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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SEDUÇÃO NO DESERTO / Annie West
SEDUÇÃO NO DESERTO / Annie West

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

A Casa Real dos Karedes

SEDUÇÃO NO DESERTO

 

Os rumores acerca do príncipe rebelde, Tahir Al´Ramiz, haviam chegado a exaltação! Depois de estar em um exclusivo hotel de Montecarlo, Tahir decidiu regressar a casa para assistir a coroação de seu irmão. No trajeto, sofreu um acidente e, quando descubriram os restos de seu helicóptero, se esperaba o pior… Até que apareceu sem dar nenhuma explicação de como havia sobrevivido! Paroxismo. Depois, uma bela e misteriosa mulher se mudou para o palácio. Se rumoreava que estaba grávida… Podería ser que o conhecido playboy, que permanecera perdido no deserto, ocultava una aventura amorosa?

 

— Façam suas apostas, mesdames et messieurs.

O xeque Tahir Al’Ramiz olhou a mesa de jogo e à multidão que o olhava com atenção, ansiosa por conhecer sua próxima jogada. Seu olhar se posou no montão de fichas que tinha ganhado durante a última hora.

Um garçom se aproximou com uma garrafa de champanha. Tahir assentiu e se voltou para a mulher que estava a seu lado. Loira, bela, complacente. Uma mulher que fazia que as pessoas voltassem a cabeça para olhá-la no momento em que entraram no opulento cassino de Montecarlo.

Ela se moveu e o valioso colar de diamantes que luzia em seu decote brilhou sob a luz tênue dos abajures. Seu deslumbrante vestido prateado de pedraria era a prova do que se podia conseguir a base de dinheiro e um modista de fama internacional.

Ela sorriu, com o tipo de sorriso íntimo que as mulheres lhe dedicavam da adolescência.

Lhe entregou uma taça do melhor champanhe francês e se apoiou no respaldo do assento.

Estava aborrecido.

A última vez tinha demorado dois dias em cansar-se de Montecarlo. Dessa vez, entretanto, acabara de chegar.

—Últimas apostas, mesdames et messieurs.

Contendo um suspiro, Tahir olhou ao crupier.

—Quatorze — disse.

O crupier assentiu e moveu as fichas do Tahir. Fez-se silêncio.

As pessoas do outro lado da mesa se apressaram a seguir seus passos e a fazer as últimas apostas.

—Quatorze? —disse a loira. — Vai apostar tudo em um único número?

Tahir se encolheu de ombros, levantou a taça e se fixou em que lhe tremiam as mãos.

Quanto tempo levava sem dormir? Dois dias? Três? Tinha estado em Nova Iorque, onde tinha fechado o contrato com os meios de comunicação e depois foi festejar. A seguir tinha ido a Tunísia para participar de uma corrida de jeeps. A Oslo e a Moscou por motivos de trabalho, e logo ali, ao navio que tinha na marina.

Seria que sua forma de vida podia com ele?

O crupier fez girar a roleta.

Tahir notou que uns dedos finos lhe agarravam o joelho. Sua companheira começou a respirar de maneira acelerada enquanto a roleta se movia e deslizou a mão por sua perna.

Seriamente lhe parecia tão excitante o jogo?

Ele sentia certa inveja. Tahir sabia que se ela se despisse ali mesmo, ele não sentiria nada. Nem desejo nem excitação. Nada.

Ela sorriu de forma sedutora, e se aproximou dele, pressionando o seio contra seu braço.

Devia recordar seu nome.

Elsa? Erica? Não conseguia lembrar-se. Será que não tinha lhe interessado o suficiente para gravá-lo em sua mente? Ou será que estava perdendo a memória?

Por desgraça, sua memória seguia funcionando perfeitamente.

Havia coisas que não poderia esquecer nunca.

Por mais que tentasse.

Elizabeth. Assim se chamava sua acompanhante. Elisabeth Karolin Roswitha, condessa de Markburg.

Um grande aplauso o tirou de suas reflexões. A condessa de Markburg o abraçou e de emoção, quase se sentou em seu regaço. Beijou-o na bochecha e na boca.

—Tornaste a ganhar. Tahir! —retirou-se e o olhou entusiasmada—. Não é maravilhoso?

Ele forçou um sorriso e levantou a taça.

Invejava sua capacidade de entusiasmar-se. Quanto tempo fazia que ele não experimentava algo parecido? O jogo já não o excitava. Os negócios? Às vezes. Os esportes de risco? Ao menos sentia uma descarga de adrenalina quando se arriscava a vida. O sexo?

Viu que se aproximava outra mulher. Tinha o cabelo escuro, levava uns compridos brincos de rubi que roçavam seus ombros nus e um vestido com o que em muitos países a teriam prendido por indecência.

E ele nem sequer reagiu um pouco.

Ela se deteve ao seu lado e se inclinou para frente lhe permitindo ver seus seios, seu umbigo e muito mais.

—Tahir, querido. Quanto tempo sem ver-te.

Beijou-o nos lábios e os acariciou com a língua. Mas ele não estava de bom-humor.

De repente, sentiu-se esgotado. Não era um cansaço físico, a não ser a insidiosa apatia que o invadia fazia muito tempo.

Estava cansado da vida.

Separou-se dela de repente. Só tinham se passado uns meses desde que se viram em Buenos Aires e, entretanto, parecia uma eternidade.

—Elisabeth — se voltou para a loira que tinha a seu lado. —Permita-me que lhe apresente a Natasha Leung. Natasha, esta é Elisabeth von Markburg.

Olhou ao garçom e este serviu outra taça de champanhe.

—Ah, é minha safra favorita — disse Natasha, e se aproximou dele de forma que suas coxas se roçaram—. Obrigada.

Tahir olhou por cima de seu ombro e viu o olhar inexpressivo do crupier.

—Façam suas apostas, s’il vous plait.

—Quatorze — murmurou Tahir.

—Quatorze? —o crupier não pôde ocultar seu assombro—. Oui, monsieur.

—Quatorze outra vez? —perguntou Elisabeth com voz estridente. — Ele perderá tudo! A probabilidade de que saia o mesmo número outra vez é muito remoto.

Tahir se encolheu de ombros e, ao ouvir soar seu celular o tirou do bolso.

—Então perderei.

Ao ver a cara de susto que punha ela esteve a ponto de sorrir. Para algumas pessoas, a vida era muito simples.

Olhou o telefone e franziu o cenho ao ver que não reconhecia o número que aparecia na tela. Unicamente seu advogado e seus agentes de confiança tinham seu número privado.

—Diga?

—Tahir? — Inclusive depois de tanto tempo aquela voz lhe resultou inconfundível. Tahir ficou em pé, desfazendo-se das duas mulheres que estavam grudadas a ele.

—Kareef.

Depois de tanto tempo, seu irmão mais velho só chamaria por algo realmente importante. Tahir se colocou de costas à mesa e gesticulou para que suas acompanhantes ficassem onde estavam. Depois se dirigiu para uma esquina da sala.

—Isto sim que é uma surpresa — murmurou. — A que se deve esta honra?

Fez-se um silêncio. Tão longo que lhe arrepiou o pêlo da nuca.

—Quero que retorne a casa — disse Kareef com voz calma, como sempre.

Mas Tahir não esperava ouvir essas palavras.

—Já não tenho casa, recorda?

Sabia que estava sendo injusto com Kareef ao lhe falar assim. Seu irmão não era o culpado de que seu passado tivesse sido um desastre.

—Agora sim, Tahir.

—Nosso venerado pai teria algo que dizer a respeito?

—Nosso pai morreu.

As palavras retumbaram nos ouvidos de Tahir.

O animal que tinha governado a sua família partiu para sempre.

O tirano que tinha traído a sua mãe com um montão de prostitutas e amantes, que tinha controlado a sua família mediante o terror, que o tinha açoitado até quase lhe causar a morte. E o que tinha utilizado a seus valentões quando ele cresceu o suficiente para lhe fazer frente.

O homem que desterrou o seu filho caçula quando ele fez o que o velho xeque desejava em segredo e passou da raia.

Tahir nunca tinha sido capaz de agradar a seu pai, por muito que o tentasse. Tinha passado a infância perguntando-se no que falhava para inspirar tanto ódio.

Mas fazia muito tempo que já não lhe importava.

Voltou-se para olhar a sala onde os farristas procuravam prazer. Mas só a imagem de Jazam Al’Ramiz, com seus olhos avermelhados e seu bigode pontudo que se manchava de saliva quando o insultava, ocupava sua cabeça.

Deveria sentir algo ao inteirar-se de que o tirano de seu pai tinha morrido. Inclusive depois de estar ausente onze anos, a notícia deveria fazê-lo reagir.

Entretanto, um enorme vazio ocupava o espaço onde antigamente tinha albergado suas emoções.

Supunha-se que devia ter perguntas.

Quando? Como? Não era isso o que um filho perguntava sobre a morte de seu pai?

—Não sinto nenhum desejo de retornar ao Qusay — não esperava nada em seu lugar natal.

—Maldito seja, Tahir. Deixa de atuar como um cretino arrogante e insensível por um momento. Necessito-te. As coisas são complicadas — Kareef fez uma pausa. — Quero que venha.

—O que necessita? —perguntou Tahir. Kareef sempre tinha sido seu irmão favorito, no que se espelhou quando tratava de comportar-se com seus superiors. — Qual é o problema?

—Não há nenhum problema — disse Kareef com tom tenso—, mas nosso primo descobriu que ele não é o legítimo rei do Qusay. Eu vou ocupar o trono. Quero que venha para minha coroação.

 

Tahir se aproximou devagar da roleta.

A notícia que lhe tinha dado Kareef era muito importante. Era incrível que tivessem nomeado rei a seu primo por engano. Não tinha nenhum laço de sangue com o rei Saqr e a rainha Inas, os falecidos soberanos do Qusay. Estes o tinham recolhido em segredo da praia, até onde o tinham empurrado as ondas, e o pequeno náufrago tinha suplantado a seu verdadeiro filho, morto apenas umas horas antes. Se o tivesse contado outra pessoa que não tivesse sido Kareef, Tahir teria duvidado da história.

Kareef era uma fonte confiável. Era cuidadoso e responsável, seria o rei perfeito para o Qusay. Qualquer de seus irmãos mais velhos seria.

Felizmente, seu pai não estava vivo para herdar o trono! Como irmão do falecido rei Saqr e líder de um clã importante teria sido muito poderoso… Muito perigoso. Se ele tivesse governado a nação, teria sido como permitir a entrada de um lobo no redil dos cordeiros.

Havia falecido de um ataque do coração. Não se espantava. Seu pai gostava dos vícios e nunca se controlou.

Tahir se aproximou da mesa de jogo. Viu que as duas mulheres o estavam esperando, ambas dispostas a agradá-lo no que ele desejasse aquela noite.

—Tahir! —disse Elisabeth. — Não vai acreditar nisso. Ganhaste! Outra vez! É incrível.

Todo mundo se calou para olhá-lo, como se tivesse feito algo milagroso.

Diante dele se amontoavam seus lucros. O crupier estava pálido e parecia tenso.

Umas mãos femininas agarraram Tahir enquanto o resto dos presentes se aproximavam dele, olhando-o com avareza e nervosismo.

Tahir entregou algumas das fichas mais valiosas ao crupier.

—Para ti.

—Merci, monsieur — sorriu enquanto recolhia seu recém conseguido ganho.

Tahir levantou sua taça e bebeu um gole. Sentia-se otimista, quase contente. Por uma vez, o destino tinha jogado bem. Kareef seria o melhor rei que Qusay tinha conhecido.

Deixou a taça e se voltou.

—Boa noite, Elisabeth, Natasha. Temo que eu tenha algumas coisas que solucionar.

Tinha avançado alguns passos quando os gritos o detiveram.

—Espera! Seus ganhos! Esqueceste deles.

Tahir se voltou e disse:

—Fiquem e repartam entre vocês.

Dirigiu-se para a entrada sem olhar para trás, alheio ao reboliço que tinha criado.

O porteiro abriu as portas e Tahir saiu à rua. Respirou fundo, enchendo seus pulmões de ar fresco.

Esboçou um sorriso e desceu pela escada.

Tinha que assistir a uma coroação.

 

Tahir sobrevoou as dunas do deserto do Qusay.

Estava na direção do helicóptero e sentia a liberdade da completa solidão. Sem séquito. E sem assistentes aos que orientar. Sem mulheres ansiosas por passar um momento com ele. E sem paparazzi esperando para informar a respeito de alguma nova e escandalosa aventura.

Possivelmente a beleza do deserto lhe tinha levantado o ânimo? Inclusive por um momento, deixou de pensar no que o aguardava no Qusay.

Sua família. Seu passado.

Tinha visitado diversos desertos nos últimos onze anos. Do norte da África até a Austrália e América do Sul, participando de corridas de carros ou voando em asa delta, sempre procurando novas maneiras de arriscar sua vida.

Finalmente se precaveu de que seu bom humor se devia a que estava sobrevoando o lugar ao que tinha chamado «casa» durante os primeiros dezoito anos de sua vida. O lugar ao que não tinha pensado voltar.

De repente, uma tremenda rajada de vento sacudiu o helicóptero, deslocando-o de lado. Tahir lutou com os comandos e tratou de dominar o aparelho.

O que viu provocou que uma descarga de adrenalina se apoderasse de seu corpo. A escuridão que se via no céu não era um entardecer cedo, tal e como ele tinha pensado.

Se tivesse seguido as normas, teria se precavido dos sinais de alerta, mas tinha estado voando extremamente baixo, jogando com sua habilidade para interpretar a topografia de um terreno que trocava continuamente.

Aquela era a mãe de todas as tormentas de areia, que matava ao gado, alterava os cursos da água e enterrava estradas. O tipo de tormenta que podia voltear um helicóptero e destrui-lo em mil pedaços como se fosse um brinquedo.

Não tinha possibilidade de escapar. Nem tempo para aterrissar com segurança.

Mesmo assim, Tahir tratou de dirigir o helicóptero fora do alcance da tormenta. Ativou o sistema de emergência e enviou uma mensagem de mayday, consciente de que já era muito tarde.

Uma sensação de tranquilidade o invadiu por dentro. Ia morrer.

O filho pródigo tinha retornado à justiça do deserto.

 

Não estava morto.

Evidentemente, o destino tinha algo pior para ele. Desidratação por causa do calor. Ou, a julgar pela dor, a morte provocada pelas feridas.

A sorte que estava acostumada a acompanhá-lo na mesa de jogo, tinha-o abandonado.

Tahir se debatia entre abrir os olhos ou permanecer ali, procurando de novo a luxuosa escuridão da inconsciência. Entretanto, a dor que sentia no peito e na cabeça era difícil de ignorar.

Inclusive abrir os olhos lhe provocava dor. A luz incidia sobre suas retinas através das pestanas cheias de areia. Gemeu e percebeu o sabor de sangue mesclado com pó.

Recordava vagamente estar sentado com o cinturão posto, cego pelo pó e ouvindo o uivo do vento e o açoite da areia. Depois, o aroma de gasolina. Era um aroma tão forte que fez que se esforçasse para liberar-se do cinturão e do metal e se afastasse todo o possível.

Depois, nada.

Sobre sua cabeça, o azul intenso do céu.

Estava vivo. No deserto. Sozinho.

Tahir desmaiou três vezes antes de conseguir sentar-se, suando, tremendo e sentindo-se mais morto que vivo.

Sentou-se apoiando as costas contra um banco de areia e com as pernas estiradas, tratando de ignorar a dor que sentia ao apoiar a nuca contra a areia.

Estava a ponto de ficar inconsciente quando algo o fez reagir. Alguém fazia carícia em sua mão. Com cuidado, inclinou a cabeça.

—É uma miragem — sussurrou ele, mas não lhe saíam palavras da garganta.

O animal o olhou e, ao sacudir a cabeça, uma nuvem de pó se desprendeu de seu cabelo emaranhado.

—Mmmmah.

—As miragens não falam — murmurou Tahir.

E tampouco lambiam. Mas essa sim. Fechou os olhos e, ao abri-los, viu que a cabra seguia ali. Era muito pequena para estar sem sua mãe.

Nem sequer podia morrer em paz.

A cabra lhe deu uma pequena cabeçada no quadril e Tahir percebeu que tinha algo no bolso de sua jaqueta. Devagar, para não desmaiar de dor, colocou a mão e encontrou uma garrafa de água.

Lembrou-se de que tinha guardado uma garrafa de água antes de se afastar do lugar do acidente. Como podia havê-lo esquecido?

Demorou uma eternidade em tirar a garrafa, abrir a tampa e levar-lhe aos lábios. O mais duro que nunca tinha feito foi retirá-la de sua boca depois de dar um gole.

Beber muito era perigoso. Deu outro gole e baixou a mão. Era como um peso morto.

Notou que algo o golpeava e abriu os olhos. A cabra se havia aconchegado contra ele.

Apertando os dentes, levou a mão esquerda sobre seu corpo e derramou um pouco de água na palma.

—Aqui tem, cabra.

O animal bebeu com tranquilidade, como se estivesse acostumada ao contato humano. Ou como se também estivesse nas últimas e já não pudesse nem temer.

Tahir tinha conseguido tampar a garrafa antes que lhe caísse das mãos. Não podia sustentar a cabeça direito.

O calor do corpo do pequeno animal penetrava através de sua roupa, lhe recordando que não estava sozinho.

Isso foi o que fez que se esforçasse em sobreviver aos perigos do deserto do Qusay.

 

Annalisa jogou água na terrina de metal e molhou o rosto.

A tormenta de areia tinha atrasado sua viagem pelo deserto. Seus primos a tinham criticado lhe dizendo que aquela viagem era um engano, o tipo de engano ao que não sobreviveria. Mas eles não compreendiam.

Tinham passado seis meses da morte de seu avô, e um pouco menos desde a de seu pai, e ir ali significava muito para ela.

Estava cumprindo a última promessa que tinha feito a seu pai.

Era maravilhoso estar outra vez ali, embora a tristeza tingia o momento ao recordar as viagens anteriores que tinha realizado com seu progenitor.

Ela tinha chegado pela manhã, e tinha passado a tarde limpando a câmara e seu equipamento de fotografia. Um dia ali significava um dia de calor e pó a menos, e o luxo de ter o oásis para ela sozinha era muito para resistir.

Levantou outra terrina de água e a jogou pela cabeça. Ao sentir a água deslizando-se pelo cabelo, os ombros e suas costas, estremeceu-se. Derramou outra terrina sobre seus seios e sorriu, desfrutando da sensação de estar limpa.

O sol se estava ocultando e devia começar a acender o fogo antes de que escurecesse.

Estava a ponto de sair da água quando algo chamou sua atenção no horizonte.

Uma sombra. Mais que uma sombra. Um homem. Podia distinguir sua roupa escura e suas largas costas. Parecia que levava um traje e, cada vez que avançava, duna abaixo, permitia que a areia o deslizasse vários metros.

Annalisa agarrou a toalha e se cobriu com ela de maneira automática. De repente, fixou-se em que o homem não utilizava os braços para equilibrar-se na encosta e que seus movimentos eram descoordenados.

Sabia que não devia correr riscos com um estranho.

Nenhum aldeão lhe faria mal, mas aquele homem não era dali. Quem sabia como podia reagir ao encontrar a uma mulher sozinha?

Enquanto se atava a toalha e o via avançar, precaveu-se de que algo ia mal. Aquele homem não era uma ameaça. E parecia que mal podia sustentar-se em pé.

Momento mais tarde corria para ele.

À medida que se aproximava e podia vê-lo melhor, foi diminuindo o passo.

Por um instante, ficou sem respiração. Não podia ser verdade. Pestanejou, mas a imagem era clara e inconfundível.

Um homem alto, de cabelo escuro, vestido de smoking e com sapatos de couro, aproximava-se dela avançando duna abaixo. Levava a camisa aberta e se podia ver a pele bronzeada de seu torso. Um laço negro, parte de uma gravata borboleta, movia-se contra seu pescoço.

Tinha o rosto coberto de areia e resultava quase impossível distinguir seus traços. Entretanto, a forma de seu queixo e suas maçãs do rosto anguloso indicavam uma chamativa beleza masculina. Tinha a têmpora coberta de sangue seco e, ao vê-lo, ela ficou assombrada.

Mas foi seu olhar o que a paralisou enquanto ele se deslizava pela duna. Sua cor azul intensa a cativou. Era uma cor inesperada em um reino do deserto.

Apesar de cambalear ao caminhar, seu porte era elegante embora ridiculamente travesso.

Como se tivesse bebido muito em uma festa e não pudesse manter o equilíbrio.

Então ela se fixou em como levava os braços, cruzados junto ao peito, e aumentou seu temor. Estaria ferido gravemente? Ela podia curar cortes e queimaduras, depois de tudo era filha de seu pai, mas o centro médico mais próximo ficava muito longe dali e ela só tinha conhecimentos básicos.

Annalisa correu duna acima com o coração acelerado pelo medo.

Estava a ponto de chegar a seu lado quando ele tropeçou e caiu de joelhos. Estirou os braços e a olhou.

—Toma — sussurrou arrastando as palavras. Ela se agachou para ouvi-lo melhor. — Ocupe-te dela.

Deixou cair os braços e algo, um animal pequeno, rodou até o chão enquanto o estranho caía a seus pés, como se estivesse morto.

 

Annalisa sentou-se nos calcanhares e colocou uma mecha de cabelo detrás da orelha. Estava tremendo e, de esgotamento, parecia que seus braços eram de gelatina. Ainda tinha o pulso acelerado pelo susto e o temor de não ser capaz de salvá-lo.

Depois de lhe fazer uma verificação rápida, decidiu correr o risco e levar o desconhecido até seu acampamento. Tinha muita febre e passar a noite em uma duna podia ser fatal.

Mas não parou para pensar na logística que requeria transportar a um homem bem mais alto que ela.

Tinha demorado uma hora em baixá-lo e colocá-lo em uma maca improvisada. Mas, sobretudo se assustou ao ver que era um peso morto e que não se movia absolutamente.

—Nem pense em morrer agora — o ameaçou enquanto comprovava seu débil pulso e começava a lhe limpar a ferida que tinha na têmpora.

«Feridas na cabeça sangram muito», disse a si mesma. «Provavelmente não é tão grave como parece». Entretanto, começou a murmurar uma espécie de oração em uma mescla de árabe, dinamarquês e inglês, tal e como estava acostumada a fazer seu pai quando enfrentava a uma situação desesperadora.

Aquelas palavras familiares a tranquilizavam e faziam que se sentisse com mais controle da situação, embora soubesse que não era mais que uma ilusão. Seria um milagre se aquele paciente sobrevivesse.

—Está bem — uma voz interrompeu seu pensamento—. Sei que não vou sobreviver — ele tinha os olhos fechados, mas Annalisa viu o movimento de seus lábios ensanguentados e soube que não imaginou sua voz.

—Não seja ridículo! Claro que vai sobreviver.

Ao cabo de um momento, ele moveu os lábios de novo em uma espécie de careta que podia significar regozijo.

—Se você o diz… — sussurrou. — Mas não se preocupe se estiver enganada respirou fundo de maneira entrecortada. — Não me importa nada.

Terminou de falar e ficou tão quieto que Annalisa não podia sentir sua respiração. Assustada, buscou-lhe o pulso e ao encontrá-lo se sentiu aliviada.

Pensou que era melhor se ficasse inconsciente outra vez, assim não sentiria dor enquanto lhe tratava as feridas.

Foi mais tarde, quando colocou uma toalha molhada sobre a testa para lhe baixar a temperatura quando se precaveu de que o homem se dirigiu a ela em um inglês perfeito.

Quem era? E que fazia um estrangeiro solitário no árido coração do Qusay vestido como se fosse uma estrela de cinema?

 

Tahir estava muito dolorido. A cabeça lhe retumbava sem piedade, como se uma equipe de demolições tivesse começado a trabalhar em seu crânio. Tinha a boca seca e ao tragar sentia como se seus músculos pressionassem sobre vidros quebrados. Tinha o corpo rígido e cheio de hematomas.

«Desta vez me deram uma boa surra», pensou vagamente. Seu pai tinha chegado muito longe?

Não conseguia abrir os olhos para ver onde estava. Sabia que quando o fizesse sentiria muita dor. E nesse momento não tinha forças para fingir que não lhe importava.

As únicas armas que podia empregar contra seu pai eram o orgulho e a despreocupação fingida. Olhar fixamente aos olhos de seu pai e negar-se a lhe suplicar piedade.

Isso voltava louco o seu torturante e o privava da satisfação que lhe dava pegar a seu filho.

Dava igual como fosse a surra, ou quanto durasse, Tahir nunca suplicava que parasse. Tampouco chorava, nem se queixava. Inclusive quando Yazan Al’Ramiz enviou a seus valentões para castigá-lo, Tahir se negou a ceder.

Sentia-se triunfante ao enfrentar o homem que sempre o tinha odiado. E depois de cada surra, reunia forças e partia por uma questão de honra. Embora caminhasse quase sem equilíbrio e com os olhos umedecidos. Embora tivesse que apoiar-se nos móveis ou em uma parede para poder manter-se em pé.

Negava-se a desmaiar aos pés do xeque.

Respirou devagar e notou uma forte dor no peito e no flanco. Teria alguma costela quebrada?

Essa vez não podia escapar. Algo roçou seu pescoço com suavidade. Algo frio e molhado que se deslizava por seu queixo, o pescoço e o torso.

Num momento, ouviu um chuvisco. E momento mais tarde sentiu algo molhado sobre a testa e pôde reconhecer que alguém lhe tinha posto um pano.

Ao sentir que o frio aliviava sua dor de cabeça, conteve um gemido de prazer.

Seria uma nova tortura idealizada por seu pai? Estaria permitindo que se recuperasse um pouco para que pudesse aguentar outra surra?

—Vá tentou dizer sem êxito, embora movesse os lábios.

A mão que o acariciava com o pano se deteve. Depois lhe acariciou a bochecha com ternura. Ele não recordava haver se sentido tão fraco jamais.

Ardia-lhe e lhe picava a pele como se tivesse milhares de cortes, entretanto, aquela carícia fez que respirasse fundo. Ao fazê-lo, notou uma forte dor no peito.

—Vá.

Não tinha força para resistir aquele trato tão delicado. Lhe suportá-lo resultava mais difícil que os murros que lhe tinham dado outras vezes.

—Está acordado — disse ela com um sussurro.

Ele tratou de localizar aquela voz. Não teria sido capaz de esquecer uma voz como aquela. Doce, delicada e com um toque sedutor.

De repente, deu-se conta de que não a conhecia.

Devia ser uma das mulheres de seu pai. Uma nova.

O sabor da amargura invadiu sua boca. Devia ter imaginado que o xeque Yazan Al'Ramiz tentaria algo com tal para destruir a seu obstinado filho. E que melhor que as suaves carícias de uma mulher?

Me deixe — ordenou Tahir. Mas não conseguiu mais voz que um mero sussurro.

—Toma.

Notou que uma mão lhe levantava a cabeça ligeiramente.

No momento, uma forte dor se apoderou dele.

—Sei que te dói, mas tem que beber.

Tahir ouviu vagamente aquela voz. Depois, notou que seus lábios se molhavam com água fresca e tragou o prezado líquido.

Abriu os olhos para pedir mais, mas ela se antecipou.

—Tenha paciência. Logo poderá beber um pouco mais — se inclinou para ele.

Tahir notava o calor de seu corpo enquanto descansava sobre seu regaço. Seu aroma feminino, misturado com o do mel selvagem e a canela, desatou seus pensamentos.

—Está desidratado. Precisa ingerir líquido, mas não muito depressa.

—Quanto tempo falta para que ele retorne?

Ele? —perguntou ela. — Não há ninguém mais. Só estamos você e eu.

Tahir escutou sua voz e conteve um grunhido de desespero. Como poderia conter-se ante a promessa daquela voz e daquelas delicadas mãos?

Não ficavam forças. O único que queria era que ela o sujeitasse e o colocasse sobre seu regaço, e fingir que a realidade não existia.

Quanto tempo passaria antes que suplicasse pela primeira vez em sua vida?

Seu pai tinha encontrado a maneira de quebrar sua resistência.

Me conte quando retornará — tratou de incorporar-se, mas ela o impediu de fazê-lo pondo a mão sobre seu peito.

—Quem? Havia alguém contigo no deserto? —perguntou ela.

—No deserto? —Tahir fez uma pausa e franziu o cenho como para tratar de recordar. O xeque Jazam Al’Ramiz desfrutava de muito dos luxos da vida para passar tempo no deserto, embora fosse o berço de seus antepassados.

Ela estava tentando distraí-lo.

—Onde está meu pai?—sussurrou apertando os dentes para aguentar a dor—. Quererá desfrutar-se.

—Hei-te dito que não há ninguém mais que nós.

—Pode ser que me tenham dado uma surra de morte, mas não sou idiota levantou a mão e lhe agarrou o pulso da mão que tinha sobre o peito.

Era uma moça e tinha a pele lisa e suave. Ele notava seu pulso acelerado sob os dedos.

—Alguém te pegou? Acreditava que tinha tido um acidente.

Ao final, ele se esforçou para abrir os olhos. O mundo era escuro e impreciso. Demorou muito tempo em focar a vista, mas quando o conseguiu lhe cortou a respiração.

«Maldito vício», pensou. Conhecia muito bem a seu filho. Melhor do que ele conhecia si mesmo.

Ela era deslumbrante. Tinha o rosto ovalado e a tez pálida. O nariz reto. Os lábios sensuais prometiam prazer. Com apenas olhá-la, Tahir sentiu que lhe acelerava o coração e, apesar da dor, uma onda de calor percorreu seu corpo ao ver como umedecia os lábios com a língua em um gesto de nervosismo.

Seu queixo anguloso mostrava o caráter decidido que em seguida atraiu Tahir. E seus olhos… Ele poderia deixar-se cativar por aqueles grandes olhos marrons. Seu olhar era cativante, atrativo, sem malícia.

Umas mechas soltas, de cabelo negro e brilhante, emolduravam seu rosto sem maquiar. Ela pestanejou e o olhou aos olhos antes de baixar a vista.

Era a viva imagem da sedução. Tahir notou que seu corpo machucado reagia.

Se tivesse tido energia, teria celebrado a escolha de seu pai. Como sabia que aquela mulher de aspecto inocente debilitaria a determinação de seu filho mais que as artimanhas de uma mulher sofisticada e perita?

Tahir recordou a primeira vez que se deixou cativar por uma mulher de aspecto delicado e virginal, e franziu o cenho. Quem ia pensar que depois de tanto tempo ainda albergava certa debilidade por essa particular fantasia? Propôs-se evitar que voltasse a acontecer o mesmo.

Sujeitou-a com mais força, sentindo a fragilidade de seus ossos e o batimento de seu coração acelerado. A expressão de seu rosto era de calma, mas seu pulso manifestava o contrário.

Teria medo de seu pai? A teriam coagido?

Ele fez uma careta e tratou de encontrar palavras para interrogá-la. Mas o esforço fez que lhe fechassem os olhos.

—Vá! Parte antes que te faça mal.

—Quem? A quem te refere?

—A meu pai, é obvio — uma forte dor se apoderou dele, sossegando suas palavras e roubando sua consciência.

 

Annalisa lhe colocou a cabeça sobre o travesseiro.

Olhar seus olhos azuis era como olhar ao sol muito tempo. Exceto que olhar ao céu nunca tinha feito que se sentisse tão inquieta.

Inclusive o som de sua voz, um mero sussurro de seus lábios cortados, provocava-lhe um nó na boca do estômago.

Ela olhou a seu redor, para a duna onde ele tinha aparecido.

O teriam atacado? Tinha sido um estranho, ou seu pai, tal e como ele dizia? Ou seria que estava confuso por causa de tantas feridas que tinha na cabeça?

Durante horas tinha estado comprovando suas pupilas. Embora não sabia o que poderia fazer se tivesse tido uma hemorragia cerebral. Não podia movê-lo. Faltavam dias para que retornasse a caravana de camelos e naquela parte do país não havia cobertura para a telecomunicação.

O medo se apoderou dela e estremeceu. Repetiu-se uma e outra vez que poderia salvá-lo, que conseguiria rehidratá-lo e lhe baixar a temperatura.

Mas havia mais coisas das que devia preocupar-se.

Ficou em pé e procurou no lugar onde guardava suas coisas. Fechou a mão ao redor do frio metal e o tirou.

A pistola era uma antiguidade. Tinha pertencido ao pai de sua mãe, que a tinha dado ao pai de Annalisa no dia das bodas deste. Um presente tradicional de um homem tradicional. Todos os homens do Qusay sabiam disparar, como sabiam montar a cavalo, e muitos ainda tinham conhecimentos sobre arco e flecha ou a falcoaria.

O pai da Annalisa, um forasteiro, nunca tinha usado a pistola. Posto que era médico, nunca tinha necessitado proteger-se. Mas ela se sentia melhor com a pistola na mão.

Tinha-a levado por motivos sentimentais, recordando que ele a levava nas viagens que faziam ao deserto.

Uma vez mais, essa temida sensação de solidão a invadiu por dentro.

E se havia alguém mais ali fora? Possivelmente estivesse ferido, ou perdido, ou zangado e violento. Ela mordeu o lábio, consciente de que não devia sair para buscá-lo. Se saísse do oásis, seu paciente morreria de desidratação.

Retornou a seu lado. Ainda tinha muita febre. Agarrou o pano de novo, mas resistia ante a idéia de tocá-lo outra vez.

Apesar das feridas que tinha no rosto, era um homem atrativo. Mais atrativo que os que tinha conhecido até então. A barba incipiente acentuava os rasgos de seu rosto. Inclusive suas mãos, grandes e fortes, resultavam fascinantes.

Annalisa recordava a sensação de seus dedos ao redor do pulso e se perguntava por que estava experimentando todas aquelas sensações. Estava receosa, mas excitada de uma vez.

Fixou-se em seu torso desnudo. Tinha-lhe aberto a camisa para banhá-lo e tratar de lhe baixar a febre.

À luz tênue do abajur e do fogo, seu aspecto era atrativo, apesar dos hematomas que cobriam sua pele bronzeada. Seu peito era musculoso, mas não parecia inchado como os das revistas. Sua fortaleza parecia algo natural. E seus quadris… Annalisa não podia deixar de olhar.

Inclusive o pêlo escuro que se estendia por seu peitoral resultava atrativo. Desejou acariciá-lo. Descobrir se seu tato era suave ou não.

Percorreu com o olhar a fina flecha de pêlo que descia por seu ventre.

Seu coração começou a pulsar mais rápido e se ruborizou ao dar-se conta de que o estava comendo com os olhos.

Escorreu o pano com decisão, respirou fundo e lhe passou o tecido molhado pela pele.

Não queria pensar em como lhe tremia a mão enquanto percorria a silhueta de seu corpo, nem no comichão que tinha no estômago e que indicava a reação ante um homem que, inclusive dormindo, era mais viril que qualquer dos que tinha conhecido.

 

Tahir despertou de novo. Ao menos a dor de cabeça tinha diminuído um pouco.

Tratou de esboçar um sorriso e abriu os olhos um pouco. Não havia escuridão, mas tampouco luz de dia. A luz que se filtrava através de suas pestanas era de cor esverdeada e sombreada.

Ouviu o som do vento, respirou fundo e inalou o único aroma do Qusay. Areia e calor, e uma especiaria que não tinha sido capaz de identificar.

De repente, uma série de emoções mescladas se apoderaram dele.

—Então não estou morto — disse em voz alta.

—Não, não está morto.

Ficou tenso ao ouvir aquela voz e recordou à mulher tentadora que acreditava tivesse sido enviada para quebrar sua resistência.

—Não parece muito contente Tahir se encolheu de ombros, e se esticou ao sentir dor. Não estava acostumado a explicar a ninguém seus pensamentos mais íntimos. — Por que se vê verde? Onde estamos?

Continuou olhando para outro lado para não ver a proprietária daquela voz antes de recuperar o controle sobre si mesmo. Era incapaz de recuperar a compostura, sentia-se perdido, como se se tivesse quebrado a barreira protetora que estava acostumado a empregar para distanciar-se da brutalidade que o rodeava.

Tahir pestanejou surpreso pelo tão vulnerável que se sentia. E fraco.

—Estamos no oásis Darshoor, no coração do deserto do Qusay.

—No deserto? —girou a cabeça e fechou os olhos ao sentir uma forte dor.

—Assim é. A luz é esverdeada porque está em minha tenda.

Uma tenda. No deserto. Aquelas palavras não tinham sentido.

—Meu pai…

—Não está aqui — o interrompeu ela—. Ao parecer crê que ele estava aqui também, mas te confunde. Está desorientado.

Tahir franziu o cenho. Nada tinha sentido. Seu pai vivia na cidade, perto de todos os vícios que gostava: mulheres, jogo, poder e corrupção.

—Ao que parece crê que lhe deram uma surra.

Tahir ficou gelado. Jamais teria admitido tal coisa, e menos ante um estranho! Nem sequer ante seus amigos próximos.

Quem era essa mulher?

Esforçou-se para abrir os olhos de novo e se encontrou com o cálido olhar de uns olhos marrons.

De dia tinha inclusive melhor aspecto que a primeira vez que a tinha visto. Recordava a aquela mulher que tinha cativado seu pensamento. Ou seus sonhos?

—Quem é? —notou que levava o cabelo recolhido, não tinha jóias e vestia uma blusa amarela de manga larga e uma calça de algodão bege. Não levava saia larga como as aldeãs. Entretanto, só uma aldeã poderia estar ali.

De seu ponto de vista, suas pernas pareciam intermináveis. Ela se moveu e ele se fixou em como o tecido da calça grudava em seus quadris. Momentos mais tarde, ela se sentou no chão junto a ele. Tahir percebeu o aroma que desprendia seu corpo e viu que o tecido de sua blusa se pegava contra seus seios ao inclinar-se.

Formou-lhe um nó no estômago.

Não. Não estava morto.

—Meu nome é Annalisa. Annalisa Hansen — fez uma pausa, como se esperasse que ele dissesse algo. — Chegou a meu acampamento faz dias. Saiu do deserto, sem mais.

—Faz dias? —como podia ter perdido tanto tempo?

—Está ferido — assinalou sua cabeça. — Minha teoria é que esteve no deserto bastante tempo. Quando chegou, estava desidratado — lhe tocou a testa.

Tinha a palma fria e ao Tahir resultava familiar. Recordava que ela o tinha acariciado antes. Tinha-lhe dado água e o tinha tranquilizado com palavras doces.

—Ficaste inconsciente várias vezes — disse ela retirando a mão, e Tahir sentiu o desejo de agarrar-lhe de novo. — Sua amiguinha estava preocupada.

—Minha amiguinha?

—Não a recorda?

—Não. Não me lembro.

Era certo. Suas idéias eram incompletas. Era incapaz de fixar algo em sua memória.

—Está bem — disse ela. — Te deste um bom golpe na cabeça, assim pode ser que esteja confuso por algum tempo.

Me conte — murmurou ele, preocupado por sua falta de memória.

Recordava-se de um cassino. Uma mulher que não se separava dele enquanto as fichas se amontoavam na toalha de mesa. Recordava um cruzeiro em uma marina, uma festa em um apartamento de cobertura na cidade, uma reunião em uma sala de juntas. Mas os rostos eram imprecisos, os detalhes não estavam claros.

—Que amiguinha? Annalisa sorriu.

—Trazia uma cabra.

—Uma cabra?

—Sim — sorriu—. Uma cabritinha. Está claro que é seu amiga. Esteve procurando comida, mas não deixa de vir dormir junto à tenda.

«Uma cabra?». Tinha a mente em branco.

—E que mais? —murmurou.

Ela se encolheu de ombros e viu algo em seu olhar. Medo? Nervosismo?

—Nada mais. Apareceu sem mais — esperou um momento, mas ao ver que não dizia nada continuou—. Possivelmente possa me contar algo — tocou a orelha com nervosismo—. Quem é?

—Meu nome é Tahir…

—Sim… — assentiu para animá-lo a que continuasse.

Uma sensação de vazio se apoderou dele. Olhou-a aos olhos e disse:

—E temo que é tudo o que posso te contar —forçou um sorriso—. Parece que perdi a memória.

 

Para ser um homem que não recordava seu nome, Tahir parecia um bom homem.

Annalisa se precaveu de que seu olhar expressava surpresa e como ele tratava de ocultá-la. Ela tratou de não mostrar lástima, já que sabia que ele a rechaçaria.

Apesar de que nunca tinha saído do Qusay, havia visto muitas coisas durante seus vinte e cinco anos de vida. Como ajudante de seu pai tinha visto as sequelas de acidentes e enfermidades, e como a dor ou o medo podiam quebrar a mais forte das vontades.

Entretanto, aquele homem sorria apesar de sofrer feridas e traumatismos. Como se fosse um dos amigos de seu pai e estivessem conversando sobre o estudo enquanto tomavam uma xícara de chá.

Mas nenhum dos amigos de seu pai se parecia com o Tahir. Nem lhe provocava esse comichão no estômago.

Anos atrás, com o Toby, o homem com quem pensava casar-se, havia sentido algo assim, mas não tão forte, nem de forma tão instantânea.

Tahir tinha algo com o que ela conectava a um nível mais profundo. Algo além de seu aspecto ou de sua sofisticação inata, que nada tinha que ver com a roupa. Algo que o fazia diferente. Ela se sentia atraída por uma força interior, exteriorizada cada vez que a olhava com seus olhos azuis e se sobrepunha ao medo de que sua falta de cor fosse definitiva.

«Vem de outro mundo. Um mundo ao que você não pertence».

Seria melhor que o recordasse.

Mas, a que mundo pertencia ela?

Nunca em sua vida tinha encaixado em algum. Era qusani, mas não vivia como as mulheres qusanies. Estava entre dois mundos e não pertencia a nenhum. Tinha formado parte do mundo de seu pai, tinha sido sua ajudante, sua confidente.

Mas ele partiu, deixando-a sem nada.

—O que ocorre? —a voz do Tahir a tirou de seus melancólicos pensamentos. — Está bem?

Annalisa sorriu. Aquele homem se preocupava com ela, apesar de não ter memória e de estar contundido?

Apoiou a mão sobre seu braço. Seus músculos se esticaram sob o tecido da camisa. E quando seus olhares se encontraram, algo fluiu entre eles. Tahir deixou de sorrir e franziu o cenho.

—Não passa nada — disse ela, retirando a mão. — É normal que tenha pouca memória. Recuperará com o tempo — forçou um sorriso tranquilizador. — Tem duas feridas na cabeça. Qualquer das duas bastaria para te deixar sem conhecimento um par de dias.

Ou algo pior. Tratou de não pensar na possibilidade de que estivesse mais grave do que ela pensava.

—Fala como se fosse médica.

—Meu pai era médico, o único médico de nossa região. Ajudei-o durante anos — se voltou horrorizada pela dor que lhe resultavam as lembranças. — Não tenho estudos de medicina, mas posso imobilizar uma entorse ou tratar a febre.

— Por que suspeito que tem feito muito mais que isso por mim? Salvaste-me a vida, não é assim?

Annalisa se encolheu de ombros, sentindo-se incômoda com os elogios. Incômoda por sua maneira de reagir ante aquele estranho. Fazia tudo o que podia por ele, mas ainda não estava fora de perigo.

—Com o tempo te porá bem — confiava em não estar equivocada. — Quão único precisa é descansar e lhe dar tempo para te recuperar. E tentar não preocupar-se — ela já se preocupava bastante pelos dois. — Quero comprovar seu estado — se ajoelhou aos pés do colchão. — Pode mover os pés?

Observou como movia os tornozelos e como levantava um pé e depois o outro. Suspirou aliviada.

—Estupendo. Vou sujeitar-te os pés. Quando te disser, empurra contra minha mão de acordo?

—De acordo.

Levantou-lhe os pés com cuidado, os colocou sobre os joelhos e lhe cobriu a planta com as mãos. Depois do contato, notou um forte calor. Pestanejou e tratou de concentrar-se. Durante um instante permaneceu quieta, absorvendo a sensação de senti-lo pele contra pele.

Nunca tinha imaginado que os pés pudessem lhe parecer algo sexy.

Franziu o cenho.

—Annalisa? —a voz do Tahir a tirou de sua distração.

Ela notou que ruborizava, agachou a cabeça e se concentrou no que seu pai lhe tinha contado sobre os traumatismos na cabeça.

—Empurra contra minhas mãos — ao sentir uma pressão constante, sorriu e o olhou. — Muito bem.

Baixou-lhe os pés com cuidado e se colocou a seu lado, inclinando-se sobre ele para que não tivesse que girar-se para ela.

—Me dê as mãos — disse ela com tom profissional. Mas era difícil mantê-lo quando uns olhos como safiras a olhavam fixamente. Ela se perguntou se ele podia perceber seu temor e sua insegurança.

Tahir lhe deu as mãos e ela as agarrou.

—Empurra — murmurou, tratando de não pensar na sensação que lhe provocava ter os dedos entrelaçados.

Uma vez mais, a pressão era igual em ambos os lados. De momento, tudo ia bem.

Ela tratou de retirar as mãos, mas ele as reteve. Notou que lhe acelerava o coração. Podia sentir o calor de seu torso nu através do fino tecido de sua roupa. Seus olhos brilhavam de maneira inquietante. Annalisa se sentia vulnerável apesar de que era ele o que estava ferido.

—O que está comprovando? —perguntou ele.

—Trato de me assegurar de que seus reflexos são normais — o olhou aos olhos, negando-se a mencionar a possibilidade de que tivesse uma hemorragia cerebral. — Eles são. Dentro de pouco, deverá poder te levantar.

—Bem. Tenho uma vontade tremenda de me banhar. Disse que estamos em um oásis?

—Sim, mas…

—Então não há problema para conseguir água — disse ele. — Necessitarei que alguém de sua equipe me ajude a me levantar.

—Só estou eu. E não acredito que seja boa idéia te banhar ainda.

—Está sozinha? —perguntou assombrado.

Ela assentiu.

—É uma mulher surpreendente, Annalisa Hansen — lhe soltou a mão e ela se endireitou para não cair sobre ele.

—Faz isto frequentemente? Acampar sozinha no deserto?

Ela negou com a cabeça.

—É a primeira vez que estou aqui só — lhe tremeu a voz e ele entreabriu os olhos. Ela olhou a outro lado.

Tinham passado quase seis meses da morte de seu pai. Possivelmente o fato de que se aproximasse o aniversário fosse o que lhe provocava tanto dor.

De repente, ele falou trocando de tema.

—Se soubesse quanta areia traguei, ajudar-me-ia a me lavar — se levantou sobre um cotovelo e se sentou, balançando-se, a seu lado.

Sem fazer caso dos protestos da Annalisa, tratou de ficar de joelhos. Finalmente, ela o ajudou, ao precaver-se de que não poderia detê-lo.

Foi mais tarde quando recordou como a tinha cuidado quando a pena se apoderou dela de repente.

Tinha percebido sua dor e tinha querido distraí-la?

Não, a idéia era absurda.

 

Tahir se admoestou por ser tão idiota enquanto se sentava na poça e permitia que a água se deslizasse por seu corpo dolorido. Sabia que mover-se não era boa idéia, mas se negava a comportar-se como se estivesse inválido.

Já tinha bastante com que não lhe funcionasse o cérebro. Quanto mais se esforçava por recordar, mais se intensificava sua dor de cabeça e a de seu flanco. Tentou não pensar na possibilidade de que o dano fosse permanente. Não podia aceitar essa opção.

Depois estava a lembrança dos olhos umedecidos da Annalisa tratando de evitar seu olhar.

Ao olhá-la aos olhos, Tahir percebia uma profunda vulnerabilidade e sentia a necessidade de ajudá-la a apagar sua dor.

Suficiente como para que tentasse ficar em pé.

Idiota! Tinha estado a ponto de cair, mas graças a ela tinha conseguido meter-se na água. Estava sentado e se deixou posta a roupa interior. Perguntava-se como reuniria forças para retornar à tenda.

E como conseguiria apartar o olhar da mulher que o observava de fora da água.

Permitir que o despisse tinha sido uma tortura. Suas mãos suaves lhe desabotoando as calças, um tortura que tinha feito que, por um instante esquecesse a dor que sentia. Vê-la ajoelhada diante dele lhe baixando as calças enquanto ele se apoiava em seu ombro, tinha-lhe provocado uma sensação que nenhum inválido devia sentir.

Depois se tinha metido na água para ajudá-lo, sem se importar que lhe molhasse a roupa.

Ele sim se importou.

Quando fechava os olhos, ainda via o prendedor do soutien sob o tecido de sua blusa molhada, marcando seus seios voluptuosos. Recordava a curva de seu quadril, e como se transparecia o elástico estreito de sua roupa interior sob a calça.

Tahir notou que lhe secava a boca. Sabia que não tinha nada que ver com o ar do deserto.

Deveria tentar recordar quem era e juntar os fragmentos de sua memória. Entretanto, não podia deixar de pensar na Annalisa. Quem era ela? Por que estava ali?

Apesar da água fria, ardia-lhe a entre perna ao ver como ela acariciava à cabrita.

Passava-lhe o mesmo com outras mulheres? Excitava-se tão facilmente?

Lembrou-se da mulher do cassino. A que levava pouca roupa e era muito carinhosa. A lembrança não lhe provocou nenhum desejo.

Tahir franziu o cenho. Tinha a sensação de que deveria estar muito preocupado por sua maneira de reagir ante a Annalisa Hansen.

 

Banhar-se no wadi tinha sido um grande engano. Annalisa mordeu o lábio enquanto Tahir murmurava algo em sonhos e franzia o cenho. Durante as últimas horas parecia mais inquieto, assim que ela tinha deixado o telescópio e se sentou a seu lado.

Ele se girou, tirou um braço de debaixo da manta e deixou seu torso a descoberto.

Ela tratou de não pensar que estava nu. Depois de banhar-se colocou na improvisada canastra e tirou a roupa interior molhada sem preocupar-se de que ela estivesse ali. Era possível que nem sequer se precavesse de sua presença.

Em troca, ela o recordava com todo detalhe. A curva de seu traseiro, suas coxas musculosas e…

—Pai! —o gritou fez que ela voltasse para o presente.

Tahir moveu a cabeça com brutalidade e ela fez uma careta ao pensar na ferida que tinha.

—Shh. Tranquilo, Tahir. Está a salvo — disse, e lhe tocou a testa. Sua temperatura era normal, mas…

Ele a agarrou pelo pulso e atirou dela. O gesto a pegou despreparada. Tratou de retirar o braço, mas Tahir a sujeitou com mais força e a deitou sobre ele. Ele franziu mais o cenho e moveu os lábios em silêncio.

Atirou com força e ela tratou de não lhe cravar os cotovelos nas costelas, mas ele a rodeou com o outro braço. Não tinha escapatória.

—Ele te enviou, não é assim?

—Não me envia ninguém — ela tentou liberar-se, mas ele a deitou sobre seu corpo de forma que suas pernas ficaram entre as do Tahir.

Com cada respiração notava seu torso, seus quadris, e suas coxas poderosas ao redor de seu corpo.

—Meu pai sabia o que fazia, maldito seja — disse Tahir com voz áspera.

Annalisa tratou de ignorar a fascinação que sentia por estar tão perto dele. Nem sequer com o Toby, quando este a abraçava e falava do futuro com ela, havia-se sentido tão perto. Ele respeitava que no Qusay a virgindade de uma mulher era algo muito importante para entregá-la a qualquer um e tinha prometido esperar. O futuro, entretanto, nunca chegou.

—Houri… — murmurou Tahir, e ela se estremeceu ao sentir sua respiração na nuca. — É tentadora.

Soltou-a e lhe acariciou as costas. Era tão agradável que ela se esforçou para não arquear-se. Sentiu um comichão no estômago. Estava deitada sobre o Tahir e ele a acariciava e lhe sussurrava ao ouvido. A sensação não lhe parecia familiar, e era preocupante.

Ele a sujeitou pelo traseiro e a atraiu para si, lhe roçando a entre perna com seu membro ereto.

Tahir não sabia o que estava fazendo. Entretanto, o calor que ela sentia na entre perna demonstrava que não importava. Estremeceu-se, horrorizada ao ver quão excitada estava.

Quem ia imaginar que o corpo de um homem podia ser tão agradável?

—Não devo… — ele deixou de acariciá-la e, ao respirar fundo, roçou seus seios com o torso. Annalisa fechou os olhos, desejando que seu corpo não reagisse, mas seus mamilos ficaram eretos.

Esperou uns instantes e tratou de retirar-se. Num momento, ele a aprisionou com um abraço.

Tahir ficou quieto.

Annalisa esperou dez minutos e o tentou de novo. Inclusive dormindo, Tahir a sujeitava com força, negando-se a soltá-la.

Tratando de convencer-se de que não ficava mais remédio que esperar a que estivesse completamente relaxado abandonou a luta por manter-se ligeiramente afastada dele. Agachou a cabeça e relaxou a musculatura, acomodando-se contra ele. Não iria a nenhum lugar ainda.

 

Tahir despertou com um raio de luz e, imediatamente, comprovou que tinha o corpo dolorido e que ainda lhe retumbava a cabeça.

Estava excitado. Sexualmente excitado.

Estava convexo de lado com a Annalisa entre seus braços. Ela tinha a cabeça apoiada em seu ombro, os joelhos dobrados, permitindo que ele encaixasse suas pernas detrás dela. Ao respirar fundo inalou o aroma de seu corpo, a promessa dos prazeres que estavam por chegar. Seu corpo magro tinha as curvas necessárias nos lugares apropriados.

Sem atrever-se a respirar, Tahir colocou a mão sobre seu seio. Tinha-lhe aberto a blusa e acariciava o fino tecido do prendedor do soutien que cobria seus seios.

Ao respirar emitiu um assobio e blasfemou em silêncio. Não estava preparado para que ela despertasse e partisse. Era evidente que o que os tinha levado a compartilhar a estreita canastra não era o sexo. Annalisa estava completamente vestida.

Mas a roupa proporcionava pouco amparo. E menos quando estava convexo junto a ela.

Ele fechou os olhos, precavendo-se de quão excitado estava. A curvatura de seu traseiro pressionando contra ele era um convite inconsciente. O calor de seu corpo fazia que a desejasse cada vez mais, e tratou de conter-se. Tentou lutar contra o desejo de lhe tirar as calças e entrar nela.

Uma forte dor percorreu seu corpo e Tahir se precaveu de que tinha apertado os dentes com tanta força que temia que lhe deslocasse a mandíbula.

Respirou devagar, convencendo-se de que devia mover-se. Não tinha direito a abraçá-la assim. Mas a desejava…

Durante um momento permaneceu ali convexo, tenso e quieto. Pressionou a palma da mão contra o seio da Annalisa e não pôde evitar acariciar o mamilo com os dedos.

Esse era o tipo de homem que era? Dos que se aproveitavam de uma mulher dormindo? Uma mulher que unicamente lhe tinha demonstrado amabilidade e nenhum pingo de interesse sexual.

Nem sequer sabia se era casado. Comprometido com uma mulher que estivesse longe e preocupando-se com ele.

A idéia fez que a excitação sexual desaparecesse de repente. Momentos mais tarde, retirou-se de seu lado com cuidado para não despertá-la.

Cada movimento era uma tortura.

 

O sol estava no alto quando Annalisa despertou.

Recordava que Tahir a tinha abraçado com força e que ela tinha esperado a que lhe passasse o pesadelo para escapar.

Também recordava a maneira, desconhecida e inconfundível, em que tinha reagido à cercania do Tahir. Ao recordar como se deleitou com seu poderio masculino, seu membro ereto, e inclusive com o aroma de seu corpo recém banhado.

Fechou a blusa apressadamente, agradecida de que Tahir não estivesse ali para ver como tinha se desabotoado durante a noite.

Não se assustou ao ver que ele não estava ali. Certamente era bom sinal, porque tinha tido suficiente energia para levantar-se sem ajuda.

Mesmo assim, ainda não estava recuperado.

Não o viu sair da tenda.

Estava sentado com as costas apoiadas contra uma palmeira e as pernas estiradas. Levava as calças que lhe tinha lavado. Não estava nu, como quando a tinha abraçado. Entretanto, ela se estremeceu ao sentir que uma onda de desejo a invadia por dentro.

Lembranças da noite anterior invadiram sua mente. Sentia-se culpada por ter reagido sexualmente ante um homem que era vulnerável e estava a seu cuidado.

E confusa. Em vinte e cinco anos nunca tinha reagido assim ante nenhum outro homem.

Com o torso nu e os pés descalços parecia um ser indômito, apesar de que levava umas calças. Ela recordava o tato daquele tecido e sabia que era de qualidade. A prova de que Tahir provinha de um lugar longínquo, de que pertencia a outro mundo.

Entretanto, sentado com a luz do sol refletindo-se sobre a pele bronzeada de seus ombros, parecia como em casa. Como um morador repousando. Só os hematomas que tinha nas costelas e o corte da têmpora desdiziam a imagem.

Ela se fixou nos músculos de seu peito enquanto se deitava de lado. Tentou ignorar o comichão que sentia no estômago, mas não o conseguiu.

Era parecido à sensação de fome.

—Toma — ele se dirigiu à cabrita que tinha levado ao oásis. Estava a seu lado, estirando-se para alcançar as folhas de um arbusto. Tahir estirou um braço e baixou o ramo para que o animal pudesse as alcançar.

Ela não conhecia outro homem que se incomodasse em ajudar um animal. No Qusay, não se mimava aos animais.

Apesar de sua potente masculinidade, tinha um lado sensível.

Seria certo o que ela tinha pensado a noite anterior? Estava quase convencida de que ele decidiu que queria banhar-se de repente porque se precaveu de que a ela lhe umedeciam os olhos ao pensar em seu pai. Seriamente tinha tentado distraí-la?

Parecia absurdo, entretanto…

—Ah, a Bela Adormecida despertou — lhe brilhavam os olhos sob as sobrancelhas escuras.

—Espero que não me necessitasse —murmurou ela com o coração acelerado. Nunca tinha visto um homem tão atrativo. — Não sei por que fiquei adormecida.

—Não? —sorriu ele, e Annalisa teve que sujeitar-se ao poste da tenda porque lhe tremeram as pernas.

O que lhe estava passando?

Durante toda sua vida tinha sido uma mulher sensata e responsável. Nunca, nem sequer quando estava a ponto de contrair matrimônio, deixou-se alterar pela presença de um homem.

—Pelo que me lembro, diria que estiveste muito ocupada cuidando de mim.

Ela pestanejou e se esforçou para afastar-se da tenda. Era como se se estivesse afastando de um lugar seguro, mas o único perigo que havia era sua insensata maneira de reagir ante uns olhos azuis.

— Recolhi seu telescópio, por certo.

Rapidamente Annalisa se voltou para o lugar onde tinha deixado o telescópio de seu pai a noite anterior. O lugar não era o ideal, porque estava muito perto das luzes do acampamento, mas não tinha querido afastar-se muito se por acaso Tahir a necessitasse.

Ajoelhou-se para abrir a caixa.

—Obrigada — murmurou, tratando de recordar se havia limpado as lentes antes de ir sentar se junto a ele. Se tinha soprado vento e a areia tinha arranhado as lentes…

—Parecia em bom estado quando o empacotei.

Tinha razão. Não se tinha quebrado. Aliviada, sentou-se de cócoras.

—Entende de telescópios?

Ele se encolheu de ombros.

—Quem sabe? —seu sorriso se apagou e seu olhar se voltou gélido.

—Sinto muito. Estou segura de que logo recuperará a memória — ficou em pé e se aproximou dele.

—Sem dúvida tem razão — seu sorriso dissimulou a gravidade da situação. — Sente-se comigo.

Ela acessou e se sentou sem dizer nada.

—Lembro algumas coisas. Mais que antes.

—Seriamente? Isso é fantástico. Do que te lembra?

Ele se encolheu de ombros.

—Só de algumas imagens. Uma festa. Muita gente, mas sem rosto. Lugares que não posso identificar — fez uma pausa—. E uma tormenta de areia, o bastante forte para bloquear a luz.

Ela assentiu.

—Isso aconteceu justo antes que eu chegasse aqui.

—Lembrança da imensidão do deserto — a olhou. — O que faz que me pergunte como vamos sair daqui e se, enquanto isso, tem suficiente comida para os dois.

—Há de sobra — por costume tinha levado mantimentos para dois. — E quanto ao transporte, por este oásis passa a rota dos camelos.

—Logo chegará uma caravana?

O sorriso da Annalisa se desvaneceu.

—Ainda não. Dentro de uns dias.

Ela tinha rezado para que retornassem antes e assim poder levar ao Tahir ao hospital.

—Uns poucos dias? —perguntou ele. — Possivelmente mais? —sua voz era profunda e seu olhar tão intenso que Annalisa ficou sem respiração.

—Você e eu, sós no deserto.

Ela observou seu olhar indecifrável. Notou um nó no estômago e elevou o queixo para enfrentar-se a umas emoções que não compreendia.

«A intimidade que compartilhamos ontem à noite trocou tudo».

Pela primeira vez, sua companhia forçosa lhe resultava perigosa.

 

Annalisa não tinha por que preocupar-se. Apesar de já se levantar, Tahir não invadia seu espaço pessoal. Ao contrário, preferia manter a distância.

Em ocasiões, ela pensava que a estava olhando e lhe aceleravam o pulso e a respiração. Mas sabia que era sua imaginação, seu próprio desejo.

O único perigo radicava em seus próprios pensamentos. Esses que faziam que se ruborizasse e que lhe provocavam uma sensação de desassossego.

Enquanto isso tinha que cuidar dele. Pensava que estava fora de perigo, mas ele seguia dormindo muito e de vez em quando lhe subia a febre. Além disso, ainda não conseguia recordar mais que imagens soltas.

Às vezes, ela desejava ter seguido os passos de seu pai e ter estudado Medicina. Assim teria sabido o que fazer. Mas embora gostasse de trabalhar como ajudante de seu pai, a medicina não era seu sonho.

—Há quanto tempo trabalha como astrônoma?

Annalisa levantou a vista da comida que estava preparando no fogo. Tahir estava sentado em seu lugar habitual, junto à palmeira, lendo um dos livros de astronomia que ela tinha levado.

A pergunta era inócua, mas era a primeira vez que lhe perguntava algo pessoal. Suas perguntas sempre eram sobre o deserto e Qusay. Ela desfrutava de suas conversações e de sua inteligência. Não estava acostumada a falar de si mesma.

—Não sou astrônoma, mas meu pai era aficionado à astronomia. Criei-me olhando as estrelas.

—É com seu pai com quem reveste vir ao deserto?

—Assim é — disse ela, levantando a panela do fogo.

—E ele vez não pôde vir?

Ela se concentrou em terminar o cous-cous que estava preparando com nozes, especiarias e frutos secos.

—Morreu — disse com brutalidade. Custava-lhe falar dele. Tinha sido o centro de sua vida, seu amigo.

—Sinto-o — disse ele, e suas palavras foram como um bálsamo.

—Obrigada. Passaram seis meses, mas segue resultando doloroso.

—E não tem a ninguém mais?

Ela ficou tensa. Suas palavras lhe recordavam a insistência de sua família para que se casasse. Faziam-no com boa intenção, mas cada vez lhe resultava mais difícil evitar que tentassem organizar um matrimônio com um homem respeitável que cuidasse dela.

Ela se tinha criado com todas as liberdades que lhe tinha inculcado seu pai. Inclusive seu avô tinha compreendido que um matrimônio de conveniência não funcionaria para ela.

Mas seu avô havia falecido igual a seu pai. Apertou os lábios ao sentir que a pena se instalava em seu peito.

Ela não necessitava de que cuidassem dela. Tinha planos de ir conhecer o mundo do qual tantas coisas tinha ouvido. Os lugares dos que lhe tinha falado seu pai. De construir sua própria vida.

—Minha mãe morreu quando eu era pequena, mas não estou sozinha — sorriu enquanto servia a comida. — Tenho tios e primos, e a seus filhos.

—Obrigado — disse Tahir, lhe retirando o prato das mãos e sentando-se a seu lado. — E como é que um médico chamado Hansen acabou no Qusay? Não é um nome qusaní.

—É dinamarquês — Annalisa se sentou a seu lado. — Meu pai era meio dinamarquês, meio inglês. Veio aqui faz anos para olhar as estrelas. Adorou o lugar e decidiu ficar.

Não lhe contou a história familiar de como mal conheceu sua mãe se apaixonou por ela. O amor a primeira vista tinha surgido entre ambos, mas tiveram que esperar anos para que a família desse sua aprovação para poder casar-se.

—Assim continua com a tradição familiar de olhar as estrelas?

—Mais ou menos. Meu pai acreditava que tinha encontrado um cometa. Ele e vários amigos ao redor do mundo queriam provar sua existência — respirou fundo. — Eu espero encontrá-lo. O cometa Asiya.

— Bonito nome.

Annalisa assentiu tragando saliva era o nome de sua mãe. Mal tinha lembranças dela. Era a dor de seu pai o que recordava, e o amor que este sentia por sua esposa. Tinha lutado contra sua enfermidade para viver o suficiente e demonstrar a existência do cometa, mas havia falecido antes de fazer realidade seu sonho.

Annalisa pestanejou para clarear sua visão.

—Eu lhe prometi que viria vê-lo — uma última viagem antes de partir.

Aquela semana, cientistas de todo o mundo procurariam o cometa. Ela estava no Qusay, a terra natal de sua mãe, para fazê-lo em nome de seu pai.

—Esta noite? — ao ver sua cara de surpresa, Tahir assinalou o prato que tinha preparado. — Estamos jantando mais cedo do habitual.

Annalisa assentiu, recordando como aquele homem de poucas palavras se precavia de tudo.

Também teria notado em como o olhava? Olhou para outro lado rapidamente, sentindo-se incomoda pelos sentimentos que a invadiam.

—Sim tudo vai bem, sim — respirou fundo.

—E o que fará depois? — sua voz era suave, como seda acariciando sua pele. — Quando tiver visto o cometa?

—Depois partirei do Qusay — nem pronunciando aquelas palavras lhe parecia real. Depois de ter passado muitos anos desejando conhecer mundo, de repente, tinha chegado o momento. — Vou viajar ao menos durante uns meses. Quero conhecer os cientistas com os que meu pai e eu mantivemos contato durante tanto tempo. E fazer turismo — sorriu ao imaginar-se em Copenhague, em Paris e em Roma. — Depois irei à universidade.

—A estudar Medicina ou Astronomia?

—Nenhuma das duas coisas. Desta vez vou seguir minha própria estrela: quero ser professora.

 

Tahir passeou de um lado a outro. Estava inquieto e não podia relaxar. Sentia a pele tensa, os sentidos alertas, a cabeça vibrante. Tratava de convencer-se de que estava impaciente por recuperar-se.

Mas sabia que a causa era outra. Annalisa. Tentava manter a distância todo o possível, mas no acampamento não lhe resultava fácil.

Sobretudo quando só tinha que fechar os olhos para ver a curva de seus lábios e a deliciosa forma arredondada de seus seios e seus quadris.

O aroma de sua pele, doce como o mel, invadia o ambiente. O som de sua voz fazia que se precavesse de sua feminilidade e que aumentasse seu desejo por ela.

Entretanto, não era só seu corpo o que fazia que reagisse. Seu caráter tranquilo e competente, seu toque gentil, sua mente rápida e seu entusiasmo ao falar das viagens que queria realizar. Todo seu coração se refletia em seu amplo sorriso, e ele se deleitava ao vê-la. Mais que nada, desejava que esse sorriso fosse dedicado a ele.

Acelerou o passo e se dirigiu para o extremo do oásis onde os arbustos eram mais espessos.

Descobriu seu engano muito tarde, quando notou que sua libido aumentava de maneira desproporcionada.

O som da água alcançou seus ouvidos justo quando viu que a lua iluminava uma forma sinuosa no arroio. Uma forma composta de curvas voluptuosas e linhas elegantes. Uma figura que faria que um homem se ajoelhasse apesar de estar ferido e suplicasse pelo privilégio de acariciar aquela suave pele.

Annalisa só se teria despido de tudo se pensasse que ele estava dormindo.

Tahir agradeceu em silêncio estar acordado.

Percorreu seu corpo com o olhar e se fixou em sua entre perna.

Ela levantou os braços para escorrer a água do cabelo e o movimento fez que seus seios tremessem.

Tahir se excitou imediatamente. Uma onda de calor o invadiu por dentro e seus músculos se esticaram. Respirava de maneira agitada e tinha os punhos juntos ao lado do corpo.

Estava tão centrado em recuperar o controle que demorou um instante em recordar que ele já a tinha visto assim.

Ela estava nua, ao entardecer, naquele lago, como uma ninfa perfeita e sedutora.

Ele levou a mão à cabeça e lhe pareceu que as estrelas giravam no céu.

As imagens recuperaram claridade.

Ele avançava cambaleando-se para o oásis com um peso nos braços…

Convexo ao sol, com a boca tão seca como o deserto do Qusay…

O prazer que sentia ao voar a pouca altura sobre as dunas…

Pedaços desconexos, mas suficiente para lhe dar um sentido de identidade.

 

—Vê-o? —perguntou Annalisa emocionada. Via-se muito bem a cauda do cometa. — Meu pai tinha razão — disse com orgulho, e sorriu.

—Já o vejo.

Tahir respondeu com tom apagado e se inclinou sobre o telescópio. Estava assim desde que tinha saído da tenda, um momento antes. Annalisa não tinha querido despertá-lo, sabia que era muito importante que descansasse. Finalmente, ele tinha saído e se aproximou dela.

Annalisa se alegrava de poder compartilhar esse momento com alguém. De que fosse com o Tahir.

—Parabéns. Deve estar muito orgulhosa — passou a mão pelo cabelo. À luz da lua, via-se despenteado e muito atrativo.

Annalisa estirou a jaqueta, tratando de convencer-se de que era o frio do deserto o que lhe arrepiava o pêlo, e não a vontade de lhe acariciar o cabelo.

—É maravilhoso, sim? —perguntou obrigando-se a voltar-se ao céu estrelado. — Agora ficará registrado oficialmente, tal e como ele queria.

Juntos observaram como o cometa ia se movendo para o horizonte. Mal era visível para o olho humano.

Quando desapareceu, permaneceram juntos um momento mais, sós no vasto silêncio. Depois, Annalisa começou a desmontar o telescópio.

Invadiam-na múltiplas emoções, mas, ao desmontar o equipamento de seu pai, descobriu de que a mais forte de todas era a sensação de vazio. Tremiam-lhe os dedos e respirava com rapidez.

Da morte de seu pai se centrou naquela noite. Em cumprir seu desejo.

Já o tinha feito e tinha chegado o momento de continuar. Entretanto, seus planos para o futuro lhe pareciam insignificantes comparados ao vazio que sentia.

Sentia-se sozinha. Seu pai partiu para sempre. Sua vida do passado, uma vida plena, ocupada e organizada, tinha terminado.

O futuro se estendia ante ela como um escuro vazio.

—Me deixe — disse uma cálida voz ao ouvido. — Terminarei, se confiar em mim.

Annalisa observou como recolhia o telescópio e o metia na caixa antes de dirigir-se para a tenda.

—Assim, sem mais, tudo terminou — disse ela.

—Até a próxima vez que passe Asiya.

—É obvio — entrou na tenda e procurou o lampião.

Era ridículo sentir-se assim. Sua dor era tão recente como o dia que faleceu seu pai. Franziu os lábios tratando de controlar suas emoções.

Tinha que olhar para diante. Viajar. Estudar uma carreira. Conhecer novos amigos. Novas experiências.

Entretanto, nesse momento se sentia muito sozinha.

Depois de acender o lampião, voltou-se e viu que Tahir estava muito perto.

Olharam-se aos olhos.

—Annalisa, não chore — sussurrou ele.

—Não estou… — se calou quando lhe acariciou a bochecha.

Ficou gelada.

Não chorava. Não tinha tempo para as lágrimas.

Embora seu pai tivesse partido, os aldeãos seguiam pedindo conselho a ela. Era ela quem os tranquilizava, quem tinha pressionado para que um doutor substituísse a seu pai. A que tinha levado o novo médico a conhecer a comunidade e o tinha ajudado a ganhar a aceitação dos habitantes. A que se assegurou de que o cometa de seu pai conseguisse reconhecimento oficial.

E posto que tudo parecesse normal, já não a necessitavam.

Sentia-se desorientada.

Horrorizada por sua debilidade, levantou a vista e se fixou nos olhos claros e puros como os riachos alpinos que sonhava conhecer. Tahir franziu o cenho, como se se concentrasse enquanto lhe acariciava a bochecha e a sujeitava pelo queixo.

—Deveria se sentir orgulhosa — murmurou ele—. E feliz.

—Estou — tratou de conter sua tristeza. Era uma mulher forte e não compreendia por que sentia essa repentina debilidade.

—O sente falta dele. É difícil estar sozinho, mas você é forte. Sobreviverá — suas palavras mal eram audíveis, mas no timbre de sua voz havia algo novo.

Algo mais que lástima. Compreensão, uma apreciada sensação de não estar sozinha, de que ele sabia como se sentia.

De repente, Tahir retirou a mão e deu um passo atrás.

A distância entre ambos fez que ela se estremecesse de novo. De forma instintiva, deu um passo adiante e se deteve ao ver que Tahir a olhava com paixão.

Desde que tinha dormido entre seus braços, sabia que aquele homem era perigoso.

Entretanto, ao ver a expressão de seus olhos sentiu um forte desejo de ir diretamente ao perigo.

Sem dar tempo para pensar e deixando-se levar pelo instinto, deu um passo adiante e lhe acariciou o queixo. Ao sentir a barba incipiente em seus dedos, notou como uma onda de fogo a invadia por dentro, lhe provocando um comichão no estômago e tremor nas pernas.

Ele ficou sério e suspirou antes de lhe agarrar a mão.

—Está se equivocando — suas palavras eram duras e ela notou que estava tenso.

—Por favor, Tahir — não sabia o que era o que pedia, mas sim que não suportava que a rechaçasse.

—O que é o que quer Annalisa?

Ela negou com a cabeça sem saber o que responder, mas segura de que necessitava algo dele. Só o toque de sua pele contra a dela era como um bálsamo para um coração que não se permitiu tempo para a dor.

A empatia era tão real e tão profunda que não podia deixá-la passar.

Levantou a outra mão e a pôs na lapela de sua jaqueta escura, sentindo o batimento do coração do Tahir sob a palma. Tão forte. Tão vivo.

—Não — disse ele com tom de advertência. — Não.

Entretanto, não se moveu e continuou olhando-a com os olhos entreabertos.

—Por favor… — sussurrou ela ficando nas pontas dos pés e sentindo o calor que desprendia o corpo do Tahir.

Desde tão perto podia observar que estava muito tenso, mas o impulso de acariciá-lo era muito forte.

«Só uma vez», pensou ela.

Entreabriu os olhos e o beijou nos lábios. Seu tato era suave. Surpreendida, aproximou-se de novo e desfrutou do toque de suas bocas, deleitando-se em como sua barba incipiente lhe acariciava a bochecha. Sentia-se poderosa e atrevida, mas não sozinha.

Retirou-se e abriu os olhos. Respirava de maneira acelerada, ou era ele? Seus corpos se tocavam de forma intrigante e ela desejava seguir explorando.

Mas, ao perceber a tensão em seu rosto, descobriu que passou da raia.

A excitação que albergava em seu peito se dissipou de repente e notou um vazio no estômago. Ruborizou-se e baixou a vista.

Desejava que a tragasse a terra.

Mordeu o lábio inferior e tratou de lhe oferecer uma desculpa. Beijar a um homem não era algo tão singelo como parecia. Sobretudo quando ele não o tinha devotado.

Ela deu um passo atrás, mas não encontrou escapatória. Um braço que parecia de ferro lhe cortou o passo.

Sobressaltada, levantou a cabeça. Ele estava sério, mas a olhava com ardor.

—É isto o que quer? —inclinou a cabeça para que seu fôlego roçasse os lábios da Annalisa.

Sem lhe dar tempo para responder, beijou-a na boca de maneira apaixonada. Ela estremeceu e se apoiou nele.

Levou as mãos sobre seus ombros para equilibrar-se. Tinha a sensação de que ia desmaiar.

Tahir lhe acariciou o lábio inferior com a língua antes de introduzi-la em sua boca, convidando-a a que o beijasse também.

Ela o fez e ele ronronou como dando sua aprovação. Rodeou-a com o outro braço e se inclinou sobre ela como se precisasse dominá-la e protegê-la ao mesmo tempo.

Tahir lhe rodeou as pernas com suas coxas poderosas e a atraiu para si. Annalisa sentiu que a cabeça lhe dava voltas por causa da intimidade de seu abraço e de compartilhar um beijo sensual.

Formou-lhe um nó no estômago e se moveu um pingo para tratar de relaxar-se. Ao fazê-lo roçou a pélvis do Tahir e notou seu membro ereto.

Estremeceu-se e ele a abraçou com mais força.

Annalisa ficou boquiaberta de prazer e tratou de não apertar seu corpo contra esse vulto tão excitante.

Em que tipo de mulher se estava convertendo?

Quando Tahir retirou, ela estava ofegando. Ele a olhava com olhos entreabertos e o pulso acelerado se refletia em seu pescoço.

Sentir-se-ia como ela?

Tremente, quente e depravado? Desejando mais?

Parecia ter tudo sob controle. A expressão de seu rosto era como a de uma máscara de madeira. Seu corpo estava tenso.

—Tahir? —levou a mão até seu pescoço e sentiu grande prazer ao acariciar sua pele.

Ele fechou os olhos um instante e sossegou um som que podia ser um gemido. Ela se deu conta em seguida.

—Tenho-te feito mal? Onde te dói? —acariciou-lhe o pescoço, a têmpora e os ombros.

De repente se encontrou lhe sujeitando ambas as mãos. Ele continuava com os olhos fechados.

Tinha a cabeça para trás e ela o observou tragar saliva.

—Tahir! —exclamou com pânico na voz—. O que ocorre?

Ele esboçou esse sorriso que fazia que ela se derretesse por dentro. Formou-lhe uma ruga na bochecha e ela desejou beijar-lhe

—Não passa nada, pequena — a olhou. — Não me respondeste, é isso o que quer?

Ela assentiu olhando-o aos olhos.

—Diga-o. Annalisa.

—Quero que me beije — sussurrou ela cativada por seu olhar.

—Isso é tudo? —inclinou-se sobre ela e lhe sussurrou ao ouvido enquanto a abraçava de novo. — Que mais quer?

—Eu… — como podia lhe fazer tantas perguntas? Ela não queria pensar nem pensar. Só queria sentir.

—Era isto?

Acariciou-lhe o pescoço e o decote de sua blusa. Finalmente deslizou a mão e a colocou justo em cima de seu seio, lhe transmitindo seu calor através da blusa. Ela quase gemeu de frustração enquanto ele a olhava, quase a roçando, tal e como ela desejava que a tocasse.

Annalisa se tornou para frente, contra sua mão.

Ele fechou os dedos sobre seu seio. Era uma maravilha. Mais do que ela tinha acreditado possível.

Quando lhe acariciou o mamilo com o dedo polegar, suspirou.

No momento, uma onda de calor a invadiu e se instalou em sua entre perna.

—Por favor. Tahir.

Ele negou com a cabeça.

—Tem que me dizer isso. Quer que te acaricie assim? —acariciou-a de novo pressionando a palma contra seu seio e provocando que lhe tremessem as pernas.

De repente, agarrou-lhe os braços para mantê-la direita.

—Annalisa — ouvi-lo pronunciar seu nome já era prazenteiro. — Devemos parar aqui.

—Não! —ela se liberou e se pegou a ele. — Não quero parar. Quero tudo, Tahir — tratou de concentrar-se nas palavras e não nas sensações. — Te desejo. Por favor.

 

Acabava de pronunciar essas palavras quando ele a deitou sobre a cama. Tahir a beijou nos lábios enquanto lhe tirava a roupa.

O calor de seu corpo contra o dela e o ardor de seus beijos faziam que Annalisa estremecesse de desejo e o ajudasse a despi-la com dedos trementes.

Então o ar fresco acariciou sua pele. Tahir se havia aconchegado e a devorava com o olhar. Annalisa sentiu que lhe acelerava o batimento do coração.

Estirou a mão e lhe agarrou a camisa. Precisava senti-lo perto. Sua maneira de olhá-la fazia que se sentisse mais vulnerável que nunca.

—Não — lhe agarrou a mão. — Ainda não. Deixa que te olhe primeiro.

Fixou-se em seus seios nus, em sua cintura e em suas coxas. Ela deveria ter se sentido envergonhada ou indignada, as qusanies eram modestas e recatadas. Annalisa sempre tinha pensado que ao menos nisso se parecia com o resto.

Entretanto, agora descobria que era diferente.

Em lugar de sentir-se tímida, sentia-se excitada, porque Tahir a olhava com desejo.

— Solte o cabelo — sussurrou ele.

Sem deixar de olhá-lo, ela soltou os grampos e permitiu que a cabeleira lhe caísse sobre o seio.

Tahir a empurrou contra a canastra com seu corpo. Com as pernas entrelaçadas, o tecido de seu traje acariciava a pele da Annalisa e ela pensou que nunca havia sentido nada tão maravilhoso.

Estremeceu-se, sabendo de que estava completamente em seu poder.

Então lhe sujeitou os seios e baixou a cabeça para lhe lamber o mamilo. Ela ficou gelada. Ele fechou os lábios sobre seu aréola lhe provocando um intenso prazer. Primeiro, sugou com delicadeza e, depois, com mais força. Annalisa gemeu e arqueou o corpo.

Como podia ter vivido tanto tempo sem experimentar aquilo, sem ele?

—Tahir, não pare.

Ao ouvir suas palavras, ele perdeu o controle e continuou acariciando-a para que gemesse com mais força. Tocava-a por todos os lugares, beijou-a na parte de trás dos joelhos e na parte interna do cotovelo, chupou-lhe os dedos, até que toda ela ardia de desejo.

Annalisa se moveu um pouco e separou as pernas sem pensá-lo, permitindo que ele apoiasse sua pélvis contra ela.

Ao sentir seu membro ereto, o coração começou a lhe pulsar mais depressa. Mordiscou-lhe a orelha e ela suspirou surpreendida por sua maneira de reagir ante as carícias que lhe fazia Tahir. Agarrou-o com força e desespero.

Desejava mais.

Começou a lhe desabotoar a camisa, mas se deteve quando lhe colocou a mão entre as pernas e começou a acariciá-la de maneira íntima.

Nenhum outro homem a tinha acariciado ali. Um pequeno toque no clitóris fazia que todo seu corpo estremecesse e, ao ver que ele a estava olhando, ruborizou-se.

Cada vez respirava mais depressa, tratando de colocar ar nos pulmões. Então ele deslizou a mão um pouco e notou seu úmido calor. Sem pensá-lo, ela contraiu a musculatura ao redor de sua mão.

Durante o que lhe pareceu uma eternidade, Annalisa permaneceu absorta no prazer que lhe proporcionava com suas carícias. Tahir parecia concentrado em manter o controle.

Movia a mão devagar, mas de maneira rítmica e, com cada movimento, ela acreditava desaparecer do mundo real.

Apesar de não ter experiência alguma, Annalisa compreendia o que seu corpo lhe dizia. O que Tahir fazia e o prazer que lhe prometia com suas carícias.

—Não, Tahir. Pára — disse ela, ofegando.

Durante um momento pareceu que ele não a tinha ouvido. Ela movia o corpo contra sua mão e arqueou os quadris quando ele deixou de mover os dedos.

—Não? — perguntou ele.

—Assim não — ela levantou a mão para sua camisa, mas tremia muito para poder lhe desabotoar mais botões. — Te desejo, não…

Suas palavras provocaram que o olhar do Tahir se arrebatasse.

Antes que ela pudesse dar-se conta, ele tinha descido da cama e se pôs de pé. Tirou a jaqueta, desabotoou a camisa e se despiu por completo.

Annalisa ficou sem respiração.

Apesar dos cortes e hematomas. Tahir era o mais belo que tinha visto. Quando se voltou, ela o olhou fascinada Nunca havia visto nu um homem excitado. Nunca tinha imaginado que pudesse ser algo tão magnífico. Maravilhoso e aterrador ao mesmo tempo.

Não lhe deu tempo para pensar. Deitou-se sobre ela e o pêlo de seu torso lhe acariciou os mamilos. Acariciou-lhe o queixo e o beijou nos lábios.

Mordiscou-lhe o pescoço e ela arqueou o corpo, enterrando os dedos em seu sedoso cabelo. Então sentiu uma pressão no ponto onde ele a tinha acariciado tão intimamente. Tahir se moveu um pouco para lhe separar as pernas e a penetrou para retirar-se em seguida, lhe beijando os seios e provocando que se estremecesse de desejo.

Quando se dispunha a penetrá-la de novo, Annalisa se arqueou contra ele. Tahir lhe sujeitou as coxas para que levantasse as pernas e ela o apanhou com elas.

Ele elevou a cabeça e a olhou aos olhos.

Moveu-se e provocou nela uma quebra de onda de novas sensações, mas não lhe tremeu o olhar nenhuma só vez.

Ela não sentiu a mínima dor.

Seu corpo se abriu a ele.

Tahir ficou quieto.

Tudo estava em silêncio exceto pelo ruído da brisa contra a tenda. Annalisa não respirava. Tahir tampouco.

Seus olhares se encontraram enquanto ela se precavia da gravidade do que tinham feito. Notou tensão na expressão de seu rosto. Nos músculos do pescoço e dos ombros. E como seu olhar se tornou indecifrável.

Arrependia-se daquilo?

Ela deveria sentir-se assombrada pelo que estava passando, entretanto se sentia bem. Era como se estivessem feitos para estar juntos.

A ternura invadiu seu coração, preenchendo o espaço que a dor tinha criado nele.

Ela sorriu e lhe sujeitou o rosto com as mãos para beijá-lo nos lábios.

Tahir se retirou um pouco, o justo para que ela pudesse ver o fogo em seu olhar. Esboçou um sorriso e apareceu a ruga sexy de sua bochecha que ela tanto gostava.

O ar cheirava a deserto, ao Tahir e a felicidade.

Então ele começou a beijá-la devagar e entrou em seu corpo. Ela gemeu ao sentir como o membro ereto se deslizava em seu interior, lhe oferecendo um delicioso prazer.

Ele sorriu e começou a mover-se de maneira rítmica.

De repente, ela começou a tremer. Não podia suportar tanto prazer. Era como se um terremoto se iniciasse em seu interior.

—Tahir? —disse com voz entrecortada. De repente, assustou-se.

—Confia em mim, pequena. Permite que aconteça. Prometo-te que estará bem.

Começou a mover-se mais depressa e com mais força, até que ela não pôde aguentar mais e chegou ao orgasmo como se uma força vulcânica se desse conta de sua pessoa.

Annalisa ouviu que ele respirava cada vez mais depressa, gemia e se movia de forma descontrolada e, de repente, as estrelas exploraram de novo. Annalisa abraçou com força ao homem que tinha entre os braços e, pela primeira vez, experimentou um sentimento de posse.

 

Tahir se encontrava muito mal. Doíam-lhe os músculos e os ossos e lhe retumbava a cabeça. Respirou fundo e suspirou com dor. Estava seguro de ter quebrado as costelas no acidente e lhe doíam muitíssimo.

Entretanto, estaria disposto a fazê-lo outra vez só pelo prazer de ver Annalisa chegar ao orgasmo no que ele sabia que era sua primeira vez na vida.

Ao recordar como pronunciava seu nome enquanto desfrutava do orgasmo, excitou-se de novo.

Tinha sido maravilhoso. Glorioso. Aditivo. E seu tato! O delicioso prazer de estar em seu interior!

Não recordava quando tinha mantido uma relação sexual tão boa. Duvidava de ter tido alguma.

Apesar de que tinha recuperado a memória, mal se recordava quando tinha sido a última vez que tinha estado com uma mulher. Durante meses não tinha tido libido, mas tampouco se preocupou com isso. Nos últimos tempos não se preocupou com muitas coisas.

Tinha passado muitos anos maltratando-se. Dormindo pouco, bebendo muito álcool e saindo com muitas mulheres. Forçando os limites em busca de novas provocações e prazeres. Algo para distrair-se da nuvem cinza que se apoderava dele quando passava muito tempo em um mesmo lugar.

Entretanto, no coração do Qusay não se aborreceu. Com uma mulher que não era consciente do sexy que era. E que tinha cuidado dele, e acreditado nele, como não tinha feito nenhuma outra.

Uma estranha sensação se apoderou dele.

Arrependimento? Um espio de consciência?

Era tão novidade que empregou a pouca energia que tinha em averiguá-lo.

As pessoas pensavam que Tahir Al’Ramiz não tinha consciência. Ele tinha fomentado essa imagem desde que tinha deixado de tentar comportar-se como um filho perfeito e se deixou vencer pelo ódio de seu pai.

«Se não puder vencê-los, te una a eles».

Tahir tinha imitado a seu pai na hora de desenvolver seu gosto pela decadência sibarita. Aos dezoito anos, sua família já não o suportava. E ninguém tinha chorado por causa de seu exílio.

Mas apesar de ter fama de dissoluto, mantinha alguns padrões, embora não o fizesse em público. Nunca machucava os inocentes. Inclusive tinha ajudado de forma discreta a algumas pessoas que não tinham muitos recursos. A caridade era algo singelo, e não por isso era um bom homem. Resultava fácil dar a alguém algo que não lhe interessasse.

E nunca se rebaixou tanto como para desflorar virgens.

Até a noite anterior.

Essa fria sensação o invadiu de novo, deslizando-se como um cubo de gelo por suas costas e atentando-se em seu ventre.

Nem sequer tinha a desculpa da amnésia. A noite anterior tinha sabido quem era: o tipo de homem que não tinha problema na hora de confraternizar com o inimigo. Conhecia seu passado, seu presente e, se o destino o protegesse, seu futuro.

Tahir odiava pensar no futuro. Outra pessoa sonhava com isso, como Annalisa. Ela se tinha mostrado radiante quando falava de viajar e conhecer o mundo. Ele se tinha emocionado ao vê-la tão entusiasmada.

Não recordava haver se sentido tão contente jamais.

Seu futuro seria igual a seu passado. Nada o bastante significativo para manter sua atenção.

Aborrecimento.

Entretanto, não se tinha aborrecido com a Annalisa.

Apesar da dor e do quanto lenta tinha sido sua recuperação, tinha desfrutado de estar ali.

Falando com uma garota que nunca tinha saído do Qusay sobre astronomia, sobre a falta de escolas, sobre os planos de irrigação das margens do deserto… E sobre as coisas que ele recordava de sua outra vida e das pessoas que nunca tinha conhecido, sobre as pequenas comunidades que formavam o mundo dela.

Inclusive sobre o cuidado e a alimentação de uma cabrita órfã. E tinha estado contente!

Durante dias, aquele oásis tinha sido todo seu mundo e ele não tinha desejado nada mais.

Recordou a imagem da Annalisa sorrindo. A maneira em que seus olhos se enterneciam quando ria, e em como o sol arrancava reflexos dourados em seu cabelo castanho. A forma em que seus dedos magros lhe tinham curado as feridas. O aroma a canela e mel que invadia seus sonhos.

Ela era o motivo pelo que ele tinha estado contente.

Mais que contente, feliz!

Um ruído interrompeu seus pensamentos. Um cantarolar suave, desafinado, mas delicioso.

Abriu os olhos e viu que era de dia. Tinha dormido até tarde. Possivelmente ficou inconsciente depois de ter feito a estupidez de manter relações sexuais apesar de ter as costelas quebradas e feridas na cabeça.

O gesto de abrir a camisa tinha estado a ponto de matá-lo-a noite anterior. Mas, sem dúvida, teria morrido se não houvesse sentido as mãos da Annalisa em seu corpo empapado em suor.

Só pensando nela se excitava de maneira poderosa.

Quando se abriu a porta da tenda e entrou Annalisa, ele sentiu que lhe acelerava o coração. Era a primeira vez que a via com o cabelo solto, as mechas frisadas caíam sobre seus seios de forma tentadora. Ela se voltou e um raio de sol iluminou suas costas. Seu cabelo parecia de seda, mesclada com fios de cor mogno e ouro.

Ela se agachou e recolheu algo do chão. Ele se fixou na forma perfeita de seu traseiro e notou que secava a boca.

Entretanto, seus movimentos não eram tão graciosos como habitualmente.

Movia-se como se sentisse dor ao caminhar.

Como caminharia uma mulher depois que um homem lhe tivesse roubado a virgindade e logo tivesse continuado mantendo relações, de maneira mais desesperada e menos contida.

Ele tinha estado desesperado. Apesar de sua dor e de que ela estivesse esgotada não tinha sido capaz de resistir a despertá-la a base de beijos e possuí-la de novo. Assegurou-se de que alcançasse o clímax de novo, não uma vez, e sim duas. Entretanto, deveria ter se controlado.

Diabos! O que sabia ele das mulheres virgens?

E sinceramente, que mais lhe dava? Assim que se tinha colocado em cima de Annalisa não tinha sido capaz de esperar para possuí-la outra vez.

Ela se voltou e o sol lhe iluminou o rosto.

O que viu fez que o coração disparasse.

Ela tinha a pele avermelhada. Ao redor da boca, nas bochechas e no pescoço.

Tinha a pele irritada por causa de sua barba.

E uma marca roxa no pescoço e na clavícula.

Onde a tinha mordido.

Tahir fechou os olhos ao recordar uma imagem do passado: seu pai saía cambaleando de um banquete com seus amigos mais corruptos e com sua nova amante a seu lado. A amante era uma adolescente assustada que se encolhia quando Jazerem Al’Ramiz a tocava.

Seu pai lhe tinha dado um bofetão quando ele tinha tratado de intervir. Não era mais que um menino de treze anos sem a capacidade de enfrentar a um homem que conhecia todos os truques sujos. Tahir caiu ao chão e abriu a cabeça, recuperando-se muito tarde para intervir de novo.

Mas voltou a vê-la ao dia seguinte. Pálida e com uma mordedura na bochecha, ela não o viu. Estava muito absorta em sua própria desdita para fixar-se nos outros.

A voz desafinada da Annalisa interrompeu sua lembrança.

A noite anterior não tinha sido o mesmo.

Annalisa o desejava e lhe tinha suplicado que o fizesse.

Entretanto, ele tinha empregado sua experiência para conseguir que ela suplicasse algo que não chegava a compreender de todo. Desejava-a e estava decidido a possuí-la, inclusive até o ponto de conseguir que Annalisa admitisse que era ela a que o desejava.

Como se assim ele ficasse eximido de toda culpa.

Nada mudava o fato de que lhe tinha roubado a inocência.

E seus olhos brilhavam quando o olhava. Inclusive apesar de que logo ao abrir olhos abertos, ele podia ver que o admirava.

Como se fosse o herói de um conto de fadas.

Como se fosse a resposta à prece de uma mulher solteira.

O nó de gelo que se atentava em seu estômago tinha arestas afiadas e lhe danificava quando tratava de respirar. Invalidava todas suas desculpas a respeito de noite anterior.

Recordava-lhe que era o filho de seu pai. Decadente, egocêntrico; um homem obcecado com o prazer.

O fato de que não encontrasse prazer com quase nada não mudava a realidade. Era igual a Jazam Al’Ramiz. Annalisa não devia ter ilusões com ele.

Porque isso era o que estava fazendo. Ele o notava em seus olhos. Annalisa era transparente.

A idéia lhe produziu mais dor que o que já tinha sofrido.

Annalisa não seria a vitima de seus vícios. Esquecer-se-ia dele e continuaria com sua vida sem olhar para trás.

Ele se encarregaria de que deixasse de sonhar. Ela devia.

 

Tahir estava acordado. Annalisa viu que seus olhos brilhavam como o sol sobre o oceano.

—Preparei-te o café da manhã — se ajoelhou a seu lado e baixou o olhar, desejando ter coragem para acariciá-lo como tinha feito a noite anterior. Mas à luz do dia se sentia tímida. Logo seria mais fácil, quando ele sorrisse e a acariciasse. Possivelmente até a deitasse a seu lado.

Sentiu um comichão no estômago.

Não se arrependia do acontecido. Surpreendia-lhe quão bonito tinha sido. Tinha sido a experiência mais maravilhosa de sua vida.

Tahir se tinha mostrado muito carinhoso com ela. Annalisa tinha ouvido muitas histórias e sabia que nem todas as mulheres desfrutavam da primeira vez que estavam com um homem.

Ela tinha desfrutado e muito. Tahir a tinha levado ao êxtase. E tinha feito que sentisse algo positivo para rebater a dor que vinha sentindo nos últimos meses. Algo que fazia que o futuro parecesse luminoso.

—Não será chá outra vez! —havia certa petulância em sua voz—. É tudo o que tem?

Ela levantou a vista e viu que tinha o cenho franzido. Seu olhar era duro e sua expressão, tensa.

—Dói-te algo? — perguntou ela, sentindo-se culpada pelo que tinham feito, apesar de que ele ainda estava recuperando-se.

—É obvio que sim. Manter relações estando lesado foi uma tolice.

—Sei. Perguntava-me como te encontraria.

Ela esperava que ele sorrisse e lhe dissesse que a noite que tiveram juntos compensava a dor. Que tinham compartilhado algo especial.

O silêncio continuou.

O olhar do Tahir era indecifrável.

Não tinha desfrutado?

Claro que sim. Era evidente que tinha sentido prazer.

Mas possivelmente o que para ela tinha sido especial para ele tinha sido outra coisa?

Não tinha nada que dizer a respeito da noite que tinham passado juntos? O simples feito de estar deitada a seu lado, aconchegada contra seu corpo, tinha-lhe parecido maravilhoso.

—Sinto como deveria me sentir depois de ter sofrido um acidente de helicóptero: desidratado e esgotado.

Considerava que fazer o amor com ela tinha sido um esforço sobre-humano?

Sentiu um nó no estômago e como a indignação se apoderava dela.

Tratou de ignorá-lo. Tahir estava doente. Tinha pior aspecto que a noite anterior, e isso era culpa dela. Se não o tivesse desejado tanto…

—Eu… — fez uma pausa ao recordar suas palavras—. Acidente de helicóptero? Recorda o acidente?

Ele esboçou um sorriso a modo sarcástico.

—Não o teria mencionado se não o recordasse.

—Havia mais gente no helicóptero?

—Não. Ninguém mais com quem pudesse praticar seus conhecimentos de enfermeira — falava como se lhe tivesse feito mais dano que benefício.

Annalisa não podia acreditar. Tahir nunca falaria assim.

—Mas…

—Mas nada. Levava um carregamento importante. Caixas do melhor champanha e do melhor caviar que se pode comprar com dinheiro. Trazia-o para a coroação, mas já perdi a festa — moveu os ombros e fez uma careta de dor. — Uma lástima. Se houver algo que eu gosto é de uma boa festa.

Seu modo de falar e seu olhar lascivo davam a entender algo sórdido e desagradável. Era evidente que se referia ao tipo de celebração que qualquer mulher qusaní desconhecia.

Ela pestanejou e o olhou com incredulidade. Onde estava o homem estóico, engenhoso e sociável do qual tinha cuidado esses dias? Que tinha sido encantador, compassivo e inclusive carinhoso?

Tahir estirou a mão para agarrar a xícara de chá que lhe oferecia. Sua maneira de apertar os dentes indicava que sua dor era extrema. Automaticamente, ela se moveu para ajudá-lo, culpando-se por ter sido tão fraca para suplicar a um homem ferido que se deitasse com ela.

—Não! —ordenou-lhe. — Não me toque.

Annalisa olhou assombrada ao estranho que tinha diante.

Nem sequer quando delirava ou sentia uma dor extrema, Tahir se tinha dirigido a ela assim. Como se não merecesse respirar o mesmo ar que ele.

Uma forte dor se instalou em seu coração.

—Já tem feito bastante — ele levou a xícara aos lábios e pôs cara de desgosto. — Espero que no palácio ao menos saibam fazer café.

—No palácio?

—Não te hei dito que me dirigia ao palácio? Sou parente do Kareef, o novo rei. Por isso retornei a este país esquecido da mão de deus. Para assistir a sua coroação, desfrutar da festa e partir.

—Partir? —repetiu Annalisa como um papagaio. Seu cérebro não funcionava bem.

Era como se Tahir, ao recuperar a memória, tivesse sofrido uma mudança de personalidade. Ela rodeou os joelhos com os braços, como tratando de reconfortar-se. Não lhe serviu de nada. A dor que sentia era muito intensa.

Como podia haver imaginado que podia ter algo em comum com aquele homem? Era evidente que ele provinha de outro mundo. E levava o smoking como se tivesse nascido com ele. Era um homem rico e poderoso.

Um homem que mostrava toda a arrogância e nada da generosidade que podiam mostrar os ricos.

Ela pestanejou com força, tratando de convencer-se de que o que tinha provocado suas lágrimas tinha sido um pouco de pó em seus olhos.

—Retornarei à civilização — murmurou ele. — Às luzes da cidade. Aos negócios e ao ócio sofisticado — olhou a Annalisa e ela soube que se referia a mulheres modernas e sofisticadas.

A idéia fez que lhe formasse um nó no estômago.

O que tinha sido ela para ele? Um entretenimento? Uma novidade?

—Está claro que está desejando retornar para ver seus amigos — disse ela, tratando de falar com normalidade.

—Não imagina quanto — ele nem sequer a olhou, e começou a comer o que lhe tinha preparado.

Annalisa sentiu uma náusea. Como tinha sido tão ingênua para acreditar que a noite anterior tinha tido algo que ver com carinho? Não podia culpar a Tahir por aceitar o que lhe tinha devotado ou, melhor dizendo, o que lhe tinha suplicado.

Sentindo-se envergonhada, notou que lhe ardiam as bochechas e todas as partes do corpo que lhe tinha acariciado.

Mas não podia perdoá-lo por tratá-la com desdém. Acreditava que podia tratá-la com desprezo pelo fato de que não fosse uma mulher sofisticada?

De repente, elevou a cabeça e viu que ele a estava olhando.

Ela o olhou também e elevou o queixo, negando-se a que pensasse que se sentia humilhada por sua presença. Ficou em pé ignorando a dor de seus músculos e lhe dedicou o melhor de seus sorrisos.

—Deixar-te-ei tranquilo. Irá Querer fazer planos para quando retornar à civilização.

 

A caravana para sair do deserto chegou antes do meio-dia e Tahir estava preparado para partir. Tinha passado toda a manhã comportando-se de forma detestável e já não podia suportar ver o efeito que tinha sobre a Annalisa.

Ao princípio, ela o tinha visto com assombro e incredulidade. Então, depois de descobrir ao novo Tahir, o orgulho tinha feito que o olhasse aos olhos. Seu aspecto era majestoso e distante, encantador, confirmando sua crença de que aquilo era o melhor para ambos.

Entretanto, ele seguia desejando-a, como um viciado que necessitava um pouco mais. Um sorriso, uma carícia… Tinha sido um inferno fazer que lhe desprezasse com sua atitude arrogante.

Ele merecia.

Nem sequer tinha pensado em ter precaução para acautelar uma possível gravidez!

No último momento, quando o condutor do camelo anunciou que estava preparado para partir Tahir abandonou a Annalisa. Esta tinha decidido ficar uns dias mais. Para estudar o céu, havia dito.

Ele estava seguro de que ficava para recuperar-se do dano que lhe tinha feito.

Aquela era a última oportunidade que tinha de falar com ela.

—Annalisa.

Ela levantou a cabeça e o olhou.

Tahir cruzou as mãos detrás das costas para evitar a tentação de tocá-la. Para acalmar a dor que lhe tinha causado. Entretanto, pronunciou suas palavras em um tom mais duro do que pretendia.

—Se houver consequências do que aconteceu ontem à noite… — a imagem da Annalisa grávida invadiu sua cabeça.

—Impossível — ela negou com a cabeça. — Não haverá consequências.

Tahir não estava disposto a acreditar que ela estivesse tomando anticoncepcionais por si. Dava a casualidade de que um estranho a seduzira.

—Se ficar grávida…, quero que me diga isso — a olhou de maneira desafiante até que ela desviou o olhar. — Poderá contatar comigo através do palácio.

Silêncio. Tahir a sujeitou pelo queixo para que o olhasse. Quando seus olhares se encontraram, ele quase pode sentir a chispada elétrica que se produziu entre ambos.

Como a desejava! Inclusive quando estava a ponto de despedir-se, seu corpo reagia ante o desejo.

A tentação era muito forte.

Retirou a mão e deu um passo atrás.

—Prometa que me dirá se isso…

—Para que possa me pagar o aborto? Não haverá consequências. Mas se as houver, dir-lhe-ia.

Ele assentiu e se voltou.

Minutos mais tarde, estava sentado em um camelo. O movimento do animal ao ficar em pé parecia desenhado para torturar a um homem com as costelas quebradas e uma forte dor de cabeça.

Ao menos, assim não pensava no desdém que tinha visto no olhar da Annalisa.

Os camelos saíram do oásis e, apesar da dor que sentia, Tahir teve força de vontade para voltar-se e olhar a Annalisa por última vez.

Não deveria ter se incomodado. Ela não tinha esperado para vê-lo partir, já tinha desaparecido de sua vista.

 

Quando chegaram à costa, Tahir mal podia sustentar-se. Viajar com o calor do dia não tinha sido boa idéia e, com as feridas, cada quilômetro lhe tinha parecido uma tortura. Sentia mais dor no peito e a cabeça lhe dava voltas.

Mas devia partir antes de trocar de opinião. Antes de fazer alguma estupidez como tomá-la em braços e beijá-la de maneira apaixonada. Ao ver que o guia se detinha em um vale fértil, surpreendeu-se. Ainda faltavam várias horas até a capital e Tahir notava que lhe fraquejavam as forças.

Então se precaveu de que no bosque havia um veículo quatro por quatro e uma ambulância. Olhou ao guia e este se aproximou para ajudá-lo a descer.

— Chamei para pedir ajuda assim que encontramos cobertura para o celular — disse ele. — Annalisa insistiu em que o fizesse — disse com desaprovação.

Se era amigo da Annalisa teria notado a tensão que tinha havido entre ambos. Teria algum interesse pessoal nela? Tahir ficou tenso e fechou os punhos. Então assumiu de que não tinha nenhum direito. A idéia fez que cambaleasse e que quase caísse quando o invadiu uma náusea.

Finalmente, reuniu as poucas forças que ficavam, levantou uma perna e desceu do camelo. O guia observou sem fazer nada para ajudá-lo.

—Alteza? —uma voz fez que Tahir se voltasse franzindo o cenho.

—Não. Eu…

Um homem mais velho que lhe resultava levemente familiar se aproximou dele e fez uma reverência. Tahir não teria sido capaz de saudá-lo da mesma maneira. Mal podia manter-se em pé.

—Alteza, permita que lhe expresse o muito que nos alegramos de que tenha chegado são e salvo. Pensávamos que seu helicóptero tivesse caído na costa e estivemos buscando-o no mar durante dias.

Fez um gesto e dois enfermeiros da ambulância se aproximaram com uma maca.

Tahir abriu a boca para dizer que ele não era nenhuma «alteza», mas depois atentou que possivelmente fosse. Se Kareef era rei, Rafiq e ele ficavam convertidos em príncipes.

A ridícula idéia de que a ovelha negra da família se converteu em membro da realeza fez que se detivesse. Então tudo se nublou a seu redor.

Ouviu um grito, viu que as pessoas ficavam sérias e o mundo desapareceu de sua vista.

 

Tinha que terminar com a mania de desmaiar. Não tinha paciência para estar doente. Não lhe parecia divertido.

Inclusive as carícias tranquilizadoras de uma mão feminina em sua testa perderam seu atrativo quando imaginou que estava sonhando. Que mulher ia sentar-se pacientemente junto a sua cama?

Tinha tido suficientes acidentes nas corridas de carros para saber que as enfermeiras não acariciavam os pacientes. E Annalisa, a única mulher que desejava que o acariciasse, não estava ali.

Confuso depois de ter sonhado que ela estava a seu lado e muito fraco para arrepender-se de que não estivesse, Tahir despertou de mau humor.

Não estava acostumado a depender de ninguém, entretanto, desejava que ela estivesse a seu lado. Ele, que nunca tinha sentido falta da uma mulher. Ele, que levava sozinho tanto tempo que não recordava como era levantar-se com a mesma mulher duas vezes seguidas.

Não estava de humor para permanecer conectado a todo tipo de máquinas. Estava desconectando-se quando apareceu o doutor.

—Não, Alteza. Por favor!

Tahir fez caso omisso de seus protestos.

—Não necessito nada disto. Só quero sair daqui — não havia nenhum lugar aonde quisesse ir, exceto a aquele oásis habitado pela mulher de olhos escuros que não conseguia esquecer.

A idéia fez que ficasse até mais impaciente.

Devia haver algum lugar onde tivesse que ir. Algo que tivesse que fazer. Algo que o mantivesse ocupado.

—Tenho que ver meu irmão. Tenho trabalho no palácio — Tahir olhou com desagrado a bata de hospital que levava posta. — Se quer me ser útil, me traga a roupa.

—Mas. Alteza, não pode…

Tahir repetiu seus protestos e se sobrepôs a forte dor que sentia ao mover-se.

—É obvio que posso.

—Não o compreende. Alteza. Necessita tratamento e seguir em observação. Não posso assumir a responsabilidade de deixá-lo partir.

—Eu assumo a responsabilidade. Mas dê-me depressa a roupa.

Tahir se esforçou para sentar-se e não recostar-se de novo nos travesseiros. Sentia-se muito débil.

—Mas Al…

—Não me chame «alteza» — soltou ele. — Traga-me um pouco de roupa. É o único que lhe peço.

—Esta dedicando seu afamado encanto ao pessoal médico, irmãozinho? —uma voz se dirigiu ao Tahir da porta.

Ele se voltou e ficou assombrado.

Um homem alto, de cabelo escuro e olhos azuis o olhava da porta, vestido com um traje italiano.

Ao cabo de um instante, Tahir percebeu o brilho de seu olhar e se relaxou um pouco.

—Rafiq! —não tinha visto sua família por volta de onze anos. Desde que seu pai o tinha banido. A forte sensação de alegria que se apoderou dele foi uma surpresa.

Tinha estado muito ocupado com sua vida, tratando de passá-la bem e ocupando-se dos negócios ao mesmo tempo, e não tinha pensado na família. Em recuperar sua relação com eles.

Mas quando Rafiq lhe agarrou a mão e ele se apoiou em seu ombro, para assegurar-se de que de verdade estava ali, Tahir experimentou sensações inesperadas.

—Está aqui — disse Rafiq com um sorriso. — A torre de controle recebeu sua chamada de emergência, mas havia interferências e não puderam captar suas coordenadas. Estiveram te buscando no mar — negou com a cabeça. — Por que não me surpreende saber que vieste do deserto?

Tahir sorriu a modo de resposta. Não tinha parado para pensar que classe de boas-vindas lhe daria sua família ao filho pródigo, mas certamente não esperava que o recebessem com verdadeiro carinho.

Quando era pequeno, Rafiq e Kareef tinham sido seus modelos. Ele se tinha esforçado para ser tão forte e inteligente como eles. Em especial como Rafiq, o favorito de seu pai. Mas enquanto que Rafiq nunca fazia nada mau aos olhos de Jazam Al’Ramiz, Tahir não fazia nada bem. Aquela injustiça o tinha açoitado por toda a vida.

Durante um tempo, esteve com ciúmes de seu irmão, até que aceitou que este não tinha nada que ver por ser o favorito de seu pai. Nem com suas surras. De fato, Rafiq fazia todo o possível para protegê-lo.

—Sabe que sempre fui o filho rebelde — murmurou Tahir.

Rafiq negou com a cabeça.

—Sempre foi um sobrevivente. E me alegro — fez um gesto ao médico para que se fosse, aproximou uma cadeira e se sentou junto ao Tahir. — Tiveste muita sorte.

—Sei — inclusive depois de ter bebido todos os líquidos que lhe tinha dado Annalisa, podia saborear a areia do deserto. O sabor da morte.

Tinha sido muito mais afortunado do que merecia.

Rafiq deixou de sorrir.

—Nos faça um favor, Tahir, e fique aqui. Tem que te recuperar — negou com a cabeça. — Tem as costelas quebradas, hematomas, uma possível comoção cerebral, e o que os médicos acreditam que é uma infecção respiratória. Dizem que não está em bom estado. De fato, acreditam que não está em tão boa forma como deveria mesmo sem ter tido o acidente.

Tahir se encolheu de ombros.

—Nunca me cuidei muito — e nos últimos tempos tinha forçado os limites e descuidado sua saúde.

—Pode começar agora, por favor. Só desta vez. Nossa mãe esteve muito preocupada.

—Nossa mãe? — perguntou Tahir assombrado.

De todo o mundo que tinha deixado no Qusay, era ela a que mais lhe pesava na consciência. Antes de partir tinha tentado convencê-la de que fosse com ele, se por acaso Jazam Al’Ramiz começasse a ser violento com ela uma vez que não tivesse a seu filho para desafogar.

Mas ela se negou a vê-lo e a receber suas chamadas. Ao princípio tinha pensado que era o medo que tinha de seu marido o que a fazia comportar-se assim. Mas inclusive depois que partiu do país, não tinha quis saber nada dele. Suas chamadas e seus e-mails tinham ficado sem resposta.

—Deve estar equivocado.

Rafiq o olhou.

—Não. Esteve a seu lado desde que se internou, acaba de partir.

Tahir recordava que uma mão feminina lhe tinha acariciado a testa e a mão. Ele tinha sonhado que era Annalisa.

Era possível que sua mãe, a mulher que tinha quebrado toda relação com ele, fosse a que o tinha acariciado?

Parecia-lhe absurdo. Entretanto, a expressão de preocupação do Rafiq era real. Tahir franziu o cenho tratando de compreender o impossível.

—Não estou imaginando, verdade?

Rafiq soltou uma gargalhada e se acomodou na cadeira.

—Sou tão feio?

Tahir esboçou um sorriso.

—Pretende que te responda? —gesticulou assinalando o quarto. Este hospital é muito para assimilá-lo de repente. E o que é o de «alteza» e tudo isso?

—Ah, me alegro de que o mencione — Rafiq se inclinou para diante e ficou sério. — Houve uma complicação.

—Isso é o que me disse Kareef quando me contou que nosso primo já não é o rei do Qusay e que ele vai ocupar o trono.

— Kareef renunciou ao trono.

—O que?

—Jasmine e ele… Lembra-te de Jasmine?

Tahir assentiu. Seu irmão mais velho se apaixonou por ela aos dezoito anos.

—Renunciou ao trono para casar-se com ela e retornaram ao Qais para viver com Jasmine que não pode ter filhos, e Kareef sabe que o dever de um rei é ter herdeiros — se encolheu de ombros.— Já sabe que ele se toma muito a sério os deveres.

Tahir se recostou sobre os travesseiros para assimilar a notícia.

—Parece que tem uma mudança de vida por diante, irmão — tinha lido alguns artigos sobre o êxito dos negócios do Rafiq na Austrália. — Terá que te mudar aqui. Quando vais ocupar o posto de monarca?

Rafiq fez uma pausa antes de responder. Tahir franziu o cenho outra vez. A sensação de que algo ia mal se apoderou dele.

—Essa é uma das coisas das que queria falar contigo. Eu também vou renunciar ao trono: parto para a Austrália. Entre nós, renunciar à coroa parece ser um rasgo de família.

—Não acredito — em que tipo de confusão me colocou?

— Acredite, Tahir. Agora você é o rei do Qusay.

 

Annalisa começou a caminhar mais devagar pela esplanada do Shafar, a capital, à medida que o cansaço começava a lhe pesar. Tinha decidido sair caminhando da casa de sua tia para queimar o excesso de energia.

Embora realmente não fosse excesso de energia, a não ser a surpresa que recebeu.

Por um lado a esperava desde que não tinha menstruado. Durante os últimos dias tinha tido náuseas e os seios mais sensíveis.

Tentava convencer-se de que não era seu corpo o que estava mudando, mas os sintomas se devia à excitação que sentia por estar organizando sua viagem.

O que outro motivo podia ter para que lhe saltassem as lágrimas e para estar nervosa?

Estremeceu ao pensar em como se equivocou a respeito do Tahir. Sabia que pertenciam a mundos diferentes. Entretanto, tinha acreditado que conectavam.

Pensava que a dor tinha sido o que a tinha empurrado a procurar consolo nele. Não se alegrava de ter conhecido como era em realidade? Ao recuperar a memória lhe tinha mostrado uma cara muito diferente.

Um homem exigente, insatisfeito e egoísta.

Tragou saliva para aplacar a dor que a invadia e olhou para as grades ornamentadas que tinha adiante.

Não importava que a noite que tinham passado juntos tivesse sido a experiência mais maravilhosa de sua vida. Merecia a pena o preço que tinha pagado por ter tido a noite com um estranho arrogante, embora fosse um maravilhoso amante?

Colocou a mão sobre seu ventre. Não tinha sido capaz de tomar o café da manhã e o sentia vazio.

Sempre tinha imaginado que teria filhos quando se casasse com o homem ao que amava. Possivelmente não fosse uma mulher tradicional como as do Qusay, mas tampouco nunca tinha sonhado sendo mãe solteira.

Sentia falta mais que nunca de seus queridos pais e de seu avô. Seus primos eram amáveis e carinhosos com ela, mas ficariam muito surpreendidos pela notícia.

Apoiou-se na parede e tratou de superar a náusea que sentia.

«Tudo sairá bem. As mulheres têm filhos todo o tempo».

Entretanto, sentia-se muito sozinha.

—Encontra-se bem, querida? —perguntou-lhe uma voz amável.

Uma limusine prateada se deteve na rua, justo antes de cruzar a enorme grade. No assento de trás havia uma mulher idosa, bem penteada e que luzia uma fortuna em pérolas.

Annalisa se endireitou.

—Obrigada — disse ela, ruborizando-se. Sentia-se exposta, como se tivesse insone seus medos e preocupações mais íntimos. — Estou bem.

—Se me desculpar, não tem bom aspecto. Está pálida. Vem do palácio? Tinha uma entrevista?

Annalisa olhou a seu redor para ouvir que mencionavam o palácio. Absorta em seus pensamentos, nem sequer tinha dado conta de que se dirigia para lá. Nesse momento, através da grade, viu os majestosos jardins e a cúpula.

Teria ido de maneira inconsciente para ver o Tahir? Seguiria ali? Tinha passado mais de um mês desde…

«Se estiver grávida, quero que me conte. Promete».

Recordava a voz do Tahir com tanta clareza que estremeceu e se abraçou com força.

—Veio para ver alguém?

—Não! —exclamou ela.

Teria que dizer-lhe embora estivesse segura de que ele iria querer que abortasse. Um pai tinha direito ou não de saber que teria um filho.

—Bom… — olhou à mulher que estava no carro e se disse que possivelmente conhecesse o Tahir. Deu um passo adiante. —Sinto muito. Estou um pouco… — lhe escapou um sorriso. — É muito amável por me perguntar — sorriu. — Tentava contatar um homem do palácio: chama-se Tahir, não sei seu sobrenome. É alto, magro e com olhos azuis. Teve um acidente de helicóptero.

A mulher não mudou a expressão de seu rosto e Annalisa perdeu a esperança. Era uma tolice que confiasse em que ainda estivesse ali.

—Não importa. Provavelmente já não…

—Conheceu o Tahir depois do acidente? —perguntou a mulher com curiosidade.

—Sim, no deserto. Fiz o que pude para cuidar dele, mas… — ficou tensa ao ver que a mulher ficava muito séria. Aproximou-se do carro e um guarda se colocou frente a ela.

Tinha que saber o que tinha passado.

—Recuperou-se, verdade? —perguntou. — Se encontra bem? As feridas da cabeça não eram…

Mortais. Não podia pronunciar aquela palavra.

Apesar de Tahir lhe ter mostrado uma parte desagradável de sua personalidade, ela sabia que era de outra maneira. Durante os dias que tinha passado no oásis, comportou-se de maneira amável e divertida. E como um amante carinhoso. A idéia de que…

—Não, não. É obvio que não faleceu — disse a mulher tranquilizando-a com um sorriso. — Já se recuperou. Segundo os médicos, deve a vida a você.

Annalisa levou a mão ao coração, aliviada.

A mulher disse algo, mas Annalisa não pôde ouvi-lo porque o coração lhe pulsava muito depressa. O guarda se moveu, agarrou-a por braço e a guiou até a parte traseira do veículo. Ali, o chofer lhe abriu a porta para que passasse.

O interior cheirava a couro e a perfume caro. Annalisa se surpreendeu ao ver quão elegante era a mulher que estava dentro. Ia vestida com um traje de seda bordada com fio de prata e umas sandálias de salto. Pérolas nos pulsos e no pescoço.

Annalisa ficou gelada, precavendo-se de que aquela mulher era alguém importante de verdade.

—Não seja tímida. Quer ver o Tahir, não é assim?

Annalisa assentiu em silêncio. Tinha que vê-lo.

—Obrigada — murmurou. — Mas sim está aqui. Voltarei mais tarde, quando me tiver arrumado — olhou sua roupa. Levava os sapatos cheios de pó após ter caminhado durante horas. Umas calças e uma blusa verde, muito cômoda, mas pouco apropriada para ir ao palácio.

—Tolices. Tahir irá querer ver-te e te agradecer em pessoa. Sei que agora se encontra no palácio — respondeu a mulher.

Annalisa obedeceu e se acomodou no assento traseiro.

Quando o carro arrancou, a mulher se voltou para ela e lhe perguntou:

—Como se chama querida?

—Annalisa Hansen.

—Tudo bem, Annalisa? Eu sou Rihana Al’Ramiz, a mãe do Tahir.

Annalisa abriu a boca para responder, mas ficou calada.

Al’Ramiz. Não podia ser…

Al’Ramiz era o nome da família que governava o Qusay.

—Como vai? —perguntou em um sussurro, sem saber o que dizer—. Tahir me disse que vinha a uma coroação.

—Seu irmão Kareef acabava de herdar o trono.

—Mas… — Annalisa negou com a cabeça. Tahir era membro da família real! Havia-lhe dito que era parente do rei, mas ela tinha pensado que seria um parente longínquo—. Não tinha nem idéia… — soltou sem mais.

Tinha o pêlo arrepiado e lhe nublava a vista. Agarrou-se ao assento e tratou de focar. Aquela era uma surpresa de verdade.

—Está bem — a mulher lhe acariciou as costas—. Te encontrará melhor depois de beber algo. Vamos — acrescentou justo quando se abria a porta e um servente indicava a Annalisa que saísse.

Ela ficou em pé e notou que lhe tremiam as pernas.

Observou a Rihana Al’Ramiz assinalar para o palácio. O sol se refletia nas pedras semipreciosas que adornavam a entrada e os serventes esperavam para acompanhá-las até o interior.

A Annalisa cada vez parecia tudo mais irreal, e suspeitava que sua vida estava a ponto de complicar-se ainda mais.

 

—Obrigado por seu conselho, Akmal. A opinião do conselho sempre me parece interessante — Tahir se voltou para a janela da qual se contemplava o oceano e se recordou por enésima vez que devia ter paciência.

Mas esse não era seu estilo.

Governar um país não era seu estilo!

Não podia acreditar que depois de todas essas semanas não tivesse encontrado a maneira de sair daquela confusão. Nem que os qusanies quisessem que o filho depravado de um pai vicioso fosse o sucessor ao trono. Apesar de seus esforços, não tinha encontrado a nenhum parente longínquo que pudesse lhe tirar o trono das mãos. Para o conselho de anciões, ele era o futuro rei e devia governar.

Não podia recriminar os seus irmãos que tivessem rechaçado o trono. Ele faria o mesmo se pudesse, mas estava apanhado até que encontrasse uma alternativa viável.

—Um matrimônio adequado seria oportuno, senhor — disse o visir. — Depois da agitação dos últimos meses, seria uma maneira perfeita de demonstrar a continuidade da dinastia.

Tahir esboçou um sorriso. «Agitação» era a palavra que Akmal empregava para expressar, de maneira diplomática, que os irmãos Al’Ramiz tinham provocado um escândalo que duraria várias gerações.

Depois de que seu primo Zafir descobriu que não era o legítimo governador e se retirasse o irmão mais velho do Tahir se converteu em herdeiro. Mas posto que tanto Kareef como Rafiq tinham renunciado ao trono, o país estava em mãos do Tahir.

Um homem ao que tinham banido aos dezoito anos, o irmão que tinha a pior fama, que não tinha pisado no país em onze anos. Tahir apertou os punhos.

Diabos! Não podia ser rei, não era capaz de permanecer no mesmo lugar muito tempo, e não gostava das responsabilidades.

Por isso queriam que se casasse. Confiavam em que assim se estabilizasse.

—Esta princesa…

—Obrigado Akmal — se voltou para olhar a seu assessor. — Estou seguro de que é um modelo de virtudes e que seria a rainha perfeita — cruzou as mãos detrás das costas e recordou a si mesmo que o visir se limitava a fazer seu trabalho. — Entretanto, é muito cedo para pensar no matrimônio.

—Mas, Senhor…

Akmal se calou quando bateram na porta e entrou um servente pedindo desculpas por interromper sua reunião…

—O que ocorre? —perguntou Tahir agradecido.

—A senhora Rihana quer saber se pode reunir-se com ela para tomar o chá. Alteza. Tahir ficou petrificado.

Sua mãe o convidava a tomar chá?

Aquilo era algo sem precedentes. Sua mãe lhe havia dito que se alegrava de que estivesse são e salvo. Tinha-lhe dado as boas-vindas e lhe tinha devotado seu apoio. Tudo com uma cortesia distante que refletia educação e dever.

Nenhum pouco de amor maternal.

Esse o tinha perdido quando o jogaram do país, depois de que o encontraram com a amante de seu pai, nua.

Não importava que tivesse sido a amante quem tinha tratado de seduzi-lo. Nem que ao Tahir desagradasse a idéia de compartilhar às mulheres de seu pai. Ele não tinha reclamado sua inocência: a fúria de seu pai tinha merecido a pena.

Tahir se tinha convertido em um filho do que nenhum pai podia estar orgulhoso. A distância que tinha mostrado sua mãe evidenciava que fazia muito tempo que tinham perdido qualquer vestígio de devoção parental.

E então? Possivelmente necessitava algo.

Por isso as pessoas se aproximavam dele, por isso podia oferecer dinheiro, sexo, fama, a emoção de sair com um homem de má reputação…

—Estarei encantado de acompanhá-la — Tahir se voltou para o visir. — Se me desculpar…

Akmal já estava fazendo uma reverência.

—É obvio. Senhor.

 

Tahir se deteve na porta. A luz da tarde entrava pelas janelas e iluminava os cabelos castanhos de uma mulher. Ele sentiu um nó no estômago ao recordar as mechas sedosas que tinham acariciado seu corpo enquanto se estremecia de prazer. E os olhos escuros que o olhavam com acanhamento. Os lábios tentadores que beijavam sua pele.

Ela se voltou e ele notou como lhe acelerava o coração.

—Annalisa! —já estava em meio da sala antes de dar-se conta da situação.

Annalisa, a garota que ele tinha deixado zangada e doída, mas com bom aspecto, estava muito pálida. Tinha o rosto mais magro e parecia tensa.

—Tahir. Alegro-me de que possa nos acompanhar — sua mãe se levantou de um divã próximo. Tahir fez uma rápida reverência.

—Mãe.

Olhou-a de forma inquisitiva, mas não encontrou resposta no olhar de sua mãe. O que acontecia?

—Senhorita Hansen.

Annalisa levantou a vista com surpresa. A última vez que tinham estado juntos a situação não tinha sido tão formal. De fato, o calor que sentia no ventre evidenciava quão informal tinha sido.

Ele permaneceu erguido, surpreso por sua reação. Durante meses não tinha tido nenhum desejo sexual. Até que viu a Annalisa. Desde que se tinha recuperado não tinha sentido interesse por nenhuma das belas mulheres da zona. Entretanto, após vê-la…

Rapidamente, Tahir se sentou no lugar que sua mãe lhe tinha indicado.

Sobre uma mesa baixa tinham servido um jogo de chá antigo, figos e bolachas.

—A senhorita Hansen veio ver-te, Tahir. Encontrei-me com ela na grade do palácio — sua mãe o fulminou com o olhar.

Ele ficou tenso. O que lhe havia dito Annalisa?

—Sabia que queria lhe agradecer pelo que fez no deserto — se voltou e sorriu a sua convidada. — Estamos muito agradecidos a você, Annalisa.

Tahir aceitou uma xícara e olhou a Annalisa. Apesar da hospitalidade com a que a tratava a rainha, ela estava tensa e à defensiva. Ele sentia vontade de aproximar-se para tranquilizá-la, entretanto, agarrou a xícara de chá com mais força.

Onde estava a mulher segura de si mesma que o tinha cuidado? A que acampava sozinha de forma auto-suficiente?

—Como está? —perguntou ele, desejando que ela o olhasse aos olhos.

—Estou bem, obrigada.

Algo ia mal. Ele sabia. Deixou o chá sobre a mesa. Alguém lhe teria feito mal? Arrepiou-lhe o pêlo da nuca quando uma estranha sensação se apoderou dele.

O som de um telefone os interrompeu e Tahir ficou em pé, ansioso por ter uma desculpa para mover-se.

—É para ti, Mãe — disse momentos mais tarde. — Há algum problema com a recepção que está organizando.

Sua mãe ficou em pé.

—Se me desculparem será melhor que atenda a chamada — se voltou para a Annalisa. — Estará bem, querida?

—É obvio senhora. Obrigada — disse ela, ruborizando-se.

Tahir esperou a que sua mãe respondesse o telefone na outra sala. Depois se voltou para a Annalisa com um pressentimento que lhe gelava o sangue.

 

Não deveria ter ido, repetia-se Annalisa.

O sol da tarde ressaltava as facções do rosto do Tahir e proporcionava um brilho negro azulado a seu cabelo.

Era mais imponente do que recordava. Ela acreditava que imaginou seu poderoso atrativo, sua virilidade e a sensualidade de seu sorriso, mas bastava um olhar, ou o som de sua voz, para saber que podia apaixonar-se por ele outra vez.

Inclusive sabendo o frio e insensível que era no fundo!

Teria perdido a noção da realidade a base de enfrentar a um problema atrás de outro?

Ficou em pé ao ver que ele se aproximava.

—Me alegro de ver-te, Annalisa.

Ela desejava poder dizer o mesmo. A túnica tradicional que levava Tahir enfatizava sua altura e seu poderio. Era muito grande, muito atrativo.

Ela suspirou ao dar-se conta de que seguia mostrando debilidade por aquele homem.

—Está bem? —perguntou ele.

—Sim — mentiu. — Estou bem. E você?

—Preparado para o combate — pôs um meio sorriso.

Ela sentiu que lhe encolhia o coração e olhou a outro lado, assustada pela intensidade de seus sentimentos. Deveria havê-lo superado. Ele não era o homem que ela acreditava. Além disso, vinha de um mundo diferente, pertencia à realeza.

—Não esperava ver-te por aqui — se aproximou um pouco mais.

—Ontem à noite cheguei ao Shafar. Tenho um vôo para amanhã a Europa — devia partir? A notícia que lhe tinham dado pela manhã mudava tudo. Mordeu o lábio inferior, perguntando-se o que era melhor. O prioritário era marcar uma entrevista com um médico.

—O que acontece?

Ela fechou os olhos um instante, desejando ser mais forte.

Quando os abriu, ele estava a tão somente um passo de distância.

Annalisa olhou para a porta fechada. Até quando teriam privacidade?

—Precisava ver-te — não podia apartar a vista dele.

—Assim não vieste me saudar. E é evidente que é importante. Não se trata do cuidado de nossa cabrita?

—Partiu para uma boa casa. A filha pequena de um de meus primos a converteu em sua mascote — Annalisa fez uma pausa, horrorizada por seu nervoso balbuciar—. Disse que… — tragou saliva e se obrigou a olhá-lo aos olhos—. Disse que se houvesse consequências lhe devia contar isso. Pois as há. Estou grávida.

Suas palavras retumbaram no silêncio. O olhar dos olhos azuis do Tahir se voltou mais penetrante, mas não mais cálido.

Se necessitava de prova de que não significava nada para ele, tinha-a na expressão de seu rosto.

Voltou-se e pestanejou olhando para o jardim.

—Quais são seus planos? —perguntou ele.

Annalisa se encolheu de ombros.

—Não sei. Mas vou ter ao bebê — levou a mão ao ventre em um gesto de amparo.

Silêncio.

Franziu os lábios ao imaginar sua cara de horror. Ele não queria essa complicação. A menos que já tivesse uns quantos filhos ilegítimos.

—Que oportuno que me tenha encontrado — algo em seu tom de voz fez que se voltasse para ele.

—Disse-me que contatasse contigo.

—E como foste deixar acontecer a oportunidade quando descobriu quem era eu?

—A oportunidade? —Annalisa não compreendia nada.

—De te aproveitar de minha posição.

Annalisa demorou um momento em compreender suas palavras, mas em seguida a ira se apoderou dela.

—Isso não merece uma resposta. É um egocêntrico! Uma mulher vem te contar que está grávida de ti e você só se preocupa com você?

—Nega que minha posição tenha algo que ver com que alegue que está grávida?

—Alegar? —Annalisa recordava os dias que se preocupou pela possibilidade de estar grávida. O cansaço e as náuseas. O pânico de ter que tomar decisões por ela e pelo bebe. Fechou os punhos para conter a vontade de lhe dar uma bofetada.

—Estou grávida. Não tem nada que ver com que você seja rico ou irmão do rei. Isso eu descobri porque me contou sua mãe.

—E não pôde resistir a compartilhar sua suculenta notícia com ela, verdade? —perguntou furioso.

—Não lhe hei dito nada!

Ele arqueou uma sobrancelha com incredulidade e cruzou de braços.

De repente, ela se sentiu pequena e vulnerável.

—Então por que se mostrava tão solícita? —insistiu. — Por que nos deixou a sós transgredindo todo protocolo?

—Encontrava-me mal quando cheguei. Estava enjoada…

—Não lhe insinuou nada?

Suas palavras lhe doeram como uma tormenta de areia sobre a pele nua.

Annalisa não ia ficar para que a insultasse. Já tinha feito o que devia.

Mas quando passou a seu lado, ele estirou o braço e a agarrou pelo pulso. O toque de sua pele fez que lhe acelerasse o pulso.

—Me deixe. Ou se supõe que primeiro tenho que fazer uma reverência ante esta pessoa tão importante?

—Aonde irá?

—A casa de minha tia. Tenho que fazer a mala para minha viagem — tratou de liberar-se, mas ele a agarrou mais forte. — Por favor, me deixe.

—Pode ficar aqui — disse ele.

—Não! Não faz diferença — deu um passo atrás, mas ele a seguiu.

—Faz muita diferença — lhe assegurou ele. — Temos coisas das que falar.

Annalisa olhou para outro lado.

—Não vou ficar onde não sou bem recebida — ele tinha deixado claro que pensava que estava inventando a história da gravidez.

—OH, eu não o poria dessa maneira —disse Tahir lhe acariciando o pulso com o polegar e fazendo que esse acelerasse de maneira exagerada.

Surpreendida, ela viu que a olhava com desejo.

Ao sentir que uma onda de calor percorria seu corpo, lhe cortou a respiração. Só tinha necessitado um olhar e umas palavras para que se derretesse!

—Vou.

Tahir negou com a cabeça e a expressão de desejo desapareceu de seu olhar.

—Minha família e eu devemos ser hospitaleiros contigo por me haver salvado a vida. Além disso… —lhe apertou o pulso com mais força—, faria que lhe trouxessem de volta. Assim será mais fácil de ficar.

—Me trazer de volta? —perguntou indignada—. Quem acredita que é?

Ele inclinou a cabeça e fez um gesto elegante com uma mão.

—Sou o xeque Tahir Al’Ramiz, rei do Qusay. Seu soberano.

 

Pela primeira vez, Tahir gostou do fato de ser rei.

Porque Annalisa não poderia escapar até que ele estivesse preparado para deixá-la partir. Podia exigir que o obedecesse.

Porque ele se deleitava com o poder que tinha sobre aquela mulher Sentia um prazer primitivo que a qualquer homem civilizado devia aborrecer.

O que dizia isso a respeito dele?

Passou a mão pelo rosto. Por que o conselho de anciões e os cidadãos do Qusay não compreendiam que estavam oferecendo o trono a um homem vicioso?

Recordava a cara de assombro que tinha posto Annalisa quando descobriu quem era ele. Tinha ouvido que Kareef tinha renunciado ao trono, mas não sabia o que tinha acontecido depois.

As dúvidas do Tahir a respeito de sua paternidade se dissiparam ao ver a cara de horror da Annalisa. O cinismo que tinha mostrado se evaporou assim que viu como se enfrentava ela à gravidade da situação.

Estava grávida do rei.

Não era de estranhar que tivesse empalidecido. Ela tinha cambaleado e o olhar aturdido de seus olhos aveludados provocou em Tahir um sentimento protetor que só tinha experimentado uma vez anteriormente. Quando tinha feito, de maneira intencional, que ela o tratasse com desdém para que pudesse livrar-se dele.

Oxalá pudesse ter de novo essa fortaleza mental.

Ele olhou para o quarto em penumbra, que tinha as cortinas abertas para que entrasse a brisa da noite. A luz da lua banhava a cama e acariciava os braços nus e o cabelo que cobria o travesseiro.

Que classe de homem era?

Um que não conseguia manter-se afastado de uma mulher que o desprezava. Não tinha escrúpulos?

Ceder ante a tentação era sua especialidade.

Incapaz de dormir depois de ter trabalhado durante horas de documentos oficiais, tinha saído a passear pelos corredores. Só para deter-se em frente ao quarto que tinham preparado para a mulher que, oficialmente, era a convidada de sua mãe.

Ali estava ele, observando-a enquanto dormia. Não levava seda nem rendas como suas amantes habituais. Só uma camisola de algodão. Entretanto, seu aspecto era sedutor e ele se excitou de desejo.

Tahir passou de novo a mão pelo rosto. Um homem honorável não entraria em seu dormitório.

O que ele tinha perdido no quarto daquela mulher? Uma mulher decente e confiada.

—Quem é? —perguntou ela com um sussurro.

Tahir deu um passo adiante.

—Sou eu — disse ele.

—O que quer? —ela se cobriu com o lençol até o queixo. Seu gesto defensivo o incomodou. Ele não se dedicava a atacar às mulheres.

—Ver-te — era a pura verdade.

—Não deveria estar aqui — disse ela.

—Cancelamos seu vôo — disse ele—. Depositarão o dinheiro na sua conta.

—Não tem direito a fazer isto — se incorporou e colocou um travesseiro detrás das costas.

Ele se fixou em seus seios arredondados sob o tecido e experimentou uma ereção.

—Temos que falar sobre nossas opções. Não poderemos fazê-lo se estiver na Escandinávia.

—Mesmo assim, não tinha o direito.

Ele se aproximou um pouco mais, atraído por sua voz adormecida.

—Marquei-lhe uma consulta com um ginecologista.

—Isso eu podia ter feito. Não tem direito a controlar minha vida, me obrigando a ficar aqui.

—Para o resto do mundo, é a convidada de minha mãe. O que poderia ser mais agradável? Já parece e pode se tranquilizar, tudo está bem.

—É que ainda não crê que estou grávida?

Ele negou com a cabeça. Ao ouvir a notícia tinha pensado o pior, recordando o longe que tinham chegado outras mulheres para conseguir sua atenção e seu dinheiro. Mas ao cabo de um instante tinha compreendido que não era mentira.

Annalisa não se parecia em nada ao tipo de mulheres com as que ele estava acostumado a sair.

Por isso a lembrança da noite que tinham passado juntos lhe tinha ficado gravado na memória. Percorreu com o olhar as curvas de seu corpo coberto com o lençol.

—Acredito-te, Annalisa.

—Bem — disse ela com tom tenso. — Agora será melhor que vá.

—Não quer que fique? —em um passo chegou até a cama.

—Não!

—Talvez devesse te convencer. Sabe que poderia.

—Por isso está aqui? Por que quer a alguém diferente das suas refinadas amantes? —perguntou com desprezo.

Ela não sabia quanta razão tinha. Ele a desejava como nunca tinha desejado a nenhuma das mulheres sedutoras com as que se deitava.

Não recordava ter desejado tanto a uma mulher.

Acariciou-lhe o braço nu com um dedo e a viu estremecer. Em lugar de retirar o braço, ela ficou quieta. Tahir se excitou ainda mais.

—Quantas tiveste, Tahir? Dúzias? Centenas?

—Não sou um santo — resmungou ele.

—Isso já sei — murmurou ela. — Esta tarde procurei seu nome na Internet, posto que já tinha um nome para procurar. É verdade que saiu com todas as finalistas de um concurso de beleza que se celebrou o ano passado, enquanto fechava um importante trato de negócios?

Ele a observou mover-se sob o lençol e se imaginou acariciando-a.

—Na imprensa exageram — murmurou.

—Então existe a possibilidade de que me tenha dado algo mais além de um filho?

Durante um instante ele não compreendeu seu raciocínio.

—Seriamente é filha de médico, não? —Tahir experimentou uma mescla de irritação e admiração por sua temeridade. Ninguém lhe falava desse modo. — Pode ser que seja um insensato, Annalisa, mas não sou estúpido. Estou muito saudável.

—Me alegro pelo bem de nosso filho.

Nosso filho.

Suas palavras foram como uma ducha de água fria para sua libido e Tahir se retirou da cama.

Tinha passado a última meia hora ignorando esse problema. Era mais singelo centrar-se na maravilhosa Annalisa que enfrentar à realidade de uma família.

Tahir não acreditava na família.

Não podia.

Era um homem solitário. Tinha-o sido toda sua vida. Não tinha nada que oferecer a um filho ou a um casal estável.

Provavelmente isso o tinha herdado de seu pai. E se tinha herdado esse gene defeituoso? Sem dúvida tinha seguido seus passos no que se referia a sair com muitas mulheres. Seu pai se teria dado conta de que ele também tinha esse rasgo de personalidade? Por isso odiava a seu próprio filho?

A idéia o fez estremecer.

Ele nunca infligiria castigos corporais a um filho.

Voltou-se e se dirigiu para a porta.

—Falaremos mais tarde.

—Aqui não — disse ela. — Não te quero ver em meu quarto. Nunca.

Tahir fez uma pausa e notou que lhe esticavam os músculos das costas como se lhe tivessem dado um murro.

Era uma sensação que não tinha experimentado em anos. Não recordava que doesse tanto.

—Como desejar, senhorita Hansen. Não pisarei em seus aposentos a menos que seja convidado.

Annalisa o observou partir e cobriu a mão com a boca para não lhe pedir que retornasse. Não queria que estivesse ali.

Então por que tinha esperado, tremendo, para ver se lhe acariciava outra coisa além do braço? Para ver se ele a acariciava de forma adequada?

Não havia nada adequado entre eles. Ela estava grávida do que seria um filho ilegítimo. Ele era rei e ela uma plebéia.

Por isso tinha lido na Internet. Tahir era um homem que ela não chegava a compreender. Gênio das finanças, jogador insensato e amante de má reputação. Tinha passado por todos os salões de baile, as salas de reuniões e os dormitórios de pelo menos três continentes, desfrutando do que queria para partir depois.

Havia muitas histórias sobre ele, mas todas versavam sobre o mesmo tema. Era um homem solitário que nunca mantinha uma relação longa com uma amante, e nunca criava laços os amigos próximos nem com seus sócios. Um homem que não necessitava de ninguém.

E o homem que ela tinha conhecido no deserto?

Não era real. Tinha sido o produto de seu frágil estado de saúde e das estranhas circunstâncias. Deitou-se com ela porque era uma novidade. Não podia ser mais diferente às mulheres com as que ele saía agarrado do braço nos artigos de imprensa.

Ao pensar nisso, Annalisa ficou tensa e se aconchegou na cama.

Estar grávida era uma grande responsabilidade. Além disso, não conseguia acalmar o desejo que sentia de um homem que a via como um entretenimento, e isso representava um grande problema.

Ela acreditava que o comportamento dissipado do Tahir se devia a que tinha um problema. Os pesadelos que sofria no deserto eram a prova disso, ou puro delírio provocado pela febre? Ela queria investigar, descobrir e enfrentar à personalidade sombria que se escondia atrás de seu comportamento.

Queria acreditar que ele não era tão frívolo.

Annalisa negou com a cabeça. Estava procurando desculpas onde não as havia, conhecia muito pouco ao Tahir.

No futuro o recordaria.

 

— Por aqui, por favor — o mordomo fez uma reverência e Annalisa parou um instante na porta de seu quarto. Durante dias tinha sido seu refúgio para tratar de assumir a situação.

Esse período de paz e tranquilidade era o que necessitava. Rihana, a mãe do Tahir, ia visitá-la a cada dia e, contra os temores da Annalisa, comportou-se de maneira amistosa e sem julgá-la. A mulher devia estar informada a respeito da visita do ginecologista, mas nem sequer o tinha mencionado. Conheceria a tensa relação que mantinham seu filho e sua convidada, e que esta levava o filho do Tahir no ventre?

Falavam de tudo exceto do Tahir, e tinham estabelecido uma relação muito boa.

Quanto a este, depois de ter invadido a privacidade da Annalisa aquela noite e de tentar seduzi-la, partiu da capital por motivos urgentes.

Só sua intervenção pessoal evitou que fosse a pique uma reunião de diplomatas da região. Todo mundo o elogiava, mas Annalisa suspeitava que ele tivesse aproveitado a ocasião para não enfrentar a ela.

Preparava-se cada dia para encontrar-se com ele, mas Tahir seguia ausente.

Isso dizia tudo a respeito de quão importante para o Tahir era o filho que ela levava no ventre. E ela.

—Senhora? Se quiser me seguir… — disse o mordomo.

Annalisa endireitou os ombros e seguiu ao mordomo pelo corredor.

Não podia esconder-se para sempre. E ainda menos de seus próprios familiares. Quando lhe deram a notícia de que seu tio Saleem estava ali, lhe formou um nó no estômago. Nunca se tinha levado bem com o marido de sua tia. Se tivesse encontrado uma alternativa para não ficar em sua casa quando chegou ao Shafar, a teria aproveitado.

O que queria?

Aquele homem nunca tinha aceitado seu comportamento ocidental. E nunca tinha tido boa relação com seu pai, nem com ela.

À medida que avançava pelo palácio ia ficando mais nervosa.

—Já chegamos. Senhora — disse o servente, abrindo umas portas. — Serviram um aperitivo. Por favor, toque a sineta se necessitar algo mais — deu um passo atrás para deixá-la passar e depois fechou as portas.

Saleem estava de pé no centro da sala. Se estava assombrado pelo lugar, não o demonstrava.

— Olá, tio. Alegra-me sua visita. Minha tia não veio?

— Vim a ver o rei. Hão-me dito que não está assim pedi que avisassem a ti.

Annalisa ficou tensa ao ouvir seu tom de desaprovação.

— Quer se sentar? —assinalou apontando uns sofás dispostos ao redor de uma mesa cheia de iguarias.

—Sem dúvida te comporta como se estivesse em sua casa. Como se tivesse todo o direito do mundo.

—Sou a convidada da rainha Rihana…

—Não me conte histórias! Não nasci ontem.

Aproximou-se dela olhando-a fixamente.

Annalisa cruzou os braços diante do seio e não se moveu. Tinha visto como intimidava a sua tia e não ia permitir que o fizesse com ela. Entretanto, tinha o pulso acelerado, porque se sentia vulnerável ao vê-lo furioso.

—Pode contar essa historia ao resto do mundo, mas eu sei por que está aqui. É sua convidada, não é assim? Sua amante. Sua fulana!

Annalisa não pôde evitá-lo e deu um passo atrás, assustada pela violência de seus olhos escuros e seus punhos fechados.

—Perguntava-me como tinha valor para se instalar no palácio e que todo mundo soubesse, mas dada sua reputação, nada me surpreende. Entregaste a um homem do melhorzinho que há!

Annalisa ficou pálida. Aquilo era pior do que esperava.

—Não sou a fulana de ninguém — disse ela. — Não tem direito a…

—Tenho todo o direito do mundo. Está sob minha responsabilidade agora que seu pai e seu avô morreram.

—Não! Sou responsável por mim mesma!

—Não quando é capaz de envergonhar a família. Devia imaginar que passaria algo assim, tendo em conta a liberdade com a que lhe educaram. Esse teu pai…

—Não diga nenhuma palavra contra meu pai — Annalisa deu um passo adiante e Saleem a olhou surpreso. — Era dez vezes melhor que você.

Fez-se silêncio. Annalisa se sentia culpada pela facilidade com que se deixou deslumbrar pelo Tahir.

—O que diria seu pai se te visse?

Annalisa notou que lhe fraquejavam as pernas. Seu pai a teria apoiado, mas estaria decepcionado. Tinha-lhe ensinado o valor do amor.

—Não te dá conta do que tem feito? —insistiu Saleem. — Há rumores a respeito de que estiveste durante dias no deserto, a sós com o rei.

—O que se supunha que devia fazer? Olhar para outro lado quando chegou ao acampamento cambaleando-se e permitir que morresse? —pôs os braços em jarras. — Se houver rumores, não terei que procurar muito longe para saber quem os difundiu, não crê?

Sabia que essa notícia não tinha saído do palácio. A rainha não tinha que dar explicações de por que tinha convidado a alguém a sua residência. Tampouco tinham sido outros parentes. Nem o condutor do camelo, que era um velho amigo de seu pai.

Suas suspeitas se confirmaram quando Saleem soprou e olhou a outro lado.

—Nunca te tenho causado boa impressão e encontraste a desculpa para manchar meu nome.

—Uma desculpa? —disse ele. — Por que ia necessitar uma desculpa se estiver grávida? Ah, não sabia que sabia verdade?

Olhou-a com desprezo e a agarrou por cotovelo. Annalisa sentiu medo.

—Estava tão centrada em sua aventura amorosa que nem sequer teve sentido comum para ocultar as provas. Sua tia encontrou o teste de gravidez enquanto recolhia suas coisas, quando seu amante enviou a um servente para buscá-las.

Annalisa se encolheu ao perceber ódio em seu olhar.

—Estava tão desgostosa que eu soube que algo ia mal. Não me custou muito lhe surrupiar a verdade.

Annalisa fechou os olhos, rezando para que não tivesse empregado a violência contra sua tia.

—Tem algo mais que dizer? —perguntou-lhe atirando-a do braço.

—Não falará com gente como você — uma voz profunda se ouviu detrás da Annalisa. — Solte-a. Agora — a voz do Tahir era como uma arma letal, como um trovão no horizonte.

Saleem soltou o braço da Annalisa imediatamente e deu um par de passos para trás.

Tinha percebido o tom de ameaça do Tahir, apesar de que este nem sequer tinha elevado a voz.

Annalisa se voltou e viu que Tahir estava com os punhos fechados. A agressividade contida de sua figura corpulenta desafinava com a aparência urbana que lhe dava o traje que levava. Nunca o tinha visto tão imponente. A expressão de seu rosto era calma, mas seu olhar era de fúria.

Annalisa se sentiu aliviada, mas teve que apoiar-se no sofá porque lhe tremiam as pernas. Imediatamente, colocou uma mão sobre seu abdômen em um gesto de amparo.

—Alteza — seu tio fez uma reverência.

—Encontra-te bem? —perguntou Tahir a ela, ignorando o seu tio. Nem sequer o tom de preocupação de sua voz dissimulava sua expressão distante e inflexível.

Ela desejava que a tomasse entre seus braços e a abraçasse com força.

—Estou bem — respondeu ela com nervosismo.

Tahir se voltou para seu tio e se aproximou dele.

—Se alguma vez me inteirar de que emprega a violência contra uma mulher, qualquer mulher, farei que deseje não ter nascido. E me inteirarei. Eu me ocuparei de me inteirar.

—Não era violência, Senhor — disse Saleem. — É uma questão de honra.

—Tem um estranho conceito da honra — disse Tahir. Depois se voltou para ela. — Pode caminhar?

—É obvio que posso caminhar! —separou-se do sofá.

—Então vá. O mordomo a acompanhará a seu quarto.

Por um lado, ela desejava obedecer e fugir das feias acusações que lhe tinha feito seu tio. Mas permaneceu quieta no lugar.

—Isto é meu assunto.

Tahir a olhou fixamente durante uns segundos e assentiu.

—É verdade. Confia em mim para que eu o solucione?

Annalisa não duvidava de que Tahir podia lutar com o Saleem de forma mais eficiente que ela.

Nem sequer tinha reconhecido que o filho fosse dele, entretanto, naquele momento ela soube que ninguém poderia ser melhor que Tahir para ela e seu filho.

—Confio em ti — murmurou.

 

Annalisa respirou fundo para inalar a brisa marinha. Depois da terrível cena que tinha presenciado pensou que a tranquilidade do jardim com vistas à praia privada do palácio lhe cairia bem. Era um lugar tranquilo para pensar.

Mas não tinha sido capaz de decidir o que ia fazer. Devia partir? Aonde podia ir? Ao lugar que tinha sido seu lar? Receberia o mesmo trato do resto de sua família?

As lágrimas se amontoavam em sua garganta. Provavelmente não. Certamente eles seriam mais benévolos com ela. Mas nesses momentos não queria pô-lo a prova.

Tinha que encontrar um lugar seguro, onde seu filho fosse bem-vindo e não desprezado. Abraçou-se, sentindo-se mais só que nunca.

Tahir lhe tinha pedido que confiasse nele, ao menos com o Saleem. Sentia-se confusa por havê-lo feito. Não deveria suspeitar do homem que tinha sido cruel e superficial com ela e que, entretanto, tinha saído em sua defesa?

—Annalisa? —ouviu-se uma voz ao mesmo tempo em que se ouviam pisadas sobre o cascalho.

Annalisa se deu a volta e suspirou ao ver o Tahir. Ficou em pé porque se sentia em desvantagem estando sentada.

Além disso, era o rei. Devia recordá-lo.

—Obrigado por te ocupar de… Se não tivesse vindo…

—Não pense nisso — disse ele, e lhe agarrou a mão. — Já terminou. Partiu.

—Sinto muito — disse ela, negando com a cabeça. — Não deveria ter presenciado algo assim — se ruborizou ao recordar tudo o que Saleem lhe havia dito.

— Me olhe!

O tom do Tahir fez que ela levantasse a cabeça. O mirou aos olhos e, de algum modo, seu olhar a tranquilizou um pouco.

—Não tem por que lhe desculpar. Sinto não ter chegado antes — esboçou um sorriso. — Não voltará a te incomodar. Nunca mais.

A Annalisa não importava que método tivesse utilizado Tahir, simplesmente se alegrava de saber que tinha funcionado.

—Obrigada — disse com tom de alívio.

Ele inclinou a cabeça.

—Como está? —segurou-a com mais força. — Necessita que te chame um médico?

—É obvio que não.

—Não te encontrava bem — disse com expressão sombria. — A ginecologista insistiu em que devia descansar.

Ela franziu o cenho.

—Como sabe o que é o que ela disse? A confidencialidade em relação aos pacientes não se aplica no palácio? — soltou-se de sua mão e caminhou inquieta, ao descobrir que tinham vulnerado sua privacidade.

Annalisa nunca se havia sentido tão pouco poderosa como nesses dias, quando sua vida se pôs de pés para o alto.

Ela estava acostumada a tomar suas próprias decisões e, entretanto, sentia-se insegura. Era como se tivesse perdido o controle de sua vida.

—Estava preocupado com você.

—Sério? —olhou-o nos olhos e desejou ter esquecido como a havia olhado com aprovação quando ela alcançou o clímax sob seu corpo.

—Foi imperdoável que te deixasse em um momento assim. Sinto muito.

—Necessitavam-lhe em outro lugar. Compreendo-o — de repente se sentiu esgotada.

—Isso não é desculpa. Minha presença nas negociações foi mais ou menos simbólica.

Por que tirava sua importância quando se referia às negociações? Ela franziu o cenho. Um homem que se deleitava com seu prestígio não alardearia de seu importante papel?

—Deveria descansar — a segurou pelo cotovelo e a guiou até uma cadeira. Sentou-se a seu lado. Podia sentir o calor de seu corpo embora não se tocassem.

Annalisa respirou fundo e tratou de convencer-se de que imaginou a potente atração que havia entre eles. Era como se ele a atraísse com um campo magnético.

—É hora de que solucionemos isto — disse ele.

—O que? Quer fazer a prova de DNA para ter certeza que o bebê é teu?

—Sei que é meu.

— Trocaste que parecer — não se esqueceu de que Tahir tinha duvidado de sua palavra.

—A notícia foi um choque para mim.

—Acreditou que eu estava mentindo.

—Não era a primeira vez que uma mulher me dizia que estava grávida — a olhou aos olhos—. Mas é a primeira vez que é verdadeiro.

Annalisa ficou tensa. Não era mais que outra mulher em uma longa lista. Outro entalhe em seu cinturão. Só que não tinha sido o bastante sofisticada para evitar uma gravidez.

—E agora me crê?

—Acredito. Conheço-te.

Annalisa desejava poder lhe dizer o mesmo. Tahir a confundia. Era um homem egoísta e despreocupado ou um ser compassivo e sensato? Alterava-se cada vez que o via. Não era de estranhar que se sentisse desorientada.

—Por desgraça, a visita de seu tio muda as coisas. Agora não temos possibilidade de manter nossa relação em privado.

Relação? Ela esteve a ponto de lhe dizer que não tinham nenhuma relação. Que só tinham tido uma aventura de uma noite.

—O que crê que fará?

—Nada. Não o contará a ninguém.

Annalisa viu a expressão do Tahir e pensou que não gostaria de estar na pele do Saleem.

—Mas já há dito bastante. Quando se começar a notar sua gravidez, as pessoas recordarão suas palavras e atarão os cabos.

Annalisa não pôde evitar sentir certo prazer ao compreender que Tahir tinha aceitado que tivesse o bebê. E que não tinha insistido em que abortasse.

—Saberão que o menino é meu.

—Se estiver no Qusay — entretanto, não podia imaginar-se criando ao menino em outro lugar.

—Não importa — disse ele. — O dano aparece. Esteja onde estiver isto te afetará. Não há escapatória — acrescentou. — Só há uma opção — suspirou. — Devemos nos casar.

—Deve estar brincando!

—Crê que brincaria a respeito? —ficou em pé. — Crê que desejo me casar? Que não considerei todas as alternativas?

Annalisa viu desprezo na expressão de seu rosto.

O que ele queria dizer era que não desejava casar-se com ela.

O fato de que ela tampouco estivesse preparada para o matrimônio não atenuava a dor que lhe provocava seu rechaço.

O olhar do Tahir era frio e penetrante. Pensava que ela o tinha metido nessa confusão? Se não, o que outro motivo havia para esse olhar distante?

—Não sabia que Saleem viria aqui. Não pretendia que ninguém se inteirasse.

—Sei. Isso não importa. O importante é que encontremos uma solução para o problema.

Não parecia um homem propondo matrimônio.

Annalisa apertou as mãos ao recordar os sonhos que tinha tido anos atrás, quando se tinha apaixonado pelo Toby.

Naquele tempo ela esperava que lhe fizesse uma proposta de matrimônio.

E nunca aconteceu. Toby tinha retornado ao Canadá para começar em um novo trabalho como geólogo. Em lugar de retornar a procurá-la, como tinha prometido meses mais tarde lhe chegou a notícia de que se casou com outra mulher. Alguém dali, que se encaixava com seu mundo e suas expectativas de vida.

Não com alguém como Annalisa, que se encontrava entre duas culturas e era uma estranha para ambas.

Estava condenada a ser sempre uma forasteira e a não merecer o amor?

—O matrimônio não é a única solução.

Quando se casasse seria por amor. Como o que seus pais tinham compartilhado. Seu pai tinha amado a sua esposa até o final. Em seus últimos dias, sua obsessão tinha sido viver o tempo suficiente para batizar ao cometa Asiya, com seu nome.

Contrair matrimônio sem amor com um homem sem coração seria um completo desastre.

—O que outra opção há? Quer criar a meu filho como ilegítimo diante de meu nariz?

—Seria o primeiro? —perguntou ela elevando o queixo.

—Já lhe disse. Nenhuma outra mulher ficou grávida.

—Não teria por que ser diante de seu nariz.

—Pretende emigrar?

Ela negou em silêncio.

—Quer que nosso filho seja ilegítimo?

—Não — disse ela. — Mas não quero…

—O que é o que não quer Annalisa?

Ela mordeu o lábio para não enunciar em alto seus temores. Como ia casar-se com um homem ao que mal conhecia? Poderia confiar em um homem com essa reputação? Entregar-se ela e seu filho a seu cuidado? No Qusay, um marido tinha verdadeiro poder sobre sua esposa. Sua palavra era lei.

E se esse marido também era rei…

—Annalisa, me olhe. Fala comigo.

Devagar, ela voltou a cabeça e o olhou aos olhos.

—Obrigada pela oferta — disse em voz baixa. — Não… — olhou a outro lado. — Não sei. Necessito de tempo.

 

Necessitava de tempo!

Quanto tempo acreditava que tinha antes que sua gravidez se fizesse evidente e se convertesse no centro de brincadeiras cruéis? Antes que a rechaçassem por ter tido uma aventura com ele?

Era isso o que queria para ela e para o bebe?

Um sentimento de culpa se apoderou do Tahir. Tudo era culpa dele. Ele tinha cedido ante a tentação e ela ia pagar as consequências.

Annalisa era muito orgulhosa e obstinada, e não permitiria que ele a ajudasse. Não se dava conta de que o escândalo era muito pior porque ele era quem era? A lembrança do encontro com seu tio lhe revolveu o estômago. Não podia permitir que ela enfrentasse sozinha a todos esses prejuízos.

Nem seu filho. Tahir sabia o que era ser um menino desprezado. Negava-se a dar a oportunidade de que alguém desprezasse a seu filho.

Passou a mão pelo cabelo enquanto passeava de um lado a outro.

Desde quando uma mulher podia lhe dizer que não? As mulheres comiam em sua mão. Entretanto, Annalisa tinha dúvidas. Essa ratinha pouco sofisticada e inocente.

Ao menos assim tinha sido até que Tahir a conheceu.

Tinha que fazê-lo bem. Embora ela não quisesse, embora ela não o desejasse.

O mais absurdo era que, apesar da quantidade de mulheres que lhe apresentavam diariamente e que estavam empenhados em que se casasse logo, ele desejava a Annalisa.

Notou que seu membro ficava ereto ao pensar nela e deu um murro na parede. Não importava o que ele quisesse.

Tratava-se de uma necessidade.

A idéia de converter-se em marido e pai de uma vez o aterrava. Como sempre, seus desejos eram pouco honoráveis. Sonhava tendo uma gratificante relação sexual, noite após noite; desejava a Annalisa como nunca tinha desejado a outra mulher.

E não podia permitir que criasse o seu filho sozinha. Possivelmente tinha vivido como um depravado, mas ainda tinha algo de moral.

A sociedade qusaní não estava desenhada para mães solteiras. Ela nunca seria aceita e seu filho tampouco, e menos quando se soubesse que Tahir era o pai. Necessitavam amparo, inclusive apesar de que a idéia de responsabilizar-se por uma família fazia que lhe formasse um nó no estômago.

Recordava que seu pai parecia respeitável em público enquanto que em privado era um homem cruel. Um homem assim não deveria ter tido filhos.

E se Tahir tivesse o mesmo defeito?

Não gostava da violência como a seu pai, não desfrutava intimidando aos mais débeis. Entretanto, com sua história familiar, quem sabia que classe de marido e pai poderia ser?

Rafiq e Kareef eram homens valentes que embarcaram na vida de casados com entusiasmo. Mas a raiva de seu pai sempre tinha sido dirigida para o Tahir, e não para seus irmãos.

Quando Tahir tinha ido visitar seu irmão a seu novo reino do Qais, Kareef e Jasmine pareciam muito felizes. O matrimônio sentava bem ao Kareef. Tahir e ele eram pólos opostos.

Esboçou um sorriso zombador ao pensar nele protegendo a Annalisa. Entretanto, tinha que fazê-lo.

Estava tentado a organizar as bodas apesar de seus protestos. Não estava acostumado a esperar. Entretanto, tinha visto quão nervosa estava. Necessitava tempo de verdade. Tentaria uma vez mais que entrasse em razão.

Notou certo calor no ventre e sorriu ante a idéia de persuadi-la.

 

A recepção saiu como devia: o som das conversações era estável e os convidados sorriam enquanto desfrutavam da honra de estar na sala de audiências.

Tahir assentiu a um embaixador.

Era curioso quão bem tinha encaixado em seu posto. Trabalhava muitas horas, mas seu talento para sopesar as situações e atuar com decisão era algo que facilitava muito seu papel de rei.

Exceto com a Annalisa.

Esta tinha conseguido evitá-lo fazia dias. E a frustração começava a apoderar-se dele.

Precisava solucionar aquilo. Não porque desejasse a Annalisa, dizia-se tratando de ignorar os sonhos eróticos que o mantinham acordado cada noite.

Olhou além de onde estava um grupo de homens de negócios e a viu em seguida. Tinha percebido sua presença desde que tinha entrado na recepção com sua mãe.

Ao vê-la vestida com um traje de seda já não foi capaz de concentrar-se em nada mais.

Ela estava sorrindo.

Com o tipo de sorriso que não lhe tinha dedicado desde a noite que tinham estado juntos. Sorria a um homem jovem e atrativo. Tahir ficou tenso.

Ela inclinou a cabeça para ouvir o que lhe dizia seu acompanhante. O homem se aproximou dela, apartando-a dos outros.

Como um homem que estava com uma mulher a que desejava, apartando-a para que ela pudesse concentrar-se nele. Tahir conhecia a manobra, a postura, o tom íntimo e o gesto de estender o braço para que parecesse que estavam a sós.

O mesmo tinha empregado essa tática milhares de vezes.

A fúria se apoderou dele. Uma raiva possessiva que exigia que atuasse imediatamente.

—Me perdoe — se desculpou ante seus acompanhantes. — Falaremos deste projeto com mais detalhe. Minha equipe convocará uma reunião.

Seus acompanhantes lhe agradeceram e ele se dirigiu ao outro lado da sala sem cruzar o olhar com ninguém.

Sua atenção estava centrada na mulher vestida de cor âmbar. O vestido era recatado, mas o bordado de ouro que levava no pescoço fazia com que a vista posasse sobre seus seios arredondados. Quando ela se movia, o vestido de seda se prendia às curvas de seu corpo e ele sentia água na boca.

Fechou os punhos de forma possessiva. Annalisa lhe pertencia. Por muito que o negasse.

Durante horas tinha estado desempenhando seu papel. Tinha chegado o momento de que atuasse como um homem, e não como um rei.

 

—Seriamente? É fascinante — murmurou Annalisa e deu um passo atrás com dissimulação.

Estava desfrutando da conversação até que seu acompanhante tinha cortado a distância entre ambos e o ambiente se converteu em muito íntimo. Fizera algo para que pensasse que estava interessada nele e não só em seus planos para os cultivos de áreas secas?

Estava tão acostumada a compartilhar as conversações de seu pai com peritos de outros lugares que tinha respondido de forma aberta e entusiasta quando Rihana os apresentou.

Deveria ter seguido seu instinto e não ter saído aquela noite, apesar de que Rihana tivesse insistido. As circunstâncias eram diferentes. Ela não tinha a liberdade que lhe proporcionava o amparo de seu pai para falar com estranhos de igual a igual.

O encontro com o Saleem o tinha deixado claro. Tinha que encaixar nas expectativas da sociedade qusaní. Algo que nunca tinha sido capaz de fazer.

Voltou-se com nervosismo, para procurar a presença tranquilizadora da Rihana, mas se encontrou com o olhar de desaprovação de uns olhos azuis e um cenho franzido.

Ficou com a respiração entrecortada e seu acompanhante se girou, gaguejando.

—Alt… Alteza.

—Interrompo? —perguntou Tahir.

A expressão de seu olhar indicava que não lhe importava se interrompia.

—É obvio que não, Senhor — se apressou a responder o homem. Olhou Annalisa e depois ao xeque, antes de partir murmurando desculpas.

Quando Tahir voltou a olhar Annalisa com desaprovação, esta se zangou. Não tinha feito nada mal.

Devagar, inclinou a cabeça.

—Alteza — disse com um tom que evidenciava o que pensava sobre sua atitude.

Durante um instante pensou que ele tinha ido procurá-la porque queria sua companhia. Como podia ser tão patética? Na recepção havia todo tipo de mulheres belas e sofisticadas, e Tahir tinha falado com todas elas.

—Não me chame Alteza, Annalisa. É muito tarde para isso.

Ao ouvir suas palavras, ela levantou a cabeça. Menos mal que falava em voz baixa e ninguém podia ouvi-lo.

—E não procure a alguém para que te resgate — disse entre dentes. — Ninguém nos interromperá. Essa é uma das vantagens de ser rei.

—Não procurava que me resgatassem — tentou permanecer tranquila apesar de que tinha o pulso e a respiração acelerados. — Por que ia necessitar que me resgatassem?

—Se paquerasse comigo como paquerava com ele, estaria tentado a paquerá-la também. E me acredite, não te resultará tão fácil te liberar de mim — sorriu.

Uma onda de excitação se apoderou dela.

—Não estava paquerando — Annalisa elevou o queixo, mas não pôde evitar ruborizar-se. Não era culpa dela que seu acompanhante a houvesse mal interpretado, não?

Tahir deu um passo adiante e ela percebeu o calor de seu corpo. Se se movia de novo, tocar-se-iam.

Notava o rápido batimento de seu coração e uma vez mais sentiu que lhe umedecia entre as pernas. Seu corpo recordava muito bem as delícias que tinham compartilhado, por mais que ela tratasse de esquecê-lo.

Respirou fundo, mas imediatamente desejou não havê-lo feito porque seus seios roçaram o torso do Tahir.

Deu um passo atrás.

Ele a seguiu e se aproximou mais que nunca.

—Não — sussurrou ela.

—Por que não? —perguntou ele arqueando uma sobrancelha.

—Todo mundo está olhando.

—É? —pôs um sorriso cruel. — Não deveria se acostumar? Se for criar a meu filho bastardo, sempre será o centro de atenção.

Annalisa ficou tensa ao ouvir suas palavras. Deu outro passo atrás e levou a mão ao coração. Como podia ser tão desumano?

—Não fale assim — sussurrou ela.

—Não pode enfrentar à verdade, Annalisa?

Uma forte dor se apoderou dela. Era verdade. Porque tinha sido o bastante idiota para entregar-se a ele. Porque, apesar do possível escândalo, tinha medo de casar-se com o Tahir. A idéia a agoniava. Seu filho e ela necessitavam de amor. Poderiam consegui-lo mediante um matrimônio de conveniência?

—Este não é o lugar para falar disso — disse ela, e o olhou aos olhos.

—Então iremos a outro lugar. Advirto-lhe isso, se está pensando em ficar para apanhar a outro homem, não te sairá bem. Eu me assegurarei disso.

—Não seja ridículo. Confunde-me com outro tipo de pessoa. Não tenho nenhum interesse em apanhar a nenhum homem.

—Nem sequer em encontrar um homem crédulo, como alternativa para ser pai…?

—Nem sequer para isso!

Como podia Tahir pensar algo assim? Não se imaginava quão importante para ela tinha sido sua curta relação? Seriamente pensava que tentaria casar-se com outro?

Que se entregaria tão facilmente a outro homem?

Annalisa ficou furiosa e as lágrimas afloraram a seus olhos por causa da dor.

—Não estava paquerando — suspirou. — Só estava falando. Era um homem interessante. E sentia falta de…

—Do que sentia falta, Annalisa? —seu tom já não era acusador.

Ela negou com a cabeça. Tahir não o compreenderia. O homem com que tinha compartilhado muito tempo no deserto já não existia. Não poderia recuperá-lo por mais que o desejasse.

—Annalisa — se aproximou um pouco mais—. Eu…

—Aqui estão queridos.

Ao ouvir a voz da Rihana, Annalisa pestanejou com força e forçou um sorriso. Voltou-se e viu sua anfitriã a seu lado. A rainha sorria, mas seu sorriso não alcançava seu olhar.

—Não deveria monopolizar a nossa convidada.

Para surpresa da Annalisa, Rihana a segurou pelo braço. Mãe e filho intercambiaram um olhar cheio de tensão.

—Especialmente — continuou Rihana—, quando é o centro de atenção. Tudo o que tenha que dizer, pode dizê-lo em privado. Nossa família já causou muitos escândalos — um sorriso dissimulava o gélido tom de sua voz.

Assombrada, Annalisa se precaveu de que a rainha a estava protegendo do Tahir.

Sentiu-se agradecida. Como reagiria quando se inteirasse da verdadeira situação em que se encontravam Tahir e ela? Não se atrevia nem a pensar.

—Como sempre, mãe, tem razão — Tahir fez uma elegante reverencia e se dirigiu a Annalisa. — Como bem há dito este não é o momento nem o lugar. Terminaremos a conversa mais tarde.

Partiu sorrindo de forma que todo mundo teria pensado que estava de bom humor.

Annalisa suspirou e Rihana lhe deu um tapinha na mão.

—Espero que possa perdoar ao Tahir. Ainda não aprendeu a ter paciência. Leva muito tempo fazendo as coisas a sua maneira — se voltou e Annalisa se surpreendeu ao ver a expressão de tristeza em seu olhar. — Nem sempre foi assim. E a lástima é que nunca conseguiu o que mais desejava, quão único realmente lhe importava. O resto não significava nada.

O que era o que Tahir mais desejava? Annalisa precisava saber para compreender ao homem que lhe provocava essa mescla de emoções.

Durante um momento lhe pareceu ver lágrimas nos olhos de sua anfitriã. Mas devia ter sido uma ilusão, porque a mulher estava perfeitamente bem. Voltou a lhe dar um tapinha na mão.

—Se lhe der tempo, saberá que valeu a pena.

 

Quando mais tarde Annalisa se dirigiu a seu quarto, apareceu uma sombra em uma porta próxima.

Embora o esperasse, lhe acelerou o pulso ao seguir Tahir.

Saíram ao jardim onde lhe tinha anunciado que iriam casar-se. A luz da lua na baía dotava à paisagem de um ambiente romântico. Ou o teria feito se ela não tivesse recordado as palavras dolorosas que Tahir tinha pronunciado.

Annalisa permaneceu de pé, preparada para receber mais acusações.

—Sua mãe acreditava que eu gostaria de conhecer seus convidados esta noite, e assim foi — se negava a desculpar-se. Não era ela a que tinha montado uma cena. — E quanto ao vestido… — tocou o vestido com nervosismo—, sua mãe me deu isso porque não tinha nada adequado para pôr. É obvio não me vou ficar com ele.

—A minha mãe lhe tem caído muito bem — a voz do Tahir era inexpressiva.

Annalisa se encolheu de ombros.

—É encantadora. E muito interessante — viu que ele arqueava as sobrancelhas como se duvidasse de sua sinceridade. — Foi muito amável comigo.

—Já o vejo — a olhou de cima abaixo.

Ela ficou tensa e se cruzou de braços.

—Não precisa se justificar — murmurou ele. — É obvio que ficará com o vestido — levantou a mão ao ver que ela abria a boca para protestar. — E foi bem-vinda na recepção. Dois diplomáticos, o presidente da Comissão de Educação e outros mais comentaram o muito que desfrutaram em sua companhia.

—Seriamente?

—Seriamente — Tahir acariciou o cabelo em um gesto de frustração. — Sinto meu comportamento desta noite — acrescentou. — Foi imperdoável, sobretudo em público. Vi-te com esse homem e… — Tahir fez um gesto violento.

Era evidente que não estava acostumado a desculpar-se, mas Annalisa tinha a sensação de que passava algo mais. Olhou-o. Se não fosse tão absurdo, pensaria que Tahir estava com ciúme.

Impossível! Para que estivesse com ciúme, teria que estar interessado nela. E não era assim.

—Não aceita minhas desculpas?

Surpreendida, ela se advertiu de que estava indignado. Claramente, humilhar-se era uma nova experiência para ele.

—Não, eu… Quero dizer, sim. É obvio.

—Bem — a olhou aos olhos com uma seriedade que lhe recordou ao homem que tinha conhecido no oásis.

O homem do qual se apaixonou. Annalisa respirou fundo e tratou de não fantasiar mais.

—Teve vários dias para pensar, Annalisa. Desde que lhe disse que me casaria com você. Tive muita paciência — lhe segurou a mão entre as suas.

Imediatamente, Annalisa esqueceu a dor e a indignação que havia sentido.

—Não se trata do que nós queiramos. Estamos apanhados pelas circunstâncias — disse ele. — Sabe que é a única maneira.

Antes que ela pudesse responder, lhe colocou uma mecha de cabelo detrás da orelha.

O desejo se apoderou dela. Não devia responder.

Havia vezes que desejava confiar no Tahir. Esquecer-se de suas dúvidas e temores.

Tahir lhe acariciou de novo a bochecha e depois o pescoço. Annalisa tragou saliva, recordando o prazer que lhe tinha provocado com suas carícias em outra ocasião.

—Se nos casarmos, tudo sairá bem — disse ele, com uma voz tão cativante como suas carícias. — Nosso filho terá o amparo de meu sobrenome — lhe acariciou a clavícula com o dedo polegar e ela estremeceu. — Quer proteger o nosso filho, verdade?

Annalisa assentiu. Tinha a garganta muito seca para falar. O cálida olhar do Tahir a tinha hipnotizado. Igual a sua maneira de lhe acariciar o cabelo.

Voltava a experimentar aquela mágica sensação. Algo que só Tahir podia lhe fazer sentir.

—O matrimônio lhes protegerá aos dois, Annalisa. Também cuidarei de ti. Será rica e lhe respeitarão. Será a mãe de um futuro monarca. Ninguém fará comentários maliciosos sobre nosso filho. Sentir-se-á seguro e aceito. E não terá que preocupar-se porque eu interfira em sua vida, exceto pelas obrigações de meu cargo. Tem muito que ganhar com este matrimônio de conveniência.

Annalisa demorou um bom momento em assimilar suas palavras. Olhou ao Tahir e desejou não havê-lo ouvido.

Derreteu-se com suas carícias e tinha tratado de convencer-se de que possivelmente, o futuro com o Tahir poderia não ser tão desastroso como ela pensava. Que possivelmente pudessem construir algo juntos, algo que podia converter-se no tipo de amor que seus pais tinham compartilhado.

Mas ele não estava falando de um matrimônio de verdade. Que idiota tinha sido tentando enganar-se. Para ele, a palavra chave era «conveniência» e não «matrimônio».

Viveriam juntos? Estava segura de que ele teria amantes. Como o levaria ela? Esperava que não as atendesse no palácio.

Algo se revolveu em seu interior e se inclinou para diante, temendo que lhe começassem as náuseas. Sentia-se vazia e frágil.

—Annalisa! —a voz do Tahir era de preocupação.

Ela foi cambaleando-se até uma cadeira de jardim.

—Irei procurar ao médico.

—Não! Estou bem.

A expressão do Tahir indicava que não acreditava.

Ela olhou ao homem que lhe oferecia apoio para ela e seu filho. Para que a respeitassem, para que se sentisse segura. E possivelmente porque temia uma reação violenta por parte do povo que afetasse à monarquia.

Mas não porque sentisse nada pessoal por ela.

Annalisa sentiu que lhe encolhia o coração. Tinha escolha?

Era ridículo desejar um matrimônio de verdade, com amor, se o homem ao que amava não era capaz de amar.

Sobrepôs-se à dor que se apoderou dela. Oferecia-lhe segurança e para seu filho.

Tahir a olhou aos olhos de forma inquisitiva.

—Está bem — murmurou ela aceitando o inevitável. Era a única opção. Todo o resto era pura ilusão. Mesmo assim, duvidou um instante e respirou fundo. — Me casarei contigo —disse, e esteve a ponto de engasgar-se com suas palavras.

 

—Excelente.

Em um instante estava sentado a seu lado. Ela percebeu o aroma de sua pele misturado com a brisa salgada e respirou fundo sem pensar. As estrelas brilhavam no céu escuro. Deveria ter sido uma noite para amantes.

—Sabia que tomaria a decisão adequada — Tahir lhe segurou a mão e inclinou a cabeça para beijar-lhe. Quando os lábios roçaram sua pele Annalisa notou que seu corpo reagia. Tratou de retirar a mão, mas ele a reteve.

Deu-lhe a volta e lhe beijou a palma em um lugar muito sensível que ela não conhecia até que ele a tinha introduzido no mundo do prazer físico.

A Annalisa lhe acelerou o coração e desejou lhe acariciar o cabelo.

Tahir lhe acariciou a pele com a língua e ela pensou que ia se derreter.

Abriu a boca para protestar, mas só foi capaz de suspirar.

Tahir lhe beijou os dedos e a pele suave de seu pulso, provocando que a ela lhe acelerasse o pulso de forma descontrolada.

Aquele homem era muito perigoso.

Ela tentou retirar a mão e se surpreendeu quando ele a soltou e a olhou aos olhos de muito perto.

—Não, Tahir! Eu não…

Ele não permitiu que terminasse a frase, interrompendo-a com um beijo. Os lábios de ambos se fundiram como se fosse o mais natural do mundo.

Ela levou as mãos a seu peito com idéia de empurrá-lo, entretanto, encontrou-se lhe acariciando a musculatura. Ele começou a beijá-la de forma apaixonada. Ela tratou de reunir forças, mas o prazer era mais poderoso.

Inclinou-se para ele, deleitando-se com o ardor e o poder do único homem que tinha despertado seus desejos adormecidos.

Quando ela levou as mãos a seu pescoço, Tahir a levantou e a sentou sobre seu regaço. Annalisa sentiu o calor de sua entre perna e se excitou ainda mais. Mas sabia que devia detê-lo.

Tahir não deixou de beijá-la. Abraçou-a com mais força e lhe acariciou o cabelo enquanto desfrutava de um beijo ardente.

A parte mais secreta de seu corpo palpitava.

Quando ele colocou a mão pelo decote de seu vestido, arqueou o corpo de forma instintiva. Mas o sutiã ajustado lhe impediu o acesso e ela esteve a ponto de gemer com a frustração.

Tahir acariciou o bordo do tecido e a segurou entre seus dedos. A idéia de que ele pudesse romper o objeto de seda e ouro para lhe acariciar o corpo a fez estremecer.

Acariciou-lhe o seio detendo-se sobre seu mamilo turgente. Annalisa gemeu e experimentou de novo a estranha sensação na entre perna antes de começar a tremer.

Tahir deixou de beijá-la e se retirou um pouco para olhá-la. Ela se moveu e, ao notar seu membro ereto, ficou congelada.

Tahir sorriu com satisfação e agachou a cabeça para seus seios.

—Não! Não! —Annalisa o empurrou pelos ombros.

Ele levantou a vista e arqueou as sobrancelhas.

—Não? —disse com um tom muito tentador.

O que acontecia? O que tinha passado com seu orgulho e seu autocontrole? Ele tinha decidido beijá-la e ela o tinha permitido. A vergonha se apoderou da Annalisa.

«Não me deseja. Durante um par de horas, possivelmente. Quando lhe convém», pensou.

Seria uma prova, para ver se era uma mulher dócil?

Ela ficou horrorizada ao ver como fora fácil ele a seduzir, convertendo sua relação em algo mais que um matrimônio de conveniência. Sim ela o permitia, tentaria que se entregasse a ele fisicamente.

Empurrou-o com decisão e ele se incorporou olhando-a com olhos entreabertos. Annalisa percebeu perigo em seu olhar e ficou em pé, agarrando-se a uma persiana para que não lhe fraquejassem as pernas.

—Não quer me beijar?

—Não! Foi um engano — desejou que não lhe tremesse a voz. — Eu… — levou a mão ao coração, que pulsava rapidamente, e procurou uma mentira adequada. — Não quero que me toque.

—Como desejar.

Suas palavras foram tão inesperadas que Annalisa demorou um instante para assimilá-las. Seriamente podia ser tão fácil?

Não desejava que fosse assim. Desejava que ele a acariciasse, que lhe confessasse que sentisse algo por ela, embora fosse de maneira menos intensa que o que ela sentia por ele. Pestanejou e olhou para as ondas. Devia controlar seus sentimentos.

Ele só sentia desejo por ela. E obrigação.

—Organizarei os preparativos para as bodas — disse ele, trocando de tema. Você só terá que se ocupar de descansar.

—Não estou segura…

—Annalisa, vamos casar-nos — disse ele, evitando toda possibilidade de discussão. — Pelo bem de nosso filho.

Pela criatura que levava no ventre. Devia recordar que esse era o motivo pelo que iriam casar-se, embora seu corpo ainda estivesse alterado pelo desejo frustrado.

O fato de que Tahir se retirasse com tanta facilidade só demonstrava que ela não era mais que uma diversão. Que não estava realmente interessado nela, que não era seu tipo. O matrimônio não era mais que uma mera formalidade.

—Dadas as circunstâncias será umas bodas pequena. Não irá querer uma grande cerimônia em todo caso…

Annalisa sorriu com amargura. Se se casasse com o homem de seus sonhos, quereria umas grandes bodas, mas o homem de seus sonhos tinha sido uma miragem que se converteu no centro de sua vida durante uns dias. O verdadeiro Tahir não estava interessado nela, exceto para entreter-se.

—Annalisa? Perguntei-te se houver alguém a quem você gostaria de convidar.

Ela se voltou e negou com a cabeça.

—A ninguém? Sei que seus pais hão falecido, mas não há ninguém que te apóie?

—Além de meu tio? Prefiro fazer isto só — ao ver que ele a olhava fixamente, sentiu-se obrigada a lhe dar uma explicação. — Meu avô e eu estávamos muito unidos, mas ele também faleceu recentemente. O resto de minha família vive na outra ponta do país. Não são como Saleem, mas…

Ela não sabia como reagiriam à notícia. Seria melhor contar-lhe depois das bodas.

—Meu pai e eu fomos uma grande equipe. Conhecíamos todo mundo da comunidade, mas não tínhamos grandes amigos, além de alguns cientistas repartidos ao redor do mundo — ao ver que ele a olhava de maneira inquisitiva se encolheu de ombros. — Há pessoas a que poderia convidar, mas ninguém próximo. Vivo em uma zona rural muito tradicional. Eu gostava de ajudar a meu pai a curar às pessoas, ou representá-los na hora de solicitar mais serviços, mas eu era diferente. Vestia e falava de maneira distinta. Tinha liberdades que minhas amigas não podiam permitir-se — respirou fundo. — Apesar de ter nascido e me criado ali, não encaixei nunca.

—Está sozinha —vdisse Tahir.

—Quase sozinha. Hei-te dito que tenho muitos primos, e que todos querem me organizar umas bodas com um aldeão, com alguém daqui.

—E isso vais fazer: vais casar te com alguém daqui.

—E você? Convidará a sua família e a seus amigos a bodas?

—Não — sua resposta continha tanta amargura que ela ficou petrificada.

—Mas é o rei.

—Sou o filho pródigo, que partiu. Não voltei para o Qusay em onze anos, desde que meu pai me desterrou por me comportar de maneira escandalosa.

Annalisa não tinha lido isso na imprensa. Seu pai, o pai com o que sonhava que via durante seus delírios infringindo-lhe uma surra.

—Não sabia? —murmurou ao ver sua cara de surpresa.

—Não. Mas terá mantido contato com sua família apesar de seu pai…

Ao ver a expressão de seu rosto suas palavras se desintegraram.

—Não houve contato algum. Meus irmãos não sabiam onde estava e eu me achava muito ocupado buscando a vida para fazer chamadas de longa distância. Quando consegui sair adiante já não tinha sentido.

Annalisa sentiu que a cabeça lhe dava voltas. Desde quando estava exilado e sozinho? Onze anos atrás, ele tinha só dezoito.

—Mas tinha dinheiro. A imprensa adora falar de sua fortuna.

—Não tanto como gostam de falar de minhas maldades — passou a mão pelo cabelo. — Parti sem nada. Obtive minha fortuna graças a que tinha sorte nas mesas de jogo, talento para as finanças e para o trabalho duro. Estou seguro de que ninguém se decepcionou mais que meu pai quando consegui sair adiante em lugar de desaparecer ou morrer.

Annalisa fechou os punhos. Desejava acariciá-lo para acalmar a dor que via em seu olhar, mas não podia ceder ante o impulso. Não tinha direito a fazê-lo. Ele não o agradeceria.

Annalisa mordeu a língua perguntando-se que mais podia ocultar aquele homem. Era uma pessoa cheia de contradições: exigente, arrogante, brusco e desagradável depois de ter recuperado a memória. Sua fama de mulherengo era surpreendente.

Entretanto, ela recordava que também tinha sido amável. Tinha percebido sua dor quando ela tratava de ocultá-lo. Recordava como tinha empregado o humor para animá-la quando a tristeza se deu conta dela.

Tinha aparecido no deserto mais preocupado pelo bem-estar de um animal que pelo seu próprio. Tinha-a tratado com muita consideração.

Qual dos dois era o verdadeiro Tahir?

Era possível que o homem ao que tinha começado a amar no deserto estivesse oculto em algum lugar?

—Mas sua mãe assistirá às bodas… — murmurou ela.

Ele ficou tenso.

—Convidá-la-ei. Ela decidirá se quer assistir ou não. Meus irmãos estão ocupados com seus trabalhos e suas esposas. Rafiq está na Austrália e Kareef no Qais. Será uma boda pequena. Dar-te-ei mais detalhe em seu devido momento.

Tahir ficou em pé, deixando claro que a conversa tinha terminado. Fez um gesto para que ela entrasse no palácio.

Sua audiência com o rei tinha terminado.

  

— Assim ontem à noite desfrutou falando com os convidados — murmurou Tahir enquanto aceitava a xícara de chá que lhe oferecia sua mãe.

Os aposentos da Rihana não eram seu lugar preferido para encontrar-se com a Annalisa, mas não confiava em se mesmo estando com ela em privado. A noite anterior ela o tinha mirado com desejo e ele se havia sentido culpado.

Não era capaz de manter as mãos afastadas da Annalisa. Depois de beijá-la, todas suas boas intenções tinham fracassado. Podia havê-la possuído naquele banco de pedra! Só a expressão de nervosismo de seu olhar o tinha detido.

Teria que viver com frustração até que estivessem casados. Aí então ela aceitaria a paixão que havia entre ambos e lhe daria o que ele tanto desejava o que ambos desejavam.

—Sim — respondeu ela. Estava pálida e tinha olheiras. — A recepção foi maravilhosa.

—Concretamente o que? —sentia curiosidade. Annalisa era o melhor antídoto para o mundo de cinismo e desconfiança ao que estava acostumado.

Ela se encolheu de ombros e ele se precaveu de que sua mãe a olhava com preocupação.

Uma vez mais experimentou um sentimento de culpa. Tinha arruinado o futuro da Annalisa por seu desajuizado. Ele mesmo se apanhou no jugo do matrimônio.

Sentiu um calafrio. Horrorizava-lhe tudo aquilo que implicasse compromisso, mas tinha que fazê-lo. Dentro de um par de semanas, quando Annalisa tivesse tido tempo de adaptar-se. Parecia tão frágil…

Ele faria todo o possível por estar a seu lado. Depois de tudo, ela era forasteira que nem ele.

—Havia muita gente interessante — murmurou Annalisa. — Arqueólogos e diplomatas, peritos na área de saúde e da agricultura — se calou e olhou ao Tahir, evidentemente recordando como se zangou porque tivesse falado com o assessor de agricultura.

—Tudo isso te parece interessante?

—É obvio. A ti não?

—Eu… — Tahir se calou de repente.

Tinha estado ocupado aprendendo como ser um monarca ao mesmo tempo em que tratando de evitar a responsabilidade de encontrar um governante alternativo. Sem êxito. Durante todo esse tempo não se aborreceu nem uma vez. Havia se sentido desafiado, frustrado, e inclusive satisfeito quando conseguia um importante progresso.

Mas nunca aborrecido.

—Tahir? —ambas o olharam.

Ele tratou de voltar a centrar-se na conversa, mas durante os seguintes vinte minutos escutou pela metade.

Olhou a Annalisa e notou que precisava fechar a brecha que se criou entre ambos. Ela estava tão doída que não podia ser bom nem para ela nem para o bebê.

Mas fechar a brecha podia fazer que ele fosse mais vulnerável.

Annalisa o tinha feito duvidar de si mesmo.

Tinha-lhe feito… sentir.

Tinha-lhe provocado sentimentos aos que não estava acostumado, como o ciúmes da noite anterior. Pôs-se como um animal, zangando-se com ela quando deveria havê-la cuidado.

A recepção devia ter resultado intimidante para a Annalisa. Ele se tinha fixado em como olhava as paredes decoradas com ouro e pedras preciosas.

Tinha que protegê-la e lhe facilitar as coisas.

—O que opina Tahir? —sua mãe interrompeu seus pensamentos. — Crê que descentralizará o sistema de saúde?

Observou que Annalisa se ruborizava e notou que as duas mulheres tinham estado comentando os problemas da atualidade. O tipo de assunto que lhe interessava.

—Posto que lhes interessa o tema, poderiam vir à próxima reunião.

—Não é o habitual — disse sua mãe. — Normalmente só vão os funcionários.

É que não sabia? A burocracia dificultava seu trabalho, não era seu estilo. Governar um país não era seu estilo! Mas se ia fazê-lo, fá-lo-ia a sua maneira.

—Direi a um dos secretários que as avise quando é a próxima reunião.

—OH, mas não penso que… — Annalisa se calou ao ver que ele a olhava.

—Sim pensa, Annalisa. Por isso quero que vá — disse com sinceridade. Assim teria algo do que ocupar-se, além da gravidez. Supunha que depois de ter tido muitas responsabilidades, estar ali sem nada que fazer lhe deixava muito tempo para preocupar-se.

—Tem experiência nos programas de saúde das províncias. Será útil escutar sua perspectiva — se voltou para sua mãe. — Sabia que Annalisa ajudava a proporcionar assistência médica nos povos da periferia?

—Sim — disse a mãe. — Annalisa oferecerá um valioso ponto de vista. É uma boa idéia.

Tahir se apoiou no respaldo de sua cadeira. A cabeça lhe dava voltas. Sua mãe tinha falado com ternura. O que estava passando?

Ele sempre a tinha considerado uma mulher fria. Durante seu exílio, negou-se a responder a suas chamadas.

—Não… não posso — murmurou Annalisa. — Não sou…

—Agradeceria que te envolvesse nisto. E minha mãe estará ali — Tahir olhou a Annalisa de uma maneira que podia obter que se derretesse em menos de trinta segundos. Observou que ela pestanejava com rapidez e se ruborizava.

Um sentimento de triunfo se apoderou dele. Não lhe era indiferente, por muito que não desejasse casar-se com ele.

Sim ia casar-se, sua intenção era desfrutar das vantagens. Logo, muito em breve, lhe daria tudo o que ele desejava.

 

Tahir se acomodou na cadeira e se felicitou em silêncio.

Com a participação da Annalisa, a equipe de trabalho tinha avançado mais nas últimas duas semanas do que ele tinha previsto. Ela tinha feito algo que os funcionários tinham esquecido: pedir conselho aos contatos das zonas periféricas. O plano para coordenar a assistência médica ia ser um êxito.

Sua futura esposa tinha muito talento. Relacionava-se com as pessoas de todos os níveis, era inteligente e cuidadosa.

E o excitava mais que qualquer outra mulher.

Nem sequer saber que levava a seu filho no ventre provocava que diminuísse seu desejo. Sua gravidez fazia que tivesse um sentimento de possessividade que lhe custava manter a distância que se propos.

O fato de que quase não dormia por causa dos sonhos eróticos que tinha era o teste de sua nova força. Em outra ocasião a teria seduzido apenas para ter tentado.

Entretanto, contentava-se sabendo que fazia o correto lhe dando tempo para adaptar-se. Seu aspecto radiante e a segurança que voltava a mostrar em si mesma eram a prova disso.

Tahir se despediu de sua equipe e todos, exceto Annalisa, partiram.

Em silêncio, aproximou-se dela.

Seu aroma o transtornou. Inalou fundo. Nenhum aroma era mais evocativo. Começaram a lhe suar as mãos assim que tratou de conter o impulso de estreitá-la entre seus braços.

Observou como movia as mãos ao passar a página. A maneira em que franzia os lábios ao ler. Desejava lhe morder o lábio inferior até que gemesse de prazer. Desejava ver o brilho do fogo no olhar de seus olhos marrons.

Queria estar com ela, possuí-la, fazê-la sorrir e desfrutar de sua ternura.

Annalisa percebeu a presença do Tahir antes de vê-lo. Ao sentir que lhe segurava o cotovelo, ficou gelada. Levantou a vista e se fixou em seus olhos azuis. Era estranho que um homem com essa reputação tivesse uns olhos que pareciam um pedaço de paraíso.

—Vem — disse ele, guiando-a até uns cômodos assentos. — Sente-se comigo.

Automaticamente, ela olhou para trás, mas as portas estavam fechadas. Estavam a sós.

—Ninguém nos interromperá — lhe assegurou ele.

Ao ver a intensidade de seu olhar, Annalisa começou a excitar-se.

Tentou controlar sua reação, mas era como se estivesse jogando com fogo.

Desde a noite em que a tinha beijado, tinha temido que tentasse seduzi-la. Estava nervosa, esperando a que ele atuasse, e quando não o fez se sentiu um pouco decepcionada.

Desejava o gatuno que tinha entrado em seu dormitório para seduzi-la. Ao homem que só tinha que lhe beijar a mão para fazê-la estremecer.

Era um homem difícil de compreender, entretanto, tinha muitos rasgos dignos de admiração.

Tahir era líder por natureza. Um homem com muito carisma que, apesar de seu cinismo e sua reputação, parecia decente.

Um homem que lhe gostava de muito.

—Organizei nossas bodas.

Ela tragou saliva e notou que lhe acelerava o pulso.

—Quando a celebraremos? —perguntou, tratando de recordar que só era uma formalidade.

A maneira em que Tahir se aproximou dela para lhe sujeitar as mãos indicava algo diferente e provocou que uma onda de calor percorresse seu corpo.

—Dentro de uma semana. Então nos converteremos em marido e mulher.

Annalisa se sentou muito esticada, tratando de apartar a vista de seu intenso olhar. Queria soltar-se, mas temia que desaparecesse o efeito que lhe causava.

Tahir lhe acariciou a mão com o dedo polegar e se inclinou para ela. Annalisa pestanejou. Não devia desejar que ele a beijasse, mas o desejava. E muito.

Tratou de distrair-se e lhe perguntou:

—Contaste a sua mãe das bodas? É evidente que não sabe quais são seus planos.

Claro que Tahir não queria difundir a notícia de que ia casar-se, porque realmente não a amava. Estava obrigado a estar com ela.

Ele endireitou as costas, para distanciar-se.

—Vendo que duvidava, pensei que preferiria manter o compromisso em segredo.

—Mas é sua mãe! Deve estar perguntando-se o que acontece.

—Eu desejo que fique conosco. É tudo o que precisa saber.

Annalisa o olhou. Que classe de relação tinha com a Rihana?

—Por que não te cai bem? —sussurrou ela, arrependendo-se de suas palavras imediatamente.

Tahir lhe apertou as mãos e ficou sério.

—Sinto muito. Não é meu assunto…

—Equivoca-te — disse ele, lhe acariciando a mão. — Sou eu quem não gosta da minha mãe.

Seu rosto era inexpressivo; entretanto, ela podia sentir sua profunda dor.

—Não sou um filho modelo. Desde muito pequeno comecei a decepcionar a meus pais.

Annalisa notou que lhe encolhia o coração ao ver sua postura arrogante. Era evidente que ocultava sofrimento.

De repente recordou que ele tinha posto a mesma expressão a última manhã que esteve no oásis. Retirou as mãos e segurou as do Tahir. Tinha os punhos fechados.

—Não acredito.

—Não está em situação de saber querida.

—Sei que sua mãe te quer — disse ela, elevando o queixo.

—Agradeço suas boas intenções. Mas nem todos os pais são como os teus, Annalisa.

—Nota-se na maneira de dirigir-se a ti — disse Annalisa. — Fala de ti todo o tempo, sabia? Fala de vocês três. Está muito orgulhosa de seus filhos, de quão fortes e valiosos que são.

Tahir soprou com incredulidade e Annalisa lhe segurou as mãos com força, como para que escutasse.

—É certo. Diz que são muito diferentes, mas que têm rasgos em comum. Fortaleza, determinação, paixão, orgulho. Honra.

—Está-me confundindo com outra pessoa.

Ela negou com a cabeça.

—Diz que aceitaste o trono, apesar de não desejá-lo, porque crê que é sua obrigação. Diz que, inclusive quando esteve fora do país, financiava projetos no Qusay para meninos maltratados e incapacitados, de forma anônima.

—Ela sabia? — perguntou ele, estremecendo-se.

Annalisa desejava lhe acariciar a bochecha e o cabelo, tranquilizá-lo. Parecia impressionado.

Tahir retirou as mãos de repente.

—É fácil dar dinheiro quando se tem uma fortuna. Não tinha importância.

—Não notou em como lhe olha?

Tahir franziu o cenho e negou com a cabeça.

—Ao menos alguma vez me importei, mas isso terminou faz muito tempo — ficou em pé. — Minha mãe esteve sem me falar durante anos, até que retornei ao Qusay. Nem durante meu exílio nem antes — seus olhos brilhavam com tanta frieza que Annalisa ficou petrificada. — Inclusive se negou a falar comigo no dia que meu pai me jogou. Compreenderá por que me resulta difícil te acreditar — acrescentou, e se dirigiu para a porta.

Tremendo, Annalisa ficou em pé.

—Não sou uma mentirosa, Tahir. Isso sabe.

Não sabia explicar-lhe, mas estava segura de que Rihana o amava. E depois de havê-la ouvido falar de seus filhos, podia inclusive pensar que Tahir era seu favorito.

—Talvez devesse lhe perguntar por que não quis falar contigo.

Tahir se deteve um instante na porta.

—O tema está encerrado. Não vou escutar nada mais — partiu deixando a porta aberta.

 

Percorreu os corredores, os jardins, os halls e as salas de audiência, mas não conseguia esquecer as palavras da Annalisa.

«Sua mãe te ama».

Fazia anos que tinha deixado de acreditá-lo. Já não lhe importava. Era um homem adulto e tinha sobrevivido sozinho durante anos.

Não necessitava de amor.

Apenas acreditava nele. Nunca o tinha recebido de seu pai. E de sua mãe? Recordava os abraços e os sorrisos que lhe prodigalizava quando era pequeno, unicamente quando estavam a sós. Mas com os anos se tornou distante.

Quem podia culpá-la? Ele se tinha esforçado para que seu pai se sentisse orgulhoso, mas quando descobriu que nada do que fizesse serviria para ganhar sua aprovação, entregou-se à vida dissipada. Era melhor isso que voltar-se louco tratando de descobrir por que o odiava seu pai.

Via refletidas suas debilidades em seu próprio filho?

Tahir passou a mão pelo rosto.

Ele não era o tipo de pessoa que inspirava ou procurava o amor. Isso eram tolices.

Annalisa imaginava coisas. Era uma mulher bastante doce e inocente para acreditar que as famílias se queriam.

O que lhe surpreendia era que, em certo modo, desejava acreditar nela.

Ele, Tahir Al’Ramiz, o filho dissoluto de um pai dissoluto. Um homem que não se preocupava com ninguém.

Exceto por uma garota de olhar terno e personalidade indômita.

Apoiou-se um momento ao sentir que cambaleava.

Sim se preocupava.

Não saberia dizer quanto tempo esteve ali de pé, experimentando sensações novas.

Preocupava-se com alguém!

Por fim, negou com a cabeça para limpar-se e notou que se deteve na porta dos aposentos da rainha.

Pura casualidade? Ou uma decisão inconsciente?

Notou que lhe acelerava o pulso e se voltou para partir. Então se deteve de novo.

As palavras da Annalisa retumbavam em seus ouvidos.

Tinha-lhe contado uma história incrível.

Entretanto, levantou a mão e bateu na porta. Quando responderam, tomou ar e abriu.

Sua mãe levantou a vista do livro que estava lendo. Olhou-o aos olhos e, durante um instante, ele viu certo brilho de prazer. Logo ela voltou a pôr uma expressão distante.

Tahir tragou saliva e deu um passo adiante.

—Temo que Annalisa não esteja aqui — disse Rihana com frieza. — Se vier mais tarde, espero-a para tomar o chá.

—Sei — disse ele, limpando a garganta. —Vim ver a ti.

 

Horas depois Tahir seguia nos aposentos da Rihana.

Sentia-se estranho, um pouco parecido como se havia sentido as primeiras vezes que seu pai o tinha utilizado como saco de boxe. Como se alguém houvesse recolocado seus órgãos internos.

Sua mãe sorriu e levantou a vista de uma das fotografias que lhe estava mostrando.

Os álbuns estavam cheios de fotos que ele nunca tinha visto. Ele montando a cavalo. Ele passeando pela praia. Ele saindo de um quatro por quatro depois de conduzir pelas dunas.

Annalisa tinha razão. Sempre lhe tinha importado a sua mãe. Ele nunca parou a pensar como o fato de que seu pai o odiasse tinha afetado a Rihana e por que esta tinha tido que ocultar seus sentimentos.

Ele sorriu também, desfrutando da expressão do rosto de sua mãe e do que o fazia sentir.

Tentou analisar suas emoções e não pôde. Sentia-se pleno, como se os sentimentos que tinha aprendido a suprimir no passado queria sair à superfície.

—Mãe, eu…

Um ruído ensurdecedor invadiu o ambiente. Tahir ficou em pé antes que se acabasse o eco e notou que se moviam as paredes e o teto. Os abajures decorativos se balançavam com força.

As lembranças de um dia no Japão invadiram sua cabeça.

—Um terremoto! —ajudou a sua mãe a ficar em pé. — Rápido, por aqui — a guiou até o jardim privado.

O ruído inicial terminou, mas ao longe podia ouvir-se outro grande estrondo. Outro tremor, ou um edifício derrubando-se? Automaticamente, abraçou a Rihana Olhou para o telhado, mas não viu nenhum dano. Tampouco se ouviam gritos pedindo ajuda.

—Fique aqui — lhe ordenou. — Viremos te buscar, eu ou outra pessoa.

—Tahir!

A mãe o segurou pela manga e ele se voltou. Ao ver a expressão de seu rosto desejou ficar para tranquilizá-la, mas não podia. Era possível que outras pessoas não tivessem tido tanta sorte.

—Tome cuidado — murmurou ela.

Suas palavras fizeram que lhe desse um baque no coração. Abraçou a sua mãe e lhe deu um beijo na bochecha.

—Tê-lo-ei. Agora não se esqueça: espera aqui.

Era a primeira vez que beijava a sua mãe desde mais de uma década.

 

As notícias eram más. O palácio não tinha sofrido danos, mas uma parte da cidade velha tinha ficado devastada. Os edifícios antigos e as paredes de tijolo cru se derrubaram nas ruas estreitas, dificultando as tarefas de resgate.

Só a capital tinha resultado danificada. Entretanto. Tahir pôs em marcha um plano de evacuação nacional se por acaso houvesse outros abalos.

As equipes de resgates trabalhavam sem parar. Tahir contatou com seu primo Zafir, que tinha sido rei do Qusay e era governador do Haydar, e solicitou que acudissem mais especialistas em resgate. Kareef, o irmão do Tahir, já tinha enviado homens das montanhas do Qais para ajudar.

Ao anoitecer Tahir seguia ocupado dirigindo e planejando as tarefas de resgate. Ele fazia de maneira automática. Sob sua aparência tranquila se ocultava um medo tão potente que ameaçava paralisar seu cérebro.

Annalisa não estava por nenhum lugar.

Tinham procurado em todos os rincões do palácio e as ruas de ao redor.

Teria partido a casa zangada, depois de seu último encontro?

Um sentimento de culpa se apoderou dele. Enquanto revisava os planos da cidade com os engenheiros e oficiais, estava atento de se alguém de sua equipe voltava com notícias sobre ela.

Era culpa sua se ela partiu. Ele se havia posto furioso quando ela se atreveu a intrometer-se na parte mais privada de sua vida. Tinha-a castigado por tentar solucionar a relação distante que ele tinha com sua mãe.

Sentiu um nó no estômago ao pensar que ele era o culpado de seu desaparecimento.

Nunca se havia sentido tão indefeso. Se algo acontecesse a Annalisa…

Preferiria suportar uma vida cheia de surras que aquilo. Esperando, tratando de ser forte para aqueles que necessitavam sua liderança, enquanto o terror se apoderava dele. Se ao menos tivesse uma pista a respeito de aonde se foi…

Finalmente fez caso a aqueles que insistiam em que descansasse uma hora antes que amanhecesse. Mas em lugar de retornar ao palácio, decidiu passear pelas ruas. As pessoas agradeciam a presença do rei, mas o que fazia que seguisse em pé era a necessidade de encontrar a Annalisa.

Estava a ponto de abandonar quando encontrou um posto de resgate na zona mais afastada do centro da catástrofe. Uns toldos improvisados protegiam aos feridos e tinham instalado luzes para os médicos.

O movimento de uma cabeleira castanha chamou sua atenção. Uns reflexos dourados brilharam quando a mulher voltou a cabeça.

Tahir sentiu um nó na garganta e notou que lhe acelerava a respiração. Avançou entre os escombros, entre as macas e as pessoas encolhidas.

Quando se aproximou dela, Annalisa estirou a mão e se segurou ao poste mais próximo para estabilizar-se. Tinha a roupa suja e enrugada. Uma mancha escura na blusa.

O terror se apoderou dele ao ver que era sangue.

Ela cambaleou de novo e ele correu a seu lado, bem a tempo de agarrá-la antes de que caísse ao chão.

Notou que lhe acelerava o coração. Annalisa estava viva. Graças a Deus.

Voltou-se para procurar um médico e lhe disse:

—Me solte. Tenho trabalho que fazer.

—Trabalho? —olhou sua cara de esgotamento.

—Estou ajudando aos feridos.

—Está ferida — a levou até uns médicos que estavam atendendo a um paciente.

—Não é meu sangue, Tahir. Tahir!

Mas ele já estava falando com um médico que lhe dizia que Annalisa levou toda a noite ajudando-os.

Tahir não queria soltá-la. Escutou enquanto o doutor lhe assegurava que não estava ferida e elogiava seus esforços. Mas não acreditava.

—Precisa descansar — lhe disse. — Está grávida, recorda?

Suas palavras caíram em um poço de silêncio.

O pessoal sanitário, os pacientes, inclusive os serventes que o tinham seguido, ficaram petrificados.

Então o doutor disse que já tinha feito bastante e insistiu em que Annalisa se fora. Foram fechar o posto e a transladar-se ao hospital.

Tahir ordenou a seu pessoal que ajudassem a recolher. Ele retornaria logo. Quando chegou às ruas largas da cidade nova, acelerou o passo.

—Tahir — ela não parecia zangada—, pode me deixar no chão. Encontro-me bem. Sério.

Mas ele continuou caminhando e a estreitou contra seu corpo.

Não queria soltá-la. Não estava disposto a soltá-la.

Recordava o medo que tinha sentido ao pensar que podia perdê-la. O sentimento de vazio. O pavor de não voltar a encontrá-la.

Não podia deixar que partisse.

O homem que tinha convertido a independência e a auto-suficiência em uma forma de vida tinha encontrado a seu par.

E a necessitava.

 

Era tarde quando Annalisa despertou. Tinha caído esgotada na cama, entretanto, não tinha conseguido dormir durante horas. Não podia deixar de recordar o acontecido. O terremoto e seu trabalho para ajudar aos feridos.

E Tahir, aparecendo do nada e tomando-a entre seus braços. Acelerava-lhe o pulso ao recordá-lo.

Tinha mostrado todo seu poderio. E apenas ao olhá-lo, ela tinha compreendido que não teria podido escapar de seus braços nem que tivesse querido.

Em seus braços era onde queria estar.

Annalisa tinha estado muito preocupada com ele, mas se tinha encontrado no centro da catástrofe e não tinha sido capaz de deixar de lado às vítimas.

Tahir apenas a escutava enquanto avançava pelas ruas escuras. Tampouco a tinha soltado quando chegaram a seu carro. Tinha-a levado em braços todo o caminho, e depois a tinha acompanhado até seus aposentos para deixá-la sobre a cama.

Tampouco se tinha afastado dali enquanto os serventes entravam para lhe levar comida e lhe preparar um banho.

Quando a criada anunciou que o banho estava preparado, ele desapareceu, para permitir que ela refletisse sobre o que tinha acontecido.

Quando Tahir a olhava dessa maneira, todas suas dúvidas se dissipavam, recordou-se Annalisa. Era como se uma força poderosa se instalasse em sua pessoa.

Não estaria interpretando seus atos de forma equivocada? Estaria ele protegendo unicamente a seu futuro filho?

Ela desejava que fosse algo mais.

Voltou-se e deixou de olhar o pôr-do-sol. Tinha chegado o momento de…

Annalisa notou que havia alguém em seu quarto. Ele tinha a mão sobre a cortina que separava o saguão do dormitório.

—Tahir?

O desejo se apoderou dela. Queria que a possuísse que a fizesse dela.

Tratou de recordar o negativo, de convencer-se de que não devia desejar a um homem que não a amava. Mas a lógica não servia de nada.

Notou um forte comichão no abdômen e deslizou a mão pela camisola de seda que lhe tinha dado Rihana.

Ele seguiu com o olhar o movimento de sua mão.

Ela sentiu um intenso calor na entre perna. Tratou de acalmar-se, mas não o conseguiu.

O que sentia pelo Tahir era mais forte que nunca.

Ele era a encarnação de todos seus sonhos. Alto, suave e muito masculino, vestido com calças escuras e uma camisa negra.

Annalisa deu um passo para diante e viu que ele agarrava a cortina com força.

Tinha um aspecto feroz, severo, imponente… Entretanto, ela não sentiu medo. Porque também havia ternura em sua expressão.

Não seria produto de sua imaginação?

Durante muito tempo tinha desejado que ele a desejasse tanto como ela. E se tinha completado seu desejo. A força de seu olhar fez que lhe fraquejassem as pernas.

Imediatamente, ela notou que ele lutava consigo mesmo.

—Tahir?

Ele soltou a cortina e deixou cair o braço. Respirou fundo e suspirou. Deu um passo adiante e se aproximou dela.

—Habibti. Meu amor — sua voz a fez estremecer e seus mamilos ficaram turgentes.

Desde tão perto, ela pôde ver que tinha olheiras. Teria estado acordado toda a noite também?

Dispunha-se a lhe perguntar pelo resgate das vítimas, mas ele a silenciou lhe cobrindo os lábios com um dedo. Ela inalou seu aroma e se estremeceu de novo. Era como se estivesse ao bordo de um precipício. Nada o fazia pensar em seu turbulento passado. A emoção que tinha visto em seu rosto a madrugada anterior era mais importante que o que tinha acontecido anteriormente.

Durante uns momentos permaneceram de pé, atraídos por uma potente força.

A tensão era muito difícil de suportar. Annalisa se moveu para ele e Tahir a devorou com o olhar.

Ela levantou a mão para acariciá-lo, mas ele a atraiu para si e a abraçou como se não fosse soltá-la jamais.

Annalisa o abraçou com força enquanto as lágrimas tinham saltado de seus olhos e lhe formava um nó na garganta.

Sujeitou-lhe o queixo e lhe levantou o rosto. Então a beijou de forma possessiva e lhe acariciou o rosto com mãos trementes.

Ela o beijou também, ficando nas pontas dos pés e afundando os dedos em seu cabelo, para evitar que pudesse retirar-se.

Tahir gemeu quando ela introduziu a língua em sua boca e a deitou sobre seu braço, lhe rodeando as pernas com as dele, como se necessitasse mais.

Momentos mais tarde, ela estava deitada na cama e ele se colocou sobre seu corpo.

—Tahir — sussurrou relaxando seu corpo e acomodando o membro ereto em sua entre perna, como se preparando para que a possuísse.

—Tinha que vir. Precisava… — negou com a cabeça e fechou os olhos com força.

—Eu também, Tahir.

Ao ouvir suas palavras, ele abriu os olhos.

—Habibti.

Ela levantou a mão para lhe acariciar o rosto e lhe roçou a palma com a língua antes de beijar-lhe. Então se retirou de cima dela deixando-a faminta de desejo. Ajoelhou-se a seu lado e começou a lhe tirar a camisola.

Seus olhares se encontraram e ambos se excitaram ainda mais. Ela levantou os quadris para que ele pudesse lhe retirar o penhoar e tirar-lhe pela cabeça.

Logo Tahir se colocou escarranchado sobre seu corpo e começou a desabotoar sua camisa.

Ao ver que a olhava, Annalisa tratou de cobrir-se com os braços, mas ele a segurou pelos pulsos e o impediu.

Tahir a devorava com o olhar e ela sentiu que lhe umedecia a entre perna. A fazia sentir-se como se fosse a pessoa mais importante do planeta.

Ele se inclinou e lhe beijou o ventre, onde se encontrava a criatura que ambos tinham criado.

Momentos mais tarde, tirou-lhe a roupa interior e ela recebeu suas carícias desfrutando de cada movimento de suas mãos. Quando ele se agachou para lhe lamber os seios, ela gemeu de prazer.

Tahir deslizou a mão até sua entre perna e lhe acariciou o centro de sua feminilidade, provocando que se estremecesse uma e outra vez.

Annalisa nunca havia sentido tanta felicidade. Arqueou o corpo e sussurrou:

—Por favor. Tahir… Quero que…

Ele a olhou aos olhos e ela se precaveu de que estava igual de excitado.

—Toma o que deseje habibti — se abriu a camisa e deixou seu torso ao descoberto. Momentos mais tarde tirou a calça e a roupa interior e a deixou no chão. Estava descalço e ela não sabia se tinha ido assim até ali ou se se tinha tirado os sapatos junto à cama.

Deitou-se a seu lado e se apoiou em um braço. Ela se fixou em seu membro ereto e lhe perguntou:

—Vê o que me faz?

Ela percorreu seu corpo com o olhar e o desejo aumentou. Levou a mão sobre seu membro e acariciou sua pele suave.

Tahir lhe segurou a mão para retirar-lhe e se deitou de barriga para cima.

—Toma o que deseje — repetiu.

Annalisa o olhou um instante e se colocou escarranchado sobre seu corpo. Ele a sujeitou pela cintura para acomodá-la sobre seu membro e, segundos mais tarde, ela sentiu pressão onde mais o necessitava. Tahir arqueou os quadris ao mesmo tempo em que a deslizava sobre seu membro e com um empurrão, penetrou-a. Ela se sentiu plena, e não só fisicamente. Seu coração transbordava com a intensidade de suas emoções. Com o amor que sentia pelo Tahir.

—Está bem?

Ela assentiu em silêncio, deleitando-se com as carícias que ele fazia sobre seus seios. Tahir começou a mover-se devagar, incrementando o ritmo pouco a pouco para tirar o máximo prazer do toque de seus corpos.

Annalisa apoiou as mãos sobre seus ombros e o olhou aos olhos. Ele a sujeitou com força pelos quadris e empurrou com decisão.

Então ela gemeu ao sentir-se transbordada pelo prazer. Instantes mais tarde, Tahir se estremecia sob seu corpo, em seu interior, enquanto sussurrava seu nome.

Atraiu-a para si e juntos desfrutaram das últimas sacudidas do orgasmo enquanto seus corações pulsavam ao uníssono.

Annalisa respirou fundo e soube que esse era seu lugar no mundo. Com o Tahir. Sempre.

 

O intenso calor do orgasmo queimava as retinas do Tahir, marcava sua pele, incendiava sua alma.

Abraçou a Annalisa e lhe acariciou o cabelo, lhe sujeitando as pernas para evitar que se movesse.

Não podia deixá-la escapar.

A noite anterior tinha estado certo. Necessitava a Annalisa.

O sexo nunca tinha sido tão gratificante, mas sabia que aquilo era mais que pura satisfação física.

Tahir não sabia nomeá-lo. Ela era dele. Nunca tinha necessitado de uma mulher como necessitava a Annalisa.

Nunca tinha necessitado a nenhuma mulher.

Mordiscou-lhe o pescoço e inalou seu doce aroma. Ao momento, o desejo se apoderou dele. Acariciou-lhe a clavícula, os seios, e a fez estremecer.

Era muito cedo. Não era possível. Mas não havia dúvida do que sentia em sua entre perna.

Moveu-se um pouco, ainda em seu interior.

Ela o segurou pelos ombros, lhe recordando como lhe tinha marcado a pele durante o orgasmo.

—Tahir?

Ele se moveu para olhá-la e viu surpresa e confusão em seu rosto ruborizado. Retirou-lhe uma mecha de cabelo do rosto e perguntou:

—Muito cedo?

Ela o olhou um instante, sorriu e negou com a cabeça.

Era tudo o que ele necessitava. Momentos mais tarde. Annalisa estava deitada de barriga para cima e ele a possuía devagar e com ternura.

Dessa vez ele a beijou em todo momento enquanto ela gemia de prazer ao chegar ao clímax. Segundos mais tarde, o ardor se apoderou dele e se estendeu por seu corpo, instalando-se em seus pulmões e provocando que ofegasse para tomar ar até chegar ao orgasmo.

Abraçou-a com força e desfrutou do calor que desprendia de seu corpo.

 

—O que são essas cicatrizes? —lhe acariciou as costas com um dedo. — De um acidente?

Tahir ficou tenso. No passado, quando as mulheres lhe faziam essa pergunta, ele atuava como se as marcas não tivessem importância.

Entretanto, era a dolorosa lembrança de seu pai. Embora ele não pudesse as ver, eram a lembrança permanente de quem era e de como tinha sido seu passado.

Teria-lhe resultado singelo ocultá-lo, mas não queria mentir a Annalisa. Pela primeira vez, desejava compartilhar sua carga com alguém. A idéia fez que lhe formasse um nó de medo no estômago.

Sua má reputação não tinha assustado a Annalisa. Nem sua posição. Ela se tinha enfrentado a ele uma e outra vez. Não se comportava como o resto de mulheres que tinha conhecido.

Atuava como se de verdade lhe importasse.

—Sinto muito, não pretendia fofocar.

—Não — disse ele, interrompendo suas desculpas. — Está bem — se voltou, e ao ver seu sorriso desejou continuar. — É a marca de um chicote.

—Um chicote? —ela franziu o cenho com confusão e lhe nublou o olhar.

Ao Tahir entraram as dúvidas.

Não podia carregá-la com o peso de seu sórdido passado. O desejo de seguir falando era puramente egoísta.

Levantou-se da cama, mas ela o segurou pelo braço para detê-lo.

—Conta-me por favor.

Ele se sentou de novo e permitiu que ela o abraçasse. Annalisa apoiou a cabeça em seu ombro e seu cabelo lhe cobriu o torso. Encantava-lhe senti-la tão perto.

—São as marcas do chicote de meu pai. Estava acostumado a me pegar.

Assim Tahir não tinha estado delirando. As surras eram reais. Ela o tinha imaginado, mas não tinha querido acreditar-lhe.

Não tinha sido uma surra, mas sim lhe pegava regularmente. Não com os punhos, a não ser com um chicote. Que tipo de sádico se comportava assim?

Annalisa se engasgou por causa da raiva.

De repente, o comentário que Rihana fazia a respeito de que Tahir colaborava com projetos para meninos maltratados, cobrou sentido. Tinha tentado salvar a outros do que ele tinha sofrido?

Annalisa o abraçou com força. Desejava ter sido capaz de proteger ao menino que se converteu nesse homem reservado.

—Não chore, habibti — disse ele, lhe acariciando a bochecha. Isso faz muito tempo.

—Mas ainda o recorda, tantos anos depois. Segue tendo cicatrizes — ambos sabiam que não se referia às marcas de suas costas. — No deserto sonhava com isso cada noite.

Ele a rodeou com o braço e ela se aconchegou contra ele. Tahir não estava acostumado a compartilhar nada mais que seu corpo. Era o tipo de homem que guardava os segredos para si.

—Sobrevivi.

—Fez mais que sobreviver — sussurrou ela. — O deixaste para trás. Olhe-te.

—Não me valorize mais da conta, Annalisa. Só porque seja o xeque de meu povo não significa que seja um bom homem.

—Não, mas o certo é que o é — pensou em como tinha procurado distraí-la no oásis quando a tristeza se apoderava dela.

Seus esforços anônimos para melhorar a vida dos meninos, a maneira sensata com a que tinha aceitado governar o país, seu eficiente modo de mobilizar todos os recursos para o plano de resgate depois do terremoto. O fato de que fosse casar-se com ela pelo bem de seu filho.

—Não creia — soltou uma gargalhada. —Sou muito parecido a meu pai. Passei muitos anos me deleitando com o prazer, procurando a gratificação instantânea, e assim me lavrei a reputação de insaciável.

—Não é como ele. Não é manipulador nem cruel.

—Possivelmente o matrimônio e a paternidade tirem a luz meu verdadeiro ser.

Annalisa se tornou para trás. Falava a sério? Seriamente temia que fosse assim?

Coloco-se de joelhos, de forma que seus rostos ficaram ao mesmo nível. Sujeitou-lhe o rosto entre as mãos e o olhou aos olhos.

—Não é assim, ouve-me? —disse com fúria. — Nunca ouvi tantas tolices em minha vida. Não te ocorra voltar a falar assim ou pensarei que só procura compaixão.

Ele a olhou assombrado, como se a gatinha que tinha cuidado se converteu em tigresa.

—Não pode utilizar essa desculpa para te esconder da vida.

—Não sabe do que está falando — disse com frieza e arrogância.

—E você é muito maior como para não te enfrentar à verdade. Por que te pegava? —perguntou antes que ele pudesse responder. — Também pegava a seus irmãos?

Durante um comprido momento pensou que Tahir não ia responder. Sujeitou-lhe o queixo e não pôde evitar beijá-lo nos lábios com delicadeza.

Seria aquela a última vez que lhe permitiria beijá-lo?

O medo se apoderou dela quando notou que o que mais desejava no mundo era passar o resto de sua vida com o Tahir. Temia havê-lo pressionado muito e que lhe desse as costas.

Tahir lhe sujeitou o rosto e lhe secou as lágrimas das bochechas com os polegares.

—Hei-lhe isso dito — murmurou. — Não chore, é uma ordem do rei — esboçou um sorriso e Annalisa sentiu que lhe dava um baque no coração. — Eu não gosto.

Ela assentiu e tragou o nó que tinha na garganta.

Ele não a tinha rechaçado e a estava acariciando com delicadeza.

—Não vais me abandonar, verdade?

Ela negou com a cabeça e sua cabeleira acariciou seus ombros nus. Ambos seguiam nus, mas não importava. Não quando ela via dor no olhar do Tahir.

Ele suspirou e a levantou para sentá-la em seu regaço. Pele contra pele. Segurou uma colcha e a jogou sobre os ombros da Annalisa.

—Não, não pegava nem ao Kareef nem ao Rafiq — murmurou ao fim. — Só a mim.

— Por que?

—Passei muito tempo me perguntando o mesmo, pensando que era meu defeito o que provocava que me odiasse. Era porque pensava que não era filho dele.

—Seriamente?

—OH, sim. Depois de todos estes anos, minha mãe me explicou o que não se atreveu a me explicar antes — respirou fundo. — Meus pais se casaram por conveniência. Meu pai se entretinha com seus amantes, mas tinha muitos ciúmes de sua esposa. Ela teve um parto difícil quando nasceu Rafiq e, por recomendação dos médicos, passou vários meses na França, recuperando-se. Quando alguém fez um comentário sobre quão bem o tinha passado ali com seus amigos, meu pai decidiu que tinha tido amantes. Não era certo, mas dava igual.

Tahir abraçou a Annalisa e esta fechou os olhos, imaginando-se a Rihana com uma besta que não a amava.

—Quando eu nasci, era diferente. Não tinha os olhos de cor azul pálida como o resto da família. Não me parecia com ele nem a meus irmãos.

—Seu pai acreditava que não foi filho dele porque seus olhos eram de um azul mais escuro?

Tahir se encolheu de ombros.

—Não era um homem razoável, estava desenquadrado. Minha mãe lhe sugeriu que fizesse uma prova de DNA, mas ele tinha medo de que a notícia saísse à luz. Seu orgulho não toleraria que as pessoas se inteirasse de que minha mãe podia havê-lo enganado —fez uma pausa e respirou fundo de novo. — Não é de estranhar que eu não pudesse agradá-lo por muito que o tentasse. Nunca me acusou publicamente de ser um bastardo, isso só teria servido para que se duvidasse de sua capacidade de manter a sua esposa sob controle. Em troca, decidiu me fazer a vida impossível.

—Converteu-te em sua cabeça de turco.

—Isso.

—E sua mãe?

—Não, não lhe pegava — Tahir deve ter lido sua mente. — Se deu conta de que a melhor vingança era me maltratar a mim e que ela soubesse que não poderia evitá-lo. Logo aprendeu que se mostrava afeto para mim, eu pagaria por isso.

—Quanto deveu que sofrer — Annalisa se estremeceu ao pensar em que Rihana não tinha podido proteger a seu próprio filho.

—Nunca pensei em como devia ter sofrido — murmurou Tahir—, até que você me obrigou a falar com ela.

—Te obrigar? Eu…

—Estou-te agradecido, Annalisa. Acredite-me — lhe acariciou o braço e ela pensou que ia se derreter. — Se não tivesse tirado o tema, nunca teria enfrentado a minha mãe e não conheceria a verdade. Durante anos pensei que não lhe importava. Agora sei que se distanciou de mim porque qualquer amostra de amor por sua parte provocava que ficasse mais furioso comigo. Ela tentava me proteger da única maneira que podia.

Abraçou-a com mais força.

—Fiquei gelado ao saber que tinha começado a maltratá-la quando eu parti, mas inclusive então ela não contou nada. Temia que me matasse se respondia minhas chamadas. Ele sabia que eu tentava contatar com ela e a ameaçava maltratando se falava comigo.

—Tahir! Isso é horrível!

—Era um monstro. Nem sequer quando morreu, minha mãe me chamou. Pensava que como me tinha dado as costas, eu não quereria saber nada dela. Tinha medo de que não me importasse nada.

Ele sempre tinha pensado que era ao reverso, que sua mãe não o amava.

Annalisa compreendeu então as palavras da Rihana. Tahir tinha obtido o que queria: êxito, riqueza, mulheres, mas não o que de verdade ansiava.

O amor.

Tahir tinha passado a maior parte de sua vida sem amor.

O medo se apoderou da Annalisa. Ele tinha encontrado prazer e consolo em seu corpo, mas se tinha comprometido a casar-se com ela só por conveniência.

Aceitaria Tahir o que ela desejava lhe dar mais que nada na vida? Aceitaria seu amor?

Tinha passado tanto tempo cultivando sua independência e sua crença de que não merecia que ninguém se preocupasse com ele que ao melhor não era capaz de aceitar o amor ou de acreditar nele.

E seria capaz de amar? De amá-la?

 

Annalisa não ia demorar para averiguar a resposta.

Depois de uma noite de paixão mais intensa do que tinha acreditado possível, depois de que a ternura enchesse seus olhos de lágrimas mais de uma vez, Tahir partiu.

Ela tinha o coração cheio de amor e precisava compartilhar seus sentimentos.

Entretanto, ele parecia muito cansado depois de outra noite sem dormir e devia ir fiscalizar às equipes de resgates. Não teve coragem de carregá-lo com mais preocupações.

Outros o necessitavam. Ela podia esperar.

Além disso, temia que ele ficasse duro quando escutasse sua confissão.

Ao melhor a rechaçava. E não estava preparada para isso.

Desejava ficar a seu lado e fazê-lo feliz. Demonstrar-lhe que o amor era possível e que podiam compartilhar muito mais que um matrimônio de conveniência: que podiam formar uma família de verdade.

Estava tão preocupada com isso que lhe custou um pouco dar-se conta do revôo que tinha causado ao mover-se pelo palácio muito mais tarde. Todo mundo a olhava de maneira diferente, dos serventes até os oficiais e quão visitantes esperavam para que os recebessem.

A notícia de onde tinha passado Tahir a noite devia haver-se estendido. Ou possivelmente era a maneira em que ele tinha anunciado que estava grávida em público.

As pessoas se negavam a lhe sustentar o olhar e para reverências muito mais pronunciadas que nunca. Quando entrou na sala de audiência e todo mundo ficou em silêncio, Annalisa se ruborizou. Sem dúvida, tinham estado rumoreando sobre o último escândalo da realeza.

Notou que lhe acelerava o coração, mas agradecia haver se vestido com um das túnicas que Rihana lhe tinha dado. Possivelmente se sentisse pequena e insignificante, mas ao menos parecia que pertencia a esse mundo de riquezas.

Elevou o queixo e conteve o impulso de cobrir o ventre com a mão de forma protetora. Pensariam que era a última da larga lista de conquistas com a que contava Tahir?

Possivelmente fosse certo que ele não podia sentir nada mais que prazer físico quando estava com ela.

Tinha-lhe contado coisas de seu passado, mas isso não significava que a amasse.

Entretanto, negava-se a abandonar seus sonhos sem lutar, o devia a seu filho. Tinha que tentar construir um matrimônio de verdade.

Deu-se a volta e se dirigiu ao escritório do Tahir. Seu secretário estava sozinho na sala de espera.

—Desculpe — disse ela, aproximando-se da mesa—, perguntava-me se podia me ajudar com certa informação.

—É obvio — ficou em pé e olhou com nervosismo para o escritório. Durante as últimas semanas, Annalisa tinha desenvolvido uma boa relação com os empregados do palácio. O que tinha mudado?

O secretário se fixou em sua cintura e ela compreendeu tudo. A notícia de sua gravidez e o possível escândalo mudava tudo.

Permitiu que a guiasse até um salãozinho privado. Realmente era tão vergonhoso que deviam apartar a da vista dos outros?

—Eu gostaria que revisasse a agenda do rei — disse ela enquanto caminhava. — Nos casamos a semana que vem e necessito dos detalhes sobre o lugar e a hora para poder fazer uns convites.

Se ia lutar para tentar que seu matrimônio com o Tahir fora real, devia começar como se fosse de verdade. Convidaria a sua família. Até o último primo. Negava-se a que ele convertesse as bodas em um evento secundário, como se estivesse envergonhado dela.

O secretário se deteve de repente e Annalisa esteve a ponto de se chocar com ele.

—Sinto-o —murmurou ele—, me perdoe —se voltou para ela, mas não a olhou aos olhos. — Não quer sentar-se?

Ela negou com a cabeça, olhando com preocupação como o secretário juntava e separava as mãos com nervosismo.

—Não, obrigada. Prefiro ficar de pé. E agora, quanto à bodas…

Ele tragou saliva.

—Sinto muito, eu… — olhou para o escritório como em busca de ajuda.

—Com a hora e o lugar me bastará.

—Temo … — por fim a olhou aos olhos. — Temo que terá que falar com o rei. Ele trocou os planos.

—Sim? O que é que trocou?

—Cancelou-a.

Depois de ouvir suas palavras. Annalisa teve que agarrar-se ao respaldo de uma cadeira para sustentar-se em pé.

No dia anterior Tahir se referiu as bodas. Por que tinha trocado de opinião?

—Por favor, senta-se! —o secretário a segurou por cotovelo e a guiou até uma cadeira.

Annalisa obedeceu e se sentou.

—Está segura? —perguntou, lhe suplicando com o olhar que se equivocou.

—Sim, sinto muito. Sua Alteza cancelou as bodas faz umas horas. Possivelmente se falar com ele…

O que? Aceitaria casar-se com ela depois de tudo?

De princípio Tahir não tinha querido casar-se. Havia-se sentido obrigado.

Sem dúvida tinha decidido que era mais fácil manter o seu filho economicamente que manter uma relação com uma mulher.

—Espere aqui. Trar-lhe-ei um pouco de chá — partiu e deixou a Annalisa só na sala.

Ao cabo de um momento, ela escutou passos na sala de espera.

—E sua implicação pessoal durante o desastre muda tudo. Sem Sua Alteza, a operação não teria sido tão efetiva.

—Adula-me, Akmal, mas me dou conta de que não sou o homem que o conselho de anciões esperava ter no trono.

—Deixe que lhe assegure que com tudo o que tem feito durante os últimos dois meses. Sua Alteza se granjeou o respeito do conselho. E também acolherão positivamente a decisão de cancelar esse imprudente matrimônio. É muito lhe gratificante que tenha aceitado o conselho dos assessores neste assunto.

Annalisa cobriu a mão com a boca.

—Sim tivesse seguido seu conselho, Akmal, já teria sido coroado e estaria casado com uma princesa de fora, com sangre gelado nas veias —a voz do Tahir era tensa.

Annalisa se revolveu no assento, mas eles não podiam vê-la. Estava detrás de um biombo de madeira com incrustações de madrepérola. Notou um nó no estômago. Não queria estar ali escutando aquela discussão, mas tampouco podia enfrentar-se a ele. Ainda não.

—Eu gostaria que deixasse de atrasar a coroação, Senhor. É o que o país necessita. Estabilidade. A prova de que a monarquia é uma forma de governo sólida.

—Não crê que me casar com a mãe de meu filho também indicaria certa continuidade?

Annalisa fez uma careta ao detectar ironia em sua voz.

—Por muito louváveis que fossem suas intenções, Alteza, ambos sabemos que a criatura não poderia crescer sem ser o centro de atenção. Com suficiente dinheiro receberá uma boa educação e estará bem cuidado. E se deseja continuar tendo uma relação discreta com a mãe…

Annalisa sofreu uma náusea e não foi capaz de seguir escutando a conversação porque tinha um zumbido nos ouvidos. Inclinou-se para diante abraçando o ventre e respirando pelo nariz para controlar a saliva que se amontoava em sua garganta.

—Além disso… — a voz do visir começou a desvanecer-se, provavelmente porque entravam no escritório—, esse matrimônio não é possível. O rei deveria casar-se com uma mulher da realeza ou puro-sangue qusaní. Figura na constituição. O pai dessa mulher era dinamarquês, ela não é adequada para ser a rainha.

Annalisa mal ouviu o ruído das portas ao fechar-se. Tinha a cabeça cheia de palavras que se supunha não deveria ter ouvido.

O assessor do Tahir propunha que lhe pagassem dinheiro e que se transladaria a algum lugar onde pudesse seguir sendo a amante do rei. Inclusive para o Qusay, a idéia era pré-histórica.

Como podiam ter uma visão tão antiquada da vida? Não sabiam que estavam no século XXI?

Ficou em pé e atravessou o pequeno salão.

Falavam como se fosse um problema, ou um objeto que pudessem colocar onde quisessem. Rechaçavam-na porque não tinha sangue real, ou porque seu pai tinha nascido em Copenhague. Eram igual de qusaní que Tahir e seu querido Akmal. Mais ainda. Tinha vivido ali toda a vida, não como Tahir e, ao contrário que o assessor deste, tinha tratado com as pessoas comuns e não só com os habitantes do palácio.

Como se atreviam a menosprezá-la dessa maneira?

A fúria se apoderou dela e saiu da sala.

Perguntava-se se Tahir poderia amá-la e já tinha descoberto a resposta. Sabia exatamente o que devia fazer.

Tinha chegado o momento de ir-se a casa.

 

Tahir avançou depressa pelo corredor, ansioso por chegar a seu destino.

Tinha tido um dia complicado. Continuavam as tarefas de limpeza depois do terremoto e organizar a distribuição de mantimentos e oferecer refúgio para os afetados era uma tarefa complexa.

Além disso, estava o assunto do matrimônio.

Ao recordar a conversação que tinha tido com o Akmal ficou tenso. O visir estava decidido a fazer todo o possível para convence-lo de que se casasse com uma princesa.

Tahir colocou a mão no bolso de sua calça, segurou o pacote que tinha nele e sorriu com antecipação.

Com aquele presente tinha planejado conseguir tudo o que queria da Annalisa.

 

—O que significa isto? —Tahir passou junto à mala que estava aberta sobre a cama. Ouviu ruído no vestidor e se deteve.

Annalisa estava ali de pé, vestida só com a roupa interior. No solo havia um vestido de seda carmesim bordado com pérolas. Ele o reconheceu imediatamente. Era o vestido que tinha encomendado para a Annalisa e que fazia jogo com a diadema de pérolas e rubis que lhe ia dar de presente quando estivessem casados. Tinha-lhe pedido a sua mãe que lhe desse o vestido, sabendo que sua prometida se negaria a aceitá-lo se o desse ele.

Annalisa estava pálida e a raiva estava presente em seu olhar.

O que tinha passado com a mulher terna e acolhedora que tinha deixado na cama horas atrás?

—Parto-me. É o que isto significa.

Respirou fundo e, apesar de sua confusão, ele não pôde evitar fixar-se no movimento de seus seios.

—E deixa de me olhar assim! Não sou um brinquedo para que te divirta — se agachou para recolher o vestido e cobrir-se com ele.

—Não vais partir a nenhum lugar — se aproximou dela e ficou gelado ao ver que dava um passo atrás.

—Parto-me e não poderá me deter — disse com decisão.

—Annalisa? —uma estranha sensação se apoderou dele. Uma sensação que recordava de outro tempo, de outra vida.

Ansiedade. Medo.

A idéia de que ela partisse de sua vida deixava um grande vazio em seu interior. Pior que a agonia que tinha vivido em mãos de seu pai.

Era como se lhe tivesse gelado o coração.

Não podia partir. Não o permitiria.

—É obvio que ficará — tentou parecer razoável, mas as palavras saíram com brutalidade.

—Não! Para que vou ficar?

—Para estar comigo.

Teria decidido que tinha muitos defeitos, que não merecia a pena correr o risco? Um homem com um passado como o seu não podia esperar que uma mulher como Annalisa queria estar com ele.

Ela pestanejou e ele viu que seus olhos se enchiam de lágrimas. Deu outro passo adiante, mas ela retrocedeu outra vez.

—Crê que isso é suficiente?

Suas palavras lhe chegaram à alma. Quando por fim tinha descoberto o que era o que queria da Annalisa, ela o rechaçava.

Deveria aceitar sua decisão. Isso era o que faria um homem decente, mas Tahir não pretendia ser decente. Não, se isso significava que devia deixá-la partir.

Seu olhar era de fogo quando ele se aproximou e se inclinou sobre ela.

—Não me toque! —exclamou ela.

Era muito tarde. Ele a segurou pelos ombros e a estreitou contra seu corpo. O aroma de sua pele jogou por terra a decisão que Annalisa tinha tomado.

—Você adora quando te toco — seu olhar lhe dizia que sabia qual era sua debilidade e que pensava aproveitar-se dela. Colocou um braço ao redor de suas costas nuas e a sujeitou com força.

—Não! —não podia ceder, e menos quando tinha reunido o valor para fazer o que devia.

Mas sua resistência não tinha efeito algum. Ele colocou a outra mão sobre seus seios e ela estremeceu de prazer.

—Por favor, Tahir, não — fechou os olhos e arqueou o corpo contra o dele, de forma instintiva.

—Sim, Annalisa. Vais ficar comigo custe o que custar. Já te abandonei uma vez. No oásis te insultei e maltratei a propósito, para que te zangasse comigo e não olhasse atrás. Não te merecia e sabia, assim atuei como um canalha ao que sabia que aborreceria.

Ela o olhava assombrada.

—Devo-te desculpas por isso. Não sabe como sofri esse dia, quando o único que desejava era te abraçar e não te soltar jamais — a olhou aos olhos. — Não posso voltá-lo para fazer, não posso me obrigar a te deixar partir. Não pode esperar tal coisa de mim.

Era certo o que dizia? Ela algo que podia acreditar. Entretanto, isso explicava seus diferentes comportamentos.

Mas o que tinha trocado? Nada.

Ela moveu a cabeça com desespero, sabendo que devia escapar antes de sucumbir ante ele outra vez, mas seu corpo já a tinha traído. Com o Tahir perdia o instinto de autoproteção.

—Não posso…

—Sim pode Annalisa. Fá-lo-á — sussurrou contra seu pescoço, e a beijou.

—Durante quanto tempo, Tahir? Quanto tempo irá me querer como amante? Quanto tempo passará antes que outra mulher chame sua atenção?

Ele ficou duro e a segurou com força. Ela podia notar o forte batimento do seu coração através do tecido da camisa.

—Não haverá outra mulher — disse ele. — Nunca desejei a ninguém como desejo a ti. Nunca irei querer a outra mulher.

—Se você o diz — disse ela. — Pretende que fique em algum lugar próximo e siga indo a sua casa enquanto esteja sua esposa?

—Do que está falando? Você será minha esposa.

—Não. Não finja — o empurrou. — Sei que cancelaste as bodas. E sei por que — se voltou para não olhá-lo aos olhos. — Sei que não pode te casar comigo porque não sou a mulher adequada.

—Quem te há dito isso? Me diga seu nome, Annalisa.

Ela voltou a cabeça e se estremeceu ao ver tensão no rosto do Tahir.

—Quem foi?

—Ouvi-o, Tahir. Akmal e você falavam disso. Não tem sentido fingir.

Ele a abraçou de novo.

—Não teria permitido que ouvisse tal coisa por nada do mundo.

—Não. Estou segura — tratou de manter-se firme contra seu abraço, mas resultava impossível.

—Acreditava que tinha decidido que não podia confiar, a ti e a seu filho, a um homem como eu. Que meu passado me marcava.

—Não! Isto não tem nada que ver confiando em ti como pai.

Sentiu um nó na garganta e se precaveu de quanto desejava que ele fosse o pai de seu filho.

—Isto não tem que ver contigo, Tahir, a não ser comigo. Com o fato de que não serei uma rainha adequada. E com o fato de que não te casará comigo. Agora, por favor, não o faça mais difícil. Deixe-me — disse com voz tremente e mordeu o lábio para manter o controle.

Tahir deu um passo atrás e ela sentiu falta de imediatamente. Desejava abraçá-lo e lhe dizer que aceitaria tudo o que lhe oferecesse, por mais efêmero que fosse.

Ele permaneceu quieto. Como um homem forte. O homem que possuía sua alma e seu coração. O homem que nunca poderia ser dele.

Annalisa sentiu vontade de chorar. Abraçou-se sujeitando o vestido contra seu corpo, consciente de que o sonho tinha terminado.

—Annalisa, você faz que minha vida seja plena. Isso é o que importa.

Devagar, sem deixar de olhá-la aos olhos.

Tahir tirou uma bolsinha de veludo do bolso. Abriu-a e tirou algo que parecia de fogo.

—Será a melhor rainha que Qusay tenha conhecido. Não só por sua compreensão e inteligência, mas sim porque te quero Annalisa — lhe estendeu a mão. — Me ouviste? Quero-te e desejo que seja minha esposa. Não só pelo bem de nosso filho, mas também porque não posso imaginar minha vida sem te ter a meu lado.

Abriu a mão e o brilho das esmeraldas e os diamantes invadiram o quarto.

Annalisa ficou sem respiração ao ver o que era: o colar da rainha. Um símbolo de poder e riqueza que pertencia à realeza desde séculos e que se supunha que provinha das primeiras minas de esmeraldas do Qusay. Todas as rainhas o recebiam como símbolo do importante lugar que ocupavam no reino e da fidelidade de seu marido.

Annalisa sentiu que lhe tremiam as pernas, e Tahir a sujeitou. Em um de seus ombros ela notou o frio das pedras preciosas.

—Annalisa! Sente algo.

—Mas não pode… Não…

—Te amar? Claro que posso. Pode me perdoar por não me haver dado conta antes? Para mim é uma novidade. Mas se te amar é saber que só quero estar a seu lado durante o resto de minha vida, vendo como crescem nossos filhos e nossos netos, então te amo. Conseguiste que deseje o que nunca tinha sonhado: o amor de uma mulher especial. Confia em mim o suficiente para ser minha esposa? Eu farei todo o possível para ser um bom marido. E aprenderei a ser o pai que nosso filho necessita.

—É obvio que confio em ti, Tahir — lhe sujeitou o rosto com as mãos. — Te quero, sempre te quis —se aproximou para beijá-lo e seu coração se alagou de felicidade.

—Espera! Deixa que faça isto primeiro.

Voltou-a e ela se olhou no espelho. Tahir lhe colocou o colar de esmeraldas e diamantes.

Annalisa tinha deixado cair o vestido ao chão e permaneceu com a roupa interior de renda enquanto lhe punha o colar.

Ao sentir seu peso, pôs cara de assombro. Mas foram as mãos do Tahir lhe tirando o soutien o que chamou sua atenção. A imagem de suas mãos moréias movendo-se junto a sua tez pálida, provocou que o desejo a invadisse.

—Minha perfeita esposa — murmurou ele contra seu pescoço enquanto lhe acariciava os seios.

Ela se apoiou contra seu corpo e fechou os olhos.

—Não pertenço à realeza. Sou meio estrangeira.

—É perfeita — disse de novo, lhe mordiscando a orelha.

Dessa vez, ao perceber amor em suas palavras, ela acreditou.

—Por isso cancelei as bodas. Dava-me conta de que não podia me casar contigo com uma cerimônia de segunda categoria. Quero que o mundo inteiro se inteire. Demoraremos mais tempo em organizá-lo, mas teremos as bodas mais comentada que se celebrou no Qusay.

—Mas não pode. A Constituição… — se calou ao sentir um intenso prazer provocado por suas carícias.

—Trocaremos a Constituição. Se Qusay quiser que eu seja o rei, você será minha rainha. Reuni-me com o Akmal para lhe dar meu ultimato e, me acredite, deixei-lhe clara minha postura. Nestes momentos estão organizando tudo —a beijou no pescoço. — Agora, abre os olhos, habibti.

Annalisa abriu os olhos e notou a pressão do membro ereto do Tahir contra seu corpo. Fixou-se em seu reflexo no espelho. No brilho que havia no olhar de seu amante, em suas mãos lhe acariciando o corpo coberto de jóias. Então Tahir deslizou a mão para baixo.

—Quero que olhe —sussurrou— enquanto faço amor a minha prometida.

 

A celebração das bodas durou sete dias.

Tal e como Tahir prometeu, foi a maior que se celebrou no Qusay.

O quinto dia tinham celebrado a coroação do Tahir.

Ele estava de pé e a brisa marinha acariciava a magnífica capa bordada que levava nos ombros e o igal negro e dourado que rodeava o lenço branco que cobria sua cabeça. Luzia a espada real no quadril, um símbolo da riqueza e o poder do governador do Qusay.

Ele sentia o peso da espera e a responsabilidade, mas o dirigia com facilidade, seguro de que tinha feito o correto ao aceitar o trono.

Tahir respirou fundo e olhou aos convidados. As pessoas rima e conversavam nas carpas que tinham preparado com tapetes e assentos amaciados. Outros passeavam pelos jardins ou olhavam as corridas de cavalos que se celebravam na praia de areia branca.

Mas só uma pessoa chamava sua atenção.

Annalisa. Sua esposa. Sua rainha. Seu amor.

Levava todo o dia com um sorriso radiante, primeiro com seus primos, que se tinham alegrado muito por ela, e depois com a família do Tahir.

—Volta a ter esse olhar, Tahir — disse uma voz desde atrás. — Não sabe que um rei tem que ter aspecto solene?

Tahir sorriu e se voltou para seu irmão Rafiq.

—O que saberá você. Nunca chegou a ser rei.

—O que posso dizer? Fizeram-me uma oferta melhor — olhou à bela mulher que estava a poucos metros dali.

—Dizia? Sobre esse olhar… — Tahir riu.

—OH, não lhe faça caso — disse Kareef quando se aproximou deles. — Já sabe que não pode apartar a vista de sua esposa.

—Já somos quatro, e vocês não gostariam que fosse de outra maneira — seu primo Zafir se colocou ao outro lado do Tahir e assinalou às mulheres que estavam na carpa real. — Todos somos afortunados.

Houve um murmúrio de assentimento.

Tahir olhou ao grupo. Layla, a esposa do Zafir, luzia safiras e um sorriso cálido como o sol. Sera, a mulher do Rafiq, com sua elegante beleza, ria com Jasmine, a amiga da infância e esposa do Kareef.

E sua mãe parecia mais feliz que nunca. Mas no centro estava a mais bela de todas: Annalisa, embalando à filha adotada de Jasmine e Kareef.

Ao ver sua esposa sujeitando ao bebê experimentou essa sensação de possessividade que o invadia quando pensava no menino que ela levava em suas vísceras. Sob o vestido, seu ventre tinha começado a crescer.

Desejava aproximar-se e acariciar-lhe Não tinham compartilhado cama fazia sete noites, respeitando a tradição. Mas aquela noite…

Como se lhe tivesse lido a mente, Annalisa levantou a cabeça e o olhou. Suas bochechas estavam ligeiramente ruborizadas e separou os lábios a modo de convite.

Tahir teve que conter-se para não gemer.

Desejava despi-la e lhe fazer amor sem lhe tirar o colar de esmeraldas. Tal e como tinha feito o dia que o entregou. A imagem da Annalisa nua, mas com o colar, invadam sua cabeça e um forte desejo se apoderou dele.

Annalisa entregoe o bebê a sua mãe e ficou em pé. O sol da tarde iluminava seu cabelo enquanto se aproximava do Tahir.

Este se precaveu de que seus acompanhantes se retiravam de seu lado para deixá-lo a sós com sua esposa.

—Tem aspecto de estar impaciente — disse ela.

—Estou-o — confirmou-o, agarrando-a da mão. — Te desejo tanto que me custa respirar.

—Então possivelmente deveríamos partir para que possa acalmar sua dor.

Tahir respirou fundo ao imaginar a promessa de suas palavras.

—Logo — prometeu. — Assim que seja capaz de caminhar —a atraiu para si e a voltou para que visse a colorida festa. Ela se acomodou contra seu corpo, como se estivesse feita para ele.

—Não te arrepende de te haver convertido em minha rainha?

—É obvio que não — negou com a cabeça.

Tahir percebeu seu aroma a mel e canela.

Seguia sendo a mulher que tinha conhecido no deserto. Capaz, adorável, maravilhosa. Abraçou-a com força.

—Quero-te — lhe sussurrou ao ouvido.

—Eu também te quero Tahir. Sempre te quererei — colocou os braços sobre os dele.

Annalisa e ele estariam juntos o resto de suas vidas.

Ele nunca tinha conhecido tanta felicidade.

 

                                                                                Annie West  

 

                      

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