... Kahlan jogou os braços em volta do mago, repentinamente sentindo-se abandonada. Zedd era o avô de Richard, e isso fazia com que ela se sentisse um pouco melhor tendo pelo menos uma parte de Richard com ela.
Quando eles saíram, Zedd lançou um olhar para o gar. — Bem, Gratch, acho que seria melhor seguirmos nosso caminho.
No frio ar da noite, Kahlan segurou a manga do mago. — Zedd, você precisa colocar um pouco de bom senso em Richard.
A voz dele inflamou. — Ele não pode fazer isso para mim. Ele não está sendo racional.
Zedd estudou o rosto dela na luz fraca. Falou suavemente, depois de algum tempo. — A história raramente é feita por homens que usam a razão.
Não toquem em nada. — Richard lembrou novamente enquanto olhava por cima do ombro. — Eu falo sério.
As três Mord-Sith não responderam. Viraram e olharam o teto alto da entrada arqueada e então para os enormes blocos de granito negro unidos de forma complexa do lado de dentro logo depois das massivas portas corrediças que marcavam a entrada da Fortaleza do Mago. Richard olhou para trás, além de Ulic e Egan, na larga estrada que os levou subindo o lado da montanha e à última ponte de pedra com duzentos e cinquenta passos de comprimento, cruzando por cima de um abismo com lados quase verticais a despencarem pelo que pareciam milhares de pés. Ele não tinha certeza da total profundidade do abismo porque lá embaixo, nuvens que encostavam nas paredes lisas de gelo escureciam o fundo. Caminhar sobre a ponte e olhar para baixo dentro daquela bocarra escura deixava ele tonto e confuso. Ele não conseguia imaginar como a ponte de pedra poderia ter sido erguida sobre um obstáculo assim.
A não ser que alguém tivesse asas, esse era o único caminho para entrar na Fortaleza.
A escolta oficial de Lorde Rahl de quinhentos homens esperava lá atrás, do outro lado da ponte. Eles pretendiam ir com ele dentro da Fortaleza até que tivessem alcançado aquele ponto, logo depois de terem passado por um caminho em ziguezague, e todos os olhos, incluindo os dele, levantaram observando a vastidão da Fortaleza, suas paredes de pedra negra, suas plataformas, bastiões, torres, passagens de conexão, e pontes, que juntos apresentavam uma inconfundível sensação de ameaça sinistra que saltava das rochas na montanha, de algum modo parecendo vivas, como se estivessem observando. Os joelhos de Richard ficaram fracos com a visão, e quando ele ordenou que eles esperassem ali, ninguém tinha expressado ao menos uma simples palavra de protesto.
Foi necessário considerável força de vontade para que Richard seguisse adiante, mas a ideia de todos aqueles homens vendo seu Lorde Rahl, seu mago, negar-se a entrar na Fortaleza do Mago, manteve seus pés em movimento quando ele desejaria o contrário. Além do mais, ele precisava fazer isso. Richard invocou coragem lembrando de Kahlan dizendo que a Fortaleza era protegida por feitiços, e havia lugares nos quais nem mesmo ela conseguiria entrar por causa desses encantos, que minavam a coragem de qualquer pessoa, impedindo que seguissem em frente. Isso era tudo, ele assegurou para si mesmo, apenas feitiços para manter os curiosos longe, apenas uma sensação, e não uma ameaça real.
— Está quente aqui. — Raina disse, seus olhos escuros observando ao redor com admiração.
Richard percebeu que ela estava certa. Assim que passaram das portas corrediças de ferro, o ar perdia o frio com cada passo, até que ali dentro parecesse um dia de primavera. Porém, o céu cinza escuro dento do qual o lado da montanha ascendia acima da Fortaleza, e o vento na estrada durante a subida, não mostravam nenhum toque de primavera.
A neve nas botas dele estava começando a derreter. Todos retiraram suas capas grossas e colocaram em uma pilha de um lado, contra a parede de pedra. Richard certificou-se de que sua espada estava solta na bainha.
A elevada abertura arqueada por baixo da qual eles passaram tinha cerca de cinquenta pés. Richard viu que ela era meramente uma brecha no muro externo. Adiante, a estrada continuava através de uma área aberta antes de afunilar dentro da base de um alto muro de pedra e desaparecer dentro da escuridão além. Provavelmente aquilo apenas levava até os estábulos, ele disse para si mesmo. Não havia razão para entrar ali.
Richard teve que lutar contra a vontade de cobrir-se com sua capa negra de Mriswith e ficar invisível. Esteve fazendo isso mais e mais ultimamente, encontrando conforto não apenas na solidão que isso proporcionava, mas em uma estranha, indefinível sensação de prazer que isso invocava, quase como a força da magia da espada em sua cintura, sempre ali, sempre a sua inteira disposição, sempre sua aliada e companheira.
Por toda parte ao redor, intricadas conexões de construções em alvenaria transformavam o pátio frio em um canal irregular, suas paredes com várias portas. Richard escolheu seguir um caminho com placas de pedra através do cascalho e fragmentos de granito, até a porta mais larga.
Repentinamente Berdine agarrou o braço dele com tanta força que ele se encolheu de dor, afastando-se da porta para retirar os dedos dela.
— Berdine. — ele disse. — O que você está fazendo? Qual e o problema?
Ele libertou o braço da mão dela, mas ela o segurou novamente. — Veja. — finalmente ela falou com um tom na voz que fez os cabelos da nuca dele ficaram eriçados. — O que você imagina que seja isso?
Todos viraram para ver para onde ela apontava com seu Agiel.
Rochas e fragmentos de pedras rolavam em ondas, como se algum peixe de pedra enorme nadasse debaixo da superfície. Enquanto a coisa invisível debaixo do solo chegava mais perto, todos se moveram lentamente na direção do centro das placas de pedra. O cascalho estalava e rangia enquanto ondulava em ondas, como água em um lago.
A força do aperto de Berdine no braço dele aumentou dolorosamente enquanto o volume das ondas se aproximavam. Até mesmo Ulic e Egan arfaram com o resto deles quando aquilo pareceu deslizar sob as placas de pedra embaixo dos pés deles, as ondas lançando lascas de pedras sobre os placas onde eles estavam. Uma vez do outro lado, o movimento ondulante do cascalho diminuiu até que cessou.
— Muito bem, o que foi aquilo? — Berdine disparou. — E o que teria acontecido se tivéssemos seguido um caminho diferente, até uma das outras portas, ao invés do único caminho até essa?
— Como eu poderia saber?
Ela piscou para ele. — Você é um mago. Deveria saber essas coisas.
Berdine lutaria com Ulic e Egan sozinha, sem pensar duas vezes, se ele desse o comando, mas a magia invisível era algo totalmente diferente. Todos os cinco não temiam o aço, mas nenhum deles tinha nem um pouquinho de vergonha de mostrar para ele sua ansiedade com a magia. Tinham explicado isso para ele muitas vezes: eles eram o aço contra o aço, para que ele pudesse ser a magia contra a magia.
— Escutem, todos vocês, já falei antes que não sei muito sobre ser um mago. Nunca estive nesse lugar antes. Não sei nada sobre isso. Não sei como protegê-los. Agora, farão como eu pedi, e vão esperar junto com os soldados do outro lado da ponte? Por favor?
Ulic e Egan cruzaram os braços e em uma resposta muda.
— Nós vamos com você. — Cara insistiu.
— Isso mesmo. — Raina adicionou.
— Não pode nos impedir. — Berdine falou quando finalmente soltou o braço dele.
— Mas poderia ser perigoso!
— E nós devemos protegê-lo. — Berdine disse.
Richard fez uma careta para ela. — Como? Espremendo para fora o sangue do meu braço?
Berdine ficou vermelha. — Desculpe.
— Vejam bem, eu não sei nada sobre a magia aqui. Não conheço os perigos, muito menos como detê-los.
— É por isso que devemos ir. — Cara explicou com exagerada paciência. — Você não sabe como proteger a si mesmo. Podemos ser de grande ajuda. Quem pode dizer que um Agiel... — Ela apontou com um dedão para Ulic e Egan. — ...ou músculos, não são o que precisaremos? E se você cair em um simples buraco sem nenhuma escada, e não tiver ninguém que escute seus gritos por socorro? Você poderia ser ferido por alguma coisa que não seja mágica, você sabe.
Richard suspirou. — Bem, está certo. Acho que você tem razão. — Ele balançou um dedo na direção dela. — Mas se você tiver o pé mordido por algum peixe de pedra ou alguma coisa, não venha reclamar comigo.
As três mulheres sorriram com satisfação. Até Ulic e Egan sorriram. Richard soltou um suspiro e cansaço.
— Então vamos lá.
Ele virou na direção da porta com doze pés de altura cravada em uma alcova. A madeira estava cinza e desgastada, e presa por simples, mas espessas, faixas de ferro cravadas com pregos tão grandes quanto os dedos dele. Acima da porta, palavras estavam gravadas na padieira de pedra, mas estavam em uma língua que nenhum deles conseguia entender. Quando Richard esticou a mão até a maçaneta, a porta começou a se mover para dentro com dobradiças silenciosas.
— E ele diz que não sabe como usar sua magia. — Berdine falou com sarcasmo.
Richard checou a determinação nos olhos deles uma última vez. — Lembrem, não toquem em nada. — Eles assentiram.
Ele soltou um suspiro resignado e virou na direção do portal, coçando atrás do pescoço.
— O unguento que eu trouxe não livrou você de sua irritação? — Cara perguntou enquanto eles caminhavam através do portal para dentro da sala silenciosa adiante. Tinha cheiro de rocha úmida.
— Não. Ainda não, pelo menos.
Dentro da vasta câmara de entrada suas vozes ecoavam no teto iluminado, que estava a cerca de trinta pés de altura.
Richard reduziu o passo enquanto espiava ao redor da sala quase vazia e então parou.
— A mulher de quem eu comprei isso prometeu que curaria sua irritação. Ela falou que era feito com ingredientes comuns, como ruibarbo branco, suco de loureiro, manteiga, e ovo levemente cozido, mas quando eu falei que era muito importante, ela adicionou alguns caros elementos especiais. Disse que colocou betônia, intestino de porco, um coração de andorinha, e porque eu sou sua protetora, ela fez com que eu levasse para ela o sangue de minha menstruação. Ela misturou no unguento usando um prego quente vermelho. Eu fiquei e observei, só para ter certeza.
— Gostaria que tivesse falado isso antes que eu usasse. — Richard murmurou enquanto olhava fixamente adiante dentro da câmara sombria.
— O que foi? — Ele balançou a mão ignorando a pergunta. — Bem, eu avisei para ela que era melhor funcionar, pelo valor pago, e caso não funcionasse, eu voltaria e ela se arrependeria do dia em que falhou. Ela prometeu que funcionaria. Você lembrou de colocar um pouco no seu calcanhar esquerdo, como eu disse, não lembrou?
— Não, só coloquei em cima da irritação. — Agora ele gostaria de não ter feito aquilo.
Cara jogou as mãos para cima. — Bem, não fico surpresa. Eu disse que precisava colocar no calcanhar esquerdo também. A mulher falou que provavelmente a irritação era uma um rompimento na base de sua aura, e que precisava colocar no calcanhar também para completar a conexão com a terra.
Richard mal escutava o que ela dizia; ele sabia que ela estava apenas tentando encontrar coragem com o som da sua própria voz, transformando o assunto em algo trivial.
Bem alto lá em cima, para o lado direito deles, uma fila de pequenas janelas lançavam compridos raios de luz do sol pela sala.
Cadeiras entalhadas ornamentadas observavam de cada lado de uma abertura arqueada do outro lado da sala. Abaixo de uma fileira de janelas estava pendurado um tapete, seu desenho apagado demais para ser compreendido. A parede oposta tinha uma fila de velas em simples castiçais de ferro. Uma mesa grossa estava no centro da sala, banhada por um cintilante raio de luz. Além disso, a sala estava vazia.
Eles cruzaram o piso, acompanhados pelos ecos dos sons de suas botas nos ladrilhos. Richard viu que havia livros sobre a mesa. Suas esperanças se elevaram; livros eram o motivo pelo qual ele veio. Ainda poderia levar semanas antes que Kahlan e Zedd voltassem, e ele temia que pudesse precisar agir para proteger a Fortaleza antes disso. Estava começando a ficar nervoso e preocupado enquanto esperava.
Com o exército D'Haran protegendo Aydindril, sua maior ameaça no momento era um assalto para tomar a Fortaleza. Ele esperava encontrar livros que pudessem transmitir algum conhecimento, talvez até mesmo dizer a ele como usar um pouco de sua magia, para que se alguém com magia atacasse, ele pudesse obter um meio de afastá-los. Temia que a Ordem tentasse pegar um pouco da magia preservada na Fortaleza. Os Mriswith também estavam em seus pensamentos.
Havia quase uma dúzia de livros sobre a mesa, todos do mesmo tamanho. As palavras nas capas não estavam em uma língua que ele pudesse entender. Ulic e Egan ficaram de costas para a mesa enquanto Richard empurrava alguns dos livros para o lado com um dedo para ver melhor os que estavam embaixo. Alguma coisa neles parecia familiar.
— Eles pareciam o mesmo livro, porém com línguas diferentes. — ele comentou para si mesmo.
Virou um que chamou atenção de seus olhos para que pudesse olhar para o título, e de repente percebeu que embora não conseguisse ler, já tinha visto aquela língua, e reconheceu duas das palavras. A primeira, filer, e a terceira, ost, eram palavras que ele conhecia bem demais. O título estava em Alto D'Haran.
Uma profecia que Warren tinha mostrado para ele nas câmaras no Palácio dos Profetas tinha feito referência a Richard, chamando-o de fuer grissa ost drauka: aquele que traz a morte. A primeira palavra nesse título, fuer, significava, o, e a terceira, ost, significava, do.
— Fuer Ulbrecken ost Brennika Dieser. — Richard soltou um suspiro de frustração. — Gostaria de saber o que isso significa.
— As Aventuras de Bonnie Day. Eu acho.
Richard virou para ver Berdine olhando para a mesa por cima do ombro dele. Ela deu um passo para trás, seus olhos azuis olhando para outro lado como se ela estivesse pensando que tinha feito alguma coisa errada. — O que você disse? — ele sussurrou. Berdine apontou para o livro sobre a mesa. — Fuer Ulbrecken ost Brennika Dieser.
Você falou que gostaria de saber o que isso significava. Acho que significa As Aventuras de Bonnie Day. É um dialeto antigo.
As Aventuras de Bonnie Day era um livro que Richard teve desde sua infância. Foi seu livro favorito, e leu ele tantas vezes que praticamente sabia de cor.
Somente depois de ir até o Palácio dos Profetas no Mundo Antigo ele descobriu que o livro tinha sido escrito por Nathan Rahl, um profeta e ancestral de Richard. Nathan escreveu o livro como um livro básico de iniciação na profecia, ele disse, e deu ele para garotos que tinham potencial. Nathan tinha falado para ele que, com exceção de Richard, todos que possuíram o livro sofreram acidentes fatais.
Quando Richard nasceu, a Prelada e Nathan foram até o Mundo Novo e roubaram o Livro das Sombras Contadas da Fortaleza para evitar que ele caísse nas mãos de Darken Rahl. Eles o entregaram para o pai adotivo de Richard, George Cypher, e conseguiram ter sua promessa de que faria Richard memorizar todo o livro, palavra por palavra, e então destruí-lo. O Livro das Sombras Contadas era necessário para abrir as Caixas de Orden, lá em D'Hara. Richard ainda lembrava daquele livro de cor, cada palavra dele.
Richard lembrava com carinho dos tempos felizes de sua infância, em casa com seu pai e o irmão. Ele amou seu irmão mais velho, e tinha ele como exemplo. Naquela época quem poderia imaginar os caminhos traiçoeiros que a vida tomaria? Não havia como voltar no tempo até aqueles dias de inocência.
Nathan também havia deixado uma cópia de As Aventuras de Bonnie Day para ele. Ele também deve ter deixado essas cópias, em outras línguas, aqui na Fortaleza quando esteve aqui pouco depois que Richard nasceu.
— Como você sabe o que está escrito? — Richard perguntou.
Berdine engoliu em seco. — Está em Alto D'Haran, mas é um antigo dialeto da língua.
Richard percebeu, pelo modo como os olhos dela ficaram assustados, que ele devia estar com uma aparência ameaçadora no rosto. Ele fez um esforço para suavizar sua expressão.
— Você queria dizer que entende Alto D'Haran? — Ela assentiu. — Disseram que era uma língua morta. Um estudioso que conheço que conseguia entender Alto D'Haran me falou que quase ninguém mais conhece isso. Como você conhece?
— Meu pai. — ela disse. A emoção desapareceu de sua voz. — Essa foi uma das razões pelas quais Darken Rahl me escolheu para ser Mord-Sith. — O rosto dela também ficou inexpressivo. — Poucas pessoas ainda entendem Alto D'Haran. Meu pai era uma delas. Darken Rahl usava Alto D'Haran para fazer funcionar algumas de suas magias, e ele não gostava que houvesse outros que tivessem conhecimento da língua antiga.
Richard não precisou perguntar o que aconteceu com o pai dela.
— Sinto muito, Berdine.
Ele sabia que durante seu treinamento, aquelas que ficavam comprometidas na obrigação de se tornarem Mord-Sith eram forçadas a torturar seus pais até a morte. Isso era chamado de terceira quebra, o teste final delas.
Ela não mostrou reação alguma. Havia se refugiado por trás da máscara de ferro do treinamento dela. — Darken Rahl sabia que meu pai tinha me ensinado um pouco da língua antiga, mas sendo uma Mord-Sith, eu não representava ameaça para ele. Ele me consultava, de vez em quando, para ouvir minha interpretação de várias palavras. Alto D'Haran é uma língua difícil de traduzir.
Muitas palavras, especialmente nos dialetos mais antigos, possuíam nuances de significado que só podiam ser entendidos pelo seu contexto. Não sou uma especialista, de modo algum, mas entendo um pouco. Darken Rahl era um mestre em Alto D'Haran.
— E você sabe o significado de fuer grissa ost drauka?
— Um dialeto muito antigo. Não sou bastante versada em versões tão antigas. — Ela pensou durante um momento. — Acho que a tradução literal seria aquele que traz a morte. Onde ouviu isso?
Ele não quis pensar nas complicações dos outros significados no momento. — Uma antiga profecia. Ela me deu esse nome.
Berdine cruzou as mãos atrás das costas. — Injustamente, Lorde Rahl. A não ser que seja uma referência para sua habilidade em lidar com seus inimigos, não com seus amigos.
Richard sorriu. — Obrigado, Berdine.
O sorriso dela voltou, como o sol por trás de nuvens de tempestade que desapareciam.
— Vamos ver o que mais encontramos de interessante aqui dentro. — ele disse, seguindo na direção da abertura arqueada no final da câmara.
Quando passou pelo portal, Richard sentiu uma sensação de formigamento atravessar por sua carne como a borda de uma lâmina. Assim que estava do outro lado da abertura, ela desapareceu. Ele virou quando escutou Raina chamar o seu nome.
O resto deles, do outro lado, pressionavam as mãos no ar como se ele fosse uma placa de vidro impenetrável. Ulic bateu o punho contra ela, mas sem causar efeito algum.
— Lorde Rahl! — Cara gritou. — Como atravessamos?
Richard voltou até o portal. — Não tenho certeza. Eu tenho magia que me permite atravessar escudos. Aqui, Berdine, me dê sua mão. Vamos ver se isso vai funcionar.
Ele enfiou sua mão de volta através da barreira invisível, e ela agarrou seu pulso sem hesitar. Lentamente, ele puxou a mão dela em sua direção até que ela penetrou no escudo.
— Oh, está frio. — ela reclamou.
— Você está bem? Quer tentar o resto do caminho?
Quando ela assentiu, ele a puxou. Logo que atravessou, ela estremeceu e começou a sacudir o corpo como se estivesse coberta de insetos.
Cara esticou a mão na direção do portal. — Agora eu.
Richard começou a esticar o braço, mas parou. — Não. O resto de vocês espera aqui até nós voltarmos.
— O quê! — Cara gritou. — Tem que nos levar com você!
— Existe perigos sobre os quais não sei nada. Não posso ficar tomando conta de todos vocês e ao mesmo tempo prestar atenção no que estou fazendo. Berdine é o bastante caso eu precise de proteção. O resto de vocês espera aqui. Se alguma coisa acontecer, vocês sabem como sair.
— Mas você tem que nos levar. — Cara pediu. — Não podemos deixar você sem proteção. — Ela virou. — Diga para ele, Ulic.
— Ela está certa, Lorde Rahl. Deveríamos ficar com você.
Richard balançou a cabeça. — Um é o bastante. Se alguma coisa acontecer comigo, então vocês não conseguiriam voltar através do escudo. Se alguma coisa acontecer, e nós não voltarmos, dependo de vocês para continuarem. Se alguma coisa acontecer, você está no comando, Cara. Se alguma coisa acontecer, consiga ajuda para nós, se puder. Se não puder, bem, tome conta das coisas até que meu avô Zedd e Kahlan cheguem aqui.
— Não faça isso! — Cara pareceu mais perturbada do que ele já tinha visto. — Lorde Rahl, não podemos perder você.
— Cara, vai ficar tudo bem. Vamos voltar, eu prometo. Magos sempre cumprem suas promessas.
Cara bufou de raiva. — Porque ela?
Berdine jogou sua trança castanha para trás, por cima do ombro, enquanto mostrava para Cara um sorriso de satisfação.
— Porque Lorde Rahl gosta mais de mim.
— Cara — Richard disse enquanto fazia uma certa para Berdine. — É porque você é a líder. Se alguma coisa acontecer comigo, eu quero que você fique no comando.
Cara ficou parada um momento, considerando aquilo. Um largo sorriso finalmente surgiu em seus lábios. — Está certo. Mas é melhor que nunca mais faça um truque como esse novamente.
Richard piscou para ela. — Se você diz. — Ele olhou para o corredor sombrio. — Vamos lá, Berdine. Vamos dar uma olhada por aí para acabar com isso e sairmos desse lugar.
Corredores seguiam para todas as direções. Richard tentou permanecer naquele que pensava ser o principal para conseguir encontrar o caminho até a saída. Quando passavam por salas, ele enfiava a cabeça para ver se havia algum livro ou qualquer outra coisa que pudesse ser útil. A maioria eram simples salas de pedra vazias. Algumas tinham mesas e cadeiras, com baús ou outras mobílias, mas nada de particular interesse. Todo um corredor tinha salas com camas. Os magos que ficavam na Fortaleza deviam ter vivido de forma modesta, pelo menos alguns deles. Havia milhares de salas e ele só tinha visto algumas.
Berdine espiava por cima do ombro dele sempre que ele olhava dentro de uma sala, para ver o que ele estava vendo. — Você sabe aonde estamos indo?
— Não exatamente. — Ele olhou por outro corredor lateral. O lugar era um labirinto. — Mas acho que deveríamos encontrar alguns degraus. Começar embaixo e ir subindo.
Ela apontou para trás por cima do ombro dele. — Eu vi alguns descendo por um corredor a esquerda, logo ali atrás.
Os degraus estavam onde ela falou que estariam. Ele não havia notado eles porque era apenas um buraco no chão com degraus de pedra em espiral descendo para dentro da escuridão, e ele estivera procurando por uma escadaria. Richard censurou a si mesmo por não lembrar de trazer uma lamparina, ou vela. Ele tinha uma pedra para fazer fogo e um pedaço de aço no bolso, e imaginou que se conseguisse encontrar um pouco de palha ou pano velho, poderia conseguir fazer fogo e acender uma das velas que tinha visto em castiçais de ferro.
Quando eles desciam dentro da escuridão, Richard sentiu, assim como escutou, um leve zumbido vindo lá debaixo.
A pedra, que estivera desaparecendo na escuridão, começou a se revelar dentro de uma luz verde azulada, como se alguém estivesse levantando o pavio em uma lamparina. No momento em que chegaram até a base dos degraus, ele conseguia ver claramente na luz estranha.
Fazendo uma curva pouco depois do final dos degraus, ele encontrou a fonte da luz. Em um suporte anelar de ferro estava um globo, quase do tamanho da mão dele, e que parecia ser de vidro. Ele era a origem da luz.
Berdine olhou para ele, seu rosto delineado na estranha iluminação. — O que faz isso brilhar?
— Bem, não tem chama nenhuma, então eu diria que deve ser magia.
Richard se esticou cuidadosamente na direção da luz. O brilho dela aumentou. Encostou um dedo, e o verde azulado mudou para uma cor amarela.
Uma vez que tocar não pareceu causar mal algum, Richard retirou aquilo do suporte cuidadosamente. Era mais pesado do que ele esperava. Ao invés de ser uma esfera oca de vidro, parecia ser sólida. Em sua mão, ela emitia uma luz calorosa e útil.
Richard conseguiu ver que longe, pelo corredor semelhante a um túnel, havia outras esferas semelhantes em suportes. Mais adiante, a mais próxima mal brilhava com a luz verde azulada. Quando passaram por elas, cada uma delas brilhava mais forte com a aproximação dele, e diminuía quando ele seguia em frente com aquela que pegou.
Em uma interseção, o corredor juntava-se a um corredor mais larga e mais convidativo. Pedra cor de rosa clara seguia em uma faixa por ambos os lados, e em alguns lugares a passagem tinha aberturas que conduziam a salas cavernosas com bancos acolchoados.
Abrindo as largas portas duplas em uma das grandes salas do corredor, ele encontrou uma biblioteca. A biblioteca parecia aconchegante e convidativa com seu chão polido de madeira, paredes com painéis, e teto pintado de branco. Havia mesas ao lado de fileiras de estantes, e cadeiras de aparência confortável. Janelas envidraçadas do outro lado da sala exibiam uma vista panorâmica da cidade de Aydindril e deixavam a sala clara e arejada.
Ele continuou até a próxima câmara cavernosa no corredor, e descobriu que ela também tinha uma biblioteca. Parecia que o corredor seguia paralelo com a face da Fortaleza, e por toda uma fila de bibliotecas. Eles tinham encontrado outras duas dúzias das enormes salas com biblioteca no momento em que chegaram no final do corredor.
Richard nunca imaginou que existisse tantos livros assim. Mesmo as câmaras no Palácio dos Profetas, com todos os livros que guardavam, pareciam ínfimas para ele depois de ver todos esses volumes. Levaria um ano só para ler todos os títulos. De repente ele sentiu-se desanimado. Por onde deveria começar?
— Deve ser isso que você estava procurando. — ela disse.
Richard franziu a testa. — Não, não é. Não sei por que, mas não é isso. Isso é comum demais.
Berdine caminhou ao lado dele enquanto continuavam através de passagens e descendo vários andares quando chegaram até uma escadaria, o Agiel dela balançava em sua corrente no pulso dela, sempre preparado. Na base das escadas havia um portal enfeitado com folhas douradas diante de uma câmara além que, ao invés de ser feita com pedra trabalhada, tinha sido escavada na rocha negra, e que talvez fosse uma caverna que tinha sido alargada. Em lugares onde a rocha havia sido removida, restavam facetas lisas brilhosas. Grossas colunas pareciam terem sido deixadas em alguns lugares enquanto a rocha foi escavada para suportar um teto baixo grosseiro.
No portal dourado Richard encontrou um escudo pela quarta vez desde que entrou na Fortaleza, mas esse era diferente dos três primeiros. Os três primeiros todos causavam a mesma sensação; esse não parecia nem um pouco com os outros. Quando ele enfiou a mão, o plano vertical entre o portal emitiu um brilho vermelho sem ter nenhuma fonte visível, e a sensação, ao invés do formigamento, era quente onde a luz vermelha tocava nele. Era o escudo mais desconfortável que ele já tinha sentido. Teve medo que ele pudesse queimar os cabelos do seu braço, mas não queimou.
Richard puxou seu braço de volta. — Esse aqui é diferente. Se for mais do que você quiser suportar, faça com que eu pare. — Colocou seu braço em volta de Berdine para protegê-la melhor. Ela ficou tensa. — Não se preocupe, vou parar se você quiser que eu pare.
Ela assentiu, e ele caminhou para dentro do portal. Quando a luz vermelha tocou o couro vermelho no braço dela, ela se encolheu. — Está tudo bem. — ela disse. — Continue. — Ela a puxou, e soltou-a. Somente depois que ele afastou os braços ela pareceu relaxar.
O brilho da esfera que Richard segurava lançou sombras entre as colunas, e ele conseguiu ver que havia pequenos recessos esculpidos na pedra por toda a sala. Na parede do final da sala, havia talvez sessenta ou setenta aberturas assim. Embora não conseguisse ver o que estava dentro delas, conseguia ver que cada uma delas guardava objetos de diferentes tamanhos e formas.
Richard sentiu os cabelos atrás de seu pescoço ficarem eriçados enquanto seu olhar observava aqueles espaços de longe. Não sabia o que eram aquelas coisas, mas instintivamente ele sabia que eram mais do que perigosas.
— Fique perto de mim. — ela falou para ela. — Nós queremos ficar longe das paredes. — Ele apontou com o queixo pela vasta sala. — Bem ali. Aquela passagem é para onde queremos ir.
— Como você sabe?
— Olhe no chão. — A pedra natural áspera estava gasta em uma trilha sinuosa cortando pelo centro da câmara. — Seria melhor ficarmos nesse caminho.
Os olhos azuis dela levantaram, inquietos. — Tenha cuidado. Se alguma coisa acontecer com você nunca conseguirei sair desse lugar para conseguir ajuda dos outros. Ficarei presa aqui embaixo.
Richard sorriu e então começou a andar pela caverna silenciosa. — Bem, esse é o risco que você assume por ser minha favorita.
O desconforto dela não diminuiu com a tentativa dele de aliviar a situação. — Lorde Rahl, você realmente acha que eu acredito ser a sua favorita.
Richard verificou que ainda estavam no caminho. — Berdine, eu só falei isso porque é isso que você sempre diz.
Ela pensou em silêncio enquanto eles se moviam cautelosamente pela sala. — Lorde Rahl, posso fazer uma pergunta? Uma pergunta séria? Uma pergunta pessoal?
— Claro.
Ela jogou sua trança castanha por cima do ombro e ficou segurando nela. — Quando você casar com sua Rainha, você ainda terá outras mulheres, não terá?
Richard olhou para ela fazendo uma careta. — Não tenho nenhuma outra mulher agora. Eu amo Kahlan. Sou fiel no meu amor por ela.
— Mas você é o Lorde Rahl. Pode ter qualquer uma que desejar. Até mesmo eu. Isso é o que Lorde Rahl faz; ele tem muitas mulheres. Você só tem que estalar os dedos.
Richard teve a clara impressão de que ela definitivamente não estava fazendo uma oferta. — Está falando isso por causa daquela vez em que coloquei minha mão em você, no seio? — Ela olhou para outro lado e assentiu. — Berdine, eu fiz aquilo para ajudá-la, não por que... bem, não por causa de qualquer outra coisa. Esperava que você soubesse disso.
Rapidamente ela colocou uma das mãos no braço dele. — Eu sei. Não foi isso que eu quis dizer. Você nunca tocou em mim do outro jeito. O que eu queria dizer foi que você nunca exigiu isso de mim. — Ela mordeu o lábio inferior.
— O modo como você colocou sua mão em mim me deixou muito envergonhada.
— Por quê?
— Porque você arriscou sua vida para me ajudar. Você é o meu Lorde Rahl, e eu não tenho sido honesta com você.
Richard fez um gesto, indicando o caminho ao redor de uma coluna em volta da qual vinte homens não conseguiriam dar as mãos.
— Você está me deixando confuso, Berdine.
— Bem, eu digo que sou a sua favorita para que não pense que não gosto de você.
— Você está tentando dizer que não gosta de mim?
Ela agarrou o braço dele outra vez. — Oh, não. Eu amo você.
— Berdine, eu falei que eu tenho...
— Não desse jeito. Quero dizer que amo você como meu Lorde Rahl. Você me libertou. Você viu que eu sou mais do que simplesmente Mord-Sith, e confiou em mim. Salvou minha vida e fez com que eu ficasse completa novamente. Amo você pelo tipo de Lorde Rahl que você é.
Richard balançou a cabeça como se desejasse limpá-la. — Você não está fazendo o menor sentido. O que isso tem a ver com você sempre falar que é minha favorita?
— Digo isso para que você não pense que eu não estaria disposta a ir para sua cama se você pedisse. Tive medo de que se você soubesse que eu não queria, então me forçaria, para ser perverso.
Richard levantou a luz quando eles chegaram até a passagem que levava para fora da sala. Parecia um simples corredor. — Pare de se preocupar com isso. — Ele fez sinal para que ela seguisse em frente. — Eu disse que não faria isso.
— Eu sei. E depois do que você fez... — Ela tocou no seio esquerdo. — Acredito em você. Mas antes eu não acreditava. Estou começando a ver que você realmente é diferente de muitas maneiras.
— Diferente de quem?
— Darken Rahl.
— Bem, você está certa nisso. — Enquanto continuavam caminhando pelo longo corredor, de repente ele olhou para ela outra vez. — Você está tentando me dizer que está apaixonada por alguém, e só esteve dizendo aquelas coisas para que eu não pensasse que estava tentando evitar meu desejo, e então eu não seria provocado a forçá-la?
O punho dela apertou na trança quando seus olhos azuis fecharam por um momento. — Sim.
— Verdade? Acho que isso é maravilhoso, Berdine. — No final do corredor, eles chegaram em uma sala ampla, as paredes com fileiras de tufos de pelo e cabelo amarrados pendurados em painéis emoldurados. Richard estudou os painéis de uma certa distância.
Reconheceu um tufo como pelo de gar.
Richard mostrou um sorriso enquanto voltava a caminhar. — Quem é? — Ele balançou a mão, sentindo uma repentina onda de receio de que, considerando o estado estranho dela no momento, pudesse estar ultrapassando os limites. — A não ser que você não queira dizer. Você não tem que falar. Não quero que sinta que tem obrigação de falar. Isso é assunto seu, se escolher.
Berdine engoliu em seco. — Por causa das coisas que você fez por nós, por mim, eu quero confessar.
Richard fez uma careta. — Confessar? Contar por quem está apaixonada não é uma confissão, é...
— Raina.
Richard fechou a boca rapidamente. Olhou de volta para o caminho que estavam seguindo. — Ladrilhos verdes, apenas o pé esquerdo. Pé direito somente nos brancos, até atravessar esse espaço. Não deixe passar nenhum ladrilho verde ou branco. Toque no pedestal antes que tire o pé do último ladrilho.
Ela o seguiu enquanto ele pisava cuidadosamente dos ladrilhos verdes para os brancos até chegarem ao piso de pedra do outro lado, tocando no pedestal, e entrando em um estreito corredor de pedra prateada brilhante, como uma fenda em uma joia enorme.
— Como sabia disso? Essa coisa de ladrilho verde, ladrilho branco?
— O quê? — Ele olhou para trás franzindo a testa. — Não sei. Deve ter sido um escudo ou algo assim. — Ele olhou para ela outra vez enquanto ela caminhava com os olhos voltados para o chão. — Berdine, eu também gosto de Raina. De Cara, você, Ulic e de Egan. Meio que como uma família. É isso que você quer dizer? — Ela balançou a cabeça sem levantar os olhos. — Mas... Raina é uma mulher.
Berdine lançou um olhar frio para ele.
— Berdine. — ele falou depois de um longo silêncio. — é melhor não contar isso para Raina ou...
— Raina também me ama.
Richard ficou rígido, sem saber o que dizer. — Mas como podem... vocês não podem... não vejo como... Berdine, porque você está me falando isso?
— Porque sempre foi honesto conosco. No início, quando nos falou coisas, pensávamos que não faria o que dizia. Bem, nem todos. Cara sempre acreditou em você, mas eu não acreditava.
A expressão assumiu outra vez a aparência distante de uma Mord-Sith. — Quando Darken Rahl era nosso Lorde Rahl, ele descobriu, e ordenou que eu fosse para a cama dele. Ele riu de mim. Ele... gostou de me levar para a cama porque sabia. Foi a maneira dele de me humilhar. Eu pensava que se você soubesse também, faria a mesma coisa, então tentei esconder isso fazendo você pensar que eu gostava de você.
Richard balançou a cabeça. — Berdine, eu não faria isso com você.
— Agora eu sei disso. É por isso que eu tive que confessar, porque você sempre foi honesto comigo, mas eu não fui honesta com você.
Richard encolheu os ombros. — Bem, então estou feliz que você esteja sentindo-se melhor. — Ele ficou pensando enquanto fez ela virar em um corredor sinuoso com paredes engessadas. —Darken Rahl fez você ficar assim, ao escolher você para se tornar uma Mord-Sith? Foi isso que fez você odiar homens?
Ela fez uma careta para ele. — Eu não odeio homens. Apenas, não sei, eu apenas sempre olhava para as garotas desde de quando eu era jovem. Garotos não me interessavam dessa maneira. — Ela passou a mão em sua trança. — Agora você me odeia?
— Não, não, eu não odeio você, Berdine. Você é minha protetora, do mesmo jeito de sempre. Mas não consegue tentar não pensar nela ou algo assim? Isso simplesmente não está certo.
Ela mostrou um sorriso distante. — Quando Raina sorri para mim daquele seu jeito especial, e o dia de repente fica maravilhoso, isso parece certo. Quando ela toca meu rosto, e meu coração dispara, parece certo. Seu que meu coração está seguro aos cuidados dela. — O sorriso dela desapareceu. — Mas agora você acha que eu sou desprezível.
Richard olhou para longe, a vergonha tomando conta dele em uma onda fria. — É assim que eu me sinto a respeito de Kahlan. Uma vez, meu avô disse que eu deveria esquecer ela, mas não tinha como eu conseguir.
— Porque ele diria isso?
Richard não poderia dizer a ela que era porque Kahlan era uma Confessora, e isso estava fazendo aquilo para o bem de Richard; ninguém deveria ser capaz de amar uma Confessora. Sentiu-se mal por não poder ser honesto com Berdine agora. Ele encolheu os ombros. — Ele não achava que ela fosse a mulher certa para mim.
Richard puxou-a através de outro dos escudos do tipo que causava formigamento quando chegaram ao final do corredor. A sala triangular tinha um banco. Fez ela sentar ao seu lado e o colocou a esfera brilhante entre eles.
— Berdine, acho que consigo entender como você está se sentindo. Sei como eu me senti quando meu avô disse que eu deveria esquecer Kahlan.
Nenhuma outra pessoa pode dizer o que sentir. Ou você sente, ou não. Embora eu não entenda ou não aprove isso, todos vocês estão se tornando meus amigos. Ser amigos significa que vocês não são obrigados a agir exatamente da mesma maneira, e vocês ainda são amigos.
— Lorde Rahl, sei que você pode nunca me aceitar, mas eu tinha que contar. Amanhã, eu voltarei para D'Hara. Você não deveria ter alguém que não aprova como sua guarda.
Richard pensou durante um minuto. — Você gosta de ervilhas fervidas?
Berdine franziu a testa. — Sim.
— Bem, eu odeio ervilhas fervidas. Isso faz você gostar menos disso, porque eu não gosto de algo que você gosta? Ou faz você querer deixar de ser minha protetora?
Ela fez uma careta. — Lorde Rahl, isso é diferente de ervilhas fervidas. Como pode ter fé em alguém que você não aprova?
— Não é que eu não aprove você, Berdine. É que simplesmente para mim isso não parece certo. Mas não tem que ser assim.
— Olha, eu tive um amigo quando era mais jovem, outro guia florestal. Giles e eu passamos muito tempo juntos, porque tínhamos muito em comum.
— Ele se apaixonou por Lucy Fleckner. Eu odiava Lucy Fleckner; ela era cruel com Giles. Eu não conseguia entender como ele podia se importar com ela. Eu não gostava dela, e pensava que ele deveria sentir o mesmo. Perdi meu amigo porque ele não poderia ser do jeito que eu pensei que deveria ser. Não perdi ele por causa de Lucy, perdi ele por causa de mim. Perdi todas as coisas boas que nós tivemos porque eu não estava disposto a deixar ele ser quem era. Sempre me arrependi daquilo que eu perdi.
— Acho que isso é alguma coisa parecida com aquilo. Assim como você deixa de ser Mord-Sith e aprende a ser outra coisa, como eu aprendi enquanto crescia, vai descobrir que ser amigo é gostar de uma pessoa por quem ela é, até mesmo as parte que você não entende. As razões pelas quais você gosta de amigos fazem com que as coisas que você não entende não sejam importantes. Você não precisa entender, ou fazer as mesmas coisas, ou viver as vidas deles. Se você realmente se importa com eles, então vai querer que eles sejam quem são; foi por isso que você gostou deles em primeiro lugar.
— Gosto de você, Berdine, e isso é tudo que importa.
— Verdade?
— Verdade.
Ela colocou os braços em volta do pescoço dele e o abraçou. — Obrigada, Lorde Rahl. Depois de me salvar, estava com medo que desejasse não ter feito isso. Agora estou feliz por falar. Raina ficará aliviada em saber que não fará conosco o que Darken Rahl fez.
Quando eles levantaram, uma parte da parede de pedra deslizou para o lado. Richard segurou a mão dela e levou-a para fora da sala estranha, pela nova passagem, descendo uma escadaria e através de uma úmida sala molhada com chão de pedra que tinha um grande monte no centro.
— Se estamos nos tornando seus amigos, então posso dizer o que você fez que eu não gostei, o que eu não aprovo, e como cometeu um erro? — Richard assentiu. — Não gosto do que você fez com Cara. Ela está com raiva por causa do que fez para ela.
Richard olhou de volta para ela na estranha sala que parecia engolir a luz. — Cara? Com raiva de mim? O que eu fiz para ela?
— Tratou ela mal por minha causa. — Quando Richard mostrou uma expressão de confusão, ela continuou.
— Quando eu estava sob aquele feitiço, e ameacei você com meu Agiel quando você voltou depois de procurar por Brogan, você ficou com raiva de todas nós. Ameaçou elas como se tivessem feito aquilo também, mesmo que tenha sido apenas eu.
— Eu não sabia o que estava acontecendo. Me senti ameaçado pelas Mord-Sith por causa do que você fez. Ela deveria entender isso.
— Ela entende, mas quando você descobriu, e me deixou inteira novamente, nunca falou para Cara e Raina que estava errado ao ameaçá-las como se elas tivessem ameaçado você do mesmo jeito que eu. Elas não fizeram isso.
Richard sentiu o rosto dele ficar vermelho na escuridão. — Você tem razão. Agora eu me sinto terrível. Porque ela não falou alguma coisa?
Berdine levantou uma sobrancelha. — Você é Lorde Rahl. Se decidir bater nela porque não gostou da maneira como ela falou bom dia, ela não diria nada.
— Então porque você está dizendo?
Berdine o seguiu para dentro de um estranho corredor com um piso de pedras redondas de apenas dois pés de largura e paredes lisas arredondadas, semelhantes as de um tubo, completamente cobertas de ouro. — Porque você é um amigo.
Quando ele olhou por cima do ombro e agradeceu sorrindo, ela se esticou para tocar no ouro. Richard agarrou o pulso dela antes que pudesse tocar. — Faça isso e está morta.
Ela fez uma careta para ele. — Porque você diz que não sabe nada sobre esse lugar, e então caminha por ele como se tivesse vivido aqui durante toda sua vida?
Richard piscou com a pergunta. De repente seus olhos ficaram arregalados ao perceber. — Por causa de você.
— De mim!
— Sim. — Richard falou, surpreso. — Conversando comigo, você distraiu minha mente consciente. Fez eu ficar tão concentrado nas coisas que estava dizendo, e pensando nelas, que eu deixei o meu dom me guiar. Nunca tinha percebido isso da maneira como estava acontecendo. Agora que passei por esse caminho, conheço os perigos e o caminho de volta. Agora eu consigo voltar. — Ele apertou o ombro dela. — Obrigado, Berdine.
Ela sorriu. — Para que servem os amigos?
— Acho que passamos pelo pior. Por aqui.
No final do túnel dourado havia uma sala de torre arredondada com pelo menos cem pés de largura, com degraus que subiam em espiral ao redor da parte interna da parede. Em intervalos irregulares, pequenas plataformas com portas interrompiam os degraus. Na expansão sombria acima, feixes de luz cortavam a escuridão. A maioria das janelas lá em cima eram pequenas, mas uma delas parecia enorme. Richard não conseguia dizer com certeza a altura que a torre alcançava, mas tinha que ser aproximadamente duzentos pés.
Abaixo, o poço circular mergulhava dentro da completa escuridão.
— Não gosto da aparência disso. — Berdine falou quando espiou por cima do gradil de ferro na plataforma. — Para mim, isso parece o pior.
Richard pensou ter visto algo se mover nas trevas lá embaixo. — Fique perto de mim e mantenha os olhos abertos. — Ele fixou o olhar no local onde pensou ter visto movimento, tentando ver novamente. — Se alguma coisa acontecer, você precisa tentar sair.
Berdine olhou por cima do gradil com desaprovação. — Lorde Rahl, levou horas para chegarmos até aqui. Passamos por mais escudos do que consigo me lembrar. Se alguma coisa acontecer com você, eu também estou morta.
Richard considerou suas opções. Poderia ser melhor se ele estivesse oculto em sua capa de Mriswith. — Você espera aqui. Eu vou dar uma olhada.
Berdine agarrou a camisa dele no ombro e fez ele virar para encarar seus olhos azuis ardentes. — Não, você não vai sozinho.
— Berdine...
— Eu sou sua protetora. Você não vai sozinho. está entendido? — Ela estava com aquele penetrante olhar de ferro que fez a língua dele temer cometer um erro. Finalmente ele soltou um suspiro.
— Está certo. Mas fique perto e faça o que eu disser. — Ela inclinou a cabeça para um lado. — Eu sempre faço o que você diz.
Enquanto seu cavalo balançava debaixo dele, Tobias Brogan observava distraidamente os cinco mensageiros do Criador que caminhavam não muito longe adiante e para um lado. Era incomum ver eles. Desde que apareceram inesperadamente quatro dias antes, estavam sempre por perto, mas raramente eram vistos, e mesmo quando estavam visíveis ainda eram difíceis de enxergar, todos brancos como a neve, ou quando estava escuro, todos negros como a noite. Ele ficava maravilhado pelo modo como eles eram capazes de simplesmente desaparecer diante de seus olhos. O poder do Criador realmente era miraculoso.
Sua escolha de mensageiros, porém, deixava Tobias inquieto. O Criador falou para Tobias, em seus sonhos, para não questionar Seus planos e, felizmente, finalmente havia aceito as súplicas de Tobias de perdão pela imprudência de um interrogatório. Todas as crianças de mente correta temiam o Criador, e Tobias Brogan não tinha outra coisa além de uma mente correta. Ainda assim, as criaturas escamosas dificilmente pareciam a escolha apropriada para transmitir orientação divina.
De repente ele endireitou o corpo na sela. É claro. O Criador não gostaria de revelar Suas intenções aos profanos deixando que eles enxergassem discípulos que em nada mostrassem sua bondade. O mal esperaria ver a beleza e a glória do Criador perseguindo ele, mas não ficaria assustado para fugir quando avistassem discípulos nesse disfarce.
Tobias soltou um suspiro aliviado enquanto observava os Mriswith se inclinando, conversando uns com os outros, e com a feiticeira, em sussurros. Ela chamava a si mesma de Irmã da Luz, mas ainda era uma feiticeira, uma Streganicha, uma bruxa. Conseguiu entender o Criador usando os Mriswith como mensageiros, mas não conseguia entender porque Ele daria a uma Streganicha tal autoridade.
Tobias gostaria de saber o que eles conversavam o tempo todo. Desde que a Streganicha se juntou a eles no dia anterior, ela ficava quase que exclusivamente na companhia das cinco criaturas escamosas, trocando poucas palavras com o Lorde General do Sangue da Congregação. Os seis mantinham-se isolados, como se apenas estivessem por acaso viajando na mesma direção que Tobias e sua companhia de mil homens.
Tobias tinha visto um grupo de Mriswith acabar com centenas de soldados D'Haran, e então sentiu-se menos inquieto sobre o fato de ter apenas dois pelotões de seus homens com ele. O resto de sua força com mais de cem mil da Congregação aguardava um pouco mais do que uma semana fora de Aydindril. O Criador tinha falado a Tobias, quando Ele apareceu em um sonho naquela primeira noite com seu exército, que eles deveriam ficar para trás, para participarem da conquista de Aydindril.
— Lunetta. — ele falou com um tom suave enquanto observava a Irmã gesticulando em sua conversa com os Mriswith.
Ela aproximou o cavalo do lado direito dele. Ele entendeu sua dica e manteve a voz baixa. — Sim, meu Lorde General?
— Lunetta, você viu a Irmã usar o poder dela?
— Sim, Lorde General, quando ela afastava obstáculos do nosso caminho.
— Consegue identificar o poder dela com isso? — Lunetta assentiu levemente. — Ela tem o poder que você tem, minha irmã?
— Não, Tobias.
Ele sorriu para ela. — Isso ser bom de saber. — Olhou ao redor para ter certeza de que não havia ninguém por perto, e as seis ainda estavam visíveis. — Estou ficando confuso por algumas das coisas que o Criador esteve me dizendo nas últimas noites.
— Você quer contar para Lunetta?
— Sim, mas não agora. Vamos conversar sobre isso mais tarde.
Ela acariciou distraidamente suas bonitinhas. — Talvez quando pudermos estar sozinhos. Logo ser hora de parar.
Tobias não deixou de perceber o leve sorriso, ou a oferta. — Não vamos parar cedo esta noite. — Ele levantou o nariz enquanto respirava profundamente o ar frio. — Ela está tão perto que eu quase consigo sentir o cheiro dela.
Richard contou as plataformas quando descia para que eles pudesse encontrar o caminho de volta. Pensou que poderia lembrar do resto dele através de pontos de referência pelo caminho, mas o interior da torre era desorientador. Tinha cheiro podre, como o de um pântano, provavelmente por causa da água que entrou pelas janelas abertas no fundo dela.
Na plataforma seguinte, Richard viu um brilho no ar enquanto se aproximava. Na luz do globo que ele estava segurando, conseguiu ver alguma coisa de um lado. Suas bordas brilhavam sob a luz. Embora a coisa não fosse sólida, ele a reconheceu como um Mriswith em pé com sua capa em volta dele.
— Bem-vindo, irmão de pele. — ele sibilou.
Berdine se encolheu. — O que é isso? — ela sussurrou rapidamente.
Richard segurou o seu pulso quando ela tentou colocar-se na frente dele. Ela estava com seu Agiel na mão, e ele a empurrou para o lado dele enquanto seguiu em frente. — É só um Mriswith.
— Mriswith! — ela sussurrou com um tom rouco. — Onde?
— Bem aqui na plataforma, perto do gradil. Não tenha medo, ele não vai machucá-la.
Ela agarrou a capa negra dele depois que ele abaixou o braço dela com o Agiel. Eles pisaram na plataforma.
— Você veio para acordar a Sliph? — o Mriswith perguntou.
Richard franziu a testa. — Sliph?
O Mriswith abriu a capa para apontar com a faca de três lâminas na direção descendo as escadas. Quando fez isso, ele tornou-se sólido e completamente visível, uma figura com escamas escuras e capa. — A Sliph está lá embaixo, irmão de pele.
Seus olhos brilhantes levantaram outra vez. — Ela está acessível, finalmente. Logo, será hora da Yabree cantar.
— Yabree?
O Mriswith levantou a faca de três lâminas e balançou-a levemente. A fenda de sua boca aumentou em um tipo de sorriso. — Yabree. Quando a Yabree cantar, será hora da Rainha.
— Da Rainha?
— A Rainha precisa de você, irmão de pele. Você deve ajudá-la.
Richard podia sentir Berdine tremendo enquanto ela se encostava nele. Ele decidiu que deveria seguir em frente antes que ela ficasse assustada demais, e começou a descer os degraus.
Duas plataformas abaixo, ela ainda estava agarrada nele. — Ele foi sumiu. — ela sussurrou no ouvido dele.
Richard olhou para cima e viu que ela estava certa.
Berdine empurrou ele na abertura de uma porta, pressionando a costa dele contra uma porta de madeira. Os olhos azuis penetrantes dela estavam intensos de agitação. — Lorde Rahl, aquilo era um Mriswith.
Richard assentiu, um pouco confuso por causa da respiração ofegante irregular dela.
— Lorde Rahl, Mriswith matam pessoas. Você sempre mata eles.
Richard levantou uma das mãos na direção da plataforma acima. — Ele não iria nos machucar. Eu falei isso. Ele não nos atacou, atacou? Não havia necessidade de ferir ele.
A testa dela ficou franzida de preocupação. — Lorde Rahl, você está bem?
— Estou bem. Agora, vamos lá. Talvez o Mriswith tenha fornecido uma boa dica do que podemos estar procurando.
Ela empurrou ele de volta para a porta quando ele tentou se mover. — Porque ele chamou você de irmão de pele?
— Eu não sei. Acho que é porque ele tem escamas, e eu tenho pele. Acho que ele me chamou assim para que eu soubesse que não queria me ferir. Ele queria ajudar.
— Ajudar. — ela repetiu, incrédula.
— Ele não tentou nos impedir, tentou?
Finalmente ela soltou a camisa dele, mas levou um pouco mais de tempo para que os olhos azuis dela o deixassem.
No fundo da torre, uma passarela com gradil de ferro seguia pelo lado de fora da parede da torre. No centro havia água negra com rochas quebrando a superfície em vários lugares. Salamandras estavam coladas na rocha abaixo da passarela, e descansavam parcialmente submersas nas pedras. Insetos boiavam através da grossa água escura, deslizando ao redor de bolhas que ocasionalmente surgiam espirrando líquido quando estouravam.
Na metade do caminho, fazendo a curva na passarela, Richard soube que tinha encontrado o que estava procurando: algo que não era comum, como as bibliotecas, ou mesmo as estranhas salas e corredores.
Uma plataforma larga na passarela diante do local onde uma porta estivera estava cheia de fragmentos negros de pedra, lascas, e pó. Pedaços de madeira da porta agora flutuavam na água escura além do gradil de ferro. O próprio portal tinha sido estourado, e agora talvez tivesse duas vezes o seu tamanho anterior. As bordas irregulares estavam enegrecidas, e em alguns lugares a própria pedra estava derretida como a cera de uma vela. Marcas escuras espalhadas na parede de pedra corriam em todas as direções a partir da abertura, como se relâmpagos tivessem deslizado pela parede e queimado ela.
— Isso não é antigo. — Richard disse, passando os dedos na mancha escura.
— Como pode dizer isso? — Berdine perguntou enquanto observava ao redor.
— Olhe. Está vendo ali? O mofo e o limo foram queimados, removidos da pedra, e ainda não tiveram tempo de crescer novamente. Isso aconteceu recentemente, em algum momento durante os últimos meses.
A sala era arredondada por dentro, talvez com sessenta pés da largura, suas paredes queimadas com linhas irregulares como se relâmpagos tivessem se espalhado pelo local. Um muro de pedra circular dominava o centro, como um enorme poço, com quase a metade da largura da sala. Richard inclinou-se sobre o muro da altura de sua cintura, levantando o globo brilhante. Os muros de pedra lisos do buraco desciam eternamente. Ele podia ver pedra por centenas de pés antes que a luz não conseguisse penetrar mais longe. Parecia não ter fundo.
Acima havia um teto com um domo quase tão alto quanto a largura da sala. Não havia janelas ou outras portas. Do outro lado da sala, Richard podia ver uma mesa e algumas estantes.
Quando eles contornaram o poço, ele viu o corpo, deitado no chão ao lado de uma cadeira. Tudo o que restou foram ossos dentro de algumas tiras de um manto. A maior parte do manto havia apodrecido fazia muito tempo, deixando o corpo envolvido apenas por um cinto de couro. As sandálias também ficaram. Quando ele tocou os ossos, eles esfarelaram como se fossem poeira.
— Ele esteve aqui durante muito tempo. — Berdine falou.
— Você está certa nisso.
— Lorde Rahl, olhe.
Richard levantou e olhou para a mesa onde ela apontou. Havia um tinteiro, seco talvez por séculos, uma pena de um lado, e um livro aberto. Richard curvou-se sobre ele e soprou uma nuvem de pó e fragmentos de pedra do livro.
— Está em Alto D'Haran. — ele disse quando o levantou perto da esfera cintilante.
— Deixe-me ver. — Os olhos dela se moveram de um lado para o outro enquanto ela estudava os estranhos caracteres. — Você tem razão.
— O que ele diz?
Ela segurou os livros nas duas mãos cuidadosamente. — Isso é muito antigo. O dialeto é mais antigo do que qualquer um que eu já vi.
— Darken Rahl me mostrou um antigo dialeto que ele disse ter mais de dois mil anos. — Ela levantou os olhos. — Isso é mais antigo.
— Você consegue ler?
— Eu só consegui entender um pouco do livro que encontramos quando eu entrei na Fortaleza. — Ela avaliou a ultima páginas que tinha algo escrito. — Entendo muito menos esse. — ela disse quando virava algumas páginas.
Richard fez um gesto com impaciência. — Bem, consegue entender alguma parte?
Ela parou de virar as páginas e estudou o que estava escrito. — Acho que diz algo sobre finalmente obter sucesso, mas esse sucesso significa que ele morreria aqui. — Ela observou. — Está vendo? drauka. Acho que essa palavra é a mesma. Morte.
Berdine olhou para a capa de couro vazia, então voltou a folhear as páginas.
Finalmente seus olhos azuis levantaram. — Acho que é um diário. Acho que esse é o diário do homem que morreu aqui.
Richard sentiu calafrios em seus braços. — Berdine, isso é o que eu estava procurando. Isso é algo que não é comum, não é um livro como os outro que eu já vi, como na biblioteca. Consegue traduzir?
— Um pouco, talvez, mas não muito. — Ela ficou com uma expressão de desapontamento. — Sinto muito, Lorde Rahl. Simplesmente não conheço dialetos tão antigos. Acontece o mesmo problema que eu teria com o livro que nós vimos primeiro. Não conheço palavras o bastante para conseguir completar as lacunas corretamente. Eu só estaria fazendo suposições.
Richard beliscou o lábio inferior enquanto pensava. Ele olhou para os ossos, imaginando o que este mago estaria fazendo nesta sala, e o que havia mantido ela selada, e pior ainda, o que tinha aberto ela.
Richard virou de volta para ela. — Berdine! Aquele livro lá em cima. Eu conheço aquele livro. Conheço a história. Se eu ajudasse você, falando o que eu lembro do que ele diz, isso poderia ajudar a decifrar as palavras, e então usar essas palavras traduzidas para ajudar a traduzir esse diário?
Quando ela pensava naquilo, seu rosto se iluminou. — Se trabalhássemos juntos, poderia funcionar. Se você conseguisse me dizer o que uma frase diz, então eu seria capaz de saber o significado de palavras que eu não reconheço. Podemos conseguir fazer isso.
Richard fechou o diário cuidadosamente. — Você segura isso protegendo com sua vida. Eu vou segurar a luz. Vamos sair daqui.
— Nós temos o que viemos buscar.
Quando ele e Berdine passaram pelo portal, Cara e Raina praticamente deram um pulo de alívio. Richard até mesmo viu Ulic e Egan fecharem os olhos soltando um suspiro e um agradecimento silencioso aos bons espíritos por uma prece atendida.
— Tem Mriswith na Fortaleza. — Berdine falou para as outras duas mulheres no meio da enxurrada de perguntas que elas faziam.
Cara arfou. — Quantos você teve que matar, Lorde Rahl?
— Nenhum. Eles não atacaram. Não estamos em perigo por causa deles. Mas havia o bastante de outros perigos. — Ele ignorou as perguntas nervosas dela. — Falaremos sobre isso mais tarde. Com ajuda de Berdine, eu encontrei o que estava procurando.
Ele deu um tapinha no diário nas mãos de Berdine. — Precisamos voltar e começar a traduzir ele. — Ele pegou o livro de cima da mesa e entregou a Berdine.
Quando começou a andar na direção da saída, ele parou e virou novamente para Cara e Raina. — Uh, enquanto eu estava lá embaixo, e estava pensando que poderia ser morto se fizesse alguma coisa errada, me ocorreu que eu não queria morrer sem dizer algo para vocês duas.
Richard enfiou as mãos nos bolsos enquanto se aproximava. — Percebi quando eu estava lá embaixo que nunca falei para vocês que sinto muito pelo modo como as tratei.
— Você não sabia que Berdine estava sob um feitiço, Lorde Rahl. — Cara disse. — Não culpamos você por querer nos manter longe.
— Eu não sabia que Berdine estava sob um feitiço, mas agora eu sei, e gostaria que soubessem que eu pensei mal de vocês injustamente. Vocês nunca me deram motivo. Sinto muito. Espero que vocês me perdoem.
Sorrisos brilharam nos rostos de Cara e Raina. Ele não imaginava que alguma vez eles tivessem parecido menos Mord-Sith do que nesse momento.
— Perdoamos você, Lorde Rahl. — Cara disse. Raina assentiu concordando. — Obrigada.
— O que aconteceu lá embaixo, Lorde Rahl? — Raina perguntou.
— Tivemos uma conversa sobre amizade. — Berdine respondeu.
Na base da estrada da Fortaleza, onde a cidade de Aydindril começava e outras estradas se juntavam para entrarem na cidade, havia um pequeno mercado, nada parecido com o da Rua Stentor, mas parecia servir para aqueles que chegavam com uma variedade de mercadorias.
Quando Richard estava passando, com seus cinco guarda-costas ao redor dele e sua escolta de tropas marchando logo atrás, algo chamou a atenção de seus olhos na fraca luz que desaparecia e ele parou diante de uma pequena mesa frágil.
— Gostaria de um de seus bolos de mel, Lorde Rahl? — uma pequena voz familiar perguntou.
Richard sorriu para a garotinha. — Quantos você ainda está me devendo?
A garota virou. — Vovó?
A velha levantou, apertando o cobertor esfarrapado em volta de si enquanto seus olhos desbotados fixados em Richard.
— Ora, ora. — ela disse com um sorriso, exibindo os espaços dos dentes que faltavam. — Lorde Rahl pode pegar quantos ele quiser, querida. — Ela baixou a cabeça fazendo reverência. — Muito bom ver que você está bem, meu Lorde Rahl.
— Você também... — Ele esperou pelo nome dela.
— Valdora. — ela disse. Ela passou uma das mãos pelo cabelo castanho claro da garotinha. — E esta é Holly.
— Fico feliz em ver vocês novamente, Valdora e Holly. O que estão fazendo aqui ao invés da Rua Stentor?
Valdora encolheu os ombros embaixo do cobertor. — Com o novo Lorde Rahl fazendo a cidade ficar segura, mais pessoas estão vindo o tempo todo, e talvez volte a ter atividade até mesmo na Fortaleza do Mago mais uma vez. Nós esperamos vender para algumas dessas novas pessoas.
— Bem, eu não acho que colocaria minhas esperanças mo retorno de atividade da Fortaleza tão cedo, mas certamente vocês terão uma boa chance com esses novos que estão vindo para Aydindril. — Richard observou os bolos sobre a mesa. — Quantos eu ainda tenho?
Valdora riu. — Eu teria que cozinhar muito para pagar o que devo a você, Lorde Rahl.
Richard piscou para ela. — Vamos fazer o seguinte. Se eu puder ficar com um para cada um dos meus cinco amigos aqui, e um para mim, nossa barganha estará terminada.
O olhar de Valdora avaliou os cinco guardas dele. Ela baixou a cabeça novamente. — Está feito, Lorde Rahl. Você me deu mais satisfação do que jamais poderá imaginar.
Enquanto Verna seguia apressada na direção do portão do terreno da Prelada, ela notou Kevin Andellmere montando guarda na escuridão. Ela estava impaciente para chegar ao Santuário, para dizer a Ann que finalmente havia descoberto, e que agora sabia que quase todas as Irmãs eram leais com a Luz, mas não tinha visto Kevin durante semanas.
Independente de seu coração estar batendo apressado, ela parou.
— Kevin, é você?
O jovem soldado fez uma reverência. — Sim, Prelada.
— Não tenho visto você por aqui faz um bom tempo, não é mesmo?
— Não, Prelada. Bollesdun, Walsh, e eu fomos chamados de volta ao nosso comando.
— Por quê?
Kevin jogou o peso do corpo sobre a outra perna. — Eu não tenho certeza, exatamente. Meu comandante estava curioso a respeito do feitiço sobre o Palácio, eu acho. Conheço ele faz quase quinze anos, e ele envelheceu. Ele queria ver com seus próprios olhos se era verdade que nós não tínhamos envelhecido. Ele disse que Bollesdun, Walsh, e eu estávamos com a mesma aparência de quando ele nos viu pela primeira vez, quinze anos atrás. Disse que duvidou quando ouviu falar, mas que agora acreditava. Fez seus comandantes que nos conheciam verem por si mesmos.
Verna sentiu sua testa se encher de gotas de suor. Com uma súbita onda fria de compreensão, ela soube por que o Imperador vinha até o Palácio dos Profetas. Precisava dizer para a Prelada. Não havia tempo a perder.
— Kevin, você é um soldado leal ao Império, da Ordem Imperial?
Kevin deslizou a mão no seu pique. A voz dele hesitou. — Sim, Prelada. Quer dizer, quando a Ordem conquistou minha terra natal, eu tive pouca escolha; fui transformado em soldado na Ordem. Lutei por algum tempo no norte, perto das florestas. Então, quando a Ordem tomou nosso reino, fui informado que eu era um soldado para a Ordem, e designado para o Palácio.
— Não consegui um trabalho de guarda melhor do que esse. Estou de feliz em estar de volta na guarda de seu terreno. Bollesdun e Walsh também estão felizes por estarem de volta, aos seus postos no terreno do Profeta.
— Pelo menos meus oficiais sempre me trataram de forma decente, e eu sempre recebo. Não é muito, mas sempre recebo, e vejo muitas pessoas que não tem trabalho, e passam dificuldade para se alimentar.
Verna colocou uma das mãos no braço dele. — Kevin, o que você acha de Richard?
— Richard? — Um sorriso surgiu no rosto dele. — Eu gostei de Richard. Ele comprou chocolates caros para que eu desse para minha garota.
— Isso é tudo que ele significa para você? Chocolates?
Ele coçou a sobrancelha. — Não... Não queria dizer isso. Richard era... um homem bom.
— Você sabe por que ele comprou aqueles chocolates para você?
— Porque ele era uma boa pessoa. Se preocupava com as pessoas.
Verna assentiu. — Sim, ele se preocupava. Ele esperava que dando a você chocolates, quando chegasse a hora dele fugir, isso faria você ver ele como um amigo e impediria que lutasse com ele para que não fosse obrigado a matá-lo. Ele não queria você como um inimigo tentando matar ele.
— Matar ele? Prelada, eu nunca teria...
— Se ele não tivesse sido gentil com você, você poderia ter sido leal ao Palácio, e tentaria impedir ele.
Ele olhou para o chão. — Eu vi ele usar sua espada. Acho que o presente foi mais do que chocolates.
— Foi mesmo. Kevin, se chegar uma hora, e você tiver que escolher entre Richard, ou a Ordem, qual você escolheria?
O rosto dele se contorceu de desconforto. — Prelada, eu sou um soldado. — Ele soltou um grunhido. — Mas Richard é um amigo. Acho que se eu tivesse que fazer isso, teria muita dificuldade em levantar uma espada contra um amigo. Qualquer um da guarda do Palácio teria.
— Todos eles gostam dele.
Ela apertou o braço dele. — Seja leal aos seus amigos, Kevin, e você ficará bem. Seja leal a Richard, e isso salvará você.
Ele assentiu. — Obrigado, Prelada. Mas não tenho medo de ter que escolher.
— Kevin, me escute. O Imperador é um homem mau. — Kevin não falou nada. — Apenas lembre disso. E guarde minhas palavras com você, está bem?
— Sim, Prelada.
Quando Verna marchou para dentro de seu escritório externo, Phoebe levantou parcialmente da cadeira quando a viu. — Boa noite. Prelada.
— Tenho que orar por orientação, Phoebe. Nenhuma visita.
Algo que Kevin falou repentinamente surgiu em sua mente. Isso não fazia sentido. — Os guardas Bollesdun e Walsh foram designados para o terreno do Profeta. Nós não temos um profeta. Descubra porque eles estão lá e quem ordenou isso, e como a primeira coisa da manhã, me dê um relatório. — Verna balançou um dedo. — A primeira coisa.
— Verna... — Phoebe mergulhou de volta em sua cadeira e olhou para sua mesa. A Irmã Dulcinia virou o rosto branco para o outro lado, colocando sua atenção nos relatórios dela. — Verna, tem algumas Irmãs aqui para falar com você. Elas estão esperando lá dentro.
— Não dei permissão a ninguém de esperar no meu escritório!
Phoebe não levantou os olhos. — Eu sei. Prelada, mas...
— Vou cuidar disso. Obrigada, Phoebe.
Verna estava com uma máscara de fúria quando entrou no seu escritório. Ninguém tinha permissão de entrar no escritório dela sem a permissão explícita dela. Ela não tinha tempo a perder com besteiras. Havia descoberto como diferenciar as Irmãs da Luz das Irmãs do Escuro, e sabia por que o Imperador Jagang vinha para Tanimura, para o Palácio dos Profetas. Precisava enviar uma mensagem para Ann. Tinha que saber o que ela faria.
Viu as figuras de quatro mulheres na sala escura enquanto se aproximava. — Qual é o significado disso!
Verna reconheceu a Irmã Leoma quando ela deu um passo adiante dentro da luz da vela.
E então, num flash cegante de dor, o mundo escureceu.
— Faça o que eu digo, Nathan.
Ele se inclinou na direção dela, uma boa distância, considerando a diferença de altura deles, e rangeu os dentes.
— Você poderia pelo menos me dar acesso ao meu Han! Como posso protegê-la?
Ann observou na escuridão quando a coluna de quinhentos homens seguiam Lorde Rahl subindo a estrada. — Não quero que você me proteja. Não podemos arriscar. Você sabe o que fazer. Não deve interferir até que ele tenha me resgatado, ou não teríamos chance de capturar alguém tão perigoso.
— E se ele não resgatar você?
Ann tentou não pensar nessa possibilidade. tentou não pensar no que aconteceria até mesmo se os eventos seguissem pela ramificação correta. — Agora eu devo ensinar um profeta sobre profecia? Você precisa deixar isso acontecer. Mais tarde, eu removerei o bloqueio. Agora, leve os cavalos até um estábulo para passarem a noite. Certifique-se de que eles sejam bem alimentados.
Nathan pegou as rédeas da mão dela. — Que seja do seu jeito, mulher. — Ele virou para trás. — É melhor você torcer para que eu nunca consiga tirar essa coleira, ou vamos ter uma longa conversa. Entretanto, você não será capaz de executar sua parte na conversa adequadamente, porque estará amarrada e amordaçada.
Ann riu. — Nathan, você é um homem bom. Confio em você. Deve confiar em mim.
Ele balançou um dedo para ela. — Se você acabar se matando...
— Eu sei, Nathan.
Ele grunhiu. — E dizem que eu sou o louco. — Ele virou para ela novamente. — Pelo menos poderia arranjar alguma coisa para você comer. Não comeu o dia todo. Tem um mercado logo ali. Prometa que pelo menos vai comer alguma coisa.
— Eu não...
— Prometa!
Ann suspirou. — Está bem, Nathan. Se isso vai deixar você feliz, vou comer alguma coisa. Mas não estou com muita fome. — Ele levantou um dedo como um aviso. — Eu disse que prometo. Agora vá em frente.
Depois que ele finalmente saiu com os cavalos, ela seguiu na direção da Fortaleza. O estômago dela ficou embrulhado por causa do medo de caminhar para dentro de uma profecia cegamente. Não gostava da ideia de entrar na Fortaleza outra vez, mas gostava ainda menos considerando a profecia envolvida. Mesmo assim, tinha que fazer isso. Era o único jeito.
— Bolo de mel, madame? Custam apenas uma moeda, e são muito bons.
Verna olhou para a garotinha no grande casaco em pé atrás de uma mesinha frágil. Bolo de mel. Bem, não tinha prometido o que comeria. Um bolo de mel serviria.
Ann sorriu para o rostinho bonito. — Sozinha aqui durante a noite?
A garota virou e apontou. — Não, minha Senhora, minha avó está aqui comigo.
Uma mulher agachada estava enrolada, toda coberta por um cobertor esfarrapado, aparentemente dormindo. Verna enfiou a mão em um bolso e tirou uma moeda.
— Uma moeda de prata para você, minha querida. Parece que você precisa mais do que eu.
— Oh, obrigada, minha Senhora. — Ela tirou um bolo de mel da parte de baixo da mesa. — Por favor pegue este. É um dos especiais, com mais mel. Eu guardo eles para as pessoas mais gentis que param na minha mesa.
Ann sorriu enquanto balançava o bolo de mel. — Bem, obrigada minha querida.
Quando Ann começou a subir a estrada até a Fortaleza, a garotinha começou a arrumar suas coisas.
Ann provou o doce bolo de mel enquanto observava as pessoas perambulando pelo pequeno mercado, procurando por alguém que pudesse causar problemas. Não viu ninguém que parecesse perigoso, mas sabia que um seria. Concentrou sua atenção na estrada lá atrás. O que será, será. Ela ficou imaginando se isso realmente aliviaria a ansiedade se ela soubesse como aconteceria. Provavelmente não.
Na escuridão, ninguém viu ela tomar a estrada para a Fortaleza, e finalmente ela estava sozinha. Gostaria que Nathan estivesse com ela, mas de certo modo, era bom estar finalmente sozinha, mesmo que por um tempo curto. Isso lhe deu tempo, sem a presença de Nathan, de pensar sobre a sua vida, e que mudanças isso significaria. Tantos anos.
De uma maneira, o que ela estava fazendo era como condenar à morte aqueles que ela amava. Que escolha havia?
Ela lambeu os dedos quando terminou de comer o bolo de mel. Isso tinha acalmado seu estômago, como ela esperava que aconteceria. No momento em que ela passou por baixo da porta corrediça de ferro, o estômago dela estava agitado. O que estava errado com ela? Tinha encarado perigos antes. Talvez, enquanto ficava mais velha, considerasse a vida mais preciosa, e se agarrasse a ela com mais tenacidade, temendo deixá-la escapulir.
Na hora em que ela acendeu uma vela dentro da Fortaleza, ela soube que alguma coisa estava errada. Sentia como se estivesse pegando fogo. Os olhos dela ardiam. Sua juntas estavam doendo. Estava doente? Querido Criador, não agora. Ela precisava de força.
Quando sentiu a dor aguda debaixo do osso esterno, ela cruzou um braço por cima do estômago e desabou em uma cadeira. Grunhiu enquanto o quarto girava. O que estava...?
O bolo de mel.
nunca lhe ocorreu que pudesse acontecer desse jeito. Estivera imaginando como alguém poderia superar o poder dela; ela não estava sem o seu Han, afinal de contas, e ele era forte nela, mais forte do que em quase qualquer outra feiticeira. Como ela poderia ter sido tão estúpida? ela se curvou na cadeira com uma repentina chicotada de dor.
Na sua visão turva, ela viu duas figuras entrarem na sala, uma baixa, outra alta. Duas? Ela não esperava duas. Querido Criador, duas poderia arruinar tudo.
— Bem, bem. Vejam o que a noite trouxe para mim.
Fazendo um grande esforço, Ann levantou a cabeça. — Quem... é?
Elas chegaram mais perto. — Não lembra de mim? — A velha no cobertor gargalhou. — Não me reconhece, toda velha e acabada? Bem, a culpa é sua por isso. Devo dizer que, você mal parece um dia mais velha. Eu ainda poderia ter minha juventude, se não fosse por sua causa, minha querida, querida, Prelada. Então você me reconheceria.
Ann arfou enquanto a dor espalhava-se nela.
— O bolo de mel não caiu muito bem?
— Quem...
A velha colocou as mãos nos joelhos e se inclinou. — Ora, Prelada, certamente você deve lembrar? Prometi que você pagaria pelo que fez comigo. E nem ao menos lembra da coisa cruel que você fez? Isso significou tão pouco para você?
Os olhos de Ann ficaram arregalados com o reconhecimento repentino. Nunca teria reconhecido ela depois de todos esses anos, mas a voz, a voz era a mesma. — Valdora.
A velha gargalhou novamente. — Bem, querida Prelada, Estou honrada que tenha lembrado de alguém tão baixa quanto eu. — Ela fez uma reverência exagerada. — Espero que também lembre daquilo que eu prometi a você. Você lembra, não lembra? Prometi ver você morta.
Ann sentiu sua queda no chão enquanto se contorcia em agonia. — Pensei que... depois que você... refletisse em suas ações... veria as coisas erradas e suas maneiras. Agora eu posso ver, que... eu estava certa em colocar você para fora... do Palácio. Você... não tem o direito de servir como uma Irmã.
— Oh, não se preocupe, Prelada. Eu comecei o meu próprio Palácio. Minha neta aqui é minha aluna, minha noviça. Ensinei ela melhor do que suas Irmãs poderiam ensinar. Ensinei tudo para ela.
— Ensinou ela... a envenenar pessoas?
Valdora riu. — Oh, o veneno não vai matá-la. Apenas uma coisinha para incapacitá-la até que eu pudesse prender você em uma teia. Não vai morrer tão facilmente. — Ela se inclinou chegando mais perto, sua voz fluindo como veneno.
— Você terá uma morte bem lenta, Prelada. Poe até mesmo durar até de manhã. Uma pessoa pode morrer mil vezes em uma simples noite.
— Como você poderia... saber... que eu viria?
A mulher levantou o corpo. — Oh, eu não sabia. Quando eu vi o Lorde Rahl, e ele me deu uma e suas moedas, pensei que ele poderia acabar trazendo para mim também uma Irmã. Eu não tinha ideia, nem em minhas esperanças mais fortes, de que ele fosse trazer a própria Prelada. Entregue direto nas minhas mãos. Ora, ora, que maravilha. Não, eu nunca ousei ter essa esperança. Eu ficaria mais do que feliz apenas em arrancar a pele de uma das suas Irmãs, ou até mesmo de seu aluno, Lorde Rahl, para causar dor em você. Mas agora eu posso realizar os meus desejos mais profundos e sombrios.
Ann tentou invocar o seu Han. Através da camada de dor, ela percebeu que o bolo de mel continha mais do que simples veneno. Ele também foi banhado por um feitiço.
Querido Criador, isso não está acontecendo como deveria.
A sala estava ficando escura. Ela sentiu uma pontada de dor no escalpo. Ela sentiu a pedra esfregar pelas costas. Viu o belo rosto sorridente da garota passeando ao seu lado.
— Eu te perdoo criança. — Ann sussurrou.
E então a escuridão a engoliu.
Kahlan segurava o braço de Adie em uma das mãos e a espada na outra enquanto elas corriam. Na escuridão, as duas tropeçaram em Orsk, caindo no chão. Kahlan afastou a mão da massa quente das tripas dele na neve.
— Como... como ele poderia estar aqui!
Adie arfou, tentando recuperar o fôlego. — Isso ser impossível.
— Tem luz da lua suficiente para enxergar. Sei que não estamos andando em círculos. — Ela bateu rapidamente na neve, limpando o sangue das mãos. Levantou depressa, puxando Adie com ela. Tinha corpos, cobertos por capas vermelhas, espalhados por toda parte. Eles tiveram apenas uma luta. Não poderia haver outros corpos. E Orsk...
Kahlan moveu seu olhar pela fileira de árvores, procurando pelos homens nos cavalos. — Adie, lembra da visão que Jebra teve? Ela me viu andando em círculos.
Adie limpou a neve do rosto. — Mas como?
Kahlan sabia que Adie não poderia correr muito mais. Tinha usado seu poder para lutar, e estava quase morta de exaustão. A força da magia dela liberada tinha sido um terror para os atacantes, mas havia muitos deles.
O próprio Orsk deve ter acabado com vinte ou trinta. Kahlan não tinha visto Orsk ser morto, mas essa era a terceira vez que encontrava o corpo dele. Ele quase foi partido em dois.
— Qual caminho você acha que devemos seguir para fugir? — ela pediu para a feiticeira.
— Eles estar lá atrás. — Adie apontou. — Nós devemos ir por este caminho.
— É isso que eu penso também. — Ela puxou Adie para o outro lado. — Estivemos fazendo o que achávamos que deveríamos, e não está funcionando. Temos que tentar alguma outra coisa. Vamos lá. Devemos fazer o que achamos estar errado.
— Poderia ser um feitiço. — Adie observou. — Se for, você estar certa. Eu estar cansada demais para sentir se é um feitiço.
Elas avançaram através dos arbustos e descendo por uma ladeira escarpada, meio correndo, meio escorregando na neve. Antes que chegasse na borda ela viu os cavaleiros correndo do meio da camada de árvores. A neve lá no fundo estava remexida formando bancos profundos. As duas seguiram com dificuldade através deles na direção das árvores. Era como tentar correr dentro da lama.
De repente um homem saiu do meio da noite e desceu pela ladeira atrás delas. Kahlan não esperou que Adie tentasse usar a magia dela. Não haveria tempo se ela falhasse.
Kahlan virou, girando a espada. O homem na capa vermelha levantou a espada de forma defensiva enquanto avançava. Ele usava uma armadura peitoral. O golpe dela seria desperdiçado em sua armadura. Ele estava protegendo o rosto, uma reação instintiva, mas um movimento fatal contra alguém treinado pelo pai dela, o Rei Wyborn. Homens de armadura lutavam com falsa confiança.
Ao invés disso, com toda sua força, Kahlan dirigiu a espada para baixo. Ela parou repentinamente quando bateu no fêmur dele. O homem, com o músculo de sua coxa lascado, desabou soltando um grito.
Outro homem saltou por cima dele na direção delas. Sua capa vermelha ondulou aberta no ar da noite. Kahlan levantou sua espada, cortando a parte interna da coxa dele, cortando a artéria. Quando ele caiu passando por ela, ela esfacelou seu tendão.
O primeiro gritou em pânico. O segundo homem praguejou com toda força de seus pulmões, gritando para ela todos os palavrões que já tinha escutado enquanto rastejava adiante, agitando sua espada, provocando-a a ousar lutar com ele.
Kahlan lembrou do conselho de seu pai: palavras não podem cortar você. Preocupe-se apenas com o aço. Lute apenas contra o aço. Ela não perdeu tempo acabando com eles; provavelmente eles sangrariam até a morte na neve, e mesmo se isso não acontecesse, aleijados como estavam, não conseguiriam ir atrás dela. Agarrando uma no braço da outra, ela e Adie correram para as árvores.
Ofegando na escuridão, elas abriram caminho através das árvores incrustadas de neve. Kahlan percebeu que Adie estava tremendo. Tinha perdido sua capa logo no início. Kahlan retirou seu manto de pele de lobo e colocou em volta dos ombros de Adie.
— Não, criança. — Adie começou a protestar.
— Use isso. — Kahlan ordenou. — Estou suando, e de qualquer maneira, ela só deixa minha espada lenta. — Na verdade, o braço com a espada estava tão cansado que ela mal conseguia levantar a coisa, muito menos balançá-la. Apenas o medo dava poder aos seus músculos. Por enquanto, isso era o bastante.
Kahlan não sabia mais para onde estava correndo. As duas simplesmente corriam para salvar suas vidas. Quando ela queria ir para a direita, ao invés disso, seguia para a esquerda. As árvores pelas quais elas passaram eram espessas demais para ver as estrelas, ou a lua.
Ela precisava fugir. Richard estava em perigo. Richard precisava dela. Ela precisava chegar até ele. Agora Zedd deveria estar lá, mas alguma coisa poderia dar errado. Zedd poderia não ter conseguido. Ela precisava fazer isso.
Kahlan empurrou um galho de bálsamo para o lado, entrando com esforço em uma pequena área aberta quase livre de neve. Ela parou bruscamente. Diante dela estavam dois cavalos.
Tobias Brogan, o Lorde General do Sangue da Congregação, sorriu para ela. Uma mulher coberta de farrapos de pano coloridos estava sentada em um cavalo ao lado dele.
Brogan alisou o seu bigode. — E o que temos aqui?
— Duas viajantes. — Kahlan falou com uma voz tão fria quanto o ar de inverno. — Desde quando o Sangue da Congregação passou a roubar e assassinar viajantes indefesos?
— Viajantes indefesos? Dificilmente. Vocês duas devem ter acabado com mais de cem dos meus homens.
— Estivemos defendendo nossas vidas do Sangue da Congregação, que pensa que pode escapar livre disso, e ataca pessoas que nem ao menos conhece.
— Oh, eu conheço você, Kahlan Amnell, Rainha de Galea. Sei mais do que você pensa. Sei quem você ser.
O punho de Kahlan apertou firme no cabo da espada.
Brogan aproximou seu grande cavalo cinzento malhado, com um terrível sorriso em seu rosto. Ele descansou um braço sobre o cabeçote da sela quando se inclinou para frente, seus olhos escuros encarando ela com sua malevolência.
— Você, Kahlan Amnell, ser a Madre Confessora. Vejo você por quem você ser, e você ser a Madre Confessora.
Os músculos de Kahlan ficaram tensos, o ar preso nos pulmões. Como ele poderia saber isso? Será que Zedd removeu o feitiço? Será que aconteceu alguma coisa com Zedd? Queridos espíritos, se alguma coisa aconteceu com Zedd...
Comum grito de fúria, ela balançou a espada com um giro poderoso. Ao mesmo tempo, a mulher nos panos esfarrapados balançou uma das mãos. Com um grunhido de esforço, Adie lançou um escudo. O golpe de ar da mulher sobre o cavalo passou roçando no rosto de Kahlan, balançando seu cabelo. O escudo de Adie salvou ela.
A espada de Kahlan brilhou na luz do luar. O ar da noite estalou quando a lâmina dela partiu a perna do cavalo debaixo de Brogan.
O cavalo relinchou quando bateu no chão, lançando Brogan no meio das árvores. Ao mesmo tempo, uma língua de fogo de Adie envolveu a cabeça do outro cavalo. Ele empinou loucamente, jogando a mulher que agora Kahlan sabia ser uma feiticeira também.
Kahlan agarrou a mão de Adie e arrastou ela. Elas mergulharam dentro dos arbustos desesperadamente. Ao redor, ela podia ouvir homens e cavalos cruzando entre as árvores. Kahlan não tentou pensar para onde estava indo; simplesmente correu.
Havia uma coisa da qual não tinha lançado mão, ainda; ela estava economizando seu poder como último recurso. Ele só poderia ser usado uma vez, e então levaria horas para recuperar. A maioria das Confessoras precisava de um dia ou dois para recuperar sua magia. O fato de Kahlan conseguir recuperar seu poder dentro de aproximadamente duas horas fazia com que ela fosse considerada a Confessora mais poderosa que já nasceu. Agora, esse poder não parecia muita coisa. Uma chance.
— Adie.— Kahlan arfou, tentando recuperar o fôlego. — Se você conseguir, caso eles nos alcancem, tente fazer uma das duas mulheres ficar mais lenta.
Adie não precisou de maior explicação. Ela entendeu; as duas mulheres que as perseguiam eram feiticeiras. Se Kahlan tivesse que usar seu poder, essa seria a melhor maneira de usá-lo.
Kahlan agachou evitando um flash de luz. Uma árvore ao lado delas desabou com um rugido ensurdecedor. Enquanto a neve baixava em nuvens, a outra mulher, aquela que estava a pé, marchou adiante.
Ao lado da mulher havia uma criatura escamosa escura, parecendo meio homem, meio lagarto. Kahlan ouviu um grito sair de sua garganta. Parecia que os seus ossos queiram saltar de sua carne.
— Já tive o bastante dessa besteira. — a mulher disse enquanto avançava caminhando, a coisa escamosa ao lado dela.
Mriswith. Tinha que ser um Mriswith. Richard descreveu eles. Essa criatura de pesadelo só poderia ser um Mriswith.
Adie chegou mais perto correndo, lançando centelhas luminosas na direção da mulher. A mulher balançou a mão, quase de modo indiferente, e Adie caiu, as centelhas espalhando-se inofensivas na neve.
A mulher curvou, segurou o pulso de Adie, e jogou-a para longe como uma galinha para ser depenada mais tarde. Kahlan entrou rapidamente em ação, mergulhando para frente com sua espada.
A coisa, o Mriswith, passou na frente dela como uma rajada de vento. Ela viu a capa negra dele esvoaçando aberta enquanto ele se movia. Escutou o som de aço.
Ela percebeu que estava de joelhos. A mão vazia que estava com a espada latejava e formigava. Como ele poderia se mover tão rápido?
Quando ela ergueu os olhos, a mulher estava mais perto. A mão dela levantou, e o ar cintilou. Kahlan sentiu um golpe no rosto.
Ela piscou tirando o sangue dos olhos, vendo a mulher levantar a mão outra vez, os dedos dela curvando.
Os braços da mulher de repente levantaram no ar quando ela foi atingida por trás por uma pancada forte. Adie deve ter usado tudo que lhe restava. O disparo de magia invisível de Adie, sólido como um martelo, atirou a mulher para frente. Kahlan segurou a mão dela quando ela tentou desesperadamente afastá-la.
Era tarde demais. Tudo ficou mais lento na mente de Kahlan. A feiticeira pareceu estar suspensa no meio do ar, Kahlan segurando sua mão. Agora o tempo estava ao lado de Kahlan. Tinha todo o tempo do mundo.
A feiticeira começou a arfar. Ela começou a levantar os olhos. Ela começou a se encolher. No calmo centro de seu poder, de sua magia, Kahlan estava no controle. A mulher não teve chance alguma.
Enquanto Kahlan observava, ela podia sentir a magia no interior, a magia de Confessora, correr por cada fibra do seu ser, gritando progressivamente.
Naquele lugar dentro de sua mente onde o tempo não existia, Kahlan liberou seu poder.
O trovão sem som correu pela noite.
Quando a concussão se espalhou através do ar, até mesmo as estrelas acima pareceram tremer, como se um punho celestial tivesse golpeado o grande sino silencioso do céu noturno.
O choque agitou as árvores. Um anel de neve levantou, formando um vagalhão.
O impacto da magia havia derrubado o Mriswith.
A mulher olhou para cima, seu olhos arregalados, seus músculos flácidos.
— Minha Senhora. — ela sussurrou. — ordene.
Homens estavam saindo do meio das árvores. O Mriswith levantava cambaleante.
— Proteja-me!
A feiticeira levantou, girando com uma das mão levantadas. A noite se iluminou.
Relâmpagos rasgaram através das árvores em um arco. Troncos de árvores explodiram quando a linha de luz ondulante passou através deles. Madeira estilhaçada girou pelo ar, lançando fumaça. Os homens não estavam menos indefesos diante da violência cortante do que as árvores. Nem mesmo um grito escapou deles, nem eles teriam sido escutados no meio do pandemônio.
O Mriswith saltou na direção dela. Escamas, como as penas de um pássaro atingido por uma pedra lançada com uma funda, encheram o ar.
A noite rugiu com fogo. O ar estava carregado com fogo, carne e ossos.
Kahlan limpou sangue de seus olhos, tentando enxergar, enquanto ela se arrastava para trás pela neve. Precisava escapar. Tinha que encontrar Adie.
Ela bateu em alguma coisa. Pensou que deveria ser uma árvore. Um punho a segurou pelo cabelo. Ela buscou seu poder, percebendo tarde demais que ele se foi.
Kahlan cuspiu sangue da boca. Seus ouvidos latejaram. E então houve dor. Ela não conseguiu levantar.
Sua cabeça caiu como se uma árvore tivesse caído sobre ela. Escutou uma voz acima ela.
— Lunetta, acabe com isso imediatamente.
Kahlan virou a cabeça na neve e viu a feiticeira que ela havia tocado com seu poder parecer ficar maior, explodir em pedaços. Os braços dela voaram em duas direções diferente. Isso foi tudo que Kahlan conseguiu perceber enquanto uma nuvem vermelha cobriu o ar onde a mulher estivera.
Kahlan desmoronou na neve. Não. Ela não podia desistir. Ela virou ficando de joelhos, sacando sua faca. A bota de Brogan acertou o estômago dela.
Olhando para as estrelas, ela tentou respirar. Não conseguia. O pânico espalhou-se nela enquanto tentava conseguir ar. Ele não entrava em seus pulmões. Os músculos de seu estômago contorceram em espasmos, mas ela não conseguia respirar.
Brogan ajoelhou ao lado dela, levantando ela pela camisa. A respiração finalmente veio de forma irregular.
— Finalmente. — ele sussurrou. — Finalmente, eu tenho o prêmio dos prêmios. O bichinho mais precioso do Guardião, a própria Madre Confessora. Oh, você não tem ideia do quanto eu sonhei com esse dia. — Ele bateu na mandíbula dela com a costa da mão.
— Não tem ideia mesmo.
Kahlan lutava por ar enquanto Brogan arrancava a faca de sua mão. Ela se esforçou para evitar que sua mente apagasse. Tinha que continuar consciente se queria pensar, se fosse lutar.
— Lunetta!
— Sim, meu Lorde General, eu estar aqui.
Kahlan sentiu os botões de sua camisa pulando quando ele abriu com um puxão. Ela ergueu um braço fraco para afastar as mãos dele.
Ele bateu no braço dela. Seus braços pareciam pesados demais para levantar.
— Primeiro, Lunetta, devemos dominar ela antes que seu poder retorne. Então teremos todo o tempo que nós queremos para interrogá-la antes que ela pague por seus crimes.
Ele se inclinou chegando mais perto na luz do luar, colocando um joelho no estômago dela, segurando-a no chão. Ela lutou para colocar o ar de volta nos pulmões, mas ele saiu junto com um grito quando os dedos brutais dele apertaram seu mamilo esquerdo.
Ela viu a faca levantar na outra mão dele.
Com olhos arregalados, ela viu um brilho branco na frente do sorriso de Brogan. Sob a luz da lua, três lâminas surgiram diante do rosto sem sangue dele. Os olhos de Kahlan, junto com os de Brogan, viraram para ver dois Mriswith acima deles.
— Ssssolte ela. — o Mriswith sibilou. — ou morra.
Kahlan colocou a mão sobre a dor aguda no seio quando ele fez como foi ordenado. Os olhos dela ficaram úmidos com a intensidade da dor. Pelo menos isso ajudava a limpar o sangue deles.
—Qual ser o significado disso. — Brogan rosnou. — Ela ser minha. O Criador deseja que ela seja punida!
— Você fará como o Andarilho dos Sonhossss ordena, ou vai morrer.
Brogan inclinou a cabeça. — Ele quer isso? — O Mriswith sibilou confirmando. — Eu não entendo...
— Você questiona?
— Não. Não, claro que não. Será como você aconselha, criatura sagrada.
Kahlan estava com medo de sentar, esperando que em seguida, eles falassem para Brogan deixar que ela partisse. Brogan levantou, recuando.
Outro Mriswith apareceu com Adie, jogando ela no chão ao lado de Kahlan. A toque da feiticeira no braço de Kahlan falou sem palavras que ela estava bem, mesmo que ferida e cortada. Adie colocou um braço em volta dos ombros de Kahlan e ajudou-a a sentar.
Kahlan sentia dor em toda parte. A mandíbula dela latejava onde Brogan tinha golpeado, seu estômago estava doendo, e sua testa formigava. Sangue ainda estava correndo dentro de seus olhos.
Um dos Mriswith selecionou dois anéis de uma certa quantidade que estavam em seu pulso, e jogou eles para a feiticeira que usava os farrapos de pano, Lunetta, Brogan tinha chamado ela. — A outra está morta. Você deve fazer isso no lugar dela.
Lunetta, parecendo confusa, segurou os anéis. — Fazer o quê?
— Use o seu dom para colocar isso em volta do pescoço delas, para que elas possam ser controladas.
Lunetta puxou e uma das coleiras estalou, abrindo. Ela pareceu surpresa, até mesmo alegre. Esticando os braços, ela se curvou sobre Adie.
— Por favor, irmã. — Adie sussurrou na língua nativa dela. — Eu ser da sua terra natal. Nos ajude.
Lunetta fez uma pausa, olhando dentro dos olhos de Adie.
— Lunetta! — Brogan chutou o traseiro dela. — Depressa. Faça como o Criador deseja.
Lunetta fechou a coleira de metal no pescoço de Adie, então se arrastou até Kahlan e fez o mesmo. Kahlan piscou ao ver o sorriso infantil que Lunetta mostrou para ela.
Depois que Lunetta endireitou o corpo, Kahlan levantou a mão e tocou na coleira. Na luz do luar, ela pensou que reconhecia aquilo, mas quando sentiu o metal liso e não conseguiu encontrar a emenda, teve certeza. Era um Rada'Han, como aquele que as Irmãs da Luz colocaram no pescoço de Richard. Sabia que aquelas feiticeiras usavam a coleira para controlar ele. O objetivo deveria ser o mesmo com elas: controlar seu poder. De repente Kahlan temeu o fato de que seu poder não retornaria em algumas horas.
Quando eles alcançaram a carruagem, Ahern estava lá, na ponta da lâmina de um Mriswith. Ele tinha falado para Kahlan, Adie, e Orsk pularem da carruagem em uma curva e que ele levaria os perseguidores para longe dela. Uma ação corajosa, audaciosa, que no final tinha falhado.
Subitamente Kahlan estava aliviada de ter feito todos os outros irem para Ebinissia, como planejado. Kahlan disse para Jebra cuidar de Cyrilla, e para o restante dos homens continuarem com seus planos de erguer Ebinissia das cinzas. A irmã de Kahlan estava em casa. Se Kahlan morresse, Galea ainda tinha uma Rainha.
Se ela tivesse trazido alguns desses jovens galantes, esses Mriswith, essas criaturas de pesadelo, teriam estripado todos eles, assim como fizeram com Orsk.
Ela sentiu uma pontada de tristeza por Orsk, e então foi empurrada para dentro da carruagem. Adie foi empurrada logo atrás dela. Kahlan escutou uma breve conversa, e então Lunetta subiu na carruagem, sentando de frente para Kahlan e Adie. Um Mriswith entrou e sentou ao lado de Lunetta, seus olhos pequenos observando as duas. Kahlan fechou a camisa e tentou limpar o sangue dos olhos.
Ela escutou mais conversa do lado de fora, alguma coisa sobre trocar as rodas da carruagem. Através da janela, ela viu Ahern, na ponta de uma espada, subir no assento do condutor. O homem de capa vermelha subiu atrás dele, e então outro dos Mriswith.
Kahlan sentiu suas pernas tremendo. Para onde estavam levando eles? Ela estava tão perto de Richard. Cerrou os dentes, contendo um gemido. Isso não era justo. Ela sentiu uma lágrima rolar por sua bochecha.
A mão de Adie escorregou entre as pernas delas, e pelo pequeno movimento contra sua coxa, ela reconheceu o conforto daquele toque.
O Mriswith inclinou-se na direção delas enquanto a fenda de sua boca parecia crescer em um sorriso forçado. Ele levantou a faca de três lâminas, balançando-a levemente diante dos olhos delas.
— Tentem esssscapar, e eu cortarei a parte de baixo dos seus pés. — Ele inclinou a cabeça lisa. — Entenderam?
Kahlan e Adie assentiram.
— Falem. — ele adicionou. — e eu corto suas línguassss.
Elas assentiram novamente.
Ele virou para Lunetta. — Com seu dom, através da coleira, sele o poder delas. Como eu mostrei. — Ele colocou uma garra na testa de Lunetta. — Entendeu?
Lunetta sorriu mostrando compreensão. — Sim. Entendi.
Kahlan ouviu Adie grunhir, e ao mesmo tempo ela sentiu alguma coisa apertar em seu próprio peito. Era o lugar onde sempre sentiu o seu poder. Apavorada, ela ficou imaginando se algum dia ele voltaria. Lembrou do vazio terrível quando o mago Kelteano usou sua magia para fazê-la perder a conexão com seu poder. Ela sabia o que deveria esperar.
— Ela sangra. — o Mriswith falou para Lunetta. — Você deve curá-la. O irmão de pele não ficaria feliz se ela ficasse com marcas.
Ela escutou o chicote estalar, e o assobio de Ahern. A carruagem moveu-se par frente. Lunetta inclinou-se para curar o ferimento dela.
Queridos espíritos, para onde eles a estavam levando?
Os olhos de Ann ardiam com lágrimas enquanto um grito escapava de sua garganta. Fazia muito tempo que ela havia desistido de sua determinação de não gritar. Quem, além do Criador, escutaria ou se importaria?
Valdora levantou a faca, manchada de sangue. — Dói? — Um sorriso desdentado surgiu em seu rosto enquanto uma risada abriu caminho. — Será que você gosta quando outra pessoa decide o que vai acontecer com você? Foi isso que você fez. Decidiu como eu morreria. Você me negou a vida. A vida que eu poderia ter no Palácio. Eu ainda estaria jovem. Você escolheu deixar que eu morresse.
Ann se encolheu quando a ponta da faca espetou do lado do corpo dela. — Eu fiz uma pergunta. Prelada. Será que você gosta?
— Não mais do que você, eu diria.
O sorriso voltou. — Booom. Quero que você conheça a dor com a qual eu vivi todos esses anos.
— Deixei você com a mesma vida que todos os outros possuem. Uma vida para ser vivida como escolhesse. Você foi deixada com aquilo que o Criador deu a você, do mesmo jeito que todas as outras pessoas que nascem nesse mundo. Eu poderia ter feito você ser executada.
— Por lançar um feitiço! Eu sou uma feiticeira! Isso foi aquilo que o Criador me deu, e eu usei!
Mesmo que Ann soubesse que discutir não tinha sentido, ela preferia isso do que Valdora voltar ao seu trabalho silencioso com a faca.
— Usou o que Criador deu a você para tirar dos outros aquilo que eles não entregariam por vontade própria. Roubou a afeição deles, seus corações, suas vidas. Você não tinha o direito. Você pegou amostras de devoção como doces em uma feira. Prendeu eles a você com encantos e então jogou eles fora para tomar outros.
A faca espetou ela novamente. — E você me baniu!
— Quantas vidas você arruinou? Você foi aconselhada, foi avisada, foi punida. Mesmo assim, continuou. Somente depois de tudo isso você foi colocada para fora do Palácio dos Profetas.
Os ombros de Ann latejavam com uma leve dor. Ela estava esticada, nua, sobre uma mesa de madeira, seu pulsos amarrados com magia sobre a cabeça em uma ponta, e os tornozelos na outra. O feitiço machucava mais do que uma corda áspera. Ela estava tão indefesa quanto porco pendurado para sangrar.
Valdora tinha usado um feitiço, alguma outra coisa que ela havia aprendido sabe-se lá onde, para bloquear o Han de Ann. Ela podia sentir ele ali, como o calor de uma fogueira em uma noite de inferno, logo além de uma janela, convidativo, prometendo conforto, mas fora de alcance.
Ann olhou para cima, para a janela perto da parte de cima da parede na pequena sala de pedra. Era quase luz do dia. Porque ele não veio? Nesse momento ele já deveria ter vindo resgatá-la, então de algum modo ela o teria capturado. Mas ele não veio.
Ainda não era luz do dia. Ele ainda poderia vir. Querido Criador, faça com que ele venha logo.
A não ser que esse fosse o dia errado. O pânico correu por sua mente. E se eles tivessem errado os cálculos? Não. Ela e Nathan foram além dos gráficos. Esse era o dia certo, e além disso, eram os eventos, mais do que o próprio dia, que alimentavam a profecia. O fato de dela ter sido capturada dizia que esse era o dia certo. Se ela tivesse sido capturada uma semana antes, então aquele seria o dia certo. Esse dia estava dentro da janela de oportunidade. A profecia estava sendo cumprida. Mas onde ele estava?
Ann percebeu que o rosto de Valdora tinha sumido. Não estava ao lado dela. Ela deveria continuar falando. Deveria...
Sentiu uma repentina dor aguda quando a faca cortou a sola do pé esquerdo dela. Todo o seu corpo sacudiu forçando as amarras. Mais uma vez o suor ensopou a sua testa e escorreu pelo couro cabeludo dela. mais uma vez a dor veio, outro corte, acompanhado por outro grito impotente.
Seus gritos reverberaram nas pedras enquanto Valdora cortava uma tira de carne da sola do pé dela.
Ela estava tremendo de forma incontrolável; sua cabeça virou para o lado. A garotinha, Holly, estava olhando dentro dos olhos dela.
Ann sentiu lágrimas descerem por cima de seu nariz, entrando no outro olho, para finalmente caírem.
Tremendo, ela olhou fixamente dentro dos olhos de Holly, imaginando que coisas terríveis Valdora estaria ensinando para uma criança inocente. Ela transformaria o coração dessa pequena criatura em pedra.
Valdora levantou o pequeno pedaço de carne branca enrolada. — veja, Holly, como ela sai limpa, se fizer como eu digo. Gostaria de treinar sua mão, minha querida?
— Vovó. — Holly disse. — Temos que fazer isso? Ela não fez nada para nos ferir. Ela não é como as outras; ela nunca tentou nos machucar.
Valdora fez um gesto com a faca para dar ênfase. — Oh, mas ela machucou, querida. Ela me feriu. Roubou minha juventude.
Holly olhou para Ann enquanto ela tremia com a dor constante. A garota tinha uma estranha máscara de calma, para alguém tão jovem. Ela daria uma incrível noviça, e um dia uma boa Irmã. — Ela me deu uma moeda de prata.
— Ela não tentou nos machucar. Isso não é divertido. Não quero fazer isso.
Valdora riu. — Bem, nós vamos fazer isso. — Ela balançou a faca. — Escute sua avó. Ela merece.
Holly avaliou a velha friamente. — Só porque você é mais velha do que eu, isso não significa que está certa. Não vou mais olhar. Vou lá fora.
Valdora encolheu os ombros. — se você quer assim. Isso é entre a Prelada e eu. Se não quiser aprender nada, então vá para fora brincar.
Holly caminhou para fora da sala. Ann poderia ter dado um beijo nela por sua coragem.
O rosto de Valdora se aproximou. — Só você e eu, agora. Prelada. — Os músculos da mandíbula dela flexionaram. — Podemos voltar... — ela enterrou a ponta da faca no lado de Ann para enfatizar cada palavra. — ...aos negócios? — Ela inclinou a cabaça para olhar melhor dentro dos olhos de Ann. — Está quase na hora de morrer, Prelada. Acho que eu gostaria de ver você gritar até a morte.
— Podemos tentar?
— Vem ali! — Zedd tentou apontar, o melhor que podia, confinado como estava. — Tem uma luz na Fortaleza.
Embora o amanhecer estivesse começando a iluminar o céu, ainda estava escuro o bastante para distinguir o brilho amarelo vindo de várias janelas. Gratch enxergou o que Zedd estava vendo, e voou na direção da Fortaleza.
— Maldição. — ele murmurou. — se aquele garoto já estiver na Fortaleza, eu...
Gratch rosnou ao escutar a óbvia referência de Zedd sobre Richard. Ele conseguiu sentir o rosnado em sua costa pressionada contra o peito do Gar mais do que conseguiu ouvir. Zedd olhou para o chão distante lá embaixo.
— Terei que salvar ele. Era isso que eu queria dizer, Gratch. Se Richard estiver com problemas, terei que descer até lá para salvá-lo.
Gratch gorgolejou de satisfação.
Zedd esperava que Richard não estivesse com problemas. o esforço de manter o feitiço para deixar ele leve o bastante para que Gratch carregasse ele durante a última semana havia drenado quase toda sua força. Ele não achava que fosse conseguir ficar em pé, muito menos usar seu poder para salvar alguém. Precisaria de dias de descanso depois disso.
Zedd tocou nos braços peludos em volta dele. — Eu também amo Richard, Gratch. Vamos ajudar ele. Nós dois vamos proteger ele. — Os olhos de Zedd ficaram arregalados. — Gratch! Olhe para onde está indo! Mais devagar!
Zedd levantou os braços na frente do rosto quando o Gar mergulhou na direção do muro. Espiando entre os braços, ele conseguia ver a rocha se aproximando em uma velocidade alarmante. Ele arfou quando Gratch apertou com mais força e bateu as asas, tentando reduzir a velocidade deles.
Zedd percebeu que estava perdendo seu controle do feitiço. Estava exausto demais para aguentar mais tempo, e ele estava ficando pesado demais para Gratch carregá-lo. Em desespero, ele trouxe o feitiço de volta, como se pegasse um ovo que estava rolando na beira de uma mesa.
Bem a tempo, ele manteve o feitiço antes que ele se esgotasse, e puxou ele de volta.
O bater de asas de Gratch finalmente conseguiu ar suficiente para reduzir a velocidade deles, e ele subiu antes que batessem. Com um gracioso bater de suas enormes asas, o Gar desceu sobre o muro. Zedd sentiu os braços peludos soltarem seu manto molhado de suor.
— Sinto muito Gratch. Quase perdi o controle da magia. Quase machuquei nós dois.
Gratch grunhiu distraidamente concordando. Seus olhos verdes brilhantes estavam vasculhando a escuridão. Havia muros seguindo para toda parte aqui em cima, e centenas de lugares para se esconder. Gratch parecia estar verificando todos eles.
Um rosnado baixo ecoou na garganta do gar. O brilho verde aumentou. Zedd observou os cantos escuros, mas não viu nada. Gratch viu.
Zedd se encolheu quando, com um súbito rugido, o Gar saltou dentro da escuridão.
Garras poderosas rasgaram no ar da noite. Presas rasgavam o vazio.
Zedd começou a enxergar formas saindo do ar. Capas ondulavam abertas, e facas brilharam enquanto as coisas dançavam e giravam ao redor do gar.
Mriswith.
As criaturas soltaram assobios quando correram para cima da grande besta peluda. Gratch segurou eles nas garras, rasgando suas peles escamosas, fazendo espirrar sangue e suas entranhas. Os uivos deles enquanto morriam fizeram um calafrio subir na espinha de Zedd.
Zedd sentiu o ar se mover quando um passou por ele, procurando alcançar o gar. O mago levantou a mão, atirando uma bola de fogo líquido que acertou o Mriswith, incendiando sua capa, e então espalhou chamas sobre o resto dele.
De repente a muralha estava viva com as criaturas. Zedd, buscando bem fundo para invocar poder, lançou uma parede de ar sólido, atirando vários deles por cima do muro. Gratch jogou um no muro com tanta violência que ele estourou quando bateu.
Zedd não estava preparado para a batalha que repentinamente acontecia em volta dele. No meio da exaustão entorpecedora, a busca frenética de Zedd por ideias não conseguia produzir nada mais engenhoso do que simples magia de fogo e ar.
Um Mriswith virou de repente, girando sua lâminas. Zedd lançou uma linha de ar tão afiada quanto um machado. Ela partiu a cabeça do Mriswith. Ele usou um teia para afastar vários deles para longe de Gratch e atirou eles por cima do lado do muro. Nessa muralha externa, isso significava uma queda direta de vários milhares de pés.
Os Mriswith, em sua maioria, ignoraram Zedd, tão decididos estavam em derrubar o Gar. Porque eles queriam tanto matar o Gar? Pelo modo como Gratch estava matando eles, parecia que eles guardavam grande ódio pela besta alada.
Repentinamente uma cunha de luz atravessou a escuridão antes da aurora quando uma porta abriu. Uma pequena figura ficou delineada na luz. Com a iluminação, Zedd conseguiu ver todos os Mriswith seguindo na direção do Gar. Ele correu em frente, lançando uma coluna de fogo que engolfou três das criaturas escamosas girando com suas facas cintilando.
Um Mriswith passou, esbarrando no ombro de Zedd, derrubando ele. Ele viu o Mriswith saltar em cima do Gar, lançando ele contra o muro fortificado.
Zedd viu todos eles, em uma massa agitada, tombarem por cima do muro, e caírem dentro da noite, exatamente quando sua cabeça bateu na rocha.
A porta abriu rangendo. Quando Valdora levantou interrompendo seu trabalho, Ann arfou para recuperar o fôlego, e ao mesmo tempo lutou contra a escuridão que tentava envolver sua mente. Ela não conseguiria fazer isso por muito tempo. Estava no final. Não tinha mais como gritar. Querido Criador, ela não conseguiria aguentar muito tempo. Porque ele não veio resgatá-la?
— Vovó. — Holly grunhiu com o esforço enquanto se esforçava para arrastar algo, polegada por polegada, para dentro da sala.
— Vovó. Aconteceu alguma coisa.
Valdora virou para a garota. — Onde encontrou ele?
Ann fez um esforço para levantar a cabeça. Holly bufou e fez força para levantar o velho magro pelo seu manto marrom e encostar ele na parede. Sangue escorria pelo lado da cabeça dele e cobria seu cabelo branco bagunçado.
— Ele é um mago, vovó. Está quase morto. Eu vi ele lutando com um Gar, e algumas outras criaturas todas cobertas de escamas.
— O que faz você achar que ele é um mago?
Holly endireitou o corpo, ofegando enquanto ficava parada perto do velho que estava no chão. — Ele estava usando o seu dom. Estava lançando bolas de fogo.
Valdora franziu a testa. — Verdade? Um mago. Que interessante. — Ela coçou o nariz. — O que aconteceu com as criaturas, e o Gar?
Holly balançava os braços para todo lado enquanto descrevia a batalha. — E então todos pularam em cima do Gar, e todos caíram por cima do muro. Fui até a beirada e olhei, mas não consegui mais ver eles. Todos caíram pela montanha.
A cabeça de Ann caiu de volta na mesa. Querido Criador, era um mago quem deveria resgatar ela.
Tudo isso foi m vão. Ela morreria. Como tinha sido tão vaidosa acreditando que poderia fazer alguma coisa tão arriscada e escapar. Nathan estava certo.
Nathan ficou imaginando se algum dia ele encontraria o corpo dela para saber o que aconteceu, ou se ao menos se importaria com o fato de sua guardiã estar morta. Ela era uma velha tola, que pensou ser mais esperta do que era.
Uma vez ela mexeu com profecia, e ela lhe deu uma mordida. Nathan estava certo. Ela deveria ter escutado.
Ann se encolheu quando viu Valdora se curvando sobre ela com um sorriso maldoso. Ela colocou a ponta da faca debaixo do queixo de Ann.
— Bem, querida Prelada, parece que eu tenho um mago para matar. — Ela passou a ponta da faca pela garganta de Ann. Podia sentir ela puxando a pele, cortando e arranhando enquanto deslizava.
— Por favor, Valdora, peça para Holly sair da sala. Não deveria deixar sua neta ver você matar alguém.
Valdora virou. — Você gostaria de assistir, não gostaria, querida?
Holly engoliu em seco. — Não, vovó. Ela nunca tentou nos machucar.
— Eu já falei, ela me machucou.
Holly apontou. — Eu trouxe ele aqui dentro para que você pudesse ajudá-lo.
— Oh, não. Não posso fazer isso. Ele deve morrer também.
— E o que ele fez para machucar você?
Valdora encolheu os ombros. — e não quiser assistir, então vá. Isso não vai ferir meus sentimentos.
Holly virou, fazendo uma pausa para olhar o velho. Ela se esticou e tocou o ombro dele de uma maneira confortadora, e então saiu depressa.
Valdora virou novamente. Colocou a faca na bochecha de Ann, debaixo do olho. — Será que eu deveria arrancar os seus olhos primeiro?
Ann fechou os olhos, incapaz de testemunhar o terror por mais tempo.
— Não! — Valdora colocou a ponta da faca debaixo do queixo dela. — Não feche os olhos! Você vai observar! Se não abrir, então vou arrancá-los.
Ann abriu os olhos. Ela manteve o lábio inferior entre os dentes enquanto observava Valdora colocar a ponta da faca no peito dela e levantar o cabo.
— Finalmente. — Valdora sussurrou. — Vingança.
Levantou a faca. Ela fez uma pausa no ar enquanto ela respirava fundo.
O corpo de Valdora tremeu quando lâmina de uma espada irrompeu do meio do peito dela.
Seus olhos ficaram arregalados, e ela soltou um grito agudo quando a faca caiu no chão.
Nathan colocou um dos pés nas costas de Valdora e retirou a espada do corpo da mulher. Ela caiu pesadamente no chão de pedra.
Ann soltou um gemido de alívio. Lágrimas desceram de seus olhos quando as amarras que seguravam seus pulsos e tornozelos desapareceram.
Nathan, alto e sério, olhou para ela deitada na mesa. — Sua mulher tola. — ele sussurrou. — o que você deixou que fizessem com você?
Ele se curvou e carregou-a nos braços enquanto ela chorava como uma criança. Seus braços pareciam tão gentis quanto os do Criador enquanto ele a segurava contra o peito.
Quando o choro dela diminuiu, ele se afastou, e ela viu que ele estava ensopado de sangue. O sangue dela.
— Remova o bloqueio, e então deite-se e vamos ver se eu consigo curar essa bagunça.
Ann afastou a mão dele. — Não. Primeiro devo fazer o que eu vim fazer. — Ela apontou. — Foi por ele. Foi pelo mago que eu vim.
— Isso não pode esperar?
Ela limpou sangue e lágrimas dos olhos. — Nathan, eu passei por essa profecia terrível até aqui. Deixe que eu termine. Por favor?
Com um suspiro de desgosto, ele enfiou a mão em uma bolsa do lado de sua bainha no cinto e tirou um Rada'Han. Ele o entregou quando ela deslizava para fora da mesa. Quando seus pés tocaram o chão, a dor fez ela se curvar. Nathan segurou-a com um grande braço e ajudou-a, para que se ajoelhasse diante do mago inconsciente.
— Me ajude, Nathan. Abra ele para mim. Ela quebrou a maioria dos meus dedos.
Com mãos trêmulas, ela colocou a coleira no pescoço do mago. Empurrando com suas palmas, ela finalmente consegui fechá-la, travando não apenas a coleira, mas sua magia. a profecia estava completa.
Holly estava parada na porta. — A vovó está morta?
Ann sentou sobre os joelhos. — Sim, minha criança. Eu sinto muito. — Ela esticou uma das mãos. — Você gostaria de assistir uma cura, ao invés de tortura?
Holly segurou a mão suavemente. Ela olhou para o mago no chão. — E ele? Vai curar ele também?
— Sim, Holly, ele também.
— Foi por isso que eu trouxe ele para dentro: para que recebesse ajuda. Não para ser morto. A vovó ajudava pessoas às vezes. Ela não era sempre má.
— Eu sei. — Ann falou.
Uma lágrima rolou pela bochecha da garota. — O que vai acontecer comigo agora? — ela sussurrou.
Ann sorriu no meio das lágrimas. — Eu sou Annalina Aldurren, Prelada das Irmãs da Luz, e tenho sido por um longo tempo. Tenho recolhido muitas jovens com o dom, como você, e tenho ensinado elas a serem mulheres maravilhosas que curam e ajudam pessoas. Eu ficaria muito feliz se você fosse conosco.
Holly assentiu, um sorriso surgindo em seu rosto manchado de lágrimas. — A vovó tomou conta de mim, mas era má com outras pessoas, às vezes. A maioria que tentaria nos machucar, enganar, mas você nunca fez isso. Machucar você foi uma coisa errada que ela fez. Sinto muito porque que ela não foi mais gentil. Sinto muito por ela ter sido má, e morrer.
Ann beijou a mão da garota. — Eu também. eu também.
— Eu tenho o dom. — Ela olhou para cima com grandes olhos tristes. — Pode me ensinar a curar como ele?
— Seria uma honra.
Nathan pegou sua espada e, fazendo um floreio dramático, colocou-a de volta na bainha. — Você quer ser curada agora? Ou prefere sangrar até a morte para que eu possa treinar a ressurreição com minhas mãos?
Ann se encolheu quando ficou em pé. — Me cure, meu salvador.
Ele girou os olhos. — Então permita que eu tenha acesso ao meu poder, mulher. Não posso curar com minha espada.
Ann fechou os olhos quando levantou uma das mãos, concentrando seu sentido interior no Rada'Han dele removendo o bloqueio no fluxo do seu Han. — Está feito.
Nathan grunhiu. — Eu sei que está feito; posso sentir ele de volta, você sabe.
— Me ajude a subir na mesa, Nathan. — Holly segurou a mão dela quando ela foi erguida.
Nathan olhou para o mago no chão. — Bem, finalmente você tem ele. Até onde eu sei, alguém como ele jamais recebeu uma coleira. — Seus penetrantes olhos azuis viraram para ela. — Agora que você tem um mago da Primeira Ordem, a verdadeira loucura de todo esse seu plano começa.
Ann suspirou enquanto suas mãos curadoras finalmente cuidavam dela. — Eu sei. Com sorte, Verna está com sua parte nas mãos agora.
Zedd arfou quando seus olhos abriram. Ela levantou rapidamente ficando sentado. Uma grande mão no peito dele empurrou-o de volta.
— Vá com calma, velho. — uma voz grossa disse.
Zedd virou os olhos para o rosto de queixo quadrado. Seu cabelo branco na altura dos ombros caíram para frente quando ele se curvou, colocando as duas mãos nos lados da cabeça de Zedd.
— Quem você está chamando de velho, meu velho?
Os penetrantes olhos azuis, debaixo de uma testa intimidadora semelhante a de uma ave de rapina, exibiram uma expressão alegre junto com o resto do rosto dele. Sua aparência tinha uma mistura que Zedd considerou inquietante. — Agora que você mencionou, acho que sou um pouco mais velho que você.
Tinha alguma coisa familiar naquele rosto. Aquilo lhe ocorreu repentinamente. Zedd afastou as mãos e sentou, apontando um dedo magro para o homem alto ao lado da mesa.
— Você parece com Richard. Porque você parece com Richard?
Suas bochechas recuaram com um largo sorriso. A testa ainda parecia muito com a de um falcão. — Ele é um parente meu.
— Parente! Maldição! — Zedd olhou mais perto. — Alto. Forte. Olhos azuis. Os cabelos pareciam com textura similar. Aquela mandíbula.
Pior, os olhos. — Zedd cruzou os braços. — Você é um Rahl. — ele declarou.
— Muito bom. Então você conhece Richard.
— Conheço ele! Eu sou avô dele.
A testa dele levantou. — Avô... — Ele passou uma de suas grandes mãos no rosto. — Querido Criador. — ele murmurou. — no que foi que aquela mulher nos meteu?
— Mulher? Que mulher?
Com um suspiro, ele afastou a mão do rosto. O sorriso retornou e ele fez uma reverência. Uma reverência muito boa, Zedd pensou. — Permita que eu me apresente. Eu sou Nathan Rahl. — Ele endireitou o corpo. — E posso saber o seu nome, amigo?
— Amigo!
Nathan encostou os nós dos dedos na testa de Zedd. — Acabei de curar seu crânio partido. Isso deveria contar para alguma coisa.
— Bem. — Zedd resmungou. — talvez você esteja certo. Obrigado, Nathan. Eu som Zedd. Uma cura talentosa, se meu crânio realmente estava partido.
— Oh, ele estava. Parece que eu tenho um pouco de prática. Como você está se sentindo?
Zedd avaliou a si mesmo. — Bom, bem. Eu me sinto bem. Minha força está de volta... — Ele grunhiu, lembrando o que tinha acontecido. — Gratch. Queridos espíritos, tenho que dar o fora daqui.
Nathan plantou uma das mãos no peito de Zedd para segurá-lo. — Temos que ter uma pequena conversa, amigo. Pelo menos eu espero que possamos nos tornar amigos. Infelizmente temos muito em comum, além de sermos parentes de Richard.
Zedd piscou para o homem alto. — Como o quê?
Nathan desabotoou sua camisa na parte de cima. Toda a frente do corpo dele estava coberta de sangue coagulado. Nathan enfiou um dedo em uma coleira prateada em volta de seu pescoço e levantou ela um pouco.
A voz de Zedd baixou assumindo um tom melancólico. — Isso é o que eu penso que é?
— Você é um sujeito bem esperto, não tenho dúvida, ou não teria tanto valor.
Zedd voltou seu olhar para os olhos azuis. — E que coisa infeliz temos em comum?
Nathan esticou a mão a bateu em algo no pescoço de Zedd. As mãos de Zedd levantaram rapidamente para sentir a coleira lisa de metal. Não conseguiu encontrar nenhuma emenda.
— Qual é o significado disso? Porque você faria isso?
Nathan soltou um suspiro. — Não eu, Zedd. — Ele apontou. — Ela.
Uma mulher velha baixinha com cabelo cinzento amarrado com um nó atrás de sua cabeça estava caminhando através do portal. Ela segurava a mão de uma garotinha.
— Ah. — ela disse, quando seus dedos tocaram a parte superior do vestido marrom escuro abotoado até a garganta. — Vejo que Nathan consertou você. Estou muito feliz. Estávamos preocupados.
— É mesmo? — Zedd falou de modo não comprometedor.
A velha sorriu. — Sim. — Ela olhou para a garotinha, acariciando seu cabelo castanho claro. — Esta é Holly. Ela arrastou você para dentro. Salvou sua vida.
— Acho que lembro de ter visto ela. Obrigado por sua ajuda, Holly. Você tem minha gratidão.
— Estou tão feliz que você esteja curado. — a garota disse. — Estava com medo que o Gar pudesse matar você.
— Gar? Você viu ele? Ele está bem?
Ela balançou a cabeça. — Ele caiu por cima do muro junto com todos aqueles monstros.
— Maldição. — Zedd sussurrou através dos dentes. — Aquele Gar era um amigo.
A mulher levantou uma sobrancelha. — Um Gar? Bem, então eu sinto muito.
Zedd virou seu olhar para a mulher. — O que essa coleira está fazendo no meu pescoço?
Ela abriu os braços. — Sinto muito, mas isso é necessário por enquanto.
— Você vai remover ela.
O sorriso dela continuou do jeito que estava. — Entendo sua preocupação, mas ela deve permanecer onde está, por enquanto. — Ela cruzou as mãos na cintura. — Eu temo que não tenha sido apresentada. Qual é o seu nome?
A voz de Zedd surgiu lenta e ameaçadora. — Eu sou o Primeiro Mago Zeddicus Zu'l Zorander.
— Eu sou Annalina Aldurren, Prelada, das Irmãs da Luz. — O sorriso dela ficou mais caloroso. — Pode me chamar de Ann. Todos os meus amigos fazem isso, Zedd.
Com os olhos fixos na mulher, Zedd saltou da mesa. — Você não é minha amiga. — Ela deu um passo para trás. — Vai se dirigir a mim como Mago Zorander.
— Calma, amigo. — Nathan avisou.
Zedd lançou um olhar para ele que fechou sua boca e fez sua espinha ficar rígida.
Ele encolheu os ombros. — Como quiser. Mago Zorander.
Zedd tocou na coleira em seu pescoço. — Remova isso imediatamente.
O sorriso dela continuava no rosto de forma persistente. — Ela deve ficar.
Zedd começou a diminuir a distância entre eles. Nathan caminhou adiante, aparentemente para segurá-lo. Sem tirar os olhos da Prelada, Zedd levantou um braço, apontando um dedo fino na direção de Nathan. O grande homem, com seus braços levantados, recuou, com se estivesse em pé sobre gelo em uma ventania, até que ficou encostado na parede do outro lado.
Zedd ergueu sua outra mão, e o teto se iluminou, brilhando com uma luz azulada. Quando a mão dele desceu, uma fina superfície plana de luz, como a superfície de um lago parado, desceu, passando por cima deles. Os olhos de Ann ficaram arregalados. A superfície de luz desceu até chegar no chão, transformando ele em uma camada de luz efervescente. A luz coalesceu em pontos de brilhante intensidade.
Daqueles pontos, relâmpagos irromperam. Fios de fogo branco subiram pelas paredes por toda parte, enchendo a sala com um cheiro pungente. Zedd girou um dedo em círculos e o raio saltou da parede para sua coleira. relâmpagos atingiram o metal. A sala tremeu em sintonia com o trovão. Pó de pedras encheram o ar.
A mesa flutuou e então explodiu em uma nuvem de pó que grudaram nas correntes de luz ondulantes. A sala estremeceu e rugiu quando enormes blocos de pedra se soltaram e começaram a saltar de seu lugar na parede.
Através da fúria do poder, Zedd percebeu que não estava funcionando. A coleira absorvia a violência sem quebrar. Ele esticou um braço, cortando a cacofonia e a luz. A sala mergulhou em um súbito silêncio.
Blocos de pedra enormes flutuaram da parede. O chão todo estava tostado e negro, e mesmo assim nenhum deles foi queimado.
Através de sua análise da Prelada, da garota, e de Nathan com a ligação de luz, agora ele conhecia a exata extensão do poder de cada um, suas forças, e fraquezas. Ela não poderia ter feito a coleira, tinha que ter sido feita por magos, mas ela poderia usá-la.
— Você já terminou? — Ann perguntou. Seu sorriso finalmente havia desaparecido.
— Eu ainda nem comecei.
Zedd levantou os braços. Ele canalizaria poder o bastante para erguer uma montanha, se fosse necessário. Nada aconteceu.
— Isso será o bastante. — ela disse. Um pouco do sorriso voltou. — Posso ver onde Richard conseguiu uma parte de sua fúria.
Zedd apontou um dedo. — Você! Foi você quem colocou a coleira nele.
— Eu poderia ter recolhido ele quando era uma criança, ao invés de deixar ele crescer com o seu amor e orientação.
Zedd podia contar nos dedos de uma das mãos as vezes em sua vida em que realmente tinha perdido o controle de seu temperamento, e pior, de sua razão. Ele estava rapidamente se aproximando da necessidade de começar a contar na outra mão. — Não tente me acalmar com suas boas justificativas; não pode haver nenhuma para escravidão.
Ann suspirou. — Uma Prelada, como um mago, às vezes deve usar pessoas. Tenho certeza que você entende isso. Eu lamento muito ter que usar Richard, e que eu tenha que usar você, mas não tenho escolha. — Um sorriso triste surgiu no rosto dela. — Richard deu bastante trabalho em uma coleira.
— Se acha que Richard foi um problema, ainda não viu nada. Espere até descobrir os problemas que o avô dele vai lhe causar. — Zedd cerrou os dentes. — Você colocou uma das suas coleiras no pescoço dele.
— Você raptou garotos de Midlands. Quebrou a trégua que existia durante milhares de anos.
— Conhece as consequências dessa transgressão. As Irmãs da Luz pagarão o preço.
Zedd estava parado na beira do abismo, prestes a violar a Terceira Regra do Mago, e ainda assim não conseguia assumir o controle de sua razão. Essa, de fato, era a única maneira de violar a Terceira Regra.
— Conheço as consequências da Ordem Imperial dominar o mundo. Sei que não entende nesse momento, Mago Zorander, mas espero que você consiga ver que lutamos do mesmo lado.
— Entendo muito mais do que você pensa. Você está ajudando a Ordem fazendo isso. Eu nunca tive que transformar meu aliados em prisioneiros para que lutassem por aquilo que é certo!
— Verdade. Do que você chamaria a Espada da Verdade?
Fervilhando, ele se recusou a discutir com a mulher. — Você vai remover essa coleira. Richard precisa de minha ajuda.
— Richard terá que cuidar dele mesmo. Ele é um rapaz esperto. Você é parcialmente responsável por isso. Foi por isso que deixei ele crescer com você.
— O rapaz precisa da minha ajuda! Precisa saber como usar seu poder. Se eu não chegar até ele, ele poderia entrar na Fortaleza. Ele não conhece os perigos daqui. Não sabe como usar o seu dom. Ele poderia ser morto. Não posso deixar isso acontecer. Precisamos dele!
— Richard já esteve na Fortaleza. Ele passou a maior parte de ontem lá, e saiu inteiro.
— Sortudo uma vez, — Zedd citou. — duas vezes confiante, e três vezes, morto.
— Tenha fé no seu neto. Devemos ajudar ele de outras maneiras. Não há tempo a perder. Temos que partir.
— Não vou a lugar algum com você.
— Mago Zorander, estou pedindo sua ajuda. Estou pedindo para cooperar e vir conosco. Tem muita coisa em risco.
Por favor, faça o que eu peço, ou serei forçada a usar a coleira. Você não gostaria disso.
— Escute o que ela diz, Zedd. — Nathan falou. — Posso testemunhar que não vai gostar. Você não tem escolha. Entendo o que você está sentindo, mas seria mais fácil se fizer como ela pede.
— Que tipo de mago é você?
Nathan ficou um pouco mais ereto. — Eu sou um profeta.
Pelo menos o homem era honesto. Ele não tinha reconhecido a ligação de luz pelo que ela era, e não sabia o que Zedd podia ler com ela. — E você está feliz sendo mantido na escravidão?
Ann riu bem alto. Nathan não; seus olhos denunciaram a fúria mortal controlada, ardente, de um Rahl. — Garanto, Senhor, isso não é por escolha minha. Estive lutando contra isso a maior parte de minha vida.
— Ela pode saber como subjugar um mago que é profeta, mas ela vai descobrir porque eu detenho a posição de Primeiro Mago. Conquistei a posição na última guerra. Os dois lados naquela guerra me chamavam de vento da morte.
Isso foi um dos dedos que ele havia contado.
Afastando-se de Nathan, Zedd encarou a Prelada com uma expressão de ameaça tão fria que ela engoliu em seco quando recuou um passo. — Ao quebrar a trégua, você condenou cada uma das Irmãs que for pega em Midlands à morte. Pelos termos da trégua, elas acabaram de ser sentenciadas. Cada uma de vocês perdeu o direito de julgamento ou misericórdia. Cada uma de vocês que for pega será executada sem pré-julgamento.
Zedd jogou os punhos para o ar. Relâmpagos rasgaram o céu claro, disparando na Fortaleza acima deles. Um rugido ensurdecedor ecoou, e um anel de luz se expandiu, correndo através do céu, deixando uma trilha de nuvens como fumaça.
— A trégua acabou! Agora você está em território inimigo, e na direção do vento da morte.
— Se você me levar usando essa coleira, prometo que irei até a sua terra natal e destruirei o Palácio dos Profetas.
Com o rosto rígido, a Prelada Annalina Aldurren observou ele em silêncio por um momento. — Não faça promessas que não conseguirá cumprir.
— Me teste.
Um sorriso distante tocou os lábios dela. — Realmente temos que partir.
Com um olhar penetrante de fúria, Zedd assentiu. — Que assim seja.
Verna ficou ciente que estava acordada lentamente. Estava tão escuro com seus olhos abertos quanto estava com seus olhos fechados. Ela piscou, tentando verificar se realmente estava consciente.
Decidindo que ela realmente estava acordada, ela invocou seu Han para acender uma chama. Ele não veio. Mergulhou mais fundo dentro de si mesma, e puxou mais poder.
Esforçando-se com toda sua força, ela finalmente conseguiu acender uma pequena chama na palma dela. Havia uma vela no chão ao lado do palete onde ela estava sentada. Ela enviou a chama para o pavio da vela, aliviada por finalmente conseguir enxergar sem o monumental esforço exigido para manter uma chama com seu Han.
A sala estava vazia a não ser pelo palete, a vela, uma pequena bandeja com pão e um copo de metal com água, e o que parecia ser um pinico perto da parede engessada do outro lado da sala. Não longe demais. A sala não era muito grande. Não havia janelas, apenas uma grossa porta de madeira.
Verna reconheceu a sala; era uma das salas na enfermaria. O que ela estava fazendo na enfermaria?
Olhando para baixo, ela percebeu que estava nua. Virou para o lado, e viu suas roupas em uma pilha. Quando virou, ela sentiu alguma coisa na garganta dela. Levantando a mão para verificar, ela tateou no pescoço.
Um Rada'Han.
Sua carne formigou. Querido Criador, ela estava com um Rada'Han no pescoço. O pânico espalhou-se através dela de forma vertiginosa. Ela segurou no pescoço, tentando retirar aquilo. Escutou um grito vindo de sua própria garganta enquanto gemia de terror ao lutar freneticamente com o anel de metal.
Com horror, ela percebeu o que os garotos sentiam ao ter esse instrumento de dominação preso a eles. Quantas vezes ela mesma havia usado uma coleira para obrigar alguém a fazer o que ela queria?
Mas apenas para ajudá-los, somente para o bem deles, apenas para ajudá-los. Eles sentiam esse mesmo pavor?
Lembrou com vergonha de usar a coleira em Warren.
— Querido Criador, me perdoe. — ela gritou. — Só queria fazer o seu trabalho.
Enxugando as lágrimas, ela retomou o controle de si mesma. Ela precisava descobrir o que estava acontecendo.
Ela sabia que essa coleira não estava em seu pescoço para ajudá-la; era para controlá-la.
Verna verificou sua mão. O anel da Prelada sumiu. O coração dela murchou; havia falhado em seu trabalho de tutela.
Ela beijou o dedo nu, buscando forças.
Ela bateu o punho contra a porta quando a maçaneta não produziu movimento algum. Ela invocou todo seu poder, concentrando-o na maçaneta, tentando fazer o trinco levantar. Ele não iria se mover. Ela procurou as dobradiças que sabia que estavam do outro lado. Furiosamente, ela se concentrou, aplicando seu Han na tarefa. Línguas de luz, deslizaram pela porta, através de rachaduras e pela abertura embaixo dela.
Verna cortou o impotente fluxo do Han, lembrando de ter visto a Irmã Simona tentando a mesma coisa hora após hora, com os mesmos resultados ineficazes. O escudo na porta não poderia ser quebrado por alguém em um Rada'Han. Sabia muito bem que não adiantava desperdiçar sua força em esforços inúteis. Simona poderia estar louca, mas ela não estava.
Verna desabou sobre o palete. Seus punhos batendo na porta não fariam com que ela saísse. Seu dom não faria ela sair. Ela estava presa.
Porque ela estava aqui? Ela olhou para seu dedo, onde o anel da Prelada estava. Era por isso.
Com um suspiro profundo, ela lembrou da verdadeira Prelada. Ann havia dado a ela uma missão, e estava dependendo dela para afastar as Irmãs da Luz antes que Jagang chegasse.
Ela se abaixou sobre as roupas, procurando nelas freneticamente. Sua Dacra tinha sumido. Provavelmente foi por isso que a despiram: para ter certeza de que ela não tivesse arma alguma. Isso foi feito com Irmã Simona, para a própria proteção dela, para ter certeza de que ela não se machucaria. Não poderiam deixar uma mulher louca com uma arma mortal.
Seus dedos encontraram o cinto. Ela o arrancou da pilha de roupas e, procurando nele, encontrou a saliência no couro.
Tremendo com esperança, Verna segurou o cinto perto da vela. Ela abriu a falsa costura. Ali, aninhado dentro do bolso secreto, estava o livro de jornada. Ela abraçou o cinto contra os seios, agradecendo ao Criador enquanto balançava para frente e para trás sobre o palete, apertando o cinto com mais força. Pelo menos tinha isso.
Quando finalmente tinha se acalmado, levou as roupas para perto da fraca luz e se vestiu, sentindo-se melhor, pelo menos, por não ficar nua e indefesa. Não estava menos indefesa, mas ao menos não tinha que sofrer com a indignação de ser uma prisioneira nua. Ela estava começando a se sentir um pouquinho melhor.
Verna não sabia quanto tempo estivera inconsciente, mas percebeu que estava faminta. Ela devorou o pão, e bebeu a água.
Depois que seu estômago estava pelo menos parcialmente satisfeito, ela voltou seus pensamentos para como tinha vindo parar nesta sala. Irmã Leoma. Ela lembrou de Irmã Leoma e três outras esperando por ela em seu escritório.
Irmã Leoma estava bem alto no topo de sua lista de suspeitas como Irmãs do Escuro. Embora ela não tivesse passado por um teste, ela tomou parte em colocar Verna aqui. Isso era prova suficiente. Estava escuro e não viu as outras três, mas tinha uma lista de suspeitas em sua cabeça. Phoebe e Dulcinia deixaram elas entrarem, contra suas ordens. Mesmo que com relutância, elas também deveriam ser colocadas na lista.
Verna começou a caminhar pela pequena sala. Estava começando a ficar furiosa. Como elas ousam pensar que poderiam escapar fazendo isso?
Elas escaparam fazendo isso.
Uma expressão de raiva se estabeleceu. Não, elas não escapariam. Ann deu a ela essa responsabilidade e ela viveria por essa fé.
Ela levaria as Irmãs da Luz para longe do Palácio.
Verna encostou os dedos no cinto. Deveria mandar uma mensagem. Será que ousaria fazer isso aqui dentro? E se ela fosse pega? Eu poderia arruinar tudo. Mas precisava fazer Ann saber o que tinha acontecido.
A caminhada dela parou bruscamente. Como diria para Ann que havia falhado, e que por causa dela, todas as Irmãs da Luz estavam em perigo mortal e ela não tinha como fazer nada a respeito? Jagang estava vindo. Precisava escapar. Com ela nessa prisão, nenhuma das Irmãs saberia para fugir.
E Jagang teria todas elas.
Richard saltou do cavalo quando ele parou derrapando. Olhou descendo pela estrada e viu os outros longe lá embaixo galopando para alcançá-lo. Ele acariciou o nariz do cavalo e então começou a amarrar as rédeas em uma barra de ferro no mecanismo de descida do portão.
Ele olhou para o mecanismo da porta corrediça, e então amarrou as rédeas em uma barra de ferro. O lugar onde inicialmente ele pensou em amarrar as rédeas era a alavanca de liberação do mecanismo do enorme portão. Um puxão forte, e a porta corrediça poderia descer em cima do cavalo.
Sem esperar pelos outros, Richard correu para dentro da Fortaleza do Mago. Estava furioso que ninguém tivesse acordado ele. Uma luz está queimando nas janelas da Fortaleza durante a metade da noite, ele pensou, e ninguém teve coragem de acordar o Lorde Rahl e dizer para ele.
E então, não fazia uma hora antes, ele tinha visto os rios, e a explosão de luz correndo em um anel que se expandia através do céu, deixando em seu rastro uma fumacenta camada de nuvens.
Um pensamento lhe ocorreu. Richard parou antes de entrar na Fortaleza e virou para olhar a cidade.
Na base da estrada da Fortaleza outras estradas ramificavam, levando para longe de Aydindril.
E se alguém estivesse na Fortaleza? E se eles tivessem levado alguma coisa? Era melhor ele falar para os soldados segurarem qualquer um que tentasse partir. Logo que os outros chegassem até a Fortaleza, ele enviaria um deles de volta para dizer aos soldados para trazer de volta qualquer um indo embora e para selar as estradas.
Richard observou as pessoas na estrada. A maioria estava entrando na cidade, não partindo. Porém, havia alguns partindo: o que pareciam ser algumas famílias com carrinhos de mão; alguns soldados saindo em patrulha; um par de carroças com mercadorias; e quatro cavalos, bem próximos, que passavam trotando pelas pessoas a pé. Ele faria com que todos fossem detidos e revistados.
Mas revistados procurando o quê? Ele mesmo poderia dar uma olhada nas pessoas, depois que os soldados os levassem de volta, e talvez verificar se carregavam alguma coisa mágica.
Richard virou na direção da Fortaleza. Ele não tinha tempo. Precisava descobrir o que esteve acontecendo aqui em cima, e além disso, como ele saberia se fosse alguma coisa com magia? Seria um desperdício de tempo que poderia ser melhor utilizado. Ele precisava trabalhar com Berdine e traduzir o diário, não ficar enfiando as mãos nos pertences de famílias. Pessoas ainda estavam partindo, sem querer viver sob o governo D'Haran. Que fossem.
Ele marchou para dentro através dos escudos, sabendo que os outros seriam bloqueados quando chegassem. Os cinco ficariam com raiva por ele não ter esperado. Bem, talvez na próxima vez eles o acordassem se vissem luzes na Fortaleza.
enrolado em sua capa de Mriswith, ele seguiu caminho acima, na direção do local onde tinha visto o raio atingir a Fortaleza. Evitou passagens que ele conseguia sentir serem perigosas, e encontrou outras rotas que ao menos não faziam o cabelo atrás de seu pescoço ficar eriçado. Muitas vezes ele sentiu Mriswith, mas eles não se aproximaram.
Em um sala larga com quatro corredores saindo dela, Richard parou. Muitas portas permaneciam fechadas. Havia um rastro de sangue que levava até uma delas. Ele agachou e inspecionou a trilha de sangue e determinou que na verdade eram duas trilhas; uma que levava para dentro da sala, e uma para fora.
Richard abriu a capa de Mriswith e sacou a espada. O claro som do metal ecoou pelos corredores.
Com a ponta da lâmina, ele abriu a porta.
A sala estava vazia, mas ela estava longe de ser comum. O piso de madeira estava tostado. Coberto de fuligem, linhas irregulares estavam queimadas na rocha como se uma furiosa tempestade de raios estivesse presa na sala. Porém, o mais estranho, eram os blocos de pedra das paredes; aqui e ali, enormes blocos de pedra estavam deslocados até a metade para fora da parede, como se estivessem prestes a saltar de seu lugar. A sala parecia como se quase fosse despedaçada por um terremoto.
Havia manchas de sangue espalhadas por todo o chão, e de um lado uma grande poça dele, mas por causa do fogo que tinha escurecido o chão, ele estava seco como poeira, e dizia pouco para ele.
Richard seguiu a trilha de sangue da sala até que ela o conduziu a uma porta para a muralha externa. Ele saiu no ar frio e imediatamente viu manchas de sangue pela rocha. Aquilo era recente, durante o último dia.
Mriswith, e partes de Mriswith, enchiam a muralha exposta ao vento. Mesmo que agora estivessem congelados, eles ainda fediam. Contra uma parede, cerca de cinco pés acima, havia uma grande mancha de sangue, e abaixo dela, no chão, um Mriswith morto, sua pele escamosa estilhaçada. Se o jato de sangue estivesse no chão, ao invés da parede, Richard teria pensado que ele tinha caído do céu e morreu por causa do impacto.
Seus olhos observaram a bagunça, Richard pensou que aquilo parecia muito com o que sobrava quando Gratch lutava com Mriswith. Ele balançou a cabeça surpreso, imaginando o que teria acontecido.
Ele seguiu uma trilha de sangue até uma fenda no muro e encontrou sangue na parede de ambos os lados.
Ele caminhou até a fenda e olhou por cima da borda. Era uma visão que causava vertigem.
Os blocos de pedra da Fortaleza mergulhavam quase verticalmente, alargando levemente na direção de sua base bem longe lá embaixo, e debaixo dela a rocha da própria montanha descia por uma distância que parecia ter vários milhares de pés. Da abertura no muro, uma trilha de sangue descia pela face, desaparecendo ao longe abaixo. Havia grandes manchas na trilha sangrenta; alguma coisa tinha caído por cima da borda, batendo na parede enquanto descia. Ele teria que enviar soldados para verificar o que, ou quem, tinha caído por cima da borda.
Ele passou um dedo em diferentes trilhas de sangue na borda; a maior parte tinha o fedor de Mriswith. Uma parte não.
Queridos espíritos, o que tinha acontecido aqui em cima? Richard apertou os lábios enquanto balançava a cabeça. Jogou a capa negra de Mriswith em volta de si e desapareceu enquanto ele ponderava, pensando também, por alguma razão, em Zedd. Ele queria que Zedd estivesse aqui com ele.
Dessa vez, quando Verna viu a pequena portinha sendo aberta na parte inferior da porta, ela estava pronta. Mergulhou na direção dela, empurrando a bandeja para o lado e colocando o rosto contra o chão, tentando ver lá fora.
— Quem está aí? Quem é? O que está acontecendo? Porque estou presa aqui? Responda minhas perguntas! — Ela conseguiu ver as botas de uma mulher e a bainha de um vestido. Provavelmente uma Irmã que cuidava daqueles na enfermaria. A mulher levantou o corpo. — Por favor! Eu preciso de outra vela! Essa aqui está quase acabando!
Ela conseguiu ouvir os sons desinteressados dos pés desaparecerem subindo o corredor, e então o barulho da porta e do grande ferrolho sendo fechado enquanto ela cerrava os dentes e batia o punho contra a porta. Verna finalmente desabou em cima do palete, massageando sua mão. Estivera batendo na porta tempo demais ultimamente. A frustração dela estava superando seu bom senso, ela sabia.
Na sala sem janelas, não tinha mais ideia alguma se era dia ou noite. Ela assumia que traziam sua comida durante o dia, e então tentava avaliar o tempo dessa maneira, mas às vezes parecia que a comida era trazida apenas com horas de diferença, e outras vezes ela ficava quase morrendo de fome antes que ela chegasse. Ela desejou dolorosamente que elas fizessem alguma coisa a respeito do pinico.
Também não traziam comida suficiente para ela. Seu vestido estava ficando bastante frouxo na cintura e no busto. Havia desejado, durante os últimos anos, que pudesse ficar um pouco menor, como estivera quando saiu em sua jornada vinte anos atrás. Ela era considerada atraente, em sua juventude. Seu peso extra sempre pareceu um lembrete da juventude e beleza perdidas.
Ela riu como uma maníaca. Talvez elas também estivessem pensando isso, e tivessem colocado a Prelada em um jejum. Sua risada morreu. Havia desejado que Jedidiah enxergasse o que estava no interior, ao invés de apenas o exterior, e aqui ela estava preocupada com o exterior, assim como ele fez. Uma lágrima rolou por sua bochecha. Warren nunca tinha ignorado o que estava no interior. Ela foi uma tola.
— Rezo para que você esteja em segurança, Warren. — ela sussurrou para as paredes.
Verna arrastou a bandeja pelo chão na direção da vela. Ela se abaixou e agarrou o copo de metal com água. Antes de engolir, ela parou, lembrando a si mesma de fazer ele durar. Elas nunca traziam bastante água. Vezes demais ela bebeu tudo de uma só vez e então passou o dia seguinte deitada na cama sonhando acordada em mergulhar em um lago com a boca aberta, bebendo avidamente o quanto desejasse.
Colocou o copo nos lábios e tomou um leve gole. Quando colocou ele de volta na bandeja, viu algo novo, algo diferente da metade de pão. Lá estava uma tigela de sopa.
Verna levantou-a com reverência, inalando o aroma. Era uma sopa de cebola rala, mas parecia o banquete de uma Rainha. Quase chorando de alegria, ela tomou um gole, saboreando o rico aroma. Ela arrancou um pedaço de pão e mergulhou na sopa. Tinha gosto melhor do que chocolate, melhor do que qualquer coisa que já tinha comido. Ela partiu o resto do pão em pequenos pedaços e mergulhou todos na tigela. Inchando na sopa, o pão pareceu mais do que ela conseguiria comer. Mas ela conseguiu.
Enquanto comia, retirou o livro de jornada de sua bolsa no cinto. Suas esperanças murcharam novamente, quando viu que não havia mensagem nova alguma. Tinha informado para Ann o que aconteceu, e recebeu de volta uma mensagem em um rabisco apressado que dizia apenas — Você deve escapar e levar as Irmãs para longe. — Não havia recebido nenhuma mensagem desde então.
Depois que tinha entornado a tigela e bebido o último resto de sopa, ela apagou a vela, economizando-a para mais tarde.
Ela colocou o copo com a metade da água atrás da vela para ajudar a garantir que não derrubaria ele no escuro, e então deitou sobre o palete, esfregando seu estômago cheio.
Ela despertou quando escutou o trinco da porta quando ele foi levantado. Verna colocou a costa de uma das mãos nos olhos, protegendo-os da luminosidade ofuscante que inundou a sala. Ela recuou encostando na parede quando a porta fechou. Uma mulher estava parada segurando uma lamparina. Verna girou os olhos com a luminosidade cegante.
A mulher colocou a lamparina no chão e levantou o corpo para cruzar as mãos sobre a cintura. Ela ficou observando, sem dizer nada.
— Quem é? Quem está aí?
— Irmã Leoma Marsick. — surgiu a curta resposta.
Verna piscou enquanto seus olhos finalmente se aclimataram com a luz da lamparina. Sim, era Leoma. Verna conseguiu distinguir seu rosto enrugado e o longo cabelo branco para trás, por cima dos ombros.
Leoma era aquela no escritório da Prelada. Aquela que tinha colocado ela aqui.
Verna saltou procurando a garganta da mulher.
Confusa por um momento, ela percebeu que estava sentada novamente no palete, e seu traseiro estava dolorido por causa da brusca aterrissagem. Ela sentiu a sensação perturbadora do Rada'Han impedindo que ela levantasse. Tentou mover as pernas, mas elas não responderiam. Era uma singular sensação aterradora. Arfou procurando ar, contendo um grito de pânico. Parou de tentar combater aquilo, de tentar levantar, e então a pressão aliviou, mas a inquietante sensação não.
— Isso é o bastante, Verna.
Verna certificou-se de que sua voz estava sob controle antes de falar. — O que estou fazendo aqui?
— Estava sendo mantida presa até que o seu julgamento estivesse concluído.
Julgamento? Que julgamento? Não. Ela não daria a satisfação para Leoma. — Isso pareceria apropriado. — Verna gostaria de poder ficar em pé; era vergonhoso ter Leoma olhando para ela de cima desse jeito. — E ele acabou?
— É por isso que estou aqui. Eu vim informar para você a decisão do tribunal.
Verna engoliu sua resposta cáustica. É claro que essas traidoras consideraram ela culpada de alguma falsa acusação. — E então, qual foi a decisão?
— Você foi considerada culpada de ser uma Irmã do Escuro.
Verna ficou sem voz. Levantou os olhos para Leoma, mas não conseguia soltar uma palavra com a dor de que Irmãs estivessem condenando ela por isso. Tinha trabalhado quase toda sua vida para ver o Criador ser honrado nesse mundo. A fúria ferveu, mas ela manteve sob controle, lembrando da advertência de Warren sobre o temperamento dela.
— Irmã do Escuro? Entendo. E como eu poderia ter sido condenada por uma acusação assim sem evidências?
Leoma riu. — Vamos lá, Verna, certamente você não acreditaria que conseguiria cometer um crime tão grave e não deixar nenhuma evidência.
— Não, eu suponho que vocês conseguiram encontrar alguma coisa. Então você pretende dizer, ou simplesmente veio aqui para se vangloriar e finalmente ter conseguido fazer de si mesma Prelada?
Leoma ergueu uma sobrancelha. — Oh, eu não fui nomeada Prelada. A Irmã Ulicia foi escolhida.
Verna se encolheu. — Ulicia! Ulicia é uma Irmã do Escuro! Ela fugiu com cinco de suas colaboradoras!
— Totalmente o contrário. As Irmãs Tovi, Cecilia, Armina, Nicci, e Merissa retornaram e foram reintegradas em suas posições de autoridade como Irmãs da Luz.
Verna lutou poderosamente, mas sem sucesso, para ficar em pé. — Elas foram pegas atacando a Prelada Annalina! Ulicia a matou! Elas todas fugiram!
Leoma suspirou, como se tivesse que explicar a mais simples das coisas para uma noviça ignorante. — E quem pegou elas atacando a Prelada Annalina? — Ela fez uma pausa. — Você. Você e Richard.
— As seis Irmãs testemunharam como foram atacadas por uma Irmã do Escuro, depois que Richard matou Irmã Lilian, e elas fugiram para salvar suas vidas até que pudessem providenciar seu retorno para salvar o Palácio das suas garras. O mal entendido foi corrigido.
— Foi você, uma Irmã do Escuro, quem planejou essa acusação. Você e Richard foram as únicas testemunhas. Foi você quem matou a Prelada Annalina, você e Richard Rahl, aquele que então você ajudou a escapar.
— Ouvimos o testemunho de Irmãs que escutaram por acaso você falando para um dos guardas, Kevin Andellmere, que ele deveria ser leal a Richard, seu cúmplice, ao invés do Imperador.
Verna balançou a cabeça sem acreditar. — Então você aceitou a palavra de seis das servas do Guardião, e com base nisso, porque havia mais delas do que uma, que sou eu, e me condenou?
— Dificilmente. Houve dias e dias de testemunhos e evidências apresentadas. De fato, tantas, que o seu julgamento levou quase duas semanas; nós queríamos ter certeza, no interesse da justiça, e considerando a gravidade das acusações, que estávamos sendo completamente justas. um grande número de testemunhas se apresentou para revelar a extensão do seu trabalho nefasto.
Verna jogou as mãos para cima. — Do que você está falando?
— Você esteve destruindo metodicamente o trabalho do Palácio. Milhares de anos de tradição e esforço foram destruídos no seu esforço de levar a ruína o trabalho das Irmãs da Luz. Os problemas que você causou foram extensivos.
— O povo na cidade ficou revoltado porque você ordenou que o Palácio cortasse os pagamentos para mulheres que ficassem grávidas de nossos jovens magos. Aquelas crianças são uma de nossas principais fontes de garotos com o dom. Você queria estrangular essa fonte. Você impediu nossos homens jovens de ir até a cidade para satisfazer suas necessidades, e produzir aqueles descendentes com o dom.
— Isso chegou ao limite na semana passada quando tivemos um tumulto que precisou ser controlado pelos guardas. O povo estava prestes a invadir o Palácio, por causa de nossa crueldade em deixar aquelas jovens e suas crianças passando fome.
— Muitos de nossos homens jovens se juntaram na revolta porque você cortou o direito deles ao ouro do Palácio.
Verna ficou imaginando qual teria sido a verdadeira natureza da revolta, considerando que jovens magos estavam envolvidos. Mas não achou que Leoma fosse comentar a verdade sobre aquilo. Verna sabia que havia homens bons entre aqueles jovens magos, e temia pelo destino deles.
— Nosso ouro corrompe a moral de todos que ele toca. — Verna disse. Ela sabia que era desperdício de tempo tentar se defender; essa mulher não estava disposta a ouvir a razão, ou a verdade.
— Isso tem funcionado por milhares de anos. Mas é claro que você não gostaria que os benefícios desse formato gerasse frutos para ajudar o Criador. Essas ordens foram revertidas, assim como as suas outras diretrizes desastrosas.
— Você não iria querer que estivéssemos capazes de determinar se homens jovens estavam preparados para encarar o mundo. Você quer que eles falhem. E então você desaprovou o teste da dor. Essa ordem também foi revertida.
— Você esteve manchando a doutrina do Palácio desde o dia em que se tornou Prelada. Você mesma é a responsável pela morte da Prelada, e então usa seus truques do submundo para se instalar como Prelada para que possa nos destruir.
— Você nunca escutou o conselho de suas conselheiras, porque nunca teve qualquer intenção de preservar o Palácio. Você nem se importa mais em olhar os relatórios, mas ao invés disso sobrecarrega administradores inexperientes com seu trabalho enquanto você se tranca no seu Santuário para fazer conferências com o Guardião.
Verna suspirou. — É isso, então? Minhas administradoras não gostam de ter que trabalhar? Algumas pessoas avarentas estão infelizes porque eu me recuso a entregar ouro do tesouro do Palácio simplesmente porque elas escolhem ficar grávidas ao invés de estabelecerem suas próprias famílias para trazerem crianças ao mundo? Algumas Irmãs estão decepcionadas porque eu não permitiria que nossos homens jovens se entregassem ao vício de satisfazerem seus desejos sem rédeas? As palavras de seis Irmãs que fugiram ao invés de fiarem para serem questionadas repentinamente são levadas a sério? E vocês até mesmo nomeiam uma delas Prelada! Ah, sem ao menos uma simples amostra de evidência física?
Um sorriso finalmente surgiu nos lábios de Leoma. — Oh, nós temos evidência física, Verna. Realmente temos.
Com uma expressão orgulhosa, ela enfiou a mão dentro de um bolso e tirou um pedaço de papel. — Temos uma certa evidência física muito, muito condenadora, Verna. — Ela desenrolou o papel de modo solene enquanto seu olhar austero pousou sobre Verna outra vez. — E uma outra testemunha. Warren.
Verna recuou como se tivesse recebido um golpe no rosto. Ela lembrou das mensagens que tinha recebido da Prelada e de Nathan. Nathan estava em pânico dizendo que Warren deveria sair do Palácio. Ann tinha sido enfática para que Verna tivesse certeza de que Warren partisse imediatamente.
— Você sabe o que é isso, Verna? — Verna não ousou falar, ou ao menos piscar. — Acho que sabe. É uma profecia. Somente uma Irmã do Escuro seria tão arrogante para deixar um documento tão incriminador em qualquer lugar. Encontramos isso lá embaixo nas câmaras, enfiado em um livro. Talvez tenha esquecido tudo sobre ela? Então, permita que eu leia.
— Quando a Prelada e o Profeta forem entregues para a Luz no ritual sagrado, as chamas farão ferver um caldeirão de trapaça e causarão a ascensão de uma falsa Prelada, que reinará sobre a morte do Palácio dos Profetas.
Leoma dobrou o papel e enfiou de volta no bolso. — Você sabia que Warren era um profeta, e tirou a coleira dele. Deixou um profeta circular livre, só isso já foi uma terrível ofensa.
— E o que faz você pensar que Warren forneceu essa profecia? — Verna perguntou cautelosamente.
— Warren testemunhou que ele fez isso. Levou algum tempo para ele decidir declarar sua culpa em fornecer profecia.
A voz de Verna ficou agressiva. — O que fizeram com ele?
— Usamos o Rada'Han dele, como é nossa obrigação, para obter a verdade. No final, ele confessou que a profecia era dele.
— O Rada'Han dele? Colocaram uma coleira nele outra vez!
— É claro. Um profeta deve ter uma coleira. Como Prelada, era sua obrigação garantir que isso fosse feito. Warren está de volta em uma coleira, e dentro de escudos e sob guarda nos aposentos do profeta, o lugar ao qual ele pertence.
— Mais uma vez o Palácio dos Profetas voltou a ser do jeito que deveria ser. Essa profecia foi a peça de evidência condenadora final. Provou a duplicidade em suas ações, e revelou sua verdadeira intenção.
— Felizmente, nós conseguimos agir antes que você conseguisse fazer com que a profecia se realizasse. Você falhou.
— Você sabe que nada disso é verdade.
— A profecia de Warren prova sua culpa. Ela nomeia você como uma falsa Prelada, e revela seus planos de destruir o Palácio dos Profetas. — O sorriso dela voltou. — Ela criou grande agitação quando foi lida diante do tribunal.
— Uma bela amostra de condenadora evidência física, eu diria.
— Sua besta vil. Verei você morta.
— Não esperaria menos de alguém como você. Felizmente, você não está em posição de cumprir suas ameaças.
Olhando dentro dos olhos de Leoma, Verna beijou o seu dedo anelar. — Porque você não beija o seu dedo, Irmã Leoma, e pede a ajuda do Criador neste tempo de dificuldades para o Palácio dos Profetas?
Exibindo um sorriso zombeteiro, Leoma abriu as mãos. — Agora o Palácio não tem problema algum, Verna.
— Beije seu dedo, Leoma, e mostre ao querido Criador sua preocupação pelo bem-estar das Irmãs da Luz.
Leoma não levou a mão até os lábios. Ela não podia, e Verna sabia disso. — Não vim até aqui para rezar ao Criador.
— É claro que não, Leoma. Você e eu sabemos que você é uma Irmã do Escuro, assim como a nova Prelada. Ulicia é a falsa Prelada na profecia.
Leoma encolheu os ombros. — Você, Verna, é a primeira Irmã a ser condenada por um crime tão grave. Não há mais qualquer dúvida. A condenação não pode ser revertida.
— Estamos sozinhas, Leoma. Ninguém pode nos escutar por trás de todos esses escudos, a não ser, é claro, alguém com Magia Subtrativa, e você não precisa ter medo desses ouvidos. Nenhuma das verdadeiras Irmãs da Luz pode ouvir qualquer coisa que falamos. Se eu tentasse dizer para alguém qualquer coisa que você possa ter para dizer, ninguém acreditaria em mim.
— Então vamos acabar com o fingimento, Leoma; nós duas sabemos a verdade.
Um leve sorriso se abriu nos lábios de Leoma. — Continue.
Verna deu um suspiro para se acalmar e cruzou as mãos no colo. — Você não me matou, como Ulicia matou a Prelada Annalina. Não teria se preocupado em seguir em frente com toda essa encenação se desejasse me matar; poderia ter feito isso em meu escritório. Obviamente você quer alguma coisa. O que é?
Leoma riu. — Ah, Verna, você sempre foi alguém que vai direto ao coração do assunto. Você não é muito velha, mas devo admitir, que você é esperta.
— Sim, sou simplesmente brilhante; é por isso que estou sentada aqui. O que o seu mestre, o Guardião, quer obter de mim?
Leoma pressionou os lábios. — No momento, nós servimos outro mestre. O que ele quer é o importante.
Verna franziu a testa. — Jagang? Fizeram juramento para ele também?
O olhar de Leoma desviou por um instante. — Não exatamente, mas isso está fora de questão. Jagang quer algumas coisas, e ele as terá. É meu dever que garanti que ele consiga o que ele quer.
— E o que é isso que você quer de mim?
— Você deve abandonar sua lealdade a Richard Rahl.
— Você está sonhando, se pensa que farei isso.
Um sorriso irônico surgiu no rosto de Leoma. — Sim, eu estive sonhando, mas isso também está fora de questão. Você deve desistir de sua ligação com Richard.
— Por quê?
— Richard tem uma maneira de interferir com o controle do Imperador sobre os eventos. Você entende, a lealdade a Richard bloqueia o poder de Jagang. Ele deseja verificar se essa lealdade pode ser quebrada para que ele possa entrar na sua mente. Isso é um tipo de experiência. Minha tarefa é convencer você a abrir mão dessa lealdade.
— Não farei tal coisa. Você não pode fazer com que eu abandone minha lealdade a Richard.—
O sorriso de Leoma ficou sinistro quando ela balançou a cabeça. — Oh, sim, eu posso, e farei. Eu tenho uma boa quantidade de motivação.
Antes que Jagang finalmente chegue para estabelecer seu quartel general aqui, eu quebrarei a ligação com o inimigo dele.
— Como? Bloqueando meu Han? Você acha que isso vai quebrar minha força de vontade?
— Você esquece tão fácil, Verna? Esquece os outros usos que o Rada'Han tem? Esquece o teste da dor?
— Cedo ou tarde, você estará de joelhos implorando para jurar fidelidade ao Imperador.
— Está cometendo um erro grave se pensa que eu recusarei uma tarefa tão horrível. Comete um grave erro se esquece o que eu sou, ou pensa que eu tenho um pouquinho de simpatia. Ainda temos semanas, antes que Jagang chegue. Temos todo tempo que precisamos. Essas semanas sob o teste vão parecer como anos para você, até que você se submeta, mas você vai ceder.
Verna ficou rígida. Tinha esquecido do teste da dor. Sentiu a pressão do terror subindo em sua garganta novamente. Tinha visto isso ser feito com homens jovens em um Rada'Han, é claro, mas isso nunca tinha sido feito por mais de uma hora, com anos entre os testes.
Leoma se aproximou e chutou o copo com água.
— Podemos começar, Irmã Verna?
Richard se encolheu quando viu o garoto cair desacordado. Alguns dos espectadores arrastaram ele para um lado, e outro garoto tomou seu lugar. Mesmo por trás da alta janela no Palácio das Confessoras, ele podia ouvir os gritos da multidão de crianças observando os garotos jogando o jogo que tinha visto crianças em Tanimura jogarem: Ja'La.
Em sua terra natal, Westland, nunca tinha ouvido falar de Ja'La, mas as crianças em Midlands jogavam aquilo do mesmo jeito que aquelas no Mundo Antigo faziam. O jogo impetuoso era veloz e parecia excitante, mas ele não achava que crianças deveriam ter que pagar o preço de ter seus dentes arrancados pela diversão de um jogo.
— Lorde Rahl? — Ulic chamou. — Lorde Rahl, você está aqui?
Richard afastou-se da janela e deixou o abrigo confortador quando jogou sua capa negra de Mriswith para trás, por cima dos ombros.
— Sim, Ulic. O que foi?
O grande guarda entrou na sala quando viu Richard parecer ter surgido do ar. Ele estava acostumado com essa visão. — Tem um General Kelteano aqui pedindo para falar com você. General Baldwin.
Richard encostou a ponta dos dedos na testa enquanto sua mente procurava. — Baldwin, Baldwin. — Ele levantou os olhos.
— General Baldwin. Sim, eu lembro. Ele é o comandante de todas as forças Kelteanas. Enviamos uma carta para ele sobre a rendição de Kelton. O que ele quer?
Ulic encolheu os ombros. — Ele só disse que queria falar com Lorde Rahl.
Richard virou para a janela, empurrando a grossa cortina dourada com uma das mãos enquanto se curvava preguiçosamente na armação de madeira pintada da janela. Ele observou um garoto se curvar, recuperando-se de um golpe com a Broc. O garoto endireitou o corpo e voltou para o jogo.
— Quantos homens acompanharam o General até Aydindril?
— Uma pequena guarda de quinhentos, talvez seiscentos.
— Ele ficou sabendo que Kelton havia se rendido. Se desejasse causar problemas, ele não marcharia para dentro de Aydindril com tão poucos homens. Acho que é melhor eu falar com ele. — Ele virou de volta para o atento Ulic. — Berdine está ocupada. Diga para Cara e Raina escoltarem o General.
Ulic bateu com um punho sobre o coração e começou a se afastar, mas virou novamente quando Richard chamou o nome dele.
— Os homens encontraram mais alguma coisa na base da montanha abaixo da Fortaleza?
— Não, Lorde Rahl, nada além de todos aquelas partes de Mriswith. A neve na base daquele penhasco está tão funda que será primavera, quando ela derreter, antes que possamos descobrir o que mais caiu da Fortaleza. O vento pode ter carregado qualquer coisa que caiu para qualquer lugar, e os soldados não tem ideia alguma de onde cavar naquela vasta extensão de terreno. Os braços dos Mriswith e garras que eles encontraram eram leves o bastante e assim não afundaram na neve. Qualquer coisa mais pesada poderia ter descido dez, talvez vinte pés naquela coisa macia.
Richard assentiu desapontado. — Uma outra coisa. O Palácio deve ter costureiras. Encontre a costureira chefe e peça a ela que, por favor, venha falar comigo.
Richard enrolou sua capa de Mriswith ao redor de si, sem realmente pensar no que estava fazendo, e voltou a observar o jogo de Ja'La. Estava impaciente que Kahlan e Zedd chegassem. Agora não deveria demorar muito. Eles devem estar perto. Certamente Gratch tinha encontrado eles e logo todos estariam juntos.
Ele ouviu a voz de Cara atrás dele, na porta. — Lorde Rahl?
Richard virou, deixando a capa abrir quando relaxou. Altivo, entre as duas Mord-Sith, estava um homem mais velho forte com um bigode escuro com fios bancos, as pontas dele cresciam até a base de sua mandíbula, e cabelos negros que estavam ficando cinzentos cresciam descendo por cima de suas orelhas. Seu crânio brilhava no lugar onde o cabelo estava ficando mais escasso.
Ele usava uma capa grossa de sarja semi-circular, com linhas de seda verde e presa em um ombro com dois botões. Um alto colarinho bordado estava dobrado para baixo sobre um sobretudo cor de canela decorado com um emblema heráldico cortado por uma linha negra diagonal dividindo um escudo amarelo e azul. As botas altas do homem cobriam seus joelhos. Compridas luvas negras, seus punhos reluzentes cobrindo a parte da frente, estavam enfiadas em um cinto largo com uma fivela ornamentada.
Quando Richard tornou-se visível diante de seus olhos, o rosto do General ficou pálido e ele parou de andar repentinamente.
Richard fez uma reverência. — General Baldwin, estou feliz em conhecê-lo. Eu sou Richard Rahl.
O General finalmente recuperou sua compostura e devolveu a saudação. — Lorde Rahl, estou honrado que você me receba em um prazo tão curto.
Richard fez um gesto. — Cara, por favor, traga uma cadeira para o General. Ele deve estar cansado de sua viagem.
Depois que Cara colocou uma simples cadeira estofada de couro diante de uma mesa, e o General sentou, Richard sentou em sua própria cadeira atrás da mesa. — O que posso fazer por você. General Baldwin?
O General olhou para cima, para Raina, parada atrás do ombro esquerdo dele, e Cara atrás do direito. As duas mulheres permaneciam relaxadas e em silêncio com suas mãos cruzadas atrás das costas, enviando a inequívoca mensagem de que não tinham intenção de ir a lugar algum.
— Você pode falar livremente, General. Confio nessas duas para tomar conta de mim quando eu durmo.
Ele deu um suspiro e pareceu relaxar um pouco, aceitando a garantia. — Lorde Rahl, eu vi por causa da Rainha.
Richard havia pensado que poderia ser isso. Cruzou as mãos sobre a mesa. — Sinto muito pelo que aconteceu, General.
O General descansou um braço sobre a mesa quando se inclinou. — Sim, ouvi falar sobre o Mriswith. Vi algumas das bestas odiosas nos postes do lado de fora.
Richard teve que se conter quando quase falou que eles poderiam ser bestas, mas não eram odiosas. Afinal de contas, um Mriswith matou Cathryn Lumholtz quando ela estava quase para assassinar ele, mas o General não perecia estar disposto a entender, então Richard guardou aquilo para si mesmo, e ao invés disso falou. — Lamento profundamente que sua Rainha tenha sido morta enquanto estava sob o meu teto.
O General balançou a mão despreocupadamente. — Não queria fazer nenhuma acusação, Lorde Rahl. O que eu queria falar era sobre Kelton estar sem um Rei ou Rainha, agora que Cathryn Lumholtz está morta. Ela era a última sucessora ao trono, e com a sua morte súbita, isso representa um problema.
Richard manteve sua voz amigável, mas séria. — Que tipo de problema? Agora vocês são parte de nós.
O homem fez uma careta mostrando uma expressão ofendida. — Sim, nos recebemos os documentos de rendição. Mas a Rainha que nos liderava agora está morta. Enquanto estava no poder, ela agia dentro de sua autoridade, mas nos encontramos sem saber como proceder.
Richard franziu a testa. — Você quer dizer que precisam de uma nova Rainha, ou Rei?
Ele encolheu os ombros. — É nosso costume ter um monarca liderando nosso povo. Mesmo que isso seja apenas simbólico, agora que nos rendemos para fazer a união com D'Hara, isso dá ao povo Kelteano estima de ter um Rei ou Rainha.
— Sem um Rei ou Rainha, as pessoas sentem que não são mais do que nômades, sem raízes, sem qualquer coisa em comum para unir elas.
— Uma vez que não há nenhum Lumholtz na linha de sucessão, uma das outras Casas poderia se adiantar. Nenhuma tem o direito de reivindicar o trono, mas uma poderia eventualmente conquistar o direito. Porém, um trono disputado poderia causar uma guerra civil.
— Entendo. — Richard disse. — Você percebe, é claro, que seja lá quem escolherem para seu Rei ou Rainha não faz diferença alguma enquanto sua rendição estiver concedida. A rendição é irrevogável.
— Não é tão simples. É por isso que vim buscar sua ajuda.
— Como eu posso ajudar?
O General massageou o queixo. — Veja bem, Lorde Rahl, a Rainha Cathryn entregou Kelton a você, mas agora ela está morta. Até que tenhamos um novo monarca, estamos sujeitos a você. Você é o equivalente de nosso Rei até que um verdadeiro monarca seja nomeado. Entretanto, se uma dessas Casas ascender ao trono, poderia ser que ela enxergasse isso de forma diferente.
Richard evitou que seu tom soasse tão ameaçador quando ele sentia vontade. — Não me importo como eles enxergam isso. Esse rio foi atravessado.
O General agitou sua mão como se pedisse paciência. — Acredito que o futuro está com você, Lorde Rahl. O problema é que se finalmente a Casa errada assumir o trono, eles podem ter ideias diferentes. Falando francamente, eu jamais imaginaria que a Casa de Lumholtz teria escolhido ficar com você D'Hara. Você deve ter sido bastante persuasivo para fazer a Rainha enxergar a razão.
— Alguns desses Duques e Duquesas são talentosos nos jogos de poder, mas não no que é do melhor interesse de todos. Esses Ducados são quase soberanos, e seus subalternos fazem reverência apenas para um monarca. Existe aqueles que falariam de modo persuasivo para Kelton apoiar a palavra da Coroa, e não D'Hara, caso uma das Casas erradas ficasse com o trono, e poderia invalidar a rendição. A guerra civil seria o resultado.
— Eu sou um soldado, e vejo os eventos com olhos de soldado. O que um soldado gosta menos que tudo é lutar em uma guerra civil. Eu tenho homens de todos os Ducados. A guerra civil acabaria com a unidade do exército, nos destruindo, e nos deixaria vulneráveis aos verdadeiros inimigos.
Richard preencheu o silêncio. — Estou escutando, continue.
— Como eu falei, como um homem que entende o valor da união, da autoridade unificada, acredito que o futuro está com você. Agora mesmo, até que um novo governante esteja no trono você é a lei.
O General Baldwin inclinou para um lado contra a mesa e baixou sua voz de maneira bastante sugestiva. — Uma vez que você é a lei no momento, se você nomeasse um Rei ou Rainha, então isso resolveria o assunto. Entende o que quero dizer? As Casas seriam obrigadas a honrar o novo governante, e ficar com você, se o novo governante disser que deve ser como já tinha sido feito.
Richard girou os olhos. — Você faz isso parecer um jogo, General. Mover esta peça no tabuleiro para bloquear uma peça oponente antes que o oponente faça sua jogada para pegar seu marcador.
Ele acariciou o bigode. — É a sua jogada, Lorde Rahl.
Richard recostou na cadeira. — Entendo. — Pensou durante um momento, sem saber como conseguiria sair disso. Talvez pudesse pedir o conselho do General sobre qual das Casas seria leal. Porém, não achava que isso fosse sábio, confiar em um homem que acabou de entrar e anunciar sua intenção de ajudar. Isso poderia ser um truque.
Ele olhou para Cara, que estava de um lado, atrás do General. Os ombros dela estavam baixos e seu rosto estava com uma silenciosa expressão perturbadora. Quando ele moveu seu olhar para Raina, ela sinalizou que também não tinha qualquer sugestão.
Richard levantou e foi até a janela, observando as pessoas na cidade. Ele desejou que Kahlan estivesse aqui. Ela sabia tudo sobre esse tipo de coisa: os costumes da realeza e governantes. Esse negócio de tomar Midlands estava constantemente provando ser mais complicado do que ele havia esperado.
Ele poderia simplesmente ordenar que essa besteira terminasse, e enviar tropas D'Haran para impor suas ordens, mas isso desperdiçaria homens valiosos tomando conta daquilo que já deveria estar resolvido. Poderia deixar a questão para mais tarde, mas precisava que Kelton continuasse leal. A rendição de outras terras dependia de Kelton. Já tinha Kelton, mas se cometesse um erro, todos os seus planos poderiam acabar em cinzas.
Richard queria que Kahlan corresse e chegasse logo até Aydindril. Ela poderia dizer a ele o que precisava fazer.
Talvez pudesse protelar até que ela e Zedd chegassem, e com o conselho dela, fazer a coisa certa. Ela deveria chegar aqui em breve. Mas seria cedo o bastante?
Kahlan, o que eu deveria fazer?
Kahlan.
Richard virou de volta para o General que aguardava. — Uma vez que Kelton precisa de um monarca para representar um símbolo de esperança e liderança para todo o povo Kelteano, eu vou nomear um para vocês.
O General esperou com ansiedade.
— Por minha autoridade como Mestre de D'Hara, para a qual Kelton deve sua lealdade, eu nomeio sua Rainha.
— Desse dia em diante, Kahlan Amnell é a Rainha de Kelton.
Os olhos do General Baldwin ficaram arregalados quando ele levantou da cadeira. — Você nomeia Kahlan Amnell como nossa Rainha?
Richard endureceu seu olhar enquanto sua mão pousava no cabo da espada. — Eu nomeio. Toda Kelton fará reverência a ela. Como a sua rendição, essa ordem é irrevogável.
O General Baldwin caiu de joelhos, sua cabeça abaixada. — Lorde Rahl, eu mal posso acreditar que faria isso para meu povo. Nós ficamos gratos.
Richard, com sua mão prestes a sacar a espada, parou ao escutar as palavras do General. Ele não estava esperando esse tipo de reação.
Finalmente o General levantou diante da mesa. — Lorde Rahl eu, eu devo partir imediatamente para levar essa notícia gloriosa para minhas tropas. Eles ficarão tão honrados quanto eu em serem súditos de Kahlan Amnell.
Richard, sem saber como reagir, permaneceu imóvel. — Fico feliz que vocês aceite minha escolha, General Baldwin.
O General abriu os braços. — Aceitar? Isso está além de minhas esperanças, Lorde Rahl. Kahlan Amnell é a Rainha de Galea. Tem sido motivo de discussão em nossa terra que a própria Madre Confessora serviria como Rainha de nossa rival, Galea, mas agora ter ela como nossa Rainha também, bem, isso provará que o Lorde Rahl nos considera com a mesma alta estima que tem por Galea. Quando você estiver casado com ela, estará comprometido com nosso povo também, do mesmo jeito que estará com os Galeanos.
Richard estava rígido e sem fala. Como o homem sabia que Kahlan era a Madre Confessora? Queridos espíritos, o que aconteceu?
General Baldwin se esticou e puxou a mão de Richard da espada, apertando-a calorosamente.
— Lorde Rahl, essa é a maior honra que nosso povo já recebeu: ter a Madre Confessora em pessoa como nossa Rainha. Obrigado, Lorde Rahl, obrigado.
O General Baldwin estava sorrindo alegremente, mas Richard estava quase em pânico. — É minha esperança, General, que isso sele nossa unidade.
Balançando uma das mãos, o General riu com exultação. — Para sempre, Lorde Rahl. Agora, se você me desculpar, devo retornar imediatamente para que nosso povo saiba a respeito desse grande dia.
— É claro. — Richard conseguiu pronunciar.
O General Baldwin apertou as mãos de Cara e Raina antes de sair da sala apressado. Richard ficou parado, estupefato.
Cara franziu a testa. — Lorde Rahl, tem alguma coisa errada? Seu rosto está tão pálido quanto cinzas.
Richard finalmente desviou seu olhar da porta pela qual o General tinha passado, e olhou para ela. — Ele sabia que Kahlan é a Madre Confessora.
A expressão de Cara parecia de surpresa. — Todos sabem que sua futura esposa, Kahlan Amnell, é a Madre Confessora.
— O quê? — ele sussurrou. — Você também sabe?
Ela e Raina assentiram. Raina falando. — Naturalmente. Lorde Rahl, você realmente não parece bem. Você está doente? Talvez fosse melhor.
Richard olhou do rosto questionador de Raina, de volta para Cara. — Ela estava com um feitiço que a protegia. Ninguém sabia que ela era a Madre Confessora. Ninguém. Um grande mago usou magia para esconder a identidade dela. Antes vocês não sabiam.
Cara franziu a testa, agora realmente confusa. — Não sabíamos? Isso é muito estranho, Lorde Rahl. Para mim parece que eu sempre soube que ela era a Madre Confessora. — Raina assentiu mostrando que concordava.
— Impossível. — Richard disse. Ele virou para a porta. — Ulic! Egan!
Eles atravessaram a porta correndo quase instantaneamente, eretos e prontos para o combate. — O que foi, Lorde Rahl?
— Com quem eu vou casar?
Os dois ficaram surpresos. — Com a Rainha de Galea, Lorde Rahl. — Ulic disse.
— Quem ela é?
Os dois homens trocaram olhares confusos. — Bem. — Egan falou — ela é a Rainha de Galea.
— Kahlan Amnell, a Madre Confessora.
— A Madre Confessora deveria estar morta! Nenhum de vocês lembra do discurso que eu fiz para todos os representantes, lá embaixo nas câmaras do Conselho? Não lembram quando eu falei sobre como eles deveriam honrar a memória da Madre Confessora morta se unindo a D'Hara?
Ulic coçou a cabeça. Egan olhou fixamente para o chão enquanto mordia a ponta de um dedo em concentração. Raina olhou para os outros, esperando que tivessem uma resposta. O rosto de Cara finalmente se iluminou.
— Acho que eu lembro, Lorde Rahl. — ela disse. — Mas acho que você estava falando das Madres Confessoras em geral, não de sua futura esposa.
Richard olhou de um rosto para outro enquanto cada um assentia. Alguma coisa estava errada.
— Veja, eu sei que você não entendem, mas isso envolve magia.
— Então você tem razão, Lorde Rahl. — Raina disse, ficando mais séria. — Se tem um feitiço de magia envolvido, então o feitiço nos enganaria. Você tem magia, então você seria capaz de enxergar a dificuldade. Nós devemos confiar naquilo que você nos diz sobre magia.
Richard esfregou as mãos uma na outra enquanto olhava para o vazio, seus olhos incapazes de encontrar um lugar para fixar. Alguma coisa estava errada. Alguma coisa estava terrivelmente errada. Mas o quê? Talvez Zedd tivesse removido o feitiço. Talvez ele tivesse uma razão para fazer isso. Poderia ser que não houvesse nada errado. Zedd estava com ela. Zedd a protegeria. Richard deu um giro.
— A carta. Eu enviei uma carta para eles. Talvez Zedd tenha removido o feitiço porque sabe que eu tomei Aydindril da Ordem Imperial, assim ele não considerou que houvesse necessidade de mantê-la enfeitiçada.
— Isso parece razoável. — Cara declarou.
Richard sentiu uma onda de preocupação subir em sua garganta. E se Kahlan estava furiosa por ele ter acabado com a aliança de Midlands e ter exigido a rendição das terras para D'Hara, e então ela insistiu que Zedd removesse o feitiço para deixar que as pessoas soubessem que Midlands ainda tinha uma Madre Confessora? Se fosse assim, isso significaria que ela não estava com problemas, mas que estava com raiva dele. Raiva ele poderia aceitar. Problema, não poderia. Se ela estivesse com problemas, ele precisava ajudá-la.
— Ulic, por favor vá encontrar o General Reibisch e traga ele até mim imediatamente. — Ulic bateu com o punho no peito e saiu rapidamente da sala. — Egan, você vai visitar alguns dos oficiais e homens. Procure não agir como se isso fosse alguma coisa fora do normal. Apenas inicie uma conversa com eles sobre mim, talvez meu casamento ou alguma coisa assim. Veja se outros também sabem que Kahlan é a Madre Confessora.
Richard andou de um lado para outro e pensou enquanto esperava que o General Reibisch chegasse. O que ele deveria fazer? Kahlan e Zedd deveriam estar aqui a qualquer momento, mas e se alguma coisa desse errado? Mesmo se Kahlan estivesse com raiva por causa daquilo que ele tinha feito, isso não a impediria de vir até Aydindril, só iria fazer ela querer conversar com ele a respeito, ou fazer um discurso sobre a história de Midlands e o que ele estava destruindo.
Talvez ela desejasse dizer que o casamento estava cancelado, e que nunca mais queria ver ele novamente. Não. Ele não podia acreditar nisso. Kahlan o amava, e mesmo se estivesse com raiva, ele se recusava a acreditar que ela colocaria qualquer coisa, por sua própria vontade, na frente de seu amor por ele. Precisava acreditar no amor dela, assim como ela precisava acreditar no dele.
A porta abriu e Berdine entrou na sala lentamente com seus braços cheios de livros e papéis. Estava com uma pena entre os dentes. Ela sorriu o melhor que podia com a pena na boca, e colocou as coisas sobre a mesa.
— Precisamos conversar. — ela sussurrou. — Se você não estiver ocupado.
— Ulic foi procurar pelo General Reibisch. É urgente que eu fale com ele.
Berdine olhou para Cara, Raina, e para a porta. — Quer que eu saia, Lorde Rahl? Tem alguma coisa errada?
Richard já tinha aprendido o bastante para saber que ele estava certo sobre o diário que eles encontraram ser importante. Ele não poderia fazer nada até que Reibisch voltasse.
— Com quem eu vou casar?
Berdine abriu um livro na mesa quando sentou na cadeira dele e remexeu os papéis que havia trazido.
— Rainha Kahlan Amnell, a Madre Confessora. — Ela levantou os olhos, esperançosa. — Você tem algum tempo? Eu poderia usar sua ajuda.
Richard suspirou e deu a volta na mesa para ficar ao lado dela. — Até que o General Reibisch chegue aqui eu tenho tempo. Do que você precisa?
Com a costa da pena, ela bateu levemente no diário aberto. — Quase consegui traduzir esta parte aqui, e parece que ele foi enfático sobre isso quando escreveu, mas não entendo duas palavras que eu penso serem importantes. — Ela colocou a versão em Alto D'Haran de As Aventuras de Bonnie Day na frente deles. — Achei um lugar com as mesmas duas palavras nesse trecho. Se você conseguir lembrar o que diz, eu saberei.
Richard havia lido As Aventuras de Bonnie Day incontáveis vezes, foi seu livro favorito, e ele achava que conseguia recitar ele de cor. Tinha descoberto que não conseguia. Conhecia bem o livro, mas lembrar as palavras exatas proveu ser mais difícil do que ele tinha pensado que seria. Ele conseguia lembrar da história, mas não da história exata, palavra por palavra. A não ser que ele conseguisse dizer para ela as exatas palavras de uma sentença, a essência da história geralmente não ajudava muito.
Ele foi até a Fortaleza diversas vezes e procurou por uma versão do livro que conseguisse ler para que eles pudessem cruzar as referências com a versão em D'Haran, mas não conseguiu encontrar. Era frustrante que ele não conseguisse ajudar mais.
Berdine apontou para um lugar no As Aventuras de Bonnie Day. — Preciso dessas duas palavras. Consegue dizer o que essa sentença diz?
As esperanças de Richard aumentaram. Era o início de um capítulo. Ele tinha mais sucesso com o início de capítulos porque os pontos de partida eram memoráveis.
— Sim! Esse é o capítulo onde eles partem. Eu lembro. Ele começa assim, Pela terceira vez naquela semana, Bonnie violou a regra do pai dela sobre não entrar na floresta sozinha.
Berdine se inclinou, olhando para a linha. — Sim, essa é violou. Eu já tenho essa. Essa palavra aqui é regra, e essa terceira?
Richard assentiu quando ela olhou para cima. Sorrindo com a excitação da descoberta, ela mergulhou sua pena no vidro de tinta e começou a escrever em uma das folhas de papel que trouxe, preenchendo alguns dos espaços em branco.
Quando terminou, ela empurrou orgulhosamente o papel na frente dele.
— Isso é o que diz nessa parte do diário.
Richard pegou o papel e segurou na luz que vinha da janela, por cima de seu ombro.
As discussões explodem entre nós. A Terceira Regra do Mago: A paixão governa a razão, eu temo que essa mais traiçoeira das regras possa ser nossa ruína. Embora a conheçamos muito bem, eu temo que alguns de nós a estejam violando de qualquer jeito. Cada facção declara que seu curso de ação é a razão, mas em desespero, eu temo que todos sejam paixão. Até mesmo Alric Rahl envia notícia frenética de uma solução. Enquanto isso, os Andarilhos dos Sonhos usam a gadanha em nossos homens. Eu rezo que as torres possam ser concluídas, ou todos nós estamos perdidos. Hoje eu digo adeus para amigos que partem para as torres. Eu choro por saber que nunca mais verei aqueles bons homens outra vez nesse mundo. Quantos morrerão nas torres pela causa da razão? Mas, ai de mim, eu sei que seria muito pior caso violássemos a Terceira Regra.
Quando Richard acabou a tradução, ele se afastou, na direção da janela. Ele esteve naquelas torres. Sabia que os magos deram suas forças de vida dentro delas para ativar os feitiços das torres, mas antes eles nunca pareceram pessoas reais para ele. Era assustador ler a angústia nas palavras dos homens cujos ossos jaziam naquela sala dentro da Fortaleza por milhares de anos. Através das palavras no diário, os ossos dele pareciam estar começando a ganhar vida.
Richard pensou a respeito da Terceira Regra, tentando analisar ela por si mesmo. Antes, para a Primeira e a Segunda, ele teve Zedd, e então Nathan para explicá-las, para fazer ele ver como as regras funcionavam na vida. Ele teria que entender o sentido dessa sozinho.
Lembrou de andar pelas estradas que conduziam para fora de Aydindril, para conversar com algumas das pessoas que saiam da cidade.
Ele queria saber por que eles estavam indo embora, e ficou sabendo através de pessoas temerosas que eles sabiam a verdade: que ele era um monstro que os mataria por simples prazer.
Quando pressionados, eles citavam boatos como se fossem fatos vistos com seus próprios olhos, boatos sobre como o Lorde Rahl tinha crianças e escravos no Palácio, como ele levava incontáveis mulheres jovens para sua cama, deixando elas traumatizadas por causa da experiência vagando nuas pelas ruas. Eles afirmavam conhecer mulheres jovens e garotas que ele havia deixado grávidas, e além disso conheciam pessoas que tinham visto os abortos de algumas dessas pobres vítimas de seu estupro, e eles eram horríveis, aberrações sem forma, o refugo da semente maligna dele. Eles cuspiam nele pelos crimes que ele cometia contra pessoas indefesas.
Perguntou a eles como poderiam ser tão francos com ele se ele era um monstro assim. Eles disseram saber que ele não faria mal a eles em local aberto. Tinham ouvido falar sobre como ele fingia ser misericordioso em público para enganar as pessoas, assim, sabiam que não faria nada na frente das multidões, e logo teriam suas mulheres longe das suas garras malignas.
Quanto mais Richard tentou acabar com as crenças distorcidas, mais as pessoas se agarravam a elas.
Eles diziam ter escutado essas coisas de pessoas demais para que isso fosse outra coisa a não ser a verdade. Tal conhecimento comum não poderia ser falso, eles disseram, pois seria impossível enganar tantas pessoas. Elas eram apaixonadas em sua crença e em seu medo, e não escutariam quaisquer argumentos de lógica. Simplesmente queriam ser deixados em paz para correr em busca da proteção que eles ouviram dizer que era oferecida pela Ordem Imperial.
A paixão deles os levaria para a ruína. Ele ficou imaginando se poderia ser assim que a violação da Terceira Regra feria as pessoas. Não sabia se esse era um exemplo sólido o bastante. Parecia algo que se confundia com a Primeira Regra:
As pessoas acreditariam em qualquer mentira, seja porque querem que seja verdade, ou por terem medo de que fosse verdade. Estava parecendo que poderiam ser várias regras misturadas, violadas uma após a outra, e ele não conseguir definir onde uma terminava e a outra começava.
E então Richard lembrou do dia em seu lar, em Westland, quando a Sra. Rencliff, que não conseguia nadar, tinha puxado seus braços dos homens que tentavam segurá-la, recusando-se a esperar pelo bote, e saltou dentro de um rio agitado depois que seu garoto tinha caído nele. Os homens chegaram rapidamente poucos minutos depois com o bote e salvaram a vida do garoto. Chad Rencliff cresceu sem a mãe; nunca encontraram o corpo dela.
Richard sentiu um calafrio na pele como se gelo a tivesse tocado. Ele entendeu. A Terceira Regra do Mago: A paixão governa a razão.
Foi uma hora perturbadora detalhando o modo como a paixão das pessoas ao invés da razão lhes causava danos, e pior, imaginando como a magia poderia adicionar a ruína na equação, como ele sabia que aconteceria, antes que Ulic finalmente retornasse com o General.
General Reibisch bateu com um punho sobre o coração quando entrou na sala. — Lorde Rahl, Ulic disse que você estava com pressa para falar comigo.
Richard agarrou o uniforme escuro do homem barbado. — Quanto tempo levará para que você prepare os homens para partir em uma busca?
— Lorde Rahl, eles são D'Harans. Soldados D'Haran estão sempre prontos para partir no momento da ordem.
— Bom. Você conhece a minha futura esposa, a Rainha Kahlan Amnell?
O General Reibisch assentiu. — Sim. A Madre Confessora.
Richard se encolheu. — Sim, a Madre Confessora. Ela está a caminho daqui vindo pelo sudoeste. Ela está atrasada, e pode haver problema. Ela estava com um feitiço para proteger sua identidade como a Madre Confessora, para que os inimigos dela não pudessem caçá-la. De algum modo, o feitiço foi removido. Pode não ser nada, mas poderia significar problema. Com certeza, seus inimigos agora saberão dela.
O homem coçou a barba de cor de ferrugem. Seus olhos verde acinzentados finalmente levantaram. — Entendo. O que gostaria que eu fizesse?
— Nós temos perto de duzentos mil homens em Aydindril, com outros cem mil espalhados por todo o perímetro da cidade. Não sei exatamente onde ela está, a não ser que deve estar a sudeste e a caminho daqui. Temos que protegê-la.
— Quero que você junte uma força, metade das tropas na cidade, pelo menos cem mil, para ir atrás dela.
O General passou a mão na cicatriz enquanto soltava um suspiro. — É uma grande quantidade de homens, Lorde Rahl. Acha que devemos levar tantos da cidade?
Richard andou de um lado para outro entre a mesa e o General. — Não sei exatamente onde ela está. Se levarmos poucos poderíamos perdê-la por cinquenta milhas e ficar perambulando sem jamais fazer contato. Com essa quantidade podermos nos espalhar enquanto seguimos, lançar uma rede maior, cobrindo todas as estradas e trilhas para não perdê-la.
— Então você irá conosco?
Richard queria desesperadamente ir encontrar Kahlan e Zedd. Olhou para Berdine sentada atrás da mesa enquanto ela trabalhava, e pensou nas palavras de advertência de um mago de três mil anos de idade. Terceira Regra do Mago: A paixão governa a razão.
Berdine precisava da ajuda dele para traduzir o diário. Ele já estava aprendendo coisas importantes sobre sobe a última guerra, e as torres, e os Andarilhos dos Sonhos. Um Andarilho dos Sonhos caminhava novamente no mundo.
Se fosse, e Kahlan escapasse dele onde procurasse, poderia levar mais tempo para que ele se juntasse a ela do que se simplesmente esperasse em Aydindril. E então havia a Fortaleza. Alguma coisa aconteceu na Fortaleza, e era sua obrigação proteger a magia que estava lá.
A paixão de Richard dizia para ir. Ele queria desesperadamente ir procurar Kahlan, mas no fundo de sua mente, ele viu a Sra. Rencliff mergulhando na água escura revolta, recusando-se a esperar pelo bote. Esses homens eram o bote dele.
As tropas poderiam encontrar Kahlan e protegê-la. Ele não poderia fazer nada para aumentar essa proteção. A razão dizia para ele esperar aqui, não importa quanta ansiedade isso causasse. Gostando ou não, agora ele era um líder. Um líder precisava agir com a razão, ou todos pagariam o preço de sua paixão.
— Não, General. Ficarei em Aydindril. Reúna as tropas. Leve os melhores rastreadores. — Ele olhou nos olhos do homem. — Sei que não preciso dizer o quanto isso é importante para mim.
— Não, Lorde Rahl. — o General falou com um tom de compaixão. — Não se preocupe, nós a encontraremos. Irei com os homens para ter certeza de que tudo seja feito com o mesmo cuidado com que você faria se estivesse lá. — Ele colocou seu punho no coração. — Cada uma de nossas vidas antes que algo de ruim toque sua Rainha.
Richard colocou uma das mãos no ombro do homem. — Obrigado, General Reibisch. Eu sei que não conseguiria fazer mais do que você fará. Que os bons espíritos estejam com você.
Por favor, Mago Zorander. — O mago não afastou os olhos de sua colher enfiando feijões e bacon dentro da boca. Ela não sabia como o homem conseguia comer tanto quanto comeu.
— Você está escutando?
Ela não estava gritando, mas estava perto do fim de sua paciência. Isso estava provando ser um problema maior do que ela previu. Sabia que tinha que fazer isso, cultivar a hostilidade dele, mas isso era demais.
Com um suspiro satisfeito, o Mago Zorander colocou sua tigela de metal junto com as coisas deles. — Boa noite, Nathan.
Nathan levantou uma sobrancelha quando o Mago Zorander rastejou para sua cama. — Boa noite, Zedd.
Nathan também estava se tornando perigosamente difícil de lidar desde que ela havia capturado o velho mago. Ele nunca teve um colega com tanto talento. Ann levantou rapidamente e ficou com os punhos nos quadris enquanto olhava fixamente para o cabelo branco que estava para fora do cobertor.
— Mago Zorander, estou implorando.
Implorar a ajuda dele de um jeito tão humilde deixava ela furiosa, mas tinha aprendido do modo difícil quais poderiam ser os resultados quando ela usava o poder da coleira dele para fazer ele cooperar através de meios desagradáveis. Como o homem conseguiu fazer aqueles truques através do bloqueio que ela havia colocado em sua coleira deixou ela assombrada, mas ele conseguiu, para grande alegria de Nathan. Ela não estava alegre.
Ann estava quase chorando. — Por favor, Mago Zorander.
A cabeça dele levantou, a luz do fogo lançava destacava as linhas de seu rosto magro com sombras rudes. Os olhos cor de avelã dele estavam fixos nela.
— Se você abrir aquele livro de novo, você vai morrer.
Com furtividade semelhante a de um fantasma, ele lançou feitiços contornando os escudos dela quando ela menos esperava. Ela não conseguia entender como ele tinha colocado um feitiço de luz no Livro de Jornada. Ela o abriu naquela noite e tinha visto uma mensagem de Verna que ela havia sido capturada e colocada em uma coleira, e então tudo deu terrivelmente errado.
Abrir o livro havia disparado o feitiço de luz. Ela viu ele espalhar e incendiar. Um cilindro brilhante e ardente disparou no ar, e o velho mago havia dito tranquilamente que se ela não fechasse o livro no momento em que a centelha de luz tocasse o chão, ela seria incinerada.
Com um olho na centelha sibilante enquanto ela descia, ela só conseguiu rabiscar uma mensagem apressada para Verna de que ela deveria escapar e levar as Irmãs para longe. Havia fechado o livro bem na hora. Ela sabia que ele não estava blefando sobre a natureza mortal do feitiço em volta do livro.
Agora ela podia ver o feitiço suavemente brilhante em volta dele. Nunca tinha visto nada assim, e não conseguia imaginar como ele conseguiu colocar o feitiço quando ela pensou que o poder dele estava bloqueado. Nathan também não entendeu, mas pareceu bastante interessado. Ela não sabia nenhum jeito de abrir o livro sem ser morta.
Ann agachou ao lado da cama. — Mago Zorander, sei que você tem boas razões para se opor a mim, mas isso é uma questão de vida e morte. Tenho que enviar uma mensagem. As vidas das Irmãs estão em jogo. Mago Zorander, por favor. Irmãs poderiam morrer. Sei que você é um bom homem, e não iria querer isso.
Ele enfiou um dedo por baixo do cobertor e apontou para ela. — Você me escravizou. Você causou isso consigo mesmo e com suas Irmãs. Eu avisei, você quebrou a trégua, e sentenciou suas Irmãs à morte. Está pondo em risco a vida de pessoas que eu amo. Eles poderiam morrer por que você não permite que eu os ajude. Você me impediu de proteger as coisas de magia da Fortaleza. está arriscando as vidas do meu povo em Midlands. Todos eles poderiam morrer por causa do que você fez comigo.
— Não consegue entender que todas nossas vidas estão ligadas? Essa é uma guerra contra a Ordem Imperial, não entre nós. Não tenho desejo algum de fazer mal a você, apenas quero que você me ajude.
Ele grunhiu. — Não esqueça do que eu falei: é melhor que pelo menos um de vocês fique acordado. Se eu pegar você dormindo, e Nathan não estiver acordado para protegê-la, você jamais acordará. Um aviso justo, ainda que você não mereça.
Ele virou para um lado e puxou o cobertor.
Querido Criador, isso estava acontecendo do jeito que a profecia pretendia, ou tudo havia acontecido terrivelmente errado?
Ann deu a volta na fogueira até Nathan.
— Nathan, você acha que poderia colocar algum bom senso nele?
Nathan olhou para ela. — Eu disse que essa parte do plano é a verdadeira loucura. Botar uma coleira em um homem jovem é uma coisa, colocar uma coleira em um mago de Primeira Ordem é algo bem diferente. Esse é o seu plano, não meu.
Ela cerrou os dentes quando agarrou a camisa dele. — Verna poderia ser morta naquela coleira. Se ela for morta, nossas Irmãs poderiam morrer também.
Ele comeu uma colher de feijão. — Estive avisando você contra esse plano desde o começo. Você quase foi morta na Fortaleza, mas essa parte da profecia é mais perigosa ainda. Conversei com ele; ele está falando a verdade. Tanto quando ele sabe, você está colocando os amigos dele em perigo mortal. Se ele puder, matará você para escapar e ir ajudá-los. Não há dúvida em minha mente.
— Nathan, depois de todos os anos que estivemos juntos, como você pode ser tão insensível sobre isso?
— Você quer dizer, depois de todos esses anos de cativeiro, como eu ainda posso me rebelar contra isso?
Ann virou o rosto quando uma lágrima rolou por sua bochecha. Ela engoliu o bolo em sua garganta.
— Nathan. — ela sussurrou. — em todo o tempo que você me conhece, você já me viu fazer alguma coisa cruel com outra pessoa a não ser que fosse obrigada, para proteger vidas? Você já me viu lutar com outro propósito que não fosse preservar a vida e liberdade?
— Eu presumo que você quer dizer uma liberdade diferente da minha.
Ela limpou a garganta. — E sei que responderei ao Criador por isso, mas eu faço isso porque preciso, e porque eu me preocupo com você, Nathan. Sei o que aconteceria com você no mundo lá fora. Seria caçado e morto por pessoas que não entendem você.
Nathan colocou sua tigela em cima das outras. — Você quer o primeiro turno ou o segundo?
Ela virou para ele. — Se você quer tanto sua liberdade, o que o impede de dormir em sua vigília, para que eu seja morta?
Os penetrantes olhos azuis dele assumiram uma expressão amarga. — Quero tirar essa coleira. A única coisa que eu não faria é matar você para realizar a tarefa. Se eu estivesse disposto a pagar esse preço, você já teria morrido mil vezes, e sabe disso.
— Sinto muito, Nathan. Eu sei que você é um homem bom, e estou totalmente consciente da participação vital que você teve até agora me ajudando a preservar a vida. Forçar você a me ajudar causar dor em meu coração.
— Me forçar? — Ele riu. — Ann, você é mais engraçada do que qualquer mulher que eu já conheci. A maior parte dessa coisa toda eu não teria perdido por nada. Que outra mulher compraria para mim uma espada? Ou forneceria a necessidade de usá-la?
— Aquela profecia ridícula diz que você precisa deixar ele com raiva, e você está fazendo um trabalho esplêndido. Eu temo que isso possa até funcionar. Vou pegar o primeiro turno. Não esqueça de verificar sua cama. Não há como dizer o que ele poderia ter colocado nela nessa hora. Eu ainda não entendi as pulgas na neve.
— Eu também não. Ainda estou sentindo coceira. — Ela coçou o pescoço distraidamente. — Estamos quase em casa. Na velocidade que estamos seguindo, não vai demorar muito.
— Casa. — ele zombou. — E então você nos mata.
— Querido Criador, — ela sussurrou para si mesma. — que escolha eu tenho?
Richard recostou em sua cadeira e bocejou. Estava tão cansado que mal conseguia manter os olhos abertos. Quando ele se espreguiçou e bocejou, isso fez com que Berdine, sentada perto dele, fizesse o mesmo. Do outro lado da sala, na porta, Raina foi contaminada pelos bocejos deles.
Uma batida surgiu e Richard levantou rapidamente. — Entre!
Egan enfiou a cabeça para dentro. — Um mensageiro está aqui.
Richard fez em sinal, e a cabeça de Egan desapareceu. Um soldado D'Haran com uma capa grossa e com cheiro de cavalo entrou rapidamente e fez uma saudação com um punho sobre o coração.
— Sente-se. Parece que você fez uma cavalgada difícil. — Richard disse.
O soldado arrumou seu machado de batalha na cintura e olhou para a cadeira. — Eu estou bem, Lorde Rahl. Mas eu temo não ter nada para reportar.
Richard afundou em sua cadeira. — Entendo. Nenhum sinal? Nada?
— Não, Lorde Rahl. O General Reibisch disse para informar que estão há bastante tempo, e estão varrendo cada polegada, e queria que eu garantisse que nossos homens não deixaram passar nada, mas até agora não encontraram nenhum sinal.
Richard fez um gesto mostrando desapontamento. — Está bem. Obrigado. É melhor você arrumar alguma coisa para comer.
O homem fez uma saudação e saiu. Todos os dias durante duas semanas, iniciando uma semana depois que a força partiu a procura de Kahlan, mensageiros estiveram retornando para entregar a Richard um relatório. Uma vez que a força havia começado a se dividir para cobrir diferentes rotas, cada grupo estava enviando seus próprio mensageiro. Esse foi o quinto do dia.
Escutar os relatórios do que tinha acontecido semanas atrás, quando os mensageiros deixaram suas tropas, era como observar a história acontecer. Tudo que estava ouvindo tinha acontecido no passado. Pelo que Richard sabia, eles poderiam ter encontrado Kahlan uma semanas atrás e estavam em seu caminho de volta enquanto ele ainda estava ouvindo relatórios de falha. Ele manteve aquela esperança constante em primeiro lugar em sua mente.
Ele preencheu o tempo e impediu que sua mente vagasse com pensamentos preocupados trabalhando na tradução do diário. Isso dava a ele a mesma sensação de receber os relatórios todo dia, como observar a história acontecer.
Rapidamente Richard estava começando a entender mais da linguagem do Alto D'Haran do que Berdine.
Porque ele conhecia a história As Aventuras de Bonnie Day, eles estiveram trabalhando nela a maior parte do tempo, fazendo longas listas de palavras enquanto descobriam seus significados, o que lhes dava algo para usar como referência quando trabalhavam no diário. Conforme aprendia palavras, Richard era capaz de ler mais do livro, reunindo as palavras exatas, permitindo que ele preenchesse mais das partes que faltavam em sua memória, e assim aprendia mais palavras ainda.
Agora geralmente era fácil para ele, simplesmente usar o que tinha aprendido para traduzir o diário do que mostras a Berdine e pedir a ela que fizesse isso. Ele estava começando a ver Alto D'Haran durante o sono, e falar enquanto estava acordado.
O mago que escreveu o diário nunca mencionou o seu nome; não era um registro oficial, mas um diário pessoal, então ele não tinha necessidade de chamar a si mesmo pelo nome. Berdine e Richard passaram a chamá-lo de Kolo, um apelido para koloblicin, uma palavra em Alto D'Haran que significava forte conselheiro.
Enquanto Richard era capaz de entender mais e mais do diário, uma imagem assustadora estava começando a emergir. Kolo tinha escrito seu diário durante a guerra antiga que tinha desencadeado a criação das Torres da Perdição no Vale dos Perdidos. Uma vez a Irmã Verna disse que as torres estiveram montando guarda naquele vale durante três mil anos, e foram colocadas para impedir uma grande guerra. Depois de aprender o quão desesperados aqueles magos estavam para ativar as torres, Richard estava começando a sentir mais e mais preocupado por ter destruído elas.
Kolo havia mencionado em um local que seus diários estiveram com ele desde que era um garoto, e ele preenchia cerca de um a cada ano, então este, número quarenta e sete, deveria ter sido escrito quando ele estava com cerca de cinquenta e poucos anos. Richard pretendia ir até a Fortaleza e procurar pelos outros diários de Kolo, mas esse aqui ainda tinha muitos segredos para revelar.
Aparentemente Kolo era um conselheiro de confiança para os outros na Fortaleza. A maioria dos outros magos tinham os dois lados do dom, Aditivo e Subtrativo, mas alguns tinham apenas Aditivo. Kolo sentia grande aflição por aqueles que nasceram com apenas esse lado do dom, e era bastante protetor com eles. Diziam que esses, magos desafortunados, eram vistos por muitos quase como impotentes, mas Kolo pensou que eles podiam contribuir de sua própria maneira e fez uma petição em favor deles para que tivessem status completo na Fortaleza.
No tempo de Kolo centenas de magos moravam na Fortaleza, e ela estava viva com famílias, amigos, e crianças. Os corredores agora vazios uma vez estiveram cheios de risadas, conversas, e assuntos despreocupados. Muitas vezes Kolo mencionou Fryda, provavelmente sua esposa, e seu filho e filha mais nova. Crianças tinham acesso restrito a certos níveis na Fortaleza, e participavam de aulas onde estudavam assuntos típicos como leitura, escrita, e matemática, mas também profecia e o uso do dom.
Mas sobre esta grande Fortaleza, fervilhando de vida, trabalho, e a alegria de famílias, pendia uma mortalha de medo. O mundo estava em guerra.
Entre as outras obrigações de Kolo estava sua tarefa de montar guarda sobre a Sliph. Richard lembrou do Mriswith na Fortaleza perguntando a ele se tinha vindo acordar a Sliph. Ele havia apontado para a sala onde eles encontraram o diário de Kolo e falou que ela finalmente estava acessível. Kolo também tinha se referido a Sliph como ela, às vezes mencionando que ela estava observando ele enquanto ele escrevia o diário.
Porque era um grande esforço decifrar o diário do Alto D'Haran, desistiram de ficar pulando as partes, uma vez que isso apenas tendia a confundir eles. Era mais fácil começar do início e traduzir cada palavra enquanto prosseguiam, dessa forma aprendendo as idiossincrasias de Kolo no modo como ele usava o idioma, fazendo com que fosse mais fácil reconhecer padrões em suas expressões. Eles estavam apenas a cerce de um quarto do caminho no diário, mas o processo estava acelerando consideravelmente enquanto Richard estava aprendendo Alto D'Haran.
Enquanto Richard se recostava e bocejava outra vez, Berdine se curvou na direção dele. — Que palavra é essa?
— Espada. — ele respondeu sem hesitação. Lembrou da palavra de As Aventuras de Bonnie Day.
— Hum. Veja aqui. Acho que Kolo está falando sobre a sua espada.
As pernas da frente da cadeira de Richard bateram no chão quando ele foi para frente. Ele pegou o livro e o pedaço de papel que ela estivera usando para escrever a tradução. Richard observou a tradução, e então voltou ao diário, fazendo esforço para ler nas palavras de Kolo.
A terceira tentativa de forjar uma Espada da Verdade falhou hoje. As esposas e crianças dos cinco magos que morreram perambulam pelos corredores, lamentando com inconsolável angústia. Quantos mais morrerão antes que tenhamos sucesso, ou até que abandonemos a tentativa por ser impossível? O objetivo pode valer a pena, mas o preço está se tornando terrível de carregar.
— Você está certa. Parece que ele está falando sobre quando estavam tentando fazer a Espada da Verdade.
Richard sentiu um calafrio ao saber que homens morreram durante a criação da sua espada. De fato, isso fez ele sentir-se um pouco doente. Sempre tinha pensado na espada como um objeto de magia, imaginando que talvez ela simplesmente fosse uma espada comum sobre a qual, um dia, algum mago poderoso havia lançado um feitiço. Aprender que pessoas morreram no esforço de criar ela fez ele sentir-se envergonhado de ter aquela ideia durante tanto tempo.
Richard continuou no trecho seguinte do diário. Depois de uma hora consultando as listas e Berdine, ele havia traduzido.
Noite passada, nossos inimigos enviaram assassinos através da Sliph. Se os homens de serviço não estivessem tão alertas, eles teriam obtido sucesso. Quando as torres forem ativadas, o Mundo Antigo estará realmente selado, e a Sliph dormirá. Então todos nós poderemos descansar mais tranquilos, a não ser os homens desafortunados de guarda. Nós concluímos que não temos jeito algum de saber quando os feitiços serão ativados, se algum dia eles forem, ou se alguém está na Sliph, então o guarda não pode ser chamado em tempo. Quando as torres ganharem vida, os homens de guarda estarão selados junto com ela.
— As torres. — Richard falou. — Quando eles completaram as torres, separando o Mundo Antigo do Mundo Novo, aquela sala também foi selada. Era por isso que Kolo estava lá embaixo. Ele não poderia sair.
— Então porque agora a sala está aberta? — Berdine perguntou.
— Porque eu destruí as torres. Lembra que eu falei para você que parecia que a sala de Kolo havia sido aberta com uma explosão dentro dos últimos meses? Como o mofo nas paredes foram queimados e não tiveram tempo de crescer novamente? Isso deve ter acontecido porque eu destruí as torres. Isso também abriu a sala de Kolo pela primeira vez em três mil anos.
— Porque eles selariam a sala com o poço?
Richard teve que fazer um esforço para piscar. — Acho que essa coisa de Sliph sobre a qual Kolo fica falando vive naquele poço.
— O que é essa Sliph? O Mriswith também mencionou.
— Não sei, mas de algum modo eles usaram a Sliph, seja lá o que for, para viajar a outros lugares. Kolo fala sobre o inimigo enviando assassinos através da Sliph. Eles estavam lutando com as pessoas no Mundo Antigo.
Berdine baixou a voz, preocupada, quando inclinou na direção dele. — Você queria dizer que acha que esses magos podiam viajar daqui por todo o caminho até esse Mundo antigo, e de volta?
Richard coçou a irritação atrás do pescoço. — Eu não sei, Berdine. Parece que é isso.
Berdine ainda estava olhando para ele fixamente como se tivesse pensado que ele estava prestes a mostrar mais alguma evidência e que estava ficando louco. — Lorde Rahl, como isso poderia ser possível?
— Como eu poderia saber? — Richard olhou para a janela. — Está tarde. É melhor dormir um pouco.
Berdine bocejou novamente. — Parece uma boa ideia
Richard fechou o diário de Kolo e enfiou debaixo de um braço. — Vou ler um pouco na cama até adormecer.
Tobias Brogan olhou para o Mriswith na carruagem, para o que estava lá dentro, e para os outros entre as suas colunas de homens, os raios de sol cintilavam em suas armaduras. Ele podia ver todos os Mriswith; nenhum deles estava invisível para se aproximar dele sorrateiramente e escutar. A raiva dele fervia com a visão do lado da cabeça da Madre Confessora dentro da carruagem. O fato dela ainda estar viva o enfurecia, e de que o Criador tinha proibido que ele encostasse uma lâmina nela.
Ele olhou para o lado rapidamente, para ter certeza de que Lunetta estava perto o bastante para escutá-lo se ele falasse baixo.
— Lunetta, estou começando a ficar muito incomodado com isso.
Ela aproximou o cavalo enquanto eles cavalgavam para que pudesse falar com ele, mas não olhou para, caso algum dos Mriswith estivesse observando. Mensageiros do Criador ou não, ela não gostava das criaturas escamosas.
— Mas Lorde General, você falou que quando o Criador apareceu para falar com você ele disse que deveria fazer isso. Você teve a grande honra de ser visitado pelo Criador, e de fazer o trabalho dele.
— Acho que o Criador...
O Mriswith em cima da carruagem levantou e apontou com uma garra enquanto eles chegavam no ponto mais alto da colina. — Vejaaaa! — ele gritou com um assobio agudo, adicionando um estalo gutural depois da palavra.
Brogan levantou a cabeça para ver uma grande cidade que se espalhava abaixo deles, com o mar cintilante além dela. No centro do vasto acumulado de construções, com um rio dourado banhado pelos raios de sol dividindo-se para dar a volta na ilha sobre a qual ele estava, havia um enorme Palácio, suas torres e telhados cintilando sob o sol. Ele tinha visto cidades antes, tinha visto Palácios antes, mas nunca tinha visto algo assim.
Independente de não querer estar aqui, ele estava maravilhado.
— Isso ser lindo. — Lunetta falou.
— Lunetta. — ele sussurrou. — O Criador me visitou outra vez noite passada.
— Verdade, meu Lorde General? Isso ser maravilhoso. Você ser honrado em ser visitado tanto ultimamente. O Criador deve ter grandes planos para você, meu irmão.
— As coisas que ele me diz estão se tornando mais e mais loucas.
— O Criador? Louco?
O olhar de Brogan desviou para encontrar o de sua irmã. — Lunetta, acho que estamos com problemas. Acho que o Criador está ficando insano.
Quando a carruagem parou, o Mriswith desceu, deixando a porta aberta. Kahlan olhou pela janela para um lado e pela porta para o outro, vendo que os Mriswith estavam se afastando para conversar. As duas finalmente estavam sozinhas.
— O que você acha que está acontecendo? — ela sussurrou. — Onde nós estamos?
Adie inclinou para o lado, olhando pela janela. — Queridos espíritos. — ela sussurrou com horror. — nós estar no coração do território inimigo.
— Território inimigo? Do que você está falando? Onde nós estamos?
— Tanimura. — Adie sussurrou. — Aquele ser o Palácio dos Profetas.
— O Palácio dos Profetas! Tem certeza?
Adie ficou rígida no assento. — Eu ter certeza. Passei tempo aqui quando era jovem, vinte anos atrás.
Kahlan olhou fixamente, incrédula. — Você foi para o Mundo Antigo? Esteve no Palácio dos Profetas?
— Isso ser muito tempo atrás, criança, e uma longa história. Não temos tempo para a história nesse momento, mas isso ser depois que o Sangue da Congregação matou meu Pell.
Eles cavalgaram até bem depois do escurecer, e estavam seguindo caminho muito antes do sol subir a cada dia, mas pelo menos Kahlan e Adie conseguiram dormir um pouco na carruagem. Os homens que estavam sobre os cavalos dormiram pouco. Um Mriswith, e às vezes Lunetta, sempre as vigiavam, e elas não conseguiram trocar mais do que algumas palavras em semanas. Os Mriswith não se importavam se elas dormissem, mas tinham avisado o que aconteceria se elas falassem. Kahlan não duvidou da palavra deles.
Durante as semanas enquanto eles viajavam para o sul, o clima tinha ficado mais quente, e ela não tremia mais na carruagem, ela e Adie ficavam juntas para ter um pouco de calor.
— Fico imaginando porque eles nos trouxeram até aqui? — Kahlan disse.
Adie chegou mais perto. — O que eu fico imaginando é porque eles não nos mataram.
Kahlan espiou pela janela para ver um Mriswith falando com Brogan e a irmã dele. — Obviamente, porque somos mais valiosas para eles vivas.
— Valiosas para quê?
— O que você acha? Quem eles iriam querer? Quando eu tentei reunir Midlands, eles enviaram aquele mago para me matar, e que tive que fugir enquanto Aydindril deslizava para dentro das mãos da Ordem Imperial. Quem está reunindo Midlands em oposição a eles agora?
As sobrancelhas de Adie levantaram sobre os seus olhos brancos. — Richard.
Kahlan assentiu. — Isso é tudo que consigo pensar. Ele começaram a tomar Midlands, e estavam tendo sucesso conquistando terras para que se unissem a eles. Richard mudou as regras, e atrapalhou aqueles planos forçando as terras a renderem-se a ele.
Kahlan olhou pela janela. — Tanto quanto seja doloroso admitir, Richard talvez tenha feito a única coisa que tem uma chance de salvar o povo de Midlands.
— Como poderemos ser usadas para chegar até Richard? — Adie deu um tapinha no joelho de Kahlan. — Sei que ele ama você, Kahlan, mas ele não ser estúpido.
— A Ordem Imperial também não.
— Então, o que mais poderia ser?
Kahlan olhou dentro dos olhos brancos de Adie. — Você já viu os Sanderianos caçando um leão da montanha? Eles amarram um dos seus carneiros em uma árvore, deixando ele balir chamando por sua mãe. Então eles sentam e esperam.
— Você acha que nós ser carneiros amarrados em uma árvore?
Kahlan balançou a cabeça. — A Ordem Imperial pode ser desprezível e cruel, mas não são estúpidos. Agora eles também não acreditarão que Richard seja. Richard não trocaria uma vida pela liberdade de todos, mas ele também mostrou a eles que não tem medo de agir. Eles poderiam estar tentando fazer ele pensar que poderia fazer um resgate sem ter que entregar nada.
— Você acha que eles estar certos?
Kahlan suspirou. — O que você acha?
As bochechas de Adie curvaram em um sorriso forçado triste. — Enquanto você estar viva, ele sacaria sua espada em uma tempestade de raios.
Kahlan observou Lunetta descer do cavalo dela. Os Mriswith estavam se afastando, na direção da parte traseira das colunas de homens de capas vermelhas.
— Adie, temos que escapar, ou Richard virá atrás de nós. A Ordem deve estar contando com a vinda dele, ou nós estaríamos mortas.
— Kahlan, não consigo nem acender uma lamparina com essa maldita coleira no meu pescoço.
Kahlan suspirou de frustração quando olhou novamente pela janela e viu os Mriswith movendo-se para dentro da floresta escura. Enquanto caminhavam, eles se enrolaram em suas capas e desapareceram.
— Eu sei. Eu também não consigo tocar meu poder.
— Então como podemos escapar?
Kahlan observou a feiticeira vestida com pedaços de pano de diferentes cores enquanto ela se aproximava da carruagem. — Se pudéssemos fazer Lunetta passar para o nosso lado, ela poderia nos ajudar.
Adie soltou um grunhido mostrando desagrado. — Ela não vai se virar contra o irmão. — A sobrancelha de Adie levantou enquanto ela pensava, confusa. — Ela ser estranha. Tem alguma coisa estranha nela.
— Estranha? Como o quê?
Adie balançou a cabeça. — Ela toca seu poder o tempo todo.
— O tempo todo?
— Sim. Uma feiticeira, ou um mago, só invoca seu poder quando precisa. Ela ser diferente. Por alguma razão, ela estar tocando o poder dela o tempo todo. Nunca vi ela ficar sem ele em volta dela, como suas tiras de pano coloridas. Isso ser muito estranho.
As duas ficaram em silêncio quando Lunetta bufou com o esforço de subir para entrar na carruagem. Ela desabou no assento oposto e lançou um sorriso agradável para elas; ela parecia estar com bom humor. Kahlan e Adie devolveram o sorriso. Quando a carruagem começou a avançar, Kahlan se ajeitou no assento, aproveitando a oportunidade para olhar pela janela. Não viu nenhum Mriswith, mas isso nem sempre significava alguma coisa.
— Eles foram embora. — Lunetta disse.
— O quê? — Kahlan perguntou cautelosamente.
— Os Mriswith foram embora. — Todas agarraram as alças na carruagem enquanto ela pulava nos sulcos da estrada. — Eles falaram para continuarmos sozinhos.
— Para onde? — Kahlan perguntou, esperando puxar conversa com a mulher.
Os olhos de Lunetta se iluminaram debaixo de sua testa carnuda. — Até o Palácio dos Profetas. — Ela inclinou para frente, excitada. — Ele ser um lugar cheio de Streganicha.
Adie fez uma careta. — Nós não somos bruxas.
Lunetta piscou. — Tobias diz que nós ser Streganicha. Tobias ser o Lorde General. Tobias ser um grande homem.
— Nós não ser bruxas. — Adie repetiu. — Nós ser mulheres com o dom, dado pelo Criador de todas as coisas. O Criador não iria nos dar algo vil, daria?
Lunetta não hesitou nem por um instante. — Tobias diz que o Guardião nos deu nossa magia vil. Tobias nunca estar errado.
Adie sorriu ao ver a expressão de raiva no rosto de Lunetta. — É claro que não, Lunetta. Seu irmão parece um grande homem e poderoso, exatamente como você diz. — Adie ajeitou seu manto quando cruzou as pernas. — Você sente como se fosse má, Lunetta?
Lunetta franziu a testa pensando durante um momento. — Tobias diz que eu ser má. Ele tenta me ajudar a fazer o bem, para compensar pela corrupção do Guardião. Eu ajudo ele a arrancar a raiz do mal para que ele possa fazer o trabalho do Criador.
Kahlan poderia dizer que Adie não estava chegando a lugar algum, a não ser talvez, enfurecendo Lunetta, e então mudou o assunto antes que as coisas fossem longe demais. Afinal de contas, Lunetta tinha o controle de suas coleiras.
— Você já esteve muitas vezes no Palácio dos Profetas?
— Oh, não. — Lunetta disse. — Essa ser a primeira vez. Tobias diz que ele ser um lar do mal.
— Então porque ele nos levaria até lá? — Kahlan perguntou de maneira inesperada.
Lunetta encolheu os ombros. — Os mensageiros disseram que devemos ir até lá.
— Mensageiros?
Lunetta assentiu. — Os Mriswith. Eles ser os mensageiros do Criador. Eles nos dizem o que fazer.
Kahlan e Adie sentaram em silêncio, impressionadas. Finalmente Kahlan recuperou sua voz. — Se é um lar do mal, parece estranho que o Criador queria que entremos lá. Seu irmão não parece confiar nos mensageiros do Criador.
Kahlan tinha visto Brogan lançando olhares furiosos na direção deles enquanto eles se afastavam entrando na floresta.
Os olhos pequenos de Lunetta se moveram entre elas. — Tobias disse que eu não deveria falar sobre eles.
Kahlan cruzou os dedos sobre um joelho. — Você não acha que os mensageiros vão ferir seu irmão, acha? Quer dizer, se o Palácio é um lugar do mal, como seu irmão diz.
A mulher baixa inclinou para frente. — Eu não deixaria. Mamãe disse que eu sempre deveria proteger Tobias, porque ele ser mais importante que eu. Tobias ser o escolhido.
— Porque sua mãe...
— Acho que deveríamos ficar quietas agora. — Lunetta falou com um tom ameaçador.
Kahlan relaxou no assento e olhou pela janela. Parecia que não era preciso muito esforço para enfurecer Lunetta. Kahlan decidiu que seria melhor se Lunetta não fosse pressionada por enquanto. Lunetta, com ordem de Brogan, já tinha experimentado o controle da coleira sobre ela.
Kahlan observou enquanto as construções de Tanimura passavam pela janela e tentou imaginar Richard estando aqui, vendo as mesmas coisas. Isso fez ela se sentir mais perto dele, ver coisas que os olhos dele tinha visto, e aliviava a terrível saudade em seu coração.
Querido Richard, por favor não venha para essa armadilha para me salvar. Deixe que eu morra. Ao invés disso, salve Midlands.
Kahlan tinha visto grande quantidade de cidades, cada uma em Midlands, e esta era igual a maioria. Nas periferias, havia barracos desorganizados, muitas não eram mais do que barracas encostadas em algumas das casas pobres mais velhas e armazéns. Enquanto se moviam entro da cidade, as construções ficavam maiores, e havia lojas de todos os tipos. Passaram por vários mercados com amontoados de pessoas com vestidos de todas as cores.
Por toda parte na cidade havia o som constante de tambores. Era um ritmo lento, e irritava os nervos. Enquanto Lunetta olhava ao redor, seus olhos procurando os homens nos tambores quando eles ficaram mais altos enquanto cavalgavam, Kahlan podia ver que ela também não gostava deles. Pela janela, Kahlan podia ver Brogan cavalgando perto da carruagem, e os tambores também estavam deixando ele inquieto.
As três se agarraram outra vez enquanto a carruagem saltava em uma ponte de pedra. As rodas de ferro soltavam um rangido enquanto cruzavam as pedras. Pela janela, Kahlan viu o Palácio erguendo-se acima deles enquanto atravessavam o rio.
Em um grande pátio de gramado verde enfeitado por árvores perto de áreas altivas do Palácio, a carruagem parou, balançando. Os homens de capa vermelha todos ao redor sentavam altivos em suas selas, sem fazer nenhum movimento para desmontar.
O rosto azedo de Brogan apareceu de repente na janela. — Saia. — ele rosnou. Kahlan começou a levantar. — Você não. Estou falando com Lunetta. Vocês ficam onde estão até que digam para se mover. — Ele alisou o bigode.
— Mais cedo ou mais tarde, você será minha. Então vai pagar por seus crimes desprezíveis.
— Os Mriswith não deixarão seu cãozinho me pegar. — Kahlan disse. — O Criador não vai deixar alguém como você colocar suas mãos sujas em mim. Você não é nada mais além de sujeira debaixo das unhas do Guardião, e o Criador sabe disso. Ele odeia você.
Kahlan sentiu a coleira enviar dor em suas pernas, evitando que ela se movesse, e outra parte em sua garganta, silenciando sua voz. Os olhos de Lunetta estavam pegando fogo. Mas Kahlan havia falado o que queria dizer.
Se Brogan a matasse, Richard não entraria nessa armadilha para resgatá-la.
Os olhos de Brogan arregalaram e seu rosto ficou tão vermelho quanto a capa dele. Ele cerrou os dentes. De repente, ele se esticou para dentro da carruagem tentando agarrá-la. Lunetta segurou a mão dele, fingindo ter pensado que era com ela.
— Me ajude a descer, meu Lorde General? Meus quadris estão doendo por causa da cavalgada. O Criador ser gentil em dar a você tanta força, meu irmão. Preste atenção nas palavras dele.
Kahlan tentou gritar, para zombar dele, mas sua voz não estava saindo. Lunetta estava impedindo que ela falasse.
Brogan pareceu recuperar o bom senso, e rancorosamente ajudou Lunetta a descer. Ele estava prestes a virar de volta para a carruagem quando viu alguém se aproximando. Ela fez sinal para que ele fosse embora com um arrogante movimento da mão. Kahlan não conseguiu escutar o que a mulher disse, mas Brogan segurou as rédeas do cavalo dele e fez sinal para que seus homens o seguissem.
Ahern recebeu ordem para descer do assento do condutor e seguir junto com os homens do Sangue da Congregação. Ele lançou um rápido olhar por cima do ombro. Kahlan rezou aos bons espíritos que eles não o matassem, agora que sua carruagem havia entregado a carga. Com um rápido movimento, os homens sobre os cavalos seguiram atrás de Brogan e Lunetta.
O ar do amanhecer acalmou quando os homens se afastaram, e Kahlan sentiu a magia da coleira em seu pescoço relaxar. Novamente ela lembrou com angústia de ter feito Richard colocar uma dessas coleiras no pescoço dele, e todos os dias ela agradecia aos bons espíritos que ele finalmente tivesse entendido que ela fez isso para salvar a vida dele, para impedir que seu dom o matasse. Mas as coleiras que ela e Adie estavam usando não eram para ajudá-las, como a de Richard o ajudou. Essas coleiras não eram mais do que algemas com outra forma.
Uma jovem caminhou até a porta e olhou para dentro. Ela usava um vestido vermelho colado que deixava pouca dúvida sobre a perfeição de sua figura. A longa massa de cabelo que emoldurava o rosto dela era tão escura quanto seus olhos. De repente Kahlan sentiu-se como um monte de sujeira na presença dessa mulher surpreendentemente sensual.
Os olhos da mulher pousaram em Adie. — Uma feiticeira. Bem, talvez possamos encontrar alguma utilidade para você. — O olhar dela virou para Kahlan. — Venha.
Ela virou sem falar mais nada e começou a andar. Kahlan sentiu uma pontada quente de dor em suas costas que fez ela sair da carruagem, cambaleando para recuperar o equilíbrio quando pisou no chão. Ela virou bem na hora de colocar uma das mãos para ajudar Adie antes que ela caísse. As duas se apressaram para alcançar a mulher antes que ela aplicasse outro golpe de dor.
Kahlan e Adie seguiram apressadas nos calcanhares da mulher, Kahlan estava se sentindo como uma tola por causa do modo como o controle da coleira fazia as pernas dela tremerem, conduzindo ela, fazendo com que andasse, enquanto a mulher no vestido vermelho caminhava com a pose de uma Rainha. Adie não estava sendo forçada a andar como Kahlan. Kahlan cerrou os dentes, desejando poder estrangular a mulher arrogante.
Havia outras mulheres, e alguns homens em mantos, passeando no ar fresco da manhã. Ver todas as pessoas limpas foi um forte lembrete das camadas de poeira da estrada que a cobriam. Ela esperava, entretanto, que não deixassem ela tomar banho; talvez Richard não a reconhecesse debaixo de toda a sujeira. Talvez ele não fosse atrás dela.
Por favor, Richard, proteja Midlands. Fique onde está.
Elas andaram por caminhos cobertos que tinham ripas de madeira cruzadas com videiras nos lados, que guardavam flores brancas perfumadas, e então foram levadas através de um portão em um muro alto. Os olhos de guardas observaram, mas não fizeram nenhum movimento para desafiar a mulher que as conduzia. Depois de atravessar um caminho sombrio por baixo de árvores, elas entraram em uma grande construção que não parecia em nada com a masmorra infestada de ratos que Kahlan estava esperando. Parecia mais uma ala de convidados para dignitários que visitavam o Palácio.
A mulher no vestido vermelho parou diante de uma porta entalhada encaixada em um massivo portal de pedra. Ela moveu a alavanca na porta e abriu-a, entrando na frente delas. O local era elegante, com cortinas grossas que cobriam as janelas descendo talvez cerca de trinta pés. Havia várias cadeiras ricamente acolchoadas com tecidos bordados em ouro, uma mesa e uma escrivaninha de mogno, e uma cama coberta.
A mulher virou para Kahlan. — Esse será o seu quarto. — Ela exibiu um breve sorriso. — Queremos que você fique confortável. Serão nossas convidadas até que terminemos com vocês.
— Tente atravessar o escudo que eu deixei na porta e na janela, e ficará e quatro vomitando até sentir que suas costelas estão quebrando. Isso é apenas para a primeira infração. Depois da primeira, descobrirão que não terão desejo algum de tentar uma coisa assim novamente. Não vão querer saber o que acontece na segunda infração.
Ela levantou um dedo para Adie, mas manteve os olhos escuros em Kahlan. — Cause qualquer problema, e punirei sua amiga aqui. Mesmo se pensar que tem estômago forte, eu garanto, descobrirá o contrário. Você entendeu?
Kahlan assentiu, com medo de não ter permissão para falar.
— Eu fiz uma pergunta. — ela falou com um tom maldoso. Adie caiu no chão soltando um grito. — Você vai responder.
— Sim! Sim, eu entendi! Não machuque ela, por favor!
Quando Kahlan virou para ajudar Adie enquanto ela arfava tentando respirar, a mulher falou para deixar a velha se recuperar sozinha.
Kahlan levantou o corpo, relutante, deixando Adie levantar. O olhar crítico da mulher observou-a dos pés até a cabeça. O sorriso forçado no rosto dela fez o sangue de Kahlan ferver.
— Você sabe quem eu sou? — a mulher perguntou.
— Não.
Uma sobrancelha levantou. — Bem, bem, aquele garoto travesso. Acho que eu não deveria ficar surpresa que Richard não falasse sobre mim para sua futura esposa, considerando...
— Considerando o quê?
— Eu sou Merissa. Agora você sabe quem eu sou?
— Não.
Ela soltou uma risada suave, tão irritantemente elegante quanto o resto dela. — Oh, ele é tão travesso, guardando esses segredos lascivos e sua futura esposa.
Kahlan queria conseguir manter a boca fechada, mas não conseguiu. — Que segredos?
Merissa encolheu os ombros de forma indiferente. — Quando Richard era um aluno aqui, eu fui uma de suas professoras. Passei bastante tempo com ele. — O sorriso odioso voltou. — Muitas noites, nós passamos nos braços um do outro. Ensinei a ele muitas coisas. Que amante forte e atento. Se algum dia você deitar com ele, então terá os benefícios das minhas melhores... instruções carinhosas.
A risada suave de Merissa retornou quando ela caminhava para fora do quarto, lançando um último olhar para Kahlan antes de fechar a porta.
Kahlan ficou apertando os punhos com tanta força que suas unhas estavam cortando as palmas das mãos. Ela queria gritar. Quando Richard foi levado até o Palácio dos Profetas, foi em uma coleira que ela fez ele colocar. Ele pensou que era porque ela não o amava. Pensou que ela mandou ele embora e nunca mais queria ver ele novamente.
Como ele conseguiria resistir a uma mulher tão linda como Merissa? Ele não teria razão alguma para fazer isso.
Adie segurou no ombro dela e fez ela virar. — Não escute o que ela diz.
Kahlan sentiu seus olhos se enchendo de lágrimas. — Mas...
— Richard ama você. Ela estar apenas atormentando você. Ela ser uma mulher cruel, e está adorando fazer você sofrer. — Adie levantou um dedo quando citava um antigo provérbio. — Nunca deixe uma bela mulher escolher o caminho para você, quando há um homem na linha de visão dela. Merissa tem Richard na linha de visão dela. Eu já vi aquele olhar de luxúria. Isso não ser luxúria para ter seu homem. Isso ser luxúria pelo sangue dele.
— Mas...
Adie balançou o dedo. — Não perca sua fé em Richard por causa dela. Isso ser o que ela quer. Richard ama você.
— E eu serei responsável pela morte dele.
Com um gemido de agonia, Kahlan caiu nos braços de Adie.
Richard esfregou os olhos. Queria conseguir ler mais rápido, porque o diário estava começando a ficar tão cativante, mas ainda levava tempo. Tinha que pensar em muitas das palavras, e ainda precisava procurar pelo significado para algumas, mas conforme os dias passavam ele estava chegando ao ponto onde às vezes não parecia que ele estava traduzindo, mas simplesmente lendo. Sempre que ele percebia que estava lendo Alto D'Haran sem esforço consciente, ele começava a ter dificuldades com o significado das palavras novamente.
Richard estava intrigado pelas referências intermitentes a Alric Rahl. Parecia que esse ancestral dele havia encontrado uma solução para o problema dos Andarilhos dos Sonhos. Ele era apenas um de muitos trabalhando em um meio de impedir que os Andarilhos dos Sonhos invadissem as mentes das pessoas, mas ele fora particularmente insistente de que tinha a solução.
Fascinado, Richard leu como Alric Rahl tinha enviado notícia de D'Hara de que já havia criado essa teia protetora sobre o povo dele, e para que os outros fossem protegidos pela mesma teia, eles precisavam jurar fidelidade imortal a ele, e eles também estariam salvos sob esta ligação. Richard percebeu que isso era a origem da ligação dos D'Harans com ele. Alric Rahl tinha criado esse feitiço para proteger o povo dele dos Andarilhos dos Sonhos, não para escravizá-los. Richard sentiu orgulho do ato benevolente de seu ancestral.
Ele mal conseguia respirar enquanto lia o diário, com esperança de que eles acreditariam em Alric Rahl, muito embora ele soubesse que não acreditaram. Kolo estivera cautelosamente interessado em prova, mas continuou em dúvida. Ele reportou que a maioria dos outros magos pensaram que Alric estava fazendo algum tipo de truque, insistindo que a única coisa na qual um Rahl estava interessado era governar o mundo. Richard grunhiu de desapontamento quando leu como eles enviaram mensagem recusando jurar fidelidade e se conectar com Alric.
Incomodado por um som persistente, Richard virou para olhar pela janela e viu que estava escuro como piche lá fora. Não tinha nem percebido que o sol tinha descido. A vela que ele aparentemente havia acabado de acender derretera completamente. O som perturbador era de água pingando de estalactites. A primavera estava anunciando a partida do inverno.
Afastar sua mente do diário trouxe de volta a pontada de preocupação com Kahlan. Todos os dias mensageiros retornavam para entregar relatórios de que nada foi encontrado. Como ela poderia ter desaparecido?
— Algum mensageiro esperando para me ver?
Com uma expressão irritada, Cara mudou de posição. — Sim. — ela brincou. — tem muitos lá fora, mas falei para eles que você estava ocupado demais me bajulando para se preocupar.
Richard suspirou. — Sinto muito, Cara. Sei que você me avisaria se um mensageiro chegasse. — Ele balançou um dedo para ela. — Mesmo se eu estiver dormindo.
Ela sorriu. — Mesmo se você estiver dormindo.
Richard olhou ao redor da sala e fez uma careta. — O que aconteceu com Berdine?
Cara virou os olhos. — Ela falou para você horas atrás que dormiria um pouco antes do turno de vigia dela.
Você disse, sim, boa noite, para ela.
Richard olhou de volta para o diário. — Sim, acho que disse.
Ele leu novamente uma seção sobre como os magos estavam ficando com medo que a Sliph trouxesse alguma coisa que eles não conseguiriam parar. A guerra era um mistério aterrorizante para Richard. Cada um dos lados criou coisas de magia, a maioria criaturas feitas para um propósito, como os Andarilhos dos Sonhos, e o outro lado tinha que reagir com algo para enfrentar aquilo, se pudessem. Foi terrível descobrir que algumas dessas criaturas eram criadas a partir de pessoas, a partir dos próprios magos. Eles estavam tão desesperados assim.
Dia após dia, se tornaram mais e mais preocupados se antes das torres serem concluídas, Sliph, que foi criada com a magia deles para permitir que se movessem grandes distâncias e atacar o inimigo, e acabou transformando-se em um grande perigo. Assim como era um benefício, trouxesse também alguma coisa inesperada, impossível de se conter. Eles disseram que quando as torres fossem concluídas, a Sliph poderia dormir. Richard ficava imaginando constantemente o que seria a Sliph e como ela poderia dormir, e como eles a acordariam mais tarde, depois da guerra, como disseram que esperavam fazer.
Os magos decidiram que por causa do perigo de ataque através da Sliph, algumas das coisas mais importantes, valiosas, ou mais perigosas, tinham que ser retiradas da Fortaleza para proteção. O último dos itens considerados com maior necessidade de receber proteção havia sido levado para um refúgio fazia muito tempo, e então Kolo disse: Hoje, um dos nossos desejos mais cobiçados, possível apenas através do brilhante trabalho incansável de uma equipe de quase cem, foi completado. Os itens que temos mais medo que fiquem perdidos, caso sejamos invadidos, foram protegidos. Gritos de alegria de todos espalharam-se na Fortaleza quando recebemos hoje a notícia de que tivemos sucesso.
Alguns pensaram que isso não seria possível, mas para surpresa de todos, está feito: o Templo dos Ventos se foi.
Se foi? O que era o Templo dos Ventos, e para onde ele foi? O diário de Kolo não fornecia uma explicação.
Richard coçou atrás do pescoço enquanto bocejava. Ele mal conseguia manter seus olhos abertos.
Ainda havia tanto para ler, mas ele precisava dormir. Queria Kahlan de volta para que pudesse protegê-la do Andarilho dos Sonhos. Queria ver Zedd para contar a ele sobre as coisas que aprendeu.
Richard levantou e seguiu na direção da porta.
— Indo para a cama para sonhar comigo? — Cara perguntou.
Richard sorriu. — Sempre faço isso. Me acorde se...
— Se um mensageiro vier. Sim, sim, acho que você mencionou isso.
Richard assentiu e caminhou até a porta. Cara segurou o braço dele.
— Lorde Rahl, eles vão encontrar ela. Ela vai ficar segura. Descanse bem; D'Harans estão procurando, e eles não falharão.
Richard tocou no ombro dela quando estava saindo. — Vou deixar o diário aqui, para quando Berdine acordar, possamos trabalhar nele.
Ele bocejou e esfregou os olhos quando foi para o quarto, não muito longe no corredor. Ele se preocupou apenas em tirar as botas e passar o boldrié por cima da cabeça, colocando a Espada da Verdade sobre uma cadeira antes de cair na cama. Independente de sua preocupação com Kahlan, em poucos segundos ele estava dormindo.
Ele estava em um sonho perturbador com ela quando uma batida alta na porta o despertou. Ele virou rolou sobre as costas. A porta abriu bruscamente e houve uma luz repentina. Ele conseguiu ver Cara com uma lamparina. Ela se moveu para o lado da cama dele, acendendo outra lamparina.
— Lorde Rahl, acorde. acorde.
— Estou acordado. — Ele sentou. — O que foi? Quanto tempo eu dormi?
— Talvez quatro horas. Berdine esteve trabalhando no livro durante umas duas horas, e ficou toda excitada sobre algo e queria acordar você para ajudá-la, mas eu não deixaria.
— Então porque me acordou agora? É um mensageiro?
— Sim. Um mensageiro está aqui.
Richard quase desabou de volta na cama. Mensageiros nunca traziam qualquer novidade.
— Lorde Rahl, levante. O mensageiro tem novidades.
Richard acordou como se um sino tivesse tocado em sua cabeça. Virou os pés por cima do lado da cama e calçou as botas rapidamente. — Onde ele está?
— Estão trazendo ele.
Nesse momento, Ulic entrou depressa, ajudando um homem que estava com ele. O soldado aparentava estar cavalgando arduamente durante semanas. Ele mal conseguia ficar em pé sozinho.
— Lorde Rahl, eu trago uma mensagem. — Richard fez um sinal para que o jovem soldado sentasse na beira da cama, mas ele recusou a oferta, querendo falar ao invés disso. — Nós encontramos algo. O General Reibisch pediu primeiro para dizer que você não deve ficar assustado. Nós não encontramos o corpo dela, então ela ainda deve estar viva.
— O que vocês encontraram! — Richard percebeu que ele estava tremendo.
O homem enfiou a mão debaixo do couro do seu uniforme e tirou alguma coisa. Richard agarrou aquilo e desdobrou para que pudesse ver. Era uma capa vermelha.
— Encontramos no local de uma batalha. Havia homens mortos usando essas capas. Montes de homens mortos. Talvez uns cem. — Ele tirou alguma outra coisa e entregou.
Richard desenrolou. Era um pedaço de tecido azul desbotado cortado de forma grosseira com quatro faixas douradas em uma borda.
— Lunetta. — ele falou. — Isso é de Lunetta.
— O General Reibisch falou para dizer a você que houve uma batalha. Havia muitos do mortos do Sangue da Congregação. Árvores que foram derrubadas por um disparo de fogo, como se magia tivesse sido usada em batalha. Também havia corpos queimados.
— Eles encontraram apenas um corpo que não era do Sangue da Congregação. Ele era um D'Haran. Um homem grande com apenas um olho, com uma cicatriz sobre o local onde o outro estava costurado.
— Orsk! Esse é Orsk! Ele era o guarda de Kahlan!
— O General Reibisch falou para dizer que não havia sinal algum de que ela ou qualquer outra pessoa com ela fosse morta. Parece que lutaram furiosamente, mas então foram capturados.
Richard agarrou o braço do soldado. — Os rastreadores tem alguma ideia da direção que eles seguiram? — Richard estava furioso consigo mesmo porque não tinha ido. Se tivesse ido, ele já estaria na trilha. Agora levaria semanas para chegar até lá.
— O General Reibisch falou para dizer a você que os rastreadores estão quase certos de que eles seguiram para o sul.
— Sul? Sul? — Richard estivera certo de que Brogan fugiria com seu prêmio para Nicobarese. Com aquela grande quantidade de corpos, Gratch deve ter lutado furiosamente. Devem ter capturado ele também.
— Disseram que não poderiam ter certeza porque isso aconteceu faz muito tempo. Nevou mais ainda, e agora a neve está derretendo, então é difícil rastrear, mas ele acredita que eles foram para o sul, e todos os soldados dele estão seguindo atrás de sua Rainha.
— Sul. — Richard murmurou. — Sul.
Ele passou os dedos no cabelo, tentando pensar. Brogan tinha fugido ao invés de se juntar a Richard e sua causa contra a Ordem. O Sangue da Congregação havia se juntado com a Ordem Imperial. A Ordem Imperial governava o Mundo Antigo. O Mundo Antigo ficava ao sul.
General Reibisch estava rastreando ela para o sul, indo atrás da Rainha dele. Sul.
O que foi aquilo que o Mriswith na Fortaleza tinha falado?
A Rainha precisa de você, irmão de pele. Você deve ajudá-la.
Estavam tentando ajudar ele. Seus amigos Mriswith estavam tentando ajudar ele.
Richard pegou sua espada e enfiou a cabeça através do boldrié de couro. — Eu tenho que ir.
— Nós vamos com você. — Cara falou. Ulic assentiu concordando.
— Vocês não podem ir aonde eu vou. Tomem conta das coisas para mim. — Ele virou para o soldado. — Onde está o seu cavalo?
Ele apontou. — Lá fora, por aquele caminho e no pátio seguinte. Mas ela está com as patas bastante doloridas.
— Ela só tem que me levar até a Fortaleza.
— A Fortaleza! — Cara segurou o braço dele. — Porque você vai para a Fortaleza?
Richard afastou o braço. — É o único jeito de chegar até o Mundo Antigo em tempo.
Ela começou a fazer objeções, mas ele já estava descendo o corredor. Outros estavam correndo para alcançar ele. Ele podia ouvir o som de armaduras e armas atrás dele, mas não reduziu a velocidade. Ele não escutou os apelos de Cara enquanto tentava pensar.
Como faria isso? Seria possível? Tinha que ser. Ele faria isso.
Richard saiu correndo pela porta, parando apenas por um instante, e então disparou na direção do pátio onde o soldado disse que havia deixado seu cavalo. Ele parou cambaleando quando encontrou o cavalo no escuro. Ele fez uma rápida carícia de apresentação no animal suado enquanto ela dançava para o lado, e então subiu na sela.
Quando deu a volta no cavalo usando as rédeas, ele só conseguiu ouvir a voz de Berdine ao longe enquanto ela corria na direção dele.
— Lorde Rahl! Pare! Tire a capa! — Richard bateu com os calcanhares no cavalo quando viu Berdine balançando o diário de Kolo. Ele não tinha tempo para ela. — Lorde Rahl! Você tem que tirar a capa de Mriswith!
De jeito nenhum, ele pensou. Os Mriswith eram amigos dele.
— Pare! Lorde Rahl, me escute! — O cavalo saltou em um galope, a capa negra de Mriswith esvoaçando atrás dele.
— Richard! Tire isso!
As semanas de tediosa e paciente espera pareciam estar explodindo em uma súbita necessidade de ação desesperada.
Sua paixão de chegar até Kahlan deixou em segundo plano qualquer outro pensamento.
O som de cascos trovejando abafaram a voz de Berdine. O vento batia na capa dele, o Palácio passava correndo como um borrão, e a noite o engoliu.
— O que vocês estão fazendo aqui?
Brogan virou na direção da voz. Ele não tinha escutado a Irmã se aproximando por trás dele.
Ele fez uma careta para a mulher mais velha com longo cabelo branco amarrado atrás das costas. — Isso não é da sua conta.
Ela cruzou as mãos. — Bem, uma vez que esse é nosso Palácio, e você é um convidado, isso faz com que seja da minha conta quando um de nossos convidados vai a lugares em nossa casa onde ele está especificamente proibido de entrar.
Brogan entortou os olhos de indignação. — Você tem alguma ideia com quem você está falando?
Ela encolheu os ombros. — Algum oficial arrogante insignificante, eu diria. Um que é pomposo demais para saber quando está pisando em terreno perigoso. — Ela inclinou a cabeça. — Eu estou certa?
Brogan se aproximou. — Eu ser Tobias Brogan, Lorde General do Sangue da Congregação.—
— Ora, ora. — ela zombou. — Que impressionante. Agora, parece que eu não lembro de dizer, não pode visitar a Madre Confessora a não ser que você seja o Lorde General do Sangue da Congregação. Você não tem valor algum para nós a não aquele que nós determinamos. Você não efetua nenhuma tarefa a não ser aquela que determinamos.
— Que vocês determinam! O próprio Criador determina minhas tarefas!
Ela bufou soltando uma risada. — O Criador! Mais quanta arrogância. Você faz parte da Ordem Imperial, e faz o que mandarmos.
Brogan estava bem perto de fatiar em mil pedaços essa mulher desrespeitosa. — Qual ser o seu nome. — ele grunhiu.
— Irmã Leoma. Você acha que consegue lembrar de tudo isso em seu pequeno cérebro? Você recebeu ordem de permanecer com suas tropas nas barracas. Agora, volte imediatamente para lá, e não deixe que eu pegue você neste local outra vez, ou você não terá mais valor para a Orem Imperial.
Antes que Brogan pudesse explodir de fúria, Irmã Leoma virou para Lunetta. — Boa noite, minha querida.
— Boa noite. — Lunetta falou com uma voz cautelosa.
— Estive querendo ter uma conversa com você, Lunetta. Como pode ver, essa é uma casa de feiticeiras. Mulheres com o dom são altamente respeitadas aqui. O seu Lorde General aqui tem pouco valor para nós, mas alguém com sua habilidade seria muito bem-vinda. Eu gostaria de oferecer a você um lugar conosco. Você seria considerada com alta estima. Teria responsabilidade e respeito. — Ela olhou para a roupa de Lunetta. — Certamente cuidaríamos para que você estivesse melhor vestida. Não teria que usar esses farrapos horríveis.
Lunetta agarrou suas tiras de pano coloridas com mais força e se aproximou de Brogan. — Eu ser leal a meu Lorde General. Ele ser um grande homem.
Irmã Leoma deu um sorriso falso. — Sim, tenho certeza que ele é.
— E você ser uma mulher má. — Lunetta falou com um tom firme, repentinamente ameaçador. — Minha mãe falou.
— Irmã Leoma. — Ele disse. — Eu vou lembrar do nome. — Deu um tapinha no estojo de troféus em seu cinto. — Você pode dizer ao Guardião que vou lembrar do seu nome. Jamais esqueço o nome de um Baneling.
Um sorriso malicioso surgiu no rosto de Leoma. — Da próxima vez que eu falar com meu Mestre no submundo, direi a ele suas palavras.
Brogan puxou Lunetta e seguiu na direção da porta. Ele voltaria, e da próxima vez, teria o que queria.
— Nós precisamos conversar com Galtero. — Brogan falou. — Eu já estou farto dessa besteira. Já limpamos ninhos de Banelings maiores do que esse.
Lunetta encostou um dedo no lábio inferior, preocupada. — Mas, Lorde General, o Criador disse que você deveria fazer o que essas mulheres falam. Ele disse que você deve entregar a Madre Confessora para elas.
Brogan deu passos largos através da escuridão logo que estava do lado de fora. — O que mamãe falou para você sobre essas mulheres?
— Bem... ela disse... que elas ser más.
— Elas ser Banelings.
— Mas Lorde General, a Madre Confessora ser um Baneling. Porque o Criador diz para você entregar ela para essas mulheres se elas ser Banelings?
Brogan virou os olhos para ela. Na luz fraca, ele podia ver a expressão de confusão dela. Sua pobre irmã não tinha inteligência para entender.
— Isso está óbvio, Lunetta? O Criador revelou a si mesmo através de seus meios traiçoeiros. Ele ser aquele que criou o dom. Ele tentou me enganar. Depende de mim agora, purificar o mundo do mal. Todos com o dom devem morrer. O Criador ser um Baneling.
Lunetta arfou com medo. — Mamãe sempre disse que você ser aquele que alcançará a grandeza.
Depois de colocar a esfera cintilante sobre a mesa, Richard ficou parado diante do grande poço silencioso no centro da sala. O que ele deveria fazer? O que era a Sliph, e como ele a chamou?
Ele andu de um lado para outro na frente do muro arredondado na altura da cintura, olhando para a escuridão lá embaixo, mas não viu nada.
— Sliph! — ele gritou dentro do buraco sem fundo. Sua própria voz ecoou de volta.
Richard andou para frente e para trás, passando a mão no cabelo, tentando freneticamente pensar no que deveria fazer. A sensação de uma presença formigou em sua carne. Ele parou de andar e levantou os olhos para ver um Mriswith parado perto da porta.
— A Rainha precisa de você, irmão de pele. Você deve ajudá-la. Chame a Sliph.
Ele caminhou apressado na direção da escura criatura escamosa. — Eu sei que ela precisa de mim! Como eu chamo a Sliph?
A fenda que representava uma boca formou o que parecia ser um sorriso. — Você é o primeiro a nascer em três mil anos com o poder para acordá-la. Você já quebrou o escudo que nos mantinha afastados dela. Deve usar o seu poder. Chame a Sliph com o seu dom.
— Meu dom?
O Mriswith assentiu, seus olhos pequenos fixos em Richard. — Chame ela com seu dom.
Richard finalmente se afastou do Mriswith e voltou até o muro de pedra em volta do grande buraco. Tentou lembrar como tinha usado seu dom no passado. Ele sempre veio por instinto. Nathan havia dito que esse era o modo como funcionava com ele, com um mago guerreiro: Necessidade. Através do instinto.
Precisava deixar sua necessidade invocar o dom.
Richard deixou a necessidade queimar através dele, através do centro de calmaria. Não tentou invocar o poder, mas gritou com a necessidade dele.
Esticou os braços no ar, jogando a cabeça para trás. Deixou que a necessidade o preenchesse. Não queria nada mais. Liberou as contenções inconscientes. Não tentou pensar no que fazer, simplesmente exigiu que fosse feito.
Ele precisava da Sliph.
Soltou um grito de fúria.
— Venha até mim!
Liberou o poder, como se estivesse soltando um profundo suspiro, exigindo que a tarefa fosse realizada.
Luz surgiu entre seus punhos. Era isso. O chamado. Ele sabia, sentia isso, entendia isso. Também soube o que fazer. A suave massa cintilante girava entre seus pulsos como veias de luz enroladas em seus braços, fluindo dentro da força pulsante entre eles.
Quando ele sentiu o poder atingir o pico, ele baixou as mãos. Com um rugido, o orbe de luz disparou, mergulhando dentro da escuridão.
Enquanto ele descia, sua luz iluminava a rocha em um anel ao redor. O anel de luz e a massa cintilante tornou-se menor e menor, o uivo diminuindo com a distância, até que ele não consegui ouvir nem ver o que ele havia liberado.
Richard ficou debruçado no muro de pedra, olhando dentro do abismo sem fundo, mas tudo estava silencioso e escuro. Podia ouvir apenas sua própria respiração ofegante. Levantou e olhou por cima do ombro. O Mriswith observava, mas não fez movimento algum para ajudar; o que era necessário dependia de Richard. Ele esperava que isso fosse o bastante.
No silêncio da Fortaleza, na calmaria da montanha de rocha morta elevando-se ao redor dele, surgiu um trovejar distante.
Um trovejar de vida.
Richard inclinou novamente sobre o muro, olhando para baixo, mas não viu nada. Mesmo assim, ele podia sentir algo. A rocha debaixo de seus pés tremeu. Pó de rocha flutuou no ar agitado.
Richard olhou dentro do poço outra vez e viu um reflexo. O poço estava enchendo. Não enchendo como acontece com água, mas alguma coisa estava correndo para cima com velocidade incrível, rugindo com um uivo de velocidade enquanto se aproximava. O uivo aumentou enquanto a coisa corria para cima.
Richard atirou-se para trás, afastando-se do muro de pedras, apenas rápido o bastante. Tinha certeza que aquilo voaria do poço e atravessaria o teto. Nada se movendo tão rápido conseguiria parar em tempo. Mesmo assim aquilo conseguiu.
Repentinamente tudo estava calmo. Richard sentou, levantando o corpo com os braços para trás no chão.
Um volume com brilho metálico lentamente se acumulou sobre a borda do muro de pedras que cercava o poço. Ela subiu formando uma grande massa, elevando-se impossivelmente por sua própria vontade, como água flutuando no ar, só que não era água. Sua superfície lustrosa refletia tudo ao redor, como uma armadura polida, distorcendo as imagens refletidas em sua superfície enquanto crescia e se movia.
Parecia mercúrio vivo.
O amontoado, uniu-se ao corpo no poço como que através de um pescoço, continuando a se contorcer, inclinando nas bordas e planos, dobras e curvas. Ele assumiu a forma de um rosto de mulher. Richard teve que fazer esforço para lembrar de respirar. Agora entendia porque Kolo chamava Sliph de ela.
O rosto finalmente o avistou ele no chão. Parecia com uma estátua lisa feita de prata, a não ser pelo fato de que se movia.
— Mestre. — ela falou com uma voz estranha que ecoou pela sala. Os lábios dela não se moveram quando falou, mas ela sorriu como se estivesse contente. O rosto prateado exibiu uma expressão de curiosidade. — Você me chamou? Deseja viajar?
Richard levantou rapidamente. — Sim. Viajar. Eu desejo viajar.
O sorriso satisfeito retornou. — Então venha. Nós viajaremos.
Richard tirou o pó de pedra das mãos esfregando-as na camisa. — Como? Como nós... viajamos?
As sobrancelhas de prata curvaram. — Você nunca viajou?
Richard balançou a cabeça. — Não. Mas agora eu preciso. Preciso chegar ao Mundo Antigo.
— Ah. Já estive lá muitas vezes. Venha, e nós viajaremos.
Richard hesitou. — O que eu faço? O que você quer que eu faça?
Uma mão se formou e tocou no muro. — Venha até mim. — a voz disse, ecoando pela sala.
— Eu levarei você.
— Qual a distância?
A expressão de surpresa voltou. — Distância? Daqui até lá. Essa distância. Eu tenho alcance bastante. Já estive lá.
— Eu quero dizer... horas? Dias? Semanas?
Ela pareceu não entender. — Os outros viajantes nunca falaram sobre isso.
— Então não deve demorar muito. Kolo nunca mencionou isso também. — O diário podia ser frustrante às vezes porque Kolo nunca explicava o que era, para seu povo, de conhecimento comum. Ele não estava tentando ensinar, ou passar adiante uma informação.
— Kolo?
Richard apontou para os ossos. — Não sei o nome dele. Eu o chamo de Kolo.
O rosto esticou-se para ora do poço para olhar por cima do muro. — Não lembro de ver isso.
— Bem, ele está morto. Ele não parecia assim antes. — Richard decidiu que era melhor não explicar quem era Kolo ou ela poderia lembrar ficar zangada. Ele não precisava de nenhuma emoção, precisava chegar até Kahlan. — Eu estou com pressa. Gostaria muito se você pudesse se apressar.
— Chegue mais perto para que possa determinar se você pode viajar.
Richard aproximou-se do muro e ficou imóvel enquanto a mão de mercúrio se esticou para tocar a testa dele. Ele recuou. Era quente. Esperava que fosse fria. Ele voltou até a mão e deixou a palma deslizar sobre a sua testa.
— Você pode viajar. — a Sliph disse. — Você tem os dois lados necessários. Mas vai morrer se ficar assim.
— O que você quer dizer com, assim?
A mão de mercúrio desceu ao lado dele, apontando para a espada, mas sendo cuidadosa para não chegar perto demais. — Aquele objeto de magia é incompatível com a vida na Sliph. Com essa magia dentro de mim, qualquer vida que também estiver dentro de mim será finalizada.
— Quer dizer que preciso deixar ela aqui?
— Se deseja viajar, você deve, ou vai morrer.
Richard estava decididamente desconfortável com a ideia de deixar a Espada da Verdade desprotegida, especialmente depois de aprender sobre os homens com famílias que morreram para que ela fosse criada. Ele tirou o boldrié e ficou olhando para a bainha em suas mãos. Olhou por cima do ombro para o Mriswith que estava observando. Poderia pedir para seu amigo Mriswith proteger a espada.
Não. Ele não poderia pedir a ninguém que assumisse a responsabilidade de guardar algo tão perigoso e cobiçado. A Espada da Verdade era sua responsabilidade, não de qualquer outra pessoa.
Richard sacou a espada da bainha, fazendo o som do aço reverberar pela sala, morrendo lentamente. Porém, a fúria da magia não morreu, e trovejava através dele.
Ele levantou a lâmina, olhando por toda sua extensão. Podia sentir a palavra VERDADE, formada por fios de ouro, em sua palma. O que ele faria? Precisava chegar até Kahlan. Precisava que a espada ficasse em segurança durante sua ausência.
Aquilo lhe ocorreu através do chamado da necessidade.
Virou a espada para baixo, segurando o cabo com as duas mãos. Com um grunhido de esforço fortalecido pela magia, pelas tempestades de fúria que isso produzia, ele desceu a espada.
Centelhas e fragmentos de rocha voaram quando Richard enfiou a espada até o cabo dentro de um enorme bloco de pedra no chão.
Quando afastou as mãos, ainda conseguia sentir a magia dentro dele. Precisava deixar a espada, mas ainda tinha a magia; ele era o verdadeiro Seeker.
— Ainda estou ligado com a magia da espada. Guardo a magia dentro de mim. Isso vai me matar?
— Não. Apenas aquilo que gera a magia é mortal, não aquilo que a recebe.
Richard subiu no muro de pedra, subitamente começando a ficar preocupado. Não, precisava fazer isso. Precisava fazer.
— Irmão de pele. — Richard virou para o Mriswith quando ele o chamou. — Você está sem uma arma. Leve isso. — Ele jogou uma de suas facas de três lâminas para Richard. Enquanto ela fazia um arco através do ar, Richard segurou-a pelo cabo. As guarnições laterais encostaram em cada lado do pulso dele ao segurar o cabo da arma. Ela parecia surpreendentemente muito bem em sua mão, como uma extensão de seu braço.
— Em breve, a Yabree cantará para você.
Richard assentiu. — Obrigado.
O Mriswith devolveu um leve sorriso.
Richard virou para a Sliph. — Não sei se consigo prender a respiração nessa distância.
— Eu falei, eu tenho distância bastante para chegar até onde você quer viajar.
— Não, eu quero dizer que preciso de ar. — Ele fez uma simulação de inspirar e expirar. — Preciso respirar.
— Você respira a mim.
Ele ouviu a voz dela ecoar pela sala. — O quê?
— Para viver quando você viaja, você deve respirar a mim. Na primeira vez que viaja, vai sentir medo, mas deve fazer isso. Aqueles que não fazem, morrem dentro de mim. Não tenha medo; eu manterei você vivo quando respirar. Quando chegarmos ao outro lugar, então você deve me colocar para fora, e deixar entrar o ar. Você ficará com tanto medo para fazer isso quanto ficará em respirar a mim, mas deve fazer isso ou morrerá.
Richard ficou olhando fixamente incrédulo. Respirar esse mercúrio? Será que conseguiria fazer tal coisa?
Precisava chegar até Kahlan. Ela estava em perigo. Tinha que fazer isso. Precisava fazer isso.
Richard engoliu em seco, e então deu um profundo suspiro. — Está bem, estou pronto para ir. O que eu faço?
— Você não faz. Eu faço.
Um braço prateado líquido levantou e deslizou em volta dele, sua garra quente, ondulante, fechando para agarrá-lo.
O braço o levantou do muro e o mergulhou dentro da espuma prateada.
De repente Richard teve uma visão: ele lembrou da Sra. Rencliff sendo arrastada na correnteza furiosa.
Verna piscou com a luz da lamparina quando a porta abriu. Teve a sensação de que o coração dela tinha subido até a garganta. Parecia cedo demais para que Leoma voltasse. Ela já estava tremendo de pavor, lágrimas brotavam em seus olhos, e Leoma ainda nem começara o teste da dor.
— Entre aqui. — Leoma falou para alguém.
Verna sentou e viu uma pequena mulher magra entrar pela porta. — Porque tenho que fazer isso? — reclamou a voz familiar. — Não quero limpar a sala dela. Isso não faz parte do meu trabalho!
— Tenho que trabalhar com ela aqui dentro, e o cheiro está quase para me deixar cega. Agora entre aí e limpe um pouco desse fedor, ou vou trancar você junto com ela só para ensinar a você a ter devido respeito com uma Irmã.
Resmungando, a mulher mancou para dentro da sala, carregando seu pesado balde com água ensaboada. — Isso fede mesmo, ela declarou. — Tem o mesmo fedor das amigas dela. — O balde bateu no chão. — Sua Irmã do Escuro suja.
— Apenas passe um pouco de sabão e água nesse lugar, e seja rápida com isso. Eu tenho trabalho para fazer.
Verna levantou os olhos para ver Millie olhando fixamente para ela. — Millie...
Verna virou o rosto mas não rápido o bastante quando Millie cuspiu nela. Ela limpou o cuspe de sua bochecha com a costa da mão.
— Escória suja. E pensar que eu confiei em você. E pensar que eu a respeitei como Prelada. E o tempo todo você servia o Sem Nome. Por mim, você pode apodrecer aqui. O lugar fede com o seu cadáver sujo ambulante. Espero que arranquem a pele...
— Chega. — Leoma falou. — Apenas limpe e então logo poderá se afastar da presença repulsiva dela.
Millie grunhiu com desgosto. — Não vai ser cedo o bastante para mim.
— Nenhuma de nós gosta de estar na mesma sala com alguém tão maligna quanto ela, mas é minha obrigação interrogá-la, e pelo menos você pode fazer ela ficar com um cheiro um pouco melhor para mim.
— Sim, Irmã, farei isso para você, então, para uma verdadeira Irmã da Luz, para que ao menos você não tenha que carregar o fedor dela.
Millie cuspiu na direção de Verna outra vez.
Verna estava quase chorando, humilhada em saber que Millie pensava essas coisas terríveis a respeito dela. Todas os outros também pensavam. Não tinha mais certeza de que elas eram falsas. Sua mente estava tão confusa por causa dos testes da dor que ela não conseguia mais confiar que estivesse pensando direito ao acreditar na sua própria inocência. Talvez fosse errado ser leal a Richard; afinal de contas, ele era um simples homem.
Quando Millie terminasse, então Leoma começaria de novo. Ela ouviu a si mesma gemendo por causa de sua situação de desamparo. Quando Leoma escutou o gemido, ela sorriu.
— Esvazie aquele pinico fedorento. — Leoma disse.
Millie bufou com desgosto. — Está bem, está bem, apenas mantenha sua saia levantada e eu vou esvaziar ele.
Millie empurrou o balde com água ensaboada mais perto do palete de Verna e pegou o pinico cheio.
Segurando o nariz, ela o tirou da sala com o braço esticado.
Depois que ela desceu o corredor, Leoma falou. — Notou algo diferente?
Verna balançou a cabeça. — Não, Irmã.
Leoma levantou as sobrancelhas. — Os tambores. Eles pararam.
Verna ficou assustada ao perceber. Devem ter parado quando ela estava dormindo.
— Você sabe o que isso significa?
— Não, Irmã.
— Significa que o Imperador está perto, e estará chegando em breve. Talvez amanhã. Ele quer resultados de nosso pequeno experimento. Esta noite, você abandona sua fidelidade a Richard, ou responderá a Jagang. Seu tempo acabou. Pense nisso enquanto Millie termina de limpar um pouco do seu fedor.
Resmungando pragas, Millie retornou com o pinico vazio. Depois que o colocou em um canto da sala, ela voltou a esfregar o chão. Mergulhou o pano na água e jogou no chão, abrindo caminho na direção de Verna.
Verna lambeu seus lábios rachados enquanto olhava fixamente para a água. Mesmo que a água estivesse ensaboada, ela não se importava.
Ficou imaginando se conseguiria beber um gole dela antes que Leoma a impedisse. Provavelmente não.
— Eu não deveria ter que fazer isso. — Millie reclamou consigo mesma, mas alto o bastante para que as outras duas ouvissem. — Já é ruim o bastante agora que eu tenho que limpar o quarto do Profeta, agora que temos outro. Pensei que tinha acabado com o trabalho de ir até lá limpar o quarto de um homem louco. Acho que já está na hora de uma mulher mais jovem fazer o serviço.
— Ele é um homem estranho. Profetas são todos loucos, eles são. Não gosto daquele Warren mis do que o último.
Verna quase explodiu em lágrimas quando escutou o nome de Warren. sentia tanta falta dele. Ficou imaginando se estariam tratando ele bem. Leoma respondeu sua pergunta.
— Sim, ele é um pouco estranho. Mas os testes com a coleira estão fazendo ele entrar na linha novamente. Estou cuidando disso.
Verna afastou os olhos de Leoma. Ela estava fazendo isso com ele também. Oh, querido Warren.
Com um joelho, Millie empurrou o balde mais perto enquanto esfregava o chão. — Não fique me olhando. Não gosto dos seus olhos sujos em cima de mim. Isso me dá arrepios, como ter o próprio Sem Nome me observando.
Verna baixou os olhos. Millie jogou o pano dentro do balde e enfiou as mãos bem fundo para retirá-lo. Ela olhou para trás, por cima do ombro, enquanto remexia o pano na água.
— Vou terminar logo. Não o bastante para mim, mas logo. Então você poderá ter essa traidora vil. Espero que não seja gentil com ela.
Leoma sorriu. — Ela vai receber o que merece.
Millie tirou as mãos da água ensaboada. — Bom. — Ela bateu com a mão calejada molhada na coxa de Verna. — Mexa seus pés! Como posso lavar o chão quando você fica sentada aí como um monte de terra?
Verna sentiu algo rígido encostado na coxa dela depois que Millie afastou a mão.
— Aquele Warren é um porco também. Deixa o quarto dele um lixo. Eu estive lá mais cedo hoje, e ele fedia quase tanto quanto esse chiqueiro.
Verna moveu as mãos para cada um dos lados das pernas dela e colocou-as debaixo das coxas para se equilibrar enquanto levantava os pés para Millie. Seus dedos encontraram algo duro, e fino. No início, sua mente confusa não conseguiu reconhecer a sensação. Aquilo lhe ocorreu com um solavanco de reconhecimento.
Era uma Dacra.
O peito dela contraiu. Seus músculos enrijeceram. Ela mal conseguia respirar.
A cuspida repentina de Millie em seu rosto, fez ela se encolher e virar. — Não fique olhando desse jeito para uma mulher honesta! Mantenha seus olhos longe de mim.
Verna percebeu que Millie deve ter visto seus olhos arregalados.
— Terminei. — ela falou quando levantou seu corpo forte. — a não ser que você queira que eu dê um banho nela, e se quiser, e melhor pensar bem nisso. Não vou tocar nessa mulher maligna.
— penas pegue o seu balde e vá. — Leoma disse, sua impaciência crescendo.
Verna estava com a Dacra apertada com tanta força em seu punho que ela estava fazendo os dedos dela formigarem. O coração dela bateu tão forte que ela pensou que poderia partir uma costela.
Millie saiu da sala sem olhar para trás. Leoma fechou a porta.
— Essa é a sua última chance, Verna. Se você ainda recusar, será entregue ao Imperador. Logo vai desejar que tivesse cooperado comigo, posso prometer isso a você.
Chegue mais perto, Verna pensou. Chegue mais perto.
Sentiu a primeira onda de dor fluindo através dela. Ela caiu para trás sobre o palete, se afastando de Leoma. Chegue mais perto.
— Sente-se e olhe para mim quando falo com você.
Verna só conseguiu soltar um pequeno grito, mas ficou onde estava, esperando atrair Leoma para mais perto. Não teria chance alguma se pulasse de tão longe; a mulher a deteria antes que pudesse cobrir a distância. Precisava que ela estivesse mais perto.
— Eu falei para sentar! — Os passos de Leoma se aproximaram.
Querido Criador, por favor traga ela perto o bastante.
— Você vai olhar para mim e dizer que renuncia Richard. Você deve renunciar dele para que o imperador possa entrar em sua mente. Ele saberá quando você tiver desistido de sua lealdade, então não pense em mentir.
Mais um passo. — Olhe para mim quando falo com você!
Mais um passo. Um punho agarrou o cabelo dela e levantou a sua cabeça. Ela estava perto o bastante, mas seus braços queimavam de dor, e ela não conseguia levantar a mão. Oh, querido Criador, não permita que ela comece o teste com meus braços.
Permita que ela comece com minhas pernas. Preciso dos meus braços.
Ao invés de começar nas pernas, a dor nos nervos disparou por seus braços. Com toda sua força, Verna tentou levantar a mão com a Dacra. Ela não se movia. Seus dedos ardiam com pontadas de dor.
Independente de seu treinamento, seus dedos se abriram em espasmos e a Dacra caiu.
— Por favor. — ela gemeu. — não faça isso com minhas pernas dessa vez. Estou implorando, não faça com as minhas pernas.
O punho de Leoma no cabelo dela puxou sua cabeça para trás, e a mulher bateu no rosto dela. — Pernas, braços, não importa. Você vai se submeter.
— Você não pode me obrigar. Você vai falhar e... — Verna não conseguiu falar mais antes que a mão batesse no seu rosto novamente.
A dor abrasadora saltou para as pernas dela, e elas tremeram incontrolavelmente com os abalos. Os braços de Verna formigavam, mas finalmente ela conseguia movê-los. Sua mão tateou cegamente pelo palete, procurando freneticamente pela Dacra.
Seu dedão a tocou. Ela fechou os dedos em volta do frio cabo de metal, levantando-a em seu punho.
Invocando toda sua força e determinação, Verna enfiou sua Dacra na coxa de Leoma.
Leoma gritou, soltando o cabelo de Verna.
— Parada! — Verna falou, ofegante. — Eu tenho uma Dacra em você. Fique parada.
Uma das mãos desceu lentamente para confortar a perna dela logo acima da Dacra em seu músculo da coxa. — Você não pode achar que isso vai funcionar.
Verna engoliu em seco, procurando recuperar o fôlego. — Bem, agora, eu acho que vamos descobrir, não vamos? Parece que eu não tenho nada a perder. Você tem. Sua vida.
— Tenha cuidado, Verna, ou vai descobrir o quanto pode ficar arrependida de fazer algo assim. Tire isso, e eu fingirei que isso não aconteceu. Apenas tire.
— Oh, eu não acho que esse seja um conselho sábio, conselheira.
— Eu tenho controle de sua coleira. Tudo que eu tenho de fazer é bloquear o seu Han. Se você me obrigar a fazer isso, vai ser pior para você.
— Verdade, Leoma? Bem, acho que deveria dizer a você que em minha jornada de vinte anos, eu aprendi bastante sobre usar uma Dacra. Embora seja verdade que você pode bloquear meu Han através do Rada'Han, tem duas coisas nas quais seria melhor você pensar.
— Primeiro, mesmo que possa bloquear o meu Han, não consegue bloquear ele rápido o bastante para evitar que eu toque o mínimo fragmento do fluxo antes.
— Pela minha experiência, eu considero que isso seria o bastante. Se eu tocar meu Han, você estará morta instantaneamente.
— Segundo, para que você bloqueie o meu Han, você precisa se ligar a ele através da coleira. Isso dá a você a habilidade de manipular ele; é assim que funciona. Você supõe que o simples ato de bloquear o meu Han tocando ele forneceria poder para a Dacra mataria você? Eu mesma não tenho certeza, mas devo dizer a você que do meu lado, o lado do cabo, estou disposta a testar isso. O que você acha? Quer testar isso, Leoma?
Houve um longo silêncio na sala pouco iluminada. Verna podia sentir o sangue quente escorrendo sobre a sua mão. Finalmente a voz de Leoma acabou com a calmaria. — Não. O que você quer que eu faça?
— Bem, primeiro, vai tirar esse Rada'Han de mim, e então, já que indiquei você como minha conselheira, vamos ter uma pequena conversa. Você vai me aconselhar.
— Depois que eu tirar a coleira, então você vai remover a Dacra, e eu direi o que você quer saber.
Verna olhou para os olhos em pânico que a observavam. — Dificilmente você está em posição de fazer exigências. Eu acabei nesta sala porque confiei demais. Aprendi minha lição. A Dacra permanece onde está até que eu termine com você. A não ser que você faça como eu digo, você não tem valor algum para mim viva. Entendeu isso, Leoma?
— Sim. — veio a resposta resignada.
— Então vamos começar.
Como uma flecha ele disparou para frente com grande velocidade, e ainda assim, ao mesmo tempo ele deslizou com a lenta graça de uma tartaruga debaixo das águas calmas em uma noite iluminada pela lua. Não houve calor algum, nenhum frio. Seus olhos contemplaram luz e escuro juntos em uma simples visão espectral, enquanto seus pulmões pulsavam com a doce presença da Sliph enquanto ele a respirava dentro de sua alma.
Isso era êxtase.
Repentinamente, terminou.
Visões explodiram ao redor dele. Árvores, pedras, estrelas, lua. O cenário fez ele mergulhar no pavor.
Respire, ela falou para ele.
O pensamento o aterrorizou. Não.
Respire, ela falou para ele.
Ele lembrou de Kahlan, de sua necessidade de ajudá-la, e soltou um doce suspiro, esvaziando seus pulmões do êxtase.
Com um relutante mas ainda necessário esforço, ele deixou entrar o ar alienígena.
Sons ecoaram em volta dele. Insetos, pássaros, morcegos, sapos, folhas ao vento, tudo murmurando, gritando, estalando, assobiando, sussurrando, dolorosamente em sua onipresença.
Um braço confortador colocou ele sobre o muro de pedra enquanto a noite ao redor dele assumiu uma presença familiar em sua mente. Ele viu seus amigos Mriswith espalhados na floresta escura além das ruínas de pedra ao redor do poço. Alguns estavam sentados em blocos dispersos, e alguns estavam em pé entre os restos de colunas. Eles pareciam estar na borda de uma antiga estrutura decadente.
— Obrigado, Sliph.
— Nós estamos onde você desejou viajar. — ela disse, sua voz ecoando através do ar da noite.
— Você estará... aqui, quando eu quiser viajar novamente?
— Se eu estiver acordada, estou sempre pronta para viajar.
— Quando você dorme?
— Quando você disser, mestre.
Richard assentiu, sem ter certeza alguma para o quê estava balançando a cabeça. Observou a noite quando se afastou do poça da Sliph. Ele conhecia a floresta, não pela vista, mas sua sensação. Era a floresta Hagen, embora tivesse que ser um lugar muito mais profundo na vasta extensão do que ele já tinha se aventurado, porque nunca tinha visto esse lugar de pedra. Pelas estrelas ele soube a direção de Tanimura.
Mriswith estavam surgindo em grande número da floresta sombria ao redor seguindo até a as ruínas. Muitos passavam por ele falando um, bem-vindo, irmão de pele. Enquanto passavam, os Mriswith batiam suas facas de três lâminas na dele, fazendo as duas emitirem o retinir de metal. — Que sua Yabree cante em breve, irmão de pele. — cada deles falou quando encostavam as lâminas.
Richard não conhecia a resposta adequada, e então dizia apenas, obrigado.
Enquanto os Mriswith passavam por ele até a Sliph, batendo na Yabree dele, o som durava cada vez mais tempo, seu ruído agradável aquecendo todo o seu braço. Quando outros Mriswith se aproximavam, ele alterava seu curso para que ele pudesse encostar sua Yabree nas deles. Richard olhou para a lua que se erguia, e a posição das estrelas. Era cedo da noite, com um leve brilho ainda no céu do oeste. Ele partiu de Aydindril no final da noite. Essa não poderia ser a mesma noite. Tinha que ser a noite seguinte. Tinha passado quase um dia todo dentro da Sliph.
A não ser que fossem três dias. Ou três. Ou um mês, ou até mesmo um ano. Ele não tinha como dizer; só sabia que foi pelo menos um dia. A lua estava do mesmo tamanho; talvez fosse apenas um dia.
Ele parou para deixar que outro Mriswith batesse em sua Yabree. Atrás, Mriswith estavam entrando na Sliph. Uma grande fila deles estava esperando sua vez. Apenas segundos se passaram antes que o próximo pulasse do muro para mergulhar dentro do mercúrio cintilante.
Richard parou para sentir sua Yabree enviando um som caloroso através dele. Sorriu com o suave zunido, uma canção delicada em seus ouvidos, e em seus ossos.
Ele sentiu um perturbadora necessidade que interrompeu a canção alegre.
Ele fez um Mriswith parar. — Onde eu sou necessário?
O Mriswith apontou com sua Yabree. — Ela levará você. Ela conhece o caminho.
Richard caminhou na direção que o Mriswith havia indicado. Na escuridão próxima de um muro despedaçado, uma figura esperava. O som da Yabree dele estimulava a seguir em frente com a necessidade.
A figura não era um Mriswith, mas uma mulher. Na luz do luar, pensou que a reconhecia.
— Boa noite, Richard.
Ele deu um passo para trás. — Merissa!
Ela sorriu com simpatia. — Como está o meu aluno? Faz algum tempo. Espero que esteja bem, e que sua Yabree cante para você.
— Sim. — ele gaguejou. — Ela canta sobre uma necessidade.
— A Rainha.
— Sim! A Rainha. Ela precisa de mim.
— Então, você está pronto para ajudá-la? Para libertá-la?
Depois que ele assentiu, ela virou e o conduziu para dentro das ruínas. Vários Mriswith juntaram-se a eles enquanto entravam nos portais quebrados. Através de aberturas cheias de videiras nas paredes, a luz da lua penetrava, mas quando as paredes se tornaram mais sólidas, bloqueando a luz da lua, ela acendeu uma chama na palma enquanto caminhava. Richard a seguiu subindo degraus em caracol dentro das ruínas sombrias e descendo por corredores que pareciam estar intocados durante milhares de anos.
A iluminação da luz na palma dela repentinamente tornou-se inadequada quando eles entraram em uma câmara enorme, Merissa lançou a pequena chama em tochas de ambos os lados, trazendo luz bruxuleantes para a vasta sala. Grandes sacadas cobertas de poeira e teias de aranha cercavam a sala, oferecendo vista panorâmica para uma piscina com ladrilhos no piso principal. Os ladrilhos, uma vez brancos, agora estavam escuros com sujeira e manchas, e a água negra na piscina estava com faixas de lama nas bordas. Lá em cima, o teto com parte de um domo estava aberto no centro, com estruturas se erguendo através da abertura.
Os Mriswith deslizaram ao lado dele, ficando perto. Os dois bateram suas Yabree na dele. O som agradável ecoou junto com o centro de calmaria dentro dele.
— Esse é o lugar da Rainha. — um deles falou. — Nós podemos ir até ela, e quando as crias nascerem eles poderão partir, mas a Rainha não consegue sair daqui.
— Por quê? — Richard perguntou.
O outro Mriswith deu um passo adiante e esticou uma garra. Quando ela entrou em contato com alguma coisa invisível, todo um escudo em forma de domo se acendeu com um brilho suave. O domo cintilante se encaixava dentro daquele domo de pedra, só que não tinha o buraco na parte de cima. O Mriswith afastou sua garra, e o escudo tornou-se invisível novamente.
— O tempo da antiga Rainha está passando, e finalmente ela está morrendo. Nós todos comemos da carne dela, e uma nova Rainha emergiu das últimas e suas crias. A nova Rainha canta para nós através da Yabree, e nos diz que ela está cheia de crias. É hora da nova Rainha se mudar, e estabelecer a nossa nova colônia.
— A grande barreira se foi e a Sliph está acordada. Agora você deve ajudar a Rainha para que possamos estabelecer novos territórios.
Richard assentiu. — Sim. Ela precisa ficar livre. Posso sentir a necessidade dela. Isso me enche com a canção. Porque vocês não a libertaram?
— Não podemos. Assim como você foi necessário para destruir as torres, e para acordar a Sliph, só você pode libertar a Rainha.
— Isso deve ser feito antes que você segure duas Yabree, e as duas cantem para você.
Guiado pelo seu instinto, Richard moveu-se até os degraus de um lado. Podia sentir que o escudo era mais forte na base; tinha que ser rompido no topo. Ele segurou a Yabree no peito enquanto subia os degraus de pedra.
Ele tentou imaginar como duas seriam maravilhosas. A canção confortadora dela o acalmava, mas a necessidade da Rainha o impulsionava adiante. Os Mriswith ficaram para trás, mas Merissa o seguiu.
Richard se movia como se tivesse feito a jornada antes. Os degraus o levaram para fora, e então para cima espiralando ao lado das ruínas de colunas. A luz da lua lançava sombras irregulares entre as rochas que ainda restavam no meio da devastação.
Finalmente eles alcançaram o topo de uma pequena torre de observação circular, com pilares elevando-se ao lado dela, conectados acima pelos restos de uma plataforma decorada com gárgulas. Parecia que uma vez aquilo havia circulado todo o domo, conectando torres como aquela sobre a qual eles estavam. De cima da alta torre, Richard podia olhar para baixo através da abertura do domo. O teto curvado cravado com enormes colunas, como espinhos, que apontavam para fora e desciam em fileira.
Merissa, em um vestido vermelho, a única cor que ele já tinha visto ela usar quando vinha dar suas aulas, ficou bem perto atrás dele, olhando para baixo silenciosamente dentro do domo sombrio.
Richard podia sentir a Rainha na piscina escura lá embaixo, chamando por ele, estimulando ele a libertá-la. A Yabree dele cantava através dos seus ossos.
Abaixando a mão, ele deixou sua necessidade fluir para o exterior. Ele esticou o outro braço, apontando a Yabree para baixo junto com os dedos da sua outra mão. O aço emitiu um som, vibrando com o poder que estava saindo dele.
As lâminas da Yabree ressoaram, aumentando o timbre, até que a noite gritou. O som era doloroso, mas Richard não o deixou diminuir. Ele fez com que seguisse adiante. Merissa se afastou, cobrindo os ouvidos enquanto o ar reverberava com o uivo da Yabree.
O escudo em forma de domo lá embaixo tremeu, brilhando enquanto suas vibrações intensificavam. Rachaduras cintilantes surgiram e espalharam-se pela superfície. Com um som ensurdecedor, o escudo estilhaçou; pedaços dele, como vidro brilhante, choveram na direção da piscina, cintilando enquanto caíam.
A Yabree silenciou, e mais uma vez a noite estava tranquila
Uma grande massa lá embaixo se moveu, balançando para se livrar das plantas e da sujeira. Asas se abriram, testando sua força, e então, com batidas frenéticas, a Rainha ergueu-se no ar. Com fortes batidas de suas asas, subiu até a borda do domo, suas garras cravando-se na rocha para ter apoio. Dobrando parcialmente as asas recém testadas, ela começou a escalar a rocha da torre sobre a qual estavam Richard e Merissa. Com puxões poderosos, lentos, decididos, rebocou sua massa cintilante subindo a coluna, suas garras encontrando apoio nas rachaduras e fendas na rocha.
Finalmente ela parou, pendurada no pilar ao lado de Richard como uma salamandra grudada em uma tora coberta de lodo. Na luz clara da lua, Richard podia ver que ela era tão vermelha quanto o vestido de Merissa. No início, Richard pensou que estava vendo um Dragão Vermelho, mas observando com mais cuidado conseguiu ver as diferenças.
As pernas e braços dela eram mais musculosos do que os de um Dragão, e cobertos com escamas menores mais parecidas com as de um Mriswith. Uma fileira de placas interligadas corriam pela extensão de sua espinha, da ponta de sua cauda até um grupo de espinhos atrás da cabeça. Em cima da cabeça, na base de vários espinhos compridos, havia uma protuberância elevada coroada com fileiras de carne sem escamas que se agitavam ocasionalmente enquanto ela respirava.
A cabeça da Rainha contorceu virando para todos os lados, procurando. Suas asas se abriram, balançando lentamente no ar da noite. Ela queria alguma coisa.
— O que você está procurando? — Richard perguntou.
Virando a cabeça para baixo, na sua direção, ela bufou lançando um jato de ar que o envolveu com um aroma estranho. De algum modo isso o fez sentir a necessidade dela de forma mais apurada; o aroma tinha o significado que ele conseguiu entender como, quero ir para esse lugar.
Então ela virou a cabeça para a noite além dos pilares. Soprou, emitindo um longo som vibrante que pareceu estremecer o ar. Richard conseguiu vê-la expelindo ar através das faixas de carne no alto de sua cabeça. Elas sacudiram enquanto ela soprava, criando o som. Com o aroma ainda enchendo suas narinas, ele olhou para a noite diante da torre.
O ar tremulou, brilhando enquanto uma imagem começou a surgir diante dele. A Rainha soprou novamente, e a imagem ficou mais clara. Era uma cena que Richard reconheceu. Era Aydindril, como se estivesse vendo aquilo através de uma estranha névoa ocre. Richard podia ver as construções da cidade, o Palácio das Confessoras, e ela soprou novamente, clareando a imagem flutuando diante dele no ar da noite, a Fortaleza do Mago erguendo-se sobre o lado da montanha.
A cabeça dela girou na sua direção, bufando novamente um aroma, mas diferente do primeiro. Carregava um significado diferente: — Como chego até esse lugar?
Richard sorriu com a surpresa de ser capaz saber o que ela queria dizer através de um aroma. Sorriu também, com o conhecimento de que poderia ajudá-la.
Ele esticou o braço, e um brilho saiu dele, iluminando a Sliph. — Ali. Ela levará você.
A Rainha bateu as asas quando saltou da coluna e mais uma vez, livre da rocha, abriu-as para planar descendo até a Sliph. A Rainha não podia voar muito bem, Richard entendeu; podia usar suas asas para ajudá-la por algum tempo mas não podia voar até Aydindril. Ela precisava de ajuda para chegar até lá. A Sliph já estava envolvendo a Rainha enquanto ela dobrava suas asas. O mercúrio engoliu-a, e a Rainha vermelha desapareceu.
Richard ficou sorrindo com o prazer da Yabree cantando em sua mão, zunindo através de seus ossos.
— Encontrarei você lá embaixo, Richard. — Merissa disse. De repente ele a sentiu agarrando sua camisa atrás do seu pescoço, e com o poder do seu Han, lançá-lo por cima do lado da torre.
Por instinto, Richard esticou o braço, conseguindo apenas tocar a borda da abertura no domo quando passava caindo. Ele balançou pendurado pelos dedos, seus pés suspensos acima de uma queda de pelo menos cem pés. Sua Yabree fez barulho quando atingiu a rocha lá embaixo. Inundado com súbito pânico, ele sentiu como se estivesse acordando em um pesadelo.
A canção se foi. Sem a Yabree, sua mente repentinamente pareceu assustadoramente desperta. Ele estremeceu de terror ao perceber a sedução insidiosa, e o que isso tinha feito com ele.
Inclinando-se para o ver pendurado ali, Merissa lançou um jato de fogo na sua direção. Ele balançou os pés para dentro, e as chamas erraram por pouco. Ela não cometeria o mesmo erro duas vezes, ele sabia.
Richard tateou freneticamente debaixo da borda do domo procurando por alguma coisa para agarrar. Seus dedos encontraram uma fenda de suporte.
Com desesperada necessidade de escapar de Merissa, ele agarrou ali e balançou para baixo do domo quando outro jato de fogo passou atingindo a piscina suja lá embaixo, lançando jatos de sujeira pelo ar.
Usando as mãos, impulsionado pelo medo, não apenas de Merissa, mas também da altura, ele começou a descer.
Merissa seguiu na direção dos degraus. Enquanto ele descia a fenda ficava mais escarpada, tornando-se quase vertical enquanto se aproximava da ponta do domo.
Grunhindo com o esforço enquanto se apressava, seus dedos doendo, Richard estava dominado pela vergonha. Como poderia ser tão estúpido? O que ele estava pensando? Aquilo lhe ocorreu com assustadora compreensão.
A capa de Mriswith.
Lembrou de Berdine correndo, segurando o diário de Kolo, gritando para ele tirar a capa. Lembrou de ler no diário como não apenas eles, mas também seus inimigos, criaram coisas de magia que faziam as mudanças necessárias para dar as pessoas certas propriedades, como força e resistência, ou o poder de focar um feixe de luz em um ponto destrutivo, ou a habilidade de ver grandes distâncias, mesmo durante a noite.
A capa de Mriswith deve ser uma dessas coisas, usada para dar ao magos a habilidade de ficarem invisíveis. Koto tinha mencionado quantas das armas que eles desenvolveram acabaram dando terrivelmente errado. Poderia ser também que os Mriswith tivessem sido criados pelo inimigo.
Queridos espíritos, que problema ele havia causado? O que tinha feito? Precisava tirar a capa da sua costa. Berdine estava tentando avisar para ele.
A Terceira Regra do Mago: A paixão governa a razão. Ele estava tão entusiasmado para chegar até Kahlan que não havia usado sua razão e não escutou o aviso de Berdine. Agora como ele conseguiria deter a Ordem? Sua estupidez tinha ajudado eles.
Richard ficou tenso para se segurar quando o apoio ficou quase vertical. Mais dez pés.
Merissa apareceu em um portal. Ele viu um raio formar um arco pela sala. Ele soltou, e caiu em direção ao chão, desejando que pudesse cair mais rápido. O estalo alto do raio feriu seus ouvidos quando passou perigosamente perto para arrancar sua cabeça. Tinha que escapar dela. Tinha que correr.
— Eu encontrei com sua futura esposa, Richard.
Richard congelou. — Onde ela está?
— Saia de onde está, e vamos conversar sobre isso. Vou contar tudo a você sobre como vou adorar escutar ela gritar.
— Onde ela está?
A risada de Merissa ecoou pelo domo. — Bem aqui, meu aluno. Bem aqui em Tanimura.
Furioso, Richard liberou um raio. Ele iluminou a câmara, trovejando através da sala até onde ele tinha avistado ela por último. Fragmentos de rocha deixando rastros de fumaça deslizaram pelo ar. Apenas vagamente ele imaginava como tinha feito tal coisa. Necessidade.
— Por quê? Porque você poderia querer machucá-la?
— Oh, Richard, não é ela que eu me preocupo em machucar. É você. A dor dela vai causar dor em você; é simples assim. Ela é simplesmente um meio de obter o seu sangue.
Richard olhou para as passagens. — Porque você quer meu sangue?
Logo que acabou de falar, ele agachou e seguiu até uma passagem.
— Porque você arruinou tudo. Trancou o meu mestre no submundo. Eu deveria ter minha recompensa. Deveria ter minha imortalidade. Eu fiz minha parte, mas você arruinou tudo.
Um raio negro ondulante abriu um buraco em uma parede bem ao lado dele. Ela estava usando Magia Subtrativa. Era uma feiticeira com poder inimaginável, e podia dizer onde ele estava; podia sentir ele. Então porque ela estava errando?
— Mas o pior. — ela falou enquanto um dedo fino tocava no anel dourado que atravessava seu lábio inferior. — é que por sua causa, eu devo servir aquele porco Jagang. Você não tem ideia das coisas que ele fez comigo. Você não tem ideia das coisas que ele me obriga fazer. Tudo por causa de você! Tudo por causa de você, Richard Rahl! Mas vou fazer você pagar. Eu jurei me banhar em seu sangue, e eu irei.
— E quanto a Jagang? Vai deixar ele zangado se me matar.
Fogo irrompeu atrás dele, fazendo ele correr para a coluna seguinte.
— Exatamente o contrário. Agora que você fez o que era necessário, não tem mais utilidade para o Andarilho dos Sonhos. Como recompensa, tenho permissão de fazer com o que eu quiser com você, e eu tenho alguns desejos grandiosos.
Richard percebeu que não conseguiria escapar dela desse jeito. Poderia estar atrás de uma parede, e ela conseguiria sentir ele com o Han dela.
Pensou novamente sobre Berdine, e justamente quando levantava o braço para agarrar a capa de Mriswith para arrancá-la de sua costa, ele parou. Merissa não seria capaz de enxergar ele com seu Han se ele estivesse envolvido pela magia da capa. Mas a magia da capa era a força que criou os Mriswith.
Kahlan era uma prisioneira. Merissa disse que a dor dela causaria dor nele. Não poderia permitir que machucassem Kahlan. Não tinha escolha.
Ele se enrolou na capa e desapareceu.
Essa é a última, como eu prometi. — Verna olhou fixamente nos olhos de uma mulher que conheceu por cento e cinquenta anos. Seu coração estava ferido.
Não conheceu bem o bastante. Havia muitas que ela não conheceu bem o bastante.
— O que Jagang quer com o Palácio dos Profetas?
— Ele não tem poder, além de um homem comum, a não ser sua habilidade como um Andarilho dos Sonhos. — A voz de Leoma tremeu, mas ela continuou. — Ele usa outros, especialmente aqueles com o dom, para fazer o que deseja. Ele vai usar o nosso conhecimento para revelar as ramificações nas profecias que o levarão à vitória, e então providenciará para que as ações corretas sejam tomadas para conduzir o mundo por essa ramificação.
— É um homem muito paciente. Levou quinze anos para conquistar o Mundo Antigo, o tempo todo aperfeiçoando sua habilidade, sondando as mentes de outros, e reunindo a informação que ele precisava.
— Ele não apenas pretende usar as profecias nas câmaras, mas pretende fazer do Palácio dos Profetas sua casa. Ele sabe sobre o feitiço; ele posicionou homens aqui como um teste para ter certeza que ele funciona para aqueles sem o dom, e que não há nenhum efeito prejudicial. Ele vai morar aqui e direcionar a conquista do restante do mundo, com ajuda das profecias, desse lugar.
— Uma vez que todas as terras caírem, ele manterá a dominação sobre o mundo por centenas e centenas de anos, aproveitando as pilhagens de sua tirania. Para a mente dele, nada tão grande jamais foi sonhado, muito menos realizado. Será o mais próximo que um governante pode chegar da imortalidade.
— O que mais você pode me dizer?
Leoma cruzou as mãos. — Nada. Eu falei tudo. Vai me soltar, Verna?
— Beije o seu dedo anelar, e implore o perdão do Criador.
— O quê?
— Abandone o Guardião. É a sua única esperança, Leoma.
Leoma balançou a cabeça. — Não posso fazer isso, Verna. Não farei.
Verna não tinha tempo a desperdiçar. Sem mais palavras ou discussões, tocou o Han dela. Luz pareceu sair dos olhos de Leoma e ela desabou no chão, morta.
Verna deslizou silenciosamente até o final do corredor vazio, até o quarto da Irmã Simona. Sentindo a alegria de manipular o seu Han conforme sua vontade, ela baixou o escudo. Cuidadosamente, para não assustá-la, ela bateu e então abriu a porta, ouvindo Simona correr para o canto mais distante.
— Simona, é Verna. Não tenha medo, querida.
Simona soltou um grito. — Ele vem! Ele vem!
Verna acendeu um suave brilho do Han em sua palma. — Eu sei. Você não está louca. Irmã Simona. Ele realmente vem.
— Nós devemos escapar! Nós devemos escapar. — ela gritou. — Oh, por favor, devemos fugir antes que ele chegue aqui. Ele vem nos meus sonhos e zomba de mim. Estou com tanto medo. — Ela caiu para beijar o dedo anelar.
Verna segurou a mulher trêmula nos braços. — Simona, me escute cuidadosamente. Eu tenho um jeito de salvá-la do Andarilho dos Sonhos. Posso fazer você ficar em segurança. Nós podemos fugir.
A mulher sorriu, piscando para Verna. — Você acredita em mim?
— Sim. Sei que está dizendo a verdade. Mas você também deve acreditar em mim, quando digo a verdade que conheço uma magia que vai protegê-la do Andarilho dos Sonhos.
Simona enxugou as lágrimas da bochecha suja ela. — Isso realmente é possível? Como pode ser feito?
— Você lembra de Richard? O jovem que eu trouxe comigo?
Simona assentiu com um sorriso enquanto se aconchegava nos braços de Verna. — Quem poderia esquecer Richard? Problema e maravilha em um pacote.
— Agora escute. Além do dom, Richard tem uma magia que foi transferida de seus ancestrais que combateram os Andarilhos dos Sonhos originais. É uma magia que também o protege dos Andarilhos dos Sonhos. Isso também protege qualquer um que jura fidelidade a ele, que é leal a ele de todas as maneiras. Essa foi a razão pela qual o feitiço foi lançado originalmente. Para lutar contra os Andarilhos dos Sonhos.
Os olhos dela arregalaram. — Isso não pode ser possível. Mera lealdade conferir magia.
— Leoma me trancou em uma sala descendo o corredor. Ela colocou uma coleira no meu pescoço e usou o teste da dor para tentar quebrar minha força de vontade e me obrigar a renunciar Richard. Ela falou que o Andarilho dos Sonhos queria entrar em meus sonhos, como ele faz com você, mas a minha fidelidade a Richard impediu isso. Funciona, Simona. Não sei como, mas funciona. Estou protegida do Andarilho dos Sonhos. Você também pode ficar.
Irmã Simona afastou fios de cabelo cinzento do rosto. — Verna, eu não estou louca. Quero tirar essa coleira do meu pescoço. Quero escapar do Andarilho dos Sonhos. Devemos fugir. O que você quer que eu faça?
Verna apertou a pequena mulher com mais força. — Você vai nos ajudar? Vai ajudar o resto das Irmãs da Luz a escapar também?
Simona encostou seus lábios rachados no dedo anelar. — Pelo meu juramento ao Criador.
— Então faça um juramento para Richard também. Você deve estar ligada a ele.
Simona se afastou e ajoelhou com a testa encostada no chão. — Juro fidelidade a Richard. Juro minha vida para ele pela minha esperança de ser abrigada pelo Criador no próximo mundo.
Verna fez Simona sentar. Colocou as mãos nos lados do Rada'Han, deixando seu Han fluir dentro dele, unindo-se com ele, a sala zunindo com o esforço. A coleira abriu e caiu no chão.
Simona soltou um grito de alegria enquanto abraçava Verna. Verna abraçou-a bem apertado; conhecia a alegria de ter o Rada'Han retirado do pescoço.
— Simona, nós devemos ir. Temos muito trabalho a fazer, e não temos muito tempo. Preciso de sua ajuda.
Simona enxugou as lágrimas. — Estou pronta. Obrigada. Prelada.
Na porta com o trinco protegido com a teia intricada, Verna e Simona trabalharam juntas com seu Han. A teia foi criada por três Irmãs, e embora Verna tivesse esse poder, ainda seria um desafio desfazer ela. Com a ajuda de Simona, a teia foi desfeita facilmente.
Os dois guardas do lado de fora da porta tomaram um susto quando viram as prisioneiras sujas. Os piques abaixaram.
Verna reconheceu um dos guardas. — Walsh, você me conhece. Agora, levante esse pique.
— Sei que você foi condenada por ser uma Irmã do Escuro.
— Sei que você não acredita nisso.
A ponta estava ameaçadoramente próxima do rosto dela. — O que faz você pensar isso?
— Porque se fosse verdade, eu simplesmente mataria você para escapar.
Ele ficou em silêncio por um momento enquanto considerava. — Continue falando.
— Nós estamos em guerra. O Imperador quer colocar o mundo em suas garras. Ele usa as verdadeiras Irmãs do Escuro, como Leoma, e a nova Prelada, Ulicia. Você as conhece, e me conhece. Em quem você acredita?
— Bem... Eu não tenho certeza.
— Então permita que eu coloque em termos que deixem isso claro. Você lembra de Richard?
— Claro. Ele é um amigo.
— Richard está em guerra contra a Ordem Imperial. A hora para você escolher o seu lado chegou. Você deve decidir sua lealdade, agora mesmo, aqui mesmo. Richard, ou a Ordem.
Ele pressionou os lábios enquanto efetuava uma batalha mental. Finalmente, a parte inferior do pique bateu no chão.
— Richard.
Os olhos do outro guarda se moveram entre Walsh e Verna. Repentinamente seu pique projetou-se para frente com o grito. — A Ordem!
Verna já estava com seu Han preparado. Antes que a lâmina a tocasse, o homem foi lançado para trás com tanta força que quando ele bateu na parede, sua cabeça partiu. Ele desabou no chão, morto.
— Acho que escolhi certo. — Walsh disse.
— Escolheu mesmo. Devemos reunir as verdadeiras Irmãs da Luz, e os jovens magos leais, e devemos sair daqui imediatamente. Não há um momento a perder.
— Vamos. — Walsh falou, levantando seu pique, apontando o caminho.
Do lado de fora, no ar morno da noite, uma figura magra estava sentada em um banco ali perto. Quando ela as reconheceu, levantou rapidamente.
— Prelada! — ela sussurrou com grande alegria.
Verna abraçou Millie com tanta força que a velha gemeu. — Oh, Prelada, perdoe as coisas odiosas que eu disse. Não estava falando sério, eu juro.
Verna, quase chorando, apertou a mulher novamente, e então beijou a testa dela uma dúzia e vezes. — Oh, Millie, obrigada. Você é o melhor trabalho do Criador. Nunca esquecerei o que fez por mim, pelas Irmãs da Luz. Millie, nós temos que fugir. O Imperador vai tomar o Palácio. Você virá conosco, por favor, para que fique segura?
Millie encolheu os ombros. — Eu? Uma velha? Fugindo de Irmãs do Escuro assassinas e monstros mágicos?
— Sim. Por favor?
Millie sorriu na luz da lua. — Parece mais divertido do que esfregar o chão e esvaziar pinicos.
— Está certo, todas escutem então, nós...
Uma sombra alta saiu do canto da construção. Todos ficaram imóveis e em silêncio enquanto a figura se aproximava.
— Bem, Verna, parece que achou seu caminho de saída. Achei que você podia. — Ela chegou mais perto, onde podiam vê-la. Era Irmã Philippa, A outra conselheira de Verna. Ela beijou o dedo anelar. A boca fina de Philippa abriu um sorriso. — Graças ao Criador. Bem-vinda de volta, Prelada.
— Philippa, nós devemos levar as Irmãs para longe hoje, antes que Jagang chegue aqui, ou seremos capturadas e usadas.
— O que devemos fazer, Prelada? — Irmã Philippa perguntou.
— Todas vocês, escutem com atenção. Devemos nos apressar, e devemos ser mais do que cuidadosas. Se formos pegas, estaremos todas em coleiras.
Richard estava ofegante por causa de sua corrida da Floresta Hagen, então ele reduziu a velocidade para um trote para recuperar o fôlego. Ele viu Irmãs rondando pelo terreno do Palácio, mas elas não o viram. Embora estivesse enrolado na capa de Mriswith, não poderia procurar no Palácio todo; isso levaria dias. Tinha que descobrir onde Kahlan, Zedd, e Gratch estavam presos para que pudesse voltar até Aydindril. Zedd saberia o que fazer.
Provavelmente o censuraria furiosamente por sua estupidez, mas Richard merecia isso. Seu estômago formava um nó quando pensava no problema que havia causado. Ele não podia nem dar crédito para sua inteligência por suas ações impulsivas não acabarem resultando em sua morte. Quantas vidas ele tinha colocado em perigo com suas ações apressadas?
Kahlan provavelmente ficaria mais do que furiosa com ele. E porque não?
Richard tremeu ao pensar porque os Mriswith foram para Aydindril. Sentiu uma pontada de medo por seus amigos lá.
Talvez os Mriswith só desejassem estabelecer um novo lar, com a Floresta Hagen aqui, e ficariam lá em paz. Uma voz interior riu desse pensamento esperançoso. Precisava voltar para lá.
Pare de pensar no problema, ele se repreendeu. Pense na solução.
Primeiro ele iria tirar seus amigos daqui, e então se preocuparia com o resto.
Era estranho que Kahlan, Zedd, e Gratch fossem mantidos no Palácio, mas ele não duvidou daquilo que Merissa falou; ela pensava que estava com ele nas mãos, e então não teria razão para mentir. Ele não conseguia entender porque as Irmãs do Escuro esconderiam seus prisioneiros em um lugar que poderia ser perigoso para elas.
Richard parou. Um pequeno grupo de pessoas estava cruzando o gramado sob a luz da lua. Não conseguiu ver quem eram, e estava prestes a ir descobrir, mas decidiu que seu primeiro pensamento era o correto: ir falar com Ann. A Prelada poderia ajudá-lo. Além da Prelada Annalina e Irmã Verna ele não sabia em qual das Irmãs podia confiar. Esperou até que as pessoas se afastassem por um corredor coberto antes de prosseguir novamente.
Quando tinha deixado o Palácio meses atrás, ele sabia que ainda poderia haver Irmãs do Escuro entre as feiticeiras aqui, e elas deveriam ser aquelas que pegaram Kahlan, mas não sabia quem eram elas. Poderia procurar por Verna, mas não sabia onde ela estaria. Porém, ele sabia onde encontrar a Prelada, então era por ali que iria começar.
Se fosse preciso, ele destruiria o Palácio dos Profetas, pedra por pedra, para encontrar Kahlan e seus amigos, mas estava preocupado em não violar a Terceira Regra do Mago novamente, e decidiu que dessa vez ele começaria, pelo menos, com a razão ao invés da paixão.
Queridos espíritos, onde uma terminava e a outra começava?
No portão externo para o terreno da Prelada, Kevin Andellmere estava montando guarda. Richard conhecia Kevin, e tinha razoável certeza de que poderia confiar nele. Razoável certeza não era bom o bastante, então Richard manteve a capa de Mriswith fechada e passou por Kevin até o interior do terreno. Ao longe, Richard conseguiu ouvir a risada rouca de vários homens subindo por um caminho, mas eles estavam a uma boa distância.
Richard conhecia as administradoras anteriores da Prelada. Uma foi morta quando a outra, Irmã Ulicia, havia atacado a Prelada. Depois do ataque, Irmã Ulicia e cinco outras Irmãs do Escuro fugiram a bordo de um navio, o Lady Sefa. Agora as escrivaninhas do lado de fora do escritório da Prelada estavam vazias.
Ninguém estava por perto no corredor, ou no escritório externo, e a porta para o escritório da Prelada estava aberta, então Richard deixou a capa de Mriswith abrir quando relaxou sua concentração. Queria que Ann o reconhecesse.
A luz do luar entrando pelas portas duplas na parte de trás da sala escura formava a silhueta dela para que Richard pudesse ver que ela estava sentada em sua cadeira atrás da mesa. Podia ver na luz fraca que a cabeça dela estava abaixada. Ela deveria estar cochilando.
— Prelada. — ele falou suavemente, para acordar ela com um susto. Ela se moveu, sua cabeça levantou um pouco, e a mão dela se ergueu. — Preciso conversar com você, Prelada. É Richard. Richard Rahl.
Um brilho surgiu na palma dela virada para cima.
Irmã Ulicia sorriu para ele. — Veio conversar, não foi? Que interessante. Bem, uma conversa seria muito bom.
Enquanto o sorriso maldoso dela aumentava, Richard deu um passo para trás, sua mão procurando o cabo da espada.
Ele não tinha espada.
Ouviu a porta fechar batendo atrás dele.
Ele virou e viu quatro de suas professoras: Irmãs Tovi, Cecilia, Armina, e Merissa. Enquanto elas se aproximavam ele viu que cada uma delas usava um anel no lábio inferior. Só estava faltando Nicci. Todas sorriam como crianças famintas olhando para um doce no final de um jejum de três dias.
Richard sentiu sua necessidade acender dentro dele.
— Antes que faça qualquer coisa tola, Richard, é melhor escutar primeiro, ou vai morrer onde está.
Ele fez uma pausa e olhou para Merissa. — Como vocês me encontraram de volta aqui?
Ela curvou uma sobrancelha sobre um olho escuro malevolente. — Eu voltei com meu cavalo.
Richard virou para Ulicia. — Tudo isso foi planejado, não foi? Fizeram isso para me capturar.
— Oh, sim, meu rapaz, e você fez a sua parte de forma esplêndida.
Ele apontou para Merissa enquanto falava com Ulicia. — Como sabiam que eu não seria morto quando ela me jogou daquela torre?
O sorriso de Ulicia desapareceu quando ela olhou para Merissa. Ao ver aquele olhar Richard percebeu que Merissa estivera agindo fora das instruções.
Ulicia levou seu olhar de volta para Richard. — O fato é que, você está aqui. Agora, quero que você se acalme, ou alguém pode se ferir; você pode ter nascido com os dois lados do dom, mas nós também temos o uso de ambas as magias também. Mesmo se você conseguir matar uma ou duas de nós, não tem como pegar todas, e então Kahlan morrerá.
— Kahlan... — Richard olhou para ela furioso. — Estou ouvindo.
Ulicia cruzou as mãos. — Está vendo, Richard, você tem um problema. Felizmente para você, nós também temos um problema.
— Que tipo de problema?
Os olhos dela endureceram com uma expressão ameaçadora. — Jagang.
As outras deram a volta na mesa para ficar ao lado de Ulicia. Nenhuma delas estava rindo mais. O ódio nos olhos delas ao ouvirem o nome Jagang, até mesmo o das aparentemente gentis Tovi e Cecilia, pareciam poder queimar rocha.
— Está vendo, Richard, está quase na hora de ir para cama.
Richard franziu a testa. — O quê?
— Você não recebe nenhuma visita do Imperador Jagang em seus sonhos. Nós recebemos. Ele está se tornando um problema para nós.
Richard podia sentir o controle na voz dela. Essa mulher queria alguma coisa mais do que a própria vida.
— Problemas com o Andarilho dos Sonhos, Ulicia? Bem, eu não saberia. Eu durmo como um bebê.
Richard geralmente sabia quando uma pessoa com o dom estava tocando o seu Han; podia sentir, ou ver isso nos olhos. O ar ao redor dessas mulheres quase explodia em chamas. Por trás de todos aqueles olhos parecia haver poder acumulado suficiente para derreter uma montanha. Aparentemente, isso não era o bastante. Um Andarilho dos Sonhos deveria ser um oponente formidável.
— Está bem, Ulicia, vamos direto ao ponto. Eu quero Kahlan, e você quer alguma coisa. O que é?
Ulicia tocou no anel em seu lábio quando olhou para longe dos olhos dele. — Isso tem que ser resolvido antes de irmos dormir. Acabei de falar para minhas Irmãs sobre o meu plano. Não conseguimos encontrar Nicci para incluir ela. Se formos dormir antes que esteja resolvido, e qualquer uma de nós sonhar com isso...
— Resolvido? Eu quero Kahlan. Apenas me diga o que você quer.
Ulicia limpou a garganta. — Nós queremos jurar lealdade a você.
Richard ficou imóvel, incapaz de piscar. Não tinha certeza se havia escutado o que pensou ter escutado. — Vocês todas são Irmãs do Escuro. Vocês me conhecem, e todas querem me matar. Como vocês podem quebrar seu juramento ao Guardião?
O olhar de ferro de Ulicia levantou. — Eu não disse que desejamos fazer isso. Eu disse que gostaríamos de jurar lealdade a você, aqui, no mundo dos vivos. Eu não acho, em vista de todo a situação atual, que as duas coisas sejam incompatíveis.
— Não são incompatíveis! Vocês estão loucas também!
Os olhos dela ficaram ameaçadores. — Você quer morrer? Quer que Kahlan morra?
Richard fez um esforço para acalmar sua mente acelerada. — Não.
— Então fique quieto e escute. Nós temos algo que você quer. Você tem algo que nós queremos. Cada um de nós tem condições. Por exemplo, você quer Kahlan, mas quer ela viva e bem. Estou certa?
Richard devolveu o olhar ameaçador. — Você sabe que sim. Mas o que a faz pensar que eu faria um pacto com você? Você tentou matar a Prelada Annalina.
— Não apenas tentei, mas consegui.
Richard fechou os olhos com um grunhido angustiado. — Você admite o assassinato dela, e então espera que eu confie...
— Estou ficando sem paciência, jovem, e sua futura esposa está ficando sem tempo. Se você não levar ela embora antes que Jagang chegue aqui, posso assegurar, não há esperança alguma de que você a veja novamente. Você está sem tempo para procurar.
Richard engoliu em seco. — Está bem. estou escutando.
— Você colocou a tranca de volta no portal do Guardião para esse mundo. Frustrou nossos planos. Ao fazer isso, diminuiu o poder do Guardião nesse mundo, restaurando o equilíbrio entre ele e o Criador. No equilíbrio que você criou, Jagang fez seu movimento para tomar o mundo para si mesmo.
— Ele também nos dominou. Ele pode vir até nós a qualquer hora que desejar. Somos prisioneiras dele, não importa onde estivermos. Ele tem demonstrado para nós o quanto um captor pode ser desagradável. Para nós não há como escapar, a não ser um.
— Você quer dizer, fazer a ligação comigo.
— Sim. Agora, se fizermos como Jagang tem ordenado, então continuamos em sua graça, como era. Mesmo que isso seja... desagradável, pelo menos nós vivemos. Nós queremos viver.
— Se jurarmos fidelidade a você, podemos quebrar o poder que Jagang tem sobre nós, e escapar.
— Quer dizer que vocês querem matar ele. — Richard observou.
Ulicia balançou a cabeça. — Não queremos ver o rosto dele nunca mais. Não nos importamos com o que ele faz, só queremos sair das garras dele.
— Vou dizer a verdade para você. Retornaremos ao nosso trabalho de trazer nosso Mestre, o Guardião, ao domínio. Se tivermos sucesso, seremos recompensadas. Não sei se é possível para nós termos sucesso, mas esse é o risco que você terá que aceitar.
— O que você quer dizer com, esse é o risco que eu terei que aceitar? Se estiverem ligadas a mim, então terão que trabalhar na direção de meus objetivos: lutar contra o Guardião e a Ordem Imperial.
Os lábios de Ulicia abriram um largo sorriso. — Não, meu rapaz. Pensei nisso muito cuidadosamente. Aqui está minha oferta: Nós juramos fidelidade a você, você nos pergunta onde Kahlan está, e nós diremos. Em troca, não pode pedir nada mais de nós, e deve permitir que partamos imediatamente. Você não vai nos ver, nós não veremos você.
— Mas se vocês trabalham para libertar o Guardião, isso vai contra mim, e viola a ligação. Não vai funcionar!
— Você está enxergando isso através de seus olhos. A proteção que sua ligação fornece é invocada através da convicção da pessoa ligada de que suas ações não estão rompendo com sua fidelidade.
— Você quer tomar o mundo. Pensa que isso é para o bem das pessoas do mundo. Todas as pessoas que você tentou levar para o seu lado acreditaram em você, e ficaram para lhe apoiar? Ou alguns viram suas ofertas benevolentes como outra coisa, como abuso, e fugiram com medo de você?
Richard lembrou das pessoas deixando Aydindril. — Acho que consigo entender, de certo modo, mas...
— Nós não enxergamos lealdade através do seu filtro moral; enxergamos a lealdade por nossos próprios padrões. Para nossas sensibilidades, como Irmãs do Escuro, enquanto não estivermos fazendo nada que esteja ferindo você diretamente, não estaremos quebrando nossa lealdade porque não ferir você é definitivamente algo em seu benefício.
Richard colocou os punhos sobre a mesa e inclinou na direção dela. — Vocês querem libertar o Guardião. Isso vai me ferir.
— É uma questão de percepção, Richard. O que nós queremos é poder, do mesmo jeito que você, não importa a moral na qual você guarde sua ambição.
— Nossos esforços não são direcionados contra você. Se acontecer de conseguirmos sucesso em benefício do Guardião, todos seriam conquistados, incluindo Jagang, então não importaria se nós perdêssemos a proteção da ligação. Isso pode não estar de acordo com sua noção de moral, mas se encaixa na nossa, e assim a ligação funcionará.
— E quem sabe, poderia até ser que por algum milagre, você conseguisse vencer sua guerra contra a Ordem, e matar Jagang. Então não precisaríamos de uma ligação. Podemos ter paciência para ver o que vai acontecer. Apenas não seja tolo o bastante para voltar a Aydindril. Jagang está pegando ela de volta, e não há nada que você possa fazer para detê-lo.
Richard endireitou o corpo e piscou, olhando para ela, tentando entender tudo aquilo. — Mas... eu estaria libertando vocês para que trabalhassem para o mal.
— O mal de acordo com o seu padrão de moral. A verdade é que você estaria nos fornecendo a chance de tentar, mas isso não significa que teremos sucesso. Porém, isso também dará a você Kahlan, e a chance de tentar deter a Ordem Imperial, e de tentar frustrar nossas tentativas de vencer nossa luta. Você nos derrotou no passado.
— Isso dá a cada uma de nós algo muito importante. Isso fornece para nós a nossa liberdade, e para Kahlan a dela. Um troca justa, eu imagino.
Richard ficou em silêncio considerando essa oferta louca; ele estava mesmo desesperado assim.
— Então, se vocês fizerem reverência e oferecerem a sua fidelidade, a sua ligação, você dirá onde Kahlan está, e vocês partirão como você diz, que garantia eu tenho de que falou a verdade sobre onde Kahlan está?
Ulicia inclinou a cabeça com um leve sorriso. — Simples. Nós juramos, se você perguntar. Se nós mentirmos para sua pergunta direta, a ligação estaria quebrada, e estaríamos de volta nas garras de Jagang.
— Se eu não cumprir minha parte e depois que disserem onde Kahlan está, fizer outro pedido a vocês? Vocês teriam que atender para permanecer ligadas e ficarem protegidas de Jagang.
— É por isso que nossa oferta carrega a condição de apenas uma pergunta: onde está Kahlan. Se fizer mais, então mataremos você, do mesmo jeito que faremos se recusar. Não estaremos em pior situação do que estamos agora. Você morre, e Jagang fica com Kahlan para fazer o que ele desejar, e ele vai ficar, eu garanto a você. Ele tem gostos muito perversos. — O olhar dela virou para a mulher jovem ao lado dela. — Pergunte a Merissa.
Richard olhou para Merissa e viu o sangue desaparecer do rosto dela. Ela baixou o vestido vermelho o bastante para mostrar a ele a parte superior do seio dela. Richard sentiu o sangue desaparecer do próprio rosto dele. Ele afastou os olhos.
— Ele só vai permitir que o meu rosto seja curado. O resto ele ordena que fique como está, para o seu... divertimento. Isso é o mínimo que ele fez comigo. As últimas coisas que ele fez comigo. — Merissa falou com uma voz fria. — Foi tudo por sua causa, Richard Rahl.
Richard teve uma repentina visão de Kahlan com o anel de Jagang no lábio dela e daquelas marcas pavorosas nela. Seus joelhos ficaram fracos.
Ele colocou o lábio inferior entre os dentes quando olhou de volta para Ulicia. — Você não é a Prelada. Entregue para mim o anel dela. — Sem hesitação, ela o retirou e entregou a ele. — Vocês querem jurar lealdade, eu pergunto onde Kahlan está, você terão que dizer a verdade, e então irão embora?
— Essa é nossa oferta.
Richard soltou um suspiro. — Barganha aceita.
Ulicia fechou os olhos com um suspiro de liberdade depois que Richard fechou a porta ao sair. Ele estava com pressa.
Ela não se importava; tinha o que queria. Dormiria sem o medo de Jagang aparecer no sonho que não era sonho.
As cinco vidas delas por uma. Uma ótima barganha.
E ela não teve que dizer tudo para ele. Mas teve que dizer mais do que desejava. Mesmo assim, ótima barganha.
— Irmã Ulicia. — Cecilia falou com um tom de confiança em sua voz que esteve ausente durante meses. — você fez o impossível. Quebrou o domínio de Jagang sobre nós. As Irmãs do Escuro estão livres, e isso não custou nada para nós.
Ulicia soltou um profundo suspiro. — Eu não ficaria tão certa disso. Acabamos de seguir um curso desconhecido por um terreno ainda não trilhado em uma terra desconhecida. Mas por enquanto, estamos livres. Não devemos desperdiçar nossa chance. Precisamos partir imediatamente.
Ela levantou os olhos quando a porta abriu batendo.
Um sorridente Capitão Blake entrou no escritório. Dois marinheiros entraram logo atrás, um deles reduzindo o passo para tocar em Armina quando passava. Ela não fez nenhuma tentativa de afastar as mãos dele.
O Capitão Blake balançou na frente dela. Colocou as mãos sobre a mesa e inclinou. Ela podia sentir o cheiro de licor em sua respiração enquanto ele olhava de lado para ela.
— Bem, bem, moça. Nos encontramos novamente.
Ulicia não mostrou emoção alguma. — Então, nos encontramos.
O olhar ávido dele estava baixo demais para encontrar os olhos dela. — O Lady Sefa acabou de aportar, e nós, marinheiros solitários pensamos que deveríamos ter um pouco de companhia durante a noite. Os rapazes gostaram tanto da última vez com vocês, senhoritas, que pensaram em fazer tudo de novo.
Ela fingiu um tom medroso. — Espero que estejam planejando ser mais gentis do que da última vez.
— Na verdade, moça, os rapazes estavam dizendo como não achavam que fizemos tudo que poderíamos para nos divertir. — Ele inclinou ainda mais, esticou sua mão direita, agarrou o mamilo dela, e puxou-a para frente na cadeira. Ele sorriu com o grito dela. — Agora, antes que eu fique de mal humor, é melhor que as vadias arrastem seus traseiros até o Lady Sefa, onde poderemos fazer bom uso deles.
Ulicia levantou o punho e enfiou uma faca através da mão direita do capitão, fixando ela na mesa. Ela encostou um dedo da outra mão no anel em seu lábio, e com um fluxo de Magia Subtrativa, ele desapareceu da existência.
— Sim, Capitão Blake, vamos todos até o Lady Sefa e teremos outro encontro muito íntimo com você e sua tripulação.
Com um punho formado pelo Han, ela o golpeou, atirando ele para trás. A faca enterrada na mesa cortou sua mão em duas quando ela foi puxada. Uma mordaça de ar encheu a boca dele quando abriu ela para gritar.
Alguma coisa estar acontecendo lá fora. — Adie sussurrou. — Deve ser eles. — Ela fixou seus olhos brancos em Kahlan.
— Você estar certa que deseja fazer isso? Eu estar disposta, mas...
— Temos que fazer. — Kahlan disse enquanto olhava para o fogo para ter certeza que ele ainda estava forte. — Precisamos escapar. Se não conseguirmos escapar e formos mortas, bem, então Richard não virá até aqui para cair na armadilha deles, e ele pode ficar onde está e, com a ajuda de Zedd, proteger o povo de Midlands.
Adie assentiu. — Então, nós tentamos. — Ela suspirou. — Seu que eu estar certa que ela estar fazendo isso, mas não sei qual é a razão.
Adie tinha falado que Lunetta fez algo muito peculiar: estava envolvida por seu poder o tempo todo. Uma tarefa assim era tão extraordinária, Adie tinha falado, que isso exigia o uso de um talismã investido com magia. Com Lunetta, aquele talismã só poderia ser uma coisa.
— Como eu disse, Adie, mesmo se você não souber a razão, ela não faria algo assim se não fosse importante.
Kahlan colocou um dedo nos lábios quando ouviu o rangido no chão do corredor. O cabelo cinzento e negro balançou quando ela soprou rapidamente apagando a lamparina e foi para trás da porta. O fogo ainda fornecia luz, mas as chamas bruxuleantes faziam as sombras dançarem, e apenas aumentariam a confusão.
A porta abriu. Kahlan, em pé do lado oposto da porta onde estava Adie, deu um suspiro profundo, preparando sua coragem. Ela esperava que elas tivessem removido o escudo, ou teriam muitos problemas por nada.
As duas figuras entraram na sala. Eram eles.
— O que você está fazendo aqui, sua coisinha suja! — Kahlan gritou.
Brogan, com Lunetta atrás dele, virou para Kahlan. Ela cuspiu nos olhos dele.
O rosto dele ficou vermelho, ele tentou agarrá-la. Kahlan levantou a bota entre as pernas dele. Quando ele gritou, Lunetta se esticou para ajudá-lo. Por trás, Adie bateu com um pedaço de lenha na cabeça da feiticeira.
Brogan atirou-se em cima de Kahlan, lutando com ela, golpeando ela nas costelas. Adie agarrou a roupa de tiras de pano coloridas de Lunetta quando ela caiu. A coisa toda rasgou quando Adie, com seu poderoso esforço alimentado pelo desespero, tirou a mulher quase desacordada de sua roupa de retalhos.
Lunetta, tonta e lenta, gritou quando Adie girou com o prêmio dela e atirou aquilo dentro do fogo.
Kahlan viu quando as tiras de pano coloridas pegaram fogo na lareira enquanto ela e rolavam pelo chão. Jogou ele por cima dela quando caiu no chão e então rolou ficando em pé. Quando Brogan virou para levantar, ela chutou o rosto dele.
Lunetta gemia em agonia. Kahlan manteve os olhos em Brogan quando ele levantou com sangue escorrendo do nariz. Antes que ele conseguisse atacá-la novamente, ele viu sua irmã atrás de Kahlan e congelou.
Kahlan lançou um rápido olhar para trás. Uma mulher estava remexendo freneticamente no fogo, tentando inutilmente recuperar as tiras de pano coloridas queimadas.
A mulher não era Lunetta.
Era uma mulher atraente mais velha, usando um vestido branco.
Os olhos de Kahlan ficaram arregalados com a visão. O que aconteceu com Lunetta?
Brogan gritou de fúria. — Lunetta! Como ousa fazer um encanto na frente dos outros! Como ousa usar a sua magia para fazer pensarem que você ser bonita! Pare com isso imediatamente! Sua corrupção é feia!
— Lorde General. — ela gritou. — minhas bonitinhas. Minhas bonitinhas estar queimando. Por favor, meu irmão, me ajude.
— Sua Streganicha suja! Pare com isso, estou dizendo!
— Não posso. — ela gemeu. — Não posso sem as minhas bonitinhas.
Com um rosnado de fúria, Brogan empurrou Kahlan para o lado e correu até a lareira. Levantou Lunetta pelo cabelo e bateu nela com o punho. Ela caiu para trás, derrubando Adie no chão junto com ela.
Ele chutou sua irmã quando ela tentava levantar. — Já tive o bastante da sua desobediência e da sua corrupção profana!
Kahlan agarrou um pedaço de lenha e girou na direção dele, mas ele abaixou e ela atingiu somente o ombro dele. Seu punho no estômago dela fez ela recuar.
Kahlan arfou para recuperar o fôlego. — Seu porco horroroso! Deixe a sua bela irmã em paz!
— Ela ser louca! Louca Lunetta!
— Não escute ele, Lunetta! O seu nome significa pequena lua! Não escute ele!
Brogan gritou de fúria e esticou as mãos na direção de Kahlan. Com um estalo alto, um raio iluminou a sala. Só não acertou ela porque ele estava fora de controle e contorcendo loucamente. Gesso e outros detritos explodiram através do ar.
Kahlan estava quase paralisada pela surpresa. Tobias Brogan, o Lorde General do Sangue da Congregação, o homem comprometido a exterminar a magia, tinha o dom.
Gritando novamente, Brogan lançou um punho de ar que acertou Kahlan no peito e bateu com ela na parede. Ela deslizou até o chão, confusa e entorpecida.
Lunetta gritou mais alto quando viu o que Brogan tinha feito. — Não, Tobias! Você não deve usar a corrupção!
Ele caiu em cima da irmã, estrangulando ela, apertando a cabeça dela contra o chão. — Você ser aquela que fez isso! Você estar usando a corrupção! Você estar usando um encanto! Você fez o raio!
— Não, Tobias, você ser aquele fazendo isso. Não deve usar o dom. Mamãe falou que você não deve usar isso.
Ela a carregou segurando no vestido branco dela. — Do que você está falando? O que mamãe falou para você, sua Streganicha desprezível?
A bela mulher ofegou e engoliu em seco. — Que você ser o escolhido, meu irmão. O escolhido para a grandeza. Ela disse que eu não deveria fazer as pessoas me notarem, assim elas olhariam só para você. Ela disse que você ser aquele que ser importante. Mas ela disse que eu não devo deixar você usar o seu dom.
— Mentirosa! Mamãe nunca disse uma coisa assim! Mamãe não sabia de nada!
— Sim, Tobias, ela sabia. Ela ser tocada com um pouco do dom. As Irmãs vieram para levar você. Nós amávamos você e não queríamos que elas levassem nosso pequeno Tobias.
— Eu não tenho a corrupção!
— Isso ser verdade, meu irmão. Elas disseram que você tinha o dom, e queriam levar você para o Palácio dos Profetas. Mamãe disse que se elas voltassem sem você, elas trariam outras. Nós matamos elas.
Mamãe e eu. Assim ser como você ganhou a cicatriz na sua boca. Durante a nossa luta com elas. Ela disse que precisava matá-las para que não enviassem outras. Disse que eu nunca deveria deixar você usar o dom ou elas viriam para levar você.
O peito de Brogan pulsava com a raiva. — Tudo mentira! Você fez o raio, e você estar usando um encanto para os outros!
— Não. — ela gemeu. — Elas queimaram minhas bonitinhas. Mamãe disse que você ser destinado a ser grande, mas tudo isso poderia ser arruinado. Ela me ensinou como usar as bonitinhas para esconder minha aparência e para impedir você de usar o dom. Nós queríamos que você seja grande.
— Minhas bonitinhas desapareceram. Você fez o raio.
Brogan observava com olhos enlouquecidos, como se estivesse vendo coisas que nenhuma delas estava vendo. — Isso não ser a corrupção. — ele sussurrou. — Ser apenas eu. A corrupção ser maligna. Isso não ser maligno. Ser apenas eu.
Os olhos de Brogan entraram em foco novamente quando ele viu Kahlan lutando para levantar. A sala iluminou com luz cegante quando ele lançou outro raio. Ele rasgou a parede acima da cabeça dela quando ela mergulhou no chão.
Brogan levantou para ir atrás dela.
— Tobias ! Pare! Não deve usar o seu dom!
Tobias Brogan olhou para trás, para sua irmã, com uma estranha calma. — Isso ser um sinal. A hora chegou. Eu sempre soube que chegaria.— Centelhas azuis cintilaram entre as pontas dos dedos dele, quando ele levantou uma das mãos na frente do rosto. — Isso não ser a corrupção, Lunetta, mas poder divino. A corrupção ser feia. Isso ser lindo.
— O Criador abriu mão do seu direito de me dar ordens. O Criador ser um Baneling. Agora eu tenho o poder.
— A hora de usar ele chegou. Agora eu devo fazer o julgamento do homem. — Ele virou para Kahlan. — Agora eu ser o Criador.
Lunetta levantou um braço implorando. — Tobias, por favor...
Ele virou na direção dela, serpentes de luz mortais contorcendo-se nas suas mãos. — O que eu tenho ser glorioso. Não vou mais ouvir suas mentiras sujas. Você e mamãe ser Banelings. — Ele sacou a espada, a luz envolvendo a lâmina, e balançou ela no ar.
Ela fez um esforço mental. — Você não deve usar o seu poder, Tobias. Não deve. — A luz ondulante nas mãos dele desapareceu.
— Usarei o que ser meu! — A luz nos dedos dele surgiu novamente e dançou pela espada. — Agora eu ser o Criador. Eu tenho o poder, e eu digo que você deve morrer!
Seus olhos brilharam com a loucura quando ele olhou, fixamente, para a luz estalando em seus dedos.
— Então você... — Lunetta sussurrou. — ser o verdadeiro Baneling, e devo impedir você, como você me ensinou.
Uma linha brilhante de luz cor de rosa disparou da mão de Lunetta e atravessou o coração de Tobias.
No meio do silêncio fumacento, ele soltou um último suspiro, e desabou.
Sem saber o que Lunetta faria, Kahlan não se moveu, permanecendo tão imóvel quanto um cervo na grama. Adie esticou uma das mãos, oferecendo palavras de conforte na língua nativa delas.
Lunetta pareceu não escutar. Ela rastejou até o corpo do irmão e segurou a cabeça dele no colo.
Kahlan pensou que vomitaria.
De repente, Galtero entrou na sala.
Ele agarrou Lunetta pelo cabelo e puxou a cabeça dela para trás. Ele não viu Kahlan nos destroços contra a parede atrás dele.
— Streganicha. — ele sussurrou com ferocidade.
Lunetta não fez esforço algum para resistir. Ela parecia estar em um estado de torpor. A espada de Brogan estava no chão ali perto. Kahlan mergulhou para pegar ela. Rapidamente ela pegou a espada. Não foi rápida o bastante.
Galtero deslizou a faca na garganta de Lunetta.
Antes que Lunetta batesse no chão, Kahlan atravessou ele com a espada.
Quando ele tombou ela arrancou a espada. — Adie, você está ferida?
— Não por fora, criança.
— Entendo, mas não temos tempo para lamentar agora.
Kahlan segurou a mão de Adie, e depois de verificar cuidadosamente para ter certeza que Lunetta realmente havia removido o escudo antes que eles tivessem entrado, as duas entraram no corredor.
De ambos os lados jaziam os restos de uma Irmã: as guardas. Lunetta matou as duas.
Kahlan ouviu o som de botas subindo os degraus. Ela e Adie saltaram por cima da massa sangrenta na outra ponta do corredor e desceram as escadas de serviço e saíram. Elas observaram a escuridão ao redor, não vendo ninguém, mas escutando uma agitação ao longe. O som de aço. Juntas, de mãos dadas, elas correram para salvar suas vidas.
Kahlan podia sentir lágrimas descendo por seu rosto.
Com a cabeça abaixada, para que as Irmãs não conseguissem reconhecê-la, Ann cruzou a distância sob a luz fraca da câmaras. Zedd seguiu logo atrás dela. A mulher atrás da mesa levantou com uma expressão de suspeita e marchou adiante.
— Quem é? — A voz de Irmã Becky estava séria. — Ninguém tem permissão de descer aqui. Todos foram avisados.
Ann sentiu um empurrão do Han em seu ombro para fazê-la para enquanto a Irmã Becky corria para a frente dela.
Quando Ann levantou a cabeça, os olhos de Becky ficaram arregalados.
Ann enfiou a Dacra nela, e os olhos pareceram emitir luz antes que a mulher caísse.
Zedd saltou para o lado. — Você a matou! Acabou de matar uma mulher grávida!
— Você... — Ann sussurrou. — a condenou à morte. Rezo para que você tenha ordenado a execução de uma Irmã do Escuro, e não da Luz.
Zedd fez ela virar puxando-a pelo braço. — Você perdeu o juízo, mulher!
— Eu ordenei que as Irmãs da Luz fugissem do Palácio. Disse a elas que precisavam fugir. Implorei a você incontáveis vezes para deixar que eu usasse o livro. Precisava confirmar que tinham feito como ordenado. Uma vez que você recusou permitir que eu usasse o Livro de Jornada, sou forçada a assumir que minhas instruções foram cumpridas.
— Isso não é desculpa para matá-la! Poderia simplesmente ter incapacitado ela!
— Se minhas ordens foram seguidas, então ela é uma Irmã do Escuro. Não tenho chance em uma luta justa contra nenhuma delas. Nem você. Não poderíamos correr o risco.
— E se ela não for uma das Irmãs do Guardião!
— Não posso arriscar todos os outros por causa de uma simples chance.
Os olhos de Zedd brilharam com frieza. — Você está louca.
Ann levantou uma sobrancelha. — Oh? E você arriscaria a vida de milhares preocupando-se com uma pessoa que você estava razoavelmente certo ser um inimigo disposto a deter você? Você conseguiu se tornar um Mago da Primeira Ordem por escolhas assim?
Ele soltou o braço dela. — Está certo, você me trouxe até aqui. O que você quer?
— Verifique a câmara primeiro, para ter certeza de que não tem mais ninguém.
Cada um deles entrou por um lado, Ann observando entre as fileiras de estantes para verificar que o mago estivesse fazendo conforme foi instruído. Se ele tentasse correr, ela poderia trazer ele de volta pelo Rada'Han, e ele sabia disso.
Ela gostava do avô de Richard, mas a necessidade exigia que cultivasse o ódio dele. Para isso, ele tinha que ficar furioso, e estar disposto a aproveitar a chance se ela permitisse.
Quando chegaram na parte de trás das câmaras sombrias, não haviam encontrado mais ninguém. Ann beijou o seu dedo anelar e agradeceu ao Criador. Ela bloqueou a emoção de matar a Irmã Becky, dizendo a si mesma que ela não estaria montando guarda nas câmaras a não ser que estivesse jurada ao Guardião, e fosse um peão do Imperador. Ela tentou não pensar na criança inocente não nascida que também teve que matar.
— E agora? — Zedd disparou quando eles se encontraram lá atrás, perto de uma das menores salas restritas.
— Nathan fará a parte dele. Eu trouxe você aqui para fazer sua parte, a outra metade daquilo que é necessário.
— O Palácio está carregado com um feitiço lançado três mil anos atrás. Consegui determinar que é uma teia bifurcada.
As sobrancelhas de Zedd levantaram. Sua curiosidade dominou sua indignação. — Essa é uma afirmação muito forte. Nunca ouvi falar de alguém capaz de lançar uma teia bifurcada. Tem certeza?
— Ninguém agora consegue lançar uma teia assim, mas os magos antigos tinham esse poder.
Zedd esfregou um dedão no queixo liso enquanto pensava. — Sim, eles teriam esse poder, eu imagino.
O foco retornou aos olhos dele. — Com que propósito?
— O feitiço altera os terrenos do Palácio. O escudo externo, onde deixamos Nathan, é a concha que envolve tudo. Ele cria o ambiente no qual essa metade pode existir nesse mundo. O feitiço aqui, nessa ilha, está ligado a outros mundos. Entre outras coisas, isso altera o tempo. É por isso que nós envelhecemos mais lentamente do que as pessoas que vivem do lado de fora do feitiço.
O velho mago ponderou. — Sim, isso explicaria.
Ann desviou o olhar dos olhos dele. — Nathan e eu temos quase mil anos de idade. Tenho sido Prelada das Irmãs da Luz durante aproximadamente oito séculos.
Zedd alisou o manto nos quadris magros. — Já ouvi falar do feitiço, como ele estende a vida para dar a vocês tempo de fazer seu trabalho odioso.
— Zedd, quando os magos antigos tornaram-se egoístas guardando seu poder e se recusaram a treinar homens jovens com o dom para evitar ameaças contra o domínio deles, as Irmãs da Luz foram criadas para ajudar esses homens jovens ou eles morreriam. Nem todos gostam da ideia, mas é assim.
— Sem um mago para ajudá-los, a tarefa sobrou para nós. Nós não temos o mesmo Han masculino, e então para nós é necessário muito tempo para completar a tarefa. A coleira os mantém vivos, impede que seu dom os machuque; que deixem eles loucos, até podermos ensiná-los o que precisam.
— O feitiço em volta do Palácio nos dá o tempo que precisamos. Ele foi criado para nós três mil anos atrás, quando alguns magos ajudaram com nossa causa. Eles tinham o poder para lançar uma teia bifurcada.
Zedd estava, durante esse momento, ficando fascinado. — Sim. Sim, posso entender o que você quer dizer. A bifurcação inverteria a força, de um jeito parecido com a torção de uma tripa, e criaria uma área onde o centro poderia ser torcido para fazer coisas extraordinárias. Os magos antigos podiam realizar feitos que eu só consigo sonhar.
Ann estava mantendo vigilância constante, para ter certeza de que eles estavam sozinhos. — Bifurcar uma teia dobra ela sobre si mesma, criando uma região interna e outra externa. Há dois pontos, como a tripa retorcida que você mencionou, onde essa torção teria que tomar lugar: um no escudo exterior, e outro no interior.
Zedd olhou para ela com um olho. — Mas o ponto na parte interna, onde o verdadeiro evento acontece, estaria vulnerável para ser violado. Embora criado por causa da necessidade, seria uma ruptura perigosa. Você sabe onde fica o ponto interior está localizado?
— Estamos sobre ele.
Zedd endireitou o corpo. Olhou ao redor. — Sim, consigo entender o pensamento que levou a isso. Colocar ele na rocha que é a base, debaixo de todo o resto onde ele estaria protegido.
— É por isso, por causa da chance de que isso causa destruição, que nós claramente proibimos o Fogo do Mago em qualquer lugar na Ilha Halsband.
Zedd balançou uma das mãos. — Não, não. O Fogo do Mago não danificaria um ponto assim. — Ele virou para ela com um olhar desconfiado. — O que estamos fazendo aqui?
— Eu trouxe você aqui para dar a oportunidade de fazer o que deseja fazer. Destruir o feitiço.
Ele ficou olhando fixamente, piscou, e ficou olhando mais algum tempo. Finalmente ele falou. — Não. Isso não seria certo.
— Mago Zorander, esse é um momento altamente inconveniente para você ficar se preocupando com princípios morais.
Ele cruzou os braços magros. — Esse feitiço foi lançado por magos maiores do que eu jamais serei, maiores até mesmo do que eu consigo imaginar. Isso é uma maravilha, uma coisa de profunda maestria. Eu não destruiria uma obra de arte assim.
— Eu quebrei a trégua!
Zedd levantou o queixo. — Quebrar a trégua condena qualquer Irmã que entrar no Mundo Novo à morte. Nós não estamos no Mundo Novo. Quebrar a trégua não diz nada sobre eu entrar no Mundo Antigo e causar dano. Pelos termos da trégua, eu não tenho direito algum de fazer tal coisa.
Ela se aproximou com uma expressão sombria. — Você prometeu que se eu levasse você para longe com essa coleira, colocando seus amigos em risco, viria até minha terra natal e acabaria com o Palácio dos Profetas. Estou dando sua chance.
— Isso foi uma explosão passional temporária. A razão voltou para minha cabeça. — Ele lançou um olhar de censura para ela. — Você esteve usando truques horríveis e engodos astutos para tentar me convencer que é uma malfeitora vil, desprezível e imoral, mas falhou em me enganar. Você não é do tipo má.
— Eu prendi você! E sequestrei!
— Não vou destruir seu lar e sua vida. Fazer isso, destruir o feitiço, alteraria o padrão das vidas das Irmãs da Luz e, em essência, acabaria com as vidas delas prematuramente. As Irmãs e seus pupilos vivem por padrões de tempo que para mim parecem estranhos, mas para eles parecem normais.
— A vida é percepção. Se um rato com um tempo de vida de apenas alguns anos tivesse a magia para tornar minha vida tão curta quanto a dele, isso, para minha percepção, estaria me matando, embora para o rato pudesse parecer que ele não estaria fornecendo menos do que um tempo de vida normal. Isso era o que Nathan queria dizer quando falou que você estava matando ele.
— Eu estaria reduzindo as vidas deles para o mesmo tempo que o resto de nós, mas de acordo com as expectativas deles e o juramento feito, isso seria o mesmo que matá-los antes de ter a chance de viver, eu não faria isso.
— Se eu tiver que fazer isso, Mago Zorander, usarei a coleira para causar dor até que você concorde.
Ele mostrou um sorriso forçado. — Você não tem ideia alguma dos testes de dor pelos quais eu passei para me tornar um Mago de Primeira Ordem. Vá em frente, faça o melhor que puder.
Ann apertou os lábios de irritação. — Mas você tem que fazer isso! Eu coloquei uma coleira no seu pescoço! Fiz coisas terríveis com você para deixá-lo furioso bastante para fazer isso! A profecia diz que a raiva de um mago é necessária para destruir nosso lar!
— Você esteve me tratando como um sapo dançante. — Os olhos cor de avelã dele aproximaram. — Eu não danço a não ser que eu conheça a melodia.
Ann suspirou de frustração. — A verdade é que o Imperador Jagang vai tomar o Palácio dos Profetas para usá-lo conforme sua vontade. Ele é um Andarilho dos Sonhos, e controla a mente das Irmãs do Escuro. Ele pretende usar as profecias para encontrar as ramificações que precisa para vencer a guerra, e então ele viverá sob o feitiço durante milhares de anos, governando o mundo e todos nele.
Zedd avaliou ela com um olhar sério. — Agora, isso faz o meu sangue ferver. Essa é uma boa razão para destruir o Palácio. Maldição, mulher, porque simplesmente não me contou a verdade no início?
— Nathan e eu estivemos trabalhando nessa ramificação nas profecias durante centenas de anos. A profecia diz que um mago destruirá o Palácio com a fúria. Falhar é uma visão escura demais para que o mundo assuma qualquer risco, então fiz a coisa que pensei que funcionaria. Estive tentando fazer você ficar furioso bastante para querer destruir o Palácio dos Profetas. — Ann esfregou seus olhos cansados. — Foi um ato desesperado, por causa de uma necessidade desesperada.
Zedd riu. — Ato desesperado. Eu gosto disso. Gosto de uma mulher que consegue apreciar a ocasional necessidade para atos desesperados. Mostra espíritos.
Ann agarrou a manga dele. — Então você fará isso? Não temos tempo a perder; os tambores pararam.
— Jagang poderia estar aqui a qualquer momento.
— Eu farei. Porém, seria melhor voltarmos para perto da entrada.
Quando eles estavam de volta perto da enorme porta arredondada de entrada para as câmaras, Zedd enfiou a mão no bolso e tirou algo que parecia uma pedra. Ele a jogou no chão.
— O que é isso?
Zedd olhou para trás por cima do ombro. — Bem, eu suponho que você disse a Nathan para lançar uma teia de luz.
— Sim. Além de Nathan, poucas Irmãs, e eu mesma, ninguém sabe como criar uma teia de luz. Nathan tem poder suficiente para romper o ponto exterior, assim num efeito cascata iniciado neste ponto interior. Mas sei que nenhum de nós tem o poder para iniciar o que é necessário aqui. Foi por isso que precisei trazer você aqui. Temo que apenas um mago de Primeira Ordem terá o poder necessário.
— Bem, farei o melhor que puder. — Zedd resmungou. — mas tenho que dizer a você, Ann, não importa o quanto um ponto pode ser vulnerável, esse ainda é um feitiço lançado por magos cuja vastidão dos poderes eu só consigo imaginar.
Ele girou o dedo, e a pedra no chão diante dele estalou e tremeu enquanto crescia rapidamente tornando-se uma grande rocha plana. Ele subiu em cima dela.
— Saia daqui. Vá esperar do lado de fora. Tenha certeza de que Holly está segura enquanto eu faço isso. Se alguma coisa der errado, e eu não conseguir controlar a cascata de luz, você não terá tempo de fugir daqui.
— Ato de desespero, Zedd?
Ele respondeu com um grunhido quando virou de volta para a sala e levantou os braços. Centelhas coloridas já estavam subindo da rocha, envolvendo ele com feixes de luz que espiralavam e zuniam.
Ann tinha ouvido falar das rochas do mago, mas nunca tinha visto uma, e não sabia como funcionavam. Conseguiu sentir o poder que começou a emanar do velho mago quando ele subiu na coisa.
Ela saiu das câmaras rapidamente como ele queria. Não tinha certeza se ele realmente queria que ela ficasse fora da sala para a própria segurança dela, ou se ele não queria que visse como ele faria uma coisa assim. Magos tinham a tendência de guardar seus segredos. Além disso, Zedd estava provando ser muito mais rebelde do que Nathan. Um feito que ela teria pensado ser impossível.
Holly passou os pequenos braços finos em volta do pescoço de Ann quando ela se agachou perto do canto escuro.
— Alguém passou por aqui?
— Não, Ann. — Holly sussurrou.
— Bom. Deixe que eu fique apertadinha com você aqui dentro, enquanto esperamos que o Mago Zorander termine sua tarefa.
— Ele grita bastante, e diz um monte de palavras ruins, e fica balançando os braços como se fosse chamar uma tempestade para cima de nós, mas acho que ele é legal.
— Você ainda não sentiu a coceira por causa das pulgas na neve. — Ann sorriu na escuridão do pequeno esconderijo entre as rochas.
— Mas acho que você pode ter razão.
— Minha avó ficava com raiva, às vezes, como quando as pessoas queriam nos machucar, mas você podia ver que ela realmente sentia isso. O Mago Zorander não sente isso de verdade. Está só fingindo.
— Você é mais observadora do que eu tenho sido, criança, você será uma excelente Irmã da Luz.
Ann segurou a cabeça de Holly no ombro enquanto esperava no silêncio. Esperava que o mago andasse depressa. Se eles fossem pegos nas câmaras, não havia como sair, e uma luta com Irmãs do Escuro, independente do poder dele, provaria ser mais do que perigosa.
O tempo se arrastava com agonizante teimosia. Ann podia dizer pela respiração lenta e estável de Holly que ela havia dormido no seu ombro. A pobre criança não estivera dormindo o bastante. Nenhum deles dormira, apressados durante o dia e na maior parte das noites também, para chegar até Tanimura em tempo, para chegar ao Palácio antes de Jagang. Todos estavam exaustos.
Ann tomou um susto quando houve um puxão no ombro dela, em seu vestido. — Vamos cair o fora daqui. — Zedd sussurrou.
Arrastando Holly junto, ela saiu do esconderijo. — Você fez?
Zedd, parecendo pior do que meramente irritado, olhou de volta através das enormes portas arredondadas até as câmaras.
— Não consegui fazer aquela coisa desgraçada funcionar. É como tenta fazer fogo embaixo da água.
Ela agarrou o manto dele com uma das mãos. — Zedd, precisamos fazer isso.
Ele virou os olhos preocupados para ela. — Eu sei. Mas aqueles que criaram essa teia tinham Magia Subtrativa. Eu só tenho Aditiva. Tentei tudo que conheço. A teia ao redor desse lugar é estável além de minha habilidade de quebrá-la. Não pode ser feito. Sinto muito.
— Eu teci uma teia de luz no Palácio. Isso pode ser feito.
— Eu não falei que não fiz uma, eu disse que não consigo fazer ela ativar. Pelo menos, não aqui embaixo no ponto.
— Você tentou ativá-la! Está louco?
Ele encolheu os ombros. — Um ato de desespero, lembra? Eu tinha minha suspeitas sobre isso funcionar, então eu tive que testar. Eu fiz uma boa coisa, ou teríamos pensado que funcionaria. Não funcionou. Se for iniciado, será definitivo. Não vai expandir apenas para consumir o feitiço.
Ann ficou desanimada. — Pelo menos se alguém entrar ali, com sorte Jagang, isso o matará. Quer dizer, até que descubram, e então irão drenar o escudo e terão as câmaras para usarem como quiserem.
— Isso vai custar caro para eles. Deixei alguns truques meus ali dentro. O lugar é uma armadilha mortal.
— Não há nada mais que possamos fazer?
— É grande o bastante para derrubar todo o Palácio, mas não consigo desligar. Se essas Irmãs do Escuro realmente puderem utilizar Magia Subtrativa, como você diz, poderíamos perguntar a uma delas se tentariam iniciar a teia de luz para nós.
Ann assentiu. — Isso é tudo que podemos fazer, então. Temos que rezar para que as coisas que você deixou lá dentro mate ela. Mesmo se não pudermos destruir o Palácio, talvez isso seja o bastante. — Ela segurou a mão de Holly. — É melhor sairmos daqui. Nathan está esperando. Devemos fugir antes que Jagang chegue, ou as Irmãs nos descobrirão.
Quando ela viu o brilho do aço na luz da lua, Verna agachou atrás de um banco de pedra. Os sons de batalha espalharam-se pelo grama na direção dela lá debaixo nos terrenos do Palácio. Alguns dos outros disseram a ela que os soldados de capas vermelhas haviam chegado recentemente para se unirem com a Ordem Imperial, mas agora eles pareciam decididos a matar qualquer um que estivesse no campo de visão.
Dois homens de capas vermelhas correram saindo da escuridão. Da outra direção, onde ela viu o brilho do aço, alguém correu para cima deles e os derrubou em um instante.
— São dois do Sangue da Congregação. — a voz de uma mulher sussurrou. A voz pareceu familiar. — Vamos lá, Adie.
Outra forma magra emergiu das sombras. A mulher tinha usado uma espada, e Verna tinha o seu Han para defender a si mesma. Ela arriscou, e levantou.
— Quem é? Mostre-se.
A luz do ar cintilou na espada quando ela levantou. — Quem quer saber?
Ela esperava não estar correndo um risco tolo, mas havia amigas entre as mulheres aqui. Mesmo assim, ela continuou segurando firme sua Dacra.
— É Verna.
A figura nas sombras parou. — Verna? Irmã Verna?
— Sim. Quem é? — ela sussurrou em resposta.
— Kahlan Amnell.
— Kahlan! Não pode ser. — Verna correu para dentro da luz da lua e parou diante da mulher. — Querido Criador, é mesmo. — Verna jogou os braços em volta dela. — Oh, Kahlan. Eu estava tão preocupada que você fosse morta.
— Verna, você não consegue imaginar o quanto estou feliz em ver um rosto amigo.
— Quem está com você?
Uma velha aproximou-se. — Faz um longo tempo, mas ainda lembro muito bem de você, Irmã Verna.
Verna olhou fixamente, tentando reconhecer o rosto da velha. — Sinto muito, mas não reconheço você.
— Eu ser Adie. Estive aqui durante algum tempo, quinze anos atrás, na minha juventude.
As sobrancelhas de Verna levantaram. — Adie! Eu lembro de Adie.
Verna não falou que lembrava de Adie como uma mulher bastante jovem. Tinha aprendido fazia muito tempo que não deveria falar coisas assim em voz alta; aqueles do mundo lá fora viviam em um ritmo de tempo diferente.
— Acho que pode lembrar do meu nome, mas não do meu rosto. Faz bastante tempo. — Adie deu um caloroso abraço em Verna. — Você ser uma que eu lembro. Você ser gentil comigo quando eu estar aqui.
Kahlan interrompeu o breve momento de recordações. — Verna, o que está acontecendo aqui? Fomos trazidas até aqui pelo Sangue da Congregação, e acabamos de conseguir fugir. Temos que sair daqui, mas parece que o lugar está explodindo em batalha.
— É uma longa história, e não tenho tempo para contar tudo agora. Nem tenho certeza se eu sei toda ela. Mas você tem razão, devemos escapar imediatamente. As Irmãs do Escuro tomaram o lugar, e o Imperador Jagang da Ordem Imperial pode chegar a qualquer momento. Tenho que levar as Irmãs da Luz para longe daqui imediatamente. Vem conosco?
Kahlan observou o terreno procurando por problemas. — Está certo, mas tenho que buscar Ahern. Ele tem sido leal; não posso deixar ele para trás. Ele vai querer pegar os cavalos e a carruagem dele, se eu conheço bem Ahern.
— Eu ainda tenho Irmãs lá fora reunindo todas que são leais. — Verna disse. — Vamos nos encontrar bem ali, do outro lado daquele muro. O guarda que está escondido do outro lado, ao lado do portão, é leal a Richard, assim como todos os outros guardando os portões naquele muro. Seu nome e Kevin. Podemos confiar nele. Quando voltar, diga para ele que é uma amiga de Richard. É um código que ele conhece. Ele vai deixar você entrar no local.
— Leal a Richard?
— Sim. Depressa. Eu tenho que entrar para tirar um amigo. Entretanto, você não pode deixar o seu homem trazer seus cavalos por esse caminho; os terrenos do Palácio estão se transformando em um campo de batalha. Ele jamais vai conseguir.
— Os estábulos ficam do lado norte. Esse é o caminho por onde estamos saindo. Tenho Irmãs guardando a pequena ponte ali. Diga para ele seguir para o norte até a primeira fazenda do lado direito com um muro de pedra em volta do jardim. Esse é o nosso ponto de encontro secundário, e é seguro. Por enquanto, pelo menos.
— Vou correr. — Kahlan disse.
Verna segurou o braço dela. — Não podemos esperar por você se não voltar aqui em tempo. Tenho que pegar um amigo e então teremos que fugir.
— Não quero que fique esperando. Não se preocupe, eu também tenho que fugir. Acho que eu sou a isca para atrair Richard até aqui.
— Richard!
— Outra longa história, mas tenho que fugir antes que consigam me usar para atrair ele até aqui.
De repente a noite se iluminou, como se houvesse raios silenciosos, a não ser que não foi por causa de raios. Todas viraram para o sudeste e viram grandes bolas de fogo ardendo no céu noturno. Espessa fumaça negra subia no ar. Parecia que todo o porto estava em chamas. Navios enormes foram lançados no ar sobre colossais colunas de água.
Repentinamente o chão tremeu, e ao mesmo tempo o ar trovejou com o som de explosões distantes.
— Queridos espíritos. — Kahlan falou. — O que está acontecendo? — Ela olhou ao redor. Estamos ficando sem tempo. Adie, fique com as Irmãs. Espero voltar logo.
— Eu posso tirar o Rada'Han. — Verna gritou, mas tarde demais. Kahlan já havia mergulhado nas sombras.
Verna segurou o braço de Adie. — Vamos lá. Vou levar você até algumas das outras Irmãs atrás do muro. Uma delas vai tirar essa coisa de você enquanto eu vou lá dentro.
O coração de Verna batia forte quando ela deslizou pelos corredores dentro do terreno do profeta depois de deixar Adie com as outras. Enquanto se movia mais fundo dentro dos corredores escuros, ela se preparava para a possibilidade de que Warren estivesse morto. Não sabia o que tinham feito com ele, ou se decidiram simplesmente eliminá-lo. Ela não imagina que conseguiria suportar se encontrasse o corpo dele.
Não. Jagang queria um Profeta para ajudá-lo com os livros. Ann tinha avisado, em um tempo que parecia eras atrás, para levá-lo embora imediatamente.
Entrou em sua cabeça o pensamento de que talvez Ann desejasse que ela levasse Warren embora para impedir que as Irmãs do Escuro o matassem porque ele sabia demais. Tirou os pensamentos perturbadores da cabeça enquanto varria os corredores procurando qualquer sinal de que uma Irmã do Escuro pudesse ter entrado no local para se esconder da batalha.
Diante da porta para os aposentos do Profeta, Verna deu um profundo suspiro, e entrou no corredor interior, através das camadas de escudos que mantiveram Nathan prisioneiro no lugar durante quase mil anos, e agora mantinham Warren.
Ela abriu a porta interna no meio das sombras. As portas duplas para o pequeno jardim do Profeta estavam abertas, deixando entrar o ar morno da noite e um feixe de luz da lua. Uma vela do lado de uma mesa estava acesa, mas fornecia pouca iluminação.
O coração de Verna pulsou rapidamente quando viu alguém levantar de uma cadeira.
— Warren?
— Verna! — Ele caminhou apressado. — Graças ao Criador você escapou!
Verna sentiu uma pontada de medo de que suas esperanças e desejos alimentassem seus antigos temores. Ela se afastou um pouco.
Balançou um dedo na direção dele. — Que tipo de tolice foi aquela, de mandar para mim a sua Dacra! Porque não usou ela e salvou a si mesmo... para fugir! Foi um ato impulsivo enviar ela para mim. E se alguma coisa tivesse acontecido? Você já estava com ela, e deixou sair de suas mãos! O que você estava pensando?
Ele sorriu. — Também estou feliz em ver você, Verna.
Verna conteve seus sentimentos atrás de uma resposta brusca. — Responda minha pergunta.
— Bem, em primeiro lugar, eu nunca usei uma Dacra, e fiquei preocupado de fazer alguma coisa errada, e então perderíamos a nossa única chance. Em segundo, tenho essa coleira no meu pescoço, e a não ser que eu consiga tirar ela, não posso atravessar os escudos. Temi que se eu não conseguisse obrigar Leoma a tirá-la, caso ela preferisse morrer ao invés de fazer isso, então tudo seria por nada.
— Terceiro... — ele disse, dando um passo na direção dela. — se apenas um de nós tivesse chance de escapar, eu queria que fosse você.
Verna ficou olhando para ele durante um momento, um nó subindo em sua garganta. Ela não conseguiu mais aguentar e jogou os braços em volta do pescoço dele.
— Warren, eu te amo. Quer dizer, eu amo você de verdade.
Ele abraçou-a carinhosamente. — Não tem ideia do quanto eu sonhei em ouvir você dizer essas palavras, Verna. Eu te amo também.
— E quanto as minha rugas?
Ele mostrou um doce, caloroso e brilhante sorriso de Warren. — Algum dia, quando você tiver rugas, amarei elas também.
Por isso, e tudo mais, ela se entregou e beijou ele.
Um pequeno grupo de homens de capas vermelhas surgiu correndo em uma esquina, querendo matá-lo. Ele girou na direção dele, chutando um no joelho enquanto levantava sua faca, enfiando ela no estômago de um segundo. Antes que as espadas deles pudessem bloqueá-lo, ele havia cortado a garganta de outro e quebrado um nariz com um cotovelo.
Richard estava lívido. Perdido na fúria trovejante da magia que explodia através dele.
Ainda que a espada não estivesse com ele, a magia ainda era dele; ele era o verdadeiro Seeker da Verdade, e estava ligado irreversivelmente com sua magia. Ela fluía através dele com desejo de vingança letal. As profecias o tinham nomeado fuer grissa ost drauka, Alto D'Haran para aquele que traz a morte, e ele se movia como a sombra dela. Agora entendia as palavras, como elas tinham sido escritas.
Ele se movia entre os homens do Sangue da Congregação como se eles fossem meras estátuas, ruindo diante de um vento destruidor.
Em um momento, tudo era silencioso novamente.
Richard ofegou em fúria enquanto ficava em pé sobre os corpos, desejando que eles fossem das Irmãs do Escuro ao invés de servos delas. Ele queria aquelas cinco.
Elas disseram para ele onde Kahlan estava presa, mas quando ele chegou, ela havia desaparecido. Fumaça da batalha ainda flutuava no ar. A sala havia sido devastada pelo que parecia ser o furor de magia liberada. Tinha encontrado os corpos de Brogan, Galtero, e de uma mulher que não reconheceu.
Kahlan, se estava aqui, poderia ter escapado, mas ele estava louco de preocupação dela ter sido levada pelas Irmãs, e fosse ainda uma prisioneira, e a machucassem, ou pior ainda, que elas a entregassem a Jagang. Precisava encontrar ela.
Precisava colocar as mãos em uma Irmã do Escuro para que pudesse obrigar ela a falar.
Ao redor dos terrenos do Palácio, uma confusa batalha explodia. Para Richard parecia que o Sangue da Congregação acabado com todos no Palácio. Tinha visto guardas mortos, pessoas da equipe de limpeza mortas, e Irmãs mortas.
Também tinha visto um grande número de mortos do Sangue da Congregação. As Irmãs do Escuro despedaçaram eles sem misericórdia.
Richard viu um grupo de quase cem homens ser derrubado em um instante por apenas uma Irmã. Também tinha visto um grupo de homens furiosos que surgiu de todas as direções vencer outra Irmã. Eles a fizeram em pedaços como cães atacando uma raposa.
Quando se aproximou do local onde estava a Irmã que conteve o ataque, ela havia desaparecido, e então ele estava procurando por outra. Uma delas teria que dizer onde Kahlan estava. Se ele tivesse que matar cada uma das Irmãs do Escuro no Palácio, uma delas teria que falar.
Dois homens do Sangue da Congregação avistaram ele e subiram o caminho em uma corrida alucinada. Richard esperou. Suas espadas acertaram apenas o ar. Ele os derrubou com sua faca quase sem pensar, e estava seguindo adiante outra vez antes que o segundo homem batesse com o rosto no chão.
Perdeu a conta de quantos do Sangue da Congregação matou desde que a batalha começou. Ele rasgava através deles apenas se eles o atacassem; não conseguia evitar todos os soldados que via. Se eles corressem até ele, era por escolha deles, não dele. Não era eles que ele queria. Era uma Irmã.
Perto de um muro, Richard se refugiou nas sombras que a sombra projetava debaixo de um grupo de plantas aromáticas, que logo se espalhavam por baixo de nogueiras, enquanto se movia na direção de um dos caminhos cobertos. Ele se encostou contra uma pilastra no muro quando viu uma forma correndo. Enquanto ela se aproximava ele podia afirmar pelo cabelo dela e suas formas que era uma mulher.
Finalmente, ele tinha uma Irmã.
Quando deu um passo surgindo na frente dela, ele viu o brilho de uma lâmina vindo na direção dele. Sabia que cada Irmã carregava uma Dacra; provavelmente era isso, ao invés de uma faca. Ele também sabia o quanto uma Dacar era mortal, e como elas eram habilidosas com a arma. Ele não ousou considerar o perigo de forma leviana.
Richard girou a perna, chutando a Dacra da mão dela. Teria quebrado a mandíbula dela para que não conseguisse gritar pedindo ajuda, mas precisava que ela pudesse falar. Se ele fosse rápido o bastante, ela não daria alarme algum.
Segurou o pulso dela, moveu-se rapidamente e ficou logo atrás, agarrou o seu outro pulso quando ela levantou a mão para acertá-lo, e segurou os seus pulsos juntos, com uma das mãos. Encostou a faca na garganta dela e com um puxão, caiu para trás. Quando bateu de costas no chão, com ela em cima do seu peito, trançou as pernas dele sobre as dela para impedir que ela chutasse. Ela estava presa e indefesa num piscar de olhos.
Ele apertou a lâmina na garganta dela. — Estou com um péssimo humor. — ele falou através dos dentes cerrados. — Se não disser onde está a Madre Confessora, você vai morrer.
Ela ofegou, procurando recuperar o fôlego. — Você está prestes a cortar a garganta dela, Richard.
Pelo que pareceu uma eternidade em sua mente, filtrando as palavras dela no meio de sua fúria, ele tentou entender o que ela falou. Para ele, aquilo parecia um enigma.
— Você vai me beijar, ou vai cortar minha garganta? — ela perguntou, ainda ofegante.
Era a voz de Kahlan. Ele soltou os pulsos dela. Ela virou, seu rosto estava a polegadas do rosto dele. Era ela. Era ela de verdade.
— Queridos espíritos, obrigado. — ele sussurrou antes de beijá-la.
Richard lembrava muito bem como eram os lábios macios dela. Sua lembrança não superava a realidade. Sua fúria cessou como um lago tranquilo em uma noite de verão iluminada pela luz do luar. Com grandiosa felicidade ele a segurou bem forte.
Seus dedos tocaram o rosto dela suavemente, tocaram seu sonho que ganhava vida. Os dedos dela deslizaram pela bochecha dela enquanto ela olhava para ele, não precisando de mais palavras do que ele. Por um momento, o mundo parou. — Kahlan. — ele disse finalmente. — Eu sei que está com raiva de mim mas...
— Bem, se eu não tivesse quebrado minha espada, e tivesse que me virar com uma faca, você não teria vencido tão facilmente. Mas não estou com raiva.
— Não foi isso que eu quis dizer. Eu posso explicar...
— Sei o que você queria dizer, Richard. Não estou com raiva. Confio em você. Você tem que dar algumas explicações, mas não estou com raiva. A única coisa que você poderia fazer para me deixar com raiva seria ficar a mais de dez pés de distância de mim pelo resto de sua vida.
Richard sorriu. — Então você nunca vai ficar com raiva de mim. — O sorriso dele diminuiu quando ele bateu com a cabeça no chão. — Oh, sim, você está com raiva. Não sabe o problema que eu causei. Queridos espíritos, eu...
Ela beijou ele de novo. Suavemente, com carinho, calorosamente. Ele passou a mão pelo longo cabelo negro volumoso dela.
Afastou-a segurando nos ombros dela. — Kahlan, temos que dar o fora daqui. Agora mesmo. Estamos com muitos problemas.
— Eu não estou com muitos problemas.
Kahlan rolou e sentou. — Eu sei. A Ordem está vindo. Precisamos nos apressar.
— Onde está Zedd, e Gratch? Vamos encontrar eles e ir embora.
A cabeça dela inclinou na direção dele. — Zedd e Gratch? Não estão com você?
— Comigo? Não. Pensei que estivessem com você. Enviei Gratch com uma carta. Queridos espíritos, não me diga que não recebeu a carta. Não fico surpreso que não esteja com raiva de mim. Eu mandei...
— Eu recebi a carta. Zedd usou um feitiço para fazer com que ele ficasse leve o bastante para Gratch carregá-lo. Gratch levou Zedd de volta até Aydindril faz semanas.
Richard sentiu um onda quente de náusea. Lembrou dos Mriswith mortos espalhados pela muralha na Fortaleza.
— Não vi eles. — ele falou com um sussurro.
— Talvez tenha partido antes que eles chegassem. Devem ter levado semanas para chegarem aqui.
— Eu parti de Aydindril ontem.
— O quê? — ela sussurrou, de olhos arregalados. — Como poderia...
— A Sliph me trouxe aqui. Ela me trouxe aqui em menos de um dia. Pelo menos, eu acho que foi menos de um dia. Podem ter sido dois. Não tinha como saber, mas a lua parecia a mesma...
Richard percebeu que estava tremendo, e fez um esforço para parar.
O rosto de Kahlan estava ficando turvo em sua visão. A voz dele soou estranha para ele, como se fosse outra pessoa falando. — Encontrei um lugar na Fortaleza onde houve uma luta. Havia Mriswith mortos por toda parte. Lembro de ter pensado que parecia como se Gratch tivesse acabado com eles. Foi na beira de um grande muro.
— Havia sangue em uma fenda no muro, descendo pelo lado da Fortaleza. Passei o dedo no sangue.
— O sangue de Mriswith fede. Uma parte do sangue não era de Mriswith.
Kahlan segurou ele nos braços confortadores dela.
— Zedd, e Gratch. — ele sussurrou. — Poderia ter sido eles.
Os braços dela apertaram mais forte. — Sinto muito, Richard.
Ele afastou os braços dela e levantou, oferecendo a mão para ajudá-la a levantar. — Temos que dar o fora daqui. Eu fiz algo terrível, e Aydindril está em perigo. Tenho que voltar para lá.
O olhar de Richard viu o Rada'Han. — O que essa coisa está fazendo no seu pescoço?
— Eu fui capturada por Tobias Brogan. É uma longa história.
Mesmo antes que ela terminasse de falar, ele colocou os dedos na coleira. Sem raciocínio consciente, mas através da necessidade e da fúria, ele sentiu o poder emanar do centro de calmaria e fluir através de seu braço.
A coleira despedaçou em sua mão como se fosse transformada em pó.
Os dedos de Kahlan tatearam em seu pescoço. Ela soltou um suspiro de alívio quase gemendo.
— Ele voltou. — ela sussurrou enquanto se encostava nele, colocando uma das mãos no esterno. — Posso sentir o meu poder de Confessora. Posso tocá-lo novamente.
Ele abraçou-a com um braço. — É melhor irmos embora daqui.
— Acabei de libertar Ahern. Foi onde quebrei minha espada. Em um homem da Congregação. Ele caiu de mal jeito. — ela explicou quando viu a expressão dele. — Falei para Ahern seguir para o norte com as Irmãs.
— Irmãs? Que Irmãs?
— Encontrei Irmã Verna. Ela está reunindo as Irmãs da Luz, os homens jovens, noviças, guardas, e fugindo com eles. Estou a caminho para encontrar com ela. Deixei Adie com eles. Se apresse, e podemos conseguir alcançar eles antes de partirem. Não estão longe.
Kevin ficou de boca aberta quando saiu de trás de um muro para desafiar os dois. — Richard! — ele sussurrou. — É você mesmo?
Richard sorriu. — Sinto muito, não tenho nenhum chocolate, Kevin.
Kevin apertou a mão de Richard. — Eu sou leal, Richard. Quase todos os guardas são.
Richard franziu a testa no escuro. — Estou... honrado, Kevin.
Ele virou e fez um sinal com um assobio alto. — É Richard!
Uma multidão se reuniu em volta deles depois que ele e Kahlan passaram pelo portão e por trás do muro. Na luz bruxuleante de fogueiras distantes nas docas, Richard avistou Verna e deu um abraço nela.
— Verna, estou tão feliz em ver você! — Ele afastou-a segurando nos ombros dela. — Mas eu devo dizer, que você precisa de um banho.
Verna riu. Era um som raro e bom de ouvir. Warren passou do lado dela e com uma risada cheia de alegria abraçou Richard.
Richard levantou a mão de Verna e colocou o anel da Prelada nela, fechando os dedos dela sobre ele. — Ouvi falar da morte de Ann. Sinto muito. Este é o anel dela. Acho que você saberá o que fazer com ele melhor do que eu.
Verna aproximou a mão do rosto, olhando para o anel. — Richard... onde você conseguiu isso?
— Fiz Irmã Ulicia entregar ele. Ela não deveria estar usando isso.
— Você fez...
— Verna foi nomeada Prelada, Richard. — Warren disse quando colocou uma das mãos no ombro dela.
Richard sorriu. — Estou orgulhoso de você, Verna. Coloque ele de volta então.
— Richard, Ann não... O anel foi tomado de mim... Fui condenada por um tribunal... e removida da posição de Prelada.
Irmã Dulcinia deu um passo adiante. — Verna, você é a Prelada. No julgamento, todas as Irmãs aqui votaram por você.
Verna olhou todos os rostos que estavam observando. — Você fez isso?
— Sim. — Irmã Dulcinia falou. — Nós fomos rejeitadas pelas outras, mas todas nós acreditamos em você. Você foi nomeada pela Prelada Annalina. Precisamos de uma Prelada. Coloque o anel de volta.
Verna assentiu mostrando sua gratidão cheia de lágrimas para as Irmãs quando elas declararam que concordavam. Ela colocou de volta o anel no dedo e o beijou. — Temos que levar todo mundo embora imediatamente. A Ordem Imperial está vindo tomar o Palácio.
Richard agarrou o braço dela e fez ela virar. — O que você quer dizer com a Ordem Imperial está vindo tomar o Palácio? O que eles querem com o Palácio dos Profetas?
— As profecias. O Imperador Jagang pretende usá-las para conhecer as ramificações nos livros para conseguir alterar os eventos a seu favor.
As outras Irmãs atrás de Verna engoliram em seco. Warren passou uma das mãos no rosto enquanto grunhia.
— E... — Verna continuou. — ele planeja morar aqui, sob o feitiço do Palácio, para que possa governar o mundo depois que as profecias o ajudarem a esmagar toda oposição.
Richard soltou o braço dela. — Não podemos permitir que ele faça isso. Estaríamos perdidos em todas as ramificações. Não teríamos chance alguma. O mundo sofreria sob a tirania dele durante séculos.
— Não há nada que possamos fazer a respeito disso. — Verna disse. — Nós temos que fugir ou seremos mortos aqui, e então não haverá chance de ajudarmos. De pensar em uma maneira de contra-atacar.
Richard passou os olhos nas Irmãs reunidas, muitas das quais ele conhecia, e então olhou de volta para Verna. — Prelada, e se eu destruísse o Palácio?
— O quê! Como pode fazer isso?
— Eu não sei. Mas eu destruí as torres, e elas também eram feitas pelos magos antigos. E se houvesse um jeito?
Verna lambeu os lábios enquanto olhava para o vazio. A multidão de Irmãs ficou em silêncio. Irmã Phoebe abriu caminho entre as outras.
— Verna, você não pode permitir isso!
— Pode ser a única maneira de impedir Jagang.
— Mas você não pode. — Phoebe disse, quase chorando. — É o Palácio dos Profetas. É nosso lar.
— Agora vai ser o lar do Andarilho dos Sonhos, se deixarmos para ele.
— Mas Verna... — Phoebe disse, segurando os braços de Verna. — sem o feitiço, vamos envelhecer. Vamos morrer, Verna. Nossa juventude irá embora em um piscar de olhos. Vamos ficar velhas e morrer antes de termos chance de viver.
Com um dedão Verna enxugou uma lágrima do rosto da outra. — Tudo morrer, Phoebe, até mesmo o Palácio. Ele não pode durar para sempre. Ele serviu ao seu propósito, e agora, se não fizermos alguma coisa, esse propósito se transformará em algo que causará danos.
— Verna, você não pode fazer isso! Eu não quero envelhecer.
Verna abraçou a jovem. — Phoebe, nós somos Irmãs da Luz. Servimos o Criador em seu trabalho para tornar as vidas das pessoas nesse mundo melhor. A única chance que temos para melhorar as vidas deles, agora, e nos tornarmos como o resto das outras crianças do Criador; para viver entre eles.
— Eu entendo o seu medo, Phoebe, mas confie em mim que não será como você teme. O tempo parece diferente para nós sob o feitiço do Palácio. Nós não sentimos o lento passar dos séculos, do jeito que aqueles do lado de fora imaginam, mas o rápido ritmo da vida. Realmente não parece muito diferente quando você vive do lado de fora.
— Nosso juramento é servir, não apenas viver. Se você deseja viver uma vida longa e vazia, Phoebe, pode ficar com as Irmãs do Escuro. Se quiser viver uma vida significativa, útil, completa, então venha conosco, com as Irmãs da Luz, para nossa vida nova além daquela que tivemos.
Phoebe ficou em silêncio, lágrimas descendo por suas bochechas. Ao longe, fogo rugia, e explosões ocasionais marcavam a noite. Os gritos de homens em batalha estavam chegando mais perto.
Finalmente, Phoebe falou. — Eu sou uma Irmã da Luz. Quero ir com minhas Irmãs... não importa aonde isso nos leve.
— O Criador ainda cuidará de nós.
Verna sorriu, passando uma das mãos na bochecha de Phoebe. — Mais alguém? — ela perguntou, olhando para as outras reunidas. — Mais alguém tem qualquer objeção? Se tiver, deve falar agora. Não venha me procure depois para dizer que não teve chance. Eu dou ela agora.
Todas as Irmãs balançaram as cabeças. Logo todas estavam dizendo que queriam ir.
Verna girou o anel no dedo quando olhava para Richard. — Você acha que pode destruir o Palácio?
— O feitiço?
— Não sei. Você lembra quando encontrou comigo pela primeira vez, e Kahlan usou aquele raio azulado?
— Confessoras possuem um elemento de Magia Subtrativa dos magos que criaram o poder delas. Talvez isso faça algum dano nas câmaras, se eu não conseguir.
Os dedos de Kahlan tocaram as costas dele quando ela sussurrou. — Richard, eu não acho que consigo fazer isso. Aquela magia foi invocada para você. Para defender você. Não consigo chamar ela por nenhum outro motivo.
— Temos que tentar. Pelo menos, podemos colocar fogo nas profecias. Se começarmos um fogo no meio de todos aqueles livros, todos serão consumidos, e então pelo menos Jagang não poderá usá-los contra nós.
Um pequeno grupo de mulheres e meia dúzia de homens jovens aproximaram-se do portão correndo. — Amigos de Richard. — veio o sussurro apressado. Kevin abriu o portão, deixando o grupo sem fôlego entrar.
Verna segurou o braço de uma mulher. — Philippa, encontrou todas?
— Sim.— A mulher alta fez uma pausa para recuperar o fôlego. — Temos que sair daqui. A guarda avançada do Imperador está na cidade. Alguns já estão cruzando as pontes do sul. O Sangue da Congregação está entrando em batalha com eles.
— Você viu o que está acontecendo nas docas? — Verna perguntou.
— Ulicia e algumas das suas Irmãs estão lá embaixo. Aquelas mulheres estão fazendo em pedaços todo o porto. Parece como se o submundo tivesse sido liberado. — Philippa colocou dedos trêmulos nos lábios enquanto fechava os olhos por um momento. — Elas estão com os homens do Lady Sefa. — A voz dela vacilou. — Não pode imaginar o que estão fazendo com aqueles pobres homens.
Philippa virou, caiu de joelhos, e vomitou. Duas das outras Irmãs que voltaram com ela fizeram o mesmo. — Querido Criador. — Philippa conseguiu falar entre os espasmos. — não pode imaginar. Terei pesadelos pelo resto da minha vida.
Richard virou na direção dos berros e gritos de batalha. — Verna, você tem que sair daqui agora mesmo. Não há tempo a perder.
Ela assentiu. — Você e Kahlan podem nos alcançar.
— Não. Kahlan e eu temos que ir até Aydindril imediatamente. Não tenho tempo para explicar agora, mas ela e eu temos a magia necessária que permitirá isso. Gostaria de poder levar o resto de vocês, mas não posso. Depressa. Sigam para o norte. Tem um exército de cem mil soldados D'Haran movimentando-se para o sul procurando por Kahlan. Terão mais proteção com eles, e eles com vocês. Digam ao General Reibisch que ela está em segurança comigo.
Adie caminhou entre os outros e segurou as mãos de Richard. — Como estar Zedd?
A voz de Richard ficou presa em sua garganta. Fechou os olhos para combater a dor. — Adie, sinto muito, mas eu não vi o meu avô. Eu temo que ele pode ter sido morto na Fortaleza.
Adie enxugou a bochecha enquanto limpava a garganta. — Eu sentir muito, Richard. — ela falou com sua voz rouca.
— Seu avô ser um homem bom. Mas ele arrisca demais fazendo coisas desesperadas. Eu avisei ele.
Richard abraçou a feiticeira enquanto ela chorava suavemente encostada no peito dele.
Kevin veio correndo do portão, com a espada na mão. — Temos que ir embora agora, ou temos lutar.
— Vá. — Richard disse. — Não venceremos essa guerra se você morrer nessa batalha. Devemos lutar de acordo com nossas regras, não de Jagang.
— Ele terá pessoas com o dom junto com ele, não apenas soldados.
Verna virou para as Irmãs reunidas, noviças, e jovens magos. Ela segurou as mãos de duas garotas jovens que pareciam estar precisando de apoio. — Todos vocês, escutem. Jagang é um Andarilho dos Sonhos. A única proteção é nossa ligação com Richard. Richard nasceu com o dom, com uma magia transmitida de seus ancestrais que protege contra Andarilhos dos Sonhos. Leoma tentou quebrar essa ligação para permitir que Jagang entre em minha mente e me domine. Antes de partirmos, todos vocês, façam reverência e jurem fidelidade a Richard para termos certeza de que estaremos protegidos de nosso inimigo.
— Se for seu desejo fazer isso... — Richard disse. — então façam como foi definido por Alric Rahl, aquele que criou a ligação e sua proteção. Se desejarem fazer isso, então eu peço que façam a devoção da maneira como ela foi transmitida, como deveria ser.
Richard falou para eles as palavras, como ele mesmo havia pronunciado, e então ficou em silêncio, sentindo o peso da responsabilidade, não apenas com aqueles reunidos ali, mas com os milhares em Aydindril que estavam dependendo dele, enquanto as Irmãs da Luz e seus pupilos ajoelharam e, com uma voz elevando-se dentro da noite em meio ao som da batalha, proclamaram sua ligação.
— Mestre Rahl seja o nosso guia. Mestre Rahl nos ensine. Mestre Rahl nos proteja. Em sua luz, prosperamos. Na sua misericórdia, nos abrigamos. Em sua sabedoria, nos humilhamos. Vivemos só para servir. Nossas vidas são suas.
C A P Í T U L O 5 1
R
ichard apertou Kahlan contra a parede no corredor de pedra úmido e escuro, enquanto esperava que o grupo de soldados de capas vermelhas passar pelo cruzamento. Quando o eco das botas deles desaparecia ao longe, Kahlan se esticou na ponta dos dedos dos pés e sussurrou. — Não gosto aqui debaixo. Vamos conseguir sair desse lugar vivos?
Ele deu um beijo rápido na testa dela. — É claro que vamos sair daqui vivos. Eu prometo. — Segurou a mão dela abaixou debaixo de uma viga baixa. — Vamos lá, as câmaras são logo ali na frente.
A rocha da passagem fria tinha marcas de manchas amarelas pálidas onde a água gotejava entre emendas e sobre os blocos. Em alguns lugares do teto, gotas de água pendiam em estalactites de pedra da cor de gema de ovo, para ocasionalmente pingar sobre amontoados de pedras onduladas no chão. Depois de duas tochas, a passagem alargava e o teto se elevava para acomodar as enormes portas arredondadas para as câmaras.
Quando eles avistaram a porta de pedra com seis pés de espessura, Richard soube que alguma coisa estava errada. Não apenas porque ele conseguia ver uma estranha luz, mas porque os cabelos em sua nuca estavam eriçados, e podia sentir o fluxo da magia nos seus braços, como teias de aranha esfregando nos cabelos.
Ele esfregou os braços com aquela sensação de formigamento quando inclinou chegando mais perto. — Você sente alguma coisa estranha?
Ela balançou a cabeça. — Mas tem alguma coisa engraçada naquela luz.
O passo de Kahlan vacilou. Richard viu o corpo ao mesmo tempo quando eles se aproximaram da abertura arredondada para as câmaras. Adiante, uma mulher estava enrolada no chão, como se estivesse dormindo, mas Richard sabia que ela não estava dormindo. Ela estava rígida como a rocha.
Quando chegaram mais perto, puderam ver depois da parede a direita que havia cerca de doze homens do Sangue da Congregação espalhados pelo chão. Richard se encolheu com aquela visão, e uma sensação de desconforto espalhou-se em seu estômago.
Cada um dos homens estava cortado em dois, armadura, capa, e tudo, no meio do peito. O chão era um lago de sangue.
Sua apreensão cresceu com cada passo lento na direção da abertura arredondada na rocha.
— Escute, tenho que pegar uma coisa primeiro. — ele disse. — Você espera aqui até eu voltar. Deve levar apenas alguns minutos.
Kahlan puxou ele pela manga da camisa. — Você conhece as regras.
— Que regras?
— Você não tem permissão para ficar mais do que dez pés de distância de mim pelo resto da sua vida, ou vou ficar com muita raiva.
Richard olhou fixamente nos olhos verdes dela. — Prefiro que você fique com raiva do que morta.
Ela fez uma careta. — Você só está pensando isso agora. Esperei tempo demais para estar com você para deixar você sozinho agora. O que é tão importante que faria você querer entrar ali? Podemos tentar fazer alguma coisa daqui de fora. Jogar tochas lá dentro, colocar fogo no lugar, ou algo assim. Todo aquele papel deve queimar como grama seca. Não precisamos entrar lá.
Richard sorriu. — Alguma vez eu já falei o quanto eu te amo?
Ela empurrou o braço dela. — Fale. Pelo que está arriscando nossas vidas?
Richard recuou com um suspiro. — Tem um livro de profecia lá no fundo que tem mais de três mil anos. Tem profecias sobre mim. Ele me ajudou antes. Se tivermos sucesso destruindo todos esses livros, eu gostaria de levar pelo menos esse. Ele pode ser útil outra vez.
— O que ele diz sobre você?
— Ele me chama de fuer grissa ost drauka.
— O que isso significa?
Richard virou de volta para a câmara. — Aquele que traz a morte.
Ela ficou em silêncio por um momento. — Então como voltamos lá?
Richard observou os soldados mortos. — Bem, com certeza não caminhamos. — Ele levantou a mão até o peito.
— Alguma coisa cortou eles mais ou menos nessa altura. Seja lá o que fizermos, não ficaremos em pé.
Naquela altura, uma leve neblina, como uma camada de fumaça estratificada, flutuava no ar dentro da câmara. Ela perecia estar brilhando, como se fosse iluminada por alguma cosia, mas Richard não conseguia dizer o quê.
De quatro, eles rastejaram dentro da câmara e por baixo da estranha luz avermelhada. Ficaram perto da parede até alcançarem as estantes para que não tivessem que rastejar através das poças de sangue. Logo que estavam debaixo da neblina cintilante, ela pareceu ainda mais peculiar. Não parecia ser como qualquer névoa ou fumaça que Richard já tinha visto; parecia ser feita de luz.
Um som áspero fez com que eles parassem, ficando imóveis. Richard olhou para trás, por cima do ombro, e viu a porta de pedra com seis pés de espessura fechando. Ele avaliou que não importava o quão rápido eles se movessem, jamais conseguiriam voltar antes que a porta fechasse.
Kahlan desviou os olhos da porta. — Estamos presos aqui dentro? Como vamos sair? Tem outra saída?
— Essa é única saída, mas eu posso abrir. — Richard disse. — A porta funciona junto com um escudo. Se eu colocar a mão na placa de metal na parede, ela vai abrir.
Os olhos verdes dela observaram o rosto dele. — Richard, você tem certeza?
— Bastante certeza. Sempre funcionou antes.
— Richard, depois de tudo que passamos, agora que estamos juntos, quero nós dois fora daqui vivos.
— Nós vamos sair. Temos que sair; tem pessoas que precisam de nossa ajuda.
— Em Aydindril?
Ele assentiu, tentando encontrar as palavras para aquilo que estivera querendo dizer a ela, palavras para preencher o espaço que ele temia haver entre eles, o espaço que ele temia ter colocado ali.
— Kahlan, eu não fiz aquilo que fiz lá porque eu queria alguma coisa para mim mesmo. Eu juro. Quero que saiba disso. Sei o quanto eu te magoei, mas foi a única coisa que eu consegui pensar fazer antes que fosse tarde demais. Só fiz isso porque realmente acredito que é nossa única chance de impedir que Midlands seja dominada pela Ordem Imperial.
— Sei que o objetivo das Confessoras é proteger o povo, não simplesmente manter o domínio. Confiei que você veria que eu estava agindo baseado nesse objetivo, se não fossem seus desejos. Queria proteger as pessoas, não governá-las, mas fiquei muito mal com aquilo que fiz com você.
O silêncio pairou na sala e pedra durante algum tempo. — Richard, quando eu li sua carta pela primeira vez, eu estava arrasada. Uma confiança sagrada foi colocada em minhas mãos, e eu não queria ser conhecida como a Madre Confessora que perdeu Midlands. No caminho até aqui, com aquela coleira no meu pescoço, tive bastante tempo para pensar.
— As Irmãs fizeram algo nobre esta noite. Elas sacrificaram um legado de três mil anos por causa de um objetivo maior: ajudar as pessoas. Posso não estar feliz com o que você fez, e você ainda terá que dar algumas explicações, mas escutarei com amor em meu coração, não apenas por você, mas pelo povo de Midlands que precisa de nós.
— Durante as semanas enquanto viajamos até aqui, pensei sobre como devemos viver no futuro e não no passado. Quero que o futuro seja um lugar onde possamos viver em paz e segurança. Isso é mais importante do que qualquer outra coisa. Conheço você, e sei que não faria o que fez por razões egoístas.
Richard passou os dedos na bochecha dela. — Estou orgulhoso de você, Madre Confessora.
Ela beijou os dedos dele. — Mais tarde, quando pessoas não estiverem tentando nos matar e tivermos tempo, vou cruzar meus braços, fazer cara de zangada e bater meu pé como a Madre Confessora deve fazer, enquanto você gagueja e tenta explicar o sentido no que fez, mas por enquanto, podemos apenas sair desse lugar?
A preocupação dele aliviou, Richard sorriu e seguiu adiante outra vez, rastejando pelas estantes. A fina camada de neblina brilhante acima das cabeças deles pareceu se esticar por toda a sala. Richard gostaria de saber o que era aquilo.
Kahlan se aproximou dele rapidamente. Richard verificava se havia problema em cada fila que eles passavam, guiando eles ao redor da inexplicável sensação de perigo sempre que ele a encontrava. Ele não sabia se a sensação de perigo era uma percepção verdadeira ou não, mas ele não ousava ignorar as sensações. Estava aprendendo a confiar em seus instintos e ficar menos preocupado com provas.
Quando eles entraram na pequena alcova lá atrás, ele observou os livros na estante, e viu aquele que desejava. O problema era que ele estava acima do nível da neblina. Ele sabia muito bem que não deveria tentar atravessar ela; não sabia exatamente o que era a luz cintilante, mas sabia que era algum tipo de magia, e tinha viu o que aquilo tinha feito com os soldados.
Com ajuda de Kahlan, eles balançaram a estante até que ela tombou. Quando ela encostou na mesa, os livros caíram, mas o que ele queria pousou em cima da mesa. A camada de neblina cintilante pairava a meras polegadas acima do livro. Richard enfiou a mão cuidadosamente sobre o tampo da mesa, sentindo a sensação de formigamento da magia flutuando logo acima de seu braço. Finalmente, ele segurou o livro com os dedos e derrubou ele da borda.
— Richard, tem alguma coisa errada.
Ele pegou o livro e folheou rapidamente para confirmar que era o certo. Embora agora ele pudesse ler as palavras em Alto D'Haran, e pudesse reconhecer algumas delas, não teve tempo para verificar o que o livro dizia.
— O quê? Qual é o problema?
— Olhe para a neblina acima de nós. Quando entramos, ela estava na altura do peito. Deve ter sido o que cortou aqueles homens.
— Olhe para ela agora.
Sem que ele percebesse, ela havia descido até a parte de cima da mesa. Ele enfiou o livro no cinto. — Me siga, e depressa.
Richard arrastou-se para fora da sala com Kahlan logo atrás dele. Ele não sabia o que aconteceria se a magia cintilante os alcançasse, mas não tinha muita dificuldade em imaginar.
Kahlan gritou. Richard virou e viu que ela estava deitada no chão.
— O que foi?
Ela tentou se arrastar para frente usando os cotovelos, mas não saiu do lugar. — Alguma coisa segurou meu tornozelo.
Richard rastejou de volta até ela e agarrou o pulso ela.
— Soltou. Logo que você me tocou, aquilo soltou.
— Segure no meu tornozelo e vamos dar o fora daqui.
Ela arfou. — Richard! Veja.
O brilho acima das cabeças deles baixou quando ele a tocou, com se a magia tivesse sentido o toque, sentido sua presa, e estava perseguindo ela. ela mal dava espaço para que eles rastejassem. Richard, com Kahlan segurando seu tornozelo, seguiu rapidamente na direção da porta.
Antes que eles chegassem até a porta, e linha de luz logo acima baixou até que Richard podia sentir o calor dela contra suas costas.
— Abaixe!
Ela comprimiu o estômago quando ele ordenou, e eles se contorceram adiante com a barriga no chão. Quando finalmente alcançaram a porta, Richard virou sobre as costas. A neblina estava polegadas acima deles.
Kahlan agarrou a camisa dele e puxou a si mesma chegando mais perto. — Richard, o que vamos fazer?
Richard ficou olhando para a placa de metal. Ela estava acima da camada cintilante se estendia de uma parede até a outra. Ele não podia mais alcançar a placa sem enfiar o braço através da luz ameaçadora acima deles.
— Temos que sair daqui, ou aquela coisa vai nos matar, do mesmo jeito que matou aqueles homens. Eu tenho que levantar.
— Você está louco? Não pode fazer isso!
— Eu tenho a capa de Mriswith. Talvez se eu usá-la, a luz não me encontre.
Kahlan colocou um braço sobre o peito dele. — Não!
— Estou morto de qualquer jeito se não tentar.
— Richard, não!
— Você tem uma ideia melhor? Estamos ficando sem tempo.
Ela rosnou de raiva e esticou o braço na direção da porta. Um relâmpago azul explodiu do punho dela. A porta ardeu com faixas de luz azul correndo ao redor do perímetro dela.
A fina camada de neblina luminosa recuou, como se estivesse viva, e o toque da magia dela fosse doloroso. A porta, porém, não se moveu.
Quando a luz recuou, acumulando-se no centro da sala, Richard levantou rapidamente e bateu com a mão na placa. A porta roncou e começou a se mover. O brilho azulado de Kahlan desapareceram quando a porta abriu algumas polegadas. O brilho começou a se espalhar outra vez.
Richard segurou a mão de Kahlan. Ele levantou e se espremeu através da abertura, arrastando ela junto. Eles caíram no chão do outro lado, ofegantes e abraçados.
— Funcionou. — ela disse, prendendo a respiração por causa do susto. — Sabia que você estava em perigo, então minha magia funcionou.
Quando a porta abriu o resto do caminho, a camada de luz entrou no corredor movendo-se na direção deles.
— Vamos sair daqui. — ele disse quando eles levantaram.
Eles recuaram, mantendo um olho na neblina rastejante que os perseguia. Os dois grunhiram quando bateram em uma barreira invisível. Richard tateou pela superfície dela, mas não conseguiu encontrar nenhuma abertura. Ele virou de volta para ver a luz quase alcançando eles.
Com a fúria da necessidade, sem pensar, Richard esticou as mãos.
Raios parecidos com Cordas de luz negra, vácuos ondulantes na existência da luz e da vida, como a própria morte eterna, avançaram, contorcendo e espiralando, das mãos esticadas dele. O estalo dos raios enquanto a Magia Subtrativa rasgava o espaço no mundo era ensurdecedor. Kahlan se encolheu. Cobriu os ouvidos e procurou desviar os olhos da visão.
No centro das câmaras, a neblina brilhante pareceu começar a pegar fogo. Ele sentiu um forte impacto no peito e nas pedras debaixo dos pés dele.
As estantes foram derrubadas, lançando uma tempestade de papéis no ar para queimarem rapidamente como milhares de fagulhas de uma fogueira. A luz uivou como se estivesse viva. Ele podia sentir os rios negros explodindo de dentro dele, poder e fúria além de sua compreensão, queimando através dele e espalhando-se dentro das câmaras.
Kahlan puxou os braços dele. — Richard! Richard! Temos que correr! Richard! Me escute! Corra!
A voz de Kahlan estava soando para ele como se viesse de uma grande distância. De repente as cordas negra de Magia Subtrativa cessaram. O mundo retornou, mergulhando no vácuo de sua consciência, e ele sentiu-se vivo novamente. Vivo, e assustado.
A barreira invisível que bloqueava a fuga deles desapareceu. Richard segurou mão de Kahlan e correu. Atrás deles, o núcleo da luz se agitava e gemia, ficando cada vez mais brilhante o tempo todo enquanto o som aumentava.
Queridos espíritos, ele pensou, o que eu fiz?
Eles correram através dos corredores de pedra, subindo as escadas, e por corredores que ficavam mais refinados a cada nível, com painéis e tapetes, com lamparinas iluminando o caminho deles ao invés de tochas. Na frente deles as suas sombras se esticavam, mas não era por causa das lamparinas. Era por causa da luz viva lá atrás.
Passaram por uma porta correndo, saindo na noite viva com a batalha. Homens usando capas vermelhas lutavam contra homens armados sem armaduras que Richard nunca tinha visto. Alguns usavam barbas, e muitos estavam com a cabeça raspada, mas cada um deles tinha um anel em sua narina esquerda. Com seus estranhos cintos e correias de couro, alguns cheios de espinhos, e camadas de peles de animais, eles pareciam ser homens selvagens, uma impressão reforçada pelo modo como lutavam: sorrisos ameaçadores mostravam dentes cerrados enquanto eles balançavam espadas, machados, e maças, golpeando seus inimigos com ferocidade, bloqueando ataques e avançando com escudos arredondados com espinhos no centro.
Embora nunca tivesse visto os homens, Richard sabia que eles deveriam ser da Ordem Imperial.
Richard não reduziu a velocidade, mas seguiu caminho através de aberturas na batalha, puxando Kahlan atrás enquanto corria procurando uma ponte. Quando um dos soldados da Ordem Imperial saltou sobre dele, levando um bota em sua direção para fazer ele parar, Richard deu um passo para o lado, enfiou o braço por baixo da perna do homem, e jogou ele para o lado, mal reduzindo sua corrida. Quando um dos soldados da Ordem aproximou-se dele, Richard bateu com um cotovelo no rosto do homem, derrubando ele.
No centro da ponte leste, que levava até o campo onde ficava a Floresta Hagen, meia dúzia de homens do Sangue da Congregação lutava com um grupo da Ordem. Quando uma espada girou na direção dele, Richard abaixou, empurrando o homem com o ombro por cima da borda para dentro do rio antes de atravessar a abertura que aquilo criou.
Lá atrás, acima dos sons de batalha, o som de aço e dos gritos dos homens, ele podia escutar o uivo da luz.
Ele correu, suas pernas parecendo se mover por sua própria vontade de escapar; aquela coisa da qual eles fugiam era pior do que espadas ou facas. Kahlan não precisava de ajuda alguma para acompanhar o ritmo; ela estava logo atrás dele.
Logo que eles estavam do outro lado do rio e não muito longe dentro da cidade, a noite desapareceu em uma ofuscante claridade que lançava sombras negras apontando para longe do Palácio. Os dois pararam atrás da parede engessada de uma loja fechada e, agachando, se esforçaram para recuperar o fôlego. Richard espiou pelo lado da construção e viu luzes ofuscantes em todas as janelas do Palácio, até mesmo naquelas que ficavam nas torres mais altas.
Luz parecia estar fluindo através das conexões entre as pedras.
— Você consegue correr um pouco mais? — ele perguntou enquanto ofegava.
— Eu não queria parar. — ela disse.
Richard conhecia bem a cidade entre o Palácio e o campo. Ele conduziu Kahlan pelo meio da ululante, confusa e assustada massa de pessoas, subindo as ruas estreitas com casas e as ruas largas, até que alcançaram a periferia de Tanimura.
A meio caminho subindo a colina para fora do vale onde jazia a cidade, ele sentiu um forte impacto no chão que quase fez ele perder o equilíbrio. Sem olhar para trás, Richard passou um braço em volta de Kahlan e mergulhou com ela dentro de uma abertura baixa no granito. Suados e exaustos, eles se abraçaram enquanto o chão tremia.
Eles levantaram as cabeças bem a tempo de ver a luz rasgar as torres e paredes de pedra do Palácio dos Profetas como se fossem de papel diante de um furacão. Toda a Ilha Halsband pareceu rasgar. Partes de árvores e enormes pedaços de terra ergueram-se no ar junto com pedras de todos os tamanhos. Um brilho cegante arrastou um domo de detritos diante dele. O rio perdeu a água e pontes.
A cortina de luz expandiu-se para fora com um rugido. A cidade além da ilha de algum modo resistiu contra a fúria.
Acima, o céu se iluminou como se um domo celestial estivesse ardendo em afinidade com o coração das chamas lá embaixo. A camada de luz cintilante lá em cima descia em cascata até o chão a milhas de distância da cidade. Richard lembrou daquela fronteira; era o escudo exterior que manteve ele aqui quando usava um Rada'Han.
— Aquele que traz a morte, realmente. — Kahlan falou enquanto observava, aterrorizada. — Não sabia que você podia fazer algo assim.
— Nem eu. — Richard falou, arfando.
Um jato de ar cruzou a grama enquanto rugia subindo a colina. Eles deitaram quando uma parede de areia e terra passou rapidamente.
Cautelosamente, sentaram e ficaram imóveis. A noite havia retornado, e na súbita escuridão, Richard não conseguia enxergar muita coisa lá embaixo, mas ele sabia. O Palácio dos Profetas não existia mais.
— Você conseguiu, Richard. — Kahlan disse finalmente.
— Nós conseguimos. — ele respondeu enquanto olhava fixamente para o buraco escuro no meio das luzes da cidade.
— Estou feliz que tenha trazido aquele livro. Quero saber o que mais ele diz sobre você. — Um sorriso começou a surgir nos lábios dela. — Acho que Jagang não vai morar mais aqui.
— Acho que não. Você está bem?
— Estou. — ela disse. — Mas estou feliz que acabou.
— Eu temo que esteja apenas começando. Vamos lá, a Sliph vai nos levar de volta até Aydindril.
— Você ainda não disse o que é essa Sliph.
— Acho que você não acreditaria em mim. Terá que ver por si mesma.
— Muito impressionante, Mago Zorander. — Ann disse, virando para outro lado.
Zedd soltou um grunhido. — Não fui eu.
Ann enxugou as lágrimas das bochechas, agradecida pela escuridão, pois assim ele não poderia vê-las, mas teve que se esforçar para impedir que sua voz deixasse clara sua emoção. — Você pode não ter lançado a tocha, mas fez o trabalho de preparar a pira. Muito impressionante. eu já vi uma teia de luz destruir uma sala, mas isso...
Ele colocou uma das mãos suavemente no ombro dela. — Sinto muito, Ann.
— Sim, bem, o que deve ser, deve ser.
Zedd apertou o ombro dela como se desejasse dizer que entendia. — Fico imaginando quem lançou a tocha?
— As Irmãs do Escuro podem usar Magia Subtrativa. Uma delas deve ter disparado a teia de luz acidentalmente.
Zedd olhou para ela no escuro. — Acidentalmente? — Ele afastou a mão quando emitiu apenas um pigarreio duvidoso.
— Deve ter sido isso. — ela falou enquanto suspirava.
— Um pouco mais do que um acidente, eu diria. — Ela detectou uma pontada de orgulho no assobio dele.
— Como o quê?
Ele ignorou a pergunta. — É melhor encontrarmos Nathan.
— Sim. — Ann falou, repentinamente lembrando do Profeta. Ela apertou a mão de Holly. — Foi aqui que deixamos ele.
— Ele tem que estar em algum lugar por aqui.
Ann olhou na direção das colinas iluminadas ao longe. Podia ver um grupo de pessoas subindo a estrada para o norte: uma carruagem e um grupo de pessoas, a maioria sobre cavalos. Havia muitas para que não fosse possível sentir. Eram suas Irmãs da Luz. Graças ao Criador; elas fugiram afinal de contas.
— Pensei que você pudesse encontrar ele por aquela coleira infernal.
Ann começou a procurar ao redor. — Eu posso, e ela diz que ele deveria estar em algum lugar aqui. Talvez a explosão tenha ferido ele. Uma vez que o feitiço foi destruído, ele tinha que estar aqui fazendo a parte dele com o escudo exterior, então talvez ele tenha sido ferido. Me ajude a procurar.
Holly procurou também, mas ficou perto. Zedd perambulou na direção de um lugar aberto, plano. Guiado pelo modo como os galhos e arbustos estavam dobrados e partidos, ele estava procurando perto do centro do ponto onde o poder estaria concentrado. Enquanto ela se curvava para olhar entre os lugares baixos nas rochas, Zedd a chamou.
Ann segurou a mão de Holly e seguiu apressada até o velho mago. — O que foi?
Ele apontou. Em pé, para que eles pudessem ver claramente, enterrado em uma rachadura em um pedaço de granito, estava alguma coisa arredondada. Ann arrancou aquilo dali.
Ela olhou fixamente, incrédula. — É o Rada'Han de Nathan.
Holly falou. — Oh, Ann, talvez ele tenha sido morto. Talvez Nathan tenha sido morto pela magia.
Ann virou ele. Estava fechado. — Não, Holly. — Passou uma das mãos no cabelo da criança para confortá-la.
— Ele não foi morto, ou haveria algum traço dele. Mas querido Criador, o que isso significa?
— O que significa? — Zedd riu. — Significa que ele está livre. Ele colocou isso naquela pedra para ter certeza de que você veria, como se estivesse levantando o nariz para você. Nathan queria que nós soubéssemos que ele tirou a coleira sozinho. Deve ter ligado o poder do local a ela, ou algo assim. — Zedd suspirou. — Bem, ele se foi. Agora, tire o meu.
A mão de Ann segurando o Rada'Han baixou enquanto ela olhava para o vazio na noite. — Temos que encontrar ele.
— Tire minha coleira, como prometeu, e então você pode ir atrás dele. Sem mim, eu devo afirmar.
Ann sentiu a raiva dela fervendo. — Você vem comigo.
— Com você? Maldição, eu não vou fazer tal coisa!
— Você vem.
— Você pretende quebrar a sua palavra!
— Não, eu pretendo cumprir ela, tão logo encontremos o Profeta causador de problemas. Você não tem ideia das complicações que aquele homem pode causar.
— Para que você precisa de mim?
Ela balançou o dedo para ele. — Você vem comigo quer você goste ou não, e está decidido.
Quando nós encontrarmos ele, então eu tiro essa coleira. Não antes.
Ele balançou os punhos, praguejando, enquanto Ann saiu andando para buscar os cavalos. O olhar dela vagou pela colina iluminada pela luz da lua ao longe. Viu o grupo de Irmãs seguindo para o Norte. Quando Ann alcançou os cavalos, ela agachou diante de Holly.
— Holly, como sua primeira tarefa como noviça para se transformar em uma Irmã da Luz, tenho uma missão urgente muito importante para você.
Holly assentiu com seriedade. — O que é, Ann?
— É crítico que Zedd e eu encontremos Nathan. Espero que não demore muito, mas temos que nos apressar antes que ele se afaste.
— Antes que ele se afaste! — Zedd rugiu atrás dela. — Ele teve horas. Tem uma vantagem enorme. Não há como dizer para onde aquele homem foi. Ele já se afastou.
Ann olhou para trás por cima do ombro. — Temos que encontrar ele. — Ela virou de volta para Holly. — Precisamos nos apressar, e eu não tenho tempo de encontrar com as Irmãs da Luz em cima daquela colina ali. Preciso que você vá até lá e diga para Irmã Verna tudo que você sabe sobre o que aconteceu.
— O que eu deveria falar para ela?
— Qualquer coisa que você saiba sobre o que viu e ouviu enquanto esteve conosco. Diga a verdade para ela, e não invente nada. É importante que ela saiba o que está acontecendo. Diga para ela que Zedd e eu vamos atrás de Nathan, e que quando pudermos vamos encontrar com eles, mas nossa prioridade é encontrar o Profeta. Diga a ela para seguir para o norte, como estão fazendo, para escapar da Ordem.
— Eu consigo fazer isso.
— Não é longe, e a estrada logo ali levará você até a estrada que eles seguirão, então você não vai perder eles. Seu cavalo conhece e gosta de você, então ela vai tomar conta de você. Estará lá em uma hora ou duas, e então terá todas as Irmãs para manter você em segurança, e para amar você. Irmã Verna saberá o que fazer.
— Vou sentir saudade de você até que se junte a nós. — Holly disse, com lágrimas e sua voz trêmula.
Ann abraçou a garotinha. — Oh, criança, vou sentir tanto saudade de você também. Gostaria de poder levar você conosco, você ajudou bastante, mas temos que correr se quisermos pegar Nathan. As Irmãs, especialmente a Prelada Verna, precisam saber o que aconteceu. É importante; é por isso que eu devo enviar você.
Holly conteve as lágrimas com bravura. — Eu entendo. Pode contar comigo Prelada.
Ann ajudou a garota a subir na sela e beijou a mão dela enquanto colocava as rédeas nelas. Ficou observando e acenou despedindo-se enquanto Holly trotava na direção das Irmãs da Luz.
Ela virou para o mago furioso. — É melhor irmos andando se quisermos alcançar Nathan. — Ela deu um tapinha no ombro magro dele. — Não vai demorar muito. Logo que alcançarmos ele, vou tirar essa coleira do seu pescoço, eu prometo.
A Floresta Hagen estava tão escura e não convidativa como sempre, mas Richard tinha certeza de que os Mriswith se foram.
Durante a jornada deles através da floresta sombria ele não sentiu nem mesmo um deles. O lugar, embora ameaçador, estava deserto; todos os Mriswith partiram para Aydindril. Ele tremeu ao pensar o que isso poderia significar.
Kahlan suspirou nervosa, cruzando os dedos, enquanto olhava para o rosto sorridente de mercúrio da Sliph. — Richard, antes de fazer, apenas caso alguma coisa de errado aconteça, quero dizer que sei o que aconteceu quando você era um prisioneiro aqui, e que não tenho ressentimento contra você por causa disso. Você pensou que eu não te amava, e estava sozinho. Eu entendo.
Richard inclinou chegando mais perto. — Do que você está falando? Que coisas eu fiz?
Ela limpou a garganta. — Merissa. Ela contou tudo.
— Merissa!
— Sim. Eu entendo, e não culpo você. Pensou que jamais encontraria comigo outra vez.
Richard piscou, surpreso. — Merissa é uma Irmã do Escuro. Ela quer me matar.
— Mas ela disse que quando você esteve aqui antes, ela foi sua professora. Ela disse que... Bem, conheci ela, e ela é linda. Você estava solitário, e não culpo você.
Richard segurou ela pelos ombros e forçou-a a desviar os olhos da Sliph. — Kahlan, eu não sei o que Merissa falou para você, mas estou dizendo a verdade: desde o dia em que eu te conheci, não amei outra pessoa a não ser você. Ninguém. Sim, quando você me fez colocar a coleira e eu pensei que nunca mais a veria de novo, eu estava solitário, mas nunca traí seu amor, mesmo quando pensei que tinha perdido ele. Mesmo que eu tenha pensado que você não me queria, eu nunca... com Merissa, ou qualquer outra.
— Verdade?
— Verdade.
Ela mostrou aquele sorriso especial, aquele que não oferecia a ninguém a não ser para ele. — Adie tentou dizer a mesma coisa. Tive medo de morrer antes de conseguir vê-lo novamente, e queria que você soubesse o quanto te amo, não importa o que aconteça. Uma parte de mim está com medo de fazer isso. Tenho medo de me afogar ali dentro.
— A Sliph sentiu você, e ela diz que você pode viajar. Você também tem um elemento de Magia Subtrativa. Somente aqueles com as duas magias podem viajar. Vai funcionar. Você vai ver. — ele sorriu, encorajando-a. — Não há nada para ter medo, eu prometo. Isso é diferente de qualquer coisa que já tenha sentido. É maravilhoso. Está tudo bem agora?
Ela assentiu. — Tudo bem. — Ela passou os braços ao redor dele e abraçou-o com tanta força que tirou o ar dos seus pulmões. — Mas se eu me afogar, só queria que soubesse o quanto eu te amo.
Richard ajudou-a a subi no muro de pedra ao redor da Sliph e então olhou em volta, para a floresta escura além das ruínas. Ele não sabia se realmente havia olhos observando ou aquilo era apenas sua preocupação. Porém, ele não sentiu um Mriswith, e se algum estivesse observando, ele sentiria. Concluiu que deveria ser apenas suas experiências passadas na Floresta Hagen que o deixava apreensivo.
— Estamos prontos, Sliph. Você sabe quanto tempo vai levar?
— Eu tenho alcance bastante. — surgiu a resposta.
Richard suspirou e apertou a mão de Kahlan com mais força. — Faça como dissemos. — Ela assentiu, soltando seus últimos suspiros. — Estarei com você. Não tenha medo.
O braço líquido prateado levantou eles, e a noite ficou realmente negra. Richard apertou bem forte a mão de Kahlan enquanto mergulhavam, sabendo o quanto foi difícil para ele respirar na Sliph na primeira vez. Quando ela devolveu o aperto, eles já estavam no vácuo.
A sensação familiar de velocidade e de estar flutuando ao mesmo tempo voltou, e Richard soube que estavam a caminho de Aydindril. Como antes, não havia nenhum calor, nenhum frio, nenhuma sensação de estar mergulhado no mercúrio da Sliph. Seus olhos contemplaram luz e escuro juntos em uma simples visão espectral, enquanto os pulmões deles incharam com a doce presença da Sliph quando ele inalou a essência suave dela.
Richard estava alegre, sabendo que Kahlan poderia sentir o mesmo êxtase que ele sentiu; ele podia sentir isso através da lenta pressão em sua mão. Eles se entregaram, para navegar através da correnteza.
Richard nadou através da escuridão e da luz. Sentiu Kahlan segurar o tornozelo dele para ser rebocada junto com ele.
O tempo não significava nada. Poderia ter sido o piscar de um momento ou a lenta passagem de um ano enquanto ele flutuava adiante com Kahlan segurando seu tornozelo. Como antes, repentinamente, aquilo terminou.
Visões da sala na Fortaleza explodiram ao redor dele, mas ele sabia o que esperar, e dessa vez não houve terror.
Respire, a Sliph falou.
Ele soltou um doce suspiro, esvaziando seus pulmões do êxtase, e deixou entrar o ar alienígena.
Sentiu Kahlan subindo atrás dele, e no silêncio da sala de Kolo, ouviu ela expelir a Sliph e inalar o ar. Richard levantou a cabeça, a Sliph soltou ele enquanto ele pisava no muro e descia. Assim que seus pés tocaram o chão, ele virou e ajudou Kahlan a sair.
Merissa sorriu para ele.
Richard ficou rígido. Finalmente sua mente funcionou. — Onde está Kahlan! Você está ligada a mim! Fez um juramento!
— Kahlan? — surgiu a voz melodiosa. — Ela está bem aqui. — Merissa enfiou a mão dentro do mercúrio. — Mas você não vai mais precisar dela. E eu estou mantendo meu juramento. Um juramento para mim mesma.
Ela ergueu o corpo mole de Kahlan segurando pela parte de trás da coleira. Com a ajuda de seu poder, Merissa puxou Kahlan para fora do poço da Sliph. Kahlan bateu no muro e tombou, sem respirar, no chão.
Antes que Richard pudesse correr até ela, Merissa esfregou as lâminas de uma Yabree contra a rocha. A doce canção o envolveu, fazendo suas pernas ficarem fracas e impotentes enquanto ele observava, fascinado, o rosto sorridente de Merissa.
— A Yabree canta para você, Richard. A canção dela chama você.
Ela se aproximou, levando a Yabree mais perto. Levantou ela, girando o objeto resplandecente do desejo dele, exibindo-a, tentando ele com ela. Richard molhou os lábios enquanto seus ossos ressoaram com o zumbido da Yabree. O som vibrante deixava ele hipnotizado.
Ela deslizou mais perto, finalmente oferecendo ela. Os dedos dele a tocaram, e a canção espalhou-se através de cada fibra do corpo dele, encantou cada canto de sua alma. Merissa sorriu quando os dedos dele se fecharam ao redor do punho.
Ele estremeceu com o encanto de ter ela em sua mão. Seus dedos ficaram rígidos com doloroso prazer.
Ela tirou outra Yabree debaixo da piscina prateada. — Isso é apenas a metade, Richard. Você precisa das duas.
Ela riu, um som agradável, contagiante, quando encostou a segunda Yabree contra a rocha. A canção quase o deixou cego de desejo para tocá-la. Ele lutou para impedir que seus joelhos dobrassem. Precisava pegar a segunda Yabree. Ele se inclinou sobre o muro, esticando-se para alcançá-la.
O sorriso de Merissa zombou dele, mas ele não se importava, só queria, precisava, ter a irmã gêmea da Yabree na sua outra mão.
— Respire. — a Sliph disse.
Distraído, Richard desviou os olhos. A Sliph estava olhando para a mulher caída no chão encostada no muro.
Ele estava prestes a falar, quando Merissa encostou a Yabree contra a rocha novamente.
Suas pernas ficaram moles. Ele levantou seu braço esquerdo, com a Yabree no punho, por cima do muro para se manter em pé.
— Respire. — a Sliph disse outra vez.
Através da encantadora canção que ecoando através de seus ossos, Richard lutou para entender quem era aquela pessoa encostada no muro com quem a Sliph estava falando. Parecia importante, mas não conseguia entender por que. Quem era?
A risada de Merissa ecoou pela sala quando ela bateu a Yabree novamente.
Richard soltou um grito tanto de êxtase quanto de desejo.
— Respire. — a Sliph falou outra vez, de forma mais insistente.
No meio da canção da Yabree, aquilo lhe ocorreu. Sua necessidade interior emergiu, fluindo através da melodia entorpecedora que o envolvia.
Kahlan.
Ele olhou para ela. Ela não estava respirando. Uma voz interior gritou por socorro.
Quando a Yabree cantou novamente, os músculos do pescoço dele ficaram flácidos. Sua visão turva focou em algo na rocha debaixo dele.
A situação de emergência enrijeceu seus músculos. Sua mão esticou. Seus dedos a tocaram. Sua mão a envolveu, e uma nova necessidade espalhou-se através de seus ossos. Uma necessidade que ele conhecia muito bem.
Com uma explosão de fúria, Richard arrancou a Espada da Verdade do chão de pedra, e a sala ecoou com um novo som.
Merissa observou ele com um olhar mortal quando esfregou a Yabree contra a rocha mais uma vez. — Você vai morrer, Richard Rahl. Eu jurei me banhar no seu sangue, e eu farei isso.
Com seu último resquício de força, alimentada pela fúria da espada, Richard ergueu-se sobre o muro de pedra e se esticou, mergulhando a lâmina dentro do mercúrio da Sliph.
Merissa gritou.
Veias prateadas destacaram-se na pele dela. Seus gritos ecoaram pela sala de pedra quando seus braços levantaram em um esforço frenético para escapar da Sliph, mas era tarde demais. A metamorfose espalhou-se nela, e ela ficou tão lustrosa quanto a Sliph, como uma estátua de prata em uma piscina prateada refletora. As bordas do rosto dela suavizaram, e o que foi Merissa dissolveu dentro das ondas agitadas do mercúrio.
— Respire. — a Sliph falou para Kahlan.
Richard jogou a Yabree para o lado quando deslizou pela sala. Levantou Kahlan em seus braços e carregou-a até o poço. Colocou-a sobre o muro, passou os braços em volta do abdômen dela, e pressionou.
— Respire! Kahlan, respire! — Ele comprimiu novamente. — Faça isso por mim! Respire! Por favor, Kahlan, respire.
Os pulmões dela expeliram o mercúrio, e ela arfou, soltando um súbito e desesperado suspiro, e então outro.
Finalmente, ela virou em seus braços e encostou contra ele. — Oh, Richard, você estava certo. Era tão maravilhoso que eu esqueci de respirar. Você me salvou.
— Mas ele matou a outra. — a Sliph observou. — Avisei para ele sobre o objeto de magia que ele carrega. Não foi culpa minha.
Kahlan piscou para o rosto prateado. — Do que você está falando?
— Daquela que agora é parte de mim.
— Merissa. — Richard explicou. — Não é culpa sua, Sliph. Tive que fazer isso, ou ela mataria nós dois.
— Então estou livre da responsabilidade. Obrigada, Mestre.
Kahlan virou para ele, olhando para a espada. — O que aconteceu? O que você quer dizer com, Merissa?
Richard desamarrou a tira de couro no pescoço, passou a mão por cima do ombro, e tirou a capa de Mriswith das costas.
— Ela nos seguiu através da Sliph. Tentou matar você, e... bem, ela queria tomar um banho comigo.
— O quê!
— Não. — a Sliph corrigiu. — ela disse que desejava banhar-se no seu sangue.
Kahlan ficou de boca aberta. — Mas... o que aconteceu?
— Agora ela está comigo. — a Sliph falou. — Para sempre.
— Isso significa que ela está morta. — Richard falou. — Explicarei quando tivermos mais tempo. — Ele virou para a Sliph. — Obrigado por sua ajuda, Sliph, mas preciso que você durma agora.
— É claro, Mestre. Dormirei até que eu seja necessária novamente.
O rosto prateado brilhante perdeu as formas e derreteu mergulhando de volta na piscina de mercúrio. Richard, de modo inconsciente, cruzou os pulsos. A piscina lustrosa começou a brilhar. A Sliph ficou imóvel, e começou a descer no poço, no começo lentamente, e então ganhando velocidade, até que desapareceu.
Kahlan olhou para ele quando ele endireitou o corpo. — Acho que tem muitas coisas que você vai precisar explicar.
— Quando tivermos tempo, eu prometo.
— Afinal de contas, onde nós estamos?
— Nas áreas inferiores da Fortaleza, na base de uma das torres.
— Áreas inferiores da Fortaleza?
Richard assentiu. — Debaixo da biblioteca.
— Debaixo da biblioteca! Ninguém consegue ir até o nível abaixo da biblioteca. Tem escudos que impedem qualquer mago de entrar nas áreas inferiores da Fortaleza.
— Bem, é onde estamos e sobre isso também teremos que falar mais tarde. Temos que descer até a cidade.
Eles saíram da sala de Kolo, e imediatamente os dois se encostaram na parede. A Rainha vermelha Mriswith estava na piscina depois do gradil. Ela abriu as asas de forma protetora sobre um ninho com centenas de ovos do tamanho de grandes melões enquanto emitia um som de aviso que ecoou dentro da enorme torre.
Pela pouca luz que entrava pelas aberturas logo adiante, Richard podia ver que era o final da tarde.
Levou menos de um dia, pelo menos ele esperava que fosse menos de um dia, para chegar até Aydindril. Na luz, ele também conseguiu ver a vasta extensão do ninho com ovos cinzentos e verdes cobertos de manchas sobre a rocha.
— É a Rainha Mriswith. — Richard explicou rapidamente enquanto escalava o gradil. — Tenho que destruir aquele ovos.
Kahlan gritou o nome dele, tentando chamá-lo de volta, quando ele saltou do gradil, dentro da água escura.
Richard levantou a espada enquanto atravessava com dificuldade pela água na altura do peito na direção das rochas escorregadias no centro.
A Rainha levantou sobre as garras, fazendo um barulho.
A cabeça dela moveu-se perto dele, suas mandíbulas batendo. Naquele momento, Richard balançou a espada. A cabeça grotesca recuou. Ela lançou uma nuvem de aroma picante nele que carregava uma clara mensagem de aviso.
Decidido, Richard avançou. As mandíbulas dela abriram, revelando longo dentes afiados.
Richard não poderia deixar que os Mriswith tomassem Aydindril. E se ele não destruísse esses ovos, haveria muito mais Mriswith com os quais se preocupar.
— Richard! Eu tentei usar o raio azul, mas ele não vai funcionar aqui embaixo! Volte!
A Rainha sibilante tentava morder ele. Richard golpeava a cabeça com a espada quando ela se aproximava, mas ela ficava fora de alcance e rugia de raiva. Richard conseguiu manter a cabeça afastada enquanto tateava procurando um apoio para a mão.
Encontrou uma projeção de rocha para segurar, e subiu nas rochas escuras. Ele balançou a espada, e quando as mandíbulas ameaçadoras recuaram, ele golpeou os ovos. Gema fedorenta espalhou-se sobre a rocha escura enquanto ele quebrava as grossas conchas.
A Rainha ficou louca. Suas asas batiam, erguendo-a da rocha e para fora do alcance da espada de Richard.
A cauda dela balançava para todos os lado, chicoteando como um enorme chicote. Quando a cauda chegou mais perto, Richard balançou a espada para mantê-la afastada. Nesse momento ele estava mais interessado em destruir os ovos.
Os dentes dela mordiam quando ela dava o bote nele. Richard enfiou a espada, perfurando o pescoço dela com um golpe rápido, o bastante para que a Rainha recuasse com dor e fúria. As asas dela que batiam freneticamente derrubaram ele sobre a rocha. Richard rolou para o lado, evitando as garras afiadas. A cauda dela golpeou novamente, e suas mandíbulas batiam. Richard foi obrigado a esquecer os ovos por um momento e se defender. Se ele conseguisse matá-la, isso simplificaria a tarefa.
A Rainha gritou de raiva. Um momento depois, Richard escutou um som de algo sendo esmagado. Virou na direção do barulho e viu Kahlan esmagando ovos com uma tábua que foi parte da porta para a sala de Kolo. Ele cambaleou pela rocha lisa para ficar entre Kahlan e a Rainha enraivecida. Ele golpeava na cabeça quando ela tentava morder, na cauda quando ela tentava derrubar ele da rocha, e nas garras quando tentavam rasgar ele em pedaços.
— Você mantém ela longe... — Kahlan falou enquanto balançava a tábua, esmagando ovos e caminhando com dificuldade pela gosma amarela grudenta. — e eu cuido desses aqui.
Richard não queria Kahlan em perigo, mas sabia que ela também estava defendendo a cidade dela, e não poderia pedir a ela para ir se esconder. Além disso, precisava da sua ajuda. Ele tinha que descer até a cidade.
— Rápido. — ele disse ao esquivar-se e atacar.
A enorme massa vermelha atirou-se em cima dele, tentando esmagá-lo contra a rocha. Richard mergulhou para o lado, mas a Rainha ainda pousou sobre a perna dele. Ele gritou de dor e cortou a besta com a espada enquanto ela tentava morder ele.
De repente a tábua bateu em cima das massas carnudas sobre a cabeça da Rainha. Ela recuou urrando de dor, suas asas bateram loucamente, e suas garras rasgavam o ar. Kahlan enfiou um braço por baixo do braço dele e ajudou ele a se arrastar para longe quando o corpo vermelho levantou. Os dois entraram outra vez na água parada.
— Peguei todos eles. — Kahlan disse. — Vamos dar o fora daqui.
— Tenho que acabar com ela. — Richard falou. — ou ela simplesmente vai colocar mais.
Mas a Rainha Mriswith, vendo todos os seus ovos destruídos, mudou do ataque, para a fuga. Suas asas bateram freneticamente, erguendo-a no ar. Ela encostou na parede, enfiou as garras na rocha, e começou a escalar na direção de uma abertura no alto da torre.
Richard e Kahlan saíram da piscina fedorenta e entraram no caminho, Richard tentou correr até os degraus que subiam pelo interior da torre, mas quando colocou peso em sua perna, ele caiu no chão.
Kahlan ajudou ele a levantar. — Você não pode alcançar ela agora. Nós quebramos todos os ovos, simplesmente teremos que nos preocupar com ela mais tarde. A sua perna está quebrada?
Richard se encostou no gradil, esfregando o ferimento doloroso enquanto observava a Rainha subir até a abertura no alto da torre. — Não, ela apenas foi esmagada contra a rocha. Temos que ir até a cidade.
— Mas você não consegue andar.
— Vou ficar bem. A dor está diminuindo. Vamos lá.
Richard pegou uma das esferas cintilantes para iluminar o caminho e, com Kahlan dando suporte, eles começaram a sair do ventre da Fortaleza. Ela nunca esteve nas salas e corredores pelos quais ele a levou. Ele teve que segurar ela nos braços para ajudá-la a atravessar os escudos, e constantemente avisava no que ela não deveria tocar, e onde não deveria pisar. Ela questionou os avisos dele repetidamente, mas seguiu as ordens insistentes dele, resmungando para si mesma que nunca soube que esses lugares existiam na Fortaleza.
Na hora em que eles tinham subido através das salas e corredores até em cima, sua perna, embora ainda estivesse doendo, estava melhor. Ele conseguia caminhar, mesmo mancando um pouco.
— Finalmente eu sei onde estamos. — Kahlan disse quando eles subiram até o longo corredor diante das bibliotecas. — Estava preocupada que nunca conseguíssemos sair de lá.
Richard seguiu na direção dos corredores que sabia ser o caminho de saída. Kahlan protestou dizendo que ele não poderia seguir por aquele caminho, mas ele insistiu que aquele era o caminho que sempre fazia, e ela o seguiu, relutante. Ele a abraçou para atravessar o escudo com ela, para dentro do grande salão na entrada, e os dois ficaram felizes pela desculpa.
— Quanto falta? — ela perguntou enquanto olhava ao redor da sala quase vazia.
— Bem ali. Essa é a porta de saída.
Quando eles passaram pela porta até o lado de fora, Kahlan girou duas vezes, surpresa. Agarrou a camisa dele e apontou para a porta. — Ali? Você entrou ali! Foi por esse caminho que você entrou na Fortaleza?
Richard assentiu. — É para onde o caminho de pedra conduzia.
Ela apontou para cima da porta, zangada. — Olhe o que está escrito! E você entrou ali?
Richard olhou para as palavras entalhadas na padieira de pedra acima da enorme porta. — Não sei o que significam essas palavras.
— Tavol de ator Mortado. — ela disse, lendo as palavras bem alto. — Significa Caminho dos Mortos.
Richard olhou rapidamente para as outras portas além da expansão de lascas de pedras e cascalho. Lembrou da coisa que surgiu por baixo dos cascalhos.
— Bem, parecia a maior porta, e o caminho levava direto até ela, então pensei que fosse a entrada. Se você pensar bem, até que faz sentido. Eu fui nomeado aquele que traz a morte.
Kahlan esfregou os braços, assustada. — Nós estávamos com medo que você entrasse na Fortaleza. Ficamos com muito medo que você entrasse ali e fosse morto. Queridos espíritos, não consigo acreditar que não morreu. Nem mesmo os magos usariam essa entrada. Aquele escudo logo ali dentro não permitiria que eu entrasse sem a sua ajuda; só isso já dá uma pista dos perigos além dele. Consigo atravessar todos os escudos a não ser aqueles que protegem os lugares mais perigosos.
Richard ouviu um esmagar de pedras, e viu movimento no cascalho. Ele puxou Kahlan de volta para cima de uma das placas de pedra do caminho quando a coisa se contorceu como uma cobra assumindo um curso na direção dele. — Qual é o problema? — ela perguntou.
Richard apontou. — Tem alguma coisa vindo.
Kahlan fez uma careta olhando para ele por cima do ombro dela e caminhou sobre o cascalho. — Não está com medo disso, está? — Ela agachou e enfiou a mão dentro do cascalho quando a coisa debaixo do cascalho aproximou-se dela. Ela moveu a mão como se estivesse acariciando um bichinho de estimação.
— O que você está fazendo!
Kahlan mexeu alegremente na coisa debaixo do cascalho. — É só um Sabujo da Pedra, o Mago Giller conjurou ele para assustar uma mulher que estava atrás dele o tempo todo. Ela ficava com medo de atravessar o cascalho e, é claro, ninguém em seu estado normal ousaria entrar no Caminho dos Mortos. — Kahlan levantou. — Quer dizer... não me diga que estava com medo do Sabujo da Pedra.
— Bem... não, não exatamente... mas...
Kahlan colocou as mãos nos quadris. — Você entrou no Caminho dos Mortos, e atravessou aqueles escudos, porque estava com medo de um Sabujo da Pedra? Foi por isso que não entrou nas outras portas?
— Kahlan, eu não sabia o que era a coisa debaixo do cascalho. Nunca vi uma coisa como essa. — Ele coçou o cotovelo. — Está bem, então, eu estava com medo dele. Estava tentando ser cauteloso. E não conseguia ler as palavras, então não sabia que essa porta era perigosa.
Ela olhou para cima. — Richard, você poderia ter...
— Eu não morri na Fortaleza, encontrei a Sliph, e cheguei até você. Agora, vamos lá. Precisamos chegar até a cidade.
Ela colocou o braço em volta da cintura dele. — Você tem razão. Acho que só estou tensa com... — Ela levantou uma das mãos na direção da porta. — Tudo que aconteceu ali dentro. Aquela Rainha Mriswith me assustou. Estou agradecida que você conseguiu.
Com os braços cruzados, eles saíram rapidamente pela grande abertura arqueada através do muro externo.
Quando passaram por baixo da enorme grade de ferro, uma poderosa cauda vermelha chicoteou em um canto, derrubando os dois. Antes que Richard conseguisse recuperar o fôlego, asas estavam batendo longo acima. Garras tentaram rasgar ele. Ele sentiu uma dor abrasadora no ombro esquerdo quando uma garra o acertou. Kahlan foi lançada rolando pelo chão pela cauda que agitava.
Enquanto ele estava sendo levado para mais perto das mandíbulas pela garra enterrada em seu ombro, ele sacou a espada. A fúria inundou ele instantaneamente. Ele fez um corte em uma asas. A Rainha recuou, soltando a garra do ombro dele. A fúria da magia ajudou ele a ignorar a dor quando levantou.
Ele golpeou com a espada enquanto a besta saltava em sua direção, batendo as mandíbulas. Era uma coisa com asas, dentes, garras, e cauda, saltando na direção dele enquanto ele recuava. Richard acertou um braço, e a Rainha encolheu de dor. A cauda dela agitou, acertando ele no estômago, atirando ele contra o muro. Ele golpeou furiosamente a cauda, arrancando a ponta dela.
A Rainha vermelha Mriswith levantou sobre as patas traseiras, debaixo da grade de ferro, cheia de ponta. Richard mergulhou na direção da alavanca e empurrou-a com todo o seu peso. Com um forte rangido, o portão desceu na direção da besta enlouquecida.
A Rainha se contorceu quando o portão bateu, errando por pouco as costas dela, mas acertando uma asa, prendendo ela no chão. Ela rugiu ainda mais alto.
Richard ficou observando com gélido pavor quando viu que Kahlan estava no chão, do outro lado do portão.
A Rainha também avistou ela, e com um poderosos esforço, arrancou a asa do portão, rasgando-a em longas tiras esfarrapadas.
— Kahlan! Corra!
Tonta, ela tentou rastejar para longe, mas a besta atacou. Agarrou ela por uma perna, segurando firme.
A Rainha virou e virou e lançou um odor fétido na direção dele. Richard não teve dificuldade alguma para entender o significado: vingança.
Com um louco esforço, ele puxou a roda que levantava o portão. Ela levantou polegadas de cada vez. A Rainha estava descendo a estrada, arrastando Kahlan pela perna.
Richard soltou a roda e, guiado pela fúria da magia, balançou a espada nas barras da grade de ferro. Centelhas e fragmentos de metal voaram pelo ar. Gritando de fúria, ele balançou a espada novamente contra o ferro, abrindo outra fenda nas barras. Com um terceiro movimento um pedaço foi arrancado. Ele o chutou e atravessou pela abertura.
Richard correu descendo a estrada na direção da besta vermelha em fuga. Kahlan esfregava as mãos no chão em uma tentativa desesperada de escapar. Quando alcançou a ponte, a Rainha subiu em cima do muro na borda, rosnando enquanto ele se aproximava a toda velocidade.
A Rainha bateu suas asas retalhadas, como se não percebesse que não conseguiria voar. Ainda correndo, Richard gritou quando ela virou, abrindo as asas, preparando-se para saltar da ponte com seu prêmio.
A cauda chicoteou pela estrada quando Richard correu sobre a ponte. Ele saltou uma seção de seis pés. A Rainha virou, segurando Kahlan de cabeça para baixo pela perna como se fosse uma boneca de madeira. Richard, além da razão, balançou sua espada em uma fúria cega enquanto ela tentava morder ele. Manchado com o sangue da besta, ele cortou fora a metade dianteira de uma asa, o osso estilhaçando em fragmentos brancos sob a lâmina dele. Ela balançou a cauda cortada na direção dele enquanto batia sua outra asa mutilada.
Kahlan gritou na direção de Richard, seus dedos esticados, fora de alcance. Ele enfiou a espada no estômago vermelho. Uma garra vermelha arrastou Kahlan para longe quando ele tentava agarrar a mão dela. Richard cortou fora a outra asa na altura do ombro. Sangue espirrou no ar quando a besta enlouquecida se contorcia para um lado e para outro, tentando alcançar ele. Isso fazia ela esquecer do seu desejo de rasgar Kahlan em pedaços.
Richard cortou outro pedaço da cauda quando ela chegou perto o bastante. Enquanto o sangue fedorento espirrava por toda parte, as reações da Rainha tornavam-se mais lentas, permitindo a Richard causar ainda mais ferimentos.
Richard saltou e agarrou o pulso de Kahlan, e ela o dele, enquanto ele enterrava a espada até o cabo na parte inferior do peito vermelho pulsante. Isso foi um erro.
A Rainha Mriswith mortalmente ferida estava segurando firme a perna de Kahlan. A besta vermelha balançou, e com um lento giro assustador, caiu da ponte sobre o abismo. Kahlan gritou. Richard segurou ela com toda sua força. O puxão em seu braço quando a Rainha caiu fez ele bater o estômago contra o muro acima da queda vertiginosa.
Richard balançou a espada por cima da borda e com um golpe poderoso cortou o braço que segurava a perna de Kahlan. A besta vermelha rodopiou descendo entre as paredes escarpadas que mergulhavam milhares de pés, até desaparecer ao longe lá embaixo.
Kahlan ficou pendurada pela mão dele sobre o mesmo abismo. Sangue estava descendo pelo braço dele e sobre as mãos deles. Ele podia sentir o pulso dela escorregando de sua mão. As coxas dele eram as únicas coisas que impediam ele de cair por cima do muro.
Com um esforço grandioso, ele a levantou cerca de dois pés. — Agarre no muro com a outra mão. Não consigo segurar.
— Você está escorregando.
Kahlan colocou a mão livre em cima do muro de pedra, retirando uma parte do peso. Ele jogou a espada para a estrada atrás e enfiou a outra mão por baixo do braço dela. Richard cerrou os dentes e, com ajuda dela, puxou-a, por cima do muro e para a estrada.
— Tire isso!— ela gritou. — Tire isso!
Richard abriu as garras e libertou a perna dela. Atirou o braço vermelho por cima do muro. Kahlan caiu nos braços dele, ofegando de exaustão, fraca demais para falar.
Através do pulsar da dor, Richard sentiu o emocionante calor do alívio. — Porque não usou o seu poder... o raio?
— Ele não funcionaria dentro da Fortaleza, e aqui fora aquela coisa me deixou apagada. Porque não usou as suas... um pouco daquelas raios de luz negra, como fez no Palácio dos Profetas?
Richard avaliou a questão. — Não sei. Não sei como o dom funciona. Tem alguma coisa a ver com instinto. Não consigo fazer funcionar conforme a minha vontade. — Ele passou uma das mãos no cabelo dela quando fechou os olhos. — Gostaria que Zedd estivesse aqui. Ele poderia me ajudar a controlar isso, a aprender como usar. Sinto muita falta dele.
— Eu sei. — ela sussurrou.
Acima do som da respiração ofegante deles, ele conseguiu ouvir os gritos distantes de homens e o barulho do aço. Percebeu que sentia o cheiro de fumaça. O ar estava carregado com ela.
Ajudou Kahlan a levantar, ignorando a dor feros no seu ombro, e eles seguiram rapidamente pela estrada até uma curva onde era possível ter uma visão geral da cidade abaixo.
Quando eles pararam repentinamente na beira da estrada, Kahlan engoliu em seco.
Chocado, Richard caiu de joelhos. — Queridos espíritos... — ele sussurrou. — o que foi que eu causei.
É Lorde Rahl! — Vozes carregaram o grito através da multidão de tropas D'Haran. — Agrupem-se! É Lorde Rahl!
Um grito cresceu no ar do final de tarde. Milhares de vozes se ergueram acima do som de batalha. Armas foram levantadas no ar enfumaçado junto com o rugido dos gritos. — Lorde Rahl! Lorde Rahl! Lorde Rahl!
Com expressão amarga, Richard marchou através dos soldados na parte traseira da batalha. Homens feridos, sangrando, levantaram cambaleando e juntaram-se na multidão que o seguia.
Através da neblina formada pela fumaça, Richard podia ver descendo as ladeiras das ruas, o mar de D'Harans com uniformes escuros em uma luta frenética. Além dali, um mar vermelho inundava a cidade, arrastando eles para trás. Sangue da Congregação. De todos os lados, eles surgiam, ferozes, não parando diante de nada.
— Deve haver mais de cem mil. — Kahlan falou, aparentemente par si mesma.
Richard tinha enviado uma força de cem mil para procurar por Kahlan. Eles estavam a semanas de distância da cidade.
Ele havia divido a força em Aydindril quase em duas, e mandou a metade para longe. E agora o Sangue da Congregação apareceu, para se aproveitar do seu erro.
Mas ainda assim, deveria ter bastante D'Harans para enfrentar essa quantidade. Alguma coisa estava muito errada.
Com um crescente multidão de feridos seguindo atrás dele, Richard chegou na parte de trás daquela que parecia ser a maior batalha. O Sangue da Congregação estava pressionando de todos os lados da cidade. Chamas dançavam na direção do céu vindo de Kings Row. No centro do mar de uniformes escuros estava o esplendor branco do Palácio das Confessoras.
Oficiais vieram correndo, sua alegria ao ver ele reduzida pelo que estava acontecendo logo adiante. Os gritos do campo de combate mexia com os nervos dele.
Richard ficou surpreso ao ouvir a qualidade calma de sua própria voz. — O que está acontecendo? Estes são soldados D'Haran. Porque eles estão sendo repelidos? Eles não estão em menor número. Porque o Sangue da Congregação chegou tão longe dentro da cidade?
O frio comandante falou apenas uma palavra. — Mriswith.
Os punhos de Richard apertaram. Esses homens não tinham defesa contra Mriswith. Um Mriswith poderia derrubar dúzias de homens em questão de minutos. Richard tinha visto longas fileiras de Mriswith entrarem na Sliph. Centenas deles.
Os D'Harans poderiam não estar em menor número no início, mas agora estavam.
As vozes dos espíritos já estavam falando com ele, abafando os gritos de dor mortal. Olhou para o pálido disco do sol por trás da fumaça. Restavam duas horas de luz.
O olhar de Richard encontrou os olhos de três dos Tenentes. — Você, você, e você. Reúnam qualquer tamanho de força que precisarem. — Sem virar, ele levantou um dedão para trás na direção de Kahlan. — Levem a Madre Confessora, minha Rainha, para o Palácio, e protejam ela.
A expressão nos olhos de Richard tornaram qualquer declaração sobre a gravidade da missão absolutamente desnecessária, e qualquer aviso das consequências da falha supérfluo.
Kahlan gritou um protesto. Richard sacou sua espada.
— Agora.
Os homens se afastaram para fazer como ordenado, levando Kahlan com eles enquanto ela gritava com ele. Richard não olhou, nem ouviu as palavras dela.
Ele já estava perdido na fúria viva. Magia e morte dançavam perigosamente em seus olhos. Homens silenciosos se afastaram em um círculo que alargava.
Richard passou a lâmina no sangue em seu braço para dar uma amostra para sua espada. A fúria ganhou mais força.
A cabeça dele virou, os olhos da morte procurando os mortos que caminhavam. Através das tempestades da ira da espada e de sua própria fúria, ele não ouviu mais nada a não ser a fúria que rugia em seu interior, e ainda assim ele sabia que precisava de mais. Em sequência, ele derrubou todas as barreiras e liberou toda a magia, não deixando nada preso. Ele tornou-se um com os espíritos em seu interior, com a magia, com a necessidade. Ele era o verdadeiro Seeker, e mais.
Era aquele que traz a morte ganhando vida.
E então ele estava se movendo entre os homens, tentando chegar na frente, através dos soldados vestidos de couro escuro grunhindo com determinação enquanto lutavam com homens de capa vermelha em armaduras brilhantes que penetraram as linhas, através de lojistas que tinham pego espadas, através de homens jovens da cidade com piques, e garotos com porretes.
Enquanto avançava, ele derrubava os homens do Sangue da Congregação apenas quando eles tentavam bloquear o caminho dele. Estava atrás de algo mais mortal do que eles.
Richard subiu em uma carroça virada no centro da luta. Homens se espalhavam ao redor dele para manter qualquer ameaça afastada. Seu olhar de ave de rapina escaneou a cena. Destruir era seu propósito.
Diante dele, o mar de capas vermelhas inundava o amontoado de D'Harans mortos. O número de D'Haran mortos era chocante, mas ele estava perdido na magia e não pensou em nada mais a não ser que seu inimigos eram nada mais do que lixo no caldeirão de sua ira.
Em algum lugar nos sombrios recessos de sua mente, ele gritou com a visão de tanta morte, mas o grito se perdeu nos ventos de sua fúria.
Richard sentiu a presença deles, e então os viu. Movimentos fluidos, ceifando a carne viva, realizando uma colheita de morte. O Sangue da Congregação avançava atrás deles, devastadores sobre os D'Harans destruídos.
Richard levantou a Espada da Verdade, encostando a lâmina vermelha em sua testa. Ele se entregou totalmente.
— Lâmina... — ele sussurrou suplicando. — seja verdadeira neste dia.
Aquele que traz a morte.
— Dance comigo, Morte. — ele murmurou. — Estou pronto.
As botas do Seeker bateram na estrada. De algum modo, os instintos de todos aqueles que usaram a espada antes se fundiram com os dele. Ele usava o conhecimento, experiência, e habilidade deles como uma segunda pele.
He let the magic guide him, but it was driven before the storms of anger, and his will. Libertou o desejo de matar, e deslizou através das linhas de homens habilidoso com a Morte, sua lâmina encontrou seu primeiro alvo, e um Mriswith caiu.
Não desperdice sua força matando aqueles que outros podem matar, as vozes dos espíritos disseram a ele. Mate apenas aqueles que eles não podem.
Richard prestou atenção nas vozes, e deixou seu sentido interior detectar os Mriswith ao redor dele, alguns ocultos em suas capas. Ele dançou com a morte, e a morte ocasionalmente os encontrou antes que percebessem que ele estava chegando. Matou sem desperdiçar esforços ou golpes extras. Cada movimento de sua lâmina encontrou carne.
Richard dançou entre as linhas, buscando as criaturas escamosas que conduziam o Sangue da Congregação. Sentiu o calor das fogueiras enquanto se movia através das ruas, caçando. Ouviu o sibilar de surpresa quando girava entre eles.
Suas narinas se encheram com o fedor do sangue deles. Ele se tornou o borrão de um raio.
Mesmo assim, sabia que não seria o bastante. Com uma sensação de mergulhar no pavor, ele soube que não seria o bastante. Só havia um dele, e se ele cometesse o menor erro, não haveria nem mesmo isso. Era como tentar acabar com toda uma colônia de formigas pisando em uma formiga de cada vez.
Yabree já estavam chegando mais perto do que ele pretendia permitir. Duas vezes, elas cantaram em sua carne, deixando trilhas vermelhas. Mas o pior, por toda parte ao redor, seus homens estavam morrendo às centenas, com o Sangue da Congregação apenas vindo atrás para acabar com os feridos. A batalha se esticava infinitamente.
Richard olhou para o sol, e viu que ele estava partido ao meio no horizonte. A noite estava descendo como uma mortalha sobre os últimos suspiros dos que morriam. Ele sabia que para ele também não haveria amanhecer.
Richard sentiu um corte ardente no lado do corpo enquanto virava. Uma cabeça de Mriswith caiu com um jato vermelho quando ele o acertou com sua espada. Estava ficando cansado, e eles estavam chegando perto demais. Levantou a espada, rasgando a barriga de outro. Estava surdo para os gritos de morte deles.
Lembrou de Kahlan. Não haveria amanhecer. Para ele. Para ela. A morte estava se aproximando deles como a escuridão.
Com esforço, retirou ela de sua mente. Não podia correr o risco com a distração. Virar. Lâmina para cima, cortando fora uma garra.
Girar, cortar o estômago. Rodar, lâmina para baixo sobre uma cabeça lisa. Golpear. Agachar. Cortar. As vozes falavam para ele, e ele reagia sem questionar ou fazer pausa.
Com sufocante preocupação, ele percebeu que estavam sendo empurrados para o centro de Aydindril. ele virou e olhou além da grande praça dominada pelo tumulto, desorganização, e confusão da batalha, para ver o Palácio das Confessoras a não mais de meia milha de distância. Logo, os Mriswith cruzariam as linhas e invadiriam o Palácio.
Ele escutou um rugido alto e viu uma massa de soldados D'Haran atrás das linhas inimigas atacar o Sangue da Congregação de uma rua lateral, desviando a atenção deles da batalha na dianteira. Do outro lado, um número semelhante avançou, encurralando um grande número de homens de capa vermelha na larga passagem. Os D'Harans atacaram o grupo de homens do Sangue da Congregação, cortando eles em pedaços.
Richard ficou imóvel quando viu Kahlan conduzindo o ataque pela direita. Ela estava liderando não apenas tropas D'Haran, mas homens e mulheres do Palácio.
O sangue dele gelou quando lembrou como o povo de Ebinissia havia se juntado na defesa da cidade no final.
O que ela estava fazendo? Deveria estar no Palácio, onde era seguro. Ele podia ver que ao mesmo tempo em que esse era um movimento corajoso, aquilo seria fatal. Havia muitos da Congregação e Kahlan ficaria encurralada no meio deles.
Antes que aquilo pudesse acontecer, ela fez os homens recuarem. Richard cortou a cabeça de um Mriswith. Justamente quando pensou que ela recuou para um local seguro, Kahlan efetuou outro ataque de outra rua, em um lugar diferente na linha.
Os homens de capa vermelha na frente viraram para enfrentar a nova ameaça, apenas para serem atacados por trás. Os Mriswith atrapalharam a efetividade da tática, e logo desviaram para a nova frente com a mesma eficiência mortal que estiveram usando durante toda a tarde.
Richard cortou uma linha direta através da massa de capas vermelhas na direção de Kahlan. Depois de lutar com Mriswith, homens pareciam lentos e estúpidos em comparação. Apenas a distância fazia daquilo um esforço. Seus braços estavam cansados, e sua força estava reduzida
— Kahlan! O que você está fazendo? — A fúria da magia aumentou o poder de sua voz quando ele a segurou pelo braço. — Mandei você para o Palácio onde ficaria segura!
Ela afastou o braço. Na outra mão ela segurava uma espada manchada de sangue. — Não vou morrer como uma covarde em um canto da minha casa, Richard. Vou lutar por minha vida. E não grite comigo!
Richard girou quando sentiu a presença. Kahlan agachou quando sangue e osso voaram no ar.
Ela virou e gritou ordens. Homens avançaram para o ataque com a ordem dela.
— Então morremos juntos, minha Rainha. — Richard sussurrou, não querendo que ela ouvisse suas palavras de despedida.
Richard sentiu a massa de Mriswith enquanto as linhas eram empurradas para trás na direção da praça. A percepção da presença deles era poderosa demais para que ele sentisse indivíduos. Acima das cabeças no mar de capas vermelhas e armaduras polidas, ele conseguiu ver alguma coisa verde ao longe avançando na direção da cidade. Ele não conseguia definir o que era aquilo.
Richard empurrou Kahlan para trás. Os protestos dela foram interrompidos quando ele girou dentro da linha de criaturas escamosas quando elas se tornaram visíveis bem na frente deles. Ele dançou em meio ao ataque deles, cortando-os tão rápido quanto podia se mover.
No meio de seu ataque frenético, ele viu algo mais que não conseguiu definir: pontos. Pensou que talvez porque estivesse tão cansado estava começando a enxergar um céu cheio de ponto.
Ele gritou com fúria para uma Yabree que chegou perto demais. Cortou fora o braço e então a cabeça em uma veloz sequência Outra lâmina se aproximou dele e ele agachou por baixo dela, levantando a espada. Acertou outro com a faca em sua outra mão. Teve que chutar aquele que estava atrás antes que ele tivesse tempo de sacar a espada.
Com frieza, ele percebeu que os Mriswith finalmente determinaram que ele era a única ameaça, e estavam cercando ele. Podia ouvir Kahlan gritando seu nome. Podia ver pequenos olhos brilhantes por toda parte. Não havia nada que ele pudesse fazer, e nenhum lugar para onde correr, mesmo se ele quisesse. Sentiu a picada de lâminas que chegaram perto demais antes que ele conseguisse impedir. A quantidade deles era demais. Queridos espíritos, simplesmente era demais.
Ele nem ao menos enxergava mais algum soldado por perto. Estava cercado por uma parede de escamas e facas de três lâminas que cintilavam. Apenas a fúria da magia reduzia a velocidade deles. Ele desejou ter falado para Kahlan que a amava, ao invés de gritar com ela.
Alguma coisa marrom passou num flash por sua visão periférica. Ele ouviu o uivo de um Mriswith mas não foi um que ele matou. Ficou imaginando se a confusão era o que você sentia quando morria. Ele estava tonto de tanto girar, de girar sua espada, por causa dos impactos nos ossos.
Alguma coisa grande caiu de cima. Então outra. Richard tentou limpar sangue de Mriswith dos olhos em uma tentativa de ver o que estava acontecendo. Ao redor dele, Mriswith uivavam.
Richard viu asas. Asas marrons. Braços peludos estavam se movendo rapidamente como borrões em sua visão, arrancando cabeças. Garras arrancavam escamas. Presas rasgavam pescoços.
Richard cambaleou para trás quando um Gar enorme bateu no chão bem na frente dele, lançando os Mriswith para trás.
Era Gratch.
Richard piscou enquanto olhava ao redor. Havia Gars por toda parte. Mais estavam vindo, lá em cima no ar. Esses eram os pontos que ele tinha visto.
Gratch atirou um Mriswith despedaçado em cima do Sangue da Congregação, e derrubou outro. Os Gars ao redor avançaram sobre eles. Mais desciam do céu que escurecia sobre Mriswith por todas as linhas. Havia olhos verdes brilhantes por todo lugar. Os Mriswith se enrolaram em suas capas, tornando-se invisíveis, mas isso não adiantou nada; os Gars ainda conseguiam encontrar eles. Eles não tinham para onde correr.
Richard segurou a espada com as duas mãos, observando com surpresa. Gars rugiam. Mriswith uivavam. Richard ria.
Os braços de Kahlan abraçaram ele por trás. — Eu te amo. — ela falou no ouvido dele. — Pensei que morreria, e não tinha falado.
Ele virou e olhou dentro dos olhos verdes úmidas dela. — Eu te amo.
Richard escutou gritos acima dos gritos de batalha. O verde que ele tinha visto eram homens. Havia dezenas de milhares de homens, atacando por trás do Sangue da Congregação, espalhando-se ao redor de casas, esmagando os homens de capa vermelha e fazendo eles recuarem. Os D'Harans ao lado de Richard, livres dos Mriswith, avançaram e atacaram o Sangue da Congregação, com a competência mortal pela qual eram conhecidos.
Uma enorme cunha dos homens de verde rasgou através do Sangue da Congregação, vindo na direção de Richard e Kahlan. De cada um dos lados, dúzias de Gars desciam sobre Mriswith. Gratch mergulhou no meio deles golpeando, fazendo eles recuarem.
Richard subiu em uma fonte para ver melhor o que estava acontecendo. Segurou a mão de Kahlan e ajudou-a a subir ao lado dele. Homens se espalhavam para protegê-lo, empurrando o inimigo para trás.
— Eles são Kelteanos. — Kahlan disse. — Os homens de uniforme verde são Kelteanos.
Na liderança do ataque Kelteano estava um homem que Richard reconheceu: General Baldwin. Quando o General viu eles sobre a fonte, ele e uma pequena guarda afastaram-se da força principal de homens, gritando ordens enquanto partia, e cortaram uma linha através dos homens de capa vermelha, os cavalos deles pisoteando homens sob as suas patas como se fossem folhas no outono. O General cortou alguns com sua espada mantendo uma boa distância. Ele atravessou as linhas de batalha e puxou as rédeas parando o cavalo diante de Richard e Kahlan em pé na fonte.
O General Baldwin embainhou sua espada e fez uma reverência em sua sela, sua grossa capa de sarja, fechada em um ombro com dois botões, caindo para um lado, revelando o forro de seda verde. Ele levantou e bateu com um punho em cima do seu sobretudo.
— Lorde Rahl. — ele falou com reverência.
Ele fez outra reverência. — Minha Rainha. — falou com mais reverência ainda.
Kahlan inclinou na direção dele quando ele levantou os olhos, o tom dela estava sério. — Sua o quê?
Até mesmo a cabeça reluzente do homem ficou vermelha. Ele fez uma reverência outra vez. — Minha muitíssima... gloriosa e estimada Rainha, e Madre Confessora?
Richard puxou atrás da camisa dela antes que ela pudesse falar. — Eu disse ao General aqui como eu tinha decidido nomear você Rainha de Kelton.
Os olhos dela ficaram arregalados. — A Rainha de...
— Sim. — O General Baldwin disse enquanto movia os olhos pela batalha. — Isso manteve Kelton unida, e nossa rendição válida. Logo que Lorde Rahl falou dessa grande honra, que nós teríamos a Madre Confessora como nossa Rainha, assim como Galea, mostrando o quanto ele nos honra assim como nossos vizinhos, eu trouxe uma força até Aydindril para ajudar a proteger Lorde Rahl, e nossa Rainha, e para se juntar na batalha contra a Ordem Imperial. Não queria que nenhum de vocês ficasse pensando que não estávamos preparados para fazer nossa parte.
Kahlan finalmente piscou e endireitou o corpo. — Obrigada, General. A sua ajuda veio bem na hora. Estou muito feliz.
O General tirou suas longas luvas negras e enfiou-as no cinto largo. Ele beijou a mão de Kahlan. — Se minha nova Rainha me perdoar, eu devo retornar para meus homens. Temos metade de nossa força espalhada lá atrás apenas para o caso desses bastardos traidores tentarem fugir. — Ele ficou vermelho de novo. — Perdoe a linguagem de um soldado, minha Rainha.
Quando o General voltava para seus homens, Richard escaneou a batalha. Os Gars estavam vasculhando, procurando por mais Mriswith, e encontrando apenas alguns. Esses não duraram muito tempo.
Gratch parecia ter crescido mais um pé desde que Richard o viu pela última vez, e agora estava do tamanho de qualquer um doa machos. Ele parecia estar direcionando a busca. Richard estava pasmo, mas sua alegria foi abafada pela escala da carnificina diante dele,
— Rainha? — Kahlan disse. — Você me nomeou Rainha de Kelton? A Madre Confessora?
— Naquela hora pareceu uma boa ideia. — ele explicou. — Parecia o único jeito de impedir Kelton de se voltar contra nós.
Ela observou ele com um leve sorriso. — Muito bom, Lorde Rahl.
Quando Richard finalmente embainhou sua espada, viu três pontos vermelhos abrindo caminho através dos uniformes escuros de couro dos D'Haran. As três Mord-Sith, de Agiel na mão, aproximaram-se correndo pela praça. Cada uma delas vestia sua roupa vermelha de couro, mas hoje elas não cumpriam muito bem o seu trabalho de esconder todo aquele sangue em cima delas.
— Lorde Rahl! Lorde Rahl!
Berdine pulou em cima dele como um esquilo atirando-se em um galho. Ela caiu sobre ele, abraçando-o, e derrubando ele dentro da fonte cheia de neve derretida.
Ela sentou no estômago dele. — Lorde Rahl! Você conseguiu! Você tirou a capa como eu falei! Você escutou meu aviso afinal de contas!
Ela caiu sobre ele novamente, agarrando com os braços vermelhos. Richard prendeu a respiração quando mergulhou. Embora a água gelada não tivesse sido escolha dele, estava feliz pela desculpa para lavar um pouco do sangue fedorento de Mriswith. Ele tentou recuperar o fôlego quando ela segurou a camisa dele e o puxou para cima. Ela sentou no colo dele, com as pernas em volta da cintura dele, e abraçou-o de novo.
— Berdine... — ele sussurrou. — meu ombro está machucado. Por favor não me aperte tão forte.
— Isso não é nada. — ela anunciou com a verdadeira indiferença Mord-Sith com a dor. — Estávamos tão preocupadas. Quando o ataque começou, pensamos que nunca mais o veríamos outra vez. Pensamos que nós tivéssemos falhado.
Kahlan limpou a garganta. Richard levantou uma das mãos para apresentá-la. — Kahlan, estas são minhas guardas pessoais, Cara, Raina, e essa é Berdine. Senhoritas, esta é Kahlan, minha Rainha.
Berdine, sem fazer nenhum movimento para sair do colo dele, sorriu para Kahlan. — Eu sou a favorita de Lorde Rahl.
Kahlan cruzou os braços enquanto seus olhos verdes mostraram uma expressão zangada.
— Berdine, deixe que eu levante.
— Você ainda está com cheiro de um Mriswith. — Ela o mergulhou novamente na água e puxou ele para cima outra vez pela camisa.
— Assim está melhor. — Ela puxou ele para mais perto. — Se correr daquele jeito sem me escutar novamente, vou fazer mais do que dar um banho em você.
— Que negócio é esse entre você, mulheres e banhos? — Kahlan perguntou com um tom sério.
— Não sei. — Ele olhou para a batalha que ainda continuava, e então de volta para os olhos azuis de Berdine. Abraçou-a com seu braço bom. — Sinto muito. Deveria ter escutado você. O preço da minha tolice foi grande demais.
— Você está bem? — ela sussurrou no ouvido dele.
— Berdine, saia de cima de mim. Deixe que eu levante.
Ela escorregou do colo dele para um lado. — Kolo disse que os Mriswith eram magos inimigos que trocaram seu poder pela habilidade de tornarem-se invisíveis.
Richard ofereceu uma das mãos para ajudá-la a levantar. — Eu quase fiz isso também.
Ela ficou em pé dentro da água na ponta dos pés e afastou o colarinho da camisa dele, verificando seu pescoço. Ela soltou um suspiro de alívio. — Desapareceu. Você está seguro. Kolo disse como a mudança começou, como a pele deles começou a ficar coberta de escamas.
— Ele disse que o seu ancestral, Alric, criou uma força para lutar contra os Mriswith. — Ela apontou. — Gars.
— Gars...?
Berdine assentiu. — Deu a eles a habilidade de sentir os Mriswith, mesmo quando estavam invisíveis. É isso que dá aos olhos dos Gars aquele brilho verde. Por causa dessa conexão de magia que todos os Gars compartilham, aqueles que enfrentaram diretamente os magos acumularam domínio sobre os outros, tornando-se algo como os Generais dos magos entre a nação gar. Esses Gars mediadores eram grandemente respeitados pelos outros Gars, e fizeram eles lutarem junto com o povo do Novo Mundo contra os inimigos Mriswith, expulsando eles de volta para o Mundo Antigo.
Richard ficou olhando surpreso. — O que mais ele disse?
— Não tive tempo para ler mais. Estivemos meio ocupados desde que você partiu.
— Quanto tempo? — Ele saiu da fonte e falou com Cara. — Quanto tempo estive fora?
Ela olhou para a Fortaleza. — Quase dois dias. A noite antes da última. Hoje, de madrugada, os sentinelas apareceram nervosos e disseram que o Sangue da Congregação estava bem nos calcanhares deles. Eles atacaram pouco depois. A luta esteve acontecendo desde essa manhã. No início, estava indo bem, mas então os Mriswith... — A voz dela desapareceu.
Kahlan colocou um braço em volta da cintura dele para apoiá-lo enquanto ele falava. — Sinto muito, Cara. Eu deveria estar aqui.
Ele olhou com vergonha para o mar de mortos. — Isso é culpa minha.
— Eu matei dois. — Raina anunciou sem qualquer tentativa de esconder seu orgulho.
Ulic e Egan aproximaram-se correndo e viraram parando em posições defensivas. — Lorde Rahl. — Ulic falou por cima do ombro dele. — Ficamos muito felizes em ver você. Ouvimos os gritos de aclamação, mas toda vez que tentávamos nos aproximar, você estava em outro lugar.
— Verdade? — Cara disse, levantando uma sobrancelha. — Nós conseguimos.
Ulic girou os olhos e virou na direção da batalha.
— Eles são sempre assim? — Kahlan sussurrou no ouvido dele.
— Não. — ele sussurrou de volta. — Eles estão mostrando seu melhor comportamento por causa de você.
Richard viu bandeiras brancas esvoaçando entre os homens do Sangue da Congregação. Ninguém prestou a mínima atenção nelas.
— D'Harans não fazem prisioneiros. — Cara explicou quando viu para onde ele estava olhando. — É até o fim.
Richard saltou da fonte. Quando ele se afastou, seus guardas imediatamente seguiram atrás.
Kahlan alcançou ele antes que tivesse dado três passos. — O que você está fazendo, Richard?
— Estou colocando um fim nisso.
— Não pode fazer isso. Nós juramos matar a Ordem até o último homem. Deve permitir que seja feito. Isso é o que eles teriam feito conosco.
— Não posso fazer isso, Kahlan. Não posso. Se matarmos todos eles, então outros da Ordem jamais se renderão, sabendo que isso significaria morte. Se eu mostrar a eles que os faremos prisioneiros ao invés de matá-los, então eles estarão mais dispostos a desistir. Se estiverem mais dispostos a desistir, nós venceremos sem perder as vidas de tantos dos nossos homens, e isso nós deixa mais fortes. Então, nós vencemos.
Richard começou a gritar ordens. Elas foram levadas através das fileiras dos homens dele, e o som da batalha lentamente começou a reduzir. Os olhos de milhares começaram a virar na direção dele.
— Deixe que eles passem. — ele falou para um comandante.
Richard voltou até a fonte e ficou em cima do muro, observando os comandantes do Sangue da Congregação conduzirem seus homens até ele. Por toda parte ao redor, D'Harans, segurando espadas, montavam guarda. Um corredor abriu, e os homens de capa vermelha caminharam adiante, olhando de um lado para outro enquanto avançavam.
Um oficial que os conduzia parou diante de Richard. Sua voz estava rouca, e fraca. — Vai aceitar nossa rendição?
Richard cruzou os braços. — Depende. Está disposto a me falar a verdade?
O homem lançou um olhar para seus homens feridos. — Sim, Lorde Rahl.
— Quem falou para atacarem a cidade?
— Os Mriswith nos deram instruções, e muitos de nós fomos instruídos em nossos sonhos, pelo Andarilho dos Sonhos.
— Vocês desejam ficar livres dele?
Todos assentiram ou falaram com vozes fracas. Eles também concordaram prontamente em dizer tudo que sabiam sobre qualquer plano do Andarilho dos Sonhos e da Ordem Imperial que eles conhecessem.
Richard estava tão exausto, e com tanta dor, que mal conseguia ficar em pé. Drenou raiva da espada para se manter.
— Se quiserem se entregar e aceitarem o governo D'Haran, então fiquem de joelhos, e jurem lealdade.
Na fraca luz, acompanhados dos grunhidos dos feridos, os homens restantes do Sangue da Congregação ficaram de joelhos e fizeram a devoção conforme lhes foi explicado pelos D'Harans que se juntavam.
Em uma voz que espalhou-se através da cidade, todos abaixaram as cabeças até o chão e fizeram o juramento.
— Mestre Rahl seja nosso guia. Mestre Rahl nos ensine. Mestre Rahl nos proteja. Em sua luz, prosperamos. Na sua misericórdia, nos abrigamos. Em sua sabedoria, nos humilhamos. Vivemos só para servir. Nossas vidas são suas.
Enquanto todos os homens arrancaram suas capas vermelhas, atirando-as em fogueiras quando eram conduzidos para ficarem sob vigilância, por enquanto, Kahlan virou para ele.
— Você acabou de mudar as regras da guerra, Richard. — Ela observou a carnificina. — Tantos já morreram.
— Demais. — ele falou enquanto observava os homens do Sangue da Congregação com as mãos vazias marchando dentro da noite, cercados pelos homens que tentaram matar. Ele ficou imaginando se estava louco.
— Na sua misericórdia, nos abrigamos. — Kahlan citou uma parte da devoção. — Talvez deva ser desse jeito.
Colocou uma das mãos nas costas dele. — Sei que de algum modo isso parece certo.
Não muito longe, a Senhora Sanderholt, segurando um cutelo ensanguentado, sorriu concordando.
Olhos verdes cintilantes estavam reunidos na praça. O humor sombrio de Richard aliviou quando ele viu o sorriso horrível de Gratch. Ele e Kahlan desceram com um salto e correram até o Gar.
nunca pareceu tão bom ser envolvido por aqueles braços peludos. Richard riu com lágrimas nos olhos quando foi erguido do chão.
— Amo você, Gratch. Amo você muito.
— Gratch ammm Raaaach aaarg.
Kahlan juntou-se ao abraço, e então recebeu o seu próprio abraço separadamente. — Também amo você, Gratch. Você salvou a vida de Richard. Devo tudo a você.
Gratch gorgolejou de satisfação enquanto passava uma garra no cabelo dela.
Richard assoprou uma mosca. — Gratch! Você tem moscas de sangue!
O sorriso de satisfação de Gratch aumentou. Gars usavam as moscas para ajudá-los a localizar suas presas, mas Gratch nunca teve nenhuma. Richard não queria bater nas moscas e sangue de Gratch, mas elas estavam se tornando mais do que perturbadoras. Estavam picando o pescoço dele.
Gratch se curvou, passou uma das garras no sangue de um Mriswith morto, e espalhou pela pele rosada do seu abdômen. As moscas obedientemente voltaram para aproveitar o banquete. Richard estava surpreso.
Olhou ao redor para os olhos verdes brilhantes observando ele. — Gratch, parece que você teve uma boa aventura. Juntou todos esses Gars? — Gratch assentiu com uma clara expressão de orgulho Gar. — E eles fizeram o que você pediu?
Gratch bateu no peito com autoridade. Virou e grunhiu. O resto dos Gars devolveram o estranho grunhido.
Gratch sorriu, mostrando suas presas.
— Gratch, onde está Zedd?
O sorriso murchou. O enorme Gar encolheu um pouco quando olhou por cima do ombro, para a Fortaleza. Ele virou de volta, seus olhos verdes brilhantes escurecendo um pouco enquanto balançava a cabeça de modo triste.
Richard conteve a angústia. — Eu entendo. — ele sussurrou. — Você viu ele morto?
Gratch bateu no peito, puxou o pelo em cima da cabeça, aparentemente um sinal para representar Zedd, apontou para a Fortaleza, e colocou as garras sobre os olhos. O sinal de Gratch para Mriswith. Através de seus sinais, e das perguntas de Richard, Richard conseguiu determinar que Gratch levou Zedd até a Fortaleza, houve uma luta com muitos Mriswith, Gratch tinha visto Zedd deitado no chão imóvel com sangue descendo da sua cabeça, e então Gratch não conseguiu mais encontrar o velho mago. Então o Gar tinha foi procurar ajuda para lutar contra os Mriswith e proteger Richard. Tinha trabalhado duro para encontrar os outros Gars, e para reunir eles com seu objetivo.
Richard abraçou seu amigo outra vez. Gratch apertou ele em um longo abraço, e então se afastou, olhando para os outros Gars.
Richard sentiu um nó na garganta. — Gratch, você pode ficar?
Gratch apontou uma garra para Richard, outra para Kahlan, e então juntou as duas. Ele bateu no peito e então apontou para trás, para outro Gar. Quando o Gar avançou para ficar ao lado dele, Richard percebeu que era uma fêmea.
— Gratch, você tem um amor? Como eu e Kahlan?
Gratch sorriu e bateu no peito com as duas patas.
— E você quer ficar com os Gars. — Richard disse.
Gratch assentiu de modo hesitante, seu sorriso desaparecendo.
Richard exibiu seu melhor sorriso. — Acho que isso é maravilhoso, meu amigo. Você merece ficar com sua amada, e seus novos amigos. Mas você ainda pode nos visitar. Nós adoraríamos receber você e sua amiga qualquer hora. Na verdade, todos vocês.
— Todos vocês são bem-vindos.
O sorriso de Gratch voltou.
— Mas Gratch, você pode fazer uma coisa para mim? Por favor? É importante. Pode pedir a eles para não comer pessoas? Não vamos machucar Gars, e vocês não comerão pessoas. Está certo?
Gratch virou para os outros, grunhindo em uma estranha linguagem gutural que os outros entenderam. Eles responderam com seus próprios murmúrios, e um tipo de conversação pareceu iniciar. As som das palavras grunhidas de Gratch aumentaram, e ele bateu no peito. Ele era tão grande quanto qualquer um deles. Todos finalmente responderam com um uivo. Gratch virou para Richard e assentiu.
Kahlan abraçou a besta peluda outra vez. — Tome cuidado, e venha nos visitar quando puder. Ficarei sempre devendo a você, Gratch. Amo você. Nós dois amamos.
Depois de um último abraço com Richard que não precisou de palavras, os Gars bateram as asas e desapareceram dentro da noite.
Richard ficou parado ao lado de Kahlan, cercado por seus guardas, seu exército, e o espectro dos mortos.
Richard acordou com um sobressalto. Kahlan estava enrolada com as costas no peito dele. A ferida deixada pela Rainha Mriswith em seu ombro estava ardendo. Tinha pedido que um médico do exército colocasse um curativo nela, e então, cansado demais para ficar em pé por mais tempo, caiu na cama do quarto de convidados que estivera usando. Não havia nem tirado as botas, e a dor em seu quadril avisou que ele ainda estava com a Espada da Verdade, e estava deitado sobre ela.
Kahlan se moveu nos braços dele, uma sensação que encheu ele de alegria, mas então ele lembrou dos milhares de mortos, dos milhares que estavam mortos por causa dele, e sua alegria evaporou.
— Bom dia, Lorde Rahl. — surgiu uma voz alegre vindo de cima.
Ele fez uma careta para Cara e grunhiu em resposta. Kahlan protegeu os olhos dos raios de sol que entravam pela janela.
Cara balançou uma das mãos sobre os dois. — Funciona melhor sem as roupas.
Richard ficou confuso. Sua voz saiu como um resmungo rouco. — O quê?
Ela pereceu surpresa com a pergunta. — Acredito que vocês descobrirão que coisas assim funcionam melhor sem as roupas. — Ela colocou as mãos na cintura. — Pensei que pelo menos isso você saberia.
— Cara, o que você está fazendo aqui dentro?
— Ulic queria falar com você, mas estava com medo de olhar, então eu disse que faria isso. Para alguém tão grande, às vezes ele pode ser tímido.
— Ele precisa dar umas aulas para você. — Richard se encolheu quando sentou. — O que ele quer?
— Ele encontrou um corpo.
Kahlan esfregou os olhos enquanto sentava. — Isso não deve ter sido difícil.
Cara sorriu, mas o sorriso desapareceu quando Richard percebeu ele. — Ele encontrou um corpo no fundo do penhasco, abaixo da Fortaleza.
Richard girou as pernas por cima da beira da cama. — Porque você não disso logo.
Kahlan correu para acompanhá-lo quando ele seguiu rápido até o corredor para encontrar Ulic esperando.
— Você encontrou ele? Encontrou o corpo de um homem velho?
— Não, Lorde Rahl. Era o corpo de uma mulher.
— Uma mulher! Que mulher?
— Ela estava em péssimo estado, depois de todo esse tempo, mas eu reconheci aquela boca com dentes faltando e o cobertor esfarrapado. Era aquela mulher velha, Valdora. Aquela que vendia os bolos de mel.
Richard esfregou o ombro dolorido. — Valdora. Que estranho. E a garotinha, qual era o nome dela?
— Holly. Não vimos nenhum rastro dela. Não encontramos ninguém mais, mas tem muitas áreas para procurar, e animais poderiam ter... bem, talvez nunca encontremos nada.
Richard assentiu, as palavras faltaram. Sentiu a mortalha da morte ao redor dele. A voz de Cara mostrou compaixão. — As fogueiras para os funerais começarão em breve. Deseja participar?
— Claro! — Ele tomou cuidado com o tom quando sentiu a mão de Kahlan nas costas dele. — Eu devo estar lá. Eles morreram por minha causa.
Cara franziu a testa. — Eles morreram por causa do Sangue da Congregação, e por causa da Ordem Imperial.
— Nós sabemos, Cara. — Kahlan disse. — Estaremos lá logo que eu verificar o curativo no ombro dele e nos lavarmos.
As fogueiras dos funerais queimaram durante dias. Vinte e sete mil foram mortos. Richard sentiu como se as chamas carregassem seu espírito para longe, assim como os daqueles homens que morreram. Ele ficou ali e falou as palavras junto com os outros, e durante a noite montou guarda sobre as chamas junto com os outros, até que estivesse acabado.
Da luz desse fogo, e dentro da luz do dia. Viagem segura até o mundo dos espíritos. O ombro de Richard piorou durante os dias seguintes, ficando inchado, vermelho, e rígido.
Seu humor não estava melhor.
Ele caminhava pelos corredores e ocasionalmente observava pelas janelas, mas falava com poucas pessoas.
Kahlan caminhava ao seu lado, oferecendo sua confortadora presença, permanecendo quieta a não ser que ele falasse. Richard não conseguia tirar a imagem de todos os mortos da sua mente. Ele estava sendo assombrado pelo nome que as profecias deram a ele: aquele que traz a morte.
Um dia, depois que seu ombro tinha começado a curar, finalmente, enquanto sentava na mesa que usava como uma escrivaninha, olhando para o nada, houve uma luz repentina. Ele levantou os olhos. Kahlan tinha entrado, e ele não percebeu. Ela havia aberto as cortinas para deixar a luz do sol entrar.
— Richard, estou começando a ficar preocupada com você.
— Eu sei, mas não consigo esquecer.
— É certo que o manto do governo seja pesado, Richard, mas não pode deixar que ele o esmague.
— É tão fácil falar, mas foi culpa minha todos aqueles homens terem morrido.
Kahlan sentou na mesa diante dele e com um dedo, levantou o queixo dele. — Você realmente acha isso, Richard, ou está apenas triste que tantos tivessem que morrer?
— Kahlan, eu fui estúpido. Simplesmente agi. Nunca pensei. Se tivesse usado minha cabeça, talvez todos aqueles homens não estivessem mortos.
— Você agiu pelo instinto. Disse que esse era o jeito que o dom funcionava com você, pelos menos, às vezes.
— Mas eu...
— Vamos brincar de “e se”. E se você tivesse feito diferente, como agora pensa que deveria ter feito?
— Bem, então todas aquelas pessoas não teriam sido mortas.
— Verdade? Você não está jogando pelas regras do “e se”. Pense bem nisso, Richard.
— E se você não tivesse agido pelo instinto, e não tivesse encontrado a Sliph? Qual teria sido o resultado?
— Bem, vamos ver. — Ele acariciou a perna dela. — Não sei, mas as coisas teriam acontecido de forma diferente.
— Sim, elas teriam. Você estaria aqui quando o ataque acontecesse. Você teria lutado com os Mriswith de manhã, ao invés do final do dia. Você estaria esgotado e seria morto muito antes dos Gars chegarem durante o por do sol. Você estaria morto. Todas essas pessoas teriam perdido seu Lorde Rahl.
Richard levantou a cabeça. — Isso faz sentido. — Pensou naquilo por um momento. — E se eu não fosse para o Mundo Antigo, então o Palácio dos Profetas estaria nas mãos de Jagang. Ele teria as profecias. — Ele levantou e foi até a janela, olhando para o brilhante dia de primavera. — E ninguém teria qualquer proteção contra o Andarilho dos Sonhos, porque eu estaria morto.
— Você esteve deixando suas emoções controlarem o seu raciocínio.
Richard voltou e segurou as mãos dela, realmente percebendo o quanto ela parecia radiante. — A Terceira Regra do Mago: A paixão governa a razão. Kolo avisou que ela era traiçoeira. Estive quebrando ela ao pensar que tinha quebrado.
Kahlan passou os braços ao redor dele. — Então, você está se sentindo um pouco melhor?
Ele colocou as mãos na cintura dela quando sorriu pela primeira vez em dias. — Você me ajudou a enxergar. Zedd costumava fazer esses tipos de coisas. Acho que simplesmente terei que contar com você para me ajudar nisso.
Ela passou a perna nele e o puxou para mais perto. — Seria melhor mesmo.
Quando ele deu um leve beijo nela, e estava prestes a dar um outro mais demorado, as três Mord-Sith entraram no quarto. Kahlan encostou a bochecha dela na dele. — Elas nunca batem?
— Raramente. — Richard sussurrou e volta. — Elas gostam de me testar. É a coisa favorita delas. Nunca se cansam disso.
Cara, na dianteira, parou ao lado deles, olhando de um para o outro. — Ainda com as roupas, Lorde Rahl?
— Vocês três parecem muito bem esta manhã.
— Sim, nós estamos. — Cara falou. — E temos negócios a tratar.
— Que negócios?
— Quando você tiver tempo, alguns representantes chegaram em Aydindril, e solicitaram uma audiência com o Lorde Rahl.
Berdine balançou o diário de Kolo. — E eu gostaria de ter sua ajuda com isso. O que nos já aprendemos nos ajudou, e ainda tem muito mais que não traduzimos. Temos trabalho a fazer.
— Traduzir? — Kahlan perguntou. — Conheço muitas línguas. O que é isso.
— Alto D'Haran. — Berdine falou, dando uma mordida em uma pera que estava em sua outra mão. — Lorde Rahl está ficando cada vez melhor do que eu em Alto D'Haran.
— Verdade? — Kahlan disse. — Estou impressionada. Poucas pessoas conhecem Alto D'Haran. É uma língua extremamente difícil, ouvi dizer.
— Trabalhamos nisso juntos.— Berdine sorriu. — Durante a noite.
Richard limpou sua garganta. — Vamos descobrir o que os representantes desejam. — Ele levantou Kahlan com as mãos dele nos lados dela e colocou-a no chão.
Berdine fez um gesto com sua pera — Lorde Rahl tem mãos grandes. Elas encaixam perfeitamente nos meus seios.
Uma sobrancelha levantou sobre um olho verde. — É mesmo?.
— Sim. — Berdine observou. — Um dia ele fez todas nós mostrarmos nossos seios para ele.
— Foi isso mesmo? Todas vocês.
Cara e Raina esperavam sem mostrar emoção quando Berdine assentiu. Richard colocou uma das mãos sobre o rosto.
Berdine mordeu ou pedaço da pera — Mas as mão grandes dele se encaixam melhor nos meus seios.
Kahlan caminhou lentamente na direção da porta. — Bem, meus seios não são tão grandes quanto os seus, Berdine. — Ela reduziu o passo quando passou por Raina. — Acho que as mãos de Raina encaixariam melhor nos meus.
Berdine riu e tossiu, engasgando com a pera, enquanto Kahlan saiu do quarto. Um sorriso surgiu nos lábios de Raina.
Cara soltou uma forte risada. Ela bateu nas costas de Richard quando passou por ele. — Gostei dela, Lorde Rahl.
— Você pode ficar com ela.
Richard fez uma pausa. — Bem, obrigado, Cara. Tenho sorte de ter sua aprovação.
Ela assentiu com seriedade. — Sim, você tem.
Ele saiu do quarto rapidamente, finalmente alcançando Kahlan descendo o corredor. — Como você sabia sobre Berdine e Raina?
Ela observou ele com uma expressão de surpresa. — Não é óbvio, Richard? O modo como elas se olham? Você também deve ter notado imediatamente.
— Bem... — Richard olhou para trás no corredor para ter certeza de que as mulheres ainda não tinham se aproximado. — Você ficará feliz em saber que Cara falou que gosta de você, e que eu tenho permissão de ficar com você.
Kahlan passou um braço na cintura dele. — Também gosto delas. Duvido que você conseguisse encontrar guardas que o protegessem melhor.
— Isso deveria servir de conforto?
Ela sorriu quando encostou a cabeça no ombro dele. — Para mim é.
Richard mudou o assunto. — Vamos ver o que esses representantes vieram dizer. Nosso futuro, o futuro de todos, depende disso.
Kahlan, usando seu vestido branco de Madre Confessora, sentou silenciosamente em sua cadeira, a cadeira da Madre Confessora, ao lado de Richard, sob a figura pintada de Magda Searus, a primeira Madre Confessora, e seu mago, Merritt.
Escoltados por um General Baldwin sorridente, o Representante Garthram de Lifany, Representante Theriault de Herjborgue, e o Embaixador Bezancort de Sanderia cruzaram o chão de mármore polido. Todos pareceram surpresos, e felizes, por ver a Madre Confessora sentada ao lado de Richard.
O General Baldwin fez uma reverência. — Minha Rainha, Lorde Rahl.
Kahlan sorriu calorosamente. — Bom dia, General Baldwin.
— Cavalheiros. — Richard disse. — Espero que tudo esteja bem em suas terras. O que vocês decidiram?
O Representante Garthram acariciou sua barba cinzenta. — Depois de extensivo aconselhamento com o governo em nosso lar, e com Galea e Kelton conduzindo o caminho, todos decidimos que o futuro está com você, Lorde Rahl. Todos trouxemos os documentos de rendição. Incondicional, de acordo com sua exigência. Desejamos nos juntar a você, para sermos parte de D'Hara, e sob o seu governo.
O alto Embaixador Bezancort falou. — Uma vez que estamos aqui para nossa rendição, e nos unirmos com D'Hara, continua sendo nossa esperança que a Madre Confessora aprove.
Kahlan avaliou os homens durante um momento. — Nosso futuro, não o nosso passado, está onde nós e nossas crianças devemos viver.
— A primeira Madre Confessora e seu mago fizeram o que era melhor para o povo deles e para seu tempo. Como a Madre Confessora, agora, eu e meu mago, Richard, devemos fazer o que é melhor para o nosso. Devemos forjar o que precisamos para adequar nosso mundo, mas nossas esperanças são pela paz, como eram as deles.
— Nossa melhor chance para ter força que garantirá uma paz duradoura está com Lorde Rahl. Nosso novo curso foi definido. Meu coração e meu povo estão com ele. Como a Madre Confessora, eu sou uma parte dessa união, e dou as boas vindas a vocês.
Richard devolveu o aperto na mão dele.
— Continuaremos tendo nossa Madre Confessora. — ele disse. — Nós precisamos da sabedoria dela e orientação tanto quanto sempre precisamos.
Alguns dias mais tarde, em uma bela tarde de primavera, enquanto Richard e Kahlan caminhavam de mãos dadas pelas ruas, checando a limpeza da destruição causada pela batalha, e a construção que já tinha começando para reparar o que havia sido destruído, Richard teve um súbito pensamento. Ele virou, sentindo a brisa fria e o sol morno em seu rosto.
— Sabe, eu exigi a rendição das terras de Midlands, e nem sei quantas são, ou todos os nomes delas.
— Bem, então, acho que tenho bastante coisa para ensinar. — ela disse. — Simplesmente vai ter que ficar comigo sempre perto.
Um sorriso surgiu nele. — Preciso de você. Agora, e sempre. — Ela colocou as mãos nas bochechas dela. — Não consigo acreditar que estamos juntos, finalmente. — Ele olhou para as três mulheres e os dois homens que não estavam a três passos atrás deles. — Se ao menos pudéssemos focar sozinhos.
Cara levantou uma sobrancelha. — Isso é uma dica, Lorde Rahl?
— Não, é uma ordem.
Cara encolheu os ombros. — Sinto muito, mas não podemos obedecer essa ordem aqui fora. Você precisa de proteção. Você sabe, Madre Confessora, que às vezes nós temos que dizer para ele qual dos pés usar em seguida? Às vezes ele precisa de nós para as mais simples instruções.
Kahlan aceitou com um suspiro desamparado. Finalmente, ela olhou atrás de Cara, para os dois homens altos. — Ulic, você providenciou para que aqueles ferrolhos fossem instalados na porta para o nosso quarto?
— Sim, Madre Confessora.
Kahlan sorriu. — Bom. — Ela virou para Richard. — Podemos ir para casa? Estou ficando cansada.
— Primeiro você tem que casar com ele. — Cara anunciou. — Ordens de Lorde Rahl. Nenhuma mulher pode entrar no quarto dele, a não ser sua esposa.
Richard fez uma careta. — Eu disse a não ser Kahlan. Eu nunca disse esposa. Eu disse a não ser Kahlan.
Cara olhou para o Agiel pendurado na fina corrente em volta do pescoço de Kahlan. Era o Agiel de Denna. Richard deu ele para Kahlan em um lugar entre os mundos onde Denna os levou para ficarem juntos. Ele havia se tornado uma espécie de amuleto. Um que as três Mord-Sith nunca mencionaram, mas que notaram desde o primeiro instante que viram Kahlan. Richard suspeitou que isso significasse tanto para elas quanto significava para ele e Kahlan.
O olhar arrogante de Cara voltou para Richard. — Você nos encarregou de proteger a Madre Confessora, Lorde Rahl.
— Estamos apenas protegendo a honra de nossa irmã.
Kahlan sorriu quando viu que Cara finalmente tinha conseguido irritar ele, algo que raramente ela era capaz de fazer. Richard deu um suspiro para se acalmar. — E você está fazendo um bom trabalho, mas não se preocupe; pela minha palavra, em breve ela será minha esposa.
Os dedos de Kahlan acariciaram as costas dele. — Prometemos ao Povo da Lama que o Homem Pássaro nos casaria, no povoado deles, e que eu usaria o vestido que Weselan fez para mim. Essa promessa para nossos amigos significa muito. Estaria tudo bem para você se fôssemos casados pelo Povo da Lama?
Antes que Richard conseguisse dizer que isso significava muito para ele também, e que também era seu desejo, uma multidão de crianças espalhou-se ao redor deles. Eles puxavam as mãos dele, pedindo que ele fosse olhar, como tinha prometido.
— Do que eles estão falando? — Kahlan perguntou quando soltou uma risada alegre.
— Ja'La. — Richard disse. — Aqui, deixem que eu veja sua bola de Ja'La. — ele falou para as crianças.
Quando eles a entregaram, ele jogou em uma das mãos, mostrando para ela. Kahlan pegou a bola e virou-a, olhando para a letra R dourada em alto relevo nela.
— O que é isso?
— Bem, eles jogavam com uma bola, chamada de Broc, que era tão pesada que as crianças estavam constantemente se machucando com ela. Pedi para as costureiras que fizessem novas bolas que são leves, para que todas as crianças possam brincar, não apenas as mais fortes. Agora é mais um jogo de habilidade, ao invés de apenas força bruta.
— Para quê o R?
— Falei para eles que todos que estivessem dispostos a usar esse novo tipo de bola receberia uma Broc de Ja'La oficial do Palácio.
O R significa Rahl, para mostrar que é uma bola oficial. O jogo era chamado Ja'La, mas desde que eu mudei as regras, agora eles chamam de Ja'La Rahl.
— Bem... — Kahlan falou, atirando a bola de volta para as crianças. — Uma vez que Lorde Rahl prometeu, e ele sempre mantém sua palavra...
— Sim! — um garoto disse. — Ele prometeu que se nós usássemos sua bola oficial ele viria assistir.
Richard olhou para as nuvens que se juntavam. — Bem, tem uma tempestade vindo, mas acho que temos tempo para um jogo primeiro.
De braços dados, eles seguiram a feliz multidão de crianças subindo a estrada.
Richard sorriu enquanto caminhava. — Se ao menos Zedd estivesse conosco.
— Você acha que ele morreu lá na Fortaleza?
Richard olhou para a montanha. — Ele sempre disse que se você aceita a possibilidade, então você a torna real.
— Decidi que até que alguém prove o contrário, não vou aceitar sua morte. Acredito nele.
Acredito que ele está vivo e está lá fora, em algum lugar, causando problemas para alguém.
A hospedaria parecia ser um lugar aconchegante, não como alguns em que eles estiveram, com bebedeira demais e barulho demais. Porque as pessoas queriam dançar sempre que ficava escuro estava além da compreensão dele. De algum modo, as duas coisas pareciam estar ligadas, como abelhas e flores, ou moscas e estrume. Escuro e dança.
Pessoas estavam sentadas em algumas mesas, fazendo uma refeição tranquila, e uma das mesas perto da parede mais distante estava lotada com um grupo e homens mais velhos, fumando cachimbos, em um jogo de tabuleiro, e bebendo cerveja enquanto conversavam animadamente. Ele captou fragmentos de frases sobre o novo Lorde Rahl.
— Você fica quieto. — Ann avisou. — e deixe que eu falo.
Um casal de aparência amigável atrás de um balcão sorriu enquanto eles se aproximavam. As bochechas da mulher formaram cavidades.
— Boa noite, amigos.
— Boa noite. — Ann disse. — Nós gostaríamos de pedir um quarto. O garoto no estábulo disse que você tem bons quartos.
— Oh, isso nós temos, madame. Para você e seu...
Ann abriu a boca. Zedd atropelou as palavras dela. — Irmão. Ruben é o nome. Essa é minha irmã, Elsie. Eu sou Ruben Rybnik. — Zedd fez um floreio com uma das mãos. — Sou um leitor de nuvens de certo destaque. Talvez tenha ouvido falar de mim.
— Ruben Rybnik, o famoso leitor de nuvens.
A mandíbula da mulher se moveu como se estivesse procurando para onde todas as suas palavras foram. — Bem, eu... bem... sim, acredito que já ouvi.
— Aí está. — Zedd falou, dando alguns tapinhas nas costas de Ann. — Quase todo mundo já ouviu falar de mim, Elsie. — Ele inclinou um cotovelo na direção do casal atrás do balcão. — Elsie pensa que eu invento isso, mas ela esteve fora, lá naquela fazenda, com aqueles pobres desafortunados que escutam vozes e conversam com as paredes.
Ao mesmo tempo, as duas cabeças viraram na direção de Ann.
— Eu trabalhei lá. — Ann conseguiu soltar entre os dentes cerrados. — Eu trabalhei lá, ajudando os pobres desafortunados que eram nossos convidados.
— Sim, sim. — Zedd falou. — E você fez um bom trabalho, Elsie. Porque eles deixaram você ir embora eu nunca entenderei. — Ele virou de volta para o casal mudo. — Uma vez que ela está fora do trabalho, pensei em levar ela pelo mundo comigo, deixar que ela veja do que se trata a vida, vocês entendem?.
— Sim. — o casal respondeu como um.
— E na verdade... — Zedd disse. — nós preferimos dois quartos. Um para minha irmã, e um para mim. — Eles piscaram para ele.
— Ela ronca. — ele explicou. — Preciso dormir. Ele fez um gesto na direção do teto. — Leitura de nuvem, vocês sabem.
— Exige trabalho.
— Bem, nós temos quartos adoráveis. — a mulher falou, suas bochechas formando cavidades novamente. — Tenho certeza que você terá um bom descanso.
Zedd balançou um dedo avisando. — O melhor que tiverem, prestem atenção. Elsie pode pagar. O tio dela morreu, deixando para ela tudo que tinha, e ele era um homem rico.
A testa do homem franziu. — Ele não seria seu tio também?
— Meu tio? Bem, sim, seria, mas ele não gostava de mim. Tinha um pouco de problema com o velho. Ele era um bocado excêntrico. Usava meias como luvas nomeio do verão. Elsie era a favorita dele.
— Os quartos. — Ann rosnou. Ela virou e arregalou os olhos para ele. — Ruben precisa dormir. Tem muita leitura de nuvens para fazer, e deve levantar cedo de manhã. Se ele não dormir, ele ficará com um irritação ardente formando um anel em seu pescoço.
A mulher deu a volta no balcão. — Bem, então permitam que eu mostre eles para voc.
— Esse cheiro que estou sentindo não seria de pato assado, seria?
— Oh, sim. — a mulher disse, virando de volta. — Esse é nosso jantar esta noite. Pato assado com pastinacas, cebolas e molho de carne, se você desejar um pouco.
Zedd inalou profundamente. — Nossa, mas isso realmente tem um aroma maravilhoso. É preciso talento para assar um pato direito, mas posso dizer pelo cheiro que você fez certo. Sem dúvida alguma.
A mulher ficou vermelha e deu uma risadinha. — Bem, eu sou conhecida pelo meu pato assado.
— Isso parece adorável. — Ann disse. — Se puder fazer a gentileza, mandaria um pouco lá em cima, para os nossos quartos?
— Oh, é claro. Seria um prazer.
A mulher conduzi-os pelo corredor.
— Pensando bem. — Zedd falou. — Você vai na frente, Elsie, eu sei o quanto fica nervosa com pessoas olhando você comer. Vou comer o meu jantar aqui fora, madame. Com um pouco de chá, se você não se importar.
Ann virou e lançou um olhar furioso para ele. Ele podia sentir a coleira em seu pescoço esquentar. — Não demore muito, Ruben. Devemos levantar bem cedo.
Zedd balançou a mão. — Oh, não, minha querida. Só vou comer meu jantar, talvez um jogo com esses cavalheiros, e então subirei até a cama. Vejo você de manhã, bem cedo, para que possamos partir e você conhecer o mundo.
O olhar dela poderia ter feito ferver piche. — Então, boa noite, Ruben.
Zedd sorriu de modo indulgente. — Não esqueça de pagar a mulher gentil, e adicione algum extra pela sua generosidade com a grande ajuda do seu excelente pato assado. — Zedd levantou o pescoço na direção dela com um olhar opressivo, sua voz diminuindo. — E não esqueça de escrever no seu diário antes de dormir.
Ela ficou rígida. — Meu diário?
— Sim, o pequeno diário de viagem que você guarda. Sei como gosta de escrever sobre as suas aventuras, e não esteve mantendo ele atualizado como deveria. Acho que já está na hora de fazer isso.
— Sim... — ela gaguejou. — Então, eu farei isso, Ruben.
Logo que Ann se foi, lançando olhares de advertência para ele durante todo o caminho, os cavalheiros na mesa, tendo ouvido toda a conversa, o convidaram. Zedd ajeitou seu manto marrom e sentou entre eles.
— Leitor de nuvens, você diz? — Um perguntou.
— O melhor. — Zedd levantou um dedo magro. — Bom leitor para Reis, nada menos.
Sussurros admirados espalharam-se pela mesa.
Um homem em um lado tirou o cachimbo dos dentes. — Você faria uma leitura de nuvem para nós, Mestre Ruben? Faremos uma coleta e pagaremos a você.
Zedd levantou uma das mãos, como se tentasse afastá-los. — Eu temo que não possa. — Ele esperou que o desapontamento aumentasse. — Não poderia aceitar o seu dinheiro. Seria uma honra revelar o que as nuvens tem para dizer, mas não aceitaria uma moeda.
Os sorrisos voltaram. — Isso é muita generosidade da sua parte, Ruben.
Um homem forte se inclinou. — O que as nuvens tem para dizer?
O dono da hospedaria colocou um prato de pato assado fumegante na rente dele, desviando sua atenção. — Vou trazer chá para você daqui a pouco. — ela disse enquanto corria de volta para a cozinha.
— As nuvens têm muito a dizer sobre os ventos da mudança, cavalheiros. Perigos e oportunidades. Sobre o glorioso novo Lorde Rahl, e o... bem, permitam que eu prove um pouco desse pata com aparência suculenta, e ficarei feliz em falar tudo sobre isso para vocês.
— Pode atacar, Ruben. — outro falou.
Zedd saboreou uma boca cheia, fazendo um pausa dramática para suspirar de prazer enquanto todos os homens observavam com grande atenção.
— Esse é um estranho colar que você usa.
Zedd deu alguns tapinhas na coleira enquanto mastigava. — Não fazem mais como estes.
Entortando os olhos, o homem apontou para a coleira com o cachimbo. — Não parece ter fechadura. Parece apenas uma peça.
— Como conseguiu fazer isso passar pela sua cabeça?
Zedd abriu a coleira e mostrou para eles. Separando as duas metades ou, a dobradiça. — Tem sim, aqui está. Estão vendo?
— Um belo trabalho, não é mesmo? Uma pessoa não consegue nem mesmo enxergar as emendas por que são tão delicadas. Um trabalho de mestre. Você não vê mais coisas como essa.
— Isso é o que eu sempre digo. — o homem com o cachimbo falou. — Você não vê mais trabalho tão refinado.
Zedd colocou a coleira de volta no pescoço. — Não, você não vê.
— Eu vi uma nuvem estranha hoje. — disse um homem de bochechas furadas do outro lado. — Nuvem estranha. Parecia com uma cobra.
— Serpenteava mo céu, de vez em quando.
Zedd inclinou e baixou a voz. — Então você a viu.
Todos se aproximaram. — O que isso significa, Ruben? — um sussurrou.
Ele observou os olhos de cada um deles. — Alguns dizem que é uma nuvem rastreadora, presa em um homem por um mago. — Zedd ficou satisfeito com as expressões de surpresa.
— Para quê? — o homem forte perguntou, as partes brancas de seus olhos tufadas.
Zedd fez uma encenação de olhar para as outras mesas ao redor antes de falar. — Para rastrear ele, e saber aonde ele vai.
— Ele não perceberia essa nuvem, parecida com uma cobra e tudo mais?
— Ouvi dizer que tem um truque nisso. — Zedd sussurrou enquanto usava seu garfo para demonstrar. — Ela aponta para baixo, para o homem que está sendo seguido, então tudo que ele veria seria um pequeno ponto, mais ou menos como olhar para a ponta de uma bengala. Mas aqueles que estão para os lados dele, mais afastados, enxergam o corpo da bengala.
Os homens soltaram exclamações de assombro e recostaram em suas cadeiras, para ouvir essas novidades, digerindo elas enquanto Zedd mergulhava no pato assado.
— Você sabe sobre esses ventos da mudança? — um finalmente perguntou. — E sobre esse novo Lorde Rahl?
— Não seria um leitor de nuvens se não soubesse. — Zedd balançou o garfo — Esta é uma história ótima, se os cavalheiros aceitarem ouvir.
Todos se aproximaram novamente.
— Tudo começou muito antes, na guerra antiga... — Zedd começou. — quando foram criados aqueles chamados Andarilhos dos Sonhos.
Terry Goodkind
O melhor da literatura para todos os gostos e idades