudo mais difícil para ela. Por que não aceitava logo a separação da parceira e a deixava em paz? Já estava ficando cansada daquela situação.
— Porque seria embaraçoso para ambos se continuássemos a trabalhar juntos, como no passado.
— Embaraçoso por quê? Porque fizemos amor? Porque nos conhecemos de maneira íntima? Porque sabemos dos desejos mais secretos um do outro, Amanda?
— Ora, Brian, pare com isso!
Sim. Ela estava com medo. Morrendo de medo. Era o momento da verdade, Brian compreendia tudo. Ele descobrira seus sentimentos mais profundos. Porque ele a fizera sentir coisas, coisas das quais fugia freneticamente. Alguém no passado a fez sofrer muito, mas, sem ter idéia do que tinha acontecido, pretendia compensá-la de todas as lágrimas que haviam sido derramadas. Nem que, para isso, tivesse de levar a vida inteira. Era uma questão de honra. Pretendia fazer dela a mais feliz das mulheres, ou não se chamaria mais Brian Daniel Russell. Levantou a mão e acariciou-lhe o rosto do jeito mais suave que conseguiu. Ela nem piscou os olhos.
— Amanda... Por que não continuamos o que começamos aqui mesmo, nesse quarto?
— Continuamos o quê? — Ela balançou a cabeça. — Por favor, seja mais claro.
— Com o maior prazer. Nós fizemos amor nessa mesma cama. Vivemos momentos gloriosos. Por que não damos continuidade a isso tudo?
Amanda engoliu em seco.
— E nos tornamos... namorados?
O rosto de Brian Russell foi iluminado por um lindo sorriso.
— Exatamente. Para mim, parece uma coisa maravilhosa.
Aquele sorriso costumava deixá-la derretida, a ponto de ter de conter a grande vontade de atirar-se em seus braços.
Porém, como nas outras ocasiões, fez força para reprimir os próprios sentimentos.
— Bem, pois para mim, não parece. O que faríamos se o namoro terminasse?
— Por favor, Amanda, seja razoável. Você já está terminando algo que ainda nem começou. Isso não é típico de sua personalidade. Você é uma mulher otimista, aquela que sempre enxerga o arco-íris por trás das piores tempestades. Será que é tão difícil agora enxergar o arco-íris aqui? E quem disse que o namoro vai acabar um dia? Eu, por mim, não vou querer que ele acabe nunca!
Amanda não estava entendendo onde ele queria chegar.
— Quer dizer que está querendo ser meu namorado para sempre? Justo você, que não pode ver um rabo-de-saia na sua frente, que fica todo assanhado?
Brian balançou a cabeça.
— Negativo. Não quero ser seu namorado para sempre.
Bem, ao menos ele tinha sido honesto o suficiente para lhe dizer a verdade.
— Então, posso saber por que estamos tendo essa maldita discussão? — Ela tirou a mala de cima da cama. — Acho que não temos mais nada a nos dizer, Russell. Vou ver se há um outro quarto vago nesse hotel. Se não tiver, vou dormir no carro. Estou muito cansada para procurar outro hotel nessa cidade.
Ele lhe deu outro daqueles sorrisos que a deixavam maluca.
— Amanda?
— O que você quer agora, Russell?
— Sabe por que eu não quero ser seu namorado para sempre?
Ele estava se divertindo à sua custa. Sabia que ela estava machucada e com as feridas abertas no coração.
— Claro que sei. Porque você é um sujeito volúvel, que troca de namoradas como quem troca de camisa. Agora, se me dá licença...
— Amanda?
— Ora, Russell, você não vê que eu estou cansada? Pare de me aborrecer e me deixe procurar um quarto em paz!
— Você está enganada, minha querida! A razão de eu não querer ser seu namorado para sempre é o fato de querer ser seu marido.
Pega de surpresa, Amanda deixou cair a mala no chão. Não podia ter ouvido direito. Talvez o cansaço estivesse lhe pregando uma peça.
— O... o que foi que você disse?
Brian empurrou a mala com um dos pés e, aproximando-se dela, enlaçou-lhe a cintura. Balançou a cabeça.
— Meu Deus... Tão jovem e já com problemas auditivos...
Ela fechou os pulsos e deu-lhe um soco no peito. Um soco cheio de carinho. Brian sabia que aquilo não passava de uma gostosa brincadeira. Se Amanda quisesse mesmo, o teria machucado de verdade. Ela era faixa preta de caratê.
— Pode ir esquecendo suas brincadeiras sem graça, Russell. O que você está querendo me dizer?
Era muito gostoso estar tão perto dele. Sentir seu corpo forte contra o dela. Como se ambos se pertencessem.
— Estou dizendo que não quero outra companheira de trabalho. Jamais. E estou dizendo também que este quarto já está pago até o fim da semana, de modo que a melhor coisa que podemos fazer é usá-lo da forma mais adequada possível. Estou dizendo também que há um lindo vestido de noiva nesse armário, um vestido que custou uma fortuna e que não pode ser desperdiçado. Estou dizendo que...
— Russell — ela o interrompeu. — Por acaso você está me pedindo em casamento? Quero uma resposta simples, direta e objetiva. Sim ou não?
Ele deu um sorriso.
— O que você acha?
— Russell! Pare de brincadeira comigo! Diga logo! Sim ou não? Não gosto de suspense!
— Bem, já que insiste... Vou lhe dizer. Sim. Eu estou pedindo você em casamento,
Aquilo mais parecia um sonho. Um sonho que ela pensou que jamais fosse ser realizado.
— Então faça-o direito, como um bom rapaz.
— Com o maior prazer. — Brian tomou a mão dela nas suas, apertou-a e, olhando bem dentro de seus olhos, perguntou com voz séria. — Quer se casar comigo, Amanda Bradshaw?
Ela franziu a testa, uma expressão enigmática apareceu em seu rosto.
— Bem, eu não sei... Talvez fosse melhor esperar mais um pouco a fim de nos conhecermos melhor e...
Brian riu e a abraçou com força. Mal sentia a dor em seu ombro.
— Pare com esse falatório todo e me beije.
— Humm... Será que vai ser sempre assim, ordenando minhas tarefas?
Ele ficou pensativo durante alguns instantes.
— Não. As vezes quem vai falar "pare com esse falatório todo e me beije" será você.
Os olhos de Amanda estavam cheios de lágrimas novamente, mas dessa vez eram lágrimas de alegria, de pura felicidade. Brian era um homem esperto. Conhecia a diferença.
— Então, por que você não me beija logo? — ela perguntou. — Estou esperando...
Brian queria ter certeza absoluta. Às vezes era difícil saber o que Amanda queria realmente dizer. Não custava nada ser um homem precavido.
— Quer dizer que sua resposta é sim?
Amanda tomou o rosto dele nas mãos, o coração explodindo de tanta alegria. Ele a amava. E tudo iria dar certo, como ele havia prometido.
— Se você ainda tem alguma dúvida, meu caro parceiro de missões quase impossíveis, então eu acho que há algumas coisinhas a meu respeito que você vai ter de aprender.
Ele a abraçou com ternura.
— Eu aprenderei com o maior prazer. Prometo ser um aluno muito aplicado. O melhor de todos!
E as lições começaram imediatamente.
CAPÍTULO 25
Amanda não tinha assim tanta pressa, estava tão feliz e tinha tanto amor no coração, que teria esperado um pouco mais, se Brian tivesse assim desejado. Já teria ficado plenamente satisfeita só de experimentar aquela sensação gostosa que lhe vinha do simples pensamento de se tornar sua mulher. Não havia motivo algum para apressar a cerimônia em si.
Mas quem estava com uma pressa era o próprio Brian. Ele queria tudo imediatamente. Queria Amanda e todas as formalidades de um casamento: as flores, a música, a igreja, os convidados. Fazia questão absoluta até do arroz que era jogado nos noivos à saída da igreja.
— Mas ninguém mais faz isso, hoje em dia. — Amanda havia se lembrado durante as longas e elaboradas negociações que haviam sido conduzidas debaixo dos lençóis de seda do hotel, após os arrebatadores momentos de amor ali vividos. Ambos haviam subido ao paraíso e descido de volta à Terra pelo menos cinco vezes. — Agora, os convidados costumam jogar um monte de confetes coloridos.
Brian ficara pensativo durante alguns instantes.
— Bem, eles que joguem o que bem entenderem, desde que estejamos casados. — Brian lhe dera um beijo na boca. — Amanda, minha querida, eu te quero de novo...
E a nova viagem ao paraíso teve início.
Então, tudo ficara combinado.
Dois dias depois dos últimos acontecimentos, Brian Russell e Amanda Bradshaw se casaram numa linda capela nos arredores da cidade de Las Vegas. A noiva, conduzida ao altar pelo chefe Bill Sheridan, usou o mesmo vestido utilizado quando a operação para prender Richard Quinton tivera início. Amanda lembrava-se bem do dia em que fora fazer a primeira prova do traje no ateliê do profissional. Olhara-se no espelho toda vestida de branco e tivera de fazer uma força louca para não chorar. Casaria com Brian Russell... de mentira. Tudo não passaria de uma farsa, que os ajudaria a acabar com a carreira de um dos maiores criminosos do país.
Mas agora ela estava se casando com Brian Russell... de verdade. Sim! Aquilo mais parecia um sonho!
Após a bonita cerimônia onde juraram amor eterno, os noivos deixaram a igreja e foram recebidos na calçada por dezenas de amigos com sorrisos misteriosos nos lábios. Momentos depois, encontravam-se sob uma chuva de confetes de todas as cores, que os seguiu até o momento em que entraram na limusine branca que os esperava para conduzi-los à recepção.
Ali, Brian levantou a mão, pedindo para que a "chuva" fosse suspensa.
— Quero beijar minha mulher — ele anunciou. — E quero fazê-lo sem correr o risco de ficar com a boca cheia!
O anúncio foi seguido por uma estrondosa salva de palmas e gritos entusiasmados dos amigos.
— Como será que Bill Sheridan conseguiu arranjar tudo isso tão depressa? Não tivemos de tirar nenhuma licença especial, preencher a papelada de sempre... Nada. Todas as dificuldades foram contornadas.
Brian olhou para o chefe, através da janela da limusine. Fora ele um dos mais animados atiradores de confete.
— É que nosso homem faz questão de deixar seus funcionários muito felizes. Ele acredita que, dessa forma, o trabalho rende mais! — Ele caiu na risada. — Acredite em mim, Bill Sheridan não costuma fazer nada de graça! Ah, e por falar nele, sabe do que eu fiquei sabendo? Sally, a namorada de Quinton, deu tantas informações importantes ao pessoal do Departamento, que mais cinco chefões do tráfico de cocaína do país foram presos por seu intermédio. Isso quer dizer que nossa missão foi um sucesso, minha querida companheira de trabalho!
Amanda acariciou-lhe os cabelos e deitou a cabeça em seu ombro. Nunca havia imaginado que alguém pudesse ser tão feliz assim.
— Claro que foi, mesmo porque ela nos aproximou e nos fez tirar a venda que havia em nossos olhos e perceber que realmente tínhamos sido feitos um para o outro.
— É verdade — concordou ele. — Pode parecer incrível, mas devemos tudo isso a Richard Quinton. O sujeito não prestava, mas, pelo menos uma vez na vida, ajudou duas pessoas a encontrarem a felicidade.
Ela concordou com um gesto de cabeça.
— Sem dúvida. Ah, de quem foi mesmo aquela idéia de simular o incidente do carro desgovernado no campo de golfe?
— De Sheridan, como sempre. Aliás, ele não para de se gabar de sua grande competência. O homem que dirigia o carro, com placa fria, era um dos nossos agentes. Steven Brown, você se lembra dele, não é? Pois bem, fingindo que salvava Quinton da morte certa, pudemos cair em suas boas graças.
Ela lhe deu um beijo no ombro. A ferida já estava quase cicatrizada e a dor desaparecera por completo. Nem se lembrava mais dela.
— Eu te amo Brian Russell.
Ele a abraçou com força.
— E eu te amo duas vezes mais.
— Não creio que isso seja possível... — Amanda fez uma pausa, como se estivesse muito preocupada com alguma coisa. — Brian?
— O que foi?
— Nosso casamento foi mesmo legal, não foi? Quero dizer, é que as coisas em Las Vegas não costumam ser o que parecem...
Brian tivera a mesma dúvida. Por isso, um pouco antes da cerimônia, verificara a licença do padre e do juiz.
Ambos não podiam ser mais honestos e corretos. Deu-lhe um beijo no canto da boca.
— Tente cair fora de minha vida e você vai ver se essa cerimônia foi ou não para valer...
— Eu nunca vou tentar fazer isso, Brian. Você é o homem que me devolveu a alegria de viver. O homem que eu amo de todo coração! Ah, meu amor, eu estou tão feliz!
E era verdade. A mais pura verdade. Não havia mais dúvidas, nem preocupações, muito menos inseguranças. A felicidade e o amor enorme que sentiam um pelo outro eram bem reais.
— Vou fazer de você a mais feliz das mulheres, Amanda Bradshaw Russell — ele prometeu, segundos antes de inclinar a cabeça a fim de beijá-la.
Era uma promessa que realmente seria cumprida.
Marie Ferrarella
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