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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Sabotagem em A-1 / Kurt Brand
Sabotagem em A-1 / Kurt Brand

 

 

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Sabotagem em A-1

 

Os conspiradores agem no coração do grande computador positrônico...

Há tempos Crest, o primeiro amigo arcônida de Perry Rhodan, previra que um dia os arrojados terranos assumiriam o governo do decadente Império de Árcon, afim de edificar sobre suas ruínas o reino estelar da Humanidade.

Será que esse dia já chegou? Será que no ano 2.105, menos de um século e meio depois do dia em que os terranos saíram pela primeira vez para o espaço, os homens já estão suficientemente preparados para substituir os arcônidas no governo dos setores conhecidos da Via Láctea?

Atlan, o imperador, que nunca foi do agrado dos seus decadentes cortesãos, enfrenta tamanhas dificuldades que há tempos só consegue manter sua posição graças ao auxílio dos terranos e do gigantesco computador. Em Árcon, as intrigas e as conspirações acontecem todos os dias. E todos trabalham para provocar a queda de Atlan. Um grupo parece ter descoberto um novo caminho que conduz a este objetivo. São os...

 

                                       

 

Hoga sorriu. Seus olhos de arcônida mostraram um brilho fugaz e depois ouviu com uma fingida indiferença o relato do saltador que chegara há quinze minutos, trazendo notícias importantes.

Falou do Imperador Gonozal VIII, no terrano Perry Rhodan e seus mutantes, e também do centro de computação de Árcon III, no Almirante Thekus, que fora assassinado, e numa organização clandestina cujo objetivo consistia em fazer voar pelos ares o grande conjunto positrônico.

O saltador também falava nos mutantes de Rhodan, que haviam estabelecido um cordão de segurança em torno do Imperador Gonozal VIII, cuja integridade corria perigo. Por isso tornava-se impossível, no momento, realizar qualquer atentado contra o governante arcônida.

— No momento é só, Hoga — disse o mercador galáctico, concluindo seu minucioso relato. — No momento em que parti para procurá-lo, estas mesmas notícias foram expedidas para Carba.

O arcônida Hoga levantou a cabeça, num gesto de surpresa.

— E o hiper-rádio? — perguntou em tom preocupado.

O saltador, que era um homem batido pelas intempéries, soltou uma risadinha.

— Isso mesmo, Hoga. A mensagem nem sequer foi codificada. Dificilmente os curiosos terranos lhe darão a menor atenção, pois nela só se fala em instruções para as naves, em manifestos de carga e tempos de chegada. Além disso, a mensagem não foi irradiada diretamente para Carba. Foi endereçada a Mentho, que se encontra em Archetz. Mas parece que com tudo isso você ainda está insatisfeito.

Hoga ergueu o corpo. Era uns vinte centímetros mais alto que o saltador. Colocou as mãos sobre os ombros de seu interlocutor e balançou a cabeça.

— Será que você não conhece a História do Império Solar, Jukan? Já se esqueceu de que os terranos vêm de um mundo pequeno e só cresceram graças à nossa tecnologia? Por que cresceram? Por quê, Jukan?

— Hoga, a hipermensagem destinada a Carba...

O arcônida interrompeu-o em tom áspero.

— Uma das inúmeras estações de hiper-rádio dos terranos cuidará da mensagem dirigida a Mentho, no planeta Archetz. E os terranos já provaram muitas vezes como sabem trabalhar. Decomporão a mensagem, a examinarão sob todos os ângulos, farão com que seus computadores a processem e fatalmente hão de desconfiar. Submeterão o informe a um exame tão minucioso como se suas vidas dependessem disso, e acabarão descobrindo o que está escondido nesse texto redigido em mensagem clara.

— Pelos deuses dos ancestrais, Hoga, até parece que você quer transformar os terranos em superseres! — exclamou Jukan, em tom apavorado.

— Não quero transformar os terranos em superseres, mas também não quero ser um dos idiotas que se precipitam cegamente para a própria desgraça. E desde que soube o que Perry Rhodan disse quando a base de Kusma foi destruída, sinto-me ainda mais preocupado.

— O que foi que o terrano disse, Hoga? — perguntou Jukan.

Hoga fitou seu interlocutor com uma expressão pensativa, recuou um passo e disse:

— Rhodan apenas disse uma frase, que é a seguinte: O grande aliado da Humanidade é o tempo...

Jukan soltou uma risada. O jovem arcônida fitou-o com uma expressão contrariada.

— Ao que parece, você não compreendeu o sentido da frase, Jukan. O homem de nosso grupo, que ouviu estas palavras da boca de Rhodan, também não penetrou no sentido profundo das mesmas. Mas seu subconsciente desconfiou de que a frase poderia assumir grande importância e por isso a transmitiu a mim. Jukan, até hoje o tempo sempre trabalhou a favor dos terranos. Sempre permitimos que os terranos dispusessem de um pouco mais de tempo do que deveriam. Só dávamos um passo depois de os terranos terem dado seu passo, e isso nos colocou numa situação em que nos vemos obrigados a tentar salvar no último instante o que ainda pode ser salvo, isso se vocês não estragaram tudo com sua mensagem de hiper-rádio.

O saltador, que tinha o dobro da idade de Hoga, esfregou o queixo barbudo.

— Não ligo para frases. A mim só importam os atos concretos. Será que realmente devemos lançar-nos à ação em que se pretende fazer passar ao Serviço de Segurança Solar a informação de que alguém quer destruir o centro de computação de Árcon III? Hoga, se permite que diga minha opinião, não sou a favor desse tipo de maquinação traiçoeira. Acho que isso não passaria de uma baixeza.

— Também acho — confessou Hoga sem mais aquela, sem dar atenção ao gesto de surpresa de Jukan. — Até tentei impedir a operação, mas como sou um só não consegui nada. E além de tudo ainda me atribuíram a tarefa de fazer com que as informações cheguem às mãos da Segurança Solar.

— Não conte comigo! — exclamou Jukan, que começava a desconfiar de alguma coisa.

— Acontece que em Archetz há gente interessada em saber quem esteve atrás das operações fraudulentas de Subbu — disse Hoga em tom amável, com um sorriso no rosto.

Numa raiva impotente, Jukan cerrou o punho.

— Vocês são mesmo uns chantagistas nojentos — resmungou.

Hoga fez como se não tivesse ouvido.

— Luklein, o homem que há três anos mantém aqui em Trump as linhas de navegação para o sistema de Ghonno, na verdade é um elemento da Segurança Solar. Na minha opinião até estará disposto a pagar um bom dinheiro pelas informações que você lhe entregará. Estamos entendidos?

De repente a palestra assumiu um tom áspero. Os dois homens fitavam-se em atitude rígida. A atividade desenvolvida pelo jovem arcônida era espantosa. Nele não se via nada da conhecida indolência arcônida. Seus olhos brilhavam e sempre se mantinham atentos. Acontece que os olhos do saltador também chamejavam. Sabia que estava com as mãos atadas. Era obrigado a fazer o que o grupo de Carba ordenasse, pois, do contrário, os saltadores que residiam no planeta Archetz ficariam sabendo de que forma há alguns anos haviam sido prejudicados em centenas de milhões, quando se constatou que a grandiosa Sociedade Subbu não passava de uma arapuca bem montada.

Há sete meses, quando Jukan começava a deleitar-se com os milhões conseguidos por meios fraudulentos, de repente apareceram dois arcônidas à sua frente e lhe disseram que era um estelionatário, e que estaria na cadeia dentro de uma hora, a não ser que estivesse disposto a trabalhar para a família arcônida dos Minterol. Jukan concordou; não teve outra alternativa. E dali em diante passara a trabalhar ininterruptamente para essa família.

Não demorou a descobrir que estava comprometido com um grupo subversivo muito numeroso e influente. O fato fê-lo transpirar. Conhecia as leis de Árcon que diziam respeito às conspirações contra a segurança do Estado. Os 145 artigos, que se ocupavam da matéria, cominavam em cento e trinta e um casos a pena mínima da morte. O Império Arcônida, criado há mais de quinze mil anos, reagia de forma draconiana às atividades subversivas e, na maior parte das vezes, determinava a morte dos que tivessem participação direta ou indireta nas mesmas.

Quando Jukan se deu conta da atividade em que estava envolvido, já não havia como voltar atrás. Nem mesmo depois que Thekus, um almirante arcônida e membro da família dos Minterol, foi assassinado numa festa suntuosa oferecida pelo Marechal Julian Tifflor.

A morte daquele almirante ativo e arrojado mostrara a Jukan com uma clareza brutal que trabalhava para um grupo de arcônidas que não recuava diante de nada para atingir seus objetivos. Em comparação com isso, a fraude em grande estilo que praticara em Archetz, um planeta dos saltadores, não passava de uma bagatela, embora também nesse caso sua conduta tivesse sido ilegal.

E, além de tudo isso, seu grupo pretendia trair o círculo de arcônidas insatisfeitos cujo objetivo consistia na destruição do gigantesco centro de computação montado em Árcon III. Hoga acabara de deixar claro que cabia a ele entregar as informações a este respeito ao homem adequado.

Apesar da falta de escrúpulos que sempre distinguira o saltador Jukan, este ainda possuía um restinho de decência e sentimento de honra. Todo o seu ser revoltava-se diante da idéia de trair alguém.

Hoga notou a hesitação de Jukan e logo compreendeu seus pensamentos.

“Jukan está se transformando num perigo para nós”, pensou com a mente fria. “Este saltador já não merece confiança, mas sabe demais a nosso respeito. Acho que terei que dar um jeito para fazê-lo desaparecer discretamente.”

O rosto de Hoga não traiu seus planos.

— Então, Jukan? — perguntou com a voz indiferente.

— Quem é esse Luklein, Hoga? — indagou Jukan.

O jovem arcônida ergueu-se, surpreso. Fazia apenas alguns minutos que explicara a Jukan que, na realidade, Luklein era um elemento da Segurança Solar, e agora o saltador voltava a perguntar quem era ele.

Jukan compreendeu o motivo da surpresa do arcônida e apressou-se a explicar:

— Hoga, você acaba de me dizer o que faz Luklein, mas ninguém me informou sobre se é um mercador galáctico, um arcônida ou um terrano.

— Desde quando a Segurança Solar coloca agentes não-terranos em posições importantes, Jukan? — indagou Hoga, em tom irritado.

Nesse momento, Jukan deu prova de sua presença de espírito. Sabia perfeitamente que a Segurança Solar também usava não-terranos em posições importantes mas, ao que parecia, Hoga não sabia disso. E ele, Jukan, nem pensava em revelar o que sabia. Por isso mesmo resolveu fazer o papel do homem distraído. Gaguejou algumas palavras, sacudiu a cabeça e, quando parecia ter recuperado o autocontrole, disse:

— Tive um dia muito difícil, Hoga. Talvez seja porque na escala que fiz em Árcon III vi pousar uma quantidade enorme de espaçonaves esféricas dos terranos. Até parecia uma invasão!

O sorriso de Hoga era traiçoeiro.

— Para nós, a presença de um contingente tão grande de naves só pode ser vantajoso. É bom que os terranos vigiem o grande centro de computação. Dessa forma não haverá perigo de que vá pelos ares.

Levantou-se, parou à frente do saltador e disse a título de despedida:

— Daqui a duas horas, você disporá do material que deve vender hoje de noite a Luklein. Até daqui a duas horas.

Mais uma vez o mercador galáctico deu mostras de sua presença de espírito. Seu rosto não revelava que ouvira nas palavras do arcônida algo que este não queria que ele soubesse. Acenou com a cabeça como quem não se interessa muito pelo que acaba de ser dito e resmungou:

— Está bem. Neste caso tenho tempo para almoçar. Se houver algum imprevisto estarei em um dos três hotéis mais próximos. Até daqui a duas horas.

Virou-se e sentiu o olhar de Hoga, pousado em suas costas. Teve de fazer um grande esforço para não sair correndo.

Pela primeira vez compreendeu o que significava ter a morte grudada na nuca da gente.

Quando se viu do lado de fora, sentiu-se ofuscado pelo sol, cujos raios dardejavam de um céu sem nuvens.

 

Fazia uma hora que uma espaçonave de construção arcônida, que externamente parecia ser um veículo espacial da classe DD, com apenas oitenta metros de diâmetro, pousara num local menos apropriado. No entanto, os campos antigravitacionais permitiram que o pouso fosse realizado sem incidentes.

A nave cinzenta estava parada entre encostas de terra. Sua cor combinava muito bem com o ambiente. A uma distância de três quilômetros já não seria visível a olho nu. Só mesmo o equipamento de rastreamento energético registraria imediatamente sua presença, já que os campos antigravitacionais, que mantinham a nave suspensa sobre o solo pouco consistente, eram de intensidade extraordinária para uma nave da classe DD.

Mas não era este o único aspecto estranho que se notava no pequeno veículo espacial. A protuberância equatorial também não correspondia à classe DD. Devia ser uma unidade especialmente fabricada.

Logo após o pouso, um único homem desceu da nave. Já estava sendo esperado, pois no momento em que o arcônida saiu da eclusa, um carro-planador aproximou-se da rampa.

Sem dizer uma palavra, o homem de andar encurvado, que não era muito jovem, entrou no veículo, cumprimentou o piloto com um gesto e deixou que o levassem.

O carro-planador largou-o numa estranha paisagem com aspecto de parque. O arcônida tomou imediatamente a direita e depois de alguns passos desapareceu entre as árvores, que para um terrano seriam champignons de tamanho descomunal.

Não era a primeira vez que o arcônida percorrera este caminho. Não olhava para os lados, mudou de direção várias vezes e, depois de ter percorrido algumas centenas de metros, viu-se diante de uma construção de plástico alongada.

O arcônida entrou tranqüilamente e atravessou os controles sem ser detido. Mal viu os dois robôs, aproximou-se da porta, que ficava no fim do corredor, e abriu-a.

Três homens ainda jovens fitaram-no. À primeira vista notava-se que dois deles eram ekhônidas e o outro um arcônida. Ao que parecia, esperavam a visita, pois seus rostos não revelaram o menor espanto, quando o homem mais velho que eles fechou a porta atrás de si.

— Nestas últimas horas houve alguma notícia sobre o assassinato de Jukan? — perguntou ao sentar-se.

Os dois ekhônidas não se dispuseram a falar. O jovem arcônida disse em tom áspero:

— Faz poucos minutos que recebemos a terceira mensagem, Drakont. Foi expedida por um espião que trabalha há alguns meses na firma-fantasma de Luklein. O saltador Jukan foi morto a tiros por um desconhecido, no momento em que pretendia entrar na residência de Luklein.

— Quer dizer que não foi morto por nós, Mith? — perguntou o mais velho dos dois arcônidas, que acabara de ser chamado pelo nome Drakont.

— Jukan seria eliminado hoje. Hoga já havia tomado todas as providências, quando soube da morte do saltador. Logo deu o alarma.

Drakont acenou com a cabeça.

— Ouvi o alarma enquanto me dirigia a este mundo. O que dizem as outras mensagens, Mith?

— A primeira mensagem, recebida depois da notícia sobre a morte de Jukan, diz que há alguns dias a Segurança Solar desconfia de que esse saltador pertencia ao grupo de Thekus. Jukan passaria a ser vigiado pelos terranos quando foi assassinado.

— Quer dizer que o desconhecido nos fez um favor, Mith?

Mith não soube dar uma resposta conclusiva.

— Prefiro não afirmar uma coisa dessas, pois não sei quem é o assassino. É possível que este e os homens que estão atrás dele saibam mais a respeito de Jukan do que nós desconfiamos.

Drakont atirou a cabeça para trás.

— Você supõe que Jukan tenha sido um agente duplo, Mith? — o tom de sua voz quase chegava a ser ameaçador.

Mith ficou calado. Ao que parecia, preferia não responder. Mas, quando anunciou o texto da terceira mensagem, sobre o qual Drakont ainda não fora informado, este constatou que o mesmo representava uma resposta à sua pergunta.

— Hoje de manhã um passageiro desceu em Árcon III e sentou-se ao lado de Jukan, embora houvesse muitos lugares livres. G 56 e S 21, que observavam Jukan, confessaram que não haviam realizado o controle de rotina do homem que entrara, porque sua atenção fora desviada pelo pouso em massa de unidades terranas em Árcon III. Só poucos minutos antes que Jukan fosse assassinado, e o assassinato ocorreu em frente da residência de Luklein, passaram a controlar o desconhecido por meio de filmes e descobriram que ele era um mensageiro dos radicais.

Embora a notícia fosse alarmante, Drakont não fez nenhum comentário.

— Como foi que Jukan conseguiu entrar em contato com Luklein? — perguntou.

Evidentemente, assim que se retirara da presença de Hoga, o saltador assassinado entrara em contato com o agente terrano Joe Luklein.

— Hoga e seus homens ainda não conseguiram apurar isso. A situação reinante em Trump impede a realização de investigações mais intensas, pois a Segurança Solar vem desenvolvendo uma atividade assustadora. Há um boato segundo o qual alguns mutantes terranos voltaram a entrar em ação. Por isso Hoga e seus colaboradores mais importantes resolveram proteger-se.

Um sorriso largo cobriu o rosto de Mith quando usou a palavra “proteger-se”. Até mesmo Drakont não pôde evitar um ligeiro sorriso, mas os dois ekhônidas fitaram os dois interlocutores com uma expressão de espanto. No entanto, não obtiveram nenhuma explicação.

— Será que o assassinato de Jukan não pode ser um ato de vingança de algum cúmplice, Mith? — perguntou Drakont, prosseguindo nas indagações sobre a morte misteriosa do saltador.

Mith, que devia ocupar um lugar importante no grupo de Thekus, negou essa possibilidade com um movimento da cabeça.

— Não. A fraude cometida em Subbu não transformou os incitadores em inimigos. Ao que parece, Jukan é um daqueles criminosos para quem o fato de enganar um cúmplice representa uma baixeza imperdoável. Jukan e seus cúmplices dividiram a importância gigantesca obtida por meios fraudulentos, da maneira que haviam combinado. Nas poucas horas de que dispunha depois da morte de Jukan, Hoga pôde constatar que os participantes da fraude cometida em Subbu não saíram de seus esconderijos.

O rosto de Drakont ainda apresentava sinais de exaltação. O caso Jukan e os acontecimentos que o acompanhavam deixaram-no mais preocupado do que jamais estivera, desde que surgira o grupo clandestino de Thekus.

Jukan desempenhara uma função muito importante, pois trabalhara como mensageiro, fazendo a ligação entre as diversas bases dos subversivos. Como tal adquirira uma visão de conjunto do grupo mais ampla que a de qualquer outra pessoa.

Não sabia muito sobre os planos dos subversivos, mas conhecia o lugar onde ficava seu quartel-general. E também deveria saber que nos últimos tempos a Segurança Solar fizera tudo para descobrir a que mundo se recolhera Carba, o sobrinho de Thekus.

Por alguns minutos um silêncio constrangedor reinou na sala. Apenas Drakont e Mith trocavam, vez por outra, olhares bastante significativos. Nessas condições os dois ekhônidas deviam ter a impressão de que eram visitantes incômodos.

— Se estivermos incomodando podemos retirar-nos — disse um dos ekhônidas, que tinha um par de mãos enormes, que naquele momento se transformaram em punhos.

Drakont respondeu com o maior cinismo:

— A observação que acaba de ser feita é supérflua. Por que não foram embora há muito tempo?

Acontece que estas palavras ásperas não se enquadravam nos planos de Mith. Este entesou o corpo de repente.

— Vocês vão ficar. Drakont ainda não sabe que foram vocês que elaboraram o plano imperador.

— O quê? — perguntou Drakont em tom penetrante, fitando os ekhônidas com uma expressão de incredulidade. — A idéia foi de vocês?

— Não foi só isso, Drakont — disse Mith, em tom enérgico. — Ainda acontece que Tro-Lugo — apontou para o ekhônida de mãos enormes — tem um tio que trabalha no Palácio de Cristal. Se não fosse esse homem, não haveria como levar avante a idéia.

O rosto de Drakont descontraiu-se de um instante para outro. Pediu desculpas em palavras lacônicas, pôs a mão no bolso e tirou uma arma de radiações. Num movimento indiferente colocou a arma perigosa sobre a mesa.

— É esta — disse e ficou calado.

Os três jovens inclinaram-se e contemplaram o objeto como se fosse a primeira vez que viam uma arma de radiações. Mas ninguém fez menção de pôr as mãos nela.

— Por enquanto não é perigosa — disse Drakont, em tom ligeiramente irônico. — Olhem! — pegou a arma, mostrou o mecanismo de travamento, sorriu e fitou os três jovens. — É uma bela arma de impulsos terrana, não é mesmo?

Acontece que os jovens não viam nada de belo na pistola.

Drakont voltou a colocar a arma sobre a mesa, pôs a mão no outro bolso e tirou um estojo achatado em forma de cápsula. Na superfície viam-se dois círculos redondos do tamanho de um polegar. Um era verde, enquanto o outro se apresentava num vermelho vivo.

— Este é o controle remoto. Alcance máximo: um milésimo de segundo-luz.

— E a bomba encontra-se no interior da arma? — perguntou Mith, que já recuperara o autocontrole, mas ainda não conseguia dedicar um olhar gentil à arma de impulsos.

— Num raio de três quilômetros ela não deixa pedra sobre pedra. Não há necessidade de contar isto a seu tio, Tro-Lugo.

O ekhônida de mãos grandes empalideceu. Só agora, que a vida de seu tio corria perigo, deu-se conta de como o plano era terrível.

Drakont pedira-lhe com uma dureza desumana que sacrificasse o tio com o maior sangue-frio...

Drakont procurou tranqüilizá-lo.

— Tudo tem seu preço, Tro-Lugo. Infelizmente teremos de sacrificar algumas pessoas inocentes se quisermos eliminar Gonozal, mas não podemos ter a menor consideração pelas mesmas. A própria existência do império está em jogo. Queremos que os destinos do Grande Império sejam dirigidos por pessoas que realmente sejam dignas disso.

O ekhônida não se impressionou com essas frases pomposas.

— Por que motivo o plano que prevê a eliminação de Gonozal foi modificado no sentido de substituir uma simples carga explosiva por uma minibomba atômica, Drakont?

Subitamente os olhos amarelos do arcônida mais velho emitiram um brilho frio. Dirigindo-se a Tro-Lugo, disse com a voz gelada:

— Porque Carba, o futuro imperador, ordenou que se fizesse assim. Será que você se dá por satisfeito com esta explicação? Ou preciso lembrar-lhe o juramento que prestou quando você se juntou ao nosso grupo?

Mith, que também observara ininterruptamente o ekhônida e compreendia melhor o que se passava na mente de Tro-Lugo, procurou tirar um pouco da dureza das palavras de Drakont.

— Tro-Lugo, todos juramos que sacrificaríamos a própria vida, caso isso se tornasse necessário ao cumprimento da nossa tarefa. Considerada assim, a morte do tio já não lhe há de parecer uma coisa tão medonha.

— Acontece que ele não é um dos nossos, Mith — objetou Tro-Lugo.

— É, sim! — disse Mith, em tom áspero. — É um dos nossos, mesmo que não tenha prestado o juramento. Prontificou-se a tirar a arma de impulsos do coldre do terrano John Marshall e trocar a arma pela que se encontra à nossa frente. É verdade ou não é?

— É verdade, mas...

Mith interrompeu-o.

— Não é verdade que seu tio tirou férias há algumas semanas, a fim de treinar a melhor maneira de trocar as armas num instante?

— É verdade...

— Esse seu tio sabe que o terrano John Marshall lê pensamentos? Sabe ou não sabe que, quando tentar colocar junto ao corpo de Marshall essa arma mortífera, estará arriscando sua vida?

— Ele sabe disso, Mith...

— Pois então. O que você quer? Se poucos minutos depois da troca, o tal do Marshall estiver à frente de Gonozal e nós acionarmos o controle remoto que fará detonar a minibomba atômica, nesse caso seu tio será atingido pelo mesmo destino que já se mostrou disposto a suportar caso Marshall suspeite de algo no momento da troca. Será que você ainda é capaz de afirmar que minhas explanações não têm lógica?

— Vocês não acham que é uma coisa terrível fazer com que justamente um homem que acaba de nos ajudar, com risco da própria vida, tenha de morrer?

— Se você me vem com esses argumentos, Tro-Lugo, posso objetar que seu tio está disposto a assassinar Gonozal VIII...

— Acontece que Gonozal é um arcônida que recorreu ao auxílio dos terranos para tornar-se imperador de Árcon. Isso basta para que mereça a morte, Mith.

— De acordo, Tro-Lugo. Mas qual foi o tribunal oficialmente reconhecido que condenou Gonozal à morte por esse ato? Nós, que pertencemos ao grupo de Thekus, ainda não agimos oficialmente. Só o faremos quando Carba estiver ocupando o trono para governar o Grande Império. Por enquanto ainda estamos contra o império. Todo revolucionário está desse lado, mesmo que lute por uma causa justa como nós. Qualquer revolucionário pagará por seus atos caso seu plano não seja bem-sucedido. Um revolucionário honesto não hesitará em sacrificar a vida pela causa, e também deverá estar disposto a sacrificar a vida de outras pessoas.

— Deve haver algum meio de prevenir meu tio. Por certo existe uma possibilidade de que, uma vez realizada a troca das armas, se coloque em lugar seguro, Mith!

Tro-Lugo, o conspirador, pôs-se a implorar pela vida do tio. Era o homem a quem devia tudo que era na vida. Ele ocupara o lugar de pai e lhe proporcionara uma boa educação.

Drakont interveio na discussão. Ficou espantado ao ouvir a resposta esperta de Mith, e só nesse instante percebeu como era inteligente.

Drakont começou a falar. E agora uma nota de compaixão vibrava em sua voz.

— Tro-Lugo, seu tio não pode ser prevenido. E não podemos tomar qualquer providência para que disponha de um veículo que o leve a um lugar seguro. Os preparativos para a troca são tão complicados que não podemos assumir nenhum risco adicional. Qualquer tipo de manipulação nos arredores do Palácio de Cristal provocará novos controles. Já houve muitas tentativas fracassadas de atentado contra Gonozal. Tro-Lugo, seu tio terá de sacrificar-se pela causa. Nada poderemos fazer por ele, pois, se assim procedermos, representará um perigo para todos nós. Será que você se esqueceu de seus três filhos, Tro-Lugo?

Mith descobriu uma coisa que o deixou apavorado.

Percebeu que o ekhônida já não estava empenhado de corpo e alma na causa comum de derrubar e eliminar o Imperador Gonozal VIII.

Mith voltou a intervir na discussão. Falando em tom insistente, dirigiu-se ao ekhônida:

— Tro-Lugo, acho que podemos encerrar a discussão sobre o destino de seu tio. De qualquer maneira, havemos de encontrar um meio de...

Não conseguiu prosseguir. Drakont interrompeu-o em tom contrariado.

— Por que promete uma coisa que não poderá cumprir, Mith?

O jovem arcônida fitou Drakont com uma expressão que quase chegava a ser hostil. A pausa que ocorreu entre a pergunta e a resposta só durou um instante. E esse momento carregado de uma tensão extrema exprimia melhor que qualquer palavra o fato de que naquele instante três homens de idéias totalmente diferentes se defrontavam.

O jovem arcônida cerrou os punhos.

— Drakont, costumo cumprir minhas promessas, e saberei fazer com que Carba aja no sentido de que a promessa que acabo de formular seja cumprida.

— Seria uma loucura levar um veículo de forma ilegal às áreas adjacentes do Palácio de Cristal — berrou Drakont. — Já experimentamos o que acontece quando um veículo que não tenha sido anunciado se aproxima da sede do império.

Mith soltou uma risada triste.

— Se o tio de Tro-Lugo avisar à administração do Palácio de Cristal que está voltando de suas férias, fazendo com que um veículo muito veloz estacione na área interditada, isso por certo não provocará a criação de uma comissão de investigação, formada por robôs e terranos desconfiados.

— Pelos deuses de nosso povo, o tal do Marshall é telepata. Será que você não se lembra disso, Mith? Nestes últimos meses andamos a tremer face a esse terrano que lê pensamentos e estamos mudando constantemente de esconderijo. Será que viemos a este planeta desolado por puro prazer? E é bom que não se esqueça que armadilha sofisticada os terranos montaram com esse robô disfarçado em Thekus. Nós, que conhecíamos Thekus melhor que ninguém, caímos no blefe. Acho que você sabe que Carba escapou da desgraça por muito pouco. Depois de tudo isso você se atreve a criar riscos adicionais que põem em perigo o plano imperador? Carba nunca concordará com uma coisa dessas, Mith.

Mith entesou o corpo.

— Confio em Carba. Quanto a esse ingênuo do Thekus, sempre desconfiei dele.

De repente Drakont apresentou sinais evidentes de cansaço. Mith percebeu o que havia acontecido com ele. Fitou os dois ekhônidas e com um gesto de cabeça convidou-os a se retirarem.

Os dois levantaram-se e foram ao corredor. Deixaram para trás Drakont, que fitava o ar com uma expressão sonhadora. Mith dirigiu-se ao ekhônida Tro-Lugo com a voz um tanto nervosa:

— Você concordaria em ir ao planeta Zero daqui a meia hora, a fim de expor o problema de seu tio a Carba?

— Com que nave?

— Na mesma nave em que Drakont veio a este planeta.

O ekhônida fez que sim. O outro interlocutor, que até então quase nada dissera, perguntou:

— Posso ir também, Mith?

Mith fez um gesto de recusa. Apontou com a cabeça para o recinto em que Drakont cochilava.

— Haan, preciso mais de você por aqui do que Tro-Lugo talvez possa precisar. Nos últimos dois dias planetários, as energias volitivas de Drakont não se regeneraram. Devemos agradecer aos deuses porque ao menos a família dos Minterol ainda não foi afetada pela degenerescência. Caso Tro-Lugo queira decolar dentro de meia hora, ainda terei algo a fazer. Você não sairá daqui, sem levar minha mensagem para Carba, Tro-Lugo. O relatório que oferecerei ao futuro imperador deverá ser-lhe útil para salvar a vida de seu tio que está em Árcon I.

— Obrigado — disse o ekhônida e soltou um suspiro de alívio. — Assim que tenha concluído os preparativos de viagem avisarei, Mith.

Retirou-se. Não chegou mais a ouvir Mith dizer ao ekhônida Haan:

— Tomara que Carba se mostre sensível aos seus argumentos.

Os pensamentos de Haan seguiam por trilhas diferentes:

— Tomara que descubramos logo quem matou Jukan, Mith; e tomara também que saibamos o quanto antes a respeito do que conversou com o agente da Segurança Solar Joe Luklein. Não consigo deixar de pensar nesse assassinato misterioso.

— Também não consigo tirar a morte de Jukan da cabeça, Haan. Mas o que podemos fazer para esclarecê-la enquanto nos encontramos aqui? Afinal, estamos a mais de seis mil anos-luz de Trump, o planeta em que Jukan foi eliminado. Só nos resta esperar e fazer votos de que os deuses de Árcon não nos abandonem.

— Hum — fez Haan. — Vocês costumam pensar em seus deuses toda vez que desejam alguma coisa. Fora disso os arcônidas nem costumam falar neles. Não sei se é o modo correto de levar a vida. De qualquer maneira, faço votos de que seus deuses não estraguem o plano de Carba.

 

O receptor de hiper-rádio emitiu um ligeiro bip. Um ouvido não treinado deixaria de perceber o ruído, mas Mike Inderwood, especialista de rádio de Julian Tifflor, Embaixador da Terra em Árcon, ouvira.

Esmagou calmamente o cigarro no cinzeiro, girou a cadeira e ficou de frente para o vocode, que era um aparelho versátil ultramoderno, que numa questão de segundos codificava ou decodificava as mensagens de hiper-rádio.

O bip saído do alto-falante que Mike Inderwood acabara de ouvir não era outra coisa senão a mensagem fortemente concentrada pela qual já esperara há três horas, tempo padrão.

A mensagem vinha de Vênus, onde se encontrava a maior máquina positrônica da Galáxia, com exceção do gigantesco centro de computação de Árcon III.

O funcionamento do vocode era totalmente silencioso. Os milhares de relês guardados sob o revestimento — cada um dos quais representava uma maravilha da microtécnica dos swoons — realizaram numa questão de segundos um trabalho de decodificação extremamente preciso.

O indicador de linhas permitiu que Inderwood conhecesse a extensão da mensagem.

— Pela grande Via Láctea! — exclamou o sargento, com um gemido. — Isto é um romance. Quatrocentas e dezoito linhas! — num movimento automático da mão direita comprimiu o botão de chamada. Os três colegas que se encontravam um andar abaixo do seu seriam avisados de que deviam comparecer imediatamente à sala de rádio.

O dispositivo positrônico começou a trabalhar ao lado de Inderwood. Introduzira em seu mecanismo a mensagem codificada recebida pelo aparelho versátil e imediatamente se pôs a interpretá-la e armazená-la em sua memória.

A primeira fita perfurada, que ainda estava um pouco quente em virtude da pressão luminosa, caiu na fenda. Mike Inderwood pegou-a. Conhecia os sinais positrônicos tão bem quanto sua letra.

— Urgente. Para o chefe — leu.

O chefe era Perry Rhodan.

E este encontrava-se em sua nave capitania, em algum lugar entre as estrelas do grupo M-13. O Marechal Solar Julian Tifflor, Embaixador da Terra na corte do Imperador Gonozal VIII, era a única pessoa que conhecia o paradeiro do chefe. O sargento Inderwood poderia facilmente utilizar a faixa de ondas particular do administrador, para chamá-lo. Acontece que, face à existência de poderosos grupos subversivos cujo objetivo consistia unicamente em eliminar Atlan, só em casos de alta emergência permitia-se estabelecer contato com o chefe, deixando de lado os canais oficiais.

Assim que Inderwood tirou a terceira fita perfurada da fenda de saída e leu o que estava escrito na mesma, começou a transpirar.

Moveu uma chave. Essa chave estabeleceria contato direto com o Marechal Tifflor, pouco importando o lugar em que este se encontrasse.

A pequena tela fixada em cima do aparelho versátil tremeluziu. Os contornos começaram a estabilizar-se e Julian Tifflor fitou seu sargento do serviço de rádio.

Mike Inderwood não sabia se o embaixador estava só no recinto.

— Marechal — disse cautelosamente. — Q três!

No momento Q três era o código destinado a designar uma situação de emergência.

— Pode falar, sargento — respondeu Tifflor.

— Sir, tenho uma mensagem urgente do centro de computação de Vênus, destinada ao chefe. A mensagem tem quatrocentas e dezoito linhas.

Enquanto transmitia essas informações, Mike Inderwood recuperou a calma. Quando às suas costas a porta foi aberta violentamente e os três colegas convocados às pressas se precipitaram para dentro da sala de rádio, não se virou.

— Transmita a mensagem para cá, sargento — ordenou o Embaixador Tifflor com a maior tranqüilidade. — Além disso, gostaria de ser informado imediatamente sobre os resultados da interpretação realizada por seu computador positrônico. Obrigado.

A tela voltou a tremeluzir, assumiu uma tonalidade cinzenta e apagou-se. Inderwood dirigiu-se aos colegas.

— Temos uma mensagem urgente do sistema de computação de Vênus, destinada ao chefe. Vamos ao trabalho, rapazes. O marechal não gosta de esperar.

Os três colegas de Inderwood iniciaram seu trabalho. Não houve nenhum sinal de nervosismo, nenhuma pergunta. Todos trabalhavam calmamente sem sair do lugar.

A certa altura, Blackard, um homem ruivo, soltou um assobio. Sem dizer uma palavra empurrou uma comprida fita perfurada para Inderwood. Era o resultado da interpretação. Segundo esta, a mensagem dizia respeito ao Sistema Azul dos acônidas, setor da confiabilidade política do Grande Conselho.

Embora o Marechal Julian Tifflor ainda estivesse ocupado na leitura da longa mensagem de hiper-rádio, o sargento chamou-o.

— Sir, temos a primeira interpretação provisória. Diz respeito ao Sistema Azul, Grande Conselho. Eles ainda nos darão muito prazer.

A última frase exprimia apenas a opinião pessoal de Inderwood. Não pertencia à mensagem. O fato de que podia dar-se ao luxo de manifestar sua opinião provava o ótimo relacionamento existente entre o embaixador e seus colaboradores.

Inderwood encostou a fita perfurada à tela. Tifflor leu a interpretação. Segundo esta, havia uma probabilidade de 90,2 por cento de que o Grande Conselho de Ácon dedicava suas simpatias a todos os grupos subversivos que atuavam no Império de Árcon.

Enquanto Árcon for governado pelo Imperador Gonozal VIII, a neutralidade oficial do Grande Conselho durará.

Grau de probabilidade: cem por cento.

Isso significava que o Grande Conselho do Sistema Azul romperia todos os tratados celebrados com a Terra e com Árcon, no momento em que Atlan deixasse de ser imperador.

Menos de dez minutos se haviam passado desde o recebimento da mensagem de hiper-rádio, quando a equipe iniciou a interpretação completa das quatrocentas e dezoito linhas de seu texto, recorrendo a vários tipos de aparelhamento positrônico. O trabalho, que em outros tempos teria exigido um grande contingente de cientistas, seria realizado por algumas dezenas de máquinas geniais.

O Embaixador Julian Tifflor chamou.

— Inderwood, providencie a condensação da notícia. Terá de ser expedida ao chefe dentro de dez minutos, o mais tardar.

Mike Inderwood nem levantou os olhos do trabalho que estava fazendo. De cabeça abaixada, e enquanto suas mãos separavam as fitas perfuradas, respondeu ao marechal:

— Já estou providenciando, sir. Calculo que, uma vez realizado o controle, a mensagem seja expedida dentro de poucos minutos. Assim que isto tenha sido feito, avisarei.

— Obrigado, Inderwood. Qual será o tamanho da mensagem?

— De cento e vinte a cento e cinqüenta linhas. A maior parte será formada por cifras.

— Está bem, Inderwood. Envie-me uma via. A notícia deverá receber o tratamento correspondente a T nove.

Com estas palavras, Julian Tifflor interrompeu a ligação com a sala de rádio. Inderwood não deu o menor sinal do que pensava sobre as instruções que acabara de receber de seu embaixador, segundo as quais a mensagem recebida e a mensagem expedida deveriam ter o mesmo tratamento correspondente à T nove. Mas Blackard falou sem rebuços.

— T oito, T nove, T dez, é só o que se ouve. Tudo ultra-secreto! Caramba!

Naquele instante chegou uma mensagem em texto claro expedida pela Segurança Solar em Árcon III. Embora não tivesse sido codificada, nenhuma outra estação seria capaz de compreendê-la.

 

Assassínio do mercador galáctico Jukan esclarecido. O morto concebeu a fraude de Subbu. Provavelmente foi correio do grupo de Thekus. Hoga desaparecido desde a morte de Jukan. Deve ter deixado planeta ou então colocou-se sob a proteção mental dos antis. 12374.

 

Mike Inderwood não prestara muita atenção a essas palavras. A elaboração da mensagem que seria dirigida ao chefe exigia um máximo de concentração. Fez o resultado final passar pelos controles. O computador positrônico checou-a com base na Lógica. Levou menos de meio segundo para processar as cento e vinte e três linhas cheias de cifras e palavras. Uma luz verde acendeu-se. Era o sinal de que a mensagem fora liberada. Inderwood comprimiu o botão de transmissão. No mesmo instante, a mensagem condensada e distorcida foi irradiada pelo hiper-rádio na freqüência da Ironduke.

Mike Inderwood não estava nada satisfeito. Blackard notou. Perguntou por quê.

Inderwood fitou-o com uma expressão de contrariedade.

— Acho que esta é a estação que recebe o maior volume de mensagens secretas. Será que já houve uma única que trouxesse fatos? O que recebemos por aqui são apenas suposições. Até hoje nosso Serviço de Segurança não descobriu por que o Lorde Almirante Thekus foi assassinado pelos companheiros. Não sabe onde está escondido o tal do Carba, sobrinho de Thekus, e não sabe quantos membros tem o grupo de Thekus. No que diz respeito aos radicais, que querem matar Atlan e destruir o centro de computação, nosso Serviço de Segurança tateia no escuro. Nem mesmo os mutantes conseguem fazer qualquer coisa. Até parece que a anarquia passou a reinar em Árcon.

Blackard fez um gesto para que se calasse.

— Até parece que você se transformou num pessimista, Mike. Procure lembrar-se do filho de Perry Rhodan, o tal de Thomas Cardif, que chegou a ocupar o posto de administrador e controlava todas as forças, enquanto nosso chefe era prisioneiro dos antis. Qual foi o resultado daquilo? Também desta vez Rhodan fará com que a ação desses subversivos acabe em nada. Talvez no momento até seja bom que as coisas corram dessa forma. Talvez seja o primeiro passo para um esclarecimento radical da situação.

Os dois colegas que não haviam participado da palestra prestaram atenção às palavras de Blackard, mas não sabiam o que o mesmo queria dizer quando falou num “esclarecimento radical da situação”.

— Não sou político, apenas um técnico de hiper-rádio. Apesar disso acho perfeitamente possível que as agitações em M-13 ainda aumentem. Se isso acontecer, um belo dia Atlan será obrigado a formular um pedido oficial para que o Império Solar o ajude e...

Inderwood colocou a mão no ombro de Blackard com tamanha força que este se calou abruptamente. Fitou o colega com uma ligeira insegurança. Inderwood falou em tom suave:

— O que acha que dirá o centro de computação de Árcon III, esse monstro com sua programação indecifrável? Realmente acredita que dirá amém diante do pedido de auxílio de Atlan? Quer saber o que fará? Não preciso ser profeta para dizer, Blackard: O monstro mobilizará mais de cem mil naves robotizadas contra o Império Solar.

— E agora gostaria que você me dissesse se sobrará alguma coisa de nós quando essas naves aparecerem por aí.

Os quatro homens que se encontravam na sala de rádio ficaram calados.

 

John Marshall, chefe do Exército de Mutantes e o melhor telepata depois de Gucky, juntou os documentos e colocou-os numa pasta. O Marechal Julian Tifflor, Embaixador do Império Solar em Árcon I, olhava para ele. A fumaça azulada do tabaco pairava por cima de suas cabeças.

O telepata fechou cuidadosamente a pasta com os documentos. No momento guardava matéria secreta dos níveis T 9 e T 10.

— John, quando será que o senhor me transmitirá uma notícia agradável? — disse Julian Tifflor, formulando uma pergunta semelhante à que nesses dias costumava ser feita pelos terranos que estavam informados sobre a situação reinante em M-13.

O rosto marcante de Marshall ficou bem de frente para o embaixador.

— Tiff — disse o telepata. — Sei ler pensamentos, mas não sou profeta. Será que existe alguém que goste dessa situação instável? Posso afirmar que nós, do Exército de Mutantes, não gostamos. Estamos constantemente em ação.

Entre os homens que cercavam Perry Rhodan havia poucos que chamavam o Marechal Julian Tifflor de Tiff. No entanto, era perfeitamente natural que o chefe do Exército de Mutantes usasse esse apelido, pois, desde há muito, os dois pertenciam ao círculo de colaboradores mais chegados de Rhodan.

Há muitos e muitos decênios Julian Tifflor, cadete da Academia Espacial, conquistara os primeiros louros, realizando coisas quase incríveis numa série de operações. Neste meio tempo fora três vezes ao planeta Peregrino, a fim de receber a ducha celular, e por isso parecia muito jovem para um marechal solar.

— John, o senhor vai expor tudo a Atlan? — perguntou Tifflor.

— Tudo, inclusive a opinião da equipe intelectual, segundo a qual a programação A-1 do grande centro de computação tem de ser modificada. Não acredito que o imperador faça qualquer objeção. Por que está rindo, Tiff?

O marechal acenou com a cabeça.

— Tenho meus motivos, John. Estou pensando na invasão espacial de Árcon III. O senhor não acredita que Atlan já tirou suas conclusões?

Marshall manifestou sua opinião:

— O pouso de uma quantidade enorme de espaçonaves terranas em Árcon III apenas representa uma medida de precaução. Quando oferecer meu relato ao imperador, só mencionarei o fato no fim. É possível que, face às advertências de nossa equipe intelectual, ele mesmo tenha a idéia de que a reprogramação do grande centro de computação constitui uma medida indispensável. Apresentarei em cores bem vivas o perigo de que os acônidas consigam penetrar ali por meio de suas máquinas do tempo.

— O imperador não é um homem capaz de fazer pouco caso de uma advertência desse tipo, John. Faço votos de que sua conversa com ele seja coroada de êxito. Para falar com franqueza, fico satisfeito porque desta vez é você e não eu quem lhe trará as notícias desagradáveis. Será que ainda nos veremos hoje?

— Sem dúvida, desde que não haja nenhum imprevisto. Entrarei em contato com você assim que esteja de volta depois de minha visita a Atlan.

 

John Marshall passou pelo terceiro controle robotizado e entrou pelo portal largo do Palácio de Cristal, que desde tempos imemoriais servia de sede aos imperadores de Árcon.

Como de costume dirigiu-se ao pequeno elevador antigravitacional, que tinha apenas três interrupções, sendo o caminho mais direto que levava ao Imperador Gonozal VIII. Além do Embaixador Julian Tifflor, o telepata Marshall era a única pessoa que tinha permissão para penetrar a qualquer momento, sem aviso prévio, nos aposentos particulares de Atlan, situados no pavimento superior do palácio. Como chefe do Exército de Mutantes, cabia-lhe uma tarefa importantíssima: proteger Atlan contra eventuais atentados. Para esse fim colocara a maior parte do exército dentro do Palácio de Cristal e em torno do mesmo, a fim de proporcionar o máximo possível de segurança ao imperador ameaçado.

Além disso, todos os robôs que trabalhavam no palácio foram reprogramados. A modificação da programação fora realizada em segredo pelos especialistas de Rhodan. Nenhum dos arcônidas que se encontravam no palácio desconfiava de que esses mecanismos automáticos só aceitariam ordens de entrar em combate, quando estas partissem dos terranos, recusando qualquer comando de luta que lhes fosse transmitido por arcônidas.

Enquanto se aproximava do estreito poço do elevador, John Marshall recapitulou a notícia com que deveria iniciar seu relato. Não olhava para a esquerda nem para a direita e por isso não viu um funcionário arcônida do palácio que se aproximava, vindo de um lado, e que fatalmente haveria de esbarrar nele, a não ser que um dos dois se desviasse.

O funcionário também parecia mergulhado em suas reflexões. Se nesses instantes John Marshall tivesse usado suas faculdades parapsicológicas, por certo teria notado que o arcônida fazia um tremendo esforço para encobrir seus pensamentos por meio de uma série de concepções absurdas. Acontece que Marshall estava tão ocupado com a tarefa que tinha pela frente, que levou um susto de verdade quando, de repente, esbarrou num obstáculo.

Um velho funcionário da corte murmurou um pedido de desculpas em arcônida.

— Ora bolas! — exclamou Marshall, que se sentiu enlaçado por um par de braços e levou algum tempo para compreender que o arcônida apenas procurava apoiar-se.

O funcionário do palácio repetiu seu pedido de desculpas, voltou a firmar-se sobre as pernas e deu um passo para trás.

— Eu deveria ter prestado atenção, senhor. — Disse em tom cortês, fez uma ligeira mesura diante do terrano e acrescentou em voz mais baixa: — Não devemos ocupar-nos demais com nosso trabalho.

Marshall acabara de pensar a mesma coisa. Fez um gesto cordial para o arcônida.

— É verdade — confirmou e seguiu seu caminho.

Marshall nem pensou em olhar para trás, a fim de ver o funcionário do palácio. Se o tivesse feito, talvez notaria que o velho corria apressadamente em direção à saída e continuava a esforçar-se para fazer seus pensamentos seguirem uma trilha bem definida.

John Marshall entrou no elevador antigravitacional. O campo ascendente fê-lo subir rapidamente por vinte andares. Naquela altura terminava o elevador que até poucos dias atrás só podia ser usado por Atlan, mas acabara por ser adaptado, tal qual os robôs do palácio, para servir aos mutantes terranos.

O controle instalado na parte superior do elevador identificou John Marshall no momento em que este deu o primeiro passo para abandonar o poço.

“Antes de mais nada informarei Atlan sobre o resultado das investigações que realizamos no Sistema Azul”, pensou.

Andou vinte passos pelo corredor estreito, até chegar ao ponto em que prosseguia o poço de elevador interrompido, a fim de subir mais trinta andares, terminando na parte superior do Palácio de Cristal.

No momento em que saia desse setor, a fim de dirigir-se à próxima conexão, que ficava a poucos metros de distância, Wuriu Sengu, o espia, veio ao seu encontro. Ninguém desconfiaria de que esse homem de aparência insignificante possuía extraordinárias faculdades parapsicológicas, que lhe permitiam enxergar através de camadas grossas de material opaco.

— Tudo bem, Sengu? — perguntou Marshall, que poderia ter seguido um procedimento mais fácil, insinuando-se nos pensamentos de Sengu.

Havia, porém, entre os telepatas do Exército de Mutantes uma lei não escrita, segundo a qual os telepatas só deveriam ler os pensamentos dos colegas quando estivessem em ação.

E para o chefe a operação proteger Atlan, não representava uma ação.

— Tudo bem, John — respondeu o espia e parou.

— Você vem de cima?

Esse “de cima” significava o lugar onde ficavam os aposentos particulares de Atlan.

— Venho. Mais uma vez Atlan ficou muito aborrecido com a etiqueta da corte. Se estivesse no seu lugar, já teria posto para fora esse chato do chefe do cerimonial da corte. Trata-se de um arcônida rastejante que é um verdadeiro pesadelo. Se pudesse, ele até criaria regras sobre a maneira de Atlan mexer com os dedos...

— Wuriu! — disse Marshall com uma gostosa gargalhada. — Suas palavras apenas provam que você não tem condições de ser imperador.

Wuriu sorriu e fitou seu superior em cheio. A expressão alegre de seus olhos sofreu uma modificação quase imperceptível. Dali a pouco segurou o braço de John Marshall e gritou com a voz rouca:

— John! Há uma minibomba em sua arma de impulsos!

— O quê? — gritou Marshall.

Mas aquele homem alto e esbelto logo recuperou o autocontrole e agiu imediatamente.

Seu sentido parapsicológico passou a trabalhar com o desempenho máximo. Nesses segundos terríveis recorreu à telepatia para entrar em contato com Gucky, o rato-castor. Sabia que segundo o regulamento, Gucky deveria encontrar-se no Palácio de Cristal, a não ser que esse sujeito caprichoso se tivesse dado ao luxo de fazer uma excursão por conta própria.

— Gucky, venha imediatamente! Há um perigo enorme para todos. Minha posição...

Gucky encontrava-se no interior do palácio.

E irradiou seus pensamentos para Marshall:

— Conheço sua posição. Já vou.

No momento em que John Marshall captou estes impulsos mentais, o ar começou a tremeluzir à sua frente. O rato-castor surgiu do nada e piou:

— É isso aí?

John Marshall teve a sensação desagradável de que tudo dependeria de uma fração de segundo.

E as palavras consumiam segundos. Por isso recorreu à sua faculdade parapsicológica.

— Pegue esta arma e salte para bem longe, se possível para uma área em que não haja ninguém. Uma vez lá, deixe-a cair.

Naquele instante Marshall sentiu um ligeiro abalo no coldre da arma.

O espia Sengu logo soltou um grito, pois não interrompera por um instante o controle que exercia sobre a minúscula bomba por meio de suas faculdades parapsicológicas:

— O detonador foi colocado em funcionamento...

Seus olhos de espia haviam visto o relê que fora ativado no interior da coronha.

No mesmo instante, Gucky teleportou-se com a minúscula bomba atômica.

— Já a deixou cair — disse Marshall de repente.

Mantinha-se parado, tal qual o espia.

Fora atingido por um ligeiro impulso mental. Por certo esse impulso fora expedido no momento em que Gucky saíra do salto de teleportação e deixara cair a arma com a bomba embutida.

— Por que está demorando tanto? — exclamou Wuriu em tom nervoso.

— Perdi o contato com ele — respondeu Marshall. — Desligou seus impulsos mentais. Tomara que não esteja assumindo um risco muito grande.

 

Mas Gucky estava assumindo um risco tremendo.

Rematerializou-se a quatro mil metros acima da superfície de Árcon I. No mesmo instante começou a cair. Não se importou nem um pouco com isso. Conhecia a velocidade da queda no mundo de cristal. Esta não representava qualquer perigo para ele. Bastaria dar outro salto para colocar-se em segurança.

Mas, naquele instante, o corajoso mutante nem pensou nisso, e também não pensou na possibilidade de que a qualquer momento a pequena bomba poderia explodir em suas mãos.

Durante a queda contemplou o mundo que se estendia embaixo dele. Não via o menor sinal de uma residência. Havia apenas uma estrada a trinta quilômetros de distância, que atravessava uma cadeia de montanhas.

Gucky soltou a pequena máquina infernal. No momento em que se concentrava sobre o salto que o levaria ao ponto de partida, teve a impressão de ver um carro-planador bem embaixo. Mas quando olhou melhor para certificar-se não viu mais nada.

Jamais descobriria que realmente houvera um carro-planador lá embaixo. O veículo afastava-se vertiginosamente do Palácio de Cristal. Também não descobriria que o veículo levava o arcônida que esbarrara intencionalmente em John Marshall, no hall de entrada do Palácio de Cristal, e trocara rapidamente a arma de impulsos do mutante por uma réplica previamente preparada.

Mas ficou sabendo que entre o salto que o levou de volta ao palácio e a detonação da minibomba atômica passou-se menos de um centésimo de segundo.

No momento em que reapareceu à frente de Marshall e Sengu, vindo do nada, uma minibomba explodiu a trinta quilômetros de distância e a três mil e oitocentos metros de altura. De repente um minúsculo sol surgiu no céu azul. Espalhou-se rapidamente para todos os lados, sob fortes trovejar e uivar. As energias atômicas liberadas atingiram um carro-planador e o atiraram ao solo, onde se espatifou entre pedras e árvores. A onda de calor fez com que a espessa vegetação, que cobria as colinas, fosse consumida pelas chamas num raio de mais de dois quilômetros.

 

A onda provocada pela detonação já havia passado. O gigantesco Palácio de Cristal uma construção afunilada, vibrara levemente sob a pressão das massas de ar enfurecidas. A sereia automática deu o alarma de radiações, mas alguns minutos depois anunciou a cessação do mesmo.

Quando isso aconteceu, Marshall, Sengu e Gucky já se encontravam nos aposentos particulares de Atlan.

O arcônida não conseguiu disfarçar o profundo abalo que lhe causara a tentativa de assassinato. E o atentado provava que, apesar de todas as medidas de segurança, estava gravemente ameaçado em Árcon I.

O inimigo que agia no escuro não desistia do seu jogo.

Atlan estava de pé à frente de John Marshall e Wuriu Sengu. Gucky, o rato-castor, instalara-se confortavelmente no sofá.

— Atlan — piou Gucky de repente, no momento em que o arcônida se dispunha a falar. — Respire profundamente por três vezes, faça três agachamentos e depois não diga nada. Acho que é preferível fazer isso e não o que você pretende fazer.

O arcônida fitou-o, perplexo.

— Você acaba de ler meus pensamentos, e não notei a espionagem.

Gucky não se deixou abalar com o tom um tanto áspero da voz do imperador. Espreguiçou-se no sofá, rolou e ficou deitado sobre o lado direito.

— Foi um acaso, Atlan. Provavelmente aconteceu porque ficou tão indignado com a atitude de seus conterrâneos traiçoeiros, que não pensou em mais nada. Não pense mais naquilo que aconteceu. Não vale a pena... pode prejudicar a potência, e na sua idade isso é muito perigoso...

O rato-castor não conseguiu prosseguir em sua fala. John Marshall interrompeu-o em tom penetrante.

— Tenente Guck, será que terei de chamá-lo à ordem mais uma vez e apresentar queixa ao chefe?

Gucky exibiu o dente-roedor solitário. O rato-castor riu das palavras de Marshall. A ameaça de fazer queixa perante Rhodan não o impressionou nem um pouco. Fez um gesto arrogante e não deu mais atenção a Marshall. Dirigindo-se ao imperador, perguntou:

— Atlan, você permite que eu prossiga? Em caso afirmativo, poderia fazer o favor de providenciar para que ninguém me interrompa?

John Marshall mal conseguia respirar. Wuriu Sengu fez gestos nervosos para explicar a Gucky que deveria calar a boca. Atlan foi o único que fitou atentamente o atrevido rato-castor.

— Você está pedindo muita coisa, Gucky — disse.

— Em compensação dar-lhe-ei uma boa dica.

Um brilho matreiro surgiu em seus olhos de camundongo.

— Está bem — respondeu o arcônida. — Aceito suas condições.

O rato-castor ergueu-se no mesmo instante e piou com a voz aguda:

— Se eu fosse imperador, Atlan, mudaria logo de casa, e mudaria para o lugar mais certo. Fixaria residência dentro do centro de computação de Árcon III. De lá você poderá controlar melhor a situação e, o que é o principal, aquele é o lugar mais seguro para você.

Ao ouvir a sugestão do rato-castor, John Marshall prendeu a respiração.

Como Atlan não respondesse logo, Gucky prosseguiu:

— Arcônida, você tem uma coisa que nós não temos: um cérebro adicional. E esse cérebro ainda não lhe disse que o tempo das alfinetadas já pertence ao passado, e que hoje os revoltosos querem eliminá-lo, custe o que custar? Por aqui sua vida correrá perigo a cada minuto que passa. Entre em contato com o grande centro de computação de Árcon III e peça que calcule onde suas chances de sobrevivência são maiores: aqui ou no interior do computador. Também estou curioso para ver a resposta do grande centro positrônico.

Wuriu Sengu ficou perplexo. John Marshall permaneceu imóvel.

— Gucky... — principiou Atlan de repente, mas logo foi interrompido pela voz que saiu do alto-falante:

— Rhodan chamando o imperador! Urgente! Rhodan chamando o imperador!

Atlan olhou para o aparelho. A transmissão de imagem já se estabilizara e o rosto de Rhodan apareceu na tela. O administrador encontrava-se a bordo duma espaçonave.

— Almirante, fico satisfeito em ver que está de perfeita saúde. Vejo que Marshall está a seu lado. Há mais alguém na sala?

— Wuriu Sengu e Gucky também estão aqui, amigo — respondeu o imperador. — O rato-castor acaba de me fazer uma preleção que me afastaria imediatamente do trono, se o texto fosse divulgado no império.

— Posso saber o que disse o Tenente Guck, arcônida?

Gucky estremeceu ao ouvir Rhodan referir-se a ele como Tenente Guck, pois isso constituía um sinal evidente de que o Administrador do Império Solar não estava satisfeito com o comportamento do rato-castor.

Atlan relatou em palavras lacônicas o que Gucky acabara de sugerir. Rhodan ouviu-o com o rosto impassível. O arcônida concluiu seu relato. Perry manteve-se em silêncio.

Gucky não se sentia muito à vontade. Achou que o silêncio de Rhodan já estava durando demais. Lançou um olhar de súplica para John Marshall, mas este não reagiu ao mesmo.

Até mesmo Atlan achou que o silêncio de Rhodan já era demais.

— Por que não diz nada, Perry? — perguntou em tom insistente.

— Será que fiquei quieto por tanto tempo, arcônida? — respondeu Rhodan. — Onde está Gucky?

A pequena criatura escorregou do sofá para baixo e arrastou seu corpo para dentro do ângulo de visão da câmara.

— Estou aqui, Perry! — piou, procurando dar um tom militar à voz.

Os olhos de Rhodan fitaram-no com uma expressão penetrante.

— Você manteve contato telepático conosco, Gucky?

O rato-castor respondeu imediatamente, entesando o corpo:

— Perry, por mais que quisesse, não teria tempo para isso. Além disso, a Ironduke está muito longe de Árcon I, não acha?

— Quer dizer que os terroristas andaram bastante ativos no interior do Palácio de Cristal? Quem lhe deu ordem para exercer as funções de conselheiro do imperador?

A resposta de Gucky foi notável:

— Minha inteligência, chefe. Afinal, sou um de seus amigos mais íntimos, e você mesmo me ensinou que em qualquer situação devo ver em primeiro lugar o que é mais importante. Bem, por isso achei que deveria dar um conselho a Atlan. Será que o conselho não foi bom, Perry?

— Foi até muito bom. Chamei justamente para sugerir ao Almirante Atlan que transfira quanto antes a sede do governo para o interior do centro de computação de Árcon III. Atlan, nos últimos dez minutos mantive contato ininterrupto com o centro de computação positrônica. Dirigi algumas perguntas ao computador-regente.

“O grande centro de computação nega terminantemente a possibilidade de que possa ser destruído por meio de interferências vindas de dentro ou de fora. Todavia, prontificou-se a considerar a hipótese. Concluiu que sua destruição seria acompanhada imediatamente de sua queda. Além disso, a destruição do centro de computação acarretaria o súbito desagregamento do império em milhares de estados.

“Na opinião do centro de computação, o atentado que acaba de ser posto em prática contra você constitui prova inequívoca de que os revolucionários só estão interessados em eliminá-lo, a fim de que o governo passe a ser exercido automaticamente pelo próprio cérebro.”

— Isso é uma lógica puramente mecânica — objetou o arcônida, cuja mão direita estava pousada no ombro de Gucky. — Rhodan, na minha opinião Carba não é tolo a ponto de matar-me para ser governado por um computador positrônico. Depois do que aconteceu hoje sou inclinado a acreditar que Carba pensa ter encontrado um caminho de modificar os controles do centro de computação no sentido que lhe convém. Dali concluo que Carba se aliou a cientistas de Ácon, e talvez mesmo com o Grande Conselho do Sistema Azul.

Neste ponto Rhodan interrompeu-o.

— Essa opinião não é bem correta, Atlan. O Marechal Solar Mercant fez com que um grupo de mutantes entrasse em ação junto ao Grande Conselho, a fim de descobrir se este mantém algum contato secreto com os conspiradores arcônidas. Realizada a tarefa, meus mutantes só puderam concluir que, no momento, o Grande Conselho ainda se mantém fiel aos tratados celebrados conosco, se bem que o governo acônida romperia imediatamente os tratados caso você fosse deposto ou até eliminado.

“Nem por isso, porém, podemos excluir a hipótese de que Carba se tenha unido a certos cientistas acônidas a fim de utilizar a hiperenergética acônida e apoderar-se do grande centro de computação. Os acônidas já nos deram uma demonstração de como se pode penetrar no cérebro positrônico. Para evitar que isso aconteça, quero seguir o exemplo e recomendar-lhe encarecidamente que você passe a exercer o governo no interior do cérebro, em Árcon III. Caso resolva seguir esta recomendação, quero pedir-lhe que instrua o cérebro a permitir a entrada de um grupo de cientistas terranos no setor A-1, a fim de que o dispositivo de segurança possa ser ampliado. Na minha opinião não deve ser difícil convencer o cérebro positrônico de que o aperfeiçoamento de A-1 é absolutamente necessário. Se você informar o computador de que, atualmente dificilmente poderá defender-se contra transmissores ou campos temporais dos acônidas, ele por certo permitiria que não-arcônidas penetrassem no setor A-l.”

— Ah! — respondeu Atlan, e um brilho ligeiro surgiu em seus olhos. — Grande atividade terrana, pousos em massa de espaçonaves terranas em Árcon III, isso são fatos constatados ontem. Perry, se me lembro das vezes que vocês tomaram suas providências antes que acontecesse qualquer coisa, e se neste ponto faço uma comparação com os arcônidas, quase chego a desanimar. Será que ainda sou imperador? E valerá a pena salvar este já podre reino estelar da destruição merecida?

— Atlan, se eu fosse você, não falaria assim. Se bem que o compreendo perfeitamente. Mas o que acha da minha sugestão de abandonar Árcon I e mudar para Árcon III? Daqui a uma hora ou pouco mais, tempo de Árcon, pousarei no porto espacial, situado junto ao cérebro positrônico. Gostaria de encontrá-lo por lá, almirante.

A voz de Rhodan tinha um maravilhoso efeito tranqüilizador. E, nesse instante, livrou Atlan da depressão que por pouco não o leva a deixar de fazer qualquer coisa por seu povo degenerado.

De repente o rosto do imperador, que antes parecera uma máscara, adquiriu vida. Atlan acenou com a cabeça e disse:

— Já tomei minha decisão, Perry. Encontramo-nos em Árcon III. Irei numa nave robotizada juntamente com os homens destacados para minha segurança. Obrigado por ter chamado, Perry.

A ligação de hiper-rádio foi interrompida na Ironduke.

O silêncio passou a reinar na sala. Gucky foi quem falou em primeiro lugar. Piou:

— Atlan, que nave robotizada pretende pegar para ir a Árcon III?

— A Marc-8. Por quê?

— Gostaria de sugerir que eu o levasse à Marc-8 por teleportação. É o caminho mais seguro.

John Marshall interveio na palestra.

— Sir — disse. — Seria conveniente aceitar a sugestão de Gucky.

Atlan soltou uma risada amarga.

— A que ponto chegaram as coisas no mundo de cristal! O imperador tem de sair às escondidas, que nem um ladrão, pois, do contrário, corre o perigo de ser assassinado no caminho que vai do palácio ao porto espacial. Nunca pensei que isto pudesse acontecer!...

 

O ekhônida Tro-Lugo acionou o detonador da minibomba a quatrocentos e dezoito quilômetros de distância, no interior da central de armamentos.

A caixinha achatada, que mantinha calmamente na mão e que possuía um sofisticado transmissor, tinha sobre a tampa dois círculos reluzentes do tamanho de um polegar.

Aparentando tranqüilidade, Tro-Lugo achava-se na carlinga envidraçada, juntamente com seu cúmplice Haan, que pilotava o veículo turístico e, uma vez acionado o detonador, inverteu abruptamente a marcha e acelerou fortemente.

O barco aéreo inverteu o rumo a quatrocentos e dezoito quilômetros do Palácio de Cristal.

O funcionamento dos dois jatos-propulsores era quase completamente silencioso. O veículo de quatro passageiros voava a oito mil metros de altura, e naquele momento passava pelos últimos contrafortes de uma extensa cadeia de montanhas.

Os dois homens que ocupavam o aparelho não demonstravam o menor interesse pelas belezas paisagísticas do mundo de cristal. Olhavam para trás, bem para longe, para o lugar onde devia ficar o Palácio de Cristal, no qual vivia e governava o odiado Gonozal VIII.

Haan ligou o piloto automático e olhou para o cronômetro, que indicava a marca dos onze segundos.

“Mais vinte e quatro segundos”, pensou.

Virou-se para Tro-Lugo e perguntou:

— Por que não liga logo o detonador da bomba, Tro-Lugo? Qual é o motivo da demora? Existe alguma explicação?

Tro-Lugo respondeu com outra pergunta, sem olhar para trás.

— Quanto tempo falta?

Mais uma vez Haan olhou para o cronômetro, que fora posto em funcionamento no mesmo instante em que o detonador havia sido acionado.

— Mais cinqüenta e três segundos. Tro-Lugo fez um gesto de assentamento e disse:

— Mith explicou. Tudo depende do tamanho da bomba atômica. Não foi possível usar o detonador comum. Além disso, o mecanismo de detonação a distância também traz suas conseqüências. Ainda acontece que as armas terranas de impulso são menores que as arcônidas, motivo por que se tornou necessário recorrer a um detonador menor, que trabalha com um fator de retardamento de setenta e cinco segundos, tempo de Árcon. Será que isso tem alguma importância, Haan? Mesmo que o terrano Marshall se demore no caminho para o imperador, isso em nada afetará o efeito da bomba. Quase todo o Palácio de Cristal será transformado numa nuvem gasosa. Quanto tempo falta?

Outra vez Haan olhou para o cronômetro.

— Dezoito segundos, Tro-Lugo. Naquele momento uma voz saiu do alto-falante do rádio de bordo. Essa voz disse num arcônida impecável:

— Centro e trinta!

Estas palavras foram repetidas três vezes.

— Ele vai conseguir! — exclamou Tro-Lugo, em tom exaltado quando ouviu a voz pela primeira vez. — Minha viagem ao lugar em que está Carba não foi em vão. Haan, eu nunca teria permitido que isso acontecesse.

— O que é que você não teria permitido? — perguntou Haan, embora soubesse perfeitamente a que Tro-Lugo estava aludindo.

— O quê! Ora, o quê! — gritou Tro-Lugo, extremamente nervoso. — Agora já posso dizer, Haan. Se Carba tivesse dado ordem para que meu tio morresse no atentado ao imperador, eu o teria traído. Acontece que meu tio acaba de atravessar a marca dos trinta quilômetros. Quando a bomba destruir o palácio, nada lhe acontecerá. Quanto tempo falta?

— Quatro segundos...

Tro-Lugo manteve-se imóvel. Segurava tranqüilamente a caixinha. Os dois círculos coloridos emitiam um brilho suave.

Para eles, os quatro segundos custaram a passar.

— Pelos deuses de Árcon...!

Tro-Lugo proferiu estas palavras com um grito estridente. A caixinha com o detonador por controle remoto escapou de suas mãos.

Bem ao longe, um pequeno sol acabara de surgir no céu azul.

A distância era superior a quatrocentos quilômetros, mas assim mesmo sua luz era tão ofuscante que Tro-Lugo, num gesto instintivo, cobriu os olhos com as mãos.

Haan, que no último segundo olhara na mesma direção que Tro-Lugo, não foi mais feliz que este. Mas foi quem primeiro recuperou a visão.

Olhou imediatamente para o sol artificial que se via a grande distância. Sua luminosidade diminuíra, mas em compensação a extensão aumentara. O cogumelo atômico, que ainda irradiava uma luz muito intensa, cobria o céu como se fosse uma nuvem gigantesca. A extremidade inferior já tocara o solo. Começou a deformar-se lentamente.

— Chame-o, Haan, chame-o imediatamente! — gritou Tro-Lugo.

Haan estremeceu.

Será que Tro-Lugo enlouquecera? Quem pensaria em manter comunicações de rádio numa situação destas? Isso só poderia colocar o sistema de vigilância robotizada na pista dos fugitivos.

— A quem devo chamar? Quem, Tro-Lugo?

Os olhos ainda doloridos de Haan fitaram seu companheiro de conspiração. A resposta deixou-o chocado.

— Ninguém, Haan. Seria inútil. Meu tio não teve a menor chance de escapar do inferno que vimos diante dos nossos olhos.

Deixou-se cair no assento ao lado de Haan.

— O quê? Você acredita que a bomba explodiu bem acima do carro de seu tio? Será que o Palácio de Cristal não foi pelos ares, Tro-Lugo? Que tolice! Afinal, seu tio transmitiu o sinal em código. Informou-nos de que conseguiu realizar a troca das armas. Pelos deuses da Galáxia, Tro-Lugo, o que é que você quer dizer?

Haan sacudiu Tro-Lugo pelos ombros. Este não ofereceu a menor resistência. Falou com a cabeça baixa:

— O relâmpago esteve alto demais, Haan. Solte-me.

— Você está doido. Esse amor que sente pelo tio é um exagero. Sabe lá o que lhe acontecerá se Carba descobrir que você estava disposto a trair-nos? E olhe que você esteve no planeta Zero.

— O mundo Zero — soltou uma risada amarga. — Sim, estive no Zero. Se tivesse chegado uma hora mais tarde, só teria encontrado um quartel-general abandonado. O mundo Zero já se encontra em outro planeta, que não conheço. Como é, Haan? Já se acalmou?

Haan respondeu em tom violento:

— Um homem que estava disposto a trair-nos não me pode perguntar se já me acalmei. Olhe, Tro-Lugo.

De repente a voz de Haan assumiu um tom penetrante.

Ao virar a cabeça, Tro-Lugo viu a arma térmica de Haan apontada para ele.

— Ah! Então é isso! Acho que você não teria escrúpulos em matar-me, não é mesmo? — perguntou Tro-Lugo, com a voz tranqüila.

Quando o receptor captou um chamado, Haan ainda refletia sobre estas palavras.

— Mude de rumo imediatamente e pouse na posição ER-55. Não tente escapar. Nossos canhões estão apontados para seu barco turístico.

Haan baixou lentamente a mão com a arma térmica. Olhando pelo vidro abaulado da carlinga, os homens viram um barco policial robotizado, a menos de um quilômetro.

De repente deixaram de ser inimigos e voltaram a ser aliados. Por enquanto a ordem da polícia robotizada ainda representava um ato de rotina. Mas essa rotina seria abandonada, no momento em que a caixinha achatada fosse descoberta no interior do barco turístico e alguém examinasse seu conteúdo.

Haan moveu o piloto automático e ajustou o comando para a posição ER-55.

O barco turístico descreveu uma curva fechada para a esquerda e desceu abruptamente.

Viram bem à sua frente um campo de pouso com pavimento de plástico. Os barcos turísticos e as viaturas robotizadas da polícia aproximavam-se de todos os lados.

Tro-Lugo e Haan não tinham o que fazer. O piloto automático levou-os ao campo de pouso.

— O que vamos fazer com isto? — perguntou Tro-Lugo, apontando para a caixinha achatada que se encontrava a seus pés.

— A única coisa que podemos fazer com esta caixinha é escondê-la e fazer votos de que nosso veículo não seja submetido a uma revista muito minuciosa. A esta altura não podemos destruí-la. O aparelho de rastreamento energético deve ter sido ligado no barco policial que nos segue. Se constatar a presença de alguma forma de energia estranha, os robôs desconfiarão. Acontece que ainda quero ter uma chance de escapar.

— Hum — fez Tro-Lugo, levantando a caixinha com os dois círculos coloridos, que ainda emitiam uma débil luminosidade.

De repente estacou em meio ao movimento e cochichou com a voz abatida:

— Haan, os robôs que se encontram na viatura policial já constataram a presença da estranha energia. Olhe. Está vendo o brilho das cores? Do verde e do vermelho? O transmissor que se encontra aqui dentro ainda continua a irradiar. Nem sequer podemos esconder o aparelho. Não temos chance. A polícia de Gonozal nos pegou.

— Passe para cá! — disse Haan em tom grosseiro, arrancando a caixinha de plástico das mãos de Tro-Lugo.

Antes de examiná-la, voltou a lançar um olhar ligeiro para baixo. Encontravam-se mil metros acima do pequeno campo de pouso. Dali a um minuto tocariam o solo.

Desde o momento em que o sol atômico se acendera, Haan mostrara-se mais ativo que Tro-Lugo. Examinou o revestimento de plástico com uma calma admirável e encostou a caixinha ao ouvido. Praguejou. Ouvira o crepitar típico do cristal que continuava a transmitir. Isso provava que o aparelho ainda estava emitindo impulsos.

— É o fim! — limitou-se a dizer. — Mas antes que a polícia de Gonozal ponha as mãos em mim, acabo com tudo. Não tenho mais nada a perder.

Atirou a caixinha com o transmissor num canto. No mesmo instante, o barco-voador sofreu um leve abalo.

Acabara de pousar.

Olhando pelo vidro da carlinga, os ocupantes do aparelho viram a viatura robotizada da polícia planar em sua direção. O veículo que lhes ordenara que pousassem desceu bem a seu lado. A eclusa abriu-se e cinco robôs saíram planando da mesma. Dentro de dois segundos cercaram o barco de turistas.

— Saiam! — ordenou uma voz metálica.

Tro-Lugo levantou-se com o rosto pálido. Haan levantou uma fração de segundo depois dele. Seu rosto estava desfigurado, mas os olhos chamejavam. Seguiu Tro-Lugo bem de perto.

Agora, mais de uma dezena de robôs aguardava os dois ekhônidas.

“É agora”, pensou Tro-Lugo, esperando que o raio hipnotizante saísse do braço de um dos robôs policiais.

O raio hipnotizante não veio, e Tro-Lugo nem pensou na possibilidade de ser atingido por um raio térmico. Sabia perfeitamente como costumavam agir os robôs policiais de Árcon. Haviam sido programados para só fazerem uso das armas de radiações mortíferas, quando surgisse um caso todo especial.

Mas Haan, o ekhônida, nascido no mesmo mundo do grupo estelar M-13 que Tro-Lugo, oculto às costas deste, segurava na mão a arma térmica.

No momento em que Tro-Lugo esperava o raio hipnotizante, sentiu uma pressão nas costas.

E tudo passou...

Para os robôs policiais essa morte súbita, causada por uma arma térmica, transformou-se num caso especial. Seus cérebros positrônicos registraram a morte do ekhônida Tro-Lugo. A programação positrônica ordenou-lhes que disparassem as armas hipnotizantes com o máximo de intensidade.

Mas nenhum dos robôs atirou. A chamada barreira anti-raio, acionada pelo dispositivo ótico — ou seja, pelo sistema de lentes que desempenhava a função dos olhos — paralisou as armas dos robôs.

Não havia quem devesse ser posto fora de ação, pois, assim que Haan matou Tro-Lugo, suicidou-se...

Seu último pensamento encerrava uma maldição contra o Imperador Gonozal VIII.

Dali a alguns segundos, quando os robôs revistaram a nave de turistas, descobriram a caixinha de plástico achatada num dos cantos. Uma hora depois, a central de polícia de Árcon I apenas se lamentou que os dois ekhônidas estivessem mortos e não pudessem prestar declarações.

 

O Marechal Solar Allan D. Mercant, um homem que, segundo diziam as línguas ferinas, ouvia crescer a grama a mil anos-luz de distância, estava sentado à frente de Reginald Bell.

Bell, um homem ruivo e atarracado, esmagava o cigarro no cinzeiro. A violência do seu gesto provava que não estava muito alegre. Em compensação, Allan D. Mercant parecia tranqüilo. Mas essa aparência era enganosa. Naquele instante o marechal que chefiava a Segurança Solar, relatara em palavras nervosas que, nos seus dez mil anos de vida, Atlan nunca correra um perigo tão grave como nestas horas.

— Não compreendo esses robôs policiais de Árcon! — exclamou Bell, com a voz zangada. — Por que esses homens-máquina não subjugaram os dois ekhônidas logo após o pouso da nave turística em que viajavam?

— Porque o Império de Árcon não é um reino de bandidos, mas um Estado no qual o indivíduo goza de um máximo de liberdade — disse Mercant, com a maior tranqüilidade.

— Acontece que na situação que reina em Árcon a estas horas tal procedimento representa um verdadeiro absurdo — esbravejou Bell, que na ausência de Perry Rhodan representava o administrador. — Mercant, se algo parecido acontecer na Terra, isto é, se alguém resolver atirar uma bomba atômica para eliminar um inimigo, eu lhe garanto...

— ...que apesar de tudo não nos transformaremos num estado policial — interrompeu o marechal solar com um sorriso.

— Veja só! Esses tipos indolentes sabem atirar bombas — prosseguiu Bell, em tom zangado.

— O atentado a bomba é obra de ekhônidas, sir — objetou o chefe da Segurança. — Carba, o sucessor do Almirante Thekus, é um arcônida da nova linhagem, e por isso ainda não foi atingido pela letargia resultante da degenerescência. Mas o que deve preocupar-nos é o fato de os revolucionários terem conseguido tirar a pistola de impulsos do coldre de John Marshall e trocá-la por uma arma preparada. Mister Bell, esse fato revela que não estamos em condições de garantir plenamente a segurança de Atlan. Na minha opinião, só o computador de Árcon III seria capaz disso.

— Quer dizer — perguntou Bell — que você já não adota a teoria de que os movimentos subversivos no Império de Árcon vêm sendo manipulados pelo Sistema Azul ou por um grupo influente de acônidas?

O marechal solar hesitou um pouco.

— Sir, o senhor apóia seu raciocínio no levantamento realizado pelos mutantes, que agem no Sistema Azul, e no controle dos pensamentos dos membros do Grande Conselho. O resultado negativo desse levantamento e desse controle não prova que não haja acônidas atrás desses movimentos. Se me permite proferir um julgamento baseado na experiência, direi que justamente por isso a mola propulsora de tudo isso deve ser procurada entre os acônidas.

— Acontece que o senhor não dispõe de nenhuma prova, não é mesmo, Mercant?

— Bell — disse o marechal solar num tom que quase chegava a ser de compaixão. — Sei que me conhece desde o tempo em que ainda era capitão da Força Espacial dos Estados Unidos, enquanto eu já desempenhava as funções de chefe do Serviço de Segurança Internacional. Trabalho no setor há mais de cento e sessenta anos. Com o tempo, a gente aprende cada vez melhor nosso ofício. Portanto, posso até afirmar que, além dos novos arcônidas e dos ekhônidas, um grupo grande e influente de acônidas pertence aos movimentos subversivos. É evidente que os acônidas vêem sua missão mais importante na subjugação do Império de Árcon e na destruição do sistema solar, que pretendem conseguir depois disso. Face a isso, a eliminação do imperador representaria um fator de importância secundária.

— Prefiro que você mesmo vá dizer isso a ele, Mercant — observou Bell, em tom sarcástico.

— Não precisa dizer a Atlan; ele já sabe. Encara a evolução dos acontecimentos da mesma forma que eu, com pequenas diferenças. O que mais assusta em tudo isso é que não conseguimos descobrir em que planeta escondeu Carba, o sobrinho de Thekus, e não sabemos quem é o chefe do movimento subversivo que manipula os fios. Só posso atribuir o fracasso total dos mutantes ao fato de que mais uma vez os antis estão metidos nisso. Estes representam um poder que, quando concentrado inteiramente numa ação dirigida contra nós, obriga-nos a colocar o sistema solar em estado de prontidão absoluta.

Bell fitou-o com uma expressão pensativa.

— Mercant, vivemos falando sobre o grupo de Thekus, mas não dizemos uma palavra sobre os radicais. Como sabe que o atentado malogrado deve ser atribuído aos homens que cercam Thekus e não aos radicais, cujo objetivo principal consiste na destruição do computador de Árcon?

— Na minha opinião, os radicais são uns tagarelas, ingênuos e inofensivos, em comparação com o movimento subversivo dirigido por Carba. Este tem um objetivo e um programa político. Carba será capaz de realizar um trabalho construtivo, depois da deposição do imperador... se é que vai conseguir. É uma cabeça inteligente e um indivíduo realista. Tenho certeza de que soube escolher seus colaboradores.

— Mercant, raramente tive tão pouco prazer em ouvi-lo como agora. O chefe já conhece sua opinião?

— Conhece-a muito bem e a aceita. Ambos estamos convencidos de que Carba só mandou eliminar seu tio Thekus porque este não concordava em tentar a derrubada do regime com o auxílio dos ekhônidas, antis e acônidas. Thekus, que era um inimigo declarado do imperador, também era, antes de tudo, um patriota arcônida. Deve ter percebido logo que perigo surgiria para o Império de Árcon, se o movimento subversivo por ele dirigido tivesse de recorrer a auxílio vindo de fora. Segundo os boatos que chegaram aos nossos ouvidos, houve um conflito grave entre Thekus e seu sobrinho, quando o almirante descobriu que Carba estabelecera contato com os acônidas. Mas, como acabo de dizer, trata-se apenas de boatos que chegaram ao conhecimento de nosso Serviço de Segurança. Acontece que esses boatos explicariam por que Thekus foi eliminado pelos membros do grupo a que pertencia. Provavelmente recusou-se a aceitar acônidas em seu movimento subversivo e teve de pagar a recusa com a própria vida. Carba ocupou seu lugar e aliou-se aos acônidas. A prova disso está no episódio do planeta Kusma, onde Carba e três acônidas infelizmente nos escaparam.

— Qual é sua opinião pessoal sobre a estação de ativamente cerebral que existia nesse planeta gelado, marechal solar? Será que realmente se pretendia ativar o cérebro adicional de Carba nessa estação? Será que isso foi impedido pelo nosso aparecimento no planeta?

— Não pergunte mais nada, mister Bell. Opinião pessoal para cá, opinião pessoal para lá! Nossos dados sobre o que pode ter acontecido nessa estação de ativação cerebral são tão escassos que no momento minha atitude só pode ser de resignação. É que...

Não conseguiu prosseguir. A grande estação de hiper-rádio transmitiu o sinal de chamada urgente. No mesmo instante, a grande tela iluminou-se.

O rosto de Rhodan apareceu na mesma. Seus olhos brilhavam. Bell logo percebeu que Perry Rhodan estava muito nervoso.

E Rhodan em pessoa anunciou um fato inacreditável aos dois homens ali reunidos.

 

Joe Luklein — trinta e dois anos; há três anos possuía uma pequena frota de naves cargueiras que operavam constantemente entre o sistema Ghonno e o planeta Trump, situado no grupo estelar M-13. Só aparentemente conduzia o negócio por conta própria. Na verdade era um membro da Segurança Solar. As naves que constavam dos registros arcônidas sob seu nome pertenciam à frota mercante solar, embora não tivesse sido construídas pelos estaleiros terranos, já que haviam saído das linhas de montagem de Archetz.

Joe Luklein estava em seu gabinete, ouvindo as últimas notícias, quando subitamente escutou um estalo.

Joe Luklein estendeu o braço direito, pôs a mão para o lado e ligou um aparelho de hiper-rádio escondido no teto. Não se interessava mais pelo noticiário do Império Arcônida.

Ouviu uma música que saía do alto-falante do receptor de hiper-rádio. Era uma música rítmica.

— Ora, o que é isso? — perguntou Joe em tom de espanto e sacudiu a cabeça.

Não possuía nenhuma chave para a decifração de transmissões musicais. Nunca ouvira música na faixa secreta. E Joe não estava disposto a acreditar que a Segurança Solar tivesse resolvido transmitir música leve, a fim de proporcionar um melhor relaxamento para os homens empenhados em alguma missão.

— “Protuberâncias e Bólidos...” Caramba, é um fox muito antigo. Será que é mesmo para mim?

A cada segundo que passava, Joe Luklein tornava-se mais nervoso. Teve a impressão de que algum perigo o ameaçava, mas não tinha a menor idéia da direção de onde vinha esse perigo. Levantou-se apressadamente, foi até a estante e tirou um livro pouco usado. Esse livro trazia um título insignificante.

Página 1.945. Nesta página estava a chave do código para hoje, amanhã e depois de amanhã. Encontrava-se na décima oitava linha. Era representada pela palavra “instantaneamente”.

Joe voltou a guardar o livro, deu um passo para a direita e colocou-se à frente da pequena máquina depuradora, modelo standard, para estações estacionárias dos agentes.

Escreveu as palavras instantaneamente e música e aguardou até que o resultado saísse sob a forma de fita perfurada.

A faixa secreta da Segurança Solar continuava a transmitir música ligeira. Durante o curso que fizera na Terra, Joe Luklein aprendera que a música também é utilizável na transmissão de mensagens em código, mas que atualmente o método quase não era usado.

A fita perfurada caiu pela fenda. Joe pegou-a, muito curioso, leu e disse:

— Ora veja...

Naquele instante tomara conhecimento de mais um segredo da Segurança Solar. Esse segredo fora revelado através da palavra música. A fita perfurada dizia em sua linguagem codificada:

 

Tempo 18,6. Freqüência de distorção 49, 2 Hz. Mais-menos-mais. Tempo 2.

 

Nenhum agente inimigo saberia o que fazer com estes dados. Fracassaria o mais tardar no mais-menos-mais, isto se um acaso inacreditável lhe permitisse reconhecer estas palavras em símbolos. Joe Luklein já conhecia os conceitos isolados, mas até então não sabia que estes podiam ser multiplicados um pelo outro. E era o que o mais-menos-mais exigia dele.

Outra vez a pequena decifradora foi posta a funcionar. Era uma maravilha dos especialistas terranos em codificação e dos engenheiros positrônicos. Nem mesmo Árcon dispunha de um aparelho desse tipo, que só nesses últimos meses passara a ser usado pela Segurança Solar.

Mais uma fita perfurada saiu da máquina. O rosto de Joe Luklein parecia muito tenso quando a levou para o aparelho de hiper-rádio e a introduziu no setor de memória número cinco, fazendo-a passar pela respectiva trilha.

O alto-falante já voltara a silenciar. Transmitia apenas o tão conhecido farfalhar de hiper-rádio. Luklein voltou a acomodar-se na sua poltrona. Sentia-se febril de tão tenso que estava.

Esperou. Os segundos pareciam estender-se ao infinito. O alto-falante continuava calado. Joe Luklein começou a sentir-se martirizado pela tensão. Pela primeira vez viu que a parte positrônica de seu aparelho de hiper-rádio era capaz de decifrar mensagens.

Luklein, que tinha uma disposição natural para ser um membro do Serviço de Segurança, felicitou-se por ter solicitado, há treze anos, que o admitissem na Segurança Solar. Naquele instante deu-se conta com uma tremenda nitidez de que trabalhava para um serviço de informações que não tinha igual na Galáxia.

O alto-falante deu um estalo e uma voz metálica se fez ouvir:

— Hoga encontra-se no planeta Trump. Supõe-se que esteja em Gilkar, uma pequena aldeia situada nas proximidades da cidade de Renl. A aldeia tem cento e dezoito habitantes. Não é possível usar os mutantes, já que estes estão ocupados em outras missões. Além disso, seu êxito seria duvidoso. Atenção: convém tomar em consideração a eventual presença de antis. Trata-se de uma missão isolada. A agência de navegação apresenta um vazamento. Hoga deve cair em nossas mãos são e salvo. Trata-se de um importante elemento de ligação do grupo de Thekus. Missão deverá ser iniciada imediatamente. Contato a cada hora pelo raio vetor 345-J. Missão envolve perigo de vida. Chame sua nave cargueira Ghonno-3. Ordene à mesma que se dirija ao planeta Yygt, a fim de receber carregamento de peles de trull. Confirme recebimento desta ordem. Atenção. Missão envolve perigo de vida. Fim da mensagem.

Joe Luklein ficou rígido em sua poltrona. A reprodução da mensagem já fora concluída há alguns minutos. As palavras perigo de vida ainda ressoava em seus ouvidos.

Respirava com dificuldade. Sentia-se arrasado. A advertência, transmitida juntamente com a ordem, de que havia um agente inimigo entre seus empregados, atingira-o profundamente.

Se o quartel-general da Segurança Solar transmitia uma advertência desse tipo, esta correspondia à verdade.

Joe Luklein levantou-se. Não tinha tempo para cuidar disso. Trataria do assunto mais tarde, depois que regressasse de sua missão.

Se regressasse...

Tinha a impressão de que seus ouvidos ainda ressoavam:

“— Missão envolve perigo de vida.”

“— ...tomar em consideração a eventual presença de antis.”

Dirigiu-se ao armário de aspecto modesto. Parecia ser um produto de massa da indústria do mobiliário de Trump. Na verdade, a peça fora produzida na Terra. E fora produzida sob encomenda da Segurança Solar. Sua finalidade consistia em evitar que as armas de radiações dos seus agentes caíssem nas mãos de pessoas não autorizadas.

Aquele armariozinho de aspecto tão inocente era um depósito de armas.

Luklein levou três minutos para abri-lo.

Escolheu cuidadosamente.

Não se esqueceu da possível presença de antis na aldeiazinha de Gilkar. Seu armamento incluiria um colt trinta e oito. Os projéteis disparados pelo mesmo eram de plástico magnético. Só este material seria capaz de atravessar o campo defensivo individual dos antis.

Numa gaveta situada mais embaixo havia um minicomunicador especial. Luklein ajustou-o para o raio vetor 345-J, conforme constava da ordem recebida do quartel-general de Terrânia. Esse raio correspondia a um sinal goniométrico de 2,8 segundos.

Um sorriso feroz surgiu no rosto de Luklein.

— Isto até parece um comando suicida — disse para si mesmo, enquanto trocava seu minicomunicador normal pelo equipamento especial.

Dali a uma hora entrou nos recintos de sua agência de navegação. Ninguém desconfiaria de que trazia um traje especial de combate sob as vestimentas normais ou de que escondia sob estas quatro armas de radiações e um colt trinta e oito.

Atravessou a ante-sala com a tranqüilidade de sempre, dedicando uma palavra amável às suas secretárias nascidas em Trump. No momento em que pretendia entrar em seu gabinete, Mergy, uma bela trumpense, deteve-o.

— Recebemos há poucos minutos um chamado do planeta Yygt, pertencente ao sistema Orlon. A firma expedidora Dress, sediada em Alker, quer saber se podemos receber uma carga de peles de trull destinadas ao sistema Ghonno. São oito mil e seis toneladas. Tarifa C.

Mais uma vez a Segurança Solar fizera um trabalho preciso. Alguns especialistas que trabalhavam no quartel-general de Terrânia haviam calculado quanto tempo Joe Luklein, que se encontrava em Trump, levaria para preparar-se para a missão, e depois disso fixaram quase com a precisão de um minuto o momento em que o agente de Yygt deveria expedir a mensagem de hiper-rádio destinada a Trump.

Joe Luklein saiu-se muito bem no papel do homem pensativo.

— Tarifa C? Oito mil e seis toneladas? Não é muita coisa. Bem... Que nave poderíamos usar? Mergy, a senhora já verificou de que cargueiro poderíamos dispor?

A bela secretária acenou animadamente com a cabeça.

— Consultei o Departamento de Tráfego. A Ghonno-3 ainda se encontra no planeta Mers, a seis anos-luz de Yygt. Trinta por cento dos porões de carga ainda estão vagos.

— Está bem. A Ghonno-3 pode receber a carga. Entre em contato com a seção de hiper-rádio. As condições serão as usuais. Bem, a senhora sabe. Deixo tudo por sua conta. Cuide da elaboração do contrato também pelo hiper-rádio, etc., etc.

Fechou a porta do gabinete atrás de si. Dali em diante, a advertência da Segurança Solar, segundo a qual havia “um vazamento em sua agência de navegação,” orientaria seus atos. Chamou a seção de contabilidade financeira e procurou informar-se sobre as entradas de numerários nas diversas contas. Suas perguntas tinham um tom de rotina. Pretextando a compra de uma nova nave cargueira, mandou que naquele dia e no dia seguinte não se fizesse nenhum pagamento.

— Quero o resultado da pesquisa de mercado — disse, ao concluir a palestra com a equipe de contabilidade.

Joe Luklein era o único terrano que trabalhava na empresa. Todos os funcionários eram habitantes do planeta Trump. Tratava-se de um povo que não descendia diretamente dos arcônidas, mas dos ekhônidas, um ramo que se conservara ativo, e que colonizara o planeta Trump há mais de três mil anos, mas logo lhe concedera autonomia em tudo aquilo que se relacionava com a política comercial. Para os ekhônidas, o sistema solar de Trump representava um investimento perdido. Além de ficar numa região econômica estelar onde predominavam os produtos agrícolas, povos nativos dos mundos circundantes procuravam constantemente revoltar-se contra Árcon e se recusavam a adaptar-se à cultura elevada do império.

Os colonos ekhônidas logo adaptaram as indústrias instaladas em Trump as necessidades pouco sofisticadas dos outros mundos primitivos e faziam bons negócios, enquanto os balanços dos mundos de origem ekhônida continuavam a apresentar resultados negativos, por maiores que fossem os esforços desenvolvidos. Foi este um dos principais motivos por que Trump adquiriu tão depressa a independência econômica.

Offre, o trumpense encarregado das pesquisas de mercado, recebeu um aviso.

— Preste atenção — disse-lhe Luklein. — Resolvi outra coisa. Provavelmente encomendarei ou até comprarei amanhã uma nova nave cargueira. Amplie suas pesquisas mercadológicas ao sistema Menti. Considere o fato de que a capacidade de carga da nova nave excede a da Ghonno-3 em cento e oitenta toneladas. Quando poderá concluir a pesquisa?

— Depois de amanhã.

— Está bem. Aguardarei seu relatório depois de amanhã, à mesma hora. Obrigado, Offre.

Luklein desligou, mas continuou a contemplar com uma expressão pensativa a tela, da qual acabara de desaparecer o rosto de Offre.

“Será Offre um dos elementos ligados ao inimigo?”, pensou.

A advertência do quartel-general da Segurança deixara-o mais nervoso do que quisera confessar no início. Desde o momento em que recebera a advertência, passara a desconfiar de Offre. Offre estivera em seu gabinete há poucos dias, quando recebeu o chamado do mercador galáctico Jukan, que insistira em falar urgentemente com ele, Luklein. Pouco depois Jukan fora morto a tiro.

— No momento não posso perder tempo com isso — disse Luklein, levantou-se e foi até a porta.

Uma vez na ante-sala, falou às duas secretárias.

— Não me sinto muito bem. Hoje não voltarei mais. E não quero ser incomodado. Até amanhã.

Dali a dez minutos, quando um homem saiu do conjunto residencial de Joe Luklein, usando a passagem particular deste, esse personagem estranho não tinha a menor semelhança com o terrano. Um saltador de costas ligeiramente encurvadas atravessou a rua e misturou-se à massa humana que enchia a rua principal. Acompanhando os transeuntes, caminhava lentamente em direção ao espaçoporto, verificando sempre se alguém o seguia.

Gastava muito tempo nessa medida de segurança. Só depois de certificar-se que ninguém seguia sua pista fez sinal para um táxi e pediu que o levasse ao espaçoporto. Durante a viagem para lá, emitiu pela primeira vez o sinal goniométrico por seu minicomunicador especial.

Com isso a Segurança Solar tomou conhecimento de que a missão especial de Joe Luklein tivera início.

 

O maior centro de computação positrônica da Galáxia ocupava uma área de dez mil quilômetros quadrados. O gigante fora construído há milênios por cientistas arcônidas, quando passaram a surgir sinais cada vez mais freqüentes de que o povo arcônida degenerava a passos rápidos, e de que não havia meio de deter as modificações assustadoras que se verificavam com o mesmo.

Os trabalhos preliminares da construção do grande cérebro foram obra de várias gerações, que verificaram vezes sem conta se não haviam esquecido algum detalhe. Em algum momento do futuro, o computador deveria ocupar o lugar do imperador de Árcon e governaria o imenso império estelar por meio do saber nele introduzido.

Era uma tarefa quase impossível, um empreendimento a que se opunham milhões de problemas, que os arcônidas daquele tempo se propuseram. Mas os habitantes de Árcon, que ainda se mantinham ativos, e cujos antepassados conseguiram afastar planetas de suas órbitas, conseguiram o que parecia impossível: concluíram a montagem do gigantesco dispositivo positrônico no curso de uma só geração arcônida.

Perry Rhodan e o Imperador Gonozal VIII estavam parados à frente do telecomunicador da Ironduke. O aparelho acabara de irradiar o sinal dirigido ao gigantesco centro de computação, que estabeleceria o contato com o mesmo.

A resposta do grande computador foi quase instantânea. O inconfundível símbolo surgiu na tela e uma voz metálica se fez ouvir.

O sinal trouxera ao conhecimento do gigantesco centro de computação o fato de que o Imperador Gonozal VIII queria um contato. Por isso mesmo, o grande cérebro dirigiu-se exclusivamente a Atlan.

Rhodan estava sentado à direita do arcônida. Os dois homens achavam-se a sós no camarote. Perry Rhodan pedira aos visitantes que se retirassem. Quando se viram sozinhos, o arcônida lhe perguntara por que dera esta ordem, mas o administrador não soube dar nenhuma resposta satisfatória.

— Atlan, não sei por que mandei que saíssem. Também não sei dizer por que há algumas horas mais uma vez me sinto oprimido por uma sensação desagradável. Talvez seja porque sua posição piora a cada momento, e a evolução dos acontecimentos, que se desenrolam no interior do Império de Árcon, leva inexoravelmente à catástrofe.

— E com isso a situação do Império Solar também se tornaria insustentável, não é, bárbaro?

A pergunta de Atlan não representava nenhuma insinuação malévola. Acertara bem no alvo, exprimindo em poucas palavras a ligação existente entre o destino do império estelar terrano e o do imperador.

Se Atlan fosse deposto, o Império Solar deixaria de existir dentro de poucos dias, já que com a deposição o tratado de aliança estaria extinto.

Esse tratado fora celebrado para garantir a existência do Império de Árcon. O único critério da escolha dos meios era a utilidade. Não se reconhecia a amizade, e as razões de lealdade e humanidade lhe eram totalmente estranhas.

Perry Rhodan não respondeu à pergunta de Atlan. O olhar que dirigiu ao seu interlocutor dispensava qualquer outra resposta.

Atlan, o arcônida que tinha atrás de si um passado de dez mil anos, passou a falar com o gigantesco centro de computação.

O grande computador ouviu-o sem a menor comoção. Milhões de chaves interpretavam as declarações de Atlan, no momento em que eram formuladas. Atlan queria provar ao grande dispositivo positrônico que o comando de segurança A-1 deveria sofrer uma modificação, cuja necessidade resultava da fácil descoberta, realizada pelos acônidas.

O grande computador respondeu com a voz áspera:

— Verificação do dispositivo de segurança revelou que não há necessidade de qualquer modificação.

Atlan e Rhodan fitaram-se prolongadamente. Perry Rhodan passou a falar com o gigantesco centro de computação.

— Preste atenção. Há três anos o dispositivo de segurança não conseguiu evitar a invasão dos acônidas no centro de processamento. Isso basta para demonstrar a insuficiência de A-l.

O cérebro respondeu em tom frio:

— O surgimento dos acônidas no setor de processamento levou à ativação de novos circuitos destinados a evitar esse tipo de perigo. Face a isso, não há mais necessidade de outras manipulações em A-l.

— Computador, nós, os terranos, possuímos documentos relativos a um conversor de tempo acônida. Lembro-me do que aconteceu em Árcon III, quando esse mundo foi transferido para um passado de quinze mil anos atrás, provocando sua falha e a paralisação das funções mais importantes do império. O dispositivo de segurança A-1 deve ser modernizado, a fim de que não haja possibilidade de que o fato se repita.

— Nem mesmo o Imperador Gonozal VIII está autorizado a penetrar na área onde fica o setor A-l. Não posso sobrepor-me à lei número dezoito, que me foi dada pelos meus criadores.

Rhodan e o imperador prenderam a respiração, perplexos. Não se lembravam de ter ouvido falar na lei número 18. Sempre foram de opinião que, se necessário, o gigantesco centro de computação poderia autorizar que uma pessoa penetrasse em qualquer dos seus recintos.

— Qual é o texto dessa lei? — perguntou Atlan.

O gigantesco centro positrônico respondeu prontamente:

— O setor de segurança A-1 não será acessível a nenhuma pessoa.

Rhodan voltou a entrar na palestra.

— O setor A-1 possui algum armamento defensivo?

— Essa pergunta não tem nenhuma lógica, Rhodan. Ninguém pode penetrar em A-l. Logo, não há necessidade de armamento no mesmo.

Atlan e Rhodan já haviam falado tantas vezes com o gigantesco centro de computação que não iriam enervar-se com respostas desse tipo. Rhodan perguntou em tom áspero:

— Será que tenho de lembrar mais uma vez do conversor de tempo dos acônidas? Formulo uma pergunta, com o consentimento do imperador: O dispositivo de segurança também protegerá contra os efeitos produzidos pelo conversor de tempo?

Atlan disse imediatamente:

— Concordo com a pergunta.

O centro de computação respondeu com a voz metálica:

— A-1 está abrigado por trás de um campo energético em favo!

Atlan e Rhodan sentiram-se chocados.

Então era a única coisa que o dispositivo positrônico tinha a dizer? Não era possível.

Atlan respirou profundamente e formulou sua pergunta:

— Computador, exijo explicações sobre se o campo energético em favo protege A-1 contra os efeitos do conversor de tempo.

— A resposta a esta pergunta resulta do fato de que A-1 está abrigado sob um campo energético em favo.

Os dois homens perceberam que suas perguntas se moviam num círculo vicioso. Não valeria a pena continuar a conversar com o gigantesco dispositivo positrônico. Ele fundamentava a recusa de permitir a modernização do setor A-1 em certa lei número 18, que lhe teria sido dada por seus construtores. Face a isso proibia, até mesmo a Atlan, a entrada nesse setor vital.

Rhodan desligou. O símbolo projetado na tela apagou-se.

— E agora, Perry? — perguntou Atlan em tom de desânimo. — Você preparou tudo, veio com uma grande frota e um batalhão de cientistas para proteger o cérebro contra danos e talvez mesmo contra a destruição, e o dispositivo positrônico recolhe-se atrás de certa lei número 18, que nem você nem eu conhecíamos.

— Iremos embora da mesma forma que viemos, amigo. Só faço votos de que nunca se confirmem os meus receios de que um belo dia tenhamos que defrontar-nos com um centro de computação reprogramado e transformado em nosso inimigo...

— Está aludindo aos acônidas e ao seu conversor de tempo, bárbaro?

— Isso mesmo. Receio que o campo energético em favo não ofereça proteção contra o conversor acônida. Sob o ponto de vista puramente físico, não consigo imaginar como o tal favo poderia resistir a um ataque vindo de outra dimensão temporal. Mas o que mais me assusta é o fato de, segundo tudo indica, o centro de computação não conseguir compreender o perigo. Fico refletindo sobre se cometemos algum erro durante a palestra que mantivemos com o dispositivo positrônico, mas não consigo descobrir nada.

— Se você considerar o assunto sob outro ângulo, partindo da pressuposição de que os construtores do centro de computação não lhe deram a possibilidade de processar os dados relativos a este ponto, não poderá recriminar o dispositivo positrônico. Por que está rindo, Perry?

— É um riso amargo. Estamos dançando numa corda bamba, sobre uma cratera em chamas, e quase chegamos ao ponto de fechar os olhos à realidade. Você não acha que estou com a razão, Atlan?

Fitaram-se. O arcônida confirmou com um gesto.

— Acho — confessou. — Mas gostaria de saber o que o deixa tão nervoso. É o centro de computação, Perry?

— É.

— É o fato de que ele toma decisões que podem me prejudicar? Quando receia que isso poderá acontecer?

Rhodan recostou-se na poltrona.

— A aparente falta de lógica do cérebro deixa-me assustado, Atlan. Fomos nós que provocamos essa falta de lógica, sem que o quiséssemos. Já compreendo que cometemos um erro imperdoável durante a palestra que mantivemos com o aparelho. Provocamos a desconfiança do dispositivo positrônico. Deveríamos ter sabido que o setor A-l é o maior tabu do centro de computação. Atlan, qualquer pessoa que pretenda introduzir uma modificação no setor A-1 deve ser considerado inimigo do Império de Árcon, face à lógica fria do cérebro positrônico.

— Se fosse assim, o centro de computação não procuraria destruir-me imediatamente, Rhodan? — perguntou Atlan em tom exaltado, enquanto seus olhos de arcônida chamejavam num fogo amarelo.

— O percentual de desconfiança deve ter sido insuficiente para desencadear uma ação desse tipo. Erramos por termos sugerido a modernização do setor A-l. Deveríamos ter levado o dispositivo positrônico a formular espontaneamente o pedido de que nós o modifiquemos, segundo as conquistas mais recentes da tecnologia. Se tivéssemos sabido da existência da lei número dezoito seria diferente.

Atlan levantou-se e caminhou de um lado para outro do camarote. De repente parou à frente de Rhodan.

— Acho que só mesmo um arcônida não fica louco diante da idéia de que um grande centro de computação está em condições de substituir o imperador!

— Bem, afinal foram os arcônidas que construíram o gigantesco mecanismo. Quando isso aconteceu, seus ancestrais já estavam muito degenerados do que eles mesmos se davam conta. O dispositivo positrônico é a excrescência doentia de um povo degenerado. Não me admirarei se descobrirmos que no cérebro existe um dispositivo secreto que de um instante para outro volte a transformá-lo no regente, desde que ele, no curso de sua lógica, se convença de que você age contra o interesse do império e põe em perigo a existência do mesmo.

Atlan soltou uma risada áspera.

— Perry, hoje você demonstra uma disposição fantástica de explicar que não passo de uma marionete do computador positrônico. Sou um nada! Um imperador que não tem liberdade de ação e que a qualquer momento deve contar com a possibilidade de ser morto como traidor. Pelos deuses de Árcon, bárbaro! Os arcônidas que criaram este cérebro devem ter sido pessoas muito desconfiadas. Caramba! Será que vale a pena mover um dedo por um povo como este?

Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade:

— Você pode ter certeza de que o Ser de Peregrino não nos entregou o ativador celular apenas para que desistamos no momento mais crítico...!

Num gesto instintivo Atlan pôs a mão no aparelho milagroso que trazia no peito. Era graças a ele que vivia há mais de dez mil anos. Seu rosto descontraiu-se.

— Bárbaro, se possuíssemos um terrano por cada dez arcônidas, a Galáxia já seria nossa há vários milênios.

Essas palavras foram pronunciadas em tom penetrante. Ao ouvir a risada de Rhodan, Atlan estacou.

— A Galáxia será nossa, Atlan — disse Rhodan, depois de algum tempo.

O sistema de intercomunicação de bordo literalmente berrou em meio às palavras de Perry.

— Sir, recebemos um sinal de alarma do grande centro de computação. Vou transferir a ligação.

Os dois homens que se encontravam no camarote estremeceram. Em milhares de casos não haviam perdido a presença de espírito, mas agora fitavam-se com uma expressão de perplexidade.

Um alarma do grande centro de computação?

Ainda não sabiam o que significava isso. Será que o oficial de serviço na sala de rádio da Ironduke teria dado má formulação à mensagem?

A tela iluminou-se. O modelo linear do dispositivo positrônico apareceu. A voz metálica fez-se ouvir.

O grande centro de computação pedia socorro... O dispositivo positrônico constatara a presença de estranhos no setor A-l!

— ...lei dezoito revogada em virtude do estado de emergência. Concedo permissão para a entrada de vinte pessoas. Há oito pessoas no setor A-l. Conseguiram atravessar o campo energético em favo. O dispositivo de segurança A-1 está em perigo.

— Já vamos — disse Rhodan em tom tranqüilo e levantou-se. Não chegou a ver que a tela se tornou cinzenta e o símbolo desapareceu da mesma.

Rhodan sentou-se atrás da escrivaninha. Comprimiu o botão vermelho do canto direito superior da mesa. Isso representava o alarma para todas as espaçonaves estacionadas no campo contíguo ao grande centro de computação positrônica. O sofisticado dispositivo automático da sala de rádio da Ironduke estabeleceu imediatamente o contato audiovisual com os comandantes.

— Aqui fala Rhodan! Marshall, seu grupo deverá entrar em ação. Local de encontro, junto à entrada do centro de computação. Atenção, equipe especial de computação positrônica! Preparem-se imediatamente para entrar em ação. Esta ordem aplica-se a todos os membros. Aguardem instruções sobre quem participará da ação. Professor Crank, o senhor me ouve?

— Sir, aqui fala Crank — disse a voz saída do alto-falante. — Estou ouvindo.

— Escolha dez membros da equipe científica. Preciso de homens que, se necessário, possam entrar em combate.

— Entendido, sir! — respondeu Crank.

— Preciso da relação de nomes dentro de três minutos, professor.

— Sir, daqui a três minutos...

— Marshall! — gritou Rhodan, chamando o chefe do Exército de Mutantes.

O alto-falante emitiu um estalido. Isso significava que o telepata John Marshall já estava a caminho e usava seu minicomunicador.

— Aqui fala Marshall, sir.

— Oito mutantes, inclusive o senhor, participarão da ação. Tudo que defendemos dependerá de sua atuação. Entendido?

— Entendido, sir! — foi a resposta proferida, num laconismo militar.

O ar tremeluziu à frente de Rhodan. Gucky, o rato-castor, estava chegando.

O rato-castor, que geralmente gostava de fazer suas brincadeiras, limitou-se a cumprimentar Atlan com um gesto e perguntou ao chefe:

— Perry, há algum trabalho especial para mim?

Perry levantou a cabeça, refletiu por um instante e sacudiu a cabeça. Ao que parecia, isso representava um sinal para que Gucky desse o fora.

Rhodan entrou em contato com a sala de rádio da Ironduke.

— Preciso de uma ligação urgentíssima com Terrânia...

A resposta foi imediata:

— Sir, a ligação com Terrânia já foi estabelecida.

— Ponha-me em contato com Reginald Bell!

— Pois não, sir. Queira aguardar alguns segundos.

Os segundos transformaram-se em minuto.

Finalmente os rostos de Reginald Bell e Allan D. Mercant apareceram na tela de imagem.

Enquanto contava aos dois colaboradores que o grande centro de computação acabara de sofrer um ataque, os olhos de Rhodan emitiam um brilho chamejante. Em estilo telegráfico Rhodan relatava a nova situação que se desenvolvia em Árcon III.

— Ao que suponho, os desconhecidos conseguiram, por meio de um conversor de tempo acônida, penetrar no recinto do dispositivo de segurança. Se esta suposição corresponder aos fatos, dificilmente poderemos fazer qualquer coisa contra o campo temporal. Desenvolverei uma ação desviacionista a favor do cérebro positrônico. Desligo.

 

A 5.342 anos-luz de Árcon, no planeta Trump, Joe Luklein estava chegando ao pequeno núcleo chamado Gilkar onde, segundo supunha o quartel-general da Segurança Solar, estava um dos elementos mais importantes de Carba.

A Segurança Solar desconfiava há bastante tempo de que Hoga pertencia ao poderoso grupo de Thekus. Fora mantido continuamente sob observação, juntamente com os poucos colaboradores que tinha no planeta Trump, mas por enquanto não se havia conseguido provas bastantes para condená-lo como participante de uma conspiração contra o Império de Árcon.

Por várias vezes Luklein solicitara o envio de mutantes telepatas, mas sempre tivera de contentar-se com a resposta de que no momento não se poderia dispor de mutantes para sua missão, já que estes estavam protegendo o imperador, e além disso tinham de resolver outras missões mais importantes que a sua.

Por isso era possível a Hoga poder prosseguir tranqüilamente nas suas atividades subversivas, embora pertencesse ao rol dos suspeitos. A afirmativa da Segurança Solar, de que Hoga era um dos membros mais importantes do grupo de Thekus, deixava Joe Luklein praticamente indiferente. Refletia sobre sua missão, sentado na sombra que se estendia à frente do pequeno restaurante, enquanto seguia com os olhos o aparelho que decolava com um ruído cantante dos propulsores, a fim de voltar à cidade.

Joe Luklein viera a Gilkar pelo caminho normal. Era bem verdade que usava uma máscara que o tornava irreconhecível até mesmo aos olhos dos amigos mais íntimos.

Remexia, em atitude pensativa, o conteúdo de sua xícara, enquanto examinava cautelosamente os arredores.

Gilkar era uma localidade pequena, mas graças aos seus dotes paisagísticos os ricos se haviam reunido na mesma, a fim de viver dias tranqüilos nos bangalôs de estilo puramente arcônida, construídos bem longe um do outro. Só restavam quatro casas na periferia do campo de pouso — o remanescente da velha Gilkar — que revelavam que antigamente a localidade já fora uma pobre aldeia.

Joe Luklein nem levantou a cabeça quando um homem sentou-se à sua mesa sem pedir licença. Continuava a remexer sua bebida, que já estava fria.

De repente teve a impressão de estar cercado de todos os lados. Num gesto que parecia indiferente levantou a xícara. O cotovelo esquerdo, apoiado de leve no canto da mesa, escorregou. O assul, uma bebida semelhante ao café, foi entornado e sujou a roupa do desconhecido que sentara na mesa de Luklein sem pedir licença.

Ligeiramente perturbado, Joe Luklein proferiu um pedido de desculpas num dialeto arcônida. O homem sentado à sua frente reclinara-se na cadeira e lançou um olhar contrariado para a roupa.

— Será que esta bebida deixa manchas? — perguntou Luklein, em tom preocupado.

— É claro que assul deixa manchas. Não poderia ter tido mais cuidado? — gritou o desconhecido, em tom muito contrariado.

— Não tinha notado que já não estava só na mesa. Não ouvi quando o senhor me cumprimentou.

O outro homem, que era um trumpense que contava seus quarenta ou cinqüenta anos, chiou com a voz aborrecida:

— Será que o senhor não pode falar mais claro? Bem que poderia deixar de usar dialeto. Não compreendi o que acaba de dizer.

Luklein conseguiu prosseguir com a mesma amabilidade:

— Não falo o arcônida. Será que o senhor poderia informar onde posso encontrar Loun Tatanoon, o célebre médico que estudou com os aras?

Joe esforçara-se para falar ainda pior.

O nome Loun Tatanoon não fora inventado. Durante a curta estada em Renl, Luklein colhera todas as informações que o tempo permitia, e ficara sabendo que em Gilkar residia o célebre médico trumpense Tatanoon, que estudara em Aralon.

— Eu sou Tatanoon! — disse a pessoa sentada à sua mesa.

Luklein deu-se ao luxo de mostrar abertamente a surpresa produzida por estas palavras. Não contara com uma coincidência desse tipo. Teve de reunir instantaneamente todos os seus conhecimentos médicos para adaptar-se à nova situação, que para ele não era nada agradável.

— Oh, isso é maravilhoso! — exclamou Luklein, radiante.

O célebre médico ficou apavorado quando o viu segurar a manga esquerda, a fim de limpar a mesa coberta de assul. Teve um azar. Esbarrou na xícara e derramou o restante de seu conteúdo no colo de Tatanoon.

Esse resultado de sua “falta de atenção” deixou Joe Luklein muito satisfeito. No entanto, não deu mostras de seu contentamento. Pelo contrário, mostrou-se profundamente abatido e gritou um pedido de desculpa para Loun Tatanoon, que saiu correndo, protestando a altos brados.

Quem o olhasse a essa hora não poderia deixar de sentir pena. Parecia abatido e perturbado, enquanto olhava para todos os lados. Viu que dois homens que se encontravam atrás dele, sentados a uma mesa, se levantaram, cochicharam alguma coisa para um terceiro e se retiraram. Desapareceram em meio às árvores esguias, que só proporcionavam alguma sombra por terem sido plantadas tão perto umas das outras.

Luklein deduzira, com base na sua experiência, que os dois homens que acabavam de retirar-se, bem como o outro, que continuava sentado a uma mesa, haviam vindo para observá-lo. Lembrou-se da advertência do quartel-general da Segurança Solar, segundo a qual sua missão envolvia o risco de vida.

De repente Luklein viu o dono do estabelecimento parado a seu lado. Loun Tatanoon já lhe deveria ter dito que o desconhecido falava um terrível dialeto arcônida, pois o homem dirigiu-lhe a palavra nessa língua galáctica.

Luklein desempenhou seu papel com verdadeira mestria. A gíria usada revelava que devia ser um daqueles homens que haviam passado a vida em espaçonaves e só se sentiam bem em companhia de gente de sua igualha, fazendo triste figura quando sentiam chão firme sob os pés.

— Vou pagar o prejuízo — disse, visivelmente embaraçado. — Não tive a intenção de ofender o célebre médico. Pretendia consultá-lo. Pedi três dias de licença à Pitzo-Pit.

Essa declaração poderia ser controlada à vontade, pois era verídica.

— Tatanoon recusa-se a recebê-lo. A título de indenização exige cem...

— Cem?! — espantou-se Luklein, usando sua gíria. — Pensei que fosse mil...

— O doutor exige cem, seu saltador desajeitado, e não mil!

O dono do estabelecimento estava mostrando seu lado desagradável.

O hóspede desajeitado encolheu-se sob o peso da recriminação, pegou uma carteira corroída pelo suor e tirou uma nota de cem unidades monetárias arcônidas e disse, arriscando um protesto débil.

— É muito caro!...

O dono do estabelecimento arrancou a nota de sua mão. Logo estendeu a outra mão e falou em tom áspero:

— Agora pague a conta. Um assul.

Luklein obedeceu. Colocou uma moeda em sua mão.

— E agora não há mais lugar por aqui para você, saltador! — trovejou o dono do estabelecimento, estendendo o braço para apontar-lhe a porta.

Essa cena representava o maior favor que poderia ter feito a Joe Luklein. O agente foi-se afastando lentamente. Não virou a cabeça. Só parou depois da curva fechada que a rua descrevia. Emitiu o sinal goniométrico convencionado pelo minicomunicador. Era um som contínuo de 2,8 segundos de duração.

Era a oitava vez que transmitia o sinal.

A missão de Joe Luklein já durara oito horas.

E agora estava prestes a atingir o objetivo, desde que Hoga realmente se encontrasse num desses bangalôs, conforme supunha a Segurança Solar.

 

Quatro veículos terranos ocupados por dezessete pessoas e um rato-castor pararam a cem metros da barreira formada pelo campo energético em favo. Os ocupantes dos veículos aguardavam a chegada do chefe e do Imperador Gonozal VIII. Haviam sido escolhidos para essa missão por John Marshall e pelo professor Crank, entre os membros de um grupo numeroso de mutantes e cientistas.

Para os mutantes, a tarefa que tinham pela frente só representava algo de especial porque desta vez se tratava do gigantesco centro de computação que, segundo se depreendia do pedido de socorro que emitira, se encontrava em situação desesperadora. Quanto ao mais, a tarefa era igual a milhares de outras que já haviam realizado.

Com os cientistas as coisas eram diferentes. Apesar de tudo, para eles a grande aparelhagem positrônica de Árcon III ainda representava o máximo de sofisticação. Eles, que eram as maiores sumidades em suas áreas de conhecimentos, não deixavam de reconhecer com um sentimento de veneração o grande feito científico dos homens que haviam criado esse artefato sem igual. Por isso mesmo tornava-se ainda mais difícil imaginar que o grande centro de computação positrônica pudesse encontrar-se numa situação na qual não sabia o que fazer.

A aparelhagem positrônica declarara-se disposta a permitir que vinte pessoas entrassem nos recintos onde nenhuma criatura humana pisara depois da construção do conjunto.

A apreensão do professor Crank foi igual à dos colegas: o suor gotejava em sua testa. Vivia olhando para a Ironduke e procurava descobrir o veículo que deveria trazer Atlan e o chefe.

— Estão chegando! — exclamou o Dr. Valley, segurando-se no ombro de Crank.

O veículo dirigido por um robô aproximava-se em alta velocidade, atravessou a linha que demarcava a área interdita junto ao campo energético em favo e parou abruptamente próximo à entrada única que se abria para atingir os recintos nos quais era permitida a passagem.

O equipamento de comunicação transmitiu uma ordem dirigida aos quatro veículos que se mantinham à espera:

— Sigam-nos.

Menos de um minuto depois disso, Rhodan e Atlan, seguidos por dezessete especialistas e mutantes altamente qualificados e um rato-castor, penetraram no interior do gigantesco centro de computação.

Viram-se no interior de um salão. Ninguém falava. Perry Rhodan e o Imperador Gonozal VIII estavam parados no meio do salão. Parecia que aguardava uma mensagem.

E a mensagem chegou.

A voz metálica do computador positrônico forneceu uma indicação exata do lugar no soalho do salão em que as vinte pessoas deveriam ficar paradas.

— Continuarei a apontar o caminho. Desligo.

Quando Rhodan se fez ouvir, a voz metálica do centro de computação ainda ressoava no interior da sala.

— As instruções do computador devem ser cumpridas, haja o que houver. Só numa situação que envolva um risco de vida poderemos agir contra as ordens do computador. Queiram seguir-nos.

Deram trinta passos e atingiram o ponto indicado pelo cérebro.

De repente o chão no qual apoiavam seus pés inclinou-se para o lado. Sentiram-se atingidos por um potente campo antigravitacional, que os levou para baixo com uma forte aceleração.

— Atlan, você sabia da existência desse poço? — perguntou Rhodan, em tom de surpresa.

— Estou tão surpreso quanto você, Perry.

Não disseram mais nada.

Em torno deles reinava a escuridão. Não havia nenhuma fonte de luz nas paredes do poço do elevador.

De repente foram freados fortemente, mas não sentiram nenhuma dor. Voltaram a ter chão firme sob os pés. No mesmo instante as paredes iluminaram-se. O ambiente parecia inundado pela luz do dia.

Viram à sua frente um túnel bem iluminado que parecia perder-se à distância.

— Entrem no túnel em formação compacta. Não ultrapassem o ponto assinalado por uma luz de advertência vermelha. Desligo.

Mais uma vez, a voz metálica do computador positrônico se fizera ouvir.

O túnel era um tubo de pelo menos trinta metros de diâmetro. Era completamente redondo, com exceção de uma faixa de menos de três metros de largura, que servia de soalho.

Bem ao longe viram a luz vermelha. Rhodan e seus homens pararam no interior do túnel, à espera de novas instruções.

Um campo antigravitacional aproximou-se. Desta vez estendia-se na horizontal. No momento em que os homens foram atingidos pelo campo, as luzes apagaram-se. Sentiram apenas uma leve pressão. Porém perderam a sensação de movimento.

Finalmente viram-se no interior de um recinto redondo e abobadado. Os corredores partiam de todos os pontos. Todos eles estavam fechados por meio de um campo energético bem visível.

— São dezoito caminhos diferentes, Perry? — perguntou Atlan, em voz baixa.

Rhodan não teve tempo para responder, pois o computador positrônico voltou a falar:

— Aproximem-se do corredor cuja entrada está assinalada por uma forte luminosidade azul. Se tentarem entrar em outro corredor, encontrarão a morte. Desligo...

— Um momento! — gritou Rhodan, antes que o computador terminasse a última sílaba. — Quem são os desconhecidos que estão dentro de você?

— São desconhecidos, Rhodan. Não disponho de outras informações. Desligo.

O administrador e o imperador apenas se entreolharam. Não precisaram de palavras para compreender-se. Os dois tinham quase cem por cento de certeza de que, no fim de seu caminho, se defrontariam com um grupo de acônidas.

De repente um dos campos energéticos tremeluzentes que fechavam os vinte e oito corredores adquiriu uma forte coloração azul, conforme anunciara o gigantesco centro de computação. Ninguém pensou em entrar em outro túnel. Quando Rhodan e Atlan se viram diante do campo energético azul, pararam abruptamente e prenderam a respiração. Dezenove homens e um rato-castor fitavam a parede azul. E dezenove homens e o rato-castor não se atreveram a dar mais um passo.

De repente, a voz metálica do centro de computação rompeu o silêncio:

— O campo energético azul foi adaptado às vibrações orgânicas de vocês e por isso não representa nenhum perigo. Desligo.

— Caramba! — exclamou Rhodan.

Atlan, que se encontrava a seu lado, resmungou:

— Os construtores desta aparelhagem não se esqueceram de nenhum truque.

No mesmo instante, ele e Rhodan atravessaram o campo azul e viram-se no nada!

Atlan e seu amigo flutuavam no espaço vazio, escassamente iluminado por uma luz difusa. Só bem ao longe flutuava tal qual eles algo que parecia material.

Rhodan olhou em torno.

Numa altura que parecia infinita, um telhado ou uma parede mecânica ou a face interior de uma esfera de dimensões gigantescas estendia-se sobre eles. Naquele instante flutuava na atmosfera que enchia essa esfera.

Por todos os lados só via o vazio e a luz difusa. Só bem à sua frente, muito ao longe, um objeto esférico também pairava no vazio. Ao que parecia, formava o centro da grande esfera.

Rhodan lembrou-se das palavras que Atlan acabara de proferir:

— Os construtores desta aparelhagem não se esqueceram de nenhum truque... — repetiu lacônico.

Não se poderia deixar de admirar os velhos arcônidas que haviam criado esse engenho que não tinha par. Naquele ponto encontravam a prova de como os diversos setores do centro de computação haviam sido protegidos contra todas as eventualidades.

Atlan contara as barreiras de radiações existentes no recinto abobadado e constatara que eram vinte e oito!

Rhodan não teve a menor dúvida de que naquele centro de computação que se estendia por uma área de dez mil quilômetros quadrados havia vinte e oito setores diferentes, todos eles protegidos como aquele em que flutuava à sua frente, quase invisível, sustentado por um campo antigravitacional de potência inimaginável.

Rhodan ouviu atrás de si exclamações de surpresa e de pavor. As mesmas foram superadas pela voz do computador.

— Estabelecer contato corporal. A aproximação ao setor A-1 será levada a efeito dentro de vinte segundos, tempo padrão.

Mal os dezenove homens e o rato-castor se tocaram com as mãos, uma esfera, vinda bem de longe, pareceu voar em sua direção. Numa questão de segundos, o tamanho da esfera aumentou tanto que os homens só viam parte de sua superfície lisa e cinzenta. Bem à sua frente, a parede ligeiramente abaulada abriu-se, deixando livre a entrada.

— Setor A-1— disse a voz, falando tão baixo que Atlan e Rhodan mal conseguiram compreendê-la.

Voltaram a sentir chão firme sob os pés. Encontravam-se no interior de um recinto alongado. As paredes laterais estavam cobertas por uma profusão de painéis de controle. À esquerda e à direita dos painéis havia dois robôs-técnicos, que não tomaram conhecimento de sua presença. Mas havia algo de espantoso nesses homens-máquina: não se moviam.

— A luz de controle vermelha! — exclamou o Dr. Valley, exprimindo-se com sinais de uma visível perturbação entre os dois robôs, cujos dispositivos óticos fitavam imóveis a luz vermelha que tremia à frente de todos.

Não se afastaram para deixá-lo passar.

E nem era necessário. O Dr. Valley leu o letreiro em arcônida que aparecia embaixo da luz vermelha. Virou-se imediatamente, procurou localizar Perry Rhodan e disse com a voz rouca:

— Sir, estamos no setor de comando central.

— Era o que eu imaginava — respondeu Rhodan. — Sengu!

O mutante colocou-se ao lado de Rhodan.

— Onde estão os desconhecidos?

— Na sala de controle, sir — respondeu prontamente o espia. — Vi oito homens. Estão montando aparelhos, mas não consegui descobrir para que servem. Nunca vi nenhum aparelho desse tipo.

— Os desconhecidos colocaram sentinelas? Quem sabe se estão usando robôs para este fim?!

— Não, sir. Ao que parece, sentem-se bem seguros. Nenhum deles levantou a cabeça, por uma vez que fosse.

Wuriu falava como se estivesse em transe.

— Será que na sala de controle existe... Um momento. Por que você aludiu à sala de controle?

Os outros ouviam, ansiosos, a conversa entre o chefe e o mutante espia.

— A sala onde se encontram os oito desconhecidos apresenta um único painel de controle, livremente espalhado pelo recinto, sir... Meu controle ainda não havia chegado a este ponto. Vejo um arco iluminado... é um transmissor! Sim... é isso mesmo! Um transmissor acônida. Não existe a menor dúvida. Visto do ponto em que nos encontramos, fica na parte traseira esquerda da sala. Está encoberto por um gigantesco painel de controle.

— Talvez um dos nossos teleportadores possa esconder-se por lá. Descreva o local, Sengu.

— Na grande sala de controle existem vários esconderijos. Acho que o melhor deles fica atrás do conversor de emergência. Parece que...

Ras Tschubai e Gucky eram os teleportadores que participavam desta missão singular. O pequeno rato-castor achegava-se a Perry Rhodan. Queria que o chefe o escolhesse para dar o salto. Mas Rhodan já havia tomado sua decisão.

Dirigiu-se ao africano alto, de corpo muito ágil.

— Tschubai, o senhor saltará, mas só quando tivermos chegado à sala de controle. Sengu, continue a observar os intrusos. Marshall, faça o que quiser com os homens restantes. Professor, o senhor e seus homens ficarão mais atrás, numa distância em que possam ouvir-nos, quando os chamarmos. Tudo entendido?

— E eu? — piou o rato-castor, que se esforçara em vão para ler os pensamentos de Perry.

— Marshall não é seu chefe? — perguntou Rhodan com a voz tão penetrante que Gucky preferiu não formular outras perguntas.

Retiraram-se da sala de comando, usando a única saída. Os terranos tinham nas mãos principalmente armas de choque, enquanto as mortíferas armas térmicas, de impulsos e de desintegração, permaneciam nos coldres. Só Rhodan e Atlan seguravam armas de impulsos, além das armas paralisantes.

Wuriu Sengu e Tschubai seguiram logo atrás de Rhodan e do arcônida. Gucky permaneceu ao lado de Marshall, que também se esforçava em vão para captar os impulsos mentais dos intrusos.

— Isso parece muito mau, John — foi a constatação que o rato-castor irradiou para Marshall. — Não percebo um único pensamento desses pilantras.

— É o que está acontecendo comigo, pequeno — respondeu Marshall, usando sua faculdade parapsicológica. — Já avisei o chefe. Ele acha que não temos muitas chances.

— Talvez possa conseguir alguma coisa por meio da telecinese, John. Mas há uma coisa que não consigo compreender. Como foi que esses sujeitos atravessaram o campo energético em favo? Será que eles sabem fazer alguma coisa que nós não sabemos?

— Parece que sabem, Gucky.

A palestra travada no plano telepático chegou ao fim. O corredor pelo qual caminhavam terminou numa sala em forma de estrela.

 

— Vamos seguir à frente, sir — disse Sengu, o espia. — Os outros corredores levam a chaves específicas. O grande painel de controle fica bem no centro da esfera.

— Ainda falta muito, Sengu? — perguntou Rhodan, sem olhar para o mutante espia.

— Menos de cem metros, sir. Fellmer Lloyd voltou a chamar pela primeira vez depois que haviam saído do setor de comando central. O mutante conseguia enxergar os modelos de vibrações cerebrais. Nunca se esquecia de um que já tivesse visto. E por esses modelos reconhecia as pessoas. Além disso, sabia se os donos dos diversos modelos de vibrações cerebrais representavam um perigo; ainda conseguia apurar de onde vinha esse perigo e quais eram as surpresas que os aguardavam.

— Não estou captando nada, sir — disse, dirigindo-se a Rhodan.

À medida que se aproximavam da grande sala de controle, a preocupação de Rhodan aumentava. O que mais o inquietava era o fato de que os intrusos não haviam colocado sentinelas.

Sengu disse em meio as suas reflexões:

— Estamos a cinco metros da entrada da sala.

Acontece que o corredor parecia ter mais alguns quilômetros de extensão.

Atlan e Rhodan pararam abruptamente. Olharam para o espia.

— Onde fica a entrada, Sengu? — perguntou Rhodan, em tom penetrante.

— Bem à nossa frente, sir. Eu a vejo, mas o senhor não pode vê-la. Os construtores do centro de computação criaram um dispositivo de segurança que funciona por meio de um efeito ótico. O corredor só tem mais cinco metros. O que o senhor vê à sua frente é uma espécie de miragem.

— Os truques que a gente encontra por aqui são inacreditáveis! — exclamou Atlan em tom contrariado e foi em frente, antes que Rhodan pudesse detê-lo.

Desapareceu diante dos olhos de todos. Parecia dissolver-se no ar. Mas o corredor de alguns quilômetros continuava no mesmo lugar. E os homens que acompanhavam Rhodan assustaram-se, quando Atlan voltou a aparecer bem à sua frente e disse:

— É verdade, Perry. A entrada da sala de controle fica a poucos metros daqui. A grande porta está semi-aberta. Vi oito desconhecidos que estão trabalhando lá dentro.

Perry Rhodan virou-se para seus homens.

— Entrar em ação! — ordenou. — Professor, o senhor e seus homens ficarão ao alcance da minha voz. Será preferível que permaneçam nas proximidades desta trava ótica. Não se esqueçam de ligar seus mini-comunicadores, mas não os regulem para a faixa da Ironduke. Esperem aqui mesmo.

Rhodan e seus mutantes atravessaram a trava ótica.

— Olhe a porta — disse Atlan e deu um passo para o lado, abrindo lugar para Rhodan.

Este deu uma olhada para dentro da enorme sala de controle. O arco luminoso do transmissor acônida atraiu sua atenção e fez com que concluísse que os seres que haviam penetrado ali eram acônidas, mas não sabia explicar como haviam atravessado o campo energético em favo. Enquanto se dirigiam ao dispositivo de segurança, não haviam notado nenhum sinal de sua presença. Por certo o computador desligara o dispositivo defensivo, a fim de que pudessem entrar.

Rhodan tirou os olhos do arco do transmissor e dirigiu-os para os oito homens que trabalhavam com aparelhos completamente estranhos. De repente Perry Rhodan sobressaltou-se e pôs a cabeça para a frente. Teve a impressão de enxergar uma parede transparente e brilhante. Mas quando concentrou-se na mesma, tudo pareceu desaparecer diante dos seus olhos.

Voltou apressadamente para trás da porta.

— Também viu a parede energética, Atlan?

Este pensava que se tratava do campo energético em favo e por isso respondeu:

— Não. É outra coisa. O que está vendo, Sengu?

O espia concentrou-se. Subitamente arregalou os olhos e gaguejou:

— Sir, posso olhar diretamente para dentro da sala?

Esse desejo de Wuriu Sengu era muito estranho. O mesmo não precisava de uma visão direta para enxergar, mais precisamente, para enxergar através da matéria.

Rhodan parecia ser o único que compreendia.

— Venha, Sengu. Verifique bem.

Wuriu Sengu esticou cautelosamente o pescoço, John Marshall penetrou em seus pensamentos, estabelecendo contato telepático também com Perry Rhodan. Transmitiu prontamente ao chefe os pensamentos que se desenvolviam na mente de Sengu.

— Campo energético esférico... Tempo-Tempo... O que é isso?... Brilha nas cores do arco-íris... Acontece que o gerador do campo energético não está aqui. O que está havendo com o tempo? Um campo defensivo formado por uma estrutura temporal? Um campo temporal? Conversor do tempo? O que direi ao chefe? Meus olhos não estão enxergando outra coisa que meu sentido parapsicológico? Isso é de enlouquecer! Não há uma pequena diferença de tempo entre as duas formas de visão? Isso não pode ser!

Naquele instante, Sengu sentiu uma mão pousada em seu ombro. Esse contato ajudou-o a desprender-se do quadro que se descortinava diante dos seus olhos e do sentido parapsicológico. Virou-se e deu um pequeno passo, colocando-se atrás da porta aberta. Fitou o chefe. Ficou surpreendido ao ouvi-lo dizer:

— Sengu, acho que o senhor viu bem. Ras Tschubai tentará teleportar-se para o interior do campo esférico.

Para o teleportador alto e esbelto, essas palavras representam a ordem de entrar em ação.

Ras Tschubai concentrou-se, provocou um tremeluzir em torno de seu corpo e desapareceu...

Logo voltou a aparecer, caiu de joelhos, exausto, e contorceu o rosto de dor. Gemia.

— Sir, o campo esférico deve ter uma estrutura temporal.

— Faça uma tentativa, Ishibashi — ordenou Rhodan.

Kitai Ishibashi confirmou com um gesto. No mesmo instante mobilizou suas tremendas forças sugestivas e as irradiou em direção aos oito intrusos, que trabalhavam tranqüilamente sob a proteção do campo temporal esférico.

Por alguns segundos o japonês tentou hipnotizar os acônidas. Subitamente fez um movimento com a cabeça, foi virando o rosto em direção a Rhodan e disse:

— Sir, não consigo chegar lá. Este campo energético não é uma parede... energética! Tem uma característica temporal, mas é diferente do campo que, há algum tempo, mobilizou em Árcon III a frota-fantasma do Imperador Metzat III, fazendo voltar um passado de quinze mil anos atrás...

Atlan soltou um gemido que fez Rhodan estremecer.

— Já compreendo de que maneira conseguiram introduzir a estação transmissora no setor A-1— disse. — Em relação à essência do tempo as pesquisas dos acônidas têm uma dianteira de alguns séculos sobre as nossas. Não é de admirar que o computador-regente tenha pedido socorro. Até mesmo o gigantesco dispositivo positrônico se torna impotente, diante das modificações do tempo. Atlan, os acônidas contrabandearam o transmissor para dentro do centro de computação, através do passado. Não me admiraria se os estranhos campos temporais, que temos à nossa frente, fossem gerados por um aparelho que se encontra aqui mesmo, no interior do setor A-l. Sengu, faça mais uma verificação.

Enquanto o mutante mobilizava seu sentido de espia, Atlan cochichou ao ouvido do amigo:

— Será que não estamos perdendo muito tempo, Rhodan? Já se pensou na possibilidade de estes oito homens estarem montando uma bomba sob a proteção do campo temporal?

— Já abandonei essa idéia, Atlan. Os homens que temos à nossa frente são acônidas e não arcônidas de mentalidade tacanha e fanática que querem destruir o computador. Receio que este grupo possa modificar alguma coisa no dispositivo de segurança.

— Sir — disse Sengu — no interior do campo esférico não consigo identificar nenhum aparelho que possa gerar o campo temporal. Mas ali existem tantos aparelhos que não posso excluir essa possibilidade.

— É estranho... — disse Rhodan.

— Não sei o que você acaba de descobrir, Perry — disse o arcônida.

— Só a capacidade parapsicológica de Sengu é capaz de atravessar o campo defensivo dos acônidas. Os outros mutantes falharam. Isso dá o que pensar. E esquecemos que a estação transmissora está funcionando. Isso talvez prove que a estrutura deste campo temporal é semelhante ao que os acônidas utilizaram para isolar seu Sistema Azul. Acredito que um mecanismo de propulsão linear seria capaz de levar-nos ao lugar em que estão os oito acônidas. Infelizmente, sem considerarmos o aspecto temporal, seria tecnicamente impossível montar uma instalação desse tipo por aqui.

“Santo Deus... Marshall, entre em contato com os cientistas. Preciso de todos os especialistas em faixas de ondas. Por que ninguém se lembrou desta possibilidade tão simples? Precisamos descobrir a freqüência em que funciona o transmissor.”

John Marshall desapareceu imediatamente pela trava ótica, a fim de avisar os especialistas que se mantinham à espera.

Os pensamentos de Perry Rhodan foram interrompidos pelas palavras do arcônida.

— Perry, acredito que o centro de computação seria capaz de dar uma resposta mais rápida e precisa à sua indagação que seus cientistas.

O gigantesco centro de computação provou que estava acompanhando a conversa. Uma voz fria anunciou:

— A freqüência de transmissão será fornecida dentro de um minuto, tempo padrão. Fim da mensagem.

— Atlan, já não estamos vendo a floresta por causa das árvores — respondeu Rhodan, um tanto contrariado consigo mesmo. — Vou fazer uma experiência. Preciso descobrir se os oito acônidas, que se encontram atrás do campo defensivo, nos vêem tão bem como nós os vemos.

— Como pretende fazer a experiência? — perguntou Atlan.

— Com isto — disse Rhodan, mostrando a arma de impulsos.

 

Fazia mais de três horas que Joe Luklein observava o bangalô situado na periferia de Gilkar, embora não aparecesse ninguém na casa ou no terraço. O bangalô parecia abandonado, mas Luklein não se deixava enganar pelas aparências exteriores.

Na tarde daquele dia, enquanto estava sentado na sombra, à frente do bar, vira um planador decolar junto ao bangalô e afastar-se em direção a Renl. A faixa de plástico de cinqüenta por cinqüenta metros que se estendia do lado direito do terraço também significava alguma coisa. Se tivesse a metade desse tamanho, ainda seria suficiente para servir de campo de pouso e decolagem de planadores. E a barreira de segurança infravermelha, descoberta no último instante quando procurava aproximar-se da área, não podia ser interpretada como uma prova de que se tratava de um bangalô igual a qualquer outro, ocupado por gente pacata.

Joe ficou satisfeito ao constatar que estava anoitecendo.

Escondido completamente atrás de uma moita, pensava sobre os antis que, segundo dizia Hoga, também se encontravam nos arredores, quando se sentiu sobressaltado com o ruído de passos.

Num movimento instintivo pegou a arma de choque que se achava ao alcance da mão. Virou a cabeça na direção da qual vinha o ruído quase imperceptível, enquanto com a mão esquerda baixava cuidadosamente um galho.

Olhando pela abertura estreita viu um homem caminhando em direção ao bangalô aparentemente abandonado. Olhava atentamente para todos os lados.

A princípio Joe não reconheceu o homem que caminhava à sua frente. Mas não demorou em ver de quem se tratava. Era Loun Tatanoon, o célebre médico, que estava entrando no bangalô.

Alguém abriu a porta pelo lado de dentro e, no mesmo instante, Loun desapareceu no interior da casa. Luklein deixou que o galho que estava segurando para enxergar melhor voltasse à posição primitiva. Não sabia o que era impaciência.

A noite estava descendo sobre Trump. Luklein transmitiu mais duas vezes o sinal combinado com o minicomputador especial. Era a única ligação que mantinha com a autoridade. Sabia que em algum lugar, no interior do grupo estelar M-13, numa das numerosas estações retransmissoras terranas, um robô controlava sua onda de hiper-rádio. Se o sinal combinado não fosse recebido dentro de três horas seguidas, o robô, seguindo sua programação, daria o alarma, fazendo com que um comando especial da Segurança entrasse em ação, a fim de salvar Luklein, o que talvez acontecesse literalmente no último instante. Mas a experiência do passado ensinava que, em muitos casos, esses comandos de salvamento chegavam tarde, não podendo fazer nada senão constatar a morte do colega.

“Maldita tarefa que me foi confiada”, pensou Joe Luklein, que continuava no seu esconderijo.

No momento em que pretendia modificar sua posição, porque sentia uma dormência nos pés, sentiu sua atenção atraída pelo ruído cantante de um jato-propulsor. O ruído tornava-se mais forte, a cada segundo que passava. Joe esforçou-se para ouvir melhor. Constatou que naquele instante o planador se encontrava bem acima da sua cabeça. O veículo dispôs-se a realizar o pouso vertical. Luklein olhou para o campo plástico de pouso. Nenhum raio de luz rompeu a escuridão para chegar ao lugar em que se encontrava.

“Infravermelho”, pensou quando o planador pousou com um ligeiro rangido e o ruído do propulsor cessou de repente.

Ouviu que três homens saíam do veículo. Seus passos aproximavam-se da casa de campo. Teve a impressão de ouvir o ruído de uma porta que se fechava. No mesmo instante, o silêncio voltou a reinar em torno dele.

Durante o tempo em que estivera escondido, os inimigos haviam recebido reforços num total de quatro homens. Com certo desagrado, Joe Luklein constatou que sua tarefa se tornava cada vez mais arriscada. Ao mesmo tempo se fez notar o sólido treinamento que lhe fora proporcionado pela Segurança antes de iniciar suas primeiras missões.

Desligou todos os elementos sentimentais, deixando que somente a lógica se manifestasse.

Sem provocar o menor ruído, saiu do esconderijo. Enquanto se encontrava junto à moita, lançou mais uma vez os olhos para todos os lados.

Deslizou que nem uma sombra pelo gramado bem cuidado. Desviou-se dos obstáculos com segurança. Cinco minutos depois de ter saído do esconderijo, atingiu o bangalô.

Num dos bolsos do traje especial que trazia sob a roupa havia um aparelho de escuta maravilhoso. Era um produto da espetacular microtécnica dos swoons.

Joe Luklein colocou-o na parede externa, na altura da cabeça. Levou o fio fino, que trazia um pino de tomada na ponta, para baixo da roupa. Seus dedos não tiveram a menor dificuldade em encontrar o contato. No momento em que o pino foi enfiado na tomada, toda a aparelhagem estava ligada. Colocou o fone no ouvido esquerdo.

A membrana vibratória reproduzia vozes perfeitamente audíveis.

Ouviu alguém pronunciar seu nome. Estava sendo procurado em Gilkar desde o momento em que saíra do bar. E também ouviu um nome que lhe era muito familiar: Offre, o chefe do departamento de pesquisa de mercado de sua agência de navegação espacial.

Era o homem que trabalhava como investigador para a Segurança Solar, e também para o grupo de Thekus.

Mais uma vez ouviu pronunciar seu nome e ouviu perfeitamente as palavras que se seguiram:

— Luklein desapareceu por completo pouco depois de ter recebido a transmissão de uma música terrana. O saltador que derramou o assul na roupa de Tatanoon, no jardim do bar, deve ser Luklein. Onde estará esse sujeito? Não pode ter desaparecido da superfície do planeta.

Outra voz falou em tom enfático:

— Nosso dispositivo infravermelho de segurança continua intacto. Quer dizer que não pode estar nesta área...

— Seu idiota! — berrou uma terceira voz. — Será que você ainda não conhece os terranos? São mais perigosos que a epidemia mais traiçoeira dos aras. Onde estão Drakon, Ezruk e Pintt?

— Estão esperando lá fora, Hoga — ouviu Joe Luklein em seu posto de escuta e sentiu-se exultante.

— Traga-os para dentro. Vocês ficarão aqui. Não estou interessado em transmitir duas vezes a mensagem de Carba. Que venham todos. Todos, sem exceção.

Era outra vez a voz de Hoga que chegava ao ouvido do homem pertencente ao Serviço de Segurança, que se sentiria muito satisfeito se todos os ocupantes do bangalô se reunissem na mesma sala.

As chances de levar o empreendimento arriscado a um final feliz não eram nada más.

Joe ouviu alguém protestar:

— Hoga, não podemos recolher todas as sentinelas.

— Podemos, sim! — exclamou Hoga em tom enérgico. — Esse terrano não vai aparecer justamente nos próximos dez minutos. Gisfe continua a montar guarda junto ao planador?

Luklein estremeceu.

Quer dizer que o veículo que trouxera os três homens estava sendo vigiado. E ele estava de pé junto ao bangalô, a menos de quarenta metros do planador.

A situação era ameaçadora, mas Joe já tomara sua decisão.

A ordem de Hoga, que mandara que todos os ocupantes do bangalô se reunissem numa sala, não lhe deixara outra alternativa.

Em movimentos rápidos desmontou o minúsculo, mas potente equipamento de escuta. Guardou-o no bolso e voltou a transformar-se numa sombra que se movia silenciosamente.

Teria de passar pela porta principal para entrar na casa. A experiência lhe ensinara que a porta principal sempre é o lugar menos vigiado.

No momento em que se encontrava à frente da porta, ouviu passos ruidosos no interior da casa. Dois homens desciam pela escada. Provavelmente eram sentinelas postadas embaixo do telhado.

Joe examinou a porta com um rastreador energético manual. A iluminação da pequena escala do aparelho era tão débil que Joe só viu o ponteiro, que continuava na posição zero, quando aproximou o rosto a cinco centímetros do aparelho.

A reação!

Barreira 3/C. A mesma funcionava em base lumino-magnética. Para Joe, isso não representava um obstáculo apreciável. Seria fácil vencê-lo com o conter, um aparelho de arrombamento multiversátil. Acontece que do lado esquerdo da porta havia outra barreira. Ao ler a quantidade de energia, que revelava a natureza do obstáculo, Joe fez uma careta. O conter nada poderia fazer contra essa barreira, pois o aparelho não reagia a dispositivos de segurança que funcionavam com base no hiper-rádio.

Joe determinou o local exato em que estava instalada a aparelhagem que criava a barreira. Logo elaborou um plano que lhe permitiria remover o obstáculo. Conhecia perfeitamente os riscos que esse plano envolvia.

Apesar disso não hesitou.

Pegou a arma térmica, regulou-a para o desempenho máximo e comprimiu a extremidade do cano contra o local onde estava instalada a barreira.

Num milésimo de segundo, o raio térmico transformaria o plástico das paredes do bangalô, juntamente com o dispositivo de segurança, numa nuvem gasosa.

Joe Luklein apertou o gatilho.

O raio quentíssimo passou perto de seu rosto. Ouviu-se um baque surdo e o plástico crepitava na beira do furo de vinte centímetros de diâmetro, enquanto ia endurecendo.

As bordas do furo emitiram uma luminosidade vermelha e ofuscante.

Se o piloto que se encontrava junto ao planador ou no interior do mesmo não estivesse cochilando, os raios de luz que penetravam pela noite por certo o colocariam em estado de alarma.

Joe teve sorte. Parecia que o piloto realmente estava dormindo. Sem a menor dificuldade Joe removeu a barreira 3/C com o conter. Depois disso só restava abrir a fechadura de segurança.

Só conseguiu abri-la na terceira tentativa. Menos de dois minutos, tempo padrão, se passaram entre o momento em que Joe Luklein começou a remover as barreiras e aquele em que a porta se abriu silenciosamente.

Luklein parou atrás da porta que apenas estava encostada. Aguçou o ouvido.

Ouviu a voz de Hoga, vinda de uma sala que ficava à sua esquerda. O arcônida falava no planeta Zero, no qual devia ficar o quartel-general de Carba.

Joe Luklein lembrou-se da missão que deveria cumprir. Cabia-lhe prender Hoga e levá-lo dali são e salvo.

De repente ouviu um ruído metálico, vindo da direita. Passos pesados fizeram tremer a casa. Joe Luklein sentiu o suor porejar em todo corpo.

Um robô estava prestes a entrar no hall.

No mesmo instante, Joe Luklein ativou o campo de deflexão. Com isso se tornaria invisível, mesmo para um robô, mas correria um risco maior de ser localizado por algum dispositivo de rastreamento energético.

A atividade do robô colocou os arcônidas em estado de alarma.

Uma porta abriu-se repentinamente. Pela primeira vez alguns raios de luz caíram no hall espaçoso. Os arcônidas saíam aos grupos, além de alguns antis, conforme constatou Joe Luklein com um olhar.

Outra porta que ficava do lado oposto do hall abriu-se. O robô apareceu na mesma. Ficou parado. O sistema de lentes que lhe servia de olho dirigia-se para o lugar em que Joe se encontrava.

Ouviram-se vozes de comando, gritos de pânico, perguntas formuladas em voz alta, homens que avançavam apressadamente. Em poucos segundos, o hall ficou lotado. Três homens interpuseram-se entre Joe Luklein e o robô, fazendo com que o sistema de localização do mesmo deixasse de funcionar.

Um arcônida viu o furo que se abrira junto à porta.

Outro arcônida esbarrou no campo defletor de Joe e foi atirado para trás. Três antis compreenderam imediatamente o que detivera o arcônida. Arrancaram suas armas mortíferas e começaram a disparar.

Só atingiram o vazio, pois Joe se afastara do local com um pulo salvador.

A porta do bangalô abriu-se atrás dele. O piloto do planador entrou apressadamente. Os gritos de pânico o haviam alarmado.

Joe quase chegou também a gritar quando notou que tipo de bomba extremamente perigosa o piloto segurava.

— Fora! — gritou Hoga, louco de desespero. — O robô não poderá identificá-lo!

A advertência veio tarde.

O robô disparou duas armas mortíferas de radiações contra o piloto. Por uma fração de segundo, Joe Luklein viu as duas trilhas luminosas azuladas, mas logo viu-se envolvido numa luminosidade ofuscante.

Não chegou a sentir o calor produzido pela bomba térmica do tamanho de uma bola de futebol que o piloto segurava.

Um dos raios disparados pelo robô devia ter atingido a bomba e acionado o detonador.

Uma gigantesca chama ofuscante subiu com um forte estrondo, rompendo a noite sobre Gilkar. Naquele momento havia um bangalô a menos na localidade. O mesmo transformara-se numa nuvem de gases. Não sobrou o menor vestígio que pudesse trazer algum esclarecimento sobre a catástrofe.

No departamento de pessoal da Segurança Solar fez-se uma cruz atrás do registro do nome de Joe Luklein. A cruz foi perfurada pelo dispositivo positrônico, que não pensou em nada ao fazê-lo. Mas os pais de Joe e quatro amigos do mesmo ficaram de luto.

 

O raio disparado pela arma de impulsos de Perry Rhodan bateu contra o campo defensivo esférico, sob cuja proteção oito acônidas trabalhavam calmamente. De repente levantaram os olhos, alarmados, e notaram a porta semi-aberta.

Atlan manifestara suas dúvidas diante do plano de Rhodan, mas o amigo não lhe dera ouvidos.

— Você está arriscando muita coisa, Perry — advertira.

Rhodan liquidara as objeções com um simples movimento da cabeça.

E agora o raio batia há três segundos contra o campo energético e se desfazia que nem um jato de água que atinge uma parede.

Os acônidas pararam e, perplexos, levantaram os olhos. Mas a perplexidade logo se transformou num sorriso irônico.

Quando Rhodan percebeu que a resposta ao seu ato seria esta, o raio disparado pela arma apagou-se. O administrador observava o recinto, meio encoberto pela porta.

Os acônidas voltaram a dedicar-se ao trabalho, fazendo de conta que nada tinha acontecido. Ninguém fez menção de pôr a mão numa arma para responder ao fogo de Rhodan.

Para Perry Rhodan, isso provava que os acônidas se sentiam absolutamente seguros atrás do campo defensivo. E, ao mesmo tempo, o fato constituía uma prova de que o campo esférico devia ter uma estrutura temporal.

Ao fechar a pesada porta, Perry Rhodan quis dar a entender que considerava encerrada uma fase importante da operação. Voltou-se para seus colaboradores e fitou-os um por um. Todos se mantiveram em silêncio, inclusive os cientistas que Marshall convocara por ordem do chefe.

— Prestem atenção, senhores — principiou. — Com os meios convencionais não conseguiremos nada. Devemos adaptar-nos completamente à técnica dos acônidas. Faço votos...

O centro de computação interrompeu-o. Forneceu a freqüência do transmissor acônida e ainda informou que este se encontrava em recepção. Antes que o dispositivo positrônico pudesse concluir, Rhodan interrompeu-o:

— Meus teleportadores poderiam saltar para a Ironduke?

Sem mostrar-se impressionado, o gigantesco cérebro positrônico respondeu com outra pergunta:

— De quanto tempo precisa, Rhodan?

— Dez minutos, tempo padrão — respondeu Rhodan, que sabia por experiência de quanto tempo precisariam Gucky e Ras Tschubai para teleportar dezoito homens até a nave linear.

— Campo energético em favo já foi desligado, Rhodan. Fim.

Os dois teleportadores sabiam que não tinham tempo a perder. Nem sequer aguardaram a ordem de Rhodan. Mas não agiram precipitadamente.

Antes que os dois especialistas em ondas de transmissão soubessem o que estava acontecendo, sentiram uma dor leve, encolheram-se e viram-se na sala de comando da Ironduke. À sua frente apenas notaram o tremeluzir do ar estranhamente agitado, no qual os dois teleportadores voltaram a desaparecer.

Ras Tschubai e o rato-castor faziam as teleportações com a precisão de máquinas.

Quando já se haviam passado oito minutos, Rhodan e Atlan, que foram os últimos homens teleportados, encontravam-se a bordo da nave linear.

O aparecimento inesperado do comando provocara um leve susto no interior da sala central. Além de acreditarem que a missão fracassara, os oficiais da nave supunham que um perigo extremo fizera com que Rhodan e seus homens se retirassem do cérebro positrônico. As ordens que o chefe passou a dar não contribuíram para esclarecer a situação. Ras e Gucky receberam ordens para trazer trajes espaciais de combate para oito homens.

— Também traga o seu, Gucky! — gritou Rhodan atrás da pequena criatura, quando o rato-castor se dispunha a saltar.

A seguir, pegou o microfone do sistema de intercomunicação.

— Alô, estação do transmissor. Aqui fala o chefe. Ajuste o transmissor para a freqüência que vou dizer. Faça pelo menos três controles da regulagem. As cifras são as seguintes...

Sua memória prodigiosa conservara as complicadas cifras da freqüência do transmissor. Agora as ia transmitindo, no tom de quem muito bem as decorou. Depois, exigiu que a freqüência fosse repetida.

A repetição veio. E Gucky materializou-se a pequena distância. Três trajes espaciais caíram ao chão. Logo desapareceu de novo. Ras Tschubai surgiu. Trouxe três trajes. Enquanto os homens ainda estavam colocando os pesados trajes, o rato-castor apareceu pela segunda vez. Na última viagem trouxe seu traje e o de Rhodan.

O intercomunicador emitiu um sinal. O oficial que acabara de fazer a regulagem da estação do transmissor anunciou que o aparelho estava preparado para entrar em funcionamento.

— Não ligue ainda. Apenas esquente — ordenou Rhodan, enquanto verificava o funcionamento de seu traje.

A seguir, dirigiu-se a Atlan.

— Faça o favor de entrar em contato com o cérebro. Se ele quiser avisar da ocorrência de algum perigo, poderemos ser alcançados pela faixa de hiper-rádio F 847. Mande que todas as espaçonaves estacionadas em Árcon III fiquem de prontidão. Os propulsores devem ser aquecidos para decolagem a qualquer momento. Tem mais alguma pergunta, Atlan?

O arcônida passara a receber ordens, mas não se sentia humilhado com isso. A situação exigia esse procedimento e Atlan sabia que poderia confiar em Perry Rhodan.

— Não tenho nenhuma pergunta, “chefe” — respondeu Atlan, com um ligeiro sorriso.

A resposta à palavra chefe consistiu apenas num brilho alegre dos olhos de Rhodan. Dirigiu uma ordem aos dois teleportadores.

— Fazer o transporte para a sala do transmissor.

Os tripulantes de serviço na sala de comando ainda não haviam compreendido o que estava acontecendo.

E não ficariam menos admirados se Rhodan lhes dissesse que ele mesmo não sabia onde iriam parar!...

 

Quando saíram da estação receptora desconhecida do transmissor, ouviram um grito estridente e viram a sombra de um homem que desaparecia.

Gucky, que se mantinha logo atrás de Perry Rhodan, sentiu que era hora de agir. Sua faculdade parapsicológica estendeu em direção ao fugitivo.

Outro grito se fez ouvir. Uma sombra caiu na sala de dez por dez metros, que apenas continha o transmissor. A sombra foi seguida por um homem de tez morena, que gesticulava os braços e as pernas e gritava por socorro em acônida. Não compreendia por que flutuava no ar que nem um balão, sendo levado de volta ao salão, do qual fugira precipitadamente ao ver os oito desconhecidos.

Quando Gucky pousou o homem suavemente no chão, este parou, imóvel, e fitou os desconhecidos, antes de cair, atingido pelo disparo de uma arma de choque.

— Sir — disse John Marshall, o telepata, que silenciara os gritos do acônida. — Quase não consegui ler os pensamentos dele, mas o homem estava certo de que a tripulação estará em condições de enfrentar-nos.

— Já imaginei que fôssemos parar numa espaçonave. Onde fica a sala de rádio, Lloyd?

O mutante localizador procurava localizar modelos de vibrações cerebrais e prestava atenção a impulsos ameaçadores. Mas para seu espanto não constatou a presença de nenhum impulso que representasse um perigo.

— Não há perigo, sir. A sala de rádio fica ali — disse, apontando para o corredor pelo qual o acônida tentara fugir.

Sem que ninguém o pedisse, Sengu, o espia, apresentou o resultado de suas observações.

— Sir, estamos a bordo de uma espaçonave do comando energético dos acônidas. Tem cinqüenta metros de diâmetro e seu formato é o de uma esfera achatada. As salas de rádio e de comando ficam a uns trinta metros do lugar em que nos encontramos. O corredor leva diretamente para lá.

Rhodan olhou para os quatro cientistas que o acompanhavam.

— Esperem aqui. Não assumam nenhum risco. Se aparecer algum tripulante, usem imediatamente as armas de choque. Haja o que houver, evitem o derramamento de sangue.

Quando o chefe e os mutantes saíram da sala do transmissor, os três cientistas não se sentiram muito à vontade. Abrigaram-se atrás do gerador que zumbia levemente e aguardaram.

Os outros chegaram ao corredor. Não se preocuparam com o acônida que fora atingido pelo disparo da arma de choque. Levaria pelo menos duas horas para voltar a si.

— A sala dos propulsores fica embaixo do lugar em que nos encontramos, sir — anunciou Wuriu Sengu. — Há três homens a postos. Quatro na sala de comando e... — estacou, o que era alarmante. — Chefe, acabamos de ser descobertos pelo circuito de televisão.

Rhodan emitiu uma ordem lacônica:

— Fechar capacetes espaciais. Ativar campos protetores.

Os capacetes de plástico fecharam-se. Em cada traje de combate um miniconversor começou a trabalhar com a potência máxima. A energia produzida pelos aparelhos alimentava os campos protetores.

— O ataque vai começar, chefe — anunciou Fellmer Lloyd, em tom indiferente pelo rádio.

— Segunda porta à esquerda, três homens. Na estação três homens, na sala de comando quatro...

Sengu foi interrompido por Lloyd.

— A tripulação não é muito numerosa. Já localizei doze pessoas. Não, chefe, são treze até agora.

— Gucky, vá à sala de comando. Não assuma um risco muito grande, mas evite que os acônidas transmitam um pedido de socorro.

Gucky nem chegou a ouvir as últimas duas palavras, pois já havia saltado. Rematerializou-se na pequena sala de comando da nave acônida, às costas de três homens que corriam para a porta.

Só o quarto homem, que ocupava a poltrona do piloto, viu o rato-castor. Ficou tão assustado que perdeu a fala.

Forças invisíveis arrancaram-no da poltrona e atiraram-no contra o teto. Na pressa do ataque telecinético, o rato-castor não dosou muito bem as forças. O acônida teve de pagar por isso com um ligeiro desmaio, já que sua cabeça bateu contra o teto.

O baque surdo fez com que um dos três acônidas, que já se encontrava na porta, se virasse abruptamente. Porém correu para dentro do raio de choque, disparado pela arma de Gucky, e caiu ao chão.

O rato-castor moveu a arma de um lado para o outro e também atingiu os outros dois com a intensidade máxima.

Caíram no corredor, inconscientes.

— Perry, por aí a barra está pesada? — perguntou Gucky por via telepática.

Numa situação como esta Gucky não costumava escolher as expressões a serem usadas, e nenhuma pessoa pertencente ao Império Solar seria capaz de repreendê-lo por isso, nem mesmo Perry Rhodan.

— Estão nos cercando, pequeno — irradiou Rhodan por meio de sua reduzida parafaculdade. — Venha assim que puder.

Gucky olhou para o teto. O acônida inconsciente continuava pendurado por lá. O assento do piloto ficava bem abaixo dele e Gucky fez com que realizasse um pouso nada suave no mesmo. Nesse momento o rato-castor recebeu um pedido de socorro urgente de John Marshall. Os outros acônidas pertencentes ao comando energético avançavam com armas de radiações.

Gucky não perdeu um instante. Sua arma de impulsos derreteu as instalações de hiper-rádio, o transmissor comum e o dispositivo positrônico de pilotagem. Como não quisesse assumir o menor risco, também destruiu o comando manual de emergência.

A espaçonave acônida estava reduzida a, simplesmente, uma esfera metálica achatada. Deixara de ser uma nave estelar e não estava em condições de emitir um pedido de socorro.

O rato-castor concentrou-se e deu o salto.

 

A menos de um metro do lugar em que estava Rhodan um buraco apareceu na parede.

Por pouco o administrador não fora atingido pelo disparo de um desintegrador. Pelo rádio de capacete ouviu Fellmer Lloyd fungar. O localizador lutava com três acônidas que haviam aparecido de repente.

— Atenção, bomba luminosa! — gritou John Marshall em tom apavorado. Aquela bomba que não era mortífera, mas nem por isso menos perigosa, os cegaria.

Gucky rematerializou-se no momento em que Marshall soltava um grito de advertência. Viu a esfera de dois centímetros aproximar-se. O fato de fazer uma aterrissagem infeliz e bater fortemente na parede não o preocupou nem um pouco. Seu campo protetor individual absorveu a maior parte do impacto. O rato-castor liberou suas energias telecinéticas. A bomba luminosa foi atingida pelas mesmas e atirada para trás. Mas nem por isso o perigo fora afastado.

Mais uma vez Gucky arriscou a vida...

Saltou atrás da bomba luminosa. Agarrou-a e teleportou-a para o espaço. Ali soltou-a e, no mesmo instante, saltou de volta.

“É o fim!”, dizia o pensamento desesperado de Fellmer Lloyd, captado por Gucky.

Mais uma vez Gucky interveio literalmente no último instante!

O acônida, apontando sua arma térmica para o mutante atingido por uma pistola de choque, sentiu-se agarrado por uma força irresistível que o lançou contra a parede. O outro, que acabara de disparar a arma de choque contra Lloyd, teve de soltar a mesma, quando esta foi atingida por forças invisíveis e atirada contra seu queixo.

— Aqui a barra está limpa — telepatou Gucky enquanto desarmava os dois acônidas. — Só Fellmer Lloyd foi atingido por uma arma de choque.

Como não recebesse resposta, penetrou nos pensamentos de Rhodan. O fato de que dessa forma violava uma proibição terminante não lhe doía na consciência. Ao ler na mente de Perry que o último acônida acabara de ser posto fora de combate, suspirou aliviado.

Gucky aproximou-se com o capacete aberto. Cruzou os braços no peito e disse:

— Isto está liquidado, Perry.

Naquele instante chegou o chamado de Wuriu Sengu, que anunciou que os efeitos do choque recebido por Fellmer Lloyd deveriam cessar dentro de duas horas aproximadamente.

— Cuide dele, Wuriu — ordenou Rhodan. — John, acho que já podemos tirar nossos cientistas do purgatório. Quero que eles se dediquem integralmente ao transmissor, a fim de apurar a faixa de freqüência das transmissões para o computador. Em hipótese alguma, a estação instalada no cérebro positrônico pode passar da recepção para a transmissão. Se isso acontecer, o transmissor desta nave será desligado imediatamente. Peça aos cientistas que trabalhem com a maior atenção.

John Marshall retirou-se, e Rhodan e Gucky ficaram a sós. Na testa do administrador via-se uma ruga. Apesar do êxito que acabara de alcançar a bordo da espaçonave, Rhodan não estava satisfeito.

— A permanência nesta nave pode sair-nos muito cara — disse.

— O que quer dizer com isso, chefe? — perguntou Gucky, em tom de curiosidade.

— Teremos de esperar algumas horas até que um dos acônidas desperte do choque.

— Ora, Perry! — piou o rato-castor com uma ligeira recriminação na voz. — Será que você se esqueceu do acônida que se encontra na poltrona do piloto? Este deve acordar logo.

Rhodan admitiu prontamente que não se lembrara desse homem. Gucky ficou espantado.

— Perry, se você esqueceu, deve estar tremendamente preocupado. Será que a ameaça que pesa sobre o trono de Atlan é tão grave assim?

Rhodan pousou a mão sobre o ombro do rato-castor.

— Não é só o trono de Atlan que está em perigo, pequeno, mas também o Império Solar. No mesmo instante em que Atlan for morto ou deposto, o computador-regente voltará à atividade, com a diferença de que hoje em dia conhece a posição galáctica da Terra. E o regente voltará a assumir o comando de cerca de cem mil naves robotizadas. Você acreditará que, no momento em que essa frota entrar em ação contra nós, sobrará alguma coisa do Império Solar?

— Perry, por que não deixa que os acônidas, que se encontram no interior do dispositivo de segurança A-l, coloquem calmamente suas bombas? — perguntou Gucky, em tom exaltado.

— Você tem certeza de que estão colocando bombas? É possível que pretendam modificar a programação do dispositivo de segurança, a fim de que o centro de computação os ajude a depor Atlan. Eu...

Naquele momento chegou a mensagem telepática de John Marshall. Rhodan e Gucky receberam-na ao mesmo tempo.

— Sir, mal e mal conseguimos evitar a inversão da regulagem do transmissor a partir de Árcon III. A fase de transmissão para o dispositivo de segurança A-1 não existe mais.

— Mas a fase para a Ironduke ainda existe, não é mesmo?

— Naturalmente, chefe!

— Obrigado. Fim.

Dali a dez minutos, quando o piloto foi submetido a um interrogatório telepático, os acontecimentos se precipitaram.

Os tripulantes da nave esférica achatada não estavam informados sobre os planos dos acônidas, que se encontravam no interior do dispositivo de segurança do computador positrônico de Árcon III.

— Vamos voltar para a Ironduke! — Ordenou Rhodan, acrescentando em tom preocupado: — Tomara que os acônidas reconheçam que estão numa armadilha! Tomara...

 

O transmissor levou-os de volta para a Ironduke. Haviam permanecido pouco mais de uma hora na espaçonave do comando energético acônida. Era um tempo muito longe para o grupo de sabotadores que se encontrava no setor A-l, caso este quisesse colocar uma bomba para destruir o dispositivo de segurança. Mas uma hora não seria nada, caso sua intenção consistisse em introduzir uma modificação fundamental na programação.

A-1 merecia a designação de conversor gigante, e até mesmo os acônidas precisariam de muito tempo, para adquirir conhecimentos mais extensos sobre sua construção...

Assim que chegou à sala de transmissores da Ironduke, Perry Rhodan mandou que Gucky o teleportasse até a sala de comando. Tinha uma sensação vaga que lhe dava a impressão de que tudo teria de ser resolvido rapidamente, pois, do contrário seus esforços seriam em vão.

Enquanto saía do traje de combate, o arcônida apresentou seu relatório. Não havia muita coisa a dizer. Em compensação Rhodan tinha dados interessantes a apresentar. Entre outras coisas informou a posição galáctica da nave esférica acônida de cinqüenta metros de diâmetro e mandou que uma espaçonave terrana apressasse a acônida.

— Quero uma ligação com o computador positrônico.

A ligação foi estabelecida. Rhodan pediu que mais uma vez lhe fosse permitido entrar com alguns homens no setor A-l.

A resposta não veio. Rhodan repetiu o pedido.

O gigantesco centro de computação continuou a envolver-se em silêncio.

Mais de uma dezena de oficiais viram o chefe ficar furioso. O Imperador Gonozal VIII pôs a mão na cabeça pela terceira vez.

Às costas dos dois, os teleportadores foram trazendo os homens, vindos da sala do transmissor.

Perry Rhodan aproximou-se da câmara o mais que pôde. Com uma enérgica voz de comando, disse:

— Exijo permissão para a entrada em A-l. Acho que já sabe que poderei penetrar no dispositivo de segurança sem sua permissão, isso pelo mesmo caminho utilizado pelos acônidas.

— Permissão concedida. Quantas pessoas serão, Rhodan? — disse a voz do gigantesco cérebro.

Não havia o menor sinal de que para o cérebro positrônico a exigência de Rhodan representava uma chantagem.

— Quatro homens.

— De acordo. Campo energético em favo será desligado por cinco minutos, tempo padrão. Fim.

Enquanto o confuso símbolo do centro de computação se desmanchava na tela de imagem, Atlan disse:

— Alguma coisa aconteceu com o cérebro positrônico. Este recusou a resposta por duas vezes. Isso representa um fato novo. O procedimento do centro de computação contrasta fortemente com seu pedido de socorro. Perry, não será muito perigoso voltar novamente ao setor A-l?

Rhodan olhou para o relógio.

— Cinco minutos não custam a passar, arcônida. Infelizmente não tenho tempo para refletir sobre o comportamento do cérebro. Isto pode parecer uma leviandade. Talvez eu seja mesmo leviano. Mas o que está em jogo é valioso demais. Trata-se do Império de Árcon e do Império Solar. Tenho de arriscar tudo para salvar o que ainda puder ser salvo. Até logo mais, amigo. Gucky... Preciso que você me arranje imediatamente um aparelho de escrita luminosa. A bordo da Ironduke deve haver um. Dou-lhe três minutos para trazê-lo até aqui. Salte para o depósito três. Darei a ordem pela intercomunicação...

Depois do chamado, três postos diferentes formularam consultas. Nos depósitos não se compreendia o que o chefe queria dizer ao falar num “aparelho de escrita luminosa”. Antes que Rhodan pudesse responder, ouviu-se a voz fina de Gucky.

— Perry, o depósito três é mesmo o lugar certo. Já descobri a coisa e estou pedindo que me expliquem seu funcionamento.

Dali a pouco o ar começou a tremeluzir num ponto, no interior da sala de comando da Ironduke. Gucky, que mal acabara de falar do depósito três, apareceu com o aparelho de escrita luminosa.

— Marshall, Tschubai, os senhores acompanharão esta missão. Tschubai, o senhor teleportará Marshall. Eu irei com Gucky para A-l. Ainda dispomos de dois minutos e dezoito segundos. Preparem-se para a teleportação.

Os três homens e Gucky materializaram-se junto à trava ótica. Sem que ninguém os detivesse, atravessaram a barreira e pararam junto à porta, atrás da qual ficava a parte mais importante do dispositivo de segurança, isto é, onde os oito acônidas estavam fazendo das suas.

Rhodan transmitiu suas instruções.

John Marshall e Ras Tschubai deveriam dar-lhe cobertura com suas armas, juntamente com Gucky.

— Venha — disse, dirigindo-se a Gucky.

À sua frente, o pesado aparelho de escrita luminosa flutuava à altura do peito. O rato-castor não gostava de pegar no pesado... Quando tinha de carregar alguma coisa, ele o fazia por meio das suas forças telecinéticas.

O batente direito da porta abriu-se. Rhodan espantou-se. Oito acônidas pareciam ter enlouquecido. Estavam destruindo os aparelhos que haviam introduzido no setor A-l. Não tocaram nos comandos do centro de computação.

Um grande peso caiu de cima do coração de Rhodan. Sua maior preocupação, a de que o dispositivo de segurança pudesse ter sido destruído ou danificado, não se confirmara.

Gucky cutucou o chefe.

— Posso começar? — perguntou o rato-castor em tom insistente.

— Comece! Escreva para os acônidas. Dê-lhes um prazo de dez minutos. Se capitularem nesse prazo, sem destruir mais nada, e se desmontarem seu campo defensivo, asseguro-lhes que dentro de um mês poderão regressar para Sphinx.

O rato-castor esboçou um protesto violento.

— Pretende soltá-los, Perry?

— Costumo cumprir o que prometo, Tenente Guck — respondeu Rhodan, em tom áspero. — Não perca mais tempo. Escreva logo para os acônidas.

Gucky não esperou que a ordem fosse repetida. O pequeno conversor começou a zumbir, um raio concentrado saiu do dispositivo ótico e a mancha de luz, que surgiu na parede oposta do recinto, transformou-se numa palavra acônida.

Assim que surgiu a luminosidade, os homens do Sistema Azul interromperam seu trabalho destrutivo, fitaram a parede e leram a mensagem.

— Gucky, informe-os também de que a espaçonave de seu comando energético está imobilizada no grupo estelar M-13 e, dentro de algumas horas, será recolhida por uma nave terrana.

Gucky voltou a escrever.

O acônida que trazia um distintivo na roupa levantou os braços e cruzou as mãos por cima da cabeça. Era o gesto típico de um acônida que se entrega.

— Não esperava que isso acontecesse tão depressa — disse Rhodan a si mesmo.

Depois disso entrou em contato telepático com John Marshall e Gucky.

— Assim que os acônidas desmontarem seu campo defensivo, procurem descobrir o que os mesmos fizeram com o dispositivo de segurança.

O campo esférico que cobria os oito acônidas continuava de pé. Os homens estavam reunidos e pareciam discutir a situação. Rhodan e Gucky não notaram qualquer gesto que exprimisse nervosismo.

Um acônida saiu do grupo, aproximou-se da fileira de estranhas aparelhagens que ainda não havia sido destruída, parou à frente de um aparelho de um metro cúbico, tirou a arma e fundiu a máquina.

— Isso contraria nossas condições! — exclamou Gucky, em tom apavorado.

Naquele instante ouviram pela primeira vez a voz de um dos oito acônidas.

— Iremos até aí.

Logo em seguida ouviu-se um grito estridente saído da boca de Rhodan e de Gucky.

Raios ofuscantes saltaram das paredes do salão. Os canhões automáticos do computador estavam disparando. Alguns segundos depois, os oito acônidas dissolveram-se no ar.

O gigantesco centro de computação positrônica golpeara implacavelmente, de acordo com sua programação, e ao mesmo tempo confessara ter mentido para Atlan e Rhodan, pois, ao contrário do que dissera, havia nas paredes do setor A-1 canhões de radiações.

— Grande computador — gritou Perry Rhodan assim que a profusão de raios desapareceu. — Garanti a estes acônidas, em nome do Imperador Gonozal VIII...

A voz indiferente do cérebro positrônico interrompeu-o:

— O Imperador Gonozal VIII não pode celebrar qualquer acordo que contrarie a programação fundamental.

— Grande computador, por que disse a mim e a Atlan que o setor A-1 não está guarnecido com canhões?

— A informação incorreta foi dada porque a programação o exige. Pede-se aos terranos que se retirem imediatamente. Sua presença não é mais necessária. A lei número dezoito volta a vigorar imediatamente.

— O que acontecerá se os acônidas montaram uma bomba no setor A-1? — ponderou Rhodan, embora ele mesmo não acreditasse nessa hipótese, pois apenas queria ter uma possibilidade de retirar os aparelhos que os acônidas não haviam destruído, a fim de mandá-los examinar por um especialista.

A resposta do gigantesco centro de computação foi imediata.

— Os terranos dispõem de duas horas, tempo padrão, para revistar o setor A-1 à procura de bombas e retirar os aparelhos deixados pelos acônidas. A via de transporte será a teleportação. Uma vez findo o prazo, a matéria será regulada exclusivamente pela lei número dezoito. Fim.

 

Quando o prazo de duas horas estava para findar, Gucky e Ras Tschubai realizaram seu último salto de teleportação, que levou Perry Rhodan e John Marshall de volta para a Ironduke.

Os cientistas de Rhodan iniciaram imediatamente o exame dos aparelhos, mas logo tiveram de reconhecer que a aparelhagem que escapara à destruição não poderia revelar muita coisa sobre as atividades do comando acônida, composto de oito pessoas.

A notícia foi dada a Perry Rhodan a título de recepção. Atlan praguejou e repetia constantemente que o cérebro estava louco.

— Atlan, isso prova que os acônidas fizeram muita coisa no setor A-1— ponderou Perry Rhodan.

O arcônida exaltou-se.

— O setor A-1 não é um controle igual a qualquer outro, bárbaro. Não se pode movê-lo sem mais aquela. Quem o manipula pode destruí-lo, mas nunca modificá-lo. Tenho certeza absoluta.

Rhodan parecia cético.

— Tomara que você tenha razão, almirante. Tomara! Faço votos de que não esteja subestimando os acônidas. Não se esqueça de que vocês, os arcônidas, descendem deles. Acho...

O aparelho especial que só permitia — quando isso se tornava possível — a comunicação com o gigantesco centro de computação, emitiu o sinal de chamado. A tela estabilizou-se. A voz do grande cérebro se fez ouvir.

O grande computador de Árcon III deu uma ordem.

A sala de comando da Ironduke estremeceu quando a voz metálica começou a falar:

— Todas as naves da frota terrana devem retirar-se da área de influência do Grande Império dentro de oito horas, tempo padrão, caso contrário tomarei as medidas adequadas contra o sistema solar, em nome do Grande Império.

Com um salto, o Imperador Gonozal VIII colocou-se à frente da câmara e berrou para dentro do microfone:

— Como imperador legítimo de Árcon exijo...

Calou-se abruptamente. O cérebro positrônico já havia desligado. Ignorou as ordens do Imperador Gonozal VIII.

O arcônida estava próximo do desespero.

— É o fim — disse a Rhodan, no interior do camarote deste, para o qual se haviam retirado. — O grande centro de computação também se voltou contra mim. Não terei de lutar apenas contra os grupos subversivos e os invasores acônidas, mas também contra o grande computador positrônico. Com que posso lutar, Perry? Será que poderei enfrentar cem mil naves robotizadas com... as minhas mãos?

Rhodan não respondeu às observações de Atlan. Disse em tom profético:

— Atlan, o maior amigo do homem é o tempo, e estou convencido de que este amigo está do nosso lado.

— Se ainda podemos ter fé, nem tudo está perdido, Perry Rhodan — disse o arcônida, em tom de resignação.

Rhodan manteve-se calado. Sabia por experiência própria o que a depressão pode fazer com uma pessoa. Mas conhecia o arcônida Atlan, e tinha certeza de que o tempo também trabalharia a seu favor...

 

                                                                                            Kurt Brand  

 

                      

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