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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SE HOUVER AMANHÃ / Barbara Cartland
SE HOUVER AMANHÃ / Barbara Cartland

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SE HOUVER AMANHÃ

 

Dorinda não queria que seu casamento fosse um acordo político. Mas o que fazer, se a ordem partira da rainha da Inglaterra? A solução veio por acaso. Sua prima, Mary, estava sofrendo muito nas mãos da madrasta e planejava uma fuga. Dorinda, então, propôs a ela que ocupasse seu lugar na igreja, passando-se pela noiva. O que ela não esperava era apaixonar-se pelo conde Rupert, amigo do noivo. Dorinda sabia que pagaria caro por sua mentira. Afinal, para aceitar o pedido de casamento do conde teria de revelar toda a verdade... e ela sabia que isto seria o fim de seu romance!

 

                   1890

Dorinda Heywood entrou na estrebaria montada num garanhão, e um cavalariço correu ao seu encontro.

— Fez um bom passeio, milady? — o rapaz perguntou.

— Maravilhoso — ela respondeu sorrindo, en­quanto apeava. — A manhã estava tão linda, com um sol radioso brilhando no céu. Acho que por isso Starlight cavalgou mais rapidamente do que nunca.

— Ele anda depressa só quando tem vontade — o cavalariço observou.

— Só quando quer superar outro animal. Mas acontece que hoje estávamos sozinhos, e tive a im­pressão de que quis se testar, quis ver qual o máximo que poderia atingir.

— Apenas a senhora consegue isso com suas montarias, nenhum outro cavaleiro.

Enquanto falava, o cavalariço conduzia o animal para a baia. Dorinda observava-o, achando que era a melhor montaria que já tivera em toda sua vida.

"Preciso contar a papai como Starlight é bom", ela pensava, ao voltar para casa. "Vou desafiá-lo numa corrida, e veremos quem será o vencedor."

Dorinda adorava cavalgar com o pai. Como mon­tava desde muito pequena, em geral ganhava todas as corridas, mesmo quando competia com os amigos de seu pai. Mas sabia que isso devia-se também ao fato de o pai possuir excelentes montarias.

"Gosto muito dos meus cavalos", dizia a si mesma.

No campo, as flores começavam a desabrochar, os pássaros cantavam nas árvores.

"Adoro estar aqui, embora tenha também saudade das festas de Londres. Mas existe algo no campo mais fascinante para mim do que nos salões de baile da capital."

Por isso ficara muito satisfeita ao deixar Londres, onde era convidada para bailes todas as noites. O campo a atraía mais, pois tinha como parceiro seu cavalo favorito em vez de rapazes elegantemente vestidos, que a consideravam apenas uma simples debutante que devia se sentir feliz por ter a chance de dançar com eles.

Ao chegar em casa Dorinda foi ao quarto a fim de trocar o traje de montaria por um vestido leve. O verão chegara mais cedo naquele ano. Fazia muito calor.

Ela falava em voz alta enquanto se vestia.

"Embora pareça estranho, prefiro cavalos a homens, pelo menos aos homens que conheci até agora. Às vezes tenho vontade de dizer a meus pares que, apesar de ser uma debutante, danço melhor do que eles."

Dorinda riu muito.

Conversava consigo mesma por ser filha única. Não tinha irmãos ou irmãs com quem trocar idéias.

Fora, de fato, essa solidão que a levara a concluir que os cavalos significavam mais para sua vida do que qualquer ser humano. E sempre dizia que, assim que começara a andar, aprendera a cavalgar.

Felizmente seu pai, o marquês, também era apai­xonado por montarias.

— Adoro passear a cavalo com você, papai — ela dissera ao pai antes de ele partir para Londres. — Por isso, volte o mais depressa que puder.

— Prometo que farei isso, minha filha — o mar­quês respondera. — Mas fui convocado para ir ao Castelo de Windsor e sabe, tanto quanto eu, que Sua Majestade é bem insistente em convencer um súdito quando quer que algo seja feito.

Dorinda rira.

— Nesse caso, diga-lhe que tem um encontro im­portante em sua casa de campo. E esse encontro, claro, é comigo, papai.

— Eu estarei lhe contando a verdade se disser isso. Mas imagino que Sua Majestade adivinhe logo por que estou com tanta urgência em voltar para casa. Ela sabe que gosto de estar junto de você.

— Estamos é com pressa de experimentar os novos animais que você comprou em Tattersall na última semana. Chegarão amanhã, não é, papai? Eu me sentirei mal se os montar antes de sua volta.

— Prometo que voltarei logo, Dorinda. Franca­mente, não posso adivinhar o que Sua Majestade quer de mim. Quando estive lá na semana passada e lhe disse que viria para o campo, ela não mani­festou especial interesse e nem me pediu nada. Na verdade, não achou estranho o fato de eu não poder aparecer no castelo durante algum tempo.

— Acho que agora ela o chamou porque prefere falar com você do que com aqueles velhos idiotas que a cercam e conversam sempre sobre o mesmo assunto. Enquanto que nós dois aqui, papai, rimos o tempo todo. Assim como o acho divertido, Sua Ma­jestade também o acha.

— Dessa vez, tentarei ser monótono em minha conversa, filha. Falarei acerca do tempo e, claro, da popularidade que ela tem fora do país. Esse assunto sempre a faz sorrir de satisfação.

— Como toda mulher, ela gosta de elogios, não é papai? E ninguém é melhor nessa arte do que você.

— Gostaria que fosse verdade, Dorinda. Quando estou no castelo, tenho a impressão de que não encontro assunto que agrade Sua Majestade. Na últi­ma vez que fui lá ela estava muito zangada por algo que ocorrera no Continente. E não falava de outra coisa.

Havia uma nota na voz do pai que revelou a Do­rinda que o assunto em questão não o interessara. Por esse motivo ela sugerira:

— Vamos falar sobre os novos cavalos. Você tem certeza, papai, de que são bons como os que já temos?

— Claro, minha filha, tenho certeza absoluta de que são excelentes. — Os olhos do marquês se ilu­minaram ao dar a resposta.

Depois disso, não voltaram a falar da rainha ou sobre o Castelo de Windsor.

Fora dois dias depois dessa conversa que o mar­quês recebera recado urgente de Sua Majestade para comparecer ao castelo.

— Que aborrecimento! — ele exclamara. — Eu ia treinar os novos cavalos amanhã e agora tenho de ir a Londres imediatamente, pois preciso chegar lá pela manhã, na hora em que Sua Majestade des­pacha com os ministros.

— Não importa, papai, os novos cavalos esperarão até sua volta. Estou muito feliz com Starlight mas ficarei contando as horas até sua volta.

— Eu também estarei contando as horas. Uma hora mais tarde o marquês partia. Beijara a filha, e ela dissera:

— Apresse-se, papai querido. Há tanto a fazer aqui! Não posso acreditar que haja a mesma urgên­cia de sua presença em Londres.

— Se houver, vou fingir que não estou enxergando —- ele respondera com um sorriso.

Após beijar a filha, entrara na carruagem que o aguardava à porta. Ambos sabiam que os cavalos atrelados ao veículo o levariam até Londres em me­nos de duas horas.

De qualquer maneira, Dorinda não teria com quem conversar e jantaria sozinha na imensa sala de jantar que fora anexada ao castelo havia um século já.

O Castelo de Heywood, que o marquês herdara após a morte do pai, tinha sido construído durante o reinado da rainha Elizabeth. Na ocasião era pe­queno, e não muito confortável.

Mas cada geração que o herdara acrescentara al­guma parte. Primeiro a capela, depois o salão de baile, e as outras salas que agora formavam a Ga­leria de Arte.

Assim como a construção crescera, os jardins tam­bém cresceram, sendo juntadas a eles as terras que cada marquês de Heywood ia herdando.

Mas a maior tristeza do marquês atual era não possuir um herdeiro, um filho homem.

Fora extremamente feliz em seu casamento com uma famosa beldade de boa família. E sentira-se o homem mais abençoado do mundo quando ela en­gravidara. Mas muito infeliz ao saber, após o nas­cimento da filha, que seria impossível a sua esposa ter mais filhos.

Havia poucos representantes do sexo masculino entre os Heywood, pois vários morreram lutando nas guerras pela defesa do país. E agora ele consi­derava-se velho demais para se casar de novo. Tinha de ficar satisfeito com uma filha, que por sinal era linda e de inteligência rara.

Muitas vezes, sozinho, o marquês achava uma tra­gédia o fato de Dorinda não ser homem. Mas ao mesmo tempo adorava estar com ela. Preferia ficar na companhia da filha e de seus cavalos do que em Londres, onde era um convidado bem-vindo em todas as festas, ou no Castelo de Windsor, onde a rainha o tratava como um de seus cortesãos favoritos. Pas­sava mais tempo com ele do que com qualquer outro de seus súditos.

"Devo me considerar um homem muito feliz", ele frequentemente dizia a si mesmo. "Seria muito in­grato a Deus se não pensasse dessa maneira".

Mas não deixava de lamentar o fato de não ter um filho para herdar o castelo cuja manutenção lhe custara anos de trabalho.

Sabia que a filha era extremamente linda. E tinha certeza de que ela teria um filho, herdeiro do castelo. Isso, porém, caso não houvesse herdeiro masculino mais próximo.

No entanto, apesar de todos os dissabores, o que mais o agradava era o fato de a filha gostar de conviver com ele. Ninguém poderia negar isso.

Dorinda sempre dera preferência a estar com o pai do que com qualquer outro homem. Daí o marquês ter esperança de que ela demorasse muito para se casar. Porque, embora amando o castelo e seus cavalos como os amava, sentir-se-ia infeliz e solitário se Dorinda não estivesse lá com ele.

Agora, no quarto, ela punha um vestido simples mas elegante, um que sabia ser do gosto do pai. Desceu em seguida e foi sentar-se no escritório, onde geralmente esperava por ele.

"Papai deve chegar em vinte minutos", pensou, "a menos que o tráfego esteja mais congestionado do que normalmente."

Às vezes isso acontecia nos fins de semana quan­do, por uma razão ou outra, muita gente ia a Lon­dres. Porém Dorinda não tinha conhecimento de ne­nhum fato importante que pudesse atrair pessoas para lá. Nada de corridas nem de comemorações de grande vulto. Ao menos não ouvira falar disso.

Achava que, se o pai tivesse saído do Castelo de Windsor logo depois do almoço, chegaria em alguns minutos.

Havia, lógico, a possibilidade de Sua Majestade se­gurá-lo por mais tempo do necessário, para conversar acerca de assuntos informais, não de importância para o país. Isso ela já fizera em várias ocasiões. E acon­tecera que Dorinda ficara esperando pelo pai não ape­nas com impaciência, mas ressentida.

— Sendo ela a rainha, com certeza teria mais homens com quem conversar do que apenas você, papai — ela dissera certa vez.

O marquês rira muito, e Dorinda acrescentara:

— E verdade. Afinal, estou aqui sozinha enquanto Sua Majestade poderia ter uma dúzia, talvez centenas de homens ansiosos em conversar até meia-noite, simplesmente por ser ela uma rainha.

— Juro a você, querida — o pai respondera — que saí assim que pude. Sua Majestade e eu conversávamos sobre assuntos de suma importância.

— Mas você sempre disse, papai, que sou importante também. Acontece que nós esperamos, esperamos, e você nunca chegava.

— Você disse "nós". Quem mais me esperava além de você?

— Seu grande amigo Firebird. Também Moonshine e Apollo.

O marquês rira, sabendo que era o nome dos seus cavalos. Depois dissera:

— Pedirei desculpas a eles amanhã por mantê-los acordados, esperando por mim até tão tarde.

— Naturalmente que deve fazer isso.

— Você sabe muito bem, minha filha, que prefiro passar meu tempo com você do que com Sua Majestade. Mas infelizmente há algo que não posso evitar.

— Eu sei, papai. Mas acha que, pelo fato de ela ser absorvente, eu tenha de morrer de fome aqui em casa?

Ambos riram muito e, para compensar o atraso do marquês, ficaram acordados até altas horas da noite, o que os fez levantar tarde para o passeio da manhã seguinte.

Pensando em tudo aquilo agora, Dorinda esperava que o pai não se atrasasse naquela noite. Queria mos­trar-lhe várias coisas no jardim como também nas es­trebarias. Se ele estava interessado ou não no assunto, não vinha ao caso. O importante era estarem juntos.

Foi para o escritório onde ficou aguardando pelo pai. Sentada em sua poltrona favorita, pegou o jornal que estava sobre uma banqueta perto da lareira.

Folheou-o mas não encontrou nada de interessante.

"Precisamos de novos livros em nossa biblioteca", refletiu. "Tenho de persuadir papai a comprar al­guns para eu me distrair enquanto aguardo por ele."

A biblioteca do castelo era enorme e bem sortida. O detalhe era que os livros eram antigos, e ela não via dentre eles, os romances de grandes escritores, pois não pareciam ser do gosto de seu pai, embora fossem do dela.

"Na próxima vez que eu for a Londres comprarei muitos livros interessantes e recém-publicados. As­sim poderei ler enquanto espero pela volta de papai."

Dorinda tentou mais uma vez ler o jornal. Mas, na realidade, estava de ouvido atento à porta da frente a fim de perceber quando o pai entrava.

Ouviu um ruído.

— Viva! Viva! Viva! — gritou, na esperança de que o pai a escutasse.

E aí, para sua enorme alegria, ouviu os passos do mordomo atravessando o corredor às pressas para abrir a porta.

O pai não gostava que ela fosse ao pátio àquela hora da noite. Por isso esperou-o no escritório, como muitas vezes lhe fora recomendado.

Concentrava-se em ouvir a voz dele. O cachorro, que dormia numa cesta, de repente acordou. Per­cebeu que seu dono voltava para casa.

— Tudo bem, Jacko — ela disse. — Papai voltou e agora ficaremos os três juntos. Sei que você gosta dele tanto quanto eu.

Dorinda quase sussurrava para ouvir o ruído de qualquer movimento fora, no jardim.

Alguns minutos mais tarde a porta se abria e o pai entrou.

Ela deu um grito e atirou-se nos braços dele.

— Você voltou! Você voltou, papai! Oh, papai, te­nho a impressão de que se passaram anos e anos em sua ausência.

O pai beijou-a e disse:

— Sinto fazer você esperar tanto. Mas as razões são as mesmas de sempre.

— Eu sei, papai. Sua Majestade segurou-o e você é cavalheiro demais para lhe falar que tinha outras coisas a fazer.

As palavras saíam aos solavancos dos lábios de Dorinda, porque ela ria de tanta alegria. Mas, para surpresa sua, notou que o pai não a acompanhava no riso. Estranhou. Em vez disso ele procurava se explicar.

— Na verdade, foi você a causa de meu atraso. Relutava em voltar para casa. Não sabia como lhe contar o que Sua Majestade me pediu.

Dorinda arregalou os olhos.

— Ela o aborreceu, papai? Mas, por quê? O que você fez?

— Não tem nada a ver com o que fiz. Contarei tudo a você, mas quero antes esperar que Newman me traga o drinque. Um duplo, espero.

O marquês levantou-se e foi até a lareira. Dorinda o observava, preocupada. Era evidente que qualquer coisa acontecera contrariando-o demais. Em geral, quando ele chegava, beijava-a afetuosamente e de­pois a erguia para o alto, fazendo-a girar no ar. E sempre dizia algo que a fizesse rir. Mas naquela noite falava com tristeza, com voz quase áspera, tentando evitar alguma comunicação difícil.

"O que pode ter acontecido?", ela se perguntava.

No instante em que foi para perto do pai o mor­domo entrou na sala com uma garrafa e dois copos.

Champanhe? Por que champanhe?

Dorinda estava acostumada a tomar champanhe só em ocasiões especiais. Por exemplo, quando um dos cavalos de seu pai vencia uma competição im­portante, ou em eventos dignos de comemoração.

— Posso servi-los, milorde? — o mordomo perguntou.

— Não, deixe que eu faço isso.

O marquês respondeu abruptamente, o que tornou bem claro que ele estava irritado com alguma coisa que acontecera. E ainda mais. Dorinda nunca o vira tomar champanhe àquela hora do dia. Em geral, antes do jantar, era servida uma bebida mais leve.

Como o marquês fosse bastante abstêmio, o cham­panhe era bebido, além de nas circunstâncias espe­ciais, nas competições, quando hóspedes importantes apareciam para jantar, ou em aniversários.

Tão logo o mordomo retirou-se o marquês serviu a bebida. Em seguida ofereceu uma taça à filha.

— Preciso disso e você vai precisar também quan­do ouvir o que tenho a lhe contar.

— Estamos comemorando alguma coisa, papai? Se estamos, você não me parece muito feliz com o fato.

— Francamente não estou, Dorinda. E você tam­bém não ficará ao saber de tudo. Como vai ser um choque, sugiro que bebamos antes de eu lhe contar o que me perturba.

Ela percebeu, pelo modo como o pai falara, que preferia não ter de responder a perguntas no mo­mento. Por isso começou a saborear o champanhe, embora não fosse uma bebida de sua preferência.

Tomara champanhe em casamentos, em aniversários, no Natal e na Páscoa. Porém geralmente pre­feria limonada ou qualquer outro refresco do mesmo tipo, em dias de muito calor ou quando cavalgava durante muitas horas.

Surpreendeu-se quando o pai esvaziou a taça de uma só vez. Ele serviu-se de mais uma dose. Foi quando Dorinda insistiu:

— O que se passa, papai? O que houve? Sei que foi algo muito errado, ou você não beberia champa­nhe ao chegar em casa.

— Preciso disso, só Deus sabe como preciso disso! Com o copo cheio ele pôs-se a andar pela sala.

Dorinda seguiu-o e perguntou de novo:

— O que aconteceu, papai? Nunca vi você tão sério e nem tão preocupado.

— Estou de fato preocupado. E não há nada que eu possa fazer. Nada!

Dorinda foi para mais perto do pai e passou o braço em volta dos ombros dele.

— Não pode ser nada de tão mau assim, querido papai. Conte-me o que há de errado e garanto que, se usarmos a cabeça, poderemos resolver quaisquer problemas, mesmo os mais difíceis.

— Infelizmente é o que não poderemos fazer agora. O marquês então abraçou-a e disse:

— Vou lhe contar o que houve. E você entenderá por que motivo não poderei fazer nada.

Beijando-o, Dorinda sussurrou:

— Tenho certeza, querido papai, de que você é bastante inteligente para encontrar uma solução, qualquer que seja a dificuldade. Mas, por favor, fale-me o que o aflige. Contei as horas até você chegar e pensei que fôssemos rir juntos, como sempre. Afi­nal, o que o aborreceu fazendo-o sentir-se tão mal?

Para espanto de Dorinda, em vez de abraçá-la o pai foi colocar o copo no aparador. Voltou para perto dela, e dava a impressão de que tentava encontrar palavras a fim de contar o que se passara.

— Conte-me, papai, o que se passou. Detesto vê-lo tão preocupado. E alguma coisa tão má assim que você tem medo de me contar?

— Medo é a palavra certa — o marquês confessou.

— Tenho medo de lhe contar o que se passa, pelo aborrecimento que causarei a você também. Quanto a mim, acredite-me, querida, sinto que meu mundo desmoronou.

Dorinda fitou-o, estarrecida. Teria o pai perdido todo seu dinheiro? Teria feito alguma coisa que o obrigaria a desistir de seus cavalos, de seu castelo?

Então o marquês enfim disse:

— E melhor que eu acabe com esse martírio logo e lhe conte o que houve. Mas primeiro de tudo quero insistir que nenhum de nós dois poderá alterar o que foi determinado. Ou recusar fazer o que nos foi solicitado. — Ele fez uma pausa antes de continuar:

— Tentei com todos os meios possíveis impedir o que está por acontecer, mas não vi possibilidade de negar o que me foi ordenado.

— Conte-me então, papai, o que lhe foi ordenado. Nunca vi você assim antes. E estou assustada.

— Naturalmente que está assustada, e eu também estou — o marquês retrucou de modo um tanto ás­pero. — Mas, como já lhe disse, não há nada que eu possa fazer. Nada. Pensei em todas as razões possíveis com o fim de argumentar que aquilo não poderia acontecer, mas não sou tão importante para mudar uma ordem de Sua Majestade.

— Uma ordem de Sua Majestade? — Dorinda re­petiu, atônita. — O que ela lhe pediu?

Dorinda não podia pensar em nada que a rainha pudesse pedir a seu pai, exceto talvez os cavalos ou o castelo. Que mais poderia ser tão valioso entre as propriedades dele, para afetá-lo como parecia estar acontecendo?

Após algum tempo, que pareceu a Dorinda uma eternidade, o marquês disse:

— Preciso lhe contar. Durante todo o trajeto para casa pensei em como lhe dizer tudo, pensei em como pôr o pedido da rainha em palavras. Mas você precisa saber a verdade. Sei que nem você, nem eu, poderemos passar por cima de uma ordem de Sua Majestade.

Dorinda continuava fitando o pai, sem entender nada.

— O que Sua Majestade ordenou? Como pôde ela lhe pedir algo obviamente errôneo, a se imaginar pelo modo como você está angustiado?

Como o pai não respondesse, Dorinda acrescentou:

— Afinal de contas, papai, você é um homem livre e não pode ser obrigado a fazer o que não deseja. Tem direito a recusar.

Após outros minutos de silêncio, o marquês explicou:

— Pensei em todos os meios possíveis para recusar obedecer à ordem de Sua Majestade. Porém, se eu não quiser sair do país, na condição de exilado, terei de obedecê-la.

— Mas o que você fez, papai? Fez alguma coisa tão errada, tão vergonhosa, que não pode recusar o que sua Majestade lhe pede? Não posso entender, não posso acreditar que você, entre todas as pessoas que conheço, tenha feito algo tão errado ou que com­prometa o país que ama.

— Claro que a rainha sabe disso. Porém agora, embora eu discuta com ela, brigue, suplique de joe­lhos que mande outra pessoa, ela não me ouviria.

Mais uma vez houve um grande intervalo de si­lêncio antes de Dorinda dizer:

— Por favor, papai, conte-me o que ela lhe pediu. Sua Majestade sempre gostou muito de você. Como poderia ter feito alguma coisa que o magoasse, que o aborrecesse tanto?

Depois de mais um prolongado silêncio, o marquês disse num tom de voz diferente, num tom de voz tão baixo que Dorinda teve dificuldade em ouvir.

— Sua Majestade insiste que você vá para os Bál­cãs e se case com o príncipe Igor, cujo país está sendo ameaçado pelos russos.

Dorinda ficou estática. Encarava o pai com hor­ror. Em seguida respondeu, também com voz quase inaudível:

— Sua Majestade disse que eu tinha de ir para lá?

— Disse. Você tem de se casar com ele para im­pedir que o país seja conquistado pelos russos — o marquês respondeu asperamente.

Dorinda deu um suspiro profundo. E reinou silêncio absoluto na sala.

 

Por instantes Dorinda ficou muda, sem saber o que dizer. Apenas encarava o pai, pensando ter entendido mal o que ele acabara de lhe comunicar. Em seguida, gradualmente, quan­do a notícia penetrou bem em seu cérebro, deu um grito e perguntou:

— Mas, por que eu? Há sem dúvida centenas de moças que poderiam ir aos Bálcãs e que teriam imenso prazer nisso.

O marquês acomodou-se melhor na poltrona e explicou:

— Pensei em tudo, mas, como você sabe, Sua Ma­jestade já enviou grande quantidade de mulheres aos Bálcãs para salvar seus habitantes dos russos. Por esse motivo é chamada de a casamenteira da Europa.

Como Dorinda fosse incapaz de refutar, ele continuou:

— Ela me disse que agora esgotou todas as suas parentas. Por isso está procurando moças inglesas de famílias importantes que podem, como as demais, salvar o país em questão no momento em que esse país puder ostentar a bandeira da Inglaterra.

O marquês falava com amargura na voz. E Do­rinda perguntou de novo:

— Mas, por que eu? Há muitas outras debutantes, filhas de pais de grande projeção social. Garanto que ficariam muito contentes com um título de rai­nha ou de princesa.

— Infelizmente Sua Majestade lembrou-se, o que eu havia me esquecido, de que meu tio-avô casara-se com uma parenta dela. Na realidade era uma Saxe-Coburg. Naturalmente, assim que seu casamento for anunciado, os russos se retirarão do território inimigo.

Dorinda sabia muito bem que os russos tinham horror de provocar uma guerra contra a Grã-Breta­nha. Sabia também que os únicos principados real­mente seguros eram os que podiam provar que tinham uma princesa de sangue azul nas veias, o que os tor­nava relacionados com a rainha da Inglaterra.

E a Inglaterra era um país que eles não desejavam enfurecer, muito menos lutar contra.

Tudo isso passou pela mente de Dorinda. Enfim, ela sussurrou:

— Você tem mesmo certeza, papai, de que não há ninguém mais?

— Sua Majestade disse que não há nenhuma ou­tra moça que ela poderia mandar para os Bálcãs. Uma moça que, por ter sangue azul nas veias, tor­naria possível o hasteamento da bandeira da Ingla­terra no palácio governamental.

— Mas deve haver outra pessoa — Dorinda insistia. As palavras pareciam sair de seus lábios como um lamento. E o marquês então disse:

— Sua Majestade me garantiu que percorreu lis­tas e listas de nomes de parentes seus com filhas na idade de casar, como também nomes de outras pessoas de sangue azul, e não encontrou ninguém.

— Mas eu não posso ir! — Dorinda protestou. — Não posso deixar você, papai. E como posso me casar com um homem que nunca vi, e do qual não sei nada?

— Disse tudo isso a Sua Majestade. Quase ajoelhei aos pés dela para lhe suplicar que encontrasse outra jovem. Porém Sua Majestade me jurou que não havia ninguém disponível. E me fez entender que, se você recusasse ajudar o príncipe, estaria condenando-o à morte. A única solução para evitar essa barbari­dade seria ir aos Bálcãs e casar-se com ele.

— Não posso fazer isso! Não posso deixar você, papai! — Dorinda repetia. — Como posso me casar com um homem que nunca vi?

— Eu me fiz a mesma pergunta enquanto voltava para casa. E não encontrei a resposta.

O marquês falava com revolta. Pegou sua taça de champanhe e bebeu tudo de um só gole, como se agindo assim pudesse aliviar sua dor.

— E o que posso fazer? — Dorinda perguntou, num soluço que vinha do fundo de seu coração. — Salve-me, papai. Salve-me. Não quero deixá-lo e ir para os Bálcãs.

Atirou-se nos braços do pai, escondendo o rosto no ombro dele.

— Como é possível deixá-lo? Como é possível aban­donar tudo o que conheço e amo? — ela soluçava.

O marquês abraçou-a com força, beijando-a.

— Eu te amo, papai — Dorinda sussurrava. — Não consigo pensar em partir para a companhia de um homem que não conheço, para um país estranho.

O marquês chegou a ponto de quase chorar. Não sabia o que fazer para consolar a filha. Depois do que lhe pareceu um longo tempo, disse:

— Suponho que a única solução seria fugir, dei­xando o castelo e nossos cavalos e indo morar em outro país. Talvez até mudando de nome. Mas sabe muito bem, querida, que quando soubermos que os russos invadiram o principado e mataram o príncipe, nunca mais nos sentiremos como verdadeiros ingle­ses que cumpriram seu dever. Não apenas para com o príncipe, mas para com nosso país.

— Sei disso, papai. Mas, mesmo assim, não quero deixá-lo.

— Vou visitá-la sempre que puder e passarei muito tempo com você. Mas sabe que Sua Majestade ficaria furiosa se eu me mudasse definitivamente da Inglaterra.

Dorinda não duvidava disso. A rainha dependia dele, e cada ano mais. Sabia também que, quando Sua Majestade queria alguma coisa, era terrivel­mente difícil para qualquer pessoa demovê-la de sua idéia, recusar obedecê-la. Os que a conheciam bem ou a serviam, não ignoravam isso.

E não era exagero afirmar que ela confiava no marquês mais do que em qualquer outro súdito.

Parecia ser bem conhecido de todos que Sua Ma­jestade raramente tomava uma decisão em qualquer assunto sem antes consultar o marquês e obter a apro­vação dele para o que pretendesse fazer ou dizer.

Mas ao mesmo tempo, apesar de saber de tudo isso, a idéia de deixar o pai, de partir da Inglaterra para sempre indo morar em terra desconhecida, era tão aterrorizante a Dorinda que ela preferiu morrer a ter de obedecer a uma ordem real.

Houve silêncio durante um tempo bastante longo, enquanto o marquês abraçava a filha que chorava copiosamente em seu ombro.

Sem dúvida por segundos Dorinda pensou em se matar para não partir. Depois reconsiderou, con­cluindo que não poderia ferir o pai daquela maneira.

"Amo papai mais do que a mim mesma", pensou. "Portanto, não posso fazê-lo sofrer mais do que ele já está sofrendo no momento por me perder".

Como se o marquês adivinhasse o que se passava na mente da filha, disse, depois que se passaram alguns minutos:

— Prometo, querida, que a visitarei sempre que possível. Não nos separaremos definitivamente. Ademais, tenho certeza de que você salvará o principado, e o príncipe lhe ficará tão grato que concor­dará com qualquer coisa que lhe pedir ou sugerir.

— O que será voltar para junto de você, papai — Dorinda murmurou, soluçando no ombro do pai.

— Sei disso — o marquês respondeu acariciando-a. — Mas, querida, somos ingleses, e como in­gleses lutamos pelo nosso país. Muitos de nossos homens morreram fazendo isso.

— E eu morrerei morando longe de você, papai.

— Eu sei. Vai ser muito difícil para você, querida. Mas pense que está lutando pela Inglaterra como muitos de nossos amigos fizeram e pagaram com a própria vida.

— Mas quero continuar com você, papai! — Do­rinda não parava de soluçar.

— Ficarei pensando em você e rezando por você o tempo todo. Prometo que a visitarei sempre que for possível e por todo o tempo que eu dispuser.

Dorinda teve vontade de dizer que não seria a mesma coisa como cavalgar ao lado dele. E, embora às vezes sabendo que o pai estava no Castelo de Windsor, seria por um dia ou uma noite. Voltava para casa logo.

A um dado momento, percebendo o tom de sofri­mento na voz do pai, Dorinda concluiu que ele sofria tanto quanto ela. Resolveu então não torturá-lo mais dizendo que preferia morrer a deixá-lo, ou recusan­do-se a obedecer à rainha.

Vendo-a silenciosa, o marquês disse:

— Querida, sentirei sua falta mais do que ima­gina. Mas encontrarei um jeito de nos vermos com freqüência. Irei aos Bálcãs sempre que Sua Majes­tade puder me dispensar. — Pensando alguns se­gundos, ele acrescentou: — Talvez eu possa dar uma escapadela fingindo estar tomando parte numa cor­rida ou numa caçada. E ninguém no Castelo de Windsor saberá que estou com você.

Dorinda teve vontade de dizer que não era a mes­ma coisa como estar com ele ali, na casa de campo perto de Londres. Não era a mesma coisa nem quan­do ele estava no Castelo de Windsor, a poucos qui­lômetros de distância. E, uma vez juntos, sentiam-se felizes e sem medo.

"Naturalmente", ela pensava, "terei medo de mo­rar nos Bálcãs onde serei protegida contra os russos apenas pela bandeira da Inglaterra."

Dorinda quis dizer em voz alta o que sentia. Quis fazer com que o pai voltasse ao castelo e dissesse à rainha que ela estava muito doente para se casar ou viajar. Aí concluiu que, com aquele estratagema, poderia estar salva, mas a soberana, por vingança ou raiva, talvez pusesse um fim ao afeto que nutria por seu pai. E ele não mais seria importante na corte, como no momento.

— Quando Sua Majestade quer alguma coisa — um cortesão dissera certa vez a Dorinda —, ela sem­pre consegue... de uma maneira ou de outra. Ou exigindo ser obedecida por ser a rainha, ou adulando os que a servem fazendo-os acreditar que são indis­pensáveis, e que só eles poderão conseguir o que ela deseja.

Na ocasião em que lhe fora dito isso, Dorinda achara graça. Mas agora se dava conta de que esse argumento seria usado, e ela não teria condições de lutar contra ordem tão cruel.

"A rainha vencerá, como sempre", dizia a si mes­ma. "E a única pessoa que ficará ferida, por qualquer coisa que eu fizer, será meu pai."

Dorinda sabia que ele detestaria tomar qualquer atitude que diminuísse seu prestígio junto ao Castelo de Windsor. Detestaria também magoar a rainha e destruir a confiança que depositava nele, consideran­do-o o súdito mais fiel de todos os que a rodeavam.

Então ela disse, num tom de voz muito baixo:

— Suponho que eu deva fazer o que Sua Majestade ordenou.

— Se houvesse outra alternativa, eu já teria pen­sado nisso. Durante todo o trajeto para casa pensei em como sentirei falta de você, em como me sentirei só, e em como detestarei a idéia de sabê-la longe de mim, numa parte do mundo onde jamais desejaria que minha única filha morasse. Sei que é um local perigoso e desagradável. Mas não há outra opção, querida. Ambos devemos obedecer a Sua Majestade e rezar para que possamos estar juntos o maior tem­po possível. Embora, para ser honesto, sei que às vezes será difícil ou até impossível.

Havia tanta dor nessas palavras do marquês que Dorinda sentiu pena dele. Afagou-lhe a face e disse:

— Eu te amo, papai e, por amá-lo tanto, sei que vou sentir saudade de você tanto quanto você de mim. Mas suponho que, por sermos ingleses, e por termos sangue azul nas veias, não há nada que pos­samos fazer além de tentar salvar esse príncipe in­competente que não pode salvar a si próprio.

— Ele está sendo ameaçado pelos russos, Dorinda. A Rússia quer tomar o maior número de principados que puder. E a única proteção contra os russos é a Inglaterra. É o único país que a Rússia não quer enfrentar, por medo de uma derrota. Se a bandeira inglesa for desfraldada em Greznov, os russos ba­terão em retirada e procurarão outro lugar para invadir. Eles jamais ousarão desafiar a Inglaterra. E, por termos o mesmo sangue da rainha, ela cuidará para que você não sofra nada.

Dorinda teve ganas de gritar e dizer que, naquele momento, não tinha orgulho nenhum disso. Mas não quis aborrecer o pai ainda mais.

Percebia, pelo modo de falar, pela pressão dos braços e pelo toque dos lábios ao beijar-lhe a testa, que ele sofria agonia imensa à idéia de perdê-la. Entristecia-o a idéia de ficar sozinho naquele castelo imenso, de montar os cavalos que ambos amavam tanto, sem a companhia dela.

Dorinda sabia que ninguém mais poderia preen­cher o lugar agora vazio no coração de ambos.

"Eu te amo, papai", ela teve ganas de gritar. "Sem dúvida sou mais importante aqui em casa do que tentando salvar um minúsculo principado a quilô­metros de distância."

Mas sabia que as ordens da rainha tinham de ser obedecidas. Do contrário faria seu pai sofrer muito.

E, mais ainda, todos os protestos e lágrimas do mundo seriam ineficazes. Ela precisava mesmo sal­var o príncipe de Greznov.

Como se o marquês adivinhasse o que a filha es­tava pensando, abraçou-a com mais força e disse:

— Eu te amo, querida, e sofrerei muito sem você. Mas usaremos nosso cérebro para descobrir meios de nos encontrarmos.

— Eu também te amo muito, papai. E sofrerei com a separação.

— Eu sei. Já imaginou como será triste voltar para uma casa vazia?

— Eu sei, eu sei! — Dorinda exclamou. — Mas acredito que possamos estar juntos uma vez por ano.

— Mais do que isso, querida. Pelo menos espero.

Ela percebeu que o pai falava assim para animá-la. Seria impossível percorrer distância tão grande com freqüência.

Mas o fato de pensar na possibilidade de se en­contrarem, já era um consolo para ela. Consolo esse que contudo não diminuía a dor da separação.

Iria para um lugar sobre o qual não sabia prati­camente nada, e se casaria com um homem que nunca vira na vida.

"Como vou conseguir fazer isso? Como vou con­seguir?", ela se questionava.

Com tremendo esforço, disse ao pai:

— Se temos mesmo de agir assim, papai, não adianta nada lutarmos numa batalha já perdida.

— Você é tão valente, minha filha! Eu sabia que ficaria tão aborrecida quanto eu. Mas, conforme lhe contei, Sua Majestade não tinha ninguém mais para mandar. Eu ajudei-a a percorrer a lista de possíveis candidatas para ver se não escapara nenhuma. E surpreendente o que Sua Majestade já conseguiu para salvar os Bálcãs das mãos dos russos. Pelo que constatei, havia apenas você disponível.

Após uns minutos de silêncio, Dorinda perguntou:

— Quando deverei partir?

— Isso é outra coisa que preciso lhe comunicar. — O modo como o marquês falou fez Dorinda retesar o corpo. — Considerando-se o grande perigo que ameaça o príncipe, você tem de partir quase imediatamente. A rainha já mandou um recado a ele dizendo que uma noiva estava a caminho e que seria interessante iniciar logo os preparativos para a cerimônia do ca­samento. Grandes festividades também devem ter lu­gar por ocasião da chegada da futura princesa.

— Quer dizer que Sua Majestade já sabia que eu não teria chance de recusar o casamento com o príncipe?

— Sim. Sua Majestade recebeu a comunicação de que os russos estavam às portas do principado, deci­didos a invadi-lo. Mas o mero fato de saber que ela se preocupava com a invasão, os deixara em estado de alerta. Amanhã, quando forem informados de que uma noiva de sangue azul está a caminho de Greznov, acredita-se que se retirarão definitivamente.

— Quer dizer que é mesmo impossível para mim recusar — Dorinda murmurou.

— Se fizer isso, o príncipe e a maioria dos habi­tantes do principado morrerão. E para os russos será a vitória de que necessitam, pois já perderam muitos principados que não caíram nas mãos deles devido a casamentos com noivas inglesas providen­ciadas pela rainha.

Após uma pausa, o marquês acrescentou:

— O que poderia eu fazer? O quê, nessas circuns­tâncias, poderia eu fazer além de concordar com o desejo de Sua Majestade?

Dorinda passou o braço em torno dos ombros dele e beijou-o, dizendo:

— Não havia nada que você pudesse fazer, papai. Mas devemos nos propor a salvar o príncipe sem nos perdermos, um ao outro.

— Nunca nos perderemos. Eu amo você, minha filha, e sofrerei terrivelmente por sua ausência. Mas, por sermos ingleses e por respeitarmos nossa ban­deira, não poderemos nos abster de ajudar os que necessitam de nosso auxílio.

— Tem razão, papai — Dorinda concordou. — Mas não deixa de ser agonia para mim separar-me de você.

— Nunca nos separaremos definitivamente. Se eu tiver de passar metade da vida indo para onde você está, e você vindo para cá, sem problemas. Encontra­remos um meio de fazer isso. Como? Ainda não sei. Mas derrotaremos os malditos russos por completo.

Dorinda riu suavemente produzindo um som mais similar a um soluço. A idéia de estar sozinha tão longe, enfrentando os russos, parecia-lhe ridícula. Mas, por ser uma ordem da rainha, não poderia dizer "não".

Enquanto se trocava para jantar, teve a impressão de que seria a última vez que jantaria na companhia do pai. Não, não podia chorar. Não queria que ele a visse chorando na despedida.

Encontrou-o na sala com uma taça de champanhe na mão. Dizia-lhe, com o olhar, que se portasse com bravura, que não tivesse medo do inimigo.

Dorinda beijou-o e ele murmurou:

— Você está linda, minha filha. Vamos ficar ale­gres esta noite. Concorda?

— Será nosso último jantar? — Ela tentou manter a voz firme, natural.

— Acho que sim — respondeu o marquês. — Sua Majestade providenciou um navio especial que aguardará no porto de Dover amanhã. Zarpará no momento em que você chegar.

— Amanhã? — Dorinda repetiu, num sussurro. Depois disse: — Você vai comigo?

— Sabe que eu gostaria. Supliquei a Sua Majestade para acompanhar você até ao menos parte da viagem.

— E ela recusou.

— Depois de amanhã chegará ao Castelo de Wind­sor uma delegação da índia, e no dia seguinte uma da América — o marquês explicou. — Sua Majestade disse que é impossível a ela assistir a ambas, e receia não poder tomar sozinha a melhor decisão para nos­so país. Por isso pediu meu auxílio. Como pode ima­ginar, tentei impedir sua partida tão precipitada, mas, pelo visto, notícias recebidas há dias informa­vam que os russos ameaçavam o principado tão vio­lentamente que Sua Majestade achou que o príncipe não teria condições de se defender. Sendo assim, a capital do principado seria ocupada por eles.

— E já mandou alguém para dizer ao príncipe que a noiva partirá amanhã. E isso? — Dorinda perguntou.

— Sim, é isso. Eu pedi a Sua Majestade que atra­sasse um pouco a ida do mensageiro. Porém ela achou arriscado. E o enviado partiu no mais rápido navio disponível no porto. E outra razão, querida, para você iniciar sua viagem amanhã.

Dorinda teve vontade de gritar. Mas achou melhor não aborrecer o pai ainda mais. Não havia nada a fazer além de concordar com tudo o que Sua Ma­jestade já tinha planejado.

Dorinda tentou conversar sobre um assunto diferente enquanto jantavam, mas foi impossível, porque tanto um quanto o outro não podia pensar em coisa diferente.

— Não tenho enxoval — Dorinda declarou, depois que os empregados se retiraram da sala.

— Não há tempo de se comprar um enxoval antes de seu embarque — o marquês explicou. — Mas chamei a atenção da rainha sobre isso e ela provi­denciou que o navio parasse na Itália onde uma pessoa fará as compras do enxoval. — Ele sorriu ao continuar: — Felizmente lembrei-me de suas me­didas. Você parará na Itália, apanhará o enxoval, e seguirá para os Bálcãs.

— Sua Majestade parece ter pensado em tudo — comentou Dorinda, com certa ironia.

— E claro que eu falei do enxoval na esperança de que, minha querida, você ficasse aqui por mais alguns dias. Porém Sua Majestade insistiu que não havia tempo para isso, pois era necessário se agir imedia­tamente a fim de salvar o principado da invasão. Outro emissário foi mandado a Greznov com a ordem de comunicar que tudo fora arranjado. Sem dúvida os sinos da igreja estarão badalando à sua chegada.

Dorinda pediu então ao pai que lhe falasse sobre os parentes que tinham na Itália.

— Trata-se de uma prima distante da rainha que se casou com um primo de sua mãe — o marquês declarou. — Você deve se lembrar de que eles sempre nos enviavam cartões de Natal, e no último ano acho que mandaram para você um colar de coral.

— Ah, esses parentes?! — Dorinda exclamou. — Lembro-me de você ter falado deles, mas não me lembro de tê-los conhecido pessoalmente.

— Acho que raramente vêm à Inglaterra. Não me recordo de os ter visto aqui. Mas sua mãe e eu estivemos lá uma ocasião e viajamos juntos pela Europa. Foi muito agradável. O marido tem um cargo bem importante na Itália. A esposa cuidará da compra de seu enxoval e tenho certeza de que será lindo. Ela tem bom gosto.

— Eu me sentiria bem melhor se meu enxoval fosse comprado na França. Mas acho que devo me contentar com o que for possível se fazer.

— Vai ser bonito, verá. Ademais, qualquer coisa fica linda em você — disse o marquês com orgulho.

"O pior de tudo é que detesto a idéia de que não conheço o homem com quem vou me casar. Tam­pouco ele me conhece", ela disse a si mesma. "Isso é ridículo e horrível".

Mas não disse nada ao pai, apenas lhe perguntou:

— O que mais foi providenciado?

— Acho que o emissário que seguiu na frente, para comunicar ao príncipe a chegada do navio, in­formará o primo da Itália sobre sua passagem por lá antes de seguir para os Bálcãs. Em Greznov o príncipe irá pessoalmente recebê-la, a não ser que esteja lutando na guerra.

Passou como num flash pela mente de Dorinda que o príncipe se sentia igualmente mal com aquele casamento. Um casamento de conveniência, um ca­samento para assustar os russos. Afinal de contas, os dois eram seres humanos e ninguém parecia se incomodar com os sentimentos deles.

"Tenho de me casar com um homem que nunca vi antes", Dorinda repetia a si mesma. "Casar-me com um homem que posso detestar assim que o vir, e desejar com todas as forças que me restam voltar para a Inglaterra."

Mas não podia dizer isso ao pai.

Em vez de se prender a esses pensamentos as­sustadores, achou melhor providenciar sua bagagem para partir na manhã seguinte, bem cedo.

"Não irei! Não irei!", teve vontade de gritar.

Mas não quis ferir o pai e estragar o último dia em que passariam juntos.

Começou então a falar sobre os cavalos e as mo­dificações a serem feitas nos jardins.

— Se os russos recuarem depois de nosso casa­mento, poderei voltar à Inglaterra e talvez meu ma­rido me acompanhe. Em qualquer hipótese, com ele ou sem ele, verei o que você fez com os cavalos que acabou de comprar. Tenho certeza de que serão os animais mais fascinantes que este condado já viu.

— Contarei os dias até sua chegada, filha. E pro­meto que, se a rainha permitir, irei visitá-la muito em breve.

— Como posso me casar sem sua presença, papai? Mas acho que, com os russos às portas, não importa como será esse casamento, contanto que a banda toque o hino da Inglaterra e a bandeira inglesa tre­mule nos portões da cidade.

— Tudo isso acontecerá, mas graças a você, minha querida. E todos a tratarão como um anjo que caiu do céu para salvá-los das forças demoníacas.

— E exatamente o que os russos são. Demônios — Dorinda concordou. — Espero que eles desistam da invasão tão logo eu esteja casada com o príncipe.

De súbito, ela pensou. "E se os russos não tiverem medo dos ingleses como se acredita?"

Parecendo adivinhar-lhe o pensamento, o pai replicou:

— Quando eu estava no castelo, investiguei alguns fatos e constatei que, até agora, a rainha arranjou seis casamentos para soberanos de principados bal­cânicos. Em cada um desses casos os russos se reti­raram imediatamente. Na verdade, na última ocasião, voltaram para St. Petersburg e nunca mais se aven­turaram a outra invasão. Até, de repente, escolherem o principado para o qual você está indo agora, o maior e o mais importante que sobrou nos Bálcãs.

— Isso é algo pelo que devemos dar graças a Deus, podermos salvar esse principado. Agora apenas es­pero que minha prima escolha um vestido de noiva lindo para mim. Sempre pensei em ter um traje de noiva excepcional. Há uma loja em Bond Street com os vestidos mais fascinantes do mundo.

— Ficará linda com qualquer vestido, querida. A única coisa que eu desejaria era ir com você, mas Sua Majestade insiste que eu esteja presente nas reu­niões que terão lugar aqui, até o fim desta semana. E não pude recusar. — Após uma pausa, ele acres­centou: — Ela se considera incapaz de fazer tudo como se deve, se eu não estiver presente para ajudá-la.

Reservadamente, Dorinda achou que a rainha po­deria fazer uma concessão. Porém preferiu ignorar o assunto, dizendo a si mesma que faria tudo o que lhe fora mandado.

Reconhecia ser desastroso permitir que os russos ocupassem os Bálcãs na totalidade. Se as invasões não fossem interrompidas, eles invadiriam não ape­nas as terras como teriam uma saída para o Medi­terrâneo, coisa que almejavam há anos.

Mas, considerando-se ser aquela a última noite que passaria com o pai, resolveu falar sobre os novos cavalos que haviam acabado de chegar de Londres. Conversaram acerca do treinamento desses animais e dos outros que ainda deveriam vir. Dorinda então disse que, ao voltar, iria montá-los qualquer que fosse a estação do ano.

— Você prometeu ir me visitar assim que puder, papai. E eu virei logo que for seguro sair do prin­cipado. Mas, veja bem, sei que posso ganhar um país e um marido, mas estou perdendo a pessoa que amo mais do que qualquer outra no mundo.

Lágrimas começaram a escorrer pelas faces de Dorinda, e o pai abraçou-a com carinho.

— Eu também te amo, querida. Farei o possível para tornar as coisas fáceis para você. Mas prome­ta-me que será corajosa e que se comportará como uma verdadeira inglesa em situação de emergência. Eu te amo, respeito e admiro.

Ele falava com voz tão suave que Dorinda rompeu em pranto.

— Oh, papai, que bom seria se eu pudesse ficar aqui com você! Mas agirei de modo a que tenha orgulho de mim. Porém, por favor, prometa-me mais uma vez que irá me visitar. E eu virei a Londres tão logo for possível.

— Prometo que irei visitá-la — o marquês disse. Em seguida beijou-a, dizendo: — Eu te adoro, que­rida. Se está sofrendo por ter de partir, eu estou igualmente sofrendo por ter de ficar aqui sem você.

Ela deixou escapar um soluço.

— Será uma batalha que teremos de vencer — disse. — E venceremos.

Ela quase não conseguiu pronunciar as últimas palavras. Sua voz falhou.

Para esconder as lágrimas, encostou o rosto no ombro do pai.

 

Na manhã seguinte Dorinda acordou cedo. Notou que praticamente tudo o que lhe pertencia já estava dentro de caixas espa­lhadas pelo quarto.

Havia uma coisa, contudo, que ela sabia não ter sido posta em caixas. Era o vestido de noiva de sua mãe. Havia se esquecido por completo dele.

A mãe se orgulhava muito desse vestido, feito es­pecialmente para seu casamento.

Todos os que assistiram à cerimônia concordavam em afirmar que fora o mais lindo vestido de noiva já visto. Estava num guarda-roupa do quarto do casal.

Dorinda encontrou-o juntamente com a grinalda. Levou tudo para seu quarto.

Enquanto as criadas o colocavam numa caixa, ela foi ao cofre onde estavam guardadas as jóias, lindas, que sua mãe usava com freqüência. Pegou uma tiara de ouro e diamantes, a preferida de sua mãe, e um colar de pérolas e diamantes.

"Essas jóias me ajudarão a ter coragem", pensou. "Tentarei usá-las com discrição para não ferir as pessoas presentes, exibindo minha riqueza, embora tenha vontade de matá-las em vez de ser a soberana do país."

Dorinda colocou as jóias num estojo e em seguida dentro de uma das caixas.

Depois disse às criadas que levassem a bagagem para baixo.

Quando desceu, viu que o pai já estava na sala tomando o café da manhã. Beijou-o e disse:

— E estranho, papai, eu sair daqui tão cedo sem antes fazer minha cavalgada.

— É o que eu desejaria estar fazendo com você, minha filha, se fosse possível — o marquês respondeu.

Dorinda percebeu, pelo modo como falara e pela expressão do olhar, que o pai sofria. O momento da separação se aproximava. O momento em que ela abandonaria a casa onde fora extremamente feliz.

Não havia nada que tanto um como outro pudesse falar, sem que ambos se magoassem.

Após um apressado café da manhã, Dorinda pôs o casaco e o chapéu, e foi ao encontro do pai na porta da casa.

— Você está linda, minha filha, e espero que fa­çamos uma boa viagem até Dover, conduzidos pelos nossos melhores cavalos, os mais ligeiros.

Dorinda soube, então, que a ida até Dover levaria no mínimo três horas.

Despediu-se dos criados sem chorar.

Quando o pai pôs a carruagem em movimento, acenou a todos sem soluçar.

De sua casa até Dover a distância era longa. Mas prometera a si mesma transformar aquelas três ho­ras em horas de prazer.

Não havia, contudo, nada que pudessem dizer sem causar sofrimento, a um ou ao outro. Aos dois, me­lhor falando.

A conversa versou sobre os cavalos que os con­duziam e sobre os cavalos de corrida que o marquês adquirira recentemente. Eles correriam na primeira grande competição que tivesse lugar no condado, lá pelo fim do mês.

— Você tem de ganhar, papai — Dorinda disse. — E me informe imediatamente sobre o resultado.

— Vou ganhar, sem dúvida. E assim você terá certeza de que minha escolha foi boa.

— Sei disso. E sei que levará o prêmio da vitória para casa. Ficarei rezando por você, mesmo estando na outra extremidade do mundo.

O pai não respondeu. Mas Dorinda sabia que ele desejaria que ela estivesse assistindo às corridas, como sempre fizera.

"Não adianta ficar pensando em coisas que vou deixar para atrás", Dorinda disse a si mesma. "Será mais sensato me concentrar inteiramente nas difi­culdades que encontrarei ao chegar".

Pelo fato de ambos estarem muito tristes, resol­veram fazer o resto da viagem em silêncio. E ela achou que não tinha nada mais a dizer.

Pararam na estrada para almoçar. O restauran­te estava cheio e barulhento. Comeram depressa e saíram.

Eram mais de três horas da tarde quando che­garam a Dover.

Tomaram a estrada do porto e Dorinda teve de se esforçar para não gritar, pedindo que voltassem à casa.

"Não posso abandonar meu pai, tampouco aban­donar a Inglaterra", refletia.

Mas ao mesmo tempo sabia que se rompesse em pranto comportando-se como uma histérica enver­gonharia o pai. Precisava agir de acordo com uma digna filha dele.

Ao chegar ao porto, teve vontade de novo de fazer uma cena. Contudo, conteve-se.

Viu o navio, o mesmo em que a rainha costumava viajar. E considerou um grande privilégio usá-lo quan­do Sua Majestade não estava a bordo.

Tão logo desceram da carruagem marinheiros aproximaram-se e carregaram a bagagem. E, en­quanto ela e o pai subiam pela prancha de embar­que, viram o comandante que os aguardava para cumprimentá-los.

O marquês já o conhecia. Os dois homens aper­taram-se as mãos e o comandante disse:

— Vossa Senhoria vai me considerar pouco hos­pitaleiro, mas tenho ordens de Sua Majestade para partir imediatamente após o embarque de sua filha.

Então o marquês declarou:

— Não pretendo atrasá-lo, mas gostaria de ver a cabina onde minha filha vai dormir. Depois irei embora.

O comandante não esperava por aquele pedido, porém levou-os à cabina real, ocupada por Sua Ma­jestade quando a bordo.

— Minha filha vai usar essa cabina? — o marquês perguntou, surpreso.

— São ordens de Sua Majestade. E sei que sua filha se sentirá bem aqui.

O comandante retirou-se, deixando os dois a sós. As máquinas já tinham começado a funcionar e Do­rinda atirou-se nos braços do pai, sabendo haver chegado o momento que ela tanto temera.

Beijou o pai, dizendo:

— Eu te amo, papai! Eu te amo muito! Como posso deixá-lo? Estou tentando ser corajosa mas con­fesso que tenho medo de ficar sozinha num país desconhecido. Venha visitar-me logo, sim?

— Naturalmente que irei, querida. Pensarei em você e rezarei por você. Tenho o pressentimento, meu tesouro, de que em pouco tempo estaremos jun­tos outra vez. Vou visitá-la assim que for possível.

Beijaram-se de novo.

Sem mais, o marquês dirigiu-se à porta da cabina. Dorinda quis impedi-lo de sair, quis gritar para que voltasse a seu lado.

Em vez disso, limitou-se a permanecer parada onde estava, vendo o pai sair e fechar a porta. Ouviu os passos dele no imenso corredor.

Depois, não conseguindo mais se controlar, ati­rou-se na cama e caiu em copioso pranto. Chorou muito enquanto as máquinas de bordo ficavam pro­gressivamente mais ruidosas.

Enfim, o navio zarpou.

Chorou até que uma extrema fraqueza se abateu sobre ela. Quando enfim levantou-se e começou a pegar as roupas de que necessitava, o navio já estava em alto-mar. Contudo, não quis espiar pela escotilha para ver a Inglaterra sumindo ao longe.

Tentava o tempo todo comportar-se com a mes­ma dignidade da rainha, quando ocupava aquela mesma cabina, aliás impressionante quanto ao luxo e comodidade.

Achou que nada poderia prepará-la melhor para a vida que teria no palácio do príncipe. Porém, à medida que o barco ganhava velocidade, tinha a sensação de estar sendo levada do céu para o inferno.

Pensou se não era melhor atirar-se ao mar e mor­rer enquanto ainda tinha forças para fazê-lo. Mas em seguida admitiu que seria uma desgraça não apenas para sua família como para seu país. A rai­nha a escolhera como representante da Inglaterra, por isso precisava mostrar ao mundo que as inglesas eram valentes e controladas. Tirou então de uma caixa o vestido que usaria no jantar, esperando agir com dignidade o tempo todo.

Assim como iria dormir na cabina da rainha, pre­cisava se comportar como uma rainha, não apenas durante a viagem, mas também quando se sentasse no trono ao lado do homem que não conhecia mas com quem iria partilhar o comando de uma nação.

Nação que, embora pequena e pouco importante comparada a muitas outras, estava preparada para lutar contra os maiores países da Europa a fim de não perder sua autonomia.

"Posso entender", refletia, "porque os habitantes de Greznov não tenham desejo de ser escravos dos russos. Espero que de alguma forma, talvez por um milagre, eu possa contribuir para que não percam sua independência".

Ela suspirou.

"Mas preciso ser corajosa. Preciso ser forte", dizia a si mesma enquanto se vestia.

Aprontou-se com apuro, como se fosse a uma festa em Londres.

O navio singrava as águas suavemente, como Do­rinda não se lembrava de ter constatado em outras viagens que fizera.

Chegou a hora do jantar.

Dando um último olhar ao espelho, saiu da cabina e foi para o local onde encontrou o comandante que a aguardava.

Ele sorriu ao vê-la.

— Está linda! — exclamou. — Peço que me perdoe a ousadia, mas acho que vai representar muito bem a Inglaterra em toda sua pujança, forçando os russos a reconhecer que erraram ao atacar um país incapaz de lutar contra o inimigo sem nossa ajuda.

Dorinda sorriu e, de braços com o comandante, foi ao salão.

Durante o jantar conversaram sobre vários as­suntos. Mas não foi feita nenhuma referência mais pormenorizada ao lugar para onde ela iria, ou ao príncipe cuja vida iria poupar.

Com muito tato o comandante falou apenas acerca dos países que visitara na companhia de Sua Ma­jestade. E daqueles que mais apreciara.

Por se tratar de um homem inteligente e educado, Dorinda achou que o jantar passara sem que se sentisse infeliz por estar cada vez mais longe da casa e do pai.

Foi só depois que se despediu a fim de ir para a cama que se deu conta de como o comandante usara de imenso tato ao falar com ela.

E, não somente a ajudara a não se sentir infeliz por ter de ir morar num país estranho, como também a ajudara a não chorar por ter deixado o pai e tudo o que conhecera e amara desde seu nascimento.

— O senhor é casado? — ela perguntara ao co­mandante durante o jantar.

— Tenho uma esposa e três filhos. Conto os dias e as horas de voltar para casa a fim de estar com eles.

Dorinda percebeu, pelo modo como falara, que ele entendia seu sofrimento por ter deixado para trás o pai e a casa.

Havia sido, ela se deu conta mais tarde, por esse motivo que ele conversara o tempo todo apenas acer­ca de lugares que o interessaram. Fora uma noite sem referências à missão que ela iria cumprir.

Apenas na manhã seguinte Dorinda notou que o navio cortava as águas em grande velocidade. Com certeza o comandante sabia da urgência da chegada dela a Greznov.

Houve alguma demora em Gibraltar onde ela já estivera antes. Mas não viu razão para desembarcar dessa vez. Ficou a bordo.

O comandante levou-lhe jornais, quase todos em francês, no que Dorinda achou muita graça. Dois deles eram em alemão.

— O senhor é muito amável e sou-lhe grata — Dorinda disse quando o navio partiu de novo.

— Não ignoro como deve estar se sentindo, e ape­nas desejo ajudá-la. Mas sei que está cumprindo seu dever obedecendo a Sua Majestade, coisa que nós todos devemos fazer não importando quão difícil possa parecer no momento.

Dorinda riu.

— E verdade — concordou. — Suponho que ne­nhum de nós, incluindo papai, tenha bastante co­ragem de dizer "não", quando ela espera um "sim".

— Confesso que eu teria medo — o comandante murmurou. — Mas agora quero lhe mostrar, en­quanto pararmos por algumas horas, para reabas­tecer, as reformas feitas no porto.

— Eu gostaria muito de vê-las. Espero que pos­samos comprar jornais ingleses.

— Como os franceses nunca perdem chance de fazer dinheiro, sei que encontraremos em qualquer cidade francesa jornais de todas as partes do mundo. Tem algum interesse especial nesses jornais?

— Sim. As corridas de cavalos, naturalmente. IV pai tem um competindo numa delas, e tenho certeza de que ele vencerá.

— Nesse caso terei o maior interesse em encontrar os jornais. Sei, sem que a senhora precise me dizer, que teria grande desejo de estar lá.

— Adoraria ver nosso cavalo correr — Dorinda respondeu. — Mas também sei que não há nada mais deprimente do que ver um cavalo nosso perder no último instante da corrida, quando se está quase certo de que será o vencedor.

O comandante riu ao comentar:

— Suponho que todos nós tenhamos nossos mo­mentos de derrota em favor de algo mais forte e melhor. Assim como a senhora gosta de cavalos, eu adoro navios. E sofro muito quando uma embarcação que não está sob meu controle supera a minha em velocidade. E não tenho ninguém a culpar a não ser eu mesmo.

Dorinda riu mais uma vez.

— Acho que seria pedir muito ao destino para ser sempre vencedora. Ao mesmo tempo, assim como forçamos um cavalo a vencer, suponho que o senhor possa desejar o mesmo com seu navio.

— Tento — o comandante respondeu. — Para ser honesto, posso lhe dizer que desejaria ser o coman­dante do navio mais veloz e mais importante que já foi lançado ao mar.

— E a Inglaterra sofre muita competição, quanto a seus navios?

— Talvez... — O comandante sorriu. — O que es­peraria? A Inglaterra, até o momento, é muito superior a qualquer nação do mundo, nesse setor. Os alemães rangem os dentes por ainda não terem conseguido nos superar. Os outros países apenas sacodem os ombros. Mas não sei se será sempre assim.

— Nunca pensei que outra nação pudesse superar a Inglaterra na indústria naval — Dorinda comen­tou, sorrindo. — De minha parte, sofro muito cada vez que um dos cavalos de meu pai perde quando tínhamos absoluta certeza de que seria o vencedor.

— Não há nada mais deprimente — o comandante concordou. — Mas preciso lhe dizer que a senhora é tão bonita e tão charmosa que toda a Europa sem dúvida considerará o príncipe de Greznov a pessoa de mais sorte deste mundo.

Dorinda sorriu e agradeceu-lhe.

Depois, já deitada na cama, pediu a Deus que os governantes de outras nações da Europa fossem tão otimistas acerca dela quanto o comandante.

"Porém o mais horrível de tudo", pensava, "será se, depois de ter me casado com o príncipe, ele bonito ou feio, e depois que a bandeira da Inglaterra estiver tremulando em cada casa, os russos vencerem a guerra e eu, em lugar de princesa, me tornar pri­sioneira deles".

Logo lembrou-se, contudo, de que repetidas vezes lhe haviam dito que os russos não tinham intenção de lutar contra a Grã-Bretanha. E ela decidiu parar de pensar em coisas ridículas.

Mas não podia parar de pensar que se sentia so­zinha e com medo do que a aguardava.

No dia seguinte ancoraram num porto francês. Dorinda sabia que o comandante não tinha intenção de ficar lá por mais do que algumas horas. Contudo, seria o suficiente para ela desembarcar rapidamente e percorrer umas lojas.

Encontrou jornais ingleses e não pôde resistir em olhar as vitrinas de certas butiques.

Comprou uma bolsa que achou mais linda do que qualquer outra que vira em Londres. Comprou também uma echarpe, bastante francesa. Achou que ficava muito bem com o costume que usava no momento.

Depois, como o comandante lhe dissera que se­guiriam viagem logo, voltou a bordo. Quase imedia­tamente o navio partiu.

Passaram a noite num pequeno porto desconhe­cido de Dorinda. O. comandante a informara que não havia nada interessante lá, por isso ela não desembarcou.

No dia seguinte viajaram com o sol a pino, o navio com mais velocidade do que antes.

— Chegaremos a Nápoles tarde esta noite — o comandante comunicou.

Apesar de ainda sentindo-se infeliz, Dorinda ale­grou-se à idéia de ver a prima. Seria interessante conversar um pouco com seus parentes do que ape­nas com o comandante, como vinha acontecendo.

A prima, de nome Mary, tinha mais ou menos a mesma idade dela. Mas todos diziam que não era tão bonita quanto Dorinda. E passava agora por uma fase difícil devido à morte da mãe.

Ela escrevera ao marquês contando que o pai sen­tira-se muito infeliz com a morte da mulher e ca­sara-se de novo, um ano mais tarde.

Quando Dorinda soube disso, entendeu muito bem a situação, pois seu pai também ficara de coração partido com a morte da esposa.

Mas, conforme informações do marquês à filha, Mary não estava contente com o novo casamento do pai. A idéia de ter outra pessoa cuidando da casa lhe era intolerável.

"Apenas peço a Deus", Dorinda dizia a si mesma, "que papai, agora que fui embora, não procure uma esposa. Se isso acontecer, não terei mais tanta an­siedade de voltar para casa havendo outra mulher sentada na sala, ocupando o lugar de minha mãe à mesa e, pior que tudo, dormindo na cama de minha mãe."

Mas, refletindo melhor, achou que talvez fosse bom o pai ter uma companheira agora que ela par­tira. Com certeza se sentiria muito só no enorme castelo. Não teria com quem conversar ao voltar dos passeios a cavalo e ninguém para dividir sua alegria quando seu cavalo vencia as competições.

E à noite, no quarto, ficaria sozinho na escuridão.

"Bem, suponho que se eu considerar a felicidade de papai apenas, é melhor que ele se case. Estou sendo muito egoísta querendo-o só para mim. Sei mui­to bem que, se ele se casar, nunca mais me sentirei a mesma, nem tão importante para papai como fui até hoje. Mas realmente considero egoísmo o meu de rezar, como venho fazendo, para que ele permaneça sozinho até minha volta. Mas... pobre papai! Daqui por diante, quando voltar do Castelo de Windsor para casa, não haverá ninguém para correr ao encontro dele beijando-o e dizendo: Você chegou, papai!"

Assim ela gritava cada vez à chegada do pai, desde muito menina.

Ou sua mãe exclamava:

— Que bom que você está aqui, querido! Eu es­perava ansiosamente por sua volta.

Mesmo assim, apesar de todas essas considera­ções, Dorinda repetia consigo mesma:

"Espero e rezo para que papai não ache sua vida tão intolerável a ponto de se casar com uma estranha que ocupará não apenas o lugar de mamãe mas o meu também."

Amanheceu. Esperava chegar logo ao local onde alguém a esperava para conduzi-la à casa da prima.

Apesar de ser ainda muito cedo quando enfim aportaram, ficou encantada ao constatar que sua prima a aguardava para recebê-la.

Mary crescera e ficara linda no decorrer dos anos.

Beijou Dorinda e disse:

— Estou muito contente por ter você aqui comigo.

— E eu igualmente — Dorinda respondeu, e com sinceridade.

Mary, além de bonita, estava muito bem vestida.

Apertou a mão do comandante dizendo que seu pai o esperava para almoçar ou jantar enquanto o navio estivesse ancorado no porto.

Examinando a prima com cuidado, Dorinda notou que não apenas era linda mas se assemelhava muito com ela. Na verdade, tinha os traços da família. Os mesmos olhos grandes, os mesmos cabelos louros, as mesmas características de toda a família de seu pai. O mesmo formato de nariz e dos lábios.

— Você ficou uma moça linda — Dorinda disse quando elas entraram na carruagem que as aguardava.

— Eu poderia dizer o mesmo de você — Mary retrucou. — Cinquenta vezes mais bonita do que pensei.

— E esse um elogio que aprecio muito! — Dorinda riu. — Mas suponho que seja pelo fato de termos ficado mais velhas e mais prudentes, e talvez por isso tomarmos mais cuidado com nossa aparência do que no passado.

— E o que espero que todos achem — Mary co­mentou. — Porém minha madrasta toma o máximo empenho que eu não tenha orgulho de mim. Na verdade, nunca para de apontar para meus pés di­zendo que são grandes demais, para meu nariz di­zendo que é muito longo, e para meu corpo que, na opinião dela, é uma desgraça para a civilização.

— Ela não pode ser tão má assim! — Dorinda observou.

— Oh, pior! Por que meu pai se casou com ela, eu não saberia dizer. Falando com honestidade, Do­rinda, eu a detesto e ela me detesta.

— Por que você acha que sua madrasta age desse jeito?

— Porque tem ciúme, inveja. Não há nada que eu possa fazer além de rezar para que um homem se apaixone por mim e me leve para longe daqui, a fim de que não nos vejamos nunca mais.

Mary falava com tanta veemência que Dorinda encarou-a, atônita.

— As coisas são graves como as descreve?

— Espere e verá — Mary respondeu. — Ela com certeza vai ser efusiva com você porque sabe que muito em breve será uma princesa, mas encontra todos os defeitos possíveis em mim. E a primeira coisa que fala pela manhã, e a última à noite. As vezes tenho vontade de me atirar ao mar ou meter uma bala na cabeça usando uma das armas de papai.

— Você não pode estar pensando nisso, Mary. E uma loucura.

— Posso parecer louca a seus olhos, mas se voei' tivesse de conviver com tudo o que vivo, ficaria louca, como acho que estou ficando.

— Minha querida Mary, não pode se deixar abor­recer dessa maneira por causa de sua madrasta. O que precisa fazer é se casar e deixar esta casa.

— E exatamente o que desejo. Mas minha ma­drasta ou agride os homens que vão a minha casa para estar comigo, ou flerta com eles não me dando a mínima chance de uma conversa a dois.

— Nunca ouvi nada semelhante! — Dorinda excla­mou. — Achei que sua madrasta estava apaixonada por seu pai e não interessada em chamar a atenção de outros homens.

— Espere até conhecê-la. — Mary esboçou um sorriso sarcástico. — Ela pula diante de cada ho­mem, jovem ou velho, simplesmente porque são ho­mens. Quando vê que estão interessados em mim, conta-lhes que sou uma pessoa desprezível em todos os aspectos. — Após uma pausa para tomar fôlego, ela continuou: — Percebo pelo modo como me olham que acreditaram nas histórias dela, acusando-me de crimes que não cometi. E afastam-se de mim com desculpas, sem grosserias, contudo.

— Nunca ouvi nada tão horrível! — Dorinda sussurrou.

Ela chegou até a pensar que tudo aquilo era pro­duto da imaginação de sua prima, que não poderia ser verdade.

E, quando chegaram à casa de Mary, uma mansão enorme e atraente, Dorinda teve quase certeza de que a prima fazia um cavalo de batalha do que es­tava acontecendo.

"Reconheço", Dorinda pensou, "que Mary é muito linda. Mas mesmo que a madrasta tenha inveja dela, não há razão para se ressentir da presença da en­teada na casa".

Na verdade, teve quase certeza de que a prima imaginava tudo o que lhe contara.

A casa do pai de Mary era antiga. Fora construída há séculos e tinha muito charme.

Quando Dorinda viu os móveis e os quadros das paredes na primeira sala em que entrou, achou que ninguém poderia ser infeliz vivendo num ambiente como aquele. Infeliz como Mary parecia ser.

— Sua casa é linda! — Dorinda disse ao entrar. O sol brilhava nas janelas do que era, sem dúvida, uma velha e atraente mansão.

— Foi minha mãe quem encontrou esta casa e a redecorou no interior transformando-a, como pode ver, numa obra de arte — explicou Mary.

As duas moças percorreram várias salas e Dorinda achou-as todas lindas.

— Sua casa é suntuosa e ao mesmo tempo aco­lhedora — ela disse à prima.

— Era uma casa muito feliz quando minha mãe vivia. Mas agora as coisas são bem diferentes.

Para seu espanto, Dorinda constatou à noite que aquilo tudo era verdade.

Quando Mary e Dorinda chegaram do porto, a madrasta estava fora jogando bridge com algumas amigas. Isso deu oportunidade às duas moças de conversar no quarto sozinhas, enquanto se trocavam para jantar.

Apesar de encantada com a idéia de que Dorinda iria ser princesa, Mary desviara o assunto da conversa das glórias de um trono para se referir a madrasta de maneira agressiva. Dorinda chegou a pen­sar que a prima exagerara. Talvez estivesse revol­tada porque sua verdadeira mãe morrera, e por não gostar do fato de outra mulher ter tomado o lugar da mãe no coração do pai e na casa.

E Dorinda concluíra que a prima, que ela imagi­nara bondosa e encantadora, agia com histeria a respeito da madrasta.

"Suponho que Mary esteja exagerando sua posi­ção, e deseje a afeição do pai só para si. Por isso instintivamente odeia a pessoa que ocupa o lugar de sua mãe, sem levar em consideração se está certa ou errada."

Enquanto se vestia para jantar, agora sozinha, deu-se conta de que durante algumas horas concen­trara-se no problema da prima, esquecendo-se do seu. Foi quando pensou no pai.

"Se ao menos eu pudesse estar em casa", ela falou à sua imagem refletida no espelho. "Gostaria muito de morar sempre com papai porque o amo e sei que ele me ama. Ninguém jamais tomará o lugar dele em meu coração."

Em seguida, tentando ser sensata, deu as costas ao espelho e pôs algumas jóias da mãe a fim de se fazer linda no jantar.

"Tento fazer o que você queria que eu fizesse, papai", ela disse, olhando-se no espelho de novo. "Tento, realmente tento, aceitar a dor que está par­tindo meu coração, porque nos separamos."

Depois, como se tivesse a impressão de que o pai lhe dizia para ser corajosa, olhou mais uma vez para o espelho e tomou a direção da porta.

"Não direi a Mary como me sinto infeliz por ter de ir aos Bálcãs", pensou. "Eu me comportarei como papai desejaria que eu me comportasse, com bravura e como verdadeira inglesa."

Aí, resolutamente, desceu as escadas e foi à sala onde a prima lhe dissera que se encontrariam antes do jantar.

 

Só quando se deitou à noite Dorinda con­cluiu que a vida naquela casa era de fato estranha, diversa da vida de qualquer outra casa em que estivera.

E esperara, depois de tudo o que Mary lhe dissera, que a dona da casa fosse mesmo agressiva, sempre pronta a atacar a enteada.

Mas, ao entrar na sala, achou que Mary exagerara quanto aos defeitos da madrasta.

Afinal, ela era uma pessoa comum, igual a qual­quer outra, considerando-se o caso de um segundo casamento.

Porém, enquanto o jantar era servido e até o fim da refeição, Dorinda se deu conta de que tudo o que a prima falara era verdade.

Dorinda sempre fora muito boa em ler os pensa­mentos e as sensações das pessoas. Percebia quando o objeto de seu exame era desagradável, embora se mostrasse amável superficialmente.

E foi só depois de terem conversado durante todo o jantar que teve certeza absoluta de que a prima estava certa em seu julgamento. A madrasta era uma mulher vingativa e invejosa, inimiga da enteada.

Cada vez que Mary falava, ela a contradizia fazendo-a parecer uma idiota. Insistia em dar a im­pressão de que cada coisa sobre a qual Mary opi­nasse soava como um disparate.

Com uma habilidade sutil fazia com que tudo o que a enteada dizia parecesse tolice, absurdo e quase venenoso.

E Dorinda surpreendia-se principalmente pelo fato de o pai de Mary fazer ouvidos surdos àquilo. O homem parecia não escutar o que se conversava na outra extremidade da mesa, aliás muito grande.

Fazia parte do grupo um jovem convidado do pai de Mary, aparentemente muito interessado na filha dele.

O rapaz dialogava com Mary animadamente quando a madrasta se propôs chamar-lhe a atenção para sua pessoa.

Dorinda notou que ela não apenas se interessava em aparecer como também destruía a enteada, con­siderando-a uma tola.

Terminado o jantar, a madrasta mostrou a ele várias gravuras e livros, tendo certeza de assim se­gurar o rapaz.

Aquilo, sem dúvida, afastou Mary da possibilidade de qualquer troca de palavras com o convidado.

Vendo o que acontecia, Mary sussurrou ao ouvido da prima que, considerando-se sua longa viagem por mar, talvez fosse interessante ela ir para a cama cedo.

Dorinda concordou plenamente. Achou desagra­dável o que estava acontecendo na sala.

O pai de Mary conversava com outro homem bem mais velho, com aparência de pessoa de grande pro­jeção social. E Dorinda chegou à conclusão de que ele não notara o modo como sua filha era tratada.

Agora não havia mais dúvida de que a madrasta odiava a enteada. Tudo o que a prima lhe dissera era mesmo verdade.

No quarto, sentada na cama, Dorinda comentou:

— Sinto muito pelo que você está passando. Não tinha idéia de que sua madrasta fosse tão maldosa tentando desmoralizá-la, ridicularizá-la melhor fa­lando, na frente de outras pessoas.

— Essa noite não foi nada. A cada homem que vem aqui ela diz que sou terrível, falsa e que ele se arrependerá se me convidar para sair ou para ir a sua casa.

— Por que será que ela age assim? — Dorinda perguntou. — Não entendo.

— Ciúme. Despeito. Quer que meu pai me deteste para acabar me mandando para a casa de parentes ou que eu me suicide.

— Oh, Mary, ela não pode ser tão cruel como o descreve. Seria horrível!

— E é horrível — insistiu Mary. — Se seu pai se casar de novo você talvez passe pela mesma ex­periência. A segunda mulher sempre quer tirar a enteada do caminho para ter o marido só para si. — Mary deu um profundo suspiro. — Atualmente já é muito difícil papai pensar em mim, quanto mais me amar.

Ela falava com tanto amargura que Dorinda sentiu necessidade de fazer qualquer coisa para ajudá-la.

— Sinto muito por você, querida — Dorinda repetiu. Em seguida passou por sua cabeça que talvez fosse interessante Mary ir morar na Inglaterra com seu pai. Porém, subitamente, pensou em algo melhor, como se essa idéia tivesse caído do céu.

E era tão extraordinária que, no momento, Do­rinda não teve coragem de falar sobre o assunto.

Precisava pensar, forçar a mente a fim de resolver como pôr a idéia em ação. De repente, Mary declarou:

— Você não está pensando que a culpa é minha, está? Tentei ser amável com minha madrasta, logo após o casamento, mesmo sofrendo pelo fato de ter outra mulher ocupando o lugar de mamãe, sentan­do-se à mesa no lugar dela, dormindo na mesma cama, e tendo atitudes possessivas em relação a papai. Mas bem depressa percebi que ela se ressentia até quando eu o beijava antes de ir para a cama. E sabia que, após minha saída da sala, diria algo desagradável sobre mim. Na realidade, tentava fazer com que papai me odiasse tanto quanto ela me odiava.

— Oh, Mary, como você deve ter sofrido! Sinto mui­to, muito mesmo, por tudo o que vem passando. Quan­do mamãe morreu, tentei consolar meu pai, sabendo ser eu a única pessoa a quem ele poderia recorrer em sua desgraça. Sabia que, embora não pudesse nun­ca tomar o lugar de mamãe, ao menos teria condições de ajudá-lo a continuar vivendo. Por esse motivo não queria deixá-lo agora sozinho, sem nenhum amigo pró­ximo a ele como fui neste último ano.

— Acho que minha madrasta ganhou essa batalha — comentou Mary. — Tenho certeza de que papai já não me ama mais como antes dessa mulher entrar em nossas vidas. Na realidade, já falou comigo uma ou duas vezes com aspereza, como se houvesse acreditado nas coisas horríveis que ela inventara sobre mim.

Dorinda levantou-se da cama onde se sentara e foi até a janela. Anoitecera rapidamente, como sem­pre acontecia em certos países do sul da Europa. As estrelas apareciam no céu, uma a uma. Vendo-as, Dorinda elevou uma prece à mãe.

"Ajude-me, mamãe, ajude-me!", disse mentalmen­te. "Será viável isso que penso? Poderá ser trans­formado em realidade? Não posso aguentar a infe­licidade de Mary, sem fazer alguma coisa para aju­dá-la. Claro, também penso na tristeza de papai sozinho lá em casa."

Nesse instante uma estrela cadente desceu do céu para a terra. Dorinda considerou aquilo uma res­posta a sua prece, uma resposta à pergunta que guardava na mente, como se tivesse vindo de sua própria mãe. E teve certeza de que, aquilo em que pensara, era o que deveria ser feito.

Mary continuava sentada na cama. As duas pri­mas haviam decidido dormir no mesmo quarto. Do­rinda então disse:

— Tenho uma sugestão a lhe fazer. Mas quero que pense seriamente no caso.

— Pensarei seriamente em tudo o que me disser, Dorinda. E tão maravilhoso tê-la aqui comigo! E tão maravilhoso conversar com alguém de meu sangue! Mas preciso lhe confessar que estava apavorada antes de sua chegada, imaginando que pudesse me imaginar uma pessoa horrível como minha madrasta me con­sidera. Mas você tem sido tão amável, tão compreen­siva, tão carinhosa! Estou contente esta noite como não me sentia há muito, muito tempo. Você não pode calcular como é saber que alguém a está odiando, dia após dia, noite após noite. Ela me destrói tanto aos olhos dos homens que se aproximam de mim, que jamais terei chance de me casar. Em outras palavras, nunca me livrarei desse sofrimento.

— E exatamente sobre isso que desejo lhe falar. Para evitar que sejamos ouvidas, sussurrarei.

— Ninguém nos ouvirá neste quarto — Mary declarou. — Mas, se você se refere a segredos, é melhor mesmo falar em voz bem baixa. Uma vez contei a minha madrasta algo confidencial que não queria que ninguém soubesse. Pois bem, ela revelou minhas confidencias a todos os que apareceram em casa, transformando meu segredo numa piada ridícula.

— Agora ouça — disse Dorinda. — Tenho uma sugestão a lhe propor. Quero que pense bem no as­sunto, repito. Sei que, se minha mãe fosse viva, era o que desejaria que eu sugerisse a você. E a única solução para seu caso.

— Deseja mesmo me ajudar, Dorinda? Como você é boa! Mas não quero lhe causar dificuldades quando já tem as suas. E muitas. Sei que sofre por ter dei­xado seu pai. Preciso lhe dizer, também, que tentei tornar sua vida feliz durante a permanência aqui, mas dentro de minhas possibilidades, claro.

— E muita bondade sua, Mary, ter entendido como detestei deixar meu pai sozinho. E, embora ainda não lhe haver dito nada, estou assustada por me casar com um homem que nunca vi na vida, mesmo sabendo que ele se sentirá grato por eu salvar-lhe o país.

— Naturalmente que ele se sentirá grato — ob­servou Mary. — Mas sempre soube que os habitan­tes dos Bálcãs eram agradáveis, e em muitos as­pectos semelhantes aos ingleses.

— Mesmo assim acho difícil pensar em outra coisa além de em papai sozinho, agora que mamãe não mais está conosco. Sei que sente falta de mim tanto quanto eu dele.

— E bem compreensível — Mary concordou. — Apenas poderemos rezar para que os amigos lhe façam companhia evitando que ele sofra com a so­lidão, como eu sofri quando perdi mamãe.

— Sei exatamente como você se sentiu. Por isso mesmo quero lhe fazer uma sugestão. Pense cuida­dosamente e me dê uma resposta.

— Ouvirei tudo o que você disser. — Mary sorriu. — E examinarei linha por linha, não apenas com cuidado mas com ansiedade.

— O que vou lhe sugerir — disse Dorinda —, é que vá comigo aos Bálcãs para ser dama de honra em meu casamento.

Mary arregalou os olhos e exclamou:

— Isso é maravilhoso!

— Um momento! — acrescentou Dorinda. — Isso é o que dirá a seu pai e a sua madrasta. Garanto que eles concordarão. Mas, quando subirmos a bordo do navio que virá me apanhar para o resto da via­gem, você será eu, e eu você.

— Como? Não entendo!

— Deixe-me expor as coisas com mais clareza — Dorinda disse. — Estou muito aborrecida e apavo­rada por ter de me casar com um homem que não conheço, simplesmente porque a rainha da Ingla­terra não possui outra candidata de sangue real nas veias para enviar aos Bálcãs. Nos duas temos o mesmo sangue e você está muito infeliz. Por sermos parecidas, acho que seria um alívio se livrar de sua madrasta mesmo se casando com um desconhecido, e sem ter a mínima idéia da aparência dele.

Reinou silêncio absoluto. Mary fitava a prima, como se mal pudesse acreditar no que ouvira. E quem falou em primeiro lugar foi Dorinda.

— Talvez seja bobagem minha. Mas acho que você tomar meu lugar, mesmo casando-se com um des­conhecido, será preferível a continuar vivendo com uma mulher como sua madrasta.

Após outros minutos de silêncio, Mary balbuciou:

— Quer mesmo dizer que pretende que eu passe por você?

— Quero. E lhe serei grata pelo resto de minha vida. Voltarei à Inglaterra e ninguém saberá o que houve. Ficarei com papai e tenho certeza de que ele me receberá de braços abertos. Você me faz isso, Mary? Por favor, querida! Garanto que será mais feliz com o príncipe, seja ele quem for, do que em sua casa sendo insultada o tempo todo com qualquer palavra que sua madrasta diga, como aconteceu no jantar desta noite.

— E assim eu poderei fugir daqui — Mary murmurou.

— Sim, poderá, e ficará longe desta casa para sempre. Afinal de contas, tem sangue azul nas veias tanto quanto eu e será muito bem recebida. E, de acordo com o que papai disse, a bandeira inglesa vai ser desfraldada em todos os edifícios públicos do principado. E em muitos particulares.

— E o príncipe ficará grato a mim, não é mesmo, Dorinda?

— Naturalmente que ficará. Sem você, os russos tomarão o país como fizeram com outros dos Bálcãs. Acho que três ou quatro já.

— E verdade — Mary concordou. — E suponho que não exista nada pior no mundo do que ser pri­sioneiro dos russos, como sou agora prisioneira de minha madrasta. Mas acha mesmo, Dorinda, que posso passar por você?

— Acho. Mas vamos ao caso. Seu pai disse esta noite que tem um compromisso importante amanhã de manhã. Por esse motivo não poderá nos acom­panhar ao porto. Porém um amigo dele fará esse favor, levando-me ao navio. Direi que você será mi­nha dama de honra no casamento. Somos muito parecidas e nos vestiremos mais ou menos com roupas iguais. Assim nosso acompanhante terá dificuldade em saber quem é você e quem sou eu.

— Se é o homem em quem estou pensando — disse Mary —, tem péssima vista. Papai gosta muito dele.

-— Então, tudo o que tem de fazer, Mary, é empacotar as roupas que levará consigo. Não se importe se sua madrasta não a deixar levar os vestidos bo­nitos. Trouxe muita roupa e posso comprar mais no caminho. Mas não se preocupe. Ficarei no principado até seu casamento para que tenha alguém com quem conversar. Depois voltarei para os braços de meu pai. E ele aguardará até o dia em que Sua Majestade estiver de bom humor para contar-lhe o sucedido.

— Acha que ela não se irritará com seu pai? — indagou Mary.

— Não terá motivo para tanto, pois foi dada ao príncipe a esposa de que ele necessitava. Ambas temos origem nobre.

— Como você está sendo bondosa, Dorinda! Com seu gesto me libera de uma vida miserável e sem esperanças, com minha madrasta. Pensei em me suicidar, mas achei que, rezando, minhas preces se­riam ouvidas. E aqui está você. Tenho a impressão de que veio diretamente do céu.

— Apenas espero que seja verdade. Mas não vejo obstáculos no caminho. Como já disse, posso lhe dar todos os vestidos comprados para meu enxoval e os que eu já tinha, apenas quero conservar o de noiva de minha mãe, que trouxe para cá comigo.

— Naturalmente que deve conservá-lo. De qualquer maneira, tenho o de minha mãe e não desejo que aquela mulher com quem papai se casou o use. Ela já pegou todas as jóias e apenas deixou as roupas não suficientemente grandes para seu corpo avantajado.

— Como já lhe disse, Mary, não se preocupe com toaletes. Pretendo parar na França em minha via­gem de volta para casa. Comprarei algumas coisas por lá. Isso, claro, dependendo do navio que estiver disponível no momento. — Rindo muito, Dorinda acrescentou: — Sei que não voltarei com o mesmo luxo da vinda.

— Mas vai ficar de verdade até que eu me case?

— Mary indagou, subitamente medrosa.

— E claro que ficarei. Serei eternamente grata a você por me fazer esse grande favor. E tenho certeza de que o príncipe não vai ser horrível como sua madrasta. Afinal, é homem, não?

— Também acho que não vai ser horrível — Mary concordou. — O problema é que, se você se apaixonar por ele no momento em que o vir, não quererá mais desistir do casamento.

— A única coisa que desejo — Dorinda respondeu — é voltar para a companhia de meu pai. Quero morar com papai, rir de suas piadas e, naturalmen­te, cavalgar com ele todas as manhãs. Só agora que estou longe é que pude ver que pai maravilhoso tenho, e que casa acolhedora é a minha.

— E eu jamais poderei fazer minhas as suas pa­lavras, depois que aquela mulher veio para cá e transformou minha casa num lugar de infelicidade e desarmonia. Choro quase todas as noites quando me deito sabendo que, no momento em que eu apa­recer na frente dela na manhã seguinte, recomeça­rão os ataques, as recriminações. Acho que ela quer mesmo que eu suma daqui, me matando ou fugindo.

— Você não fará uma coisa nem outra. Não haverá dificuldade em fazer com que ela e seu pai concor­dem com sua ida a Greznov para ser dama de honra em meu casamento. Depois que embarcarmos no na­vio que o príncipe enviará para me buscar, ninguém saberá que você tomou meu lugar.

— Só posso dizer que você é um anjo que veio do céu para me salvar — disse Mary, com a voz entrecortada pelo choro. — Obrigada! Muito obrigada! Essa é a melhor coisa que já me aconteceu na vida. Só posso agradecer a Deus por havê-la mandado para mim.

— Agora vamos dormir — sugeriu Dorinda. — Precisamos ter a mente clara para amanhã. Se você não está cansada, eu estou, e muito.

— Tentarei dormir mas não sei se conseguirei, estou excitada demais. Como pôde acontecer tudo isso? Como foi possível você aparecer aqui justa­mente quando eu me sentia tão infeliz? Não estarei mentindo se lhe disser que vivia agora os momentos mais terríveis de minha vida. Não houve um só dia em que não desejasse estar morta.

— E não vai morrer, vai é viver, Mary. Vai lutar para salvar das mãos dos russos não apenas o prin­cipado que será seu, como também grande número de outros. Papai me contou, antes de eu sair da Inglaterra, que teria de fazer isso. A grande difi­culdade agora é que não há mais noivas inglesas, de famílias nobres, para serem enviadas aos Bálcãs.

— Então é melhor você não falar que somos pri­mas — Mary lembrou. — Pois poderão segurar você para se casar com outro príncipe.

— Claro! — Dorinda exclamou. — Que esperta você é! Podemos dizer a todos a bordo que somos amigas, mas não parentas. O mesmo diremos quan­do chegarmos ao palácio.

— Suponho que o príncipe venha se encontrar co­nosco no porto. O que você acha? — Mary perguntou.

— E pouco provável. Afinal, se ele está lutando para salvar seu principado, acha-se agora no campo de batalha. Não terá condições de ir até o Mediter­râneo a fim de se encontrar com a noiva.

— Está tentando dizer que não sou importante? — comentou Mary, sorrindo.

— Ao contrário! — Dorinda protestou. — Papai me garantiu e, naturalmente repetiu o que Sua Ma­jestade lhe disse, que eu seria recebida de coração aberto por todos os habitantes do principado. Isso porque, uma vez que a bandeira inglesa estiver tre­mulando em muitas casas e nas mãos de cada ci­dadão, os russos baterão em retirada, e os habitantes da cidade farão todo o possível para demonstrar sua gratidão e alegria.

— Situação bem diferente da que eu tenho aqui em casa, onde cada coisa que digo é considerada tolice, ignorância e muitas vezes insulto à pessoa que me ouve.

— Esqueça disso! Esqueça! Você estará se afastando de sua casa comigo, e garanto que o príncipe será bem melhor e mais atraente do que sua madrasta.

— Não vai ser difícil — comentou Mary, rindo muito. — Porém mal posso acreditar que você está desobedecendo às ordens de Sua Majestade. Talvez seu pai fique zangado por ocasião de sua volta em vez de contente em vê-la.

— Quando se é esperto, tudo se arranja. E papai é bastante esperto — Dorinda afirmou com convic­ção. — Sei que o único objetivo da rainha é salvar o principado das garras dos russos. Além disso, Sua Majestade gosta muito de papai e depende da ajuda dele em tudo o que faz. E, uma vez salvo o princi­pado, ela concordará que papai faça o que deseja com a própria filha.

— Tudo me parece maravilhoso — comentou Mary. — Só não quero que tenha problemas por ter sido tão bondosa comigo.

— Nós duas somos muito sensatas e papai tam­bém é. Com certeza a rainha aceitará a situação porque foi feito exatamente o que ela queria. Suas ordens foram cumpridas, de qualquer forma.

Depois de um silêncio prolongado, Mary murmurou:

— Não posso acreditar que tudo isso seja verdade. Sentia-me tão infeliz, tão rejeitada, com minha ma­drasta falando horrores de mim e eu sem um único pedido de casamento. Na situação em que me en­contrava, aceitaria qualquer homem. Tudo seria me­lhor do que continuar morando aqui, com ela.

— Naturalmente que seria — Dorinda concordou. — E, se o príncipe for uma pessoa horrível e se você não for feliz com ele, pode ser fácil fugir do palácio e ir morar comigo na Inglaterra. Até lá, os russos por certo já estarão tentando conquistar outro principado ou algum outro país.

— Claro, e não adianta ficar procurando adivinhar o futuro. E mais ainda, se eu salvar um principado, posso ter chance de salvar mais um. Assim todos gostarão de mim.

— Acho que seu futuro marido se ajoelhará a seus pés com gratidão, no momento em que você chegar. Papai disse que será impossível ele não se sentir grato e encantado não apenas porque será salvo, mas também seu povo.

— Obrigada, prima! Muito obrigada! — Mary dis­se mais uma vez. Parece obra de Deus você ter apa­recido justamente quando eu estava desesperada, sem possibilidade de me afastar de minha madrasta.

— Estaremos tão longe que não precisará pensar mais nela — observou Dorinda. — Portanto, de ago­ra em diante não se esqueça de que você é Dorinda, e que eu sou você. Penso que seria prudente irmos bem cedo ao porto e subirmos a bordo logo. Sua madrasta sabe que você irá comigo e, quanto mais cedo sairmos desta casa, tanto melhor.

— Direi aos criados que levem nossa bagagem para baixo bem cedo amanhã.

— Não, tenho uma idéia mais interessante — dis­se Dorinda. — Desceremos com nossa bagagem e encontraremos nosso acompanhante na porta. Assim evitaremos uma conversa dele com os empregados e com sua madrasta.

— Perfeito! — Mary concordou. — Minha ma­drasta não acorda nunca muito cedo. Jamais antes das dez. Se sairmos daqui às oito e meia ou nove horas, será ótimo. E, se o navio não estiver no porto, esperaremos sentadas em algum lugar.

— Tenho quase certeza de que estará. Todos os na­vios em que viajei sempre chegaram mais cedo do que a hora da partida. Cedo demais até. As vezes passam a noite no porto quando devem zarpar pela manhã.

— Isso será bom para nós. Oh, Dorinda querida, você está sendo tão boa para mim! Eu estava ansiosa por encontrá-la, mas não tinha idéia de que iria me salvar, porque isso é o que está fazendo.

— Eu sei, eu sei. Mas agora pare de me agradecer e pense no que a aguarda. Tenho certeza de que será emocionante para nós duas.

Quando se ajoelhou a fim de dizer suas preces, Do­rinda pensava que Deus havia sido muito bom para ela. Com o desenrolar dos acontecimentos teria con­dições de poder voltar para a companhia do pai sem ter feito nada de errado sugerindo a troca de seu lugar com Mary. Afinal, uma inglesa com sangue real nas veias era tão boa quanto outra em igual situação.

Mary era, no que se referia ao príncipe e ao prin­cipado, exatamente o mesmo.

A mera aparição de uma noiva inglesa salvaria o país dos russo».

"Mary se livrará da agonia que vem sofrendo nas mãos de uma cruel madrasta", Dorinda refletia, "e eu voltarei aos braços de papai para que ele não se sinta tão só e infeliz numa casa vazia. E cavalga­remos juntos todas as manhãs."

Dorinda deu um profundo suspiro. Depois, em voz muito baixa, por imaginar que Mary já estivesse dormindo, disse:

— Muito obrigada, meu Deus, por nos salvar!

 

Embora achasse pouco provável conse­guir dormir cedo, Dorinda estava tão cansada que não se lembrou de mais nada após en­costar a cabeça no macio travesseiro.

Ao acordar na manhã seguinte viu que não fechara as cortinas depois de ter apreciado as estrelas. E os primeiros raios do sol entravam livremente pelo quarto.

Aí, tudo o que planejara na noite da véspera vol­tou-lhe aos poucos à mente.

Constatou que não havia tempo a perder e, quanto mais depressa saíssem, melhor.

Debruçou sobre a prima e tocou-lhe o ombro.

— O que foi?! — Mary exclamou, sentando-se na cama.

— Fale baixo — Dorinda sussurrou. — Vista-se para sairmos logo. Precisamos ir embora antes que seu pai e sua madrasta acordem.

— E verdade — Mary concordou.

Ela saiu então da cama e ambas começaram a se aprontar o mais depressa que puderam.

Apesar da claridade que aumentava gradualmen­te, era ainda muito cedo. E, quando enfim abriram a porta do quarto, constataram que não havia ruído de vida na casa. Toda a criadagem ainda dormia.

Dorinda pôs o mesmo traje de viagem que usara na ida. Em seguida tirou da bagagem um casaco e um chapéu que comprara em Londres antes de em­barcar e deu-os a Mary. Eram elegantes, das me­lhores lojas de Londres.

Mary agradeceu e trocou o casaco que estava usando pelo de Dorinda. O mesmo fez com o chapéu.

"Precisamos ficar elegantes", Dorinda pensou. "Será mais um passo à frente."

E as duas primas prepararam-se para descer.

— Precisamos sair enquanto todos estiverem dor­mindo — Dorinda sussurrou. — Você agora tem de chamar um criado para descer a bagagem e outro para chamar a carruagem que nos levará ao porto. Só dois, não acorde os demais.

Mary apressou-se em executar as ordens de Do­rinda. Desceu as escadas na ponta dos pés. Dorinda esperou.

Logo apareceu um rapaz muito simples, talvez o encarregado de lavar a louça ou engraxar os sapatos. Ele apanhou os primeiros dois volumes.

Dorinda acompanhou-o e percebeu que na porta dos fundos da casa estava uma carruagem que as aguardava.

Bem depressa toda a bagagem foi colocada no veí­culo. Havia tantos pacotes e caixas que o assento dianteiro ficou repleto.

Sobrou apenas lugar para Mary e Dorinda se sen­tarem confortavelmente no assento traseiro.

Mary disse ao rapaz que carregara a bagagem:

— Diga a papai que estou indo com Dorinda para os Bálcãs. Recebemos ordens de ir ao porto tão logo acordássemos. O comandante quer partir assim que nós embarcarmos, por isso é melhor papai não ir se encontrar conosco lá. Escreverei quando chegar, comunicando como foi a viagem.

O empregado respondeu em italiano:

— Darei o recado a seu pai, signorina. E boa viagem.

— Obrigada — Mary agradeceu.

A carruagem se pôs em movimento imediatamen­te, e as duas moças deram um suspiro de alívio.

— Conseguimos! — Mary exclamou. — Só daqui a uma hora papai e minha madrasta se levantarão da cama.

— Vamos esperar que tudo saia tão bem como tem saído até o momento — Dorinda comentou._ Agora não se esqueça de que daqui por diante você é Dorinda Heywood.

— Acho difícil me lembrar de qualquer coisa ex­ceto de que estou saindo de uma casa onde fui muito infeliz, e de que há uma porta aberta para mim num novo mundo.

Dorinda concordou. De fato, seria um mundo novo para Mary. E também um mundo novo para ela assim que pudesse voltar à Inglaterra.

Chegaram bem depressa ao porto porque as ruas estavam desertas àquela hora da manhã. O sol fi­cava cada vez mais forte, refletindo seus raios nas ondas do mar.

Dorinda não podia deixar de considerar a viagem que empreendia a coisa mais emocionante de sua vida.

Mary perguntou a um italiano se o navio dos Bál­cãs já havia aportado.

O homem respondeu que achava que sim. Con­cluiu que talvez houvesse chegado na noite da vés­pera e que estava ancorado na outra extremidade do porto, perto da saída para o mar.

Enquanto tentavam verificar se a informação era correta, um cavalheiro aproximou-se delas e disse, em inglês:

— Perdoem-me interrompê-las, mas estão procu­rando um navio que chegou bem cedo aqui esta ma­nhã, vindo dos Bálcãs?

Dorinda viu imediatamente que se tratava de um cidadão inglês. Vestia-se muito bem e tinha aspecto atraente. Ela respondeu, após uma pausa:

— A senhorita que está aqui comigo veio para se encontrar com o príncipe Igor, e nos pediram que chegássemos aqui o mais depressa possível porque esperam-na com urgência no principado.

O inglês estendeu-lhes a mão e respondeu, entusiasmado:

— Absoluta verdade. Esperava mesmo que che­gassem aqui cedo, e até rezei para isso. Vamos logo subir a bordo pois precisamos chegar a Greznov o mais rápido que pudermos.

— Foi o que pensamos — Dorinda respondeu. — A senhorita que me acompanha, a futura princesa de Greznov, está muito preocupada com o que o povo está sofrendo.

— Foi uma maravilha ter concordado em ir para lá, senhorita -— disse o inglês a Mary. — Não imagina como aguardávamos sua chegada. Porém, no momen­to, o mais importante é nos pormos a caminho.

Sem esperar por uma resposta, ele pegou a valise que Mary pusera no chão e tirou a de Dorinda das mãos dela.

Andava tão depressa que as duas quase tiveram de correr para acompanhá-lo.

— Foi bom eu dizer a você que precisávamos che­gar cedo — Dorinda sussurrou.

— Estou contente por nosso guia de viagem ser inglês — Mary comentou. — Podemos perguntar-lhe o que quisermos saber e entenderemos a resposta. Já pensou que horror seria se tivesse vindo ao nosso encontro um nativo do principado?

— E verdade!

Depois as duas primas resolveram não falar mui­to, pois o rapaz, sendo inglês, entenderia tudo.

O inglês caminhava tão rápido que elas chegaram perto do navio quase sem fôlego.

O barco estava ancorado na saída para o mar, a fim de que pudesse levantar âncora assim que elas subissem a bordo.

O comandante as aguardava junto à prancha de embarque. Cumprimentou primeiro Mary, que ia na frente, e depois Dorinda, dizendo para Mary:

— Sou grato a Vossa Alteza por ser pontual. Agora quebrarei todos os recordes de velocidade conduzindo-a a uma cidade que a espera ansiosamente. Nem sei como expressar minha gratidão em palavras.

E, não dando chance a Mary de responder, ele ordenou que o navio iniciasse a viagem.

Um marinheiro levou-as às respectivas cabinas. A de Mary era luxuosa, a de Dorinda bastante pequena.

O inglês, que conversava com o comandante e com os marinheiros na língua do país, dirigiu-se enfim às duas mulheres:

— Sinto muito se estão achando essa nossa pressa incômoda, mas cada segundo é importante até ins­talarmos Vossa Alteza em Greznov.

— Queremos que o senhor nos conte exatamente o que está se passando — Dorinda pediu. — Mas, como ainda não tomamos nosso café da manhã, ficaríamos gratas se pudéssemos comer qualquer coisa durante a conversa.

O inglês sorriu e disse:

— Admiro sua franqueza em expor os fatos. Na­turalmente, tendo chegado aqui tão cedo, não co­meram nada antes de sair. Vamos à sala e espero que apreciem a decoração. Lembrei-me de colocar algumas flores antes de sairmos ontem à noite.

— Viajaram a noite inteira? — Dorinda perguntou.

— A maior parte da noite — o inglês respondeu. Ele levou-as a uma confortável e atraente sala, decorada para receber a princesa, uma vez a bordo.

Havia sobre as mesas vasos de flores e uma se­leção de frutas deliciosas.

Mary admirava tudo com olhos arregalados. Dorin­da ia perguntar mais algumas coisas ao inglês quando ele desapareceu. Talvez tivesse ido providenciar o café. Elas sentaram-se à mesa e Mary sussurrou:

— Não posso acreditar que isso esteja acontecen­do. Devo estar sonhando. A qualquer momento mi­nha madrasta aparecerá, gritando.

— E real, querida, é real! Sua madrasta não vai aparecer. — Dorinda disse. — E é a aventura mais emocionante que já tive. Ninguém poderá imaginar que saímos de casa tão cedo, e que será impossível para seu pai e, o mais importante, para sua ma­drasta, nos alcançar. Portanto, pela primeira vez em sua vida, minha prima, você está livre.

— E mesmo verdade? E mesmo verdade? — per­guntava Mary. — Ainda penso estar sonhando.

— Um sonho muito emocionante — respondeu Dorinda. — Faça-se o mais charmosa que puder. E nunca se esqueça de que é a noiva e eu sua dama de honra.

— Tudo vai ser uma delícia — murmurou Mary.

— Sim, uma verdadeira delícia — Dorinda con­cordou. — Estamos começando uma nova vida jun­tas. E lembre-se de que será uma princesa, a coisa mais maravilhosa que pode acontecer a uma mulher, em qualquer país do mundo.

— Sim, claro que é — disse Mary.

Agora o navio já singrava as águas desenvolvendo grande velocidade.

E, quando o café da manhã foi trazido, as duas devoraram tudo com prazer. Os ovos e o bacon es­tavam perfeitos, o café delicioso. Depois de satisfazer seu apetite, Dorinda acomodou-se melhor na cadeira e disse ao inglês:

— Agora que nos sentimos mais fortes, insisto que se apresente, pois não sabemos quem o senhor é e por que tivemos tanta sorte em ter um inglês nos acompanhando.

— Achei mesmo que minha vinda seria uma sur­presa. — O homem sorriu. — Acontece que sou grande amigo do príncipe e estava no palácio no instante em que ele suplicava à rainha da Inglaterra que o auxi­liasse. Quando ela respondeu que enviaria uma noiva, pulamos de alegria e paramos de temer os russos que àquelas horas já estavam às portas da cidade.

— E ainda estão? — Mary perguntou.

— Acho que sim. E já feriram muitos soldados e mataram ainda mais — o inglês respondeu.

Dorinda deu uma exclamação de horror. E o inglês animou-a depressa:

— Tudo será diferente depois da chegada da prin­cesa. Naturalmente que Sua Alteza Real gostaria de ter vindo pessoalmente se encontrar com a futura princesa, mas isso seria perigoso para seu país. Na verdade, ele está na linha de frente da batalha con­tra os russos, lugar onde ficará até Sua Alteza a princesa chegar.

— Quer dizer que foi muita bondade sua deixar o palácio de Sua Majestade e vir nos receber — observou Dorinda.

— Somos muito bons amigos — o inglês respon­deu. — Agora acho que está na hora de eu me apre­sentar. Meu nome é Rupert Mansfield e sou o nono conde da família.

— Muito prazer — Dorinda disse. — Natural­mente o senhor sabe quem é minha amiga. Mas, tendo ela sido batizada com um nome difícil de ser lembrado, achamos interessante arranjar-lhe um apelido. Mary. Será mais fácil para os habitantes do principado chamá-la de princesa Mary do que pelo seu verdadeiro nome, o que usou no passado.

— Penso que "princesa Mary" é uma ótima idéia — Rupert concordou. — Os moradores do principado teriam grande dificuldade em se lembrar de nomes não familiares a eles. Mas tenho certeza de que "Mary" é um nome fácil de pronunciar e excelente para uma princesa ou rainha. Há muitas Marys nos anais da história.

Dorinda riu.

—- Foi o que imaginamos. E a princesa Mary, te­nho certeza, ajudará o príncipe Igor a transformar o principado num dos mais importantes dos Bálcãs.

— Acho que devemos brindar esse nosso encontro — declarou Rupert. — Mas, como ainda é muito cedo, faremos isso na hora do almoço.

— Não vamos chegar ao destino antes do almoço? — Dorinda indagou.

— Acho que seria pedir demais, considerando-se o tipo de navio em que viajamos. Suponho, mesmo com a presente velocidade, que chegaremos em Grez­nov às duas ou três horas da tarde.

— Como teremos bastante tempo, seria então in­teressante o senhor nos dizer tudo o que Sua Alteza a princesa terá de fazer, e o que eu terei de fazer como dama de honra de minha amiga.

— A princesa terá um séquito de grande número de damas de honra locais. Verá logo como deverá agir. Quando eu saí do palácio ontem pela manhã, o local estava sendo decorado. E acho que agora não apenas o palácio como cada casa já terá sido enfeitada para receber a futura princesa.

— Que maravilha! — exclamou Mary.

— Para eles a coisa mais maravilhosa que aconteceu foi a rainha da Inglaterra ter man­dado Vossa Alteza aos Bálcãs, salvando assim o principado. — Rupert agora dirigia-se a Mary. — Acho que a recepção a Vossa Alteza dirá como o povo se sente grato.

— Estou muito contente em poder levar ajuda a quem dela necessita.

Dorinda achou que as palavras da prima haviam sido ditas muito a propósito.

"Ela está representando seu papel muito bem", pensou. "Graças ao bom Deus posso voltar à Ingla­terra sem preocupações, e cuidar de papai."

Dorinda deu um suspiro porque desejava de fato voltar ao seu país o mais depressa possível.

Como se estivesse adivinhando o pensamento dela, Rupert disse:

— Foi muita gentileza sua ter vindo, mas te­nho a impressão de que não vê a hora de voltar à Inglaterra.

— Como pôde adivinhar? — Dorinda perguntou.

— Suspeito que tenha curiosidade em saber por que motivo me encontro aqui.

— Bem, confesso que isso me intriga — Rupert confessou. — Esperava que uma linda jovem apa­recesse, mas não duas.

— Obrigada pelo elogio. Porém acontece que eu estava na casa de Mary quando ela me contou que a rainha lhe ordenara que fosse aos Bálcãs a fim de se casar com o príncipe. E eu me ofereci para fazer-lhe companhia até o casamento.

— Depois disso, voltará à Inglaterra?

— Espero que sim.

— Quero que fique comigo todo o tempo que puder! — Mary exclamou, em tom de súplica. — Quero-a perto de mim, preciso de sua ajuda. E claro que é assustador ficar sozinha num país desconhecido e casar-me com um homem escolhido pela rainha e não por mim.

Dorinda encarou-a de olhos arregalados, assusta­da com a reação repentina de Mary. Então o conde Rupert disse:

— Entendo o que está sentindo. Mas lhe prometo uma coisa. Garanto que vai achar seu marido, um homem que ainda não conhece, charmoso e alegre. Ele hospedou-se em minha casa na Inglaterra e tor­nou-se uma pessoa querida de todos os meus amigos. E excelente cavaleiro e exímio no manejo das armas.

— Isso me faz perguntar onde é sua casa — Do­rinda disse.

— Era no norte da Inglaterra, um lugar delicioso para se morar. A propriedade pertencia a meu irmão mais velho que a herdou quando nosso pai morreu. Infelizmente ele não gostava da casa, achando-a dispendiosa demais para ser mantida. Aconteceu que, logo depois de ter recebido a herança, meu irmão morreu num acidente. Sem explicação plausível, a casa pegou fogo e o teto caiu sobre ele que morreu instantaneamente.

— Que coisa horrível! — exclamou Dorinda. — Deve ter sido um terrível choque para vocês.

— Foi. Em consequência disso, herdei o título mas não tinha onde morar. A casa destruída pertencera a nossa família por mais de cem anos.

— Por isso viajou para a continente?

— Foi uma das razões — Rupert respondeu. — Mas pretendo, assim que meu amigo Igor se casar, voltar à Inglaterra e procurar no campo um lugar onde possa fazer todas as coisas que tenho em mente.

— Tais como, por exemplo? — Dorinda quis saber.

— Bem. Pescar, praticar tiro ao alvo e, mais que tudo, montar os maravilhosos cavalos da Inglaterra.

— Eu também adoro cavalgar — Dorinda comentou. Durante alguns minutos eles ficaram conversando sobre cavalos, e sobre o prazer que tinham em ga­lopar nas matas.

— Acredito que seus cavalos da Inglaterra foram adquiridos em Tattersall. Adivinhei? — Dorinda perguntou.

— Sim. Comprei também alguns na França. Mas preciso parar de acumular mais montarias até ter um lugar para abrigá-las.

Foi com dificuldade que Dorinda não falou que o pai gostaria de lhe mostrar os próprios cavalos e que talvez sugerisse a ele que pusesse seus animais nas enormes estrebarias da casa.

Mas achou que a sugestão seria perigosa e voltou ao assunto da pessoa de Mary.

Esta, por sua vez, parecia mais feliz e mais esperançosa do que estivera desde a chegada de Do­rinda na Itália.

Sabia que, afora qualquer outro motivo, deixar sua horrível madrasta para trás era abrir uma porta a algo novo e emocionante, coisa que não tivera des­de a morte da mãe.

— Conte-me — ela pediu — algo mais acerca do príncipe. Ele gosta de esportes? Aprecia mesmo o país onde mora e tem interesses outros além de governar seu povo?

— Sempre o considerei um excelente esportista — Rupert comentou. — Embora não ache o que vou lhe dizer de tanto valor assim, para mim é interes­sante observar que ele sempre ouve o que os outros têm a dizer em vez de apenas comunicar-lhes o que deseja ou pretende que seja feito.

Dorinda sorria, ao comentar:

— Considero essa uma boa apresentação do noivo, algo que eu não ouvira antes sobre ele.

— Precisamos é procurar alguma coisa que inte­resse a você, durante sua permanência em Greznov — observou Rupert, agora tratando Dorinda de ma­neira mais íntima. — Acho, embora possa estar er­rado, que já viajou muito pela Europa.

— E verdade — Dorinda confirmou. — Mas agora estou ansiosa em conhecer um lugar onde nunca estive antes, apesar de num momento de luta para conservar sua independência ameaçada pela mais agressiva e ávida das nações da Europa.

— E exatamente o que está acontecendo — o conde Rupert concordou.

Depois disso começaram a falar de política. Dorinda ficou surpresa pelo fato de a prima saber tanto acerca do assunto. Ela deu sua opinião sobre cada país e monarca reinante na Europa.

— Não tivesse sido pela interferência da rainha da Inglaterra — disse Mary — posso imaginar em que mundo confuso viveríamos agora.

— Está me dizendo que tem orgulho de ser inglesa — comentou Rupert — e isso é algo de que também me orgulho. Porém sou cortês e nunca me vanglorio disso diante de pessoas de outras nacionalidades.

— Concordo com você — disse Dorinda. — Porém espero que entenda ser muito dificultoso dizer "não" à rainha quando ela escolhe um homem com quem a pessoa deve se casar, sem saber se ele a fará feliz.

— E claro que entendo — Rupert respondeu. — E acho que a princesa Mary não somente é uma mulher corajosa como uma mulher que todo o país amará e admirará quando a conhecer.

— Acha mesmo? — Mary indagou.

— Juro que acho e que estou lhe contando a ver­dade — ele respondeu. — Quando o príncipe me pediu que viesse recebê-la, esperava encontrar uma pessoa bem diferente. De fato, esperava que as duas fossem diferentes. — Rupert fez uma pausa antes de continuar, tratando ambas de maneira bem mais íntima. — Agora que conheço vocês duas, tenho cer­teza de que meu amigo vai ser um homem muito, muito feliz. Os russos se afastarão, sabendo, como souberam antes, que jamais poderão enfrentar um país como a Inglaterra. Eles podem assustar os pe­queninos, porém, jamais os grandes.

O conde falava como se as palavras viessem do fundo de seu coração, e Dorinda sorriu desejando que todos os ingleses fossem como ele.

E concluiu que o homem com quem sua prima iria se casar era inteligente, do contrário não teria um amigo tão brilhante.

Os três conversaram ainda durante algum tempo. Depois o conde decidiu levar as duas moças a um tour pelo navio.

— E muito importante — ele dizia a Mary — que você conheça os homens que fazem parte de seu império. Sendo os primeiros a conhecê-la, levarão a todos a notícia de sua simpatia e charme. Também de sua bravura e sensatez.

— Espero ter todas essas qualidades — Mary res­pondeu. — Mas espero também que você me ajude a agir acertadamente, coisa que sempre tentei fazer no passado.

— Venho observando-a o tempo todo, e ouvindo suas opiniões. E acho que é exatamente a pessoa que pedimos que Deus nos enviasse.

— E na realidade o que pensa de mim? — Mary perguntou.

— Juro que estou falando a verdade. Acho que não é apenas linda como inteligente. E do que ne­cessitamos no momento se quisermos salvar um rei­nado sempre tão importante no passado. E que será de grande importância no futuro.

— Espero que repita isso daqui a uma semana — disse Mary. — Então saberemos se o povo de Greznov me amará ou decidirá que seu príncipe me­recia melhor esposa.

— Se quiser minha opinião, só posso lhe dizer que meu amigo é um homem de muita sorte. E o povo que ele governa pode se considerar feliz por ter uma princesa como você.

Dorinda achou que o conde Rupert estava dizendo a verdade. E concorria, com suas palavras, para que Mary se sentisse forte e sem medo.

"Mary está se comportando como deve, e a cada milha percorrida ela se afasta cada vez mais de sua horrível madrasta que espero suma de nossa frente", Dorinda disse a si mesma.

A uma hora eles almoçaram. Foi uma refeição deliciosa.

Depois, Dorinda e Mary foram à cabina para empacotar suas coisas, pois estavam chegando.

— Não me sinto mais tão assustada agora, como pensei que me sentiria — disse Mary. — Na verdade, aquele simpático conde me fez concluir que eu estava fazendo o que devia. Não apenas para o bem das pessoas que pretendo salvar, como para meu próprio bem.

— Naturalmente que está agindo acertadamente — comentou Dorinda. — Quando eu estiver em casa com papai, escreverei e convidarei você e seu marido para passar algum tempo conosco, depois que tudo estiver organizado por aqui e não houver mais pos­sibilidade de os russos se aproximarem do princi­pado de novo.

Houve alguns minutos de silêncio antes de Mary dizer:

— Rezo para não chegarmos tarde demais. E se os russos já tiverem matado o príncipe e tomado posse do país?

— Está se preocupando desnecessariamente — Dorinda comentou. — Os russos já sabem que a rainha mandou uma mulher para se casar com o príncipe. Todos sabem que, com a Inglaterra ao lado, não têm a mínima chance de vencer.

— E se, por azar, chegarmos tarde demais? — Mary repetiu.

— Se houver uma possibilidade de isso acontecer, Rupert nos salvará — Dorinda disse à prima.

— Rupert é encantador — Mary disse. — O prín­cipe deve ser um homem de bem para ter esse tipo de amigo.

— Eu pensava da mesma forma quando ele falou da amizade que os unia — Dorinda concordou. — Pelo que tenho ouvido, posso concluir que você vai ser muito feliz casando-se com o príncipe.

— Apenas espero e rezo para que isso seja ver­dade. Mas, querida Dorinda, ainda tenho muito medo e peço-lhe que fique perto de mim e me ajude caso tudo saia errado.

— Tenho certeza de que tudo vai sair bem. Você estará começando uma nova vida cheia de boas sur­presas com um homem que a amará e que você também amará.

— Rezo para que isso aconteça — Mary repetiu. — As vezes tenho receio de que no último instante ele mude de idéia. Aí terei de voltar para a com­panhia de minha madrasta, enfrentando aquela vida de horror. Outra coisa que também me preocupa é que eu não goste dele e fuja desse casamento.

— Seja corajosa e não comece desde já a imaginar coisas. Tudo tem saído tão bem até agora que devia ter mais esperanças no futuro. Afinal, o povo daquele país a amará pelo simples fato de você ter atraves­sado a Europa para salvá-lo dos russos. Encontrará lá milhares de novidades que a interessarão, como você proporcionará aos habitantes do país milhares de novas idéias.

— E claro que me alegro com tudo o que você está me dizendo. Afinal qualquer coisa, mas qual­quer coisa mesmo, é melhor do que viver, como tenho vivido, com aquela terrível e maldosa mulher que é a minha madrasta.

— Continue pensando assim — Dorinda aconse­lhou-a. — Garanto que se surpreenderá agradavelmente com as coisas maravilhosas que a aguardam.

Tão logo acabou de falar, Dorinda enviou uma prece aos céus para que seus pensamentos se trans­formassem em realidade.

 

Quando acabaram de almoçar, Dorinda in­sistiu que Mary fosse com ela à cabina.

— Preciso arrumar você muito bem — disse — para impressionar o povo quando desembarcarmos. Todos estarão olhando para a futura soberana, e quero que a vejam como uma verdadeira princesa vinda do céu para ajudá-los.

Mary riu muito.

— Se conseguir fazer com que eles pensem assim, conseguirei tudo o mais. E você tem razão, em achar que devo ser elegante e, se possível, bonita.

— Você é bonita — Dorinda declarou firmemente. — Agora venha e vamos trabalhar.

Ela arrumou os cabelos de Mary e colocou na ca­beça da prima um dos lindos chapéus que comprara em Paris. Depois a fez colocar os brincos de bri­lhantes e, no pescoço, um fio de pérolas.

— Não acha demais para essa hora do dia? — Mary perguntou.

Dorinda sacudiu a cabeça num gesto negativo e respondeu:

— Você é uma princesa e precisa se vestir como tal. O povo espera que uma soberana tenha aspecto deslumbrante.

Dorinda lembrou-se da ocasião em que fora a uma festa em Londres onde comparecera um membro da família real. E ficou terrivelmente desapontada ao ver que a figura principal da reunião estava muito simplesmente vestida, como qualquer pessoa do povo.

"A realeza tem de brilhar e chamar atenção", ela pensara.

Por isso insistia tanto que Mary se vestisse à al­tura de sua posição.

Dorinda fez com que a prima pusesse um broche de diamantes na gola do casaco. Iriam seguir num cortejo de carruagem aberta, daí a necessidade do casaco.

Depois de insistir que Mary usasse também pul­seiras de diamantes, Dorinda afastou-se um pouco para apreciar sua obra.

— Você está linda! Parece uma estrela de brilho fora do comum, e é assim que deve se apresentar a esse povo infeliz que aguarda pacientemente por sua chegada.

— Apenas espero que eu não o desaponte.

— Todos a acharão linda, o que você realmente é.

— De uma coisa estou contente. De ter trazido as jóias de minha mãe — disse Mary. — Tenho uma linda tiara e quero usá-la à noite, se houver alguma festa para celebrar minha chegada.

Dorinda percebeu que a prima continuava preocu­pada com a impressão que iria dar ao príncipe. Temia que ele desapontasse ao vê-la. Por isso repetiu:

— Você está maravilhosa. Absolutamente mara­vilhosa! Tudo o que terá de fazer é sorrir e dizer ao príncipe que veio para salvá-lo e que é a coisa mais emocionante que já realizou na vida.

— E não estarei mentindo — Mary concordou. — Mas tenho tanto medo de fazer alguma bobagem! Se eu constatar desaponto no olhar dele, fugirei e me esconderei em qualquer lugar.

— Não haverá motivo para fugir. Está linda e brilhará aos olhos desse povo que aguarda ansiosa­mente pela oportunidade de vê-la.

Aportaram em Greznov mais depressa do que Do­rinda imaginara possível. Passavam quinze minutos das três horas.

As duas moças estavam no convés e viram grande número de soldados da guarda de honra esperando a chegada do navio.

— Soldados! — Mary exclamou. — Eu não contava com isso.

— Eles querem conduzi-la à presença do príncipe com segurança — disse Dorinda. — Sabe como os russos são capazes de ser cruéis quando se vêem ameaçados.

— Acha que podem me matar? — Mary gritou.

— Não sei se chegariam a tanto, mas a guarda quer justamente garantir que você desembarque sem problemas. E acho que todo o principado a es­pera em algum lugar, no trajeto do porto à capital.

— Agora estou com medo — Mary sussurrou.

— Fale a verdade — Dorinda disse, rindo. — Você está adorando isso tudo. Depois do que passou em sua casa, vai usufruir com prazer cada momento da homenagem que lhe prestarão.

— E claro que gostarei — concordou Mary. — E devo agradecer a você milhões de vezes, querida Do­rinda, por ter sido tão bondosa, tão maravilhosa co­migo, me proporcionando momentos de tanta alegria.

— Tudo o que quero ouvir é que, após o casamento, os russos se retiraram. E ouvir você dizer que seu prín­cipe é o marido mais atraente e charmoso do mundo.

— Tenho rezado muito para que ele me ame e eu o ame.

— E garanto que suas preces serão atendidas — Dorinda disse. — Agora apresse-se. Os marinheiros já estão descendo a prancha de desembarque e, sen­do você a princesa, deve sair em primeiro lugar. Eu a seguirei.

Mary fitou-a atentamente, depois agradeceu, com lágrimas nos olhos:

— Muito obrigada, querida. Você tem sido a amiga mais maravilhosa que qualquer pessoa poderia ter.

— Então sorria e faça uma cara feliz — Dorinda ordenou. — Lembre-se de que há centenas de pes­soas esperando por você e desejando lhe dar as boas-vindas por ter salvado a vida delas.

Mary não respondeu de início. Depois murmurou:

— Espero que tudo o que você disse aconteça de verdade.

O comandante aguardava-as no convés para des­pedir-se, com um buquê de flores nas mãos. Deu-o a Mary, e disse:

— Quero oferecer estas flores a Vossa Alteza e lhe dizer que é uma pessoa maravilhosa.

— Obrigada, muito obrigada por tudo — Mary respondeu. — Foi muito bom estar a bordo com o senhor, e espero que isso aconteça muitas outras vezes no futuro.

O comandante sorriu e Dorinda mentalmente aprovou as palavras amáveis da prima.

Ambas desembarcaram. O conde Rupert aguar­dava-as no cais. Havia um militar graduado ao lado dele, parecendo ser pessoa de grande importância. O conde apresentou-o como um dos generais do exér­cito do príncipe.

Para grande surpresa de Mary, o homem ajoe­lhou-se e beijou-lhe a mão. Disse qualquer coisa que ela não entendeu.

— Ele falou — Rupert traduziu — que o país inteiro está encantado com a vinda de Vossa Alteza a este país para salvá-lo. Tanto quanto o príncipe, todos estão ansiosos em recebê-la.

O general levantou-se e disse mais alguma coisa que Rupert traduziu de novo:

— Ele quer que nos apressemos, porque cada mi­nuto de demora pode significar a perda da vida de um homem.

— Então vamos logo — disse Mary, entrando na carruagem que esperava no porto.

Enormes buquês de flores haviam sido colocados aos lados do lugar onde ela se sentaria.

Dorinda ocupou um assento de costas para a boléia, e Rupert sentou-se ao lado. O general acomo­dou-se com o cocheiro.

— Mal posso acreditar que isso esteja realmente acontecendo comigo — observou Mary assim que a carruagem se pôs em movimento.

— Tudo foi preparado para que você ficasse o mais atraente possível — comentou Dorinda. — Se o príncipe pensou em pôr os buquês em ambos os lados do lugar onde você se sentaria, acho que foi bastante hábil.

— Eu lhes disse que ele era hábil — murmurou Rupert. — O modo como mobiliou o palácio, após herdá-lo, prova que tem muito bom gosto. Sabe o que é belo e acolhedor.

A carruagem, puxada por dois cavalos, seguia ra­pidamente. Dorinda achou que a estrada era razoável e menos acidentada do que pensara. Eles pas­saram por várias aldeias pequenas.

A um dado momento o general ordenou que o carro seguisse mais devagar para que o povo pudesse ver melhor sua futura princesa.

Todos aclamavam-na, acenavam com as mãos e jogavam flores na carruagem.

Era evidente que estavam encantados em ver a noiva que viera salvá-los.

Porém tanto Dorinda como Mary entendiam que não seria possível parar a fim de que apertassem a mão de alguns dos habitantes do principado. Pre­cisavam chegar à cidade depressa.

Mas, após meia hora de trajeto, o colo de Mary já estava coberto de flores. Havia também algumas em sua cabeça e nos ombros.

— E melhor você sacudir essas flores do corpo antes da chegada, do contrário o príncipe não terá certeza se vai se casar com uma mulher ou com uma flor.

Rupert riu muito.

— Posso dizer que a princesa Mary se parece com um lírio — murmurou. — Ou prefere se parecer com uma orquídea?

— Prefiro ser eu mesma — Mary respondeu. — E estou encantada com a bondade desse povo. Pes­soas não apenas patriotas mas generosas, cheias de amor a dar.

— São mesmo — concordou Rupert. — Tenho cer­teza de que vai encontrar aqui as criaturas mais carinhosas de todo o mundo.

— Mesmo? — Dorinda perguntou.

— Nunca minto, quando é possível dizer a verdade — ele riu. — Os habitantes deste principado são gentis, calmos, amam as crianças e não têm interesse em fazer guerra. Após minha temporada aqui com o príncipe, posso dizer que vou-me embora sem ter queixa nenhuma a fazer.

— E a coisa mais maravilhosa a se dizer acerca das pessoas que nos hospedam, sejam elas inglesas, holandesas ou balcânicas. Se são amáveis e acolhe­doras, que mais podemos desejar?

— Mary vai constatar isso que acabei de dizer — acrescentou Rupert. — Quase imediatamente ela se apaixonará por esses habitantes que abrem o cora­ção para recebê-la. E, por experiência própria, sei que raramente criticam o que quer que seja.

— Ninguém poderia esperar nada melhor — co­mentou Dorinda. — Mary será muito feliz no lugar aonde a estamos levando.

— Sem dúvida — disse Rupert. — Garanto a você que é um dos lugares mais maravilhosos do mundo. Todos vivem felizes aqui.

— E o que desejo que ela seja. Feliz — Dorinda declarou.

— E você?

— Oh, tudo vai bem comigo! — Dorinda respon­deu. — Logo que Mary se instalar, voltarei para a Inglaterra.

— Tem para onde ir? — Rupert indagou. Dorinda achou perigoso dizer que seu pai possuía uma linda casa e cavalos valiosos. Enfim, qualquer pessoa que o conhecesse poderia já tê-lo mencionado ao conde Rupert.

Para mudar de assunto, ela perguntou:

— Acha que estamos seguros, viajando nessa par­te deserta do país? E se os russos souberem que a nova princesa passará por aqui? Podem estar es­condidos atrás dos arbustos e matar-nos.

— Meu amigo não é tão tolo assim — respondeu o conde, sorrindo. — Ele mandou inspecionar toda esta área e aposto que há soldados nos observando desde o instante em que aparecemos no horizonte.

— Verdade? — Dorinda perguntou.

— Sem dúvida — o conde Rupert declarou. — Se você chegar um pouco mais perto daquela pequena floresta a sua direita, ou do monte de feno à es­querda, verá um soldado escondido com a arma em punho, pronto para matar qualquer pessoa que tente nos impedir de chegar à cidade.

Dorinda ficou fascinada. Embora não pudesse ver os soldados que montavam guarda, considerou o príncipe muito inteligente e esperto por tomar pro­vidências para que sua noiva chegasse ao destino sã e salva.

Ao se aproximarem da cidade Dorinda notou que os portões estavam fechados e que havia soldados armados junto ao local.

Antes mesmo que ela pudesse fazer perguntas, Rupert foi logo explicando:

— Os russos estão do outro lado da cidade. Esta parte foi intocada mas houve muito tiroteio no lugar onde eles se encontram. Imagino que estejam ten­tando, como último esforço antes da chegada da noi­va, matar o maior número de cidadãos possível.

Assim que a carruagem se aproximou, os portões foram abertos. Um aplauso estrondoso reboou no ar. Mary viu que uma multidão a aguardava e todos lhe davam as boas-vindas.

Os sinos das igrejas começaram a tocar.

Os cavalos foram forçados a andar mais devagar por causa da multidão que chegava perto da carruagem, gritando e demonstrando sua alegria pela chegada da noiva.

As mulheres jogavam flores, cobrindo Mary ainda mais.

Quando chegaram ao centro da cidade, os sinos da catedral e os gritos de boas-vindas da multidão eram ensurdecedores.

A carruagem parou e apareceu um homem com farda de general. O príncipe.

Era atraente, mais alto do que Mary imaginara.

— Seja bem-vinda em Greznov — ele disse a Mary em inglês. — Apenas posso agradecer-lhe do fundo de meu coração por ter vindo me salvar e a meu povo.

Beijou-lhe então a mão. Em seguida sentou-se na carruagem, ao lado dela.

— Como posso agradecer-lhe o bastante por ter vindo salvar meu povo? Como pode ver com seus próprios olhos, sou-lhe muito grato, tanto quanto meus súditos.

Mary sorriu, embora não pudesse ouvir bem o que ele dizia devido aos aplausos.

— Que tal acenar para eles? — o príncipe pediu. — Esperaram tanto por sua chegada, receando o tempo todo que a nossa princesa não aparecesse!

— E eu estou muito contente por estar entre vocês, e em segurança — Mary respondeu.

Depois, não foi mais possível conversar. A multi­dão gritava enquanto o príncipe e Mary acenavam. Enfim, ele disse:

— Você deve estar cansada após viagem tão longa. Quero que descanse no palácio. Nós nos encontra­remos de novo logo que possível.

O príncipe beijou-lhe a mão mais uma vez en­quanto o povo gritava de alegria.

Assim que ele e Mary desceram da carruagem o cocheiro chicoteou os cavalos que continuaram atra­vessando a multidão, mas com certa dificuldade.

O palácio ficava a pequena distância daquele lugar.

Fora construído numa colina com degraus rodea­dos de flores de ambos os lados.

Na entrada crianças aguardavam a princesa com buquês de flores. No interior, a criadagem saudou-a sorrindo de felicidade.

Depois de todo o barulho da chegada e emoção da viagem, Mary sentou-se numa poltrona da sala, exausta.

Os criados serviram uma taça de champanhe a ela e a Dorinda.

— Você foi fabulosa — disse Dorinda, num tom de voz muito baixo de sorte que só a prima pudesse ouvir. — Como pôde ver, todos estão encantados com sua vinda para cá, e essa foi a recepção mais calorosa que uma noiva já recebeu.

— Tem certeza de que não se arrependeu de ter cedido o seu lugar? — Mary também sussurrou.

— Tenho. Você será uma princesa melhor do que eu. E, como sabe, é muito mais importante para mim voltar para casa do que ficar aqui, enquanto você está fazendo tudo o que se esperaria de uma princesa.

— Espero que diga a mesma coisa daqui a um ano — Mary murmurou.

Nesse instante, muitos homens começaram a en­trar na sala.

Rupert explicou que eram membros do governo que haviam ido desejar boas-vindas à princesa.

Mary levantou-se e recebeu-os com um sorriso. To­dos agradeceram-lhe por ter ido salvar o principado.

Depois disso Mary e Dorinda foram conduzidas a um quarto luxuoso, no segundo andar.

— Sua Alteza o príncipe reservou-o para Vossa Alteza — declarou a governanta a Mary. Ela não falava bem inglês, mas o suficiente para se fazer entender. — Foi redecorado e espero que Vossa Al­teza goste de tudo.

Mary respondeu que estava encantada.

Quando sua bagagem foi levada ao quarto, duas criadas começaram a arrumar as roupas nos armários.

As duas primas dirigiram-se ao quarto ao lado, o de Dorinda. Podiam assim conversar com mais liberdade.

— Tudo é maravilhoso, muito, mas muito melhor do que eu esperava — disse Mary.

— Concordo com você — declarou Dorinda. — O príncipe também é mais atraente do que eu esperava.

— Tem certeza, querida, de que não quer mesmo ser a princesa deste país? — insistiu Mary.

— Acho que se me casasse com o príncipe, seria bastante feliz, pois fiquei muito contente e atônita com o que presenciei — Dorinda respondeu. — Mas ao mesmo tempo sei que papai sente minha falta e que jamais viverá feliz naquele enorme castelo sem alguém que lhe faça companhia.

— Não ignoro que ele te adora. Mas eu também te amo e estou lhe tirando algo que você gostaria de ter.

— Engana-se. Eu não gostaria de viver no paraíso sabendo que meu pai sofre. Você não está apenas se ajudando a ser feliz, o que merece, depois de tanto sofrimento; mas também está tornando a mim e a meu pai mais felizes do que já fomos até então.

— Tem certeza disso? — Mary perguntou.

— Absoluta. Juro mesmo. Penso, querida, que você vai viver muito feliz com esse homem charmoso que será seu marido.

Houve alguns minutos de silêncio. Depois Mary disse:

— Ele é bem mais bonito do que imaginei.

— Espero que seja por dentro como é por fora.

— Espero também — sussurrou Mary. E ambas riram muito.

Eram mais de sete horas. Dorinda achou que não haveria razão para elas descerem antes da hora do jantar.

— Tivemos uma viagem exaustiva — disse. — Vamos perguntar a que horas é o jantar e apare­ceremos então já vestidas para a festa.

Mary concordou. Elas estavam pensando no que fazer quando o príncipe bateu na porta.

— Posso entrar? — perguntou. — Quero saber o que desejam fazer. Preciso ver meu regimento ou ao menos parte dele e explicar que a princesa chegou sã e salva. Quanto mais depressa eu fizer isso, mais depressa os russos voltarão ao próprio país.

— Naturalmente é o que nós também desejamos — disse Dorinda. — Mas diga a Mary tudo o que ela deve fazer porque gostaríamos de tomar um ba­nho, descansar, para depois jantarmos com Vossa Alteza, se é o que está planejando.

— E exatamente o que planejo. E agora gostaria de conversar um pouco com minha noiva.

— Naturalmente — Dorinda declarou. — Mary também deseja lhe fazer muitas perguntas.

Assim dizendo, retirou-se, deixando os dois sozinhos.

Como o inglês do príncipe era excelente, não se preocupou em não ficar ajudando Mary. Ela enten­deria qualquer coisa que o noivo falasse.

Dorinda lembrou-se logo de que Rupert lhe dissera que o príncipe cursara a universidade de Oxford du­rante algum tempo. Foi quando eles ficaram amigos.

Depois de mais ou menos vinte minutos Mary cha­mou-a e disse:

— Preciso usar minha roupa a mais elegante, o prín­cipe me informou. Porque, se tudo correr como ele es­pera, serei esta noite mesmo apresentada ao regimento que expressará sua alegria pela minha vinda.

— Ótimo. E, se você trouxe a tiara de sua mãe, este é o momento de usá-la.

— Foi o que pensei. O príncipe disse que preciso parecer uma fada rainha.

— Ele falou mesmo isso? — Dorinda riu.

— Falou. E num muito bom inglês. Aliás, ele fala nossa língua com perfeição.

— Não posso entender por que Rupert não nos contou isso antes. Preocupei-me com você caso não entendesse o que ele falava. E vice-versa, que ele não entendesse você.

— Bem, esse problema está resolvido, Dorinda. Penso agora no próximo.

— Deve pensar que, se fomos tão espertas e tão inteligentes até agora, resolvendo todos os proble­mas, tudo o mais sairá bem. Afinal, ninguém apa­receu inesperadamente para nos assustar.

Dorinda pensava na madrasta de Mary ao falar. Mas, de uma coisa ela estava certa. A terrível mu­lher não faria o mínimo esforço para ter a enteada de volta.

Quanto a Mary, era muito bom o fato de seu futuro marido falar bem inglês. As coisas seriam muito mais fáceis para ambos.

Além disso, tanto o príncipe como o palácio eram muitíssimo atraentes. Não se podia pedir mais.

Cansada, Dorinda deitou-se sem mesmo se despir. Dormia por quase duas horas quando Mary chamou-a.

— Detesto acordá-la — disse ela. — Mas o jantar será servido daqui a uma hora.

— Dormi tanto assim? — indagou Dorinda. — De fato, estava muito cansada pois não dormi bem ontem, com receio de não acordar cedo esta manhã para irmos ao porto.

— Bem, mas já dormiu agora e esse jantar vai ser de gala, conforme me contou a governanta. Você também precisa ficar linda, tanto quanto recomen­dou que eu ficasse.

— Posso tentar — respondeu Dorinda. — Mas não se esqueça de que não sou tão importante quanto você. Lembre-se de que agora este é seu país e de que é a princesa dele.

— Querida Dorinda! — exclamou Mary, sorrindo. — Ninguém poderia ser tão bondosa, tão maravi­lhosa, como você está sendo comigo. Mas, tem mesmo certeza de que não quer o príncipe para si?

— Não. Quero que você fique com ele e que seja feliz neste principado, o mais importante dos Bálcãs.

— Você sempre espera muito de mim, Dorinda. Mas prometo que tentarei não desapontá-la. Agora vou pôr minha tiara e brilharei encantando todos os que olharem para mim. — Ela riu.

Saiu correndo do quarto ao terminar de falar. Dorinda notou que a prima parecia muito feliz. Claro, a pobre Mary tivera muito medo de não gostar do príncipe, ou ele dela, e de ter de voltar à casa para junto da madrasta. Pelo menos fora isso que confessara.

"Agora posso voltar para a casa de meu pai e isso significa para mim mais do que qualquer outra coi­sa", Dorinda disse a si mesma.

Depois começou a se preparar para o jantar. Com o auxílio de uma empregada pôs seu mais lindo ves­tido e uma tiara que também pertencera à mãe.

A empregada encantou-se quando a viu pronta. Falou qualquer coisa que Dorinda não entendeu. Mas era óbvio que, pelo tom da voz e expressão do olhar, entusiasmava-se com a beldade que tinha diante de si.

Dorinda foi ao quarto de Mary. A prima estava ricamente vestida, cheia de jóias. Era tal qual uma princesa. Talvez uma rainha.

Quando as duas primas entraram na sala onde os convidados as aguardavam, reinou um silêncio completo que consistiu no melhor elogio que pudesse ser posto em palavras.

Então o príncipe foi ao encontro da noiva e bei­jou-lhe a mão.

— Não posso acreditar que eu tenha tanta sorte na vida para me casar com mulher tão linda! — ele sussurrou em inglês.

— Obrigada — Mary agradeceu. — Era o que esperava que você dissesse, mas tive medo de desapontá-lo.

— Como poderia eu desapontar tendo a minha frente mulher tão encantadora? — ele perguntou, sempre num sussurro.

Em seguida começou a apresentá-la aos membros do governo que haviam sido convidados para o jantar.

Enquanto todos rodeavam o príncipe e Mary, o conde Rupert ficou ao lado de Dorinda. Disse a ela:

— Jamais poderia imaginar que meu país, a In­glaterra, pudesse produzir mulher tão linda como a princesa Mary! Ela parece uma princesa de contos de fada, que me deixa quase sem fôlego.

— Você está realmente sem fôlego? — Dorinda perguntou, rindo muito.

— É claro que estou. Para ser franco, tive receio de que a rainha não conseguisse mais nenhuma noi­va decente para mandar, depois de já haver man­dado tantas!

— Também tivemos medo disso — Dorinda opi­nou. — Mas estou contente de ver que você não está desapontado.

— Como poderia quando vocês duas aparecem aqui inesperadamente? Só posso imaginar que caí­ram do céu onde foram criadas para enriquecer este momento especial.

— Sinto-me muito grata por suas palavras de en­corajamento. Depois do que disse, tenho impressão de que asas estão nascendo em meus ombros — comentou Dorinda, em tom de brincadeira.

— Mas, por favor — acrescentou Rupert —, não as use até que seja absolutamente necessário. Nós a queremos aqui, nós precisamos de você aqui. Seria impossível a princesa Mary se casar sem uma dama de honra tão linda.

— Muito obrigada pelo elogio — declarou Dorinda. — Agradeço e espero por outros mais.

Ambos riam muito quando o jantar foi anunciado.

O príncipe ofereceu o braço a Mary e entraram na sala de jantar. Um salão impressionante pela beleza, muito bem mobiliado.

Quando Dorinda fitou Mary sentada à mesa, achou que ninguém acreditaria que ela não perten­cesse à realeza. Apenas pedia ao bom Deus que os presentes concordassem com seu ponto de vista.

O jantar foi delicioso.

Eles haviam apenas terminado o último prato quando a porta do salão se abriu de par a par.

Todos viraram a cabeça cheios de surpresa ao ver o general em chefe seguido de dois outros oficiais.

O príncipe levantou-se e o general disse:

— Viemos para informar Sua Majestade de que o inimigo está se retirando rapidamente. Cessaram de atirar e com certeza voltam para a Rússia.

Tão logo ele acabou de falar, os homens todos se levantaram e. deram "vivas". O príncipe disse ao general:

— Obrigado por me trazer essas boas notícias. Tenho certeza de que agora que Sua Alteza a prin­cesa chegou viveremos em paz. Devemos agradecer a Sua Majestade a rainha Vitória por nos salvar da destruição.

Aclamações ecoavam no ar. O príncipe beijou am­bas as mãos de Mary e os lábios.

O conde Rupert levou a mão de Dorinda aos lábios. Depois, antes que ela se desse conta do que acon­tecia, beijou-a nos lábios. Era a primeira vez que Dorinda era beijada na boca. Teve uma sensação estranha.

Foi então que o príncipe falou:

— E justo que eu e minha futura esposa celebre­mos este momento com nosso povo. Venham todos.

Sem mais uma palavra ele tomou Mary pela mão e levou-a à porta.

Tudo pareceu aos que o acompanharam previa­mente combinado, porque a carruagem destinada ao príncipe e à princesa aguardava à porta. Uma carruagem aberta, cheia de flores.

Logo depois o conde Rupert ajudou Dorinda a su­bir na segunda carruagem.

— Rezei para que isso acontecesse — disse Rupert. — E esteja certa de uma coisa, os russos não voltarão.

Durante o trajeto foi impossível conversar, por causa dos aplausos da multidão. Os sinos badalavam em todas as igrejas. Ao se aproximarem da praça principal, janelas se abriram e pessoas gritavam de alegria.

Rupert segurava a mão de Dorinda. Um sinal de alegria e de proteção, ela interpretou.

"Vencemos! Vencemos!", Dorinda teve vontade de gritar, mas sua voz jamais seria ouvida por causa do ruído dos sinos das igrejas e dos aplausos do povo.

A carruagem do príncipe chegou à praça em pri­meiro lugar. E pessoas chegavam o tempo todo, gri­tando e batendo palmas. Quando pareceu ao prín­cipe que todos já haviam ocupado seus lugares na praça, ele levantou-se, fez Mary levantar, e disse:

— Viemos aqui esta noite para celebrar uma vi­tória ganha não apenas pela bravura e coragem de um povo como pela chegada do presente enviado pela rainha da Inglaterra, esta linda princesa que será minha esposa e que reinará comigo durante muitos anos de paz e prosperidade. Assim espero.

Foi aplaudido. Ele ergueu a mão, acrescentando:

— Obrigado pela ajuda de vocês e pelo amor que espero darão a mim e a minha noiva quando nos casarmos amanhã. Sou profundamente grato não apenas pela coragem que sempre demonstra­ram desde que iniciei meu governo neste princi­pado, como pela afeição que me dedicaram, e por acreditarem em mim. Isso é o que nos fará, no futuro, o mais admirado, o mais invejado princi­pado dos Bálcãs.

O povo não parava de aplaudir, jogando flores o tempo inteiro.

O príncipe e Mary despediram-se da multidão com acenos e todos os agradeciam com palavras de ca­rinho, na língua do país e em inglês.

Enfim, com dificuldade, a carruagem atravessou a multidão e partiu.

Ao chegar no palácio, Mary disse:

— Foi maravilhoso! Seu discurso foi maravilhoso como também maravilhosas foram as palavras de seu povo.

— Nosso povo — o príncipe corrigiu-a. — Você sem dúvida será a mais linda princesa que eles já tiveram.

— Obrigada — Mary balbuciou.

— Levarei muito tempo para dizer a você tudo o que desejo, Mary! São tantas coisas!

Na carruagem que seguia atrás, Dorinda dizia:

— Foi maravilhoso! Maravilhoso! Agora os russos voltarão para casa conscientes de que esse país é forte, que está protegida. Vamos rezar para que não invadam nenhum outro principado, pela simples ra­zão de que Sua Majestade não tem mais noivas em disponibilidade.

— Ouvi dizer isso quando estive na Inglaterra — comentou o conde Rupert. — Foi quase um milagre terem encontrado sua prima para o príncipe.

— Espero muito que eles sejam felizes juntos. Mary é tão carinhosa e sei que fará tudo em seu poder para tornar esse povo feliz.

— Concordo com você, ela é excepcionalmente linda como charmosa — respondeu Rupert. — Como foi possível que até agora eu não tenha co­nhecido nenhuma das duas e nem encontrado mu­lher como vocês?

— Francamente, isso não sei. Só sei que estou muito grata por estar aqui. Mary será a pessoa exata para seu amigo o príncipe.

Tão logo a carruagem de Dorinda chegou à porta do palácio, um criado abriu a porta. E, quando ela desceu, teve quase certeza de ter ouvido, dos lábios do conde Rupert:

— Como você será para mim.

 

Como as duas moças estivessem muito cansadas após tanta excitação, Dorin­da sugeriu que fossem para a cama.

— Não podemos nos esquecer de que amanhã será um dia mais emocionante do que o de hoje — disse.

O príncipe sorriu e comentou:

— Espero que sim. Nosso casamento consistirá numa experiência comovente não apenas para meu povo como para o noivo e a noiva.

Olhou para Mary. E ela acrescentou:

— Como nenhum de nós dois foi casado, será uma experiência nova também.

Todos riram. Depois, de mãos dadas, Mary e Do­rinda subiram.

Uma empregada esperava-as nos respectivos quar­tos para ajudá-las a se despir.

Minutos mais tarde, de camisola e robe, Dorinda foi ao quarto de Mary para lhe dar boa-noite. E não se surpreendeu ao encontrar a prima já na cama.

— Estou exausta — disse Mary. — Mas tudo foi tão emocionante que mal posso acreditar de que está realmente acontecendo, e de que não vou acordar.

— Está acontecendo, Mary, e tudo vai ficar ainda melhor.

Dorinda beijou a prima e, sem mais uma palavra, foi para o próprio quarto.

Sim, Mary estava certa. Os eventos do dia haviam sido emocionantes mas ao mesmo tempo cansativos.

Assim que pôs a cabeça no travesseiro, Dorinda adormeceu.

Na manhã seguinte, ninguém perturbou seu sono. Isso por ordens expressas de Mary. E ela dormiu até quase o meio-dia.

Ao acordar constatou que a bandeja do café da manhã estava ao lado da cama. Olhou o relógio e se assustou com o adiantado da hora.

"Espero que Mary não tenha precisado de mim", pensou.

Preparava-se para ir ao quarto da prima quando ela apareceu.

— Acordou, enfim? — Mary perguntou. — Eu já estava ficando preocupada e imaginando que iría­mos à igreja sem você.

— Por que não me chamou? O dia de ontem foi tão exaustivo que dormi sem pensar no que iria acontecer hoje.

— Não vai acontecer nada de assustador -— Mary respondeu. — Mas temos de ir para a igreja logo. Você precisa ficar muito bonita pois será minha dama de honra.

— Preocupei-me com isso — respondeu Dorinda. — Tenho um vestido novo, lindo, que todos adorarão, caso olhem para mim, o que duvido. — Ela riu e acrescentou: — Sabe muito bem que só verão você, maravilhosa com o vestido de noiva de sua mãe.

— Concordo, Dorinda. O vestido de mamãe é mes­mo lindo. As empregadas o estão passando agora e acho que será um sucesso. Por sinal, acabei de ver Igor que ia conversar com os homens do regimento e me disse que, assim que nos casarmos, iremos para seu palácio de verão à beira-mar. Garantiu que não seremos perturbados lá e que poderemos passar cada hora tentando nos conhecer melhor.

— Muita sabedoria dele — observou Dorinda. — Eu nem sabia que Igor tinha um palácio de verão, e posso imaginar que será uma delícia ficar perto do mar.

— Acho também — Mary concordou. — Igor foi tão bom para mim ontem! Nunca pensei encontrar um homem igual a ele, que me desejasse como esposa.

— Já está apaixonada, não?! — Dorinda exclamou. — Achei que isso aconteceria e estou muito contente, querida. Mas tenho certeza de que se casaria com o homem que ama, sendo ele um príncipe ou não.

— E verdade. E sei, embora tenha medo de falar, que vamos ser muito felizes juntos.

— E o que espero, e rezei que acontecesse. Oh, querida, estou tão contente! Acho que não deve ha­ver nada tão excitante como ser levada, após o ca­samento, a um palácio à beira-mar.

— Depois que você apareceu em minha casa, Do­rinda, tudo surgiu como num sonho — Mary con­fessou à prima. — Tudo está sendo tão maravilhoso que tenho até medo de acordar e concluir que estava sonhando.

— Isso não vai acontecer. E, se você der ao prín­cipe o amor que pelo visto ele nunca experimentou, conhecerá a verdadeira felicidade que todos procu­ram mas que poucos encontram.

— E o que tenho esperança de encontrar — Mary sussurrou. — Rezo por você todas as noites, Dorinda. Assim como minhas preces foram atendidas quando pedi que houvesse uma possibilidade de eu escapar de minha madrasta, espero que as em seu favor também sejam ouvidas. Dorinda beijou-a e disse:

— Muito obrigada, querida. Embora eu volte logo para a Inglaterra, prometo visitá-la sempre que pu­der. Quero também que você e seu marido apareçam logo por lá e fiquem conosco.

— E claro que iremos! — Mary prometeu. — Como Igor adorou a Inglaterra quando esteve em Oxford, não tenho dúvida de que gostará de voltar.

— Espero muito que sim. E você sabe, querida Mary, que será sempre bem-vinda em minha casa.

Mary beijou de novo a prima e disse:

— Agora levante-se imediatamente. Esqueça esse café que você não tomou e que deve estar frio. Um almoço será servido antes de nossa ida à igreja.

— O príncipe almoçará conosco?

— Não, infelizmente, não. Ele teve de aceitar um convite do ministro de Estado e o encontraremos na igreja.

— Desça então já — sugeriu Dorinda. — Vou to­mar um banho e me encontrarei com você lá embaixo logo que estiver pronta.

— Não há tanta pressa assim. Porei meu vestido de noiva só depois do almoço.

— Vai ficar linda! — Dorinda exclamou. — Como se trata de um casamento muito especial, todos es­peram que você brilhe tal qual uma fada rainha.

— E exatamente o que pretendo. Prometo a você, querida, que meu casamento será algo de que nós duas nos lembraremos pelo resto de nossas vidas. E é essa a imagem que quero deixar gravada na mente de meu príncipe.

— E deixará — Dorinda confirmou.

Depois dessa troca de palavras as duas primas correram para se aprontar. Ao descer, constataram que iriam almoçar sozinhas.

— Informaram-me que meu futuro marido e o conde Rupert foram à cidade para ter certeza de que os russos haviam mesmo se retirado — Mary disse.

— Por certo voltaram para a Rússia — Dorinda observou.

— Acho que sim. Seria bem deles estragar o ca­samento provocando um incêndio ou, talvez, sequestrando a noiva ou o noivo.

— Não me assuste. — Dorinda protestou. — A esse ponto de nossa luta não acredito que tudo tenha sido em vão.

— Estou brincando — Mary explicou. — Pelo que o príncipe me disse esta manhã, será impossível agora, a essa altura dos acontecimentos, surgir algo errado. De qualquer maneira, todos na cidade estão tomando cuidado para que nada de mal aconteça durante a cerimônia que será lembrada pelo resto de nossas vidas, como já disse.

— Assim deve ser — Dorinda concordou. Quando terminaram de almoçar, Mary pediu à

prima que subisse com ela.

— Você precisa me garantir que estou linda com meu vestido de noiva, Dorinda.

Ao entrar no quarto de Mary, Dorinda notou que o vestido estava em cima da cama. Lindo, lindíssimo. Fora confeccionado anos atrás pela loja mais impor­tante de Bond Street.

— Mamãe falava sempre — disse Mary — que pelo fato de ser tão excepcional, seu vestido fora descrito por quase todos os jornais do país.

— Pelo que vejo, sua mãe tinha muito bom gosto — Dorinda observou. — Agora vista-o, quero ver como fica em você.

Duas empregadas ajudaram Mary a se vestir.

Quando pronta, o véu na cabeça, a tiara de flores misturadas às jóias verdadeiras, Dorinda achou que nenhuma noiva do mundo poderia ter aspecto mais atraente.

A tiara brilhava como raios de sol. Como também brilhavam os diamantes em volta do pescoço dela e os das pulseiras.

— Quando você puser no dedo a aliança que seu marido lhe dará, será uma verdadeira rainha dos contos de fadas — comentou Dorinda. — E ninguém poderá negar isso.

— Sinto-me tão feliz por ter impedido que minha madrasta pusesse as mãos nessas jóias! — Mary observou. — Tenho certeza de que ela as venderia ou as queimaria.

— Isso jamais deverá acontecer — protestou Do­rinda. — Guarde-as para o casamento de sua pri­meira filha.

— Vai pedir ao bom Deus que eu dê ao príncipe um filho para herdar o trono, e uma filha linda como você? — Mary perguntou.

— Acho que todos vão rezar para que ela seja linda como a mãe — Dorinda respondeu. — Jamais vi uma noiva tão linda.

— E como desejo estar. Linda! — Mary murmu­rou. — Não apenas para dar prazer aos habitantes do principado como a meu príncipe.

A suavidade da voz de Mary revelava, mais do que qualquer outra explicação, que ela desejava con­quistar o amor do príncipe.

Dorinda foi ao próprio quarto e vestiu-se. Um ves­tido de chiffon, comprado em Paris, branco, com al­gumas flores em tom rosa. No chapéu havia flores na mesma tonalidade.

Quando ela se olhou no espelho achou que, se nada mais conseguisse proporcionar às mulheres do principado, ao menos lhes daria algo a comentar.

— Você está maravilhosa — Mary declarou. — Acho que qualquer pessoa acharia difícil decidir quem está mais bonita, se a noiva ou a dama de honra. — Mary riu muito. — Acho que este será um dia sempre lembrado por todos. E talvez, após nossa morte, alguém escreva sobre nossas vidas, e descreva este casamento no qual a noiva e a dama de honra pareciam rainhas.

— Acho que dirão isso e muito mais. — Dorinda sorriu. — Agora vamos descer. A carruagem nos aguarda.

Mary agradeceu às empregadas que a ajudaram a se vestir e desceu as escadas com cuidado.

— Sua Alteza Real e o conde seguiram na frente — o mordomo informou. — Mas a carruagem de Vossa Alteza Real a aguarda.

Ao chegar à porta, Dorinda deu um grito de surpresa. A carruagem, aberta, estava decorada com flores, todas brancas.

— Nada poderia ser mais romântico para ir à igreja — Dorinda comentou enquanto seguiam na direção da catedral.

— E linda e bem diferente de qualquer outra car­ruagem de casamento que já vi — Mary respondeu.

— Acho que seu futuro marido usou a cabeça para fazer você feliz — comentou Dorinda. — Garanto que os súditos que a esperam para aplaudi-la ficarão surpreendidos quando você aparecer.

E acertara, porque a multidão que a aguardava pelo trajeto até a igreja a aplaudia.

Todos jogavam flores.

Na realidade, quando chegaram ao destino, as flores precisaram ser removidas para que Mary aparecesse.

Ela desceu da carruagem e subiu os degraus da catedral entre aplausos da multidão que se alinhava em ambos os lados da entrada.

Na praça, não havia lugar nem mesmo para mais uma pessoa ficar de pé.

Dorinda seguiu-a.

Dentro da igreja estavam as outras damas de hon­ra, as daminhas, como eram chamadas, crianças numa idade entre cinco e seis anos. De branco, ti­nham grinaldas de flores na cabeça. Cada uma car­regava um pequeno buquê de botões de rosa brancos.

Esperando para conduzi-la ao altar, estava o pri­meiro ministro.

Mary dissera a Dorinda que gostaria que o conde Rupert a levasse ao altar. Porém esquecera-se de que o príncipe o convidara para padrinho.

Tão logo Mary entrou na igreja, o órgão começou a tocar enquanto a noiva caminhava pela nave, nos braços do primeiro ministro.

Ao chegar ao altar o príncipe foi para o lado dela e tocou-lhe a mão. Um toque suave. E foi quando Mary teve a impressão de que havia atingido os portões do paraíso.

Iniciada a cerimônia, curta mas linda, Dorinda re­zou para que a prima vivesse feliz dali por diante e se esquecesse de todo seu sofrimento com a madrasta.

No instante em que Igor colocou a aliança no dedo dela, Dorinda pediu a Deus que eles não apenas fossem felizes juntos como também que a paz que a noiva levara ao principado perdurasse para sempre.

Foi uma prece vinda do fundo do coração.

Enquanto Mary e Igor saíam da igreja, as crianças jogavam pétalas de rosas no chão onde eles iriam pisar.

A multidão também jogou flores nos noivos quan­do eles subiram na carruagem.

Já a caminho do palácio, o príncipe perguntou a Mary:

— Você está bem, querida?

— Tudo foi maravilhoso — ela respondeu.

— E algo de que nos lembraremos sempre. Agora você é minha, e prometo que nunca a perderei. Se­remos eternamente felizes.

— Como é possível que você possa dizer coisas tão encantadoras para mim?

— E possível porque você é uma mulher encanta­dora. Mal posso acreditar que a rainha da Inglaterra, e naturalmente Deus, tenham me mandado uma pes­soa tão maravilhosa e linda para ser minha esposa!

— E mesmo o que você acha? — Mary indagou, timidamente.

— E, e muito mais do que isso. Em breve esta­remos sozinhos e lhe direi o resto. Aguardo com ansiedade por esse momento. Eu te amo, Mary, e logo que estivermos a sós, poderei lhe dizer quanto te amo. E estar a seu lado é só o que desejo.

Mary não conseguiu responder, porque as pala­vras não lhe vieram aos lábios. Mas as lágrimas de felicidade traduziam sua emoção.

— Eu te amo. Eu te amo — o príncipe repetia. Chegaram ao palácio. Dorinda, que vinha logo atrás, ao observar as feições da prima viu logo que ela estava muito feliz. De fato, nunca a vira tão radiante.

"Ela está feliz", pensou. "Posso apenas rezar para que nunca se decepcione e que a felicidade que acaba de encontrar fique com ela para o resto de sua vida."

Depois disso, foi impossível a Dorinda pensar em qualquer outra coisa além de na multidão de con­vidados que chegava ao palácio logo atrás deles. O primeiro ministro e todos os membros do Gabinete. Os generais e grande número de oficiais graduados. E também enorme quantidade de pessoas impor­tantes que viviam no principado e que estavam hor­rorizadas à idéia do que aconteceria se os russos invadissem a capital e matassem o príncipe. Ou o levassem prisioneiro.

Cada um dos convidados reconhecia que as coisas haviam mudado. A paz e a prosperidade reinaria no país porque a bandeira da Grã-Bretanha tremu­laria ao lado da bandeira do principado.

Foi servido o champanhe aos noivos e aos convidados.

Mary começava a se sentir cansada, e Dorinda sugeriu:

— Está na hora de você se trocar para a viagem de lua-de-mel.

Os olhos de Mary brilharam de excitação.

Enquanto Igor conversava com uma pessoa im­portante que acabara de chegar, ela escapou da sala e subiu, com Dorinda atrás.

No quarto, duas empregadas a aguardavam. A roupa da viagem estava em cima da cama e a ba­gagem já havia sido acomodada na carruagem.

— Tudo foi maravilhoso! Maravilhoso! — Mary disse à prima.

— Eu disse a você que seria. Agora esta terra terá paz, e deve isso a você, que acabou de fazer tanta gente feliz.

— Estou de fato feliz. Oh, Dorinda, como foi pos­sível você fazer tanto para mim? Adoro meu marido e sei que ele me ama.

— Não é nem metade do amor que lhe dará depois que viverem juntos. E, naturalmente, depois que tiverem um filho para herdar o trono no dia em que Igor não estiver mais neste mundo.

— Mas isso levará muitos, muitos anos. Nesse meio tempo, quero ser feliz. Oh, querida Dorinda, espero que um dia você seja tão feliz quanto eu!

— Eu espero também. Mas, por agora, pense ape­nas em si e em seu marido. Não posso imaginar nada mais maravilhoso do que uma viagem de lua-de-mel à beira-mar.

"Como foi possível que tudo saísse assim tão per­feito?", Dorinda se perguntava.

Achou que deveria agradecer ao bom Deus du­rante todos os dias de sua vida.

Então, olhando para a prima, entendeu que no mo­mento a única coisa que ela queria era estar sozinha com o marido. Por isso resolveu ajudá-la a se vestir.

A toalete já havia sido escolhida. Um vestido lindo e um chapéu enfeitado de plumas.

— Você está muito bonita — disse Dorinda, quan­do Mary terminou de se vestir. — Tenho certeza de que sua lua-de-mel será o remate perfeito para um dos casamentos mais comoventes a que já assisti.

— E eu penso — declarou Mary — que será o começo de uma felicidade que nunca tive na vida. E devo isso a você, Dorinda.

— Agora só espero por sua visita à Inglaterra a fim de me contar como foi tudo. Talvez não neste ano, mas definitivamente no outro.

— É claro que iremos à Inglaterra, e ficaremos em sua casa. Apenas rezo, querida, para que você se sinta na ocasião tão feliz como eu me sinto agora.

Quando as duas desceram, o príncipe já as aguar­dava no hall. Pela expressão do olhar via-se que ele também estava muito feliz.

"Mary é uma mulher de sorte", Dorinda disse a si mesma.

E foi, naturalmente, o que todos os convidados pensaram quando o casal partiu, acenando com a mão até a carruagem sumir de vista.

Depois disso, as visitas começaram a se despedir. A maioria apertou a mão de Dorinda e do conde Ru­pert, como se eles estivessem substituindo o anfitrião.

— Agora que estamos sozinhos — Rupert disse quando a última pessoa se retirou — quero lhe dizer uma coisa.

Dorinda fitou-o, surpresa. De repente teve medo de que ele iria lhe comunicar que o principado não lhe poderia fornecer o navio para a volta à casa.

Rupert levou-a a uma sala que não havia sido ocupada durante a cerimônia do casamento.

Quando ele fechou a porta Dorinda perguntou, muito nervosa:

— O que houve de errado?

— Não houve nada de errado. Mas tenho algo muito importante a lhe comunicar.

Dorinda continuou pensando que iriam mesmo lhe negar o navio. Ou talvez tivessem descoberto que era ela quem deveria ter se casado com o príncipe.

Quando Rupert aproximou-se mais, notou que ti­nha uma expressão estranha no olhar. Assustou-se.

Rupert tomou-lhe ambas as mãos e disse:

— Acho, querida, que devíamos nos casar antes de partirmos amanhã.

Então, quando ela encarou-o, pasma, Rupert abra­çou-a e beijou-a nos lábios. Um beijo que parecia ter vindo do fundo do coração.

Dorinda teve a sensação de que Rupert se apo­derava de sua alma, e que a partir daquele instante ela passara a lhe pertencer como nunca pertencera a ninguém.

Beijou-a longamente e Dorinda sentiu-se carre­gada aos céus. A maravilha e a glória daquele mo­mento foram diferentes de qualquer sensação que experimentara antes na vida. Aquilo era o amor, um amor que ainda não conhecia.

"Eu te amo, eu te amo", ela teve vontade de gritar, mas não conseguiu. Os lábios de Rupert não se des­grudavam dos seus.

Bem mais tarde, ele comunicou-lhe:

— Meu amor, pedi ao bispo que nos casasse esta noite, secretamente. Não quero os aplausos que Igor e Mary receberam.

— O que está dizendo? O que quer fazer?

— Amei você desde o primeiro instante em que a vi — ele respondeu. — E não vou permitir que fuja de mim. Partiremos no mesmo navio a bordo do qual teremos nossa lua-de-mel, a fim de nos co­nhecermos melhor. Será uma longa viagem de volta. — Após uma pausa, ele acrescentou: — Depois se­guiremos para a Inglaterra.

Dorinda quis falar alguma coisa porém os lábios de Rupert aprisionaram os seus novamente. E muito tempo depois ela enfim falou:

— Tenho uma coisa importante a lhe dizer, Ru­pert. Talvez quando souber, não goste mais de mim.

— Amarei você de agora em diante, até o dia em que eu der o último suspiro — o conde respondeu.

— Mas, se tem uma confissão a me fazer, faça-a que sou todo ouvidos. Não vai me dizer que ama outro homem, vai? Porque recuso acreditar.

— Nunca amei nenhum outro homem com a ex­ceção de meu pai, que é o motivo pelo qual quero voltar à Inglaterra. Ele está muito só.

— Seu pai?

— E. Mas tenho de fato uma confissão a lhe fazer. E, insisto, depois disso talvez você pare de me amar.

— Como é possível? Amo você mais a cada minuto que passa. Mas conte-me o que a preocupa. No futuro não teremos segredos de um para o outro.

— Eu não pretendia contar a ninguém o que vou lhe revelar agora. Mas, como .quero que você conheça meu pai e veja os cavalos que ele possui, é justo... que ouça... de meus lábios... o que com certeza ouvirá comentar quando chegar à Inglaterra.

Dorinda hesitava, e o conde fitava-a com olhar interrogativo.

— O que a atormenta, amor? — Rupert perguntou.

— Posso ver agora que está aborrecida. O que es­conde de mim? Não pode já estar casada!

— Não, não é nada disso. É que meu pai, penso que você já saiba, é muito amigo da rainha, e ela o procura cada vez que tem uma dificuldade, que necessita de um conselho.

— Sim, isso eu entendo.

— O que você não sabe é que Sua Majestade, desesperada por não encontrar uma noiva para o príncipe Igor salvar sua pátria, insistiu que eu viesse para cá a fim de me casar com ele.

O conde encarou-a, atônito.

— Está me dizendo que a rainha ordenou que você se casasse com o príncipe Igor?

— Certo. Por isso estou aqui.

— E como encontrou Mary? Ela tem sangue azul?

— Felizmente tem, porque somos primas. Quando a visitei na Itália, na minha vinda para cá, descobri que a pobre moça estava sendo torturada pela ma­drasta que a odeia. Mary sentia-se tão infeliz que desejava morrer.

— Então vocês trocaram de lugar?

— Trocamos. Como já disse, isso foi possível por­que ela também tem sangue azul. Quanto a mim, não queria deixar papai tão sozinho naquele enorme castelo. Ele sente muito a falta de mamãe.

— Quer dizer que desistiu de ser princesa! — comentou Rupert.

— Em primeiro lugar, além do problema de meu pai, achei que devia fazer alguma coisa para ajudar Mary — Dorinda explicou. — E também tive medo de me casar com um homem que eu não conhecia e que podia não me amar.

— Quer dizer então que Mary tomou seu lugar e que você está livre, absolutamente livre, para se casar comigo.

— Tem mesmo certeza de que quer se casar co­migo agora que já sabe que menti fazendo todos acreditarem que Mary fora mandada pela rainha? — Dorinda perguntou. — Mas, de qualquer forma, salvamos o príncipe e o principado, e tenho certeza de que papai, que é muito hábil, fará com que a rainha veja que não houve mal nenhum nisso, uma vez que a finalidade foi obtida.

— Só posso agradecer aos céus por sua mentira — declarou o conde. — Assim não terei de sofrer pelo resto de minha vida vendo-a casada com Igor. Eu amei você desde o instante em que a vi. E, se tivesse se casado com outro homem, eu sofreria como se houvesse perdido algo tão precioso, tão maravi­lhoso, que nunca mais poderia ser feliz.

Houve alguns segundos de silêncio até Dorinda sussurrar:

— E está feliz agora?

— Muito, porque te amo, porque te adoro. Vou fazer com que você me ame tanto para que, nem por um minuto, se arrependa de não ter se tornado princesa, se arrependa por ter perdido um trono.

— Tudo o que quero — Dorinda balbuciou — é você. — E seus olhos brilharam quando acrescentou: — E quero também que more comigo no castelo, para fazer papai feliz.

— Isso, naturalmente, será muito fácil. Como já lhe disse, Dorinda, sou um homem rico e, conside­rando-se que minha casa foi destruída, terei muito prazer em morar no castelo, contanto que seja com você. Seu pai e eu teremos os melhores cavalos já vistos na Inglaterra.

Dorinda atirou-se nos braços dele e perguntou:

— Não está então bravo comigo por eu ter mentido?

— De forma alguma. Quero agradecer ao bom Deus de joelhos por você não ter se casado com Igor. E, antes que qualquer outra coisa estranha aconteça, como parece acontecer em sua vida, va­mos nos casar daqui a uma hora. Tudo já foi pro­videnciado. Partiremos imediatamente após a ce­rimônia. Um navio foi alugado para mim e pode­remos ficar nele o tempo que quisermos. Assim passaremos nossa lua-de-mel, a bordo.

Dorinda soltou uma exclamação de prazer.

— Tudo vai ser tão fácil assim? — ela perguntou.

— Mais fácil do que pode imaginar. A única coisa que preciso fazer é agradecer aos céus por você ter sido bastante sensata em desobedecer às ordens da rainha da Inglaterra pondo Mary em seu lugar. — Rupert sorriu e acrescentou: — Mary será muito feliz com Igor, pois ele já me confessou que está apaixonado pela mulher.

— Ele falou mesmo? — Dorinda indagou. — Rezei tanto para que isso acontecesse!

— Falou que a amava e, conforme o que você me disse sobre a madrasta, Mary será muitíssimo feliz com Igor, pois terá uma vida bem diferente. Espero que tenham muitos filhos. — Rupert fez uma pausa e prosseguiu: — Espero que você e eu tenhamos muitos filhos também,

— Naturalmente que teremos — Dorinda prometeu. — Precisamos de um filho para herdar o castelo de papai e seus cavalos. Há muitos quartos em casa. Po­demos acomodar uma dúzia de filhas, se é o que deseja.

— O que eu realmente desejo é você — o conde respondeu. — Eu te amo, Dorinda, e confesso que nunca me apaixonei antes. Precisarei de muito tem­po e de uma longa lua-de-mel para fazer com que você me ame tanto quanto eu te amo.

Dorinda deu uma gargalhada sonora. Depois, os lábios de Rupert colaram-se aos dela.

E, enquanto se beijavam, enquanto Rupert a abra­çava com carinho, Dorinda se deu conta de que encon­trara o verdadeiro amor, o amor que todos procuravam.

O amor que vem de Deus, que é parte de Deus, e que seria deles por toda a eternidade.

 

                                                                                Barbara Cartland  

 

                      

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