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Series & Trilogias Literarias
Maktub! Beatriz acordou com essa palavra em seu pensamento e não era o livro do Paulo Coelho. Era uma sensação de que seu destino estava escrito e que o seu destino era viajar para o Marrocos. Ela não tinha a menor ideia de onde surgiu esse pensamento e sequer algum dia tinha cogitado viajar para lá.
Ela passou o dia inteiro tentando não pensar naquilo, mas parecia que a palavra estava grudada em sua mente. Isso sem falar nas estranhas coincidências que aconteceram na semana seguinte. Como os e-mails que ela recebeu sobre pacotes de viagens para o oriente, propagandas das praias do Marrocos que apareceram do nada no Facebook, convites para jantar comida marroquina. Aquilo estava ficando assustador.
Beatriz decidiu que precisava de ajuda e lembrou-se de uma amiga chamada Abigail, que era muito ligada ao esoterismo e ao sobrenatural. Quem sabe ela pudesse decifrar o que estava acontecendo. Marcaram de almoçarem juntas num restaurante no dia seguinte. Ansiosa por respostas, Beatriz nem conseguiu dormir direito. E tampouco seu trabalho pela manhã rendeu alguma coisa, mas finalmente estava no restaurante, aguardando a chegada da amiga. Assim que a viu entrar pela porta, acenou para que soubesse onde estava sentada.
– Oi, Beatriz! Quanto tempo! Já estava com saudades. Fiquei muito feliz com este convite.
– Oi, Abigail! Eu também estava com saudades! Mas o trabalho anda tão corrido que chego em casa e só quero dormir. Mas prometo me esforçar para que a gente se encontre com mais frequência.
– Vou adorar poder rever você mais vezes. Mas por hoje me conte o que está acontecendo. Estou muito curiosa para saber sobre que assunto diz precisar da minha expertise, já que você sempre foi uma cética.
– Bem, tem alguma coisa que está me dizendo que eu tenho que viajar para o Marrocos. Acordei esses dias com a palavra Maktub na cabeça e com essa sensação de que tenho que fazer essa viagem. Fora propagandas de turismo, imagens, comida, tudo sobre esse país está me aparecendo de diversas formas. Passou do ponto de eu achar que são coincidências. Está esquisito demais isso.
– O que eu posso te dizer, Beatriz, é que Maktub é uma palavra muito forte, que guarda um significado de predestinação. Você deve acolher isso como um sinal do Universo. E o Universo está lhe dizendo que algo espera por você no Marrocos. Enquanto você não se entregar a esse destino, os sinais vão continuar aparecendo.
– Mas isso é muito doido. Se eu contar para minha família vão pensar que eu estou ficando louca.
– Veja, esta predestinação pode ter sido escrita já na escolha que seus pais fizeram para o seu nome. Beatriz significa a viajante, a peregrina, a que traz felicidade. Eles já te contaram porque o escolheram?
– Minha mãe contou que tinha escolhido para mim o nome de Vânia, mas que na hora do parto ela começou a cantar Beatriz Medeiros, Beatriz Medeiros... E eu acabei ficando com esse nome. Ela nunca soube de onde surgiu aquela cantoria.
– Talvez naquele momento o seu destino tenha sido cruzado com o de outra pessoa e é essa pessoa que está precisando de você agora.
– Como vou poder acreditar nisso?
– Como não acreditar? Você mesma disse que já passou do ponto das coincidências. Se entregue a essa experiência, vá até lá, vá ao encontro do seu destino. Na pior das hipóteses você fará uma linda viagem. Dizem que têm lugares maravilhosos para se conhecer no Marrocos e a comida é ótima.
– Será que vou? Eu estou mesmo precisando de férias, acho que posso tirar uns dias para viajar. Mas ainda estou achando isso muito louco.
– Há mais mistérios entre o céu e a terra do que imaginamos.
– Você tem razão. Todo mundo tem direito de fazer uma loucura na vida. Vou programar essa viagem, só pra comprovar que esse tal de Maktub não existe.
– Você vai se surpreender, tenha certeza.
– Mas chega de falar de mim, agora quero saber de você.
Depois de almoçarem e colocarem as conversas em dia, Abigail se despediu com a promessa de fazer uma meditação, para abrir os caminhos energéticos de Beatriz. No retorno ao trabalho, antes que mudasse de ideia, Beatriz requisitou alguns dias de férias. No dia seguinte recebeu a aprovação da sua supervisora, podendo sair dali a quinze dias. Tempo suficiente para fazer os preparativos da viagem.
Na agência de turismo de uma conhecida, Beatriz conseguiu lugar numa excursão da terceira idade. O voo era fretado e bem mais em conta do que se comprasse uma passagem de última hora. Conheceu seus companheiros de viagem numa reunião organizada pela agência. Eram pessoas muito divertidas, de bem com a vida, que adoraram a presença de alguém mais jovem entre eles. Mas na opinião de Beatriz, no quesito animação, eles ganhavam dela de longe.
Na reunião todos foram informados sobre o clima e os costumes do país, sobre como seria o transporte, o nome dos hotéis, os restaurantes e o tempo livre que teriam. Com tudo acertado e os laços de companheirismo formados, foram embora para finalizar o fechamento das malas em suas casas. A partida seria no dia seguinte.
O voo até Marraquexe, cidade mais visitada do Marrocos, foi bem animado. Teve cantoria com acompanhamento de violão, apresentação de dança nos corredores do avião e sessão de piadas. Mas também teve tempo de descanso, para sonecas e para conversas. Amália, vizinha de poltrona de Beatriz, era uma senhora de setenta anos, que recentemente tinha ficado viúva. Ela e o marido sempre viajavam juntos e a viagem para o Marrocos seria uma terceira lua de mel para eles. Mas infelizmente ele havia falecido. Só por isso havia uma vaga na excursão deles, o lugar do marido dela.
Beatriz ficou muito sensibilizada pela situação e pediu desculpas caso a presença dela fizesse Amália lembrar-se ainda mais da falta de seu marido. Mas ela disse que tinha certeza de que ele ficaria muito feliz por ter seu lugar ocupado por uma moça tão linda e cheia de vida. Ela mesma estava indo viajar por saber que seria o desejo dele para que continuasse tendo uma vida plena, ao lado de seus amigos.
Amália contou que sua lua de mel tinha sido no Marrocos e que ela e o marido pretendiam relembrar das emoções de recém-casados. Tinha sido uma viagem mágica para eles, embora tivessem passado por um aperto. Beatriz quis saber o que tinha acontecido e ela contou que um sheik tinha proposto a compra dela para seu marido. O sheik a quis comprar por vinte camelos e um baú de joias. Obviamente seu marido declinou da oferta e, assustado com a possibilidade de que a roubassem, antecipou o retorno deles para o Brasil. Agora, mais velhos, pensavam que poderiam voltar para o Marrocos, sem correrem o risco de que algum sheik a quisesse comprar.
Beatriz perguntou se ela sabia o que tinha acontecido para que o sheik tomasse a liberdade de propor aquele absurdo. Ela respondeu que apenas o fato de ser loira e ter olhos claros. O tal sheik, muito rico e poderoso, tinha fascínio por mulheres assim. Por Beatriz também ser loira e de olhos verdes, Amália recomendou que ela tomasse muito cuidado caso fosse andar sozinha e, se possível, usasse óculos escuros e xale sobre os cabelos. Mesmo com tempos mais modernos, era melhor não facilitar. Amália ter confidenciado tudo aquilo pareceu a Beatriz ser mais um sinal. Era só o que faltava, ela pensou, que um sheik quisesse comprá-la, ou coisa pior.
Na primeira etapa da viagem, o grupo ficou hospedado no centro histórico, em uma casa tradicional pintada de amarelo, muito colorida e confortável. Foi-lhes servida uma refeição maravilhosa, com pães enrolados, geleias, manteiga, frutas e chá de menta. O ambiente acolhedor, decorado em tons de vermelho e amarelo, com as mesas de madeira rústica, era de encher os olhos de alegria.
Depois da refeição, todos foram passear a pé, para conhecerem a praça Jemaa El Fna . O guia contratado advertiu para que tomassem cuidado com o golpe da fotografia, que acontecia quando alguém aparecia sorrindo para tirar foto e depois exigia uma soma alta de dinheiro. Ele também os advertiu sobre homens não autorizados que vendiam tours e não cumpriam o prometido. Fora os cuidados extras que indicou, para que eles evitassem os batedores de carteira.
Beatriz seguiu a recomendação da Amália, cobrindo seus cabelos e olhos e usando um traje bem discreto. Com esses cuidados e a bolsa presa em baixo do braço, ela conseguiu relaxar e aproveitar o passeio. No mercado que visitaram, chamado de souk , Beatriz aprendeu a barganhar. Para os marroquinos, é uma ofensa o comprador aceitar de primeira o preço que um vendedor apresenta. O preço tem que ser discutido, até que haja um consenso entre as duas partes. Ela achou o processo bem divertido e comprou três capas coloridas para almofadas, a um valor bem razoável. A maioria dos negociantes falava um pouco de inglês, então ela conseguiu negociar. Mas as línguas oficiais do país são o árabe e o berber. E o francês também é bastante utilizado.
Beatriz ficou encantada com o artesanato, com as antiguidades, os tapetes e talheres de madeira, e ficou feliz por ter trocado bastante dinheiro na casa de câmbio, porque seria difícil resistir às compras. Outra coisa boa que ela fez foi ter comprado um chip local, com pacote de dados para internet. O guia tinha passado seu contato para qualquer emergência, o que foi bem tranquilizador para ela.
No dia seguinte, muitos dos integrantes do grupo de Beatriz ficaram acamados, com intoxicação alimentar. Esqueceram que deveriam escovar os dentes com água mineral e de não abrir a boca ao tomarem banho, já que a água encanada do país não tem o tratamento típico ocidental. Assim, ela ficou com o dia livre para fazer o que quisesse e decidiu voltar ao mercado para mais umas barganhas.
Comprou objetos lindos e já estava retornando quando um adestrador de macacos colocou o animal nos seus ombros. Ela ficou horrorizada, ainda mais porque o macaco puxou seu xale e tirou seus óculos, deixando seus cabelos e olhos expostos. O marroquino ficou boquiaberto, espantado aparentemente com o verde de seus olhos.
Tentando afastar o macaco, que mudava de posição pra não devolver seus óculos, Beatriz foi ficando desesperada. Mas uma voz masculina surgiu, gritando com o adestrador em francês. Pelo tom percebeu que estava dando uma bronca no homem. O macaco foi retirado de cima de seus ombros e seus objetos devolvidos. O desconhecido, um homem lindo, perguntou em inglês se ela estava bem. Meio atordoada, respondeu que sim, mas em português.
– Ah, – disse ele – você é brasileira?
– Sou e obrigada por ter me salvo daquela situação. Se você não tivesse aparecido, não sei o que eu ia fazer.
– Já estou no país faz alguns dias, aprendi a identificar e passar longe desses golpistas. Mas fico feliz por ter te ajudado.
– Você também é brasileiro?
– Eu nasci no Marrocos, mas morava com minha mãe no Brasil, desde os meus três anos de idade. Infelizmente ela faleceu no começo deste ano e eu decidi vir em busca das minhas origens.
– Eu sinto muito pela morte de sua mãe. Espero que sua busca sirva de conforto.
– Obrigado. Eu também espero.
– Bem, eu vou indo.
– Você quer que eu te acompanhe? Porque estou reparando o olhar de muitos homens sobre você, não está me parecendo muito seguro andar por aí sozinha.
– Se não for te incomodar, seria ótimo. Ainda não me recuperei do susto.
– Será um prazer. A propósito meu nome é Kaled.
– E o meu é Beatriz.
Durante o caminho, Beatriz ficou admirando a beleza exótica de Kaled, os seus olhos claros e sua pele mais escura. Ele era muito simpático, o que a fez se sentir atraída tanto por sua beleza, quanto por sua personalidade. Ela explicou para Kaled que estava numa excursão e só saiu sozinha porque seus companheiros ficaram doentes. E Kaled lhe deu muitas dicas para que ela não corresse riscos desnecessários.
Quando chegaram à hospedaria, ele perguntou se ela não gostaria de jantar na companhia dele. Beatriz aceitou e ele combinou de vir apanhá-la mais tarde. O que os dois não perceberam, enquanto conversavam, é que tinham sido seguidos, desde o mercado, pelo dono do macaco. E o que não souberam foi que esse homem passou a informação para outra pessoa, sobre a presença de uma jovem loira de olhos verdes, hospedada na região.
Para o jantar, Beatriz escolheu um conjunto preto. Bem clássico e discreto para não chamar a atenção. E separou um xale para cobrir os cabelos durante o trajeto. Enquanto se arrumava, pensava em como Kaled tinha sido atencioso e protetor para com ela. A confiança nele foi imediata, tanto que tinha aceitado seu convite, sem nem hesitar.
No horário marcado, Kaled veio buscá-la. Estava ainda mais bonito do que durante do dia e emanava masculinidade. Que ele seja o meu Maktub, Beatriz brincou consigo mesma. Não seria nada mal. Encantados um com o outro, não se deram conta de que estavam sendo observados mais adiante, por alguém dentro de um carro negro.
O restaurante à luz de velas, escolhido por Kaled, tinha uma atmosfera mágica. Eles se sentaram sobre almofadas e a comida era de pequenas porções para serem levadas à boca com a mão direita, porque a esquerda é considerada impura no Marrocos. O clima de intimidade e atração foi crescendo entre os dois e Beatriz já se imaginava nos braços dele, trocando beijos e carícias. Kaled parecia desejar o mesmo.
Enquanto ele pagava a conta, Beatriz pediu licença para ir ao banheiro. E quando estava voltando, alguém a puxou com força e tampou sua boca com as mãos. Assustada, ela viu que seria arrastada para fora do restaurante por uma porta lateral. Numa tentativa desesperada de chamar a atenção de Kaleb, esticou o que pode de sua mão e conseguiu puxar a toalha de uma mesa lateral, derrubando alguns objetos de metal. Kaleb percebeu que ela estava sendo raptada e agiu rapidamente, correndo e se jogando sobre o sequestrador, que acabou desmaiando porque bateu a cabeça numa quina.
O barulho atraiu os outros mascarados que estavam do lado de fora, só esperando para colocarem Beatriz dentro de um carro. Kaled pegou Beatriz pela mão e saiu correndo pela porta da frente. Ela estava desesperada, sem saber o que estava acontecendo. Kaleb já desconfiava quem era o mandante do sequestro e suas suspeitas se confirmaram quando ele viu, dentro de um dos carros, o poderoso e cruel Sheik Almir, seu pai.
Sem tempo a perder, Kaleb derrubou a moto de um homem que passava e gritou para que Beatriz subisse atrás dele. Dois carros começaram a persegui-los, mas conseguiram atrasá-los entrando em ruelas estreitas. Kaleb sabia onde estava indo e disse para Beatriz se segurar. Ele entrou com a moto numa espécie de passagem secreta, que foi aberta assim que ele se aproximou e fez um sinal com a mão. Os perseguidores passaram reto, perdendo a pista deles. Estavam salvos, por enquanto.
– Kaleb, o que está acontecendo? Quem quis me sequestrar e que lugar é este?
– Eu vou te explicar tudo, mas antes me dê seu celular que eu preciso destruí-lo.
– Mas por quê? Por acaso eu estou fazendo parte de um episódio de “Missão Impossível” e ainda não sei?
– Não temos tempo para brincadeira, me passe o celular.
– Está bem. Tome.
– Depois te compro outro – prometeu Kaleb, enquanto destruía o chip e quebrava o aparelho.
– E agora, como vou fazer para voltar para a hospedaria?
– Você não vai voltar, não é seguro. Vou buscar um papel para você escrever um bilhete para a amiga que me disse ter feito nessa viagem.
– Sim, a Amália. Mas o que você quer que eu escreva?
– Peça para ela guardar suas coisas. Explique que encontrou um amigo e vai tentar encontrá-la antes da data da partida.
– Ela não vai acreditar nisso, além do mais ela já passou por algo semelhante aqui quando era mais jovem. Um sheik quis comprá-la porque era loira, de olhos claros. Ela e o marido escaparam antes que a situação fugisse do controle.
– Então fale a verdade para ela. Diga que está enfrentando uma situação semelhante e que precisou se esconder. Mas que ela não se preocupe, porque está entre amigos.
– Fala sério, Maktub! – exclamou Beatriz, olhando para cima. – Sequestro e perseguição? Um oásis com sombra e água fresca, e um príncipe do deserto apaixonado por mim, seria bem melhor, não acha?
– Com quem você está falando? – perguntou Kaleb, olhando para cima, tentando entender o que ela estava fazendo.
– Minhas explicações ficarão pra depois. Você é que tem que me dizer o que está acontecendo!
– Escreva primeiro, que um dos meus companheiros vai entregar o bilhete para sua amiga. E acrescente que a polícia não deve ser avisada, porque muito provavelmente havia policiais entre os sequestradores.
– Eu devo estar tendo um pesadelo. Só pode ser isso.
– Seria ótimo se fosse, mas é realidade.
Beatriz não discutiu mais e escreveu o que Kaleb pediu. Dentre todos os seus companheiros de viagem, Amália seria a que mais possibilidade teria de acreditar naquela história. Depois de entregar o bilhete pronto, Kaleb a levou para uma sala reservada, onde puderam conversar com mais privacidade.
Kaleb contou que sua mãe havia lhe deixado uma carta, para ser lida depois que ela morresse. Nessa carta ela explicava que tinha sido vítima de tráfico humano e vendida para o Sheik Almir. O mesmo que provavelmente quis comprar Amália. A mãe de Kaleb passou a viver dentro do harém do sheik, sendo vigiada, dia e noite. Já no primeiro ano engravidou e deu à luz a um filho homem, que o sheik tanto desejava, pois até então só tinha filhas mulheres.
Mustafá, um dos homens que a vigiava, acabou se apaixonando por ela. Não suportando assistir aos estupros a que era submetida, planejou a fuga dela junto do filho. Ninguém desconfiou da participação dele, outro guarda, porém, acabou levando a culpa e sendo assassinado. A mãe de Kaleb, sem que ele soubesse, manteve contato com o homem que a tinha ajudado durante toda a sua vida. Ela também tinha se apaixonado por ele, mas os dois só puderam viver aquele amor através de cartas.
Kaleb procurou Mustafá, assim que chegou ao Marrocos e descobriu que ele fazia parte de um grupo de resistência contra a tirania do sheik. Era na casa dele que Beatriz se encontrava naquele momento. Quando Kaleb contou a Mustafá que sairia com uma moça que tinha conhecido no mercado, e que por coincidência era loira e de olhos verdes como sua mãe, ele o alertou sobre o risco que ela corria. O sheik tinha informantes por toda a cidade, à procura de mulheres com aquelas características.
– Desculpe interromper – disse Mustafá ao entrar na sala, onde Beatriz atordoada recebia as explicações de Kaleb.
– O que foi, Mustafá? – perguntou Kaleb.
– Vocês precisam partir. Recebi informações de que o sheik mandou revistar todas as casas da região. Beatriz terá que trocar de roupa para passar despercebida. Minha sobrinha Samya vai trazer uma djellaba para ela vestir. Partiremos logo em seguida.
– Para onde vamos, Kaleb? – perguntou Beatriz assustada.
– Para o deserto. Acompanhe a Samya e se apresse.
A moça não falava inglês, mas se mostrou bastante gentil, oferecendo seu quarto para que ela se trocasse e mostrando o banheiro caso precisasse. Beatriz se trocou rapidamente. Samya tinha apontado para que ela colocasse um kaftan de seda por baixo do djellaba de lã rústica, uma espécie de roupão com capuz. Também lhe deu sapatos típicos para experimentar.
Vestida como uma verdadeira marroquina, Beatriz foi ao encontro de Kaleb, que levantou o capuz do djellaba sobre os cabelos dela, dizendo para que se mantivesse de cabeça baixa, assim ninguém veria seus olhos. Um carro já os estava esperando para irem até Merzouga , um vilarejo próximo ao deserto Erg Chebbi , no qual ficavam as tendas de amigos de Mustafá, pessoas que podiam confiar suas vidas, segundo ele.
Em Merzouga , um dos amigos de Mustafá, os estava esperando com dromedários, para irem até as tendas. Temendo ser descoberta, Beatriz seguiu as orientações de Kaleb e subiu no imenso animal. O medo do sheik era bem maior do que andar na corcova daquele bicho. Por uma hora, a caravana deles percorreu dunas de areia, iluminadas pelo mais lindo céu estrelado que Beatriz tinha visto na vida. O vento sussurrava em seus ouvidos: Maktub, Maktub,...
Lembrou-se das palavras de Abigail, para que se entregasse ao seu destino. E ali estava ela, completamente entregue ao desconhecido, em cima de um dromedário, para passar a noite numa tenda no deserto, na companhia do filho foragido de um sheik malvado. Beatriz perguntou ao vento se conseguiria escapar e voltar viva para casa. O vento pareceu responder: “Tudo já está escrito. Confie!”
Ao chegarem ao pequeno vale cercado de dunas, onde ficavam as tendas, Beatriz teve a certeza de que estar ali era o seu destino. Era exatamente ali que ela deveria estar, naquele exato momento, sob aquele céu, e sobre as areias do deserto. Nos braços de Kaleb, que a ajudava a descer do dromedário, sentiu como se estivesse sendo envolvida por uma energia mágica. O brilho do cosmos refletia em seus olhos.
Os dois foram convidados a se reunirem ao redor da fogueira, junto aos amigos de confiança de Mustafá. Um delicioso chá de menta estava sendo servido, para aquecê-los na noite fria do deserto. Kaleb e Beatriz aceitaram o chá e se sentaram sobre os tapetes que estavam estendidos. Comeram tajine com pão, escutando o som de instrumentos berberes sendo tocados. O momento mais emocionante aconteceu quando um dos amigos de Mustafá começou a cantar e Kaleb foi traduzindo a letra para Beatriz. Era sobre uma profecia, sobre um amor escrito nas estrelas, que traria paz, prosperidade e harmonia para o povo do deserto.
Ao final da música, uma linda e brilhante estrela cadente cruzou o céu sobre eles. Os pelos de Beatriz se arrepiaram e os de Kaleb também, como se uma corrente elétrica tivesse passado por seus corpos. Sabendo que era hora de se recolherem, o amigo de Mustafá ordenou que a fogueira fosse apagada e os alimentos guardados. Ele pediu para que sua filha mostrasse para Kaleb e Beatriz a tenda que lhes tinha sido reservada e que lhes fornecesse roupas apropriadas para dormir.
A tenda, feita de tecido grosso e escuro, guardava em seu interior o calor do sol. Forrada com tapetes, iluminada por lamparinas e enfeitada com almofadas, lembrava um cenário das mil e uma noites. Mais do que nunca, Kaleb pareceu maravilhoso aos olhos de Beatriz. Um filho do deserto, sendo protegido por seu povo.
– Sinto muito você ter que passar por tudo isso, Beatriz.
– Acho que não seria possível evitar, é o meu destino.
– Esse pensamento por acaso está relacionado com seu brado de “Sério, Maktub”?
–Que os céus me perdoem pela blasfêmia, mas eu estava me sentindo apavorada com a perseguição daqueles homens mascarados. Eu vim parar no Marrocos porque algo me fez vir, algo que não consigo explicar, um forte sentimento de que deveria viajar para cá. E esse sentimento se transformou numa certeza absoluta, assim que chegamos aqui.
– Tive essa mesma sensação, ao tê-la em meus braços, quando te ajudei a descer do dromedário. Tive a vontade de te beijar loucamente e fazer amor com você sobre a luz das estrelas.
– Então me beije, Kaleb, me tome novamente em seus braços e faça amor comigo.
Despindo-se do djellaba e do kaftan, e do seu conjunto de lingerie, Beatriz ficou nua diante de Kaleb. O verde de seus olhos demonstrava todo o seu o desejo de se tornar uma só carne com ele. Ávido de paixão, Kaleb retirou suas roupas, revelando seus músculos e a magnífica ereção da sua atração por ela. Os dois se aproximaram e Kaleb com seus fortes músculos levantou Beatriz do chão, trazendo-a para sua cintura. Ela o abraçou com as pernas e ele a penetrou, para só então suas bocas se encontrarem, num beijo desesperado de paixão. Beatriz demonstrou o prazer que estava sentindo, se agarrando ainda mais a ele. Os dois se deitaram. Corpos lindos, de cores diferentes, perfeitos um para o outro. Corpos e almas predestinados a se encontrarem, para virarem um só... Sobre as areias do deserto.
Por uma semana eles se amaram, como se os problemas não existissem. E naquela última noite, carregaram um tapete para se deitarem sobre dunas e olharem as estrelas, mas não resistiram à vontade de se unirem ali mesmo. Beatriz levantou seu kaftan e abriu suas pernas, pronta para receber em seu interior a potência daquele homem, que trazia em si a força de dois mundos.
No ritmo do pulsar das estrelas, Kaleb penetrou Beatriz, que o acolhia com as paredes de sua vagina, como se pudesse segurá-lo para sempre. As curvas das dunas acompanhavam o movimento de seus corpos, admiradas da prazerosa ondulação do amor dos dois. Uma chuva de meteoros coroou o instante em que o pico do prazer por eles foi atingido, e que ficou gravado para sempre, nas memórias das areias do Marrocos.
Maktub! O destino de Beatriz se completou. Dentro de seu ventre, o filho de Kaleb tinha sido concebido. Este novo filho do deserto um dia traria paz, prosperidade e harmonia para aquele povo. Irresistivelmente apaixonados, os dois voltaram abraçados para sua tenda, ainda sem saber da existência do fruto do seu amor.
Pouco antes do amanhecer, o amigo de Mustafá veio acordá-los dizendo que era hora de partir. Tudo havia sido acertado para que Beatriz se juntasse aos seus companheiros de viagem em Essaouira , última parada da excursão. Amália a estava esperando para escondê-la em seu quarto, pois Mustafá a tinha contatado e explicado a situação.
Seguindo a caravana em cima do dromedário, Beatriz despediu-se do deserto. Ao seu lado, Kaleb a fazia se sentir protegida, com a força que emanava dele. Uma sensação absoluta de paz e completude a invadiu. Uma última rajada de vento retirou o capuz que cobria o rosto de Beatriz. O deserto quis se despedir dela, olhando mais uma vez para o brilho dos seus olhos e o dourado de seus cabelos. Até breve, sussurrou o vento. Que assim seja, ela desejou.
A despedida de Beatriz e Kaleb foi dolorida. Ele ficaria para se acertar com o sheik Almir, que ainda não sabia que Kaled era o filho que dele havia sido levado embora, o seu herdeiro, que cuidaria de sua tribo quando morresse. Um reencontro entre pai e filho que não seria fácil, mas que desviaria a atenção do sheik sobre Beatriz.
Um último beijo foi trocado, com a promessa de Kaleb se juntar a ela, assim que fosse possível. Os olhos de Beatriz se encheram de lágrimas e um grito de angústia ficou entalado em sua garganta quando foi separada dele e levada às pressas para o quarto de Amália, pronta para acolhê-la em seus braços.
Pela janela Beatriz viu horrorizada quando o sheik e seus homens chegaram, avisados da presença deles por algum traidor. Kaleb ainda não tinha partido e corajosamente ergueu os braços em rendição, gritando:
– Sheik Almir! Sou eu aquele a quem procura. Sou Kaleb, seu filho.
O sheik ergueu o braço, impedindo que seus homens o agredissem. Aproximou-se para ver se reconhecia os olhos do seu filho amado e de quem não perdia a esperança de reencontrar. Comprovou que ele dizia a verdade e regozijou. Uma rajada de tiros para o alto foi ouvida. Sheik Almir queria que a notícia se espalhasse, seu filho tinha voltado. Kaleb se deixou abraçar e foi com o sheik para os seus domínios, na esperança de que ele deixasse de perseguir Beatriz e ela pudesse escapar. Pai e filho tinham muito o que conversar e muitas diferenças a acertar, mas Kaleb estava disposto a lutar por seu povo e por seu amor.
No retorno ao Brasil, Beatriz confidenciou para Amália o que tinha lhe acontecido. Contou para a amiga todos os medos que sentiu, mas também toda a paixão que viveu no deserto. Amália ficou emocionada e disse ter certeza de que a força do amor os uniria outra vez e produziria frutos, se é que já não havia produzido.
Beatriz colocou a mão no ventre, dando-se conta dessa possibilidade e desejou com todas as suas forças para que fosse verdade. Maktub, a confirmação surgiu em seus lábios, soprada por um pouco do vento do deserto que havia se escondido em seus pulmões. E ela soube que sim, que estava grávida e que voltaria a estar nos braços do seu amor.
Nic Chaud
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